·

História ·

História

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta
Equipe Meu Guru

Prefere sua atividade resolvida por um tutor especialista?

  • Receba resolvida até o seu prazo
  • Converse com o tutor pelo chat
  • Garantia de 7 dias contra erros

Texto de pré-visualização

93 Capítulo III aS relaçõeS econômicaS internacionaiS do braSil no Século XiX Economic growth essentially means increasing efciency And what makes a society more efcient comprises three main features Te frst of these is technology the second is investment in people or to use the economists term investment in human capital and the third is the efciency of economic organization Douglass North Growth and Welfare in the American Past 1966 O crescimento econômico significa essencialmente aumentar a eficiência E o que torna a sociedade mais eficiente inclui três caraterísticas principais A primeira delas é a tecnologia a segunda o investimento em pessoas ou para usar o conceito dos economistas investimento em capital humano e a terceira é a eficiência da organização econômica tradução do autor 94 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Être comme lEurope Que le Brésil puisse enfn sasseoir au concert des nations pour y jouer sa partition Efacer à jamais le dédain lironie Avoir assez de poids de réputation sinon de vaisseaux pour quon hésite à nous écraser sous un ultimatum Refuser la condescendance et devenir dans toute lacception du terme un état souverain Comme cela paraissait difcile Nous faisions partie de lAmérique Latine chaque révolution chez nos voisins chaque crime rejaillissait sur nous attirant sur le continent lopprobre de la vertueuse Europe où comme chacun sait les révolutions sont sérieuses et les assassinats raisonnés Nous possédions en outre des esclaves et cette tache hideuse sur nos mains refusait de sefacer Enfn nous étions nègres le sang dAfrique nous souillait irrémédiablement aux yeux des rois et des peuples Jean Soublin Je suis lempereur du Brésil 1996 Esse desejo de emular ou mais exatamente de mimetizar a Europa tal como expresso nas memórias imaginárias do imperador constituiu sem dúvida uma das aspirações centrais da elite brasileira do século XIX presente não apenas na classe diplomática mas em maior ou menor proporção nos vários círculos de poder Dois conjuntos de objetos de consumo poderiam sintetizar a condição Ser tal qual a Europa Que o Brasil pudesse afinal tomar o assento no concerto das nações e executar sua partitura Extinguir para sempre o desdém a ironia Ter peso suficiente reputação senão navios para que hesitassem em nos esmagar com um ultimato Recusar a condescendência e tornar se em toda a extensão do termo um estado soberano Como parecia difícil Pertencíamos à América Latina cada revolução entre nossos vizinhos salpicava em nós atraindo para o continente o opróbio da virtuosa Europa onde como todos sabem as revoluções são sérias e os assassinatos motivados Além do mais possuíamos escravos e essa mancha hedionda negava se a desaparecer de nossas mãos Por último éramos pretos o sangue da África conspurcava nos irremediavelmente aos olhos dos reis e dos povos trad Rosa Freire dAguiar para a edição brasileira D Pedro II o Defensor Perpétuo do Brasil memórias imaginárias do último imperador Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 95 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX material e a atitude mental da classe dominante brasileira no decorrer do Império a fração ilustrada da nação importava produtos ingleses mas imitava as maneiras francesas o que de certa forma condicionou sua Weltanschauung e moldou sua forma de atuação internacional A diplomacia da nação em formação retirava sua manière dêtre do país mais importante do continente mas sua substância provinha daquela ilha que Deus na Mancha ancorou como referiu se Castro Alves à Grã Bretanha Essa relação de double appartenance é evidentemente desequilibrada pois que o estilo da diplomacia brasileira por mais maneiroso que fosse nunca chegou a determinar o conteúdo das relações exteriores do país solidamente ancoradas na fortaleza britânica durante a maior parte do período Ainda que o cerimonial da corte tropical pudesse ter como modelo como de resto acontecia com os demais serviços exteriores civilizados o protocolo francês sua contabilidade em contrapartida seus suportes materiais de funcionamento e ainda mais importante seu fnanciamento se faziam com a moeda e com os produtos britânicos As principais razões objetivas pelas quais a formação econômica e social do Brasil não conseguiu tomar assento no concerto das nações e reproduzir o padrão europeu desejado por suas elites e mimetizado por seus diplomatas podem ser inferidas a partir dos três tipos de requerimentos expostos pelo historiador norte americano Douglass North para explicar o aumento de efciência econômica em uma dada sociedade O Brasil não dispunha de tecnologia que poderia ser simbolizada pela capacidade de armar navios como hipoteticamente desejaria o imperador tampouco de capital humano como era normal em se tratando de um país novo Mas em lugar de impulsionar a imigração livre as elites fzeram uma opção preferencial pela continuidade do tráfco escravo Ora os negros boçais ou ingênuos que constituíam 96 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil desde imemoráveis tempos coloniais os pés e as mãos dos senhores poderiam difcilmente portanto viabilizar ganhos expressivos de produtividade suscetíveis de aumentar a efciência de seu sistema econômico Por fm sua organização econômica não era exatamente baseada nos princípios do livre mercado como sempre foi o caso do grande gigante em formação no norte do hemisfério mas numa rede complexa de alvarás e decretos régios que regulavam ou mais bem emperravam o livre exercício das iniciativas individuais e portanto o pleno desenvolvimento das forças produtivas Muitos historiadores seguindo a trilha aberta pelos primei ros cronistas e historiadores da nacionalidade inclusive o pioneiro Hipólito José da Costa responsabilizaram o vezo livre cambista das autoridades e a consequente ausência de uma tarifa protecionista pelo desprezível desempenho industrial do Brasil oitocentista Esperar contudo que uma tarifa pudesse representar por si só uma alavanca poderosa de crescimento econômico e de transformação produtiva seria pedir muito de uma estrutura econômica extrovertida reconhecidamente pouco diversifcada e fragilmente integrada como a do Brasil Os direitos aduaneiros depois de uma fase inicial notoriamente leniente em termos de imposição fscal foram estabelecidos em patamares mais ou menos protecionistas segundo as épocas em função das necessidades do Tesouro e do estado geral das rendas do governo Mas esses direitos não chegaram jamais a cumprir no Brasil aquelas fnalidades virtuosas que a doutrina econômica e uma comparação por vezes indevida com a tarifa hamiltoniana nos Estados Unidos emprestam a uma ativa política comercial dotada de supostos objetivos industrializadores De resto na ausência de outras condições sócio estruturais favoráveis a um processo industrializador consequente inclusive e principalmente um processo contínuo de absorção e reprodução de inovações 97 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX técnicas poderia um mero rabo fscal abanar um cachorro manufatureiro Uma certa crítica historiográfca vinculada a teorias sociológicas de longínqua extração marxista atribuiria o não desenvolvimento do Brasil no século XIX à dependência de sua economia do sistema comercial inglês de exploração colonial ou semicolonial em especial mediante os enclaves de economia externa que impediram o pleno aproveitamento do mercado interno Mas essa extroversão econômica apresenta caráter parcial e incompleto sendo caracterizada precisamente por uma insufciência de exploração capitalista e portanto dotada de reduzido impacto sistêmico transformador Tanto o ritmo de crescimento econômico como eventuais mudanças estruturais no sistema produtivo são afetados negativamente nos processos de acumulação primitiva marginalmente inseridos no sistema de comércio internacional de bens e tecnologia como aliás várias outras experiências históricas na América na Ásia e na própria periferia europeia demonstraram amplamente ao longo do século XIX Como se apresenta precisamente o contexto econômico e diplomático no qual passam a atuar os formadores da diplomacia econômica no Brasil Como participa o país do sistema internacional emergente Qual foi o desempenho econômico do Brasil comparativamente ao de outros países emergentes e que contribuição poderia ter dado sua diplomacia profssional para a afrmação externa da nação Pode se em primeiro lugar esperar que uma categoria profssional qualquer do aparato estatal seja de alguma forma funcional para o desenvolvimento do país Mesmo que essa categoria seja aquela que se apresenta como a interface externa do estado poderia ela numa suposta relação de autonomia em relação às estruturas econômicas concretas da sociedade da qual emerge mobilizar os elementos eventualmente positivos da 98 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil ordem econômica internacional dominante para impulsionar o progresso da nação Que Brasil é esse que se apresenta ao mundo burguês em formação em princípios do século XIX Do ponto de vista político o Brasil em busca de legitimação internacional no contexto pós independência é em face do novo equilíbrio político europeu que emerge do compromisso de Viena de 1815 uma nação claramente periférica no quadro do sistema de alianças e da diplomacia dos congressos como aliás já tinha sido periférico e marginal o papel de Portugal na conformação do sistema de Viena13 Mas não apenas o Brasil era marginal do ponto de vista das relações internacionais a região em seu conjunto é relativamente secundária para os negócios internacionais dos países europeus como confrma um conhecido historiador diplomático a América Latina à diferença da China nunca em nenhum momento alcançou o centro do cenário político internacional14 Os mecanismos de hegemonia coletiva que presidem à sociedade internacional europeia típica do século XIX prescindem obviamente de um estado alheio aos próprios fundamentos dessa hegemonia difusa o chamado concerto europeu15 e que apenas entra no sistema de relações internacionais em função do princípio de legitimidade monárquica alianças da casa real portuguesa com a monarquia inglesa e com os Bourbons por exemplo e da reação às 13 Cf Henry A Kissinger O mundo restaurado Rio de Janeiro José Olympio 1973 p 140 Henry Kissinger por exemplo afirma que os quatro Grandes de Viena nunca fizeram segredo de seu desejo de tratar os demais estados participantes como simples instrumento ratificador ou para solucionar pontos periféricos Sobre os resultados da diplomacia das conferências ver o livro de Scipione Gemma História dos tratados e dos atos diplomáticos desde o Congresso de Viena 1815 aos nossos dias tomo 1 Até 1914 2 vols Rio de Janeiro Freitas Bastos 1954 14 Cf D C M Platt Finance Trade and Politics in British Foreign Policy 1815 1914 Oxford Clarendon Press 1968 p 312 15 Para uma análise sistêmica e comparada da ordem internacional nesse período ver Adam Watson Te Evolution of International Society a Comparative Historical Analysis Londres Routledge 1992 Ver Henry A Kissinger Diplomacy Nova York Simon and Schuster 1995 p 120 Como afirma Kissinger o sistema de Viena seria destruído algumas décadas depois por dois revolucionários inimigos Napoleão III e Bismarck 99 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX tentativas bragantinas de restauração do passado da qual resultou o delongado processo de reconhecimento da independência Do ponto de vista econômico o quadro de relativa marginalidade não é muito diferente mas o Brasil desempenha um certo papel na fase de lutas políticas e de guerras comerciais empreendidas pela Grã Bretanha contra a dominação napoleônica da Europa e em favor da construção de sua própria hegemonia econômica mundial O país continuará na fase independente a despertar os interesses comerciais britânicos tanto como mercado consumidor como enquanto concorrente no setor de gêneros coloniais A Revolução Industrial na qual a Grã Bretanha exerceu a liderança histórica serviu antes de mais nada para unifcar os mercados mundiais constituindo a segunda fase dos processos de globalização da era moderna e contemporânea O século XIX é essencialmente britânico e não apenas para o Brasil16 Como salientou um especialista das relações internacionais Oitocentos é também o século em que o Reino Unido procura fazer do Atlântico um mar inglês o século em que se destrói o tráfco triangular entre a Europa a América e a África e em que se desfazem as ligações bilaterais entre os dois últimos continentes17 16 Cf Demétrio Magnoli O corpo da pátria imaginação geográfica e política externa no Brasil 1808 1912 São Paulo Editora da UnespModerna 1997 p 186 O equilíbrio europeu do século XIX foi a moldura para a expansão e consolidação da economia mundial e para o delineamento de um mercado mundial Uma dimensão desse processo foi a ruptura dos monopólios coloniais no Novo Mundo e a concomitante decadência das velhas potências ibéricas No centro desse rearranjo global encontrava se a Grã Bretanha principal potência econômica até a última década do século 17 Cf Alberto da Costa e Silva O Brasil a África e o Atlântico no século XIX em Studia n 52 Lisboa 1994 p 195 100 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil 31 Diplomacia e poder econômico no contexto internacional A diplomacia desse Brasil emergente tal como aqui considerada trata dos problemas que mobilizaram na vertente econômica externa a atenção do jovem estado americano em sua interação dinâmica com as demais nações relevantes do meio ambiente internacional mecanismos regulatórios de seu intercâmbio comercial acesso a recursos fnanceiros e humanos externos captação de capitais para suprir necessidades orçamentárias e de infraestrutura ampliação da rede de contatos econômicos no estrangeiro numa palavra mobilização de recursos para fns de desenvolvimento econômico Nesse particular uma ressalva metodológica impõe se desde já pois que o conceito de desenvolvimento parece enquadrar se mal no universo histórico de referência da maior parte dos estadistas ou diplomatas do século XIX o prestígio político o poder militar ou a potência econômica são realidades claramente perceptíveis aos homens que estavam no comando ou que representavam externamente os estados do século XIX mas não costumava fazer parte de suas preocupações correntes qualquer intenção ou disposição sistemática de mobilização de recursos escassos em torno de um projeto difuso de crescimento econômico ou de construção da capacitação nacional A potência política de um estado era por certo decorrente de seu poder primário usualmente expresso em termos de navios homens em armas e produção dos campos e fábricas nacionais mas não se via com muita clareza como tais manifestações de força e presença no cenário internacional poderiam ser construídas sistematicamente como resultado da vontade nacional e de meios apropriados mobilizados pelo governo central Em outros termos diplomacia e poder econômico mantinham uma relação mais empírica do que unívoca de que é testemunho o fato de 101 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX que na maior parte das chancelarias do Oitocentos as questões comerciais e econômicas eram geralmente deixadas a cargo da área consular formalmente distinta e dispondo de quadros próprios funcionários que não eram diplomatas de carreira e que desfrutavam muitas vezes de menor prestígio político e pessoal isto é do ponto de vista das remunerações e das possibilidades de ascensão funcional Não obstante a centralidade das questões políticas e militares quando não pessoais alianças dinásticas crises de sucessão para as relações entre os estados os tradicionais tratados de amizade comércio e navegação constituíam no século XIX boa parte de seus laços bilaterais mormente para aqueles que tinham construído suas relações econômicas externas na fase clássica do mercantilismo O Brasil precisamente recuperou o formato e mesmo o conteúdo das relações econômicas internacionais da metrópole lusitana dela herdando características e defeitos que marcariam sua diplomacia da primeira fase independente Nas primeiras três décadas de vida independente a diplomacia em formação ocupou se dos temas básicos do relacionamento econômico da nação um sistema de tratados de comércio para regular o intercâmbio externo a busca de fontes de fnanciamento para as despesas públicas não sustentadas orçamentariamente pela via da contratação de empréstimos estrangeiros e a defesa intransigente do aprovisionamento em mão de obra para a grande lavoura contra as pressões inglesas para o fm do tráfco e a abolição do regime servil Deve se reconhecer por outro lado que aplicada ao Brasil oitocentista a noção mesma de participação no sistema internacional poderia aparecer como pretensiosa na medida em que as relações com os demais parceiros de seu sistema de relações exteriores a fortiori na vertente econômica e comercial foram sobretudo caracterizadas por uma certa interdependência 102 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil assimétrica típica do relacionamento entre as potências realmente dominantes e as demais nações periféricas da franja colonial e semicolonial Em consequência o conceito de desenvolvimento isto é de uma política orientada com vistas a maximizar o crescimento econômico e a capacitação material do país no plano interno e externo deve ser tomado cum grano salis na medida em que ele expressa mais uma racionalidade ex post do que um projeto consciente por parte das elites dirigentes do século XIX cuja percepção do mecanismo econômico da sociedade não era e nem podia ser obviamente a mesma partilhada ulteriormente por estadistas diplomatas ou economistas do século XX Havia todavia entre os líderes da classe dirigente de onde também saíam os representantes ao Parlamento e os enviados do serviço diplomático uma consciência clara do atraso relativo do Brasil mormente se confrontado ao superior poderio econômico fnanceiro e militar isto é naval da Grã Bretanha o que em mais de uma oportunidade foi causa de constrangimentos diplomáticos e de frustrações políticas A elite política brasileira ao longo do século XIX se esforçará por romper essa situação incômoda sem no entanto lograr fazer do país um parceiro relevante no jogo político mundial Ser tal qual a Europa como desejado imaginariamente por nosso imperador representaria talvez uma pretensão que hoje pareceria descabida aos olhos dos observadores contemporâneos mas que não seria tomada como ilusória no contexto do século XIX na medida em que o Brasil não era assimilado a certos estados bárbaros do Oriente ou a ditaduras caudilhescas do próprio hemisfério ocidental nem se via a si mesmo como fundamentalmente distinto das demais monarquias europeias no que se refere ao funcionamento do jogo político partidário Politicamente seu sistema constitucional construído sobre um inédito equilíbrio entre os setores executivo parlamentar e 103 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX monárquico o poder moderador era bastante avançado para os padrões ainda absolutistas ou em todo caso pouco democráticos da maior parte da Europa continental tendo inclusive um regime parlamentar estável que buscava mimetizar o modelo britânico Economicamente porém o Brasil permaneceu durante todo o século XIX e boa parte do XX um simples exportador de algumas poucas matérias primas não processadas e importador obrigado de bens e serviços mais sofsticados O próprio imperador imbuído de cultura europeia como quase toda a classe parlamentar e que imaginava colocar o Brasil no circuito dos representantes das letras francesas e dos homens de ciência empenhava se na promoção do progresso material e na absorção de invenções estrangeiras Mas consoante a vocação bacharelesca de nossas elites tantas vezes apontada por historiadores e críticos acadêmicos ele fcava bem mais à vontade na companhia de personalidades literárias em saraus elegantes do que na de homens práticos como Mauá Antes de pensar na navegação do Amazonas pensava em aprender sânscrito Antes das estradas de ferro o grego e o latim O desprezo pelo trabalho efetivo prático se revelava abertamente nesta sociedade aristocratizada pelo sistema social escravocrata e pela infuência das cortes europeias Não existia base real para as realizações que tentava Mauá tudo marchava a passos lentos e rotinários A cultura livresca fofa superfcial o culto quase fanático pela literatura estrangeira pelas formas políticas importadas da Europa em pleno surto industrialista imitação superfcial que não ia às camadas profundas eram as características típicas do Brasil do II Império onde atuava Mauá18 18 Cf Lídia Besouchet Correspondência política de Mauá no Rio da Prata 1850 1885 Brasiliana n 227 São Paulo Nacional 1943 p 13 104 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil A classe dirigente brasileira o que inclui obviamente a diplomacia se esforçou é verdade por romper com as amarras coloniais introduzir novos equipamentos e inventos úteis à vida da nação e aumentar os padrões de produção e consumo Não se poderia contudo pensar a incipiente diplomacia brasileira dessa época como um corpo constituído de funcionários armados de um ethos profssional típico de uma burocracia consolidada dotada de ideias próprias ou defendendo princípios de política externa que já estariam consagrados numa política e numa prática de um estado preexistente que seria movido por uma noção clara de sua posição internacional Deve se sim pensar essa diplomacia emergente como uma estrutura embrionária atuando por ensaio e erro e refetindo em grande medida a experiência anterior do estamento diplomático português Numa segunda fase da vida nacional constata se que efetivamente pertencíamos à América Latina e que o relaciona mento com os vizinhos imediatos e mesmo com a grande nação do Norte era mais condizente com os nossos interesses na medida em que menos suscetível de prestar se ao cruel exercício das demonstrações de força e à imposição de tratados desiguais como no caso das iníquas convenções de comércio da primeira fase O Brasil volta se portanto para o continente americano onde sua diplomacia econômica especifcamente fnanceira teria inclusive a chance de mostrar se numa situação que não seria muito comum nos quase dois séculos de vida independente a de credor e não de devedor o que ele foi persistentemente em todas as outras ocasiões aqui analisadas de relacionamento fnanceiro com o capital internacional isto é inglês 105 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX 32 A economia brasileira no sistema econômico mundial do século XIX O século XIX período coberto por este trabalho foi o século em que se operou a mais violenta transição econômica com a substituição do binário ouro escravo pelo binário mais enérgico máquina e carvão foi o século da máquina a vapor do carvão e do aço e portanto da Revolução Industrial19 O Brasil passou ao largo dessa transição ou pelo menos delongou lhe os efeitos até praticamente os albores do século XX Como a economia brasileira se situava no contexto da economia mundial do século XIX e como a diplomacia atuou para mudar ou minorar a condição de relativa marginalidade econômica que caracterizava o relacionamento do país com os centros dominantes As bases da pouco diversifcada estrutura econômica oito centista tinham sido obviamente colocadas nos três séculos anteriores de dominação colonial20 O Brasil na afrmação de um de seus mais eminentes historiadores tinha sido organizado primariamente para fornecer mercadorias a mercados externos21 Sua constituição progressiva enquanto formação econômica e social esteve pois ligada a esse papel de centro produtor e exportador de bens e é nessa condição de peça importante no comércio exterior português que deve ser visto o processo da crescente afrmação de uma individualidade nacional que a termo 19 Cf Fernando de Azevedo A cultura brasileira introdução ao estudo da cultura no Brasil 6ª ed Rio de JaneiroBrasília Editora UFRJEditora da UnB 1996 p 103 20 Na impossibilidade de analisar aqui as principais características da economia colonial brasileira e os fortes vínculos mantidos com os mercados internacionais o Apêndice apresenta com objetivos meramente informativos uma cronologia comentada do processo econômico brasileiro durante o período colonial aliás desde 1415 integrando eventos relevantes nessa área e alguns elementos de suas relações econômicas internacionais ao longo de três séculos de dominação portuguesa 21 Cf as obras mais importantes de Caio Prado Jr Formação do Brasil contemporâneo e História econômica do Brasil diversas edições 106 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil conduzirá à independência política mas não necessariamente à autonomia econômica As bases do relacionamento econômico externo do Brasil na fase pré independente são dadas pelo chamado pacto colonial e pela legislação metropolitana esta última regulando as condições de ocupação do território e as obrigações econômicas dos súditos em relação à Coroa22 O pacto colonial como se sabe é o estabelecimento de vínculos incontornáveis entre as diversas colônias e a metrópole pelos quais todo e qualquer comércio externo tinha como centro e órgão regulador as alfândegas de Lisboa O pacto colonial dispensa e prescinde qualquer exercício de relações econômicas internacionais autônomas assim como ele elimina evidentemente qualquer possibilidade de diplomacia econômica A inserção econômica internacional do Brasil em princípios do século XIX constitui a mais perfeita expressão de relações desiguais que tinham origem no campo político Com efeito apesar de ter ingressado relativamente cedo no mercado mundial ele o fez enquanto colônia ou seja historicamente como dependência econômica de países aos quais ele fornecia matérias primas e dos quais ele adquiria manufaturas A característica mais evidente dessa situação é precisamente o fato de que em decorrência desse estatuto não ter ele conformado um sistema endógeno de desenvolvimento isto é um modelo de crescimento econômico autônomo Sua história econômica como alertou diversas vezes Celso Furtado não poderia ter sido simplesmente uma repetição retardada no tempo da experiência econômica e social dos países mais avançados mas sim uma experiência única e 22 Para uma exposição acurada das relações econômicas entre a Metrópole e a Colônia bem como para uma análise do próprio sistema de relações internacionais nessa época ver a tese de Fernando A Novais Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial 1777 1808 6ª ed São Paulo Hucitec 1995 107 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX original tão exclusiva quanto o próprio desenvolvimento dos países precocemente industrializados Segundo o economista historiador brasileiro o subdesenvolvimento constitui uma situação histórica específca e não uma fase pela qual teriam passado obrigatoriamente as economias que atingiram nível de desenvolvimento superior Trata se essencialmente de uma diferença estrutural qualitativa não redutível a uma defasagem entre níveis ou graus de desenvolvimento Se nas primeiras etapas da Revolução Industrial as disparidades de rendas entre os países eram relativamente reduzidas elas tornaram se progressivamente mais amplas à medida que o progresso tecnológico foi sendo incorporado aos sistemas produtivos nacionais dos países mais avançados que eram também aqueles em processo de industrialização Esses países desenvolveram para parafrasear o conhecido conceito de Marx um modo inventivo de produção condição estrutural de seu desenvolvimento endógeno As consequências econômicas da independência foram no Brasil menos importantes para a conformação de sua inserção internacional do que poderia supor uma visão conservadora desse processo histórico O fm do monopólio do comércio exterior como resultado da transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808 trouxe as vantagens do livre comércio antes mesmo de sua independência política uma vez que os comerciantes britânicos apressaram se em preencher o vácuo aberto pela invasão napoleônica23 O mesmo processo também abriu o país aos créditos britânicos iniciando um ciclo de empréstimos inadimplências e novos fnanciamentos que estaria na origem de seu histórico endividamento 23 Ver Victor Bulmer Tomas Te Economic History of Latin America Since Independence Cambridge Cambridge University Press 1994 p 28 108 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Entretanto como argumentou José Honório Rodrigues não houve depois da independência ruptura com o regime colonial o regime de terra e as relações sociais permanecem os mesmos24 A participação no comércio internacional e o acesso fácil aos mercados externos de capitais poderiam ter contribuído como de fato o fzeram para o progresso econômico do Brasil no decorrer do século XIX mas a continuidade de velhas estruturas produtivas fundadas na extração de recursos mercantilizáveis bem como a preservação das mesmas relações sociais baseadas no iníquo regime servil atuaram como freios em seu processo de reposicionamento econômico na medida em que serviram para bloquear a constituição de um sistema aberto à acumulação social à inovação tecnológica ainda que incremental em relação às invenções estrangeiras e favorável à repartição social de ganhos em escala ampliada Como se situou o Brasil em face de outros países em termos de crescimento econômico Dados comparativos relativos ao desempenho econômico dos países indicam por exemplo que em 1820 às vésperas de iniciar sua vida como nação independente o Brasil dispunha de um PIB per capita que representava cerca da metade da renda média dos países desenvolvidos de então25 O índice brasileiro seria pouco inferior ao do Japão e do México Em 1870 contudo a distância do PIB per capita brasileiro em relação à média europeia e aos índices da Argentina e dos Estados Unidos tinha aumentado consideravelmente embora ainda 24 José Honório Rodrigues Conciliação e reforma no Brasil um desafio histórico político Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1965 ver Parte I Conciliação na história do Brasil II Teses e antíteses da história do Brasil p 113 e seguintes 25 Para esta apresentação do crescimento econômico comparado do Brasil utilizei me da metodologia e dos dados disponibilizados nas seguintes obras do economista Angus Maddison Léconomie mondiale au 20e siècle Paris OCDE 1989 desempenho da economia mundial desde 1870 em Norman Gall et alii Nova era da economia mundial São Paulo Pioneira 1989 p 19 36 e sobretudo Monitoring the World Economy 1820 1992 Paris OCDE 1995 109 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX mantendo patamares similares aos do México e do Japão como se pode verifcar na Tabela 31 De forma geral as diferenças inter regionais de níveis de renda entre zonas avançadas e atrasadas foram sendo aprofundadas no período passando de uma proporção de 31 em 1820 para 51 em 1870 e 91 em 191326 Com toda evidência o crescimento real brasileiro nesse primeiro meio século foi extremamente modesto à razão de 02 de média anual essa taxa reduzida foi ainda assim o dobro daquela experimentada pelo Japão feudal de então que tinha conhecido entre 1820 e 1870 um ritmo de apenas 01 de crescimento anual em seu PIB per capita Em 1900 trinta anos depois o Brasil conhece de acordo com os dados de Maddison uma regressão no PIB per capita provavelmente sob impacto de grande aumento demográfco natalidade e imigração e de um crescimento econômico extremamente lento ao passo que a Argentina dava uma arrancada espetacular passando a mais do dobro da média latino americana e apresentando um PIB per capita um pouco inferior à média da Europa ocidental O Japão também já tinha decolado para um PIB per capita de 1135 dólares ainda assim uma cifra aproximadamente quatro vezes inferior aos valores respectivos dos Estados Unidos 4096 e do Reino Unido 4593 O século XIX era caracterizado vale lembrar por uma intervenção mínima do estado na vida econômica pela liberdade de movimento e a migração internacional de capitais por um certo liberalismo no comércio internacional com tarifas altas em países como Brasil e Estados Unidos e baixas no Reino Unido convertido em meados do século no livre cambista universal e por uma ordem monetária internacional relativamente estável e a liberdade 26 Ibid p 32 As defasagens eram ainda mais significativas no plano individual isto é entre o país de renda mais elevada e o de menor desempenho uma vez que a proporção passa de um índice 3 em 1820 para 7 em 1870 e a 11 em 1913 110 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil de conversão de moedas entre si ou em ouro O Brasil teve taxas de câmbio futuantes com paridades apontando tendencialmente à baixa mas podendo igualmente apresentar algo erraticamente alguns períodos de recuperação geralmente em função da apreciação dos preços do café nos mercados mundiais As futuações cambiais foram como pode ser verifcado na Tabela 32 bastante importantes nas fases inicial e fnal do período em estudo O grau de desvalorização da moeda de curso corrente no país refexo da lenta mas constante erosão infacionária no período pode ser aferido pelas cifras seguintes em 1820 às vésperas da independência uma libra esterlina podia ser comprada por menos de 5 milréis enquanto que no fnal da Monarquia e começo da República eram necessários 10640 réis para essa mesma operação cambial27 Da mesma forma o valor em moeda norte americana de 1 conto de réis representava o equivalente de 1050 dólares em 1825 proporção que tinha caído para apenas 190 dólares em 190028 A Tabela 33 traz para essas duas datas extremas o valor da moeda brasileira em dólares enquanto que 27 A designação de réis ou de mil réis para a moeda portuguesa usada no Brasil colonial depois adotada no período independente para a denominação do principal meio circulante ao lado de outras moedas não deixa de colocar interessantes questões históricas no que se refere ao padrão monetário vigente no século XIX são incertas as condições sob as quais surgiu o réis na sucessão do antigo real português antecessor longínquo portanto do real brasileiro inaugurado em 1994 À época enfocada neste trabalho o real que estaria supostamente na origem do mil réis era uma moeda totalmente imaginária pois a primeira fração monetária o vintém começava com 20 réis seguia se na modalidade metálica em bronze o tostão valendo 100 réis outras moedas em circulação incluíam à base de prata a pataca 320 réis o cruzado 400 réis e o cruzado novo 480 réis à base de metal nobre o moidoiro moeda de maior valor valia 4800 réis mas o papel moeda notas de banco assumiu importância progressivamente maior no decurso do século Para uma descrição das origens e evolução dos reais e dos réis a partir do Portugal medieval século XIII prosseguindo pelo período imperial até a continuidade da utilização oficial do mil réis na primeira fase republicana que assistiu inclusive em 1891 a um projeto de criação de um novo real ver o estudo histórico e etimológico de Wanderly Manso de Almeida Os cinco réis das esferas em Planejamento e políticas públicas nº 11 Brasília Ipea junho dezembro 1994 p 237 295 28 Ver entre outros estudos sobre a questão Dorival Teixeira Vieira Evolução do sistema monetário brasileiro São Paulo FEAUSP 1962 e Oliver Ónody A inflação brasileira 1820 1958 Rio de Janeiro se 1960 111 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX a Tabela 34 transcreve as médias decenais em libras do mil réis durante todo o século XIX pela qual se pode constatar uma queda de 70 aproximadamente no valor da moeda29 Como poderia ser visto o desempenho econômico do Brasil em função de sua participação absoluta e relativa no comércio internacional no confronto com outros países aqui considerados O grau de integração da economia mundial e portanto da interdependência comercial aumentou consideravelmente desde princípios do século XIX com abertura moderada das economias nacionais processo que foi parcialmente revertido no fnal do período por vários surtos de protecionismo30 Em 1820 segundo Maddison as exportações representavam apenas 1 do produto mundial tendo alcançado às vésperas da Primeira Guerra Mundial 87 da produção global O ritmo de expansão do comércio exterior a parte que este ocupava nas economias nacionais e ainda mais importante sua composição contribuíram de modo signifcativo para o desempenho econômico diferenciado dos países Os dados relativos à evolução das exportações em valores constantes e sua parte no PIB de países selecionados podem ser verifcados na Tabela 35 29 Ver Pinto Ferreira Capitais estrangeiros e dívida externa do Brasil São Paulo Brasiliense 1965 p 88 Para apreciar as tabelas de paridade deve se considerar que no século XIX e até uma data recente pois que o Reino Unido só aderiu ao padrão decimal em 1965 1 libra esterlina era dividida em 20 shillings cada shilling valendo 20 pence quanto ao meio circulante inglês ele era formado por peças em ouro de soberano 1 e meio soberano 10 shillings por moedas de prata de florin 2 shillings de shilling e de 4 pence e por vinténs de penny e meio penny em bronze 30 Cf Paul Bairoch Economics and World History Myths and Paradoxes consultado em sua versão francesa Mythes et paradoxes de lhistoire économique Paris La Découverte 1994 Alguns estudiosos contestam a imagem frequentemente invocada de se ver no século XIX a idade de ouro do livre cambismo e do liberalismo econômico o economista historiador Paul Bairoch por exemplo refuta o mito de que naquele período o livre cambismo teria sido a regra e o protecionismo a exceção afirmando que ao contrário entre 1815 e 1914 o mundo navegou num oceano de protecionismo com algumas ilhotas liberais e que o único liberalismo efetivamente praticado se encontrava no que no século XX se chamaria de Terceiro Mundo 112 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil A progressão da ofensiva comercial de alguns desses países pode ser medida na Tabela 36 com o salto impressionante da Alemanha em todo o decorrer do século XIX A Grã Bretanha tinha em 1800 um comércio externo superior em 46 vezes ao da Alemanha Em 1900 essa distância tinha diminuído para apenas uma vez e meia e em 1912 ambos os países exportavam igual volume de mercadorias ou seja uma igualdade de 1 para 1 em valores absolutos de comércio exterior No que se refere ao Brasil parece evidente seu fraco desempenho no intercâmbio comercial externo como de resto no ritmo de crescimento econômico Os fuxos de investimentos diretos que apresentam junto com o comércio impacto crescente na taxa de crescimento econômico desempenharam na fase fnal do período em estudo papel relevante como fonte de difusão de tecnologia A despeito de ter sido um dos mais importantes importadores de capitais de risco de países avançados desde meados do século XIX o impacto da produção própria e do comércio de tecnologia na transformação da estrutura industrial do Brasil foi de pequena magnitude quando comparada à importância que esses processos ocuparam nas mudanças então em curso em outros países emergentes da periferia capitalista como os Estados Unidos e o Japão A supressão do tráfco escravo no Brasil em 1850 teve o efeito imediato de liberar vultosos capitais antes empregados nessa atividade o que junto com outros aportes externos contribuirá para o aumento da taxa interna de investimento O surto comercial e econômico que se faz então sentir é característico como diz Caio Prado Júnior da fase de modernização por que passa o país telégrafo estradas de ferro linhas de navegação É também o período de inserção crescente do Brasil nos mercados internacionais31 31 Ver ademais de seus conhecidos livros de história econômica a brilhante síntese sobre o Império em Evolução política do Brasil 4ª ed São Paulo Brasiliense 1963 113 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX O Brasil aumentou sensivelmente entre 1820 e 1913 o volume e o valor das exportações mas sua participação relativa na formação do produto global diminuiu evidenciando a maior importância da economia interna na demanda agregada o fortale cimento e a integração dos diversos mercados regionais e a diversifcação da economia nacional Mas há também uma diferença qualitativa em relação a outros países emergentes no século XIX a ser ressaltada no que se refere a seu modo de inserção internacional A despeito de seu fechamento ao mundo até 1854 1868 e portanto ao estoque de conhecimentos técnicos acumulados até então o Japão por exemplo nunca foi colônia de exploração como o Brasil que sempre acumulou para fora mesmo depois de 1822 Em todo caso a inserção econômica internacional do Brasil no século XIX era então bem superior à do Japão já que o Brasil exportava em 1870 cerca de 78 dólares per capita em valores correntes contra apenas 04 no caso do Japão que tinha recém iniciado seu processo de abertura ao exterior no seguimento da revolução Meiji O Reino Unido era então o líder mundial em exportações com 31 dólares correntes per capita contra apenas 14 para a França 13 para os Estados Unidos e 11 para a Alemanha32 A composição do setor exportador era no caso do Brasil e da maior parte dos demais países latino americanos um fator de constrangimento em seu desempenho econômico já que limitada a produtos tradicionais de baixa demanda e de reduzida elasticidade renda No século XIX porém esse fator tendencial foi temporariamente compensado pela elevação contínua dos padrões de vida nos países europeus e nos Estados Unidos o que se traduziu em maior consumo de café de açúcar e de chocolate produtos de 32 Cf Victor Bulmer Tomas Te Economic History cit p 38 Outros dados compulsados por Bulmer Tomas indicam um índice de exportações per capita em 1850 de 5 dólares para o Brasil comparado a cerca de 10 dólares para a Argentina e mesmo de 55 dólares per capita no caso do Uruguai o Brasil era nessa época o principal exportador latino americano responsável por 22 do total 114 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil sobremesa além de muitas outras matérias primas agrícolas Mas ainda que os termos do intercâmbio com os produtos manufaturados exportados por economias mais avançadas pudessem apresentar melhoria signifcativa em alguns períodos como foi certamente o caso para o café brasileiro a partir de 185733 convém não exagerar o peso e o papel do setor exportador no crescimento econômico como um todo ou sua importância para uma agenda de reformas em prol da modernização econômica e social do país Como demonstrou Nathaniel Lef para o caso do Brasil a maior parte dos ganhos do comércio internacional crescente parecem ter se originado na melhoria da efciência estática da alocação de recursos para a economia cafeeira isto é o aproveitamento pleno das oportunidades resultantes da especialização e das relações de troca em condições de expansão quase ilimitada de terras e de mão de obra via tráfco e depois pela imigração reduzindo portanto o incentivo à introdução de transformações estruturais que pudessem aumentar a renda disponível para investimento e diversifcar as fontes de acumulação como parece ter sido o caso em outras economias34 Poder se ia concluir desta breve discussão que economias de base camponesa ainda que de tipo feudal como no caso do Japão podem ser relativamente mais propensas à acumulação produtiva primeiro em nível de subsistência e ulteriormente em base de mercado e à disseminação do progresso técnico do 33 Ver Antônio Delfim Netto O mercado cafeeiro sem a intervenção governamental 1857 1906 em Carlos Manuel Peláez e Mircea Buescu Orgs A moderna história econômica Rio de Janeiro Apec 1976 p 27 48 34 Cf Nathaniel H Lef O comércio internacional tropical e o desenvolvimento durante o século dezenove a experiência brasileira em Carlos Manuel Peláez e Mircea Buescu Orgs A moderna história econômica Rio de Janeiro Apec 1976 p 177 193 Argumenta ainda o mesmo autor que no caso brasileiro o tamanho relativo do setor exportador cujo crescimento deveria empurrar o resto da economia era limitado ademais do fato de que as rendas nele geradas em face da oferta elástica de mão de obra eram muito desigualmente distribuídas Deve se agregar também no caso dos produtos primários cujos preços se valorizaram a acirrada concorrência internacional que passou a ser oferecida por outros países periféricos e por colônias europeias 115 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX que economias extrativistas baseadas na plantação escravista e na criação extensiva funcionando em regime de exploração colonial ou semicolonial As respostas a uma questão dessa complexidade histórica devem ser necessariamente matizadas mas são relevantes para o debate ulterior sobre o papel funcional da diplomacia econômica ou o da política econômica tout court para o desenvolvimento do país uma vez que elas tocam precisamente na questão dos modos alternativos de inserção econômica internacional Esta é provavelmente a característica distintiva da economia brasileira vis à vis de seus principais parceiros comerciais e fnanceiros Tendo sido inserido na economia mundial como simples fornecedor de algumas poucas matérias primas o Brasil manteve se praticamente em tal situação até um período ainda recente de sua história econômica Os chamados ciclos de produtos pau brasil açúcar ouro algodão café borracha representam aliás a própria história dessa inserção econômica internacional35 As futuações cíclicas dos produtos primários de exportação basicamente café açúcar e algodão complementados por tabaco cacau e erva mate ademais da borracha durante um período determinavam desde os primórdios da colonização não apenas o ritmo do desenvolvimento brasileiro mas também a integração de cada uma das zonas produtoras com as demais regiões do país e o seu grau relativo de inserção econômica externa isto é de abertura aos fuxos de bens e serviços estrangeiros36 A evolução da participação relativa dos principais produtos agrícolas brasileiros de exportação no decorrer do século XIX pode ser conferida na Tabela 37 A estrutura das exportações que refetia portanto a característica geral da economia explica em grande medida como 35 Ver entre outros Clovis Melo Os ciclos econômicos do Brasil Rio de Janeiro Laemmert 1969 36 Ver José Truda Palazzo Estudos de economia internacional Porto Alegre Sulina 1964 p 232 116 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil e por que a diplomacia econômica brasileira foi durante todo o século XIX e até a primeira metade do século XX dominada pelas necessidades do comércio exterior tornando se particularmente ativa na defesa do nosso acesso aos mercados de bens agrícolas e mais adiante no campo das negociações de acordos econômicos de produtos de base deles se afastando apenas progressivamente na medida em que a industrialização diversifcava a pauta das exportações A chamada diplomacia do café inaugurada em fnais do século XIX e princípios do XX através dos esquemas de sustentação dos preços do produto via retenção de estoques e contratação de empréstimos para seu fnanciamento era complementada por uma incipiente mas ativa diplomacia da promoção comercial materializada na participação intensa e repetida em feiras comerciais e industriais nas principais capitais europeias e também em algumas exposições universais nas quais tinham obviamente destaque aqueles mesmos produtos listados acima Cabe com efeito ressaltar que a cultura cafeeira no Brasil se tornou uma das maiores explorações agrícolas do mundo37 e no fnal do século o Brasil era o café e o café era o Brasil A despeito de ser nessa fase o maior exportador mundial de café e não obstante o extraordinário boom da borracha o Brasil apresentava então a menor renda per capita dos países mais importantes da América Latina pois que com apenas 704 dólares em 1900 ele era ultrapassado pelo Chile 1949 dólares novamente pelo México 1157 pela Colômbia 973 e mesmo pelo modesto Peru 817 Quanto à Argentina ela já tinha decolado como o grande país emergente dessa fase da economia mundial capitalista uma vez que apresentando um PIB per capita de fantásticos 2756 dólares este era quase o triplo do registrado 37 Cf Fernando de Azevedo A cultura brasileira cit p 96 117 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX no Japão superior ao da Itália similar ao do Canadá e comparável aos da França e da Áustria Cabe reconhecer que o crescimento do PIB per capita do Brasil foi extremamente modesto no período uma vez que entre 1870 e 1913 a taxa média anual foi de apenas 03 contra 25 para a Argentina e 17 para o México A taxa de crescimento do continente foi estimada por Maddison em 15 valor comparável ao crescimento anual médio do PIB dos países da Europa Ocidental 13 superior ao do Japão 14 mas inferior ao dos Estados Unidos 18 e ao do Canadá 2238 O desempenho geral do setor exportador brasileiro como registrado na Tabela 38 foi claramente insufciente para manter um ritmo sustentado de crescimento da economia ou efeitos distributivos dignos de nota A situação do Brasil contrasta fortemente com a da Argentina que logrou diversifcar sua pauta exportadora mesmo dentro do setor primário e conquistar o papel de principal exportador da região em termos absolutos ou relativamente à sua população Entre 1850 e a Primeira Guerra Mundial numa época em que a economia mundial estava crescendo substancialmente apenas a Argentina e o Chile lograram taxas de crescimento das exportações que os habilitaram a aumentar signifcativamente os níveis de rendimento per capita e melhorar o desempenho geral da economia Os dados disponíveis indicam que não houve deterioração dos termos de intercâmbio para a América Latina durante essa fase de expansão da economia mundial Os preços dos produtos primários exportados por esses países cresceram na primeira fase declinaram na segunda e voltaram a subir na terceira deixando os virtualmente estáveis no decorrer do período O Brasil conheceu um movimento tendencialmente diferente em função dos altos 38 Ver Angus Maddison Monitoring the World Economy cit dados esparsos em toda a sua obra alguns dos quais estão compilados no Quadro 31 118 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil preços alcançados pelo café e pela disparada da borracha no fnal do século Com exceção da Argentina que logrou aumentar seu desempenho exportador ao longo do período os demais países da região apresentaram reduzido dinamismo exportador é o caso do Brasil cujo índice per capita aumentou apenas modestamente no período mesmo quando comparado a outros países de grande mercado interno e de reduzido coefciente de abertura externa como os Estados Unidos Do ponto de vista comercial precisamente a melhoria nos termos do intercâmbio observada no decorrer da segunda metade do século XIX signifcou para o Brasil e muitos outros países latino americanos uma maior capacidade de importar e uma menor pressão fscal para a elevação das tarifas alfandegárias Foi o que de fato ocorreu no Brasil com uma maior diversifcação da pauta importadora mas também uma crescente orientação para o protecionismo comercial em função de uma nascente ideologia industrializante Suas importações eram compostas em quase um terço de manufaturas de algodão cerca de 34 do total em 1844 e quase 30 em 1872 de lã 7 do total em média de linho 4 ou de seda 3 de bebidas de diversos tipos 6 do total de farinha de trigo de carnes charque ferragens ferro e aço manteiga azeites e bacalhau louças e vidros e carvão mais para o fnal do período se registra a presença crescente de insumos produtivos máquinas e acessórios papel e produtos químicos além de farmacêuticos No cômputo geral os produtos têxteis de diversa natureza e os artigos de vestuário representavam mais da metade das importações em princípios dos anos 1840 e ainda 46 em 1872 seguidos de bens alimentícios e outros gêneros de consumo individual As tarifas protetoras da fase fnal do período imperial induzirão a uma certa substituição de pequenas indústrias notando se então o crescimento das importações de matérias primas indispensáveis à sua manufatura carvão cobre 119 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX ferro e aço39 No geral o comércio exterior brasileiro representava em meados do século XIX cerca de 20 do produto participação que cairia bastante ao longo do século XX Confrontado a défcits persistentes na primeira metade do século o comércio exterior brasileiro passa a conhecer saldos positivos a partir da sexta e sétima décadas graças à demanda internacional crescente por vários produtos de exportação de sua pauta e aos preços sustentados de alguns deles como será o caso do café e durante a Guerra de Secessão norte americana do algodão O Brasil se integrava de maneira sólida à economia internacional como exportador primário o que signifca que ele também passou a liberar saldos para cobrir o serviço de sua dívida mesmo que o espectro do default continuasse a assombrar nossos credores externos durante a maior parte do período O comportamento da balança comercial brasileira já sumariado por especialista40 está registrado na Tabela 39 A estrutura geográfca do comércio exterior brasileiro era também um perfeito retrato das relações internacionais do país nas quais a Grã Bretanha detinha considerável infuência como sobre a própria economia brasileira atuando seja positivamente na concessão de créditos fnanceiros seja negativamente ao reprimir severamente o tráfco de escravos durante a primeira metade do período analisado A estrutura geográfca dos vínculos comerciais do Brasil em meados do século XIX é mostrada na Tabela 310 A estrutura política da economia mundial do século XIX e que se conserva de certo modo ainda hoje foi sendo 39 José Truda Palazzo Estudos de economia internacional cit p 260 261 40 Cf Hélio Schlittler Silva Tendências e características gerais do comércio exterior no século XIX em Revista de História da Economia Brasileira ano I n 1 São Paulo junho 1953 p 5 21 Suas tabulações foram reproduzidas por vários estudiosos desde então entre eles José Truda Palazzo já citado e Paul Singer O Brasil no contexto do capitalismo internacional 1889 1930 em Boris Fausto História geral da civilização brasileira tomo III O Brasil republicano 1º volume Estrutura de poder e economia 1889 1930 5ª ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 p 345 390 ver p 351 120 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil construída gradativamente a partir do século XVIII época áurea do mercantilismo e das grandes plantações coloniais trata se também de uma época de forte crescimento da produtividade que viu o surgimento dos primeiros inventos que marcarão a Revolução Industrial uma crescente integração dos mercados a despeito mesmo dos Navigation Acts que tendiam a segmentá los em reservas nacionais de transportes e assistiu aos primeiros processos de diferenciação tecnológica com uma certa especialização em têxteis e manufaturas nos países que então se lançavam na aventura industrial A economia política liberal dessa época a de Adam Smith e de David Ricardo foi construída sobre essa realidade que encontra um símbolo paradigmático no caso português no famoso Tratado de Methuen que conformou uma especialização natural em vinhos portugueses que passaram a ser intercambiados contra panos ingleses A enorme preponderância britânica na economia brasileira desde a independência e durante quase todo o século XIX foi sendo gradativamente alterada em direção do fnal do século destacando se então a forte ascensão dos Estados Unidos mas sem que mudassem as características agroexportadoras da economia brasileira Ainda que a maior parte das casas exportadoras de café operando no porto de Santos fosse controlada por capitais ingleses o destino principal dessas exportações passou a ser desde o último terço do século os Estados Unidos A Tabela 311 registra as tendências geográfcas e a intensidade dos deslocamentos ocorridos nas exportações brasileiras no período fnal aqui considerado A dominação britânica sobre a economia brasileira como de resto sobre o conjunto da América Latina era ainda mais decisiva no que se refere aos movimentos de capitais seja sob a forma de empréstimos voluntários frequentes durante todo o século XIX em virtude de uma feliz conjunção de interesses entre governos 121 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX orçamentariamente permissivos e compreensivos banqueiros da City seja no formato mais positivo dos investimentos diretos que se tornaram mais intensos no fnal do período No Brasil os investimentos britânicos foram importantes e mesmo decisivos em diversas obras de infraestrutura empreendidas na segunda metade do século sobretudo nos setores ferroviário de transportes urbanos de saneamento básico de comunicações telegrafa e acessoriamente na indústria e no setor fnanceiro O barão de Mauá sustentou grande parte de seus investimentos ferroviários e dos projetos industriais com a ajuda de capitais tecnologia e engenheiros britânicos41 A Tabela 312 situa os interesses fnanceiros britânicos no Brasil no contexto dos capitais aplicados no conjunto da América Latina na segunda metade do período considerado42 Muitos desses investimentos se destinavam tanto no caso do Brasil como no dos demais países latino americanos a melhorar as condições da infraestrutura em transportes e comunicações vinculada à economia de exportação isto é ferrovias e linhas telegráfcas ligando as zonas produtoras aos principais portos de embarque Os capitais ingleses estavam presentes em todas as fases dos investimentos necessários a esses melhoramentos mas no Brasil o estado também atuava diretamente ou em regime de concessões Uma certa parte da dívida externa que deverá ser renegociada na República foi contraída com tais objetivos as exigências e necessidades brasileiras em recursos externos eram enormes mas a capacidade do país em formular e administrar projetos de construção ferroviária em regiões a serem ainda desbravadas em sua maior parte era obviamente desproporcional 41 Cf Milton Braga Furtado Síntese da economia brasileira 4ª ed Rio de Janeiro LTC 1986 p 91 42 Dados retirados de François Chevalier LAmérique Latine de lindépendance à nos jours 2ª ed Paris PUF 1993 p 133 que se baseia em J Fred Rippy British Investments in Latin America 1822 1949 2ª ed Hamden 1966 122 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil aos capitais efetivamente disponíveis A Tabela comparativa 313 dá uma ideia da modéstia da rede ferroviária brasileira em contraste com a extensão das linhas construídas em outros países A partir de meados do século XIX diversos tratados comerciais começam a liberalizar as trocas comerciais entre os países aumentando enormemente o comércio internacional assim como também tem início no plano plurilateral a negociação dos primeiros acordos técnicos de facilitação do intercâmbio e de normalização de padrões industriais fatores importantes de impulsão do processo de unifcação dos mercados capitalistas O Brasil também participou do surgimento dessas primeiras organizações multilaterais voltadas para a conexão telegráfca a colocação de cabos submarinos a correspondência postal e o mútuo reconhecimento de patentes industriais A internacionalização do comércio e da produção também foi facilitada pela adoção do padrão ouro nos sistemas monetários num mundo no qual as barreiras à movimentação de pessoas capitais e tecnologias eram bem menos importantes do que no início do terceiro processo de globalização em fnais do século XX Com vistas a fornecer uma visão geral do comportamento do setor externo no século XIX e sustentar empiricamente a análise qualitativa que se empreenderá sobre os grandes setores de atuação da diplomacia econômica do Brasil em suas etapas formativas a Tabela 314 reproduz fnalmente uma das poucas tentativas acadêmicas fáveis de se apresentar uma síntese estatística ainda que obviamente estimativa do balanço de pagamentos do país nesse período com forte ênfase no problema da dívida externa43 43 A Tabela 314 retoma com adaptações os dados apresentados na Tabela 4 Brasil balanço de pagamentos 1824 1931 construída por Marcelo de Paiva Abreu A dívida pública externa do Brasil 1824 1931 em Estudos Econômicos IPE USP v 15 n 2 maio agosto 1985 p 174 Uma tentativa ainda mais pioneira de reconstrução da balança de pagamentos no século XIX havia sido feita com base em médias anuais por quinquênio e apenas para um período limitado ver Gustavo H B Franco Reforma monetária e instabilidade durante a transição republicana Rio de Janeiro BNDES 1983 123 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX Esse era a largos traços o quadro geral qualitativo e quantitativo da economia e das relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX tela de fundo sobre a qual atuarão seus dirigentes políticos e os representantes de sua diplomacia econômica Esta última teria de partir dos dados brutos da realidade econômica estrutura agroexportadora forte dependência de capitais externos necessidade de aportes constantes de mão de obra de modo a poder explorar plenamente as vantagens comparativas do país para construir num território despovoado e feito de arquipélagos econômicos uma nação plenamente inserida nas correntes mundiais de intercâmbio Estariam em seu poder ou de modo mais amplo de sua classe dirigente a faculdade e os meios de tentar mudar radicalmente a estrutura geral dessa economia ainda pouco diversifcada Poderiam os representantes dessa diplomacia econômica incipiente atuar no sentido de alterar os dados do relacionamento do país com o sistema econômico mundial Como se verifcará em cada etapa do discurso aqui apresentado a metodologia de construção deste ensaio histórico que se confunde com o próprio making of da diplomacia econômica no Brasil começa por formular uma série de perguntas pertinentes ao modo específco de inserção do Brasil na economia mundial do século XIX As próximas seis partes deste Bildungsroman da diplomacia brasileira procurarão trazer alguns elementos de resposta ainda que tentativos a algumas questões cruciais para a formação da nacionalidade brasileira no período imperial Tabela 10 Estimativa para o Balanço de Pagamentos do Brasil 1876 1897 p 38 e Anexo à Seção 13 Metodologia para a construção da estimativa do balanço de pagamentos do Brasil 1876 1897 p 43 50 124 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Tabela 31 Evolução histórica do PIB per capita 1820 1900 dólares internacionais a preços de 1990 País PIB per capita Crescimento anual 1820 1870 1900 1820 1870 1870 1913 Grã Bretanha 1756 3263 4593 12 10 Estados Unidos 1287 2457 4096 13 18 Alemanha 1112 1913 3134 11 16 França 1218 1858 2849 08 15 Canadá 893 1620 2758 12 22 Austrália 1528 3801 4299 18 09 Japão 704 741 1135 01 14 China 523 523 652 00 06 México 760 710 1157 01 17 Argentina 1371 2756 25 Brasil 670 740 704 02 03 Mundo 06 13 Fonte Angus Maddison Monitoring the World Economy 1820 1992 125 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX Tabela 32 Paridade cambial entre o mil réis e a libra esterlina 1822 1900 Ano Pence por mil réis Mil réis por libra Ano Pence por mil réis Mil réis por libra 1822 49 4898 1865 25 9600 1823 50 34 4729 1869 18 1316 12757 1825 51 78 4627 1870 22 116 10878 1828 31 116 7726 1875 27 732 8817 1830 22 1316 10521 1876 25 1132 9470 1831 25 9600 1880 22 332 10862 1832 38 18 6295 1886 18 1116 12843 1835 39 14 6115 1888 25 14 9505 1840 31 7742 1889 26 716 9078 1845 25 716 9435 1890 22 916 10637 1850 28 34 8348 1891 14 2932 16101 1855 27 916 8707 1894 10 332 23777 1860 25 1316 9298 1900 9 12 25263 Fonte IBGE Séries Estatísticas Retrospectivas vol 3 1987 p 63 64 126 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Tabela 33 Paridade cambial entre o mil réis e o dólar 1825 1900 Ano Valor do mil réis em US 1 conto de réis em dólares 1825 105 1050 1850 058 580 1875 055 550 1900 019 190 Fonte Stanley J Stein Grandeza e decadência do café no vale do Paraíba São Paulo Brasiliense 1961 p 351 Tabela 34 Médias decenais do mil réis em libras 1810 1909 Decênio Pence por mil réis 1810 1819 716 1820 1829 444 1830 1839 326 1840 1849 269 1850 1859 274 1869 1869 239 1870 1879 244 1880 1889 219 1900 1909 134 Fonte Pinto Ferreira Capitais estrangeiros e dívida externa do Brasil São Paulo Brasiliense 1965 p 88 127 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX Tabela 35 Valor e participação das exportações no PIB 1820 1913 dólares internacionais a preços de 1990 País Valor das exportações 1000 Exportações em do PIB 1820 1870 1913 1820 1870 1913 Grã Bretanha 1125 12237 39348 31 120 177 EUA 251 2495 19196 20 25 37 Alemanha 6761 38200 95 156 França 487 3512 11292 13 49 82 Canadá 724 4044 120 122 Austrália 455 3392 74 128 Japão 51 1684 02 24 China 1398 4197 07 14 México 242 2363 37 108 Argentina 222 1963 94 68 Brasil 854 1888 118 95 Mundo 7255 56247 236330 10 50 87 Fonte Angus Maddison Monitoring the World Economy 1820 1992 128 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Tabela 36 Evolução comparada do comércio exterior 1800 1912 País 1800 1900 1912 Grã Bretanha 100 1092 1521 França 100 1000 2114 Alemanha1 100 3433 7100 Itália 100 2400 5100 Estados Unidos 100 1314 2314 Brasil2 100 613 1552 Fontes Adolf Weber Economía Mundial p 184 IBGE Séries estatísticas retrospectivas p 68 69 1 No conceito geográfco correspondendo à União Aduaneira consolidada 2 Base 100 em 1821 M X em valores estimados em libras ouro 129 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX Tabela 37 Principais produtos de exportação do Brasil 1821 1900 Período Café Açúcar Algodão Couros Fumo Cacau Borracha Mate Total 1821 30 186 322 199 137 24 04 01 875 1831 40 438 240 109 79 19 06 03 05 906 1841 50 413 267 75 86 18 09 04 09 881 1851 60 488 212 62 72 26 11 22 15 908 1861 70 452 121 183 61 30 10 32 12 901 1871 80 564 119 95 55 34 12 55 15 949 1881 90 617 99 42 32 27 16 77 11 923 1891 1900 638 56 25 25 23 15 158 14 956 Fonte J Palazzo Estudos de Economia Internacional p 232 segundo Schlittler p 8 130 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Tabela 38 Crescimento das exportações Xs e de seu poder de compra Xs 1850 1912 médias anuais em País 1850 1870 1870 1890 1890 1912 Xs Xs Xs Xs Xs Xs Argentina 49 41 67 82 67 54 Brasil 43 35 25 40 43 30 Chile 46 38 33 48 50 37 Uruguai 31 23 37 52 34 21 América Latina 45 37 27 42 45 32 Fonte Bulmer Tomas Te Economic History of Latin America p 65 Tabela 39 Evolução da balança comercial brasileira 1821 1900 médias anuais milhões de Período Exportação Importação Saldo 1821 1830 390 425 035 1831 1840 491 544 053 1841 1850 548 608 060 1851 1860 1020 1152 132 1861 1870 1498 1314 184 1871 1880 1998 1649 349 1881 1890 2206 1923 283 1891 1900 2910 2528 382 Fonte H Schlittler Silva Tendências e características do comércio exterior no século XIX Revista de História da Economia Brasileira vol 1 n 1 junho 1953 131 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX Tabela 310 Estrutura geográfca do comércio exterior brasileiro 1855 sobre o valor total País Exportações Importações Grã Bretanha 329 548 Estados Unidos 281 70 França 78 127 Alemanha1 60 59 Portugal 59 63 Bélgica 18 20 Espanha 09 11 Países escandinavos 37 07 Estados austríacos 16 04 Itália2 14 07 diversos 99 88 Fonte Palazzo Estudos de Economia Internacional op cit p 251 e 265 1 Cidades Hanseáticas 2 Estados sardos e Reino das Duas Sicílias 132 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Tabela 311 Exportações brasileiras por destino 1870 1904 sobre o valor total País 1870 1873 1902 1904 Grã Bretanha 394 180 Estados Unidos 288 430 França 75 78 Alemanha 59 150 Portugal 58 10 Bélgica 10 19 Espanha 08 02 Países escandinavos 07 03 Itália 05 09 diversos 96 119 Fonte Palazzo Estudos de Economia Internacional op cit p 299 300 133 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX Tabela 312 Capitais e investimentos britânicos na América Latina 1880 1913 milhões de País 1880 1890 1913 Argentina 20338 156978 357740 Brasil 38869 68669 223895 Chile 8466 24348 63938 Cuba 1231 26808 44444 México 32740 59883 159024 Peru 36177 19101 25658 Uruguai 7644 27713 46145 Venezuela 7564 9846 7950 América Latina 179490 425727 999883 dos quais Fundos de Estado 123078 194439 316404 Ferrovias 34437 146902 457824 1 Bancos 3013 3625 18514 Navegação 3999 5258 15362 Fonte F Chevalier LAmérique Latine de lIndépendance à nos jours p 133 1 Argentina 215001 134 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Tabela 313 Desenvolvimento da rede ferroviária 1840 1914 kms País 1840 1870 1914 Áustria Hungria 144 6112 22981 França 410 15544 37400 Alemanha 469 18876 61749 Itália 20 6429 19125 Rússia 0 359 3165 Grã Bretanha 2390 21558 32623 Estados Unidos 4510 84675 410475 Brasil 1451 744 26062 Fonte Rondo Cameron Concise Economic History of the World from Paleolithic Times to the Present 3ª ed Nova York Oxford University Press 1997 p 206 IBGE Séries Estatísticas Retrospectivas vol 3 1987 p 46 1 1854 135 As relações econômicas internacionais do Brasil no século XIX Tabela 314 Balanço de pagamentos do Brasil 1824 1900 em milhares de libras valores médios referentes aos períodos Período D0 Dívida no início do período X Exportação FOB M Importação CIF BC Saldo do balanço comercial J Pagamento de juros da dívida púb OC Saldo em conta corrente Resíduo Investim direto Xs capital D Aumento da dívida G D J Hiato de recursos D1 D0 D Dívida no fim do período 1824 1825 0 4236 4885 649 220 869 1654 2523 2303 2523 1826 1830 2523 3584 3895 311 264 575 442 133 131 2656 1831 1835 2656 5132 5193 61 274 335 398 63 337 2593 1836 1840 2593 5247 6411 1164 265 1429 1429 0 265 2593 1841 1845 2593 4941 6195 1254 276 1530 1555 425 149 3018 1846 1850 3018 6269 6181 88 254 166 366 170 424 2848 1851 1855 2848 9108 10162 1054 212 1371 1571 200 412 2648 1856 1860 2648 11805 13228 1423 211 1634 1225 409 198 3057 continua 136 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Período D0 Dívida no início do período X Exportação FOB M Importação CIF BC Saldo do balanço comercial J Pagamento de juros da dívida púb OC Saldo em conta corrente Resíduo Investim direto Xs capital D Aumento da dívida G D J Hiato de recursos D1 D0 D Dívida no fim do período 1861 1865 3057 14332 13086 1246 388 858 2597 1739 1351 4796 1866 1870 4796 15764 13449 2315 640 1675 1275 400 1040 4396 1871 1875 4396 20521 16777 3744 760 2984 4125 1141 381 5537 1876 1880 5537 19993 16469 3524 756 2768 1666 1102 1858 4435 1881 1885 4435 18739 16578 2161 511 1550 1149 401 912 4034 1886 1890 4034 23281 20242 3039 918 1121 6198 4077 3159 8111 1891 1895 8111 30615 26888 3727 1371 2356 4140 1784 413 9895 1896 1900 9895 27589 23676 3913 1126 2787 3943 1156 30 11051 Fonte Marcelo de Paiva Abreu A dívida pública externa do Brasil 1824 1931 Estudos Econômicos v 15 n 2 1985 Tabela 4 p 174 Revisão técnica dos valores efetuada por Luiz Antônio Gusmão em março de 2017 a partir das cifras indicadas na tabela original eventuais discrepâncias nos montantes podem ser devidos a variações cambiais conclusão