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Direito Constitucional

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SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS UMA LIMITAÇÃO AOS ÓRGÃOS DE PODER NO ESTADO REPUBLICANO Lucas Henrique BEPPU1 Sérgio Tibiriçá AMARAL2 RESUMO O seguinte trabalho tem como enfoque principal a demonstração do desenvolvimento histórico do sistema da tripartição de poderes proveniente de Charles de Secondat Montesquieu adotado pela Constituição Federal vigente aliado à incidência do controle mútuo que um poder exerce sobre o outro frente à previsão do sistema de freios e contrapesos no ordenamento jurídico Para tanto necessário se fez demonstrar como se originou a atual concepção de Separação de poderes E assim buscouse ressalvar os principais movimentos constitucionais e a estruturação do Estado de Direito conjuntamente no intuito de estabelecer limite ao poder estatal consolidado à época e principalmente fazer emergir o papel da divisão dos poderes como meio atenuante do poder Palavraschave Separação dos poderes Sistema de freios e contrapesos Constitucionalismo Estado Democrático de Direito 1 INTRODUÇÃO Sob a égide da atual Constituição Federal de 1988 impõe salientar que vigora demarcada no texto constituição a teoria da separação tripartite dos chamados poderes ou funções proveniente de Montesquieu que por sua vez foi fruto de árduo desenvolvimento ao longo do contexto histórico do Estado de Direito Este contexto foi abordado no primeiro capítulo desta apreciação acadêmica que utilizou os métodos dedutivo e indutivo além do método histórico Tratase assim de uma pesquisa bibliográfica sobre a temática com delimitações previamente definidas no projeto O desenvolvimento histórico do Estado de Direito conjuntamente com os ideários acerca da acepção do Constitucionalismo provocou grandes mudanças no conceito atual da separação de poderes o que fica patente nas pesquisas bibliográficas realizadas em obras nacionais e estrangeiras Nos antecedentes pesquisados são registradas as tentativas de impor limites ao poder absoluto 1 Discente do 4º ano do curso de Direito da Toledo Centro Universitário de Presidente Prudente lbeppuhotmailcom 2 Docente do curso de Direito de Direito da Toledo Centro Universitário de Presidente Prudente Graduado em Direito pela TOLEDO de Bauru Especialista em Interesses Difusos e Coletivos Mestre em Direito das Relações Públicas pela Universidade de Marília e em Sistema Constitucional de Garantias ITEBauru email sergiounitoledobr Orientador Primordialmente com a Magna Carta de 1215 de João Sem Terra com extrema contribuição à concretização do constitucionalismo onde o poder preeminente era a figura absolutista do rei monarca Por meio dela os ingleses adotaram medidas na tentativa de limitação e em seguida Bill of Rights de 1689 que corroborou e enfatizou a necessidade de impor limites ao regime absolutista Traduzindo em um alicerce do sistema da separação de poderes que igualitariamente tem o objetivo a limitação do poder estatal A tripartição de poderes de Montesquieu encontrase no bojo da Constituição Federal atual com a distribuição das funções inerentes a três órgãos distintos cada qual portando funções típicas e atípicas aliada ao sistema dos freios e contrapesos segundo o qual são independentes e harmônicos entre si superficialmente criando uma espécie de controle mútuo de supervisão entre os poderes No presente trabalho pretendeuse demonstrar pelo método dedutivo e indutivo não apenas a evolução mas uma parte do desenvolvimento e aprimoramento do sistema da separação de poderes associado à necessidade da limitação do poder pelo Direito bem como a partir dos métodos comparativo das diversas formas que se cogitaram a restringir esse poder estatal bem como demonstrar tal evolução por meio do método histórico até a atual estrutura do Estado de Direito 2 CONTEXTO HISTÓRICO E A TEORIA DA SEPARAÇÃO DE PODERES No século XVIII depois de muitos antecedentes surge nos Estados Unidos da América do Norte um movimento de organização do Estado por meio de um documento escrito chamado Constituição que tem três características documento escrito com separação e organização dos poderes e uma carta de direitos A partir do surgimento de premissas sobre o tema constitucionalismo ou movimentos constitucionais ganham proeminência as primeirasideias de separação de poderes primeiramente de modo superficial e sem muita abrangência mas que se robustece ao decorrer do desenvolvimento da ótica jurídica sob as formas de governos em vigor Não há como discorrer sobre separação de poderes sem antes localizar no contexto históricojurídico o surgimento do constitucionalismo moderno aliado à origem do Estado de Democrático de Direito Para tanto necessário começar com ideais liberais na tentativa de estabelecer limite ao poder absolutista vigente naquele momento e consagrar a supremacia do indivíduo Refutandose assim às monarquias absolutistas e concentração de poderes na Idade Média com a figura absoluta do Rei no poder soberano onde se desconhecia qualquer forma de limitação de poder A princípio no denominado Constitucionalismo Antigo por Zulmar Fachin 2008 p 36 é que começam a surgir documentos com natureza constitucional que passam a esboçar o ideal deste movimento a exemplo a Magna Carta de 1215 na Inglaterra assinada pelo então rei João Sem Terra e a Petição de Direitos de 1628 Isto é com esses chamados bills britânicos começam a emergir ideais de limitação do poder da monarquia absolutista vigente à época visando à descentralização do poder Constituem portanto antecedentes importantes Com base numa percepção primordial conceituase constitucionalismo como sendo a teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização políticosocial de uma comunidade CANOTILHO 2002 p 17 O século XVIII marca o notável Constitucionalismo Moderno o que por sua vez vem a consolidar as acepções antecedentes inaugurando as constituições escritas como instrumento para a legitimidade do poder político e limitação do poder estatal e assim comedir o exercício arbitrário do poder por meio de controles Dentre os movimentos constitucionais considerase como o mais antigo o Constitucionalismo que vigorou no território inglês na medida em que em detrimento ao Constitucionalismo norteamericano e francês a origem do movimento na Inglaterra antecede aos dos últimos De modo que como já explicado o pioneirismo nessa construção de modelo destacase a Magna Carta de 1215 como instrumento para a limitação dos poderes Neste jaez comporta ressaltar que a Magna Carta de João Sem Terra teve enorme relevância ao constitucionalismo em questão tendo em vista que a partir desta surgiu à figura do Grande Conselho que mais tarde se traduziria no Parlamento que anos mais tarde governaria por meio do primeiroministro Notese então que o Constitucionalismo inglês dada às circunstâncias estatais com predominância absoluta do monarca adotou um sistema de atuação do rei e o Parlamento que se defrontam pela supremacia com o fito de estabelecer um controle no tocante à edição de novas leis por exemplo que teriam que passar pelo Grande Conselho Em seguida a declaração de direitos ou melhor dizendo o conhecido Bill of Rights de 1689 que de maneira sucinta visou imposição de limites ao absolutismo enraizando balizas à tributação o surgimento de eleições e imunidade aos parlamentares bem como outras garantias institucionais Além da tendência à limitação esta declaração buscou similarmente controlar o poder estatal do monarca sendo este o crucial viés da separação de poderes que tem como finalidade impor limite ao poder dentro do próprio Estado controlando as funções estatais perante a Carta Maior Toda a ideia do documento é construída com base na obra Segundo Tratado do Governo Civil de John Locke que aliás esteve na posse dos monarcas da duarquia William de Orange e Maria Stuart que foram os primeiros a assinar o documento É fundamental a importância do documento britânico chamado Bill of Rights de 1689 que veio após a Revolução Gloriosa da Inglaterra pois aliado a este bill emerge o Liberalismo que acabaria por influenciar e fortalecer os demais movimentos constitucionais no intuito de alcançar liberdades antes ignoradas mormente buscar pela proteção de liberdades individuais Nessa toada cumpre destacar o alvitrado por Sahid Maluf 2010 p 140 diante a importância do Bill of Rights em consignar limites ao poder estatal Especificando certos direitos essenciais o Bill of Rights de 1689 firmou os seguintes princípios o Rei não pode sem consentimento do Parlamento cobrar impostos ainda que sob a forma de empréstimos e contribuições voluntárias ninguém poderá ser perseguido por haverse recusado ao pagamento de impostos não autorizados pelo Parlamento ninguém poderá ser subtraído aos seus juízes naturais o Rei não instituirá em hipótese alguma jurisdições excepcionais ou extraordinárias civis ou militares o Rei não poderá em caso algum fazer alojar em casas particulares soldados de terra ou mar etc É a partir do Bill of Rights inglês sob o prisma liberal como lembra Dallari 2010 p 208 que surge a publicação da Declaração de direitos do bom povo da Virgínia em 1776 nos Estados Unidos da América No mesmo sentido serve de inspiração às declarações similares nas demais colônias inglesas com alicerce na mesma premissa e principalmente sobre as emendas propostas por James Madison diante às lacunas do texto constitucional da Carta Maior estadunidense de 1787 que foram incorporadas ao ordenamento e conhecidas como o Bill of Rights norteamericano Todavia é no decorrer do século XVIII que o Liberalismo ganha corpo precisamente no movimento constitucional ocorrido no Estado francês com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão repleta de ideários liberais sob ingerência do Iluminismo contrapondose ao absolutismo culminando Revolução Francesa de 1789 Significa estabelecer uma ligação inerente entre o movimento do Constitucionalismo moderno fortemente influenciado por ideais liberais com a concepção de Estado de Direito que neste caso melhor se conceitua como sendo Estado Liberal de Direito O constitucionalismo moderno desponta como se sabe estreitamente ligado a ideia de Direito a ideia de Direito liberal liberdade política e de limitação do poder O Estado só é Estado constitucional só é Estado racionalmente constituído para os doutrinários e políticos do constitucionalismo liberal desde que os indivíduos usufruam de liberdade segurança e propriedade e desde que o poder esteja distribuído por diversos órgãos Ou relendo o art 16º da Declaração de 1789 Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição MIRANDA 2015 p 170 Logo uma vez que o movimento do Constitucionalismo propunha a limitação do poder do monarca absolutista fazse mister destacar o papel fundamental do sistema da Separação de poderes em razão do mesmo objetivo de descentralização do poder de modo a impedir que este se concentre nas mãos de um só órgão Caracterizando assim o constitucionalismo de fins do século XVIII pela ocorrência da ideia de separação de Poderes garantia dos direitos dos cidadãos crença na democracia representativa demarcação entre a sociedade civil e o Estado e ausência do Estado no domínio econômico Estado absenteísta CARVALHO 2002 p 128 Notase então que o Estado Liberal de Direito como leciona Sahid Maluf 2010 p 143 caracterizado pela consagração dos direitos naturais do homem bem como seu direito à liberdade em detrimento a uma Constituição escrita sequer cogitava sobre direitos sociais muito menos dos deveres individuais em prol da sociedade Não obstante as diversas garantias advindas com o Estado Liberal de Direito e a submissão à lei proveniente do princípio da legalidade e intervenção estatal reduzida vale lembrar que esta concepção de Estado de Direito não resistiu à prática tal qual se mostrou rígida na teoria Existiam muitos problemas no confronto entre a burguesia e o proletariado que era explorado por meio da constituição liberal que previa um Estado de não intervenção Dáse espaço assim ao surgimento do chamado Estado Social de Direito ou Welfare State mormente após a eclosão da Revolução Industrial de 1770 ocorrida na Inglaterra Todavia as duas constituições desse modelo da segunda geração de direitos surgem na Alemanha e no México Há uma mudança no contexto de limitação jurídica negativa onde o Estado pouco intervinha nas relações de iniciativa privada Surgem direitos prestacionais tendo como corolário desta revolução a concentração do poder políticoeconômico na burguesia da época evidenciando as imperfeições do modelo liberal precedente No tocante à nova concepção de Estado de Direito sob o cerne dos valores sociais leciona Lênio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais Com o Estado Social de Direito projetase um modelo onde o bemestar e o desenvolvimento social pautam as ações do ente público Para Manuel GarciaPelayo o Estado Social de Direito significa um Estado sujeito à lei legitimamente estabelecida com respeito ao texto e às práticas constitucionais indiferentemente de seu caráter formal ou material abstrato ou concreto constitutivo ou ativo à qual de qualquer maneira não pode colidir com os preceitos sociais estabelecidos pela Constituição e reconhecidos pela práxis constitucional como normatização de valores por e para os quais se constitui o Estado Social e que portanto fundamentam a sua legalidade Neste quadro esvaise a noção de legalidade própria do ideário liberal pois a lei passa a ser utilizada não mais apenas como ordem geral e abstrata mas cada vez mais apresentase específica e com destinação concreta a generalidade de lei era considerada fulcro do Estado de Direito mas sim como instrumento de ação muitas vezes com caráter específico e concreto atendendo critérios circunstancias STRECK MORAIS 2008 p 9697 Em síntese o prisma do Estado Social de Direito dáse na correção do individualismo provindo dos ideários liberais por meio de garantias coletivas no qual se agregam conteúdo econômico e social A Lei Maior passa a ser mecanismo de atuação concreta do Estado buscando uma igualdade entre todos os seres humanos Exclusivamente durante o século XX sob os efeitos do primeiro pós guerra houve a consagração dos direitos econômicos e sociais onde triunfa a democracia social mediante o início de intervenção estatal na ordem econômica e social tendo como referência deste modelo as Constituições do México 1917 de Weimar 1919 e a Constituição de 1824 no Brasil CARVALHO 2002 p 128 Contudo dada à fragilidade deste modelo de Estado de Direito não se alcançou a concretização dos valores fundamentais concernentes à democracia e segundo Lênio Streck e José Luis Bolzan de Morais 2008 p 97 a questão de igualdade não obtém solução embora sobrepuje a sua percepção puramente formal sem base material Portanto com o constitucionalismo liberal surge a separação dos poderes que tem a finalidade a limitação destes O modelo além de marcar presença na primeira etapa do constitucionalismo também é usado nas posteriores como na Constituição do México e a Lei Fundamental da República de Weimar Por fim o Estado Democrático de Direito que não surge com o fito de oporse às concepções de Estado Liberal e Social de Direito mas pelo contrário como método de concretizar o princípio da igualdade e democracia como meio assecuratório dos direitos individuais do cidadão Com base no que leciona José Luis Bolzan de Morais e Lênio Streck 2008 p 97 a ótica democrática de Estado de Direito visa uma adaptação das condições sociais dos indivíduos vinculado a um conteúdo transformador da realidade ultrapassando assim o aspecto tão somente material da dignidade do homem resultando numa sociedade com participação efetiva do homem no que toca ao seu processo de reconstrução Convém salientar por fim queo Estado Democrático de Direito é formado com alicerce de uma Constituição como instrumento crucial para concretizar garantias jurídicas bem como a separação de poderes como meio de limitação do poder estatal 3 EVOLUÇÃO HISTÓRIA DA SEPARAÇÃO DE PODERES Uma vez estabelecida a origem e a evolução do movimento constitucional moderno em conjunto com a atual concepção de Estado de Democrático de Direito é necessário evidenciar uma das primordiais finalidades que se almejava pilar do atual desse modelo que consiste na Teoria da Separação de Poderes Cumpre elucidar neste sentido o desenvolvimento histórico deste sistema suas origens na Antiguidade Clássica com Platão e Aristóteles até sua consagração na idealização de Charles de Secondat Montesquieu que vem a incorporar ao Constitucionalismo Como destacado a origem da teoria da separação de poderes remonta à Antiguidade Clássica onde não existia qualquer menção sobre a divisão dos poderes Inicialmente com Platão através de sua obra Diálogo das Leis mormente com Aristóteles por meio da obra denominada Política que por sua vez defendia a imagem da existência de três funções distintas quais sejam editar as denominadas normas gerais aplicálas ao caso concreto e a última função de julgamento sendo incumbidas a um só individuo como aduz Dalmo de Abreu Dallari 2010 p 217 Momento da história em que os cidadãos não detinham direitos em suas mãos mas apenas deveres provindos do Estado De acordo com Jorge Miranda 2015 p 12 havia oposição entre o pensamento de Platão e Aristóteles partindo tanto de um pressuposto idealista quanto de uma visão classificatória já que para Platão existiam as formas reais divididas em timocracia oligarquia democracia e tirania bem como ideais a monarquia e aristocracia e para Aristóteles uma versão dividida em formas pura monarquia aristocracia e democracia e degenerada tirania oligarquia e demagogia Foi Aristóteles que introduz a ideia de uma constituição mista presente em toda constituição dita como concreta que nortearia o surgimento da separação de poderes na Inglaterra denominandoa até mesmo de governo misto isto é vários grupos com participação no poder A análise das constituições concretas exige que se tenha igualmente em conta o seu substrato constitucional isto é a sociedade que se compõe sempre de diversas partes grupos ou classes Esta diversidade é que é a causa real de tantas formas de governo Neste sentido constituição mista já será aquela em que os vários grupos ou classes sociais participam do exercício do poder político ou aquela em que o exercício da soberania ou o governo em vez de estar em mãos de uma única parte constitutiva da sociedade é comum a todas Contrapõemselhe portanto as constituições puras em que apenas um grupo ou classe social detém o poder político PIÇARRA 1989 p 33 Não é difícil perceber que para o filósofo a melhor forma desenhada ao poder político era certamente a divisão deste em classes ou grupos não centralizando as funções em um só órgão ou pessoa Em outros termos para Aristóteles o conceito de constituição mista era o que melhor se encaixava no poder estatal pois abarcava todas as classes sociais participando do poder os dois extremos classe alta e classe social baixa No entendimento de Nuno Piçarra 1989 p 36 tal modelo aristotélico estaria associado à doutrina da separação dos poderes ocasionando equilíbrio ou balanceamento das classes sociais por meio da participação efetiva no exercício do poder Ainda nesta vertente filosófica é importante realçar seu desenvolvimento gradativo e assim conforme expõe Dalmo de Abreu Dallari 2010 p 218 no século XIV surge Marsílio de Pádua com sua obra Defensor Pacis demonstrando uma vertente à divisão de poderes distinguindo o poder executivo e legislativo opondo povo e príncipe em dois extremos na primeira tentativa de assegurar a soberania do primeiro Todavia ainda que seja possível perceber a preocupação destes filósofos clássicos da Idade Antiga com a distribuição das funções do poder denota se que a separação das funções como instrumento para efetivar as garantias jurídicas intrínsecas à liberdade individual se deu exclusivamente quando emergiu o constitucionalismo como dispositivo de impugnação ao absolutismo Em relação a este último é mister expor as razões justificadoras da teoria absolutista pelas quais apoiava Jean Bodin em sua obra Les Six Livres de la Republique Seis Livros da República de 1577 defendendo a natureza imutável do poder soberano sendo este uno e indivisível perdendo sua essência uma vez que fora destrinchado bem como seu poder não decorrer do direito mas sim da razão ou da simples vontade PIÇARRA 1989 p 41 A partir da linha filosófica preestabelecida a Inglaterra a partir do século XVII assume em seu ordenamento a ideia explanada anteriormente de constituição mista como forma de governo e como forma garantidora da organização estatal sem sequer passar pelo absolutismo conforme elucida Nuno Piçarra 1989 p 42 Apenas com o extraordinário desenvolvimento das instituições representativas em Inglaterra que a haveria de conduzir um Estado estamental a um Estado constitucionalrepresentativo sem praticamente ter feito conhecer o Estado Absolutista a ideia de que a melhor forma de governo consistia num esquema constitucional em que Rei Lordes e Comuns repartissem entre si o poder político pôde consolidarse a ponto de aí se ter tornado no século XVII a teoria política dominante A separação de poderes como doutrina tem seu berço na Inglaterra mormente com o marco histórico da Revolução Gloriosa e do Bill of Rights de 1689 que impõe fim ao absolutismo conforme será demonstrando adiante na imposição de limites ao poder da Coroa onde um Estado estamental medieval se transforma em Estado constitucionalrepresentativo sem sequer passar pelas ideias norteadoras do Estado absolutista Eis que surge a teoria da separação de poderes no território britânico que serviria como ponto primordial ao ideário de Estado de Direito agregado a ideia do rule of law que compreende a base do constitucionalismo moderno método pelo qual o Estado está vinculado ao Direito visando a contenção do exercício arbitrário por ele que inicialmente previa apenas a divisão de funções em Executivo e Legislativo O rule of law previa um sistema baseado na proibição da arbitrariedade do poder e na efetivação das garantias intrínsecas a cada individuo corolário do movimento do constitucionalismo de evidente caráter antiabsolutista e consequentemente fazendo surgir a teoria da separação de poderes PIÇARRA 1989 p 44 Em outras palavras o princípio da separação de poderes britânico surge em decorrência da indispensabilidade do rule of law que adotava a premissa da total submissão à lei sendo um sistema de notável oposição aos ideários absolutistas Tal situação foi ponto promissor da Guerra Civil inglesa 16421649 antecedendo a adoção do princípio da separação de poderes consagrado pela Constituição inglesa de 1653 A dilucidação dos vectores fundamentais deste conflito histórico entre absolutismo e rule of law que descambou na guerra civil inglesa 1642 1649 é condição prévia essencial para a compreensão da exigência de uma separação orgânicopessoal entre função legislativa e função executiva designação inicial da função jurisdicional Só com a definitiva rejeição do absolutismo em 1689 essa exigência pôde ser definitivamente concretizada na constituição inglesa PIÇARRA 1989 p 45 A Guerra Civil inglesa durante o século XVII demonstrou evidente a solidez que se encontrava a Monarquia Mista adeptos do absolutismo que na figura do Rei Jaime Stuart I opôs resistência à submissão e obediência à Lei tendo como sustentáculo a posição de superioridade do poder monarca até mesmo em relação à norma legal enquanto que de outro lado o rule of law mantinha a ideia da total subordinação ao texto legal englobando neste rol também o rei monarca à época Numa monarquia mista adotada pelos ingleses o rule of law contrapunhase sustentando a separação das funções de criação e execução legais tendo em vista que a concentração destas funções num só órgão obstava a concretização do princípio democrático Ainda no tocante ao rule of law contra o absolutismo a Petição de Direito votada pelo terceiro Parlamento de Carlos I na Inglaterra já oferecia algumas restrições ao regime absolutista do poder principalmente com o pressuposto de supremacia da lei no âmbito do rei Ocorre que todavia este parlamento fora dissolvido pelo então rei Carlos I em 1629 por período onde se encontrava absoluto no poder o monarca precisamente até 1640 fato que ficou conhecido como Eleven years of tyranny Onze anos de tirania Em seguida com fins tão somente tributários Carlos I convocara os chamados Curto e Longo Parlamento de modo que este último se colocara em posição totalmente contrária ao governo do rei PIÇARRA 1989 p 48 Isto é o Longo Parlamento se opôs ao regime absolutista do monarca fato este que redundara nas atuações abusivas por parte deste ao desempenhar sua atividade parlamentar A partir daí a doutrina da separação de poderes pela primeira vez enunciada nos traços autônomos fundamentais segundo Nuno Piçarra 1989 p 49 50 como arma ideológica em detrimento ao poder abusivo e arbitrário do Longo Parlamento sendo imprescindível a limitação deste órgão legislador refutando qualquer competência de natureza jurisdicional que caberia a outro órgão constitucional exercer Ou seja a separação de poderes inglesa tinha como fulcro retirar os poderes de legislador e julgador do Longo Parlamento excluindo o exercício arbitrário do poder parlamentar pois nesse período houve um abuso que culminou numa guerra civil Deste modo cumpre reconhecer que a teoria da separação de poderes a princípio visava distinguir as funções executivas e legislativas eximindo a sua centralização num só órgão de modo a deslocálas a órgãos distintos como meio de assegurar as liberdades fundamentais dos indivíduos com finalidade substancial de garantir o rule of law Distinção essa como já exemplificada anteriormente fora explanada primordialmente por Marsílio de Pádua na obra Defensor Pacis de 1324 explicando que o poder legislativo como poder supremo compete ao povo que o pode delegar numa assembleia de representantes e o poder executivo compete ao príncipe o qual não tem qualquer participação no exercício do primeiro PIÇARRA 1989 p 57 Na França a separação de poderes vem com o único propósito de restringir e refrear o poder concentrado na monarquia absolutista Possível estabelecer uma correlação acerca deste princípio da separação de poderes entre o território francês em questão e o britânico segundo o qual priorizavam a lei como alicerce das garantias das liberdades individuais argumento este alvitrado por John Locke em sua obra denominada Segundo tratado sobre o governo que ressaltava a imposição de limites ao poder do Estado como instrumento fundamental à proteção destas liberdades Diante da influência de John Locke assevera Dalmo de Abreu Dallari 2010 p 218 No século XVII é que vai surgir entretanto uma primeira sistematização doutrinária da separação de poderes com a obra de John Locke Baseado evidentemente no Estado inglês de seu tempo Locke aponta a existência de quatro funções fundamentais exercidas por dois órgãos do poder A função legislativa caberia ao Parlamento A função executiva exercida pelo rei comportava um desdobramento chamandose função federativa quando se tratasse do poder de guerra e de paz de ligas e alianças e de todas as questões que devessem ser tratadas fora do Estado A quarta função também exercida pelo rei era a prerrogativa conceituada como o poder de fazer o bem público sem se subordinar a regras Em contrapartida ao regime absolutista que desconhecia qualquer limitação do poder MALUF 2010 p 136 John Locke pregava o chamado antiabsulotismo o que acabaria influenciando e culminando na Revolução Gloriosa de 1688 proveniente da entrega do trono a Guilherme de Orange e dando origem ao Bill of Rights suprimindo a corrente absolutista na Inglaterra PIÇARRA 1989 p 65 bem como abrindo portas e estipulando legitimidade do Parlamento Essa Carta de Direitos foi primordial para efetivar as garantidas individuais enfraquecendo o poder do monarca pois este contava com poder ilimitado e o exercia conforme sua vontade Dito de outro modo nasce na GrãBretanha um documento que é quase uma constituição que estabelece limites ao poder do rei seguindo a tendência que começou em 1215 com a Magna Carta de João SemTerra John Locke no que toca ao poder do Estado sustentava a divisão em quatro funções quais sejam legislativa executiva federativa e prerrogativa pregando pela supremacia do Poder Legislativo sobre os demais FACHIN 2013 p 204 A divisão das referidas atribuições significava uma oposição ao regime absolutismo vivido à época sistematizando a separação de poderes como melhor forma de exercício de governo Dalmo de Abreu Dallari 2010 p 148 versa sobre a essencial obra de Locke Segundo tratado sobre o governo no sentido de que o filósofo destacava o Poder Legislativo podendo este ser exercido por diversos órgãos mas sempre era necessária sua subordinação ao povo Assim a comunidade conservava o poder supremo se resguardando nas hipóteses de tentativa de ameaças aos direitos individuais Explanando John Locke nesse sentido que toda obediência que pelos mais solenes vínculos qualquer um pode ser obrigado a prestar vem a dar finalmente neste supremo poder e regerse pelas leis que promulga 1983 p 86 A importância do pensamento de Locke para a divisão como estrutura dos poderes é no teor de revigorar a limitação da atuação arbitrária do poder bem como abalar os ideais do absolutismo monárquico da Inglaterra à época legitimando o povo no poder influenciando na supremacia do Parlamento ou Poder Legislativo Sobre as atribuições do Legislativo cumpre destacar a concepção no deslinde de John Locke O poder legislativo é o que tem o direito de estabelecer como se deverá utilizar a força da comunidade no sentido da preservação dela própria e dos seus membros Como se tem de pôr constantemente em prática as leis que devem continuar sempre em vigor mas que se podem elaborar em curto prazo não há necessidade de manterse tal poder permanentemente em exercício pois que nem sempre teria no que se ocupar E como pode ser tentação demasiado grande para a fraqueza humana capaz de tomar conta do poder para que as mesmas pessoas que têm por missão elaborar as leis também tenham nas mãos a faculdade de pôlas em prática ficando dessa maneira isentas de obediência às leis que fazem e podendo amoldar a lei não só quando a elaboram como quando a põem em prática a favor delas mesmas e assim passarem a ter interesse distinto do resto da comunidade contrário ao fim da sociedade e governo em comunidades bem ordenadas nas quais o bem de todos se leva em conta como é devido o poder legislativo vem às mãos de diversas pessoas que convenientemente reunidas têm em si ou juntamente com outras o poder de elaborar leis depois de assim fazerem novamente separadas ficam sujeitas às leis que fizeram o que representa obrigação nova e mais próxima para que as façam tendo em vista o bem geral 1983 p91 O Poder Legislativo compreenderia uma melhor forma de lidar com a segurança jurídica da sociedade tendo como instrumento efetivo a lei emanada pelo corpo de representantes do povo isto é surge a inserção do povo no exercício do poder ofuscando e diminuindo a centralização do poder ao Rei Acontece que na concepção de John Locke esse poder de legislar era o poder máximo que se sobressaía sobre os demais o que acabava por resultar numa espécie de desigualdade entre os poderes em razão de que mesmo sob a ótica da separação havia ainda um poder dito como supremo Nesse sentido o poder legislativo naquele momento na Inglaterra era significado de um poder supremo partindo da premissa da superioridade daquele que emana leis prescrevendo regras e concedendo poder executório para quando houver transgressão normativa LOCKE 1983 p 93 Como ratifica Nuno Piçarra 1989 p 68 na maioria parlamentar que a comunidade delega o exercício do poder mais ajustado à viabilização dos fins que motivaram a sua constituição o poder de fazer leis Locke versava sobre um poder responsável por ditar as regras da sociedade colocandoo em patamar de extrema relevância dentro da forma de governo vigente à época acima dos demais poderes que lhe eram subordinados Contudo tornase necessária a existência de um poder permanente que acompanhe a execução das leis que se elaboram e ficam em vigor LOCKE 1983 p 91 assim a separação dos poderes legislativo e executivo como meio de salvaguardar a execução da norma legal Destarte no tocante à divisão dos poderes pela concepção de John Locke é patente que tais funções foram conferidas meramente a dois órgãos executivo e legislativo A divisão de poderes de John Locke insistiu na supremacia da função legislativa sobre qualquer outra mas disponibilizou para assegurar sua execução outro poder com o exclusivo fito de fiscalizar a execução lei ou seja o filósofo já detinha em mente a hipótese do controle de um poder sobre outro ainda que proveniente de poder inferior em detrimento ao poder supremo do legislativo Aliás no que toca a distinção entre ambos os poderes vez que já se explanara sobre o poder legislativo na figura de um poder supremo advindo do povo é importante salientar que em contrapartida o executivo caberia ao rei que exerceria as demais funções federativa e prerrogativa Deste modo entendiase como função federativa o direito de valerse poder de paz e de guerra atos de celebração de tratados e alianças igualmente conduzir negócios com pessoas e comunidades do estrangeiro CARVALHO 2002 p 86 Já a função prerrogativa conforme John Locke 1983 p 98 também seria aplicada pelo rei podendo agir ainda que em desconformidade com o texto legal desde que o faça a favor do bem público sem a prescrição da lei e muita vez mesmo contra ela é o que se chama de prerrogativa Não obstante a indubitável concepção sobre a separação de poderes oriunda de John Locke que retomava os rumos do rule of law é de fundamental importância alvitrar que para o filósofo o Poder Judiciário não era autônomo em sua essência mas se encontrava vinculado ao Executivo A visão do Poder Judiciário como órgão autônomo fora emanada somente no século XVIII por Charles de Secondat Montesquieu com a prestigiada obra O Espírito das Leis 1978 que emergiu a percepção de uma tripartição Executivo Legislativo e Judiciário de funções como poderes independentes entre si STRECK MORAIS 2008 p 180 A contribuição de John Locke para o pensamento atual sobre Separação de Poderes é de suma importância pois o filósofo inaugurou uma forma de governo submetido à divisão de funções em específico um plano governamental destrinchado em quatro funções distintas em tese na medida em que designava um Executivo fiscalizador da execução das normas Estabeleceu também que além da função de levar em praticidade as leis oriundas do Poder Legislativo haveria outra a função federativa onde se concentravam as funções externas ao governo local descartando o poder Judiciário como autônomo mas sendo mero desdobramento do Executivo Entretanto foi na visão de Charles de Secondat Montesquieu que se deu a sistematização da separação de poderes bem como emergiu um Poder Judiciário como autônomo aos demais observando a existência de três poderes independentes e harmônicos entre si Executivo Legislativo e Judiciário que vigora atualmente no texto da Constituição Federal de 1988 no Brasil A princípio convém destacar o alvitrado por Sahid Maluf acerca da magnitude e influência deste sistema tripartite Coubelhe a glória de erigir as divagações filosóficas dos seus predecessores em uma doutrina sólida que foi desde logo acolhida como dogma dos Estados liberais e que permanece até hoje sem alterações substanciais Antes mesmo dos Estados europeus a América do Norte acolheu com entusiasmo a fórmula do genial escritor A primeira Constituição escrita que adotou integralmente a doutrina de Montesquieu foi a de Virgínia em 1776 seguida pelas Constituições de Massachussetts Maryland New Hampshire e pela própria Constituição Federal de 1787 2010 p 226 Impende salientar que Montesquieu não fora o inventor da doutrina da separação de poderes mas sim o primeiro a sugerila de maneira inovadora em relação às vertentes anteriores PIÇARRA 1989 p 89 Observase assim que segundo Montesquieu 2000 p 167168 existia três tipos de poder o legislativo executivo das coisas dependentes do direito das gentes bem como o executivo que depende do direito civil sendo que este último ele denominou de poder de julgar onde se castiga os crimes ou julgam os conflitos entre particulares Ademais Montesquieu versava sobre a separação tripartite dos poderes como mecanismo crucial para assegurar as garantias inerentes à liberdade dos indivíduos chamandoa de liberdade política Todavia seria necessário estabelecer determinada limitação a esta para não ocasionasse a violação da liberdade no âmbito da população isto é a liberdade política não significa fazer o que se quer é necessário respeitar os limites que a lei impõe e sendo assim essa liberdade compreende ao respeito à norma legal vez que se um indivíduo pudesse agir em desconformidade com a lei não haveria liberdade pois este direito passaria a ser de todos MONTESQUIEU 2000 p 166 Aliás é crível estabelecer uma correlação com esse instituto de liberdade política com a própria ideia do rule of law ou melhor com o princípio da legalidade com veemente sujeição à lei Por conseguinte para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão MONTESQUIEU 2000 p 168 em outros termos a liberdade política tida como prisma da tripartição sob a ótica de Montesquieu proclamando basicamente a acepção de liberdade dada pela lei O ideal da concentração dos poderes a um só órgão ou a uma só pessoa que era tida como base nos primórdios das formações de Estado cai por terra com a visão do filósofo que esclarece Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo não existe liberdade porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executálas tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo o juiz poderia ter a força de um opressor Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres ou do povo exercesse os três poderes o de fazer leis o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares MONTESQUIEU 2000 p 168 A divisão das funções existentes no âmbito governamental era imprescindível para assegurar a liberdade na acepção de Montesquieu Ao poder legislativo caberia a criação das leis corrigindo e revogando as existentes ao executivo remonta o poder de paz ou de guerra visando à manutenção da segurança nacional e prevenção contra as eventuais invasões o poder judiciário ou poder executivo das coisas dependentes do direito civil por sua vez era responsável pela punição dos crimes e julgamento dos litígios entre particulares PIÇARRA 1989 p 91 A atribuição do órgão legislador era a de criar as leis norteadoras da vida social de modo a estabelecer condutas a serem respeitadas vinculando o poder de julgar estatal Esta cúpula seria formada por várias pessoas de forma colegiada condenando qualquer visão unitária do poder de legislar e concretizando o que se conheceria por estado democrático com observânciada participação direta do povo para escolha do representante MONTESQUIEU 2000 p 171 Contudo ao legislativo não caberia a função de tomada de decisões devendo apenas participar no governo por meio da criação das leis que iriam vincular a sociedade como um todo uma vez que não deveria imiscuirse na atividade decisória do Estado Esta função caberia ao Executivo que distintamente do primeiro seria mais bem exercido por um do que por vários conforme denota Charles de Secondat Montesquieu 2000 p 172 Impõe observar que se cogitava já a partir da visão do filósofo a ideia sumária do sistema de freios e contrapesos qual seja a necessidade de fiscalização entre os poderes a fim de assegurar o melhor desempenho de cada função É nesse sentido que Montesquieu preconiza a hipótese de atuação do poder executivo no âmbito das atribuições do legislativo com exclusivo intento de limitálo sem contudo participar dos debates de modo a infirmar o poder de criação de leis que poderia cair em despotismo Entretanto frisese que na visão de Charles de Secondat de Montesquieu não se fazia necessário a fiscalização inversa Mas não é preciso que o poder legislativo tenha reciprocamente a faculdade de limitar o poder executivo Pois sendo a execução limitada por natureza é inútil limitála além do que o poder executivo exercese sempre sobre coisas momentâneas Mas se num Estado livre o poder legislativo não deve ter o direito de frear o poder executivo tem o direito e deve ter a faculdade de examinar de que maneira as leis que criou foram executadas 2000 p 174 O legislador assim não poderia imiscuirse nos ofícios do poder executivo vez que já o fazia quando da criação de leis Isto é ao criar uma lei indiretamente estaria limitando o outro poder sendo garantida para si apenas a faculdade de fiscalizar os modos de execução da lei O executivo por Charles de Secondat de Montesquieu teria chance de participar da legislação por meio da inclinação funcional de impedir as atuações despóticas mas que por outro lado se o legislativo entremeasse na execução esta última estaria perdida 2000 p 175 Assim observando que não caberia ao poder executivo interferir no processo de criação normativa com intuito de decidir tendo em vista que de tal forma não existiria a liberdade Ratificavase então a sistemática da separação de poderes perante as garantias e seguranças dos indivíduos à luz do princípio da legalidade que na visão do filósofo ganhava espaço como sistema da tripartição de poderes com atribuições distribuídas aos poderes Executivo Legislativo e Judiciário Segundo Nuno Piçarra 1989 p 101 podese dizer que a doutrina proveniente de Montesquieu acerca da separação dos poderes compreende traços que converterseiam no princípio homônimo alicerce imprescindível da concepção de Estado de Direito A partir da concepção de Montesquieu a doutrina da separação de poderes notabilizase em escala mundial influenciando diretamente a base nos âmbitos de formação do constitucionalismo servindo assim como sistematização desta doutrina É nesse sentido que prescreve José Afonso da Silva 2009 p 109 dizendo que a teoria se tornara dogma constitucional com a Revolução Francesa 1789 frisando que a separação de poderes definida por Montesquieu resultara na objetivação positiva nas Constituições das excolônias inglesas da América concretizandose em definitivo na Constituição dos Estados Unidos de 1791787 SILVA 2009 p 109 Portanto a ideia do francês serviu de modelo para as treze colônias embora tenham criado um sistema de freios e contrapesos ou seja aprimoraram a teoria Destarte a doutrina da tripartição de poderes em definitivo por Charles de Secondat de Montesquieu preconiza que caberia a três órgãos distintos a divisão das funções do Estado quais sejam a de criação de leis administração estatal e a última consistia em resolver as querelas entre particulares que serviriam como base ao Constitucionalismo e a formação efetiva do Estado Democrático de Direito comexclusivo fim de assegurar as garantias no tocante à liberdade do indivíduo tendo como instrumento a separação de poderes como forma de limitação 4 FUNÇÕES TÍPICAS E ATÍPICAS E O SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS Após o Estado absolutista buscouse na doutrina um modelo que assegurava o funcionamento da tripartição Dessa forma nasce o sistema de freios e contrapesos com funções típicas e atípicas visando à fiscalização mútua entre os órgãos de poder A solução encontrada para limitar internamente foi a divisão das funções ou a criação de três poderes Os teóricos que agiram dentro dessa ideia de tripartição como meio de limitação deste poder estatal buscaram um desenvolvimento da doutrina a fim de que houvesse independência e harmonia Portanto coligado ao desenvolvimento da acepção de Estado de Direito com subordinação às normas estatais buscouse uma divisão das funções Nasceu a tripartição de poderes com divisão das atribuições inerentes a órgãos distintos como meio de combater o exercício arbitrário refutando a preponderância da vontade de um só órgão de modo a efetivar segurança jurídica Portanto órgãos distintos ocupados por pessoas diferentes independentes Assim emergiu a sistemática da tripartição de poderes no âmbito do Estado de Direito sendo considerado um princípio constitucional primordial para conter o exercício arbitrário do poder com o fito de concretizar os direitos inerentes ao indivíduo Foi uma reação ao absolutismo que buscou num documento escrito um limite interno a separação dos poderes e outro um limite com uma carta de direitos Esse modelo liberal clássico nasceu nos Estados Unidos da América do Norte e na França contudo acabou sendo usado pelo mundo todo No território brasileiro surgiu preliminarmente com a visão do poder dividido entre os poderes Legislativo Executivo Judiciário e Moderador nos moldes da Constituição do Império de 1824 tendo como sucedânea a tripartição de poderes de Montesquieu sucessivamente até a Constituição Federal atual de 1988 Nesse sentido importante acentuar que o princípio fundamental que consiste a separação dos poderes conceituada por Charles Louis de Secondat Montesquieu está fixado no bojo da Carta Maior de 1988 da República Federativa do Brasil mais especificamente em seu artigo 2º ao pronunciar que são independentes e harmônicos entre si os Poderes estatais quais sejam Executivo Legislativo e Judiciário Acerca da referida divisão vale ressaltar o que elucida José Afonso da Silva A divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais legislativa executiva e jurisdicional a órgãos diferentes que tomam os nomes das respectivas funções menos o Judiciário órgão ou poder Legislativo órgão ou poder Executivo e órgão ou poder Judiciário Se as funções forem exercidas por um órgão apenas temse concentração de poderes 2009 p 108 Destarte caberá a cada órgão ou poder o exercício da função específica de modo a assegurar a premissa da divisão de poderes com o fracionamento das atribuições aspirando à especificação dos poderes governamentais do mesmo modo que imponha restrições a este poder estatal Estabelecida essa premissa é indispensável definir o conceito de poder mormente no que concerne à teoria orgânica do poder Ou seja não há exatamente um poder pois este é uno e indivisível e o poder emana do povo o que existe na verdade é a divisão de funções ou atribuições ao respectivo órgão três características fundamentais do poder político unidade indivisibilidade e indelegabilidade de onde parecer impróprio falarse em divisão e delegação de poderes SILVA 2009 p 107 Assim diante dessa divisão e ao exercício distinto das funções ou atribuições atinentes a cada órgão que constitui a União Executivo Legislativo e Judiciário com previsão no texto constitucional impende ressaltar o seu caráter não absoluto principalmente no que toca ao desempenho das funções Dito de outro modo existem funções próprias de cada poder e também as funções consideradas estranhas a determinado órgão em detrimento aos outros dois isto é vigoram no escopo do ordenamento e da tripartição as funções típicas e atípicas de cada órgão A função típica consiste naquela natural e intrínseca a cada poder exemplificando o Poder Executivo que possui tipicamente a responsabilidade respectiva ao governo do Estado e também como função atípica a faculdade de adotar as chamadas medidas provisórias Assim caberia também ao Poder Executivo uma função com natureza legislativa que via de regra incumbe ao Legislativo A visão tripartite dos poderes sob a égide da Carta Magna de 1988 hodierna no Brasil aliás como um princípio do artigo 2º determina a divisão das funções de administrar legislar e julgar à três órgãos distintos respectivamente Executivo Legislativo e Judiciário Nessa toada é necessário para que haja eficácia no funcionamento entre as funções o exercício destas de maneira harmônica O órgão ou poder Executivo é aquele cuja função elementar e fundamental seria ligada pertinente aos atos governamentais mormente no que toca a administração do governo do Estado De outra maneira esta consiste na função dita típica do executivo que incumbe ao Presidente da República eleito pelo voto nos ditames do atual Estado Democrático de Direito Não obstante existem também as chamadas funções atípicas no que cerne às atribuições cabíveis a cada órgão No tocante ao Poder Executivo sua função atípica mais corriqueira compreende em exercer atribuição originária do Legislativo isto é legislar por meio do decreto de medidas provisórias nos tenazes do artigo 59 da Constituição Federal Conforme José Afonso da Silva 2009 p 108 originariamente ao Executivo cabe função de governo no que toca à política e atribuição administrativa alem de que a função executiva resolve os problemas concretos e individualizados de acordo com as leis não se limita à simples execução das leis como às vezes se diz SILVA 2009 p 108 Nessa toada passase a análise do Poder Legislativo que por sua vez tem como atribuição típica e crucial a de legislar bem como a denominada normatização do direito Asseverando por óbvio que o faz representando a população que elegera como parlamentares a função de elaborar as leis de modo geral concretizando a democracia no âmbito jurídico do país Importante destacar a relevância das leis constitucionais de modo que sintetiza Jorge Miranda 2015 p 299 que o Direito não é mero somatório de regras avulsas produto de atos de vontade ou mera concatenação de fórmulas verbais articulares entre si Quanto à função que procede atipicamente relevante fazer a ressalva de que é da competência do Congresso Nacional prover os cargos dos respectivos serviços administrativos exonerar ou demitir seus ocupantes compete elaborar os respectivos regimentos internos SILVA 2009 p 110 isto é o Legislativo também é encarregado por prover os cargos administrativos no sentido de exercer a organização no âmbito geral de seus servidores ou seja atividade de natureza executiva fadado à administração de seus serviços Além disso é de responsabilidade deste órgão agora no âmbito do Poder Judiciário julgar os crimes de responsabilidade cometidos pelo então Presidente do país conforme o disposto no artigo 52 inciso I da Constituição compete ao Senado Federal in verbis processar e julgar o Presidente e o VicePresidente da República nos crimes de responsabilidade bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles Por fim o Poder Judiciário responsável primordialmente por dizer o direito com fulcro nos dispositivos legais oriundos do órgão Legislativo de forma que resolva os conflitos de interesses e os litígios de determinadas naturezas pois como demonstrado é da competência do Congresso Nacional especificamente ao Senado julgar os crimes arrolados nos incisos do artigo 52 da Constituição Federal de 1988 com efetiva aplicação normativa Em síntese a função jurisdicional tem por objeto aplicar o direito aos casos concretos a fim de dirimir conflitos de interesse SILVA 2009 p 108 Não seria diferente ao discorrer sobre as funções jurisdicionais podendo acentuar também as chamadas funções atípicas e estranhas a este órgão em específico Muito se fala às funções atipicamente atribuídas a este órgão como de natureza executiva ao dispor sobre o regulamente interno dos Tribunais e conforme alvitra José Afonso da Silva 2009 p 110 passou para a sua competência a nomeação de juízes e tomar outras providências referentes à sua estrutura e funcionamento inclusive em matéria orçamentária Além do exposto é mister lembrar a competência deste poder de exercer o denominado Controle de constitucionalidade sobre as normas gerando assim uma desvinculação ao poder Legislativo assimilando a possibilidade de se declarar pela inconstitucionalidade de determinada lei uma vez que à atividade de legislar incumbiria ao órgão Legislador Insta salientar diante do que fora discorrido que junto à concepção do sistema tripartite das funções encontrase o mecanismo dos freios e contrapesos elemento intrínseco à visão da separação dos poderes De outro modo ponderase aqui a harmonia entre os poderes com previsão no texto constitucional e norteador da estrutura estatal adotada pela Carta Magna da atual República Federativa do Brasil Tal fato remonta à Montesquieu quando discorreu sobre a Constituição inglesa conforme recorda Alexander Hamilton James Madison e John Jay O mais ligeiro exame da Constituição inglesa nos deixará convencidos de que os três poderes Legislativo Executivo e Judiciário não se acham nela inteiramente distintos e separados A magistratura executiva forma parte constituinte do Poder Legislativo 2003 p 299 Assim podese notar o ideal estabelecido que procurou sustentar o caráter não absoluto da separação de poderes de modo que houvesse devidas fiscalizações entres os poderes inferindo ou mesmo que à primeira vista impedindo o exercício desmedido e arbitrário do poder estatal Para Hamilton Madison e Jay não obstante a necessidade deste controle recíproco entre os órgãos federais para refutar qualquer tipo de abuso e excesso ao demandar uma atribuição era imprescindível estabelecer uma limitação dessa fiscalização É coisa averiguada que o magistrado ou corpo investido de um dos três principais poderes não deve exercitar diretamente ou em toda a sua plenitude nenhum dos outros assim como é igualmente evidente que nenhum dos poderes deve exercitar sobre o outro influência preponderante Como todo o poder tende naturalmente a estenderse é preciso colocálo na impossibilidade de ultrapassar os limites que lhe são prescritos Assim depois de ter separado em teorias os diferentes Poderes Legislativo Executivo e Judiciário o ponto mais importante é defendêlos em prática das suas usurpações recíprocas 2003 p 305 Destarte não obstante as funções típicas de cada poder ou órgão existente no atual Estado Democrático de Direito com subordinação maior à Carta Magna presente existem as denominadas como funções atípicas cabíveis no cerne das atribuições de cada um Estas funções têm justificativa no referido sistema de freios e contrapesos cheeks and balances que estipula o controle recíproco entre os poderes assegurando a efetividade de cada um sem que haja abusos ou desmandos no exercício de sua respectiva jurisdição Refletindose portanto em uma forma de fiscalização mútua entre os órgãos refutando qualquer demanda excessiva 6 CONCLUSÕES É notável a ardente necessidade de restrição ao Poder Estatal desde os tempos antigos com o fito exclusivo de impor limite ao poder oriundo do Monarca absolutista que detinha todo o poder concentrado em suas mãos e o executava subjetivamente no intuito de satisfazer tão somente seus ideais A busca de limites ao exercício do poder marcou a história da humanidade sendo que o constitucionalismo buscou soluções Foi nesse sentido que emergiu o constitucionalismo num vértice liberal ainda no século XVIII visando proporcionar maiores restrições a esse poder com a proposta de diluir os instrumentos totalmente arbitrários e refutando assim a figura única do monarca do centro do poder Nessa toada advém o intitulado Constitucionalismo moderno que versava sobre a premissa da existência de uma carta de direitos escrita efetivando os direitos e garantias tendentes à natureza de qualquer indivíduo No que tange ao nascimento dessas ideias embrionárias acerca da limitação de poder com o desenvolvimento da acepção de constitucionalismo pode se destacar as conquistas que vieram a ser arrematadas com a Carta de Direitos mormente na Inglaterra nas décadas de XVII e XVIII no qual preponderava um Bill destinado à limitação do poder da coroa que foram cruciais para o que se prevê atualmente no escopo das constituições em âmbito mundial Esta necessidade deságua numa separação de poderes que por sua vez reflete na evolução empírica dos modelos estatais de poder pois a doutrina foi sendo aperfeiçoada Conceituado preliminarmente por John Locke que veio a tratar de forma robusta sobre a divisão com o único propósito de limitar o poder e que todavia propôs um modelo com predomínio de um sobre os demais Não obstante esta concepção possuir extrema importância ao cenário jurídico o sistema uma vez desenvolvido de forma única e inovadora por assim dizer foi originário de Charles de Secondat Montesquieu Tal teoria transparecia uma vertente de divisão dos poderes governamentais inerentes ao Estado com ressalto à distribuição dessas funções à três órgãos independentes entre si Essa teoria é utilizada e revigorada pelo ordenamento jurídico brasileiro nos dias contemporâneos o que se remete à ideia de que a separação de poderes é pilar e alicerce aos ideários e objetivos do Estado Democrático de Direito bem como a concretização e efetivação dos direitos individuais objetivando a limitação do poder estatal com preponderância dos representantes oriundos da própria população Por conseguinte há conveniência de fiscalização entre tais órgãos ou poderes para intervenção recíproca e sendo assim exercer controle mútuo entre si para infirmar e impedir qualquer tipo de prerrogativa abusiva ou desmedida o que se traduz no mecanismo designado como sistema de freios e contrapesos método segundo qual há o refreamento de um poder sobre o outro Ademais a existência de funções típicas e atípicas a cada órgão estatal significa dizer que dada a proeminência dessas atuações divididas esta separação não tende a ser absoluta até porque em caráter absoluto cogitarseia na hipótese de exercício arbitrário e distorcido Tal situação é expressamente vedada pelo atual texto constitucional que trata sobre o tema afirmando que são poderes harmônicos entre si REFERÊNCIAS ARAÚJO Luiz Alberto David NUNES JÚNIOR Vidal Serrano Curso de direito constitucional 15 ed São Paulo Saraiva 2006 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasilia DF Senado Federal CANOTILHO JJ Gomes Constituição dirigente e vinculação do legislador contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas Coimbra Ed Coimbra 1994 CARVALHO Kildare Gonçalves Direito constitucional teoria do Estado e da constituição direito constitucional positivo 16 ed ver atual E ampl Belo Horizonte Del Rey 2010 DALLARI Dalmo de Abreu Elementos da Teoria Geral do Estado 29 ed São Paulo Saraiva 2010 HAMILTON Alexander O federalista Traduzido por Hiltomar Martins Oliveira São Belo Horizonte Editora Líder 2003 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo ensaio relativo à verdadeira origem extensão e objetivo do governo civil São Paulo Martin Claret 20022004 MIRANDA Jorge Teoria do Estado e da Constituição Rio de Janeiro Forense 2015 MONTESQUIEU Charles de Secondat O espírito das leis Traduzido por Cristina Murachco São Paulo Martins Fontes 2000 PIÇARRA Nuno A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional um contributo para o estudo das suas origens e evolução Coimbra Coimbra Ed 1989 PIRES Gabriel Lino de Paula AMARAL Sérgio Tibiriçá O modelo da tripartição dos poderes no federalismo brasileiro Presidente Prudente 2001 Monografia Graduação Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo 2001 SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 32 ed rev atual São Paulo Malheiros Editores 2009 STRECK Lênio Luiz MORAIS José Luis Bolzan de Ciência política e teoria geral do Estado 6ª edição Porto Alegre Livraria do Advogado 2008