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Luciana Ballestrin América Latina e o giro decolonial Decolonial turn and Latin America Hasta que los leones tengan sus propios historiadores las historias de cacería seguirán glorificando al cazador Provérbio africano O objetivo principal deste artigo é o de apresentar a constituição a traje tória e o pensamento do Grupo ModernidadeColonialidade MC cons tituído no final dos anos 1990 Formado por intelectuais latinoamericanos situados em diversas universidades das Américas o coletivo realizou um movimento epistemológico fundamental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI a radicalização do ar gumento póscolonial no continente por meio da noção de giro decolonial Assumindo uma miríade ampla de influências teóricas o MC atualiza a tradição crítica de pensamento latinoamericano oferece releituras históricas e problematiza velhas e novas questões para o continente Defende a opção decolonial epistêmica teórica e política para compreender e atuar no mundo marcado pela permanência da colonialidade global nos diferentes níveis da vida pessoal e coletiva O trabalho está estruturado em duas partes Em um primeiro momento é traçada uma breve genealogia do póscolonialismo propondo pensálo de um modo mais abrangente O póscolonialismo no contexto do argumento Revista Brasileira de Ciência Política nº11 Brasília maio agosto de 2013 pp 89117 É professora do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pelotas Pelotas RS Email luballestragmailcom RBCPed11indd 89 260613 1820 90 Luciana Ballestrin deste artigo aparece como precursor para o desenvolvimento do argumento póscolonial que é radicalizado pelo MC Posteriormente apresentase a constituição do grupo a partir de seu rompimento com os estudos subal ternos latinoamericanos bem como alguns conceitos centrais criados e compartilhados pelos seus principais expoentes Ao introduzir essa discus são o artigo sugere que a identificação e a superação da colonialidade do poder do saber e do ser apresentase como um problema desafiador a ser considerado pela ciência e teoria política estudada no Brasil Uma breve genealogia do póscolonialismo Depreendemse do termo póscolonialismo basicamente dois entendi mentos O primeiro diz respeito ao tempo histórico posterior aos processos de descolonização do chamado terceiro mundo a partir da metade do século XX Temporalmente tal ideia referese portanto à independência libertação e emancipação das sociedades exploradas pelo imperialismo e neocolonialis mo especialmente nos continentes asiático e africano A outra utilização do termo se refere a um conjunto de contribuições teóricas oriundas principal mente dos estudos literários e culturais que a partir dos anos 1980 ganharam evidência em algumas universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra Como tantas escolas orientadas pelo pós o póscolonialismo se tornou uma espécie de moda acadêmica tendo penetrado tardiamente nas ciên cias sociais brasileiras Costa afirmou que o póscolonialismo compartilha em meio suas diferentes perspectivas do caráter discursivo do social do descentramento das narrativas e dos sujeitos contemporâneos do método da desconstrução dos essencialismos e da proposta de uma epistemologia crítica às concepções dominantes de modernidade Costa 2006 p 8384 Na continuidade do argumento sugere ainda que o colonial do termo alude a situações de opressão diversas definidas a partir de fronteiras de gênero étnicas ou raciais Sobre esse ponto notase que nem todas as situ ações de opressão são consequências do colonialismo vejase a história do patriarcado e da escravidão ainda que possam ser reforçadas ou ser indi retamente reproduzidas por ele Em suma ainda que não haja colonialismo sem exploração ou opressão o inverso nem sempre é verdadeiro Na primeira chave de interpretação o autor perceptivelmente associa o póscolonialismo com as condições de emergência oferecidas pelos estudos pósestruturais desconstrutivistas e pósmodernos De fato ela se aplica a RBCPed11indd 90 260613 1820 91 América Latina e o giro decolonial vários autores diaspóricos citados no livro Dois Atlânticos mas apaga duas noções importantes A primeira é o fato de pensadores póscoloniais poderem ser encontrados antes mesmo da institucionalização do póscolonialismo como corrente ou escola de pensamento A segunda é o fato de que o póscolonialismo surgiu a partir da identificação de uma relação antagônica por excelência ou seja a do colonizado e a do colonizador Se por um lado essa fixação binária de identidades essencializadas foi rompida nos escritos de Memmi1 Said Spivak e Bhabha por outro ela foi permitida pela identificação daquilo que Mignolo 2003 chamou de diferença colonial Nesse sentido a relação colonial é uma relação antagônica A presença do outro me impede de ser totalmente eu mesmo A relação não surge de identidades plenas mas da impossibilidade da constituição das mesmas Laclau e Mouffe 1985 p 125 Foi Fanon 2010 quem pela primeira vez expressou esse impedimento em 1961 Franz Fanon somase a um conjunto de autores precursores do argu mento póscolonial cujas primeiras elaborações podem ser observadas pelo menos desde o século XIX na América Latina2 Nesse período a América Latina atravessou o seu período póscolonial com reprodução daquilo que Casanova 2002 chamou de colonialismo interno Por sua vez expressões anticoloniais puderam também ser encontradas em pensadores europeus europeístas e eurocêntricos Merle e Mesa 1972 Mesmo que não linear disciplinado e articulado o argumento póscolonial em toda sua amplitude histórica temporal geográfica e disciplinar percebeu a diferença colonial e intercedeu pelo colonizado Em essência foi e é um argumento comprometido com a superação das relações de colonização colonialismo e colonialidade Dessa forma ele não é prerrogativa de autores diaspóricos ou colonizados das universidades periféricas Essa ponderação se faz importante visto que para certa crítica ao póscolonialismo Feres Jr e Po grebinschi 2010 isso determinaria a legitimidade de quem com ele trabalha 1 A vida nos tratou de maneira diferente ele o francês nascido na África do Norte era reconhecido como filho legítimo da metrópole herdeiro do privilégio que ele defenderia a qualquer preço até mesmo o mais escandaloso eu era uma espécie de mestiço da colonização que compreendia a todos porque não pertencia totalmente a ninguém Memmi 2007 2 Do ensaísmo literário ao marxismo latinoamericano passando pela teoria da dependência à filosofia da libertação notase que o problema da colonialidade esteve fortemente presente no pensamento político latinoamericano No século XIX escritores políticos e ativistas Bolívar Bilbao TorresCaicedo Martí Rodó e Bonfim para citar alguns destinaram suas preocupações ao sentido e o destino da América e de seus povos mediante o problema da colonização ibérica Para a ideia latinidade como uma estratégia imperial francesa adotada pelas elites criollas do continente na segunda metade do século XIX ver Mignolo 2007b RBCPed11indd 91 260613 1820 92 Luciana Ballestrin Aquilo que é considerado clássico na literatura póscolonial é passível de questionamento como a eleição dos próprios clássicos das ciências sociais Connel 2007 Porém existe um entendimento compartilhado sobre a im portância atualidade e precipitação da chamada tríade francesa Césaire Memmi e Fanon talvez pelo fato de o argumento póscolonial ter sido pela primeira vez desenvolvido de forma mais ou menos simultânea Franz Fanon 19251961 psicanalista negro nascido na Martinica e revolucionário do processo de libertação nacional da Argélia Aimé Césaire 19132008 poeta negro também nascido na Martinica e Albert Memmi 1920 escritor e professor nascido na Tunísia de origem judaica foram os portavozes que intercederam pelo colonizado quando este não tinha voz para usar os termos de Spivak Os livros Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador 1947 de Albert Memmi Discurso sobre o colonia lismo 1950 de Césaire e Os condenados da terra 1961 de Franz Fanon foram escritos seminais Os dois últimos foram agraciados com prefácios de JeanPaul Sartre que em um complexo de culpa europeia recomenda suas leituras elogia seus autores e logo intercede pelos colonizados A esses três clássicos somase a obra Orientalismo 1978 de Edward Said 19352003 crítico literário de origem palestina intelectual e militante da causa O Orien te como invenção do Ocidente denunciou a funcionalidade da produção do conhecimento no exercício de dominação sobre o outro Estes quatro autores contribuíram para uma transformação lenta e não intencionada na própria base epistemológica das ciências sociais De forma paralela é indispensável apresentar outro movimento que acabou por reforçar o póscolonialismo como um movimento epistêmico intelectual e político Na década de 1970 formavase no sul asiático o Grupo de Estudos Subalternos com a liderança de Ranajit Guha um dissidente do marxismo indiano cujo principal projeto era analisar criticamente não só a historiografia colonial da Índia feita por ocidentais europeus mas também a historiografia eurocêntrica nacionalista indiana Grosfoguel 2008 p116 bem como a historiografia marxista ortodoxa CastroGómez e Mendieta 1998 Na década de 1980 os subaltern studies se tornaram conhecidos fora da Índia especialmente através dos autores Partha Chatterjee Dipesh Chakrabarty e Gayatri Chakrabarty Spivak3 O termo subalterno fora to 3 Estes três últimos autores formam por sua vez a tríade sagrada do póscolonialismo Juntamente com Prakash Chatterjee e Guha eles começaram a mostrar que o colonialismo não é somente um RBCPed11indd 92 260613 1820 93 América Latina e o giro decolonial mado emprestado de Antonio Gramsci e entendido como classe ou grupo desagregado e episódico que tem uma tendência histórica a uma unificação sempre provisória pela obliteração das classes dominantes Spivak apresentou o trabalho do grupo ao público estadunidense sendo ela uma das mais importantes tradutoras de Jaques Derrida De acordo com Subrahmanyam 2004 sob sua influência os estudos subalternos foram sendo descaracterizados pela introdução excessiva do desconstrutivismo de Deleuze e Derrida4 Em 1985 Spivak publicou um artigo que ao lado dos livros já citados tornouse outro cânone do póscolonialismo Pode o subalterno falar É importante reparar que nesse artigo a autora faz uma profunda crítica aos intelectuais ocidentais Deleuze e Foucault a despeito de sua filiação pósestruturalista e desconstrucionista5 e uma autocrítica aos estudos subalternos através da reflexão sobre a prática discursiva do intelectual póscolonial Para ela o sujeito subalterno é aquele cuja voz não pode ser ouvida sua crítica à intelectualidade que pretende falar em seu nome é ao fato de que nenhum ato de resistência pode ocorrer em nome do subal terno sem que esse ato seja imbricado no discurso hegemônico Almeida 2010 p 12 Nesse caso o subalterno permanece silenciado e aparece como constituição de mais um outro uma classificação essencialista que acaba por não incorporar a noção de différance ou hibridismo Para a autora não só o subalterno não pode falar como também o intelectual póscolonial não pode fazer isso por ele6 Mas como hoje poderseia desautorizar Césaire Fanon Memmi e Said O intelectual não poderia também ser um subalterno Na década de 1980 o debate póscolonial foi difundido no campo da crítica literária e dos estudos culturais na Inglaterra e nos Estados Unidos cujos expoentes mais conhecidos no Brasil são Homi Bhabha indiano Stu fenômeno econômico e político mas que possui uma dimensão epistêmica vinculado ao nascimento das ciências humanas tanto no centro quanto na periferia Quase todos os autores mencionados argumentaram que as humanidades e as ciências sociais modernas criaram um imaginário sobre o mundo social do subalterno o oriental o negro o índio o camponês que não somente serviu para legitimar o poder imperial no nível econômico e político mas também contribuiu para criar os para digmas epistemológicos dessas ciências e gerar as identidades pessoais e coletivas dos colonizadores e colonizados CastroGómez 2005a p 20 4 O póscolonialismo foi visto com desconfiança por alguns autores marxistas devido às influências oriundas do pósestruturalismo de Foucault Deleuze Derrida e Lyotard CastroGómez 2005a 5 A autora também possui forte influência do marxismo de acordo com Almeida 2010 6 O atual projeto coordenado por Boaventura de Sousa Santos chamado Universidade Popular dos Movimentos Sociais pretende romper com a lógica de intermediação entre saberes e práticas de militantes e intelectuais militantes RBCPed11indd 93 260613 1820 94 Luciana Ballestrin art Hall jamaicano7 e Paul Gilroy inglês O local da cultura Da diáspora e Atlântico negro foram traduzidos para o português e tiveram repercussão nas ciências sociais brasileiras Em um contexto de globalização cultura identidade classeetniagênero migração e diáspora apareceram como ca tegorias fundamentais para observar as lógicas coloniais modernas sendo os estudos póscoloniais convergentes com os estudos culturais e multiculturais Por sua vez as origens do grupo MC podem ser remontadas à década de 1990 nos Estados Unidos Em 1992 ano de reimpressão do texto hoje clássico de Aníbal Quijano Colonialidad y modernidadracionalidad um grupo de intelectuais latinoamericanos e americanistas que lá viviam fundou o Grupo LatinoAmericano dos Estudos Subalternos Inspirado principalmente no Grupo SulAsiático dos Estudos Subalternos o founding statement do grupo foi originalmente publicado em 1993 na revista Boundary 2 editada pela Duke University Press8 Em 1998 Santiago CastroGómez traduziu o documento para o espanhol como Manifiesto inaugural del Grupo Latinoamericano de Estudios Subalternos A América Latina foi assim inserida no debate póscolonial O trabalho do Grupo de Estudos Subalternos uma organização interdisciplinar de intelectuais sulasiáticos dirigida por Ranajit Guha inspirounos a fundar um projeto semelhante dedicado ao estudo do subalterno na América Latina O atual desmantelamento dos regimes autoritários na América Latina o final do comunis mo e o consequente deslocamento dos projetos revolucionários os processos de democratização as novas dinâmicas criadas pelo efeito dos meios de comunicação de massa e a nova ordem econômica transnacional todos esses são processos que convidam a buscar novas formas de pensar e de atuar politicamente Por sua vez a mudança na redefinição das esferas política e cultural na América Latina durante os anos recentes levou a vários intelectuais da região a revisar epistemologias pre viamente estabelecidas nas ciências sociais e humanidades A tendência geral para uma democratização outorga prioridade a uma reconceitualização do pluralismo e das condições de subalternidade no interior das sociedades plurais Grupo Latino americano de Estudios Subalternos 1998 p 709 7 Dirigiu o Centro de Estudos Culturais em Birmingham 8 Em 1995 foi reimpresso também em inglês na coletânea The Posmodernism Debate in Latin America editada pela mesma editora tendo Beverley Oviedo e Aronna como organizadores 9 Esta e outras traduções são da autora RBCPed11indd 94 260613 1820 95 América Latina e o giro decolonial Tal incorporação do Manifiesto deuse em uma coletânea de artigos lançada em 1998 sob a coordenação de Eduardo Mendieta e Santiago Castro Gómez intitulada Teorias sin disciplina latinoamericanismo poscoloniali dad y globalización en debate Na introdução escrita pelos dois autores eles explicam a inspiração do grupo O Manifesto Inaugural redigido pelo Grupo Latinoamericano de Estudos Subalternos incorpora vários dos temas abordados pelo historiador indiano Ranajit Guha a partir dos quais se pretende avançar para uma reconstrução da história latinoamericana das últimas duas décadas Tal reconstrução ocorreria como uma alternativa ao pro jeto teórico feito pelos Estudos Culturais10 desde os finais dos anos oitenta Por esta razão o grupo põe muita ênfase em categorias de ordem política tais como classe nação ou gênero que no projeto dos Estudos Culturais pareciam ser substituídas por categorias meramente descritivas como a de hibridismo ou sepultadas sob uma celebração apressada da incidência da mídia e das novas tecnologias no imaginário coletivo CastroGómez e Mendieta 1998 p 16 Já nessa coletânea a voz mais crítica e radical do grupo Walter Migno lo demonstra seu descontentamento também com os estudos subalternos originais Na leitura de seus coordenadores Walter Mignolo aproveita também alguns elementos das teorias póscoloniais para realizar uma crítica dos legados coloniais na América Latina Mas à diferença de Ileana Rodríguez e de outros membros do Grupo de Estudos Subalternos Mignolo pensa que as teses de Ranajit Guha Gayatri Spivak Homi Bhabha e outros teóricos indianos não deveriam ser simplesmente assumidas e traduzidas para uma análise do caso latinoamericano Ecoando críticas anteriores de Vidal e Klor de Alva Mig nolo afirma que as teorias póscoloniais têm seu lócus de enunciação nas heranças coloniais do império britânico e que é preciso por isso buscar uma categorização crítica do ocidentalismo que tenha seu lócus na América Latina CastroGómez e Mendieta 1998 p 17 Na ocasião Mignolo denuncia o imperialismo dos estudos culturais póscoloniais e subalternos que não realizaram uma ruptura adequada com autores eurocêntricos Mignolo 1998 Para ele o grupo dos latinos subal ternos não deveria se espelhar na resposta indiana ao colonialismo já que a 10 Referência aos estudos culturais latinoamericanos Canclini Brunner Ortiz entre outros RBCPed11indd 95 260613 1820 96 Luciana Ballestrin trajetória da América Latina de dominação e resistência estava ela própria oculta no debate A história do continente para o desenvolvimento do ca pitalismo mundial fora diferenciada sendo a primeira a sofrer a violência do esquema colonialimperial moderno Além disso os latinoamericanos migrantes possuem outras relações de colonialidade por parte do novo império estadunidense ele mesmo tendo sido uma colônia nas Américas Devido às divergências teóricas o grupo latino foi desagregado em 1998 ano em que ocorreram os primeiros encontros entre os membros que posterior mente formariam o Grupo ModernidadeColonialidade Grosfoguel 2008 ao narrar seu descontentamento com o projeto do grupo atribuiu duas razões para sua dissolução11 Ambas referemse à incapacidade do grupo em romper com a episteme ao seu ver ainda centrada no Norte dos estudos regionais estadounidenses e dos estudos subalternos indianos Descrevendose como um latino a viver nos Estados Unidos Grosfoguel 2008 p 115 para ele os latinoamericanistas deram preferência epistemológica ao que chamaram os quatro cavaleiros do Apocalipse ou seja a Foucault Derrida Gramsci e Guha Entre estes quatro contamse três pensadores eurocêntricos fazendo dois deles Derrida e Foucault parte do cânone pósestruturalistapósmoderno ocidental Apenas um Rinajit Guha é um pensador que pensa a partir do Sul Ao preferirem pensadores ocidentais como principal instrumento teórico traíram o seu objetivo de produzir estudos subalternos Entre as muitas razões que conduziram à desagregação do Grupo Latinoamericano de Estudos Subalternos uma delas foi a que veio opor os que consideravam a subalternidade uma crítica pósmoderna o que representa uma crítica eurocêntrica ao eurocentrismo àqueles que a viam como uma crítica descolo nial o que representa uma crítica do eurocentrismo por parte dos saberes silenciados e subalternizados Para todos nós que tomamos o partido da crítica descolonial o diálogo com o Grupo Latinoamericano de Estudos Subalternos tornou evidente a necessidade de transcender epistemologicamente ou seja de descolonizar a epistemologia e o cânone ocidentais Grosfoguel 2008 p 116 Para Grosfoguel a permanência de Gramsci e Foucault como referências da escola subalterna sulasiática acabou por espelhar o apoio dado ao pós modernismo pelo setor do Grupo Latinoamericano de Estudos Subalternos Grosfoguel 2008 p 116 Em suma nenhum dos dois grupos de estudos 11 A última reunião do grupo foi em outubro de 1998 por ocasião de um congresso sediado na Univer sidade de Duke onde se reuniram os latinos e os indianos subalternos Grosfoguel 2008 RBCPed11indd 96 260613 1820 97 América Latina e o giro decolonial subalternos teria conseguido aprofundar e radicalizar sua crítica ao eurocen trismo um diagnóstico convergente com o de Mignolo De fato a maioria dos componentes dos subalternos latinos não migrou para o coletivo modernidade colonialidade12 que teve na figura de Mignolo um de seus fundadores O Grupo ModernidadeColonialidade e o giro decolonial O Grupo ModernidadeColonialidade foi sendo paulatinamente estru turado por vários seminários diálogos paralelos e publicações Ainda no ano de 1998 um importante encontro apoiado pela CLACSO e realizado na Universidad Central de Venezuela reuniu pela primeira vez Edgardo Lander Arthuro Escobar Walter Mignolo Enrique Dussel Aníbal Quijano e Fernando Coronil A partir deste foi lançada em 2000 uma das publicações coletivas mais importantes do MC La colonialidad del saber eurocentrismo y ciencias sociales No mesmo ano de 1998 Ramon Grosfóguel e Agustín LaoMontes reuniram em Binghamton para um congresso internacional Enrique Dussel Walter Mignolo Aníbal Quijano e Immanuell Wallerstein Nesse congresso foi discutida pelos quatro autores a herança colonial na América Latina a partir da análise do sistemamundo de Wallerstein CastroGómez e Grosfoguel 2007 Em 1999 ocorreu na Pontificia Universidad Javeriana Colômbia um simpósio internacional organizado por Santiago CastroGómez e Oscar Guardiola que os reuniu com Mignolo Lander Coronil Quijano Zulma Palermo e Freya Schiwy Selavase então a cooperação entre a Universidad Javeriana de Bogotá Duke University University of North Carolina e a Universidad Andina Simón Bolívar13 Nos anos 2000 ocorreram sete reuniõeseventos oficiais do grupo nos anos 2001 2002 2003 2004 2006 o qual incorporou e dialogou com os seguintes nomes Javier Sanjinés14 Catherine Walsh Nelson Maldonado Torres José David Saldívar Lewis Gordon Boaventura de Sousa Santos 12 O Grupo LatinoAmericano de Estudos Subalternos foi originalmente formado por Ileana Rodríguez John Berverley Robert Carr José Rabasa e Javier Sanjinés A história de sua formação e dissolução mereceria um artigo à parte O grupo foi formado em um diálogo sulsul com os indianos em uma universidade do norte como afirma a nicaraguense Ileana Rodríguez O leque de influências e trânsitos do grupo é bastante amplo estudos subalternos estudos culturais literários pósmodernos e críticos latino americanos pósestruturais pósmarxistas feministas Ele foi responsável por inserir a América Latina no debate póscolonial marcando suas diferenças com o projeto asiático Ileana Rodríguez é a editora da coletânea The Latin American subaltern studies reader publicada em 2001 pela Duke University Press 13 Desse evento resultaram as primeiras publicações do grupo Pensar en los intersticios Teoría y práctica de la crítica poscolonial 1999 e La reestructuración de las ciencias sociales en América Latina 2000 14 Anteriormente vinculado ao Grupo LatinoAmericano dos Estudos Subalternos RBCPed11indd 97 260613 1820 98 Luciana Ballestrin Margarita Cervantes de Salazar Libia Grueso e Marcelo Fernández Osco CastroGómez e Grosfoguel 2007 Mignolo 2010 Outros estudiosos as sociados ao grupo são Jorge Sanjinés Ana Margarita CervantesRodríguez Linda Alcoff Eduardo Mendieta Elina Vuola Marisa Belausteguigoitia e Cristina Rojas Escobar 2003 Abaixo segue um quadro no qual é possível identificar as diferentes áreas nacionalidade local e país de trabalho de alguns de seus principais membros Quadro 1 Perfil dos membros do Grupo ColonialidadeModernidade15 integrante área nacionalidade universidade onde leciona Aníbal Quijano sociologia peruana Universidad Nacional de San Marcos Peru Enrique Dussel filosofia argentina Universidad Nacional Autónoma de México Walter Mignolo semiótica argentina Duke University EUA Immanuel Wallerstein sociologia estadounidense Yale University EUA Santiago CastroGómez filosofia colombiana Pontificia Universidad Javeriana Colômbia Nelson MaldonadoTorres filosofia portoriquenha University of California Berkeley EUA Ramón Grosfóguel sociologia portoriquenha University of California Berkeley EUA Edgardo Lander sociologia venezuelana Universidad Central de Venezuela Arthuro Escobar antropologia colombiana University of North Carolina EUA Fernando Coronil antropologia venezuelana University of New York EUA Catherine Walsh linguística estadounidense Universidad Andina Simón Bolívar Equador Boaventura Santos direito portuguesa Universidade de Coimbra Portugal Zulma Palermo semiótica argentina Universidad Nacional de Salta Argentina Falecido em 2011 Fonte Elaboração própria a partir de pesquisa de dados institucionais e pessoais disponíveis na internet Muitos desses integrantes já haviam desenvolvido desde os anos 1970 linhas de pensamento próprias como é o caso de Dussel e a Filosofia da Libertação Quijano e a Teoria da Dependência e Wallerstein e a Teoria do SistemaMundo A identidade grupal do MC acabou herdando essas e 15 Este quadro não esgota as diversas áreas do conhecimento que seus integrantes transitam nem as várias universidades em que atuam como visitantes Da mesma forma a seleção dos principais membros do grupo pode ser questionada Sobre a pouca participação das mulheres no grupo que contradiz com o diálogo aberto e constante com o feminismo especialmente latino ver um meaculpa por Arthuro Escobar 2003 RBCPed11indd 98 260613 1820 99 América Latina e o giro decolonial outras influências do pensamento crítico latinoamericano do século XX Para Escobar a genealogia de pensamento do grupo inclui a Teologia da Libertação desde os sessenta e setenta os debates na filosofia e ciên cia social latinoamericana sobre noções como filosofia da libertação e uma ciência social autônoma por ex Enrique Dussel Rodolfo Kusch Orlando Fals Borda Pablo Gonzáles Casanova Darcy Ribeiro a teoria da dependência os debates na América Latina sobre a modernidade e pós modernidade dos oitenta seguidos pelas discussões sobre hibridismo na antropologia comunicação nos estudos culturais nos noventa e nos Estados Unidos o grupo latinoamericano de estudos subalternos O grupo modernidadecolonialidade encontrou inspiração em um amplo número de fontes desde as teorias críticas europeias e norteamericanas da modernidade até o grupo sulasiático de estudos subalternos a teoria feminista chicana a teoria póscolonial e a filosofia africana assim mesmo muitos de seus membros operaram em uma perspectiva modificada de sistemamundo Sua principal força orientadora no entanto é uma reflexão continuada sobre a realidade cultural e política latino americana incluindo o conhecimento subalternizado dos grupos explorados e oprimidos Escobar 2003 p53 O MC é considerado por Escobar como um programa de investiga ção Escobar 2003 p53 Com pouco mais de dez anos de existência o grupo compartilha noções raciocínios e conceitos que lhe conferem uma identidade e um vocabulário próprio contribuindo para a renovação ana lítica e utópica das ciências sociais latinoamericanas do século XXI Sem a pretensão de esgotar a riqueza de sua argumentação será apresentado um elenco de conceitos chaves relativamente originais De início ressaltase que tal apresentação possui o fim de familiarizar o leitor com as propostas do grupo sendo essas absolutamente passíveis de críticas e contraargumentos Essa empreitada foi propositalmente aqui evitada tornandose um possível objeto de outro trabalho Colonialidade do poder A colonialidade do poder é um conceito desenvolvido originalmente por Aníbal Quijano em 1989 e amplamente utilizado pelo grupo Ele exprime uma constatação simples isto é de que as relações de colonialidade nas esfe ras econômica e política não findaram com a destruição do colonialismo O conceito possui uma dupla pretensão Por um lado denuncia a continuidade RBCPed11indd 99 260613 1820 100 Luciana Ballestrin das formas coloniais de dominação após o fim das administrações coloniais produzidas pelas culturas coloniais e pelas estruturas do sistemamundo capitalista modernocolonial Grosfoguel 2008 p126 Por outro possui uma capacidade explicativa que atualiza e contemporiza processos que supos tamente teriam sido apagados assimilados ou superados pela modernidade Esse entendimento é bem explicado por Grosfoguel 2008 p 126 A expressão colonialidade do poder designa um processo fundamental de estruturação do sistemamundo modernocolonial que articula os lugares periféricos da divisão internacional do trabalho com a hierarquia étnicoracial global e com a inscrição de migrantes do Terceiro Mundo na hierarquia étnicoracial das cidades metropolitanas globais Os Estados nação periféricos e os povos nãoeuropeus vivem hoje sob o regime da colonialidade global imposto pelos Estados Unidos através do Fundo Monetário Internacional do Banco Mundial do Pentágono e da OTAN As zonas periféricas mantêmse numa situação colonial ainda que já não estejam sujeitas a uma administração colonial O conceito de colonialidade foi estendido para outros âmbitos que não só o do poder Assim Mignolo 2010 p12 sugere que a matriz colonial do poder é uma estrutura complexa de níveis entrelaçados como abaixo se vê A colonialidade se reproduz em uma tripla dimensão a do poder do saber e do ser16 E mais do que isso a colonialidade é o lado obscuro e necessário da modernidade é a sua parte indissociavelmente constitutiva Mignolo 2003 p 30 É precisamente desse diagnóstico elaborado especialmente por Qui jano Wallerstein e Mignolo que deriva o nome do grupo A modernidade estando intrinsecamente associada à experiência colonial Maldonado 16 A Colonialidade do Poder e do Saber ganhou várias elaborações do grupo enquanto que a Colonia lidade do Ser primeiramente pensada por Mignolo e posteriormente desenvolvida por Maldonado Torres não foi recebida com entusiasmo MaldonadoTorres 2008 RBCPed11indd 100 260613 1820 101 América Latina e o giro decolonial Torres 2008 p84 não é capaz de apagála não existe modernidade sem colonialidade Quijano 2000 p 343 De outro lado não poderia haver uma economiamundo capitalista sem as Américas Quijano e Wallerstein 1992 Modernidadecolonialidade É possível situar o contexto de emergência da colonialidade e da colonia lidade do poder guerra genocídio e conquista das Américas17 Maldonado Torres 2008 p 136 E eis que aqui surgiu um tipo de classificação social próspera para a empresa colonial a ideia de raça A construção da diferença da superioridade e da pureza de sangue da raça branca é um feito inédito A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial de poder capitalista Se funda na imposição de uma classificação racialétnica da popula ção do mundo como pedra angular do dito padrão de poder e opera em cada um dos planos âmbitos e dimensões materiais e subjetivas da existência social cotidiana e da escala social Originase e mundializase a partir da América Quijano 2000 p 342 Para o autor raça gênero e trabalho foram as três linhas principais de classificação que constituíram a formação do capitalismo mundial colonial moderno no século XVI Quijano 2000 p 342 É nessas três instâncias que as relações de exploraçãodominaçãoconflito estão ordenadas A identifi cação dos povos de acordo com suas faltas ou excessos é uma marca funda mental da diferença colonial produzida e reproduzida pela colonialidade do poder em particular o poder colonial Mignolo 2003 p 39 do saber e do ser MaldonadoTorres 2008 p 147 O que o conceito de colonialidade do poder traz de novo é a leitura da raça e do racismo como o princípio organizador que estrutura todas as múltiplas hierarquias do sistemamundo Grosfoguel 2008 p 123 Se a raça é uma categoria mental da moderni dade temse que seu sentido moderno não tem história conhecida antes da América Quijano 2005 p 1 Nessa mesma linha Dussel argumenta que a modernidade assentada e iniciada nesses pilares justifica uma práxis irracional da violência Dussel 2000 p 49 A modernidade é um mito que oculta a colonialidade e se desenvolve da seguinte forma 17 É a partir desta concepção do início da modernidade que MaldonadoTorres 2008 desenvolve o conceito de Colonialidade do Ser Inspirandose em Fanon e Dussel recupera a ideia deste último de que o ego conquiro yo conquistador foi a protohistória do ego cogito cartesiano RBCPed11indd 101 260613 1820 102 Luciana Ballestrin 1 A civilização moderna autodescrevese como mais desenvolvida e superior o que significa sustentar inconscientemente uma posição eurocêntrica 2 A superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos bárbaros rudes como exigência moral 3 O caminho de tal processo educativo de desenvolvimento deve ser aquele seguido pela Europa é de fato um desenvolvimento unilinear e à europeia o que determina novamente de modo inconsciente a falácia desenvolvimentista 4 Como o bárbaro se opõe ao processo civilizador a práxis moderna deve exercer em último caso a violência se necessário for para destruir os obstáculos dessa modernização a guerra justa colonial 5 Esta dominação produz vítimas de muitas e variadas maneiras violência que é interpretada como um ato inevitável e com o sentido quaseritual de sacrifício o herói civilizador reveste a suas próprias vítimas da condição de serem holocaustos de um sacrifício salvador o índio colonizado o escravo africano a mu lher a destruição ecológica etecetera 6 Para o moderno o bárbaro tem uma culpa por oporse ao processo civilizador que permite à Modernidade apresentarse não apenas como inocente mas como emancipadora dessa culpa de suas próprias vítimas 7 Por último e pelo caráter civilizatório da Modernidade interpretamse como inevitáveis os sofrimentos ou sacrifícios os custos da modernização dos outros povos atrasados imaturos das outras raças escravizáveis do outro sexo por ser frágil etecetera Dussel 2000 p 49 Essas e outras elaborações permitiram então a reconfiguração da ideia original de sistemamundo de Wallerstein pensado agora em termos de sistemamundo modernocolonial ou provocativamente como o que Grosfoguel chamou de sistema mundo europeueuronorteamericano modernocapitalistacolonialpatriarcal Grosfoguel 2008 p 113 Para este último às Américas chegou o homem heterossexualbranco patriarcalcristãomilitarcapitalista europeu e com ele a reprodução dos padrões hierárquicos globais já existentes A inserção do elemento colonial racialmoderno na noção de sistemamundo de Wallerstein permitiu então desvelar a diferença colonial até então não considerada pelo próprio autor Mignolo 2003 Em suma o fundamento da modernidadecolonialidade está no descobrimento e na invenção da América para Dussel Mignolo QuijanoWallerstein ela é uma origem tão origem como fora a Grécia para a civilização ocidental Mignolo 2003 p 57 Até o século XVI não havia diferença colonial mas diferença imperial18 os bárbaros eram impe 18 A noção de diferença imperial remete a um processo intrahierárquico dentro dos próprios impérios capitalistas ocidentais e cristãos como por exemplo a constituição do Sul da Europa hoje também partícipe da ideia sociológica de Sul Global RBCPed11indd 102 260613 1820 103 América Latina e o giro decolonial riais turcos mouros chineses russos Mignolo 2003 p 42 Para Dussel a América não somente foi a primeira periferia do sistemamundo como também a primeira oportunidade de acumulação primitiva do capital19 CastroGómez 2005a A noção de diferença colonial desenvolvida por Mignolo 2002 2003 projeta muita importância ao lócus de enunciação dessa mesma diferença E aqui se tem outra dimensão fundamental para o grupo a dimensão epis têmica e epistemológica isto é a colonialidade do saber Geopolítica do conhecimento O problema da colonialidade do saber é um dos mais recorrentes dentro das discussões do MC e está diretamente associado àquilo que Mignolo 2002 chamou de diferença colonial e geopolítica do conhecimento Sendo paralela à própria geopolítica da economia a noção de violência epistêmica elaborada por Foucault tornouse insuficiente para captar o silêncio oriundo do racismo epistêmico MaldonadoTorres 2008 ou a negação da alteridade epistêmica CastroGómez 2005b Para CastroGómez a noção de Fou cault deve ser ampliada para o âmbito de macroestruturas de longa duraçao BraudelWallerstein de tal maneira que permita visualizar o problema da invenção do outro de uma perspectiva geopolitica CastroGómez 2005a p 4 O que Foucault não conseguiu capturar em sua denúncia foi o euro centrismo e o colonialismo duas faces da mesma moeda O eurocentrismo é uma lógica fundamental para a reprodução da colonialidade do saber como explica Quijano A elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder colonialmoderno capitalista e eurocentrado Essa perspec tiva e modo concreto de produzir conhecimento se reconhecem como eurocentrismo Eurocentrismo é aqui o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática começou na Europa Ocidental antes de mediados do século XVII ainda que algumas de suas raízes são sem dúvida mais velhas ou mesmo antigas e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa Sua constituição ocorreu associada à específica secularização burguesa do pensamento europeu e à experiência e às necessidades do 19 A importância da América para a acumulação primitiva do capital já se encontra nos escritos marxianos referência fundamental para o pensamento de Dussel RBCPed11indd 103 260613 1820 104 Luciana Ballestrin padrão mundial de poder capitalista colonialmoderno eurocentrado estabelecido a partir da América Quijano 2005 p 9 A diferença colonial epistêmica é cúmplice do universalismo sexismo e racismo Nesse debate agregouse a noção do filósofo colombiano Castro Gómez de hybris del punto cero CastroGómez 2005c O ponto zero é um ponto de partida de observação supostamente neutro e absoluto no qual a linguagem científica desde o Iluminismo assumese como a mais perfeita de todas as linguagens humanas e que reflete a mais pura estrutura universal da razão CastroGómez 2005c p 14 A lógica do ponto zero é eurocentrada e presume a totalização da gnose ociden tal fundada no grego no latim e nas seis línguas20 modernas imperiais europeias Mignolo 2007b p 29 Ela funda e sustenta a razão imperial teoegopoliticamente Tratase então de uma filosofia na qual o sujeito epistêmico não tem sexualidade gênero etnia raça classe espiritualidade língua nem localização epistêmica em nenhuma relação de poder e produz a verdade desde um monólogo interior consigo mesmo sem relação com ninguém fora de si Isto é tratase de uma filosofia surda sem rosto e sem força de gravidade O sujeito sem rosto flutua pelos céus sem ser determinado por nada nem por ninguém Será assumida pelas ciências huma nas a partir do século XIX como a epistemologia da neutralidade axiológica e da objetividade empírica do sujeito que produz conhecimento científico Grosfoguel 2007 p 6465 O núcleo deste diagnóstico obviamente não é uma constatação original do grupo assim como também não o é a crítica da modernidade ocidental A novidade aqui é que o grupo MC assim como outros movimentos teóricos entrou naquilo que Visvanathan 2004 chamou de Guerra da Ciência O movimento de descobrimento e de revalorização das teorias e epistemologias do sul tem crescido nos últimos anos em diversas áreas e universidades do mundo Como defende Mignolo 2003 não se trata da substituição de um novo paradigma nos termos de Kuhn mas do surgimento de paradigmas outros Se para Habermas a modernidade é um projeto inacabado para o 20 Inglês alemão francês italiano espanhol e português Mignolo 2010 RBCPed11indd 104 260613 1820 105 América Latina e o giro decolonial grupo MC a descolonização também o é21 Diferentemente da modernidade a colonialidade não é um ponto de chegada Mignolo 2003 Giro decolonial Giro decolonial é um termo cunhado originalmente por Nelson MaldonadoTorres em 200522 e que basicamente significa o movimento de resistência teórico e prático político e epistemológico à lógica da moder nidadecolonialidade A decolonialidade aparece portanto como o terceiro elemento da modernidadecolonialidade Para Mignolo a conceitualização mesma da colonialidade como constitutiva da modernidade é já o pensamen to decolonial em marcha Mignolo 2008 p 249 Mas para ele a origem do pensamento decolonial é mais remota emergindo como contrapartida desde a fundação da modernidadecolonialidade Seria possível portanto considerar Wama Pomam de Ayala do vicereinado peruano que enviou ao rei Felipe III em 1616 sua Nueva crónica y buen gobierno e Otabbah Cugoano um escravo liberto que publicou em Londres em 1787 Thoughts and sentiments on the evil of slavery como os primeiros autores de tratados políticos decoloniais que não usufruem o mesmo prestígio daqueles escritos por Hobbes Locke ou Rousseau Vale reproduzir o raciocínio de Mignolo ao enaltecer e diferenciar o pensamento decolonial Colonialidade e descolonialidade introduzem uma fratura entre a pósmodernidade e a póscolonialidade como projetos no meio do caminho entre o pensamento pós moderno francês de Michel Foucault Jacques Lacan e Jacques Derrida e quem é reconhecido como a base do cânone póscolonial Edward Said Gayatri Spivak e Hommi Bhabba A descolonialidade em contrapartida arranca de outras fontes Desde a marca descolonial implícita na Nueva Crónica y Buen Gobierno de Guamán Poma de Ayala no tratado político de Ottobah Cugoano no ativismo e crítica deco lonial de Mahatma Ghandi na fratura do Marxismo em seu encontro com o legado 21 Tratase da transmodernidade defendida por Dussel e explicada na próxima seção Em oposição ao projeto de Habermas que propõe como tarefa central a necessidade de terminar o projeto inacabado e incompleto da modernidade a transmodernidade de Dussel é o projeto para terminar através de um largo processo o inacabado e incompleto projeto da decolonização Grosfoguel 2007 p73 22 O autor organizou em 2005 um encontro em Berkeley chamado Mapping Decolonial Turn onde o grupo MC dialogou com um grupo de filósofos caribenhos e filósofas latinas Essa reunião foi funda mental para constituir a decolonialidade como o terceiro elemento da modernidadecolonialidade Mignolo 2010 RBCPed11indd 105 260613 1820 106 Luciana Ballestrin colonial nos Andes no trabalho de José Carlos Mariátegui na política radical o giro epistemológico de Amilcar Cabral Aimé Césaire Frantz Fanon Rigoberta Menchú Gloria Anzaldúa entre outros Mignolo 2010 p 1415 Em suas palavras Tawantinsuyu Anáhuac e o Caribe Negro seriam as Grécias e Romas das Américas Mignolo 2003 p 32 Isso permite traçar outra genealogia do argumento póscolonial que também haveria de incorporar a reflexão dos movimentos sociais A genealogia global do pensamento decolonial realmente outra em relacão com a genealogia da teoria póscolonial até Mahatma Gandhi W E B Du bois Juan Carlos Mariátegui Amílcar Cabral Aimé Césaire Frantz Fanon Fausto Reinaga Vine Deloria Jr Rigoberta Menchú Gloria Anzaldúa o movimento Sem Terras no Brasil os zapatistas em Chiapas os movimentos indígenas e afros na Bolívia Equador e Colômbia o Fórum Social Mundial e o Fórum Social das Américas A genealogia do pensamento decolonial é planetária e não se limita a indivíduos mas incorpora nos movimentos sociais o qual nos remete aos movimentos sociais indígenas e afros Mig nolo 2008 p 258 O pensamento decolonial é uma elaboração posterior àquilo que em outro lugar Mignolo chamou de pensamento fronteiriço O pensamento fronteiriço desde a perspectiva da subalternidade colonial é um pensamento que não pode ignorar o pensamento da modernidade mas que não pode tampouco subjugarse a ele ainda que tal pensamento moderno seja de esquerda ou progressista O pensamento fronteiriço é o pensamento que afirma o espaço de onde o pensamento foi negado pelo pensamento da modernidade de esquerda ou de direita Mignolo 2003 p 52 O pensamento fronteiriço resiste às cinco ideologias da modernidade cristianismo liberalismo marxismo conservadorismo e colonialismo Mig nolo 2003 O autor reconhece no entanto a importância de autores que no contexto da modernidade eurocêntrica denunciaram o sofrimento humano como Las Casas e Marx A denúncia ao eurocentrismo do marxismo realiza da também por Lander 2006 assimila as versões do marxismo periférico como as de Mariátegui e Gramsci este em menor medida Ao passo que RBCPed11indd 106 260613 1820 107 América Latina e o giro decolonial o primeiro incorporou a questão indígena escola revitalizada pelo vice presidente e sociólogo boliviano Álvaro García Linera a legitimidade de Gramsci residiria no seu lugar de fala desde a periferia da própria Europa mesmo argumento aplicado ao sociólogo português Sousa Santos Tal re jeição seletiva ao marxianismo e marxismo pela cegueira ou cumplicidade com o colonialismo23 e com o eurocentrismo24 é observada fortemente em Mignolo e Sousa Santos25 Ambos rejeitam a validade do marxismo como a única utopia radical crítica e anticapitalista para o século XXI As origens da ideia de decolonialidade estavam já contidas em Quijano e Dussel O primeiro desde seu artigo no qual desenvolve a ideia de colo nialidade do poder é claro quanto à necessidade de descolonização Dussel por sua vez trouxe a noção de transmodernidade A Modernidade nasce realmente em 1492 essa é a nossa tese Sua real superaçao como subsuntion e não meramente como Aufhebung hegeliana é a subsunção de seu caráter emancipador racional europeu transcendido como projeto mundial de libertação de sua Alteridade negada a TransModernidade como novo projeto de libertação político econômico ecológico erótico pedagógico religioso etecetera Dussel 2000 p 5051 Relacionase com o projeto de decolonização na medida em que esta aspira romper com a lógica monológica da modernidade Pretende fomentar a trans modernidade um conceito que também deve se entender como um convite ao diálogo e não como um novo universal abstrato imperial A transmodernidade é um convite a pensar a modernidadecolonialidade de forma crítica desde posições e de acordo com as múltiplas experiências de sujeitos que sofrem de distintas formas a colonialidade do poder do saber e do ser A transmodernidade envolve pois una ética dialógica radical e um cosmopolitismo decolonial crítico MaldonadoTorres 2007 p 162 23 Para CastroGómez um dos problemas do marxismo é que o colonialismo é um efeito colateral da expansão europeia pelo mundo e neste sentido forma parte de um trânsito necessário até o advento mundial do comunismo CastroGómez 2005a p 17 24 Atualmente alguns membros do grupo como MaldonadoTorres e Mignolo destinamse este tipo de crítica a Slavoj Žižek pensador contemporâneo marxista que tardiamente entrou na moda acadêmica do Brasil 25 Os dois autores possuem um estilo parecido de escrita ainda que Mignolo seja teoricamente mais sofisticado que Sousa Santos RBCPed11indd 107 260613 1820 108 Luciana Ballestrin A transmodernidade de Dussel propicia a pluriversalidade como projeto universal de Mignolo 2010 p 17 Desprendimento abertura delinking desobediência vigilância e suspeição epistêmicas são estratégias para a de colonização decolonização ou descolonização epistemológica Por fim resta a explicação de um detalhe referente à identidade do cole tivo MC Tratase da sugestão feita por Catherine Walsh para a utilização da expressão decolonização com ou sem hífen e não descolonização Mignolo 2008 2010 A supressão da letra s marcaria a distinção entre o projeto decolonial do Grupo ModernidadeColonialidade e a ideia históri ca de descolonização via libertação nacional durante a Guerra Fria Além disso inserese em outra genealogia de pensamento26 sendo o constitutivo diferencial do MC reivindicado por Mignolo O projeto descolonial difere também do projeto póscolonial A teoria pós colonial ou os estudos póscoloniais estão entre a teoria crítica da Europa Foucault Lacan y Derrida sobre cujo pensamento se construiu a teoria póscolonial eou estudos póscoloniais e as experiências da elite intelectual nas excolônias inglesas na Ásia e África do Norte Mignolo 2010 p 19 Basicamente a decolonização é um diagnóstico e um prognóstico afas tado e não reivindicado pelo mainstream do póscolonialismo envolvendo diversas dimensões relacionadas com a colonialidade do ser saber e poder Ainda que assuma a influência do póscolonialismo o Grupo Modernidade Colonialidade recusa o pertencimento e a filiação a essa corrente O mesmo se aplica às outras influências recebidas que possibilitaram o surgimento e o desenvolvimento da construção teórica do grupo Contudo aquilo que é original dos estudos decoloniais parece estar mais relacionado com as novas lentes colocadas sobre velhos problemas latinoamericanos do que com o elenco desses problemas em si Considerações finais O processo de decolonização não deve ser confundido com a rejeição da criação humana realizada pelo Norte global e associado com aquilo que seria genuinamente criado no Sul no que pese práticas experiências pen 26 O mesmo tipo de argumento é usado para a preferência da palavra libertação à emancipação típica da Escola de Frankfurt que ainda estaria comprometida com a modernidade RBCPed11indd 108 260613 1820 109 América Latina e o giro decolonial samentos conceitos e teorias Ele pode ser lido como contraponto e resposta à tendência histórica da divisão de trabalho no âmbito das ciências sociais Alatas 2003 na qual o Sul Global fornece experiências enquanto o Norte Global as teoriza e as aplica Connell 2012 Nesse sentido é revelador que ao esforço de teorização no Brasil e na América Latina caibam os rótulos de pensamento e não teoria social e política Atualmente diversos autores e autoras situados tanto nos centros quanto nas periferias da produção da geopolítica do conhecimento questionam o universalismo etnocêntrico o eurocentrismo teórico o nacionalismo metodológico o positivismo epistemológico e o neoliberalismo científico contidos no mainstream das ciências sociais Essa busca tem informado um conjunto de elaborações denominadas Teorias e Epistemologias do Sul San tos e Meneses 2010 Connell 2007 as quais procuram valorizar e descobrir perspectivas transmodernas no sentido de Dussel para a decolonização das ciências sociais Assim as vozes do MC acabam somandose a um movi mento mundial em curso de refundação e descolonização epistemológica27 O papel e a importância da teoria repousam não somente na sua capa cidade explicativa mas também no seu potencial normativo Se toda teoria serve para algo ou para alguém é razoável partir do princípio de que ela reproduz relações de colonialidade do próprio poder Historicamente a teoria e a filosofia política foram predominantemente pensadas no Norte e para o Norte Por um lado ela serviu como pilar fundamental para a arquitetura da exploração dominação e colonização dos povos não situados no Ocidente exemplar Por outro o Ocidente foi capaz de reagir desde dentro improvi sando teorias outras críticas e contrahegemônicas28 Essa marginalidade teórica dialoga com as versões periféricas e subalternas produzidas fora do Norte Dessa perspectiva decolonizar a teoria em especial a teoria política é um dos passos para decolonização do próprio poder Este artigo trabalhou com uma produção teórica ainda marginal e que claramente contém horizontes de utopia política e radicalismo intelectual Suas maiores contribuições são a identificação a interpretação e a teorização dos processos de modernidadecolonialidadedecolonialidade a partir da 27 Ver especialmente as coletâneas de Santos 2005 2006 Jones 2006 Navaz e Castillo 2008 Santos e Meneses 2010 28 Ainda assim quão radical é a democracia radical de Chantal Mouffe Qual é o sujeito de Axel Honneth Onde entram os direitos da natureza no paradigma dual de Nancy Fraser Onde está a violência na esfera pública de Jürgen Habermas Em aberto RBCPed11indd 109 260613 1820 110 Luciana Ballestrin invenção da América só posteriormente Latina no século XVI Para os estudiosos da ciência e da teoria política no Brasil o conceito de colonialidade do poder é de particular importância O Grupo ModernidadeColonialidade possui méritos importantes de serem destacados Tratase de um trabalho reflexivo coletivo transdisciplinar e engajado29 que ao mesmo tempo em que oferece novas leituras analíticas é capaz de pensar em termos propositivos e programáticos Com isso projeta sua importância para o mundo e para a América Latina renovando utopia e crítica nas ciências sociais latinoamericanas Sua proposta é ao mesmo tempo provocativa e desconfortável dado o tom de indeferimento radical às conquistas do passado via liberalismo e marxismo e às influências de escolas que o permitiram afinal existir Essa sensação devese ao fato de que seus autores dialogam de uma maneira seletiva com os nomes clássicos mo dernos e contemporâneos das ciências sociais e da filosofia geralmente apontando suas deficiências na cobrança de um elemento colonial sobre o qual o próprio contexto demandava iluminação Entretanto uma de suas estratégias consiste mesmo na revisão do que é considerado clássico Dentre as contribuições consistentes do grupo estão as tentativas de marcar a a narrativa original que resgata e insere a América Latina como o continente fundacional do colonialismo e portanto da modernidade b a importância da América Latina como primeiro laboratório de teste para o racismo a serviço do colonialismo c o reconhecimento da dife rença colonial uma diferença mais difícil de identificação empírica na atualidade mas que fundamenta algumas origens de outras diferenças d a verificação da estrutura opressora do tripé colonialidade do poder saber e ser como forma de denunciar e atualizar a continuidade da coloni zação e do imperialismo mesmo findados os marcos históricos de ambos os processos e a perspectiva decolonial que fornece novos horizontes utópicos e radicais para o pensamento da libertação humana em diálogo com a produção de conhecimento Muitos dos pontos problemáticos das propostas do coletivo talvez surjam desses mesmos horizontes de diagnósticos romanceados e reprodutores de maniqueísmos Domingues em sua crítica a Mignolo destaca as seguintes deficiências de seu projeto inversão das polaridades da teoria da moder 29 Segundo Escobar 2003 todos os integrantes do grupo possuem algum tipo de envolvimento ou militância política RBCPed11indd 110 260613 1820 111 América Latina e o giro decolonial nização descarte integral da modernidade e sobrevalorização da questão étnica assim como a desconsideração da luta de classes Domingues 2011 p 82 Além disso faltaria ao grupo um debate mais sistemático com as ciências sociais em particular a latinoamericana As críticas de Domin gues são em parte pertinentes mas não ao ponto de invalidar a produção acadêmica do grupo cuja referência para o debate sobre modernidade e colonialidade na América Latina é hoje indispensável Na esteira da crítica de Domingues existe um forte intuito de validar sua tese individual acer ca dos giros modernizadores Em defesa do grupo podese afirmar que não está em questão a rejeição total da modernidade mas sim o convite à observação e à construção de modernidades alternativas ao único modelo ocidental Já a desconsideração dos aspectos econômicos em detrimento dos aspectos culturais não pode ser afirmada uma vez que a própria noção de colonialidade está assentada na denúncia ao capitalismo e que a produção passada e presente de muitos dos seus autores carregam as influências de teorias preocupadas com a exploraçãoopressão econômica libertação dependência sistemamundo Entretanto uma questão importante que não povoa o imaginário pós colonial e decolonial do Grupo ModernidadeColonialidade é a discussão sobre e com o Brasil Esse é um ponto problemático já que a colonização portuguesa a mais duradoura empreitada colonial europeia trouxe especi ficidades ao caso brasileiro em relação ao resto da América O Brasil aparece quase como uma realidade apartada da realidade latinoamericana É signi ficativo o fato de não haver uma pesquisadora brasileiroa associado ao grupo30 assim como nenhum cientista político brasileiro ou não Também o grupo foi atingido pelo complexo de Colombo31 Melman 2000 Assim ele privilegia a análise da América hispânica em detrimento da portuguesa e chama pouca atenção aos processos de colonialidade e subimperialismo dentro do continente à exceção dos Estados Unidos E de fato alguns textos esbarram na romantização dos oprimidos e explorados apologia do sujeito autóctoneoriginal descontrutivismo para lisante e saída do próprio campo científico que está em disputa Outro ponto 30 Há referências aos brasileiros Darcy Ribeiro Milton Santos e Gustavo Lins Ribeiro Ribeiro 2011 iden tificou essa ausência e desenvolveu a perspectiva pósimperialista que incorpora a análise do Brasil 31 Para Calligaris escolher a viagem de Colombo como início da modernidade é em suma adotar uma metáfora que salienta alguns traços decisivos da subjetividade moderna Calligaris 1999 p 18 RBCPed11indd 111 260613 1820 112 Luciana Ballestrin problemático é certa ausência de elaboração e preocupação com a teoria democrática no espectro da modernidadecolonialidade As grandes questões a serem colocadas para o grupo seriam é possível romper com a lógica da colonialidade da modernidade sem que abandone mos as contribuições do pensamento ocidentaleuropeuiluminista espe cialmente liberalismo e marxismo para a própria decolonização32 Será que o êxito da sua proposta depende de sua própria condição subalterna e periférica Qual o limite da implosão sobre a base epistemológica das ciências sociais Será que ao enfatizar superações e ao negar as influências do póses truturalismo pósmarxismo e póscolonialismo o grupo não estaria criando uma nova hybris del punto cero Como lidar com a paternidade europeia das nossas instituições e pensamentos políticos33 Como verificar empiricamente hoje o sujeito colonizado Experiências consideradas decoloniais como o novo constitucionalismo latinoamericano andino por exemplo estariam então livres de contradições Devemse decolonizar as instituições políticas ou quais seriam as instituições políticas decoloniais Como operacionalizar metodologicamente a análise das escalas níveis esferas que a colonialidade perpassa Os movimentos sociais atuais em seus discursos e práticas iden tificam a colonialidade e reivindicam a decolonização Essas perguntas mostram um campo promissor para agendas de pesquisa e discussões teóricas Sem a pretensão de oferecer respostas definitivas este artigo é um convite para que a ciência e a teoria política no Brasil considerem e dialoguem com o giro decolonial em curso na América Latina Referências ALATAS Syed Farid 2003 Academic dependency and the global division of labour in the social sciences Current Sociology v 51 n 6 p 599613 32 Aqui se faz referência não somente à democracia e aos direitos humanos com toda a retórica imperialis ta e emancipatória que ao mesmo tempo assumem como também a conceitos como vida felicidade indivíduo dignidade liberdade igualdade responsabilidade etc Para uma visão interessantíssima da evolução desses ideais sob a evolução da formação dos estados e das formas do direito internacional cosmopolita ver Brunkhorst 2011 33 Domingues responde essa questão da seguinte forma Nada do que é humano me é estranho deveria ser nosso lema pois o que emerge numa região de modo contingente num dado momento e assim ocorreu com a modernidade pode ser apropriado autenticamente por qualquer indivíduo ou cole tividade desde que responda as suas necessidade e expectativas concretas O que importa é o que fazemos com ela Evidentemente isso tampouco quer dizer que a modernidade será a última estação da história que permanece aberta para seus desenvolvimentos futuros Domingues 2011 p 13 RBCPed11indd 112 260613 1820 113 América Latina e o giro decolonial ALMEIDA Sandra 2010 Prefácio em SPIVAK Gayatri Pode o subalterno falar Belo Horizonte Editora da UFMG BRUNKHORST Hauke 2011 Alguns problemas conceituais do cosmopolitismo global Revista Brasileira de Ciências Sociais n 76 p 738 CALLIGARIS Contardo 1999 A psicanálise e o sujeito colonial em SOU SA Edson org Psicanálise e colonizaçao Porto Alegre Artes e fícios CASANOVA Pablo González 2002 Exploraçao colonialismo e luta pela democracia na América Latina Rio de Janeiro Vozes Buenos Aires Clacso CASTROGÓMEZ Santiago 2005a Ciências sociais violência epistêmica e o problema da invenção do outro em LANDER Edgardo org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latinoamericanas Buenos Aires Clacso 2005b La poscolonialidad explicada a los niños Bogotá Univer sidad del Cauca Instituto Pensar 2005c La hybris del punto cero ciencia raza e ilustración en la Nueva Granada 17501816 Bogotá Editorial Pontificia Universidad Javeriana CASTROGÓMEZ Santiago MENDIETA Eduardo 1998 Introducción la translocalización discursiva de Latinoamérica en tiempos de la globalización em CASTROGÓMEZ Santiago MENDIETA Eduardo coords Teorias sin disciplina latinoamericanismo poscolonialidad y globalización en debate México Miguel Ángel Porrúa CASTROGÓMEZ Santiago GROSFOGUEL Ramon 2007 Prólogo Giro decolonial teoría crítica y pensamiento heterárquico em CASTROGÓMEZ Santiago GROSFOGUEL Ramon coords El giro decolonial reflexiones para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global Bogotá Siglo del Hombre Universidad Central Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos Pontificia Universidad Javeriana Instituto Pensar CONNELL Raewyn 2007 Southern theory Cambridge Polity Press 2012 CONNELL Raewyn A iminente revolução na teoria social Revista Brasileira de Ciências Sociais n 80 p 920 COSTA Sérgio 2006 Dois Atlânticos teoria social antiracismo e cosmo politismo Belo Horizonte Editora UFMG RBCPed11indd 113 260613 1820 114 Luciana Ballestrin DOMINGUES José Maurício 2011 Teoria critica e semiperiferia Belo Horiozonte Editora UFMG DUSSEL Enrique 2000 Europa modernidad y eurocentrismo em LANDER Edgardo coord La colonialidad del saber eurocentrismo y ciencias sociales perspectivas latinoamericanas Buenos Aires Clacso ESCOBAR Arthuro 2003 Mundos y conocimientos de otro modo el programa de investigación modernidadcolonialidad latinoamericano Tabula Rasa n 1 p 5886 FANON Franz 2010 Os condenados da terra Juiz de Fora Editora UFJF FERES Jr João POGREBINSCHI Thamy 2010 Teoria politica contemporânea Rio de Janeiro Elsevier GROSFOGUEL Ramón 2007 Descolonizando los universalismos occidentales el pluriversalismo transmoderno decolonial desde Aimé Césaire hasta los zapatistas em CASTROGÓMEZ Santiago GROSFOGUEL Ramon coords El giro decolonial reflexiones para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global Bogotá Siglo del Hombre Editores Universidad Central Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos Pontificia Universidad Javeriana Instituto Pensar 2008 Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos póscoloniais transmodernidade pensamento de fronteira e colonialidade global Revista Critica de Ciências Sociais n 80 p 115147 JONES Branwen ed 2006 Decolonizing international relations Lanham Rowman Littlefield LACLAU Ernesto MOUFFE Chantal 1985 Hegemony and socialist strategy towards a radical democratic politics Londres Verso LANDER Edgardo 2006 A ciência neoliberal em CECEÑA Esther org Desafios das emancipações em um contexto militarizado Buenos Aires Clacso MALDONADOTORRES Nelson 2007 Sobre la colonialidad del ser contribuciones al desarrollo de un concepto em CASTROGÓMEZ Santiago GROSFOGUEL Ramon coords El giro decolonial reflexiones para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global Bogotá Siglo del Hombre Editores Universidad Central Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos Pontificia Universidad Javeriana Instituto Pensar GRUPO LATINOAMERICANO DE ESTUDIOS SUBALTERNOS 1998 RBCPed11indd 114 260613 1820 115 América Latina e o giro decolonial Manifiesto inaugural em CASTROGÓMEZ Santiago MENDIETA Eduardo orgs Teorias sin disciplina latinoamericanismo poscolonialidad y globalización en debate México Miguel Ángel Porrúa MELMAN Charles 2000 O complexo de Colombo em ASSOCIATION FREUDIENNE INTERNATIONALE org Um inconsciente pós colonial se é que ele existe Porto Alegre Artes e Ofícios MERLE Marcel MESA Roberto 1972 El anticolonialismo europeo Madrid Alianza MIGNOLO Walter 1998 Postoccidentalismo el argumento desde América Latina em CASTROGÓMEZ Santiago MENDIETA Eduardo coords Teorias sin disciplina latinoamericanismo poscolonialidad y globalización en debate México Miguel Ángel Porrúa 2002 The geopolitics of knowledge and the colonial difference The South Atlantic Quarterly v 101 n 1 p 5795 2003 Historias localesdisenos globales colonialidad conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo Madrid Akal 2007a La idea de América Latina La herida colonial y la opción decolonial Barcelona Gedisa 2007b El pensamiento decolonial desprendimiento y apertura Un manifiesto em CASTROGÓMEZ Santiago GROSFOGUEL Ramon coords El giro decolonial reflexiones para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global Bogotá Siglo del Hombre Editores Universidad Central Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos Pontificia Universidad Javeriana Instituto Pensar 2008 La opción decolonial desprendimiento y apertura Um manifiesto y un caso Tabula Rasa n8 p 243282 2010 Desobediencia epistémica retórica de la modernidad lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad Argentina Ediciones del signo NAVAZ Liliana CASTILO Rosalva coords 2008 Descolonizando el feminismo Teorias y practicas desde los márgenes Madri Catedra QUIJANO Aníbal 2000 Colonialidad del poder y clasificación social Journal of worldsystems research v 11 n 2 p 342386 2005 Colonialidad y modernidadracionalidad Disponível em httpptscribdcomdoc36091067AnibalQuijanoColonialidadee ModernidadeRacionalidade Acessado em 15 mar 2013 RBCPed11indd 115 260613 1820 116 Luciana Ballestrin QUIJANO Aníbal WALLERSTEIN Immanuel 1992 Americanity as a concept or the Americas in the modern worldsystem International Social Science Journal v 44 n 4 p 549557 RIBEIRO Gustavo Lins 2011 Why postcolonialism and decoloniality are not enough a postimperialist perspective Postcolonial Studies v 14 n 3 p 285297 SANTOS Boaventura Sousa org 2005 Semear outras soluções os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais Rio de Janeiro Civilização Brasileira org 2006 Conhecimento prudente para uma vida decente um discurso sobre as ciências revisitado São Paulo Cortez SANTOS Boaventura Sousa MENESES Maria Paula orgs 2010 Epistemologias do Sul São Paulo Cortez SUBRAHMANYAM Sanjay 2004 Prefácio em CHATTERJEE Partha Colonialismo Modernidade e Politica Salvador Edufba VISVANATHAN Shiv 2004 Convite para uma guerra da ciência em SANTOS Boaventura Sousa org Conhecimento prudente para uma vida decente um discurso sobre as ciências revisitado São Paulo Cortez Resumo O objetivo principal do artigo é o de apresentar a trajetória e o pensamento do Grupo ModernidadeColonialidade MC a partir de sua ruptura com os estudos subalternos latinoamericanos e indianos culturais e póscoloniais no final dos anos 1990 O coletivo realizou um movimento epistemológico fundamental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI a radicalização do argu mento póscolonial no continente através da noção de giro decolonial O artigo está estruturado em duas partes Em um primeiro momento é traçada uma breve genealogia do póscolonialismo Posteriormente apresentase a constituição do grupo MC e alguns conceitos centrais criados e compartilhados pelos seus principais expoentes O trabalho pretende convidar oa leitora para este debate ainda incipiente na ciência e teoria Política no Brasil Palavraschave póscolonialismo estudos subalternos Grupo ModernidadeColoniali dade giro decolonial América Latina Abstract The aim of this article is to present the history and thought of the ModernityColoniality MC Group from its split away from subaltern Latin Americans and Indians cultural RBCPed11indd 116 260613 1820 117 América Latina e o giro decolonial and postcolonial studies in the late 90s The group made a crucial epistemological move for critical and utopian renewal of social sciences in Latin America in the 21st century the radicalization of the postcolonial argument through the ideia of decolonial turn At first we draw a brief genealogy of postcolonialism Subsequently we present the establishment of the MC group and some central concepts created and shared by its main exponents The paper intends to invite the reader to this unfamiliar debate in social science and political theory in Brazil Keywords postcolonialism subaltern studies ModernityColoniality Group decolonial turn Latin America Recebido em 3 de setembro de 2012 Aprovado em 9 de março de 2013 RBCPed11indd 117 260613 1820