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CARLO GINZBURG QUEIJO EOSVERMES o cotidiano e as idiias de um moleiro perseguido pela Inquisifiio Tradufiio Maria Becinia Amoroso Tradufiio dos poemas Jose Paulo Paes Revisiio ticnica Hilario Franco Jr 2 reimpressiio o j Copyright 1976 by Giulio Einaudi Editore SPA Torino Titulo original II fonnaggio e i venni II cosmodi un mugnaio del 500 lndicafiio editorial Renato Janine Ribeiro Capa Jeff Fisher Tradufiio do iatim Antonio da Silveira Mendonra Preparafiio Marcia Copola Revisiio Renato Potenza Rodrigues Vivian Miwa Matsushita indice onomdstico Jose Muniz Jr Dados lntemacionais de Catalogarao na Publicaao CIP Cimar Erasileira do Livro SP Brasil Ginzburg Cario 1939 o queijo e os vennes 0 coridiano e as ideias de urn moleiro perseguido peb Inquisi30 I Carlo Ginzburg tradurao Maria Eetinia Amoroso traduao dos poemas Jose Paulo Pacs revisao ticnica Hilario Frnco Jr Sao Paulo Cornpanhia das Letras 2006 Titulo original II formaggio e i vermi il cosmo di un mugnaio del500 ISBN 9788535908107 1 Camponeses fbilia Udine provincia Hist6ria Seenlo 16 2 Hereges criscios kllia Udine Provincia 3 Hcresias cristas Hisroria Periodo modemo 1500 4 Inquisirao lbilia 5 Scandella Domenico 15321601 6 Udinc ltalia Provincia Hist6ria da Igreja 7 Udine ftalia Provincia Vida religiosa e cosrumes I Titulo 062121 CDD2736 indices par cacilogo sistematico 1 Heresias Siculo 16 lcilia Historia da 19reja 2736 2 Seculo 16 Heresias lcilia Hist6ria da Igreja 2736 2008 Todos os direitos desta ediyao reservados a EDITORA SCHWARCZ LTDA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 Sao Paulo SP Telefone 11 37073500 Fax II 37073501 wwwcompanhiadasletrascombr suMARIo Prefiicio a ediao inglesa 9 Preficio a ediao italiana I I I Menocchio 3 I 2 A aldeia 33 3 0 primeiro interrogatorio 36 4 Possesso 37 5 De Concordia a Porrogruaro 38 6 Falar muito contra os superiores 41 7 Uma sociedade arcaiea 46 8 Arruinam os pobres 50 9 Luteranos e anabatistas 52 10 Urn moleiro urn pintor urn burno 57 11 Opinioes sairam da minha propria cabea 65 12 Os livros 67 13 Leitores da aldeia 68 14 Folhas impressas e opinioes fantasticas 70 15 Beco sem saida 71 16 0 templo das virgens 73 17 0 funeral de Nossa Senhora 74 18 0 pai de Cristo 76 19 0 dia do Juizo Final 76 20 Mandeville 82 21 Pigmeus e canibais 86 22 Deus cia natureza 90 2 3 Os tres aneis 92 24 Cultura escrita e cultura oral 95 25 0 caos 95 26 Dialogo 98 27 Queijos misticos e queijos reais 101 28 0 mouop61io do saber 104 29 As palavras do Fioretto lOS 30 A funiio das metaforas 108 31 Patrao feitor e trabalhadores 108 32 Uma hip6tese 112 33 Religiiio camponesa 116 34 A alma 117 35 En nao sei 119 36 Dais espfritos sete almas quatro elementos 37 Trajet6ria de urna idia 121 38 Contradi6es 12S 39 0 paraiso 126 40 Urn novo modo de viver 128 41 Acabar com os padres 131 42 Mundo novo 133 43 Fim dos interrogat6rios 139 44 Carta aos juizes 140 45 Figuras de ret6rica 142 46 Primeira sentena 14 S 47 Prisiio 148 48 Volta aaldeia IS 1 49 Demincia 154 50 Diilogo noturno com 0 judeu 157 51 Segundo processo 1S9 52 Fantasias 160 53 Viddes e sonhos 163 54 6 magoo onipotente e santo Deus 167 55 Se en tivesse morrido ha quinze anas 168 56 Segunda sentena 169 57 Tortura 169 58 Scolio 171 59 Pellegrino Baroni 178 60 Dois moleiros 183 61 Cultura dominante e cultura subalterna 189 62 Cartas de Roma 190 120 1 Posrncio Renato Janine Ribeiro 193 Notas e abreviaturas 199 Indice onomistico 247 Sobre 0 autor 2SS lfi38BCBSCSH I t F bTY prc G instlMo 1l1lt If C I I 1 PREFAcIO A EDIAO INGLESA Como oeorre com freqiiencia esta pesquisa tambem surgiu por acaso Passei pane do verao de 1962 em Udine 0 Arquivo da Cliria Episcopal daquela cidade preserva urn acervo de documen tos inquisitoriais extremamente rico e aquela epoca ainda inex plorado Pesquisei os julgamentos de urna estranha seita de Friuli cujos membros os juizes identificaram como bruxas e curandeiros Mais tarde escrevi urn livro sabre eles 1 benandanti Stregoneria e culti agrari tra Cinquecento e Seicento publicado em 1966 e reim presso em Turim em 1979 Ao folhear urn dos volurnes manuscri tos dos julgamentos depareime com uma sentenca extremamen te longa Uma das acusaoes feitas a urn reu era a de que ele sustentava que 0 mundo rinha sua origem na putrefao Essa fra se attain minha curiosidade no mesma instante mas ell estava a procura de outras coisas bruxas curandeiros benandanti Anotei 0 mimero do processo Nos anas que se seguiram essa anotacao res saltava periodicamente de meus papeis e se fazia presente em mi nha memoria Em 1970 resolvi tentar entender 0 que aquela de claraao poderia ter significado para a pessoa que a fonnulara Durante esse tempo todo a Unica coisa que sabia a seu respeito era o nome Domenico Scandella dito Menocchio Este livro narra sua hist6ria Gracas a uma farta documenta o temos condicees de saber quais eram suas leituras e discus sees pensamentos e sentimentos tern ores esperancas ironias raivas desesperos De vez em quando as fontes tao diretas 0 tra zem muito perto de nos e urn homem como nos e urn de nos Mas e tam bern urn homem muito diferente de nos A re construcao analitica dessa diferenca tomouse necessaria a fim de podermos reconstruir a fisionomia parcialmente obscureci da de sua cultura e contexto social no qual ela se moldou F oi 9 possivel rastrear 0 complicado relacionamento de Menocchio com a cultura escrita os livros ou mais precisamente alguns dos livros que leu e 0 modo como os leu Emergiu assim urn fil tro urn criva que Menocchio interpos conscientemente entre ele e os textos obscurs Oll ilustres que Ihe cafram nas maos Esse criva por Dutro lado pressupunha uma cultura oral que era patrim6nio nao apenas de Menacchia mas tambeffi de urn vasto segmento da sociedade do seculo XVI Em conseqiiencia uma investigacao que no infcio girava em torno de urn indivi duo sobretudo de urn individuo aparentemente fora do comum acabou desembocando numa hip6tese geral sobre a cultura po pular e mais precisamente sabre a cultura camponesa da Europa preindustrial numa era marcada pela difusao da im prensa e a Reforma Protestante bern como pela repressao a esta ultima nos paises catalicos Podese ligar essa hip6tese aquilo que ja foi proposto em termos semelhantes por Mikhail Bakh tin e que e possivel resumir no termo circularidade entre a cultura das classes dominantes e a das classes subalternas existiu na Europa preindustrial urn relacionamento circular feito de influencias redprocas que se movia de baixo para cima bern como de cima para baixo exatamente 0 oposto portanto do conceito de absoluta autonomia e continuidade da cultura cam ponesa que me foi atribuido por certo erftieo o queija e os vermes pretende ser uma historia bern como urn escrito historico Dirigese portanto ao leitor comum e ao especialista Provavelmente apenas 0 ultimo lera as notas que pus de proposito no fim do livro sem referencias numeri cas para nao atravancar a narrativa Espero porem que ambos reconheam nesse epis6dio urn fragmento despercebido toda via extraordimlrio da realidade em parte obliterado e que co loea implieitamente uma serie de indaga5es para nossa propria cultura e para nos 10 PREFACIO A EDICAo ITALIANA 1 No passado podiamse acusar os historiadores de querer conhecer somente as gestas dos reis Boje e claro nao e mais assim Cada vez mais se interessam pelo que seus predecessores haviam ocultado deixado de lado ou simplesmente ignorado Quem construiu Tebas das sete portas perguntava 0 lei tor operario de Brecht As fontes nao nos con tam nada daque les pedreiros anonimos mas a pergunta conserva todo seu peso 2 A escassez de testemunhos sobre 0 comportamento e as ati tudes das classes subaltemas do passado e com certeza 0 primei ro mas nao 0 unico obstaculo Contra 0 qual as pesquisas historicas do genero se chocam Porem e uma regra que admite exce5es Este livro conta a historia de urn moleiro friulano Domenico Scandella conhecido por Menocchio queimado por ordem do Santo Oficio depois de uma vida transcorrida em total anonimato A documentaao dos dois processos abertos contra ele distantes quinze anos urn do outro nos da urn quadro rico de suas ideias e sentimentos fantasias e aspira6es Outros documentos nos fomecem indica6es sobre suas atividades eco nomicas sobre a vida de seus filhos Temos tambem algnmas pa ginas escritas por ele mesmo e uma lista parcial de suas leiruras sabia ler e escrever Gostarfamos e claro de saber muitas ou tras coisas sobre Menocchio Mas 0 que temos em maos ja nos permite reconstruir urn fragmento do que se costuma denomi nar cultura das classes subalternas ou ainda cultura popular 11 r 3 A existencia de desnfveis culturais no interior das assim cha madas sociedades civilizadas e 0 pressuposto da disciplina que foi aos poucos se autodefinindo como folclore antropologia social hist6ria das tradi5es populares etnologia europeia Todavia 0 emprego do termo cultura para definir 0 conjunto de atitudes crenas codigos de comportamento proprios das classes subal ternas nurn certo periodo hist6rico e relativamente tardio e foi emprestado da antropologia cultural S6 atraves do conceito de cultura primitiva e que se chegou de fato a reconhecer que aqueles individuos outrora definidos de forma paternalista como camadas inferiores dos povos civilizados possuiam cultura A consciencia pesada do colonialismo se uniu assim a consciencia pesada da opressao de classe Dessa maneira foi superada pelo menos verbalmente nao so a concepao antiquada de folclore como mera colecao de curiosidades mas tambem a posiao de quem distinguia nas ideias crenas vis5es de mundo das classes subalternas nada mais do que urn acrimulo inorginico de frag mentos de ideias crenas visoes de mundo elaborados pelas clas ses dominantes provavelmente varios seculos antes A essa altura comea a discussao sobre a relacao entre a cultura das classes su balternas e a das classes dominantes Ate que ponto a primeira esta subordinada a segunda Em que medida ao cntrario expri me conteudos ao menos em parte alternativos E possivel falar em circularidade entre os dois niveis de cultura Os historiadores so se aproximaram muito recentemente e com certa desconfiana desses tipos de problema 1sso se deve em parte sem duvida nenhuma a persistencia de urna con cepcao aristocratica de cultura Com muita freqiiencia ideias ou crencas originais sao consideradas por definicao produto das classes superiores e sua difusao entre as classes subalternas urn fato mednico de escasso ou mesmo de nenhurn interesse como se nao bastasse enfatizase presunosamente a deterioracao a defonnaao que tais ideias ou crencas sofreram durante 0 pro cesso de transmissao Porem a desconfianca dos historiadores 12 tern tambem Dutro motivo mais imediato de ordem metodo16 gica e nao ideo16gica Em compararao com os antrop6ogos e es tudiosos das tradic5es populares as historiadores partern com uma grande desvantagem Ainda hoje a cultura das classes subal ternas e e muito mais se pensannos nos seculos passados pre dominantemente oral e os historiadores nao podem se por a conversar com os camponeses do seculo XVI al6m disso nao se sabe se os compreenderiam Precisam entao servirse sobretudo de fontes escritas e eventualmente arqueologicas que sao du plamente indiretas por serem escritas e em geral de autoria de individuos uns mais outros menos abertamente ligados a cultu fa dominante Isso significa que as pensamentas crenas espe rancas dos camponeses e artesaos do passado chem ate nos atraves de filtros e intermediarios que os deformam E 0 que bas ta para desencorajar antecipadamente as tentativas de pesquisa nessa direao Porem os termos do problema mudam de forma radical ante a proposta de estudar nao a cultura produzida pelas classes popu lares e sim a cultura imposta as classes populares Foi 0 que Robert Mandrou tentou fazer ha uns dez anos com base numa fonte ate aquele momento pouco explorada a literatura de cor del isto e folhetos baratos impressos grosseiramente almana ques can5es receitas e remedios narra5es de prodigios ou vidas de santos vendidos nas feiras ou nos campos por ambu antes Mandrou diante de urna lista dos principais temas recor rentes acabou por formular uma conclusao urn tanto quanto apressada Essa literatura por ele definida como de evasao te ria alimentado por seculos uma visao de mundo banhada de fa talismo e determinismo de maravilhoso e misterioso impedin do que seus leitores tomassem consciencia da propria condiao social e polftica e portanto desempenhando talvez conscien temente uma funao reacionaria Todavia Mandrou na se limitou a considerar almanaques e canoes como documentos de uma literatura deliberadamente endereada ao povo Em uma passagem brusca e imotivada de finiuos enquanto instrumentos de uma aculturaao vitoriosa 13 como reflexo J da visao de mundo das classes populares do Ancien Regime atribuindo tacitamente a essas classes uma com pleta passividade cultural e a literatura de cordel uma influencia desproporcionada Mesmo sendo as tiragens como se presume consideniveis e com cada urn daqueles folhetos deceno sendo lido em voz alta atingindo gran des estratos de analfabetos numa sociedade em que estes constituiam tres quartos da popu lacao os camponeses aptos a ler eram com certeza uma peque na minoria Identificar a cultura produzida pelas classes popu lares com a cultura imposta as massas populares decifrar a fisionomia da cultura popular apenas atraves das maximas dos preceitos e dos contos da Bibliotheque bleue e absurdo 0 atalho indicado por Mandrou para superar as dificuldades ligadas a re construiio de uma cultura oral nos leva na verdade ao ponto de partida o mesmo atalho embora com pressupostos muito diferen tes foi trilhado com notavel ingenuidade por Genevieve BoHeme Essa pesquisadora viu na literatura de cordel em vez do instrumento de uma improvavel aculturacao vitoriosa a ex pressiio espontanea ainda mais improvavel de uma cultura po pular original e autanoma permeada por valores religiosos N es sa religiao popular concentrada na humanidade e pobreza de Cristo teriam sido fundi dos de forma harmoniosa 0 natural e o sobrenatural 0 medo da morte e 0 impulso em direcao a vida a tolerancia as injusticas e a revolta contra a opressao Dessa ma neira e claro trocase literatura popular por uma literatura destinada ao povo continuando sem se dar conta nos domi nios da cultura produzida pelas classes dominantes It verdade que incidentalmente BoHeme levanta a hip6tese de uma defa sagem entre os opusculos e 0 modo como seriam lidos pelas classes populares Mas essa indicacao preciosa permanece este ril ja que desemboca no postulado da criatividade popular indeterminada e aparentemente inatingivel propria de uma tra dicao oral que nao deixou vestigios 14 4 A imagem estereotipada e adocicada de cultura popular que constitui 0 ponto de chegada da pesquisa realizada por BoHeme contrasta profundamente com outra vivissima delineada por Mi khail Bakhtin num livro fundamental sobre as relaoes entre Ra belais e a cultura popular do seu tempo Ao que tudo indica Gar gfintua e Pantagruel que talvez niio tenham sido lidos por nenhum campones nos fazem compreender mais coisas sobre a cultura camponesa do que 0 Almanach des bergers que devia circular am plamente pelos campos da Frana No centro da cultura configu rada por Bakhtin esta 0 camaval mito e rito no qual confluem a exaltao da fertilidade e da abundancia a inversao brincalhona de todos os valores e hierarquias constituidas 0 sentido cosmico do fluir destruidor e regenerador do tempo Segundo Bakhtin essa visao de mundo eJaborada no correr dos seculos pela cultura po pular se contrapoe sobretudo na Idade Media ao dogmatismo e a seriedade da cultura das classes dominantes Apenas levandose em consideraiio essa diferena e que a obra de Rabelais se torna compreensivel A sua comicidade se liga diretamente aos temas carnavalescos da cultura popular Portanto temos por urn lado dicotomia cultural mas por outro circularidade influxo redpro co entre cultura subaltema e cultura hegemonica particulannen te intenso na primeira metade do seculo XVI Em parte tratase de hipoteses nao todas igualmente docu mentadas Mas 0 limite do belissimo livro de Bakhtin talvez seja outro os protagonistas da cultura popular que ele tentou des crever camponeses artesaos nos falam quase so atraves das palavras de Rabelais It justamente a riqueza das perspectivas de pesquisa indicadas por Bakhtin que nos faz desejar ao contrario uma sondagem direta sem intennediarios do mundo popular Porem pelos motivos ja levantados substituir uma estrategia de pesquisa indireta por outra direta neste tipo de trabalho e por demais dificil 15 5 Mas nao e preciso exagerar quando se fala em filtros e inter mediarios deformadores 0 fato de uma fonte nao ser objetiva mas nem mesmo urn inventario e objetivo nao significa que seja inutilizavel Vma cronica hostil pode fornecer testemunhos preciosos sobre 0 comportamento de uma comunidade campo nesa em revolta A analise do carnaval de Romans realizada por Emmanuel Le Roy Ladurie e exemplar nesse sentido No con junto diante da incerteza metodologica e da pobreza dos resul tados da maior parre dos estudos dedicados explicitamente a de finicao do que era a culrura popular da Europa preindustrial sobressai urn ceno tipo de pesquisa como a de Natalie Zemon Davis e de Edward P Thompson sobre os charivari por exem plo que ilumina aspectos particulares dessa cultura Mesmo urna documentacao exigua dispersa e renitente pode portanto ser aproveitada Conrudo 0 medo de cair no famigerado positivismo inge nuo unido a exasperada consciencia da violencia ideologica que pode estar oculta por tras da mais nonnal e a primeira vista ino cente operacao cognitiva induz hoje muitos historiadores a jo gar a criana fora junto com a agua da bacia ou deixando de lado as meciforas a culrura popular junto com a documentacao que dela nos da uma imagem mais ou menos deformada Depois de ter criticado nao sem razao as pesquisas ja lembradas aqui sobre a literatura de cordel urn grupo de estudiosos chegou a se perguntar se a cultura popular existiria para alem do gesto que a elimina A pergunta e retorica e a resposta obviamente nega tiva Essa especie de neopirronismo parece a primeira vista para doxal visto que por tras dele encontramse os esrudos de N1ichel Foucault quer dizer alguem que com a maior autoridade na Histoire de fa folie chamou a atencao sobre as exclus6es as proi hic6es os limites atraves dos quais nossa cultura se constituiu historicamente Mas observando melhor percebese que 0 para doxo e so aparente 0 que interessa sobretudo a Foucault sao os gestos e os criterios da exclusao os exclusos urn pouco menos 16 Em Histoire de fa folie ja estava implicita ao menos em pane a trajetoria que levaria Foucault a escrever Les mots et les choses e Larcheologie du savoir Tal trajetoria foi fiuito possivelmente ace lerada peas simples obje6es niilistas lanadas por Jacques Der rida contra a Histoire de la folie Nao se pode falar da loucura numa linguagem historicamente participante da razao ocidental e ponanto do processo que levan a repressao da propria loucu ra 0 ponto em que se apoia a pesquisa de Foucault disse Der rida em poucas palavras naa existe nao pode existir A essas alturas 0 ambicioso pfojeto foucaultiano de uma arqueologia do silencio transformouse em silencio puro e simples por vezes acompanhado de uma muda contemplaao estetizante Essa involmao aparece num livro recente que reUne ensaios redigidos por Foucault e por alguns dos seus colaboradores aem desses traz VariDS documentos sabre 0 caso de urn jovem campo nes que no inicio do seculo XVil matou a mae a inna e urn ir mao A analise versa acima de tudo sobre a interseo de duas lin guagens de exclusao que tendem a se negar altemadamente a judiciaria e a psiquiatrica A figura do assassino Pierre Riviere acaba passando para segundo plano justamente quando sao pu blicadas suas memorias escritas por ele a pedido dos juizes que procuravam uma explicao para 0 triplice crime A possibilidade de interpretar esse texto foi excluida de forma explfcita porque equivaleria a altedIo reduzindoo a uma razao estTanha a ele Nao sobra mais nada alem de estupor e silencio Unicas rea6es legitimas E no irracionalismo estetizante portanto que vai desembo car essa linha de pesquisa A relaao obscura e contraditoria de Pierre Riviere com a cultura dominante e apenas mencionada suas leituras almanaques livros de piedade mas tambem Le bon sens du cure Meslier sao mesmo ignoradas Preferese descreve 10 vagando pelos bosques depois do delito como urn homem sem cultura urn animal sem instinto urn ser mitico urn ser monstruoso impossive de ser definido porque estranho a qualquer ordem nomeavel E 0 extase diante do estranhamen to absoluto que na realidade e fruto da recusa de analise e in 17 terpreta9ao As vitimas da exclusao social tornamse os deposi tarios do fulico discurso que representa uma alternativa radical as mentiras da sociedade constituida urn discurso que passa pelo delito e pelo canibalismo que e encarnado indiferentemente nas mem6rias redigidas por Pierre Riviere ou no seu matricfdio E urn populismo as avessas urn populismo negro mas as sim mesmo populismo 6 o que foi dito ate aqui demonstra cOm clareza a ambigiii dade do conceito de cultura popular As classes subalternas das sociedades preindustriais e atribuida ora uma passiva ade quaao aos subprodutas culturais distribuidos com generosi dade pelas classes dominantes Mandrou ora uma tacita pro posta de valores ao menos em parte autonomos em rela9ao a cultura dessas classes Bolleme ora urn estranhamento absolu to que se coloca ate msmo para alern ou melhor para aquem da cultura Foucault E bern mais frutifera a hipatese formula da par Bakhtin de uma influencia recfproca entre a cultura das classes subalternas e a eultura dominante Mas preeisar os mo dos e os tempos dessa influencia Jacques Le Goff comeou esse trabalho obtendo atimos resultados significa enfrentar 0 problema posto pela documentaao que no caso da cultura po pular e como ja dissemos quase sempre indireta Ate que pon to as eventuais elementos da eultura hegemonica encontraveis na cultura popular sao frutos de uma acultura9ao mais ou me nos deliberada au de urna convergencia mais ou menos espon tanea e nao ao contrario de uma inconsciente deformacao da fonte obviamente tendendo a conduzir 0 desconhecido ao co nhecido ao familiar Alguns anos atras vime obrigado a enfrentar urn problema parecido no decorrer de uma pesquisa sobre proeessos contra a bruxaria entre os seculos XVI e XVII Eu queria entender 0 que a bruxaria era na realidade para os sellS protagonistas bruxas e 18 I 1 bruxos mas a documentaiio da qual dispunha processos e em especial os tratados de demonologia parecia cO1stituir uma tal barreira que impedia de forma irremediavel 0 conhecimento da bruxaria popular Esbarrava sempre por todos os lad os com os esquemas de origem culta da bruxaria inquisitorial Apenas a descoberta de urn veio de crenas ate aquele momento ignoradas concentrado nos benandanti abriu uma brecha naquela parede Pela discrepancia entre as perguntas dos juizes e as respostas dos aCllsados a qual nao poderia ser atribuida aos interrogatorios sugestivos nem a tonma vinha a baila urn estrato profunda de crenas populares substancialmente autonomas As confissoes de Menocchio 0 moleiro friulano protagonis ta deste livro constituem em certa medida urn easo semelhan te ao dos benandanti Aqui tam bern a irredutibilidade de parte dos discursos de Menocchio a esquernas conhecidos aponta para urn estrata ainda nao examinado de crens populares de obscu ras mitologias eamponesas Mas 0 que torna mnito mais cornpli cado 0 caso de Menocchio e 0 fato de esses obscurs elementos populares estarem enxertados nurn conjunto de ideias muito cla ras e conseqiientes que vaG do radicalismo religioso ao natura lismo tendencialmente cientifico as aspiracoes ut6picas de reno vacao social A impressionante convergencia entre as posi90es de urn desconhecido moleiro friulano e as de gtupos de intelectuais dos mais refinados e conhecedores de seu tempo repropoe com toda fora 0 problema da circularidade da cultura forrnulado por Bakhtin 7 Antes de analisar em que medida as confissoes de Menoc chio nos ajudam a precisar 0 problema devemos nos perguntar que relevancia podem ter num plano geral as ideias e crencas de urn individuo tinico em relacao aos do seu nivel social No momento em que equipes inteiras de estudiosos se lancam a em presas imensas de historia quantitativa das ideias ou de historia 19 religiosa serial propor uma investigacao capilar sobre um molei ro pode parecer paradoxal ou absurdo quase com 0 retorno ao tear mecanico numa era de teares automaticos E sintomatico que a possibilidade de uma investigaao como essa tenha sido descartada antecipadamente por alguem como Franois Furet que defendia a ideia de que a reintegraao das classes inferiores na hist6ria geral pode ocorrer apenas sob 0 signo do numero e do anonimato atraves da demografia e da sociologia urn es tudo quantitativo das sociedades do passado Embora nao mais ignoradas as classes inferiores estariam da mesma fonna conde nadas a permanecer silenciosas Porem se a documentacao nos oferece a oportunidade de reconstruir nao s6 as massas indistintas como tambem persona lidades individuais seria absurdo descartar estas Ultimas Noo e urn objetivo de pouca imporcincia estener as classes mais bai xas 0 conceito hist6rico de individuo E claro que existe 0 ris co de cair no anedotario na famigerada histoire ivinementielle que nao s6 e nem necessariamente e hist6ria politica Cntu do tratase de urn risco evitavel Alguns estudos blOgraficos mostraram que urn individuo mediocre destitufdo de interesse por si mesmo e justamente por isso representativo pode ser pesquisado como se fosse urn microcosmo de urn estrato so cial inteiro num detenninado periodo hist6rico a nobreza austriaca ou 0 baixo clero ingles do seculo xv Seria esse 0 caso de Menocchio Nem por sonho Nao po demos consideraIo urn campones tipico no sentido de me dio estatisticamente mais freqiiente do seu tempo seu rela tivo isolamento na comunidade deixa isso claro Aos olhos dos conterraneos Menocchio era urn homem ao menos em parte diferente dos outros Mas essa singularidade tinha limites bern precisos da cultura do proprio tempo e da propria dasse nao se sai a nao ser para entrar no delirio e na ausencla de comumca ao Assim como a lingua a cultura oferece ao individuo urn ho rizonte de possibilidades latentes uma jaula flexivel e invisi vel dentro da qual se exercita a liberdade condicionada de cada urn Com rara clareza e lucidez Menocchio articulou a lingua 20 I 1 gem que estava historicamente a sua disposiCao Por isso nas suas confissoes e possive encontrar de maneira bastante mtida quase exasperada uma serie de elementos convergentesj esses mesmos elementos numa outra documentacao analoga con temporanea ou pouco posterior aparecem dispersos ou en tao so e possive vislumbniIos Algumas investigaoes confir mam a existencia de tracos que reconduzem a uma cultura camponesa comum Em poucas palavras mesmo urn casolimi te e Menocchio com certeza 0 e pode se revelar representati vo seja negativamente porque ajuda a precisar 0 que se deva entender numa situacao dada por estatisticamente mais fre qiiente seja positivamente porque permite circunscrever as possibilidades latentes de algo a cultura popular que nos chega apenas atraves de documentos fragmentirios e deforma dos provenientes quase todos de arquivos da repressao Com isso nao estamos querendo contrapor as pesquisas qua litativas as quantitativas Simplesmente queremos frisar que no que toca as classes subalternas 0 rigor demonstrado pelas pes quisas quantitativas nao pode deixar de lado se quisermos nao pode ainda deixar de lado 0 tao deplorado impressionismo das qualitativas 0 chiste de E P Thompson sobre 0 grosseiro e insistente impressionismo do computador que repete ad nauseam urn linico eemento passando por cima de todos os dados docu mentais para os quais flaO foi programado e literalmente ver dadeiro ja que 0 compurador como e 6bvio nao pensa mas executa ordens Por outro lado s6 uma serie de pesquisas parti cuiares de grande fOlego pode permitir a elaboraao de urn pro grama articulado a ser submetido ao computador Vamos dar urn exemplo concreto Nos ultimos anos foram conduidas varias pesquisas quantitativas sobre a produao li vreira francesa do seculo XVIII e sua difusao com 0 justissimo proposito de alargar 0 quadro da tradicional historia das ideias atraves do levantamento de uma enorme quantidade de titulos quase 45 mil sistematicamente ignorados pelos estudiosos ate aquele momento So desse modo comentouse pode remos avaliar a incidencia do elemento inerte esratico da pro 21 duao livreira e ao mesmo tempo entender 0 significado de ruptura das obras realmente inovadoras Urn estudioso italia no Furia Diaz fez algumas objec6es a essa abordagem por urn lado correse 0 risco de estar sempre descobrindo 0 6bvio por Dutro de se ater ao que em termos historicos e engano so E deu urn exemplo ironico os camponeses franceses do fim do stenIa com certeza nao assaltavam os castelos da nobreza porque tinham lido LAnge Conducteur mas porque as novas ideias mais ou menos implicitas nas noticias que chegavam de aris iam ao encontro de interesses e J velhos rancores E evidente que a segunda objeao a outra e bern mais funda mentada nega de fato a existencia de uma cultura popular como tambem a utilidade das pesquisas sabre ideias e crencas das classes subalternas repropondo a velha historia das ideias do tipo exclusivamente elitista Na verdade a critica a ser fei ta as pesquisas quantitativas da historia das ideias e outra nao por serem pouco afeitas a elite e sim por ainda 0 serem demais Elas partem do pressuposto de que nao so os textos como ate mesmo os titulos fornecem dados inequivocos Ora isso se torna cada vez menos verdade quanto mais 0 nivel dos leitores diminui Os almanaques can6es livros de piedade vida de santos tudo 0 que constituia 0 vasto material da produ9aO li vreira a nos surgem como estaticos inertes sempre iguais a si mesmos Mas como eram lidos pelo publico de entao Em que medida a cultura predominantemente oral daqueles leitores interferia na frui9aO do texto modificandoo remodelandoo chegando mesmo a alterar sua natureza As referencias de Me nocchio a suas leituras nos dao urn exemplo claro desse tipo de relaiio com 0 texto a qual diverge por inteiro da dos lei to res cultos de hoje Tais referencias nos permitem medir a defasa gem justamente hipotetizada por Bollome entre os textos da literatura popular e 0 modo como eram lidos por campone ses e artesaos No caso de Menocchio a defasagem aparece com uma profundidade decerto pouco comum Porem ainda uma vez e precisamente essa singularidade que oferece indi ca90es preciosas para pesquisas posteriores No caso da histo 22 ria quantitativa das ideias por exemplo apenas a consciencia da variabilidade historica e social da figura do leitor podera fornecer de maneira efetiva as premissas de uma historia das ideias tambem qualitativamente diversa 8 A defasagem entre os textos lidos por Menocchio e 0 modo como ele os assimilou e os referiu aos inquisidores indica que suas posi6es nao sao redutiveis ou remissiveis a urn au antra livro Por urn lado elas reentram numa tradiao oral antiqiiis sima por outro evocam uma serie de motivos elaborados por grupos hereticos de forma9aO humanista tolerancia tenden cia em reduzir a religiao a moralidade etc Tratase de uma di cotomia so aparente que remete na verdade a uma cultura unitaria em que nao e possivel estabelecer recortes daros Mes mo que Menocchio tenha entrado em contato de maneira mais ou menos mediada com ambientes cultos suas afirma90es em defesa da tolerancia religiosa seu desejo de renovaao radical da sociedade apresentam urn tom original e nao parecem re sultado de influencias externas passivamente recebidas As raizes de suas afirma90es e desejos estao fincadas muito lon ge num estrato obscuro quase indecifravel de remotas tradi 90es camponesas A esta altura poderseia perguntar se 0 que emerge dos dis cursos de Menocchio nao e mais uma mentalidade do que uma cultura Apesar das aparencias nao se trata de uma distin9ao fiitil 0 que tern caracterizado os estudos de historia das menta lidades e a insistencia nos elementos inertes obscuros incons cientes de uma determinada visao de mundo As sobrevivencias os arcaismos a afetividade a irracionalidade delimitam 0 campo especffico da historia das mentalidades distinguindoa com mui ta clareza de disciplinas paralelas e hoje consolidadas como a historia das ideias ou a historia da cultura que no entanto para alguns estudiosos engloba as duas anteriores Inscrever 0 caso 23 de Menocchio no ambito exdusivo da hist6ria das mentalidades significaria portanto colocar em segundo plano 0 fortissimo componente racional nao necessariamente identificavel a nossa nacionalidade da sua visilo de mundo Todavia 0 argumento decisivo e DutrO a conotacao terminantemente interclassista da hist6ria das mentalidades Esta como ja foi dito estuda 0 que tern em comum Cesar e 0 ultimo soldado de snas legi6es sao Luis e 0 campones que cultivava as suas terras Cristovao Co lombo e 0 marinheiro de snas caravelas Nesse sentido na maior pane das vezes 0 acljetivo coletiva acrescentado a menta lidade e pleonastico Ora nao queremos negar a legitimidade de investigaoes desse tipo porem 0 risco de chegar a extrapo lac6es indevidas e finito grande Ate mesma urn dos maiores historiadores deste seculo Lucien Febvre cain uuma armadilha desse genera Num livro inexato mas fascinante tentoll atraves da investigailo sobre urn individuo ainda que excepcional como Rabelais identificar as coordenadas mentais de toda uma era Enquanto se trata de demonstrar a inexistencia de urn presumivel ateismo em Rabelais nenhum problema Entre tanto quando se adentra 0 terreno da mentalidade ou psicolo gia coletiva sustentando que a religiao exercia sobre os ho mens do seculo XVI uma influencia ao mesmo tempo profunda e opressora da qual era impossivel escapar como nao escapou Rabelais a argumentaao se toma inaceitavel Quem eram aque les mal identificados homens do seculo XVI Humanistas mer cadores artesaos camponeses Gracas a nocao interclassista de mentalidade coletiva os resultados de uma investigaao con duzida sobre urn pequeno estrato da sociedade francesa compos to par individuos cultos sao tacitamente ampliados ate abarcar completamente urn seculo inteiro E 0 retorno da tradicional historia das ideias as camponeses isto e a grande maioria da populailo daquela epoca silo vislumbrados no livro de Febvre s6 para serem apressadamente liquidados como massa semi selvagem vitima das superstioes enquanto a afirmacao de que era impossive naquele tempo formular uma posiilo irreligiosa conseqiiente em termos cnticos traduzse em outra bastante 24 previsivel de que 0 seculo XVlI nilo era 0 seculo XVI e Descar tes nao era contemporaneo de Rabelais Apesar desses limites 0 modo como F ebvre consegue sepa rar os multiplos fios que ligm urn individuo a urn ambiente a uma sociedade historicamente determinados permanece exem plar Os instrumentos que usou para analisar a religiilo de Rabe lais podem servir tam bern para analisar a religiao tao diversa de Menocchio Em todo caso a esta altura ja deve estar claro por que a expressao mentalidade coletiva seja preferivel a tambem pouco satisfatoria expressao cultura popular Uma analise de dasses e sempre mehor que uma interdassista Com isso nao se esci de maneira alguma afirmando a exis tencia de uma cultura homogenea comum tanto aos campone ses como aos artesilos da cidade para nilo falar dos grupos mar ginais como os vagabundos na Europa preindustrial Apenas se esta querendo delimitar urn ambito de pesquisa no interior do qual e preciso conduzir analises particularizadas como a que fazemos aqui S6 desse modo sera possivel eventualmente gene ralizar as condusoes a que se chegou neste estudo 9 Dois grandes eventos historicos tomaram possivel urn caso como 0 de Menocchio a invencao da imprensa e a Reforma A imprensa the permitiu confrontar os livros com a tradicao oral em que havia crescido e Ihe fomeceu as palavras para organizar o amontoado de ideias e fantasias que nele conviviam A Refor rna Ihe deu audicia para comunicar 0 que pensava ao padre do vilarejo conterraneos inquisidores mesmo nao tendo conse guido dizer tudo diante do papa dos cardeais e dos principes como queria As rupturas gigantescas determinadas pelo fim do monop61io dos letrados sobre a cultura escrita e do monop61io dos derigos sobre as questoes religiosas haviam criado uma si tuacao nova potencialmente explosiva Mas a convergencia en tre as aspiraoes de urna parte da alta cultura e as da cultura po 25 pular ja tinha sido declarada de maneira definitiva mais de meio seculo antes do processo de Menocchio quando Lutero con denara com ferocidade os camponeses em revolta e snas reivin dica5es Tais ideais naquela epoca inspiravam apenas exiguas minorias perseguidas como os anabatistas Com a ContraRe forma e paralelamente com a consolidaao das igrejas protes tantes iniciarase uma era marcada pelo enrijecimento hienir quico pela doutrinaao paternalista das massas pela extinao da cultura popular pela marginalizaao mais ou menos violenta das minorias e dos grupos dissidentes E 0 pr6prio Menocchio aca bou queimado 10 Dissemos que era impassivel efetuar recortes elaros na cul tura de Menocchio S6 com 0 born senso se podem isolar certos temas que ja naquela epoca convergiam com tendencias de uma parte da alta cultura do secWo XVI e que se tornaram patri mania da cultura progressista dos seculos seguintes aspiraao a uma refonna radical da sociedade corrosao interna da reli giao tolerancia Gracas a tudo i550 Menocchio esta inserido numa tenne sinuQsa porem muito nitida linha de desenvolvi mento que chega ate n6s podemos dizer que Menocchio e nos so antepassado mas e tam bern urn fragmento perdido que nos alcancou por acaso de urn mundo obscuro opaco 0 qual s6 atraves de urn gesto arbitnirio podemos incorporar a nossa his t6ria Essa cultura foi destruida Respeitar 0 residuo de indeci frabilidade que hi nela e que resiste a qualquer analise nao sig nifica ceder ao fasdnio idiota do exotico e do incompreensivel Significa apenas levar em consideraao uma mutilaao hist6rica da qual em certo sentido nos mesmos somos vitimas Nada do que aconteceu deve ser perdido para a hist6ria lembrava Wal ter Benjamin Mas s6 a humanidade redimida 0 passado per tence inteiramente Redimida isto e liberada 26 A Luisa Tout ce qui est intiressant se passe dans lombre On ne sait rien de la veritable histoire des hommes CELINE AGRADECIMENTOS Este livro na redacao provis6ria foi discutido inicialmente nUID seminario sobre religiao popular ocorrido no outono de 1973 no Davis Center for Historical Studies da Universidade de Prin ceton em seguida num semincirio coordenado por mim na Uni versidade de Bolonha Agradeo de coraao a Lawrence Stone diretor do Davis Center e a todos aqueles que com criticas e ob servac6es me ajudaram a melhorar 0 texto especialmente Piero Camporesi Jay Dolan John Elliott Felix Gilbert Robert Mu chembled Ottavia Niccoli Jim Obelkevich Adriano Prosperi Lionel Rothkrug Jerry Seigel Eileen Yeo Stephen Yeo e aos meus estudantes bolonheses Agradeo tambem a dom Gugliel mo Biasutti bibliotecirio da Curia de Udine ao professor Mo rereale Valcellina e aos funcionarios dos arquivos e das bibliote cas citadas No decorrer do livro Dutros agradecimentos serao feitos Bolonha setembro de 1975 QUEIJO EOSVERMES I Chamavase Domenico Scandella conhecido por Menoc chio Nascera em 1532 quando do primeiro processo declarou ter 52 anos em Montereale uma pequena aldeia nas colinas do Friuli a 25 quilometros de Pordenone bern protegida pelas montanhas Viveu sempre ali exceto dais anos de desterro ap6s uma briga 156465 transcorridos em Arba uma vila nao mui to distante e numa localidade nao precisada da Carnia Era ca sado e tinha sete filhos outros quatro haviam morrido Decla rou ao conego Giambattista Maro vigariogeral do inquisidor de Aquileia e Concordia que sua atividade era de moleiro car pinteiro marceneiro pedreiro e outras coisas Mas era princi palmente moleiro usava as vestimentas tradicionais de moleiro veste capa e capuz de la branca E foi assim vestido de bran co que se apresentou para 0 julgamento Alguns aDOS depois disse aos inquisidores que era pau perrimo Nao tenha nada aleffi de dais moinhos de aluguel e dais campos arrendados e com isso sustentei e sustento mi nha pobre famnia Mas sem duvida Menocchio estava exa gerando Mesmo se boa parte da colheita servisse para pagar o aluguel provavelmente em especie dos dois moinhos aem das pesadas taxas sabre a terra devia sabrar 0 bastante para sobreviver e ainda para os momentos dificeis Tanto e que quando se encontrava desterrado em Arba alugara de imedia to outro moinho Quando sua filha Giovanna se casou Me nocchio tinha morrido havia dois meses recebeu 0 corres pondente a 256 liras e nove soldos urn dote nao muito rico mas bern menos miseravel em comparacao aos hibitos da re giao no perfodo 31 No conjunto a posicao de Menocchio no microcosmo so cial de Monterea1e aparenta nao ter sido das mais despreziveis Em 1581 havia sido podesta magistrado da aldeia e dos vilare jos ao redor Gaio Grizzo San Leonardo San Martino e ain da cameraro isto e administrador da paroquia de Montereale em data nao precisada Nao sabemos se aqui como em outras 10 calidades do Friuli 0 velho sistema de rotaao de cargos fora substituido pelo sistema eletivo Nesse caso 0 fato de saber ler escrever e somar deve ter favorecido Menocchio as adminis tradores em geral eram escolhidos quase sempre entre pessoas que tinham frequentado escola publica de nivel elementar as vezes aprendendo ate urn pouco de atim Escolas desse tipo exis tiam tambem em Aviano ou em Pordenone Menocchio deve ter passado por urna deas Em 28 de setembro de 1583 Menocchio foi denunciado ao Santo Oficio sob a acusaao de ter pronunciado palavras here ticas e totalmente impias sobre Cristo Nao se tratara de uma blasfemia ocasional Menocchio chegara a tentar difundir suas opinioes discutindoas praedicare et dogrnatizare non erubes cit ele nao se envergonhava de pregar e dogmatizar Esse fato agravava muito sua situacao Tais tentativas de proselitismo foram amplamente confirma das pela investigaao que se abriu urn mes depois em Ponogruaro e prosseguiu em Concordia e na propria Montereale Discute sempre com alguem sobre a fe e ate mesmo com 0 paroco foi o que Francesco Fasseta comentou com 0 vigariogerai Segnndo outra testemunha Domenico Melchiori Costuma discutir com todo mundo mas quando quis discutir comigo eu Ihe disse Eu sou sapateiro voce mo1eiro e voce nao e cuho Sobre 0 que e que nos vamos discutir As coisas da fe sao grandes e dificeis fora do alcance de mo1eiros e sapateiros Para debater e preciso doutrina e os depositirios da doutrina sao sobretudo os elerigos Porem Menocchio dizia nao acreditar que 0 Espirito Santo governasse a Igreja acrescentando Os padres nOS querem debaixo de seus pes e fazem de tudo para nos manter quietos mas eles ficam sempre bern e ele conhecia Deus melhor do que eles E quando 0 pa 32 roco da vila 0 levara a Concordia para se encontrar com 0 vigario geral a fim de que suas ideias clareassem dizendoIhe esses seus caprichos sao heresias tinha prometido nao se meter mais em tais assuntos todavia logo depois recomecou N a praca na taverna indo para Grizzo ou Daviano vindo da montanha nao se im portando com quem fala comenta Giuliano Stefanut ele geral mente encaminha a conversa para as coisas de Deus introduzindo sempre algum tipo de heresia E enta discute e grita em defesa de sua opiniao 2 Nao e facil entender pelos autos do processo qual era a rea iio dos conterrneos de Menocchio as suas palavras E elaro que ninguem estava disposto a admitir ter escutado com apro vacao os discursos de urn suspeito de heresia Pelo contrario al guns se preocuparam em comentar com 0 vigariogeral que conduzia 0 inquerito a propria reacao indignada Menocchio pelo amor de Deus nao vai falando essas coisas por ai teria exclamado segundo ele mesmo afirmou Domenico Melchiori Giuliano Stefanut testemunha Eu the disse varias vezes espe cia1mente uma indo para Grizzo que eu gostava dele mas nao podia suportar seu jeito de falar das coisas da fe que sempre dis curiria com ele e que se cern vezes me matasse e depois eu vol tasse a viver continuaria a me deixar matar pela fe a padre Andrea Biouima havia ate mesmo feito urna ameaa velada Cale a boca Domenego nao diga essas coisas porque urn dia voce se arrepende Outra testemunha Giovanni Povoledo dirigindo se ao vigariogeral arriscou uma definicao embora generica Tern rna fama e tern opinioes erradas como aquelas da seita de Lutero Entretanto esse cora de vozes nao deve nos enganar Quase todos os interrogados deelararam conhecer Menocchio havia mnito tempo uns havia trinta quarenta anos outros 25 outros ainda vinte Urn deles Daniele Fasseta disse conhece 10 desde moleque com 0 nariz sujo ja que eramos da mesma 33 paroquia Aparentemente algumas afirma6es de Menocchio remontavam naa apenas hi POllCOS dias mas ha mnitos anos ate mesma hi trinta anos Durante todo esse tempo ninguem 0 denunciara na cidade emhora sellS discursos fossem conhecidos por todos As pessoas repetiam as palavras dele algumas com curiosidade outras balanando a cabea Nos testemunhos re colhidos pelo vigariogeral nao se percebe 0 que se chamaria de verdadeira hostilidade em relaao a Menocchio no maximo de saprovaao E verdade que entre aqueles existiam parentes como Francesco Fasseta au Bartolomeo di Andrea primo de sua mu lher que 0 definiram como homem de bern 0 proprio Giu liano Stefanut que havia enfrentado Menocchio dizendose pronto a morrer pela fe acrescentou Eu gosto dele Esse moleiro que ja tinha sido magistrado da aldeia e administrador da paroquia decerto nao vivia a margem da comunidade de Montereale Muitos anos depois quando do segundo processo uma testemunha declarou En 0 vejo conversando com muita gente e acho que e amigo de todo mundo E apesar disso a certa altura dispararam uma denuncia contra ele que abriu ca minho para 0 inqutrito Os filhos de Menocchio como veremos identificaram de imediato 0 paroco de Montereale dom Odorico Vorai como 0 anonimo delator Nao estavam enganados Entre os dois existia urna velha diferena ja fazia quatro anos que Menocchio ia se confessar em outra cidade 0 testemunho de Vorai que fechou a fase informativa do processo foi particularmente evasivo Nao posso me lembrar bern do que ele disse Tenho memoria fraca e estava com outras coisas na cabeca Aparentemente ninguem melhor do que uma pessoa na posiao dele para dar informa6es ao Santo Oficio sobre 0 assunto contudo 0 vigariogeral nao in sistiu Nao era preciso fora 0 proprio Vorai instigado por outro padre dom Ottavio Montereale pertencente a uma farru1ia se nhorial do lugar que transmitira as evidencias circunstanciais em que 0 vigariogeral se baseou para interrogar as testemunhas A hostilidade do clero local pode ser facilmente explicada Como ja vimos Menocchio nao reconhecia na hierarquia ecle 34 siastica nenhuma autoridade especial nas quest6es de Fe Que papa prelado padres qual 0 que E dizia essas palavras com des prezo dizia que nao acreditava neles comentou Domenico Melchiori De tanto discutir e argumentar pelas ruas e tavernas da cidade Menocchio deve ter acabado por se contrapor a auto ridade do paroco Mas 0 que e que realmente Menocchio dizia S6 para termos uma ideia nao s6 blasfemava desmesurada mente como sustentava que blasfemar nao e pecado segundo uma testemunha teria dito que blasfemar contra os santos nao e pecado mas contra Deus e acrescentando com sarcasmo Cada urn faz 0 seu clever tern quem ara quem cava e eu faco 0 meu blasfemar Em seguida fazia estranhas afirma6es que os conter raneos relatavam de maneira fragmentada desconexa ao vigario geral Por exemplo 0 ar e Deus a terra nossa mae Quem e que vocespensam que seja Deus Deus nao e nada alem de urn pequeno sopro e tudo mais que 0 homem imagina Tudo 0 que se ve e Deus enos somos deuses 0 ceu a terra 0 mar 0 ar 0 abismo e 0 inferno tudo e Deus 0 que e que voces pensam que Jesus Cristo nasceu da Virgem Maria Nao e possivel que ela tenha dado a luz e tenha continuado virgem Pode muito bern ser que ele tenha sido urn homem qualquer de bern ou filho de al gum homem de bern Ese dizia ainda que possuia livros proibi dos em particular a Biblia em vulgar Esti sempre discutindo com urn ou com outro possui a Biblia em vulgar e imagina que a base de seus argumentos esteja ali e continua obstinadamente insistindo neles Os testemunhos se acumulavam Menocehio pressentia que alguma coisa estava sendo preparada contra ele Foi entao falar com 0 vigario de Polcenigo Giovanni Daniele Melchiori seu amigo desde a infancia Este 0 incentivou a se apresentar espon taneamente ao Santo Oficio ou ao menos a obedecer de imedia to a uma eventual eonvocacao Avisou a Menocchio Diga 0 que eles estao querendo saber nao fale demais e muito menos se meta a contar eoisas responda so 0 que for perguntado Alessandro Poliereto urn exadvogado que Menocchio encontrara por acaso na easa de urn amigo eomerciante de madeira tambem 0 aconse 35 lhara a se apresentar aos juizes e a admitir sua culpa mas ao mes mo tempo aeonselhouo a declarar que nUllea aereditara em suas proprias afirma6es henticas E assim Menoeehio foi a Maniago atendendo a convocacao do tribunaleclesiastico Mas no dia se guinte 4 de fevereiro dado 0 andamento do inquerito 0 inquisi dor em pessoa 0 frade franciscano Felice da Montefaleo or denou que 0 prendessem e levassem aigemado para os earceres do Santo Oficio de Concordia Em 7 de fevereiro de 1584 Me nocchio foi submetido a urn primeiro interrogatorio 3 Apesar dos conselhos demonstrouse muito loquaz ainda que procurasse expor sua propria posicao sob uma luz mais fa voravel do que aquela que se depreendia dos testemunhos As sim mesmo admitindo ter alimentado duvidas quanto a virgin dade de Maria dois ou tres anos antes e ter falado sobre isso com varias pessoas entre as quais 0 padre de Bareis observou E verdade que eu falei disso com varias pessoas mas nao for ava ninguem a acreditar pelo contrario convenci muitos di zendo Voces querem que eu ensine a estrada verdadeira Ten te fazer 0 bern trilhar 0 caminho dos meus antecessores e seguir o que a Santa Madre 19reja ordena Mas aquelas palavras que eu disse antes eu dizia por tenta9aO porque acreditava nelas e queria ensimilas aos outros era 0 espirito maligno que me fa zia acreditar naquelas coisas e ao mesmo tempo me instigava a dizelas aos outros Com tais palavras Menoechio confirmava a suspeita de que ele tivesse desempenhado na aldeia 0 papel de professor de doutrina e de comportamento Voces querem que eu ensine a estrada verdadeira Quanto ao conteudo hetero doxo desse tipo de predica nao e possivel ter duvidas princi palmente no momento em que Menocchio expos sua singularis sima cosmogonia da qual 0 Santo Ofieio ja ouvira eomentirios confusos Eu disse que segundo meu pensamento e crena tudo era urn caos isto e terra ar agua e fogo juntos e de todo aque 36 Ie volume em movimento se formou uma massa do mesmo modo como 0 queijo e feito do leite e do qual surgem os verynes e es ses foram os anjos A santissima majestade quis que aquilo fosse Deus e os anjos e entre todos aqueles anjos estava Deus ele tambem criado daquela massa naquele mesmo momento e foi feito senhor com quatro capitaes Lucifer Miguel Gabriel e Rafael 0 tal Lucifer quis se fazer de senhor se comparando ao rei que era a majestade de Deus e por causa dessa soberba Deus ordenou que fosse mandado embora do ceu com todos os seus seguidores e companhia Esse Deus depois fez Adao e Eva e 0 povo em enorme quantidade para encher os lugares dos an jos expulsos 0 povo nao eumpria os mandamentos de Deus e ele mandou seu filho que foi preso e crucificado pelos judeus E acrescentou Eu nunca disse que ele se deixara abater feito urn animal foi uma das acusac6es feitas contra ele em seguida admitiu que talvez pudesse ter dito qualquer coisa do genero Eu disse bern claro que se deixou crucificar e esse que foi cru cificado era urn dos filhos de Deus porque todos somos filhos de Deus da mesma natureza daquele que foi crucificado Era ho mem como nos mas com uma dignidade maior como 0 papa hoje que e homem como nos mas com maior dignidade do que nos porque pode fazer Aquele que foi crucificado nasceu de sao Jose e da Virgem Maria 4 Durante 0 inquerito preliminar diante das estranhas opi niaes referidas pelas testemunhas 0 vigariogeral perguntara prirneirarnente se Menocchio estava falando serio ou brin cando em seguida se era sao de mente Em ambos os casos a resposta foi muito clara Menocchio estava falando serio e dentro de sua razao nao estava loueo Depois de ja inieia do 0 interrogatorio urn dos filhos de Menocchio Ziannuto por sugestao de alguns amigos do pai Sebastiano Sebenico e um nao identificado Lunardo espalhou pela cidade 0 boato de que 37 o pai era louco ou possesso Mas 0 vigario nao lhe deu aten IaO e 0 processo continuou Pensonse em liquidar as opinioes de Menocchio em especial sua cosmo gonia fazendoas passar por urn amontoado de extravagancias fmpias porem inocuas 0 queijo 0 leite os vermesanjos 0 Deusanjo criado do caos mas tal ideia foi abandonada Cern 150 anos depois Menocchio provavelmente teria sido trancado num hospfcio e 0 diagnosti co teria sido tornado por delirio religioso Todavia em plena ContraReforma as modalidades de exclusao eram outras prevaleciam a identificalao e a repressao da heresia 5 Vamos deixar de lado provisoriamente a cosmogonia de Me nocchio para acompanharmos 0 desenrolar do processo Logo apos seu encarceramento urn de seus filhos Ziannuto ten tara socorreIo de varias maneiras procurou urn advogado urn tal de Trappola de Portogruaro esteve em Serravalle para falar com o inquisidor obteve da prefeitura de Montereale uma declara IaO a favor do prisioneiro que foi enviada ao advogado com a perspectiva em caso de necessidade de conseguir outros atesta dos de boa conduta Se for necessaria a comprOValaO da prefei tura de Montereale de que 0 prisioneiro se confessava e comun gava todo ano 0 padre a dara se for necessaria a comprOValaO de ter sido magistrado e administrador de cinco vilas sera dada ter sido administrador da par6quia de Montereale e ter feito sua obrigalao com louvor sera dada ter sido coletor de dfzimos da igreja da paroquia de Montereale sera dada Alem disso com os irmaos induziu por meio de amealas 0 paroco de Montereale a seus olhos 0 principal responsavel por todo 0 acontecido a escrever uma carta para Menocchio que se encontrava nos carceres do Santo Oficio Nela sugerialhe que prometesse total obediencia a Santa Igreja dizendo que niio acreditava e nunca acreditara em nada que nao fossem os mandamentos de Deus e da Igreja e que pretendia viver e morrer na fe crista den 38 tro do que a Santa Igreja romana catolica e apostolica ordena ou melhor sendo necessario pretendia perder a vida e outras mil se houvesse peIo amor de Deus e da santa fe crista sabendo que devia a vida e todas as outras coisas boas a Santa Madre Igreja Aparentemente Menocchio nao reconheceu por tras dessas palavras a mao do seu inimigo 0 paroco atribuiuas a Domenego Femenussa urn mercador de la e madeira que apa recia sempre no moinho e de vez em quando the emprestava di nheiro No entanto seguir as sugestoes da carta sem duvida ne nhuma Ihe pesava muito No final do primeiro interrogatorio 7 de fevereiro exclamou com evidente relutancia dirigindose ao vigariogeral Senhor 0 que eu disse por inspiraiio de Deus ou do demonio nao confirmo nem desminto mas the pelo mi sericordia e farei 0 que me for ensinado Pedia perdao todavia nao renegava nada Durante quatro longos interrogatorios 7 1622 de fevereiro e 8 de maro ele se manteve firme diante das objeoes do vigario negou fez comentarios rebateu Consta no processo disseIhe 0 vigario Maro que teria dito nao acre ditar no papa nem nas regras da Igreja e que niio sabia de onde safa tamanha autoridade de alguem como 0 papa Menocchio retrucou En peo a Deus onipotente que me fala morrer ago ra se eu disse isso que Vossa Senhoria afirmou Mas era ver dade que dissera que as missas para as mortos eram inuteis Segundo Giuliano Stefanut as palavras pronunciadas por Me nocchio num dia em que voltavam da missa foram Par que e que voces dao essas esmolas em memoria daquelas poucas cin zas Eu disse explicou Menocchio que e preciso tentar fazer todo a bern ate quando se esta neste mundo porque de pois e 0 senhor Deus quem governa as almas As oraoes esmo las e missas para os mortos sao feitas en acho por amor a Deus o qual faz 0 que bern entender As almas niio vern pegar as ora 6es e as esmolas Fica a majestade de Deus receber essas boas obras em beneficia dos vivos ou dos mortos Ele imaginava que essa fosse uma babil explanaiio mas de fato contradizia a dou trina da Igreja em reIaao ao purgatorio Tente falar pouco 39 havia sido 0 conselho do vigario de Polcenigo que era seu ami go e 0 conhecia desde a infancia Porero Menocchio evidente mente nao conseguia se cDntrolar De repente por volta do fim de abril verificouse urn fato novo Os priores venezianos convidaram 0 inquisidor de Aqui leia e Conc6rdia frei Felice da Montefalco a agir de acordo com os habitos vigentes nos territ6rios da Republica que impu nham nas causas do Santo Oficio a presenra de urn magistra do secular ao lado dos juizes eclesiasticos 0 conflito entre os dais poderes era tradicional Nao sabemos se nessa ocasiao hou ve tambem a intervenao do advogado Trappola a favor do seu cliente 0 fato e que Menocchio foi levado ao palacio do magis trado em Porrogruaro com a finalidade de confirmar na sua presena os interrogat6rios concluidos ate aquele momento De pais disso 0 processo recomerou Por mais de uma vez no passado Menocchio tinha dito aos conterraneos estar pronto e mesma desejoso de declarar suas opini6es sabre a fe as autoridades religiosas e seculares Dis F I se para mim comentou Francesco asseta que se e e caIsse nas maos da justira por issa iria pacificamente mas se Fosse maltratado teria muito 0 que falar contra as superiores sobre as mas obras destes Acrescentou Daniele Fasseta Domenego disse que se ele nao temesse pela pr6pria vida faaria tanto que surpreenderia a todos Eu acho que queria falar sobre a fe Na presena do magistrado de Porrogruaro e do inquisidor de qui leia e Conc6rdia Menocchio confirmou 0 testemunho E ver dade eu disse que se nao tivesse medo da justia falaria tanto que iria surpreender e disse que se me fosse permitida a graa de falar diante do papa de urn rei ou principe que me ouvisse diria muitas coisas e se depois me matassem nao me incomoda ria Entao incentivaramno a falar Menocchio abandonou qual quer reticencia Era dia 28 de abri 40 I l 6 Comeeou denunciando a opressao dos ricos contra os pobres atraves do uso de uma lingua incompreensivel como 0 larim nos tribunais Na minha opiniao falar larim e uma traiao aos po bres Nas discussoes os homens pobres nao sabem 0 que se esta dizendo e sao enganados Se quiserem dizer quatro palavras tern que ter urn advogado Mas esse era so urn exemplo de uma ex ploraao geral da qual a 19reja era ctimplice e participante E me parece que na nossa lei 0 papa os cardeais os padres sao tao gran des e ricos que tudo pertence a 19reja e aos padres Eles arruinam os pobres Se tern dois campos arrendados esses sao da Igreja de tal bispo ou de tal cardeal E born lembrar que Menocchio pos sma dois campos arrendados enjo proprietario ignoramos quan to ao seu larim aparentemente se restringia ao Credo e ao Pater noster que aprendera ajudando na missa e que Ziannuto seu fi lho fora atris de urn advogado logo que 0 Santo Offcio 0 coloca ra na prisao Porem essas coincidencias ou possiveis coinciden cias nao nos devem levar a pistas falsas 0 disenrso de Menocchio embora partisse do seu caso pessoal acabava por abarcar urn am bito muito mais vasto A exigencia de uma 19reja que abandonas se seus privilegios que se fizesse pobre com os pobres ligavase a fonnulaao na esteira dos Evangelhos de urn conceito diferente de religiao livre de exigencias dogmaricas resumivel a urn nucIeo de preceitos praticos Gostaria que se acreditasse na majestade de Deus que f6ssemos homens de bern e que se fizesse como Je sus Cristo recomendou respondendo aqueles judeus que lhe perguntaram que lei se deveria seguir Ele respondeu Amar a Deus e ao proximo Uma tal religiao simplificada nao admiria para Menocchio limitaoes confessionais Contudo a apaixo nada exaltaeao da equivalencia de todas as fes com base na ilumi naao concedida em igual medida a todos os homens A ma jestade de Deus distribuiu 0 Espiriro Santo para rodos cristaos hereticos turcos judeus tern a mesma consideraao por todos e de algum modo todos se salvarao acabou numa explosao violenta contra os juizes e sua soberba doutrinal E voces padres 41 e frades querem saber mais do que Deus sao como a demonio querem passar par deuses na terra saber tanto quanta Deus da mesma maneira que 0 demonio Quem pensa que sabe muito e quem nada sabe E abandonando toda reserva toda prudencia Menocchio declarou recusar todos os sacramentos inclusive 0 batismo por serem inven6es dos homens mercadorias ins trumentos de exploraao e opressao par parte do elera Aeho que a lei e os mandamentos da Igreja sao s6 mercadorias e que se cleve viver acima disso Sobre 0 batismo comentou Acho que quando nascemos ja estamos batizados porque Deus que aben oa todas as eoisas ja nos batizou 0 batismo e urna invenao dos padres que comeam a nos comer a alma antes do nascimento e van continuar comendoa ate depois da morte Sobre a crisma Acho que e uma mercadoria invenCao dos homensj todos os ho mens tern 0 Espirito Santo e buscam saber tudo e nao sabem nada Sobre 0 casamento Nao foi feito por Deus mas sim pe los homensj antes homens e mulheres faziam troca de promessas e isso era suficientej depois apareceram essas invenc6es dos ho mens Sobre a ordenacao Acho que 0 Espirito Santo esta em todo mundo e aeho que qualquer urn que tenha esrudado pode ser sacerdote sem ter que ser sagrado porque tudo isso e mercadoria Sobre a extremaunao Acho que nao e nada nao vale nada porque se unge 0 corpo mas 0 espirito nao pode ser ungido Geralmente se referia 3 confissao dizendo Ir se confes sar com padres ou frades e a mesma coisa que falar com uma ar vore Quando 0 inquisidor the repetiu essas palavras explicou com uma pontinha de autosuficiencia Se esta arvore conheces se a penitencia daria no mesmOj alguns homens procuram os pa dres porque nao sabem que penitencias devem ser feitas para seus pecados esperando que os padres as ensinem mas se eles soubes sem nao teriam necessidade de procurilos Estes ultimos deve riam se confessar 3 majestade de Deus em seus corac6es e pedir Ihe perdao pelos seus peeados Somente 0 sacramento do altar escapava as criticas de Me nocchio mas era reinterpretado de maneira heterodoxa As frases referidas pelos testemunhos soavam na verdade como 42 blasfemias ou nega6es depreeiativas Quando praeurou 0 vi gario de Pokenigo num dia de distribuiao de h6stias Me nocchio exclamou Pela Virgem Maria sao muito grandes es sas bestas Numa outra vez discutindo com 0 padre Andrea Bionima disse Nao vejo ali nada mais que urn pedaco de massa Como e que pode ser Deus E 0 que e esse tal Deus a nao ser terra agua ear Mas ao vigariogeral explicou Eu disse que aquela h6stia e urn pedao de massa mas que 0 Es pirito Santo vern do ceu e esta nela Eu realmente acredito nis so 0 vigario perguntou incredulo 0 que voce acha que seja a Espirito Santo Menocchio respondeu Acho que e Deus Mas sabia quantas eram as pessoas da Trindade Sim senhor Pai Filho e Espirito Santo Em qual dessas tres pessoas voce acha que a h6stia se converte Acho que no Espirito Santo Semelhante ignorancia parecia inacreditavel para a vigario Quando 0 paroco fez as serm6es sobre 0 santissimo sacra mento quem ele disse que estava naquela h6stia Porem nao se tratava de ignorancia Disse que era a corpo de Cris to embora eu achasse que era a Espirito Santo e isso porque acho que 0 Espirito Santo e maior que Cristo que era homem enquanto 0 Espirito Santo veio pelas maos de Deus Disse embora eu achasse apenas lhe era apresentada a ocasiao Menocchio confirmava quase com insolencia a pr6pria inde pendeneia de julgamento 0 direito de ter uma posiao auto noma E acrescentou para a inquisidor 0 born do sacramen to e quando alguem se confessa e vai com ungar entao esta com 0 Espirito Santo e 0 Espirito Santo esta alegre quanto ao sacramento da eucaristia e uma coisa feita para controlar os hom ens inventada pelos hom ens gracas ao Espirito Santo a celebracao da missa e uma criaCao do Espirito Santo assim como adorar a h6stia para que as homens nao sejam como ani mais A missa e 0 sacramento do altar eram portanto justifi cad os de urn ponto de vista quase politico como meio de civi lidade todavia numa frase que lembrava involuntariamente com signo invertido 0 que tinha dito ao vigario de Pokenigo h6stias bestas 43 Mas qual era 0 fundamento dessa critica radical aos sacra mentos Com certeza nao as Escriuuas que estas Menocchio submetia a urn exame sem preconceitos reduzindoas a qua tro palavras que constirufam sua essencia Acho que a Sagra da Escritura tenha sido dada por Deus mas em seguida foi adaptada pelos homens Bastariam so quatro palavras para a Sagrada Escritura mas e como os livros de batalha que vilo crescendo Para Menocchio as Evangelhos com snas discor dancias estavam tambem distantes da simplicidade e brevida de da palavra de Deus A respeito das coisas dos Evangelhos acho que parte delas e verdadeira e noutra parte os evange listas puseram coisas da cabea deles como se pode ver nas passagens onde urn conta de urn modo e Dutro de Dutro As siro podemos entender por que Menocchio dissera aos seus conterraneos e confirmara durante 0 processo que a Sagra da Escrinua fora inventada para enganar as hom ens Entao teroos negaao da doutrina negaao dos livros sagrados insis tencia exclusiva no aspecto pratico da religiao Ele Menoc chio me disse tambem so acreditar nas boas obras deela rara Francesco Fasseta Numa outra vez sempre se dirigindo ao mesmo Francesco dissera Eu so quero fazer obras boas Nesse sentido a santidade parecia a ele urn modelo de vida de comportamento pnitico nada mais Eu acho que os santos fo ram hom ens de bern fizeram boas obras e por isso 0 Senhor Deus os fez santos e eles oram por nos Nao e preciso vene rar suas reliquias ou imagens Quanto as reliquias dos santos sao como qualquer brao cabea mao ou perna acho que sao iguais aos nossos braos cabeas pernas e nao devem ser ado radas ou reverenciadas Nilo se devem adorar as imagens e sim Deus so Deus que fez 0 ceu e a terra voces nao veem exclamou Menocchio para os juizes que Abraao jogou todos os idolos e imagens no chao e adorou so a Deus Cristo tambem teria dado aos hom ens atraves da sua paixao urn mo delo de comportamento Ele ajudou a nos cristilos sen do urn espelho para nos e assim como ele foi paciente e sofreu por nos amar que nos morramos e soframos por amor a ele 44 No devemos nos maravilhar porque morremos ja que Deus qUlS que seu filho morresse Porem Cristo era so urn ho mem e todos os homens sao filhos de Deus da mema natu reza daquele que foi crucificado Em conseqiiencia Menoc chio se recusava a acreditar que Cristo tivesse morrido para redimir a humanidade Se alguem tern pecados e preciso que faa penitencia A maior parte dessas afjnna5es foi feita por Menocchio durante urn unico e longuissimo interrogatorio F alaria tanto que surpreenderia tinha prometido aos conterraneos e com certeza 0 inquisidor 0 vigariogeral 0 magistrado de Por togruaro devem ter ficado atonitos diante de urn moleiro que com tanta segurana e agressividade expunha suas proprias ideias Sobre a originalidade dessas ideias Menocchio estava absolutamente convencido Nunca discuti com alguem que fosse hentico replicou a uma pergunta precisa dos juizes mas tenho cabea sutil quis procurar as coisas maiores que nao conhecia 0 que eu disse nao creio que seja a verdade mas quero ser obediente a Santa Igreja Tive opini5es enganosas mas 0 Espirito Santo me iluminou e peo a misericordia do magno Deus do Senhor Jesus Cristo e do Espirito Santo e que ele me faa morrer se na estou dizendo a verdade En fim decidira seguir 0 caminho que 0 filho aconselhara mas an tes quisera como ja vinha se prometendo havia tanto tempo falar muito contra os superiores por suas mas obras E claro que sabia 0 risco que corria Antes de ser reconduzido ao car cere implorou a piedade dos inquisidores Senhores eu vos peo em nome da paixilo do Senhor Jesus Cristo que resolvam sobre 0 meu caso e se mereo a morte que me seja dada mas se mereo misericordia que me concedam porque quero viver como born cristao No entanto 0 processo estava longe de ter terminado Alguns dias depois 1 de maio os interrogatorios foram retomados 0 interventor precisara se afastar de Porto gruaro mas os juizes estavam impacientes para ouvir Menoc chio novamente N a sessao anterior falou 0 inquisidor lhe dissemos que seu espirito aparecia no processo cheio de certos 45 humores e de rna doutrina mas 0 Santo Tribunal deseja que 0 senhor termine de revelar seu pensamento Menocchio res pondeu Meu espirito era elevado e desejava que existisse urn mundo novo e urn novo modo de viver pois a Igreja nao vai bern e nao deveria ter tanta pompa 7 Sobre 0 que significava 0 aceno ao mundo novo ao novo modo de viver falaremos mais adiante Antes de mais nada e preciso tentar entender de que modo este moleiro do Friuli pode exprimir ideias desse tipo o Friuli da segunda metade do seculo XVI era uma sociedade com caracteristicas profundamente arcaicas As grandes familias da nobreza feudal ainda preponderavam na regiao Instituiaes como a chamada servidao de mesnada tinham sido conservadas ate 0 seculo anterior por muito mais tempo portanto que nas regi6es vizinhas 0 antigo Parlamento medieval mantivera as pr6prias funaes legislativas mesmo estando 0 poder efetivo nas maos dos lugarestenentes venezianos ja ha algum tempo Na verdade a dominaao de Veneza iniciada em 1420 tinha deixa do na medida do possivel as coisas como eram antes A linica preocupaao dos venezianos havia sido criar urn equilfbrio de for as tal que neutralizasse as tendencias subversivas de parte da no breza feudal friulana No principio do seculo XVI os conflitos no interior da no breza tinham se agravado Foram criados dois partidos os Zam bertani favoraveis a Veneza reunidos em torno do poderoso Antonio Savorgnan que morreria como traidor no Imperio e os Strumieri hostis a Veneza liderados pela familia dos Torreg giani Devido a essa disputa politica entre facaes nobres teve inicio urn violentissimo conflito de classes Era 1508 0 nobre Francesco di Strassoldo num discurso no Parlamento advertia que em varias localidades do Friuli os camponeses faziam reu ni6es secretas algumas agrupando ate 2 mil pessoas nas quais 46 l entre outras coisas se diziam algumas nefandas e diab6licas palavras de ordem como cortar em pedacinhos padres homens de bern casteHios e cidadaos ameaando fazer uma vespera si ciliana e muitas outras palavras sujfssimas Mas nao eram s6 palavras Na quintafeira gorda de 1511 pouco depois da crise que sucedeu a derrota de Veneza em Aguadello e coincidente mente com a difusao da peste os camponeses fieis a Savorgnan se insurgiram primeiro em Udine e a seguir em outras locali dades massacrando nobres dos dois partidos e incendiando cas telos A imediata recomposiao da solidariedade de classe entre os nobres seguiuse uma repressao feroz da revolta Porem se a violencia dos camponeses por urn lado amedrontara a oligar quia veneziana por outro tinha acenado com a possibilidade de uma politica audaciosa para conter a nobreza friulana Nos de dnios segulntes a efrnera revolta de 1511 acentuouse a ten dencia veneziana de apoiar os camponeses do Friuli e da Terra Firme em geral contra a nobreza local Dentro desse sistema de contrapesos tomou corpo uma instituiao excepcional nos pr6prios domfnios venezianos a Contadinanza Esse 6rgao tinha fun6es nao 56 fiscais como tam bern militares atraves das lis tas de fogos recolhia uma serie de impostos e atraves das cemide organizava milicias camponesas Esse ultimo item em especial era urn verdadeiro desacato para a nobreza friulana se consideramos que os estatutos da Patria impregoados de espi rito feudal entre outras coisas ameavam com penalidades os carnponeses que ousassem destruir 0 nobre exercfcio da caa armando laos para as lebres ou caando perdizes a noite con tinham uma c1ausula intitulada De prohibitione armorum rusticis Vesperas sicilianas nome da revolta comecada em Palenno e que se esten deria por boa parte da ilha em 1282 contra 0 dominio dos franceses ligados na quele momento as pretenses teocniticas do Papado Tomouse assim simbolo de urn movimento contra 0 poder estabelecido politico e eciesiastico R T Lista de fogos levantamento das casas do latimfocus lareira daifooco em italiano e feu em frances possiveis de serem tributadas num certo local urba no ou rural N R T 47 Mas as autoridades venezianas embora mantido 0 can her sui generis da Contadinanza estavam decididas a transformala em representante autorizada dos interesses da populaao rural Portanto cafa tambem formalmente a ficao jurfdica que as segurava ser 0 Parlamento 0 orgao representativo de toda a populaao A lista das providencias tomadas por Veneza a favor dos camponeses friulanos e longa Ja em 1533 em resposta a peti ao apresentada pe10s decanos de Udine e de outras localida des do Friuli e da Carnia que se lamentavam por estar real mente oprimidos por diversos tipos de pagamento que deviam fazer aos nobres citadinos a outros alem desses e a tantas ou tras pessoas lei gas desde que as colheitas subiram de preo 0 que vern acontecendo ha alguns anos foi concedida a possihi lidade de pagar as taxas de arrendamento exceto os enfiteuses em dinheiro em vez de especie com base em preos unitarios estabe1ecidos definitivamente 0 que numa situaao de au mentos constantes de preos beneficiava evidentemente os cam poneses Em 1551 por causa dos pedidos da Contadinanza da Patria todas as taxas de arrendamento fixadas a partir de 1520 foram reduzidas em 7 atraves de urn decreto que foi discuti do e ampliado oito anos depois Em 1574 mais uma vez as au toridades venezianas procuraram impor urn limite a usura no campo determinando que dos camponeses daque1a Patria nao podem ser retirados para penhora tipo algum de animal gran de ou pequeno apto para 0 trabalho com a terra nem tipo al gum de instrumento rural por insistencia de credores salvo os proprios patroes AIem disso para aliviar a condiao dos po bres camponeses dos quais safras sao arrancadas pela avidez dos credores que lhes fomecem varias mercadorias a credito antes mesmo que as colheitas tenham sido ceifadas e quando os Enfiteuse do grego emphuteuein plantar designa urn tipo de contrato pelo qual 0 proprietario de urn imovel atribui a outrem 0 domfnio util sobre ele mediante 0 pagamento de uma pensao anual fixa em moeda eou especie Transferese tambem ao locatario direitos de cessao e de hipoteca N R T 48 preos atingern 0 valor rnais baixo no ano decretavase que os credores poderiam exigir a sua parte somente depois de 15 de agosto Tais concessoes que pretendiam sobretudo manter sob con trole as tensoes latentes nos campos friulanos criavam ao mes mo tempo uma relaao de solidariedade entre os camponeses e 0 poder veneziano em oposiao a nobreza local Diante da pro gressiva reduao das taxas de arrendamento a nobreza tentou transforrnar as taxas em alugueis simples isto e num ripo de contrato que piorava evidentemente as condi5es dos campone ses Tal tendencia generalizada durante esse periodo deve ter encontrado serios obsticulos no Friuli em especial demografi cos Quando os braos nao sao suficientes e dificil chegar a pac tos agrarios favoniveis aos proprietarios Ora em urn seculo en tre mead os do seculo XVI e meados do XVII ou por causa das frequentes epidemias ou pela intensificaao da imigraao princi palmente em direao a Veneza a populaao total do Friuli dimi nuiu Os relatorios dos lugarestenentes de Veneza do perfodo insistem na miseria dos camponeses Suspendi todas as execu oes de dividas particulares ate 0 fim da colheita escrevia Da niele Priuli em 1573 afirmando que os vestidos das mulheres tendo ao ado seus filhos lhes eram arrancados bern como as fe chaduras das portas coisa impia e desumana Carlo Corner em 1587 frisava a pobreza natural da Patria muito esteril porque em parte montanhosa pedregosa nas planicies e exposta a fre quentes inundaoes e danos das tempestades que sao muito co muns na regiao e concluia 1ssim sendo se os nobres nao pos suem grandes riquezas os camponeses sao pauperrimos No final do seenlo 1599 Stefano liaro traava urn quadro de de cadencia e desolaao Ha alguns anos a assim chamada Patlia se apresenta totalmente destruida nao se encontrando vila que na esteja com dais teros ou mesmo tres quartos de suas casas arrui nadas desabitadas pouco menos da metade das suas terras sao improdutivas 0 que de fato e de se lamentar muito ja que desse modo a cada dia declinara mais com seus habitantes tendo que partir por necessidade como ja estao fazendo e ali ficarao ape 49 nas os suditos misenlveis No momento em que se diagnostica va a decadencia de Veneza a economia friulana ja se encontrava em estado de avanada desagregaao 8 Mas 0 que urn moleiro como Menocchio saberia sobre esse emaranhado de contradi6es politicas sociais e economicas Qual a imagem que canstruiria para si da enarme jaga de far cas que silenciosamente condicionava sua existencia Vma imagem rudimentar e simplificada porem muito clara no mundo existem muitos graus de dignidade hi 0 papa os car deais os padres 0 paroeo de Montereale hi 0 imperador os reis as principes Cantuda ultrapassanda as gradua5es hienuquicas existe uma contraposicao fundamental entre os superiores e os homens pobres Menocchio e urn dos pobres Vma imagem claramente dicot6mica da estrutura de classes tipica das socieda des camponesas Em todo caso parecenos que Menoechio em seus discursos da indfcios de ter urna atitude difereneiada em re laao aos superiores A violeneia do ataque contra as autoridades miximas da Igreja E me parece que na nossa lei 0 papa os cardeais os padres sao tao grandes e ricos que tudo pertence a Igreja e aos padres Eles arruinam os pobres contrasta com a cTiriea muito mais amena que vern em seguida as autoridades politicas Me parece tambem que os senhores venezianos abri gam ladr5es naquela cidade se alguem vai camprar alguma caisa e pergunta quanto custa respondem urn ducado embora nao valha mais do que tres marcelii eu gostaria que cumprissem seus deveres E clara nessas palavras antes de mais nada a reacao do campones posto de modo brusco em contato com a desconcertan te realidade urbana de Mantereale au Aviana para urna grande ci dade cama Veneza a saIto era enarme Tadavia permanece a fata de que enquanto a papa cardeais e padres saa acusadas direta mente de arruinar os pobres a Unica coisa que afinna sobre os senhores venezianos e que abrigam ladroes naquela cidade Essa 50 diversidade de tom nao era devida com certeza a prudencia ja que ao pronunciar tais palavras Menocchio rinha diantede si tan ta a magistrada de Partagruara cama a inquisidar de Aquileia e seu vigario Aos seus olhos a eneamaao da opressao estava na hierarquia eclesiastica Par que o propria Menacchia parece nas dar uma primeira indica aa Tuda pertence a Igreja e aas padres Eles arruinam as pa bres Se tern dais campos arrendados esses sao da Igreja de tal bispo ou de tal cardeal Como ja dissemos nao sabemos se esse era a casa dele Urn censa feita em 1596 partanta quinze anas apos essas afirma6es infarma que urn das campas pre sumivelmente arrendado a Menocchio confinava com urn ter rena que urn das membras da familia das senhares da lugar Orazia di Mantereale arrendara a urn tal de Giacama Margnana o mesmo censo porem menciona varios lotes de terra perten centes as igrejas lacais au da vizinhana arrendadas aita de San ta Maria urn de San Racca ambas de Mantereale urn de San ta Maria de Pordenone Montereale nao era com certeza urn caso isolado no final do seculo XVI era grande a extensao das prapriedades eclesiasticas na Friuli e em tada a Veneta E ande as prapriedades haviam diminuida da panto de vista quantitati va tinham se cansalidada e refarada em termas qualitativas Tudo isso torna suficientemente claras as palavras de Menoe chio ainda que ele proprio nao tivesse se chocado contra a re navada dureza da prapriedade eclesiastica que sempre fai ex plicitamente exclufda nas reduoes das taxas de arrendamento intraduzidas pelas autaridades venezianas Bastava abrir as alhas alhar aa redar Se a difundida presen da prapriedade eclesiastica em Man tereale e arredores explica a aspereza das acusaoes de Menocchio o mesmo nao se da com suas implicacoes nem com sua atribuiCao a urn plano mais geral Papa cardeais e padres arruinam as po bres mas em nome do que com que direitos 0 papa e homem como nos com a diferenca de que tern poder pode fazer e portanto mais dignidade Nao existe diferena alguma entre clerigos e leigos 0 sacramento da ordenaao e uma mercado 51 ria Assim como todos os outros sacramentos e leis da Igreja mercadorias invenc6es e gracas a elas os padres engordam A essa construao colossal baseada na exploraao dos pobres Menocchio contrap5e uma religiao bern diferente em que to dos sao iguais porque 0 espirito de Deus est em todos A consciencia dos proprios direitos para Menocchio nascia de urn plano especificamente religioso Urn moleiro pode pre tender expor as verdades da fe ao papa a urn rei ou principe porque carrega dentro de si 0 espfrito que Deus deu a todos Pela mesma razao pode ousar falar muito contra os superiores por suas mas obras 0 que levava Menocchio a negat de ma neira irnpetuosa em seus discursos as hierarquias existentes nao era so a percepao da opressao mas tambem a ideologia religio sa que afirmava a presenca em cada homern de urn espirito ora chamado de Espirito Santo ora de espirito de Deus 9 A primeira vista parece evidente que por trs disso tudo es tava 0 grande golpe desferido contra 0 principio de autoridade no campo nao so religioso como tambern no politico e social pela Reforma Protestante Mas quais eram as rela5es de Me nocchio com os gropos conectados com a Reforma e com suas ideias Eu acredito que seja luterano quem siga ensinando 0 mal e coma came as sextas e sabados explicou Menocchio aos jui zes que 0 interrogavam Mas decerto era uma definiao simpli ficada e deformada propositadamente Muitos anos depois no peciodo do segundo processo 1599 soubese que Menocchio havia dito a urn judeu convertido de nome Simon que quando da sua propria morte os luteranos vao ser informados e virao buscar as cinzas A primeira vista parece tratarse de urn teste munho esclarecedor Na realidade nao 0 e Independentemen te da dificuldade sobre a qual falaremos mais adiante em verificar 0 fundamento das expectativas de Menocchio 0 termo 52 luterano e colocado nUID contexto que confirma 0 uso gene ralizado que dele se fazia na epoca Segundo Simon de fato Menocchio negara qualquer valor ao Evangelho rejeitara a di vindade de Cristo e louvara urn livro que talvez fosse 0 Alcorao E evidente que estamos mnito distantes de Lutero e snas dou trinas Tudo isso nos induz a retornar ao ponto de partida e re comecar procedendo com cautela passo a passo Aquela que poderemos chamar de eclesiologia de Menoc chio reconstruivel com base nas afirmacoes feitas por ele duran te os interrogatorios de Portogruaro tern uma fisionomia bern precisa No complexo quadro religioso da Europa do seculo XVI ela nos remete principalmente e em mais de urn ponto as posi 5es dos anabatistas A insistencia na simplicidade da palavra de Deus a negacao das imagens sacras das cerimonias e dos sacra mentos a negacao da divindade de Cristo a adesao a uma reli giao pratica baseada nas obras a polemica pregando a pobreza contra as pompas da Igreja a exaltacao da tolerancia sao todos elementos que nos conduzem ao radicalismo religioso dos ana batistas E verdade que Menocchio nao e urn defensor do batis mo para os adultos Mas sabese que mnito cedo os gropos ana batistas italianos chegaram a recusar tambem 0 batismo bern como todos os outros sacramentos admitindo alem disso urn ba tismo espirirnal baseado na regeneracao interior do individuo Menocchio por sua conta considerava 0 batismo absolntamen te imitil Acho que quando nascemos ja estamos batizados porque Deus que abencoa todas as coisas ja nos batizou o movimento anabatista depois de ter se alastrado por grande parte da Iralia setentrional e central mas sobretudo no Veneto foi desmantelado na segunda metade do sculo XVI pela perseguiao religiosa e politica seguida da delaao de urn dos seus chefes Porem alguns grupos secretos dispersos sobreviveram clandestinos por algum tempo tambem no Friu Ii Talvez fossem anabatistas por exemplo os artesaos de Por cia aprisionados pelo Santo Oficio em 1557 que se reuniam com freqiiencia na casa de urn curtidor de peles e de urn tece lao de la para ler a Escritura e falar da renovaao da vida J 53 da pureza do Evangelho e da abstenao dos pecados Como veremos e provavel que Menocchio cujas afirma6es hetero doxas remontavam segundo uma testemunha ate mesma hi trinta arras tivesse entrada justamente em cantato com esse grupo Todavia apesar das analogias apontadas nao parece possivel definir Menocchio como urn anabatista 0 valor positivo que ele formulou a prop6sito da missa da eucaristia e tambem dentro de certos limites da confissao era inconcebivel para urn anabatista Sobretudo urn anabatista que via no papa a encarnaao do Anti cristo nunca teria dito urna frase como aquela de Menocchio a respeito das indulgencias acredito que sejam boas porque se Deus pas urn hornem em seu lugar que e 0 papa e mandau perdoar isso e born porque e como se recebessemos de Deus ja que sao dadas por seu representante Tude isso veio a tona du rante 0 primeiro interrogat6rio transcorrido em Portogruaro 28 de abril a atitude de Menocchio confiante chegando mesmo a ser insolente as vezes nos leva mais uma vez a abandonar a hip6 tese de que tais afirma6es tivessem sido ditadas pela prudencia ou pelo dlculo Alem disso a heterogeneidade dos textos indica dos por Menocchio como fontes de suas id6ias religiosas e 0 que se pode imaginar de mais distante dos preconceitos rigidos e sectarios dos anabatistas Para estes a Unica fonte de verdade era a Escritura ou ate 0 Evangelho como afirmou por exemplo o tecelao de la que chefiava 0 grupo de Porcia citado acima de maneira que nao existe nada mais para acreditar aMm da Es critura e em parte alguma alem do EvangeIho se encontram coisas sas Para Menocchio entretanto a inspiraCao poderia vir de livros os mais variados tanto do Fioretto della Bibbia como do Decameron Concluindo entre as posicoes de Menocchio e as dos anabatistas existiam analogias indiscutiveis embora inseridas em contextos claramente diversos Mas se 0 anabatismo e insuficiente para explicar 0 caso de Menocchio nao seria melhor nos curvarmos diante de uma de finiCao mais generica Parece que Menocchio afirmava manter contatos com grupos luteranos termo que designava entao 54 uma area de heterodoxia muito ampla por que nao nos conten tarmos com 0 vago parentesco ja notado anteriormente entre as atitudes de Menocchio e a Reforma Na realidade nem mesmo isso parece possivel Entre 0 in quisidor e Menocchio a uma certa altura houve urn dialogo significativo 0 primeiro perguntou 0 que 0 senhor entende por justificaao Menocchio sempre pronto a expor suas opi nioes desta vez nao entendeu 0 frade precisou explicarIhe quid sit iustificatio e Menocchio negou como ja vimos que Cris to tivesse morrido para salvar os homens ja que se alguem tern pecados e preciso que faa penitncia No que diz respeito it predestinaao fez 0 mesmo discurso Menocchio ignorava 0 significado dessa palavra e s6 depois do esclarecimento do in quisidor respondeu Eu nao acredito que Deus tenha predesti nado algnem it vida eterna Justificaao e predestinaao os dois temas sobre os quais a discussao religiosa na Italia se acirrara no periodo da Reforma nao queriam dizer literalmente nada para o moleiro friulano ainda que como veremos ele os tenha en contrado peIo menos uma vez no decorrer de suas leituras Isso e mais significativo ainda se pensarmos que 0 interesse por esses temas na Italia nao ficara circunscrito as classes mais altas da sociedade Carregador criada e mercendrio Jazem do livrearbitrio anatomia Jazem torta da predestinarlio escreveu em meados do seculo XVI 0 poeta satirico Pietro Nel li isto e messer Andrea da Bergamo Alguns anos antes artesaos de couro de Napoles discutiam apaixonadamente as epistolas de sao Paulo sobre a doutrina da justificaao 0 eco dos debates acerca da importancia da fe e das obras para a salvaao transpa rece mesmo em contextos inesperados como nas suplicas de uma prostituta dirigidas as autoridades milanesas Tratase de exemplos escolhidos ao acaso que poderiam facilmente se mul tiplicar Mas eles tern urn eIemento em comum dizem respeito 55 todos ou quase todos a cidade E urn indicio entre muitos ou tros da profunda separaCao que ja havia muito tempo se verifi cara na ltilia entre cidade e campo A conquista religiosa do campo italiano que os anabatistas teriam talvez tentado se nao houvessem sido alijados quase de imediato pela repressiio poli tica e religiosa foi efetuada alguns decenios depois de forma bern diversa pelas ordens religiosas da ContraReforma os je suitas em primeiro lugar Isso nao quer dizer que durante 0 seculo XVI 0 campo ita liano ignorasse por inteiro formas de inquietarao religiosa Po rem por tras do tenue veu que aparentemente ecoava temas e termos das discuss6es contemporaneas percebese a presenra macia de tradi6es diversas muito mais anti gas Qual a relaiio entre uma cosmogonia como a de Menocchio 0 queijo pri mordial do qual nascem vermes que sao os anjos e a Refor rna Como remeter a Reforma afirma6es como as atribuidas a Menocchio por seus conterraneos Tudo 0 que se ve e Deus e nos somos deuses 0 ceu a terra 0 mar 0 ar 0 abismo e 0 in ferno tudo e Deus E melhor imputiIas por enquanto a urn substrato de crencas camponesas velho de muitos seculos mas nunca totalmente extinto A Reforma rompendo a crosta da unidade religiosa tinha feito vir a tona de forma indireta tal substrato a ContraReforma na tentativa de recompor a unida de trouxerao a luz para expulsaIo Seguindo essa hipotese as afirma6es de tom radical feitas por Menocchio nao serao explicadas se remetidas ao anabatismo ou pior ainda a urn generico luterarusmo Antes devemos nos per guntar se elas niio fazem parte de urn ramo autonomo de radica lismo campones que 0 tumulto da Reforma contribuira para que emergisse mas que era muito mais antigo do que a Reforma 56 10 Que urn moleiro como Menocchio tivesse chegado a formu lar ideias tao diversas das correntes sem nenhuma influencia pa receu improvavel aos inquisidores Perguntouse as testemunhas se Menocchio falara serio ou brincando ou se imitara alguem pediuse a Menocchio que revelasse os nomes dos companhei ros Porem em ambos os casos a resposta foi negativa Menoc chio em particular declarou resolutamente Senhor nunca en contrei alguem que tivesse essas opini6es As minhas opin16es sairam da minha propria cabe9a Mas ao menos em parte esta va mentindo Em 1598 dom Ottavio Montereale que como se pode lembrar havia sido 0 responsavel indireto pela interveniio do Santo Oficio disse ter ouvido que esse tal de Menocchio te ria aprendido suas heresias com urn tal Nicola pintor de Porcia quando este estivera em Montereale para pintar a casa de urn se nhor De Lazzari cunhado de dom Ottavio Ora 0 nome de Ni cola ja aparecera no primeiro processo provocando uma visivel reaiio de embarao em Menocchio Antes contara que 0 havia encontrado durante a quaresma e que 0 tinha ouvido dizer que de fato estava jejuando mas por medo Menocchio ao con trario alimentavase com urn pouco de leite queijo e alguns ovos atitude que justificava pela fraqueza da sua constituiiio fi sica Pouco depois contudo comecara a falar como se divagas se sobre urn livro que Nicola possula desviando 0 assunto Ni cola por sua vez fora intimado peIo Santo Oficio mas solto em seguida graps aos atestados de boa conduta assinados por dois religiosos de Porcia No segundo processo todavia viera a tona a influencia exercida por urn anonimo personagem sobre as opi ni6es de Menocchio Durante 0 interrogatorio de 19 de julho de 1599 ao inquisidor que Ihe perguntara havia quanto tempo acre ditava baseado num conto do Decameron como veremos que qualquer homem poderia se salvar dentro de suas proprias leis e que portanto urn turco fazia muito bern continuando a ser tureo e nao se convertendo ao cristianismo Menocchio respon deu Ha mais ou menos quinze ou dezesseis anos tenho essa 57 opiniao quando comecei a pensar e 0 diabo me meteu tal ideia na cabeca Com quem foi que comecou a pensar quis sa ber logo a seguir 0 inquisidor S6 depois de urna longa pausa post longam moram Menocchio disse Nao sei Menocchio portanto deve ter falado com alguem sobre questaes religiosas quinze ou dezesseis anos antes em 1583 provavelmente porque no inicio do ana seguinte fora encar cerado e processado Sao grandes as possibilidades de que se tratasse da mesma pessoa que havia emprestado a Menocchio 0 livro incriminado 0 Decameron Menocchio disse seu nome al gumas semanas depois Nicola de Melchiori Alem do nome as datas coincidencia que escapou aos inquisidores levam a iden rificar esse personagem com Nicola da Porcia em 1584 fazia justamente urn ana que Menocchio nao 0 via Dom Ottavio Montereale estava bern informado Menoc chio deve ter de fato falado sobre qnestaes religiosas com Nico la da Porcia Nao sabemos se ele chegou a fazer parte do grupo de artesaos daquele lugar os quais 25 anos antes se reuniam para ler 0 Evangelho Em todo caso apesar das declaraaes fa voriveis a ele obridas em 1584 era hi muito tempo conhecido como urn grande heretico Ao menos foi assim que 0 nobre pordenonense Fulvio Rorario 0 definiu em 1571 referindose a urn acontecimento antigo que se dera havia oito ou dez anos Nicola contava que ele pr6prio tinha quebrada umas estarue tas usadas para a decoracao de uma igrejinha nao muito distan te de Porcia dizendo que eram malfeitas que eram merca dorias que nao e preciso par imagens na igreja Associamos imediatamente tal declaraao a ispera condenaao das imagens sacras feita por Menocchio Mas nao fora s6 isso que ele apren dera com Nicola da Porcia Eu sei disse Menocchio ao vigariogeral que Nicola tinha urn livro que se chamava Zampollo urn bufao que morreu e foi para 0 inferno e com os demonios fazia hufonarias e se me lembro bern disse que era urn compadre seu Urn dos demonios se encheu de simparias pelo tal burno e seu compadre sabendo disso disselhe que era preciso ser sempre do contra 0 tal de 58 monio he respondeu Se voce quiser ser sempre do contra diga a verdade diga sem respeitar nada e preciso ser homem de bern ate mesmo no inferno Ao vigariogeral esse discurso deve ter parecido urn amontoado de bobagens de imediato dirigiu 0 discurso para coisas mais serias por exemplo nunca afirmara que todos os homens vao para 0 inferno abandonando as sim uma pista importante 0 livro emprestado por Nicola da Porcia alimentara Menocchio a ponto de ele ter assimilado e por muito tempo lemhrado seus temas e express5es embora por equivoco substinrisse 0 nome do protagonista Zampolo pelo titulo II sogno dil Caravia No Sogno 0 joalheiro veneziano Alessandro Caravia ele pro prio e 0 famoso bufao Zampolo Liompardi seu compadre mor to havia pouco tempo mnito velho entravam em cena juntos Assemelhaivos ii Melancolia pintado par um bam mestre pintor diz no inicio Zampolo a Caravia 0 qual na gravura que decora o fronrispicio e representado pela figura da Melancolia de Du rer Caravia esci triste ve ao seu redor urn mundo cheio de injustica e se lamenta Zampolo 0 conforta comentando que a verdadeira vida nao se vive nesta terra Quao carD me seria saber novas de alguim que se encontrasse no outro mundo exclama Caravia Zampolo promete que tentaci he aparecer de pois de morto Logo em seguida a promessa se cumpre a maior parte das oitavas do poeminha descreve justamente 0 sonho do joalheiro ao qual 0 amigo bUlao conta sua viagem ao paraiso onde conversa com sao Pedro e ao inferno onde atraves de inllineras pahadas faz amizade com 0 eliabo F arfarello nurn primeiro mo mento e depois encontrase com outro famoso bUlao Domene go Taiacalze Este sugere a Zampolo urn estratagema para conse guir aparecer a Caravia em cumprimento da promessa 59 Creio que Farfarello te quer muito e logo acho vird te visitar perguntard se sofres grande pena assim que 0 vires finge um desconsolo maior que aquele que te conviria pronto ele hd de querer iazerte agrado Entito Ihe contards teu pensamento talvez ele te alegre 0 corOfiio Entao eu fingi conta Zampolo sofrer grande tormento e fuime com eie sentar a um canto antes que Farfarello aparecesse Mas 0 truque nao do certo e Farfarello 0 repreende Jd descobri teu fingimento contra ti se subleva a minha mente por engenhares invenito que tal Prometi que as vontades te iaria cumpre manter promessa ati no inferno Porem mesma assim 0 perdoa Zampolo aparece para Cara via que vendao recita uma oracao ajoelhado diante de urn crucifixo A exortaao de Farfarello para que se diga a verdade ate no inferno citada por Menocchio decerto toca num dos temas fun damentais do Sogno a polemica contra a hipocrisia em especial ados frades Saido da tipografia em maio de 1541 enquanto em Ratisbona se desenrolavam as conversac5es que pareciam trazer a paz religiosa entre cat6licos e protestantes 0 Sogno e de fato urna ripica voz do evangelismo italiano Os sgniejfi berlejfi cejfi e visi storti dos bufnes Zampolo e Taiacalze que mesmo diante do tribunal de Belzebu comeam a danar mostrando a bunda sao acompanhados e a misrura e bern camavalesca por urn 60 amplo e insistente discurso religioso Taiacalze teee abertamen te elogios a Lutero C erto Martinho Lutero Ihe surgiu que padres preza pouco e frades menos e que e dos Aemaes muito estimado de exigir 0 concilio nao se cansa Este Martinho pelo que se diz excek em toda sorte de dautrina mas 0 puro Evangelho nito descura De muitos intrigou Lutero a mente S6 Cristo nos perdoa diznos um outro que Paulo III e que Clemente assim puxa cada um para 0 seu lado um diz verdade outro mentira diz Querem todos que 0 coneilio seja ieito s6 para esclarecer tanta heresia o quente sol derrete a neve fria tal como Deus as tristes fantasias A posiiio de Lutero portanto e vista como positiva ja que ele clama pelo concilio que trara de novo clareza doutrinal e repro poe 0 puro Evangelho Vi de mau grado sobrevirme a morte compadre por nao terme esclarecido as vdrias opinioes de toda especie e os males todos que no mundo reinam Quisera 0 homem firmarse em sua Ii nao ser por frioleiras aturdido aterse bern ao texto do Evangelho sem pensar em Martinho quanta ao resto o que seja 0 puro Evangelho e explicado em seguida pDf Zam polo sao Pedro Taiacalze Acima de tudo justificase pela fe no sacrificio de Cristo 61 A prima causa de 0 eristao salvarse e amar a Deus so nele tendo fe A segunda esperar que Cristo humano redima com 0 Stu sangue quem 0 ere Terceira ter no peito caridade no Espirito Santo agir se quer meree do Deus unico vivo em tres pessoas Estas tres causas salvamte do inferno Nada de sutilezas teologieas como as apregoadas pelos frades e que se tornaram moda tambem entre os ineultos 62 Muito ignaro que passa por doutor cam so falar das santas Eserituras em barbeiros ferreiros alfaiates teologizando sem qualquer medida levando 0 vulgo a uma porito de enganos a predestinaito Ihes dd pavor assim como 0 juizo e 0 livrearbitrio que a poeira do salitre os queime a todos A estes obreirinhos bastaria eYer no Credo e dizer 0 Padre Nosso e nito da fi fozer mil desatinos buscando coisas que jamais com tinta foram eseritas nem com pena afiada Pois os Evangelistas jd mostraram a via plana e certa de irse ao ceu Nao e mister Zampolo por sutil buscar petos em ovo de galinha Oh quantos frades que nada sabendo se comprazem em confundir 0 espirito deste pobre diabo ou entao daquele melhor fariam se pregassem 0 puro Evangelho e se deixassem disso A clara eontraposiao entre uma religiao reduzida a urn nu eleo essencial e as sutilezas teol6gicas nos traz de volt as afir ma6es de Menocchio a qual notese mesmo tendo lido nesse trecho a palavra predestinafao disse que nao conhecia seu significado Mais claro ainda e 0 choque entre a condenaCao das leis e mandamentos da Igreja par serem mercadorias termo usado como ja foi vista tambem por Nicola da Porcia e 0 ataque a padres e frades que no Sogno e feito pela boca de sao Pedro Mercado Jazem de enterrar os mortos como fardos de la ou de pimenta nestas coisas estao sempre avisados e nao querem defunto receber sem antes ter na mao todo 0 dinheiro depois vaose a comer e beber rindo de quem arcou com toda essa despesa vao gozar boa cama e mesa gorda Mercado de importancia inda maior fazem eles da Igreja que foi minha tirando para si toda a abundancia sem importarlhes quem sofra carestia isso a meu ver usana e das piores fazer da minha Igreja mereaneia o beato quem mais tenha beneficios dizendo pouca missa e raro oficio A implieita negaao do purgatorio e portanto da utilidade da missa pelos mortos a eondenaao do uso do latim pelos pa dres e frades propositadamente fazem tadas as cerimonias s6 falando em vulgar e nao em larimj a recusa das igrejas sun tuosasj indica6es precisas sobre a culto dos santos Honrar os santos cumpre filho meu de Cristo eles realizam os preceitos Quem como eles zzer Deus determina 63 e a confissao que no seu fim ascenda ao ciu de eleitos porim nao Ihes dispensa a sua graa quem nisso ere tem uma ideia falsa Deve 0 cristao fiel se confessar com mente e cororiio toda hora a Deus e nao uma s6 vez no final do ano s6 para demonstrar nita ser judeu sao todos morivos recorrentes como vimos nas confiss6es de Menocchio E entretanto ele lera 0 Sogno mais de quarenta anas ap6s a sua puhlicaao numa siruaao completamente diversa 0 conCIllo que deveria ter esclarecido 0 conflito entre papistas e Lutero conflito que Caravia comparava ao existente entre as duas facoes friulanas dos Strumieri e dos Zamberlani havia acontecido mas como urn concilio de condenaao e naD de con cordia Para homens como Caravia a Igreja delineada pelos decre tos tridentinos naD era com certeza a Igreja endireitada e inspi rada no puro Evangelho que ele sonhara Menocchio tambem deve ter lido 0 Sogno como se fosse urn livro ligado por diversos pontos a urna era muito distante E claro que as polemicas anti clericais e anriteo16gicas continuavam a soar como naturais pelos motivos ja vistos porem os elementos mais radicais da religiao de Menocchio iam muito alem do Sogno Neste nao se encontrava ne nhurna pista de negaao da divindade de Cristo nem de recusa da Escritura na sua totalidade nem a condenaao do batismo que e definido como mereadoria nem de exaltaao indiscriminada da tolecincia Teria sido enta Nicola da Porcia quem falara sobre es sas coisas com Menoccruo No que toea a tolerancia parece que sim se a identificaio de Nicola de Melchiori com Nicola da Porcia for correta Todavia todos os testemnnhos dos habitantes de Montereale indicam que as ideias de Menocchio em sua gran de maioria haviam sido formadas nurn periodo muito anterior a data do primeiro processo E verdade que nao sabemos qual a data 64 do inicio das rela90es entre ele e Nicola mas a obstinaao de Me noccruo demonstra que nao estamos diante de alguem que rece besse passivamente ideias alheias 11 Voces querem que eu ensine a estrada verdadeira Tente fa zer 0 bern trilhar 0 caminho dos meus antecessores e seguir 0 que a Santa Madre Igreja ordena foram essas palavras como recor damos que Menocchio afinnava quase com certeza mentindo ter dito aos seus conterraneos Na verdade Menocchio ensinara justamente 0 contrario a se afastar da fe dos antepassados a re cusar as doutrinas que 0 piroeo pregava do pulpito Manter tal posiao divergente por urn periodo tao longo talvez por quase trinta anos primeiro numa pequena aldeia Montereale depois diante do tribunal do Santo Oficio requer uma energia moral e intelecrnal que nao e exagero definir como extraordinaria A des confian93 dos parentes e amigos as reprovaoes do paroco as ameaps dos inquisidores nada conseguira abalar a segurana de Menoccruo Mas 0 que e que 0 tomava tao seguro Em nome do que falava Na primeira declaraao do processo ele atribuiu suas opi uioes a urna inspiraao diabolica Aquelas palavras que eu disse antes eu dizia por tentaao era 0 espirito maligno que me fa zia acreditar naquelas coisas Mas no final do primeiro interro gatorio sua atitude era menDs reticente 0 que eu disse ou por inspiraao de Deus ou do demonio Quinze dias mais tarde apresentou outra altemativa 0 diabo ou outra coisa qualquer me tentava Depois de pouco tempo precisou 0 que seria a tal coisa que 0 atonnentava As minhas opinioes sairam da minha propria cabea E na saiu mais dessa posiao durante todo 0 primeiro processo Mesmo quando resolveu pedir perdao aos juizes atribuiu os erros cometidos a sua cabe9a sutiI Menocchio portanto nao se vangloriava de revelaoes ou iluminaoes particulares ao contrario em seus discursos coloca 65 I va em primeiro plano seu pr6prio raciocinio S6 isso ja era sufi ciente para distinguiIo dos profetas visionarios pregadores am bulantes que entre 0 fim do seculo XIV e 0 infcio do XV tinham proclarnado estranhos vaticinios pelas praps das cidades italia nas Ainda em 1550 urn exbeneditino Giorgio Siculo tentara relatar aos padres reunidos em Trento no condlio as verdades que 0 Cristo lhe revelara aparecendo em pessoa Contudo na quelas alturas 0 concflio de Trento ja estava fechado havia vinte anos a hierarquia se pronunciara a longa fase de incerteza sobre aquilo em que os fieis poderiam e deveriam acreditar fora encer rada E ainda assirn aquele rnoleiro perdido entre as colinas do Friuli continuava a ruminar coisas maiores contrapondo seus pontos de vista religiosos aos decretos da Igreja Eu acho se gundo 0 que eu penso e acredito Junto com 0 raciocinio estavam os livros 0 caso do Sogno dil Caravia nao e isolado Tendo por varias vezes me confes sado com urn padre de Barcis declarou durante 0 primeiro interrogat6rio eu the perguntei E possivel que Cristo tenha sido concebido pelo Espirito Santo e nascido da Virgern Ma ria contandoIhe que eu acreditava que Fosse assim mas que as vezes 0 demonio me tentava A atribuicao das pr6prias du vidas a tentacao demonfaca refletia a atitude relativamente cau telosa de Menocchio no inicio do processo E de fato logo de pois expos a dupla fundamentacao do seu pensamento A base deste meu pensamento estava no fato de tantos homens terem vindo ao mundo e nenhum ter nascido de mulher virgem e como eu tinha lido que a gloriosa Virgem se casara com sao Jose achava que Jesus Cristo fosse seu filho alern disso Ii his torias em que sao Jose charnava Nosso Senhor Jesus Cristo de filhinho Li isso nurn livro que se charnava II Fioretto della Bib bia Este foi urn exemplo escolhido ao acaso Mais de uma vez Menocchio indicou este ou aquele livro como Fonte nao ex clusiva no caso das suas opini6es Mas 0 que e que Menoc chio leu 66 12 Infelizrnente nao ternos a lista cornpleta de seus livros No momento da prisao 0 vigariogeral mandou que revistassem sua casa F oram encontrados alguns volumes mas na eram livros suspeitos ou proibidos e ponanto nao foram inventariados Po demo reconsttuir com certa aproximaCao urn quadro parcial das lerruras de Menocchio considerando apenas as referencias que fez ao assunto durante os interrogatorios as livros rnencio nados no primeiro processo sao os seguintes 1 a Bfblia em lingua vulgar a maior parte em letras venne Ihas tratase de urna ediao nao identificada 2 II Fioretto della Bibbia traduao de urna cronica medieval ca tala qu misturava Fontes diversas entre as quais alem da Vul gata naturalmente 0 Chronicon de Isidoro 0 Eluciciarium de Hnrio dAunm e urn respeicivel numero de Evangelhos apocnfos essa obra que teve grande circulacao manuscrita etre os seculos XIV e xv possui cerca de vinte edi6es conhe cldas com varios titulos Fioretto della Bibbia Fiore di tutta Ia Bibbia Fiore novello reimpressos ate meados do seculo XVI 3 II Lucidario ou Rosario della Madonna que pode ser iden ticado com 0 Rosario della gloriosa Vergine Mana do domi mcano Alberto da Castello tam bern reimpresso rnuitas ve zes no decorrer do seculo XVT 4 II Lucendario sic por Legendario de santi traduao da bas tante difundida Legenda aurea de Jacopo da Varagine orga mzada por Niccoli Malermi com 0 titulo Legendario delle vUe de tutti Ii santi 5 Historia del Giudicio tratase de urn poerninha anonimo do seculo XV em oitavas que circulava ern muitas vers6es de tarnanho variavel 6 II cavaltier Zuanne de Mandavilla traduao italiana reirn pressa muitas vezes ate 0 final do seculo XVI do farnoso li vro de viagem escrito em meados do seculo XIV e atribufdo a urn fantasrnagorico sir John Mandeville 67 7 urn livro que se chamava Zampollo na verdade II sogno dil Caravia impresso em Veneza em 1541 A esses titulos devemos acrescentar os citados durante 0 segun do processo 8 II Supplimento delle cronaehe tratase da traduao em vul gar da cronica escrita em fins do seculo XV pelo ennitao bergamascoJacopo Filippo Foresti varias vezes reimpressa com atualizacoes ate 0 final do seculo XVI que safa com 0 ti tulo Supplementum supplementi delle croniehe 9 Lunario al modo di Italia ealculato composto nella eitta di Pe saro dal eee dottore Marino Camilo de Leonardis tambem do Lunario sao conhecidas inumeras reimpressoes 10 Decameron de Boccaccio em ediCao nao censurada 11 urn livro sern maiores identifica6es que urn dos teste munhos como vimos SUPDS ser 0 Alcorao em 1547 sai em Veneza uma traduao italiana 13 Vejamos antes de mais nada de que modo esses livros che garam as maos de Menocchio 0 unico que sabemos com certe za ter sido comprado e 0 Fioretto della Bibbia 0 qual disse Me nocchio comprei em Veneza por dois soldos Dos outros tres Historia del Giudicio Lunario e 0 suposto Alcorao nao se tern indicaiio alguma 0 Supplementum de F oresti foi urn pre sente de Tomaso Mero da Malrnins para Menocchio Os outros todos e eram seis entre onze mais da metade foram em prestados Numa aldeia tao pequena como Montereale tais da dos sao significativos e apontam para uma rede de leitores que superam 0 obsraculo dos recursos financeiros exiguos passando os livros de mao em mao Por exemplo uma mulher Anna de Cecho foi quem emprestou 0 Lueidario ou Rosario della Madon na para Menocchio durante seu exilio em Arba em 15640 fi 68 lho dela Giorgio Capel chamado para testemunhar a mae ha via morrido declarou que possufa urn livro com 0 titulo La vita de santi outros the tinham sido confiscados pelo paroco de Arba que devolvera apenas dois ou tres afirmando que os demais es tao querendo queimar os inquisidores e claro A Biblia e 0 Legendario de santi foi seu tio Domenico Gerbas quem the em prestou 0 ultimo se rnolhou e acabou se desfazendo a Biblia foi parar nas maos de Bastian Scandella Por varias vezes Me nocchio a teve em maos emprestada por seu primo Seis ou sete meses antes do processo porem a mulher de Bastian Fior fora buscar a tal Biblia e a queimou num forno mas foi uma pena ter queimado aquele livro exclamou Menocchio 0 Manda villa fora urn emprestimo de cinco ou seis anos antes do padre Andrea Bionima capelao de Montereale que encontrara 0 livro por acaso em Maniago remexendo em alguns documentos no tariais Bionima entretanto afirmau prudentemente que naa fora ele quem emprestara 0 livro a Menocchia e sim Vincenzo Lombardo que sabendo ler urn pouco devia ter pego 0 tal li vro em sua casa 0 Sogno dil Caravia foi emprestado a Menoc chio por Nicola da Porcia que talvez como ja dissemos pos sa ser identificado com Nicola de Melchiori de quem obtivera atraves de Lunardo della Minussa de Montereale 0 Deeameron Quanto ao Fioretto Menocchio por sua vez emprestarao a urn jovem de Barcis Tita Coradina que tinha lido disse ele s6 uma pagina 0 paroco lhe dissera que se tratava de urn livro proi bido e ele 0 queimara Vma larga rede de circulaCao que envolve nao s6 padres como seria previsivel mas ate mesmo mulheres Sabese que em Udine desde 0 inicio do secula XVI havia sida aberta uma escola sob a orientacao de Gerolamo Amaseo para ler e ensi nar sem excecao filhos de cidadaos assim como de artesaos e populares gran des ou pequenos sem nenhum tipo de paga mento Existiam aIem dessas escolas de nivel elementar em centras na muita distantes de Montereale como Aviano e Por denone Surpreende entretanto que nurna aldeia tao pequena de colina se lesse tanto Infelizmente sao poucas as indicac6es 69 que nos permitem precisar a posiao social desses leitores Ja fa lamos sobre Nicola da Porcia Bastian Scan della primo de Me nocchia figura no ja mencionado censa de 1596 como detentor naD sabemos em quais condi6es de numerosos terrenos No mesma ana fai magistrado em Montereale Porem os Dutros se reduzem quase 56 a nomes Fica claro apesar disso que para es sas pessoas 0 livro fazia parte da experiencia cornum era urn ob jeto de USO tratado sem muitos cuidados exposto ao risco de se molhar e se desfazer E significativa contudo a reaao escanda lizada de Menocchio a respeito da Bfblia que acabau no forno evidentemente para livnila de uma eventual revista do Santo Oficio apesar da comparaao ironica com as livros de batalha que crescem a Escritura Ihe parecia urn livro diferente dos de mais porque continha urn nucleo dado por Deus 14 o fato de que mais da metade dos livros citados por Menoc chic tivessem sido emprestados tambem cleve ser levado em conta na analise dessa lista Na verdade so para 0 Fioretto della Bibbia podemos postular com certeza a existencia de uma au tentica escolha que 0 levau a comprar esse livro entre os tantos Dutros amontoados no deposito ou na banca de urn ignoto li vreiro veneziano E significativo que 0 Fioretto tenha sido para ele urna especie de livre de chevet livro de cabeceira Ao contta rio havia sido 0 aeaSQ que fizera 0 padre Andrea Bionima tapar com 0 volume de Mandavilla entre os documentos notariais de Maniago A indiscriminada fome de leituras mais do que urn interesse especffico foi 0 que levau 0 livro para as maDS de Me nocchio Isso provavelmente vale para todos os livros a ele em prestados A lista que reconstrufmos reflete acima de tudo os livros que Menocchio teve a sua disposiao naa decerto urn quadro de predile6es e escolhas conscientes Alem disso tratase de urna lista parcial 1sso explica 0 predo minio de textos religiosos seis entre onze mais da metade por 70 tanto Era obvio que no decorrer dos dois processos aos quais foi submetido Menocchio fizesse referencias sobretudo a esse tipo de leitura para justificar as proprias ideias It provavel que urna ista completa dos livros que possuia ou lera nos teria dado urn panora ma mais variado incluindo por exemplo alguns daqueles Iivros de batalha que comparara provocativamente a Escritura 0 Li bro che tratta di bataglia chiamato fioravante M Sessa Veneza 1506 ou urn outro parecido Mesrno assim esse purrhado de titu los urn conjunto fragmentado e parcial nos permite algwnas con sidera6es Ao lado da Escritura encontramos livros de piedade reelabora6es da Escritura em verso e prosa vida de santos urn al mana que urn poema semisatirico urn livro de viagens urna cro nica uma antologia de contos 0 Decameron todos em lingua vul gar como ja foi dito Menocchio nao sabia mnito mais de latim do que aprendera ajudando a missa escritos dois ou tres seculos an tes muito difundidos e conswnidos por pessoas de varias classes sociais 0 Foresti e 0 Mandeville por exemplo faziam parte da bi blioteca de urn outro homem desconhecedor das letras quer di zer desconhecedor do larim ainda que muito diferente Leonar do da Vmci E a Historia del Giudicio figura entre os livros de urn famoso naturalista U1isse Aldovandi que por sua vez tivera pro blemas com a Inquisiao em rtude de suas rela6es quando jo vern com grupos hereticos E evidente que 0 Alcorao se sobres sai nessa iSta caso Menocchio de fato 0 tivesse lido porem essa e uma exceao que sera considerada a parte Os outros sao titulos bastante 6bvios aparentemente incapazes de nos dar indicac6es sobre 0 modo como Menocchio chegou a fonnular 0 que urn co nhecido seu definiu como opinioes fantasticas 15 Mais uma vez temos a impressao de estar num beco sem safda Antes diante da extravagante cosmogonia de Menoechio nos perguntamos por urn momento como ja 0 fizera 0 vigario geral se na se tratava do discurso de urn loueo Descartada essa 71 hip6tese 0 exame de sua eclesiologia sugeriu uma Dutra talvez Menocchio fosse anabatista Abandonada tambem essa possibi lidade defrontamos com a informa3o de que Menocchio se jul gava urn ffiartir luterano daf 0 problema de suas relaroes com a Reforma Entretanto a proposta de inserir as ideias e crencas de Menocchio num veio profundo de radicalismo campones tra zido a luz pela Reforma mas independente dela parece ter sido ostensivamente contradita pela lista de leituras que reconstrui mas com base nos documentos processuais Ate que ponto pode remos considerar representativa uma figura tao POllCO camum urn moleiro do seculo XVI que sabia ler e escrever E alem dis so representativa do que Com certez3 nao de urn veio de cul tura camponesa ja que 0 proprio Menocchio apontava uma se rie de livros impressos como fonte de suas ideias De tanto nos debatermos contra as muros desse labirinto retomamos ao pon to de partida Ou quase Vnnos quais livros Menocchio lia Mas como os lia Confrontando urna por urna as passagens dos livros por ele citados com as conclusoes as quais chegava ou ate mesmo com 0 seu modo de referilas aos juizes nos vemos as voltas invariavel mente com lacunas e deforma6es as vezes profundas Qualquer tentativa de considerar esses livros fontes no sentido mecanico do termo cai ante a agressiva originalidade da leitura de Menoc ChiD Mais do que 0 texto portanto parecenos importante a cha ve de sua leitura a rede que Menocchio de maneira inconsciente interpunba entre ele e a pagina impressa urn filtro que fazia en fatizar certas passagens enquanto ocultava outras que exagerava 0 significado de urna palavra isolandoa do contexto que agia sobre a memoria de Menocchio deformando a sua leitura Essa rede essa chave de leitura remete continuamente a uma cultura diver sa da registrada na pagina impressa urna cultura oral Isso nao quer dizer que 0 livro para Menocchio Fosse inci dental urn pretexto Ele mesmo declarou como veremos que pelo menDs urn livro 0 inquietara profundamente levandoo com suas afirmaoes inesperadas a ter pensamentos novos Foi o choque entre a pagina impressa e a cultura oral da qual era de 72 positirio que induziu Mnocchio a formular para si mesmo pnmelf lu depOls aos seus concidadaos e por fim aos JUlzes as OpinIOeS que sairam da sua propria cabea 16 Vamos dar uma serie de exemplos de complexidade crescen te da manelra de ler de Menocchio No primeiro interrogatorio ele confirmou que Cristo havia sido urn homem como os demais nascido de sao Jose e da Virgem Maria e explicou que Mari ea hamada de virgem porque estivera no templo das virgens EXlStla urn templo onde doze virgens eram mantidas e a medida que eram preparadas se casavam Eu Ii isso no livro Lucidario del la Madonna Esse livro que em outra situaao disse ser 0 Rosa rio tern grande probabilidade de ser 0 Rosario della gloriosa Vergi e Maria do dominicano Alberto da Castello Nele pudera ler Contempla aqUJ alma feIVorosa como depois de oferecer 0 sa criffcio a Deus e ao sacerdote sao Joaquim e santAna deixaram sua dulcissima filhinha no templo de Deus onde deveria ser pre parada com as outras Vlrgens que eram oferecidas a Deus Nes se lugar ela vivia em contemplaao das coisas divinas em subli e devoao e era visitada pelos santos anjos sendo sua rainha e Imperatnz sempre em oraao o que fez Menocchio aterse justamente a essa pagina do Ro sario talvez tenha sido 0 fato de ter visto tantas vezes as cenas de Maria no templo e de Jose com os pretendentes representadas nos afrescos pintados em 1556 por Calderari urn discipulo de Pondenone nas paredes da igreja de San Rocco de Montereale De ualquer maneira mesmo sem deformar as palavras inverteu os slgruficados No texto a apariao dos anjos isolava Maria das companheiras conferindoIhe uma aura sohrenatural Para Me nocchio 0 elemento decisivo era ao contdrio a presena das outras virgens que the servia para explicar da forma mais sim ples 0 epiteto atribuido tanto a Maria como as outras compa 73 nheiras Desse modo urn detalhe acabava se tornando 0 centro do discurso alterando assim todo 0 seu sentido 17 No final do interrogatorio de 28 de abril depois de ter ex presso sem nenhuma restriao suas acusac6es contra a Igreja os padres os sacramentos e as cerimonias eclesiasticas responden do a uma pergunta do inquisidor Menocchio dedarou Eu acredito que a imperatriz neste mundo seja mais importante que Nossa Senhora mas la Nossa Senhora e maior porque de hi nos somas invislveis A pergunta do inquisidor nascera de urn epi sodic narrado JXf uma testemunha e confirmado sem hesita cao por Menocchio Sim senhor e verdade que eu disse en quanta a imperatriz passava que ela era rnais importante que Nossa Senhora mas eu estava me referindo a este mundo e na quele livro da N ossa Senhora the foram prestadas e feitas mui tas honras quando a levavam para ser sepultada alguem quis desondla tentando tirala dos ombros dos apostalos e esse teve as maos grudadas nela Tudo isso esta no livro da vida de Nossa Senhora A que texto Menocchio estaria aludindo A expressao livro da Nossa Senhora poderia nos levar a pensar mais uma vez no Rosario della gloriosa Vergine Maria mas a citacao nao correspon de A passagem se acha todavia num outro livro lido por Menoc chio 0 Legendario delle vite de tutti Ii santi de Jacopo da VaragIne no capitulo intitulado De lassumptione de la beata Vergine Ma ria uma reelaboracao de urn certo livrinho apocrifo consa grade ao beatoJoao Evangelista Segue a descricao das exequias de Maria feita por Varagine Anjos e apostolos seguiram cantan do e enchendo a terra toda com as maravilhas da vida de Maria Todos os que foram acordados por tao doce melodia sairam das cidades perguntando curiosos 0 que era aquilo quando alguem lhes explicou Os discipulos levam Maria que esrn morta e can tam ao seu redor essa melodia que voces estao ouvindo Entao 74 correram todos para pegar as annas incitando os outros dizen do Venham vamos matar os discipulos e consumir com fogo 0 corpo do qual nasceu aqueIe sedutor Vendo 0 que acontecia 0 principe dos sacerdotes atanito e cheio de ira exclamou desde nhoso Eis 0 tabernaculo daquele que nos conturbou e a nossa gera9ao vejaml agora as glorias que ela recebe E dizendo isso pas as maos sobre 0 leito tentando derrubar no chao tanto a cama como 0 corpo Porem ao colocar as maos sobre 0 leito elas seca ram imediatamente e continuaram grudadas torturado por gran de sofrimento se lamentava aos gritos e 0 resto do povo foi ce gada peIos anjos que estavam nas nuvens Entao 0 principe dos sacerdotes gritou Eu the pe90 0 sao Pedro nao me abandone neste tormento eu the peco que interfira junto ao Senhor voce deve se lembrar de quando eu 0 livrei das acusa90es da criada Pedro the rspondeu Nos fomos perturbados nas exequias de Nossa Senhora e neste momento nao podemos nos ocupar de voce Mas se voce acredita no Senhor Jesus Cristo e naquela da qual ele nasceu eu espero que voce receba de pronto a recompen sa da saude Ele respondeu Eu acredito que 0 Senhor Jesus Cristo e 0 verdadeiro tilho de Deus e que essa e sua santissima mae Logo suas maos se soltaram do caixao mas a secura penna necia em seus bracos e a grande dor na passara Pedro Ihe disse entao Beija oleito e diga eu creio em Deus Jesus Cristo que foi carregado no ventre por ela que continuou virgem depois do par to Tendo feito isso Ihe foi restituida a saude A afronta feita pelo chefe dos sacerdotes ao cadaver de Ma ria se resolve para 0 autor do Legendano com a descriCao de uma cura milagrosa e por tim com a exaItacao da Virgem Ma ria mae de Cristo Mas a Menocchio evidentemente a narra Cao do milagre nao interessa e menos ainda a reafirmacao da virgindade de Maria a qual negou repetidas vezes 0 que ele re tern e apenas 0 gesto do chefe dos sacerdotes a desonra feita a Maria durante seu enterro testemunho da sua condiCao mise ravel 0 filtro da memoria de Menocchio transforma a narra9ao de Varagine em seu contrario 75 18 A menao a passagem do Legendario foi quase incidental Muito mais importante e a citaao do Fioretto della Bibbia Como nos recorciamos no primeiro interrogatorio Menocchio afir mara nac crer na concepao imaculada de Maria pelo Espfrito Santo mesma porque tantos homens vieram ao mundo e ne nhum deles nasceu de mulher virgem e tambem porque tendo lido num livro intirulado Fioretto della Bibbia que sao Jose cha maya Nosso Senhor Jesus Cristo de filhinho inferira que Cris to era filho de sao Jose Ora no capirulo CLXVI do Fioretto della Bibbia Como Jesus foi mandado para a escola lese que Jesus amaldioou 0 professor que the dera urn tapa e 0 fulminou com urn so golpe Diante da ira dos vizinhos Jose disse Controle se meu filho voce nao ve 0 odic de tada essa gente contra nos Meu filho mas na mesma pigina no capitulo imedia tamente anterior Como Jesus brincando com outras crianas ressuscitou urn ruenino que havia morrido Menocchio pacie ria ter lido esta resposta de Maria a uma mulher que the pergun tara seJesus era seu filho Sim ele e meu filho seu pai e 0 Deus umeo A leitura de Menocchio era evidentemente parcial e arbi traria quase uma mera procura de confirmacao para ideias e conviooes ja estabelecidas de maneira solida Nesse caso a cer teza de que Cristo era urn homem nascido como todos n6s Irracional era acreditar que Cristo rivesse nascido de uma vir gem que houvesse morrido na cruz Se era Deus eterno nao podia se deixar prender e ser crucificado 19 o uso que Menocchio faz de passagens como as do Legenda rio e do Fioretto extrafdas de evangelhos ap6crifos nao deve nos surpreender Diante do contraste entre a concisa simplicidade da palavra de Deus quatro palavras e a desmesurada proli feraao da Escritura a pr6pria noao de apocrifo caia por terra 76 Evangelhos apocrifos e evangelhos canonicos eram colocados no mesmo nivel e considerados textos meramente humanos Por outro lado ao contrario do que se poderia esperar pelos teste munhos dos habitantes de Montereale Est sempre discutindo com urn e com outro possui a Bfblia em vulgar e imagina que a base de seus argumentos esteja ali durante os interrogat6rios Menocchio fez pouquissimas alusoes diretas a EscrittLra Dirse ia ate que as reelaboracoes paraescriturais do ripo do Fioretto del Ia Bibbia the fossem mais familiares que a propria Biblia em lin gua vulgar Assim em 8 de maro respondendo a uma pergunta nao muito precisa do vigriogeral Menocchio exclamou Acho que amar 0 proximo e urn preceito mais importante do que amar a Deus Essa afirmacao tambem se apoiava num texto De fato logo depois Menocchio acrescentou porque eu Ii na Histo ria del Giudicio que quando chegar 0 dia do Juizo Deus did a urn anjo Voce e mau nunca fez 0 bern para mimj e 0 anjo res ponde Senhor nunca 0 vi para fazerIhe 0 bern Eu rinha fome e nao me deu 0 que comer eu rinha sede e nao me deu 0 que beber estava nu e nao me vesriu quando estava na prisao nao vinha me visitar E por isso eu achava que Deus fosse 0 pro ximo porque disse Eu era aquele pobre Eis a passagem correspondente da Historia del Giudicio 6 vas que abenoados por meu pai fostes vinde minha glOria possuir eu de sede e de flme padeci vas me destes de beber e de comer na prisiio eu sofri grande tormento e fostes vos quem sempre veio verme estive enfermo e visitado foi e marta vas me destes sepultura E estando todos cheios de alegria viriio a Jesus Cristo perguntar Quando Senhor de fame padecendo te demos de comer e de beber e quando enfermo flste visitado 77 e morto te viemos sepultar quando foi que em prisito te visitamos e quando te trouxemos vestimenta Cristo responderti de rosto ledo Aquele pobre que de porta em porta marta de fame ajlito e derrotado por meu amor vinha pedir esmoia nito foi por vas expulso nem xingado mas comeu e bebeu do que era vosso aquele a quem destes par amor de Deus aquele pobre sabei agora era eu Da esquerda entao hao de querer Jalar mas Deus os calani com grito furor dizendo Pecadores de maus feitos queimai no inferno em sempitemo ardor Nao me destes de beber nem de comer nem bem Jizestes por amor de mim Ide malditos para 0 fogo etemo onde tereis tormento sempitemo Responderti aquela gente ajlita Quando Senhor foi que jamais te vimos marta de fame ajlito e sofredor quando em prisito passaste tantas penas Entao responderti Cristo glorioso Quando ao pobre expulsriveis com desprezo sem do misero ter qualquer piedade nem Ihe Jazer nenhuma caridade Como se pode notar essas toscas oitavas reproduzem de ma neira prosaica uma passagem do Evangelho de Mateus 2541 46 Contudo Menocchio se referiu a essa passagem e nao ao tex to evangelico E aqui tambem a memao a pagina impressa em substancia exata excetuandose a curiosa alteracao que atnbm aos anjos os protestos dos danados resulta nma relabora cao Porem se nos casas anteriores a enfase advlnha pnnclpal mente de omissoes neste 0 procedimento e mais complexo 78 Menocchio da urn passo a frente na aparencia urn passo mini mo mas na verdade enonne em relacao ao texto se Deus e 0 proximo porque disse Eu era aquele pobre e mais importan te amar ao proximo do que amar a Deus Era uma deducao que intensificava nurn sentido radical a insistencia numa religiosidade pratica efetiva comum a quase todos os grupos henticos italia nos da epoca 0 bispo anabatista Benedetto d Asolo tam bern en sinava a fe em urn so Deus urn soJesus Cristo nosso senhorme diador e a caridade com 0 proximo porque no dia do Jufzo nao nos perguntarao outra coisa senao se demos de comer aos fa mintos de beber aos sedentos se vestirnos os semroupas visita mos os enfermos demos pouso para os que passavam J sendo esses os fundamentos da caridade Todavia a atirude de Menoc chic em relacao a esse tipo de predica se e que como e prova vel tenha chegado aos seus ouvidos nao era apenas receptiva Vma tendencia claramente detectavel em reduzir a religiao a moralidade aflora com freqtiencia em seus discursos Com uma argwnentacao incrivel em geral repleta de imagens concretas Menocchio explicou ao inquisidor que blasfemar nao e pecado porque faz mal so a si proprio e nao ao proximo da mesma for ma que se eu tenho uma manta e decido desrnanchaIa faco mal so a mim rnesmo e nao aos outros e acredito que quem nao faz mal ao proximo nao comete pecado Somos todos filhos de Deus e se nao nos fizennos mal uns aos outros como por exemplo se urn pai tern mnitos filhos e urn deles diz maldito seja ffieu pai 0 pai 0 perdoa mas se que bra a cabeca de urn outro 0 pai naQ pode perdoar Ele tern que pagar por isso E assim eu disse que blasfe mar na e pecado porque nao faz mal a ninguem Portanto quem nao faz mal ao proximo flao comete pecado a relacao com Deus se toma irrelevante diante da relaCao com 0 proximo E se Deus e 0 proximo por que entao Deus Na verdade Menocchio nao deu esse ultimo passo que 0 teria levado a afirrnar urn ideal de justa convivencia humana totalmente isento de conotacoes religiosas Para ele 0 arnor ao proximo perrnanecia como urn preceito religioso ou melhor 0 verdadeiro coraCao da religiao Em geral suas atitudes eram 79 oscilantes por essa razao no caso dele devese falar apenas de uma tendencial redwao da re1igiao a moralidade Costumava dizer aos seus concidadaos segundo declarou a testemunha Bartolomeo di Andrea Eu ensino voces a naa fazer 0 mal nao roubar 0 que e dos outros e isso e 0 bern que se pode fa zer Entretanto no interrogat6rio da tarde de I de maio ao inquisidor que Ihe pedira para precisar quais seriam as obras de Deus graas as quais se vai para 0 parafso Menocchio que na verdade so falara de boas obras respondeu Arua 10 Deus adoralo santificilo reverencialo e agradecerlhe e e preciso que se seja caridoso misericordioso pacifico amo roso honrado obediente aos 5uperiores que se perdoem as in jurias e se cumpram as promessas F azendo isso se vai para 0 Cell e isso basta para chegarmos hi Nesse caso os deveres para com 0 proximo eram postos lade a lado com os deveres para com Deus sem que fosse negada a superioridade dos primeiros em relaCao aos segundos Mas a lista das mas obras que veio a seguir roubar assassinar cometer usura crueldades de sonra vituperio e homicidio estas sao sete obras que desagra dam a Deus causam danos ao mundo e agradam ao demonio versava unicamente sobre as reIac6es entre os homens so bre a capacidade do homem de prejudicar 0 proximo A religiao simplificada de Menocchio Fazendo isso se vai para 0 ceu e isso basta para chegarmos hi nao podia ser aceita peIo inqui sidor Quais sao os mandamentos de Deus Acho respon deu Menocchio que sao aqueles que eu acabei de citar Evo car 0 nome de Deus sancificar as festas nao sao preceitos de Deus Isso eu nao sei Na verdade era justamente a insistencia exclusiva na men sagem evangelica em sua forma mais simples e nua que permi tia deduc6es extremas como as formuladas por Menocchio Esse risco cinha sido pressentido com excepcional elareza quase cin qiienta anos antes por urn dos textos mais significativos do evan gelismo italiano urn opusculo anonimo publicado em Veneza sob 0 titulo Alcune ragioni del perdonare 0 autor Tullio Crispol di elaborando uma serie de predicas do bispo de Verona Gian 80 Matteo Giberti do qual era fiel colaborador se esforava em demonstrar com argumentos de todos os tipos que 0 sumo da religiao crista consistia na lei do perdao em perdoar 0 proxi mo para ser perdoado par Deus A certa altura porem nao se escondia que a lei do perdao podia ser interpretada de manei ra exelusivamente humana colocando portanto em perigo 0 culto a Deus 0 perdoar e urn remedio tao grande e poderoso que Deus ao fazer essa lei pos em perigo toda a fe que a ele se deve e ate mesmo parece uma lei feita pelos homens em nome de todos os homens atraves da qual se diz abertamente que Deus nao considera as injurias que lhe fazemos ainda que sejam tantas desde que entre nos nos amemos e perdoemos E de fato se essa lei nao desse a quem perdoa a graa de sair dos pecados e de ser homem de bern poderia julgarse que essa lei nao fos se lei de Deus para governar os homens e sim unicamente lei dos hom ens que para viver em paz nao se preocupam com de litos ou pecados que sao cometidos em segredo de acordo ou de modo que nao disturbem a paz e 0 viver no mundo Mas ven da que quem pela honra de Deus perdoa obtem 0 que deseja de Deus e que e de Deus 0 favorito tomandose apto so para as obras boas fugindo das ruins as pessoas confirmam e reconhe cern a bondade de Deus conosco Portanto apenas a intervenCao sobrenatural da graca divina impede que se assuma 0 nueleo da mensagem de Cristo a lei do perdao como urn vinculo puramente humano politico A even tualidade dessa interpretaao mundana da religiao esta bern pre sente para 0 autor do opusculo Ele conhece e em parte e in fluenciado por ela sua versao mais coerente a de Maquiavel e nao a do Maquiavel disfarado por urna tradiao simplificadora na teorizaCao da religio instrumentum regni mas 0 Maquiavel dos Discorsi que reconhece na religiao acima de tudo urn poderoso elemento de coesao politica No entanto 0 objetivo polemico da passagem que citamos parece ser outro nao tanto julgar leviana mente a religiao de fora e sim corroer as fundamentos de dentro o temor expresso por Crispoldi de que a lei do perdao possa ser entendida como uma lei feita pelos homens em nome de to 81 dos os homens atraves da qual se diz abertamente que Deus nao considera as injurias que the fazemos ainda que sejam tantas desde que entre nos nos amemos e perdoemos quase que refaz as palavras de Menocchio ao inquisicior textualmente acre dito que quem nao faz mal ao proximo flaD cornete pecado So mas todos tilhos de Deus e se nae nos fizermos mal uns aos ou tras como por exemplo se urn pai tern muitos filhos e urn deles diz rnaldito seja meu pai 0 pai 0 perdoa mas se quebra a cabe a de urn outro 0 pai nao pode perdoar Ele tern que pagar por isso Naturalmente nada nos leva a supor que Menocchio conhe cesse 0 Ragioni del perdonare Contudo existia na ItaJia do secu 10 XVI nos ambientes mais heterogeneos uma tendencia capta da com perspicicia por Crispoldi em reduzir a religiao a uma realidade puramente mundana a urn vinculo moral ou politi co Essa tendencia era expressa por diferentes lingua gens par tindo de pressupostos diversos E apesar disso nesse caso talvez seja possivel perceber uma convergencia parcial entre os circu los mais avanqados da alta cultura e os grupos populares de ten dencia radical Nesta altura se retornarmos aos grosseiros versos da Histo ria del Giudicio citados por Menocchio para justificar sua propria afirmaao Acho que amar ao proximo e urn preceito mais im portante do que amar a Deus fica claro que mais uma vez a rede interpretativa era de longe mais importante do que a fon te Mesmo se a interpretaao de Menocchio partira do texto suas raizes eram profundas 20 Entretanto houve textos que foram de fato importantes para Menocchio e entre eles como ele mesmo admitiu em primeiro lugar estava 0 Cavallier Zuanne de Mandavilla isto e As viagens de sir John Mandeville Quando 0 processo foi reaberto em Porto gruaro os inquisidores repetiram ameaadoramente desta vez a 82 exortaao de sempre para que desse os nomes de todos os seus companheiros caso contnirio agiriam com mais rigor contra eIe ja que parece impossivei a este Santo Oficio que tenha aprendi do sozinho tanta coisa e nao tenha companheiros Senhor nao sei de ter ensinado jamais alguem foi a resposta de Menocchio em jamais tive companheiros nas minhas opinioes e 0 que e dlsse dlsse por causa daquele livro do Mandavilla que eu Ii E ainda numa carta enviada da prisao aos juizes como veremos Menocchio enumerou em segundo lugar entre as causas dos seus proprios erros ter lido aquele livro do Mandavilla de tan tas raas e tao diversas leis que me deixou rodo confuso Por que confuso Qual 0 motivo da inquietaao Para responder e precIso antes de mais nada verificar 0 que 0 livro continha na realidade Escritas em frances provavelmente em Liege em meados do seculo XIV e atribuidas a urn ficticio sir John Mandeville As viagens sao substancialmente uma compilaao baseada tanto ern textos geognificos como em enciclopedias medievais como a de Vincente de Beauvais Apos ampla circulaao manuscrita a obra teve urn grande mimero de edioes impressas ern latim e nas principais linguas europeias As viagens estao divididas ern duas partes com conteudos muito diversos A primeira e urn itinerario para a Terra Santa uma especie de guia turistico para peregrinos A segunda e a descriao de uma viagem pra 0 Oriente que atinge ilhas cada vez malS longinquas ate a India e Catai isto e a China 0 li vro terrnina com a descriao do paraiso terrestre e das ilhas que costeiam 0 reino do mitico Preste J oao Ambas as partes sao apresentadas como testemunhos diretos mas enquanto a pri meira e rica em observacoes precisas e documentadas a segun da e repleta de fantasia Sem duvida 0 conteudo da prirneira parte teve grande res ponsabilidade no excepcional sucesso aicanado pela obra Sabe se que ate 0 final do soculo XVI a difusao das descri6es da Terra Santa continuou a superar a das descri6es do Novo Mundo E o leitor de Mandeville podia adquirir urna serie de conhecimen 83 tos ponnenorizados tanto dos lugares sagrados e da localizaao das principais reliquias ali conservadas como dos USGS e costumes dos habitantes A indiferena de Menocchio em relaao as reli quias como se pode lembrar era ahsoluta mas a rninuciosa des criao das particularidades teol6gicas ou rimais da Igreja grega e dos diversos hibitos dos cristaos samaritanos jacobitas soria nos georgianos que viviam na Terra Santa e de suas divergen cias com a Igreja de Rama despertou seu interesse Sua recusa do valor sacramental da confissao teni sido confirmada Oll talvez es timulada pela descriao feita por Mandeville da doutrina dos ja cobitas assim chamados porque foram convertidos por sao Tia go Jacopo Dizem que se deve confessar s6 a Deus e s6 a ele prometer se corrigir quando querem se confessar porem acen clem 0 fogo e ali jogam incenso e outras especies odoriferas e en tre a fumaca se confessam a Deus pedem sua misericordia Esse modo de se confessar era definido por Mandeville como nam ral e primitivo dais adjetivos densos de significado para urn lei tor do seculo XVI embora se apressasse em reconhecer que os santos padres e papas que Ihe sao posteriores ordenaram que se confessasse ao homem e com razao porque eIes ohservaram que doena alguma pode ser curada nao se pode dar 0 remedo certo se nao se conhece a natureza do mal da mesma forma nao se porle dar a penitencia certa se nao se sabe a qualidade do pe cado ja que os pecados nao sao iguais nem no tempo nem no espao Convem saber a natureza do pecado no tempo e no es pao e depois dar a penitencia Ora Menocchio aind que colocasse no mesmo plano confessarse ao padre ou a uma arvo re admitiu como vimos que 0 padre poderia dar a quem nao sabia 0 conhecimento da penitencia Se esta arvore conheces se a penitencia daria no mesmo alguns homens procuran os pa dres porque nao sabem que penitencias devem ser feltas para seus pecados espeando que os padres as enine mas s les souhessem nao tenam necessldade de procuralos Rerruruscen cia de Mandeville F asdnio ainda maior deve ter exercido sobre Menocchio a longa exposiao de Mandeville acerca da religiao de Maome No 84 segundo processo e revelada a tentativa do moleiro to davia como ja comentamos 0 testemunho nao e seguro desatisfazer sua curiosidade a respeito lendo diretamente 0 Alcorao que foi traduzido na Icilia em meados do seculo XVI Porem com as via gens de Mandeville Menocchio ja pudera aprender certas con vic6es sustentadas peIos maometanos em parte conformes com algumas afirma6es suas Segundo 0 Alcoriio relatava Mandevil le entre todos os profetas Jesus foi 0 mais excelente e 0 mais proximo de Deus Menocchio quase repetindo suas palavras Minha dlivida e que nao tivesse sido Deus mas urn profeta qualquer urn homem de bern que Deus mandou pregar neste mundo Ainda em Mandeville Menocchio pudera encontrar urna clara recusa da crucificaao de Cristo tida como impossivel porque contraditoria com a justica de Deus Mas nao foi jamais crucificado como dizem ou melhor Deus 0 fliz ascender a ele sem morte sem macula e transformouo em outro chamado Ju das Iscariotes esse sim foi crucificado pelos judeus que pensa ram que fosse Jesus 0 qual subira aos ceus para julgar 0 mundo e dizem nesse artigo que estamos citando que a grande jus tica de Deus nao poderia fazer nada sofrer De acordo com 0 testemunho de urn conterraneo parece que Menocchio defendia algo semelhante Nao e verdade que Cristo tenha sido crucifi cado mas sim Simao da Cirenaica E evidente que para Menoc chio tambem a crucificaCao 0 paradoxo da cruz era inaceicivel Pareciame inacredicivel que urn senhor se deixasse prender assim e por isso eu duvidava que tendo sido crucificado Fosse Deus talvez algum profeta Sao semelhancas indiscutiveis embora parciais Mas parece impossivel que a leimra dessas paginas pudesse inquietar Menoc chio Menos ainda 0 severo juizo sobre a cristandade que Man deville atribuia ao sultao Eles os cristaos deveriam dar exem plo fazendo 0 bern as pessoas comuns deveriam ir ao templo e servir a Deus e estao 0 dia todo girogirando pelas tavemas be bendo comendo como animais Eles deveriam ser simples e humildes mansos e caridosos como foiJesus no qual eles creem mas fazem 0 contrario 0 inverso e sao todos inclinados para 0 85 mal e tanta e a cobia a avareza que par POllCO dinheiro vendem as filhos innas e as pr6prias mulheres como meretrizes roubam urn a mulher do outro nao se mantem na fe nao respeitando a lei que Jesus Cristo deixou para eles se salvarem Esse quadro da corrupao da cristandade escrito duzentos anos antes foi provavelmente lido por Menocchio como urn texto contemporaneo e atuaHssimo A avidez dos padres e fra des os privilegios as prevarica6es dos muitos que se diziam se guidores de Cristo estavam debaixo dos seus olhos a cada dia Nas palavras do sultao Menocchio pode encontrar mais uma confirmaao e uma legitimaao da sua critica aguda a Igreja e na com certeza urn motivo de perturbaao Esse cleve ser pro eurado em outro lugar 21 0 povo desta terra tern diversas leis alguns adoram 0 sol al guns as arvores alguns as serpentes e outros a primeira coisa que encontram pela manha alguns simulacros outros idolos era o que afirmava Mandeville quase no inicio da segunda pae de suas viagens falando de Chana uma ilhota proxima da India Aqui encontramos uma referencia repetida a seguir muitas vezes as diversas leis a variedade das crencas e dos costu mes religiosos que tanto confundira Menocchio Atraves dos contos de Mandeville de suas descric6es na maior parte fantas ticas de terras longinquas 0 universo mental de Menocchio se dilatava extraordinariamente Nao mais Montereale Pordenone e no miximo Veneza lugares da sua existencia de moleiro mas sim India Catai ilhas povoadas por canibais pigmeus homens com cabeps de cao E justamente sobre os pigmeus Mandeville escrevera uma pagina que alcancaria grande sucesso E urn povo de pequena estarura cerca de tres palmos homens e mulheres belos e graciosos por causa do tamanho Casamse com a idade de seis meses e com dois ou tres anos ja tern filhos em geral nao vivem mais que seis ou sete anos e os que chegam a sete sao con 86 siderados velhissimos Esses pigmeus sao os mais habilidosos e os melhores mestres no trabalho com a seda ou algodao e qualquer outra coisa que exista no mundo Com freqiiencia fazem guerra contra os passaros do Iugar e muitas vezes sao mortos e comidos por eles Essa pequena gente nao trabalha na terra nem tern vi nhas mas existia gente grande como nos que trabalham a terra para eles Eles os pigmeus desprezamnos assim como nos os desprezariamos se vivessemos junto com eles No desprezo dos pigmeus pela gente grande como nos concentrase a estranha sensaao provocada em Menocchio por esse livro A diversidade das crenas e dos costumes registrados por Mandeville levouo a se interrogar sobre 0 fundamento de suas proprias crencas de seu comportamento Aquelas ilhas em grande parte imaginarias the deram urn ponto de apoio a partir do qual passou a olhar 0 mundo em que nascera e cres cera Tantas raas e tao diversas leis muitas ilhas cada uma vivendo a sua maneira muitos e diversos tipos de na c6es uns acreditando de urn modo outros de outro duran te 0 processo Menocchio insistiu nesse ponto retornando sempre a ele N a mesma epoca urn nobre de Perigord Michel de Montaigne sofria urn choque relativista analogo lendo os relatorios sobre os indigenas do Novo Mundo Mas Menocchio nao era Montaigne era so urn moleiro auto didata Sua vida transcorrera quase exclusivamente entre os mu ros da aldeia de Montereale Nao sabia grego nem latim no ma ximo alguns fragmentos de orac6es lera poucos livros em geral por acaso Desses mastigara triturara cada palavra Ele os rumi nava durante anos durante anos palavras e frases fennentaram em sua cabeca Urn exemplo esclareceni os mecanismos dessa longa e cansativa reelaboraao No capitulo CXLVIII das Viagens de Mandeville intitulado Da ilha de Dundina onde se comem uns aos outros quando nao podem escapar e do poder do seu rei 0 qual e senhor de 54 outras ilhas e dos mnitos tipos de homens que vivem nessas ilhas Menocchio encontrara esta pagina Nesta ilha existe gente de natureza diversa 0 pai come 0 i lho 0 filho 0 pai 0 marido a mulher e a mulher 0 marido Quan 87 do 0 pai ou a mae ou enmo a1gum dos seus amigos esci doente imediatamente 0 fiho ou outra pessoa procura 0 padre da sua re ligiao para pedirhe que consulte 0 idolo deles este por ter 0 dia bo por tris he diz que aquele nao morreni desta vez e ensina a eles 0 modo de cuniIa Assim 0 filho retoma conta ao pai e faz 0 que 0 idolo he ensinara ate que ele sare 0 mesmo fazem os ma ridos pelas mulheres os amigos urn pelo ontro E se 0 idolo dis ser que e caso de morte 0 padre acompanha 0 fiho e a mulher ou entaa 0 amigo doente e Ihe metem urn pano na boca para asfi xiaIo e assim sufocandoo matamno cortando em seguida seu eorpo em pedaos todos os amigos apareeem para rezar e co mer daquele eorpo morto ReUnem quantos pifaros possam ter e assim eomem em grande festa e com grande solenidade Quando acabam de comer recolhem os assos e as enterram cantando com grande festa e muita musica Os amigos e parentes que nao parti eipam dessa festa sao recriminados e sentem muita vergonba e dor porque nao sao mais considerados amigos Dizem que camem a carne para liberar 0 amigo do sofrimento se a carne e muito ma gra os amigos dizem que foi urn peeado deixalo definbar e sofrer tanto sem razaoj se a came e gorda dizem que esci bern e que logo mais estaci no paraiso e que nao teve sofrimentos Essa descriao de canibalismo ritual atingiu Menoeehio pro fundamente como atingira Leonardo que dela extraiu 0 motivo para investir contra a maldade dos homens 1sso emerge com cla reza no interrogatorio de 22 de fevereiro 0 vigariogeral per guntou pela emsima vez Digame quais eram seus companhei ros de ideias Menocchio respondeu Senhor nunca encontrei ninguem com estas opini6esj as minhas opinioes safram da rninha propria eabep E verdade que li urn livro que foi emprestado pelo nosso capelao messer Andrea da Maren que hoje vive em Monte Real intitulado II cavalier Zuanne de Mandavilfa aeredito que fos se frances impresso em lingua italiana vulgar Ele me emprestou ha uns cinco ou seis anos mas eu ja 0 devolvi ha dois anos Esse livro tratava da viagem para Jerusalem e de algumas divergencias entre gregos e 0 papa tratava tambem do grande Khan da eida de da Babilonia do Preste Joao de Jerusalem e de muitas ihas 88 cada wna vivendo a sua maneira 0 cavaleiro esteve com 0 suI tao que 0 interrogou sobre os padres cardeais papas e clerigosj dizia que Jerusalem era dos cristaos e que pelo mau govemo destes e do papa Deus a retirou deles Falava ainda de urn lugar que quan do alguem monia Nesse ponto 0 inquisidor interrompeu im pacientemente Menocchio para perguntarIhe se esse livro nao falava do caos E Menocchio respondeu Nao senhor mas so bre isso eu Ii no Fioretto della Bibbia mas as outras coisas que eu disse sobre 0 caos eu tirei da minha propria cabeca Logo em se guida retomou 0 discurso interrompido Esse mesmo livro do cavaleiro Mandavilla dizia tambem que quando os homens esta yam doentes proximos da morte procuravam 0 padre e 0 tal pa dre eonsultava urn idolo que he dizia se 0 doente devia morrer ou nao caso sim 0 padre 0 sufocava e junto com outros 0 cornia se o sabr era born nao tinha pecados se era ruim tinha muitos pe eados e tinbam feito muito mal em deixalo viver tanto E dali ti rei minha opiniao de que morto 0 corpo a alma tambem morre ja que existem muitos e diversos tipos de nacoes uns acreditando de urn modo outros de outro Mais uma vez a ardente memoria de Menocchio fimdira trans pusera modelara palavras e frases 0 morto de carne muito ma gra transfonnarase sem mais em mim de ser comido 0 de carne gorda born de ser eomido A ambigiiidade gastronomi comoral desses tennos bam ruim atrafra a referencia aos peca dos deslocandoa do matador para 0 morto Portanto quem era born de ser eomido nao tinha peeados quem era ruim de ser comido estava eheio de peeados Nesse ponto preeipitarase a deduao de Menoecbio nao existe 0 alem nao existem penas ou recompensas futuras 0 parafso e 0 inferno sao desta terra a alma e mortal Como sempre Menocchio defonnava agressivamente de maneira completamente involuntaria e claro 0 texto A tor rente de perguntas que Menocchio colocava aos livros ia muito alem da pagina escrita Mas nesse caso a fulltao do texto nao era em absoluto secundaria E dali tirei minha opiniao de que mor to 0 corpo a alma tambem morre jt que existem muitos e diversos tipos de nafoes uns acreditando de um modo outros de outro 89 22 Entretanto a insistencia oa variedade das leis e dos costu mes era apenas urn dos palos da narraao de Mandeville No polo oposto encontravase 0 reconhecimento de urn elemento que permanecia virtualmente constante em meio a tanta diver sidade a racionalidade sempre acompanhada pela fe flum Deus autor do mundo urn Deus cia natureza Depois de ter falado dos adoradores de idolos e imagens da ilha de Chana Mande ville detalhava E saibam que quem adora imagens 0 faz em re verencia a algum homem valente ja morto como Hercules e fiuitos Dutros que no tempo deles fizeram maravilhas mas eles dizem saber que tais valentes naa sao deuses ou melhor existe urn Deus da natureza que fez tadas as coisas e sabem fiuito bern que aqueles nao poderiam fazer as maravilhas que fizeram senao pela especial graa de Deus E como aqueles foram amados por Deus eles os adoram Dizem coisa parecida sabre 0 sol que muda 0 tempo e fornece calor e nutricao para tadas as coisas so bre a terra mas tantas virtudes do sol eles sabem muito bern que advem de Deus que 0 ama mais do que a todas as outras coisas e lhes doou as maiores virtudes Portanto e compreensivel como dizem que seja honrado e reverenciado Compreensivel Com urn tom de s6brio distanciamento quase etnognifico Mandeville registra realidades ou crenas ex6ticas mostrando como por tras de suas monstruosidades au absurdos se ocultava urn micleo raciona E verdade que os habi tantes da ilha de Chana adoravam urna divindade que era meta de boi metade homem Porem eles eonsideravam 0 boi 0 mais santo entre os animais que existem sobre a terra e entre todos as outros 0 mais util enquanto 0 homem e a mais nobre das cria turas e senhor de todos os animais Mas os cristaos tambem nao atribuiam supersriciosamente qualidades beneficas ou malevolas a determinados animais En tao nao ha por que se maravilhar se os pagaos os quais dada a sua simplicidade nao tern outra doutrina a nao ser a natural acreditam mais profundamente na queles Os habitantes da ilha Hongamara informa Mandeville 90 possuem todos homens e mulheres cabea de cao e sao cha mados cinocefalos mas em seguida acrescenta e sao pessoas razoaveis e de born intelecto Por isso no capitulo final do li vro na conclusao da narrativa de suas viagens extraordinarias Mandeville podia declarar de maneira solene aos leitores j e saibam que em rodo aquele pais Cataij e em todas as ilhas com gente diferente e diversas leis e fe as quais descrevi nao ha nin guem ali possuidor de intelecto e razao que nao tenha ao me nos urn artigo da nossa fe e algum ponto importante da nossa crenca e que nao acredite que 0 mundo foi criado por Deus a quem chamam Iretarge isto e Deus da natureza segundo disse o profeta et metuent eum omnes fines terrae e em outro lugar omnes gentes serviet ei etc mas eles nao sabem falar perfeitamen te de Deus Pai nem Filho e nem Espirito Santo nem sabem fa lar da Biblia especialmente do Genese e dos outros livros de Moises do Exodo dos profetas mas eles nao tern ninguem para lhes ensinar sabem 56 0 que aprenderam naturalmente Man deville solicitava uma tolerancia ilimitada para com esses povos j e embora essa gente os habitantes das ilhas Mesidarata e Genosaffaj nao tenha arrigos de fe iguais aos nossos pela boafe natural deles e pelas suas boas intenc6es en penso e tenho certe za de que Deus os ama e aceita de born grade suas oferendas como fez comJo Por essa razao e que Nosso Senhor dizia pela boca do profeta Oseias ponam eis multiplices leges meas em ou tro lugar na Escritura esta escrito qui tatum subdit orbem legi bus Algo parecido disse Nosso Senhor no Evangelho alias oves habeo quae non sunt ex hoc ovili querendo dizer que existem ou tros servos alem dos que estao subordinados a lei crista j nao se deve ter 6dio nem desprezo por nenhurn cristao pela diver sidade das suas leis nem julgaIos devese isso sim rezar por eles porque nao sabemos quem Deus ama e quem odeia embo ra Deus nao odeie criatura alguma que ele tenha feito Portanto atraves das Viagens de Mandeville essa inocente narraao intrincada de elementos fabulosos traduzida e reim pressa inurn eras vezes urn eeo da tolerancia religiosa medieval chegava ate a idade das guerras religiosas das excornunh6es da 91 queima dos hereticos Era provavelmente apenas um dos multi plos eanais que alimentavam a corrente popular ate hoje mui to pOlleD conhecida favoravel a tolerancia cujas pistas raras se podem distinguir no decorrer do seculo XVI Outro canal con sistia no persistente sucesso da lenda medieval dos tres aneis 23 Menacchia tamanda conhecimento dessa lenda fieou tao perrurbado que passou a contala detalhadamente durante 0 se gundo proeesso 12 de julho de 1599 ao inquisidor que 0 esta va julgando desta vez 0 franciseano Gerolamo Asteo Depois de admitir que havia dito no passado mas nao sei a quem que nascera cristao e que por isso queria continuar cristao mas se tivesse nascido turco ia querer continuar turco Menocchio acrescentou Concedame a graca de me Duvir senhor Urn grande senhor dedarou seu herdeiro aquele que tivesse urn cer to anel precioso aproximandose cia morte mandau fazer ou tras dais aneis parecidos com 0 primeiro e como tinha tres fi Ihos deu a cada um deles um ane Cada um deles julgava ser 0 herdeiro e ter 0 verdadeiro anel mas dada a semelhanca nao se podia saber ao certo Do mesmo modo Deus possui varios fi lhos que ama isto e os cristaos os turcos e os judeus e a todos deu a vontade de viver dentro da propria lei e nao se sabe qual seja a melhor Mas eu disse que tendo nascido cristao quero continuar cristao e se tivesse nascido turco ia querer viver como turco 0 senhor acredita enta insistiu 0 inquisidor que nao se saiba qual seja a melhor lei Menocchio respondeu Se nhor eu penso que cada urn acha que a sua te seja a melhor mas nao se sabe qual e a melhor mas porque meu avo meu pai e os meus sao cristaos eu quero continuar cristao e acreditar que essa seja a melhor fe E urn momento extraordinario num processo como esse ex traordinario do inicio ao fim Os papeis se inverteram proviso riamente Menocchio tomou a iniciariva e tentou convencer 0 92 juiz Concedame a graca de me ouvir senhor Quem repre senta 0 papel da cultura dominante E quem representa a cultu ra popular Nao e Heil responder A forma pela qual Menoeehio se utilizara da semelhanca entre os tres aneis tornava a situacao ainda mais paradoxa Ele deelarou tela lido nao sei em que li vro S6 no interrogat6rio seguinte 0 inquisidor percebeu de que livro se tratava Esta num livro proibido Quase urn mes depois Menocchio confessou 0 titulo Li no livro Cento novel le de Boeeaeeio que Ihe fora emprestado por Nicolo de Mel chiori possivelmente a tal pintar Nicola da Porcia com quem segundo uma testemunha vimos Menocchio tinha aprendido as heresias Tudo 0 que vimos ate agora demonstra que Menocchio nao reproduzia simplesmente opinioes e teses de outros Seu modo de lidar com os livros suas afirma6es deformadas e trabalhosas sao sem duvida sinais de uma reelaboraCao original E evidente que esta nao partira do nada Cada vez com mais nitidez vemos como ali se encontram de modos e formas a serem ainda preci sados correntes cultas e correntes populares Talvez tenha sido Nicola da Poreia quem colocou nas maos de Menoeehio alem do Sogno dil Caravia um exemplar do Decameron Mas esse livro ou ao menos parte dele 0 terceiro conto do primeiro dia no qual e contada a lenda dos tres aneis causou profunda impres sao em Menocchio Como ele reagia aos outros contos de Boc caccio infelizmente nao sabemos E provavel que sua atitude religiosa tao conrraria as limitacoes confessionais tenha encon trado eonfirmaao no conto do judeu Melquisedeque Porem justamente a pagina de Boeeaeeio sobre a lenda dos tres aneis havia sofrido 0 corte da censura contrareformfstica notoria mente muito mais atenta as passagens perigosas no plano reli gioso do que a presumiveis obseenidades Na verdade Menoe chio deve ter lido uma ediCao mais anriga ou que nao houvesse sido vitima das intervencoes dos censores Assim 0 choque en tre Gerolamo Asteo inquisidor e canonico e 0 moleiro Dome nico Scandella conhecido por Menocchio a respeito do conto dos tres aneis e sua exaltacao a tolerancia foi de alguma forma 93 simb6lico A Igreja cat6lica nesse periodo combatia em duas frentes contra a cultura erudita velha e nova irredutivel aos es quemas contrareformfsticos e contra a cultura popular Entre esses dois inimigos tao diversos as vezes existiam como vimos convergencias subterraneas A resposta de Menocchio a pergunta do inquisidor 0 senhor acredita entao que nao se saiba qual seja a melhor lei foi sutil Senhor eu penso que cada um acha que a sua fe seja a melhor mLlS nito se sabe qual e a melhor Era a tese dos fautores da tolerancia tolerancia que Menocchio estendia como Cas tellione nao s6 as tres grandes religioes hist6ricas mas tambem aos hereticos E assim como nos te6ricos contemporaneos a posiao de Menocchio acerca da tolerancia tinha urn conteudo positivo A majestade de Deus distribuiu 0 Espirito Santo para todos crista os hereticos turcos judeus tern a mesma conside raao par todos e de algum modo todos se salvado Mais do que tolerancia em sentido estrito tratavase do reconhecimen to explfcito da equivalencia de todas as fes em nome de uma religiao simplificada sem caracterizaoes dogmaticas ou con fessionais Algo parecido com a fe no Deus da natureza que Mandeville encontrara em todas as popula5es ate nas mais re motas mais disformes e monstruosas mesmo que como ve rem os Menocchio tenha de fato rejeitado a ideia de urn Deus criador do mundo Porem em Mandeville tal reconhecimento era acompanha do pela reafirmaao da superioridade da religiao crista contra a verdade parcial das outras religioes Pela enesima vez portanto Menocchio tinha extrapolado os textos Seu radicalismo religio so embora tendo ocasionalmente se nutrido de temas da tole rancia medieval ia muito mais ao encontro das sofisticadas teo rizaoes religiosas dos hereticos contemporaneos de formaao humanista 94 24 Vimos portanto como Menocchio lia seus livros destaca va chegando a deformar palavras e frases justapunha passa gens diversas fazendo explodir analogias fulminantes Tocla vez que confrontamos os textos com suas reaoes a eles fomos le vados a postular que Menocchio possufa uma chave de leitura oculta que as possiveis relaoes com urn au outro grupo de he reticos nao sao suficientes para explicar Menocchio triturava e reelaborava suas leituras indo muito alem de qualquer modelo preestabelecido Suas afirmaoes mais desconcertantes nasciam do contato com textos in6cuos como As viagens de Mandevil le au a Historia del Giudicio Nao 0 livro em si mas 0 encontro da pagina escrita com a cultura oral e que formava na cabea de Menocchio uma mistura explosiva 25 Retornemos entao a cosmogonia de Menocchio que no ini cio nos parecera indecifravel Agora podemos reconstruir sua complexa estratificaao Ela comeava desviandose imediata mente do Genese e de sua interpretaao ortodoxa afirmando a existencia de urn caos primordial Eu disse que segundo meu pensamento e crena tudo era urn caos isto e terra ar agua e fogo juntos 7 de fevereiro Num interrogat6rio subseqiien te como vimos 0 vigariogeral interrompeu Menocchio que discorria sobre as Viagens de Mandeville e the perguntou se esse livro nao falava do caos Menocchio negou repropondo desta vez de forma consciente 0 ja citado cruzamento entre culrura escrita e cultura oral Nao senhor mas sobre isso eu Ii no Fioretto della Bibbia mas as outras coisas que eu disse sobre 0 caos eu tirei da minha pr6pria cabea Na verdade Menocchio nao se lembrava muito bern 0 Fio retta della Bibbia nao falava propriamente do caos Apesar disso a narrariva biblica sobre a criaao e precedida sem preocupaao ne nhuma com a coerencia de uma serie de capftulos derivados em 95 grande parte do Elucidarium de Hon6rio dAutun em que a me tafisica se mistura a astrologia e a teologia a doutrina dos quatro temperamentos 0 capirulo IV do Fioretto Como Deus erioli 0 homem a partir dos quatro elementos comeca da seguinte ma neira Como esci dita Deus no principia fez uma grande mate ria a qual nao tinha fortna nem feicao e fez tanta que podia dali tirar au fazer 0 que quisesse dividiua e distribuiua e dela rerirou o homem farmada pelos quatro elementos J Aqui como se ve e postulada a indistinao primordial dos elementos 0 que de fato exclui a criao ex nihilo todavia 0 caos nao e mencionado E pro vavel que Menoccrno tenha tomado conhecimento desse tertno erudito num livro ao qual se referiu incidentalmente durante 0 se gundo processo mas em 1584 como se vera ja 0 sabia 0 Supple mentum supplementi delle croniche do ennitao Jacopo Filippo F ores rio Essa cronica escrita no final do seculo xv porem alicenada em bases ainda claramente medievais comeca com a criacao do mun do Depois de ter citado Agostinho patrono da sua ordem Fores ti escreveu J e esci dito no principia Deus fez 0 cen e a terra nao que este existisse realmente mas porque existia em potencial para que depois se escrevesse que 0 ceu fora feito e como se con siderando as sementes de uma anrore ja falassemos em raiz tron co ramos frutos e folhas nao que ja existam mas porque vao exis tiro E assim se diz que no principio Deus fez 0 ceu e a terra quando a materia do ceu e da terra ainda estava fundida mas como esta va certo de que seria 0 ceu e a terra tal materia ja foi chamada de ceu e terra Essa fonna enonne sem figuras definidas foi chama da por Ovidio no inicio de seu livro mais volumoso e tambem por alguns fil6sofos de Caos 0 qual Ovidio menciona nesse mesmo li vro dizendo Antes da terra do mar do ceu que rudo cobre a na rureza era uma massa que os fil6sofos chamavam Caos uma gran de e indigesta materia e nao era mais do que uma massa incerta e inerte reunindo num mesmo circulo e as sementes discordantes de coisas nao bern combinadas Partindo da ideia de hartnonizar a Biblia com Ovidio Fo resti acabou por expor uma cosmogonia mais ovidiana que bf blica A concepao de um caos primordial de grande e indiges 96 ta materia atingiu profundamente Menocchio Oaf ele extraiu depois de muito pensar as outras coisas sobre 0 caqs J da sua propria cabea Menocchio tentou comunicar essas coisas aos seus con terraneos Eu ouvi ele dizer que no principio este mundo era nada que a agua do mar foi batida como a espuma e se coagu lou como 0 queijo do qual nasceu uma infinidade de vermes es ses vermes se tornaram homens dos quais 0 mais potente e sa bio foi Deus e os outros Ihe dedicaram obediencia Tratavase de urn testemunho muito indireto ate mesmo de terceira mao Povoledo estava relatando 0 que um amigo he con tara oite dias antes caminhando pela rna indo para 0 mercado em Pordenone e 0 amigo por sua vez the tinha repetido 0 que ouvira de um outro amigo que havia falado com Menocchio De fato Menocchio no primeiro interrogat6rio deu uma versao urn pouco diferente Eu disse que segundo meu pensamento e cren a tudo era um caos J e de todo aquele volume em movimento se fonnou urna massa do mesmo modo como 0 queijo e feito do leite e do qual surgem os vermes e esses foram os anjos A santis sima majestade quis que aquilo Fosse Deus e os outros anjos e en tre todos aqueles anjos estava Deus ele tambbn criado daquela mas sa naquek mesmo momento Aparentemente ao passar de boca em boca 0 discurso de Menocchio havia sido simplificado e dis torcido Vma palavra dificil como caos desaparecera sendo substiruida por urna variante mais ortodoxa No principio este mundo era nada A sequencia queijovennesanjossantissima majestadeDeus 0 mais potente dos anjoshomens tinha sido re duzida durante a trajetoria a outra queijovenneshomensDeus o mais patente dos homens Porem na versao dada por Menocchio a referenda a espu ma batida da agua do mar na estava presente Impossivel que Povoledo a tivesse inventado A sequencia do processo mostrou daramente que Menocchio estava pronto a variar este ou aquele elemento da sua cosmogonia desde que mantivesse intacto seu carater essencial Assim a indagaao do vigariogeral 0 que era essa santissima maestade respondeu Eu entendo a san 97 tissima majestade como 0 espirito de Deus que sempre existiu Num interrogatorio subsequente ainda precisou no dia do Jufzo os homens setao julgados por aquela santissima majestade que eu citei antes que existia antes que existisse 0 caos E numa versao ul terior substituiu Deus pela santissima majestade 0 Espfrito Santo por Deus Eu acredito que 0 eterno Deus daquele caos do qual eu ja falei tenha retirado dali a mais perfeita luz assim como se faz 0 queijo e daquela luz fez os espfritos que nos chamamos anjos entre os quais elegeu 0 mais nobre e a ele deu toda sua sa bedoria toda sua vontade e todo seu poder e este e 0 que nos chamamos Espirito Santo 0 qual foi colocado por Deus na cria yao do mundo inteiro Quanto a anterioridade de Deus em re layao ao caos mudou ainda uma vez de opiniao Esse Deus esta va no caos como alguem que esta na agua e quer se expandir como alguem que esta num bosque e quer se expandir seu inte lecto tendo recebido conhecimento quis se expandir para criar este mundo Mas entaa perguntou 0 inquisidor Deus foi sempre eterno e esteve sempre no caos Eu acredito que sem pre tenham estado juntos nunca separados isto e nem 0 caos sem Deus nem Deus sem 0 caos Diante dessa miscelanea 0 in quisidor tentou era 12 de maio obter urn pouco de clareza antes de conduir definitivamente processo 26 INQUISIDOR 0 senhor pareceu se contradizer nas respostas anteriores quando falou de Deus porque numa disse que Deus e eterno com 0 caos e em outra disse que ele foi feito do caos Agora esdareya seu pensamento MENOCCHIO A minha opiniao e que Deus e eterno com 0 caos mas nao conhecia a si proprio e nem era vivo mas de pois se conheceu e isso e 0 que eu entendo por ter sido feito do caos INQUISTDOR 0 senhor disse anteriormente que Deus tinha intelecto como e enta que antes nao conhecia a si mesmo e 98 qual foi a causa que 0 fez se conhecer Explique tambem 0 que aconteceu a Deus que possibilitou que eIe na estancio vivo se tornasse vivo depois MENOCCHIO Acredito que tenha acontecido com Deus 0 msn0 que acontece as coisas deste mundo que vao da imper felyao a prfelyaO como uma crianya por exemplo que en quanto esta no ventre da mae naD compreende nem vive mas logo que si comeya a viver e a medida que cresce comeya a en tender assnn Deus que era imperfeito enquanto estava no caos nao compreendia nem vivia mas depois se expandindo ness caos comeou a viver e a compreender INQLJISIDOR Esse intelecto divino no principio conhecia to das as coisas distintamente e em detalhes MENOCCHIO Ele conhecia todas as coisas que deveriam ser feltas sabIa do homem e tambem que daquele deveriam nascer outros mas nao conheceu todos aqueles que deveriam nascer coo po exemplo os que tocam os rebanhos sabem de quais anImalS vaG nascer outros mas nao sabem especificamente to dos os que va nascer Assim Deus via tudo mas nao via todos as detalhes do que viria a acontecer INQUISIDOR TO principio esse intelecto divino teve conhe cimeno e tods as coisas de onde recebeu essa informayao da sua propna essenCla au por outra via MEOCCHIO 0 intelecto recebia conhecimento do caos onde todas as coisas se enContravam confundidas e em seguida caos deu ordem e compreensao a esse intelecto assim COmo nos co nhecemos a terra a agua 0 ar e 0 fogo e aos poucos pudemos distinguilos INQUISIDOR Esse Deus nao possuia vontade e poder antes que fizesse todas as coisas MENOCCHIO Sim assim como nele crescia 0 conhecimen to tambem cresciam vontade e poder INQUISIDOR Poder e querer sao a mesma coisa para Deus NENOCCHIO Sao distintas assim como sao para nos quan do eX1te 0 querer e preciso que exista 0 poder para fazer algu rna COlsa Por exemplo 0 carpinteiro se quiser fazer urn banco 99 precisa de instrumentos para poder fazeIo e se nao river a ma deira sua vontade e inutil 0 mesmo dizemos sobre Deus alem do querer e preciso 0 poder INQUISIDOR Qual e 0 poder de Deus MENOCCHIO Operar atraves de trabalhadores hQUISIDOR Os anjos que para 0 senhor sao ministros de Deus na criaao do mundo foram feitos diretamente por Deus ou entao por quem MEJOCCHIO Foram produzidos pela natureza a partir da mais perfeita substancia do mundo assim como os vermes nas cern do queijo e quando apareceram receberam vontade inte lecto e memoria de Deus que os abenoou ITQUISIDOR Poderia Deus fazer todas as coisas sozinho sem a ajuda dos anjos MENOCCIllO Simi assim como alguem que constroi uma casa usa rrabalhadores e ajudantes mas se diz que fez tudo sozinho Deus na criaCao do mundo usou os anjos mas se diz que foi Deus quem 0 fez E da mesma fonna que aquele consttutor poderia ter feito sua casa sozinho mas levaria mais tempo Deus poderia ter construido 0 mundo sozinho mas em muito mais tempo INQUISIDOR Se nao tivesse existido a substancia da qual fo ram produzidos todos os anjos se nao tivesse existido 0 caos Deus teria podido fazer toda a maquina do mundo sozinho MENOCCHIO Eu acredito que nao se possa fazer nada sem materia e Deus tambem nao poderia ter feito coisa alguma sem materia INQUISIDOR Aquele espirito ou anjo supremo pelo senhor chamado de Espirito Santo e da mesma natureza e essencia de Deus MENOCCHIO Deus e os anjos sao da mesma essencia do caos mas diferentes em perfeiCao porque a substancia de Deus e mais perfeita e nao e a mesma do Espirito Santo sendo Deus a luz mais perfeita 0 mesmo digo de Cristo que e de substan cia inferior a de Deus e a do Espirito Santo INQUISIDOR 0 Espirito Santo e tao poderoso quanta Deus E Cristo rambem e tao poderoso quanta Deus e 0 Espirito Santo 100 MENOCCHIO 0 Espirito Santo nao e tao poderoso quanta Deus e nem Cristo e tao poderoso quanto Deus e o Espirito Santo INQUISIDOR Aquele que 0 senhor chama de Deus foi feito produzido por alguem MENOCCHIO Nao foi produzido por outros mas recebe seu movimento das mudanas do caos e vai da imperfeiiio a perfeiao INQUlSIDOR E 0 caos quem 0 move MENOCCHIO Ele se move sozinho 27 Assim na sua linguagem densa recheada de metaforas liga das ao cotidiano Menocchio explicava sua cosmogonia tranqili lamente com segurana aos inquisidores estupefatos e curiosos caso contrario por que teriam conduzido urn interrogat6rio tao detalhado Apesar da grande variedade de termos teol6gicos urn ponto permanecia constante a recusa em atribuir a divinda de a criacao do mundo e ao mesmo tempo a obstinada rea firmacao do e1emento aparentemente muito bizarro 0 queijo os vermesanjos nascidos do queijo Talvez seja possivel detectar aqui urn eco da Divina comedia Purgat6rio x 12425 vermes nascidos para formar angilica borboleta sobretudo porque 0 comentario de Vellutello sobre esses ver sos Angilica isto e divina tendo sido criada por Deus para preen cher os lugares que os anjos negros perderam expulsos do ciu esta reproduzido literalmente numa Dutra passagem da cosmogonia de Menocchio E esse Deus fez depois Adao e Eva e 0 povo em multidao para preencher os lugares dos anjos expulsos Seria muito estranho que a convergencia de duas coincidencias numa unica pagina Fosse obra do acaso Mas se Menocchio tivesse 101 lido Dante talvez para conhecer urn mestre em verdades re ligiosas e morais por que justamente aqueles versos vermes nascidos para formar angelica borboleta ficaram gra vados em sua mente N a verdade Menocchio nao havia retirado sua cosmo gonia dos livros Foram produzidos pela natureza os anjos a partir da mais perfeita substancia do mundo assitn como as vermes nascem do queijo e quando apareceram receberam vontade in telecto e memoria de Deus que os abencoou parece claro pela resposta de Menocchio que a insistente remissao ao queijo e aos vermes tinha uma funao puramente anaI6gicoexplicativa A experiencia cotidiana do surgimento de vermes do queijo putre fato servia para Menocchio explicar 0 nascimento dos seres vi ventes os primeiros os mais perfeitos foram os anjos do caos da materia grande e indigesta sem recorre1 it intervenrao de Deus 0 caos precede a santfssima majestade que nao e me lhor definida do caos nasceram os primeiros seres viventes os anjos e mesmo Deus que era 0 maior de todos por gera Cao espontanea produzidos pela natureza A cosmogonia de Menocchio era substancialmente materialista e tendencialmen te cientifica A doutrina da geraao espondnea da vida a partir do inanimado compartilhada por todos os intelectuais do tem po e continuaria sendo ate os experimentos de Francesco Redi mais de urn seculo depois era de fato mais cientffica que a doutrina da Igreja no que concerne a criacao baseada no Gene se Walter Raleigh em nome de experiencias sem arte pode relacionar a mulher que faz 0 queijo queijol e 0 filosofo natu ral ambos sabem que 0 coalho faz coagular 0 leite na batedeira mesmo nao sabendo explicar par que Porem nao e atraves das experiencias cotidianas de Menoc chio que obteremos todas as explicac6es talvez melhor dizendo elas nao expliquem nada A analogia entre a coagulaao do quei jo e a condensaao da nebulosa destinada a formar 0 globo ter restre pode parecer obvia para nos mas com certeza nao era para Menocchio E nao apenas isso Sugerindo essa analogia ele esta va reproduzindo sem saber mitos antiqiiissimos remotos Num 102 mito indiano mencionado ja nos Veda a origem do cosmo e ex plicada pela coagulaao semelhante a do leite das aguas do mar primordial batidas pelos deuses criadores Segundo os cal mucos no inicio dos tempos as aguas do mar se cobriram de uma camada solida como a que se forma sobre 0 leite de onde sairam plantas animais homens e deuses No principia este mundo era nada e I a agua do mar foi barida como a espuma e se coagulou como 0 queijo do qual nasceu uma infinidade de vermes esses vermes se tornaram hornens dos quais 0 mais po tente e sabio foi Deus foram mais ou menos essas salvo as sim plifica6es ja citadas as palavras ditas por Menocchio E uma coincidencia espantosa digamos ate mesmo in quietante para quem nao possui explicac6es piontas e inacei tlveis como a existencia de urn inconsciente coletivo ou sim ples demais como 0 acaso Decerto Menocchio falava de urn queijo bern real nada mitico 0 queijo que vira ser feito ou que talvez ele proprio tivesse feito inurn eras vezes Os pastores do Altai entretanto haviam traduzido a mesma experiencia num mito cosmogonico Apesar da diversidade que nao deve ser su besrirnada a coincidencia permanece Nao se pode excluir 0 fato de que ela constitua uma das provas fragmentiria e em par te extinta da existencia de uma tradiCao cosmologica que ultra passando as diferencas de lingua gem combina mito e ciencia E curioso que a meta fora do queijo que gira reapareca urn seculo depois do processo de Menocchio num livro destinado a criar grandes polemicas em que 0 teologo ingles Thomas Burnet procurava aproximar a Escritura da ciencia do seu tempo Pode ser que se tratasse de urn reflexo talvez inconsciente da anriga cosmogonia indiana a qual Burnet dedicava algumas paginas de sua obra Mas no caso de Menocchio e impossivel na pensar em transmissao direta transmissao oral de geraCao para ge raCao Essa hipotese parece menos improvavel se pensarmos na difusao durante as mesmos anos e justamente no Friuli de urn culto de base xamanista como 0 dos benandanti A cosmogo nia de Menocchio se localiza nesse terreno ainda quase inexplo rado de relac6es e migrac6es culturais 103 28 Nos discursos de Menocchio portanto vemos emergir como que por uma fenda no terreno urn estrato cultural profunda tao POllCO cornum que se tama quase incompreensivel Esse caso diferentemente dos outras examinados ate aqui envolve nae 56 uma reaao filtrada pela pagina escrita mas tambem urn residuo irredutivel de cultura oral Para que essa cultura diversa pudesse vir a luz foram necessarias a Reforma e a difusao da imprensa Graas a primeira urn simples moleiro pode pensar em tomar a palavra e expor suas proprias opinioes sobre a Igreja e sobre 0 mundo Graas a segunda rivera palavras a sua disposiao para exprimir a obscura inarticulada visao de mundo que fervilhava dentro dele Nas frases ou nos arremedos de frases arrancadas dos livros encontrou os instrumentos para formular e defender suas pr6prias ideias durante anos com seus conterraneos num primeiro momento e depois contra os juizes armadas de dou trina e poder Desse modo viveu pessoalmente 0 saIto historico de peso incalculavel que separa a lingua gem gesticulada murmurada gritada da cultura oral da linguagem da cultura escrita despro vida de entonaao e cristalizada nas paginas dos livros Uma e como urn prolongamento do corpOj a Dutra e coisa da mente A vitoria da cultura escrita sabre a oral foi acima de rudo a vi toria da abstraao sobre 0 empirismo Na possibilidade de eman ciparse das situa6es particulares esci a raiz do eixo que sempre ligou de modo inextricavel escritura e poder Casos como 0 Egi to e a China onde eastas respeerivamente saeerdotais e buroeni rieas monopolizaram durante milenios a escritura hieroglifica e ideognifica deixam isso claro A invenao do alfabeto que cer ca de quinze seculos antes de Cristo quebrou pela primeira vez esse monop6lio nao foi suficiente contudo para por a pala vra a disposiao de todos Somente a imprensa tomou mais con creta essa possibilidade Menocchio era conscientemente orgulhoso da originalidade de suas ideias e por isso desejava expolas as mais altas autori 104 dades civis e religiosas Ao mesmo tempo porem sentia neces sidade de dominar a cultura dos seus adversarios Compreendia que a escritura e a capacidade de dominar e transmitir a cultura escrita eram fontes de poder Nao se limitou portanto a denun ciar a traiao dos pobres peIo uso de uma lingua burocdriea e sacerdotal como 0 latim 0 horizonte de sua polemica era mais amplo 0 que e que voce pensa os inquisidores nao querem que nos saibamos 0 que eles sabem exclamou muitos anos depois da ocorrencia dos fatos que estamos contando dirigindose a urn conterraneo Daniel Jacomel Entre nos e eles a contrapo siao era clara Eles eram os superiores os poderosos nao s6 os situads no vertice da hierarquia eclesiasrica Nos os camponeses E quase certo que Daniel era analfabeto duran te 0 segundo processo citou algumas palavras de Menocchio to davia nao assinou 0 depoimento Menocchio ao contrario sa bia ler e escrever mas nem por isso pensava que a longa luta que iniciara com as autoridades dissesse respeito s6 a ele 0 desejo de procurar eoisas maiores que eonfessara de maneira vaga doze anos antes perante 0 inquisidor de Portogruaro continuava a pa recerlhe nao s6 legftimo como potencialmente ao alcance de todos Ilegitima ou melhor absurda devia Ihe parecer ao con trario a pretensao dos clerigos em manter 0 monop6lio de urn conhecimento que podia ser comprado por dois soldos nas ban quinhas de livreiros em Veneza A ideia da cultura como privile gJO fora gravemente ferida com certeza nao eliminada pela in venao da imprensa 29 Justamente nas paginas do tal Fioretto della Bibbia comprado em Veneza por dois soldos Menocchio eneontrara os termos eruditos que desfilavam em suas confissoes ao lado de palavras empregadas no diaadia Assim no interrogatorio de 12 de maio encontramos criana no ventre da mae rebanho carpinteiro banco trabalhador queijo vermes mas 105 tambem imperfeito perfeito substancia materia von tade intelecto e memoria A primeira parte do Fioretto em es pecial caracterizase a primeira vista por uma mistura amiloga de lexico humilde e sofisticado Tomemos 0 capitulo III Como Deus nao pode querer 0 mal e muito menos recebeIo Deus nao pode querer 0 mal nem recebeIo porque ordenou esses ele mentos de forma que urn nao interferisse no outro e assim esta rao enquanto 0 mundo durar Alguns dizem que 0 mundo durara eternamente dando como razao que quando urn corpo morre a carne e os ossos voltam aquela materia da qual foram criados Podemos ver facilmente a funao da natureza como ela concilia as coisas discordantes de modo que todas as diversida des sao reduzidas a unidade e as combina em cada corpo em cada substancia e combina tambern em plantas e sernentes Pela cornbinaCao do hornern e da mulher engendra as criaturas se gundo 0 curso natural Jupiter gera outras criaturas e atraves de Jupiter outras criaturas sao geradas de acordo com a ordem da natureza Entretanto podese ver que a natureza esta sujeita a Deus Materia natureza unidade elementos substan cia a origem do mal a influencia dos astros a relaCao entre criador e criatura Exemplos como esses poderiam ser facilmen te encontrados Alguns conceitos cruciais e alguns dos temas mais discutidos na tradiao cultural da Antiguidade e da Idade Media chegaram ate Menocchio atraves d urn pobre e desorde nado compendio 0 Fioretto della Bibbia E dificil supervalorizar sua importancia Antes de mais nada deu a Menocchio instru mentos lingiiisticos e conceituais para que ele elaborasse e ex primisse sua visao de mundo Alem disso com urn metodo ex positivo a maneira dos escolasticos enunciacao e subseqiiente refutacao de opinioes erroneas contribuiu certamente para de sencadear sua voraz curiosidade intelectual 0 patrimonio dou trinal que 0 paroco de Montereale apresentava como urn edificio compacto e inatacavel revelavase sujeito as interpretac5es mais contrastantes no Fioretto No capitulo XXVI por exemplo Como Deus inspira as almas nos corpos Menocchio teve a oportuni 106 dade de ler Muitos fi16sofos foram enganados e incorreram em grandes erros sobre a criaao das almas Alguns disseram que as almas sao feitas eternamente Outros dizem que todas as almas sao uma e que os elementos sao cinco os quatro citados acima e ainda urn outro charnado orbis e dizem que desse orbis Deus fez a alma de Adao e todas as outras E por isso dizem que 0 mundo nao acabara jamais porque quando 0 homem morre retorna aos seus elementos Outros dizem que as alrnas sao aqueles espi ritos malignos que caern e entram entao nos corpos humanos e se urn morre entram em outro corpo e tanto fazem ate que eles se salvam dizem que no fim do mundo todos esses se salvarao Outros dizern que 0 mundo nao vai acabar e no inicio do 34 rni lenio uma nova vida ira comecar e cada alma retornara ao seu corpo Tudo isso sao erros e quem os disse sao pagaos hereticos cismaticos inimigos da verdade e da fe desconhecedores das coisas divinas Respondendo aos primeiros que dizern Mas Menocchio nao se deixava intimidar pelos ataques do Fioretto E sobre essa questao nao hesitou em se manifestar 0 exemplo dos muitos filosofos em vez de fazeIo submeterse a interpretacao da autoridade levavao a procurar eoisas maiores a seguir a li nha do seu proprio pensamento Assim uma massa de elementos compostos antigos e nao tao antigos convergiu para uma construcao nova Sobre urn muro viase urn fragrnento quase irreeonhecivel de urn capitel ou 0 perfil semidestruido de urn area pontiagudo mas 0 esboco do edificio era seu de Menocchio Com inconseiente desenvol tura serviase de vestigios de pensamentos alheios como de pe dras e tijolos Porem os instrumentos lingiiisticos e conceituais com os quais tomou contato nao eram neutros nem inoeentes Aqui esta a origem da maior parte das contradi6es ineertezas e ineongruencias de seus diseursos Empregando uma termino logia embebida de cristianismo neoplatonismo e filosofia esco lastica Menoeehio procurava exprimir 0 materialismo elemen tar instintivo de geraC5es e geraC5es de camponeses 107 30 Para fazer jorrar 0 sangue vivo dos pensamentos deMenoc chio e preciso romper a crosta formada por essa termmologla o que Menocchio queria realmente dizer quando falava de Deus da santissima majestade de Deus do espirito de Deus do Espirito Santo da alma Vamos partir do elemento mais evidente na linguagem de Menoccruo sua densidade metafOrica As palavras da experien cia cotidiana ja citadas crian3 no ventre cia mae reba nhos queijo e outras sao introduzidas por metaforas Ora as imagens que brilham no Pioretto della Bibbia tern urn claro e ex clusivo objetivo ser didaticas ilustram com exemplos de Hcil compreensao os argumentos que se deseja transmitir ao leitor A funcao das metaforas nos discursos de Menocchio e outra em cefto sentido inversa Num univers lingiiistico e mental como o seu fortemente marcado por uma fidelidade absoluta as pala vras mesma as metaforas devem sef tomadas com rigor ao pe cia letr 0 conteudo destas jamais casual faz transparecer a linha do verdadeiro e nao explicitado discurso de Menocchio 31 Comecemos por Deus Para Menocchio ele e acima de tudo urn pai 0 jogo das metaforas restitui assim ao epfteto tra dicional e tao desgastado urn sentido novo Deus e urn pai para os homens Tadas somas filhos de Deus da mesma natureza que a do que foi cruciticado Todos cristaos hereticos turcos judeus tern a mesma considera3o por todos e de algum modo todos se salvarao Queiram ou nao queiram continuam sempre tilhos do pai Chama todos turcos judeus cristaos he reticos assim como urn pai que possui muitos tilhos e chama to dos da mesma maneira embora alguns nao queiram pertencem ao pai No seu amor 0 pai nem se importa que os tilhes blas femem contra ele blasfemar faz mal so a si proprio e nao ao proximo da mesma forma que se eu tenho uma manta e deci 108 do desmanchaIa fao mal so a mim mesmo e nao aos outros e acredito que quem nao faz mal ao proximo nao comete pecado Somos todos tilhos de Deus e se nao tizermos mal uns aos ou tros como por exemplo se urn pai tern muitos filhes e urn de les diz Maldito seja meu pai 0 pai 0 perdoa mas se quebra a cabeca de urn outro 0 pai nao pode perdoar Ele tern que pagar por isso E assim eu disse que blasfemar nao e pecado porque nao faz mal a ninguem Tudo isso esni ligado como vimos a afirmacao segundo a qual e menos importante amar a Deus do que amar ao proximo proximo que deve ser tambem entendido da maneira mais li teral possivel Deus e urn pai amoroso mas distante da vida de seus filhos Todavia aMm de pai Deus parece ser para Menocchio a propria imagem da autoridade Por mais de uma vez fala numa santissima majestade ora distinta de Deus ora identificada com 0 espirito de Deus ou com 0 proprio Deus AMm disso Deus e comparado a urn grande capitao que enviou como ernbaixador junto aos hornens seu fiIho Ou entao a urn ho rnem de bern no paraiso quem ira sentar naqueles lugares vera todas as coisas e e parecido com 0 hornern de bern que poe to das as suas coisas para serem vistas 0 Senhor Deus e acima de tudo e literalrnente urn senhor Eu disse que se Jesus Cris to era Deus eterno nao podia se deixar prender e ser crucifica do eu nao estava certo sobre esse ponto mas duvidava como disse porque me parecia estranho que urn senhor se deixasse prender assim Eu suspeitava que tendo sido crucificado nao ti vesse sido Deus Urn senhor Porern a principal caractenstica dos senhores e nao trabalhar porque tern quem trabalhe por eles E esse 0 caso de Deus Quanto as indulgencias acredito que sejam boas perque se Deus pos urn homem em seu lugar que e 0 papa e mandou per doar isto e born porque e como se recebessemos de Deus ja que sao dadas por seu representante Contudo 0 papa nao e 0 Unico agente de Deus 0 Espirito Santo tarnbern e como se Fosse urn fei tor de Deus esse Espirito Santo elegeu depois quatro capitaes 109 quer dizer agentes entre os anjos criados as homens fcram feitos pelo Espfrito Santo segundo a vontade de Deus e de seus ministros e como urn feitor que participa da obra dos ministros o Espirito Santo tamhem pas sua mao Deus e portanto nao 56 urn pai mas urn patrao urn pro prietario de terras que naa suja suas maes trabalhando e confia as incumbencias cansativas aos seus feitores Estes tambem 56 poem a mao excepcionalmente 0 Espirito Santo por exemplo fez a terra as aIVOreS as animais os homens os peixes e todas a outras criaturas atraves dos anjos que trabalhavam para ele E verdade que Menocchio nao exc1ui respondendo a uma pergun ta dos inquisidores nesse sentido a possibilidade de que Deus ti vesse feito 0 mundo seill a ajuda dos anjos Assim como alguem que canstroi uma easa usa trabalhadores e audantes mas se diz que fez tudo sozinho Deus na criacao do mundo usou os anjos mas se diz que foi Deus quem 0 fez E da mesma forma que aquele construtor poderia ter feito sua casa sozinho mas levaria mais tempo Deus poderia ter construfdo 0 mundo sozinho mas D d Q d t em mUlto mats tempo eus tern 0 po er uan 0 eXlS e 0 querer e preciso que exista 0 poder para fazer alguma coisa Por exemplo 0 carpinteiro se quiser fazer urn banco precisa de ins trumentos para poder fazeIo e se nao river a madeira sua von tade e inutil 0 mesmo dizemos sobre Deus alem do querer e preciso 0 poder Mas esse poder consisria no operar atraves de trabalhadores Essas metaforas recorrentes sao com certeza uma resposta a necessidade de tornar mais proximas e compreensiveis as fi guras centrais da religiao traduzindoas em termos da expe riencia cotidiana Menocchio que declarara aos inquisidores que suas profiss6es alem da de moleiro eram as de carpintei ro marceneiro pedreiro comparou Deus a urn carpinteiro a urn pedreiro Mas da efenrescencia das metaforas emerge urn conteudo mais profundo A criacao do mundo e mais uma vez literalmente uma aCao material Eu acredito que naa se possa fazer nada sem materia e Deus tam bern nao poderia ter feito coisa alguma sem materia urn trabalho manual Toda 110 via Deus e urn senhor e os senhores nao usam as maos para tra balhar Esse Deus fez criou produziu alguma critura perguntaram os inquisidores Ele providenciou que fosse dada a vontade para que todas as coisas fossem feitas respondeu Menocchio Mesmo quando comparado a urn carpinteiro ou pedreiro Deus possui sempre feitores ou trabalhadores a seu servico Vma unica vez arrebatado pelo seu discurso cheio de entusiasmo contra a adoraao das imagens Menocchio falou do Deus unico que fez 0 ceu e a terra Na verdade para ele Deus nao fez nada da mesma forma que seu capataz 0 Espfri to Santo nada fez tambem Quem pas maos a obra na criaao do mundo foram oS feitores os trabalhadores os anjos E os anjos quem os tinha feito A natureza Foram produzi dos pela natureza a partir da mais perfeita substancia do mun do assim como os vermes nascem do queijo As primeiras criaturas que foram criadas no mundo foram os anjos Menocchio pudera ler no Fioretto della Bibbia e por que foram criados da mais nobre materia que existia pecaram por soberba e foram privados dos seus lugares Mas lera tam bern Vejam porem que a natureza e submissa a Deus assim como 0 martelo e a bigorna ao ferreiro que fabrica 0 que quer uma espada uma faca ou outras coisas e embora use martelo e bigorna nao e 0 martelo que faz mas 0 ferreiro Isso tadavia nao podia aceitar Sua visao teimosamente materialista nao ad miria a presenca de urn Deus criador De urn Deus sim mas era urn Deus distante como urn patdo que deixa suas terras nas maos dos feitores e dos trabalhadores Urn Deus distante ou entao 0 que da no mesmo muito proximo dilufdo nos elementos identico ao mundo Eu acre dito que 0 mundo todo isto e ar terra e todas as belezas deste mundo sao Deus porque se diz que 0 homem e formado a imagem e semelhanca de Deus e no homem existe ar fogo ter ra e agua e disso segue que ar terra fogo e agua sao Deus E disso segue mais uma vez 0 imperturbavel raciocfnio de Menocchio se movia par entre as textos a Escritura 0 Fioretto com a mais extraordinaria liberdade 111 32 Mas nas discuss6es com seus conterraneos Menocchio fazia afirma6es fiuito mais impetuosas Quem e esse tal de Deus E uma traicao da Escritura que 0 inventou para nos enganarj se Fosse Deus se mostrariaj Quem e que voces pensam que seja Deus Deus nao e nada alem de urn pequeno sopro e tudo 0 mais que 0 homem imagina 0 que e 0 Espfrito Santo 1io se ve esse tal de Espfrito Santo No entanto quando lhe repetiram essas palavras durante 0 processo Menocchio excla mOli indignado Nunca se encontrani quem afinne que eu te nha dito que 0 Espirito Santo naa existej peIo contrario minha maior fe neste mundo esta justamente no Espfrito Santo e na palavra do altfssimo Deus que ilumina 0 mundo todo o contraste entre os testemunhos dos habitantes de Monte reale e os autos do processo e flagrante Tentouse resolveIo atribuindo as confiss6es de Menocchio ao medo ao desejo de se ver livre da condenacao do Santo Oficio 0 verdadeiro Me nocchio seria aquele que rodava pelas ruas de Montereale negan do a existencia de Deus 0 outro 0 Menocchio do processo urn disfarce Porem essa suposicao se choca com uma dificulda de substancial Se Menocchio quisesse realmente esconder dos jufzes os aspectos mais radicais de seu pensamento por que in sistia tanto na afirmaao da martalidade da alma Par que conti nuava irredutivel negando a divindade de Cristo Na verdade afora alguma reticencia ocasional no primeiro interrogatorio 0 comportamento de Menocchio durante 0 processo parece guia do par qualquer coisa exceto pela prudencia ou simulaao Tentemos agora formular urna hip6tese diversa seguindo as pistas oferecidas pelas pr6prias declara6es de Menocchio Ele apresentava aos concidadaos ignorantes uma versao simplificada exoterica de suas ideias Se pudesse falar falaria mas nao quero falar A versao mais complexa esoterica era entretanto reserva da para as autoridades religiosas e seculares a elas desejava com ar dor se dirigir Eu disse declarou aos juizes de Portogruaro que se me fosse permitida a graa de falar diante do papa de urn rei ou 112 principe que me ouvisse diria muitas coisas e se depois me matas sem nao me incomodaria A exposicao mais completa ds ideias de Menocchio deve portanto ser buscada justamente em suas de clara6es durante 0 processo Mas ao mesmo tempo Ii preciso sa ber explicar como Menocchio conseguia fazer aqueles discursos aparentemente contraditorios aos habitantes de Montereale Infelizmente a unica solmao que podemos propor e desta vez puramente conjectural isto e que Menocchio tivesse co nhecido de forma indireta 0 De Trinitatis erroribus de SeITet ou entao que houvesse lido a desaparecida traduao italiana intro duzida na Itilia por volta de 1550 por Giorgio Filaletro conhe cido como Turca ou Turchetto Com certeza tratase de uma conjectura arriscada ja que 0 texto e muito complexo repleto de termos filos6ficos e teo16gicos infinitamente mais dificil do que os livros lidos por Menocchio Mas talvez nao seja impossi vel encontrar algum eco dessa obra mesmo dlibil e deformado quase inaudfvel nos discursos de Menocchio No centro da primeira obra de Servet esta a reivindicaao da plena humanidade de Cristo humanidade deificada atra yes do Espirito Santo Ora no primeiro interrogatorio Menoc chio afirmon Minha dlivida Ii que Cristo niio tivesse sido Deus mas urn profeta qualquer urn homem de bern que Deus mandou pregar neste mundo Em seguida precisou Eu acredito que seja homem como nos nascido de urn homem e de uma mulher como nos e que nao tinha nada alem do que rece bera do homem e da mulher mas e bern verdade que Deus man dara 0 Espirito Santo escolhelo como seu filho Mas 0 qne era para Servet 0 Espirito Santo Ele comeou enumerando os varios significados atribuidos a essa expressao pe las Escrituras Nam per Spiritum sanctum nunc ipsum Deum nunc angelum mmc spiritum hominis instinctum quendam seu divinum mentis statum mentis impetum sive halitum intelligit licet aliquando differentia notemr inter flatum et spiritum Et ali qui per Spirimm sanctum nihil aliud intelligi volunt quam rec mm hominis intellecmm et rationem Pois por Espirito Santo entendia ora 0 proprio Deus ora urn anjo ora 0 espfrito do ho 113 mem concebido au como urn certo instinto au a natureza divi na da alma au a impulso da mente au a halito embora as vezes se note a diferena entre sopro e espirito E alguns outros nada mais entendem como Espirito Santo que 0 uso correto da inte ligencia e razao humana a mesma pluralidade de significados e encontrada quase exatamente nas confiss6es de Menocchio Acredito J seja Deus J E aquele anjo ao qual Deus deu sua vontade J Eu penso que 0 Senhor Deus nos tenha dado 0 li vrearbitrio e 0 Espirito Santo no corpo J Acredito queJ 0 es pirito venha de Deus e seja aquilo que quando devemos fazer al guma coisa nos inspira a fazeIa de tal ou tal maneira ou enta a nao fazeIa Essa discussao terminologica de Servet destinavase a de monstrar a inexistencia do Espfrito Santo como pessoa distinta da do Pai quasi Spiritus sanctus non fern aliquam separatam sed Dei agitationem energiam quandam seu inspirationem virtutis Dei designet como se 0 Espirito Santo designasse nao algo se parado mas uma atividade de Deus uma energia ou inspiracao do poder de Deus 0 pressuposto do seu panteismo era a tese da presenca operante do Espirito no homem e em toda a realida de Dum de spiritu Dei erat sermo escreveu lernbrandose da epoca na qual ainda ele estava ligado aos erros dos filosofos suf ficiebat mihi si tertiam illam rem in quodam angulo esse intelli gerem Sed nunc scio quod ipse dixit Deus de propinquo ego sum et non Deus de longinquo Nunc scio quod amplissimus Dei spiritus replet orbem terrarum continet omnia et in singu lis operatur virtutes cum propheta exclamare libet Quo ibo Do mine a spiritu tuo quia nec sursum nec deorsum est locus spiri tu Dei vacuus Ao falar do Espirito de Deus era suficiente para eu compreender que a terceira pessoa era urn tipo de angulo Mas agora sei que ele proprio disse Sou urn Deus proximo nao urn Deus distante agora sei que 0 espfrito universal de Deus enche a terra abarca todas as coisas e produz virtude em cada homem Com 0 profeta proclamaria 6 senhor onde encontro teu espf rito nao ha Iugar acima ou abaixo sem 0 espfrita de Deus Quem e que voces pensam que seja Deus Tudo 0 que se ve e 114 Deus ia Menocchio repetindo aos concidadaos 0 ceu a terra 0 mar 0 ar 0 abismo e 0 inferno tudo e Deus Para demolir urn sistema filosofico e teologico que durava havia mais de urn milenio Servet usara todos os instrumentos dis poniveis 0 grego e 0 hebraico a filologia de Valla e a cabala 0 materialismo de Tertuliano e 0 nominalismo de Occam a teo logia e a medicina Na ansia de desfazer os acrescimos que se haviam acumulado em tarno da palavra Espirito acabou por trazer a luz a etimologia original A diferenca entre spiritus flatus ventus pareceulhe naquele momento meramente con vencional ligada ao uso lingiiistico Entre 0 espirito e 0 sopro existia uma profunda analogia Omne quod in virtute a Deo fit dicitur eius flatu et inspiratione fieri non enim potest esse prola ti verbi sine flatu spiritus Sicut nos nom possumus proferre ser monem sinerespiratione et propeterea dicitur spiritus oris et spi ritus labiorum J Dico igitur quod ipsemet Deus est spiritus noster inhabitans in nobis et hoc esse Spiritum sanctum in nobis J Extra hominem nihil est Spiritus sanctus J Tudo 0 que e feito pelo poder de Deus dizemos que e feito por fona de seu so pro e de sua inspiraCao pois nao se pode pronunciar uma palavra sem 0 sopro do espirito Da mesma fonna como nao podemos pronunciar uma palavra sem a respiraCao e por isso se fala no es pirito da boca e espirito dos libios J Afirmo pois que 0 pro prio Deus e 0 nosso espirito que reside em nos e isso e 0 Espiri to Santo em nos Fora do homem nao existe nenhum Espirito Santo J E Menocchio Quem e que voces pensam que seja Deus Deus nao e nada alem de urn pequeno sopro 0 ar e Deus J Nos somos Deus J Acredito que 0 Espirito SantoJ esteja em todos os homens J 0 que e 0 Espirito Santo J Nao se ve esse tal de Espirito Santo Evidentemente a distancia entre as palavras do medico es panhol e as do moleiro friulano e enorme Por outro lado sabe se que na ltilia do seculo XVI os escritos de Servet tinham am pIa circulaCao e nao so entre pessoas cultas talvez as confissoes de Menocchio deem alguma indicaCao sabre 0 modo como esses escritos puderam ser lidos entendidos ou subentendidos Essa 115 hipotese pennitiria resolver 0 contraste entre os testemunhos dos habitantes de Montereale e os autos do processo Entre eles existiria nao uma contradicao mas uma deliberada diferenca de niveis Nas imperuosas defini6es que Menocchio lanava aos concidadaos seria preciso ver a tentativa consciente de traduzir as abstrllsas concepcoes de Servet como ele as compreendera numa forma acessfvel a interlocutores ignorantes A exposiao da doutrina em toda sua complexidade ele reservava para outros ao papa reis principes ou na falta de alguem melhor ao inqui sidor de Aquileia e ao magistrado de Portogruaro 33 Por tris dos livros que Menocchio ruminava identificamos urn codigo de leirura e por tras dele urn estrato solido de cul rora oral que ao menos no caso da cosmogonia vimos aflorar diretamente Quando foi lanada a suposiao de que uma parte dos discursos de Menocchio era urn longinquo reflexo de urn texto de nivel elevadfssimo como 0 De Trinitatis erroribus nao se quis refazer em sentido contrario 0 caminho ja percorrido Os eventuais reflexos seriam de qualquer forma considerados como uma traducao em tennos de materialismo popular posterior mente simplificado para os conterraneos de uma concepcao culta cujo componente materialista era muito forte Deus 0 Es pirito Santo a alma nao existem como substancias separadas existe somente a materia impregnada de divindade a mistura dos quatro elementos Mais uma vez estamos diante da culrora oral de Menocchio o materialismo de Menocchio era religioso Uma observaao como a que fez sobre Deus e urna traicao da Escritura que 0 inventou para nos enganar se fosse Deus se mostraria era simplesmente a negaao do Deus do qual padres e livros he fala yam 0 Deus ele 0 via em tadas as partes 0 que e esse Deus TodoPoderoso alem de agua terra ear completava em se guida sempre segundo 0 testemunho do padre Andrea Bionima 116 Deus e 0 homem 0 homem e 0 mundo pareciamlhe ligados por urna rede de correspondencias reveladoras Acredito que os ho mens sejam feitos de terra porem do melhor metal que se possa encontrar e isso porque se ve que 0 homem deseja as metais so brerudo 0 Uro Sao compostos pelos quatro elementos partici pam dos sete planetas entretanto urn participa mais de urn pla neta que 0 outro e urn e mais mercurial e jovem dependendo de ter nascido nesse ou naquele planeta Nessa imagem perpassada pelo divino justificamse ate mesmo as bencaos dos sacerdotes porque 0 demonio costuma entrar nas coisas e ali deixar 0 vene no e a agua benta pelo sacerdote poe 0 diabo para fora em bora acrescentasse Acredito que todas as aguas sejam abenoa das por Deus e se urn leigo soubesse as palavras valeriam tanto quanta as do sacerdote porque Deus distribuiu a virtude igualmente para todos e nao mais a urn que a outro Tratavase resumindo de uma religiao camponesa que rinha muito pouco em comum com a que 0 paroco pregava do pulpito E verdade que Menocchio se confessava fora da sua aldeia conrudo co mungava e sem dlivida batizara seus filhos E apesar disso nega va a criacao divina a encamacao a redencao negava a eficiencia dos sacramentos no que se refere a salvacao afirmava que amar ao proximo era mais importante do que amar a Deus acreditava que 0 mundo inteiro fosse Deus Mas nesse conjunto de ideias da mais completa coerencia havia uma falha a alma 34 Voltemos a identificacao de Deus com 0 mundo Dizse exclamara Menocchio que 0 homem e formado a imagem e se melhanca de Deus e no homem existe ar terra fogo e agua e disso segue que ar terra fogo e agua sao Deus A fonte dessa afirmaao era 0 Fiaretta della Bibbia Dali extraira mas numa variante decisiva 0 antiqiifssimo conceito da correspondencia entre 0 homem e 0 mundo microcosmo e macrocosmo I E 117 entao 0 homem e a mulher que foram os illtimos a serem feitos de terra e de materia basica subiram aos ceus nao com sober ba mas com humildade A terra e feita de elementos comuns pisados todos os dias em meio a outros elementos que estao li gados unidos e cercados como no ovo onde se ve a gema e ao redor dela a clara e por fora a cascaj assim estao os elementos juntos no mundo A gerna seria a terra a clara 0 ar a pele fina entre a clara e a casca seria a agua e a casca 0 fogo Dessa rnes rna forma estao juntos 0 frio e 0 calor e 0 seco com 0 umido se temperam ossos corpos sao feitos e compostos por esses qua tro elementos a carne e os ossos seriam a terra 0 sangue a agua a respiraCao 0 ar e 0 calor 0 fogo E por esses quatro elementos nossos corpos sao compostos E 0 nosso corpo esta sujeito as coisas do mundo mas a alma esta sujeita s6 a Deus porque eta i feita it imagem dele e composta de materia mais nobre que a do corpo Foi portanto a recusa em admitir urn principio ima terial no homem a alma distinto do corpo e de suas ope ra6es que levara Menocchio a identificar nao so 0 homem com o mundo mas 0 mundo com Deus Quando 0 homem morre e como urn animal como uma mosca repetia aos conterra neos talvez reproduzindo mais ou menDs conscientemente os versos do Eclesiastes e J morto 0 homem morrem a alma e todas as coisas No inicio do processo porem Menocchio negou que tives se dito qua1quer coisa do genero Procurava sem muito sucesso ser prudente como seu ve1ho amigo 0 vigario de Polcenigo 1he recomendara E respondendo a pergunta 0 que voce pensa so bre as almas dos fieis cristaos afinnou Eu disse que nossas a1 mas retornam a majestade de Deus 0 qual dependendo do que elas tenham feito faz 0 que quiser com elas as boas indica 0 pa rafso e as mas 0 inferno e a algumas 0 purgatorio Pensou ter encontrado cobertura na doutrina ortodoxa da 19reja uma dou trina que absolutamente nao compartilhava Na realidade tinha se metido num tremendo vespeiro 118 35 No interrogatorio seguinte 16 de fevereiro 0 vigarioge ral comeou Ihe pedindo esclarecimentos sobre a majestade de Deus para depois desfechar 0 golpe final 0 senhor disse que nossas almas retornam a majestade de Deus e ja afirmou antes que Deus nao e nada alem de ar terra fogo e agua como en tao as a1mas retornam a majestade de Deus A contradiCao era deveras real Menocchio nao soube 0 que responder E verdade que eu disse que ar terra fogo e agua sao Deus e 0 que eu disse nao posso negar quanto as almas elas vieram do espfrito de Deus e portanto e preciso que retornem ao espfri to de Deus 0 vigario insistindo 0 espfrito de Deus e Deus sao a mesma coisa E 0 espfrito de Deus esta incorporado nos quatro elementos Eu nao sei respondeu Menocchio Permaneceu calado por algum tempo Talvez estivesse cansado Ou talvez nao en tendesse 0 que queria dizer incorporado Finalmente respon deu Eu acredito que todos nos homens temos urn espfrito de Deus que se fizermos 0 bern fica alegre e se fizermos 0 mal o espfrito nao gosta 0 senhor acha que esse espfrito de Deus e 0 mesmo que nasceu daquele caos Eu nao sei Confesse a verdade recomeou implacavel 0 vigario e vamos acabar com 0 interrogatorio disse que acredita que as almas retornam a majestade de Deus e que Deus ear agua terra e fogo como entao as almas retornam a majestade de Deus Eu acredito que nosso espfrito que e a alma retorna a Deus que foi de onde ele veio Como era teimoso esse campones Munido de toda sua pa ciencia de toda sua dialetica 0 vigariogeral Giambattista Maro doutor in utroque iure conclamouo novamente a refletir e a dizer a verdade Eu disse respondeu entao Menocchio que todas as 119 II coisas do mundo sao Deus e acredito que as nossas almas retor nem as coisas do mundo como bern agradar a Deus Calouse por alguns momentos Sao as tais almas como os anjinhos que estao dependurados ao redor de Deus 0 qual mantem perto de si os de maior merito e os que fizeram 0 mal mandaos disper sos peIo mundo 36 E assim 0 interrogatorio concluia com mais uma das conrra di6es de Menocchio Depois de ter repetido uma afirmaao que na falta de urn terma melhor poderfamos definir como pantefsta tadas as coisas do mundo sao Deus afirmarao que obviamente negava a possibilidade de qualquer sobreviven cia individual acredito que as nossas almas retornem as coisas do mundo Menocchio decerto fora tornado por uma duvida 0 medo ou a incerteza 0 deixara mudo por urn mo mento Em seguida do fundo da sua memoria prajetarase urna representaao vista em alguma igreja talvez numa capela no campo Deus circundado por urn cora de anjos Era isso que 0 vigariogeral queria Mas 0 vigariogeral estava pedindo algo bern diferente de uma fugaz alusao a uma imagem tradicional do parafso ainda mais acompanhada de urn resta de crenca popular de origem pre crista nas almas dos mortos que vao dispersas pelo mundo No interrogatorio seguinte pas Menocchio na parede enumerando suas nega6es anteriores da imortalidade da alma Mas fale a ver dade e com mais clareza do que no interrogat6rio precedente A essa altura Menocchio se saiu com uma afirmaao inesperada que contradizia as que fizera nos dais primeiros interrogatorios Admitiu ter falado sobre a imortalidade das almas com alguns amigos Giuliano Stefanut Melchiorre Gerbas Francesco Fasse ta mas esclareceu Foram estas as palavras que eu disse morto o carpa morre a alma mas 0 espfrito continua Ate esse momento Menocchio havia ignorado essa distino 120 au melliar falara explicitamente do nosso espfrito que e a alma Agora diante da pergunta admirada do vigario se acreditava que no hornem estejam carpa alma e espirito e que essas tres coisas sao distintas uma da Dutra que espirito seja urna coisa e alma uma Dutra respondeu Sim senhor acredito que a alma seja uma coisa e 0 espfrito autra 0 espirito vern de Deus e quando deve mos fazer alguma coisa nos inspira a fazela de tal ou tal manei ra au enta a nao fazeIa A alma ou melhor como explicou no decorrer do processo as almas nao sao nada mais do que as ope racoes da mente e acabam com 0 corpo Eu vos digo no homem existe intelecto mem6ria vontade pensamento crenca fe e es peranca Deus deu ao homem essas sete coisas e sao como almas pelas quais fazemos as obras e a isso eu me referia quando dizia morto 0 corpo morre a alma 0 espirito ao contnirio e sepa rado do homem tern a mesma vontade do homem rege e gover na 0 homem depois da morte retoma a Deus Este e 0 espirito born Acredito explicou Menocchio que todos os homens do mundo sejam tentados porque 0 nosso coracao tern duas partes uma iluminada e outra escuraj na escura esta 0 espirito ruim e na iluminada 0 espirito born Dois espiritos sete almas e urn corpo composto pelos qua tro elementos como pudera sair da cabeca de Menocchio uma anrropologia tao abstrusa e complicada 37 Assim como a relacao entre 0 corpo e os quatro elementos tam bern a enumeracao das varias almas ja se encontrava nas paginas do Pioretto della Bibbia E e verdade que a alma tern va rios nomes no corpo de acordo com as diversas func6es que nele desempenha se a alma da vida ao corpo e chamada de substanciaj se e a vontade e chamada de coracao quando 0 cor po expira e 0 espiritoj enquanto ela entende e sente podese di zer que e 0 juizoj enquanto ela imagina e pensa e a imaginacao ou mem6ria mas a inteligencia esta colocada na parte mais alta 121 da alma onde recebemos razao e conhecimento ja que nos as semelhamos a Deus Essa enumeraao corresponde s6 em parte a de Menocchio porem as analogias nao deixam dilvidas o ponto de divergencia mais grave e dado pela presena entre os nomes da alma do espfrito aMm do mais com referencia etimologica ao ate corp6reo de respirar De onde vinha entao a distinCao feita por Menocchio entre uma alma mortal e urn es pfrito imortal Essa distinao chegara ate ele depois de urna longa e confu sa viagem E preciso voltar as discussoes sobre 0 problema da imortalidade da alma surgidas durante as primeiras decadas do seculo XVI nos ambientes averrofstas sobretudo entre os profes sores de Padua influenciados pelo pensamento de Pomponazzi Fi16sofos e medicos concordavam abertamente que com a mor te do corpo a alma individual distinta do intelecto ativo pos tulado por Averrois perece Reeaborando esses temas num contexto religioso 0 franciscano Girolamo Galateo que estu dara em Padua e que fora condenado a prisao perpetua por he resia sustentava que as almas dos beates depois da morte dor mem ate 0 dia do Juizo Provavelmente seguindo as pegadas do exfranciscano Paolo Ricci conhecido mais tarde como Camil lo Renato reformulou a doutrina do sono das almas distinguin do entre a anima condenada a perecer junto com 0 corpe e 0 animus destinado a ressurgir no final dos tempos Atraves da in fluencia direta de Renato exilado em Valtellina essa doutrina foi assimilada nao sem resistencia pelos anabatistas venetos Sustentavam que a anima fosse a vida e quando 0 homem mor ria 0 espfrito que mantinha 0 homem vivo ia ate Deus e a vida ia para a terra e nao sabia mais 0 que era bern ou mal e donnia ate 0 dia do Jufzo quando Nosso Senher ressuscitaria todos exceto os malvados para os quais nao existe vida futura de espe cie alguma ja que nao existe outro inferno alem do sepulcro Dos professores da Universidade de Padua a urn moleiro friulano a cadeia de influencias e contatos e decerto singular mas historicamente plausfvel mesmo porque conhecemos 0 pro vavel ultimo elo 0 paroco de Polcenigo Giovan Daniele Mel 122 chiori amigo de infancia de Menocchio Em 15791580 ou seja poucos anos antes do processo contra Menocchio ele havia sido submetido a julgamento pelo tribunal da Inquisiao de Concor dia e reconhecido como ligeiramente suspeito de heresia As acusac5es dos paroquianos contra ele eram muitas e variadas desde ser de putaria e rufiao ate tratar sem respeito as coisas sacras por exemplo as hostias consagradas Contudo 0 ponto que nos interessa e outro a afirmacao feita por Menocchio quando falava com os concidadaos na praca da aldeia que vai se para 0 parafso s6 no dia do Jufzo Durante 0 processo Me nocchio negou que tivesse pronunciado essas palavras mas ad mitiu ter faado da diferenp entre morte corporal e morte espiritual baseandose num livro de urn padre de Fano do qual nao se lembrava 0 nome intitulado Dircorsi predicabili E ministrou aos inquisidores com grande seguranca urn verda deiro sermao Eu me lembro de ter dito falando de morte cor poral e espiritual que existem dois tipos de morte uma muito diferente da outra A morte corporal e comum a todos a morte espiritual nos priva da vida e da graca a merte corporal nos pri va dos amigos a morte espirirual dos santos e dos anjos a mOf te corporal nos priva dos bens terrenos a morte espirirual dos bens celestes a morte corporal nos priva dos lucros do mundo a morte espiritual nos priva de qualquer merito de Jesus Cristo nosso salvador a morte corporal nos priva do reino terrestre a morte espirirual do reino celeste a morte corporal nos priva da razao a morte espiritual da razao e do intelecto a morte corpo ral nos priva do movimento corp6reo e a morte espiritual faz com que nos tornemos im6veis como uma pedra a morte cor poral faz 0 carpo cheirar mal a morte espiritual faz a alma chei rar mal a morte corporal da 0 corpo a terra a morte espiritual a alma ao inferno a morte dos ruins se chama pessima como se Ie no salmo de Davi mors peccatorum pessima a morte dos bons e chamada preciosa como se Ie no mesmo pretiosa in conspettu Do mini mors sanctorum eius a morte dos ruins se chama morte a morte dos bons se chama sono como se Ie em sao Joao Evange lista Lazzarus amicus noster dormit e em outro local non est mor 123 tua puella sed darmit os ruins temem a morte e nao querem morrer os bons nao temem a morte mas dizem com sao Pau lo cupia dissalvi et esse cum Christo E essa e a diferenca entre a morte corporal por mim entendida e pregada e se eu tiver cai do em erro estou pronto a me redimir e me modificar Mesmo nao tendo 0 volume a mao Menocchio se lembra va muito bern ate mesmo literalmente do seu conteudo De fato era assim que aparecia no capitulo XXXIV Predicas para uma vida crista manual mnito difundido entre pregado res redigido pelo frade nao padre ennitiio Sebastiao Ammiani da Fano Mas naquele jogo calculado de inocentes contraposi 6es ret6ricas Menocchio havia isolado justamente a frase que permitia uma interpretacao heretica A morte dos ruins se chama morte a morte dos bons se chama sono Sem duvida tinha consciencia das implicac6es dessas palavras ja que che gara a afirmar que vaise para 0 paraiso s6 no dia do Juizo Bern menos conscientes e informados pareciam ao contrario os inquisidores A qual heresia relacionar as ideias de Menoc chio A acusaao que the foi imputada de ter aderido ad per fidam impiam eroneam falsam et pravam hereticorum sectam nempe Armenorum nee non Valensium et Ioannis Vi cleff it perfida impia erronea falsa e depravada seita dos he reticos armenos e nao it dos valdenses e de John Wyclif refletia essa perplexidade Aparentemente os inquisidores de Concordia desconheciam as implicac6es anabatistas da doutri na do sono das almas Diante de teses suspeitas mas de origem obscura iam buscar nos manuais de controversia definic6es antigas de muitos seculos 0 mesmo se deu como veremos no caso de Menocchio No processo contra Menocchio nao se menciona uma pa lavra sobre a distinCao entre alma mortal e espirito imortal apesar de ser esse 0 pressuposto da tese do sono das almas ate 0 dia do Juizo por ele defendida Essa distinao deve ter chegado a Menocchio atraves dos discursos do vigario de Polcenigo 124 38 Eu acredito que 0 nosso espirito que e a alma retoma a Deus de onde ele veio dissera Menocchio em 16 de feverei ro segundo interrogatorio Morto 0 corpo morre a alma mas o espirito continua tinha se corrigido em 22 de fevereiro terceiro interrogat6rio Na manha de lode maio sexto inter rogat6rio parecia retornar a tese original Alma e espirito sao a mesma coisa Fora interrogado sobre Cristo 0 filho 0 que ele era ho mem anjo ou 0 Deus verdadeiro Urn homem respondera Menocchio mas nele estava 0 espirito E em seguida A alma de Cristo ou era urn daqueles anjos antigos ou entao foi feita de novo pelo Espfrito Santo com os quatro elementos ou da natu reza mesmo Nao se podem fazer bern as coisas se nao sao em tres e assim como Deus havia dado 0 saber 0 querer e 0 poder ao Espfrito Santo deu tambem a Cristo para que pudessem se consolar juntos Quando dois nao concordam numa opi niao existe urn terceiro quando dois dos tres concordam 0 ter celro os segue e entao 0 Pai deu querer saber e poder a Cristo para que ele tambem julgasse A manha estava acabando dentro de pouco tempo 0 inter rogatorio seria interrompido para 0 almoco e transferido para a tarde do mesmo dia Menocchio falava falava misturava pro verbios com referencias do Fioretto della Bibbia embebedavase com as palavras Passara parte do inverno e da primavera na pri sao Era de esperar que aguardasse com impaciencia a aproxi maCao do fim do processo que ja durava quase tres meses Mas ser interrogado e ouvido com tanta atencao por frades tao cul tos havia ate urn escrivao que transcrevia suas respostas devia ser quase inebriante para quem ate aquele momento rivera urn publico composto quase exclusivamente de camponeses e arte saos semianalfabetos Nao eram papas reis principes diante dos quais sonhara falar mas ja era alguma coisa Menocchio re petia 0 que ja havia dito acrescentava omitia contradiziase Cristo era homem como nos nascido de urn homem e de uma 125 mulher como nos J mas e bern verdade que Deus mandara a Espirito Santo escolhelo como seu filho Como Deus 0 ele geu profeta e the deu a grande sabedoria e a inspiraao do Espi rito Santo acredito que tenha feito milagres Acredito que tenha a espirito como 0 nosso porque alma e espirito sao a mes rna coisa Mas 0 que significava dizer que alma e espirito sao a mesma coisa 0 senhor disse anteriormente 0 inquisidor in terrompeu que morto 0 corpo morre a alma mas eu pergun to se a alma de Cristo morreria se ele morresse Menocchio tergiversou enumerou as sete almas dadas por Deus ao homem intelecto memoria Durante interrogatorio da tarde os in quisidores insistiram 0 intelecto a memoria a vontade de Cris to perecem com a morte do corpo dele Sim senhores porque la em cima sua utiliza3o nao e necessaria Portanto Menoc chio abandonara a tese da sobrevivencia do espirito identifican doo com a alma destinada a perecer com 0 corpo Nao porque pouco depois falando sobre 0 dia do Juizo afinnou que os lu gares estavam repletos de espiritos celestes mas serao preenchi dos par espiritos terrenos selecionados entre os melhores e mais inteligentes e entre eles 0 de Cristo porque 0 espirito do seu filho e terreno E agora Parece impossivel talvez ate mesmo imitil ten tar se orientar nesse emaranhado de palavras Contudo por tras das contradi6es verbais que cercavam Menocchio havia uma con tradiao efetiva 39 Ele nao conseguia deixar de pensar numa vida posmorte E verdade que 0 homem morrendo retorna aos elementos dos quais e eomposto mas uma aspiraao irreprimivel levavao a imaginar algnma forma de sobrevivencia depois da morte Por isso fixarase na complicada contraposicao entre a alma mor tal e 0 espirito imortal Pela mesma razao a habil pergunta do vigariogeral disse J que Deus ear agua terra e fogo 126 como entao as almas retornam a majestade de Deus deixa rao mudo justamente ele sempre tao pronto a replicar discu tir divagar E evidente que a ressurreiao da carne the parecia absurda insustentavel Senhor eu nao acredito que possamos ressuscitar com 0 corpo no dia do Juizo 0 que me pareee im possivel porque se ressuscitassemos ceu e terra ficariam cober tos pelos corpos A majestade de Deus vera nossos corpos com a intelecto da mesma forma que nos fechando as olhos e que rendo criar uma coisa usamos a mente e 0 intelecto 0 infer no Ihe parecia uma invencao de padres Eu gosto que se pre gne para os homens viverem em paz mas pre gar 0 inferno Paulo disse isso Pedro disse aquilo acho que e mercadoria in venao de homens que sabem mais do que os outtos Li na Bi blia que Davi escreveu os salmos enquanto estava sendo perse guido por Saul acrescentou tentando dar a entender que 0 verdadeiro inferno e aqui nesta terra Mas em seguida contra ditoriamente admitia a validade das indulgencias acredito que sejam boas e das oraoes pelos mortos porque Deus lhes da uma pequena vantagem e os ilumina urn pouco mais Fanta siava em especial sobre 0 paraiso Eu acredito que seja urn lu gar que circunde 0 mundo inteiro e que dali se vejam todas as coisas do mundo ate mesmo os peixes do mar e quem esta ali e como se estivesse numa festa 0 paraiso e uma festa 0 fim do trabalho a negacao do cansaco diario No paraiso intelec to memoria vontade pensamento crenca fe e esperanca isto e as sete coisas dadas ao homem por Deus como urn car pinteiro que querendo fazer suas obras usa 0 machado e a ser ra a lenha e outros instrumentos assim Deus deu algumas coi sas ao homem para este fazer sua tarefa sao inuteis La em cima nao sao necessarias No paraiso a materia se torna dociI transparente Os olhos corporais nao podem ver todas as coi sas mas com os olhos da mente todas as coisas serao transpas sadas montes muralhas todas as coisas E como estar nwna festa 0 paraiso campones de Menoc chio mais do que 0 aMm cristao lembrava 0 paraiso maometano sobre 0 quallera descrioes brilhantes nas paginas de Mandeville 127 paraiso e urn lugar delicado onde se encontram todas as u tas de tadas as estaoes rios sempre cheios de leite mel vinho e agua doce E li existem casas belas e nobres segundo 0 merito de cada urn adomadas por pedras preciosas aura e prata Todos terao suas donzelas usufruirao delas e cada vez setao mais boni tas Mas aos inquisidores que Ihe perguntaram Acredita que exista 0 paraiso terrestre respondeu com amargo sarcasmo Eu acredito que 0 paraiso terrestre esteja cnde exisram gentishomens que possuem muitos bens e vivem sem se cansar 40 Alem de fantasiar sobre 0 paraiso Menocchio desejava urn mundo novo Meu espirito era elevado dissera ao inquisi dor e desejava que existisse urn mundo novo e urn novo modo de viver pais a Igreja nao vai bern e nao deveria tef tanta pom pa 0 que Menocchio queria dizer com essas palavras Nas sociedades baseadas na tradicao oral a memoria da co munidade tende involuntariamente a mascarar e a reabsorver as mudan9as A relativa plasticidade da vida material corresponde uma acentuada imobilidade da imagem do passado As coisas sempre foram assim 0 mundo e 0 que e Apenas nos perfodos de aguda transfonnacao social emerge a imagem em geral mi tica de urn passado diverso e melhor urn modelo de perfei 9ao diante do qual 0 presente aparece como declinio degene racao Quando Adao cavava e Eva tecia quem era nobre A luta para transfonnar a ordem social tornase entao uma tenta tiva consciente de retorno aquele mitico passado Menocchio tambem contrapunha a Igreja rica e corrupta que conhecia a 19reja prirnitiva pobre e pura Gostaria que a 19reja fosse govemada com amor como quando foi instituida por Nosso Senhor Jesus Cristo hi as missas pomposas mas o Senhor Jesus Cristo nao quer pompas Todavia diferente mente da maior parte dos seus companheiros a capacidade de ler lhe possibilitara apropriarse de uma imagem de passado qle ul 128 trapassava essa sumaria contraposi9ao 0 Fioretto della Bibbia em parte mas sobretudo 0 Supplementum supplementi delle croniche de Foresti traziam uma narracao analitica das vicissitudes huma nas desde a criacao do mundo ate 0 presente misturando histo ria sacra e historia profana mitologia e teologia descric5es de batalhas e de paises listas de principes e fil6sofos hereges e ar tistas Nao temos testemunhos explicitos das rea90es de Menoc chio a essas leituras Com certeza nao 0 deixaram confuso como as viagens de Mandeville A crise do emocentrismo passa va no seculo XVI e assim seria por muito tempo ainda pela geo grafia mesmo sendo fantastica e nao pela historia Apesar disso uma pista quase imperceptivel talvez nos permita detectar 0 ani mo com 0 qual Menocchio lia a cronica de Foresti o Supplementum foi diversas vezes reimpresso e traduzido em idioma vulgar tanto antes como depois da morte do seu au tor 1520 0 exemplar que passou pelas maos de Menocchio deve ter sido uma tradu9ao posterior atualizada por algum des conhecido que nela incluiu fatos ocorridos ate 0 seu proprio tempo Leu as paginas dedicadas ao cisma de Martinho conhe cido como Lutero frade da ordem dos ennitaos de santo Agos tinho organizadas por urn editor anonimo decerto urn con frade de Foresti e como ele ennitao 0 tom daquelas paginas era particularmente benevolo embora no final se transformasse numa clara condena9ao 0 motivo pelo qual Lutero caiu em tal iniquidade escreveu 0 anonimo parece ser 0 sumo pontifice emhora in rei veritate nao seja verdade mas na verda de foram alguns homens malignos que dehaixo de pretensa san tidade fizeram coisas novas e excessivas Esses homens eram os franciscanos aos quais primeiro JUlio II e depois Leilo X confia ram a pregacao das indulgencias E como a ignorancia e a mae de todos os erros e 0 hahito da riqueza inflamara os animos de tais frades pela posse de dinheiro estes cairam em insania e se tomaram causa de grande escandalo devido as loucuras que pro nunciavam pregando as indulgencias Em outra parte da Cris tandade na Alemanha eles se expandiram muito e quando di ziam alguma loucura e alguns homens queriam repreendelos 129 homens de consciencia e doutrina justas imediatamente os de claravam excomungados Entre eles estava Martinho Lutero 0 qual era de fato urn homem cnito e instruido A origem do cisma para 0 tal anonimo estava nas loucuras cia ordem rival que diante da justa rea9ao de Lutero 0 excomungou Depois disso 0 tal Martinho Lutero que era de sangue mnita nohre e tinha grande reputaao com todos comeou a pregar publica mente contra as indulgencias dizendo que eram falsas e injus tas Em pOllea tempo tinha revirado rudo pelo avesso E como a maior parte das riquezas estava nas maDS dos clerigos e ha venda muito rancor entre os estados espiritual e temporal ele facilmente encontrou seguidores e comeou 0 cisma na Igreja Cat6lica Vendo que havia obtido amplo apoio separouse por completo da Igreja ramana e crioll uma nova seita e urn novo modo de viver com suas muitas e diversas opini6es e fantasias E isso foi 0 que aconteceu a urn grande numero de paises que se rebelaram contra a Igreja Catalica e nao the devem mais obe dincia em coisa alguma Criou urna nova seita e urn novo modo de viverj Deseja va que existisse urn mundo novo e urn novo modo de viver pois a Igreja nao vai bern e nao deveria ter tanta pompa No momen to em que a aspiraao a uma refonna religiosa sobre a alusao ao mundo novo falaremos adiante se revelava ditada por seu es pirito elevado Menocchio talvez estivesse conscientemente ou nao reproduzindo a representaao de Lutero dada pela cronica de Foresti Nao repetia e evidente as ideias religiosas nas quais alias a cronica nao se detinha limitandose a condenar 0 novo tipo de doutrina proposto por Lutero Mas acima de tudo nao podia contentarse com a conclusao reticente e poder seia dizer ambigua do anonimo E desse modo cegara a plebe ignorante e os que tinham conhecimento e doutrina ouvindo falar das mas a6es do estado eclesiastico aderiram sem consi derar que esta conclusao nao e verdadeira se os clerigos e ecle siasticos levam uma vida degradada a Igreja romana nao e boa porque apesar de eles levarem uma vida degradada a Igreja ro mana e boa e perfeita e ainda que os cristaos levem uma vida 130 degradada a fe crista e boa e perfeita As leis e os mandamen tas da Igreja pareciam a Menocchio assim como para Caravia mercadorias para engordar os padres para ele renovaao mo ral do elera e modificaao profunda da doutrina andavam juntas Atraves de urn vefculo imprevisto as cronicas de Foresti Lutero lhe fora apresentado como 0 prot6tipo do rebelde religioso aquele que soubera unir 0 povo ignorante e os que tern conhe cimento e doutrina contra a hierarquia eclesiastica explorando o rancor do estado temporal contra esta ultima por estar a maior parte das riquezas nas maos dos clerigos Tudo perten ce a Igreja e aos padres Menocchio exclamara dirigindose aos inquisidores Quem sabe havia refletido tambem nas seme lhanas entre a situaao friulana e ados territ6rios localizados alem dos Alpes onde a Reforma fora vitoriosa 41 Os contatas que porventura Menocchio tenha mantido com os que tern conhecimento e doutrina nao sao conheci dos com exceao de urn caso que examinaremos mais adian teo Sabemos porem de suas obstinadas tentativas de difundir as pr6prias ideias entre 0 povo ignorante Mas aparentemen te ninguem the dera atenao Esse fracasso na sentenca que fe chou 0 primeiro processo foi considerado urn sinal da inter venao divina que impedira a corrupao das almas simples dos habitantes de Montereale Somente um um marceneiro analfabeto Melchiorre Ger bas tido por pessoa de pouco juizo ouvira atentamente os dis cursos de Menocchio Contavase dele nas tavernas que nao acreditava em Deus e blasfemava muito e mais de uma teste munha associara seu nome ao de Menocchio por ter criticado e falado mal das coisas da Igreja Entio 0 vigariogeral quis saber quais eram suas relac6es com Menocchio que acabara de ser en carcerado No infcio Melchiorre afirmara que se tratava de sim ples relalDeS de trabalho ele me da madeira para eu trabalhar e 131 eu Ihe pago mas em seguida admitira ter blasfemado pelas ta vernas de Montereale repetindo urna frase ouvida por Menoc chiD J tendo me dito Menocchio que Deus nao e nada mais que ar e eu tambem acreditando nisso Essa atitude de cega subordinaao nao e dificil de ser enten dida Pela sua capacidade de ler escrever discutir Menocchio parecia a Melchiorre ter a sua volta urn halo quase magico Com uma Biblia que Ihe havia sido emprestada Melchiorre andara pela cidade dizendo com ar de misterio que Menocchio tinha urn livro com 0 qual podia fazer coisas maravilhosas Porem as pessoas sabiam muito bern que existiam diferenas entre eles Este aqui e suspeito de heresia mas nao igual ao tal de Me nocchic alguem comentara falando de Melchiorre Urn DU tro obsenrara Disse tais coisas mais por ser lOlleD e porque hebe Mesma 0 vigariogeral entendera que estava diante de urn hornem de fndole muito diversa da do moleiro Quando disse que Deus nao exiscia realmente acreditava que nao existis se Deus perguntou docemente E Melchiorre respondeu em seguida Nao padre porque eu acredito que Deus esteja no ceu e na terra e pode me fazer morrer quando quiser eu disse aquelas palavras porque me foram ensinadas por Menocchio Administraramlhe algumas penitencias e 0 deixaram ir Esse era 0 unico seguidor de Menocchio ao menos 0 unico con fesso em Montereale Aparentemente nem com a mulher e os filhos manteve con fidencias Que Deus os guarde dessas opini6es Apesar de suas rela6es na aldeia devia se sentir muito s6 N aquela tar de confessou em que 0 padre inquisidor me disse Venha amanha a Maniago fiquei quase desesperado queria sair pelo mundo e fazer 0 mal Queria acabar com os padres por fogo nas igrejas e andar sem rumo mas por causa das minhas crianas me contive Essa explosao de impotente desespero diz tudo sobre seu isolamento A linica reaao que Ihe viera dian te da injustia que 0 atingira fora a violencia individual imedia tamente reprimida Vingarse dos seus algozes destruir os sfm bolos da opressao e se tornar bandido Uma geracao antes os 132 camponeses incendiaram os caste10s dos nobres friulanos Mas os tempos eram outros 42 Nao the restava nada mais do que 0 sonho de urn mundo novo Essas sao palavras que 0 tempo desgastou como uma oeda que pssa por muitas maos Vamos ten tar recuperar seu slgulficado onginal Menocchio como ja vimos nao acreditava que 0 mundo ti vesse sido criado por Deus AMm disso negava de maneira ex plicita 0 pecado original afirmando que 0 homem comea a pecar quando comea a mamar 0 leite da mae apenas fora do ventre da mae E Cristo era para ele nada mais do que urn ho memo Coerentemente portanto qualquer ideia de milenaris mo the era estranha No decorrer de suas confiss6es jamais alu diu ao Segundo Advento Logo 0 mundo novo que desejava era uma realidade exclusivamente humana a ser alcanada por meios humanos Dessa fonna nao reconhecemos 0 uso banalmente metaf6ri co da expressao que quando empregada por Menocchio ainda continha toda a sua riqueza Tratavase de fato de uma mtafora ao quadrado No inicio do seculo fora imprimida sob 0 nome de Amerigo Vespucci uma carta dirigida a Lorenzo di Pietro de Medici que se intitulava justamente Mundus novus 0 tradutor da carta do italiano para 0 atim Giuliano di Bartolomeo del Gio condo explicava no prefacio a razao do titulo Superioribus die bus satis ample tibi scripsi de reditu meo ab novis illis regionibus quasque novum mundum appellare licet quando apud maiores nostros nulla de ipsis fuerit habita cognitio et audientibus omni bus sit novissima res Alguns anos atras eu te escrevi longamen te a respeito da minha volta daquelas regiaes novas que se po dem chamar novo mundo uma vez que delas os nossos antepassados nao tiveram nenhum conhecimento e para as pessoas que nos ou vern e uma coisa totalmente nova Nao as Indias como Colom 133 I bo acreditara e muito menos novas terras mas urn mundo ate agora desconhecido Licit appellare a metafora era muito re cente e ele quase pedia desculpas ao lei tor Circulou com essa acepcao ate entrar no uso comum Menocchio porem como vi mos empregavaa em sentido diverso referindose nao a urn novo continente mas a uma nova sociedade a ser construida Nao sabemos quem foi 0 responsavel por essa alteracao Contudo por tras disso existia a imagem de uma transformaCao nipida e radical da sociedade Numa carta de 1527 a Martim Butzer Erasmo falou com amargura sobre 0 aspecto tumultuo so que a Reforma luterana assumira observando que antes de mais nada deveria ter se procurado 0 consentimento dos prin cipes e dos bispos para evitar qualquer sediCao e depois mui tas coisas deveriam ser modificadas entre elas a missa mas mo dificadas sem tumulto Hoje existem pessoas concluiu que nao aceitam mais nada da tradiao quod receptum est como se um mundo novo pudesse ser criado instantaneamente quasi subito novus mundus condi posset Transformaao lenta e gradual por um lado virada nipida e violenta revoluciomiria diriamos n6s por outro a contraposicao era clara Nas palavras de Erasmo porem nao havia implicaCao geografica na expressao novus mundus a tnfase dizia mais respeito ao termo condere usado para indicar a fundaao de cidades o deslocamento da metafora do mundo novo do contexte geogrifico para 0 social foi explicitado contudo pela literatura utopista em varios niveis Tomemos 0 Capitolo qual narra tutto lessere dun mondo nuovo trovato nel mar Oceano cosa bella et dilet tevole que surgiu anonimo em Modena por volta de meados do seculo XVI Tratase de uma entre as muitas variac6es sobre 0 an tigo tema do pais da Cocanha nomeado explicitamente no Ca pitolo e tambem na Begola contra la Bizaria que 0 precede loca lizado aqui entre as terras descobertas para Ii do Oceano 134 Navegantes do Mar Oceano acharam hd pouco tempo um divinal pais um pais jamais vista nem ouvido A descriao repisa os motivos usuais da grandiosa utopia cam ponesa Uma montanha de queijo ralado se vi sozinha em meio da planura e um caldeiriio puseramlhe no cimo Um rio de leite nasce de uma grata e corre pelo meio do pais seus taludes sao feitos de ricota Ao rei do lugar chamam Bugalosso por ser 0 mais poltrao foi feito rei qual um grande paiol e grao e grosso e do seu cu mana lhe vai manando e quando cospe cospe marzipa tem peixes nao piolhos na cabefa Mas esse mundo novo nao e s6 0 pais cia abundancia e tam bem um pais que nao conhece os vinculos das instituic6es so ciais Nao existe familia porque hi vigora a mais completa li berdade sexual Nao e preciso saia nem saiote ld nem calfa ou camisa em tempo algum andam nus todos homens e mulheres Nito jaz no nem calor de dia ou noite vese cada um e tocase a vontade oh que vida feliz oh que bom tempo Ld nao importa terse muitos Jihos a criar como aqui entre nos pois quando chove chovem raviolis Ninguem se preocupa em casar as Jihas que sao posse comum e cada qual satisfaz os seus proprios apetites Nao existe prapriedade porque 0 trabalho nao e necessaria e tudo e comum a todos 135 Todos tem 0 que querem Jacilmente e quem jamais pemasse em trobalhar pra forca iria e 0 ceu nao 0 salva Ltf naa hi campones nem citadino todos sao ricos tem 0 que desejam que de jrutos os plainos se carregam Nao se dividem campos nem herdades pais recursos abundam para todos e 0 pais vive plena liberdade Esses elementos reencontriveis embora em menos detalhes em quase todas as vers6es do pais da Cocanha feitas no seculo XVI sao muito provavelmente exagero da imagem ja mftica que os primeiros viajantes fomeceram das terras descobertas alem do Oceano e de seus habitantes nudez e liberdade sexual ausencia da propriedade privada e de qualquer distinao social num cemi rio de uma natureza extraordinariamente fertil e acolhedora Desse modo 0 mito medieval do pais de Bengodi assumia uma fanna carregada de utopismo primitivista Nao apenas os temas serios mas tambem os proibidos podiam circular livremente desde que inseridos num contexto comico paradoxal hiperboli co com corujas que cagam casaCDS e asnos amarrados com salsi chas e devidamente ironizados no final com a formula do rita Se alguem quiser ti ir ensino a rota embarque em Marneuco que e 0 porto depois navegue em mar s6 de lorota e quem ld chegue i rei de todo como Ja Anton Francesco Doni usou uma linguagem totalmente diversa numa das primeiras e mais conhecidas utopias italianas do seculo XVI 0 dialogo inserido no Mondi 1552 intitulado justamente Urn mundo novo 0 tom aqui e seriissimo 0 con teudo diferente A utopia de Doni nao e camponesa como a do pais da Cocanha mas rigorosamente urbana localizada numa cidade cuja planta tern forma de estrela Alem disso as habitan 136 tes do mundo novo descrito por Doni levam uma vida sobria me agrada esta ordem que apagou 0 vituperio das bbedeiras J 0 empanturramento de cinco seis horas a mesa totalmen te distante das pan degas da Cocanha Entretanto mesmo Doni fundia 0 antigo mito da idade do ouro com a quadro de inocen cia e de pureza primitivas tracado pelos primeiros relatorios so bre 0 continente americano A alusao aquelas terras estava im pHcita somente 0 mundo descrito por Doni era apenas urn mundo novo diverso deste Gracas a essa ambfgua expressao pela primeira vez na literatura utopica 0 modelo da sociedade perfeita podia ser projetado no tempo no futuro e nao no espa CO numa terra inacessivel Mas as caracteristicas mais noniveis desse mundo novo foram extraidas dos relatorios dos viajan tes assim como cia Utopia de Thomas More que 0 proprio Doni publicara com uma introducao a comunhao das mulheres e dos bens Como vimos essa fazia parte tam bern da imagem do pais da Cocanha Menocchio poderia ter lido sobre as descobertas americanas nas minguadas alus6es do Supplementum de Foresti Talvez pen sando nelas afirmou com sua habitual despreocupaao Par ter lido sobre tantas especies de racas humanas eu acredito que di ferentes povos foram criados em diferentes partes do mundo Provavelmente nao conheceu 0 mundo novo citadino e so brio de Doni mas sim pelo menos alguns ecos do campones e carnavalesco muncio do Capitola ou de outros textos analogos Em ambos porem havia elementos que podiam the agradar No mundo retratado por Doni a religiao privada de ritos e ce rim6nias apesar da presenca marcante do templo no centro da cidade como desejara Menocchio no decorrer do processo uma religiao reduzida ao mandamento Conhecer Deus agrade cerIhe e amar 0 proximo No mundo descrito pelo Capitola a imagem da felicidade ligada a abundancia ao prazer dos bens materiais a ausencia do trabalho E verdade que Menocchio acusado de ter violado 0 preceito quaresmal justificou seu jejum em termos dieteticos e nao religiosos 0 jejum foi feito para 0 intelecto para que os humores nao caiam eu por mim gosta 137 ria que se comesse tres ou quatro vezes ao dia e nao se bebesse vinho para que os humores nao cafssem mais Mas uma tal apo logia da sobriedade era instantaneamente transformada num ataque polemico dirigido talvez a transcriao neste ponto esta incompleta contra os rades que estavam it sua frente e nao fazer como estes que comem numa refeiao 0 que nao comeriam em tres Num mundo cheio de injustias sociais mortificado pela ameaa constrangedora da fome a imagem de uma vida s6bria soava como urn protesto Escavo a terra buscando raizes vdrias e estranhas com que untamos as focinhos fosse assim toda manhii e bem menos mal seria Coisa triste e a carestia Esses sao os versos de urn poema contemporaneo Lamento de uno poveretto uomo sopra la carestia ao que 0 poema seguin te Luniversale allegrezza dellabondantia responde 138 Gozemos jaramos festa todos nos em companhia que apos a impia carestia niio nos de mais sofrimento Viva 0 piio e viva 0 trigo viva a riqueza e a abundiincia vamos cantar pobrezinhos pois e chegada a esperanra Apos trevas vem a luz depois do mal vem 0 bem a riqueza nos conduz e nos salva do perigo trigo seco traz comigo pois so nos mantemos com o belo pao branco e bom Esse contraste em versos nos da 0 contraponto reaHstico das hi perb6licas fantasias sobre 0 pais da Cocanha Diante das rafzes varias e estranhas 0 bela pao branco e born comido em com panhia nos perioclos de abundancia e uma festa E como estar numa festa fora 0 que Menocchio dissera sobre 0 parafso uma festa que nao acabasse mais livre da oscilaao periodica entre es curidiio e luz carestia e abundancia quaresma e carnaval 0 pais da Cocanha para la do Oceano era tarnbem urna grande festa Talvez 0 mundo novo desejado por Menocchio fosse parecido De qualquer modo as palavras de Menocchio trazem por al guns momentos a tona as profundas ralzes populares da utopia tanto cultas como plebeias frequentemente consideradas meros exerdcios literarios Talvez essa imagem de urn mundo novo contivesse algo de muito velho ligado a uma memoria mitica de uma remota era de bemestar Quer dizer nao rompia a imagem dclica da historia humana 0 que era de esperar de uma epoca que via firmaremse os mitos da Renascena da Reforma da NovaJe rusalem Nao podemos excluir nada disso Todavia pennanece 0 fato de que a imagem de urna sociedade mais justa era projetada de maneira consciente num futuro nao escatologico Nao 0 Filho do Homem no alto sobre as nuvens mas homens como Menoc chio os camponeses de Montereale que ele tentara inutilmen te convencer por exemplo atraves de sua luta deveriam ser os mensageiros do mundo novo 43 Os interrogatorios terminaram em 12 de maio Menocchio foi levado mais uma vez para 0 carcere Alguns dias se passaram Por fim em 17 de maio recusou 0 advogado que Ihe fora of ere cido e entregou uma longa carta aos jUlzes na qual pedia per dao pelos erros do passado a mesma carta que Ihe fora inu tilmente pedida tres meses antes pelo filho 139 44 Em nome do Pai do Filho e do Espirito Santo Eu Domenego Seandela cognominado Menocchio de Mon tereale sou cristao batizado sempre vivi como cristao fiz sempre ohras de cristao sempre fui obediente aos meus superiores e aos meus pais espirituais tanto quanta eu podia e sempre manha e noite me colocava sob 0 sinalciacruz dizendo em nome do Pai do Filho e do Espirito Santo eu dizia 0 painosso e a avemaria e acredito que sejam nma oraao do Senhor e Dutra da Nossa Senhora embora seja verdade que pensei acreditei e disse como aparece nas minhas confissoes caisas contra os mandamentos de Deus e da Santa 19reja Eu disse isso por vontade do falso espiri to 0 qual me cegara 0 intelecto a memoria e a vontade fazendo me pensar acreditar e falar no falso e nae na verdade e assim eu confesso tef pensado acreditado dito 0 falso e nao a verdade e assim dei a minha opiniao mas nao disse que ela e a verdade Vou dar como exemplo quatro palavras sobre Jose filho de Jaco ele falou com seu pai e innaos sabre certos sonhos seus que signifi cavam que eles deveriam adoraIo os innaos se puseram a brigar com ele e queriam madlo mas Deus nao quis e entao 0 vende ram a uns mereadores do Egito hi foi para a prisao por causa de uns erros e depois 0 rei faraD teve urn sonho em que parecia ver sete vacas gordas e sete vacas magras e ninguem sabia interpretar tal sonho DisseramIhe que havia urn jovem na prisao que sabe ria interprernlo e assim ele foi retirado da prisao e levado dian te do rei ele the disse que as vacas gordas significavam sete anos de abundancia e as magras sete anos de carestia E assim 0 rei lhe deu fe e 0 fez principe e govemador de todo 0 reino do Egito Veio a abundancia e Jose se proveu de grao para mais de vinte anos depois veio a carestia e nao se trocava grao por dinheiro 0 que ocorria tambem em Canaa Jaco sabia que no Egito vendia se grao mandou dez dos seus filhos com seus animais para 0 Egi to Eles foram reconhecidos pelo irmao que com a pennissao do rei mandou alimentar 0 pai e toda a famflia com 0 que tinha de melhor E assim viveram juntos no Egito mas os irmaos se arre 140 pendiam de telo vendido eose vendoos assim lhes disse Nao foi culpa de voces mas vontade de Deus para que eu provesse a nossa necessidade e fiquem alegres porque eu os perdoo de todo o coracao E eu por ter falado com meus irmaos e pais espiri tuais fui por eles acusado e vendido ao grande pai inquisidor e ele fe com que me trouxessem a este Santo Oficio erne puseram na pnsao Mas eu nao acho que seja culpa deles e sim vontade de Deus Nao sei se eles sao innaos ou pais espirituais mas eu os perdoo para que assim Deus me perdoe da mesma maneira Deus quis que ell fosse conduzido a este Santo Oficio por quatro ra z6es primeiro para que eu confessasse meus erros segundo para que eu fizesse penitencia por meus pecados terceiro para me li vrar do falso espirito quarto para dar exemplo a meus filhos e a todos os meus irmaos espirituais para que nao incorressem nes ses erros Entretanto se eu pensei acreditei falei e fui contra os mandamentos de Deus e da Santa 19reja estou doente e aflito ar rependido e infeliz e digo mea capa mea masima capa e peo per dao e misericordia pela remissao dos meus pecados a Santissima Trindade Pai Filho e Espirito Santo e tambem a gloriosa Vir gem Maria a todos os santos e santas do paraiso e a sua santissi rna reverendissima e ilustrissima justica que me perdoe e tenha misericordia Eu peo em nome da paixao de Nosso Senhor Jesus Cristo que nao se declare a minha sentenca com ira e injustica mas com amor caridade e misericordia Os senhores sabem que Nosso Senhor Jesus Cristo foi misericordioso e perdoou e per doara sempre perdoou Maria Madalena que foi pecadora per doou sao Pedro que 0 negou perdoou 0 ladrao que tinha rou bado perdoou os judeus que 0 crucifiearam perdoou sao Tome que duvidou do que viu e quis tocar Dessa forma eu acredito fir memente que ele me perdoanl e ted misericordia de mim Fiz penitencia na prisao escura durante 104 dias para vergonha rui na e desespero da minha easa e de meus filhos mas eu peco aos senhores pelo amor de N osso Senhor Jesus Cristo e de sua mae gloriosa a Virgem Maria que a transfonnem em caridade e mi sericordia nao queiram ser a causa da separao da minha com panheira e dos filhos que Deus me deu para minha alegria e con 141 solaao Eu prometo assim nao incorrer mais naqueles erros ser obediente a todos os meus superiores e pais espirituais em tudo 0 que eles me ordenarem e a nada mais Espero sua santissima re verendissima e ilustrissima sentenca como ensinamento do viver como cristao e assim poder ensinar meus filhos a serem verdadei ros cristaos Foram estas as causas dos meus erros primeira eu acreditava em dois mandamentos amar a Deus e amar ao proxi mo e acreditava que isto bastassej segunda por ter lido 0 livro do Mandavilla sobre tantas especies de raas e diversas leis que me confundiu terceira meu intelecto e memoria me faziam saber 0 que nao era necessario quarta 0 falso espirito estava sempre me rondando para que eu pensasse 0 falso e nao a verdade quinta a discordancia que existia entre mim e 0 nosso paroco sexta eu tra balhava muito ficava fraco e assim nao podia cumprir todos os mandamentos de Deus e da Santa Igreja FalO minba defesa na esperana do perdao e da misericordia sem ira ou injusria e as sim peo a Nosso Senhor Jesus Cristo e aos senhores misericor dia perdao sem ira ou injustia E nao levem em conta minha fal sidade e ignor1ncia 45 o proprio aspecto das paginas escritas por Menocchio com as letras coladas umas as outras malligadas entre si segundo urn tratado contemporaneo de caligrafia assim fariam os transmon tanos as mulheres e os velhos mostra claramente que 0 autor nao rinha muita familiaridade com a escrita Impressao bern di ferente causa 0 tnllado f1uente e nervoso de dom Curzio Celli na escrivao em Montereale e urn dos acusadores de Menocchio no periodo do segundo processo Com certeza Menocchio nao frequentara escola alguma de ni vel superior e aprender a escrever deve ter the custado muito mesmo fisicamente 0 que se percebe por alguns sinais que mais parecem talhados na madeira do que traados sobre 0 pape J a com a leitura devia ter familiaridade bern maior Embera fechado 142 na prisao escura durante 104 dias evidentemente sem livros a disposiao conseguira descobrir na memoria frases que foram len tamente e durante muito tmpo assimiladas da historia de Jose lida na Bfblia e no Fioretto E a essa familiaridade com a pagina es crita que devemos as caracteristicas particulares da carta enviada aos inquisidores Nela podemos distinguir as seguintes passagens 1 Menoc chio afirma ter sempre vivido como born cristao embora reco nhea ter violado os mandamentos de Deus e da Igreja 2 decla ra que a origem de tal contradiao esta no falso espirito que 0 levou a crer e a falar no falso apresentado por ele porem como opiniao e nao como verdade 3 comparase a Jose 4 enumera quatro causas pelas quais Deus quis que ele fosse apri sionado 5 compara os juizes a Cristo misericrdioso 6 implora o perdao dos juizes 7 enumera as seis causas dos proprios erros A essa ordenada estrutura externa corresponde no plano interno uma linguagem repleta de simetrias alitera6es figuras retoricas como a anafora ou a derivaao Basta examinar a primeira frase Sou cristao batizado sempre vivi como cristao fiz sempre obras de cristao sempre vivi fiz sempre sempre e sem pre manha e noite me colocava sob 0 sinaldacruz Natural mente Menocchio fazia retorica sem saber assim como ignorava que as primeiras quatro causas que ele enumerou eram causas finais e as outras seis causas eficientes Mas a densidade das alite rac6es e figuras retoricas de sua carta nao era casual e sim impos ta pela exigencia de se expressar nurna lingua gem capaz de se fi xar facilmente na memoria Antes de se tomarem sinais numa pagina aquelas palavras devem ter sido ruminadas por muito tempo Todavia desde 0 inicio haviam sido pensadas como pala vras escritas A fala de Menocchio do que podemos conjec turar das transcri6es feitas pelos escrivaes do Santo OHcio era diferente se nao por outra razao porque intricada de metaforas absolutamente ausentes na carta enviada aos juizes A associaao constatada entre Menocchio eJose e a deseja da entre os juizes e Cristo nao sao de fato metaf6ricas A Escri tura fornece urna rede de exempla a que a realidade presente se 143 adapta ou deve se adaptar Ponm justamente a formula do exem plum faz com que aflore extrapolando as intenoes de Menoc chic 0 contetido latente da carta Menocchio se considera uma especie de Jose nae 56 porque e tambem uma vitima inocente mas porque e capaz de revelar verdades desconhecidas por todos Os que como 0 paraca de Montereale 0 acusaram e 0 fizeram prender sao companiveis aos innaos de Jose envolvidos pelos imperscrutivei desfgnios de Deus Mas 0 protagonista e ele Me nacehiaJose E ele quem perdoa os innaos malvados na verda de instrumentos cegos de uma vontade superior Esse paralelo desmentia antecipadamente as suplicas de misericordia com que terminava a carta Ate mesmo Menocchio percebeu algo falso Nao sei se eles sao innaos ou pais espiriruais acrescentou tentando restabelecer a relaao de reverencia filial que era nega cia de fato por suas atitudes Entretanto tomall suas precam6es nao se sujeitando cegamente aos conselhos do filho que atraves do paroco he havia sugerido que prometesse toda obediencia it Santa Igreja Embora reconhecesse os pr6prios erros se por urn lado Menocchio os inseria numa perspectiva de entrega it Provi dencia por outra explicavaos com motivos que excetuandose a alusao ao falso espfrito nao cediam muito ao ponto de vista dos inquisidores Esses motivos decerto foram enumerados em or dem decrescente de importancia Ha duas remissoes a textos uma implicita e outra explicita uma passagem das Escrituras Mateus 223640 interpretada literalmente e as Viagens de Mandeville lidas segundo a chave ja examinada Alem disso ha mais duas mo tivacoes de carater interior a inquietacao do intelecto e da men te e a tentacao do falso espirito 0 qual dissera no processo vive na parte escura do coracao dos homens E finalizando ha duas circunstancias extemas sua inimizade com 0 paroco e a de bilidade fisica muitas vezes invocada para justificar suas violacoes do jejum preceiruado Entao temos os livros as reacoes aos livros acreditava em dois mandamentos j que me confundiu as deduoes a partir dos livros os comportamentos Nessa lista de motivos s6 aparentemente heterogenea existia uma concatena ao indubitavel Apesar do patetico apelo final E nao levem em 144 conta minha falsi dade e ignorancia Menocchio nao renunciava a discutir a argumentar 46 No mesmo dia em que Menocchio entregou a carta os juizes se reuniram para emitir a sentenca Durante 0 processo a atitude deIes mudara imperceptiveImente De inicio fizeram Menocchio notar as contradicoes em que caira depois tentaram reconduzi 10 ao caminho certo por tim em vista de sua obstinaCao renun ciaram a qualquer tentativa de convenceIo e se limitaram a per guntas explorat6rias como se desejassem chegar a urn quadro completo de suas aberracoes E unanimemente declararam Me nocchio non modo formalem hereticum j sed etiam heresiar cam nao s6 urn heretico formal j mas tambem urn heresiar cal E assim no dia 17 de maio a sentena foi promulgada o que impressiona de imediato e 0 seu tamanho quatro ou cinco vezes maior que as sentemas comuns E urn sintoma da importancia atribufda ao caso de Menocchio peIos juizes mas principalmente urn sintoma da dificuldade em inserir suas inau ditas afirmacoes nas formas estereotipadas de documentos do ge nero 0 espanto dos jufzes era tanto que transparecia sob a seca linguagem judicial invenimus te I in multiplici et Jere inexqui sita heretica pravitate deprehensum pudemos constatar que te deixaste envolver numa perversao heretica multipla e quase inau dita Esse processo extraordinario terrninava portanto com uma sentena igualmente extraordinaria acompanhada de sua corres pondente abjuraiio tambem muito longa Desde 0 inicio os juizes frisaram 0 fato de que Menocchio falara sobre as suas opini6es hereticas e que argumentara contra a fe cat6lica non tantum cum reIigiosas viris sed etiam cum simplicibus et idiotis nao apenas com reIigiosos mas tambem com pessoas simples e ignorantes pondo em risco a fe daqueles Evidentemente tratavase de uma agravante a qualquer custo os camponeses e artesaos de Montereale deveriam ser mantidos 145 afastados de doutrinas tao perigosas Seguia uma minuciosa re futaao das teses defendidas por Menocchio Usando de urn ver dadeiro crescendo retorica absolutamente inabitual em sentenas inquisitoriais os juizes insistiam na audicia e obstinaao do reu ita pertinacem in istis heresibus indurato animo pennansis ti audacter negabas profanas et nefandis verbis laceras ti diabolico animo affirrnasti intacta non reliquisti sancta ieiunia nonne reperimus te etiam contra sanctas conciones la trasse profano tuo iudicio damnasti eo te duxit malig nus spirirus quod ausus es affirmare tandem paUuto ruo ore conatus es hoc nefandissimum excogitasti et ne rema neret aliquod impollurnm et quod non esset a te contaminarnm negabas rna lingua maledica convertendo dicebas tandem latrabas venenum apposuisti et quod non dietu sed omnibus auditu horribile est non contentus fuit malignus et perversus animus tuus de his omnibus sed errexit cornua et veluti gigantes contra sanctissiman ineffabilem Trinitatem pugnare cepisti expavescit celum turbantur omnia et contre mescunt audientes tam inhumana et horribilia quae de Iesu Cris to filio Dei profano are rna locurns es de tal forma obstinado nessas heresias permaneceste com a alma insensivel negavas com atrevimento ofendeste com palavras profanas e nefandas afirmaste com espfrito diab6lico na poupaste os santos jejuns por acaso nao vimos que ladraste tambem contra as santas pala vras condenaste com teu julgamento profano foi por influen cia do espfrito maligne que ousaste afirmar enfim tentaste com tua boca imunda imaginaste essa coisa totalmente abominavel e para que nada permanecesse imaculado e que nao Fosse por ti contaminado negavas adulterando com rna lingua maldita dizias enfirn larias colocaste 0 venenOj eo que e terrivel que na s6 se diga mas se oma teu espfrito mau e perverso nao se contentou com essas coisas todas mas levantou os seus cor nos e como os gigantes te puseste a lutar contra a inefavel San tfssima Trindade 0 ceu se espanta tudo se conturba e estreme cern os que ouvem as coisas tao desumanas e horriveis que com rna voz profana falaste de Jesus Cristo filho de Deus Nao ha 146 duvida de que por meio dessa exagerada verborragia os juizes estivessem tentando exprirnir urn sentirnento bern real seu es panto e horror diante do acumulo de heresias jamais vistas antes Aos olhos dos inquisidores estas deviam se configurar como urn verdadeiro v6rtice infernal Mas dizer jamais vistas antes nao e de todo verdadeiro Os inquisidores haviam conduzido dezenas e dezenas de processos no Friuli envolvendo luteranos bruxas benandanti blasfemadores e ate mesmo anabatistas sem nunca ter encontrado algo parecido 56 no que diz respeito a afirmacao de Menocchio de que para se confessar bastava contar os pr6prios pecados a Deus eles invoca ram a tese amiloga defendida pelos hereticos isto e pelos segui dores da Reforma Quanto ao resto procuraram ocasionais analo gias e precedentes num passado mais remoto recorrendo a sua pr6pria educaao teol6gica e filos6fica Assim a referencia de Me nocchio ao caos foi associada a doutrina de urn fil6sofo antigo na nomeado in lucem redduxisti et firmiter affirmasti veram fuis se alias reprobatam opinionem illam antiqui filosophi asserentis eternitatem caos a quo omnia prodiere quae huius sunt mundi retomaste e afirmaste com convicCao ser verdadeira a opiniao ja condenada de antigo fil6sofo que admitia a eternidade do caos do qual se originaram todas as coisas existentes no nosso mundo A afirmacao de que Deus e autor do bern mas nao faz 0 mal mas 0 diabo e autor do mal e nao faz 0 bern foi relacionada a heresia dos maniqueus tandem opionem Manicheorum iterum in luce revo casti de duplici principio boni scilicet et mali enfim retomaste a opiniao dos maniqueus a respeito dos dois princfpios 0 do bern e 0 do mal Com urn procedimento analogo a tese da equivalen cia de tadas as fes foi identificada com a doutrina de Ongenes so bre a apocarnstase heresim Origenis ad lucem revocasti quod orones forent salvandi Iudei Turci pagani christiani et infideles omnes cum istis omnibus aequaliter detur Spiritus sanctus re tomaste a heresia de Orfgenes ao afirmar que todos devem salvar se judeus turcos pagaos todos crisraos e infieis uma vez que da mesma forma a todos e dado 0 Espirito Santo Algumas asser c6es de Menocchio pareceram aos juizes na s6 hereticas como 147 contnirias a pr6pria razao natural como por exemplo Quan do estamos no ventre da mae somos como que nada carne morta ou outra sobre a inexistencia de Deus circa infusio nem animae contrariaris non solum Ecclesiae sanctae sed etiam omnibus filosofantibus Id quod omnes consentiunt nec quis negare audet tu ausus es cum insipiente dicere non est Deus a respeito da infusao da alma contrarias nao s6 0 en sino da Santa Igreja como 0 de todos os pensadores 0 que todos admitem e ninguem ousa negar tu a exemplo do tolo ou saste dizer Deus nao existe No Supplementum supplementi delle croniche de Foresti Me nocchio teve a oportunidade de ler referencias passageiras it doutrina de Origenes e dos maniqueus Mas consideralas fun damentos das ideias de Menocchio e obviamente exagero A sentenca confirmava 0 profundo fosso evidente em todo 0 pro cesso que separava a cultura de Menocchio da dos inquisidores Estes ultimos tinham como obrigacao compelir 0 reu a re tornar it Igreja Menocchio foi condenado a abjurar publica mente todas as suas heresias a cumprir varias penitencias salu tares a vestir para sempre urn habito marcado com a cruz em sinal de penitencia e a passar no carcere a custa dos filhos 0 resto da sua vida te sententialiter condemnamus ut inter duos parietes immureris ut ibi semper et toto tempore vitae tuae ma neas Condenamoste por sentenca deste tribunal a que se jas emparedado para que ai permaneas sempre e durante todo o tempo de tua vida 47 Menocchio permaneceu no carcere de Concordia quase dois anos Em 18 de janeiro de 1586 Ziannuto seu filho apresentou em nome dos irmaos e da mae uma suplica ao bispo Matteo Sa nudo e ao inquisidor de Aquileia e Concordia que era entao 0 frade Evangelista Pel eo A suplica fora escrita pelo proprio Me nocchio 148 Embora eu pobre Domenego Scandella prisioneiro tenha outras vezes suplicado ao Santo Oficio da InquisiCao se era dig no de sua graca que me permitisse fazer melhor a penitencia pe 10 meus erros retorno agora forcado pela extrema necessidade a ImplorarIhes que levem em consideraao que ja se transcorre ram tres anos desde que eu deixei minha casa e fui condenado a tao cruel prisao Eu na sei como nao morri pela impureza do ar impedido de poder ver minha querida mulher por causa da dis tancia ocupada com a familia com os filhos que por causa de sua pobreza foram obrigados a me abandonar e entao eu necessaria mente vou acabar morrendo Portanto arrependido e sofrendo por tantos pecados peco perdao primeiro ao senhor Deus em seguida a este Santo Tribunal e Ihes peo a graa de me libertar Comprometome a lhes dar garantias id6neas de viver nos pre ceitos da Santa Igreja romana como tambem de fazer as peniten clas que este Santo Oficio me impuser e peco a Nosso Senhor toda a felicidade para os senhores Por tras das estereotipadas express6es de humildade limpas de dialetismos uso de Chiesa no lugar de Cesia por exemplo percebese a intervenCao de urn advogado Menocchio se expres sara de maneira bern diversa dois anos antes quando com suas pr6prias maos escrevera em sua defesa Porem desta vez 0 bispo e 0 inquisidor resolveram dar a miseric6rdia que tinham negado no passado Antes de mais nada mandaram chamar 0 carcereiro Giovan Battista de Pam Este informou que a prisao onde Me nocchio se encontrava era forte e segura trancada por tres portas fortes e seguras e na existia carcere algum mais forte ou mais rude do que aquele na cidade de Concordia Menoc chic so salra dali para declamar a abjuracao carregando uma vela diante da porta da catedral da cidade no dia da sentena e no dia da feira de santo Estevao e tam bern para ouvir a missa e comungar mas na maioria das vezes comungava na prisao Fi zera jejum em varias sextasfeiras exceto durante 0 periodo em que esteve tao gravemente doente que se duvidava que sobrevi vesse Depois da doenca interrompera os jejuns mas muitas vezes durante outras vigilias me disse Amanha me traga s6 pao 149 que eu quero fazer vigilia e nao me traga carne nem outra coisa gorda Mais de uma vez prosseguiu 0 carcereiro me encos tei a porta quieto para ouvir 0 que dizia ou fazia e ouvi que re zava Outras vezes Menocchio fora visto lendo urn livro que Ihe fora trazido por urn padre 0 Officio della Madonna onde se en contram os sete salmos e outras orac6es alem disso pedira uma imagem para poder fazer suas orar6es e seu filho endio a comprou Poucos dias antes dissera que sempre se dirigia a Deus reconhecia que sofria par seus pecados e erros e que Deus o ajudara porque nao acreditava que pudesse viver quinze dias sofrendo como sofria na prisao e entretanto tinha agiientado ate aquele momenta Falara com freqiiencia ao carcereiro da quelas loucuras de antes dizendo que sabia muito bern que eram loucuras mas que nao se afastara jamais a ponto de crer firme mente nelas mas por tentacao do diabo tao extravagantes pen samentos tinham penetrado sua mente Em suma parecia de fato arrependido mesmo que observou com prudencia 0 carce reiro nao se possa conhecer facilmente 0 coracao dos homens so Deus e que pode Entao 0 bispo e 0 inquisidor mandaram trazer Menocchio Charava suplicava ajoelhado pedia humil demente perdiio Eu estou profundamente arrependido de ter of en dido meu senhor Deus e gostaria de nao ter dito as loucuras que disse Cegado pelo dem6nio nem mesmo sabendo 0 que es tava dizendo Nao so nao me lamento de ter cumprido a pe nitencia que me foi imposta e de estar na prisao como me senti em grande jnbilo e Deus me confortava tanto nas orac6es que fazia a ele que parecia que eu estava no paraiso Se nao Fosse pela mulher e pelos filhos acrescentou juntando as maos e levan tando os olhos para 0 ceu continuaria na prisao pelo resto de sua vida a fim de expiar as of ens as que fizera a Cristo Mas era pau perrimo com dois moinhos e dois terrenos arrendados tinha de manter mulher sete filhos e netas A prisao rude terrosa escura e Umida the arruinara por completo a sande Fiquei quatro meses sem levan tar da cama e durante este ano as pernas incharam e ainda tenho 0 rosto inchado tam bern como podem ver e quase perdi a audirao me tornei fraco e quase fora de 150 mim Et vere anotou 0 escrivao do Santo Oficio cum haec dicebat aspectu et re ipsa videbatur insipiens et corpore invali dus et male affectus E realmente enquanto dizia essas pala vras demonstrava na aparencia e na propria realidade estar en sandecido sem forcas no corpo e seriamente adoentado Obispo de Concordia e 0 inquisidor do F riuli reconheceram russo tudo sinais de uma autentica conversao Convocaram ime diatamente 0 magistrado de Portogruaro e alguns nobres do lugar entre os quais a futuro historiador do Friuli Giovan Francesco Palladio degli Olivi e comutaram a sentena Como carcere per petuo para Menocchio foi determinada a aldeia de Montereale fi candolhe proibido afastarse dali Ficavalhe expressamente proi bido tambem falar ou mencionar suas ideias perigosas Deveria se confessar com regularidade e usar sobre a roupa 0 habito com a cruz sinal da sua infamia Urn amigo Daniele de Biasio se res ponsabilizou por ele comprometendose a pagar duzentos duca dos em caso de violaao da sentena Arrasado fisica e mentahnen te Menocchio voltou para Montereale 48 Retomou seu lugar na comunidade Apesar dos problemas que tivera com 0 Santo Oficio apesar da condenarao e da pri sao em 1590 foi novamente nomeado cameraro administrador da igreja de Santa Maria de Montereale 0 novo paroco Gio van Daniele Melchiori amigo de infiincia de Menocchio vere mos mais para a frente 0 que havia acontecido com 0 paroco anterior Odorico Vorai que denunciara Menocchio ao Santo Oficio deve ter intervindo para tal nomearao Aparentemen te ninguem se escandalizava com 0 fato de que urn herege ou melhor heresiarca administrasse os fundos da paroquia uma vez que 0 proprio paroco ja rivera problemas com a Inquisicao o cargo de cameraro era freqiientemente confiado a molei ros talvez porque possuissem meios para antecipar 0 dinheiro necessario a administrarao da paroquia 0 cameraro por sua vez 151 se valia disso atrasando 0 reembolso correspondente aos dizi mos doados pelos fieis Quando em 1593 Matteo Sanudo bispo de Concordia apareceu em Montereale durante uma visita a toda a diocese quis examinar as contas dos camerari dos illtimos sete anos Verificou que entre os devedores estava Domenico Scandella isto e Menocchio com duzentas liras 0 debito mais elevado depois do de Bernardo Corneto Tratavase de urn fenomeno comum regulannente alvo de queixas das visitas pas torais ao Friuli desse periodo Nesse caso tambem 0 bispo que com certeza nao deve ter associado 0 nome Scandella ao homem que condenara nove anos antes tentou introduzir uma adminis tracao mais rigorosa e cuidadosa Reprovou 0 pouco cuidado com as contas apesar de ja terem sido dadas ordens a respeito pelo visitante anterior Se estas tivessem sido observadas sem dilvida as coisas da igreja estariam muito melhores ordenou que se comprasse urn livro grande no qual 0 paroco sob pena de suspensao dos servicos divinos a divinis deveria registrar a cada ano as entradas parte por parte respectivamente quem as paga a distribuilao do grao dia a dia os gastos com a igreja e finalmente os salarios dos camerari estes deverao anotar as entradas num registro vacchetta e depois transferir para 0 li vro Acrescentou que os camerari devedores deveriam saldar as dividas sob pena de serem privados do ingresso na igreja e de sepultura eclesiastica em caso de morte dai a seis meses 0 pa roco deveria levar a Portogruaro as contas de 1592 sob pena de multa e mais uma vez de suspensao a divinis Se Menoc chio pagou ou nao a sua divida nao sabemos Talvez sim ja que na visita pastoral subseqiiente feita pelo mesmo bispo Sanudo em 15991600 foram registrados debitos dos camerari de Mon tereale somente posteriores a 1592 Um testemunho do mesmo periodo 1595 confirma que 0 prestigio de Menocchio entre seus conterraneos permaneceu intacto Entre 0 conde Giovan Francesco Montereale e urn de seus arrendatarios surgiu uma pequena dificuldade a proposi to de dois pedaos de terra e uma casa de colono A pedido do conde foram nomeados dois avaliadores para apontar as melho 152 rias feitas a casa pelo arrendatario precedente Piero della Zuan na foi escolhida para representar 0 conde e Menacchio 0 arren datario A causa era dificil considerandose que uma das partes era 0 proprio senhor local mas evidentemente confiavase na capacidade de discutir e argumentar de Menocchio No mesmo ano Menocchio alugou junto com 0 filho Ste fano urn novo moinho numa localidade conhecida como abai xo das cercas de cima de sotto Ie siege de sora A locacao foi por nove anos os locatarios se comprometiam a pagar todos os anos quatro alqueires de trigo dez de centeio dois de aveia dois de milho e dois de grao sarraceno mais um porco de 150 libras de peso uma clausula especificava 0 correspondente em dinheiro seis soldos por libra caso 0 peso do porco fosse superior ou in ferior ao estabelecido Alem disso eram previstas as honrarias alguns capoes e meia pela de linho 0 iiltimo era urn tributo simb6lico ja que 0 moinho era usado para 0 beneficiamento de tecido Os arrendararios recebiam 0 moinho em consignacao equipado com dois asnos bons e ilteis uma roda Ieviera e seis maquinas para beneficiamento de tecido e se comprometiam a restituiIo melhorado em vez de deteriorado aos locadores que eram os tutores dos herdeiros de Pietro de Macris 0 arren datirio precedente FIorito di Benedetro dedarado insolvente prometeu pagar os alugueis atrasados nos cinco anos seguintes Menocchio e Stefano atendendo a pedidos dele dedararamse seus fiadores Tudo isso indica que a situalao dos dois Scandella deveria ser naquele momento bern solida Menocchio participava inte gralmente da vida da comunidade Ainda em 1595 ele foi 0 por tador de uma mensagem do lugartenente da Patria do Friuli ao magistrado local Foi urn dos catorze representantes entre os quais 0 magistrado da vizinhanca de Montereale encarre gados de eleger os responsaveis pela redalao dos cadastros Passado algum tempo porem Menocchio teve dificuldades com a morte do filho Ziannuto provavelmente que 0 sus tentava Tentou se manter exercendo outras profiss6es professor na escola tocador de violao nas festas Nessa altura tornarase 153 urgente libertarse do estigma do hibito penitencial e da proibi ao de afastamento de Montereale que the foram impostos pela sentenca Foi entaD a Udine procurar pelo novo inquisidor fra de Giovan Battista da Perugia pedindolhe a dispensa das duas obrigaC6es Quanta ao hahita recebeu uma resposta negativa porque explicou 0 inquisidor numa carta ao hispo de Concor dia datada de 26 de janeiro de 1597 nao se deve dar essa dis pensa com tanta facilidade foilhe concedido entretanto pra tiear J livremente em qualquer lugar exceto nos suspeitos 0 que pudesse de algum modo ajudar na pobreza sua e da familia Os estragos do velho processo estavam sendo pouco a pou co apagados Contudo sem que Menocchio soubesse 0 Santo Oficio recomeara a se ocupar dele 49 No carnaval do ana anterior Menocchio deixara Monterea Ie e fora para Udine com a permissao do inquisidor Na praca ao cair da tarde encontrara urn tal Lunardo Simon e comeara a conversar com ele Os dais ja se conheciam Lunardo percor ria as festas tocando violino e Menacchia como vimos fazia 0 mesma com seu violao Algum tempo depois tomando conhe cimento da bula contra os hereticos Lunardo escreveu aO viga rio do inquisidor frade Gerolamo Asteo contando aquela con versa pessoalmente com algumas variasoes confirmou a carta o dialogo na prasa fora mais ou menos assim Eu ouvi dizer falou Menocchio que voce esta querendo ser padre e verda de Lunardo Nao e urna boa hist6ria Nao porque e coi sa de pobre Lunardo respondera devolvendo a gozaao Nao devo ser frade para continuar pobre Todos os santos ere mitas e tantos outros que levavam vida de santo ninguem sabe onde foram parar Nosso Senhor Deus nao quer que se sai bam esses segredos agora Se eu fosse turco nao ia querer me tornar cristao mas sou cristao e tambem nao quero me tornar turco Beati qui non viderunt et crediderunt Eu nao acredito 154 se nao ver Acredito que Deus seja 0 pai de todo 0 mundo e que pode fazer e desfazer Os turcos e os judeus tambemacredi tam mas nao acreditam que tenham nascido da Virgem Maria Por que quando Cristo estava na cruz e os judeus the disseram Se voce e Cristo dessa da cruz ele nao desceu Foi para nao obedecer aos judeus Foi porque Cristo nao podia Entao voce nao acredita no Evangelho TaO eu nao acredito Quem e que voce pensa que fez 0 Evange1ho Sao coisas de padres e frades que nao tern mais nada para fazer Ficam pensando nes sas coisas e depois escrevem 0 Evangelho nao e feito nem pelos padres nem pelos frades mas foi feito antes deles ob jetara Lunardo e fora embora julgando seu interlocutor uma pessoa heretica Deus pai e patrio que faz e desfaz Cristo homem os Evan gelhos obra de padres e frades ociosos a equivalencia das reli gices Portanto apesar do processo da infilmia da abjuraao do carcere das clamorosas manifestasoes de arrependimento Me nocchio recomesara a defender suas velhas opinioes que eviden temente seu corasao jamais renegara Mas Lunardo Simon s6 co nhecia Menocchio de nome urn tal de Menocchio moleiro de Montereale e nao obstante ser sabido por todos que se tratava de urn reincidente ja condenado pelo Santo Oficio como lutera no a denuncia foi abandonada Somente dois anos depois em 28 de outubro de 1598 por acaso ou em conseqiiencia de uma revi sao sistematica dos atos precedentes os inquisidores suspeitaram de que Menocchio e Domenico Scandella fossem a mesma pessoa Entao a maquina do Santo Oficio foi novamente acionada 0 fra de Gerolamo Asteo que nesse meiotempo havia se tornado in quisidorgeral do Friuli comeou a recolher novas informa0es sobre Menocchio Soube que dom Odorico Vorai autor da de mincia que havia muitos anos fizera Menocchio ir para 0 carcere pagara caro pela sua delaao Fora perseguido pelos parentes de Menocchio e expulso de Montereale Quanto a Menocchio acreditouse e acreditase que tenha as mesmas opinioes falsas de antes A essa altura 0 inquisidor dirigiuse para Montereale e in terrogou 0 novo paroco dom Giovan Daniele Melchiori Este lhe 155 contou que Menocchio deixara de usar 0 habito com a cruz e que ultrapassava os limites da eidade transgredindo as disposi6es do Santo Oficio 0 que como ja vimos era so em parte verdadeiro Mas confessava e cornungava mais de urna vez por ano Na mi nha opiniao e urn cristio e urn hornem de bern concluiu Nao sabia 0 que pensavam dele os habitantes do lugar Porem depois de ter feito e assinado tais afinna6es Melchiori voltou arras evi denternente temia ter se exposto demais Conseguiu que se acres centasse pelo que se pode ver exterionnente a frase Na minha opiniao e urn cristao e urn hornern de bern Oom Curzio Cellina eapelao de San Rocco e escrivao da al deia foi mais explicito Eu 0 considero cristao porque 0 vejo confessando e comungando confirmou Mas por tras dessa submissao aparente via transparecer a antiga inquietaao Esse tal Menocchio tern certos humores que quando ve a Iua as es trelas outros planetas e ouve 0 trovao ou qualquer outra coisa imediatamente quer dizer 0 que pensa sobre 0 que aconteceu Mas logo cita a opiniao da maioria como se dissesse que todos sa bern mais do que ele sozinho Eu acho que esses seus humores sao ruins e que cita os outros por temor Portanto a condena ao e 0 carcere do Santo Offeio haviam deixado mareas profun das Aparentemente Menocchio nao ousava mais pelo menos ali na sua aldeia falar com a insolencia de antes TodaVla nem mesmo 0 medo conseguira sufocar sua independencia intelec mal imediatamente quer dizer 0 que pensa 0 que era novo entretanto era a amarga e ironica consciencia do proprio isola mento cita a opiniao da maioria como se dissesse que todos sa bern mais do que ele sozinho o isolamento era prineipalmente interior 0 pr6prio dom Cellina observou Eu 0 vejo conversando com muita gente e acho que e amigo de todo mundo Quanto a ele pr6prio decla rou nao ter nem amizade estreita nem inimizade com esse tal de Menocchio mas a amo como cristao e me sirvo dele como fao com os outros quando necessito dele para qualquer coisa No plano externo como vimos Menocchio fora totalmente reinte grade na comunidade fora pela segunda vez nomeado cameraro 156 da par6quia alugara junto com 0 filho outro moinho Mas ape sar disso sentiase excluido talvez tambem por causa das difi culdades economicas que enfrentara nos Ultimos anos 0 sfmbo 10 tangivel dessa exclusao era 0 habita penitencial Menocchio vivia com essa obsessao Eu sei camentou Cellina que ele usou durante muito tempo urn habito com a cruz dada pelo San to Offeio e que coloeava por debaixo da sua roupa E Menoc chio lhe dissera que queria ir ate 0 Santo Oficio para obter uma licena para nao usaIo mais dizia que por usar aquele habito os homens se recusavam a conversar e discutir com ele Era so im pressao e claro Conmdo a impossibilidade de se expressar como no passado Ihe pesava Quando 0 ouviram falar da lua das es trelas observou Cellina foiIhe dito que devia se calar 0 que ele afirmava precisamente Cellina nao se lembrava nem mesmo quando 0 inquisidor the sugeriu que talvez Menocchio estivesse atribuindo aos planetas a eapaeidade de constriao do livrearbi trio dos homens Em todo caso negau decidido que Menocchio falasse por brincadeira Eu acredito que fale serio e que tenha humor ruim Mais uma vez as investiga6es do Santo Oficio foram inter rompidas Nilo e diffeil entender 0 motivo no fundo 0 moleiro heresiarca fora reduzido ao silencio ao conformismo exterior nao representava mais perigo para a fe dos seus concidadaos Em janeiro de 1599 uma congregaao do Santo Oficio friulano decidiu interrogar a reu isto e Menocchio Mas essa decisao tambem foi abandonada 50 Entretanto 0 dialogo que Lunardo reproduziu indicava que a aparente reverencia de Menocchia aos ritos e sacramentos da 19reja masearava uma obstinada fidelidade aos velhos pensamen tos Mais au menos no mesmo perfodo urn certo Simon judeu eonvertido que vagabundeava pedindo esmolas chegou a Monte reale e foi hospedado por Menocchio Durante uma noite inteira 157 f os dois falaram de questoes religiosas Menocchio disse coisas im portantfssimas sabre a fe que os Evangelhos haviam sido escritos pelos padres e frades porgue vivem no ocio e que Nossa Senho ra antes de se casar com Jose tinha cido duas outras criancas e por isso sao Jose naa queria aceitala como esposa Tratavase na essencia dos mesmos temas sabre as quais se pusera a conversar com Lunardo na pra de Udine a polemica contra 0 parasitismo do elero a recusa do Evangelho a negaao da divindade de Cris to Alem disso falara naquela noite de urn livro lindissimo que infelizmente perdera e que Simon achou que Fosse 0 Alearao Talvez tenha sido a recusa dos dogmas centrais do cristianis mo e em primeiro lugar 0 da Trindade 0 que induziu Me nacchia assim como outros hereticos do mesma periodo a pro curar 0 Alcarao Infelizmente a informacao de Simon nao e segura e nao sabemos 0 que de fato Menocchio extraira daquele livro lindfssimo Com certeza ele sabia que mais cedo ou mais tarde sua heterodoxia seria descoberta Ele sabia que morreria por causa disso confessou a Simon Mas nao queria fugir porque urn compadre seu Daniele de Biasio quinze anos antes responsabilizarase por ele diante do Santo Oficio Senao ja te ria fugido para Genebra E assim decidira continuar em Mon tereale Ja andava pensando no seu proprio fim Morrendo os luteranos 0 salvarao e virao buscar suas cinzas Sabese la a quais luteranos Menocchio se referia Talvez a urn grupo com 0 qual mantivera relar6es clandestinas ou a algum individuo que encontrara muitos anos antes e depois nunca mais vira 0 veu de martirio em que Menocchio via sua propria morte envolvida leva a pensar que tudo nao passava de fantasias senis Alem disso nao the sobrara mais nada Ficara so zinho a mulher e 0 filho mais querido estavam mortos Parecia viver em conflito com as outros filhos E se os meus filhos qui serem fazer ao modo deles que tenham boa sorte declarou a Simon com desprezo Mas a mitica Genebra a patria ele pen sava da liberdade religiosa estava muito distante isso e a tenaz solidariedade ao amigo que ficara ao seu lado num momento di ffcil impediram sua fuga Evidentemente por outro lado nao 158 podia sufocar a apaixonada curiosidade pelos assuntos da fe E assim deixavase ficar ali esperando pelos seus perseguidores 51 Alguns meses depois chegou ate 0 inquisidor uma nova de mmcia contra Menocchio Parece que ele pronunciara uma blas femia que passara de boca em boca de Aviano a Pordenone provocando rea6es escandalizadas Urn taverneiro de Aviano Michele del Turco conhecido como Pignol foi intertogado Set ou Olto anos antes alguem lhe contara Menocchio teria exelama do Se Cristo fosse Deus teria sido urn deixando que 0 me tessem na cruz Nao completou 0 que Cristo teria sido acres centou 0 taverneiro mas eu entendi que queria dizer que seria urn frowo cogione desculpemme 0 palavrao Quando ouvi tais palawas meus cabelos arrepiaram e mudei de assunto imedia tamente Eu 0 considero pior que urn turco Menocchio con cluiu continuava obstinado em suas antigas opini6es Agora nao eram os habitantes de Montereale os unicos que contavam urn para 0 outro as frases ditas por Menocchio a no toriedade do tal moleiro que nem mesmo a prisao do Santo Offco cosguira trazer para a caminho certo ultrapassava as estreltos hffiltes da aldeia Suas perguntas provocativas suas brin cadeiras blasfemas eram contadas ate mesmo anos dpois Vo ces pensam que Cristo Nosso Senhor era filho da Virgem Ma na mas como se essa Virgem Maria era uma puta Como e que voces querem que Cristo tenha sido concebido pelo Espiri to Santo se ele nasceu de uma puta Sao Cristovao e maior que Deus porque ele carregou 0 mundo inteiro nas costas Curiosamente essa mesma observaao jocosa aparece num liwo que com certeza Menocchio nunca viu uma coletanea de sim bolos repleta de insinuaoes heterodoxas do humanista bolo nhes Achille Bocchi Acredito que tivesse 0 espirito ruim e nao se metesse a falar por medo disse Zannuto Fasseta di Monte reale que ouvira Menocchio tocar musica Mas 0 velho im 159 pulso de sempre levava Menocchio a falar de questaes religiosas com os conterraneos novamente Ceno dia voltando de Menins para Montereale perguntara a DanielJacomel Quem voce acha que seja Deus Eu naD sei 0 Dutro responciera desenxabi do au talvez surpreso Nao e nada mais que 0 ar Ruminava as velhos pensamentos nao se clava por vencido 0 que e que voce acha os inquisidores naD querem que a gente saiba 0 que eles sa bern Ele parem se sentia capaz de enfrentalos Gostaria de dizer quatro palavras do Pater noster diante do inquisidor ever 0 que ele cliria e responcieria Desta vez foi longe demais deve ter pensado 0 inquisidor Porvolta do fim de junho de 1599 Menocchio foi preso e confi nado no carcere de Aviano Algum tempo depois foi transferido para Portogruaro Em 12 de julho compareceu diante do inquisi dor frade Gerolamo Asteo do vigario de Concordia Valerio Tra pola e do magistrado do lugar Pietro Zane 52 Eductus e carceribus quidam senex retiraclo da prisao urn velho anotou 0 escrivao Quinze anos eram passados des de que Menocchio fora interrogado pela primeira vez pelo San to Oficio E passara tres deles na prisao Nessa altura ja estava velho magro cabelos bran cos barba grisalha sempre vestido como moleiro tUnica e gorro cinzaclaro Tinha 67 anos De pois da condenaao exercera diversas profissoes Fui marce neira moleiro hospedeiro dei aula de abaco ensinei crianas a ler e a escrever e tambem toquei violao nas festas Quer dizer tentara se manter fazendo uso de suas aptidoes inclusive sa ber ler e escrever que havia contribuido para p610 em dificul dades Ao inquisidor que the perguntara se nao fora interroga do peIo Santo Oficio anteriormente respondeu Fui chamado e fui interrogado sobre 0 Credo e outras fantasias que me passaram pela cabea por ter lido a Biblia e por ter inteligencia aguada mas sempre fui e permaneo cristao 160 o tom era evasivo fantasias acompanhado da orgu lhosa consciencia costumeira das pr6prias aptidoes inteletuais Explicou detalhadamente ter cumprido as penitencias que lhe foram impostas ter confessado e comungado e ter deixado Mon tereale apenas com a pertuissao dos inquisidores Em relaao ao habito desculpouse Eu juro pela minha fe que as vezes eu 0 usava e outras nao nos dias de invemo quando fazia frio eu 0 usa va sempre mas por baixo da roupa e isso porque quando usa vao perdia meu sustento nao sendo chamado para certas tare fas e para trabalhos porque os homens me tomavam por excomungado quando me viam com aquela roupa Por isso eu nao usava Suplieara inutilmente ao padre inquisidor Nao quis me dar a lieena para abandonar 0 habito Porem quando the perguntaram se ainda tinha dlividas so bre as questoes pelas quais fora condenado nao soube mentir Em vez de negar peremptoriamente admitiu Muitas fantasias me passaram pela cabea mas eu nunea prestei muita atenao e nem sequer ensinei 0 mal a alguem E ao inquisidor que 0 pres sionava perguntando se nao tinha alguma vez discutido sobre artigos da fe com alguem quem eram eles quando onde res pondeu ter falado sobre arrigos da santa fe com alguns por brincadeira mas realmente nao sei com quem nem onde nem quando Uma resposta ineauta 0 inquisidor 0 repreendeu com severidade Como brincar com as coisas da fe E justa brincar com coisas da fe 0 que e que entende por brincar Falan do rnentiras objetivou sem entusiasrno Menocehio Quais mentiras Fale com clareza Eu verdadeiramente nao saberia repetiIas Mas 0 inquisidor insistia nas perguntas Nao sei disse Me nocchio alguem poderia ter interpretado mal mas eu nUllca senti nada contrario a fe Tentou rebater todos os golpes urn por urn Nao dissera que Cristo nao fora eapaz de descer da cruz Eu acredito que Cristo tivesse poder para descer Nao dissera que nao acreditava no Evangelho Eu acredito que 0 Evangelho seja a verdade E aqui deu mais urn passo em falso Eu disse que os padres e frades que estudaram fizeram 0 Evangelho atraves da 161 boca do Espirito Santo 0 inquisidor fulminante dissera isso realmente quando onde para quem e quem eram os tals fra des Menocchio exasperado Os senhores querem que eu saiba sabre a fe 0 que eu nao sei Por que faloll se nao sabia 0 dia bo algumas vezes nos tenta para dizer alguma palavra Mais urna vez Menocchio tentava atribuir ao diabo suas duvi das seu tonnento para ern seguida todavia revelar urn ponto de vista racional No Supplementum de Foresti lera que varias fize ram os Evangelhos como sao Pedro sao Tiago e outros as fo ram suprimidos pela justia Mais uma vez a fora corrOSlva da analogia puserase em aiio em sua mente Se alguns Evangelhos sao ap6crifos abra humana e nao divina por que nao senam to des os outros Dessa maneira afloravam tadas as implicac6es da afinnacao defendida quinze anes antes isto e que a Escrinrra era redutivel a quatro palavras Evidentemente durante todo esse tempo continuara a seguir 0 fio de suas velhas ideias E agora mais uma vez se apresentava a possibilidade de exprimiIas a quem pensava ele era capaz de entendelas Cegamente esqueceu tada prudencia toda cautela Eu acredito que Deus tenha felto todas M d tos as coisas terra agua ear as e 0 fOgO on e e que 0 me em interviu com ir6uica superioridade a vigirio do bispo de Concor dia por quem e que foi feito 0 fogo esci em todos os lugares como Deus mas os outros tres elementos sao as tres pessoas 0 Pal e 0 ar 0 Filho a terra e 0 Espirito Santo a agua E acrescentou Eu aeho que seja assim mas nao sei se e a verdade e acredito que os espiritos que estao no ar combatem entre eles e que os raios se Jam sua ralva Assim Menocchio em sua trabalhosa via gem de volta no tempo reencontrava sem saber alem da imagem crista do cosmo ados antigos filosofos gregos Esse Heniclito campones descobri ra no fogo extremamente movel e indestrutivel elemento pn mordial A realidade toda para Menocchio era permeada por ele esci em todos os lugares urna realidade unitaria apesar das muitas manifesta6es cheia de espiritos embebida de divindade Par isso afirmava que Deus era 0 fogo Menocchio tambem havia imaginado uma eorrespondencia capciosa detalhada entre os ou 162 tros tres elementos e as pessoas da Trindade Eu acredito que 0 Pai seja 0 ar porque 0 ar e elemento mais alto que a terra e a agua acho que 0 Filho seja a terra porque 0 Filho e produto do Pai e assim como a agua vern do ar e da terra assim 0 Espirito Santo vern do Pai e do Filho Porem por tcis desse paralelismo que era imediatamente renegado com uma prudencia tardia e inutil mas eu nao pretendo sustentar essas coisas aflorava a convicCao mais profunda de Menocchio Deus e uno e ele e 0 mundo E sobre esse ponto 0 inquisidor fez vibrar seu ataque quer dizer entao que acreditava que Deus rivesse urn corpo Eu sei que Cristo rinha corpo replicou Menocchio evasivo Ganhar de urn interlocu tor como esse nao era Hcil De seu arsenal escolastico sacou urn silogismo 0 senhor disse que 0 Espirito Santo e agua a agua e corpo portanto conduise que 0 Espirito Santo tern corpo Eu digo essas coisas por comparaCao respondeu Menocchio tal vez ate mesmo com uma ponta de pretensao ele tambem sabia discutir sabia se sernr dos instrumentos da logica e da retorica Entao 0 inquisidor voltou ao ataque No processo aparece que 0 senhor disse que Deus nao e nada mais que 0 ar Eu nao me lembro de ter dito isso mas disse sim que Deus e todas as coisas Acredita que Deus seja todas as coisas Meus senho res eu realmente acredito nisso Mas em que senti do 0 inqui sidor nao entendia bern Eu acredito que Deus seja tudo 0 que quiser explicou Menocchio Deus pode ser uma pedra uma serpente 0 diabo ou coisas semelhantes Deus pode ser rudo 0 que e born Portanto Deus poderia ser uma criatura ja que as criaturas sao boas Nao sei 0 que dizer respondeu Menocchio 53 N a verdade a distinCao entre criador e criarura e a propria idia de um Deus criador the eram profundamente estranbas Estava muito daro para ele que suas ideias eram muito diversas das do inquisidor mas flum certo ponto as palavras para expri 163 mir tal diversidade the faltavam Decerto as armadilhas 16gicas de frade Gerolamo Asteo nao conseguiriam convencelo de que estava errado da mesma maneira que as jufzes que 0 processa fam quinze anos antes nao conseguiram Tentou de imediato tomar a dianteira procurando inverter 0 mecanismo do inter rogatorio F acam 0 favor de me escutar senhores Atraves da lenda dos tres aneis Menocchio reforou a doutrina da to lerancia que ja formulara no primeiro interrogat6rio Ali po rem a argumentacao era religiosa tadas as fes se equivalem induidas as heresias ja que Deus deu 0 Espirito Santo a to dDs Agora entretanto a enfase era na equivalencia entre as varias igrejas como realidades ligadas a vida social Senhor eu acredito sim que cada urn ache que a sua fe seja a melhor mas que nao se saiba qual e a carreta mas porque meu avo meu pai e os meus sao cristaos eu quera continuar cristao e acreditar que essa seja a melhor fe 0 pedido para permanecer no am bito das religi6es tradicionais era justificado pela lenda dos tres aneis todavia e dificil deixar de ver nessas palavras 0 amargo fruto da experiencia vivida por Menocehio ap6s a condenaao pelo Santo Oficio Era melhor simular melhor aderir na apa rencia aos ritos tidos pessoalmente como mereadorias Esse recuo obrigava Menoechio a deixar em segundo plano 0 tema da heresia da ruptura aberta e eonsciente com a religiao tradi cional Ao mesmo tempo porem ele aeabava por considerar muito mais do que no passado a religiao como uma realidade puramente mundana Afirmar que se e cristao apenas por aea so por tradiao pressupunha urn distanciamento edtieo bas tante grande 0 mesmo distanciamento que nesse periodo le vara Montaigne a escrever Nous sommes Chrestiens a mesme titre que nous sommes ou Perigordins ou Alemans Como vi mos tanto Montaigne como Menocchio cada urn a seu modo haviam passado pela experiencia perturbadora da relativizaao das crenas e institui6es A adesao consciente e nao passiva a religiao de seus antepassados era contudo somente exterior Menocchio ia a missa confessava e comungava mas dentro de si ruminava ve 164 Ihos e novos pensamentos Ao inquisidor declarou achar que era 610sofo astrologo e profeta embora acrescentasse de ma neira submissa se desculpando que os profetas tambem falha vam Explicava Eu achava que era profeta porque 0 espfrito mau me fazia ter vaidade e sonhos e me convencia de que eu sa bia a natureza dos ceus e outras eoisas semelhantes e acredito que os profetas falassem 0 que os anjos lhes ditassem No primeiro processo como podemos lembrar Menoc chio nunca se referira a revela6es sobrenarurais Agora en tretanto aludia a experiencias misticas embora confessando as de forma ambigua vaidade sonhos Talvez a leitura do Alcorao surtira efeito 0 livro lindissimo identificado pelo judeu convertido Simon livro que fora ditado pelo ar canjo Gabriel ao profeta Maome Talvez no dilogo ap6crifo entre 0 rabino Abdallah ibn Salvam e Maome inserido no pri meiro capitulo da traduao italiana do Alcorao ele pensasse ter descoberto a natureza dos ceus Ele disse continue e me diga por que 0 ceu se chama ceu Ele respondeu porque ele e criado pela fumaa fumaa do vapor do mar Ele disse de onde vern 0 verde Ele respondeu do monte Caf e 0 monte Caf 0 recebeu das esmeraldas do paraiso e este monte cinge 0 circulo da terra sustenta 0 ceu Perguntou 0 ceu tern porta Respondeu tern portas suspensas Perguntou e as portas tern chaves Respondeu tern as chaves que sao dos tesouros de Deus Perguntou do que sao feitas as portas Respondeu de ouro Perguntou voce fala a verdade mas me diga 0 nosso ceu como foi criado Respondeu 0 primeiro da agua verde 0 segundo da gua dara 0 terceiro de esmeraldas 0 quarto de Duro purfssimo 0 quinto de jacintos 0 sexto de uma reluzen te nuvem 0 setimo do esplendor do fogo Disse sobre isso voce fala a verdade Mas acima desses sete ceus 0 que e que existe Respondeu urn mar vivaz e sobre ele urn mar nebulo so e assim seguindo a ordem urn mar aereo sobre ele 0 mar penoso sobre ele 0 mar tenebroso e sobre ele 0 mar de diver timento e sobre ele a Lua sobre ela 0 Sol e sobre ele 0 nome de Deus e sobre ele a suplicaao e assim sucessivamente 165 Tratase de conjecturas Nao temos provas de que 0 livro lindfssimo do qual Menocchio falara com entusiasmo era de fato 0 AleDdo e mesma se tivessemos certeza flaD poderiamos reconstruir a leitura feita por Menocchio Urn texto totalmente distante de sua experiencia e de sua culrura deveria parecerIhe indecifravel e por isso induzilo a projetar sobre suas pagi nas pensamentos e fantasias Mas dessas proje6es se e que exis tiram flaD sabemos nada E em geral sabre essa ultima fase da vida intelectuaI de Menocchio conseguimos detectar mnito pOlleD Ao contrario de quinze ailOS antes 0 mede 0 levall pou co a pouco a renegar quase tudo 0 que era reperido pelo inqui sidor Parem mais uma vez mentia com dificuldadej apenas de pais de estar raciocinando muito pOlleD e que afirmou nunea tef duvidado que Cristo era Deus Em seguida cain em COll tradiao dizendo que Cristo nao possuia 0 poder do Pai ja que tinha corpo humano Esta uma confusao objetaramlhe E Menoeehio Eu nao sei 0 que eu disse eu sou ignorante Hu mildemente afirmou que quando dissera que os Evangelhos ha viam sido escritos por padres e frades que estudaram estava se referindo aos evangelistas os quais aeredito que tenham es tudado muito Proeurava dizer tudo 0 que esperavam que dis sesse E verdade que os inquisidores e outras autoridades nao querem que nos saibamos 0 que eles sabem porem e preciso que nos calemos Todavia em certos momentos nao conseguia se conter Eu nao acreditava que 0 parafso existisse porque nao sabia onde estava No final do primeiro interrogatorio Menoechio entregou urn papel em que escrevera algo sobre as palavras do Pater nos ter et ne nos inducas in tentationem sed libera nos a malo aerescentando E assim eu queria pedir a graca de ser liberta do das minhas atribulac6es Depois antes de ser levado novamente para 0 carcere assi nou com as velhas maos tremulas 166 54 Ali estava eserito Em nome de Nosso Senbor Jesus Cristo e de sua mae Vir gem Maria e de t090S os santos do parafso eu imploro por so corro e conselho 0 magno onipotente e santo Deus criador do ceu e da terra eu the peo pela sua santissima bondade e misericordia infinita que queira iluminar meu espirito minha alma e meu corpo para que pense diga e fa s6 0 que agrade sua divina majestade e assim seja em nome da Santissima Trin dade Pai Filho e Espirito Santo amem Eu Menego Scandel la pobre miseravel que caiu em desgraca ante 0 mundo e meus superiores arruinando minha casa minha vida e toda a minha pobre familia naD sei mais 0 que dizer nem fazer a naD ser di zer estas poucas palavras Primeiro Set libera nos a malo et ne nos inducas in tentazionem et demite nobis debita nostra sicut ne nos di mitimus debitoribus nostris panem nostrum cotidianum do nobis bo die e assim eu peco ao Nosso Senhor Jesus Cristo e aos meus superiores que par misericordia queiram dar sua ajuda com pouco dana por isso E eu Menego Scandella aonde for prega rei a todos os fieis cristaos que observem tudo 0 que a Santa Ma dre Igreja catolica romana ordena e seus superiores isto e as inquisidores bispos vigarios parocos capelaes curas de suas dioceses e que eles tirem proveito da minha experiencia Eu Me nego pensava que a morte me livrasse dos meus pavores que nao amolasse mais ninguem mas fez justamente a eontrario le vandome urn filho que era capaz de me livrar de qualquer pro blema e preocupaao depois me levou a mulher que era quem cuidava de mim e as filhos e filhas que me restaram me eonsi deram louco dizem que eu fui a rufna deles e essa e a verdade se eu tivesse morrido ha quinze anos eles estariam livres de pro blemas com este pobre desgrado E se eu rive algum pensamento ou disse qualquer palavra em vao nunea aereditei nisso e nem fiz nada contra a Santa Igreja porque 0 Senhor Deus me fez ver que tudo aquilo que eu pensava au dizia era vaidade nao sabedoria 167 E assim eu creio que seja a verdade e nao quero pensar nem acreditar a nao ser no que a Santa Igreja acredita e fazer 0 que me ordenarem os padres e meus superiores 55 No pe da pagina desse escrito 0 paraca de Montereale Giovan Daniele Melchiori fizera algumas anota6es a pedido do proprio Menocchio datadas de 22 de janeiro de 1597 De claravase que se 0 interior puder ser julgado pelo exterior Menocchio levava uma vida de cristao e ortodoxo Tal cau tela como sabemos e como talvez soubesse 0 paraca tambem era mais que oportuna Mas a vontade de submissao expressa no escrito era com certeza sincera Evitado pelos filhos que o consideravam urn peso uma desonra para a aldeia uma rufna para a familia Menocchio procurava com afa ser reintegrado a Igreja que por uma vez ja 0 afastara marcandoo visivel mente como reprobo Por isso fazia 0 patetico gesto de reve rencia aos superiores inquisidores em primeiro lugar 0 que e compreensiveI e depois bispos vigarios parocos ca pelaes curas Urn ato de reverencia inutil em certo sentido porque no momento em que fora escrito as investiga6es do Santo Oficio ainda nao haviam recomeado Porem 0 impulso irrefreavel de procurar as coisas gran des atormentava Me nocchio deixavao confuso fazia que se sentisse culpado e como alguem que caiu em desgraa ante 0 mundo Agora invocava desesperadamente a morte Mas a morte se esquece ra dele fez justamente 0 contnirio levandome urn filho depois me levou a mulher Entao se amaldioava se eu tivesse morrido ha quinze anos quando para desgra a sua e de seus filhos comearam os problemas com 0 Santo Oficio 168 56 Apos urn novo interrogat6rio 19 de julho perguntaram a Menocchio se queria urn advogado Respondeu Eu nao quero outra defesa a nao ser a misericordia todavia se pudesse ter urn advogado eu 0 teria mas sou pobre Durante 0 primeiro pro cesso Ziannuto lutara muito em favor do pai procuraralhe urn advogado porem Ziannuto estava morto e os outros filhos nao mexeram urn dedo Foilhe designado urn advogado Agostinho Pisensi que em 22 de julho apresentou aos juizes uma longa de fesa do pobre coitado Dominici Scandella Nela afirmava que os testemunhos recolhidos eram de segunda mao contraditorios e deficientes pela clara animosidade isso demonstrava nitida mente a pura simplicidade e ignorancia do acusado para 0 qual se pedia absolviao Em 2 de agosto a congregaao do Santo Oficio se reurriu Menocchio foi declarado por unanimidade urn relapso urn reincidente 0 processo terminara Decidiuse no entanto sub meter 0 reu a tortura para arrancarlhe 0 nome dos cumplices Isso aconteceu em 5 de agosto no dia anterior a casa de Me nocchio fora revistada e na presena de testemunhas haviam sido abertas todas as caixas e confiscados todos os livros e es critos De que escritos se tratava infelizmente nao sabemos 57 Pediramlhe que confessasse 0 nome de seus ctimplices se nao quisesse ser torturado Respondeu Senhor nao me lembro de ter discutido com ninguem Tiraram sua roupa e observaram como era prescrito pelos regulamentos do Santo Oficio se era apto para a torrura Enquanto isso continuavam a interroga 10 Respondeu Discuti com tantos que agora nao me lembro Entao foi amarrado e novamente the perguntaram a verdade so bre seus cllinplices Mais uma vez respondeu Nao me lembro Levararnno para a camara de torrura repetindo sempre a mes rna pergunta Pensei muito disse tentando me lembrar com 169 quem eu tinha discutido mas nunca consegui me lembrar Foi preparado para a tortura com cordas 6 Senhar Jesus Cristo misericordia Jesus misericordia en naa me lembro de ter discu rido com ninguem eu poderia ate morrer por tef seguidores ou companheiros mas ell Ii por canta pr6pria 6 Jesus misericor dia Deramlhe 0 primeiro puxao 6 Jesus Jesus coitado de mim coitado de mim Com quem voce discutiu pergun taramIhe Respondeu Jesus Jesus naa sei de nada Incita ramno a dizer a verdade Eu a direi de boa vontade me deixem sozinho para eu pensar Fizeramno descer Pensou por urn momento e depois dis se Nao me lembro de tef discutido com ninguem nem sei de alguem que tenha a mesma opiniao e nao tenho certeza de nada Ordenaram que Ihe fosse dado outro pUldio Enquanto 0 levantavam gritou Ai de mim ai de mim martir Senhar Je sus Cristo Em seguida Senhor deixemme em paz que direi qualquer coisa Posto outra vez no chao disse Discuti com 0 senhor Zuan Francesco Montereale dizendolhe que nao se sa bia qual era a melhor fe No dia seguinte explicou 0 cita do senhor Gio Francesco me recuperou das minhas loucuras Nao conseguiram nada mais dele Foi entao desamarrado e le vado novamente para a prisao 0 escrivao observnu que a tortu ra fora aplicada com moderaao Durara meia hora Podese imaginar 0 estado de animo dos jUlzes pela mono tona repetiao da pergunta Talvez fosse 0 mesmo mistura de tedio e desgosto que 0 nuncio Alberto Bologuetti testemu nhara naquela epoca falando do Santo Oficio e lamentando 0 aborrecimento para quem nao e urn modele de pacHncia de ter de ouvir as fraquezas de muitos especialmente durante a torttI ra em que deve ser anotada palavra por palavra 0 silencio obstinado do velho moleiro devia Ihes parecer incompreensivel Assim nem mesmo a dor fisica fora capaz de abater Menoc chio Nao dera os nomes ou melhor dera urn so 0 do senhor de Montereale 0 que parecia ter sido feito intencionalmente para dissuadir os jUlzes de uma investigaao mais aprofundada Sem duvida tinha alguma coisa para esconder mas quando di 170 zia tef lido por conta propria deceno nao estava muito longe da verdade 58 Com seu silencio Menocchio pretendia frisar para os juizes te 0 ultimo instante que seus pensamentos haviam surgido no lolamento em contato exclusivo com os livros Contudo nos ja Vimos que ele proJetava sobre a pagina impressa elementos tira dos da tradilao oral E essa tradiao profundamente radicada nos campos euro pes que explica a persistencia tenaz de uma religiao campone sa mtolerante quanta aos dogmas e cerimonias ligada aos ciclos da natureza tmdamentalmente precrista Em muitos casos tratavase de materia realmente estranha ao cristianismo como com os guardas de rebanhos dos campos de Eboli que e mea dos do seculo XVII pareciam aos consternados jesuitas hom ens qe de homens so tern a forma nao muito diferentes em capa cldade e pensamento dos animais de que cuidavam totalmente ignorantes nao s6 das oraes ou outros misterios pr6prios da Santa Fe mas do proprio conhecimento de Deus Porem mes mo em situaoes de menor isolamento geografico e cultural e possivel descobrir indicios de uma religiao camponesa que as similafa e remodelara elementos estranhos a comear pelos do cristianismo 0 velho campones ingles que pensava em Deus b Ih como urn om ve 0 em C nsto como urn belo jovem na alma como urn grande osso cravado no corpo e no alem como urn lindo campo verde para onde se iria caso se se comportas se bern decerto nao ignorava os dogmas do cristianismo sim plesmente os traduzia em imagens que correspondiam a sua rea lidade as suas aspira90es e fantasias N as confiss6es de Menocchio assistimos a urn processo se melhante Naturalmente seu caso e muito mais complexo por que envolve a mediaao da escrita e 0 esfacelamento de grande parte da religiao tradicional derrubada pelos golpes das tenden 171 r cias mais radicais da Reforma Mas 0 procedimento e 0 mesmo nao se trata de urn caso excepcional Cerca de vinte anos antes do processo contra Menocchio urn desconhecido campones de Lucca que se escondia sob 0 pseud6nimo de Scolio falou de suas pr6prias visoes num lon go poema de argumento religioso e moral entremeado por re flexos da poesia de Dante que permaneceu inedito 0 Setten nario 0 tema central e insistentemente reiterado as varias religioes tern urn nucleo comum constirufdo pelos dez man damentos Aparecendo sabre uma nuvem de ouro Deus expli ca a Scolio varios profetas enviei e diversos porque diversos eram os a que meus profetas destinavamse eu thes dei outrossim diversa lei pois diversos costumes encontrei o medico varia as purgoroes confanne as naturais constituiriies Envia 0 imperador tres cnpitiies um it Africa outro it Asia Dutro it Europa aDs Judeus cabe e aos Turcas e aDs Cristiios receber uma capia da sua lei segundo os varios como estranhos usos a cada qual confere uma lei propria embora a todos de dez mandamentos os mesmos que comentam variamente Mas hi um so Deus e uma F somente Entre os capitaes enviados pelo imperador esta tambem Mao me reputado pelos criminosos como sendo entre os malvados 0 melhor embora fosse profeta e grande guerreiro de Deus co locado no final de urna lista que compreende Moises Elias Davi Salomao Cristo Josue Abraao e Noe Turcos e cristaos devem acabar com as lutas e chegar a conciliaao 172 Turco tu e tu Cristao por meu decreto nao andareis mais como antigamente pois 0 Turco ira dar um passo a frente e tu Cristao danis um passo retro Isso e passivel porque os dez mandamentos constituem a base nao s6 das tres grandes religioes meditemineas notese a tradio da lenda dos tres aneis mas tambem das religi6es passadas e das que ainda virao a quarta nao especificada a quinta que Deus nos deu nos nossos dias e que e representada pela profecia de Scolio e as duas futuras que completam 0 fatidico nllinero sete o conteudo religioso da profecia de Scolio e como pode mos ver muito simples Basta respeitar os dez mandamentos os grandes preceitos da narureza Os dogmas comeando pelo da Trindade sao negados Nao se adore nem creia que um Deus s6 nao tenha companheiro amigo ou filho i filho seu e servo e amigo quem seus preceitos cumpre e ao dito atimse Nifo adoreis outrem ou Esp ito Santo Sou Deus e Deus esti em toda parte Os unicos sacramentos mencionados sao 0 batismo e a eucaris ria 0 primeiro e reservado aos adultos Circuncisese em todo oitavo dia e se batize apas trinta anos isto como Deus e os profetas ordenaram e como sifo Joao batizou ao Cristo A eucarisria e substancialmente desvalorizada E se eu lhes dis se afinna Cristo que 0 plio abenfoado era 0 meu corpo e era 0 meu sangue 0 vinho 173 voIo disse porque me era dileto porque era um dbo e um sacriJicio pio mas nita vafo ordenei como decreta e sim porque a Deus lembram pila e vinho Em nada importam vossos argumentos e sim cumprir com as dez mandamentos Nao se trata somente de inquietaao pelas discussoes teo16gicas sabre a presena real pe1a boca de Cristo Scolia chega a negar qualquer valor sacramental ao batismo e a eucaristia o meu batismo com 0 sacrificio a minha morte e a comunhiio e a h6stia mandamentos nita sao mas um olicio a ser feita as vezes em minha memoria o que canta visando a salvacao mais uma vez e apenas a observa ao literal dos dez mandamentos sem glosa Oll comentirio al gum sem interpretac6es ditadas por silogismo ou logica extra vagante As cerimonias religiosas sao inuteis 0 cuIto cleve ser multo simples Que niio haja colunas nem figuras nem mzisica nem 6rgiios instrumentos nem campandrios sinos ou pinturas nem relevos nem frisos ornamentos sejam todas as coisas simples puras e s6 se escutem os dez mandamentos A palavra de Deus e muito simples e ele quis que Scolio escreves se seu livro numa lingua que nao fosse inchada escura culta e afetadal mas larga e plana Apesar das afinidades provavelmente independentes das li gac6es diretas e em todo caso nao documentadas com as dou trinas dos anabatistas as afirmac6es de Scolio parecem partir muito mais daquela corrente subterranea de radicalismo cam 174 pones Para Scalia a papa nao e 0 Anticristo mesmo estando sua figura como veremos destinada a desaparecer no futuro a exerdcio da autoridade pao e como para os anabatistas intrin secamente intoleravel E bern verdade que os detentores do po der devem governar paternalmente Se 0 Senhor meu te fez seu intendente e te incumbiu da administrariio se te fez duque papa imperador se deute humanidade e discrifiio se te deu graa empenbo bonra vigor hds de ser nosso pai e defensor o que tens nao e teu e doutros meu salvo a tua honradez tude i de Deus A sociedade sonhada por Scolio e pia e austera como nas uto pias camponesas livre das profiss6es imiteis Nao existam lojas au artes manuais senao as mais importantes e principaisl esti mese como vaidade toda sabedoria de medicos e vivam sem doutores baseada em agricultores e guerreiros governada par urn linico soberano que e 0 proprio Scolio que 0 jogo e as putas com 0 botequim o biibado e 0 bufiio tenham um Jim e quem Jaa 0 mister de lavrador prime no que util e louvavel for que todo quanta pea F combata receba louvaiio e boa paga soberba crdpula arrogancia pompa superstiiio vang16ria Jindem todas lnterditemse almoros ceias Jartas onde a ebriez e a crapula Jazem praa que aromas banhos danfas jogos sons vestir calfar sejam pobres e poucos que um s6 monarca reine homem carnal sobre 0 espiritual e temporal 175 que um homem seja 0 s6 rei e senhor e haja um s6 rebanho e um unico pastor Nessa sociedade futura as injusticas desaparecerao a idade do ouro retornara A lei breve clara e comum estara em mao de todos porque par tal razao dard bans frutos posta em vulgar para que a entendam bem fugindo ao mal e persegnindo 0 bem Urn igualitarisma rigida abalin as disparidades ecanomicas Homem ou mulher bastaIhe ter boca para jd merecer com que viver Que nao logre ningnem ter mais do que a honesto pra viver e se vestir comendo melhor au melhor vestindose pois quem quer mandar tem de obedecer E impio desumano que desfrutes enquanto um outro au eu par ti sofremos Deus nos fez ricas nunca nos fez servos por que desejas que te sirva e ceve Nato em cidade em vila au em castelo seja de baixa au superior linhagem diferenfa nao haja entre este e aquele que ninguim tenha a minima vantagem Mas essa sociedade s6bria e pia e s6 urna das faces a face ter rena da utopia camponesa de Scolio A outra a ultraterrena e bern diferente S6 e licito no ceu nao neste mundol viver em abundancia e feliz 0 alem que e revelada a Scalia numa de suas primeiras vis5es e realmente urn reino de abundancia e prazer Deus me levou no sdbado seguinte a um monte de onde vese a mundo inteiro 176 que paraiso que lugar tao bela Muro de gelD e fogo circundavam belos jardins belfssimos paldcios vergeis jlorestas prados rios lagos iguarias do fiu preciosos vinhos havia ali e almofos ceias ganhos em ouro seda e linho as aposentos donzelas escolhidas pajens leitos drv01es relvas bichos isso tudo dez vezes por dia 1enovava os frutos Percebese aqui urn eeo do paraiso do Alcorao associado ao so nho eampones da opulencia material que e expresso logo em se guida atraves de elementos que relembram urn mite ja encontra da 0 Deus que aparece para Scalia e uma divindade andr6gina urna donnhoma com as maos abertas os dedos erguidos De cada dedo simbolizando urn dos dez mandamentos brota urn rio no qual beberao os seres viventes De mel suave e cheio 0 rio primeiro de duro e fluido aucar 0 segnndo ambrosia tinha 0 terceiro e 0 quarto nectar mand 0 quinto a sexto pao tao branco e leve nao se viu no mundo faz ate morto reviver jocundo Bem disse e com verdade um homem pia que na cara do pao Deus se figura De dguas preciosas e composto 0 setimo o oitavo de manteiga branca e fresea a nona de perdizes saborosas gordas do pr6prio paraiso vindas de leite 0 decimo com ricas pedras e feito 0 leito deles a que aspiro as nbas de ouro Urios violetas rosas prata flares e esplendor do sol 177 Esse paraiso e Scolio sabia muito bern se parecia com 0 pais da Cocanha 59 As semelhanas entre as profecias de Scolio e os discursos de Menocchio sao evidentes Nao se explicam e 6bvio pela pre sensa de fontes comuns a Divina comedia 0 Aleodo co nhecidas decerto por Scolio e provavelmente tambem por Me nocchio 0 elemento decisivo e urn estrato caillum de tradis6es mitos aspiras6es transmitidos oralmente atraves das gerac6es Em ambos as casos fora 0 cantata com a escrita na escola que fizera esse estrato profundo de cultura oral aflorar Menocchio deve ter frequentado uma escola de abaco Scolio escrevia sobre si mesma Fizeramme pastor apas aluno e depois artesiio e en tao pastoy de gada numeroso e logo aluno mais tarde artesiio e Dutra vez pastor eu aprendi as sete artes mecanicas e ja pastor e logo aluno fui Fil6sofo astr61ogo e profeta era como Menocchio se defi nia j Scolia como astrologo fi1650fo e poeta alem de pro feta dos profetas Mas apesar disso existem algumas diferncas nitidas Scolia da a impressao de estar confinado num amblente campones quase totalmente privado de contatos om a cidadej Menocchio viajou foi varias vezes a Veneza ScolIo nega qal quer valor aos livros que nao sejam os quatro livros sagrados ltO e 0 Velho e 0 Novo Testamento 0 Alcodo e 0 seu Settennarzo 178 No obedecer a Deus has de aprender nao no estudar ou tampouco no ler Todo doutor seja interdito e expulso que nito possa estudar nem escrever leitor compositor ou impressor nao escreva mais livro nem 0 imprima que logico argiiidor au pregador so possa discutir ou predicar os tres livros sagrados que disse eu e este livro que e de Deus mais que meu Menocchio comprara 0 Fioretto della Bibbia mas tambem pedira emprestado 0 Decameron e as Viagens de Mandeville afirmara que a Escritura poderia ser resumida em quatro palavras toda via sentira a necessidade de se apropriar ainda do patrim6nio de conhecimentos de seus adversarios os inquisidores Percebese portanto no caso de Menocchio urn espirito livre e agressivo decidido a acettar contas com a cultura das classes dominantes no caso de Scolio a posiao e mais reservada esgotando a pr6pria carga polemica na condenaao moralista da cultura ur bana no desejo vago de uma sociedade igualitaria e patriarca Mesmo desconheeendo os tracos do mundo novo desejado por Menocchio cremos que podemos imaginalo ao menos em parte diverso do representado pela utopia desesperadamente anacroniea de Scolio Mais proximo de Menoeehio pareee estar urn outro molei ro Pellegrino Baroni conhecido por Pighino 0 gordo que vivia numa aldeia dos Alpes modenenses Savignano suI Panaro Foi processado em 1570 pelo Santo Oficio de Ferrara mas nove anos antes fora obrigado a abjurar alguns effOS em materia de fe Seus concidadaos 0 consideravam mau cristao heretico luterano alguem 0 definira como excentrico e fraco da eabe ca ou entao ate mesmo aeima de tudo J urn bobalhao Na verdade Pighino era qualquer eoisa menus bobalhao durante o processo soube manter a discussao com os inquisidores de monstrando alem de grande forca de vontade uma inteligencia sutil e certa astlicia Porem na e dificil entender a confusao dos habitantes da aldeia e a indignaao do paroco diante dos dis cursos de Pighino Ele negava a interferencia dos santos a con 179 fissao os jejuns prescritos pela Igreja e ate aqui estarfamos no ambito de urn luteranismo genetico No entanto afinnava tambem que todos os sacramentos inclusive a eucaristia apa rentemente 0 batismo nao haviam sido institufdos pela Igreja e nao pDf Cristo e que mesma sem eles se poderia alcancar a sal vacao AleID disso afinnava que no paraiso seremos todos iguais tanto reeehed as gracas 0 grande como 0 pequeno que a Virgem Maria nascera de uma servaj que nao existia infer no ou purgat6rio e que eram invenao dos padres e frades para lucrar que se Cristo tivesse sido homem de bern nao teria sido crucificado que morto 0 carpo morre a alma e que tadas as fes eram boas para quem as observasse corretamente Embora tivesse sido torturado varias vezes Pighino negou de maneira obstinada ter cumplices afinnando que suas opinioes eram fruto de uma iluminasao recebida durante a leitura dos Evangelhos em lingua vulgar um dos quatro livros que lera Os outros eram 0 Salterio a gramatica de Donato e 0 Fioretto della Bibbia o destino de Pighino foi diferente do de Menocchio Con denado a viver perpetuamente na aldeia de Savignano dali fugiu para escapar da hostilidade de seus conterriineos mas logo em seguida se apresentou ao Santo Oficio de Ferrara aos seus tor turadores pedindo perdao Aquelas alturas era um homem der rotado 0 inquisidor por caridade acabou arrumandolhe urn cargo de criado do bispo de Modera o fim dos dois moleiros foi portanto diverso mas as seme lhamas entre suas vidas sao surpreendentes Decerto tratase de algo mais que uma extraordinaria coincidencia Na Europa preindustrial 0 fraco desenvolvimento das co munica6es obrigava mesmo os pequenos centros habitados a ter pelo menos urn moinho de agua ou de vento A profissao de moleiro era entao uma das mais comuns A presenca maci a de moleiros nas seitas hereticas da Idade Media e mais ain da entre os anabatistas nao apresenta assim nada de excep ciona Entretanto quando em meados do seculo XVI 0 poeta satirico Andrea da Bergamo afirmou que urn verdadeiro mo 180 leiro e meio luterano parecia estar fazendo uma alusao mais especifica A hostilidade secular entre camponeses e moleiros consoli dara a imagem do moleiro esperto ladao enganador por defi niao destinado as penas do inferno E um estere6tipo ampla mente testemunhado pela tradiao popular lendas proverbios fabulas contos Fui ate 0 inferno e vi 0 Anticristo diz urn can to popular toscano pela barba um moleiro segurava e tinha um almUio por sob os pes e um tavemeiro e um magarefe presos Ihe perguntei qual era 0 mais malvado e ele me disse Atenta que te mostro Ve bem quem e que com as miios rapina o moleiro que mai a alva farinha Ve bem quem e que com as miios agarra o moleiro que moi a forinha alva Da quarta parte salta a alqueire inteiro o mois ladriio de todos eo moleiro A acusaCao de heresia casava rnuito bern com tal estere6tipo Con tribufa para alimentala 0 fato de 0 moinho ser urn lugar de en contros de relac6es sociais num mundo predominantemente fe chado e estatico Urn Iugar de troca de ideias como a taverna e a loja Com certeza os camponeses que se amontoavarn nas por tas do moinho em terreno mole e pantanoso ruimJ de mijo das mulas do lugar sao palavras do mesmo Andrea da Bergamo para moer os graos deviam falar sobre muitas coisas Eo molei ro dava a sua opiniao Nao e dificil irnaginar cenas como a que aconteceu certo dia diante do moinho de Pighino Este dirigin dose a urn grupo de camponeses comeara a falar sobre padres e frades ate urn companheiro seu Domenico de Masafiis vol tar e convencer todos a ir embora dizendo Meus filhos se ria born se voces deixassem 0 servio do Oncio para os padres e frades e nao falassem mal deles e deixassem Pelegrino di Grassi 181 Pighinoj de lado As proprias condi6es de trabalho faziam dos moleiros analogamente aos tavemeiros comerciantes artesaos ambulantes urn grupo profissional aberto as ideias novas e propenso a difundilas Alem disso os moinhos situa dos em gerallonge das habita6es e dos olhares indiscretos ser viam muito bern de abrigo para reuni6es elandestinas 0 caso de Modena onde em 1192 a perseguiao aos dtaros levou a des truiao dos moinhos dos Patarines molendina paterinorum nao cleve tef sido uma excecao Finalmente a posiao social particular dos moleiros tendia a isolalos da comunidade em que viviam Ja mencionamos a tradi cional hostilidade dos camponeses A ela e preciso acrescentar 0 vinculo de dependencia direta que ligava os moleiros aos feudaci rios que durante seculos mantiveram 0 privilegio da moagem Nao sabemos se esse era tambem 0 caso de Montereale 0 moinho para beneficiar os tecidos alugado por Menocchio e seu filho era por exemplo propriedade de particulares Entretanto urna tenta tiva como a de convencer 0 senhor do lugar Giovan Francesco conde de Montereale de que nao se sabia qual era a fe verdadei fa usanda como argumento a lenda dos tres aneis fora passivel justamente pela atipicidade da figura social de Menocchio Sua profissao de moleiro 0 distinguia de imediato da multidao ano nima de camponeses com os quais Giovan Francesco di Monte reale jamais teria sonhado em discutir questoes religiosas Mas Menocchio tambem era urn campones que trabalhava na terra urn campones vestido de branco como 0 descreveu 0 exadvo gada Alessandro Policreto que 0 encontrara rapidamente antes do primeiro processo Tudo isso talvez nos ajude a compreender a complexa relaao existente entre Menocchio e a comunidade de Montereale Apesar de ninguem ter aprovado suas ideias com ex ceao de Melchiorre Gerbas mas e diffcil avaliar as eventuais re ticencias das testemunhas perante os inquisidores muito tempo passara cerca de trinta anos ate que Menocchio fosse denuncia do as autoridades religiosas E quem 0 denunciara afinal fora 0 paroco da aldeia instigado por outro padre A despeito de sua sin gularidade as afinna6es de Menocchio nao deviam parecer aos 182 camponeses de Montereale tao estranhas as suas existencias cren cas e aspiracoes 60 No caso do moleiro de Savignano suI Panaro as relacoes com os ambientes cultos e socialmente elevados haviam sido ain da mais intimas Em 1565 0 frade Gerolamo daMontalcino que fazia uma visita a diocese em nome do bispo de Modena encon trou Pighino anterionnente apontado como concubinario lute rano Em seu relato sobre a visita 0 frade 0 descreveu como urn pobre campones doente muito feio baixo de estatura e acres centou Falando com ele espanteime com algumas coisas falsas mas inteligentes que dizia tanto que julguei que as tivesse apren dido na casa de algum cavalheiro Cinco anos mais tarde ao ser processado pelo Santo Offcio ferrarense Pighino afinnou ter prestado servicos em varias casas de cavalheiros bolonheses Na tale Cavazzoni Giacomo Mondino Antonio Bonasone Vincen zo Bolognetti Giovanni dAvolio Quando the perguntaram se em alguma dessas casas discutiamse questoes religiosas negou peremptoriamente mesmo sob ameaca de tortura Foi entao pos to em confronto com 0 frade que 0 encontrara anos antes em Sa viguano 0 frade Gerolamo deelarou que naquela ocasiao Pig runo lhe dissera que havia aprendido aquelas coisas falsas mas inteligentes na casa de urn cavalheiro de Bolonha com urna pes soa que lhe dava licoes sem especificalas 0 frade na se lem brava bern muito tempo havia se passado Esquecera tanto 0 nome do cavalheiro em questao como 0 de urn padre ele acha va que the dera aquelas li5es Todavia Pighino negou tudo Padre eu nao me lembro de jeito algum Nem mesmo a tortu ra do fogo a qual foi submetido a das cordas niio foi aplicada por que sofria de hernia 0 fez confessar Mas de que estava escondendo informa6es nao temos a me nor dlivida Talvez seja possivel enxergar atraves de suas reticen cias No dia seglinte ao encontro com 0 frade 11 de setembro 183 de 1570 os inquisidores perguntaram novamente a Pighino 0 nome dos cavalheiros de Bolonha aos quais servira Ele repetiu a lista com uma variante que passou despercebida no Iugar do nome de Vincenzo Bolognetti deu 0 de Vincenzo Bonini Talvez fosse Bolognetti 0 cavalheiro que Pighino tentava encohrir com seu silencio Se assim for nae sabemos com certeza quem foi que dell as li5es que tanto impressionaram Pighino Poderia ter sido 0 famosa hentico Paolo Ricci mais conhe cido como Camillo Renato Chegando a Bolonha em 1538 Ric ci que entao usava 0 nome humanista Lisia Fileno ali perma neceu como preceptor dos filhos de algnns nobres citadinos por dais anos os Danesi os Lambertini os Manzoli os Bolognetti E foi aos Bolognetti que se referiu numa passagem da Apologia a qual escreveu em 1540 para se defender das acusaoes do San to Offcio Nesta Fileno partia das crentas ingenuamente antro pomorficas dos camponeses e da massa em geral que atribufam a N ossa Senhora poder ignal ou superior ao de Cristo e propu nha uma religiao cristocentrica livre de superstic5es Iterum rustici fere cmnes et cuncta plebs et ego his meis auribus audi vi finniter credit parem esse divae Mariae cum Iesu Christo po testatem in distribuendis gratiis alii etiam maiorem Causa est quia inquiunt terrena mater non solum rogare sed etiam coge re filium ad praestandum aliquid potest ita namque ius mater nitatis exigit maior est filio mater Ita inquiunt eredimus esse in coelo inter beatam Virginem Mariam et Iesum Christum fi lium Quase todos os camponeses e todo 0 povo simples da ci dade e eu os ouvi com os meus pr6prios ouvidos creem firme mente que 0 poder divinal de Maria e ignal ao de Jesus Cristo na distribuiao das graas outros creem ate que e maior 0 mo tivo e porque dizem a mae terrena pode nao s6 pedir como tam bern forar 0 filho a prestar algnm favor assim postula 0 di reito da maternidade a mae e maior que 0 filho Cremos di zem que no ceu 0 mesmo se da com a bemaventurada Virgem Maria e seu filho Jesus Cristo Na margem anotou Bononiae audita MDXL in domo equitis Bolognetti ouvido em Bolonha 1540 na casa do cavalheiro Bolognetti 184 Tratase como se pode notar de uma lembrana bern pre eisa E se urn dos nisticos encontrados por Fileno na casa de Bolognetti Fosse Pighino Nesse caso podemos extrair das con fiss5es reticentes feitas pelo moleiro de Savignano aos inqui sidores ferrarenses urn eeo dos discursos de Fileno ouvidos trinta anos antes embora Pighino tivesse situado suas opini6es hereticas num tempo menos distante inicialmente onze de pois vinte ou 22 anos antes coincidente com a primeira lei tura dos Evangelhos em verniculo Mas a propria incerteza quan to a essa data poderia estar encobrindo 0 proposito deliberado de confundir os inquisidores Quanto ao fato de Paolo RiccilLi sia Fileno ser um frade secularizado e nao um padre como dis sera frade Gerolamo da Montalcino nao e um problema ja que se tratava de mera suposiao Certamente urn encontro e uma conversa entre 0 sofistica do humanista Lisia Fileno e 0 moleiro Pighino Baroni conhe cido como 0 gordo sao tambem suposi6es embora fascinan tes 0 que se sabe na verdade e que em outubro de 1540 Fileno foi preso nos campos modenenses onde andava subvertendo os camponeses como escreveu Giovanni Domenico Sigibaldi ao cardeal Morone Com Fileno encontravase outro personagem que tinha a mesma profissao luteranizante Seu nome era Turchetto filho de um turco ou de uma turca E bem provavel que se tratasse de Giorgio Filaletto conhecido como Turca au tor da misteriosa traduao italiana do De Tnnitatis erroribus que com certeza Menocchio teve em suas maos Enveredando por urn ou outro caminho acabase enredado nos delicados fios que ligam nesse periodo os hereticos de fonnaao humanista e 0 mundo campones Mas depois de tudo 0 que foi dito ate aqui sera inutil insis tir na impossibilidade de atribuir esses fenomenos de radicalis mo religioso campones a influencias externas e de cima as discursos de Pighino tambem sao testemunhos de uma aceitaao nao passiva dos temas que circulavam entao nos ambientes he reticos Suas afirma5es mais originais como a da origem ser viI de Maria a da igualdade dos grandes e dos pequenos no 185 paraiso refletem claramente 0 igualitarismo campones que nos mesmos anas aparecia no Settennario de Scolia A convic ao de que morto 0 carpa morre a alma e inspirada por urn instintivo materialismo campones Nesse caso porem 0 per curso de Pighino fora mais complexo A tese da mortalidade da alma era contrariada pela da igualdade dos beatos no paraiso Ao inquisidor que Ihe fizera ver tal contradiao Pighino explicou Eu acreditava que as almas beatas deveriam ficar no paraiso por urn longo tempo mas flum certo momento quando Deus qui sesse desapareceriam no nada sem senor dor alguma POllca antes admitira haver acreditado que as almas acabariam urn dia e desapareceriam no nada e isso por causa daqueIas palavras do Senhor que dizem 0 ceu e a terra passarao mas minha palavra naD passani de onde eu caneluia que se 0 ceu tivesse que aca bar urn dia mais ainda teria a nossa alma Isso nos lembra a tese do sono das almas apos a morte defendida nos ambientes bolonheses por Fileno como se ve em sua Apologia de 1540 Seria portanto mais urn elemente a favor da identificacao do professor desconhecido de Pighino com Fileno Mas e de no tar que a fonnulacao de Pighino era fiuito mais materialista do que as que circulavam nos ambientes hereticos da epoca ja que afirmava a aniquilaao final das almas beatas e nao apenas das dos danados como defendiam os anabatistas venetos que reser vavam a ressurreiiio no dia do Juizo Final para as almas dos jus tos Pode ser que Pighino interpretasse erradamente 0 significa do dos discursos ouvidos em Bolonha muito tempo ja se passara talvez repletos de terminologia filos6fica Porem em todo caso tal distorao e siguificativa como tambem 0 tipo de argumentaao escritural que usava Fileno na Apologia dizia ter visto com seus pr6prios olhos referencias a tese do sono das al mas nao s6 nos escritos patrlsticos como tam bern na Escritura embora nao precisasse onde Pighino em vez de lembrar a pas sagem em que sao Paulo conforta os irmaos da igreja de Tessa lonica falando da ressurreiiio final dos que dormiam em Cris to lancava mao de uma passagem muito menos 6bvia em que a alma nao era sequer mencionada Por que deduzir a aniquilacao 186 final da alma da aniquilaao do mundo Muita provavelmente Plghmo reflenra numa serie de passagens do Fioretto della Bibbia urn dos pouquissirnos livros que lera como sabernos ernbo ra num primeiro momento afirmasse talvez por prudencia que possuia 0 livro mas nao 0 lera E todas as coisas que Deus crion do nada afinnava 0 Fio retto sao eternas e durarao para sempre E as coisas etemas sao ajos luz mund hornem alma Urn pouco mais adiante po rem nma tese dlversa era desenvolvida J Alguma coisa tern comeco e tera fim 0 mundo e as coisas criadas que sao visi veis Outras tern comeco e nao terao fim os anjos e nossas almas que nao terao jamais fim Em seguida como vimos anterior mente mencionava entre os grandes enos defendidos por mnitos fil6sofos sobre a criacao das almas este que todas as almas sao uma e que os elementos sao cinco os quatro citados acima e ainda urn outro chamado orbis e dizem que desse orbis Deus fez a alma de Adao e tadas as outras E por isso dizem que o mundo nao acaban jamais porque quando 0 homem morre retorna aos seus elementos Se a alma e imortal 0 mundo e eterno defendiam os filosofos averroistas refutados pelo Fio reo se 0 mundo e perecivel como a urn certo ponto afinnava 0 Foretto a alma e mortal conclufa Pighino Essa inversao ra dIcal pressupunha urna leitura do Fioretto ao menos em parte se melhante a de Menocchio Eu acredita que 0 mundo todo isto e a terra e todas as belezas deste mundo sao Deus J porque se dlz que 0 homem e fonnado a irnagem e semelhanca de Deus e no homem existe ar terra fogo e agua e disso segue que ar terra fogo e agua sao Deus Atraves da identidade entre 0 ho mem e 0 mundo baseada nos quatro elementos Menocchio de duzira e disso segue a identidade entre 0 mundo e Deus A deduao de Pighino eu concluia sobre a mortalidade final da alma a partir da naoetemidade do mundo implicava a identida de entre homem e mundo Sobre a relaao de Deus com 0 mun do Pighino mais reticente que Menocchio nada dizia Atribuir a Pighino uma leitura do Fioretto semelhante a de Menocchio pode parecer arbitrario Mas e significativo que am 187 bos caissem na mesma contradiao imediaramente apontada pe los inquisidores tanto no Friuli como em Ferrara qual 0 senti do do paraiso se se nega a imortalidade da alma limos como essas obje6es jogavam Menocchio num turbilhao inextricivel de contradi6es Pighino resolveu a questao falando de urn pa raiso terrestre seguido da aniquilaao final das almas Na verdade esses dais moleiros que viveram a centenas de quilometros urn do outro e morreram sem se conhecer falavam a mesma lfngua respiravam a mesma cultura Nao Ii outras li vras aleID dos que ja indiquei nero aprendi estes erros com al guem mas fantasiando sozinho ou entao foi 0 diabo que me roeteu essas coisas no espfrito como eu acho porque me perse guiu muitas vezes ell 0 carobati em vis5es e aparir5es tanto de noite como de dia lutando contra ele como se Fosse urn homem E por fim percebi que era urn espirito disse Pighino Me nocchio dissera Nunca discuti com alguem que Fosse hentico mas eu tenho a cabea suril e quis procurar as coisas maiores que nao conhecia As palavras que eu disse antes as dizia por tentaao j foi 0 espirito maliguo que me fazia acreditar na quelas coisas 0 diabo ou qualquer outra coisa me tentava j 0 falso espirito estava sempre me incomodando fazendo com que eu pensasse no falso e nao na verdade j Eu achava que era profeta porque 0 espirito mau me fazia ter vaidade e so nhos j Poderia morrer se rivesse escola ou companheiros mas eu Ii por canta propria Pighino por sua vez Eu queria inferir que todo hornem era obrigado a estar sob a sua fe isto e a judia a turca e qualquer Dutra fe Menocchio comen tava Como se quatro soldados dois de cada bando combates sem juntos e urn passasse de urn bando para 0 DutrO Nao seria urn traidor Assim eu pensei que se urn turco abandonasse a sua lei e passasse a ser cris6io ele Faria mal E acho tambem que urn judeu Faria mal se passasse a sef tufeD ou cristao e quem deixas se a sua lei Segundo uma testemunha Pighino afirmara que nao existia inferno nern purgatorio e eram invenc6es dos pa dres e dos frades para lucrarem com isso Explicou aos inqui sidores Eu nunca neguei que existisse 0 parafso Eu perguntei 188 6 Deus onde podem estar 0 inferno e 0 purgatorio pois me parecia que debaixo da terra existia s6 agua e ai nao poderiam estar mas que tanto urn como outro estejam acima da terra na I M hi E qua Vlvemos enocc 0 U gosto que se pregue para os homens viverem em paz mas pre gar 0 inferno Paulo disse isso Pedro disse aquilo acho que e mercadoria invenao de homens que sabem mais do que os outros j Eu nao acreditava que 0 paraiso existisse porque na sabia onde ficava 61 Muitas vezes vimos aflorar atraves das profundissimas dife rencas de lingua gem analogias surpreendentes entre as tenden cias que norteiam a cultura camponesa que tentamos recons truir e as de setores mais avancados da cultura quinhentista Explicar essas semelhanas como mera difusao de cima para bai xo significa aderir a tese insustentavel segundo a qual as ideias nascem exclusivamente no ambito das classes dominantes Por outro lado a recusa dessa tese simplista implica uma hip6 tese muito mais complexa sobre as rela90es que permeavam nesse periodo as duas culturas a das classes dominantes e a das classes subalternas E mais complexa e em parte impossivel de demonstrar 0 estado da documentacao reflete e 6bvio 0 estado das relaoes de fora entre as classes Vma cultura quase exclusivamente oral como a das classes subalternas da Europa preindustrial tende a nao deixar pistas ou entao deixar pistas distorcidas Portanto ha urn valor sintomatico num casolimite como 0 de Menoc chio Ele repropoe com fora urn problema cuja importancia s6 agora se comea a perceber as raizes populares de grande parte da alta cultura europeia medieval e posmedieval Figuras como Rabelais e Bruegel nao foram provavelmente exceoes notlveis Todavia fecharam uma epoca caracterizada pela pre sena de fecundas trocas subterraneas em ambas as dire90es entre a alta cultura e a cultura popular 0 periodo subsequente 189 ao contnirio foi assinalado tanto por uma distincao cada vez mais rigida entre cultura das classes dominantes e cultura arte sanal e camponesa como pela doutrinacao das massas populares vinda de cima Podemos localizar 0 corte cronologico entre es ses dois perfodos na segunda metade do seculo XVI que coinci de significativamente com a intensificacao das diferencas sociais sob a influencia da revolUlao dos preos Mas a crise decisiva ocorrera algumas decadas antes com a guerra dos camponeses e 0 reino anabatista de Munster Entao se impos as classes do minantes de maneira dramatica a necessidade de recuperar mesmo ideologicamente as massas populares que ameacavam escapar a qualquer forma de controle vindo de cima porem mantendo e ate acenruando as distancias sociais Esse renovado esforco de obter hegemonia assumiu fonnas diversas nas varias partes da Europa mas a evangelizaao do campo por obra dos jesuitas e a organizaao religiosa capilar ba seada na familia executada pelas igrejas protestantes podem ser agrupadas numa mesma tendencia A ela correspond em em ter mos de repressao a intensificacao dos processos contra a bru xaria e 0 rigido controle dos grupos marginais assim como dos vagabundos e ciganos 0 caso de Menocchio se insere nesse quadro de repressao e extinao da cultura popular 62 Apesar da conclusao do processo 0 caso Menocchio ainda nao estava encerrado num certo sentido a parte mais extra or diniria comeava justamente agora Vendo que os depoimentos contra Menocchio pela segunda vez se acumulavam 0 inquisi dor de Aquileia e Conc6rdia escrevera para a congregaao do Santo Oficio em Roma a fim de informaIa do que acontecia Em 5 de junho de 1599 uma das maiores autoridades da con gregacao 0 cardeal de Santa Severina respondeu insistindo em que se chegasse 0 mais rapido possivel a prisao daquele tal da diocese de Conc6rdia que negara a divindade de Cristo Senhor 190 Nosso por ser seu casa extremamente grave desde que ja ha via sido condenado por heresia Ordenava tambem que fossem confiscados seus livros e seus escritos nao sabemos de que natureza Visto 0 interesse de Roma pelo caso 0 inquisidor friu lana enviou a copia de tres denuncias contra Menocchio Em 14 de agosto chegou urna nova carta do cardeal de Santa Severina Este relapso J revelase examinanda a documentaao ele proprIo urn ateu e asslrn e preclso proceder com os ultimos recursos da justia para tarnbem encontrar os cumplices 0 caso e gravissimo portanto Vossa Reverendissima mande co pia do processo ou ao menos urn sumario Urn mes depois chegou a Roma a noticia de que Menocchio fora condenado a morte mas que a sentena ainda nao fora executada Talvez por urn impulso tardio de clemencia 0 inquisidor friulano hesitava Em 5 de setemhro escreveu uma carta a congregaCao do Santo Oficio que nao chegou ate n6s comunicando suas duvidas A resposta do cardeal de Santa Severina em nome de toda a con gregaCao datada de 30 de outubro foi durissima Comunico lhe por ordem de Sua Santidade Nosso Senhor que nao deve faltar em proceder Com a diligencia que pede a gravidade do caso e ele nao pode deixar de ser punido pelos seus horrendos e execraveis excessos e que 0 devido e rigoroso castigo sirva de exemplo para outros por essas partes Nao deixe de executar rudo a risca e com 0 rigor de espirito que a importancia do caso exige E esse e 0 desejo expresso por Sua Santidade o chefe supremo dos cat6licos 0 papa em pessoa Clemente VIII se inclinava para Menocchio que se tornara urn membro in fectado do corpo de Cristo exigindo sua morte Naqueles mes mos meses em Roma estava se concluindo 0 processo contra 0 exfrade Giordano Bruno E uma coincidencia que poderia sim bolizar a dupla batalha para cima e para baixo conduzida pela hierarquia cat61ica naqueles anos para impor as doutrinas apro vadas pelo concilio de Trento 56 pode partir daqui a fUria de ou tra maneira incompreensivel contra 0 velho moleiro Pouco tem po depois 13 de novembro 0 cardeal de Santa Severina voltou a atacar Que Vossa Reverendfssima nao falte aos procedimentos 191 no caso daquele campones da diocese de Conc6rdia indiciado por ter negado a virgindade da beatissima Virgem Maria a di vindade de Cristo Nossa Senhor e a providencia de Deus como ja Ihe escrevi por ordem expressa de Sua Santidade A ju risdiao do Santo Oficio em casos de tamanha importancia nao pode de modo algum ser posta em dlivida Assim execute im placavelmente tudo 0 que for necessaria de acordo com os tef mas da lei Resistir a press6es dio fortes era impassivel e depois de pou co tempo Menocchio foi executa do Temos certeza disso pelo depoimento de um tal Donato Serotino que em 16 de julho de 1601 disse ao conlissario do inquisidor do Friuli ter estado em Pordenone pouco depois de haver sido justiado pelo Santo Oficio J 0 Scandella e tef se encontrado com uma tavernei fa que Ihe cantara que nnma certa vila J urn certo homem charnaclo Marcato ou Marco dizia que morto 0 corpo a alma tambem morria Sabemos muita coisa sabre Menocchio De Marcato ou Mar co e de tantos Qutros como ele que viveram e morreram sem deixar rastrOS nada sabemos 192 POSFAcIO Menocchio e um her6i ou martir da palavra No final do seclo XVI esse moleiro dos dominios de Veneza no norte da ItaIm Ii Ie mnito para urn homem relativamente simples mas sobretudo pensa Sua reflexao e bastante pessoal embor dev alg os estimulos que reeebe livros opinioes de itinerantes 0 malS lmportante e 0 que ele pr6prio concebe e imagina uma experiencia de pensamento que ninguem compartilha na sua al deia de Montereale nem os cultos 0 conde 0 padre nem os camponeses nem sequer a sua pr6pria familia Muitos pensa dores conhecidos sofreram por suas ideias mas talvez Menoe chio tenha sofrido mais nao s6 a repressao oficial porem antes dela ja a solidao Nao ter com quem dividir a dlivida Falaria tanto que iria surpreender Se me fosse pernlitida a graa de fa lar dlante do papa de urn rei ou principe que me ouvisse diria mUltas COlsas e se depois me matassem nao me incomodaria Urn homemassou a vida construindo uma cosmologia na qual entram quelJo e vermes pigmeus e mwulmanos repartiIa e uma necessidade quase fisica de sua mente de sua boca mas e tambem um modo de igualarse aos poderosos Poderao mati 10 depois porem ele tera falando a sua gl6ria Essa paixao de pensar essa paixao de falar e rara e preciosa quem sabe nao nos ensinara a prezar mais 0 que e refletir 0 que e dizer A solidao de Menocchio e um dos pontosde partida de Car lo Ginzburg Afirma ja de inicio que 0 seu moleiro e persona gem smgular nao representativo Com isso descarta uma possi velabordagem a que consistiria em contextualizar em integrar o smgular fazendoo pois perder a singularidade num con junto mais amplo Nao 0 pensamento de Menocchio apresenta uma serie de elementos irredutiveis a qualquer influencia Ha 193 veri pontos de convergencia entre ele e os humanistas refina dos especialmente os de Padua e os protestantes em particular os anabatistas termo que na epoca tinha peso analogo ao de co munista na Guerra Fria e com uma certa razao porque os mar tires de Munster tambem queriam par os bens em comum e os lavradores e os demais moleiros Nada disso porem e mais que ocasiao ensejo oportunidade 0 importante nao e 0 que Me nocchio leu ou recebeu e como leu e 0 que fez de suas expe rienciasj 0 que diminui a distancia que se costuma propor entre leitura e escrita entre uma postura passiva e outra ativa diante do conhecimento A recusa a enquadrar Menocchio num contexto ja delinea do significa que Ginzburg respeita a diferena e originalidade desse pensadar mais ou menos popular mais ou men os porque o moleiro nao se integra bern na sociedade camponesa sua pro fissao seria talvez de classe media Mas esse respeito a diferen ca e em 0 queijo e as vermes simples procedimento metodologi co na e afirmacao de uma diferenca irredutivel e que por isso mesmo e essa a critica de Ginzburg ao Foucault autor de Pier re Riviere culminaria numa decisao de nada dizerl Por isso urn dos recursos principais de Ginzburg sera 0 de comparar cote jar 0 que Menocchio afirma recorda teses da Reforma Con 1 0 que por sinal nao vale para a maior parte das obras de Foucault De vemos talvez distinguir 0 autor de Pierre Riviere que pela mesma epoca se em penhava em difundir sem nenhum comentario que significasse a apropriaao in telectual do discurso popular protestos de presos comuns e de loucos e 0 autor de outras obras nas quais 0 respeito a diferena nao 0 dispensou de investigar que 16gicas sustentam discursos e pdticas dos mais variados E claro que esse tipo de leirura tern 0 risco de quem a faz pretender saber mais do que os prati cos ou discursadores que ele esta analisando Desse risco vern certamente a cautela extrema de Pierre Riviere Mas nao haved ai uma certa confusao 0 co nhecimento de cada epoca ou mesmo cada conhecimento pode ser irredutivel a outro Hoje lemos diferentemente de outros tempos sob certos aspectos me Ihor ate Em compensaao ha muitos angulos que perdemos 0 nosso conhe cimento do passado au do outro pode melhorar e piorar a medida que ganha e perde perspectivas e ganhaas e perdeas ao mesmo tempo 194 frontemos notemos as diferencas E nestas vejamos sim 0 que e irredutivel a uma influencia Menocchio leu quem sabe 0 Al eorao Mas 0 importante nao e teIo lido e como 0 leu e de cifrar essa sua estranha maneira de adulterar e alterar 0 que Ie de recriar Tecnica esta de Ginzburg em suma razoavelmente simples poderiamos ate dizer que nao passa da aplicaao da honestidade a leitura e no entanto extraordinariamente efi caz valiosa como poucas E a mesma de Panofsky por exemplo num de seus mais belos ensaios Et in Arcadia ego no qual constroi uma analise esclarecedora da mentalidade artistica nos soculos XVII e XVIII partindo da leitura errada e que nos qua dros mentais analisados par ele nilo podia ser certa de uma ex pressao latina A comparacao que salienta 0 que e divergencia e mesmo erro assim pennite entender 0 erro como ruldo e 0 rui do sabemos ouvindo a musica mais recente pode ser tambem musica 0 que Menocchio compreende mal e na verdade 0 que ele compreende de outro modo Assim vai Ginzburg triando 0 que e comum 0 que e inven cao de Menocchio Em parte a invencao permite ainda apontar para urn fundo de cultura camponesa que se manteve pagao Os pagaos continuam na Europa da Renascenca a ter crencas anti gas e pouco cristas 0 mesmo que Ginzburg nos conta da Italia setentrional no seculo XVI sabemos da Inglaterra do norte e do Pals de Gales no XVII sao OS revolucionarios de 1640 que ten tam evangelizar os recantos mais obscurs do pals conforme observa Christopher Hill E com isso 0 que temos Alguns anos atras num livro que serve de referencia tanto a Ginzburg como a Hill Keith Thomas mostrou como os progressos da religiao apos a Reforma Protestante estao articulados com 0 decHnio da magia Esta a partir do seculo XVI vai se perdendo E tambem por isso que a caca as feiticeiras como mostrou outro historia l Erwin Panofsky 0 significado nas arm visuais Sao Paulo Perspectiva 1976 cap 7 1 0 mundo de pontacabefo Sao Paulo Companhia das Letras 1987 cap 5 4 Religiiio e declinio da magia Sao Paulo Companhia das Letras 1991 195 dor ingles Hugh TrevorRoper e fenomeno mais moderno do que se pensa A Idade Media persegueas menos do que os secu los XVI e XVII PerseguiIas talvez niio resulte tanto da intoleriln cia que alguns associam as trevas e sim da intolerancia de uma religiao que se leva mais a serio Se assim for entenderemos por que os evangelizadores protestantes foram tao implacaveis Na Inquisiao cat6lica na evangelizacao protestante esta presente 0 intuito de eliminar 0 Outro lembremos que em portugues esse e urn dos termos para designar 0 diabo para isso sendo necessa ria devassar os seus caminhos Nos vivemos nUID tempo em que a tolerancia religiosa ja se implantou tanto que pareee absurdo haver perseguicao a hereges ereic que se poderia tracar urn pa ralelo entre a hostilidade dos religiosos de choque aos hereges no comeco da modemidade e as praticas atuais de controle hospitalar das infecoes Tal como e preferivel esterilizar urn am biente hospitalar demais do que de menos tambem aparecia como preferivel combater 0 diab6lico em excesso e nao em fal tao Por isso nao teria sentido a doutrina juridica moderna que presume a inocencia do feU ate se provar a culpa como nao te ria no controle da infeciio hospitalarJa 0 percebemos quando a InquisiCao prende os suspeitos de heresia catara Queimemo los todos Deus reconhecera quem e seu No Manual das inqui sidares de Nicolau Emerico e Francisco Pena isso esta explicito na preocupaCao em punir os hereges e sobretudo os piores dentre estes que sao os que melhor se disfarcam de inocentes e ainda no que os dois inquisidores dizem do louco que blasfema Nao podemos entregar urn louco a morte mas tampouco pode mos deixaIo impune E junto com esse temor ao diabo que rege a mente inquisitorial temos uma pratica que mal deixa sal da a quem nela e apanhado os interrogatorios como os que Me nocchio sofre Como escapar deles Como urn simples e ver dade que ele e urn tanto mais culto podera discutir se Cristo e j A obsessao das bruxas na Europa dos seculos XVI e XVII in Religiiio Re forma e transformufiio Lisboa Presenp sd 196 ou niio da mesma natureza que Deus Pai Nessa questiio se fun damenta boa parte da teologia e do poder cristao mas dela 0 que etende a esmgadora maioria dos fieis 0 interrogatorio e a pwr das armaddhas Tanto que a Inquisiiio deve 0 nome justa mente ao seu procedimento de inquiriCao Mas nessa armadilha Menocchio quer se meter Pelo me nos quando e preso pela primeira vez Que vontade tinha de fa lar esse homem Se me fosse permitida a graa de falar diante do papa J se depois me matassem nao me incomodaria Com evia sr triste para ele s6 ter para conversar alguns camporuos desmformados e pior de pouca curiosidade Porque em MenocchlO lmporta menos 0 conhecimento que acaso tives se e mais sede de conhecimento a curiosidade essa paixao que a Igrep e os poderes reprimiam e que os renascentistas va lorizavam Tudo Menocchio tenta entender questionar A Re forma e a Renascenla podem teIo atingido de forma somente mdirea a distancia mas vemos Menocchio agindo com base numa mspuaCao que retoma 0 que de melhor havia nas duas 0 espirito de curiosidade na Renascena recordemos Pico della Mirandola que sabia todas as coisas e outras mais e na Re fonna 0 criterio de livre exame peIo individuo das coisas da fe Menocchio apaixonase pelas viagens pelo que e mais distante dose undo e assim chega a urna fascinante tolerancia toda rehglao e boa a uma visao do mundo nova e pelo que ela im hca rvolcionai com base neIa por que havera clero Igre p dommaao espmtua Mas 0 que ele mais deseja e falar Sem ter a que faar unico modo de expressar tudo 0 que sente e pensa sera calr as malhas da Inquisicao A experiencia e dura as anos de cadela 0 alquebram ainda assim solto nao consegue manter a promessa de calar suas indagac6es F ala menos mas fala mesmo sabendo que podera voltar a Inquisiiio e sofrer destino pior F alar e mais forte Podemos imaginar Mnocchio antes de sua prmeira prisao triste solitario na sua fala que nin guem comprtJlha em sua aldeia querendo interlocuao que rend urn pubhco depms dela desiludido ja da experiencia de falar dlante do papa de urn rei ou principe e entristecendo 197 se mais a medida que perde as que realmente lhe querem bern a mulher 0 filho mais velho e sente apertarse 0 cereo apertar se 0 coracao filhos que nao 0 amaffi fronteiras que nao pode atravessar a marca infamante da Inquisicao que Ihe atrapalha a vida e que nao pode dissimular Suas palavras sao urn protesto sao a recusa desse horror Sua curiosidade opini6es e destino fa zem dele urn desses homens para quem dizer a que pensam e tao importante que por isso arriscam a propria vida Nem tada confissao e uma vitoria da tortura porque as vezes a pior tortu fa e ter a voz silenciada Renata Janine Ribeiro 198 NOTAS E ABREVIATURAS ACAU Archivio della Curia Arcivescovile di Udine ACVP Archivio della Curia Vescovile di Pordenone AM Archivio di Stato di Modena ASP Archivio di Stato di Pordenone ASVat Archivio Secreta Vaticano ASVen Archivio di Stato di Venezia BCU Biblioteca Comunale di Udine BGL Biblioteca Governativa di Lucca PREFAcIO p 11 0 homem com urn escreveu Vicens Vives se ha convertido en el principal protagonista de la Historia citaao de P Chaunu Une histoire religieuse serielle in Revue dhistoire moderne et contemporaine 1965 XlI 9 nota 2 A citatao de Brecht foi extraida de Fragen eines lesenden Arbeiters in Hundert Gedichte 19181950 Bedim 1951 pp 1078 Noto que 0 mesmo poe rna foi usado como epigrafe por Kaplow The Names of Kings The Parisian La boring Poor in the Eighteenth Century Nova York 1973 Ver tambem H M En zensberger Letteratura come storiografia in II Menabo 1966 9 13 2 Uso a expressao gramsciana classes subalternas por ser suficientemente am pia e despida das conotaoes paternalistas de que esta imbuida classes inferiores Sobre os temas levantados quando da publicaao das anotaoes de Gramsci so bre folclore e classes subalternas v as discussoes entre De Martino C Lupori ni F Fortini e outros v a lista dos participantes in L M Lombardi Satriani Antropologia culturale e analisi della cultura subalterna Rimini 1974 p 74 nota 34 V sabre os tennos atuais da questao em grande parte ja eficazmente ante cipados E Hobsbawm Per 10 studio delle classi subalterne in Societa 1960 XVI 43649 cf infra 199 l Os processos contra Menocchio se encontram no Archivio della Curia Arcivescovile di Udine daqui em diante ACAU Sant UjJizio Anno integro 1583 an 107 usque ad 128 incl proc n 126 eAnnointegro 1S96an 281 us que ad 306 incl proc n 285 0 unico estudioso que faz mentao a esses pro cessos mas nao os consultou eA Battistella Ii S Oficio e la riforma religiosa in Friuli Appunti stonci documentati Udine 1895 p 65 0 qual afirma erro neamente que Menocchio nao foi executado A bibliografia sobre esses temas e obviamente mmto vasta Para uma intro durao mais acessfvel v A M Cirese Alterita e dislivelli interni di cultura nel Ie societa superiori in Folklore e antropolcgia tra storicismo e marxismo A M Ci rese Palermo 1972 pp 1192 Lombardi Satriani Antropologia culturale cit II concetto di cultura I fondamenti teorici della scienza antropologica org P Rossi Turim 1970 A conceptao do folclore como acumulo desorganico de ideias etc foi adotada tambern por Gramsci com algumas variatoes v Letteratura e vita nazionale Turim 1950 p 215 ss V tambem Lombardi Satriani Antropo lcgia culturale op cit p 16 ss p 13 Uma cultura oral v a respeito C Bermaru Dieci anni di lavoro con Ie fonti orali in Primo Maggio primavera de 1975 5 35 50 R Mandrou De la culture popuaire aux 17 et 18 siecles La Bibliotheque bleue de Troyes Paris 1964 observa que inicialmente cultura popular e cultura de mas sa nao sao sinOnimos Notese que cultura de mossa e 0 termo correspondente em italiano equivalem a expressao angloamericana popular culture 0 que da margem a muitos equivocos Culture populaire designatao mais anriga exprime dentro de uma perspectiva populista 1a culture qui est loeuvre du peuple Mandrou propoe 0 mesmo termo num sentido mais amplo na verdade dife rente fa culture des milieux populaires dans la France de lAncien Regime nous lentendons J ici comme la culture acceptee digeree assimilee par ces milieux pendant des siecles pp 910 Dessa maneira cultura popular acaba quase se identificando com culrura de massa 0 que e anacronico ja que cultura de massa em sentido moderno pressupoe a industria cultural que com certeza nao existia na Franta do Ancien Regime v p 1740 usa do tenno superestru tura p 11 tambem e equivocado teria sido melhor dentro da perspecriva de Mandrou falar de falsa consciencia Sobre a literatura de cordel como literatu ra de evasao e atualmente como reflexo da visao de mundo das classes popula res v pp 1623 De qualquer fonna Mandrou tern plena consciencia dos limi tes de urn estudo pioneiro p 11 e como tal indubitavelmente meritorio De G BoHeme v Litterature populaire et litterature de colportage au XVIIf sie cle in Livre et societe dans la France du XVIII siecle 2 v Paris s Gravenhage 1965 I 6192 Les Almanachs populaires aux XVII et XVII siecie essai dhistoire sociale Paris s Gravenhage 1969 antologia La Bibliotheque bleue La littirature 200 populaire en France du XVI au XIXsieele Paris 1971 Representation religieu se et themes desperance dans la Bibliotheque Eleue Litterature populaire en France du XVII au XIX sickle in La societa religiosa nelleta moderna Atti del con vegno di studi di stona sociale e religiosa CapaccioPaestum 1821 maggio 1972 Na poles 1973 pp 21943 Tratase de esrudos de diferentes niveis 0 melhor e 0 que antecede a antologia da Bibhotheque bleue nas pp 223 observar6es sobre 0 provavel tipo de leitura desses textos que todavia contem afirmatoes como es tas a la limite lhistoire quentend ou lit Ie lecteur nest que celle quil veut quon lui raconte J En ce sens on peut dire que Fecriture au meme titre que 1a lecture est collective faite par et pour tous diffuse diffusee sue dite echan gee non gardee et quelle est en quelque sorte spontanee ibid Os exage ros inaceitaveis em sentido populistacris30 que aparecem por exemplo no en saio Representation religieuse baseiamse em sofismas desse tipo Parece mentira mas A Duprant criticou BoHeme por ter tentado caracterizar lhisto rique dans ce qui est peutetre lanhistorique maniere de fonds commum qua si indatable de traditions Livre et culture dans la societe Frantaise du 18 siecle in Livre et societe I 2034 p 14 Sobre Jiterarura popular v 0 imponante ensaio de N Z Davis Printing and the People in Society and Culture in Early Modern France Stan ford 1975 pp 189206 que se baseia em pressupostos em parte semelhantes aos deste livro Ao periodo posterior ao da Revolutao Industrial se referem certos traba Ihos como 0 de L James Fiction for the Working Man 18301850 0 ed Ox ford 1963 Londres 1974 R Schenda Volk obne Bucb Studien zur Sozialges cbicbte der popuaren Lesestoffe 17701910 Frankfurt a M 1970 numa coletao dedicada a Tnviallitteratur Darmon Le colportage de librairie en France SOZIS Ie second Empire Grands colporteurs et culture populaire paris 1972 4 Usei a tradutao francesa de Bakhtin Loeuvre de Franfois belais et la cul ture populaire au MClJen Age et sous la Renaissance Paris 1970 Trad bras A cul tura popular na Idade Media e no Renascimento Sao Paulo Hucitec 1987 N R T Na mesma diretao v a interventao de A Eerelovic in Niveaux de culture et groupes sociaux Paris La Haye 1967 pp 1445 p 16 V E Le Roy Ladurie Les paysans de Languedoc 2 v Paris 1966 I 394 ss N Z Davis The Reasons of Misrule Youth Groups and Charivaris in SixteenthCentury France in Past and Present fev 1971 50 4175 E P Thompson Rough Music Le Charivari anglais in Annales ESC 1972 XXVII 285312 e tambem sobre 0 mesmo argumento C Gauvard e A Gokalp 201 Les conduites de bruit et leur signification a la fin du Moyen Age Le Chari vari ibid 1974 29 693704 Os estudos citados valem como exemplos Sobre a questao bastante diversa da persistencia de modelos culturais pnindustriais no proletariado industrial v do mesmo Thompson Time WorkDiscipline and Industrial Capitalism in Past and Present dez 1967 38 5697 e The Mak ing of the English Working Class 2 ed rev Londres 1968 de E J Hobsbawm v principalmente Primitive Rebels Studies in Archaic Forms of Social Movement in the Nineteenth and Twentieth Centuries Manchester 1959 Ed bras RebeJdes primitivos Rio de Janeiro Paz e Terra 1978 N R T e Les classes ouvrie res anglaises et la culture depuis les debuts de la revolution industrielle in Ni veaux de culture op cit pp 18999 Um grupo de estudiosos chegou a se perguntar v M de Certeau D Julia e J Revel La beaute du mort Le concept de culture populaire in Politique au jourdhui dez 1970 pp 323 a frase citada esta na p 21 In Folie et diraison Histoire de la folie a rage ciassique Paris 1961 p VII Foucault afirma que faire lhistoire de la folie voudra donc dire faire une etu de structurale de lensemble historique notions instirutions mesures juridi ques et policieres concepts scientifiques qui tient captive une folie dont le tat sauvage ne peut jamais etre restitue en luimeme mais a defaut de cette inaccessible purete primitive letude structurale doit remonter vers la decision qui lie et separe a la fois raison et folie Isso explica a ausencia neste livro dos loucos ausencia devida nao apenas nem predominantemente a dificul dade em encontrar documentaao adequada Os delirios transcritos em mi lhares de paginas conservadas pela Bibliotheque de lArsenal de urn lacaio semianalfabeto e dement furieux que viveu no final do seculo XV1I para Fou cault nao tern lugar no universo do nosso discurso estao irreparavelmente fora da hist6ria p v Dificil dizer se testemunhos como esses poderiam lan ar alguma luz sobre a pureza primitiva da loucura que talvez nao seja alias de todo inacessivel De qualquer modo a coerencia de Foucault nesse livro genial embora freqiientemente irritante esci acima de qualquer suspeita em bora algumas incoerencias ocasionais apaream v por exemplo pp 4756 Para urn comentario sobre a involuao de Foucault de Histoire de la folie 1961 Trad bras Hist6ria da loucura na Idade Cldssica Sao Paulo Perspectiva 1978 N R T ate Les mots et les choses 1966 Trad bras As palavras e as coisas Sao Paulo Martins Fontes 1981 N R T e Larchiologie du savoir 1966 Trad bras A arqueologia do saber Rio de Janeiro ForenseUniversiciria 1986 N R T v P Vilar Histoire marxiste histoire en construction in Faire de Jhistoi re org J Le Goff e P ora Paris 1974 I 1889 Trad bras Historia mar xista hist6ria em construao in Hist6ria novos problemas Rio de Janeiro Fran cisco Jlves 1976 pp 14678 N R T Sabre as obje6es de Derrida v D Julia La religion histoire religieuse op cit II 1456 Trad bras Histo ria religiosa in Hist6ria novas abordagens Rio de Janeiro Francisco Alves 1976 pp 10631 N R T V Moi Pierre Rivim ayant gorge ma mere ma 202 soeur et mon frere org M Foucault et alii Paris 1973 Trad bras Bu Pierre Riviere que degolei minha mile minha irma e meu irmiio Rio de Janeiro Graal 1983 T R T Sobre 0 estupor 0 sihncio e a recusa de interpretaao V pp 11 14243314348 nota 2 Sabre as leituras de Riviere V pp 40 42125 o trecho sobre vagabundagens nos bosques esta na p 260 A alusao ao caniba lismo na p 249 No que toea a questao da deformaao populista V principal mente a contribuiao de Foucault Les meurues quon raconte pp 26575 Em geral V G Huppert Divinatio et Eruditio Thoughts on Foucault in History and Theory 1974 XIII 191207 6 p 18 V de Le Goff Culture clericale et traditions folkloriques dans la ci vilisation merovingienne in Annales ESC 1967 XXII 78091 Trad port Cultora clerical e tradi6es folcloricas na civilizaao merovingia in Para mn novo conceito de ldade Midia Lisboa Estampa 1979 pp 20719 N R T Culture ecclesiastique et culture folklorique au Moyen Age Saint Marcel de Paris et Ie dragon in Richerche stonche ed economiche in memoria di Corrado Bar bagallo org L de Rosa Napoles 1970 II 5394 Trad port Cultura ecle siastica e cultura folcl6rica na Idade Media sao Marcelo de Paris e 0 dragao in Para um novo conceito pp 2261 N R T AculturOfilo V Lantemari Antropologia e imperialismo Turim 1974 n 5 ss eN Wachtel Lacculturation in Faire de Jhistoire op cit I 12446 Trad bras A aculturaao in Hist6ria novos problemas pp 11329 N R T Uma pesquisa sobre processos contra a burguesia V C Ginzburg Os andarilhos do bem Feitifaria e cultos agrdrios nos steulos XVI e XVII Sao Paulo 1988 7 p 1920 Hist6ria quantitativa das idiias oU hist6ria reJigiosa sma para a primeira V Livre et societi op cit para a segunda P Chaunu Une historie religieuse op cit eM Vovelle Piiti baroque et dichristianisation en Provence au XVIllsiecie Paris 1973 Em geral V F Furet Lhistoire quantitative et la construction du fait historique in Annales ESC 1971 XXVI 6375 que entre outras coisas comenta com rnao as implica6es ideol6gicas de urn metodo que tende a absorver as rupturas e as revolu6es por urn longo perfodo e no equi librio do sistema No mesmo sentido V as pesquisas de Chaunu bern como a participaao de A Dupront para a antologia citada Livre et societe 1 185 ss onde entre muitas divaga6es inebriantes sabre a alma coletiva chegase a exaltar as virtudes tranqiiilizantes de urn metodo que permite 0 estudo do secu 10 XVIII frances ignorando seu desenlace revolucionario 0 que equivaleria a se liberar da escatologia da hist6ria p 231 Por alguim como Franfois Furet que defendia V Pour une definition des 203 classes inferieures a lepoque moderne in Annales ESC 1963 XVIII 45974 especialmente p 459 Histoire ivinementielle que nao so e nem necessanamente i histona poUtica v R Romano A propos de ledition italienne du livre de F BraudeL in Ca hiers Vilfredo Pareto 1968 15 1046 A nobreza austriaca ou 0 baixo clero alusao a O Brunner Vita noblhare e cultura europea trad itaL Boionha 1972 e v C Schorske New Trends in His tory in Daedalus 1969 98 963 e a A Macfarlane The Family Life of Rolph Jos selin a SeventeenthCentury Clergyman An Essay in Historical Anthropology Cam bridge 1970 mas tambem as observaoes de E P Thompson Anthropology and the Discipline of Historical Context in Ivlidland History I 1972 3415 kim como a Ungua a cultura v as considera6es de P Bogatyrev e R Ja kobson II folclore come forma di creazione autonoma in Strttmenti critici 1976 I 22340 As famosas paginas de G Lukacs sobre a consciencia possiel v Storia e coscienza di classe trad itaL Ivliiao 1967 p 65 ss embora surgtdas num contexto completamente diverso podem Ser usadas na direao apontada p 21 Em poucos palavros mesmo um cpsolimite v D Cantimori Prospet tive di stona ereticale italiana del Cinquecento Bari 1960 p 14 Arquivos da repressiio v DJulia La religion histoire religieuse in Fai re de lhistoire op cit II 147 Sobre as rela6es entre pesquisas quantitativas e pesquisas qualitacivas v as observa6es de E Le Roy Ladurie La revolution quantitative et Ies histo riens franais Bilan dune generation 19321968 in Le tenitoire de lhistorien Paris 1973 p 22 Entre as disciplinas pionnieres et prometteuses que continuam decididamente e com toda razao qualitacivas Le Roy cita a psychologie historique 0 trecho de E P Thompson esta em Anthropo logy op cit p 50 p22 Funo Diaz a essa abordagem v Le stanchezze di Clio in Revista storica italiana 1972 LXXXIV em particular pp 7334 assim como do mesmo autor Metodo quantitativo e storia delle idee ib 1966 LXXVIII 93247 s bre a obra de BoHeme pp 93941 V tambem as criticas de F Venturi Utopta e riforma nellilluminismo Turim 1970 pp 245 Sobre a quesrao da leitura v a bibliografia citada nos caps 14 e 15 8 p 23 Sobre a hist6ria das mentalidades v Le Goff Les mentalites une histoire ambigue in Faire de lhistoire op cit III 7694 Trad bras As men talidades uma hist6ria ambigua in Le Goff e Nora orgs Hist6ria novos obje tos Rio de Janeiro Francisco Alves 1976 pp 6883 N R T 0 trecho cita do se encontra a p 80 Le Goff observa a prop6sito Eminemment collective Ja mentalite semble soustraite aux vicissitudes des luttes sociales Cc serait pour tant une grossiere erreur que de la detacher des structures et de la dynamique 204 sociale J 11 y a des mentalites de classes a cote de mentalites communes Leur jeu reste a etudier pp 8990 p 24 Num livm inexato mas fascinante v L Febvre Le probleme de lincro yance au XVI siecle La religion de RBbelais 1 ed 1942 Paris 1968 Trad port 0 problema da descrenfa no siculo XVI A religiiio de Robelais Lisboa Inicio s d N R T Como se sabe a argumentao de Febvre parte de urn tema circunscrito a re futarao da tese proposta por A Ie Franc segundo a qual Rabelais no Pantagruel 1532 teria sido urn propagandista do ateismo e se alarga a cfrculos cada vez mais amplos A terceira parte sobre os limites da incredulidade do seculo XVI e com certeza 0 que ha de mais novo do ponto de vista metodo16gico mas tambem o mais generico e inconsistente como e provavel que ate mesmo Febvre tenha pressentido p 19 A extrapolaao indevida para a mentalidade coletiva dos ho mens do seculo XVI deve muito as teorias de LevyBruhl notre maitre p 17 sobre as mentalidades primitivas E curioso que Febvre ironize sobre Ies gens du Moyen Age para falar logo em seguida poucas paginas depois de homens do seculo XVI e de homens da Renascena apesar de acrescentar no Ultimo caso que se trata de uma forma clichee mais commode v pp 1534 142 344 382 A referencia aos camponeses esta na pp 253 Bakhtin ja observara Loeuvre de Franois Rabelais op cit p 137 que a analise de F ebvre se baseia unicamente nos ambientes da cultura oficiaL Confronto com Descartes pp 393 425 passim So bre este ultimo ponto v tam1em G Schneider Ii libertino Per una storia Oriale della cultura borghese nel XVI e XVIII secolo trad ita Bolonha 1974 e as obser varoes nao todas aceitaveis formuladas a p 7 e ss Com 0 risco presente na his toriografia de Febvre de cair numa tautologia sofisticada v D Cantimori Storici e storia urim 1971 pp 2235 p 25 Grupos marginais como os vagabundos v B Geremek 11 pauperismo nelleta preindustriale secoli XIVXVIII in Stona dItaiia Turim 1973 v v t I pp 69899 e Illibro dei vagabondi arg P Camporesi Turim 1973 Analises particularizadas e muito importante a analise feita por Valerio Marchetti sobre os artesiios residentes em Siena no seculo XVI 9 No que se refere a este paragrafo v cap 28 10 p 26 Levar em considerafiio uma mutilafiio hist6rica isto nao deve ser obvia mente confundido com a nostalgia reacionaria do passado e muito menos com a ret6rica urn tanto quanta reacionaria sobre uma presumivel civi1izaao cam ponesa im6vel e aist6rica A frase de Benjamin foi extrafda de Angelus Novus Saggi e Frammenti in Tesi di fiiosofia della storia org R Solmi Turim 1962 p 73 Trad bras So 205 bre 0 conceito de Historia in Magia e teenica arte e politico Obras esealhidas v 1 Sao Paulo Brasiliense 1985 pp 22232 N R T o QUEIJO E OS VERMES p 31 Menocchio e 0 nome recorrente nos documentos inquisitoriais Apa rece tambem como Menoch e Menochi Quando do pnmeiro processo v ACAU proc n 126 f 15v Montereale hoje Montereale Cellina e uma cidadezinha de colina a 317 metros acima do nfvel do mar situada bern na entrada do Val Cellina Em 1584 a paroquia era constitufda par 650 almas v ACVP Sacrarum Visitationum No res ab anno 1582 usque ad annum 1584 f 168v Ap6s uma briga v ACAt proc n 126 20r As vestimentas tradicionais de moleiro indutus vestena quadam et desuper tabaro ac pileo aliisque vestimentis de lana omnibus alba colore ibid f 15v Esse tipo de vestimenta ainda estava em uso entre os moleiros na lcilia do secu 10 XIX V C CantU Portafoglio dun operajo Milao 1871 p 68 Alguns anos depois v ACAU Sententiarum contra reos S Officii liber ii f 16v Dois campos arrendodos sobre contratos de arrendamento desse periodo V G Giorgetti Cantadini e proprietari nellItalia moderna Rapporti di produzione e contratti agrari dol seeolo XVI a oggi Turim 1974 p 97 ss Nao sabemos se se tratava de arrendamentos perpetuos ou de duraqao mais breve por exemplo 29 ou como e mais provaveI nove anos Sabre a irnprecisao da tenninologia dos contratos desse periodo que muitas vezes torna diffcil distinguir entre enfi teuse v N R T no cap 7 arrendamento e locarao V as observar6es de G Chittolini Urn problema aperto la crisi della proprieta ecclesiastica fra Quat tro e Cinquecento in Rivista stonca italiana 1973 LXXXV 370 Em docurnen to posterior descobrese a possive situaqao dos dois campos uma estimativa re digida em 1596 a pedido do lugartenente veneziano v ASP Notanle b 488 n 3785 ff 17r22r Entre as 255 divis6es situadas em Montereale e Grizzo uma vila vizinha figuram f 18r 9 Alliam petiam terre arative positarn in perti nenti Monteregalis in loco dicto alIa via delhomo dictam la Longona unius iug in circa tentam per Bartholomeum Andreae a mane dicta via a meridie terre num ser Dominici Scandelle a sera via de sotto et a montibus terrenurn tentum per heredes q Stephani de Lombarda f 19v Aliam pertiam terrae unius iug in circa in loco dicto il campo dellegno a mane dicta laguna a meridie terenum M d Horatii Montis Regalis tentum per ser Jacomum Marganum a sero terrenum tentum per ser Dominicum Scandelle et a montibus suprascrip tus ser Daniel CapoIa Nao foi possive conferir os toponimos indicados A 206 identificarao das duas divis6es com os dois campos arrendados mencionados par Menocchio doze anos antes nao e segura mesmo porque referindose s6 a segunda divisao falase de maneira explicita em terrenum tentum quer dizer presumivelmente arrendado Observese que numa estimativa de 1578 ASP Notanle b 40 n 332 ff 115r 5 0 nome de Domenico Scandella nao aparece enquanto 0 de urn certo Bernardo Scandella nao sabemos se eram parentes 0 pai de Menocchio chamavase Giovanni e mencionado mais de uma vez 0 so brenome Scandella e born dizer ainda hoje e muito comum em Montereale Aluguel provavelmente em especie v A Tagliaferri Struttura e politico sacia Ie in una camunita veneta del 500 Udine Milao 1969 p 78 alugue de urn mamha cam maradia em Udine em 1571 por exempla elevase para 61 al queires de triga mais dais presuntos V tambem 0 contrata de aluguel de urn novo moinho estipulado par Menocchio em 1596 v cap 48 Desterrado em Arba v ACAt proc n 126 interrogat6rio de 28 de abril de 1584 folhas nao numeradas Quando sua filha Giavanna v ASP Natanle b 488 n 3786 ff 27r27v jan 1600 0 marido chamavase Daniele Colussi Para uma comparaqao cam outros dotes v ibid b 40 n 331 ff 2v sS 390 liras e dez soldos ibid ff 9r ss 340 liras aproximadamente ibid b 488 n 3786 ff 1 Irv trezentas liras ibid ff 2Ov21 v 247 liras e dois soldos ibid ff 23v24r 182 liras e quinze 501 dos A insignificincia do ultimo dote se explica por se tratar de segundas nupcias da esposa Maddalena Gastaldione de Grizw Infelizmente nao temos indicaq6es sobre a posirao social au a profissao dos indivfduos citados nos contratos 0 dote de Giovanna Scandella consistia nos seguintes itens Uma cama com colchao de palha novo e urn par de lenrois usados com fronha travesseiros e almofadas novos com a promessa de Stefano de com prar uma colcha nova U rna camisa nova Urn xale bordado com pregas Urn vestido cinza Tecido nistico com aplicarao em tecido avennehado Tecido nistico semelhante ao precedente U m vestido cinza de tecido rUstico Pano rUstico branco com listas de fustao branco e franjas Uma camiseta de meiaIa Urn par de mangas de tecido cor de laranja com cordoes de seda Urn par de mangas de tecido cor prateada Urn par de mangas de tecido pesado forradas Tres lenrois novos de linho nistico L 69 s4 5 10 4 11 12 12 10 12 10 8 10 4 10 1 10 1 15 207 Urn lenrolleve usado 5 Tres carnisolas novas 6 Seis xales 4 Quatro xales 6 Tres lenos novos 10 Quatro lenos usados 3 Urn avental bordado 4 Tres xales 5 10 Urn xale de tecido pesado 1 10 Urn avental velho urn xale e urn xale pesado 3 Urn leno de cabea novo bordado 3 10 Cinco lenrros 6 Urna rnancilha de cabea usada J Duas toucas novas 10 Cinco carnisas novas 15 Tres carnisetas usadas 6 Nove cordoes de seda de todas as cores 4 10 Quatro cintos de varias cores 2 Urn avental novo de tecido grosso 15 Urn bau sern fechadura 5 256 9 Nao pude consultar L dOrlandi e G Perusini Antichi costumi friulani Zonadi Waniago Udine 1940 p 32 A posio de Menocchio deverao ser levadas em conta as obseIVaoes fei tas sabre a campo da regiao de Lucca par M Berengo Nobili e mercanti nella Luc ca del Cinquecento rurim 1965 nas prefeituraS rnenores qualquer distinao social efeciva e eliminada ja que todos recirarn seus proventos da exploraao de ter ras colerivas E ernbora aqui como em tantas outras partes se concinuara a falar de ricos e pobres sernpre se podera oportunamente definir qualquer urn como ro ceiro ou ate rnesrno como campones caso a parte sao os moleiros presentes em todos os centros de cern imporcincia J frequentemente credores da prefeirora e de particulares nao participando do culcivo da terra mais ricos que os outrOS ho mens ibid p 322 e p 327 Sobre a figura social do moleiro v pp 21922 Em 1581 podesta magistrado v ASP Notanle b 40 n 333 f 89v incima ao feita por Andrea Cossio nobre udinese potestaci iuracis communi homi nibus Moncisregalis para que the fossem pagos os alugueis referentes a certas terras Em 1 de junho a incimaao e entregue a Dominico Scandellae vocato Menocchio de Monteregali potestaci ipsius villae Numa carta de Ziannuto filho de Menocchio v caps 4 e 5 declarase que Menocchio fora magistrado e reitor de cinco vilas sobre esses nomes v Leggi per la Patria e Contadinanza del Friuli Udine 1686 Introduao f dr e cameraro da paroquia o velho sistema de rotafiio de cargo v G Perusini Gli staroci di una vicinia 208 rorale friulana del Cinquecento in Memorie storiche forogiuliesi 195859 XLlll 2139 A vicinia isto e a assembleia dos chefes de familia a qual se refere e a de uma aldeia minuscula proxima de Tnccsimo Buens os chefes de familia que a formavam em 1578 eram seis Ler v ACAU SantUjfizio proc n 126 f 15v Os administradores v G Marchetti I quaderni dei camerari di s Miche le a Gemona in Cefastu 1962 381138 Marchetti observa p 13 que os cameran nao pertenciam ao clero nem estavam entre escrivaes isto e nao per tnciam ao gropo dos letrados eram em geral burgueses ou populares que tmham freqiientado a escola publica da Prefeitura e cita 0 caso provavelmen te excepcional de um marceneiro analfabeto que fora cameraro em 1489 p 14 Eseolas desse tipo V G Chiuppani Storia di una scuola di grammatica dal Media Eva fino ai Seicento Bassano in Nuovo archivio veneto 1915 xxlX79 0 humanista Leonardo Fosco que era natural de Montereale parece ter ensinado em Aviano v F Fattorello La cultura dei Friuli ne Rinascimen to in Atti dellAccademia di Udine 6 seric 193435 1160 Essa informaao enretanto nao aparece no perfil biografico de Fosco traado por A Benedet ti III Ii Popolo semamlrio da diocese de Conc6rdiaPordenone 8 de junho de 1974 Uma pesquisa sobre as escolas da prefeitura desse periodo seria muito util Muitas vezes existiam em localidades minimas v por exemplo A Rusti ci Una scuola rurale della fine del secolo x1 in La Romagna n s 1927 13348 Sobre a difusao dos estudos nos campos de Lucca v Berengo Nobili e mercanti op cit p 322 Denunciado v ACAU proc n 126 folha nao numerada fama publica de fereme et clamorosa insinuatione producente non quidem a malevolis orta sed a probis et honescis viris catolicaeque fidei zelatonbus ac fere per modum notorii devenerit quod quidam Dominicus Scandella Por pressao da opiniiio publica e diante da apresemaao de apelos insistentes nao dos malevolos mas de pes soas probas e honestas e partidarios zelosos da fe cat6lica e quase em fonna de denuncia aconteceu que urn certo Domenico Scandella e a forma usual Discute sempre ibid f 2r Costuma discutir ibid f lOr Ele conhecia ibid f 2r o pdroco a ConcOrdia ibid ff 13v 12r p 33 Na prafa na taverna ibid ff 6v 7v falha nao numerada depoi mento de Domenico Melchiori f l1r etc Geralmente ibid f 8r 2 Menocchio peo amor ibid f lOr Giuliano Stefanut ibid f 8r o padre Andrea Bionima ibid f 11 v 209 Giovanni Povoledo ibid f Sr Como e sabido nesse perfodo 0 tenno lu terano tinha urn sentido muito generico na Italia Uns havia trinta quarenta anos ibid f 4 v Giovanni Povoledo f 6v Giovanni Antonio Melchiori que na deve ser confundido com Giovanni Da niele Melchiori vigirio de Polcenigo f 2v Francesco Fasseta Daniele Fasseta ibid f 3r p 34 Muitos anos ibid f 13r Antonio Fasseta f 5v Giovanni Povoledo que disse num primeiro momento conhecer Menocchio havia quarenta anos e em seguida havia 25 au trinta A unica lembrana que pode ser datada com precisao e a que segue de Antonio Fasseta f 13r Voltando certa vez da mon tanha com Menocchio ao mesmo tempo que a imperatriz passava falando sobre eIa disse Esta imperatriz e mais poderosa que a Virgem Maria Ora a impe ratriz Maria da Austria esteve no Friuli em 1581 v G F Palladia degli Olivi Histone della Provincia del Friuli Udine 1660 II 208 As pessoas repetiam v ACAU proc n 126 f 6r etc Eu 0 vejo conversando ibid proc n 285 depoimento do padre Curzio CeJlina 17 de dezembro de 1598 folha nao numerada Jd Jazia quatTO anos que Menocchio ibid proc n 126 f 18v Nao posso me lembrar ibid f 14r Fora 0 proprio Vorai ele mesmo lembrou 0 Santo Oacio disso quando de pos em P de junho de 1584 v ibid proc n 136 lamentandose de na teIo feito antes Por um outro padre dom Ottavio ibid proc n 284 folha nao numerada depoimento de 11 de novembro de 1598 p 35 Que papa ibid proc n 126 f lOr Deve se contrapor v urn caso anaIogo friulano citado par G Miccoli La storia religiosa in Staria dtalia Turim 1974 v II t I 994 Desmesuradamente v ACAt proc n 126 f lOr Cada um faz 0 seu dever ibid f 7v Oar i Deus v ACATJ proc n 126 f 3r Daniele Fasseta f 8r Giulia no Stefanut f 2r Francesco Fasseta f 5r Giovanni Povoledo f 3v Danie le Fasseta Estd sempre discutindo ibid f 11 v padre Andrea Bionima Giovanni Daniele Melchiori ibid proc n 134 depoimento de 7 de maio de 1584 Sobre 0 processo ocorrido anterionnente contra Melchiori sobre suas re laoes com Menocchio v cap 37 Tanto Melchiori como Policreto foram pro cessados pelo Santo Oacio respectivamente em maro e em maio de 1584 sob a acusaao de terem tentado influenciar com suas sugestoes a causa contra Me nocchio v ACAU proc n 134 e proc n 137 Ambos se declararam inocentes Foi imposto a Melchiori que se mantivesse a disposiao do tribunal e 0 caso aca bou af a Policreto foi imposta uma puniao canonica A favor de Policreto tes temunharam 0 magistrado de Pordenone Gerolamo de Gregori personagens da nobreza local como Gerolamo Popaiti Existem evidencias de que Policreto 210 Fosse Iigado a familia ManticaMomereale a qual pertenciam tambem as senho res de Montereale em 1583 foi nomeado arhitro sucedendo na funao 0 pai Antonio numa briga entre Giacomo e Giovan Battista Mantica de urn lado e Antonio Mantica do outro v Be1 ms n 1042 p 36 Levassem algemado v ACAU proc n 126 f 15v E verdade que ibid ff 16rv Eu dizia ibid ff 17vr p 37 Pudesse ter dito qW1lquer coisa do genera ibid f 6r Giovanni Povoledo 4 Falando Stno ibid ff 2v3r As manifestacoes de heterodoxia religiosa vin das de pessoas incultas eram freqiientemente consideradas manifestaoes de loucura v por exemplo Miccoli La vita religiosa op cit pp 9945 Dentro de suaraziio v ACAU proc n 126 f 6v Ziannuto ibid proc n 136 depoimento de 14 de maio de 1584 folhas nao numeradas p 38 Cem 150 anos depois v Foucault Folie et drfraison op cit pp 1212 caso de Bonavenmre Forcroy p 469 em 1733 urn homem esteve trancado como louco no hospital de SaintLazare acometido de sentiments extTaordinaires 5 A carta de Ziannuto ao advogado Trappola e a que foi escrita peIo paroco aceitando sugestao de Ziannuto fazem parte do fasdculo do primeiro processo contra Menocchio ACAC proc n 126 As versoes previsivelmente diversas mas nao contradit6rias fornecidas par Ziannuto e pelo paroco das circunstan cias sob as quais a carta foi escrita pertencem por sua vez ao processo contra a proprio paroco proc n 136 Os crimes atribufdos a Vorai alem de ter escnto a Menocchio sugerindolhe uma linha de defesa foram ter esperado dez anos para denunciar Menocchio ao Santo Oacio apesar de consideraIo heretico ter afinnado em conversa com Nicolo e Sebastiano condes de Montereale que a igreja militame mesmo sendo governada pelo Espfrito Santo pode errar 0 processo muito breve foi conclufdo com a purgaao canonica do reu No interrogatorio de 19 de maio de 1584 0 paroco declarara entre outras coisas Eu decidi escrever a carta temendo pela minha vida Os filhos do Scandella quando passavam por mim se mostravam alterados nao me cumprimentavam mais como de cosmme e ate fui avisado por ami gas de que deveria tomar cui dado porque se comentava que fora eu quem denunciara 0 anteriormente cita do Domenego e poderiam fuzer alguma coisa contra mim Entre os que ha 211 viam acusado Vorai de de1aao estava Sebastiano Sebenico 0 mesmo que acon selhara Ziannuto a espalhar pela cidade que Menocchio era louco ou possesso v cap 4 p 39 Atribuiuas a Domenego Femenussa a atribuitao parece ter sido suge rida por Ziannuto v n 126 f 38v Senhor ibid f 19r Consta no processo ibid Segundo Giuliano Stefanut ibid f 8r Eu disse ibid f 19r Tente falar pouco ibid proc r 134 depoimento de 7 de maio de 1584 p 40 Frei Felice da Montefako v Ginzburg 1 benandanti op cit Indice o conflito entre os dois poderes v P Paschini Venezio e IInquisizione Roma no da Giulio 111 a Pio IV Padua 1959 p 51 ss A Stella Chiesa e Stato nelle re lazioni dei nunzi pontifici a Venezia Cidade do Vaticano 1964 principalmente pp2901 Disse para mim v ACAU proc n 126 f 3r Domenego disse ibid f 4r E verdade eu disse ibid f 27v 6 p 41 No minha opiniao ibid ff 27v28v p 42 Querem passar por deuses no terra v Salmos LXXXI 6 Sobre 0 casamento aqui Menocchio manifesta toda a sua insatisfatao quanto a regulamentatao dos matrimonios introduzida pelo concilio de Trento v A C Jemolo Riforma tridentina nellambito matrimoniale in Contributi alia stona del Concilio di Trento e della Controriforma 1948 I 45 ss Quademi di Belfagar Geralmente se referia a confissao v ACAU proc n 126 f ltv Se esta tirvore ibid f 38r 212 p 43 Pew Virgem Maria ibid f 6v Nao vejo ali nada mais ibid f 11 v Eu disse ibid f 18r o bom do sacramento ibid ff 28rv p 44 Acho que a Sagrada Escritura ibid ff 28v29r Ele me disse tambim v ibid f 2v Eu acho que os santos v ibid f 29r Ele ajudou v ibid f 33r me corrigindo e Cristo e nao Deus p 45 Do mama natureza v ibid f 17v Se alguim tem pecados v ibid f 33r Falaria tanto v ibid f 4r Nunca discuti v ibid ff 26v27r Falar muito v ibid f 3r Senhores eu vos pefo v ibid ff 29v30r No sessiio anterior v ibid f 30r 7 p 46 Sobre 0 Friuli deste perfodo alem de P Paschini Staria del Friuli Udjne 1954 II que trata s6 dos acontecimentos politicos v principalmente os numerosos estudos de P S Leicht Un programma di parte democratica in Friuli nel Cinquecento in Studi eframmenti Udine 1903 pp 10721 La rappresentanza dei contadini presso il veneto Luogotenente della Patria del F riu Ii ibid pp 12544 Un movimento agrario nel Cinquecento in Scritti vari di storia del diritto italiano Milao 1943 I 7391 II parlamento friulano nel pri mo secolo della dominazione veneziana in Rivista di storm del diritto italiano 1948 XXI 550 I contadini ed i Parlamenti delleta intermedia in IX Con gres International des Sciences Historiques Etudes presentees a la Commission Inter nationale pour lhistoire des assemblies detats Louvain 1952 pp 1258 Entre os trabalhos mais recentes v em primeiro lugar A Ventura Nobilta e popolo nella societa veneta del 400 e 500 Bari 1964 principalmente pp 187214 v tambem A Tagliaferri Struttura op cit Servidiio de mesnada v A Battistella La servitti di masnada in Friuli in Nuovo archivio veneto XI 1906 parte II pp 562 XII 1906 parte I pp 16991 parte I pp 32031 XIII 1907 parte I pp 17184 parte II pp 14257 XIV 1907 parte I pp 193208 XV 1908 pp 22537 Os ultimos vestfgios de tal instituitao desapareceram par volta de 1460 mas nos estarutos friulanos do se culo seguinte continuavam a aparecer sententas do tipo De nato ex libera ventre pro Libera reputando com a declaratao correspondente Quicumque vero narus ex muliere serva conseatrer et sit servus cuius est mulier ex qua narus est etiam si pater eius sit liber ou De servo communi manumissio V tambem G Sassoli de Bianchi La scomparsa dela servirn di masnada in Friuli in Cefastu 1956 32 14550 Nas maos dos lugarestenentes venezianos v Relazioni dei rettori veneti in Ter raferma I La Patria del Friuli luogotenenza di Udine Milao 1973 l sobre essa editao a resenha de M Berengo in Rivista storica italiana 1974J LXXXVI 58690 Era 1508 v G Perusini Vita di popoto in Friuli Patti agrari e consuetudi ni tradizionali Florenta 1961 pp XXIXXII Biblioteca di Lares vm Sobre os acontecimentos de 1511 v Leicht Un movimento agrario op cit e Venrura Nobilta e popoto op cit Sobre a Contadinanza v 0 mesmo Leicht La rappresentanza dei contadi ni op cit Sentese a falta de um estudo moderno sobre 0 assunto Os estatutos da Patria v Constitutiones Patrie Foriulii cum additionibus no viter impresse Veneza 1524 ff LXV LXVIIN OS mesmos artigos reaparecem na editao de 1565 213 p48 Caia a ficao juridica v Leicht I contadini ed i Parlamenti op cit que destaca a excepcionalidade do caso friulano em nenhurna outra parte da Europa realmente a representao dos camponeses e colocada lado a lado com 0 Parlamento ou Assembleia dos Estados A lista das providbzcias v Leggi per la Patria op cit p 638 55 642 55 207 ss p 49 Tentou transformar as taxas v Perusini Tlita di popolo op cit p XXVI e em gerai Giorgetti Contadini e proprietari op cit p 97 55 A popuiaiio total diminuiu v Tagliaferri Struttura op cit p 25 ss com bibliografia Os reiatorios dos lugarestenentes v Relazioni op cit pp 84 108 115 p 50 A decadencia de Veneza v Aspetti e cause della decadenza economica vene ziano net secolo XVII VenezaRoma 1961 Crisis and Change in the Venetian Eco nomy in the Sixteenth and Seventeenth Centuries org B Pullan Londres 1968 8 Uma imagem ciaramente dicotOmica V 0 bela livro de S Ossow5ki Struttura di classe e coscienza sociale trad ital furim 1966 principalmente p 23 55 E me parece que v ACAU proc n 126 ff 27v28r Tudo pertence a Igreja V ibid f 27 V p 51 Um censofeito em 1596 V ASP Notarile b 488 n 385 ff 17r 55 principalmente f 19v Infelizmente nao temos urn inventario dos bens eclesias tieos existentes no Friuli do perfodo como 0 extremamente analltico redigido em 1530 par ordem do lugartenente Giovanni Basadona v BCU ms 995 Nas ff 62v64v ha uma lista dos inquilinos da igreja de Santa Maria de Montereale e nao aparece entre eles a nome de Scandella No final do siculo XVI a extensiio das propriedades eclesidsticas V A Stella La proprieta eeclesiastica nella Repubblica di Venezia dal secolo xv al XVII in Nuova rivista storica 1958 XLII 5077 A Venrura Considerazioni 5ullagri colrura veneta e sullaccumulazione originaria del capitale nei secoli XVI e XVII in Studi storici 1968 IX 674722 e em geral a importante ensaio de Chitto lini Un problema aperto op cit p 35393 9 p 52 Eu acredito que seja luterano V ACAU proc n 126 f 27r Sobre a questao do compadre de Menocchio que se ofereceu como fiador V cap 50 Os luteranos V ibid proe n 285 folhas nao numeradas p 53 No complexo quadro religioso a bibliografia e obviamente extensa Sobre as tendencias radicais em geral V G H WIlliams The Radical Reforma tion FiladeIfia 1962 Sobre 0 anabatismo V cP Clasen Anabaptism A Social History J 5251618 Switzerland Austria Moravia South and Central Germany 214 IthacaLondres 1972 Para a Italia ver a rica documentarrao levantada por A Stella DallAnobattismo al socinianesimo nei Cinquecento veneto Padua 1967 e id Anabattismo e antitrinitarismo in ltalia nd XVI secolo Padua 1969 Acho que quando nascemos V ACAU proc n 126 f 28v Desmantelado na segunda metade do siculo XVI V Stella DallAnabattismo op cit p 87 ss Anabattismo e antitrinitarismo op cit p 64 sS E V tam bern C Ginzburg I costituti di don Pietro lvlanelfi FlorenaChicago 1970 Biblioteca do Corpus Reformatorum Italicorum Portfm alguns grupos secretos dispersos sobre a siruaao religiosa do Friuli no seculo XVI V P Paschini Ere5ia e Riforma cattolica al confine orientale dItalia in Lateranum n s XVII n 14 Roma 1951 L de Biasio Leresia protestante in Friuli nella seconda meta del secolo XVI in Memorie storiche Fo rogiuliesi 1972 LII 71154 Sobre 05 artesiios de Porcia V Stella Anabattismo e antitrinitarismo op cit pp 1534 p 54 Um anabatista nunca tena dito v par exemplo a que escrevia em 1552 Marco tingidor de tecido5 urn anabatista arrependido E me ensinaram os anabatistas que nao se deve acreditar no perdao dado pelo papa porque di zem que e falso Asven SantUfjizio b 10 Acredito que sejam boas V ACAU proc n 126 f 29r De maneira que mio existe nuda mais V Stella Anabattisnw e antitrinitarismo op cit p 154 V tambem 0 que disse 0 vendedor de roupa velha de Bergamo Ventura Bonicello processado como anabati5ta Qualquer outro livro aiem da Sagrada Eserirura eu abomino A Wen SantUffizio b 158 livro dais f 8Ir p 55 Um didlogo significativo V ACAU proc n 126 ff 37v38r Carregador V Andrea da Bergamo P Nelli 11 primo libro delle satire alia carlona Veneza 1566 f 31r Artesiios de couro de Ndpoles V Tacchi Venruri Storia della Compagnia di Gem in Italia Roma 193814556 Nas mplicas de uma prostituta V F Chabod Per la storia religiosa della stato di Milano in id Lo stato e ia vim religiosa a Milano nellepoca di Carlo V Turirn 1971 pp 3356 Dizem respeito todos ou quase testemunhos como a que segue inserido numa carta do embaixador veneziano em Roma M Dandolo 14 de junho de 1550 sao muito raros Alguns frades inquisidores que contam coisas im portantes de Brescia e mais ainda de Bergamo falam de artesaos que vao feste jar pelas ruas sobem nas arvares pregando a seita luterana ao povo e aos eam poneses v Paschini Venezia op cit p 42 p 56 A conquista religiosa do campo retorno aqui urn tema par mim ape nas sugerido num ensaio precedente Folklore magia religione in Storia dtalia Turim 19721645 S5 656 ss que espero desenvolver fururamente Jsso niio quer dizer 0 que segue e uma tentativa de precisar e em parte corrigir a que escrevi in Folklore op cit p 645 Um ramo aut8nomo de radicalismo campones embora desconfie das conten 215 das terminol6gicas considero opornmo explicar par que preferi essa expres sao a racionalismo popular Reforma popular anabatismo 1 A expressao raciona lismo popular foi usada por Berengo Nobili e mercanti op cit p 435 ss para definir fen6menos substancialmente coincidentes com os que estao sendo es tudados aqui Entretanto parece pouco apropriada a certas atitudes que s6 parcialmente sao recobertas pelo nosso conceito de raziio comeando pe las visoes de Scolio v cap 58 2 0 radicalismo campones que tento recons truir e certamente urn dos componentes fundamentais da Reforma popular trarada por Macek movimentos autonomos que acornpanham a hist6ria eu ropeia do seculo xv e XVI e que podem ser entendidos como uma Reforma popular ou radical J Macek La Riforma popolare Florena 1973 p 2 0 grifo e meu Mas e preciso lembrar que tal fenomeno e anterior ao seculo XV v nota seguinte e que nao pode ser reduzido a urn correspondente popular da reforma oficial 3 0 termo anabatismo como etiqueta generalizavel a to dos os fenornenos de radicalismo religioso do seculo XVI foi proposto por Cantimori Eretici italiani del Cinquecento Florena 1939 p 31 ss que em seguida 0 abandonou aceitando as criticas de Ritter Mais recentemente foi reproposto por Rotondo para designar a mistura de profetismo radicalismo anticlerical antitrinitarismo e igualitarismo social difundida entre escri vaes medicos professores de gramatica entre monges e mercadores artesaos das cidades e homens dos campos italianos da era quinhentista v I movimen ti ereticali nell Europa del Cinquecento in Rivista storica italiana 1966 LXXVIII 1389 Essa generalizaao pareceme inoportuna porque nos leva a subcstimar as profundas diferenas que existiam entre religiao poeular e re ligiao cuIta entre radicalismo do campo e radicalismo da cidade E evidente que tipologias e sensibilidades nebulosas como as citadas por A Olivieri Sensibilita religiosa urbana e sensibilita religiosa contadina nel Cinquecen to venero suggestioni e problemi in Critica storica n s 1972J IX 63150 nao ajudam muito mesmo porque recobrem com 0 termo anabatismo feno menos absolutamente estranhos a este inclusive as procissoes em honra de Nossa Senhora A tarefa das pesquisas e isto sim reconstruir os nexos ain da obscuros entre os varios componentes da reforma popular dando so bretudo 0 peso justo ao substrato religioso e cultural vindo do campo nao s6 italiano mas tam bern europeu do seculo XVI 0 mesmo substrato que transparece nas confissoes de Menocchio Tentando definilo falei de radi calismo campones pensando nao tanto na Radical Reformation de Williams sobre 0 mesmo v as observa6es de Macek e sim na frase de Marx que diz que 0 radicalismo toma as coisas pela raiz uma imagem que alem de tudo se adapta de maneira perfeita ao contexto Muito mais antigo do que a Reforma v 0 denso ensaio de W L Wakefield Some Unorthodox Popular Ideas of the Thirteenth Century in Medievalia et humanistica n s n 4 1973 pp 2535 baseado em documentos inquisitoriais da area de Toulouse nos quais se faz alusao a statements often tinged with ra 216 tionalism skepticism and revealing something of a materialistic attirude The re are assertions about a terrestrial paradise for souls after death and about the salvation of unbaptized children the denial that God made human falties the derisory quip about the consumption of the host the identification of the soul as blood and the attribution of natural growth to the qualities of seed and soil alone pp 2930 Essas afinna6es sao convincentemente devidas a urn ramo de ideias e crenas autonomas e nao a influencia direta da propaganda dtara 0 catarismo pode ter contribufdo para tornalas visiveis direta ou indiretamente dando inicio as investiga6es inquisitoriais E significativo por exemplo que a tese atribuida a urn escrivao cataro dos fins do seculo XIV quod Deus de celo non facit crescere fructus fruges et herbas et alia quae de terra nascuntur sed solummodo humor terre porque nao e Deus que do ceu fax crescer os frutos os cereais e as plantas e as outras coisas que nascem da terra mas e taosomen te a umidade do solo tivesse sido quase exatamente reproduzida par urn cam pones friulano tres seculos depois As benraos dos sacerdotes sabre os campos e a agua benta que espalham sobre os campos no dia da Epifania nao ajudam de modo algum as vinhas e as arvores para que produzam mais mas s6 0 estrume e 0 esforo do homem cv respectivamente A Serena Fra gli eretici trevigia ni in Archivio venerotridentino 1923 III 173 e Ginzburg I benandanti op cit pp 389 a ser corrigido no sentido acima citada Obviamente 0 cataris rno nao tern nada a ver com isso Tratase isto sim de afirma6es que may well have arisen spontaneously from the cogitation of men and women searching for explanations that accorded with the realities of the life in which they were en meshed Wakefield Some Unorthodox op cit p 33 Exemplos analogos poderiam ser facilmente encontraveis It a essa tradiao cultural que vern a luz depois de seculos que me refiro com a expressao radicalismo campones ou popular Aos componentes levantados por Wakefield racionalismo ceticis mo materialismo e preciso acrescentar a utopismo de fundo igualitario e 0 naturalismo religioso A combinarao de todos ou quase todos esses elementos faz com que surjam recorrentes fenomenos de sincretismo campones que seriam mais bern definidos como fenomenos do substrato v por exemplo 0 material arqueo16gico recolhido por J Bordenave e M Vialelle AltX racines du mouvement cathare La mentaliti religieuse des paysarlS de lAibigeois medieval Tou louse 1973 10 p 57 Palara serio v ACAU proc n 126 ff 2v3r Senhor ibid f 21v Dom Ottavio Montereale ibid proc n 285 folhas nao numeradas 11 de novembro de 1598 Aparecera no primeiro processo ibid proc n 126 f 23v Nos estudos que co nheo sobre a pintura friulana do seculo XVI nao e mencionado nenhum Nico 217 la da Porcia Antonio Fomiz que fez uma serie de pesquisas sobre pintores friu lanos gentilmente me infonnou em carta de 5 de junho de 1972 nao ter encontrado nada que se referisse a Nicola da Porcia ou Nicola de Melchio ri v acima Devese considerar que 0 encontro entre 0 pintor e 0 moleiro po deria ter se dado por questees profissionais alem das religiosas Nos registros de patentes venezianas e comurn encontrar pintores escultores arquitetos que pedem exclusividade para a construao de moinhos As vezes aparecem nomes famosos como 0 do escultor Antonio Riccio e do arquiteto Giorgio Amadeo ou de Jacopo Bassano que obtiveram do Senado respectivarnente em 1492 os dois primeiros e em 1544 0 terceiro a exc1usividade para construir alguns moi nhos v G Mandich Le privative industriali veneziane 14501550 in Rivis ta del diritto comrnerciale 1936 XXXIV 1538545 e v tarnbern p 541 Para 0 perfodo posterior pude encontrar casos amilogos atraves de fotocopias de docu mentos in ASVen Senato Terra gra9as a gentileza de Carlo Poni que as cedeu p 58 Menocchio deve ter falado v ACAU proc n 285 folhas nao nurne radas depoirnento de 19 de julho de 1599 Algumas semanas depois v ibid folhas nao numeradas depoimento de 5 de agosto Nito sabemos no processo contra 0 grupo de Porcia v ASVen SantUffi zio b 13 e b 14 fasc Antonio Deloio nao aparece 0 nome Nicola Um grande heritieo v ASVen SantUjfizio h 34 fasc Alessandro Mantica depoimento de 17 de outubro de 1571 Nicola havia estado na casa de Rosario retirando alguns encostos de cadeiras para pintalos Eu sei v ACAU SantUjfizio proc n 126 f 23v p 59 II sogno dil Caravia Colofon In Vinegia nelle case di Giovanni An tonio di Nicolini da Sabbio negli anni del Signore MDXLI dil rnese di maggio Ainda nao foi feito urn estudo especifico desse texto v de V Rossi Un aned doto della storia della Rifonna a Venezia in Scritti di critica letteraria III Dal Rinascimento at Risorgimento Floren9a 1930 pp 191222 e a Introdu9ao as No velle dellaltro mondo Poemetto buffonesco del ISI3 Bolonha 1929 Nuova scelta di curiosita letterarie inedite 0 rare v 2 que iluminam de maneira exemplar a figura de Caravia e 0 veio litenirio ao qual de certa maneira 0 Sogno pertence Sobre a viagem de bufees au outras figuras c6micas populares ao inferno v Bakhtin Loeuvre de Franfois Robelais op cit p 393 Assemelhaivos v II sogno op cit f A IIIr A iconografia do frontispfcio e a que se conhece para a melanc6lico mas nao deixa drividas sobre seu pa rentesco com a xilogravura de DUrer de ampla circula9ao nos ambientes vene zianos V R Klibansky F Sax e E Panofsky Saturn and Melancholy Studies in the History of Natural Philosophy Religion and Art Londres 1964 218 Quito carD me sma v II sogno op cit f B IIv p 60 Greio que Farfarello ibid ff GvG ITr Sgnieffi ibid p G IIIr Mostrando ibid f G IIv p 61 Gerto Martinho ibid ff F IVrv aqui e em seguida os grifos sao meus p 62 A prima causa ibid Bv Muito ignaro ibid B llIv p 63 Mercado fazem ibid f B IVr A implicita negafito Zampolo na descreve 0 purgat6rio a certa altura faz uma alusao ambigua as penas do inferno hi embaixo au seja 0 purgat6rio ibid f IIr Propositalmente ibid f C Ilv Igrejas suntuosas ibid f Er Caravia insiste particulannente nesse ponto protestando entre outras coisas contra a grandiosidade da constru9aO da Esco la de San Rocco Honrar os santos ibid f D Illv p 64 Deve 0 cristito ibid f Er Papistas ibid f B IVv Para homens como Caravia sobre sua produ9ao depois do Sogno v Rossi Un aneddoto op cit Em 1557 Caravia foi processado pela Inquisi9ao Durante o tal processo 0 Sogno entrou para a acusa9ao por ter sido composto em detri menta da religiao v ibid p 220 0 testamento caracteristico datado de 1 u de maio de 1563 esta em parte reproduzido nas pp 2167 Num periodo muito anterior e impossive saber quando teve inicio a he terodoxia de Menocchio Notese parern que ele afinnou nao observar a quaresma havia vinte anos ACAU proc n 126 f 27r data que quase coin cide com a da ordem para que se afastasse de Montereale Menocchio pode ter tido contatos com ambientes luteranos durante 0 periodo que esteve em Car nia regiiio de fronteira onde a penetra9aO da Reforma foi particularmente importante 11 p 65 Voces querem que eu ensine v ibid ff 16rv o que eu disse v ibid f 19r o diabo v ibid f 2tv p 66 Dos profetas v Chabod Per la storia op cit p 299 ss D Can timori Eretici italiani del Cinqueeento Floren9a 1939 p 10 ss M Reeves The Influence of Prophecy in the Later Middle Ages A Study in Joachimism Oxford 1969 e G Tognetti Note suI profetismo nel Rinascimento e la letteratura re lativa in Buletino dellIstituto stonco italiano per if Medio Evo 1970 82 12957 Sobre Giorgio Siculo v Cantimori Eretici op cit p 57 ss C Ginzburg Due note sui profetismo cinquecentesco in Rivista storica italiana 1966 LXXVIII 184 ss Tendo por varias vezes v ACAU proc n J26 f 16r 219 12 p 67 No momento da prisiio v ibid f 14v 2 de fevereiro de 1584 inve ni quem estoi comentando e 0 escrivao quosdam libros qui non erant suspecti neque prohibiti ideo R p inquisitor mandavit sib resritui encontrei alguns li vros que nao eram suspeitos nem proibidos por isso 0 R p inquisidor mandau que lhe fossem restituidos A Bihin considerando a bibliografia organizada por G Spini nao se tra ta da tradmao de Brucioli vo La Bibliofilia 1940 XUI 13855 Il Fioretto della Bibbia v H Suchier Denkmiiler Provenzaliscber Literatur und Sprache Halle 1883 I 495 55 P Rohde Die Quellen def Romanische Weltchronick ibid pp 589638 F Zambrini Le opere volgari a stampa de seca Ii XIII e XIV Bolonha 1884 cot 408 Como ja foi comentado as edioes sao muito variadas algumas chegam so ate 0 nascimento de Cristo outras ate a in rancia ou a paixaoAquelas com que tomei contato mas nao fiz uma pesquisa sis tematica van de 1473 a 1552 quase todas sao venezianas Nao sabemos quando exatamente Menocchio teria comprado 0 Fioretto A obra continuou a circular por muito tempo 0 index de 1569 inclui os Flores Bibliorum et doctorom v F H Reusch Die Indices librorum prohibitorum des sechszehnten Jahrhunderts Tiibingen 1886 p 333 Em 15760 comissario do Palacio Sagrado frade Damiano Ru beo respondeu as duvidas do inquisidor de Bolonha que lhe pedira para tirar de circularao os Fioretti della Bibbia v A Rotondo Nuovi documenti per la storia del Indice dei libri proibiti 15521638 in Rinascimento 1963 XIV 157 II Lucidario Menocchio inicialmente falou de Lucidario della Madunna e em seguida se corrigiu Nao me lembro bern se 0 livro se chamava Rosario ou Luci dorio mas era impresso v ACAU proc n 126 ff 18r 20r Conheo cerca de quinze ediroes do Rosario de Alberto da Castello que van de 1521 a 1573 Neste como em outros casos nao fiz urna pesquisa sistematica Caso 0 livro lido por Me nocchio tivesse sido 0 Rosario como sera explicado mais para a frente a identifi cacao nao foi provada restaria 0 Lucidorio para ser explicado seria por acaso urna lembran9a inconsciente de algum Lucidono de alguma fonna derivado do de Ho norio dAutun Sobre este assunto v Y Lefevre LElucidorium et les lucidoires Pa ris 1954 II Lucendario no lapsus talvez se pudesse ver a interferencia da leitura de algum Lucidario v acima As edi96es da versao em lingua vulgar da Legenda au rea sao incontaveis Menocchio poderia ter visto por exemplo urn exemplar da que circulou em Veneza em 1565 Historia del Giudicio v La poesia religiosa I cantan agiografici e Ie rime di argomento sacro org A Cioni Floren9a 1963 Biblioteca bibliografica italica V 30 p 253 sS 0 texto lido por Menocchio fazia parte do grupo no qual 0 can tare poema popular da Italia do seculo XIV e xv N T sobre a historia doJuf zo Final seguia urn outro menor sobre a vinda do Ancicristo A ci recorro eterno Criador Sei da existencia de quatro exemplares tres estao conservados 220 na Biblioteca Trivulziana de l1ilao v M Sander Le livre a figures italien depuis 1467 jusqua 1530 II Milao 1942 n 3178 3180 3181 0 quarto na Bibliote ca Universitaria de Bolonha Opera nuova dei giudicio generale qual tratta della fine dei mondo impresso em Bolonha por AJexandro Benacci com pennissao da Santissima Inquisi9aO 1575 sobre esse exemplar V penultima nota do cap 14 Nas quatro edi96es aparece 0 trecho parafraseado do Evangelho de Mateus que foi lembrado por Menocchio v p 84 ss entretanto nao consta das ver soes mais reduzidas conservadas pela Biblioteca Marciana de Veneza v A Se garizzi Bibliografia delle stampe popolari italtane della R Biblioteca Nazionale di S Marco di Venexia I Bergamo 1913 n 134330 II cavallier existe ampla literatura sobre esta ohra V a edi9aO mais nova que eu conhe90 Mandevilles Travels ed M C Seymour Oxford 19671 as sim como as interpreta90es contrastantes de M H Letts Sir John Mandeville The Man and His Book Londres 1949 e de J W Bennett The Rediscovery of Sir John Mandeville Nova York 1954 onde se tenta demonstrar com argu mentos pouco convincentes que Mandeville exisciu historicamente As via gens traduzidas em latim e em seguida em todas as Ifnguas europeias civeram enorme difusao tanto manuscritas como impressas 56 da versao italiana exis tern no British Museum vinte edi90es que va de 1480 a 1567 p 68 Zampollo sobre 0 Sogno dil Caravia V os estudos de V Rossi citados acima II Supplimento conheo umas quinze edit6es vernaculares da croni ca do Foresti surgidas entre 1488 e 1581 Sobre 0 autor v E Pianetti Fra Iacopo Filippo Foresti e la sua opera nel quadro della cultura bergamasca in Bergomum I 939 XXXIII 1009 14774 A Azzoni I libri dei Foresti e la biblioteca conventuale di S Agostino ibid 1959 LlII 3744 P Lachat Une ambassade ethiopienne aupres de Clement v a Avignon en 1310 in Annali del pomaficio museo missionario etnologico gia ateranensi 1967 XXI 9 nota 2 Lunario Sander Le livre a figures op cit II n 393643 enumera oito edi90es surgidas entre 1509 e 1533 Decameron sobre 0 fato de Menocchio ter lido uma edi9aO imune a cen sura contrareformista V cap 23 Sobre a censura V F H Reusch Der Index der verbotenen Bucher Bonn 1882 138991 Rotondo Nuovi documenti op cit pp 1523 C de Frede Tipografa editori librai italiani dei Cinquecento coinvolci in processa deresia in Rivista di storia della Chiesa in Italia 1969 XXI II 41 P Brown Aims and Methods of the Second Rassettatura of the Decame ron in Studi secenteschi 1967 VIII 340 Sobre a questao em geral V A Ro tondo La censura ecclesiascica e la cultura in Storia dItalia v v t II Turim 1973 pp 1399492 Alcorao V C de Frede La prima traduzione italiana del Corano sullo sfondo dei rapporti tra Cristianita e Islam nel Cinquecento Napoles 1967 221 13 o qual comprei v lCAU proc n 126 f 20r D Supplemenrum v ACAU proc n 285 folhas nao numeradas depoimen to de 12 de julho de 1559 Lucidario v ibid proc n 126 ff 18T 20r D filho dela Girngio Copel v ibid folhas na numeradas 28 de abril de 1584 p 69 Biblia v ibid f llv Mandavilla v ibid ff 22T 25v Sogno dil Caravia v ibid f 23v Nicola de Melchiori v ibid proc n 285 folhas nao numeradas depoimen to de 5 de agosto de 1599 Menoccbio emprestarao v ibid proc n 126 folhas nao numeradas 28 de abril de 1584 Sabese que em Udine v A Battistella in Tagliaferri Struttura op cit p 89 Escolas de nivel v Chiuppani Storia di una scuola op cit Sabre a questao dada a escassez de esrudos recentes consul tar 0 velho trabalho sempre util de G Manacorda Storia della scuola in talia 1 It Medioevo MilaoPalenno Napoles 1914 Surpreende que numa adeia tao pequena notese porem que a historia da alfabetizacao ainda se encontra nos seus primordios 0 dpido panorama geral tracado por C Cipolla Literacy and Development in the West Londres 1969 ja esta superado Entre os estudos mais recentes v L Stone The Educational Revolution in England 15601640 in Past and Present Gul 196428 4180 ibid Literacy and Education in England 16401900 ibid fev 196942 69139 A Wyczanski Alphabetisation et structure so ciale en Pologne au XVI sickle in Annates ESC 1974 XXIX 70513 F Fu ret e W Sachs La croissance de lalphabetisation en France xvnrXIX sie cle ibid pp 71437 Particularmente interessante para comparacao com 0 caso que estamos estudando e 0 ensaio de Wyczanski Pela analise de uma se rie de documentos fiscais da regiao de Cracovia que dizem respeito ao bienio 156465 observase que 22 dos camponeses ali mencionados sabiam assinar o proprio nome 0 autor adverte que a cifra deve ser julgada com cui dado par se referir a uma amostragem muito pequena dezoito pessoas alem do que cons titufda por camponeses de razoavel condicao social freqiientemente ocupando cargos publicos na cidadezinha era justamente 0 caso de Menocchio entre tanto conclui que 0 ensinamento de tipo elementar nao era totaimente ine xistente entre os camponeses Alphabetisation op cit p 710 v os resul tados das pesquisas de B Bonnin Le livre et les paysans en Dauphine au XI1I siede e de Meyer Alphabetisation lecture et ecriture Essai sur linstruc tion populaire en Bretagne au XIX siecle 222 14 p 71 Menocchio nao sabia muito mais de latim v ACAU proc n 126 f 16r Respondit Eu sei 0 credo e ja ouvi tambem 0 credo que se recita na missa e ja ajudei a cantar na igreja de Monte Reale Interrogatus a que 0 senhor sabe 0 credo como disse sobre aquele artigo et in Iesum Christum filium eius unicum dominum nostrum qui conceptus est de Spiritu santo natus ex Maria virgine o que no passado pensou e acreditou a esse respeito e 0 que acha hoje Et ei dicto Entende 0 que quer dizer qui conceptus est de Spiritu santo natus ex Maria virgine Respondit Sim senhor eu cntendo 0 desenvolvimento do dialogo anotado pelo escrivao do Santo Offcio parece indicar que Menocchio so compreendeu quando as palavras do Credo foram repetidas lentamente 0 fato de saber 0 Pater noster ibid proc n 285 folhas nao numeradas 12 de julho de 1599 na contradiz a suposicao por nos formulada Sao menos obvias entre tanto as palavras de Cristo ao ladrao citadas por Menocchio hodie mecum eris in paradiso v proc n 126 f 33r mas conduir levando so esse fato em con sideraCao e realmente arriscado Consumidos por pessoas de vinas classes sociais infelizmente na temos pesqui sas sistematicas sobre os livros que circulavam entre as classes subaltemas na Ita lia do seculo XVI mais exatamente entre a minoria dos membros dessas clas ses aptas a ler Uma pesquisa tendo como base os testamentos os inventarios post mortem como as feitas por Bec principalmente nos ambientes mercantis e os processos inquisitoriais seria muito util V tam bern os testemunhos recolhidos par H Martin Livre pouvoirs et societi II Paris au XVIi siecle 15981701 Ge nebra 1969 I 5168 e para 0 periodo sucessivoJ Sole Lecture et classes populaires a Grenoble au dixhuitieme siecle Le temoignage des inventaires apres deces in Images du peuple au XVIIi siecle Colloque dAixenProvroce 25 et 26 de octobre 1969 Paris 1973 pp 95102 o Foresti e 0 Wandeville para 0 primeiro v Leonardo do Vinci Scritti let teran org A Marinoni ed rev Milao 1974 p 254 tratase de uma conjec tura mas bern fundamentada Para 0 segundo V E Solmi Le fond dei manos critti di Leonardo do Vinci furim 1908 p 205 sup n 1011 do Giornale stonco della letteratura italiana sobre a reaCao de Leonardo da Vinci diante do Mande ville V cap 21 Em geral aMm da ediCao citada de Marinoni p 239 ss v E Garin II problema delle fonti del pensiero di Leonardo in La cultura filosofia del Renascimento italiano Florenca 1961 p 38855 e C Dionisotti Leonardo uomo di lettere in talia medioevale e umanistica 1962 v 183 ss preocupou se tambem com a questao do metodo E a Historia del Giudicio tratase do exemplar da Opera nuova del giu dicio generale que se encontra na Biblioteca Universitaria de Bolonha Aula v Tab 11 V 512 No frontispicio uma inscriCao Ulyssis Aldrovandi et ami corum Oums inscric6es no frontispfcio e na ultima folha nao parecem feitas por Aldrovandi Sobre os acontecimentos inquisitoriais do ultimo v A 223 Rotondo Per la storia delleresia a Bologna nel secolo XVI in Rinascimento 1962 XIII 150 ss com bibliografia OpiniiJes Jantdsticas v ACAU proc n 126 f 12v 15 p 72 Como os lia sobre a questao da leirura quase sempre deixada de lado pelos estudiosos desses problemas v as pertinentes observat5es de U Eco II problema della ricezione in La critica tra Marx e Freud org A Cec caroni e G Pagliano Ungari Rimini 1973 pp 1927 em grande parte con vergentes com 0 que esci sendo dito aqui Urn material muito interessante nos da a pesquisa de A Rossi e S Piccone Stella La Jatica di leggere Roma 1963 Sobre 0 erro como experiencia metodologicamente crucial 0 que e demons trado tambem no caso das leiruras de Menocchio V C Ginzburg A proposi to della raccolta dei saggi starici di Marc Bloch in Studi medioevali 3 serie 1965 340 55 p 73 Opinioes v ACAU proc n 126 f 21v 16 Era chamada de virgem V ibid ff 17v18r Contempla cito a editao veneziana de 1575 appresso Dominica de Franceschi in Frezzaria a1 segno della Regina f 42r Calderari v J Furlan II Calderari nel quarto centenario della morte in Il Noncelo 1963 21 330 0 verdadeiro nome do pintor era Giovanni Maria Zaffoni Nao sei se ja foi observado que a grupo feminino a direita na cena de Jose com as pretendentes reproduz outro grupo pintado par Lotto em Tresco re no afresco que representa santa Clara recebendo 0 veu 17 p 74 Eu acredito v ACAU proc n 126 f 29v Sim senhor v ibid Anjos cito a editao veneziana de 1566 appresso Girolamo Scotto p 262 Notese ainda que entre as cenas pintadas por Calderari em San Rocco ha tambem a da morte de Maria 18 p 76 Porque tantos home7JS v ACAU proc n 126 f 16r No capitulo CLXVI do Fioretto cito a editao veneziana de 1571 per Zorzi di Rusconi milanese ad instantia de Nicolo dicto Zopino et Vincentio compafllt f 0 vv Cristo era um homem nascido v ACAU proc n 126 f 9r 224 Se era Deus v ibid f 16v 19 p 77 Estd sempre discutindo v ibid f 11 v Acho v ibid ff 22v23r 6 vos abenfoodos cito corrigindo alguns erros 0 Iudizio universal avera fi nale em Florenta appresso aIle scale di Badia s d sendo entretanto 1570 80 exemplar conservado na Biblioteca Trivulziana A ediao bolonhesa de 1575 v acima apresenta variantes de pouca imporcincia p 79 0 bispo anabatista v Stella Anabattismo op cit p 75 Porque Jaz mal v ACAU proc n 126 f 21 v p 80 Eu ensino voces v ibid f 9r Entretanto no interrogatorio de 1 de maio v ibid ff 33v34v Alcune ragioni del perdonare in Vinegia per Stephano da Sabbio 1537 Sabre Crispoldi V A Prosperi Tra evangelismo e Controriforma G M Giberti 14951543 Roma 1969 Indice Sobre 0 folheto citado v C Ginzburg e A Prosperi Giochi di pazienza Un seminario sui Beneficio di Cristo T urim 1975 p 81 Um remidio Crispoldi Alcune ragioni op cit ff 34rv Ele conhece suo versao mais coerente v ibid ff 29 ss especialmente ff 3Ov31r E seguramente eles as soldados e os senhoresJ e todo estado e con dicoes das pessoas e toda republica e reino sao dignos de guerra perpetua e de nao ter repouso onde existem muitos que se esquecem ou fariam mal do ato de perdoar e odeiem quem perdoa Sao dignos que cada urn tenha sua ustita e sua razao e que nao haja nem juiz nem funcionario publico e que assim com a mul tiplicidade de males eles possam ver quao grandes danos ocarrem quando cada urn faz justita com as pr6prias maos como as vendettas para a bern e paz co muns sao deixadas a cargo de funcionarios publicos meSillO nas leis dos pagaos e que entre eles perdoar era a coisa certa a ser feita principalmente quando feita pelo bern da republica au de alguma pessoa em particular como no caso de urn pai que fosse perdoado para que seus filhinhos pudessem ter sua prote cao E pense quao merit6rio e proceder dessa maneira ja que Deus assim 0 quer Esta questao de bern comum e largamente discutida em muitos lugares e por muitos E v os caps XIXV do livro r dos Discursos impressos pela primei ra vez em 1531 Nao a de Maquiavel disfarfado v Introducao de G Procacci a N Maquia vel 11 Principe e Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio Milao 1960 pp LlXLX 20 p 83 Todos os seus componheiros v ACAL proc n 126 f 27r Numa cana enviada aosjuizes v cap 45 As viagens v a bibliografia essencial citada acima 225 Sabese que a difusao das descrifoes da Terra Santa v G Atkinson Les nou veaux horizons de la Renaissance jranfaise Paris 1935 pp 102 p 84 Diversos hdbitos dos cristiios cito a edirao veneziana de 1534 Joanne de Mandavilla Qual tratta delle pili maravigliose cose f 45v Dizem v ibid ff 46rv Se esta drvore v ACAtJ proc n 126 f 38r p 85 Entre todos os proetas v Mandavilla Qual tratta op cit f 51 v Minha duvida v ACAU proc n 126 f 16v Mas niio Joi jamais crucificado v Mandavilla Qual tratta op cit f 52r Niio i verdade que Cristo v ACAU proc n 126 f l3r Pareciame inacreditdvel v ibid f 16v Eks os cristiiosJ v Mandavilla Qual tratta op cit ff 53v 21 p 86 0 pavo v ibid f 63r Chana e Thana uma localidade na ilha de Salsette a nordeste de Bombaim semme para identificar a localidade citada por Mandeville dos comentarios de M C Seymour a edirao citada E um povo de pequena estatura v ibid f 79v Sobre essa passagem como possivel fonte de Swift v Bennett The Rediscovery op cit pp 2556 p 87 Tantasrafas v ACAU proc n 126 folhas naonumeradas ibid f 22r Michel de Montaigne sobre os limites do relativismo de Montaigne v S Landucci I filosofi e i selvaggi 15801780 Bari 1972 pp 3634 passim Nesta ilha v Mandavilla Qual tratta op cit ff 76v77r Dondina Don dum talvez uma das ilhas Andaman p 88 Como atingira Leonardo v Solmi Lefonti op cit p 205 Digame v ACAU proc n 126 ff 21v22r 22 p 90 E saibam v Mandavilla Qual tratta op cit f 63v o mais santo entre os animais ibid ff 63v64r p 91 Cabea de cao ibid f 75r A descritao dos cinocefalos foi extraida do Speculum Historiale de Vicente de Beauvais E saibam que em todo aquele pais v Mandavilla Qual tratta op cit ff 118v 119r Et metuent Salmo 668 Orones gentes Salmo 7111 E embara v Mandavilla Qual tratta op cit ff 110rv Para as citatoes es criturais v Oseias VIII 12 Sabedoria VIII 14 Joao x 16 Mesidarata e Genosaffa tratase de duas localidades mencionadas pela tradi taO classica Oxydraces e Gymnosophistae A essas passagens de Mandeville po dem ser aproximadas as representatoes dos homens de grandes orelhas ou de pes enonnes presentes na multidao dos eleitos no portal da igreja de Maddalena de Vezelay v E Mile Lart religieux du XlI necle en France Paris 1947 5 330 e 226 v tambem a iconografia de sao Crist6vao cinocefalo in L Reau Viconographie de lart chritien v III t I Paris 1958 pp 3078 as duas indicaoes me foram gen tilmente dadas por Chiara Settis Frugoni embora ali se insista mais na difusao da palavra de Crista mesmo entre populaoes remoras e monsrruosas p 92 A corrente popular favordvel a tolerancia v par exemplo C Vivan ti Lotta politica e pace religiosa in Francia fra Cinque e Seicento Turim 1963 p42 Lenda dos tres aniis alem de M Perna La parabola dei tre anelli e la tolJe ranza nel Medio Evo Turim 1953 mediocre v U Fischer La storia dei tre anelli Dal mito all utopia in Annali della Scuola Normale Superiore di Pisa Classe di Lettere e Filosofia 3 serie 1973 3 95598 2J Gerolamo Asteo v C Ginzburg I benandonti op cit Indice Concedame ouvir v ACAD proc n 285 depoimento de 12 de julho 19 de julho 5 de agosto de 1599 p 93 Ravia sofrido 0 corte do censura v acima 0 conto Me1chisedec giu dec con una novella di tre anella cessa un gran peri colo dal Saladino apparec chiatogli e a terceira do primeiro dia na apresenta refenncia aos tres aneis da editao dos Giunti corrigida por Salviati Florenp 1573 pp 2830 Veneza 1582 etc Na editao riformata da Luigi Groto cieco dAdria Veneza 1590 pp 302 nao s6 desapareceu a passagem mais polemica E assim vos digo se nhor meu das tres leis dadas por Deus aos tres povos nasce a quest1io cada um acredita ter e seguir sua heranta a verdadeira lei e seus mandamentos mas quem realmente a possui como no caso dos aneis ainda e uma questao penden te v G Boccaccio It Decamerone org V Branca Florenta 1951 I 78 como oconto inteiro foi reescrito cometando pe10 titulo Polifilo giovane con una no vella di tre anella cessa una gran riprensione da tre donne apparecchiataglt p 94 Como Castelliane v D Cantimori Castellioniana et Servetiana in Rivista storica italiana 1955 LXVII 82 24 p 95 As possveis relaoes com urn ou outro grupo de hereticos v em geral as in dicaroes metodol6gicas a respeito de contatas e influencias de L Febvre Le origini della Rifonna in Francia e il problema delle cause della Riforma in Studi su Riforma e Rinasdmento e aim sentti su problemi di metoda e di geografia sto rica trad ita Turim 1966 pp 570 25 Eu disse v ACAU proc n 126 f 17r 227 Se esse livro ibid f 22r p 96 Como estti dito v Fioretto op cit f A IIIr E esta dito no principio v Foresti Supplementum op cit f rv cito a ediao veneziana de 1553 p 97 Eu ouvi ele dizer v ACAU proc n 126 f 6r Eu disse V ibid f 17r Os grifos mais para a frente tambem sao meus a que era V ibid f 20r p 98 Santissima majestade V ibid f 23r Eu acredito que 0 eterno Deus V ibid ff 30rv Esse Deus V ibid f 31 v 26 a senhor anteriores V ibid ff 36v37v A transcriao e integral Limitei me a substituir as names dos dois interlocutores as formas Interrogatus res pondit 27 p 101 Angelica isto e divina V Dante con espositioni de Christoforo Landino et dAlessandro Vellutelto Veneza 1578 f 201r A tese da criaao do homem para compensar a queda dos anjos se alude tambem no Paradiso xxx 134 ss V a res peito B Nardi Dante e Ia cultura medievale Nuovi saggi di filosofia dantesca Bari 1949 pp 3169 E esse Deus v ACAU proc n 126 f 17v Tivesse lido Dante como exemplo de leitura de Dante em ambiente popu lar poftm urbano e florentino v V Rossi Le lettere di un matto in Sentti di entica letteraria II Studi sui Petrarca e sui Rinascimento Florena 1930 p 401 ss principalmente p 4D6 sS Mais proximo do caso de Menocchio esta 0 de urn homem simples de Lucchesia que se Faria chamar de Scolio Sobre reflexos de Dante no seu poema V a quarta nota do cap 58 p 102 Na verdade noo havia retirado dos livros nao temos prova de que Menocchio tivesse lido urn dos textos vernaculares correntes da Biblioteca stonca de Diodoro Siculo No capitulo que abre essa obra em todo caso nao se fala de queijo embora se aluda a geraao dos seres viventes da materia pu trefata Sobre 0 sucesso da tal passagem voltarei a falar mais para a frente Sa bemos isto sim com certeza que Menocchio tivera em suas maos 0 Supplemen tum de Foresti Ali pode encontrar num breve resumo algumas doutrinas cosmologicas que vinham da Antiguidade ou da Idade Media Resumindo to das essas coisas foram pelo Iivro do Genese reunidas para que cada fiel enten da que a teologia das pessoas e toda em vao ou melhor comparandoa com Aquela parece mais Profana9ao do que teologia Algumas dizem que nao exis te Deus outras acreditavam que as estrelas fixas no ceu fossem fogo ou enta 228 fogo que por arte e movimento e carregado pelos ceus e 0 adoravam em vez de Deus outras diziam que 0 mundo na e governado pela providencia de Deus mas sim por uma natureza racional algumas dizem que 0 mundo nunca teve principio sempre existiu e de modo algum come90u por ohra de Deus mas do acaso e pela sorte foi ordenado finalmente alguns atomos e corpos animados foram compostos Supplementum op cit f nr Essa alusao ao mundo fei to ao acaso reaparece se nao for 0 que e pouco provivei urn eco do Inferno rv 136 num dialogo que 0 paroco de Polcenigo Giovan Daniele Melchiori reproduziu quando foi depor no Santo Dfieio de Concordia 16 de maro Quinze anos antes urn amigo provavelmente se tratasse do proprio paroco exclamara caminhando pelo campo Grande e a bondade do senhor Deus em ter criado estas montanhas estas planicies a tao bela maquina do mundo Menocchio que estava ao seu lado perguntou Quem e que a senhor pensa que criou a mundo Deus 0 senhor esta enganado porque 0 mundo foi criado por acaso Se eu pudesse falar falaria mas nao quero falar ACAt proc n 126 ff24v25r Da mais perfeita ibid f 37r Experimentos de Francesco Redi em 1688 Redi demonstrou que nas subs tancias organicas livres do contato com a ar a putrefaao nao ocorria e portan to muito menos a gera9ao esponclnea Walter Raleigh citado in H Haydn The CounterRenaissance Nova York 1960 p 209 Mitos antiqiiissimos v U Harva Les representations religieuses des peuples al taiques trad fro paris 1959 p 63 55 p 103 No principio v ACAU proc n 126 f 6r e V p 105 Niio se pode excuir 0 fato de que v G de Santillana e H von Dechend Hamlets Mill Londres 1970 pp 3823 que afirmam que 0 estudo exaustivo dessa tradiao cosmogonica exigiria urn livro so para 0 assunto Quem sabe par terem escrito urn livro fascinante sobre a roda do moinho como imagem do cir culo celeste eles na considerariam nao casual 0 fato de urn moleiro citar essa antiqiifssima cosmogonia Infelizmente nao tenho competencia suficiente para julgar uma pesquisa como a Hamlets Mill Seus pressupostos e a audacia de cer tas passagens inspiram uma desconfian9a que e 6bvia Mas so pondo em discus sao as certezas preguiosamente adquiridas que e possivel enfrentar 0 estudo de continuidades culturais tao persistentes a teologo ingles Thomas Burnet Tellurem genitam esse atque ortum olim traxisse ex Chao ut testatur antiquitas tam sacra quam profana supponamus per Chaos autem nihil aliud intelligo quam massam materiae exolutam indiscretam et fluidam Et cum notissimum sit liquares pingues et macros commixtos data occasione vellibero aeri expositos secedere ab invicem et separari pinguesque innatare tenuibus uti videmus in mistique aquae et olei et in separatione floris lactis a lacte tenui aliisque plurimus exemplis aequum erit credere hanc mas sam liquidorum se partitam esse induas massas parte ipsius pingutore superna 229 tante reliquae suponhamos que a terra foi gerada e sua origem tenha sido 0 Caos como reconhece a tradirao sagrada e profana Para mim 0 Caos nada mais e que uma massa de materia dissociada continua e fluida E como e muito bern sabido que os fluidos gordos e os magros estao misturados dada a ocasiao ou ex postos ao ar livre eles se desprendem e se separam e os gordos sobrenadam aos magros como vemos na mistura da agua e do oleo e na separarao entre a nata do leite e 0 leite magro e em muitos outros exemplos Sera justa acreditar que essa massa de liquidos se dividiu em duas massas das quais a mais gorda se sobrepos a outra T Burnet Teiluris theoria sacra originem et mutationes generales orbis nostri quos aut jam subiit aut ohm subiturus est campleaens Amsterda 1699 p 17 22 agradero de corarao a Nicola Badaloni por ter me indicado essa passagem Para as alusoes sobre a cosmologia indiana v ibid pp 3447 5414 Um culto de base xamanista v C Ginzburg I benandanti op cit p XII Voltarei a esse tema num proximo trabalho mais amplo 28 p 104 A Reforma e a difusiio da imprensa sobre a relarao entre os dois feno menos v entre as ultimas coisas de E L Eisenstein lavenement de limpri merie et la Reforme in Annales ESC 1971 XXVI 135582 a saito histOrico v sobre 0 assunto 0 ensaio fundamental de Goody e J Watt The Consequences of Literacy in Comparative Studies in Society and History 196263 v 30445 que todavia curiosamente ignora 0 corte introdu zido pela invenrao da imprensa Sobre as possibilidades de autodidatismo ofe recidas por esta ultima insiste com justira E L Eisenstein The Advent of Printing and the Problem of the Renaissance in Past and Present nov 1969 45668 A tTaifiio v ACAU proc n 126 f 27v Observese que em 1610 0 lu gartenente veneziano A Grimani prescreveu que todos os processos friulanos nos quais estivessem implicados camponeses deveriam ser escritos em idioma vulgar v Leggi op cit p 166 p 105 a que e que voce pensa V ibid proC n 285 folhas na numeradas 6 de julho de 599 Procurar coisas maiores V ibid proc n 126 f 26v 29 p 106 Deus niio pode v Fioretto op cit ff A IIlvA rvr p 107 Muitos filOsofos V Fioretto op cit ff Crv as instrumentos lingiiisticos e conceituais utilize aqui embora com perspecti va diversa comoa foi dito no Prefacio a norao de outillage mental elabora da por Febvre v Ie probwe de lincroyance 0p cit p 328 ss 230 30 p 108 As imagens que brilham no Fioretto v por exemplo pp 812 31 Todos somosfilhos V ACAU proc n 126 f 17v Tem a mesma considerOliio ibid f 28r Chama todos ibid f 37v Paz mal s6 a si proprio ibid f 21v p 109 Todavia alem de pai as duas imagens eram tradicionais V K Tho mas Religion and the Decline of Magic Londres 1971 p 152 Santissima majestade por exemplo ibid f 20r etc Grande capitiio ibid f 6r Quem ird sentar ibid f 35v Eu disse que se Jesus ibid f 16v Quanto as indulgincias ibid f 29r p 110 E cOmo um feitor ibid f 3Ov a Espirito Santo ibid f 34r AtTaves Ms anjos ibid Assim como alguem ibid f 37r Quando 0 querer ibid Carpinteiro ibid f 15v Eu acredito ibid f 37r p 111 Esse Deus ibid f 31 V Deus tmico ibid f 29r as anjos observese que se realmente Menocchio como se supoe tive ra em maos 0 Dante con lespositioni de Christoforo Landino et dAlessandro Vel lutello ali pudera ler entre os comencirios de Landino ao canto IX do Infer no Menandrianos tomam 0 nome de Menandro magus discipulo de Simao Dizem 0 mundo nao ser feito por Deus mas pelos anjos f 58v Urn refle xo confuso e distorcido dessa passagem parece aflorar nas palavras de Menoc chio Neste livro Mandavilla me parece que diz que foi Simao 0 mago quem deu forma aos anjos Na verdade Mandeville nem sequer menciona Simao 0 mago Provavelmente esse desvio refletia urn momenta no qual Me nocchio se sentia confuso Depois de ter dito que suas ideias remontavam a leitura das Viaggi de Mandeville de cinco ou seis anos antes ouvira 0 in quisidor retrucar Consta que ha trinta anos ja possuia tais opinioes ACAU proc n 126 f 26v Pressionado Menocchio tentara sair da situarao atribuin do a Mandeville uma frase que lera em outro lugar provavelmente muitos anos antes e mudou rapidamente de assunto Mas essas sao simples conjec turas Da mais perfeita ibid f 37r 231 As primeiras cnaturas v Fioretto op cit f b VIIIr Vejam porim ibid f A my Eu acredito que 0 mundo todo v ACAU proc n 126 f 17r 32 p 112 Quem e esse tal de Deus ibid f IIv Quem e que voces pensam ibid f 8r o que i 0 Espirito Santo ibid f 12r Nunca se encontrard ibid f 24r Se pudessefalar ibid f 25r Eu disse ibid f 27v p 113 TradUfao itaJiantl v Stella Anabattismo e antitrinitarismo op cit p 7 1356 No centro do primeira obra de Servet sobre Servet v Cantimori Eretici op cit pp 3649 Autour de Michel Servet et de Sibastien Casteilion org B Becker Harlem 1953 R H Bainton Michel Servet hiritique et martyr Genebra 1953 Minha duvido i V ACAU proc n 126 f 16v Eu acredito que seja homem ibid f 32r Nam per Spiritum Pois por Espirito v M Servet De Trinitatis erroribus Haguenau 1531 reimpr Frankfurt am Main 1965 f 22r p1l4Acredito ACAU proc n 126 ff 16v 29v 21v Para a interpretacao do espirito da ultima citacao ver 0 que foi dito no cap 36 Spiritus sanctus Espirito Santo v Servet De Trinitais op cit f 28v Dum de spiritu Ao falar do Espirito ibid ff 60rv Quem i que voces pensam ACAU proc n 126 ff 2r Sr p 115 Omne quod Tudo 0 que cf Servet De Trinitais op cit ff 66v 67r 85v v tambem Cantimori Eretici op cit p 43 nota 3 Quem i que voces pensam ACAU proc n 126 ff 8r 3r e lOr 12v etc 2r 16v 12r Na Ittilia do siculo XVI os escritos de Servet v a carta do pseudoMelanch ton enviada ao Senado veneziano em 1539 e sobre isso v K Benrath Notiz tiber Melanchtons angeblichen Brief an den venetianischen Senat 1539 Zeitschriftfiir Kirchengeschichte 11877 pp 46971 0 caso do ourives mantova no Ettore Donato que conhecia 0 De Trinitatis erroribus em latim e afinnara Tinha urn estilo que eu nao entendia Stella Antlbattismo e antitrinitammo op cit p 135 sobre a difusao no ambiente modenense v J A Tedeschi e J von Henneberg Contra Petrum Antonium a Cervia relapsum et Bononiae concre matum in Italian Reformation Studies in Honor of Laelius Socinus org J A Te deschi Florenca 1965 p 252 nota 2 232 1 33 p 116 E uma traifiio ACAU proc n 126 f rrv p 117 Acredito que os homens ibid f Hr o dem8nio ibid ff 38rv Uma reJigiao camponesa No mundo dos camponeses na ha Iugar para a razao para a religiao e para a hist6ria E nao hi Iugar para a religiao justamen te porque rudo participa da divindade porque rudo e realmente e nao simboli camente divino 0 cell como os animais Cristo como a cabra Tudo e magia na rural As cerimonias da Igreja tambem se tomam ritos pagaos celebrantes da indiferenciada existencia das coisas dos infinitos deuses terrestres do Iugar C Levi Cristo si e fermato a Eboli Turim 1946 34 Dizse ACAU proc n 126 f 17r p 118 E entiio 0 homem V Fioretto op cit ff B VIIIrv 0 grifo e meu Quando 0 homem morn ACAU proc n 126 f lOY Os versos do Eclesiastes v Eclesiastes 318 ss Dixi in corde mea de filiis hominum ut probaret eos Deus et ostenderet similes esse bestiis Idcirco unus interitus est hominum et iumentorum et aequa utriusque conditio Sicut mo ritur home sic et ilia moriuntur Eu disse no meu coraCao acerca dos filhos dos homens que Deus os provava e Ihes mostrava que eram semelhante aos bruros Por isso uma e a morte dos homens bruros e de uns e outros e igual a condicao do mesmo modo que morre 0 homem assim morrem tam bern os brutos A esse respeito lembrese das acusacoes dirigidas dez anos antes contra 0 nobre de Pordenone Alessandro Mantica depois condenado pelo Santo Oficio como veementemente suspeito de heresia sem que se conhe cesse a base da sllspeita Entre elas havia a de ter defendido baseado nesses versos a tese da mortalidade da alma E atentos para fato podiase ler na sentenca datada de 29 de maio de 1573 de que 0 tal Alessandro sendo uma pessoa Ietrada na convinha que dissesse como 0 fez mais de uma vez para pessoas ignorantes quod iumentorum et hominum par esse interitus porque e igual a morte dos homens e dos animais sugerindo a mortalidade da alma racional Asven SantUjfizio b 34 fasc Alessandro Manuca ff 212r e sentenca Que entre as pessoas ignorantes estivesse Menocchio e uma suposiCao atraente mas indemonstravel alem do que desnecessaria Nesse periodo os Mantica tinham se aparentado com a familia Montereale v A Benedetti Documenti inediti riguardonti due matrimoni fra membri di signori castellani di Spilimbergo e la famiglia Mantica di Pordenone S I s d mas e Por denone 1973 o que voce pensa ACAtJ proc n 126 f 18v 233 35 p 119 0 senhor disse ibid ff ZOrv 36 p 120 Panteistn 0 termo panteismo foi cunhado por John Toland em 1705 v P O Kristeller La tradizione classica nei pensiero del Rinascimento trad hal Florema 1965J p 87 nota 5 Crenfa popular v Ginzburg 1 benandanti op cit p 92 Fale a verdade ACAU pmc n 126 f 21r p 121 Nosso espirito ibid f 2Ov Se acreditava ibid ff 2lrv Eu vos digo ibid ff 32rv E separado do homem ibid f 34v Dois espiritos v em geral a esse respeito as decisivas consideraoes de F eb vre Le probleme de Iincroyance op cit pp 16394 37 E e verdade v Fioretto op cit ff B IlvB IIIr p 122 Essn distinfiio v tambem Febvre Le problbne de lincroyance op cit p 178 a respeito da distinrao fonnulada por Postel entre animus em frances anime imortal e anima em frances lime Observese porem que para Postel esta ultima que e ligada ao Espfrito enquanto a anime e iluminada pela mente preciso voltar v sabre isso G H Williams The Radical Reformation op cit Indice sub voce psychopannychism id Camillo Renato c 15001575 in Italian Reformation Studies op cit p 106 ss pp 16970 passim Stella Dallanabattismo op cit p 3744 Atraves da infiuenaa direta de Renato v os depoimentos de urn seguidor val tellinense de Renato declarou ter a mesma fe que ele Giovanbattista Tabacchi no amigo do anabatista de VicenzaJacometto stringaro v Stella Anabattismo e antitrinitarismo op cit lndice sub voce Tabacchino Cai por terra portanto a prudente reserva fonnulada par Rotondo V c Renata Opere tkJcumenti e testi monianze org A Rotondo Corpus Refonnatorum Italicorum FlorentaChica go 1968 p 324 Observese porem que 0 oplisculo La revelatione mantido manuscrito nos autos inquisitoriais venezianos e ate 0 momenta atribufdo a Jaco metto striagaro v Stella Anabattismo op cit pp 6771 que publica longos tre chos C Ginzburg I costituti di don Pietro Manelfi Biblioteca del Corpus Refor matorwn ltalicorwn FlorentaChicago 1970J p 43 n 22 e na verdade obra de Tabacchino V ASVen SantUjfizio b 158 liber quartus f 53v 0 opusculo que era destinado aos companheiros de seita reunidos na T urquia merece urna anilise mais profunda pelas estreitas relatoes do autor com Renata Ao ultimo nao 234 tinham ainda side atribuidas doutrinas antitrinicirias v Renata Opere op cit p 328 enquanto La revelatione de Tabacchino e explicitamente antitrinitaria Sustentavam que a anima v Stella Anabattismo e antitrinitarismo op cit p 61 Os grifos sao meus Dutro inferno v C Ginzburg I costituti op cit p 3S o pdroco de Polcenigo V Asven SantUjfizio b 44 De Melchiari don Daniele p 123 Vaise para 0 paraiso ibid f 23v etc En me lembro ibid ff 66rv p 124 Pridicas cito a editao veneziana de 1589 ff 46rv A primeira edi taO e de 1562 Sabre Ammiani au Amiani que foi secrecirio da ordem e partici pou do concfiio de Trento V a verbete escrito par G Alberigo in Dizionario bio graftco degli italiani Roma 1960 II 7767 Ai esci frisada a atitude de Amiani hostil a controversia antiprotestante e favonivel par sua vez a proposta tradi cional principalmente a patristica Isso fica evidente mesmo nestes Discorsi depois de alguns poucos anos outras duas partes foram anexadas onde a po iemica explicita contra as luteranos e encontrada s6 no 40u discurso Che cosa habbia fatto il scelerato Luthero can i suoi seguaci ff S1rv Ad perjidam it pirfida V ASVen SantUffizio b 44 f gOr A alusao a Wyclif em urna sententa inquisitorial do periodo e absolutamente excepcional 38 p 125 Eu acredito v cap 35 o jilho ACAU proc n 126 ff 31v32r p 126 Sim senhores ibid f 32v Os lugares ibid f 33v 39 Disse v cap 35 p 127 Eu gosto que se pregue ibid f 28v Acredito que sejam boas ibid f 29r Porque Deus ibid f 35r Eu acredito ibid lntelecto ibid ff 32rv Os olhos ibid f 35v p 128 Paraiso e um lugar V Mandavilla Qual tratta op cit f SIr Acredita ACAU proc n 126 f 38v 40 Meu espirito ibid f 30r Nas sociedades V GoodyWatt The Consequences op cit L Graus 50 235 cial Utopias in the Middle Ages in Past and Present dez 1967 38 319 E Hobsbawm The Social Function of the Past Some Questions ibid maio 1972 55 317 Sempre ritil M Halbwachs Les cadres sociaux de la memoire I ed 1925 Paris 1952 Quando Adiio Vhen Adam delved Eve span Vho was then a gende man e urn proverbio famoso do qual se encontram vestigios desde a revolta dos camponeses ingleses de 1381 v R Hilton Bon Men Made Free Medieval Peasant Movements and the English Resing of 1381 Londres 1973 pp 2223 19reja primitiva V em geral G Miccoli Ecclesiae primitivae fonna in Chiesa Gregoriana Florenta 1966 p 225 ss Gostnria ACAU proc o 126 f 35r p 129 A crise do etnocentrismo v Landucci 1ftlosoft op cit W Kaegi Voltaire e 1a disgregazione della concezione cristiana della storia in Medita zioni storiche trad itaI Bati 1960 pp 21638 Martinho conhecido como Lutero v Foresti Supplementum op cit ff CCCLVRv mas a numerataO esta errada 41 p 131 Mantido ACATJ proc n 132 declararao do paroco Odorico Vo rai 15 de fevereiro de 1584 Nas tavernas ibid proc n 126 f 9r Criticado e falado mat ibid e v ff 7v IIr etc Ele me M ibid proc n 132 folhas nao numeradas depoimento de 18 de fevereiro de 1584 p 132 Faur ibid proc n 126 f 13v Este aqui ibid f IOv Disse tais coisas ibid f 12v Quando disse ibid proc n 132 folhas nao numeradas depoimento de 25 de abil de 1584 Que Deus os guarde ibid proc n 126 f 27v Naquela tarde ibid ff 23v24r Se tornar bandido v E J Hobsbawm 1 banditi trad ita Turim 1971 Uma gerafao antes v cap 7 Introduao 42 p 133 Comefa ACAU proc n 126 f 34v Superioribus Alguns anos Mundus novus s c s d 1500 foIhas nao numeradas 0 grifo e meu p 134 Numa carla a Martim Butzer v Opus epistoarum Des Erasmi og P S Allen Oxfmd 1928 VlI 2323 Capitolo encontrase em apendice a Begola contra la bizaria Modena s 236 d uso 0 exemplar conservado pela Biblioteca Comunale dell Archiginnasio Bolonha assinalado 8 Lett it Poesie varie caps XVII n 43 Nao consegui identi6car 0 tip6grafo V R Ronchetti Bassi Carattere popolare della stampa in Modena nei secoli XVXVIXVII Modena 1950 Pais da Cocanha v Graus Social Utopias op cit p 7 ss que todavia nao valoriza a importancia da difusao deste tema e suas ressonancias populares Em geral v Bakhtin Loeuvre de Franois Rabelais op cit passim Notese de pas sagem que no nouveau monde que 0 autor imagina descobrir pela boca de Pantagruel existe urn reflexo da Cocanha que foi revelado por E Auerbach Mi mesis II realismo nella letteratura occidentale trad itaI Turim 1970 II 3 ss es pecialmente p 9 Para a tilia sempre fundamental v Rossi II paese di Cuccag na nella letteratura italiana em apendice a Le lettere di messer Andrea Calmo Turim 1888 pp 398410 Algumas indicacoes uteis no ensaio de G Cocchia ra na coletanea homonima II paese di Cuccagna Turim 1956 p 159 ss Para a Frana v A Huon Le roy Sainct Panigon dans limagerie populaire du XVI siecle in Franrois Rabelais Ouvrage publii pour Ie quatrieme centenaire de sa mort 15531953 GenebraLille 1953 pp 21025 Em geral v E M Ackennann Das Schlaraffenland in German Literature and Folk song with an Inquiry into its History in European Literature Chicago 1944 p 136 Esses elementos nisso insiste por exemplo 0 ensaio citado de Coc chiara sem entretanto ligiIos as descri6es dos indigenas americanos sobre a ausencia da propriedade privada v R Romeo Le scoperte americane nella coscien za italiana del Cinquecento 1v1ilaoNapoles 1971 p 12 ss Uma leve indicaao dessa ligaao in Ackennann Das Schlaraffenland op cit p 82 e principal mente 102 Nao apenas os temas serios proibidos poderseia recorrer aos comenta rios de Freud sobre chistes contra institui6es proposir6es da moral ou da religiao concep6es de vida que gozam de tamanho respeito que uma objerao a elas s6 pode ser feita recobrindoa sob a forma do chiste v 0 comentario de F Orlando Per una teoria freudiana della letteratura Turim 1973J p 46 ss No decorrer do seculo XVII a Utopia de Thomas More e incorporada a coletaneas de paradoxos frfvolos ou humoristicos Anton Francesco Doni v P F Grendler Critics of the Italian World l530 1560 Anton Francesco Doni Nicoli Franco and Ortensio Lando Visconsin 1969 Usei a edirao do Mondi de 1562 Mondi celesri te1Testri et infernali de gli acade mici pellegrini 0 diilogo sobre 0 Mondo nuovo encontrase nas pp 17284 Utopia nao i camponesa v Graus Social Utopias op cit p 7 que afir rna que 0 cenirio da Cocanha nao e jamais urbano Parece que a Historia nuova della cittiJ di Cuccagna e uma excerao foi impressa em Siena por volta do final do seculo xv citada por Rossi Le lenere op cit p 399 infelizmente nao con segui encontrar tal texto p 137 Me agrada v Doni Mondi op cit p 179 o antigo mito da idade do ouro v A O Lovejoy e G Boas Primitivism and 237 Related Ideas in Antiquity Baltimore 1935 H Levin The Myth of the Golden Age in the Renaissance Londres 1969 e H Kamen Golden Age Iron Age A Con flict of Concepts in the Renaissance in the Journal of Medieval and Renaissance Studies l974 4 lJS55 Um mundo novo diverso v Doni Mondi op cit p 173 Podia ser projetado no tempo para essa distinao v N Frye Varieties of Li terary Utopias in Utopias and Utopian Thought org F E Manuel Cambridge Mass 1966 p 28 e dos bens v Doni Mmuli op cit p 176 Tudo era comurn os campone ses se vestiam como os da cidade Cada urn levava 0 fruto do seu rrabalho e se apos sava do que tivesse necessidade Nao precisava vender revender comprar AlusiJes do Supplementum v Foresti Supplementum op cit ff CCCXXXlXV CCCXLR Por ter lido v ACAU proc n 126 f 34r Mundo novo citadino sobre 0 significado da utopia urbana de Doni v as paginas muito superficiais de G Simoncini Citta e societa nel Rinascimento Tu rim 1974 l 2713 e passim A religiiio privada de ritos v Grendler Critics op cit pp 1756 mais em geral p 127 ss As observar5es de Grendler nao sao sempre convincentes por exemplo falar de materialismo ate certo ponto explfcito em se tratando de Doni e forrar demais V alem disso hesita5es significativas as p 135 e 176 De qualquer modo as inquieta6es religiosas de Doni nao deixam drividas Mas parece que A Tenenti na as percebeu LUtopia nel Rinascimento 1450 1550 in Studi stand 1966 VII 689707 que fala referindose ao mundo novo de teocracia ideal p 697 Conhecer Deus v Doni Mondi op cit p 184 Grendler p 176 fala de or thodox religious coda na verdade essas palavras vao contra a religiao simplifica da veementemente defendida por Doni V tambem ACAU proc n 126 f 28r Seujejum ibid f 35r p 138 Lamento Lamento de uno poveretto huomo sopra la carestia con luniversale allegrezza dellabondantia doicissimo intertenimento de spiriti galanti s c s d consultei 0 exemplar conservado na Biblioteca Comunale dell Archigin nasio Bolonha assinalado 8 Lett it Poesie vane caps XVIll n 40 Quaresma e carnaval sobre a visao cfclica implicita nas utopias populares insiste Bakhtin v Loeuvre de Franfois Rabelais op cit p 211 e passim Ao mesmo tempo porem atribui contraditoriamente urn valor de ruptura irrever sivel com 0 velho mundo feudal a conceprao de mundo carnavalesca do Re nascimento v p 215 256 2734 392 Essa sobreposiao de urn tempo unilate ral e progressivo a urn tempo cfclico e escitico revela 0 quanto se foram as caracteristicas subversivas da culrura popular que e 0 aspecto mais discuovel desse livro que apesar de tudo continua sendo basico v tambem P Campo resi Carnevale cuccagna e giuochi di villa Analisi e documenti in Studi e problemi di entica testaale abr 1975 10 57 ss 238 p 139 Roizes populares das utopias v ibid p 17 201 98103 e passim v tambem a nota precedente 0 problema e colocado no caso de Campanella par L Firpo La cite ideale de Campanella et Ie culte du Soleil in Le solei ilia Re naissance Sciences et mythes Bruxelas 1965 p 331 Muito velho v Bakhtin Loeuvre de Franfois Rahelais op cit pp 8990 Renascenfa v ibid p 218 462 e sobretudo G B Ladner Vegetation Symbolism and the Concept of Renaissance in De artibus opuscula XL Essays in Honor of Erwin Panoftky arg M Meiss Nova York 1961 I 30322 V tambem id The Idea of Reform Its Impact on Christian Thought and Action in the Age of the Fathers Cambridge Mass 1959 Sempre importante K Burdach Riforma RinascimentoUmanesimo trad ita Florenra 1935 pp 371 Nao 0 Filho do Homem v Daniel 713 ss Tratase de urn dos textos fun damentais da literatura milenarista 43 Uma longocarta ACAU proc n 126 folhas nao numeradas Inutilmente pedida cf acima p 49 45 p 142 Os transmontanos v M Scalzini 11 secretario Veneza 1587 f 39 Dam Curzio eelina v fasc de escrituras notariais por ele redigidas in ASP Notanle b 488 n 3785 p 143 AliterafiJes v P Valesio Strutture dellalliterazione Grammatica reto nca e folklore verbale Bolonha 1967 particulannente p 186 sobre a aliterao na linguagem religiosa p 144 Dissera no processo ACAU proc n 126 f 34v p 145 A sentenfa ibid Sententiarum contra reos S Officii liber II ff Ir XIV A abjurarao se encontra em ff 23r34r p 148 No Supplementum v ff CLIIIVCLIVr CLVIlr 47 p 149 Emhora eU ACATJ Sententiarum conrra reos S Officii liber II f 12r o carcereiro ibid ff 15rv p 150 mandaram trazer Menocchio ibid ff 16rv p 151 0 bispo de Conctfrdia ibid ff 16v17r 239 48 Em 1590 ACAU Visitacionum Personalium anni 1593 usque ad annum 1597 pp 1567 p 152 Um testemunho do mesmo periodo ASP Notarile b 488 n 3785 ff 1r2v p 153 No mesmo ano ibid ff 6rv Em 1595 ibid ff bv 17v com a morte do filho ACAU proc n 285 folhas nao numeradas 49 p 154 No carnavai ibid As folhas deste processo nao sao numeradas Beati qui non viderunt Joao 2029 p 155 Soube que dom Odorico v ACAU proc n 285 folhas nao numera das 11 de novembro de 1598 depoimento de dom Ottavio dos condes de Mon tereale Interrogou 0 novo puroco ibid 17 de dezembro de 1598 p 156 Dom Cunio Cellina ibid 50 p 157 Um ceTto Simon ibid 3 de agosto de 1599 p 158 Talvez tenha rido a recusa v Stella Anabattismo e antitrinitarismo op cit p 29 e id Guido da Fano eretico del secolo XVI al servizio dei re dInghilterra in Rivista di storia della Chiesa in Italia 1959 VIII 226 51 p 159 Um taverneiro foi interrogado v ACAU proc ll 285 folhas nao llU meradas 6 de maio de 1599 Se Cristo fosse Deus tratase de uma Erase blasfema corrente como se pode observar par exemplo pela testemunha de 1599 contra Antonio Scudella rio conhecido por Fomasier que morava nas proximidades de Valvasone ACAU Anno integro de 1599 a ll 341 usque ad 404 incl proc n 361 Mesma obseroaiio jocosa v A Bosechi Symbolicarnm quaestionum libri quin que Bolonha 1555 ff LXXXLXXXI A tal simbolo voltarei em outra ocasiao Acredito que tivesse ACAti proc n 285 folhas nao numeradas 6 de julho de 1599 52 p 160 Eductus retirado ibid 12 de julho de 1599 240 Dei aula de abaca correspondia ao grau mais elementar de ensino Sabre esse episodio da vida de Menocchio nao remos infelizmente mais noticias p 162 No Supplementum nao consigo encontrar a pagina exata v em todo casa Foresti Suppkmentum op cit ff 180rv 53 p 164 Era melhor simular v C Ginzburg II nicodemismo Simulazione e dissimuiazirme religiosa nellEuropa del 500 Turim 1970 Nons sommes Chrestiens v M de Montaigne Essais org A Thibaudet Paris 1950 p 489 livro II cap XlI Apologie de Roimond SebonJ p 165 Ao inquisidordeclarou v ACAU proc n 285 folhas nao numeradas 19 de julho de 1599 Ele disse continue v LAlcorano di IlIaometto nel qual si contiene la dottrina la vita i costumi et Ie leggi SUe tradotto nuovamrnte dallarabo in lingua italiana Ve neza 1547 f 19r p 166 Rilciocinando muito pouco v ACAU proc n 285 12 de julho de 1599 Em seguida ibid 19 de julho de 1599 E verdade que os inquisidores ibid 12 de julho de 1599 54 p 167 Em nome ibid folhas nao numeradas 55 p 168 Fezjustamente a personalizaao abre uma brecha sobre as atitu des das classes populares do perfodo relativamente a morte atitudes que co nheeemos ainda muito poueo De fato as raros testemunhos a respeito apare cern quase sempre filtrados par estere6tipos deformantes v como excmplo a citaao in Mourir autrefois org M Vovelle Paris 1974 pp 1002 56 p 169 Eu nao quero ACAU proc n 285 folhas nao numeradas 19 de ju Iho de 1599 57 ser torturado em geral v P Fiorelli La torturo gilldiziu1ia net diritto co mune Milao 1953542 v p 170 0 aborrecimento v Stella Chiesa e Stato op cit pp 2901 A de claraao de Bolognetti e de 1581 241 58 p 171 Homens v C Ginzburg Folklore 0p cit p 658 Para casos analogos na Inglaterra v Thomas Religion op cit p 159 ss o velho campanes ingles ibid p 163 e 0 comentario de Thompson Anthropology op cit p 43 aqui quase reproduzido literalmente Sobre 0 papel ativo ate mesmo inovador das classes populares no que se refere a reli giao v 0 trabalho de N Z Davis que polemiza com aqueles que estudam a re ligiao popular do ponto de vista das classes superiores ou ate mesmo do clero e vendoa portanto unicamente como simplificacao au distoro com sentido de magia da religiao oficial v N Z Davis Some Tasks and Themes in the Study of Popular Religion in The Pursuit of Holiness in Late Medieval and Re naissance Religion org C Trinkau5 e H A Oberman Leiden 1974 p 307 55 Num plano mais geral v a que foi dito no Prefacio sobre as discussoes do con ceito de cultura popular p 172 Scotio v 0 bela ensaio de E Donadoni Di uno sconosciuto poema eretico della seconda meta dei Cinquecento di aurore lucchese in Studi di Jet teratura italiana 1900 II 1142 pecando pela insistencia em estabelecer nexos diretos entre 0 poema de Scolio e as doutrinas anabatistas Berengo retomando tal ensaio v Nobiti e mercanti op cit p 450 ss atenuou as condusoes embo ra nao as tivesse afustado totalmente por urn lado afirmou que seria esteril es forarse para situar este texto no ambito de uma corrente religiosa bern defini da e por outro ligou Scolio ao veio do racionalismo popular Deixando de lado as reservas quanta a essas express6es v penultima nota do cap 9 a liga ao nos parece inaceitavel Sobre 0 autor v a sugestiva hip6tese de Donadoni que prop6e a identificaao de Scolio com 0 queijeiro Giovan Pietro di Dez za obrigado a abjurar em 1559 Di uno sconosciuto op cit pp 134 A re daao do poema como advertiu 0 autor na ultima pagina levou sete anos por isso Settennario a partir de 1563 Para conduilo mais tres anos Reflexos da poesia de Dante aMm da remissao direta a Dante BGL illS n 1271 f 9r observar versos como Esta sabre a escada a alma de Beatriz ib ou que estavam ainda em terra no calor e no frio v Paradiso XXI 116 Ever Donadoni Di uno sconosciuto op cit p 4 Profetos BGL ms n 1271 f lOr Maomi ibid f4v e Donadoni Di uno sconoscito op cit p 21 Na ultima pagina do poema Scalia inseriu uma ambigua retrataao porque quando 0 escrevi estava fora da minha razao forcado a escrever Estava cego mudo e surdo e como aconteceu nao me lembro bern ibid p 2 As corre C6es e as anotapes marginais feitas a maioria dos trechos citados aqui sao fru to de tal retratacao p 173 Turco tu BGL ms n 1271 f lOr E Donadoni Di uno sconos ciuto op cit p 28 Grandes preceitos BGL ms n 1271 f lOr 242 Niio se adore ibid f 19r E Donadoni Di uno sconosciuto op cit p 130 5S Circuncisese BGL ms n 1271 f 15r E Donadoni Di uno sconosciuto op cit p 90 E se eu lhes disse BGL ms n 1271 f 2r E Donadoni Di uno sconosciu to op cit p 120 p 1740 meu batismo BGL ms n 1271 f 2r Glosa BGL ms n 1271 f lOr Que nao haja colunas v ibid f ISr no texto ma organi ma campanil sigo as emendas de Donadoni Di uno sconosciuto op cit pp 945 Inchada BGL ms n 1271 f Ir p 175 Se 0 Senhor meu ibid f 16r Nao existam v ibid f I3r E Donadoni Di uno sconosciuto op cit p99 Que 0 jogo BGL ms n 1271 f 13r e em parte Donadoni Di uno sco nosciuto op cit p 97 p 1761dade do ouro v Donadoni Di uno sconosciuto op cit p 34 Em maos BGL ms n 1271 f 14r Homem ou mulher v Donadoni Di uno sconosciuto op cit pp 10297 S6 i liato BGL ms n 1271 f 19r Deus me levou ibid f 4r p 178 Esse paraiso v Donadoni Di uno sconosciuto op cit pp 12830 A consciencia de Scalia transparece numa nota acrescentada posteriormente a margem de wna das descrioes do parafso Eu sendo 0 profeta e rei dos lou cos fui trazido ao grande paraiso dos loucos dos tolos dos torpes e esrupidos no paraiso das delicias ou dos asnos e pareceume ver todas essas coisas mas acima de tudo deixo isso a seu julgamento Tratase mais wna vez de uma re trataao ambigua e sem convicao a que na verdade confirma quanta 0 mito da Cocanha impregnava a mente dos camponeses 0 paraiso das delicias au de licioso era sinonimo do paraiso terrestre Para os nexos possiveis entre a parai so maometano e 0 da Cocanha v tambem Ackermann Dos Schlaraffinland op cit p 106 Has sao asnos e nao Urini como erroneamente leu Donado ni Di uno sconosciuto op cit p 128 59 p 178 Pizeramme v Donadoni Di uno sconosciuto op cit p 8 Pilosafo v cap 53 BGL ms n 1271 f 30r E Donadoni Di uno sco nosciuto op cit p 40 No obedecer BGL ms n 1271 f 12r p 179 Reservada deixo de lado aqui elementos de diffcil interpretaao como as diversas cita6es da antropofagia surpreendentemente legitimada tan to no ceu como na terra Ao rei por sua vontade a alguns por necessidadel co 243 mer carne humana nao e coisa fmpialcomea 0 verme devoraa 0 fogoo pri meiro sendo da terra e 0 outro nao e menos do ceu ibid f 13r Se a alguem viesse vontade de saborearl carne humana como a que teve na terral ou como qualquer outro alimento provarl ja que aqui cada urn guarda a vontade para si mesmol logo ve que a trazemle pode comer sem brigas ou guerra rodo e lici to no ceu rodo e bemfeitol acabou a Lei foi rompido 0 Pacto f 17r Dona doni sem ser muito convincente interpreta essa ultima passagem como uma alusao a sodomia Di uno sconosciuto op cit p 127 Pellegrino Baroni para outras noticias sobre esse personagem remeto a urn ensaio de pr6xima publicaao de A Rotondo Em 1570 v ASM Inquisizione b 5b fusc Pighino Baroni folhas parcial mente numeradas No fasc estao as c6pias de dois testemunhos relativos ao pro cesso ferrarense 1561 p 180 A presenra macira de moleiros v Heresies et sodetes dans IEurope priindustrielle 11 18 siec1es ParisHaia 1968 pp 1856 27880 cP Cla sen Anabaptism op cit pp 319204325 o poeta satirico v Andrea da Bergamo Piero Nelli Delle satire alia car lona libro secondo Veneza 1566 f 36 v p 181 A hostilidade secular v principalmente R Bennett e Elton His tory of Com A1illing III Feudal Laws and Customs Londres 1900 reimp Nova York p 107 ss e passim v tambem os textos recolhidos por G FenwickJo nes Chaucer and the Medieval Miller in Modern Language Quarterly 1955 XVI 315 Fui ate 0 inferno v DAncona La poesia popolare italiana Livorno 1878 p264 Terreno mole v Andrea da Bergamo Piero Nelli Delle satire op cit f 35v Padres e frades v ASM Inquisizione b 5b fusc Pighino Baroni folhas nao numeradas 1 Q de fevereiro de 1571 Ja no processo de 1561 uma testemunha dissera ter ouvido Pighino dizer muitas coisas estranhas sobre a missa no seu moinho p 182 As prrfprias condifoes de trahalho R Mandrou insiste neste ponto in Heresies et societes op cit pp 27980 o caso de Modena v C Violante ibid p 186 Vinculo de dependencia direta v M Bloch Avenement et conquete du moulin a eau in Melanges historiques Paris 1963 Il 80021 60 p 183 Em 1565 v ASVat Concilio Tridentino b 94 fasc Vzsita della diocesi di Modona 1565 f 90r e tambem f 162v a prop6sito de uma visita feita quatro anos depois e f 26Ov Natak Cavazzoni v ASM Inquisizione b 5b fasc Pighino Baroni ff 18v19r 244 Padre ibid f 24r p 184 Repetiu a lisla ibid f 25r Chegando a Bolonha v A Rotondo Per la staria delleresia a Bologna nel secolo XVI in Rinascimento 1962 XIII 109 ss Numa passagem da Apologia v Renato Opere op cit p 53 In domo equitis Bolngnetti na casa do cavalheiro num primeiro momento Rotondo identificou essa personagem com Francesco Bolognetti v Per la staria op cit p 109 nota 3 mas aquele tornouse senador s6 muitos anos depois em 1555 v G Fanrozzi Notizie degli scrittori bolognesi Bolonha 1782 II 244 E as sim na ediao das obras de Renato Rotondo abandonou a identificaao v indice de nomes A hip6tese de que se tratasse de Vincenzo Bolognetti e aceicavel ja que de aparece desde 1534 entre os magistrados e gonfahnieri quem carregava a ban deira do municipio N T v G N Pasquali Alidosi I signori anziani c07lSoli e gon fahnieri di giustizia della ctttP di Bologna Bolonha 1670 p 79 p 185 Iniciabnente onze v ASM Inquisizione b 5b fasc Pighino Baroni ff 12v 30r Outubro de 1540 v Renata Opere op cit p 170 Seu nome era Turchetto ibid p 172 A identificaao deste ultimo com 0 frade Tommaso Paluio dApri conhecido por Grechetto proposta por Roton do nao me parece muito convincente Que se tratasse em vez de Giorgio Fila letto conhecido por Turca ou Turchetto foi sugestao de Silvana Seidel Menchi a quem agradeo de coraao p 186 Eu acreditava v ASM Inquisizione b fusc Pighino Baroni f Bv A tese do sono das almas v Renato Opere op cit pp 645 e Rotondo Per la storia op cit p 129 ss Os anabatistas venetos v cap 37 A passagem em que siio Paulo Os Tessalonicenses 4 13 ss Nolumus au tern vos ignorate fratres de donnientibus ut non contristemini sicut et celeri qui spem non habent Si enim credimus quod Iesus morrou est et resurrexit ira et Deus cos qui dormierunt per Iesum adducet cum co etc innaos nao que remos que ignoreis 0 que se refere aqueles que jazem adormecidos para ficar des tristes como os outros que nao tern esperana Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou assim tambem aqueles que adormeceram por Jesus Deus os Jeva ra com ele V WIlliams Camillo Renato op cit p 107 p 187 Niio 0 lera v ASM Inquisizione b 5b fusc Pighino Baroni f 2v e tambem v f 29v 0 Fioretto havia sido colocado no Index v nota do cap 12 E todas as coisas v Fioretto op cit f AVIv Alguma coisa ibid f B lIr Que todas as almas ibid ff Crv p 188 Niio Ii v ASM Inquisizione b 5b fasc Pighino Baroni f 30r Ell fjueria inferir v ASM Inquisizione b 25 fusc Pighino Baroni f 20 Comhatessem juntos v ACAU proc n 285 folhas nao numeradas I9 de julho de 1599 245 Pighino afirmara v ASM Inquisiziane b 5b fasc Pighino Baroni folhas nao numeradas l de fevereiro de 1571 e f 27r p 189 Que se pregue v caps 39 e 54 61 As raizes populares v Bakhtin Loeuvre de Franfois Robelais op cit o perfodo subsequente para urn quadro geral v J Delumeau Le catholicis me entre Luther et Voltaire Paris 1971 principalmente p 256 ss Interessantes perspectivas de pesquisa prop6e J Bossy The CounterReformation and the People of Catholic Europe in Past and Present maio 197047 5170 Uma periodizaao analoga foi proposta por G Hennigsen The European WitchPer secution Copenhague 1973 p 19 p 190 A guerra dlJs componeses seria bemvinda uma pesquisa sobre a reper cussao na sua totalidade dessa guerra inc1uindo os efeitos indiretos e remotos Mas a evangelizafiio do campo para esta comparaao v Bossy The CounterReformation op cit o rfgidIJ controle para os vagabundos v bibliografia acima pemiltima nota do cap 8 Preficio para os ciganos v H Asseo Marginalite et exclusion Ie traitement administratif des Bohemiens dans Ia societe franaise du XVII siecle in Problwes socioculturels en Frttnce au XVI Siecle paris 1974 pp 1187 62 5 dejunho de 1599 v ACAU Epistolae Sac Congo S Officii ab anno 1588 usque ad 1613 incl folhas nao numeradas Santoro esteve proximo do pontifi cado no conclave que acabou elegendo Clemente VIII 0 que a prejudicou foi sua fama de severo p 191 Ele proprio um ateu portanto nao um negador da divindade de Cris to como pareceu num primeiro momento mas algo ainda pior Sobre a tenni nologia v em geral H Busson Les noms des incredules au XVI siec1e in Bi bliotheque dHumanisme et Renaissance 1954 XVI 27383 p 192 Depois de pouco tempo em 26 de janeiro de 16000 dote de Giovanna Scandella foi registrado diante do tabeliao e 0 ato se realizou domi heredum quondam ser Dominici Scandelle ASP Notarile b 488 n 3786 f 27v Temos cmew disso v ACAU Ah anno 1601 usque ad annum 1603 incl a n 449 usque ad 546 incl proc n 497 Devese corrigir Paschini Eresia op cit p 82 que afirma com base em documentos por ele levantados que 0 linico in dividuo justiado peIo Santo Oficio friulano foi urn marceneiro alemao em 156S 246 iNDICE ONoMAsTICO Abdallah ibn Salvam 165 Abraao 44 172 Ackermann E M 237 243 Adao 37 101 107 12S IS7 236 Agostinho santo 96 129 Alberigo G 235 Aldrovandi Ulisses 223 Alidosi G N Pasquali 245 Allen P S 236 Amadeo Giorglo 218 Amaseo Gerolamo 69 Ammiani Sebastiao 124235 Ana Sant 73 Andrea Bartolomeo di 80 206 Apri Tommaso Paulo d Grechetto 245 Asolo Benedetto d 79 Asseo H 246 Asteo Gerolamo 923 1545 160 164227 Atkinson G 226 Auerbach E 237 Autun Honorio d 67 96 220 Averrois 122 Avolio Giovanni d 183 Azzoni A 221 BadaIoni Nicola 230 Bainton R H 232 Bakhtin Mikhail 10 15 189 201 2052182379246 Baroni Pellegrino Pighino a gordo 17983 IS5S 2446 Basadona Giovanni 214 Bassano Jacopo 209 218 Bassi V R Ronchetti 237 Battistella A 200 213 222 Beauvais Vicente de 83 226 Becker B 232 Be1zebu60 Benacci Alexandra 221 Benedetti A 209 233 Benedetto FIorito di 153 Benjamin Walter 26 205 BennettJ W 221 226 Bennett R 244 Benrath K 232 Berelovic A 201 Berengo M 2089 213 216 242 Bergamo Andrea da Pietro Nelli 55 ISOI 215 244 Bermani C 200 Bianchi G Sassoli de 213 Biasutti Guglielmo 27 Bionima Andrea 33 43 6970 116 20910 Bloch Marc 224 244 Boas G 237 Boccaccio Giovanni 68 93 227 Bocchi Achille 159 Bogatyrev P 204 Bolleme Genevieve 145 18 22 200 1204 Bolognetti Alberto 170 185 245 Bolognetti familia 184 Bolognetti Francesco 245 Bolognetti Vincenzo 1834245 Bonicello Ventura 215 Bonini Vincenzo 184 Bordenave 217 247 Boscchi A 240 Bossy 246 Branca V 227 Braudel F 204 Brecht BertoIt 11 199 Brown P 221 Brucioli Antonio 220 Bruegel Pieter 189 Brunner 0 204 Bruno Giordano 191 Burdach K 239 Burnet Thomas 10322930 Busson H 246 Butzer Martim 134 236 Calderari Giovanni Maria Zaffoni 73 224 Calmo Andrea 237 Camillo Renato 122 184234 ver tambim Ricci Paolo Campanella Tommaso 239 Camporesi Piero 27 205 238 Cantimori D 2045 216 219 227 232 CantU c 206 Capel Giorgio 69 222 Capola Daniel 206 Caravia Alessandro 5960 64 66 6899313121892212 Castellione Sebastiano 94 227 Castello Alberto da 67 73 220 Cavazzoni Natale 183244 Ceccaroni A 224 Cecho Anna de 68 Cellina Curzio 142 1567 210 23940 Certeau M de 202 Cesar Caio JUlio 24 Chabod F 215 219 Chaunu P 199 203 Chittolini G 206 214 Chiuppani G 209 222 Cioni A 220 248 Cipolla C 222 Cirenaica Simlo da 85 Cirese A M 200 Clara santa 224 Clasen cF 214 244 Clemente v papa 221 Clemente VIII papa 61191246 Cocchiara G 237 Colombo Crist6viio 24133 Colussi Daniele 207 Coradina Tita 69 Corner Carlo 49 Corneto Bernardo 152 Cossio Andrea 208 Crispoldi Tullio 802 225 Cristoviio sao 159 227 DAncona A 244 dOrlandi L 208 Dandolo M 215 Danesi familia 184 Dante Alighieri 102 172 228 231 242 Dannon 201 Davi rei de Israel 123 127 172 Davis Natalie Zemon 16201242 de Biasio Daniele 151 158 de Biasio L 215 de Frede C 221 De Lazzari senhor 57 De Martino E 199 Dechend H von 229 Deloio Antonio 218 Delumeau Jean 246 Derridaacques 17 202 Descartes Rene 25 205 Dena Giovan Pietro di ver Scolio Diaz Furio 22 204 Dionisotti C 223 Dolan Jay 27 Donadoni E 2424 Donato Elio 180 Donato Euore 232 Doni Anton Francesco 1367 2378 Dupront A 201 203 Durer Albrecht 59 218 Eco Umberto 224 Eisenstein E L 230 Elias 172 Elliott John 27 Elton 244 Emerico Nicolau 196 Enzensberger H M 199 Erasmo de Rotterdam 134 Eva 37 101 128 Fantuzzi G 245 Fasseta Antonio 210 Fasseta Daniele 33 40 210 Fasseta Francesco 32 34 40 44 120 210 Fattorello F 209 Febvre Lucien 24 205 227 230 234 Femenussa Domenego 39 212 Filaletto Giorgio Turca ou Turchet to 113 185245 Fileno Lisia 1846 ver tambim Ricci Paolo Fiorelli P 241 Firpo L 239 Fischer U 227 Forcroy Bonaventure 211 Foresti Jacopo Filippo 68 71 96 12931137148162221223 228236238241 F omiz Antonio 218 Fortini F 199 Fosco Leonardo 209 Foucault Michel 168 194 2023 211 Franceschi Dominico de 224 Freud Sigmund 224 237 Frugoni Chiara Settis 227 Frye N 238 Furet Franois 20 203 222 Furlan 224 Gabriel arcanjo 37 165 Galateo Girolamo 122 Garin E 223 Gauvard C 201 Gerbas Domenico 69 Gerbas Melchiorre 120 131 182 Geremek B 205 Giberti Gian Matteo 81 22 5 Gilbert Felix 27 Ginzbutg Carlo 1935203212215 21721922452272302345 2412 Giocondo Giuliano di Bartolomeo del 133 Giorgetti G 206 214 Gokalp A 201 Goody 230 235 Grassi Pelegrino di ver Baroni Pel legrino Pighino 0 gordo Graus L 235 237 Gregori Gerolamo de 210 Grendler P F 2378 Grimani A 230 Grizzo Maddalena Gastaldione de 207 Halbwachs M 236 Harva u 229 Haydn H 229 Henneberg J von 232 Hennigsen G 246 Heniclito 162 Hercules 90 Hill Christopher 195 Hilton R 236 Hobsbawm E 199202236 Huon A 237 Huppert G 203 Isidoro 67 249 Jacomel Daniel 105 160 Jacometto stringaro Vicenza 234 James L 201 Jemolo A c 212 Jesus Cristo 14 32 35 41 435 53 5561466 73 759 81 856 10011041091123123125 61281331413146150155 1589 161 163 1667 1704 180 184 186 1902 196212 22022342267231233240 2456 Joao Evangelista sao 74 123 226 240 Joaqrum sao 73 Jones G Fenwick 244 Jose filho de Jac6 1401 1434 Jose sao 37 66 73 76158224 Josue 172 Judas Iscariotes 85 Julia D 202 204 JUlio II papa 129 JUlio Ill papa 212 Jupiter 106 Kaegi w 236 Kamen R 238 Kaplow 199 Klibansky R 218 Kristeller PO 234 Lachat P 221 Ladner G E 239 Ladurie Emmanuel Le Roy 16 201 204 Lambertini familia 184 Landucci 5 226 236 Lazaro 123 Le Goff Jacques 182024 Leao x papa 129 Lefevre Y 220 Leicht P 5 213 Leonardis Marino Camilo de 68 250 Leonardo da Vmci 71 88 223 226 Letts M H 221 Levi c 233 Levin R 238 LevyBruhl205 Liompardi Zampolo 5962 219 Lombarda Stephani de 206 Lombardo Vincenzo 69 Lotto Lorenzo 224 Lovejoy A 0 237 Lucifer 37 Luis sao 24 Lu1cics G 204 Lunardo padre 37 Luporini c 199 Lutero Martinho 26 33 53 61 64 12931236 Macek 216 Macfarlane A 204 Macris Pietro de 153 Male E 226 Malenni Niccoib 67 Malmins Tomaso Mero da 68 Manacorda G 222 Mandeville 5 67 71 827 901 94 5 127 129 144 179221223 226231 Mandich G 218 Mandrou Robert 134 18200244 Mantica Alessandro 218 233 Mantica Antonio 211 Mantica familia 233 Mantica Giacomo 211 Mantica Giovan Battista 211 ManticaMontereale familia 211 Manuel F E 238 Manzoli familia 184 Maome 84 165 172242 Maquiavel N 81 22 5 Marcato ou Marco 192 Marchetti G 209 Marchetti Valerio 205 Marco tingidor de tecidos 215 Maren Andrea da 88 Margnano Giacomo 51 206 Maria Madalena 141 Maria Virgem 357 43 51 667 736 141 155 159 167 180 1851922102122234 Marinoni A 22 3 Maro Giambattista 31 39 119 Martin HJ 223 Marx Karl 216 224 Masafiis Domenico de 181 Mateus sao 78 144 221 Medici Lorenzo di Pietro de 133 Meiss M 239 Melchiori Domenico 323 35 209 Melchiori Giovanni Antonio 210 Melchiori Giovanni Daniele 35 122 151 1556 168210229235 Melchiori Nicola de Nicola da Por cia 579 635 6970 93 217 8222 Menchi Silvana Seidel 245 Meyer J 222 Miccoli G 2101 236 Miguel arcanjo 37 Minussa Lunardo della 69 Mirandola Pico della 197 Moises 91 172 Mondino Giacomo 183 Montaigne Michel de 87 164 226 241 Montalcino Gerolamo da 183 185 Montefalco Felice da 36 40 212 Montereale familia 233 Montereale Giovan Francesco 152 182 Montereale Orazio di 51 206 Montereale Ottavio 34 578 217 240 Montereale Zannuto Fasseta 159 Montereale Zuan Francesco 170 More Thomas 137 237 242 Morone Giovanni 185 Muchembled Robert 27 Nardi B 228 Nelli Pietro ver Bergamo Andrea da Niccoli Ottavia 27 Noe 172 Obelkevich Jim 27 Obennan H A 242 Occam Guilherme de 115 Olivi Giovan Francesco Palladio degli 151210 Olivieri A 216 Origenes 1478 Orlando F 237 Oseias 91 226 Ossowski S 214 Ovidio96 Panofsky Ernin 1945218239 Parvi Giovanni Battista de 149 Paschini P 2123 215 246 Paulo III papa 61 Paulo sao 55 124 127 186 189 245 Pedro sao 59 61 63 75 127 141 162 189 Peleo Evangelista 148 Pena Francisco 196 Perna M 22 7 Perugia Giovan Battista da 154 Perusini G 208 2134 Pianetti E 221 Pighino 0 gordo ver Baroni Pellegrino Pighino 0 gordo Pio N papa 212 Pisensi Agostinho 169 Policreto Alessandro 35 182 210 Pomponazzi Pietro 122 Pondenone Giovanni de Saccha 73 Poni Carlo 218 Popaiti Gerolamo 210 251 Porcia Nicola da ver Melchiori Ni cola de Povoledo Giovanni 33 97 2101 Priuli Daniele 49 Procacci G 225 Prosperi Adriano 27 225 Pullan B 214 Rabelais Fralllois 15245189201 2052182379246 Rafael arcanjo 37 Raleigh Walter 102229 Reau L 227 Redi Francesco 102229 Reusch F H 2201 Revel J 202 Ribeiro Renato J anine 198 Ricci Paolo Camilo Renato Lisia Fi leno 122 1845 Riccio Antonio 218 Ritter G 216 Riviere Pierre 178 1945202 Rohde P 220 Romano R 204 Romeo R 237 Rorario Fulvio 58 Rossi A 224 Rossi P 200 Rossi 1 2189 221 228 237 Rothkrug Lionel 27 Rotondo A 216 221 224 234 2445 Rubeo Damiano 220 Sabbio Giovanni Antonio di Nicolini d218 Schs w 222 Salomao 172 Salviati Leonardo 227 Smtilh G de 229 Santoro Giulio Antonio 246 Sanudo Matteo 148 152 Satriani L M Lombardi 199200 Saul 127 252 Savorgnan Antonio 467 Sm F 218 Scalzini M 239 Scandella Bastian6970 Scandella Bernardo 207 Scandella Domenico 9 11 31 93 14915231551671692079 Scandella familia 207 Scandella Fior 69 Scandella Giovanna 207 246 Scandella Giovanni 207 Scandella Stefano 153 Scandella Ziannuto 378 41 148 153 162082112 Schneider G 205 Schorske c 204 Scolio 1729 1862162282423 Scotto Girolamo 224 Scudellario Antonio Fornasier 240 Sebenico Sebastao 37 212 Segarizzi A 221 Seigel J my 27 Serena A 217 Serotino Donato 192 Servet Michel 1136 232 Sessa Melchiorre 71 Seymour M c 221 226 Siculo Diodoro 228 Siculo Giorgio 66 219 Sigibaldi Giovanni Domenico 185 Simao mago 231 Simon judeu 523 1578 165240 Simon Lunardo 1545 Simoncini G 238 Sole J 22 3 Spini G 220 Stefanut Giuliano 334 39 120209 10212 Stella A 212 2145 225 232 234 52401 Stella S Piccone 224 Stone LaWTence 27 222 Strassoldo Francesco di 46 Suchier H 220 Tabacchino Giovanbattista 234 Tagliaferri A 207 2134 222 Taiacalze Domenego 5961 Tedeschi A 232 Tenenti A 238 Tertuliano 115 Thibaudet A 241 Thomas Keith 195 231 Thompson Edward P 1621201 204242 Tiago sao 84 162 Tolandohn234 Tome sao 141 Trapola Valerio 160 Trappola advogado 3840 211 TrevorRoper Hugh 196 Trinkaus c 242 Turco Michele del Pignol 159 Ungari G Pagliano 224 Valcellina Morereale 27 Valesio p 239 Valla Lorenzo 115 Varagineacopo da 67 745 Vellutello Alessandro 101228231 Ventura A 2134 Venturi F 204 Venturi Tacchi 215 Vespucci Amerigo 133 Vialelle M 217 Viaro Stefano 49 Vilar P 202 Violante c 244 Vivanti c 227 Vives Vicens 199 Vorai Odorico 34 151 1552102 236 Vovelle M 203 241 Wkefield W L 2167 Wtt 230 235 Williams G H 214 216 234 245 Wyclif John 124235 Wyczanski A 222 Yeo Eileen 27 Yeo Stephen 27 Zaffoni Giovanna Maria Calderari 224 Zambrini F 220 Zane Pietro 160 Zuanna Piero della 153 253 1 II CARLo GINZBURG Turirn 1939 leciona na Universidade da California Los Angeles e ministtou cursos no Instituto de Estudos Avanados de Princeton e na U niversidade de Bolonha Tern livros ttaduzidos em quinze linguas Dele a Cornpanhia das Lettas publicou Os andarilhos do bern Feitiarias e cultos agrarios nos sieulos XVI e XVII 1988 Mitos emblemas sinais Moifologia e historia 1989 Historia noturna Decifrando 0 saba 1991 Olhos de madeira Nove reflexoes sobre a distiincia 2001 Retaoes de fora Historia retorica prova 2002 Nenhuma ilha i uma ilha Quatro visoes da literatura inglesa 2004 e 0 fio e os rastros Verdadeiro falso ficticio 2007 255 Dualidade Divina A Conceituação de Deus e Diabo e a Dualidade entre Céu e Inferno na Idade Média 1 Introdução A Idade Média é um período histórico marcado por profundas transformações culturais e religiosas Uma das principais características desse período é a conceituação de Deus e Diabo bem como a dualidade entre Céu e Inferno Esses elementos da fé cristã tiveram um papel fundamental na vida e na sociedade medieval influenciando a moralidade a ética e a política da época Este trabalho tem como objetivo analisar a dualidade divina entre Deus x Diabo e céu x inferno na Idade Média Serão discutidas as principais concepções sobre esses temas assim como a relação entre eles e a influência que exerceram na sociedade medieval A justificativa para a realização deste trabalho é a importância que a dualidade divina teve para a vida medieval e para a compreensão da religiosidade na época Além disso a análise da dualidade divina na Idade Média pode trazer reflexões sobre o papel da religião na sociedade contemporânea e como as concepções divinas ainda influenciam a vida e a cultura ocidental 2 A conceituação de Deus e Diabo na Idade Média Na Idade Média a conceituação de Deus e Diabo foi amplamente discutida pela filosofia e pela teologia cristã A visão predominante era a de que Deus era a fonte de todo o bem enquanto o Diabo era a fonte do mal Essa dualidade divina era vista como um reflexo do dualismo que permeava a vida e a cultura medieval As principais concepções sobre Deus e Diabo variavam de acordo com as diferentes correntes teológicas Alguns acreditavam que Deus era onipotente e onisciente enquanto outros enfatizavam a misericórdia divina Já o Diabo era visto como um ser astuto e maléfico capaz de influenciar os seres humanos a cometerem pecados Na visão cristã medieval a relação entre Deus e Diabo era de oposição O Diabo era considerado um rebelde que se opunha ao poder divino e que tentava desviar os seres humanos do caminho da virtude Deus por sua vez era visto como o criador do universo e o juiz dos seres humanos que julgava as almas após a morte A influência da filosofia e da teologia na conceituação divina era enorme na Idade Média Os pensadores cristãos buscavam entender a natureza de Deus e do Diabo por meio da razão e da reflexão filosófica A teologia por sua vez procurava conciliar a fé com a razão tentando explicar como Deus e o Diabo se relacionavam com a criação e com a vida humana 3 A dualidade entre Céu e Inferno Na Idade Média a dualidade entre Céu e Inferno era uma das principais concepções da fé cristã O Céu era visto como o lugar da felicidade eterna onde as almas dos justos encontrariam a paz e a glória divinas Já o Inferno era o lugar do sofrimento eterno onde as almas dos pecadores seriam condenadas a arder em chamas para sempre A relação entre a dualidade céu x inferno e a dualidade Deus x Diabo era muito estreita na visão medieval Acreditavase que o Céu era o lugar da presença divina e que o Diabo era o responsável por levar as almas dos pecadores para o Inferno A dualidade céu x inferno portanto era uma extensão da dualidade Deus x Diabo A arte e a literatura tiveram um papel fundamental na representação da dualidade celestial na Idade Média As representações artísticas e literárias do Céu e do Inferno eram frequentes especialmente nas igrejas e catedrais O objetivo era ensinar aos fiéis a importância de seguir os ensinamentos da Igreja e evitar os pecados que levariam à condenação eterna Essas representações eram muitas vezes aterrorizantes mostrando o sofrimento dos condenados no Inferno e a felicidade dos justos no Céu A dualidade céu x inferno era vista como uma escolha que os seres humanos faziam em vida influenciados pela ação do Diabo ou pela graça divina A arte e a literatura portanto tinham um papel educativo e moralizante incentivando os fiéis a seguir o caminho da virtude e da salvação 4 IV A dualidade divina na sociedade medieval A dualidade divina era uma presença constante na vida cotidiana da sociedade medieval A crença em Deus e no Diabo influenciava as escolhas e comportamentos dos indivíduos que procuravam seguir os preceitos cristãos para evitar a condenação eterna no Inferno A dualidade divina portanto era uma força reguladora da moralidade e da ética medieval A influência da dualidade divina na moralidade e na ética medieval era enorme Os valores cristãos baseados na dualidade divina influenciavam as relações sociais familiares e econômicas A virtude era valorizada e a corrupção a mentira e a luxúria eram considerados pecados graves O comportamento moral era considerado fundamental para a salvação da alma e a Igreja tinha um papel importante na educação moral dos fiéis As implicações políticas da dualidade divina também eram significativas na Idade Média Os reis e os nobres muitas vezes se utilizavam da crença religiosa para justificar seu poder e autoridade A dualidade divina era vista como uma forma de legitimar a hierarquia social e política já que os indivíduos deveriam seguir as autoridades seculares e religiosas para evitar a condenação eterna Por outro lado a dualidade divina também inspirou movimentos sociais e políticos de contestação e mudança A crença na igualdade divina por exemplo foi utilizada por movimentos heréticos e reformistas que questionavam a autoridade da Igreja e dos poderosos Esses movimentos muitas vezes foram reprimidos pela hierarquia religiosa e pelo poder secular que viam neles uma ameaça à ordem estabelecida 5 Conclusão Ao longo deste trabalho exploramos a dualidade divina entre Deus e Diabo e a dualidade entre Céu e Inferno na Idade Média Vimos como essas concepções permeavam a religião a arte a literatura a política e a vida cotidiana da sociedade medieval A crença na dualidade divina foi fundamental para a regulamentação da moralidade e da ética além de ter sido utilizada como justificativa para o poder político e social Porém também inspirou movimentos de contestação e mudança o que evidencia a complexidade e a riqueza do pensamento medieval O estudo da dualidade divina na Idade Média é fundamental para a compreensão desse período histórico uma vez que as concepções religiosas e filosóficas da época influenciaram profundamente a sociedade Além disso a dualidade divina ainda é presente em diversas culturas e religiões contemporâneas o que torna o tema relevante para o pensamento atual Portanto a dualidade divina é um tema importante para a compreensão da história e da cultura ocidental além de ser uma fonte de reflexão sobre a relação entre religião ética e política Referências ALIGHIERI Dante A Divina Comédia São Paulo Editora 34 2013 LE GOFF Jacques A civilização do ocidente medieval São Paulo Editora WMF Martins Fontes 2010 Surgimento da Crença de Inferno 1 Introdução O tema deste trabalho é o surgimento da crença no inferno no contexto da Idade Média Durante essa época a ideia de um lugar de punição eterna para os pecadores se tornou uma crença amplamente difundida na Europa Esse conceito foi influenciado pelas doutrinas cristãs pelas crenças pagãs e pelas ideias filosóficas da época O contexto histórico da Idade Média é marcado por profundas transformações sociais políticas culturais e religiosas Foi um período em que a Igreja Católica teve um papel central na vida das pessoas regulamentando a moralidade a ética e a espiritualidade A crença no inferno foi uma das muitas doutrinas que a Igreja difundiu e que teve um impacto significativo na sociedade medieval Os objetivos deste trabalho são analisar a conceituação do inferno na Idade Média investigar as representações do inferno na arte e na literatura medieval discutir a função social e política da crença no inferno e refletir sobre o legado dessa crença na cultura ocidental contemporânea 2 Conceituação do inferno na Idade Média Durante a Idade Média o inferno era conceituado como um lugar de punição eterna para os pecadores A crença no inferno fazia parte da doutrina cristã da época segundo a qual os indivíduos que não se arrependessem de seus pecados seriam condenados a um sofrimento infindável na vida após a morte A conceituação do inferno na Idade Média foi influenciada por diversas fontes incluindo as Sagradas Escrituras a tradição oral a filosofia e a teologia De acordo com a Bíblia cristã o inferno era descrito como um lugar de trevas de fogo e de tormento onde os pecadores eram submetidos a um sofrimento intenso e interminável A literatura religiosa da época como os escritos dos Padres da Igreja e dos teólogos medievais também contribuiu para a conceituação do inferno como um lugar de punição divina Além disso as influências filosóficas e teológicas também tiveram um papel significativo na conceituação do inferno Na Idade Média a filosofia platônica e aristotélica era estudada e ensinada nas escolas e universidades europeias e muitos pensadores medievais incorporaram essas ideias em suas concepções sobre o inferno Por exemplo a teoria do fogo purificador de Santo Agostinho que defendia que os pecadores poderiam ser purificados pelo fogo do inferno antes de serem admitidos no céu foi amplamente difundida na Idade Média 3 A representação do inferno na arte e na literatura medieval A arte e a literatura medievais desempenharam um papel importante na difusão da crença no inferno Através da arte os artistas retratavam as cenas do inferno em pinturas vitrais esculturas e iluminuras enquanto que a literatura explorava as descrições vívidas do inferno em poesia e prosa As representações do inferno na arte medieval geralmente retratavam o sofrimento dos pecadores em detalhes vívidos e horripilantes Por exemplo as cenas frequentemente mostravam figuras grotescas e deformadas sendo torturadas por demônios em paisagens infernais Essas representações visuais contribuíram para a criação de uma imagética amplamente difundida sobre o inferno na época medieval A literatura medieval também explorou as descrições do inferno com destaque para a obra de Dante Alighieri a Divina Comédia Escrita no início do século XIV a Divina Comédia é uma obra em três partes que narra a jornada de Dante pelo inferno pelo purgatório e pelo paraíso A descrição do inferno em A Divina Comédia é particularmente impressionante com Dante retratando cada círculo do inferno de maneira vívida e detalhada A obra tornouse extremamente popular na época medieval e ajudou a consolidar a concepção do inferno como um lugar de punição divina 4 A função social e política da crença no inferno Durante a Idade Média a crença no inferno desempenhou uma função importante na moralidade e na ética da sociedade medieval Acreditavase que o inferno era um lugar de punição eterna para aqueles que haviam pecado durante a vida e não se arrependeram Isso incentivava as pessoas a seguir as leis e os preceitos religiosos a fim de evitar a condenação ao inferno Além disso a crença no inferno também foi usada como uma forma de controle social Os líderes religiosos e políticos da época frequentemente usavam a ameaça do inferno para manter a população submissa e obediente A crença no inferno também foi usada para justificar a punição e a perseguição de grupos considerados hereges ou pecaminosos 5 O legado da crença no inferno na cultura ocidental A crença no inferno embora tenha perdido força em alguns setores da sociedade ocidental ainda persiste em muitas tradições religiosas Sua influência pode ser percebida em várias obras literárias e artísticas como na literatura de horror e na pintura barroca Além disso a ideia de um lugar de punição para aqueles que não seguem as regras e os dogmas religiosos pode ser vista como um elemento presente na moralidade e na ética contemporâneas O estudo da crença no inferno na Idade Média nos permite compreender melhor a evolução das tradições religiosas ocidentais e as influências que elas exerceram na cultura Além disso a análise do uso político e social da crença no inferno nos ajuda a compreender como as crenças religiosas foram utilizadas para controlar e influenciar as massas na época medieval 6 Conclusão A crença no inferno desempenhou um papel significativo na Idade Média influenciando a arte a literatura e a moralidade da época Embora a crença tenha perdido sua influência na sociedade ocidental moderna seu legado ainda é evidente em muitos aspectos da cultura popular Além disso o estudo da crença no inferno na Idade Média pode nos ajudar a entender melhor a influência da religião e da moralidade na formação da sociedade ocidental A crença no inferno também foi usada como uma forma de controle social fazendo com que as pessoas se comportassem de acordo com as normas estabelecidas pela igreja e pelo Estado Por fim a persistência da crença no inferno na cultura ocidental e as influências dessa crença na moralidade e na ética contemporâneas nos mostram que o estudo da Idade Média ainda é relevante e pode nos ajudar a compreender melhor nossa própria cultura e sociedade Assim concluímos que o surgimento e a difusão da crença no inferno na Idade Média tiveram um papel significativo na formação da cultura e da moralidade ocidentais e seu estudo é fundamental para uma compreensão mais ampla da história e da sociedade Referências BROWN Peter Corpo e sociedade o homem a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo Rio de Janeiro Editora Paz e Terra 1988 Dualidade Divina A Conceituação de Deus e Diabo e a Dualidade entre Céu e Inferno na Idade Média 1 Introdução A Idade Média é um período histórico marcado por profundas transformações culturais e religiosas Uma das principais características desse período é a conceituação de Deus e Diabo bem como a dualidade entre Céu e Inferno Esses elementos da fé cristã tiveram um papel fundamental na vida e na sociedade medieval influenciando a moralidade a ética e a política da época Este trabalho tem como objetivo analisar a dualidade divina entre Deus x Diabo e céu x inferno na Idade Média Serão discutidas as principais concepções sobre esses temas assim como a relação entre eles e a influência que exerceram na sociedade medieval A justificativa para a realização deste trabalho é a importância que a dualidade divina teve para a vida medieval e para a compreensão da religiosidade na época Além disso a análise da dualidade divina na Idade Média pode trazer reflexões sobre o papel da religião na sociedade contemporânea e como as concepções divinas ainda influenciam a vida e a cultura ocidental 2 A conceituação de Deus e Diabo na Idade Média Na Idade Média a conceituação de Deus e Diabo foi amplamente discutida pela filosofia e pela teologia cristã A visão predominante era a de que Deus era a fonte de todo o bem enquanto o Diabo era a fonte do mal Essa dualidade divina era vista como um reflexo do dualismo que permeava a vida e a cultura medieval As principais concepções sobre Deus e Diabo variavam de acordo com as diferentes correntes teológicas Alguns acreditavam que Deus era onipotente e onisciente enquanto outros enfatizavam a misericórdia divina Já o Diabo era visto como um ser astuto e maléfico capaz de influenciar os seres humanos a cometerem pecados Na visão cristã medieval a relação entre Deus e Diabo era de oposição O Diabo era considerado um rebelde que se opunha ao poder divino e que tentava desviar os seres humanos do caminho da virtude Deus por sua vez era visto como o criador do universo e o juiz dos seres humanos que julgava as almas após a morte A influência da filosofia e da teologia na conceituação divina era enorme na Idade Média Os pensadores cristãos buscavam entender a natureza de Deus e do Diabo por meio da razão e da reflexão filosófica A teologia por sua vez procurava conciliar a fé com a razão tentando explicar como Deus e o Diabo se relacionavam com a criação e com a vida humana 3 A dualidade entre Céu e Inferno Na Idade Média a dualidade entre Céu e Inferno era uma das principais concepções da fé cristã O Céu era visto como o lugar da felicidade eterna onde as almas dos justos encontrariam a paz e a glória divinas Já o Inferno era o lugar do sofrimento eterno onde as almas dos pecadores seriam condenadas a arder em chamas para sempre A relação entre a dualidade céu x inferno e a dualidade Deus x Diabo era muito estreita na visão medieval Acreditavase que o Céu era o lugar da presença divina e que o Diabo era o responsável por levar as almas dos pecadores para o Inferno A dualidade céu x inferno portanto era uma extensão da dualidade Deus x Diabo A arte e a literatura tiveram um papel fundamental na representação da dualidade celestial na Idade Média As representações artísticas e literárias do Céu e do Inferno eram frequentes especialmente nas igrejas e catedrais O objetivo era ensinar aos fiéis a importância de seguir os ensinamentos da Igreja e evitar os pecados que levariam à condenação eterna Essas representações eram muitas vezes aterrorizantes mostrando o sofrimento dos condenados no Inferno e a felicidade dos justos no Céu A dualidade céu x inferno era vista como uma escolha que os seres humanos faziam em vida influenciados pela ação do Diabo ou pela graça divina A arte e a literatura portanto tinham um papel educativo e moralizante incentivando os fiéis a seguir o caminho da virtude e da salvação 4 IV A dualidade divina na sociedade medieval A dualidade divina era uma presença constante na vida cotidiana da sociedade medieval A crença em Deus e no Diabo influenciava as escolhas e comportamentos dos indivíduos que procuravam seguir os preceitos cristãos para evitar a condenação eterna no Inferno A dualidade divina portanto era uma força reguladora da moralidade e da ética medieval A influência da dualidade divina na moralidade e na ética medieval era enorme Os valores cristãos baseados na dualidade divina influenciavam as relações sociais familiares e econômicas A virtude era valorizada e a corrupção a mentira e a luxúria eram considerados pecados graves O comportamento moral era considerado fundamental para a salvação da alma e a Igreja tinha um papel importante na educação moral dos fiéis As implicações políticas da dualidade divina também eram significativas na Idade Média Os reis e os nobres muitas vezes se utilizavam da crença religiosa para justificar seu poder e autoridade A dualidade divina era vista como uma forma de legitimar a hierarquia social e política já que os indivíduos deveriam seguir as autoridades seculares e religiosas para evitar a condenação eterna Por outro lado a dualidade divina também inspirou movimentos sociais e políticos de contestação e mudança A crença na igualdade divina por exemplo foi utilizada por movimentos heréticos e reformistas que questionavam a autoridade da Igreja e dos poderosos Esses movimentos muitas vezes foram reprimidos pela hierarquia religiosa e pelo poder secular que viam neles uma ameaça à ordem estabelecida 5 Conclusão Ao longo deste trabalho exploramos a dualidade divina entre Deus e Diabo e a dualidade entre Céu e Inferno na Idade Média Vimos como essas concepções permeavam a religião a arte a literatura a política e a vida cotidiana da sociedade medieval A crença na dualidade divina foi fundamental para a regulamentação da moralidade e da ética além de ter sido utilizada como justificativa para o poder político e social Porém também inspirou movimentos de contestação e mudança o que evidencia a complexidade e a riqueza do pensamento medieval O estudo da dualidade divina na Idade Média é fundamental para a compreensão desse período histórico uma vez que as concepções religiosas e filosóficas da época influenciaram profundamente a sociedade Além disso a dualidade divina ainda é presente em diversas culturas e religiões contemporâneas o que torna o tema relevante para o pensamento atual Portanto a dualidade divina é um tema importante para a compreensão da história e da cultura ocidental além de ser uma fonte de reflexão sobre a relação entre religião ética e política Referências ALIGHIERI Dante A Divina Comédia São Paulo Editora 34 2013 LE GOFF Jacques A civilização do ocidente medieval São Paulo Editora WMF Martins Fontes 2010 Surgimento da Crença de Inferno 1 Introdução O tema deste trabalho é o surgimento da crença no inferno no contexto da Idade Média Durante essa época a ideia de um lugar de punição eterna para os pecadores se tornou uma crença amplamente difundida na Europa Esse conceito foi influenciado pelas doutrinas cristãs pelas crenças pagãs e pelas ideias filosóficas da época O contexto histórico da Idade Média é marcado por profundas transformações sociais políticas culturais e religiosas Foi um período em que a Igreja Católica teve um papel central na vida das pessoas regulamentando a moralidade a ética e a espiritualidade A crença no inferno foi uma das muitas doutrinas que a Igreja difundiu e que teve um impacto significativo na sociedade medieval Os objetivos deste trabalho são analisar a conceituação do inferno na Idade Média investigar as representações do inferno na arte e na literatura medieval discutir a função social e política da crença no inferno e refletir sobre o legado dessa crença na cultura ocidental contemporânea 2 Conceituação do inferno na Idade Média Durante a Idade Média o inferno era conceituado como um lugar de punição eterna para os pecadores A crença no inferno fazia parte da doutrina cristã da época segundo a qual os indivíduos que não se arrependessem de seus pecados seriam condenados a um sofrimento infindável na vida após a morte A conceituação do inferno na Idade Média foi influenciada por diversas fontes incluindo as Sagradas Escrituras a tradição oral a filosofia e a teologia De acordo com a Bíblia cristã o inferno era descrito como um lugar de trevas de fogo e de tormento onde os pecadores eram submetidos a um sofrimento intenso e interminável A literatura religiosa da época como os escritos dos Padres da Igreja e dos teólogos medievais também contribuiu para a conceituação do inferno como um lugar de punição divina Além disso as influências filosóficas e teológicas também tiveram um papel significativo na conceituação do inferno Na Idade Média a filosofia platônica e aristotélica era estudada e ensinada nas escolas e universidades europeias e muitos pensadores medievais incorporaram essas ideias em suas concepções sobre o inferno Por exemplo a teoria do fogo purificador de Santo Agostinho que defendia que os pecadores poderiam ser purificados pelo fogo do inferno antes de serem admitidos no céu foi amplamente difundida na Idade Média 3 A representação do inferno na arte e na literatura medieval A arte e a literatura medievais desempenharam um papel importante na difusão da crença no inferno Através da arte os artistas retratavam as cenas do inferno em pinturas vitrais esculturas e iluminuras enquanto que a literatura explorava as descrições vívidas do inferno em poesia e prosa As representações do inferno na arte medieval geralmente retratavam o sofrimento dos pecadores em detalhes vívidos e horripilantes Por exemplo as cenas frequentemente mostravam figuras grotescas e deformadas sendo torturadas por demônios em paisagens infernais Essas representações visuais contribuíram para a criação de uma imagética amplamente difundida sobre o inferno na época medieval A literatura medieval também explorou as descrições do inferno com destaque para a obra de Dante Alighieri a Divina Comédia Escrita no início do século XIV a Divina Comédia é uma obra em três partes que narra a jornada de Dante pelo inferno pelo purgatório e pelo paraíso A descrição do inferno em A Divina Comédia é particularmente impressionante com Dante retratando cada círculo do inferno de maneira vívida e detalhada A obra tornouse extremamente popular na época medieval e ajudou a consolidar a concepção do inferno como um lugar de punição divina 4 A função social e política da crença no inferno Durante a Idade Média a crença no inferno desempenhou uma função importante na moralidade e na ética da sociedade medieval Acreditavase que o inferno era um lugar de punição eterna para aqueles que haviam pecado durante a vida e não se arrependeram Isso incentivava as pessoas a seguir as leis e os preceitos religiosos a fim de evitar a condenação ao inferno Além disso a crença no inferno também foi usada como uma forma de controle social Os líderes religiosos e políticos da época frequentemente usavam a ameaça do inferno para manter a população submissa e obediente A crença no inferno também foi usada para justificar a punição e a perseguição de grupos considerados hereges ou pecaminosos 5 O legado da crença no inferno na cultura ocidental A crença no inferno embora tenha perdido força em alguns setores da sociedade ocidental ainda persiste em muitas tradições religiosas Sua influência pode ser percebida em várias obras literárias e artísticas como na literatura de horror e na pintura barroca Além disso a ideia de um lugar de punição para aqueles que não seguem as regras e os dogmas religiosos pode ser vista como um elemento presente na moralidade e na ética contemporâneas O estudo da crença no inferno na Idade Média nos permite compreender melhor a evolução das tradições religiosas ocidentais e as influências que elas exerceram na cultura Além disso a análise do uso político e social da crença no inferno nos ajuda a compreender como as crenças religiosas foram utilizadas para controlar e influenciar as massas na época medieval 6 Conclusão A crença no inferno desempenhou um papel significativo na Idade Média influenciando a arte a literatura e a moralidade da época Embora a crença tenha perdido sua influência na sociedade ocidental moderna seu legado ainda é evidente em muitos aspectos da cultura popular Além disso o estudo da crença no inferno na Idade Média pode nos ajudar a entender melhor a influência da religião e da moralidade na formação da sociedade ocidental A crença no inferno também foi usada como uma forma de controle social fazendo com que as pessoas se comportassem de acordo com as normas estabelecidas pela igreja e pelo Estado Por fim a persistência da crença no inferno na cultura ocidental e as influências dessa crença na moralidade e na ética contemporâneas nos mostram que o estudo da Idade Média ainda é relevante e pode nos ajudar a compreender melhor nossa própria cultura e sociedade Assim concluímos que o surgimento e a difusão da crença no inferno na Idade Média tiveram um papel significativo na formação da cultura e da moralidade ocidentais e seu estudo é fundamental para uma compreensão mais ampla da história e da sociedade Referências BROWN Peter Corpo e sociedade o homem a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo Rio de Janeiro Editora Paz e Terra 1988