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Do meio natural ao meio técnicocientíficoinformacional Milton Santos Capítulo 10 do livro A Natureza do Espaço1 O meio natural Quando tudo era meio natural o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício da vida valorizando diferentemente segundo os lugares e as culturas essas condições naturais que constituíam a base material da existência do grupo Esse meio natural generalizado era utilizado pelo homem sem grandes transformações As técnicas e o trabalho se casavam com as dádivas da natureza com a qual se relacionavam sem outra mediação O que alguns consideram como período prétécnico exclui uma definição restritiva As transformações impostas às coisas naturais já eram técnicas entre as quais a domesticação de plantas e animais aparece como um momento marcante o homem mudando a Natureza impondolhe leis A isso também se chama técnica Nesse período os sistemas técnicos não tinham existência autônoma Sua simbiose com a natureza resultante era total G Berger 1964 p 231 P George 1974 pp 24 e 26 e podemos dizer talvez que o possibilismo da criação mergulhava no determinismo do funcionamento2 As motivações de uso eram sobretudo locais ainda que o papel do intercâmbio nas determinações sociais pudesse ser crescente Assim a sociedade local era ao mesmo tempo criadora das técnicas utilizadas comandante dos tempos sociais e dos limites de sua utilização A harmonia socioespacial assim estabelecida era desse modo respeitosa da natureza herdada no processo de criação de uma nova natureza Produzindoa a sociedade territorial produzia também uma série de comportamentos cuja razão é a preservação e a continuidade do meio de vida Exemplo disso são entre outros o pousio a rotação de terras a agricultura itinerante que constituem ao mesmo tempo regras sociais e regras territoriais tendentes a conciliar o uso e a conservação da natureza para que ela possa ser outra vez utilizada Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram pois agressivos pelo fato de serem indissolúveis em relação à Natureza que em sua operação ajudavam a reconstituir O meio técnico O período técnico vê a emergência do espaço mecanizado Os objetos que formam o meio não são apenas objetos culturais eles são culturais e técnicos ao mesmo tempo Quanto ao espaço o componente material é crescentemente formado do natural e do artificial Mas o número e a qualidade de artefatos varia As áreas os espaços as regiões os países passam a se distinguir em função da extensão e da densidade da substituição neles dos objetos naturais e dos objetos culturais por objetos técnicos 3 Os objetos técnicos maquínicos juntam à razão natural sua própria razão uma lógica instrumental que desafia as lógicas naturais criando nos lugares atingidos mistos ou híbridos conflitivos Os objetos técnicos e o espaço maquinizado são locus de ações superiores graças à sua superposição triunfante às forças naturais Tais ações são 1 SANTOS Milton A Natureza do Espaço técnica e tempo razão e emoção São Paulo EDUSP 2002 também consideradas superiores pela crença de que ao homem atribuem novos poderes o maior dos quais é a prerrogativa de enfrentar a Natureza natural ou já socializada vinda do período anterior com instrumentos que já não são prolongamento do seu corpo mas que representam prolongamentos do território verdadeiras próteses Utilizando novos materiais e transgredindo a distância o homem começa a fabricar um tempo novo no trabalho no intercâmbio no lar Os tempos sociais tendem a se superpor e contrapor aos tempos naturais O componente internacional da divisão do trabalho tende a aumentar exponencialmente Assim as motivações de uso dos sistemas técnicos são crescentemente estranhas às lógicas locais e mesmo nacionais e a importância da troca na sobrevivência do grupo também cresce Como o êxito nesse processo de comércio depende em grande parte da presença de sistemas técnicos eficazes estes acabam por ser cada vez mais presentes A razão do comércio e não a razão da natureza é que preside à sua instalação Em outras palavras sua presença tornase crescentemente indiferente às condições preexistentes A poluição e outras ofensas ambientais ainda não tinham esse nome mas já são largamente notadas e causticadas no século XIX nas grandes cidades inglesas e continentais E a própria chegada ao campo das estradas de ferro suscita protesto A reação antimaquinista protagonizada pelos diversos ludismos antecipa a batalha atual dos ambientalistas Esse era então o combate social contra os miasmas urbanos O fenômeno porém era limitado Eram poucos os países e regiões em que o progresso técnico podia instalarse E mesmo nestes poucos os sistemas técnicos vigentes eram geograficamente circunscritos de modo que tanto seus efeitos estavam longe de ser generalizados como a visão desses efeitos era igualmente limitada O meio técnicocientíficoinformacional O terceiro período começa praticamente após a segunda guerra mundial e sua afirmação incluindo os países de terceiro mundo vai realmente darse nos anos 70 É a fase a que R Richta 1968 chamou de período técnicocientífico e que se distingue dos anteriores pelo fato da profunda interação da ciência e da técnica a tal ponto que certos autores preferem falar de tecnociência para realçar a inseparabilidade atual dos dois conceitos e das duas práticas Essa união entre técnica e ciência vai darse sob a égide do mercado E o mercado graças exatamente à ciência e à técnica tornase um mercado global A ideia de ciência a ideia de tecnologia e a ideia de mercado global devem ser encaradas conjuntamente e desse modo podem oferecer uma nova interpretação à questão ecológica já que as mudanças que ocorrem na natureza também se subordinam a essa lógica Neste período os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais já que graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização eles já surgem como informação e na verdade a energia principal de seu funcionamento é também a informação Já hoje quando nos referimos às manifestações geográficas decorrentes dos novos progressos não é mais de meio técnico que se trata Estamos diante da produção de algo novo a que estamos chamando de meio técnico científicoinformacional Da mesma forma como participam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies animais e vegetais a ciência e a tecnologia junto com a informação estão na própria base da produção da utilização e do funcionamento do espaço e tendem a constituir o seu substrato Antes eram apenas as grandes cidades que se apresentavam como o império da técnica objeto de modificações supressões acréscimos cada vez mais sofisticados e mais carregados de artifício Esse mundo artificial inclui hoje o mundo rural Segundo G Dorfles 1976 p 39 este é marcado pela presença de materiais plásticos fertilizantes colorantes inexistentes na natureza e a respeito dos quais de um ponto de vista organolético táctil cromático temos a nítida sensação de que não pertencem ao mundo natural Num verbete da Encyclopédie Universalia 1981 dedicado aos camponeses franceses Bernard Kayser mostra como os seus investimentos em bens de produção terra edifícios máquinas fertilizantes pesticidas etc passaram recentemente de 20 para 50 por cento Criase um verdadeiro tecnocosmo J Prades 1992 p 177 uma situação em que a natureza natural onde ela ainda existe tende a recuar às vezes brutalmente Segundo Ernest Gellner 1989 a natureza deixou de ser uma parte significativa do nosso meio ambiente A idéia de um meio artificial avançada por A Labriola em 1896 em seu estudo intitulado Del Materalismo Storico fazse uma evidência A técnica produzindo um espaço cada vez mais denso no dizer de N Rotenstreich 1985 p 71 tranformase no meio de existência de boa parte da humanidade Podemos então falar de uma cientificização e de uma tecnicização da paisagem Por outro lado a informação não apenas está presente nas coisas nos objetos técnicos que formam o espaço como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas A informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são desse modo equipados para facilitar a sua circulação Podese falar como S Gertel 1993 de inevitabilidade do nexo informacional Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais O meio técnicocientíficoinformacional é a cara geográfica da globalização A diferença ante as formas anteriores do meio geográfico vem da lógica global que acaba por se impor a todos os territórios e a cada território como um todo O espaço no qual o homem sobrevive há mais de cinqüenta mil anos tende a funcionar como uma unidade J Bosque Maurel 1994 p 40 Pelo fato de ser técnicocientífico informacional o meio geográfico tende a ser universal Mesmo onde se manifesta pontualmente ele assegura o funcionamento dos processos encadeados a que se está chamando de globalização Como em todas as épocas o novo não é difundido de maneira generalizada e total Mas os objetos técnicoinformacionais conhecem uma difusão mais generalizada e mais rápida do que as precedentes famílias de objetos Por outro lado sua presença ainda que pontual marca a totalidade do espaço É por isso que estamos considerando o espaço geográfico do mundo atual como um meio técnicocientíficoinformacional Santos 1985 e 1994 Quanto mais tecnicamente contemporâneos são os objetos mais eles se subordinam às lógicas globais Agora tornase mais nítida a associação entre objetos modernos e atores hegemônicos Na realidade ambos são os responsáveis principais no atual processo de globalização Ao mesmo tempo em que aumenta a importância dos capitais fixos estradas pontes silos terra arada etc e dos capitais constantes maquinário veículos sementes especializadas fertilizantes pesticidas etc aumenta também a necessidade de movimento crescendo o número e a importância dos fluxos também financeiros e dando um relevo especial à vida de relações Rompemse os equilíbrios preexistentes e novos equilíbrios mais fugazes se impõem do ponto de vista da quantidade e da qualidade da população e do emprego dos capitais utilizados das formas de organização das relações sociais etc Conseqüência mais estritamente geográfica diminui a arena da produção enquanto a respectiva área se amplia Restringese o espaço reservado ao processo direto da produção enquanto se alarga o espaço das outras instâncias da produção circulação distribuição e consumo Essa redução da área necessária à produção das mesmas quantidades havia sido prevista por Marx que a esse fenômeno chamou de redução da arena Graças aos avanços da biotecnologia da química da organização é possível produzir muito mais por unidade de tempo e de superfície O processo de especialização criando áreas separadas onde a produção de certos produtos é mais vantajosa aumenta a necessidade de intercâmbio que agora se vai dar em espaços mais vastos fenômeno a que o mesmo Marx intitulou ampliação da área Como se produzem cada vez mais valores de troca a especialização não tarda a ser seguida pela necessidade de mais circulação O papel desta na transformação da produção e do espaço tornase fundamental Uma de suas conseqüências é exatamente o aprofundamento das especializações produtivas tendentes a convocar outra vez mais circulação 4 Esse círculo vicioso ou virtuoso depende da fluidez das redes e da flexibilidade dos regulamentos As possibilidades técnicas e organizacionais de transferir à distância produtos e ordens faz com que essas especializações produtivas sejam solidárias no nível mundial Alguns lugares tendem a tornarse especializados no campo como na cidade e essa especialização se deve mais às condições técnicas e sociais que aos recursos naturais A nova fruticultura no vale médio do rio Negro provoca o que se chamou de bigbang de inversões em Chimpay na Patagônia norte argentina Ana M Correa et al 1993 p 6 O conhecimento como recurso A expressão meio técnicocientífico pode também ser tomada em outra acepção talvez mais específica se levarmos em conta que nos dias atuais a técnica e a ciência presentearam o homem com a capacidade de acompanhar o movimento da natureza graças aos progressos da teledeteção e de outras técnicas de apreensão dos fenômenos que ocorrem na superfície da terra As fotografias por satélite retratam a face do planeta em intervalos regulares permitindo apreciar de modo ritmado a evolução das situações e em muitos casos até mesmo imaginar a sucessão dos eventos em períodos futuros Os radares meteorológicos cada vez mais poderosos e precisos são colaboradores preciosos nessa tarefa porque permitem que as previsões se realizem com intervalos ainda menores Cientistas puros e aplicados valemse desses instrumentos de acompanhamento e previsão para aperfeiçoar o conhecimento das leis da natureza física antever o respectivo comportamento e de posse dessas preciosas informações alcançar uma implementação conseqüente das atividades econômicas e sociais As áreas em que tal instrumentação é disponível podem permitir aos seus usuários um maior grau de certeza e sucesso na realização de operações sabido que em muitos casos na agricultura e na indústria certas etapas do processo produtivo alcançam maior rentabilidade quando empreendidas em condições meteorológicas favoráveis A preparação das terras a sementeira ou o plantio a utilização de adubos ou de fungicidas podem ter mais ou menos eficácia segundo as condições de tempo em que são feitas Tudo isso tende a favorecer os empresários uma vez que tenham prévio conhecimento das condições meteorológicas em que cada fração do trabalho e cada fração de capital serão utilizadas Podese de um modo geral dizer que as porções do território assim instrumentalizadas oferecem possibilidades mais amplas de êxito que outras zonas igualmente dotadas de um ponto de vista natural mas que não dispõem desses recursos de conhecimento Imaginando duas regiões com as mesmas virtualidades físicas aquela mais bem equipada cientificamente será capaz de oferecer uma melhor relação entre investimento e produto graças ao uso justintime dos recursos materiais e humanos Numa região desprovida de meios para conhecer antecipadamente os movimentos da natureza a mobilização dos mesmos recursos técnicos científicos financeiros e organizacionais obterá uma resposta comparativamente mais medíocre Tomemos o exemplo do radar meteorológico da Universidade em Bauru no Estado de São Paulo Brasil durante muito tempo o único existente no país Seu raio de ação virtual é de 400 km mas sua captação de sinais é economicamente eficaz num raio de 300 km Isto significa que as empresas que se encontram nesse perímetro e podem desse modo beneficiarse de suas informações têm condições de operação muito superiores às daquelas localizadas em outros lugares As atividades que mais se aproveitam das informações são ligadas à canadeaçúcar e à laranja D Elias 1996 Tais informações são precisas mas genéricas cabendo a cada firma ou conjunto de empresas é o caso das Cooperativas retrabalhar os dados obtidos em função de objetivos específicos Uma nova dinâmica de diferenciação se instala no território Em primeiro lugar distinguemse zonas servidas pelos meios de conhecimento e áreas desprovidas dessa vantagem E dentro das próprias áreas conhecidas as empresas se distinguirão pela sua maior ou menor capacidade de utilização das informações É possível imaginar que tal seletividade espacial e socioeconômica conduza a mudanças rápidas na divisão territorial do trabalho com as firmas mais dotadas do ponto de vista técnico e financeiro tendendo a buscar uma localização onde o lucro potencial será mais forte deixando o resto do território ainda que com virtualidades naturais semelhantes a firmas menos potentes O mesmo raciocínio conduz a admitir que numa mesma área assim instrumentalizada a diferença de oportunidades entre produtores tende a aumentar rápida e brutalmente após a instalação dos novos recursos técnicocientíficos de conhecimento Aliás o rearranjo de atividades e do respectivo poder econômico seria duplo na escala da área instrumentalizada e na da região de que tal área é uma parte privilegiada O conhecimento exerceria assim e fortemente seu papel de recurso participando do clássico processo pelo qual no sistema capitalista os detentores de recursos competem vantajosamente com os que deles não dispõem O espaço nacional da economia internacional Agora os atores hegemônicos armados com uma informação adequada servem se de todas as redes e se utilizam de todos os territórios Eles preferem o espaço reticular mas sua influência alcança também os espaços banais mais escondidos Eis por que os territórios nacionais se transformam num espaço nacional da economia internacional e os sistemas de engenharia mais modernos criados em cada país são mais bem utilizados por firmas transnacionais que pela própria sociedade nacional Em tais condições a noção de territorialidade é posta em xeque e não falta quem fale em desterritorialização O Ianni 1992 p 94 J L Margolin 1991 p 100 atribuindo lhe alguns significados extremos como o da supressão do espaço pelo tempo Virilio 1984 ou o da emergência do que chamam nãolugar M Augé 1992 5 Segundo A Mamigonian 1994 p 1 referindose aos EUA e à América Latina a globalização visa conseguir a abertura indiscriminada dos mercados nacionais e assim a quebra da reserva de mercado a desindustrialização e a diminuição da soberania Daí também a freqüente menção de um espaço sem fronteiras J Ellul 1977 p 17 Y Masuda 1982 p 90 e a um capitalismo sem fronteiras P Ciccolella 1993 onde as empresas multinacionais curtocircuitam os Estados R Petrella 1989 M C Andrade 1994 exercendo o que A Paviani e N Pires 1993 pp 125136 chamam de gestão externa dos territórios Tal atuação das grandes empresas por cima dos Estados permite pensar que presentemente os mercados estão triunfando sobre as políticas dos governos enquanto o controle do mercado está sendo apropriado pelas empresas que dispõem das tecnologias de ponta Ph Cooke 1992 p 205 A globalização diz P Veltz 1993 p 51 deve ser entendida como uma gestão global de múltiplas diferenciações territoriais Sob esse aspecto os negócios governam mais que os governos E Laszlo 1992 e com a globalização da tecnologia e da economia os Estados aparecem como servos das corporações multinacionais R Petrella 1989 Nessas condições lembram Warf 1989 p 265 e C A Michalet 1993 p 19 o Estado não seria mais necessário para gerir as transformações internacionais Verificase uma verdadeira erosão da soberania nacional conforme realçado por H I Schiller 1986 pp 2134 Acreditar todavia que o Estado se tornou desnecessário é um equívoco Na realidade a emergência de organizações e firmas multinacionais realça o papel do Estado tornado mais indispensável do que antes A Giddens 1984 p 135 H Silver 1992 G Boismenu 1993 p 13 Groupe de Lisbonne 1995 Se o capitalismo tem hoje dimensões internacional multinacional mundial ele também não perdeu sua dimensão nacional diz M Beaud 1987 p 50 Segundo Hisrt Thompson 1992 não temos uma economia completamente globalizada mas uma economia internacional cujas respostas são dadas pelas políticas nacionais Para Peter Dicken 1994 pp 103 e 146 que os cita não apenas os Estados ainda são atores importantes como têm a capacidade de encorajar ou inibir a integração global ou nacionalmente responsável frente aos desígnios das empresas transnacionais Assinalando essa passagem de uma economia internacional para uma economia global Savy Veltz 1993 p 5 nos convidam a repensar a relação entre as entidades territoriais nacionais as estratégias e as organizações das empresas em via de mundialização Diversas soluções são aventadas desde o reforço dos blocos regionais P Geiger 1993 pp 104106 M Arroyo 1994 P Ciccolella 1994 à confederação de estados semiautônomos B Barber 1992 p 19 A necessidade de intervenção nos setores estratégicos é evocada com exemplos por J L Whiteman 1990 a essencialidade do Estado para assegurar o bemestar social numa época de globalização é lembrada por J Delcourt 1992 e a inelutabilidade de uma resposta popular internacional prevista por S Picciotto 1991 o que legitima a imperiosidade da elaboração de um projeto nacional G Neves 1994 p 275 para cada país que deseje ter algum comando no processo de sua inserção na nova ordem global que se desenha Universalidade atual do fenômeno de região Na mesma vertente pósmoderna que fala de fim do território e de nãolugar inclui se também a negação da idéia de região quando exatamente nenhum subespaço do Planeta pode escapar ao processo conjunto de globalização e fragmentação isto é individualização e regionalização No decorrer da história das civilizações as regiões foram configurandose por meio de processos orgânicos expressos através da territorialidade absoluta de um grupo onde prevaleciam suas características de identidade exclusividade e limites devidas à única presença desse grupo sem outra mediação A diferença entre áreas se devia a essa relação direta com o entorno Podemos dizer que então a solidariedade característica da região ocorria quase que exclusivamente em função dos arranjos locais Mas a velocidade das transformações mundiais deste século aceleradas vertiginosamente no apósguerra fizeram com que a configuração regional do passado desmoronasse Da mesma forma como se diz hoje que o tempo apagou o espaço também se afirma nas mesmas condições que a expansão do capital hegemônico em todo o planeta teria eliminado as diferenciações regionais e até mesmo proibido de prosseguir pensando que a região existe Quanto a nós ao contrário pensamos que em primeiro lugar o tempo acelerado acentuando a diferenciação dos eventos aumenta a diferenciação dos lugares em segundo lugar já que o espaço se torna mundial o ecúmeno se redefine com a extensão a todo ele do fenômeno de região As regiões são o suporte e a condição de relações globais que de outra forma não se realizariam Agora exatamente é que não se pode deixar de considerar a região ainda que a reconheçamos como um espaço de conveniência e mesmo que a chamemos por outro nome6 Acostumamonos a uma ideia de região como subespaço longamente elaborado uma construção estável Agora neste mundo globalizado com a ampliação da divisão internacional do trabalho e o aumento exponencial do intercâmbio dãose paralelamente uma aceleração do movimento e mudanças mais repetidas na forma e no conteúdo das regiões Mas o que faz a região não é a longevidade do edifício mas a coerência funcional que a distingue das outras entidades vizinhas ou não O fato de ter vida curta não muda a definição do recorte territorial As condições atuais fazem com que as regiões se transformem continuamente legando portanto uma menor duração ao edifício regional Mas isso não suprime a região apenas ela muda de conteúdo A espessura do acontecer é aumentada diante do maior volume de eventos por unidade de espaço e por unidade de tempo A região continua a existir mas em um nível de complexidade jamais visto pelo homem Notas 1 Os meios naturais são desde as origens da préhistória e por definição meios relativamente técnicos Homo faber A partir do Paleolítico superior os trabalhos do homem para defenderse alimentarse alojar se vestirse decorar seus abrigos ou seus lugares de culto implicam técnicas já complexas Inversamente não conhecemos mesmo nos centros mais urbanizados meio técnico puro do qual esteja excluída qualquer ação de elementos naturais se bem que em última instância isto se possa conceber G Friedmann 1966 p 186 2 a natureza não era apenas um quadro fixo ela era também um regulador constante As nossas ações se incorporavam rapidamente e tudo se podia experimentar sem grandes riscos porque os equilíbrios naturais fracamente modificados pela intervenção do homem logo retomavam seu papel G Berber 1964 p 231 3 A mecanização do espaço técnico é muito mais recente do que a mecanização da imagem do mundo retomando o livro de Dijksterhuis Ela somente se impôs ao longo dos dois últimos séculos dos quais ela constitui o traço dominante nos países ocidentais e no Japão Ela se tornou um fenômeno planetário Ela se metamorfoseia de geração em geração Ela povoa o imaginário coletivo a ciênciaficção somente imagina o futuro como sendo invadido e saturado por máquinas às vezes dominado e às vezes aniquilado por elas JP Séris 1994 p 154 4 A esse respeito P Geiger 1993 p 108 referese à divisibilidade das operações e sua dispersão geográfica conduzindo a maiores especializações A esse respeito ver também D Trinca 1993 p 199 5 A propósito do tema territorialidadedesterritorialidade tanto para o caso brasileiro como em geral ver M Correia de Andrade 1994 Gervásio Neves 1994 R Lobato Corrêa 1994 Pedro Geiger 1994 e outros 6 Embora seja difícil estabelecer com precisão o significado da palavra região é certo que seja qual for a sua definição ela está intimamente ligada às formas de produção que vigoram em determinado momento histórico M A Faggin Pereira Leite 1994 p 14