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estudos avançados 27 79 2013 239 I o mês de fevereiro de 2013 a revista Carta Capital publicou diversas matérias sobre cultura mais precisamente sobre o chamado vazio cul tural que seria segundo o diagnóstico da revista a característica defini dora do tempo presente O fio condutor da reportagem é a relação entre os ciclos da economia brasileira e as manifestações culturais Três períodos são destacados O primeiro que se inicia com a revolução de 30 trouxe consigo um con junto de pensadores com interpretações relevantes sobre o Brasil Sérgio Buar que de Holanda Gilberto Freyre Caio Prado Jr Na literatura a centralização federativa provocou uma reação expressa no romance social revelando autores como Jorge Amado Raquel de Queiroz e principalmente Graciliano Ramos A música popular revelou Ary Barroso Dorival Caymmi e tantos outros mestres Um segundo ciclo iniciase nos anos JK e se estende até 1968 É um mo mento de modernização capitalista e desenvolvimento industrial que foi acom panhado no plano cultural pelo surgimento do cinema novo do teatro de Are na e do teatro Oficina do CPC da UNE da arquitetura de Oscar Niemeyer da bossanova e dos compositores da MPB como Chico Milton Edu Lobo etc e do tropicalismo E hoje Depois de 12 anos da era Lula as políticas de inclusão social e de incentivo à educação e à cultura o que se pode dizer O tom geral da revista é de desânimo estamos vivendo um vazio cultural A superestrutura caminha vagarosamente e parece não querer acompanhar o desenvolvimento social Essa mesma percepção acompanha muitos estudantes que se voltam para o passado com olhos nostálgicos deixando transparecer que eles prefeririam ter nascido noutros tempos quando as coisas importantes aconteciam De fato toda a movimentação cultural da década de 1960 gravitou em torno do público estudantil e da classe média escolarizada Esse segmento co nheceu um vertiginoso crescimento Marcelo Ridenti 2013 chamou a atenção para esse fato Dados do MEC apontam que há hoje cerca de 7 milhões de universitários O Da periferia ao centro cultura e política em tempos pósmodernos Celso FrederiCo i N estudos avançados 27 79 2013 240 acesso ao ensino superior praticamente dobrou em uma década Em 2000 eram admitidos anualmente 900 mil calouros Em 2011 quase 17 milhão Dois terços no ensino privado A título de comparação tomese a década das manifestações estudantis Em 1960 havia 35909 vagas no ensino superior número que saltou para 57342 em 1964 ano do golpe de Estado chegando a 89582 no tempo das revoltas de 1968 a maioria no ensino público Em termos absolutos a evolução foi enorme Não obstante apenas 15 dos brasi leiros com idade de estar na faculdade cursam o ensino superior Dados eloquentes que contudo não tiveram reflexos significativos no campo cultural Mas as manifestações culturais surpreendentemente apareceram na outra ponta entre os 85 dos jovens conhecidos como nem nem aqueles que não estão nem na universidade e nem no mercado de trabalho formal Esses novos protagonistas habitam um território de localização geográfica imprecisa que passou a ser designado pela polissêmica palavra periferia Essa é a novidade que nega o propalado vazio cultural diagnóstico que revela uma concepção restrita do que se entende por cultura1 II Os bairros populares situados às margens da cidade não eram chamados de periferia O batismo ocorreu inicialmente na sociologia urbana para designar um espaço de carência marginalidade violência e segregação Daí o termo foi adotado pelos movimentos culturais para em seguida ser incorporado pelas políticas públicas que visam à inclusão social inclusão digase restrita à parti cipação no mercado de bens de consumo Ultimamente a eterna sanguessuga a indústria de entretenimento passou a enfocar a periferia em filmes novelas anúncios publicitários etc A publicização do termo periferia deu ensejo assim à sua apropriação por diferentes campos discursivos que buscavam cada qual a seu modo cristalizar um significado conferirlhe um conteúdo Esse esforço diferenciado de ressig nificação da palavra periferia faz lembrar Bakhtin que via no signo linguístico a arena da luta de classes As várias significações possíveis contudo passaram a existir graças à ex plosão cultural iniciada a partir da década de 1990 que deu visibilidade a um processo em curso A década de 1980 foi marcada por uma intensa movimentação social En quanto o mundo padecia dos efeitos do neoliberalismo e da reestruturação pro dutiva desmantelamento dos direitos trabalhistas crise do sindicalismo etc o Brasil atravessava um momento de ascenso do movimento popular com a for mação das centrais operárias do Movimento SemTerra da legalização dos par tidos de esquerda processo que culminou na Constituinte Cidadã em 1988 Nos anos 1990 entretanto a ofensiva neoliberal fortalecida pela desagre gação do bloco comunista chegou finalmente ao Brasil A crise social e o enfra quecimento do movimento operário foi acompanhado da guinada pragmática estudos avançados 27 79 2013 241 do Partido dos Trabalhadores e da desmobilização das Comunidades Eclesiais de Base Na cidade de São Paulo a administração Paulo Maluf privilegiando o transporte individual e a consequente construção de avenidas e viadutos deixou a periferia abandonada A concentração de renda de um lado favoreceu o sur gimento de condomínios fechados e de outro a crescente favelização Os resultados sociais logo se fizeram sentir na periferia retratada pelos jornais como o lugar do tráfico de drogas da violência policial e da degradação das condições de vida Mas foi justamente na década de 1990 que a periferia conheceu uma surpreendente floração cultural Uma importante análise foi realizada por Tiarajú Pablo DAndrea 2013 Morador da periferia e participante ativo de movimentos culturais realizou uma notável pesquisa em que aliou a sua vivência a uma refinada reflexão sociológica A resposta à crise social segundo ele expressouse nos diversos movimentos culturais a literatura marginal2 o teatro as Comunidades do Samba os saraus os cineclubes as produções audiovisuais e principalmente o hiphop que tem o rap como expressão musical além do breaking na dança e o grafite nas artes plásticas3 Em 2007 durante a Semana de Arte Moderna da Periferia Sérgio Vaz leu um manifesto que afirmava a arte que liberta não pode vir da mão que escraviza4 Como consequência da visibilidade adquirida as organizações não go vernamentais e as políticas públicas assistencialistas passaram a financiar as ati vidades culturais por acreditarem ser essa uma saída de emergência a possibi lidade de escape para manter os jovens longe da criminalidade5 Essa aposta no apaziguamento das contradições sociais contou também com a contribuição de empresas privadas adeptas do discurso empreendedorista A ponta de lança da ofensiva cultural dos anos 1990 foram os racionais MCs o grupo de rap que melhor expressou a vivência da periferia naquele mo mento tendo obtido um estrondoso sucesso popular inteiramente construído às margens da indústria cultural Os Racionais segundo Tiarajú Pablo DAndrea conseguiram como nin guém exprimir o surgimento da nova subjetividade do emergente sujeito perifé rico A condição compartilhada gerou um forte sentimento de orgulho acom panhado de uma crítica à sociedade que os condenava à segregação Tratase da formação de uma visão do mundo como diria Lucien Goldmann que comparti lha códigos valores e que acena para a ação coletiva Trilha sonora da periferia o rap foi o responsável pela educação senti mental dos negros pobres que constituem a grande maioria do sujeito peri férico Mas essa não é uma característica apenas brasileira em todas as grandes cidades de nosso mundo globalizado o rap se fez presente para manifestar sua crítica agressiva à sociedade Gênero musical novo mas que retoma a forma antiquíssima do cantar o cantochão baseado no pulso e não na linha meló dica e nas possibilidades do campo harmônico o que dispensa portanto uma estudos avançados 27 79 2013 242 formação musical que vai além da rítmica o rap surgiu como a forma musical preferida para a vocalização dos excluídos O resultado final é a verborragia mar telante que fustiga os ouvidos e irrita quem procura na música algum bálsamo para o espírito6 Mas esta é a forma adequada para o novo gênero Walter Garcia 2003 p171 após estudar a batida do violão de João Gilberto como doadora da for ma da bossanova voltouse para o estudo dos racionais mostrando como a realidade violenta aparece em cada recurso poético através das palavras de rua de modo que a técnica de feitura das obras está completamente adequada à profundidade das experiências representadas Uma das hipóteses mais interessantes levantadas pela pesquisa de Tiarajú Pablo DAndrea seria a existência de afinidades eletivas entre manifestações aparentemente opostas como o rap a proliferação de seitas evangélicas o lulis mo e o PCC todos eles movimentos que explodiram na década de 1990 como resposta a uma situação comum O elemento unificador seria a existência de uma gramática moral de um código de conduta um procedimento forjado para se sobreviver numa situação agônica comum a todos os sujeitos periféricos III Se realmente se pode falar numa nova subjetividade numa visão do mundo cuja expressão mais articulada foi oferecida pelos racionais devese também lembrar que uma identidade também se constitui em oposição a algo Afinal quem é o inimigo Sobre esse ponto as opiniões divergem Segundo Walter Garcia a violência é o que estrutura a narrativa dos ra cionais Permeando as relações sociais a violência vivida é expressa de modo igualmente agressivo essa violência generalizada é resultado do sistema capitalista responsável pela transformação de tudo incluindo sentimentos e projetos de vida e de todos preto branco polícia ladrão em mercadoria com valor medido em di nheiro essa universalidade porém convive com uma forma de opressão par ticular o preconceito e a segregação racial ibidem p173 Essa convivência entre o universal e o particular contudo tende a trazer para o primeiro plano a segregação racial Esse é um fato novo na história da peri feria lembrando que após as greves ocorridas em fins dos anos 1970 a sociologia passou a exaltar a dignidade do trabalho como elemento orientador da ação operária bem como chamar a atenção para o teatro operário que acompanhou os movimentos grevistas7 A perspectiva classista contudo parece não ter resistido à reestruturação produtiva que trouxe à baila em tempos pósmodernos além da questão racial a maldição de origem de nossa sociedade também a questão juvenil dos nem nem por conta do desemprego e de uma tendência a fragmentação das catego rias do mundo do trabalho a sociabilidade passa a se dar mais no bairro ou no estudos avançados 27 79 2013 243 universo urbano deslocamentos locais de consumo coletivo áreas de lazer etc do que propriamente no local de trabalho As desigualdades territoriais expressariam melhor elementos étnicos e geracionais que tendiam a ser esca moteados na identificação trabalhador com maiores dificuldades de pensar a questão juvenil e a questão negra DAndrea 2013 p1545 Resta saber se essa ênfase no particular é uma passagem enriquecedora para o universal e portanto o caminho para a emancipação do gênero humano ou um fechamento algo semelhante ao obreirismo e o corporativismo no movimento sindical Essa segunda opção é afirmada enfaticamente por Tereza Caldeira 2011 p3012 nos anos 1990 havia se consolidado em São Paulo um novo padrão de se gregação espacial baseado na criação de enclaves fortificados e no uso intensivo de sistemas de segurança Esse é um padrão de segregação cuja lógica é impor separações Os novos movimentos culturais e artísticos que se consolidaram nos anos 1990 expressam alguns dos paradoxos dessa democracia violenta e dessa cidade segregada paradoxalmente eles também recriam alguns dos termos de sua própria segregação ao reinventarem simbolicamente a perife ria como um gueto isolado uma imagem importada do rap norteamericano Dessa maneira eles constroem uma postura de autorreclusão similar às práticas de reclusão das classes altas e seu protesto contra a exclusão acaba contribuin do para a reprodução de espaços segregados e intolerância Quanto à intolerância a autora chama a atenção para o modo preconcei tuoso como o rap em geral e os racionais em particular referemse à mulher A difamação das mulheres diz faz parte da tendência a policiar as fronteiras de uma comunidade que se mantém unida na base da atitude e onde não existe tolerância com as diferenças ibidem p315 As mulheres ao contrário dos músicos procuram ter empregos regulares e por isso são vistas como potencial mente integradas um perigo para a coesão da comunidade Haveria assim uma mudança de postura em relação aos movimentos so ciais dos anos 1970 e 1980 estes tendo como referencial o mundo do trabalho apresentavamse como uma comunidade unida reivindicando a inclusão na ordem social e a extensão dos direitos sociais Já o hiphop diz a autora colo couse fora da esfera política adotando assim uma posição de enclausuramento cujo único direito que imaginam ter é o direito de liberdade de expressão Por isso conclui Tereza Caldeira existem limites para o tipo de comunidade e políticas que eles possam criar Eles pensam a periferia como um mundo a parte algo similar ao gueto norteamericano um imaginário que nunca foi utilizado antes no Brasil para pensar as periferias Além disso a democracia não é uma palavra de seu léxico é de fato uma noção que pertence ao outro lado ao lado da sociedade branca e rica Suas evocações de justiça não são necessariamente feitas em termos de cidadania e estado de direito como era a dos movimentos sociais e nesse sentido seus clamores por justiça têm por vezes uma preocupante similaridade com o modo como estudos avançados 27 79 2013 244 os comandos do crime organizado usam os mesmos preceitos É uma ordem moralista onde não existe lugar para a diferença ibidem p318 Essas duas posições antagônicas que oscilam da afirmação do caráter re volucionário do rap ao particularismo segregacionista contêm cada qual a seu modo elementos verdadeiros coexistindo no interior de uma argumentação um tanto peremptória Sem muita dificuldade percebese o ponto de vista digamos assim de mocrático de Tereza Caldeira que gostaria de ver a coexistência pacífica dos opostos numa sociedade multiculturalista tolerante Por outro lado sua crítica certeira ao enclausuramento aponta para um limite da consciência possível dos sujeitos periféricos Uma terceira posição é defendida por Pablo Nabarrete Bastos Em sua pesquisa teve o cuidado de discernir três tendências atuantes no hiphop A pri meira delas trabalha com a centralidade da questão racial a segunda dedicase à crítica do capitalismo a terceira centrase na questão cultural e na formação dos jovens para a cidadania Mas mesmo o segmento anticapitalista repete a visão dualista restrita ao imediato como se pode perceber na declaração de um dos integrantes do grupo de rap sádicos Contra o sistema o sistema pra nós era a grosso modo playboy polícia governo A referência ao governo contudo não impede que muitos grupos atuem em parceria com os departamentos culturais de prefeituras petistas8 Se o envolvimento com prefeituras e as ONG traz problemas para movi mentos que pretendem ser anticapitalistas a colonização pelo consumo é uma ameaça ainda mais terrível A análise excessivamente otimista de Tiarajú Pablo DAndrea não deixa de assinalar a contragosto as tentações do consumismo en volvendo as últimas produções dos racionais bem como de lembrar a participa ção do grupo ao lado de Jorge BenJor em uma campanha da Nike Não se trata de julgamento moral pois a questão de fundo é outra e nos remete aos impasses do dualismo afirmado pela cultura da periferia Afinal a parte pode permanecer isolada do todo É evidente que a presença da sociedade inclusiva para usar mos o jargão sociológico acaba contaminando a todos A cultura das classes populares não é em si mesma progressista e nem sempre é original e de boa qualidade Gramsci quando falou do folclore usou a expressão fragmentos indigestos para assinalar a coexistência de conteúdos progressistas e reacionários De modo assemelhado encontramos na periferia tanto manifestações regressivas como o recente fenômeno do funk da ostenta ção que enaltece as grifes e o dinheiro como também aquelas que se preten dem anticapitalistas Sobre o funk da ostentação que replica a ideologia dominante é ilus trativa a reportagem publicada pela revista Época Vida é ter um Hyundai e uma Hornet10 mil para gastar rolex e Juliet canta o paulista MC Danado no funk Top do momento Para quem não entendeu estudos avançados 27 79 2013 245 ele fala na ordem de um carro uma moto dinheiro um relógio e um par de óculos um refrão avaliado em R 400 mil Na plateia do show da Zona Leste região que concentra bairros populares de São Paulo os versos são repetidos aos berros pelas quase 1000 pessoas presentes O público de sextafeira é jovem etnicamente diverso e poderia ser descrito em três palavras classe C emergente9 O MC Lon resumiu a ideologia do movimento A gente quer ostentar cada vez mais Queremos chegar onde os gringos do rap chegaram Nóis canta osten tação porque pode É como se fosse a celebração de uma vitória Lima 2013 André Singer 2013 comentando o fenômeno observou a autenticida de da manifestação Tal como no rap são vozes da comunidade falando para a comunidade Mas constata os valores expressos são justamente os que ema nam da publicidade Por isso conclui tratarse de uma extraordinária vitória do capitalismo ibidem Essa invasão da ideologia dominante na periferia exige a superação da concepção dualista que separa a sociedade em brancos e negros centro e perife ria manos e playboys IV O fechamento em torno de uma imaginária comunidade unida que afir ma o dissenso como princípio opõese evidentemente a qualquer possibilidade de integração Mas o que significa exatamente integração Integração é aceitação con formista da sociedade que promove a ascensão social da classe C emergente através do consumo É possível uma integração crítica A questão me faz lembrar em primeiro lugar do método Paulo Freire A integração do analfabeto na sociedade letrada significava no caso tomada de consciência e não um mero passaporte para o mundo letrado Lembro também de um amigo psicanalista protestando contra aqueles que dizem que a psicanálise procura integrar o neurótico à sociedade neurótica A sociedade argumentava é contraditória integrar significa dar consciência e permitir que o indivíduo escolha entre valores alternativos Considerando a ambiguidade do termo integração podemos desdobrar a questão e perguntar o que se deve entender por integração cultural Hoje em tempos de multiculturalismo há uma tendência ingênua de valorizar acriticamente o conteúdo revolucionário da efervescência cultural na periferia Os seus protagonistas por sua vez tendem a afirmar a sua pureza evitando a contaminação com isso pensam em manter a autenticidade da cultura da periferia opondose radicalmente à cultura praticada no centro O limite dessa visão consiste em manter o isolamento cultural através da criação de parques temáticos de segmentos estanques que afirmam o seu particula rismo e negam o diálogo Negam portanto a própria possibilidade de se de senvolverem de superarem os seus limites com sua insistência em permanecer estudos avançados 27 79 2013 246 no gueto Essa posição dual exaspera o antagonismo mas não aponta para a superação seja pelo aprofundamento da democracia seja pela revolução social Ela portanto permanece digamos assim numa negação negativa incapaz de transcender os limites em que se enclausurou incapaz de fornecer um projeto universalizante para a transformação revolucionária da sociedade mercantil Um exemplo expressivo desse particularismo hostil ao diálogo foi patroci nado recentemente por seiscentos estudantes de escolas públicas da periferia de Campinas Esses estudantes entre dez e doze anos de idade foram contempla dos com o programa Ouvir para crescer dedicado à iniciação musical Num dos teatros municipais na Vila Industrial atores apresentaram as principais ca racterísticas da linguagem musical Em seguida o grande pianista André Meh mari aproximouse do piano para tocar uma música de Ernesto Nazareth É o crítico literário e músico José Miguel Wisnik quem informa ao começar uma explicação sobre a sua participação e mesmo antes de tocar começou a receber vaias e xingamentos pesados intensivos que se multiplicaram e continuaram ao longo de toda a apresentação A presença aristocrática do piano e o estranha mento de classe social certamente são fatores que ao lado da crise da instituição escolar contribuíram para a agressividade do público O crítico concluiu que a reação dos estudantes faz parte de uma rede de identidades que se constituem precariamente sobre a relação rivalitária de indivíduos e grupos cuja afirmação de existência depende da negação frontal do outro Wisnik 2013 Esse exemplo não é um caso isolado Recentemente minha filha partici pou da tentativa de organizar um evento cultural na PUCSP Na reunião com os colegas alguém sugeriu chamar Chico Buarque de Holanda Um dos pre sentes aluno beneficiado pela inclusão na universidade pelo sistema de cotas protestou Chico Buarque é um playboyzinho o pessoal não entende as coisas dele Temos que chamar alguém que fale a língua da periferia Esse fechamento pode ainda ser visto na experiência vivida pelo rapper de São Bernardo Walter Limonada quando se dirigia à biblioteca para devolver alguns livros e encontrou um amigo que o repreendeu esse negócio de livro não é postura de rapper Pablo Nabarrete Bastos que reproduziu o encontro acrescentou Eu já presenciei jovens do HipHop criticando até mesmo os seus pares por querer colocar em debate e palestras alguma referência da ciência clássica como Marx por achar que era uma atitude pernóstica ou na linguagem deles o Jão tava querendo se crescer pra cima dos mano não vem querer falar bonito aqui não que aqui é quebrada e o bicho pega Bastos 2008 p319 Nos três exemplos a mesma intolerância de quem quer afirmar agressiva mente o seu particularismo e se recusa a ouvir quem fala uma linguagem dife rente uma linguagem de classe média branca culta A integração pela cultura sem dúvida melhora a autoestima de setores marginalizados mas também pode colaborar para acentuar os irredutíveis parti estudos avançados 27 79 2013 247 cularismos A integração crítica e revolucionária contudo necessita do esforço universalizante da educação tanto a escolar como a política E a cultura não pode ser o substituto da educação No caso dos sujeitos periféricos a visão dualista que não se transcende esco lhe como inimigo o que é dado imediatamente na vivência cotidiana a polícia o racismo o playboy os políticos Mas aqui podemos apontar como já o fez Tereza Caldeira para uma impertinente afinidade eletiva com a outra parte da sociedade segmentada aquela que vive em condomínios fechados Esse setor também participou da glorificação da cultura no momento em que se confi gurava a passagem da mercantilização da cultura tal como descrita pela teo ria adorniana da indústria cultural para a culturalização da economia Autores como Debord já haviam afirmado que a cultura seria a mercadoria vedete da sociedade do espetáculo Mais recentemente Jameson escreveu sobre a domi nante cultural no capitalismo tardio Na passagem para o século XXI começouse a falar em economia criati va para designar um novo e rentável ramo dos negócios Em 2008 esse ramo era responsável por 7 do PIB mundial Por conta disso a Unesco que até então cuidava da cultura viu suas atribuições se encolherem em proveito da Organização Mundial do Comércio e da União Internacional de Comunicação Do mesmo modo a economia da cultura passou a integrar as políticas públicas Um documento do MEC durante o governo FHC informava que cultura é um bom negócio Como negócio a alta cultura passou a seguir a lógica especulativa do ca pital financeiro Ela deixou de ser um bem público e passou a ser um ativo fi nanceiro à espera de valorização Os bancos e os especuladores do mercado de capitais rapidamente converteramse aos encantos da obra de arte atraídos pelo seu valor de troca em permanente valorização e não pelo seu valor de uso Juntando as pontas podese ver como a representação caótica da realidade provocada pelo fetichismo mercantil se expressa nos contrários a permanência no imediato no visível polícia playboy entre os sujeitos periféricos e a ado ração da aparência sensível o valor de troca pela burguesia dos condomínios fechados em seu recente entusiasmo pela cultura V Entre os dois extremos encontrase a classe média branca aquela que saiu às ruas em junho de 2013 Como a palavra periferia classe média é uma expres são ambígua sujeita às interpretações mais diferenciadas As pesquisas de André Singer 2012 sobre o lulismo e as de Márcio Poch mann 2012 sobre a classe média são referências básicas para se entender o tem po presente Elas confluem no diagnóstico a partir de 2005 a classe média aban donou o lulismo e aderiu majoritariamente às posições de direita Essa retirada efetivouse como resposta à nova base social que passou a sustentar o lulismo o subproletariado beneficiado pelas políticas públicas de inclusão social Tais estudos avançados 27 79 2013 248 políticas de viés paternalista que visam à integração por meio da participação nos bens de consumo não atacam a exploração capitalista mas apenas procuram diminuir os seus efeitos De qualquer modo esse enorme contingente social passou a garantir as vitórias eleitorais do PT Sem mobilização e conscientização o lulismo consolidou uma hegemonia passiva em que o centro da ação deixou de ser as relações de produção capitalistas passando a concentrarse no combate à pobreza Nesse contexto a classe média abandonou o lulismo migrando para a direita Um pequeno segmento contudo deslocouse para os partidos de es querda Surpreendentemente essas duas vertentes estiveram juntas nas mani festações de junho A crise de representação dos partidos e sindicatos abriu o caminho para os protestos10 Todos queriam ser protagonistas ninguém mais queria ser representa do Sem a presença de partidos que existem para universalizar as reivindica ções tais manifestações correm o risco de se dispersar num conjunto infinito de reivindicações particularistas e o que é pior de serem pautadas pelo novo partido da sociedade do espetáculo o partido da mídia As manifestações organizada pelo Movimento Passe Livre por estudantes secundaristas e pelos movimentos de moradia da zona sul tiveram como canal de divulgação as re des sociais Rapidamente o movimento ganhou adesão e os sujeitos periféricos saíram de seus guetos o que conferiu à luta traços de uma revolta popular Nesse momento a cobertura ao vivo realizada pela televisão passou a convocar abertamente o telespectador à participação ao mesmo tempo em que procurava imprimir um determinado sentido aos acontecimentos Como consequência os links que comentavam os fatos retirados da mídia impressa tiveram uma influên cia direta sobre a opinião pública A revolta contra o aumento da passagem de ônibus ao invés de traduzirse na luta pela estatização das companhias de trans porte público desviouse para uma pluralidade de reivindicações menores Tais reivindicações foram levantadas por personagens neófitos em política que inesperadamente entraram em cena os coxinhas Enrolados na bandeira do Brasil eles portavam cartazes com protestos contra a corrupção a antiga bandeira da moralidade que a direita desde os tempos de Getúlio e depois de Goulart sempre levantou contra os governos progressistas Essa multidão de indivíduos solitários moldados ideologicamente por décadas de hegemonia do neoliberalismo fazia assim a sua estreia na vida pública Paradoxo das consequências diria Max Weber um movimento conce bido numa óptica anticapitalista nas redes sociais seguiu caminhos inesperados e contrários à orientação inicial Esse fenômeno obriga à reflexão sobre a internet distante das tradicionais interpretações apocalípticas ou integradas As possibili dades emancipatórias da internet convivem com sua colonização pelas atividades comerciais pela presença agressiva de internautas profissionais a serviço de parti dos empresas etc e hoje sabemos por uma implacável vigilância por parte dos estudos avançados 27 79 2013 249 Estados Unidos O ciberativismo por sua vez é tanto uma ferramenta para a ação coletiva como um canal para o individualismo irresponsável É fácil clicar um botão e aprovar ou reprovar algo Vejase por exemplo a luta pela legalização da maconha milhares de internautas se comprometeram a participar de uma mani festação da PUCSP mas na hora H apareceram somente alguns gatos pingados O Movimento Passe Livre após promover algumas manifestações nume ricamente inexpressivas foi surpreendido em junho com a multidão que foi às ruas Cabe lembrar que esse movimento é de certo modo herdeiro de 68 especialmente do espírito libertário que propaga a horizontalidade e critica as organizações políticas tradicionais Centralismo democrático e espírito de partido são considerados com alguma razão princípios burocráticos e auto ritários No Brasil tal espírito orientou por exemplo a ação de Marighela e da ALN A ruptura com o centralismo estimulava a ação autônoma de pequenos grupos não subordinados a nenhum comando Uma das formas de ação era a propaganda armada um grupo invadia uma fábrica distribuía panfletos e exibia orgulhosamente as armas para os trabalhadores acreditando com isso estar ensinando o caminho da revolução como se a imagem pudesse substituir o trabalho político de convencimento e conscientização O autonomismo contemporâneo e a espetacularização da política como antídoto à burocracia apoiase em autores como Toni Negri Cornelius Casto riadis nos teóricos da autogestão e no neoanarquismo Essa orientação inserese no espírito de 68 em especial naquele caldo de cultura que direcionou diversas correntes de pensamento como a antipsiquiatria o multiculturalismo algumas tendências pedagógicas etc todas elas fazendo da horizontalidade a expressão por excelência da democracia Uma estranha dialética entre o individual e o coletivo se manifestou nos protestos de junho Os indivíduos autônomos e anônimos foram às ruas e se encontraram com seus pares Formouse assim para usarmos uma expressão de Hegel uma multidão atomística de indivíduos juntos As máscaras do filme V de Vingança usadas nas passeatas encobriram os rostos mas não aboliram as individualidades misturadas no coletivo um coletivo impessoal uma multidão A multidão é uma multiplicidade de singularidades que não pode en contrar unidade representativa em nenhum sentido segundo pensa Antonio Negri 2003 p43 Essas singularidades em comum seriam um novo sujeito destinado a ocupar o lugar da antiga classe operária classe em que as indivi dualidades permaneciam atreladas à idêntica posição no interior das relações de produção11 Nos tempos pósmodernos de hegemonia do trabalho imaterial teria surgido uma alternativa à antiga dialética do singular e do geral do uno e dos múltiplos Hegel astuciosamente colocara entre o universal abstrato e as singularidades soltas a categoria mediadora da particularidade A ação direta e o culto do autonomismo contudo se revoltam contra a mediação seja essa representada por partidos ou sindicatos instâncias consideradas externas ao estudos avançados 27 79 2013 250 soberano movimento que em sua imanência constitui o novo sujeito em luta pela democracia absoluta conceito que remete a Espinosa A revolta produz assim autoorganização antipoder resistência poder constituinte A multidão desponta como uma classe perigosa e demoníaca Negri 2005 reportase ao Novo Testamento àquela parábola em que Jesus foi exor cizar um homem possuído pelo demônio e ao perguntar seu nome obteve como resposta Legião é o meu nome pois somos muitos Em seguida co menta Um dos aspectos curiosos e perturbadores dessa parábola é a confusão gramatical de sujeitos singular e plural O demoníaco é ao mesmo tempo eu e nós Existe aí uma multidão ibidem p186 O demoníaco deu seu ares da graça nas manifestações de junho quando depredações vandalismo e roubo de lojas aproximaram grupos punks Black Blocs policiais infiltrados ladrões e adeptos da ação direta Não estamos mais diante da luta dos contrários mas do culto pósmoderno da transgressão dos impulsos imediatistas contra a normatividade Como consequência o movimento foi progressivamente se esvaziando Seus promotores iniciais pressionados de um lado pela intervenção da mídia querendo pautar os rumos e de outro pela ação de provocadores de todo tipo recuaram temerosos Uma das análises mais brilhantes dessas manifestações foi feita por Aton Fon Filho que apontou a aproximação das duas vertentes políticas que foram às ruas direita e esquerda De uma classe média desorganizada mas sob a influên ciahegemonia de linhas políticas de direita que em muitos casos incorporou palavras de ordem da oposição de esquerda o que se tem nas ruas é um amál gama mal construído de boas intenções e generalidades Fon Filho s d p7 A questão da cultura mais uma vez se fez presente na estetização da po lítica promovida principalmente pelos coxinhas e pelos Black Blocs Com o mesmo espírito manifestaramse os demais participantes substituindo a questão social por uma agenda ancorada em abstratos valores éticos na defesa dos direi tos humanos moradia trabalho saúde transporte etc e em menor escala nos direitos identitários a luta contra a discriminação de raça gênero e orientação sexual e na legalização do aborto e da maconha A luta deixou de ser pelos vinte centavos no preço das passagens para se tornar uma luta por direitos conduzida pela lógica do espetáculo não sendo uma força organizada cada um ficava responsável por definir o que levava à manifestação E cada um sabia que iria possivelmente ser filmado por um dentre os milhares de celulares e câmeras nas ruas E iria para a internet no facebook ou num blog ou num site ou no instagram E poderia ir para os jornais ou para os sites dos jornais E para a televisão Cada um que cuidasse portanto do modo como iria aparecer como iria ser espetáculo ibidem p8 Nos desdobramentos que se seguiram às primeiras manifestações a palavra final foi dada pelos Black Blocs Esse grupo de extração anarquista propõe a ação estudos avançados 27 79 2013 251 direta contra os símbolos materiais do capitalismo Suas manifestações violentas são dirigidas para a destruição da propriedade privada e não para a sua sociali zação Os símbolos mais visíveis do capitalismo se tornaram portanto o alvo predileto de suas ações Uma reportagem da revista Carta Capital explicou a forma de atuação dessa corrente O surgimento de um bloco não é centralizado nem permanen te É o encontro de indivíduos com propósitos similares mas nunca coibidos pela coletividade Tais propósitos concentramse na violência como ação direta o que confere à política um caráter mais estético espetacular de intervenção urbana Locatelli Viera 2013 p245 Um ativista entrevistado pela revista declarou Nossa sociedade vive permeada por símbolos Participar de um Black Blocs é fazer uso deles para quebrar preconceitos não só do alvo atacado mas da ideia de vandalismo Não há violência sic Há performance Especialistas na área de políticas culturais afirmam que o Black Blocs é mais do que um mo vimento ele é uma estética Bruno Torturra e que o seu ativismo opera na interface da política com a arte Pablo Ortellado A estetização da política segue assim em direção contrária à politização da arte defendida pelo rap Os leitores de Walter Benjamin devem lembrar que a primeira posição era originalmente defendida pelo fascismo e estranhar sua migração para o neoanarquismo A política como espetáculo midiático como evento tem a sua face car navalesca com os coxinhas e demoníaca com os Black Blocs Tal política leva à fragmentação e ao individualismo Comportamento tí pico da pequenaburguesia e incentivado ao máximo pelo neoliberalismo o individualismo tem como um dos seus vetores as políticas de identidade cen tradas nas irredutíveis diferenças Mas estas são proliferantes como atesta en tre outros o movimento gay a afirmação identitária desse movimento seguiu a lógica da contínua divisão expressa nas seguidas siglas que procuram nomear esse contingente social GLS GLBS GLBT GLBTS GLBTTIS etc Esse movi mento progressivo em que o uno se dispersa no malinfinito dos múltiplos foi chamado por Antônio Flávio Pierucci de ciladas da diferença Pierucci 2000 De qualquer modo continuamos no gueto destino comum dos manos em sua identidade territorial das diferenças proliferantes e dos protestos segmentados Na história das lutas sociais a reinvindicação da diferença sempre foi uma bandeira conservadora levantada contra a defesa socialista da igualdade e a am pliação dos direitos sociais A esquerda contrariamente levantava palavras de ordem universalizantes variando do internacionalismo proletário ao nacio nalismo Em tempos pósmodernos a bandeira da diferença mudou de lado e a esquerda empenhouse em dar vida ao que Derrida chamava de o jogo infinito das diferenças Nas manifestações de junho de 2013 a reivindicação original do passe livre nos transportes reivindicação anticapitalista que entendia o transporte estudos avançados 27 79 2013 252 como um direito social e não uma mercadoria foi passada para trás pelas pala vras de ordem aleatórias de uma multidão atomizada formada sobretudo por indivíduos das classes médias A presença desses novos atores trouxe às ruas as reivindicações particularistas e festivas da vontade de todos o somatório dos interesses particulares que não deve ser confundido com a rousseauniana von tade geral Essa substituição de uma pauta unificada por reivindicações esparsas impediu que se atacasse a essência dos problemas ficandose por assim dizer na periferia ou melhor em suas manifestações visíveis cultivando um fazer político performático bem ao gosto do pósmodernismo que no lugar da palavra da argumentação persuasiva prefere o culto da imagem Não foi por mero acaso que a palavra de ordem gritada nas ruas vem pra rua vem tenha replicado o slogan da propaganda de uma marca de car ros que então era veiculada exaustivamente na televisão Apropriação crítica ou adesão irrefletida à linguagem da mercadoria Seja como for ficamos enredados no campo dominado pela mídia que não só reflete mas sobretudo impõe pela manipulação das imagens o simulacro no lugar do real visando com isso pautar a conduta dos indivíduos tanto na esfera cultural como na politica Estudando a questão urbana Otília Arantes Arantes 2000 p22 reportandose a David Harvey 1992 p8892 chamou a atenção para a mudança operada a substituição pósmoderna do espetáculo como for ma de resistência ou de festa popular revolucionária pelo espetáculo como forma de controle social O que se pode observar em todos os setores é o triunfo da lógica do ca pital do fetichismo da mercadoria e sua contrapartida a estetização da política O culto das grifes no funk da ostentação ou a crítica abstrata ao sistema na visão dualista dos rappers ambos prisioneiros do imediato o encantamento súbito de uma burguesia financeirizada pelo valor de troca da obra de arte ou a atuação performática dos Black Blocs que investem contra os odiosos símbolos visíveis do capitalismo complemento perfeito para as declarações de amor da burguesia ao invólucro da mercadoria pelas grifes pela marca pelo valor de troca Assim consumase o espetáculo a manifestação sensível da representação caótica de um mundo que parece governado pelo movimento automático das mercadorias Cabe lembrar a propósito a contribuição pioneira de Guy Debord que em sua crítica ao mundo mercantil entendia o espetáculo como sendo o mo nopólio da aparência e contra ele reivindicava não a contestação midiática do espetáculo mas a linguagem da contradição Referências ARANTES O Uma estratégia fatal A cultura nas novas gestões urbanas In ARAN TES O et al A cidade do pensamento único Desmanchando consensos Petrópolis Vozes 2000 estudos avançados 27 79 2013 253 ARANTES P E Esquerda e direita no espelho das ONGs In Zero à esquerda São Paulo Conrad Livros 2004 BARBOSA B Forte ativismo digital incomoda mídia mas sofre ameaças e riscos re vista AdUsP São Paulo maio de 2013 p75 BASTOS P N ecos de espelho Movimento HipHop no ABC paulista sociabilidade intervenção e mediações sociais culturais raciais comunicacionais e políticas 2008 Dissertação Mestrado Escola de Comunicação e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2008 BOSI A Cultura brasileira e culturas brasileiras In dialética da colonização São Paulo Cia das Letras 1994 CALDEIRA T P do R O rap e a cidade In KOWARICK L MARQUES E Org são Paulo novos percursos e atores Sociedade cultura e política São Paulo Editora 34 2011 p3012 DANDREA T P A formação dos sujeitos periféricos cultura e política na periferia de São Paulo São Paulo Programa de PósGraduação em Sociologia USP 2013 FON FILHO A A direita sai de casa pela porta da esquerda Disponível em httpviomundocom GARCIA W Ouvindo Racionais MCS Tereza São Paulo n45 p171 2003 HARVEY D A condição pósmoderna São Paulo Loyola 1992 LIMA P Morrer de inveja istoé n37 julho 2013 p54 LOCATELLI P VIERA W O Black Bloc está na rua Carta Capital São Paulo 21 ago 2013 p2425 NASCIMENTO E P do literatura marginal os escritos da periferia entram em cena São Paulo Universidade de São Paulo Programa de PósGraduação em Antro pologia Social 2006 NEGRI A 5 lições sobre império Rio de Janeiro DPA 2003 NEGRI A HARDT M Multidão Rio de Janeiro Record 2005 PIERUCCI A F Ciladas da diferença São Paulo Editora 34 2000 POCHMANN M Nova classe média São Paulo Boitempo 2012 RIDENTI M Que juventude é essa Folha de sPaulo 23 jun 2013 SINGER A os sentidos do lulismo São Paulo Cia das Letras 2012 Ostentação Folha de sPaulo 16 fev 2013 TOMMASI L de Culturas de periferia entre o mercado os dispositivos de gestão e o agir político Política sociedade São Paulo v2 n23 2013 URBINATTI T Peões em cena Grupo de teatro Forja São Paulo Hucitec 2011 WISNIK J M Não ouvir o Globo 25 maio 2013 Notas 1 Para uma visão ampliada das várias manifestações culturais ver Bosi 1994 estudos avançados 27 79 2013 254 2 Vejase a respeito Nascimento 2006 3 Cf A pesquisa em andamento de Lívia de Tommasi 2013 nas cidades de São Pau lo Rio de Janeiro e Recife cujos primeiros resultados foram apresentados no ensaio Culturas de periferia entre o mercado os dispositivos de gestão e o agir político 4 O manifesto pode ser lidovisto no You Tube 5 Sobre a ação das ONG ver Arantes 2004 6 Retomando observações de José Miguel Wisnik sobre a função do refrão na música popular e o rap raramente tem refrão Tiarajú P DAndrea 2013 p250 escreveu Música sem refrão não canaliza tensões O refrão é o momento da canção onde as partes encontram o todo O refrão é textualmente a síntese das particularidades expostas nas estrofes Por isso mesmo o refrão é sempre onde entram as principais ideias da canção O refrão anuncia o que as estrofes irão dirimir investigar exempli ficar O refrão é a síntese o refrão é o alívio das tensões geradas pelas estrofes no contínuo musicológico tensãodistensão assim como nossa respiração Já o rap ao não ter refrão é pura tensão Tensão sem distensão Tensão que não se resolve Incômodo que não se acomoda Escutar um rap é passar 10 minutos com a respiração suspensa Não há refrão não há repouso Esta forma musical conclui é a materia lização musical da expressão correria Quem está na correria na vida real não tem direito ao repouso O próprio fraseado longo linear e ininterrupto do rap que não deixa espaço para a respiração é outro indicativo de ser a expressão musical de indiví duos sem possibilidade de descanso 7 Vejase a respeito do teatro Urbinatti 2011 8 Pablo Nabarrete Bastos Faces do espelho Processos de construção de sentidos sobre o movimento Hip Hop do ABC paulista ms sd p14 9 O funk de ostentação em São Paulo Época 8 set 2012 10 A crise de representação foi vivida de formas opostas Os estudantes foram às ruas mas sem a presença da UNE e dos diretórios acadêmicos pouco depois a burocracia sindical organizou uma patética manifestação sem a presença da base operária 11 A lógica do ativismo digital é outra não é mais proletários de todo o mundo uni vos É hackers dispersemse atuem com autonomia pelo mundo É a individua lidade colaborativa segundo a opinião de Sérgio Abreu num simpósio promovido pela USP cf Barbosa 2013 p75 resumo As relações entre cultura e política ganharam novos contornos no Brasil a partir da década de 1990 A explosão cultural da periferia tendo à frente o rap expressouse numa lógica dualista que dividia a sociedade em brancos e negros centro e periferia manos e playboys Essa visão dualista por sua vez reflete uma forma de pensar prisioneira do imediato no caso a recusa abstrata do sistema O mesmo procedimento pode ser visto na classe média que foi às ruas nas jornadas de junho em 2013 Conduzida pela lógica do espetáculo e manipulada pela mídia as jornadas tam bém expressaram na outra ponta da sociedade uma estetização da política que repro duzia a seu modo a permanência no visível no imediato palavraschave Cultura Periferia rap Jornadas de junho Mídia estudos avançados 27 79 2013 255 abstract The relationships between culture and politics have gained new contours in Brazil since the 1990s The cultural explosion of the urban periphery with rap in the forefront expressed itself in a dualistic logic that split society into blacks and whites wealthier city centers and the poorer periphery the bros and the playboys This dualistic view in turn reflects a manner of thinking shackled to the immediate present in this case the abstract refusal of the establishment The same modus operandi could be seen in the middle class that took to the streets in the socalled June Days of 2013 Driven by the logic of the spectacle and manipulated by the media the June Days also expressed in the other edge of society an aestheticization of politics that reenacted in its own way its persistence in the visible immediate present keywords Culture Urban periphery Rap June Days Media Celso Frederico é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e autor entre outros livros de sociologia da cultura lucien Goldmann e os debates do século XX Cortez 2006 e A arte no mundo dos homens o itinerário de lukács Expressão Popular 2013 celsofuspbr Recebido em 2392013 e aceito 15102103 I Escola de Comunicação e Artes Departamento de Comunicações e Artes Universi dade de São Paulo São PauloSP Brazil No text detected in the image