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Filosofia

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O FILOSOFAR HOJE NA PESQUISA E NO ENSINO DE FILOSOFIA Jorge da Cunha Dutra Roberto Goto volume 2 organizadores Pensar sobre pesquisa e ensino de Filosofia nos dias de hoje é pareceme uma necessidade decorrente da própria necessidade do filosofar que sofre pressões nem sempre explícitas para que não aconteça Inúteis pressões pois o que é necessário sempre tem força própria para acontecer O filosofar desaparecerá somente quando desaparecer o último ser humano Faz parte do ser gente o filosofar ainda que nem sempre ocorra da maneira considerada a melhor Pois é uma necessidade De sua necessidade decorre sua importância Marcos Antônio Lorieri O que em última análise se procura alcançar quando se busca a verdade Todavia ao invés de se perguntar pelo objeto da verdade ou da busca da verdade seria talvez mais acertado perguntarse pelo sujeito desta busca ou melhor pelo desejo as forças ou as pulsões que subjazem a esta busca infindável Infindável porque ela não cessa de terminar e de recomeçar Rogério Miranda de Almeida O FILOSOFAR HOJE NA PESQUISA E NO ENSINO DE FILOSOFIA JORGE DA CUNHA DUTRA ROBERTO GOTO ORGANIZADORES O FILOSOFAR HOJE NA PESQUISA E NO ENSINO DE FILOSOFIA VOLUME 2 INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE BLUMENAU 2018 Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Catarinense Reitora Sônia Regina de Souza Fernandes PróReitor de Administração e Planejamento PROAD Stefano Moraes Demarco PróReitor de Desenvolvimento Institucional PRODIN José Luiz Ungericht Júnior PróReitoria de Ensino PROEN Josefa Surek de Souza PróReitor de Pesquisa PósGraduação e Inovação PROPI Cladecir Alberto Schenkel PróReitor de Extensão PROEX Fernando José Garbuio Título da obra O filosofar hoje na pesquisa e no ensino da filosofia Conselho editorial Eduardo Augusto Werneck Ribeiro Katia Linhaus Oliveira Cladecir Alberto Schenkel Fernando José Garbuio Comissão científica Drª Andrea Alejandra Díaz Universidad Nacional del Centro de La Provincia de Buenos Aires UNICEN Drª Elisete Medianeira Tomazetti Universidade Federal de Santa Maria UFSM Dr Ernesto Jacob Keim Universidade Federal do Paraná UFPR Dr Gildemarks Costa Silva Universidade Federal de Pernambuco UFPE Dr Gilmar Szczepanik Universidade Estadual do CentroOeste UNICENTRO Dr João Silva Lima Universidade Federal do Acre UFAC Dr Marcelo Senna Guimarães Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Drª Maria Cristina Theobaldo Universidade Federal de Mato Grosso UFMT Dr Odílio Alves Aguiar Universidade Federal do Ceará UFC Revisão do texto Roberto Goto Ilustração da capa Marcos Bettú Criação do logo da Coleção Maiêutica Filosófica Fabrício Hoff Dupont Projeto gráfico e diagramação Sonia Trois Filiados à Copyright by 2018 Jorge da Cunha Dutra e Roberto Goto Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada armazenada em sistema eletrônico fotocopiada reprodu zida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia dos autores Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Catarinense Rua das Missões 100 Ponta Aguda BlumenauSC CEP 89051000 Fone 47 33317800 SUMÁRIO Prefácio 9 Rogério Miranda de Almeida Apresentação o filosofar em tempos de relativismo 15 Jorge da Cunha Dutra e Roberto Goto Entre o engajamento e o rigor conceitual 23 Jorge L Viesenteiner O filosofar numa época que já não pensa 35 Wanderley J Ferreira Jr A Filosofia e seu outro 47 Newton Aquiles von Zuben O filósofofuncionário e o professorfilósofo sobre os sentidos do filosofar hoje 63 Patrícia Del Nero Velasco La enfermedad de la filosofía como proyecto creativo en el período contemporáneo 77 Andrea Díaz Genis O ensino de Filosofia uma certa relação com a verdade 89 Pedro Gontijo A especificidade do filosofar no ensino de Filosofia no nível médio 103 Lidia Maria Rodrigo O filosofar e seu ensino 115 Valter Ferreira Rodrigues Posfácio 125 Marcos Antônio Lorieri Breves currículos dos autores 139 F488 O filosofar hoje na pesquisa e no ensino de filosofia Jorge da Cunha Dutra e Roberto Goto organizadores Blumenau IFC 2018 143 p Coleção Maiêutica Filosófica v 2 Inclui bibliografias ISBN 9788575663530 Obra completa ISBN 9788556440198 Volume 2 1 Filosofia Estudo e ensino 2 Filosofia I Dutra Jorge da Cunha II Goto Roberto III Coleção Maiêutica Filosófica CDD 100 Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Shyrlei K Jagielski Benkendorf CRB 14662 9 PREFÁCIO Rogério Miranda de Almeida1 A presente obra O filosofar hoje na pesquisa e no ensino de Filosofia se acha dividida conforme ressaltam seus organizadores professores Jorge da Cunha Dutra e Roberto Goto em duas partes principais A primeira de caráter mais teó rico abriga temas que reenviam a uma questão fundamental O que se faz hoje a título de pesquisa em Filosofia é de fato um filosofar ou se trata de uma nova sofística A segunda parte de ordem mais prática se reporta a uma não menospremente e imperiosa questão Em que consiste concretamente o filosofar perseguido e visado no ensino da disciplina de Filosofia a discussão e a busca da verdade ou a produção de discursos Assim embora tenham sido escritos por diferentes professores e pesquisadores a par tir de seus respectivos horizontes e de suas próprias perspectivas os oito capítulos que compõem esta obra convergem para aquelas duas questões básicas que levantam os organizadores na Apresentação Ambas as questões se pressupõem ou se implicam na medida em que reivindicam o verdadeiro filosofar Mas o que é o verdadeiro filosofar A resposta não poderia ser mais direta e mais simples o verdadeiro filosofar é a busca sistemática e rigorosa da verdade do Ser ou para expressálo de maneira mais breve ainda é o desvelar da verdade do Ser Isto porém não equivale a dizer que o Ser possui a verdade ou a sua verdade mas que o Ser é a verdade ou se dá como verdade Aqui no entanto a indagação na significação elementar de método μετα οδος caminho tortuoso sinuoso meio pelo qual se procede se avança se busca e se descobre começa literalmente a complicarse Todavia devese relevar que só há um caminho só há um método só há um meio pelo qual o Ser se manifesta é o pensamento e essencialmente ligada a ele a linguagem Convém no entanto notar que não se trata de primeiramente pensar o Ser falar o Ser para somente depois dele obter o acesso a que se aspira Não se trata tampouco de elevar o pensamento à categoria de uma ação para aplicála ao Ser e dele fazer desencadearse os atributos e predicados que ante 1 Professor de Filosofia no Programa de PósGraduação da PUCPR e na FASBAM professor de Teologia Sistemática no Claretiano Centro Universitário Polo CuritibaPR 10 11 acrescentar em torno de seus fantasmas de suas representações de suas significações de suas simbolizações De seu desejo Mas de novo impõese a questão o que é a verdade Parafraseando Nietzsche esta é uma problemática que de modo algum po deria ser negligenciada o que é esta vontade de verdade se tudo o que dela sabemos é que parece existir uma aspiração fundamental universal em torno desta mesma busca Não estaria esta vontade de verdade e aqui mais uma vez eu me valho da intuição do pensador do eterno retorno apontando para uma tendência mais elementar mais originária e mais primordial ainda vale dizer uma tendência para a morte Não é por acaso que Kierkegaard fecha a primeira seção A do Capítulo I das Mi galhas evocando o dito de Sócrates segundo o qual mesmo entre os mortos ele con tinuaria suscitando questões e levantando dúvidas porquanto a ideia final de toda pergunta consiste em que o próprio interrogado possua no fundo a verdade uma verdade porém que ele mesmo e por ele mesmo terá de obter É pois neste paradoxo que reside o fulcro da verdade kierkegaardiana a tentativa infindável tantálica e por tanto eternamente repetida de efetuar a ligação entre o tempo e a eternidade o finito e o infinito o particular e o universal as partes e o todo a história e o que está para além da história ou que não tem história Nesta perspectiva o ponto de partida tem poral é sempre um nada pois no instante mesmo no átimo mesmo em que se descobre a verdade de toda a eternidade mas sem o saber este mesmo instante se metamor foseia e se refugia no seio da própria eternidade que o absorve e deixa o indivíduo com uma única certeza a impossibilidade mesma de encontrálo uma vez que ele está em toda parte e em parte alguma Tratase como se pode deduzir da incompletude do simbólico do real ou do gozo fálico do ainda não que é aquele pequeno resto que per manece em suspensão e que ainda não foi pensado ainda não foi falado ainda não foi nomeado ainda não foi significado Ainda não foi gozado ou totalmente gozado A questão da busca da verdade se acha também explorada conquanto numa pers pectiva diferente na obra de Agostinho de Hipona intitulada Contra os acadêmicos Tratase mais exatamente de um ataque às teorias céticas da média e da nova Aca demia de Platão que o futuro teólogo conhecera principalmente a partir das leituras de Cícero Do ponto de vista formal o Contra os acadêmicos se divide em três livros e é considerado como sendo a primeira produção filosófica dos diálogos de Cassiciaco que se desenrolaram durante o chamado período de conversão do retor Cassiciaco era a propriedade de um amigo de Agostinho localizada nas proximidades de Milão onde por cerca de um ano verão de 386início de 387 ele se entreteve em conversações com a sua mãe Mônica o filho Adeodato o irmão Navígio o amigo Alípio alguns discípulos e mais dois parentes Datam pois desta época os primeiros escritos agostinianos Contra os acadêmicos A vida feliz A ordem os Solilóquios e provavelmente os primeiros livros de Sobre a música os livros Sobre a gramática e Princípios referentes às artes liberais particularmente a Dialética a Retórica a Geometria a Aritmética e a Filosofia cipadamente se julgam pertencentes à sua natureza Não Para o Heidegger da Carta sobre o humanismo 1946 por exemplo o pensamento age na medida e somente na medida em que ele pensa E poderíamos ajuntar o Ser enquanto verdade só se dá na proporção mesma em que ele é pensado falado nomeado e metodicamente explorado Com efeito logo no início da Carta sobre o humanismo o filósofo assevera de maneira enfática incisiva A linguagem é a casa do Ser Consequentemente supondose que o Ser habita a linguagem e que o Ser e a verdade se equivalem ou que ambos não podem ser pensados e falados senão nas suas intrínsecas e mutuamente permutáveis relações é inevitável que se avance a interrogação o que é a verdade Certo só se indaga daquilo que de alguma maneira já se conhece ou já se sabe Do ponto de vista psicanalítico estamos diante de um saber inconsciente pelo qual o sujeito sabe mas não sabe que sabe ou mais precisamente ainda não sabe que sabe justamente por ainda não ter sido este saber significado simbolizado subjetivado Esta questão é tão antiga quanto ela já se encontra no Mênon de Platão sob a forma de um mito Mas haveria outro modo de fazêlo senão deslocando para um plano transhistórico ou ahistórico a tentativa de penetrar a dinâmica de um conhecimento a priori que inde pendentemente de sua situação no tempo e no espaço parece pertencer a cada indivíduo em particular É nisto que reside o paradoxo por excelência da doutrina da reminiscência Efetivamente desde que Platão a lançou no Mênon e a retomou sob outras modalida des outras finalidades e outras nuanças em diálogos posteriores Fédon República Fe dro Teeteto Filebo a doutrina da reminiscência não tem cessado de inquietar os mais diversos pensadores mesmo aqueles que movendose num plano empírico indutivo e a posteriori não podem em princípio com ela concordar Tratavase na época de Platão de um problema sofístico polêmico sobre cuja aporia o Mênon tentara lançar uma luz e apresentar uma solução o que sabemos não o procuramos porque já o sabemos o que não sabemos tampouco o procuramos porque o ignoramos o ato de aprender isto é de procurar saber é portanto ininteligível e em última análise inviável Nas Migalhas filosóficas 1844 Kierkegaard retomará esta mesma questão dando lhe uma nova interpretação na medida em que inicialmente ele a vincula não ao pro blema da virtude como no Mênon mas ao problema da verdade Com efeito o solitário de Copenhague enceta o primeiro capítulo das Migalhas com esta interrogação Até que ponto pode a verdade ser aprendida Compete pois ao filósofo elucidar é impossível a alguém procurar tanto o que sabe quanto o que não sabe Se já o sabe como procu rar aquilo mesmo que já sabe Inversamente como poderia procurar algo se nem mes mo soubesse o que deveria procurar É que a verdade deduz Kierkegaard ecoando Sócrates reside no próprio sujeito e não deve portanto ser introduzida nele a partir de fora porquanto todo indivíduo não tem outro centro senão ele próprio e o mundo inteiro não se concentra nem gira senão em torno dele próprio Nada impede pois de 12 13 e urdidura dele próprio Diz assim o poeta À medida que eu escrevia o caminho de Galta se apagava e eu me perdia pelos seus barrancos Aqui e ali devia retornar ao ponto de partida Mas em vez de avançar o texto girava em torno dele mesmo E a cada giro ele se desdobrava num outro texto que simultaneamente era a sua tradução e a sua transposição uma espiral de repetições e reiterações que se resolveram numa negação da escrita como caminho Deime então conta de que o meu texto não ia a parte alguma exceto ao encontro dele mesmo Percebi que as repetições eram metáforas e as reitera ções analogias um sistema de espelhos que revelavam pouco a pouco um outro texto E poderíamos aditar um outro significante um outro sujeito e um outro desejo que se repetiam na pluralidade de um movimento que se revelava paradoxalmente como o re torno do mesmo ou para formulálo de maneira mais breve era o mesmo que se repetia mas na diferença Na diferença e no querer mais Lacan se comprazia em repetir o dito espirituoso jocoso que um dia teria lançado Pablo Picasso àqueles que o rodeavam Eu não procuro eu acho Certo revelase auda cioso empreender a interpretação de uma frase proferida fora de um contexto mais amplo em que os significantes se articulariam de maneira mais clara e explícita No entanto toda frase seja ela emitida elipticamente aforisticamente ou ao modo de uma sequência concatenada de juízos já é sintomática de algo que o sujeito está querendo deixar esca par ou esconder No que tange mais especificamente à descoberta ou ao encontro todo encontro insiste Lacan desde que ele se apresenta é pelo fato mesmo de apresentar se ou de aparecer um reencontro Melhor ainda todo achado está sempre prestes a de novo esvanecerse na medida em que ele está continuamente a apontar para a possibili dade mesma de uma perda Mas é justamente nisto que reside o gozo Para servirme de outras metáforas é a partir de uma sensação de borda em torno de um vazio ou através de um movimento centrífugo pelo qual o objeto do pedido não cessa de eclipsarse de resistir e de retornar que o sujeito ele também não cessa de experimentardesprazer e prazer tristeza e alegria aflição e deleite sofrimento e volúpia Angústia e gozo Ao invés pois de perguntarse pelo que é a verdade onde reside a verdade ou o que se quer na busca da verdade talvez seria mais apropriado perguntar quem busca a verdade Qual é o sujeito quais são as forças quais são as pulsões e qual é em úl tima instância o desejo que está implicado nesta busca da verdade Seria a verdade a própria fruição do sujeito na sua contínua e sempre renovada significação e simboliza ção Neste caso tratarseia de uma hiância primordial ontológica ou préontológica que não cessa de se colmatar e de se esvaziar de se fechar e de se descerrar de se sa tisfazer e de querer mais Para dizêlo com Goethe na Primeira Parte do Fausto Assim eu titubeio entre o desejo e o gozo e no gozo eu me consumo de desejo Curitiba maio de 2017 Já no Primeiro Livro de Contra os acadêmicos Agostinho põe na boca de seu discípu lo Licêncio a declaração de Cícero segundo a qual nada pode ser conhecido com certeza e que o sábio deve infatigavelmente dedicarse à busca da verdade porquanto mesmo na possibilidade de que as coisas incertas venham a revelarse como verdadeiras ele não estaria totalmente isento de incorrer em outros erros Ora prossegue o discípulo esta probabilidade estaria em patente desacordo com a sua condição de sábio pois se se ad mite que o sábio é necessariamente feliz e se o papel da sabedoria consiste justamente na busca da verdade chegase à conclusão paradoxal de que uma vida só é feliz na me dida em que dura o rigor da investigação e portanto da busca da verdade A felicidade estaria assim essencialmente ligada à procura contínua e infatigável da verdade Melhor ainda se todo filosofar é busca investigação e método é o próprio conceito de Filosofia que enquanto ciência deve ser agora questionado Mas em que sentido No sentido em que uma vez obtida a ciência cessaria ao mesmo tempo a sua busca de sorte que o pro cesso filosofante deveria necessariamente reconhecer os seus limites e finalmente o seu próprio termo Destarte se a felicidade e o fim da alma racional consistem no filosofar não haveria outro recurso senão o de prolongar indefinidamente um processo pelo qual jamais se atingiria a verdade que se procura No Segundo Livro é o próprio Agostinho quem ironiza a atitude cética segundo a qual os acadêmicos dizem seguir na vida prática não a verdade mas a semelhança similitudo do verdadeiro verum Ora interrogase o retor como então buscar a semelhança do ver dadeiro se justamente se ignora a verdade Paradoxalmente pois o cético seria obrigado a pressupor e a fazer uso daquilo mesmo que ele ignora ou simula ignorar isto é a verdade O Terceiro Livro enfim retoma e aprofunda a problemática do paradoxo do ato de filosofar que no Primeiro Livro pressupõe a não apropriação total da verdade Das análises que desenvolve Agostinho em torno de uma passagem de Cícero sobre os acadêmicose em torno da definição estoica de Zenão sobre o verdadeiro chegase pois à conclusão de que o filosofar consiste essencialmente não na posse da verdade mas na possibilidade mesma de se conhecer a verdade Mas afinal de contas de que verdade se trata O que em última análise se procura alcançar quando se busca a verdade Todavia ao invés de se perguntar pelo objeto da verdade ou da busca da verdade seria talvez mais acertado perguntarse pelo sujeito desta busca ou melhor pelo desejo as forças ou as pulsões que subjazem a esta busca infindável Infindável porque ela não cessa de terminar e de recomeçar A este propósito conviria evocar as impressões que teceu Octavio Paz na contracapa de seu livro intitula do El Mono Gramático Tratase de uma obra publicada em 1988 pela editora Seix Barral de Barcelona De antemão portanto informa o autor aos seus leitores que escolhera como ponto de partida de seu livro a metáfora do caminho de Galta para justamente significar a experiência indefinida e indefinível da escrita ou do texto enquanto tessitura 15 APRESENTAÇÃO O FILOSOFAR EM TEMPOS DE RELATIVISMO Jorge da Cunha Dutra Roberto Goto A o longo da maior parte de sua História que se estende por mais de dois mi lênios e meio a Filosofia preocupouse com a verdade não apenas com sua busca mas também com seu questionamento e sua problematização Nos tem pos hodiernos com o advento e a supremacia de uma mentalidade ou ideologia re lativística à qual correspondem concretos processos e generalizados procedimentos de relativização não raramente de cunho contraditório na medida em que tentam imporse dogmática e intransigentemente assegurados tão somente pelo hábito ou pela repetição rotineira assim como pela menção ou apelação à maioria numérica e estatística que deles compartilha a demanda da verdade é posta sob suspeição e o filosofar é colocado em xeque cabendo indagar em consequência até que ponto ainda a Filosofia ou o que existe e se faz sob tal nome preocupase em investigar a verdade não quererá pelo menos ocultálo não dando mostra de que o faz Isso porque se antes o problema consistia em saber o que é a verdade para então poderse procurála hoje ele estaria em esquivarse ou livrarse da acusação onipresente e sis temática de pretender buscar encontrar e dizer a verdade ou verdades Se a Filosofia continua insistindo nessa senda não o faz digamos envergonhadamente A situação atual sobretudo no ambiente acadêmico cabendo levar em conta inclu sive a aproximação da Filosofia com as Ciências Humanas sobretudo no caso as So ciais e as Antropologias caracterizase por um alargamento desse relativismo tanto no que respeita à sua desenvoltura quanto ao seu alvo Com efeito hoje não se trata mais de visar e alvejar unicamente aquele que se aventura e se arrisca a verbalizar enun 16 17 mesma forma que promove já desde o interior da primeira parte um movimento em direção à segunda aproximando o questionamento da pesquisa acadêmica em Filosofia à ponde ração sobre os traços do ensino escolar da disciplina O FILOSOFAR NA PESQUISA EM FILOSOFIA A primeira parte abrese com o texto de Jorge L Viesenteiner que aborda a ques tão começando por inquirir os significados do filosofar e de uma nova sofística o que faz recorrendo à obra de Platão justamente O Sofista Considera que a pesquisa acadêmica em Filosofia incorre na arte sofística de dizer algumas coisas mas não ver dadeiras jogando com a confusão entre ser e aparecer ao investir em pseudopro blemas que não correspondem a nenhuma demanda efetiva da cultura normalmente traduzida em debates específicos da comunidade filosófica ou científica Desvinculada desse contexto confinada entre os muros da universidade tal pesquisa resta estéril estritamente exegética na medida em que emaranhada numa teia conceitual Se o trabalho exegético se faz necessário ele o é para garantir o rigor que deve caracterizar o que o autor lançando mão de Kant e Nietzsche chama de pesquisa engajada Daí o título e a tese do autor Entre o engajamento e o rigor conceitual No segundo ensaio Wanderley J Ferreira Jr empreende sua resposta voltandose para o que tem na conta de fundamento da própria interrogação as condições da investigação filosófica que requerem e implicam necessária e intimamente tanto a situação quanto a postura existenciais do pesquisador assim como demandam ou interpelam o espaço social e o tempo histórico em que ela se promove e produz Fa lhando as condições para um filosofar autêntico que pressupõe e exige a remissão ao mais íntimo de nós mesmos caracterizandose a época como um tempo de indigência do pensar crítico e radical a pesquisa em Filosofia reduzse na academia ao que não deve ser negando sua essência ou missão mero falatório ou tagarelice mero exercício de erudição para cumprir exigências acadêmicas rendido à lógica da produção do co nhecimento técnicocientífico preocupado em mostrar eficácia e resultados imedia tos tentado a ser um discurso segundo a serviço da ciência buscando a facilitação e a vulgarização dos conceitos filosóficos ou a assimilação da Filosofia a uma terapia da linguagem A situação ou conjuntura em suas linhas mestras adquire assim caráter aporético e paradoxal como filosofar numa época que já não pensa O exercício de pensamento do autor orientase por essa indagação fundamental que dá título ao ensaio inspirandose e movendose na companhia principalmente do pensar de um Heidegger e do filosofar de um Nietzsche Com o ensaio de Newton Aquiles von Zuben passase a uma dimensão éticomoral a discussão ampliandose e enveredando pelo terreno dos valores Seu objeto desse modo deixa de ser em grande parte ou fundamentalmente a questão da demanda ciados e juízos tidos por verdadeiros a verdade ela própria subentendase não aquele que se dá foros de seu proprietário não o que se arvora em dono da verdade tem sido tachada de relativa e ao mesmo tempo de absolutista com o que se busca imputarlhe um absolutismo que seria tão ou mais nocivo e nefasto que o político o qual carrega o ranço arcaico do poder monárquico eou autocrático além de tudo na medida em que projetado e amplificado na cena da cultura como um todo inviabilizaria a prática da virtude cardinal do pluralismo político e do relativismo cultural a tolerância Cada vez mais ao que parece o discurso filosófico não quer ser senão apenas mais um entre os discursos convencido de que de fato o que há são apenas discursos e de que a pretensão de apresentarse como verdadeiro é descabida e indefensável Terá então o filosofar se convertido sobretudo no âmbito das pesquisas acadêmi cas numa sistemática e fluida produção de discursos contente em referir e comentar outros discursos e sempre de sobreaviso atento em não enunciar verdades temeroso de ofender e ferir as suscetibilidades de uma época que tornando intolerável e anti pático o singelo anúncio ou a menção do que se tem por verdadeiro decretou como execrável o discurso deda verdade Se assim é não terá deixado de ser um filosofar segundo sua gênese para oscilar entre as duas vertentes mais notáveis da sofística de um lado o de Protágoras acei tando e implementando que a verdade é mesmo relativa a cada sujeito de outro o de Górgias praticando e produzindo textos e linguajares sem referentes que não dizem nem falam de ou sobre algo que lhes seja exterior mas se esgotam em suas re lações internas e se bastam por seus projetos e efeitos de convencimento e persuasão satisfazendose com o para quê e o para quem falar O presente volume o segundo da Coleção Maiêutica Filosófica põe em discussão esse aparente estado de coisas ou mais imprecisamente as impressões e percep ções que lhe são afetas eou dele derivam O tema que procura exprimilo desdobrase em duas questões 1 O que se faz hoje a título de pesquisa em Filosofia é de fato um filosofar ou se trata de uma nova sofística 2 Em que consiste concretamente o filo sofar perseguido e visado no ensino da disciplina de Filosofia a discussão e a busca da verdade ou a produção de discursos Tratase portanto de uma discussão em dois tempos ou melhor dizendo espaços am bos envolvendo a Filosofia como disciplina acadêmica e escolar O filosofar na pesquisa em Filosofia e O filosofar no ensino de Filosofia Distribuídos e dispostos simetricamente por tais seções os ensaios que compõem a presente coletânea projetam e trabalham em contextos específicos as questões propostas de acordo como é de se esperar com o quadro de referências de cada autor Isso não significa a ausência de pontos de contato e de interseção entre eles pelo contrário a própria natureza do tema parece propiciálos da 18 19 como modelo a obra de Sêneca Da tranquilidade da alma inclui um diálogo fictício entre uma filósofa Cuidadora e um desalentado professor de Filosofía Inquieto desencantado com a esterilidade da estrutura e das pressões do que se conhece sin teticamente pela expressão de produtivismo acadêmico A enfermedad aludida pelo título de acordo com o crítico diagnóstico da autora acomete tanto a Filosofia quanto a academia a ponto de tornálas antifilosóficas A saída em mais de um sentido estaria na criação da Filosofia e do próprio filosofar criação que se daria sem rebuços e dissimulações mesmo fora ou na ausência da academia Em O ensino de Filosofia uma certa relação com a verdade Pedro Gontijo pon dera que não se pode definir o sentido do ensino de Filosofia sem de alguma forma levar em conta o da própria Filosofia dadas suas implicações recíprocas Conside rando a disputa como instância própria ou necessária para tal definição apresenta à apreciação do leitor pontos de vista acerca de documentos oficiais que regem o ensino da disciplina Propõe duas perspectivas sobre a Filosofia com consequências para seu ensino a Filosofia como um pensar provocado pelo tempo presente e a Filosofia como uma elaboração que possui uma relação peculiar com a verdade e o verdadeiro To mando como balizas tais concepções conclui que a docência da disciplina pode e tal vez deva caracterizarse por um ensino que capacite e mesmo conduza o estudante a afinal não necessitar de qualquer docente e a buscar a própria solidão para filosofar Lidia Maria Rodrigo por sua vez parte da distinção entre o filosofar no ensino de nível médio e o seu exercício no curso universitário de Filosofia no qual se dá a for mação dos professores da disciplina enquanto esse último visa à formação do espe cialista aquele está voltado para o ensino do iniciante em Filosofia haverá portanto uma distância entre a formação do professor por meio de um contato especializado e erudito com a Filosofia e sua atuação profissional voltada para o ensino de alunos iniciantes O desafio explicita a autora consiste em fazer a transição dessa formação como especialista para um ensino de iniciação a ser ministrado aos alunos viabilizar o ensino de Filosofia no nível médio supõe a criação de alternativas didáticopedagógi cas capazes de superar e solucionar o distanciamento entre a formação do professor e os requisitos de sua atuação como docente Como anuncia seu título o ensaio dis põese a enfrentar a questão na modalidade de iniciação qual é a especificidade do ensino de Filosofia no nível médio Examinando tal especificidade sob três aspectos os temas os textos filosóficos e a abordagem da História da Filosofia defende a tese de que somente o professor que possui uma boa formação como especialista terá competência para conceber e colocar em prática um ensino de iniciação apropriado ao filosofar no nível médio Na sequência desta coletânea e finalizandoa Valter Ferreira Rodrigues apre senta e propõe em seu texto O filosofar e seu ensino uma reflexão que concebe a e da perspectiva da verdade em seu sentido ontoepistemológico para derivar para o problema da instauração e do assentamento de valores de amplitude universal pro blema que solicita e mesmo reclama a participação e a aquiescência de uma comuni dade internacional e depende já em sua própria formulação de um trato ou estratégia dialógica O autor a desenvolve em dois planos por assim dizer Num deles promove o confronto entre a Filosofia e seu outro como anuncia o título de seu texto de um lado a Filosofia como representante da dimensão simbólica da nossa cultura ociden tal de outro originadas pela nova e revolucionária concepção de ciência construída na época moderna com Descartes Galileu e Bacon as hoje chamadas tecnociências com sua operatividade essencial Noutro plano trata de praticar na perseguição ou no encaminhamento do consenso a racionalidade dialógica como um discurso de tipo especial isto é no qual se espera que haja um concurso de muitos interlocutores fazendo valer o pluralismo que caracteriza a sociedade moderna É tais propósitos e método que o autor atrai e incorpora a esse debate axiológico autores vários de Platão e Aristóteles a Cassirer e MerleauPonty entre outros Tanto por seu conteúdo quanto pelo modo de abordagem o ensaio de Patrícia Del Nero Velasco constitui uma via de transição entre a primeira e a segunda partes desta coletânea na medida em que avança o passo para a instituição escolar como terreno de discussões e debates que considera propícios ou pelo menos próximos do filosofar Partindo da consideração de que a Filosofia no Brasil é institucionalizada restringin dose à Filosofia acadêmica pondera que em tal contexto o pesquisador em Filoso fia é um funcionário porquanto para pertencer à comunidade filosófica deve exer cer certas funções de acordo com padrões estabelecidos os quais refletem uma imagem supostamente única de Filosofia Desse modo o filosofar do pesquisador será sempre predeterminado Feita essa ressalva a autora não identifica esse filosofar com a imagem pejorativa de uma nova sofística uma vez que atribui juízo positivo à retórica dos sofistas entendendoa como uma argumentação que considera inúmeros pontos de vista e dessa forma aproximase do caráter aberto da filosofia aqui defen dida Essa aproximação com a prática da argumentação ao fazer do filosofar um jogo dialógico tornaria a aula de Filosofia o lugar em que esse filosofar hoje pode ser experimentado de modo significativo e por que não vital O FILOSOFAR NO ENSINO DE FILOSOFIA É um texto composto parcialmente conforme a figura ou o gênero do diálogo que dá início à segunda seção constituída igualmente por quatro ensaios Em La enfer medad de la Filosofia como proyecto creativo en el período contemporáneo Andrea Díaz Genis toma a iniciativa de polemizar de uma maneira que qualifica de bastante livre e em estilos diversos sobre o estado atual da Filosofia na academia Tomando 20 21 I O FILOSOFAR NA PESQUISA EM FILOSOFIA O QUE SE FAZ HOJE A TÍTULO DE PESQUISA EM FILOSOFIA É DE FATO UM FILOSOFAR OU SE TRATA DE UMA NOVA SOFÍSTICA Filosofia como um tipo de saber historicamente constituído e uma experiência da inteligência capaz de modificar tanto o pensar quanto o agir na realidade promo vendo a transformação do sujeito e do mundo em que vive De conformidade com tal concepção toda atividade filosófica é criadora ou criativa havendo nela uma in trínseca relação entre o pensar e o agir a experiência do filosofar aí se envolve e se compreende portanto como atividade ao mesmo tempo teórica e prática Na medida em que exercitarse na atividade criativa da Filosofia é fazer a experiência do filosofar o autor afirma que o ensino filosófico da Filosofia deve favorecer a experiência do filosofar o que exige que escola e professores sejam capazes de desenvolver práticas pedagógicas de alto potencial filosófico potencial que se define pela capacidade que a ação pedagógica tem de levar os sujeitos nela envolvidos a fazerem uma autêntica experiência do filosofar Com a presente obra mercê tanto da temática que expõe quanto da diversidade de abordagens e pontos de vista que oferece os organizadores esperam fornecer elemen tos e subsídios para a percepção e a reflexão a propósito das questões que lhe deram origem questões que acreditam e julgam relevantes para o delineamento do panorama atual da pesquisa e do ensino de Filosofia sobretudo no âmbito acadêmico sal vaguardada sempre a independência do leitor que ocioso dizer dispõe de caminho livre e desimpedido para exercer seus juízos e apreciações Nunca serão demasiados por essas razões os encarecidos e enfáticos agradecimentos ora dirigidos tanto aos professores que aceitando o desafio de fazer frente ao questionamento colaboraram com sua produção escrita quanto àqueles que contribuíram para a avaliação dos tex tos que compõem esta coletânea Futuramente novas temáticas deverão ser contempladas pela coleção de que o presente volume faz parte cujo desígnio é proporcionar estímulo e espaço para que pesquisadores e docentes de várias regiões do Brasil e da América Latina exponham situações e discutam problemas prementes ou não que se incluam no leque desta Maiêutica Filosófica assim como o ampliem 23 1 ENTRE O ENGAJAMENTO E O RIGOR CONCEITUAL Jorge L Viesenteiner2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA A pergunta sugerida para debate certamente é oriunda de uma percepção que temos da maneira como se faz pesquisa em Filosofia que atualmente por vezes pode parecer a elaboração de falsos problemas no sentido de estarem comple tamente desvinculados das nossas demandas e problemas da cultura e por vezes um exercício sim de uma neossofística que em virtude desse tipo de pesquisa totalmente desvinculada de nossas demandas e problemas atuais passa a ser exercício de espe cialista de gabinete cuja pesquisa só se efetiva intramuros das universidades Por isso é perfeitamente justificável a pergunta proposta a saber O que se faz hoje a título de pesquisa em Filosofia é de fato um filosofar ou se trata de uma nova sofística Gostaria inicialmente de analisar alguns termos da pergunta colocada Não é ab solutamente nenhum consenso em Filosofia aquilo que denominamos de filosofar mas também não é claro o que significaria uma nova sofística Seria preciso circuns crevermos uma perspectiva possível sobre essas definições para a partir daí tentar 2 Quero agradecer pela interlocução aos amigos Douglas Lopes e Márcio Jarek do canal na internet Hiperbólico pergun tas em movimento httpshiperbolicocombr especialmente por conta das sempre boas perguntas que são coloca das bem como aos meus alunos igualmente pelas sempre excelentes perguntas que me colocam 24 25 início mencionei sobre os falsos problemas da pesquisa em Filosofia em virtude da sua desvinculação com demandas concretas da nossa cultura ou do estado da arte do debate em determinada comunidade filosófica Pseudoproblemas são sim ilusões que construímos sobre algo e muitas vezes sequer são formulados efetivamente como problemas pelas pessoas em geral Se considerarmos a pesquisa estéril em Filosofia como aquela estritamente exegética e realizada intramuros das universidades isto é aquela sem nenhum engajamento em demandas que a cultura apresenta para cada um de nós e desvinculada do estado da arte de um determinado debate em uma comu nidade filosófica ou científica de modo a ser pesquisa de pseudoproblemas ou nem sequer pesquisa de um problema cultural efetivo então a pesquisa em Filosofia nesses termos pode sim ser uma nova sofística e esse pesquisador o novo sofista uma vez que se emaranha numa teia conceitual e em torno de problemas que da mesma manei ra nem sequer são demandados pela cultura mas apenas intramuros universitários Obviamente a Filosofia não é refém de agendas ou modismos o que quero dizer é que Filosofia é sempre uma práxis interrogativa sobre algum objeto de investigação que nos demande culturalmente e portanto o filosofar diz respeito sim a algum tipo de engajamento Mais adiante vou definir o que entendo por engajamento Isso não significa contudo renunciar à prática conceitual exegética na pesquisa em Filosofia Ao contrário pois sou da concepção de que filosofar implica partir daquela clássica definição kantiana da Filosofia entendida segundo seu conceito escolástico e segundo o conceito de mundo tal como escreveu na Lógica e neste caso um exercício autônomo do filosofar mas sem prescindir do auxílio da História da Filosofia a fim de por um lado jamais perdermos o rigor no trato conceitual da pesquisa filosófica mas por outro lado sem arriscar cair naquela velha expressão de querermos arrombar uma porta que já está há muito aberta bem como sem desconsiderar o debate em um comunidade filosófica A pesquisa filosófica tem de ser uma pesquisa engajada realizada em espaço pú blico agonístico e com o devido rigor conceitual Não precisamos renunciar à exegese filosófica para construirmos uma relação de engajamento cada vez maior com as de mandas culturais do nosso tempo e com uma comunidade Ao contrário é sim possível fazer pesquisa filosófica engajada e com rigor conceitual Exnegativo a pesquisa filo sófica de gabinete e intramuros universitários especialmente aquela do pesquisador ávido em publicar seus artigos Qualis A1 e cooptado pelos aparelhos estatais de ava liação a meu ver por mais rigor filosófico que possua permanece de alguma maneira ainda sofística portanto um discurso sobre pseudoproblemas na medida em que por vezes não toca nas nossas principais demandas No que se segue gostaria de esboçar uma reflexão sobre essa ideia de engajamento na pesquisa filosófica bem como sobre a conjugação entre pensamento autônomo e exegese filosófica Para isso lanço mão da própria História da Filosofia notadamente Kant e Nietzsche mos analisar se a pesquisa em filosofia seria ou não um filosofar ou uma nova sofís tica A pergunta colocada reitero é absolutamente justificável e mais que pertinente mas para começar a discussão é preciso dizer que o exercício filosófico tem sim que ser sempre uma práxis interrogativa mas simultaneamente a possibilidade de perguntar sobre sua própria práxis interrogativa em um movimento autorreferencial que implica que aquele que pergunta também esteja inserido no processo sobre o qual ele interro ga evitando ocupar um espaço supostamente imune ou transcendental ao processo contexto ou objeto que se critica Foi Platão que pela primeira vez esquadrinhou o problema do discurso sofista e tentou definir a figura do sofista Se partirmos da clássica interpretação do assim de nominado método das dicotomias no diálogo O Sofista chegamos à questão da rela ção entre imagens simulacros e falsidade em geral para tentar problematizar o poder que alguém pode exercer sobre um determinado público com suas conversações Em conversa com Teeteto o Hóspede de Eleia diz Na realidade meu caro achamonos numa pesquisa em tudo e por tudo difícil Com efeito o facto de uma coisa aparecer e parecer isso mas não ser e o de dizer algumas coisas mas não verdadeiras tudo isso está cheio de dificuldades o tem po todo tanto no passado quanto agora Pois como se pode falando dizer ou opinar que coisas falsas na realidade são e tendoas pronunciado não se enlear na contradição Isso Teeteto é em tudo e por tudo difícil O Sofista 236e237a O discurso sofista é associado então a ilusão simulacros e produção de contradi ções Por isso aquele que assim procede diz o Hóspede de Eleia é justamente a quem deveríamos denominar de O sofista Então o género imitativo da arte produtiva de contradição da parte dissimulativa da arte opinativa do género fantásti co a partir da arte produtora de simulacro não divino mas humano separando da criação a parte produtiva de ilusões aquele que por acaso disser que o sofista é dessa estirpe e desse sangue realmente ao que me parece dirá a pura verdade O Sofista 267c268d Não é de todo exagerado resguardadas as peculiaridades conceituais das defini ções de Platão em seu diálogo construir a relação do que aparece e parece isso mas não ser bem como o dizer algumas coisas mas não verdadeiras com aquilo que no 26 27 fórmula do pesquisador engajado no rigoroso sentido de alguém distanciado do seu tempo a despeito de possuir íntima conexão com sua própria época Essa ideia de pesquisa em Filosofia como engajada porém não prescinde do rigor teórico e conceitual das pesquisas e aqui gostaria de circunscrever uma noção de filosofar que remonta à clássica proposição kantiana Isso significa sim a conjugação de um pensar autônomo com a bagagem imprescindível de História da Filosofia Trata se aqui de lembrarmos aquela famosa diferença kantiana apresentada em sua Lógica entre a Filosofia segundo um conceito escolástico a saber aquele em que a Filosofia é o sistema dos conhecimentos filosóficos ou dos conhecimentos racionais a partir de conceitos e a Filosofia segundo o conceito de mundo quando a consideramos a ciência dos fins últimos da razão humana Kant 2011 p 41 A primeira concepção de Filosofia é aquela da pesquisa estritamente exegética e que consiste no estudo his tórico de sistemas e autores bem como a conexão sistemática desses conhecimentos na História da Filosofia O conceito escolástico da Filosofia não é como se sabe um filosofar propriamente dito mas apenas um conhecimento históricosubjetivo que confere àquele que pesquisa unicamente uma habilidade de manusear conceitos mas nunca uma efetiva legislação da razão em genuíno exercício do filosofar Essa última só é possível com aquela concepção cosmopolita de Filosofia que se dirige aos fins últimos da razão humana dentre eles aquelas perguntas sobre o que podemos saber o que devemos fazer o que nos é lícito esperar e por fim o que é o homem O genuíno exercício de filosofar como escreveu Kant é aquele que só se faz de modo autônomo na medida em que cada um pensa por si mesmo realizando o ideal máximo do Esclarecimento kantiano que consiste justamente em ter coragem de fazer uso de teu próprio entendimento Kant 2005 p 63s Tratase do exercício de legislação da razão como sabemos de fazer uso pessoal e livre da razão num espaço público A diferença entre essas duas concepções de Filosofia segundo o conceito de escola e segundo o conceito de mundo constrói as condições de possibilidade para a tese kantiana segundo a qual nunca aprendemos Filosofia mas aprendemos a filosofar O adolescente que acabou sua formação escolar estava acostumado a aprender Ele pensa que de agora em diante vai aprender Filosofia o que porém é impossível pois agora ele deve aprender a filosofar KANT 2011 p 174 A essas duas concepções de Filosofia correspondem também a pesquisa estéril e de sengajada de gabinete e a pesquisa que se faz na interlocução agonística e demandada pelos principais problemas culturais e de uma comunidade científica O que quero enfati zar no entanto é que as duas concepções de Filosofia de modo algum têm de ser exclu dentes ao contrário não considero razoável o exercício genuíno do filosofar desvincula do de um adequado e sólido conhecimento de História da Filosofia A exegese filosófica não pode ser um fim em si mesma mas também não pode se desvincular da concepção cosmopolita de mundo como sua condição de possibilidade Da mesma maneira que a A PESQUISA EM FILOSOFIA ENTRE ENGAJAMENTO E RIGOR CONCEITUAL A pesquisa em Filosofia tem de ser uma pesquisa engajada Por engajamento porém não entendo exclusivamente engajamento político mas antes um modo de ser muito par ticular da nossa relação como tempo presente e que consiste em uma tomada de distância da situação em que nos encontramos mas no interior dessa mesma situação ou seja um duplo distanciamento distanciamento da situação na situação O famoso texto de G Agamben intitulado O que é o contemporâneo explica em sua primeira definição que o contemporâneo é o extemporâneo uma relação de desconexão e dissociação com seu tempo embora saiba que pertence a ele do modo mais íntimo A contemporaneidade portanto é uma singular relação com o próprio tempo que adere a este e ao mesmo tem po dele toma distâncias mais precisamente essa é uma relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo Agamben 2009 p 59 Esse modo peculiar de pertencer ao tempo simultaneamente pertencente mas também criticamen te distanciado corresponde com algum sucesso ao que denomino aqui por engajamento Tratase justamente da alusão ao conceito de Nietzsche de extemporaneidade Unzeit gemäßheit mais ou menos como explicado em sua Segunda Consideração Extemporâ nea a propósito das reflexões sobre a utilidade e a desvantagem da História para a vida No final do Prólogo desse texto Nietzsche escreve pois não saberia o que a filologia clás sica na nossa época tomaria por sentido a não ser atuar extemporaneamente ou seja contra a época e com isso na época e talvez em favor de uma época por vir NIETZSCHE v1 1999 p 247 Essa maneira particular de lidar com o tempo traz consigo uma dupla ati tude temos de ser genuínos filhos do nosso tempo mas simultaneamente temos de poder ser capazes de dar as costas a esse mesmo tempo com algum sucesso de distância crítica de modo a sermos capazes de enxergar nossos próprios pontos cegos Portanto denomino por engajamento o distanciamento da situação na situação Por vezes a pesquisa em Filosofia acaba se encerrando em gabinete convocada não por demandas culturais contemporâneas mas sim pelas agendas engessadas do apa relho estatal de avaliação de pesquisas com instrumentos cada vez mais burocráticos de metrificação do saber e da pesquisa cujo privilégio é o eternamente work in pro gress em detrimento da maturação das hipóteses de pesquisa O filósofo tem de ser uma espécie de má consciência do seu próprio tempo convocado não exclusivamente por tais aparatos avaliativos mas por problemas culturais demandados por sua época bem como pela compreensão do estado da arte do debate da comunidade à qual per tence Assim Nietzsche também diferenciou entre o filósofo e os trabalhadores filo sóficos em Para além de bem e mal esses últimos são nosso modelo de pesquisador encerrado em seu gabinete e falando intramuros universitários aquele outro exprime a 28 29 ocorre de modo parasitário a um interlocutor externo àquele que pesquisa e enten do por interlocutor externoaqui uma comunidade filosóficacientífica uma situação moral específica um contexto cultural etc De qualquer modo ao filosofar assim o fazemos em situação específica de orientação com uso próprio da razão humana A realização da máxima esclarecida de pensar por si próprio não pode prescindir do uso público da razão ou do seu exercício prático Em resumo escreve Kant Ninguém que não possa filosofar podese chamar de filósofo Mas filosofar é algo que só se pode aprender pelo exercício e o uso próprio da razão KANT 2011 p 42 Gostaria de enfatizar um pouco mais esse caráter parasitário da pesquisa em Filo sofia relativamente a um interlocutor externo A ênfase nesse ponto vai me ajudar a justificar melhor o caráter engajado da pesquisa especialmente em sua dimensão pú blica e nãomonológica A expressão parasita3 aqui não é tomada em sentido pejora tivo mas sim como instrumento propositivo de orientação filosófica que rompe com o caráter monológico da pesquisa de gabinete em proveito do espaço público de debate e do teste das nossas próprias hipóteses Em 1786 Kant também publica um texto in titulado Que significa orientarse no pensamento que exprimia seu posicionamento a propósito da polêmica envolvendo Mendelssohn e Jacobi em torno da querela sobre o espinosismo Não nos interessa a discussão dessa querela Importa para mim muito mais o conceito de orientação Orientarse nesse caso requer lançar mão de métodos heurísticos de pensar KANT 2005 p 46 servindose sempre de um princípio subje tivo de diferenciação idem p 49 isto é orientamonos em algo ou por meio de ou em relação a ou em direção a mas sem que tenhamos que nos orientar segundocon forme algo Essa noção de orientação pressupõe precisamente aquele interlocutor ex terno por meio do qual em relação ao qual etc exprimimos nossas próprias posições Reitero a orientação da pesquisa parasitariamente dependente do interlocutor exter no não implica orientarse segundo ou conforme o interlocutor Ainda com Kant tra tase aqui daquela noção de razão alheia fremde Vernunft que já encontramos na Crítica da razão pura CRP a propósito da discussão sobre os temas da opinião da ciência e da fé no capítulo O cânone da razão pura da Doutrina Transcendental do Método A razão alheia é uma espécie de pedra de toque por meio da qual podemos testar nossos juízos subjetivos privados para que num segundo momento possamos novamente pensar consequentemente e de modo autônomo No texto Kant menciona a razão alheia da seguinte maneira A persuasão pode portanto subjetivamente não ser distinta da convicção se o sujeito tiver presente a crença simplesmen te como fenômeno do seu próprio espírito mas a tentativa que se faz sobre o entendimento dos outros com os princípios 3 Sobre uma abordagem filosófica da metáfora parasita e as possibilidades de perspectividade nas relações cotidianas cf Serres M Der Parasit Frankfurt amMain Suhrkamp 1987 pesquisa desengajada e de gabinete é estéril igualmente infrutífera é a prática filosófica que acredita prescindir da História da Filosofia desconsiderando sistemas e autores bem como um contexto constituído de debate filosófico em uma determinada área Não é razoável além disso ouvir jovens estudantes que simplesmente desprezam a História da Filosofia geralmente falando e indicando situações há muito já bem estruturadas na História da Filosofia cujo resultado é a estagnação da pesquisa filosófica justamente porque creem arrombar uma porta que há muito já foi aberta Assim como o genuíno fi losofar não se faz exclusivamente de exegese de gabinete pesquisa em Filosofia também não se faz sem uma sólida bagagem da História da Filosofia Kant escreveu o seguinte sobre a conjugação das duas concepções de Filosofia As duas coisas têm que estar reunidas pois sem conhe cimentos jamais alguém há de se tornar filósofo mas ja mais tampouco os conhecimentos hão de fazer o filósofo enquanto a isso não vier se juntar de modo a constituir uma unidade uma ligação funcional de todos os conhecimentos e habilidades e um discernimento da concordância dos mes mos com os fins mais elevados da razão humana KANT 2011 p 42 Não há autonomia quando também somos cooptados pelas agendas da moda no debate sobre os problemas culturais sem um considerável distanciamento crítico em relação a elas de modo a sermos capazes de formular os problemas com rigor con ceitual Isso tampouco é engajamento mas antes apenas alguém absolutamente filho do seu tempo incapaz de conseguir se distanciar e dar as costas a ele para elaborálo criticamente A desconsideração da História da Filosofia e de seu arsenal conceitual justificada por uma suposta pesquisa sobre problemas exclusivamente atuais torna tal pesquisa infrutífera estagnada superficial e cooptada pelas agendas diversas As sim como o pesquisador de gabinete constrói um saber muitas vezes estéril ao ser convocado sobremaneira pelo aparato de sistema estatal avaliativo das pesquisas aquele que é demandado pelos problemas contemporâneos sem conseguir tomar dis tância do seu próprio tempo da mesma maneira também não exercita um filosofar na medida em que não há autonomia nesse caso nem estruturação de problemas filosófi cos com rigor conceitual Nem a pesquisa estéril de gabinete nem a mera pesquisa de convocações de agendas da moda em suma são efetivamente pesquisa em Filosofia ou filosofar nesse sentido em que circunscrevi o conceito É imprescindível que pesquisa em Filosofia ou filosofar sempre ocorra em situa ções concretas isto é inserida em uma situação e no interior de uma comunidade agonística de debate de perspectivas filosóficas Isso significa que pesquisa filosófica 30 31 torna a escrever As regras e condições universais para se evitar o erro em geral são 1 pensar por si mesmo 2 pensar colocandose no lugar de outra pessoa e 3 pensar sempre de maneira coerente consigo mesmo KANT 2011 p 744 Enfatizo aqui que a primeira proposição é a máxima do esclarecimento a segunda exprime a razão alheia cujo ciclo de orientação se completa quando retornamos do outro para nós mesmos a fim de pensar sempre de maneira coerente consigo mesmo ou seja um filosofar que tem de ser feito dialógica e parasitariamente por meio da razão alheia rompendo a monologia de gabinete a fim de regularmos autonomamente nossos próprios pensa mentos Uma comunidade filosófica nesse caso não pode obviamente ser desprezada por aquele que quer fazer pesquisa resguardandose sempre o fato de que a pesquisa é feita sempre por meio de mas nunca conforme essa comunidade Se pensarmos em nossas comunidades locais ou mesmo em nossos pares não é razoável nos desvin cularmos nem desse espaço público nem sequer da solidez da História da Filosofia E se essa mesma comunidade por outro lado encerrase intramuros lembremos que o filosofar nunca ocorre segundo ou conforme essa comunidade justamente por que tem de nos restar ainda sempre o pensar coerente conosco mesmo a fim de não perdermos aquela noção de engajamento que defini no início da nossa reflexão A autonomia da pesquisa que fazemos tem de prevalecer sobre quaisquer sentimentos pueris de recebimento de aprovação dessa comunidadePor isso e para retornar à circunscrição do filosofar percebase que não é preciso excluir engajamento do rigor conceitual mantendo sempre autonomia de pensamento Já é mais que sabido por nós que as demandas avaliativas da pesquisa em Filosofia por vezes impedem a maturação das nossas hipóteses bem como a construção de um adequado engajamento forçandonos à cooptação pelas agendas culturais da moda ou mesmo por aquelas agendas de uma certa comunidade filosófica Por vezes também costumamos dizer que muitos ganhadores do Prêmio Nobel dificilmente seriam bolsistas produtividade ou mesmo conseguiriam credenciamento em nossos Programas de Pós Graduação uma vez que os ganhadores do prêmio exprimem bem aquela noção de maturação da ideia que por sua vez leva tempo de reflexão sobre ela As demandas da agenda avaliativa na pesquisa em Filosofia há que se reconhecer castram essa matura ção na medida em que transformam o percurso da pesquisa a ser maturada na publica ção de pequenos resultados desse percurso uma espécie de contínuo work in progress como disse acima A cooptação da pesquisa por essa agenda avaliativa é a expressão daquela História da Filosofia intramuros que certamente consiste numa nova forma de sofística A cooptação da pesquisa além disso pela agenda cultural da moda igualmen te impossibilita o engajamento no sentido que defini acima pois ainda permanece presa e respondendo exclusivamente a essa agenda sem aquela saudável distância crítica que exige a noção de engajamento distanciamento da situação na situação ainda pior 4 A seção 40 da Crítica da Faculdade do Juízo elabora pela primeira vez essa tríplice estrutura que são válidos para nós a fim de ver se produzem sobre a razão alheia os mesmos efeitos que produzem sobre a nos sa é um meio que embora apenas subjetivo serve não para produzir a convicção mas para descobrir a simples validade privada do juízo CRP A 821B 849 o grifo é meu Observemos que há uma dimensão dialéticocomunicativa na noção de razão alheia na medida em que orientamos nossos pensamentos por meio do interlocutor mas não conforme ele portanto uma dimensão que rompe com a pesquisa monológi ca e desengajada de gabinete Façamos um exercício maior nesse ponto de exegese filosófica para ampliarmos a ênfase no caráter público e engajado da pesquisa reforçando a compreensão da razão alheia Ainda na Lógica Kant escreve que essa forma de orientação parasitária à razão alheia é uma forma de se evitar o erro Na Lógica bem como na Seção 40 da Crítica da Faculdade do Juízo CFJ o recurso não é terminologicamente à razão alheia mas ao sensus communis que por sua vez exerce curiosamente função se melhante à fremde Vernunft Na Lógica Kant escreve Uma característica ou pedra de toque externa da verdade é a comparação de nossos próprios juízos com os juízos dos outros pois o subjetivo não residirá de maneira igual em todos os outros KANT 2011 p 74 Além disso não se trata de orientarse segundo tais juízos alheios mas igual mente considerálos uma semiótica para os nossos próprios pois é sempre possível que a gente tenha razão quanto ao fundo e que se esteja errado apenas na maneira de apresentar idem O conceito de sensus communis também se configura como princípio subjetivo de diferenciação No final desse parágrafo Kant conecta o sensus communis diretamente ao conceito de orientação O entendimento humano comum sensus communis também é em si mesmo uma pedra de toque para descobrir os enganos do uso técnico do entendimento Quer dizer orientarse pelo entendimento comum no pensamento ou no uso especulativo da razão quando se usa o enten dimento comum como um teste para a avaliação da correção do entendimento especulativo Idem o grifo em negrito é meu Ao fazermos pesquisa em Filosofia não é plausível simplesmente desconsiderarmos por exemplo uma comunidade filosófica que ocuparia aqui a função de interlocutor externo ou razão alheia relativamente a nós Ela exerceria a função de pedra de to que para o teste das nossas próprias hipóteses Essa orientação porém não significa a pesquisa conforme ou segundo a agenda dessa comunidade posição essa que no vamente exprimiria renúncia à própria autonomia Mesmo Kant já havia mencionado as três grandes máximas do pensamento e que possuem estreita conexão com essa noção de razão alheia a propósito de considerála como princípio de diferenciação que regula os próprios posicionamentos inclusive para evitar o erro Na Lógica Kant 32 33 escrevo é escrito tanto lançando mão de recursos conceituais da tradição filosófica quanto representando a participação num debate proposto por uma comunidade filo sófica Nele sirvome de ambos interlocutores a História da Filosofia que no caso foi a alusão a Kant e a Nietzsche bem como a comunidade que me propõe a pergunta como razão alheia por meio da qual autonomamente e como pesquisador exprimo um posicionamento sobre o significado da pesquisa em Filosofia Por isso nesse ponto finalizo com a premissa básica que mencionei no início do texto a saber a necessidade de colocar a mim mesmo no próprio processo que critico e me posiciono de modo a não reivindicar qualquer espaço imune a esse processo sobre o qual interrogamos A autorreferencialidade desse argumento impede que ele se revele como o sentido mes mo de se fazer pesquisa Antes disso minha posição é apenas mais uma perspectiva que proponho e enquanto tal cumpre igualmente a função de razão alheia por meio da qual outros pesquisadores podem se orientar independentemente das posições de concordância ou não com ela Em outras palavras eu textualmente executo aqui o programa teórico que esbocei sobre o sentido da pesquisa em Filosofia O que mais importa é que com minha hipótese a discussão tem condições de continuar fértil e ininterrupta uma vez que não existe ainda uma pesquisa já pronta em Filosofia Se a autorreferencialidade desse argumento propiciar a continuação do debate então tanto melhor REFERÊNCIAS AGAMBEN G O que é o contemporâneo e outros ensaios Chapecó SC Argos 2009 KANT I Textos seletos Petrópolis Vozes 2005 Lógica Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 2011 Crítica da razão pura Lisboa Calouste Gulbenkian 2013 NIETZSCHE F Sämtliche Werke Kritische Studienausgabe in 15 Bänden KSA Hrsg Giorgio Colli und MazzinoMontinari BerlinNew York DTV Walter de Gruyter 1999 PLATÃO O Sofista Lisboa Calouste Gulbenkian 2011 SERRES M Der Parasit Frankfurt am Main Suhrkamp 1987 essa última cooptação desconsidera justamente a História da Filosofia por vezes em situação de desdém sob a justificativa de que problemas atuais são mais importantes que as formulações conceituais da tradição filosófica e outras vezes com reflexões que ficam muito aquém da pesquisa superficial Essa maneira de entender pesquisa também exprime uma nova sofística Essas duas maneiras de compreender a pesquisa são con servadoras e com uma fraca noção de autonomia subjacente a elas Não considero que fazer pesquisa em Filosofia deva prescindir de um sólido rigor conceitual que remonta à História da Filosofia nem sequer da participação engajada do debate no interior de uma comunidade filosófica ou cultural Kant escreveu que todo pensador filosófico constrói por assim dizer sua obra própria sobre os destro ços de uma obra alheia KANT 2011 p 42s servindose assim daquela filosofia se gundo a concepção da escola ou seja o rigor conceitual indispensável da História da Filosofia Isso pressupõe a habilidade de manusear conceitos e estruturar problemas com relativo rigor sistemático bem como a compreensão bemsucedida do estado da arte de um determinado debate filosófico Mas Kant também acrescenta que o verda deiro filósofo na qualidade de quem pensa por si mesmo tem de fazer um uso livre e pessoal de sua razão não um uso servilmente imitativo ou seja ele deve considerar a História da Filosofia e o debate de uma comunidade filosófica apenas como interlo cutor ou razão alheia por meio do qual ele tem de pensar coerentemente consigo mesmo mantendo sempre a máxima esclarecida da autonomia E nesse ponto vale mi nha hipótese de que também fazemos pesquisa naquele sentido engajado e por isso temos de ser capazes de pertencer a um contexto filosófico a um debate e à História da Filosofia mas simultaneamente tomar distância dessas mesmas situações para tornarmos a pensar coerentemente conosco mesmos Ao desenvolver uma pesquisa particularmente costumo sim apresentar minhas hipóteses tanto aos meus alunos nos cursos que oferto quanto também a uma comunidade acadêmica ambos são interlocutores adequados por meio dos quais oriento ainda melhor as minhas próprias pesquisas Por vezes também retalho o percurso de uma pesquisa publicando algum resultado provisório a fim de ouvir sugestões pontos fracos e fortes das hipóteses e intensificar ainda mais o debate agonístico indispensável para igualmente poder ir mais adiante com a pesquisa Essa noção de engajamento me torna pertencente a uma comunidade mas também ciente da saudável distância crítica em relação a ela E se por um lado isso também implica em antenarse como se costuma dizer à agenda avaliativa das pesquisas por outro lado porém ainda é possível a salvaguarda da au tonomia em relação a ela tão logo a considero somente como razão alheia por meio da qual mas nunca conforme a qual dou prosseguimento às pesquisas Em suma a pesquisa em Filosofia pode sem problemas conjugar engajamento e rigor conceitual Ela nem precisa encerrarse intramuros universitários nem deixarse cooptar por agendas Ambas são uma nova forma de sofística Mesmo esse ensaio que 35 2 O FILOSOFAR NUMA ÉPOCA QUE JÁ NÃO PENSA Wanderley J Ferreira Jr Não pretendo convencer ninguém a amar a Filosofia é necessário é talvez até desejável que o filósofo seja uma planta rara Nada me é mais repugnante que a propaganda valorativa e a louvação pedagógica da Fi losofia Filosofia tem muito pouco a ver com virtude Sejame permitido dizer que o homem de ciência é algo radicalmente diferente do filósofo O que desejo é que o conceito autêntico de Filosofia não se perca totalmente Nietzsche Vontade de Potência INICIANDO A CONVERSA ALGUMAS QUESTÕES N esse breve ensaio uma questão nos servirá como fio condutor em que medida o filosofar está presente em nossas pesquisas em Filosofia Questões disse certa vez Heidegger não se dão à maneira de coisas que estão simplesmente aí Questões são e são apenas enquanto se investigam Cf HEIDEGGER 1969 p 32 E toda questão que concerne à Filosofia deverá implicar a própria existência daquele que interroga deve remeter às condições fáticas de tal existência Mas que sentido haveria em perguntar se a pesquisa em Filosofia é também uma forma de filosofar 36 37 Não podemos esquecer que desde sua origem grega a Filosofia é motivo de chaco ta desdém e indiferença quando não é vista como um perigo à ordem estabelecida Entretanto apesar do desdém e da indiferença do senso comum e da ciência a Filo sofia não é um lugar fora do qual nos encontramos e no qual pudéssemos ingressar simplesmente pesquisando um autor ou tema considerado fundamental na tradição filosófica A paisagem da Filosofia não está em algum lugar esperando que nela se introduza o pensamento A Filosofia já está sempre operando em todo pensamento que a afirme ou negue Em minhas pesquisas e aulas de Filosofia sempre procurei refletir sobre esse aparente abismo entre o modo de ser habitual e familiar da existência ordinária ou o modo de ser objetivo e técnico da Ciência e o espaço extraordinário em que se move a inves tigação filosófica quando ela é um autêntico filosofar e não apenas um exercício de erudição para cumprir exigências acadêmicas E cada vez mais me convenço de que esse abismo não pode ser transposto por nenhuma facilitação vulgarização ou formalização dos conceitos filosóficos nem pela redução da Filosofia a uma terapia da linguagem um discurso segundo que deveria servir à ciência Talvez a dificuldade em filosofar em nossas pesquisas e a indiferença do senso comum e da ciência em relação à investigação filosófica se devam ao fato de ela nos remeter ao mais íntimo de nós mesmos ainda que a maioria dos homens e pesquisadores em Filosofia não saibam disso Além dessa característica própria da pesquisa filosófica de implicar a própria exis tência e os valores do pesquisador temos como já dissemos de repensar o lugar em que comumente se desenvolve a pesquisa em Filosofia uma instituição chamada uni versidade e agora a Escola Infelizmente o que se vê no meio acadêmico é uma adesão fascinada do corpo docente aos critérios de produtividade e eficácia adesão que pro move uma crescente substituição do pensar pela simples acumulação de informações e pela repetição idiotizante de sistemas argumentos e conceitos Apesar da revolução epistemológica que vivemos nesse início de milênio com a emergência de novos paradigmas no campo das ciências em nossas universidades e escolas prevalece ainda a valorização extrema quase que obsessiva da eficácia e da eficiência no funcionamento dos dispositivos tecnológicos entre os quais se encon trariam a própria escola e a universidade Essa universidade da era da técnica afirma Heidegger não passaria do resultado da fragmentação da ciência numa diversidade de especialidades e disciplinas que são artificialmente reunidas em Universidades e Faculdades Na realidade constata o filósofo desapareceu o enraizamento das ciên cias da universidade e da própria pesquisa filosófica no homem e no mundo da vida Lebenswelt cf HEIDEGGER 1979 p21 Nesse contexto nossas pesquisas mesmo na área das chamadas humanidades so frem a influência de uma determinada concepção instrumental de conhecimento e ou apenas o exercício de uma tagarelice estéril entre acadêmicos para responder às exigências acadêmicas Talvez fosse prudente perguntar em que condição espaçotempo se dá a pesquisa em Filosofia hoje particularmente nos departamentos de Filosofia de nossas universi dades Ainda que a pesquisa filosófica não se restrinja a instituições de ensino como a escola e a universidade é aí que ela encontra maior acolhida Isso impede que a Fi losofia seja exercida em toda sua radicalidade e criticidade Cabe perguntar ainda que limites e possibilidades se impõem ao filosofar ou seja ao pensar crítico em tempos de indigência que promovem a massificaçãoadaptação do indivíduo e a devastação da Terra pelo pensamento calculador impedindonos de pensar a própria indigência enquanto tal essa mesma que estaria no fato de já não pensarmos Assim antes de perguntarmos se filosofamos ou sofismamos em nossas pesquisas em Filosofia talvez devêssemos rememorar e pensar a questão que Heidegger colocou a seus colegas e aos alunos da Universidade de Freiburg em seu polêmico Discurso de Reitorado 1933 estamos nós corpo docente e discente desta escola enraizados na essência da Universidade e do povo de modo verdadeiro e comunitário Essa essência tem auten ticamente força para cunhar sua marca em nossa existência HEIDEGGER1997 p 1 E se a pesquisa em Filosofia já não implica uma experiência do pensar se apenas reproduzimos ideias e sistemas contentandonos em repetir conceitos é porque não conseguimos experienciar a Filosofia em sua necessidade mais íntima Na realidade es tamos submetidos a um falatório que nada diz e que ainda distorce o verdadeiro sentido e as possibilidades da Filosofia exigindo muitas vezes o que ela não nos pode dar Enquanto pesquisadores em Filosofia não podemos por exemplo exigir que nossas pesquisas encontrem ressonâncias imediatas na atualidade e mostrem eficácia e resul tados imediatos Não temos o direito de exigir da Filosofia uma utilidade imediata uma produtividade e uma eficiência próprias da razão instrumental técnicocientífica ou que ela facilite a aquisição de regras de um saberviver ou ainda que fundamente ou facilite a aquisição de determinada cultura O filosofar é extemporâneo ele será sempre de certa forma inatual Portanto não podemos em nossas pesquisas compreender a Filosofia como um saber que à maneira de conhecimentos técnicos e mecânicos se possa apren der aplicar diretamente e avaliar de acordo com sua utilidade e resultados O pesquisador em Filosofia além de implicar sua própria existência em sua investi gação deve reconhecer os limites e possibilidades da própria Filosofia e que filosofar é algo estranho até mesmo inútil e perigoso ao dogmatismo do senso comum aos fundamentalismos dos radicais ao discurso lacunar e homogêneo das ideologias da moda e ao olhar objetivante da ciência 38 39 Outro aspecto a ser considerado é que existe uma inseparabilidade entre a pesquisa filosófica e o estudo da História da Filosofia É nesse sentido que Heidegger faz um aler ta aos pretensos pesquisadores em Filosofia Quando nós filosofamos Manifestamente apenas quando entramos em diálogo com os filósofos Isso exige que discutamos com eles aquilo de que falam HEIDEGGER 1983 p 9 Portanto em nossas pesquisas se quisermos filosofar é indispensável estabelecermos um diálogo com a tradição da própria Filosofia mesmo que por vezes a História da Filosofia como já nos alertou Deleuze em O que é a filosofia tornese um obstáculo para o filosofar enquanto experiência do pensar O fato é que apesar de a História da Filosofia ser uma referência inevitável em nossas pesquisas a partir dela temse construído uma imagem do pensamento que se chama Filosofia ou História da Filosofia que impede uma verdadeira experiência do pensar A filosofia presente nas obras dos filósofos ao longo de sua História tor nouse a língua oficial do pensamento e pretende estabelecer as normas e as regras do pensar inviabilizando assim o próprio pensar enquanto busca procura espanto estranhamento diante do enigma da realidade e do homem para si mesmo Portanto o estudo e a análise intensiva dos textos dos filósofos em nossas pesquisas não nos dão garantias de que estamos filosofando Daí podemos dizer que o pior inimigo do pensar talvez seja a própria Filosofia cristalizada em sua História enquanto uma determinada imagem do pensamento cf DELEUZE 1992 O exercício do filosofar muitas vezes exige que compreendamos os filósofos melhor do que eles mesmos se compreenderam e para além de uma certa imagem do pensa mento consolidada pela tradição filosófica Tal exigência impõe aos pesquisadoresfi lósofos que operem uma certa desconstrução da História da Filosofia desde os gregos numa tentativa de desobstruir o caminho que conduz a um diálogo filosofante com a tradição filosófica na medida em que essa tradição pode nos ajudar a compreender a nós mesmos e nosso próprio tempo Outra questão que se insinua em nossas pesquisas no campo da Filosofia diz res peito à própria definição do que sejam a Filosofia e o próprio filosofar Entretanto a questão de definir o que é Filosofia determinando seu objeto e método com precisão configurase por si só um problema filosófico O fato é que se observarmos as diversas definições de Filosofia ao longo de sua História veremos que sua vocação básica é a colocação de problemas e não o oferecimento de respostas ou soluções Apesar de a Filosofia nem sequer poder oferecer uma definição consensual de si mesma ao longo de sua História ela se consolidou como uma reflexão crítica sobre os fundamentos de nosso conhecimento e de nossa ação uma análise reflexiva dos pressupostos de nos so pensar e de nosso agir É certo que a Filosofia pretende ser um discurso rigoroso consciente e racional como a ciência contudo quer ir além colocando em questão os pressupostos de sua própria racionalidade de cultura que vigora na universidade enquanto uma instituição técnica determinada por princípios tais como funcionalização automação burocratização e informação A própria concepção de homem que subjaz ao funcionamento das universidades na chamada sociedade do conhecimento o reduz à condição de animal de trabalho ou material humano Assim o caráter radicalmente técnico de nossa época faz da universidade e da pró pria escola dispositivos tecnológicos semelhantes a fábricas ou agências prestadoras de serviços que privilegiam em suas matrizes curriculares uma concepção meramente técnicocientífica dos mundos natural e humano o que impõe parâmetros meramente quantitativos para avaliar e legitimar nossas pesquisas Infelizmente parece que o pensamento calculador erigese como a única maneira de pensar válida e como consequência o conhecimento científico com seu método experimentalmatemático e sua insistência sobre o demonstrável tornase o único digno de ser pesquisado ensinado e aprendido em nossas escolas e universidades em detrimento de outras formas de narrativas e experiências arte religião Filosofia etc fundamentais para o processo de formação humana A PESQUISA O FILOSOFAR E A HISTÓRIA DA FILOSOFIA A pesquisa em Filosofia muitas vezes exige um ato de violência que não deixa de ser fiel aos autores ou temas tratados Essa é uma violência necessária na medida em que às vezes o discurso filosófico comporta um sentido um significado que nem mesmo seus autores puderam compreender Isto significa que em nossas investiga ções filosóficas devemos tentar compreender os filósofos melhor do que eles mes mos se compreenderam procurando virtualidadespossibilidades em seus conceitos e novos significados abertos por suas reflexões que permaneceram desconhecidas para eles mesmos Nessa perspectiva nossas pesquisas em Filosofia não podem apenas problematizar determinado tema em um certo autor ou apontar alternativas teóricas sem conexão com o contexto históricosocial e as demandas de nosso tempo Entretanto mais que respostas a Filosofia deve nos ensinar a questionar colocar em questão os aspectos fundamentais da realidade humana Pensando muitas vezes até mesmo contra si mes mo o filosofar colocará em questão a linguagem a lógica a própria razão e evidente mente a própria existência do pesquisador oferecendo instrumentos para pensarmos os fundamentos os pressupostos e o sentido de dimensões básicas em que se desen volvem as experiências humanas as relações de produção as relações de poder e as criações simbólicas cultura 40 41 o Espírito reconciliase consigo mesmo ao distanciarse de si no seu eterno tornarse outro Essa percepção da negatividade que perpassa todas as coisas deveria repercutir em nossas pesquisas evitando a adesão dogmática a autores ou doutrinas Antes de sermos pesquisadores numa determinada área do conhecimento deve mos assumir nossa condição de existentes na medida em que nos constituímos como um constante arrancamento para além de nós mesmos como pura possibilidade de ser Portanto mesmo que em nossas pesquisas busquemos alguma verdade ou uma reconciliação no plano dos conceitos das contradições inerentes à experiência vivida no fundo sabemos que jamais nossas dilacerações serão plenamente reconciliadas pois temos consciência da intransponível distância entre nós e o mundo entre o ser e o deverser A experiência da negatividade da ruptura da separação pode nos conduzir a uma atitude passiva ou ativa tanto no plano intelectual de nossas pesquisas quanto no plano existencial A consciência da própria ignorância por exemplo é um tipo de ex periência negativa que nos motiva a pesquisar pois passamos a perceber que vive mos dentro de uma realidade que às vezes nos parece estranha e misteriosa Se na experiência da ignorância o mundo tornase enigmático e estranho na experiência da dúvida um outro tipo de experiência negativa ele às vezes perde seu sentido pois a dúvida rompe com o comportamento dogmático instaurando o espírito crítico que deve animar nossas pesquisas enquanto filosofar Outra espécie de experiência negativa que nos afeta existencialmente faz com que o sentido da realidade se dilua independentemente de nossa vontade Sofremos a perda do mundo e todo nosso comportamento tende a perder sua razão de ser Nossa atividade tornase absurda num mundo sem sentido No romance La Nausée Sartre descreveu de forma magistral uma espécie de experiência negativa que é a da Náusea Na experiência da Náusea temos uma espécie de revelação acerca do próprio ser do homem e do sentido de sua existência corroída pelo nada Somos a própria náusea que invade a História e o próprio mundo exterior fazendo com que toda a realidade perca seu sentido Nós mesmos nos perdemos dentro desse semsentido restando apenas a amargura e o desespero de nosso próprio vazio além da compreensão de que eu sou essa contingência radical um nada de ser cercado de seres por todos os lados um seraí Heidegger jogado para frente de si mesmo em meio a possibilidades que se escancaram à minha frente e me exigem uma escolha Outra espécie de experiência negativa que nos afeta existencialmente e motiva mui tas pesquisas na Filosofia é o fenômeno da Angústia Na experiência da Angústia rece bemos a visita do nada toda realidade perde seu sentido e sua densidade e o próprio homem sentese flutuar Ao contrário do medo na experiência da Angústia eu não sei com o que me angustio Sintome como se estivesse suspenso no nada as coisas par EXPERIÊNCIA NEGATIVA E FILOSOFAR Outro aspecto bastante negligenciado em nossas pesquisas e atividades de ensino no campo da Filosofia são as condições existenciais que levaram e levam determina dos indivíduos inclusos nós mesmos a assumirem a Filosofia como tarefa ou missão de toda uma vida Dentre essas condições existenciais do filosofar estariam o que podemos chamar de experiências negativas que implicam uma certa ruptura com o dogmatismo do senso comum e com o olhar objetivante da ciência Já no mito da caverna de Platão deparamonos com a distinção fundamental entre o mundo das sombras onde vive a maioria dos pobres mortais impossibilitados de ver a Verdade e o mundo da Luz que permite a correção orthotés entre o ver do filósofo e o que é visto as Ideias eidós A libertação desse estado de ignorância e crença nas sombras é um processo doloroso e difícil que envolve uma ascese uma destruição das antigas crenças e uma ruptura com a aparente segurança e o aconchego de nosso mundo imediato Assim podemos afirmar que de certa maneira a dor a ruptura a negação de crenças arraigadas são pressupostos para o filosofar Nesse sentido como professores pesquisadores e estudantes de Filosofia deve mos nos perguntar que tipo de experiências negativas podem ter influenciado nos sas adesões ou recusas expressas em nossas pesquisas aulas e textos Sabemos por experiência própria que somos animais de hábitos adaptados a um mundo já feito e que tendemos a viver dentro de uma segurança fundamental na qual não há lugar para dúvidas ou inquietações Entretanto essa aparente segurança começa a ceder lugar para uma desconfiança e se este mundo as ideias e os valores que presidem à existência não forem tão certos e evidentes tal como nos aparecem em nosso pensar sentir querer agir e fazer Afinal quais seriam os mecanismos que nos fazem aceitar o aparente como o real Assim quanto mais aprofundamos o diálogo com a tradição filosófica e com nossa própria realidade indo para além da literalidade dos textos e desvelando o impensado e o não dito por trás do pensado e do dito percebemos o caráter paradoxal do mundo da existência humana e do quanto a experiência negativa a negação a ruptura a diferença contribuiu para o filosofar de determinados indiví duos ajudandoos na superação do dogmatismo da consciência ingênua Com Hegel a experiência negativa adquiriu toda sua profundidade e dramaticidade enquanto preparação para a decisão de filosofar e elemento constitutivo da própria experiência da razão consigo mesma A aspiração romântica de uma unidade perfeita entre homem e natureza de uma reconciliação entre subjetivo e objetivo e de uma passagem do finito ao infinito só tem sentido mediante a convicção de que a separa ção a dilaceração e a finitude perpassam toda a existência humana A negação passa a ser assim um dos momentos fundamentais no processo dialético por meio do qual 42 43 dose da fúria da técnica planetária que controla toda práxis humana por todo planeta cf HEIDEGGER 1969 Como seria ainda possível filosofar em nossas pesquisas se não conseguimos manter uma relação mais essencial e originária conosco mesmos com as coisas com a linguagem e com os outros Em uma terra desertificada pelo cálculo até mesmo o homem é visto muitas vezes como uma espécie de ruído que deve ser elimina do para a otimização do sistema Em tal conjuntura como recuperar ou salvar o desejo de filosofar e a própria experiência do pensar em nossas pesquisas O que presenciamos por todo lado é o chamamento adaptemse A sociedade ad ministrada pelo homem sério quer nos convencer que a adaptação resignada ao esta belecido é a única coisa que nos resta a fazer diante da ditadura do pensamento único que proclama a morte das utopias e da consciência histórica eternizando o presente Em tal tempo a Filosofia apresentase como um monólogo erudito de um passeador solitário ou oculto segredo de gabinete reduzido a inofensiva tagarelice entre anciãos acadêmicos Ninguém ousa cumprir a lei da Filosofia em si mesma ninguém vive filosoficamente Todo filoso far moderno e contemporâneo está política e policialmente limitado à aparência erudita por governos igrejas acade mias costumes moda NIETZSCHE 1978 p 53 Vivemos em uma sociedade do espetáculo na qual a Filosofia a experiência do pensar não tem direitos nem voz apesar da aparente glamourização e da populariza ção da Filosofia Acredito com Nietzsche que antes é preciso ter uma civilização para então sabermos o que a Filosofia quer e pode Se a Filosofia é uma moribunda se não encontra lugar na cidade em nossas pesquisas pensamentos falas e ações o proble ma não é da Filosofia mas da degradação e da instrumentalização de nossa cultura em mero entretenimento para satisfazer o hedonismo das massas e as exigências do mercado Assim enquanto professorespesquisadores no campo da Filosofia temos que as sumir nossa cota de responsabilidade pela morte do filosofar em um mundo do puro cálculo Essa atitude de suspeita em relação à tradição filosófica não pode desconsi derar o fato de que a Filosofia pensa pensando o já pensado retomando sua própria História num diálogo incessante da razão consigo mesma e com os enigmas do mundo e da existência humana Entretanto na era do domínio planetário da técnica o que nos faz pensar é a própria ausência de pensamento em um mundo esquadrinhado pelo cálculo e que se tornou o reino da substituição Ersatz de tudo por tudo no menor lapso de tempo possível ticulares à minha volta perdem a densidade de ser Contudo este estar suspenso no nada na experiência da angústia faz com que o mundo apresentese para mim em sua totalidade e enquanto tal além de me fazer ter consciência de minha finitude radical enquanto serparamorte cf HEIDEGGER 1988 Assim tomados pela experiência da náusea ou da angústia muitos homens sucumbem assumindo uma atitude pessimista diante da realidade ou simplesmente tornamse indiferentes diante de tudo e todos já que tudo é absurdo Entretanto existem aqueles que fazem dessas experiências o ponto de partida para suas pesquisas em Filosofia Podemos considerar então que vivemos em um mundo feito um mundo já aprova do Até que um dia surge o por quê A partir desse momento pode advir o sentimento de dissonância com este mundo a vivência de uma ruptura a rebeldia que traz como consequências o isolamento a separação a experiência do absurdo e da perda de sen tido da realidade Sentimentos que em muitos de nós nos conduzem à Filosofia mas que infelizmente na maioria não passa de um malestar passageiro de uma existência banal e perfeitamente adaptada MAS COMO FILOSOFAR EM UMA ÉPOCA QUE JÁ NÃO PENSA Temos de ter o cuidado para que nossas pesquisas e aulas de Filosofia não se limi tem a um exercício de erudição que muitas vezes degenera num monólogo estéril ou num amontoado de belas citações que na verdade matam o filosofar Muitas vezes em nossas pesquisas e nas salas de aula matamos o desejo de filosofar e algumas de suas condições de possibilidade como a revolta a lógica a universalidade e a aposta no acaso no risco no imponderável cf BADIOU 1994 Em nossas pesquisas e indagações no âmbito da Filosofia não devemos apenas mostrar a atualidade de determinado filósofo e tentar pensarfazer como ele mas ler nossa própria época com ele pensar com ele não apenas o seu tempo mas também nosso próprio tempo Mas como ainda pretendemos filosofar em nossas pesquisas e aulas se a maioria de nossos alunos e muitos de nós professores não sabem mais ouvir ler escrever e falar com significação Talvez antes de pretendermos fazer de nos sas pesquisas um exercício do filosofar devêssemos problematizar e questionar essa avassaladora instrumentalização e esse empobrecimento da linguagem que criam essa massa de indivíduos que não mais exercem o direito de pensar e dizer com significação a sua própria realidade Como ainda seria possível filosofar em meio à degradação do espírito em inteligência instrumental uma inteligência que não pensa mas apenas planifica e calcula alimentan 44 45 Ora diante de uma realidade caótica que nos atropela e na qual a única permanên cia é a impermanência de todas as coisas ideias e valores cabe perguntar que relação professorespesquisadores e alunos mantêm com a Filosofia em suas pesquisas Será que em nossas pesquisas e aulas conseguimos conservar ou mesmo fomentar o ca ráter crítico e desmistificador que caberia à Filosofia diante das ideologias e sua visão homogeneizadora e dogmática que mascara os reais mecanismos fazendonos tomar a aparência pela realidade Afinal que tarefa caberia a nós pesquisadores no campo da Filosofia diante da revolução tecnocientífica que paradoxalmente aumenta nos so estranhamento num mundo que acreditamos dominar cada vez mais O fato é que vivemos numa época tão indigente que a única coisa que existe para pensar é a própria ausência de pensamento E se já não pensamos como faremos de nossas pesquisas um filosofar ou seja uma experiência do pensar apta a pensar até mesmo contra si Deixemos a última palavra com um grande pensador Um tempo que sofre da assim chamada cultura geral mas sem civilização e sem unidade de estilo em sua vida não saberia fazer nada de correto com a Filosofia ainda que ela fosse proclamada pelo gênio da verdade em pessoa nas ruas e nas feiras Mas se deixássemos a Filosofia falar ela poderia nos dizer Povo miserável É culpa minha se em vosso meio va gueio como uma cigana pelos campos e tenho de me esconder e disfarçar como se fosse eu a pecadora e vós meus juízes Vede minha irmã a arte Ela está como eu caímos entre bár baros e não sabemos nos salvar Aqui nos falta é verdade justa causa mas os juízes diante dos quais encontraremos justiça tem também jurisdição sobre vós e vos dirão Tendes antes uma civilização e então ficareis sabendo o que a Filoso fia quer e pode NIETZSCHE 1978 p 30 Entretanto apesar de nossas pesquisas se desenvolverem em circunstâncias adver sas ao desejo de filosofar devemos preservar o senso crítico a revolta e o hábito de pensar até mesmo contra si inerentes à Filosofia Não podemos abrir mão do papel desmistificador da Filosofia diante das ideologias vigentes que teimam em passar uma visão homogênea dogmática lacunar mascarando as reais contradições de nossa rea lidade Além disso devemos nos esforçar para articular uma linguagem que permita à Filosofia transitar pelas fórmulas científicas e pela lógica pelos equívocos do poema e da arte pelo acaso do desejo e dos encontros e pela política enquanto criação de novas formas de convívio social e ruptura com o estabelecido cf BADIOU 1994 É importante ressaltar ainda que a Filosofia não propõe palavras com significa dos ocultos a serem decifrados mas deve sobretudo exortar uma transformação na existência do intérprete e do próprio pesquisador Entretanto os conceitos filosóficos são tomados como se fossem conceitos científicos passíveis de definições objetivas suscetíveis de serem transmitidas a outros sem a exigência de que a própria existência do intérprete se transforme Essa transformação exigida pelos conceitos filosóficos na existência do próprio pesquisador e daquele que pretende decifrar seus significados é condição de acesso ao significado de tais conceitos Para concluir podemos perguntar o que afinal caracterizaria o filosofar Num primeiro momento podemos dizer que a atitude filosófica requer o afastamento de di versos preconceitos dentre eles aquele que leva as pessoas a pensarem que o filosofar é inútil difícil e complexo como se fosse tarefa para especialistas Ora o filosofar não está circunscrito aos filósofos consagrados ou a pessoas com formação acadêmica nem se contenta em ser um discurso segundo acerca do saber científico Embora possa ser uma reflexão sobre a ciência não podemos exigir do filosofar uma ressonância na realidade imediata nem muito menos eficiência e produtividade O filosofar se nutre não apenas das angústias e inquietações humanas como já foi dito mas também de um corpo de conhecimentos conceitos e problemas que pro curam compreender e dar significado ao mundo e à existência É importante para o filosofar saber como é que se constitui a Filosofia ao longo de sua História mas sem se contentar em apenas repetir o já dito e pensado O ato de filosofar implicaria assim a análise e a crítica dos sistemas filosóficos mas sempre reservando à razão o direito de confirmar ou negar tais sistemas Podemos dizer então que não é possível separar o filosofar da Filosofia já que o exercício da razão deve ser feito tendo como referên cia os sistemas filosóficos Isso significa que filosofar em nossas pesquisas exige uma compreensão crítica dos conceitos problemas e sistemas da Filosofia tanto a passada quanto a presente Tratase portanto de reviver e encarnar a Filosofia em nossas pes quisas sempre com o propósito de reinventála pensando não sobre os pensadores mas com eles o com nosso próprio tempo e nós mesmos 46 47 3 A FILOSOFIA E SEU OUTRO Newton Aquiles von Zuben INTRODUÇÃO A questão sobre a distinção entre a atividade intelectual específica do filosofar e outros tipos de investigação situase no plano da diversidade da linguagem ou também da eclosão de diferentes racionalidades Não se trata aqui de argu mentar sobre o caráter filosófico das pesquisas que se fazem no campo da Filosofia atualmente Mais do que no campo do ser dos fatos penso mais pertinente tentar tomar o caminho do questionamento e indagar sobre o que poderia ser esse caráter específico em dadas circunstâncias da investigação filosófica em correlação com ou tras formas de linguagem ou de inteligibilidade Minha intenção não é buscar algum tipo de resposta de cunho apologético Dado o limite sugerido não se pode ousar outra postura a não ser a do senso de brevida de sem prejudicar a clareza e a criticidade alicerces da inteligibilidade A Filosofia prezase de sua natureza incoativa e mesmo inconcludente uma vez que sendo o questionamento seu projeto seminal e constitutivo as indagações não induzem neces sariamente a respostas mas a novas problematizações O questionamento indutor do projeto filosófico em ação implica o diálogo tal como nos ensinou Sócrates E o debate permanece essencial na investigação filosófica Hans Urs von Balthazar afirma REFERÊNCIAS BADIOU Alain Para uma nova teoria do sujeito conferências brasileiras Rio de Janei ro RelumeDumará 1994 DELEUZE Gilles GUATTARI Félix O que é a filosofia Trad Bento Prado Jr e Alberto Alonso Muñoz Rio de Janeiro Editora 34 1992 HEIDEGGER Martin Introdução à metafísica Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1969 Ser e Tempo Trad Marcia S Cavalcanti 2ed Petrópolis Vozes 1988 O que é isto a Filosofia Trad Ernildo Stein 2ed São Paulo Abril Cultural 1983 Que é Metafísica In Conferências e Escritos Filosóficos Trad E Stein São Paulo Abril Cultural 1979 Da experiência do Pensar Trad Maria do Carmo T Miranda Porto Alegre Globo 1969 A autoafirmação da Universidade alemã Trad Fausto Castilho Curitiba Secretaria de Estado da Cultura 1997 MERLEAUPONTY Maurice Elogio da Filosofia Lisboa Guimarães Editora 1998 NIETZSCHE Friedrich Obras Incompletas Trad Rubens R Torres Filho São Paulo Abril Cultural 1978 48 49 conhecia como um moscardo que ferroava os cidadãos fazendoos pensar examinar as questões e refletir sem o que a vida não merecia ser vivida PLATÃO Apologia 30 e 38 E como uma parteira auxiliava seus ouvintes a dar à luz as ideias a fim de livrá los das opiniões ou preconceitos que impediam o pensamento Platão ao falar disso sobre Sócrates tinha em mente os sofistas É plausível penso eu tomar como modo de compreensão da natureza da pesquisa em Filosofia do filosofar a situação de confrontos registrados pela História do pensamento concebidos como verdadeiros desafios Poderseia colocála frente a um outro que na História tenha vindo abalar seus alicerces provocando esta dos de crise desestruturantes e ameaçando sua soberania Dentre diversos muitos outros dois eventos relevantes se tornaram profundamente problemáticos em dife rentes contextos de nossa civilização Um no início de nossa era foi o encontro entre o helenismo e o cristianismo A História da Filosofia no período cristão nos mostra de modo exaustivo essa relação que se tornou significativa para ambos a Filosofia e o cristianismo em expansão e consolidação Tal problemática perdura até o momento com as complexas considerações entre razão e fé nas mais diversas circunstâncias culturais Filosofia ciência e religião permanecem em constante diálogo sem nunca atingirem um consenso Talvez porque o conceito de diálogo sendo polissêmico seu uso por diferentes epistemologias e afetado por diversos a priori éticos não se torna eficaz para o questionamento Outro fenômeno é o encontro da Filosofia com o que se denominam as tecnociências encontro esse cuja manifestação e atuação multifa cetadas crescem exponencialmente provocando nas sociedades o misto ambíguo de atração e repulsa dado o próprio grau de ambivalência e ambiguidade que afeta o conjunto das tecnociências em especial no campo das biotecnologias do mundo vir tual de informações e modelos computacionais Minhas considerações se restringirão somente ao primeiro desses fenômenos Ambos denotam duas dimensões fundamentais que têm sua origem na clássica dis tinção instituída por Aristóteles entre ciências teóricas e ciências poiéticas ou produtivas ARISTÓTELES 1996 livro VI 1025 b 25 Podese falar hoje em ciências logoteóricas e ciências operativas as tecnociências as quais traduzem respectivamente a dimensão simbólica e a dimensão operatória Os fenômenoseventos emblemáticos propícios para a problemática em análise e que representam desafios para a atividade filosófica são aqueles específicos do domínio operatório das tecnociências no mundo contemporâneo Dessas situações críticas nas quais se envolveu a Filosofia viu a racionalidade que lhe era específica defrontarse com outros tipos de racionalidade gerados pela própria força do logos Os confrontos em situações diversas em sua natureza exigiram da Filosofia o exame crítico de sua própria ação e de seu próprio significado Esse no meu entender foi importante conquista da Filosofia ao voltar sua atenção crítica para si própria Todas as grandes filosofias nascem no decorrer do diálogo e do debate entre elas quer sejam aprovação desenvolvi mento contradição ou síntese de diversos predecessores todas se mantêm entre si em osmose Platão supõe tanto Parmênides quanto Heráclito e Aristóteles e sobretudo o estoicismo são impensáveis sem Platão Esse diálogo en tre as grandes filosofias nada tem em comum com o ecletis mo Não se deveria empregar esse termo senão para sínteses insuficientemente refletidas É a humanidade que pensa de um modo sinfônico polifônico BALTHAZAR 2000 p34 No cenário onde atua a investigação filosófica encontramse a oposição a diver gência a contradição o paradoxo e as aporias sem desautorizar na verdade a busca de consenso Não devem anular o diálogo uma vez que a ausência de diálogo leva a um esfacelamento da Filosofia debilita o pensar produzindo totalitarismos de pen samento ou tiranias da mente dogmática Não tem sentido se falar de uma filosofia comum mas de uma investigação filosófica comum que faz perdurar a questão o questionamento Cessando o diálogo como dinâmica de investigação cessa a própria pesquisa o questionamento e isso conduz à abdicação à resignação induzindo ao desaparecimento do impulso filosófico na busca do conhecimento Recusar o confron to ignorar as diferenças e o pluralismo de um lado e a afirmação categórica de que a questão está resolvida ou que sua verdade é a única de outro lado tudo isso conduz ao mais crasso obscurantismo O cenário que se apresenta é complexo por sua ambiguidade Mas o filósofo se deixa afetar pela boa ambiguidade como assevera MerleauPonty O filósofo se reconhece por ter inseparavelmente o gosto da evidência e o senso de ambiguidade Quando ele se limi ta a ser afetado pela ambiguidade ela se chama equívoco Para os mais notáveis ela se torna tema contribuindo para fundar as certezas em vez de ameaçálas Deverseia pois distinguir uma má ambigüidade de uma boa ambiguidade MERLEAUPONTY 1960 p 10 O filósofo se põe atento à sentença inscrita no frontispício do templo em Delfos re tomada por Sócrates conhecete a ti mesmo Em sua forma imperativa essa asserção denota a necessidade de o homem voltar seu olhar para sua natureza Na medida em que busca em si mesmo o conhecimento irá encontrar a sabedoria O filósofo entende que é um convite à introspecção uma autorreflexão um voltarse crítico sobre si É reconhecida a presença de Sócrates na gênese de um novo tipo de filosofar Ele se re 50 51 11 A DIMENSÃO SIMBÓLICA A LINGUAGEM O desafio com o qual a Filosofia se defronta atualmente situase no âmbito da epistemologia e da ética O cenário se compõe de duas dimensõeschave em nossa presente civilização Podemse denominar essas dimensões como sendo de um lado a da ordem do símbolo e de outro lado a da ordem das tecnociências A dimensão simbólica é instituída no limiar de nossa civilização ocidental com a concepção do humano como ser de linguagem tal como proposta por Aristóteles zoon logon echon que os latinos entenderam como ser de razão ratio Foram os gregos que nos trans mitiram a ideia de linguagem razão logos e técnica techné O filósofo Gilbert Hot tois emprega o termo logoteórica para caracterizar a dimensão simbólica Os gregos contemplavam theorein a natureza e discorriam sobre ela logos Ernst Cassirer usa a expressão animal simbólico para caracterizar o homem E é essa dimensão simbóli ca que define a especificidade do humano CASSIRER 1972 Devese de fato reconhecer que a linguagem tem desenvolvido um papel relevante na forma de vida humana Assim afirma Hottois 2009 p 162 Cada um sabe que este valor fortemente eminente da linguagem é atestado nos textos funda dores da civilização ocidental que falam do Verbo e do Logos e fazem da linguagem indissociável do pensamento um dom divino e a essência do homem A linguagem é a maneira de o homem habitar seu mundo O homem está para o mundo para si mesmo e para os outros pela linguagem instaurando assim um hori zonte de sentidos Ele constrói seu ambiente natural pelo símbolo Isso significa que ele modela simbolicamente o espaço e o tempo e os transforma desse modo em um mundo e em uma história respectivamente cf HOTTOIS 2006 O caráter teorético deve ser concebido como o privilégio absoluto do olhar da visão E o discursivo como determinante para o homem como sernomundopelalinguagem Essa é a base so bre a qual se construirá a cultura O natural para o homem será a cultura Em outros termos o homem será naturalmente cultural Todavia é razoável se reconhecer que hoje a linguagem não esgota nem o passado nem o presente nem sobretudo o futuro de nossa espécie Toda a construção cultural humana até o momento esteve vinculada à ordem simbólica O sujeito humano não existe como tal senão na medida em que a linguagem o vem instituir Esse discurso instituinte é antes de tudo o discurso normativojurídico que impõe regras limites e interditos As regras separam circunscrevem identificam estruturam Sem elas o sujeito não pode advir isto é desvincularse do semlimite original A instituição nor mativa é imposta pela ordem simbólica se esta falhar o sujeito falhará e a sociedade cai na anarquia Essa instituição é postulada pela humanidade do homem pela manei ra de realizála Dentre as instituições as regras de genealogia são essenciais Elas si É o que pretendo analisar com a indagação orientadora como se pode entender o confronto entre a Filosofia e as tecnociências Dado o limite estabelecido apre sentarei de modo sucinto como se poderiam entender as tensões entre o domínio simbólico onde se situa a Filosofia e o domínio técnicooperatório onde se instituem as tecnociências 1 A FILOSOFIA E AS TECNOCIÊNCIAS A Filosofia é um empreendimento que em sua instauração atribuise um caráter de radicalidade mas que amiúde é incerta a propósito de seus objetivos Ela sempre reivindicou para si a autonomia vale dizer é tarefa sua definirse a si mesma e de atribuirse a si as tarefas que reconhece serem suas Seu projeto é caracterizado pela historicidade isto é ela depende da situação histórica na qual se estabelece e é a partir dessa situação que ela pode elaborar questões às quais ela avalia poder apre sentar respostas A reflexão filosófica se instaura no processo de questionamento É questionando que ela se instaura sem cessar Essa refletividade lhe dá o porte de um momento primordial no qual o pensamento assume a si próprio por um autoposicio namento que lhe dá o seu sentido Isso significa a automanifestação da Filosofia no próprio processo de pensar crítico Só há Filosofia reflexão filosófica lá onde algo é recebido seja no ponto de contato entre duas tradições filosóficas entre domínios culturais diversos e diver gentes seja no ponto de aproximação entre a Filosofia e aquilo que ela empreende compreender como seu outro exterior como o mundo as representações os outros domínios de conhecimento as ciências as artes as religiões O termo aproximação é um conceito operatório heurístico visando a analisar e compreender um sistema de significações uma correlação entre sistemas suas incongruências eventuais e o alcance de seu poder de significação de explicação ou de compreensão A equação a ser abordada pode manifestarse pela indagação sobre dinâmica de compreensão do projeto filosófico quando defrontado com outro projeto A questão que aqui tento considerar não é simples Jean Ladrière afirma O que torna a questão difícil é que o projeto filosófico apesar de apresentar uma inegável consistência em razão de uma longa tradição histórica permanece relativamente enig mático LADRIÈRE 2004 p263 Em outros termos a natureza do projeto filosófico se torna um problema filosófico de ordem epistemológica E mais o entendimento do projeto filosófico e a significação mesma da Filosofia só podem ser abordados a partir daquilo que a Filosofia afirma sobre si mesma 52 53 12 AS TECNOCIÊNCIAS O OUTRO DO SÍMBOLO A relação teóricodiscursiva que o homem mantém com a realidade envolvente se defronta com um fenômeno complexo que é o mundo das tecnociências herdeiras da ciência moderna Na verdade a revolução científica com Galileu Bacon e Descartes representou uma inflexão acentuada na visão da Filosofia e da ciência clássica Graças à ciência cujo triunfo é anunciado por Descartes o homem poderá desde então do minar a natureza DESCARTES 2004 p 1026 Outrora submissa à ordem do símbolo a dimensão tecnocientífica não é mais assi nalável ou afetada por essa ordem Ela se impõe com sua dinâmica própria estabele cendose como o outro do símbolo As tecnociências inauguram um tipo de relação que não se assemelha à relação simbólica ela não denota uma relação de sentido e de intersubjetividade por não ser expressiva de interioridade As tecnociências instituem novo cenário e induzem a uma avaliação crítica sobre o significado do próprio destino do homo sapiens como espécie Qualquer ensaio ou tentativa de inscrição da técnica na ordem do símbolo é antropo logista e antropocêntrica isto é sua avaliação e estatuto são compreendidos a partir e em função de uma antropologia de um discurso teórico sobre a natureza e os fins da humanidade E hoje somos levados a admitir que por si só a linguagem e o simbólico não são aptos a dar conta da humanidade a dar razão do especificamente humano passível de transcendência de realização de si Já estamos defrontando a realidade das múltiplas manifestações da antropotécnica Esse antropologismo está vinculado a uma avaliação instrumentalista da técnica Argumentar em favor da diferença entre as duas dimensões a simbólica e a tecnocientífica não significa negar possível arti culação entre ambas Devemos considerar que a humanidade sempre foi politécnica e polissimbólica podese pensar ao invés em articulações múltiplas tecnossimbólicas Hottois argumenta que a sobrevalorização da linguagem pela antropologia filosófica fazse acompanhar pela menor valorização por vezes por desprezo da técnica e do trabalho materiais HOTTOIS 2009 p 163 Para nosso mundo historicamente produzido pela dimensão simbólica as técnicas materiais não promovem a organização da sociedade humana nem a educação e a aculturação de crianças que entram na sociedade Ainda prevalece a antiga ideia an tropológica a saber que é exclusivamente por meio da linguagem pelo logos a cul 6 No seu notável Discurso sobre o método de 1637 ele afirma Elas me fizeram ver que é possível chegar a conhecimen tos muito úteis à vida e que em vez da Filosofia especulativa que se ensina nas escolas podese encontrar uma outra prática pela qual conhecendo a força e as ações do fogo da água do ar dos astros dos céus e de todos os outros cor pos que nos cercam tão distintamente quanto conhecemos os diversos ofícios de nossos artesãos poderíamos empregá la do mesmo modo em todos os usos a que se aplicam tais ofícios e assim tornarnos como que mestres e possuidores da natureza Descartes fala sobre a Física e as dificuldades particulares relativas a ela tuam o sujeito na diacronia das gerações e na sincronia da comunidade Expressiva do pensamento assevera Hottois a linguagem encarna a diferença antropológica aquilo que distingue essencialmente o homem dentre os seres vivos o vincula a uma sobrenatureza e constitui o lugar e o instrumento de sua transcendência HOTTOIS 2009 p169 E em outra obra ressalta Notemos que a transcendência simbólica utiliza a linguagem como instrumento e que é verdade que o desenvolvimento da capacidade simbólica tem sido com efeito o caminho pelo qual os humanos afirmaram sua superioridade sobre os animais e seu domínio sobre a natureza Mas tal superio ridade do zoon logon echon foi imaginariamente represen tada como uma eleição divina e participação em um mundo sobrenatural quando na realidade ela não era senão o efei to de potencialidades de organização social e de invenção instrumental oferecida pela linguagem em suas funções de comunicação e de representação HOTTOIS 1999 p28 A força constritiva da ordem do símbolo lança raízes profundas em nossa cultura A ordem simbólica é petrificada de valores e de condições de normas e de interditos de regras e de determinações teoria e axia fixam os limites do possível e do permitido as sim como o sentido do necessário e do obrigatório A cultura e a história cristalizamse em torno de tais linhas de força que o reino técnico de acordo com sua natureza ignora e destrói HOTTOIS 1984 p 148 De fato nossa herança de longa tradição cujo horizonte de significado é a ordem simbólica a linguagem sempre fundou e foi o arcabouço da cultura tal como a co nhecemos e que nos molda como humanos A Filosofia ocupa aí lugar eminente como atividade reflexiva racional Ela neste momento histórico se espanta thaumas diante de novos tropismos5 Surge no cenário com ênfase inédita o domínio das tec nologias biomédicas e informacionais 5 Tropismo do termo grego tropos significa direção e no sentido figurado maneira de pensar e agir pode ser entendi do como uma força obscura que impele a uma determinada direção e a agir de certo modo 54 55 Impõese no entanto uma visão em complexidade para evitar particularismos e posições reducionistas A reflexão filosófica atualmente viuse impelida a direcionar suas atividades de pesquisa também para essa nova problemática A racionalidade o logos viuse abaladao nesse novo cenário assim como sua inteligibilidade enfraque cida Em acréscimo não será a racionalidade instrumental a habilitada a fazer conver gir perspectivas distintas e conflitantes de inteligibilidade epistemologias diversas e sensibilidades e convicções morais e éticas variadas Karl Appel em sua obra Transformação da Filosofia expressa uma ideia que nos faz pensar Quem reflete sobre a relação entre ética e ciência na socie dade industrial moderna e global vêse a meu ver diante de uma situação paradoxal Pois de um lado a carência8 de uma ética universal ou seja de uma ética obrigatória para a sociedade humana como um todo jamais foi tão urgente quanto a nossa era de uma civilização unificada planetária e criada pelas consequências tecnológicas da ciência Por outro lado a tarefa filosófica de uma fundamentação racio nal da ética universal jamais pareceu tão difícil e tão sem perspectiva quanto na era da ciência e isso porque nessa mesma era a ideia de validação subjetiva está igualmente prejulgada pela ciência ou seja pela ideia cientificista da objetividade normativamente neutra ou isenta de valores APPEL 2000 p 407 Tal ideia é ainda pertinente apesar de a obra ter sido publicada em 1973 Por qual razão Appel entende que não há perspectiva reconhecendo certo clima de angústia para a Filosofia fundar uma ética universal Porque as sociedades democráticas pro moveram o pluralismo cultural e das opiniões éticas transformandoos em um valor a título de respeito das diferenças Uma segunda razão é dada por Anne FagotLar geault filósofa e psicanalista francesa ao afirmar A divisão da filosofia em uma corrente analítica que se ocupa sobretudo em comentar o trabalho científico e uma corrente existencial que expressa uma angústia subjetiva representa ria o reconhecimento da incapacidade em ditar normas para o desenvolvimento contemporâneo de outra maneira a não ser a pragmática FAGOTLARGEAULT 1992 p12 8 No sentido mais especificamente de necessidade ou precisão não de falta ausência ou privação tura que o humano constitui sua humanidade transcende sua animalidade Hottois denomina resistência antropológica a ideia segundo a qual somente pela linguagem todo o homem o homem em sua totalidade se escolhe no ganho ou na perda Con forme o postulado antropológico as técnicas materiais operam no meio externo ao homem no mundo físico Essa relação de intervenção o constitui como homo faber o homem artífice Em relação a si mesmo ele é homo loquax o falante cf HOTTOIS 2009 p 164 Recentemente ele se descobre como o artesão de si próprio assim como fica patente no campo da antropotécnica já mencionado e da engenharia ge nética7 A operatividade concerne à relação física com o mundo real A relação teórica discursiva vê a seu lado uma relação de manipulação de transformação da realidade O elemento desestabilizador crisogênico de maior relevância na atualidade está situado no campo das biociências e da engenharia genética E o receio diante delas é causado pelo fato de que se trata de projetos de modificação da natureza humana considerada tradicionalmente como imutável e intocável Mas mais significativo parece o fato de que filósofos e inte lectuais em número crescente tenham rompido com as lo gologias as metalinguagens e os discursos autorreferenciais e arreferenciais e reconhecido a importância da técnica admitindo a natureza tecnooperatória da ciência contem porânea HOTTOIS 1996 p10 O surgimento das tecnociências acrescenta elemento novo no quadro civilizacional Pela sua própria dinâmica o sistema tecnocientífico se define como alógico aético vale dizer impermeável ao sentido e ao valor ambos instituídos na ordem do símbolo Vêse pelo sucinto panorama apresentado até o momento que diversas questões se imbricam indicando diversos planos e perspectivas Um exemplo expressivo da nova atitude de investigação onde as duas dimensões acima descritas podem se en contrar nos é dado pelo movimento bioético no qual a Filosofia tomou lugar expressi vo O estatuto epistemológico dessa nova atitude de investigação ainda não está claro uma vez que sua imbricação ou sua articulação com as tecnociências o afeta com um índice de ambivalência e de caráter provisório dada justamente a constante expan são em complexidade das tecnociências e de novos problemas e novas descobertas Ademais esse novo local de debates é complexo devido às diferentes linguagens es pecíficas de cada campo do saber e suas tensões nas respectivas posições seminais que a sustentam 7 Permitome remeter o leitor ao texto de minha autoria Bioética e Tecnociências A saga de Prometeu e a esperança paradoxal 2006 56 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS O debate objetiva o consenso atingido pela discussão racional com respeito à di ferença no cenário de uma comunidade comunicativa Não visa na verdade a uma resposta definitiva à vista do caráter provisório que envolve todo o horizonte cultural na atualidade O que cabe então ao filósofo à Filosofia A Filosofia é uma atividade de caráter simbólico O caminho para a problematização tem sua fonte no questionamento induzido pelo espanto momento inicial do filosofar A História nos mostra que ao se analisar e avaliar as relações tensas entre a dimensão simbólica e a dimensão da operatividade técnica os termos usados têm sido controle e domínio Desde Descartes e Bacon esse tem sido o projeto isto é de dominar e trans formar a natureza Passouse então a uma etapa de crítica e de rejeição por causa da desmesura obsessiva das técnicas e das tecnociências em tudo querer controlar e dominar Hottois indaga por conseguinte Em nome de que qual símbolo de qual nome maiúsculo subordinar legitimamente as tecnociências Em nome de qual filosofia de qual religião de qual ideologia de qual antropologia de qual projeto de civilização Tal era a verda deira questão e ela era radical qual autoridade simbólica poderia portanto esclarecer e balizar universalmente e legitimamente o futuro da humanidade e do mundo HOT TOIS 1996 p 14 E prossegue asseverando o desejo fundamental da dominação simbólica é o dese jo de confirmar e de proteger para o futuro e para sempre a resposta simbólica à condição humana como única resposta legítima e possível Concretamente essa resposta é sempre aquela de uma tradição particular e sua intenção é conser vadora HOTTOIS 1996 p 14 O autor argumenta e propõe como uma ação plausível tanto no campo da episte mologia quanto no da ética a de acompanhamento que poderia efetuar o filósofo no âmbito do debate bioético Assim observa ele O projeto filosófico é posto em xeque por esse pluralismo e suas eventuais tendên cias reducionistas Há pouco em comum em nossas sociedades modernas desde a ideia iluminista de uma crença na universalidade de uma lei moral inscrita no âmago da natureza humana e o crescente recuo diante das transcendências metafísicas provoca o distanciamento crescente pelo processo de secularização de uma tradição religiosa unânime O pluralismo promove a situação que Tristan Engelhardt teólogo ortodoxo e filósofo americano descreve nestes termos Devese amiúde tolerar por razões mo rais aquilo que se condena por razões morais ENGELHARDT1986 p 14 Diante dessa questão que atitude pode tomar o filósofo como participante do debate bioético A bioética é uma prática do discurso dimensão simbólica que tenta analisar e avaliar pela discussão racional a problemática provocada pelas pesquisas das tecnociências Esse novo espaço cultural é um locus emblemático pelo pluralismo cultural multidisciplinar e democrático o qual pode levar a uma interfecundação com plexa de linguagens e visões de mundo oferecendo elementos informacionais e instru cionais de rigorosa especialidade como baliza ética para decisões políticas concernen tes à ética No debate bioético buscase delimitar espaços categoriais plausíveis que possibilitem a deliberação o juízo e a decisão voltada para a efetivação da existência moral e ética sempre sensível para a busca de orientação ética universalizável Como parte integrante do discurso bioético a Filosofia reconhece como sua a tarefa da busca de sentido a justificação racional e a escolha de valores por meio do deba te plural e democrático visando a apontar balizas plausíveis para o agir humano Sua competência no manejo e na articulação lógica dos conceitos mais gerais seu domínio na explicitação dos pressupostos e dos objetivos seu treino na dialética em formular argumentos e objeções seu gosto pela reflexão crítica radical deveriam normalmente conduzir o filósofo a uma posição cujo papel é de vigilância lógica metodológica e ética Como se concretiza tal vigilância Por meio da análise e formulação dos pressupostos implícitos dos diversos discursos conceitos evidenciando possíveis incoerências E mais pode auxiliar na indicação de pontos de consenso e das questões irremediavelmente conflituosas pois remete a conceitos pressupostos e valores de base inconciliáveis Evi tando na verdade o nihilismo o filósofo instado a se posicionar frente a questões pre mentes provocadas pelas biotecnologias dirá que não é possuidor tanto quanto todos os outros de uma verdade universal e muito menos de alguma resposta universal 58 59 de linguagens epistemologias métodos e convicções morais O filósofo se descobre uma voz no interior de um concerto simbólico variado e dissonante Uma voz que a so ciedade tecnocientífica e pluralista ainda reconhece sem no entanto reconhecerlhe um privilégio particular HOTTOIS 1996 p 19 Dessa forma qual corrente filosófica deveria ser escolhida Há diferenças funda mentais entre elas Essa é uma questão que limita de certo modo o encaminhamento dos pareceres exarados no âmbito de um Comitê de ética ou bioética Embora se deva reconhecer sem nenhuma dúvida que ainda façamos parte de uma humanidade na qual prevalece a dimensão simbólica somos densamente tocados pela outra dimensão que se impõe progressivamente a da operatividade tecnocientífica Ambas moldam o viver do homem contemporâneo O próprio espírito que presidiu a gênese da bioética está afetado por essa convicção da existência humana do lugar do homem no uni verso como ser cultural com seu a priori de caráter biológico Como proceder então Nessa obra citada Hottois insiste na necessidade de se confiar na responsabilidade do homem em relação a si próprio e em relação a toda a realidade do mundo na medi da em que o futuro dessa realidade depender do futuro do homem A responsabilidade compreendida é uma responsabilidade assumida vale dizer implica a necessidade de agir Ele sugere Uma hipótese é que a filosofia dos direitos do homem tal como expressa de modo particular na Declaração de 1948 caminha no sentido de uma simbolização normativa institucional de acordo não com tal ou tal conquista da Pes quisa e Desenvolvimento Tecnocientíficos mas com o espíri to de sua dinâmica libertadora ao menos em certa medida HOTTOIS 1996 p2021 Aliás o apelo à Declaração Universal dos Direitos do Homem segundo convicção amplamente consentida tem sido considerado a base teórica axiológica e ética dos principais documentos oficiais da bioética no plano internacional E ainda apoiado no pensamento de Simondon que adianta o conceito de solidariedades simbólicas Hottois sugere a noção de amor como fonte do desenvolvimento dessa solidariedade Assim afirma ele Quanto à fonte profunda de desenvolvimento das solidarie dades simbólicas múltiplas ela deveria ser a boa afetivida de isto é o amor Discreto esse está amplamente presente no pensamento de Gilbert Simondon Ele não se estende so mente aos humanos mas também aos seres vivos em geral o acompanhamento simbólico das tecnociências é a prática mais banal e a mais constante de fato o acompa nhamento ocorre de modo constante e diversificado desen volvendose e expandindose para todos os lados desde a publicidade dos meios de comunicação a um documento da autoridade religiosa Ele se expressa por meio da vulgariza ção científica da ciênciaficção das sondagens de opinião e das pesquisas sociológicas às avaliações das tecnologias technology assesment e em numerosos debates mais ou menos instituídos e públicos HOTTOIS 1996 p18 Para esse autor a ideia de um acompanhamento simbólico das tecnociências é o modo de articulação entre o simbólico e a técnica Em sua obra Du mode dexistence des objets techniques de 1958 Gilbert Simondon filósofo francês sugeriu essa ex pressão de acompanhamento simbólico condicionando essa tarefa à consciência da diferença entre os dois domínios e a obrigação moral de sublinhar essa diferença sem subordinar um desses domínios ao outro cf HOTTOIS 1996 p 18 Hottois observa que é nesse espaço novo inaugurado pelo projeto bioético que o acompanhamento tem sido amplamente institucionalizado sob a forma de comis sões comitês declarações leis e códigos HOTTOIS 1996 p 18 A bioética já tem uma História desde sua origem em 1970 até o presente Além disso foi nesse campo que os filósofos tiveram a oportunidade de apresentar sua colaboração uma vez que estava envolvida a ética No entanto a eventual colaboração do filósofo para o debate bioético encontra dificuldades Eis a primeira na perspectiva de Hottois Por meio das novas instituições bioéticas os filósofos encontram um papel uma função no seio de uma sociedade de uma elite social que não os reconhece mais senão de modo marginal Ora tratase de uma função que aproxima o filósofo das instâncias do poder em toda a ambiguida de do conselho autorizado que não é impelido a assumir a responsabilidade das conseqüências dos pareceres que ele apresenta uma vez que esse é sempre chamado a transitar pela decisão política HOTTOIS 1996 p 19 Em segundo lugar esperase muitas vezes que o filósofo apresente respostas e regras absolutas e claras veleidades fundamentalistas HOTTOIS 1996 p 19 Além disso sua participação nas comissões ou comitês de bioética ou de ética se sente im pelida a passar por uma prova que é aquela da diversidade da composição do conse lho ou da comissão A representação filosófica é uma dentre várias numa pluralidade 60 61 Estas breves considerações seguiram um propósito Sugerir a estratégia do emba te do confronto entre a Filosofia e aquilo que denominei seu outro De um lado a Filosofia como eminente representante ao lado das artes das religiões da dimensão simbólica da nossa cultura ocidental assentada na noção do logos herdada do pen samento grego aliás horizonte de origem daquilo que entendemos por Filosofia E de outro lado proveniente da nova e revolucionária concepção de ciência construída na época moderna com Descartes Galileu e Bacon situase o que se denominam hoje tecnociências com sua operatividade essencial Não me impus a tarefa de investigar as características formais específicas das in vestigações filosófica e científica porventura realizadas hoje nos centros de pesquisa e nas universidades Seria essa a investigação filosófica autêntica não importa o que signifique tal expressão ou mera retórica sofista Para isso deveria tomar outra via Não previa um término com alguma sugestão de resposta ao problema Como afirmei tratase de um problema filosófico e como tal não se pauta por meras buscas de soluções pois podem sugerir um final de caminho A racionalidade aqui se investe penso eu de um movimento de diálogo seria uma racionalidade dialógica cujo alicer ce se assenta sobre uma espécie de axioma isto é o do reconhecimento da diferença da alteridade da pluralidade cultural e consequente diversidade de perspectivas Já se falou na eclosão das racionalidades A racionalidade dialógica exorcizando seus avatares se apresenta para um debate bioético como um discurso Um discurso de tipo especial isto é no qual se espera que haja um concurso de muitos interlocutores fazendo valer o pluralismo que caracteriza a sociedade moderna Em suma transcendemos a era do discurso único e dogmático pois esse interrompe o diálogo e destrói um dos traços específicos do humano a busca da compreensão do sentido Apresentei um exemplo de uma área do conhecimento que é a Bioética Mostrei de modo sucinto e em suas linhas gerais como o filósofo desenvolve sua atividade refle xiva crítica como participante do debate multidisciplinar bioético Há restrições e crí ticas pertinentes sobre o que se pode denominar a razão bioética dado o caráter am bíguo de que ainda está afetada sobre seu fundamento e a marca provisional de seus pareceres sobre o recurso à forma de procedimentos a ética procedimental como força quase exclusiva de seu frágil encaminhamento epistemológico e ético Tudo isso reverbera sobre a ação crítica da Filosofia quando atuando nesse cenário De qual quer maneira essa é uma das tarefas que a investigação filosófica define como sua De qualquer modo o impulso que move sempre a investigação filosófica ainda está com a notável observação de Aristóteles Todos os homens por natureza desejam conhecer ARISTÓTELES 1996 980 a 20 e aos objetos técnicos nos quais a natureza e os humanos convergiram A boa afetividade generosa e vigilante carac teriza igualmente o nascimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem HOTTOIS 1996 p 21 Essa relação com a Declaração afeta a argumentação racional e crítica que suposta mente deveria estar em ação participativa do filósofo nesse cenário de debate Penso que não se vê na verdade alternativa para a ação do filósofo na figura de um acompanhamento que envolve cuidados epistemológicos e éticos já que está em jogo como afirmei o destino do ser humano Ouso dizer que uma vez aceita a tese segundo a qual deve servir de baliza a Declaração Universal dos Direitos do Ho mem na sua versão de 1948 evita apresentar qualquer razão ou justificativa de ordem transcendental metafísica ou religiosa Ademais sendo essa Declaração tomada como documento axial para o projeto bioético e que por outro lado se pode afirmar que ela repousa à luz do pensamento de Kant sobre a simples boa vontade dos homens como fundamento da moralidade só se pode concluir que igualmente no campo da bioética a mais válida atuação seria mesmo essa ideia ambígua de acompanhamento cuja eficácia teria valor somente no campo simbólico Interessante a afirmação da filósofa Anne FagotLargeault No entanto o filósofo não é forçado ao nihilismo Solicitado a se expressar sobre as questões urgentes colocadas pelo desenvolvimento das biotecnologias ele declara que tanto quanto os outros a solução é universal mas que se sen tirmos a necessidade de um acordo sobre o que deve ser feito devemos nos reunir e discutir até chegar a conclusões unânimes O único acordo exigido desde o início entre as partes é o procedimento da discussão Em suma na carência de referências metafísicas comuns somos reduzidos a uma ética procedimental 1992 p13 Nessas condições é aceitável a proposta de Hottois quando sugere como tarefa ao filósofo com a perspicácia que supostamente lhe é reconhecida que submeta ao crivo da crítica filosófica esse seu outro isto é as tecnociências na maior abrangência de suas manifestações efetivas 62 63 4 O FILÓSOFOFUNCIONÁRIO E O PROFESSORFILÓSOFO SOBRE OS SENTIDOS DO FILOSOFAR HOJE Patrícia Del Nero Velasco O filósofo moderno é frequentemente um funcionário aquilo que ele diz entra logo num universo acadê mico onde estão enfraquecidas as opções de vida e ve ladas as oportunidades do pensamento MerleauPonty 1986 p 45 A FILOSOFIA INSTITUCIONALIZADA O FILÓSOFO FUNCIONÁRIO D esde o seu nascimento a atividade de produção filosófica esteve intrinseca mente relacionada ao seu ensino inúmeros filósofos e escolas filosóficas de senvolveram suas doutrinas à medida que as compartilhavam e as discutiam seja em praça pública seja nas academias Ademais REFERÊNCIAS APPEL Otto Transformação da Filosofia Trad Paulo Astor Soethe São Paulo Loyola 2000 2 v ARISTÓTELES Metafísica Trad Leonel Vallandro Porto Alegre Globo 1969 BALTHAZAR Hans Urs von La Vérité est Symphonique Les PlanssurBex Suisse Parole et Silence 2000 CASSIRER Ernst Antropologia Filosófica ensaio sobre o homem São Paulo Mestre Jou 1972 DESCARTES René Discurso do Método Trad Paulo Neves Porto Alegre LPM 2004 ENGELHARDT Tristan The Foundation of Bioethics Oxford Oxford University Press 1986 FAGOTLARGEAULT Anne La réflexion philosophique en bioéthique In PARIZEAU Ma rieHélène Les fondements de la bioéthique Bruxelles De BoeckUniversité 1992 p1126 HOTTOIS Gilbert Le signe et la techique La philosophie à loeuvre de la technique Paris Aubier 1984 Entre symboles et technosciences Un itinéraire philosophique Seyssel France Editions Champ Vallon 1996 Essais de philosophie bioéthique et biopolitique Paris Vrin 1999 Dignité et diversité des hommes Paris Vrin 2009 LADRIÈRE Jean Foi chrétienne et le destin de la raison Paris Cerf 2004 A fé cristã e o destino da razãoTrad Paulo Neves São Leopoldo UNISINOS 2008 MERLEAUPONTY Maurice Éloge de la philosophie et autres essais Paris Gallimard 1960 PLATÃO Apologia de Sócrates Lisboa Edições 70 Trad Manuel de Oliveira Pulquério 1997 SIMONDON Gilbert Du mode dexistence des objets techniques Paris Aubier 1958 ZUBEN Newton Aquiles von Bioética e Tecnociências A saga de Prometeu e a esperança paradoxal Bauru Edusc 2006 64 65 ção junto aos pares se a área é constituída justamente de padrões distintos e avessos a qualquer outro que se desvie do tradicionalmente estabelecido As agências de fomento estipulam quais são as subáreas de conhecimento da Fi losofia desconsiderando as produções em campos distintos os artigos são conside rados filosoficamente relevantes se são webqualisficados9 os processos seletivos de bolsas de iniciação científica e de ingresso na pósgraduação exigem um padrão definido de projeto a ser submetido e de pesquisa a ser desenvolvida Na universidade o filósofo depende em muito da adequação de suas atividades acadêmicas aos moldes aceitos Sem essa aceitação o docentepesquisador não alcança a sua progressão funcional10 não se credencia em programas de pósgraduação e provavelmente acu mula pareceres desfavoráveis às suas iniciativas de pesquisa No contexto acadêmico portanto o filósofo é um funcionário ocupa um cargo para o qual deve desempenhar determinadas funções Perguntase como fazer parte da comunidade filosófica viven ciando uma relação com outras filosofias eou outras maneiras de filosofar que não fazem parte do modelo reconhecido e valorizado Deixaremos a questão supramencionada sem resposta E isso simplesmente porque não a temos Mas julgamos imprescindível enquanto investigamos possibilidades co locarmos e recolocarmos o problema de modo incisivo e persistente Passemos na próxima seção à questão que nos foi proposta para interpelarmos o sentido do filosofar o que se faz hoje a título de pesquisa em Filosofia é de fato um filosofar ou se trata de uma nova sofística Mais uma vez o intuito não será o de apresentar uma resposta categórica mas antes o de refletir e redimensionar a própria proposta de indagação sinalizando um possível sentido para o filosofar hoje RETÓRICA E CRÍTICA DA VERDADE UNIVERSAL O LEGADO POSITIVO DA SOFÍSTICA Ao nos depararmos com a questão que nos foi sugerida o ímpeto inicial seria respon der prontamente as pesquisas em Filosofia pouco estão imbuídas do filosofar aproxi mandose dos procedimentos argumentativoretóricos característicos da sofística A resposta dada contudo incomodanos sob dois aspectos por um lado não gos 9 Conferir o sistema de classificação de periódicos WEBQUALIS CAPES disponível em httpssucupiracapesgovbr sucupirapub licconsultascoletaveiculoPublicacaoQualislistaConsultaGeralPeriodicosjsf Acesso em 20 ago 2016 10 Cabe notar também que nos critérios de progressão funcional dentro da carreira universitária as publicações têm peso extraordinariamente maior do que as atividades de ensino e de extensão Embora a Universidade seja constituída a princí pio do tripé pesquisa ensino e extensão apenas a primeira goza de efetivo status acadêmico E se esse status em filosofia depende da adequação aos padrões da área o profissional acaba subordinado quase que inevitavelmente ao modo de produção e aos valores indicados por aqueles que criam esses padrões grandes pensadores não deixaram de fora do espaço de seu pensamento a questão do ensino da Filosofia mas antes o trataram de forma implicada no contexto de sua obra e o modo como esse assunto foi pensado por esses autores não está posto como algo exterior ou ainda heterodoxo às suas teorias filosóficas mas de forma imanente aos problemas que colocavam aos seus próprios tempos e ao alcance de suas filosofias GELAMO 2009 p 82 Hoje a Filosofia é institucionalizada No Brasil aliás a Filosofia nunca foi produzida fora do âmbito institucional Desde o período jesuítico a instituição e especificamen te a instituição de ensino sempre foi o lugar da atividade filosófica Os cursos orga nizados pela Companhia de Jesus ocorriam em colégios e seminários Se por um lado perpetuavase o vínculo originário entre a Filosofia e seu ensino por outro não mais se estudava qualquer filosofia e sim aquela que interessava aos projetos da Compa nhia A Filosofia ensinada na colônia estava impregnada tanto na forma quanto no conteúdo pela concepção de mundo ideologia dos jesuítas ALVES 2002 p 10 À medida que um sentido institucional foi outorgado à Filosofia e ao seu ensino estabeleceramse paulatinamente e de acordo com cada período histórico critérios para o fazer filosófico definindose um padrão para a produção e para o ensino dessa Filosofia oficial Assim sendo Os mestres ou professores de filosofia já não transmi tem uma filosofia ou a sua filosofia mas ensinam Filosofia de acordo com os conteúdos e os critérios estabelecidos pelos planejamentos oficiais e pelas instituições habilitadas para tal CERLETTI 2009 p 13 Além dos padrões de produção e ensino determinouse igualmente um modelo avaliativo dessa produção e desse ensino baseado na identidade agora supostamen te única da Filosofia Ao se decretar previamente a maneira como a Filosofia deve ser produzida para ter o estatuto de Filosofia abreviouse ou simplesmente eliminouse uma das reflexões mais caras ao fazer filosófico aquela que problematiza a identidade o que é isto a Filosofia e por conseguinte o próprio sentido entendido como significado e direção da seja ela qual for Filosofia Nesta conjuntura aqueles que se dedicam profissionalmente à Filosofia encontram dificuldade para filosofar de outro modo Isso ocorre em grande medida porque esse profissional é formado a partir daquela única perspectiva e desse modo não reconhe ce um fazer filosófico que seja diferente do usualmente consagrado Aqueles que se abrem à possibilidade de questionar o modo de produção vigente por sua vez encon tram obstáculos de outra natureza como conseguir financiamentos para as pesquisas bolsas de estudo aos seus orientandos publicações de artigos em periódicos e aceita 66 67 O entendimento da atividade sofística como prioritariamente enganadora sem qualquer comprometimento com a verdade e com a sabedoria foi disseminado pelos críticos da democracia e notadamente por Platão o qual concedeu apenas ao sábio sophós a ocupação com o conhecimento verdadeiro De fato os sofistas estabele ceram outro tipo de relação com o conhecimento admitindo os debates inaugurados pelos primeiros filósofos sobre o uno e o múltiplo o ser e o viraser as múltiplas interpretações da arché da Filosofia concebiam que o conhecimento a ser ensinado sempre teria um caráter provisório associado ao que é mais útil e conveniente nessa perspectiva os sofistas não buscavam constituir uma ciência ou doutrina mas ao contrário supunham que todo conhecimento era passível de ser posto em questão e na existência de um critério que permitisse julgar a realidade esse próprio critério dependeria do que foi convencionado como tal Assim sendo a retórica ensinada pelos sofistas assumia papel fundamental para o convencimento do outro e para o estabelecimento das convenções humanas Dian te da aceitação de que não há uma verdade única faziase necessário argumentar para sustentar os diferentes pontos de vista E sob essa perspectiva tornase possível aproximar a retórica sofística da Filosofia como exploraremos na seção subsequente Por ora contudo façamos uma importante consideração entre os sofistas a retó rica arte de convencer e persuadir11 era indissociável da dialética a arte de discutir A persuasão retórica parte do pressuposto de que as opiniões dóxai porque são opiniões são conflitantes e contrárias e portanto para realizarse a persuasão pre cisa da dialética isto é do confronto de argumentos contrários A retórica arte da persuasão apóiase na dialética arte da discussão CHAUÍ 1994 p 127 A dialética tal como supracitado caracterizase pela oposição de argumentos tra tase de um embate que pretende a refutação da tese do adversário e por conseguin te culmina na vitória de um dos participantes No que tange à contrapartida dialética da argumentação retórica a presente proposta certamente se aproxima não da sofís tica mas sim da prática socrática de análise conjunta daquilo que é dito constituindo um discurso investigativo colaborativo em que apesar dos eventuais dissensos não há disputa 11 Etimologicamente convencer e persuadir são termos bastante distintos o primeiro significa vencer junto com o outro já persuadir diz respeito a falar à emoção do outro sensibilizandoo à ação Como arte de convencer e persuadir a retóri ca implica uma construção tanto no campo das ideias quanto no campo das ações Contudo entre os sofistas o convenci mento deixou de ser vencer com para se tornar vencer contra taríamos de recusar o procedimento padrão das pesquisas e produções filosóficas como um possível modo de atividade filosófica atrelado a uma certa imagem de Filo sofia Embora não compartilhemos da identidade de Filosofia que norteia a área hoje no Brasil não é o nosso propósito aqui simplesmente refutar o padrão vigente e dis seminador de uma maneira de filosofar Frisamos isso sim a necessidade de ampliar o leque de possibilidades de e na Filosofia abarcando o quanto possível a pluralidade de abordagens filosóficas Em contrapartida e de modo complementar não compactuamos com o juízo exclu sivamente pejorativo atribuído à atividade dos sofistas e largamente disseminado pela tradição filosófica Desta forma associar as pesquisas em Filosofia que ora criticamos com a sofística apenas reiteraria o caráter negativo dessa última Se defendemos as pesquisas em Filosofia como um sintoma de um único modo de vivenciar a Filosofia e portanto um filosofar bastante restrito e restritivo não é por considerar as pro duções filosóficas atuais como uma nova sofística Nas linhas que seguem procuraremos fundamentar ainda que brevemente as ra zões pelas quais atribuímos um sentido positivo à atividade sofística e por este viés aproximamola da concepção de Filosofia que perpassa este ensaio Os historiadores da Filosofia consideram os sofistas os primeiros professores fun dadores da pedagogia democrática mestres da arte da educação do cidadão CHAUÍ 1994 p 121122 Embora não possam ser identificados como um grupo organizado institucionalmente os sofistas eram aqueles que mediante pagamento ensinavam os interessados uma vez que eram dotados da arte ou técnica da retórica O sofista ensina e escreve porque tem um dom especial ou porque tem um saber a comunicar saber que é prático ou técnico A palavra sophistés vinha sempre acompanhada de um adjetivo deinós que significa maravilhoso espantoso terrível amedrontador Associado a sophistés deinós indica um poder hábil um poder para criar estratagemas e um poder de argumentar Aquele que é hábil em discorrer e argumentar é um deinós sophistés É um sofista Ensina as artes úteis aos homens e o faz usando uma arte espe cial a retórica que permite obter a atenção e a benevolência do interlocutor ou do ouvinte A palavra sofista não tem o sentido pejorativo que veio a adquirir muito mais tarde em Atenas CHAUÍ 1994 p 122123 68 69 A FILOSOFIA E A NOVA RETÓRICA ATIVIDADES DIALÓGICAS A tentativa de recuperar a força da sofística está embasada na imagem que temos da Filosofia e especialmente no papel que a argumentação ocupa naquela Ainda que não definamos Filosofia neste texto fazse necessário em alguma medida apresentar algumas características do fazer filosófico que nos permitam discutir a partir do recorte que nos foi proposto o tema cerne deste livro a saber o significado do filosofar hoje Defendemos que a atividade filosófica é constituída essencialmente por proble matização reflexão conceituação e argumentação O problema ocupa papel nuclear no filosofar sendo o movimento de identificação construção ou reconstrução do pro blema imprescindível à Filosofia Quando não há problema tampouco há filosofia PORTA 2002 p 26 E esse movimento implica reflexão o exercício de pensamento que de modo cuidadoso e criterioso se desdobra sobre si mesmo Tanto a formulação do problema quanto as tentativas de resposta a ele estão amparadas em conceitos E não se compreende a obra de um filósofo se não conhecemos os conceitos por ele criados ou apropriados13 Além disso se para um mesmo problema são inúmeras as respostas possíveis o que nos faz decidir por uma delas Ao oferecer razões para sustentar as ideias filosóficas a argumentação constituise como traço constitutivo de cada filosofia ocupando um lugar significativo nessa última Argumentação e Filosofia nessa perspectiva são indissociáveis E isso ocorre tam bém pela própria natureza de ambas comprometidas com a racionalidade e a razoabi lidade argumentação e Filosofia possuem caráter aberto logo não pretendem garan tir resultados consensuais eou fundamentações definitivas Ademais um dos tipos de argumentação a retórica é definida por Aristóteles como a faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasão Por isso dizemos que ela não aplica suas regras a um gênero próprio e determinado ARISTÓTELES 1979 1355b p 33 Isso significa que a retórica não tem objeto específico podendo ser aplicada sobre quaisquer objetos Muitos autores defendem que a Filosofia goza do mesmo estatuto não haveria problemas especifica mente filosóficos podendo a Filosofia tomar para suas problematizações objetos de diferentes naturezas Gostaríamos de ressaltar ainda outra característica da argumentação que se aproxi ma da concepção de Filosofia aqui adotada O mínimo indispensável à argumentação 13 Para autores como Deleuze e Guattari o traço não só característico mas distintivo da filosofia é a criação conceitual A filosofia mais rigorosamente é a disciplina que consiste em criar conceitos 1992 p 13 grifo dos autores A despeito da aspiração sofística de refutação das opiniões alheias interessa ao presente ensaio recuperar o legado sofístico pouco lembrado pela tradição filosófica12 de instaurar a desconfiança com relação às argumentações que se pretendem univer sais e associadas a uma verdade última Uma suspeita que se articula e se renova na atividade filosófica de investigação não estaria também a riqueza filosófica na plura lidade de argumentos conceitos pontos de vista mais do que no comprometimento com a verdade Além disso e por fim outro aspecto fundamental da retórica praticada pelos so fistas diz respeito ao pressuposto de que todos têm direito à opinião Contrapõese à tirania a qual impõe a opinião de uma única pessoa Esta associase à força aquela adota a dialética recorrendo a argumentos Em honra dos sofistas deve ser dito que a persuasão é pre ferível à força e à violência e que a retórica é por excelência uma arte democrática que não pode florescer numa tirania Por isso Aristóteles lembra que o nascimento da retórica em Siracusa coincidiu com a derrubada do tirano GUTHRIE 1971 p 188 apud CHAUÍ 1994 p 128 O legado positivo da retórica dos sofistas completase deste modo com a associa ção desta com a democracia e a não violência À medida que os argumentos substi tuem a coação e a força como forma de persuasão parecenos que a retórica pode ser de grande valia ao exercício filosófico a valorização positiva da argumentação remete sobretudo para a sua importância do ponto de vista pessoal e de cidadania ad quirindo o argumentar um valor sóciosimbólico relacionado a valores democrá ticos como o pluralismo a nãoviolência a liberdade e o direito às opiniões GRÁCIO 2009 p 120 Não seriam estes valores especialmente caros à própria Filosofia 12 Notase que também não se está aqui levando em conta o caráter moral da crítica feita pela tradição filosófica à re tórica Platão precursor e disseminador da imagem negativa atribuída aos sofistas não estuda as formas retóricas mas problematiza a visão de mundo na qual a retórica é um procedimento bemsucedido E sob este aspecto fundamentase o juízo pejorativo atribuído pela tradição filosófica à atividade sofística Para o propósito deste ensaio deixaremos de lado o legado negativo dos sofistas amplamente explorado na literatura da área Interessanos justamente recuperar ainda que com as ressalvas mencionadas o legado positivo da atividade retórica ensinada na Grécia antiga 70 71 uma discussão14 em que os interlocutores buscam honestamente e sem preconceitos a melhor solução de um problema controvertido PERELMAN OLBRECHTSTYTECA 2005 p 4142 grifos dos autores Nessa ótica argumentação e Filosofia aproximamse sob a égide do diálogo a argu mentação retórica como subsídio ao diálogo e a experiência do pensamento filosófico entendida como exercício dialógico Para tanto precisemos a noção de diálogo toman do por empréstimo as palavras de Walton 2006 p 4 Um diálogo é uma sequência de trocas de mensagens ou ato de fala cuja realização depende da cooperação entre os participantes Isso significa que cada participante tem a obrigação de trabalhar pela realização do próprio objetivo e de cooperar com o outro participante na realização do ob jetivo dele Em geral um argumento é considerado um mau argumento quando uma dessas obrigações básicas deixa de ser cumprida Notase que a boa argumentação na abordagem em questão requer a preocupa ção mútua entre os envolvidos os objetivos de todos os participantes devem ser não só considerados mas também cuidados Por conseguinte o diálogo com os outros suas objeções ou sua aprovação sua compreensão ou seus malentendidos represen tam uma espécie de expansão de nossa individualidade e um experimento da possível comunidade a que nos convida a razão GADAMER 2002 p 246 O diálogo assim entendido passa a ser o espaço em que ao compartilharmos as experiências do mundo encontramos no interlocutor aquilo que não tínhamos ainda atinado em nossa própria experiência E enquanto tal é para nós aquilo que deixou uma marca GADAMER 2002 p 247 Afinal como atesta Freire 2006 p 4351 O diálogo é o encontro amoroso dos homens que mediatizados pelo mundo o pronun ciam isto é o transformam e transformandoo o humanizam para a humanização de todos Desse ponto de vista gostaríamos de pensar a atividade filosófica como essencial mente dialógica15 Por um lado poderíamos interpretar a História da Filosofia como 14 É interessante notar que Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 distinguem debate confronto de teses contrárias de discussão diálogo no qual apesar da divergência de pontos de vista buscase uma saída comum aos envolvidos Contu do a dialética arte da discussão assume diferentes concepções ao longo da História da filosofia Como vimos a dialética sofística poderia ser associada à noção de debate dos autores supracitados enquanto a dialética socrática se aproximaria da noção de discussão Diante dessa imprecisão conceitual preferimos o termo diálogo para designar a troca de opiniões que depende da cooperação dos participantes 15 Essa consideração não exclui as demais características igualmente essenciais anteriormente atribuídas à filosofia problematização reflexividade e conceitualização parece ser a existência de uma linguagem comum de uma técnica que possibilite a comunicação Com efeito para argumentar é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor pelo seu consentimento pela sua participação mental PERELMAN OL BRECHTSTYTECA 2005 p1718 Em outras palavras a argumentação deve criar uma disposição para aquilo que versa voltandose para o outro Assim sendo a referida abertura para a alteridade possui no processo de persuasão não só importância psi cológica como também importância metodológica uma vez que estar disposto a ouvir é condição para toda argumentação O uso da argumentação implica que se tenha renunciado a recorrer unicamente à força que se dê apreço à adesão do interlocutor obtida graças a uma persuasão racional que não seja tratado como um objeto mas que se apele à sua liberdade de juízo O recurso à argumentação supõe o esta belecimento de uma comunidade dos espíritos que enquan to dura exclui o uso da violência Consentir na discussão é aceitar colocarse do ponto de vista do interlocutor é só se prender ao que ele admite e não se prevalecer de suas pró prias crenças senão na medida em que aquele que procu ramos persuadir está disposto a darlhe seu assentimento Como a prova retórica jamais é totalmente necessária o espírito que dá sua adesão às conclusões de uma argumen tação o faz por um ato que o envolve e pelo qual é respon sável PERELMAN OLBRECHTSTYTECA 2005 p 6169 A prática argumentativa pressupõe o reconhecimento do terreno do provável a consideração da liberdade de juízo de todos os envolvidos o olhar atento e o respeito aos diferentes pontos de vista bem como exige dos envolvidos no diálogo uma res ponsabilidade pela anuência das inferências realizadas e portanto uma autonomia intelectual Como salientado na seção precedente a argumentação pressupõe o direi to de todos à opinião sendo uma arte democrática que substitui a força a coação e a violência como recursos persuasivos A nova retórica inaugurada por Perelman e OlbrechtsTyteca resgata o significa do aristotélico do termo e cunha um novo sentido para a argumentação distanciada do viés analítico preponderante desde a modernidade a argumentação é considerada como discurso retórico que sem deixar de ser racional abrese ao múltiplo e ao não coercivo assumindose como provável Como tal só é possível no contexto dialógico E o diálogo tal como é focalizado aqui não deve constituir um debate em que con vicções estabelecidas e opostas são defendidas por seus respectivos partidários mas 72 73 clama o ensino aqui é uma encenação coletiva onde as funções de ator e plateia são a todo momento trocadas não apenas entre professor e alunos mas também entre o estudante e o estudado CEPPAS 2011 p 49 As situações de ensino de Filosofia podem ser formas de intervenção filosófica sobre textos problemas temáticas nas quais o que emerge é a relação que com ela mantêm aqueles que ensinam e aprendem Em uma aula filosófica procurase dar lu gar ao pensamento do outro Nesse contexto a Filosofia é construída dialogicamente e os velhos problemas são vivificados em seu registro filosófico e reconstruídos de modo significativo16 por cada um dos envolvidos Nessa perspectiva a Filosofia como disciplina pode ser justamente o lugar da indis ciplina filosófica tomada no sentido da leitura que MerleauPonty 1986 p 48 faz da filosofia socrática Sócrates tinha uma ideia diferente da filosofia não é um ídolo de que ele seja o guarda que deve pôla a salvo ela está na sua relação viva com Atenas na sua ausente presença na sua obediência desrespeitosa Sócrates tem uma maneira de obedecer que é uma forma de resistir Como obediência desrespeitosa ou por que não desobediência respeitosa a aula de Filosofia pode se constituir como espaço de resistência no qual diferentes concepções de Filosofia são vivenciadas sem qualquer preocupação quantitativa ou qualisficada ambiente de problematização de reflexão de argumentação dialógica de construção coletiva de conceitos de ressignificação de nossas experiências de mundo e de humanização Pois é impossível negar que a Filosofia claudica Habita a História e a vida mas quereria instalarse no seu centro naquele ponto em que são advento sentido nascente MERLEAUPONTY 1986 p 75 Nas infindáveis relações entre a Filosofia e seu ensino não poderia o filosofar indisciplinado adquirir seu senti do mais significativo e portanto mais vital REFERÊNCIAS ALVES D J A Filosofia no ensino médio ambiguidades e contradições na LDB Campi nas SP Autores Associados 2002 Coleção educação contemporânea ARISTÓTELES Arte Retórica e Arte Poética Trad Antônio Pinto de Carvalho Rio de Janeiro EdiouroTecnoprint 1979 CEPPAS F Desencontros entre ensinar e aprender Filosofia Revista SulAmericana de 16 Sobre a concepção de ensino de filosofia centrada na experimentação significativa dos problemas conferir o capítulo da autora intitulado Docência e formação em filosofia para pensar o tempo presente VELASCO 2014 um diálogo dos pensadores com seus pares com a tradição e com os problemas do seu tempo Por outro e de modo mais singular desejaríamos vivenciar o filosofar jus tamente como experiência dialógica o exercício amoroso e conjunto do pensamento em seu registro filosófico que nos possibilita pronunciar e ressignificar o mundo hu manizandonos FILOSOFIA COMO DISCIPLINA O LUGAR DO FILOSOFAR INDISCIPLINADO Como dito na seção que abre este ensaio a Filosofia hoje é institucionalizada e dis so decorre em grande medida a aceitação de um modo de se fazer pesquisa em Filo sofia Uma maneira de filosofar mais afeita ao pensamento fechado que à relação com o próprio saber Nas pesquisas acadêmicas do filósofofuncionário como expresso na epígrafe deste ensaio estão enfraquecidas as opções de vida e veladas as oportuni dades do pensamento A Filosofia é disciplinada e formas diferentes de filosofar são desencorajadas Não obstante Sempre aconteceu que mesmo aqueles que pretenderam uma filosofia absolutamente positiva só conseguiram ser filósofos na medida em que simultaneamente se recusaram o direito de se instalar no saber absoluto que ensinavam não este saber mas o seu devir em nós não o absoluto mas quando muito uma relação absoluta entre ele e nós MERLEAUPONTY 1986 p 1011 grifos do autor Quiçá seja recuperando o vínculo essencial entre o fazer filosófico e seu ensino que possamos reaver experiências múltiplas de pensamento filosófico e igualmente recu perar a relação absoluta entre o saber filosófico e nós Se o pesquisador em Filosofia é um funcionário o professor pode ser no espaço da sala de aula filósofo aquele que efetivamente e afetivamente pratica a Filosofia vivenciando o filosofar como experiência dialógica Ainda que saibamos dos limites institucionais nos quais também o professor está inserido como determinados conteúdos programáticos e sistemas de avaliação entendemos que Ensinar pode ser abrir um diálogo livre com os saberes com a tradição o convite para um exercício de pensamento o mais livre possível de qualquer amarra institucional Aqui a figurado professor não é a daquele que professa que pro 74 75 II O FILOSOFAR NO ENSINO DE FILOSOFIA EM QUE CONSISTE CONCRETAMENTE O FILOSOFAR PERSEGUIDO E VISADO NO ENSINO DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA A DISCUSSÃO E A BUSCA DA VERDADE OU A PRODUÇÃO DE DISCURSOS Filosofia e Educação número 15 nov2010abr2011 p 4454 CERLETTI A O ensino de Filosofia como problema filosófico Trad Ingrid M Xavier Belo Horizonte Autêntica 2009 CHAUÍ M Introdução à História da Filosofia Dos présocráticos a Aristóteles v 1 São Paulo Brasiliense 1994 DELEUZE G GUATTARI F O que é a Filosofia Trad Bento Prado Jr e Alberto Alonso Muñoz Rio de Janeiro Ed 34 1992 FREIRE P Extensão ou Comunicação São Paulo Paz e Terra 2006 GADAMER HG Verdade e Método II complementos e índice Trad Enio Paulo Giachi ni Petrópolis RJ Vozes Bragança Paulista SP Ed Universitária São Francisco 2002 GELAMO R P O ensino da Filosofia no limiar da contemporaneidade o que faz o filósofo quando seu ofício é ser professor de Filosofia São Paulo Cultura Acadêmica 2009 GRÁCIO R A Com que é que se parece uma argumentação Representações sociais do argumentar Comunicação e Sociedade v 16 2009 p 101122 MERLEAUPONTY M Elogio da Filosofia Trad António Braz Teixeira Lisboa Guima rães Editores 1986 PERELMAN C OLBRECHTSTYECA L Tratado da argumentação A nova retórica Trad Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão São Paulo Martins Fontes 2005 PORTA M A G A Filosofia a partir de seus problemas São Paulo Edições Loyola 2002 VELASCO P D N Docência e formação em Filosofia para pensar o tempo presente In PAGOTTOEUSÉBIO M S ALMEIDA R Org O que é isto a Filosofia na escola São Paulo Editora Laços Selo Képos 2014 p 1131 WALTON D Lógica informal Trad Ana Lúcia R Franco e Carlos A L Salum São Paulo Martins Fontes 2006 Coleção biblioteca universal 77 5 LA ENFERMEDAD DE LA FILOSOFÍA COMO PROYECTO CREATIVO EN EL PERÍODO CONTEMPORÁNEO Andrea Díaz Genis INTRODUCCIÓN H ay una enfermedad propia de la filosofía que puede explicarse en el devenir de su historia La filosofía se ha convertido en un discurso encerrado en sí mismo cuestión de especialistas el quehacer del filósofo da respuesta en su extre mo a procesos burocráticos dentro de la academia sin relación apenas con un afuera Más que de producción conocimiento o de saber es una especie de interlocución con lo ya dicho donde a veces a pie de página o en la propia ilación de sus pensamientos el investigador dice algo de lo que piensa Mucho menos es un modo de vida o algo que requiera la transformación espiritual de los sujetos que se apropian de ella No siempre fue así ni siempre es así y sobre todo si lo es no debe seguir siéndolo Revitalizar la filosofía rescatarla genealógicamentey prácticamente a sus altos destinos que la vin culan con la existencia humana sus dolores y sus alegrías es para nosotros fundamen tal Si nuestra actividad fuera terapéutica diríamos que el primer paciente a tratar es pues la misma filosofía tan cerca de la burocracia universitaria apenas sobreviviente y muy lejos de la vida y sus exigencias Hay en nuestros propósitos una tradición que quisiera rescatar y es precisamente la que entendía a la filosofía desde una perspectiva terapéutica recuperada de alguna 78 79 incentive el pensar inquiete remueve proponga caminos posibles para renovar nues tro trabajo habrá contribuido en algo Introduciremos en este diálogo con la filosofía tres principios de los que nos habla Foucault que nos parecen más que importante introducir si hablamos de crítica filosó fica rechazo curiosidad e innovación Rechazo de aceptar como evidente lo que nos propone Necesidad de saber y analizar todo Innovación que busca tanto en nuestra manera de pensar como la de actuar lo que nunca se pensó e imaginó FOUCAULT 2016 Por último agregamos nosotros hemos de estar atentos para evaluar si esta espe culación que hacemos no es sólo especulación sino que transforma o promuevela tras formación de la vida en este caso nuestra manera de ver y de vivir nuestra profesión Cuidadora C Oh inquieto Qué te trae a mi cueva filosófica sino alguna preo cupación ilusoria o real ya esto lo veremos está incluida la posibilidad de que lo real sea ilusorio y lo ilusorio real Inquieto I He perdido mi vocación ya no siento el fervor que sentía por la filo sofía que ha sido mi carrera durante 20 años Estoy en la mitad de mi camino con el máximo éxito académico He publicado durante años el número de artículos que se me exigía en inglés y en las mejores revistas arbitradas realmente no sé si alguien las lee es más estoy seguro que no pero puntean Estoy en el más alto nivel del sistema de investigadores el máximo nivel de la carrera del profesorado y de productividad El mayor rédito económico no dejan de invitarme para dar conferencias por lo que gozo de cierto reconocimiento internacional etc Pero heme aquí ya no tengo qué decir ni ganas de decir que es peor no le encuen tro sentido al decir C El mal que me presentas sí es un mal no sólo tuyo y parece un mal de nuestro tiempo Acaso la calidad ha de evaluarse y en todo caso ha de entenderse esto por medirse en términos cuantitativos Qué es la calidad académica en términos de filosofía I Una ficción que produce el sistema y que nos comió a nosotros mismos Inverti mos más en el control de la calidad que en la calidad misma C Vas por buen camino en tus reflexiones inquieto Creo que buscas algo que todos forma por la relectura del período griego helenísticoromano a partir del último Fou cault y P Hadot 200617 La filosofía fue durante todo el período helenísticoromano medicina del alma y los filósofos poseían una techné que era la techné to biou Un libro paradigmático en relación a este enfoque es el tratado moral de Séneca 1994 De la tranquilidad del alma Allí Sereno describe una enfermedad que podría ser una enfermedad de nuestra época intranquilidad angustia desasosiego y se vincula con un filósofo que es Séneca literalmente como su médico En este texto vamos a hacer algo que pretendemos sea creativo Rescataremos el modelo de diálogo entre Sereno y Séneca para recibir otro enfermo en la consulta que es la misma filosofía en nuestro tiempo según la vemos nosotros Un profesor de filosofía tiene un problema grande que le aqueja se ha convertido en un exitoso académico pero ha perdido su vocación o se ha perdido a sí mismo en ello ha olvidado aquello que le acercó a ser profesor de filosofía En los mismos síntomas de su enfermedad que le llevan a ser perfecto académico excelentemente valorado encontramos la misma crisis de una filosofía que en los devenires actuales no se conecta con la perplejidad y complejidad de los asuntos humanos y que se identifica burocráticamente con las exigencias del aparato universitario Podrá sobrevivir o resistir nuestro filósofoa a su tarea o deberá dejar la academia para recuperar sus fuentes de inspiración Podemos vislumbrar un futuro sin blancos y negros donde sólo es posible sobrevi vir a la academia con ella o pesar de ella y hacer sobrevivir la filosofía conectándola con el afuera con las grandes preguntas que la constituyen con el trabajo con otras disciplinas con la conquista de nuevos ámbitos para el filosofar La filosofía es para nosotros un proyecto de formación humana éticopolítico y como tal ha de resistir a la cosificación y retomar su posibilidad de ser una forma de terapéutica de la cultura18 La misma academia está enferma y seguirá estando enferma si continúa por este cami no que terminará destruyendo a la misma cultura Tendremos sí mucha academia pero nada nuevo bajo el Sol Luego para qué queremos académicos así si en el futuro pró ximo harán mejor su trabajo las máquinas los robots filosóficos de turno que seguro serán más eficaces a la hora de obtener excelentes puntajes académicos Nuestro Séneca contemporáneo hará su diagnóstico pero no será filósofo sino filó sofa y se llamará Cuidadora y qué ha de cuidar sino a la misma filosofía de una ma nera de hacerla que de continuar la suprimiría Y nuestro interlocutor será Inquieto y no Sereno Si en este diálogo entre una filosofa y nuestro interlocutor sale algo que 17 Sobre este tema mucho tiene que aportar el último Foucault cuando habla del momento cartesiano en la Historia de la Filosofía Dice Foucault 2006 p 38 en La Hermenéutica del Sujeto Tal como en lo sucesivo la verdad no es capaz de salvar el sujeto Si se define como la forma de práctica que postula que tal como es el sujeto no es capaz de verdad pero que ésta tal como es es capaz de transfigurarlo y salvarlo diremos que la edad moderna de las relaciones entre sujeto y verdad comienza en el día que postulamos que tal como es el sujeto es capaz de verdad pero que ésta tal como es no es capaz de salvarlo 18 Ver nuestro libro La formación humana desde una perspectiva filosófica Inquietud cuidado de sí y de los otros Autoconocimiento DÍAZ GENIS 2016 80 81 cuidar y es a la misma filosofía de los supuestos filósofos Y hay algo de lo que cuidar se de la colonización del pensamiento y la pérdida de la escucha Pero sobre todo hay que rescatar la posibilidad de darse a sí mismo el crédito de que unoa puede tener una voz válida y acreditada para el decir filosófico I Todo parece ser muy antifilosófico Es que en definitiva la academia filosófica promueve lo antifilosófico C A qué llamarías antifilosófico I Desde la crisis que tengo debería contestarte sintéticamente La crisis se presen ta por medio de la no promoción en nuestro quehacer académico de la creación perso nal desde las preguntas filosóficas de nosotros y de nuestro contexto o circunstancia C Tema viejo para la filosofía que se reedita una y otra vez pero ahora parece tener nuevas implicancias Pero sigamos con tu discurso Háblame de tus maestros I Mis maestros promovían el filosofar No recuerdo bien el contenido de sus en señanzas pero síque me trasmitieron su pasión Para ellos la filosofía no era un conjun to de tratados o discursos o no lo era solamente Recuerdo un viejo profesor que hoy considero uno de mis maestros que decía así como unos son cristianos otros son bu distas yo he elegido a la filosofía como forma de vida y esto tiñe todas mis acciones C La filosofía parece en esa definición convertirse en algo así como una espiritua lidad laica I Y ahora que lo dices sí espiritualidad en el sentido que hablan hoy Pierre Hadot y bajo su influencia el último Foucault20 Algo que transformaba al sujeto y exigía su con versión mediante la búsqueda de la verdad Pues no sólo de conocimientos o saberes se trata ni sólo de desarrollo de habilidades cognitivas se trataba de pasión de modo de vida de transformación de la subjetividad C Por tu discurso pareciera que existe una promesa implícita al comienzo de la carrera pero luego termina siendo otro el asunto Lo que quiero decir es que se te pes ca con un tipo de anzuelo y luego en el devenir de la profesión el quehacer cambia incluso contradice el origen I Ahora entiendo la contradicción de la que hablas puede ser algo que se hizo síntoma expresado en el desengaño y el desgano a la hora de seguir construyendo mi carrera Y ahora qué hago con la falta de inquietud que ahora mismo siento en la producción del artefacto académico tampoco puedo llamarle a esto ideas Muchas más con las ganas que siento de abandonarlo todo 20 Ver Foucault 2006 y Hadot 2006 buscamos Vivir apasionadamente vivir con sentido Que no es lo mismo que tener éxito I Cuando comencé mi carrera me hervía la sangre El hecho de poder estar en el futuro con jóvenes y hacerles sentir esta pasión que sentía me conmovía en lo más profundo Recuerdo las primeras clases que tuve La emoción que sentía si aparecía allí un pensamiento filosófico en los jóvenes que fuera genuino Y sobre todo que al canzara su existencia que los convirtiera o transformara C Supongo que tal vocación profesoral tuvo su comienzo en una especie de conta gio o en un dejarse afectar por otro He de pensar que las grandes vocaciones nacen de los influjos de un maestro si es que se puede seguir hablando de vocacióny de maestro hoy día y no está pasado de moda I Por supuesto que tuve grandes maestros pero la pasión por la filosofía siempre estuvo en mí Ella nace como decía Aristóteles19 del asombro de las grandes pregun tas que nos hacemos sobre la existencia En mi caso a los 15 años me preguntaba por la cuestión religiosa dudaba de la necesidad de la hipótesis de Dios También por mis preguntas sobre la libertad y el determinismo por el sentido o los sentidos de la existencia etc C Supongo que aunque hayan cambiado las preguntas aun las tienes I Por cierto que las tengo pero no tienen lugar para ser expresadas se tornaron cosas personales que no están presentes en mi modus operandi profesional o en mi investigación en mi producción de textos etc C O sea que no hay preguntas ligadas a un quehacer académico I Las hay mas no las propias C Mmm ya veoVolveremos a esto luego pero sigamos con los maestros I Me siento sediento en un desierto rodeado de oasis y sin poder tocar el agua Tuve las herramientas para desarrollar un pensamiento propio pero no lo hice la academia me tragó y nunca me promovió desarrollarlos No te olvides que no hablamos ni inglés ni francés no pertenecemos al centro del mundo estamos en la periferia somos co mentaristas de comentaristas y así naciera en estas tierras un gran filósofoa seguro que no lo veríamos tan preocupados estamos por conocer lo último de lo último de la metrópolí del sector y perspectiva que cultivamos que nos hemos cerrado a la es cucha no colonizada del pensamiento C Mmm escucha no colonizada del pensamiento Por lo que veo hay algo que 19 Aristóteles 2014 82 83 arbitro ciego y si no pasa por ello no vale C Qué es esto I Alguien que no te conoce y juzga independientemente la calidad de lo que haces C Y quién juzga al que te juzga I Otros y a estos otros y así ad infinitum C Ay si se enterara Aristóteles24 Debemos evitar el regreso ad infinitum I No nos engañemos son paradigmas los que triunfan o enfoques podríamos ser juzgados por uno que sea amable a nuestras producciones y otro que no lo sea Más allá de cantidad de elementos que pueden hacer a la calidad y rigurosidad de un dis curso filosófico C En mi visión de la filosofía nadie podría juzgarte si no te conoce y en definitiva lo importante no es juzgarte como producto sino valorar tu proceso de búsqueda No en contra de vos sino contigo como un proceso de crecimiento vital I Estamos hablando de concepciones diferentes de la filosofía A la academia le im portan los resultados su idea de rigor y calidad tiene que ver con corrientes o paradig mas triunfantes Le interesa en todo caso los papers que el mundo se llene de papers C Me es difícil habituarme a esta manera de ver el mundo es más pienso que no cuida lo más valioso que tenemos nuestra vida Valorarla implica producir mediante un proceso de examen y una práctica de vida un individuo lúcido despierto que pue da ser libre y autónomo que tenga una vida buena o digna de ser vivida Se interrumpe el diálogo que continuará en otra oportunidad APUNTANDO CONCLUSIONES REFLEXIONES A PARTIR DEL ENCUENTRO ENTRE CUIDADORA E INQUIETO Cualquier parecido a la realidad en este diálogo es realmente mera coincidencia Nuestra experiencia de ser profesores de filosofía descentrados en ambos mundos tanto el de cuidadora como el del profesor agobiado por la burocracia nos hará buscar una salida intermedia Aunque quizás no la haya y sean incompatibles los caminos de la filosofía y de la institución como han mencionado tantos filósofos ejemplo paradig mático de ello son Spinoza Nietzsche o Schopenhauer que renunciaron a la academia 24 Ver Aristóteles 2005 C Vayamos despacio con esta terapéutica Pues en definitiva el acusado no es sólo tu profesión y tu vida sino formas diametralmente opuestas de hacer filosofía que quizás no se nieguen una a la otra sino que convivan entre sí necesitándose o sobrevi viendo bajo complejas circunstancias en ciertos modos de resistencia I No deberíamos abdicar en este diálogo sincero como dice Foucault hasta cues tionarlo todo ser curiosos ante todo y no dejar de innovar21 y por qué no lograr resultados que transformen o sanen nuestro modo de hacer filosofía C Oh caro inquieto tus pretensiones son altas Déjame decirte algo de mí No soy profesora titular ni investigadora ejerzo la antigua profesión de la cura a través del diálogo como profesión filosófica y de un modo educativo y socrático a través del diálogo Mi modo de sustento material no es la filosofía pero si me gano la vida con ella Como decía un amigo no es lo mismo ganarse el pan que ganarse la vida hay tanto gana pan que pierde la vida Considero aunque ya este modelo haya perimido que la filosofía es una forma de resistencia creativa que combate los ídolos de nuestro tiempo éxito dinero consumo posición status He evadido la posibilidad con un modo de vida muy austero de explotarme a mí misma22 Vivo con lo necesario y digo como Sócrates cuando fue al mercado cuantas cosas no necesito23 Sobre todo tengo tiempo Que es lo más valio so y lo uso para indagarme a mí misma y a los demás Me sigue pareciendo como en la antigüedad que lo más importante es aprender a cuidarse y a cuidar y que la filosofía tiene muchas armas para ayudar en esa empresa I Seguro cuidadora que no tienes lugar en la academia pero sí en mi corazón no me parece que haya tareas más necesaria en este momento Pero la filosofía en la academia hoy es otra cosa Hay dinero invertido debemos dar cuenta de un saldo positivo en la relación entre lo invertido y los resultados obtenidos Estamos ante una cultura que busca resultados balanza favorable entre in putout put Y los resultados en la academia filosófica deben ser medibles igual que en las demás humanidades pues estas disciplinas son un lujo no sujeto al despilfarro Y medible quiere decir artículos en revistas arbitradas e indexadas tutorías de tesis de posgrado ponencias nacionales e internacionales Por último libros porque los libros valen menos que los artículos o a veces no valen C Qué quieres decir no entiendo Es un absurdo I Que los libros pueden ser excelentes pero hoy día lo que califica el valor es el 21 Ver Foucault 2016 22 Ver sobre esta autoexplotación en Han 2012 23 Ver Laercio 2007 84 85 sin las cortapisas de la academia Un espacio para el filosofar que seguramente mucho tiene que ver con el ensayar experimentar posibilidades en el pensamiento y en la realidad aunque sabemos que el pensamiento es también una realidad y la realidad está poblada por pensamientos que se efectúan o acontecen No nos podemos resignar a ser meros burócratas pues si es así prefiero que no haya cátedras de filosofía son absolutamente prescindibles es más son nocivas pues allí no se hace más que reproducir lo existente sin cuestionamiento Mejor que no se le llame filosofía a su contrario Ahora mientras haya intersticios hay esperanza hay resistencia hay posibilidad de novedad La filosofía no se lleva con la burocracia pues ésta es antifilosófica Mas es esto posible No sin estupor he escuchado a compañe ros y a mí misma decir que estamos esperando la jubilación para poder desarrollar una obra Es todo un síntoma de un malestar docente y de investigación Conocí fueron algunos mis maestros a una generación que no creaba pues no podían llegar al nivel de Dostoievski o de Marx tan alta era su exigencia Ahora por lo contrario todo el mundo dice algo aunque no tenga nada qué decir pues estamos obligados a escribir papers que poblaran los cementerios de tinta del mundo académico No hay verdadera escucha ni lectura de uno entre los otros Las revistas arbitradas no están ahí necesa riamente para ser leídas puede haber excepciones mas generalmente no hay mucho tiempo para esto a no ser que utilitariamente alguien quiera leer un artículo que viene a propósito de su tema sino para depositar artículos generar puntos conseguir mé ritos Lo mismo está pasando con los Congresos Difícilmente vamos a un Congreso a aprender a escuchar a otros salvo los encumbrados o las ponencias centrales sino para obtener un puntaje La lucha por la sobrevivencia académica es inversamente proporcional al goce y a la creatividad Cómo ser creativo sino he aprendido a escuchar la propia voz o a desarrollar nuestras propias preguntas que nacen de una necesidad Cómo gozar de lo que es obligado e impuesto Recuerdo otra vez a Montaigne cuando dice que la filosofía no es seria ni tiene que ver con esos espíritus pesados y ceñudos recuerdo ahora el espíritu de la pesantez de Nietzsche sino que debe verse en el cuerpo ágil y vital debe reflejarse en la salud del alma no siendo esto dos cosas opuestas MONTAIG NE 2011 Y sí el filosofar en antigüedad era espontáneo Se hacía mientras se estaba comiendo con otros en una fiesta paseando De tal forma que esa vida examinada Sócrates dixit que era la filosofía PLATÓN 2014 se prolongaba en la vida cotidiana formaba parte de ella de un proceso espon táneo y no de algo premeditado e impuestoNo todos claro tenían las condiciones y las ganas de hacerlo pero se supone que la vida examinada estaba allí para mejorar la vida de los sujetos26 Puede que alguien nos diga que la filosofía de la que hablamos 26 Sobre este tema ver nuestro libro Díaz Genis 2016 para ser ellos mismos Pero no basta con renunciar hay que cuestionar a fondo la pedagogía antifilosófica que puebla nuestros modos de ser docentes y nuestras carreras de investigador Y que no sólo se reduce a la filosofía sino a la enseñanza universitaria en general Se nos entrena básicamente para ser más o menos buenos repetidores del pensamiento generado en las metrópolis del conocimiento El confun dir hacer filosofía con hacer historia de la filosofía pero podría ser de las Letras de la Lingüística del Derecho de la Física de la Astronomía etc termina reprimiendo la creación Se supone que si queremos decir algo antes deberíamos leer todo lo que se ha dicho sobre ese algo Lo cierto es que si teníamos ideas en ese largo camino del aprendizaje de la alteridad conceptual ya queda aplastado nuestro interés y capaci dad de producir algo nuevo La filosofía y su enseñanza han producido un verbo que tiene un brillo muy especial filosofar Se puede filosofar libremente o se ha de filosofar a partir de una tradición Obviamente que la filosofía en la academia se inclina por lo segundo en el mejor de los casos o simplemente se debe aprender bien la tradición y discutir con ella más o menos a pie de página y punto El filosofar sin esa base nos podría dar la impresión que realmente sabemos algo o creamos algo pero sin hacerlo realmente Nadie en su sano juicio podría estar contra el aprendizaje de la historia de la fi losofía pero esta no puede ir en detrimento del desarrollo del pensamiento libre de la producción y creación conceptual Incluso se lee para subvertir lo que el otro dice para no respetarlo Podríamos reconocer en estos pensamientos la influencia de un Deleuze Nietzsche o Foucault En toda enseñanza de la filosofía sus aprendices han de poder viajar solos a algún sitio lejos de la aplastante cita bibliográfica Han de poder entrenar aunque inmaduros a la posibilidad de crear una filosofía propia No importa que no lleguemos a ser Hegel Nietzsche o Platón Pero no podemos decir que la po sibilidad humana de pensar buscar un ángulo propio desde donde las cosas puede mirarse perspectivizar podríamos inventar este neologismo a partir de Nietzsche y la hermenéutica gadameriana25 filosofar sobre todo e incluso crear conceptos DE LEUZE 1993 Al decir nosotros estas cosas no tenemos más remedio que nombrar a los filósofos que la inspiran Pues si no podría cometer este pecado tan mal visto en la academia de creer que es nuestro un pensamiento cuando no lo es Mas esto es discutible Nuestro gran ensayista Montaigne 2011 decía en el siglo XVI algo que nos puede hacer pensar Tenemos el derecho a decir algo sin citar pues cuando ya es tan nuestro el pensamiento ya no pertenece al autor sino a nosotros Esto en la época del plagio y de la cita académica no es bien visto Mas podemos darnos al menos un espacio en la clase de filosofía o en la enseñanza en general para desarrollar un pen samiento libre espontáneo no obligado o sujeto a todos los controles burocráticos 25 La noción de perspectiva en Nietzsche o de horizonte en Gadamer 86 87 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES Física México UNAM 2005 Metafísica Madrid Alianza Editorial 2014 DELEUZE G Qué es la filosofía Barcelona Anagrama 1993 DÍAZ GENIS A La formación humana desde una perspectiva filosófica Inquietud cuidado de sí y de los otros Autoconocimiento Buenos Aires Biblos 2016 FOUCAULT M La hermenéutica del Sujeto Buenos Aires FCE 2006 El Origen de la Hermenéutica de Sí Conferencias de Darthmouth 1980 Bue nos Aires SXXI 2016 HADOT P Ejercicios Espirituales y Filosofía Antigua Madrid Siruela 2006 BYUNGCHUL H La sociedad del cansancio Madrid Herder 2012 LAERCIO D Vida de los filósofos más ilustres Madrid Alianza Editorial 2007 MONTAIGNE M Ensayos Barcelona Acantilado 2011 NIETZSCHE F La Gaya Ciencia Madrid Tecnos 2016 PLATÓN Apología de Sócrates Madrid Gredos 2014 SÉNECA De la tranquilidad del alma En Tratados Morales Ciudad de Mé xico UNAM 1994 murió O que esto y la academia son cosas incompatibles Si este ensayo vale la pena por algo es para decir que no murió Y que pervive bajo otras formas Que los profe sores e investigadores de filosofía tenemos algo de la chispa de esta tradición y que no debemos resignarnos a adaptarnos a un sistema que va en contra de la creación filo sófica libre Debemos abrir una grieta en las prácticas de clase en las investigaciones que hacemos para que se abra la posibilidad de creación a partir de nuestras propias indagaciones y preguntas si no ya podemos resignarnos a asistir al velorio de la filo sofía sin haber reconocido al muerto recuerdo algo que decía Nietzsche con relación al Dios ha muerto y que nosotros aplicamos a la filosofía seremos los sepultureros de la filosofía aunque no nos hemos enterado de que la hemos matado27 No hay una cuidadora fuera de nosotros sino interna Debemos cuidar a la filosofía de la práctica burocrática de la academia Los profesores que para mí realmente valen la pena son aquellos que a pesar de estar en entornos hostiles a la creación filosófica se resisten Y su resistencia se hace imprescindible si queremos que la novedad irrumpa en nuestro pensamiento Sino abdiquemos dejemos que las máquinas hagan eso que se llama filosofía académica seguro lo harán mejor Eso sí que los insurrectos sigan fuera de la academia si no hay otro remedio Prefiero filosofía afuera viva que adentro muerta 27 Nietzsche 2016 89 6 O ENSINO DE FILOSOFIA UMA CERTA RELAÇÃO COM A VERDADE Pedro Gontijo O SENTIDO DO FILOSOFAR COMO SENTIDO EM DISPUTA A questão que me move aqui diz respeito ao sentido do ensino de Filosofia espe cificamente à pergunta em que consiste o filosofar perseguido e visado no en sino da disciplina de Filosofia a discussão e a busca da verdade ou a produção de discursos Para tal discuto sobre o filosofar e o ensino de Filosofia acentuando ora um e ora outro porém entendendo que existem implicações recíprocas em quaisquer inferências feitas sobre um ou outro pois o modo como se concebe a Filosofia ou o filosofar tem implicações para pensar o ensino de Filosofia e viceversa A definição de sentido para as práticas humanas ocorre no entrelaçamento de for ças que disputam tais sentidos na sociedade Não há definição de sentido que não seja construída nesse embate Isso ocorre com o conjunto da educação e também com a Filosofia que é ensinada nas escolas Desde cada docente em sua sala de aula desde cada instituição formadora de docentes de Filosofia até as definições curriculares na cionais constituemse fluxos de produção de sentido em diferentes direções para as práticas educativas Já me deparei com a necessidade de pensar com essas questões28 sobre o sentido com diferentes focos mas elas fazem parte da atividade continuada de quem trabalha com ensino de Filosofia e retornam com novos desafios 28 Cf Gontijo 2003 2006 2015 e Gontijo e Valadão 2004 90 91 sabendo que não se resume a isso estaríamos de alguma forma dizendo que faz parte do papel do ensino de Filosofia a preparação para um sistema de colocação profissional supostamente meritocrático Diferente disso poderia ser interessante que se apresentasse para a Filosofia a proposta de uma formulação de sentido a respeito da necessidade de se repensar essa suposta sociedade do trabalho Aliás pesquisas alertam29 há alguns anos que cada vez mais o trabalho ou seja a venda da força de trabalho mesmo precarizada está diminuindo ou se transformando Talvez mais que o mundo do trabalho seja necessário pensar o mundo póstrabalho como o conhecemos Tem mundos mais amplos que o mundo do trabalho para serem pensados nas aulas de Filosofia Talvez o tal mundo do trabalho seja uma verdade que não cabe questionar apenas aceitar Podese perguntar se o tal mundo do trabalho faz parte de alguma essência humana ou se seria constitutivo inequívoco da condição humana Tal tema é por demais controverso e ainda pouco debatido nas práticas sociais e educa cionais dado que o consenso construído ou imposto a respeito da centralidade do tra balho na vida humana é demasiadamente hegemônico Esse é apenas um dos aspectos a se pensar sobre a presença da Filosofia na sala de aula e portanto do sentido que pode ser dado a ela e de sua relação com verdades A transformação histórica na transmissibilidade da Filosofia também expressa uma multiplicidade de sentidos para seu ensino De um ensino na antiguidade vinculado a escolas em que os mestres ensinavam sobretudo suas filosofias e seus modos de vida a um ensino que é parte do sistema educacional da sociedade e a uma relação não é mais entre mestres e aprendizes de uma filosofia mas sim entre o professor de algo aparentemente genérico Filosofia e estudantes que pelas diretrizes edu cacionais devem ser apresentados às filosofias construídas ao longo da História há sentidos em mutação A Filosofia poderia ficar confinada aos espaços acadêmicos de nível superior e nes te caso restrita a um grupo bastante pequeno de pessoas Segundo relatos de colegas em Brasília a graduação em Filosofia era há poucas décadas acessível apenas como segunda graduação Não se ingressava no curso por vestibular o que tornava seu acesso ainda mais restritivo Mas ao mesmo tempo temos uma história de defesa da presença da Filosofia nas escolas Os anos noventa do século passado e a primeira década deste assistiram a movimentos em todo o Brasil para que aqui como ocor re em outros países a Filosofia pudesse ter um espaço na formação da juventude30 Em vários lugares essa presença da Filosofia não se restringe ao Ensino Médio pois implantaramse programas de ensino de Filosofia para crianças de diferentes idades 29 De Masi 2001 Neves 2007 e outros autores têm tratado das transformações no mundo do trabalho Alguns são mais apocalípticos outros mais otimistas mas há um consenso de que grandes transformações estão em curso 30 Uma indicação sobre como a Filosofia foi ocupando espaços na primeira metade da década passada é o mapeamento publicado por Gontijo et al 2004 Faço aqui uma seleção de interlocutores e argumentos que permite uma entrada modesta nesse debate mas que pode ao menos demarcar algum território A primeira questão é uma explicitação a respeito da própria pergunta pelo sentido dessa ativida de ensino de filosofa como faz Cerletti 1999 p 149 quando escreve que Nós que nos dedicamos ao ensino da filosofia temos como habituais acompanhantes na nossa vida profissional duas perguntas muito simples que parecem ser as orientadoras de nossos passos didáticos mais decididos mas também de nossas preocupações filosóficas mais reiteradas Como en sinar O que ensinar Ensinar filosofia supõe pôr em ação uma atividade ou uma prática a partir de certas questões que não estão constituídas como um campo fechado de sa beres e como essa atividade é também seu próprio obje to abordar os desafios do que e como tornase uma tarefa complexa mas por sua vez constituem desafios filosóficos sugestivos que evitam se estamos alertas que entremos em uma rotina asfixiante Essa elaboração feita por Cerletti pode nos fazer pensar ou nos sugere pensar que na Filosofia e portanto no seu ensino são questões abertas perenemente tanto o que diz respeito àquilo que a constitui quanto o que se refere ao como pode ocorrer sua transmissão Os aspectos pragmáticos inclusive podem ser pensados ao se postular que o como ensinamos a Filosofia ou seja a relação que estabelecemos com os estudantes tornase uma metacomunicação sobre a Filosofia que ensinamos Então a relação toda que a instituição escolar tem com os estudantes na organização do trabalho pedagógico tem implicação na imagem e no sentido da presença na escola da Filosofia que é ensinada ultrapassando inclusive o que ocorre na sala de aula com a Filosofia Com isso quero dizer que não são apenas o docente de Filosofia e suas tur mas que definem o sentido do aprender Filosofia mas o conjunto da escola na forma como o trabalho pedagógico é organizado e no que é expresso em práticas cotidianas mesmo quando não definidas institucionalmente Isso ocorre com tudo que é feito nas diferentes disciplinas Quando lemos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional BRASIL 1996 especificamente no Art 2º que a educação escolar deverá vincularse ao mundo do trabalho e à prática social isso parece indicar que a escola pode ter por papel o desenvolvimento de algumas competências e habilidades necessárias para que as pes soas tenham sua inserção num mercado de trabalho que hoje é altamente competitivo e cada vez mais restrito Se tal fosse a tarefa da escola como um todo parece implícito que aí também residiria um sentido para a Filosofia que é ensinada na escola Mesmo 92 93 o seguinte trecho de uma entrevista dada por ele à Revista do Expresso que a publicou em 11 de outubro de 2008 Acho que na sociedade actual nos falta filosofia Filosofia como espaço lugar método de reflexão que pode não ter um objectivo determinado como a ciência que avança para satisfazer objectivos Faltanos reflexão pensar precisamos do trabalho de pensar e pareceme que sem ideias não va mos a parte nenhuma SARAMAGO 2010 sp Poderíamos aventar que Saramago ajuda a defender uma ideia de se buscar um sentido para a Filosofia diferente do sentido que se propõe para as ciências Haveria alguma neces sidade da Filosofia como reflexão espaço método e algo mais para que se possa pensar pois parece supor a necessidade de ideias para apontar rumos à sociedade Mesmo sem desenvolvêla muito podemos nos deixar inquietar por essa preocupação de Saramago autor de singular produção literária que promovia no que escrevia interessantes provoca ções ao pensar Eis um sentido interessante pensar e fazêlo sem um sentido pragmático Pensar para gerar ideias que podem estar faltando O jornal Estado de S Paulo publicou no suplemento Aliás do dia 28062015 ins tigante texto do filósofo brasileiro Oswaldo Giacoia que começava com as seguintes palavras uma constatação sobre o momento presente O ritmo da modernidade é marcado pela intensificação da agitação em escala global do ativismo e do falatório carac terísticos do estilo de vida em sociedades tecnologicamente desenvolvidas Nossa cadência é determinada pela veloci dade operante nos circuitos informativos e comunicacionais nos quais estamos enredados Como disse o filósofo Adauto Novaes somos uma civilização de falastrões que se obstina em Facebooks celulares conversas virtuais tuites escritos na cadência da fala ao contrário de Macunaíma já não te mos mais que aprender o português escrito e o português falado Nunca se falou e escreveu tanto multiplicandose a injunção à bavardage pelos meios e canais mais diversos acelerando vertiginosamente a temporalidade e proliferan do espaços imateriais de fala e escrita conectados em redes sociais de amplíssimo alcance O WhatsApp em especial tornouse mania uma irresistível solicitação que nos man tém permanentemente online fazendo desaparecer nossas horas de estudo e contemplação alterando nossas noções de urgência e emergência GIACOIA 2015 sp e anos de escolarização Essa presença da Filosofia fora da academia ainda assiste a outras iniciativas como publicações difundidas em bancas de revistas e instituições não acadêmicas que promovem a difusão da Filosofia por meio de cursos palestras e publicações Todas essas iniciativas estão implicadas nessa disputa pelo sentido da Filosofia e de seu ensino Se voltamos ao discurso oficial do Ministério da Educação sobre a escola para bus car sentidos da presença da Filosofia nessa instituição podemos delinear um pensar sobre o Ensino Médio reforçando tópicos constituintes do papel da escola como a socialização de saberes sistematizados a apropriação crítica dos saberes o colocar em interação o saber científico filosófico e artístico com o universo das experiências e saberes prévios de estudantes o educar pela forma como se organiza o trabalho peda gógico o educar pela forma como se organiza a gestão democrática em seu interior e sua relação com a sociedade como um todo e com a comunidade geograficamente pró xima Inferese nesse contexto um papel específico para a Filosofia nas Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio BRASIL 2006 p 26 Cabe então especificamente à Filosofia a capacidade de análise de reconstrução racional e de crítica a partir da compreensão de que tomar posições diante de textos pro postos de qualquer tipo tanto textos filosóficos quanto tex tos não filosóficos e formações discursivas não explicitadas em textos e emitir opiniões acerca deles é um pressuposto indispensável para o exercício da cidadania Na versão da LDB antes da aprovação da obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia nas escolas de Ensino Médio havia uma proposição que dizia que os estudantes deveriam aprender os conteúdos de Filosofia necessários ao exercício da cidadania No trecho acima das OCNEM também se faz uma menção explícita a res peito da relação entre a Filosofia e a cidadania O que parece faltar lá como aqui é uma abordagem que sinalize para a Filosofia a própria necessidade ou possibilidade de problematizar o próprio conceito de cidadania O FILOSOFAR COMO UM PENSAR PROVOCADO Mas qual é a demanda para a Filosofia O que se pede a ela para que se defenda sua presença na escola Essa resposta pode ajudar a mapear sentidos para sua pre sença em diferentes lugares Também aqui há uma profusão de respostas No blog do escritor português José Saramago foi publicado no dia 18062010 dia de sua morte 94 95 cação e da palavra Ele acredita que seja necessário um outro tipo de resistência O importante talvez venha a ser criar vacúolos de nãocomunicação interruptores para escapar ao controle DELEUZE1992 p 217 Em uma entrevista de 1988 ao explicar o motivo de não gostar de viajar muito Deleuze 1992 p 172 disse que é preciso não se mexer demais para não espantar os devires Aqui também podemos pensar sobre implicações em nossa relação com nossa época que parecem corroborar o que nos propôs Giacoia Esse sentido aqui poderia ser postulado como o criar os desvios de fala os silêncios os vacúolos de nãocomunicação e os interruptores Se com o proposto por Giacoia tí nhamos a ideia de uma resistência à velocidade aqui temos uma resistência à comunica ção ao menos ao modo como ela impera nas redes sociais e nos meios de comunicação em geral Tratase de outra característica desse modo de vida que vai se desenhando O FILOSOFAR COMO UMA RELAÇÃO COM O QUE É CHAMADO DE VERDADE Tantas verdades já foram afirmadas e tantas não suportaram o passar dos anos com o desenvolvimento de pesquisas a elaboração de novas perspectivas de abordagem Daí que a Filosofia não tem compromisso com qualquer discurso que se apresente como verdade mas sim com a compreensão de como os discursos percorrem caminhos que os fazem funcionar como verdadeiros Se tentássemos dizer isso mudando o foco do ensinar para o aprender poderíamos dizer que na Filosofia não se aprendem verdades mas aprendese como os discursos se constituem como verdades que dispositivos e em que contextos garantem a alguns discursos a legitimação como verdade Aprendese uma relação com o que é tido como verdade e verdadeiro Foucault pode nos ajudar nessa justificação Podese dizer que Foucault foi um pesquisador cujos temas são difíceis de ser en quadradas em alguma área do conhecimento ou podese dizer que eles repercutem em diferentes áreas como psicologia psiquiatria criminologia sexologia sociologia ciência política linguística e antropologia Porém percebese claramente o viés filosó fico perpassando suas abordagens num cuidadoso trato conceitual Um movimento de pensamento desinstalando as coisas dos lugares comuns E isso interessa aqui ao se pensar o sentido do filosofar e do ensino de Filosofia Dentre os conceitos mais signifi cativos na obra de Foucault um que perpassa o conjunto de sua obra é o conceito de verdade Vou aqui apresentar e comentar rapidamente dois trechos do filósofo O primeiro é um trecho da entrevista intitulada Verdade e Poder publicada no Brasil na obra Microfísica do Poder que foi organizada por Roberto Machado Nela afirma Foucault 1990 p 12 que a verdade é deste mundo ela é produzida nele graças a Recorrendo a Nietzsche o autor diagnosticava cirurgicamente essa conjuntura essa curiosidade generalizada esse anseio pela novida de que torna tudo imperiosamente urgente é um sintoma de corrupção do gosto e embotamento de corações e men tes indício de uma ausência de pensamento em que só há percepção para o elemento quantitativo para a maximiza ção de performances numa alucinada e constante busca de satisfações imediatas GIACOIA 2015 sp E pouco mais a diante alertava que paradoxalmente é preciso parar e pensar e isso é uma tarefa urgente A riqueza do texto de Giacoia vai muito além do que pretendo destacar aqui Primeiramente seu texto parece reforçar algo daquilo a que Saramago chamava a atenção sobre a necessidade de pensar nos tempos atuais Em ambos não há a alusão a uma necessidade de se revelar ou descobrir alguma verdade Se essa necessidade de pensar é perene Giacoia apresenta elementos que permitem inferir que atualmente há aspectos específicos que de um lado parecem nos empurrar para longe da experiência do pensar e ao mesmo tempo denunciam essa necessidade ur gente de pensar inclusive sobre urgência e necessidade Ao imaginarmos como toda a comunidade escolar está imersa na sociedade com es sas características podemos inferir como uma quase ditadura da conexão e da intera ção digitais impacta nas vidas de cada uma São pressões que dificultam o espaço do pensar e submetem a definição do que é importante a uma lógica utilitária do prático aqui e agora Talvez esse prático pragmático ou utilitário e urgente seja apresentado como uma verdade da qual não se deva fugir e à qual se deva aderir Lembro aqui de Hadot 2014 que ensinava que a prática filosófica na Grécia antiga era optar por um modo de vida que entrar numa escola filosófica era antes de tudo assumir um modo de vida coletivo e obviamente aprender a justificar esse modo de vida Se hoje podese dizer do filosofar e do aprender a filosofar como exercício e expe riência do pensar podese afirmar que esse colocarse a pensar é fazer um contrapon to a essa velocidade alucinante dos tempos atuais como bem abordou Giacoia Seria uma busca de outra velocidade ou até de negar a velocidade alucinada da sociedade e se constituiria em si mesma numa afirmação de certo modo de vida e de certa forma de relação com as verdades impostas nesse ritmo Aqui podemos encontrar algum sentido a mais para essa Filosofia na busca de um modo de vida diferente do atual Também Deleuze ao pensar sobre as sociedades de controle sinaliza uma postura que pode contribuir nessa construção de sentido Ele desconfia que as minorias na sociedade não possam fazer resistência ao controle com a intensificação da comuni 96 97 mundo do trabalho e cidadania que aprisionem o pensar nos discursos já formatados Também podese propor um diagnóstico sobre o mundo atual para denunciar as ver dades os discursos e dispositivos que fazem alguma coisa ser considerada verdadeira ao mesmo tempo que reforçamos perspectivas que comprometam a Filosofia com a produção de discursos que atribuam sentido à própria existência inclusive daqueles que se põem a filosofar mediados pela instituição escolar O filósofo britânico Alfred North Whitehead 18611947 pesquisador na área da Filosofia da Ciência apresenta no trecho abaixo uma imagem de Filosofia que pode corroborar o que aqui procuramos apresentar sobre ela Se minha visão da função da filosofia está correta ela é a mais eficaz de todos os esforços intelectuais Constrói ca tedrais antes que o operário mova uma pedra e as destrói antes que os elementos terra ar água e fogo desgastem os arcos delas É o arquiteto das construções do espírito e é também o destruidor delas o espiritual precede ao material A Filosofia trabalha devagar WHITEHEAD 2006 p 10 Whitehead chama a atenção para aspectos interessantes para pensar a Filosofia e que portanto permitem um pensar sobre seu ensino em qualquer espaço Podemos pensar aí toda uma construção conceitual e a elaboração de teorias mas também algo sobre nossos tempos e que a Filosofia tem essa característica peculiar de trabalhar devagar Isso é muito interessante de ser pensado ainda mais nesse mundo de veloci dades a que estamos submetidos como já citado acima Seja no que pudemos ver na definição de papel para a Filosofia na escola confor me elaboração das Orientações Curriculares Nacionais citada na introdução do texto seja pelas demandas pela Filosofia feitas nas citações de Saramago e Giacoia e na proposição específica com Foucault a respeito da verdade temos reforçada essa hi pótese de trabalho segundo a qual pouco sentido faria pensar a Filosofia e seu ensino comprometidos com algum ensino ou alguma busca da verdade Pelo que foi dito ao longo deste texto podese postular que a tarefa de quem trabalha com o ensino de Fi losofia seja novamente mapear filosófica e pedagogicamente o território dessa relação de docência para repensála Uma outra postura docente é necessária para uma Filosofia que não ensina verda des mas se apresenta como modo de vida uma forma de vida com posicionamento sobre o mundo em que se vive como já apontado neste texto acima Talvez seja o caso de retomar as perguntas mostradas por Cerletti no início deste texto e respondêlas novamente Porém com contornos na relação de docência que progressivamente am múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder Foucault lembra que as sociedades possuem seus próprios regimes de produção de verdade e os meca nismos que legitimam os enunciados No segundo trecho extraído de uma entrevista ao jornal Le Monde em 1980 inti tulada O filósofo mascarado Le philosophe masqué em função do anonimato soli citado pelo entrevistado Foucault infere sobre a relação entre a Filosofia e a verdade O que é a filosofia senão um modo de refletir não exata mente sobre o que é verdadeiro e sobre o que é falso mas sobre nossa relação com a verdade Lamentase às vezes que não haja filosofia dominante na França Tanto melhor Nenhuma filosofia soberana é verdade mas uma filosofia ou melhor a filosofia em atividade É filosofia o movimento pelo qual não sem esforços hesitações sonhos e ilusões nos separamos daquilo que é adquirido como verdadeiro e buscamos outras regras de jogo A filosofia é o deslocamen to e a transformação dos parâmetros de pensamento a mo dificação dos valores recebidos e todo o trabalho que se faz para pensar de outra maneira para fazer outra coisa para tornarse diferente do que se é FOUCAULT 2008 p305 Se existem diferentes perspectivas para a Filosofia em disputa como afirmamos no início do texto nessa aqui apresentada por Foucault pela qual manifesto sintonia é possível pensar numa Filosofia que problematiza tanto a verdade como a relação com ela uma filosofia insubmissa aos discursos dominantes ao que se apresenta como verdadeiro e que nos torna outros do que somos Mais alguns traços podem ser delineados desse modo de vida possível de ser pen sado para o momento atual para quem está a filosofar problematizar os discursos que fazem alguma coisa funcionar como verdade revelando as tramas de poder existentes e libertarse das coisas que passam por verdadeiras e produzir de nós mesmoas algo diferente do que somos Não há definição de meta de ponto de chegada mas de mo vimento de desinstalação de um jeito de ser de colocarse em devir SOBRE UMA POSSÍVEL TAREFA PARA A DOCÊNCIA EM FILOSOFIA Nessas poucas linhas o que se pode propor com a Filosofia retomando o comen tado sobre os documentos oficiais é uma fuga de verdades como aquelas sobre o 98 99 Ninguém pode filosofar em nosso lugar É evidente que a filosofia tem seus especialistas seus profissionais seus pro fessores Mas ela não é uma especialidade nem uma profis são nem uma disciplina universitária ela é uma dimensão constitutiva da existência humana Uma vez que somos do tados de vida e de razão colocase para todos nós inevita velmente a questão de articular uma à outra essas duas fa culdades É claro que podemos raciocinar sem filosofar por exemplo nas ciências viver sem filosofar por exemplo na tolice ou na paixão Mas não podemos sem filosofar pen sar nossa vida e viver nosso pensamento já que isso é a própria filosofia COMTESPONVILLE 2002 p 13 A ação docente no ensino de Filosofia poderá ser aquela que não sente necessidade de fazer um marketing pela Filosofia dado que não se tem que convencer ninguém Poderá ser aquela que se faz Filosofia enquanto se ensina e se aprende a filosofar na contingência e finitude que qualquer saber e prática experimenta Talvez exigirá uma postura que não fique apoiada na autoridade não tenha na avaliação a garantia de en volvimento e que esteja aberta às perguntas que emergem de estudantes numa escuta atenta que os oriente na solidão acima proposta mas que caminha junto pliem uma relação direta de cada estudante com a Filosofia sem necessitar da media ção docente Como no dizer de Onfray 2002 sp O Professor é aquele que conduz que aponta o Norte o Sul e depois diz ao aluno virese você faça o seu próprio cami nho Nietzsche dizia que um bom mestre é aquele que en sina os alunos a se desligarem dele Então é preciso ensinar as pessoas a se desligarem de seus mestres a serem mestres de si mesmas É um estranho paradoxo mas nós professo res somos feitos para não existir O que interessa é que as pessoas tenham uma relação direta com a filosofia na qual eu serei apenas um mediador Eu sou feito para desaparecer O que parece difícil é pensar o planejamento o currículo o uso do livro didático e cada aula com essa perspectiva em função das condições de trabalho a que normal mente docentes estão submetidos O diagnóstico apresentado mais no início do texto feito por Giacoia sobre a sociedade atual também envolve docentes em suas práticas Sempre temos urgências e exigências a impedir uma relação diferenciada na docência O que Onfray afirma acima está muito em sintonia com o que Deleuze 2001 já afirma va em entrevista conhecida como o Abecedário de Gilles Deleuze concedida a Claire Parnet Nessa entrevista ele falou sobre essa relação de docência e como entende o papel docente A docência ocupou uma parte importante de sua vida Em sua visão os professores devem ensinar aos estudantes os benefícios da solidão ajudálos a esta rem reconciliados com a própria solidão Poderia dizer que se nosso tempo é veloz produz muita informação e exige muita comunicação também é muito barulhento Parece não suportar o silêncio O caminho da Filosofia e seu ensino poderia ser um que passasse também pela produção do si lêncio pela vivência do silêncio e nele construir problemas e respectivas ferramentas para tratar de tais problemas tendo a Filosofia como modo de vida Ao desnaturalizar discursos quaisquer se opera um reorganizar discursos e produzir sentidos Não há um fora da caverna não há uma verdade acima das demais verdades e aci ma das relações de poder Não há um paraíso passado que nossa investigação e ação perseguiria recuperar Não há uma definição de futuro inscrita nos genes cuja pes quisa incessante há de descobrir e guiar a ação humana O que se tem é um amanhã absolutamente aberto seja na temporalidade do planeta seja na temporalidade das práticas humanas dentre elas o ensino de Filosofia Se o que temos pela frente é um caminho a construir ComteSponville explicita um sentido para o ensino de Filosofia que dialoga com o que temos proposto até aqui 100 101 GONTIJO Pedro Ergnaldo et al O ensino da Filosofia no Brasil um mapa das condi ções atuais Cad Cedes v 24 n 64 p 257284 2004 GONTIJO Pedro VALADAO Erasmo Baltazar Ensino de Filosofia no ensino médio nas escolas públicas no Distrito Federal história práticas e sentidos em construção Cad Cedes Campinas v 24 n 64 p 285303 setdez 2004 HADOT Pierre Exercícios espirituais e Filosofia antiga Trad Flávio Fontenelle Loque e Loraine de Fátima Oliveira São Paulo É Realizações Editora 2014 NEVES Ricardo O novo mundo digital você já está nele oportunidades ameaças e as mudanças que estamos vivendo Rio de Janeiro Relume Dumará 2007 ONFRAY Michel Entrevista concedida a Alcino Leite Neto Folha de São Paulo São Paulo Caderno Sinapse 17dez 2002 Disponível em httpwww1folhauolcombr folhasinapseult 1063u260shtml Acesso em 20jul2016 SARAMAGO J Outros Cadernos de Saramago 2010 Disponível em httpcadernojose saramagoorg201006page2 Acesso em 03 fev 2016 WHITEHEAD Alfred North A ciência e o mundo moderno I Trad Hermann Herbert Watzlawick São Paulo Paulus 2006 REFERÊNCIAS BRASIL Lei n 9394 de 20 de dezembro de 1996 Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasília 20 dez 1996 Disponível em httpwww planalto gov brccivil03leisl9394htm Acesso em 22 jun 2016 Ministério da Educação Orientações curriculares do ensino médio Volume III Ciências Humanas Brasília MEC 2006 CERLETTI Alejandro O ensino filosófico e a reflexão sobre o presente In KOHAN Walter Leal Bernardina Orgs Filosofia para Crianças Petrópolis Vozes 1999 COMTESPONVILLE André Apresentação da Filosofia São Paulo Martins Fontes 2002 p 1116 DELEUZE Gilles O Abecedário de Gilles Deleuze Entrevista concedida a Claire Parnet Editoração Brasil Ministério da Educação TV Escola 2001 Conversações São Paulo Editora 34 1992 DE MASI Domenico O futuro do trabalho fadiga e ócio na sociedade pósindustrial J Rio de Janeiro José Olympio 2001 FOUCAULT Michel O Filósofo Mascarado In MOTA Manoel Barros de Org Ar queologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento Ditos e Escritos II Trad Elisa Monteiro 2 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2008 Verdade e poder In MACHADO Roberto Org Microfísica do poder 9ed Rio de Janeiro Graal 1990 GIACOIA Oswaldo Ansiedade sem aplicativo O Estado de São Paulo São Paulo 27 jun 2015 Disponível em httpaliasestadaocombrnoticiasgeralansiedadesem aplicativo1714488 Acesso em 30 jun 2015 GONTIJO Pedro Ergnaldo Os professores de Filosofia no Ensino Médio Regular das escolas públicas do Distrito Federal práticas e sentidos em construção 2003 127p Dissertação Mestrado Faculdade de Educação Universidade de Brasília Brasília 2003 Pensando uma docência nômade apontamentos a partir do Deleuze aluno e professor do abecedário Revista SulAmericana de Filosofia e Educação n 67 p 101111 2006 Ensino e Educação Filosófica Pólemos v 4 n 7 p 617 2015 103 7 A ESPECIFICIDADE DO FILOSOFAR NO ENSINO DE FILOSOFIA NO NÍVEL MÉDIO Lidia Maria Rodrigo A INICIAÇÃO AO FILOSOFAR NO NÍVEL MÉDIO O significado do filosofar no ensino de Filosofia determinase conforme os dife rentes graus escolares e área de formação em que é exercitado Nas escolas de nível médio o filosofar é dotado de uma especificidade que o distingue e diferencia de seu sentido e exercício no curso universitário de Filosofia onde se dá a formação dos professores da disciplina O que significa o filosofar no nível médio Em termos gerais aprender a exercitar a própria razão uma meta formativa que Descartes já havia proposto na primeira meta de do século XVII ao romper com as concepções aristotélicotomistas de educação O fato de se perseguir objetivo semelhante mais de três séculos depois disso indica que não parece tão simples alcançálo Minha opção pela abordagem do tema no âmbito do nível médio devese ao fato da disciplina Filosofia ser relativamente recente como componente curricular e apesar de se ter progredido na discussão dos vários aspectos envolvidos na docência filosófica considero haver ainda dificuldade para determinar a especificidade do filosofar nesse 104 105 aquela que devem dispensar aos seus alunos na escola secundária evitando que o ensino de iniciação degenere em uma reprodução deformada ou caricata do ensino superior destinado a estudantes que se especializam Penso que a reflexão sobre essa questão tem de ser balizada por dois fatorespri meiro tratase de conceber uma forma do filosofar que deve ser exercitada na moda lidade de iniciação e não de especialização em segundo lugar por tratarse de uma disciplina inserida em um currículo escolar seus objetivos não podem ser concebidos apenas em função dela própria mas articulados com os demais componentes curri culares que devem convergir para os mesmos fins formativos Nesta perspectiva é preciso determinar que tipo de contribuição a Filosofia como disciplina escolar pode oferecer ao processo formativo institucional em que seu ensino está inserido FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FILOSOFIA A instrução inicial dos professores é obtida em curso de nível superior voltado por tanto para a formação do especialista em Filosofia Como especialista o licenciado tanto quanto o bacharel deve ter domínio sobre os conhecimentos específicos de sua área Por isso a História da Filosofia constitui a espinha dorsal dos cursos universi tários quero dizer a leitura dos filósofos e textos mais significativos dos diferentes períodos históricos a fim de que os graduandos adquiram um conhecimento razoável sobre os principais temas da tradição filosófica Dizer que o professor precisa ter um domínio especializado do seu saber de re ferência significa admitir que sua formação comporta obrigatoriamente conteúdos mais extensos e mais complexos do que aqueles que irá levar para a sala de aula do ensino médio Embora nem todo tema eou autor estudado na universidade possa ser trabalhado com o aluno do nível médio insisto que essa formação é imprescindível ao professor só quem conhece a Filosofia com profundidade será capaz de explicála em termos simples aos iniciantes Contudo o conhecimento especializado da Filosofia embora imprescindível não é suficiente sendo necessária também uma formação didática Em sentido amplo di dática significa a arte de ensinar Em sentido específico a didática da Filosofia deve trabalhar com os processos de ensinoaprendizagem em seu campo de atuação o que demanda o cruzamento dos conhecimentos dessa especialidade com o saber didático pedagógico o primeiro objetiva responder à indagação o que ensinar e o segundo à indagação como ensinar Assim é tarefa do professor conceber uma forma pela qual o conteúdo adquirido durante seu percurso formativo possa converterse em saber escolar de modo a exer nível de ensino fortemente contaminado pela estrutura curricular dos cursos de gra duação em Filosofia E entretanto este é um ponto crucial para que a disciplina tenha significado e cumpra sua função nesse nível escolar Para determinar a especificidade do ensino de Filosofia no nível médio tornase ne cessário abrir mão de concepções inerentes ao processo de formação do especialista em Filosofia seja em relação à significação do que seja filosofar seja em relação ao sentido da docência filosófica É preciso abrir mão por exemplo da idéia de que o cultivo da Filosofia deve ficar restrito aos especialistas e admitir a possibilidade de difundila para um público de iniciantes ainda que com objetivos distintos e mais modestos mas nem por isso menos importantes do ponto de vista educativo tanto em relação ao seu valor cognitivo e social como em termos de sua contribuição no equacionamento de questões existenciais Percebo que algumas pessoas têm dificuldade em admitir tal possibilidade devido ao receio de estarem perpetrando uma espécie de atentado à natureza do saber filosó fico Alguns especialistas da área sequer admitem falar em ensino de Filosofia no nível médio não sendo viável reproduzir o modelo da especialização preferem abrir mão do seu ensino a concebêlo nos moldes de uma iniciação definitivamente incapaz de atingir os mesmos padrões formativos É inegável a necessidade de preservar parâmetros que garantam a fidelidade à natureza do saber filosófico evitando sua descaracterização eou banalização Por outro lado tornase imprescindível criar formas específicas para viabilizar uma modalidade do filosofar apropriado à faixa etária dos estudantes ao seu horizonte cultural e ao nível de escolarização em que a disciplina está inserida A determinação dessa especificidade contribui para o esclarecimento dos termos do debate atual so bre o ensino da Filosofia no secundário no sentido de responder às demandas que têm sido formuladas sobre sua implementação Um problema frequentemente apontado em vários estudos sobre as licenciaturas e também em matérias veiculadas na mídia reside na distância entre a formação dos professores e as práticas de ensino em sala de aula Entendo que em certo sentido tal distância tornase inevitável devido às diferen ças entre o ensino universitário voltado para a formação do especialista e o nível médio voltado para o ensino do iniciante em Filosofia Por outro lado a viabilização do ensino de Filosofia no nível médio supõe a criação de alternativas docentes capazes de superar esse impasse ou seja solucionar o distanciamento entre a formação do professor e os requisitos de sua atuação como docente Portanto o primeiro problema a ser enfrentado pelos docentes de Filosofia consiste em encontrar uma forma de articular a formação que tiveram no ensino superior com 106 107 ENSINO DO INICIANTE EM FILOSOFIA A Filosofia cultivada na escola secundária tem em vista o iniciante em Filosofia que via de regra não pretende nem tem como ir além de um nível preliminar de conhe cimento Costumase atribuir aos alunos iniciantes vários tipos de dificuldades para lidar com a complexidade da Filosofia mas creio ser preciso considerar a outra face da mesma moeda a dificuldade do professor para ensinar alunos iniciantes Enquanto sua formação se deu sob a forma de um contato especializadoerudito com a Filosofia a docência no ensino médio exige que esse saber seja pensado sob novo registro ou reformulado para tornarse acessível aos iniciantes Apesar de haver consenso em relação ao princípio pedagógico de que o papel da Filosofia no ensino médio não é formar filósofos ainda é comum que a escolha de conteúdos e a determinação dos objetivos do ensino nesse nível estejam colados às grades curriculares dos cursos de graduação em Filosofia A tentação do professor de transpor mecanicamente para a sala de aula do nível médio os conteúdos do seu curso de graduação é grande principalmente quando as disciplinas da licenciatura falham no oferecimento das condições e do apoio necessário à criação de procedimentos di dáticos apropriados a esse nível de ensino Como observado anteriormente a formação dos professores de Filosofia na univer sidade se dá por meio de um estudo especializado ao se tornarem docentes do nível médio têm de enfrentar o desafio de oferecer aos seus alunos um ensino diferente daquele que tiveram Como transitar da formação que tiveram como especialistas para conceber e ministrar aos seus alunos um ensino de iniciação Na modalidade de iniciação o conhecimento filosófico deve tornarse acessível para pessoas que não têm a intenção de especializarse nele cujo potencial interesse pela Filosofia justificase pela possibilidade de apropriarse e usufruir de uma forma cultural importante na História ocidental Tendo como ponto de partida o absoluto desconhecimento da tradição filosófica a ação pedagógica tem de planejar um passo a passo aquisitivo graduando dificuldades e simplificando conceitos de modo a tornar a Filosofia acessível Traduzir em termos simples um saber especializado não é tarefa fácil Só quem conhece um assunto em sua complexidade é capaz de simplificálo sem cair no simplismo quero dizer apresentálo de forma simples sem contudo deixar de evidenciar o que é essencial O fato de haver elementos comuns nos dois níveis de ensino o tratamento de temas filosóficos o recurso à História da Filosofia e o uso de textos dos filósofos não significa que na escola de nível médio esses elementos devam ser trabalhados de modo semelhante ao que ocorre no ensino superior Na escola secundária eles têm cer com competência seu papel de mediador entre o aluno e o saber filosófico Com pete às disciplinas de licenciatura fornecer instrumentos para isso o que nem sempre ocorre a julgar pelas críticas que lhes são feitas frequentemente Julgo que tais críti cas são pertinentes quando se referem à inadequada instrumentalização didática do licenciando mas descabidas quando expressam a expectativa de que tais disciplinas forneçam receitas prontas para serem postas em prática A função das licenciaturas é fornecer instrumentos didáticos para a docência em uma área específica mas por meio dessa mediação instrumental é responsabilidade do professor construir seu pró prio discurso pedagógico ou promover a transição de sua formação especializada para o ensino de iniciação perante seus alunos Nos cursos de licenciatura em Filosofia lamentavelmente as formações filosófica e didática apresentamse desarticuladas o que evidencia suas deficiências na capaci tação do professor pelo ângulo da área específica em que irá atuar as disciplinas de conteúdo filosófico e as de natureza pedagógica costumam caminhar paralelamente devido à divisão de trabalho entre os professores dos departamentos de Filosofia e os das faculdades de educação Tenho constatado que ainda é muito comum a falta de interesse dos especialistas da área em atuar na formação de professores Em algumas instituições de nível superior disciplinas como Didática da Filosofia Metodologia do Ensino de Filosofia e os Estágios Supervisionados são atribuídas a profissionais de ou tras áreas porque nenhum professor de Filosofia se dispõe a assumilas Os alunos por sua vez cobram das licenciaturas uma formação mais específica isto é focada em sua capacitação para a docência de Filosofia no nível médio Na resposta a tal demanda o PIBID Programa Institucional de Iniciação à Docência financiado pela CAPES tem desempenhado papel importante ao propiciar oportunidades de articulação entre a formação teórica os desafios práticos produzindo alternativas pedagógicas e mate riais didáticos para as aulas da disciplina É lamentável que um programa tão impor tante e bem sucedido atualmente se veja ameaçado em sua continuidade afetado pelo corte de verbas no campo educacional Acredito que a formação do bom professor em certo sentido acaba por ser mais exigente do que a do bacharel porque supõe além de uma sólida cultura filosófica a capacidade de estabelecer relações entre os temas clássicos e as questões contempo râneas entre as referências da tradição em que o professor foi formado e as questões que emergem das experiências de seus alunos para não falar do desafio de construir dispositivos facilitadores da aprendizagem para os não iniciados 108 109 A aprendizagem da reflexão bem fundamentada e o exercício do pensamento crítico propiciados pela Filosofia constituem ferramentas importantes na efetivação desse perfil formativo no âmbito da escola de nível médio Como afirma Antônio Joaquim Severino O conhecimento é a única ferramenta de que a espécie humana dispõe para dar sentido e orientação à sua existência histórica DIÁLOGO 2011 p 368 Entretanto nunca é demais insistir no caráter das interrogações a serem formula das sobre a experiência humana elas não são endereçadas aos especialistas mas a todo ser humano preocupado com uma compreensão e uma prática consequente no seu tempo e na sua sociedade ESPECIFICIDADE NO USO DE TEXTOS FILOSÓFICOS O pensamento filosófico inclusive sob a forma de iniciação não pode prescindir do estudo das obras dos filósofos por meio de alguns trechos ou excertos mais uma vez o uso dos textos filosóficos no secundário tem uma especificidade que o distingue do estudo que se faz deles na universidade No secundário os textos não constituem objetos de estudo em si mesmos sendo selecionados e usados em função do problema que colocam de modo a servir de apoio ao conhecimento e análise dos temas desen volvidos em sala de aula sendo imprescindíveis para viabilizar uma melhor formulação dos problemas e também como suporte para uma reflexão mais bem conduzida Os textos filosóficos desde que bem escolhidos constituem condição essencial à exe cução de um exercício de pensamento digo essencial porque sem eles esse tipo de trabalho não poderia ser realizado Assim a especificidade do uso do texto filosófico no ensino médio consiste em pro mover uma interlocução entre as significações que ele traz e a própria experiência do estudante enquanto leitor Não se busca como na universidade uma forma erudita de leitura que faz do texto um objeto prioritário de conhecimento com remissão a outros textos correlatos No ensino médio o estudo dos textos filosóficos não é um fim mas meio de diálogo qualificado com temáticas culturais portanto essa aproximação é feita com o objetivo de haurir neles referências apropriadas ao esclarecimento sobre as questões formula das visando promover um confronto entre suas significações e a bagagem cultural do leitor sempre a serviço da atividade reflexiva O uso de um texto filosófico não consiste somente ou essen uma especificidade e a reflexão sobre ela torna possível esclarecer em que termos seria desejável conceber o ensino de Filosofia nessa instância educativa Em que pese os debates e reflexões sobre o tema uma questão ainda insuficientemente resolvida é a da especificidade do ensino de Filosofia no nível médio suas diferenças em relação ao ensino universitárioTemos então de indagar na modalidade de iniciação quais as especificidades do ensino de Filosofia no nível médio ESPECIFICIDADE DOS TEMAS FILOSÓFICOS A determinação dos conteúdos a serem desenvolvidos no ensino médio deve ser coerente com a formação pretendidaComo não se trata de formar o especialista não há necessidade de comprometerse com uma abordagem exaustiva das partes que compõem a organização disciplinar do saber filosófico nas grades curriculares dos cur sos de graduação em Filosofia nem com uma leitura sistemática da História das ideias filosóficas É preciso levar em conta que alguns temas e problemas absolutamente imprescindíveis à formação do professor são inadequados ao ensino de iniciação Acredito que a contribuição da Filosofia ao processo formativo do jovem secunda rista precisa estar a serviço da construção do significado da cultura para ele próprio como sujeito ético e como agente políticosocial Nesta perspectiva cabe priorizar a aquisição de noções filosóficas e o desenvolvimento de algumas habilidades intelec tuais que contribuam para que o estudante amplie sua compreensão da realidade amadureça e fundamente concepções e valores que lhe permitam emitir juízos e fazer escolhas sobre os dilemas com que vier a defrontarse em sua existência como pessoa e como cidadão Outro aspecto que merece atenção é a adequação dos conteúdos a serem aborda dos ao tempo disponível em sala de aula que é bem escasso e que por isso impõe a obrigação de aterse sobretudo aos temas imprescindíveis à formação pretendida Priorizar os temas mais relevantes à formação do secundarista implica em excluir as suntos que seriam interessantes em segundo plano bem como abrir mão de preferên cias pessoais em nome do interesse social daquilo que é mais relevante na formação dos alunos Portanto tornase importante abordar temas e problemas que viabilizem a explicita ção das significações epistemológicas éticas políticas e estéticas inerentes às práticas do indivíduo e da sociedade bem como o questionamento e a crítica dos preconceitos e ideologias que permeiam os discursos e racionalizações destas práticas Tratase em suma de pensar criticamente a experiência humana visando capacitar o jovem para participar da construção de uma sociedade menos excludente mais justa e humana 110 111 contudo especificar o modo de lidar com elapenso que não deve ser ensinada isola damente como se fosse objeto prioritário ou mesmo ordenada segundo sua sistema tização histórica convencional A História da Filosofia indubitavelmente ocupa posição central na formação uni versitária pela qual passaram os professores do ensino médio A tentação desses professores de reproduzir o curso que tiveram parece quase irresistível precisa mente devido à sua relevância na formação que receberam como especialistas nes se campo do conhecimento Cumpre reiterar que as prioridades não são as mesmas nos dois níveis de ensino assim no nível médio o recurso à História da Filosofia não tem como finalidade a aquisição de uma erudição acadêmica ela atua de forma indireta como elemento mediador ou referência a ser apropriada pelo aluno segundo as necessidades de abordagem dos temasproblemas que compõem o programa de ensino não demandando portanto o conhecimento de todo o sistema de pensamento de determinado autor Os textos da tradição e da modernidade filosófica alimentam a reflexão abrindoa para a realidade no secundário eles são os mediadores para pensar a experiência o conhecimen to o objeto do texto conta mais do que o texto como objeto Um estudante está interessado no que pensou Descartes não porque foi Descartes quem pensou mas porque o que Descartes pensou interessa ao seu próprio pensamento e à sua própria vida RAFFIN 2002 p 155 Tradução minha Não se trata apenas de compreender corretamente as ideias dos filósofos e de sa ber explicálas em sua lógica própria reduzindose a Filosofia à História da Filosofia mas a partir de seus referenciais debater também os temas e problemas que são relevantes na nossa cultura e assim gradualmente aprender a filosofar ESPECIALIZAÇÃO E INICIAÇÃO DUAS FACES INTERCAMBIÁVEIS Reconhecer a especificidade da docência filosófica no nível médio implica em ad mitir a diferença entre saber especializado e saber de iniciação o saber especializado imprescindível à formação do professor não pode ser mecanicamente reproduzido na sala de aula do secundário É preciso ter em conta que o filosofar nesse nível de ensino caracterizase pelo cultivo de formas preliminares de exercício do pensamento crítico e do discurso argumentativo com o objetivo de oferecer ao jovem estudante instrumen cialmente em buscar informações no texto mas em buscar informações a partir do texto sobre uma questão um con ceito ou um problema e ao mesmo tempo fazer um juízo sobre o que o texto nos ensina RAFFIN 2002 p 16 Tra dução minha Isso implica admitir que muitos textos filosóficos são dotados de uma fertilidade de conhecimento que ultrapassa as condições históricas e referências teóricas em que fo ram escritos fornecendo instrumentos para nutrir nossa própria reflexão a partir das interrogações que formulamos sobre nossa visão de mundo valores e modo de pensar Tal apropriação subjetiva do texto pelo leitorsujeito permite ir além da recepção pas siva de seu conteúdo estimulando uma iniciação ao filosofar ou pensar por conta pró pria como por exemplo aprender a questionar algo que parecia incontestável dentro dos padrões socialmente estabelecidos exercitar a crítica frente a ideias e valores que pareciam óbvios à primeira vista colocar em questão certos consensos enganadores ou equivocados que permeiam o senso comum Tenho a impressão de que esta apropriação subjetiva dos textos filosóficos deve parecer extremamente abusiva ou mesmo transgressiva aos olhos dos especialistas uma vez que fere certos parâmetros acadêmicos de rigor científico Tal procedimento que segundo algumas opiniões não encontraria justificativa no âmbito da formação especializada tem sua razão de ser quando se tem em vista uma iniciação filosófica voltada para a formação não do especialista mas do jovem estudante como sujeito éticopolítico Além disso o interesse do aluno do nível médio pela Filosofia cresce na proporção em que ela adquire uma significação subjetiva para ele relacionandose com seu horizonte pessoal de experiências conhecimentos e valores É importante que a leitura dos filósofos seja fecunda e formadora privilegiando um contato reflexivo e aberto em termos daquilo que o texto dá a pensar de modo a tornar indissociáveis aprender Filosofia e aprender a filosofar ESPECIFICIDADE NA ABORDAGEM DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA Pelo que foi dito anteriormente fica implícito que não considero desejável que no nível médio a História da Filosofia constitua a espinha dorsal dos programas de ensino mas sim referencial para a discussão dos temasproblemas que compõem o conteúdo programático Tendo a endossar a proposta de fazer da abordagem de temasproblemas o foco do ensino filosófico o que não deve nem pode excluir a História da Filosofia é preciso 112 113 REFERÊNCIAS DIÁLOGO com Antônio Joaquim Severino REP Revista Espaço Pedagógico vol 18 n 2 Passo Fundo pp 35873 juldez 2011 Disponível em httpseerupfbrindex phpreparticleview24341572 Acesso em 16 jul 2015 RAFFIN Françoise coord Usages des textes dans lenseignement de la philosophie Paris INRP HachetteÉducation 2002 RODRIGO Lidia Maria O filósofo e o professor de Filosofia práticas em comparação In TRENTIN Renê GOTO Roberto Orgs A Filosofia e seu ensino caminhos e senti dos São Paulo Loyola 2009 tos para desenvolverse como ser humano por meio de uma reflexão racional sobre si mesmo sobre sua relação com os outros e com o mundo em que vive Na Grécia antiga o sentido da Filosofia como paideia consagrouse como um saber formador de homens Não se deve perder de vista esta dimensão ao pensála como dis ciplina no nível médio à qual cabe contribuir com o projeto formativoinstitucional em que está inserida e que visa formar os jovens como sujeitos éticos para a convivência políticosocial e para a fruição dos bens culturais A construção de um saber didáticofilosófico apropriado ao aluno iniciante supõe a reformulação do saber especializado ou saber de referência Assim a filosofia que é ensinada no nível médio é produto de uma ação que desloca o saber especializado de seu contex to originário de produção as universidades e agências de pesquisa para submetêlo a uma nova configuração cujas regras seleção simplificação síntese sequenciamento etc não se originam de nenhuma lógica interna à filosofia visto que elas se pautam por objetivos sócioeducativos e não por exigências fundamentalmente lógicas RODRIGO 2009 p 86 Portanto ao contrário do que por vezes se propõe não se trata de reduzir a for mação teórica do professor o que comprometeria sua qualificação mas encontrar canais que permitam transitar da educação especializada para o ensino de iniciação Com efeito somente o professor que possui uma boa formação como especialista na área terá competência para levar a cabo as operações indispensáveis para promover o intercâmbio entre especialização e iniciação filosóficas de modo a criar as condições necessárias à viabilização de uma forma inicial do filosofar no nível médio 115 8 O FILOSOFAR E SEU ENSINO Valter Ferreira Rodrigues CONSIDERAÇÕES INICIAIS A o me deparar com temas que refletem sobre o filosofar e o ensino de Filosofia parto de uma concepção acerca dessa temática sobre a qual tenho me dedicado há algum tempo e que me faz compreender os processos de ensinoaprendiza gem dessa disciplina como processos de mediação para a vivência escolar daquilo que chamo de experiência do filosofar Ao falar de experiência quero indicar um tipo de atividade no qual o sujeito da ação agente não opera apenas sobre algo externo a si mas me refiro a uma ação na qual o próprio sujeito também é afetado por seu agir Portanto tratase de um tipo de atividade que afeta aquele que pratica a ação e o modifica É nesse sentido que a experiência do filosofar enquanto atividade teórica e prática é uma atividade do pensamento e da ação práxis filosóficos Minha compreensão do filosofar na escola ou do ensino da Filosofia como espaço de promoção de experiências pessoais e partilhadas do filosofar decorre da maneira como eu mesmo entendo a Filosofia isto é um tipo de saber historicamente constituído mas sobretudo como uma determinada experiência do pensamento capaz de afetar não apenas o modo como alguém pensa mas também como age Enquanto saber histori camente constituído a Filosofia corresponde a um produto da inteligência e compõe o esplêndido patrimônio intelectual e cultural que os seres humanos vêm produzindo e reunindo ao longo de séculos de nossa história Como afirma Severino 2007 p 19 a Filosofia é tida como uma forma de conhecimento ao lado de outras formas de conhe 116 117 te e promovem novas possibilidades e caminhos para o pensamento Defendo que toda atividade filosófica é criadora ou criativa e nela há sempre uma intrínseca relação entre o pensar e o agir compreendendo a experiência do filosofar como uma atividade ao mesmo tempo teórica e prática Experimentar ou exercitarse na atividade criativa da Filosofia é fazer a experiência do filosofar Aquele que se apro xima da Filosofia só a vive ou a experimenta ou Filosofa à medida que ele próprio é capaz de criar sua própria filosofia ou novas versões da Filosofia ASPIS 2012 Quanto ao ensino e à aprendizagem da Filosofia correspondem ao exercício filosófico ou à prática pessoal da atividade filosófica Uma atividade cuja principal caracterís tica é criar produzir inventar novos saberes e novas práticas filosóficas e que se configura como uma experiência críticocriativa do pensamento e da ação filosóficos O ENSINO DA FILOSOFIA E O FILOSOFAR NAS PRODUÇÕES CIENTÍFICOACADÊMICAS BRASILEIRAS Conforme o que escrevi em outro lugar RODRIGUES 2015 a partir de uma pes quisa que realizei entre os anos de 2012 e 2013 a noção do que seja o filosofar é bem variada entre os que têm se dedicado à pesquisa sobre o ensino da Filosofia no Brasil A partir da análise de um conjunto de textos científicos composto por artigos teses e dissertações realizadas entre os anos de 1997 e 2013 disponíveis no Portal de Perió dicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Capes e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações BDTD31 verifiquei que em todas as produções analisadas afirmase uma clara correspondência entre a Filosofia e o fi losofar isto é nenhuma das produções científicas dissocia a Filosofia de sua atividade e demonstram que não se pode apenas tratar de uma Filosofiadado deixando de lado a Filosofiaação enquanto prática ou exercício do filosofar Todavia as análises realizadas também mostraram que explicitar ou refletir profundamente sobre o que é o filosofar não era o principal objetivo dos textos analisados ou seja o tema do filo sofar não consistia no objeto de estudo desses documentos embora permeasse toda a reflexão contida neles Também verifiquei que as produções pesquisadas implícita ou explicitamente ado tam uma determinada concepção acerca da prática filosófica e a partir disso justifi cam sua compreensão sobre o ensino de Filosofia e sobre o papel do professor e da escola Portanto diferentes concepções de Filosofia levam a diferentes concepções 31 Foram selecionados 43 textos no total 24 artigos 9 teses e 10 dissertações Todas as produções selecionadas tratam do ensino do ensino de Filosofia Além das produções científicoacadêmicas brasileiras também fizeram parte do estudo todos os documentos do MEC que tratam do ensino da Filosofia com exceção dos chamados marcos legais leis resolu ções etc cimento como o senso comum o mito a religião a arte e a ciência que também são outros tantos esforços do homem compreender essa mesma realidade Contudo além de ser um produto da cultura uma obra intelectual um tipo de saber que reúne em si conteúdos específicos e que consequentemente demanda métodos próprios de se ensinar a Filosofia também deve ser vista como uma experiência um exercício filosófico uma ação do pensamento isto é um filosofar propriamente dito Nesse sentido um ensino baseado unicamente em uma concepção histórica da Fi losofia acabaria por se tornar um estudo das produções filosóficas com pouca ou quase nenhuma abertura para a experiência do filosofar Comumente esse tipo de ensino converte o ensino em uma atualização de lembranças e mesmo em propostas que visam ao estudo de temas eou eixos temáticos de caráter filosóficos como os propostos por exemplo pelas Orientações Educacionais Complementares aos Parâ metros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PCN de 2002 BRASIL 2002 e as Orientações Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais OCEM de 2006 BRASIL 2006 Contudo como afirma Gallina 2004 p360 a determinação de temas não assegura que as atividades desenvolvidas pelo professor de Filosofia se jam uma atividade propriamente filosófica Apoiada nas ideias de Deleuze e Guattari 2009 a autora assevera que mesmo que as propostas temáticas representem a tradi ção filosófica e mesmo que a escolha dos temas seja pautada por critérios filosóficos ainda assim podese perder de vista uma condição inerente à atividade do filósofo a criação conceitual o nascimento do novo op cit p 361 Enquanto experiência a atividade filosófica é aquilo que torna possível a existência da própria Filosofia Não há Filosofia sem experiência do filosofar mesmo quando se considera toda a produção filosófica até hoje criada Sem confundirse com uma creatio ex nihilo isto é uma criação a partir do nada a atividade filosófica não con siste em um movimento de repetição de dados ou na rememoração de algo absoluto O filosófico é antes de tudo uma força de criação e seu ensino uma experiência de criatividade Esses dois modos de compreender a Filosofia como produto e como experiência a despeito de uma pretensa dicotomia entre eles estão na verdade profundamente imbricados Tratase de uma relação entre aquilo que já está constituído e é composto pela multiplicidade das produções filosóficas e aquilo que ainda não está pronto e que corresponde à experiência contínua do pensamento que de tempos em tempos cria e recria o universo conceitual filosófico RODRIGUES 2012 É sabido que a pesquisa filosófica desde o seu surgimento é perpassada pela diversidade e pelo embate de ideias a ponto de no conjunto de sua História se poder falar não em uma única e unívoca Filosofia mas de filosofias que se alternam entre si algumas vezes convivendo em relativa harmonia no interior de uma escola filosófica ou que divergem radicalmen 118 119 ção da Lei nº 1168408 que determinou a obrigatoriedade dos ensinos de Filosofia e de Sociologia no Ensino Médio o inciso III do Paragrafo 1º do Artigo 36 da Lei de Dire trizes e Bases LDB 939496 preconizava que o domínio dos conhecimentos dessas disciplinas eram necessários ao exercício da cidadania Portanto a reflexão filosófica especialmente no seu aspecto crítico é possuidora de uma finalidade prática Quando a prática filosófica é concebida como uma condição humana em virtude da identificação do ser humano com sua capacidade racional essa prática também se define como ação prática pois é justamente por meio de sua racionalidade que o ser humano exerce controle e domínio sobre a realidade transformandoa Mediante a prática racional o homem supera o regime imposto pelas leis naturais e elevase acima da imediatez do dado criando para si uma segunda morada uma morada espiritual um oikos ao qual se dá o nome de cultura É no plano da cultura que é mediado pelo simbólico que o humano propriamente dito surge Por essa razão a ação inteligente que transforma a natureza mediante o trabalho e gera a cultura também produz o ser humano O homem ao produzir o seu mundo também se produz a si mesmo É na práxis e através dela que a humanidade se forma A práxis além de criar o mundo que por definição será sempre humano tam bém é responsável pela manutenção eou desconstrução e reconstrução da realidade humanizada Meus estudos sobre a práxis apoiamse no pensamento do filósofo Adol fo Sánchez Vázquez que em sua obra Filosofia da Práxis desenvolveu um belíssimo estudo daquilo que chamou de práxis criadora e que está em oposição à chamada práxis reiterativa ou imitadora A reflexão sobre esses dois tipos de práxis é fun damental uma vez que aqui defendo o filosofar como experiência de transformação como atividade de criação Como afirma Vázquez 1990 a práxis é uma atividade exclusivamente humana pois essa atividade implica as intervenções da consciência sobre um objeto para trans formálo a fim de atingir uma determinada finalidade telos Por meio dessa ação prática da consciência o resultado é alcançado em dois tempos primeiro como ideal segundo como produto real A atividade humana é por conseguinte atividade que se desenvolve de acordo com finalidades e essas só existem através do homem como produtos de sua consciência Toda ação verdadeiramente humana requer certa consciência de uma finalidade finalidade que se sujeita ao curso da própria atividade VÁZQUEZ 1990 p 189 grifo nosso Vázquez faz uma distinção importante na atividade da consciência ao mostrar a acerca do que é o ensino da Filosofia e do próprio filosofar De modo geral a pesquisa identificou pelo menos cinco grandes modos de compreensão da Filosofia e sua prá tica ou exercício nos documentos Neles a prática ou a ação de filosofar é comumente entendida a partir de cinco ideias predominantes a do filosofar como questionamen to reflexão condição humana instrumento de transformação do mundo pensamen to rigoroso Não pretendo aqui elucidar cada uma dessas concepções e os interes sados poderão ter acesso a um resumo das análises realizadas através de um texto que foi publicado pela Associação Nacional de PósGraduação em Filosofia ANPOF e cuja referência encontrase junto às demais referências no final deste ensaio Apenas ressalto que de modo geral as produções analisadas estabelecem uma necessária correspondência entre a Filosofia e o filosofar distinguindo a Filosofia enquanto dado isto é enquanto um tipo de saber historicamente constituído e portador de uma determinada herança e tradição da Filosofiaação enquanto exercício prática do filosofar O estudo mostrou que é possível estabelecermos alguns princípios para um ensino filosófico da Filosofia isto é um ensino que seja uma oportunidade para os estudantes fazerem a experiência do filosofar ACERCA DO FILOSOFAR E DE SEU ENSINO Em primeiro lugar podemos afirmar que não há distinção entre a Filosofia e filo sofar A pesquisa mostrou que ora a Filosofia é compreendida como questionamen to como reflexão tal como afirmam os documentos oficiais do MEC ora como parte essencial da natureza humana como um instrumento crítico de transformação do mundo No entanto em nenhuma dessas prerrogativas há uma separação entre ato e potência seja como reflexão como questionamento condição ou crítica a Filosofia só se realiza na ação como atividade do filosofar e portanto ela só será por exemplo reflexão no exercício desta na atividade de refletir Mesmo quando afirmamos no diálogo com os documentos analisados que a reflexão não é exclusividade da ativi dade filosófica não podemos deixar de reconhecer que os documentos estão sempre acenando para essa característica definidora da Filosofia o fato de esta se constituir sempre como uma ação um exercício uma experiência Uma vez aceito esse primeiro princípio os estudos e análises me conduziram a uma segunda conclusão a de que o filosofar consiste em uma atividade de natureza teórica e prática pois se refere ao modo como pensamos e agimos Para mim a atividade filosófica é sempre um exercício da práxis isto é uma ativi dade de natureza teórica e prática com desdobramentos no plano da práxis Mesmo aqueles documentos que acentuam a característica reflexiva eou questionadora da atividade filosófica apontam que essa atividade está intrinsecamente associada à prá xis Recordo que quando os documentos do MEC foram lançados antes da promulga 120 121 A práxis criadora permite que o ser humano enfrente novas necessidades e situa ções Embora o ser humano não viva em um estado de constante criação criar é a primeira e mais vital necessidade humana A ação criadora se distingue pelo grau de consciência ou de participação consciente do sujeito no processo de transformação Quanto maior for o grau de consciência que o sujeito tem de sua prática e de si mesmo como ser prático e atuante mais próximo ele estará de uma consciência da práxis Simplesmente saber o que faz não garante uma prática criadora assim como não se deve pensar que na prática reiterativa a consciência está ausente Vázquez chama atenção para a importância do desenvolvimento de uma consciência reflexiva da prá xis ou seja do desenvolvimento de uma consciência que se volta sobre si mesma autoconsciência e sobre as atividades materiais Nesse processo a Filosofia enquan to filosofia da práxis se constitui como essa reflexão autoconsciente da prática e na forma de uma práxis reflexiva promovendo a superação da prática reiterativa A práxis reiterativa se caracteriza como um tipo de ação marcada pela submissão ao que está préconcebido a um modelo imutável no qual o real só justifica seu direito de existir por adequação ao ideal É uma práxis de segunda mão que não produz uma nova realidade não produz mudança qualitativa na realidade presente não transfor ma criadoramente VÁZQUEZ 1990 p 258 Na vida social esse tipo de adequa ção está presente por exemplo no burocratismo As práticas burocratizadas social estatal política cultural educativa etc representam um tipo de práxis degradada inautêntica oposta à práxis criadora O grau de participação da consciência nesse tipo de atividade imitativa é menor e seu modo de transformar constituise como uma imitação daquilo que já foi criado antes Não há margem para o improvável para o im previsível para a criatividade e portanto essa práxis converte a ação em reprodução A práxis imitativa é uma prática reprodutora Mediante uma práxis reiterativa na qual a participação da consciência é menor isto é na qual os sujeitos sociais não se percebem como sujeitos práticos que constroem o próprio o mundo e que são ca pazes de transformálo a inteligência opera na manutenção do status quo político social ético etc Todavia por meio de uma práxis reflexiva e principalmente crítica instaurase um inconformismo e a necessidade de mudar de criar uma nova realidade e um novo ser humano A atividade filosófica é capaz de promover esse tipo de práxis criadora ou criativa e portanto um ensino de Filosofia nessa perspectiva é visto como uma atividade de natureza prática com desdobramentos no plano da práxis por seu alcance ético e político Tratase de uma prática capaz de ajudar os jovens a fazerem uma experiência filosófica enquanto uma experiência de recriação de si mesmos e do mundo ao seu redor como um exercício contínuo de discernimento criativo Nessa perspectiva podemos também adotar como outro princípio a afirmação de que o ensino filosófico da Filosofia se constitui em locus de produção filosófica de experiência do filosofar comprometida ética e politicamente com a transformação do diferença entre a atividade cognoscitiva e a teleológica Segundo ele a atividade cog noscitiva referese a uma realidade presente que se pretende conhecer A teleológica referese a uma realidade futura ainda inexistente A ação teleológica se torna causa de uma ação real pois exige que sua antecipação ideal se concretize efetivamente e nesse sentido é causa de ação e determina como futuro nossos atos presentes op cit p 191 No entanto Vázquez também afirma que somente a antecipação de algo ideal não é suficiente para que se busque seu resultado real32 A exigência de reali zação é fruto de uma necessidade humana que só se satisfaz ao se atingir o resultado que prefigura Portanto apenas a atividade cognoscitiva não nos levaria a agir Em outra passagem Vázquez diz que não se conhece por conhecer mas sim a serviço de uma finalidade ou série de finalidades que pode ter como elo ini cial o da conquista da verdade a atividade da consciên cia que é inseparável de toda verdadeira atividade humana se nos apresenta como elaboração de finalidades e produção de conhecimentos em íntima unidade Se homem aceitasse sempre o mundo como ele é e se por outro lado aceitasse sempre a si mesmo em seu estado atual não sentiria a ne cessidade de transformar o mundo nem de transformarse O homem age conhecendo do mesmo modo que como ve remos adiante se conhece agindo VÁZQUEZ 1990 p 192 Por estar intimamente ligado a uma ou mais finalidades todo conhecimento traz consigo uma exigência de realização de tornarse real Essa necessidade humana que há pouco foi citada e que é responsável por buscar a realização das finalidades preconizadas pela consciência é a necessidade de uma transformação que surge de uma não aceitação do mundo e de si mesmo conforme está É importante notar seu papel fundamental para o estabelecimento da práxis Acredito que essa experiência de inconformidade aqui apresentada como necessidade de mudança possua na verdade diversas maneiras de se manifestar na experiência humana A busca da trans formação é um condicionante para a atividade prática O mundo humano é o mundo da práxis e como tal está sempre em construção quan do faz surgir o novo ou quando modifica transforma sua composição reinventandose ou está em constante manutenção quando procura garantir a conservação do seu próprio status quo A partir disso podemos falar de dois tipos diferentes de práxis uma responsável pela transformação profunda do mundo e do próprio ser humano denomi nada de práxis criadora e outra chamada de práxis reiterativa ou imitativa 32 Vázquez contrapõe os conceitos de ideal e real se afastando da tradição platônica e de outras filosofias que adotam o paradigma ideonômico 122 123 REFERÊNCIAS ASPIS Renata Lima Criar saídas e um ensino de Filosofia Educação Temática Digital Campinas v 17 n 1 p 199215 janjun 2012 BRASIL Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Orientações Educa cionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PCN Brasília MEC SEB 2002 Orientações Curriculares para o Ensino Médio ciências humanas e suas tec nologias Brasília MEC SEB 2006 DELEUZE Gilles GUATTARI Félix O que é a Filosofia Trad Lucia Pereira de Lucena Guerra Ana Bustamante Rio de Janeiro Ed 34 2009 GALLINA Simone O ensino de Filosofia e a criação de conceitos Cad Cedes Campi nas vol 24 n 64 p 359371 setdez 2004 RODRIGUES Valter Ferreira Considerações sobre o ensino da Filosofia e seu potencial filosófico In Colóquio Internacional de Filosofia da Educação VI 2012 Rio de Janei ro Anais eletrônicos Rio de Janeiro UERJ 2012 O ensino da Filosofia e o filosofar nas produções científicoacadêmicas brasi leiras considerações iniciais In CARVALHO Marcelo ALMEIDA JUNIOR José Bene dito de GONTIJO Pedro Org Filosofia e ensinar Filosofia São Paulo ANPOF 2015 SEVERINO Antônio Joaquim Filosofia 2ed São Paulo Cortez Editora 2007 VÁZQUEZ Adolfo Sánchez Filosofia da praxis 4ed Trad Luiz Fernando Cardoso São Paulo Paz e Terra 1990 mundo por meio das práxis pessoais e coletivas independentemente do nível e da mo dalidade em que a Filosofia se encontra A experiência do filosofar se caracteriza como um exercício da inteligência que opera através do exercício da crítica ou do pensamen to crítico juntamente com a capacidade criativa da inteligência de criar e recriar sua própria compreensão acerca da realidade É justamente esse exercício críticocriativo da inteligência que torna possível que o sujeito crie não apenas novas compreensões acerca da realidade que conhece ou na qual se insere mas também possibilita novas compreensões acerca de si mesmo e à medida que a compreensão que o sujeito tem de si muda é ele quem muda Tal mudança interior não fica circunscrita ao âmbito conceitual pois afeta os próprios valores decisões e ações do sujeitofilósofo Ensinar Filosofia a partir da proposta que aqui apresento exige que escola e profes sor sejam capazes de desenvolver práticas pedagógicas de alto potencial filosófico O potencial filosófico de uma ação pedagógica corresponde à capacidade que essa ação tem de levar os sujeitos nela envolvidos a fazerem uma autêntica experiência do filoso far RODRIGUES 2012 No ensino críticocriativo do filosofar as práticas pedagógicas envolvidas e as técnicas didáticas a serem aplicadas devem estar ancoradas em teorias educacionais que defendem a ação pedagógica enquanto ato criativo processual e pessoal voltada para a centralidade da relação professoraluno assim como na fun ção mediadora da escola do currículo etc Considerando que todo fazer pedagógico corresponde a um conjunto de ações que visam a contribuir para os processos de en sinoaprendizagem no ensino de Filosofia é importante avaliar que teorias e práticas educacionais têm potencial para desenvolver uma experiência filosófica nos estudan tes Acredito que quanto mais uma teoria pedagógica um procedimento didático ou uma determinada metodologia for capaz de promover processos de ensino e aprendi zado pautados nesses princípios que acabo de explicitar maiores serão as chances de essa teoria essa didática e esse método possuírem um alto potencial para o filosofar Em minhas pesquisas busco analisar compreender e demonstrar a possi bilidade de se desenvolver uma autêntica prática filosófica com adolescentes e jo vens contribuindo assim para o exercício docente da Filosofia na Educação Básica especialmente para os professores que atuam no Ensino Médio Para mim a escola é ou pelo menos poderia ser um lugar privilegiado para o despertar filosófico Todavia é preciso reconhecer que esse despertar não resulta de uma prática educativa espon tânea inconsciente ou inconsistente mas antes de ações pedagógicas adequadas e eficientes Ensinar Filosofia com vistas ao filosofar é sobretudo uma opção pedagógi ca e que como toda opção desse tipo precisa estar fundamentada sobre bases teóri cas bem definidas e consistentes capazes de fornecer o arcabouço teóricosistemático necessário para o desenvolvimento e a aplicação de estratégias didáticometodológi cas adequadas aos processos de ensino e aprendizagem em Filosofia 125 POSFÁCIO Marcos Antônio Lorieri33 P ensar sobre pesquisa e ensino de Filosofia nos dias de hoje é pareceme uma necessidade decorrente da própria necessidade do filosofar que sofre pressões nem sempre explícitas para que não aconteça Inúteis pressões pois o que é necessário sempre tem força própria para acontecer Mesmo que aconteça de ma neiras nem sempre suficientes Vejo isso nas manifestações de vida a ocorrerem por necessidade da própria vida por exemplo nas plantinhas que brotam nas frestas do asfalto das grandes cidades ou nas frestas das pontes e viadutos A vida ali sempre irrompe com muita força mesmo sabendo ou não sabendo das poucas chances de suas continuidades singulares A força necessária da vida é sempre teimosa se houver alguma infraestrutura por ínfima que seja para que ela tente acontecer Assim é com o filosofar e com outros aspectos do humano como a necessidade da liberdade que teima em sempre ocorrer enquanto alguma infraestrutura que permita o pensar esteja presente em algum lugar e em algum tempo O filosofar desaparecerá somente quando desaparecer o último ser humano Faz parte do ser gente o filosofar ainda que nem sempre ocorra da maneira considerada a melhor Pois é uma necessida de De sua necessidade decorre sua importância É uma necessidade porque diz respeito a uma busca incessante não tanto por a verdade mas por alguma possível verdadeira significação para o existir julgada como tal em certos espaçosmomentos culturais As significações são indicadoras de caminhos ou percursos e pelo andar da História parece que sem caminhos julgados possíveis os humanos sentemse perdidos Daí a necessidade dessa busca Se de fato ela é necessária deve ser feita Vejo o filosofar como sendo a concretização da busca pelas significações ou por algum sentido ou direção para o existir Algum sen tido que pode de alguma maneira ou por alguma razão ser alterado ao longo da vida 33 Professor Titular no Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Nove de Julho graduado em Filosofia pela USP 1968 mestre 1982 e doutor 1996 em Educação pela PUCSP e exProfessor Associado na PUCSP 19742006 126 127 A partir destas considerações vejo o filosofarpesquisa como um caminhar ne cessário na busca de possíveis verdades em relação a possíveis significações para o existir humano Há sempre um sonho ou um grande e profundo desejo de que al gum verdadeiro sentido possa ser encontrado Como diz Jean Ladrière34 1979 p 31 o sentido a significação é sempre um horizonte em direção ao qual o ser humano caminha ou deveria caminhar Não como sonâmbulo mas como um ser que escolhe direções e luta por elas As direções por nós produzidas e assumidas são nossas te leologias necessárias Consciente ou inconscientemente sempre as temos E são elas que têm disputado muitas vezes ferozmente o palco da História Vejo tudo isso como um grande conjunto da obra humana obra para a qual o filósofo precisa oferecer sua contribuição como pesquisador privilegiado pelo fato de ter desenvolvido ferramentas próprias que se vão aprimorando ao longo do tempo Temos várias tarefas como pesquisadoresfilósofos identificar caminhos já percor ridos desta investigação proceder à sua análise crítica acrescentar algo a eles por exemplo ajustes ou novos caminhos Além destas temos a tarefa de dar a conhecer os resultados dessas pesquisas para os demais seres humanos e incentivar o surgimento de novos pesquisadores para a área Para essa tarefa um caminho áureo é o ensino de Filosofia ou do filosofar Com relação à primeira tarefa a da pesquisa penso que não devemos ter medo ou vergonha de buscar pela verdade ou por verdades Ou de buscar por significações verdadeiras Ou ao menos de buscar pela sua possibilidade Este horizonte julgo eu não deveria nunca ser retirado da mira do filósofo que se engaja na luta histórica pelos sentidos A luta pela verdade possível ou a luta por significações possivelmente verdadeiras pareceme ser uma única luta Sempre uma utopia mas uma utopia pos sível pois parte da ideia da possibilidade de algum lugar topos a se ter em vista no caminhar da vida Já na apresentação deste livro o tema da busca ou da demanda pela verdade e por sua problematização por parte da Filosofia é posto com clareza ainda que como é dito ela seja posta sob suspeição Gosto da pergunta provocativa Se a Filosofia continua insistindo nessa senda não o faz digamos envergonhadamente E gosto ainda mais de me sentir provocado pelo que segue a esta pergunta certas pesquisas em Filosofia têm se reduzido se este é o termo penso que sim a enunciar discursos ou comentálos fugindo temerosamente de anunciar ao menos projetos de busca de alguma verdade 34 o sentido não se mostra como um objeto nem como um sistema de objetos É este elemento impalpável que atravessa todos os objetos e todos os sistemas religandose ao movimento universal da manifestação Tal movimento é a irradiação do originário reduz o visível à sua fonte e o impele para horizontes sempre mais vastos que ele só faz anunciar LADRIÈRE 1979 p 31 Mesmo que não se aceite que haja um originário sentido a clamar pela sua manifestação a ideia de significações ou de sentidos como horizontes progressivamente possíveis e variáveis pode ser utopicamente rica para as direções a seguir na História humana Se não clamamos pelo originário clamamos por sentidos uma necessidade Ligo estas ideias com a distinção apontada por Hannah Arendt a partir de ideias de Kant como ela diz entre pensamento e conhecimento o conhecimento diz respeito à ciência busca de verdades e o pensamento à Filosofia busca de significado ou de significações Diz ela em A vida do espírito o pensar o querer e o julgar 1995 Essa distinção entre verdade e significado pareceme não só decisiva para qualquer investigação sobre a natureza do pensamento humano mas parece ser também a con sequência necessária da distinção crucial que Kant fez entre razão e intelecto p45 Sobre essa distinção diz ela ainda Quando distingo verdade e significado conhecimento e pen samento e quando insisto na importância desta distinção não quero negar a conexão entre a busca de significado do pensamento e a busca da verdade do conhecimento Ao for mular as irrespondíveis questões de significado os homens afirmamse como seres que interrogam Por trás de todas as questões cognitivas para as quais os homens encontram respostas escondemse as questões irrespondíveis que pare cem inteiramente vãs e que desse modo sempre foram de nunciadas É bem provável que os homens se viessem a per der o apetite pelo significado que chamamos pensamento e deixassem de formular questões irrespondíveis perdessem não só a habilidade de produzir aquelas coisaspensamento a que chamamos obras de arte como também a capacidade de formular todas as questões respondíveis sobre as quais se funda qualquer civilização Ibidem p 48 Ou seja pensar investigando ou buscando significações ou ainda produzindoas é fundamental para a vida humana E aí reside se não a ao menos uma das tarefas mais importantes da Filosofia É o pensamento no sentido acima indicado que ofe rece possibilidades de rumos de sentidos pois homens que não pensam são como sonâmbulos conforme diz Arendt 1995 p 48 E por não pensarem buscando in vestigativamente pelas possíveis significações eles perdem a habilidade de conhecer porque perdem a capacidade de formular todas as questões respondíveis idem A capacidade de formular as questões irrespondíveis para mim as questões de fun do é a própria capacidade de pensar e ela é prérequisito para fazer acontecer inclu sive o conhecimento Neste sentido o pensamento inquisitivo é um instrumento para o conhecer O pensamento pode e deve ser empregado na busca de conhecimento ARENDT 1995 p 48 ainda que ao ser utilizado assim ele nunca é ele mesmo ele é apenas servo de um empreendimento inteiramente diverso ibidem acrescenta 128 129 de Viesenteiner Assim como o genuíno filosofar não se faz exclusivamente de exegese de gabinete pesquisa em Filosofia também não se faz sem uma sólida bagagem da História da Filosofia Afirmação que é enriquecida pela citação de Kant que a segue e que propugna a reunião do domínio de uma cultura filosófica ampla e profunda com o pensar por si mesmo com autonomia Mas como isso pode ocorrer numa época que já não pensa Esta é a pergunta do segundo texto Será que se pode responder afirmativamente a esta questão Penso que não pois todas as pessoas pensam Nem sempre pensam bem como já apontava Dewey que propunha que a principal finalida de da educação escolar deveria ser ensinar a pensar bem Diz ele afirmamos en faticamente que esta a educação em seu aspecto intelectual consiste na formação de hábitos de pensar despertos cuidadosos meticulosos DEWEY 1979 p 8586 Talvez seja correto afirmar que estamos em uma época na qual muitas pessoas não pensam bem isto é não pensam de maneira desperta cuidadosa e meticulosa como o propõe Dewey que junta a estes adjetivos outros como reflexivo e crítico A citação de Deleuze posta por Wanderley J Ferreira Jr aponta para o risco da utilização dos tex tos dos filósofos uma referência inevitável na pesquisa filosófica como é dito quando o são de maneira a impedir uma verdadeira experiência do pensar por parte dos que buscam o filosofar Defendo que o pensar bem pode ser aprendido se houver incen tivos para isso nas escolas por exemplo Aulas de e pesquisas em Filosofia podem e devem ser momentos ricos de experiências de pensar bem de um pensar engajado nas problemáticas do nosso tempo como já apontado o que é reforçado com estas pala vras de Ferreira Jr ao final do seu texto Tratase portanto de reviver e encarnar a Filosofia em nossas pesquisas sempre com o propósito de reinventála pensando não sobre os pensadores mas com eles o nosso próprio tempo e nós mesmos Uma das características do nosso tempo e de nós mesmos nele é a presença in conteste daquilo que Aquiles von Zuben denomina de tecnociências com sua opera tividade essencial Ele aponta as tecnociências e sua operatividade como o outro da Filosofia e de toda a cultura humanística A Filosofia situase na dimensão simbólica que conforme diz não consegue e nem deve querer dominar e controlar a dimensão tecnocientífica Ambas as dimensões devem dialogar entre si até porque a humanida de sempre foi politécnica e polissimbólica Mas isso tem sido de difícil compreensão por parte de certa tradição antropológica que vê apenas na dimensão simbólica o ca minho da constituição do humano Por que não o diálogo entre estas duas dimensões constitutivas da humanidade Como diz von Zuben a ausência de diálogo leva a um esfacelamento da Filosofia debilita o pensar produzindo totalitarismos de pensamen to ou tiranias da mente dogmática Estas ideias alimentam a reflexão sobre o que deve constituir o filosofar o pesquisar filosofando e o ensino de Filosofia que deve sim ser um exercício de pensar filosoficamente com a ajuda ou na companhia dos filósofos que já fizeram esta experiência havendo sempre a atenção reflexiva e crítica para com o outro exterior seja ele qual for A reflexão que o livro provoca não é tarefa fácil mas foi encarada com seriedade e competência pelos autores desta obra tão oportuna e bem encaminhada nas suas duas partes que abordam apropriadamente os dois temas o da pesquisa hoje em Filosofia e o do ensino de Filosofia ou do filosofar ou de ambos conjuntamente eu acrescentaria Apresentarei aqui considerações que dizem respeito às duas temáticas tratadas Mais em relação à segunda por ser um campo de estudos ao qual tenho me dedicado com maior empenho No tocante ao tema primeiro não sei dizer se a pesquisa que se faz hoje é uma nova sofística e menos ainda se diz respeito a uma das duas mencionadas Quem busca produzir ou se aproximar da sofia é sempre o sofós Deve ser sempre o bom sofista que deve ter a benquerença da sofia E esta busca somente é boa para os seres humanos se for um esforço realmente engajado na História das lutas pela satisfação dessas ne cessidades e feito este esforço com todo o rigor conceitual possível O filósofo afinal deve ser o melhor amigo do conceito li em algum lugar Mas penso que sua amizade mais do que com o conceito por ele mesmo deve ser com o pensamento conceitual pois que o fazer Filosofia deve ser uma contínua experiência de pensar conceitual mente apanhando neste pensar o máximo possível da totalidade dos sentidos aí presentes e o máximo possível dos seus enganos ou do que lhes falta para oferecer a esses sentidos os devidos ajustes e complementações Esta é uma tarefa histórica não de um filósofo apenas mas de toda a humanidade para a qual todos os filósofos são chamados a colaborar Diz bem Viesenteiner ao afirmar temos de ser genuínos filhos do nosso tempo mas simultaneamente temos de poder ser capazes de dar as costas a esse mesmo tempo com algum sucesso de distância crítica de modo a sermos capazes de enxergar nossos próprios pontos cegos Isso pareceme diz respeito ao fazer pesquisa filo sófica engajada e com rigor conceitual É diferente do apenas ficar na superfície dos fatos ou apenas na realidade fenomênica Há mais do que isso na História humana há múltiplas relações que constituem esta realidade e que não se dão a conhecer sem o devido e rigoroso aprofundamento na sua busca Os olhos da mente que fazem a leitura por dentro da realidade intuslegere de onde vem inteligência ou a capa cidade de leitura por dentro devem poder captar progressivamente as relações que articulam os devires do real Não há como não se engajar neste real para dele extrair as significações aí dadas sempre as há resultantes de múltiplas relações e para se for o caso produzir outras que esta mesma realidade indica serem as melhores ao menos para este momento histórico A pesquisa filosófica vista desta maneira e por isso mesmo não para nunca Não só ela se serve das ferramentas desenvolvidas pelas pesquisas já produzidas antes Daí a importância da continuidade das pesquisas no interior das produções filosóficas historicamente acumuladas Daí a sábia afirmação 130 131 Se ela acentua a importância da boa argumentação como caraterística importante e constitutiva do filosofar não única os textos que a precederam insistem nas demais caraterísticas em especial na centralidade da pergunta ou da problematização e não na busca de respostas possivelmente verdadeiras ainda que sujeitas a revisões A pergunta agora é sobre o em que consiste o filosofar perseguido e visado no ensino da disciplina de Filosofia Ele consistiria fundamentalmente em sempre perguntar como um grande esforço por fazer ver a todos inclusive aos filósofos as encruzilhadas ou as dificuldades do existir humano Este perguntar abdicaria pela sua quase impossibilidade de buscar verdades Por conta desta abdicação contentarseia apenas com a produção de dis cursos não afirmativos Ou este ensino seria um caminhar na busca de construir per guntas substantivas capazes de provocar progressivamente experiências fundamentais de pensamento com vistas a chegar também progressivamente cada vez mais perto de verdadeiras significações para a vida humana cada vez mais bem fundamentadas com bons argumentos mesmo sabendo ser esta uma tarefa sempre inacabada Sou pela resposta afirmativa à segunda pergunta e creio que algo neste sentido é realizado mas não desconsidero as dificuldades às quais o texto de Andrea Diaz Genis denomina de enfermedad de la filosofía e que grassa no interior de muitas escolas A principal característica apontada desta enfermidade é seu distanciamento da vida de hoje e de suas exigências A tradição da Filosofia e do filosofar foi sempre o enraizamento na cultura de seu tempo sem perder o rigor do pensamento conceitual como dito no início deste texto o qual exige por seu turno certo distanciamento mas não afastamento ou desconsideração No diálogo fictício entre o personagem Inquieto o professor de Filosofia e a Cuidadora a Filosofia a ênfase é posta na necessidade do perguntar e a denúncia é focada na quase morte da perguntação o que redundaria caso ocorra na morte da própria Filosofia Diz ela que não tem nada contra a que nas aulas se conheça a História da Filosofia e acrescento se conheçam as ideias produzidas ao longo desta História Mas isso diz não pode ocorrer em detrimento del desarrollo del pensamiento libre de la producción y creación conceptual O texto caminha para no final propor que nas aulas de Filosofia haja espaços para o desenvolvimento de um pensamento livre não sujeito aos controles burocráticos Un espacio para el filosofar que seguramente mucho tiene que ver con el ensayar experimentar posibilidades en el pensamiento y en la realidade Tem havido recentemente uma ênfase na proposição de que as aulas de Filosofia sejam autênticas experiências de pensamento Experimentar pensar filosoficamente é sim um bom e áureo caminho de aprendizagem filosófica a se fazer por certo na companhia de mestres filósofos que nesta aprendizagem já se exercitaram e deste exercício nos deixaram legados preciosos E a se fazer também com a mediação de bons professores de Filosofia que já andados no caminho deste exercício o continuem Isso fica reforçado por estas suas palavras preciosas Embora se deva reconhecer sem nenhuma dúvida que ainda façamos parte de uma humanidade na qual prevalece a dimensão simbólica somos densamente tocados pela outra dimensão que se impõe progressivamente a da operatividade tecnocientífica Ambas moldam o viver do ho mem contemporâneo Mas parece ser oportuno neste momento de nossa História pensarmos em transcender a era do discurso único e dogmático por parte do sim bólico o qual interrompe o diálogo e destrói um dos traços específicos do humano a busca da compreensão do sentido Voltase aqui à questão do sentido ou à questão da possibilidade das significações verdadeiras Este esforço do filosofar pela sua necessidadeimportância não pode se submeter aos caprichos da institucionalização transformando o filósofo e o professorfilósofo em seus funcionários Esta é uma denúncia importante de Patrícia Velasco o que a encaminha para não concordar com um filosofar sofístico a serviço de interesses bu rocratizados mas também a não concordar que a sofística grega tenha sido a negação pura e simples do filosofar Não se pode pensar Filosofia sem argumentação que é processo necessário para a sustentação de escolhas por respostas às perguntas ou aos problemas postos a atividade filosófica é constituída essencialmente por problematização reflexão conceituação e argumentação diz ela insistindo em que a argumentação constituise como traço constitutivo de cada filosofia ocupando um lugar significativo nessa última Um dos aspectos importantes da sofística era a ar gumentação Talvez se possa dizer que esta é uma característica da boa sofística aquela que trabalha com argumentos válidos e não com sofismas Esta maneira de ser inclui algo que é fundamental o acolhimento e o respeito ao outro no diálogo que a argumentação honesta exige Não há e nem pode haver aí o argumento da força seja ela qual for e sim a força do argumento A argumentação diz Velasco pressupõe o di reito de todos à opinião sendo uma arte democrática que substitui a força a coação e a violência como recursos persuasivos Tratase como é dito no texto reportandose a Perelman e OlbrechtsTyteca de uma nova retórica cuja alma é o diálogo na acepção que lhe dão estes autores e Walton Freire e Gadamer A Filosofia seria nesta perspec tiva um duplo diálogo de um lado dos pensadores com seus pares com a tradição e com os problemas do seu tempo e de outro uma vivência do filosofar como expe riência dialógica Isso por certo não é próprio do filósofofuncionário aquele que impede as oportunidades do pensamento porque apenas reitera o já pensado e pior o já pensado escolhido a propósito por certos interesses dominantes Daí uma indica ção esperançosa no final do texto Se o pesquisador em Filosofia é um funcionário o professor pode ser no espaço da sala de aula filósofo aquele que efetivamente e afetivamente pratica a Filosofia vivenciando o filosofar como experiência dialógica As questões relativas ao filosofar no ensino de Filosofia tema da Parte II do livro são postas mais enfaticamente a seguir e se ligam com o final do texto de Velasco 132 133 buscando outras verdades mesmo sabendo que este outro jogo nos levará a verdades também provisórias Seria possível separar a investigação filosófica da busca por ao menos alguma verdade Defendo que não mas defendo que o que se busca no filo sofar não é a verdade mas sim possíveis verdadeiras significações histórica e cultu ralmente situadas pois sem alguma significação ou sem algum sentido assumido não conseguimos dar endereços à nossa existência Insisto sempre nos plurais verdades significações sentidos endereços A pluralidade de manifestações de resultados da busca filosófica respostas é uma riqueza da Filosofia assim como a pluralidade cultural é uma riqueza da Humani dade Da mesma maneira como a interculturalidade pode enriquecer todas as culturas sem destruílas os diálogos entre as diversas posturas filosóficas podem servir de en riquecimento para o filosofar Em ambos os casos há negações e afirmações a serem consideradas com vistas a superações talvez nunca definitivas Estas ideias não me parecem longe da proposta de ensino de uma Filosofia que não ensina verdades mas se apresenta como modo de vida uma forma de vida com posicionamento sobre o mundo em que se vive Mesmo assim há mais uma pergunta posicionamentos não seriam respostas E essas respostas não poderiam ser ver dades ainda que sujeitas a revisões a partir de novos questionamentos Esta busca por posicionamentos eu a quero entender como um caminho a construir a partir da dupla dotação de vida e de razão indicada na citação de ComteSponville a qual por sua vez nos impele a articulálas de tal modo que não podemos sem filosofar pensar nossa vida e viver nosso pensamento já que isso é a própria filosofia ainda no dizer presente na citação Isso é a própria Filosofia que pode ser realizada na especificidade do filosofar no ensino de Filosofia no nível médio Esta especificidade deve contemplar o aprender a exercitar a própria razão como é dito por Lidia Maria Rodrigo citando Descartes Mas fazêlo articulando esse aprendizado no equacionamento de questões existen ciais vida e razão o que carrega em si mesmo um valor cognitivo e social do ponto de vista educacional pois é disso que se trata quando se fala de ensino A perspectiva educacional ou formativa nunca pode ser perdida de vista quando se fala de ensino de Filosofia cuidandose para preservar parâmetros que garantam a fidelidade à na tureza do saber filosófico evitando sua descaracterização eou banalização O ensino de Filosofia no Ensino Médio assim como em propostas de Filosofia com ou para crianças deve ser visto sempre como uma iniciação que deve ser promessa de busca ao menos por alguns dos alunos pela especialização a ser iniciada no Ensi no Superior em cursos específicos de Filosofia Digo de especialização a ser iniciada porque ela demora a se concretizar ao longo da vida se é que isso ocorre Quantos já formados e com muitos anos de exercícios no filosofar e no ensino de filosofar com seus alunos ensinandolhes trilhas já conhecidas e com eles descobrindo novas sendas Penso que somente assim o bom filosofar não morrerá E isso vale tanto para o Ensino Médio quanto para o Ensino Superior Pedro Gontijo insiste no tema com a pergunta Experiências de pensamento Para que Para suas reflexões utiliza contribuições de Giacoia e de dizeres de Saramago em uma entrevista ocorrida pouco antes de sua morte Giacoia faz a denúncia da falta de experiências de pensamento e Saramago insiste na necessidade do pensar espe cialmente em nossos dias Saramago diz que hoje nos falta Filosofia unindo essa ausência à falta de reflexão à falta de pensar Ele diz que precisamos do trabalho de pensar um trabalho de pensar que no caso da Filosofia não tem e nem pode ter um objetivo determinado como na ciência diz ele Talvez o objetivo de busca de verda des almejadas pelo conhecimento como diz Arendt citada anteriormente Gontijo afirma que nem Giacoia e nem Saramago apontam para a necessidade de se revelar ou descobrir alguma verdade no caso da Filosofia Estaria o autor afirman do a não necessidade de alguma verdade Pareceme que não a se levar em conta a menção que faz à informação de Hadot de que a prática filosófica na Grécia antiga era optar por um modo de vida e de que a participação numa escola filosófica objeti vava aprender a justificar esse modo de vida Pergunto assumir e justificar um modo de vida não é têlo como verdadeiro Talvez nas suas palavras posso encontrar uma reposta para minha pergunta quando diz a Filosofia não tem compromisso com qual quer discurso que se apresente como verdade mas sim com a compreensão de como os discursos percorrem caminhos que os fazem funcionar como verdadeiros De novo porém pergunto basta isso Basta compreender os caminhos que fazem com que discursos funcionem como verdadeiros Não haveria caminhos de investigação que não apenas fazem com que discursos funcionem como verdadeiros mas que possam validar com bons argumentos como o quer Velasco pelo menos certas afirmações desses discursos e até prova em contrário Há algo que sempre me inquieta que é saber se não precisamos de respostas pos sivelmente verdadeiras para nossas indagações Precisamos somente de indagações Os caminhos de vida da antiga Grécia apontados por Gontijo propostos pelas diversas filosofias não eram respostas com plausibilidade de verdade Se não eram plausíveis por que o esforço de sua justificação buscado nessas escolas filosóficas Este esforço não é semelhante ao esforço proposto por Foucault na citação feita quando diz que Filosofia é um modo de refletir sobre nossa relação com a verdade e mais ainda quando diz ser a Filosofia em movimento um conjunto de esforços hesitações sonhos e ilusões que visam a que nos separemos daquilo que é adquirido como verdadeiro e busquemos outras regras de jogo Quando conseguimos nos sepa rar do que é adquirido como verdade e buscamos outras regras do jogo não estamos 134 135 e crítico pode ser um dos bons resultados do ensino de Filosofia no Ensino Médio assim como pode ser exercitado cada vez mais em relação aos problemas vivenciados pelos alunos desse nível de ensino auxiliados pela reflexão crítica já desenvolvida pelos filósofos e apresentada nos textos deles selecionados pelo bom professor de Filosofia Penso que a citação que Rodrigo faz de excerto de um texto seu indica muito bem a finalidade e os caminhos desse ensino Assim a filosofia que é ensinada no nível médio é produto de uma ação que desloca o saber especializado de seu contexto originário de produção as universidades e agências de pesquisa para submetêlo a uma nova configuração cujas regras seleção simplificação síntese sequenciamen to etc não se originam de nenhuma lógica interna à Filosofia visto que elas se pau tam por objetivos sócioeducativos e não por exigências fundamentalmente lógicas RODRIGO 2009 p 86 O alcance desses objetivos é caminho seguro também para a formação de novos interessados em serem especialistas em Filosofa os quais demandarão espaços no Ensino Superior da área Uma sementeira importante de interessados em cursos uni versitários de Filosofia é por certo o ensino de Filosofia no Ensino Médio Isso nem sempre é considerado pelos Departamentos de Filosofia e talvez também por isso eles não têm considerado tão importante a formação de professores de Filosofia É uma não consideração para não dizer cegueira que pode ser uma das causas da pou ca demanda de jovens pelos cursos de Filosofia Eu me pergunto por que razões a educação escolar é tão pouco valorizada em tan tas instâncias se é através dela que todos os formados em nível superior dão seus primeiros passos são iniciantes como diz Rodrigo em seus percursos formativos O caso do desprestígio para com as Licenciaturas dentre elas a da Filosofia é emble mático Como diz Valter Ferreira Rodrigues no texto O filosofar e seu ensino é nesse ensino que ocorrem os processos de mediação para as primeiras e importantes vivências de experiências do filosofar Filosofar diz como uma determinada experiência de pen samento que não pode ter no seu ensino como base única o estudo das produções filosóficas com pouca ou quase nenhuma abertura para a experiência do filosofar Pois afirma ainda a atividade filosófica não consiste em um movimento de repetição de dados ou na rememoração de algo absoluto O filosófico é antes de tudo uma força de criação e seu ensino uma experiência de criatividade Experiência de criatividade que não se realiza a partir do nada e sim de uma interrelação constante entre produ ções filosóficas já aprontadas e o que ainda não está pronto e que precisa de apron tamentos para responder às sempre novas exigências históricas o que nas suas pala vras cria e recria o universo conceitual filosófico Por que não iniciar os jovens neste interrelacionamento promissor Nesta sempre nova aventura que é a do filosofar sentemse ou são de fato especialistas O amor à sabedoria a filosofia não é mesmo uma especialidade concluída como qualquer verdadeiro amor Ambos se alimentam com um contínuo exercitarse que para ser bom não se conclui O ensinar a filosofar é uma arteprofissão que depende do amor sim à sabedoria mas também do preparo especializado para esse ensino Com relação a este aspecto as ideias de Rodrigo são ricas A começar pelas duas exigências que aponta para esse preparo A primeira diz respeito a uma formação especializada em Filosofia que deve ter como espinha dorsal a História da Filosofia tal como ela a entende e que comentarei após anunciar a segunda Esta por sua vez diz respeito à necessária formação didática Com relação à primeira vale registrar o que ela diz em relação à História da Filoso fia quero dizer a leitura dos filósofos e textos mais significativos dos diferentes períodos históricos a fim de que os graduandos adquiram um conhecimento razoável sobre os principais temas da tradição filosófica Pois acrescenta só quem conhece a Filosofia com profundidade será capaz de explicála em termos simples aos iniciantes Eu denomino a isso não de História da Filosofia mas de recurso ao que foi produ zido historicamente como Filosofia buscando ali filósofos e textos mais significativos dos diferentes períodos históricos A decisão pelos filósofos e textos considerados mais significativos nunca é fácil e nunca é neutra mas deve ser feita e em sendo feita deve ser material necessário na formação dos docentes para que deles possam se servir inclusive na medida certa outra dificuldade nas suas aulas Denomino de História da Filosofia algum relato analítico sempre não neutro dos fatos filosóficos os autores suas produções e suas circunstâncias assim consi derados pela tradição filosófica Foi o que fizeram Nicola Abbagnano Émile Bréhier Innocentius Marie Bochénski Bertrand Russell e outros Os estudos históricos das ideias filosóficas dos seus autores e das circunstâncias históricoculturais nas quais essas ideias floresceram e nas quais os pensadores viveram bem como os estudos dessas ideias até onde possível devem fazer parte da formação dos professores de Filosofia Somente de posse dessa formação eles serão capazes de explicar a Filo sofia ou seja seus conteúdos em termos simples aos iniciantes Obviamente que Rodrigo não está propondo a simplificação desses conteúdos mas sim uma maneira que facilite a iniciação filosófica dos alunos Pois como ela diz é tarefa do professor conceber uma forma pela qual o conteúdo adquirido durante seu percurso formativo possa converterse em saber escolar de modo a exercer com competência seu papel de mediador entre o aluno e o saber filosófico Competência que se manifesta também na escolha apropriada de textos filosóficos de tal modo a servirem de apoio para o estudo dos temas desenvolvidos em sala de aula e também como suporte para uma reflexão mais bem conduzida O caminho do aprendizado do pensamento reflexivo 136 137 quem já os fez bem e este caminhar junto com eles pode ser feito com muitas vanta gens nas boas aulas de Filosofia Mas para que tenhamos essas boas aulas precisamos da boa formação dos profes sores de Filosofia para a qual os Departamentos de Filosofia podem dar uma imensa contribuição unindose aos e enriquecendo os esforços já desenvolvidos no campo da Didática pelos pesquisadores da Educação Encerro repetindo o que escrevi no início deste texto faz parte do ser gente o filoso far ainda que nem sempre ocorra da maneira considerada a melhor Pois é uma neces sidade De sua necessidade decorre sua importância E acrescento daí a importância da pesquisa e do ensino do filosofar e do já filosofado REFERÊNCIAS ARENDT Hannah A vida do espírito o pensar o querer o julgar 3ed Trad Antônio Abranches César Augusto R de Almeida Helena Martins Rio de Janeiro Relume Du mará 1995 DEWEY John Como pensamos como se relaciona o pensamento reflexivo com o pro cesso educativo uma reexposição 4ed Trad Haydeé C Campos São Paulo Nacional 1979 LADRIÈRE Jean Os desafios da racionalidade o desafio da ciência e da tecnologia às culturas Trad Hilton Japiassu Petrópolis Vozes 1979 Esta maneira de ver o ensino de Filosofia no Ensino Médio pode ser um caminho para motivar os alunos para as tão desejadas experiências de pensamento ou as tão proclamadas necessárias aulas de Filosofia como experiências de filosofar Quero concluir estas considerações com um arranjo que fiz de respostas de Lidia Maria Rodrigo a uma pergunta que ela mesma coloca em seu texto e que julgo se casa muito bem com os textos da segunda parte deste livro A pergunta é pensandose na ideia de iniciação ao filosofar quais as especificida des do ensino de Filosofia no nível médio Entendi que são três as respostas dadas A primeira penso que pode ser colocada assim a partir de e com suas palavras a contribuição do ensino de Filosofia para a formação do jovem precisa estar a serviço da construção do significado da cultura para ele próprio como sujeito ético e como agente políticosocial Daí a necessidade de que ele adquira certas noções filosófi cas e desenvolva certas habilidades intelectuais que contribuam para que amplie a compreensão da realidade amadureça e fundamente concepções e valores que lhe permitam emitir juízos e fazer escolhas sobre os dilemas com que vier a defrontarse em sua existência como pessoa e como cidadão A segunda indica a necessidade de que sejam abordados temas e problemas que viabilizem a explicitação das significações epistemológicas éticas políticas e estéti cas inerentes às práticas do indivíduo e da sociedade bem como o questionamento e a crítica dos preconceitos e ideologias que permeiam os discursos e racionalizações destas práticas Na terceira apontase para a importância de esse ensino iniciante propiciar a aprendizagem da reflexão bem fundamentada e o exercício do pensamento crítico que constituem ferramentas importantes na efetivação desse perfil formativo As experiências de filosofar por iniciais que sejam são caminhos privilegiados dessas aprendizagens Mas elas não são sua única finalidade Por minha conta coloco uma quarta finalidade que está indicada nestes dizeres nunca é demais insistir no caráter das interrogações a serem formuladas sobre a experiência humana elas não são endereçadas aos especialistas mas a todo ser humano preocupado com uma compreensão e uma prática consequente no seu tempo e na sua sociedade Ou seja o filosofar não é privilégio de especialistas ou dos filó sofos da academia O filosofar foi criado não pelos filósofos mas pela humanidade como uma necessidade sua intrinsecamente humana Todos podem e devem filosofar e por isso todos devem e podem aprender a filosofar da melhor maneira possível Este necessário aprendizado se faz no caminhar junto com os caminhos já percorridos por 139 BREVES CURRÍCULOS DOS AUTORES Andrea Díaz Genis Doutora em Filosofia pela UNAM México summa cum laude com pósdoutorado pela Universidad Autonoma de Madrid e pela Universidad Complutense de Madrid Pro fessora titular de Filosofia da Educação na Universidad de la República del Uruguay Au tora do livro La formación humana desde una perspectiva filosófica Inquietud cuidado de sí y de los otros conocimiento Prêmio Nacional de Letras do Uruguai 2015 Jorge L Viesenteiner Doutor em Filosofia pela Unicamp e Professor do Programa de Pósgraduação em Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo UFES na qual coordena o Progra ma de PósGraduação em Filosofia Fez doutoradosanduíche na ErnstMoritzArndt Universität Greifswald Alemanha e pósdoutorado na Radboud University Nijme gen Holanda É membro do Groupe International de Recherches sur Nietzsche GIRN da Universität Greifswald Tem pesquisas sobre autores como Nietzsche Kierkegaard Schopenhauer Kant Deleuze bem como em Literatura Estrangeira Moderna especial mente russa e alemã Email jviesuolcombr Lidia Maria Rodrigo Doutora em Filosofia pelo IFCHUNICAMP e livre docente em Filosofia da Educação pela FEUNICAMP é professora aposentada do Departamento de Filosofia e História da Educação DEFHE da FEUNICAMP Publicou Filosofia em sala de aula teoria e prática para o ensino médio 2009 e Platão e o debate educativo na Grécia clássica 2014 ambos pela Editora Autores Associados Email lidialexxacombr Newton Aquiles von Zuben Doutor em Filosofia pela Université Catholique de Louvain 1970 Professor Titular da Faculdade de Filosofia e do Programa de PósGraduação em Ciências da Religião da PUCCampinas 2004atual Professor Titular aposentado 2001 da Faculdade de Educação da UNICAMP Email navzubenhotmailcom Patrícia Del Nero Velasco Bacharel 1996 e licenciada 1997 em Filosofia pela Pontifícia Universidade Ca tólica de São Paulo PUCSP Mestre em Filosofia pela PUCSP 2000 Doutora em Filosofia pela PUCSP 2004 Atualmente é professora adjunta IV da Universidade Federal do ABC UFABC Atua nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Filo 140 sofia e no Programa de PósGraduação em Filosofia Coordena o núcleo UFABC do Mestrado Profissional em Filosofia PROFFILO É autora do livro Educando para a argumentação contribuições do ensino da lógica Editora Autêntica líder do LaPE Fil Laboratório de Pesquisa e Ensino de Filosofia UFABCCNPq e integrante do núcleo estruturante do Grupo de Trabalho da ANPOF Filosofar e Ensinar a Filosofar Email patriciavelascoufabcedubr Pedro Ergnaldo Gontijo Graduado e licenciado em Filosofia com Mestrado em Educação pela UnB e Douto rado em Educação pela UNICAMP Professor do Departamento de Filosofia da Univer sidade de Brasília na área de Ensino de Filosofia e do Programa de PósGraduação em Metafísica Áreas de pesquisa Ensino de Filosofia Filosofia da Educação Ontologias Contemporâneas Email pgontijounbbr Valter Ferreira Rodrigues Doutor em Educação pela Universidade Federal da Paraíba 2014 Professor Ad junto da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais no Centro de Formação de Profes sores da Universidade Federal de Campina GrandePB campus de Cajazeiras Pro fessor no Mestrado Profissional em Filosofia PROFFILO núcleo Campina Grande UFCG Membro do GEPEFE Grupo de Pesquisa e Estudos em Filosofia e Educa ção com pesquisas na área do Ensino de Filosofia Ética e Filosofia da Educação Email valterfilosofiasuperigcombr Wanderley J Ferreira Jr Fez graduação mestrado e doutorado em Filosofia na UNICAMP Professor Adjunto III de Filosofia e Filosofia da Educação na Faculdade de Educação da UFG Áreas de pesquisa Fenomenologia Hermenêutica Filosofia contemporânea Heidegger a ques tão da técnica ciências e novos paradigmas Pesquisa atual Crise da razão moder na a universidade e a formação humana em questão Email wjfjobelixunicampbr 143 COLEÇÃO MAIÊUTICA FILOSÓFICA COORDENADORES Jorge da Cunha Dutra Instituto Federal Catarinense IFC Campus Avançado de Abelardo Luz Cláudia Battestin Universidade Comunitária da Região de Chapecó UNOCHAPECÓ ESCOPO A Coleção Maiêutica Filosófica surgiu com o intuito de possibilitar um espaço de in tegração e diálogo entre professores e pesquisadores brasileiros e latinoamericanos contemplando temáticas variadas nos campos da Filosofia e da Educação Seu nome se inspira no método de Sócrates o qual se valia da metáfora do parto para extrair ideias de seus interlocutores em busca da verdade De maneira distinta mas com a mesma pretensão de parir ideias a coleção tem como objetivo dar à luz investiga ções filosóficas de educandos e educadores das mais diversas instituições do Brasil e da América Latina valorizando a integração interinstitucional ao mesmo tempo em que promovendo o intercâmbio e a disseminação de conhecimentos Este livro foi composto nas fontes Budidaya e Arsenal para o Instituto Federal Catarinense em março de 2018 Tendo tratado em seu primeiro tomo Diálogos entre Filosofia e Educação de aspectos diversos do ensino de Filosofia no contexto educacional brasileiro e das relações entre Filosofia História e Cultura no âmbito latinoamericano a coleção MAIÊUTICA FILOSÓFICA estampa no presente volume oito ensaios sobre uma questão problemática e polêmica no que concerne tanto à pesquisa acadêmica quanto ao ensino da disciplina de Filosofia em seus vários níveis sobretudo o médio e o superior a questão que inquire a respeito da presença e do lugar da verdade seja no horizonte seja na prática mesma daquela pesquisa e daquele ensino A variedade das abordagens se põe manifesta de modo a franquear ao leitor a visão da complexidade que o debate dessa questão assume no panorama de uma contemporaneidade igualmente complexa e difusa além de tensa e provavelmente em crise quando se cuida de discutir ideias e de questionar a que realidades elas se referem SOBRE OS ORGANIZADORES Jorge da Cunha Dutra Licenciado em Pedagogia 2006 pela Universidade Federal do Rio Grande FURG e em Filosofia 2010 pela Universidade Federal de Pelotas UFPel Mestre 2010 e Doutor 2014 em Educação pela Faculdade de Educação da UFPel Professor de Filosofia e Coordenador Geral Pedagógico Substituto do Instituto Federal Catarinense IFC Campus Avançado Abelardo Luz Roberto Goto Graduado e licenciado em Filosofia 1976 pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUCCampinas Mestre 1987 e doutor 1994 em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp doutor 2003 em Educação também pela Unicamp Professor do Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da Unicamp INSTITUTO FEDERAL Catarinense