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PORTUGUÊS OU BRASILEIRO A Deixa eu contar o que aconteceu hoje comigo B Deixame contar o que aconteceu hoje comigo Receba as cédulas para a contagem dos votos Com a ajuda dos alunos prepare uma tabelinha assim ENUNCIADO Nº DE VOTOS DO TOTAL A B TOTAL 1000 Guarde esta tabela para mais adiante comparar os resultados dela com os que vão ser obtidos na coleta de dados do cur e do cle Isso permitirá que você faça comparações entre as opções sintáticas preferidas por seus alunos e as mais usadas pelos falantes cultos brasileiros Lembrese sempre porém que são comparações e não avaliações ou seja você vai examinar os fatos linguísticos e não atribuir juízos de valor ao modo como seus alunos falam CRIANDO TABELAS Depois de recolher todas as correções que lhe interessam no clf e no cle você deve distribuir os dados em tabelas para facilitar o estudo dos fenômenos Para este capítulo podem ser criadas tabelas assim TABELA 1 PRONOMES SUJEITOOBJETO NO CLF TIPO QTD PRONOME RETO PRONOME OBLÍQUO TOTAL 1000 TABELA 2 PRONOMES SUJEITOOBJETO NO CLE TIPO QTD PRONOME RETO PRONOME OBLÍQUO TOTAL 1000 51 O sujeito acusativo Proponho chamar de pronome sujeitoobjeto pso um fenômeno sintático que na Gramática Tradicional recebe o nome de sujeito acusativo Na verdade sujeito acusativo é uma terminologia antiga tirada da gramática latina e que não se encontra em gramáticas normativas de hoje Vamos ver do que se trata Quem estuda latim aprende que nesta língua as formas que as palavras assumem para exercer as funções sintáticas são chamadas de casos Assim por exemplo a palavra que exerce a função de sujeito está no caso nominativo de objeto direto no caso acusativo de objeto indireto no caso dativo e assim por diante Em cada um desses casos a palavra assume uma forma diferente tem uma terminação diferente que indica sua função sintática Um exemplo clássico é o da palavra lobo em latim lupus sujeito caso nominativo lupum objeto direto acusativo lupo objeto indireto dativo etc Se o nominativo é o caso do sujeito como é possível falar de sujeito acusativo isto é sujeito com forma de objeto Fica fácil se examinarmos o enunciado abaixo 1 Deixame dizer o que penso disso Neste exemplo o pronome me exerce duas funções ao mesmo tempo ele é objeto direto acusativo do primeiro verbo deixa e sujeito nominativo do segundo verbo dizer Por isso na tradução gramatical ele é chamado de sujeito acusativo Esse fenômeno ocorre segundo a GT com os verbos mandar fazer sentir deixar ouvir e ver seguidos de infinitivo podemos incluir aqui também o verbo esperar embora os dicionários de regência e as gramáticas normativas não mencionem o fato de já ser muito comum usálo seguido do infinitivo Espera eu terminar de falar antes de brigar comigo Com isso também ocorre quando esses verbos e outros como pegar achar encontrar pilhar são seguidos de um gerúndio Você deixou eles falando sozinhos Peguei ela fumando de novo Encontrei eles chorando num canto 5 DEIXA EU DIZER QUE TE AMO Os PRONOMES SUJEITOOBJETO O QUE VAMOS PESQUISAR O alvo de nossa investigação agora vão ser os PRONOMES SUJEITOOBJETO conforme estão definidos e explicados neste capítulo DICAS Primeiro preste atenção nos verbos mandar fazer sentir deixar ouvir ver escutar esperar pegar que aparecem no corpus Em seguida verifique se estão seguidos de um INFINITIVO ou de um GERÚNDIO e qual o tipo de pronome reto ou oblíquo que aparece na função de sujeito do 1º verbo e objeto do 2º ESTUDO DA TRADIÇÃO GRAMATICAL Nas gramáticas normativas leia os capítulos referentes aos PRONOMES PESSOAIS RETOS E OBLÍQUOS e às funções que eles podem exercer Bechara 1999 431434 Cunha Cintra 1985 293294 Rocha Lima 1989 285286 VAMOS FAZER UMA ELEIÇÃO Distribua entre os alunos pequenas cédulas contendo os enunciados A e B abaixo Depois pergunte a eles e peça que assinalem qual ou quais dessas construções eles consideram mais normal para eles mais fácil de ser entendida e mais frequente no modo de falar deles e de seus familiares Amor I love you Carlinhos Brown Marisa Monte mais um sujeito acusativo Seria inadequado usar a classificação tradicional de sujeito acusativo para tratar da língua falada no Brasil uma vez que nela os pronomes aparecem quase sempre no caso reto No entanto como em determinados gêneros de texto escrito ainda se conserva o pronome oblíquo em construções desse tipo não podemos simplesmente dizer que no Brasil nunca se visa o sujeito acusativo Para evitar essa confusão terminológica é que proponho chamar os pronomes que exercem essas duas funções de pronomes sujeitoobjeto ou pso por ser uma designação que abarca as duas morfologias possíveis O grupo deixa eu é tão frequente na fala brasileira que suas três sílabas sofreram uma contração e se reduziram a uma só pronunciada xô É por isso que deixa eu ver na nossa fala espontânea se diz xô vê Temos até aquela brincadeira de dizer se chove molha FIGURA 51 EVOLUÇÃO DO USO PRONOMINAL EM SUJEITOS E OBJETOS DIRETOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL ENTRE 1725 E 1982 A evolução da retenção pronominal revela uma inversão perfeita na proporção de sujeitos nulos e objetos diretos nulos inversão que fica ainda mais evidente se te se transpõe para um gráfico de curvas como o da Figura 52 abaixo FIGURA 52 EVOLUÇÃO DO USO PRONOMINAL EM SUJEITOS E OBJETOS DIRETOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL ENTRE 1725 E 1982 É provavelmente essa tendência cada vez mais acentuada ao apagamento do objeto direto e à explicitação do sujeito que explica a ocorrência quase exclusiva na língua falada no Brasil de construções com os pronomes do caso reto nominativo no lugar do caso oblíquo acusativo preconizado pela normapadrão Temos aqui novamente duas regras morfossintáticas em concorrência no português do Brasil A primeira delas com o pronome oblíquo considerada a regra certa pelas gramáticas normativas data do período de relativização do português em sua fase clássica ao passo que a segunda característica do português brasileiro é uma inovação sintática resultante das transformações sofridas pela língua em nosso país TABELA 51 OCORRÊNCIAS DE PSO NO CORPUS DE LÍNGUA FALADA A tabela mostra que no corpus de língua falada foram encontradas 10 ocorrências de pso todas elas com pronomes morfologicamente retos portanto padrão Ocorreram somente três pronomes o número de ocorrências vem indicado entre parênteses EU 4 ELE 3 ELES 3 Os verbos que provocaram o aparecimento dos pso foram quatro DEIXAR 7 VER 1 MANDAR 1 FAZER 1 Das 7 ocorrências do verbo DEIXAR 4 tiveram como objeto o pronome EU todas no modo imperativo agora deixa eu ver Outros bichos RIC PID 150 56 deixa eu ver outros pedaços que eu gosto RIC 150 257 ah estou depressivo deixa eu tomar umas bolinhas SAO D2 343 1342 de praia deixa eu ver agora estou muito sozinha lá na praia POA PID 45 251 As demais ocorrências de pso foram eu não vi eles comendo não RIC DID 150 56 af dei os temperos todos da galinha e mandei ele botar no fogo RIC DID 150 318 então os homens ainda estão nem esquerda bem baloado que não foram eles que criaram mas deixa eles irem para a frente SP D2 343 1423 um exemplo de um mecanismo que teria que se repetir que vai tentar deixar ele se repetir SP D2 343 1265 quer dizer digamos você cerraria uma população de leminques num vale e não deixaria eles saírem SP D2 343 1653 o pessoal tocava o cavalo a toda e fazia ele subir com todo mundo em cima POA D1 45 508 Já no corpus de língua escrita selecionado para a pesquisa os resultados foram os seguintes TABELA 52 OCORRÊNCIAS DE PSO NO CORPUS DE LÍNGUA ESCRITA 55 Bastar faltar custar DEIXA EU DIZER QUE TE AMO a ideologia desde que a divisão social do trabalho tenha operado a separação entre trabalhadores manuais e intelectuais ou entre trabalhadores e pensadores3 Assim o verbo CUSTAR que nesse tipo de construção só podia ser conjugado na 3ª pessoa do singular passou a ser conjugado em todas as pessoas em concordância com o sujeito Tudo isso parece comprovar a nossa tese de que no português do Brasil existe a tendência cada vez mais acentuada de explicitar o sujeito de tornar claro o agente mesmo que isso signifique transformar em sujeito o que antigamente era objeto direto vio chegar vi ele chegar ou indireto custalhes crer eles custam a crer O técnico colombiano Hernán Darío Gómez custou a admitir a superioridade rival 1661998 p 414 O nome Kubitschek era complicado de pronunciar custou a ser assimilado pela fonética eleitoral 21111997 p 43 O mesmo Luft em seu livro Língua e Liberdade 1985 17 ao analisar o fenômeno diz O uso brasileiro consagrou um novo princípio uma nova regra O mesmo autor já tinha escrito antes na mesma página A língua toda semântica léxico morfologia fonologia e fonética tudo é questão de USO Vale o que a comunidade dos falantes tacitamente raro explicitamente determina na língua é autodeterminada pelos seus usuários Só o costume de terminar o que é certo e errado não o veredicto de gramáticos eminentes que sejam O mesmo reconhecimento da implantação definitiva do uso brasileiro se encontrou no dicionário Aurélio e nas obras de outros gramáticos eminentes como Rocha Lima 1989 395 e Cegalla 1990 414 Este último diz que são formas estas ainda não sancionadas pelos gramáticos embora já apadrinhadas pelos escritores modernos Ainda bem que como diz Luft a língua não depende dos gramáticos para se autoregular embora alguns deles custem a aceitar esta verdade É lamentável portanto que obras bem mais recentes continuem a desprezar os fatos palpáveis e continuam condenando o que milhões de brasileiros falam e escrevem há quase duzentos anos É o caso do dicionário Michaelis 1998 que considera a forma eu custo a crer simplesmente inadmissível Ou da Gramática da língua portuguesa de Cipro Infante 1997 522 onde se lê Na língua culta essas construções em que custar apresenta sujeito indicativo de pessoa são rejeitadas Os autores falharam explicar que língua culta é essa afinal se nossos maiores escritores que sempre foram tomados de modelo para o bom português e os falantes brasileiros classificados de cultos segundo critérios científicos não rejeitam de modo nenhum essas construções muito pelo contrário O que os brasileiros cultos rejeitam isto sim são regras gramaticais que não fazem sentido que não exprimem adequadamente o que se quer dizer que soam estranhas e acabam se tornando na verdade regras agramaticais