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Sociologia

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CARLOS EDUARDO SELL SOCIOLOGIA CLÁSSICA Durkheim Weber e Marx I T A J A Í 2001 SUMÁRIO Apresentação 03 Introdução 04 Capítulo I Sociologia origens e abordagens 08 1 Origens da sociologia 08 2 Augusto Comte 11 3 Dimensões de análise 15 Capítulo II Émile Durkheim 26 1 Vida e obras 26 2 Teoria sociológica funcionalista 28 3 Modernidade e divisão social do trabalho 32 4 Projeto político conservador 40 Capítulo III Max Weber 45 1 Vida e obras 45 2 Teoria sociológica compreensiva 47 3 Modernidade e racionalização 56 4 Projeto político neutralidade 64 Capítulo IV Karl Marx 70 1 Vida e obras 70 2 Materialismo históricodialético 73 3 Modo de produção capitalista 84 4 Projeto político revolucionário 88 Capítulo V Sociologia Clássica análise comparativa 93 1 Diversidade sociológica 93 2 Teoria sociológica 94 3 Teoria da modernidade 99 4 Projeto Político 102 5 Continuidades e rupturas 105 2 APRESENTAÇÃO Prezado estudante Este trabalho tem a intenção de oferecerlhe um roteiro didático para o estudo da teoria social clássica a partir de seus autores mais representativos Émile Durkheim Max Weber e Karl Marx Ao longo da história do pensamento social foi se firmando a tradição de considerar a obra destes três pensadores como fundamental para a construção da sociologia Ao se deparar com esta disciplina os iniciantes das ciências humanas sempre se defrontam com o estudo de suas obras E diante disto surge uma pergunta inevitável afinal por que o pensamento de Durkheim Weber e Marx se tornou tão fundamental Nascido no ambiente da sala de aula este texto quer ajudálo a dar uma resposta para esta pergunta Além disso ele quer também mostrarlhe não só a importância que estes autores tiveram para história da sociologia mas principalmente a importância que eles possuem ainda hoje para o entendimento do mundo contemporâneo Longe de ser uma mera volta ao passado o estudo da teoria social clássica representa um verdadeiro mergulho no presente Enveredar pelos seus caminhos representa a possibilidade de compreensão do mundo em que vivemos e portanto de um pouco de nós mesmos 3 INTRODUÇÃO Clássicos dizem os estudiosos são autores sempre atuais É por isso que nós estamos sempre relendo suas obras Resta então a pergunta qual a atualidade dos clássicos Consultando outros textos de teoria sociológica você logo perceberá que existem muitas respostas para esta questão e cada uma delas têm a sua parcela de verdade Portanto é interessante examinar com cuidado o que elas dizem Uma primeira formulação para a questão da validade dos clássicos bem poderia ser aquela elaborada por Michel Foucault e que nos lembra que para se consolidarem os saberes tendem a construir uma interpretação unilinear e evolucionista de sua história Esta interpretação tem como objetivo legitimar o trabalho intelectual do presente louvando o passado bem como desacreditar interpretações concorrentes Com certeza a sociologia não está imune a este processo Basta lembrar que a elevação dos autores mencionados ao papel de clássicos é uma construção posterior às suas obras Envolve portanto uma papel seletivo em relação ao passado Muita gente importante poderia ainda ser lembrada e até equiparada ao papel de clássicos mas foram esquecidos O que esta intepretação nos ajuda a perceber enfim é que estabelecer quem é clássico ou não também é uma questão de poder Uma segunda resposta para a mesma questão adota em enfoque histórico Nesta perspectiva Durkheim Weber e Marx são importantes para o estudo da sociologia porque são os pioneiros desta ciência Assim sua importância para as ciências sociais seria a mesma de Platão e Aristóteles para a filosofia ou de Galileu Galilei e Copérnico para a física e assim por diante Logo o que justifica seu estudo é que os clássicos do pensamento social são uma etapa da história da sociologia Não estudálos seria esquecer as origens e os passos cronológicos desta ciência Para a vertente histórica o fundamental no estudo dos clássicos é perceber que eles foram os primeiros responsáveis pela criação de uma série de conceitos e teorias que ainda hoje são adotados pela sociologia Ainda que possam ter se modificado termos como classe social capitalismo ação social estratificação social grupos sociais e muitos outros que são conceitos típicos na análise sociológica começaram a ser elaborados no período clássico Como hoje eles ainda continuam a ser usados é preciso voltar ao passado e entender por que e como eles foram criados e utilizados Para o enfoque histórico a importância do estudo dos clássicos tem a ver especialmente com a questão da linguagem sociológica suas origens e transformações Todavia mesmo que admitamos que cada uma das interpretações acima tem a sua parcela de verdade a sociologia sempre considerou que o papel de seus fundadores é algo muito mais do que arbitrário ou ainda mera curiosidade histórica O papel de clássicos reservado a Durkheim Weber e Marx devese às virtudes e qualidades de suas próprias obras e teorias De acordo com esta interpretação os clássicos são fundadores que ainda falam para nós com uma voz que é considerada relevante Eles não são apenas 4 relíquias antiquadas mas podem ser lidos e relidos com proveito como fonte de reflexão sobre problemas e questões contemporâneas1 Portanto é aqui que está o eixo da questão Para mostrar ao estudante porque nas ciências humanas o estudo dos fundadores da sociologia é tão importante é preciso demonstrar quais são as questões levantadas por eles que ainda nos ajudam a pensar a realidade do mundo de hoje pois é isto que faz com que Durkheim Weber e Marx sejam considerados clássicos da sociologia Foi para responder quais são estas questões e qual sua relação com a realidade do mundo de hoje que concebemos este trabalho Ao longo destas linhas vamos convidálo a conhecer em profundidade cada um destes autores e perceber de que modo suas teorias e interpretações apontam para as características do mundo moderno e de nossa própria vida individual 1 Método de estudo Além de apontar para atualidade dos clássicos da sociologia também é nossa intenção oferecerlhe uma nova maneira de estudar e compreender estes autores Existem muitos trabalhos sobre este tema e responder a questão da validade dos clássicos está longe de ser um tema novo Logo nosso trabalho não pode cair na mera repetição do que já foi exaustivamente explicado Porém como novas leituras sempre são possíveis pretendemos oferecer neste texto uma interpretação dos clássicos da sociologia à partir de três eixos fundamentais 1 suas contribuições teórico metodológicas 2 suas interpretações à respeito do surgimento e do caráter da sociedade moderna 3 suas diferentes propostas políticas Longe de simplesmente repetir o que outros textos esclarecem estas três dimensões de análise vão nos permitir dar um tratamento novo ao conteúdo da obra dos clássicos Para entender esta proposta de estudo é importante situála em relação a outras abordagens Normalmente o estudo da sociologia clássica é realizado segundo duas perspectivas uma de caráter histórico e outra de caráter sistemático Na primeira o pensamento do autor é apresentado de acordo com sua evolução interna acompanhando a própria construção cronológica de sua teoria Apesar de nos parecer a mais adequada e mais fiel para entender a obra de cada autor é um método bem mais complexo e que requer um desenvolvimento mais demorado Outra perspectiva bastante comum busca apresentar um quadro sistemático do pensamento do autor estudado Neste método abstraise da história de construção do pensamento do autor e se apresenta uma síntese final de sua teoria Tomando estes dois esquemas como parâmetros podemos dizer que este trabalho adota uma perspectiva de estudo sistemático Portanto neste ensaio pretendemos apresentar um esquema que possibilite uma compreensão global e unitária dos aspectos 1 GIDDENS Anthony Política sociologia e teoria social São Paulo UNESP 1998 p 15 5 mais importantes das obras dos autores estudados Todavia a inovação que gostaríamos de introduzir no estudo sistemático dos clássicos da sociologia é uma maior atenção ao seu aspecto comparativo Ou seja tratase de apresentar um esquema teórico que permita ao estudante uma possibilidade de comparação entre os autores destacados Pretendese realçar especialmente as semelhanças e diferenças de cada teoria em relação à aspectos que lhes sejam comuns e que permitam uma avaliação crítica dos mesmos E é justamente em relação aos três aspectos acima mencionados que nos parece residir a contribuição fundamental da obra de Durkheim Weber e Marx Cada um deles i apresentou um aparato de conceitos e teorias para a interpretação da realidade social ii formulou uma explicação para o mundo moderno e iii inspirou diferentes posicionamentos políticos diante da realidade social Em outras palavras se o primeiro eixo representa a contribuição teóricoanalítica destes autores o segundo representa sua contribuição teóricoempírica e finalmente o terceiro eixo diz respeito a dimensão teóricopolítica Enquanto o primeiro eixo se preocupa em construir um caminho de interpretação da realidade uma teoria sociológica o segundo representa os resultados da pesquisa ou seja uma teoria da modernidade e o terceiro uma teoria política ou uma proposta de intervenção na própria realidade social Em resumo é pelos caminhos teóricos que lançaram pelas interpretações que fizeram e pelas opções que inspiraram que Durkheim Weber e Marx tornaramse uma via fundamental para quem quer prosseguir na tarefa apaixonante da sociologia descrever e explicar os fenômenos sociais 2 Organização do texto Tendo em vista esta proposta nosso estudo começa fazendo algumas considerações sobre as origens da sociologia e uma análise daquele que é considerado o pai fundador desta ciência Augusto Comte No primeiro capítulo cada uma das dimensões de análise que servirão de referência para o estudo dos clássicos será devidamente detalhada Neste capítulo vamos esclarecer ao estudante em minúcias em que medida a dimensão teórico analítica a dimensão teóricoempírica e a dimensão teóricopolítica vão nos fornecer um roteiro de análise da teoria social clássica No restante do livro dedicamos um capítulo para cada um dos fundadores da sociologia sempre buscando suas teorias sociológicas suas análises do mundo moderno e suas propostas políticas No início de cada um destes capítulos apresentamos uma resenha da vida e das obras de cada autor e no final uma breve bibliografia complementar entre livros e artigos especializados é sugerida para que o próprio estudante possa enriquecer seus estudo com outras fontes e aprofundar os temas em questão Finalmente o último capítulo do texto tem como objetivo realizar uma análise crítica e comparativa entre Durkheim Weber e Marx Neste capítulo final vamos retomar cada um dos aspectos da obra destes autores buscando no confronto entre eles seus limites e contradições bem como seus acertos e contribuições Para terminar gostaríamos ainda de esclarecer duas outras questões 6 Em primeiro lugar é importante destacar que este texto tem uma preocupação especialmente didática Como dissemos seu lugar de origem é a sala de aula na discussão com alunos preocupados em entender os conceitos fundamentais da sociologia e a partir deles pensar a realidade no qual estamos inseridos Procuramos sempre desenvolver uma linguagem simples e acessível fazendo largo uso de metáforas exemplos e esquemas diversos Nossa preocupação é oferecer ao estudante uma porta de entrada ao estudo dos clássicos sempre conscientes das limitações redutoras deste tipo de trabalho bem como da necessidade de encaminhar o aluno a textos mais profundos e acima de tudo à leitura das obras dos próprios clássicos da sociologia Esta preocupação didática por sua vez nasce de uma profunda empatia com a obra dos clássicos seja pelo esforço destes autores em entender a vida social moderna em sua totalidade e em suas características particulares pela suas tentativas de elaborar categorias e teorias para abordar a realidade social e enfim pelo empenho e contribuição que cada um deles deu para a construção da sociologia como ciência e como atividade profissional A leitura dos clássicos é sempre uma fonte rica para quem deseja compreender a atividade do sociólogo partilhar suas preocupações e continuar suas atividades Enfim o que esperamos é que este trabalho desperte no leitor o mesmo interesse que nos move e a tantos outros estudiosos para retomar o estudo dos clássicos da sociologia na busca de compreensão do mundo contemporâneo Ao mesmo tempo que este trabalho possa conduzir o estudante na compreensão dos aspectos fundamentais da teoria social clássica possibilitandolhe uma chave de leitura que o introduza nos primeiros passos no estudo da sociologia Se este trabalho ainda que de forma humilde puder alcançar o objetivo de abrirnos uma porta de entrada que nos dê acesso à riqueza dos clássicos já terá cumprido o seu papel 7 CAPÍTULO I SOCIOLOGIA ORIGENS E ABORDAGENS Antes de entramos propriamente no estudo dos clássicos da sociologia é necessário esclarecermos algumas questões iniciais Desta forma poderemos entender o conteúdo destes pensadores com maior clareza Primeiro é importante perceber que a sociologia tem também a sua história e nasceu e se desenvolveu dentro de um determinado contexto social Por isso este capítulo terá como objetivo fundamental situar os marcos históricos e sociais responsáveis pelo surgimento da sociologia Em seguida faremos a apresentação da vida e do pensamento daquele que é considerado o fundador da sociologia Augusto Comte Finalmente na terceira parte do texto descreveremos com maiores detalhes as dimensões de análise que nos servirão como roteiros para o estudo dos clássicos da sociologia a dimensão teórico analítica a dimensão teóricoempírica e a dimensão teóricopolítica 1 ORIGENS DA SOCIOLOGIA A sociologia é uma forma de saber científico originada no século XIX Como qualquer ciência ela não é fruto do mero acaso mas responde às necessidades dos homens de seu tempo Portanto a sociologia tem também as suas causas históricas e sociais Compreender o contexto no qual a sociologia nasceu é fator fundamental para se entender as suas características atuais É claro que do ponto de vista históricosocial inúmeros fatores poderiam ser apontados como marcantes para o surgimento da sociologia No entanto três acontecimentos costumam ser destacados como fundamentais para este processo pois eles afetaram diretamente as bases sociais da convivência humana O primeiro acontecimento é de ordem econômica O século XIX presenciou uma das mais intensas rápidas e profundas transformações sociais que a história já presenciou a revolução industrial O surgimento das máquinas alterava completamente as formas de interação humana aumentando a produtividade e instaurando novas classes sociais a burguesia e o proletariado Junto com as mudanças econômicas vinham a migração a urbanização a proletarização novas formas de pobreza e uma série de outros fenômenos sociais radicalmente novos Mas antes disto no século XVIII a Europa já tinha passado po um profundo abalo com a revolução francesa de 1789 A revolução francesa foi um fenômeno da maior importância A queda da monarquia e a progressiva instauração do sufrágio eleitoral democrático os direitos do homem e as noções de liberdade fraternidade e igualdade foram um tremendo terremoto nas tradições políticas da Europa A revolução francesa trazia novos ideais políticos e inaugurava novas formas de organização do poder Tratase portanto de um acontecimento de ordem política 8 Junto com a revolução francesa consagravase também uma nova forma de pensar e entender filosoficamente o mundo o iluminismo O iluminismo foi antes de tudo um movimento intelectual que tinha como objetivo entender e organizar o mundo a partir da razão Para filósofos como Voltaire Rousseau Diderot DAlembert e outros a razão era a luz que sepultaria as trevas representadas sobretudo pela monarquia e pela religião Na verdade esta transformação cultural já vinha ocorrendo há muito tempo especialmente a partir do renascimento século XV Embora o renascimento tenha sido mais forte no campo das artes ele tinha como intenção geral colocar o homem antropocentrismo no lugar de Deus teocentrismo O iluminismo tratou de acrescentar ao renascimento o potencial da razão humana que levaria o homem a sua plena maturidade como diria o famoso filósofo Immanuel Kant O renascimento e o iluminismo portanto são acontecimentos de ordem cultural Como podemos perceber as transformações apontadas acima mexeram profundamente nas estruturas fundamentais da sociedade alterando os rumos da história desencadeando novas relações sociais bem como novas formas de luta política Na verdade as revoluções industrial e francesa e o iluminismo começaram um movimento de transição entre o que hoje nós chamamos de idade média e a idade contemporânea A idade moderna alterou definitivamente os aspectos culturais políticos e econômicos da sociedade e deu início a estruturação do mundo no qual nós vivemos hoje Podemos ver isto de uma forma bastante resumida com o quadro abaixo ASPECTOS IDADE MÉDIA IDADE MODERNA ICONTEMPORÂNEA Cultural Teocentrismo Renascimento Reforma Iluminismo Antropocentrismo Político Regimes Monárquicos Revolução Francesa Regimes Democráticos Econômico Economia agrária Revolução Industrial Economia industrial 476 dc 1453 dc 1789 dc Naturalmente o conjunto destas transformações precisava ser explicado e compreendido pela razão humana Afinal ele gerava nas pessoas a sensação de que o mundo estava em crise e algo precisava ser feito Quais as causas destas transformações Para onde elas apontavam De que modo elas alteravam as formas de sociabilidade humana O que fazer diante destes novos fatos De que forma as forças sociais em luta podiam se posicionar diante destes fenômenos Estas eram algumas das perguntas que assolavam os homens do século XIX e que precisavam de alguma resposta A partir do século XIX portanto a vida social passou a ser um problema para as pessoas Percebeuse que era preciso entender o que se passava com a sociedade para explicar como as pessoas viviam e principalmente como se posicionar diante do que estava acontecendo 9 É importante ressaltar que este clima de mudanças e incertezas contrastava profundamente com a ordem cultural da idade média No período medieval com o predomínio das concepções cristãs o tempo e a sociedade eram vistos como algo fixo e imutável reflexo de alguma forma da vontade do Deus criador A sociedade como tal não era uma questão percebida pelas pessoas e não tinha muito destaque no pensamento Além disso até o século XIX entre os poucos pensadores preocupados com questões sociais a sociedade só era analisada com o auxílio da filosofia política Além de limitar seu campo de análise ao fenômeno do poder Estado a filosofia é uma forma de saber especulativo que não dispõe dos elementos essenciais do método científico a observação e a experimentação Assim do ponto de vista sóciointelectual o desenvolvimento da ciência cujas origens remontam ao século XV foi fundamental para o surgimento da sociologia Afinal a sociologia é uma interpretação CIENTÍFICA da realidade social De modo geral o nascimento da ciência também coincide com o desenvolvimento do mundo moderno Com René Descartes por exemplo o pensamento ganha uma nova forma de operar chamada pelo autor de dúvida metódica o que rompe com certos dogmas incontestáveis da idade média Com os filósofos empiristas como David Hume e John Locke é a observação dos fatos que adquire proeminência os fenômenos empíricos são vistos por eles como a origem do conhecimento Finalmente no século XVII Francis Bacon começa a elaborar os fundamentos do método científico caracterizado pela observação sistemática da realidade elaboração de hipóteses experimentação e finalmente pelas generalizações ou formulação de leis Aplicada ao estudo dos fenômenos físicos tal metodologia adquire notoriedade através das pesquisas de Galileu Galilei Newton e muitos outros Com o aperfeiçoamento do método científico ele se universaliza e passa a ser incorporado em todas as ciências constituindose assim no elemento central que define o pensamento moderno Foi somente com o surgimento do método científico que os homens do século XIX tiveram um instrumento radicalmente novo para entender a sociedade e enfrentar os dilemas que o mundo moderno trazia O que se desejava portanto era aplicar o método científico observação experimentação etc ao estudo dos fenômenos que ocorriam na sociedade A ciência da sociedade tinha pela frente três questões essenciais para a compreensão das transformações sociais que apontamos anteriormente Quais as causas das transformações sociais Quais as características da sociedade moderna O que fazer diante das transformações sociais Foi para responder a este conjunto de questões que em 1830 Augusto Comte apresentou em seu livro Curso de Filosofia Positiva a idéia de fundar uma Física Social que seria um saber encarregado de aplicar o método científico para o estudo da sociedade Com uma ciência que nos mostrasse as leis de funcionamento da sociedade dizia ele poderseia enfrentar os problemas do mundo moderno pois na concepção científica de Comte é preciso prever para prover 10 Em 1836 Augusto Comte alterou o nome desta ciência para sociologia do latim socius lógos que significa estudo do social nome que perdura até hoje Augusto Comte passou para história como o fundador da sociologia razão pela qual o estudo de seu pensamento é ponto obrigatório para todos os estudantes de ciências sociais 2 AUGUSTO COMTE Augusto Comte nasceu no dia 19 de janeiro de 1791 em Montpellier de família católica e monarquista Em 1816 é admitido na École Polytechnique de Paris e em 1817 tornase secretário de Saint Simon com o qual rompe em 1824 Em 1832 é nomeado assistente de análise e de mecânica na École Polytechnique onde mais tarde também se tornaria professor A influência desta escola sobre o pensamento de Augusto Comte se deve a importância que dava aos estudos matemáticos e científicotecnológicos o que refletia o espírito de progresso e de desenvolvimento cultivado no século XIX Mas o pensador é desligado da escola em 1851 Comte também é conhecido por ter dedicado os anos finais de sua vida à organização da religião da humanidade para o qual escreveu até um catecismo o Catecismo Positivista Em sua igreja ou religião a deusa razão ocupava o lugar da crença em divindades grandes pensadores o lugar dos santos bem como havia festas religiosas e determinações sobre a organização dos templos Esta doutrina filosófica exerceu enorme influência no Brasil que adotou o lema deste pensador em sua bandeira nacional ordem e progresso Comte morreu em Paris no dia 5 de setembro de 1857 Entre as suas principais obras podemos citar 1824 Sistema de Política Positiva 1830 Curso de Filosofia Positiva 1851 Sistema de Política Positiva 1852 Catecismo positivista sumária exposição da religião universal 1856 Síntese subjetiva ou sistema universal de concepções próprias ao estado normal da humanidade Augusto Comte pode ser considerado um dos mais destacados representantes do movimento iluminista ou seja daquela concepção de que a razão ou a ciência deve ocupar o lugar da religião na organização da sociedade Entre as influências diretas que Comte recebeu do iluminismo é importante lembrar a importância de Condorcet 1743 1794 Em sua principal obra Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano este pensador sustenta que assim como Galileu aplicou o método matemático ao 11 estudo da realidade física a precisão do cálculo deveria também ser estendida ao estudo dos fenômenos sociais Mas a idéia de aplicar os métodos das ciências da natureza para o estudo da sociedade receberia um impulso ainda maior com Saint Simon 17601825 do qual Auguto Comte foi colaborador entre os anos de 1817 e 1824 Um dos primeiros escritores a pensar a realidade da sociedade industrial Saint Simon retoma a idéia básica de Condorcet no sentido de aplicar as descobertas do método científico ao estudo dos fatos morais sociais no sentido de tornála uma ciência positiva não há duas ordens de coisas há apenas uma é a ordem física dizia este pensador Para Saint Simon a sociedade moderna modificou o mundo feudal baseado na aliança entre o poder espiritual igreja e o poder temporal militar A reorganização da sociedade moderna exigia a união entre a ciência positiva novo poder espiritual e os empresários novo poder temporal para o pleno desenvolvimento e equilíbrio do mundo industrial nascente Assim o mundo dos conflitos militares da sociedade medieval seria substituído pela união pacífica de todos na sociedade industrial Foi retomando e desenvolvendo estas idéias que Augusto Comte é considerado o fundador do positivismo O termo positivismo é uma daquelas noções fundamentais para a sociologia Visando seu entendimento vamos apresentar esta categoria em duas dimensões distintas mas interrelacionadas que vão nos ajudar a esclarecer seu significado sua dimensão filosófica e sua dimensão sociológica Na sua dimensão filosófica o positivismo corresponde a idéia de que a ciência é a única explicação legítima para a realidade A dimensão sociológica por sua vez é uma maneira de entender o uso do método científico na sociologia tratase de noção de que a sociologia deve adotar os mesmos métodos das ciências da natureza POSITIVISMO Dimensão Filosófica Superioridade da ciência Dimensão Sociológica Método das ciências da natureza A dimensão filosófica do positivismo corresponde à famosa lei dos três estados ou estágios de Augusto Comte onde ele define a sua concepção do que é a ciência Segundo esta teoria a evolução da humanidade está condicionada pelo progresso do conhecimento que acontece em três fases fundamentais estado teológico estado metafísico filosófico e estado positivo científico De acordo com o autor em cada uma destas fases o homem tem diferentes formas de explicar os fenômenos da realidade Vejamos como isto ocorre 1 Estado teológico Neste momento explicamse os diversos fenômenos através de causas primeiras em geral personificadas nos deuses Portanto já se percebe que os fenômenos são explicados através de causas mas elas são atribuídas à divindade O estado teológico subdividese em 12 a fetichismo o homem confere vida ação e poder sobrenaturais aos seres inanimados e aos animais b politeísmo o homem atribui às diversas potências sobrenaturais ou deuses certos traços da natureza humana motivações vícios e virtudes etc c monoteísmo quando se desenvolve a crença em um deus único 2 Estado metafísico as causas divinas são substituídas por causas mais gerais as entidades metafísicas buscando nestas entidades abstratas idéias explicações sobre a natureza das coisas e a causa dos acontecimentos Assim o princípio da causalidade é atribuído a essências que estariam nos objetos e os definiriam 3 Estado positivo ou científico o homem tenta compreender as relações entre as coisas e os acontecimentos através da observação científica e do raciocínio formulando leis portanto não procura mais conhecer a natureza íntima das coisas e as causas absolutas As causas primeiras e absolutas são substituídas pela observação da relação entre os fenômenos mediante a rigorosa pesquisa científica Para Augusto Comte a evolução do conhecimento é comparada à evolução do ser humano Assim se a religião representa a infância da humanidade a filosofia metafísica representa a adolescência e finalmente só com a ciência o homem adquire sua plena maturidade ou seja atinge um estado positivo O esquema da evolução da humanidade portanto é este RELIGIÃO FILOSOFIA CIÊNCIA Infância Adolescência Maturidade O que este esquema deixa claro é que do ponto de vista filosófico o positivismo sustenta que a ciência é a única explicação razoável e legítima para a realidade A religião e a filosofia conduzem o homem ao engano e serão substituídas pelo avanço do conhecimento científico É somente com a ciência que o homem terá um completo conhecimento e domínio do mundo que o cerca Este é o conteúdo básico do positivismo O positivismo no entanto significa muito mais do que a afirmação da superioridade da ciência sobre os outros saberes Ele representa também um modelo de ciência ou ainda uma concepção específica de como a ciência deve proceder para explicar a realidade Para entendermos como este modelo influenciou a dimensão sociológica do pensamento de Augusto Comte precisamos abordar a concepção de sociologia formulada por este pensador Para o pensador de Montpellier as ciências não evoluíram todas aos mesmo tempo Quando a humanidade chegou ao estado positivo foi necessário que elas se desenvolvessem de acordo com a complexidade de seus objetos começando pelos mais simples até chegar aos mais complexos De acordo com Comte 1978 p09 a história das ciências passou por várias fases Segundo ele já que agora o espírito humano fundou a física celeste a física terrestre a física orgânica seja vegetal seja animal restalhe para terminar o sistema das ciências de observação fundar a física social Em outros termos tratase das seguintes fases 13 Matemática Astronomia Física Química Biologia Sociologia Como você pode perceber a sociologia seria a última das ciências aquela que completaria o quadro geral do conhecimento positivo A sociologia é entendida por Comte de modo amplo incluindose nela a filosofia a história a moral e até a psicologia Como a sociologia representa uma continuidade quase natural em relação aos outros tipos de ciência física química biologia etc Comte achava que ela teria que proceder da mesma forma que estas ciências ou seja sua função seria estabelecer um sistema completo de leis que explicassem o comportamento dos homens na sociedade Para Comte as ciências possuíam a mesma forma de proceder e cabia a sociologia ciência que estava nascendo adotar o método das ciências mais maduras e mais desenvolvidas Para realizar esta tarefa Comte afirmava que a sociologia dividiase em dois campos essenciais a estática e a dinâmica a estática social estuda as condições constantes da sociedade ou a ordem b dinâmica social estuda as leis de desenvolvimento histórico de qualquer sociedade ou seja o progresso Ora com base nestes esclarecimentos já temos as condições essenciais para definirmos o que seja o positivismo do ponto de vista da sociologia De acordo com Löwy 1994 p 17 o positivismo está fundamentado em um conjunto de premissas que formam um todo coerente e operacional 1 A sociedade é regida por leis naturais isto é leis invariáveis independentes da vontade e da ação humanas na vida social reina uma harmonia natural 2 A sociedade pode portanto ser epistemologicamente assimilada pela natureza o que classificaremos como naturalismo positivista e ser estudada pelos mesmos métodos e processos empregados pelas ciências da natureza 3 As ciências da sociedade assim como as da natureza devem limitarse á observação e a explicação causal dos fenômenos de forma objetiva neutra livre de julgamentos de valor ou ideologias descartando previamente todas as noções e preconceitos Como podemos perceber a dimensão sociológica do positivismo tem como base sua dimensão filosófica Afinal se a única explicação coerente da realidade é dada pela ciência e o único método possível para a ciência é explicar a realidade a partir de relações necessárias entre os fenômenos como fazem as ciências da natureza é claro que a sociologia que é uma ciência só poderia proceder da mesma forma Ou seja ela deve assimilar o método das ciências naturais e verificar quais são as leis que operam na realidade social Além disso como qualquer ciência natural a física a química a biologia etc a sociologia também seria um saber neutro e puramente objetivo Este é o conteúdo básico do positivismo em sociologia Com Augusto Comte estavam lançadas as bases da sociologia Reunindo as contribuições dos principais pensadores de seu tempo este pensador teve o mérito de propor uma definição e um método para o estudo dos fenômenos sociais que até então 14 ainda não havia sido formulada Por tudo isso nada mais justo do que considerar Augusto Comte como o pai fundador da sociologia 3 DIMENSÕES DE ANÁLISE Feitas estas considerações iniciais através das quais tivemos um conhecimento mínimo da origem da sociologia vamos voltar a falar de um assunto que começamos em nossa introdução Por que Durkheim Weber e Marx são considerados os autores clássicos da sociologia Ora em nossa exposição assumimos a tese de que estes autores deixaram para a sociologia três contribuições que se tornaram fundamentais para o desenvolvimento desta ciência que são 1 Uma teoria sociológica dimensão teóricoanalítica 2 Uma teoria da modernidade dimensão teóricoempìrica 3 Um projeto político dimensão teóricopolítica A importância de distinguir cada uma destas dimensões é que elas nos permitem fazer uma análise comparativa entre os autores e entender a originalidade e a importância de cada um Assim Durkheim Weber e Marx são importantes para a sociologia porque eles foram os primeiros a oferecer respostas para as três questões formuladas acima O quadro abaixo que elenca os principais conceitos formulados por estes pensadores procura deixar isto muito claro TEORIA SOCIOLÓGICA TEORIA DA MODERNIDADE PROJETO POLÍTICO DURKHEIM Sociologia Funcionalista Divisão Social do Trabalho Conservador WEBER Sociologia Compreensiva Racionalização da Cultura e da Sociedade Neutralidade Absoluta MARX Sociologia HistóricoCrítica Modo de Produção Capitalista Revolucionário Cada conceito sociológico acima terá o seu devido tratamento e será desenvolvido nos capítulos seguintes Por ora é importante salientar que a partir destes conceitos estes autores condicionaram todo o desenvolvimento posterior desta disciplina Uma boa parte das tarefas da sociologia contemporânea é retomar os problemas dos clássicos e verificar até que ponto seus conceitos e suas colocações são válidas ou exigem novas respostas Todavia antes de prosseguir é importante fazer um último esclarecimento A divisão que fizemos da teoria de Durkheim Weber e Marx em três diferentes dimensões não pode nos dar a falsa impressão de que se trata de fenômenos isolados como se cada um destes aspectos pudessem ser completamente separados entre si Pelo contrário tratase de dimensões que estão interrelacionadas e que para serem compreendidas precisam ser vistas como fazendo parte de um todo orgânico Estas dimensões como já acentuamos tem 15 uma finalidade meramente didática e buscam proporcionarnos elementos para uma análise comparativa Nas próximas páginas vamos clarificar melhor o que são estas dimensões de análise 31 Dimensão teóricoanalítica Toda ciência tem como objetivo básico explicar fenômenos que ocorrem na realidade No entanto para realizar esta tarefa cada ciência precisa definir qual é a sua área de estudo e quais são os métodos e técnicas que ela julga os mais adequados para explicar os fenômenos que ela estuda Se cada ciência não tiver resolvido estas questões antes a pesquisa não leva a lugar nenhum Este portanto foi o primeiro desafio que os fundadores da sociologia enfrentaram No decorrer do processo de pesquisa era necessário antes de qualquer coisa definir a sociologia dizer o que ela é como ela se relaciona e se distingue das outras ciências definir sua área de estudo e finalmente dizer qual é a sua metodologia de análise É este conjunto de temas que nós vamos denominar neste trabalho de teoria sociológica Portanto a teoria sociológica diz respeito a um conjunto de conceitos responsáveis pela definição da sociologia e pela determinação de seus métodos de estudo Para estudarmos a teoria sociológica é importante distinguir dois tipos de questões as questões epistemológicas e as questões metodológicas É claro que em suas exposições os clássicos da sociologia não separaram estes aspectos de uma forma rígida Mas a separação didática entre estas questões nos ajuda a perceber que em cada teoria sociologia estão presentes não só um conjunto de pressupostos filosóficos que vamos chamar de epistemologia mas também um conjunto de procedimentos que tem em vista a análise da realidade que vamos chamar de metodologia Para entender melhor tudo isto vamos esclarecer em separado o que significa cada um destes conjuntos de questões a Epistemologia Estabelecer os fundamentos filosóficos de uma ciência é uma tarefa que começa antes da investigação científica Por isso antes de partirem para a análise da sociedade os fundadores da sociologia tiveram que se defrontar com um complexo debate com a teoria do conhecimento o ramo da filosofia que reflete sobre os problemas da origem validade e da própria possibilidade do conhecimento especialmente do conhecimento de tipo científico Falar de teoria do conhecimento é entrar em um debate profundo que tem uma longa trajetória na história da filosofia Mas para simplificar este debate podemos dizer que a teoria do conhecimento ou epistemologia quando aplicada ao caso da ciência procura compreender como se dá a relação entre o sujeito aquele que procura conhecer o mundo que o cerca e o objeto ou aquilo que está sendo examinado ou compreendido seja o mundo em sua totalidade ou mesmo um aspecto do mundo 16 Embora haja um consenso entre os filósofos de que a compreensão do conhecimento se dá mediante a relação entre o sujeito cognoscente e o objeto de conhecimento cada filósofo ou teoria filosófica acaba dando um peso diferente sobre a questão de qual destes elementos é determinante para a origem do conhecimento Sobre esta questão duas posições se destacam Para os filósofos empiristas o fator determinante na origem do conhecimento é a própria realidade ou seja o objeto Nesta concepção o homem é como uma tábula rasa no qual a experiência ou os sentidos vão imprimindo suas informações As idéias ou o conhecimento derivam da experiência sensível À medida que o sujeito vai acumulando novas experiências novas informações vão sendo acrescidas Em contrapartida para os filósofos racionalistas o fator determinante na origem do conhecimento é o sujeito Embora os adeptos do racionalismo filosófico não desprezem o papel das experiências sensoriais eles afirmam que o papel primordial do ato de conhecer cabe ao sujeito Assim mediante certas categorias mentais que são inatas nos indivíduos ele organiza os dados da experiência e só depois é que se forma um sistema de conhecimentos O papel determinante no ato de conhecer portanto cabe ao sujeito Você pode até achar que estas posições filosóficas são muito abstratas e que esta discussão está bem longe de uma ciência preocupada com o mundo real ou social como é o caso da sociologia No entanto a maneira de entender como se dá a construção do conhecimento vai afetar diretamente as propostas teóricas dos clássicos da sociologia Vejamos por que Ora porque este debate é fundamental para a construção da sociologia De que forma esta questão filosófica vai influenciar a construção de uma teoria sociológica Acontece que conforme optaram por uma ou outra das posições sobre a origem do conhecimento racionalismo ou empirismo cada um dos clássicos desta ciência construiu diferentes visões de como se dá a relação entre indivíduo e sociedade e como esta relação afeta o tipo de método científico que eles julgavam mais adequado para as ciências sociais Vejamos este assunto com mais cuidado 1a Indivíduo e sociedade Partindo da distinção entre sujeito e objeto os teóricos da sociologia se perguntaram qual deve ser o ponto de partida da análise sociológica Ou em outros termos para explicar a realidade social é necessário partir do sujeito indivíduo ou do objeto sociedade Qual a relação que existe entre indivíduo e sociedade é a sociedade que explica o indivíduo ou é o indivíduo que explica a sociedade Para as teorias sociológicas que conferem uma posição privilegiada ao objeto no processo de conhecimento a explicação sociológica deveria mostrar como a sociedade que é o objeto explica a vida dos indivíduos Mas para as teorias sociológicas que partiam do pressuposto de que a origem do conhecimento se dá mediante o papel ativo do sujeito o indivíduo é que deveria ser o fundamento lógico da explicação sociológica 2a Características do método científico Aqui tratase de esclarecer quais devem ser as características do método sociológico Assim se o papel do conhecimento cabe ao objeto o método científico deve ser tal que permita mostrar como a sociedade é uma 17 realidade objetiva que molda a vida dos indivíduos Mas se o papel do conhecimento é atribuído em primeira instância ao sujeito o método científico deve demonstrar de que forma o indivíduo sujeito é a origem das instituições sociais Para os sociólogos que adotam a primeira posição epistemológica método empiristaobjetivista a sociologia deveria adotar os mesmos métodos das ciências da natureza como a física e a química por exemplo Afinal estas ciências já lidavam com realidades objetivas a natureza que funcionam de modo independente da ação do homem Por isso basta que a sociologia adapte este método para seu objeto próprio que é a sociedade Mas para os sociólogos que adotam a segunda posição epistemológica método racionalistasubjetivo a sociologia deveria construir um método próprio diferente das ciências da natureza Afinal as ciências sociais lidam com realidades que são frutos da ação do homem e que não tem nada a ver com a natureza Por isso a sociologia deve construir novos métodos para entender como se dá a ação e a interação entre os homens e como este processo dá origem às instituições sociais b Metodologia Só depois de terem enfrentado estas difíceis questões filosóficas é que os fundadores da sociologia tiveram condições de formular a metodologia de análise desta nova ciência Ao contrário da questão anterior essencialmente teórica a metodologia de análise diz respeito ao conjunto de procedimentos que a sociologia deveria adotar para explicar os fenômenos sociais Tratase portanto de uma questão bem mais prática que a anterior A preocupação aqui está em como fazer ou como proceder para entender a realidade pesquisada Por isso na elaboração de sua metodologia cada pensador se preocupou em delimitar qual a área de estudo da sociologia bem como demonstrar quais os procedimentos necessários para explicar aquele conjunto da realidade Em se tratando de metodologia científica é muito comum os autores chamarem o primeiro destes aspectos de objeto material e o segundo de objeto formal da ciência Enquanto o primeiro objeto material procura responder o que cada ciência estuda o objeto formal diz respeito ao modo como cada ciência procura explicar os fenômenos estudados os métodos usados as técnicas os procedimentos etc Delimitar como o próprio nome já indica significa colocar limites Quais as fronteiras entre o que é natureza indivíduo e sociedade Onde começa um e termina outro Por outro lado quando dizemos que algo é social ou faz parte da sociedade o que isto significa Quais são os elementos que fazem parte deste conjunto amplo que chamamos de social Todo este conjunto de questões é o que nós podemos chamar de objeto material da sociologia Ao se defrontarem com estas questões os clássicos da sociologia estavam determinando o objeto de estudo da sociologia e estabelecendo os limites de sua área de estudo Uma vez identificado o objeto de estudo da sociologia começa a tarefa de responder como esta ciência vai proceder para explicar cientificamente o conjunto da realidade que lhe foi determinado Tratase então de delimitar o objeto formal da sociologia ou seja os seus métodos de estudo Isto implica em dizer como ela vai proceder a partir de 18 que enfoque e de que maneira específica a sociologia vai aplicar o conjunto dos procedimentos científicos para a explicação de seu objeto de análise Para entendermos a importância da distinção entre o objeto material e o objeto formal na ciência vamos ilustrar esta questão com um exemplo Como você sabe no conjunto das ciências sociais existem várias ciências que tratam do fenômeno político a sociologia política a ciência política e a antropologia política Usando os conceitos anteriores fica fácil perceber que ambas as ciências partilham do mesmo objeto material a política Até aí todas são iguais Todavia o aspecto que distingue estas ciências umas das outras é seu método de estudo ou a maneira própria como cada uma delas aborda o fenômeno político Este segundo aspecto diz respeito ao objeto formal de cada ciência Como você pode notar delimitar o objeto material e o objeto formal de uma ciência é fundamental para estabelecer as características que definem esta mesma ciência definir como ela se distingue das demais e qual é a sua tarefa específica no quadro das ciências Finalmente vale lembrar que a distinção entre os aspectos epistemológicos e metodológicos de cada teoria sociológica é bastante tênue pois ambas estão intimamente relacionadas No entanto diferenciar estas questões pode nos ajudar a entender melhor as teorias sociais Por causa disto é que optamos por esta divisão O importante é perceber que a teoria sociológica tanto nas questões epistemológicas ou metodológicas constitui o instrumento de análise da sociologia para aquela que é sua tarefa principal a interpretação da realidade social Para terminar façamos um resumo do conteúdo apresentado TEORIA SOCIOLÓGICA EPISTEMOLOGIA Indivíduo x sociedade Características do método científico METODOLOGIA Objeto material o que estuda Objeto formal como estuda 32 Dimensão teóricoempírica De modo simplificado poderíamos dizer que uma teoria sociológica é como uma ferramenta de trabalho Seu objetivo é colocar na mão do pesquisador um conjunto de instrumentos para entender a realidade pesquisada Porém a finalidade da teoria não está voltada para si mesma Pelo contrário se os clássicos da sociologia se dedicaram tanto a formular suas teorias sociológicas é porque eles estavam preocupados em entender a realidade na qual eles estavam inseridos É aqui que está o centro da obra de cada um deles a compreensão do mundo moderno seus processos de origem seus elementos estruturantes sua dinâmica de desenvolvimento e transformação Por esta razão a dimensão que estamos chamando de teóricoempírica diz respeito aos resultados das pesquisas dos sociólogos Como pesquisadores o que os interessava era compreender e explicar a dinâmica das transformações do mundo moderno E como nós já demonstramos antes os homens do século XIX tinham clara consciência de que seu modo de viver estava em crise Cabia aos sociólogos procurar dizer porque a 19 realidade estava se alterando e quais as características da nova ordem social que começava a nascer Os clássicos da sociologia foram os primeiros intérpretes do mundo moderno O que eles nos ajudaram a entender é que a modernidade implica em uma profunda ruptura com o passado trazendo novas formas de organizar a produção economia distribuir o poder política e compreender a existência cultura E foi justamente para explicar as diferenças do mundo moderno com as sociedades do passado bem como entender o motivo destas mudanças que os teóricos da sociologia fizeram as suas análises empíricas Portanto na análise da modernidade cada um dos teóricos já mencionados tinha sua interpretação sobre estes três problemas fundamentais 1o As características da sociedade tradicional 2o Os fatores da mudança da sociedade 3o As características do mundo moderno modernidade Usando como critério de análise as etapas da história podemos dizer que os clássicos da sociologia nos ofereceram idade antigafeudal uma análise sociológica das sociedades do passado idade moderna uma explicação para o conjunto de transformações que deu origem ao mundo moderno idade contemporânea as primeiras e principais caracterizações do mundo contemporâneo Cada um destes aspectos ou etapas foi intensamente discutido e interpretado por Durkheim Weber e Marx que tinham diferentes explicações sobre este amplo processo de mudança social para o qual formularam um conjunto de teorias e conceitos que o quadro abaixo procura ilustrar IDADE ANTMEDIEVAL IDADE MODERNA IDADE CONTEMPORÂNEA SocTradicional Mudança Social Modernidade DURKHEIM Solidariedade Mecânica Divisão Social do Trabalho Solidariedade Orgânica WEBER Sociedades Teocêntricas Racionalização desencantamento Sociedade Secularizada MARX Modo de Produção Antigo e Feudal Revolução Industrial Modo de Produção Capitalista A análise do significado de cada uma destas teorias ou conceitos será feita quando estudarmos cada autor em separado No entanto já se pode notar que cada um dos 20 clássicos da sociologia optou por diferentes modos de explicar o nascimento da modernidade e as características da sociedade atual Estas interpretações ainda hoje são questões de debate Como dissemos visitar os clássicos e entender sua análise da modernidade é entender um pouco de nós mesmos e da sociedade na qual vivemos Mais uma razão para o fascínio que eles ainda exercem nos intelectuais contemporâneos Mais uma razão para voltamos ao estudo de suas obras 3 3 Dimensão teóricopolítica Quando a sociologia nasceu o sentimento das pessoas era que a sociedade passava por uma profunda crise Mais do que compreender o que estava acontecendo a grande preocupação dos estudiosos do século XIX era saber que atitude tomar diante dos acontecimentos A sociologia como qualquer ciência não tem apenas uma função teórica Pelo contrário se os homens do século XIX queriam entender a sociedade é porque desejavam compreender os seus mecanismos de funcionamento e atuar sobre ela A sociologia desde cedo tenta responder também há uma questão prática e por esta razão podemos dizer que ela possui uma função política A importância de se entender o projeto político subjacente em toda análise sociológica devese a dois fatores básicos O primeiro fator é de ordem teórica Se cada teoria sociológica assumiu uma atitude diferente em relação ao mundo moderno é porque enxergava a realidade de forma diferente A medida que foram identificando quais as características do mundo moderno e principalmente quais os problemas típicos da sociedade moderna os sociólogos também foram apontando as soluções que achavam mais adequados para resolver estes problemas É assim que cada perspectiva sociológica foi desenhando também o seu projeto político Afinal como diz a sabedoria popular a teoria condiciona a prática Esquematicamente No entanto o inverso também é verdadeiro Se havia explicações diferentes para a realidade social é porque os teóricos da sociologia se comprometeram de forma diferente com o mundo moderno Enquanto certos teóricos estavam preocupados com a defesa da ordem social que nascia outros logo se opuseram a ela ressaltando seus limites e contradições Neste caso foi a prática política que condicionou a teoria sociologia Por isso podemos chamar este segundo fator como sendo de ordem prática Neste sentido a sociologia apenas reflete um dos elementos fundamentais da sociedade moderna a luta política pela interpretação dos rumos e também pela condução do mundo moderno ou como diria Marx a luta de classes Desde cedo a sociologia se viu atravessada pelo conflito entre as forças promotoras da mudança social a burguesia as forças que procuravam frear os processos de mudança conservadores ou reacionários e ainda as forças que questionavam os supostos ganhos e conquistas da sociedade moderna o proletariado A inserção dos sociólogos em uma ou outra destas classes sociais vai acabar se refletindo nas teorias sociológicas que acabam traduzindo a visão de mundo destes grupos sociais em suas elaborações teóricas 21 Assim uma das primeiras questões que os clássicos da sociologia procuraram responder é como a sociologia se inseria neste complexo jogo da luta de classes de seus diferentes interesses e de sua visão de mundo Em resumo cada um deles buscou responder qual seria a função política da sociologia Para um primeiro grupo de teóricos a sociologia deveria ser uma ciência que inspirada no modelo da sociedade feudal deveria aspirar e mostrar o caminho para construir a ordem a paz e a harmonia que existiam nas sociedades tradicionais Para este modelo a sociologia teria uma função conservadora Caberia a esta ciência mostrar que apesar das intensas mudanças que levaram a dissolução do mundo feudaltradicional o mundo moderno deveria estabilizar as suas instituições como condição para o bom funcionamento da sociedade A sociologia neste caso optou em favor das forças que lutaram pela instauração do mundo moderno a burguesia Esta concepção da ciência sociológica tornou se a aliada da burguesia no sentido de preservar e manter as conquistas desta classe social Um segundo grupo de pensadores todavia afirmava que a sociologia deveria se manter distante da luta política adotando uma postura de neutralidade Nesta concepção a sociologia estaria acima das lutas sociais e dos interesses de classe Este grupo de pensadores se dividia entre aqueles que achavam que em vista de sua neutralidade a sociologia era a única que podia oferecer soluções imparciais e objetivas para os problemas sociais soluções que estariam acima da luta de classes e entre aqueles que achavam que a sociologia não era a responsável pela escolha das soluções a adotar esta escolha caberia a sociedade Para a sociologia restaria apenas a tarefa de mostrar os caminhos possíveis e as prováveis conseqüências das eventuais escolhas feitas pelos indivíduos No entanto uma terceira posição partia justamente da crítica a este tipo de teoria Para a postura crítica ou transformadora a neutralidade não passava de uma forma dissimulada de apoiar a ordem social vigente e as classes sociais que lutavam pela sua conservação Afinal somente quem se beneficia com a situação social não luta pela transformação do status quo Para os teóricos críticos a sociologia deveria assumir com coragem uma atitude de negação do sistema vigente lutando pela sua transformação e pela construção de uma nova forma de convivência social Isto implicava diziam estes teóricos apoiar diretamente a classe social que estava excluída dos frutos do mundo moderno e que justamente por isso representava a maior força social interessada na transformação do sistema o proletariado Em função destas e de outras motivações podemos afirmar que a compreensão dos pressupostos ideológicos e políticos implícitos nas teorias sociológicas é fundamental para a compreensão da sociologia Em primeiro lugar porque a compreensão deste aspecto possibilita um estudo crítico destas teorias apontando como as opções políticas dos cientistas sociais condicionaram estas mesmas teorias E em segundo lugar porque a reflexão sobre as opções políticas da sociologia coloca o estudante diante da mesma questão Que atitude assumir diante da realidade social Quais os interesses que condicionam meu estudo da realidade Em que medida minha inserção em determinada 22 classe social condiciona minha visão de mundo De que forma posso me inserir nas lutas sociais Qual a relação da ciência com a política Estes questionamentos continuam atuais e constituem ainda hoje problemas fundamentais para os cientistas sociais De modo geral os clássicos da sociologia apontaram as atitudes básicas desta ciência em relação à realidade social Uma postura conservadora a busca da neutralidade ou mesmo da transformação social são as opções políticas fundamentais da sociologia Longe de estar distante ou mesmo imune das lutas sociais e políticas procurar entender a realidade e fazer ciência também tem repercussões políticas Fazer sociologia não deixa de ser um ato político modificando conforme as conclusões a correlação de forças entre as classes sociais Portanto um debate sobre as opções políticas da sociologia constitui uma boa oportunidade para o estudante rever a forma pela qual ele mesmo se insere na sociedade suas lutas e seus conflitos Neste sentido os clássicos da sociologia nos colocam diante desta questão e nos obrigam a pensar sobre nosso modelo de sociologia e sua relação com a realidade política 4 BIBLIOGRAFIA a Manuais e dicionários de ciências sociais BOBBIO Norberto Dicionário de política 8 ed Brasília UnB 1995 2 vols BOTTOMORE Tom OUTHWAITE Willian Dicionário do pensamento social do século XX Rio de Janeiro Jorge Zahar 1996 DEMO Pedro Sociologia uma introdução crítica 2 ed São Paulo Atlas 1987 LAKATOS Eva Maria Sociologia Geral 6 ed São Paulo Atlas 1990 TRUJILLOFERRARI Alfonso Fundamentos de sociologia São Paulo Mac GrawHill 1983 b Obras de teoria social clássica ARON Raymond As etapas do pensamento sociológico 4 ed São Paulo Martins Fontes 1993 BOTTOMORE Tom NISBET Robert História da análise sociológica Rio de Janeiro Zahar 1980 CRUZ M Braga Teorias sociológicas Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1988 CUIN CharlesHenry História da sociologia São Paulo Ensaio 1994 23 FERNANDES Florestan A natureza sociológica da sociologia São Paulo Ática 1980 FERREIRA J M Carvalho Sociologia Lisboa McGrawHill 1995 FORACHI Marialice Mencarini MARTINS José de Souza Sociologia e sociedade leituras de introdução à sociologia Livros Técnicos e científicos Rio de Janeiro 1980 GIDDENS Anthony Capitalismo e moderna teoria social Lisboa Presença 1994 QUINTANEIRO Tania BARBOSA Maria Lígia OLIVEIRA Márcia Gardênia de Um toque de clássicos Durkheim Weber e Marx Belo Horizonte UFMG 1996 ROCHER Guy Sociologia geral 3 Ed Lisboa Presença 1977 STOMPKA Piotr Sociologia da mudança social Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1998 TRINDADE Liana S As raízes ideológicas das teorias sociais São Paulo Ática 1980 c Origem da sociologia CASTRO Ana Maria DIAS Edmundo Fernandes Introdução ao pensamento sociológico Durkheim Weber Marx e Parsons 9ed São Paulo Moraes 1992 p 0330 IANNI Octávio A sociologia e o mundo moderno Tempo Brasileiro Revista de sociologia da USP n01 p2324 1989 MARCELLINO Nelson C Introdução às ciências sociais 4 ed Papirus Campinas 1991 c Augusto Comte MORAES FILHO Evaristo de Comte 3 ed São Paulo Ática 1989 coleção grandes cientistas sociais no 07 24 e Dimensões de análise Para terminar o leitor pode conferir ainda alguns textos que exploram a leitura dos clássicos de acordo com uma das dimensões e análise que apresentamos neste livro 1 Dimensão teóricometodológica LOWY Michel Ideologias e ciência social 11ª ed São Paulo Cortez 1996 2 Dimensão teórico empírica LYON David Pósmodernidade São Paulo Paulus 1998 p 3558 3 Dimensão teóricopolítica MARTINS Carlos Benedito O que é sociologia São Paulo Brasiliense 1994 25 CAPÍTULO II ÉMILE DURKHEIM A pretensão de conferir à sociologia uma reputação verdadeiramente científica será o principal objetivo da obra do pensador francês Émile Durkheim 18581917 Seguidor do positivismo de Augusto Comte toda obra de Durkheim está voltada para dotar a sociologia do que até então mais lhe faltava um método de análise Daí a sua importância para a história do pensamento sociológico 26 Durkheim também forneceu para a sociologia estudos pioneiros na área da sociologia da religião e do conhecimento bem como estudos empíricos sobre o fenômeno do suicídio Além disso este pensador é um dos grandes analistas do mundo moderno com sua tese da divisão social do trabalho Através deste conceito ele aponta para a complexidade da sociedade contemporânea cuja marca característica é a diferenciação social e a especialização das funções com todas as conseqüências que este fenômeno traz para a vida do homem suas relações sociais e a própria organização da sociedade I VIDA E OBRAS Émile Durkheim sociólogo francês filho de rabinos nasceu em 15 de abril de 1858 na cidade de Épinal Alsácia Iniciou seus estudos primários no colégio daquela cidade e lhes deu continuidade em Paris no Liceu Louis Le Grand e na École Normale Superiére 1879 Teve como professores Foustel de Coulanges e Boutrox Em 1882 Durkheim formase em filosofia e é nomeado professor em Sens Saint Quentin e Troyes iniciando neste período seu interesse pelas questões sociais Entre 1885 e 1886 Durkheim faz uma importante viagem de estudos para a Alemanha para estudar ciências sociais Na Alemanha Lepzig e Berlim entra em contato com Wilhelm Wundt 18321920 fundador da psicologia Desta viagem Durkheim retorna com a intenção de desenvolver a sociologia na França visando tornála uma ciência autônoma Em 1887 é nomeado professor de pedagogia e de ciência social na faculdade de Bordeaux no sul da França Tratase do primeiro curso de sociologia criado em uma universidade É neste período que Durkheim escreve suas principais obras e forma a base de seu pensamento social Em 1893 ele defende sua tese de doutorado A Divisão Social do Trabalho e funda a revista LAnné Sociologique na qual foram publicados a maior parte dos trabalhos iniciais da escola sociológica francesa Adquirindo grande notoriedade no ano de 1902 Durkheim é convidado para tornar se professor suplente de pedagogia na Universidade de Sorbonne em Paris Em 1906 tornase titular da cadeira e passa a lecionar paralelamente sociologia que é transformada em cátedra no ano de 1913 No ano de 1914 começa na Europa a primeira guerra mundial Com a morte de seu filho na guerra Durkheim morre em Paris no dia 15 novembro de 1917 Além de ser um dos maiores clássicos da sociologia Durkheim também é o responsável pela introdução desta ciência no ensino universitário É com Durkheim que a sociologia adentra no mundo acadêmico e se firma definitivamente como ciência As principais obras de Émile Durkheim são 1893 A divisão social do trabalho 1895 As regras do método sociológico 27 1897 O suicídio 1912 As formas elementares da vida religiosa Além destes textos podese mencionar ainda as seguintes obras póstumas do autor 1922 Educação e sociologia 1924 Sociologia e filosofia 1928 O socialismo Contexto social e intelectual O período em que Durkheim viveu costuma ser chamado pelos historiadores de belle époque Como o nome indica este foi um período de progresso e otimismo marcado por grandes invenções eletricidade avião submarino cinema automóveis etc Apesar deste clima de otimismo já apareciam os problemas típicos da sociedade moderna migrações pobreza criminalidade etc chamados na época de questão social Todo este contexto social e sua ambigüidade característica vai exercer uma grande marca no pensamento de Durkheim que vai compartilhar do objetivo de consolidar as conquistas da sociedade moderna eliminado o que ele julgava serem problemas passageiros Dentre as influências fundamentais para se entender a formação do pensamento de Durkheim podemse destacar três correntes de pensamento Positivismo partindo de Augusto Comte Durkheim vai retomar a ênfase no poder da razão iluminismo e na superioridade da ciência positivismo Seu objetivo é fundar uma sociologia verdadeiramente científica capaz de descrever as leis de funcionamento da sociedade e orientar o seu comportamento Evolucionismo a idéia de aplicar a noção de evolução da natureza elaborada por Charles Darwin 18091882 para o estudo da sociedade já tinha sido tentada pelo inglês Herbert Spencer 18201903 Segundo Lakatos 1990 p4344 a principal contribuição de Spencer consiste no argumento de que a evolução de todos os corpos e por analogia a das sociedades passa de um estágio primitivo caracterizado pela simplicidade da estrutura e pela homogeneidade a estágios de complexidade crescente assinalados por uma heterogeneidade progressiva das partes Conservadorismo Edmund Burke 17291797 Joseph de Maistre 1754 1821 e Louis de Bonald 17541840 são filósofos que se opuseram às transformações trazidas pela revolução francesa de 1789 Estes filósofos criticavam o racionalismo e a agitação do mundo moderno Pregavam um retorno aos ideais de estabilidade da idade média e sua ênfase na religião Embora Durkheim não rejeitasse o progresso a ênfase conservadora na ordem vai influenciar as posições políticas deste pensador II TEORIA SOCIOLÓGICA FUNCIONALISTA 28 Na sua principal obra As regras do método sociológico Durkheim afirmava que os sociólogos até então tinham se preocupado pouco com a questão do método em sociologia Segundo o autor chegou a hora da sociologia elaborar um método mais definido e mais adaptado à natureza particular dos fenômenos sociais 1978 p 84 A partir desta preocupação Durkheim vai se tornar responsável pela elaboração de uma das principais teorias sociológicas da ciência social moderna a teoria sociológica funcionalista 21 Epistemologia Antes de criar propriamente seu método sociológico Durkheim tinha que se defrontar com as duas questões chaves da epistemologia sociológica como ele concebia a relação entre indivíduo e sociedade e também como ele entendia o papel do método científico na explicação dos fenômenos sociais Na resolução destas duas questões podemos perceber claramente como o positivismo influencia e serve de pressuposto para a teoria durkheimiana a A sociedade é superior ao indivíduo Ora se de acordo com o positivismo a explicação da realidade está condicionada pelo objeto seria natural que Durkheim chegasse a mesma conclusão sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade a sociedade objeto tem precedência sobre o indivíduo sujeito Em outros termos Durkheim afirmava que a explicação da vida social tem seu fundamento na sociedade e não no indivíduo Não que Durkheim estivesse afirmando que uma sociedade possa existir sem indivíduos o que seria totalmente ilógico O que ele desejava ressaltar é que uma vez criadas pelo homem as estruturas sociais passam a funcionar de modo independente dos indivíduos condicionando suas ações Para Durkheim a sociedade é muito mais do que a soma dos indivíduos que a compõem Uma vez vivendo em sociedade o homem dá origem a instituições sociais que possuem dinâmica própria A sociedade é uma realidade sui generis os homens passam mas a sociedade fica Por isto a tarefa da sociologia deverá se encaminhar na explicação de como o todo que é a sociedade condiciona suas partes os indivíduos ou em linguagem epistemológica como o objeto explica o sujeito e não o contrário Em todas as obras de Durkheim nós vamos perceber que este pressuposto está presente Tanto em suas explicações sobre a origem da religião sobre o conhecimento sobre o comportamento do suicídio e mesmo sobre a divisão social do trabalho é a sociedade que age sobre o indivíduo modelando suas formas de agir influenciando suas concepções e modos de ver condicionando e padronizando o seu comportamento Ninguém mais do que Durkheim vai colocar tanta ênfase na força do social sobre nossas vidas procurando sempre ressaltar que em última instância até mesmo a noção de que nós somos pessoas ou sujeitos individuais não passa de uma construção social b O método científico 29 Continuador da obra de Augusto Comte a principal preocupação de Durkheim era resgatar a intenção de fazer da sociologia uma ciência madura tal como já acontecia com a física a química a astronomia e outras ciências da natureza Mas o que seria uma ciência que atingiu a maturidade Para Durkheim a respota estava no método Partindo dos pressupostos levantados por Augusto Comte Durkheim vai se preocupar em dotar a sociologia das mesmas características das ciências da natureza Em vista disso em sua principal obra de metodologia As regras do método sociológico Durkheim vai afirmar que a a primeira regra da sociologia e a mais fundamental é a de considerar os fatos sociais como coisas idem p94 Ao equiparar os fenômenos sociais a coisas Durkheim partia do princípio de que a realidade social é idêntica a realidade da natureza e que portanto equiparase também aos fenômenos por ela estudados Assim tal como as coisas da natureza funcionam de uma forma independente da ação humana cabendo ao cientistas apenas mostrar suas regularidades as coisas da sociedade também são uma realidade distinta da ação humana Por isso ao tratar os fatos sociais como coisas Durkheim recomendava que os sociólogos evitassem as prénoções que já tinham sobre estas questões e que observassem os fenômenos sempre de acordo com suas características exteriores da forma mais objetiva e imparcial possível A semelhança entre seus objetos de estudo ambos considerados como coisas permitiu a este autor postular que afinal seus métodos de estudo também deveriam ser semelhantes Mas o que significa concretamente tratar os fatos sociais como coisas Na verdade o sociólogo deve seguir os mesmos passos de qualquer outro cientista como o físico o químico o biólogo etc Ou seja o papel da sociologia consiste em registrar da forma mais imparcial possível a realidade pesquisada o objeto tal como naquelas ciências Cabe ao pesquisador apenas fazer um retrato da realidade pesquisada pois ela é uma realidade objetiva tão objetiva como qualquer coisa da natureza Na percepção sociológica de Durkheim portanto a realidade objeto é que se impõe ao sujeito observador por isso as ciências sociais deveriam adotar o mesmo método que as ciências da natureza 22 Metodologia funcionalista Com base nestes dois pressupostos de que a sociedade é superior ao indivíduo e de que as ciências sociais devem imitar o método das ciências da natureza Durkheim já poderia pensar em um método adequado para entender os fenômenos sociais Além disso como ele partiu do pressuposto de que as ciências sociais deveriam usar métodos parecidos com as ciências da natureza Durkheim acabou se inspirando na biologia como método orientador para a sociologia Ao proceder de tal forma Durkheim retomava as idéias de Herbert Spencer que já afirmava que tanto a natureza quanto a sociedade obedecem a mesma lei a lei da evolução Mas para consolidar a sociologia como ciência Durkheim sabia que a metodologia desta ciência deveria responder muito claramente as duas perguntas que definem qualquer 30 método científico qual o objeto de estudo da sociologia objeto material e como a sociologia deve proceder para explicar o seu objeto de estudo objeto formal Vejamos qual a resposta de Durkheim para cada um destes problemas a Objeto de estudo fato social Partindo do pressuposto de que a sociedade tem precedência lógica sobre o indivíduo Durkheim vai definir o objeto da sociologia como sendo o fato social Vejamos a clássica definição deste conceito dada por Durkheim no primeiro capítulo das Regras do Método Sociológico é um fato social toda a maneira de agir fixa ou não capaz de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior ou a ainda que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo ao mesmo tempo uma existência própria independente da suas manifestações individuais 1978 p93 Três aspectos devem ser destacados nesta definição Para Durkheim o modo como o homem age é sempre condicionado pela sociedade pois estas formas de agir possuem um tríplice caráter são exteriores quer dizer provém da sociedade e não do indivíduo são coercitivos ou seja são impostas pela sociedade ao indivíduo e são objetivas quer dizer têm uma existência independente do indivíduo Tudo de acordo com o pressuposto básico de Durkheim a sociedade é que explica o indivíduo É porque são um produto da sociedade que os fatos sociais são exteriores coercitivos e objetivos EXTERIORES FATOS SOCIAIS COERCITIVOS OBJETIVOS Porém se já sabemos o que a sociologia estuda seu objeto material falta responder ainda a uma segunda questão como estudar os fatos sociais Afinal de contas por que eles surgem e por que eles existem Que tipo de explicação podemos dar para eles b Objeto formal método funcionalista É justamente respondendo a esta pergunta que Durkheim vai se tornar um dos principais formuladores da metodologia funcionalista Para Durkheim os fatos sociais ou a maneira padronizada como nós agimos na sociedade não existem por acaso Estas formas de agir existem porque cumprem uma função Esta idéia será apresentada por Durkheim no quinto capítulo de sua obra regras relativas à explicação dos fatos sociais quando ele afirma que quando nos lançamos na explicação de um fato social temos de investigar separadamente a causa eficiente que o produz e a função que ele desempenha grifo nosso idem p 135 Na verdade a explicação fucionalista não é uma criação de Durkheim Tratase de uma idéia que ele tomou emprestado de outros pensadores que se inspiraram na biologia e 31 que Durkheim tratou de aprofundar Esta mesma idéia tinha sido formulada antes dele por Herbert Spencer que a retirou de Charles Darwin mostrando a enorme influência que o evolucionismo exerceu sobre o pensamento cientifico daquela época Para Durkheim explicar os fatos sociais significa demonstrar a função que eles exercem Todavia esta explicação não se encontra no futuro a utilidade que nós projetamos nas coisas mas se encontra no passado primeiro é preciso investigar a razão pela qual surgiu aquela prática social sua causa eficiente para depois determinar sua função Esta era a inovação que Durkheim propunha em relação a Herbert Spencer a primeira investigação causa eficiente deve preceder à segunda sua utilidade social Em relação a este método devemos assinalar ainda duas coisas Em primeiro lugar que Durkheim compara a sociedade a um corpo vivo em que cada órgão cumpre uma função Daí o nome de metodologia funcionalista para seu método de análise Em segunda lugar como se repete novamente a idéia de que o todo predomina sobre as partes Para Durkheim isso implica em afirmar que a parte os fatos sociais existem em função do todo a sociedade E é justamente isso que a idéia de função social mostra a ligação que existe entre as partes e o todo Vamos traduzir isto na forma de um esquema bastante didático 1 A sociedade é semelhante a um corpo vivo 2 A sociedade como o corpo é composta de várias partes 3 Cada parte cumpre uma função em relação ao todo Família Religião Empresa Escola Exército Leis Governo Lazer Analisando o quadro acima você mesmo pode fazer o exercício de verificar qual a função que cada uma das instituições ali nomeadas cumpre para o bom funcionamento da sociedade É na determinação da função social que estas instituições cumprem que a metodologia funcionalista procura explicar sua existência bem como das nossas formas de agir ou como queria Durkheim dos fatos sociais Esta é a essência da metodologia funcionalista que apesar das inovações e aprofundamentos posteriores constitui até hoje seu núcleo de idéias básicas Embora a analogia do método durkheimiano com a biologia possa causar alguma estranheza tratase de uma contribuição refinada e complexa que será fundamental para o desenvolvimento posterior da sociologia abrindo como dissemos um dos primeiros caminhos de análise da realidade social Mais tarde a idéia de função será retomada na antropologia por Bronislaw Malinowski e RacliffeBrown e passará a ocupar um papel fundamental na sociologia com as obras de Talcott Parsons e Robert Merton pensadores que vão aprimorar o método de Durkheim rebatizado mais tarde como estrutural funcionalismo III MODERNIDADE E DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO 32 É claro que a longa obra de Durkheim não ficou restrita apenas à construção de um método para fazer sociologia Como bom sociólogo Durkheim também se dedicou a entender as sociedades concretas tanto aquelas do passado como o mundo no qual ele vivia Vejamos como ao longo das obras que escreveu Durkheim demonstra que a sociedade vai modelando o comportamento social do homem e como nestes textos ele vai desenhando sua interpretação sobre a origem e as características do mundo social moderno 31 A divisão social do trabalho 1893 Na primeira de suas grandes obras Durkheim vai se preocupar em analisar qual é a função que a divisão do trabalho cumpre nas sociedades modernas Nesta obra o autor adota a tese de que a sociedade passa por um processo de evolução caracterizado pela diferenciação social Durkheim vai chamar a etapa inicial do processo de evolução social de sociedade de solidariedade mecânica e a etapa final deste processo de sociedade de solidariedade orgânica como mostra o esquema a seguir Solidariedade mecânica Evolução Solidariedade orgânica A teoria da modernidade de Durkheim é construída na interpretação polar destes dois tipos de sociedade que ele procura explicar a partir dos seguintes elementos Solidariedade Mecânica Solidariedade Orgânica Laço de solidariedade Consciência coletiva Divisão social do trabalho Organização social Sociedades segmentadas Sociedades diferenciadas Tipo de direito Direito repressivo Direito restitutivo Para Durkheim o que distingue cada um destes momentos da evolução da sociedade são os mecanismos que geram a solidariedade social a consciência coletiva e a divisão social do trabalho A solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica são diferentes estratégias de integração das pessoas nos grupos ou nas instituições sociais Elas correspondem também a diferentes formas de organização da sociedade sociedades segmentadas ou sociedades diferenciadas e podem ser percebidas de acordo com o tipo de organização jurídica predominante repressivo ou restitutivo Vejamos cada uma destas etapas da evolução social de forma separada III11 Solidariedade mecânica Segundo Durkheim nas sociedades de solidariedade mecânica os indivíduos vivem em comum porque partilham de uma consciência coletiva comum Para o autor a consciência coletiva pode ser definida como um conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado que tem vida própria Nas sociedades de solidariedade mecânica existe total predomínio do grupo sobre os indivíduos A semelhança entre eles também é forte havendo pouco espaço para a individualidade Portanto a explicação para que os indivíduos vivam em sociedade diz 33 Durkheim está no fato de que eles partilham de uma cultura comum que os obriga a viver em coletividade Quando Durkheim fazia estas análises estava pensando em sociedades de tipo simples como são as sociedades indígenas por exemplo em que a inserção dos indivíduos no grupo é fundamental para sua cultura Mas como demonstrar isto do ponto de vista sociológico De que forma o sociólogo poderia constatar o predomínio da consciência coletiva sobre a conduta dos indivíduos Para demonstrar este fenômeno Durkheim optou pelo estudo das normas jurídicas que segundo ele são um dos meios pelo qual a sociedade materializa ou torna concreta suas convicções morais que são um dos elementos da consciência coletiva De acordo com a forma pelo qual ele é organizado o direito é o símbolo visível do tipo de solidariedade que existe na sociedade Nas sociedades de solidariedade mecânica temos o predomínio do direito repressivo enquanto nas sociedades de solidariedade orgânica predomina o direito restititutivo A diferença entre os dois é que enquanto no direito restitutivo o objetivo da lei e das penas é apenas restabelecer a ordem das coisas no direito repressivo temos o predomínio da punição De acordo com a explicação de Durkheim isto mostra a força da consciência coletiva sobre a vida dos indivíduos Neste sentido na sociedade de solidariedade mecânica todos os atos criminosos deveriam ser punidos pois a violação das regras sociais representa um perigo para a coesão ou solidariedade social Logo não são admitidas transgressões nas condutas individuais os transgressores são punidos para mostrar aos outros membros do grupo o quanto custa desviarse das regras coletivas É neste sentido que o direito repressivo é um indicador bastante seguro do predomínio da consciência coletiva sobre a conduta dos indivíduos indicando que se trata de uma sociedade de solidariedade mecânica Finalmente Durkheim observou que a estrutura das sociedades tradicionais era caracterizada por uma repetição de segmentos similares e homogêneos que não tinham nenhuma relação entre si Uma sociedade segmentada é aquela onde os grupos sociais como aldeias por exemplo vivem isolados com um sistema social que tem vida própria O segmento bastase a si mesmo e tem pouca comunicação com o mundo exterior Neste tipo de sociedade o crescimento dos membros não leva a uma diferenciação das funções mas a formação de um novo grupo segmento que vai reproduzir as características do grupo social anterior Pense na situação dos povos indígenas por exemplo que vão ocupando novos territórios e formando novas aldeias mas sem que isto os leve a construir um sistema social mais abrangente É deste modo que Durkheim concebe a estrutura das sociedades antigas como sociedades segmentadas III12 Evolução social Para explicar como se dá a mudança deste tipo de sociedade e o surgimento do mundo moderno Durkheim afirma que com o tempo a sociedade passa por um processo de evolução caracterizado pela diferenciação social cujo resultado é justamente um novo tipo de vida social no qual predomina a divisão do trabalho Segundo Durkheim três são os fatores responsáveis pelo crescimento da sociedade volume densidade material 34 densidade moral Para entender o que são estes conceitos Raimond Aron nos fornece uma explicação bastante concisa Para que o volume isto é o aumento do número dos indivíduos se torne uma causa da diferenciação é preciso acrescentar a densidade nos dois sentidos o material e o moral A densidade material é o número dos indivíduos em relação a uma superfície do solo A densidade moral é a intensidade das comunicações e trocas entre esses indivíduos Quanto mais intenso o relacionamento entre os indivíduos maior a densidade A diferenciação social resulta da combinação dos fenômenos do volume e da densidade material e moral grifos nossos 1995 p 306 Com o crescimento quantitativo volume e qualitativo densidade material e moral ocorre na sociedade um processo de especialização das funções chamado por Durkheim de divisão social do trabalho Por isso nas sociedade modernas temos um novo processo de integração dos indivíduos na sociedade a solidariedade orgânica III13 Solidariedade orgânica Na sociedade de solidariedade orgânica os indivíduos estão integrados na coletividade porque cada um passa a depender do outro Este fenômeno se deve à especialização de funções ou a divisão social do trabalho As sociedades modernas portanto são altamente diferenciadas sendo que cada indivíduo exerce funções bem específicas que são vitais para o funcionamento do sistema social Pense num padeiro que depende do fornecimento de trigo que precisa ser transportado e assim por diante É importante lembrar que a divisão social do trabalho segundo Durkheim não se refere apenas a especialização das funções econômicas Pelo contrário o que Durkheim observa é que as sociedades modernas são caracterizadas por diferentes esferas sociais que se diferenciam e especializam cada vez mais a economia a vida política a cultura a educação a arte e outras esferas vão se separando cada vez mais entre si e adquirindo uma dinâmica própria de funcionamento Dentro de cada uma destas esferas por sua vez podemos localizar ainda outros processos de diferenciação como é o caso do setor econômico e sua grande diversidade de atividades A originalidade da explicação durkheimiana está em demonstrar que longe de ser um entrave este processo representa um novo mecanismo de integração social É a própria especialização das funções e das pessoas que gera a solidariedade social já que os indivíduos passam a ser interdependentes das atividades desenvolvidas em outros setores da vida social Como conclusão Durkheim afirma que a divisão social do trabalho não pode ser reduzida apenas a sua dimensão econômica no sentido de que ela seria responsável pelo aumento da produção sendo esta sua função primordial Ao contrário a divisão social do 35 trabalho tem antes de tudo uma função moral no sentido de que ela passa a ser o elemento chave para a integração dos indivíduos na sociedade Somos levados assim a considerar a divisão do trabalho sob um novo aspecto Nesse caso de fato os serviços econômicos que ela pode prestar são pouca coisa em comparação com o efeito moral que ela produz e sua verdadeira função é criar entre duas ou várias pessoas um sentimento de solidariedade 1995 p 21 Além da mudança dos mecanismos que geram a integração social a sociedade moderna também modifica o tipo de relações que se estabelecem entre o indivíduo e a sociedade Para Durkheim com a crescente diversificação das funções a consciência coletiva perde seu papel de integração social e enfraquece Isto por sua vez acaba tendo duas conseqüências importantes Por um lado existe uma maior autonomia dos indivíduos pois pertencer à sociedade já não depende de se ter as mesmas idéias ou agir da mesma maneira consciência coletiva comum Ao contrário das sociedade tradicionais onde o indivíduo era visto apenas como parte de um ente coletivo que o dominava no mundo moderno o indivíduo passa a distinguirse do corpo social e tomar consciência de sua própria individualidade A relação se inverte e agora é o indivíduo que pretende aumentar sempre mais seu raio de ação em relação ao mundo social Todavia e esta é a segunda consequência importante o declínio da consciência coletiva e os anseios de liberdade podem levar a um excesso de egoísmo colocar os indivíduos em choque entre eles e comprometer o bom funcionamento da sociedade Temos então uma divisão anômica do trabalho que segundo Durkheim seria o grande problema da sociedade moderna 32 O suicídio 1897 Os problemas de integração do indivíduo na sociedade moderna são retomados por Durkheim em outra de suas obras clássicas O suícidio Nesta obra o pensador francês tenta mostrar que o comportamento de suicidarse também possui causas sociais lembrese a sociedade é que explica o comportamento do indivíduo O suicídio definido por Durkheim como todo caso de morte provocado direta ou indiretamente por um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse resultado não se deve apenas a causa psicológicas psicopatológicas ou mesmo a processos de imitação Uma das forças que também determina o suicídio é social Para entender este fenômeno Durkheim distingue três tipos de suicídio Suicídio egoísta quando não estão integrados à instituições ou redes sociais que regulam suas ações e lhes imprimam a disciplina e a ordem como a família a igreja o trabalho os indivíduos acabam tendo desejos infinitos que não podem satisfazer Este egoísmo quando frustrado pode levar a ondas sociais de suicídio Ele também pode ser constatado quando o indivíduo se desvincula de suas redes sociais sofrendo com depressão melancolia e outros sentimentos Suicídio altruísta praticado quando o indivíduo se identifica tanto com a coletividade que é capaz de tirar sua vida por ela mártires kamikases honra etc 36 Suicídio anômico é aquele que se deve a um estado de desregramento social no qual as normas estão ausentes ou perderam o sentido Quando os laços que prendem os indivíduos aos grupos se afrouxam esta crise social provoca o aumento da taxa de suicídios Podese notar claramente que em cada um dos tipos de suicídio estudados por Durkheim aparece a relação entre o indivíduo e a sociedade O suicídio pode ser causado ou pelo excesso de peso da sociedade sobre o indivíduo ou por falta de integração do mesmo na coletividade Mas em qualquer dos casos suas causas serão sempre sociais Nesta obra aparece novamente a questão da anomia que é para Durkheim o problema central das sociedades modernas Ao contrário de fenômenos como o crime que Durkheim considerava como um fato social normal o suicídio era para ele um fato social patológico que evidenciava que havia profundas disfunções na sociedade moderna A existência do suicídio anômico era um indício de que o excessivo enfraquecimento da consciência coletiva a perda de uma moral orientadora e disciplinadora dos comportamentos além do exacerbamento do individualismo representava um sério risco para a integração social e a preservação da sociedade Neste texto o tema da anomia vai se tornando cada vez mais um dos aspectos essenciais da reflexão durkheimiana e de seu diagnóstico sobre a modernidade Voltaremos a este assunto quando tratarmos do pensamento político de Durkheim 33 As formas elementares da vida religiosa 1912 A mesma determinação do social sobre o particular pode ser sentida em uma das últimas obras de Durkheim As formas elementares da vida religiosa Embora escrita já no final de sua vida trazendo assim algumas modificações no pensamento do autor as teses fundamentais de Durkheim são reafirmadas nesta obra Neste livro à partir da análise do totemismo australiano Durkheim procura elaborar uma teoria sociológica da religião Para ele todas as religiões são constituídas pela divisão da sociedade em duas esferas a sagrada e a profana Para Durkheim a superioridade da esfera do sagrado não passa de uma percepção difusa que os homens têm da força do social sobre eles mesmos A religião é a sociedade transfigurada Mais uma vez é a sociedade que é superior ao indivíduo e a religião não passa de uma expressão desse fato Além de uma explicação para a origem da religião Durkheim também desenvolve nesta obra uma teoria sociológica do conhecimento mostrando que a capacidade do homem em explicar o mundo ao seu redor tem origem na sociedade que serve de modelo para este processo Para realizar suas pesquisas na área da teoria sociológica da religião Durkheim parte daquela que considera como sendo a mais simples das religiões dentro do processo evolutivo o totemismo Esta religião encontrada em vários grupos sociais australianos não foi estudada diretamente por Durkheim que se serviu de outros relatos para chegar às suas conclusões Através do estudo do totemismo acreditava ele poderseia aplicar as conclusões das pesquisas para a compreensão de todas as religiões mesmo àquelas mais evoluídas e complexas 37 Para Durkheim a essência da religião está na distinção da realidade em duas esferas distintas a esfera sagrada e a esfera profana A esfera sagrada se compõem de um conjunto de coisas de crenças e de ritos que formam uma certa unidade que podemos chamar de religião A religião envolve tanto o aspecto cognitivo ou cultural crenças quanto material ou institucional ritos da esfera sagrada Quando as crenças religiosas são compartilhadas pelo grupo temos o que o pensador chama de igreja Quanto a esfera profana tratase daquele conjunto da realidade que se define por oposição ao sagrado constituindo em geral a esfera das atividades práticas da vida economia família etc ESFERA SAGRADA Religião crenças ritos Igreja ESFERA PROFANA Atividades cotidianas Analisando os grupos sociais australianos Durkheim sublinhou o fato de que os diversos clãs grupos de parentesco não constituídos por laços de sangue tinham certos símbolos que os identificavam chamados de totem Este símbolo do clã um animal uma árvore etc era representado em diversos objetos que passavam a ser considerados sagrados O totem representa não só um ser em particular mas também todos aqueles artefatos que o imitam como uma imagem do jacaré em relação ao próprio animal por exemplo Diante deste ser e das suas representações os indivíduos tinham que adotar comportamentos religiosos que Durkheim estudou com cuidado Em sua análise dos ritos religiosos o autor distingue os ritos negativos proibições os ritos positivos deveres religiosos e ainda os ritos de expiação cerimônias de perdão pelas violações cometidas que constituem o conjunto de práticas que definem as religiões É interessante notar que nestas tribos australianas a divindade não é concebida como um ser pessoal distinto dos homens É por isso que Durkheim rejeita as teorias que explicam a origem da religião a partir deste pressuposto como é o caso do animismo e do naturismo Enquanto para o primeiro a religião constitui a crença em um espírito o naturismo postula que a divindade seria a transfiguração das forças naturais que o homem percebe agindo na natureza No totemismo a noção de divindade pessoal ainda não está elaborada A divindade é concebida como uma força anônima e impessoal que encontramos em cada um dos seres como animais plantas ou outros objetos É por isso que se trata da mais simples das religiões o conjunto da realidade no qual esta força se encontra é que constitui a esfera sagrada É por isso enfim que Durkheim afirma que a esfera sagrada em oposição à esfera profana constitui a essência de qualquer religião Depois de definir o fenômeno religião Durkheim preocupase em demonstrar sua origem assinalando sempre o fato de que este fenômeno tem uma origem social Na verdade esta força difusa anônima e impessoal mas acima de tudo superior que os homens sentem que agem sobre eles e ao qual devem obediência não passa de uma percepção não elaborada da força da sociedade sobre o indivíduo Como diz o próprio autor de modo geral não há dúvida de que a sociedade tem tudo o que é preciso para despertar nos espíritos a sensação do divino exclusivamente pela ação que exerce sobre eles ela é para seus membros o que é uma divindade para os fiéis Mais uma vez a 38 idéia de que é a sociedade que explica o comportamento dos indivíduos aparece confirmada por Durkheim também para o caso da origem e da própria essência da religião Além de uma análise da religião propriamente dita esta obra de Durkheim traz também o que podemos chamar de uma teoria sociológica do conhecimento Partindo do pressuposto de que a ciência e as outras formas modernas de pensamento têm sua origem na religião que são os primeiros sistemas de representação do mundo o autor parte então para o estudo das suas origens sociais A tese central de Durkheim é que classificamos os seres do universo o mundo natural porque temos o exemplo das sociedades humanas Vejamos como isto se dá No totemismo todos os seres eram classificados ou na esfera sagrada ou na esfera profana Os entes ou objetos que representassem o totem objetos plantas animais membros da tribo partes do corpo etc pertenciam ao mundo sagrado enquanto o restante das coisas existentes pertencia ao mundo profano Portanto a religião forneceu ao homem um critério a partir do qual ele podia classificar e ordenar as coisas do mundo As categorias do pensamento humano como as noções de tempo espaço gênero espécie causa substância e personalidade têm sua origem na religião ou em outras palavras na sociedade Foi tomando a sociedade suas relações hierárquicas sociais e sua crenças como modelos que o homem foi construindo suas primeiras explicações do universo aplicando as categorias do mundo religioso ou social ao mundo natural Com esta teoria Durkheim julgava poder encontrar uma saída para o dualismo da teoria epistemológica dividida entre a concepção que julgava que a origem do conhecimento provinha da experiência teoria empirista ou de idéias inatas no indivíduo teoria racionalista Para o pensador francês se as experiências individuais fornecem ao indivíduo o conteúdo ou a matéria do conhecimento é a sociedade que constrói no homem as categorias lógicas como a noção de tempo espaço causalidade pelo qual ele organiza os dados da experiência A própria noção de causalidade que é o princípio científico de que todo fenômeno tem sempre um causa eficiente que explica a origem do fenômeno tem sua raiz na idéia do mana ou seja o ser divino que está materializado no totem e é responsável pela força vida ou movimento das coisas Mais uma vez Durkheim volta ao pressuposto que guia todas as suas obras a sociedade é o fundamento lógico que explica o comportamento humano Assim a sociedade também é responsável pela origem das formas de conhecimento humano ou das categorias mentais pelas quais o homem organiza os dados de sua experiência E ao mostrar este fenômeno a sociologia finalmente encontrava uma explicação que integrava e ao mesmo tempo superava a dicotomia presente nos estudos do conhecimento humano 34 A modernidade em Durkheim Agora que já apresentamos os elementos essenciais das obras de Durkheim já podemos reunir os traços fundamentais destes estudos e demonstrar de que forma eles apontam para uma teoria da modernidade Ao analisar o surgimento das sociedades modernas Durkheim deixou grandes contribuições para a teoria social Em primeiro lugar ele aprofundou a tese de que uma das características do mundo moderno é a complexidade da sociedade De fato ao contrário dos povos primitivos vivemos em sociedades onde 39 existe uma grande divisão social do trabalho Outro fator importante ressaltado por Durkheim é a evolução da idéia de indivíduo A percepção de que o indivíduo é o fundamento da sociedade é muito diferente do mundo antigo onde o grupo predominava sobre as pessoas Esta idéia portanto também têm raízes sociais e uma evolução histórica que foram muito bem estudadas por Durkheim Estas idéias poderiam ser apresentadas da seguinte forma SOCIEDADE TRADICIONAL SOCIEDADE MODERNA Micro sociedade Macro sociedade Sociedade simples Sociedadade complexa Predomínio do coletivo Predomínio do individual A complexidade da sociedade e a emergência dos individualismo no Ocidente são traços essenciais para se entender o nascimento da modernidade E é justamente o diagnóstico destes elementos como definidores do mundo moderno que faz de Durkheim um dos grandes clássicos do pensamento sociológico IV PROJETO POLÍTICO CONSERVADOR Como afirmamos no início deste capítulo a época em que Durkheim vivia se caracterizava por um sentimento de otimismo ligado a crença na ciência e no progresso tecnológico Segundo se pensava ainda restavam alguns problemas denominados de questão social mas com o uso da ciência sociologia tudo seria normalizado Com base nestes pressupostos a teoria positivista assumiu uma atitude de defesa da sociedade emergente a sociedade moderna ou capitalista sendo sua função apontar os problemas passageiros e normalizar a situação 41 Função política da sociologia O grande lema dos positivistas era ordem e progresso Segundo estes autores depois das grandes transformações e agitações ocorridas no surgimento da sociedade moderna tudo voltaria à tranqüilidade típica da idade média Influenciados pelos filósofos 40 conservadores Burkhe De Maistre e Bonald os teóricos do positivismo sabiam que não se podia mais voltar atrás na história mas eles queriam resgatar para o mundo moderno aquela que foi a maior marca do período medieval a integração da sociedade em um todo ordenado e coerente fundado em valores sólidos e eternos Mas ao contrário dos filósofos conservadores eles não rejeitavam as transformações da ordem industrial e política que tinham sido gerados pela revolução industrial e pela revolução francesa Estes fenômenos eram vistos como conquistas positivas mas que não tinham sido acompanhados por uma idêntica modificação nos códigos morais da sociedade Somente uma nova moral poderia restabelecer a ordem social e fazêla funcionar adequadamente Para que isto acontecesse a sociologia teria uma papel fundamental Na visão funcionalista a sociedade é como um corpo integrado em que cada parte cumpre sua função Ora se existem problemas na sociedade é porque alguma de suas partes não está cumprindo regularmente sua função Cabe à sociologia localizar quais são as partes que apresentam problemas na sociedade e restaurar seu bom funcionamento Para regularizar o funcionamento da sociedade a sociologia deveria ainda apontar aqueles elementos que ainda não estavam ajustados e integrados à estrutura social Desta forma o equilíbrio a tranqüilidade e a ordem voltariam a existir na sociedade É com base nesta idéia que aparece em Durkheim a distinção entre os fatos sociais normais e os fatos sociais patológicos Na sociedade podem aparecer comportamentos que representam doenças e por isso eles devem ser isolados e tratados Estas doenças ou patologias representam fenômenos que não cumprem mais sua função e atrapalham a continuidade da sociedade Estas idéias infelizmente levaram a sociologia de Durkheim a uma visão política profundamente conservadora Como a sociedade era comparada com um corpo não fazia sentido transformála Para a sociologia a única solução possível para os problemas era preservar conservar a sociedade assim como o médico deve preservar o corpo de seus pacientes Se existe algum problema não há como mudar todo o conjunto da sociedade a única solução possível seria restaurar o funcionamento das partes ou mesmo eliminar o problema A tradição funcionalista portanto coloca toda ênfase no equilíbrio e na integração social e todas as formas de conflito ou de contestação são vistos como desvios e anomalias que precisam ser eliminados Desta forma os movimentos que contestam a ordem vigente e buscam a mudança não encontram respaldo nesta teoria pois ela está comprometida com a ordem vigente e com sua preservação Tratase portanto de um projeto político conservador 42 O problema da anomia Na passagem da sociedade de solidariedade mecânica para a sociedade de solidariedade orgânica Durkheim já havia chamado a atenção para o problema do excesso de egoísmo ou individualismo exacerbado Segundo sua teoria com a divisão social do trabalho a força da consciência coletiva diminui exacerbando ainda mais o egoísmo das pessoas Esta é para Durkheim a grande contradição do mundo moderno Se de um lado existe maior autonomia para o indivíduo por outro existe o risco de que o excesso de liberdade leve a desagregação social 41 Para Durkheim era justamente o excesso de egoísmo que gerava os conflitos de classe que opunham trabalhadores e patrões em acirradas lutas sociais No entanto julgava ele o movimento socialista não deveria ser desprezado na medida em que ele era um sinal de que algo estava errado Durkheim chegou a dedicar vários artigos para analisar o socialismo que ele considerava uma variante do comunismo Mas o problema dos socialistas é o fato de que eles não detectavam a verdadeira causa dos problemas sociais que não era para um ele um problema cuja raiz estava na economia mas era um problema de ordem moral Tal como Durkheim já havia detectado na Divisão Social do Trabalho a especialização das funções e o declínio da consciência coletiva gerava o que ele chama de anomia do grego a nómos que significa ausência de normas Faltava para a sociedade um conjunto de orientações morais que guiassem a conduta dos indivíduos e os integrassem na sociedade como acontecia na solidariedade orgânica Durkheim reconhecia que apesar da margem de liberdade que o mundo moderno trouxe ao indivíduo esta liberdade poderia acabar num excesso de egoísmo se as ambições e desejos ilimitados do homem não encontrassem um limite O homem precisava de um sentido para a vida que guiasse sua conduta e lhe inculcasse o sentido do dever e da disciplina Como tudo isto eram funções dos códigos morais que estavam em declínio os conflitos se tornaram generalizados e a integração social estava comprometida A anomia portanto era o egoísmo generalizado por falta de uma orientação moral Um dos fatores responsáveis por esse dilema era o enfraquecimento da religião Nas sociedades do passado era a religião que ditava os valores e as normas da sociedade moderando os desejos dos indivíduos e suas ambições possibilitando assim a integração social Mas na sociedade moderna este papel deveria ser desempenhado pela razão que ainda não havia achado os caminhos para realizar esta tarefa ou como diria Durkheim ainda não havia fabricado novos deuses valores que substituíssem os antigos Embora a ciência tivesse um papel importante neste processo Durkheim não achava como Comte que a sociologia devesse apontar com exclusividade quais os novos valores morais que regeriam a conduta dos indivíduos A criação de uma religião da humanidade como Comte havia feito era algo estranho para Durkheim Para este autor a escolha dos valores morais e das regras sociais que deveriam reger a conduta dos indivíduos e restabelecer a ordem social caberiam à própria sociedade Buscando colaborar neste sentido Durkheim aponta dois elementos presentes na realidade de sua época que segundo ele poderiam dar uma resposta ao problema da ordem social um elemento de ordem moral e um elemento de ordem institucional Do ponto de vista moral Durkheim acreditava que o único valor que poderia conter o excesso de egoísmo presente no mundo moderno era o valor do indivíduo É importante perceber que em Durkheim o culto do indivíduo que ele chamava de individualismo não se confunde com o egoísmo Tratamse de coisas distintas Para o pensador francês o problema do mundo moderno não está na liberdade do indivíduo em si mesma mas no excesso dela que é o egoísmo Assim vemos que apesar da posição metodológica de Durkheim no qual tudo que é individual resulta do social é no indivíduo que ele vê a 42 solução dos problemas do mundo moderno Quando os homens tomarem consciência do valor do ser humano dizia ele os laços de solidariedade fraternidade e respeito poderiam ser retomados Somente o culto de indivíduo e de sua liberdade que deveriam ser considerados como valores sagrados poderia oferecer um fundamento moral para a eliminação do egoísmo e dos conflitos sociais Mas quais seriam as instituições responsáveis pela difusão da nova moral e do culto do indivíduo já que as religiões tinham perdido a importância que tinham antes Inicialmente Durkheim pondera as possibilidades de que a família ou o Estado pudessem cumprir este papel Mas a família também já apresentava naquela época perda de prestígio e o Estado lhe parecia algo muito abstrato e afastado do indivíduo Para o pensador francês a única instituição capaz de restaurar os valores na sociedade moderna seriam as corporações De acordo com a explicação de Raymond Aron Durkheim Chama de corporações de modo geral as organizações profissionais que reunindo empregadores e empregados estariam suficientemente próximas do indivíduo para constituir escolas de disciplina seriam suficientemente superiores a cada um para se beneficiar de prestígio e de autoridade Além disso as corporações responderiam ao caráter das sociedades modernas em que predominava a atividade econômicagrifo nosso 1995 p 318 Agindo diretamente no mundo do trabalho as corporações difundiriam a nova moral do culto do indivíduo e eliminariam os conflitos de classe sinais de que a sociedade estava anômica ou carente de normas Com isso a divisão social do trabalho estaria consolidada e as disfunções e patologias da sociedade as lutas de classe dariam lugar a uma sociedade integrada e harmônica A sociedade alcançaria então o grande objetivo visado pelos positivistas e funcionalistas a ordem e o progresso 4 BIBLIOGRAFIA Em relação ao pensamento de Durkheim o estudante poderá aprofundar seus estudos à partir da pesquisa das seguintes obras a Obras de Émile Durkheim DURKHEIM Émile Durkheim Da divisão social do trabalho São Paulo Martins Fontes 1995 DURKHEIM Émile Durkheim As regras do método sociológico Trad Maria Isaura Pereira de Queiroz São Paulo Cia Editora Nacional 1974 DURKHEIM Émile Durkheim O suicídio 6 ed Lisboa Presença 1996 DURKHEIM Émile Durkheim As formas elementares da vida religiosa São Paulo Martins Fontes 1995 43 DURKHEIM Émile Durkheim Sociologia e filosofia 2 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 1970 FRIDMAN Luiz Carlos Emile Durkheim e Max Weber socialismo Rio de Janeiro ReluméDumará 1993 GIANOTTI José Arthur Durkheim São Paulo Abril Cultural coleção Os pensadores 1978 RODRIGUES José Albertino Durkheim São Paulo Ática coleção grandes cientistas sociais no 01 1995 b Textos complementares ARON Raymond As etapas do pensamento sociológico 4 ed São Paulo Martins Fontes 1993 p 295375 BELLAMY Richard França liberalismo socializado In Liberalismo e sociedade moderna São Paulo UNESP 1994 p 107186 FERNANDES Florestan O método de interpretação funcionalista na sociologia Os fundamentos empíricos da explicação sociológica Rio de Janeiro Livros Técnicos e Científicos 1978 GIANNOTTI José Arthur A sociedade como técnica da razão um ensaio sobre Durkheim In Seleções CEBRAP Exercícios de filosofia no 02 p4384 São Paulo 1975 GYDDENS Anthony A sociologia política de Durkheim In Política sociologia e teoria social encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo São Paulo UNESP 1998 p103146 GYDDENS Anthony Durkheim e a questão do individualismo In Política sociologia e teoria social encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo São Paulo UNESP 1998 p146168 MEKSENAS Paulo A concepção funcionalista de sociedade o positivismo de Émile Durkheim In Sociologia 2 Ed São Paulo Cortez 1993 coleção magistério do 2o grau Série formação geral 44 CAPÍTULO III MAX WEBER Embora Max Weber não seja muito conhecido fora do âmbito das ciências sociais na sociologia ele é considerado um clássico de primeira grandeza Ao contrário de outras teorias que hoje apresentam sinais de crise o pensamento de Max Weber tem sido bastante relido na atualidade proporcionado para a sociologia instrumentos muito úteis para a compreensão de seus próprios fundamentos e para a interpretação do mundo moderno Além de criticar os pressupostos do positivismo fornecendo para a sociologia novas bases epistemológicas e metodológicas Weber realizou um cuidadoso estudo das religiões mundiais mostrando que a marca fundamental da modernidade é a racionalização da cultura e da sociedade Para Weber a razão humana na versão encarnada pela economia capitalista e na burocracia do Estado é uma força que ao mesmo tempo em que desencanta o mundo invade todas as esferas da vida humana ocasionando a perda da liberdade e do sentido da vida I VIDA E OBRAS O sociólogo alemão Max Weber nasceu em Erfurt em 21 de abril de 1864 Filho de um advogado Weber realizou seus estudos em Heidelberg a partir do ano de 1882 Embora tivesse seguido a carreira jurídica também estudava filosofia teologia história e economia Em 1889 ele terminou seus estudos tendo obtido o doutorado em direito no ano de 1891 Terminada a fase de estudos Weber passa a se dedicar a docência universitária Foi professor de direito em Berlim 18911893 de economia política em Friburgo 1895 e finalmente também de economia política em Heidelberg 1896 No ano de 1897 Weber foi acometido de uma crise nervosa que durou até 1902 Somente neste ano ele vai retomando aos poucos seu trabalho Em 1903 ajuda a fundar o Arquivo para a ciência social e a ciência política que se tornou uma das principais revistas de ciência sociais Em 1904 Weber fará uma viagem de estudos para os Estados Unidos que vai influenciar diretamente sua reflexão sobre o capitalismo É a partir deste período que Weber passa a se interessar mais diretamente pela sociologia 45 Em 1907 o pensador alemão recebe uma herança que permite que ele se dedique apenas às suas atividades de pesquisa Sua casa tornase um centro freqüentado por intelectuais de renome como Georg Lukács Georg Simmel e outros Em 1908 Weber ajuda a fundar a associação alemã de sociologia Durante a primeira guerra mundial 1914 1917 administra alguns hospitais da região de Heidelberg Em 1918 aceita uma cátedra na Universidade de Munique Weber ainda participa da redação da nova Constituição Germânica que funda a República da Alemanha chamada de Constituição de Weimar cidade onde foi redigida Seu falecimento ocorreu no ano de 1920 na cidade de Munique Entre os escritos de Max Weber além de textos sociológicos aparecem obras de epistemologia história direito e economia 1891 História agrária de Roma e sua significação para o direito público e privado 1894 As tendências da evolução da situação dos trabalhadores rurais da Alemanha Oriental pesquisa 1895 O Estado nacional e a política econômica Conferência 1904 A ética protestante e o espírito do capitalismo 1a parte A objetividade do conhecimento nas ciências políticas e sociais 1905 A ética protestante e o espírito do capitalismo 2a parte 1906 Estudos críticos para servir á lógica das ciências da cultura As seitas protestantes e o espírito do capitalismo 1909 As relações de produção na agricultura do mundo antigo Começa a redigir Economia e Sociedade 1913 Ensaio sobre algumas categorias da sociologia compreensiva 1915 A ética econômica das religiões mundiais 19161917 Sociologia da religião 1918 Crítica positiva da concepção materialista da história A ciência e a política como vocação O sentido da neutralidade econômica nas ciências políticas e sociais 1919 História econômica geral Continua a escrever Economia e Sociedade 1920 Publicação póstuma de Economia e Sociedade uma das principais e mais conhecidas obras de Max Weber 11 Contexto intelectual Entre as correntes teóricas que mais influenciaram o pensamento de Max Weber podemos citar a Filosofia clássica o pensamento de Immanuel Kant 17241804 que afirma que o conhecimento não capta a essência da realidade mas apenas os fenômenos que nos são transmitidos através do sentidos e as idéias de Friedrich Nietszche 18441900 um dos principais críticos da modernidade estão presentes em seu 46 pensamento De Nietszche Weber herdou uma visão pessimista da sociedade moderna b Filósofos neokantianos estes teóricos vão influenciar diretamente as bases filosóficas do pensamento de Weber Os filósofos Wilhelm Dilthey 18331991 Wilhelm Windelband 18481915 e Heinrich Rickert 18631936 insistiam na necessidade de distinguir as características das ciências sociais chamadas de ciências do espíritocultura das demais ciências da natureza c Pensamento social alemão embora Max Weber seja o maior expoente da teoria sociológica alemã ele não era um pensador isolado Na obra de Weber aparecem retomadas idéias de vários pensadores importantes da época principalmente Ferdinand Tönnies 18551911 Georg Simmel 18581918 Werner Sombardt 18631941 e Ernst Troeltsch 12 Contexto sóciohistórico Max Weber embora não fosse um político de profissão mas um cientista participou ativamente do debate político da Alemanha de sua época A situação social da Alemanha também inspirou pesquisas textos e reflexões acadêmicas do autor especialmente em relação aos fenômenos do capitalismo da burocracia e do poder político Na época de Weber 18641920 o capitalismo industrial se expandia com velocidade por toda Europa No entanto a Alemanha ainda era um país retardatário no processo de industrialização Para que a Alemanha pudesse participar da corrida econômica a unificação dos territórios germânicos efetuada por Otto von Bismarck em 1870 foi fundamental Todavia ao contrário da Inglaterra país líder da 1a revolução industrial e da França a burguesia alemã não possuía força política para conduzir este processo sozinha e se apoderar do Estado Isto se devia ao peso representado pelos junkers como eram chamados os proprietários rurais Além da posse da terra a aristocracia rural dominava alguns postos do Estado impedindo a ascenção política da burguesia que acabou se acomodando em seu papel político Para resolver este impasse a existência de um governo forte e centralizador como o de Bismarck foi essencial para os esforços de modernização alemã Mas por outro lado como julgava Weber acarretou também um aumento da burocracia estatal e tornou a burguesia alemã acomodada em seu papel político Por esta razão Weber defendia o fortalecimento do parlamento e as eleições diretas para presidente Segundo ele estes seriam dois instrumentos importantes para fortalecer as lideranças nacionais desvinculandoas do peso da burocracia estatal O papel do Estado como líder da industrialização econômica a expansão do capitalismo a situação dos trabalhadores do campo e da cidade o papel do Estado e da burocracia e vários outros temas serão constantemente debatidos por Weber em seus escritos políticos e sociológicos 47 II TEORIA SOCIOLÓGICA COMPREENSIVA Ao contrário de Comte e Durkheim que construíram suas teorias sociológicas com base no primado do objeto Weber vai orientar toda sua produção sociológica com base no primado do sujeito A idéia de que o indívíduo é o elemento fundante na explicação da realidade social atravessa a produção epistemológica e metodológica de Weber operando uma verdadeira revolução nas ciências sociais Deste modo Weber inaugurou na sociologia um novo caminho de interpretação da realidade social a teoria sociológica compreensiva E será acerca desta teoria e de suas implicações que trataremos doravante 21 Epistemologia A discussão sobre os fundamentos epistemológicos da sociologia ocupou grande parte das polêmicas teóricas de Weber Criticando os pressupostos epistemológicos do positivismo Weber vai proporcionar novas bases teóricas para as ciências sociais Desta forma ele contribuiu de forma fundamental para o desenvolvimento da sociologia contemporânea a Ciências naturais x ciências sociais A grande preocupação dos filósofos neokantianos era combater o pressuposto positivista de que as ciências da natureza e as ciências sociais deviam adotar o mesmo método Weber também partilhava desta posição No texto A objetividade do conhecimento nas ciências sociais ele mesmo afirma de tudo o que até aqui se disse resulta que carece de razão de ser um estudo objetivo dos acontecimentos culturais no sentido em que o fim ideal do trabalho científico deveria consistir numa redução da realidade empírica a certas leis 1991 p96 Nesta citação percebemos como Weber faz um ataque frontal contra um dos pressupostos essenciais do positivismo o pressuposto de que toda a realidade social pode ser explicada mediante a descoberta de um sistema de leis inerentes ao funcionamento da sociedade Era esta premissa que justificava a identidade entre as ciências sociais e as ciências da natureza promovida pelo positivismo Por isso a preocupação básica dos críticos do positivismo era apontar quais eram os aspectos que diferenciavam as ciências sociais das ciências da natureza ao mesmo tempo em que buscavam para elas um novo método De que modo Weber vai justificar a distinção entre estes dois tipos de ciências Para elucidar estas diferenças Weber vai participar dos debates entre os filósofos neokantianos que há tempo vinham se dedicando a este problema É no confronto crítico com estes autores que Weber vai elaborando suas posições teóricas Dentre os filósofos neokantianos Dilthey afirmava que a diferença entre as ciências do espírito e as ciências da natureza reside no fato de que os seus objetos de estudo é que são diferentes Enquanto as ciências naturais têm como objeto a natureza as ciências sociais estudam o mundo da cultura que é uma a criação do espírito humano ou ainda da 48 sociedade Tal diferença por sua vez implica no fato de que em cada um destes tipos de ciência existe uma maneira diferente de relacionar o sujeito com o objeto Enquanto nas ciências da natureza o objeto de estudo é algo exterior ao homem nas ciências sociais o homem é o sujeito e o objeto ao mesmo tempo Por isso concluía Dilthey as ciências naturais fazem uso do princípio da explicação enquanto as ciências sociais se articulam em torno do princípio da compreensão Enquanto a explicação consiste na busca das leis causais a compreensão implica em um mergulho empático no espírito dos agentes históricos em busca do sentido de sua ação Resumindo poderíamos esquematizar o pensamento de Dilthey da seguinte forma DILTHEY OBJETO MÉTODO Ciências da natureza Natureza Explicação Ciências sociais Sociedade homem Compreensão verstehen Todavia para Windelband a diferença entre as ciências naturais e as ciências sociais não estava no objeto de estudo mas residia no método Por isso Windelband distinguia dois tipos de ciências as que usam o método nomotético e as que usam o método ideográfico Enquanto o método nomotético está orientado para a construção de leis gerais o método ideográfico visa destacar a individualidade e a singularidade de um determinado fenômeno Esquematicamente temos WINDELBAND MÉTODO OBJETIVO Ciências da natureza Método nomotético Leis gerais Ciências sociais Método ideográfico Singularidade dos fenômenos Também para Rickert a distinção entre ciências naturais e ciências sociais residia no método Acontece que as ciências sociais são ciências onde existe uma relação com os valores fato que não ocorre nas ciências da natureza Ou seja nas ciências da cultura como as chama Rickert os objetos são selecionados conforme os valores culturais e os interesses pessoais do pesquisador Esta idéia será retomada diretamente por Weber que afirma o conhecimento científico cultural tal como o entendemos encontrase preso portanto a premissas subjetivas pelo fato de apenas se ocupar daqueles elementos da realidade que apresentem alguma relação por muito indireta que seja com os acontecimentos a que conferimos uma significação cultural1991 p 98 Neste complicado debate dos filósofos neokantianos contra os positivistas Weber ocupa uma posição intermediária Se por um lado ele não aceita os postulados positivistas ele critica a separação excessiva que os pensadores neokantianos faziam entre ciências naturais e ciências sociais Para Weber o uso de leis científicas para interpretar a realidade pode ser um instrumento útil para as ciências sociais pois do contrário elas correm o risco de cair no mero subjetivismo Para Weber portanto os dois procedimentos explicação causal e compreensão são complementares devendo ser usados pelo pesquisador conforme as finalidades da pesquisa Acerca dessa postura de Weber Ferreira explicanos que 49 Weber considera que uma ciência não se circunscreve a nenhum tipo de método exclusivista antes optando por um método ou outro em função das circunstâncias e das exigências atuais Os métodos generalizante e individualizante são tipos úteis para permitir uma melhor compreensão da forma de abordagem que escolhemos mas em caso algum devem ser vistos como categorias rígidas de análise que espartilham e limitam uma ciência particular e lhe tolhem as possibilidades de explicar uma determinada gama de fenômenos por recurso ora a um método ora a outro 1995 p 95 Para Weber o sociólogo deve saber integrar estes dois métodos individualizante e generalizante nas suas pesquisas Assim pelo método individualizante o cientista social seleciona os dados da realidade que deseja pesquisar destacando a singularidade e os traços que definem seu objeto Ao estudar o capitalismo por exemplo Weber procurou distinguir os elementos que definem este sistema e o diferenciam de outras formas de comportamento econômico Tratase do uso do método individualizante que procura dirigir sua atenção para os caracteres qualitativos e singulares de qualquer fenômeno Mas ao pesquisar a origem do capitalismo Weber vai utilizar do método generalizante o princípio da causalidade que busca estabelecer relações entre os fenômenos Nas pesquisas sobre o capitalismo para voltar ao nosso exemplo Weber se pergunta de que forma as idéias e o modo de vida dos protestantes ética protestante podem ser considerados como uma das causas fundamentais na origem do moderno sistema econômico capitalista No entanto vale lembrar que embora Max Weber aceite o uso de leis científicas como método válido de pesquisa esta não deve ser a finalidade das ciências sociais Para ele as leis são apenas determinadas probabilidades grifo nosso típicas confirmadas pela observação de que determinadas situações de fato ocorram de forma esperada e que certas ações sociais são compreensíveis pelos seus motivos típicos e pelo sentido típico mencionado pelos sujeitos da ação O que Weber quer dizer portanto é que a finalidade do método generalizante nas ciências sociais não é a construção de um sistema de leis no sentido de que determinados fenômenos devam ocorrer sempre da mesma forma como acontece na física por exemplo pense no caso da lei da gravidade que é um fenômeno que sempre se repete Entretanto tratase de um método indispensável para a objetividade da ciência na medida em que estabelecer a relação entre os fenômenos buscando saber por que os eventos sociais se desenrolaram desta e não de outra forma é uma das tarefas fundamentais da sociologia Em síntese o uso do método generalizante para construir um sistema de leis gerais não é a finalidade da sociologia erro da sociologia positivista Todavia nem por isso ele deve ser desprezado erro da filosofia neokantiana O método generalizante é um procedimento indispensável para a sociologia explicar os fenômenos sociais e históricos que são seu objeto de estudo Como você pode notar Weber entrou em um debate bastante complexo dialogando com vários autores e analisando diferentes posições teóricas No confronto com estas teorias ele estabeleceu as bases filosóficas que sustentam o edifício das ciências sociais e os princípios pelos quais elas se distinguem das ciências da natureza O importante para não se perder neste debate é que os autores analisados por Weber têm sempre em vista delimitar a especificidade das ciências sociais e distinguilas das ciências da natureza Este 50 é o objetivo fundamental da reflexão weberiana Façamos ao final um breve resumo deste debate POSITIVISTAS As ciências da natureza e as ciências sociais possuem o mesmo método NEOKANTIANOS As ciências da natureza e as ciências sociais possuem métodos diferentes MAX WEBER Crítica aos positivistas a realidade é infinita Logo não pode ser explicada totalmente a partir de leis científicas Crítica aos neokantianos a sociologia deverá fazer uso dos dois métodos dependendo da finalidade da pesquisa Todavia nas ciências sociais as leis são apenas probabilidades de ação social São um meio e não a finalidade da pesquisa b Individualismo Metodológico Se Max Weber já tinha uma posição epistemológica diferente do positivismo no que tange a relação entre ciências sociais e naturais o mesmo vai se dar na questão da relação entre indivíduo e sociedade Para o pensamento weberiano o ponto de partida da explicação sociológica reside no indivíduo A sociologia interpretativa considera o indivíduo e seu ato como a unidade básica como seu átomo se nos permitirem pelo menos uma vez a comparação discutível Nessa abordagem o indivíduo é também o limite superior e o único portador de conduta significativa Em geral para a sociologia conceitos como Estado associação feudalismo e outros semelhantes designam certas categorias de interação humana Daí ser tarefa da sociologia reduzir esses conceitos à ação compreensível isto é sem exceção aos atos dos indivíduos participantes 1982 p 74 Se para Durkheim a sociedade é superior ao indivíduo poderíamos dizer que para Weber o indivíduo é o fundamento da sociedade Esta afirmação vai muito além do fato de que uma sociedade não existe sem indivíduos A existência da sociedade somente se realiza pela ação e interação recíprocas entre as pessoas Então quer dizer que a sociedade ou mesmo estruturas coletivas como a família o grupo o Estado o capitalismo e outros não existem Não se trata exatamente deste argumento Conforme explica Cohn o que Weber quer dizer é que o objeto de análise sociológica não pode ser definido como a sociedade ou o grupo social ou mediante qualquer outro conceito de referência coletiva No entanto é claro que a sociologia trata de fenômenos coletivos cuja existência não ocorreria a Weber negar O que ele sustenta é que o ponto de partida da análise sociológica só 51 pode ser dado pela ação de indivíduos e que ela é individualista quanto ao método 1991 p 26 Em Weber a possibilidade de entender a sociedade e suas instituições passa análise do comportamento dos indivíduos Tudo o que existe na sociedade seus grupos instituições e comportamentos são fruto da vontade e da atividade dos homens Por isso não faz sentido compreendêlos sem resgatar o sentido contido em cada elemento da sociedade Segundo Weber é preciso voltar ao nascimento destas instituições e entender a atividade significativa que lhes deu nascimento e as razões que os homens tinham e ainda têm para sustentar as instituições e os comportamentos sociais É por esta razão que o indivíduo é o fundamento da explicação sociológica 22 Metodologia A preocupação em dotar a sociologia de conceitos claros e bem definidos é uma das principais intenções da teoria metodológica weberiana Por esta razão os textos nos quais Max Weber define o que é a sociologia e qual o seu objeto de estudo são alguns dos trechos mais discutidos e analisados do pensador alemão Na principal destas obras Economia e Sociedade Weber traz a seguinte definição de sociologia 1994 p03 Sociologia significa uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicála em seu curso e seus efeitos 1994 p 03 Podemos traduzir esta definção na forma do seguinte gráfico SOCIOLOGIA MÉTODO DE ANÁLISE OBJETO DE ESTUDO Compreender Ação Social Explicar Nestas poucas linhas Weber não só definiu o que é a sociologia como também apontou seu objeto de estudo e ainda seu método de análise ou seu objeto formal Tudo de acordo com os pressupostos que já apontamos acima o indivíduo como fundamento da explicação sociológica Nas páginas que seguem vamos tratar de esclarecer e aprofundar cada um destes pontos em detalhe a Sociologia objeto material e objeto formal Como está muito claro na definição de Weber o objeto de estudo da sociologia é a ação social Mas o que o devemos entender por ação social É novamente Weber que vai nos ajudar a esclarecer este conceito Assim segundo sua definição temos que a Ação é um comportamento sempre que e na medida em que o agente ou os agentes o relacionem com um sentido subjetivo 52 b Ação social significa uma ação que quanto a seu sentido visado pelo agente ou pelos agentes se refere ao comportamento de outros orientandose por este em seu curso Logo coerente com o pressuposto filosófico do individualismo metodológico o objeto de estudo da sociologia é a ação social É na ação dos indivíduos quando orientada em relação a outros indivíduos portanto quando ela é social que a sociologia tem o seu ponto de partida lógico e como conseqüência seu objeto de estudo É sempre a partir do sujeito que Weber pretende fundar a explicação dos fenômenos sociais Porém de que forma o sociólogo deve empreender a tarefa de explicar as ações dos indivíduos em suas relações recíprocas Qual o método de estudo pelo qual a sociologia aborda as ações sociais Em outras palavras qual é o seu objeto formal Segundo Weber a tarefa da pesquisa sociológica consiste em determinar qual o sentido ou significado da ação Mas quais seriam estes significados aos quais Weber se refere Conforme explica Cohn interessa enfim aquele sentido que se manifesta em ações concretas e que envolve um motivo sustentado pelo agente como fundamento de sua ação 1991 p 27 O fundamento para explicar a ação social portanto é o seu motivo Para a sociologia importa recuperar a razão e a finalidade que os próprios indivíduos conferem às suas atividades bemo como às suas relações com os demais indivíduos e com a sociedade São estas razões que explicam o motivo e a própria existência das ações sociais É por isto que a teoria sociológica de Weber é chamada de metodologia compreensiva seu objetivo é compreender o significado da ação social No entanto as ações humanas são infinitas e é claro que o sociólogo não poderia fazer um acompanhamento de todos os tipos de comportamento social Tendo em vista esta dificuldade Weber constrói sua conhecida teoria dos tipos de ação A intenção de Weber é justamente apontar quais seriam os sentidos ou motivos básicos da ação social 1 Ação social referente a fins a ação é determinada por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas Estas expectativas funcionam como condições ou meios para alcançar fins próprios ponderados e perseguidos racionalmente como sucesso Portanto neste tipo de ação o homem coloca determinados objetivos e busca os meios mais adequados para perseguilos O importante é perceber que o motivo da ação é alcançar sempre um resultado eficiente 2 Ação social referente a valores a ação é determinada pela crença consciente no valor ético estético religioso ou qualquer que seja sua interpretação absoluto e inerente a determinado comportamento como tal independente do resultado O motivo da ação neste caso não é um resultado mas um valor independente dos resultados positivos ou negativos que ela possa ter 3 Ação social afetiva a ação é determinada de modo afetivo especialmente emocional por afetos ou estados emocionais atuais 4 Ação social tradicional a ação é determinada pelo costume arraigado 53 Estabelecida a unidade básica da análise sociológica a ação social e os seus tipos básicos Weber vai mostrar como as interações entre os indivíduos vão ser a base de formação dos grupos sociais e também das instituições sociais Acompanhemos seu raciocínio Quando o sentido da ação social é compartilhado por vários agentes temos a relação social A relação social parte do pressuposto de que é provável que se aja conforme o sentido compartilhado que pode ser um uso ou um costume Estas relações sociais segundo Weber podem ser ainda de caráter comunitário pessoais ou societárias impessoais Finalmente a relação social deve ser legitimada por uma ordem legítima A legitimação da ordem legítima pode se dar através da convenção ou do direito De acordo com Weber as ordens legítimas podem se institucionalizar de diversas formas tais como agrupamentos agrupamentos os grupos coletivos possuem órgãos administrativos empresas quando os grupos buscam determinados fins estabelecidos racionalmente associações as relações são fechadas para as pessoas de fora os regulamentos são aceitos voluntariamente instituições as regulamentações são impostas para os seus membros O esquema analítico de Weber apresenta sempre um caminho que vai do particular ao universal Ele começa com a análise da ação social passando pela interação entre os indivíduos até as instituições sociais Podese também tomar o caminho contrário Uma noção coletiva como o Estado por exemplo pode ser analisada até se chegar ao seu fundamento de origem ou seja a ação social Quer se parta de um ou de outro ponto o indivíduo é sempre o fundamento das instituições sociais É sempre a partir do indivíduo e do significado de sua conduta que Weber reconstrói as práticas sociais e fundamenta sua pesquisa sociológica É o que demonstra com um exemplo o quadro abaixo INDIVÍDUO GRUPO COLETIVIDADE Ação Social Relações Sociais Ordem legítima Dar aulas Professor x aluno Escola b Os tipos ideais Depois de apontar com clareza quais seriam os conceitos fundamentais da teoria sociológica Weber se preocupa também em esclarecer qual é a função lógica e a estrutura dos conceitos com os quais trabalha a nossa ciência à semelhança de qualquer outra 1991 p 100 Em outros termos ele se pergunta qual o papel dos conceitos sociológicos enquanto instrumentos de interpretação da realidade social Qual a função que os conceitos desempenham no processo de pesquisa 54 Para Weber estava muito claro que o sociólogo não pode tratar seus conceitos e suas teorias como se fossem uma reprodução da realidade Este seria o erro das teorias positivistas Adotando a filosofia kantiana Weber parte do princípio de que o conhecimento humano não é uma reprodução da essência da realidade Pelo contrário o conhecimento humano só capta as relações entre as coisas existentes de acordo com a estrutura da mente humana Portanto nunca de forma exaustiva e exata Da mesma forma a sociologia não capta toda essência da realidade a explicação sociológica só pode captar determinados elementos da realidade que são condicionados pela cultura no qual o sociólogo está inserido Como podemos inferir para Weber o sujeito tem um papel ativo na construção do conhecimento sociológico na medida em que é o sociólogo que determina que traços ou aspectos da realidade serão analisados e qual relação existe entre eles É justamente este aspecto que Weber quer ressaltar com o conceito de tipos ideais que ele assim define Obtémse um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isolados dados difusos e discretos que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento 1991 p 106 Desta forma fica claro que o conceito que é um tipo ideal nunca se acha de forma pura na realidade pois ele é apenas uma construção teórica elaborada pelo sociólogo O tipoideal é construído a partir de uma intensificação unilateral da realidade ou seja uma exageração de alguns de seus elementos característicos a partir de um determinado ponto de vista Podemos esclarecer isto através de um exemplo Vimos anteriormente que Max Weber distinguia quatro tipos de ação social ação racional com relação a valores ação racional com relação a fins ação tradicional e ação afetiva Ora sabemos agora que estes conceitos são tipos ideais logo eles não se acham de forma pura na realidade No comportamento real das pessoas estas formas de ação sempre aparecem juntas O que permite ao sociólogo dizer que se trata desta ou daquela forma de ação é um recorte da mesma acentuando um dos aspectos que caracterizam a ação É por isso que estes conceitos são chamados por Weber de tipos ideais Todavia é importante não confundir a construção de tipos ideais com um mero subjetivismo como se eles fossem uma construção arbitrária do pesquisador Pelo contrário o que Weber quer enfatizar é que o tipo ideal é um instrumento de pesquisa que permite ao sociólogo uma aproximação mais objetiva da realidade Além de ajudar a entender a realidade que é diversa e heterogênea organizando os dados em conceitos homogêneos o sociólogo deve sempre ancorar estes conceitos nos acontecimentos É justamente para isto que servem os tipos ideais permitir ao pesquisador uma forma constante de comparar suas teorias com a realidade pesquisada a partir de um aspecto da mesma 55 Além de conceitos já citados como os tipos de ação termos como capitalismo ética protestante feudalismo burocracia Estado e muitos outros aparecem em Weber sempre entendidos como tipos ideais cuja função é pemitir às suas pesquisas clareza conceitual quanto aos objetos estudados bem como um entendimento dos traços típicos que permitem entendêlos III MODERNIDADE E RACIONALIZAÇÃO A sociologia da religião de Max Weber embora tenha o fenômeno religioso como um de seus temas centrais não pode ser reduzida a um estudo que se restringe a interpretação da religião em si mesma Pelo contrário é em sua sociologia da religião que Max Weber traça o quadro de nascimento e desenvolvimento da modernidade Para o pensador alemão a modernidade se caracteriza pelo processo de racionalização que é uma conseqüência do desencantamento do mundo E embora a razão tenha trazido para o homem a capacidade de dominar o mundo especialmente através da ciência e da técnica trouxe também conseqüências negativas a perda de sentido e a perda de liberdade Para empreender seu estudo sobre a modernidade primeiro Weber se dedica a entender a relação que existe entre o protestantismo e a conduta econômica capitalista Depois suas análises se deslocam do Ocidente para o Oriente para analisar a ligação entre economia e religião na Índia hinduísmo e budismo e na China confucionismo e taoísmo sem esquecer ainda do judaísmo e até do islamismo É a partir destas múltiplas comparações que Weber procura entender a cultura ocidental sua originalidade e também os seus problemas A partir destas análises comparativas entre os diferentes desenvolvimentos culturais do Ocidente e do Oriente Weber conclui que Racionalizações têm existido em todas as culturas nos mais diversos setores e dos tipos mais diferentes Para caracterizar sua diferença do ponto de vista da história da cultura devese ver primeiro em que esfera e direção elas ocorrem Por isso surge novamente o problema de reconhecer a peculiaridade específica do racionalismo ocidental e dentro deste moderno racionalismo ocidental o de esclarecer a sua origem 1996 p 11 O que é este racionalismo ocidental Qual o seu caráter específico diante dos povos do Oriente Qual a sua origem Qual o seu significado para a vida do homem Eis os temas de que trata a sociologia da religião de Max Weber e que o levam a apontar aquela que é uma das característica mais importantes das sociedades modernas o racionalismo III1 A ética protestante e o espírito do capitalismo O livro A ética protestante e o espírito do capitalismo é um dos textos mais conhecidos de Max Weber Por isso ao longo de nossa exposição vamos tentar acompanhar bem de perto as idéias contidas nesta obra 56 Antes um esclarecimento É importante perceber que neste livro o autor alemão quer atingir dois objetivos Em primeiro lugar tratase de uma investigação sobre as origens do capitalismo Junto com a ciência a arte a arquitetura a universidade e o Estado o capitalismo seria a grande marca da civilização ocidental Portanto por um lado Weber está interessado em verificar qual a influência da religião na origem do moderno sistema econômico capitalistaindustrial Mas também é preciso olhar este estudo de forma mais ampla Esta obra possui também um segundo objetivo importante Como já destacamos a questão central da sociologia de Weber é mostrar como se dá o progresso da racionalização no Ocidente da qual o capitalismo é a maior expressão fato que não acontece no Oriente Por que apenas no Ocidente moderno nós temos a vitoria do racionalismo Para Weber a chave para responder a esta segunda pergunta também estava nas características específicas da ética protestante Comecemos pois pela primeira questão a origem do capitalismo É importante relembrar que Weber está longe de afirmar que a religião luterana foi a única causa do capitalismo Na verdade o pensamento de Weber é bem mais sofisticado Além de admitir que o problema da origem do capitalismo admite causas múltiplas e até infinitas econômicas políticas militares técnicas etc Weber não trata de afirmar que a religião ou a ética seria propriamente uma causa da origem do comportamento econômico capitalista num sentido linear e determinista Para Weber a ética luterana muito mais favoreceu em vez de atrapalhar do que gerou sozinha o capitalismo Mesmo assim ele conclui que a ética protestante deve ter sido presumivelmente a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida que aqui apontamos como espírito do capitalismo 1996 p 123 Mas afinal o que vem a ser este espírito do capitalismo ao qual Weber tanto se refere Para esclarecer esta expressão Weber nos dá os exemplos de um conjunto de máximas de Benjamin Franklin que recomenda lembrate de que tempo é dinheiro lembrate de que o crédito é dinheiro lembrate de que dinheiro gera mais dinheiro lembrate de que o bom pagador é dono da bolsa alheia O que estas máximas nos mostram é que o espírito do capitalismo é uma ética de vida um modo de ver e encarar a existência Ser capitalista antes de tudo não é ser uma pessoa avara mas ter uma vida disciplinada ou ascética de tal forma que as ações praticadas sempre revertam em lucro Tratase como diz Weber de uma ascese no mundo Ascese é bom lembrar é o comportamento típico dos monges que levam uma vida dedicada à oração e à penitência O bom capitalista também é uma pessoa ascética Mas a sua ascese é praticada no trabalho ao qual ele se dedica com rigor e disciplina Entretanto a grande questão que nos resta esclarecer é como esse modo capitalista de ver a vida se generalizou e se propagou pelo Ocidente A primeira contribuição para este processo afirma Weber foi dada por Martinho Lutero e sua concepção de vocação em alemão beruf Para Lutero a salvação das 57 pessoas não vinha do fato delas se retirarem do mundo para rezar como faziam os monges católicos Pelo contrário quanto mais as pessoas aceitassem suas tarefas profissionais como um chamado de Deus vocação e as cumprissem com disciplina mais aptas estariam para serem salvas No entanto é com as seitas protestantes que este processo iria ainda mais longe No quarto capítulo de sua obra Weber analisa quatro seitas protestantes que são calvinismo pietismo metodismo seitas batistas Dentre estas quatro seitas diz Weber é a religião calvinista que melhor nos ajuda a explicar a relação entre a ética protestante e a origem do capitalismo De acordo com a doutrina calvinista todos os homens são prédestinados por Deus para a salvação ou para a condenação Somente Deus na sua sabedoria e bondade eterna sabe e escolhe quem será salvo ou não doutrina da prédestinação Nada do que o homem fizer por esforço próprio faz diferença tudo depende de Deus Naturalmente uma concepção destas causa grande angústia para as pessoas Como saber se eu vou ser salvo Apesar de só Deus possuir esta resposta os calvinistas acreditavam que havia uma forma de obter indícios para esta questão tratase do sucesso no trabalho O cristão está no mundo para glorificar a Deus e deve fazêlo trabalhando Ora acontece que o cristão que estiver reservado para ser salvo vai levar uma vida disciplinada e cristã o resultado só pode ser um enriquecimento de seus bens materiais Mas como bom cristão ele não vai esbanjálos em prazeres e em outras condutas consideradas desonestas Pelo contrário ele vai continuar trabalhando e aplicando seus recursos para obter mais lucratividade O resultado é que com o tempo esta pessoa tornarseá muito rica afinal tudo que ela ganha é gasto somente com o necessário sendo o resto aplicado na própria produção Para Weber esta ética do trabalho embora tivesse motivações religiosas acabou dando suporte para um comportamento indispensável para a origem do capitalismo a busca do lucro através do trabalho metódico e racional Mesmo com o processo de secularização da vida ou seja o declínio da religião na sociedade a ética do trabalho se expandiu e se consolidou no Ocidente Com o tempo a motivação da busca do lucro se desligou da religião e ganhou vida própria O puritano queria tornase um profisisional e todos tiveram que seguilo Pois quando o ascetismo foi levado para fora dos mosteiros e transferido para a vida profissional fêlo contribuindo poderosamente para a formação da moderna ordem econômica e técnica ligada á produção em série da máquina que atualmente determina de maneira violenta o estilo de vida de todo indivíduo nascido sob este sistema e quem sabe o determinará até que a última tonelada de combustível tiver sido gasta idem p 131 58 Todavia além da origem do capitalismo existe outra questão importante ressaltada por Max Weber que aponta para o segundo objetivo de sua obra o problema da racionalização Mais do que a origem do capitalismo o protestantismo ascético favoreceu também a racionalização da vida A partir deste processo a vida das pessoas estaria movida pelo sistema econômico como Weber deixou claro em sua citação acima e voltaria a enfatizar ainda mais Os católicos não levaram tão longe quanto os puritanos a racionalização do mundo a eliminação da mágica como meio de salvação A vida do santo era dirigida unicamente para um fim transcendental a salvação Precisamente por esta razão entretanto ela era completamente racionalizada do ponto de vista deste mundo e dominada inteiramente pela finalidade de aumentar a glória de Deus grifos nossos idem p 8182 Uma vida metódica dedicada ao trabalho de forma disciplinada e ordenada é neste sentido que o comportamento do protestante representa uma forma extremamente racionalizada de vida Quando a motivação religiosa do trabalho em busca da riqueza desaparece mas esta forma ordenada de vida se perpetua por força própria a sociedade atingiu seu nível máximo de racionalização A origem do capitalismo portanto faz parte de um processo mais amplo chamado por Weber de desencantamento do mundo A racionalização da vida representada pela influência do protestantismo e pela origem do capitalismo é uma de suas etapas finais III2 Racionalização da cultura Como destacamos anteriormente a sociologia da religião de Weber não ficou restrita apenas ao estudo da realidade ocidental Se no Ocidente a religião foi um fator que impulsionou o desenvolvimento de uma cultura racionalizada e por conseqüência a origem do capitalismo restava saber por que as religiões orientais não exerceram esta mesma influência em sua realidade É neste contexto que devemos situar as análises de Weber sobre o hinduísmo e o budismo religiões da Índia e também sobre o confucionismo e o taoísmo religiões da China Na análise das grandes religiões universais Weber percebeu que elas se diferenciam quanto ao seu conteúdo e quanto ao caminho da salvação que elas apresentam As imagens de Deus e do mundo é que condicionam a atitude do crente para conseguir a salvação Ou dito de uma forma bem mais simples a teoria religiosa condiciona a prática de vida das pessoas Para entender a influência da religião sobre a economia é necessário então verificar como as religiões inspiram esta conduta a partir de dois critérios TEORIA RELIGIOSA PRÁTICA RELIGIOSA Imagem de Deus Caminho da salvação Imagem do mundo 59 a Teoria religiosa e capitalismo Quanto à imagem de Deus que as religiões desenvolvem Weber distingue dois tipos de religião as religiões teocêntricas e as religiões cosmocêntricas De acordo com a explicação de Habermas Weber identifica principalmente dois tipos de imagem de Deus A primeira a ocidental se serve da concepção de um Deus criador supramundano e pessoal a outra muito difundida no oriente parte da idéia de um cosmos impessoal e não criado Weber fala aqui de uma concepção supramundana e de uma concepção imanente de Deus 1987 p 269 Logo temos duas formas culturais diferentes de explicar o que seria a divindade Nas religiões ocidentais deus cria o mundo estando fora e acima dele deus supramundano Deus sempre existiu e um dia resolveu criar o mundo Já nas religiões orientais deus e o mundo são a mesma realidade Na concepção oriental deus e mundo se confundem como um todo sendo que deus está na beleza da totalidade além de ser a força que sustenta as coisas Resumindo temos que IMAGEM DE DEUS Religiões ocidentais Deus supramundano Religiões orientais Deus intramundano Uma segunda diferença de conteúdo entre as religiões consiste na sua imagem do mundo Weber distingue então entre as religiões que promovem a afirmação do mundo ou a negação do mundo Ou seja enquanto as primeiras religiões vêem o mundo de forma positiva o segundo grupo desvaloriza a realidade mundana Quando o mundo é visto de forma negativa a salvação pode ser obtida mediante duas formas Em primeiro lugar através de alguma forma de afastamento do mundo seja através de uma profunda vida interior seja através do isolamento nos mosteiros A segunda possibilidade é superar os males do mundo transformandoo pelo engajamento humano no mesmo Já quando o mundo é visto de forma positiva não há uma tensão entre a realidade mundana e o homem Este tipo de imagem do mundo leva o homem a uma acomodação ao mesmo normalmente na forma da contemplação mística que representa uma atitude passiva diante da realidade mundana Analisando as diversas religiões a partir deste elemento Weber constatou que nas religiões ocidentais existe apenas uma desvalorização do mundo enquanto nas religiões orientais existem algumas que o valorizam China e outro grupo que o desvaloriza Ïndia Graficamente eis um resumo destas idéias IMAGEM DO MUNDO RELIGIÕES Religiões Ocidentais Negação do mundo Cristianismo Religiões Orientais Negação do mundo India budismo Afirmação do mundo China taoísmoconfucionismo 60 Depois de estudar cada religião ocidental e oriental a partir destes elementos nós podemos cruzar estes dois critérios imagem de Deus e do mundo obtendo assim o seguinte esquema Imagem de Deus Religiões Teocêntricas Religiões Cosmocêntricas Afirmação do mundo Confucionismo Taoísmo Negação do mundo Judaísmo Cristianismo Budismo Hinduísmo Observando este quadro logo se destaca o fato de que quanto ao critério do conteúdo já podemos perceber que somente as religiões ocidentais criaram uma imagem de um deus transcendente ou seja que se encontra fora do mundo combinando este aspecto com uma visão negativa do próprio mundo o mundo é o lugar do pecado Já nas religiões orientais cujo deus é visto como intramundano a imagem de Deus se combina com duas diferentes visões do mundo positiva e negativa b Prática religiosa e capitalismo Entretanto o que tudo isto tem a ver com a influência das religiões na sociedade especialmente se quisermos compreender a ação social e a conduta econômica dos indivíduos De acordo com a teoria weberiana a teoria religiosa inspirou diferentes formas do indivíduo se comportar Vejamos como De acordo com o autor estas teorias religiosas inspiram diferentes caminhos de salvação Nas religiões teocêntricas deus está fora do mundo existem dois caminhos de salvação Se houver uma imagem negativa da realidade mundana as religiões apresentam o caminho da dominação ascética do mundo como é caso da religião protestante Quanto a religiões teocêntricas com uma imagem positiva do mundo Weber não encontrou nenhuma exemplo real deste tipo de religião O importante é perceber que as religiões teocêntricas com uma visão negativa do mundo favorecem uma atitude ativa diante da realidade mundana Nas religiões cosmocêntricas deus é o mundo existem duas possibilidades Se há uma imagem negativa da realidade mundana o único caminho da salvação é a fuga do mundo é o caso das religiões da índia o hinduísmo e o budismo Mas se houver uma imagem positiva do mundo o caminho da salvação será uma acomodação diante do mundo Todavia em ambos os casos tratase de caminhos de salvação que levam o homem a um atitude passiva diante da realidade mundana Para finalizar coloquemos estas idéias na forma de um quadro 61 TEORIA RELIGIOSA PRÁTICA RELIGIOSA IMAGEM DE DEUS IMAGEM DO MUNDO SALVAÇÃO Religião Teocêntrica Visão positiva do mundo Religião Teocêntrica Visão negativa do mundo Dominação do mundo Religião Cosmocêntrica Visão positiva do mundo Acomodação ao mundo Religião Cosmocêntrica Visão negativa do mundo Fuga mística do mundo A conclusão que se pode tirar deste complexo esquema de Weber é bastante óbvia As religiões orientais levam o crente a uma atitude contemplativa diante do mundo Já o caráter específico da religião ocidental consiste em levar o crente a uma atitude de engajamento diante do mundo Foi por isso que a ética religiosa do protestantismo favoreceu a origem do capitalismo enquanto as religiões orientais não inspiraram nenhum movimento neste sentido III3 Racionalização da sociedade A análise comparativa de Weber entre as religiões do Ocidente e do Oriente permitiu ao autor alemão traçar um quadro completo da evolução cultural do ocidente Em Weber nós temos uma minuciosa análise do processo de intelectualização a que estamos submetidos desde milênios 1967 p 30 e que compreende as seguintes etapas Religião Desencantamento do mundo Racionalização Mas o que seria este processo de desencantamento do mundo De modo geral podese dizer que se trata de um longo caminho no qual as concepções mágicas e religiosas do mundo vão sendo substituídas por uma concepção racionalizada da existência Neste processo o homem deixa de ver a vida como algo dominado por forças impessoais e divinas para enxergar a natureza e a sociedade como passíveis de completo domínio pelo homem Antes eram os deuses que controlavam a vida do homem Agora é o homem através da ciência e da técnica que desdiviniza a natureza e a sociedade e passa a controlálas De acordo com Raimond Aron a ciência nos habitua a ver a realidade exterior apenas como conjunto de forças cegas que podemos pôr á nossa disposição nada resta dos mitos e das divindades com que o pensamento selvagem povoava o universo Nesse mundo despojado desses encantamentos e cego as sociedades se desenvolvem no sentido de uma organização cada vez mais racional e burocratizada 1993 p 521 Ao contrário dos filósofos iluministas e mesmo do positivismo que viam o progresso da razão como aumento de progresso material e até da felicidade individual Weber tinha uma posicão crítica a este respeito O aumento do grau de racionalidade do mundo moderno não leva necessariamente a um estágio superior de vida social Weber sabia que o processo de racionalização do mundo da qual a organização capitalista e a organização burocrática do Estado eram as maiores expressões tinha também o seu lado negativo É 62 neste sentido que ele apresenta o seu diagnóstico da modernidade a perda de sentido e a perda de liberdade Quanto à primeira tese a perda de sentido Weber sabia que a gradual substituição da religião pela razão cuja maior expressão é a ciência traria uma mudança profunda na culturaSegundo ele a religião era uma cosmovisão do mundo que conferia sentido à realidade Toda religião procura dar aos homens uma resposta à respeito do por que último da existência As religiões entendem o mundo como dotado de uma finalidade existe uma razão que explica de onde viemos e para onde vamos Acontece que para Weber a ciência não poderia ocupar o papel da religião quem continua ainda a acreditar salvo algumas crianças grandes que encontramos justamente entre os especialistas que os conhecimentos astronômicos biológicos físicos ou químicos podem ensinarnos algo a propósito do sentido do mundo ou poderiam ajudarnos a encontrar os sinais de tal sentido se é que ele existe 1991 p 35 Para Weber não se trata de renunciar à razão e voltar a religião só porque ela dotava o mundo de sentido A ciência é um saber instrumental que sabe apontar os meios para se atingir do melhor modo possível um objetivo mas ela não tem como formular um juízo definitivo de que este objetivo é melhor que aquele de que este valor supera outro De acordo com um exemplo dado pelo próprio Weber ignoro como se poderia encontrar base para decidir cientificamente o problema do valor da cultura francesa face á cultura alemã aí também diferentes deuses se combatem e sem dúvida por todo o sempre idem p42 De fato era assim que Weber via o problema dos valores no mundo moderno uma luta entre os deuses onde cada um deve escolher o seu Mas não é somente no plano da cultura que Weber vê os resultados negativos da expansão da racionalidade ocidental Através da ética protestante Weber percebeu que o racionalismo penetrou também no campo da economia e no campo da organização política fenômeno que Weber chamou de burocratização e que podemos chamar também de racionalização social Por isto no final do livro A ética protestante Weber afirmava que o manto sagrado da busca dos bens materiais dos calvinistas acabaria aprisionando o homem De acordo com a opinião de Baxter teólogo calvinista preocupações pelos bens materiais somente poderiam vestir os ombros do santo como um tênue manto do qual a toda hora se pudesse despir O destino iria fazer com que o manto se transformasse numa prisão de ferro grifo nosso 1996 p 131 A imagem de Weber é bastante forte A racionalidade ocidental representa para o homem uma prisão de ferro É assim que Weber resume sua famosa tese da perda da liberdade Embora tenha se libertado das forças divinas e naturais o homem tornouse escravo de sua própria criação Longe de estar livre a racionalidade dos meios já que o homem perdeu a racionalidade dos fins ou seja a capacidade de determinar o sentido da vida tomou conta da existência Se o calvinista fez do trabalho um meio em busca da salvação o capitalismo fez do trabalho uma atividade cujo fim é ele mesmo Tratase de uma racionalidade que aumentou a produtividade mas escravizou o homem Ao contrário de Durkheim que tinha uma imagem bastante positiva da modernidade Weber pode ser considerado um teórico pessimista O problema é que a força que conduziu 63 o homem um passo adiante a razão também trouxe conseqüências negativas E diante do problema Weber não via nenhuma solução IV PROJETO POLÍTICO NEUTRALIDADE Uma das características marcantes do pensamento de Weber é a radical separação que ele promove entre a figura do cientista e do político ou entre as esferas da ciência e da política Neste sentido o texto mais famoso a respeito são as conferências proferidas por Weber na Universidade de Viena em 1919 A ciência como vocação e A política como vocação No entanto isto não impediu o pensador alemão de se pronunciar várias vezes sobre problemas teóricos ligados à análise da política ou sobre temas do debate político de sua época IV1 Neutralidade axiológica Weber tinha herdado de Henrich Rickert filósofo neokantiano a convicção de que as ciências humanas eram ciências relacionadas com os valores Ou seja um sociólogo sempre faz suas pesquisas no quadro de uma cultura determinada com um conjunto de valores específicos que movem seus interesses pessoais O que é significativo para um sociólogo brasileiro por exemplo pode não sêlo para um alemão ou ainda um cidadão da idade média No entanto admitir esta hipótese trazia um problema muito sério Quer dizer então que as ciências humanas são ciências subjetivistas em que tudo depende do ponto de vista adotado por cada autor Se cada autor elege um elemento da realidade para explicar e tira daí suas próprias conclusões como fugir da armadilha do relativismo que afirma que não há verdade objetiva pois tudo é relativo É este problema que leva Weber a refletir sobre a questão da objetividade das ciências humanas ou sociais Para resolver este dilema Weber afirma que a ciência deve cuidar para distinguir rigorosamente entre os juízos de fato e os juízos de valor Isto implicava em afirmar que se o sociólogo era movido por seus valores na hora de definir seu objeto na condução da pesquisa todas as considerações pessoais do autor seus juizos de valor ou axiológicos deveriam ser colocados de lado Na pesquisa o sociólogo só pode emitir juízos de fato ou seja mostrar rigorosamente o desenvolvimento de um determinado fenômeno sem procurar julgálo ou tomar posição sobre o problema Em outros termos tanto em relação a problemas éticos quanto políticos as ciências sociais deveriam ser rigorosamente ciências neutras Com isto Weber acaba colocando uma enorme distância entre aquilo que nós poderíamos chamar de teoria e de prática Como fica a relação da ciência com os problemas práticos da vida Ou seja que tipo de ligação existe entre a teoria e a prática em Weber Segundo o autor as ciências tanto as normativas como as empíricas podem prestar apenas um único e inestimável serviço aos políticos e aos partidos concorrentes que é informálos 64 a de que perante determinado problema prático apenas são concebiveis estas ou aquelas tomadas de posição últimas diferentes e b de que a situação que há de ter em conta no momento de escolher entre essas determinadas posições se apresenta desta ou daquela maneira1991 p 86 Um bom exemplo para entender esta questão poderia ser formulada da seguinte forma Qual o melhor sistema de governo para o Brasil o sistema parlamentarista ou o sistema presidencialista Para Weber não cabe ao sociólogo dizer qual deles é melhor O cientista deve apenas tentar apontar quais as conseqüências da adoção ou não de um ou outro dos dois sistemas Fazer a escolha por um dos sistemas de governo é uma tarefa que cabe à sociedade Somente a ela cabe saber qual dos deuses escolher Com estas afirmações Weber acabou deixando a ciência e os teóricos isolados de qualquer movimento político Se por um lado esta postura permitiu aos sociólogos uma maior profissionalização de sua ciência já que suas questões são essencialmente teóricas ao isolar a ciência da política Weber deixou as ciências humanas expostas ao perigo de tornaremse ideologias de justificação da ordem estabelecida na medida em que elas estão impedidas de fornecer ou apontar alguma solução práticopolítica para as questões sociais Embora sua reflexão seja muito mais sofisticada neste ponto Weber está muito mais próximo de uma posição positivista IV2 Análises políticas de Weber Apesar de não poder tomar partido nas questões políticas do diaadia a neutralidade axiológica não significa que a sociologia não possa pesquisar a realidade política da sociedade Pelo contrário neste sentido Weber deu grandes contribuições para a sociologia política Ainda que não possamos dedicar grande espaço para a variedade de temas abordados por Weber uma rápida resenha das principais questões pesquisadas pelo autor já nos permite compreender o alcance de sua obra a Estado e política No texto A política como vocação Weber diz que devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que dentro dos limites de determinado território a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado reinvindica o monopólio do uso legítimo da violência física Por política entenderemos consequentemente o conjunto dos esforços feitos com vistas a participar do poder ou influenciar a divisão do poder seja entre Estados seja no interior do próprio Estado 1967 p 56 b Poder e dominação Entre as categorias mais utilizadas da sociologia weberiana estão os conceitos de poder e de dominação Poder é capacidade de impor a própria vontade dentro de uma 65 relação social O conceito de poder deve ser distingüido do conceito de dominação que significa a probabilidade de encontrar obediência a um determinado mandato Para Weber o que importa é analisar os fundamentos que tornam legítima a autoridade ou ainda as razões internas que justificam a dominação que ele distingue segundo três tipos puros Dominação legal racional a obediência apóiase na crença na legalidade da lei e dos direitos de mando das pessoas autorizadas a comandar pela lei Dominação tradicional sua legitimidade apóiase na crença de que o poder de mando têm um caráter sagrado herdado dos tempos antigos Dominação carismática a legitimidade da autoridade do líder carismático lhe é conferida pelo afeto e confiança que os indivíduos depositam nele c Burocracia e democracia Em Weber existe uma das mais cuidadosas análises do fenômeno da organização burocrática Ao analisar as estruturas burocráticas da sociedade Weber busca suas origens históricas Egito Principado Romano Estado Bizantino Igreja Católica China Estados europeus modernos e grandes empresas capitalistas modernas Além disso ele analisa suas vantagens suas tarefas sua relação com o direito os meios de administração e muitos outros aspectos Para Weber a burocratização da vida atinge a todas as esferas da vida social não apenas o Estado De acordo com o autor a burocracia moderna funciona da seguinte forma específica 1 Rege o princípio de áreas de jurisdição fixas e oficiais ordenadas de acordo com regulamentos ou seja por leis ou por normas administrativas 2 Os princípios da hierarquia dos postos e níveis de autoridades significam um sistema firmemente ordenado de mando e subordinação no qual há uma supervisão dos postos inferiores pelos superiores 3 A administração de um cargo moderno se baseia em documentos escritos os arquivos preservados em sua forma original ou em esboço 4 A administração burocrática supõem um treinamento especializado e completo 5 A atividade oficial exige a plena capacidade de trabalho do funcionário sendo o tempo e a permanência na repartição delimitados 6 O desempenho do cargo segue regras gerais mais ou menos estáveis ou exaustivas e que podem ser aprendidas 1982 p 229232 Para Max Weber o crescimento do Estado e a complexidade dos problemas que este têm de resolver coloca sérios entraves para a democracia pois distancia o cidadão das decisões fundamentais Neste quadro diz Weber a democracia funciona apenas como um método de seleção o cidadão deve escolher os quadros para o governo do Estado d Classe estamento e partido A grande novidade da teoria da estratificação social de Weber é buscar compreender as diferentes posições do indivíduo na sociedade não a partir de um único critério mas a 66 partir de sua inserção em várias esferas da realidade Portanto se do ponto de vista econômico as pessoas estão divididas em classes sociais do ponto de vista político elas se encontram em diferentes partidos e quanto ao aspecto cultural elas podem se diferenciar em diferentes tipos de estamentos A classe diz respeito aos interesses econômicos das pessoas e as diferenças na posse de bens O partido se relaciona com a diferente distribuição do poder e finalmente o estamento tem a ver com os estilos de vida das camadas sociais juntamente com o prestígio e a honra conferidas a cada uma e Político profissional No texto A política como vocação encontramos uma fascinante análise de Weber sobre a origem e a condição do político profissional De acordo com Weber com o aparecimento do Estado em todos os países do globo notase o aparecimento de uma nova espécie de políticos profissionais Na seqüência ele afirma há duas maneiras de fazer política Ou se vive para a política ou se vive da política Nessa oposição não há nada de exclusivo Muito ao contrário em geral se fazem uma e outra coisa ao mesmo tempo tanto idealmente quanto na prática Em seguida completa Daquele que vê na política uma permanente fonte de rendas diremos que vive da política e diremos no caso contrário que vive para a política 1967 p 62 e 6465 Ao refletir sobre os desafios da vida política Weber percebe que os governantes estão divididos entre o apelo de uma ética da convicção e uma ética da responsabilidade Na ética da convicção o indivíduo permanece fiel às suas concepções e valores independente das conseqüências práticas que isto possa ter No entanto o político deve guiarse pela ética da responsabilidade e deve antes se perguntar pelas conseqüências de suas ações e decisões São as conseqüências políticas de sua decisões que respondem pela moralidade de seus atos Weber deixa claro que a ética da convicção não significa ausência de responsabilidade nem que a ética da responsabilidade implica em ausência de convicção Todavia completa não é possível conciliar a ética da convicção e a ética da responsabilidade assim como não é possível se jamais se fizer qualquer concessão ao princípio segundo o qual o fim justifica os meios decretar em nome da moral qual o fim que justifica um meio determinado idem p 115 5 BIBLIOGRAFIA 51 Obras de Max Weber COHN Gabriel Weber 5 ed São Paulo Ática 1991 Coleção grandes cientistas sociais n 13 WEBER Max Ensaios de sociologia 5 ed Rio de Janeiro Guanabara 1982 WEBER Max Economia e sociedade 3 ed Brasília UnB 1994 vol1 WEBER Max A ética protestante e o espírito do capitalismo 11 Ed São Paulo Pioneira 1996 67 WEBER Max Ciência e política duas vocações São Paulo Cultrix 1967 WEBER Max Metodologia das ciência sociais São Paulo Cortez 1992 2 vols WEBER Max Sobre a teoria das ciência sociais Tradução Rubens Eduardo Frias São Paulo Moraes 1991 WEBER Max Conferência sobre o socialismo In FRIDMAN Luiz Carlos Émile Durkheim Max Weber o socialismo ReluméDumará 1993 p85128 52 Textos Complementares ARGÜELLO Katie Direito e política em Max Weber São Paulo Acadêmica 1997 ARON Raymond As etapas do pensamento sociológico 4 Ed São Paulo Martins Fontes 1993 ASCHARAFT Richard A análise do liberalismo em Weber e Marx In COHN Gabriel Sociologia para ler os clássicos Rio de Janeiro Livros técnicos e científicos 1977 p186239 BELLAMY Richard Alemanha liberalismo desencantado In Liberalismo e sociedade moderna São Paulo UNESP 1994 p 279382 CHACON Vamireh Max Weber a crise da ciência e da política Rio de Janeiro Forense 1988 COHN Gabriel Crítica e resignação fundamentos da sociologia de Max Weber São Paulo Queiroz 1979 COHN Gabriel org Sociologia para ler os clássicos Rio de Janeiro Livros Técnicos e Científicos 1977 p113 DREIFUSS René Armand Política poder Estado e força uma leitura de Weber Petrópolis Vozes 1993 FLEISCHMANN Eugéne Weber e Nietzche In COHN Gabriel Sociologia para ler os clássicos Rio de Janeiro Livros técnicos e científicos 1977 p 136185 FREUND Julien Sociologia de Max Weber Rio de Janeiro Forense 1987 GERTZ René E org Max Weber e Karl Marx São Paulo Hucitec 1994 GYDDENS Anthony Política e sociologia no pensamento de Max Weber In Política sociologia e teoria social encontros com o pensamento clássico e contemporâneo São Paulo UNESP 1998 p 2572 GYDDENS Anthony Marx Weber e o desenvolvimento do capitalismo In Política sociologia e teoria social encontros com o pensamento clássico e contemporâneo São Paulo UNESP 1998 p 73102 HABERMAS Jürgen La teoría de la racionalización de Max Weber In Teoria de la accion comunicativa Madrid Taurus 1987 p 197350 tomo I JASPERS Karl Método e visão do mundo em Weber In COHN Gabriel Sociologia para ler os clássicos Rio de Janeiro Livros técnicos e científicos 1977 p 121135 68 MERQUIOR José Guilherme Rousseau e Weber dois estudos sobre sobre a teoria da legitimidade Rio de Janeiro Guanabara 1980 SAINTPIERRE Héctor L Max Weber entre a paixão e a razão 2 Ed Campinas Unicamp 1994 TRAGTEMBERG Maurício Burocracia e ideologia 2 Ed São Paulo Ática 1992 69 CAPÍTULO IV KARL MARX Ao contrário de Durkheim e Weber Marx nunca foi um sociólogo de profissão Toda sua obra foi construída tendo em vista oferecer aos operários explorados pelo sistema capitalista um entendimento das leis de funcionamento deste sistema Só assim julgava Marx seria possível construir um novo tipo de sociedade a sociedade socialista ou comunista No entanto para realizar esta tarefa Marx se dedicou a fazer um estudo profundo e cuidadoso da vida social Deste modo sua obra exerceu uma importância decisiva para o desenvolvimento da sociologia que incorporou boa parte de suas teses para o entendimento da sociedade moderna Com Marx a sociologia vai assumir uma vocação crítica voltada para o desmascaramento e a superação da formação social capitalista Interpretar a obra de Marx é sempre uma tarefa difícil Afinal o seu pensamento era dinâmico e jamais foi sistematizado pelo autor permanecendo inclusive inacabado Além disso a maioria das codificações do pensamento de Marx acabaram se tornando dogmáticas apresentandose como verdades absolutas bem distantes do espírito e da intenção de sua obra Sabendo destes riscos não temos a pretensão de propor aqui mais uma interpretação correta da obra de Karl Marx Nosso objetivo será oferecer ao leitor uma compreensão dos elementos básicos de seu pensamento e principalmente sua importância para a história da sociologia I VIDA E OBRAS Karl Marx nasceu em Trier no dia 05 de maio de 1818 Nesta cidade ele também realizou seus primeiros estudos Em 1835 o jovem Marx vai estudar direito em Bonn e em 1836 transferese para Berlim Nesta cidade parte para o estudo da filosofia aproximando se do pensamento de Hegel Em 1841 obteve a tese de doutorado defendida na cidade de Iena Todavia a perseguição do governo alemão aos críticos de Hegel chamados de esquerda hegeliana bem como sua amizade com o filósofo Bruno Bauer impedemno de seguir a carreira como professor universitário Por isso em 1842 Marx tornase editor do jornal Gazeta Renana da cidade de Colônia O contato com os problemas sociais exerce uma grande influência na vida de 70 Marx provocando também violentas críticas por parte do autor o que acaba resultando no fechamento do jornal Marx decidese então mudar para Paris para continuar seus estudos críticos Antes de partir ele se casa com Jenny von Westphalen com quem teria seis filhos Jenny Laura Edgar Guido Francisca e Eleanor Marx permaneceu em Paris de 1843 até o início de 1845 Nesta cidade além de tomar contato com os grupos socialistas franceses ele ajudou a fundar a Revista Anais FrancoAlemães editada uma única vez Foi nesta cidade em 1844 que Marx começou sua amizade com Friedrich Engels 18201895 que tinha publicado um artigo nesta revista Em fins de 1844 Marx foi expulso de Paris e mudouse para Bruxelas onde começa a envolverse com as atividades políticas do movimento dos trabalhadores Em Bruxelas participa da fundação da Liga dos Comunistas da qual redige o Manifesto do Partido Comunista em 1848 Em junho do mesmo ano acompanha as insurreições de Paris e em 1849 participa da revolução alemã tendo fundado na cidade de Colônia o jornal Nova Gazeta Renana Com o fracasso da revolução alemã Marx parte para o exílio chegando a Londres no ano de 1850 Na Inglaterra ele interrompe suas atividades políticas iniciando na Biblioteca Pública da cidade um profundo estudo sobre o modo de produção capitalista cujo maior resultado é a obra O Capital 1867 Em 1864 ele reinicia suas atividades políticas com a fundação da I Internacional 18641872 que se propunha a ser um órgão articulador do movimento comunista em nível internacional Por causa da divergência com os anarquistas a I Internacinal é dissolvida em 1872 Marx falece em Londres no dia 14 de março de 1883 um anos depois da morte de sua mulher Além de uma vigorosa análise crítica do sistema capitalista Marx foi um exemplo de pensador que soube unificar sua teoria com a prática Toda sua vida e sua obra foram marcadas por um pensamento voltado para a classe operária e a construção de um novo tipo de sociedade a sociedade socialista As principais obras de Marx algumas escritas a duas mãos com seu companheiro Friedrich Engels assinaladas em itálico são as seguintes 1841 Diferença entre as filosofias da natureza de Demócrito e Epicuro tese de doutorado 1843 Crítica da filosofia do direito de Hegel manuscritos 1884 A questão judaica Anais FrancoAlemães Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel Anais Manuscritos econômicofilosóficos 1845 Teses sobre Feuerbach A sagrada família 1846 A ideologia alemã 1847 Miséria da filosofia 1848 Manifesto do partido comunista 71 1850 A luta de classes na França 1852 O dezoito brumário de Luís Bonaparte 18571858 Grundrisse ou Esboço de uma crítica da economia política 1859 Contribuição à crítica da economia política 1864 Manifesto de lançamento da 1a Internacional 1865 Salário preço e lucro 1867 O Capital livro 1 1871 A guerra civil na França 1875 Crítica ao programa de Gotha Marx produziu uma vasta obra e trata de assuntos tão variados como filosofia política história religião e economia É por isso que tentar uma sistematização de seu conteúdo é tarefa bastante complexa No entanto de acordo com a interpretação de um estudioso marxista Louis Althusser 19181991 é possível perceber que Marx forma suas convicções básicas entre os anos de 18451846 Bruxelas principalmente na obra a Ideologia Alemã onde o próprio autor declara ter rompido definitivamente com as premissas da filosofia neohegeliana de Feuerbach Para Althusser portanto o pensamento de Marx se move dentro de duas fases JOVEM MARX Ideologia Alemã MARX MADURO Marx filósofo 1846 Marx economista Um dos grandes méritos do pensamento de Marx foi ter dialogado com as principais correntes teóricas do seu tempo Ao comentar sua própria obra ele reconhece sua dívida para com três fontes básicas 1 Filosofia alemã Marx que era doutor em filosofia começou suas análises teóricas fazendo parte de em grupo de pensadores alemães chamados de esquerda hegeliana do qual faziam parte os filósofos David Strauss 1808 1874 Bruno Bauer 18091872 Arnold Ruge 18021880 Moses Hess 18121875 Max Stirner 18061856 e ainda Ludwig Feuerbach 1804 1872 Embora adotassem o método dialético de Georg Wilhelm Hegel 1770 1831 estes pensadores tinham uma atitude de crítica diante do pensamento deste autor do qual eram estudiosos A influência do pensamento hegeliano é como logo vamos notar uma das principais características do pensamento de Marx 2 Socialismo utópico Embora já tivesse algum conhecimento do socialismo é na França que Marx vai ter um contato mais próximo com este movimento e seus intelectuais como Charles Fourier 17721837 Saint Simon 17601825 e Pierre Joseph Proudhon 18091865 Marx chamaria este conjunto de pensadores de socialistas utópicos pois embora eles fizessem críticas ao sistema capitalista erraram ao não fazer uma análise profunda das leis de funcionamento do capitalismo e não reconheceram a classe operária como a única possibilidade de construção do socialismo Diante deste socialismo utópico Marx pretende apresentar um socialismo científico 72 3 Economia política Em seu período na Inglaterra Marx realizou um profundo e longo estudo da ciência econômica para mostrar as leis de funcionamento do modo de produção capitalista e apontar as possibilidades de sua superação Neste estudo ele aproveitou a contribuição de vários economistas ingleses principalmente de Adam Smith 17231790 e de David Ricardo 17721823 que lhe tinham apontado o trabalho como o elemento chave para se entender o sistema econômico II MATERIALISMO HISTÓRICODIALÉTICO Como já enfatizamos no início de nossa exposição Marx estava longe de ser um sociólogo de profissão Na verdade seus estudos nasceram da prática e das necessidades políticas do movimento socialista Foram os estudiosos das ciências sociais e os próprios pensadores marxistas que adaptaram a teoria de Marx às necessidades teóricas da sociologia A vasta obra de Marx forneceu para estes estudiosos preciosos elementos para repensar os fundamentos epistemológicos e os procedimentos metodológicos desta ciência Em sua obra Marx não só elaborou uma nova interpretação do capitalismo mas também propôs novos métodos de interpretação desta nova realidade históricosocial o materialismo dialético e o materialismo histórico Para o autor teoria e análise da realidade são aspectos que se interrelacionam e condicionam Assim a tese filosófica do materialismo dialético bem como o método de análise da sociedade o materialismo histórico representam valiosas contribuições para a epistemologia e a metodologia das ciências sociais É por esta razão que podemos falar hoje de uma teoria sociológica marxista 21 Materialismo dialético A noção de dialética possui uma longa história no pensamento filosófico Esta história começa com Heráclito passando por Platão Kant e outros pensadores até chegar a Hegel que vai sistematizar o método dialético no seu sentido moderno Marx que era um membro da esquerda hegeliana vai adotar o método dialético mas conservará uma atitude crítica diante do mesmo como ele próprio declara nesta passagem famosa escrita já no final de sua vida Pósfácio da 2a edição do Capital de 1873 Meu método dialético por seu fundamento difere do método hegeliano sendo a ele inteiramente oposto Em Hegel a dialética está de cabeça para baixo grifo nosso É necessário pôla de cabeça para cima a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico 1994 p16 Nesta passagem Marx deixa bem claro que permanece fiel a dialética enquanto método mas que vai adotar uma atitude diferente quanto ao seu conteúdo ou seu fundamento É por isso que Marx afirma que em Hegel a dialética está de cabeça para 73 baixo A diferença entre a dialética de Hegel e a de Marx portanto diz respeito ao seu conteúdo Assim temos Em Hegel idealismo dialético Em Marx materialismo dialético Por isso nosso entendimento acerca da dialética tem de necessariamente começar com Hegel pois a dialética hegeliana foi o ponto de partida das reflexões de Marx a O idealismo dialético de Hegel A intenção de Hegel ao apresentar seu método dialético era entender a história como movimento Isto era necessário porque até então o método predominante na filosofia era o método metafísico Ao contrário da dialética para a metafísica a realidade possui uma essência que a define Embora as coisas se modifiquem explicam os filósofos metafísicos a essência das coisas permanece a mesma A diferença básica entre o método metafísico e o método dialético portanto é a seguinte método metafísico a essência das coisas não se modifica método dialético a realidade é um movimento constante No entanto se a realidade é um devir contínuo ou seja uma constante transformação resta explicar qual a razão ou a causa que gera o movimento constante É neste momento que a noção de dialética será fundamental para Hegel Para este filósofo as coisas estão em contínua transformação porque todo ser é intrinsecamente contraditório ou seja sua existência já contém em si sua própria negação Hegel vai chamar esta idéia de princípio da contradição Para Hegel o princípio de que todos os seres são contraditórios é uma lei que governa toda a realidade É o fato de que todo ser é contraditório que explica a causa do movimento ou do devir contínuo Vamos aprofundar esta idéia recorrendo a um exemplo Como você já deve ter percebido a palavra dialética é muito próxima da palavra diálogo Como você também já sabe no diálogo o pensamento se forma porque existe uma contínua troca de afirmações Ou seja a ação recíproca ou contradição de uma idéia com a outra gera o movimento ou o pensamento como ilustra este esquema A B C D O exemplo do diálogo nos ajuda a esclarecer duas coisas Em primeiro lugar ele nos mostra a idéia de movimento de devir ou ainda de transformação Ao trocarmos idéias com outras pessoas nossos pensamentos vão se alterando e as idéias de nosso interlocutor também De pensamento em pensamento ou de idéia em idéia o que temos no diálogo é movimento constante Em segundo lugar fica fácil perceber que este movimento de idéias é causado pela oposição ou contradição das idéias entre si Se não houvesse um confronto de idéias certamente não teríamos o movimento A oposição ou contradição de idéias é que gera o movimento São justamente estes dois aspectos que formam a essência da dialética 74 em Hegel Segundo o autor i a realidade é uma contínua transformação ii cuja causa ou razão é o princípio da contradição ou seja o fato de que todos os seres são contraditórios Todavia é sempre bom esclarecer ainda mais um detalhe Na dialética hegeliana todo ser é contraditório em si mesmo ou seja contém em si sua própria negação Voltando ao exemplo do diálogo isto significa dizer que ao afirmar uma idéia eu já estou me opondo a outra que passa a ser a antítese da primeira Entre elas não há uma relação de exterioridade como se a antítese fosse uma idéia arbitrária de um interlocutor vindo de fora É o próprio fato de enunciar uma tese que gera a antítese e a necessidade de superála ou seja a síntese Não se trata apenas da relação de um ser sobre outro Cada ser em si mesmo é contraditório É por isso que cada ser ou qualquer ente do mundo real afirma Hegel é governado pela lei da contradição Toda contradição por sua vez gera a necessidade de ser superada pela síntese que é chamada por isso mesmo de unidade dos contrários Para mostrar como tudo está submetido a lei do movimento e da contradição os estudiosos de Hegel afirmam que se pode demonstrar que todo ser qualquer que seja passa por três momentos fundamentais que são tese momento da afirmação antítese momento da negação síntese momento da negação da negação Com esta metáfora afirmam eles é possível perceber que todo ser passa por transformações que são geradas pela oposição expressa nas palavras tese antítese síntese Cada síntese transformase em uma nova tese e assim o movimento continua Tese Antítese SínteseTese Antítese SínteseTese Entretanto para o pensamento de Hegel não era apenas cada ser em particular que estava submetido a evolução dialética Pelo contrário para este filósofo toda a realidade ou seja tudo aquilo que existe em seu conjunto evolui dialeticamente e faz parte de um movimento constante Para Hegel portanto tudo é história toda a realidade é modificação e movimento gerados pela contradição Foi para explicar a evolução histórica que Hegel construiu sua filosofia chamada de idealismo dialético Acontece que seguindo a tradição de outros filósofos alemães Hegel achava que no início da história tudo era essencialmente espírito ou pensamento O pensamento que Hegel chamava também de Espírito Absoluto ou Idéia era a elemento fundante das coisas Porém como surgiu a matéria De acordo com Hegel seguindo a lei da contradição o pensamento alienase sai de si mesmo e tornase o seu contrário a matéria Temos assim a segunda fase da história Finalmente no terceiro momento da história a matéria supera a negação do espírito e tornase cultura que é justamente uma síntese ou seja a superação das contradições entre o pensamento e a matéria Portanto em Hegel a história é o movimento do espírito 75 ou idéia que sai de si mesmo e retorna a si mesmo Por isso sua teoria é chamada de idealismo dialético Podemos resumir a teoria de Hegel da seguinte forma IDEALISMO DIALÉTICO TESE Idéia em si A realidade é pensamento ANTÍTESE Idéia fora de si A realidade tornase matéria SÍNTESE Idéia em si e para si A realidade é pensamento e matéria Para terminar vale lembrar que Hegel concebia a história como a tomada de consciência que a Idéia ou o Espírito Absoluto realiza de si mesmo Esta história de auto consciência do Espírito é descrita por Hegel em uma de suas mais famosas obras A Fenomenologia do Espírito escrita em 1807 Marx embora não rejeitasse o método dialético afirmava que tudo isto estava de cabeça para baixo É necessário separar o que em Hegel era invólucro místico de sua substância racional Para Marx isso se resolveria alterando o fundamento do método dialético No lugar do pensamento dizia Marx era necessário colocar como fundamento a matéria Afinal em Hegel o processo de pensamento que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de idéia é o criador do real e o real é apenas sua manifestação externa Para mim ao contrário o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado 1994 p 17 c Materialismo dialético de Marx O ponto de partida do pensamento de Marx é uma crítica radical de toda filosofia de sua época Tanto o idealismo de Hegel bem como os filósofos da esquerda hegeliana da qual ele fazia parte são superados por Marx como ela deixa claro no texto A Ideologia Alemã de 1846 Quando na primavera de 1845 Friedrich Engels veio se estabelecer também em Bruxelas resolvemos trabalhar em conjunto a fim de esclarecer o antagonismo existente entre a nossa maneira de ver e a concepção ideológica da filosofia alemã tratavase de fato de um ajuste de contas com a nossa consciência filosófica anterior Este projeto foi realizado sob a forma de uma crítica da filosofia pós hegeliana 1978 p 104 De acordo com Marx o equívoco da esquerda hegeliana estava no fato de que até em seus últimos esforços a crítica alemã não abandonou o terreno da filosofia Longe de examinar seus pressupostos gerais todas as suas questões brotaram de um sistema filosófico determinado o sistema hegeliano 1993 p23 Se as bases do pensamento filosófico são ideológicas falsas representações e as críticas ao mesmo não conseguem romper sua dependência para com Hegel Marx se lança 76 aos desafio de colocar o pensamento humano em novas bases Ao contrário de Hegel dizia Marx os pressupostos de seu pensamento são pressupostos reais de que não se pode fazer abstração a não ser na imaginação São indivíduos reais sua ação e suas condições materiais de vida tanto aquelas já encontradas como as produzidas por sua própria ação idem p26 Quais seriam estes pressupostos Deixemos que o próprio Marx nos explique idem p 3943 O primeiro pressuposto básico da história é que os homens devem estar em condições de viver para fazer história A primeira realidade histórica é a produção da vida material O segundo pressuposto é que tão logo a primeira necessidade é satisfeita a ação de satisfazêla e o instrumento já adquirido para essa satisfação criam novas necessidades E essa produção de necessidades novas é o primeiro ato histórico O terceiro pressuposto existente desde o início da evolução histórica é a de que os homens que renovam diariamente sua própria vida se põem a criar outros a se reproduzirem é a relação entre homem e mulher pais e filhos é a família Seguese um quarto pressuposto de que um modo de produção ou um estágio industrial está sempre ligado a um modo de cooperação A massa das forças produtivas determina o estado social Finalmente somente depois de ter examinado os pontos anteriores no quinto pressuposto é que se pode verificar segundo Marx que o homem tem consciência Para Marx a consciência nasce da necessidade da existência de intercâmbio com outros homens A consciência é desde o seu início um produto social Estavam lançadas as bases para uma nova interpretação da história Tratase de uma inversão completa totalmente ao contrário do que ocorre na filosofia alemã que desce do céu à terra aqui se ascende da terra ao céu idem p37 De fato ao afirmar que a matéria determina a consciência ou o pensamento Marx inverte completamente o sistema hegeliano e funda o materialismo dialético O ponto de partida do real assim não é mais o pensamento idealismo dialético mas a vida material materialismo dialético O pensamento de Marx poderia se resumido em contraste com Hegel desta forma MATERIALISMO DIALÉTICO TESE Matéria Natureza ANTÍTESE Pensamento Trabalho SÍNTESE Sociedade História Marx ao fazer a crítica do método dialético de Hegel tinha a intenção de aplicar este esquema ao estudo da história No entanto com seu companheiro Friedrich Engels o método dialético começou a ser aplicado também no estudo da natureza É por isso que 77 Plekhanov 18561918 um teórico russo vai cunhar a expressão materialismo dialético indicando o uso da dialética tanto para o estudo da natureza como para o entendimento da sociedade d Dialética e epistemologia sociológica Agora que já compreendemos as diferenças entre o método dialético em Hegel e Marx vamos refletir sobre a influência do método dialético na sociologia marxista Quais as contribuições que a noção de dialética em Marx trouxe para a construção dos fundamentos filosóficos desta ciência Em que medida o método dialético permitiu a Marx entender a sociedade Destaquemos pois alguns elementos neste sentido Em primeiro lugar para entender a importância do materialismo dialético na sociologia marxista é importante destacarmos a posição central que a interação entre o homem e a natureza adquire nesta teoria Para Marx o elemento central para se entender o desenvolvimento da sociedade é o TRABALHO a ação do homem sobre a matéria De acordo com o esquema dialético de Marx é pelo trabalho que o homem supera sua condição de ser apenas natural e cria uma nova realidade a sociedade Assim se a matéria mundo natural representa a tese temos que o trabalho representa a antítese da matéria que uma vez modificada pelo homem gera a sociedade que é a síntese A sociedade é justamente a síntese do eterno processo dialético pelo qual o homem atua sobre a natureza e a transforma O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona regula e controla seu intercâmbio material com a natureza Atuando assim sobre a natureza externa e modificandoa ao mesmo tempo modifica sua própria natureza 1994 p 202 A dialética do trabalho tem uma dupla importância para a sociologia O trabalho não só é uma condição indispensável da vida social mas também é o elemento determinante para a formação do ser humano seja como indivíduo seja como ser social Sem o trabalho não haveria nem ser humano nem relações sociais nem sociedade e nem mesmo a história Por tudo isto podese dizer que a categoria trabalho é o conceito fundante e determinante de toda construção teórica marxista Um segundo aspecto importante do método dialético é que ele permitiu à teoria marxista repensar um dos principais dilemas enfrentados no campo da epistemologia sociológica a relação entre indivíduo e sociedade Na teoria marxista a relação do homem com a sociedade não é reduzida a um ou outro dos pólos como faziam as teorias anteriores Ou seja o homem não é fruto exclusivo da sociedade nem esta resulta apenas da ação humana Na perpectiva dialética existe uma eterna relação entre indivíduo e sociedade que faz com que tanto a sociedade quanto o homem se modifiquem desencadeando o processo históricosocial Marx em fase que se tornou célebre enunciou esta idéia de uma forma muito feliz ao afirmar que os homens fazem a história mas não a fazem como a querem Eles a fazem 78 sob condições herdadas do passado Nesta frase Marx deixa muito claro o peso que as estruturas sociais exercem sobre os indivíduos mas dialeticamente mostrou que os homens partem justamente destas mesmas estruturas para recriálas pela sua própria ação II2 Materialismo histórico Em Marx a história não é fruto do Espírito Absoluto como em Hegel mas é fruto do trabalho humano São os homens interagindo para satisfazer suas necessidades que desencadeiam o processo histórico É com base neste pressuposto geral que Marx se propôs a estudar a sociedade Para ele o estudo da sociedade começa quando tomamos consciência de que o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social política e intelectual em geral 1992 p 8283 Esta é a tese fundamental de Marx e pode ser considerada a base de seu método sociológico Para Marx o estudo da sociedade deve começar sempre pela sua economia vida material do homem que é o elemento que condiciona todo o desenvolvimento da vida social É isto que Marx diz no Prefácio do livro Contribuição à Crítica da Economia Política 1859 que pode ser considerado um verdadeiro resumo de seu método sociológico O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de guia para meus estudos pode formularse resumidamente assim na produção social da própria existência economia os homens entram em relações determinadas necessárias independentes de sua vontade estas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência grifos nossos Neste texto Marx chama a dimensão econômica da sociedade de infraestrutura e afirma que a infraestrutura é a base da sociedade Sobre esta base diz Marx é que está construída a estrutura política e a estrutura ideológica da sociedade que são chamadas de superestrutura O método de análise sociológica de Marx pode se apresentado desta forma Superestrutura política Superestrutura ideológica InfraEstrutura forças produtivas relações de produção Economia De acordo com a tese central de Marx a infraestrutura economia condiciona a superestrutura vida política e vida cultural da sociedade Em outros termos para explicar a sociedade precisamos partir da análise de sua base material economia e perceber como ela condiciona a vida política e ideológica da sociedade 79 INFRAESTRUTURA SUPERESTRUTURA Condiciona II21 Elementos que compõem a infraestrutura Agora que já sabemos que a infraestrutura corresponde à dimensão econômica da sociedade vamos entender melhor como Marx aborda as questões referentes à economia Para Marx o elemento fundamental da economia é o trabalho O ser humano para sobreviver precisa produzir os bens necessários para a satisfação de suas necessidades É através do trabalho que o homem transforma a natureza e reproduz sua existência O processo de trabalho diz Marx envolve duas dimensões principais a relação do homem com a natureza e a relação do homem com os outros homens no próprio processo de trabalho TRABALHO Relação homem x natureza Relação homem x homem A relação do homem com natureza diz Marx é mediada pela matéria prima e pelos instrumentos de trabalho que são os meios auxiliares que o homem desenvolve e que o auxiliam no processo de produção O conjunto formado pela matéria prima e pelos meios de produção de uma sociedade é chamado por Marx de forças produtivas Logo as forças produtivas da sociedade correspondem a tudo aquilo que é utilizado pelo homem no processo de produção desde um simples enxada até as máquinas mais desenvolvidas No entanto afirma Max a produção ou o processo de trabalho não é um fenômeno isolado A produção é um fenômeno social coletivo Envolve portanto a relação do homem com o próprio homem Por isso no processo de trabalho o homem cria também relações de produção As relações de produção são as interações que os homens estabelecem entre si nas atividades produtivas Corresponde de forma geral a divisão do trabalho seja dentro de uma atividade específica seja entre as diversas atividades em seu conjunto Portanto os dois elementos fundamentais da infraestrutura são as forças produtivas e as relações de produção O conjunto das forças produtivas e das relações de produção é que formam a base econômica da sociedade Toda sociedade diz Marx precisa organizar seu processo de trabalho Logo em qualquer grupo humano podemos observar estas duas dimensões Resumindo temos InfraEstrutura Forças produtivas Relações de produção 80 No entanto qual é a relação entre as forças produtivas e as relações de produção Para Marx para se entender a vida de uma sociedade é preciso acompanhar a evolução de suas forças produtivas pois são elas que determinam o tipo de relações existentes Portanto são as forças produtivas da sociedade que condicionam o tipo de relações sociais que os homens estabelecem entre si II22 Elementos que compõem a superestrutura Partindo da análise das relações de produção Marx constatou que a sociedade se dividia em classes sociais As classes sociais são fruto das relações que os homens estabelecem no processo de produção Elas surgem quando um grupo social se apropria das forças de produção e se torna proprietário dos instrumentos de trabalho As classes sociais dividem a sociedade em dois grupos fundamentais os proprietários dos meios de produção e os nãoproprietários dos meios de produção Ou dito de outra forma é o fenômeno da propriedade privada que dá origem às classes sociais os proprietários e os não proprietários No entanto para consolidar o seu domínio sobre os não proprietários as classes dominantes precisam fazer uso da força É neste momento que surge o Estado De modo geral Marx afirma que o Estado é um instrumento criado pelas classes dominantes para garantir seu domínio econômico sobre as outras classes As leis e as determinações do Estado estão sempre voltadas para o interesse da classe dos proprietários Quando as leis e as normas do Estado falham o poder estatal tem ainda o recurso da força principalmente das forças armadas que garantem os interesses das classes dominantes Um segundo instrumento das classes proprietárias para garantir seu domínio econômico é a força das idéias ou seja a ideologia Para Marx as idéias da sociedade são as idéias da classe dominante Isto quer dizer que quando uma classe se torna dominante do ponto de vista econômico e político ela também consegue difundir a sua visão de mundo e os seus valores As outras classes acabam adotando esta visão e portanto não percebem que são exploradas A ideologia portanto é um conjunto de falsas representações da realidade que servem para legitimar e consolidar o poder das classes dominantes O Estado e a Ideologia são para Marx os dois elementos da superestrutura Mas para entender o funcionamento do Estado e da ideologia é preciso descer até a infra estrutura Afinal é lá que que se forma a classe que vai controlar o poder político e o poder ideológico da sociedade É por esta razão que a superestrutura é condicionada pela infra estrutura Terminemos nossa exposição com um breve esquema Superestrutura Estado Ideologia 223 A história segundo Marx 81 Para Marx a infraestrutura e a superestrutura constituem o que ele chama de modo de produção Com esta teoria Marx criou um novo jeito de interpretar a história Para o autor as sociedades se transformam quando os homens alteram o modo de produzir É por esta razão que a teoria sociológica de Marx é chamada de materialismo histórico Analisando a infraestrutura da sociedade ao longo da história Marx elaborou um esquema de evolução da sociedade ocidental mostrando como as modificações das forças produtivas alterava as relações de produção classe sociais e também produzia novas classes dominantes e novas formas de enxergar a realidade ideologias De acordo com o esquema sugerido em suas obras Ideologia Alemã Grundrisse e Contribuição à Crítica da Economia Política estas seriam as etapas do desenvolvimento histórico ocidental 1 Modo de produção primitivo 2 Modo de produção escravista 3 Modo de produção asiático 4 Modo de produção feudal 5 Modo de produção capitalista 6 Mode de produção comunista Vejamos cada uma destas etapas históricas com maiores detalhes Nas sociedades primitivas os homens estão unidos para enfrentar os desafios da natureza Os meios de produção as áreas de caça assim como os produtos são propriedades comuns isto é pertencem a toda a comunidade No modo de produção primitivo não existe Estado a organização do poder está ligada aos chefes de famílias comunitária e a forma de consciência predominante é a religião Esta forma de organização social durou centenas de milhares de anos Um bom exemplo deste tipo de ordem social são as comunidades indígenas existentes no início da colonização brasileira 1 Modo de produção primitivo Ideologia Religião primitiva Estado Organização comunitária Relações de Produção Propriedade coletiva Não há classe sociais Forças Produtivas Cultivo da terra Com o aumento da produção agrícola e a formação de excedentes econômicos começa a se desenvolver o modo de produção escravista As terras são cultivadas com base na escravidão Os escravos de modo geral são prisioneiros de guerra O modo de produção escravista é a forma típica dos grandes impérios do mundo ocidental como a Grécia e a civilização romana Com a divisão da sociedade em duas classes fundamentais senhores x escravos surge também o poder político Estados Imperiais para perpetuar esta forma de dominação A religião passa a ter um papel ideológico os deuses são criados para tonar sagrada e inquestionável a dominação e a exploração de classe 82 2 Modo de produção escravista Ideologia Religião do Estado Estado Impérios centralizados Ex Roma Relações de Produção Senhores x Escravos Forças Produtivas Cultivo da terra com base na escravidão O modo de produção asiático é a forma de organização social predominante no mundo oriental Nestas sociedades a propriedade da terra pertence ao Estado Logo a sociedade está dividida em duas classes fundamentais os governantes senhores e os escravos No modo de produção asiático existe um Estado fortemente centralizado que controla toda a sociedade É o que podemos perceber analisando os grandes impérios do mundo oriental como o Egito a Babilônia a China ou mesmo as civilizações ameríndias dos Astecas Incas e Maias Nestas civilizações a presença da religião é muito forte e os governantes são considerados seres divinos 3 Modo de produção asiático Oriente Ideologia Religião de Estado Estado Impérios centralizados Ex China Relações de Produção Estado x Escravos Forças Produtivas Propriedade estatal e escravidão O modo de produção feudal se desenvolveu na Europa até meados do século XV Com a queda do império romano a Europa se dividiu em diversos feudos grandes extensões de terra cultivados pelos servos A escravidão desaparece mas surge uma nova forma de relação produtiva senhores x servos Apesar da sua liberdade pessoal os servos passavam a vida trabalhando nas glebas de terra dos seus senhores Neste período o Estado está enfraquecido e cada senhor feudal cuida da administração política de seu feudo A unidade do mundo feudal é dada pelo catolicismo A igreja apresenta o mundo social como uma vontade de Deus e divide a sociedade em três camadas nobreza clero e povo Deste modo a dominação de classe era legitimada pela religião 4 Modo de produção feudal Ideologia Catolicismo Estado Poder descentralizado Feudos Relações de Produção Senhores x Servos Forças Produtivas Cultivo da terraarrendamento Com a revolução industrial as forças produtivas provocam uma gigantesca transformação nas relações de produção Surgem novas classes sociais a burguesia e o proletariado No modo de produção capitalista a burguesia exerce diretamente o poder através do Estado Parlamentar e impõem sua visão individualista do mundo através das artes da ciência da filosofia e até da religião 5 Modo de produção capitalista Ideologia Cultura burguesa individualismo Estado Estado Parlamentar Relações de Produção Burguesia x proletariado Forças Produtivas Indústria 83 No Prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política Marx afirmou que as relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo de produção social Com esta formação social termina pois a préhistória da humanidade idem p83 Marx achava que o capitalismo iria enfrentar uma grande crise e seria substituído pela sociedade comunista Na sociedade comunista o Estado seria abolido e com a supressão da propriedade privada acabaria a divisão da sociedade em classes sociais e o fenômeno da exploração Analisando as diversas etapas da vida social do ponto de vista dialético podemos peceber que Marx percebe a história social como composta de três momentos fundamentais TESE ANTÍTESE SÍNTESE Sociedade sem classes Sociedades de classes Sociedade sem classes Modo de produção primitivo Modo de produção escravista Modo de produção asiático Modo de produção feudal Modo de produção capitalista Comunismo Apesar desta valiosa visão da história fornecida por Marx ela não pode ser interpretada como um esquema rígido e determinista como se todas as sociedades tivessem que atravessar estas etapas evolutivas A intenção fundamental de Marx era apontar as característica sociais da Europa em momentos diferentes de sua história Marx não chegou a fazer um estudo aprofundado de cada um destes diferentes modos de produção A maior parte de sua obra está voltada para o estudo do capitalismo Na verdade o que lhe interessava era entender o surgimento do capitalismo e a possibilidade de sua superação Esta será a grande contribuição que Marx procurou oferecer ao movimento operário constituindo assim sua análise da modernidade III MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA Marx sem sombra de dúvida é o grande analista da formação desenvolvimento e supressão do modo de produção capitalista O capitalismo é o tema da principal obra de Marx O Capital cujo primeiro livro foi publicado pelo próprio autor enquanto os outros foram editados por Engels a partir dos manuscritos de Marx A obra está dividida da seguinte forma 84 Livro I O processo de produção do Capital 1867 Livro II O processo de circulação do Capital 1885 Livro III O processo global de produção capitalista 1894 Livro IV Teorias da MaisValia 19051910 editada por Karl Kautsky No Capital Marx desenvolve suas teses fundamentais sobre o capitalismo que são 1o O objetivo do sistema capitalista é o lucro 2o O lucro é gerado pela exploração Mais Valia 3o Na base do capitalismo está um sistema de relação de classes 4o No capitalismo o homem se encontra alienado fetichismo da mercadoria A seguir vamos desenvolver os principais conceitos formulados por Marx no Capital e perceber de que forma o autor constrói sua interpretação do capitalismo 31 Mercadoria e dinheiro O elemento básico da economia capitalista segundo Marx é a mercadoria Como o capitalismo é um sistema produtor de mercadorias é preciso começar a análise deste modo de produção pela explicação das características da mercadoria Para Marx a mercadoria tem um duplo caráter MERCADORIA TESE ANTÍTESE SÍNTESE Valor de uso Valor de troca Valor de uso e Valor de troca O valor de uso de uma mercadoria é o seu aspecto material ou seja sua capacidade para satisfazer uma necessidade humana O valor de uso portanto tem a ver com o conteúdo da mercadoria Mas além disso cada mercadoria tem também o seu valor de troca O valor de troca é a capacidade que cada mercadoria possui para ser trocada por outra mercadoria Com a troca começa a surgir um problema Como vou saber quanto de trigo mercadoria A posso trocar por acúcar mercadoria B por exemplo Como medir a grandeza do seu valor Adotando a teoria de David Ricardo teoria do valortrabalho Marx vai afirmar que o que determina a grandeza do valor é a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um valor de uso O valor de uma mercadoria portanto vem do trabalho Marx explica ainda que tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho requerido para produzirse um valor de uso qualquer nas condições de produção socialmente normais existentes e com o grau social médio de destreza e intensidade do trabalho 1994 p 56 No entanto para serem trocadas entre si as mercadorias precisam da intermediação de uma outra mercadoria o dinheiro Em vista disso continua Marx importa realizar o 85 que jamais tentou fazer a economia burguesa isto é elucidar a gênese da forma dinheiro Esta é uma das partes mais complexas no estudo do Capital assustando muitas vezes o leitor Para entender a origem do valor diz Marx podemos apresentálo de três formas a Forma simples uma mercadoria x pode ser trocada por outra mercadoria y b Forma total uma mercadoria x pode ser trocada por várias outras mercadorias a b c d e f etc c Forma dinheiro todas as mercadorias a b c d e f etc podem ser trocadas por uma única mercadoria que serve de equivalente geral para todas as mercadorias É neste momento que surge o dinheiro A ação social de todas as outras mercadorias elege portanto uma mercadoria determinada para nela representarem seus valores O dinheiro portanto serve a dois propósitos servir de meio de troca e de forma de valor ou equivalente geral das mercadorias No entanto enfatiza Marx o segredo de sua teoria está no fato de que ela demonstra que dinheiro é mercadoria logo mercadoria é trabalho Quando o dinheiro perde sua relação com o trabalho e parece ganhar vida própria Marx chama este fenômeno de fetichismo de mercadoria O capital desvinculado do trabalho aliena o ser humano da produção de sua existência social A alienação inverte o sentido das relações sociais o homem sujeito se torna objeto enquanto o objeto mercadoria se torna sujeito 32 A exploração e a maisvalia Estabelecidos os elementos fundamentais da economia que são a mercadoria M e o dinheiro D Marx passa a analisar o processo de troca ou processo de circulação simples que ele explica de acordo com esta fórmula M D M O importante a assinalar nesta fórmula é o seu objetivo A troca tem em vista a satisfação de uma necessidade Ela começa com um valor de uso que é vendido Com o dinheiro adquirese outro valor de uso Neste processo o dinheiro é um meio de troca que serve para a aquisição de uma mercadoria que vai para a esfera do consumo Já a circulação capitalista tem outra fórmula D M D Ao contrário da anterior a circulação capitalista tem outro objetivo o lucro A troca começa com dinheiro Capital que termina tornandose mais dinheiro Este é o segredo do capitalismo Seu objetivo não é a satisfação das necessidades mas a própria acumulação A acumulação diz Marx é a lei absoluta do modo de produção capitalista Neste processo a mercadoria valor de uso é apenas um meio da valorização do capital O dinheiro entra na circulação e depois volta a ele para tornarse mais dinheiro Porém se no processo de circulação o capitalista empregou dinheiro e obteve lucro resta explicar o seguinte de onde vem o lucro A primeira vista o lucro parece vir do 86 aumento arbitrário do preço Porém o que se ganha em uma troca logo se perde na outra Não há aumento na magnitude do valor Portanto não é do aumento do preço que vem o lucro Para Marx o segredo acerca da origem do lucro está no fato de que ela ocorre no processo de produção e não na troca circulação Vejamos como No primeiro ato da circulação que é a compra de uma mercadoria D M o capitalista interrompe a troca para transformar a mercadoria pelo trabalho Como o trabalho cria valor no segundo ato da troca M D a mercadoria pode ser vendida por um valor maior Pelo processo de transformação da mercadoria o capitalista contrata um operário e lhe oferece um salário por uma determinada jornada de trabalho De onde vem o lucro Ora vem do tempo de trabalho não pago ao trabalhador que é chamado por Marx de Mais Valia Vejamos este processo mais de perto através de um exemplo 1o Estágio compra D M Força de trabalho Matéria prima O capitalista compra 30kg de trigo Matéria prima a 30 reais e paga a seu operário Força de trabalho 3 reais O total de Capital investido é de 33 reais 2o Estágio produção P Transformação do trigo em pão através do trabalho produtivo Em 6 horas a jornada do trabalhador se divide em duas partes Em 3 horas ele fabrica o equivalente a seu salário 3 reais e nas três horas restantes ele produz a mais valia 3 reais Trabalho necessário Trabalho excedente 3o Estágio venda M D A nova mercadoria é vendida a um preço de 36 reais sendo que foram necessários apenas 33 reais de capital A mais valia portanto é de 3 reais obtidas do tempo de trabalho não pago ao trabalhador A fórmula geral da acumulação capitalista é a seguinte Circulação Produção Circulação D M1 compra P M2 D venda Através de sua teoria Marx demonstra que o lucro tem sua origem na exploração do trabalhador pelo capitalista É o operário que gera a riqueza mas a relação de classes da 87 sociedade faz com que o capitalista se aproprie da mais valia produzida pelo trabalhador Eis todo segredo do sistema capitalista Por esta razão o pensamento de Marx está voltado para a denúncia deste modo de produção que explora o homem e o divide do fruto de seu próprio trabalho No entanto mais do que denunciar os mecanismos de exploração é preciso apontar também as possibilidades de transformação e superação do capitalismo Este será o grande desafio do pensamento político de Marx IV PROJETO POLÍTICO REVOLUCIONÁRIO Na 11a tese sobre Feuerbach Marx afirmou que até hoje os filósofos se contentaram em contemplar a realidade mas o que importa é transformála Esta frase revela que o pensamento marxista tem uma vocação essencialmente política voltada para a transformação da realidade capitalismo e a construção de uma nova sociedade o socialismo ou comunismo Para estudar as linhas gerais do pensamento político de Karl Marx vamos dividir nossa análise em três pontos a luta de classes o papel do Estado e a construção do socialismo 41 Luta de classes As principais considerações políticas de Marx estão contidas em obras que tratam de acontecimentos políticos ocorridos durante a vida de Marx Estas obras são A luta de classes na França revolução de 1848 O dezoito brumário de Luís Bonaparte golpe de estado de 1852 A guerra civil na França Comuna de Paris de 1871 Todavia é no Manifesto do Partido Comunista 1848 que podemos encontrar as principais considerações teóricas de Marx sobre a luta de classes Nesta obra Marx afirma que a história de toda a sociedade até hoje é a história de lutas de classes 1996 p66 Mas se nas diversas épocas da história a sociedade sempre esteve dividida em classes sociais a nossa época a época da burguesia caracterizase entretanto por ter simplificado os antagonismos de classe A sociedade vai se dividindo cada vez mais em dois grandes campos inimigos burguesia e proletariado idem p 67 De acordo com Marx a burguesia desempenhou na história um papel extremamente revolucionário Ela foi a grande responsável pela dissolução do feudalismo e pela construção da ordem capitalista No entanto continua as armas de que se serviu a burguesia para abater o feudalismo voltamse agora contra a própria burguesia Mas a burguesia não forjou apenas as armas que lhe trarão a morte produziu os homens que empunharão estas armas os operários modernos os proletários idem p72 88 Portanto chegou a hora dos operários darem o próximo passo destruir o capitalismo e inaugurar a sociedade socialista Mas para realizar esta tarefa o proletariado passa por diferentes fazes de desenvolvimento No início combate as próprias máquinas Depois passa a defender seus direitos sindicalismo Após se organiza enquanto classe social partido político Finalmente desencadeia uma luta que termina com a revolução contra a burguesia No final de todo este processo completa Marx a vitória do proletariado sobre a burguesia será inevitável Acerca disto Marx afirma categoricamente O progresso da indústria cujo agente involuntário e passivo é a própria burguesia substitui o isolamento dos operários resultante da concorrência por sua união revolucionária resultante da associação A burguesia produz acima de tudo seus próprios coveiros Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis idem p78 42 O Estado como instrumento de classe Na obra Ideologia Alemã Marx já tinha apontado que o Estado surge na história como resultado da divisão da sociedade em classes sociais Como vimos esta tese já está presente em sua teoria do materialismo histórico No Manifesto do Partido Comunista Marx volta a enfatizar esta idéia quando afirma que o Estado é o comitê executivo da burguesia Com isso ele queria denunciar o fato de que a igualdade jurídica dos cidadãos escondia seu divisão em classes Se a lei é a mesma para todos isso não significa que todos são iguais Essa ilusão faz do Estado um mecanismo de ocultamento das classe sociais Porém mais do que um agente passivo de ocultação Marx percebeu que o Estado só favorecia os interesses da burguesia Assim as leis tratavam de preservar e proteger a propriedade privada enquanto os operários e seus movimentos eram perseguidos Para eles a única atenção do Estado era o uso da força 43 A construção do socialismo O centro das preocupações políticas de Marx estava voltado para a superação da ordem social capitalista Ele afirmava que somente a classe operária pelo seu papel chave no capitalismo tinha as forças e as condições para a revolução que derrubaria a burguesia e começaria uma nova etapa da humanidade a sociedade comunista 89 No entanto para que a classe operária se tornasse uma classe revolucionária a classe que traz o futuro em suas mãos ela deveria tomar consciência dos seus interesses de classe Por esta razão o papel da teoria era tão fundamental para Marx Era necessário mostrar ao operariado as condições objetivas de construção do socialismo Todavia enganase quem pensa encontrar em Marx uma manual de receitas para a construção do socialismo Como bom cientista Marx sabia que conhecimento não era profecia e que cabia a ele apenas indicar as possibilidades objetivas para a construção de uma nova sociedade Porém no Manifesto do Partido Comunista Marx procura superar alguns preconceitos com relação ao comunismo Entre outras coisas ele afirma que o que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade privada em geral mas a abolição da propriedade burguesa idem p 80 Marx afirma também que em lugar da velha sociedade burguesa com suas classes e seus antagonismo de classe surge uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos idem p 87 Nesta passagem Marx deixa bem claro que uma das características essenciais da futura sociedade comunista seria a abolição das classe sociais Com o fim da divisão da sociedade em classes Marx afirmava que o Estado também deveria ser destruído Afinal o Estado é um instrumento da luta de classes e sua existência não faria sentido em uma sociedade sem classes A abolição do Estado portanto seria a segunda condição essencial do comunismo Mas antes de chegar a este estágio Marx sabia que o proletariado precisava do Estado para derrubar a burguesia Por isso entre o capitalismo e o comunismo ele afirmava que era necessário um momento de transição que Marx chamou de socialismo Neste período a burguesia seria eliminada e as bases do comunismo seriam implantadas Embora Marx estivesse profundamente envolvido nas lutas de seu tempo ele não pôde ver sinais da revolução pela qual tanto lutara Aliás depois da morte de Marx o movimento socialista se dividiu em duas correntes Cada uma deles apontava caminhos diferentes para a construção de uma nova sociedade a socialistas revolucionários afirmavam que o caminho para o socialismo é a insurreição armada ou revolução b socialistas reformistas ou socialdemocratas afirmavam que o caminho para o socialismo é a eleição e um conjunto de reformas graduais Os socialistas revolucionários se organizaram em torno da III Internacional e foram os responsáveis pela primeira revolução socialista do mundo a revolução russa de 1917 Liderada por Lênin 18701924 e Trotsky 18791940 a revolução russa foi a primeira tentativa de suplantar o capitalismo e construir uma nova sociedade Todavia a primeira experiência de socialismo acabou se tornando uma ditadura com economia estatizada sob as mãos de Josef Stálin 18791953 que permaneceu no poder até 1953 90 Assim a URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas acabou se desagregando no ano de 1991 Além da revolução russa vários movimentos revolucionários aconteceram pelo mundo como a revolução chinesa de 1949 liderada por Mao TséTung 18931976 e a revolução cubana de 1959 liderada por Fidel Castro e Che Guevara Já os socialistas socialdemocratas optaram por participar das eleições Com partidos operários fortes e com sólida vinculação com os sindicatos foram chegando ao poder Introduzindo reformas graduais mas profundas eles achavam que podiam alterar o capitalismo e construir o socialismo sem rupturas violentas Embora os socialdemocratas não tivessem introduzido o socialismo na Europa melhoraram a vida dos trabalhadores e produziram um conjunto de reformas sociais que levaram estes países a serem conhecidos como Estados de Bem Estar Social Welfare State Hoje como projeto político o socialismo continua vivo naqueles homens e mulheres que reconhecem o capitalismo como um sistema que explora e aliena o homem e lutam pela construção de um mundo mais justo e igualitário 5 BIBLIOGRAFIA a Obras de Karl Marx FERNANDES Florestan org Marx Engels São Paulo Ática 1991 coleção os pensadores n36 IANNI Octavio Marx 7ed São Paulo Ática 1992 coleção grandes cientistas sociais n10 MARX Karl Os pensadores São Paulo Abril Cultural 1978 MARX Karl e ENGELS Friedrich Obras escolhidas São Paulo Alfaômega 1980 3 vols MARX Karl e ENGELS Friedrich A questão judaica 2 ed São Paulo Moraes 1991 MARX Karl e ENGELS Friedrich A ideologia alemã 9 ed São Paulo Hucitec 1993 MARX Karl O capital crítica da economia política Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1994 3 volumes MARX Karl Manifesto do partido comunista 6 ed Petrópolis Vozes 1996 SINGER Paul org Marx São Paulo Ática 1982 coleção grandes cientistas sociais n31 b Textos complementares ANDERSON Perry A crise da crise do marxismo introdução a um debate contemporâneo São Paulo Brasiliense 1985 BOTTOMORE TOM org Dicionário do pensamento marxista Rio de Janeiro Jorge Zahar 1983 91 CHAUÍ Marilene O que é ideologia São Paulo Brasiliense 1980 COGGIOLA Osvaldo Introdução à teoria econômica marxista São Paulo Viramundo 1998 COUTINHO Carlos Nelson Marximo e política a dualidade de poderes e outros ensaios São Paulo Cortez 1994 DOBB Maurice A crítica da economia política In HOBSBAWN Eric História do marxismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 127 156 vol1 ELSTER John Marx Hoje Rio de Janeiro Paz e Terra 1989 FAURE Pierre e Monique Os marxismos depois de Marx São Paulo Ática 1991 FERNANDES Florestan Fundamentos empíricos da explicação sociológica 4 ed São 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de Janeiro Zahar 1981 MÉSZAROS Istvan Marx filósofo In HOBSBAWN Eric História do marxismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 157196 vol1 MORAES João Quartim de org História do marxismo no Brasil Campinas Unicamp 1995 3 vols SADER Emir Estado e política em Marx São Paulo Cortez 1993 SOARES Alcides Ribeiro Princípios de eocnomia política uma introdução à leitura de O Capital 3 ed São Paulo Global 1985 92 VILAR Pierre Marx e a história In HOBSBAWN Eric História do marxismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 91126 vol1 93 CAPITULO V SOCIOLOGIA CLÁSSICA ANÁLISE COMPARATIVA Depois de termos percorrido os caminhos que levaram a formação do que hoje chamamos de teoria social clássica e depois de termos acompanhado em detalhes os trajetos de Durkheim Weber e Marx é hora de olhar para trás rever os passos dados e refletir sobre os erros e acertos do caminho percorrido Vamos rever nossa empreitada e marcar quais foram os momentos mais marcantes ou até mesmo ruins desta nossa viagem pela construção da sociologia Porém mais do que uma análise descritiva nossa abordagem de agora em diante terá que ser crítica Temos que procurar no confronto entre os três autores seus limites e suas contradições bem como suas descobertas e contribuições mais importantes É justamente fazendo este exercício que os sociólogos contemporâneos buscam sempre novos elementos para pensar e repensar suas teorias sociológicas suas interpretações empíricas sobre o mundo moderno e até mesmo suas posições políticas 1 DIVERSIDADE SOCIOLÓGICA Antes de confrontar diretamente cada um dos autores devemos destacar ainda um aspecto importante A abordagem comparativa entre os clássicos da sociologia não pode nos dar a falsa impressão de que simplesmente podemos adotar uma teoria e excluir totalmente as outras A razão para este fato devese a um pressuposto básico da ciência Nenhuma explicação teórica por mais bem elaborada que seja pode esgotar completamente a explicação sobre a realidade O mesmo princípio vale para a sociologia Em nenhuma das teorias sociais clássicas ou contemporâneas vamos encontrar uma explicação cabal e definitiva sobre o significado da sociologia ou mesmo sobre a sociedade Todas as teorias têm a sua dose de acertos e também de erros O que importa é tentar recolher de cada uma o que parecem ser seus maiores acertos aprender com os seus erros e explorar sempre novos aspectos que as teorias parecem ter deixado em branco ou que não perceberam corretamente Para entender melhor isto podemos lançar mão de um conhecido ditado popular que diz todo ponto de vista é a vista de um ponto Explorando o significado desta frase podemos perceber claramente que a análise crítica das teorias sociais sempre parte do princípio de que a teoria social representa a vista de um ponto possível sobre a realidade que é condicionado por um determinado ângulo de observação o ponto de vista Cientes deste fato estaremos melhor preparados para um embate entre as abordagens clássicas Não existe uma abordagem que possa ser considerada uma verdade absoluta O que importa é perceber qual a relação entre as diferentes visões elaboradas pelas correntes sociológicas clássicas e qual a sua relação com os ângulos de observação que elas adotaram 94 2 TEORIA SOCIOLÓGICA Uma boa comparação para se entender a importância da teoria sociológica é comparála com uma lente Assim como a lente nos permite enxergar melhor a realidade que nos cerca da mesma forma são as teorias sociológicas com seus conceitos e teorias que nos permitem uma leitura científica da realidade social Simplificando nós poderíamos dizer que com suas teorias sociológicas cada um dos fundadores da sociologia nos ofereceu uma lente distinta para entender o mundo social Ora para se obter uma visão objetiva da realidade uma pessoa tem que saber escolher qual a lente de que necessita No caso da sociologia a escolha por uma teoria sociológica também condiciona a visão da realidade que vamos obter É por isso que o debate entre as teorias sociológicas é uma das questões fundamentais da sociologia 21 Epistemologia A epistemologia é o ramo da filosofia que procura apontar quais são os fundamentos filosóficos da ciência O estudo da epistemologia sociológica nos permite não só 1 mostrar quais são os princípios filosóficos que estão estão por debaixo de cada teoria sociológica mas principalmente 2 esclarecer como estes princípios filosóficos influenciam e condicionam as propostas teóricas da sociologia Nos capítulos anteriores já destacamos o fato de que os diferentes pressupostos filosóficos epistemologia adotados pelos clássicos da sociologia fizeram com que suas teorias adotassem posicionamentos diferentes sobre 1 como se dá a relação entre indivíduo e sociedade e ainda sobre 2 qual o modelo de método científico que a sociologia deve adotar na explicação dos fenômenos sociais É o que podemos perceber claramente comparando as posições de Durkheim Weber e Marx sobre estas questões EPISTEMOLOGIA POSITIVISTA Primado do objeto Empirismo Sociedade superior ao indivíduo Sociologia método das ciências naturais EPISTEMOLOGIA WEBERIANA Primado do sujeito Racionalismo Individualismo metodológico Sociologia método próprio das ciências sociais EPISTEMOLOGIA MARXISTA MARX Relação sujeito x objeto Dialética Dialética indivíduo x sociedade Dialética perspectiva da totalidade 95 Na epistemologia positivista partese do princípio filosófico de que a explicação da realidade está condicionada pelo objeto O positivismo tem suas raízes mais na concepção empirista do conhecimento que é entendido como fruto das experiências que a própria realidade vai imprimindo no sujeito Do ponto de vista filosófico a sociologia positivista pode ser caracterizada como uma abordagem empirista da realidade social Na perspectiva empirista o ponto de partida da análise sociológica é a sociedade Nesta concepção teórica a sociedade tem a mesma dinâmica de funcionamento da natureza é concebida como algo objetivo que tem suas próprias leis de funcionamento A concepção empirista de sociedade adotada pelo positivismo é que determina o tipo de método científico defendido por esta teoria sociológica Como a sociedade é vista da mesma forma que a natureza que tem uma existência independente da ação dos indivíduos o positivismo postula que o método sociológico deve proceder a partir dos mesmos princípios das ciências científiconaturais Os teóricos do positivismo depositam uma excessiva confiança no papel da ciência capaz para eles de revelar todos os aspectos da realidade até chegar a um sistema de leis e teorias que nos forneçam uma explicação definitiva sobre o comportamento dos indivíduos e sobre a própria sociedade A epistemologia weberiana ao contrário do positivismo sustenta que o sujeito é o principal responsável pelo elaboração do processo de conhecimento Esta concepção filosófica tem suas origens em Kant que afirmava que o sujeito tem o papel de ordenar os dados da experiência segundo categorias lógicas que são inatas nos indivíduos Do ponto de vista filosófico podemos caracterizar a sociologia weberiana como uma abordagem racionalista da realidade social Para os teóricos da sociologia weberiana a sociedade não pode ser concebida como algo exterior ao homem cujo funcionamento independe de sua ação A sociedade e suas instituições são fruto da ação dos sujeitos sociais Por isso o ponto de partida da análise sociológica é o indivíduo Como conseqüência a sociologia deve adotar um método próprio distinto das ciências científico naturais Ora se a sociedade e suas instituições são fruto da ação dos sujeitos sociais o papel do sociólogo é justamente compreender verstehen o significado ou o sentido conferido por estes sujeitos à estrutura social É pela ênfase na necessidade de compreender e interpretar o significado das condutas individuais e coletivas que a epistemologia weberiana pode ser considerada uma abordagem racionalista da realidade social Quanto a epistemologia marxista ela ajudou a sociologia a superar um dos principais entraves da teoria social clássica a ênfase unilateral na relação entre indivíduo e sociedade De acordo com os pressupostos da dialética a vida social deve ser compreendida como um processo dinâmico resultante da relação contínua entre o indivíduo e a sociedade Neste processo ambos os pólos da relação interagem mutuamente e modificamse na relação Longe de se fixar na ação exclusiva da sociedade sobre o indivíduo ou do indivíduo sobre a sociedade cabe a sociologia posicionarse de tal forma que possa captar como se dá o jogo de relações pelo qual a ação dos indivíduos dá origem às instituições sociais mas também como estas influenciam e condicionam sua conduta 96 Quanto ao modelo de método científico adotado pelos teóricos do marxismo existem duas posições básicas Por um lado a idéia de utilizar o método dialético para o estudo da natureza que começou com Engels abriu caminho para uma variante de positivismo marxista que voltou ao velho pressuposto de que a natureza e a sociedade são realidades semelhantes movidas por forças que independem da vontade humana A dialética neste caso seria um tipo de lei que explicaria por si mesma os rumos da natureza da sociedade e da história Por outro lado há autores que ressaltam que o elemento essencial do marxismo é justamente sua forma de explicar a realidade social e não a realidade científiconatural Para o principal representante desta teoria Georg Lukács a dialética é o elemento fundamental da epistemologia sociológica marxista pois o marxismo ortodoxo não significa pois adesão acrítica aos resultados da pesquisa de Marx A ortodoxia em matéria de marxismo referese ao contrário exclusivamente ao método 1992 p 60 Para Lukács o conceito que melhor traduz a novidade metodológica da noção de dialética no estudo dos fenômenos sociais é o conceito de totalidade O conceito de totalidade tem origem na célebre afirmação de Marx de que o concreto é concreto porque é a síntese de várias determinações 1978 p 116 Assim longe de tomar a sociedade como algo independe da ação do homem o marxismo reconhece que a realidade é resultado da práxis social dos indivíduos e das múltiplas estruturas por eles criadas Perceber a realidade como totalidade significa retomar a contribuição do positivismo e perceber que o mundo social deve ser entendido como uma estrutura objetiva Por outro lado é preciso também retomar a contribuição da teoria weberiana e perceber que esta totalidade da vida social só faz sentido se for entendida como resultado da ação mediadora dos vários elementos que compõem a própria totalidade especialmente a ação coletiva dos indivíduos Para o marxismo o método científico não se reduz a uma descrição exata da realidade tal como ela se apresenta aos olhos do pesquisador epistemologia positivista nem pode ser concebida apenas como uma construção subjetiva do pesquisador a partir dos seus pontos de vista epistemologia weberiana Como explica o próprio Marx o método que consiste em elevarse do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto para reproduzilo como concreto pensadoidem p117 A dialética ao compreender os fenômenos como frutos de forças contraditórias deixou para a sociologia a importante idéia de que também os fenômenos sociais são frutos de múltiplas relações e determinações que se interpenetram e que fazem da vida social um processo dinâmico e aberto bem diferente do que ocorre no mundo da natureza 97 22 Metodologia Embora a discussão sobre os procedimentos metodológicos ocupe uma posição central na obra dos clássicos é importante perceber que seus estudos a respeito do assunto não são fruto de mera curiosidade intelectual ou especulativa Como cientistas os clássicos da sociologia não discutem a metodologia desligada do processo de pesquisa Pelo contrário é justamente ao se deparar com o desafio de explicar a realidade que eles vão enfrentando a necessidade de definir sua metodologia de análise A metodologia é o aspecto central da teoria sociológica É através da determinação do objeto de estudo da sociologia e de seus procedimentos de pesquisa que os clássicos do pensamento social definiram o que é a ciência sociológica Comparando a definição de objeto material e objeto formal da sociologia de Durkheim Weber e Marx temos os seguintes métodos sociológicos METODOLOGIA OBJETO MATERIAL OBJETO FORMAL Metodologia Funcionalista Durkheim Fato Social Função Social Metodologia Compreensiva Weber Ação Social Compreensão verstehen Materialismo Histórico Marx Modo de Produção Social Infraestrutura e Superestrutura A metodologia funcionalista de Durkheim tem como categorias centrais os conceitos de fato social e função social O conceito de fato social procura entender as condutas humanas na sua regularidade e como determinadas pela estrutura da sociedade Por esta razão os fatos sociais têm a característica de serem exteriores coercitivos e objetivos Por outro lado a existência de determinados fatos sociais se explica pela sua funcionalidade para a preservação e a conservação da sociedade Em outros termos cada fato social existe porque cumpre uma função social A partir dos conceitos de fato social e de função social podemos perceber claramente que a sociologia positivista adota uma concepção mecanicista de sociedade Para esta concepção teórica é a sociedade que determina o comportamento dos indivíduos Para o positivismo o mundo social é visto sempre como algo objetivo que tem suas próprias leis de funcionamento O método sociológico deve mostrar como a sociedade é uma realidade estruturada que vai moldando a ação individual Nesta perspectiva existe uma ênfase unilateral na ação das estruturas sociais sobre a ação social da coletividade sobre os indivíduos ou ainda do todo sobre suas partes integrantes As categorias centrais da metodologia sociológica de Weber são os conceitos de ação social e de compreensão A ação social é sempre uma conduta referida a outro sujeito e ao qual está agregado um sentido que lhe é conferido pelo próprio sujeito da ação Como a sociedade é fruto da criação humana cabe a sociologia captar e entender o significado das condutas humanas das suas interações e das instituições sociais nas quais a 98 ação humana está objetivada leis costumes igreja Estado etc Esta é a essência da metodologia compreensiva Com base nestes conceitos centrais podemos afirmar que a sociologia weberiana adota uma concepção voluntarista de sociedade Para os teóricos da sociologia weberiana a realidade social não pode ser concebida como algo exterior ao homem cujo funcionamento independe de sua ação Por esta razão a sociologia weberiana entende que a sociedade tem como ponto de partida lógico a ação dos indivíduos Nesta perspectiva existe uma ênfase unilateral na ação dos indivíduos como determinantes das estrutura sociais dos atores como construtores da coletividade enfim dos sujeitos como condicionantes do sistema social Por outro lado em Weber a sociologia corre o risco de tornarse uma análise culturalista da realidade social Por culturalismo queremos dizer que o social é reduzido ao seu aspecto simbólico ou significativo como sugere o termo compreensão O risco de reduzir a análise social ao sentido visado pelos agentes está no fato de que a sociedade é compreendida apenas da perspectiva dos próprios membros envolvidos no convívio social O fato é que se a metodologia funcionalista só consegue entender a influência das estruturas sobre o indivíduo a fraqueza da metodologia compreensiva é que ela só esta aparelhada para explicar a sociedade à partir da visão ou sentido de seus próprios membros integrantes Para Karl Marx o eixo da compreensão da sociedade está na sua conhecida divisão da esfera social em duas realidades a infraestrutura e a superestrutura De acordo com o autor o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social política e intelectual em geral O método marxista de interpretação da realidade social está preocupado em entender as esferas da vida política e cultural da sociedade em sua relação e conexão com a esfera econômica no qual se dá a produção da existência individual e coletiva Pensar a realidade política como isolada da esfera econômica ou fazer o mesmo com a realidade da cultura superestrutura ideológica como diz Marx significa produzir uma visão distorcida da realidade Sem negar a importância das outras esferas da vida social Marx demonstra que a esfera econômica é básica para a organização coletiva pois sem ela a convivência social seria simplesmente impossível Sem o processo coletivo de trabalho não haveria nem ser humano nem coletividade nem história No entanto aplicado de uma forma esquemática e sem atenção às peculiaridades de cada formação social específica o materialismo histórico acaba se tornando facilmente uma forma de determinismo econômico Marx e Engels já sabiam deste perigo por isso este segundo autor já advertia a situação econômica é a base mas o vários elementos da superestrutura também exercem uma influência sobre o curso dos acontecimentos e em muitos casos têm preponderância na determinação de sua forma Se estiver desligado de suas raízes dialéticas o materialismo histórico degenera facilmente em uma visão unilateral da realidade social entendida como determinação das estruturas sobre o indivíduo com ênfase destacada para o aspecto econômico 99 Por outro lado a atenção ao peso condicionante da produção material sobre a vida política e cultural da sociedade trouxe para a sociologia um novo caminho para pensar as condições objetivas nos quais se desenrolam as relações sociais e no qual o homem deve recriar estas mesmas relações Afinal como já afirmava Marx os homens fazem sua própria história mas não a fazem com querem não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente legadas e transmitidas pelo passado O objetivo da explicação marxista não é negar a liberdade do homem diante da força inexorável das estruturas sociais Pelo contrário para entender as possibilidades de ação do homem na história devemos considerar o contexto em que se dá esta ação Neste aspecto o contexto econômico é um elemento fundamental 3 TEORIA DA MODERNIDADE A grandeza dos clássicos da sociologia se deve ao fato de que eles nos legaram interpretações da sociedade moderna que ainda permanecem fundamentais para a compreensão do mundo social contemporâneo Mesmo que a realidade social do século XXI apresente inúmeras modificações em relação ao contexto do final do século XIX e inícios do século XX período de formação da sociologia é comum que os analistas sociais contemporâneos caracterizem os últimos três séculos de história como fazendo parte de um período único chamado de modernidade Deste modo nós podemos dizer que Durkheim Weber e Marx nos ajudaram a entender o nascimento e as principais características da modernidade De modo geral podemos perceber que em sua análise da modernidade a teoria social clássica se preocupou em aprofundar dois conjuntos de questões quais os elementos característicos da sociedade moderna e quais os seus principais problemas e desafios Os principais conceitos elaborados pelos clássicos da sociologia para refletir sobre estas questões são os seguintes MODERNIDADE DURKHEIM WEBER MARX Características Essenciais Divisão social do trabalho Racionalização da cultura e sociedade Modo capitalista de produção ProblemasDesafios Anomia Perda de sentido Perda de liberdade Exploração dominação e alienação Primeiramente vamos rever cada um destes conceitos para depois estabelecermos uma análise crítica dos mesmos Para Durkheim a característica fundamental da modernidade é a divisão social do trabalho Na sociedades modernas as diferentes esferas sociais se diferenciam entre si e se especializam cada vez mais Assim a educação se separa da família e passa a ser exercida pela escola que se especializa em vários ramos O mesmo vai acontecendo nas outras esferas da sociedade Nas condições de complexidade da sociedade moderna em que novos desafios requerem sempre novas especializações é a própria necessidade mútua que faz com que a integração dos indivíduos na sociedade possa ser mantida A função da divisão social do trabalho afirma Durkheim é criar entre duas ou várias pessoas um 100 sentimento de solidariedade No entanto o declínio da consciência coletiva e o desenvolvimento de um egoísmo desenfreado traz a tona o problema da anomia ausência de normas integradoras capazes de dar sentido aos comportamentos individuais e imprimirlhes o senso do dever Uma das análises mais primorosas de análise das características da modernidade pode ser encontrada nos ensaios de sociologia da religião de Max Weber Comparando o desenvolvimento das religiões no Oriente e no Ocidente Weber procurou extrair as marcas características do racionalismo ocidental e demonstrar sua influência sobre a conduta prática dos indivíduos A modernidade se caracteriza por um longo processo de desencantamento do mundo no qual as concepções mágicas e religiosas do mundo vão sendo substituídas por uma concepção racionalizada da existência Em sua obra mais conhecida A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo Weber mostra as relações do protestantismo com a emergência do capitalismo O protestantismo ao levar a salvação para a esfera secular do trabalho favoreceu a extrema racionalização da vida A busca do lucro através do trabalho métodico tornouse a lei fundamental da existência Com a perda de suas bases religiosas esta racionalidade instrumental leva o homem a uma sociedade burocratizada dominada por uma razão calculista institucionalizada no mercado e no Estado A racionalidade instrumental esvazia o sentido da existência e representa um limite para a liberdade do homem O resultado do desencantamento do mundo é o completo domínio da natureza mas também a escravidão do próprio homem A obra de Karl Marx representa com certeza a crítica mais radical da modernidade Para Marx a modernidade em sua forma capitalista deve ser superada e seus destinos encaminhados para um novo tipo de sociedade a sociedade socialista Na análise que faz do modo de produção capitalista Marx procura demonstrar que as bases do sistema produtor de mercadorias estão fundadas em relações de exploração de dominação de classe e de alienação Para Marx a organização econômica da sociedade capitalista está voltada para a criação da Mais Valia Através de sua obra este autor demonstra que a criação de riqueza não é uma propriedade natural do capital Na verdade quem cria a riqueza é o trabalho do operário Quem produz a riqueza é o trabalhador mas quem se apropria dela é o capitalista Portanto o capitalismo está fundado em um sistema de desigualdade marcado por relações de exploração do homem sobre o próprio homem Para consolidar este sistema de exploração a classe capitalista precisa monopolizar o poder político e mistificar os reais fundamentos da sociedade Através do controle do aparelho do Estado e da difusão de suas ideologias a classe capitalista tornase a classe dominante visando reprimir e controlar os trabalhadores O capitalismo é um sistema que leva a uma total mercantilização da vida Todas as esferas da vida são submetidas as exigências da reprodução do capital Não é apenas a produção que perde sua finalidade essencial a satisfação das necessidades No capitalismo o homem perde sua dimensão antropológica e se torna apenas uma ferramenta do capital O capital livre de qualquer impedimento tornase o elemento fundante da 101 sociedade e se reproduz constantemente parecendo ganhar vida própria Tratase de uma inversão no qual o homem vira coisa e as coisas tornamse humanas Este fetichismo da mercadoria faz do capitalismo um sistema no qual o homem se torna estranho para si mesmo e perca sua dimensão humana Em suma no capitalismo o homem se encontra alienado Como avaliar criticamente cada uma destas teorias da modernidade Quais as diferenças e as semelhanças entre estas diferentes explicações sobre o mundo moderno Tomando como critério de diferenciação as diferentes concepções da história presentes na obra dos clássicos nós poderíamos dividir estas explicações em duas tendências básicas a tendência otimista e a tendência pessimista Enquanto a tendência otimista enxerga a modernidade como uma época de conquistas que devem ser consolidadas a tendência pessimista enxerga a modernidade nas suas contradições e dilemas que devem ser apontados e superados Nesta perspectia Comte e Durkheim podem ser considerados os inauguradores e principais representantes da concepção otimista da modernidade No positivismo que é influenciado pelos pressupostos do evolucionismo a modernidade é entendida como uma superação das limites da ordem social tradicional Com o advento da ciência e da técnica o homem encontrou os elementos definitivos para controlar a natureza e expandir a produção Aplicada a sociedade a ciência deveria fornecer aos homens a chave para uma organização perfeita da sociedade e para a própria felicidade individual O conceito chave da concepção otimista de sociedade é a idéia de progresso alcançada através da ciência prever para prover resultando em uma sociedade ordenada e equilibrada ordem e progresso O principal representante da concepção pessimista da modernidade é Max Weber De fato este sociólogo concorda com a tese dos positivistas de que a razão ou seja a ciência e a técnica expandiu as possibilidades de expansão da eficiência e da produtividade Mas o resultado da expansão desta racionalidade calculista e instrumentalizadora é uma sociedade dominada pela burocratização a vida perde seu sentido e o homem perde o controle da máquina social que criou Ou seja em vez de estarem a serviço do homem a ciência a técnica a produção o Estado e outros elementos da vida social tornaramse finalidades autosuficientes que passaram a dominar o homem O mundo é apresentado por Weber como uma jaula de ferro diante da qual o pensador não vê nenhuma saída Quanto a Karl Marx podese perceber em suas teorias elementos das duas concepções de modernidade Neste autor o capitalismo é entendido como um sistema de exploração dominação e alienação o que ressalta o aspecto pessimista ou negativo da modernidade Todavia Marx enxerga na realidade não só as contradições do capitalismo como também as possibilidades de superação de seus limites e de construção de uma nova ordem social Neste sentido Marx pode ser considerado um teórico otimista na medida em que ele afirma que devemos procurar no interior da própria modernidade as energias para a ruptura com o capitalismo e a construção de uma nova etapa da vida social 102 4 PROJETO POLÍTICO A construção da ciência sociológica não é apenas um empreendimento teórico A sociologia é também um empreendimento prático pois suas interpretações além de serem condicionadas pelos movimentos políticos também alteram a correlação das forças políticas Os clássicos da sociologia ao elaborarem suas interpretações sobre o caráter do mundo moderno não só apresentam diferentes propostas políticas como também diferem em suas definições a respeito do papel político da sociologia PROJETO POLÍTICO FUNÇÃO POLÍTICA DA SOCIOLOGIA DURKHEIM Aperfeiçoamento do capitalismo Conservadora WEBER Crítica resignada do capitalismo Neutralidade absoluta MARX Superação do capitalismo Transformadora Assim do ponto de vista de suas propostas políticas podemos notar que a sociologia se divide em duas correntes básicas Enquanto a teoria positivista toma partido pelo aperfeiçoamento e consolidação da ordem social industrialcapitalista a teoria weberiana e a teoria marxista ressaltam seus dilemas e contradições Mas enquanto a teoria marxista procura apontar caminhos para a superação do capitalismo e a construção de uma nova ordem social a teoria weberiana se restringe a uma crítica teórica do capitalismo não enxergando em nenhuma força social as possibilidades de resolução dos dilemas e conflitos deste sistema social Vejamos estas posições com mais detalhe Para Émile Durkheim a sociedade industrial capitalista e a divisão da sociedade em classes sociais só reforçariam a harmonia social Os conflitos de classe deveriam ser vistos como algo passageiro Eles apenas mostravam que as transformações econômicas da sociedade ainda não tinham sido acompanhadas por um novo conjunto de valores morais capazes de reconduzir a sociedade para a ordem e para o progresso No centro da sociologia de Durkheim está a preocupação com o equilíbrio e a harmonia da sociedade e os conflitos existentes são vistos como patologias que devem ser eliminados A teoria deste autor responde aos interesses das classes burguesas e se orienta muito mais para a conservação e a legitimação deste sistema do que para o questionamento de suas bases Já a teoria de Max Weber procura ressaltar a ambivalência e a ambigüidade da modernidade Para o autor alemão o capitalismo representa a consolidação de uma racionalidade instrumental cuja marca característica é o aproveitamento eficiente e racional dos recursos humanos e produtivos Weber não questiona o capitalismo enquanto sistema de relações de desigualdade e de exploração No entanto como era de tradição liberal Weber sublinhou também que a submissão da vida aos imperativos da produção representa uma inversão que coloca em risco a liberdade do homem Assim em vez de servir as necessidades do homem a produção capitalista se tornou uma finalidade autosuficiente ao qual a vida social acabou se subordinando No entanto a crítica weberiana do capitalismo além de parcial acaba se transformando em uma forma de crítica resignada do sistema capitalista Isolada dos movimentos políticos e reduzida ao seu aspecto 103 instrumental Weber não acreditava que a ciência pudesse apontar saídas para os dilemas da modernidade ou do capitalismo Para a teoria de Karl Marx que foi construída no contato com os movimentos políticos revolucionários a crítica ao capitalismo era um instrumento fundamental para a superação dos limites do mundo social moderno Muito mais do que descrever o capitalismo o objetivo fundamental da teoria marxista é apontar as possibilidades políticas e sociais de superação deste sistema Em Marx a crítica do capitalismo atinge um sentido radical voltado não só para a denúncia das relações de exploração dominação e alienação que são inerentes ao sistema mas também para a construção e o fortalecimento do proletariado única força política capaz de apontar para a construção de um novo sistema social o socialismo Em relação às propostas políticas da teoria social clássica podemos concluir que enquanto a teoria positivista está comprometida com um projeto político conservador a teoria weberiana e a teoria marxista estão comprometidas com a crítica da ordem social moderna No entanto Weber não apontou nenhum instrumento concreto capaz de resolver os dilemas da modernidade enquanto Marx procurou mostrar as contradições internas do capitalismo e o proletariado como os dois elementos fundamentais para a construção de uma nova etapa da vida social Entretanto mais do que uma proposta política específica os clássicos da sociologia também nos legaram diferentes interpretações sobre a função política da ciência e é claro especialmente da sociologia Em relação a esta questão também se pode perceber dois posicionamentos fundamentais a concepção positivista e a concepção orgânica Enquanto Durkheim e Weber defendem a primeira posição Marx adota a segunda Cada uma destas diferentes posições pensa de forma diferente o condicionamento político e ideológico da sociologia bem como sua relação com a luta de classes A concepção positivista postula que quanto a sua função política a sociologia deveria orientarse pelo princípio da neutralidade No entanto os clássicos da sociologia diferem quanto a definição do que seja a neutralidade Para a posição sustentada por Durkheim a neutralidade se confunde com a imparcialidade Em relação ao condicionamento políticoideológico da sociologia este autor entende que esta ciência deve ser um saber objetivo que descreve a realidade tal como ela realmente é Portanto os resultados da pesquisa sociológica não sofrem influência dos interesses políticos das ideologias ou mesmo das lutas de classe O mesmo princípio da imparcialidade é aplicado por Durkheim na questão da relação da sociologia com as lutas de classe ou os conflitos sociais A sociologia deve estar acima das lutas políticas não se comprometendo com nenhuma força social Aliás somente a sociologia pela sua posição de imparcialidade pode mostrar à sociedade qual a melhor solução para resolver os problemas da sociedade Ao contrário da teoria de Durkheim Weber reconhece que a sociologia é influenciada por inúmeros fatores sociais A pesquisa sociológica não só reflete as escolhas pessoais do pesquisador como também sua cultura seus valores sua classe social e até 104 mesmo suas opções políticas Porém mesmo sabendo que a imparcialidade é impossível Weber sustenta que o cientista social deve orientarse pelo princípio da objetividade Objetividade neste caso significa deixar claro aos interlocutores quais os pressupostos que guiaram o pesquisador na sua pesquisa e em segundo lugar controlar os resultados da investigação com a rigorosa aplicação do método científico estabelecimento de relações causais entre os fenômenos Quanto a relação da sociologia com as lutas sociais e os conflitos de classe Weber adota uma posição semelhante a de Durkheim O cientista social deve se conservar neutro em relação as questões políticas Para Weber a ciência não tem qualquer base objetiva para fazer uma opção por um determinado valor ideologia ou classe social A única coisa que o sociólogo pode fazer é apontar quais as possibilidades que existem para resolver determinados problemas e quais seriam as possíveis conseqüências das opções feitas Portanto se em Durkheim a sociologia está acima da luta de classes podemos dizer que em Weber a sociologia esta separada das lutas políticas Para Weber a esfera da ação política e a esfera do conhecimento ciência se movem por regras distintas que não podem ser unificadas Desta forma ao privilegiar a neutralidade do sociólogo Weber acaba adotando uma visão positivista em relação a função política da sociologia Para a concepção orgânica elaborada por Karl Marx a teoria não pode ser pensada de forma desligada da prática Em frase que se tornou célebre este autor afirmava que os filósofos até hoje se contentaram em contemplar a realidade mas o que importa é transformála Desta forma Marx afirma um vínculo indissolúvel entre teoria e prática ação e reflexão ciência e política pensamento e realidade Em primeiro lugar a reflexão marxista procura mostrar que o princípio da neutralidade não passa de um engano ideológico Em uma sociedade marcada por relações de exploração dominação e alienação uma sociologia que parte do princípio da neutralidade esconde uma opção pela manutenção do status quo e acaba adotando uma atitude conservadora Portanto ao se declarar neutra qualquer ciência já se encontra comprometida politicamente A sociologia não é apenas um saber especulativo sobre a realidade A visão de sociedade que a sociologia constrói condiciona nossa ação nesta mesma sociedade e as opções das forças políticas Quanto a articulação da sociologia com as classes sociais a posição de Marx é muito bem esclarecida pelo pensador italiano Antonio Gramsci Gramsci distingue entre dois tipos de intelectuais De um lado estão os intelectuais tradicionais que fazem seu trabalho desligados das lutas sociais e acabam refletindo em suas elaborações teóricas uma posição conservadora e burguesa Do outro lado estão os intelectuais orgânicos comprometidos em traduzir a visão de mundo dos diferentes grupos sociais em uma visão política articulada e coerente Gramsci esclarece que existem ainda os intelectuais orgânicos das classes dominantes como também existem os teóricos articulados com as classes oprimidas Para a teoria marxista a divisão da sociedade em classes sociais antagônicas significa que se a sociologia não fizer sua opção pelas forças oprimidas da sociedade ela tornase um empreendimento ideológico e conservador Além da reflexão e do autoquestionamento constantes sobre o mundo social a sociologia deve fazer uma opção firme pela transformação social e não pode renunciar ao seu papel de apontar caminhos concretos de renovação das relações sociais e das estruturas da sociedade 105 5 CONTINUIDADES E RUPTURAS Ao longo deste trabalho pudemos perceber que Durkheim Weber e Marx foram os principais responsáveis pela construção de formas diferentes de analisar a realidade social Cada um deles inaugurou um caminho diferente para entender o que é a sociologia e a modernidade tanto na sua dimensão teórica quanto na sua dimensão política Para exprimir esta idéia é muito comum que os textos de teoria sociológica façam uso da palavra paradigma Paradigma segundo Thomas Khun autor que criou esta expressão significa um modelo de teoria ou ainda um conjunto de questões problemas métodos e teorias que são compartilhados pela comunidade científica e que condicionam a maneira dos cientistas explicarem a realidade Na sociologia portanto podemos falar de três modelos fundamentais de paradigma o paradigma positivista o paradigma compreensivo e o paradigma marxista Além deste aspecto outro dado que Thomas Kuhn nos ajuda a enfatizar é que longe de se resumir à teoria de seu fundador um paradigma compreende um conjunto de autores e de teorias que partem de pressupostos comuns A importância dos fundadores neste caso devese ao fato de terem sido os primeiros responsáveis pela elaboração dos pressupostos fundamentais do paradigma Mas além dos autores iniciais um paradigma se caracteriza pela existência de pensadores que fazem inovações retificações e aprofundamentos ou ainda produzem críticas rupturas e modificações no interior destes mesmos paradigmas Em resumo um paradigma teórico não se resume ao seu fundador pois ele contém ainda uma série de autores e teorias que lhe dão continuidade O mesmo fenômeno se aplica à sociologia como o quadro abaixo procura ilustrar PARADIGMA POSITIVISTA ETAPAS AUTOR TEORIA 1 Origem Augusto Comte Positivismo Émile Durkheim Funcionalismo 2 Desenvolvimento Robert Merton Neofuncionalismo Talcott Parsons EstruturalFuncionalismo Niklas Luhmann Teoria Sistêmica PARADIGMA COMPREENSIVO ETAPAS AUTOR TEORIA 1 Origem Max Weber Teoria Compreensiva 2 Desenvolvimento Alfred Schütz Teoria Fenomenológica 106 PARADIGMA MARXISTA ETAPAS AUTOR TEORIA 1 Origem Karl Marx Materialismo Histórico 2 Desenvolvimento Eduard BernsteinKarl Kautsky Marxismo Revisionista LêninTrótskiStálin Marxismo Ortodoxo Antonio Gramsci Marxismo Ocidental Max HorkheimerTheodor Adorno Teoria Crítica Esta tabela além de nos fornecer indicações sobre alguns dos principais responsáveis pelos desdobramentos e desenvolvimentos dos principais paradigmas sociológicos nos ajuda a perceber que o estudo dos clássicos é um requisito fundamental para o entendimento das teorias sociais contemporâneas Todavia a sociologia contemporânea não é apenas uma repetição da obra dos clássicos Pelo contrário Hoje as transformações da sociedade e o questionamento dos paradigmas científicos têm obrigado a sociologia a fazer um profundo questionamento de sua herança clássica Atualmente a sociologia contemporânea se vê desafiada a produzir grandes rupturas em relação à sociologia clássica De um lado os desafios com os quais a sociologia se vê confrontada advém da própria realidade Nos albores do século XXI esta ciência se vê diante da necessidade de abordar realidades novas que os clássicos da sociologia não conheceram Fenômenos como a globalização o desenvolvimento da informação da robótica e da automação a crise do sociedade do trabalho desemprego estrutural as guerras mundiais a crise ecológica a biotecnologia e muitos outros dados do mundo moderno longe de serem fenômenos isolados parecem apontar para uma nova configuração social com características bastante diferentes das estruturas econômicas políticas e culturais do período de formação da sociologia Diante desta nova realidade novas teorias se fazem necessárias redefinindo e superando em aspectos substanciais a contribuição dos clássicos Termos como terceira onda pósmodernidade pósideologia pósfordismo sociedade informacional ou pós industrial sociedade de risco segunda modernidade modernização reflexiva e outros apontam para a necessidade das ciências sociais redefinirem seu quadro teórico seus conceitos e até mesmo seus paradigmas visando construir em novo entendimento do mundo contemporâneo A grande questão que se coloca é as transformações estruturais que afetam as sociedades modernas não estariam exigindo da sociologia contemporânea uma ruptura em relação a contribuição dos clássicos da sociologia Como também é um fenômeno social a ciência e a própria sociologia também está sendo afetada pelas modificações advindas do novo contexto sóciocultural contemporâneo Deste modo as abordagens amplas e macroestrutrurais dos clássicos tem sido questionadas dando lugar a valorização de análises de alcance médio dos aspectos microsociais do convívio social da subjetividade das interconexões entre o econômico 107 politicocultural ou mesmo da fragmentação do social Além disso a interdisciplinaridade a crise da ciência e a revisão de seu papel social obrigam a sociologia a rever seus paradigmas teóricos seus conceitos suas explicações e enfim seu jeito próprio de abordar a realidade social Freqüentando conferências congressos e revistas especializadas o estudante logo perceberá que autores importantes e conhecidos da atualidade como Alain Touraine Jürgen Habermas Claus Offe Norbert Elias Anthony Giddens Ulrich Beck Boaventura de Souza Santos e vários outros cientistas sociais têm se dedicado a esta tarefa Porém longe de simplesmente abandonar a contribuição dos clássicos é no confronto criativo com a dimensão teórica empírica e política da sociologia clássica que este debate tem sido conduzido É justamente pela sua capacidade de fornecer para estes teóricos pistas e até mesmo conceitos que possibilitem à sociologia contemporânea redefinir e reconstruir os paradigmas da sociologia é que Durkheim Weber e Marx são autores sempre atuais Pelas teorias que construíram interpretações que realizaram e caminhos que apontaram a contribuição dos clássicos está sempre presente na obra dos teóricos sociais contemporâneos ainda que vários dos seus pressupostos estejam sendo discutidos criticados e até mesmo superados Portanto o estudo dos clássicos da sociologia não cumpre apenas uma tarefa histórica É justamente no confronto entre as contribuições dos fundadores da sociologia e as realidades emergentes do século XXI que a sociologia contemporânea busca os caminhos para o entendimento do mundo atual A modernidade na atual etapa de sua história representa justamente um misto de continuidaderupturainovação diante da qual as peças e engrenagens teóricas construídas pela sociologia clássica representam um recurso indispensável para sua compreensão teórica e inclusive seu encaminhamento político 6 REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS LUKÁCS Georg O marxismo ortodoxo In Lukács São Paulo Ática 1992 p 59 86 MARX Karl Para a crítica da economia política In Os pensadores Rio de Janeiro Abril Cultural 1978 p107257 108