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ORGANIZAÇÃO Flavia Rios e Márcia Lima POR UM FEMINISMO AFRO LATINO AMERICANO LÉLIA GONZALEZ ZAHAR Lélia Gonzalez Por um feminismo afrolatinoamericano Ensaios intervenções e diálogos Organização Flavia Rios e Márcia Lima ZAHAR A categoria políticocultural de amefricanidade Introdução Este texto resulta de uma reflexão que vem se estruturando em outros que o antecederam 1 e que se enraíza na retomada de uma ideia de Betty Milan desenvolvida por M D Magno 2 Tratase de um olhar novo e criativo no enfoque da formação históricocultural do Brasil que por razões de ordem geográfica e sobretudo da ordem do inconsciente não vem a ser o que geralmente se afirma um país cujas formações do inconsciente são exclusivamente europeias brancas Ao contrário ele é uma América Africana cuja latinidade por inexistente teve trocado o T pelo D para aí sim ter o seu nome assumido com todas as letras Améfrica Ladina não é por acaso que a neurose cultural brasileira tem no racismo o seu sintoma por excelência Nesse contexto todos os brasileiros e não apenas os pretos e os pardos do IBGE são ladinoamefricanos Para um bom entendimento das artimanhas do racismo acima caracterizado vale a pena recordar a categoria freudiana de denegação Verneinung Processo pelo qual o indivíduo embora formulando um de seus desejos pensamentos ou sentimentos até aí recalcado continua a defenderse dele negando que lhe pertença 3 Enquanto denegação de nossa ladinoamefricanidade o racismo à brasileira se volta justamente contra aqueles que são o testemunho vivo da mesma os negros ao mesmo tempo que diz não o fazer democracia racial brasileira Para melhor entendimento dessa questão numa perspectiva lacaniana é recomendável a leitura do texto brilhante de M D Magno 4 Graças a um contato crescente com manifestações culturais negras de outros países do continente americano tenho tido a oportunidade de observar certas similaridades que no que se refere aos falares lembram o nosso país É certo que a presença negra na região caribenha aqui entendida não só como a América Insular mas incluindo a costa atlântica da América Central e o norte da América do Sul modificou o espanhol o inglês e o francês falados na região quanto ao holandês por desconhecimento nada posso dizer Ou seja aquilo que chamo de pretuguês e que nada mais é do que marca de africanização do português falado no Brasil nunca esquecendo que o colonizador chamava os escravos africanos de pretos e de crioulos os nascidos no Brasil é facilmente constatável sobretudo no espanhol da região caribenha O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo e também a ausência de certas consoantes como o L ou o R por exemplo apontam para um aspecto pouco explorado da influência negra na formação históricocultural do continente como um todo e isso sem falar nos dialetos crioulos do Caribe Similaridades ainda mais evidentes são constatáveis se o nosso olhar se volta para as músicas as danças os sistemas de crenças etc Desnecessário dizer o quanto tudo isso é encoberto pelo véu ideológico do branqueamento é recalcado por classificações eurocêntricas do tipo cultura popular folclore nacional etc que minimizam a importância da contribuição negra Um outro aspecto e bem inconsciente do que estamos abordando diz respeito a outra categoria freudiana a de objeto parcial Partialobjekt e que é assim definida Tipo de objetos visados pelas pulsões parciais sem que tal implique que uma pessoa no seu conjunto seja tomada como objeto de amor Tratase principalmente de partes do corpo reais ou fantasmadas e dos seus equivalentes simbólicos Até uma pessoa pode identificarse ou ser identificada com um objeto parcial 5 Pois bem Pelo menos no que se refere ao Brasil que se atente não só para toda uma literatura Jorge Amado por exemplo como para as manifestações das fantasias sexuais brasileiras Elas se concentram no objeto parcial por excelência da nossa cultura a bunda 6 Recorrendo ao Aurélio podese constatar que essa palavra se inscreve no vocabulário de uma língua africana o quimbundo mbunda que muito influenciou os nossos falares Além disso vale ressaltar que os bundos constituem uma etnia banto de Angola que além do supracitado quimbundo falam outras duas línguas bunda e ambundo Se atentarmos para o fato de que Luanda foi um dos maiores portos de exportação de escravos para a América Em consequência além de certos modismos refirome por exemplo ao biquíni fio dental que buscam evidenciar esse objeto parcial notese que o termo deu origem a muitos outros em nosso pretuguês Por essa razão gosto de fazer um trocadilho afirmando que o português o lusitano não fala e nem diz bunda do verbo desbundar Essas e muitas outras marcas que evidenciam a presença negra na construção cultural do continente americano me levaram a pensar a necessidade de elaboração de uma categoria que não se restringisse apenas ao caso brasileiro e que efetuando uma abordagem mais ampla levasse em consideração as exigências da interdisciplinaridade Desse modo comecei a refletir sobre a categoria de amefricanidade Racismo colonialismo imperialismo e seus efeitos Sabemos que o colonialismo europeu nos termos com que hoje o definimos configurase no decorrer da segunda metade do século XIX Nesse mesmo período o racismo se constituía como a ciência da superioridade eurocristã branca e patriarcal na medida em que se estruturava o modelo ariano de explicação 7 que viria a ser não só o referencial das classificações triádicas do evolucionismo positivista das nascentes ciências do homem como ainda hoje direciona o olhar da produção acadêmica ocidental Vale notar que tal processo se desenvolveu no terreno fértil de toda uma tradição etnocêntrica précolonialista séculos XV XIX que considerava absurdas supersticiosas ou exóticas as manifestações culturais dos povos selvagens 8 Daí a naturalidade com que a violência etnocida e destruidora das forças do précolonialismo europeu se fez abater sobre esses povos No decurso da segunda metade do século XIX a Europa transformaria tudo isso numa tarefa de explicação racional dos a partir de então costumes primitivos numa questão de racionalidade administrativa de suas colônias Agora em face da resistência dos colonizados a violência assumirá novos contornos mais sofisticados chegando às vezes a não parecer violência mas verdadeira superioridade Os textos de um Fanon ou de um Memmi demonstram os efeitos de alienação que a eficácia da dominação colonial exerceria sobre os colonizados Quando se analisa a estratégia utilizada pelos países europeus em suas colônias verificase que o racismo desempenhará um papel fundamental na internalização da superioridade do colonizador pelos colonizados E ele apresenta pelo menos duas faces que só se diferenciam enquanto táticas que visam ao mesmo objetivo exploraçãoopressão Refirome no caso ao que comumente é conhecido como racismo aberto e racismo disfarçado O primeiro característico das sociedades de origem anglosaxônica germânica ou holandesa estabelece que negra é a pessoa que tenha tido antepassados negros sangue negro nas veias De acordo com essa articulação ideológica miscigenação é algo impensável embora o estupro e a exploração sexual da mulher negra sempre tenham ocorrido na medida em que o grupo branco pretende manter sua pureza e reafirmar sua superioridade Em consequência a única solução assumida de maneira explícita como a mais coerente é a segregação dos grupos não brancos A África do Sul com a sua doutrina do desenvolvimento igual mas separado com o seu apartheid é o modelo acabado desse tipo de teoria e prática racistas Já no caso das sociedades de origem latina temos o racismo disfarçado ou como eu o classifico o racismo por denegação Aqui prevalecem as teorias da miscigenação da assimilação e da democracia racial A chamada América Latina que na verdade é muito mais ameríndia e amefricana do que outra coisa apresentase como o melhor exemplo de racismo por denegação Sobretudo nos países de colonização luso espanhola onde as pouquíssimas exceções como a Nicarágua e o seu Estatuto de Autonomia de las Regiones de la Costa Atlántica confirmam a regra Por isso mesmo creio ser importante voltar o nosso olhar para a formação histórica dos países ibéricos 9 Tratase de uma reflexão que nos permite compreender como esse tipo específico de racismo pode se desenvolver para se constituir numa forma mais eficaz de alienação dos discriminados do que a anterior A formação histórica de Espanha e Portugal se deu no decorrer de uma luta plurissecular a Reconquista contra a presença de invasores que se diferenciavam não só pela religião que professavam o islã afinal as tropas que invadiram a Ibéria em 711 não só eram majoritariamente negras 6700 mouros para trezentos árabes como eram comandadas pelo negro general Gabel Tariq ibn Ziyad a corruptela do termo Gabel Tariq resultou em Gibraltar palavra que passou a nomear o estreito até então conhecido como Colunas de Hércules Por outro lado sabemos que não só os soldados como o ouro do reino negro de Gana África Ocidental tiveram muito a ver com a conquista moura da Ibéria ou AlAndalus Vale notar ainda que as duas últimas dinastias que governaram AlAndalus procediam da África Ocidental a dos almorávidas e a dos almóadas Foi sob o reinado desses últimos que nasceu em Córdoba 1126 o mais eminente filósofo do mundo islâmico o aristotélico Averróis 10 Desnecessário dizer que tanto do ponto de vista racial quanto civilizacional a presença moura deixou profundas marcas nas sociedades ibéricas como de resto na França Itália etc Por aí se entende por que o racismo por denegação tem na América Latina um lugar privilegiado de expressão na medida em que Espanha e Portugal adquiriram uma sólida experiência quanto aos processos mais eficazes de articulação das relações raciais 11 Sabemos que as sociedades ibéricas se estruturam a partir de um modelo rigidamente hierárquico onde tudo e todos tinham seu lugar determinado até mesmo o tipo de tratamento nominal obedecia às regras impostas pela legislação hierárquica Enquanto grupos étnicos diferentes e dominados mouros e judeus eram sujeitos a violento controle social e político As sociedades que vieram a constituir a chamada América Latina foram as herdeiras históricas das ideologias de classificação social racial e sexual e das técnicas jurídicoadministrativas das metrópoles ibéricas Racialmente estratificadas dispensaram formas abertas de segregação uma vez que as hierarquias garantem a superioridade dos brancos enquanto grupo dominante 12 A expressão do humorista Millôr Fernandes ao afirmar que não existe racismo no Brasil porque o negro conhece o seu lugar sintetiza o que acabamos de expor 13 Por isso mesmo a afirmação de que todos são iguais perante a lei assume um caráter nitidamente formalista em nossas sociedades O racismo latinoamericano é suficientemente sofisticado para manter negros e índios na condição de segmentos subordinados no interior das classes mais exploradas graças à sua forma ideológica mais eficaz a ideologia do branqueamento Veiculada pelos meios de comunicação de massa e pelos aparelhos ideológicos tradicionais ela reproduz e perpetua a crença de que as classificações e os valores do Ocidente branco são os únicos verdadeiros e universais Uma vez estabelecido o mito da superioridade branca demonstra sua eficácia pelos efeitos de estilhaçamento de fragmentação da identidade racial que ele produz o desejo de embranquecer de limpar o sangue como se diz no Brasil é internalizado com a simultânea negação da própria raça da própria cultura 14 Retomando a outra forma de racismo a de segregação explícita constatase que seus efeitos sobre os grupos discriminados ao contrário do racismo por denegação reforça a identidade racial dos mesmos Na verdade a identidade racial própria é facilmente percebida por qualquer criança desses grupos No caso das crianças negras elas crescem sabendo que o são e sem se envergonharem disso o que lhes permite desenvolver outras formas de percepção no interior da sociedade onde vivem nesse sentido a literatura negrofeminina dos Estados Unidos é uma fonte de grande riqueza e Alice Walker praticamente a única conhecida no Brasil é um belo exemplo Que se atente no caso para os quadros jovens dos movimentos de liberação da África do Sul e da Namíbia Ou então para o fato de o movimento negro MN dos Estados Unidos ter conseguido conquistas sociais e políticas muito mais amplas do que o MN da Colômbia do Peru ou do Brasil por exemplo Por aí se entende também por que Marcus Garvey esse extraordinário jamaicano e legítimo descendente de Nanny 15 tenha sido um dos maiores campeões do panafricanismo ou ainda por que o jovem guianense Walter Rodney tenha produzido uma das análises mais contundentes contra o colonialismoimperialismo demonstrando Como a Europa subdesenvolveu a África e por isso mesmo tenha sido assassinado na capital de seu país em 13 de junho de 1980 tive a honra de conhecêlo e de receber o seu estímulo em um seminário promovido pela Universidade da Califórnia em Los Angeles em 1979 Por tudo isso bem sabemos das razões de outros assassínios como o de Malcolm X ou o de Martin Luther King Jr A produção científica dos negros desses países do nosso continente tem se caracterizado pelo avanço autonomia inovação diversificação e credibilidade nacional e internacional o que nos remete a um espírito de profunda determinação dados os obstáculos impostos pelo racismo dominante Mas como já disse antes é justamente a consciência objetiva desse racismo sem disfarces e o conhecimento direto de suas práticas cruéis que despertam esse empenho no sentido de resgate e afirmação da humanidade e competência de todo um grupo étnico considerado inferior A dureza dos sistemas fez com que a comunidade negra se unisse e lutasse em diferentes níveis contra todas as formas de opressão racista Já nas nossas sociedades de racismo por denegação o processo é diferente como também foi dito Aqui a força do cultural se apresenta como a melhor forma de resistência O que não significa que vozes solitárias não se ergam efetuando análisesdenúncias do sistema vigente Foram os efeitos execráveis do assimilacionismo francês que levaram o psiquiatra martiniquenho Frantz Fanon a produzir suas análises magistrais sobre as relações socioeconômicas e psicológicas entre colonizadorcolonizado 16 No caso brasileiro temos a figura do Honorável título recebido em conferência internacional do mundo negro em 1987 Abdias do Nascimento cuja rica produção análisedenúncia teatro poesia e pintura não é reconhecida por muitos de seus irmãos e absolutamente ignorada pela intelectualidade branca do país acusamno de sectarismo ou de racista às avessas o que logicamente pressupõe um racismo às direitas É interessante notar que tanto Fanon quanto Nascimento só foram reconhecidos e valorizados internacionalmente e não em seus países de origem Fanon só mereceu as homenagens de seu país após sua morte prematura daí ter expressado em seu leito de morte o desejo de ser sepultado na Argélia Desnecessário ressaltar a dor e a solidão desses irmãos desses exemplos de efetiva militância negra Todavia na minha perspectiva uma grande contradição permanece quando se trata das formas políticoideológicas de luta e de resistência negra no Novo Mundo Continuamos passivos em face da postura políticoideológica da potência imperialisticamente dominante da região os Estados Unidos Foi também por esse caminho que comecei a refletir sobre a categoria de amefricanidade Como vimos anteriormente o Brasil país de maior população negra do continente e a região caribenha apresentam grandes similaridades no que diz respeito à africanização do continente Todavia quando se trata dos Estados Unidos sabemos que os africanos escravizados sofreram uma duríssima repressão em face da tentativa de conservação de suas manifestações culturais mão amputada caso tocassem atabaque por exemplo O puritanismo do colonizador angloamericano preocupado com a verdadeira fé forçouos à conversão e à evangelização ou seja ao esquecimento de suas Raízes africanas o comovente texto de Alex Haley nos revela todo o significado desse processo Mas a resistência cultural se manteve e clandestinamente sobretudo em comunidades da Carolina do Sul E as reinterpretações as recriações culturais dos negros daquele país ocorreram fundamentalmente no interior das igrejas do protestantismo cristão A Guerra de Secessão lhes trouxe a abolição do escravismo e com esta a Ku Klux Klan a segregação e o não direito à cidadania As lutas heroicas desse povo discriminado culminaram com o Movimento pelos Direitos Civis que comoveu o mundo inteiro e que inspirou os negros de outros lugares a também se organizarem e lutarem por seus direitos Minoria ativa e criadora vitoriosa em suas principais reivindicações a coletividade negra dos Estados Unidos aceitou e rejeitou uma série de termos de autoidentificação colored negro black afroamerican africanamerican Foram esses últimos dois termos que nos chamaram atenção para a contradição neles existente A categoria de amefricanidade Os termos afroamerican afroamericano e africanamerican africanoamericano nos remetem a uma primeira reflexão a de que só existiriam negros nos Estados Unidos e não em todo o continente E a uma outra que aponta para a reprodução inconsciente da posição imperialista dos Estados Unidos que afirmam ser A AMÉRICA Afinal o que dizer dos outros países da AMÉRICA do Sul Central Insular e do Norte Por que considerar o Caribe como algo separado se foi ali justamente que se iniciou a história dessa AMÉRICA É interessante observar alguém que sai do Brasil por exemplo dizer que está indo para a América É que todos nós de qualquer região do continente efetuamos a mesma reprodução perpetuamos o imperialismo dos Estados Unidos chamando seus habitantes de americanos E nós o que somos asiáticos Quanto a nós negros como podemos atingir uma consciência efetiva de nós mesmos enquanto descendentes de africanos se permanecemos prisioneiros cativos de uma linguagem racista Por isso mesmo em contraposição aos termos supracitados eu proponho o de amefricanos amefricans para designar a todos nós 17 As implicações políticas e culturais da categoria de amefricanidade Amefricanity são de fato democráticas exatamente porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial linguístico e ideológico abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta A AMÉRICA como um todo Sul Central Norte e Insular Para além do seu caráter puramente geográfico a categoria de amefricanidade incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural adaptação resistência reinterpretação e criação de novas formas que é afrocentrada isto é referenciada em modelos como a Jamaica e o akan seu modelo dominante o Brasil e seus modelos iorubá banto e ewefon Em consequência ela nos encaminha no sentido da construção de toda uma identidade étnica Desnecessário dizer que a categoria de amefricanidade está intimamente relacionada àquelas de panafricanismo négritude afrocentricity etc Seu valor metodológico a meu ver está no fato de permitir a possibilidade de resgatar uma unidade específica historicamente forjada no interior de diferentes sociedades que se formaram numa determinada parte do mundo Portanto a Améfrica enquanto sistema etnogeográfico de referência é uma criação nossa e de nossos antepassados no continente em que vivemos inspirados em modelos africanos Por conseguinte o termo amefricanas amefricanos designa toda uma descendência não só a dos africanos trazidos pelo tráfico negreiro como a daqueles que chegaram à AMÉRICA muito antes de Colombo Ontem como hoje amefricanos oriundos dos mais diferentes países têm desempenhado um papel crucial na elaboração dessa amefricanidade que identifica na diáspora uma experiência histórica comum que exige ser devidamente conhecida e cuidadosamente pesquisada Embora pertençamos a diferentes sociedades do continente sabemos que o sistema de dominação é o mesmo em todas elas ou seja o racismo essa elaboração fria e extrema do modelo ariano de explicação cuja presença é uma constante em todos os níveis de pensamento assim como parte e parcela das mais diferentes instituições dessas sociedades Como já foi visto no início deste trabalho o racismo estabelece uma hierarquia racial e cultural que opõe a superioridade branca ocidental à inferioridade negroafricana A África é o continente obscuro sem uma história própria Hegel por isso a Razão é branca enquanto a Emoção é negra Assim dada a sua natureza subhumana a exploração socioeconômica dos amefricanos por todo o continente é considerada natural Mas graças aos trabalhos de autores africanos e amefricanos Cheikh Anta Diop Théophile Obenga Amílcar Cabral Kwame Nkrumah W E B Du Bois Chancellor Williams George G M James Yosef A A Ben Jochannan Ivan Van Sertima Frantz Fanon Walter Rodney Abdias do Nascimento e tantos outros sabemos o quanto a violência do racismo e de suas práticas nos despojou do nosso legado histórico da nossa dignidade da nossa história e da nossa contribuição para o avanço da humanidade nos níveis filosófico científico artístico e religioso o quanto a história dos povos africanos sofreu uma mudança brutal com a violenta investida europeia que não cessou de subdesenvolver a África 18 e como o tráfico negreiro trouxe milhões de africanos para o Novo Mundo Partindo de uma perspectiva histórica e cultural é importante reconhecer que a experiência amefricana se diferenciou daquela dos africanos que permaneceram em seu próprio continente Ao adotarem a autodesignação de afroafricanoamericanos nossos irmãos dos Estados Unidos também caracterizam a denegação de toda essa rica experiência vivida no Novo Mundo e da consequente criação da Améfrica Além disso existe o fato concreto de os nossos irmãos da África não os considerarem como verdadeiros africanos O esquecimento ativo de uma história pontuada pelo sofrimento pela humilhação pela exploração pelo etnocídio aponta para uma perda de identidade própria logo reafirmada alhures o que é compreensível em face das pressões raciais no próprio país Só que não se pode deixar de levar em conta a heroica resistência e a criatividade na luta contra a escravização o extermínio a exploração a opressão e a humilhação Justamente porque enquanto descendentes de africanos a herança africana sempre foi a grande fonte revificadora de nossas forças Por tudo isso enquanto amefricanos temos nossas contribuições específicas para o mundo panafricano Assumindo nossa amefricanidade podemos ultrapassar uma visão idealizada imaginária ou mitificada da África e ao mesmo tempo voltar o nosso olhar para a realidade em que vivem todos os amefricanos do continente Toda linguagem é epistêmica Nossa linguagem deve contribuir para o entendimento de nossa realidade Uma linguagem revolucionária não deve embriagar não pode levar à confusão ensina Molefi Kete Asante criador da perspectiva afrocentrada Então quando ocorre a autodesignação de afroafricanoamericano o real dá lugar ao imaginário e a confusão se estabelece afroafricanoamericanos afroafricanocolombianos afroafricanoperuanos e por aí afora assim como uma espécie de hierarquia os afroafricanoamericanos ocupando o primeiro plano ao passo que os garífunas da América Central ou os índios da República Dominicana por exemplo situamse no último afinal eles nem sabem que são afroafricanos E fica a pergunta o que pensam os afroafricanoafricanos Vale notar que na sua ansiedade de ver a África em tudo muitos dos nossos irmãos dos Estados Unidos que agora descobrem a riqueza da criatividade cultural baiana como muitos latinos do nosso país acorrem em massa para Salvador buscando descobrir sobrevivências de culturas africanas E o engano se dá num duplo aspecto a visão evolucionista e eurocêntrica com relação às sobrevivências e a cegueira em face da explosão criadora de algo desconhecido a nossa amefricanidade Por tudo isso e muito mais acredito que politicamente é muito mais democrático culturalmente muito mais realista e logicamente muito mais coerente nos identificarmos a partir da categoria de amefricanidade e nos autodesignarmos amefricanos de Cuba do Haiti do Brasil da República Dominicana dos Estados Unidos e de todos os outros países do continente Uma ideologia de libertação deve encontrar sua experiência em nós mesmos ela não pode ser externa a nós e imposta por outros que não nós próprios deve ser derivada da nossa experiência histórica e cultural particular 19 Então por que não abandonar as reproduções de um imperialismo que massacra não só os povos do continente mas de muitas outras partes do mundo e reafirmar a particularidade da nossa experiência na AMÉRICA como um todo sem nunca perder a consciência da nossa dívida e dos profundos laços que temos com a África Num momento em que se estreitam as relações entre os descendentes de africanos em todo o continente em que nós amefricanos mais do que nunca constatamos as grandes similaridades que nos unem a proposta de M K Asante me parece da maior atualidade Sobretudo se pensamos naqueles que num passado mais ou menos recente deram o seu testemunho de luta e de sacrifício abrindo caminhos e perspectivas para que hoje nós possamos levar adiante o que eles iniciaram Daí a minha insistência com relação à categoria de amefricanidade que floresceu e se estruturou no decorrer dos séculos que marcam a nossa presença no continente Já na época escravista ela se manifestava nas revoltas na elaboração de estratégias de resistência cultural no desenvolvimento de formas alternativas de organização social livre cuja expressão concreta se encontra nos quilombos cimarrones cumbes palenques marronages e maroon societies espraiadas pelas mais diferentes paragens de todo o continente 20 E mesmo antes na chamada América précolombiana ela já se manifestava marcando decisivamente a cultura dos olmecas por exemplo 21 Reconhecê la é em última instância reconhecer um gigantesco trabalho de dinâmica cultural que não nos leva para o outro lado do Atlântico mas que nos traz de lá e nos transforma no que somos hoje amefricanos Este trabalho é dedicado a MarieClaude e Shawna irmãs e companheiras amefricanas que muito me incentivaram no desenvolvimento da ideia em questão É também uma homenagem ao honorável Abdias do Nascimento FICHAMENTO EXPANDIDO A CATEGORIA POLÍTICOCULTURAL DE AMEFRICANIDADE Referência GONZALEZ Lélia Por um feminismo afrolatinoamericano Editora SchwarczCompanhia das Letras 2020 1 CONCEITO DE AMÉFRICA LADINA E FORMAÇÃO CULTURAL BRASILEIRA Lélia Gonzalez apresenta uma nova perspectiva sobre a formação histórico cultural do Brasil contestando a visão tradicionalmente aceita de que o país possui formações do inconsciente exclusivamente europeias e brancas A autora propõe o conceito de Améfrica Ladina onde o Brasil é compreendido como uma América Africana cuja latinidade foi transformada trocando o T pelo D para revelar sua verdadeira identidade amefricana Esta formulação não é casual pois a neurose cultural brasileira tem no racismo o seu sintoma por excelência A autora utiliza a categoria freudiana de denegação Verneinung para explicar o racismo brasileiro processo pelo qual o indivíduo formula desejos pensamentos ou sentimentos recalcados mas continua a defenderse deles negando que lhe pertencem O racismo à brasileira exemplifica essa denegação da ladinoamefricanidade voltandose contra aqueles que são testemunho vivo dela os negros enquanto simultaneamente nega fazêlo através do mito da democracia racial Todos os brasileiros não apenas os classificados como pretos e pardos pelo IBGE são considerados ladinoamefricanos nessa perspectiva 2 INFLUÊNCIA AFRICANA NA FORMAÇÃO LINGUÍSTICA E CULTURAL CONTINENTAL A observação de manifestações culturais negras em outros países do continente americano revelou similaridades significativas especialmente nos falares Gonzalez identifica que a presença negra na região caribenha modificou profundamente o espanhol inglês e francês falados na região O conceito de pretuguês é introduzido como marca da africanização do português brasileiro lembrando que os colonizadores chamavam os escravos africanos de pretos e os nascidos no Brasil de crioulos O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo assim como a ausência de certas consoantes como L ou R apontam para aspectos pouco explorados da influência negra na formação históricocultural continental A autora exemplifica com a palavra bunda que se inscreve no vocabulário do quimbundo mbunda língua da etnia banto de Angola Essa influência se estende às músicas danças e sistemas de crenças sendo sistematicamente encoberta pelo véu ideológico do branqueamento e classificações eurocêntricas como cultura popular ou folclore nacional 3 RACISMO COLONIAL MODALIDADES E ESTRATÉGIAS DE DOMINAÇÃO O colonialismo europeu do século XIX estruturouse simultaneamente com a constituição do racismo como ciência da superioridade eurocristã branca e patriarcal baseada no modelo ariano de explicação Este modelo tornouse referencial das classificações do evolucionismo positivista e ainda hoje direciona a produção acadêmica ocidental A violência etnocida europeia desenvolveuse sobre uma tradição etnocêntrica que considerava absurdas supersticiosas ou exóticas as manifestações culturais dos povos selvagens Gonzalez identifica duas modalidades principais de racismo colonial o racismo aberto e o racismo disfarçado O racismo aberto característico das sociedades anglo saxônicas germânicas ou holandesas define como negra qualquer pessoa com ancestralidade negra promovendo a segregação explícita para manter a pureza branca O apartheid sulafricano exemplifica esse modelo Já o racismo disfarçado ou racismo por denegação característico das sociedades de origem latina prevalece através das teorias da miscigenação assimilação e democracia racial sendo mais eficaz na alienação dos discriminados 4 HERANÇA IBÉRICA E RACISMO POR DENEGAÇÃO NA AMÉRICA LATINA A formação histórica de Espanha e Portugal ocorreu durante a luta plurissecular da Reconquista contra invasores que não se diferenciavam apenas pela religião islâmica As tropas que invadiram a Ibéria em 711 eram majoritariamente negras 6700 mouros para 300 árabes comandadas pelo general negro Tariq ibn Ziyad O ouro do reino negro de Gana teve papel crucial na conquista moura e as duas últimas dinastias que governaram AlAndalus almorávidas e almóadas procediam da África Ocidental As sociedades ibéricas estruturaramse hierarquicamente onde mouros e judeus como grupos étnicos dominados sofriam violento controle social e político As sociedades latinoamericanas herdaram essas ideologias de classificação racial e sexual dispensando segregação aberta porque as hierarquias garantiam a superioridade branca O racismo latinoamericano mantém negros e índios subordinados através da ideologia do branqueamento veiculada pelos meios de comunicação que perpetua a crença na universalidade dos valores ocidentais brancos produzindo fragmentação da identidade racial e o desejo de embranquecer 5 CONSTRUÇÃO DA CATEGORIA DE AMEFRICANIDADE Os termos afroamericano e africanoamericano utilizados pelos negros estadunidenses revelam contradições importantes sugerem que só existem negros nos Estados Unidos e reproduzem inconscientemente o imperialismo estadunidense que se apropria da designação América Gonzalez questiona por que considerar o Caribe separadamente quando foi justamente ali que se iniciou a história americana e propõe o termo amefricanos para designar todos os descendentes de africanos no continente A categoria de amefricanidade possui implicações políticas e culturais democráticas permitindo ultrapassar limitações territoriais linguísticas e ideológicas Incorpora um processo histórico de intensa dinâmica cultural adaptação resistência reinterpretação e criação afrocentrada referenciada em modelos como a Jamaica akan e o Brasil iorubá banto ewefon A Améfrica constitui um sistema etnogeográfico de referência criado pelos amefricanos e seus antepassados inspirado em modelos africanos designando não apenas descendentes do tráfico negreiro mas também daqueles que chegaram à América antes de Colombo 6 RESISTÊNCIA CULTURAL E MANIFESTAÇÕES HISTÓRICAS DA AMEFRICANIDADE A amefricanidade manifestouse historicamente através de diversas formas de resistência e organização social alternativa Durante o período escravista expressouse em revoltas estratégias de resistência cultural e desenvolvimento de formas de organização social livre concretizadas nos quilombos cimarrones cumbes palenques marronages e maroon societies espalhadas pelo continente Mesmo antes da chegada de Colombo já se manifestava na América précolombiana marcando decisivamente culturas como a dos olmecas O racismo estabelece hierarquia que opõe superioridade branca à inferioridade negraafricana considerando a África como continente obscuro sem história própria Contudo trabalhos de intelectuais africanos e amefricanos como Cheikh Anta Diop Frantz Fanon Walter Rodney Abdias do Nascimento e outros demonstraram como a violência racista despojou os povos de seu legado histórico e dignidade A experiência amefricana diferenciouse da africana continental criando contribuições específicas para o mundo panafricano Assumir a amefricanidade permite superar visões idealizadas da África e focar na realidade continental dos amefricanos reconhecendo o gigantesco trabalho de dinâmica cultural que nos constitui hoje

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ORGANIZAÇÃO Flavia Rios e Márcia Lima POR UM FEMINISMO AFRO LATINO AMERICANO LÉLIA GONZALEZ ZAHAR Lélia Gonzalez Por um feminismo afrolatinoamericano Ensaios intervenções e diálogos Organização Flavia Rios e Márcia Lima ZAHAR A categoria políticocultural de amefricanidade Introdução Este texto resulta de uma reflexão que vem se estruturando em outros que o antecederam 1 e que se enraíza na retomada de uma ideia de Betty Milan desenvolvida por M D Magno 2 Tratase de um olhar novo e criativo no enfoque da formação históricocultural do Brasil que por razões de ordem geográfica e sobretudo da ordem do inconsciente não vem a ser o que geralmente se afirma um país cujas formações do inconsciente são exclusivamente europeias brancas Ao contrário ele é uma América Africana cuja latinidade por inexistente teve trocado o T pelo D para aí sim ter o seu nome assumido com todas as letras Améfrica Ladina não é por acaso que a neurose cultural brasileira tem no racismo o seu sintoma por excelência Nesse contexto todos os brasileiros e não apenas os pretos e os pardos do IBGE são ladinoamefricanos Para um bom entendimento das artimanhas do racismo acima caracterizado vale a pena recordar a categoria freudiana de denegação Verneinung Processo pelo qual o indivíduo embora formulando um de seus desejos pensamentos ou sentimentos até aí recalcado continua a defenderse dele negando que lhe pertença 3 Enquanto denegação de nossa ladinoamefricanidade o racismo à brasileira se volta justamente contra aqueles que são o testemunho vivo da mesma os negros ao mesmo tempo que diz não o fazer democracia racial brasileira Para melhor entendimento dessa questão numa perspectiva lacaniana é recomendável a leitura do texto brilhante de M D Magno 4 Graças a um contato crescente com manifestações culturais negras de outros países do continente americano tenho tido a oportunidade de observar certas similaridades que no que se refere aos falares lembram o nosso país É certo que a presença negra na região caribenha aqui entendida não só como a América Insular mas incluindo a costa atlântica da América Central e o norte da América do Sul modificou o espanhol o inglês e o francês falados na região quanto ao holandês por desconhecimento nada posso dizer Ou seja aquilo que chamo de pretuguês e que nada mais é do que marca de africanização do português falado no Brasil nunca esquecendo que o colonizador chamava os escravos africanos de pretos e de crioulos os nascidos no Brasil é facilmente constatável sobretudo no espanhol da região caribenha O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo e também a ausência de certas consoantes como o L ou o R por exemplo apontam para um aspecto pouco explorado da influência negra na formação históricocultural do continente como um todo e isso sem falar nos dialetos crioulos do Caribe Similaridades ainda mais evidentes são constatáveis se o nosso olhar se volta para as músicas as danças os sistemas de crenças etc Desnecessário dizer o quanto tudo isso é encoberto pelo véu ideológico do branqueamento é recalcado por classificações eurocêntricas do tipo cultura popular folclore nacional etc que minimizam a importância da contribuição negra Um outro aspecto e bem inconsciente do que estamos abordando diz respeito a outra categoria freudiana a de objeto parcial Partialobjekt e que é assim definida Tipo de objetos visados pelas pulsões parciais sem que tal implique que uma pessoa no seu conjunto seja tomada como objeto de amor Tratase principalmente de partes do corpo reais ou fantasmadas e dos seus equivalentes simbólicos Até uma pessoa pode identificarse ou ser identificada com um objeto parcial 5 Pois bem Pelo menos no que se refere ao Brasil que se atente não só para toda uma literatura Jorge Amado por exemplo como para as manifestações das fantasias sexuais brasileiras Elas se concentram no objeto parcial por excelência da nossa cultura a bunda 6 Recorrendo ao Aurélio podese constatar que essa palavra se inscreve no vocabulário de uma língua africana o quimbundo mbunda que muito influenciou os nossos falares Além disso vale ressaltar que os bundos constituem uma etnia banto de Angola que além do supracitado quimbundo falam outras duas línguas bunda e ambundo Se atentarmos para o fato de que Luanda foi um dos maiores portos de exportação de escravos para a América Em consequência além de certos modismos refirome por exemplo ao biquíni fio dental que buscam evidenciar esse objeto parcial notese que o termo deu origem a muitos outros em nosso pretuguês Por essa razão gosto de fazer um trocadilho afirmando que o português o lusitano não fala e nem diz bunda do verbo desbundar Essas e muitas outras marcas que evidenciam a presença negra na construção cultural do continente americano me levaram a pensar a necessidade de elaboração de uma categoria que não se restringisse apenas ao caso brasileiro e que efetuando uma abordagem mais ampla levasse em consideração as exigências da interdisciplinaridade Desse modo comecei a refletir sobre a categoria de amefricanidade Racismo colonialismo imperialismo e seus efeitos Sabemos que o colonialismo europeu nos termos com que hoje o definimos configurase no decorrer da segunda metade do século XIX Nesse mesmo período o racismo se constituía como a ciência da superioridade eurocristã branca e patriarcal na medida em que se estruturava o modelo ariano de explicação 7 que viria a ser não só o referencial das classificações triádicas do evolucionismo positivista das nascentes ciências do homem como ainda hoje direciona o olhar da produção acadêmica ocidental Vale notar que tal processo se desenvolveu no terreno fértil de toda uma tradição etnocêntrica précolonialista séculos XV XIX que considerava absurdas supersticiosas ou exóticas as manifestações culturais dos povos selvagens 8 Daí a naturalidade com que a violência etnocida e destruidora das forças do précolonialismo europeu se fez abater sobre esses povos No decurso da segunda metade do século XIX a Europa transformaria tudo isso numa tarefa de explicação racional dos a partir de então costumes primitivos numa questão de racionalidade administrativa de suas colônias Agora em face da resistência dos colonizados a violência assumirá novos contornos mais sofisticados chegando às vezes a não parecer violência mas verdadeira superioridade Os textos de um Fanon ou de um Memmi demonstram os efeitos de alienação que a eficácia da dominação colonial exerceria sobre os colonizados Quando se analisa a estratégia utilizada pelos países europeus em suas colônias verificase que o racismo desempenhará um papel fundamental na internalização da superioridade do colonizador pelos colonizados E ele apresenta pelo menos duas faces que só se diferenciam enquanto táticas que visam ao mesmo objetivo exploraçãoopressão Refirome no caso ao que comumente é conhecido como racismo aberto e racismo disfarçado O primeiro característico das sociedades de origem anglosaxônica germânica ou holandesa estabelece que negra é a pessoa que tenha tido antepassados negros sangue negro nas veias De acordo com essa articulação ideológica miscigenação é algo impensável embora o estupro e a exploração sexual da mulher negra sempre tenham ocorrido na medida em que o grupo branco pretende manter sua pureza e reafirmar sua superioridade Em consequência a única solução assumida de maneira explícita como a mais coerente é a segregação dos grupos não brancos A África do Sul com a sua doutrina do desenvolvimento igual mas separado com o seu apartheid é o modelo acabado desse tipo de teoria e prática racistas Já no caso das sociedades de origem latina temos o racismo disfarçado ou como eu o classifico o racismo por denegação Aqui prevalecem as teorias da miscigenação da assimilação e da democracia racial A chamada América Latina que na verdade é muito mais ameríndia e amefricana do que outra coisa apresentase como o melhor exemplo de racismo por denegação Sobretudo nos países de colonização luso espanhola onde as pouquíssimas exceções como a Nicarágua e o seu Estatuto de Autonomia de las Regiones de la Costa Atlántica confirmam a regra Por isso mesmo creio ser importante voltar o nosso olhar para a formação histórica dos países ibéricos 9 Tratase de uma reflexão que nos permite compreender como esse tipo específico de racismo pode se desenvolver para se constituir numa forma mais eficaz de alienação dos discriminados do que a anterior A formação histórica de Espanha e Portugal se deu no decorrer de uma luta plurissecular a Reconquista contra a presença de invasores que se diferenciavam não só pela religião que professavam o islã afinal as tropas que invadiram a Ibéria em 711 não só eram majoritariamente negras 6700 mouros para trezentos árabes como eram comandadas pelo negro general Gabel Tariq ibn Ziyad a corruptela do termo Gabel Tariq resultou em Gibraltar palavra que passou a nomear o estreito até então conhecido como Colunas de Hércules Por outro lado sabemos que não só os soldados como o ouro do reino negro de Gana África Ocidental tiveram muito a ver com a conquista moura da Ibéria ou AlAndalus Vale notar ainda que as duas últimas dinastias que governaram AlAndalus procediam da África Ocidental a dos almorávidas e a dos almóadas Foi sob o reinado desses últimos que nasceu em Córdoba 1126 o mais eminente filósofo do mundo islâmico o aristotélico Averróis 10 Desnecessário dizer que tanto do ponto de vista racial quanto civilizacional a presença moura deixou profundas marcas nas sociedades ibéricas como de resto na França Itália etc Por aí se entende por que o racismo por denegação tem na América Latina um lugar privilegiado de expressão na medida em que Espanha e Portugal adquiriram uma sólida experiência quanto aos processos mais eficazes de articulação das relações raciais 11 Sabemos que as sociedades ibéricas se estruturam a partir de um modelo rigidamente hierárquico onde tudo e todos tinham seu lugar determinado até mesmo o tipo de tratamento nominal obedecia às regras impostas pela legislação hierárquica Enquanto grupos étnicos diferentes e dominados mouros e judeus eram sujeitos a violento controle social e político As sociedades que vieram a constituir a chamada América Latina foram as herdeiras históricas das ideologias de classificação social racial e sexual e das técnicas jurídicoadministrativas das metrópoles ibéricas Racialmente estratificadas dispensaram formas abertas de segregação uma vez que as hierarquias garantem a superioridade dos brancos enquanto grupo dominante 12 A expressão do humorista Millôr Fernandes ao afirmar que não existe racismo no Brasil porque o negro conhece o seu lugar sintetiza o que acabamos de expor 13 Por isso mesmo a afirmação de que todos são iguais perante a lei assume um caráter nitidamente formalista em nossas sociedades O racismo latinoamericano é suficientemente sofisticado para manter negros e índios na condição de segmentos subordinados no interior das classes mais exploradas graças à sua forma ideológica mais eficaz a ideologia do branqueamento Veiculada pelos meios de comunicação de massa e pelos aparelhos ideológicos tradicionais ela reproduz e perpetua a crença de que as classificações e os valores do Ocidente branco são os únicos verdadeiros e universais Uma vez estabelecido o mito da superioridade branca demonstra sua eficácia pelos efeitos de estilhaçamento de fragmentação da identidade racial que ele produz o desejo de embranquecer de limpar o sangue como se diz no Brasil é internalizado com a simultânea negação da própria raça da própria cultura 14 Retomando a outra forma de racismo a de segregação explícita constatase que seus efeitos sobre os grupos discriminados ao contrário do racismo por denegação reforça a identidade racial dos mesmos Na verdade a identidade racial própria é facilmente percebida por qualquer criança desses grupos No caso das crianças negras elas crescem sabendo que o são e sem se envergonharem disso o que lhes permite desenvolver outras formas de percepção no interior da sociedade onde vivem nesse sentido a literatura negrofeminina dos Estados Unidos é uma fonte de grande riqueza e Alice Walker praticamente a única conhecida no Brasil é um belo exemplo Que se atente no caso para os quadros jovens dos movimentos de liberação da África do Sul e da Namíbia Ou então para o fato de o movimento negro MN dos Estados Unidos ter conseguido conquistas sociais e políticas muito mais amplas do que o MN da Colômbia do Peru ou do Brasil por exemplo Por aí se entende também por que Marcus Garvey esse extraordinário jamaicano e legítimo descendente de Nanny 15 tenha sido um dos maiores campeões do panafricanismo ou ainda por que o jovem guianense Walter Rodney tenha produzido uma das análises mais contundentes contra o colonialismoimperialismo demonstrando Como a Europa subdesenvolveu a África e por isso mesmo tenha sido assassinado na capital de seu país em 13 de junho de 1980 tive a honra de conhecêlo e de receber o seu estímulo em um seminário promovido pela Universidade da Califórnia em Los Angeles em 1979 Por tudo isso bem sabemos das razões de outros assassínios como o de Malcolm X ou o de Martin Luther King Jr A produção científica dos negros desses países do nosso continente tem se caracterizado pelo avanço autonomia inovação diversificação e credibilidade nacional e internacional o que nos remete a um espírito de profunda determinação dados os obstáculos impostos pelo racismo dominante Mas como já disse antes é justamente a consciência objetiva desse racismo sem disfarces e o conhecimento direto de suas práticas cruéis que despertam esse empenho no sentido de resgate e afirmação da humanidade e competência de todo um grupo étnico considerado inferior A dureza dos sistemas fez com que a comunidade negra se unisse e lutasse em diferentes níveis contra todas as formas de opressão racista Já nas nossas sociedades de racismo por denegação o processo é diferente como também foi dito Aqui a força do cultural se apresenta como a melhor forma de resistência O que não significa que vozes solitárias não se ergam efetuando análisesdenúncias do sistema vigente Foram os efeitos execráveis do assimilacionismo francês que levaram o psiquiatra martiniquenho Frantz Fanon a produzir suas análises magistrais sobre as relações socioeconômicas e psicológicas entre colonizadorcolonizado 16 No caso brasileiro temos a figura do Honorável título recebido em conferência internacional do mundo negro em 1987 Abdias do Nascimento cuja rica produção análisedenúncia teatro poesia e pintura não é reconhecida por muitos de seus irmãos e absolutamente ignorada pela intelectualidade branca do país acusamno de sectarismo ou de racista às avessas o que logicamente pressupõe um racismo às direitas É interessante notar que tanto Fanon quanto Nascimento só foram reconhecidos e valorizados internacionalmente e não em seus países de origem Fanon só mereceu as homenagens de seu país após sua morte prematura daí ter expressado em seu leito de morte o desejo de ser sepultado na Argélia Desnecessário ressaltar a dor e a solidão desses irmãos desses exemplos de efetiva militância negra Todavia na minha perspectiva uma grande contradição permanece quando se trata das formas políticoideológicas de luta e de resistência negra no Novo Mundo Continuamos passivos em face da postura políticoideológica da potência imperialisticamente dominante da região os Estados Unidos Foi também por esse caminho que comecei a refletir sobre a categoria de amefricanidade Como vimos anteriormente o Brasil país de maior população negra do continente e a região caribenha apresentam grandes similaridades no que diz respeito à africanização do continente Todavia quando se trata dos Estados Unidos sabemos que os africanos escravizados sofreram uma duríssima repressão em face da tentativa de conservação de suas manifestações culturais mão amputada caso tocassem atabaque por exemplo O puritanismo do colonizador angloamericano preocupado com a verdadeira fé forçouos à conversão e à evangelização ou seja ao esquecimento de suas Raízes africanas o comovente texto de Alex Haley nos revela todo o significado desse processo Mas a resistência cultural se manteve e clandestinamente sobretudo em comunidades da Carolina do Sul E as reinterpretações as recriações culturais dos negros daquele país ocorreram fundamentalmente no interior das igrejas do protestantismo cristão A Guerra de Secessão lhes trouxe a abolição do escravismo e com esta a Ku Klux Klan a segregação e o não direito à cidadania As lutas heroicas desse povo discriminado culminaram com o Movimento pelos Direitos Civis que comoveu o mundo inteiro e que inspirou os negros de outros lugares a também se organizarem e lutarem por seus direitos Minoria ativa e criadora vitoriosa em suas principais reivindicações a coletividade negra dos Estados Unidos aceitou e rejeitou uma série de termos de autoidentificação colored negro black afroamerican africanamerican Foram esses últimos dois termos que nos chamaram atenção para a contradição neles existente A categoria de amefricanidade Os termos afroamerican afroamericano e africanamerican africanoamericano nos remetem a uma primeira reflexão a de que só existiriam negros nos Estados Unidos e não em todo o continente E a uma outra que aponta para a reprodução inconsciente da posição imperialista dos Estados Unidos que afirmam ser A AMÉRICA Afinal o que dizer dos outros países da AMÉRICA do Sul Central Insular e do Norte Por que considerar o Caribe como algo separado se foi ali justamente que se iniciou a história dessa AMÉRICA É interessante observar alguém que sai do Brasil por exemplo dizer que está indo para a América É que todos nós de qualquer região do continente efetuamos a mesma reprodução perpetuamos o imperialismo dos Estados Unidos chamando seus habitantes de americanos E nós o que somos asiáticos Quanto a nós negros como podemos atingir uma consciência efetiva de nós mesmos enquanto descendentes de africanos se permanecemos prisioneiros cativos de uma linguagem racista Por isso mesmo em contraposição aos termos supracitados eu proponho o de amefricanos amefricans para designar a todos nós 17 As implicações políticas e culturais da categoria de amefricanidade Amefricanity são de fato democráticas exatamente porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial linguístico e ideológico abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta A AMÉRICA como um todo Sul Central Norte e Insular Para além do seu caráter puramente geográfico a categoria de amefricanidade incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural adaptação resistência reinterpretação e criação de novas formas que é afrocentrada isto é referenciada em modelos como a Jamaica e o akan seu modelo dominante o Brasil e seus modelos iorubá banto e ewefon Em consequência ela nos encaminha no sentido da construção de toda uma identidade étnica Desnecessário dizer que a categoria de amefricanidade está intimamente relacionada àquelas de panafricanismo négritude afrocentricity etc Seu valor metodológico a meu ver está no fato de permitir a possibilidade de resgatar uma unidade específica historicamente forjada no interior de diferentes sociedades que se formaram numa determinada parte do mundo Portanto a Améfrica enquanto sistema etnogeográfico de referência é uma criação nossa e de nossos antepassados no continente em que vivemos inspirados em modelos africanos Por conseguinte o termo amefricanas amefricanos designa toda uma descendência não só a dos africanos trazidos pelo tráfico negreiro como a daqueles que chegaram à AMÉRICA muito antes de Colombo Ontem como hoje amefricanos oriundos dos mais diferentes países têm desempenhado um papel crucial na elaboração dessa amefricanidade que identifica na diáspora uma experiência histórica comum que exige ser devidamente conhecida e cuidadosamente pesquisada Embora pertençamos a diferentes sociedades do continente sabemos que o sistema de dominação é o mesmo em todas elas ou seja o racismo essa elaboração fria e extrema do modelo ariano de explicação cuja presença é uma constante em todos os níveis de pensamento assim como parte e parcela das mais diferentes instituições dessas sociedades Como já foi visto no início deste trabalho o racismo estabelece uma hierarquia racial e cultural que opõe a superioridade branca ocidental à inferioridade negroafricana A África é o continente obscuro sem uma história própria Hegel por isso a Razão é branca enquanto a Emoção é negra Assim dada a sua natureza subhumana a exploração socioeconômica dos amefricanos por todo o continente é considerada natural Mas graças aos trabalhos de autores africanos e amefricanos Cheikh Anta Diop Théophile Obenga Amílcar Cabral Kwame Nkrumah W E B Du Bois Chancellor Williams George G M James Yosef A A Ben Jochannan Ivan Van Sertima Frantz Fanon Walter Rodney Abdias do Nascimento e tantos outros sabemos o quanto a violência do racismo e de suas práticas nos despojou do nosso legado histórico da nossa dignidade da nossa história e da nossa contribuição para o avanço da humanidade nos níveis filosófico científico artístico e religioso o quanto a história dos povos africanos sofreu uma mudança brutal com a violenta investida europeia que não cessou de subdesenvolver a África 18 e como o tráfico negreiro trouxe milhões de africanos para o Novo Mundo Partindo de uma perspectiva histórica e cultural é importante reconhecer que a experiência amefricana se diferenciou daquela dos africanos que permaneceram em seu próprio continente Ao adotarem a autodesignação de afroafricanoamericanos nossos irmãos dos Estados Unidos também caracterizam a denegação de toda essa rica experiência vivida no Novo Mundo e da consequente criação da Améfrica Além disso existe o fato concreto de os nossos irmãos da África não os considerarem como verdadeiros africanos O esquecimento ativo de uma história pontuada pelo sofrimento pela humilhação pela exploração pelo etnocídio aponta para uma perda de identidade própria logo reafirmada alhures o que é compreensível em face das pressões raciais no próprio país Só que não se pode deixar de levar em conta a heroica resistência e a criatividade na luta contra a escravização o extermínio a exploração a opressão e a humilhação Justamente porque enquanto descendentes de africanos a herança africana sempre foi a grande fonte revificadora de nossas forças Por tudo isso enquanto amefricanos temos nossas contribuições específicas para o mundo panafricano Assumindo nossa amefricanidade podemos ultrapassar uma visão idealizada imaginária ou mitificada da África e ao mesmo tempo voltar o nosso olhar para a realidade em que vivem todos os amefricanos do continente Toda linguagem é epistêmica Nossa linguagem deve contribuir para o entendimento de nossa realidade Uma linguagem revolucionária não deve embriagar não pode levar à confusão ensina Molefi Kete Asante criador da perspectiva afrocentrada Então quando ocorre a autodesignação de afroafricanoamericano o real dá lugar ao imaginário e a confusão se estabelece afroafricanoamericanos afroafricanocolombianos afroafricanoperuanos e por aí afora assim como uma espécie de hierarquia os afroafricanoamericanos ocupando o primeiro plano ao passo que os garífunas da América Central ou os índios da República Dominicana por exemplo situamse no último afinal eles nem sabem que são afroafricanos E fica a pergunta o que pensam os afroafricanoafricanos Vale notar que na sua ansiedade de ver a África em tudo muitos dos nossos irmãos dos Estados Unidos que agora descobrem a riqueza da criatividade cultural baiana como muitos latinos do nosso país acorrem em massa para Salvador buscando descobrir sobrevivências de culturas africanas E o engano se dá num duplo aspecto a visão evolucionista e eurocêntrica com relação às sobrevivências e a cegueira em face da explosão criadora de algo desconhecido a nossa amefricanidade Por tudo isso e muito mais acredito que politicamente é muito mais democrático culturalmente muito mais realista e logicamente muito mais coerente nos identificarmos a partir da categoria de amefricanidade e nos autodesignarmos amefricanos de Cuba do Haiti do Brasil da República Dominicana dos Estados Unidos e de todos os outros países do continente Uma ideologia de libertação deve encontrar sua experiência em nós mesmos ela não pode ser externa a nós e imposta por outros que não nós próprios deve ser derivada da nossa experiência histórica e cultural particular 19 Então por que não abandonar as reproduções de um imperialismo que massacra não só os povos do continente mas de muitas outras partes do mundo e reafirmar a particularidade da nossa experiência na AMÉRICA como um todo sem nunca perder a consciência da nossa dívida e dos profundos laços que temos com a África Num momento em que se estreitam as relações entre os descendentes de africanos em todo o continente em que nós amefricanos mais do que nunca constatamos as grandes similaridades que nos unem a proposta de M K Asante me parece da maior atualidade Sobretudo se pensamos naqueles que num passado mais ou menos recente deram o seu testemunho de luta e de sacrifício abrindo caminhos e perspectivas para que hoje nós possamos levar adiante o que eles iniciaram Daí a minha insistência com relação à categoria de amefricanidade que floresceu e se estruturou no decorrer dos séculos que marcam a nossa presença no continente Já na época escravista ela se manifestava nas revoltas na elaboração de estratégias de resistência cultural no desenvolvimento de formas alternativas de organização social livre cuja expressão concreta se encontra nos quilombos cimarrones cumbes palenques marronages e maroon societies espraiadas pelas mais diferentes paragens de todo o continente 20 E mesmo antes na chamada América précolombiana ela já se manifestava marcando decisivamente a cultura dos olmecas por exemplo 21 Reconhecê la é em última instância reconhecer um gigantesco trabalho de dinâmica cultural que não nos leva para o outro lado do Atlântico mas que nos traz de lá e nos transforma no que somos hoje amefricanos Este trabalho é dedicado a MarieClaude e Shawna irmãs e companheiras amefricanas que muito me incentivaram no desenvolvimento da ideia em questão É também uma homenagem ao honorável Abdias do Nascimento FICHAMENTO EXPANDIDO A CATEGORIA POLÍTICOCULTURAL DE AMEFRICANIDADE Referência GONZALEZ Lélia Por um feminismo afrolatinoamericano Editora SchwarczCompanhia das Letras 2020 1 CONCEITO DE AMÉFRICA LADINA E FORMAÇÃO CULTURAL BRASILEIRA Lélia Gonzalez apresenta uma nova perspectiva sobre a formação histórico cultural do Brasil contestando a visão tradicionalmente aceita de que o país possui formações do inconsciente exclusivamente europeias e brancas A autora propõe o conceito de Améfrica Ladina onde o Brasil é compreendido como uma América Africana cuja latinidade foi transformada trocando o T pelo D para revelar sua verdadeira identidade amefricana Esta formulação não é casual pois a neurose cultural brasileira tem no racismo o seu sintoma por excelência A autora utiliza a categoria freudiana de denegação Verneinung para explicar o racismo brasileiro processo pelo qual o indivíduo formula desejos pensamentos ou sentimentos recalcados mas continua a defenderse deles negando que lhe pertencem O racismo à brasileira exemplifica essa denegação da ladinoamefricanidade voltandose contra aqueles que são testemunho vivo dela os negros enquanto simultaneamente nega fazêlo através do mito da democracia racial Todos os brasileiros não apenas os classificados como pretos e pardos pelo IBGE são considerados ladinoamefricanos nessa perspectiva 2 INFLUÊNCIA AFRICANA NA FORMAÇÃO LINGUÍSTICA E CULTURAL CONTINENTAL A observação de manifestações culturais negras em outros países do continente americano revelou similaridades significativas especialmente nos falares Gonzalez identifica que a presença negra na região caribenha modificou profundamente o espanhol inglês e francês falados na região O conceito de pretuguês é introduzido como marca da africanização do português brasileiro lembrando que os colonizadores chamavam os escravos africanos de pretos e os nascidos no Brasil de crioulos O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo assim como a ausência de certas consoantes como L ou R apontam para aspectos pouco explorados da influência negra na formação históricocultural continental A autora exemplifica com a palavra bunda que se inscreve no vocabulário do quimbundo mbunda língua da etnia banto de Angola Essa influência se estende às músicas danças e sistemas de crenças sendo sistematicamente encoberta pelo véu ideológico do branqueamento e classificações eurocêntricas como cultura popular ou folclore nacional 3 RACISMO COLONIAL MODALIDADES E ESTRATÉGIAS DE DOMINAÇÃO O colonialismo europeu do século XIX estruturouse simultaneamente com a constituição do racismo como ciência da superioridade eurocristã branca e patriarcal baseada no modelo ariano de explicação Este modelo tornouse referencial das classificações do evolucionismo positivista e ainda hoje direciona a produção acadêmica ocidental A violência etnocida europeia desenvolveuse sobre uma tradição etnocêntrica que considerava absurdas supersticiosas ou exóticas as manifestações culturais dos povos selvagens Gonzalez identifica duas modalidades principais de racismo colonial o racismo aberto e o racismo disfarçado O racismo aberto característico das sociedades anglo saxônicas germânicas ou holandesas define como negra qualquer pessoa com ancestralidade negra promovendo a segregação explícita para manter a pureza branca O apartheid sulafricano exemplifica esse modelo Já o racismo disfarçado ou racismo por denegação característico das sociedades de origem latina prevalece através das teorias da miscigenação assimilação e democracia racial sendo mais eficaz na alienação dos discriminados 4 HERANÇA IBÉRICA E RACISMO POR DENEGAÇÃO NA AMÉRICA LATINA A formação histórica de Espanha e Portugal ocorreu durante a luta plurissecular da Reconquista contra invasores que não se diferenciavam apenas pela religião islâmica As tropas que invadiram a Ibéria em 711 eram majoritariamente negras 6700 mouros para 300 árabes comandadas pelo general negro Tariq ibn Ziyad O ouro do reino negro de Gana teve papel crucial na conquista moura e as duas últimas dinastias que governaram AlAndalus almorávidas e almóadas procediam da África Ocidental As sociedades ibéricas estruturaramse hierarquicamente onde mouros e judeus como grupos étnicos dominados sofriam violento controle social e político As sociedades latinoamericanas herdaram essas ideologias de classificação racial e sexual dispensando segregação aberta porque as hierarquias garantiam a superioridade branca O racismo latinoamericano mantém negros e índios subordinados através da ideologia do branqueamento veiculada pelos meios de comunicação que perpetua a crença na universalidade dos valores ocidentais brancos produzindo fragmentação da identidade racial e o desejo de embranquecer 5 CONSTRUÇÃO DA CATEGORIA DE AMEFRICANIDADE Os termos afroamericano e africanoamericano utilizados pelos negros estadunidenses revelam contradições importantes sugerem que só existem negros nos Estados Unidos e reproduzem inconscientemente o imperialismo estadunidense que se apropria da designação América Gonzalez questiona por que considerar o Caribe separadamente quando foi justamente ali que se iniciou a história americana e propõe o termo amefricanos para designar todos os descendentes de africanos no continente A categoria de amefricanidade possui implicações políticas e culturais democráticas permitindo ultrapassar limitações territoriais linguísticas e ideológicas Incorpora um processo histórico de intensa dinâmica cultural adaptação resistência reinterpretação e criação afrocentrada referenciada em modelos como a Jamaica akan e o Brasil iorubá banto ewefon A Améfrica constitui um sistema etnogeográfico de referência criado pelos amefricanos e seus antepassados inspirado em modelos africanos designando não apenas descendentes do tráfico negreiro mas também daqueles que chegaram à América antes de Colombo 6 RESISTÊNCIA CULTURAL E MANIFESTAÇÕES HISTÓRICAS DA AMEFRICANIDADE A amefricanidade manifestouse historicamente através de diversas formas de resistência e organização social alternativa Durante o período escravista expressouse em revoltas estratégias de resistência cultural e desenvolvimento de formas de organização social livre concretizadas nos quilombos cimarrones cumbes palenques marronages e maroon societies espalhadas pelo continente Mesmo antes da chegada de Colombo já se manifestava na América précolombiana marcando decisivamente culturas como a dos olmecas O racismo estabelece hierarquia que opõe superioridade branca à inferioridade negraafricana considerando a África como continente obscuro sem história própria Contudo trabalhos de intelectuais africanos e amefricanos como Cheikh Anta Diop Frantz Fanon Walter Rodney Abdias do Nascimento e outros demonstraram como a violência racista despojou os povos de seu legado histórico e dignidade A experiência amefricana diferenciouse da africana continental criando contribuições específicas para o mundo panafricano Assumir a amefricanidade permite superar visões idealizadas da África e focar na realidade continental dos amefricanos reconhecendo o gigantesco trabalho de dinâmica cultural que nos constitui hoje

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