·
Administração ·
Economia Internacional
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
28
Historia do Pensamento Economico - Stanley L Brue - Resumo Completo
Economia Internacional
UEPB
3
Internacionalização de MPEs Brasileiras - Estratégias e Vantagens
Economia Internacional
FMU
3
Internacionalização de Empresas - Exportação e Contrato de Assembly
Economia Internacional
FMU
2
Finanças Internacionais: Exposição Cambial, Fluxo de Caixa e DRE - Estudo de Caso
Economia Internacional
FEEVALE
2
Analise Intervencoes Mercado de Cambio Banco Central Reservas Internacionais
Economia Internacional
PUC
47
Integração Regional e Negociações Internacionais: Conceitos e Efeitos
Economia Internacional
UNIARA
12
Projeto A3 - Importação de Couro Sintético da China para Fabricação de Assentos Automotivos
Economia Internacional
CSJT
15
Internacionalizacao de Empresas - Avaliacao sobre Exportacao Industria Calcados
Economia Internacional
FEEVALE
24
Desvalorização Cambial e Estratégias de Negócios - Análise Sabores e Pergamus
Economia Internacional
UVA
31
Analise do Comercio EUA e Canada seculo XIX aos dias atuais
Economia Internacional
FGV
Preview text
Carlos Roberto Vieira Araújo História do Pensamento Econômico Uma Abordagem Introdutória CENAP FAAP CENTRO SUPERIOR DE APERFEIÇOAMENTO PROFISSIONAL Rua Alagoas nº 903 prédio 5 3º andar CEP 01242001 Tel 8264657 R 1168 EDITORA ATLAS SA Rua Conselheiro Nébias 1384 Campos Elísios Caixa Postal 7186 Tel 011 2219144 PABX 01203 São Paulo SP SÃO PAULO EDITORA ATLAS SA 1989 c 1986 by EDITORA ATLAS SA Rua Conselheiro Nébias 1384 Campos Elísios Caixa Postal 7186 Tel 011 2219144 PABX 01203 São Paulo SP 1ª Edição 1986 3a tiragem 1989 ISBN 8522401489 Impresso no BrasilPrinted in Brazil Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto nº 1825 de 20 de dezembro de 1907 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio salvo com autorização por escrito do Editor Diagramação Pavel Gerencer Capa Paulo Ferreira Leite Dados de Catalogação na Publicação CIP Internacional Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Araújo Carlos Roberto Vieira História do pensamento econômico uma abordagem introdutória Carlos Roberto Vieira Araújo São Paulo Atlas 1988 Bibliografia ISBN 8522401489 1 Economia 2 Economia História I Título CDD33009 3301 860539 Índices para catálogo sistemático 1 Economia História 33009 2 Economia Sistemas e teoria 3301 3 Pensamento econômico História 33009 4 Teorias econômicas 3301 Sumário Prefácio 11 1 CIENCIA E IDEOLOGIA 15 Questões para revisão 19 Sugestões de leitura 20 2 A ESCOLA CLÁSSICA 21 Questões para revisão 25 Sugestões de leitura 26 3 A ESCOLA CLÁSSICA 27 31 Adam Smith 17231790 27 311 Idéias importantes 29 Questões para revisão 32 Sugestões de leitura 32 4 A ESCOLA CLÁSSICA 33 41 David Ricardo 17721823 33 411 Dados biográficos 33 412 Idéias importantes 35 A Teoria do valor 35 B Teoria da repartição 37 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO Uma Abordagem Introdutória Este livro fugindo da tendência das obras que elegem um modelo como verdadeiro e procuram reduzir todos os demais a este paradigma tem dois propósitos definidos expor as principais correntes do pensamento econômico que se cristalizaram em escolas e incentivar a volta às fontes desse pensamento A história do pensamento econômico por mais científica que se pretenda não escapa a certo subjetivismo Negar isso é negar o próprio processo de produção do saber no campo das ciências sociais onde todo fato é de alguma forma valorado Este livro caminha nesta direção procurando mostrar que os grandes economistas sempre partiram de problemas concretos típicos de sua época levando em conta explícita ou implicitamente certo ideal de sociedade Nesse sentido a economia pode deixar de considerar a ideologia e seus reflexos na formação do pensamento econômico A ideologia na economia foi aqui tratada com seriedade profundidade e rigor Há uma posição contrária a esta que julga possível a construção de uma ciência econômica sem referência explícita à forma de sociedade existente e às forças econômicas sociais e políticas atuantes no interior dessa sociedade Esta posição tipicamente neopositivista foi abandonada neste livro cujo fio condutor é a noção de historicidade como categoria básica na formação do pensamento econômico Ao final de cada unidade são apresentadas questões para verificação da aprendizagem e uma pequena bibliografia comentada que chama a atenção para a obra dos grandes economistas NOTA SOBRE O AUTOR CARLOS ROBERTO VIEIRA DE ARAÚJO é mestre pela Fundação Getúlio Vargas EAESP com especialização em economia de empresas Coordenador do curso de pósgraduação da Escola Superior de Administração de Negócios ESAN SP É professor da ESAN e do curso de pósgraduação em Teoria do Investimento da PUCCAMP PUC Campinas APLICAÇÃO Livrotexto para a disciplina HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO do cur de Economia Leitura complementar para a disciplina INTRODUÇÃO À EGONOM em que se estudam as várias correntes do pensamento econômico possibilitando leitor a informação e a crítica das várias propostas de interpretação da realidade publicação atlas ISBN 8522401489 Carlos Roberto Vieira Araújo História do Pensamento ECONÔMICO Uma abordagem introdutória 413 Teoria da evolução econômica 40 A Salários lucros e investimentos 40 414 Teoria das vantagens comparativas 42 Questões para revisão 43 Sugestões de leitura 44 5 ESCOLA CLÁSSICA 45 51 Thomas Malthus 17661834 45 511 Dados biográficos 45 512 Idéias importantes 46 Questões para revisão 48 Sugestões de leitura 48 6 O PENSAMENTO DE KARL MARX 49 61 Karl Marx 18181883 49 611 Observações preliminares 49 612 Dados biográficos 49 613 Conceitos importantes 52 614 O que é capital 53 615 Quatro esclarecimentos 55 Questões para revisão 57 Sugestões de leitura 57 7 VALOR E MAISVALIA 58 71 O valor da força de trabalho 61 72 Maisvalia absoluta e maisvalia relativa 62 73 Os componentes do valor 65 74 Taxa de maisvalia 66 75 Composição orgânica do capital 67 76 Taxa de lucro 67 77 O exército industrial de reserva 69 78 Acumulação de capital a forma capitalista de acumulação 70 Questões para revisão 73 Sugestões de leitura 73 8 A ERA NEOCLÁSSICA 18701930 75 81 Valor utilidade total utilidade marginal 77 82 Pontos comuns do movimento marginalista 81 821 Preocupação com o equilíbrio 81 822 Ênfase nos aspectos microeconômicos 84 823 Aceitação da lei de Say 84 83 A concorrência perfeita 85 84 A teoria da concorrência imperfeita 86 Questões para revisão 87 Sugestões de leitura 88 9 A ESCOLA DE CAMBRIDGE 89 91 Alfred Marshall 18421924 89 911 Alguns aspectos do Princípios de Marshall 91 912 Demanda oferta e valor 91 913 O tempo e a questão do valor 92 914 Custos crescentes constantes e decrescentes 93 Questões para revisão 94 Sugestões de leitura 94 10 A ESCOLA DE LAUSANNE 96 101 O equilíbrio geral 96 1011 Léon Walras 96 A A causa do valor de troca a raridade 97 B O equilíbrio geral 98 1012 Vilfredo Pareto 100 A Distribuição da renda 101 Questões para revisão 102 Sugestões de leitura 102 11 A ESCOLA AUSTRÍACA 103 111 Carl Manger 18401921 103 1111 Doutrina geral sobre os bens 104 1112 Doutrina sobre o valor 105 1113 Preocupações metodológicas 108 Questões para revisão 109 Sugestões de leitura 109 12 JOHN MAYNARD KEYNES E A ESCOLA KEYNESIANA 110 121 Introdução 110 122 Dados biográficos 112 123 O esquema básico 113 124 Princípio da demanda efetiva 115 125 Consumo e propensão marginal a consumir 116 Questões para revisão 118 Sugestões de leitura 118 13 INVESTIMENTO E EFICIÊNCIA MARGINAL DO CAPITAL 119 131 Taxa de juros e preferência pela liquidez 125 132 O multiplicador 128 133 Rápida revisão do esquema básico 131 134 Política econômica 132 135 Resultados das políticas keynesianas 133 136 Keynes e as várias escolas keynesianas 134 Questões para revisão 135 Sugestões de leitura 135 14 MICHAL KALECKI 18991970 137 141 A problemática 137 142 A obra e suas características 139 143 Dados biográficos 139 144 A renda nacional e os determinantes do lucro equação simples 141 145 Os salários e os lucros 143 146 A renda nacional e os determinantes do lucro equação ampliada 144 147 Fatores determinantes das parcelas que compõem a renda nacional 145 1471 Determinantes do investimento 146 A Taxa de juros 146 B Taxa de juros a curto prazo 146 C Taxa de juros a longo prazo 147 D Patrimônio líquido 148 E Os determinantes do investimento propriamente ditos 148 F Nova tentativa 150 1472 Determinantes de consumo 151 1473 Determinantes do saldo de exportação 152 1474 Determinantes do déficit orçamentário 153 148 Países subdesenvolvidos 154 149 Socialismo versus capitalismo 155 Questões para revisão 157 Sugestões de leitura 158 Não falamos de todas as correntes do pensamento atual Ao falarmos das escolas procuramos ressaltar aquilo que cada uma delas tem de mais significativo Por exemplo a escola clássica preocupase basicamente com o problema do crescimento econômico e com o papel das classes sociais nesse processo apoiandose nas forças do livre jogo do mercado A escola neoclássica deixa de lado o problema das classes aceita a sociedade como capitalista isto é um dado para ela Dentro desse contexto procura estudar a alocação ótima de recursos tirando partido das leis do mercado livre As deficiências verificadas em alguns sistemas econômicos por exemplo o subdesenvolvimento são diagnosticadas como carência de capitalismo e assim por diante como o leitor irá verificar No final de cada unidade existe uma série de perguntas sobre o texto O aluno que não conseguir responder a todas as perguntas deve voltar ao texto principal porque aí estão os elementos capazes de habilitálo a respondêlas Em seguida há sugestões para leituras posteriores com ênfase no estudo da obra dos grandes mestres O livro não tem pretensões de trazer nada de novo Sua única preocupação é com a clareza e com a didática Abordamos alguns pontos controversos sem a pretensão dogmática de impor qualquer visão No entanto é evidente que a perspectiva do autor preside a escolha dos temas e está implícita na importância atribuída a cada assunto Qualquer crítica será bemvinda porque não há possibilidade alguma de avanço científico sem o debate de idéias CARLOS ROBERTO V ARAUJO 11 Ciência e Ideologia Poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar a origem de suas próprias convicções Gostamos de continuar a crer no que nos acostumamos a aceitar como verdade Por isso a maior parte de nosso raciocínio consiste em descobrir argumentos para continuarmos a crer no que cremos J H ROBINSON Vamos iniciar este capítulo com uma indagação pouco comum o que é ideologia A razão desta pergunta bem como a relação existente entre ideologia e o assunto deste livro deve ficar clara no final do capítulo Adiantamos apenas que a abordagem de qualquer assunto científico principalmente no campo das ciências sociais deve levar em conta o conceito de ideologia Vejamos o que queremos dizer com isto Ao procurar conhecer o mundo que o cerca o homem lançou mão de muitos métodos mais ou menos eficientes o mito a magia a tradição a filosofia e a ciência moderna são alguns destes métodos Pelo mito e pela magia o homem procurou explicar e dominar as forças cósmicas que escapavam à sua inteligência como o raio o trovão e o fogo Estes fenômenos apareciam ao homem primitivo como deuses ou manifestações da divindade Só muito mais tarde foram explicados pela ciência É então ficamos sabendo que o raio era uma simples troca de eletricidade o trovão era um fenômeno explicável pelas leis da acústica e o fogo era um processo de oxiredução que obedecia a determinadas características No campo dos conhecimentos práticos a tradição teve enorme importância Décadas após décadas os conhecimentos iam acumulandose e eram cuidadosamente passados de geração para geração Com os gregos 3 Ao longo da história da humanidade o homem procurou várias vias do acesso à verdade Cite algumas dessas vias Você acha que a ciência é a única via de acesso ao conhecimento 4 Quais as duas funções da Ideologia 5 O que é ideologia O que é utopia SUGESTÕES DE LEITURA MEEK Ronald L Economia e ideologia Rio de Janeiro Zahar 1971 Livro muito interessante sobre o desenvolvimento do pensamento econômico A última parte trata especificamente do tema deste capítulo levando em conta a visão de Karl Marx Joseph Schumpeter e Joan Robinson HUNT SHERMAN História do pensamento econômico Petrópolis Vozes 1985 Ver principalmente o capitulo 1 RICOEUR Paul Interpretação e ideologias Rio de Janeiro Francisco Alves 1977 Para o leitor mais inclinado a problemas filosóficos é um ótimo livro MANNHEIM Karl Ideologia e utopia Rio de Janeiro Zahar 1968 Tratase de um clássico sobre o assunto embora seja de leitura maçante CHAUI Marilena O que é ideologia São Paulo Brasiliense 1980 Livro Interessante Merece ser lido mais de uma vez A escola clássica cujos principais representantes são Adam Smith Ricardo Malthus e John Stuart Mill só pode ser compreendida se levarmos em conta as condições institucionais e históricas em que nasceu Os clássicos sucedem aos mercantilistas e fisiocratas representantes de duas correntes anteriores que por não apresentarem um corpo doutrinário completo e coerente não constituíram escolas Esta divisão é arbitrária Sob outros critérios os fisiocratas pelo menos poderiam ser considerados como a primeira escola de economia1 Na época dos clássicos a importância crescente da indústria colocava fora de moda a visão naturista fisis natureza dos fisiocratas E a necessidade de maior liberdade comercial bem como de uma força de trabalho dotada de maior mobilidade mostravam que o excesso de regulamentação e intervenção governamental preconizado pelos mercantilistas já não se ajustava às necessidades da expansão econômica Estas duas correntes estavam sendo ultrapassadas pelos fatos Para os fisiocratas a verdadeira riqueza das nações estava na agricultura Num mundo essencialmente agrícola e constantemente ameaçado pela falta de alimentos isto não nos deve causar admiração Só a terra tinha a capacidade de multiplicar a riqueza Um grão de milho germina cresce e produz espigas com centenas de grãos Só a natureza fisis em grego significa natureza e crátein significa dominar é capaz do milagre da criação A indústria raciocinavam os fisiocratas não cria Apenas transforma insumos em produtos Os fisiocratas não levaram a sério o fato de a produtividade não ser apenas consequência da natureza O arado o trator os fertilizantes e a genética produtos da indústria podem quadruplicar uma colheita Isto está claro para nós hoje mas não foi objeto de um estudo atento por parte dos fisiocratas 1 Ver a esse respeito a História do pensamento econômico de Jacob Oser e William C Blanchfield São Paulo Atlas 1983 Os mercantilistas por seu lado preocupavamse sobretudo com a política econômica com saldos favoráveis na balança comercial com o estoque de metais preciosos e com o poder do Estado O Estado seria tanto mais forte quanto maior fosse seu estoque de metais preciosos Para alcançar isto ele deveria restringir as importações e estimular as exportações Mas esta é uma política inconseqüente Se todos os países restringirem suas importações quem conseguirá exportar As importações de um são as exportações do outro Não podia dar outra coisa A política mercantilista exacerbou o nacionalismo estimulou as guerras e uma maior presença do Estado nos assuntos econômicos Daí a necessidade imperiosa de regulamentações Sem levarmos em conta este contexto não compreenderemos a obra dos clássicos Eles estavam combatendo estas correntes já ultrapassadas pelos fatos e procurando explicar a seus contemporâneos o mundo novo que estava nascendo Estas são as condições institucionais e históricas de que falamos no início do capítulo Pode parecer arbitrário atribuir o mesmo rótulo a autores com idéias e posições tão diversas como por exemplo Ricardo e seu amigo Thomas Malthus Mas as discordâncias dos autores clássicos giravam em torno das mesmas preocupações fundamentais A abordagem que adotavam era também muito semelhante São as preocupações fundamentais e o tipo de abordagem dos problemas que definem a escola Quais seriam essas preocupações Em outras palavras quais os temas centrais da escola clássica A preocupação central de todos os autores clássicos é o crescimento econômico a longo prazo e o modo como a distribuição da renda entre as diversas classes sociais influencia este crescimento Modernamente poderíamos dizer que os clássicos estavam preocupados com uma teoria do crescimento econômico O crescimento se dá graças à acumulação do capital Como devemos entender a interrelação entre crescimento econômico e classes sociais Antes de entrarmos neste assunto vamos preparar o terreno A teoria neoclássica que é o paradigma predominante hoje nas escolas de economia do Brasil eliminou de seu campo de preocupações a questão das classes sociais Natura abhorret vacuum a natureza tem horror ao vácuo diziam os físicos prénewtonianos O mesmo se pode dizer da teoria neoclássica com relação às classes ela tem horror a este tema No entanto não poderemos entender nem os fisiocratas nem os clássicos se deixarmos de lado as classes sociais Para os fisiocratas a sociedade dividiase em camponeses latifundiários e artesãos Para os clássicos em trabalhadores latifundiários e capitalistas Cada uma dessas classes aufere determinada renda Parte dessa renda é consumida no sustento dos trabalhadores e das demais classes sociais A parte restante estará nas mãos dos capitalistas e dos latifundiários porque os trabalhadores destinam toda sua renda à subsistência Os latifundiários com seu consumo supérfluo ao desviarem parte da renda para si diminuem o excedente econômico a ser reinvestido O comportamento desta classe cria obstáculos ao crescimento econômico porque ela não se preocupa com a acumulação Os capitalistas por seu lado têm a função de acumular Eles estão sempre procurando reinvestir o excedente e criam assim as bases da expansão econômica Daí seu papel dinâmico e revolucionário para a época A visão que acabamos de apresentar é esquemática e simplificadora Nem todos os clássicos tinham esta visão do processo econômico Thomas Malthus por exemplo justificava o consumo supérfluo dos proprietários de terra latifundiários como sendo necessário para evitar a superprodução Embora a argumentação de Malthus não tenha sido convincente foi seguindo esta linha de raciocínio que ele se afastou da lei de Say e tornouse um dos precursores do princípio da demanda efetiva mais tarde brilhantemente defendido por John M Keynes2 O próprio Keynes dirá que a história do capitalismo teria sido outra se esta linha de raciocínio tivesse prevalecido sobre a linha de Ricardo que aceitara a lei de Say Por outro lado Karl Marx atacará Malthus por ver nele um dos defensores das classes improdutivas Pelo que acabamos de apresentar você já pode perceber que os pontos de vista dos diversos autores estão condicionados por sua visão do mundo isto é por aquilo que designamos como ideologia ou utopia Mencionamos poucas linhas atrás o termo improdutivo Para os clássicos algumas classes sociais eram improdutivas outras produtivas Tratase de um conceito importante entre eles pois procuraram uma teoria da criação de riquezas Também os fisiocratas empregavam os termos produtivo e improdutivo para analisar a realidade econômica Para estes últimos todas as classes eram improdutivas menos os agricultores Os clássicos herdaram a terminologia dos fisiocratas mas alteraramlhe o conteúdo Para eles trabalhadores produtivos eram todos aqueles que criavam a riqueza material da nação Os demais trabalhadores eram considerados improdutivos Por exemplo todos os trabalhadores do setor serviços como médicos advogados sacerdotes professores intelectuais etc caíam nesta última categoria Mas atenção Trabalho improdutivo não significa trabalho desnecessário ou inútil Alguns destes trabalhos são essenciais e eram tidos como tais pelos clássicos Os termos produtivo e improdutivo não trazem em si um julgamento de valor nem conotação negativa como um leitor menos avisado poderia supor São categorias para a análise da realidade econômica Para explicar o crescimento econômico eles foram obrigados a criar um instrumental analítico que lhes permitisse o exame da realidade Outro conceito intimamente relacionado com os anteriores essencial na teoria clássica é o do excedente econômico ao qual já aludimos É o destino do excedente que definirá o ritmo da acumulação Imagine o leitor determinado nível de excedente econômico num dado período de tempo Suponha dois cenários num deles o excedente fica nas mãos dos latifundiários e é gasto no consumo supérfluo Este destino do excedente cria obstáculos para o crescimento No segundo cenário o excedente cai nas mãos dos capitalistas que o reinvestem Neste segundo caso ele entra no circuito da criação de riquezas Não é sem razão que Adam Smith se torna um defensor fervoroso da frugalidade3 É interessante notar que a escola neoclássica posterior deixará de lado por completo o conceito de excedente Em parte porque a preocupação neoclássica é a alocação ótima dos recursos e não o crescimento e em parte também devido ao potencial explosivo que este conceito traz para o campo da economia O estudo da criação e apropriação do excedente pelas diversas classes toca em pontos delicados da organização social Tal estudo obrigaria a uma análise mais profunda dos critérios pelos quais o produto social se divide entre as diversas classes Num momento em que o capitalismo experimenta enorme êxito e os capitalistas se firmam como classe dominante não é difícil entender que tal tarefa seria desagradável Tanto mais que as contestações já eram fortes por parte do operariado Joan Robinson ao analisar o declínio da escola clássica por volta de 186070 atribui este declínio a duas causas uma teórica e outra ideológica São elas a incapacidade de dar resposta satisfatória a alguns problemas importantes no campo teórico a nãoadequação das explicações clássicas aos interesses da classe então dominante Em que sentido devemos entender esta última afirmação No sentido de que a organização produtiva e social da época estava possibilitando grande crescimento econômico A máquina de geração de riquezas funcionava bem Uma análise do tipo clássico preocupada com a distribuição do produto entre as classes e com o papel de cada classe na geração da riqueza chamaria a atenção para os pontos fracos do sistema e mostraria o poder oculto atrás da organização revelando a classe à qual este poder estava beneficiando Revelaria também o processo de transferência de renda de uma classe para outra Isto não era conveniente Poderia dar argumentos mais sólidos à contestação que já lavrava no seio da sociedade Todos nós sabemos que uma das estratégias de qualquer sistema de poder é manifestarse como não sendo poder O autoritarismo é o grande inimigo da autoridade Outro ponto importante os clássicos irão considerar a ciência econômica como um sistema regido por leis naturais às quais cabe obedecer Estas leis levariam o sistema ao equilíbrio e à autoregulação As consequências deste enfoque são importantes Primeiro se o sistema é capaz de autoregulação a interação entre as diversas forças econômicas deve leválo a uma situação ideal e à harmonia entre as classes desde que não haja interferências estranhas Daí a política do laissezfaire Esta expressão significa nãointervenção do Estado nas leis do mercado A grande majoria dos clássicos salvo Ricardo e poucos mais viam harmonia de interesses entre as diversas classes sociais e portanto não viam com bons olhos a ação governamental em favor dos pobres ou dos operários Se o mundo ainda não era o melhor dos mundos se a situação social era das piores tal fato deviase às intervenções e regulamentações governamentais que impediam o pleno funcionamento do sistema A situação social da maioria da população era calamitosa Qualquer viajante de um país industrial moderno que passasse pela Inglaterra entre 1770 e 1830 ficaria chocado com a miséria a subnutrição e a exploração do operariado A jornada de trabalho podia chegar a mais de 14 horas diárias Crianças e mulheres eram obrigadas a trabalhar em condições subhumanas As crianças às vezes eram amarradas às máquinas para não fugirem As condições de higiene também eram péssimas e os costumes brutais Não é de se admirar que a mortalidade infantil fosse elevada Existiam mulheres que haviam tido 20 filhos e todos haviam morrido A sorte era muito desigual para as diversas classes sociais Este era o preço que a sociedade estava pagando pela acumulação Um mundo novo nascia cheio de contrastes promessas e pesadelos Resumindo as principais características da escola clássica preocupação com o crescimento econômico a longo prazo preocupação com o destino do excedente e com o modo pelo qual a sua divisão entre as classes afeta o crescimento afirmação de que a economia é regida por leis naturais autoreguladoras que levam à harmonia social Portanto não há necessidade de intervenção do Estado nas leis do mercado laissezfaire QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do capítulo permite a resposta das questões seguintes 1 Que correntes a escola clássica teve de enfrentar e como respondeu a elas Tente responder considerando as transformações sociais e econômicas da época 2 Como você responderia à argumentação dos fisiocratas de que só a natureza multiplica a riqueza 3 Qual a inconseqüência da política mercantilista que preconizava exportar o máximo e importar o mínimo 4 Quais foram as consequências políticas e econômicas da visão mercantilista do mundo 5 Mostre as principais preocupações da escola clássica 6 Como os clássicos consideravam a ciência econômica 7 Como os autores clássicos explicavam o papel de cada classe dentro do sistema econômico 8 Explique como os clássicos mostraram que a chave para a compreensão do crescimento econômico estava na classe capitalista 9 O laissezfaire isto é a defesa intransigente da nãointervenção do Estado nas leis do mercado é consequência do modo como os clássicos viam a ciência econômica Explique esta afirmação 10 Você acha que existiu algum elemento ideológico que fez com que os neoclássicos abandonassem o conceito de excedente Explique SUGESTÕES DE LEITURA ROBINSON EATWELL Introdução à economia Rio de Janeiro Livros Técnicos e Científicos 1979 A primeira parte deste livro trata das várias escolas econômicas É claro e conciso OSER Jacob BLANCHFIELD William História do pensamento econômico São Paulo Atlas 1983 Tratase de um livro muito bem feito e que estuda todas as escolas econômicas com certo detalhe RIMA I H História do pensamento econômico São Paulo Atlas 1977 A grande utilidade deste livro é que ele apresenta um glossário de termos e conceitos no fim do cada capítulo Analisa todas as escolas a partir da visão neoclássica BARBER William J História do pensamento econômico Rio de Janeiro Zahar 1979 Livro excelente Toca em assuntos fundamentais com notável clareza HEILBRONER R L Introdução à história das idéias econômicas Rio de Janeiro Zahar 1981 Ver Capítulo 2 A revolução econômica Tratase de um livro excelente de fácil leitura e que nenhuma pessoa culta ou curiosa deveria deixar de ler Os livros aqui citados são aqueles aos quais qualquer aluno pode ter acesso Há livros excelentes sobre o assunto mas de difícil acesso como é o caso da História da análise econômica de Joseph Schumpeter Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1979 3 A Escola Clássica 31 ADAM SMITH 17231790 Adam Smith nasceu em Kircaldy na Escócia cidade com cerca de 1500 habitantes O pai morrerra antes do nascimento do filho Aos 4 anos o menino foi seqüestrado por um bando de ciganos e só foi libertado graças aos esforços de um tio Smith nunca se casou e viveu quase toda sua vida junto à mãe Às vezes esta permanência junto à mãe era interrompida por viagens de trabalho ou de estudo mas ele sempre voltava à casa materna ou pedia que a mãe o acompanhasse Aos 14 anos Adam Smith entrou para a Universidade de Glasgow onde se destacou como aluno brilhante O professor que mais o influenciou em Glasgow foi Francis Hutcheson livrepensador cujas opiniões se chocavam com as idéias da época Hutcheson tinha visão naturalista das questões morais e era firme adepto da liberdade política e religiosa Em 1740 com 17 anos ganha uma bolsa de estudos para o Balliol College de Oxford Permanecerá seis anos nesta universidade Não se dá bem em Oxford O ambiente era ruim pelo menos para ele e não encontrou estímulo junto aos professores Passou este período devorando livros mas sem orientação Uma prova de que a linha pedagógica de Oxford na época era obscurantista e fechada é que Adam Smith quase foi expulso da universidade por terem encontrado em seu quarto o Tratado da natureza humana de David Hume1 Cinco anos após deixar Oxford assume a cadeira de Lógica em Glasgow No ano seguinte assume a cadeira de Filosofia Moral deixada por Hutcheson seu antigo mestre O campo da Filosofia Moral era vasto 1 David Hume 171176 Filósofo de pensamento cético e pouco ortodoxo que deixou contribuições significativas para o desenvolvimento da economia Tornouse mais tarde grande amigo de Adam Smith com quem partilhava de muitas idéias em questões econômicas Hume insistiu muito com Smith para que este publicasse A riqueza das nações e compreendia disciplinas como Teologia Natural Ética Jurisprudência e Economia Política Só um espírito enciclopédico como o de Smith moverseia com facilidade neste vasto campo Smith ocupa esta cadeira de modo ininterrupto até 1762 ou 1764 Há discordância entre os autores sobre estas duas datas Em 1759 publica a Teoria dos sentimentos morais e ganha reputação nos meios acadêmicos A partir desse momento será olhado com outros olhos O próprio Charles Townshend2 homem eminente da época e mais tarde ministro das finanças da Inglaterra ofereceulhe a tutoria de seu enteado o duque de Buccleugh Adam Smith aceita a proposta e parte com o duque para a França A tutoria era uma espécie de curso universitário informal na Inglaterra daquela época Os membros da nobreza após fazerem o secundário podiam optar por este curso que era feito sob a orientação de um mestre eminente e em viagens por vários países Os tutores eram muito bem remunerados Após a tutoria que durava cerca de dois anos eles geralmente recebiam uma pensão vitalícia A oferta feita a Adam Smith foi de 300 libras anuais quantia muito superior às 170 libras anuais salário máximo que conseguiria em Glasgow A viagem à França abriulhe novos horizontes intelectuais Aí entrou em contato com os princípios fisiocráticos e com alguns de seus representantes mais eminentes como Turgot e François Quesnay Para ele até o momento o sistema fisiocrático era a maior aproximação da verdade em Economia Política É evidente que Smith via limitações neste sistema e sonhava com um sistema mais completo Um espírito nascido na Inglaterra de então profundamente agitado pelo ímpeto da industrialização não poderia aceitar a agricultura como a única fonte de riqueza Smith como os demais clássicos levará em conta a agricultura a indústria e o comércio Mas muita coisa ele aprendeu junto aos fisiocratas Um dos pontos em que Smith mais aplaudiu estes últimos foi a condenação radical que eles faziam da política mercantilista A admiração de Adam Smith por François Quesnay era enorme Tão grande que ele pretendia dedicarlhe sua obra máxima Quesnay morreu antes que Smith a tivesse terminado Foi também na França que dispondo de muito tempo livre empreendeu a enorme tarefa de escrever A riqueza das nações ou no seu título mais completo Uma indagação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações O livro saiu pela primeira vez em 1776 muito tempo depois de ter sido iniciado De início não teve a repercussão que merecia Na época ninguém imaginava a revolução que esta obra iria causar no estudo da Economia Política Nem mesmo o próprio Adam Smith Porque o impacto produzido pelo livro só pode ser explicado por uma conjunção favorável de fatores Estávamos nos inícios da industrialização e de um esforço impetuoso para a abertura de novos mercados As inúmeras regulamentações existentes na época relativas à liberdade comercial e industrial eram como que barreiras ao dinamismo empresarial que estava se iniciando na Inglaterra e que em breve contaminaria toda a Europa A obra de Smith é um libelo contra estas regulações contra a intervenção excessiva do governo na economia contra o monopólio concedido pelo Estado a algumas grandes companhias e contra as leis que dificultavam a mobilidade da força de trabalho lei dos pobres Enfim era um ataque cerrado à política mercantilista A argumentação era convincente por apoiarse numa visão global e coerente da ciência econômica Como ele argumentava em favor da livre iniciativa ganhou o apoio do empresariado que estava lutando exatamente por isto 311 Idéias importantes Ao tentar resumir uma obra tão vasta e rica de intuições estamos correndo o risco de parcialidade Constitui delicada tarefa resumir o pensamento de Smith Muitos poderão enfatizar outros aspectos da obra ou discordar dos selecionados aqui Que fazer Este livro tem limitação de páginas e selecionamos aquilo que nos pareceu importante no momento Nunca é demais repetir que o leitor não deve dispensar a leitura do texto original No caso de A riqueza das nações apesar do tamanho da obra o livro é de fácil e agradável leitura Smith preocupase com três problemas básicos a Que fatores são responsáveis pela riqueza das nações e como se dá o crescimento econômico b Que fatores impedem o desmoronamento da sociedade composta por pessoas essencialmente egoístas Ou seja como explicar a coesão social num mundo onde todos buscam os próprios interesses c Para onde caminha a sociedade Em que direção ela se move A causa da riqueza das nações é o trabalho humano Este trabalho pode gerar um produto anual maior ou menor dependendo de dois fatores divisão do trabalho e proporção de trabalhadores produtivos com relação aos improdutivos O fator decisivo é a divisão do trabalho Smith abre A riqueza das nações com uma verdadeira apologia da divisão do trabalho Para ele a divisão do trabalho resulta da tendência inata do homem para a troca e traz consigo uma série de conseqüências positivas como aumento da destreza pessoal economia de tempo e condições mais favoráveis para que os trabalhadores inventem ou aperfeiçoem máquinas e instrumentos que lhes poupem esforço Ao tentar ilustrar sua tese ele recorre a um exemplo que se tornou clássico na literatura econômica a fabricação de alfinetes Tomemos pois um exemplo tirado de uma manufatura muito pequena mas na qual a divisão do trabalho muitas vezes tem sido notada a fabricação de alfinetes Um operário não treinado para essa atividade nem familiarizado com as máquinas ali empregadas dificilmente poderia fabricar talvez um único alfinete em um dia empenhando o máximo de trabalho de qualquer forma certamente não conseguiria fabricar vinte Entretanto da forma como essa atividade é hoje executada não somente o trabalho todo constitui uma indústria específica mas ele está dividido em uma série de setores dos quais por sua vez a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial Um operário encara o arame um outro o endireita um terceiro o corta um quarto faz as pontas um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete Aí a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas as quais em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes ao passo que em outras o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas Vi uma pequena manufatura desse tipo com apenas 10 empregados e na qual alguns desses executavam 2 ou 3 operações diferentes Mas embora não fossem muito hábeis conseguiuam quando se esforçavam fabricar em torno de 12 libras de alfinetes por dia Ora 1 libra contém mais de 4 mil alfinetes de tamanho médio Por conseguinte essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia Assim já que cada pessoa conseguia fazer um décimo de 48 mil alfinetes por dia podese considerar que cada uma produzia 4800 alfinetes diariamente Se porém tivessem trabalhado independentemente uma da outra e sem que nenhuma delas tivesse sido treinada para esse ramo de atividade certamente cada uma não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia3 A citação mostra o enorme aumento da produtividade resultante da divisão do trabalho E quem determina a divisão do trabalho Já dissemos que segundo Smith ela decorre de nossa tendência inata para a troca Em outras palavras é condicionada pela extensão dos mercados A linha de raciocínio de Smith é perfeitamente lógica A produtividade decorre da divisão do trabalho esta decorre de nossas tendências inatas para a troca e esta por sua vez é estimulada pela ampliação dos mercados Portanto é preciso ampliar mercados para aumentar a produtividade e a riqueza No Capítulo 3 do Livro II de A riqueza das nações Smith aborda o tema da acumulação de capital e mostra como a acumulação aumenta as forças produtivas da nação A acumulação decorre da poupança Daí seu elogio da parcimônia e da frugalidade Este enfoque receberá mais tarde reparos por parte de Keynes como veremos em tempo oportuno Voltemos à segunda pergunta Que fatores impedem a dissolução de uma sociedade composta de pessoas essencialmente egoístas Aqui entram as considerações sobre as leis do mercado e a teoria da mão invisível de Adam Smith Todo ser humano é levado a agir pelo desejo de uma recompensa Este impulso é inato Inscrevese na natureza da pessoa Eis as palavras do próprio Smith Não é da bondade do açougueiro ou do padeiro que podemos esperar nosso jantar mas de seu interesse Nós nos dirigimos não a seu espírito humanitário mas ao seu interesse e nunca lhes falamos de nossas necessidades e sim de suas vantagens4 Mas a coisa não pára aí Ao seguir seus impulsos egoístas as pessoas interagem umas com as outras Assim a busca do próprio interesse leva ao mais inesperado dos resultados a harmonia social5 Esta harmonia foi provocada pelo confronto das pessoas no mercado ou seja pela competição Assim o choque entre egoísmo e competição leva ao melhor dos mundos Não se deve intervir nas leis do mercado deixada a si mesma a economia caminha para o melhor dos resultados conduzida por uma espécie de mão invisível Esta é a essência do que ficou conhecido como liberalismo econômico É uma consequência do suposto de Smith e dos clássicos em geral de que a economia é uma ciência regida por leis naturais universais e eternas tal como a física newtoniana Esta posição de Smith de nãointervenção do Estado nas leis do mercado foi em grande parte responsável pelo sucesso de sua obra Não nos esqueçamos de que nesta época a Inglaterra entrava numa nova era e as regulamentações decretos e demais intervenções governamentais impediam a livre movimentação do capital e do trabalho requerida pelos novos empresários Smith não era tão benevolente para com os empresários como dá a entender uma divulgação pouco fundada de suas principais idéias Seu arguto senso de observação levouo a verificar que os empresários raramente se reuniam para tratar de seus assuntos mas quando o faziam era para tramar algo contra o interesse dos consumidores ou para elevarem os preços Apesar desse registro sua obra dá argumentos sólidos para a defesa da burguesia nascente que combatia com todos os meios as regulamentações e os monopólios comerciais nascidos da legislação mercantilista Qual deveria ser então o papel do Estado para Smith O Estado deveria a proteger a sociedade contra os ataques externos b estabelecer a justiça e c manter obras e instituições necessárias à sociedades mas obras não lucrativas e que por isso não seriam empreendidas pela iniciativa privada Ao Estado caberia ainda o controle de emissão de papelmoeda que não deveria ficar nas mãos dos banqueiros o controle da taxa de juros em determinados casos e até mesmo a proteção da indústria nacional essencial à defesa do país Uma nãointervenção do Estado na economia não era a tese de Smith Por isso neste livro preferimos usar a expressão nãointervenção do Estado nas leis do mercado em vez de nãointervenção do Estado na economia Para onde caminha a sociedade Esta terceira indagação de Smith é uma decorrência da anterior e do papel que ele atribui à acumulação de capital resultante do aumento de produtividade provocado pela divisão do trabalho Embora fosse péssima a situação do operariado na época ele via com a tranqüila certeza dos que acreditam no determinismo das leis 2 Como ministro das finanças foi Townshend o responsável pela tributação adicional sobre o chá americano episódio muito conhecido e que levou as colônias à rebelião e à luta pela independência 28 311 Idéias importantes 29 humanitário mas ao seu interesse e nunca lhes falamos de nossas necessidades e sim de suas vantagens4 Mas a coisa não pára aí Ao seguir seus impulsos egoístas as pessoas interagem umas com as outras Assim a busca do próprio interesse leva ao mais inesperado dos resultados a harmonia social5 Esta harmonia foi provocada pelo confronto das pessoas no mercado ou seja pela competição Assim o choque entre egoísmo e competição leva ao melhor dos mundos Não se deve intervir nas leis do mercado deixada a si mesma a economia caminha para o melhor dos resultados conduzida por uma espécie de mão invisível Esta é a essência do que ficou conhecido como liberalismo econômico É uma consequência do suposto de Smith e dos clássicos em geral de que a economia é uma ciência regida por leis naturais universais e eternas tal como a física newtoniana Esta posição de Smith de nãointervenção do Estado nas leis do mercado foi em grande parte responsável pelo sucesso de sua obra Não nos esqueçamos de que nesta época a Inglaterra entrava numa nova era e as regulamentações decretos e demais intervenções governamentais impediam a livre movimentação do capital e do trabalho requerida pelos novos empresários Smith não era tão benevolente para com os empresários como dá a entender uma divulgação pouco fundada de suas principais idéias Seu arguto senso de observação levouo a verificar que os empresários raramente se reuniam para tratar de seus assuntos mas quando o faziam era para tramar algo contra o interesse dos consumidores ou para elevarem os preços Apesar desse registro sua obra dá argumentos sólidos para a defesa da burguesia nascente que combatia com todos os meios as regulamentações e os monopólios comerciais nascidos da legislação mercantilista Qual deveria ser então o papel do Estado para Smith O Estado deveria a proteger a sociedade contra os ataques externos b estabelecer a justiça e c manter obras e instituições necessárias à sociedades mas obras não lucrativas e que por isso não seriam empreendidas pela iniciativa privada Ao Estado caberia ainda o controle de emissão de papelmoeda que não deveria ficar nas mãos dos banqueiros o controle da taxa de juros em determinados casos e até mesmo a proteção da indústria nacional essencial à defesa do país Uma nãointervenção do Estado na economia não era a tese de Smith Por isso neste livro preferimos usar a expressão nãointervenção do Estado nas leis do mercado em vez de nãointervenção do Estado na economia Para onde caminha a sociedade Esta terceira indagação de Smith é uma decorrência da anterior e do papel que ele atribui à acumulação de capital resultante do aumento de produtividade provocado pela divisão do trabalho Embora fosse péssima a situação do operariado na época ele via com a tranqüila certeza dos que acreditam no determinismo das leis 30 3 SMITH Adam A riqueza das nações São Paulo Abril Cultural 1983 p 412 A citação foi abreviada 31 4 HEILBRONER R L Introdução à história das idéias econômicas 5 ed Rio de Janeiro Zahar p 43 5 HEILBRONER R L Op cit p 32 renda Veja o esquema abaixo onde o retângulo indica uma porção de terra capaz de produzir uma tonelada de trigo com certa quantidade fixa de trabalho e capital O retângulo pode significar também o custo de se produzir uma tonelada de trigo Custo de produção de 1 tonelada de trigo A É evidente que o preço desta tonelada de trigo deverá pelo menos cobrir os custos de produção Caso contrário não valerá a pena plantar trigo para vender Suponhamos agora que a população aumente e que novas terras menos férteis sejam incorporadas à estrutura produtiva O preço do trigo deverá subir para cobrir os custos do cultivo em terras menos férteis Para se produzir a mesma tonelada de trigo teremos que utilizar mais capital e mais trabalho Os custos de produção sobem ao se cultivar a gleba B de segunda qualidade que Ricardo chama de terra 2 Renda A B Custo de produção de 1 tonelada de trigo na terra B É evidente que agora o preço do trigo será maior O valor de troca da produção deverá ser regulado pelo custo de produção nas circunstâncias menos favoráveis No nosso caso o preço mínimo de uma tonelada de trigo deverá cobrir os custos de produção na gleba B Isto porque a competição intercapitalista levará os lucros a se equalizarem Com o aparecimento da terra de segunda qualidade surge a renda na terra de primeira qualidade A renda é a diferença entre o produto obtido pelo emprego de duas quantidades iguais de capital e trabalho ou se quiserem é o saldo que vai para as mãos dos proprietários das terras mais férteis A situação aqui é a seguinte o capitalista da terra A produz a um custo mais baixo que o da terra B mas vende seu produto a um preço que pelo me cobre os custos de cultivo na terra B não na terra A O saldo contudo não fica com ele Este saldo terminará nas mãos do proprietário de quem ele alugou o terreno porque estas terras férteis agora são escassas e estão sob competição Se o capitalista X não arrendar outro a arrendará e pagará por ela até a diferença entre os custos de produção de A e de B A renda é a diferença dos custos de produção nos dois tipos de terra Mas a coisa não pára aí Se a população crescer e pressionar por mais alimentos novas glebas terão de ser cultivadas a terra de segunda qualidade começará a gerar renda e assim sucessivamente Observe o diagrama abaixo A B C D Preço mínimo de 1 tonelada de trigo custo de produção da tonelada na terra D A terra D não proporciona renda mas esta aparece nas terras A B e C como mostra o diagrama Deste modo à medida em que as terras cultivadas vão estendendose a porção do produto que vai para as mãos dos latifundiários aumenta Ricardo não considera o preço da terra como custo de produção Se você entendeu os passos anteriores poderá compreender agora sua afirmação de que o trigo não é caro porque se paga renda antes pagase renda porque o trigo é caro Alguns autores pouco atentos à situação da Inglaterra na época foram levados a dizer que Ricardo faz aqui um exercício de abstração onde aceitas determinadas premissas e escolhida determinada variável a conclusão se impõe Esse esforço de abstração que é inegável em toda a obra de Ricardo Schumpeter chamou de vício ricardiano8 É verdade que com Ricardo a economia deixa de ser empírica e tornase abstrata e austera como diz Spiegel Mas o encarecimento do preço do trigo na Inglaterra da época era real e o estudo de Ricardo não fazia mais que refletir a realidade Sua teoria era bastante realista como mostra o quadro seguinte 7 RICARDO David Princípios de economia política e de tributação Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1978 p 81 8 SCHUMPETER Joseph A História da análise econômica Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1964 v 2 p 124 A sustentação de Schumpeter é injusta com relação a Ricardo Aplicase plenamente aos neoclássicos que com o ceteris paribus resolvem todos os problemas da economia 39 tomará célebre em economia com o nome de teoria das vantagens comparativas Apoiando nesta teoria ele será um decidido defensor do livrecambismo que tantos benefícios trará à Inglaterra alguns anos mais tarde Com este instrumental ele terá argumentos fortes contra a lei dos cereais e a favor da livre importação de grãos 414 Teoria das vantagens comparativas A teoria das vantagens comparativas é um avanço em relação à teoria das vantagens absolutas de Adam Smith Este último mostrara que o livre comércio seria benéfico para as diversas nações Se as nações se especializarem na produção daquilo para o qual estão mais aparelhadas e em seguida trocarem a produção excedente entre si todas serão beneficiadas Por exemplo se for mais barato produzir chá no Ceilão do que nos Estados Unidos e mais barato produzir trigo nos Estados Unidos do que no Ceilão estes dois países deverão dedicarse à produção do que lhes for mais barato e trocar o excedente Os Estados Unidos comprariam chá do Ceilão e este último país compraria trigo dos Estados Unidos Isto é óbvio Até aí o progresso não foi grande Tratase de uma aplicação evidente do princípio da divisão do trabalho Ricardo dá um passo além Mostra que mesmo no caso de um país ser superior ao outro na produção de dois bens ainda assim o comércio entre eles é compensador Vejamos como ele desenvolve este raciocínio Primeiro vamos fazer uma analogia e em seguida lançar mão de um exemplo do próprio Ricardo Suponha que você seja tradutor e financista e que seu trabalho na área financeira exija a tradução de determinadas revistas especializadas Para simplificar vamos supor que você gaste em média 8 horas para traduzir 20 páginas e ganhe com isto 10 dez unidades monetárias e que ganhe 20 por 8 horas de consultoria financeira É evidente que você preferirá dedicarse totalmente à consultoria e contratar o indivíduo B para fazer as traduções mesmo que este tradutor seja menos eficiente do que você Você é mais eficiente que B em finanças e em tradução mas em termos monetários é mais eficiente em finanças do que em tradução Ricardo apresenta um exemplo análogo Para produzir certa quantidade de vinho por unidade de tempo Portugal ocupa 80 homens e para produzir certa quantidade de tecido na mesma unidade de tempo ocupa 90 homens Para produzir estas mesmas quantidades de vinho e tecido por unidade de tempo a Inglaterra ocupa 120 e 100 homens respectivamente Esquematicamente temos vinho tecido Portugal 80 90 Inglaterra 120 100 Portugal tem vantagem absoluta tanto em vinho quanto em tecido mas tem vantagem relativa em vinho ou seja é mais eficiente na produção de vinho Ele ganhará ocupando todos seus homens na produção de vinho e trocando o vinho excedente pelo tecido excedente da Inglaterra que ganhará mais especializandose em só produzir tecidos Os países devem especializarse naquilo que são mais capazes de produzir mesmo que um deles seja mais eficiente do que o outro na produção de todos os bens Este tipo de argumentação correta se considerarmos as economias como estáticas foi uma poderosa arma nas mãos dos adeptos do livrecambismo A Inglaterra tornouse senhora do mundo apoiada na defesa intran sigente do comércio livre Alguns anos atrás já no nosso século os estudos de Raul Prebish e da CEPAL sobre a deterioração das relações de troca entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos mostraram que a argumentação ricardiana continha supostos irrealistas Os fatos levantavamse contra a argumentação de Ricardo apoiada nas vantagens relativas Onde estaria a falha de uma argumentação tão convincente No fato de se considerar o mundo econômico de maneira estática Voltando à nossa primeira analogia é de todo evidente que o financista deva dedicarse totalmente à consultoria e deixar as traduções para o tradutor mas este último não precisa permanecer eternamente tradutor Que lei o impede de progredir Se as condições são tais que o financista sempre estará lucrando mais que o tradutor por que este último não se torna financista Uma das forças que impede esta transformação é a argumentação ideológica É ela que lança mão dos argumentos ricardianos sobre livre comércio para justificar a atual divisão internacional do trabalho Voltamos a acentuar que a argumentação de Ricardo sobre vantagens relativas é perfeitamente válida e convincente dentro de um marco referencial estático Mas não há nenhuma lei dizendo que este referencial deva ser estático QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto dá condições para que se responda às questões seguintes 1 Explique a teoria do valor de Ricardo O que queremos dizer com trabalho imediato e mediato 2 A utilidade marginal já era conhecida dos clássicos Por que não a utilizaram como teoria do valor 3 Mostre a diferença entre preço natural e preço de mercado 4 Qual o principal problema da Economia Política para Ricardo Desenvolva um pouco mais sua resposta e procure mostrar a relação entre a distribuição e o crescimento econômico em Ricardo 5 Explique a teoria da renda da terra de Ricardo 6 Qual o papel do lucro na teoria de Ricardo 43 7 Como Ricardo considera os salários Como explica que os salários tendem a permanecer no nível de subsistência 8 Não existe contradição entre afirmar que os salários tendem a se manter no nível de subsistência e afirmar que houve um aumento secular dos salários Como a teoria de Ricardo explica isto 9 Exponha a teoria das vantagens comparativas de Ricardo 10 Explique como a deterioração dos termos de troca entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos abala a argumentação ricardiana a favor do livre comércio Em que circunstâncias a argumentação é válida Em que circunstâncias perde a validade SUGESTÕES DE LEITURA RICARDO David Principios de economia política e de tributação Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1978 A mesma obra encontrase na coleção Os Economistas da Abril Cultural A vantagem desta última é a apresentação à obra feita pelo professor Paul Singor Tratase de uma apresentação primorosa que toca em todos os pontos essenciais No fim da apresentação há uma curta bibliografia A obra de Ricardo é seca e difícil mas de leitura indispensável NAPOLEONI Claudio Smith Ricardo Marx Rio de Janeiro Graal 1978 Livro excelente Ler a parte referente à teoria da renda da terra 44 5 Escola Clássica 51 THOMAS MALTHUS 17661834 511 Dados biográficos Malthus foi contemporâneo de Ricardo Viveu numa época particularmente turbulenta sob o aspecto econômico e político Revolução Industrial na Inglaterra Revolução Francesa guerras napoleônicas Todos estes acontecimentos que agitaram a Europa de seu tempo têm repercussões em sua obra Malthus era filho de um advogado de posição social destacada amigo de Rousseau e de Hume e que acolhia as idéias otimistas de William Godwin e de Condorcet sobre o progresso dos povos e da sociedade Godwin poeta e filósofo político chegara a ocupar o cargo de ministro mas chocado com as enormes injustiças da sociedade de seu tempo tornase um radical Apontava como barreiras ao progresso a propriedade privada as desigualdades econômicas e políticas e a presença do Estado Foi um dos primeiros teóricos do anarquismo Condorcet foi grande defensor das idéias iniciais da Revolução Francesa e do sufrágio universal para homens e mulheres A luta pelo poder no seio da revolução termina por leválo à morte Malthus estudou em Cambridge Ingressou depois na carreira eclesiástica como ministro anglicano Em 1805 foi nomeado professor de História e Economia Política no East India College onde permaneceu até o fim da vida Em 1798 publica o livro que o tornará famoso Ensaio sobre o princípio da população An essay on the principle of population Este livro nasce das conversas que mantém com seu pai sobre as idéias de Godwin e de Condorcet e expressa discordância total com relação a estas idéias Para os autores mencionados a causa dos males que afligem a humanidade está nas instituições Para eliminála seria preciso reformar ou 45 substituir estas instituições Para Malthus a causa de todos os males está na fertilidade humana É este o problema que deve ser resolvido A guerra por exemplo que para Condorcet é o maior e o mais terrível dos crimes para Malthus é um dos mecanismos naturais capazes de impedir o excessivo crescimento da população O livro provocou discussões e polêmicas acaloradas e teve várias edições ainda durante a vida do autor As edições subseqüentes sofreram modificações correções e acréscimos tirados de observações feitas por Malthus em viagens por vários países europeus Foi esta obra que popularizou o nome de Malthus No entanto em 1820 ele publica novo livro Principles of political economy No livro II do Principles expõe suas idéias sobre superprodução idéia heterodoxa com relação à principal corrente econômica da época que rejeitava qualquer possibilidade de superprodução com base na lei de Say Aqui está um dos principais pontos de divergência entre Malthus e Ricardo Este último aceita incondicionalmente a lei de Say Malthus a rejeita No entanto a argumentação de Malthus é pouco convincente ao contrário da de Ricardo e por isso as idéias deste último irão prevalecer por mais de um século Cerca de cem anos depois Keynes retomará as idéias originais de Malthus e as desenvolverá mostrando as falhas da argumentação de Ricardo O Capítulo 3 da Teoria geral de Keynes 1936 trata do princípio da demanda efetiva que poderia ser denominado a antilei de Say e que teve Malthus como um dos precursores Não é à toa que no seu Essays on biography publicado em 1933 Keynes não poupa elogios à figura de Thomas R Malthus 512 Idéias importantes Malthus como Ricardo parte dos problemas colocados por Smith em A riqueza das nações mas ambos tomam caminhos diversos ou como diz Schumpeter apresentam formas alternativas para a recomposição da obra de Smith A fama de Malthus provém do Ensaio porque o paradigma dominante na ciência econômica até pelo menos 193036 incorporava a si a lei de Say e excluía o problema da demanda efetiva Hoje as hipóteses malthusianas sobre população parecemnos menos importantes Isto porque elas não se verificaram Com isso não estamos dizendo que o problema populacional seja desimportante Estamos afirmando que as hipóteses malthusianas não levaram em conta certos fatos que vieram a predominar A inovação tecnológica no campo agrícola afastou o fantasma de uma produtividade sempre sujeita à lei dos rendimentos decrescentes O outro problema aquele abordado no Principles e que tratava da poupança e do investimento ou da teoria dos excessos gerais é que veio a tornarse importante principalmente após a obra de Keynes Se o paradigma dominante da ciência econômica tivesse sido outro provavelmente Malthus se teria tornado famoso pelo Principles e não pelo Ensaio Eis aí um problema incômodo para os cultores das ciências sociais As obras às vezes são valoradas por critérios extracientíficos Malthus não foi de modo algum um pensador medíocre Foi antes um pomo de discórdia Ferocemente criticado por muitos e aplaudido por poucos Uma obra que desperta aplausos paixão e ódio não pode ser obra de um medíocre Mas sem dúvida é uma obra fortemente influenciada por tendências ideológicas específicas e voltada para a defesa dos proprietários de terra e das classes não produtivas em geral Malthus preocupavase com o problema da superprodução Como já dissemos ele não aceitava a lei de Say talvez mais atento aos fatos o capitalismo já estava experimentando crises periódicas do que a um tipo de raciocínio puramente dedutivo baseado em determinados supostos como é o raciocínio que leva à lei de Say Como resolver o problema da superprodução Aumentando a demanda de bens de consumo Mas esta demanda não costuma aumentar da parte dos capitalistas que mais investiam demanda de bens de capital do que consumiam Isto agravava o problema Não poderia aumentar também da parte dos trabalhadores que recebiam salários próximos ao nível de subsistência Só poderia aumentar da parte dos que recebiam rendas dos rentistas que estavam sempre dispostos a consumir Com este tipo de raciocínio Malthus tornase um defensor dos rentistas colocandoos como indispensáveis na solução dos problemas de superprodução Embora Keynes não tenha esposado esta idéia há muitos pontos de contato entre o pensamento de Malthus e o de Keynes Por exemplo Malthus mostra que a superabundância de capital era causada por decréscimos nos dispêndios militares do governo No momento em que ele escrevia isto a Inglaterra estava entrando num período de paz após as guerras napoleônicas e diminúra os gastos militares Keynes também mostrará que o governo deve ter papel importante na solução de problemas de insuficiência de demanda É fácil perceber também que ao defender os latifundiários Malthus se coloca em oposição frontal a Ricardo e toda aquela argumentação que este último apresenta para justificar a importação de trigo comércio livre etc Malthus era favorável ao protecionismo Escreveu mesmo um artigo cujo título era Bases para uma opinião sobre a política de restrição à importação de trigo 1815 mostrando que a Inglaterra deveria estimular a produção interna de trigo e tornarse independente das importações Já vimos que Ricardo defendia posição oposta devido ao encarecimento do trigo na Inglaterra encarecimento que provocava aumento dos salários o trigo entra na dieta do trabalhador e conseqüente baixa dos lucros Tudo isto mostra muito claramente que a obra de Malthus como a dos demais autores clássicos tem raízes profundas nos movimentos sociais e políticos da época Ignorálos é condenarse a não compreendêla 47 QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto permite responder às questões seguintes 1 Que livro torna Malthus famoso e contra as idéias de que autores ele argumenta neste livro Fale um pouco sobre cada um destes autores sobre suas idéias e as de Malthus 2 Por que o Principles of political economy de Malthus não teve boa acolhida na época 3 Que problema importante Malthus levanta no Principles e como o resolve 4 Quais as posições de Malthus e de Ricardo com relação aos latifundiários Faça um paralelo entre essas duas posições mostrando a argumentação de cada autor e quais as conseqüências políticas de cada uma delas 5 Qual a posição de Malthus e de Ricardo com relação à importação de trigo Pense no papel que as classes sociais desempenham na teoria de cada um deles e mostre como a política que defendiam era conseqüência desta teoria SUGESTÕES DE LEITURA MALTHUS Thomas Principios de economia política e Ensaio sobre a população São Paulo Abril Cultural 1983 Estes dois livros de Malthus aparecem num mesmo volume da coleção Os Economistas da Abril Cultural BARBER William História do pensamento econômico Rio de Janeiro Zahar 1979 Este livro apresenta Malthus como um dos dissidentes do sistema clássico KEYNES John M Essays on biography London Macmillan 1972 Ler a parte referente a Malthus Não é um livro fácil de ser encontrado Sua importância no caso está no fato de Keynes o grande economista deste século reconhecer um de seus precursores 48 6 O Pensamento de Karl Marx 61 KARL MARX 18181883 611 Observações preliminares Não vamos falar aqui de uma escola marxista porque na realidade existem várias escolas marxistas As leituras da obra de Marx são tão diversas que é quase impossível chegar a um consenso sobre certos aspectos dessa obra Por outro lado o pensamento marxiano 1 é rico múltiplo e variado e não se deixa sistematizar com facilidade Por isso apresentaremos aqui apenas alguns conceitos econômicos fundamentais Os limites deste livro não nos permitem ir mais longe É importante ressaltar também que em muitos círculos do mundo capitalista as idéias de Marx são pouco conhecidas Geralmente são apresentadas à maneira de caricatura A caricatura deforma exagera os traços mais salientes da fisionomia de uma pessoa ou de uma obra e com isso cria uma atmosfera ridícula ou irreal A ideologia faz o mesmo com as utopias ou seja com aqueles sistemas de idéias que se contrapõem à corrente principal Não é difícil entender que muitas idéias atribuídas a Marx são apenas caricaturas das idéias de Marx Um mínimo de honestidade cientifica exige que não as aceitemos como tal Vamos fazer um esforço para entendêlas melhor 612 Dados biográficos Marx nasceu em Trèves na Renânia região sul da Alemanha pertencente então à Prússia Sua família era judia mas converterase ao protestantismo O pai Heinrich Marx era um advogado bemsucedido fortemente influenciado pelo pensamento liberal francês e que sabia de cor o seu Voltaire e o seu Rousseau A região onde nascera Marx era limítrofe 49 1 Usamos aqui o termo marxiano para diferenciálo de marxista O pensamento marxista nem sempre é fiel ao pensamento de Marx É conhecida a afirmação de Marx ao se referir a algumas interpretações de seu pensamento eu não sou marxista da França e naturalmente recebia influência das idéias da Revolução Francesa Marx era um espírito generoso e inquieto Desde a adolescência preocupavase com a escolha de uma carreira e dizia que existiam dois critérios para a escolha de uma profissão o bem da humanidade e a realização pessoal Aos 17 anos ingressou na universidade de Bonn para estudar Direito O estudo do Direito não lhe satisfaz Um ano depois transferese para a universidade de Berlim onde passa a interessarse também por Filosofia e História Aos 23 anos consegue seu título de doutor em Filosofia com uma tese sobre Demócrito e Epicuro defendida na universidade de Jena Em Berlim é fortemente influenciado pelas idéias de Hegel Marx pretendia um lugar como professor universitário mas devido a suas idéias pouco ortodoxas não consegue satisfazer este desejo Passa então ao jornalismo e em 1842 já é redatorchefe da Gazeta Renana jornal de orientação liberal que entrava em freqüentes atritos com a censura prussiana O jornal foi fechado e Marx impossibilitado de trabalhar vai para Paris A passagem pela Gazeta Renana contudo será de importância decisiva em sua vida Aí entrara em contato com os problemas de economia percebera os conflitos sociais gerados por interesses econômicos e tivera que se pronunciar sobre as idéias socialistas que chegavam da França Como ignorava economia política e socialismo e não era espírito superficial resolve estudar a fundo estes assuntos O desejo de conhecer o socialismo e a economia conjugado com pressões de ordem política levao primeiro a Paris e finalmente a Londres após breve passagem pela Bélgica Já se tornou lugarcommum afirmar que a obra de Marx é o ponto de convergência do que havia de mais significativo na filosofia alemã no socialismo francês e na economia política inglesa Na realidade estas três vertentes do saber encontramse em sua obra que por isso mesmo é uma obra globalizante diferente das obras estritamente técnicas como as que conhecemos hoje no campo da economia Esquematicamente temos Socialismo francês direção para baixo Karl Marx Filosofia alemã Hegel esquerda direção para direita Economia política inglesa Ricardo financeira de seu grande amigo Friedrich Engels O jornalismo e a ajuda do amigo contribuíram para o seu sustento Ao terminar sua principal obra O capital escreve a um amigo numa espécie de desabafo Enquanto fui capaz de trabalhar usei cada instante de minha vida na busca do acabamento de minha obra à qual sacrifiquei saúde felicidade e família Espero que esta afirmação não provoque comentários Pouco me importa a sabedoria dos homens que se dizem práticos Se quiséssemos ser animais poderíamos virar as costas aos sofrimentos da humanidade e ocuparmonos de nossa própria pele Mas eu teria deixado tudo a perder se morresse sem ter terminado pelo menos o manuscrito de meu livro Dos três volumes de O capital só o primeiro foi publicado em vida de Marx Após sua morte que se deu em 1883 Engels publica os outros dois volumes Após a morte de Engels Karl Kautsky publica outro manuscrito com o título de Teorias da maisvalia Esta última obra é um dos melhores estudos críticos sobre a história das doutrinas econômicas e revela o vastíssimo conhecimento que Marx adquirira nas suas prolongadas leituras É uma espécie de quarto volume de O capital 613 Conceitos importantes Existem alguns conceitos que o leitor deve dominar para entender o pensamento de Marx Ao avançar na leitura você encontrará o esclare cimento dos seguintes conceitos capital capital constante capital variável classe social valor valor de uso valor de troca trabalho concreto trabalho abstrato maisvalia absoluta maisvalia relativa mercadoria força de trabalho composição orgânica do capital 614 O que é capital A principal preocupação de Marx é desvendar as leis do movimento do capital na sociedade capitalista Para isso vai criar alguns instrumentos de análise que teremos de manejar com certo cuidado Em primeiro lugar categorias como capital mercadoria força de trabalho têm sentido preciso e histórico na pena de Marx Não são categorias universais nem eternas Descrevem fenômenos que não existiram em todos os períodos históricos É preciso conhecer o conteúdo exato de cada um destes termos para compreendermos o que ele está dizendo Comecemos com o termo capital A idéia mais geral para Marx é a de que capital não é uma coisa Não é simplesmente como para os neoclássicos o conjunto de máquinas equipamentos estradas e canais É também isto mas sob determinadas condições Capital é antes de tudo uma relação social É a relação de produção que surge com o aparecimento da burguesia ou seja com o aparecimento daquela classe social que se apropria privadamente dos meios de produção monopólio de classe e que se firma definitivamente após a dissolução do mundo feudal O capital não é uma coisa mas uma relação social entre pessoas efetivada através de coisas Diz Marx A propriedade de dinheiro de meios de subsistência de máquinas e outros meios de produção não transforma um homem em capitalista se lhe falta o complemento o trabalhador assalariado o outro homem que é forçado a venderse a si mesmo voluntariamente E em nota de rodapé nesta mesma pá gina acrescenta Um negro é um negro Só se converte em escravo se houver certas condições Uma máquina de fiar algodão é uma máquina de fiar algodão Só em certas condições se transforma em capital Fora destas condições não é capital como o ouro em si mesmo e por si mesmo não é dinheiro ou o açúcar não é preço do açúcar O capital é uma relação social de produção É uma relação histórica de produção Marx falará de capital constante relacionado a máquinas e equipamentos capital variável relacionado à força de trabalho e de capitaldinheiro mas todas essas modalidades do capital devem ser entendidas dentro do contexto anterior São as relações específicas dessas coisas dentro do modo de produção capitalista que as torna capital Caso contrário os instrumentos de análise de Marx perderiam valor porque ele os criou para explicar relações sociais e econômicas que estavam surgindo naquele momento e que eram realmente diferentes de todas as outras Identificar por exemplo um instrumento de produção como capital sem mais é o mesmo que dizer que o capitalismo existiu sempre O primeiro primata que tentou colher um fruto mais alto provavelmente usou uma vara ou algo parecido para atingir este objetivo Seria ele o primeiro capitalista A análise de Marx tem raízes na história O que ele quer analisar é um modo de produção específico que estava surgindo com a dissolução do mundo feudal Ignorar isto é condenarse a não compreender sua análise O que é então o capitalismo para ele É uma relação sui generis que se caracteriza pela compra e venda da força de trabalho e que só se tornou possível sob determinadas condições e visando a determinados fins que ficarão mais claros depois Em outras palavras o capitalismo surge quando tudo se torna mercadoria inclusive a força de trabalho Para que isto ocorra é necessário que uma classe a burguesia se torne proprietária exclusiva dos meios de produção e que outra o proletariado não tendo mais como produzir o necessário para o sobreviver seja obrigada a vender no mercado sua força de trabalho Esta relação entre proprietário dos meios de produção e proprietários da força de trabalho se revest e de algumas características específicas que estudaremos mais tarde E só a partir desta relação e das conseqüências dela que os meios de produção se tornam capital e a força de trabalho mercadoria Para mostrar a especificidade do capitalismo Marx recorre a um artigo didático e começa O capital fazendo o estudo da mercadoria e da sociedade mercantil simples É mais fácil compreender a originalidade do capitalismo se o confrontarmos com outro modelo Na sociedade mercantil simples as mercadorias são produzidas para serem trocadas no mercado mas não existe ainda a divisão entre proprietários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho Todos possuem meios de produção e trocam entre si mercadorias específicas Simbolizando mercadoria por M e dinheiro por D temos o seguinte esquema M D M onde M é uma mercadoria qualitativamente diferente de M caso contrário não teria sentido a troca Se se troca M por M é porque ambas têm serventia diferente No modo de produção capitalista a situação é outra A mercadoria tornase um meio O que interessa é o dinheiro ou mais precisamente o aumento o dinheiro fato que explicaremos depois mais corretamente ao falarmos da valorização do valor O capitalista vai ao mercado e compra mercadorias força de trabalho e meios de produção com a finalidade de aumentar o dinheiro O esquema é este D M D onde D é maior que D caso contrário o processo de troca não teria sên tido Ao estudarmos valor e maisvalia explicaremos o processo pelo qual D se torna maior que D processo este que dá sentido ao capitalismo Antes porém vamos fazer alguns esclarecimentos 615 Quatro esclarecimentos No modelo de capitalismo puro só existem duas classes sociais os proprietários dos meios de produção capitalistas e os proprietários da força de trabalho operários Mas é bom lembrar que estamos falando de um modelo e todo modelo faz abstração de muitos outros elementos reais para captar apenas os traços essenciais Na vida real não existe um modelo puro nas formações sociais concretas em que o modo de produção capitalista modelo puro combinase em maior ou menor grau com outros modos de produção As vezes Marx referese ao modelo e às vezes à realidade histórica Para uma pessoa pouco habituada a estas distinções a questão complicase É o caso das classes sociais Há passagens em que fala de apenas duas classes sociais burguesia e proletariado e outras em que fala de três ou mais No primeiro caso Marx está referindose ao modelo no segundo à complexidade das formações reais Ao falar de classe social temos de evitar um equívoco muito freqüente a confusão entre classe e estratificação social A classe social para Marx é definida objetivamente pela posição que a pessoa ocupa na estrutura de produção E neste caso no modelo puro só existem duas posições possíveis ou a pessoa possui os meios de produção e pertence à classe capitalista ou não possui e pertence à classe operária E a posição da pessoa na estrutura de produção que determina sua faixa de renda Não é a renda que determina a posição da pessoa na hierarquia social Frequentemente recorrese ao critério de renda para se dividir classes sociais De tantos a tantos salários mínimos classe C de tantos a tantos classe A e assim por diante Isto é apenas descrição superficial dos fatos ou um método sutil de encobrir a verdadeira questão O que deve ser explicado é o seguinte por que Fulano ganha mil vezes mais do que Beltrano sendo que tem mais ou menos a mesma capacidade O estudo da posição da pessoa na estrutura produtiva e do mecanismo de transferência de renda entre as diversas classes esclarece este fato Outro ponto a ser esclarecido é o conceito de mercadoria Para Marx mercadoria não é a mesma coisa que produto ou bem Mercadoria é o produto que se destina à troca no mercado Uma sociedade que só produz para autoconsumo não produz mercadorias mas bens ou produtos Antes do capitalismo já existiam sociedades mercantis uma vez que muitas delas se dedicavam ao comércio mas só no capitalismo há a generalização da mercadoria isto é tudo se torna mercadoria inclusive a força de trabalho Este último traço é distintivo do capitalismo Outro ponto Marx discorda de Adam Smith e de outros economistas quanto ao conceito de trabalho produtivo Para Adam Smith trabalho produtivo é aquele que produz bens materiais vendáveis que sobrevivem ao processo de criação Os serviços não são produtivos Para Marx trabalho produtivo é aquele que é comprado com o capitaldinheiro sendo capaz de criar um excedente lucro Trabalho improdutivo é o trabalho contratado como serviço pessoal ou como artigo de consumo Isto ficará mais claro após o estudo do conceito de maisvalia Trabalho produtivo é todo e qualquer trabalho capaz de criar maisvalia Um estudo minucioso do que é trabalho produtivo e improdutivo para Marx pode ser feito na Parte I Capítulo IV de Teorias da maisvalia Finalmente uma observação de ordem metodológica Marx vem de uma tradição filosófica que sempre distinguiu entre fenómeno e essência aparência e realidade Esta distinção tornase muito mais visível em Hegel O objetivo de qualquer prática científica é esclarecer a essência das coisas e não descrever aparências fenómeno vem da raiz grega phaino faino que significa aparecer surgir à luz A ciência deve partir do fenómeno para chegar à realidade que se esconde atrás do fenómeno Na tradição positivista e neopositivista isto não tem sentido A preocupação exclusiva é com os fenômenos O próprio conceito de causalidade o que causa o quê Qual o sentido da causalidade deixa de existir cedendo lugar ao conceito de função O erro metodológico que está na raiz deste último procedimento tem consequências graves tanto para a economia como para a política econômica Não são questões acadêmicas irrelevantes Por exemplo alguém poderia dizer que o aumento da inflação é função do aumento salarial Poderíamos inverter a afirmação e dizer que as pressões para o aumento de salários têm origem no aumento da inflação A correlação existe nos dois sentidos Do mesmo modo alguém poderia dizer que a inflação é função do aumento da base monetária Outro poderia responder que a inflação tem raízes na luta dos diversos agentes econômicos para não perderem parcela significativa da renda o aumento da base monetária apenas sanciona a inflação provocada por esta luta O leitor deve perceber por estes exemplos que o conceito de função é insuficiente É preciso buscar também o conceito de causa e em que sentido atua esta causa Alguém poderia replicar que isto está implícito nos conceitos de variável dependente e independente Concordamos mas como estabelecer a variável dependente e a independente sem o conceito de causa Quem aceita os postulados do neopositivismo não conseguirá enten der Marx 28 QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto permite a resposta das questões seguintes 1 Ao trabalhar no Gazeta Renana Marx recebe um impulso decisivo que o orienta em determinada direção Explique qual foi esta direção e como isto ocorreu 2 Quais as três correntes que tiveram mais influência na formação do pensamento de Marx e possibilitaramlhe a criação de uma síntese original 3 Durante a vida de Marx só foi publicado o primeiro volume de O capital Como surgiram os dois outros volumes e sua obra Teorias sobre a maisvalia 4 Qual o conceito de capital em Marx Procure explicálo com precisão 5 O capitalismo para Marx é um modo de produção específico determinado historicamente e que surgiu aos poucos com a dissolução do mundo feudal Quais os traços mais característicos deste modo de produção SUGESTÕES DE LEITURA MANDEL Ernest A formação do pensamento econômico de Karl Marx Rio de Janeiro Zahar 1968 Livro indispensável para quem quiser seguir o desenvolvimento das idéias de Marx de 1843 até a redação de O capital GURLEY John G Desafios ao capitalismo São Paulo Brasiliense 1976 A leitura dos três primeiros capítulos esclarece os tópicos que abordamos no capítulo anterior MAXIMILIEN Rubel Karl Marx Essai de biographie intellectuelle Paris Marcel Rivière 1957 Excelente livro que descreve a vida e a evolução intelectual de Marx 29 7 Valor e MaisValia A teoria do valor de Marx é um refinamento da teoria do valortrabalho da escola clássica principalmente a partir de Ricardo Marx não aceitou esta teoria sem resistências nem críticas Chegou mesmo a rejeitála durante muito tempo e só a partir da Ideologia Alemã redigida em 1846 surgem algumas passagens claras que revelam sua aceitação da teoria do valortrabalho Para entendermos melhor esta teoria e sua importância na obra de Marx vamos explicar alguns termos usados pela escola clássica e incorporados à terminologia de Marx Valor de uso capacidade de um bem responder a necessidades específicas O martelo tem valor de uso diferente da caneta O valor de uso é a serventia do bem Valor de troca qualidade de um bem ser equivalente a outro com o qual pode ser trocado Os bens têm diferentes valores de uso mas devem ter o mesmo valor de troca para serem intercambiados Por exemplo a função do martelo é martelar e a da caneta é escrever Mas se meu parceiro tiver um martelo e precisar de uma caneta terá de conseguila de algum modo por exemplo trocandoa pelo martelo Suponhamos que só efetue a troca se lhe dermos 20 canetas por um martelo Podemos então dizer que o valor de troca de um martelo é 20 canetas ou que um martelo vale 20 canetas 1 martelo 20 canetas Como medir esta igualdade Quem determina que um martelo tem o valor de 20 canetas A quantidade de trabalho incorporada a estes objetos é medida em termos de tempo de produção Ou seja o valor de uma mercadoria é igual ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzila Esta afirmação precisa ser explicada Em primeiro lugar vamos examinar a expressão tempo de trabalho socialmente necessário É evidente que para confeccionar um casaco alguns alfaiates levarão dois dias ou três e alguns levarão até uma semana Mas existe um tempo social médio para a confecção de um casaco e este tempo dependerá do grau de desenvolvimento das forças produtivas no momento Na concorrência intercapitalista os alfaiates muito lentos serão eliminados do mercado Os muito rápidos serão uma exceção por pouco tempo pois ao conseguirem lucro extra atrairão outros concorrentes que tentarão utilizar as mesmas técnicas para produzir no mesmo ritmo que estes Antes de se chegar a este estágio existe um tempo médio que predomina em todos os ramos desta indústria Este é o tempo socialmente necessário para a confecção do casaco Marx fala também de trabalho concreto e de trabalho abstrato Trabalho concreto é o trabalho considerado em sua modalidade específica O alfaiate trabalha de modo diferente do pedreiro e este do modo diferente do metalúrgico Trabalho abstrato é o trabalho abstrato de suas modalidades específicas É o puro dispêndio de energia gasto na produção de um bem Alguns autores como Desai mostraram que não se trata apenas de uma abstração mas sobretudo de uma tendência real decorrente da divisão do trabalho A divisão do trabalho tornase homogênea É evidente que não existe trabalho abstrato sem trabalho concreto O trabalho concreto cria o valor de uso O trabalho abstrato cria o valor ou seja aquela qualidade que permite a comparação entre bens e que faz com que um martelo seja trocado por 20 canetas No mercado atua a lei do valor Lei do valor é aquela lei segundo a qual cada mercadoria é trocada por outra tendo como base a quantidade de trabalho socialmente necessária à sua produção Nem sempre o preço corresponde ao valor Isto acontece porque a produção oferta nunca coincide exatamente com as necessidades do mercado demanda podendo estar além ou aquém destas necessidades A objeção que normalmente se faz a esta teoria é a de que não leva em conta todos os fatos que entram na produção de um bem Ou a de que não leva em conta o trabalho qualificado São duas falsas objeções Marx jamais afirmou que o valor de um bem era fruto exclusivo do trabalho imediato O que ele disse é que todos os fatores que entram no custo de produção de um bem são em última análise redutíveis ao trabalho e que só este cria o valor Outra maneira de entendermos o valor de um bem é calcularmos seu custo de produção No custo de produção entram o preço da matériaprima a depreciação das máquinas o preço da energia do óleo dos lubrificantes etc assim como o trabalho imediato Ora o custo das matériasprimas balh0 Suponhamos que a jornada seja de oito horas O trabalhador por contrato deve trabalhar oito horas mas com quatro horas de trabalho ele produz a cesta de bens necessário a seu sustento O restante é trabalho que não lhe pertence É sobretrabalho trabalho excedente ou trabalho não pago que vai para o capitalista O segmento de reta abaixo representa a jornada de trabalho de oito horas Em quatro horas de trabalho o trabalhador produz a cesta de bens necessários a seu sustento As quatro horas restantes são trabalho excedente que ele entrega gratuitamente ao capitalista 4 horas 4 horas 8 horas Trabalho necessário Trabalho excedente O valor que excede o valor da força de trabalho e que vai para as mãos do capitalista Marx denomina maisvalia A maisvalia é portanto aquele valor que o trabalhador cria além do valor de sua força de trabalho Se considerarmos a extensão da jornada de trabalho como sendo de oito horas no nosso exemplo ele trabalhou quatro para si e quatro para o capitalista No entanto o que o capitalista lhe pagou foi exatamente o valor de sua força de trabalho Note não lhe pagou o trabalho que foi de oito horas mas o valor de sua força de trabalho que é de quatro horas Repetimos aqui a afirmação de Megnad Desai ao fim de cada processo produtivo o trabalhador se reproduz a si mesmo e o capitalista acumula riqueza Essa assimetria de resultados devese a assimetria das relações de classe3 72 MAISVALIA ABSOLUTA E MAISVALIA RELATIVA O capitalista poderá conseguir trabalho extra de dois modos ou prolongando a jornada de trabalho ou diminuindo o tempo de trabalho necessário No primeiro caso temos a maisvalia absoluta Maisvalia absoluta é portanto a maisvalia que se obtém pelo prolongamento da jornada de trabalho Suponha que a jornada de trabalho seja de oito horas divididas em quatro horas de trabalho necessário e quatro de trabalho extra Se o capitalista conseguir aumentar a jornada de trabalho em duas horas passando de 8 para dez horas ele estará aumentando o trabalho extra e obtendo assim uma maisvalia absoluta Esquematicamente temos 3 DESAI Megnad Op cit p 36 62 4 horas 4 horas 4 horas 6 horas Trabalho extra Mas suponhamos que ele não consiga prolongar a jornada de trabalho devido à legislação à resistência dos operários ou por outro motivo qualquer Ainda assim ele poderá conseguir trabalho extra reduzindo o tempo de trabalho necessário A maisvalia relativa é a maisvalia que se obtém mediante a diminuição do tempo de trabalho necessário No Capítulo 10 do primeiro volume de O capital há uma exposição clara e didática do que é maisvalia relativa e de como conseguila Vamos seguir o raciocínio de Marx Suponhamos que a jornada de trabalho seja representada pelo segmento de reta que vai de a a c a b c Suponhamos ainda que a jornada de trabalho seja de dez horas repartidas em oito horas de trabalho necessário e duas horas de trabalho excedente O segmento a b representa o tempo de trabalho necessário oito horas e b c o tempo de trabalho extra duas horas A jornada de trabalho não pode ultrapassar dez horas ou seja os extremos a c não podem ser deslocados A alternativa para se obter trabalho extra é deslocar o ponto b para b Suponhamos que este deslocamento represente duas horas a b b c A jornada de trabalho permaneceu a mesma mas a divisão do tempo entre trabalho necessário e trabalho excedente se alterou Antes do deslocamento do para b o tempo de trabalho extra representava 20 210 da jornada Após o deslocamento passa a representar 40 410 O tempo de trabalho necessário diminuiu de duas horas passando de oito para seis horas Isto significa que o trabalhador deixou de gastar oito horas para produzir o seu sustento passando a gastar seis horas Ora isto não se faz por um passe de mágica Só é possível mediante verdadeira revolução nos processos produtivos Nas palavras do próprio Marx Mas quando se trata de produzir maisvalia tornando excedente o trabalho necessário é mister que se transformem as condições técnicas e sociais do processo do trabalho a fim de aumentar a força produtiva do trabalho Só assim pode cair o valor da força de trabalho e reduzirse a parte do dia de trabalho necessária para reduzir este valor4 4 Ver 0 capital Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1964 v 1 cap 10 p 362 63 Só o aumento da produtividade do trabalho em todos os setores que produzem bens de salário pode provocar esta mudança A melhoria da produtividade no setor têxtil por exemplo pode baixar o preço das roupas que entram na composição da cesta de bens do trabalho Mas não basta esta melhoria É preciso que todos os ramos industriais que produzem bens de salário melhorem a produtividade para que o valor da cesta de bens diminua Os capitalistas podem conseguir este aumento de produtividade recorrendo a expedientes relacionados à organização do trabalho e à inovação tecnológica cooperação divisão do trabalho introdução de máquinas etc como Marx mostra nos capítulos subseqüentes ao Capítulo 10 do primeiro volume de O capital Uma das finalidades destes expedientes é o barateamento da força de trabalho O esforço capitalista no sentido de maior produtividade não visa à diminuição da jornada de trabalho mas à diminuição do tempo de trabalho necessário Ao diminuir o tempo de trabalho necessário sem diminuir a jornada de trabalho conseguese mais trabalho excedente E é isto que pretende o empregador A suposição de Marx no Capítulo 10 é de que a força de trabalho é vendida pelo seu valor Isto não quer dizer que historicamente os operários tenham sempre recebido um salário igual ao valor da força de trabalho Frequentemente o salário caiu abaixo do valor da força de trabalho O que Marx quer mostrar aqui é que ainda que isto não tivesse ocorrido o que é falso a maisvalia poderia crescer O conceito de maisvalia é a maior descoberta de Marx Não saiu todo feito de sua cabeça Foram necessários anos e anos de reflexão e estudo para que ele chegasse a este conceito Numa nota de rodapé do livro de Mandel já citado encontrase esta afirmação O próprio Marx considerou que sua análise da maisvalia em geral além de suas formas específicas de lucro juro renda fundiária etc constituí seu principal mérito carta a Engels de 24 de agosto de 1867 em Briefwechsel Zwischen Friedrich Engels und K Marx vol III p 3955 É importante salientar que a maisvalia não é criada na esfera da distribuição Não é porque o industrial resolve fixar um preço acima do valor para seu produto que ele obtém maisvalia Num regime de concorrência isto é impossível porque todo vendedor é também comprador e este industrial não é exceção Não será só ele que terá esta idéia E assim o ganho que ele obtém na venda de seu produto será anulado pela perda que ele terá ao comprar produtos de outro Todos pensarão como ele e os ganhos tenderão a se anular Para Marx a essência do capitalismo é a formação do valor e a apropriação da maisvalia pelo capital Os lucros juros e aluguéis os rendimentos da propriedade são a expressão da maisvalia Não é preciso que cada produto seja vendido a um preço correspondente ao valor Se alguns forem vendidos a um preço acima do valor maisvalia realizada acima do valor outros serão vendidos abaixo maisvalia realizada abaixo do valor A soma total tenderá a corresponder à maisvalia criada pelo trabalho Em nenhuma outra sociedade a exploração assume a forma de valor já que em nenhuma outra sociedade ela tem que perder a aparência de relação visível6 Nem o trabalhador nem o capitalista percebem diretamente a divisão entre o valor da força de trabalho e o trabalho excedente O trabalhador considerase pago pela jornada total de trabalho embora apenas parte dela seja equivalente ao valor da força de trabalho que ele vende7 A verdadeira explicação da maisvalia deve ser buscada na esfera produtiva 73 OS COMPONENTES DO VALOR Ao analisar os adiantamentos feitos pelo capitalista no sentido de ativar a produção Marx divide o capital em duas partes capital constante c e capital variável v A parte do capital que se destina à construção de fábricas compra de máquinas e equipamentos matériasprimas energia etc recebe o nome de capital constante e é simbolizada pela letra c É constante porque não cria valor apenas transfere parte de seu valor ao produto final A porção C incorporada ao produto final é igual ao valor dos insumos transferidos a este produto no processo produtivo mais a depreciação de máquinas e equipamentos A parte que se destina à compra da força de trabalho salários é chamada de capital variável e simbolizada pela letra v No final do processo produtivo o capitalista obtém um acréscimo de valor m criado pelos operários Já vimos que os trabalhadores podem criar valor excedente as máquinas apenas transferem parte do valor nelas incorporado e por isso se fala em capital variável Eis os três componentes do valor Valor total c v m A divisão do capital em dois componentes c e v é um esforço de Marx para mostrar a essência da realidade capitalista que é a formação e ampliação do valor e a apropriação da mais valia pelo capital É este o movimento essencial ou o sentido do movimento no modo de produção capitalista É evidente que isto não aparece no plano visível só no plano da análise O processo de produção no capitalismo é uma forma de apropriação do trabalho não pago ou excedente O capitalista compra a força de trabalho como uma mercadoria bem como materiais de produção e devido 64 a essa compra durante a jornada de trabalho o trabalhador está à sua disposição Assim a produtividade do trabalho surge como produtividade do capital Isso legitima a apropriação capitalista do lucro Aparentemente todos os elementos do capital produtivo contribuíram para a produção do lucro8 A economia moderna mais preocupada com a eficiência operacional do que com a essência dos fenômenos considera o capital do ponto de vista da circulação e dos registros contábeis e o divide em capital fixo e capital circulante Abaixo estão os dois modos de olhar a questão Economia neoclássica Marx Capital fixo máquinas equipamentos instalações Capital circulante matériasprimas combustíveis energia salários capital variável v9 Apresentamos a seguir três relações importantes para a compreensão da dinâmica do modelo de Marx 74 TAXA DE MAISVALIA Chamase taxa de maisvalia m a razão entre a maisvalia e o capital variável Podemos escrevêla assim m m v Esta taxa mede a razão entre trabalho excedente e trabalho necessário Como no capitalismo o produto do trabalho assume a forma de valor escrevemos esta relação em termos monetários pois que o dinheiro é a 8 DESAI Megnad Op cit p 41 9 Ver NIKITIN P Fundamentos de economia política Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1967 p 74 50 20 10 C V m expressão monetária do valor Suponhamos que o salário do trabalhador seja 20 e que ele acrescente mais 10 ao produto numa jornada de trabalho Poderíamos imaginar o seguinte esquema Neste caso a taxa de maisvalia m é de 50 pois m m m 05 ou 50 v 20 10 Esta taxa pode ser elevada pelo aumento da jornada de trabalho ou pelo aumento da produtividade ou pela redução do salário real ou por uma combinação dos três itens anteriores Na história do capitalismo estes expedientes foram usados e se combinaram das mais diversas formas 75 COMPOSIÇÃO ORGÂNICA DO CAPITAL Outra relação importante é a composição orgânica do capital que denominaremos de q Tratase da relação entre capital constante e capital total expressa pela seguinte fórmula c q c v Esta expressão mede a taxa de substituição de mãodeobra por máquinas e equipamentos e cresce ao longo da história Isto quer dizer que a tendência natural do sistema é tornarse capitalintensivo 76 TAXA DE LUCRO Chamemos de I a taxa de lucro Ela é medida assim m I c v Utilizando os dados do exemplo anterior teremos uma taxa de lucro de 1428 assim 10 1 I 01428 50 20 7 65 66 67 Não devemos confundir a taxa de maisvalia m com a taxa de lucrol Esta última leva em conta também o trabalho passado que se cristalizou em máquinas equipamentos combustíveis etc e que é transferida pouco a pouco ao produto final Esta relação é a relaçãochave para o capitalista mas é função da maisvalia e da composição orgânica do capital como mostra a fórmula abaixo l m 1 q Esta expressão foi obtida pelo seguinte artifício algébrico l m c v mv v c v acrescentamos v ao numerador e ao denominador A fração não se altera mc mv mc v c v somamos e subtraímos mc ao numerador A fração não se altera m c v mc v c v colocamos m em evidência m c v v c v mc v c v simplificamos m v m v c c v separamos de modo conveniente m m q substituímos mv por m m 1 q Esta última expressão tem a vantagem de mostrar claramente a relação entre a taxa de lucro a taxa de maisvalia e a composição orgânica do capital Podese verificar que com o crescimento da composição orgânica do capital a taxa de lucro tende a cair Este é um dos problemas controversos da teoria de Marx Aqui apenas chamamos a atenção para ele Há outros problemas que não serão abordados por escapar aos objetivos deste livro 68 10 Uma primeira abordagem deste e de outros problemas teóricos controversos pode ser feita no livro de Paul Sweezy Teoria do desenvolvimento capitalista São Paulo Abril Cultural 1983 p 656 Também é encontrada no livro de Megrad Desai professor da London School of Economics Teoria marxista Rio de Janeiro Zahar 1979 Uma bibliografia mais vasta pode ser encontrada nestes mesmos livros 77 O EXÉRCITO INDUSTRIAL DE RESERVA Já sabemos o que Malthus e Ricardo pensam dos salários Para eles os salários sobem ou descem conforme a população aumenta ou diminui E a população aumenta quando os salários estão acima do nível de subsistência e diminui quando estão abaixo deste nível Nenhum desses autores leva em conta o tempo necessário para que tal fenômeno ocorra pois o que lhes interessa é o crescimento a longo prazo Marx rejeita este modo de ver a questão Para ele também o nível salarial oscila acima e abaixo do nível de subsistência mas essas oscilações são causadas pelo excedente populacional relativo ou seja por um excesso de trabalhadores que não consegue emprego Este excesso de trabalhadores é denominado de exército industrial de reserva O próprio processo que leva à substituição de homens por máquinas cria uma parcela deste exército A outra parcela de trabalhadores desempregados constituise de jovens que não conseguem emprego O sistema produtivo é incapaz de absorver toda a população que chega ao mercado Apresentamos aqui o diagrama de Sweezy sobre o mecanismo de funcionamento do exército industrial de reserva por nos parecer extremamente didático e ilustrativo O diagrama é tão claro e simples que dispensa comentários Processo Industrial A Emprego industrial F C B D E D Exército industrial de reserva A Novos trabalhadores B Incapazes de encontrar emprego C Demitidos D Readmitidos E Afastados F Afastados O diagrama anterior mostra que apenas uma parcela da população trabalhadora é aproveitada no emprego industrial Há outra parcela que sequer consegue arranjar um posto de trabalho e vai engrossar o exército de 69 desempregados Pertence também a este exército aquelas pessoas empregadas que perderam o emprego Essa reserva de trabalhadores fica à disposição dos capitalistas e impede que os salários subam muito Quase sempre há excesso de oferta de trabalho que eventualmente pode desaparecer numa situação de guerra ou de boom econômico O leitor deve seguir as indicações do diagrama de Sweezy Os verdadeiros readmitidos são aqueles que perderam o emprego C e retornaram A letra D compõese de desempregados e de uma parcela B que não fora aceita no momento em que se apresentava como apta a trabalhar Nos momentos de crise econômica o desemprego aumenta o exército industrial de reserva infla e a própria pressão dos trabalhadores em busca de emprego faz os salários caírem Esta queda é consequência da própria competição entre os trabalhadores No momento da expansão econômica a situação se inverte e os salários tendem a subir acima do nível de subsistência Quando a folha de salário se eleva muito ela pode deprimir o lucro O leitor já conhece o mecanismo da maisvalia e sabe que a suposição de Marx no livro I de O capital é a de que a força de trabalho é vendida pelo seu valor Se for vendida acima do valor a maisvalia diminuirá A tendência será então substituir homens por máquinas ou simplesmente não investir No caso da substituição de homens por máquinas há sempre um esforço no sentido de aumentar a produtividade e baixar o custo de reprodução da força de trabalho maisvalia relativa No segundo c aso há simples desemprego As máquinas param Em ambos os casos o exército industrial de reserva que é inerente ao sistema capitalista aumenta E isto por dois motivos primeiro por causa da luta entre capitalistas e operários Os primeiros estão sempre buscando uma maisvalia crescente Segundo por causa da competição intercapitalista A dinâmica capitalista não permite que o empresariado se acomode Acomodarse é perder mercado Portanto há uma dupla competição a competição entre capitalistas e trabalhadores e a competição entre os próprios capitalistas para conquistar manter e ampliar mercados É esta dupla competição que explica o aumento do capital constante c com relação ao variável v e o consequente aumento da composição orgânica do capital bem como a inovação tecnológica apresentar a forma D M D onde D é maior que D Mas a característica fundamental e distintiva do sistema é a forma pela qual o excedente é criado e apropriado a maisvalia A história registra outros modos de produção onde o excedente econômico é apropriado por grupos minoritários Mas em nenhum destes casos a apropriação é feita mediante a criação de maisvalia que supõe certas condições institucionais e jurídicas inexistentes em períodos anteriores como força de trabalho livre e apta a se apresentar no mercado liberdade contratual mobilidade do trabalhador sistema jurídico respaldando tal situação etc Marx mostra que tudo isto só foi possível mediante uma revolução nas forças produtivas que acarretou modificações nas relações de produção e em toda a superestrutura jurídica e institucional que teve de se ajustar então às alterações das forças produtivas Para o leitor pouco habituado a esta terminologia talvez fosse útil abrir um parêntese e esclarecer alguns termos Forças produtivas são os elementos que entram no processo produtivo força de trabalho e meios de produção Mas estes elementos não considerados em si mesmos mas em combinação Relações de produção são as relações que se estabelecem entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores É importante notar que são relações entre agentes de produção Elas existem necessariamente pelo simples fato de as pessoas ocuparem posições definidas na estrutura produtiva e terem de se relacionar entre si Não são apenas relações humanas Estas relações se estabelecem em função de um objetivo a acumulação de capital Superestrutura é um termo que procura expressar a relação existente entre o nível econômico propriamente dito e os níveis jurídico político e ideológico Em termos mais simples a base econômica forças produtivas e relações de produção condiciona a forma do Estado o direito e a ideologia de um povo Nenhuma destas relações deve ser entendida de maneira mecânica Fazer isto já é cair na caricatura Retomando o fio do pensamento anterior um sistema capitalista onde não exista acumulação é um contrasenso E a acumulação cessaria se desaparecesse a diferença entre o valor da força de trabalho e o valor do produto criado por esta força de trabalho Para que o sistema funcione é necessário que o valor do produto seja maior que o valor da força de trabalho 70 71 Celso Furtado ao estudar o processo de crescimento econômico apresenta um modelo que levemente alterado pode ajudarnos a compreender o processo de acumulação no sistema capitalista Diz ele que o crescimento ocorre quando do lado da produção surge o excedente do lado da distribuição a apropriação do excedente por uma minoria e do lado da acumulação a incorporação do excedente à estrutura de produção Teríamos então 1 Do lado da produção excedente 2 Do lado da distribuição apropriação do excedente por uma minoria 3 Do lado da acumulação incorporação do excedente à estrutura produtiva Esquematicamente teríamos Quando o estágio 3 encontra o estágio 1 o processo tende a tornarse automático O que caracteriza o sistema capitalista é a maneira pela qual este excedente é criado e apropriado pelos que detêm o monopólio dos meios de produção Nos primeiros estágios do capitalismo capitalismo mercantil o processo de criação e apropriação do excedente pelo mecanismo da maisvalia ainda não se fizera presente Como Marx explica então a origem do capital Pela acumulação primitiva que é aquele processo em que a apropriação do excedente é levada a cabo pela força pela violência ou pela apropriação monopolística Só após um longo estágio de acumulação primitiva que durou séculos é que as forças produtivas se desenvolveram a ponto de criar as condições propícias ao modo de produção capitalista propriamente dito QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto permite a resposta das questões seguintes 1 Explique a teoria do valor de Marx 2 Defina valor de uso e valor de troca 3 Explique o que se entende por trabalho concreto e por trabalho abstrato 4 Marx faz importante distinção entre trabalho e força de trabalho Como se determina o valor da força de trabalho 5 O que é maisvalia absoluta 6 O que é maisvalia relativa 7 Explique o que é capital constante c capital variável v taxa de maisvalia m taxa de lucro l e composição orgânica do capital q De que maneira estas taxas se relacionam 8 Explique por que a maisvalia não é obtida na esfera da distribuição 9 Marx não se preocupa muito com teorias populacionais No entanto para explicar as oscilações salariais ele teve de elucidar o comportamento da população trabalhadora e mostrar que a remuneração do trabalho não está mecanicamente vinculada à produtividade do trabalhador De que maneira ele consegue isto Em que medida sua explicação afastase das teorias populacionais de Malthus e Ricardo 10 O progresso técnico é explicado por Marx como fruto de forças competitivas no mercado Quais são estas forças 11 Qual é a força motriz do capitalismo e como ele se diferencia dos outros sistemas econômicos que também transferem o excedente para uma minoria 12 Tente esclarecer os termos forças produtivas e relações de produção 13 Na linguagem de Marx o que significa acumulação primitiva e qual sua função na explicação do processo de acumulação SUGESTÕES DE LEITURA MARX Karl O capital crítica da economia política Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1964 6 volumes Esta mesma obra foi publicada em nova tradução pela Abril Cultural com apresentação de Jacob Gorender 72 73 12 FURTADO Celso Desenvolvimento e subdesenvolvimento Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1963 p 116 ss gar ao preço de equilíbrio que é formado pelo cruzamento das curvas de oferta e demanda como mostra a Figura 5 Figura 5 Ao preço de 15 não haverá escassez nem excesso de produto no mercado É este o preço de equilíbrio Os seguidores de Walras não admitiam este tipo de abordagem pois o preço de um bem depende do preço de todos os demais bens serviços e fatores de produção existentes no sistema Essa interdependência existe na realidade mas é impossível levar em conta um número tão grande de variáveis Para resolver a questão Marshall supõe constantes todos os demais fatores que entram na oferta e na procura e só considera o preço do bem em estudo Essa é a abordagem parcial que prevalece e que ainda sobrevive hoje nos manuais 822 Enfase nos aspectos microeconômicos Uma abordagem econômica preocupada com a alocação ótima de recursos deve necessariamente voltarse para problemas microeconômicos Já acentuamos antes ao falar do fluxo circular que a preocupação dos economistas neoclássicos é estudar firmas individuais unidades familiares e o relacionamento entre firmas e unidades familiares Desaparece a preocupação com o crescimento econômico que tanto agitou os autores clássicos 823 Aceitação da lei de Say Todos os neoclássicos aceitavam explícita ou implicitamente a afirmação segundo a qual considerada a economia em seu conjunto a oferta cria sua própria demanda ou na formulação de Keynes os custos de produção terminam por se destinar direta ou indiretamente à compra do produto Esta é a lei de Say Em palavras mais simples o que esta afirmação significa é o seguinte ao produzirmos alguma coisa por exemplo mesas o próprio processo produtivo está criando poder de compra para este e para outros produtos Produzimos mesas ou para nós mesmos e neste caso a oferta já tem sua demanda ou para um mercado que as quer adquirir e neste caso também a oferta as mesas produzidas já tem a própria demanda os compradores das mesas Por outro lado ao remunerarmos os fatores de produção que entraram na fabricação das mesas trabalho capital e recursos naturais estamos criando poder de compra para outros bens Em ambos os casos não pode haver superprodução generalizada nem desemprego Pode haver desequilíbrios setoriais e transitórios causados por erros de cálculo Um produtor pode produzir muito mais mesas do que seria necessário Mas este desequilíbrio será corrigido pelo mecanismo do mercado o preço das mesas baixará até que elas sejam vendidas Parte do capital e do trabalho antes aplicados na produção de mesas se deslocará para outros setores mais rentáveis da economia mobilidade de fatores A conseqüência é que se existir desemprego este só poderá ser voluntário ou efêmero A superprodução e a escassez só podem existir setorialmente A economia como um todo é autoreguladora Uma das consequências da aceitação da lei de Say no campo político é o liberalismo econômico laissezfaire Qualquer intervenção nas leis do mercado é prejudicial porque rompe o delicado equilíbrio que comanda estas leis 83 A CONCORRÊNCIA PERFEITA O modelo neoclássico mais amplo supõe um mundo de concorrência perfeita onde os agentes econômicos se comportam de maneira racional Os pressupostos da concorrência perfeita não foram elaborados por Marshall que evitava o termo concorrência e muitas vezes o substituiu pelo de liberdade de indústria e empresa menos carregado de conotação moral segundo ele Foram os seguidores de Marshall que adotaram definitivamente o conceito de concorrência perfeita e elaboraram os supostos deste tipo de concorrência Segundo estes autores para que haja concorrência perfeita são necessários os seguintes requisitos a Produtos homogêneos Por produto homogêneo devese entender o produto não diferenciado por meio de marca embalagem etc A concorrência deve darse através dos preços e não através da diferenciação dos produtos b Empresas pequenas sem poder sobre o mercado Todo vendedor e todo comprador deve ser tão pequeno com relação ao mercado total que não possa influenciar este mercado Se a firma se retirar do mercado a oferta total do produto não se alterará de 39 uma das lâminas da tesoura também não se pode considerar o problema do valor examinando apenas o lado da demanda O exemplo da água e do diamante não é feliz porque estes dois itens não são produtos industriais e assim fica encoberto o problema dos custos de produção O fato é que esta teoria chamou a atenção para o problema da escassez e dos acréscimos sucessivos marginais a certa quantidade de bens Um produto é tanto mais valioso quanto mais escasso Isto vale também para os recursos existentes no sistema econômico Estes recursos são escassos e portanto valiosos A conclusão que se tira daí é que devemos aplicálos do melhor modo possível A economia tornase então uma técnica para a alocação ótima de recursos escassos entre usos alternativos Ao mesmo tempo ela aceita a sociedade como um sistema dado não discute as relações de classe e procura tornarse operacional dentro deste sistema Tornase uma caixa de instrumentos para usarmos a expressão de Joan Robinson Esta mudança de enfoque deve ter causado grande contentamento na maioria dos economistas da época 18701930 por dois motivos Primeiro porque a alocação de recursos exige certas técnicas que se prestam mais ao tratamento matemático Ao recorrer a modelos matemáticos a economia parece chegar à maioridade e adquire ares de verdadeira ciência Segundo porque de 1870 em diante o capitalismo já se firmara na Inglaterra e em alguns outros países e estava tendo êxito Não ficava bem levantar problemas capazes de provocar intranquilidade como eram os problemas que tentavam elucidar a questão do excedente econômico conceito que desaparece na economia neoclássica e a apropriação deste excedente pelas diversas classes sociais Melhor seria afastar o problema das classes e considerar apenas o conjunto da sociedade sem distinção de classes De um lado as unidades familiares capazes de fornecer os fatores de produção de outro as unidades produtivas capazes de fornecer bens e serviços A relação entre estas duas entidades se dá através de um fluxo circular como o que aparece a seguir As unidades familiares oferecem trabalho capital e recursos naturais às empresas que com eles produzem bens e serviços para as mesmas unidades familiares O ciclo mais externo em sentido antihorário representa o fluxo real Na parte superior trabalho capital e recursos naturais Na parte inferior bens e serviços O ciclo interno sentido horário é o fluxo nominal A remuneração recebida é reaplicada na compra de bens e serviços Os neoclássicos não fazem distinção entre remuneração do trabalho salários e honorários e remuneração da propriedade capital juros e aluguéis Isto para eles é irrelevante O que importa é saber que as unidades familiares procuram maximizar sua utilidade em bens e serviços o circuito externo e as empresas procuram maximizar o lucro circuito interno 82 PONTOS COMUNS DO MOVIMENTO MARGINALISTA As várias escolas que compõem o movimento marginalista têm algumas preocupações comuns que devem ser destacadas 821 Preocupação com o equilíbrio Todos os marginalistas acentuam o problema do equilíbrio na economia Para eles existem forças internas e atuantes que tendem a levar o sistema ao equilíbrio Walras preocupase com o equilíbrio geral Marshall mais voltado para problemas práticos e imediatos preocupase com o equilíbrio parcial Por exemplo qual o preço de equilíbrio no mercado de carne Supõe ele que se a concorrência se der através do preço ao baixarmos o preço da carne de 20 para 10 por exemplo a quantidade 40 demanda deve aumentar como mostra o gráfico da Figura 1 onde se vê que ao baixar o preço de 20 para 10 a quantidade demandada passou de 100 para 150 quilos Figura 1 A oferta se comporta de maneira inversa A quantidade oferecida tende a aumentar com o aumento do preço e a diminuir com sua queda O gráfico da Figura 2 mostra que ao preço de 20 a quantidade oferecida é de 160 quilos e ao preço de 10 é de apenas 80 quilos Figura 2 Os interesses de vendedores e compradores são antagônicos mas o mercado faz com que o preço chegue a um ponto de equilíbrio Suponha você que o preço do quilo de carne esteja a 20 Neste caso a oferta será de 160 quilos mas a procura será de apenas 100 quilos Veja o gráfico da Figura 5 Parte da produção não será vendida e terá de ser estocada No nosso exemplo 60 quilos 160100 não serão vendidos ao preço de 20 Os estoques forçarão a baixa de preços Figura 3 Imagine agora o caso contrário onde o preço esteja abaixo do preço de equilíbrio Haverá mais demanda do que produto no mercado criando assim uma situação de escassez Como a demanda é maior que a oferta o preço tenderá a subir Figura 4 No nosso exemplo hipotético faltam 70 kg de carne 15080 no mercado A demanda é maior que a oferta e o preço tenderá a subir até che 42 modo substancial de modo que o preço não será afetado O mesmo se pode dizer da empresa que entra no mercado c Ausência de restrições externas à mobilidade de fatores Não pode haver tabelamento de preços fixação de salário mínimo nem qualquer outro expediente que signifique intervenção nas leis do mercado A economia é autoreguladora e deve ser deixada à sua própria sorte d Conhecimento por parte dos agentes econômicos de todos os preços existentes no mercado Para que o comprador ou o vendedor se comportem de maneira racional eles devem comparar preços e portanto conhecêlos É evidente que não existe nem nunca existiu a concorrência perfeita como acabamos de descrever Tratase apenas de um modelo teórico que tenta apresentar as principais linhas de força do sistema fazendo abstração de outras variáveis menos significativas As ciências não podem prescindir de modelos Contudo a validade de um modelo irá depender de como ele nos ajuda a compreender a realidade Na construção de qualquer modelo teórico o mais importante é saber selecionar aqueles elementos mais significativos deixando de lado os menos significativos Talvez seja útil chamar a atenção para o fato de que as ciências que têm por objeto de estudo a realidade social ou natural devem apresentar duas dimensões coerência interna e correspondência com a realidade Cada uma destas dimensões é necessária mas tomada separadamente não basta Os modelos teóricos neoclássicos passam tranqüilamente pelo teste da coerência interna Aliás toda a teoria neoclássica é bastante lógica e coerente Já não se pode dizer o mesmo de sua correspondência com a realidade Seja como for aceitos os supostos anteriores e a teoria da concorrência perfeita seguese que quem tem a última palavra na economia é o consumidor final que irá comprar ou rejeitar tal ou tal produto por tal ou tal preço Isto os neoclássicos chamam teoria da soberania do consumidor porque é o consumidor que decide As empresas apenas obedecem 3 84 A TEORIA DA CONCORRÊNCIA IMPERFEITA Em 1933 surgiram dois livros que abordavam o problema da concorrência imperfeita ou concorrência monopolística Um deles The theory of monopolistic competition foi publicado por Edward Chamberlin da Universidade de Harvard nos Estados Unidos O outro era da economista Joan Robinson da Universidade de Cambridge na Inglaterra e trazia o nome de The economics of imperfect competition Sabemos que existe monopólio puro quando uma empresa fabrica um produto diferenciado singular sem substituto próximo Edward Chamber 3 Um dos autores que mais sobressai na crítica à teoria da soberania do consumidor é John K Galbraith Esta crítica aparece mais clara no seu livro A economia do obetivo público São Paulo Martins 1975 porque este livro é uma espécie de síntese dos anteriores lin e Joan Robinson consideram um caso diferente em que as empresas produzem produtos singulares diferenciados mas com substitutos próximos Daí o nome de concorrência monopolista Existe monopólio porque cada empresa produz o seu produto e existe concorrência porque estes produtos têm substitutos próximos Em 1934 um ano após o lançamento dos livros de Robinson e Chamberlin um economista alemão chamado Heinrich von Stackelberg aborda o mesmo problema num livro intitulado Marktlform und Gleichgewicht Estrutura de mercado e equilíbrio O livro de Stackelberg acentua mais os problemas de oligopólio e já defende a intervenção do Estado na economia Esta abordagem mostra que o autor já não tinha confiança cega nos mecanismos do mercado Muito mais tarde em 1953 Joan Robinson iria criticar sua própria posição teórica excessivamente marginalista num artigo publicado no Economic Journal volume LXIII nº 251 de setembro e intitulado Imperfect competition revisited Neste artigo ela mostra que a posição teórica de seu livro anterior desconsiderava o fator tempo e o próprio processo histórico Por volta de 1953 ela já se tornara suficientemente keynesiana e rejeitava qualquer posição de equilíbrio automático na economia Resta uma palavra final sobre um dos precursores da teoria da concorrência imperfeita Este precursor foi Piero Sraffa da Universidade de Cambridge na Inglaterra que em 1926 publicara também no Economic Journal volume XXXVI nº 144 de dezembro um artigo revolucionário para os padrões da época intitulado The Laws of Returns under Competitive Conditions no qual criticava as limitações da teoria marginalista então em vigor QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta deste capítulo permite responder às questões seguintes 1 No início da década de 1870 três autores importantes vivendo em diferentes países publicaram livros que defendiam quase as mesmas ideias Esta convergência de pontos de vista recebeu o nome de revolução marginalista Cite estes autores e as obras com que cada um deles iniciou o movimento 2 Qual a razão pela qual o Principles de Marshall só apareceu muito mais tarde do que os livros dos primeiros marginalistas e qual o papel desta obra no ensino da Economia tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos 3 Fale um pouco sobre as escolas austríaca de Lausanne e de Cambridge e indique alguns dos componentes de cada uma das escolas 4 Este artigo foi publicado em português no livro de Joan Robinson Contribuições à economia moderna Rio de Janeiro Zahar 1979 p 128 sob o título Concorrência imperfeita reexaminada 87 4 Como os marginalistas consideravam o valor e a utilidade e qual sua principal diferença neste campo com a escola clássica Se necessário recorra a gráficos ou diagramas para esclarecer a questão 5 Como os neoclássicos consideravam a Economia Eles ampliaram ou restringiram o campo de estudo da Ciência Econômica 6 Cite os pontos comuns a todas as escolas neoclássicas e fale um pouco sobre cada uma delas Em particular mostre a diferente abordagem do equilíbrio feita por Walras e por Marshall 7 Os pressupostos da concorrência perfeita foram elaborados pelos seguidores de Marshall Quais são estes pressupostos 8 Qual o papel da concorrência perfeita no estudo da economia Fale um pouco sobre o que é um modelo teórico e para que serve 9 Quem foi Piero Sraffa e que papel teve na formulação da teoria da concorrência imperfeita 10 Cite os três autores que quase simultaneamente formularam a teoria da concorrência imperfeita Qual a posição de Joan Robinson neste particular SUGESTÕES DE LEITURA A parte bibliográfica referente à escola neoclássica é a mais ampla possível porque esta escola detém o paradigma dominante da Ciência Econômica no mundo capitalista Todos os livros que tratam da história do pensamento econômico têm esta parte bem desenvolvida Alguns chegam mesmo a reescrever as teorias das várias escolas em termos neoclássicos e o que não conseguem traduzir para a linguagem neoclássica não consideram como sendo economia Alguns desses livros já foram mencionados anteriormente Além deles podemos acrescentar MARSHALL Alfred Princípios de economia Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 2 v Ler principalmente o livro V no início do 2 volume que é o núcleo de toda a obra JEVONS MENGER A teoria da economia política e Princípios de economia política Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 As duas obras estão encadernadas num só volume A obra de Menger é precedida de uma apresentação muito boa de Hayek na qual este autor faz um histórico do aparecimento do livro e analisa o contexto cultural em que ele surgiu Hayek sublinha também as resistências à escola e a célebre batalha do método entre a escola austríaca e a escola histórica alemã Qualquer economista com um mínimo de informação não pode ignorar estes fatos WALRAS Léon Compêndio dos elementos de economia política Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 Esta obra vem acompanhada de uma apresentação do professor Dionísio Dias Carneiro Netto da PUC do Rio de Janeiro 88 O próprio Marshall nunca aceitou que tivesse sido influenciado por Walras ou Jevons Reconheceu sua dívida para com os clássicos e para com Cournot e von Thüner mas não para com os primeiros marginalistas Também rejeitou com irritação a interpretação de muitos autores americanos que consideravam sua obra como uma síntese da escola marginalista com a escola clássica A seus próprios olhos Marshall era um continuador dos clássicos e principalmente de Ricardo Não raras vezes ele critica alguns marginalistas que pretendiam romper definitivamente com a escola clássica Ao discutir o problema do valor em Ricardo e Jevons por exemplo tenta mostrar que Ricardo contrariamente ao que pensava Jevons não desprezou o aspecto utilidade e chegou mesmo perto da distinção entre utilidade total e utilidade marginal Se Ricardo acentuou o aspecto dos custos de produção foi por estes serem menos claros aos olhos de seus contemporâneos Eis o que diz Marshall Poucos autores modernos se aproximaram tanto da brilhante originalidade de Ricardo como Jevons Mas este parece ter julgado Ricardo e Mill severamente atribuindolhes doutrinas mais estreitas e menos científicas do que na realidade sustentaram E o seu desejo de salientar um aspecto do valor ao qual eles não deram relevo suficiente foi provavelmente até certo ponto a razão que o fez dizer A reflexão e a investigação continuam me levaram à opinião um tanto nova de que o valor depende inteiramente da utilidade Theory p I Essa afirmativa parece ser unilateral e fragmentária e bem mais propensa a induzir a erro do que aquela que Ricardo expressava com uma negligente brevidade e que fazia depender o valor do custo de produção a qual porém nunca ele considerou senão como parte de uma doutrina mais vasta cujo restante tentos explicar 1 A obra de Marshall não é apenas analítica como a principal obra de Ricardo mas está cheia de conselhos e considerações práticas como a de Adam Smith Marshall também era um espírito enciclopédico Em 1868 dirigiuse à Alemanha para ler Kant no original Passou cerca de dois anos neste país e familiarizouse com obras de Hegel e dos economistas da escola histórica Embora não tenha aderido aos métodos da escola histórica alemã há autores que dizem que sua obra sofreu muito mais influência da escola histórica do que normalmente se imagina Por exemplo o moralismo de Marshall tão ironizado por Schumpeter não seria apenas reflexo da austera educação paterna que recebera como querem alguns de seus biógrafos mas também resposta às críticas da escola histórica alemã e dos socialistas que se preocupavam com as aberrações da sociedade existente e que apontavam os princípios econômicos como incapazes de resolver os problemas do mundo real Deixemos tais interpretações aos exegetas e a pessoas mais qualificadas e voltemos nossa atenção para o conteúdo do Princípios de Marshall 1 MARSHALL Alfred Princípios de economia Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 V II p 394 9 911 Alguns aspectos do Princípios de Marshall O Princípios não é apenas um manual embora como dissemos tenha dominado o ensino da economia na Inglaterra desde sua publicação 1890 até por volta de 1930 É também uma obra pioneira que levanta questões resolve muitas delas e deixa outras sem solução Neste sentido é uma obra seminal que serviu de fonte de inspiração para inúmeros textos posteriores A microeconomia neoclássica tal como ainda hoje é ensinada na maioria de nossas universidades tem sua principal fonte de inspiração no Princípios O núcleo da obra está no livro V que estuda a demanda a oferta e o valor 912 Demanda oferta e valor Para Marshall a análise de um sistema econômico deveria começar pelo estudo do comportamento dos consumidores e produtores e pelo seu relacionamento no mercado Os consumidores buscam maximizar sua satisfação e os produtores buscam maximizar seus lucros A procura é a relação entre preços e quantidades procuradas A preços mais baixos os consumidores tendem a adquirir mais de determinado bem O produtor comportase de modo inverso A preços mais elevados ele tende a oferecer mais Marshall estava atento às variações na procura provocadas por variações nos preços Percebeu ele que a quantidade procurada de determinado bem era mais ou menos sensível a variações em seu preço Elaborou então o conceito de elasticidadepreço da procura conceito que mostra a sensibilidade da procura com relação a pequenas variações no preço de determinado bem O conceito de elasticidade que em Marshall era um estudo muito cauteloso das relações entre pequenas variações nos preços e nas quantidades procuradas foi mais tarde ampliado por outros autores Por analogia passouse a falar então em elasticidaderenda elasticidadearco elasticidadecruzada etc Talvez Marshall não tivesse aprovado esta ampliação pouco cuidadosa de seu conceito original Seja como for os estudiosos que hoje encontram todos estes conceitos em seus manuais de microeconomia devem saber que no Princípios está a origem de todos eles 2 2 O conceito não nasceu todo feito da cabeça de Marshall pois se sabe que Cournot já trabalhara com ele mas foi Marshall quem o elaborou de maneira cuidadosa 91 Os fundamentos do preço próprio e intrínseco são primeiramente a aptidão que as coisas têm de servirem às necessidades às comodidades ou aos prazeres da vida numa palavra sua utilidade e sua raridade Digo primeiramente sua utilidade e entendo por isso não apenas uma utilidade real mas também a que não passa de arbitrária ou de fantasia como a das pedras preciosas daí decorre que se diga comumente que uma coisa que não tem nenhum uso é de preço nulo Mas apenas a utilidade quiçá real ela seja não basta para dar um preço às coisas é preciso ainda considerar sua raridade isto é a dificuldade que se tem de obter essas coisas e que faz com que cada qual não as possa facilmente obter tanto quanto queira Porque em vez de ser a necessidade que se tem de uma coisa o que decide seu preço vêse comumente que as coisas mais necessárias à vida humana são aquelas que custam mais barato como a água comum A raridade apenas também não é suficiente para dar um preço às coisas é preciso que tenham ademais alguma utilidade Como são esses os verdadeiros fundamentos do preço das coisas são também essas mesmas circunstâncias combinadas diferentemente que o aumentam ou o diminuem Se a moda de uma coisa passa ou poucas pessoas fazem uso dela imediatamente ela se torna barata não importa o quanto tivesse sido cara anteriormente Se uma coisa comum ao contrário que não custava nada ou muito pouco tornase um pouco rara começa logo a ter um preço e algumas vezes até mesmo um preço alto como acontece por exemplo com a água em lugares áridos ou em certo período durante um cerco ou uma navegação etc Em uma palavra todas as circunstâncias particulares que concorrem para a alta do preço de uma coisa podem ser relacionadas com a sua raridade Tais são a dificuldade de uma obra sua delicadeza e a reputação do operário Podese relacionar à mesma razão aquilo que se chama preço de inclinação ou de afeição quando alguém estima uma coisa que possui além do preço que se lhe dá comumente e isso por uma razão particular por exemplo se ela serviu para tirálo de um grande perigo se ela é um monumento de algum acontecimento notável se é um atributo de honra etc 2 Estas palavras dispensam comentário Walras continua o capítulo falando sobre Gossem Jevons e Carl Menger e das idéias desses autores sobre a teoria do valor B O equilíbrio geral Cournot escreve o seguinte no Capítulo 2 de seu Princípios matemáticos da teoria da riqueza 1838 Até agora estudamos como a lei da demanda em relação com as condições de produção determina para cada bem seu preço e regula a renda dos produtores Consideramos como dados e invariáveis os preços dos outros bens e as rendas de seus produtores Mas na realidade o sistema econômico é um conjunto no qual todas suas partes estão relacionadas entre si e se influem mutuamente Um aumento na renda dos produtores do bem A afetará a demanda dos bens B C etc assim como as rendas de seus produtores e em virtude desta reação originarseá uma mudança na demanda do bem A Parece portanto como se para uma solução completa e rigorosa dos problemas relativos a algumas partes do sistema econômico fosse indispensável ter em conta a totalidade do mesmo Mas isto superaria a capacidade de nossa análise matemática e de nossos métodos práticos de cálculo ainda no caso em que se pudessem atribuir valores numéricos a todas as constantes O problema ao qual Walras dedica todo seu esforço é exatamente este sugerido por Cournot Este percebe a interdependência de todas as variáveis econômicas mas chega à conclusão de que é impossível uma abordagem matemática deste problema no campo empírico Walras deixa de lado o problema empírico e concentrase na possibilidade teórica de uma solução puramente matemática O problema de Cournot era mais econométrico O de Walras é puramente matemático Ele quer mostrar três coisas primeiro que a interdependência entre todas as variáveis econômicas é suscetível de um tratamento rigorosamente matemático Segundo que este mercado interdependente pode chegar ao equilíbrio geral e terceiro que a livre concorrência é a força que leva o mercado ao equilíbrio Para construir seu sistema de equações Walras começa fazendo a distinção entre mercado de produtos e mercado de fatores Lembrese de que os fatores de produção para os neoclássicos são trabalho capital e recursos naturais No mercado de produto os consumidores demandam bens e serviços No mercado de fatores as empresas demandam fatores de produção As empresas são compradoras no mercado de fatores e vendedoras no mercado de produtos Qualquer alteração de preços em qualquer destes mercados alterará todas as demais variáveis do sistema econômico Esta é a idéia central que Walras tenta desenvolver no seu Elementos buscando aproximarse o mais possível das situações reais Devido à abordagem matemática a obra de Walras ficou restrita a um grupo muito pequeno de especialistas Pouco a pouco e muito lentamente ela foi chamando a atenção de alguns economistas Mas a realização de Walras foi de enorme significado para o progresso da ciência econômica Foi ele que chamou a atenção para a tremenda complexidade do tratamento de uma simples questão econômica Criticase muito hoje e com razão as suposições irrealistas dos neoclássicos principalmente quando ao abordarem determinado problema avançam a cláusula coeteris paribus Esta crítica não atinge Walras pois o que sua obra procura mostrar é precisamente o irrealismo teórico de um coeteris paribus Este foi um avanço substantivo Mas Walras revoluciona também o método de abordagem 3 Coeteris paribus é expressão latina que significa mantidas constantes todos os demais fatores ou não considerando alterações significativas nos demais fatores que entram na equação das questões econômicas ao mostrar as possibilidades da Matemática neste campo Foi um dos grandes precursores da Economia Matemática e terá seguidores eminentes como Pareto Fisher Hicks Leontieff von Neumann e muitos outros 1012 Vilfredo Pareto 18481923 Embora Pareto tenha sido o sucessor de Walras na cadeira de Lausanne estes dois homens foram muito diferentes um do outro Walras francês de classe média era reformista e otimista Pareto italiano de família nobre era pessimista e cético Desprezava a sociedade e era até certo ponto um homem amargo No entanto a vida profissional de Pareto foi sempre coroada de êxitos Engenheiro alto executivo de estradas de ferro e mais tarde de indústrias pesadas na Itália sempre ocupou cargos administrativos Como executivo teve de entrar em problemas econômicos e através deles foi levado à teoria Mas seus estudos teóricos neste campo só tomaram corpo após seu ingresso na escola de Lausanne A vida profissional de Pareto abarcou sucessivamente três campos distintos ele foi engenheiro economista e sociólogo Sobre sociologia escreveu uma obra volumosa Teoria geral da sociologia que apareceu em 1916 Como economista deixou duas obras Curso de economia política 2 vol 18961897 e Manual de economia política 1906 No Curso Pareto está ainda muito próximo de Walras e dá prosseguimento à obra deste último na linha matemática Já no Manual embora continue na linha matemática Pareto afastase bastante de seu predecessor Já não aceita a teoria da utilidade como fora apresentada por Walras Menger e Jevons e propõe inclusive que se abandone o termo utilidade trocandoo por ofelimidade termo de origem grega sem conotação moral Pareto diz que o termo utilidade está mal empregado porque numa escala de preferências nem sempre se escolhe o que é mais útil Se a pessoa preferir a bebida alcoólica à alimentação ela não estará fazendo uma escolha entre utilidades mas entre uma nocividade e uma utilidade Neste caso para ele o termo ofelimidade seria mais realista É este aliás o termo que aparece no Manual mas que não teve aceitação entre os economistas Nega também que se possa medir ou somar utilidades Todo processo de escolha envolve uma escala de prioridades e é esta escala que deve ser estudada Para isto Pareto recorre às curvas de indiferença que ele desenvolveu partindo de uma idéia do economista inglês Francis Ysidro Edgeworth Esta foi uma das contribuições permanentes de Pareto para a escola neoclássica No entanto durante muito tempo as curvas de indiferença só foram conhecidas dos especialistas Na década de 1930 Allen e Hicks trabalharam sobre a idéia e a divulgaram A partir do trabalho destes dois economistas e principalmente depois que John Hicks a empregou em seu livro Valor e capital4 as curvas de indiferença passaram a ocupar um lugar de destaque na teoria do consumidor de todos os manuais de microeconomia Aí está a origem da atual divisão entre teoria da utilidade cardinal e teoria da utilidade ordinal A partir de combinações de curvas de indiferença chegouse ao conceito de ótimo de Pareto situação teórica em que se verifica uma alocação ótima de recursos num sistema em equilíbrio geral No entanto Pareto contrariamente a outros neoclássicos não julga a concorrência perfeita e a livre iniciativa como as únicas forças capazes de levar o sistema ao melhor desempenho Para ele a economia pura não oferece critério decisivo para se escolher entre uma organização da sociedade capitalista ou socialista Este é outro ponto de divergência entre Pareto e Walras Para este último a situação criada pela livre concorrência é a melhor possível A Distribuição da renda A partir de grande número de dados empíricos colhidos em vários países Pareto pretendeu ter descoberto a fórmula capaz de expressar a lei da distribuição da renda Afirma ele após ter feito uma série de comparações entre curvas normais e curvas de distribuição da renda que estas últimas em todos os países apresentam notável semelhança5 A partir desta pretensa verificação científica pretensa porque desconsidera inúmeras outras variáveis institucionais que levam à assimetria na distribuição de rendimentos Pareto sugere que se trata de um fenômeno sujeito a leis imutáveis A idéia que se esconde atrás deste raciocínio é ideológica se os fatos e as curvas sempre se comportam como ele as descreve de pouco adiantará as políticas econômicas ou os esforços no sentido de uma melhor distribuição de renda Mas se as conclusões de Pareto não convencem elas pelo menos tiveram o mérito de abrir caminho para o uso de métodos sérios e cuidadosos no estudo da distribuição da renda Como dissemos no fim da vida Pareto dedicouse mais ao estudo da Sociologia Era cético desiludido desprezava as massas e não acreditava na democracia que ele identifica com demagogia Por isso não é de se estranhar que suas idéias agradassem aos fascistas que o agraciaram com o título de senador Pareto não deu importância alguma a este título e continuou sua vida de solitário desiludido 4 John Hicks economista inglês da escola de Oxford e um dos laureados com o prêmio Nobel de Economia Escreveu inúmeras obras e entre elas Valor e capital que lhe abriu o caminho para o prêmio Nobel Mais tarde Hicks rejeitou ou corrigiu muita coisa que apresentara em Valor e Capital 5 Ver Capítulo 7 do Manual de economia política v II p 29 ss da coleção Os Economistas da Abril Cultural O capítulo trata da população e é muito sugestivo para quem tem certo conhecimento de estatística 100 101 QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto permite que se responda às questões seguintes 1 Por que Walras se tornou famoso no campo da teoria econômica e qual a opinião de Schumpeter sobre ele 2 Quais as razões apresentadas por Walras para a estatização das terras Como ele via este assunto 3 Explique a teoria do valor de Walras Em que medida ela se afasta da teoria do valor de Ricardo 4 Como Walras encara o problema do equilibrio geral Qual a diferença entre a visão de Cournot e a de Walras neste campo 5 Quais as obras mais importantes de Vilfredo Pareto no campo da Economia 6 Como Pareto resolveu o problema da utilidade e que influência seus estudos neste campo tiveram sobre a moderna teoria neoclássica 7 Como Pareto encara o problema da distribuição da renda SUGESTÕES DE LEITURA Inúmeros livros que abordam a história do pensamento econômico falam de Walras e Pareto bem como da escola de Lausanne O leitor deve recorrer a estes livros mas não pode deixar de ir aos próprios autores PARETO Vilfredo Manual de economia política Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 v 2 WALRAS Léon Compêndio dos elementos de economia política pura Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 Apresentação do professor Dionísio Dias Carneiro da PUC do Rio 102 103 11 A Escola Austríaca De 1870 a 1930 surgiu na Áustria um grupo de economistas que marcou época e marcou também a história do pensamento econômico São os fundadores e continuadores da escola austríaca Na Alemanha a corrente da economia marginalista foi eclipsada pela escola histórica corrente de pensamento que desprezava o método dedutivo e só valorizava em Economia o estudo histórico dos fatos Do confronto entre as escolas clássica e marginalista de um lado que adotavam o método dedutivo e a escola histórica de outro surgirá uma das mais célebres polêmicas na história do pensamento econômico conhecida como batalha do método Methodenstreit O defensor mais famoso da escola teórica método dedutivo será Carl Menger fundador da escola austríaca Outros representantes famosos da mesma escola sãoEugen von BöhmBawerk e Friedrich Wieser Estes dois autores desenvolveram ampliaram e aprofundaram a obra de Carl Menger do qual eram discípulos mas discípulos do mesmo quilate intelectual do mestre Há autores que consideram BöhmBawerk como o maior economista da escola austríaca e um dos maiores economistas de todos os tempos O próprio Schumpeter o chama de Marx burguês Realmente boa parte da obra de BöhmBawerk é uma tentativa de refutação da obra de Marx Podemos acrescentar ainda que boa parte das respostas que os economistas neoclássicos de hoje dão às indagações e problemas levantados por Marx não passa de repetição das respostas de BöhmBawerk 111 CARL MENGER 18401921 Já sabemos que Carl Menger publicou seu Princípios de economia política em 1871 e foi juntamente com Jevons e Walras um dos três fundadores da chamada escola marginalista No entanto a obra de Menger não se tornou logo conhecida Hayek também pertencente à escola austríaca nota que se não fossem BöhmBawerk e Wieser que divulgaram o pensamento da escola austríaca no exterior o nome de Carl Menger talvez fosse 12 John Maynard Keynes e a Escola Keynesiana 121 INTRODUÇÃO Antes de abordarmos o estudo específico da obra de Keynes e principalmente a Teoria geral do emprego do juro e do dinheiro convém ressaltar dois pontos importantes O primeiro referese à própria situação teórica da análise econômica na época e o segundo à situação conjuntural da economia dos principais países capitalistas entre 1920 e 1936 A teoria econômica predominante na época é a teoria neoclássica principalmente em sua versão marshalliana Esta teoria tem como suposto a lei de Say segundo a qual o processo de produção capitalista é também um processo de geração de rendas lucro salário aluguéis etc e por isso a oferta cria sua própria demanda Acrescentese a isto a idéia de ajustamento automático da economia e teremos uma conclusão importante o sistema econômico considerado como um todo não pode admitir desemprego involuntário Tratase de uma decorrência natural dos supostos anteriores Se desemprego houver ele será temporário esporádico e parcial Esta a posição teórica da principal corrente econômica da época A realidade dos fatos desmentia a teoria O desemprego na Inglaterra continuava grande e persistente desde o início de 1920 Este desemprego alastravase por vários outros países da Europa Nos Estados Unidos após a quebra da bolsa de New York a porcentagem de desempregados assume proporções alarmantes Como reagiam os principais teóricos da época diante de um quadro destes Como explicavam eles esse descompasso entre teoria e prática Ou melhor por que persistiam em defender uma teoria que teimava em negar os fatos A explicação destes autores levava em conta o lado dos trabalhadores salários e sindicalismo e o lado das empresas monopólio e oligopólio Do lado dos trabalhadores diziam os defensores da teoria tradicional o salário já não obedece à lei da oferta e da procura Um novo fato institucional o sindicalismo impede que os salários desçam e com isso trompese artificialmente a lei da oferta e da procura de trabalho Os salários estão mais altos do que estariam se funcionasse o livre jogo do mercado As empresas deixam de contratar quando os salários se elevam muito e isto gera o desemprego Portanto a causa do desemprego são os altos salários Do lado das empresas também havia problemas Os neoclássicos sempre foram defensores decididos da concorrência perfeita Por concorrência perfeita entendase aquela estrutura de mercado em que prevalece grande número de pequenas empresas nenhuma delas com poder sobre o mercado produto homogêneo mobilidade de fatores etc Ora as empresas do início deste século estavam afastandose deste modelo Surgiam monopólios e oligopólios destruindo as características da concorrência perfeita e portanto a possibilidade de autoajustamento da economia Para esses autores o que estava errado não era a teoria eram os fatos Interessante ciência esta que pretende que os fatos se ajustem à teoria Mas a situação era esta Keynes colocase frontalmente contra essa linha de pensamento Ele será o primeiro autor de sucesso a apresentar uma versão teórica alternativa capaz de explicar o caos econômico da época É evidente que Keynes teve predecesso res Malthus Sismondi Marx Robertson Wicksell mas a Teoria geral por motivos que não nos cabe analisar aqui foi a alternativa que teve êxito em desalojar as posições teóricas anteriores sintetizadas na lei de Say e na visão da economia como mecanismo autoajustável O contexto no qual surge a obra de Keynes é o de uma economia em recessão e até em depressão onde o desemprego de mãodeobra e de fatores produtivos é enorme com grande queda da renda nacional Keynes aponta duas grandes fraquezas do sistema capitalista o desemprego e a distribuição excessivamente desigual e arbitrária da renda e da riqueza Mas acha que estas fraquezas podem ser eliminadas Dentro em breve abordaremos as grandes linhas de seu pensamento Cabe assinalar aqui que sua contribuição foi decisiva não só no campo da teoria econômica mas também no campo da política econômica A chamada revolução keynesiana foi uma revolução na teoria econômica que abriu espaço para uma revolução na política econômica intervenção do Estado na economia Antes de Keynes muitos políticos já advogavam uma política de obras públicas capaz de abrandar a questão do desemprego O que não existia era coerência entre as medidas apregoadas e a teoria defendida A incoerência era total entre teoria e prática 110 111 Resumindo os clássicos1 apontavam como causa do desemprego a rigidez dos monopólios Monopólios dos sindicatos que impediam a flexibilidade dos salários e monopólio das empresas que impediam a concorrência perfeita Atribuíam os graves problemas da economia às imperfeições do mercado Na realidade como diz Pasinetti estes clássicos se referem a um mundo ideal ou até mítico que não é o mundo do capitalismo industrial A visão de Keynes é totalmente diversa Para ele não se trata de rigidez ou imperfeição do mercado Não se trata de voltar ao mundo ideal da concorrência perfeita Ele mostrará que o capitalismo funciona mal por deficiência de demanda e que esta deficiência é uma das características do sistema A grande contribuição de Keynes à teoria econômica é o princípio da demanda efetiva2 embora o sucesso de sua obra seja devido ao instrumental analítico por ele usado Sem este instrumental ele não teria conseguido transmitir a força deste princípio como aliás acontecera com seus predecesso res 122 DADOS BIOGRÁFICOS Keynes nasceu em Cambridge Inglaterra em 1883 e faleceu em Sussex em 1946 Teve vida agitada e sua atividade estendeuse por campos muito variados do saber da política e da arte Foi funcionário público professor conferencista assessor do tesouro britânico diretor do banco da Inglaterra político economista financista protetor das artes e colecionador de livros raros Representou a Inglaterra em várias reuniões importantes Participou ativamente da vida política social e econômica de sua época Mas o que o tornou conhecido no mundo todo foi sua obra de economista principalmente a Teoria geral que representou a ruptura com a teoria econômica prevalecente até então Keynes foi fruto da época vitoriana Para compreendêlo é preciso compreender sua época Seu pai John Neville Keynes era um professor de Economia muito preocupado com os problemas de metodologia científica e de lógica e íntimo amigo de Alfred Marshall Sua mãe Florence era uma das poucas mulheres da época que possuía um título universitário e chegou a ser reitora da universidade de Cambridge Keynes estudou Filosofia e Matemática Chegou mesmo a apresentar uma dissertação sobre Teoria das probabilidades com a qual pretendia ingressar no mundo acadêmico Esta dissertação não foi aceita inicialmente em Cambridge 1908 Abraça então o estudo da Economia Pouco depois a convite de Marshall e Pigou tornase professor de Economia em Cambridge mas sem vínculos formais com a universidade Sua dissertação 1 O termo clássico na pena de Keynes não tem o mesmo sentido que o adotado neste livro Keynes chama clássicos todos os autores que vão de Ricardo a Pigou incluindo os neoclássicos entre os clássicos Na realidade o autor que ele ataca na Teoria geral é Pigou discípulo e continuador de Marshall em Cambridge e que em 1933 escrevera The theory of unemployment 2 Ver PASINETTI Luigi Crescimento e distribuição de renda Ensaios de Teoria Econômica Rio de Janeiro Zahar 1979 cap 2 p 3562 Pasinetti é um reconhecido neoricardiano da universidade de Cambridge na Inglaterra 6 então reapresentada e aceita e ele assume formalmente a cadeira de Economia Permanece em Cambridge até 1915 De 1915 a 1919 trabalha no Tesouro Britânico onde já estivera antes Como membro do Tesouro representa a Inglaterra na Conferência de Paz de Paris Discorda da posição dos aliados que pretendem impor excessivos encargos de guerra à Alemanha Deixa a Conferência em protesto e escreve The economic consequences of the peace dez 1919 em que critica a posição aliada Este pequeno livro tornao famoso Alguns anos depois o livro se mostraria também profético Foi a falta de visão dos aliados na Conferência que alimentou a revolta alemã criando condições para a subida de Hitler ao poder São conhecidas as invectivas deste último ao Dictat de Versalhes O espírito picuinha vingativo e estúpido dos aliados contra a Alemanha lançará a Europa e o mundo na Segunda Guerra Mundial Keynes fora discípulo de Marshall e aceitava os ensinamentos ortodoxos Alguns de seus melhores biógrafos como Roy Harrod e Moggridge indicam o ano de 1925 como o ano de transição que culminará com a Teoria geral Mas a questão é controversa Sua grande obra A treatise on money escrita em 1930 ainda está longe da visão revolucionária da Teoria geral 1936 Esta última será fruto do esforço de Keynes e de suas discussões com um grupo de alunos e colegas privilegiados com os quais mantinha reuniões e debates freqüentes Entre estes estavam Austin Robinson Joan Robinson Richard Kahn James Meade Abba Lerner Sraffa e outros Formavam o chamado círculo que passou a reunirse inicialmente para discutir as idéias expostas por Keynes no Treatise já mencionado É defensável a tese de Dudley Dillard segundo a qual Keynes chegou ao rompimento com a doutrina clássica e à elaboração de uma teoria alternativa ao verificar que a política econômica decorrente dos postulados clássicos não resolvia os problemas concretos do desemprego Keynes era um espírito teórico e ao mesmo tempo pragmático A discrepância entre o diagnóstico e os remédios clássicos por um lado e a persistência da doença por outro não poderia deixálo indiferente Os instrumentos de política econômica clássica nada resolviam Era preciso explicar esse fracasso e criar um novo instrumental capaz de solucionar o problema A Teoria geral é uma resposta a esta situação 123 O ESQUEMA BÁSICO A preocupação básica de Keynes era determinar os principais fatores responsáveis pelo emprego numa economia industrial moderna Ao apontar tais fatores surgiu também as causas do desemprego Este era o grande problema da época e um dos pontos fracos do sistema capitalista Mas o emprego anda ligado à produção e à renda Estudar o nível de emprego é o mesmo que estudar o nível da renda ou da produção nacional Não se esqueça de que Keynes está tratando da economia como um todo 113 A linha de raciocínio de Keynes pode ser assim apresentada em termos de perguntas e respostas Que fatores explicam o nível de emprego numa sociedade industrial moderna O nível do emprego é determinado pelo nível de produção Quem determina o nível de produção A demanda efetiva Quem determina a demanda efetiva A resposta adequada a esta pergunta exige a decomposição da demanda em seus vários componentes Estamos supondo uma economia sem comércio exterior e sem governo para simplificar o modelo Nesse caso a demanda compõese de bens de consumo C e bens de investimento I Para apontarmos o que determina a demanda efetiva temos de estudar os determinantes do consumo e do investimento O consumo é uma função da renda Simbolizando consumo por C e renda por Y podemos escrever C fY Para Keynes o consumo agregado isto é o consumo de toda a sociedade é sempre menor que 1 Isto quer dizer que a sociedade como um todo sempre poupa parte de sua renda Não a consome toda O investimento é função das expectativas dos empresários quanto aos lucros futuros e da taxa de juros Em símbolos I f Ei onde I é o investimento E expectativa de lucros e i taxa de juros Veremos mais tarde a articulação entre estas variáveis É importante salientar que Keynes se afasta muito da ortodoxia Para ele o nível da renda ou da produção agregada é determinado pelo consumo e pelo investimento se nos restringirmos ao modelo simples Não basta escrever Y C I 1 É preciso ter em mente que existe um sentido de causalidade na equação 1 e que este sentido vai de consumo e investimento para renda ou seja a renda é determinada pelos gastos em consumo e pelos gastos em investimento O princípio da demanda efetiva diz exatamente isto É o ato de gastar que determina a renda Esta observação é mais importante do que parece Muitos keynesianos adulteraram o pensamento de Keynes E o caminho desta adulteração passa pelo desprezo do sentido de causalidade Transformar as equações de Keynes num sistema de equações simultâneas onde tudo depende de tudo à maneira dos esquemas de Léon Walras é destruir a substância mesma do pensamento de Keynes E é isto que muitos autores keynesianos fazem3 3 Existem hoje na vasta literatura sobre Keynes muitos autores que mostram que o pensamento desse economista foi reinterpretado de maneira equivocada por keynesianos posteriores Joan Robinson chamaos keynesianos bastardos Boa parte da obra de Joan Robinson é dedicada a demolir as idéias dos keynesianos bastardos Ver também a esse respeito PASINETTI Luigi Características antikeynesianas de certa literatura keynesiana In Crescimento e distribuição de renda Rio de Janeiro Zahar 1979 124 PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA O princípio da demanda efetiva é apresentado no Capítulo 3 da Teoria geral Este princípio é a grande inovação de Keynes e a essência da Teoria geral como ele mesmo confessa No entanto o Capítulo 3 não prima pela clareza O leitor não deve deixar de ler este capítulo assim como o Capítulo 5 da Teoria geral mas nós vamos abordar o problema de outro modo Começamos dizendo que o princípio da demanda efetiva é o oposto da lei de Say Poderíamos chamálo antilei de Say Afirma ele o primado dos gastos em consumo e investimento demanda sobre a produção oferta Em outras palavras quem determina o volume da produção é portanto o volume do emprego é a demanda efetiva que não é apenas a demanda efetivamente realizada mas ainda o que se espera seja gasto em consumo mais o que se espera seja gasto em investimento O problema da formação das expectativas dos capitalistas é sumamente importante e Keynes fala sobre isto nos Capítulos 5 e 12 da Teoria geral Suponhamos que a capacidade produtiva de um país seja dada mas que esta capacidade permaneça parcialmente ociosa Neste caso teríamos máquinas equipamentos e homens capacitados a trabalhar mas todos eles inativos Haveria capacidade produtiva potencial Para que haja produção efetiva é preciso que haja demanda efetiva As variações na demanda os produtores respondem variando a produção como nos diz Pasinetti ver Crescimento e distribuição de renda p 40 Este esquema é diferente do esquema neoclássico para o qual variações da demanda são causadoras de variações nos preços E o sistema de preços passa então ao primeiro plano determinando a produção O princípio da demanda efetiva não é novo Já era conhecido dos mercantilistas de Malthus de Sismondi de Marx e de muitos outros mas só foi aceito pelo establishment econômico após a Teoria geral O próprio Keynes mostrase perplexo diante deste fato Ao se referir ao debate travado entre Malthus e Ricardo sobre a insuficiência da demanda ele afirma o seguinte Ricardo conquistou a Inglaterra de maneira tão completa como a Santa Inquisição conquistara a Espanha E com a vitória de Ricardo a preocupação com a demanda efetiva desaparece da literatura econômica ortodoxa As consequências deste princípio são diametralmente opostas às apresentadas pelos neoclássicos Tomemos por exemplo os salários Para os neoclássicos e em especial para Pigou a quem Keynes ataca de modo específico o desemprego é causado por salários excessivamente altos Para eliminar o desemprego seria preciso baixar os salários Para Keynes a política adotada devia ser outra O desemprego é provocado por deficiência 114 115 Ver KEYNES John M Teoria geral do emprego do juro e do dinheiro São Paulo Abril Cultural 1983 p 34 de demanda A baixa dos salários poderia agravar a situação porque levaria a m desestímulo do consumo A queda do consumo levaria alguns empresários a arquivarem futuros projetos de investimentos ou até mesmo a diminuírem a produção corrente Neste caso haveria aumento da capitalci ode e portanto desemprego Para que as fábricas antigas continuem produzindo é preciso que novas fábricas sejam criadas Nesse processo de criação de novas fábricas investimento há geração de mais renda que se encaminhará para a compra de produtos novos e antigos O princípio da demanda efetiva é tão simples c nos parece tão evidente que causa espanto ter ele permanecido oculto por mais de um século Mas se o princípio é simples as consequências dele decorrentes no plano da política econômica são enormes Por exemplo ele significa o fim do laissezfaire e do liberalismo econômico A demanda efetiva pode ser maior ou menor que a capacidade produtiva de um país em determinado momento Se for menor teremos desemprego Se for maior teremos inflação Não existe nenhum mecanismo de ajustamento automático capaz de igualar a oferta e a demanda no nível de pleno emprego como preconizavam os clássicos com base na lei de Say Naturalmente existe uma combinação óptima de consumo e investimento que leva a demanda a se igualar à oferta no pleno emprego mas está é uma das inúmeras combinações possíveis É um caso especial dentro de um quadro de muitas outras possibilidades Por esta razão Keynes chamou seu livro de Teoria Geral O caso clássico de equilíbrio com pleno emprego é uma de muitas alternativas possíveis seria um caso de difícil ocorrência Fixado o princípio de que não existem forças de autoajustamento na economia abrese o campo para a política econômica A busca do pleno emprego tornase um dos objetivos da macroeconomia mas um objetivo que deve ser alcançado por vontade política O sistema capitalista aparece em toda sua luz isto é como um sistema instável sujeito a oscilações O caráter intrinsecamente instável do sistema capitalista é uma das muitas decorrências do princípio da demanda efetiva Este fato ficará mais claro ao examinarmos o investimento que é o componente mais importante da demanda 125 CONSUMO E PROPENSÃO MARGINAL A CONSUMIR No modelo fechado e sem governo o consumo e o investimento determinam o volume da produção de uma comunidade Sabemos que o consumo é função da renda Ao aumentar a renda de uma comunidade aumentará também o consumo mas em proporção menor que o aumento da renda Isto quer dizer que para a comunidade como um todo nem toda a renda é consumida Parte dela é poupada Sendo assim é evidente que cada aumento unitário da renda pode ser decomposto em consumo e poupança Suponhamos que para cada aumento de mil cruzados na renda oitocentos cruzados sejam aplicados em consumo A esta porcentagem do aumento da renda aplicada em consumo Keynes chamou propensão marginal a consumir No nosso exemplo a propensão marginal a consumir é 08 porque ao aumentar a renda em mil cruzados oitocentos foram gastos em consumo 8001000 Neste mesmo exemplo a porcentagem não aplicada em consumo é a propensão marginal a poupar É evidente que a propensão marginal a consumir que denotaremos por PMgC será o complemento da propensão marginal a poupar PMgS A soma destas duas propensões deverá ser 1 posto que uma é o complemento da outra O quadro abaixo esclarece o que dissemos PMgC PMgS 09 01 08 02 07 03 Segundo Keynes quanto mais pobre a comunidade maior será sua propensão marginal a consumir Uma comunidade pobre tenderá a aplicar quase tudo que recebe em consumo Por outro lado uma comunidade rica tenderá a aplicar menos em consumo Isto pode causar problemas porque já vimos que o consumo é um dos componentes da demanda efetiva Sabemos que o consumo é função da renda e que nem toda a renda é consumida Existe ainda uma parcela do consumo que independe do volume da renda Esta parcela corresponde ao que a comunidade necessita para sobreviver Chamamos este consumo de autônomo Por que autônomo Porque qualquer que seja a renda este montante será consumido Podemos agora escrever a função consumo assim C Co bY onde Co é o consumo autônomo b é a propensão marginal a consumir 0 b 1 Y é a renda Quanto maior a renda maior o consumo 117 QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto dá condições para que se responda às questões seguintes 1 Como os clássicos no sentido de Keynes explicavam o desemprego uma vez que segundo suas teorias não poderia existir desemprego involuntário nem permanente 2 Fale um pouco sobre o contexto em que surgiu a Teoria geral 3 Keynes aponta duas grandes falhas no sistema capitalista Quais são elas 4 Contemporâneos de Keynes já advogavam uma política de gastos públicos para eliminar o desemprego Um desses contemporâneos foi Lloyd George exprimeiro ministro e antigo chefe de Keynes na Conferência de Versalhes cuja política de gastos públicos foi defendida por Keynes no ensaio Can Lloyd George do it Qual a contribuição da Teoria geral a esse tipo de política 5 Uma das grandes contribuições de Keynes foi a apresentação do princípio da demanda efetiva Este princípio contudo já era conhecido antes O que o tornou mais aceitável a partir de Keynes 6 Escreva sobre as opiniões e sobre o comportamento de Keynes na Conferência de Versalhes 7 Como Dillard explica o rompimento de Keynes com a teoria marshalliana 8 Qual o problema central da Teoria geral e como Keynes desenvolve sua argumentação para responder a este problema 9 Como Keynes e Pigou encaravam os salários e sua relação com o desemprego 10 Escreva sobre a função consumo na teoria de Keynes e explique o que é propensão marginal a consumir SUGESTÕES DE LEITURA LEKACHMAN Robert Teoria geral de Keynes trinta anos de debates São Paulo Ibrasa 1968 Tratase de um livro organizado por Lekachman e que apresenta reflexões de economistas renomados sobre diversos aspectos da obra de Keynes ROBINSON Joan Contribuições à economia moderna Rio de Janeiro Zahar 1979 Vários aspectos da obra e da vida de Keynes são abordados nos primeiros capítulos deste livro DEANE Phyllis A evolução das idéias econômicas Rio de Janeiro Zahar 1980 Ler o capítulo 12 sobre a revolução keynesiana 118 13 Investimento e Eficiência Marginal do Capital O investimento comportase de modo bem diverso do consumo Já vimos que no curto prazo ele é função da rentabilidade esperada dos vários projetos e da taxa de juros Observe o esquema abaixo Taxa de retorno e taxa de juros 7 6 5 4 3 2 1 4 A B C D E F Investimento Figura 1 No eixo das ordenadas estão a taxa de lucro esperada ou taxa de retorno e as taxas de juros tratase de possíveis taxas de juros No eixo 119 das abcissas estão os vários projetos de investimento que um empresário tem diante de si e que chamamos projeto A B etc Supondo uma taxa de juros de 4 como indica a figura o empresário escolherá todos aqueles projetos que tiverem uma taxa de retorno superior a 4 Os projetos A B e C oferecem taxas de retorno superiores a 4 Os projetos restantes D E e F serão rejeitados por oferecerem taxas inferiores a 4 É importante assinalar que o gráfico da Figura 1 se refere a expectativas do empresário É o empresário olhando para o futuro Como o futuro é incerto estas expectativas variam muito Daí a instabilidade dos investimentos particulares no interior do sistema capitalista As expectativas de lucro dos empresários recebem de Keynes um nome específico eficiência marginal do capital Vamos precisar melhor este conceito Keynes tomou a idéia de Irving Fisher como nos esclarece no texto abaixo O sentido de eficiência do capital do qual me valho e que constitui em minha opinião a única definição do termo que faz sentido foi usado pela primeira vez na teoria econômica por Irving Fisher em sua Theory of Interest 1930 sob a denominação de taxa de retorno sobre o custo Creio que esta concepção é a mais importante e produtiva das suas recentes sugestões originais1 Vamos esclarecer melhor o assunto Suponha que determinado empresário queira comprar certa máquina por 1000 mil unidades monetárias Isto é o que ele gastará ao investir na máquina É o montante a ser investido ou na linguagem de Keynes é o preço de oferta da máquina Ao pensar em comprar a máquina terá previsto da maneira mais realista possível os rendimentos líquidos que esta máquina lhe proporcionará ao longo de sua vida útil Suponhamos que estes rendimentos futuros sejam de 200 por ano durante oito anos Oito anos é a vida útil da máquina Esquematicamente teríamos 200 200 200 200 200 200 200 200 1 2 3 4 5 6 7 8 1000 1 Ver a esse respeito o artigo A teoria da taxa de juros 1937 do livro Keynes incluído na coleção Grandes Cientistas Sociais São Paulo Ática 1978 Traduzi Rate of Return over Cost por Taxa de Retorno sobre o Custo e não taxa de rendimento porque esta expressão é hoje comumente conhecida como taxa de retorno A flecha voltada para baixo significa o desembolso para a compra da máquina e as flechas voltadas para cima os rendimentos líquidos que tal máquina proporciona Existe uma taxa de desconto que faz com que estes oito rendimentos líquidos futuros trazidos para o valor presente sejam iguais ao preço de oferta da máquina 1000 É esta taxa que Keynes chama eficiência marginal do capital Ela será comparada com a melhor taxa oferecida no mercado financeiro se for maior que a taxa do mercado financeiro valerá a pena comprar a máquina Caso contrário será melhor aplicar o dinheiro no mercado financeiro que estaria dando um rendimento maior que a máquina No exemplo acima a taxa de desconto que iguala os oito rendimentos líquidos ao custo do capital é de 12 Hoje a eficiência marginal do capital exatamente como Fisher e Keynes a apresentaram recebe o nome de taxa interna de retorno TIR À taxa interna de retorno é comparada com a taxa de mercado taxa cobrada para financiar os investimentos ou com o custo do capital Se a TIR for maior que a taxa de mercado ou do que o custo do capital escolhese o projeto Caso contrário rejeitase o projeto Antes de entrarmos em exemplos concretos vamos apresentar duas definições da taxa interna de retorno Chamase taxa interna de retorno aquela taxa que iguala o valor presente dos rendimentos líquidos futuros ao custo do investimento Observe duas coisas 1 Falamos em rendimentos líquidos futuros Eles não existem ainda São esperados Fazem parte de um horizonte de expectativas 2 Estes rendimentos líquidos futuros devem ser trazidos para o valor presente Nas palavras de Keynes defin o a eficiência marginal do capital como sendo a taxa de desconto que tornaria o valor presente do fluxo de anuidades das rendas esperadas desse capital durante toda sua existência exatamente igual ao seu preço de oferta2 Agora estamos aptos a compreender o problema do investimento A taxa de juros não é fixa Ela pode subir ou descer Se subir poderá inviabilizar muitos projetos de investimento Se descer poderá viabilizar projetos que antes não eram viáveis Volte à Figura 1 Se a taxa de juros subir para 5 por período só os projetos A e B serão viáveis Se descer para 1 todos os projetos A B C D E e F serão viáveis 2 KEYNES John Maynard Teoria geral do emprego do juro e do dinheiro São Paulo Abril Cultural 1983 p 101 121
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
28
Historia do Pensamento Economico - Stanley L Brue - Resumo Completo
Economia Internacional
UEPB
3
Internacionalização de MPEs Brasileiras - Estratégias e Vantagens
Economia Internacional
FMU
3
Internacionalização de Empresas - Exportação e Contrato de Assembly
Economia Internacional
FMU
2
Finanças Internacionais: Exposição Cambial, Fluxo de Caixa e DRE - Estudo de Caso
Economia Internacional
FEEVALE
2
Analise Intervencoes Mercado de Cambio Banco Central Reservas Internacionais
Economia Internacional
PUC
47
Integração Regional e Negociações Internacionais: Conceitos e Efeitos
Economia Internacional
UNIARA
12
Projeto A3 - Importação de Couro Sintético da China para Fabricação de Assentos Automotivos
Economia Internacional
CSJT
15
Internacionalizacao de Empresas - Avaliacao sobre Exportacao Industria Calcados
Economia Internacional
FEEVALE
24
Desvalorização Cambial e Estratégias de Negócios - Análise Sabores e Pergamus
Economia Internacional
UVA
31
Analise do Comercio EUA e Canada seculo XIX aos dias atuais
Economia Internacional
FGV
Preview text
Carlos Roberto Vieira Araújo História do Pensamento Econômico Uma Abordagem Introdutória CENAP FAAP CENTRO SUPERIOR DE APERFEIÇOAMENTO PROFISSIONAL Rua Alagoas nº 903 prédio 5 3º andar CEP 01242001 Tel 8264657 R 1168 EDITORA ATLAS SA Rua Conselheiro Nébias 1384 Campos Elísios Caixa Postal 7186 Tel 011 2219144 PABX 01203 São Paulo SP SÃO PAULO EDITORA ATLAS SA 1989 c 1986 by EDITORA ATLAS SA Rua Conselheiro Nébias 1384 Campos Elísios Caixa Postal 7186 Tel 011 2219144 PABX 01203 São Paulo SP 1ª Edição 1986 3a tiragem 1989 ISBN 8522401489 Impresso no BrasilPrinted in Brazil Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto nº 1825 de 20 de dezembro de 1907 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio salvo com autorização por escrito do Editor Diagramação Pavel Gerencer Capa Paulo Ferreira Leite Dados de Catalogação na Publicação CIP Internacional Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Araújo Carlos Roberto Vieira História do pensamento econômico uma abordagem introdutória Carlos Roberto Vieira Araújo São Paulo Atlas 1988 Bibliografia ISBN 8522401489 1 Economia 2 Economia História I Título CDD33009 3301 860539 Índices para catálogo sistemático 1 Economia História 33009 2 Economia Sistemas e teoria 3301 3 Pensamento econômico História 33009 4 Teorias econômicas 3301 Sumário Prefácio 11 1 CIENCIA E IDEOLOGIA 15 Questões para revisão 19 Sugestões de leitura 20 2 A ESCOLA CLÁSSICA 21 Questões para revisão 25 Sugestões de leitura 26 3 A ESCOLA CLÁSSICA 27 31 Adam Smith 17231790 27 311 Idéias importantes 29 Questões para revisão 32 Sugestões de leitura 32 4 A ESCOLA CLÁSSICA 33 41 David Ricardo 17721823 33 411 Dados biográficos 33 412 Idéias importantes 35 A Teoria do valor 35 B Teoria da repartição 37 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO Uma Abordagem Introdutória Este livro fugindo da tendência das obras que elegem um modelo como verdadeiro e procuram reduzir todos os demais a este paradigma tem dois propósitos definidos expor as principais correntes do pensamento econômico que se cristalizaram em escolas e incentivar a volta às fontes desse pensamento A história do pensamento econômico por mais científica que se pretenda não escapa a certo subjetivismo Negar isso é negar o próprio processo de produção do saber no campo das ciências sociais onde todo fato é de alguma forma valorado Este livro caminha nesta direção procurando mostrar que os grandes economistas sempre partiram de problemas concretos típicos de sua época levando em conta explícita ou implicitamente certo ideal de sociedade Nesse sentido a economia pode deixar de considerar a ideologia e seus reflexos na formação do pensamento econômico A ideologia na economia foi aqui tratada com seriedade profundidade e rigor Há uma posição contrária a esta que julga possível a construção de uma ciência econômica sem referência explícita à forma de sociedade existente e às forças econômicas sociais e políticas atuantes no interior dessa sociedade Esta posição tipicamente neopositivista foi abandonada neste livro cujo fio condutor é a noção de historicidade como categoria básica na formação do pensamento econômico Ao final de cada unidade são apresentadas questões para verificação da aprendizagem e uma pequena bibliografia comentada que chama a atenção para a obra dos grandes economistas NOTA SOBRE O AUTOR CARLOS ROBERTO VIEIRA DE ARAÚJO é mestre pela Fundação Getúlio Vargas EAESP com especialização em economia de empresas Coordenador do curso de pósgraduação da Escola Superior de Administração de Negócios ESAN SP É professor da ESAN e do curso de pósgraduação em Teoria do Investimento da PUCCAMP PUC Campinas APLICAÇÃO Livrotexto para a disciplina HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO do cur de Economia Leitura complementar para a disciplina INTRODUÇÃO À EGONOM em que se estudam as várias correntes do pensamento econômico possibilitando leitor a informação e a crítica das várias propostas de interpretação da realidade publicação atlas ISBN 8522401489 Carlos Roberto Vieira Araújo História do Pensamento ECONÔMICO Uma abordagem introdutória 413 Teoria da evolução econômica 40 A Salários lucros e investimentos 40 414 Teoria das vantagens comparativas 42 Questões para revisão 43 Sugestões de leitura 44 5 ESCOLA CLÁSSICA 45 51 Thomas Malthus 17661834 45 511 Dados biográficos 45 512 Idéias importantes 46 Questões para revisão 48 Sugestões de leitura 48 6 O PENSAMENTO DE KARL MARX 49 61 Karl Marx 18181883 49 611 Observações preliminares 49 612 Dados biográficos 49 613 Conceitos importantes 52 614 O que é capital 53 615 Quatro esclarecimentos 55 Questões para revisão 57 Sugestões de leitura 57 7 VALOR E MAISVALIA 58 71 O valor da força de trabalho 61 72 Maisvalia absoluta e maisvalia relativa 62 73 Os componentes do valor 65 74 Taxa de maisvalia 66 75 Composição orgânica do capital 67 76 Taxa de lucro 67 77 O exército industrial de reserva 69 78 Acumulação de capital a forma capitalista de acumulação 70 Questões para revisão 73 Sugestões de leitura 73 8 A ERA NEOCLÁSSICA 18701930 75 81 Valor utilidade total utilidade marginal 77 82 Pontos comuns do movimento marginalista 81 821 Preocupação com o equilíbrio 81 822 Ênfase nos aspectos microeconômicos 84 823 Aceitação da lei de Say 84 83 A concorrência perfeita 85 84 A teoria da concorrência imperfeita 86 Questões para revisão 87 Sugestões de leitura 88 9 A ESCOLA DE CAMBRIDGE 89 91 Alfred Marshall 18421924 89 911 Alguns aspectos do Princípios de Marshall 91 912 Demanda oferta e valor 91 913 O tempo e a questão do valor 92 914 Custos crescentes constantes e decrescentes 93 Questões para revisão 94 Sugestões de leitura 94 10 A ESCOLA DE LAUSANNE 96 101 O equilíbrio geral 96 1011 Léon Walras 96 A A causa do valor de troca a raridade 97 B O equilíbrio geral 98 1012 Vilfredo Pareto 100 A Distribuição da renda 101 Questões para revisão 102 Sugestões de leitura 102 11 A ESCOLA AUSTRÍACA 103 111 Carl Manger 18401921 103 1111 Doutrina geral sobre os bens 104 1112 Doutrina sobre o valor 105 1113 Preocupações metodológicas 108 Questões para revisão 109 Sugestões de leitura 109 12 JOHN MAYNARD KEYNES E A ESCOLA KEYNESIANA 110 121 Introdução 110 122 Dados biográficos 112 123 O esquema básico 113 124 Princípio da demanda efetiva 115 125 Consumo e propensão marginal a consumir 116 Questões para revisão 118 Sugestões de leitura 118 13 INVESTIMENTO E EFICIÊNCIA MARGINAL DO CAPITAL 119 131 Taxa de juros e preferência pela liquidez 125 132 O multiplicador 128 133 Rápida revisão do esquema básico 131 134 Política econômica 132 135 Resultados das políticas keynesianas 133 136 Keynes e as várias escolas keynesianas 134 Questões para revisão 135 Sugestões de leitura 135 14 MICHAL KALECKI 18991970 137 141 A problemática 137 142 A obra e suas características 139 143 Dados biográficos 139 144 A renda nacional e os determinantes do lucro equação simples 141 145 Os salários e os lucros 143 146 A renda nacional e os determinantes do lucro equação ampliada 144 147 Fatores determinantes das parcelas que compõem a renda nacional 145 1471 Determinantes do investimento 146 A Taxa de juros 146 B Taxa de juros a curto prazo 146 C Taxa de juros a longo prazo 147 D Patrimônio líquido 148 E Os determinantes do investimento propriamente ditos 148 F Nova tentativa 150 1472 Determinantes de consumo 151 1473 Determinantes do saldo de exportação 152 1474 Determinantes do déficit orçamentário 153 148 Países subdesenvolvidos 154 149 Socialismo versus capitalismo 155 Questões para revisão 157 Sugestões de leitura 158 Não falamos de todas as correntes do pensamento atual Ao falarmos das escolas procuramos ressaltar aquilo que cada uma delas tem de mais significativo Por exemplo a escola clássica preocupase basicamente com o problema do crescimento econômico e com o papel das classes sociais nesse processo apoiandose nas forças do livre jogo do mercado A escola neoclássica deixa de lado o problema das classes aceita a sociedade como capitalista isto é um dado para ela Dentro desse contexto procura estudar a alocação ótima de recursos tirando partido das leis do mercado livre As deficiências verificadas em alguns sistemas econômicos por exemplo o subdesenvolvimento são diagnosticadas como carência de capitalismo e assim por diante como o leitor irá verificar No final de cada unidade existe uma série de perguntas sobre o texto O aluno que não conseguir responder a todas as perguntas deve voltar ao texto principal porque aí estão os elementos capazes de habilitálo a respondêlas Em seguida há sugestões para leituras posteriores com ênfase no estudo da obra dos grandes mestres O livro não tem pretensões de trazer nada de novo Sua única preocupação é com a clareza e com a didática Abordamos alguns pontos controversos sem a pretensão dogmática de impor qualquer visão No entanto é evidente que a perspectiva do autor preside a escolha dos temas e está implícita na importância atribuída a cada assunto Qualquer crítica será bemvinda porque não há possibilidade alguma de avanço científico sem o debate de idéias CARLOS ROBERTO V ARAUJO 11 Ciência e Ideologia Poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar a origem de suas próprias convicções Gostamos de continuar a crer no que nos acostumamos a aceitar como verdade Por isso a maior parte de nosso raciocínio consiste em descobrir argumentos para continuarmos a crer no que cremos J H ROBINSON Vamos iniciar este capítulo com uma indagação pouco comum o que é ideologia A razão desta pergunta bem como a relação existente entre ideologia e o assunto deste livro deve ficar clara no final do capítulo Adiantamos apenas que a abordagem de qualquer assunto científico principalmente no campo das ciências sociais deve levar em conta o conceito de ideologia Vejamos o que queremos dizer com isto Ao procurar conhecer o mundo que o cerca o homem lançou mão de muitos métodos mais ou menos eficientes o mito a magia a tradição a filosofia e a ciência moderna são alguns destes métodos Pelo mito e pela magia o homem procurou explicar e dominar as forças cósmicas que escapavam à sua inteligência como o raio o trovão e o fogo Estes fenômenos apareciam ao homem primitivo como deuses ou manifestações da divindade Só muito mais tarde foram explicados pela ciência É então ficamos sabendo que o raio era uma simples troca de eletricidade o trovão era um fenômeno explicável pelas leis da acústica e o fogo era um processo de oxiredução que obedecia a determinadas características No campo dos conhecimentos práticos a tradição teve enorme importância Décadas após décadas os conhecimentos iam acumulandose e eram cuidadosamente passados de geração para geração Com os gregos 3 Ao longo da história da humanidade o homem procurou várias vias do acesso à verdade Cite algumas dessas vias Você acha que a ciência é a única via de acesso ao conhecimento 4 Quais as duas funções da Ideologia 5 O que é ideologia O que é utopia SUGESTÕES DE LEITURA MEEK Ronald L Economia e ideologia Rio de Janeiro Zahar 1971 Livro muito interessante sobre o desenvolvimento do pensamento econômico A última parte trata especificamente do tema deste capítulo levando em conta a visão de Karl Marx Joseph Schumpeter e Joan Robinson HUNT SHERMAN História do pensamento econômico Petrópolis Vozes 1985 Ver principalmente o capitulo 1 RICOEUR Paul Interpretação e ideologias Rio de Janeiro Francisco Alves 1977 Para o leitor mais inclinado a problemas filosóficos é um ótimo livro MANNHEIM Karl Ideologia e utopia Rio de Janeiro Zahar 1968 Tratase de um clássico sobre o assunto embora seja de leitura maçante CHAUI Marilena O que é ideologia São Paulo Brasiliense 1980 Livro Interessante Merece ser lido mais de uma vez A escola clássica cujos principais representantes são Adam Smith Ricardo Malthus e John Stuart Mill só pode ser compreendida se levarmos em conta as condições institucionais e históricas em que nasceu Os clássicos sucedem aos mercantilistas e fisiocratas representantes de duas correntes anteriores que por não apresentarem um corpo doutrinário completo e coerente não constituíram escolas Esta divisão é arbitrária Sob outros critérios os fisiocratas pelo menos poderiam ser considerados como a primeira escola de economia1 Na época dos clássicos a importância crescente da indústria colocava fora de moda a visão naturista fisis natureza dos fisiocratas E a necessidade de maior liberdade comercial bem como de uma força de trabalho dotada de maior mobilidade mostravam que o excesso de regulamentação e intervenção governamental preconizado pelos mercantilistas já não se ajustava às necessidades da expansão econômica Estas duas correntes estavam sendo ultrapassadas pelos fatos Para os fisiocratas a verdadeira riqueza das nações estava na agricultura Num mundo essencialmente agrícola e constantemente ameaçado pela falta de alimentos isto não nos deve causar admiração Só a terra tinha a capacidade de multiplicar a riqueza Um grão de milho germina cresce e produz espigas com centenas de grãos Só a natureza fisis em grego significa natureza e crátein significa dominar é capaz do milagre da criação A indústria raciocinavam os fisiocratas não cria Apenas transforma insumos em produtos Os fisiocratas não levaram a sério o fato de a produtividade não ser apenas consequência da natureza O arado o trator os fertilizantes e a genética produtos da indústria podem quadruplicar uma colheita Isto está claro para nós hoje mas não foi objeto de um estudo atento por parte dos fisiocratas 1 Ver a esse respeito a História do pensamento econômico de Jacob Oser e William C Blanchfield São Paulo Atlas 1983 Os mercantilistas por seu lado preocupavamse sobretudo com a política econômica com saldos favoráveis na balança comercial com o estoque de metais preciosos e com o poder do Estado O Estado seria tanto mais forte quanto maior fosse seu estoque de metais preciosos Para alcançar isto ele deveria restringir as importações e estimular as exportações Mas esta é uma política inconseqüente Se todos os países restringirem suas importações quem conseguirá exportar As importações de um são as exportações do outro Não podia dar outra coisa A política mercantilista exacerbou o nacionalismo estimulou as guerras e uma maior presença do Estado nos assuntos econômicos Daí a necessidade imperiosa de regulamentações Sem levarmos em conta este contexto não compreenderemos a obra dos clássicos Eles estavam combatendo estas correntes já ultrapassadas pelos fatos e procurando explicar a seus contemporâneos o mundo novo que estava nascendo Estas são as condições institucionais e históricas de que falamos no início do capítulo Pode parecer arbitrário atribuir o mesmo rótulo a autores com idéias e posições tão diversas como por exemplo Ricardo e seu amigo Thomas Malthus Mas as discordâncias dos autores clássicos giravam em torno das mesmas preocupações fundamentais A abordagem que adotavam era também muito semelhante São as preocupações fundamentais e o tipo de abordagem dos problemas que definem a escola Quais seriam essas preocupações Em outras palavras quais os temas centrais da escola clássica A preocupação central de todos os autores clássicos é o crescimento econômico a longo prazo e o modo como a distribuição da renda entre as diversas classes sociais influencia este crescimento Modernamente poderíamos dizer que os clássicos estavam preocupados com uma teoria do crescimento econômico O crescimento se dá graças à acumulação do capital Como devemos entender a interrelação entre crescimento econômico e classes sociais Antes de entrarmos neste assunto vamos preparar o terreno A teoria neoclássica que é o paradigma predominante hoje nas escolas de economia do Brasil eliminou de seu campo de preocupações a questão das classes sociais Natura abhorret vacuum a natureza tem horror ao vácuo diziam os físicos prénewtonianos O mesmo se pode dizer da teoria neoclássica com relação às classes ela tem horror a este tema No entanto não poderemos entender nem os fisiocratas nem os clássicos se deixarmos de lado as classes sociais Para os fisiocratas a sociedade dividiase em camponeses latifundiários e artesãos Para os clássicos em trabalhadores latifundiários e capitalistas Cada uma dessas classes aufere determinada renda Parte dessa renda é consumida no sustento dos trabalhadores e das demais classes sociais A parte restante estará nas mãos dos capitalistas e dos latifundiários porque os trabalhadores destinam toda sua renda à subsistência Os latifundiários com seu consumo supérfluo ao desviarem parte da renda para si diminuem o excedente econômico a ser reinvestido O comportamento desta classe cria obstáculos ao crescimento econômico porque ela não se preocupa com a acumulação Os capitalistas por seu lado têm a função de acumular Eles estão sempre procurando reinvestir o excedente e criam assim as bases da expansão econômica Daí seu papel dinâmico e revolucionário para a época A visão que acabamos de apresentar é esquemática e simplificadora Nem todos os clássicos tinham esta visão do processo econômico Thomas Malthus por exemplo justificava o consumo supérfluo dos proprietários de terra latifundiários como sendo necessário para evitar a superprodução Embora a argumentação de Malthus não tenha sido convincente foi seguindo esta linha de raciocínio que ele se afastou da lei de Say e tornouse um dos precursores do princípio da demanda efetiva mais tarde brilhantemente defendido por John M Keynes2 O próprio Keynes dirá que a história do capitalismo teria sido outra se esta linha de raciocínio tivesse prevalecido sobre a linha de Ricardo que aceitara a lei de Say Por outro lado Karl Marx atacará Malthus por ver nele um dos defensores das classes improdutivas Pelo que acabamos de apresentar você já pode perceber que os pontos de vista dos diversos autores estão condicionados por sua visão do mundo isto é por aquilo que designamos como ideologia ou utopia Mencionamos poucas linhas atrás o termo improdutivo Para os clássicos algumas classes sociais eram improdutivas outras produtivas Tratase de um conceito importante entre eles pois procuraram uma teoria da criação de riquezas Também os fisiocratas empregavam os termos produtivo e improdutivo para analisar a realidade econômica Para estes últimos todas as classes eram improdutivas menos os agricultores Os clássicos herdaram a terminologia dos fisiocratas mas alteraramlhe o conteúdo Para eles trabalhadores produtivos eram todos aqueles que criavam a riqueza material da nação Os demais trabalhadores eram considerados improdutivos Por exemplo todos os trabalhadores do setor serviços como médicos advogados sacerdotes professores intelectuais etc caíam nesta última categoria Mas atenção Trabalho improdutivo não significa trabalho desnecessário ou inútil Alguns destes trabalhos são essenciais e eram tidos como tais pelos clássicos Os termos produtivo e improdutivo não trazem em si um julgamento de valor nem conotação negativa como um leitor menos avisado poderia supor São categorias para a análise da realidade econômica Para explicar o crescimento econômico eles foram obrigados a criar um instrumental analítico que lhes permitisse o exame da realidade Outro conceito intimamente relacionado com os anteriores essencial na teoria clássica é o do excedente econômico ao qual já aludimos É o destino do excedente que definirá o ritmo da acumulação Imagine o leitor determinado nível de excedente econômico num dado período de tempo Suponha dois cenários num deles o excedente fica nas mãos dos latifundiários e é gasto no consumo supérfluo Este destino do excedente cria obstáculos para o crescimento No segundo cenário o excedente cai nas mãos dos capitalistas que o reinvestem Neste segundo caso ele entra no circuito da criação de riquezas Não é sem razão que Adam Smith se torna um defensor fervoroso da frugalidade3 É interessante notar que a escola neoclássica posterior deixará de lado por completo o conceito de excedente Em parte porque a preocupação neoclássica é a alocação ótima dos recursos e não o crescimento e em parte também devido ao potencial explosivo que este conceito traz para o campo da economia O estudo da criação e apropriação do excedente pelas diversas classes toca em pontos delicados da organização social Tal estudo obrigaria a uma análise mais profunda dos critérios pelos quais o produto social se divide entre as diversas classes Num momento em que o capitalismo experimenta enorme êxito e os capitalistas se firmam como classe dominante não é difícil entender que tal tarefa seria desagradável Tanto mais que as contestações já eram fortes por parte do operariado Joan Robinson ao analisar o declínio da escola clássica por volta de 186070 atribui este declínio a duas causas uma teórica e outra ideológica São elas a incapacidade de dar resposta satisfatória a alguns problemas importantes no campo teórico a nãoadequação das explicações clássicas aos interesses da classe então dominante Em que sentido devemos entender esta última afirmação No sentido de que a organização produtiva e social da época estava possibilitando grande crescimento econômico A máquina de geração de riquezas funcionava bem Uma análise do tipo clássico preocupada com a distribuição do produto entre as classes e com o papel de cada classe na geração da riqueza chamaria a atenção para os pontos fracos do sistema e mostraria o poder oculto atrás da organização revelando a classe à qual este poder estava beneficiando Revelaria também o processo de transferência de renda de uma classe para outra Isto não era conveniente Poderia dar argumentos mais sólidos à contestação que já lavrava no seio da sociedade Todos nós sabemos que uma das estratégias de qualquer sistema de poder é manifestarse como não sendo poder O autoritarismo é o grande inimigo da autoridade Outro ponto importante os clássicos irão considerar a ciência econômica como um sistema regido por leis naturais às quais cabe obedecer Estas leis levariam o sistema ao equilíbrio e à autoregulação As consequências deste enfoque são importantes Primeiro se o sistema é capaz de autoregulação a interação entre as diversas forças econômicas deve leválo a uma situação ideal e à harmonia entre as classes desde que não haja interferências estranhas Daí a política do laissezfaire Esta expressão significa nãointervenção do Estado nas leis do mercado A grande majoria dos clássicos salvo Ricardo e poucos mais viam harmonia de interesses entre as diversas classes sociais e portanto não viam com bons olhos a ação governamental em favor dos pobres ou dos operários Se o mundo ainda não era o melhor dos mundos se a situação social era das piores tal fato deviase às intervenções e regulamentações governamentais que impediam o pleno funcionamento do sistema A situação social da maioria da população era calamitosa Qualquer viajante de um país industrial moderno que passasse pela Inglaterra entre 1770 e 1830 ficaria chocado com a miséria a subnutrição e a exploração do operariado A jornada de trabalho podia chegar a mais de 14 horas diárias Crianças e mulheres eram obrigadas a trabalhar em condições subhumanas As crianças às vezes eram amarradas às máquinas para não fugirem As condições de higiene também eram péssimas e os costumes brutais Não é de se admirar que a mortalidade infantil fosse elevada Existiam mulheres que haviam tido 20 filhos e todos haviam morrido A sorte era muito desigual para as diversas classes sociais Este era o preço que a sociedade estava pagando pela acumulação Um mundo novo nascia cheio de contrastes promessas e pesadelos Resumindo as principais características da escola clássica preocupação com o crescimento econômico a longo prazo preocupação com o destino do excedente e com o modo pelo qual a sua divisão entre as classes afeta o crescimento afirmação de que a economia é regida por leis naturais autoreguladoras que levam à harmonia social Portanto não há necessidade de intervenção do Estado nas leis do mercado laissezfaire QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do capítulo permite a resposta das questões seguintes 1 Que correntes a escola clássica teve de enfrentar e como respondeu a elas Tente responder considerando as transformações sociais e econômicas da época 2 Como você responderia à argumentação dos fisiocratas de que só a natureza multiplica a riqueza 3 Qual a inconseqüência da política mercantilista que preconizava exportar o máximo e importar o mínimo 4 Quais foram as consequências políticas e econômicas da visão mercantilista do mundo 5 Mostre as principais preocupações da escola clássica 6 Como os clássicos consideravam a ciência econômica 7 Como os autores clássicos explicavam o papel de cada classe dentro do sistema econômico 8 Explique como os clássicos mostraram que a chave para a compreensão do crescimento econômico estava na classe capitalista 9 O laissezfaire isto é a defesa intransigente da nãointervenção do Estado nas leis do mercado é consequência do modo como os clássicos viam a ciência econômica Explique esta afirmação 10 Você acha que existiu algum elemento ideológico que fez com que os neoclássicos abandonassem o conceito de excedente Explique SUGESTÕES DE LEITURA ROBINSON EATWELL Introdução à economia Rio de Janeiro Livros Técnicos e Científicos 1979 A primeira parte deste livro trata das várias escolas econômicas É claro e conciso OSER Jacob BLANCHFIELD William História do pensamento econômico São Paulo Atlas 1983 Tratase de um livro muito bem feito e que estuda todas as escolas econômicas com certo detalhe RIMA I H História do pensamento econômico São Paulo Atlas 1977 A grande utilidade deste livro é que ele apresenta um glossário de termos e conceitos no fim do cada capítulo Analisa todas as escolas a partir da visão neoclássica BARBER William J História do pensamento econômico Rio de Janeiro Zahar 1979 Livro excelente Toca em assuntos fundamentais com notável clareza HEILBRONER R L Introdução à história das idéias econômicas Rio de Janeiro Zahar 1981 Ver Capítulo 2 A revolução econômica Tratase de um livro excelente de fácil leitura e que nenhuma pessoa culta ou curiosa deveria deixar de ler Os livros aqui citados são aqueles aos quais qualquer aluno pode ter acesso Há livros excelentes sobre o assunto mas de difícil acesso como é o caso da História da análise econômica de Joseph Schumpeter Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1979 3 A Escola Clássica 31 ADAM SMITH 17231790 Adam Smith nasceu em Kircaldy na Escócia cidade com cerca de 1500 habitantes O pai morrerra antes do nascimento do filho Aos 4 anos o menino foi seqüestrado por um bando de ciganos e só foi libertado graças aos esforços de um tio Smith nunca se casou e viveu quase toda sua vida junto à mãe Às vezes esta permanência junto à mãe era interrompida por viagens de trabalho ou de estudo mas ele sempre voltava à casa materna ou pedia que a mãe o acompanhasse Aos 14 anos Adam Smith entrou para a Universidade de Glasgow onde se destacou como aluno brilhante O professor que mais o influenciou em Glasgow foi Francis Hutcheson livrepensador cujas opiniões se chocavam com as idéias da época Hutcheson tinha visão naturalista das questões morais e era firme adepto da liberdade política e religiosa Em 1740 com 17 anos ganha uma bolsa de estudos para o Balliol College de Oxford Permanecerá seis anos nesta universidade Não se dá bem em Oxford O ambiente era ruim pelo menos para ele e não encontrou estímulo junto aos professores Passou este período devorando livros mas sem orientação Uma prova de que a linha pedagógica de Oxford na época era obscurantista e fechada é que Adam Smith quase foi expulso da universidade por terem encontrado em seu quarto o Tratado da natureza humana de David Hume1 Cinco anos após deixar Oxford assume a cadeira de Lógica em Glasgow No ano seguinte assume a cadeira de Filosofia Moral deixada por Hutcheson seu antigo mestre O campo da Filosofia Moral era vasto 1 David Hume 171176 Filósofo de pensamento cético e pouco ortodoxo que deixou contribuições significativas para o desenvolvimento da economia Tornouse mais tarde grande amigo de Adam Smith com quem partilhava de muitas idéias em questões econômicas Hume insistiu muito com Smith para que este publicasse A riqueza das nações e compreendia disciplinas como Teologia Natural Ética Jurisprudência e Economia Política Só um espírito enciclopédico como o de Smith moverseia com facilidade neste vasto campo Smith ocupa esta cadeira de modo ininterrupto até 1762 ou 1764 Há discordância entre os autores sobre estas duas datas Em 1759 publica a Teoria dos sentimentos morais e ganha reputação nos meios acadêmicos A partir desse momento será olhado com outros olhos O próprio Charles Townshend2 homem eminente da época e mais tarde ministro das finanças da Inglaterra ofereceulhe a tutoria de seu enteado o duque de Buccleugh Adam Smith aceita a proposta e parte com o duque para a França A tutoria era uma espécie de curso universitário informal na Inglaterra daquela época Os membros da nobreza após fazerem o secundário podiam optar por este curso que era feito sob a orientação de um mestre eminente e em viagens por vários países Os tutores eram muito bem remunerados Após a tutoria que durava cerca de dois anos eles geralmente recebiam uma pensão vitalícia A oferta feita a Adam Smith foi de 300 libras anuais quantia muito superior às 170 libras anuais salário máximo que conseguiria em Glasgow A viagem à França abriulhe novos horizontes intelectuais Aí entrou em contato com os princípios fisiocráticos e com alguns de seus representantes mais eminentes como Turgot e François Quesnay Para ele até o momento o sistema fisiocrático era a maior aproximação da verdade em Economia Política É evidente que Smith via limitações neste sistema e sonhava com um sistema mais completo Um espírito nascido na Inglaterra de então profundamente agitado pelo ímpeto da industrialização não poderia aceitar a agricultura como a única fonte de riqueza Smith como os demais clássicos levará em conta a agricultura a indústria e o comércio Mas muita coisa ele aprendeu junto aos fisiocratas Um dos pontos em que Smith mais aplaudiu estes últimos foi a condenação radical que eles faziam da política mercantilista A admiração de Adam Smith por François Quesnay era enorme Tão grande que ele pretendia dedicarlhe sua obra máxima Quesnay morreu antes que Smith a tivesse terminado Foi também na França que dispondo de muito tempo livre empreendeu a enorme tarefa de escrever A riqueza das nações ou no seu título mais completo Uma indagação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações O livro saiu pela primeira vez em 1776 muito tempo depois de ter sido iniciado De início não teve a repercussão que merecia Na época ninguém imaginava a revolução que esta obra iria causar no estudo da Economia Política Nem mesmo o próprio Adam Smith Porque o impacto produzido pelo livro só pode ser explicado por uma conjunção favorável de fatores Estávamos nos inícios da industrialização e de um esforço impetuoso para a abertura de novos mercados As inúmeras regulamentações existentes na época relativas à liberdade comercial e industrial eram como que barreiras ao dinamismo empresarial que estava se iniciando na Inglaterra e que em breve contaminaria toda a Europa A obra de Smith é um libelo contra estas regulações contra a intervenção excessiva do governo na economia contra o monopólio concedido pelo Estado a algumas grandes companhias e contra as leis que dificultavam a mobilidade da força de trabalho lei dos pobres Enfim era um ataque cerrado à política mercantilista A argumentação era convincente por apoiarse numa visão global e coerente da ciência econômica Como ele argumentava em favor da livre iniciativa ganhou o apoio do empresariado que estava lutando exatamente por isto 311 Idéias importantes Ao tentar resumir uma obra tão vasta e rica de intuições estamos correndo o risco de parcialidade Constitui delicada tarefa resumir o pensamento de Smith Muitos poderão enfatizar outros aspectos da obra ou discordar dos selecionados aqui Que fazer Este livro tem limitação de páginas e selecionamos aquilo que nos pareceu importante no momento Nunca é demais repetir que o leitor não deve dispensar a leitura do texto original No caso de A riqueza das nações apesar do tamanho da obra o livro é de fácil e agradável leitura Smith preocupase com três problemas básicos a Que fatores são responsáveis pela riqueza das nações e como se dá o crescimento econômico b Que fatores impedem o desmoronamento da sociedade composta por pessoas essencialmente egoístas Ou seja como explicar a coesão social num mundo onde todos buscam os próprios interesses c Para onde caminha a sociedade Em que direção ela se move A causa da riqueza das nações é o trabalho humano Este trabalho pode gerar um produto anual maior ou menor dependendo de dois fatores divisão do trabalho e proporção de trabalhadores produtivos com relação aos improdutivos O fator decisivo é a divisão do trabalho Smith abre A riqueza das nações com uma verdadeira apologia da divisão do trabalho Para ele a divisão do trabalho resulta da tendência inata do homem para a troca e traz consigo uma série de conseqüências positivas como aumento da destreza pessoal economia de tempo e condições mais favoráveis para que os trabalhadores inventem ou aperfeiçoem máquinas e instrumentos que lhes poupem esforço Ao tentar ilustrar sua tese ele recorre a um exemplo que se tornou clássico na literatura econômica a fabricação de alfinetes Tomemos pois um exemplo tirado de uma manufatura muito pequena mas na qual a divisão do trabalho muitas vezes tem sido notada a fabricação de alfinetes Um operário não treinado para essa atividade nem familiarizado com as máquinas ali empregadas dificilmente poderia fabricar talvez um único alfinete em um dia empenhando o máximo de trabalho de qualquer forma certamente não conseguiria fabricar vinte Entretanto da forma como essa atividade é hoje executada não somente o trabalho todo constitui uma indústria específica mas ele está dividido em uma série de setores dos quais por sua vez a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial Um operário encara o arame um outro o endireita um terceiro o corta um quarto faz as pontas um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete Aí a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas as quais em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes ao passo que em outras o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas Vi uma pequena manufatura desse tipo com apenas 10 empregados e na qual alguns desses executavam 2 ou 3 operações diferentes Mas embora não fossem muito hábeis conseguiuam quando se esforçavam fabricar em torno de 12 libras de alfinetes por dia Ora 1 libra contém mais de 4 mil alfinetes de tamanho médio Por conseguinte essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia Assim já que cada pessoa conseguia fazer um décimo de 48 mil alfinetes por dia podese considerar que cada uma produzia 4800 alfinetes diariamente Se porém tivessem trabalhado independentemente uma da outra e sem que nenhuma delas tivesse sido treinada para esse ramo de atividade certamente cada uma não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia3 A citação mostra o enorme aumento da produtividade resultante da divisão do trabalho E quem determina a divisão do trabalho Já dissemos que segundo Smith ela decorre de nossa tendência inata para a troca Em outras palavras é condicionada pela extensão dos mercados A linha de raciocínio de Smith é perfeitamente lógica A produtividade decorre da divisão do trabalho esta decorre de nossas tendências inatas para a troca e esta por sua vez é estimulada pela ampliação dos mercados Portanto é preciso ampliar mercados para aumentar a produtividade e a riqueza No Capítulo 3 do Livro II de A riqueza das nações Smith aborda o tema da acumulação de capital e mostra como a acumulação aumenta as forças produtivas da nação A acumulação decorre da poupança Daí seu elogio da parcimônia e da frugalidade Este enfoque receberá mais tarde reparos por parte de Keynes como veremos em tempo oportuno Voltemos à segunda pergunta Que fatores impedem a dissolução de uma sociedade composta de pessoas essencialmente egoístas Aqui entram as considerações sobre as leis do mercado e a teoria da mão invisível de Adam Smith Todo ser humano é levado a agir pelo desejo de uma recompensa Este impulso é inato Inscrevese na natureza da pessoa Eis as palavras do próprio Smith Não é da bondade do açougueiro ou do padeiro que podemos esperar nosso jantar mas de seu interesse Nós nos dirigimos não a seu espírito humanitário mas ao seu interesse e nunca lhes falamos de nossas necessidades e sim de suas vantagens4 Mas a coisa não pára aí Ao seguir seus impulsos egoístas as pessoas interagem umas com as outras Assim a busca do próprio interesse leva ao mais inesperado dos resultados a harmonia social5 Esta harmonia foi provocada pelo confronto das pessoas no mercado ou seja pela competição Assim o choque entre egoísmo e competição leva ao melhor dos mundos Não se deve intervir nas leis do mercado deixada a si mesma a economia caminha para o melhor dos resultados conduzida por uma espécie de mão invisível Esta é a essência do que ficou conhecido como liberalismo econômico É uma consequência do suposto de Smith e dos clássicos em geral de que a economia é uma ciência regida por leis naturais universais e eternas tal como a física newtoniana Esta posição de Smith de nãointervenção do Estado nas leis do mercado foi em grande parte responsável pelo sucesso de sua obra Não nos esqueçamos de que nesta época a Inglaterra entrava numa nova era e as regulamentações decretos e demais intervenções governamentais impediam a livre movimentação do capital e do trabalho requerida pelos novos empresários Smith não era tão benevolente para com os empresários como dá a entender uma divulgação pouco fundada de suas principais idéias Seu arguto senso de observação levouo a verificar que os empresários raramente se reuniam para tratar de seus assuntos mas quando o faziam era para tramar algo contra o interesse dos consumidores ou para elevarem os preços Apesar desse registro sua obra dá argumentos sólidos para a defesa da burguesia nascente que combatia com todos os meios as regulamentações e os monopólios comerciais nascidos da legislação mercantilista Qual deveria ser então o papel do Estado para Smith O Estado deveria a proteger a sociedade contra os ataques externos b estabelecer a justiça e c manter obras e instituições necessárias à sociedades mas obras não lucrativas e que por isso não seriam empreendidas pela iniciativa privada Ao Estado caberia ainda o controle de emissão de papelmoeda que não deveria ficar nas mãos dos banqueiros o controle da taxa de juros em determinados casos e até mesmo a proteção da indústria nacional essencial à defesa do país Uma nãointervenção do Estado na economia não era a tese de Smith Por isso neste livro preferimos usar a expressão nãointervenção do Estado nas leis do mercado em vez de nãointervenção do Estado na economia Para onde caminha a sociedade Esta terceira indagação de Smith é uma decorrência da anterior e do papel que ele atribui à acumulação de capital resultante do aumento de produtividade provocado pela divisão do trabalho Embora fosse péssima a situação do operariado na época ele via com a tranqüila certeza dos que acreditam no determinismo das leis 2 Como ministro das finanças foi Townshend o responsável pela tributação adicional sobre o chá americano episódio muito conhecido e que levou as colônias à rebelião e à luta pela independência 28 311 Idéias importantes 29 humanitário mas ao seu interesse e nunca lhes falamos de nossas necessidades e sim de suas vantagens4 Mas a coisa não pára aí Ao seguir seus impulsos egoístas as pessoas interagem umas com as outras Assim a busca do próprio interesse leva ao mais inesperado dos resultados a harmonia social5 Esta harmonia foi provocada pelo confronto das pessoas no mercado ou seja pela competição Assim o choque entre egoísmo e competição leva ao melhor dos mundos Não se deve intervir nas leis do mercado deixada a si mesma a economia caminha para o melhor dos resultados conduzida por uma espécie de mão invisível Esta é a essência do que ficou conhecido como liberalismo econômico É uma consequência do suposto de Smith e dos clássicos em geral de que a economia é uma ciência regida por leis naturais universais e eternas tal como a física newtoniana Esta posição de Smith de nãointervenção do Estado nas leis do mercado foi em grande parte responsável pelo sucesso de sua obra Não nos esqueçamos de que nesta época a Inglaterra entrava numa nova era e as regulamentações decretos e demais intervenções governamentais impediam a livre movimentação do capital e do trabalho requerida pelos novos empresários Smith não era tão benevolente para com os empresários como dá a entender uma divulgação pouco fundada de suas principais idéias Seu arguto senso de observação levouo a verificar que os empresários raramente se reuniam para tratar de seus assuntos mas quando o faziam era para tramar algo contra o interesse dos consumidores ou para elevarem os preços Apesar desse registro sua obra dá argumentos sólidos para a defesa da burguesia nascente que combatia com todos os meios as regulamentações e os monopólios comerciais nascidos da legislação mercantilista Qual deveria ser então o papel do Estado para Smith O Estado deveria a proteger a sociedade contra os ataques externos b estabelecer a justiça e c manter obras e instituições necessárias à sociedades mas obras não lucrativas e que por isso não seriam empreendidas pela iniciativa privada Ao Estado caberia ainda o controle de emissão de papelmoeda que não deveria ficar nas mãos dos banqueiros o controle da taxa de juros em determinados casos e até mesmo a proteção da indústria nacional essencial à defesa do país Uma nãointervenção do Estado na economia não era a tese de Smith Por isso neste livro preferimos usar a expressão nãointervenção do Estado nas leis do mercado em vez de nãointervenção do Estado na economia Para onde caminha a sociedade Esta terceira indagação de Smith é uma decorrência da anterior e do papel que ele atribui à acumulação de capital resultante do aumento de produtividade provocado pela divisão do trabalho Embora fosse péssima a situação do operariado na época ele via com a tranqüila certeza dos que acreditam no determinismo das leis 30 3 SMITH Adam A riqueza das nações São Paulo Abril Cultural 1983 p 412 A citação foi abreviada 31 4 HEILBRONER R L Introdução à história das idéias econômicas 5 ed Rio de Janeiro Zahar p 43 5 HEILBRONER R L Op cit p 32 renda Veja o esquema abaixo onde o retângulo indica uma porção de terra capaz de produzir uma tonelada de trigo com certa quantidade fixa de trabalho e capital O retângulo pode significar também o custo de se produzir uma tonelada de trigo Custo de produção de 1 tonelada de trigo A É evidente que o preço desta tonelada de trigo deverá pelo menos cobrir os custos de produção Caso contrário não valerá a pena plantar trigo para vender Suponhamos agora que a população aumente e que novas terras menos férteis sejam incorporadas à estrutura produtiva O preço do trigo deverá subir para cobrir os custos do cultivo em terras menos férteis Para se produzir a mesma tonelada de trigo teremos que utilizar mais capital e mais trabalho Os custos de produção sobem ao se cultivar a gleba B de segunda qualidade que Ricardo chama de terra 2 Renda A B Custo de produção de 1 tonelada de trigo na terra B É evidente que agora o preço do trigo será maior O valor de troca da produção deverá ser regulado pelo custo de produção nas circunstâncias menos favoráveis No nosso caso o preço mínimo de uma tonelada de trigo deverá cobrir os custos de produção na gleba B Isto porque a competição intercapitalista levará os lucros a se equalizarem Com o aparecimento da terra de segunda qualidade surge a renda na terra de primeira qualidade A renda é a diferença entre o produto obtido pelo emprego de duas quantidades iguais de capital e trabalho ou se quiserem é o saldo que vai para as mãos dos proprietários das terras mais férteis A situação aqui é a seguinte o capitalista da terra A produz a um custo mais baixo que o da terra B mas vende seu produto a um preço que pelo me cobre os custos de cultivo na terra B não na terra A O saldo contudo não fica com ele Este saldo terminará nas mãos do proprietário de quem ele alugou o terreno porque estas terras férteis agora são escassas e estão sob competição Se o capitalista X não arrendar outro a arrendará e pagará por ela até a diferença entre os custos de produção de A e de B A renda é a diferença dos custos de produção nos dois tipos de terra Mas a coisa não pára aí Se a população crescer e pressionar por mais alimentos novas glebas terão de ser cultivadas a terra de segunda qualidade começará a gerar renda e assim sucessivamente Observe o diagrama abaixo A B C D Preço mínimo de 1 tonelada de trigo custo de produção da tonelada na terra D A terra D não proporciona renda mas esta aparece nas terras A B e C como mostra o diagrama Deste modo à medida em que as terras cultivadas vão estendendose a porção do produto que vai para as mãos dos latifundiários aumenta Ricardo não considera o preço da terra como custo de produção Se você entendeu os passos anteriores poderá compreender agora sua afirmação de que o trigo não é caro porque se paga renda antes pagase renda porque o trigo é caro Alguns autores pouco atentos à situação da Inglaterra na época foram levados a dizer que Ricardo faz aqui um exercício de abstração onde aceitas determinadas premissas e escolhida determinada variável a conclusão se impõe Esse esforço de abstração que é inegável em toda a obra de Ricardo Schumpeter chamou de vício ricardiano8 É verdade que com Ricardo a economia deixa de ser empírica e tornase abstrata e austera como diz Spiegel Mas o encarecimento do preço do trigo na Inglaterra da época era real e o estudo de Ricardo não fazia mais que refletir a realidade Sua teoria era bastante realista como mostra o quadro seguinte 7 RICARDO David Princípios de economia política e de tributação Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1978 p 81 8 SCHUMPETER Joseph A História da análise econômica Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1964 v 2 p 124 A sustentação de Schumpeter é injusta com relação a Ricardo Aplicase plenamente aos neoclássicos que com o ceteris paribus resolvem todos os problemas da economia 39 tomará célebre em economia com o nome de teoria das vantagens comparativas Apoiando nesta teoria ele será um decidido defensor do livrecambismo que tantos benefícios trará à Inglaterra alguns anos mais tarde Com este instrumental ele terá argumentos fortes contra a lei dos cereais e a favor da livre importação de grãos 414 Teoria das vantagens comparativas A teoria das vantagens comparativas é um avanço em relação à teoria das vantagens absolutas de Adam Smith Este último mostrara que o livre comércio seria benéfico para as diversas nações Se as nações se especializarem na produção daquilo para o qual estão mais aparelhadas e em seguida trocarem a produção excedente entre si todas serão beneficiadas Por exemplo se for mais barato produzir chá no Ceilão do que nos Estados Unidos e mais barato produzir trigo nos Estados Unidos do que no Ceilão estes dois países deverão dedicarse à produção do que lhes for mais barato e trocar o excedente Os Estados Unidos comprariam chá do Ceilão e este último país compraria trigo dos Estados Unidos Isto é óbvio Até aí o progresso não foi grande Tratase de uma aplicação evidente do princípio da divisão do trabalho Ricardo dá um passo além Mostra que mesmo no caso de um país ser superior ao outro na produção de dois bens ainda assim o comércio entre eles é compensador Vejamos como ele desenvolve este raciocínio Primeiro vamos fazer uma analogia e em seguida lançar mão de um exemplo do próprio Ricardo Suponha que você seja tradutor e financista e que seu trabalho na área financeira exija a tradução de determinadas revistas especializadas Para simplificar vamos supor que você gaste em média 8 horas para traduzir 20 páginas e ganhe com isto 10 dez unidades monetárias e que ganhe 20 por 8 horas de consultoria financeira É evidente que você preferirá dedicarse totalmente à consultoria e contratar o indivíduo B para fazer as traduções mesmo que este tradutor seja menos eficiente do que você Você é mais eficiente que B em finanças e em tradução mas em termos monetários é mais eficiente em finanças do que em tradução Ricardo apresenta um exemplo análogo Para produzir certa quantidade de vinho por unidade de tempo Portugal ocupa 80 homens e para produzir certa quantidade de tecido na mesma unidade de tempo ocupa 90 homens Para produzir estas mesmas quantidades de vinho e tecido por unidade de tempo a Inglaterra ocupa 120 e 100 homens respectivamente Esquematicamente temos vinho tecido Portugal 80 90 Inglaterra 120 100 Portugal tem vantagem absoluta tanto em vinho quanto em tecido mas tem vantagem relativa em vinho ou seja é mais eficiente na produção de vinho Ele ganhará ocupando todos seus homens na produção de vinho e trocando o vinho excedente pelo tecido excedente da Inglaterra que ganhará mais especializandose em só produzir tecidos Os países devem especializarse naquilo que são mais capazes de produzir mesmo que um deles seja mais eficiente do que o outro na produção de todos os bens Este tipo de argumentação correta se considerarmos as economias como estáticas foi uma poderosa arma nas mãos dos adeptos do livrecambismo A Inglaterra tornouse senhora do mundo apoiada na defesa intran sigente do comércio livre Alguns anos atrás já no nosso século os estudos de Raul Prebish e da CEPAL sobre a deterioração das relações de troca entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos mostraram que a argumentação ricardiana continha supostos irrealistas Os fatos levantavamse contra a argumentação de Ricardo apoiada nas vantagens relativas Onde estaria a falha de uma argumentação tão convincente No fato de se considerar o mundo econômico de maneira estática Voltando à nossa primeira analogia é de todo evidente que o financista deva dedicarse totalmente à consultoria e deixar as traduções para o tradutor mas este último não precisa permanecer eternamente tradutor Que lei o impede de progredir Se as condições são tais que o financista sempre estará lucrando mais que o tradutor por que este último não se torna financista Uma das forças que impede esta transformação é a argumentação ideológica É ela que lança mão dos argumentos ricardianos sobre livre comércio para justificar a atual divisão internacional do trabalho Voltamos a acentuar que a argumentação de Ricardo sobre vantagens relativas é perfeitamente válida e convincente dentro de um marco referencial estático Mas não há nenhuma lei dizendo que este referencial deva ser estático QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto dá condições para que se responda às questões seguintes 1 Explique a teoria do valor de Ricardo O que queremos dizer com trabalho imediato e mediato 2 A utilidade marginal já era conhecida dos clássicos Por que não a utilizaram como teoria do valor 3 Mostre a diferença entre preço natural e preço de mercado 4 Qual o principal problema da Economia Política para Ricardo Desenvolva um pouco mais sua resposta e procure mostrar a relação entre a distribuição e o crescimento econômico em Ricardo 5 Explique a teoria da renda da terra de Ricardo 6 Qual o papel do lucro na teoria de Ricardo 43 7 Como Ricardo considera os salários Como explica que os salários tendem a permanecer no nível de subsistência 8 Não existe contradição entre afirmar que os salários tendem a se manter no nível de subsistência e afirmar que houve um aumento secular dos salários Como a teoria de Ricardo explica isto 9 Exponha a teoria das vantagens comparativas de Ricardo 10 Explique como a deterioração dos termos de troca entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos abala a argumentação ricardiana a favor do livre comércio Em que circunstâncias a argumentação é válida Em que circunstâncias perde a validade SUGESTÕES DE LEITURA RICARDO David Principios de economia política e de tributação Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1978 A mesma obra encontrase na coleção Os Economistas da Abril Cultural A vantagem desta última é a apresentação à obra feita pelo professor Paul Singor Tratase de uma apresentação primorosa que toca em todos os pontos essenciais No fim da apresentação há uma curta bibliografia A obra de Ricardo é seca e difícil mas de leitura indispensável NAPOLEONI Claudio Smith Ricardo Marx Rio de Janeiro Graal 1978 Livro excelente Ler a parte referente à teoria da renda da terra 44 5 Escola Clássica 51 THOMAS MALTHUS 17661834 511 Dados biográficos Malthus foi contemporâneo de Ricardo Viveu numa época particularmente turbulenta sob o aspecto econômico e político Revolução Industrial na Inglaterra Revolução Francesa guerras napoleônicas Todos estes acontecimentos que agitaram a Europa de seu tempo têm repercussões em sua obra Malthus era filho de um advogado de posição social destacada amigo de Rousseau e de Hume e que acolhia as idéias otimistas de William Godwin e de Condorcet sobre o progresso dos povos e da sociedade Godwin poeta e filósofo político chegara a ocupar o cargo de ministro mas chocado com as enormes injustiças da sociedade de seu tempo tornase um radical Apontava como barreiras ao progresso a propriedade privada as desigualdades econômicas e políticas e a presença do Estado Foi um dos primeiros teóricos do anarquismo Condorcet foi grande defensor das idéias iniciais da Revolução Francesa e do sufrágio universal para homens e mulheres A luta pelo poder no seio da revolução termina por leválo à morte Malthus estudou em Cambridge Ingressou depois na carreira eclesiástica como ministro anglicano Em 1805 foi nomeado professor de História e Economia Política no East India College onde permaneceu até o fim da vida Em 1798 publica o livro que o tornará famoso Ensaio sobre o princípio da população An essay on the principle of population Este livro nasce das conversas que mantém com seu pai sobre as idéias de Godwin e de Condorcet e expressa discordância total com relação a estas idéias Para os autores mencionados a causa dos males que afligem a humanidade está nas instituições Para eliminála seria preciso reformar ou 45 substituir estas instituições Para Malthus a causa de todos os males está na fertilidade humana É este o problema que deve ser resolvido A guerra por exemplo que para Condorcet é o maior e o mais terrível dos crimes para Malthus é um dos mecanismos naturais capazes de impedir o excessivo crescimento da população O livro provocou discussões e polêmicas acaloradas e teve várias edições ainda durante a vida do autor As edições subseqüentes sofreram modificações correções e acréscimos tirados de observações feitas por Malthus em viagens por vários países europeus Foi esta obra que popularizou o nome de Malthus No entanto em 1820 ele publica novo livro Principles of political economy No livro II do Principles expõe suas idéias sobre superprodução idéia heterodoxa com relação à principal corrente econômica da época que rejeitava qualquer possibilidade de superprodução com base na lei de Say Aqui está um dos principais pontos de divergência entre Malthus e Ricardo Este último aceita incondicionalmente a lei de Say Malthus a rejeita No entanto a argumentação de Malthus é pouco convincente ao contrário da de Ricardo e por isso as idéias deste último irão prevalecer por mais de um século Cerca de cem anos depois Keynes retomará as idéias originais de Malthus e as desenvolverá mostrando as falhas da argumentação de Ricardo O Capítulo 3 da Teoria geral de Keynes 1936 trata do princípio da demanda efetiva que poderia ser denominado a antilei de Say e que teve Malthus como um dos precursores Não é à toa que no seu Essays on biography publicado em 1933 Keynes não poupa elogios à figura de Thomas R Malthus 512 Idéias importantes Malthus como Ricardo parte dos problemas colocados por Smith em A riqueza das nações mas ambos tomam caminhos diversos ou como diz Schumpeter apresentam formas alternativas para a recomposição da obra de Smith A fama de Malthus provém do Ensaio porque o paradigma dominante na ciência econômica até pelo menos 193036 incorporava a si a lei de Say e excluía o problema da demanda efetiva Hoje as hipóteses malthusianas sobre população parecemnos menos importantes Isto porque elas não se verificaram Com isso não estamos dizendo que o problema populacional seja desimportante Estamos afirmando que as hipóteses malthusianas não levaram em conta certos fatos que vieram a predominar A inovação tecnológica no campo agrícola afastou o fantasma de uma produtividade sempre sujeita à lei dos rendimentos decrescentes O outro problema aquele abordado no Principles e que tratava da poupança e do investimento ou da teoria dos excessos gerais é que veio a tornarse importante principalmente após a obra de Keynes Se o paradigma dominante da ciência econômica tivesse sido outro provavelmente Malthus se teria tornado famoso pelo Principles e não pelo Ensaio Eis aí um problema incômodo para os cultores das ciências sociais As obras às vezes são valoradas por critérios extracientíficos Malthus não foi de modo algum um pensador medíocre Foi antes um pomo de discórdia Ferocemente criticado por muitos e aplaudido por poucos Uma obra que desperta aplausos paixão e ódio não pode ser obra de um medíocre Mas sem dúvida é uma obra fortemente influenciada por tendências ideológicas específicas e voltada para a defesa dos proprietários de terra e das classes não produtivas em geral Malthus preocupavase com o problema da superprodução Como já dissemos ele não aceitava a lei de Say talvez mais atento aos fatos o capitalismo já estava experimentando crises periódicas do que a um tipo de raciocínio puramente dedutivo baseado em determinados supostos como é o raciocínio que leva à lei de Say Como resolver o problema da superprodução Aumentando a demanda de bens de consumo Mas esta demanda não costuma aumentar da parte dos capitalistas que mais investiam demanda de bens de capital do que consumiam Isto agravava o problema Não poderia aumentar também da parte dos trabalhadores que recebiam salários próximos ao nível de subsistência Só poderia aumentar da parte dos que recebiam rendas dos rentistas que estavam sempre dispostos a consumir Com este tipo de raciocínio Malthus tornase um defensor dos rentistas colocandoos como indispensáveis na solução dos problemas de superprodução Embora Keynes não tenha esposado esta idéia há muitos pontos de contato entre o pensamento de Malthus e o de Keynes Por exemplo Malthus mostra que a superabundância de capital era causada por decréscimos nos dispêndios militares do governo No momento em que ele escrevia isto a Inglaterra estava entrando num período de paz após as guerras napoleônicas e diminúra os gastos militares Keynes também mostrará que o governo deve ter papel importante na solução de problemas de insuficiência de demanda É fácil perceber também que ao defender os latifundiários Malthus se coloca em oposição frontal a Ricardo e toda aquela argumentação que este último apresenta para justificar a importação de trigo comércio livre etc Malthus era favorável ao protecionismo Escreveu mesmo um artigo cujo título era Bases para uma opinião sobre a política de restrição à importação de trigo 1815 mostrando que a Inglaterra deveria estimular a produção interna de trigo e tornarse independente das importações Já vimos que Ricardo defendia posição oposta devido ao encarecimento do trigo na Inglaterra encarecimento que provocava aumento dos salários o trigo entra na dieta do trabalhador e conseqüente baixa dos lucros Tudo isto mostra muito claramente que a obra de Malthus como a dos demais autores clássicos tem raízes profundas nos movimentos sociais e políticos da época Ignorálos é condenarse a não compreendêla 47 QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto permite responder às questões seguintes 1 Que livro torna Malthus famoso e contra as idéias de que autores ele argumenta neste livro Fale um pouco sobre cada um destes autores sobre suas idéias e as de Malthus 2 Por que o Principles of political economy de Malthus não teve boa acolhida na época 3 Que problema importante Malthus levanta no Principles e como o resolve 4 Quais as posições de Malthus e de Ricardo com relação aos latifundiários Faça um paralelo entre essas duas posições mostrando a argumentação de cada autor e quais as conseqüências políticas de cada uma delas 5 Qual a posição de Malthus e de Ricardo com relação à importação de trigo Pense no papel que as classes sociais desempenham na teoria de cada um deles e mostre como a política que defendiam era conseqüência desta teoria SUGESTÕES DE LEITURA MALTHUS Thomas Principios de economia política e Ensaio sobre a população São Paulo Abril Cultural 1983 Estes dois livros de Malthus aparecem num mesmo volume da coleção Os Economistas da Abril Cultural BARBER William História do pensamento econômico Rio de Janeiro Zahar 1979 Este livro apresenta Malthus como um dos dissidentes do sistema clássico KEYNES John M Essays on biography London Macmillan 1972 Ler a parte referente a Malthus Não é um livro fácil de ser encontrado Sua importância no caso está no fato de Keynes o grande economista deste século reconhecer um de seus precursores 48 6 O Pensamento de Karl Marx 61 KARL MARX 18181883 611 Observações preliminares Não vamos falar aqui de uma escola marxista porque na realidade existem várias escolas marxistas As leituras da obra de Marx são tão diversas que é quase impossível chegar a um consenso sobre certos aspectos dessa obra Por outro lado o pensamento marxiano 1 é rico múltiplo e variado e não se deixa sistematizar com facilidade Por isso apresentaremos aqui apenas alguns conceitos econômicos fundamentais Os limites deste livro não nos permitem ir mais longe É importante ressaltar também que em muitos círculos do mundo capitalista as idéias de Marx são pouco conhecidas Geralmente são apresentadas à maneira de caricatura A caricatura deforma exagera os traços mais salientes da fisionomia de uma pessoa ou de uma obra e com isso cria uma atmosfera ridícula ou irreal A ideologia faz o mesmo com as utopias ou seja com aqueles sistemas de idéias que se contrapõem à corrente principal Não é difícil entender que muitas idéias atribuídas a Marx são apenas caricaturas das idéias de Marx Um mínimo de honestidade cientifica exige que não as aceitemos como tal Vamos fazer um esforço para entendêlas melhor 612 Dados biográficos Marx nasceu em Trèves na Renânia região sul da Alemanha pertencente então à Prússia Sua família era judia mas converterase ao protestantismo O pai Heinrich Marx era um advogado bemsucedido fortemente influenciado pelo pensamento liberal francês e que sabia de cor o seu Voltaire e o seu Rousseau A região onde nascera Marx era limítrofe 49 1 Usamos aqui o termo marxiano para diferenciálo de marxista O pensamento marxista nem sempre é fiel ao pensamento de Marx É conhecida a afirmação de Marx ao se referir a algumas interpretações de seu pensamento eu não sou marxista da França e naturalmente recebia influência das idéias da Revolução Francesa Marx era um espírito generoso e inquieto Desde a adolescência preocupavase com a escolha de uma carreira e dizia que existiam dois critérios para a escolha de uma profissão o bem da humanidade e a realização pessoal Aos 17 anos ingressou na universidade de Bonn para estudar Direito O estudo do Direito não lhe satisfaz Um ano depois transferese para a universidade de Berlim onde passa a interessarse também por Filosofia e História Aos 23 anos consegue seu título de doutor em Filosofia com uma tese sobre Demócrito e Epicuro defendida na universidade de Jena Em Berlim é fortemente influenciado pelas idéias de Hegel Marx pretendia um lugar como professor universitário mas devido a suas idéias pouco ortodoxas não consegue satisfazer este desejo Passa então ao jornalismo e em 1842 já é redatorchefe da Gazeta Renana jornal de orientação liberal que entrava em freqüentes atritos com a censura prussiana O jornal foi fechado e Marx impossibilitado de trabalhar vai para Paris A passagem pela Gazeta Renana contudo será de importância decisiva em sua vida Aí entrara em contato com os problemas de economia percebera os conflitos sociais gerados por interesses econômicos e tivera que se pronunciar sobre as idéias socialistas que chegavam da França Como ignorava economia política e socialismo e não era espírito superficial resolve estudar a fundo estes assuntos O desejo de conhecer o socialismo e a economia conjugado com pressões de ordem política levao primeiro a Paris e finalmente a Londres após breve passagem pela Bélgica Já se tornou lugarcommum afirmar que a obra de Marx é o ponto de convergência do que havia de mais significativo na filosofia alemã no socialismo francês e na economia política inglesa Na realidade estas três vertentes do saber encontramse em sua obra que por isso mesmo é uma obra globalizante diferente das obras estritamente técnicas como as que conhecemos hoje no campo da economia Esquematicamente temos Socialismo francês direção para baixo Karl Marx Filosofia alemã Hegel esquerda direção para direita Economia política inglesa Ricardo financeira de seu grande amigo Friedrich Engels O jornalismo e a ajuda do amigo contribuíram para o seu sustento Ao terminar sua principal obra O capital escreve a um amigo numa espécie de desabafo Enquanto fui capaz de trabalhar usei cada instante de minha vida na busca do acabamento de minha obra à qual sacrifiquei saúde felicidade e família Espero que esta afirmação não provoque comentários Pouco me importa a sabedoria dos homens que se dizem práticos Se quiséssemos ser animais poderíamos virar as costas aos sofrimentos da humanidade e ocuparmonos de nossa própria pele Mas eu teria deixado tudo a perder se morresse sem ter terminado pelo menos o manuscrito de meu livro Dos três volumes de O capital só o primeiro foi publicado em vida de Marx Após sua morte que se deu em 1883 Engels publica os outros dois volumes Após a morte de Engels Karl Kautsky publica outro manuscrito com o título de Teorias da maisvalia Esta última obra é um dos melhores estudos críticos sobre a história das doutrinas econômicas e revela o vastíssimo conhecimento que Marx adquirira nas suas prolongadas leituras É uma espécie de quarto volume de O capital 613 Conceitos importantes Existem alguns conceitos que o leitor deve dominar para entender o pensamento de Marx Ao avançar na leitura você encontrará o esclare cimento dos seguintes conceitos capital capital constante capital variável classe social valor valor de uso valor de troca trabalho concreto trabalho abstrato maisvalia absoluta maisvalia relativa mercadoria força de trabalho composição orgânica do capital 614 O que é capital A principal preocupação de Marx é desvendar as leis do movimento do capital na sociedade capitalista Para isso vai criar alguns instrumentos de análise que teremos de manejar com certo cuidado Em primeiro lugar categorias como capital mercadoria força de trabalho têm sentido preciso e histórico na pena de Marx Não são categorias universais nem eternas Descrevem fenômenos que não existiram em todos os períodos históricos É preciso conhecer o conteúdo exato de cada um destes termos para compreendermos o que ele está dizendo Comecemos com o termo capital A idéia mais geral para Marx é a de que capital não é uma coisa Não é simplesmente como para os neoclássicos o conjunto de máquinas equipamentos estradas e canais É também isto mas sob determinadas condições Capital é antes de tudo uma relação social É a relação de produção que surge com o aparecimento da burguesia ou seja com o aparecimento daquela classe social que se apropria privadamente dos meios de produção monopólio de classe e que se firma definitivamente após a dissolução do mundo feudal O capital não é uma coisa mas uma relação social entre pessoas efetivada através de coisas Diz Marx A propriedade de dinheiro de meios de subsistência de máquinas e outros meios de produção não transforma um homem em capitalista se lhe falta o complemento o trabalhador assalariado o outro homem que é forçado a venderse a si mesmo voluntariamente E em nota de rodapé nesta mesma pá gina acrescenta Um negro é um negro Só se converte em escravo se houver certas condições Uma máquina de fiar algodão é uma máquina de fiar algodão Só em certas condições se transforma em capital Fora destas condições não é capital como o ouro em si mesmo e por si mesmo não é dinheiro ou o açúcar não é preço do açúcar O capital é uma relação social de produção É uma relação histórica de produção Marx falará de capital constante relacionado a máquinas e equipamentos capital variável relacionado à força de trabalho e de capitaldinheiro mas todas essas modalidades do capital devem ser entendidas dentro do contexto anterior São as relações específicas dessas coisas dentro do modo de produção capitalista que as torna capital Caso contrário os instrumentos de análise de Marx perderiam valor porque ele os criou para explicar relações sociais e econômicas que estavam surgindo naquele momento e que eram realmente diferentes de todas as outras Identificar por exemplo um instrumento de produção como capital sem mais é o mesmo que dizer que o capitalismo existiu sempre O primeiro primata que tentou colher um fruto mais alto provavelmente usou uma vara ou algo parecido para atingir este objetivo Seria ele o primeiro capitalista A análise de Marx tem raízes na história O que ele quer analisar é um modo de produção específico que estava surgindo com a dissolução do mundo feudal Ignorar isto é condenarse a não compreender sua análise O que é então o capitalismo para ele É uma relação sui generis que se caracteriza pela compra e venda da força de trabalho e que só se tornou possível sob determinadas condições e visando a determinados fins que ficarão mais claros depois Em outras palavras o capitalismo surge quando tudo se torna mercadoria inclusive a força de trabalho Para que isto ocorra é necessário que uma classe a burguesia se torne proprietária exclusiva dos meios de produção e que outra o proletariado não tendo mais como produzir o necessário para o sobreviver seja obrigada a vender no mercado sua força de trabalho Esta relação entre proprietário dos meios de produção e proprietários da força de trabalho se revest e de algumas características específicas que estudaremos mais tarde E só a partir desta relação e das conseqüências dela que os meios de produção se tornam capital e a força de trabalho mercadoria Para mostrar a especificidade do capitalismo Marx recorre a um artigo didático e começa O capital fazendo o estudo da mercadoria e da sociedade mercantil simples É mais fácil compreender a originalidade do capitalismo se o confrontarmos com outro modelo Na sociedade mercantil simples as mercadorias são produzidas para serem trocadas no mercado mas não existe ainda a divisão entre proprietários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho Todos possuem meios de produção e trocam entre si mercadorias específicas Simbolizando mercadoria por M e dinheiro por D temos o seguinte esquema M D M onde M é uma mercadoria qualitativamente diferente de M caso contrário não teria sentido a troca Se se troca M por M é porque ambas têm serventia diferente No modo de produção capitalista a situação é outra A mercadoria tornase um meio O que interessa é o dinheiro ou mais precisamente o aumento o dinheiro fato que explicaremos depois mais corretamente ao falarmos da valorização do valor O capitalista vai ao mercado e compra mercadorias força de trabalho e meios de produção com a finalidade de aumentar o dinheiro O esquema é este D M D onde D é maior que D caso contrário o processo de troca não teria sên tido Ao estudarmos valor e maisvalia explicaremos o processo pelo qual D se torna maior que D processo este que dá sentido ao capitalismo Antes porém vamos fazer alguns esclarecimentos 615 Quatro esclarecimentos No modelo de capitalismo puro só existem duas classes sociais os proprietários dos meios de produção capitalistas e os proprietários da força de trabalho operários Mas é bom lembrar que estamos falando de um modelo e todo modelo faz abstração de muitos outros elementos reais para captar apenas os traços essenciais Na vida real não existe um modelo puro nas formações sociais concretas em que o modo de produção capitalista modelo puro combinase em maior ou menor grau com outros modos de produção As vezes Marx referese ao modelo e às vezes à realidade histórica Para uma pessoa pouco habituada a estas distinções a questão complicase É o caso das classes sociais Há passagens em que fala de apenas duas classes sociais burguesia e proletariado e outras em que fala de três ou mais No primeiro caso Marx está referindose ao modelo no segundo à complexidade das formações reais Ao falar de classe social temos de evitar um equívoco muito freqüente a confusão entre classe e estratificação social A classe social para Marx é definida objetivamente pela posição que a pessoa ocupa na estrutura de produção E neste caso no modelo puro só existem duas posições possíveis ou a pessoa possui os meios de produção e pertence à classe capitalista ou não possui e pertence à classe operária E a posição da pessoa na estrutura de produção que determina sua faixa de renda Não é a renda que determina a posição da pessoa na hierarquia social Frequentemente recorrese ao critério de renda para se dividir classes sociais De tantos a tantos salários mínimos classe C de tantos a tantos classe A e assim por diante Isto é apenas descrição superficial dos fatos ou um método sutil de encobrir a verdadeira questão O que deve ser explicado é o seguinte por que Fulano ganha mil vezes mais do que Beltrano sendo que tem mais ou menos a mesma capacidade O estudo da posição da pessoa na estrutura produtiva e do mecanismo de transferência de renda entre as diversas classes esclarece este fato Outro ponto a ser esclarecido é o conceito de mercadoria Para Marx mercadoria não é a mesma coisa que produto ou bem Mercadoria é o produto que se destina à troca no mercado Uma sociedade que só produz para autoconsumo não produz mercadorias mas bens ou produtos Antes do capitalismo já existiam sociedades mercantis uma vez que muitas delas se dedicavam ao comércio mas só no capitalismo há a generalização da mercadoria isto é tudo se torna mercadoria inclusive a força de trabalho Este último traço é distintivo do capitalismo Outro ponto Marx discorda de Adam Smith e de outros economistas quanto ao conceito de trabalho produtivo Para Adam Smith trabalho produtivo é aquele que produz bens materiais vendáveis que sobrevivem ao processo de criação Os serviços não são produtivos Para Marx trabalho produtivo é aquele que é comprado com o capitaldinheiro sendo capaz de criar um excedente lucro Trabalho improdutivo é o trabalho contratado como serviço pessoal ou como artigo de consumo Isto ficará mais claro após o estudo do conceito de maisvalia Trabalho produtivo é todo e qualquer trabalho capaz de criar maisvalia Um estudo minucioso do que é trabalho produtivo e improdutivo para Marx pode ser feito na Parte I Capítulo IV de Teorias da maisvalia Finalmente uma observação de ordem metodológica Marx vem de uma tradição filosófica que sempre distinguiu entre fenómeno e essência aparência e realidade Esta distinção tornase muito mais visível em Hegel O objetivo de qualquer prática científica é esclarecer a essência das coisas e não descrever aparências fenómeno vem da raiz grega phaino faino que significa aparecer surgir à luz A ciência deve partir do fenómeno para chegar à realidade que se esconde atrás do fenómeno Na tradição positivista e neopositivista isto não tem sentido A preocupação exclusiva é com os fenômenos O próprio conceito de causalidade o que causa o quê Qual o sentido da causalidade deixa de existir cedendo lugar ao conceito de função O erro metodológico que está na raiz deste último procedimento tem consequências graves tanto para a economia como para a política econômica Não são questões acadêmicas irrelevantes Por exemplo alguém poderia dizer que o aumento da inflação é função do aumento salarial Poderíamos inverter a afirmação e dizer que as pressões para o aumento de salários têm origem no aumento da inflação A correlação existe nos dois sentidos Do mesmo modo alguém poderia dizer que a inflação é função do aumento da base monetária Outro poderia responder que a inflação tem raízes na luta dos diversos agentes econômicos para não perderem parcela significativa da renda o aumento da base monetária apenas sanciona a inflação provocada por esta luta O leitor deve perceber por estes exemplos que o conceito de função é insuficiente É preciso buscar também o conceito de causa e em que sentido atua esta causa Alguém poderia replicar que isto está implícito nos conceitos de variável dependente e independente Concordamos mas como estabelecer a variável dependente e a independente sem o conceito de causa Quem aceita os postulados do neopositivismo não conseguirá enten der Marx 28 QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto permite a resposta das questões seguintes 1 Ao trabalhar no Gazeta Renana Marx recebe um impulso decisivo que o orienta em determinada direção Explique qual foi esta direção e como isto ocorreu 2 Quais as três correntes que tiveram mais influência na formação do pensamento de Marx e possibilitaramlhe a criação de uma síntese original 3 Durante a vida de Marx só foi publicado o primeiro volume de O capital Como surgiram os dois outros volumes e sua obra Teorias sobre a maisvalia 4 Qual o conceito de capital em Marx Procure explicálo com precisão 5 O capitalismo para Marx é um modo de produção específico determinado historicamente e que surgiu aos poucos com a dissolução do mundo feudal Quais os traços mais característicos deste modo de produção SUGESTÕES DE LEITURA MANDEL Ernest A formação do pensamento econômico de Karl Marx Rio de Janeiro Zahar 1968 Livro indispensável para quem quiser seguir o desenvolvimento das idéias de Marx de 1843 até a redação de O capital GURLEY John G Desafios ao capitalismo São Paulo Brasiliense 1976 A leitura dos três primeiros capítulos esclarece os tópicos que abordamos no capítulo anterior MAXIMILIEN Rubel Karl Marx Essai de biographie intellectuelle Paris Marcel Rivière 1957 Excelente livro que descreve a vida e a evolução intelectual de Marx 29 7 Valor e MaisValia A teoria do valor de Marx é um refinamento da teoria do valortrabalho da escola clássica principalmente a partir de Ricardo Marx não aceitou esta teoria sem resistências nem críticas Chegou mesmo a rejeitála durante muito tempo e só a partir da Ideologia Alemã redigida em 1846 surgem algumas passagens claras que revelam sua aceitação da teoria do valortrabalho Para entendermos melhor esta teoria e sua importância na obra de Marx vamos explicar alguns termos usados pela escola clássica e incorporados à terminologia de Marx Valor de uso capacidade de um bem responder a necessidades específicas O martelo tem valor de uso diferente da caneta O valor de uso é a serventia do bem Valor de troca qualidade de um bem ser equivalente a outro com o qual pode ser trocado Os bens têm diferentes valores de uso mas devem ter o mesmo valor de troca para serem intercambiados Por exemplo a função do martelo é martelar e a da caneta é escrever Mas se meu parceiro tiver um martelo e precisar de uma caneta terá de conseguila de algum modo por exemplo trocandoa pelo martelo Suponhamos que só efetue a troca se lhe dermos 20 canetas por um martelo Podemos então dizer que o valor de troca de um martelo é 20 canetas ou que um martelo vale 20 canetas 1 martelo 20 canetas Como medir esta igualdade Quem determina que um martelo tem o valor de 20 canetas A quantidade de trabalho incorporada a estes objetos é medida em termos de tempo de produção Ou seja o valor de uma mercadoria é igual ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzila Esta afirmação precisa ser explicada Em primeiro lugar vamos examinar a expressão tempo de trabalho socialmente necessário É evidente que para confeccionar um casaco alguns alfaiates levarão dois dias ou três e alguns levarão até uma semana Mas existe um tempo social médio para a confecção de um casaco e este tempo dependerá do grau de desenvolvimento das forças produtivas no momento Na concorrência intercapitalista os alfaiates muito lentos serão eliminados do mercado Os muito rápidos serão uma exceção por pouco tempo pois ao conseguirem lucro extra atrairão outros concorrentes que tentarão utilizar as mesmas técnicas para produzir no mesmo ritmo que estes Antes de se chegar a este estágio existe um tempo médio que predomina em todos os ramos desta indústria Este é o tempo socialmente necessário para a confecção do casaco Marx fala também de trabalho concreto e de trabalho abstrato Trabalho concreto é o trabalho considerado em sua modalidade específica O alfaiate trabalha de modo diferente do pedreiro e este do modo diferente do metalúrgico Trabalho abstrato é o trabalho abstrato de suas modalidades específicas É o puro dispêndio de energia gasto na produção de um bem Alguns autores como Desai mostraram que não se trata apenas de uma abstração mas sobretudo de uma tendência real decorrente da divisão do trabalho A divisão do trabalho tornase homogênea É evidente que não existe trabalho abstrato sem trabalho concreto O trabalho concreto cria o valor de uso O trabalho abstrato cria o valor ou seja aquela qualidade que permite a comparação entre bens e que faz com que um martelo seja trocado por 20 canetas No mercado atua a lei do valor Lei do valor é aquela lei segundo a qual cada mercadoria é trocada por outra tendo como base a quantidade de trabalho socialmente necessária à sua produção Nem sempre o preço corresponde ao valor Isto acontece porque a produção oferta nunca coincide exatamente com as necessidades do mercado demanda podendo estar além ou aquém destas necessidades A objeção que normalmente se faz a esta teoria é a de que não leva em conta todos os fatos que entram na produção de um bem Ou a de que não leva em conta o trabalho qualificado São duas falsas objeções Marx jamais afirmou que o valor de um bem era fruto exclusivo do trabalho imediato O que ele disse é que todos os fatores que entram no custo de produção de um bem são em última análise redutíveis ao trabalho e que só este cria o valor Outra maneira de entendermos o valor de um bem é calcularmos seu custo de produção No custo de produção entram o preço da matériaprima a depreciação das máquinas o preço da energia do óleo dos lubrificantes etc assim como o trabalho imediato Ora o custo das matériasprimas balh0 Suponhamos que a jornada seja de oito horas O trabalhador por contrato deve trabalhar oito horas mas com quatro horas de trabalho ele produz a cesta de bens necessário a seu sustento O restante é trabalho que não lhe pertence É sobretrabalho trabalho excedente ou trabalho não pago que vai para o capitalista O segmento de reta abaixo representa a jornada de trabalho de oito horas Em quatro horas de trabalho o trabalhador produz a cesta de bens necessários a seu sustento As quatro horas restantes são trabalho excedente que ele entrega gratuitamente ao capitalista 4 horas 4 horas 8 horas Trabalho necessário Trabalho excedente O valor que excede o valor da força de trabalho e que vai para as mãos do capitalista Marx denomina maisvalia A maisvalia é portanto aquele valor que o trabalhador cria além do valor de sua força de trabalho Se considerarmos a extensão da jornada de trabalho como sendo de oito horas no nosso exemplo ele trabalhou quatro para si e quatro para o capitalista No entanto o que o capitalista lhe pagou foi exatamente o valor de sua força de trabalho Note não lhe pagou o trabalho que foi de oito horas mas o valor de sua força de trabalho que é de quatro horas Repetimos aqui a afirmação de Megnad Desai ao fim de cada processo produtivo o trabalhador se reproduz a si mesmo e o capitalista acumula riqueza Essa assimetria de resultados devese a assimetria das relações de classe3 72 MAISVALIA ABSOLUTA E MAISVALIA RELATIVA O capitalista poderá conseguir trabalho extra de dois modos ou prolongando a jornada de trabalho ou diminuindo o tempo de trabalho necessário No primeiro caso temos a maisvalia absoluta Maisvalia absoluta é portanto a maisvalia que se obtém pelo prolongamento da jornada de trabalho Suponha que a jornada de trabalho seja de oito horas divididas em quatro horas de trabalho necessário e quatro de trabalho extra Se o capitalista conseguir aumentar a jornada de trabalho em duas horas passando de 8 para dez horas ele estará aumentando o trabalho extra e obtendo assim uma maisvalia absoluta Esquematicamente temos 3 DESAI Megnad Op cit p 36 62 4 horas 4 horas 4 horas 6 horas Trabalho extra Mas suponhamos que ele não consiga prolongar a jornada de trabalho devido à legislação à resistência dos operários ou por outro motivo qualquer Ainda assim ele poderá conseguir trabalho extra reduzindo o tempo de trabalho necessário A maisvalia relativa é a maisvalia que se obtém mediante a diminuição do tempo de trabalho necessário No Capítulo 10 do primeiro volume de O capital há uma exposição clara e didática do que é maisvalia relativa e de como conseguila Vamos seguir o raciocínio de Marx Suponhamos que a jornada de trabalho seja representada pelo segmento de reta que vai de a a c a b c Suponhamos ainda que a jornada de trabalho seja de dez horas repartidas em oito horas de trabalho necessário e duas horas de trabalho excedente O segmento a b representa o tempo de trabalho necessário oito horas e b c o tempo de trabalho extra duas horas A jornada de trabalho não pode ultrapassar dez horas ou seja os extremos a c não podem ser deslocados A alternativa para se obter trabalho extra é deslocar o ponto b para b Suponhamos que este deslocamento represente duas horas a b b c A jornada de trabalho permaneceu a mesma mas a divisão do tempo entre trabalho necessário e trabalho excedente se alterou Antes do deslocamento do para b o tempo de trabalho extra representava 20 210 da jornada Após o deslocamento passa a representar 40 410 O tempo de trabalho necessário diminuiu de duas horas passando de oito para seis horas Isto significa que o trabalhador deixou de gastar oito horas para produzir o seu sustento passando a gastar seis horas Ora isto não se faz por um passe de mágica Só é possível mediante verdadeira revolução nos processos produtivos Nas palavras do próprio Marx Mas quando se trata de produzir maisvalia tornando excedente o trabalho necessário é mister que se transformem as condições técnicas e sociais do processo do trabalho a fim de aumentar a força produtiva do trabalho Só assim pode cair o valor da força de trabalho e reduzirse a parte do dia de trabalho necessária para reduzir este valor4 4 Ver 0 capital Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1964 v 1 cap 10 p 362 63 Só o aumento da produtividade do trabalho em todos os setores que produzem bens de salário pode provocar esta mudança A melhoria da produtividade no setor têxtil por exemplo pode baixar o preço das roupas que entram na composição da cesta de bens do trabalho Mas não basta esta melhoria É preciso que todos os ramos industriais que produzem bens de salário melhorem a produtividade para que o valor da cesta de bens diminua Os capitalistas podem conseguir este aumento de produtividade recorrendo a expedientes relacionados à organização do trabalho e à inovação tecnológica cooperação divisão do trabalho introdução de máquinas etc como Marx mostra nos capítulos subseqüentes ao Capítulo 10 do primeiro volume de O capital Uma das finalidades destes expedientes é o barateamento da força de trabalho O esforço capitalista no sentido de maior produtividade não visa à diminuição da jornada de trabalho mas à diminuição do tempo de trabalho necessário Ao diminuir o tempo de trabalho necessário sem diminuir a jornada de trabalho conseguese mais trabalho excedente E é isto que pretende o empregador A suposição de Marx no Capítulo 10 é de que a força de trabalho é vendida pelo seu valor Isto não quer dizer que historicamente os operários tenham sempre recebido um salário igual ao valor da força de trabalho Frequentemente o salário caiu abaixo do valor da força de trabalho O que Marx quer mostrar aqui é que ainda que isto não tivesse ocorrido o que é falso a maisvalia poderia crescer O conceito de maisvalia é a maior descoberta de Marx Não saiu todo feito de sua cabeça Foram necessários anos e anos de reflexão e estudo para que ele chegasse a este conceito Numa nota de rodapé do livro de Mandel já citado encontrase esta afirmação O próprio Marx considerou que sua análise da maisvalia em geral além de suas formas específicas de lucro juro renda fundiária etc constituí seu principal mérito carta a Engels de 24 de agosto de 1867 em Briefwechsel Zwischen Friedrich Engels und K Marx vol III p 3955 É importante salientar que a maisvalia não é criada na esfera da distribuição Não é porque o industrial resolve fixar um preço acima do valor para seu produto que ele obtém maisvalia Num regime de concorrência isto é impossível porque todo vendedor é também comprador e este industrial não é exceção Não será só ele que terá esta idéia E assim o ganho que ele obtém na venda de seu produto será anulado pela perda que ele terá ao comprar produtos de outro Todos pensarão como ele e os ganhos tenderão a se anular Para Marx a essência do capitalismo é a formação do valor e a apropriação da maisvalia pelo capital Os lucros juros e aluguéis os rendimentos da propriedade são a expressão da maisvalia Não é preciso que cada produto seja vendido a um preço correspondente ao valor Se alguns forem vendidos a um preço acima do valor maisvalia realizada acima do valor outros serão vendidos abaixo maisvalia realizada abaixo do valor A soma total tenderá a corresponder à maisvalia criada pelo trabalho Em nenhuma outra sociedade a exploração assume a forma de valor já que em nenhuma outra sociedade ela tem que perder a aparência de relação visível6 Nem o trabalhador nem o capitalista percebem diretamente a divisão entre o valor da força de trabalho e o trabalho excedente O trabalhador considerase pago pela jornada total de trabalho embora apenas parte dela seja equivalente ao valor da força de trabalho que ele vende7 A verdadeira explicação da maisvalia deve ser buscada na esfera produtiva 73 OS COMPONENTES DO VALOR Ao analisar os adiantamentos feitos pelo capitalista no sentido de ativar a produção Marx divide o capital em duas partes capital constante c e capital variável v A parte do capital que se destina à construção de fábricas compra de máquinas e equipamentos matériasprimas energia etc recebe o nome de capital constante e é simbolizada pela letra c É constante porque não cria valor apenas transfere parte de seu valor ao produto final A porção C incorporada ao produto final é igual ao valor dos insumos transferidos a este produto no processo produtivo mais a depreciação de máquinas e equipamentos A parte que se destina à compra da força de trabalho salários é chamada de capital variável e simbolizada pela letra v No final do processo produtivo o capitalista obtém um acréscimo de valor m criado pelos operários Já vimos que os trabalhadores podem criar valor excedente as máquinas apenas transferem parte do valor nelas incorporado e por isso se fala em capital variável Eis os três componentes do valor Valor total c v m A divisão do capital em dois componentes c e v é um esforço de Marx para mostrar a essência da realidade capitalista que é a formação e ampliação do valor e a apropriação da mais valia pelo capital É este o movimento essencial ou o sentido do movimento no modo de produção capitalista É evidente que isto não aparece no plano visível só no plano da análise O processo de produção no capitalismo é uma forma de apropriação do trabalho não pago ou excedente O capitalista compra a força de trabalho como uma mercadoria bem como materiais de produção e devido 64 a essa compra durante a jornada de trabalho o trabalhador está à sua disposição Assim a produtividade do trabalho surge como produtividade do capital Isso legitima a apropriação capitalista do lucro Aparentemente todos os elementos do capital produtivo contribuíram para a produção do lucro8 A economia moderna mais preocupada com a eficiência operacional do que com a essência dos fenômenos considera o capital do ponto de vista da circulação e dos registros contábeis e o divide em capital fixo e capital circulante Abaixo estão os dois modos de olhar a questão Economia neoclássica Marx Capital fixo máquinas equipamentos instalações Capital circulante matériasprimas combustíveis energia salários capital variável v9 Apresentamos a seguir três relações importantes para a compreensão da dinâmica do modelo de Marx 74 TAXA DE MAISVALIA Chamase taxa de maisvalia m a razão entre a maisvalia e o capital variável Podemos escrevêla assim m m v Esta taxa mede a razão entre trabalho excedente e trabalho necessário Como no capitalismo o produto do trabalho assume a forma de valor escrevemos esta relação em termos monetários pois que o dinheiro é a 8 DESAI Megnad Op cit p 41 9 Ver NIKITIN P Fundamentos de economia política Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1967 p 74 50 20 10 C V m expressão monetária do valor Suponhamos que o salário do trabalhador seja 20 e que ele acrescente mais 10 ao produto numa jornada de trabalho Poderíamos imaginar o seguinte esquema Neste caso a taxa de maisvalia m é de 50 pois m m m 05 ou 50 v 20 10 Esta taxa pode ser elevada pelo aumento da jornada de trabalho ou pelo aumento da produtividade ou pela redução do salário real ou por uma combinação dos três itens anteriores Na história do capitalismo estes expedientes foram usados e se combinaram das mais diversas formas 75 COMPOSIÇÃO ORGÂNICA DO CAPITAL Outra relação importante é a composição orgânica do capital que denominaremos de q Tratase da relação entre capital constante e capital total expressa pela seguinte fórmula c q c v Esta expressão mede a taxa de substituição de mãodeobra por máquinas e equipamentos e cresce ao longo da história Isto quer dizer que a tendência natural do sistema é tornarse capitalintensivo 76 TAXA DE LUCRO Chamemos de I a taxa de lucro Ela é medida assim m I c v Utilizando os dados do exemplo anterior teremos uma taxa de lucro de 1428 assim 10 1 I 01428 50 20 7 65 66 67 Não devemos confundir a taxa de maisvalia m com a taxa de lucrol Esta última leva em conta também o trabalho passado que se cristalizou em máquinas equipamentos combustíveis etc e que é transferida pouco a pouco ao produto final Esta relação é a relaçãochave para o capitalista mas é função da maisvalia e da composição orgânica do capital como mostra a fórmula abaixo l m 1 q Esta expressão foi obtida pelo seguinte artifício algébrico l m c v mv v c v acrescentamos v ao numerador e ao denominador A fração não se altera mc mv mc v c v somamos e subtraímos mc ao numerador A fração não se altera m c v mc v c v colocamos m em evidência m c v v c v mc v c v simplificamos m v m v c c v separamos de modo conveniente m m q substituímos mv por m m 1 q Esta última expressão tem a vantagem de mostrar claramente a relação entre a taxa de lucro a taxa de maisvalia e a composição orgânica do capital Podese verificar que com o crescimento da composição orgânica do capital a taxa de lucro tende a cair Este é um dos problemas controversos da teoria de Marx Aqui apenas chamamos a atenção para ele Há outros problemas que não serão abordados por escapar aos objetivos deste livro 68 10 Uma primeira abordagem deste e de outros problemas teóricos controversos pode ser feita no livro de Paul Sweezy Teoria do desenvolvimento capitalista São Paulo Abril Cultural 1983 p 656 Também é encontrada no livro de Megrad Desai professor da London School of Economics Teoria marxista Rio de Janeiro Zahar 1979 Uma bibliografia mais vasta pode ser encontrada nestes mesmos livros 77 O EXÉRCITO INDUSTRIAL DE RESERVA Já sabemos o que Malthus e Ricardo pensam dos salários Para eles os salários sobem ou descem conforme a população aumenta ou diminui E a população aumenta quando os salários estão acima do nível de subsistência e diminui quando estão abaixo deste nível Nenhum desses autores leva em conta o tempo necessário para que tal fenômeno ocorra pois o que lhes interessa é o crescimento a longo prazo Marx rejeita este modo de ver a questão Para ele também o nível salarial oscila acima e abaixo do nível de subsistência mas essas oscilações são causadas pelo excedente populacional relativo ou seja por um excesso de trabalhadores que não consegue emprego Este excesso de trabalhadores é denominado de exército industrial de reserva O próprio processo que leva à substituição de homens por máquinas cria uma parcela deste exército A outra parcela de trabalhadores desempregados constituise de jovens que não conseguem emprego O sistema produtivo é incapaz de absorver toda a população que chega ao mercado Apresentamos aqui o diagrama de Sweezy sobre o mecanismo de funcionamento do exército industrial de reserva por nos parecer extremamente didático e ilustrativo O diagrama é tão claro e simples que dispensa comentários Processo Industrial A Emprego industrial F C B D E D Exército industrial de reserva A Novos trabalhadores B Incapazes de encontrar emprego C Demitidos D Readmitidos E Afastados F Afastados O diagrama anterior mostra que apenas uma parcela da população trabalhadora é aproveitada no emprego industrial Há outra parcela que sequer consegue arranjar um posto de trabalho e vai engrossar o exército de 69 desempregados Pertence também a este exército aquelas pessoas empregadas que perderam o emprego Essa reserva de trabalhadores fica à disposição dos capitalistas e impede que os salários subam muito Quase sempre há excesso de oferta de trabalho que eventualmente pode desaparecer numa situação de guerra ou de boom econômico O leitor deve seguir as indicações do diagrama de Sweezy Os verdadeiros readmitidos são aqueles que perderam o emprego C e retornaram A letra D compõese de desempregados e de uma parcela B que não fora aceita no momento em que se apresentava como apta a trabalhar Nos momentos de crise econômica o desemprego aumenta o exército industrial de reserva infla e a própria pressão dos trabalhadores em busca de emprego faz os salários caírem Esta queda é consequência da própria competição entre os trabalhadores No momento da expansão econômica a situação se inverte e os salários tendem a subir acima do nível de subsistência Quando a folha de salário se eleva muito ela pode deprimir o lucro O leitor já conhece o mecanismo da maisvalia e sabe que a suposição de Marx no livro I de O capital é a de que a força de trabalho é vendida pelo seu valor Se for vendida acima do valor a maisvalia diminuirá A tendência será então substituir homens por máquinas ou simplesmente não investir No caso da substituição de homens por máquinas há sempre um esforço no sentido de aumentar a produtividade e baixar o custo de reprodução da força de trabalho maisvalia relativa No segundo c aso há simples desemprego As máquinas param Em ambos os casos o exército industrial de reserva que é inerente ao sistema capitalista aumenta E isto por dois motivos primeiro por causa da luta entre capitalistas e operários Os primeiros estão sempre buscando uma maisvalia crescente Segundo por causa da competição intercapitalista A dinâmica capitalista não permite que o empresariado se acomode Acomodarse é perder mercado Portanto há uma dupla competição a competição entre capitalistas e trabalhadores e a competição entre os próprios capitalistas para conquistar manter e ampliar mercados É esta dupla competição que explica o aumento do capital constante c com relação ao variável v e o consequente aumento da composição orgânica do capital bem como a inovação tecnológica apresentar a forma D M D onde D é maior que D Mas a característica fundamental e distintiva do sistema é a forma pela qual o excedente é criado e apropriado a maisvalia A história registra outros modos de produção onde o excedente econômico é apropriado por grupos minoritários Mas em nenhum destes casos a apropriação é feita mediante a criação de maisvalia que supõe certas condições institucionais e jurídicas inexistentes em períodos anteriores como força de trabalho livre e apta a se apresentar no mercado liberdade contratual mobilidade do trabalhador sistema jurídico respaldando tal situação etc Marx mostra que tudo isto só foi possível mediante uma revolução nas forças produtivas que acarretou modificações nas relações de produção e em toda a superestrutura jurídica e institucional que teve de se ajustar então às alterações das forças produtivas Para o leitor pouco habituado a esta terminologia talvez fosse útil abrir um parêntese e esclarecer alguns termos Forças produtivas são os elementos que entram no processo produtivo força de trabalho e meios de produção Mas estes elementos não considerados em si mesmos mas em combinação Relações de produção são as relações que se estabelecem entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores É importante notar que são relações entre agentes de produção Elas existem necessariamente pelo simples fato de as pessoas ocuparem posições definidas na estrutura produtiva e terem de se relacionar entre si Não são apenas relações humanas Estas relações se estabelecem em função de um objetivo a acumulação de capital Superestrutura é um termo que procura expressar a relação existente entre o nível econômico propriamente dito e os níveis jurídico político e ideológico Em termos mais simples a base econômica forças produtivas e relações de produção condiciona a forma do Estado o direito e a ideologia de um povo Nenhuma destas relações deve ser entendida de maneira mecânica Fazer isto já é cair na caricatura Retomando o fio do pensamento anterior um sistema capitalista onde não exista acumulação é um contrasenso E a acumulação cessaria se desaparecesse a diferença entre o valor da força de trabalho e o valor do produto criado por esta força de trabalho Para que o sistema funcione é necessário que o valor do produto seja maior que o valor da força de trabalho 70 71 Celso Furtado ao estudar o processo de crescimento econômico apresenta um modelo que levemente alterado pode ajudarnos a compreender o processo de acumulação no sistema capitalista Diz ele que o crescimento ocorre quando do lado da produção surge o excedente do lado da distribuição a apropriação do excedente por uma minoria e do lado da acumulação a incorporação do excedente à estrutura de produção Teríamos então 1 Do lado da produção excedente 2 Do lado da distribuição apropriação do excedente por uma minoria 3 Do lado da acumulação incorporação do excedente à estrutura produtiva Esquematicamente teríamos Quando o estágio 3 encontra o estágio 1 o processo tende a tornarse automático O que caracteriza o sistema capitalista é a maneira pela qual este excedente é criado e apropriado pelos que detêm o monopólio dos meios de produção Nos primeiros estágios do capitalismo capitalismo mercantil o processo de criação e apropriação do excedente pelo mecanismo da maisvalia ainda não se fizera presente Como Marx explica então a origem do capital Pela acumulação primitiva que é aquele processo em que a apropriação do excedente é levada a cabo pela força pela violência ou pela apropriação monopolística Só após um longo estágio de acumulação primitiva que durou séculos é que as forças produtivas se desenvolveram a ponto de criar as condições propícias ao modo de produção capitalista propriamente dito QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto permite a resposta das questões seguintes 1 Explique a teoria do valor de Marx 2 Defina valor de uso e valor de troca 3 Explique o que se entende por trabalho concreto e por trabalho abstrato 4 Marx faz importante distinção entre trabalho e força de trabalho Como se determina o valor da força de trabalho 5 O que é maisvalia absoluta 6 O que é maisvalia relativa 7 Explique o que é capital constante c capital variável v taxa de maisvalia m taxa de lucro l e composição orgânica do capital q De que maneira estas taxas se relacionam 8 Explique por que a maisvalia não é obtida na esfera da distribuição 9 Marx não se preocupa muito com teorias populacionais No entanto para explicar as oscilações salariais ele teve de elucidar o comportamento da população trabalhadora e mostrar que a remuneração do trabalho não está mecanicamente vinculada à produtividade do trabalhador De que maneira ele consegue isto Em que medida sua explicação afastase das teorias populacionais de Malthus e Ricardo 10 O progresso técnico é explicado por Marx como fruto de forças competitivas no mercado Quais são estas forças 11 Qual é a força motriz do capitalismo e como ele se diferencia dos outros sistemas econômicos que também transferem o excedente para uma minoria 12 Tente esclarecer os termos forças produtivas e relações de produção 13 Na linguagem de Marx o que significa acumulação primitiva e qual sua função na explicação do processo de acumulação SUGESTÕES DE LEITURA MARX Karl O capital crítica da economia política Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1964 6 volumes Esta mesma obra foi publicada em nova tradução pela Abril Cultural com apresentação de Jacob Gorender 72 73 12 FURTADO Celso Desenvolvimento e subdesenvolvimento Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1963 p 116 ss gar ao preço de equilíbrio que é formado pelo cruzamento das curvas de oferta e demanda como mostra a Figura 5 Figura 5 Ao preço de 15 não haverá escassez nem excesso de produto no mercado É este o preço de equilíbrio Os seguidores de Walras não admitiam este tipo de abordagem pois o preço de um bem depende do preço de todos os demais bens serviços e fatores de produção existentes no sistema Essa interdependência existe na realidade mas é impossível levar em conta um número tão grande de variáveis Para resolver a questão Marshall supõe constantes todos os demais fatores que entram na oferta e na procura e só considera o preço do bem em estudo Essa é a abordagem parcial que prevalece e que ainda sobrevive hoje nos manuais 822 Enfase nos aspectos microeconômicos Uma abordagem econômica preocupada com a alocação ótima de recursos deve necessariamente voltarse para problemas microeconômicos Já acentuamos antes ao falar do fluxo circular que a preocupação dos economistas neoclássicos é estudar firmas individuais unidades familiares e o relacionamento entre firmas e unidades familiares Desaparece a preocupação com o crescimento econômico que tanto agitou os autores clássicos 823 Aceitação da lei de Say Todos os neoclássicos aceitavam explícita ou implicitamente a afirmação segundo a qual considerada a economia em seu conjunto a oferta cria sua própria demanda ou na formulação de Keynes os custos de produção terminam por se destinar direta ou indiretamente à compra do produto Esta é a lei de Say Em palavras mais simples o que esta afirmação significa é o seguinte ao produzirmos alguma coisa por exemplo mesas o próprio processo produtivo está criando poder de compra para este e para outros produtos Produzimos mesas ou para nós mesmos e neste caso a oferta já tem sua demanda ou para um mercado que as quer adquirir e neste caso também a oferta as mesas produzidas já tem a própria demanda os compradores das mesas Por outro lado ao remunerarmos os fatores de produção que entraram na fabricação das mesas trabalho capital e recursos naturais estamos criando poder de compra para outros bens Em ambos os casos não pode haver superprodução generalizada nem desemprego Pode haver desequilíbrios setoriais e transitórios causados por erros de cálculo Um produtor pode produzir muito mais mesas do que seria necessário Mas este desequilíbrio será corrigido pelo mecanismo do mercado o preço das mesas baixará até que elas sejam vendidas Parte do capital e do trabalho antes aplicados na produção de mesas se deslocará para outros setores mais rentáveis da economia mobilidade de fatores A conseqüência é que se existir desemprego este só poderá ser voluntário ou efêmero A superprodução e a escassez só podem existir setorialmente A economia como um todo é autoreguladora Uma das consequências da aceitação da lei de Say no campo político é o liberalismo econômico laissezfaire Qualquer intervenção nas leis do mercado é prejudicial porque rompe o delicado equilíbrio que comanda estas leis 83 A CONCORRÊNCIA PERFEITA O modelo neoclássico mais amplo supõe um mundo de concorrência perfeita onde os agentes econômicos se comportam de maneira racional Os pressupostos da concorrência perfeita não foram elaborados por Marshall que evitava o termo concorrência e muitas vezes o substituiu pelo de liberdade de indústria e empresa menos carregado de conotação moral segundo ele Foram os seguidores de Marshall que adotaram definitivamente o conceito de concorrência perfeita e elaboraram os supostos deste tipo de concorrência Segundo estes autores para que haja concorrência perfeita são necessários os seguintes requisitos a Produtos homogêneos Por produto homogêneo devese entender o produto não diferenciado por meio de marca embalagem etc A concorrência deve darse através dos preços e não através da diferenciação dos produtos b Empresas pequenas sem poder sobre o mercado Todo vendedor e todo comprador deve ser tão pequeno com relação ao mercado total que não possa influenciar este mercado Se a firma se retirar do mercado a oferta total do produto não se alterará de 39 uma das lâminas da tesoura também não se pode considerar o problema do valor examinando apenas o lado da demanda O exemplo da água e do diamante não é feliz porque estes dois itens não são produtos industriais e assim fica encoberto o problema dos custos de produção O fato é que esta teoria chamou a atenção para o problema da escassez e dos acréscimos sucessivos marginais a certa quantidade de bens Um produto é tanto mais valioso quanto mais escasso Isto vale também para os recursos existentes no sistema econômico Estes recursos são escassos e portanto valiosos A conclusão que se tira daí é que devemos aplicálos do melhor modo possível A economia tornase então uma técnica para a alocação ótima de recursos escassos entre usos alternativos Ao mesmo tempo ela aceita a sociedade como um sistema dado não discute as relações de classe e procura tornarse operacional dentro deste sistema Tornase uma caixa de instrumentos para usarmos a expressão de Joan Robinson Esta mudança de enfoque deve ter causado grande contentamento na maioria dos economistas da época 18701930 por dois motivos Primeiro porque a alocação de recursos exige certas técnicas que se prestam mais ao tratamento matemático Ao recorrer a modelos matemáticos a economia parece chegar à maioridade e adquire ares de verdadeira ciência Segundo porque de 1870 em diante o capitalismo já se firmara na Inglaterra e em alguns outros países e estava tendo êxito Não ficava bem levantar problemas capazes de provocar intranquilidade como eram os problemas que tentavam elucidar a questão do excedente econômico conceito que desaparece na economia neoclássica e a apropriação deste excedente pelas diversas classes sociais Melhor seria afastar o problema das classes e considerar apenas o conjunto da sociedade sem distinção de classes De um lado as unidades familiares capazes de fornecer os fatores de produção de outro as unidades produtivas capazes de fornecer bens e serviços A relação entre estas duas entidades se dá através de um fluxo circular como o que aparece a seguir As unidades familiares oferecem trabalho capital e recursos naturais às empresas que com eles produzem bens e serviços para as mesmas unidades familiares O ciclo mais externo em sentido antihorário representa o fluxo real Na parte superior trabalho capital e recursos naturais Na parte inferior bens e serviços O ciclo interno sentido horário é o fluxo nominal A remuneração recebida é reaplicada na compra de bens e serviços Os neoclássicos não fazem distinção entre remuneração do trabalho salários e honorários e remuneração da propriedade capital juros e aluguéis Isto para eles é irrelevante O que importa é saber que as unidades familiares procuram maximizar sua utilidade em bens e serviços o circuito externo e as empresas procuram maximizar o lucro circuito interno 82 PONTOS COMUNS DO MOVIMENTO MARGINALISTA As várias escolas que compõem o movimento marginalista têm algumas preocupações comuns que devem ser destacadas 821 Preocupação com o equilíbrio Todos os marginalistas acentuam o problema do equilíbrio na economia Para eles existem forças internas e atuantes que tendem a levar o sistema ao equilíbrio Walras preocupase com o equilíbrio geral Marshall mais voltado para problemas práticos e imediatos preocupase com o equilíbrio parcial Por exemplo qual o preço de equilíbrio no mercado de carne Supõe ele que se a concorrência se der através do preço ao baixarmos o preço da carne de 20 para 10 por exemplo a quantidade 40 demanda deve aumentar como mostra o gráfico da Figura 1 onde se vê que ao baixar o preço de 20 para 10 a quantidade demandada passou de 100 para 150 quilos Figura 1 A oferta se comporta de maneira inversa A quantidade oferecida tende a aumentar com o aumento do preço e a diminuir com sua queda O gráfico da Figura 2 mostra que ao preço de 20 a quantidade oferecida é de 160 quilos e ao preço de 10 é de apenas 80 quilos Figura 2 Os interesses de vendedores e compradores são antagônicos mas o mercado faz com que o preço chegue a um ponto de equilíbrio Suponha você que o preço do quilo de carne esteja a 20 Neste caso a oferta será de 160 quilos mas a procura será de apenas 100 quilos Veja o gráfico da Figura 5 Parte da produção não será vendida e terá de ser estocada No nosso exemplo 60 quilos 160100 não serão vendidos ao preço de 20 Os estoques forçarão a baixa de preços Figura 3 Imagine agora o caso contrário onde o preço esteja abaixo do preço de equilíbrio Haverá mais demanda do que produto no mercado criando assim uma situação de escassez Como a demanda é maior que a oferta o preço tenderá a subir Figura 4 No nosso exemplo hipotético faltam 70 kg de carne 15080 no mercado A demanda é maior que a oferta e o preço tenderá a subir até che 42 modo substancial de modo que o preço não será afetado O mesmo se pode dizer da empresa que entra no mercado c Ausência de restrições externas à mobilidade de fatores Não pode haver tabelamento de preços fixação de salário mínimo nem qualquer outro expediente que signifique intervenção nas leis do mercado A economia é autoreguladora e deve ser deixada à sua própria sorte d Conhecimento por parte dos agentes econômicos de todos os preços existentes no mercado Para que o comprador ou o vendedor se comportem de maneira racional eles devem comparar preços e portanto conhecêlos É evidente que não existe nem nunca existiu a concorrência perfeita como acabamos de descrever Tratase apenas de um modelo teórico que tenta apresentar as principais linhas de força do sistema fazendo abstração de outras variáveis menos significativas As ciências não podem prescindir de modelos Contudo a validade de um modelo irá depender de como ele nos ajuda a compreender a realidade Na construção de qualquer modelo teórico o mais importante é saber selecionar aqueles elementos mais significativos deixando de lado os menos significativos Talvez seja útil chamar a atenção para o fato de que as ciências que têm por objeto de estudo a realidade social ou natural devem apresentar duas dimensões coerência interna e correspondência com a realidade Cada uma destas dimensões é necessária mas tomada separadamente não basta Os modelos teóricos neoclássicos passam tranqüilamente pelo teste da coerência interna Aliás toda a teoria neoclássica é bastante lógica e coerente Já não se pode dizer o mesmo de sua correspondência com a realidade Seja como for aceitos os supostos anteriores e a teoria da concorrência perfeita seguese que quem tem a última palavra na economia é o consumidor final que irá comprar ou rejeitar tal ou tal produto por tal ou tal preço Isto os neoclássicos chamam teoria da soberania do consumidor porque é o consumidor que decide As empresas apenas obedecem 3 84 A TEORIA DA CONCORRÊNCIA IMPERFEITA Em 1933 surgiram dois livros que abordavam o problema da concorrência imperfeita ou concorrência monopolística Um deles The theory of monopolistic competition foi publicado por Edward Chamberlin da Universidade de Harvard nos Estados Unidos O outro era da economista Joan Robinson da Universidade de Cambridge na Inglaterra e trazia o nome de The economics of imperfect competition Sabemos que existe monopólio puro quando uma empresa fabrica um produto diferenciado singular sem substituto próximo Edward Chamber 3 Um dos autores que mais sobressai na crítica à teoria da soberania do consumidor é John K Galbraith Esta crítica aparece mais clara no seu livro A economia do obetivo público São Paulo Martins 1975 porque este livro é uma espécie de síntese dos anteriores lin e Joan Robinson consideram um caso diferente em que as empresas produzem produtos singulares diferenciados mas com substitutos próximos Daí o nome de concorrência monopolista Existe monopólio porque cada empresa produz o seu produto e existe concorrência porque estes produtos têm substitutos próximos Em 1934 um ano após o lançamento dos livros de Robinson e Chamberlin um economista alemão chamado Heinrich von Stackelberg aborda o mesmo problema num livro intitulado Marktlform und Gleichgewicht Estrutura de mercado e equilíbrio O livro de Stackelberg acentua mais os problemas de oligopólio e já defende a intervenção do Estado na economia Esta abordagem mostra que o autor já não tinha confiança cega nos mecanismos do mercado Muito mais tarde em 1953 Joan Robinson iria criticar sua própria posição teórica excessivamente marginalista num artigo publicado no Economic Journal volume LXIII nº 251 de setembro e intitulado Imperfect competition revisited Neste artigo ela mostra que a posição teórica de seu livro anterior desconsiderava o fator tempo e o próprio processo histórico Por volta de 1953 ela já se tornara suficientemente keynesiana e rejeitava qualquer posição de equilíbrio automático na economia Resta uma palavra final sobre um dos precursores da teoria da concorrência imperfeita Este precursor foi Piero Sraffa da Universidade de Cambridge na Inglaterra que em 1926 publicara também no Economic Journal volume XXXVI nº 144 de dezembro um artigo revolucionário para os padrões da época intitulado The Laws of Returns under Competitive Conditions no qual criticava as limitações da teoria marginalista então em vigor QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta deste capítulo permite responder às questões seguintes 1 No início da década de 1870 três autores importantes vivendo em diferentes países publicaram livros que defendiam quase as mesmas ideias Esta convergência de pontos de vista recebeu o nome de revolução marginalista Cite estes autores e as obras com que cada um deles iniciou o movimento 2 Qual a razão pela qual o Principles de Marshall só apareceu muito mais tarde do que os livros dos primeiros marginalistas e qual o papel desta obra no ensino da Economia tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos 3 Fale um pouco sobre as escolas austríaca de Lausanne e de Cambridge e indique alguns dos componentes de cada uma das escolas 4 Este artigo foi publicado em português no livro de Joan Robinson Contribuições à economia moderna Rio de Janeiro Zahar 1979 p 128 sob o título Concorrência imperfeita reexaminada 87 4 Como os marginalistas consideravam o valor e a utilidade e qual sua principal diferença neste campo com a escola clássica Se necessário recorra a gráficos ou diagramas para esclarecer a questão 5 Como os neoclássicos consideravam a Economia Eles ampliaram ou restringiram o campo de estudo da Ciência Econômica 6 Cite os pontos comuns a todas as escolas neoclássicas e fale um pouco sobre cada uma delas Em particular mostre a diferente abordagem do equilíbrio feita por Walras e por Marshall 7 Os pressupostos da concorrência perfeita foram elaborados pelos seguidores de Marshall Quais são estes pressupostos 8 Qual o papel da concorrência perfeita no estudo da economia Fale um pouco sobre o que é um modelo teórico e para que serve 9 Quem foi Piero Sraffa e que papel teve na formulação da teoria da concorrência imperfeita 10 Cite os três autores que quase simultaneamente formularam a teoria da concorrência imperfeita Qual a posição de Joan Robinson neste particular SUGESTÕES DE LEITURA A parte bibliográfica referente à escola neoclássica é a mais ampla possível porque esta escola detém o paradigma dominante da Ciência Econômica no mundo capitalista Todos os livros que tratam da história do pensamento econômico têm esta parte bem desenvolvida Alguns chegam mesmo a reescrever as teorias das várias escolas em termos neoclássicos e o que não conseguem traduzir para a linguagem neoclássica não consideram como sendo economia Alguns desses livros já foram mencionados anteriormente Além deles podemos acrescentar MARSHALL Alfred Princípios de economia Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 2 v Ler principalmente o livro V no início do 2 volume que é o núcleo de toda a obra JEVONS MENGER A teoria da economia política e Princípios de economia política Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 As duas obras estão encadernadas num só volume A obra de Menger é precedida de uma apresentação muito boa de Hayek na qual este autor faz um histórico do aparecimento do livro e analisa o contexto cultural em que ele surgiu Hayek sublinha também as resistências à escola e a célebre batalha do método entre a escola austríaca e a escola histórica alemã Qualquer economista com um mínimo de informação não pode ignorar estes fatos WALRAS Léon Compêndio dos elementos de economia política Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 Esta obra vem acompanhada de uma apresentação do professor Dionísio Dias Carneiro Netto da PUC do Rio de Janeiro 88 O próprio Marshall nunca aceitou que tivesse sido influenciado por Walras ou Jevons Reconheceu sua dívida para com os clássicos e para com Cournot e von Thüner mas não para com os primeiros marginalistas Também rejeitou com irritação a interpretação de muitos autores americanos que consideravam sua obra como uma síntese da escola marginalista com a escola clássica A seus próprios olhos Marshall era um continuador dos clássicos e principalmente de Ricardo Não raras vezes ele critica alguns marginalistas que pretendiam romper definitivamente com a escola clássica Ao discutir o problema do valor em Ricardo e Jevons por exemplo tenta mostrar que Ricardo contrariamente ao que pensava Jevons não desprezou o aspecto utilidade e chegou mesmo perto da distinção entre utilidade total e utilidade marginal Se Ricardo acentuou o aspecto dos custos de produção foi por estes serem menos claros aos olhos de seus contemporâneos Eis o que diz Marshall Poucos autores modernos se aproximaram tanto da brilhante originalidade de Ricardo como Jevons Mas este parece ter julgado Ricardo e Mill severamente atribuindolhes doutrinas mais estreitas e menos científicas do que na realidade sustentaram E o seu desejo de salientar um aspecto do valor ao qual eles não deram relevo suficiente foi provavelmente até certo ponto a razão que o fez dizer A reflexão e a investigação continuam me levaram à opinião um tanto nova de que o valor depende inteiramente da utilidade Theory p I Essa afirmativa parece ser unilateral e fragmentária e bem mais propensa a induzir a erro do que aquela que Ricardo expressava com uma negligente brevidade e que fazia depender o valor do custo de produção a qual porém nunca ele considerou senão como parte de uma doutrina mais vasta cujo restante tentos explicar 1 A obra de Marshall não é apenas analítica como a principal obra de Ricardo mas está cheia de conselhos e considerações práticas como a de Adam Smith Marshall também era um espírito enciclopédico Em 1868 dirigiuse à Alemanha para ler Kant no original Passou cerca de dois anos neste país e familiarizouse com obras de Hegel e dos economistas da escola histórica Embora não tenha aderido aos métodos da escola histórica alemã há autores que dizem que sua obra sofreu muito mais influência da escola histórica do que normalmente se imagina Por exemplo o moralismo de Marshall tão ironizado por Schumpeter não seria apenas reflexo da austera educação paterna que recebera como querem alguns de seus biógrafos mas também resposta às críticas da escola histórica alemã e dos socialistas que se preocupavam com as aberrações da sociedade existente e que apontavam os princípios econômicos como incapazes de resolver os problemas do mundo real Deixemos tais interpretações aos exegetas e a pessoas mais qualificadas e voltemos nossa atenção para o conteúdo do Princípios de Marshall 1 MARSHALL Alfred Princípios de economia Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 V II p 394 9 911 Alguns aspectos do Princípios de Marshall O Princípios não é apenas um manual embora como dissemos tenha dominado o ensino da economia na Inglaterra desde sua publicação 1890 até por volta de 1930 É também uma obra pioneira que levanta questões resolve muitas delas e deixa outras sem solução Neste sentido é uma obra seminal que serviu de fonte de inspiração para inúmeros textos posteriores A microeconomia neoclássica tal como ainda hoje é ensinada na maioria de nossas universidades tem sua principal fonte de inspiração no Princípios O núcleo da obra está no livro V que estuda a demanda a oferta e o valor 912 Demanda oferta e valor Para Marshall a análise de um sistema econômico deveria começar pelo estudo do comportamento dos consumidores e produtores e pelo seu relacionamento no mercado Os consumidores buscam maximizar sua satisfação e os produtores buscam maximizar seus lucros A procura é a relação entre preços e quantidades procuradas A preços mais baixos os consumidores tendem a adquirir mais de determinado bem O produtor comportase de modo inverso A preços mais elevados ele tende a oferecer mais Marshall estava atento às variações na procura provocadas por variações nos preços Percebeu ele que a quantidade procurada de determinado bem era mais ou menos sensível a variações em seu preço Elaborou então o conceito de elasticidadepreço da procura conceito que mostra a sensibilidade da procura com relação a pequenas variações no preço de determinado bem O conceito de elasticidade que em Marshall era um estudo muito cauteloso das relações entre pequenas variações nos preços e nas quantidades procuradas foi mais tarde ampliado por outros autores Por analogia passouse a falar então em elasticidaderenda elasticidadearco elasticidadecruzada etc Talvez Marshall não tivesse aprovado esta ampliação pouco cuidadosa de seu conceito original Seja como for os estudiosos que hoje encontram todos estes conceitos em seus manuais de microeconomia devem saber que no Princípios está a origem de todos eles 2 2 O conceito não nasceu todo feito da cabeça de Marshall pois se sabe que Cournot já trabalhara com ele mas foi Marshall quem o elaborou de maneira cuidadosa 91 Os fundamentos do preço próprio e intrínseco são primeiramente a aptidão que as coisas têm de servirem às necessidades às comodidades ou aos prazeres da vida numa palavra sua utilidade e sua raridade Digo primeiramente sua utilidade e entendo por isso não apenas uma utilidade real mas também a que não passa de arbitrária ou de fantasia como a das pedras preciosas daí decorre que se diga comumente que uma coisa que não tem nenhum uso é de preço nulo Mas apenas a utilidade quiçá real ela seja não basta para dar um preço às coisas é preciso ainda considerar sua raridade isto é a dificuldade que se tem de obter essas coisas e que faz com que cada qual não as possa facilmente obter tanto quanto queira Porque em vez de ser a necessidade que se tem de uma coisa o que decide seu preço vêse comumente que as coisas mais necessárias à vida humana são aquelas que custam mais barato como a água comum A raridade apenas também não é suficiente para dar um preço às coisas é preciso que tenham ademais alguma utilidade Como são esses os verdadeiros fundamentos do preço das coisas são também essas mesmas circunstâncias combinadas diferentemente que o aumentam ou o diminuem Se a moda de uma coisa passa ou poucas pessoas fazem uso dela imediatamente ela se torna barata não importa o quanto tivesse sido cara anteriormente Se uma coisa comum ao contrário que não custava nada ou muito pouco tornase um pouco rara começa logo a ter um preço e algumas vezes até mesmo um preço alto como acontece por exemplo com a água em lugares áridos ou em certo período durante um cerco ou uma navegação etc Em uma palavra todas as circunstâncias particulares que concorrem para a alta do preço de uma coisa podem ser relacionadas com a sua raridade Tais são a dificuldade de uma obra sua delicadeza e a reputação do operário Podese relacionar à mesma razão aquilo que se chama preço de inclinação ou de afeição quando alguém estima uma coisa que possui além do preço que se lhe dá comumente e isso por uma razão particular por exemplo se ela serviu para tirálo de um grande perigo se ela é um monumento de algum acontecimento notável se é um atributo de honra etc 2 Estas palavras dispensam comentário Walras continua o capítulo falando sobre Gossem Jevons e Carl Menger e das idéias desses autores sobre a teoria do valor B O equilíbrio geral Cournot escreve o seguinte no Capítulo 2 de seu Princípios matemáticos da teoria da riqueza 1838 Até agora estudamos como a lei da demanda em relação com as condições de produção determina para cada bem seu preço e regula a renda dos produtores Consideramos como dados e invariáveis os preços dos outros bens e as rendas de seus produtores Mas na realidade o sistema econômico é um conjunto no qual todas suas partes estão relacionadas entre si e se influem mutuamente Um aumento na renda dos produtores do bem A afetará a demanda dos bens B C etc assim como as rendas de seus produtores e em virtude desta reação originarseá uma mudança na demanda do bem A Parece portanto como se para uma solução completa e rigorosa dos problemas relativos a algumas partes do sistema econômico fosse indispensável ter em conta a totalidade do mesmo Mas isto superaria a capacidade de nossa análise matemática e de nossos métodos práticos de cálculo ainda no caso em que se pudessem atribuir valores numéricos a todas as constantes O problema ao qual Walras dedica todo seu esforço é exatamente este sugerido por Cournot Este percebe a interdependência de todas as variáveis econômicas mas chega à conclusão de que é impossível uma abordagem matemática deste problema no campo empírico Walras deixa de lado o problema empírico e concentrase na possibilidade teórica de uma solução puramente matemática O problema de Cournot era mais econométrico O de Walras é puramente matemático Ele quer mostrar três coisas primeiro que a interdependência entre todas as variáveis econômicas é suscetível de um tratamento rigorosamente matemático Segundo que este mercado interdependente pode chegar ao equilíbrio geral e terceiro que a livre concorrência é a força que leva o mercado ao equilíbrio Para construir seu sistema de equações Walras começa fazendo a distinção entre mercado de produtos e mercado de fatores Lembrese de que os fatores de produção para os neoclássicos são trabalho capital e recursos naturais No mercado de produto os consumidores demandam bens e serviços No mercado de fatores as empresas demandam fatores de produção As empresas são compradoras no mercado de fatores e vendedoras no mercado de produtos Qualquer alteração de preços em qualquer destes mercados alterará todas as demais variáveis do sistema econômico Esta é a idéia central que Walras tenta desenvolver no seu Elementos buscando aproximarse o mais possível das situações reais Devido à abordagem matemática a obra de Walras ficou restrita a um grupo muito pequeno de especialistas Pouco a pouco e muito lentamente ela foi chamando a atenção de alguns economistas Mas a realização de Walras foi de enorme significado para o progresso da ciência econômica Foi ele que chamou a atenção para a tremenda complexidade do tratamento de uma simples questão econômica Criticase muito hoje e com razão as suposições irrealistas dos neoclássicos principalmente quando ao abordarem determinado problema avançam a cláusula coeteris paribus Esta crítica não atinge Walras pois o que sua obra procura mostrar é precisamente o irrealismo teórico de um coeteris paribus Este foi um avanço substantivo Mas Walras revoluciona também o método de abordagem 3 Coeteris paribus é expressão latina que significa mantidas constantes todos os demais fatores ou não considerando alterações significativas nos demais fatores que entram na equação das questões econômicas ao mostrar as possibilidades da Matemática neste campo Foi um dos grandes precursores da Economia Matemática e terá seguidores eminentes como Pareto Fisher Hicks Leontieff von Neumann e muitos outros 1012 Vilfredo Pareto 18481923 Embora Pareto tenha sido o sucessor de Walras na cadeira de Lausanne estes dois homens foram muito diferentes um do outro Walras francês de classe média era reformista e otimista Pareto italiano de família nobre era pessimista e cético Desprezava a sociedade e era até certo ponto um homem amargo No entanto a vida profissional de Pareto foi sempre coroada de êxitos Engenheiro alto executivo de estradas de ferro e mais tarde de indústrias pesadas na Itália sempre ocupou cargos administrativos Como executivo teve de entrar em problemas econômicos e através deles foi levado à teoria Mas seus estudos teóricos neste campo só tomaram corpo após seu ingresso na escola de Lausanne A vida profissional de Pareto abarcou sucessivamente três campos distintos ele foi engenheiro economista e sociólogo Sobre sociologia escreveu uma obra volumosa Teoria geral da sociologia que apareceu em 1916 Como economista deixou duas obras Curso de economia política 2 vol 18961897 e Manual de economia política 1906 No Curso Pareto está ainda muito próximo de Walras e dá prosseguimento à obra deste último na linha matemática Já no Manual embora continue na linha matemática Pareto afastase bastante de seu predecessor Já não aceita a teoria da utilidade como fora apresentada por Walras Menger e Jevons e propõe inclusive que se abandone o termo utilidade trocandoo por ofelimidade termo de origem grega sem conotação moral Pareto diz que o termo utilidade está mal empregado porque numa escala de preferências nem sempre se escolhe o que é mais útil Se a pessoa preferir a bebida alcoólica à alimentação ela não estará fazendo uma escolha entre utilidades mas entre uma nocividade e uma utilidade Neste caso para ele o termo ofelimidade seria mais realista É este aliás o termo que aparece no Manual mas que não teve aceitação entre os economistas Nega também que se possa medir ou somar utilidades Todo processo de escolha envolve uma escala de prioridades e é esta escala que deve ser estudada Para isto Pareto recorre às curvas de indiferença que ele desenvolveu partindo de uma idéia do economista inglês Francis Ysidro Edgeworth Esta foi uma das contribuições permanentes de Pareto para a escola neoclássica No entanto durante muito tempo as curvas de indiferença só foram conhecidas dos especialistas Na década de 1930 Allen e Hicks trabalharam sobre a idéia e a divulgaram A partir do trabalho destes dois economistas e principalmente depois que John Hicks a empregou em seu livro Valor e capital4 as curvas de indiferença passaram a ocupar um lugar de destaque na teoria do consumidor de todos os manuais de microeconomia Aí está a origem da atual divisão entre teoria da utilidade cardinal e teoria da utilidade ordinal A partir de combinações de curvas de indiferença chegouse ao conceito de ótimo de Pareto situação teórica em que se verifica uma alocação ótima de recursos num sistema em equilíbrio geral No entanto Pareto contrariamente a outros neoclássicos não julga a concorrência perfeita e a livre iniciativa como as únicas forças capazes de levar o sistema ao melhor desempenho Para ele a economia pura não oferece critério decisivo para se escolher entre uma organização da sociedade capitalista ou socialista Este é outro ponto de divergência entre Pareto e Walras Para este último a situação criada pela livre concorrência é a melhor possível A Distribuição da renda A partir de grande número de dados empíricos colhidos em vários países Pareto pretendeu ter descoberto a fórmula capaz de expressar a lei da distribuição da renda Afirma ele após ter feito uma série de comparações entre curvas normais e curvas de distribuição da renda que estas últimas em todos os países apresentam notável semelhança5 A partir desta pretensa verificação científica pretensa porque desconsidera inúmeras outras variáveis institucionais que levam à assimetria na distribuição de rendimentos Pareto sugere que se trata de um fenômeno sujeito a leis imutáveis A idéia que se esconde atrás deste raciocínio é ideológica se os fatos e as curvas sempre se comportam como ele as descreve de pouco adiantará as políticas econômicas ou os esforços no sentido de uma melhor distribuição de renda Mas se as conclusões de Pareto não convencem elas pelo menos tiveram o mérito de abrir caminho para o uso de métodos sérios e cuidadosos no estudo da distribuição da renda Como dissemos no fim da vida Pareto dedicouse mais ao estudo da Sociologia Era cético desiludido desprezava as massas e não acreditava na democracia que ele identifica com demagogia Por isso não é de se estranhar que suas idéias agradassem aos fascistas que o agraciaram com o título de senador Pareto não deu importância alguma a este título e continuou sua vida de solitário desiludido 4 John Hicks economista inglês da escola de Oxford e um dos laureados com o prêmio Nobel de Economia Escreveu inúmeras obras e entre elas Valor e capital que lhe abriu o caminho para o prêmio Nobel Mais tarde Hicks rejeitou ou corrigiu muita coisa que apresentara em Valor e Capital 5 Ver Capítulo 7 do Manual de economia política v II p 29 ss da coleção Os Economistas da Abril Cultural O capítulo trata da população e é muito sugestivo para quem tem certo conhecimento de estatística 100 101 QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto permite que se responda às questões seguintes 1 Por que Walras se tornou famoso no campo da teoria econômica e qual a opinião de Schumpeter sobre ele 2 Quais as razões apresentadas por Walras para a estatização das terras Como ele via este assunto 3 Explique a teoria do valor de Walras Em que medida ela se afasta da teoria do valor de Ricardo 4 Como Walras encara o problema do equilibrio geral Qual a diferença entre a visão de Cournot e a de Walras neste campo 5 Quais as obras mais importantes de Vilfredo Pareto no campo da Economia 6 Como Pareto resolveu o problema da utilidade e que influência seus estudos neste campo tiveram sobre a moderna teoria neoclássica 7 Como Pareto encara o problema da distribuição da renda SUGESTÕES DE LEITURA Inúmeros livros que abordam a história do pensamento econômico falam de Walras e Pareto bem como da escola de Lausanne O leitor deve recorrer a estes livros mas não pode deixar de ir aos próprios autores PARETO Vilfredo Manual de economia política Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 v 2 WALRAS Léon Compêndio dos elementos de economia política pura Coleção Os Economistas São Paulo Abril Cultural 1983 Apresentação do professor Dionísio Dias Carneiro da PUC do Rio 102 103 11 A Escola Austríaca De 1870 a 1930 surgiu na Áustria um grupo de economistas que marcou época e marcou também a história do pensamento econômico São os fundadores e continuadores da escola austríaca Na Alemanha a corrente da economia marginalista foi eclipsada pela escola histórica corrente de pensamento que desprezava o método dedutivo e só valorizava em Economia o estudo histórico dos fatos Do confronto entre as escolas clássica e marginalista de um lado que adotavam o método dedutivo e a escola histórica de outro surgirá uma das mais célebres polêmicas na história do pensamento econômico conhecida como batalha do método Methodenstreit O defensor mais famoso da escola teórica método dedutivo será Carl Menger fundador da escola austríaca Outros representantes famosos da mesma escola sãoEugen von BöhmBawerk e Friedrich Wieser Estes dois autores desenvolveram ampliaram e aprofundaram a obra de Carl Menger do qual eram discípulos mas discípulos do mesmo quilate intelectual do mestre Há autores que consideram BöhmBawerk como o maior economista da escola austríaca e um dos maiores economistas de todos os tempos O próprio Schumpeter o chama de Marx burguês Realmente boa parte da obra de BöhmBawerk é uma tentativa de refutação da obra de Marx Podemos acrescentar ainda que boa parte das respostas que os economistas neoclássicos de hoje dão às indagações e problemas levantados por Marx não passa de repetição das respostas de BöhmBawerk 111 CARL MENGER 18401921 Já sabemos que Carl Menger publicou seu Princípios de economia política em 1871 e foi juntamente com Jevons e Walras um dos três fundadores da chamada escola marginalista No entanto a obra de Menger não se tornou logo conhecida Hayek também pertencente à escola austríaca nota que se não fossem BöhmBawerk e Wieser que divulgaram o pensamento da escola austríaca no exterior o nome de Carl Menger talvez fosse 12 John Maynard Keynes e a Escola Keynesiana 121 INTRODUÇÃO Antes de abordarmos o estudo específico da obra de Keynes e principalmente a Teoria geral do emprego do juro e do dinheiro convém ressaltar dois pontos importantes O primeiro referese à própria situação teórica da análise econômica na época e o segundo à situação conjuntural da economia dos principais países capitalistas entre 1920 e 1936 A teoria econômica predominante na época é a teoria neoclássica principalmente em sua versão marshalliana Esta teoria tem como suposto a lei de Say segundo a qual o processo de produção capitalista é também um processo de geração de rendas lucro salário aluguéis etc e por isso a oferta cria sua própria demanda Acrescentese a isto a idéia de ajustamento automático da economia e teremos uma conclusão importante o sistema econômico considerado como um todo não pode admitir desemprego involuntário Tratase de uma decorrência natural dos supostos anteriores Se desemprego houver ele será temporário esporádico e parcial Esta a posição teórica da principal corrente econômica da época A realidade dos fatos desmentia a teoria O desemprego na Inglaterra continuava grande e persistente desde o início de 1920 Este desemprego alastravase por vários outros países da Europa Nos Estados Unidos após a quebra da bolsa de New York a porcentagem de desempregados assume proporções alarmantes Como reagiam os principais teóricos da época diante de um quadro destes Como explicavam eles esse descompasso entre teoria e prática Ou melhor por que persistiam em defender uma teoria que teimava em negar os fatos A explicação destes autores levava em conta o lado dos trabalhadores salários e sindicalismo e o lado das empresas monopólio e oligopólio Do lado dos trabalhadores diziam os defensores da teoria tradicional o salário já não obedece à lei da oferta e da procura Um novo fato institucional o sindicalismo impede que os salários desçam e com isso trompese artificialmente a lei da oferta e da procura de trabalho Os salários estão mais altos do que estariam se funcionasse o livre jogo do mercado As empresas deixam de contratar quando os salários se elevam muito e isto gera o desemprego Portanto a causa do desemprego são os altos salários Do lado das empresas também havia problemas Os neoclássicos sempre foram defensores decididos da concorrência perfeita Por concorrência perfeita entendase aquela estrutura de mercado em que prevalece grande número de pequenas empresas nenhuma delas com poder sobre o mercado produto homogêneo mobilidade de fatores etc Ora as empresas do início deste século estavam afastandose deste modelo Surgiam monopólios e oligopólios destruindo as características da concorrência perfeita e portanto a possibilidade de autoajustamento da economia Para esses autores o que estava errado não era a teoria eram os fatos Interessante ciência esta que pretende que os fatos se ajustem à teoria Mas a situação era esta Keynes colocase frontalmente contra essa linha de pensamento Ele será o primeiro autor de sucesso a apresentar uma versão teórica alternativa capaz de explicar o caos econômico da época É evidente que Keynes teve predecesso res Malthus Sismondi Marx Robertson Wicksell mas a Teoria geral por motivos que não nos cabe analisar aqui foi a alternativa que teve êxito em desalojar as posições teóricas anteriores sintetizadas na lei de Say e na visão da economia como mecanismo autoajustável O contexto no qual surge a obra de Keynes é o de uma economia em recessão e até em depressão onde o desemprego de mãodeobra e de fatores produtivos é enorme com grande queda da renda nacional Keynes aponta duas grandes fraquezas do sistema capitalista o desemprego e a distribuição excessivamente desigual e arbitrária da renda e da riqueza Mas acha que estas fraquezas podem ser eliminadas Dentro em breve abordaremos as grandes linhas de seu pensamento Cabe assinalar aqui que sua contribuição foi decisiva não só no campo da teoria econômica mas também no campo da política econômica A chamada revolução keynesiana foi uma revolução na teoria econômica que abriu espaço para uma revolução na política econômica intervenção do Estado na economia Antes de Keynes muitos políticos já advogavam uma política de obras públicas capaz de abrandar a questão do desemprego O que não existia era coerência entre as medidas apregoadas e a teoria defendida A incoerência era total entre teoria e prática 110 111 Resumindo os clássicos1 apontavam como causa do desemprego a rigidez dos monopólios Monopólios dos sindicatos que impediam a flexibilidade dos salários e monopólio das empresas que impediam a concorrência perfeita Atribuíam os graves problemas da economia às imperfeições do mercado Na realidade como diz Pasinetti estes clássicos se referem a um mundo ideal ou até mítico que não é o mundo do capitalismo industrial A visão de Keynes é totalmente diversa Para ele não se trata de rigidez ou imperfeição do mercado Não se trata de voltar ao mundo ideal da concorrência perfeita Ele mostrará que o capitalismo funciona mal por deficiência de demanda e que esta deficiência é uma das características do sistema A grande contribuição de Keynes à teoria econômica é o princípio da demanda efetiva2 embora o sucesso de sua obra seja devido ao instrumental analítico por ele usado Sem este instrumental ele não teria conseguido transmitir a força deste princípio como aliás acontecera com seus predecesso res 122 DADOS BIOGRÁFICOS Keynes nasceu em Cambridge Inglaterra em 1883 e faleceu em Sussex em 1946 Teve vida agitada e sua atividade estendeuse por campos muito variados do saber da política e da arte Foi funcionário público professor conferencista assessor do tesouro britânico diretor do banco da Inglaterra político economista financista protetor das artes e colecionador de livros raros Representou a Inglaterra em várias reuniões importantes Participou ativamente da vida política social e econômica de sua época Mas o que o tornou conhecido no mundo todo foi sua obra de economista principalmente a Teoria geral que representou a ruptura com a teoria econômica prevalecente até então Keynes foi fruto da época vitoriana Para compreendêlo é preciso compreender sua época Seu pai John Neville Keynes era um professor de Economia muito preocupado com os problemas de metodologia científica e de lógica e íntimo amigo de Alfred Marshall Sua mãe Florence era uma das poucas mulheres da época que possuía um título universitário e chegou a ser reitora da universidade de Cambridge Keynes estudou Filosofia e Matemática Chegou mesmo a apresentar uma dissertação sobre Teoria das probabilidades com a qual pretendia ingressar no mundo acadêmico Esta dissertação não foi aceita inicialmente em Cambridge 1908 Abraça então o estudo da Economia Pouco depois a convite de Marshall e Pigou tornase professor de Economia em Cambridge mas sem vínculos formais com a universidade Sua dissertação 1 O termo clássico na pena de Keynes não tem o mesmo sentido que o adotado neste livro Keynes chama clássicos todos os autores que vão de Ricardo a Pigou incluindo os neoclássicos entre os clássicos Na realidade o autor que ele ataca na Teoria geral é Pigou discípulo e continuador de Marshall em Cambridge e que em 1933 escrevera The theory of unemployment 2 Ver PASINETTI Luigi Crescimento e distribuição de renda Ensaios de Teoria Econômica Rio de Janeiro Zahar 1979 cap 2 p 3562 Pasinetti é um reconhecido neoricardiano da universidade de Cambridge na Inglaterra 6 então reapresentada e aceita e ele assume formalmente a cadeira de Economia Permanece em Cambridge até 1915 De 1915 a 1919 trabalha no Tesouro Britânico onde já estivera antes Como membro do Tesouro representa a Inglaterra na Conferência de Paz de Paris Discorda da posição dos aliados que pretendem impor excessivos encargos de guerra à Alemanha Deixa a Conferência em protesto e escreve The economic consequences of the peace dez 1919 em que critica a posição aliada Este pequeno livro tornao famoso Alguns anos depois o livro se mostraria também profético Foi a falta de visão dos aliados na Conferência que alimentou a revolta alemã criando condições para a subida de Hitler ao poder São conhecidas as invectivas deste último ao Dictat de Versalhes O espírito picuinha vingativo e estúpido dos aliados contra a Alemanha lançará a Europa e o mundo na Segunda Guerra Mundial Keynes fora discípulo de Marshall e aceitava os ensinamentos ortodoxos Alguns de seus melhores biógrafos como Roy Harrod e Moggridge indicam o ano de 1925 como o ano de transição que culminará com a Teoria geral Mas a questão é controversa Sua grande obra A treatise on money escrita em 1930 ainda está longe da visão revolucionária da Teoria geral 1936 Esta última será fruto do esforço de Keynes e de suas discussões com um grupo de alunos e colegas privilegiados com os quais mantinha reuniões e debates freqüentes Entre estes estavam Austin Robinson Joan Robinson Richard Kahn James Meade Abba Lerner Sraffa e outros Formavam o chamado círculo que passou a reunirse inicialmente para discutir as idéias expostas por Keynes no Treatise já mencionado É defensável a tese de Dudley Dillard segundo a qual Keynes chegou ao rompimento com a doutrina clássica e à elaboração de uma teoria alternativa ao verificar que a política econômica decorrente dos postulados clássicos não resolvia os problemas concretos do desemprego Keynes era um espírito teórico e ao mesmo tempo pragmático A discrepância entre o diagnóstico e os remédios clássicos por um lado e a persistência da doença por outro não poderia deixálo indiferente Os instrumentos de política econômica clássica nada resolviam Era preciso explicar esse fracasso e criar um novo instrumental capaz de solucionar o problema A Teoria geral é uma resposta a esta situação 123 O ESQUEMA BÁSICO A preocupação básica de Keynes era determinar os principais fatores responsáveis pelo emprego numa economia industrial moderna Ao apontar tais fatores surgiu também as causas do desemprego Este era o grande problema da época e um dos pontos fracos do sistema capitalista Mas o emprego anda ligado à produção e à renda Estudar o nível de emprego é o mesmo que estudar o nível da renda ou da produção nacional Não se esqueça de que Keynes está tratando da economia como um todo 113 A linha de raciocínio de Keynes pode ser assim apresentada em termos de perguntas e respostas Que fatores explicam o nível de emprego numa sociedade industrial moderna O nível do emprego é determinado pelo nível de produção Quem determina o nível de produção A demanda efetiva Quem determina a demanda efetiva A resposta adequada a esta pergunta exige a decomposição da demanda em seus vários componentes Estamos supondo uma economia sem comércio exterior e sem governo para simplificar o modelo Nesse caso a demanda compõese de bens de consumo C e bens de investimento I Para apontarmos o que determina a demanda efetiva temos de estudar os determinantes do consumo e do investimento O consumo é uma função da renda Simbolizando consumo por C e renda por Y podemos escrever C fY Para Keynes o consumo agregado isto é o consumo de toda a sociedade é sempre menor que 1 Isto quer dizer que a sociedade como um todo sempre poupa parte de sua renda Não a consome toda O investimento é função das expectativas dos empresários quanto aos lucros futuros e da taxa de juros Em símbolos I f Ei onde I é o investimento E expectativa de lucros e i taxa de juros Veremos mais tarde a articulação entre estas variáveis É importante salientar que Keynes se afasta muito da ortodoxia Para ele o nível da renda ou da produção agregada é determinado pelo consumo e pelo investimento se nos restringirmos ao modelo simples Não basta escrever Y C I 1 É preciso ter em mente que existe um sentido de causalidade na equação 1 e que este sentido vai de consumo e investimento para renda ou seja a renda é determinada pelos gastos em consumo e pelos gastos em investimento O princípio da demanda efetiva diz exatamente isto É o ato de gastar que determina a renda Esta observação é mais importante do que parece Muitos keynesianos adulteraram o pensamento de Keynes E o caminho desta adulteração passa pelo desprezo do sentido de causalidade Transformar as equações de Keynes num sistema de equações simultâneas onde tudo depende de tudo à maneira dos esquemas de Léon Walras é destruir a substância mesma do pensamento de Keynes E é isto que muitos autores keynesianos fazem3 3 Existem hoje na vasta literatura sobre Keynes muitos autores que mostram que o pensamento desse economista foi reinterpretado de maneira equivocada por keynesianos posteriores Joan Robinson chamaos keynesianos bastardos Boa parte da obra de Joan Robinson é dedicada a demolir as idéias dos keynesianos bastardos Ver também a esse respeito PASINETTI Luigi Características antikeynesianas de certa literatura keynesiana In Crescimento e distribuição de renda Rio de Janeiro Zahar 1979 124 PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA O princípio da demanda efetiva é apresentado no Capítulo 3 da Teoria geral Este princípio é a grande inovação de Keynes e a essência da Teoria geral como ele mesmo confessa No entanto o Capítulo 3 não prima pela clareza O leitor não deve deixar de ler este capítulo assim como o Capítulo 5 da Teoria geral mas nós vamos abordar o problema de outro modo Começamos dizendo que o princípio da demanda efetiva é o oposto da lei de Say Poderíamos chamálo antilei de Say Afirma ele o primado dos gastos em consumo e investimento demanda sobre a produção oferta Em outras palavras quem determina o volume da produção é portanto o volume do emprego é a demanda efetiva que não é apenas a demanda efetivamente realizada mas ainda o que se espera seja gasto em consumo mais o que se espera seja gasto em investimento O problema da formação das expectativas dos capitalistas é sumamente importante e Keynes fala sobre isto nos Capítulos 5 e 12 da Teoria geral Suponhamos que a capacidade produtiva de um país seja dada mas que esta capacidade permaneça parcialmente ociosa Neste caso teríamos máquinas equipamentos e homens capacitados a trabalhar mas todos eles inativos Haveria capacidade produtiva potencial Para que haja produção efetiva é preciso que haja demanda efetiva As variações na demanda os produtores respondem variando a produção como nos diz Pasinetti ver Crescimento e distribuição de renda p 40 Este esquema é diferente do esquema neoclássico para o qual variações da demanda são causadoras de variações nos preços E o sistema de preços passa então ao primeiro plano determinando a produção O princípio da demanda efetiva não é novo Já era conhecido dos mercantilistas de Malthus de Sismondi de Marx e de muitos outros mas só foi aceito pelo establishment econômico após a Teoria geral O próprio Keynes mostrase perplexo diante deste fato Ao se referir ao debate travado entre Malthus e Ricardo sobre a insuficiência da demanda ele afirma o seguinte Ricardo conquistou a Inglaterra de maneira tão completa como a Santa Inquisição conquistara a Espanha E com a vitória de Ricardo a preocupação com a demanda efetiva desaparece da literatura econômica ortodoxa As consequências deste princípio são diametralmente opostas às apresentadas pelos neoclássicos Tomemos por exemplo os salários Para os neoclássicos e em especial para Pigou a quem Keynes ataca de modo específico o desemprego é causado por salários excessivamente altos Para eliminar o desemprego seria preciso baixar os salários Para Keynes a política adotada devia ser outra O desemprego é provocado por deficiência 114 115 Ver KEYNES John M Teoria geral do emprego do juro e do dinheiro São Paulo Abril Cultural 1983 p 34 de demanda A baixa dos salários poderia agravar a situação porque levaria a m desestímulo do consumo A queda do consumo levaria alguns empresários a arquivarem futuros projetos de investimentos ou até mesmo a diminuírem a produção corrente Neste caso haveria aumento da capitalci ode e portanto desemprego Para que as fábricas antigas continuem produzindo é preciso que novas fábricas sejam criadas Nesse processo de criação de novas fábricas investimento há geração de mais renda que se encaminhará para a compra de produtos novos e antigos O princípio da demanda efetiva é tão simples c nos parece tão evidente que causa espanto ter ele permanecido oculto por mais de um século Mas se o princípio é simples as consequências dele decorrentes no plano da política econômica são enormes Por exemplo ele significa o fim do laissezfaire e do liberalismo econômico A demanda efetiva pode ser maior ou menor que a capacidade produtiva de um país em determinado momento Se for menor teremos desemprego Se for maior teremos inflação Não existe nenhum mecanismo de ajustamento automático capaz de igualar a oferta e a demanda no nível de pleno emprego como preconizavam os clássicos com base na lei de Say Naturalmente existe uma combinação óptima de consumo e investimento que leva a demanda a se igualar à oferta no pleno emprego mas está é uma das inúmeras combinações possíveis É um caso especial dentro de um quadro de muitas outras possibilidades Por esta razão Keynes chamou seu livro de Teoria Geral O caso clássico de equilíbrio com pleno emprego é uma de muitas alternativas possíveis seria um caso de difícil ocorrência Fixado o princípio de que não existem forças de autoajustamento na economia abrese o campo para a política econômica A busca do pleno emprego tornase um dos objetivos da macroeconomia mas um objetivo que deve ser alcançado por vontade política O sistema capitalista aparece em toda sua luz isto é como um sistema instável sujeito a oscilações O caráter intrinsecamente instável do sistema capitalista é uma das muitas decorrências do princípio da demanda efetiva Este fato ficará mais claro ao examinarmos o investimento que é o componente mais importante da demanda 125 CONSUMO E PROPENSÃO MARGINAL A CONSUMIR No modelo fechado e sem governo o consumo e o investimento determinam o volume da produção de uma comunidade Sabemos que o consumo é função da renda Ao aumentar a renda de uma comunidade aumentará também o consumo mas em proporção menor que o aumento da renda Isto quer dizer que para a comunidade como um todo nem toda a renda é consumida Parte dela é poupada Sendo assim é evidente que cada aumento unitário da renda pode ser decomposto em consumo e poupança Suponhamos que para cada aumento de mil cruzados na renda oitocentos cruzados sejam aplicados em consumo A esta porcentagem do aumento da renda aplicada em consumo Keynes chamou propensão marginal a consumir No nosso exemplo a propensão marginal a consumir é 08 porque ao aumentar a renda em mil cruzados oitocentos foram gastos em consumo 8001000 Neste mesmo exemplo a porcentagem não aplicada em consumo é a propensão marginal a poupar É evidente que a propensão marginal a consumir que denotaremos por PMgC será o complemento da propensão marginal a poupar PMgS A soma destas duas propensões deverá ser 1 posto que uma é o complemento da outra O quadro abaixo esclarece o que dissemos PMgC PMgS 09 01 08 02 07 03 Segundo Keynes quanto mais pobre a comunidade maior será sua propensão marginal a consumir Uma comunidade pobre tenderá a aplicar quase tudo que recebe em consumo Por outro lado uma comunidade rica tenderá a aplicar menos em consumo Isto pode causar problemas porque já vimos que o consumo é um dos componentes da demanda efetiva Sabemos que o consumo é função da renda e que nem toda a renda é consumida Existe ainda uma parcela do consumo que independe do volume da renda Esta parcela corresponde ao que a comunidade necessita para sobreviver Chamamos este consumo de autônomo Por que autônomo Porque qualquer que seja a renda este montante será consumido Podemos agora escrever a função consumo assim C Co bY onde Co é o consumo autônomo b é a propensão marginal a consumir 0 b 1 Y é a renda Quanto maior a renda maior o consumo 117 QUESTÕES PARA REVISÃO A leitura atenta do texto dá condições para que se responda às questões seguintes 1 Como os clássicos no sentido de Keynes explicavam o desemprego uma vez que segundo suas teorias não poderia existir desemprego involuntário nem permanente 2 Fale um pouco sobre o contexto em que surgiu a Teoria geral 3 Keynes aponta duas grandes falhas no sistema capitalista Quais são elas 4 Contemporâneos de Keynes já advogavam uma política de gastos públicos para eliminar o desemprego Um desses contemporâneos foi Lloyd George exprimeiro ministro e antigo chefe de Keynes na Conferência de Versalhes cuja política de gastos públicos foi defendida por Keynes no ensaio Can Lloyd George do it Qual a contribuição da Teoria geral a esse tipo de política 5 Uma das grandes contribuições de Keynes foi a apresentação do princípio da demanda efetiva Este princípio contudo já era conhecido antes O que o tornou mais aceitável a partir de Keynes 6 Escreva sobre as opiniões e sobre o comportamento de Keynes na Conferência de Versalhes 7 Como Dillard explica o rompimento de Keynes com a teoria marshalliana 8 Qual o problema central da Teoria geral e como Keynes desenvolve sua argumentação para responder a este problema 9 Como Keynes e Pigou encaravam os salários e sua relação com o desemprego 10 Escreva sobre a função consumo na teoria de Keynes e explique o que é propensão marginal a consumir SUGESTÕES DE LEITURA LEKACHMAN Robert Teoria geral de Keynes trinta anos de debates São Paulo Ibrasa 1968 Tratase de um livro organizado por Lekachman e que apresenta reflexões de economistas renomados sobre diversos aspectos da obra de Keynes ROBINSON Joan Contribuições à economia moderna Rio de Janeiro Zahar 1979 Vários aspectos da obra e da vida de Keynes são abordados nos primeiros capítulos deste livro DEANE Phyllis A evolução das idéias econômicas Rio de Janeiro Zahar 1980 Ler o capítulo 12 sobre a revolução keynesiana 118 13 Investimento e Eficiência Marginal do Capital O investimento comportase de modo bem diverso do consumo Já vimos que no curto prazo ele é função da rentabilidade esperada dos vários projetos e da taxa de juros Observe o esquema abaixo Taxa de retorno e taxa de juros 7 6 5 4 3 2 1 4 A B C D E F Investimento Figura 1 No eixo das ordenadas estão a taxa de lucro esperada ou taxa de retorno e as taxas de juros tratase de possíveis taxas de juros No eixo 119 das abcissas estão os vários projetos de investimento que um empresário tem diante de si e que chamamos projeto A B etc Supondo uma taxa de juros de 4 como indica a figura o empresário escolherá todos aqueles projetos que tiverem uma taxa de retorno superior a 4 Os projetos A B e C oferecem taxas de retorno superiores a 4 Os projetos restantes D E e F serão rejeitados por oferecerem taxas inferiores a 4 É importante assinalar que o gráfico da Figura 1 se refere a expectativas do empresário É o empresário olhando para o futuro Como o futuro é incerto estas expectativas variam muito Daí a instabilidade dos investimentos particulares no interior do sistema capitalista As expectativas de lucro dos empresários recebem de Keynes um nome específico eficiência marginal do capital Vamos precisar melhor este conceito Keynes tomou a idéia de Irving Fisher como nos esclarece no texto abaixo O sentido de eficiência do capital do qual me valho e que constitui em minha opinião a única definição do termo que faz sentido foi usado pela primeira vez na teoria econômica por Irving Fisher em sua Theory of Interest 1930 sob a denominação de taxa de retorno sobre o custo Creio que esta concepção é a mais importante e produtiva das suas recentes sugestões originais1 Vamos esclarecer melhor o assunto Suponha que determinado empresário queira comprar certa máquina por 1000 mil unidades monetárias Isto é o que ele gastará ao investir na máquina É o montante a ser investido ou na linguagem de Keynes é o preço de oferta da máquina Ao pensar em comprar a máquina terá previsto da maneira mais realista possível os rendimentos líquidos que esta máquina lhe proporcionará ao longo de sua vida útil Suponhamos que estes rendimentos futuros sejam de 200 por ano durante oito anos Oito anos é a vida útil da máquina Esquematicamente teríamos 200 200 200 200 200 200 200 200 1 2 3 4 5 6 7 8 1000 1 Ver a esse respeito o artigo A teoria da taxa de juros 1937 do livro Keynes incluído na coleção Grandes Cientistas Sociais São Paulo Ática 1978 Traduzi Rate of Return over Cost por Taxa de Retorno sobre o Custo e não taxa de rendimento porque esta expressão é hoje comumente conhecida como taxa de retorno A flecha voltada para baixo significa o desembolso para a compra da máquina e as flechas voltadas para cima os rendimentos líquidos que tal máquina proporciona Existe uma taxa de desconto que faz com que estes oito rendimentos líquidos futuros trazidos para o valor presente sejam iguais ao preço de oferta da máquina 1000 É esta taxa que Keynes chama eficiência marginal do capital Ela será comparada com a melhor taxa oferecida no mercado financeiro se for maior que a taxa do mercado financeiro valerá a pena comprar a máquina Caso contrário será melhor aplicar o dinheiro no mercado financeiro que estaria dando um rendimento maior que a máquina No exemplo acima a taxa de desconto que iguala os oito rendimentos líquidos ao custo do capital é de 12 Hoje a eficiência marginal do capital exatamente como Fisher e Keynes a apresentaram recebe o nome de taxa interna de retorno TIR À taxa interna de retorno é comparada com a taxa de mercado taxa cobrada para financiar os investimentos ou com o custo do capital Se a TIR for maior que a taxa de mercado ou do que o custo do capital escolhese o projeto Caso contrário rejeitase o projeto Antes de entrarmos em exemplos concretos vamos apresentar duas definições da taxa interna de retorno Chamase taxa interna de retorno aquela taxa que iguala o valor presente dos rendimentos líquidos futuros ao custo do investimento Observe duas coisas 1 Falamos em rendimentos líquidos futuros Eles não existem ainda São esperados Fazem parte de um horizonte de expectativas 2 Estes rendimentos líquidos futuros devem ser trazidos para o valor presente Nas palavras de Keynes defin o a eficiência marginal do capital como sendo a taxa de desconto que tornaria o valor presente do fluxo de anuidades das rendas esperadas desse capital durante toda sua existência exatamente igual ao seu preço de oferta2 Agora estamos aptos a compreender o problema do investimento A taxa de juros não é fixa Ela pode subir ou descer Se subir poderá inviabilizar muitos projetos de investimento Se descer poderá viabilizar projetos que antes não eram viáveis Volte à Figura 1 Se a taxa de juros subir para 5 por período só os projetos A e B serão viáveis Se descer para 1 todos os projetos A B C D E e F serão viáveis 2 KEYNES John Maynard Teoria geral do emprego do juro e do dinheiro São Paulo Abril Cultural 1983 p 101 121