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A PRÁTICA DA VIOLÊNCIA NO CAMPO BRASILEIRO DO SÉCULO XXI1 Carlos Alberto Feliciano A prática da violência como toda ação muda o mundo mas a mudança mais provável é para um mundo mais violento Hannah Arendt Da violência 1969 A VIOLÊNCIA COMO BASE DA FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA A reflexão central desse texto trata de indicar o processo permanente e intensificado de práticas de uso da violência contra os sujeitos sociais do campo e seu modo de vida e trabalho em pleno século XXI Práticas mar cadas por traços de brutalidade contra pessoas e seus espaços de vida e forma de trabalho que intencionalmente ou não questionam o uso e funcionali dade da propriedade privada da terra e toda dimensão que a partir dela pode se estabelecer exploração do trabalho da extração de riquezas naturais e apropriação de renda e poder Para materializar esse processo de uso da força material e imaterial uti lizaremos um conjunto de dados coletados e sistematizados pela Comissão Pastoral da Terra CPT que sob um esforço coletivo e extraordinário vem registrando uma parte da história do campo que a história oficial procu ra ocultar A CPT registra dados que podem proporcionar uma análise de uma lógica da violência cotidiana ou costumeira conforme Silva 1999 a qual os sujeitos sociais enfrentam desde o processo de invasão do território indígena pelos europeus até os atuais dias do século XXI Essa lógica da violência segundo D Pedro Casaldáliga 2005 que enquanto for preciso 1 Este texto reúne resultados parciais do estágio de PósDoutorado realizado na Universidade Estadual Paulista Campus de Presidente Prudente sob a supervisão do Prof Dr Antonio Thomaz Junior com apoio financeiro do PNPDCAPES 20132014 82 Carlos Alberto Feliciano publicar um relatório anual de conflitos no campo não haverá paz nem no campo nem na cidade A violência no campo é um elemento estruturante do processo de formação territorial do Brasil O período determinado como recorte para análise espaçotemporal da violência no campo foi definido a partir do século XXI Entre os anos de 2001 a 2014 foram sistematizadas e analisadas tabelas referentes aos assas sinatos ameaças pistolagem tentativas de assassinatos destruição de casas roças agressão prisão despejos expulsões e torturas sofridas pelos campo neses indígenas quilombolas trabalhadores rurais e agentes de mediação A materialização dessas práticas violentas faz parte da formação territo rial do Brasil e atualmente se intensifica no processo de mundialização do capital Os indígenas foram com o processo de colonização os primeiros a conhecerem a violência e nessa procura por novos espaços e principalmente riquezas 5 milhões de índios foram dizimados Cimi 2014 Nesse conta to violento iniciado com a sociedade europeia foram reduzidos a cerca de 896917 IBGE 2010 Pressionados pela construção capitalista do territó rio no Brasil os indígenas foram adentrando pelos interiores do país A forma de organização dos povos indígenas denominada por Luxem burgo 1985 como um tipo de organização de economia natural destinava se somente ao suprimento das necessidades da comunidade local Com isso essa forma de economia natural sempre esteve em conflito com o capital e seu processo de acumulação Não tendo condições de existir sem os meios de produção sem a mão de obra e a demanda de maisproduto o capitalismo procura sempre destruir a economia natural sob todas as suas formas históricas com as quais venha se deparar Luxemburgo 1970 p 253 Outro personagem dessa história de violência foi o negro escravizado A luta contra a escravidão cresceu tanto que dessa contradição do capitalismo surgiram os quilombos terra da liberdade do trabalho coletivo do traba lho contrário às regras do jogo do capitalismo colonial e que por isso eram alvos de destruição da elite O Quilombo de Palmares na Serra da Barriga Alagoas foi um episódio minimizado na história brasileira Por volta de 1650 cerca de 70 mil habitantes resistiram por 100 anos até serem destru ídos violentamente pela artilharia pesada dos portugueses Moraes 2001 A prática da violência também esteve presente quando osas camponesesas de Canudos BA Contestado SC Teófilo Otoni MG 83 A prática da violência no campo brasileiro do século XX Porecatu PR Trombas e Formoso GO do Sudoeste do Paraná 1957 Santa Fé do Sul SP das Ligas Camponesas Fazenda Santa Elina em Co rumbiara 1995 Eldorado dos Carajás 1996 dentre outras se rebelaram pela defesa do direito à terra ao trabalho e à vida Assim historicamente indígenas negros e camponeses sempre foram vítimas de ataque e destruição por resistirem a uma ordem vigente e a favor da liberdade As violências em consequência da luta ficaram registradas tanto na memória de uma parte da sociedade como também da própria história dos sujeitos sociais que procuram se reafirmar a partir desses episódios para darem continuidade a própria luta e existência na possibilidade da recria ção enquanto sujeito e classe social VIOLÊNCIA NO CAMPO DO SÉCULO XXI INTENSIFICAÇÃO DESMEDIDA No início do século XXI no campo brasileiro houve um processo de intensificação concentração queda e atualmente um crescente aumento da violência gráfico 1 Nesse período mais de 930 mil famílias sofreram algum tipo de ameaça despejo tentativas de despejo ou expulsão prove nientes de ocupações e posse por terra no Brasil Em uma análise que parte da relação causaefeito o aumento do nú mero de conflitos teria um vínculo com a luta e ações praticadas pelos mo vimentos socioterritoriais Mas essa não é a regra Por que então aumenta a violência no campo mesmo diminuindo as ações de mobilização dos movi mentos tanto nos centros urbanos na forma de manifestações e no campo via ocupações de terra gráfico 2 Para além da explicação sobre persegui ção e criminalização dos movimentos a violência praticada e intensificada no campo do século XXI está ligada à concentração e centralização de poder não só de uma classe ou parte dela mas à unificação com grande capital e a uma clara opção de ausência do Estado na procura para desarticular do campo qualquer agente de mediação movimentos ou lideranças que pos sam tornar visível a demanda pelos direitos territoriais Nessa perspectiva o aumento da violência sem um aumento do núme ro das mobilizações no campo eou nas cidades denunciando essa prática e reivindicando esses direitos territoriais levanos a um grande risco da reto mada plena da barbárie no campo brasileiro mesmo em pleno século XXI 84 Carlos Alberto Feliciano Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 Fonte Dataluta 2015 Org Feliciano 2015 SUJEITOS SOCIAIS EM PROCESSO DE RESISTÊNCIA TERRITORIAL Sendo a violência e a expropriação contra os sujeitos sociais um proces so histórico de que forma podemos mensurar essa violência E quem são es ses sujeitos que estamos nos referindo na atualidade De acordo com Santos 1999 para se compreender a violência no campo é necessário proceder a uma análise das transformações das relações sociais no espaço agrário análise das principais classes burguesia agrária lati 85 A prática da violência no campo brasileiro do século XX fúndio e empresários campesinato e produtores familiares trabalhadores rurais permanentes e temporários e de sua diversidade das frações de classe grupos sociais e categorias sociais definidas por profissão gênero ou etnia com ênfase nos processos de formação diferenciação e transforma ção das classes sociais no espaço social agrário com análise de suas práticas trajetórias e representações simbólicas Santos 1999 p 33 A partir dos dados coletados pela CPT há uma diversidade de cate gorias e sujeitos sociais envolvidos nesse processo Cabe então apresentar quais são e de que forma construiremos nossa abordagem A metodologia proposta pela CPT não agrega sujeitos e categorias pelo contrário mostra sua diversidade Podemos encontrar uma variedade de denominações e identificações compreendidas por diversidades culturais profissionais eou diferenciações geográficas posseiros seringueiros meeiros varzeiros lavradores palmi teiros agricultores ribeirinhos pescadores colonos agregados assentados fecho e fundo de pastos castanheiros geraiszeiros desempregados urbanos indígenas semterra quilombolas assalariados diarista tratorista peão administrador vaqueiro garimpeiro canavieiro religiosos políticos fotó grafos comerciantes professores lideranças sindicalistas advogados fun cionários públicos e ambientalistas O dilema de se elaborar uma síntese e análise dos dados diante dessa riqueza de identidades apresentadas está no propósito de justamente agre gálas e estabelecer um esforço metodológico de compreender e fortalecer o próprio processo de luta da diversidade enquanto sujeitos sociais contra processos de violência e imposição de um modelo hegemônico Mesmo as sim arriscamos entrar nessa tarefa de unificar mas sem perder de vista sua diversidade Diante dessa perspectiva entendemos que no Brasil há dois processos principais de resistência territorial aos quais está vinculada a violência no campo entrarretornar na terraterritório com direito à propriedade privada familiar coletiva ou comunitária da terra ou reconhecimento de um modo específico de sua relação com a terra e permanecer na terraterritório seja como sujeitos sociais camponeses produtores de matériaprima para indús tria e cidade assim como camponeses produtores de alimentos ou da pró pria família eou comunidade Ambos teriam como ponto central a luta por uma autonomia plena ou relativa em relação ao capital 86 Carlos Alberto Feliciano A finalidade dessa junção em dois processos está sob a ótica de vali dar uma discussão que foi mencionada anteriormente por Santos 1999 na análise das classes sociais existentes no campo não deixando de lado sua diversidade Propomos então como desdobramento desses processos da violência contra os sujeitos do campo as seguintes formas de luta a luta pela terra e pela reforma agrária a luta pelo território a luta pelo trabalho no campo e a luta pela continuidade de apoio e pela mediação Sobre a luta pela terra e pela reforma agrária entendemos que esta com preende a luta para entrar permanecer ou retornar à terra na perspectiva da desconcentração fundiária e pelo o controle da propriedade do seu trabalho na relação tempoespaço em uma fração do território capitalista Olivei ra2008 Entendemos que nesse segmento estão agregados os semterra um segmento que pode ser formado por camponeses posseiros mais desempregados urbanosrurais que não detêm nem a posse propriedade ou concessão de uso da terra como condição de trabalho e que são os sujeitos sociais mais atacados pela violência no campo brasileiro os camponeses posseiros seringueiros meeiros varzeiros lavradores palmiteiros ribeirinhos pescadores colonos agregados fecho e fundo de pastos castanheiros geraiszeiros que nunca tiveram o acesso formal à pro priedade assentados que tem o a concessão de uso das terras mas a proprie dade é do Estado e camponeses proprietários A luta pelo território compreende uma questão de pertencimento da queles que tem uma identidade historicamente construída com aquela fra ção do território como os indígenas quilombolas Lutam por seus territó rios mesmo que pelo processo de expropriação tenham saído ou estejam resistindo nele De acordo com Oliveira 2008 só pode pertencer a um território quem nele vive e quem nele construiu sua identidade com aquela fração do mundo Nem sempre os que lutam pelo território estão nessa fra ção mas lutam seja para se manter ou retomar seu território A luta pelo trabalho no campo está diretamente vinculada aos traba lhadores permanentes ou temporários que têm vínculo empregatício for mal ou informal mas que não detêm a posse nem o controle da terra ou propriedade ou dos meios de produção mas sim da sua força de trabalho para capital eou proprietários de terras Nesse bojo podemos identificar assalariados rurais diaristas tratoristas peões administradores vaqueiros garimpeiros boiafria 87 A prática da violência no campo brasileiro do século XX No tocante ao segmento de apoiadores da luta pela terra e reforma agrá ria território e por condições dignas de trabalho no campo há uma parcela da sociedade que atua como agentes mediadores e que são frequentemente sobretudo na atualidade alvo constante de violência pois de certa forma são o elo entre o nós e o outro São sujeitos e agentes que proporcionam visi bilidade à luta assim como auxiliam no processo de formação política e na construção de luta pelo direito a ter direito De acordo com dados identifi cados pela CPT esses agentes de mediação também vítimas de violência no campo são religiosos políticos fotógrafos comerciantes professores lide ranças sindicalistas advogados funcionários públicos e ambientalistas etc Composto esse quadro das formas de luta e resistência territorial dos sujeitos sociais podemos afirmar que 50 das mortes no campo no século XXI 2001 a 2014 são de camponeses 240 assassinatos os outros 50 são compostos dos assassinatos de agentes de mediação 150 assassinatos trabalhadores rurais 56 e índios e quilombolas 54 Vale ressaltar que esses dados abarcam o universo de atuação da CPT pelo território brasileiro sobre o número de assassinatos no campo Nesse caso 500 pessoas foram assassinadas no campo no início do século XXI Em mé dia a cada dez dias uma pessoa perde a vida na luta pelo acesso permanência eou retomada na terra ou trabalho no campo no Brasil Em todo período de dados sistematizados pela CPT de 1985 a 2014 1631 pessoas foram assassi nadas no campo dentre as quais 922 camponeses 286 trabalhadores rurais 269 agentes de mediação e 154 entre índios e quilombolas gráfico 3 Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 88 Carlos Alberto Feliciano Entendemos que esse número seja maior se ampliamos nossa base e fonte de dados Segundo o Conselho Indigenista Missionário CIMI no período de 2003 a 2012 ocorreu o assassinato de 563 indígenas no Brasil gráfico 4 Ou seja esses dados apresentados superaram até mesmo aqueles coletados pela CPT Com isso podemos mensurar que os índios são os su jeitos sociais dos povos do campo mais massacrados e assassinados no Brasil desde nosso processo de formação territorial pois sempre estão nas áreas de interesse de expansão do capital Fonte CIMI 2013 Org Feliciano 2015 DA VIOLÊNCIA CONCRETA À VIOLÊNCIA DISFARÇADA A retirada da vida de uma pessoa é o estágio mais perverso e brutal da violência Porém esse processo já pode ter dado pistas de sua possível concre tização uma vez que parte dos sujeitos sociais que foram assassinados no cam po já haviam sido ameaçados ou então sofrido tentativas de assassinatos De acordo com dados da CPT 20 das ameaças de morte a pessoas do campo envolvidas na luta social são cumpridas e 70 das tentativas efetivadas O sujeitos sociais do campo brasileiro vivem sob ameaça permanente em toda sua história de luta O controle da propriedade privada da terra garante concentração de renda e poder aos grandes proprietáriosempresá rios que obtiveram seu acesso através da grilagem expropriação e violência Mesmo quando não se consegue assassinar os camponeses muitos são pre sos agredidos torturados sob a alegação de preservação do direito à proprie dade privada da terra A CPT registra esse tipo de violência como Violência contra pessoa Nesses primeiros catorze anos do século XXI mais de 11100 pessoas sofreram algum tipo de violência 89 A prática da violência no campo brasileiro do século XX Podese observar a partir do gráfico 5 que a violência se dá em todo ter ritório nacional e cada uma projeta sua especialização e requinte desse traço violento Por exemplo as regiões Centrooeste e Norte são concentradoras do número de pessoas que foram presas em razão da luta pela terra e pelo terri tório 2028 pessoas O Nordeste é a região em que mais ocorrem ameaças aos camponeses Por outro lado a região Sudeste concentradora de riqueza e da centralização de poder é aquela que pouco ameaça porém é a que mais agride fisicamente as famílias e está entre as que mais criminaliza a luta pren dendo lideranças e camponeses Isso demonstra tamanha truculência e força bruta do Estado ao lidar com os conflitos agrários com uso da violência contra as pessoas em processos de reintegração de posse despejos prisões etc De acordo com PortoGonçalves 2010 p 114 no Brasil também se configura um padrão espaçotemporal da violência no campo pois nas áreas onde os movimentos sociais rurais são mais organizados a ação direta dos proprietários de terra se inibe como no CentroSul Aí o Estado passa a representar um papel cada mais ativo na repressão às lutas pela terra A prática da violência está espacializada da seguinte forma na região Norte 2965 pessoas Nordeste 2722 pessoas Sudeste 2319 pessoas CentroOeste 2062 pessoas e Sul 1099 pessoas Ou seja de Norte a Sul e de Leste a Oeste camponeses indígenas e quilombolas trabalhadores rurais e agentes de mediação são vítimas de tentativas de assassinatos mor tos em consequência dessas tentativas ameaçados torturados agredidos e presos A prática do uso da violência se manifesta de forma materializada ou simbólica visto que estes sujeitos estão questionando a propriedade privada da terra eou então apenas tentando reexistir Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 90 Carlos Alberto Feliciano O SOL E A SOMBRA DA VIOLÊNCIA NO CAMPO Para além de uma observação sobre a violência contra a pessoa outra marca registrada no campo brasileiro remetese à violência contra o próprio processo de ocupação e posse realizada por esses sujeitos Dentre as formas atuais de luta pela terra as ocupações de terra são elementos centrais para compreensão da recriação do campesinato Fernandes 1999 Além da ocupação a posse também possibilita esse processo Pelo fato de serem ações criadas pelos camponeses numa perspectiva de reprodução das relações de produção não capitalistas contraditoriamente dentro do próprio modo de produção capitalista essas ações também são inseridas num processo violento de despejos ameaças de despejos e expulsões A ocupação de terras é uma das formas de luta da classe camponesa na busca da criação recriação e reprodução de um modo de vida baseado principalmente na busca pela autogestão liberdade controle do tempo e espaço Assim também podemos dizer que há diferenças nessas duas frentes de luta da posse e da ocupação Para Martins 1993 entre os semterra e os posseiros embora ambos estejam lutando pela terra há uma diferença essencial A luta do posseiro introduz a legitimidade al ternativa da posse contornando a legalidade da propriedade Já os sem terra na sua prática não tem como deixar de questionar a legalidade da propriedade não podem deixar de considerar ilegítimo e também iníquo o que é legal que é a possibilidade de alguém possuir mais terra do que pode trabalhar de açambarcar cercar um território não utilizálo nem deixar que os outros utilizem mesmo sob pagamento de renda Martins 1993 p 47 Além desse sentido legal questionando a propriedade privada da terra exposta por Martins podese ter também um diferencial geográfico na aná lise quando Fernandes 1997 afirma que os posseiros ocupam terras predominantemente nas faixas das frentes de expansão em áreas de fronteiras Com o avanço da frente pioneira ocorre o processo de expropriação desses camponeses desenvolvido principalmente pela grilagem de terra por latifundiários e empresários Os semterra ocu pam terras predominantemente em regiões onde o capital já se territoria lizou Ocupam latifúndios propriedades capitalistas terras de negócio e exploração terras devolutas e ou griladas Fernandes 1997 p 37 Porém sob ponto de vista das regras estabelecidas e construídas his toricamente pelo Poder Judiciário as ocupação de terra entendidas como 91 A prática da violência no campo brasileiro do século XX esbulho possessório são práticas criminosas É justamente nessa seara que os ditos donos da terra se apegam e reivindicam a reintegração da área A alegação principal dos proprietários dos imóveis nas ações de retomada da posse encaminhadas ao juiz da comarca que lhe é circundante é a acusação dos invasores pelo ato ilegal tipificado no artigo 161 parágrafo 1º inciso II do Código Penal Esbulho possessório Sobre alteração de limites Art 161 Suprimir ou deslocar tapume mar co ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória para apropriarse no todo ou em parte de coisa imóvel alheia Pena detenção de um a seis meses e multa 1o Na mesma pena incorre quem invade com violência à pessoa ou grave ameaça ou mediante concurso de mais de duas pessoas terreno ou edifício alheio para o fim de esbulho possessório Contradições também estão presentes no magistrado pois há juízes que não entendem que a entrada nos imóveis rurais seja um crime Mani glia 2000 Porém como são minorias é a partir das demais liminares e sentenças proferidas pelos juízes ao analisar os documentos de propriedade que os despejos são cumpridos Para os sujeitos sociais do campo essa tam bém é uma forma de violência Tais sujeitos do campo brasileiro sempre viveram sob a ameaça de se rem expulsos quando há o aparecimento de papéis e documentos que pro curam legitimar a propriedade perante o Estado ou sob ameaça de morte quando os proprietários não usam as vias legais para limpar a área Sem as medidas judiciais são ameaçados de morte e com a justiça são ameaçados de despejo despejados e expulsos dos lugares onde estão sem ao menos uma definição dos lugares para onde vão É uma violência que tem como trunfo o poder de decidir onde não se deve estar A violência contra as famílias que criaram práticas espaciais de ocupa ção e posse está aumentando no século XXI Ao observarmos o gráfico 6 somente no ano de 2014 mais de 52 mil famílias foram ameaçadas de des pejo e expulsão fato que aproximou somente do ano de 2003 quando mais 61 mil famílias foram ameaças de despejo eou expulsão Nesse contexto o poder da classe latifundiária principalmente das regiões Norte e Nordeste estabeleceu uma configuração espacial da prática da violência também a partir das ameaças de despejo e expulsão As ameaças no campo são mais 92 Carlos Alberto Feliciano constantes que os despejos e as expulsões Podese observar pelo gráfico 6 que as ameaças ora de forma conjunta e articulada ora individualmen te pelo tripé latifúndioEstadocapital sempre rondam o campo como um meio de imposição do controle territorial Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 A VIOLÊNCIA NA DESTRUIÇÃO DOS ESPAÇOS DE VIDA E TRABALHO Apresentamos as práticas de violência contra a pessoa assassinato tentativa de assassinato ameaças torturas prisões e agressões e contra sua forma de ocupação no território ameaças de despejo e expulsões des pejos e expulsões Pretendemos indicar também a prática de violência que está no cotidiano de muitas famílias no campo e que geralmente não está isolada e separada da violência contra pessoa e contra sua forma de ocupação no território são práticas de violência na destruição de bens ca sas roças e outros bens materiais produzidos pelo trabalho dos sujeitos sociais do campo Entendemos que os bens materiais construídos como fruto do trabalho individual familiar coletivo ou comunitário tem um sentido muito forte no campo pois geralmente são resultados de um conhecimento tradicional baseado no esforço e na dificuldade que vai além do significado ou valor material Percebese essa construção ao chegar em uma área de posse lote de reforma agrária acampamento ou qualquer outro tipo de materialidade construída pelas famílias em que elas têm aquela fração de terra como es 93 A prática da violência no campo brasileiro do século XX paço de vida De acordo com Bombardi 2004 a escolha dos lugares e o próprio plantio estão fundamentados em lógicas próprias desses sujeitos do campo pois a escolha dos cultivos a serem inseridos no sítio está fundamentada em alguns eixos básicos a experiência anterior a troca de informações com vizinhos por meio da qual sabem a viabilidade de tal cultivo sob o ponto de vista da renda que o mesmo proporciona fato que está ligado à relação com mercado a disponibilidade financeira da família o tamanho da pro priedade os recursos naturais disponíveis na propriedade o profundo co nhecimento da natureza clima solo releve e vegetação a disponibilidade de trabalho da família a preferência por um ou outro tipo de cultivo em função do tipo de trabalho que ele exige e a articulação entre os diferentes cultivos de maneira que tenham um calendário agrícola exequível ou seja que o trabalho seja possível em cada cultura de modo que as colheitas não se sobreponham muito Bombardi 2004 p 34 Diante disso entendemos que ordenamento territorial de um lote par cela ou sítio tem um sentido e lógica próprios do campesinato A destruição desses bens produzidos interfere de forma brutal na organização do traba lho da família ou comunidade No Brasil no período de 2001 a 2014 mais de 32 mil roças e 84 mil bens materiais como casas barracos etc foram destruídos Vale a pena rea firmar que são informações transmitidas aos agentes pastorais da CPT as sim como aqueles que são divulgados pela mídia local ou regional Pres supõese então que esses números superiores aos cadastrados pelo CPT apresentados como forma de práticas de violência contra o trabalho e resul tado do trabalho rural Tabela 1 BRASIL VIOLÊNCIA NO CAMPO Destruição de casas e roças em ocupações e posses 2001 a 2014 Regiões Casas eou bens destruídos Roças destruídas Centro oeste 7955 1105 Nordeste 28966 17378 Norte 38571 10819 Sudeste 3715 1397 Sul 5717 2007 Total 84924 32706 Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 94 Carlos Alberto Feliciano As dificuldades são inúmeras para se reconstruir a vida e o espaço de moradia e produção após esse tipo de violência Perder um plantio é perder todo planejamento e orçamento da família Isso pode levar tanto a um processo de migração para outras áreas com a tentativa de recome çar como à desistência e ida para os centros urbanos mas podem tam bém fortalecer o processo de luta A destruição de bens materiais não somente destrói a lógica da vida camponesa mas pode adiar ou então potencializala A PERMANÊNCIA DO ATRASO DO CAMPO MODERNO NO BRASIL Observando as tabelas de conflito e violência contra ocupação e pos se identificamos uma prática de violência que também merece destaque a prática da pistolagem De acordo com CPT muitas famílias são ameaçadas por pistoleiros a mando de alguém Esse fenômeno pode ficar apenas na ameaça ou então se concretizar em alguma agressão tentativa de assassina to ou assassinato A pistolagem é uma prática muito antiga no Brasil Ela consiste na contratação de profissionais que prestamalugam seus serviços a fazendeiros ou empresas para ameaçar agredir ou matar pessoas que estão incomodando ou questionando determinado poder Parte dos assassinatos no campo são frutos desse processo de pistolagem e que também por conta de uma estratégia silenciosa e ameaçadora dificilmente são punidas assim como seus mandantes De acordo com dados da CPT cerca de 166377 famílias foram amea çadas por pistoleiros no período de 2003 a 2014 Ou seja nesse início do sé culo XXI a prática arcaica da pistolagem assombra em média 32 famílias por dia no Brasil É um fator alarmante quando pensamos no processo de intensificação das práticas de violência contra os sujeitos sociais do campo É um alerta de que a ameaça está presente no cotidiano de milhares de fa mílias que fazem parte da sociedade brasileira mas que não estão protegidas pelos órgãos públicos destinados à segurança e investigação desses crimes mesmo estes sendo avisados antecipadamente De acordo com Barreira 1999 o crime de aluguel ou o crime de pis tolagem tem como marca a existência do autor material o pistoleiro e do autor intelectual o mandante Ainda afirma que 95 A prática da violência no campo brasileiro do século XX as relações de poder que se reproduzem neste mundo dos crimes de mando não são resultado somente de um Estado impotente mas sobretudo a afirmação de um poder paralelo que faz coexistir modernidade e arcaísmo um universo jurídico com seus códigos e suas regras convivendo com a injustiça pelas próprias mãos Barreira 1999 p 443 O uso da prática da pistolagem está presente em todas as unidades da federação porém 74 dessas práticas estão concentradas nas regiões Norte e Nordeste gráfico 7 Tal informação nos direciona à leitura de que a práti ca da pistolagem é predominante em regiões de fronteira agrícola e em áreas de interesse direto do capital para sua expansão De acordo com Guimarães 2010 a prática da violência com base na pistolagem gera uma rede de in teresses que dificulta sua punição A prática violenta da pistolagem desenvolvese e se mantém a partir de uma rede de poder complexa e difusa constituindose os agentes privados men cionados como as pontas extremas e visíveis de tal rede Há outros agentes como policiais serventuários da justiça delegados de polícia juízes entre outros distribuídos e envolvidos na rede de pistolagem que não ganham notoriedade quando se fala da violência rural na Amazônia Logo a dificul dade de limitar e extinguir o circuito da violência na pistolagem por meio de uma ordem jurídica repousa no fato de que não raramente as instâncias privadas e públicas se comunicam e se entrelaçam na reprodução da violên cia Guimaraes 2010 p 40 Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 O uso da pistolagem tanto para ameaça como para a prática do assas sinato tem destaque na morte por encomenda de lideranças de movimentos 96 Carlos Alberto Feliciano eou comunidades e também de agentes de mediação que apoiam direta ou indiretamente a luta e de alguma forma a dimensionam para além da escala local Por isso segundo Guimarães 2010 no Pará há uma tabela de pis tolagem segundo cada sujeito social o que é chamado de capital simbólico que esses representam A encomenda de morte de agentes de pastorais padres freiras advogados líderes sindicais posseiros pode variar e depende diretamente do capital sim bólico que eles apresentarem Já se cogitou aliás a existência de uma lista de marcados para morrer O assassinato do Frei Henri Burin de Roziers coordenador e advogado da CPT por exemplo custaria caro R 100 mil Já sindicalistas podem ser assassinados pelo valor de R 10 mil e líderes de as sentamentos rurais podem ser mortos por R 5 mil Guimarães 2010 p 40 A VIOLÊNCIA SILENCIOSA DE UMA LÓGICA HEGEMÔNICA MUNDIAL Outro elemento que trata da face moderna da violência no campo mas que não consta do Caderno de Conflitos no Campo organizado pela CPT tratase da morte lenta por uso de agrotóxico que Bombardi 2011 deno minou de violência silenciosa O Brasil que alcançou o 1º lugar no ranking mundial do consumo de agrotóxico no ano de 2008 trouxe também uma versão dolorosa lenta e silenciosa de mortes e sequelas pela exposição e intoxicação desses produ tos fruto de uma expansão dos monopólios das transnacionais do setor químico por parcela dos sujeitos do campo que usam dessa prática ou estão próximos a ela Nas considerações da pesquisa Bombardi 2011 p 20 avaliou que Os camponeses trabalhadores rurais os familiares destes trabalhadores e moradores de áreas próximas aos cultivos contaminados com agrotóxicos estão sendo intoxicados cotidianamente de forma direta Os sintomas agudos de tais intoxicações são apenas a ponta do Iceberg de um problema muito mais amplo que fica escondido por trás da subnoti ficação destes casos e da quase ausência de informação sobre as doenças crônicas causadas por tais exposições Bombardi 2011 p 20 Atualizando a base de dados estudada por Bombardi 2011 pudemos verificar que essa forma silenciosa de violência é uma lógica de consumo das grandes empresas transnacionais que hegemonizam e direcionam o mercado 97 A prática da violência no campo brasileiro do século XX ao apresentar apenas os agrotóxicos como única forma de trato nas culturas agrícolas No período de 2001 a 2012 foram notificados 66906 casos de into xicação de agrotóxico por uso agrícola pelo SINITOX Sistema Nacional de Informações TóxicoFarmacológicas Nesse montante 2038 pessoas morreram outros 52 morreram por circunstânciasconsequências do uso e sofreram algum tipo de sequela Apesar da linha histórica de 2001 a 2012 apresentar uma diminuição dos casos de intoxicação um aspecto que está apresentado no gráfico 8 gera uma certa apreensão Mesmo que a região Sudeste concentre historicamente a contaminação por uso de agrotóxicos a região Centro Oeste em relação à diminuição gradativa nas demais re giões passou de 282 casos notificados em 2001 para 916 no ano de 2014 Cabe ressalvar que é justamente nesse região que ocorre a atual expansão do agronegócio brasileiro Portanto a relação imbricada entre a expansão do capital no campo e a intoxicação de seres humanos é evidente e inconteste Fonte MSSINITOX 2015 Org Feliciano 2015 CONSIDERAÇÕES FINAIS Contraditoriamente temos um Brasil moderno que é exposto pelo Es tado e pela grande mídia como grande potencial produtor de alimentos porém de fato um grande produtor de commodities e por outro lado um Brasil arcaico que se utiliza de práticas de violência da mais brutal a mais sutil contra aqueles que buscam a terra e o território como condição de tra balho e vida 98 Carlos Alberto Feliciano Os camponeses trabalhadores rurais índios e quilombolas historica mente se formaram a partir da resistência contra o capital porém dentro do capital que sempre procura negar sua existência Esse sujeitos lutaram contra a expropriação e a partir dela enfrentam os ataques e ameaças de morte na luta pela vida e por direitos territoriais Tais sujeitos sabem que tem o corpo o trabalho e conhecimento tradicional como forma e estratégia de luta para entrar se manter e retomar suas terras e territórios O Brasil que os dados da CPT revela apresenta um campo historicamente ameaçado Mostra uma violência cotidiana costumeira que mata e manda matar ameaça e manda ameaçar expulsa e manda expulsar destrói e manda destruir envenena e manda envenenar O Brasil do atraso que manda mesmo sem ter legitimi dade e autoridade para mandar Um Brasil do atraso pactuado numa aliança nefasta entre capital Estado e proprietários de terra que gera e mantém o controle territorial As práticas da violência manifestam e são materializadas no campo mas seu mando e sua origem não estão centralizadas e concentradas exclu sivamente no campo A violência no campo do Brasil do século XXI mora nos espaços de poder construídos pelas transnacionais que detêm o controle da produção de agrotóxicos e que envenenam diretamente milhares de camponeses trabalhadores rurais e suas famílias assim como boa parte da sociedade que consome alimentos com base no uso de agrotóxico nos tribunais nos fóruns e todo espaço que tipificam como crime as ações dos movimentos sociais e como criminosas as inúmeras famílias que residem no campo nos gabinetes das prefeituras vereadores deputados senadores e pre sidência que apostam apenas em um único modelo de desenvolvimento para o Brasil pautado no modelo agroexportador no congresso legislativo através da Bancada Ruralista que elegeu para 2015 158 deputados federais e 18 senadores para defenderem seus inte resses de classe e impedir projetos e planos de reforma agrária nas salas de aula e bibliotecas de parte das universidades e grupos de pesquisa que insistem em não verem outros lados do campo no pensamento de parte dos técnicos prefeitos deputados da mídia juí zes que formulam leis concedem reintegrações de posse formulam po líticas públicas e disseminam ideias dessa forma una e limitada de pensar o campo RESENHA CRÍTICA A PRÁTICA DA VIOLÊNCIA NO CAMPO BRASILEIRO DO SÉCULO XXI INTRODUÇÃO O texto em questão destaca uma questão complexa e variada que afeta profundamente o cenário rural brasileiro a violência Este ensaio proporciona uma visão abrangente e crítica expondo diversas dimensões dessa questão que afeta camponeses trabalhadores rurais índios e quilombolas em suas lutas por terra e território Desde manifestações diretas e brutais como assassinatos e ameaças até formas enganosas e silenciosas de violência como a intoxicação por agrotóxicos o autor nos conduz por um exame minucioso das complexas interações entre poder território e o mundo rural brasileiro O texto oferece uma visão detalhada de como a violência no campo não é apenas um problema pontual mas um fenômeno que permeia diversas esferas da sociedade brasileira A análise busca mostrar como essa violência está ligada ao desenvolvimento do agronegócio e às políticas de terra no país expondo uma realidade que desafia tanto a retórica do Brasil como grande produtor de alimentos quanto a própria noção de progresso em um país que ainda lida com práticas arcaicas de controle territorial DESENVOLVIMENTO Primeiramente é explorado a violência direta contra a pessoa incluindo assassinatos tentativas de assassinato ameaças torturas prisões e agressões Esses atos perversos são o estágio mais brutal da violência mas o texto argumenta que muitas vezes eles são precedidos por ameaças ou tentativas de assassinato Os dados apresentados pela Comissão Pastoral da Terra CPT são chocantes revelando que 20 das ameaças de morte são cumpridas e 70 das tentativas efetivadas Destaca como os sujeitos sociais do campo vivem sob ameaça constante devido à luta pela terra com o Estado frequentemente agindo com brutalidade em conflitos agrários A segunda seção concentrase na violência relacionada à ocupação e posse da terra As ocupações de terra são centrais para a compreensão do campesinato brasileiro mas muitas vezes resultam em despejos ameaças e expulsões O texto diferencia entre posseiros e semterra ressaltando que a luta dos posseiros introduz a legitimidade alternativa da posse enquanto os semterra questionam a legalidade da propriedade Além disso as regiões do Brasil são mapeadas com base em diferentes formas de violência revelando padrões espaciais Depois o texto destaca a prática da pistolagem que envolve a contratação de pistoleiros para ameaçar agredir ou matar pessoas que desafiam o poder estabelecido O autor argumenta que a pistolagem é uma prática antiga no Brasil e que as vítimas muitas vezes são líderes de movimentos sociais agentes de pastorais e outras pessoas que apoiam a luta pela terra Essa violência é difusa e dificilmente é punida e sua concentração nas regiões Norte e Nordeste sugere uma relação com a expansão do agronegócio nessas áreas Em seguida aborda uma forma silenciosa de violência a morte lenta por exposição a agrotóxicos O Brasil um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo enfrenta uma crise de intoxicação que afeta camponeses trabalhadores rurais e suas famílias A exposição constante a esses produtos químicos resulta em sintomas agudos e doenças crônicas muitas das quais não são devidamente notificadas É destacado como as práticas do agronegócio têm consequências profundas e silenciosas para a saúde das comunidades rurais Por fim o autor relaciona essas diferentes dimensões da violência no campo com estruturas de poder mais amplas que permeiam a sociedade brasileira A violência não está apenas enraizada no campo mas também nas transnacionais de agrotóxicos no sistema judiciário nas instituições políticas e em parte da academia O texto argumenta que essa violência é uma manifestação do Brasil do atraso alimentada por alianças nefastas entre capital Estado e proprietários de terra que buscam manter o controle territorial Uma análise abrangente e detalhada da violência no campo brasileiro revelando suas várias camadas e implicações Ele ilustra como essa violência não é apenas um problema local mas um reflexo de questões mais amplas relacionadas ao desenvolvimento poder e controle territorial no Brasil CONCLUSÃO A análise abrangente da violência no campo brasileiro revela um cenário complexo e preocupante A violência assume várias formas desde a violência direta como assassinatos e ameaças até a violência silenciosa causada pela exposição a agrotóxicos Essas formas de violência estão interconectadas e criam um ambiente de insegurança constante nas comunidades rurais A violência direta muitas vezes surge de disputas pela terra resultando em despejos e expulsões A prática da pistolagem com ameaças e assassinatos encomendados perpetua esse ciclo de violência ameaçando líderes de movimentos sociais e agentes de pastorais que apoiam a luta pela terra A exposição a agrotóxicos impulsionada pelas transnacionais do setor químico afeta profundamente a saúde das comunidades rurais Além disso a violência no campo está enraizada em estruturas de poder mais amplas incluindo instituições políticas e judiciais que muitas vezes ignoram ou perpetuam essa violência Para enfrentar efetivamente essa problemática é necessário abordar não apenas seus sintomas mas também suas causas profundas buscando justiça social e respeito pelos direitos humanos no campo brasileiro A superação desse ciclo de violência é fundamental para construir um Brasil mais justo e equitativo onde o direito à terra e ao trabalho seja uma realidade para todos
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A PRÁTICA DA VIOLÊNCIA NO CAMPO BRASILEIRO DO SÉCULO XXI1 Carlos Alberto Feliciano A prática da violência como toda ação muda o mundo mas a mudança mais provável é para um mundo mais violento Hannah Arendt Da violência 1969 A VIOLÊNCIA COMO BASE DA FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA A reflexão central desse texto trata de indicar o processo permanente e intensificado de práticas de uso da violência contra os sujeitos sociais do campo e seu modo de vida e trabalho em pleno século XXI Práticas mar cadas por traços de brutalidade contra pessoas e seus espaços de vida e forma de trabalho que intencionalmente ou não questionam o uso e funcionali dade da propriedade privada da terra e toda dimensão que a partir dela pode se estabelecer exploração do trabalho da extração de riquezas naturais e apropriação de renda e poder Para materializar esse processo de uso da força material e imaterial uti lizaremos um conjunto de dados coletados e sistematizados pela Comissão Pastoral da Terra CPT que sob um esforço coletivo e extraordinário vem registrando uma parte da história do campo que a história oficial procu ra ocultar A CPT registra dados que podem proporcionar uma análise de uma lógica da violência cotidiana ou costumeira conforme Silva 1999 a qual os sujeitos sociais enfrentam desde o processo de invasão do território indígena pelos europeus até os atuais dias do século XXI Essa lógica da violência segundo D Pedro Casaldáliga 2005 que enquanto for preciso 1 Este texto reúne resultados parciais do estágio de PósDoutorado realizado na Universidade Estadual Paulista Campus de Presidente Prudente sob a supervisão do Prof Dr Antonio Thomaz Junior com apoio financeiro do PNPDCAPES 20132014 82 Carlos Alberto Feliciano publicar um relatório anual de conflitos no campo não haverá paz nem no campo nem na cidade A violência no campo é um elemento estruturante do processo de formação territorial do Brasil O período determinado como recorte para análise espaçotemporal da violência no campo foi definido a partir do século XXI Entre os anos de 2001 a 2014 foram sistematizadas e analisadas tabelas referentes aos assas sinatos ameaças pistolagem tentativas de assassinatos destruição de casas roças agressão prisão despejos expulsões e torturas sofridas pelos campo neses indígenas quilombolas trabalhadores rurais e agentes de mediação A materialização dessas práticas violentas faz parte da formação territo rial do Brasil e atualmente se intensifica no processo de mundialização do capital Os indígenas foram com o processo de colonização os primeiros a conhecerem a violência e nessa procura por novos espaços e principalmente riquezas 5 milhões de índios foram dizimados Cimi 2014 Nesse conta to violento iniciado com a sociedade europeia foram reduzidos a cerca de 896917 IBGE 2010 Pressionados pela construção capitalista do territó rio no Brasil os indígenas foram adentrando pelos interiores do país A forma de organização dos povos indígenas denominada por Luxem burgo 1985 como um tipo de organização de economia natural destinava se somente ao suprimento das necessidades da comunidade local Com isso essa forma de economia natural sempre esteve em conflito com o capital e seu processo de acumulação Não tendo condições de existir sem os meios de produção sem a mão de obra e a demanda de maisproduto o capitalismo procura sempre destruir a economia natural sob todas as suas formas históricas com as quais venha se deparar Luxemburgo 1970 p 253 Outro personagem dessa história de violência foi o negro escravizado A luta contra a escravidão cresceu tanto que dessa contradição do capitalismo surgiram os quilombos terra da liberdade do trabalho coletivo do traba lho contrário às regras do jogo do capitalismo colonial e que por isso eram alvos de destruição da elite O Quilombo de Palmares na Serra da Barriga Alagoas foi um episódio minimizado na história brasileira Por volta de 1650 cerca de 70 mil habitantes resistiram por 100 anos até serem destru ídos violentamente pela artilharia pesada dos portugueses Moraes 2001 A prática da violência também esteve presente quando osas camponesesas de Canudos BA Contestado SC Teófilo Otoni MG 83 A prática da violência no campo brasileiro do século XX Porecatu PR Trombas e Formoso GO do Sudoeste do Paraná 1957 Santa Fé do Sul SP das Ligas Camponesas Fazenda Santa Elina em Co rumbiara 1995 Eldorado dos Carajás 1996 dentre outras se rebelaram pela defesa do direito à terra ao trabalho e à vida Assim historicamente indígenas negros e camponeses sempre foram vítimas de ataque e destruição por resistirem a uma ordem vigente e a favor da liberdade As violências em consequência da luta ficaram registradas tanto na memória de uma parte da sociedade como também da própria história dos sujeitos sociais que procuram se reafirmar a partir desses episódios para darem continuidade a própria luta e existência na possibilidade da recria ção enquanto sujeito e classe social VIOLÊNCIA NO CAMPO DO SÉCULO XXI INTENSIFICAÇÃO DESMEDIDA No início do século XXI no campo brasileiro houve um processo de intensificação concentração queda e atualmente um crescente aumento da violência gráfico 1 Nesse período mais de 930 mil famílias sofreram algum tipo de ameaça despejo tentativas de despejo ou expulsão prove nientes de ocupações e posse por terra no Brasil Em uma análise que parte da relação causaefeito o aumento do nú mero de conflitos teria um vínculo com a luta e ações praticadas pelos mo vimentos socioterritoriais Mas essa não é a regra Por que então aumenta a violência no campo mesmo diminuindo as ações de mobilização dos movi mentos tanto nos centros urbanos na forma de manifestações e no campo via ocupações de terra gráfico 2 Para além da explicação sobre persegui ção e criminalização dos movimentos a violência praticada e intensificada no campo do século XXI está ligada à concentração e centralização de poder não só de uma classe ou parte dela mas à unificação com grande capital e a uma clara opção de ausência do Estado na procura para desarticular do campo qualquer agente de mediação movimentos ou lideranças que pos sam tornar visível a demanda pelos direitos territoriais Nessa perspectiva o aumento da violência sem um aumento do núme ro das mobilizações no campo eou nas cidades denunciando essa prática e reivindicando esses direitos territoriais levanos a um grande risco da reto mada plena da barbárie no campo brasileiro mesmo em pleno século XXI 84 Carlos Alberto Feliciano Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 Fonte Dataluta 2015 Org Feliciano 2015 SUJEITOS SOCIAIS EM PROCESSO DE RESISTÊNCIA TERRITORIAL Sendo a violência e a expropriação contra os sujeitos sociais um proces so histórico de que forma podemos mensurar essa violência E quem são es ses sujeitos que estamos nos referindo na atualidade De acordo com Santos 1999 para se compreender a violência no campo é necessário proceder a uma análise das transformações das relações sociais no espaço agrário análise das principais classes burguesia agrária lati 85 A prática da violência no campo brasileiro do século XX fúndio e empresários campesinato e produtores familiares trabalhadores rurais permanentes e temporários e de sua diversidade das frações de classe grupos sociais e categorias sociais definidas por profissão gênero ou etnia com ênfase nos processos de formação diferenciação e transforma ção das classes sociais no espaço social agrário com análise de suas práticas trajetórias e representações simbólicas Santos 1999 p 33 A partir dos dados coletados pela CPT há uma diversidade de cate gorias e sujeitos sociais envolvidos nesse processo Cabe então apresentar quais são e de que forma construiremos nossa abordagem A metodologia proposta pela CPT não agrega sujeitos e categorias pelo contrário mostra sua diversidade Podemos encontrar uma variedade de denominações e identificações compreendidas por diversidades culturais profissionais eou diferenciações geográficas posseiros seringueiros meeiros varzeiros lavradores palmi teiros agricultores ribeirinhos pescadores colonos agregados assentados fecho e fundo de pastos castanheiros geraiszeiros desempregados urbanos indígenas semterra quilombolas assalariados diarista tratorista peão administrador vaqueiro garimpeiro canavieiro religiosos políticos fotó grafos comerciantes professores lideranças sindicalistas advogados fun cionários públicos e ambientalistas O dilema de se elaborar uma síntese e análise dos dados diante dessa riqueza de identidades apresentadas está no propósito de justamente agre gálas e estabelecer um esforço metodológico de compreender e fortalecer o próprio processo de luta da diversidade enquanto sujeitos sociais contra processos de violência e imposição de um modelo hegemônico Mesmo as sim arriscamos entrar nessa tarefa de unificar mas sem perder de vista sua diversidade Diante dessa perspectiva entendemos que no Brasil há dois processos principais de resistência territorial aos quais está vinculada a violência no campo entrarretornar na terraterritório com direito à propriedade privada familiar coletiva ou comunitária da terra ou reconhecimento de um modo específico de sua relação com a terra e permanecer na terraterritório seja como sujeitos sociais camponeses produtores de matériaprima para indús tria e cidade assim como camponeses produtores de alimentos ou da pró pria família eou comunidade Ambos teriam como ponto central a luta por uma autonomia plena ou relativa em relação ao capital 86 Carlos Alberto Feliciano A finalidade dessa junção em dois processos está sob a ótica de vali dar uma discussão que foi mencionada anteriormente por Santos 1999 na análise das classes sociais existentes no campo não deixando de lado sua diversidade Propomos então como desdobramento desses processos da violência contra os sujeitos do campo as seguintes formas de luta a luta pela terra e pela reforma agrária a luta pelo território a luta pelo trabalho no campo e a luta pela continuidade de apoio e pela mediação Sobre a luta pela terra e pela reforma agrária entendemos que esta com preende a luta para entrar permanecer ou retornar à terra na perspectiva da desconcentração fundiária e pelo o controle da propriedade do seu trabalho na relação tempoespaço em uma fração do território capitalista Olivei ra2008 Entendemos que nesse segmento estão agregados os semterra um segmento que pode ser formado por camponeses posseiros mais desempregados urbanosrurais que não detêm nem a posse propriedade ou concessão de uso da terra como condição de trabalho e que são os sujeitos sociais mais atacados pela violência no campo brasileiro os camponeses posseiros seringueiros meeiros varzeiros lavradores palmiteiros ribeirinhos pescadores colonos agregados fecho e fundo de pastos castanheiros geraiszeiros que nunca tiveram o acesso formal à pro priedade assentados que tem o a concessão de uso das terras mas a proprie dade é do Estado e camponeses proprietários A luta pelo território compreende uma questão de pertencimento da queles que tem uma identidade historicamente construída com aquela fra ção do território como os indígenas quilombolas Lutam por seus territó rios mesmo que pelo processo de expropriação tenham saído ou estejam resistindo nele De acordo com Oliveira 2008 só pode pertencer a um território quem nele vive e quem nele construiu sua identidade com aquela fração do mundo Nem sempre os que lutam pelo território estão nessa fra ção mas lutam seja para se manter ou retomar seu território A luta pelo trabalho no campo está diretamente vinculada aos traba lhadores permanentes ou temporários que têm vínculo empregatício for mal ou informal mas que não detêm a posse nem o controle da terra ou propriedade ou dos meios de produção mas sim da sua força de trabalho para capital eou proprietários de terras Nesse bojo podemos identificar assalariados rurais diaristas tratoristas peões administradores vaqueiros garimpeiros boiafria 87 A prática da violência no campo brasileiro do século XX No tocante ao segmento de apoiadores da luta pela terra e reforma agrá ria território e por condições dignas de trabalho no campo há uma parcela da sociedade que atua como agentes mediadores e que são frequentemente sobretudo na atualidade alvo constante de violência pois de certa forma são o elo entre o nós e o outro São sujeitos e agentes que proporcionam visi bilidade à luta assim como auxiliam no processo de formação política e na construção de luta pelo direito a ter direito De acordo com dados identifi cados pela CPT esses agentes de mediação também vítimas de violência no campo são religiosos políticos fotógrafos comerciantes professores lide ranças sindicalistas advogados funcionários públicos e ambientalistas etc Composto esse quadro das formas de luta e resistência territorial dos sujeitos sociais podemos afirmar que 50 das mortes no campo no século XXI 2001 a 2014 são de camponeses 240 assassinatos os outros 50 são compostos dos assassinatos de agentes de mediação 150 assassinatos trabalhadores rurais 56 e índios e quilombolas 54 Vale ressaltar que esses dados abarcam o universo de atuação da CPT pelo território brasileiro sobre o número de assassinatos no campo Nesse caso 500 pessoas foram assassinadas no campo no início do século XXI Em mé dia a cada dez dias uma pessoa perde a vida na luta pelo acesso permanência eou retomada na terra ou trabalho no campo no Brasil Em todo período de dados sistematizados pela CPT de 1985 a 2014 1631 pessoas foram assassi nadas no campo dentre as quais 922 camponeses 286 trabalhadores rurais 269 agentes de mediação e 154 entre índios e quilombolas gráfico 3 Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 88 Carlos Alberto Feliciano Entendemos que esse número seja maior se ampliamos nossa base e fonte de dados Segundo o Conselho Indigenista Missionário CIMI no período de 2003 a 2012 ocorreu o assassinato de 563 indígenas no Brasil gráfico 4 Ou seja esses dados apresentados superaram até mesmo aqueles coletados pela CPT Com isso podemos mensurar que os índios são os su jeitos sociais dos povos do campo mais massacrados e assassinados no Brasil desde nosso processo de formação territorial pois sempre estão nas áreas de interesse de expansão do capital Fonte CIMI 2013 Org Feliciano 2015 DA VIOLÊNCIA CONCRETA À VIOLÊNCIA DISFARÇADA A retirada da vida de uma pessoa é o estágio mais perverso e brutal da violência Porém esse processo já pode ter dado pistas de sua possível concre tização uma vez que parte dos sujeitos sociais que foram assassinados no cam po já haviam sido ameaçados ou então sofrido tentativas de assassinatos De acordo com dados da CPT 20 das ameaças de morte a pessoas do campo envolvidas na luta social são cumpridas e 70 das tentativas efetivadas O sujeitos sociais do campo brasileiro vivem sob ameaça permanente em toda sua história de luta O controle da propriedade privada da terra garante concentração de renda e poder aos grandes proprietáriosempresá rios que obtiveram seu acesso através da grilagem expropriação e violência Mesmo quando não se consegue assassinar os camponeses muitos são pre sos agredidos torturados sob a alegação de preservação do direito à proprie dade privada da terra A CPT registra esse tipo de violência como Violência contra pessoa Nesses primeiros catorze anos do século XXI mais de 11100 pessoas sofreram algum tipo de violência 89 A prática da violência no campo brasileiro do século XX Podese observar a partir do gráfico 5 que a violência se dá em todo ter ritório nacional e cada uma projeta sua especialização e requinte desse traço violento Por exemplo as regiões Centrooeste e Norte são concentradoras do número de pessoas que foram presas em razão da luta pela terra e pelo terri tório 2028 pessoas O Nordeste é a região em que mais ocorrem ameaças aos camponeses Por outro lado a região Sudeste concentradora de riqueza e da centralização de poder é aquela que pouco ameaça porém é a que mais agride fisicamente as famílias e está entre as que mais criminaliza a luta pren dendo lideranças e camponeses Isso demonstra tamanha truculência e força bruta do Estado ao lidar com os conflitos agrários com uso da violência contra as pessoas em processos de reintegração de posse despejos prisões etc De acordo com PortoGonçalves 2010 p 114 no Brasil também se configura um padrão espaçotemporal da violência no campo pois nas áreas onde os movimentos sociais rurais são mais organizados a ação direta dos proprietários de terra se inibe como no CentroSul Aí o Estado passa a representar um papel cada mais ativo na repressão às lutas pela terra A prática da violência está espacializada da seguinte forma na região Norte 2965 pessoas Nordeste 2722 pessoas Sudeste 2319 pessoas CentroOeste 2062 pessoas e Sul 1099 pessoas Ou seja de Norte a Sul e de Leste a Oeste camponeses indígenas e quilombolas trabalhadores rurais e agentes de mediação são vítimas de tentativas de assassinatos mor tos em consequência dessas tentativas ameaçados torturados agredidos e presos A prática do uso da violência se manifesta de forma materializada ou simbólica visto que estes sujeitos estão questionando a propriedade privada da terra eou então apenas tentando reexistir Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 90 Carlos Alberto Feliciano O SOL E A SOMBRA DA VIOLÊNCIA NO CAMPO Para além de uma observação sobre a violência contra a pessoa outra marca registrada no campo brasileiro remetese à violência contra o próprio processo de ocupação e posse realizada por esses sujeitos Dentre as formas atuais de luta pela terra as ocupações de terra são elementos centrais para compreensão da recriação do campesinato Fernandes 1999 Além da ocupação a posse também possibilita esse processo Pelo fato de serem ações criadas pelos camponeses numa perspectiva de reprodução das relações de produção não capitalistas contraditoriamente dentro do próprio modo de produção capitalista essas ações também são inseridas num processo violento de despejos ameaças de despejos e expulsões A ocupação de terras é uma das formas de luta da classe camponesa na busca da criação recriação e reprodução de um modo de vida baseado principalmente na busca pela autogestão liberdade controle do tempo e espaço Assim também podemos dizer que há diferenças nessas duas frentes de luta da posse e da ocupação Para Martins 1993 entre os semterra e os posseiros embora ambos estejam lutando pela terra há uma diferença essencial A luta do posseiro introduz a legitimidade al ternativa da posse contornando a legalidade da propriedade Já os sem terra na sua prática não tem como deixar de questionar a legalidade da propriedade não podem deixar de considerar ilegítimo e também iníquo o que é legal que é a possibilidade de alguém possuir mais terra do que pode trabalhar de açambarcar cercar um território não utilizálo nem deixar que os outros utilizem mesmo sob pagamento de renda Martins 1993 p 47 Além desse sentido legal questionando a propriedade privada da terra exposta por Martins podese ter também um diferencial geográfico na aná lise quando Fernandes 1997 afirma que os posseiros ocupam terras predominantemente nas faixas das frentes de expansão em áreas de fronteiras Com o avanço da frente pioneira ocorre o processo de expropriação desses camponeses desenvolvido principalmente pela grilagem de terra por latifundiários e empresários Os semterra ocu pam terras predominantemente em regiões onde o capital já se territoria lizou Ocupam latifúndios propriedades capitalistas terras de negócio e exploração terras devolutas e ou griladas Fernandes 1997 p 37 Porém sob ponto de vista das regras estabelecidas e construídas his toricamente pelo Poder Judiciário as ocupação de terra entendidas como 91 A prática da violência no campo brasileiro do século XX esbulho possessório são práticas criminosas É justamente nessa seara que os ditos donos da terra se apegam e reivindicam a reintegração da área A alegação principal dos proprietários dos imóveis nas ações de retomada da posse encaminhadas ao juiz da comarca que lhe é circundante é a acusação dos invasores pelo ato ilegal tipificado no artigo 161 parágrafo 1º inciso II do Código Penal Esbulho possessório Sobre alteração de limites Art 161 Suprimir ou deslocar tapume mar co ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória para apropriarse no todo ou em parte de coisa imóvel alheia Pena detenção de um a seis meses e multa 1o Na mesma pena incorre quem invade com violência à pessoa ou grave ameaça ou mediante concurso de mais de duas pessoas terreno ou edifício alheio para o fim de esbulho possessório Contradições também estão presentes no magistrado pois há juízes que não entendem que a entrada nos imóveis rurais seja um crime Mani glia 2000 Porém como são minorias é a partir das demais liminares e sentenças proferidas pelos juízes ao analisar os documentos de propriedade que os despejos são cumpridos Para os sujeitos sociais do campo essa tam bém é uma forma de violência Tais sujeitos do campo brasileiro sempre viveram sob a ameaça de se rem expulsos quando há o aparecimento de papéis e documentos que pro curam legitimar a propriedade perante o Estado ou sob ameaça de morte quando os proprietários não usam as vias legais para limpar a área Sem as medidas judiciais são ameaçados de morte e com a justiça são ameaçados de despejo despejados e expulsos dos lugares onde estão sem ao menos uma definição dos lugares para onde vão É uma violência que tem como trunfo o poder de decidir onde não se deve estar A violência contra as famílias que criaram práticas espaciais de ocupa ção e posse está aumentando no século XXI Ao observarmos o gráfico 6 somente no ano de 2014 mais de 52 mil famílias foram ameaçadas de des pejo e expulsão fato que aproximou somente do ano de 2003 quando mais 61 mil famílias foram ameaças de despejo eou expulsão Nesse contexto o poder da classe latifundiária principalmente das regiões Norte e Nordeste estabeleceu uma configuração espacial da prática da violência também a partir das ameaças de despejo e expulsão As ameaças no campo são mais 92 Carlos Alberto Feliciano constantes que os despejos e as expulsões Podese observar pelo gráfico 6 que as ameaças ora de forma conjunta e articulada ora individualmen te pelo tripé latifúndioEstadocapital sempre rondam o campo como um meio de imposição do controle territorial Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 A VIOLÊNCIA NA DESTRUIÇÃO DOS ESPAÇOS DE VIDA E TRABALHO Apresentamos as práticas de violência contra a pessoa assassinato tentativa de assassinato ameaças torturas prisões e agressões e contra sua forma de ocupação no território ameaças de despejo e expulsões des pejos e expulsões Pretendemos indicar também a prática de violência que está no cotidiano de muitas famílias no campo e que geralmente não está isolada e separada da violência contra pessoa e contra sua forma de ocupação no território são práticas de violência na destruição de bens ca sas roças e outros bens materiais produzidos pelo trabalho dos sujeitos sociais do campo Entendemos que os bens materiais construídos como fruto do trabalho individual familiar coletivo ou comunitário tem um sentido muito forte no campo pois geralmente são resultados de um conhecimento tradicional baseado no esforço e na dificuldade que vai além do significado ou valor material Percebese essa construção ao chegar em uma área de posse lote de reforma agrária acampamento ou qualquer outro tipo de materialidade construída pelas famílias em que elas têm aquela fração de terra como es 93 A prática da violência no campo brasileiro do século XX paço de vida De acordo com Bombardi 2004 a escolha dos lugares e o próprio plantio estão fundamentados em lógicas próprias desses sujeitos do campo pois a escolha dos cultivos a serem inseridos no sítio está fundamentada em alguns eixos básicos a experiência anterior a troca de informações com vizinhos por meio da qual sabem a viabilidade de tal cultivo sob o ponto de vista da renda que o mesmo proporciona fato que está ligado à relação com mercado a disponibilidade financeira da família o tamanho da pro priedade os recursos naturais disponíveis na propriedade o profundo co nhecimento da natureza clima solo releve e vegetação a disponibilidade de trabalho da família a preferência por um ou outro tipo de cultivo em função do tipo de trabalho que ele exige e a articulação entre os diferentes cultivos de maneira que tenham um calendário agrícola exequível ou seja que o trabalho seja possível em cada cultura de modo que as colheitas não se sobreponham muito Bombardi 2004 p 34 Diante disso entendemos que ordenamento territorial de um lote par cela ou sítio tem um sentido e lógica próprios do campesinato A destruição desses bens produzidos interfere de forma brutal na organização do traba lho da família ou comunidade No Brasil no período de 2001 a 2014 mais de 32 mil roças e 84 mil bens materiais como casas barracos etc foram destruídos Vale a pena rea firmar que são informações transmitidas aos agentes pastorais da CPT as sim como aqueles que são divulgados pela mídia local ou regional Pres supõese então que esses números superiores aos cadastrados pelo CPT apresentados como forma de práticas de violência contra o trabalho e resul tado do trabalho rural Tabela 1 BRASIL VIOLÊNCIA NO CAMPO Destruição de casas e roças em ocupações e posses 2001 a 2014 Regiões Casas eou bens destruídos Roças destruídas Centro oeste 7955 1105 Nordeste 28966 17378 Norte 38571 10819 Sudeste 3715 1397 Sul 5717 2007 Total 84924 32706 Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 94 Carlos Alberto Feliciano As dificuldades são inúmeras para se reconstruir a vida e o espaço de moradia e produção após esse tipo de violência Perder um plantio é perder todo planejamento e orçamento da família Isso pode levar tanto a um processo de migração para outras áreas com a tentativa de recome çar como à desistência e ida para os centros urbanos mas podem tam bém fortalecer o processo de luta A destruição de bens materiais não somente destrói a lógica da vida camponesa mas pode adiar ou então potencializala A PERMANÊNCIA DO ATRASO DO CAMPO MODERNO NO BRASIL Observando as tabelas de conflito e violência contra ocupação e pos se identificamos uma prática de violência que também merece destaque a prática da pistolagem De acordo com CPT muitas famílias são ameaçadas por pistoleiros a mando de alguém Esse fenômeno pode ficar apenas na ameaça ou então se concretizar em alguma agressão tentativa de assassina to ou assassinato A pistolagem é uma prática muito antiga no Brasil Ela consiste na contratação de profissionais que prestamalugam seus serviços a fazendeiros ou empresas para ameaçar agredir ou matar pessoas que estão incomodando ou questionando determinado poder Parte dos assassinatos no campo são frutos desse processo de pistolagem e que também por conta de uma estratégia silenciosa e ameaçadora dificilmente são punidas assim como seus mandantes De acordo com dados da CPT cerca de 166377 famílias foram amea çadas por pistoleiros no período de 2003 a 2014 Ou seja nesse início do sé culo XXI a prática arcaica da pistolagem assombra em média 32 famílias por dia no Brasil É um fator alarmante quando pensamos no processo de intensificação das práticas de violência contra os sujeitos sociais do campo É um alerta de que a ameaça está presente no cotidiano de milhares de fa mílias que fazem parte da sociedade brasileira mas que não estão protegidas pelos órgãos públicos destinados à segurança e investigação desses crimes mesmo estes sendo avisados antecipadamente De acordo com Barreira 1999 o crime de aluguel ou o crime de pis tolagem tem como marca a existência do autor material o pistoleiro e do autor intelectual o mandante Ainda afirma que 95 A prática da violência no campo brasileiro do século XX as relações de poder que se reproduzem neste mundo dos crimes de mando não são resultado somente de um Estado impotente mas sobretudo a afirmação de um poder paralelo que faz coexistir modernidade e arcaísmo um universo jurídico com seus códigos e suas regras convivendo com a injustiça pelas próprias mãos Barreira 1999 p 443 O uso da prática da pistolagem está presente em todas as unidades da federação porém 74 dessas práticas estão concentradas nas regiões Norte e Nordeste gráfico 7 Tal informação nos direciona à leitura de que a práti ca da pistolagem é predominante em regiões de fronteira agrícola e em áreas de interesse direto do capital para sua expansão De acordo com Guimarães 2010 a prática da violência com base na pistolagem gera uma rede de in teresses que dificulta sua punição A prática violenta da pistolagem desenvolvese e se mantém a partir de uma rede de poder complexa e difusa constituindose os agentes privados men cionados como as pontas extremas e visíveis de tal rede Há outros agentes como policiais serventuários da justiça delegados de polícia juízes entre outros distribuídos e envolvidos na rede de pistolagem que não ganham notoriedade quando se fala da violência rural na Amazônia Logo a dificul dade de limitar e extinguir o circuito da violência na pistolagem por meio de uma ordem jurídica repousa no fato de que não raramente as instâncias privadas e públicas se comunicam e se entrelaçam na reprodução da violên cia Guimaraes 2010 p 40 Fonte CPT 2015 Org Feliciano 2015 O uso da pistolagem tanto para ameaça como para a prática do assas sinato tem destaque na morte por encomenda de lideranças de movimentos 96 Carlos Alberto Feliciano eou comunidades e também de agentes de mediação que apoiam direta ou indiretamente a luta e de alguma forma a dimensionam para além da escala local Por isso segundo Guimarães 2010 no Pará há uma tabela de pis tolagem segundo cada sujeito social o que é chamado de capital simbólico que esses representam A encomenda de morte de agentes de pastorais padres freiras advogados líderes sindicais posseiros pode variar e depende diretamente do capital sim bólico que eles apresentarem Já se cogitou aliás a existência de uma lista de marcados para morrer O assassinato do Frei Henri Burin de Roziers coordenador e advogado da CPT por exemplo custaria caro R 100 mil Já sindicalistas podem ser assassinados pelo valor de R 10 mil e líderes de as sentamentos rurais podem ser mortos por R 5 mil Guimarães 2010 p 40 A VIOLÊNCIA SILENCIOSA DE UMA LÓGICA HEGEMÔNICA MUNDIAL Outro elemento que trata da face moderna da violência no campo mas que não consta do Caderno de Conflitos no Campo organizado pela CPT tratase da morte lenta por uso de agrotóxico que Bombardi 2011 deno minou de violência silenciosa O Brasil que alcançou o 1º lugar no ranking mundial do consumo de agrotóxico no ano de 2008 trouxe também uma versão dolorosa lenta e silenciosa de mortes e sequelas pela exposição e intoxicação desses produ tos fruto de uma expansão dos monopólios das transnacionais do setor químico por parcela dos sujeitos do campo que usam dessa prática ou estão próximos a ela Nas considerações da pesquisa Bombardi 2011 p 20 avaliou que Os camponeses trabalhadores rurais os familiares destes trabalhadores e moradores de áreas próximas aos cultivos contaminados com agrotóxicos estão sendo intoxicados cotidianamente de forma direta Os sintomas agudos de tais intoxicações são apenas a ponta do Iceberg de um problema muito mais amplo que fica escondido por trás da subnoti ficação destes casos e da quase ausência de informação sobre as doenças crônicas causadas por tais exposições Bombardi 2011 p 20 Atualizando a base de dados estudada por Bombardi 2011 pudemos verificar que essa forma silenciosa de violência é uma lógica de consumo das grandes empresas transnacionais que hegemonizam e direcionam o mercado 97 A prática da violência no campo brasileiro do século XX ao apresentar apenas os agrotóxicos como única forma de trato nas culturas agrícolas No período de 2001 a 2012 foram notificados 66906 casos de into xicação de agrotóxico por uso agrícola pelo SINITOX Sistema Nacional de Informações TóxicoFarmacológicas Nesse montante 2038 pessoas morreram outros 52 morreram por circunstânciasconsequências do uso e sofreram algum tipo de sequela Apesar da linha histórica de 2001 a 2012 apresentar uma diminuição dos casos de intoxicação um aspecto que está apresentado no gráfico 8 gera uma certa apreensão Mesmo que a região Sudeste concentre historicamente a contaminação por uso de agrotóxicos a região Centro Oeste em relação à diminuição gradativa nas demais re giões passou de 282 casos notificados em 2001 para 916 no ano de 2014 Cabe ressalvar que é justamente nesse região que ocorre a atual expansão do agronegócio brasileiro Portanto a relação imbricada entre a expansão do capital no campo e a intoxicação de seres humanos é evidente e inconteste Fonte MSSINITOX 2015 Org Feliciano 2015 CONSIDERAÇÕES FINAIS Contraditoriamente temos um Brasil moderno que é exposto pelo Es tado e pela grande mídia como grande potencial produtor de alimentos porém de fato um grande produtor de commodities e por outro lado um Brasil arcaico que se utiliza de práticas de violência da mais brutal a mais sutil contra aqueles que buscam a terra e o território como condição de tra balho e vida 98 Carlos Alberto Feliciano Os camponeses trabalhadores rurais índios e quilombolas historica mente se formaram a partir da resistência contra o capital porém dentro do capital que sempre procura negar sua existência Esse sujeitos lutaram contra a expropriação e a partir dela enfrentam os ataques e ameaças de morte na luta pela vida e por direitos territoriais Tais sujeitos sabem que tem o corpo o trabalho e conhecimento tradicional como forma e estratégia de luta para entrar se manter e retomar suas terras e territórios O Brasil que os dados da CPT revela apresenta um campo historicamente ameaçado Mostra uma violência cotidiana costumeira que mata e manda matar ameaça e manda ameaçar expulsa e manda expulsar destrói e manda destruir envenena e manda envenenar O Brasil do atraso que manda mesmo sem ter legitimi dade e autoridade para mandar Um Brasil do atraso pactuado numa aliança nefasta entre capital Estado e proprietários de terra que gera e mantém o controle territorial As práticas da violência manifestam e são materializadas no campo mas seu mando e sua origem não estão centralizadas e concentradas exclu sivamente no campo A violência no campo do Brasil do século XXI mora nos espaços de poder construídos pelas transnacionais que detêm o controle da produção de agrotóxicos e que envenenam diretamente milhares de camponeses trabalhadores rurais e suas famílias assim como boa parte da sociedade que consome alimentos com base no uso de agrotóxico nos tribunais nos fóruns e todo espaço que tipificam como crime as ações dos movimentos sociais e como criminosas as inúmeras famílias que residem no campo nos gabinetes das prefeituras vereadores deputados senadores e pre sidência que apostam apenas em um único modelo de desenvolvimento para o Brasil pautado no modelo agroexportador no congresso legislativo através da Bancada Ruralista que elegeu para 2015 158 deputados federais e 18 senadores para defenderem seus inte resses de classe e impedir projetos e planos de reforma agrária nas salas de aula e bibliotecas de parte das universidades e grupos de pesquisa que insistem em não verem outros lados do campo no pensamento de parte dos técnicos prefeitos deputados da mídia juí zes que formulam leis concedem reintegrações de posse formulam po líticas públicas e disseminam ideias dessa forma una e limitada de pensar o campo RESENHA CRÍTICA A PRÁTICA DA VIOLÊNCIA NO CAMPO BRASILEIRO DO SÉCULO XXI INTRODUÇÃO O texto em questão destaca uma questão complexa e variada que afeta profundamente o cenário rural brasileiro a violência Este ensaio proporciona uma visão abrangente e crítica expondo diversas dimensões dessa questão que afeta camponeses trabalhadores rurais índios e quilombolas em suas lutas por terra e território Desde manifestações diretas e brutais como assassinatos e ameaças até formas enganosas e silenciosas de violência como a intoxicação por agrotóxicos o autor nos conduz por um exame minucioso das complexas interações entre poder território e o mundo rural brasileiro O texto oferece uma visão detalhada de como a violência no campo não é apenas um problema pontual mas um fenômeno que permeia diversas esferas da sociedade brasileira A análise busca mostrar como essa violência está ligada ao desenvolvimento do agronegócio e às políticas de terra no país expondo uma realidade que desafia tanto a retórica do Brasil como grande produtor de alimentos quanto a própria noção de progresso em um país que ainda lida com práticas arcaicas de controle territorial DESENVOLVIMENTO Primeiramente é explorado a violência direta contra a pessoa incluindo assassinatos tentativas de assassinato ameaças torturas prisões e agressões Esses atos perversos são o estágio mais brutal da violência mas o texto argumenta que muitas vezes eles são precedidos por ameaças ou tentativas de assassinato Os dados apresentados pela Comissão Pastoral da Terra CPT são chocantes revelando que 20 das ameaças de morte são cumpridas e 70 das tentativas efetivadas Destaca como os sujeitos sociais do campo vivem sob ameaça constante devido à luta pela terra com o Estado frequentemente agindo com brutalidade em conflitos agrários A segunda seção concentrase na violência relacionada à ocupação e posse da terra As ocupações de terra são centrais para a compreensão do campesinato brasileiro mas muitas vezes resultam em despejos ameaças e expulsões O texto diferencia entre posseiros e semterra ressaltando que a luta dos posseiros introduz a legitimidade alternativa da posse enquanto os semterra questionam a legalidade da propriedade Além disso as regiões do Brasil são mapeadas com base em diferentes formas de violência revelando padrões espaciais Depois o texto destaca a prática da pistolagem que envolve a contratação de pistoleiros para ameaçar agredir ou matar pessoas que desafiam o poder estabelecido O autor argumenta que a pistolagem é uma prática antiga no Brasil e que as vítimas muitas vezes são líderes de movimentos sociais agentes de pastorais e outras pessoas que apoiam a luta pela terra Essa violência é difusa e dificilmente é punida e sua concentração nas regiões Norte e Nordeste sugere uma relação com a expansão do agronegócio nessas áreas Em seguida aborda uma forma silenciosa de violência a morte lenta por exposição a agrotóxicos O Brasil um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo enfrenta uma crise de intoxicação que afeta camponeses trabalhadores rurais e suas famílias A exposição constante a esses produtos químicos resulta em sintomas agudos e doenças crônicas muitas das quais não são devidamente notificadas É destacado como as práticas do agronegócio têm consequências profundas e silenciosas para a saúde das comunidades rurais Por fim o autor relaciona essas diferentes dimensões da violência no campo com estruturas de poder mais amplas que permeiam a sociedade brasileira A violência não está apenas enraizada no campo mas também nas transnacionais de agrotóxicos no sistema judiciário nas instituições políticas e em parte da academia O texto argumenta que essa violência é uma manifestação do Brasil do atraso alimentada por alianças nefastas entre capital Estado e proprietários de terra que buscam manter o controle territorial Uma análise abrangente e detalhada da violência no campo brasileiro revelando suas várias camadas e implicações Ele ilustra como essa violência não é apenas um problema local mas um reflexo de questões mais amplas relacionadas ao desenvolvimento poder e controle territorial no Brasil CONCLUSÃO A análise abrangente da violência no campo brasileiro revela um cenário complexo e preocupante A violência assume várias formas desde a violência direta como assassinatos e ameaças até a violência silenciosa causada pela exposição a agrotóxicos Essas formas de violência estão interconectadas e criam um ambiente de insegurança constante nas comunidades rurais A violência direta muitas vezes surge de disputas pela terra resultando em despejos e expulsões A prática da pistolagem com ameaças e assassinatos encomendados perpetua esse ciclo de violência ameaçando líderes de movimentos sociais e agentes de pastorais que apoiam a luta pela terra A exposição a agrotóxicos impulsionada pelas transnacionais do setor químico afeta profundamente a saúde das comunidades rurais Além disso a violência no campo está enraizada em estruturas de poder mais amplas incluindo instituições políticas e judiciais que muitas vezes ignoram ou perpetuam essa violência Para enfrentar efetivamente essa problemática é necessário abordar não apenas seus sintomas mas também suas causas profundas buscando justiça social e respeito pelos direitos humanos no campo brasileiro A superação desse ciclo de violência é fundamental para construir um Brasil mais justo e equitativo onde o direito à terra e ao trabalho seja uma realidade para todos