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Exceto onde especificado diferentemente a matéria publicada neste periódico é licenciada sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 40 Internacional httpscreativecommonsorglicensesby40 eISSN 21785694 Revista de Graduação e PósGraduação em Ciências Sociais Escola de Humanidades Departamento de Ciências Sociais e Programa de PósGraduação em Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul httpdxdoiorg1015448217856942019133364 Agenda ecológica e o sul global crescimento justiça ambiental e dívida ecológica1 Ecological agenda and the Global South Growth Environmental Justice and Ecological Debt Marcos Todt 2 Oscar Augusto Berg3 Matheus Fröhlich 4 Resumo o presente artigo parte do pressuposto de que a agenda ambiental se inscreve no interior da luta de poder do Sistema Internacional e se interessa pela sua interseção com os embates entre os países do Norte e do Sul Global Em específico ele discute a construção da visão destes dois blocos sobre as relações entre desenvolvimento econô mico e preservação ambiental Ainda que o conceito de desenvolvimento sustentável tenha sido capaz de superar as suas posições antagônicas e evitar o boicote dos países do Sul à agenda implementada pela ONU ele representou um ganho da ideia de crescimento econômico sobre as propostas de descrescimento e de redistribuição Ainda ele permitiu a manutenção do descaso dos países do Norte e do Sul a respeito de ideias como Justiça Ambiental e dívida ecológica Para os países do Sul em especial isso representa uma ocasião perdida na luta contra a reprodução de desigualdades sistêmicas e internas reforçando assim a sua posição de dependência em relação ao Norte Palavraschave Crise Ambiental Organizações multilaterais Desenvolvimento sustentável Justiça Ambiental Dívida ecológica Abstract the present article outsets from the assumption that the environmental agenda is part of the power struggle in the International System and is interested in its intersections within the conflicts between the countries of the North and Global South In particular it discusses the construction of the vision of these two blocs on the relationship between economic development and environmental preservation Although the concept of sustainable development has been able to overcome its antagonistic positions between development and environment and then avoiding the boycott of the countries of the South to the agenda implemented by the UN its emergence represented a gain of the idea of economic growth on the proposals of decreasing growth and redistribution Yet it has allowed the maintenance of the neglect of the countries of the North and the South on ideas like Environmental Justice and ecological debt For the countries of the South in particular this represents a lost opportunity on struggle against the reproduction of systemic and internal inequalities thus reinforcing their position of dependence on the North Keywords Environmental Crisis Multilateral Organizations Sustainable development Environmental Justice Ecological Debt 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior Brasil CAPES Código de Financiamento 001 2 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS 3 Université du Québec à Montreal UQAM 4 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS DOSSIÊ RELAÇÕES INTERNACIONAIS E MEIO AMBIENTE CONVERSAS CONTROVÉRSIAS V 6 N 1 JANJUN 2019 e33364 217 Introdução Cada vez mais se consolida a visão de que superar com êxito a urgência ambiental é o maior desafio da humanidade Desde meados da década de 1980 temas como preservação ambiental mudanças climáticas efeito estufa e biossegurança não se restringem mais aos círculos científicos ou ambien talistas e são objeto de uma verdadeira agenda ambiental global a qual busca compor a partir das preocupações cotidianas dos indivíduos uma governança verdadeiramente transnacional GUIMARÃES FONTOURA 2012 Segundo Milani 2008 há hoje uma consciência mais ampla acerca dos limites impostos pela natureza aos modos de desenvolvimento humano que se faz presente nos discursos e cursos de ação política dos atores estatais e operadores nãoestatais das relações internacionais Contudo a ascensão da agenda ambiental não foi acompanhada nas quatro últimas décadas da emergência de um consenso sobre a matéria As ações a serem tomadas as sanções a serem impostas e as alternativas a serem privilegiadas no âmbito da resposta que a comunidade deve apresentar à urgência ambiental continuam a compor elementos de disputa nas relações interna cionais Nem mesmo avanços importantes do campo ambiental como a celebração do Acordo de Paris sobre o Clima em 2016 se encontram ao abrigo de retrocessos quando a agenda ambiental entra em rota de colisão com objetivos estatais das potências mundiais Com efeito a agenda ambiental se inscreve no interior da luta de poder do Sistema Internacional Assim ela se confunde com as disputas econômicas e políticas demográficas e jurídicas entre outras que compõem a balança de poder entre a superpotência estadunidense as potências mundiais os países emergentes e os demais EstadosNação O presente artigo tem como objetivo explorar uma destas interfaces da agenda global com a real politik aquela da luta entre os países do Norte e os países do Sul global5 O ponto de partida da análise se situa nos anos préConferência de Estocolmo de 1972 passando pelo período de elaboração e consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável cujo marco se dá com a realização da Rio92 e a partir daí pelo período de engajamento mais significativo da co munidade internacional Esse terceiro período que se estende até os dias de hoje é caracterizado por maior sinergia internacional na busca pelo desenvolvimento sustentável Essa sinergia se expressou por exemplo na adoção em âmbito global da Agenda 21 em 1992 nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no ano 2000 e na Agenda 2030 chamada inicialmente Agenda de Desenvolvimento Sustentável Pós2015 aprovada por consenso em agosto de 2015 por todos os 193 paísesmembros da ONU O artigo foi dividido em três seções Na primeira retraçamos brevemente a emergência da pauta ambiental nas relações internacionais bem como apresentamos a origem do conceito de desenvolvi mento sustentável fruto da necessidade de propor uma alternativa mediada a partir do antagonismo de interesses dos países do Sul e do Norte Na segunda examinamos com mais profundidade as diver gências entre estes dois blocos de países colocando em tela o envolvimento de coalizões transnacionais e de atores nãoestatais como a Fundação Bariloche e o Massachusetts Institute of Technology MI 5 De acordo com Willians 1993 apud SantaAnna e Moreira 2016 o Sul é uma coalizão política Diferentemente do ter ceiro mundo usado predominantemente como um conceito econômico a coalizão dos países do Sul foi criada não apenas pelo objetivo em comum de justiça econômica mas também por compartilharem a demanda fundamental de uma reestruturação das instituições e regimes internacionais AGENDA ECOlóGICA E O SUl GlOBAl MARCOS TODT OSCAR AUGUSTO BERG MAThEUS FRöhlICh 317 T nesta disputa Norte versus Sul Na terceira discutimos a temática da justiça ambiental como um resultado deste embate internacional Assim no decorrer do artigo demonstramos que embora a elaboração do conceito de desenvolvimento sustentável tenha sido fruto da pressão realizada pelos países do Sul nos fóruns internacionais contemplando as exigências desses países em relação ao seu direito de alcançar a industrialização e o crescimento econômico ele não toca em um ponto primordial para os interesses dos países em desenvolvimento a dívida ecológica A comunidade internacional e a questão ambiental As duas primeiras revoluções industriais permitiram ao planeta registrar um desenvolvimento econômico sem paralelos ao longo do século XIX e na primeira metade do século XIX Em vários países a industrialização permitiu melhorar significativamente os níveis gerais de qualidade de vida O entusiasmo destes avanços foi capaz de mascarar por um longo tempo os custos sociais desta profunda transformação econômica Os imperativos da reconstrução do pósguerra ajudaram a consolidar a ideia de que o crescimento econômico e as suas condicionantes como o consumo e a exploração de recursos naturais não deveria sofrer limitações e que o Estado deveria trabalhar para assegurar as condições necessárias ao seu alcance inclusive através de desregulamentações ambientais se necessário Uma mudança de mentalidade começou a ganhar terreno apenas déca das mais tarde no âmbito de movimentos pacifistas altermundialistas e ecologistas contrários à energia nuclear que ganharam terreno na Europa Ocidental e na América do Norte A partir dos anos 1970 a satisfação de necessidades elementares nos países desenvolvidos e para a maioria da população provocou uma conscientização os recursos que outrora pareciam ser ilimitados e gratuitos poderiam se esgotar Eles tinham portanto um valor O ar a água a terra poderiam se tornar escassos ou se degradar e a ação do homem através da industrialização já tinha contribuído muito para tanto A urbanização que havia se traduzido em um primeiro momento em uma melhora indiscutível das condições de vida passara a ser vivida por uma parcela importante da população como a causa de uma vida parcialmente desumanizada A erosão dos solos ameaçava impedir a agricultura alimentar o planeta O aumento das emissões de gás com efeito estufa contribuía a criar um furo na camada de ozônio encarregada de protegernos dos raios ultravioletas do sol O aquecimento do planeta poderia levar a termo à elevação dos mares e a submersão de inúmeras regiões costeiras até mesmo aquelas mais férteis Cientistas movimentos asso ciativos e cidadãos iniciaram desde então a se preocupar da preservação do meio ambiente BONIFACE 2010 p 173 tradução nossa6 6 No original À partir des années 1970 la satsifaction des besoins élémentaires dans les pays développés et pour la majorité de la population a provoqué une prise de conscience ces ressources qui autrefois paraissaient illimitées et gratuites pouvaient sépuiser Elles avaient donc un prix lair leau la terre pouvaient se raréfier ou se dégrader et laction de lhomme par lindus trialisation y avait déjà contribué pour beaucoup lurbanisation qui sétait traduite dans un premier temps par une amélioration indiscutable des conditions de vie était désormais vécue par une part importante de la population comme la cause dune vie partiellement déshumanisée lérosion des sols risquait dempêcher lagriculture de nourrir la planète le développement des CONVERSAS CONTROVÉRSIAS V 6 N 1 JANJUN 2019 e33364 417 Na década de 1980 respaldada em seu ganho em importância junto à academia e a movimentos sociais muitos deles nascentes paralelamente à emergência da pauta a agenda ambiental fez a sua entrada na esfera governamental através do notável trabalho de agências internacionais em especial no âmbito do guardachuva das Nações Unidas e de cooperação internacional Em 1983 o Secretário Geral das Nações Unidas Javier Pérez de Cuéllar mandatou a líder trabalhista norue guesa Gro harlem Brundtland exministra do Meio Ambiente e exPrimeira Ministra do país a constituir a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento CMMAD para propor estratégias de desenvolvimento sustentável para o ano 2000 A visão e a preocupação que se impôs sobre preservação ambiental é fruto da ideia de crise ambiental ou crise ecológica surgida durante a segunda metade do século XX Essa ideia expressa o paradoxo de que o próprio padrão de vida alcançado pela civilização industrial através do crescimento econômico criou problemas ambientais de enorme magnitude colocando em risco pela primeira vez na história a continuidade da vida humana no planeta Como disse Pereira 2015 p 194 tradução nossa no Antropoceno uma era marcada pelo papel central desempenhado pela humanidade na geologia e na ecologia a sustentabilidade global aparece como um imperativo civilizacional 7 Conforme Estenssoro Saavedra 2014 três grandes conjuntos de ideias compõem o imaginário da crise ambiental o temor da autodestruição a percepção de um planeta finito e a substituição da promessa de progresso pela incerteza O temor pela autodestruição teve a sua origem no desenvol vimento de armas nucleares e na propagação de usinas de energia nuclear e se intensificou após as denúncias de destruição da camada de ozônio o que deu força a ideia segundo a qual uma catástrofe contra a vida no planeta poderia se dar não somente em função de uma guerra nuclear mas também por mudanças climáticas A percepção de que vivemos em um planeta finito foi fortalecida com a socialização da imagem do planeta vista do espaço cujos limites bem definidos contrastam com o meio em que está imerso um universo imensurável para nossos sentidos A ideia da incerteza devese ao reconhecimento de que o mesmo o avanço técnico e científico que produziu uma civilização alta mente industrializada e com abundância de recursos trouxe consequências como a ameaça nuclear a destruição da camada de ozônio os desastres ambientais a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais o desmatamento e a poluição ESTENSSORO SAAVEDRA 2014 A emergência da agenda ambiental junto à comunidade internacional se deu paralelamente a uma grande reestruturação das relações internacionais o fim da Guerra Fria que precipitou o mundo em um término prematuro do século XX hOBSBAWM 1995 e deu lugar a passagem da bipolaridade à inédita condição de uma única superpotência no Sistema Internacional Neste âmbito duas transformações auxiliaram esta ascensão Em primeiro lugar a valorização de atores subes tatais nas relações internacionais ODDONE et al 2018 que trouxeram consigo uma vontade mais pronunciada em fazer do meio ambiente um debate de primeira importância émissions de gaz contribuait à créer un trou dans la couche dozone chargée de protéger des rayons ultraviolets du soleil Et le réchauffement de la planète pouvait provoquer à terme lélévation des mers et la submersion de nombreuses régions côtières y compris parmi les plus fertiles Scientifiques mouvements associatifs et citoyens ont dès lors commencé à se préocuper de la préservation de lenvironnement 7 No original In the Anthropocene an era marked by the central role played by humankind in geology and ecology global sustai nability appears as a civilizational imperative AGENDA ECOlóGICA E O SUl GlOBAl MARCOS TODT OSCAR AUGUSTO BERG MAThEUS FRöhlICh 517 Em segundo lugar a ressignificação da noção materialista de segurança De acordo com Villa 1999 a concepção de segurança do pósGuerra Fria representa uma ruptura com a tradição realista hobbesiana que no âmbito externo considera a guerra como elemento intrínseco das relações entre unidades políticas A partir de então o recurso à guerra como solução de impasses entrou em descrédito e a segurança passou a compreender uma complexa interseção dos planos interestatal transnacional e supranacional A segurança ambiental e a segurança humana são elementos constitutivos desta nova concepção Ainda na década de 1960 o livro Silent Spring de Rachel Carson 1962 foi o primeiro passo para o advento da segurança ambiental como objeto de estudo no campo das Relações Internacionais Na esteira da publicação de Carson cresceu junto à comunidade acadêmica a visão de que as prá ticas ortodoxas de segurança dos Estados eram inaptas a tomar em consideração aspectos de risco ambiental BARNETT 2013 A partir de meados da década de 1980 a reboque dos trabalhos dos teóricos da Escola de Copenhague8 TANNO 2003 BUZAN et al1998 a noção de segurança deixou de lado seu caráter auto evidente e sua restrição à ausência de guerras entre Estadosnação e se interessou pela cons trução social da ameaça o que permitiu considerar tópicos como meio ambiente tráfico de drogas migração doenças e mais tarde o terrorismo como questões globais de segurança AREND 2018 Estas transformações tanto na disciplina de Relações Internacionais como na prática de relações internacionais por um conjunto renovado de atores incentivou a comunidade internacional a apresen tar uma resposta à crise ambiental No âmbito das Nações Unidas onde esta busca foi especialmente profícua o Relatório de Desenvolvimento humano levou desde 1994 em consideração esta concepção abrangente de segurança consolidando o paradigma de que a segurança deve ir além do conceito de ameaça entre os Estados considerandose a ideia de segurança humana que abrange sete principais categorias dentre elas a segurança ambiental AlENCAR 2016 UNITED NATIONS 1994 A proposta de uma governança global para questões ambientais encontrou no desenvolvimento sustentável um paradigma com a pretensão de apresentar uma resposta à crise ambiental resol vendo o impasse entre desenvolvimento e meio ambiente O conceito foi apresentado pela primeira vez em 1987 quando a CMMAD 1987 publicou o relatório Nosso Futuro Comum definindo de senvolvimento sustentável como o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras O desenvolvimento sustentável é hoje um paradigma consolidado que serve como referência para a elaboração de projetos e iniciativas como por exemplo a economia verde em âmbito internacional Através dele a ONU busca estabelecer diretrizes para a atuação não apenas dos 8 Ainda conforme Buzan et al 1998 a noção de ameaça existencial é seminal para a elaboração do conceito de segurança internacional podendo afetar a sobrevivência das unidades políticas ou sociais sendo ela um alvo real ou não de ameaça A percepção e a classificação da ameaça ao agente determinam o grau em que ele se sente inseguro A mencionada Escola de Copenhague utilizase da premissa de que a segurança internacional é o que os agentes fazem dela sendo assim a segurança é entendida como uma construção social que é produzida por um consenso intersubjetivo VIllA BRAGA 2018 Os processos de caracterização e construção de uma ameaça é chamado de securitização um movimento discursivo que pretende apresentar uma ameaça referente a uma situação ou objeto com o intuito de elevála para além do campo da política valendose portanto do uso de medidas excepcionais MOTTA 2018 CONVERSAS CONTROVÉRSIAS V 6 N 1 JANJUN 2019 e33364 617 governos mas também da iniciativa privada A base do conceito é a ecoeficiência ou a busca da modernização ecológica e da boa gestão dos recursos para diminuir os impactos da produção de bens e conseguir um manejo sustentável dos recursos naturais para desse modo alcançar um desenvolvimento que não comprometa as gerações futuras MARTÍNEZAlIER 2017 No entanto para se chegar a uma proposta que tivesse condições de ser aceita nos fóruns internacionais foram tomadas não apenas décadas de estudos e debates acadêmicos como também de embates que evidenciaram visões e interesses inicialmente incompatíveis entre os países do Norte e o Sul global decorrentes de suas respectivas situações na estratificação econômica mundial Crescer ou não crescer o embate nas relações internacionais No contexto de profunda reflexão e preocupação com a temática ambiental surgiu o Clube de Roma que teve uma influência notável sobre a concepção de sustentabilidade O Clube de Roma9 é uma associação fundada pelo italiano Aurelio Peccei que foi diretor da empresa Italconsult ligada aos importantes grupos econômicos italianos Fiat e Oliveti para discutir diversos temas e em espe cial assuntos relacionados de modo amplo à degradação ambiental Reuniramse em torno dessa iniciativa intelectuais e cientistas de diferentes áreas como economia biologia engenharia política e sociologia que junto a representantes do mundo dos negócios apresentaramse como atores sem ideias políticas preconcebidas e externos à disputa expressada pela Guerra Fria ESTENOSSORO SAAVEDRA 2007 O primeiro encontro ocorreu na capital italiana em 1968 O Clube de Roma solicitou a uma equipe de pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology MIT chefiada por Dennis Meadows um estudo utilizando modelos matemáticos e simulações realizadas por computador para embasar seus pressupostos Assim em 1972 em par ceria com o MIT o Clube de Roma publicou o documento Os limites do crescimento MEADOWS et al 1972 alertando para a necessidade de se estancar o crescimento econômico sob pena de o sistema entrar em colapso por conta do esgotamento dos recursos naturais Esse documento questionou os valores que sustentam a contínua expansão do consumo e foi ponto de partida para as propostas do crescimento zero e de uma economia de Estado estacionária Em 1976 o documento já havia sido traduzido para trinta idiomas e sua tiragem já superava os 4 milhões de exemplares ESTENSSORO SAAVEDRA 2007 o que denota o grau de influência que o relatório do Clube de Roma adquiriu Inclusive o presidente da Comissão Europeia em 1972 Sicco Mansholt tentou influenciar a política europeia a partir do questionamento ao crescimento10 Em 1970 especialistas latinoamericanas participaram no Rio de Janeiro de uma reunião pa trocinada pelo Clube de Roma e pelo Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro com o propósito de discutir o modelo que estava sendo elaborado pelo MIT Críticos ao que foi apresentado a partir do entendimento de que a análise do MIT se reduzia a aspectos que interessavam e favoreciam exclusivamente os países já desenvolvidos e desconsideravam as desigualdades entre os países um 9 O Clube de Roma existe ainda hoje com sede na Suíça e incentiva e possui ligações com associações nacionais em dezenas de países 10 A primeira versão francesa do documento trouxe em seu título este questionamento Halte à la croissance Parar o crescimento antes de assumir o seu atual título Les Limites à la croissance dans un monde fini Os limites ao crescimento em um mundo finito AGENDA ECOlóGICA E O SUl GlOBAl MARCOS TODT OSCAR AUGUSTO BERG MAThEUS FRöhlICh 717 grupo de especialistas latinoamericanos presentes na reunião solicitou à Fundação Bariloche11 a construção de um modelo alternativo baseado nos pontos de vista por eles argumentados no deba te Esse trabalho iniciado desde 1971 e coordenado por Amílcar herrera redundaria na publicação no ano de 1975 do Modelo Mundial latino Americano MMl mais conhecido como Relatório de Bariloche FUNDACIóN BARIlOChE 1977 que sustenta que os obstáculos que atualmente se opõem a um desenvolvimento harmônico da humanidade não são físicos ou econômicos em sentido estrito mas essencialmente políticos12 FUNDACIóN BARIlOChE 1977 p123 tradução nossa Nesse contexto a ONU realizou a primeira Conferência sobre o Meio Ambiente humano conhecida como Conferência de Estocolmo na Suécia em 1972 O evento que contou com a participação de 113 países13 foi um marco no processo da chamada primeira socialização da ideia de crise ambiental ESTENSSORO SAAVEDRA 2007 e levou à primeira declaração da ONU sobre o Meio Ambiente à criação em dezembro daquele mesmo ano do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA que se mantém até hoje como o principal órgão encarregado das questões ambientais A data de início da Conferência dia 05 de junho passou a ser o Dia Mundial do Meio Ambiente Na Conferência de Estocolmo esteve fortemente presente a polarização entre os que defendiam a necessidade de se frear o crescimento econômico e os desenvolvimentistas A iniciativa de realizar a Conferência ideia aprovada na sessão plenária da Assembleia Geral da ONU de dezembro de 1968 partiu dos países do Norte preocupados em priorizar o enfrentamento dos problemas gerados pela industrialização Os países do Sul reagiram com desconfiança interpretando a iniciativa como uma hostilidade por parte dos países já industrializados a seus esforços de crescer economicamente e se desenvolver e ameaçaram boicotar o encontro Em uma das reuniões preparatórias à Conferência realizada em Porto Rico o representante do governo da Índia afirmou os ricos se preocupam com a fumaça saindo de seus carros estamos preocupados com a fome GUIMARAES 1992 P 88 A atuação brasileira nesse debate foi bastante intensa O representante do Brasil na ONU em baixador João Augusto de Araújo Castro compreendia que a promoção de normas internacionais sobre proteção ambiental era uma tentativa de obstaculizar a industrialização e o crescimento econômico dos países em desenvolvimento VARGAS 2013 Fruto dessa preocupação o Brasil tentou influenciar o posicionamento de outros países O sucesso deste empreendimento pode ser constatado através de avaliação do Departamento de Estado norteamericano 11 Criada em 1963 a Fundação Bariloche é uma instituição privada de bem público com sede na Cidade de San Carlos de Bariloche Ainda hoje no site da Fundação há destaque para o MMl como segue segundo seu site Este Modelo fue la respuesta desde los países del Sur al modelo del MIT que pretendía frenar el desarrollo de esos países so pretexto del agotamiento de los recursos naturales Además proponía un férreo control de la natalidad en los mismos El modelo demostró que si se ponía como objetivo central del desarrollo de los pueblos la eliminación del hambre y no el estilo consumista de los países centrales los recursos naturales incluido el suelo fértil alcanzaban para sostener una población tres veces superior a la existente a comienzos de los 70 en el mundo Además demostraba que la mejor manera de controlar la tasa de natalidad era el desarrollo humano de los pueblos FUNDACIóN BARIlOChE 2018 12 No original Se comprueba además que los obstáculos que actualmente se oponen a un desarrollo armónico de la humanidad no son físicos o económicos em sentido estricto sino esencialmente sociopolíticos 13 No entanto o bloco liderado pela União Soviética não participou da Conferência O boicote ocorreu como reação ao fato de que a Alemanha Ocidental República Federal da Alemanha apoiada pelos Estados Unidos conseguiu excluir a participação plena com direito a voto da Alemanha Oriental República Democrática Alemã CONVERSAS CONTROVÉRSIAS V 6 N 1 JANJUN 2019 e33364 817 O que até agora era um sentimento de apatia por parte da maioria dos PMDRs países de menor desenvolvimento relativo em relação à Conferência e ao tema do meio ambiente como um todo está claramente evoluindo em direção a uma sólida oposição ao envolvimento da ONU no meio ambiente com base na premissa de que é uma distração por parte dos PDs países desenvolvidos em relação à que os PMDRs consideram a única atividade válida da ONU na área econômica e social a saber a assistência ao desenvolvimento dos PMDRs Essa posição que até poucos meses atrás era basicamente limitada ao Brasil e ao Chile está rapidamente ganhando apoio US DEPARTMENT OF STATE 2004 documento 95 apud VARGAS 2013 p 195 Os países do Norte acreditavam que se os países do Sul nas suas intenções de alcançar o mesmo patamar de desenvolvimento e padrão de vida do Norte reproduzissem o mesmo processo baseado na industrialização que os levou a alcançar seu próprio estágio de desenvolvimento colocariam o ecossis tema planetário em colapso Não é difícil entender que aos olhos dos países do Sul argumentos como estes visavam antes de qualquer preocupação ambiental barrar o seu desenvolvimento e confortar a sua posição de dependência em relação ao norte afinal ao longo dos seus respectivos processos de indus trialização os países do Norte demonstraram pouca preocupação com a sorte dos recursos naturais e do meio ambiente e desde então se tornaram os principais consumidores de energia no mundo Conforme aponta um pesquisador francês com 45 da população mundial os Estados Unidos consomem 25 da energia mundial O Norte 16 da população mundial consome 75 dos metais 85 da madeira e 60 dos gêneros alimentícios produzidos no Globo14 BONIFACE 2010 p 178 Assim para evitar o boicote dos países do Sul à Conferência para o Desenvolvimento humano o seu SecretárioGeral o canadense Maurice Strong convocou uma reunião com um grupo de 27 personalidades dos países do sul especializadas nas temáticas de desenvolvimento e meio ambiente a fim de alcançar um acordo que incluísse as referidas preocupações dos países do Sul com a superação do subdesenvolvimento ligandoas à temática ambiental A reunião ocorreu em Founex na Suíça em caráter de seminário e ficou marcada como a ocasião em que pela primeira vez buscouse estabelecer um vínculo entre meio ambiente e desenvolvimento ESTENSSORO SAAVEDRA e DEVÉS 2013 Como resultado começou a surgir a síntese que redundaria no conceito de desenvolvimento sustentável Ou seja a ideia do desenvolvimento sustentável foi elaborada com o propósito funda mental de resolver o impasse entre países do Norte e países do Sul e para isso buscou resolver a dicotomia entre desenvolvimento e meio ambiente A partir daí a ênfase do trabalho das Nações Unidas na esfera ambiental passou a se dar por meio da promoção do crescimento econômico a partir do pressuposto de que a pobreza e a degradação do meio ambiente estão estreitamente interrelacionadasNAÇÕES UNIDAS 1993 p 31 Um conceitochave do desenvolvimento sustentável é a Curva Ambiental de Kuznets que de monstra a relação existente entre crescimento econômico e deterioração ambiental Ela assevera que 14 No originalAvec 45 de la population mondiale les ÉtatsUnis consomment 25 de lénergie mondiale Le Nord 16 de la population mondiale 75 des métaux 85 du bois et 60 des denrés alimentaires produites sur le globe AGENDA ECOlóGICA E O SUl GlOBAl MARCOS TODT OSCAR AUGUSTO BERG MAThEUS FRöhlICh 917 a curto prazo o crescimento econômico gera uma maior deterioração mas a longo prazo beneficia o meio ambiente A hipótese é que nas economias já desenvolvidas o crescimento econômico ocorre com menores níveis de degradação ambiental Por isso a recomendação é o estímulo ao crescimento econômico Dito em outras palavras o crescimento econômico não é considerado um problema mas uma solução para alcançar a sustentabilidade ecológica através do desenvolvimento sustentável Dessa forma a pobreza substituiu o problema do sobreconsumo dos países ricos e os limites do crescimento como peçachave no debate ambiental Ainda foi preferido o incentivo ao crescimento econômico à redistribuição como forma de combatêla Desse modo definitivamente o objetivo não é lutar contra o crescimento tampouco promover alguma espécie de decrescimento mas mudar o tipo de desenvolvimento através de estratégias que permitam às nações se afastarem de seus atuais processos de crescimento e desenvolvimento muitas vezes de caráter destrutivo e seguir o caminho do desenvolvimento duradouro15 CMMAD 1987 p 67 tradução nossa Para isso seria necessário dentre outros passos revitalizar e mudar a qualidade do crescimento satisfazer as necessidades es senciais das pessoas e reorientar a tecnologia para a diminuição dos custos ambientais ideiabase da economia verde incentivando a transferência tecnológica dos países do Norte para os países do Sul A justiça ambiental e a dívida ecológica o embate ausente A Justiça Ambiental teve início nos Estados Unidos onde sofreu forte influência do movimento por direitos civis liderado por Martin luther King nos anos 1960 questionando a contaminação do ar e a alocação de lixo e dejetos tóxicos especificamente em bairros populares ou habitados por mino rias raciais Nos países do Sul as lutas contra os impactos ambientais que ameaçam os pobres deram lugar ao Ecologismo Popular ou Ecologismo dos Pobres englobando especialmente movimentos de camponeses pescadores artesanais e comunidades que lutavam contra a contaminação do ar e das águas causadas pela instalação de minas e fábricas MARTÍNEZAlIER 2017 Guha e MartínezAlier 1997 propõem que o movimento rural do Ecologismo Popular e o movimento urbano da Justiça Ambiental possam ser entendidos como parte integrante de uma mesma corrente ecológica A Justiça Ambiental defende que o crescimento econômico agride o meio ambiente se preocu pando especialmente com o deslocamento geográfico das fontes de recursos as áreas de descarte dos resíduos e o desenvolvimento espacial desigual Como exemplifica MartínezAlier 2017 os países industrializados dependem da importação de matériasprimas vindas do Sul para atender a parcelas cada vez maiores de sua demanda de consumo os Estados Unidos importam parte considerável do petróleo que consomem enquanto a União Europeia importa materiais inclusive energéticos em quantidades muito maiores do que os exporta A partir da ideia de Justiça Ambiental formulouse o conceito de Dívida Ecológica a partir de contribuições dos movimentos populares do Sul em especial da América do Sul por ocasião da Rio92 BÁRCENA 2007 15 No original Se deben idear rápidamente estrategias que permitan a las naciones apartarse de sus actuales procesos de creci miento y desarrollo a menudo de carácter destructivo y seguir la senda del desarrollo duradero CONVERSAS CONTROVÉRSIAS V 6 N 1 JANJUN 2019 e33364 1017 Diferentemente de outros conceitos como o da pegada ecológica que se originaram em círculos intelectuais aquele de dívida ecológica fez o caminho inverso de baixo para cima BÁRCENA 2007 Desde então ele se expandiu tanto geograficamente como também do terreno associativo e dos movi mentos sociais para os âmbitos acadêmico e institucional Inclusive se introduziu na Encíclica laudato Sí A desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros e obriga a pen sar numa ética das relações internacionais Com efeito há uma verdadeira dívida ecológica particularmente entre o Norte e o Sul ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente por alguns países IGREJA CATólICA 2013 Se o sistema econômico vigente externaliza os impactos sociais e ambientais que provoca sem considerálos inerentes ao modelo a dívida ecológica pretende colaborar para o desenvolvimento de teorias que defendam internalizar esses impactos fazendo disso um dos eixos fundamentais de um novo paradigma que possa enfrentar a crise ambiental BÁRCENA 2007 Conforme MartínezAlier 2017 a dívida ecológica é constituída pelo intercâmbio ecologica mente desigual e pela utilização desproporcional do espaço ambiental por parte dos países ricos O intercâmbio ecologicamente desigual é fruto por exemplo da falta de compensações aos países do Sul dos danos provocados pelas exportações como contaminação da água pela mineração ou pelo dióxido de enxofre das unidades de fundição de cobre pelos nutrientes incorporados nas ex portações agrícolas ou das perspectivas futuras da falta de recursos não renováveis O uso despro porcional do espaço ambiental referese à necessidade de reparação pelos impactados ocasionados nos países do Sul pela importação de resíduos tóxicos e produção de dióxido de carbono e outros resíduos gasosos não computados na conta dos países do Norte embora gerados para garantir seu alto nível de consumo e bemestar MartínezAlier 2017 frisa que não se trata de trocar a dívida externa pela proteção ao meio ambiente mas considerar que a dívida externa do Sul para com o Norte já foi paga devido à dívida ecológica e conseguir fazer que a dívida ecológica pare de crescer Este deveria ser o foco da polí tica ambiental global junto à crítica ao estilo de vida agressivamente esbanjador e antiecológico de alguns países16 No mesmo sentido Borràs 2016 entende que apesar da dívida ecológica dos países do Norte apesar do Norte ser o devedor e o Sul o credor no intercâmbio ambiental as relações entre Norte e Sul se pautam por prejuízos econômicos a dívida externa sociais e ambientais con traídos pelos países do Sul de maneira unilateral que os colocam em posição de vulnerabilidade e mantém a sua dependência com o Norte Outra característica da Justiça Ambiental é a defesa do direito ao lugar Ela se concretiza por exemplo pelo entendimento de que agricultores pobres têm direito de resistir à tomada de suas 16 Apesar da maioria dos países que poderiam ser apontados por estas considerações serem desenvolvidos é preciso ficar atento aos problemas ambientais causados pelo rápido aumento do consumo e dos padrões de vida em alguns países em desenvolvimento Como aponta Boniface 2010 p 179 a China multiplicou por vinte a sua produção de carvão entre 1949 e 2010 e se comprome teu a diminuir a sua participação na matriz energética do país de maneira bastante gradual 72 em 2000 60 em 2010 e 50 em 2050 um ritmo julgado excessivamente lento por especialistas e outros países As emissões de CO2 da China já superam aquelas dos Estados Unidos e da União Europeia e das 10 cidades mais poluídas no mundo 9 se encontram em território chinês AGENDA ECOlóGICA E O SUl GlOBAl MARCOS TODT OSCAR AUGUSTO BERG MAThEUS FRöhlICh 1117 terras para a produção de agrocombustíveis ou a mineração e pela defesa do direito à cidade diretamente ligado à importância de controlar espaços de produção A Justiça Ambiental se ca racteriza ainda pela exigência de justiça econômica de democracia da luta contra a especulação a privatização de espaços públicos e a gentrificação A defesa do direito ao lugar se mostra tanto mais importante e atual se levarmos em conta como alertam Moreno Speich e Fuhr 2016 que Uma visão carbonocêntrica do mundo que traduz toda biomassa viva e morta em equivalentes fungíveis de CO2 pode facilmente considerar o Norte global altamen te dependente de combustíveis fósseis como pobre em termos de potencial de mitigação e o Sul Global como rico em potencial de mitigação em decorrência das vastas quantidades de carbono biológico armazenado na biomassa solos e florestas Estas áreas são frequente e convenientemente consideradas livres de habitantes como terras degradadas ou marginais quando na verdade são terras públicas territórios indígenas paisagens pastoris etc Ecoando ideias antigas como a ficção jurídica colonial terra nullius terra de ninguém essa visão do mundo que é comum entre os especialistas em políticas climáticas de hoje pode ser in terpretada como uma nova forma de imperialismo MORENO et al 2016 p 57 Ainda com relação à emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa que geram o problema da mudança climática há o conceito de dívida do carbono que é um dos componentes da dívida ecológica Cerca de 75 das emissões históricas de gases com efeito estufa têm sido produzidas pelos países do Norte que possuem apenas cerca de 20 da população mundial e cujas emissões per capita superam quatro vezes as dos países do Sul BORRÀS 2016 p103 Alguns países do Norte afirmam ter cumprido objetivos ambientais e conquistado a dissociação absoluta de suas economias ou seja o crescimento do PIB concomitante à estabilização do uso de recursos No entanto levando em conta o conceito da dívida ecológica verificase que essa afirmação é falsa pois não considera os fluxos de materiais em nível global Ou seja é necessário levar em conta que boa parte do consumo de materiais e de carbono é computado exclusivamente nas estatísticas dos países exportadores de materiais os quais convenientemente situamse em sua maioria no Sul Global Considerandose isso fica claro que países como Austrália e aqueles da América latina assumem o fardo ambiental que criou a impressão de dissociação absoluta em alguns países do Norte lOREK 2016 No que diz respeito à evolução do posicionamento dos países do Sul sobre a temática ambiental Najam Najam 2005 p304 identifica três fases nos anos préConferência de Estocolmo tiveram postura de contestação de Estocolmo até a Rio92 enquanto se forjava o conceito de desenvolvimento sustentável participam de maneira relutante por fim o período de engajamento mais significativo se dá no pósRio92 com a manifestação do desejo de realizar o desenvolvimento sustentável Isso se explica pelo fato de que não enxergam as preocupações ecológicas como suficientes por si mesmas mas somente se acompanhadas das questões de desenvolvimento NAJAM 2005 Certamente reside aí uma das explicações para o fato de que poucos líderes de nações mesmo dentre as do Sul têm utilizado o conceito dívida ambiental nos fóruns internacionais com exceções como Evo Morales CONVERSAS CONTROVÉRSIAS V 6 N 1 JANJUN 2019 e33364 1217 presidente da Bolívia e Rafael Correa expresidente do Equador bem como o discurso de Fidel Castro na Rio9217 Paguese a dívida ecológica e não a dívida externa CASTRO 1992 Formular uma crítica plausível ao posicionamento brasileiro e dos países do Sul com relação à temática ambiental a partir da ótica da justiça ambiental sobre o intercâmbio ecologicamente desigual consiste em uma reflexão de que a concentração de esforços políticos e econômicos no crescimento serviu para obscurecer o fato de a degradação dos recursos e o desenvolvimento insustentável serem consequências diretas do próprio crescimento SANTANNA e MOREIRA 2016 p225 Já no início dos anos 1970 Celso Furtado em sua obra O mito do desenvolvimento econômico afirmara que a ideia de que os povos pobres algum dia poderão desfrutar do modo de consumo dos países desenvolvidos é simplesmente irrealizável No sistema capitalista as economias periféricas nunca serão desenvolvidas no sentido de similaridade àquelas do centro do sistema pois qualquer tentativa de generalizar o estilo de vida existente nos países desenvolvidos levaria ao colapso da civilização e colocaria em risco a sobrevivência da espécie humana FURTADO 1974 Paredis et al 2008 sublinha que a dívida ecológica não é apenas uma questão do passado mas também um problema de acumulação cotidiana Os padrões de produção e consumo industrial seguem causando danos ecológicos nos países do Sul Global e são responsáveis pelo uso excessivo de bens e serviços ecossistêmicos pelos países industrializados Assim o conceito de dívida ecoló gica é uma ferramenta potencialmente poderosa para rediscutir as relações entre o Norte e o Sul e repensar as políticas de desenvolvimento sustentável responsabilizando os países industrializados pelo desenvolvimento de políticas que sistematicamente levem em conta os impactos negativos de suas políticas nos países do Sul Global e nos ecossistemas globais Considerações finais A elaboração do paradigma do desenvolvimento sustentável foi em boa medida fruto de vitó ria dos países do Sul na arena global como resposta aos interesses dos países do Norte em frear a industrialização dos países em desenvolvimento em razão da crise ambiental No entanto embora tenha contemplado as exigências dos países do Sul em relação ao direito de buscar a industrialização e o crescimento econômico o desenvolvimento sustentável não toca em uma questãochave para os interesses do Sul a dívida ecológica Com o interesse voltado sempre em perseguir a industrialização e o crescimento econômico o foco da política ambiental dos países do Sul não foi em momento algum questionar o estilo de vida antiecológico dos países do Norte Tampouco foi do período préConferência de Estocolmo até os dias de hoje reivindicar maior justiça ambiental Assim ela deixou de questionar o intercâmbio ecologicamente desigual e a utilização desproporcional do espaço ambiental Nada ou muito pouco se fez para que a dívida ecológica parasse de crescer MARTÍNEZAlIER 2017 Essa omissão no que diz respeito à justiça ambiental fez com que o Sul não questionasse a lógica estruturante que reproduz o sistema de injustiça ambiental e gera a chamada dívida ecológica Do 17 Conforme MARTÍNEZAlIER 2017 ativistas sulamericanos presentes na Rio92 convenceram Fidel Castro a utilizar o termo dívida ecológica em seu discurso na conferência oficial AGENDA ECOlóGICA E O SUl GlOBAl MARCOS TODT OSCAR AUGUSTO BERG MAThEUS FRöhlICh 1317 mesmo modo os países do Sul não se permitiram considerar que o próprio sistema sustentado no desenvolvimento sustentável leiase crescimento econômico sem questionamento à economia mainstream é responsável por reproduzir e agudizar as diferenças entre os países além de produzir desigualdade e miséria no interior em especial dos países do Sul O foco absoluto das políticas governamentais da maioria dos países inclusive do Sul continua sendo o crescimento considerado o summum bonum DAlY 2018 a escada para o progresso humano MAXTON 2018 No entanto ligada à ideia de justiça ambiental a dívida ecológica cons titui um discurso contrahegemônico que pode ser utilizado pelo Sul Global para demandar uma reavaliação fundamental das relações políticas e econômicas nortesul RICE 2009 A ligação entre a dívida externa financeira e a ecológica traz uma reversão da relação credor devedor e com base em relações físicoecológicas coloca os países do Sul como credores dos países do Norte Desse modo o reconhecimento da dívida ecológica constituise em argumento para o cancelamento ou no mínimo renegociação em outros termos das dívidas financeiras dos países do Sul A partir da percepção de que a dívida ecológica não é apenas uma questão do passado abrese a possibilidade de repensar radicalmente as políticas de desenvolvimento susten távelpossibilitando por exemplo um maior uso de recursos pelos países do Sul dentro das metas ecológicas globais com o objetivo de que os padrões internacionais de produção e consumo não mais reproduzam a lógica de danos ecológicos aos países do Sul Os paradigmas da justiça ambiental e da dívida ecológica são portanto instrumentos podero sos que podem ser utilizados pelos países do Sul Global para promover um sistema mais justo de relações internacionais REFERÊNCIAS AlENCAR M Segurança humana qual a relação da segurança humana com o debate conceitual de violência e paz dentro dos estudos de Segurança Internacional 2016 UFPR Disponível em http wwwhumanasufprbrportalneprifiles201611artigoworkshoppdf Acesso em 12 fev 2019 AREND hugo Tragédia ciência e política da verdade uma arqueologia das relações internacionais Porto Alegre Editora Fi 2018 275 p BÁRCENA Iñaki Una herramienta para avanzar hacia ese otro mundo posible Viento 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Pesquisas em Democracia CBPD ORCIDD httporcidorg0000000322171831 Email matheuszehngmailcom Instituição Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Localização Av Ipiranga 6681 Partenon Porto Alegre RS 90619900