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A Fundação Alexandre de Gusmão Funag instituída em 1971 é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e aspectos da pauta diplomática brasileira Com a missão de promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira a Funag promove atividades de natureza cultural e acadêmica que visam a divulgação e a ampliação do debate acerca das relações internacionais contemporâneas e dos desafios da inserção do Brasil no contexto mundial Fomentando a realização de estudos e pesquisas organizando foros de discussão e reflexão promovendo exposições mantendo um programa editorial voltado para a divulgação dos problemas atinentes às relações internacionais e à política externa brasileira velando pela conservação e difusão do acervo histórico diplomático do Brasil a Funag colocase em contato direto com os diferentes setores da sociedade atendendo ao compromisso com a democracia e com a transparência que orienta a ação do Itamaraty Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios Bloco H Anexo II Térreo 70170900 Brasília DF Telefones 0 xx 61 411 603360346847 Fax 0 xx61 322 2931 322 2188 Palácio Itamaraty Avenida Marechal Floriano 196 Centro 20080002 Rio de Janeiro RJ Telefax 0 xx 21 233 23182079 Informações adicionais sobre a Funag e suas publicações podem ser obtidas no sítio eletrônico wwwfunaggovbr email publicacoesfunaggovbr Presidente Thereza Maria Machado Quintella IRBr Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata Manual do Candidato Francisco Platão Savioli José Luiz Fiorin 2ª edição atualizada e revisada Português Professor Doutor do Departamento de Comunicação e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Professor associado do Departamento de Lingüística da Universidade de São Paulo Ambos são coautores de Para entender o texto 16ª edição Editora Ática Lições de Texto Leitura e redação 5ª edição Editora Ática S267m Savioli Francisco Platão 1944 Manual do candidato português Francisco Savioli José Luiz Fiorin 2ed Brasília Fundação Alexandre de Gusmão 2001 376p 297 cm ISBN 8587480200 IRBr Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata 1 Instituto Rio Branco Concursos 2 Serviço público Brasil Concursos 3 Língua Portuguesa I Fiorin José Luiz II Fundação Alexandre de Gusmão III Título CDD 35481003 Copyright 2001 Fundação Alexandre de Gusmão Funag Direitos de publicação reservados à Fundação Alexandre de Gusmão Funag Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios Bloco H Anexo II Térreo 70170900 Brasília DF Telefones 0 XX 61 411 6033603468476028 Fax 0 XX 61 322 2931 322 2188 wwwfunaggovbr Email plublicacoesfunaggovbr Palácio Itamaraty Avenida Marechal Floriano 196 Centro 20080002 Rio de Janeiro RJ Telefax 0 XX 21 233 23182079 Impresso no Brasil 2001 Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Decreto nº 1825 de 20121907 1 O IRBr considera importante ao Concurso de Admissão que os candidatos não descuidem do aperfeiçoamento no idioma francês uma vez que a será exigida proficiência de alto nível em francês no processo de formação de diplomatas e b parte da bibliografia do Programa de Formação e Aperfeiçoamento Primeira Fase PROFA I é constituída de textos em francês Apresentação A Fundação Alexandre de Gusmão Funag oferece aos candidatos ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco IRBr do Ministério das Relações Exteriores a série Manuais do Candidato com nove volumes Português Questões Internacionais Contemporâneas História do Brasil História Geral Contemporânea Geografia Direito Economia Inglês e Francês1 Os Manuais do Candidato constituem marco de referência conceitual analítica e bibliográfica das matérias indicadas O Concurso de Admissão por ser de âmbito nacional pode em alguns centros de inscrição encontrar candidatos com dificuldade de acesso a bibliografia credenciada ou a professores especializados Dada a sua condição de guias os manuais não devem ser encarados como apostilas que por si sós habilitem o candidato à aprovação A Funag convidou representantes do meio acadêmico com reconhecido saber para elaborarem os Manuais do Candidato As opiniões expressas nos textos são de responsabilidade exclusiva de seus autores SUMÁRIO TEXTOS 1 Considerações sobre a Noção de Texto 11 2 Variação lingüística modalidades de linguagem e produção de texto escrito 16 3 A propósito da noção de erro 26 4 A heterogeneidade lingüística 38 5 Seleção vocabular 57 6 Texto figurativo e texto temático 73 7 Alteração do sentido das palavras 80 8 Modos de ordenar os tempos 88 9 O parágrafo 101 10 Características lingüísticas da dissertação 111 11 Estruturação dos conteúdos da dissertação 120 12 Coesão textual 141 13 Coerência textual 155 14 Informações implícitas 168 15 Progressão textual 174 16 Dizer uma coisa para significar outra 179 17 Argumentação 189 18 Resumo 209 Bibliografia 215 EXERCÍCIOS 1 Considerações sobre a noção de texto 221 2 Variação lingüística modalidades de linguagem e produção de texto escrito 224 3 A propósito da noção de erro 228 4 A heterogeneidade lingüística 236 5 Seleção vocabular 242 6 Texto figurativo e texto temático 250 7 Alteração do sentido das palavras 255 8 Modos de ordenar os tempos 259 9 O parágrafo 263 10 Características lingüísticas da dissertação 268 11 Estruturas dos conteúdos da dissertação 272 12 Coesão textual 321 13 Coerência textual 327 14 Informações implícitas 334 15 Progressão textual 339 16 Dizer uma coisa para significar outra 344 17 Argumentação 350 18 Resumo 357 11 Lição 1 Considerações sobre a noção de texto Leia o texto abaixo uma tirinha de Hagar do famoso cartunista Dik Browne Browne Dick O melhor de Hagar o Horrível Dik Browne Porto Alegre LPM 1999 p 60 O último quadrinho contém uma intervenção da mulher de Hagar numa discussão entre ele e a filha Sob a forma de uma interrogação a mãe da menina dispara contra o pai um torpedo demolidor e é daí que decorre o efeito de humor da tirinha É preciso no entanto ter presente o dado de que a intromissão da mulher na conversa de Hagar só produz esse efeito arrasador e o conseqüente efeito de humor por causa da sua relação com as duas falas anteriores Não estivesse inserida nesse contexto a mesma fala poderia ter significado oposto um elogio caloroso da mulher ao seu marido Para isso basta supor que no primeiro quadrinho Hagar tivesse cumprimentado a filha pelo bom gosto de ter escolhido como namorado um rapaz muito especial No segundo tivesse perguntado como é que teve a sorte de conquistar um jovem tão fidalgo e valoroso Nesse contexto a fala do terceiro quadrinho teria o sentido diametralmente oposto ao do texto original Essas observações põem em relevo um dado muito importante para quem deseja compreender a natureza de um texto e ter noção clara do que se passa no seu interior o sentido de cada parte do conjunto nunca é autônomo Quando se trata de um texto a compreensão do sentido global não resulta da mera soma das partes assim como o sentido de cada parte não pode ser decifrado sem levar em conta o texto em que ela está inserida Prova disso é que na tirinha escolhida como exemplo sem alterar uma só letra da fala do último quadrinho poderíamos virar do avesso o sentido dessa passagem e a do conjunto todo Ao fazer esses comentários e essas observações já estamos utilizando a própria palavra texto que é exatamente a noção que estamos pretendendo 12 definir Mas o que é um texto Essa palavra é bastante usada no diaadia por profissionais que de uma forma ou de outra trabalham com a linguagem professores jornalistas diplomatas etc o texto da nota do Governo Brasileiro ao Departamento de Estado foi incisivo seu texto está muito longo este texto é primoroso o texto constitucional contém matérias que estariam melhor na legislação ordináriaNo entanto se perguntarmos a esses profissionais o que é um texto terão eles em geral dificuldade para determinar precisamente o significado dessa palavra Para explicar o que é um texto comecemos por definir suas propriedades 1 Um texto possui coerência de sentido o que significa que ele não é um amontoado de frases Ao contrário é um todo organizado de sentido A palavra texto vem de uma das formas do verbo latino texo que quer dizer tecer O texto é um tecido não um aglomerado desconexo de fios Nele o sentido de cada uma das partes é dado pelo todo O significado de uma frase do texto será depreendido da totalidade Assim a mesma frase colocada num contexto diferente poderá apresentar sentidos diferentes O contexto é uma unidade lingüística maior em que se insere uma unidade menor Assim a oração serve de contexto para a palavra o período para a oração o texto integral de um romance para cada capítulo O contexto pode ser explícito quando está expresso lingüisticamente ou implícito quando não precisa ser verbalizado porque pode ser depreendido da situação Assim por exemplo quando um passageiro entra num táxi e diz ao motorista Cidade Universitária não precisa dizer por favor queira conduzirme até a Cidade Universitáriapois o motorista depreende isso da situação No entanto fora desse contexto no balcão de uma loja de ferramentas por exemplo dizer ao balconista Cidade Universitária pode não significar nada sem esclarecimentos suplementares O contexto implícito é o conhecimento de mundo pressuposto por uma unidade lingüística Se o sentido de cada parte do texto se depreende do todo o sentido de um segmento lingüístico qualquer depende do contexto Por conseguinte o mesmo segmento colocado em contextos diferentes terá sentidos distintos Tomemos quatro pequenos textos para exemplificar esse fato a Acabou a água lá em casa Não sabíamos a que se devia o fato Pensamos que fosse um corte de abastecimento não anunciado pela Sabesp mas quando fomos ver era a bomba b Recebemos um telefonema avisando que uma bomba tinha sido colocada no prédio Notificamos a polícia que mandou evacuar o edifício e passou a procurar algum objeto suspeito até que num dos banheiros localizou um pequeno embrulho era a bomba 13 c O portavoz do Banco Central anunciou uma máxidesvalorização do real Era a bomba que segundo insistentes boatos o governo lançaria sobre o mercado d Apesar de ter estudado bastante Pedro não tinha ido bem no vestibular O que temia não era a bomba mas ter que recomeçar o cursinho O segmento lingüístico era a bomba tem significados diferentes nos quatro contextos no primeiro significa a bomba isto é o aparelho destinado a impulsionar a água estava com defeito no segundo a bomba ou seja o artefato explosivo que estava sendo procurado estava no pequeno embrulho no terceiro o acontecimento inesperado e ruim que o governo lançaria sobre o mercado era a máxidesvalorização do real no quarto a reprovação não provocava temor Se o texto é um todo organizado de sentido quais são os fatores de textualidade isto o que é que faz com que um texto seja um texto e não um simples amontoado de frases Há vários fatores de textualidade Por ora mencionemos dois que merecerão adiante um tratamento mais detalhado a coerência e a coesão Um texto será coerente quando nele não houver nada ilógico desconexo contraditório nãosolidário quando suas partes mantiverem compatibilidade continuidade de sentido umas em relação às outras Por exemplo o texto abaixo é incoerente porque o segundo período não tem qualquer relação semântica com o primeiro porque entre essas partes não há continuidade de sentido V Exª pretende candidatarse a presidente Durante toda a minha vida pública fui um político coerente e incorruptível A coesão por sua vez diz respeito à ligação das frases ou orações do texto por elementos que garantem sua concatenação ou retomam o que foi dito Por exemplo no período Apesar de ser indisciplinado nosso centroavante faz gols o conector apesar de estabelece uma relação entre ser indisciplinado e fazer gols mostrando que embora o jogador indisciplinado cause problemas para seu time o fato de fazer gols é mais relevante do ponto de vista do falante do que ser indisciplinado dado que com seus gols traz mais benefícios do que prejuízo a sua equipe O segundo fator é menos relevante do que o primeiro pois um conjunto de frases mesmo sem qualquer elemento de coesão pode ser coerente e por conseguinte ser um texto Observe um trecho de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade 14 Noite de autógrafos de todos os editados o salão assim de cheio Mas que calor Ainda bem que está circulando o on the rocks É o meu autor preferido No original ou em tradução Não é vestido É ela mesma por transparência O glorioso romancista poderia dizer duas palavras ao microfone cultural da Rádio Universo Desculpe mas no momento Diga assim mesmo Qual é o livro que está autografando Este que o senhor está vendo É a sua última obra Com licença Meu nome é Cristina Poesia e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1983 p 1 368 Nesse texto há poucos elementos de coesão No entanto quando lemos que se trata de uma noite de autógrafos o conjunto das frases ganha coerência tornase um texto pois percebemos que está reproduzindo pedaços de conversa interrupção da conversa alheia com outro assunto comentários fofocas etc tudo isso com a intenção de retratar com humor o que ocorre num evento dessa natureza 2 A segunda característica de um texto é que ele é delimitado por dois brancos isto é por dois espaços de não sentido Se a primeira característica de um texto é ser um todo organizado de sentido um texto não precisa ser necessariamente verbal Um quadro um filme uma novela uma história em quadrinho um gesto são textos Qualquer que seja a forma como o conteúdo se manifesta visualmente verbalmente visual e verbalmente ao mesmo tempo como no cinema ou na história em quadrinho o texto tem um início e um fim Antes do começo e do término há dois espaços de não sentido dois brancos no texto verbal escrito o espaço em branco que o delimita no caso do texto falado o silêncio que precede o momento de tomar a palavra e que segue a seu término no texto visual e verbal do cinema o momento em que se apagam as luzes e o termo fim no texto auditivo não verbal de uma sinfonia o instante em que o maestro levanta a batuta e aquele em que a abaixa 3 Um texto é produzido por um sujeito num dado tempo e num determinado espaço Por isso ele revela idéias anseios expectativas temores enfim uma visão de mundo da formação social em que está o seu 15 produtor Por essa razão é um objeto integralmente histórico não no sentido de que narra os acontecimentos de sua época mas de que nos mostra os ideais e as concepções presentes numa dada sociedade Por exemplo o ressurgimento com força total da idéia de que o caráter do homem não se altera em contacto com o meio representa bem a exasperação em que vive o homem moderno com o aumento crescente da criminalidade pois essa concepção permite dizer que a questão da violência não é social mas deriva do fato de que alguns indivíduos são intrinsecamente maus Isso leva à proposição de soluções que parecem mais rápidas para o problema por exemplo a pena de morte Todo texto apresenta um ponto de vista sobre a realidade Mesmo que a negue representa uma atitude em relação a ela pois engajamento ou alienação são posições a respeito dos acontecimentos Cabe lembrar que como uma sociedade é dividida em grupos com interesses divergentes os pontos de vista sobre uma questão posta em debate são múltiplos Assim a mesma sociedade que gerou a concepção de que um policial militar tem o direito de matar um assaltante já dominado engendrou a idéia de que o Estado não tem o direito em hipótese alguma de tirar a vida de alguém Embora as posições a respeito de uma dada questão sejam múltiplas e divergentes alguns pontos de vista numa certa época tornamse dominantes passam a ser quase consensuais É muito difícil argumentar contra eles Dizse que os textos sempre se constituem em oposição a outros textos São heterogêneos pois sob uma posição expressa num ressoa o ponto de vista ao qual ela se opõe Para entender bem o discurso da UDR contra a reforma agrária é preciso compreender o discurso da Comissão Pastoral da Terra a favor Em síntese um texto é um todo organizado de sentido delimitado por dois brancos que manifesta um ponto de vista social sobre uma dada questão Desse conceito de texto podese concluir que a a leitura de um texto não pode basearse em fragmentos isolados produzir um texto não é amontoar frases sem qualquer relação entre elas b a leitura de um texto deve de um lado levar em conta aquilo que ele diz e de outro a relação entre o ponto de vista social que ele expressa e aquele em oposição ao qual se constitui produzir um texto é adotar uma posição sobre um dado assunto e argumentar em favor dela 16 Lição 2 Variação lingüística modalidades de linguagem e produção do texto escrito Leia o texto abaixo Antigamente Antigamente os pirralhos dobravam a língua diante dos pais e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu era capaz de entrar no couro Não devia também se esquecer de lavar os pés sem tugir nem mugir Nada de bater na cacunda do padrinho nem de debicar os mais velhos pois levava tunda Ainda cedinho aguava as plantas ia ao corte e logo voltava aos penates Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo dágua se bem que no convescote apenas lambiscasse para evitar flatos Os bilontras é que eram um precipício jogando com pau de dois bicos pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete depois de fintar e engambelar os coiós e antes que se pusesse tudo em pratos limpos ele abria o arco Em compensação viver não era sangria desatada e até o Chico vir de baixo vosmecê podia provar uma abrideira que era o suco ficando na chuva mesmo com bom tempo Não sendo pexote e soltando arame que vida supimpa a do degas Macacos me mordam se estou pregando peta E os tipos que havia o pauparatodaobra o viracasaca este cuspia no prato em que comera o testadeferro o sabecomquemestáfalando o sangue debarata o Dr Fiado que morreu ontem o zépovinho o biltre o peralvilho o saltapocinhas o alferes a polaca o passador de nota falsa o mequetrefe o safardana o mariavaicomasoutras Depois de mil peripécias assim ou assado todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca ou simplesmente a bota sem saber como descalçála Mas até aí morreu o Neves e não foi no Dia de São Nunca de tarde foi vítima de pertinaz enfermidade que zombou de todos os recursos da ciência e acreditam que a família nem sequer botou fumo no chapéu ANDRADE Carlos Drummond de Poesia e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1983 13201321 17 Esse texto mostra como a linguagem se altera de uma época para outra Muitos termos e expressões corriqueiros num determinado período deixam de ser usados e tornamse incompreensíveis em outro É o que acontece com grande parte do vocabulário com que o texto é construído Vejamos alguns exemplos cair nos braços de Morfeu dormir debicar zombar gozar de voltar aos penates voltar para casa mangar em demorar smart elegante liró bem vestido copo dágua lanche oferecido aos amigos convescote piquenique bilontra velhaco precipício perigo jogar com pau de dois bicos defender ora uma ora outra de duas idéias opostas para agradar às duas partes treteiro de topete tratante atrevido abrir o arco fugir abrideira aperitivo suco coisa excelente ficar na chuva embriagarse pexote inexperiente arame dinheiro supimpa muito bom degas eu pregar peta mentir biltre vil abjeto infame peralvilho indivíduo vestido com apuro exagerado saltapocinha indivíduo afetado polaca meretriz estrangeira mequetrefe patife safardana salafrário fumo faixa de crepe para luto Todas as línguas apresentam variantes isto é não são faladas da mesma maneira nos diversos lugares nos distintos grupos sociais nas diferentes épocas nas diversas situações As línguas não são unas Muitos podem pensar que o fenômeno da variação ocorra apenas no Brasil Atribuem isso ao fato de os brasileiros não amarem sua língua serem desleixados com ela não a conhecerem bem Esse ponto de vista não passa de preconceito A variação é inerente ao fenômeno lingüístico Todas as línguas têm variantes até mesmo os idiomas antigos O português e as demais línguas românicas francês italiano espanhol romeno catalão dalmático sardo rético francoprovençal e provençal provêm do latim vulgar popular uma variante bem distinta do latim culto A variação ocorre porque a sociedade é dividida em grupos uns habitam uma região outros outra uns estão numa faixa etária outros noutra uns pertencem a uma classe social outros a outra uns têm uma profissão outros outra e assim por diante O uso de uma dada variante lingüística confere uma identidade ao falante porque o inclui num grupo social bem específico Ao longo de nosso aprendizado lingüístico passamos a distinguir a imitar a julgar as diferentes variantes Quando alguém fala sabemos se ele é português ou brasileiro gaúcho ou carioca adolescente ou velho identificamos a que grupo social pertence Ao mesmo tempo aprendemos que certas construções ou expressões podem ser usadas em situação informal de comunicação mas não em situação formal Há certas variantes que são tidas como certas e outras erradas algumas são consideradas elegantes e outras feias Há pois um julgamento social sobre elas 18 A pronúncia e o vocabulário são os dois componentes da linguagem em que se manifesta com mais evidência o fenômeno da variação No entanto ele ocorre em todos os planos da linguagem a no plano fônico o s no final das sílabas é pronunciado como uma chiante pelos cariocas e como uma sibilante pelos paulistas t e d seguidos de i soam como tch e dj em quase todo o País e como t e d em certas regiões sobretudo as de imigração italiana em determinados segmentos sociais há uma tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas com a eliminação de certos sons exerço em lugar de exército lampa por lâmpada Petropis em vez de Petrópolis fórfi por fósforo em algumas camadas sociais vocalizase o lh muié cuié teia por telha e há uma tendência para a mudança do lugar do r na sílaba percisa pregunta percurar cardeneta largato b no plano morfológico em certas camadas da população conjugamse certas formas de verbos irregulares muitas vezes por analogia como se fossem regulares se eu o ver reteu se eu propor interviu usase em determinados segmentos a primeira pessoa do plural do presente do subjuntivo pela forma correspondente do indicativo estudemos escutemos andemos e igualase a primeira pessoa do pretérito perfeito do indicativo do verbo ir à terceira eu foi por influência francesa em certos meios em lugar de expressar o término da ação por acabardeinfinitivo usase virdeinfinitivo Ele vem de publicar um livro muito bom c no plano sintático em certas regiões do país usase o pronome de tratamento tu mas com verbo na 3ª pessoa em determinados grupos sociais utilizase com muita freqüência o pronome lhes na função de objeto direto não lhe vi ontem eu lhe adoro em muitas camadas da população o relativo que quando precedido de preposição principalmente o cujo que tem o valor de um relativo introduzido por de deixou de ser usado como relativo ele torna se um introdutor da oração adjetiva e a função sintática que ele deveria exercer passa a ser exercida por um pronome pessoal A menina que os olhos dela são azuis esteve aqui por A menina cujos olhos são azuis esteve aqui em diversos segmentos sociais usamse pronomes pessoais oblíquos no lugar dos retos sem eu e você em vez de sem mim e vocêem determinados grupos não se faz a concordância nominal nem verbal de número os aluno eles bebe muito outrora uma oração concessiva podia dependendo do sentido ser construída tanto com indicativo como com subjuntivo hoje é de rigor o subjuntivo bastou serem escrituras de Deus para o Demônio as reverenciar ou as temer posto que não falassem com ele Vieira posto que entrou na batalha sem coroa e disfarçado para não ser conhecido um só tiro de uma seta perdida matou o Rei Vieira da mesma forma o particípio das locuções verbais com ter podia concordar com o objeto direto quebrar as tréguas que tinham feitas 19 d no plano lexical em Portugal usamse camisola bicha miúdo fato debanho e cueca para designar o que denominamos no Brasil suéter fila menino maiô e calcinha rórido pertence a um nível de língua bem preciosista enquanto orvalhado é a palavra comum em certas regiões utilizase o termo alcatifado por acarcepado A língua varia em todos os seus componentes de região para região de grupo social para grupo social de uma época para outra de uma situação de comunicação para outra O que complexifica o fenômeno da variação é que esses diferentes fatores se entrecruzam Assim por exemplo temos um falar carioca que se distingue de um baiano Dentro de cada um desses falares regionais temos uma variante popular e uma culta Cada uma delas apresenta uma variante formal e uma informal e assim por diante As variantes regionais são chamadas diapóticas Observe este trecho dos Contos gauchescos de Simões Lopes Neto em que se trabalha com o falar gaúcho Mas também quanto porongo Quantas vezes depois duma canseira boleavase e caía um potro lindaço cogotudo e bem laçado iase ver era um colmilhudo com cada dente como uma estaca velho como o cerro do Batovi ou era um mancarrão de montaria aporreado e cuerudo outras vezes ainda enfim havia sempre embaçadelas Porto Alegre Globo 1949 p165 Nesse trecho usamse basicamente variantes lexicais porongo dizse do cavalo que tem nos membros uma grande exostose que lembra uma cuia ou porongo bolear lançar a boleadeira aparelho para lançar animais cogotudo que tem cogote proeminente pescoçudo colmilhudo dizse do cavalo de grandes colmilhos presas e portanto velho e imprestável mancarrão dizse do cavalo velho manco aporreado dizse do cavalo mal domado ou indomável cuerudo dizse do cavalo que sofre de cuera matadura no lombo do cavalo originada do uso de lombilhos embaçadelas engano As variantes que marcam os diferentes grupos sociais são chamadas diastráticas Nelas incluemse as gírias e os jargões São diastráticas a chamada norma culta e a variante popular Aquela goza de prestígio social e esta muitas vezes é estigmatizada Vejamos um exemplo Aqui é bandido Plínio Marcos Atenção malandrage Eu num vô pedir nada vô te dá um alô Te liga aí Aids é uma praga que rói até os mais fortes e rói devagarinho Deixa o corpo sem defesa contra a doença Quem pegá essa praga está ralado de verde e amarelo de primeiro ao quinto e 20 sem vaselina Num tem dotô que dê jeito nem reza brava nem choro nem vela nem ai Jesus Pegou Aids foi pro brejo Agora sente o aroma da perpétua Aids pega pelo esperma e pelo sangue entendeu pelo esperma e pelo sangue pausa Eu num tô te dando esse alô pra te assombrá então se toca Não é porque tu tá na tranca que virou anjo Muito pelo contrário cana dura deixa o cara ruim Mas é preciso que cada um se cuide ninguém pode valê pra ninguém nesse negócio de Aids Então já viu transá só de acordo com o parceiro e de camisinha pausa Agora tu aí que é metido a esculachá os outros metido a ganhá o companheiro na força bruta na congesta Pára com isso tu vai acabá empesteado Aids num toma conhecimento de macheza pega pra cá pega em home pega em bicha pega em mulhé pega em roçadeira Vídeo exibido na Casa de Detenção de São Paulo Agência Adag Realização TV Cultura 1988 Esse texto falado por Plínio Marcos trata o problema da Aids de maneira realista sem qualquer idealização Pretende ele levar os presos a usar camisinha em todas as relações sexuais a não ter relações sem consentimento do parceiro e a não usar droga injetável Para dar eficácia ao texto usase a variedade lingüística dos destinatários variante nãoculta em sua modalidade oral e gíria da marginalidade Observe por exemplo a omissão do r nas formas verbais ganhá valê qué transá etc a substituição da expressão não é por né o uso de formas populares de pronúncia dotô mulhé vô tá malandrage a inadequação no uso da concordância verbal sujeito de segunda pessoa e verbo na terceira tu que é metido a mistura dos pronomes de tratamento de segunda e de terceira pessoas num tô te dando esse alô pra te assombrá então se toca o uso do termo Aids como masculino e as variantes lexicais congesta tranca ganhá na força bruta sentir o aroma da perpétua etc A variação de uma situação de comunicação para outra é chamada diafásica Sabemos que há construções e termos apropriados para uma situação informal um batepapo com os amigos e uma ocasião formal uma audiência com o Presidente da República Há assim uma linguagem informal coloquial e uma formal Compare o trecho abaixo de uma crônica de Drummond com a troca de palavras entre Irene e São Pedro no poema de Manuel Bandeira que vem a seguir No primeiro caso temos uma linguagem formal diríamos caricaturalmente formal no segundo formas marcadas de coloquialidade 21 Sr Prefeito do Distrito Federal Saiba V Exª que numa dessas claras manhãs ainda estivais mas sem a brasa de fevereiro estava a ancila deste cronista varrendo literalmente a testada ou seja removendo para um canto onde o gari pudesse apanhálas as coisas que vulgarmente se encontram no passeio quando um transeunte a advertiu de que devia munirse de uma pazinha e recolher as referidas coisas ao nosso domicílio Respondeu ela natural de Manhuaçu mas com o senso holandês de limpeza que por muitos anos de vida sempre varrera os detritos da calçada sem jamais os guardar para si e os patrões pelo que não faria tal O senhor que era o chefe regional da limpeza urbana in person insistiu mas não obteve da minha fiel colaboradora senão a mesma negativa formal e surpresa Ficou tudo nesse pé até dois dias depois quando recebi o documento que passo aos olhos de V Exª em cópia Poesia e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1983 p 10971098 Irene no céu Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor Imagino Irene entrando no céu Licença meu branco E São Pedro bonachão Entra Irene Você não precisa pedir licença Poesia completa e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1983 p 220 As línguas não são estáticas mudam ao longo do tempo Basta lermos os discursos parlamentares do século passado e os atuais para perceber que há muita diferença entre os dois estados da língua Muitas pessoas dizem que a língua está em decadência porque não se observam mais certos padrões tidos por clássicos Línguas não declinam mudam As variações no tempo são denominadas diacrônicas Vejamos um texto em português arcaico para observar como a língua mudou ao longo dos séculos Tratase da Cantiga da Ribeirinha composta provavelmente em 1189 No mundo non me sei parelha não sei quem se compare a mim mentre me forcomo me vay enquanto ca já moiro por vos e ay mia senhor branca e vermelha alva e de faces rosadas queredes que vos retraya retrate represente quando vus eu vi en saya sem manto 22 Mao dia me levantei que vus enton non via fea pois E mia senhor des aquel diaya me foi a mi muyn mal e vos filha de don Paay Moniz e bem vus semelha bem vos parece daver eu por vos guarvaya que eu deva receber por vosso intermédio pois eu mia senhor dalfaya um luxuoso vestuário de corte sunca de vos ouve nen ei até hoje não recebi nada de vós valia dua correa qualquer coisa de ínfimo valor Cancioneiro da Ajuda Prefácio e notas de Marques Braga Lisboa Sá da Costa 1945 p 8081 Além do vocabulário bem diferente do da língua atual notemos algumas características gramaticais da língua arcaica 1 os nomes terminados emor como senhor eram uniformes ou seja não tinham uma forma para o masculino e uma para o feminino 2 a segunda pessoa do plural dos verbos terminava emdes por exemplo queredes Modalidades escrita e falada Em nossa sociedade quase todas as variedades lingüísticas apresentam uma modalidade escrita e uma modalidade falada Muitas vezes pensase que a escrita seja uma simples transcrição da fala Na verdade a relação entre elas é muito mais complexa São duas modalidades distintas Cabe lembrar em primeiro lugar que a oralidade é condição necessária porém não suficiente da fala Quando lemos por exemplo um texto previamente escrito temos manifestação oral da linguagem mas não temos a construção de um texto falado Quando se produz um texto ele é produzido para alguém que é seu receptor O texto falado é recebido ao mesmo tempo que é elaborado Enquanto o emissor vai construindo o texto o receptor vai ouvindoo Na escrita é diferente pois o texto é lido só depois de ter sido escrito depois de estar pronto Dessa característica resultam várias distinções entre um texto escrito e um texto falado a Na fala a recepção ocorre no interior de uma situação de interlocução ou seja dentro de uma cena enunciativa que compreende dois participantes os interlocutores e se passa num determinado tempo e num dado lugar Essa cena é a instância de instauração de um eu pessoa que fala um tu a pessoa com 23 quem se fala um aqui o lugar onde está o eu um agora o momento em que o eu toma a palavra A partir do euaquiagora ordenamse todas as pessoas os tempos e os espaços colocados no discurso Ora na fala não é preciso explicar ao interlocutor a que o emissor se refere quando diz eu aqui agora ontem hoje lá ele etc O sentido desses elementos lingüísticos é retirado da própria situação de interlocução Por outro lado o receptor entende os sentidos que se referem à situação Se alguém diante do carro parado com o capô aberto diz Droga Mandei ver o motor semana passada não precisa explicar que se trata do motor do carro Da mesma forma se isso for dito diante da enceradeira a referência do termo motor será outra Como a comunicação na escrita se dá fora da situação de interlocução é preciso recriar a cena enunciativa a situação para que o receptor compreenda quem está falando que dia é que foi mencionado como ontem quais são as referências situacionais dos sentidos É por isso que numa carta por exemplo é imprescindível que se mencionem o lugar e a data em que o texto foi produzido que se assine o texto e que se narrem todos os elementos situacionais cuja omissão não permite entender o sentido do que é dito b Na fala ocorre uma alternância dos papéis de falante e de ouvinte O receptor pode interromper o emissor a qualquer momento e tomar a palavra Este por sua vez usa certas estratégias para manter a palavra por exemplo prolongar uma vogal enquanto procura um termo busca anuência do interlocutor diz por exemplo né certo cê não acha solicitalhe colaboração por exemplo como é mesmo que se diz etc Na escrita não ocorre essa alternância de papéis Mesmo quando nela se cria um diálogo tratase de uma simulação e não de um diálogo real com suas interrupções superposições de vozes tentativa de segurar a palavra marcas da presença do outro etc c Na fala o planejamento e a execução do texto são concomitantes Por isso o texto falado caracterizase por um grande número de pausas frases truncadas repetições correções períodos começados e abandonados para iniciar outro desvios voltas acelerações O texto escrito não apresenta marcas de planejamento e de execução O produto é apresentando pronto ao leitor e não em elaboração como na fala Na versão final do texto escrito são abandonadas as marcas da construção do texto Nele não aparecem hesitações truncamentos correções etc d Na fala empregamse períodos mais curtos e mais simples Na escrita eles são mais longos e complexos Nesta usamse mais orações subordinadas As unidades de sentido de um texto escrito são os parágrafos os capítulos etc No texto falado são os turnos intervenção de cada falante e os tópicos assuntos de que se fala 24 e Na fala há um grande envolvimento do interlocutor no texto do outro Ele colabora em sua elaboração participa dela com sugestões diz que compreendeu assente na continuação etc Há uma série de marcadores conversacionais que servem para indicar esse envolvimento do interlocutor hum hum certo claro ah sim O falante monitora o acompanhamento do interlocutor por exemplo você está me entendendo Essa participação do interlocutor é tão intrínseca ao texto falado que quando por exemplo se fala ao telefone e a outra pessoa não diz nada imediatamente se lhe pergunta alô você está ouvindo No texto escrito não há esse envolvimento da parte de um interlocutor Muitas pessoas dizem que num texto escrito podemse admitir quando muito variantes lexicais mas em hipótese alguma variantes de outros planos da língua pois elas constituem erro A questão é mais complexa No trato com as variantes devemos substituir o par certoerrado pela dicotomia adequado inadequado Com efeito cada variante é mais adequada para uma determinada situação de interlocução Por isso na construção de uma personagem de um romance por exemplo não se pode atribuirlhe aleatoriamente uma variante lingüística As variantes criam uma identidade para o narrador e para as personagens por exemplo não se faz um peão da fronteira do extremo sul do País falar como um adolescente carioca Uma variante cria um efeito de sentido pois se ajusta a um lugar a um tempo a uma situação de interlocução a um grupo social Um bom falante da língua é o que sabe usar a variante adequada à situação de comunicação É tão inadequado dizer num batepapo de botequim Filo ao meu alvedrio quanto num depoimento na Câmara dos Deputados afirmar Fiz pruque me deu na teia O lingüista romeno Coseriu dizia que um bom falante é um poliglota em sua própria língua Não são idênticos em termos de variação lingüística os textos de José Simão colunista de televisão da Folha de S Paulo e os editoriais desse jornal uma carta a um amigo e um requerimento a um ministro o jornal Notícias Populares e o Estadão Camões e Jorge Amado É preciso compreender o fenômeno da variação e entender que escrita e fala são duas modalidades diferentes da linguagem para daí tirar duas conclusões a respeito da produção dos textos escritos 1 a menos que o texto escrito queira simular a fala não deve aparecer nele nenhuma característica do texto falado frases truncadas marcas da presença de um interlocutor sinais do planejamento e da elaboração etc 2 os textos científicos técnicos jornalísticos só admitem a chamada norma culta outros textos para marcar a identidade do narrador ou de 25 personagens permitem o uso de outras variantes desde que elas sejam adequadas à identidade que se quer construir não se pode fazer um baiano falar como um gaúcho 26 Lição 3 A propósito da noção de erro Leia com atenção o texto abaixo Sexo palavras e estrangeiros Aprendi o Português já marmanjo Comecei aos 17 anos com um curso de imersão no terceiro científico do Colégio Imaculada Conceição em Dourados Mato Grosso do Sul Como todos os adolescentes que viajam para países estrangeiros o meu aprendizado inicial foi informal Entre as primeiras 100 palavras que conheci 40 deviam ser obscenas ou no mínimo de uso pouco recomendado em reuniões finas Isso faz quase 20 anos Desde então seja no Brasil seja nos EUA continuo estudando Uma segunda língua a gente não domina completamente por mais que se esforce Nunca é nem nunca será igual à língua mãe Mesmo assim acho o Português um idioma relativamente fácil de aprender É possível saber como se formam os tempos verbais quando se usa cada preposição A ortografia tem uma base fonética Até a acentuação por mais que mude obedece a um esquema racional Hoje em dia depois de dois ou três drinques fico até eloqüente na língua de Camões Não sou nenhum Ruy Barbosa é verdade Mas escrevo sem maiores dramas vou em festas sem dar vexames e os meus filhos pararam de me corrigir A única faceta da língua que não consigo dominar e temo que nunca conseguirei é o masculino e o feminino Para um estrangeiro orgulhoso do seu Português não há nada pior do que ser interrompido no meio de uma frase longa complexa e bem torneada justo na hora que começa a impressionar as mulheres com uma correção do tipo é o planeta No caso o estrangeiro em questão se vê obrigado a brecar o discurso de repente engolir várias palavras e quebrar o raciocínio para perguntar como Ao que o interlocutor prestativo inevitavelmente responde planeta é masculino Se for um pouco mais erudito acrescentará de quebra vem do grego Nisso a platéia começa a dar risadinhas mudase de assunto e como se não bastasse o nosso gringo ainda terá de agradecer a correção Mas cá entre nós esse negócio de masculino e feminino é complicado O problema de dar sexo às palavras para o estrangeiro pelo menos é que é impossível adivinhar os gêneros de algumas delas Os 27 brasileiros todos podem confundir uma concordância verbal ou deixar escapar uma meia gordinha mas muito dificilmente trocam o gênero de uma palavra Todas as línguas ao que parece têm umas armadilhas feitas especialmente para pegar gringo Em Português é claro passam pela questão do sexo SHIRTS Matthew O Estado de S Paulo 841995 C2 Esse texto com muita graça enuncia algumas questões básicas concernentes à questão do erro lingüístico 1 há formas lingüísticas que podem ser usadas em determinadas situações de comunicação e não em outras 2 há regras que são observadas por todos os falantes de uma dada língua e outras que não são gerais Muitos lingüistas dizem que do estrito ponto de vista lingüístico não há formas corretas e incorretas dado que todas elas se equivalem O que há é inadequação ou adequação à situação de comunicação Para eles a correção tem um caráter extralingüístico ou seja social Corrigese aquilo que não está de acordo com os usos lingüísticos prestigiados socialmente Essa posição na verdade está apenas parcialmente correta pois confunde níveis diferentes do problema Analisemolo mais detidamente Como vimos na lição anterior a língua é um conglomerado de variantes regionais sociais situacionais e temporais Há formas mais ou menos coloquiais há expressões que se usam numa região e não noutra há formas mais ou menos populares há termos e construções que se usam em família ou entre os amigos mas não na presença de estranhos há formas consideradas grosseiras e outras que são vistas como delicadas Do estrito ponto de vista lingüístico essas variantes são equivalentes Por exemplo dizer eles jogam ou eles joga não afeta a compreensão e por isso uma delas não é superior à outra do ponto de vista linguístico Observe por exemplo que o francês perdeu a marca de 3ª pessoa do plural sem que isso trouxesse problemas para a comunicação pois a língua cria outros mecanismos para assegurar a compreensão adequada do que se quer transmitir Se essas formas são equivalentes do ponto de vista lingüístico não o são do ponto de vista social pois a primeira eles jogam é mais prestigiada No caso das variantes então a correção é extralingüística Temos nesse caso de falar em adequação ou inadequação à situação de comunicação Há situações comunicativas que exigem a norma culta por exemplo os textos administrativos didáticos etc e outras que quase determinam o uso de uma variante mais coloquial por exemplo uma conversa com amigos íntimos Usar uma variante inadequada cria uma imagem desfavorável do falante Observe no texto abaixo como é analisada a questão do efeito de sentido gerado pelo uso das variantes lingüísticas 28 e se não fosses um mariola e um cavalo saberias filho que se não queres que te tomem por um rústico não deves falar como os zagais E isso de dizer estou com o saco cheio é vício de linguagem conduta feia de que usam malandrins e tu não usarás que quando estiveres com o saco cheio hás de dizer não estou precisamente demasiado eufórico ou coisa análoga Que é sempre preferível ao invés da torpeza de designar as coisas pelos nomes corriqueiros que lhes dão nomeálas quando for preciso eleganter isto seja por circunlóquios metáforas boleios e demais lindezas da linguagem figurada pois que as palavras escolhidas e adornadas provam o requinte e a boa ensinança daquele que as profere LOPES Edward Travessias São Paulo Moderna 1980 p 128 Nos textos em que é de rigor a utilização da norma culta o uso das construções abaixo seria inaceitável a Por isso em nome de todos os comediantes e humoristas gostaria de lançar este pequeno protesto pois sendo o prefeito uma autoridade governamental fica muito difícil para nós pobres mortais igualarse à verve oficial Jô Soares Veja 2451995 p95 Uso de forma de 3ª pessoa do singular em lugar da de 1ª pessoa do plural b Qual é a personagem que mais lhe atrai no filme O Estado de S Paulo 2951995 D10 Uso do pronome oblíquo dativo que indica objeto indireto em lugar do pronome oblíquo acusativo que manifesta objeto direto c Nem os seguranças de Mário Covas acreditam na falta de cerimônia do patrão Que foi surpreendido em pleno fuça a fuça no gabinete do Bandeirantes com dois vendedores de plano de saúde que ele próprio tinha autorizado a entrada Folha de S Paulo 1041995 52 Uso inadequado do pronome relativo o correto seria cuja entrada ele próprio tinha autorizado d Sobre a minha renovação de contrato com o São Paulo posso adiantar que já tivemos uma conversa no sábado onde já evoluiu bastante Goleiro Zetti Programa Batebola TV Gazeta 3111993 Uso do onde no lugar de que e Há momentos na vida que você não pode errar Propaganda da Agroceres falta da preposição em diante do relativo com função de adjunto adverbial de tempo f Espero que o pessoal reflete sobre o significado desta Copa do Mundo Rivelino Programa Apito Final 871990 TV Bandeirantes Uso do indicativo pelo subjuntivo 29 g Dá licença que eu tenho que me lavá a louça da janta Se o Zé descobre que dormi na cama dele me mata eu e me mata você Falas da novela A próxima vítima Veja 1241995 p 8 Nesse caso temos que falar em aceitabilidade social e cultural das formas da língua Entra também nesse domínio a questão dos estrangeirismos Muitos falantes adotam uma posição purista de repúdio à incorporação de palavras estrangeiras Querem manter a pureza do idioma pretendem instaurar uma polícia alfandegária que impeça a entrada de estrangeirismos na língua dizem estar protegendo o idioma da anarquia e da descaracterização Cabe lembrar no entanto que o léxico de uma língua é constituído de palavras provindas de muitos idiomas não é algo puro O vocabulário do português formouse com termos latinos árabes italianos franceses etc Por outro lado as línguas não se acham ameaçadas pela incorporação de palavras estrangeiras porque seu sistema gramatical que admite pouquíssimos empréstimos e assim mesmo periféricos se mantém intocado Aliás as palavras estrangeiras adaptamse ao sistema fônico e gramatical da língua que as toma emprestado Por exemplo como o sistema fônico do português só admite a consoante nh em posição intervocálica quando emprestamos uma palavra estrangeira com nh em posição inicial acrescentamos uma vogal antes para que a referida consoante fique em posição medial intervocálica dizemos inhoque por exemplo O jargão da informática emprestou do inglês o verbo deletar Não se conjuga ele no entanto de acordo com a gramática inglesa mas de acordo com o sistema de conjugações verbais do português No caso do uso de estrangeirismos nossa posição deve ser sensata Não devemos nem ser puristas nem ter um fascínio pelo uso de estrangeirismos Devemos usálos quando não tiverem equivalente em português ou quando já forem de uso geral Não é preciso um verbo como declanchar do francês déclencher porque o português tem um equivalente desencadear Não se pode porém condenar a utilização de palavras como futebol abajur ou restaurante porque são de uso geral Não se pode pretender que em seu lugar se usem ludopédio lucivelo ou casa de pasto Leia estas observações de Hélio Schwartsman Como sucede a todos aqueles que só pensam naquilo a língua ou melhor o idioma Machado acabou desenvolvendo suas idiossincrasias Ele condena com veemência a expressão cometer suicídio Consideraa uma má tradução do inglês to commit suicide É evidente que seria ridícula tentar negar hoje que o verbo pronominal suicidarse exista e que seja de fato pronominal só se conjuga 30 acompanhado do se sempre Etimologicamente entretanto suicidar se é um pleonasmo É formado pelo pronome latino sui se e pelo verbo caedo matar Se o substantivo suicídio é castiço e tal ato é condenado pela moral e até há pouco também pela lei ele combina com verbos como cometer ou perpetrar Preserva a sanidade dos cada vez mais raros latinistas e não constitui maior ofensa ao vernáculo Sem prejuízo é claro da forma suicidarse Folha de S Paulo 751995 514 A questão do erro lingüístico não se esgota porém no problema da aceitabilidade É preciso considerar que há realizações lingüísticas que por descuido ou por falsa análise realizada pelo falante contrariam as regras gerais do sistema lingüístico aquelas que um falante nativo dificilmente viola ou que não cumprem adequadamente a função de comunicar O sistema lingüístico possui regras muito gerais de formação de frases e um jogo de oposições formais Assim pertence ao sistema lingüístico do português a oposição surdez vs sonoridade que forma as consoantes sonoras e as surdas b d gue v z ge vs p t k f s ch as regras de combinatórias dos sons que prescrevem por exemplo que r simples não ocorre em posição inicial as oposições gramaticais de pessoa número tempo etc as oposições lexicais como por exemplo reprodutornãoreprodutor que permite criar distinções entre touro e boi garanhão e cavalo cachaço e porco as regras de ordenação de palavras para construir frases como por exemplo o artigo precede o substantivo que ele determina Observe que as regras do sistema são gerais não variam de região para região de grupo social para grupo social etc O que varia são as normas que são usos habituais de um dado grupo social de uma determinada região de uma certa época etc O sistema contém aquelas regras fundamentais da língua Ora a violação das regras do sistema produz uma agramaticalidade Nesse caso o erro é intralingüístico não tem nada a ver com um julgamento social sobre uma variedade lingüística mais ou menos prestigiada Se um falante disser Menino o bola joga campo no terá violado regras do sistema como o artigo deve preceder o substantivo a preposição precede o termo que rege etc Nesse caso não terá produzido uma frase do português mas terá pronunciado um amontoado de palavras Dificilmente um falante comete certas agramaticalidades No texto com que iniciamos esta lição o cronista diz por exemplo que um brasileiro não erra os gêneros das palavras No entanto uma agramaticalidade que pode aparecer na língua escrita é a produção de frases em que faltam termos essenciais por exemplo o predicado ou períodos compostos por subordinação em que não aparece a oração principal 31 Esses erros prejudicam a comunicação pois o leitor fica sem saber o que quis dizer quem escreveu a frase Vejamos alguns exemplos a Já houve o tempo da moreninha da loirinha e agora chegou a vez da ruivinha A cor do cabelo no entanto faz pouca diferença pois a fórmula para conquistar jovens platéias com um interesse maior em sexo do que em música O segredo do sucesso na música pop é um rostinho e um corpinho feminino bonito e bem sensual Folha de S Paulo 1791989 apud Unicamp 89 Observe que no segundo parágrafo a oração iniciada por pois não tem predicado não se sabe de que fórmula falava o enunciador b Embora as enchentes todos os anos continuem a destruir cidades inteiras em algumas regiões do Nordeste provocando prejuízos que chegam a milhões de dólares Nesse período não há oração principal a primeira oração iniciada por embora é subordinada adverbial concessiva a segunda é uma subordinada adverbial temporal reduzida de gerúndio Além dos casos de agramaticalidade constituem também erros as violações de relações discursivas ou seja de relações entre partes e segmentos do texto por exemplo o uso de conectores argumentativos inadequados a criação de enunciados ambíguos etc Nesse caso podese dizer que temos verdadeiras agramaticalidades discursivas Vejamos alguns exemplos a PC Farias responde a mais de 30 inquéritos de corrupção na Polícia Federal Jornal Nacional 30111993 Nesse caso há uma ambigüidade podese entender que PC Farias responde na Polícia Federal a 30 inquéritos de corrupção ou responde a 30 inquéritos por ter corrompido agentes da Polícia Federal b Os estudantes que pretendem ingressar na Unicamp no próximo vestibular concordam com o decreto do governo Estão reclamando apenas que a Universidade de Campinas está exigindo a leitura de um livro que entrará no exame inexistente no Brasil A confissão de Lúcio de Mário de SáCarneiro Isto é Senhor 1491989 apud Unicamp 1989 Pela posição em que foi colocado o adjetivo inexistente parece estar referindose a exame c O presidente americano produziu um espetáculo cinematográfico em novembro passado na Arábia Saudita onde comeu peru fantasiado de marine no mesmo bandejão em que era servido aos soldados americanos Veja 911991 apud Unicamp 1992 Temse a impressão 32 de que fantasiado se refere a peru e de que o presidente era servido aos soldados d Há meses não chove em Brasília Portanto o governo não pensa em racionamento de água Nesse caso é completamente despropositado o uso do conector conclusivo portanto o que se deveria era usar o adversativo mas Até o momento vimos que três fenômenos de natureza diferente são considerados erros a desvio da norma adequada a uma dada situação de comunicação b agramaticalidade da estrutura da frase ou do período c violação de relações discursivas Há no entanto outros fenômenos distintos que também são erros lingüísticos a Erros de ortografia A ortografia é o conjunto de convenções que regem a grafia das palavras Essas convenções no caso dos países de língua portuguesa resultam de acordos entre os diferentes países As normas de ortografia são coercitivas para todos os falantes Gosta de fama de bad boy garoto mal e faz tudo o que pode para mantêla Folha de S Paulo 1161995 45 O adjetivo é grafado com u mau e o advérbio com I mal Escrevi crônica pedindo aos leitores que sugerissem formas do exdeputado se matar e recebi cerca de 1300 cartas com as propostas mais ilárias O Estado de S Paulo 2251995 D2 Aqui temos dois problemas hilária escrevese com h a forma correta do adjetivo que significa que faz rir é hilariante b Erro por imposição de uma tradição do ensino Nesse caso entram aqueles fatos lingüísticos que pertenciam à norma culta da língua mas que se alteraram e que a escola considera ainda como fatos reais do português O atraso no pagamento implicará em multa Há hoje uma oscilação na regência do verbo implicar é usado tanto como transitivo direto quanto como transitivo indireto com a preposição em a única regência considerada correta pela tradição gramatical é sem a preposição 33 Custei a perceber o problema O verbo custar no sentido de ser custoso é ensinado como unipessoal só se considera correto custoume perceber o problema Não tenho nenhuma dó de criminosos O substantivo dó é ensinado como masculino Leia esta crônica de Raul Drewnick publicada em O Estado de S Paulo de 2541995 em que um desses erros por imposição da tradição de ensino é analisado com muita graça A noite estava quase tão gostosa quanto o chope e o salaminho Na mesa do bar os seis amigos todos catedráticos em mulher e futebol conversavam disso mesmo porque não houve não há e nunca haverá assunto melhor para o brasileiro do que mulher e futebol Sharon Stone foi comparada com Letícia Spiller Romário com Túlio Angélica com Xuxa Viola com Edmundo e depois de muito bateboca se chegou àquela conclusão de sempre nenhuma Duas horas mais tarde já sob o efeito das rodadas de chopinho que de dez em dez minutos o garçom renovava eles mudaram um pouco o debate Começaram a comparar Sharon Stone com Romário Letícia Spiller com Túlio Angélica com Viola e Xuxa com Edmundo Discutiram exaltaram se quase se desentenderam e no fim chegaram ao mesmo resultado do debate anterior nenhum Não houve vencedores E vencidos se houve foram os chopinhos e os salaminhos dizimados assim que se atreviam a aparecer Estavam felizes E felizes ficaram até que um deles o mais fofoqueiro dos seis começou a contar a história de uma garota vizinha dele famosa pelas curvas do corpo e pela generosidade do coração Vocês precisam conhecer a Adriana É um estouro um petardo uma bomba atômica Se ela sai de casa e vai até a esquina a rua toda treme Se ela vai um pouco mais longe explode todo o quarteirão Nossa ela é tudo isso mesmo Então a gente precisa conhecer Ela não é tudo isso É tudo isso e mais um pouco Tudo isso e mais bastante E ela topa qualquer parada Já namorou com o bairro inteiro Nesse ponto o mais empertigado dos seis amigos arregalou os olhos e perguntou com expressão de espanto O que foi que você disse Eu disse que a menina é um avião e namora com todo mundo O que é que você está estranhando Eu estou estranhando que você um sujeito com instrução diga uma asneira como essa Que asneira 34 Que a menina namora com todo mundo Mas é verdade A Adriana é uma devoradora de homens Dos 8 aos 80 não escapa um Não estou censurando o comportamento dela Estou é indignado com o seu desconhecimento gramatical Com o meu desconhecimento gramatical Você pode me explicar isso Você disse que ela namora com Disse E daí Daí que isso é uma barbaridade O verbo namorar é transitivo direto Quem namora namora alguém não namora com alguém Enquanto o acusado de crime contra a gramática assumiu um triste ar de réu para merecer a clemência dos amigos um deles quase tão empertigado quanto o gramático de plantão protestou Espere aí Aristarco Você está massacrando o Cordeiro à toa O dicionário do Aurélio diz que namorar com é perfeitamente válido Ah Praxedes eu não esperava que você me viesse com essa Você sabe muito bem que o Aurélio não é uma boa fonte O Aurélio admite tudo nóis vai nóis fumo Você está querendo dizer Aristarco que você tem mais autoridade do que o Aurélio Não O que eu estou querendo dizer é que em nenhum outro dicionário você vai achar esse absurdo de namorar com No início do debate o Cordeiro que sem querer tinha provocado a confusão ainda tentou acompanhar os argumentos dos dois gramáticos cada vez mais nervosos Depois ele acabou dormindo como os outros Acordou dali a dez minutos com a voz trovejante de seu defensor o Praxedes Antes que o Aristarco já rubro de cólera apresentasse sua contra argumentação o Cordeiro resolveu mostrarse grato ao seu advogado É isso aí Praxedes você está certo Deixe de ser chato Aristarco Você quer saber de uma coisa Namorar é tão bom mas tão bom que até namorar contra é gostoso C2 c Hipercorreção É o uso de uma forma vista como correta no lugar de uma outra considerada indevidamente errada Vejamos alguns exemplos Não haverão recursos suficientes para o término das obras O verbo haver no sentido de existir é impessoal Portanto a construção correta seria Não haverá recursos suficientes para o término das obras No entanto imaginase que o sujeito seja recursos suficientes e que o verbo deva concordar com ele 35 O galfo escapoulhe das mãos como em certas camadas sociais trocase o l por r em palavras como calça maldade calcanhar pensase que a forma correta de garfo seja galfo d Falsa análise do enunciado É aquele erro cometido por uma análise inadequada da frase quando se atribui a uma palavra ou expressão uma função sintática que ela não exerce quando se estabelecem relações sintáticas inexistentes quando se realizam analogias improcedentes dentro do período Vejamos alguns exemplos Vai chover multas na volta do feriado Folha da Tarde 3112 19921 Nesse caso atribuise à palavra que é o sujeito a função de objeto direto e por conseguinte não se realiza a concordância A frase correta seria Vão chover multas na volta do feriado Podese argumentar é certo que eram previsíveis os percalços que enfrentariam qualquer programa de estabilização necessário no Brasil Folha de S Paulo 7101990 apud Unicamp 1991 Atribuise ao pronome relativo que que retoma o substantivo percalços a função de sujeito e não de objeto direto e fazse a concordância do verbo com o antecedente percalços e não com o verdadeiro sujeito qualquer programa de estabilização Quando ele resolver apresentarse oferecer explicações convincentes e obter o apoio da opinião pública talvez seja inocentado usase obter no lugar de obtiver porque os verbos que aparecem antes no futuro do subjuntivo por serem regulares apresentam uma forma igual à do infinitivo o verbo irregular obter contagiase da regularidade dos anteriores sobretudo porque todos terminam emer Sou clara e definitivamente pela admissibilidade do impeachment correndo o risco até do autosuicídio político Dep Antônio Morimoto PTBRO Folha de S Paulo 2491992 14 Analisase suicídio como um termo nãoreflexivo e por isso acrescentase a ele auto que significa si mesmo Muitas vezes também a hipercorreção resulta de uma falsa análise do enunciado A diferença no entanto é que ela acaba resultando para quem a 36 pratica numa regra de uso por exemplo certas pessoas nunca usam impessoalmente o verbo fazer indicando tempo passado dizem sempre fazem muitos dias e não faz muitos dias e Falsas analogias São aquelas formas criadas por analogia com as regularidades da língua ou pelo estabelecimento de correspondências que de fato não existem entre certas formas da língua Diferentemente do caso anterior não se trata aqui de relações indevidas estabelecidas entre termos no interior de um período mas da falsa pressuposição de simetrias entre formas da língua Os astecas não só conheciam o banho de vapor tão prezado na Europa como mantiam o hábito de banharse diariamente Superinteressante out 92 apud Unicamp 1993 Usase mantiam no lugar de mantinham porque se faz a seguinte analogia se comer faz a 3ª pessoa do pretérito imperfeito do indicativo comiam vender faz vendiam prender faz prendiam então manter faz mantiam O governo interviu muito na economia nestes últimos anos usase interviu por interveio porque se faz a seguinte analogia se partir tem para a 3ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo a forma partir tem partiu dormir tem dormiu cair tem caiu então intervir tem interviu O novelo deslisou pelo chão usase deslisar por deslizar porque se associa falsamente esse verbo ao adjetivo liso note se que existe em português o verbo deslisar muito pouco usado que significa alisar e que não se confunde com o verbo deslizar que quer dizer escorregar brandamente f Impropriedades lexicais É o uso de uma palavra com um significado que ela não tem mas que se atribui a ela indevidamente em geral por uma semelhança fônica muito acentuada com o termo que seria adequado Estações de metrô de mármore com lustres de cristal contrastam com a miséria da população A luxúria de Moscou tem seu contraponto no silêncio do mosteiro Donskoi criado no final do século 16 É um conjunto arquitetônico elegante e modesto O Estado de S Paulo 3051995 G10 Luxúria em português não significa luxo mas sensualidade 37 Os erros ou inadequações de linguagem não têm todos o mesmo efeito alguns prejudicam a compreensão do texto outros comprometem o enunciador As Forças Armadas brasileiras já estão treinando 3 mil soldados para atuar no Haiti depois da retirada das tropas americanas A Organização das Nações Unidas ONU solicitou o envio de tropas ao Brasil e a mais quatro países disse ontem o presidente da Guatemala Ramiro de León O Estado de S Paulo 2491994 apud Unicamp 1995 Nesse caso a má colocação da expressão ao Brasil e a mais quatro países prejudica a compreensão do enunciado pois dá a entender que a ONU solicitou o envio de tropas ao Brasil e a mais quatro países quando na verdade ela solicitou ao Brasil e a mais quatro países que enviassem tropas ao Haiti No caso abaixo os erros lingüísticos comprometem o enunciador pois criam dele a imagem de alguém sem qualquer intimidade com a língua e portanto de alguém bastante rústico O dom da oratória O pronunciamento do presidente Collor anteontem em cadeia nacional de rádio e TV despertou no exdeputado José Costa PMDB recordações que coleciona para incluir em um livro de memórias e casos políticos de Alagoas Há alguns anos bem antes de alguém pensar em modernizar os portos o deputado federal Ozeas Cardoso amigo de Arnon de Mello pai do presidente Collor ajudou por uma circunstância qualquer da vida a categoria dos estivadores Eram os tempos de guerra da velha UDN partido do deputado Sensibilizados os trabalhadores resolveram promover uma festa para agradecer a mãozinha O estivador escolhido para falar na ocasião atendia pelo sugestivo apelido de Quebra Poste Homem simples começou se desculpando por não saber falar direito a língua pátria Com essa limitação mas fazendo questão de expressar toda a gratidão da categoria Quebra Poste resumiu a mensagem em poucas palavras Seu nome deputado já diz tudo tem o o de onesto e o c de cincero Folha de S Paulo 2361992 38 Lição 4 A heterogeneidade lingüística Leia o texto que segue Cansados finalmente os embaixadores de lhes responder o Batista que não era Messias nem Elias nem profeta pediramlhe finalmente que pois eles não acertavam a perguntar lhes dissesse ele quem era A esta instância não pôde deixar de deferir o Batista E o que vos parece que responderia Ego sum vox clamantis in deserto Eu sou uma voz que clama no deserto Verdadeiramente não entendo esta resposta Se os embaixadores perguntaram ao Batista o que fazia então estava bem respondido com a voz que clamava no deserto porque o que o Batista fazia no deserto era dar vozes e clamar mas se os embaixadores perguntavam ao Batista quem era como lhes responde ele o que fazia Respondeu discretissimamente Quando lhe perguntavam quem era respondeu o que fazia porque cada um é o que faz e não é outra cousa As cousas definemse pela essência o Batista definiuse pelas ações porque as ações de cada um são a sua essência Definiuse pelo que fazia para declarar o que era Daqui se entenderá uma grande dúvida que deixamos atrás de ponderar O Batista perguntado se era Elias respondeu que não era Elias Non sum E Cristo no capítulo onze de S Mateus disse que o Batista era Elias Joannes Baptista ipse est Elias Pois se Cristo diz que o Batista era Elias como diz o mesmo Batista que não era Elias Nem o Batista podia enganar nem Cristo podia enganarse como se hão de concordar logo estes textos Muito facilmente O Batista era Elias e não era Elias não era Elias porque as pessoas de Elias e do Batista eram diversas era Elias porque as ações de Elias e do Batista eram as mesmas A modéstia do Batista disse que não era Elias pela diversidade das pessoas a verdade de Cristo afirmou que era Elias pela uniformidade das ações Era Elias porque fazia ações de Elias Quem faz ações de Elias é Elias quem fizer ações de Batista será Batista e quem as fizer de Judas será Judas Cada um é as suas ações e não é outra cousa Oh que grande doutrina esta para o lugar em que estamos Quando vos perguntarem quem sois não vades revolver o nobiliário de vossos avós ide ver a matrícula de vossas ações O que fazeis isso sois nada mais Quando ao Batista lhe perguntaram quem era não disse que se chamava João nem que era filho de Zacarias não se definiu pelos pais nem pelo apelido Só de suas ações formou a sua definição Ego vox clamantis 39 Muito tempo há que tenho dous escândalos contra a nossa gramática portuguesa nos vocábulos do nobiliário A fidalguia chamamlhe qualidade e chamamlhe sangue A qualidade é um dos dez predicamentos a que reduziram todas as cousas os filósofos O sangue é um dos quatro humores de que se compõe o temperamento do corpo humano Digo pois que a chamada fidalguia não é somente qualidade nem somente sangue mas é de todos os dez predicamentos e de todos os quatro humores Há fidalguia que é sangue e por isso há tantos sanguinolentos há fidalguia que é melancolia e por isso há tantos descontentes há fidalguia que é cólera e por isso há tantos malsofridos e insofríveis e há fidalguia que é fleuma e por isso há tantos que prestam para tão pouco De maneira que os que adoecem de fidalguia não só lhes peca a enfermidade no sangue senão em todos os quatro humores O mesmo se passa nos dez predicamentos Há fidalguia que é substância porque alguns não têm mais substância que a sua fidalguia há fidalguia que é quantidade são fidalgos porque têm muito de seu há fidalguia que é qualidade porque muitos não se pode negar são muitos qualificados há fidalguia que é relação são fidalgos por certos respeitos há fidalguia que é paixão são apaixonados de fidalguia há fidalguia que é ubi são fidalgos porque ocupam grandes lugares há fidalguia que é sítio e desta casta é a dos títulos que estão assentados e os outros em pé há fidalguia que é hábito são fidalgos porque andam mais bem vestidos há fidalguia que é duração fidalgos por antigüidade E qual destas é a verdadeira fidalguia Nenhuma A verdadeira fidalguia é ação Ao predicamento da ação é que pertence a verdadeira fidalguia Nam genus et proavos et quae non fecimus ipsi vix ea nostra voco Em verdade não invoco a origem os ancestrais e os méritos que não nos cabem apenas as nossas ações disse o grande fundador de Lisboa As ações generosas e não os pais ilustres são as que fazem fidalgos Cada um é suas ações e não é mais nem menos como o Batista Ego vox clamantis in deserto VIEIRA Antônio Sermões Porto Lello 1959 vol I t 1 p 211213 No Sermão da Terceira Dominga do Advento a que esse trecho pertence Vieira parte do episódio bíblico João 1 1934 que narra a ida a João Batista de uma embaixada de sacerdotes e levitas de Jerusalém para perguntarlhe quem era e sua resposta de que era a voz que clama no deserto Com base nessa resposta Vieira tece uma argumentação para mostrar que a fidalguia a nobreza pertence à esfera da ação do trabalho e não à herança familiar sangue Diz que ela não é nem qualidade nem sangue mas ação Esse sermão opõese a um ponto de vista vigente na sociedade do tempo do pregador de que a nobreza era algo ontológico era um valor herdado pelo nascimento A essa perspectiva Vieira contrasta a idéia de que a nobreza é 40 uma virtude conquistada no trabalho de que não há uma ordem social natural Poderíamos dizer que à maneira de ver da aristocracia feudal Vieira contrapõe o modo burguês de considerar o mundo Esse texto revela uma propriedade fundamental da linguagem a heterogeneidade constitutiva Um discurso é construído a partir de uma relação polêmica com outro Por isso todo texto é atravessado por outros Isso significa que um texto põe em cena duas concepções a respeito de uma dada questão aquela que defende e aquela a que se opõe É por essa razão que se diz que um discurso é constitutivamente heterogêneo ele contém duas vozes sociais dois pontos de vista duas perspectivas sobre um determinado tema Sob uma voz há outra Essas duas maneiras de ver não são mostradas marcadas no fio do discurso A memória discursiva do analista é que as resgata e delimita Um discurso antidilatorial só pode surgir numa sociedade em que há uma ditadura um discurso abolicionista só aparece numa formação social escravagista e assim por diante O discurso é heterogêneo porque numa sociedade existem pontos de vista divergentes sobre cada questão uma vez que ela é dividida em grupos sociais com interesses distintos A linguagem é assim a arena desses conflitos dessas polêmicas Perceber o discurso em relação ao qual um outro se opõe é apreender a historicidade da linguagem dado que a História se faz nesse movimento de contradição Heterogeneidade mostrada Além dessa heterogeneidade constitutiva com muita freqüência o texto mostra a voz de outrem cita a palavra de alguém que não o produtor do texto enunciador deixa claro que está tratando de pontos de vista pelos quais o enunciador não é responsável Nesse caso há mecanismos lingüísticos que servem para mostrar quem está falando Heterogeneidade mostrada marcada Nesse caso a voz do outro está bem demarcada por elementos lingüísticos e por conseguinte separamse nitidamente a palavra do enunciador e o discurso citado Analisemos os principais mecanismos de citação marcada da voz do outro 41 a Negação Veja o texto Aprendeu em Fidelino de Figueiredo Com os mortos não se deve polemizar e com os vivos não vale a pena Aprendera antes em Goethe Nunca responder a um ataque mesmo que nos acusem de ter furtado um talher de prata A princípio não respondia por orgulho Era tão mais difícil que responder Hoje a idéia da réplica nem sequer lhe ocorre A obra deve conter em si mesma resposta a qualquer objeção ANDRADE Carlos Drummond Poesia e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1983 p 1011 Uma negação contém dois pontos de vista pois afirma alguma coisa e ao mesmo tempo refuta uma afirmação anterior Há dois tipos básicos de negação a descritiva que aparentemente contesta um dado de realidade mas de fato desmente um ponto de vista sobre ele a polêmica que claramente é contrária a uma dada perspectiva sobre alguma coisa As três primeiras negações do texto acima com os mortos não se deve polemizar com os vivos não vale a pena polemizar nunca responder a um ataque mesmo que nos acusem de ter furtado um talher de prata são polêmicas pois afirmam um ponto de vista sobre o que não se deve fazer e ao mesmo tempo negam a opinião contrária de que se deve polemizar com os mortos de que vale a pena polemizar com os vivos de que sempre se deve responder a um ataque As duas últimas a princípio não respondia por orgulho hoje a idéia de réplica nem sequer lhe ocorre são descritivas pois aparentemente refutam um dado de realidade isto é de que a princípio respondesse e de que hoje a idéia de réplica lhe ocorra mas na verdade contestam o ponto de vista de alguém sobre esses dados de realidade b Discurso direto e discurso indireto Num texto muitas vezes o enunciador insere a fala de outrem cita o discurso alheio Faz isso contando o que o outro disse ou dandolhe a palavra criando uma simulação de um diálogo Quando se reproduz a fala de alguém no interior do texto temos o discurso direto Leia o texto que segue Escutar conversa alheia não é o meu hobby mas se as palavras entram pelos ouvidos da gente sem pedir licença que remédio senão escutá las No restaurante em mesa quase encostada à minha jantavam dois 42 rapazes de pouco mais de 20 anos vestidos e penteados com esmero apenas o cabelo um pouco longo e mantinham o diálogo que reproduzo com possível fidelidade Quanto a isso não há dúvida meu caro Cheguei à conclusão de que temos de promover uma política inteligente de especialização setorial É óbvio mas você não acha que cumpre ao mesmo tempo equacionar o grave estrangulamento do setor externo O primeiro concentrouse antes de responder Ora essa meta não oferece percalços uma vez que se alcance a médio prazo eu disse a médio prazo a dinamização de nossas rendas nos mercados forâneos Correto Mas qual a processualística Pela fixação de tetos permissíveis Talvez Penso antes no escalonamento gradativo do aporte de recursos O outro ponderou mansamente Mas você precisa ter em mente a factibilidade das expansões projetadas Não se deve escutar conversa dos outros mas aprendese muito escutando conversa dos outros Mormente de economistas Id ibid p 14531455 Nesse texto o narrador introduz a conversa das personagens e passa lhes a palavra Temos então a impressão de ouvir os dois jovens economistas falando O narrador intervém no meio do diálogo para indicar a atitude de cada um durante a conversa concentrouse antes de responder ponderou mansamente O discurso direto simula reproduzir fielmente a palavra de outrem As características do discurso direto são 1 a fala de cada personagem é anunciada por um verbo de dizer por exemplo dizer ponderar replicar retorquir obtemperar afirmar responder perguntar que pode vir antes no meio ou depois dessa fala ou pode ainda estar subentendido pelo travessão em nosso exemplo temos falas precedidas pelos verbos responder e ponderar e falas em que o verbo de dizer está subentendido dado que a mudança de travessão indica que outra personagem tomou a palavra 2 a palavra do narrador é nitidamente separada do texto que ele reproduz por aspas ou por dois pontos e travessão 43 3 os pronomes pessoais e possessivos os tempos verbais e as palavras que indicam tempo e lugar advérbios de tempo e de espaço e pronomes demonstrativos são usados tanto em referência ao narrador quanto em referência às personagens tanto o narrador quanto as personagens dizem eu e tratam a pessoa a quem se dirigem por tu consideram aqui o lugar de onde falam e a partir dele ordenam os outros espaços aí ali lá acolá organizam os tempos a partir do momento de sua fala Analisemos agora uma outra forma de citar o discurso de outrem Leia o texto que vem a seguir O sempre bem informado João esclareceu que peculatários e estelionatários aproveitando a ocasião exerciam o direito de voto e restituíam o roubado em seguida recolhiamse espontaneamente à cadeia e embora perdoados teimavam em permanecer lá dentro para purgação de suas faltas Id ibid p 1081 Nesse texto o narrador não dá a palavra a João mas nos conta o que ele disse Assim não temos a fala da personagem diretamente mas tomamos conhecimento de seu ponto de vista indiretamente por meio das palavras do narrador Temos nesse caso o discurso indireto Seus traços são 1 a palavra da personagem é introduzida por um verbo de dizer no nosso texto esclareceu 2 o que disse a personagem é transmitido sob a forma de uma oração subordinada substantiva objetiva direta do verbo de dizer no nosso exemplo peculatários e estelionatários para purgação de suas faltas é um conjunto de orações objetivas diretas do verbo esclarecer por conseguinte há uma separação nítida entre a palavra do narrador e a da personagem que vem marcada por uma partícula uma conjunção integrante Esclareceu que tudo caminhava bem ou um advérbio Perguntoume onde eu morava ou um pronome interrogativo Informoume quem estava lá 3 as pessoas os tempos e os espaços são organizados sempre em referência ao narrador pois só ele diz eu apenas a pessoa a quem ele se dirige é tratada por tu somente o lugar em que ele se acha é aqui apenas o momento de sua fala é agora 44 Comparemos um texto em discurso direto e em discurso indireto para perceber melhor as diferenças No dia 18 do mês passado André afirmoume lá na repartição Estive aqui ontem No dia 18 do mês passado André afirmoume que estivera na repartição no dia anterior No primeiro caso o narrador dá a palavra a André e este apresentase como eu denomina aqui o lugar de onde fala e organiza o tempo em função do momento da fala como o estar na repartição ocorre no dia anterior àquele em que fala usa o advérbio ontem e o pretérito perfeito Temos pois discurso direto No segundo caso como o que André disse é contado pelo narrador e apenas este diz eu aqui agora o eu da fala da personagem transformase em ele estive ele estivera o aqui passa a na repartição e a anterioridade em relação ao agora na fala tornase anterioridade em relação à fala do narrador que já está no pretérito por isso o pretérito perfeito é trocado pelo pretérito maisqueperfeito Estudemos sistematicamente a alterações que ocorrem na passagem do discurso direto para o indireto 1 As orações exclamativas imperativas e interrogativas transformamse em orações declarativas Guilherme tinha planos para a emergência e todos se resumiam em tirar o máximo possível da liberalidade do padrinho O senhor me dá um presente de aniversário Id ibid p 1226 Ele perguntou se o padrinho lhe daria um presente de aniversário A oração interrogativa passou a declarativa introduzida pelo verbo perguntar 2 As interjeições e os vocativos desaparecerem ou seu valor semântico é explicitado na fala do narrador O agente do recenseamento vai bater numa casa de subúrbio bem longínquo aonde nunca chegam as notícias Não quero comprar nada 45 Eu não vim vender minha senhora Estou fazendo o censo da população e lhe peço o favor de me ajudar Ah moço não estou em condições de ajudar ninguém Tomara eu que Deus me ajude Com licença sim Id ibid p 1229 Uma mulher atende e diz que não quer comprar nada O agente dizlhe lhe toma o lugar do vocativo minha senhora que não foi vender nada que está fazendo o censo da população e pedelhe que faça o favor de ajudálo A mulher respondelhe lhe está no lugar do vocativo moço desalentada o adjetivo explicita semanticamente a interjeição ah que não está em condições de ajudar ninguém e exclama que espera que Deus a ajude a oração exclamativa tornase declarativa pede licença explicita semanticamente o conteúdo de Com licença sim e fecha a porta 3 Quando no discurso citado fala da personagem aparecerem um eu ou tu que não estiverem no discurso citante fala do narrador transformamse em ele Os pronomes demonstrativos ou advérbios de espaço não correspondentes aos do discurso citante devem ajustarse a estes Diante do Palácio do Planalto ouvi Pelas fotos achava que este prédio fosse mais imponente Aqui diante dele vejo que ele é modesto Diante do Palácio do Planalto ouvi uma pessoa dizer que pelas fotos achava que aquele prédio fosse mais imponente e que lá diante dele via que ele era modesto O eu presente na fala da personagem transformase em ele eu achava vejo ele achava via porque esse eu não tem correspondente no discurso citante O demonstrativo este e o advérbio aqui tornamse respectivamente aquele e lá porque se ajustam à organização espacial do discurso citante quando a personagem fala está diante do Palácio quando o narrador conta o que ela disse o narrador não está diante do Palácio 4 As pessoas do discurso citado que forem correspondentes às do discurso citante adquirem o estatuto deste último Ele com complexo de velhice avaliava satisfeito a média de idade dos clientes Estou me sentindo à vontade Gente de cinqüenta para cima Id ibid p 1228 46 Ele com complexo de velhice avaliava satisfeito a média de idade dos clientes e dizia que estava se sentindo à vontade porque eram pessoas de cinqüenta para cima O eu da fala da personagem corresponde ao ele do discurso citante Por isso tornase ele no discurso citante Eu comentei Não estou gostando nada disso Eu comentei que não estava gostando nada daquilo O eu do discurso citado continua eu porque é o mesmo eu do discurso citante 5 Só há transformações temporais quando o tempo do discurso citante for um dos tempos do subsistema do pretéritopretérito perfeito pretérito imperfeito pretérito maisqueperfeito futuro do pretérito e os da fala da personagem forem o presente o pretérito perfeito ou o futuro do presente Nos demais casos não ocorrem alterações nos tempos verbais As outras expressões de tempo ajustamse à organização temporal do discurso citante As mudanças de tempo verbal são as seguintes Discurso direto Discurso indireto Presente Pretérito imperfeito Pretérito perfeito Pretérito maisqueperfeito Futuro do presente Futuro do pretérito Ele replicou Faço o que quero Ele replicou que fazia o que queria Ele replicou Fiz o que quis Ele replicou que fizera o que quisera Ele replicou Farei o que quiser Ele replicou que faria o que quisesse 47 Nos três casos há mudança nos tempos verbais porque o verbo do discurso citante é o pretérito perfeito e os do discurso citado são respectivamente o presente o pretérito perfeito e o futuro do presente No exemplo abaixo não há qualquer alteração porque o tempo do discurso citante é o presente Ele replica Faço o me dá na cabeça Ele replica que faz o que lhe dá na cabeça Vejamos um exemplo com a adaptação de um advérbio de tempo No dia 18 de janeiro de 1990 ele disseme Amanhã parto para Paris No dia 18 de janeiro de 1990 ele disseme que no dia dia seguinte partiria para Paris Amanhã indica o dia posterior ao dia em que o narrador fala que é o dia 18 de janeiro de 1990 O discurso citante no entanto é pronunciado quando 18 de janeiro já é passado Por isso o dia 19 não pode ser designado como amanhã que é posterior ao dia da fala mas deve ser indicado como no dia seguinte Por outro lado como o verbo do discurso citante está no pretérito e parto é um presente com valor de futuro do presente transforma se em futuro do pretérito Qual é a função desses dois modos de citação do discurso alheio O discurso direto é uma teatralização da fala de outrem é como se alguém entrasse em cena tomasse a palavra e falasse Por isso produz um efeito de sentido de verdade O leitor ou o ouvinte tem a impressão de que a integridade do discurso alheio foi preservada e por isso está adiante da autêntica palavra do outro É como se ouvisse alguém falar com toda a carga de subjetividade Podemos ter dois tipos de discurso indireto Cada um produz um efeito de sentido distinto O primeiro é chamado variante analisadora de conteúdo Nele eliminamse todos os elementos emocionais e afetivos do discurso direto interrogações exclamações interjeições formas imperativas etc Por isso criase com ele um efeito de sentido de objetividade analítica Nesse tipo só importa o que se disse e não o modo como se disse Ao levar em conta apenas o conteúdo despersonalizase o discurso alheio e produzse um efeito de objetividade Com isso gerase uma distância entre a posição do enunciador e a de quem ele cita abrindose assim caminho para a réplica e o comentário O uso do discurso indireto na variante analisadora de conteúdo constrói a 48 impressão de uma análise racional e isenta de envolvimento emocional Nesse caso o discurso indireto não se interessa pela individualidade revelada pelo modo de dizer O segundo tipo é denominado variante analisadora de expressão Nele o que interessa é mostrar exatamente o modo de dizer do outro e não o conteúdo do que diz As palavras ou expressões que se desejam ressaltar vêm entre aspas Observe um exemplo Assim gostaria eu de ouvir a descrição do jogo entre brasileiros e mexicanos e a de todos os jogos Mas o estilo atual é outro e o sentimento dramático se orna de termos técnicos Mesmo assim quando o cronista especializado informa que o Botafogo não estava numa tarde de grande inspiração ou que Zizinho se desempenhou com seu habitual talento fico imaginando se há no futebol valores transcendentais que nós simples curiosos não captamos mas que o bom torcedor vai intuindo com a argúcia apurada em uma longa educação da vista Id ibid p 1090 Aqui não é exatamente o conteúdo da transmissão esportiva que importa mas seu estilo O autor ressalta expressões típicas de cronistas de futebol não estava numa tarde de grande inspiração e se desempenhou com seu habitual talento para mostrar que mesmo em meio à abundância de termos técnicos que caracteriza o estilo atual de narrar futebol surgem expressões nãotécnicas bastante polissêmicas que permitem pensar na existência dos valores transcendentais que regem o futebol Nessa variante o enunciador dá relevo a expressões típicas do outro Procura revelar assim peculiaridades de alguém por meio de sua forma de falar e ao mesmo tempo mostra sua posição de ironia desdém condescendência tolerância em relação a ele Numa dissertação podemse usar tanto o discurso direto quanto as duas variantes de discurso indireto para fazer citação Cada tipo visa a criar um efeito de sentido distinto c Aspas As aspas são utilizadas para marcar palavras ou expressões que o enunciador não quer assumir como suas que não considera apropriadas ao texto que julga serem aproximativas em relação ao que pretende dizer ou para assinalar termos que pertencem a uma língua diferente daquela em que o texto está sendo escrito ou a um nível de linguagem distinto do texto por exemplo um termo chulo num texto em linguagem formal Em síntese colocamse entre aspas 49 palavras ou expressões que o enunciador quer manter a distância Observe um exemplo Cada idade tem sua moral e sua sensibilidade aos 20 cuida o poeta que sua verdade lhe virá de outros colegas mais realizados e apegase a eles na ilusão de admirálos mas efetivamente à procura da fórmula mágica de que os presume depositários É só o tempo de verificar que eles não a possuem e que de resto tal fórmula não existe e a admiração se recolhe ou cede lugar ao senso crítico Este por sua vez sujeito a outros erros de ótica e ainda à injustiça compensatória A inexistência do segredo tem que ser descoberta por esforço próprio a que o rapaz não se forrará Id ibid p 1009 Nesse texto temos três palavras ou expressões entre aspas realizados fórmula mágica segredo O trecho em questão faz parte de uma crônica em que o poeta comenta o fato de que inúmeros poetas jovens enviam sua produção literária aos já consagrados em busca de conselho etc Os termos entre aspas são aqueles que o poeta não assume como seus Para ele não há poetas realizados não há fórmulas mágicas para o fazer artístico e não existe um segredo no fazer poético Esses termos pertencem a um outro discurso não aceito pelo enunciador O uso ou não de aspas em determinadas palavras ou expressões cria uma imagem do locutor Se alguém dissesse O partido está conclamando os companheiros a oporse às reformas constitucionais projetaria de si a imagem de alguém que tem reservas em relação a esse partido pois não assume o termo companheiros Se não utilizasse as aspas não produziria essa imagem d Glosas do enunciador As glosas são comentários ou explicações sobre o dizer Servem para mostrar a inadequação e o caráter aproximativo de um termo por exemplo se se pode dizer por assim dizer digo metaforicamente para praticar a autocorreção ou antes deveria ter dito para confirmar o que se disse é exatamente o que estou querendo dizer para solicitar permissão para empregar certos termos se me permitem dizer para corrigir antecipadamente um possível erro de interpretação isso nos dois sentidos da palavra no sentido próprio do termo no sentido figurado da expresssão para marcar palavras ou expressões de outro discurso como diz o outro como se diz para assinalar hesitações na busca do termo exato creio que é melhor dizer não acho a 50 palavra creio que o termo exato é Em síntese as glosas são usadas para prevenir um juízo inadequado do interlocutor por exemplo se me permite dizer para evitar os riscos de uma interpretação distorcida de uma dada posição você notou a palavra que usei entende o que quero dizer para mostrar que certas palavras ou expressões não pertencem ao discurso que está sendo produzido ou não são adequadas a ele Observe um exemplo Ora essa meta não oferece percalços uma vez que se alcance a médio prazo eu disse a médio prazo a dinamização de nossas rendas nos mercados forâneos Id ibid p 1454 O falante usa uma glosa eu disse a médio prazo para acentuar uma expressão importante para a compreensão correta do que diz evitando assim um possível erro de interpretação As glosas indicam sempre um debate entre as palavras pois estas podem possibilitar duas interpretações dois pontos de vista duas vozes divergentes Heterogeneidade mostrada não marcada Há certos mecanismos lingüísticos que mostram duas vozes no fio do discurso mas não demarcam com nitidez seus limites no texto a discurso indireto livre Leia o texto que segue Olhou as cédulas arrumadas na palma os níqueis e as pratas suspirou mordeu os beiços Nem lhe restava o direito de protestar Baixava a crista Se não baixasse desocuparia a terra largarseia com a mulher os filhos pequenos e os cacarecos Para onde Hem Tinha para onde levar a mulher e os meninos Tinha nada Se pudesse mudarse gritaria bem alto que o roubavam Aparentemente resignado sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca o patrão os soldados e os agentes da prefeitura Tudo na verdade era contra ele Estava acostumado tinha a casca muito grossa mas às vezes arreliava Não havia paciência que suportasse tanta coisa RAMOS Graciliano Vidas secas 29 ed São Paulo Martins 1971 p 138139 51 No discurso indireto livre misturamse duas vozes a do narrador e a da personagem em nosso texto Fabiano No entanto faltam elementos lingüísticos como os dois pontos e o travessão no discurso direto ou a conjunção integrante que no indireto que determinem a fronteira entre as duas Há dois tons diferentes que permitem perceber essas duas vozes o tom mais ou menos neutro da narração e o tom entre colérico e resignado da personagem Há frases que são claramente do narrador por exemplo Olhou as cédulas arrumadas na palma os níqueis e as pratas suspirou mordeu os beiços outras que sem dúvida nenhuma pertencem à personagem por exemplo Para onde Hem Tinha para onde levar a mulher e os menimos Tinha nada Outras no entanto poderiam ser de um ou de outro por exemplo se pudesse mudarse gritaria bem alto que o roubavam poderia ser dita tanto pelo narrador quanto pela personagem Nesse texto o uso do discurso indireto livre dá verossimilhança à narrativa O narrador não poderia usar o discurso direto porque a personagem não estava exteriorizando suas reflexões nem o discurso indireto pois o narrador não entra na consciência das personagens e portanto não poderia saber o seu conteúdo O discurso indireto livre mistura procedimentos do discurso direto e do indireto mesclando a voz do narrador à da personagem de forma que o conteúdo da consciência desta não apareça nem relatado nem falado Para perceber a diferença entre o discurso direto o indireto e o indireto livre imaginemos um pequeno texto apresentado nessas três formas de incorporar o discurso alheio discurso direto A sentinela resmungou Porcaria Todos lá dentro da sala aquecida e eu aqui morrendo de frio discurso indireto A sentinela resmungou aborrecida que estava lá fora morrendo de frio enquanto todos estavam lá dentro da sala aquecida discurso indireto livre Porcaria Estava lá fora morrendo de frio enquanto todos estavam lá dentro da sala aquecida As marcas do discurso indireto livre são 1 as falas das personagens não são introduzidas por verbos de dizer não há nas expressões que podem ser atribuídas a Fabiano no exemplo acima expressões como ele disse ele replicou etc 52 2 a palavra atribuída à personagem não é separada daquela considerada do narrador por conjunções advérbios ou pronomes interrogativos como no discurso indireto nem por sinais de pontuação dois pontos e travessão como no discurso direto 3 da mesma forma que no discurso direto o discurso indireto livre contém interjeições orações interrogativas imperativas exclamativas e outros elementos expressivos no exemplo acima aparecem Para onde Hem Tinha para onde levar a mulher e os meninos Tinha nada 4 os pronomes pessoais os tempos verbais as palavras que indicam tempo e espaço são usados na mesma maneira que no discurso indireto por exemplo o eu da personagem apresentase como ele um presente transforma se em pretérito perfeito se a narrativa for no pretérito um aqui tornase lá por isso uma frase como Tudo na verdade era contra ele Estava acostumado tinha a casca muito grossa mas às vezes arreliava significaria Tudo na verdade é contra mim Estou acostumado tenho a casca muito grossa mas às vezes arrelio Por misturar procedimentos do discurso direto e do indireto por mesclar as vozes do narrador e da personagem por reunir elementos emocionais e o afastamento do eu o discurso indireto livre fica entre a objetividade e a subjetividade Por isso ele é a forma por excelência de representar a consciência o imaginário Mostra a interioridade da personagem em contraposição à exterioridade manifestada pela visão do narrador Com esse mecanismo de citação do discurso alheio o narrador identificase com a personagem mas ao mesmo tempo mantém independência em relação a ela Nele o narrador faz um jogo de aproximação e distanciamento da personagem b Imitação Uma outra forma de apresentar duas vozes no mesmo texto é a imitação Podese imitar um texto determinado ou um estilo Quando se imita com a finalidade de desqualificar um texto ou um estilo de negálo de ridicularizálo temos uma imitação por subversão também chamada paródia por muitos autores Quando não há essa intenção fazse uma imitação por captação também denominada estilização por certos autores Na subversão ressaltam se as diferenças entre o que imita e o que é imitado na captação as semelhanças A percepção de que um texto imita um estilo ou um outro texto depende de nossa memória textual isto é dos conhecimentos a respeito dos textos já produzidos ou de diferentes maneiras de escrever 53 Vejamos um exemplo de imitação de um texto Canção do exílio Meu lar Minha terra tem palmeiras Se eu tenho de morrer na flor dos anos Onde canta o Sabiá Meu Deus não seja já As aves que aqui gorjeiam Eu quero ouvir na laranjeira à tarde Não gorjeiam como lá Cantar o sabiá Nosso céu tem mais estrelas Meu Deus eu sinto e tu bem vês que eu morro Nossas várzeas têm mais flores Respirando este ar Nossos bosques têm mais vida Faz que eu viva Senhor dáme de novo Nossa vida mais amores Os gozos do meu lar Em cismar sozinho à noite O país estrangeiro mais belezas Mais prazer encontro eu lá Do que a pátria não tem Minha terra tem palmeiras E este mundo não val um só dos beijos Onde canta o Sabiá Tão doces duma mãe Minha terra tem primores Dáme os sítios gentis onde eu brincava Que tais não encontro eu cá Lá na quadra infantil Em cismar sozinho à noite Dá que eu veja uma vez o céu da pátria Mais prazer encontro eu lá O céu do meu Brasil Minha terra tem palmeiras Onde canta o Sabiá Se eu tenho de morrer na flor dos anos Meu Deus não seja já Não permita Deus que eu morra Eu quero ouvir na laranjeira à tarde Sem que eu volte para lá Cantar o sabiá Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá Quero ver esse céu da minha terra Sem quinda aviste as palmeiras Tão lindo e tão azul Onde canta o Sabiá E a nuvem corderosa que passava DIAS Gonçalves Poesia Correndo lá do sul Rio de Janeiro Agir 1975 p 1112 Nossos Clássicos 18 Quero dormir à sombra dos coqueiros As folhas por dossel E ver se apanho a borboleta branca Que voa no vergel Quero sentarme à beira do riacho Das tardes ao cair E sozinho cismando no crepúsculo Os sonhos do porvir 54 Se eu tenho de morrer na flor dos anos Meu Deus não seja já Eu quero ouvir na laranjeira à tarde Cantar o sabiá ABREU Casimiro de In BANDEIRA Manuel Antologia dos poetas brasileiros Fase romântica Rio de Janeiro Ouro 1967 p 242243 O poema de Casimiro de Abreu tinha na primeira edição de As primaveras 1859 o título de Canção de Exílio Ele reproduz os mesmos temas da poesia gonçalvina o exílio as saudades da pátria o desejo da volta antes da morte a exaltação da natureza brasileira além disso repete figuras do texto golçalvino o sabiá a cantar numa árvore a laranjeira o cismar sozinho no anoitecer o céu do Brasil etc O texto de Casimiro caminha na mesma direção de sentido que o de Gonçalves Dias Por isso é uma imitação por captação Para estudar o que é imitação de estilo é preciso discutir o que é estilo Esse termo tem uma utilização muito variada Falase em estilo de um escritor o estilo de Machado de Alencar de Fernando Pessoa de Eça de Queirós de uma escola literária ou artística o estilo simbolista dos impressionistas do arcadismo de um criador qualquer o estilo de Rodin de Dior de uma época o estilo dos anos trinta do estilo da belle époque de um tipo de linguagem o estilo diplomático o estilo arrebatado dos discursos parlamentares de uma atividade humana qualquer o estilo do governo Collor o estilo administrativo do ministro Qual é o sentido de base dessa palavra que permite um uso tão amplo O estilo é o conjunto de traços que define desde as atividades humanas mais banais até as mais sublimes criações do homem É o grupo de características que dá singularidade a um dado objeto De forma mais precisa podese dizer que é o conjunto de traços recorrentes do plano do conteúdo e do plano da expressão que determinam o efeito de unicidade para alguma coisa O estilo é um fato diferencial distingue um escritor de outro estabelece diferenças entre um pintor e outro e assim por diante Vejamos alguns exemplos dessas recorrências No plano do conteúdo por exemplo a descrição de objetos decorativos é característica do parnasianismo Diz Alfredo Bosi que o parnasiano típico acabará deleitandose na nomeação de vasos e leques chineses flautas gregas taças de coral ídolos de gesso em túmulos de mármore 1975 248 As figuras relacionadas à vida pastoril são recorrentes na poesia árcade A ênfase nos comportamentos instintivos do homem e sua comparação com os animais são constantes no romance naturalista No plano da expressão plano dos sons nível da organização 55 das palavras no texto das construções poderíamos citar os seguintes exemplos a busca da musicalidade da linguagem com a criação de aliterações etc é uma constante na poesia simbolista as rimas perfeitas e ricas e a métrica impecável são características do parnasianismo Cabe lembrar que o que define um estilo não é um traço isolado mas um conjunto de características Os imitadores os que parodiam os falsificadores os covers etc procuram exatamente imitar o estilo o conjunto de características que dá singularidade os traços que permitem dizer parece um Matisse soa a Alencar é simbolista Tomemos um exemplo de imitação de estilo Quando Bauer o de pés ligeiros se apoderou da cobiçada esfera logo o suspeitoso Naranjo lhe partiu ao encalço mas já Brandãozinho semelhante à chama lhe cortou a avançada A tarde de olhos radiosos se fez mais clara para contemplar aquele combate enquanto os agudos gritos e imprecações em redor animavam os contendores A uma investida de Cárdenas o de fera catadura o couro inquieto quase se foi depositar no arco de Castilho que com torva face o repeliu Eis que Djalma de aladas plantas rompe entre os adversários atônitos e conduz sua presa até o solerte Julinho que a transfere ao valoroso Didi e este por sua vez a comunica ao belicoso Pinga A essa altura já o cansaço e o suor chegam aos joelhos dos combatentes mas o Atrida enfurecido como o leão que fiado na sua força colhe no rebanho a melhor ovelha rompendolhe a cerviz e despedaçando a com fortes dentes para em seguida sorverlhe o sangue e as entranhas investe contra o desprevenido Naranjo e atirao sobre a verdejante relva calcada por tantos pés celestes Os velozes Torres Madrida e Avellan quedam paralisados tanto o pálido temor os domina e é quando o divino Baltasar a quem Zeus infundiu sua energia e destreza arremete com a submissa pelota e vai plantála qual pomba mansa entre os pés do siderado Carbajal Assim gostaria eu de ouvir a descrição do jogo entre brasileiros e mexicanos e a de todos os jogos à maneira de Homero ANDRADE Carlos Drummond Op cit p 1090 O próprio poeta diz que a descrição do jogo imaginada por ele no primeiro parágrafo imita o estilo de Homero em que uma das características é a plasticidade Podese dizer que o poeta não descreve um objeto mas colocao diante de nós faz com que o vejamos Essa visualidade da poética homérica é dada pela utilização de adjetivos ou expressões de valor adjetivo bem concretos por exemplo não se diz que Bauer era rápido mas que era o de pés ligeiros pelas comparações por exemplo como o leão que fiado na sua força colhe 56 no rebanho a melhor ovelha rompendolhe a cerviz e despedaçandoa com fortes dentes para em seguida sorverlhe o sangue e as entranhas pela atribuição de um adjetivo concreto referente ao efeito a um substantivo abstrato designativo da causa por exemplo pálido temor pela atribuição de uma característica bem precisa a cada personagem por exemplo solerte Julinho valoroso Didi belicoso Pinga pela tentativa de concretização maior dos substantivos comuns seja designando os objetos por uma característica seja atribuindo aos nomes um adjetivo bem concreto couro inquieto presa bola verdejante relva submissa pelota Como o poeta refaz recria o estilo de Homero por desejar ouvilo repetido na descrição de um jogo de futebol configurase aí uma imitação de estilo por captação 57 Lição 5 Seleção vocabular Leia o texto abaixo Humpty Dumpty pegou o caderninho e contemplouo cuidadosamente Parece que está certo começou a dizer O senhor está segurando de cabeça para baixo interrompeu Alice Claro que estou disse Humpty Dumpty jovialmente enquanto virava o caderninho Bem que me pareceu meio esquisito Como eu estava dizendo parece que a conta está certa embora não tenha tido tempo de examinála a fundo e isso mostra que você tem trezentos e sessenta e quatro dias para ganhar um presente de nãoaniversário Certo reconheceu Alice E só um para presentes de aniversário como vê Eis a glória para você Não sei o que o senhor entende por glória disse Alice Humpty Dumpty sorriu com desdém Claro que você não sabe até eu lhe dizer O que quero dizer é eis aí um argumento arrasador para você Mas glória não significa um argumento arrasador objetou Alice Quando uso uma palavra disse Humpty Dumpty em tom escarninho ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique nem mais nem menos A questão ponderou Alice é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes A questão replicou Humpty Dumpty é saber quem manda É só isso CARROLL Lewis Aventuras de Alice 3 ed São Paulo Summus 1980 p 195196 Nessa discussão entre Alice e Humpty Dumpty quem tem razão é a menina A língua é uma convenção social e a nenhum falante sob pena de não mais poder comunicarse é dado mudála Cabe ressalvar no entanto que isso não quer dizer que o sistema não ofereça margem de manobra para que o falante possa exercer sua criatividade As palavras têm significados e usos determinados na língua opõemse a umas substituem outras combinamse com outras etc As palavras mantêm relações entre si Assim os termos marido e 58 mulher bom e mau surrar espancar e bater podem substituirse quando queremos trocar uma palavra por seu antônimo ou por um sinônimo Por outro lado um vocábulo combina com alguns termos e não combina com outros Assim louro pode combinarse com cabelo mas não com madeira miar combinase com gato mas não com cachorro Uma palavra mantém com outras uma série de relações O sentido deriva do conjunto de relações diferenciais e combinatórias que ela mantém com outras unidades do vocabulário Essas relações não são fixadas pelo falante no momento em que produz um texto como queria Humpty Dumpty mas são determinadas na língua sendo portanto sociais Se nenhum falante pode a seu belprazer alterar essas relações existe então um uso adequado ou inadequado das palavras Antes porém de analisar essa questão da escolha da palavra exata vamos estudar um pouco mais detidamente as relações que os termos mantêm entre si Os três tipos de relação são a sinonímia a antonímia e a hiponímia Sinonímia Não existem sinônimos perfeitos O que há são aproximações de sentido Dizemos que duas palavras são sinônimas quando seus significados mantêm uma intersecção pois jamais eles se recobrem completamente Se seus sentidos fossem idênticos deveriam ser intercambiáveis em todos os contextos e obedecer às mesmas condições de emprego Por exemplo jovem e novo são sinônimos No entanto seus significados não são idênticos pois não podem ser permutados em todos os contextos ambos qualificam um nome humano homem jovem homem novo mas jovem não se aplica aos nãohumanos podese dizer um livro novo mas não um livro jovem As expressões em decúbito dorsal e de costas são sinônimas No entanto suas condições de emprego não são as mesmas o primeiro é empregado em contextos técnicos por exemplo da Medicina Legal o segundo é usado na linguagem geral Dizer que não há sinônimos perfeitos não significa que não haja sinônimos Dizemos que duas palavras são sinônimas quando são substituíveis no mesmo contexto sem mudança do sentido básico Palavras como urinar e mijar são substituíveis no mesmo contexto e embora a segunda seja mais grosseira do que a primeira o sentido básico do que está sendo dito não se altera quando se troca uma pela outra Por isso são sinônimas Analisemos mais detidamente por que os significados dos sinônimos não são idênticos 1 porque não são intercambiáveis em todo o contexto isto é não se associam com todas as palavras baio e moreno são sinônimos mas o primeiro 59 só se aplica a eqüinos enquanto o segundo se associa aos humanos e as partes do corpo humano pampa e malhado são sinônimos mas o primeiro só se aplica a eqüinos enquanto o segundo se associa a outros animais soldo salários e honorários são sinônimos mas o primeiro se aplica à remuneração dos militares o segundo à dos que exercem trabalho assalariado o terceiro à dos profissionais liberais cortar decepar e amputar são sinônimos mas o primeiro é mais geral enquanto o segundo e o terceiro aplicamse a partes do corpo sendo que o terceiro é usado em contexto médico 2 porque têm condições diferentes de emprego discursivo 21 têm valor social ou expressivo distinto barbeiro e cabelereiro pertencem a mesmo nível de linguagem mas a primeira é uma designação menos prestigiosa que a segunda 211 um tem uma intensidade maior que o outro repudiarrejeitar berrargritar suplicarpedir mourejartrabalhar miserávelpobre caos confusãodesordem adoraramar desgraçadoinfeliz rejeitardeclinar abandonardeixar 212 um implica aprovação ou censura moral enquanto o outro é neutro beatocarolareligioso ganavontade víciodefeito estróinagastador econômicoseguro 22 pertencem a níveis de língua diferentes dar bola e mostrar interesse são variantes lexicais diafásicas porque embora sejam sinônimos não podem figurar no mesmo tipo de discurso já que pertencem a registros de língua diferente sua escolha está adaptada ao contexto social de comunicação 221 são variantes diacrônicas arcaísmos neologismos etc nonada ninharia avençaacordo defesosproibidos alveitarveterinário físico médico 222 são variantes diatópicas regionalismos lusitanismos brasileirismos etc sangaregato prendamoça chinaprostituta fifólamparina peitica implicância elétricobonde comboiotrem 223 são variantes diastráticas jargões profissionais gírias fala infantil etc papipai óbitomorte escabiosesarna dipsomaníacoalcoólatra beberrão esposamulherpatroa 224 são variantes diafásicas um é mais catiço que outro um é mais coloquial ou vulgar que outro passamentomorte aura zéfirobrisa ósculo beijo róridoorvalhado pélagooceano linfaágua pomofruto obumbrar escurecer falazenganador granadinheiro bóiacomida jamegão assinatura pifarquebrar curtirfruir gringoestrangeiro 60 Quanto mais uma área conceptual apresenta interesse e importância para a comunidade cultural mais produz sinônimos Por isso os domínios da sexualidade do dinheiro das bebidas dos jogos da doença e da morte apresentam muitos sinônimos A escolha dos sinônimos depende da situação de comunicação As palavras nunca são indiferentes Palavras referentes àquilo que se considera desagradável incorreto grosseiro são tidas também como grosseiras desagradáveis Por exemplo palavrões obscenidades designações racistas ou machistas Nesse caso o julgamento social recai sobre aquele que usa em situações de comunicação inadequadas essas palavras tidas como tabu O falante será considerado grosseiro politicamente incorreto etc Por outro lado quando um médico usa termos do jargão médico seu discurso ganha legitimidade aos olhos do paciente Do ponto de vista da construção do discurso o uso de sinônimos em intervalos é um procedimento de coesão discursiva que será estudado oportunamente O uso de sinônimos em série é um procedimento de ênfase pois se insiste numa idéia que deve ser salientada em todos os matizes Cabe insistir que nesse caso o sinônimo não é uma repetição já que cada termo é marcado por um traço ausente nos demais Observe o uso em série dos sinônimos de dinheiro no texto abaixo Eu bem podia me virar na Estação da Luz Também rendia lá Fazia ali muito freguês de subúrbio e até de outras cidades Franco da Rocha Perus Jundiaí Descidos do trem marmiteiros ou trabalhadores do comércio das lojas gente do escritório da estrada de ferro todo esse povo de gravata que ganha mal Mas que me largava o carvão o mocó a gordura o maldito o tutu o pororó o mango o vento a granuncha A seda a gaita a grana a gaitolina o capim o concreto o abrecaminho o cobre a nota a manteiga o agrião o pinhão O positivo o algum o dinheiro Aquele um de que eu precisava para me agüentar nas pernas sujas almoçando banana pastéis sanduíches E com que pagava para dormir a um canto com os vagabundos lá nos escuros da Pensão do Triunfo ANTÔNIO João Leãodechácara Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1975 p 6364 Antonímia Assim como não existe identidade entre os sinônimos não existe oposição absoluta entre palavras de sentido contrário ou seja entre antônimos Em primeiro lugar é preciso considerar que só podem oporse palavras que tiverem um traço semântico comum Podese opor homem a mulher porque ambos têm os traços sêmicos humanidade e sexualidade Não se pode opor poste a sorvete 61 Quanto aos antônimos cabem as seguintes observações a palavras diferentes podem ter um mesmo antônimo desde que tenham ao menos um sentido comum fresco e jovem podem ter como antônimo velho porque aplicado a alimentos perecíveis fresco significa novo café fresco vs café velho b uma mesma palavra pode ter tantos antônimos quantos forem seus sentidos pois cada termo possui vários traços semânticos e cada um deles pode oporse a um dado traço de conteúdo de uma outra palavra assim preto é antônimo de colorido em TV em branco e preto de mais claro em pão preto de pouco em é uma nota preta etc O jogo de figuras pode acabar com as antonímias Por exemplo As verdes ecologistas idéias incolores sem substância não têm encontrado eco junto à população Há antônimos que são mutuamente excludentes e que não admitem comparação homem vs mulher dizer ela é mais mulher do que sua filha só é possível porque o termo mulher está empregado em sentido figurado há antônimos que estão abertos à gradação por exemplo rico vs pobre inteligente vs burro há antônimos que se implicam pai vs filho Hiponímia Jean de Salisbury dizia Nominantur singularia sed universalia significantur uma palavra pode designar uma coisa singular mas significa sempre um universal ou seja uma classe de elementos No entanto as classes podem ser mais ou menos específicas Quando se diz rosa essa palavra significa toda a classe das rosas mas quando se diz flor esse termo significa não só a classe das rosas mas a das violetas a das orquídeas etc Assim flor significa uma classe mais genérica que rosa já que ela contém a classe das rosas Hipônimo é uma palavra cujo sentido está incluído em outro mais amplo Canário é hipônimo de pássaro Hiperônimo é uma palavra de sentido mais amplo que inclui outra de sentido mais específico Pássaro é hiperônimo de canário Cohipônimos são os hipônimos de um mesmo hiperônimo Canário ticotico sabiá são cohipônimos pois todos eles são pássaros O vocabulário de uma língua estruturase em redes organizadas por relações hiponímicas Há hiperônimos de vários graus Assim um hiperônimo pode ser hipônimo de um hiperônimo de nível superior gato é hipônimo de felino que por sua vez é hipônimo de mamífero que por seu turno é hipônimo de 62 vertebrado que é hipônimo de animal etc Temos alguns hiperônimos que são extremamente gerais que contém quase todas as palavras de uma determinada classe coisa coisar pessoa elemento indivíduo ser Além dessas relações entre as palavras é preciso ainda discutir o que seja polissemia homonímia e paronímia Polissemia As extensões de significado as transferências de sentido criam vários significados novos para a mesma palavra A polissemia é o fato de uma palavra ter vários significados Por exemplo o termo vela quer dizer 1 objeto para iluminação formado de um pavio constituído de fios entrelaçados recoberto de cera ou estearina 2 peça que causa a ignição dos motores 3 pano que com o vento impele as embarcações A maioria das palavras da língua é polissêmica porque a linguagem humana é polissêmica por natureza O preço a pagar é o risco da ambigüidade A polissemia está na base de grande parte dos jogos de palavras a Qual é o cúmulo da covardia Recuar diante de um relógio que adianta b Qual a diferença entre o estudante e o rio O estudante deve deixar o leito para seguir seu curso enquanto o rio segue seu curso sem deixar seu leito A polissemia pode ser explorada usandose a mesma palavra em dois sentidos diferentes O coração tem razões que a própria razão desconhece Pascal Um outro caso interessante de exploração da polissemia é a associação a uma só palavra de dois complementos ou adjuntos incompatíveis entre si mas compatíveis um a um com cada um dos sentidos do vocábulo a vestido de probidade cândida e de linho branco Hugo joga se igualmente com o fato de que cândido na origem significa branco b Sentiu o empurrão e não se zangou concertou o sobretudo e a alma e lá foi andando tranqüilamente ASSIS Machado de Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1979 vol I p 721 63 É o contexto que determina em que sentido está sendo usada uma palavra polissêmica O contexto elimina certas potencialidades significativas tornando os vocábulos menos imprecisos Por exemplo a A babá tomou a mão da criança segurar b Os EUA tomaram Granada mas não a Bósnia conquistar c Agora ele só toma água beber d A Cidade Universitária toma vários alqueires ocupar e Depois que passou a ocupar o cargo no ministério tomou um ar insuportável assumir Homonímia É a identidade fônica homofonia eou a identidade gráfica homografia de duas palavras que não têm o mesmo sentido Diferentemente da polissemia em que a mesma palavra tem vários significados diferentes na homonímia o que temos são palavras diferentes de origem diferente que se escrevem ou se pronunciam da mesma maneira Os termos polissêmicos têm uma só entrada no dicionário os homônimos mais de uma São é a terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo ser do latim sunt é o adjetivo que significa sadio do latim sanum é o adjetivo que significa santo que em português é usado diante de nomes próprios começados por consoante do latim sanctum São três palavras diferentes que no curso da evolução da língua tornaramse idênticas do ponto de vista gráfico e fônico São homófonos homógrafos Cassar tornar nulo ou sem efeito licença autorização direitos políticos etc do latim cassare e caçar perseguir animais silvestres para os aprisionar ou matar do latim captiare por captare são homófonos não homógrafos Rego sulco natural ou artificial que conduz água de um termo préromano recu cruzado provavelmente com o céltico rica sulco e rego 3ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo regar umedecer por irrigação ou aspersão do latim rigare são homógrafos não homófonos A possibilidade de confundir os homônimos é limitada a pelo contexto O governo que não realiza um censo a cada dez anos não tem senso b pela distribuição diferente ou seja pela posição diferente na frase quando pertencem a classes distintas por exemplo um verbo não ocupa na 64 frase a mesma posição que um substantivo este não pode ser colocado na mesma posição de um adjetivo etc Era moda plantar hera c pelo gênero nesse caso um dos homônimos é masculino e o outro feminino o guia pessoa que guiaa guia documento com finalidade administrativa que acompanha a mercadoria o capital riqueza ou valores disponíveisa capital cidade onde se aloja a administração de um país estado etc o cura vigário de aldeiaa cura ato ou efeito de curar o lente professora lente corpo transparente d pelo número nesse caso no singular a palavra tem um significado e no plural outro fúria ímpeto violentofúrias divindades infernais copa ramagem superior das árvorescopas naipe vermelho em forma de coração Paronímia Parônimos são vocábulos de estrutura fônica semelhante mas com sentido diferente são termos quase idênticos com uma diferença de um ou dois sons descriçãodiscrição infligirinfringir iminenteeminente emigranteimigrante locuçãolocação fluirfruir inflaçãoinfração proscreverprescrever Seleção vocabular Na seleção dos vocábulos devese atentar para o seguinte a Não confundir os homônimos por exemplo não se pode dizer A seção legislativa mostrou que o Congresso trabalhou bastante pois seção significa parte de um todo segmento A palavra correta seria sessão espaço de tempo que dura a reunião de um corpo deliberativo consultivo etc Ambas não se confundem com cessão ato ou efeito de ceder b Não confundir os parônimos Veja este exemplo Quando era ministro da Educação Passarinho recebeu uma correspondência de um reitor de uma faculdade solicitando verbas ao iminente ministro que não pestanejou Colocoua de volta no correio dizendo ao solicitante que já havia sido nomeado e portanto não estava na iminência de A 65 referência eminente ministro certamente tornaria menos acidentado todo o tráfego de petição do reitor Veja 2211986 p 51 Compreensível significa que se pode compreender e compreensivo que compreende os outros Não estaria portanto correta a seguinte frase Seu círculo familiar mostrouse menos compreensível do que ele esperava A flor não exalta um perfume penetrante mas exala c Evitar certos deslizamentos de sentido que dão à palavra um significado que ela não tem A palavra dilema significa raciocínio cuja premissa é alternativa de sorte que qualquer de seus termos conduz à mesma conseqüência daí situação embaraçosa com duas saídas difíceis ou penosas O termo não significa problema difícil Não se pode pois dizer O governo achase diante do dilema de equilibrar as finanças públicas dado que dilema implica uma alternativa Está correta a seguinte frase O turista está diante de um dilema se sai de dia arriscase a ser roubado se sai à noite arriscase a ser agredido Graças a e gozar de só podem ter como complemento um termo de sentido positivo Estão corretas as frases Ele venceu graças a seus esforços e Ele goza de boa saúde A menos que se esteja fazendo uma ironia não se pode dizer Ele venceu na vida graças a sua canalhice nem Ele goza do ódio de todos É preciso fazer uma observação a respeito de graças a O sentido dessa expressão parece estar mudando pois já se encontra com alguma freqüência graças a introduzindo termos de valor negativo Graças à má administração do último governo o estado está numa situação muito ruim Nesses casos conservase apenas o traço semântico causalidade e eliminase o traço positividade Como se trata de um processo ainda em curso recomendase que a expressão seja usada apenas para introduzir conteúdos de valor positivo Panacéia quer dizer remédio para todos os males Assim não se deve acrescentar universal a esse substantivo Em nível de que se difundiu na forma a nível de implica a existência de níveis Assim é correto dizer Esse problema não se resolve em nível de município porque o complemento supõe outros níveis de poder o estado a União No entanto é controvertido o uso que fez dessa expressão um secretário de estado de São Paulo quando lhe perguntaram quanto custara o Memorial da América Latina e ele respondeu que a nível de mensalmente era possível precisar mas a nível de totalmente não Ela já é francamente mal utilizada em 66 frases como O romance é bem construído mas a nível de psicologia é superficial A nível de advérbio os problemas sintáticos se complicam A nível de indústrias têxteis a situação está muito complicada Em nenhum desses casos existe a idéia de conceitos dispostos em patamares distintos de planos de que superpõem Por isso deveriam ser usadas expressões como no que se refere no que concerne d Evitar hiperônimos quando a situação de comunicação exige precisão Observe a precisão das palavras com que neste sermão Vieira fala da situação de cada animal em confronto com a dos peixes Falando dos peixes Aristóteles diz que só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam Dos animais terrestres o cão é tão doméstico o cavalo tão sujeito o boi tão serviçal o bugio tão amigo ou tão lisonjeiro e até os leões e os tigres com arte e benefícios se amansam Dos animais do ar afora aquelas aves que se criam e vivem conosco o papagaio nos fala o rouxinol nos canta o açor nos ajuda e nos recreia e até as grandes aves de rapina encolhendo as unhas reconhecem a mão de quem recebem sustento Os peixes pelo contrário lá se vivem nos seus mares e rios lá se mergulham nos seus pegos lá se escondem nas suas grutas e não há nenhum tão grande que se fie do homem nem tão pequeno que não fuja dele Os autores comumente condenam esta condição dos peixes e a deitam à pouca docilidade ou demasiada bruteza mas eu sou de mui diferente opinião Não condeno antes louvo muito aos peixes este seu retiro e me parece que se não fora a natureza era grande prudência Peixes Quanto mais longe dos homens tanto melhor trato e familiaridade com eles Deus vos livre Se os animais da terra e do ar querem ser seus familiares façamno muito embora que com suas pensões o fazem Cantelhes aos homens o rouxinol mas na sua gaiola digalhes ditos o papagaio mas na sua cadeia vá com eles à caça o açor mas nas suas pioses façalhes bufonerias o bugio mas no seu cepo contentese o cão de lhes roer um osso mas levado onde não quer pela trela prezese o boi de lhe chamarem formoso ou fidalgo mas com o jugo sobre a cerviz puxando pelo arado e pelo carro gloriese o cavalo de mastigar freios dourados mas debaixo da vara e da espora e se os tigres e os leões lhe comem a ração de carne que não caçaram no bosque sejam presos e encerrados com grades de ferro E entretanto vós peixes longe dos homens e fora dessas cortesanias vivereis só convosco sim mas como peixes na água Sermões Porto Lello 1959 vol 3 t VII p 251 252 Em muitos casos podese substituir o hiperônimo por um termo mais preciso Nas frases abaixo o verbo dizer poderia ser trocado pelo verbo que está entre parênteses 67 1 Ele diz sua história a quem quer ouvila confiar narrar contar 2 Você pode dizerme por que não estava presente naquele dia explicar 3 Diganos sua opinião com toda a sinceridade dar 4 Tive que mostrar minha habilidade porque todos diziam que eu era desastrado afirmar assegurar asseverar pretender sustentar 5 Vou dizerlhes uma novidade que os surpreenderá confiar confidenciar 6 Ele acabou por dizer que se tinha enganado confessar 7 Digame em que rua você mora indicar 8 Limitaramse a dizerlhe algumas palavras de encorajamento dirigir exprimir 9 Ele não faz questão de dizer seus projetos expor Dizer pura e simplesmente vento quando pode ser minuano mistral siroco brisa zéfiro revela menor precisão e portanto menor senso de observação e análise de quem fala e Não usar palavras em contextos em que elas não podem ser utilizadas Embora passageiro e temporário sejam sinônimos não se diz Uma chuva temporária obrigouos a refugiaremse sob um toldo ou Ele teve um emprego passageiro durante as festas de fim de ano Não se pode dizer O bode fazia esforços sobrehumanos para sair do poço A menos que se queira ofender as pessoas não se diz Era uma récua de homens pois récua significa grupo de bestas de carga presas umas às outras f Não usar uma pela outra em contextos em que não são sinônimas palavras que em certos contextos são sinônimas Prematuro e precoce significam que se manifesta ou sucede antes do tempo Nesse caso são sinônimos Podese dizer tanto colheita precoce quanto prematura No entanto há contextos em que eles não são sinônimos É diferente dizer criança precoce que tem talentos e habilidades que não são próprias de sua idade e criança prematura que nasceu antes do tempo g Não usar palavras em sentidos que elas não têm Um participante de uma assembléia universitária dizia Todas as escolas estão em greve a Geologia entrou a Politécnica entrou só nós estamos aqui parados só nós estamos nesta masmorra A palavra correta seria modorra que significa sonolência soneira e não masmorra que quer dizer prisão subterrânea 68 Não se diz Esvazio metade do leite do copo mas Despejo metade do leite do copo pois esvaziar significa tornar vazio um recipiente h Usar a palavra adequada à intenção de comunicativa Não usar palavras de sentido pejorativo quando não se quer exprimir censura em relação àquilo de que se fala Não se dirá que alguém é obsequioso em vez de dizer que é polido pois obsequioso indica que é excessivamente polido Não se dirá seu discurso é alambicado em vez de dizer seu discurso é castiço pois alambicado significa afetado pretensioso Usar as palavras no grau adequado Entre lamento o que aconteceu e deploro o que aconteceu há uma diferença de intensidade pois o verbo deplorar é mais forte do que lamentar A mesma coisa ocorre em Ela detestava esta cidade e Ela execrava esta cidade Não se imagina a soma que ele gastou e Não se imagina a soma que ele dilapidou i Usar a palavra adequada à situação de comunicação Não se devem usar variantes lexicais inadequadas à situação comunicativa Assim numa situação formal não se usam termos próprios de uma situação coloquial por exemplo dizer Não se imagina a soma que ele torrou em lugar de Não se imagina a soma que ele gastou Não me encha o saco em vez de Não me aborreça Seria o diabo se não se conseguisse encontrar uma solução em vez de Seria algo terrível se não se conseguisse encontrar uma solução j Evitar repetições Evite palavras idênticas Meu carro era um belo carro palavras cognatas ou seja as que têm o mesmo radical Ela viu uma visão assombrosa justaposição de sinônimos sem nenhum valor expressivo Peguei o pacote grande e volumoso Devem ser eliminados os termos inúteis por exemplo em vez de dizer Minha casa está situada num bairro mais tranqüilo que os outros bairros podese dizer Minha casa está situada num bairro mais tranqüilo que os outros A palavra repetida deve ser substituída por um sinônimo quando houver ou por um anafórico quando for possível No texto Minha casa está situada num bairro tranqüilo Moro nessa casa desde criança a segunda frase pode ser reescrita da seguinte maneira Moro nesse imóvel desde criança ou Moro aí desde criança l Não usar palavras preciosas ou arcaicas a menos que se queira usar uma linguagem de época para fins expressivos ou que a palavra tenha um matiz semântico especial As palavras nojo e britar significavam pesar luto e partir quebrar Conservaramse apenas nas expressões britar pedras e licença de 69 nojo essa expressão é usada somente na linguagem administrativa Nojo fora desse caso significa repugnância Seria muito esquisito alguém ressuscitar os sentidos antigos dizendo A morte de seu pai encheume de nojo ou O copo britouse Rodrigues Lapa diz que é preciso ter muito cuidado no emprego dos arcaísmos pois seu uso tende a tornar ridículo quem o usa Afirma ainda que em estilo como em tudo somos obrigados a ser homens do nosso tempo Estilística da língua portuguesa 8 ed Coimbra Coimbra Editora 1975 p 59 O preciosismo lingüístico é algo que entra na categoria de um estilo arcaico Muitas pessoas acham que escrever bem é escrever com termos difíceis Por isso não divergem ou discordam mas dissentem ou discrepam não matam a sede mas desalteramse não adiam mas procrastinam não têm convivência ou camaradagem mas contubérnio Muitos escritores empregam arcaísmos e preciosismos com fins jocosos irônicos para satirizar É o que faz Mário de Andrade neste texto Senhoras Não pouco vos surpreenderá por certo o endereço e a literatura dessa missiva Cumprenos entretanto iniciar estas linhas de saudade e muito amor com desagradável nova É bem verdade que na boa cidade de São Paulo a maior do universo no dizer de seus prolixos habitantes não sois conhecidas por icamiabas voz espúria senão que pelo apelativo de Amazonas e de vós se afirma cavalgardes belígeros ginetes e virdes da Hélade clássica e assim sois chamadas Muito nos pesou a nós Imperator vosso tais dislates de erudição porém heis de convir conosco que assim ficais mais heróicas e mais conspícuas tocadas por essa pátina respeitável da tradição e da pureza antiga Mas não devemos esperdiçarmos vosso tempo fero e muito menos conturbarmos vosso entendimento com notícias de mau calibre passemos pois imediato ao relato de nossos feitos por cá Nem cinco sóis eram passados que de vós nos partíramos quando a mais temerosa desdita pesou sobre nós Por uma bela noite dos idos de maio do ano translato perdíamos a muiraquitã que outrém grafara muraquitã e alguns doutos ciosos de etimologias esdrúxulas ortografam muyrakitam e até mesmo muraquéitã não sorriais Haveis de saber que este vocábulo tão familiar a vossas trompas de Eustáquio é quase desconhecido por aqui Por estas paragens mui civis os guerreiros chamamse polícias grilos guardascívicas boxistas legalistas mazorqueiros etc sendo que alguns desses termos são neologismos absurdos bagaço nefando com que os 70 desleixados e perimetres conspurcam o bom falar lusitano Mas não nos sobra já vagar para discretearmos sub tegmine fagi sobre a língua portuguesa também chamada lusitana O que vos interessará por sem dúvida é saberdes que os guerreiros de cá não buscam mavórticas damas para o enlace epitalámico mas antes as preferem dóceis e facilmente trocáveis por voláteis folhas de papel a que o vulgo chamará dinheiro o curriculum vitae da civilização a que hoje fazemos ponto de honra em pertencermos Macunaíma o herói sem nenhum caráter Rio de Janeiro Livros Técnicos e Científicos São Paulo Secretaria da Cultura Ciência e Tecnologia 1978 p 7172 O trecho faz parte do capítulo Carta pras icamiabas O remetente dessa carta é Macunaíma o próprio herói do romance o lugar em que está é a cidade de São Paulo o destinatário são as icamiabas ou seja as amazonas mulheres guerreiras que segundo a lenda viviam na região hoje denominada Amazônia Devese lembrar que o termo icamiabas é de origem indígena enquanto a palavra amazonas provém do grego Esse texto logo à primeira vista parece ter sido escrito num período anterior ao modernismo em que se cultivava uma forma clássica de escrever Os traços que permitem afirmar isso são 1 uso da segunda pessoa do plural para tratamento 2 emprego sistemático do plural majestático nós em lugar de eu 3 utilização do objeto indireto pleonástico em Muito nos pesou a nós com a finalidade de realçar o objeto indireto podese repetir a forma pronominal tônica depois da átona correspondente 4 uso de um léxico preciosista vocábulos de emprego muito raro e até de sabor arcaizante voz por palavra missivas por cartas Hélade por Grécia belígeros ginetes por cavalos de guerra dislates por asneiras conspícuas por ilustres respeitáveis pátina por envelhecimento fero por feroz idos por dia 15 no antigo calendário romano os idos eram o dia 15 dos meses de março maio julho e outubro e o dia 13 dos outros meses translato por passado petimetre por homem que se veste com apuro exagerado discretear por discorrer calmamente enlace epitalámico por casamento vulgo por povo mavórticas adjetivo derivado de Mavorte forma epentética resultante de epêntese ou seja do acréscimo de sons no meio de uma palavra de Marte por guerreiras 5 utilização de perífrases que chegam ao ridículo para falar de coisas bastante banais trompas de Eustáquio por ouvidos 71 6 emprego de formas da sintaxe clássica como por exemplo oração reduzida de infinitivo em casos em que no português moderno se utiliza uma oração desenvolvida por exemplo de vós se afirma cavalgardes belígeros ginetes e virdes da Hélade clássica 7 uso do infinitivo flexionado em locuções verbais ou junto de auxiliares causativos por exemplo não devemos esperdiçarmos fazemos ponto de honra pertencermos 8 emprego das normas portuguesas de acentuação por exemplo saùdade em lugar de saudade epitalámico em vez de epitalâmico 9 citação de dois versos de Os Lusíadas com que se inicia o célebre episódio do Gigante Adamastor Porém já cinco sóis eram passados Que dali nos partíramos cortando V 37 12 10 citação de um pedaço do 1º verso das Bucólicas de Virgílio sub tegmine fagi que significa debaixo de copada faia O texto surpreende no contexto do romance porque o narrador rompe com a modalidade espontânea de linguagem que vinha utilizando até então e adota um registro marcadamente formal Ao optar por um léxico e uma sintaxe já desusados muito a gosto dos parnasianos e prémodernistas Rui Barbosa Coelho Neto Bilac o narrador imita o estilo desses autores para ridicularizar a literatura brasileira do período anterior ao modernismo e por conseguinte toda a cultura brasileira dessa época já que esse estilo correspondia ao gosto da moda Ao satirizar o caráter anacrônico e formal da linguagem da época escarnece do caráter ultrapassado e solene de nossa cultura urbana em geral Ironiza as discussões etimológicas ou seja sobre a origem das palavras muito apreciadas então Ao dizer que as palavras da gíria ou da linguagem familiar são neologismos absurdos bagaço nefando com que se conspurca a língua portuguesa satiriza os puristas que queriam preservar a pureza do português Ridiculariza uma certa norma do português o que era tido por português castiço no período Ironiza uma forma de escrever em que sem o menor propósito citase a literatura clássica Para terminar vamos voltar à questão já discutida na lição sobre o erro do uso dos estrangeirismos Todas as línguas tomam emprestado vocábulos de outras devido ao intercâmbio entre os povos Os puristas são aqueles que defendem o uso apenas de termos vernáculos e condenam qualquer empréstimo estrangeiro A atitude purista contraria a evolução natural do idioma tem da 72 língua uma visão estática que não corresponde a sua realidade Juntamente com as coisas e as idéias que nos chegam de outros povos importamos vocábulos Rodrigues Lapa na obra citada diz que a grande lei que rege ou deve reger a adoção de estrangeirismos é que deverão ter acolhimento quando correspondam efetivamente a necessidade de expressão p 46 Quando não tivermos uma palavra em português ou quando o termo estrangeiro tiver uma matiz expressivo que não se encontra nos correspondentes portugueses o empréstimo justificase Da mesma forma podemse usar os empréstimos que pelo uso já se incorporam definitivamente ao nosso léxico Sucesso eclusa buquê constatar desolado abandonar lanche sanduíche governanta gafe dândi haraquiri etc entraram na língua por necessidade de expressão e estão plenamente incorporados ao idioma Expressões como Knowhow tem um matiz expressivo que não se encontra em nenhum vocábulo do português Devem ser evitados aqueles termos que têm um correspondente adequado na língua Por exemplo dizer As rosas nascidas da mesma tige não é necessário pois caule corresponde perfeitamente a tige Da mesma forma ouviume atentivamente pois atentamente é o correspondente exato da palavra utilizada Por outro lado podemse usar estrangeirismos com finalidades expressivas Pedro Nava usa uma série de expressões inglesas para caracterizar a mãe de um colega Eu adorava essas visitas clandestinas a Mrs Spector sua nice cup of tea cortada dum pingo de leite seus cakes suas torradas suas frutas cristalizadas e o cheiro dos cigarros bout de rose que ela fumava Porque ela fumava o que me enchia de mais assombro que a harmonia de sua voz rouca que consentia sempre que tivéssemos mais leite mais chá yes dear mais torta mais biscoito mais cake surely dear mais manteiga mais doce why not my dear O Moses exultava orgulhoso de sua mãe do modo como ela nos recebia e nos gavava gavava do francês gaver dar comida em excesso Balão cativo Rio de Janeiro José Olympio 1976 p 155 O que não se deve fazer sem que haja alguma razão expressiva é usar construções ou formas gramaticais estrangeiras A expressão venho de chegar por acabei de chegar não deve ser utilizada Do mesmo modo a moça a mais bela por a moça mais bela Dito de outro modo corresponde exatamente ao português em outras palavras em outros termos 73 Lição 6 Texto figurativo e texto temático Leia os dois textos abaixo a Nessa ocasião uma doença cruel devastou o território Um hábil médico veio do país vizinho e ministrou remédios tão apropriados que curou todos os que a ele se confiaram Quando a doença desapareceu foi pedir sua paga àqueles de quem cuidara mas tudo o que ouviu foram recusas Retornou a seu país onde chegou exaurido pelas fadigas de uma viagem tão longa Logo depois porém soube que a mesma doença voltara a atacar os trogloditas e que ela afligia com vigor redobrado aquela terra ingrata Desta vez foram eles procurálo sem esperar que ele viesse a seu país Não quero saber de vós homens injustos Vossa alma está infestada por um veneno mais letal do que esse do qual desejais a cura não mereceis lugar na Terra porque não tendes humanidade e desconheceis as regras da eqüidade MONTESQUIEU Cartas persas São Paulo Paulicéia 1991 p 32 b Nas relações entre os homens o comportamento deve pautarse não pelo egoísmo mas pela eqüidade Se as relações sociais se guiarem pelo interesse imediato cada um procurará o que é vantajoso para si num determinado momento sem levar em conta se está ou não prejudicando os outros o que significa que ao longo do tempo todos acabarão sendo prejudicados Se no entanto elas se orientarem pela eqüidade e pela justiça todos terão benefícios A base da organização social é a virtude Os dois textos dizem basicamente a mesma coisa a organização social estará assentada sobre a eqüidade e a justiça ou todos os membros de uma dada formação social serão prejudicados Apesar de conter o mesmo conteúdo os dois textos são bastante diferentes Em que reside a distinção entre eles O primeiro é constituído fundamentalmente de termos concretos médico doença país remédios trogloditas terra etc O segundo é organizado predominantemente com termos abstratos egoísmo eqüidade justiça organização virtude interesse etc 74 Desde a escola primária aprendemos que os substantivos podem ser concretos e abstratos Assim falando temse a impressão de que apenas os substantivos se classificam em concretos e abstratos e de que a palavra isolada isto é fora do contexto é que tem a propriedade de expressar concretude e abstração As coisas no entanto não são bem assim Conceituemos esses dois termos a concreto é o termo que remete a algo presente no mundo natural b abstrato é a palavra ou expressão que não se refere a algo efetivamente presente no mundo natural mas exprime categorias que organizam os elementos aí existentes A primeira advertência que se deve fazer no que tange a essa explicação do que seja concreto e abstrato é que essa oposição constitui uma categoria da linguagem e não da realidade Assim quando se diz que os termos concretos remetem a algo efetivamente presente no mundo natural não se está dizendo que se referem a seres acontecimentos propriedades etc somente no mundo visível que nos rodeia que podemos perceber imediatamente pelos sentidos Como uma das propriedades da linguagem é que ela nos possibilita criar mundos mundo natural serão os universos produzidos pelo discurso Não tem sentido perguntar se Minerva lobisomem ou duende são substantivos concretos ou abstratos Evidentemente são concretos pois Minerva é um ser existente no universo discursivo criado pela mitologia lobisomem ganha existência concreta pelo discurso folclórico a mesma coisa podese dizer dos duendes Em segundo lugar temos de levar em conta que não só os substantivos mas todas as palavras lexicais substantivos adjetivos e verbos classificam se em concretas e abstratas Com efeito chuva é um substantivo concreto pois remete a um fenômeno atmosférico efetivamente existente no mundo natural enquanto vaidade é abstrato porque expressa uma categoria que abarca um conjunto de fatos presentes no mundo natural elogiar as próprias qualidades ostentar as próprias virtudes etc liso é um adjetivo concreto pois indica uma qualidade imediatamente perceptível no mundo enquanto irascível é um adjetivo abstrato porque subsume fatos concretos como levantar a voz com facilidade etc ceifar é um verbo concreto pois exprime uma ação perceptível no mundo enquanto moralizar é abstrato porque organiza sob uma categoria um conjunto de ações concretas como impedir que funcionários públicos recebam propinas não permitir que as questões de um exame vestibular sejam vendidas a alguns candidatos etc Não devemos conceber a oposição concretoabstrato como sendo constituída de dois pólos Na verdade é preciso vêla como um contínuo que vai do mais concreto ao mais abstrato Haveria então uma gradação de 75 concretude e abstração O substantivo plantação no sentido de conjunto de vegetais plantados seria mais concreto que o substantivo plantação no sentido de ato de plantar Este porém seria mais concreto que o substantivo vergonha Por que as línguas possuem essa categoria gramatical Porque há duas formas básicas de discurso a os construídos fundamentalmente com termos concretos isto é figuras que são chamados figurativos b os produzidos preponderantemente com palavras ou expressões abstratas ou temas que são denominados temáticos Figura é um termo concreto que indica o que existe no mundo natural tema é um termo abstrato ou seja uma categoria que organiza os elementos concretos presentes no mundo natural Quando dizemos que um texto é organizado predominantemente com figuras ou temas estamos dizendo que para classificar um texto como figurativo ou temático temos que levar em conta a dominância de termos concretos ou abstratos pois num texto figurativo podem aparecer palavras abstratas e num temático termos concretos Por que se constroem esses dois tipos de texto Porque cada um tem uma função distinta Os figurativos simulam o mundo representam no texto os seres os acontecimentos as propriedades do mundo Criam um efeito de realidade pois trabalham com a concretude dos fatos Os temáticos explicam o mundo ordenam as coisas os eventos as qualidades classificam nos estabelecem relações por exemplo de inclusão de implicação de causa entre eles Se observarmos os textos com que iniciamos esta lição veremos que o texto a é figurativo e o b temático A relação entre o médico e os pacientes que não quiseram pagar seus serviços representa uma organização social não regida pela justiça a recusa do médico em voltar a cuidar dessas pessoas simula o prejuízo que todos sofrem quando pautam suas ações pelo egoísmo O primeiro texto é assim a concretização do que está exposto abstratamente no segundo Embora nele haja alguns termos abstratos por exemplo humanidade eqüidade ele é construído predominantemente com termos concretos é um fato particular que ilustra uma idéia geral Figurativização e tematização são pois dois níveis de concretização do sentido Nos textos temáticos os temas estão na superfície do texto No texto b com que iniciamos esta lição dizse claramente que uma organização social não fundada na justiça produz prejuízos para todos Nos textos figurativos os temas achamse sob a camada figurativa Para entender o texto a é preciso apreender os temas subjacentes a ele Construir um texto figurativo é concretizar um tema É o que faz um publicitário quando cria um anúncio Por exemplo deseja ele associar uma determinada marca de cigarro aos temas liberdade e aventura Figurativiza então esses temas com bandos 76 de cavalos bravios paisagens do oeste americano cowboys cavalgando cowboys sentados ao redor de uma fogueira etc O primeiro passo na compreensão de um texto figurativo é pois a apreensão dos temas que ele contém porque caso isso não ocorra o texto não terá muito sentido Para entender um texto temático é necessário captar o tema geral que abarca os subtemas disseminados ao longo do texto Como se apreendem os temas de um texto figurativo Leia o texto que segue E assim pouco a pouco se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português e Jerônimo abrasileirouse A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso e aos domingos reuniase gente para o jantar A revolução afinal foi completa a aguardente de cana substituiu o vinho a farinha de mandioca sucedeu à broa a carneseca e o feijão preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas a pimenta malagueta e a pimenta de cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa o caldo verde a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos pela moqueca pelo vatapá e pelo caruru a couve à mineira destronou a couve à portuguesa o pirão de fubá ao pão de rala e desde que o café encheu a casa com o seu aroma quente Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos E o curioso é que quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros tanto mais seus sentidos se apuravam posto que em detrimento das suas forças físicas Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos quando cantam à viola os seus amores infelizes seus olhos dantes só voltados para a esperança de tornar à terra agora como os olhos de um marujo que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar já se não revoltavam com a turbulenta luz selvagem e alegre do Brasil AZEVEDO Aluísio O Cortiço 13 ed São Paulo Martins 1957 p 103104 Esse texto fala de Jerônimo um português que veio ganhar a vida no Brasil Aqui modificou inteiramente sua maneira de ser Observe que o texto figurativo opõe dois conjuntos de figuras Um referente à lusitanidade outro ao brasileirismo Alguns dos pólos dessa oposição não vêm representados por figuras explicitamente presentes no texto mas são implicitadas pelas que aparecem claramente Na relação abaixo eles são citados entre parênteses 77 Figuras de lusitanidade Figuras do brasileirismo ar sombrio e concentrado da casa ar alegre da casa passagem de companheiros para prosear não ida dos companheiros à casa reunião de gente para jantar não receber ninguém para jantar vinho aguardente de cana broa farinha de mandioca bacalhau com batatas e cebolas cozidas carne seca e feijão preto ausência de pimenta a pimenta malagueta e a pimenta de cheiro invadiram a mesa caldo verde açorda caldo de unto ruivos e gostosos quitutes baianos moqueca vatapá caruru couve à portuguesa couve à mineira pão de rala pirão de fubá café cheiro de fumo fumar força física apuro dos sentidos ouvido grosseiro para a música ouvido menos grosseiro para a música nãocompreensão das intenções compreensão dessas intenções poéticas dos sertanejos luz turbulenta selvagem alegre luz doce e triste Num texto as figuras não se acham desorganizadas mas estão encadeadas formando uma rede um tecido que denominamos percurso figurativo Cada percurso figurativo manifesta um tema e o entrelaçamento dos diferentes percursos expressa o tema geral do texto Observe que no texto acima as figuras são encadeadas para manifestar os temas da lusitanidade e do brasileirismo À medida que Jerônimo abandona a culinária lusitana e adere à cozinha brasileira vaise operando nele uma mudança mais profunda a passagem de uma imensa capacidade de trabalhar para um gosto por aquilo que agrada os sentidos Temos então manifestado pelos percursos figurativos do texto dois temas caros ao naturalismo o meio determina o modo de ser do homem nos trópicos o caráter amolece e tornase mais sensual Esses temas são expressoss pelo entrelaçamento dos percursos figurativos que manifestam as qualidades definidoras da lusitanidade e do brasileirismo Como o sentido do texto surge da relação entre suas partes uma figura isolada não tem sentido Com efeito cada uma pode implicar idéias variadas estar virtualmente relacionada a diferentes temas É o percurso que determina a que tema ela estará correlacionada Por exemplo a figura folhas amarelas caindo das árvores pode entrar num percurso que expresse o tema da tristeza ou num que manifeste o da velhice Apreender o sentido de um percurso implica 78 compreender o tema subjacente a ele pois as figuras só ganham sentido por manifestar um determinado tema A figura folhas amarelas caindo das árvores manifesta o tema da tristeza quando estiver no percurso chuva dia cinzento frio vento pessoa olhando tristonha pela janela etc Expressa o tema da velhice quando estiver associada a velhos sentados em bancos anciãos desocupados jogando cartas numa praça velhinha com dificuldade para atravessar uma rua moradores de um asilo vagando pelo pátio etc e oposta a um percurso em que aparecem jovens jogando namorando flores árvores com folhas etc Por outro lado o mesmo tema pode ser figurativizado de diferentes maneiras O tema do domínio dos homens sobre as mulheres por exemplo pode ser expresso pela vida num harém ou pela história de uma mulher brasileira a quem o marido não permite que trabalhe que saia de casa ou ainda pela narrativa de que na China como os pais desejam filhos do sexo masculino meninas são mortas ao nascer Não se pode introduzir no percurso figurativo da vida no harém a figura de uma mulher saindo com um homem que não seja de sua família para ir a um café pois essa figura quebraria a coerência do percurso A falta de coerência num percurso figurativo torna o texto inverossímil Por exemplo não será coerente colocar num percurso que manifesta o tema do exotismo a figura pessoa trabalhando num computador No entanto pode se quebrar a coerência figurativa num texto para criar novos sentidos Por exemplo as figuras paisagem campestre rebanho de carneiros pastor riacho de águas límpidas poderiam sugerir o tema do bucolismo No entanto se a esse conjunto se acrescentam serpentes picando pessoas aranhas escorpiões areias movediças águas traiçoeiras o tema não é mais a beleza dos campos mas por exemplo o do mal sob a beleza sob a harmonia Como uma figura isolada não tem sentido uma única figura destoante no meio de um percurso figurativo não leva o leitor a pensar num novo tema mas a achar que quem produziu o texto não percebeu a incoerência que estava criando Na verdade para gerar um novo tema não se quebra a coerência de um percurso mas se introduz no texto um novo percurso figurativo É preciso dar ao leitor disseminando várias figuras no texto diversas pistas do tema que se propõe Como se encadeiam os temas Leia o texto que segue Se o ensino secundário visa à formação da personalidade e ao fornecimento a esta de instrumentos de trabalho para a vida ou para o ingresso no plano universitário neste é que se operam dois movimentos que longe de se contradizerem se completam a especialização e a cultura geral Costumase opor uma à outra como se fossem dois ideais antagônicos 79 quando ao contrário se completam em todo verdadeiro sistema pedagógico Só se opõem as duas tendências quando perdem ou corrompem o sentido verdadeiro Quando a especialização se transforma em estreiteza de espírito em profissionalização integral em hipertrofia de um setor da atividade intelectual ou prática então sim podemos dizer que ela opera em detrimento da cultura Quando esta por seu lado se torna sinônimo de diletantismo de superficialidade de enciclopedismo então podemos dizer também que a cultura geral nesse caso se opõe à especialização como aliás se opõe à própria cultura pois passa ser uma simples caricatura Mas quando uma e outra se processam na medida de seu desenvolvimento natural então longe de se hostilizarem se completam E estamos no pórtico do verdadeiro espírito universitário que é simultânea e concomitantemente de especialização e de cultura geral LIMA Alceu de Amoroso O espírito universitário apud Mackenzie 1972 O texto acima é temático pois se constrói preponderantemente com termos abstratos por exemplo cultura diletantismo atividade intelectual estreiteza de espírito Nos textos temáticos os temas estão na superfície textual espalhados ao longo dela Em nosso texto aparecem os temas relação complementar entre a especialização e a cultura geral corrupção do sentido da especialização perda do sentido verdadeiro da cultura geral etc Os diferentes subtemas de um texto temáticos são englobados num tema mais geral No nosso exemplo o grande tema do texto é a conciliação da especialização com a cultura geral na definição do verdadeiro espírito universitário Os temas de um texto constituem um percurso temático em que um tema mais amplo dá unidade a diferentes temas menores No texto de Alceu Amoroso Lima temos por exemplo o percurso temático da perda de sentido da especialização que engloba os temas da estreiteza de espírito da profissionalização integral da hipertrofia de um setor da atividade intelectual ou prática nele aparece também o percurso temático da caricatura da cultura geral que abrange os temas menores do diletantismo da superficialidade do enciclopedismo Da mesma forma que num texto figurativo num temático não pode haver quebra da coerência dos percursos temáticos Por exemplo em nosso texto em que o tema geral é a conciliação da especialização e da cultura geral no verdadeiro espírito universitário seria incoerente introduzir o tema da compartimentação do saber na universidade No entanto cabe lembrar que percursos temáticos opostos podem ser introduzidos num texto para expressar um determinado tema geral 80 Lição 7 Alteração do sentido das palavras Leia o conhecido texto de Machado de Assis transcrito a seguir Um apólogo Era uma vez uma agulha que disse a um novelo de linha Por que está você com esse ar toda cheia de si toda enrolada para fingir que vale alguma cousa neste mundo Deixeme senhora Que a deixe Que a deixe por quê Porque lhe digo que está com um ar insuportável Repito que sim e falarei sempre que me der na cabeça Que cabeça senhora A senhora não é alfinete é agulha Agulha não tem cabeça Que lhe importa meu ar Cada qual tem o ar que Deus lhe deu Importese com sua vida e deixe a dos outros Mas você é orgulhosa Decerto que sou Mas por quê É boa Porque coso Então os vestidos e enfeites de nossa alma quem é que os cose senão eu Você Esta agora é melhor Você é que os cose Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu Você fura o pano nada mais eu é que coso prendo um pedaço ao outro dou feição aos babados Sim mas que vale isso Eu é que furo o pano vou adiante puxando por você que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando Também os batedores vão adiante do imperador Você imperador Não digo isso Mas a verdade é que você faz um papel subalterno indo adiante vai só mostrando o caminho vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo Eu é que prendo ligo ajunto Estavam nisto quando a costureira chegou à casa da baronesa Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa que tinha a modista ao pé de si para não andar atrás dela Chegou a costureira pegou do pano pegou da agulha pegou da linha enfiou a linha na agulha e entrou a coser Uma e outra iam andando orgulhosas pelo pano adiante que era a melhor das sedas entre os dedos da costureira ágeis como os galgos de Diana para dar a isto uma cor poética E dizia a agulha 81 Então senhora linha ainda teima no que dizia há pouco Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo eu é que vou aqui entre os dedos dela unidinha a eles furando abaixo e acima A linha não respondia nada ia andando Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela silenciosa e ativa como quem sabe o que faz e não está para ouvir palavras loucas A agulha vendo que ela não lhe dava resposta calouse também e foi andando E era tudo silêncio na sala de costura não se ouvia mais que o plicplicplicplic da agulha no pano Caindo o sol a costureira dobrou a costura para o dia seguinte continuou ainda nesse e no outro até que no quarto acabou a obra e ficou esperando o baile Veio a noite do baile e a baronesa vestiuse A costureira que a ajudou a vestirse levava a agulha espetada no corpinho para dar algum ponto necessário E enquanto compunha o vestido da bela dama e puxava a um lado ou outro arregaçava daqui ou dali alisando abotoando acolchetando a linha para mofar da agulha perguntoulhe Ora agora digame quem é que vai ao baile no corpo da baronesa fazendo parte do vestido e da elegância Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas enquanto você volta para a caixinha da costureira antes de ir para o balaio das mucamas Vamos diga lá Parece que a agulha não disse nada mas um alfinete de cabeça grande e não menor experiência murmurou à pobre agulha Anda aprende tola Cansaste em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida enquanto aí ficas na caixinha de costura Faze como eu que não abro caminho para ninguém Onde me espetam fico Contei esta história a um professor de melancolia que me disse abanando a cabeça Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1979 vol II p 554556 Nesse texto o narrador confere à linha e à agulha traços humanos elas conversam dãose um tratamento próprio dos seres humanos você senhora atribuemse verbos que indicam ações humanas por exemplo fingir Ao mesmo tempo a narrativa relata atividades que são próprias de uma linha e de uma agulha coser furar o pano prender ligar ajuntar etc O que se observa portanto é que ao significado habitual dos termos agulha e linha se acrescenta um segundo plano de sentido o humano Daí se conclui que esse texto não fala propriamente de agulhas e linhas mas de seres humanos Se o narrador tivesse usado personagens humanas o texto não teria a mesma expressividade Quando se mostra que há pessoas com papel de agulha e outras com função de linha aproveitamse traços próprios desses objetos para projetálos nas pessoas Que traços o texto considera comuns à agulha e à pessoa que age como ela 82 a Ambas furam o pano isto é abrem caminho para os outros b ambas vão adiante puxando carregando o que vem atrás c ambas fazem trabalho obscuro d ambas têm papel subalterno e ambas não desfrutam do prazer do seu trabalho Agulha significa nesse texto pessoa que abre caminho para outros e não recebe qualquer reconhecimento por isso Linha quer dizer pessoa que desfruta do esforço daqueles que lhe abriram caminho e lhe criaram oportunidade As relações entre a linha e agulha são as mesmas que se estabelecem entre a costureira e a baronesa os batedores e o imperador A partir daí todos os termos referentes às atividades próprias da linha e da agulha devem ser lidos como atividades humanas furar o pano abrir caminho etc O último parágrafo confirma com a frase Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária essa interpretação dada ao texto na vida social há os que realizam o verdadeiro trabalho e os que desfrutam do trabalho alheio Denotação e conotação Um signo lingüístico é constituído da união de um conteúdo com a expressão imagem mental dos sons que o veicula Ao conteúdo chamamos significado à expressão denominamos significante Um signo une pois um significante a um significado Todas as palavras têm um significado habitual conhecido dos falantes da língua Por exemplo agulha quer dizer hastezinha fina de aço aguçada numa das extremidades e com um orifício na outra por onde se enfia linha fio lã cadarço barbante etc para coser bordar ou tecer linha significa fio de linho algodão seda etc usado para coser bordar fazer renda etc No texto acima no entanto essas duas palavras ganharam um outro sentido passaram a designar respectivamente pessoa que abre caminho para outras e não recebe qualquer reconhecimento por isso e pessoa que desfruta do esforço daqueles que lhe abriram caminho e lhe criaram oportunidade O segundo sentido acrescentase ao primeiro Quando um significante se une a um significado temos um signo denotado Quando ao primeiro significado se sobrepõe um segundo temos um signo conotado No texto acima agulha e linha não estão usadas em sentido denotado mas em sentido conotado Cabe agora uma pergunta Por que não se fala nesses casos simplesmente em troca de significado mas em acréscimo de um segundo significado a um significado de base Quando se faz essa pergunta na verdade o que se está 83 querendo saber é o que é que permite a alteração do significado da palavra dando a ela um valor conotado Quando se fala em acréscimo de um segundo significado estáse indicando que um signo não pode passar a ter qualquer significado mas só aqueles que tiverem alguma relação com o significado primeiro Dizer que houve alteração de sentido por acréscimo quer dizer que a mudança se deu porque o enunciador estabeleceu uma relação entre o significado de base e o significado novo As relações entre o significado acrescentado e o de base podem ser de dois tipos de semelhança ou intersecção e de contigüidade ou implicação Entre o significado de base de agulha e o significado que essa palavra tem no texto há traços semânticos comuns intersecção há uma semelhança sêmica abrir caminho para etc Veja agora este trecho O destino e a sociedade reduziram Dudu ao estado vegetoanimal Não chega a ser um corpo não chega a ser uma fisionomia é um resto de pessoa um resto de roupa um resto de nome Saberá ler Não a fome é sempre analfabeta MENDES Murilo Poesia completa e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1994 p 908 O termo fome não significa sensação que traduz a vontade de comer mas pessoa que passa fome ou seja o termo abstrato expressa algo concreto O significado acrescentado implica o significado de base coexiste com ele está contíguo a ele pessoa que passa fome coexiste com a fome Há dois tipos básicos de mudança de significado por acréscimo a metáfora que se dá por relação de semelhança entre o significado acrescentado e o de base a metonímia que ocorre por relação de contigüidade entre o significado primeiro e o significado segundo Vamos estudar mais detidamente esses dois recursos retóricos Preferimos denominálos recursos retóricos e não figuras de palavras como o faz nossa tradição lingüística porque neste livro estamos chamando figura por oposição a tema termos abstratos a todo termo concreto mesa homem água andar azul Metáfora Senhor Deus dos desgraçados Dizeime vós Senhor Deus Se é loucura se é verdade Tanto horror perante os céus Ó mar por que não apagas Coa esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão ALVES Castro Poesia 3 ed Rio de Janeiro Agir 1966 p 79 84 Nesses versos do poema Navio negreiro os termos apagar esponja manto e borrão não estão usados em sentido denotado Portanto não significam fazer cessar a combustão de o fogo extinguir o fogo ou a luz objeto de substância leve e porosa que se emprega para diversos usos por causa de sua propriedade de absorver os líquidos e rejeitálos sob pressão vestimenta sem mangas que se coloca acima das outras roupas para proteger do frio ou das intempéries mancha No texto essas palavras querem dizer respectivamente eliminar aquilo que faz desaparecer a sujeira moral superfície e evento que suja moralmente no caso o tráfico de escravos Entre os significados de base e os significados acrescentados há uma relação de semelhança de intersecção Entre os dois sentidos de apagar o traço comum é fazer desaparecer entre os dois de esponja o traço comum é capacidade de eliminar a sujeira de entre os dois de manto é camada extensa entre os dois de borrão é que suja deslustra emporcalha Esses termos são portanto metafóricos Metáfora é a alteração do sentido de uma palavra pelo acréscimo de um significado segundo quando entre o significado primeiro e o acrescentado há uma relação de semelhança de intersecção quando eles apresentam traços semânticos comuns Metonímia Laura apressavase Olhava para a direita para a esquerda mas não via nada e o tempo ia passando seis sete oito meses No fim de oito meses Josefa estava impaciente tinha gasto cinqüenta dias a dizer ao namorado que esperasse e a outra não adiantou cousa nenhuma Erro de Josefa a outra adiantou alguma cousa No meio daquele tempo apareceu uma gravata no horizonte com todos os visos conjugais Laura confiou a notícia à amiga que exultou muito mais que ela mostroulhe a gravata e Josefa aprovoua tanto pela cor como pelo laço que era uma perfeição Havemos de ser dois casais Acaba dois casais lindos Eu ia dizer lindíssimos E riam ambas Uma tratava de conter as impaciências do bigode outra de animar o acanhamento da gravata uma das mais tímidas gravatas que tem andado por este mundo Não se atrevia a nada ou atreviase pouco Josefa esperou esperou cansou de esperar parecialhe brincadeira de criança mandou a outra ao diabo arrependeuse do convênio achouo estúpido tolo cousa de criança esfriou com a amiga brigou com ela por 85 causa de uma fita ou de um chapéu um mês depois estava casada ASSIS Machado de Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1979 vol II p 960961 Esse texto foi retirado do conto O contrato que narra um pacto realizado por duas moças Josefa e Laura de que se casariam no mesmo dia na mesma igreja na mesma hora Nele gravata e bigode não estão utilizados em sentido denotado Não significam portanto tira de tecido geralmente estreita e longa que os homens passam sob o colarinho da camisa e dão um nó na frente e pêlos que guarnecem o lábio superior do homem à direita e à esquerda da linha que o divide Significam os rapazes que elas namoravam ou por quem estavam interessadas A relação que existe entre o significado de base e o acrescentado é de contigüidade de implicação Como bigode e gravata são parte dos atributos físicos masculinos ou do vestuário dos homens implicam o todo homem Como a parte implica o todo coexiste no todo significa o todo Essas mudanças de sentido que se dão em função de uma relação de contigüidade de interdependência de implicação são metonímicas Metonímia é a alteração do sentido de uma palavra ou expressão pelo acréscimo de um novo significado ao significado de base quando entre eles existir uma relação de contigüidade de inclusão de implicação de interdependência de coexistência Sinédoque é um tipo de metonímia porque também se produz em virtude de uma relação de contigüidade É a metonímia em que a parte designa o todo ou viceversa Por exemplo Cortando o longo mar com larga vela Os Lusíadas I 45 Nesse caso vela designa o navio a parte denomina o todo Quatro observações devem ser feitas sobre a metáfora e a metonímia 1 Como se percebe que um termo é metafórico ou metonímico Se o significado de base é inadequado ao contexto o sentido deve ser outro conotado Por exemplo Tendo ouvido que me faltava dinheiro para comprar sapatos Elisiário sacou o botão de coral e disse que me fosse calçar com ele ASSIS Machado de Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1979 vol II p 591 Como ninguém pode calçarse com um botão de coral essa expressão significa dinheiro obtido com a venda do botão de coral 2 As metáforas e as metonímias uma vez construídas podem criar um plano de leitura metafórico ou metonímico para o texto ou seja outros termos ganham um sentido metafórico ou metonímico As metáforas e as metonímias podem permitir ler metafórica ou metonimicamente um texto inteiro 86 Lua cheia Boião de leite que a Noite leva com mãos de treva pra não sei quem beber E que embora levado muito devagarinho vai derramando pingos brancos pelo caminho RICARDO Cassiano Poesias completas Rio de Janeiro José Olympio 1957 p 135 Boião de leite significa vaso bojudo de boca larga cheio de leite No entanto em boião de leite que noite leva há uma inadequação semântica pois a noite não carrega um boião de leite Esse contexto obriga a atribuir a essa expressão o significado de lua cheia Tratase de uma metáfora porque entre o significado de base e o acrescentado há dois traços semânticos comuns a forma redonda e a cor branca Construída essa metáfora todos os elementos do texto devem ser lidos metaforicamente noite leva movimento da lua no céu à medida que a noite avança pingos brancos estrelas etc 3 As metáforas e metonímias desgastamse pelo uso e podem tornarse clichês Devem elas nesse caso ser usadas com muito cuidado pois podem transmitir a idéia de que o enunciador não é capaz de pensamento próprio contentandose com reproduzir lugares comuns Muitos autores no entanto renovam essas metáforas e metonímias fazendo algumas alterações de palavras ou expressões mas mantendo a estrutura da frase Guimarães Rosa valeuse muito desse expediente Amavaa com toda a fraqueza do seu coração em lugar de com toda a força de seu coração Tutaméia 3 ed Rio de Janeiro José Olympio 1969 p 21 O sol morre para todos o rubro em lugar de O sol nasce para todos Ibid p 123 Já valente me levantei desassustado achei a tramontana em lugar de perdi a tramontana Ibid p 128 4 Para que servem as metáforas e metonímias Aquelas apresentam uma nova maneira de ver o mundo mais viva ao pôr em relevo certas relações semânticas usualmente esquecidas ou não percebidas No poema Lua cheia 87 realçase a forma e a cor da lua e das estrelas ao vêlas como um boião de leite que vai derramando pingos brancos pelo caminho Por outro lado as metáforas servem para projetar num significado novo o traço culturalmente dominante num signo mais conhecido Assim chamar um homem de garanhão projeta no termo homem o traço culturalmente dominante no signo garanhão sexualidade insaciável As metonímias mostram a essência das coisas aquilo que é visto como central num objeto num evento etc Por exemplo no caso do calçarse com um botão de coral o que é considerado central é a doação desse objeto para que fosse vendido a fim de permitir com o dinheiro apurado a compra de um calçado 88 Lição 8 Modos de ordenar os tempos João e Maria Agora eu era herói E o meu cavalo só falava inglês A noiva do cowboy Era você além das outras três Eu enfrentava os batalhões Os alemães e seus canhões Guardava o meu bodoque E ensaiava o rock para as matinês Agora eu era o rei Era o bedel e era também juiz E pela minha lei A gente era obrigado a ser feliz E você era a princesa que eu fiz coroar E era tão linda de se admirar E andava nua pelo meu país Não não fuja não Finge que agora eu era o seu brinquedo Eu era o seu pião O seu bicho preferido Vem me dê a mão A gente agora já não tinha medo No tempo da maldade Acho que a gente nem tinha nascido Agora era fatal Que faz de conta terminasse assim Pra lá desse quintal Era uma noite que não tinha fim Pois você sumiu no mundo sem me avisar E agora eu era um louco a perguntar O que é que a vida vai fazer de mim HOLLANDA Chico Buarque de Violão MPB São Paulo Imprima Comunicação Editorial sd p 89 89 Observe que o advérbio agora indica o momento presente Se o poeta está falando de algo que ocorre no momento atual deveria ter usado o presente No entanto utilizou sistematicamente ao longo do texto o pretérito imperfeito que é um tempo do passado Por quê Esses imperfeitos pertencem ao indicativo modo que o falante usa para situar a ação na realidade No entanto como o imperfeito expressa o imperfectivo ou seja apresenta o processo sem precisar seus limites inicial e final a língua empregao com valor de presente para criar um efeito de sentido de irrealidade isto é para manifestar fatos hipotéticos Ademais como o imperfeito situa os fatos no passado usase esse tempo que destaca os fatos do presente para expressar os acontecimentos distanciados da realidade Por esse exemplo podemos observar que o tempo lingüístico não é um simulacro do tempo cronológico marcado em semanas dias horas minutos séculos etc Ele é uma construção de linguagem que permite ao homem expressar uma vasta gama de experiências temporais situar os fatos no presente no passado no futuro tornar pretéritos os acontecimentos presentes presentificar os eventos pretéritos e assim por diante A ordenação temporal de um texto é um complexo jogo destinado a produzir diferentes efeitos de sentido O tempo é a categoria gramatical que situa os acontecimentos seja em relação ao momento da fala que é sempre um agora dado que esse termo quer dizer o momento em que o falante toma a palavra seja em relação a um marco temporal inscrito no interior do texto Quando se diz Amanhã ela andará triste pelo jardim o futuro andará indica que o acontecimento de andar é posterior ao momento da fala Já quando se diz No dia 12 de outubro de 1983 parti para a Europa em viagem de estudos instalase no texto o marco temporal pretérito no dia 12 de outubro de 1983 e mostrase com o uso do pretérito perfeito que o acontecimento partir para a Europa é concomitante a ele Por outro lado quando se diz Em 1999 já terei completado meu tempo de serviço instaurase no texto o marco temporal futuro em 1999 e o futuro do presente composto terei completado situa o evento expresso por ele como algo anterior ao marco temporal Precisemos melhor o que é o tempo lingüístico É a categoria gramatical que permite indicar que os acontecimentos são concomitantes anteriores ou posteriores quer ao momento da fala quer a um marco temporal pretérito ou futuro inscrito no texto O tempo lingüístico é expresso fundamentalmente pelo verbo e pelos advérbios ou expressões adverbiais temporais Passemos a estudar os tempos verbais Como o tempo situa os acontecimentos em relação ao momento da fala ou a um marco temporal pretérito ou futuro temos três subsistemas temporais um do presente em que os fatos são situados como anteriores posteriores ou concomitantes em relação ao 90 momento da fala um do pretérito em que os acontecimentos são considerados como concomitantes anteriores ou posteriores em relação a um marco temporal pretérito um do futuro em que os eventos são assinalados como concomitantes anteriores ou posteriores a um marco temporal futuro 1 Subsistema do presente a Quando um acontecimento for concomitante em relação ao momento da fala temos o presente Agora estou muito ocupado O presente indica tanto o que se dá no momento da fala por exemplo estar muito ocupado quanto o que tem uma duração muito grande no tempo por exemplo Neste século a humanidade progride muito nesse caso só se usa o presente quando a duração do acontecimento abarca o momento da fala ou ainda aquilo que é visto como eterno por exemplo O quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos Para marcar a distinção entre o que ocorre exatamente no momento da fala e aquilo que abrange o momento da fala mas tem uma duração maior o português valese de uma perífrase verbal constituída do presente do indicativo do verbo estar gerúndio do verbo que se está conjugando para expressar o primeiro valor e geralmente reserva a forma simples do presente para indicar a duração maior Podese assim fazer uma oposição entre os dois valores Ele é brilhante mas hoje sua aula está sendo trivial b Quando o acontecimento for anterior ao momento da fala temos o pretérito perfeito Já choveu muito A chuva é anterior ao momento da fala c Quando o evento for posterior ao momento da fala temos o futuro do presente Daqui a pouco estarei aí 2 Subsistema do pretérito a Quando o acontecimento for concomitante em relação a um marco pretérito instalado no texto podemos usar o pretérito perfeito e o pretérito imperfeito O primeiro indica que o acontecimento está limitado em sua duração sendo portanto visto como algo acabado dentro de determinados limites temporais 91 No dia 13 de maio a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea O evento assinar a Lei Áurea ocorre durante a vigência do marco temporal no dia 13 de maio É portanto concomitante a ele Além disso esse acontecimento é visto como algo acabado Por isso é expresso pelo pretérito perfeito O imperfeito mostra o acontecimento em sua duração como algo não limitado no tempo e portanto como não acabado No ano passado ele estudava em Paris A ação de estudar se dá durante o marco temporal no ano passado É portanto concomitante a ele Ademais o evento é visto em sua duração como algo inacabado Por isso usase para exprimilo o pretérito imperfeito Observese que o pretérito perfeito tem dois valores diferentes em português expressa anterioridade em relação ao momento da fala e concomitância acabada em relação a um marco temporal pretérito Em outras línguas como o francês escrito ou o italiano esses dois valores são indicados respectivamente pelo pretérito perfeito composto e pretérito perfeito simples b Quando o evento for anterior ao marco temporal pretérito temos o pretérito maisqueperfeito Quando ele chegou à recepção o Presidente já tinha chegado A chegada do Presidente é anterior a sua chegada que é o marco temporal pretérito c Quando o acontecimento for posterior ao marco temporal pretérito temos o futuro do pretérito Naquele momento vi que não teria apoio dos meus colegas Ter apoio é posterior ao momento em que se percebe que o apoio não se daria Essa percepção é um marco temporal pretérito O futuro do pretérito composto marca assim como o simples um fato posterior a um marco temporal pretérito No entanto ele indica também um fato anterior a um outro acontecimento ou momento no futuro Em outras palavras para o uso do futuro do pretérito composto levamse em conta dois momentos de referência ele é posterior a um e anterior a outro Todos supunham que quando o inverno chegasse a guerra da Bósnia teria terminado Ontem de manhã eu sabia que às dez horas o avião já teria chegado 92 Na primeira frase o marco temporal pretérito é o momento da suposição Em relação a ele a chegada do inverno é posterior Em relação ao início do inverno o término da guerra da Bósnia é anterior Na segunda o marco temporal pretérito é ontem de manhã O momento dez horas é posterior a ele enquanto a chegada do avião ocorrerá depois do momento indicado no marco temporal mas antes das dez horas 3 Subsistema do futuro a Quando um fato é concomitante a um marco temporal futuro temos o que se poderia chamar presente do futuro que é expresso geralmente por uma perífrase formada do verbo estar no futuro do presente o gerúndio do verbo que se está conjugando Quando você for para a Europa estarei voltando A ida para a Europa é um marco temporal futuro Em relação a ele a volta é concomitante b Quando um evento é anterior a um marco temporal futuro temos o futuro anterior que a Nomenclatura Gramatical Brasileira NGB chama futuro do presente composto Quando você for para a Europa já terei voltado A volta é anterior à ida para a Europa que é um marco temporal futuro c Quando um acontecimento é posterior a um marco temporal futuro temos o que se poderia denominar futuro do futuro que é expresso pelo futuro do presente simples acompanhado de locuções como depois que Voltarei da Europa depois que você for para lá A volta é posterior ao marco temporal futuro ida para a Europa Os advérbios de tempo dividemse em dois sistemas um referente ao momento da fala e outro a um marco temporal pretérito ou futuro inscrito no texto entre os advérbios não há um subsistema do pretérito e um do futuro os advérbios que indicam anterioridade concomitância ou posterioridade em relação a um marco temporal servem para o futuro ou para o pretérito 93 O filme estreará na próxima semana Na próxima semana é um adjunto adverbial de tempo Exerce portanto o mesmo papel que um advérbio de tempo Usase próximo para indicar posterioridade em relação ao momento da fala O filme estreou na primeira semana de janeiro deste ano Na semana seguinte já tinha batido recordes de bilheteria Na semana seguinte indica posterioridade em relação ao marco temporal pretérito na primeira semana de janeiro deste ano Nesse caso não se poderia usar na próxima semana Utilizarseia também na semana seguinte se o marco temporal fosse futuro O filme estreará na primeira semana do ano que vem Tenho certeza de que na semana seguinte ele baterá todos os recordes de bilheteria Em princípio não se misturam tempos verbais e advérbios pertencentes a sistemas temporais distintos Não se diz por exemplo No dia 3 de janeiro começarei o vestibular Amanhã será a prova de português Se o amanhã de que se fala for o dia 4 de janeiro devese dizer no dia seguinte pois amanhã indica posterioridade em relação ao momento da fala e não a um marco temporal 1 Advérbios e expressões de valor adverbial que situam os acontecimentos em relação ao momento da fala Anterioridade Concomitância Posterioridade há pouco agora daqui a pouco logo ontem hoje amanhã há uma duas etc se Neste momento dentro de ou em uma manasmesesanos etc duas etc semanas mêsesanos etc no mêsano etc passado neste ano mês etc no próximo dia 20 21 etcmêsanoetc no último mêsdia 5 6 etc mêsano etc 94 2 Advérbios e expressões de valor adverbial que situam os acontecimentos em relação a um marco temporal pretérito ou futuro inscrito no texto Anterioridade Concomitância Posterioridade na véspera então na antevéspera no dia mês ano etc no mesmo dia no dia mês anterior mêsano etc ano etc seguinte uma semana mês ano uma dia semanamês etc antes ano etc depois daídali umas horas dias etc Uso de um tempo por outro Podese usar um tempo pelo outro para criar determinados efeitos de sentido Vamos dar alguns exemplos a Não lhe esconderei que estou muito aborrecido com você O futuro do presente tem o valor de presente porque se o falante está dizendo ao seu interlocutor que está aborrecido com ele não está escondendo esse fato no momento da fala Usase o futuro pelo presente para produzir um efeito de atenuação O futuro produz esse efeito de sentido porque indica menos a realização de um acontecimento do que a expectativa de que ele ocorra Substituise assim a brutalidade da afirmação no presente por um efeito de sentido de suposição de probabilidade Mantémse uma distância em relação ao que se afirma b Mandou lançar pregões por todos os arraiais que no dia seguinte se celebrava a festa do Senhor Vieira O ato de celebrar é posterior à ordem de lançar pregões que é um marco temporal pretérito Deveria ser expresso pelo futuro do pretérito No entanto usase o pretérito imperfeito pelo futuro do pretérito para criar um efeito de sentido de certeza Ele indica que é inevitável é absolutamente certa a celebração da festa do Senhor 95 c No Jornal da Cultura o sr era a imagem do equilíbrio uma espécie de caricatura do bom senso Teria colocado panos quentes até na questão do apartheid na África do Sul Colocar expressa algo que ocorreu concomitantemente com o pretérito da narrativa É manifestado pelo futuro do pretérito composto e não pelo pretérito perfeito para criar um efeito de sentido de incerteza Assim um acontecimento que ocorreu é assinalado sob a forma de hipótese O falante deixa claro então que de seu ponto de vista o acontecimento não está confirmado d Em 1822 é proclamada a Independência do Brasil É proclamada é um acontecimento acabado e concomitante em relação ao marco temporal pretérito 1822 No entanto esse evento não é expresso pelo pretérito perfeito mas pelo presente Temos aqui o chamado presente histórico Por ele presentificamse fatos passados tornandoos concomitantes ao momento da fala Assim dramatizase a narrativa e envolvese nela o leitor O presente histórico é equivalente ao zoom do cinema e A julgar pelo comportamento do ministro e de seus assessores é nisso que estão pensando numa forma de dolarização crescente processo que no seu final seria capaz de dar um alívio à moeda brasileira e aplacar o foguete dos preços Veja 2291993 114 Os acontecimentos relatados são situados em relação momento da fala Estão pensando é concomitante a ele O final do processo de dolarização é portanto posterior a ele Seus efeitos são expressos no entanto pelo futuro do pretérito seria e não pelo futuro do presente para criar um efeito de sentido de dúvida de incerteza Usase o futuro do pretérito pelo do presente para transmitir informações não confirmadas conjecturas ou fatos imaginários Esse futuro chamase futuro hipotético Temos nesse caso uma dupla atenuação pois o futuro já exprime a idéia de probabilidade e o futuro do pretérito indica ainda que essa probabilidade é totalmente incerta Há em português muitas possibilidades de uso de um tempo com valor de outro Cada uma delas serve para criar um efeito de sentido Raramente utiliza se um advérbio com valor de outro No entanto agora freqüentemente combina se com verbos no pretérito perfeito ou no futuro do presente significando respectivamente há pouco tempo e dentro de pouco tempo para expressar um passado muito recente ou um futuro iminente Usase mesmo o diminutivo 96 agorinha para significar que o passado ou o futuro estão muito próximos do presente Choveu ainda agora Vou agorinha A concordância de tempos Um problema bastante espinhoso e raramente tratado nas gramáticas de língua portuguesa é a concordância dos tempos do subjuntivo usados nas orações subordinadas com o tempo do indicativo da oração principal O subjuntivo nota Mattoso Câmara tem a característica sintática de ser uma forma verbal dependente de uma palavra que o domina seja o advérbio talvez preposto seja um verbo da oração principal 1970 89 Ora essa característica sintática permitenos afirmar que como na maioria absoluta dos casos o subjuntivo depende do verbo da oração principal deve ele compatibilizarse com este Há assim para o subjuntivo uma concordância de tempos A Se o tempo da oração principal estiver num dos tempos do subsistema do presente presente pretérito perfeito ou futuro do presente teremos as seguintes possibilidades na oração subordinada 1 Presente a simultaneidade presente duvido que na atual situação do Brasil alguém esteja em seu juízo perfeito I L Brandão b anterioridade inacabada pretérito imperfeito Duvido que você quisesse pedir conselhos a ele R Fonseca c anterioridade acabada pretérito perfeito Duvido que você já tenha comido coisa melhor d posterioridade presente Duvido que algum deles abra a boca R Queiroz 97 2 Pretérito perfeito a simultaneidade pretérito imperfeito Faloume não porque me distinguisse particularmente mas apenas porque tinha necessidade de falar L Cardoso b anterioridade pretérito perfeito a arrecadação do Estado aumentou 3 neste primeiro ano de governo embora muitos dos impostos tenham baixado M Arraes c posterioridade pretérito imperfeito Insisti para que viesse tomar um cálice O Faria 3 Futuro do presente a simultaneidade presente Outros parágrafos cada um valendo por si como um texto completo contarão exatamente o que aconteceu embora o acontecimento seja um mistério para a personagem porque ela não vê o conjunto I Angelo b anterioridade inacabada pretérito imperfeito Dificilmente Cláudio aparecerá hoje no teatro A esta altura já deve saber da morte de Kátia e embora não fosse de suas amigas ou por isso mesmo ele terá motivos bastantes para evitar o teatro C H Cony c anterioridade acabada pretérito perfeito Um jovem que tenha acompanhado a narração só poderá aderir ao tóxico se tiver instinto suicida O Globo 1821980 d posterioridade presente Tudo farei para que sejam transformadas em medidas concretas B Se o tempo da oração principal for um dos tempos do subsistema do pretérito pretérito perfeito pretérito imperfeito pretérito maisqueperfeito futuro do pretérito simples ou composto ocorrem as seguintes possibilidades 98 1 simultaneidade pretérito imperfeito Serpa levou instintivamente a mão à cintura embora o coldre com o revólver estivesse dependurado junto ao paletó no cabide a um canto da sala F Sabino Não era ladrão embora tivesse a cara assustada de um vulgar ladrão L Diaféria embora fosse um amigo recente já lhe tinha emprestado pequenas quantias que eram pagas com escrupulosa pontualidade C H Cony A perseguição viria mesmo que andasse palmo a palmo P Dantas Teria sido bem melhor que eu morresse logo assim acabaria com meu sofrimento L Cardoso 2 anterioridade pretérito maisqueperfeito Vinteeum não morreu embora a facada lhe houvesse ofendido os bofes J Antônio dizia que ele entendia das mulheres não porque as tivesse tidoFatos e fotos 931 Mesmo que não houvesse sido até então passara a ser a partir daquele instanteJ Amado Não conseguiria fazer o trabalho embora tivesse tentado Mas mesmo que não o tivesse feito eu a teria interrompidoO Faria 3 posterioridade pretérito imperfeito Ele quis proibir que eu vendesse meus livros aqui na porta N Rodrigues Chamavase um tradutor juramentado para que ficasse oficialmente estabelecido que em vez de assinar seu nome ele havia se limitado a escrever na promissória em turco F Sabino A filha insistira para que viesse morar com ela Z Gattai Com sua cabeça no colo esperaria que tornasse G Lemos Teria feito qualquer coisa para que a mãe voltasse a sorrir C Quando o verbo da oração principal estiver num dos tempos do subsistema do futuro presente do futuro futuro anterior e futuro do futuro temos as seguintes compatibilidades 99 1 simultaneidade presente Quando chegar a casa estarei torcendo para que você já esteja lá Quando sair da loja terei comprado muito embora só esteja precisando de duas ou três coisinhas Depois que acabar de pagar o carro comprarei outro embora nessa ocasião um carro certamente esteja custando os olhos da cara 2 anterioridade pretérito perfeito No mês que vem comprarei mais dólares embora neste ano a moeda americana tenha rendido menos que outras aplicações financeiras Quando acabar de pagar este imóvel terei conseguido aumentar meu patrimônio mesmo que os imóveis não se tenham valorizado muito Depois que acabar de pagar este imóvel aplicarei em dólar não porque tenha rendido mais do que a inflação mas porque está ao abrigo das investidas do governo 3 posterioridade presente Quando estiver em casa estarei de olho no trabalho dos empregados para que tudo seja bem feito Quando chegar a casa já terei analisado os números do mercado financeiro para que possamos fazer boas aplicações Depois de chegar a casa tomarei providências para que o conserto seja efetuado Observações 1 Com orações condicionais introduzidas por se conformativas e temporais bem como com orações adjetivas exprimese com o futuro do presente do subjuntivo a simultaneidade eventual em relação ao futuro do presente do indicativo Sim continuará aqui se quiser L F Telles Farei como você mandar responderei à altura quando tiver às mãos esta ocorrência R Boschi farei o que julgar necessário E Muniz Dizse que o futuro do presente do subjuntivo pode indicar simultaneidade eventual em relação também ao presente do indicativo É um engano pois essa possibilidade ocorre apenas quando o presente tiver o valor de futuro do presente 100 Se quiser podemos poderemos livrálo da polícia C Lispector Quando tiver novidades venho virei aqui 2 Nos casos elencados em 1 a anterioridade eventual é expressa com o futuro anterior do subjuntivo Se você não tiver feito o trabalho ficará com zero Farei tudo como o cliente tiver mandado O equipamento só poderá ser produzido no Brasil quando se tiver atingido um estágio de desenvolvimento tecnológico mais adiantado PT Serei eternamente grato aos que não me tiverem enchido o saco 3 É preciso notar que muitas vezes estando o verbo da oração principal no presente do indicativo o verbo da subordinada não estará correlacionado a ele mas a um marco temporal expresso por meio de um advérbio Duvido que naquela época Paris me tivesse causado a mesma admiração Espero que quando voltar para casa ele já tenha terminado o trabalho Na primeira o verbo causar está no pretérito maisqueperfeito porque expressa uma anterioridade em relação ao marco temporal pretérito naquela época na segunda o verbo terminar está no pretérito perfeito porque indica uma anterioridade em relação ao marco temporal futuro quando eu voltar 101 Lição 9 O parágrafo Leia o texto abaixo Nas formas de vida coletiva podem assinalarse dois princípios que se combatem e regulam diversamente as atividades dos homens Esses dois princípios encarnamse nos tipos do aventureiro e do trabalhador Já nas sociedades rudimentares manifestamse eles segundo sua predominância na distinção fundamental entre os povos caçadores ou coletores e os povos lavradores Para uns o objeto final a mira de todo esforço o ponto de chegada assume relevância tão capital que chega a dispensar por secundários quase supérfluos todos os processos intermediários Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore Esse tipo humano ignora as fronteiras No mundo tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos sabe transformar esse obstáculo em trampolim Vive dos espaços ilimitados dos projetos vastos dos horizontes distantes O trabalhador ao contrário é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer não o triunfo a alcançar O esforço lento pouco compensador e persistente que no entanto mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante tem sentido nítido para ele Seu campo visual é naturalmente restrito A parte maior do que o todo Existe uma ética do trabalho como existe uma ética da aventura Assim o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e inversamente terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro audácia imprevidência irresponsabilidade instabilidade vagabundagem tudo enfim quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo característica desse tipo Por outro lado as energias e esforços que se dirigem a uma recompensa imediata são enaltecidos pelos aventureiros as energias que visam à estabilidade à paz à segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam ao contrário por viciosos e desprezíveis para eles Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador HOLANDA Sérgio Buarque de Raízes do Brasil 8 ed Rio de Janeiro José Olympio 1975 p 13 Esse texto cuja paragrafação foi ligeiramente alterada dividese em cinco partes 102 a existência de dois tipos opostos na organização das atividades dos homens b o aventureiro c o trabalhador d a ética do trabalho e a ética da aventura Cada uma dessas partes é constituída de um parágrafo que é indicado por um ligeiro afastamento da margem esquerda da folha Assim podese dizer que composto de um ou mais períodos o parágrafo é uma unidade de composição que encerra uma dada subdivisão de um texto Um assunto é discutido em diferentes aspectos Essa divisão do assunto é que constitui a paragrafação Mostra ela as partes do texto e os diferentes estágios da exposição Cada parágrafo constróise em torno de uma idéia central e constitui uma das partes em que o autor julgou conveniente dividir seu assunto Cabe lembrar enfaticamente no entanto que por ser uma unidade de composição intuitiva nem sempre a paragrafação acompanha de maneira rigorosa o plano de estruturação do texto Entretanto de maneira mais ou menos adequada ela o faz Podemos falar da organização de um parágrafo padrão no sentido de que ele é o tipo mais comum nas diferentes espécies de texto Isso não significa que não possamos construir diferentemente um parágrafo O parágrafo padrão contém uma introdução que é a exposição de maneira sucinta da idéianúcleo essa introdução é chamada tópico frasal um desenvolvimento do tópico e muito raramente uma conclusão O tópico é constituído de uma opinião pessoal de uma afirmação geral de uma definição de um julgamento etc No desenvolvimento especificase justificase fundamentase o tópico Analisemos mais um parágrafo de Raizes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda Já se disse numa expressão feliz que a contribuição brasileira para a civilização será a cordialidade daremos ao mundo o homem cordial A lhaneza no trato a hospitalidade a generosidade virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam representam com efeito um traço definido do caráter brasileiro na medida ao menos em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano informados no meio rural e patriarcal Seria engano supor que essas virtudes possam significar boas maneiras civilidade São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo ela pode exprimirse em mandamentos e sentenças 103 Entre os japoneses onde como se sabe a polidez envolve os aspectos mais ordinários do convívio social chega a ponto de confundirse por vezes com a reverência religiosa Já houve quem notasse este fato significativo de que as formas exteriores de veneração à divindade no cerimonial xintoísta não diferem essencialmente das maneiras sociais de demonstrar respeito p 106107 Como se observa esse parágrafo está construído dentro do que se considera o padrão de um parágrafo o primeiro período encerra o tópico frasal a contribuição brasileira para a civilização será a cordialidade os períodos seguintes contêm o desenvolvimento no caso especificase detalhadamente a noção de cordialidade Com menos freqüência o tópico frasal a pode aparecer no final do parágrafo Eles nos chamam de macaquitos a ofensa grosseiramente racista surgiu na guerra do Paraguai por causa dos escravos negros que foram ao campo de batalha Acreditam que os brasileiros são preguiçosos e irresponsáveis Em relação às brasileiras são mais condescendentes acham nas sensuais e aliás sempre disponíveis prontinhas para cair na milonga de qualquer domjuan portenho Em suma os argentinos não nos amam Veja 2861995 p 48 Se fosse assim recortado o primeiro parágrafo da reportagem intitulada El día que me quieras o tópico frasal estaria no final começa ele especificando os fatos que levam à idéia nuclear de que os argentinos não gostam dos brasileiros b pode estar explicitado em outro parágrafo A paulista Monica Scatolin de 21 anos vai aproveitar o intervalo de um mês no curso de ciências contábeis da PUC de São Paulo para velejar pelas Ilhas Virgens no mar do Caribe A extravagância lhe custará 3500 reais Com o real tive segurança para tirar férias mais longas Antes eu ia mais perto e por apenas quinze dias diz Com um salário de 800 reais Monica conseguiu juntar dinheiro porque mora na casa dos pais e acha que a inflação sob controle a ajudou a administrar melhor seu orçamento A universitária será uma entre os 60000 brasileiros que mergulharão no cristalino Mar do Caribe em julho Veja 2861995 p 56 Esse parágrafo comprova o tópico frasal que aparece no início do texto a economia estável e o câmbio fazem destas férias de julho as mais viajadas da História do Brasil 104 c pode estar implícito já que o parágrafo pode ser constituído de uma série de detalhes de onde se extrai a idéianúcleo Imaginemos o seguinte parágrafo composto a partir de legendas de fotos publicadas em Veja de 2161995 p 3031 Tem cada vez mais gente viajando para o exterior Hoje em dia é mais barato tirar férias em dólares do que em reais São Paulo e Rio de Janeiro estão entre as cidades mais caras do planeta O consumo de importados está em alta A inflação do real gira em torno de 32 e os produtos em dólar tiveram queda média de 20 Fazer compras no exterior é tão vantajoso que as pessoas desembarcam nos aeroportos carregadas de pacotes Nesse caso desse conjunto de detalhes que constitui o parágrafo extraise o seguinte tópico o real está muito valorizado em relação ao dólar O tópico frasal Há três tipos mais freqüentes de tópicos frasais a generalização em que se afirma ou nega alguma coisa que no desenvolvimento será justificada ou fundamentada com exemplos confrontos analogias razões etc Depois da temporada de consumo mais festejada dos últimos anos alguns brasileiros estão conhecendo agora uma face carrancuda do plano de estabilização da economia Ela se chama inadimplência a situação em que o devedor não consegue honrar seus compromissos O brasileiro esbanjou euforia com sua moeda forte divertiuse comprando quinquilharia importada no Natal viajou como nunca no último verão e produziu o Dia das Mães mais movimentado da década Na hora de pagar a conta muita gente descobriu que não tinha dinheiro para pagar o que devia O sufoco não é geral e numericamente atinge uma minoria de consumidores Mas já se pode estimar que apenas no eixo RioSão Paulo mais de 1 milhão de pessoas ficaram na pendura da noite para o dia e até agora não sabem direito o que aconteceu Nunca vi tamanha quebradeira diz o advogado e banqueiro Teophilo de Azeredo Santos presidente do Sindicato dos Bancos do Rio de Janeiro Veja 2861995 p 34 O parágrafo começa com a afirmação de que a inadimplência aparece na economia brasileira depois de uma temporada de grande consumo O desenvolvimento do parágrafo é usado para justificar o que se diz no tópico 105 b definição que será seguida de um comentário ou de exemplificação Obversão é a inferência imediata que se faz mudando a qualidade de uma proposição ao mesmo tempo que negamos o seu predicado Por exemplo de Todos os empregados são bemvindos podese concluir que Nenhum empregado é não bemvindo Essas duas proposições são ditas obversas uma da outra Mais que isto toda proposição é equivalente de sua obversa ASSIS Jesus Eugênio de Paula Lógica In CHAUÍ Marilena et alii Primeira filosofia Lições introdutórias 4 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 159 c divisão em que se distinguem ou discriminam as idéias a serem desenvolvidas geralmente o tópico frasal por divisão vem precedido por uma definição num parágrafo anterior Os morfemas classificamse em lexemas e gramemas Aqueles são as unidades de base do léxico ou seja unidades lingüísticas cujo significado remete ao mundo exterior ou interior expressando seres fatos emoções sentimentos etc Estes são as unidades da gramática ou seja unidades lingüísticas que exprimem relações ou categorias gramaticais Podese no entanto iniciar um parágrafo sem tópico frasal o que significa que as maneiras de começar essa unidade textual são inúmeras Vamos dar alguns exemplos a início com alusão a um fato histórico a uma anedota a um acontecimento que o narrador presenciou ou de que participou Artaxerxes rei sentiu com tal extremo a morte de um seu amigo que pretendeu ressuscitálo e ouvindo os retumbantes ecos da grande ciência de Demócrito o chamou a si desde a Jônia Dificultosa cousa pedes ó rei disse o filósofo afetando sisudeza e dissimulando a impossibilidade porém se fizeres o que eu te disser confio poderia obrar o que me mandas Prometeu o rei tudo assinando em branco e parecendolhe que já via o seu desejado amigo saltar da sepultura Eia disse Demócrito escrevam se no túmulo do defunto os nomes de trinta homens que chegassem aos vinte anos de sua idade sem padecer queixa alguma nem no corpo nem na alma e logo ressuscitará Mandou o rei fazer logo a diligência porém até o fim do mundo poderia continuarse sem efeito porque de semelhantes privilégios não há um só quanto mais trinta E se ainda antes de nascermos já todos somos miseráveis qual será o que no encerramento das suas contas não lhe passe a despesa do que padece pela receita do que vive No mundo 106 todo não há mais do que três classes de homens uns inocentes outros pecadores mas já arrependidos e outros pecadores mas ainda obstinados E para que todos soubessem que haviam de ter cruz três cruzes se arvoraram no monte Calvário uma para Cristo e esta toca aos inocentes outra para Dimas e toca aos arrependidos outra para Gestas e toca aos obstinados BERNARDES Manuel In OLIVEIRA Cleófano Lopes de Flor do Lácio São Paulo Saraiva 1965 p 223 b começo em que não se anuncia do que se está falando para criar um efeito de suspense Pouco maior do que um par de ameixas secas com formato semelhante ao de uma gravataborboleta e pesando 15 a 25 gramas ela comanda algumas das mais importantes funções do corpo humano Exemplos A capacidade de respirar mover as pernas regular a temperatura corporal manter o coração batendo no ritmo certo o raciocínio pronto para qualquer desafio É preciso mais Claro que não Está comprovadíssima a nobreza da pecinha de que estamos falando E para não espichar o assunto vamos logo à ficha da moça Tratase da glândula tiróide ou tireóide domiciliada à frente da traquéia bem abaixo do pomodeadão ou gogó para os íntimos ANTENORE Armando Luiz apud FARACO Carlos Alberto e TEZZA Cristóvão Prática de texto Petrópolis Vozes 1992 p 135 c princípio constituído de uma ou mais perguntas a que o desenvolvimento vai dar respostas ou esclarecimentos A aspirina é droga ou não é Em alguns Estados é largamente classificada como droga portanto só pode ser vendida por farmacêuticos licenciados Se o público quiser ter facilidades para adquirir aspirina em mercearias restaurantes e guichês de apostas será preciso reclassificála como nãodroga HAYAKAWA S I A linguagem no pensamento e na ação São Paulo Pioneira 1963 p 181182 O desenvolvimento O desenvolvimento é a explanação do tópico fundamenta a idéianúcleo Pode ele estruturarse de diferentes maneiras As mais freqüentes são a por enumeração ou descrição de detalhes que explicitam o tópico Naquela mulata estava o grande mistério a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui ela era a luz ardente do meiodia ela era o 107 calor vermelho das sestas da fazenda era o aroma quente dos trevos e das baunilhas que o atordoara nas matas brasileiras era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta era o veneno e era o açúcar gostoso era a sapoti mais doce que o mel e era a castanha de caju que abre feridas com seu azeite de fogo ela era a cobra verde e traiçoeira a lagarta viscosa a muriçoca doida que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele assanhandolhe os desejos acordandolhe as fibras embambecidas pela saudade da terra picandolhe as artérias para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional uma nota daquela música feita de gemidos de prazer uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno de Rita Baiana e espalhavamse pelo ar numa fosforescência afrodisíaca AZEVEDO Aluísio de O cortiço 13 ed São Paulo Martins1957 p 87 O tópico diz que Rita Baiana era a síntese das impressões que a natureza brasileira produziu no imigrante europeu O desenvolvimento vai pormenorizar quais são essas impressões b por causas efeitos razões ou conseqüências daquilo que foi exposto no tópico Imagine se todos os poços de petróleo secassem amanhã As pessoas não teriam como voltar para casa de ônibus ou de automóvel Os geradores de energia elétrica entrariam em colapso e as cidades ficariam às escuras Nas regiões mais frias da Terra o frio provocaria uma mortandade por falta de calefação Fábricas e indústrias parariam as máquinas No campo tratores e ceifadeiras esvaziariam seus tanques e o espectro da fome rondaria o mundo Aviões não levantariam vôo Navios ficariam nos portos Faltariam remédio borracha e tecidos sintéticos E também gás de cozinha sabão em pó detergente Faltariam tinta acrílico solvente Plásticos e assemelhados do saquinho de leite aos tubos de PVC sumiriam do mapa Seria o colapso da civilização tal qual a conhecemos hoje afirma um dos maiores especialistas no tema Daniel Yergin presidente do Cambridge Energy Research Associates e autor do livro Petróleo Uma História de Ganância Dinheiro e Poder Veja 1461995 p 34 O tópico esgotamento do petróleo é desenvolvido por meio das conseqüências que isso acarretaria para chegar à conclusão de que a falta de petróleo levaria ao colapso da civilização que conhecemos A avaliação acadêmica é um terreno minado em que nem sempre a quantidade é sinônimo de qualidade Um pesquisador pode passar dez ou 108 quinze anos investigando determinado tema e então publicar um único trabalho na vida que é decisivo no mundo da ciência diz José Laredo Filho coordenador de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo antiga Escola Paulista de Medicina Enquanto isso existem doutores e mestres que publicam dezenas de artigos por ano que são lixo do ponto de vista científico Veja 2861995 p 67 O tópico expresso no primeiro período é desenvolvido com as razões que levam a afirmar que no âmbito científico quantidade não é sinônimo de qualidade c por um confronto entre idéias seres coisas fenômenos fatos etc teremos um paralelo quando o confronto estiver calcado nas semelhanças um contraste quando estiver fundado nas diferenças Os animais conhecem o ambiente apenas pela experiência direta o homem cristaliza o seu conhecimento e os seus sentimentos em representações simbólicas fonéticas e mediante símbolos escritos acumula conhecimento e o passa adiante para as futuras gerações Os animais comem onde encontram comida mas o homem coordenando seus esforços com os esforços alheios mediante meios lingüísticos alimentase abundantemente com alimento preparado por centenas de mãos e trazidos de grandes distâncias Os animais exercem entre si apenas um controle limitado mas o homem tornando a fazer uso de símbolos impõe leis e sistemas éticos que constituem instrumentos lingüísticos para o estabelecimento da ordem e da previsibilidade sobre a conduta humana Adquirir conhecimento garantir alimento estabelecer a ordem social constituem atividades que o biólogo explica em sua relação com a sobrevivência Para os seres humanos cada uma dessas atividades envolve uma dimensão simbólica HAYAKAWA S I A linguagem no pensamento e na ação São Paulo Pioneira 1963 p 121 O tópico aparece no fim do parágrafo para o homem as atividades de adquirir conhecimento de garantir alimento e de estabelecer a ordem social envolvem uma dimensão simbólica O parágrafo desenvolvese por meio do estabelecimento de um contraste entre homens e animais d por uma analogia que é uma semelhança estabelecida pelo enunciador entre dois ou mais objetos de pensamento essencialmente diferentes É o Paquequer saltando de cascata em cascata enroscandose como uma serpente vai depois se espreguiçar na várzea e embeber no Paraíba que rola majestosamente em seu vasto leito Dirseia que vassalo e tributário 109 desse rei das águas o pequeno rio altivo e sobranceiro contra os rochedos curvase humildemente aos pés do suserano Perde então a beleza selvática suas ondas são calmas e serenas como as de um lago e não se revoltam contra os barcos e as canoas que resvalam sobre elas escravo submisso sofre o látego do senhor ALENCAR José de O Guarani São Paulo Saraiva 1968 vol I p 1 O tópico é o desaguar do Paquequer no Paraíba Desenvolvese por uma analogia em que se estabelece uma semelhança entre a relação dos dois rios e a relação do suserano e do vassalo no mundo medieval bem como a do escravo e do senhor e pela exposição de um fato particular que ilustra uma afirmação geral contida no tópico Não se imagine que os casos escabrosos não ocorram nas universidades mais renomadas Na relação de cursos de conceitos mais ruins da Capes aparecem os de biologia da Unicamp ortopedia e traumatologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro toxicologia na Universidade de São Paulo e engenharia mecânica na Unesp de Guaratinguetá Um caso típico dessas ilhas de má qualidade em universidades de boa reputação é o curso de toxicologia da Universidade de São Paulo O curso foi criado em 1978 e funcionou até 1982 Foi fechado porque não conseguia avaliação melhor que D pela Capes Recriado em 1987 com maior número de professores tem o mesmo conceito até hoje A nota baixa tem diversas razões Os alunos demoram em média seis anos para se titular o laboratório conta com equipamentos muito antigos os professores não são especializados na área Veja 2861995 p 67 O tópico afirma que existem cursos de pósgraduação de má qualidade também em universidades renomadas O parágrafo desenvolvese com os casos particulares que comprovam a afirmação geral Desses tomase um que é examinado mais detidamente f por definições quando o tópico estabelece uma divisão em tipos classes etc A partir daqui podemos distinguir as três espécies de dependência conforme entram num processo ou num sistema Denominaremos solidariedade a interdependência entre termos num processo e complementaridade a interdependência entre termos num sistema 110 A determinação entre termos num processo será chamada seleção e entre termos num sistema especificação As constelações serão denominadas combinações num processo e autonomias num sistema HJELMSLEV Luís Prolegômenos a uma teoria da linguagem São Paulo Perspectiva 1975 p 2930 O tópico diz que os três tipos de relações de dependência lingüística podem darse entre termos do sistema ou do processo O desenvolvimento define cada um desses tipos Voltamos a insistir num ponto O parágrafo padrão composto de tópico frasal e desenvolvimento é apenas uma tendência de construção dessa unidade de composição O que aqui foi chamado parágrafo padrão é a possibilidade mais comum de estruturação dessa unidade Isso não quer dizer que a organização em parágrafos seja aleatória mas que o parágrafo não tem que obrigatoriamente estruturarse dessa maneira A paragrafação na verdade reflete a divisão do tema feita por aquele que escreve O bom domínio da técnica da divisão em parágrafos não depende de macetes mas da clareza que o enunciador tem da organização do tema e da hierarquia das idéias que serão desenvolvidas Fazemse parágrafos para obter eficácia comunicativa para dar ênfase a determinado aspecto do tema para pôr em realce certas idéias Diz o lingüista russo Mikhail Bakhtin que afirmar que o parágrafo deve encerrar um pensamento completo não significa nada pois pensamento completo não é uma categoria lingüística Ele é na verdade similar às réplicas de um diálogo ele ajustase a reações previstas do leitor 1979 127 A paragrafação reflete o plano do texto Estará ela bem feita se o leitor for capaz de apreender esse plano Cabe lembrar os dois erros mais freqüentes no estabelecimento de parágrafos 1 a ausência completa de parágrafos ou seja a redução do texto todo a um único parágrafo 2 presença absoluta de parágrafos ou seja a transformação de cada período num parágrafo Ambos os estilos de paragrafação indicam incapacidade de organizar e de hierarquizar as informações Evite começar o texto com um parágrafo constituído de uma única oração Só em casos muito especiais por exemplo em textos publicitários essa forma de principiar um texto produz bom efeito 111 Lição 10 Características lingüísticas da dissertação Em nosso diaadia operamos com muitos tipos de textos literários e científicos em prosa e em verso políticos religiosos didáticos jornalísticos etc Há uma classificação de textos que por sua utilidade e abrangência passou a ser muito utilizada na escola É a que os divide em descritivos narrativos e dissertativos Nosso objetivo nesta lição é estudar as características lingüísticas do texto dissertativo Faremos isso a partir da comparação entre esse tipo de texto e a narração e a descrição Uma primeira observação de faz necessária Dificilmente esses tipos encontramse em estado puro Normalmente num texto alteramse trechos descritivos narrativos e dissertativos Por razões didáticas estudamolos separadamente Narração Leia o texto abaixo Marquesa porque eu serei marquês Positivamente era um diabrete Virgília um diabrete angélico se querem mas erao e então Então apareceu o Lobo Neves um homem que não era mais esbelto do que eu nem mais elegante nem mais lido nem mais simpático e todavia foi quem me arrebatou Virgília e a candidatura dentro de poucas semanas com um ímpeto verdadeiramente cesariano Não precedeu nenhum despeito não houve a menor violência de família Dutra veio dizerme um dia que esperasse outra aragem porque a candidatura de Lobo Neves era apoiada por grandes influências Cedi tal foi o começo de minha derrota Uma semana depois Virgília perguntou ao Lobo Neves a sorrir quando seria ele ministro Pela minha vontade já pelas dos outros daqui a um ano Virgília replicou Promete que algum dia me fará baronesa Marquesa porque eu serei marquês Desde então fiquei perdido Virgília comparou a águia e o pavão e elegeu a águia deixando o pavão com o seu espanto o seu despeito e três ou quatro beijos que lhe dera Talvez cinco beijos mas dez que fossem não queria dizer cousa nenhuma ASSIS Machado de Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1979 p 560561 112 Observando o texto acima podemos constatar nele as seguintes características a É um texto figurativo porque é construído basicamente com termos concretos diabrete Lobo Neves homem esbelto Virgília Dutra baronesa marquês beijos esterilizar solo etc Mesmo quando se usam termos abstratos por exemplo ímpeto elegante simpático despeito eles são utilizados em referência a um ser particular b O texto relata mudanças de situação transformações de estado operadas por um sujeito As principais mudanças operadas no texto são o narrador era candidato a deputado e estava noivo de Virgília Lobo Neves arrebatoulhe tanto a candidatura quanto Vigília Além dessas há outras transformações Lobo Neves não participava da vida do narrador e de Virgília e passou a participar o narrador não tinha despeito e tornouse despeitado etc c As mudanças relatadas organizamse numa sucessão segundo relações de anterioridade posterioridade e concomitância Não importa a ordem em que os enunciados aparecem no texto o que o leitor precisa é compreender sua sucessão temporal o narrador era candidato a deputado e noivo de Virgília aparece Lobo Neves este articula sua candidatura Dutra vai dizer ao narrador que espere outro momento o narrador cede Virgília compara a águia Lobo Neves com o pavão o narrador Virgília prefere a águia o narrador fica sem a noiva d Os tempos verbais utilizados na narrativa são os do subsistema do pretérito pretérito perfeito apareceu arrebatou precedeu houve cedi foi pretérito imperfeito era pretérito maisqueperfeito dera futuro do pretérito seria É claro que se exclui da temporalidade da narrativa o diálogo porque como simula o momento da fala nele se utiliza o subsistema temporal do presente O texto acima é uma narração ou seja o relato de uma sucessão de ações realizadas com vistas a alterar certas situações Os traços lingüísticos da narração são os seguintes é preciso lembrar que o que define um tipo de texto é o conjunto das características e não cada uma delas isoladamente porque cada espécie compartilha com outras certas particularidades a é um conjunto de transformações de estado referentes a seres particulares mesmo que esses seres sejam coletivos os romanos por exemplo que se dá em tempos bem delimitados e em espaços bem demarcados b como é um texto que conta mudanças concernentes a seres particulares opera predominantemente com termos concretos ou seja é figurativo c é um texto que se organiza em função de uma progressão temporal ou seja as transformações são anteriores concomitantes e posteriores umas em 113 relação às outras é claro que o narrador pode dispor os enunciados como quiser desde que deixe claro o que é anterior concomitante ou posterior pode fazer isso usando marcadores de progressão temporal como enquanto isso mais tarde pouco antes etc d o tempo do ato de narrar é por definição o presente porque o presente é o momento da fala e o contar é um ato de fala por conseguinte ele é posterior ao momento em que acontece a história por isso os tempos por excelência da narração são os do subsistema do pretérito pretérito perfeito pretérito imperfeito pretérito maisqueperfeito futuro do pretérito nela o imperfeito que indica uma duratividade está sempre correlacionado a pretéritos perfeitos que marcam a ação acabada A questão do uso dos tempos na narração merece um exame mais detalhado Sé é verdade que em geral as narrações são construídas com os tempos do pretérito podemos ter algumas que utilizam o subsistema do presente ou o do futuro Quando se pretende indicar uma concomitância entre o ato de narrar e os acontecimentos narrados para simular que eles estão ocorrendo no momento mesmo em que se relata usase o subsistema do presente presente pretérito perfeito e futuro do presente Nas transmissões ao vivo de competições esportivas cerimônias públicas etc fazse esse tipo de narrativa No entanto o uso do subsistema do presente apenas cria um simulacro de concomitância dado que só se pode narrar o que já ocorreu mesmo que o momento do acontecimento tenha sido um instante antes do ato de relatar Veja um exemplo de uma narrativa construída com os tempos do subsistema do presente Volto à antiga cidadezinha em busca dos meus fantasmas Entro no velho Hotel dos Viajantes sem viajantes e vejo que ninguém me reconhece e eu não reconheço mais ninguém Saio sem ser vista Já é tarde e o Largo do Jardim está deserto na noite fria Fecho o casaco e me sento num banco A igreja O coreto Olho as casas fazendo um círculo em redor do jardim e não sei mais qual delas teria sido a nossa são parecidas na decadência e no escuro Procuro o Beco das Cocadas A velha casa desapareceu mas ficou o muro arruinado coberto de musgo Passo a mão no musgo úmido TELLES Lygia Fagundes A disciplina do amor 6 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1980 p 15 Nas chamadas narrativas proféticas como por exemplo horóscopos previsões meteorológicas profecias os acontecimentos são vistos como posteriores ao ato de narrar e por isso são relatados nos tempos do subsistema do futuro presente do futuro futuro anterior e futuro do futuro É muito difícil encontrar narrações que se constroem com os tempos do futuro porque 114 geralmente nas narrativas proféticas utilizase o presente com o valor de futuro ou considerase o futuro como algo já acontecido e nesse caso narrase com os tempos do subsistema do pretérito Vejamos um trecho de Os Lusíadas em que o gigante Adamastor faz suas previsões Outro também virá de honrada fama Liberal cavaleiro enamorado E consigo tratá a fermosa dama Que Amor por grão mercê lhe terá dado V 46 14 Descrição Leia agora o texto que segue Caçada Em pé no meio do espaço que formava a grande abóbada de árvores encostado a um velho tronco decepado pelo raio viase um índio na flor da idade Uma simples túnica de algodão a que os indígenas chamavam aimará apertada à cintura por uma faixa de penas escarlates caíalhe dos ombros até ao meio da perna e desenhava o talhe delgado e esbelto como um junco selvagem Sobre a alvura diáfana do algodão a sua pele cor de cobre brilhava com reflexos dourados os cabelos pretos cortados rentes a tez lisa os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte a pupila negra móbil cintilante a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da graça da força e da inteligência Tinha a cabeça cingida por uma fita de couro à qual se prendiam do lado esquerdo duas plumas matizadas que descrevendo uma longa espiral vinham roçar com as pontas negras o pescoço flexível Era de alta estatura tinha as mãos delicadas a perna ágil e nervosa ornada com uma axorca de frutos amarelos apoiavase sobre um pé pequeno mas firme no andar e veloz na corrida Segurava o arco e as flechas com a mão direita caída e com a esquerda mantinha verticalmente diante de si um longo forcado de pau enegrecido pelo fogo Nesse instante erguia a cabeça e fitava os olhos numa sebe de folhas que se elevava a vinte passos de distância e se agitava imperceptivelmente Ali por entre a folhagem distinguiamse as ondulações felinas de um dorso negro brilhante marchetado de pardo às vezes viamse brilhar na 115 sombra dois raios vítreos e pálidos que semelhavam os reflexos de alguma cristalização de rocha ferida pela luz do sol Era uma onça enorme de garras apoiadas sobre um grosso ramo de árvore e pés suspensos no galho superior encolhia o corpo preparando o salto gigantesco Batia os flancos com a larga cauda e movia a cabeça monstruosa como procurando uma aberta entre a folhagem para arremessar o pulo uma espécie de riso sardônico e feroz contraíalhe as negras mandíbulas e mostrava a linha de dentes amarelos as ventas dilatadas aspiravam fortemente e pareciam deleitarse já com o odor do sangue da vítima O índio sorrindo e indolentemente encostado ao tronco seco não perdia um só destes movimentos e esperava o inimigo com a calma e serenidade do homem que contempla uma cena agradável apenas a fixidade do olhar revelava um pensamento de defesa ALENCAR José de O Guarani SãoPaulo Saraiva 1968vol I p 1819 Sobre esse texto podemos fazer as seguintes observações a É um texto figurativo pois é montado basicamente com termos concretos árvores diáfana algodão pele cor de cobre brilhar reflexos dourados cabelos pretos cortados rentes tronco raio caía índio escarlate desenhava ombros etc b Seus enunciados retratam elementos que ocorrem simultaneamente não há entre eles relações de anterioridade e de posterioridade todas as características físicas do índio coocorrem alta estatura mãos delicadas perna ágil e nervosa pé pequeno mas firme no andar e veloz na corrida ao mesmo tempo que segurava com a mão direita o arco e as flechas mantinha com a esquerda diante de si um forcado enquanto a onça batia os flancos com a cauda movia a cabeça uma espécie de riso contraíalhe as mandíbulas e mostrava os dentes amarelos etc O narrador pretende fazer o leitor ver um quadro apresentarlhe um retrato de uma situação e não traçar uma cronologia de ações É como se ele congelasse um instante para mostrarnos o índio e a onça frente a frente Os enunciados podem ser invertidos sem que se alterem relações temporais c Como o texto trabalha com aspectos concomitantes da cena todos os verbos estão num único tempo o pretérito imperfeito que indica uma concomitância durativa em relação a um marco temporal pretérito d A organização do texto é espacial vai da figura do índio para a da onça e volta para a do índio Esse texto é descritivo Descrição é o retrato de um ser concreto pessoas objetos situações que se quer dar a conhecer ao leitor É um retrato verbal 116 Nela mostramse as características do ser consideradas fora da relação de anterioridade e de posterioridade As peculiaridades do texto descritivo são a como o narrativo é figurativo b ao contrário do narrativo não relata mudanças de estado mas apresenta propriedades e aspectos simultâneos dos elementos descritos no interior de uma única situação c como mostra apenas o que ocorre simultaneamente não há relação de anterioridade e de posterioridade entre os enunciados podem até ocorrer anterioridade e simultaneidade no nível dos acontecimentos mas não no nível do relato por exemplo no texto Caçada dizse que o índio erguia a cabeça e fitava os olhos numa sebe de folhas essas duas ações que são respectivamente anterior e posterior são apresentadas como sendo simultâneas na cena d como a simultaneidade é característica central da descrição os dois tempos com que se constrói o texto descritivo são o presente que indica uma concomitância em relação ao momento da fala e o pretérito imperfeito que assinala uma concomitância durativa em relação a um marco temporal pretérito instaurado no texto e o texto organizase espacialmente de cima para baixo da direita para a esquerda de fora para dentro de um componente para outro etc O traço básico do texto descritivo é como dissemos a simultaneidade e não como dizem certos autores a estaticidade Por isso nele podemse mostrar ações e movimentos O que é preciso é que as ações e os movimentos sejam vistos como simultâneos que não haja progressão temporal entre eles É muito fácil transformar uma descrição em narração Basta que se introduza nela um enunciado que indique mudança de estado Se se usar um verbo no perfeito que indica uma ação acabada já se passa da descrição para a narração Os textos narrativos começam em geral com uma descrição Nela apresentamse estados que sofrerão transformações apresentamse personagens lugares e situações que serão ou poderão ser alterados Dissertação Leia o texto a seguir Ao mesmo tempo que a cultura humana deve à linguagem a riqueza de conteúdo que a distingue da herança social dos animais a própria linguagem é parte integrante da cultura Foi a estrutura do cérebro humano e dos órgãos 117 vocais que tornou possível a palavra mas a atribuição de valores simbólicos a certas combinações de sons e a capacidade de emitir esses sons não constituem por si sós a linguagem Esta só apareceu quando dois ou mais indivíduos aprenderam a atribuir os mesmos valores às mesmas combinações de sons e a usar essas combinações para comunicar suas idéias As associações entre sons e idéias são puramente arbitrárias A mesma combinação pode ter significados totalmente diferentes em línguas diferentes ou ter numerosos significados dentro da mesma língua Em português por exemplo a palavra pena tem diversos sentidos A linguagem é pois uma forma de comportamento aprendido e transmitido e o indivíduo precisa adquirila da mesma maneira pela qual adquire qualquer outro item da cultura que lhe coube em herança Mas é sempre um dos primeiros itens a aprender se e uma vez adquirida tornase a chave que abre aos indivíduos o resto da cultura LINTON Ralph O homem uma introdução à Antropologia 6 ed São Paulo Martins 1968 p 105106 Esse texto apresenta os seguintes traços lingüísticos a É um texto temático pois opera predominantemente com termos abstratos cultura humana riqueza distinguir herança social estrutura valor simbólico combinação capacidade comunicar idéias mesmo quando são usados termos concretos como cérebro órgãos vocais indivíduo são utilizados em seu valor genérico não para falar de um ser singular b O texto apresenta mudanças de situação a estrutura do cérebro e dos órgãos vocais permitiu a passagem do estado de inexistência da palavra para o de existência dois ou mais indivíduos não sabiam atribuir os mesmos valores às mesmas combinações de sons e usar essas combinações para comunicar suas idéias e passaram a saber fazêlo aprenderam o indivíduo não tem a linguagem adquirea como qualquer outro item da cultura c Não há uma progressão cronológica dos enunciados mas lógica Um não é anterior ao outro em função de uma temporalidade mas de uma concatenação lógica Por exemplo o enunciado A linguagem é pois uma forma de comportamento aprendido e transmitido é posterior aos enunciados que dizem que a linguagem só aparece quando dois ou mais indivíduos aprendem a atribuir os mesmos valores às mesmas combinações de sons e a usar essas combinações para comunicar suas idéias que as associações entre sons e idéias são arbitrárias que a mesma combinação pode ter significados totalmente diferentes em línguas diferentes ou numerosos significados dentro da mesma língua porque indica a conclusão que se extrai deles d O produtor desse texto pretende fazer afirmações de valor universal sobre a linguagem Por isso o tempo verbal preponderante do texto é o presente 118 com valor atemporal Quando se diz As associações entre sons e idéias são puramente arbitrárias não se está afirmando que neste momento elas são arbitrárias mas sempre que isso é válido para todas as línguas do mundo Além do presente atemporal aparece no texto o pretérito perfeito para indicar fatos ocorridos anteriormente ao momento da fala Esse texto é uma dissertação ou seja uma explicação uma análise de um fato qualquer Os traços do texto dissertativo são a ao contrário da narração e da descrição é um texto temático ou seja construído preponderantemente com termos abstratos a dissertação não trata de episódios ou seres concretos e particulares mesmo quando parte do particular apresenta análises e interpretações válidas para muitos casos singulares b da mesma maneira que o texto narrativo mostra mudanças de situação c as relações relevantes entre os enunciados do texto não são as temporais como na narração mas as lógicas analogia pertinência causalidade correspondência implicação etc d como pretende apresentar verdades gerais o tempo central da dissertação é o presente com valor atemporal valese ela ainda basicamente dos tempos do subsistema do presente presente pretérito perfeito e futuro do presente para falar de fatos que estão colocados numa temporalidade e como pretende apresentarse como um discurso objetivo normalmente o eu ausentase do texto preferese então o uso de formas impessoais por exemplo não se diz eu penso mas pensase Podese perguntar agora por que existem esses três tipos distintos de texto Porque cada um deles tem uma função diferente Os textos figurativos representam o mundo criam um simulacro da realidade Essa é a função básica da narração e da descrição Aquela relata as mudanças de situação de seres particulares numa determinada progressão temporal o que significa que mostra o mundo em mudança que apresenta o dinamismo das transformações Esta retrata o ser num dado momento fora do dinamismo da mudança faz ver propriedades e aspectos simultâneos de um ser particular uma noite de luar um engarrafamento uma paisagem uma pessoa etc O texto dissertativo é temático Por conseguinte explica classifica analisa avalia os seres concretos A referência ao mundo é feita por intermédio de conceitos amplos modelos genéricos muitas vezes abstraídos do tempo e do espaço Ao apresentar as transformações de estado não se importa com as relações de anterioridade e de posterioridade mas fundamentalmente com as 119 relações de causalidade implicação etc As mudanças são pois tratadas de maneira diferente na narração e na dissertação Aquela visa a relatar as mudanças esta a explicar e interpretar as transformações relatadas Por ser mais abstrato o texto dissertativo debruçase sobre a explicação de dados concretos Incorpora a referência a fatos particulares narrações e descrições mas apenas para ilustrar afirmações gerais para argumentar a favor ou contra uma determinada tese O discurso científico o filósofo o político são dominantemente dissertativos Muitas vezes se pensa que o ponto de vista do enunciador o produtor do texto se manifesta apenas na dissertação Não é verdade Em todos os tipos de texto o enunciador manifesta sua visão A diferença está no modo como se faz isso Sendo a dissertação um texto temático o enunciador expõe de maneira explícita sua perspectiva sobre um dado assunto No exemplo de texto dissertativo mostrado acima o enunciador afirma que a aquisição da linguagem se dá por aprendizagem Nesse caso opõese ao ponto de vista de que a aquisição da primeira língua é um processo de maturação em contacto com uma dada realidade lingüística de uma gramática universal inata Na descrição o enunciador apresenta sua visão pelos aspectos selecionados para mostrar e pelos termos escolhidos para retratar No texto descritivo acima o enunciador apresenta positivamente a figura do índio mostra apenas aspectos que evidenciam sua beleza sua força Todos os termos escolhidos para descrever a personagem têm valor positivo desde a alvura diáfana de sua túnica até os brilhos com reflexo dourado de sua pele Esse texto é romântico Esse período literário dinamizou os mitos da nação e do herói A nação é uma idéia extremamente importante É para consolidála que os românticos cultuam as línguas nacionais e o folclore voltam ao passado para analisar as origens da nacionalidade No Brasil o romantismo coincide com o momento da independência O indianismo está inserido nesse movimento de busca das raízes da nacionalidade Nele o índio é visto como um nobre como um ser belo etc Concorre também para isso o ideário iluminista do bom selvagem Na narração contrapõemse percursos figurativos para revelar o ponto de vista do enunciador No texto Marquesa porque eu serei marquês o narrador opõe o percurso figurativo da águia Lobo Neves ao do pavão o próprio narrador Este era mais esbelto mais elegante mais lido mais simpático mas aquele tinha determinação vontade ambição segurança Ao contrapor as metáforas da águia e o pavão o narrador está desvelando sua posição sobre os protagonistas do episódio Não podemos esquecernos de que sob a camada figurativa de um texto há temas Por conseguinte com a organização figurativa o enunciador manifesta pontos de vista sobre o que narra ou descreve 120 Lição 11 Estruturação dos conteúdos da dissertação Suponhamos que os enunciados abaixo sejam temas de dissertação 1a As atitudes dos indivíduos nem sempre revelam seus verdadeiros sentimentos b Quem vê cara não vê coração 2a Só realiza grandes feitos quem é capaz de enfrentar a dor e o sofrimento b Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor Fernando Pessoa 3 a As dores morais são preferíveis às físicas b Não te irrites se te pagarem mal um benefício antes cair das nuvens que de um terceiro andar Machado de Assis Uma dissertação é na maioria dos casos organizada em torno de um problema enunciado explícita ou implicitamente Quando está exposto de maneira implícita é preciso antes de mais nada detectálo Nos três exemplos acima a questão sobre a qual se deve dissertar está enunciada explicitamente em a e implicitamente em b Saber delimitar o tema e formular bem o problema que ele contém é a primeira condição para fazer uma boa dissertação Na maioria das dissertações começamos por perguntar o que é que devemos demonstrar Ela enuncia um problema e tenta resolvêlo Por isso dizse em todos os manuais de redação que uma dissertação organizase da seguinte maneira a introdução enunciase o problema b desenvolvimento discutese o problema e tentase resolvêlo c conclusão fazse um balanço da discussão É evidente que uma dissertação tem essas três partes No entanto dizer apenas isso sobre o plano do texto não é suficiente A questão é saber como se organiza cada uma delas Por isso analisemolas mais detidamente A introdução Leia os dois primeiros parágrafos do livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda 121 A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território dotado de condições naturais se não adversas largamente estranhas à sua tradição milenar é nas origens da sociedade brasileira o fato dominante e mais rico em conseqüências Trazendo de países distantes nossas formas de convívio nossas instituições nossas idéias e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra Podemos construir obras excelentes enriquecer nossa humanidade de aspectos novos ou imprevistos elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem Assim antes de perguntar até que ponto poderá alcançar bom êxito a tentativa caberia averiguar até onde temos podido representar aquelas formas de convívio instituições e idéias de que somos herdeiros 8 ed Rio de Janeiro José Olympio 1975 p 3 A introdução contém freqüentemente uma idéia geral que é dada por um fato da atualidade uma lembrança uma afirmação de alcance universal a alusão a uma experiência pessoal a citação de uma cifra eloqüente etc e um problema que mesmo que não se apresente sob a forma de uma interrogação pode ser reduzido a uma curta pergunta No texto de Sérgio Buarque de Holanda transcrito acima o primeiro parágrafo enuncia a idéia geral a cultura brasileira é resultado da transplantação da cultura européia para um clima e uma paisagem desfavoráveis a ela No segundo explicitase o problema até onde temos podido representar essa cultura de que somos herdeiros O desenvolvimento vai discutir o problema vai examinálo vai explicitálo Não é um bloco compacto mas se organiza em partes O desenvolvimento Primeiro tipo de plano o dialético Leia o texto abaixo Todo poder aos professores Grande ênfase será dada à educação no próximo governo é o que se anuncia O presidente eleito é visto em reuniões com auxiliares que como ele próprio e sua mulher são professores universitários Especialistas têm uma série de propostas para o problema que é talvez o mais sério de todos apesar de duplamente refratário à abordagem jornalística por ser complexo demais e empolgante de menos 122 Todo mundo parece de acordo em que é preciso utilizar melhor os recursos reduzir desperdícios estimular parcerias pagar melhor e exigir mais do professor Mas há um aspecto que não pode ser quantificado e que nem sempre se leva em conta Desde os anos 60 a relação professoraluno se flexibilizou o ensino deixou de ser dogmático e perdeu muito do seu caráter impositivo A idéia é que o aluno passe a ser um sujeito ativo na relação de aprendizado Seminários e laboratórios ganharam espaço em detrimento das aulas expositivas Trabalhos de preferência em grupo substituíram em parte as antigas provas Procurouse estimular a criatividade do aluno e reduzir as tarefas ligadas à memorização de dados Essa ideologia predomina hoje em qualquer escola Seus pressupostos parecem muito sensatos e de fato arejaram o ensino O lado perverso é que essa doutrina vestiu como uma luva nas carências materiais e pedagógicas para gerar distorções absurdas em especial no ensino superior Como o diploma virou passaporte para um emprego reprovar passou a ser antisocial Estudantes e professores terminaram unidos numa frente única cuja ação é ditada pela lei do menor esforço Além de ser mais chique do ponto de vista ideológico o seminário é mais cômodo para os dois lados nem o professor prepara aula nem o aluno estuda e ambos entram com sua cota de participação crítica Cheguei a ver por exemplo na Faculdade de Letras da USP uma professora anunciar o cancelamento das provas de fim de curso como uma vitória obtida pelos estudantes e modestamente por ela Já que o mundo passa por uma histeria de volta ao passado ao menos em relação ao que parecia futuro nos anos 60 talvez fizéssemos bem em rever grande parte das mudanças do ensino nesses 30 anos Porque os resultados mesmo nas boas escolas não parecem encorajadores A ideologia do ensino crítico está produzindo gerações de tontos A lassidão o valetudo a falta de autoridade professoral desestimula a própria rebeldia do estudante FHC conta com a ajuda do filósofo José Arthur Gianotti um paradigma na universidade brasileira célebre por massacrar seus alunos e ao mesmo tempo estabelecer com eles o mais livre debate intelectual Vamos ver se conseguem alterar a mentalidade dominante nas escolas O lema bem que poderia ser Todo poder aos professores FRIAS FILHO Otavio Folha de S Paulo 17111994 12 123 Analisemos como se organizam os conteúdos desse texto introdução idéia geral ênfase a ser dada à educação no próximo governo e consenso sobre a necessidade de mudanças profundas nesse setor 3 primeiros parágrafos problema o ensino deve ser dogmático e ter um caráter impositivo quarto parágrafo desenvolvimento tese o ensino não deve ser dogmático e não deve ter um caráter impositivo argumentos a favor da tese aluno passa a ser sujeito ativo na relação de aprendizado quinto parágrafo estímulo à criatividade sexto parágrafo antítese o ensino deve ser dogmático e ter um caráter impositivo argumentos a favor da antítese objeções à tese distorções produzidas pela tese sétimo parágrafo reprovação passou a ser antisocial e lei do menor esforço passou a ditar a ação pedagógica oitavo parágrafo comodismo dos professores e dos alunos nono parágrafo dificuldades de reversão do quadro décimo e décimo primeiro parágrafos síntese necessidade da volta do ensino dogmático e de caráter impositivo décimo segundo parágrafo razões que determinam essa volta décimo terceiro parágrafo exemplo do bom professor décimo quarto parágrafo conclusão expectativa de que a mentalidade expressa na tese se altere divisa que sintetiza essa mudança último parágrafo Esse texto segue no desenvolvimento um dos planos mais comuns numa dissertação o dialético Nele os conteúdos organizamse da seguinte maneira tese ponto de vista sobre a questão argumentos em favor dela antítese ponto de vista contrário ao exposto anteriormente sobre a questão argumentos em favor dela objeções à tese restrições a ela síntese que pode ser a vitória de uma das teses em conflito ou sua conciliação seja pelo estabelecimento de uma verdade média mais matizada que as expressas na tese e na antítese seja pela ultrapassagem da contradição pelo concurso de novos elementos que demonstrem que ela é apenas aparente No texto de Otávio Frias Filho a síntese é a demonstração de que a antítese deve prevalecer sobre a tese Dois defeitos devem ser evitados quando se utiliza esse tipo de desenvolvimento a justaposição de idéias opostas nesse caso defendese uma tese e sem transição passase a sustentar uma tese oposta Por exemplo isso ocorreria se numa dissertação depois de mostrar que a criminalidade no Brasil atingiu 124 proporções inquietantes o enunciador passasse sem nenhuma transição a mostrar que essa inquietação não tem fundamento Para fazer isso precisaria por exemplo mostrar que a estabilização da economia produzirá um novo ciclo de crescimento econômico que levará a uma diminuição da pobreza e que o reaparelhamento e a moralização da polícia processos já em curso darão uma maior eficiência ao combate à criminalidade que a diminuição da pobreza e uma maior eficiência no combate à criminalidade permitirão atenuar as inquietações expressas pela tese b síntese inconsistente é aquela que tenta conciliar o que não é conciliável suponhamos que Otávio Frias em sua síntese dissesse que é preciso que o ensino seja dogmático e nãodogmático No entanto como já mostramos depois do exame das posições extremas expressas pela tese e pela antítese podese chegar a um ponto de vista mais matizado ultrapassando a contradição que se revela aparente Por exemplo quando se defendem as teses de que a arte de um país deve ter um caráter nacional ou de que deve ela ter um caráter universal podese chegar na síntese a uma verdade média que mostre que o universal é atingido por meio do particular Segundo tipo de plano problema causas e soluções Leia o texto que segue É proibido dirigir Sair de casa nas grandes cidades brasileiras estáse tornando insuportável As pessoas estão irritadas cansadas e agressivas As ruas sujas O barulho de arrebentar os tímpanos A causa dessa situação crítica é a proliferação dos automóveis Há mais carros do que espaço para com eles trafegar O brasileiro passa em média duas horas por dia dentro do carro apenas para fazer o trajeto entre sua casa e o trabalho Quando chega um feriado como o desta e das duas últimas semanas o sofrimento se transfere para as estradas O que deveria ser um momento de descanso e descontração se transforma num martírio Os 60 quilômetros que separam São Paulo do litoral do Estado por exemplo chegam a custar quatro ou cinco horas para o já estressado paulistano Caminhamos rumo ao caos inevitável se não forem tomadas medidas drásticas O problema dos automóveis nas regiões urbanas será cada vez mais parecido com o do cigarro Continuarão sendo fabricados e vendidos mas surgirão cada vez mais obstáculos ao seu uso O aquecimento da economia piora esse quadro Quanto maior for a distribuição de renda entre nós maior será a quantidade de carros em circulação e maior o caos urbano em que 125 nos meteremos O aumento cotidiano de veículos em circulação prenuncia a falência dos sistemas de transporte Ainda que a administração pública brasileira fosse competente e incorruptível e investisse 50 dos orçamentos na construção de estradas viadutos garagens em asfaltamento e abertura de novas ruas a tendência seria termos no ano 2000 um trânsito infinitamente mais caótico que o de hoje e um ar cada vez mais poluído A única saída é mudar nosso modelo de desenvolvimento centrado hoje no transporte individual Fora isso não há salvação Precisamos menos de engenheiros e tocadores de obras e mais de estadistas que consigam enxergar o que ocorrerá com as cidades daqui a dez anos e alterem o padrão de desenvolvimento atual viabilizando projetos de transporte público rápido limpo confortável e barato Além da visão estratégica das mudanças futuras esses estadistas teriam de ter muita coragem para enfrentar a poderosa indústria automobilística e de acessórios os sindicatos de trabalhadores e de certo modo todos os brasileiros que querem facilidade para circular com seu automóvel Afora o enfrentamento de interesses e a mudança nas concepções de conforto da população seriam necessários muitos recursos para permitir alteração de tal vulto na economia empregos obras e equipamentos voltados para o transporte público Isso poderia ser obtido com a incidência de um imposto de 5 sobre o consumo da gasolina e do álcool Uma maneira de tirar recursos do transporte individual para aplicar no coletivo e seria também uma forma de distribuição de renda MARICATO Percival Veja 351995 p 134 Esclareçamos inicialmente que eliminamos a conclusão do texto acima Por isso apresenta ele apenas a introdução e o desenvolvimento Segue o seguinte plano introdução a partir de dados precisos de cifras o enunciador expõe o problema o trânsito nas grandes cidades brasileiras está caótico primeiro parágrafo desenvolvimento causa número de carros em circulação problema que se agravou com o aquecimento da economia e que se tornará pior com uma melhor distribuição de renda segundo parágrafo no último período do terceiro parágrafo aparece uma outra causa modelo de desenvolvimento centrado no transporte individual solução inicialmente apontase uma falsa solução investimento em obras viárias em seguida as reais soluções mudança do modelo de desenvolvimento centrado no transporte individual com investimentos maciços em transporte público e com restrições ao transporte individual financiamento do programa de 126 investimentos em transporte público com impostos incidentes sobre os combustíveis para transporte individual dois últimos parágrafos Esse tipo de dissertação aponta um problema discute suas causas e aponta soluções Terceiro tipo de plano o inventário Leia o texto abaixo O Romantismo Segundo Paul Valéry seria necessário ter perdido todo o espírito de rigor para querer definir o Romantismo Mas aqui como nos outros ciclos culturais o todo é algo mais que a soma das partes é gênese e explicação O amor e a pátria a natureza e a religião o povo e o passado que afloram tantas vezes na poesia romântica são conteúdos brutos espalhados por toda a história das literaturas e pouco ensinam ao intérprete do texto a não ser quando postos em situação tematizados e lidos como estruturas estéticas Como tematizam os escritores românticos esses assuntos O fulcro da visão romântica do mundo é o sujeito Diríamos hoje em termos de informação que é o emissor da mensagem O eu romântico objetivamente incapaz de resolver os conflitos com a sociedade lançase à evasão No tempo recriando uma Idade Média gótica e embruxada No espaço fugindo para ermas paragens ou para o Oriente exótico A natureza romântica é expressiva Ao contrário da natureza árcade decorativa Ela significa e revela Preferese a noite ao dia pois à luz crua do sol o real impõese ao indivíduo enquanto é na treva que latejam as forças inconscientes da alma o sonho a imaginação O mundo natural encarna as pressões anímicas E na poesia ecoam o tumulto do mar e a placidez do lago o fragor da tempestade e o silêncio do ocaso o ímpeto do vento e a fixidez do céu o terror do abismo e a serenidade do monte Enfim com a música a mais livre das artes esperavam os românticos entregarse ao fluxo infinito do Cosmos A música de Beethoven dizia Hoffman põe em movimento a alavanca do medo do terror do arrepio do sofrimento e desperta precisamente esse infinito anelo que é a essência do Romantismo Infinito anelo Nostalgia do que se crê para sempre perdido Desejo do que se sabe irrealizável a liberdade absoluta na sociedade advinda com a Revolução de 89 127 Na ânsia de reconquistar as mortas estações e de reger os tempos futuros o Romantismo dinamizou grandes mitos a nação e o herói A nação afigurase ao patriota do século XIX como uma idéiaforça que tudo vivifica Floresce a História ressurreição do passado e retorno às origens Michelet Gioberti Acendrase o culto à língua nativa e ao folclore Schlegel Garrett Manzoni novas bandeiras para os povos que aspiram à autonomia como a Grécia a Itália a Bélgica a Polônia a Hungria a Irlanda Para algumas nações nórdicas e eslavas e naturalmente para todas as nações da América que ignoraram o Renascimento será o momento da grande afirmação cultural Mazzini apóstolo da unidade italiana viu bem o próprio século hora do advento das nações Entretanto o nexo entre o eu e a História mantido no pensamento abstrato de um Ficht logo se desata na práxis de uma sociedade descontínua por excelência O homem romântico reinventa o Herói que assume dimensões titânicas Shelley Wagner sendo afinal reduzido a cantor da sua própria solidão Fóscolo Vigny BOSI Alfredo História concisa da literatura brasileira São Paulo Cultrix 1975 p 99104 texto adaptado Desse texto constam somente a introdução e o desenvolvimento Analisemos como se organizam os conteúdos introdução dificuldade para definir o Romantismo maneira de fazê lo pela tematização específica dos assuntos e pela sua leitura como estruturas estéticas desenvolvimento inventário das tematizações românticas a subjetividade b conflito entre o eu e a sociedade e evasão temporal e espacial c expressividade da natureza d infinito anelo e dinamização do mito da nação f dinamização do mito do herói O plano inventário pode ser usado quando a dissertação não se apresenta propriamente como resolução de um problema mas procura explicar algum fenômeno cultural algum fato etc Por exemplo desafios da diplomacia brasileira hoje é claro que esse tema poderia ser tratado também a partir de um plano dialético O inventário não é um simples arrolamento Ele deve explicar definir comprovar alguma coisa No caso do texto de Alfredo Bosi o inventário comprova que há uma singularidade na tematização de determinados assuntos feita pelos românticos Ademais os elementos repertoriados precisam construir uma progressão 128 O plano inventário é em síntese aquele que enumera e explica todos os elementos que compõem um dado assunto Quarto tipo de plano o comparativo Leia o texto que segue Racismo e cultura Se compararmos o racismo do século XIX e aquele que preside o nazismo com o racismo contemporâneo as diferenças são grandes e delas é preciso tratar Sem dúvida todos os racismos possuem em comum a idéia da nação una e indivisa no espaço e no tempo a idéia de raças inferiores e superiores por hereditariedade o conservadorismo reacionário antidemocrático e autoritário São ideologias etnocêntricas e xenófobas São ideologias biológicas psicológicas e políticas São nacionalistas e erguem mitos nacionais operam com a identidade nacional mítica o caráter nacional mítico Mas são histórica e conceitualmente diferentes Diferença histórica o racismo nacionalista do século XIX e da primeira metade do século XX exprime o momento de construção consolidação e plenitude dos Estados Nacionais o racismo nacionalista do final do século XX exprime a mudança que o capitalismo neoliberal impôs aos Estados nacionais isto é sua desaparição no mercado mundial transnacional e a formação de conglomerados políticos Estamos assistindo ao possível término dos Estados nacionais e por isso o racismo nacionalista não pode hoje exprimirse como se exprimia ontem Diferença conceitual ou ideológica embora o racismo seja uma ideologia e uma paixão embora seja essencialmente violento não opera hoje com as categorias que lhe permitiam operar até os anos 50 de nosso século A grande mudança ideológica lhe foi dada de presente afinal pelo discurso antiracista dos anos 50 e 60 De fato no antigo racismo era fundamental uma ideologia biológica e uma mitologia dos caracteres hereditários O discurso antiracista dos anos 60 e 70 demonstrou que a raça era na verdade etnia e que a etnia é um fato e um processo cultural histórico algo feito e construído pela ação humana e não um dado da natureza O atual discurso racista se apropriou da elaboração antiracista e fez dela sua nova bandeira Os dois grandes tipos de discursos racistas excluído o discurso apavorado e apavorante do racismo como paixão irracional surgem na verdade legitimados pelos discursos antiracistas O primeiro é o discurso 129 universalista o segundo contrário ao primeiro é o discurso comunitarista O primeiro corresponde sobretudo ao século XIX e XX até os anos 60 o segundo corresponde sobretudo ao final do nosso século Isso não significa que o primeiro tenha desaparecido mas ele permaneceu como discurso que corresponde ao do racismo mitológico passional enquanto o segundo se tornou o discurso racista predominante O discurso racista universalista é o filho bastardo da revolução francesa ou do que os marxistas chamam de revolução burguesa o discurso racista comunitarista é o filho bastardo do pósmodernismo isto é do elogio do descentramento e da diferença Antes de explicarmos essas filiações vejamos o que são tais discursos de acordo com a descrição que deles nos faz Taguieff Racismo universalista ou discriminatório afirma a existência de um modelo universal de humanidade numa escala hierárquica de espécies ou raças que vão da inferior à superior afirma a naturalidade da desigualdade e da hierarquia das raças Este racismo biológico e etnocêntrico pois a raça superior é a minha presidiu a formação dos impérios coloniais a escravatura o nazismo o fascismo Seus axiomas são a desigualdade é natural e nós somos os melhores existe um único e verdadeiro tipo ou raça humana e somos nós Como diz um autor os outros pertencem a raças particulares e nós somos o universal Os outros são nãohumanos semi humanos ou quasehumanos Nós somos os humanos e a humanidade Exterminar o outro é natural e não é eticamente imoral pois o outro não faz parte do gênero humano Racismo comunitarista ou diferencialista é o racismo contemporâneo que se apropriou dos pontos centrais do antiracismo isto é que raça não é natureza mas cultura ou etnia e que todos temos o direito à diferença Agora afirmase o caráter sagrado da comunidade a identidade do grupo ou da nação a obrigação de defender a integridade a identidade e a especificidade da nação ou comunidade e portanto sua diferença Cada comunidadenação tem sua tradição sua história seus costumes sua origem sua língua sua religião sua sexualidade essa diferença tanto pode ser genéticohereditária quanto puramente históricocultural pois o importante não é a causa ou origem dessa diferença e sim sua existência visível vejo a diferença da cor da pele da textura da pele e do cabelo dos gostos culinários do modo de vestir do formato dos olhos dos deuses adorados das formas de parentesco e de casamento da música da dança da pintura dos modos de pensar a diferença é um fato dado o outro é um fato dado Ora cada comunidadenação por ser tomada como mito e não como criação histórica tem sua verdade própria milenar tem sua língua materna seus símbolos pátrios seus costumes Cada Estadonação existe desde todo o sempre como uma realidade cultural inquestionada É obrigação de cada um deles 130 preservar sua diferença sua alteridade sua autenticidade Portanto somos contra a imigração a migração a mestiçagem o sincretismo religioso o sincretismo nas artes a importação de idéias pois tudo isso retira de nossa comunidade nacional sua vida verdadeira Se os imigrantes os migrantes os negros os índios os judeus tiverem amor à sua diferença e à sua comunidade serão os primeiros a concordar conosco Como a negritude como a indianidade como a orientalidade como o arabismo e o judaísmo haverão de permanecer em sua pureza e integridade se deixarmos imigrações migrações e miscigenações acontecerem Para o nosso bem e o bem dos outros respeitemos o direito democrático à diferença Sem dúvida somos desiguais e ninguém há de negar que alguns são superiores a outros mas ninguém precisa ser exterminado desde que não venha contaminar a minha diferença Se o discurso racista universalista era etnocêntrico e rumava para a escravatura e para o genocídio o discurso racista comunitarista é xenófobo e prefere formas legais de separação e de exclusão para não ter que chegar à violência do genocídio Entre a violência física do racismo discriminatório colonialismo escravatura e genocídio e a violência simbólica do racismo diferencialista segregação e apartheid o discurso antiracista tornouse impotente vendo o racismo nacionalista apropriarse de seus argumentos O discurso racista discriminatório fundase nos valores mais caros à democracia nascida da revolução francesa o indivíduo e a universalidade o discurso racista diferencialista fundase nas armas que as minorias criaram para sua autodefesa antiracista a comunidade e a alteridade Lembremo nos por exemplo dos trabalhos científicos e filosóficos dos negros africanos ao elaborar a negritude para diferenciála do helenismo europeu ou dos trabalhos dos eruditos judeus para diferenciar a cultura hebraica da greco romana ou dos trabalhos dos antropólogos para garantir a diferença indígena ou dos folcloristas e do cinema novo brasileiro para afirmar a dimensão revolucionária do ser nordestino Cada um desses esforços antiracistas dos anos 50 60 e 70 produziram como contrapartida o neoracismo do direito à diferença Talvez nossa impotência para elaborar um discurso contra o racismo venha do fato de termos sempre elaborado discursos antiracistas quando talvez fosse o caso de elaborar um discurso nãoracista CHAUÍ Marilena Racismo e cultura Aula inaugural da FFLCH da USP proferida na abertura do ano letivo de 1993 Texto adaptado Esse texto organizase da seguinte maneira Introdução existem dois tipos distintos de racismos um do século XIX e da primeira metade do século XX e outro deste final do século 131 desenvolvimento semelhanças que fundam a comparação unidade e indivisibilidade da nação hierarquia das raças caráter autoritário etnocentrismo e xenofobia identidade nacional mítica segundo parágrafo diferenças entre eles diferença histórica expressão da consolidação do Estado Nacional vs expressão do enfraquecimento do Estado Nacional terceiro parágrafo diferença conceitual fundamentos biológicos vs fundamentos culturais quarto parágrafo existência de dois tipos de discursos racistas universalista vs comunitarista quinto parágrafo diferença de filiação revolução francesa vs pósmodernismo sexto parágrafo caracterização do discurso universalista hierarquia biológica das raças e suas conseqüências justificativa do colonialismo da escravidão do genocídio sétimo parágrafo caracterização do discurso comunitarista diferença cultural entre os povos direito à diferença e defesa da identidade e suas conseqüências justificativa da segregação e da exclusão oitavo parágrafo reflexão nascida da confrontação dos dois tipos de racismos impotência do discurso antiracista pela apropriação pelo discurso racista de seus conceitos de comunidade e alteridade nono parágrafo conclusão necessidade de elaborar um discurso nãoracista e não um discurso antiracista O plano comparativo é aquele que discute a questão enunciada na introdução no caso do texto de Marilena Chauí existem duas formas diferentes de racismo comparando fatos ou conceitos diferentes Podemos ter dois tipos distintos de formas de comparação a a oposição anunciada na introdução prossegue ao longo do texto e as conseqüências que decorrem da comparação são tiradas no fim do desenvolvimento b cada elemento da comparação constitui uma parte analisase o primeiro termo da comparação examinase o segundo termo da comparação e depois fazse uma reflexão nascida da confrontação dos fatos evocados nas duas partes precedentes Observese que Marilena Chauí ao longo de seu texto utilizase das duas formas de comparação a no primeiro parágrafo anuncia a oposição entre duas formas de racismo no segundo analisa suas semelhanças no terceiro e no quarto vai estabelecendo 132 as oposições que existem entre um e outro daí extrai a conseqüência de que existem duas formas de discurso racista b no sexto parágrafo estabelece quais são os dois tipos de discurso racista no sétimo estuda as características do primeiro no oitavo as do segundo no nono faz uma reflexão nascida da confrontação dos dois tipos de discurso racista Quinto tipo de plano ilustração e explicitação de uma afirmação Leia o texto que segue O príncipe procure evitar o que o torne odioso ou desprezível e sempre que assim agir terá cumprido o seu dever e não encontrará nenhum perigo nos outros defeitos O que principalmente o torna odioso como se disse acima é o ser rapace e usurpador dos bens e das mulheres dos seus súditos Desde que não se tirem aos homens os bens e a honra vivem estes satisfeitos e só se deverá combater a ambição de poucos a qual se pode sofrear de muitos modos e com facilidade Fálo desprezível o ser considerado volúvel leviano efeminado pusilânime irresoluto E essas são coisas que devem ser evitadas pelo príncipe como o nauta evita um rochedo Deve ele procurar que em suas ações se reconheça grandeza coragem gravidade e fortaleza e quanto às ações privadas de seus súditos deve fazer com que a sua sentença seja irrevogável conduzindose de tal forma que a ninguém passe pela mente enganálo ou fazêlo mudar de idéia O príncipe que conseguir formar tal opinião de si adquire grande reputação e contra quem é reputado dificilmente se conspira e dificilmente é atacado enquanto for tido como excelente e reverenciado pelos seus Um dos remédios mais eficazes que um príncipe possui contra as conspirações é não se tornar odiado pela população pois quem conspira julga sempre que vai satisfazer os desejos do povo com a morte do príncipe se julgar porém que com isso ofenderá o povo não terá coragem de tomar tal partido porque as dificuldades com que os conspiradores teriam de lutar seriam infinitas Ordinariamente o que um conspirador receia antes de levar a efeito o mal deverá recear também depois tendo o povo por inimigo depois do fato consumado e não poderá por isso esperar qualquer refúgio Poderia eu citar numerosos exemplos dessa matéria limitarmeei porém a um só que nos foi legado pela recordação de nossos pais Tendo sido assassinado pelos Canneschi o senhor de Bolonha Messer Aníbal Bentivoglio avô do atual Messer Aníbal não ficando da família senão Messer Giovanni criança de colo o povo logo depois do homicídio sublevouse e 133 matou todos os Canneschi Isso foi devido à benevolência popular com a qual a casa dos Bentivoglio contava naquela época benquerença essa tão grande que não tendo restado em Bolonha um só membro daquela família que pudesse morto Aníbal governar o Estado e havendo indício de que havia em Florença um jovem pertencente àquela família e tido até então como filho de um ferreiro os bolonheses ali foram procurálo e lhe entregaram o governo da cidade que foi governada por ele até que Messer Giovanni alcançasse idade suficiente para reinar Concluo portanto afirmando que a um príncipe pouco devem importar as conspirações se é amado pelo povo mas quando este é seu inimigo e o odeia deve temer tudo e a todos MAQUIAVEL Nicolò O príncipe 4 ed São Paulo Nova Cultural 1987 p 7779 Esse texto estruturase da seguinte maneira introdução afirmação de que o príncipe deve evitar ser odiado ou desprezado primeiro período desenvolvimento explicitação da afirmação geral causas que geram o ódio rapacidade e usurpação dos bens e das mulheres causas que produzem o desprezo volubilidade leviandade efeminação pusilanimidade irresolução primeiro parágrafo a partir do segundo período conseqüência de ser amado e respeitado remédio contra conspirações segundo parágrafo ilustração da afirmação de que o príncipe deve evitar ser odiado ou desprezado o assassinato de Aníbal Bentivoglio terceiro parágrafo conclusão quarto parágrafo O desenvolvimento pode ser a explicitação e a ilustração de uma afirmação geral principalmente quando essa afirmação geral vier expressa numa fórmula como O menino é o pai do homem Machado de Assis ou O inferno são os outros Sartre Nesse caso o desenvolvimento deverá explicar qual é o sentido da fórmula e ilustrála Os cinco tipos de estruturas do desenvolvimento são os mais comuns mas não são os únicos Ademais podemse fazer modificações na organização de algum tipo de desenvolvimento apresentado por exemplo num plano que poderia ser dialético enunciase a tese desenvolvemse os argumentos a favor dela e chegase a uma conclusão sem explicitar a antítese e as objeções à tese Além disso numa dissertação mais longa duas ou mais dessas espécies de desenvolvimento podem combinarse Vejamos um exemplo que nos mostre isso 134 A Nebulosa fascista Podese afirmar que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita a controlar um país europeu e que todos os movimentos semelhantes que estavam por vir encontraram um arquétipo comum no regime de Mussolini O fascismo italiano foi o primeiro a estabelecer uma liturgia militar um folclore e mesmo um modo de vestir que chegou a ser mais influente no exterior que Armani Benetton ou Versace Foi só nos anos 30 que movimentos fascistas surgiram no Reino Unido com Mosley na Letônia Estônia Lituânia Polônia Hungria Romênia Bulgária Grécia Iugoslávia Espanha Portugal Noruega e até na América do Sul para não falar da Alemanha Foi o fascismo italiano que convenceu vários líderes liberais europeus de que o novo regime estava implementando reformas sociais interessantes proporcionando uma alternativa brandamente revolucionária à ameaça comunista Não obstante isso a precedência histórica não me parece razão suficiente para explicar por que o termo fascismo se tornou uma espécie de sinédoque uma denominação pars pro toto de regimes totalitários distintos Pouco adianta dizer que o fascismo continha em si como que em estado quintessencial todos os elementos das formas posteriores de totalitarismo Ao contrário o fascismo não tem quintessência alguma ele sequer tem uma essência O fascismo era um totalitarismo difuso O fascismo não era uma ideologia monolítica e sim uma colagem de diferentes idéias políticas e filosóficas um vespeiro de contradições Assim o termo fascismo tornouse universalmente aplicável porque é possível eliminar de um regime fascista um ou dois traços sem que ele deixe de ser fascista Apesar de sua natureza difusa creio ser possível esboçar uma lista de traços típicos daquilo que gostaria de chamar protofascismo ou Fascismo Eterno Esses traços não podem ser acomodados dentro de um sistema muitos deles são contraditórios entre si além de ocorrerem em outros tipos de despotismo ou fanatismo Mas basta que um deles ocorra para que se coagule a nebulosa fascista 1 O primeiro traço do protofascismo é o culto à tradição O tradicionalismo é mais antigo do que o fascismo e era típico do pensamento católico contrarevolucionário após a Revolução Francesa mas nascera muito antes no final da era helenística como reação ao racionalismo grego clássico Na bacia do Mediterrâneo povos de religiões diferentes todas admitidas indulgentemente no Panteão romano começaram a sonhar com 135 uma revelação feita na aurora da história humana Essa revelação permanecera por muito tempo oculta sob o véu de línguas esquecidas estava contida nos hieroglifos egípcios nas runas celtas nos pergaminhos de religiões asiáticas ainda desconhecidas Essa nova cultura tinha que ser sincrética Sincretismo não é apenas como diz o dicionário a combinação de diferentes formas de crença ou prática uma tal combinação tem que tolerar contradições Cada uma das mensagens originais contém uma centelha de sabedoria e quando parecem dizer coisas diferentes ou incompatíveis de fato estarão apenas aludindo alegoricamente à mesma verdade primeva Em conseqüência não pode haver progresso do saber A verdade já foi pronunciada de uma vez por todas e só podemos seguir interpretando sua mensagem obscura Basta dar uma olhada aos patronos de qualquer movimento fascista para encontrar os grandes pensadores tradicionalistas A gnose nazista nutria se de elementos tradicionalistas sincréticos e ocultos Basta checar as estantes que as livrarias americanas reservam para a new age para encontrar até mesmo Santo Agostinho que pelo que sei não era fascista Mas o próprio fato de pôr no mesmo saco Santo Agostinho e Stonehenge já é sintonia de protofascismo 2 O tradicionalismo implica a recusa da modernidade Tanto fascistas quanto nazistas cultuavam a tecnologia ao passo que pensadores tradicionalistas normalmente a rejeitam enquanto negação de valores espirituais tradicionais Entretanto apesar de orgulhoso de suas conquistas industriais o elogio nazista à modernidade era apenas a superfície de uma ideologia baseada em Sangue e Solo Blut und Boden A recusa do mundo moderno era disfarçada de refutação ao modo de vida capitalista mas se destinava principalmente à rejeição do Espírito de 1789 e de 1776 é claro O Iluminismo a Era da Razão é visto como o começo da depravação moderna Nesse sentido o protofascismo pode ser definido como irracionalista 3 O irracionalismo também depende do culto à ação pela ação Sendo a ação bela em si mesma ela deve ser implementada antes de ou sem qualquer reflexão prévia Assim sendo a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas Os intelectuais fascistas oficiais estão ocupados sobretudo em acusar a cultura moderna e a intelligentsia liberal pela perda dos valores tradicionais 4 Nenhum sincretista é capaz de suportar a crítica O espírito crítico faz distinções e ser capaz de fazêlo é signo de modernidade Na cultura moderna a comunidade científica elogia o desacordo como maneira de aprimorar o conhecimento Para o protofascismo desacordo é traição 136 5 Além disso o desacordo é sinal de diversidade O protofascismo desenvolvese e alcança o consenso explorando o medo natural da diferença O primeiro apelo de qualquer movimento fascista é contra os intrusos Por isso o protofascismo é racista 6 O protofascismo germina a partir da frustração social ou individual É por isso que um dos traços mais típicos dos fascismos históricos foi o apelo a uma classe média frustrada sofrendo sob alguma crise econômica ou humilhação política assustada com a pressão dos grupos sociais inferiores Em nossos tempos quando os velhos proletários estão se tornando pequenos burgueses e os lumpen excluem a si mesmos da cena política o fascismo de amanhã encontrará aí um público adequado 7 Para os que se vêem privados de qualquer identidade social o protofascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos o de terem nascido no mesmo país É essa a origem do nacionalismo Ademais os únicos que podem dar identidade a uma nação são seus inimigos Daí que na raiz da psicologia protofascista esteja a obsessão da conspiração possivelmente internacional os seguidores devem se sentir sitiados A maneira mais fácil de evocar a imagem de uma conspiração é o apelo à xenofobia Mas a conspiração deve partir de dentro também os judeus costumam ser o melhor alvo já que têm a vantagem de estar dentro e fora 8 Os seguidores do movimento devem sentirse humilhados com a riqueza e a força ostentatória de seus inimigos Mas é importante que os seguidores estejam convencidos de que podem superar seus inimigos Desse modo através de uma contínua mudança de registro retórico os inimigos são ao mesmo tempo fortes e fracos demais Os fascismos estão condenados a perder suas guerras porque são visceralmente incapazes de avaliar objetivamente a força do inimigo 9 Para o protofascismo não há luta pela vida mas vida pela luta Por isso o pacifismo é uma transigência com o inimigo O pacifismo é um mal porque a vida é uma guerra permanente Isso ocasiona um complexo de Armagedon Uma vez que os inimigos devem e podem ser derrotados deve haver uma batalha final após a qual o movimento controlará o mundo Mas uma tal solução final implica uma era subseqüente de paz uma Idade de Ouro o que contradiz o princípio da guerra permanente Nenhum movimento fascista foi capaz de resolver este dilema 10 O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária na medida em que estas são fundamentalmente aristocráticas Ao longo da história todo elitismo aristocrático ou militarista implicou desprezo pelos mais fracos O protofascismo não poderia deixar de advogar um elitismo popular Todo cidadão está entre as melhores pessoas do mundo os membros dos 137 partidos são os melhores entre os cidadãos todo cidadão pode ou deveria tornarse membro do partido Mas não pode haver patrícios sem plebeus De fato o Líder sabe que sua força baseiase na fraqueza das massas tão fracas a ponto de precisar de um Líder Como o grupo é organizado hierarquicamente de acordo com o modelo militar cada líder subordinado despreza seus subalternos e cada um destes despreza seus inferiores Isso reforça o sentido de elitismo de massa 11 Nessa perspectiva todos são educados para se tornarem Heróis Em todas as mitologias Herói é um ser excepcional mas na ideologia protofascista o heroísmo é a norma Esse culto ao heroísmo está estreitamente ligado a um culto da morte Não é por acaso que uma das palavras de ordem dos falangistas era viva la muerte O herói protofascista deseja a morte anunciada como a melhor recompensa de uma vida heróica 12 Como a guerra permanece e o heroísmo são jogos difíceis o protofascista transfere sua vontade de potência para assuntos sexuais É esta a origem do machismo que implica desprezo pelas mulheres e condenação intolerante a hábitos sexuais nãoconvencionais da castidade ao homossexualismo 13 O protofascismo baseiase num populismo qualitativo Numa democracia os cidadãos têm direitos individuais mas o conjunto dos cidadãos só tem impacto político de um ponto de vista quantitativo aceitamse as decisões da maioria Para o protofascismo os indivíduos enquanto tais não têm direitos e o Povo é concebido como uma qualidade uma entidade monolítica expressando a Vontade Comum Como nenhum grupo de seres humanos algum dia seria capaz de ter uma vontade comum o Líder finge ser seu intérprete Tendo perdido seu poder de delegação os cidadãos não agem são apenas convocados pars pro toto a interpretar o papel de O Povo que é portanto uma mera ficção teatral Para termos um bom exemplo não precisamos mais recorrer à Piazza Venezia em Roma ou ao Estádio de Nurembergue O futuro nos reserva um populismo qualitativo via TV ou Internet no qual a reação emocional de um grupo seleto de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a Voz do Povo Por causa de seu populismo qualitativo o protofascismo tem que estar contra governos parlamentares podres Cada vez que um político põe em questão a legitimidade de um parlamento por não representar mais a Voz do Povo podese sentir o cheiro do protofascismo 14 O protofascismo fala a novilíngua Novilíngua foi inventada por Orwell em 1984 como a linguagem oficial do Ingsoc ou Socialismo Inglês Mas elementos de protofascismo são comuns a formas diferentes de ditadura Todos os textos escolares nazistas ou fascistas tinham base 138 num léxico empobrecido e numa sintaxe elementar de modo a limitar o desenvolvimento dos instrumentos do raciocínio complexo e crítico Mas devemos estar prontos a identificar novas espécies de novilíngua ainda que na forma inocente de um programa popular de auditório ECO Umberto Folha de S Paulo 1451995 58 e 9 Analisemos a estruturação desse longo texto cuja conclusão não foi transcrita introdução idéia geral o fascismo italiano é o arquétipo de todos os regimes semelhantes problema por quê desenvolvimento tese a causa não foi a precedência histórica mas o fato de não ser uma ideologia monolítica argumento a favor da tese análise dos diferentes fascismos mostra que se pode eliminar um ou dois traços em um dado regime sem que deixe de ser fascista existência de um protofascismo com traços contraditórios Características do protofascismo 1 culto à tradição sincretismo 2 recusa da modernidade irracionalismo 3 culto à ação pela ação 4 visão do desacordo como traição 5 racismo 6 apelo a uma classe média frustrada 7 nacionalismo obsessão da conspiração e xenofobia 8 avaliação não objetiva do inimigo 9 visão da vida como guerra permanente 10 elitismo popular 11 culto ao heroísmo e à morte 12 machismo 13 populismo qualitativo 14 discurso com léxico pobre e sintaxe elementar Como se observa esse texto começa com um plano dialético pois embora não enuncie uma antítese e a defenda expõe uma tese e arrola argumentos a favor dela Em seguida para mostrar a existência de um protofascismo trabalha com um plano inventário enumerado e discutindo as quatorze características da nebulosa fascista Como se disse um texto mais longo pode combinar diferentes formas de organização do assunto 139 A conclusão A conclusão não é a repetição de algo que se disse anteriormente Ela é o termo da demonstração é um ponto de chegada é um balanço do que se discutiu antes Por isso deve estar ligada logicamente ao que a precede É preciso que haja uma relação de necessidade entre o resto do texto e a conclusão Nela podese também alargar o problema inserindoo numa perspectiva mais geral ou mostrando que ele faz parte de uma problemática mais ampla Vejamos como Umberto Eco concluiu seu texto sobre a nebulosa fascista Tendo esboçado os possíveis avatares do protofascismo deixem me concluir Na manhã de 27 de julho de 1943 disseramme que segundo informações do rádio o fascismo desmoronara e Mussolini estava preso Minha mãe mandoume comprar um jornal Fui à banca mais próxima vi que os jornais estavam lá mas que os títulos eram diferentes Além disso depois de um rápido exame das manchetes percebi que cada jornal dizia coisas diferentes Comprei um deles às cegas e li uma mensagem na primeira página assinada por cinco ou seis partidos políticos Até então eu pensava que só havia um partido por país na Itália o Partido Nazionale Fascista Eu estava descobrindo que em meu próprio país partidos diferentes podiam existir ao mesmo tempo E mais como eu era um garoto brilhante percebi imediatamente que eles existiam antes como organizações clandestinas A mensagem celebrava o fim da ditadura e o retorno à liberdade liberdade de expressão de imprensa de associação política Essas palavras liberdade e ditadura eu as lia pela primeira vez em minha vida Renasci como homem livre ocidental por força dessas palavras novas Temos que nos manter alertas para que o sentido dessas palavras não seja esquecido outra vez O protofascismo ainda está à nossa volta às vezes à paisana Seria mais fácil para nós se aparecesse alguém no cenário mundial dizendo quero abrir Auschwitz de novo quero que os camisas negras desfilem outra vez nas praças italianas É pena A vida não é tão simples O protofascismo pode voltar sob o mais inocente dos disfarces Nosso dever é pôlo a nu e apontar quaisquer novas ocorrências todos os dias em todas as partes do mundo Mais uma vez dou a palavra a Roosevelt Arriscome a afirmar que se a democracia americana deixar de existir como uma força viva procurando dia e noite melhorar a sorte de seu cidadão por meios pacíficos o fascismo ganhará força em nosso país 4 de novembro de 1938 Liberdade e liberação são uma tarefa infinita Que seja esta nossa senha não esquecer 140 A partir de um fato pessoal a descoberta das palavras liberdade e ditadura ocorrido em 1943 o autor mostra que o fascismo aparece sob muitos disfarces que é preciso não esquecêlo que é necessário pôlo a nu e denunciá lo pois construir a liberdade é uma tarefa infinita Como se vê a conclusão está profundamente relacionada ao desenvolvimento do texto Na conclusão devemse evitar a falta de relação com o desenvolvimento as banalidades e os lugarescomuns a relação apenas com uma parte do texto Mais do que qualquer lição sobre a estrutura da dissertação o que o enunciador deve ter bem presente quando vai elaborar seu texto é que é preciso mostrar uma resposta pessoal ao tema Dizer isso não significa que numa dissertação não se possa fazer referência ao pensamento de outrem mas quer dizer que devem ser banidos dela os lugares comuns os clichês as platitudes as generalidades as vaguidades os preconceitos os esquemas préestabelecidos Dissertar não é preencher uma folha de papel com um certo número de linhas em que o autor lança idéias prontas que julga importantes apropriadas ou aceitáveis Seu texto precisa ter personalidade Uma dissertação está fundada numa relação dialógica O enunciador tem uma imagem de seu interlocutor e relacionase com ela Procura persuadir esse enunciador fictício esclarecer certos pontos de vista anteciparse a possíveis objeções apresentar argumentos a favor de certa tese etc O problema é que quando se faz um concurso a imagem do interlocutor é a do examinador Muitas vezes a imagem que se tem dele é a um pedante gramático ou de um defensor de certas posições à esquerda ou à direita do espectro político Em função dessa imagem criase um texto que do ponto de vista dos conteúdos espelha conceitos mal assimilados idéias com que o examinando não tem familiaridade argumentos que soam artificiais e que do ponto de vista da linguagem faz um uso gratuito e espetacular de termos difíceis que o examinando não domina e de uma sintaxe que na maioria das vezes é canhestra A idéia central a respeito da dissertação é que ela é a expressão de uma resposta pessoal a um problema dado formulada com coerência rigor e clareza Por ela o candidato demonstra seu grau de preparo intelectual sua capacidade de raciocínio sua habilidade em tratar temas controversos e delicados 141 Lição 12 Coesão textual Leia o texto que segue Frango com azeitonas pretas 1 kg de sobras de frango assado 100 g de azeitonas pretas 4 filés de anchova 3 dentes de alho ½ copo de sobra de vinho branco seco 3 colheres sopa de azeite 2 colheres sopa de vinagre sal e pimenta Coloque numa frigideira o azeite e os dentes de alho espremidos e leve ao fogo Quando começar a dourar junte o frango em pedaços Deixe fritar até conseguir um dourado escuro Molhe com o vinho e o vinagre e acrescente as anchovas picadas metade das azeitonas picadas e as restantes inteiras sem caroços Espere até que o vinho evapore totalmente e junte um copo e meio de água Deixe ferver novamente até a água evaporar e engrossar o molho e sirva em seguida PICCHETTO Mariella e CATTANI Roberto Reciclar é gostoso São Paulo Ática 1994 p 98 Uma receita de cozinha dividese em duas partes lista dos ingredientes e modo de preparar Na primeira introduzemse informações novas isto é que ainda não tinham aparececido no texto na segunda retomamse os elementos mencionados antes Nesta os nomes que já tinham sido mencionados na primeira parte vêm precedidos de artigo definido pois entre outras funções o definido serve para indicar que o termo determinado por ele se refere ao mesmo ser que outra palavra idêntica já mencionara No nosso texto por exemplo quando se diz que se acrescentam as anchovas picadas o artigo definido está indicando que se trata das mesmas anchovas relacionadas na lista dos ingredientes Isso ocorre com os outros ingredientes arrolados As palavras e frases de um texto estão relacionadas entre si Isso é uma das propriedades que distingue um texto de um amontoado de frases A coesão textual é pois a ligação a relação a conexão entre palavras expressões ou frases do texto Ela manifestase por elementos gramaticais que servem para estabelecer vínculos entre os componentes do texto 142 Observe o período com que se inicia o livro Dom Casmurro de Machado de Assis Uma noite destas encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro que eu conheço de vista e de chapéu O pronome relativo que estabelece a conexão entre as duas orações Uma noite destas encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro e eu conheço de vista e de chapéu O que relaciona as duas orações retomando um dos termos da oração anterior rapaz O pronome relativo é um elemento coesivo e a conexão entre as duas orações um fenômeno de coesão Há dois tipos principais de mecanismos de coesão retomada ou antecipação de palavras expressões ou frases e encadeamento de segmentos A Coesão por retomada ou antecipação a retomada ou antecipação por meio de uma palavra gramatical pronomes verbos ou advérbios Entrando no templo a adorar a Apolo achou que no mesmo altar estava Esculápio seu filho este com grandes barbas e aquele lampinho imberbe Vieira Nesse período de Vieira o pronome demonstrativo este retoma o termo Esculápio enquanto aquele recupera a palavra Apolo Os termos que servem para retomar outros são denominados anafóricos os que servem para anunciar para antecipar outros são chamados catafóricos No exemplo abaixo esta antecipa o sossego normal deste meu quarto A boa vida é esta o sossego normal deste meu quarto Mário Pederneiras São anafóricos ou catafóricos os pronomes demonstrativos os pronomes relativos certos advérbios ou locuções adverbiais nesse momento então lá o verbo fazer o artigo definido os pronomes pessoais de 3ª pessoa ele o a os as lhe lhes os pronomes indefinidos Exemplos teve de ceder aos conselhos da mãe a quem D Fortunata pediu auxílio Machado de Assis o relativo quem retoma o termo mãe 143 Jantei e fui a casa Lá achei uma caixa de charutos que me mandara o Lobo Neves embrulhada em papel de seda e ornada de fitinha corde rosa Machado de Assis o advérbio lá retoma o substantivo casa e o relativo que recupera a expressão caixa de charutos O Presidente vai recebêlo e ele o faz porque tem muita consideração pelo senhor o verbo fazer retoma o verbo receber Aqui tendes a partitura escutaia emendaia fazeia executar e se a achardes digna das alturas admitime com ela a vossos pés Machado de Assis os pronomes pessoais a e ela retomam o substantivo partitura Várias pessoas aplaudiram o Presidente algumas tinham motivo outras não os indefinidos algumas e outras retomam o substantivo pessoas Observações sobre o uso dos anafóricos 1 Em geral só se usam anafóricos quando o termo que ele retoma tiver sido explicitamente mencionado no texto Por exemplo falta coesão ao texto Ele é meu irmão Começou a trabalhar com ela há pouco tempo porque o leitor não sabe a quem o termo ela se refere No entanto podese usar um anafórico se a palavra a que ele remete puder ser inferida do contexto Por exemplo no texto Minha irmã casouse há pouco tempo Ele parece ser uma ótima pessoa inferese facilmente do contexto que o termo a que ele se refere é o marido 2 O artigo indefinido serve geralmente para introduzir informações novas no texto Quando elas forem retomadas devem ser precedidas do artigo definido pois este é que tem a função de indicar que o termo que ele determina é idêntico em termos de valor referencial a um termo já mencionado Esteve à janela cerca de meia hora depois entrou sentouse e escreveu uma carta A carta era longa escrita a golfadas sem nexo nem ordem Machado de Assis 3 Quando num dado contexto o anafórico puder referirse a dois termos distintos há uma ruptura de coesão porque ocorre uma ambigüidade insanável É preciso que o texto seja escrito de tal forma que o leitor possa determinar exatamente qual é a palavra retomada pelo anafórico Jorge briga muito com Raquel por causa de seus ciúmes nesse caso não se sabe se os ciúmes são de Jorge ou de Raquel A frase ficaria melhor se fosse escrita assim Por ser muito ciumento Jorge briga muito com Raquel ou por ser ela muito ciumenta Jorge briga muito com Raquel 144 Pedro censurou o colega de seu primo que freqüenta a mesma Faculdade que ele nesse caso não se sabe se quem freqüenta a mesma Faculdade que Pedro é seu primo ou o colega de seu primo pode ser também que o primo freqüente a mesma Faculdade que seu colega Pedro e Paulo foram com dois cães à caça que malogrou com a morte de um deles nesse caso não se sabe se um deles se refere aos cães ou aos caçadores b retomada por palavra lexical substantivo adjetivo ou verbo Uma palavra pode ser retomada quer por uma repetição quer por uma substituição por sinônimo hiperônimo hipônimo ou antonomásia Hiperônimo é um termo que mantém com outro uma relação do tipo contémestá contido hipônimo é uma palavra que mantém com outra uma relação do tipo está contidocontém O significado do termo satélite está contido no de astro e o de astro contém o de satélite pois todo satélite é um astro mas nem todo astro é satélite Astro é pois hiperônimo de satélite e este é hipônimo daquele Antonomásia é a substituição de um nome próprio por um nome comum ou de um comum por um próprio Ela ocorre principalmente quando uma pessoa célebre é designada por uma característica notória ou quando o nome próprio de uma personagem famosa é usado para denominar pessoas que possuam a mesma característica que a distingue Aristóteles o Estagirita natural de Estagira cidade onde nasceu o filósofo Ele é um don juan um conquistador Voltemos agora à questão da coesão Guiomar tivera humilde nascimento era filha de um empregado subalterno não sei de que repartição do Estado homem probo que morreu quando ela contava apenas sete anos legando à viúva o cuidado de a educar e manter A viúva era mulher enérgica e resoluta enxugou as lágrimas com a manga do modesto vestido olhou de frente para a situação e determinouse à luta e à vitória Machado de Assis Nesse texto a repetição do termo viúva é que faz a conexão entre os dois períodos Pintava rosas camélias violetas As flores pareciam de verdade Os dois períodos estão relacionados pelo hiperônimo flores que recupera os hipônimos rosas camélias violetas 145 Eles os alquimistas acreditavam que o organismo do homem era regido por humores fluidos orgânicos que percorriam ou apenas existiam em maior ou menor intensidade em nosso corpo Eram quatro os humores o sangue a fleuma secreção pulmonar a bile amarela e a bile negra E eram também estes quatro fluidos ligados aos quatro elementos fundamentais ao Ar seco à Água úmido ao Fogo quente e à Terra frio respectivamente Ziraldo A ligação entre o segundo e o primeiro períodos se faz pela repetição da palavra humores entre o terceiro e o segundo se faz pela utilização do sinônimo fluidos É preciso manejar com muito cuidado a repetição de palavras pois se ela não for usada para criar um efeito de sentido de intensificação como no exemplo abaixo de Vieira constitui uma falha de estilo Apareceis diante do tribunal divino acusamvos os homens acusamvos os anjos acusamvos os demônios acusamvos vossas próprias obras acusam vos o Céu a Terra o mundo todo se a vossa consciência vos não acusa estaivos rindo de todos A elipse é o apagamento de um segmento de uma frase que puder ser facilmente recuperado pelo contexto É ela também um expediente de coesão pois é o apagamento de um termo que seria repetido Não te irrites se te pagarem mal um benefício antes cair das nuvens que de um terceiro andar Machado de Assis Nesse caso o termo cair que seria repetido antes de um terceiro andar é omitido por ser facilmente recuperável Qualquer segmento da frase pode sofrer elipse Veja que no exemplo abaixo é o sujeito Quincas Borba que é elidido Quincas Borba calouse de exausto e sentouse ofegante Machado de Assis Pode ocorrer também elipse por antecipação No exemplo que segue por qualquer coisa é complemento tanto de chorar quanto de desesperarse No entanto ele aparece apenas depois do segundo verbo sendo elidido quando o verbo chorar ocorre Estava muito deprimida Chorava desesperavase por qualquer coisa Rompese a coesão quando se faz essa elipse por antecipação com verbos que têm regência diferente Por exemplo não se deve dizer Ele simpatiza e 146 gosta das pessoas logo de cara pois o verbo simpatizar rege complemento introduzido com a preposição com Como a elipse retoma o complemento inteiro ela recupera inclusive a preposição que introduz o outro complemento Nesse caso teríamos então Ele simpatiza das pessoas logo de cara e gosta das pessoas logo de cara Nesses casos para não retomar preposições indevidas ou inexistentes ou para não deixar de recuperar uma preposição o complemento é colocado junto ao primeiro verbo e retomado por um anafórico cada um com sua preposição ou um deles sem preposição se for o caso Ele simpatiza com as pessoas logo de cara e gosta delas B Coesão por encadeamento de segmentos textuais a Coesão por conexão A língua têm uma série de palavras ou locuções que são responsáveis pela concatenação ou relação entre segmentos do texto Esses elementos denominam se conectores ou operadores discursivos Por exemplo visto que até ora no entanto contudo ou seja Além de ligar partes do texto estabelecem eles entre os segmentos vinculados uma relação semântica contrariedade causa conseqüência condição conclusão etc Essas relações exercem uma função argumentativa no texto Por isso é preciso usar o conector adequado para as finalidades argumentativas Não podem esses operadores argumentativos ser permutados a belprazer do falante pois o uso inadequado de um conector pode criar um paradoxo semântico Tomemos a frase O Brasil jogou bem mas não conseguiu a vitória Nela o conector mas está adequadamente usado pois ele liga dois segmentos com orientação argumentativa contrária Seria absurdo utilizar nesse caso o conector portanto pois esse operador discursivo liga dois segmentos com a mesma orientação argumentativa sendo o segmento introduzido por ele a conclusão do anterior Os principais operadores discursivos são 1 os que marcam uma gradação numa série de argumentos orientados para uma mesma conclusão Dividemse eles em dois subtipos os que indicam o argumento mais forte de uma série até mesmo até mesmo inclusive e os que subentendem uma escala com argumentos mais fortes ao menos pelo menos no mínimo no máximo quando muito Este apartamento tem todas as qualidades que se exigem de uma boa moradia é amplo está em bom estado de conservação foi feito com material 147 de primeira é bem dividido e é até bem localizado toda a série de qualidades do apartamento está orientada no sentido de comprovar que o apartamento é bom dentro dessa série ser bem localizado é considerado o argumento mais forte Ele é um bom enxadrista Chegará pelo menos a ser um grande mestre pelo menos introduz um argumento orientado no mesmo sentido de bom enxadrista por outro lado subentende que há argumentos mais fortes para provar que ele é um bom enxadrista por exemplo ser campeão mundial e que se está usando o menos forte ao menos pelo menos e no mínimo ligam argumentos de valor positivo Ele não é brilhante No máximo poderá ocupar uma função executiva no máximo introduz um argumento orientado no mesmo sentido de não ser brilhante supõe que há uma escala argumentativa por exemplo ter funções de estabelecer diretrizes e estratégias e que se está usando o menos forte argumento da escala no sentido de provar a afirmação anterior no máximo e quando muito estabelem ligação entre argumentos de valor depreciativo 2 os que assinalam uma conjunção argumentativa ou seja ligam um conjunto de argumentos orientados em favor de uma dada conclusão e também ainda nem não só mas também tanto como além de além disso a par de Além do prejuízo em dólares o governo recebeu um petardo na própria credibilidade e botou na boca das matildes a honorabilidade da equipe econômica Carlos Heitor Cony o articulista está mostrando os desacertos do governo no anúncio da banda cambial arrola três argumentos que têm a mesma orientação argumentativa e os introduz com além de e e Esses operadores introduzem novos argumentos não significam em hipótese nenhuma a repetição do que já foi dito Só podem ser ligados com conectores de conjunção segmentos que representarem uma progressão discursiva Podese dizer Ficou irritado e levantouse para deixar a sala porque o segundo segmento indica um desenvolvimento da exposição Não se pode ligar com esses operadores dois segmentos como Levantouse para deixar a sala e ficou de pé para abandonar o recinto 3 os que indicam uma disjunção argumentativa ou seja fazem uma conexão entre segmentos que levam a conclusões opostas que têm orientação argumentativa diferente ou ou então querquer sejaseja caso contrário 148 O verdadeiro nó do Brasil é esse miséria e má distribuição de renda muito mais que a Constituição de 1988 Ou se tem um projeto global que a médio prazo permita ao menos amortizar a dívida social ou vai se ficar andando em círculos eternamente Clóvis Rossi O primeiro segmento introduzido por ou conduz à conclusão de que a amortização da dívida social por meio de um projeto global é o único meio de o Brasil desenvolverse o segundo deixa patente que não fazer isso é andar em círculos 4 os que marcam uma conclusão em relação ao que foi dito em dois ou mais enunciados anteriores geralmente uma das afirmações de que decorre a conclusão fica implícita por manifestar uma voz geral uma verdade universalmente aceita logo portanto por conseguinte pois o pois é conclusivo quando não encabeçar a oração Sim porque dificilmente se encontrará na cena política brasileira proposta mais contrária aos privilégios e portanto mais tendente à igualdade entre os cidadãos do que a apresentada pelo ministro Reinhold Stephanes Brasílio Sallum Jr portanto introduz uma conclusão em relação a duas afirmações a primeira delas implícita Todas as propostas contrárias aos privilégios tendem à igualdade entre os cidadãos A proposta do ministro Reinhold Stephanes é contrária aos privilégios Portanto tende à igualdade entre os cidadãos A primeira afirmação fica implícita porque é apresentada como um dado indiscutível 5 os que estabelecem uma comparação de igualdade superioridade ou de inferioridade entre dois elementos com vistas a uma conclusão contra ou a favor de determinada idéia tantoquanto tãocomo maisdo que menosdo que Um estudo elaborado pelo Instituto Liberal de São Paulo aponta seis causas da crise da Previdência Pelo menos duas telas desemprego e desvio de recursos independem do modelo que se adote A menos que haja desemprego menor incluindose aí o subemprego a Previdência terá sempre problemas de arrecadação Tanto maiores quanto maior for o desvio de recursos como é obvio Não há lei que possa proibir o desvio de recursos Clóvis Rossi o comparativo de igualdade tem no texto uma função argumentativa mostrar que o problema da Previdência é menos do modelo adotado para a concessão de benefícios e mais de gerenciamento do sistema por isso os segmentos podem até ser permutáveis do ponto de vista sintático mas não o são do poder de vista argumentativo pois não há igualdade argumentativa entre eles uma vez que seria absurdo dizer na 149 orientação argumentativa proposta Tanto maior será o desvio de recursos quanto maiores forem os problemas de arrecadação Muitas vezes a permutação dos segmentos leva a conclusões opostas Veja o exemplo abaixo Precisamos contratar médicos estrangeiros para melhorar o atendimento deste hospital Qualquer médico brasileiro é tão preparado quanto um estrangeiro Nesse caso o argumento é contra a necessidade de contratar médicos estrangeiros porque os brasileiros são tão bons quanto os estrangeiros Qualquer médico estrangeiro é tão preparado quanto um brasileiro Nesse caso o argumento é a favor do contrato já que qualquer médico estrangeiro tem pelo menos o nível dos brasileiros o que significa que estes não primam exatamente pela excelência em relação aos outros 6 os que introduzem uma explicação ou uma justificativa em relação ao que foi dito anteriormente porque já que que pois Uma derrota por 388 a 60 em qualquer tipo de disputa faz jus ao nome de esmagadora Pois foi esse o placar amargado pelo governo na votação pelos deputados do veto presidencial relativo às dívidas do setor agrícola Folha de S Paulo 741995 12 pois inicia um segmento que pretende expor um argumento favorável à idéia implícita de que o governo sofreu uma derrota esmagadora 7 os que assinalam uma relação de contrajunção isto é ligam enunciados com orientação argumentativa contrária conjunções adversativas mas contudo todavia no entanto entretanto porém e concessivas embora apesar de apesar de que conquanto ainda que posto que se bem que Qual é a diferença entre as adversativas e as concessivas se ambas ligam enunciados com orientação argumentativa contrária Nas adversativas prevalece a orientação do segmento introduzido pela conjunção Ao longo dos dois últimos séculos de luta pela democracia as tendências de esquerda podem terse colocado algumas vezes contra a liberdade política mas têm sido sempre vanguardeiras das igualdades política e social Brasílio Sallum Jr Nesse caso a oração não iniciada por mas conduz a uma conclusão negativa sobre o papel das esquerdas enquanto a começada pela conjunção leva a uma conclusão positiva Essa segunda orientação é a mais forte Compare 150 se por exemplo Ele é inteligente mas não é trabalhador com Ele não é trabalhador mas é inteligente No primeiro caso o que se quer dizer é que o fato de ser inteligente acaba sendo suplantado pela falta de trabalho No segundo que não ser trabalhador perde relevância diante do fato de ser inteligente Quando se usam as conjunções adversativas introduzse um argumento com vistas a determinada conclusão para em seguida apresentar um argumento decisivo para uma conclusão contrária A estratégia discursiva é a de orientar para uma dada conclusão e imediatamente introduzir um argumento para anulála Com as conjunções concessivas a orientação argumentativa que predomina é a do segmento não introduzido pela conjunção Apesar de a gente às vezes se irritar com a mídia ela é essencial Fernando Henrique Cardoso A oração iniciada por apesar de apresenta uma orientação argumentativa no sentido de que a mídia não é uma coisa boa porque causa aborrecimentos a oração principal conduz à direção argumentativa contrária Quando se utilizam conjunções concessivas a estratégia argumentativa é a de primeiro anunciar um argumento que embora tido como verdadeiro será anulado por outro mais forte com orientação contrária Observe que a diferença entre as adversativas e as concessivas é de estratégia argumentativa Compare os seguintes períodos Argumento mais fraco Argumento mais forte Embora todos estejam aqui não podemos ainda começar a reunião Todos estão aqui mas não podemos ainda começar a reunião 8 os que introduzem um argumento decisivo para dar o golpe final na argumentação contrária mas apresentadoo como se fosse um acréscimo como se fosse apenas algo mais numa série argumentativa aliás além do mais além de tudo além disso ademais Ele anda com muito azar ficou doente perdeu o emprego levou um calote de um amigo e além disso está com um filho internado O operador introduz o que se considera a prova mais forte de que ele anda com azar no entanto ela é apresentada como se fosse apenas mais uma 9 os que assinalam uma generalização ou uma amplificação do que foi dito antes de fato realmente como aliás também é verdade que 151 A única saída real para os problemas brasileiros é sair do varejo e tentar ao menos um projeto macro porque as soluções propostas pelo governo como aliás por governos anteriores pecam por serem parciais Clóvis Rossi O conector introduz uma generalização ao que foi dito antes todos os governos anteriores a este também pecaram por apresentar propostas parciais Já o ajudei muito Realmente salveio da ruína o operador introduz uma amplificação do que foi afirmado antes 10 os que marcam uma especificação ou uma exemplifição do que foi afirmado anteriormente por exemplo como À falta de dados precisos podese até suspeitar que a crise da Previdência se deve menos aos fatores intrínsecos como a inversão da pirâmide demográfica e mais aos problemas externos desemprego subemprego desvios Clóvis Rossi Como assinala que o que vem a seguir especifica exemplifica o termo genérico anterior fatores intrínsecos 11 os que indicam uma retificação uma correção do que foi afirmado antes ou ainda servem para marcar um esclarecimento um desenvolvimento uma redefinição do conteúdo enunciado anteriormente ou para assinalar uma atenuação ou um reforço do conteúdo de verdade de um enunciado ou melhor de fato pelo contrário ao contrário isto é quer dizer ou seja em outras palavras Com uma esquerda como essa quem precisa do PFL para desenvolver uma política conservadora De fato ao assumir tal posição defesa do statu quo previdenciário da classe média ela mesma acaba por desqualificar as denúncias que fazia na campanha eleitoral sobre o conservadorismo da aliança PSDBPFLPTB Brasílio Sallum Jr O operador introduz um esclarecimento sobre a afirmação de que a esquerda está adotando uma política conservadora Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudálo Ou melhor vou tentar O conector inicia um segmento que atenua o conteúdo de verdade do que foi dito antes 12 os que desencadeiam uma explicação uma confirmação uma ilustração do que foi afirmado antes assim desse modo dessa maneira 152 O plano de estabilização econômica é muito frágil Assim se houver uma fuga de capitais especulativos o governo não poderá manter a âncora cambial e a inflação voltará O operador introduz uma explicação acerca da fragilidade do plano econômico b coesão por justaposição É a coesão que se estabelece com base na seqüência dos enunciados marcada ou não com seqüenciadores Se o texto for construído sem marcadores de seqüenciação deverá o leitor a partir da ordem dos enunciados reconstruir os operadores discursivos não presentes na superfície textual Os lugares dos diferentes conectores estarão marcados na escrita pelos sinais de pontuação ponto final vírgula ponto e vírgula dois pontos Da mesma forma o problema da educação conforme se mostrou anteontem neste espaço vai muito além da sala de aula Começa a rigor no ventre materno A má nutrição da mãe torna pelo menos 40 dos futuros alunos incapazes de absorver conhecimento Clóvis Rossi Esse texto contém três períodos O terceiro indica a causa de o problema da educação começar no ventre materno Portanto o ponto final do segundo período está no lugar de um porque Examinemos os principais seqüenciadores 1 seqüenciadores temporais ou seja os indicadores de anterioridade concomitância ou posterioridade dois meses depois uma semana antes um pouco mais tarde etc são utilizados predominantemente nas narrações Dois dias depois da cena do pouso por uma bela tarde de verão a família de D Antônio de Mariz estava reunida na margem do Paquequer José de Alencar 2 seqüenciadores espaciais ou seja os indicadores de posição relativa no espaço à esquerda à direita junto de etc são usados principalmente nas descrições Junto à janela havia um traste que à primeira vista não se podia definir era uma espécie de leito ou sofá de palha matizada de várias cores e entremeada de penas negras e escarlates José de Alencar 153 3 os que assinalam a ordem dos assuntos numa exposição primeiramente em seguida a seguir finalmente etc Para analisar o plano de estabilização econômica falarei primeiramente dos problemas trazidos pela âncora cambial em seguida analisarei a questão da reforma tributária finalmente tratarei do problema geral do ajuste fiscal 4 os que na conversação principalmente servem para introduzir um tema ou mudar de assunto a propósito por falar nisso mas voltando ao assunto fazendo um parêntese etc As eleições papais sempre foram um delicadíssimo exercício político Fazendo um parêntese é bom lembrar que a Igreja considera que os cardeais eleitores são inspirados pelo Espírito Santo A língua tem um grande número de conectores e seqüenciadores Apresentamos os principais e explicamos sua função É preciso ficar atento aos fenômenos de coesão Mostramos que o uso inadequado dos conectores e a utilização inapropriada dos anafóricos ou catafóricos geram rupturas na coesão o que leva o texto a não ter sentido ou pelo menos a não ter o sentido desejado Uma outra falha comum no que tange à coesão é a falta de partes indispensáveis da oração ou do período Analisemos este exemplo Os deputados que anunciaram que apoiariam as propostas governamentais que foram apresentadas ao Congresso O período compõese de 1 os deputados 2 que anunciaram oração subordinada adjetiva restritiva da primeira oração 3 que apoiariam as propostas governamentais oração subordinada substantiva objetiva direta da segunda oração 4 que foram apresentadas ao Congresso oração subordinada adjetiva restritiva da terceira oração Observese que falta o predicado da primeira oração Quem escreveu o período começou a encadear orações subordinadas e esqueceuse de terminar a primeira oração A escrita não exige períodos muito longos No entanto é preciso que eles sejam sintaticamente completos que suas diferentes partes estejam bem conectadas entre si A falta de alguma parte produz ausência de coesão 154 Para fazer de um conjunto de frases um texto não basta que as frases estejam coesas Se não tiverem unidade de sentido não passam de um amontoado que não configura um texto Observe por exemplo Um amigo meu foi passear na França O país tem belas catedrais góticas Ele apresenta uma distribuição de renda mais ou menos igualitária Também a Alemanha tem uma boa distribuição de renda Todas as frases são coesas O hiperônimo país retoma o substantivo França estabelecendo uma relação entre o segundo e o primeiro períodos O pronome ele recupera a palavra país vinculando o terceiro ao segundo período O operador também realiza uma conjunção argumentativa relacionando o quarto período ao terceiro No entanto esse conjunto não é um texto pois não apresenta unidade de sentido coerência A coesão é condição necessária mas não suficiente para produzir um texto 155 Lição 13 Coerência textual Leia o texto que segue À moda da casa feijoada marmelada goleada quartelada PAES José Paulo Um por todos São Paulo Brasiliense 1986 p 101 A primeira coisa a chamar a atenção do leitor nesse texto é a ausência de elementos de coesão seja retomando o que foi dito antes seja encadeando segmentos textuais No entanto percebemos nele um sentido unitário Ele é constituído de quatro palavras Todas elas são substantivos formados com o sufixo ado que indica coleção multidão goleada coleção de gols feijoada marmelada produto alimentar formado de uma coleção de um dado ingrediente ou ação resultante quartelada Este último termo que significa rebelião ou motim feito por militares com vistas a tomar o poder tem sentido pejorativo Ademais no texto ligado às três outras palavras indicando coleção seu sufixo vai adquirir esse matiz semântico Quartelada passa a ter o valor de algo freqüente habitual Por outro lado marmelada quer dizer não só doce pastoso de marmelo mas também negócio desonesto conluio entre os participantes de um jogo ou competição a fim de que o resultado seja favorável àquele a quem convém sair vencedor O texto joga com os dois sentidos da palavra Entendemos que o texto está enumerando elementos definidores do Brasil no plano culinário no plano das relações sociais no plano esportivo no plano político Porque somos capazes de compreender esse texto Porque é coerente Freqüentemente ouvimos frases como seu texto não está coerente suas idéias são incoerentes Embora usemos muito o termo coerência nunca sabemos muito bem o que é essa qualidade indispensável para a existência de um texto Num texto as diferentes partes devem estar relacionadas entre si criando uma unidade de sentido Uma idéia ajuda a compreender a outra produzindo um sentido global à luz do qual cada uma das partes ganha sentido A coerência é exatamente essa unidade de sentido do texto No poema acima garantem 156 essa unicidade de um lado o título à moda da casa que indica tratarse de algo doméstico de outro nosso conhecimento do mundo que permite reconhecer a feijoada como prato nacional o papel do futebol em nossa sociedade a ingerência dos militares na política brasileira A coesão é um mecanismo que auxilia na produção de uma unidade de sentido mas não é necessária para que a coerência seja obtida pois temos conjuntos de enunciados que formam textos coerentes mas que não estão relacionados por nenhum elemento coesivo A coesão diz respeito à relação linear que as unidades lingüísticas mantêm no texto A coerência concerne às relações de sentido à organização subjacente do texto Por isso ela referese à nãocontradição de sentidos à continuidade semântica Ela é um fator de interpretabilidade do texto pois possibilita apreender seu sentido unitário Quando as diferentes partes do texto não têm nenhuma relação entre si ele não é coerente É o que ocorre no trecho que vem a seguir A todo ser humano foi dado o direito de opção entre a mediocridade de uma vida que se acomoda e a grandeza de uma vida voltada para o aprimoramento intelectual A adolescência é uma fase tão difícil que todos enfrentam De repente vejo que não sou mais uma criancinha dependente do papai Chegou a hora de me decidir Tenho que escolher uma profissão para me realizar e ser independente financeiramente No país em que vivemos que predomina o capitalismo o mais rico sempre é quem vence Redação apresentada no vestibular da Unicamp Apud DURIGAN J A ABAURRE M B M e VIEIRA Y F orgs A magia da mudança Campinas Editora da Unicamp 1987 p 53 Esse texto apresenta três temas direito de opção adolescência e escolha profissional relações sociais sob o capitalismo que mantêm relações muito tênues entre si Esse fato afeta a continuidade semântica do texto impedindo a sua apreensão como um todo configurando pois um texto incoerente Níveis de coerência A incoerência seriam as violações das articulações sintáticosemânticas de cada um dos níveis de organização do texto Teríamos então diferentes níveis de coerência a Coerência narrativa concerne à observância das implicações lógicas entre as diferentes partes do relato Por exemplo para que um sujeito realize uma ação é preciso que ele tenha competência para tanto ou seja que saiba e 157 possa efetuála Isso significa que qualquer ação implica pressupõe um saber e um poder fazer Constitui então incoerência narrativa relatar uma ação realizada por um sujeito que não reúne condições para isso O texto abaixo apresenta diferentes incoerências Nesta passagem vamos comentar apenas a incoerência narrativa As outras serão apontadas mais adiante João Carlos vivia em uma pequena casa construída no alto de uma colina árida cuja frente dava para leste Desde o pé da colina se espalhava em todas as direções até o horizonte uma planície coberta de areia Na noite em que completava 30 anos João sentado nos degraus da escada colocada à frente de sua casa olhava o sol poente e observava como a sua sombra ia diminuindo no caminho coberto de grama De repente viu um cavalo que descia para sua casa As árvores e as folhagens não lhe permitiam ver distintamente entretanto observou que o cavalo era manco Ao olhar mais perto verificou que o visitante era seu filho Guilherme que há 20 anos tinha partido para alistarse no exército e em todo este tempo não havia dado sinal de vida Guilherme ao ver seu pai desmontou imediatamente correu até ele lançandose nos seus braços e começando a chorar KOCH I G V e TRAVAGLIA L C Texto e coerência São Paulo Cortez 1989 p 3233 A incoerência narrativa desse texto é que a personagem não podia ver distintamente e no entanto viu que o cavalo era manco Observe um outro exemplo Pior fez o quartozagueiro Edinho Baiano do Paraná Clube entrevistado por um repórter da Rádio Cidade O Paraná tinha tomado um balaio de gols do Guarani de Campinas alguns dias antes O repórter queria saber o que tinha acontecido Edinho não teve dúvida sobre os motivos Como a gente já esperava fomos surpreendidos pelo ataque do Guarani BUCHMAN Ernani Folha de Londrina 2511995 p 3 A surpresa implica a não espera Não se pode ser surpreendido com o que se esperava que acontecesse b Coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de adequação entre premissas e conclusões que delas se tiram ou entre afirmações e conseqüências que delas se fazem decorrer O ministro da Economia da Argentina Domingo Cavallo deu entrevista aos jornais afirmando que o México havia aplicado boas políticas estruturais Mais adiante depois de admitir que o episódio mexicano 158 despertou certa margem de desconfiança em relação ao conjunto dos países latinoamericanos disse que essa desconfiança estava sendo superada pois mostramos ao mundo que em termos estritos de política monetária cambial e financeira em nenhum país do Cone Sul se dá uma situação de desajuste como a que levou à desvalorização do peso mexicano Folha de S Paulo 2911995 110 Ora o desajuste apontado é contraditório com a aplicação de boas políticas estruturais É incoerente dizer que o jornalismo de fato aprendese na prática e defender a proibição do exercício profissional a todos aqueles que não são formados em escolas de comunicação cf Folha de São Paulo Painel do leitor 17111994 13 Muitas vezes as conclusões não são adequadas às premissas Não se pode concluir que porque é estatal uma determinada empresa seja deficitária depois de afirmar que algumas empresas estatais são deficitárias pois como já ensinavam os lógicos antigos nada se conclui de duas premissas particulares Constitui ainda incoerência a falta de relação do que se diz com o que foi dito anteriormente É o caso de uma pergunta seguida de uma resposta como a que vem a seguir Deputado o senhor é a favor ou contra o fim da aposentadoria por tempo de serviço O Presidente Fernando Henrique Cardoso está empenhado em melhorar a vida dos brasileiros Por isso está propondo emendas constitucionais que serão discutidas no Congresso Nacional c Coerência figurativa referese à compatibilidade das figuras que manifestam um determinado tema Como sabemos as figuras encadeiam se num percurso para apresentar um dado tema Essas figuras precisam ser compatíveis para que o leitor possa perceber o tema que está sendo veiculado por elas Na edição de 15 de abril de 1995 a revista Veja publicou na quarta capa uma publicidade da cerveja Cerpa Sobre um fundo negro aparece parte do teclado e do tampo de um piano de cauda Steinway Sons Sobre o tampo um busto de Beethoven em mármore branco e uma garrafa da cerveja Cerpa a garrafa é colorida Entre ambos aparece a inscrição O sabor clássico Nesse percurso figurativo que manifesta requinte bom gosto não poderia aparecer por exemplo o busto de Wando que estaria coerentemente colocado num percurso figurativo relacionado a um motel 159 No texto apresentado por Koch e Travaglia que foi transcrito quando se falou em coerência narrativa há uma contradição entre as figuras colina árida e planície coberta de areia de um lado e grama folhagens e árvores de outro Observe um trecho de um discurso do senador Ney Maranhão sobre a índole do brasileiro Nosso trabalhador é o melhor do mundo É o mais inteligente É um homem de sete instrumentos Bom não guarda mágoa Na hora da raiva pega mata e esfola Mas depois reconsidera O Estado de S Paulo 27121994 A 4 A figura reconsiderar que significa desdizerse voltar atrás numa resolução tomada é incompatível com as figuras matar esfolar Compare esses textos com a coerência dos percursos figurativos deste trecho de O mulato de Aluísio Azevedo em que se manifestam os temas do asseio da abundância e do prazer gustativo À luz de um antigo candeeiro de querosene reverberava uma toalha de linho claro onde a louça reluzia escaldada de fresco as garrafas brancas cheias de vinho de caju espalhavam em torno de si reflexos de ouro uma torta de camarões estalava sua crosta de ovos um frangão assado tinha a imobilidade resignada de um paciente uma cuia de farinha seca simetrizava com outra de farinhadágua no centro o travessão do arroz solto alvo erguiase em pirâmide enchendo o ar com o seu vapor cheiroso São Paulo Martins 1973 p 188189 d Coerência temporal é aquela que concerne à observância das leis de sucessividade dos eventos e à compatibilidade dos enunciados do ponto de vista de sua localização no tempo No texto apresentado por Koch e Travaglia que foi transcrito quando se falou em coerência narrativa há uma contradição temporal pois se João tinha 30 anos e seu filho Guilherme tinha partido há vinte anos para alistarse no exército isso significa que o filho é mais velho que o pai Nesse caso nem se respeitam as leis de sucessividade dos eventos o filho teria nascido antes do pai nem a compatibilidade temporal dos enunciados e Coerência espacial é aquela que diz respeito à compatibilidade dos enunciados do ponto de vista da localização no espaço 160 No texto apresentado por Koch e Travaglia que foi transcrito quando se falou em coerência narrativa há uma contradição espacial pois nele se diz que a frente da casa dava para o leste e que João sentado nos degraus da escada colocada à frente de sua casa olhava o sol poente Como o sol se põe a oeste ele não podia sentado na frente da casa olhar o pôrdosol f Coerência do nível de linguagem utilizado é aquela que concerne à compatibilidade do léxico e das estruturas morfossintáticas com a variante escolhida numa dada situação comunicação Ocorre incoerência no nível de linguagem usado quando por exemplo o enunciador utiliza um termo chulo ou pertencente à linguagem informal num texto caracterizado pela norma culta formal Tanto sabemos que isso não é permitido que quando o fazemos utilizamos uma ressalva com perdão da palavra se me permitem dizer Observe um exemplo de incoerência nesse nível Tendo tomado conhecimento pelos principais órgãos de imprensa do país de que o governo que V Exª com raro brilho chefia resolveu encaminhar à consideração do Congresso Nacional emenda constitucional que extingue o direito dos servidores públicos aposentados a salário equivalente ao pago a funcionário da ativa no exercício de igual cargo ou função ouso dirigirme a V Exª com o propósito de manisfestar minha inconformidade diante dessa medida que lançará no desespero milhões de pessoas que não têm mais tempo hábil de buscar uma complementação da aposentadoria Francamente achei a maior sujeira uma sacanagem nada a ver com sua vida Como se vê o léxico usado no último período do texto destoa completamente do utilizado no período anterior Espécies de coerência Poderseia perguntar o que é que determina o que é ou não coerente A pergunta justificase porque em alguns casos a incoerência é evidente enquanto em outros não é tão obvia Por exemplo se disséssemos Pôs o queijo no macarrão ralouo e tirouo do armário todos estariam de acordo em declarar a incoerência temporal desse texto pois nele violase a lei da sucessividade dos eventos Por outro lado talvez não seja aceito por todo o mundo que na publicidade da cerveja Cerpa descrita acima quando falamos de coerência figurativa seja contraditório colocar no lugar do busto de Beethoven o de Wando Alguém poderia fazer a objeção de que neste caso tratase de preconceito julgar que o texto seja incoerente 161 A natureza da coerência está relacionada a dois conceitos básicos de verdade adequação à realidade e conformidade lógica entre os enunciados Quando o ministro da Previdência diz que ela teve um déficit no último ano e o TCU depois de uma auditoria afirma que ela foi superavitária dizse que o ministro mentiu porque seu dizer não estava adequado à realidade No exemplo abaixo temos uma falta de conformidade lógica entre os enunciados pois o primeiro parágrafo pressupõe a afirmação de que em hipótese alguma pode optar por uma Faculdade de Medicina quem não gosta de ver sangue e o segundo subentende que pode pois esse é um problema que afeta o estudante apenas no início do curso Não adianta optar por uma faculdade de Medicina se há desmaios ao ver sangue Pode ser que muitos não gostam de determinadas coisas no início com o tempo vão se acostumando e quando menos se espera adoramnas DURIGAN J A et alii Op cit p 50 Vimos que temos diferentes níveis de coerência argumentativa figurativa narrativa etc Em cada nível temos duas espécies diversas de coerência a intratextual aquela que diz respeito à compatibilidade à adequação à nãocontradição entre os enunciados do texto b extratextual aquela que diz respeito à adequação entre o texto e uma realidade exterior a ele A exterioridade a que o conteúdo do texto deve ajustarse pode ser a conhecimento de mundo que são dados referentes ao mundo físico à cultura de um povo ao conteúdo das ciências etc que constituem o repertório a partir do qual se produzem e se entendem textos O período O homem saiu voando pela janela e desapareceu no horizonte é incoerente pois nosso conhecimento do mundo diz que homens não voam Temos então uma incoerência figurativa extratextual Os exemplos abaixo padecem do mesmo tipo de incoerência O índio guaiaqui carregou o cesto Sabemos que essa frase é incoerente porque na cultura guaiaqui há uma divisão sexual das tarefas muito rígida Os homens caçam e as mulheres fazem a coleta Essa divisão exprimese pela oposição entre o arco e o cesto Os guaiaqui aprendem essa oposição com base na qual funciona sua sociedade por meio de um sistema de proibições recíprocas uma impede as mulheres de tocar o 162 arco dos caçadores outra impede os homens de manipular o cesto CLASTRES Pierre A sociedade contra o Estado Rio de Janeiro Francisco Alves 1978 p 7189 Os leões subiram as montanhas geladas e puseramse a perseguir a foca Os esquimós os chamavam por seus nomes As feras corriam sobre o gelo protegendose com suas garras para não caírem Quando estavam prestes a alcançála a foca alçou vôo BERNÁRDEZ E Introducción a la lingüística del texto Madrid EspasaCalpe 1982 p 120 Sabemos que leões não habitam territórios gelados que focas não voam que esquimós não usam leões para caçar Por isso consideramos esse texto incoerente b mecanismos semânticos e gramaticais da língua O Presidente Figueiredo disse em 1981 Dependendo da reação da oposição eu recrudesço Temos nessa frase uma inadequação aos mecanismos semânticos da língua pois o verbo recrudescer no sentido de tornarse mais intenso aumentar exacerbarse agravarse só pode ter como sujeito um nome abstrato e no sentido de fazer tornarse mais intenso precisa ser construído com sujeito agente e objeto direto expresso por nome abstrato Observe os dois exemplos abaixo em que o texto está absolutamente sem sentido por inobservância dos mecanismos semânticos e gramaticais da língua 1 Nossas vidas vêm respectivamente e ideologicamente de decisões onde estas resultam em seus dias o correspondente de uma vida cotidiana onde cada vez mais cresce a insatisfação e a isoberância exuberância de todos os que aqui se resplandecem pois é grande a dependência que todos temos para que cada vez mais entremos em contraditórios e conflitos resultados que não agrada a ninguém nem no ponto de vista humano podemos chegar a questionar sobre o que nos convém DURIGAN J A et alii Op cit p 49 2 Conscientizar alunos présólidos ao ingresso de uma carreira universitária informações críticas a respeito da realidade profissional a ser optada Deve ser criado novos métodos criativos nos ensinos de primeiro e segundo graus estimulando o aluno a formação crítica de suas idéias as quais serão a praticidade cotidiana Aptidões pessoais serão associadas a testes vocacionais sérios de maneira discursiva a analisar conceituações fundamentais DURIGAN J A et alii Op cit p 58 163 Fatores de coerência Muitas vezes certas frases do texto parecem incompreensíveis ou mesmo incoerentes Essas aparentes incompreensões ou incoerências resolvemse numa unidade maior Há diferentes fatores que contribuem para dar coerência a um enunciado a o contexto para uma dada unidade lingüística funciona como contexto a unidade lingüística maior que ela assim a sílaba é contexto para o som a palavra para a sílaba a oração para a palavra o período para a oração o texto para o período Quando lemos a manchete Canadá em São Paulo Jornal da Tarde de 171992 achamos que ela é incoerente pois nosso conhecimento de mundo nos diz que o Canadá não se localiza em São Paulo A leitura do texto que vem abaixo do título desfaz essa aparente incoerência Canadá em São Paulo Parque canadense será inaugurado hoje São Paulo ganha hoje um parque que reúne duas grandes paixões do paulistano o verde e a água O verde está na farta arborização do novo local de lazer 2100 árvores de 120 espécies diferentes E a água está no lago que recobre 70 dos 110 mil metros quadrados de área do parque Cidade de Toronto A vegetação procura fazer jus ao nome do novo local de lazer Batizado com este nome graças ao Programa Municipal de Intercâmbio Profissional firmado entre São Paulo e Toronto que doou parte das verbas necessárias à sua construção o parque situado na zona Oeste presta uma homenagem à cidade canadense através da vegetação típica de clima temperado como o pinheiro e o plátano introduzida junto às plantas nativas O contexto mostra que não há nenhuma incoerência no título pois nele a palavra Canadá não está sendo usada denotativamente como nome de país mas com valor conotado isto é o todo está designando a parte parque construído na cidade de São Paulo com recursos provindos de uma cidade canadense e que tem em sua vegetação plantas típicas de clima temperado b situação de comunicação Certos enunciados que fora de uma dada situação de comunicação parecem absurdos dentro dela ganham sentido Isso ocorre porque numa situação de interlocução podem ser deixados implícitos certos segmentos que fora dela precisariam ser explicitados 164 Veja por exemplo o seguinte diálogo O encanador Estou no banho Vou leválo até a cozinha Fora da situação de comunicação esse diálogo não seria compreendido porque ele deixa implícitos certos enunciados que são perfeitamente compreendidos dentro dela O encanador que você chamou chegou Não posso atendêlo agora porque estou no banho Vou então leválo até a cozinha para que ele comece o serviço c conhecimento de mundo O poema abaixo só adquire sentido quando sabemos que dia 25 de dezembro é dia de Natal quando conhecemos dados da vida de Cristo quando sabemos o valor exato da expressão Time is money 25 de dezembro Time is money ele nasceu não ouvem o galo vamos correndo crucificálo PAES José Paulo Op cit p 41 d regras do gênero Quando se fala em conhecimento de mundo não se pensa apenas no mundo efetivamente existente que se pode ver tocar etc mas também nos mundos criados pela linguagem Os diferentes gêneros de texto ficção científica contos maravilhosos mitos discurso religioso etc criam outros mundos regidos por outras lógicas Assim o que é incoerente num determinado gênero não o é em outro A frase O homem saiu voando pela janela e desapareceu no horizonte é totalmente incoerente no discurso cotidiano mas é completamente coerente no mundo criado pelas histórias de superheróis O Superhomem por exemplo tem força praticamente ilimitada pode voar no espaço a uma velocidade igual à da luz quando ultrapassa essa velocidade vence a barreira do tempo e pode transferirse para outras épocas seus olhos de raios X permitemlhe ver através de qualquer corpo a distâncias ilimitadas etc Tudo isso seria incoerente em outro gênero de discurso e a conotação Aquilo que é incoerente quando lido denotativamente pode não o ser quando entendido conotativamente Veja o exemplo abaixo 165 As verdes idéias incolores dormem mas poderão explodir a qualquer momento Tomado em seu sentido denotativo esse texto é absurdo pois o termo idéias não pode ser qualificado por adjetivos de cor não se podem atribuir ao mesmo ser ao mesmo tempo as qualidades verde e incolor o verbo dormir deve ter como sujeito um substantivo animado No entanto se entendermos idéias verdes como concepções ecológicas o período pode ser lido da seguinte maneira As idéias ecológicas sem atrativo estão latentes mas poderão manifestarse a qualquer momento f o intertexto Muitos textos retomam outros constroemse com base em outros e por isso só ganham coerência nessa relação com o texto sobre o qual foram construídos Essa relação entre textos chamase intertextualidade Canção de exílio facilitada lá ah sabiá papá maná sofá sinhá cá bah PAES José Paulo Op cit p 67 Esse texto só ganha coerência quando se conhece o poema Canção do exílio de Gonçalves Dias A partir da relação entre os dois sabese que lá é o Brasil onde tudo é melhor que o que existe cá a terra do exílio Lá existe a natureza bela sabiá o carinho familiar papá alimentos deliciosos e abundantes maná o descanso sofá belas mulheres sinhá Cá como mostra a interjeição bah tudo é desprezível insignificante Falso diálogo entre Pessoa e Caeiro a chuva me deixa triste a mim me deixa molhado PAES José Paulo Op cit p 79 166 Para compreender esse poema é preciso saber que Alberto Caeiro é um dos heterônimos do poeta Fernando Pessoa que heterônimo não é pseudônimo mas uma individualidade lírica distinta da do autor o ortônimo que Caeiro considera que o real é a exterioridade e que não devemos acrescentarlhe impressões subjetivas que sua posição é antimetafísica que não devemos interpretar a realidade pela inteligência pois essa interpretação conduz a simples conceitos vazios Por outro lado é preciso saber que o ortônimo Fernando Pessoa ele mesmo exprime suas emoções falando da solidão interior do tédio etc Muitas vezes há uma quebra proposital da coerência com vistas a produzir um dado efeito de sentido Há por outro lado casos de textos que fazem da não coerência o princípio constitutivo da produção de sentido Lendo essas últimas afirmações poderia alguém perguntar se nesse caso existe texto incoerente Sem dúvida existe A diferença entre a incoerência proposital e aquela produzida pela inabilidade descuido ou ignorância do enunciador está no fato de que naquela o enunciador dissemina pistas no texto para que o leitor perceba que a quebra da coerência é um dado fundamental na constituição do sentido isto é faz parte de um programa intencionalmente direcionado para veicular determinado tema Por exemplo se num texto que mostrasse uma festa muito luxuosa se pusessem figuras como pessoas comendo de boca aberta falando em voz muito alta numa linguagem chula com erros muito grandes de português ostentando suas últimas aquisições o enunciador certamente não estaria querendo manifestar o tema do luxo do requinte mas o da vulgaridade dos novos ricos Mas se ele coloca no texto apenas uma figura incoerente como no caso do discurso do senador Ney Maranhão o leitor não pode pensar que se trata de uma quebra proposital de coerência com vistas a criar um determinado efeito de sentido mas que se trata de contradição criada pela imperícia do enunciador Dissemos também que há outros textos como por exemplo os escritos por Lewis Carrol Alice no país das maravilhas Alice no país dos espelhos etc que pretendem apresentar paradoxos de sentido subverter o princípio da realidade mostrar as aporias da lógica confrontar a lógica do senso comum com outras e que por isso fazem da inversão da realidade seu príncípio constitutivo da incoerência um fator de coerência Vejamos um exemplo extraído de Alice no país das maravilhas em que se mostra a persistência de uma propriedade o sorriso do ser o gato de Cheshire depois do seu desaparecimento 167 Enquanto murmurava isso levantou a vista e lá estava o gato outra vez sentado num galho de árvore Você disse leitão ou letão perguntou o Gato Eu disse leitão respondeu Alice acrescentando Gostaria que você não aparecesse a sumisse tão de repente Deixa qualquer um tonto Está bem concordou o Gato E dessa vez desapareceu bem devagarinho começando com a ponta da cauda e terminando com o sorriso que ainda ficou suspenso no ar algum tempo depois que o corpo tinha desaparecido Está aí pensou Alice já vi muitos gatos sem sorriso Mas sorriso sem gato É a coisa mais curiosa que já vi na minha vida Aventuras de Alice São Paulo Summus Editorial 1980 p 8384 Vejamos ainda um outro exemplo em que se toma a personificação de um nome abstrato em sentido denotado Alice suspirou enfastiada Acho que você devia ter mais o que fazer comentou ao invés de gastar o tempo com adivinhas sem respostas Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço disse o Chapeleiro não falaria em gastálo como se ele fosse uma coisa Ele é alguém Não sei o que você quer dizer respondeu Alice Claro que não sabe disse o Chapeleiro inclinando a cabeça para trás com desdém Diria mesmo que você jamais falou com o Tempo Talvez não replicou Alice cautelosamente mas sei que tenho de marcar o tempo quando estudo música Ah Olhe aí o motivo disse o Chapeleiro O Tempo não suporta ser marcado como se fosse gado Mas se você vivesse com ele em boas pazes ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio Por exemplo vamos dizer que fossem nove horas da manhã que é hora de estudar Você teria apenas que insinuar alguma coisa no ouvido do Tempo e o ponteiro correria num piscar de olhos uma hora e meia hora do almoço Id ibid p 88 168 Lição 14 Informações implícitas Leia atentamente os dois pequenos textos abaixo a O Presidente Tancredo Neves estava em campanha pelas diretas Um dia um grupo de próceres da oposição discutia a respeito do temor de muitos oposicionistas à ação das polícias estaduais dos radicais de direita etc Tancredo disse então A campanha eleitoral é uma luta para machos Acusado de machista por uma deputada presente ao encontro ele respondeu Não é nada disso minha filha Macho é hoje uma palavra unissex b Hei de vencer mesmo sendo professor Adesivo pregado num carro em São Paulo As frases que nesta lição estiverem sem referência bibliográfica foram retiradas dos seguintes livros NOVAES Carlos Eduardo É dando que se recebe e mais 1499 frases tiradas da boca da História São Paulo Ática 1994 CASTRO Rui O poder de mau humor São Paulo Companhia das Letras 1993 CASTRO Rui O melhor do mau humor São Paulo Companhia das Letras 1993 Na primeira frase de Tancredo ele diz explicitamente que política é coisa para macho e implicitamente afirma que quem não o for não deve fazer política Foi esse implícito bem compreendido pela deputada participante do encontro que a levou a acusar o futuro presidente de machista Este muito espertamente nega a informação implícita contida na frase dizendo que hoje macho é uma palavra unissex Deixa com essa nova afirmação implícito que antes macho era uma palavra só masculina No segundo texto o autor da frase afirma explicitamente 1 que vencerá 2 que é professor Ao usar a palavra mesmo criou o implícito de que o professor é um fracassado de que a vitória é para ele algo muito difícil Esse implícito ocorre porque o operador discursivo utilizado introduz um segmento de orientação argumentativa contrária ao que se disse anteriormente Ora não havendo contradição entre os conteúdos explícitos criase imediatamente um implícito para estabelecer essa relação 169 Todos os textos apresentam explicitamente certas informações e ao mesmo tempo transmitem outras de maneira implícita Os implícitos da linguagem dividemse em pressupostos e subentendidos Informações implícitas são aquelas que o texto parece não dizer mas diz O leitor precisa para compreender bem o sentido de um texto entender tanto o que é afirmado de modo explícito quanto o que é dito implicitamente Um bom leitor é o que sabe ler nas entrelinhas pois se não o fizer corre o risco de não apreender exatamente o que se quis dizer ou de concordar com pontos de vista que tornados explícitos rejeitaria Da mesma forma o produtor de textos necessita manejar bem os mecanismos de implicitação pois nem sempre pode dizer claramente tudo o que deseja precisando pois deixar tácitas certas idéias Por outro lado estar atento a essa propriedade da linguagem possibilita não deixar implícitos em virtude de um manejo inadequado da linguagem certos pontos de vista que não gostaria de manifestar Analisemos agora mais detidamente cada um dos tipos de implícitos Pressupostos Os pressupostos são informações implícitas que decorrem logicamente do sentido de alguma palavra ou expressão presente no texto Observe a frase abaixo por exemplo Agora segundo impressão colhida na reunião do BID o Brasil tornouse um país menos confiável Veja 1241995 p 93 Nela afirmase explicitamente que o Brasil é um país menos confiável Do sentido do verbo tornarse decorrente logicamente o implícito de que antes o Brasil era mais confiável Se o país nunca tivesse apresentado um grau de confiabilidade maior que o de hoje não se poderia usar o verbo tornarse que significa transformarse converterse Vejamos um outro exemplo Está na hora de o governo usar o cassetete também contra esses empresários Jair Meneguelli Nele está explícito o dever do governo de usar o cassetete contra empresários Da expressão está na hora provém o implícito o governo nunca usou o cassetete contra empresários do termo também deriva a informação pressuposta de que o governo usa o cassetete contra quem não é empresário O que é dito explicitamente pode ser questionado Os pressupostos no entanto devem ser verdadeiros ou ao menos tomados como tal Os explícitos 170 são construídos sobre os pressupostos Assim se um pressuposto for falso ou considerado como tal os conteúdos explícitos não têm o menor sentido não podem sequer ser considerados falsos Se Mário Amato não considerasse as mulheres seres pouco inteligentes sua célebre frase a respeito da então ministra do Trabalho Dorothéa Werneck Apesar de mulher ela é muito inteligente não teria qualquer propósito O uso adequado dos pressupostos é muito importante porque esse mecanismo lingüístico é um recurso argumentativo uma vez que visa a levar o leitor ou o ouvinte a aceitar certas idéias Com efeito introduzir no discurso um dado conteúdo sob a forma de pressuposto implica tornar o interlocutor cúmplice de um dado ponto de vista pois ele não é posto em discussão é apresentado como algo aceito Mesmo a negação das informações explícitas contribui para corroborálo Se alguém diz André deixou de fumar diz explicitamente que atualmente ele não fuma e implicitamente que ele fumava antes Se o interlocutor negar a informação explícita ainda assim estará admitindo o pressuposto A pressuposição aprisiona o leitor ou o ouvinte numa lógica criada pelo produtor do texto Muitas das verdades incontestáveis que constituem a base do discurso político são na realidade pressupostos ou seja conteúdos tomados como aceitos por todos Nesses oito anos de Revolução o Brasil emergiu da longa infância e da tumultuada adolescência para o estágio de nação adulta e séria que sabe para onde vai e o que pretende Presidente Medici em cadeia de rádio e TV Nesse texto dizse explicitamente que o Brasil é uma nação adulta e séria Por outro lado deixa ele pressuposto que 1 houve uma revolução no Brasil 2 o país estava num estágio infantil ou adolescente antes dela Se formos discutir se o Brasil é ou não uma nação adulta e séria estaremos reafirmando os pressupostos em que se baseia o discurso se negarmos o que é dito explicitamente ainda assim estaremos confirmando o que é dito implicitamente A refutação dos pressupostos impede a continuação de qualquer debate só sua aceitação permite o diálogo pois não tem sentido ou não é possível uma discussão em que cada interlocutor se funda em pressupostos distintos Por isso é considerada extremamente grosseira a negação pura e simples dos pressupostos apresentados pelo outro 171 Os principais marcadores lingüísticos da pressuposição são 1 os adjetivos ou palavras similares A única coisa que me preocupa no plano é que os economistas estão gostando dele Jô Soares O adjetivo única pressupõe que o plano não traz nenhuma outra preocupação para o produtor do texto Eu achava que política era a segunda profissão mais antiga Hoje vejo que ela se parece muito com a primeira Ronald Reagan O ordinal segunda deixa implícito que há uma outra profissão mais antiga do que a política 2 verbos que indicam permanência ou mudança de estado por exemplo tornarse transformarse converterse ficar vir a ser passar a deixar de começar a principiar a ganhar perder permanecer continuar A imprensa continuará livre mas é preciso que continue colaborando com as autoridades Gal Justino Alves Bastos Os dois verbos continuar deixam pressupostos os seguintes conteúdos a imprensa é livre a imprensa colabora com as autoridades O erário público tranformouse em refém do fracasso empresarial do Sr Canhedo Deputado Adroaldo Streck O verbo tranformarse deixa implícito que o erário não era refém do fracasso empresarial do Sr Canhedo 3 verbos que revelam um ponto de vista a respeito do que é expresso por seu complemento por exemplo pretender alegar supor presumir imaginar assacar Ele pretende que tudo se passou da maneira como conta O verbo pretender pressupõe que o falante não aceita como verdade o que alguém apresenta como tal No Brasil dizem que tinha ditadura mas nós fazíamos o que bem queríamos Ronaldo Caiado 172 O uso do verbo dizer com sujeito indeterminado indica que o falante não está de acordo com a veracidade do que é dito pela opinião geral 4 certos advérbios O país está muito mal e não quero mais fazer o papel de bobo da corte Xuxa O advérbio mais implicita a informação de que o produtor do texto antes fazia o papel de bobo da corte O jogo agora é para profissionais Roberto Gusmão O advérbio agora pressupõe que antes os amadores é que estavam jogando 5 as orações adjetivas Não adianta investigar os parlamentares se a elite empresarial que financia a corrupção fica assistindo às sessões da CPI pela televisão Senador José Paulo Bisol ao defender a tese de que a corrupção é como pederastia não tem ativo ou passivo A oração que financia a corrupção é uma adjetiva restritiva Pressupõe ela que não é toda a elite empresarial que financia a corrupção mas apenas uma parte dela Essa frase poderia ser reescrita utilizandose em lugar da restritiva uma explicativa nesse caso a oração adjetiva viria entre vírgulas Não adianta investigar os parlamentares se a elite empresarial que financia a corrupção fica assistindo às sessões da CPI pela televisão Nesse caso o que se alterou foi o pressuposto transmitido pela oração adjetiva O que se deixa implícito é que toda a elite empresarial financia a corrupção A diferença entre uma oração adjetiva restritiva e uma explicativa reside nos pressupostos que elas criam A primeira pressupõe que uma dada afirmação diz respeito a apenas parte dos elementos do conjunto designado pelo antecedente do pronome relativo a segunda deixa implícito que uma determinada asseveração concerne à totalidade dos elementos do conjunto designado pelo antecedente do pronome relativo 173 6 certas conjunções O Collor é um bom rapaz mas não aceitem atravessadores se quiserem um malufista votem em mim Paulo Maluf durante a campanha para as eleições presidenciais A conjunção mas liga dois segmentos de valor contrário entre si Não aceitem atravessadores não é a rigor um segmento de valor contrário a Collor é um bom rapaz Isso significa que o mas cria um implícito Collor é um malufista nãooriginal Subentendido O subentendido é uma insinuação não marcada lingüisticamente produzida por uma frase ou um arranjo de frases Álvaro Dias presidente do PP falando dos ministros do governo Itamar disse O governo não escolhe ministro por currículo mas por prontuário Nessa frase o deputado insinua que os ministros do governo Itamar eram bandidos que tinham passagem pela polícia A diferença entre um pressuposto e um subentendido é que aquele é uma informação indiscutível ou apresentada como tal tanto para o falante quanto para o ouvinte pois decorre necessariamente do sentido de um marcador lingüístico enquanto este é de responsabilidade do ouvinte O pressuposto pode ser contestado mas é formulado para não o ser Já o subentendido é construído para que o falante caso seja interpelado possa apegandose ao sentido literal das palavras negar que tenha dito o que efetivamente quis dizer Se o Presidente Itamar interpelasse o deputado Álvaro Dias este poderia afirmar que o que estava querendo dizer é que o Presidente era muito cuidadoso na escolha dos ministros e só escolhia aqueles que tivessem uma vida absolutamente limpa sem registro em prontuários policiais O subentendido é um meio de o falante protegerse porque com ele diz o que quer sem se comprometer No primeiro exemplo abaixo insinuase que o livro anterior não era bom No segundo o carregador entende um subentendido e Groucho nega que o sentido da frase seja o que foi depreendido a Seu novo livro é melhor que o anterior b Groucho Tem troco para dez dólares Carregador Sim senhor Groucho Bem então não vai precisar dos dez centavos que eu ia te dar Com os subentendidos dizse sem dizer sugerese mas não se diz 174 Lição 15 Progressão textual Leia o texto abaixo A tarde ia morrendo O sol declinava no horizonte e deitavase sobre as grandes florestas que iluminava com os seus últimos raios A luz frouxa e suave do ocaso deslizando pela verde alcatifa enrolava se como ondas de ouro e de púrpura sobre a folhagem das árvores Os espinheiros silvestres desatavam as flores alvas e delicadas e o ouricuri abria suas palmas mais novas para receber no seu cálice o orvalho da noite Os animais retardados procuravam a pousada enquanto a juriti chamando a companheira soltava os arrulhos doces e saudosos com que se despede do dia Um concerto de notas graves saudava o pôr do sol e confundiase com o rumor da cascata que parecia quebrar a aspereza de sua queda e ceder à doce influência da tarde Era a AveMaria ALENCAR José de O Guarani São Paulo Saraiva 1968 vol I p 39 Lendo esse texto antológico de Alencar observase que de um lado ele mantém a unidade temática trata do pôr do sol de outro cada frase acrescenta uma informação nova nessa descrição do cair da tarde o declinar do sol o comportamento da luz das plantas dos animais os ruídos da tarde Compare o texto de Alencar com os dois exemplos abaixo a Estou começando a me sentir vazia desesperançosa e oca O vazio me invade e sinto um tremendo vazio dentro de mim Redação de vestibular Apud ROCCO Maria Thereza Fraga Crise na linguagem redação no vestibular São Paulo Mestre Jou 1981 p 98 b Cada recessão tem um custo violentíssimo permanente que dura para sempre para a sociedade BIONDI Aloysio Shopping News 2151995 p 4 Esses dois textos são circulares ou seja repetem várias vezes a mesma idéia No primeiro aparece quatro vezes a questão do vazio interior estou vazia oca o vazio me invade sinto um tremendo vazio dentro de mim 175 No segundo se o custo da recessão é permanente é claro que deve ele durar para sempre Um texto deve obedecer a duas exigências aparentemente paradoxais apresentar continuidade semântica e ter progressão Nele mantémse uma unidade temática mas ao mesmo tempo cada segmento deve trazer uma informação nova Vimos já que o que faz do texto um texto é a coerência Ela é o mecanismo que produz uma unidade de sentido No entanto unidade de sentido é a manutenção de um tema e não a repetição de idéias de segmentos com o mesmo significado Um bom texto deve ter progressão ou seja cada segmento deve acrescentar uma informação nova aos enunciados anteriores A estrutura textual é uma organização de partes distintas que produz um conjunto uniforme Não é a repetição de partes iguais Num texto não devem aparecer palavras expressões ou frases redundantes nem pormenores impertinentes nem se devem repetir idéias já expressas explícita ou implicitamente Analisemos um exemplo apresentado por Othon Moacir Garcia em seu livro Comunicação em prosa moderna Conforme a última deliberação unânime de toda a Diretoria a entrada a freqüência e a permanência nas dependências deste Clube tanto quanto a participação nas suas atividades esportivas recreativas sociais e culturais são exclusivamente privativas dos seus sócios sendo terminantemente proibida seja qual for o pretexto a entrada de estranhos nas referidas dependências do mesmo Rio de Janeiro Editora da Fundação Getúlio Vargas 1982 p 287 Esse texto apresenta os seguintes problemas a a informação conforme a última deliberação unânime de toda a Diretoria é impertinente pois é a Diretoria quem toma deliberações concernentes ao funcionamento de uma instituição b se se quiser no entanto manter essa informação o adjetivo última é desnecessário pois não tem a menor importância saber se a deliberação é a última a penúltima etc c se a deliberação foi unânime é de toda a diretoria d não há freqüência ou permanência se não houver entrada e se a freqüência ao clube é privativa dos sócios evidentemente também o é a participação nas diferentes atividades f o adjetivo privativo já contém a idéia de exclusividade 176 g se a freqüência é privativa dos sócios a entrada de estranhos está automaticamente proibida ademais se a entrada está terminantemente proibida não é preciso explicitar que ela o é seja qual for o pretexto h se se está falando de um clube evidentemente a proibição da entrada de nãosócios só poderia ser em suas dependências Como nota Othon Moacir Garcia depois de analisar as redundâncias do texto ficaria ele bem redigido sem perda da eficácia comunicacional da seguinte maneira É proibida a entrada de estranhos ou Só é permitida a entrada de sócios Num texto é proibido repetirse a menos que a repetição tenha uma funcionalidade na construção do seu sentido Nesse caso ela não é mais uma simples repetição Há inúmeros casos em que é um recurso de produção de sentido Tomemos alguns exemplos 1 Num poema o refrão serve para dar destaque à idéia central e tem um papel na organização rítmica do texto Como há uma série de versos que se intercalam entre uma e outra enunciação do refrão ele não é uma mera repetição já que ganha intensidade cada vez que é pronunciado Observese esta cantiga de D Dinis que aparece no Cancioneiro da Vaticana sob o nº 171 Nas quatro primeiras estrofes uma moça interroga o verde pino pinheiro sobre seu amado nas quatro últimas o verde pino lhe responde O ritmo e a musicalidade do poema criados pelos versos de dez sílabas produzem a impressão de uma dança O refrão exprime o grito desesperado e lancinante da amada à procura de seu amor quebrando o caráter festivo dos decassílabos Ai flores ai flores do verde pino se sabedes nova do meu amigo ai Deus e u é ai Deus onde ele está Ai flores ai flores do verde ramo se sabedes nova do meu amado ai Deus e u é Se sabedes nova do meu amigo aquel que mentiu do que pôs comigo ai Deus e u é Se sabedes nova do meu amado aquel que mentiu do que mi á jurado ai Deus e u é 177 Vós me perguntades pelo vossamigo E eu ben vos digo que é sane vivo ai Deus e u é Vós me perguntades pelo vossamado E eu ben vos digo que é vive sano ai Deus e u é E eu ben vos digo que é sane vivo E será voscanto prazo saído e estará convosco quando terminar ai Deus e u é o prazo do serviço militar E eu ben vos digo que é vive sano e será voscanto prazo passado ai Deus e u é MOISÉS Massaud A literatura portuguesa através dos textos São Paulo Cultrix sd p 2324 2 A repetição de palavras serve para intensificar para amplificar uma determinada idéia a repetição de idéias destinase a marcar seu papel central no texto Valemonos da repetição intensificadora mesmo na linguagem falada Estou muito muito cansado Vejamos alguns exemplos literários a Todas as cartas de amor são ridículas Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas PESSOA Fernando apud LAUSBERG H Elementos de retórica literária Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1966 p 174 b Divertiaos a ambição divertiaos o interesse divertiaos a soberba divertiaos a autoridade e ostentação própria VIEIRA apud id ib p 174 c Que meio vos parece que se pode dar para um homem em toda a sua vida ter pão sem nunca lhe haver de faltar Será por ventura ajuntar mais Lavrar mais Negociar mais Desvelar mais Poupar mais Adular mais VIEIRA apud id ib p 176 d Que faz o lavrador na terra cortando com o arado cavando regando mondando semeando Busca pão Que faz o soldado na campanha carregado de ferro vigiando pelejando derramando o sangue Busca pão Que faz o navegante no mar içando amainando sondando lutando com as ondas e com os ventos Busca pão VIEIRA apud id ib p 176 178 e Deixaria a lavoura Desistiria da sementeira Ficarseia ocioso no campo só porque tinha lá ido VIEIRA apud id ib p 215 A progressão adequada produz a concisão que é a expressão de uma idéia com o menor número de palavras possível Não se pode fazer da concisão um fetiche pois já mostramos que a repetição muitas vezes é necessária Em resumo cada segmento do texto deve acrescentar um dado novo ao anterior A repetição quando funcional faz isso e por isso justificase As repetições nãofuncionais desqualificam o texto pois demonstram falta de reflexão e de domínio do assunto que está sendo tratado 179 Lição 16 Dizer uma coisa para significar outra Leia com atenção os textos abaixo A Jesus Cristo Nosso Senhor Pequei Senhor mas não porque hei pecado Da vossa alta clemência me despido Porque quanto mais tenho delinqüido Vos tenho a perdoar mais empenhado Se basta a vos irar tanto pecado A abrandarvos sobeja um só gemido Que a mesma culpa que vos há ofendido Vos tem para o perdão lisonjeado Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu como afirmais na sacra história Eu sou Senhor a ovelha desgarrada Cobraia e não queirais pastor divino Perder na vossa ovelha a vossa glória MATOS Gregório de Poemas escolhidos São Paulo Cultrix 1976 p 297 Ecce nunc in pulvere dormiam et si mane me quaesieris non subsistam Eis que agora dormirei nas cinzas e se amanhã me procurares não estarei Já que não quereis Senhor desistir ou moderar o tormento já que não quereis senão continuar o rigor e chegar com ele ao cabo seja muito embora mataime consumime enterraime Ecce nunc in pulvere dormiam mas só vos digo e vos lembro uma coisa que se me buscardes amanhã que me não haveis de achar Et si mane me quaesieris non subsistam Tereis aos sabeus tereis aos caldeus que sejam o roubo e o açoite de vossa casa mas não achareis a um Jó que a sirva não achareis a um Jó que a venere não achareis a um Jó que ainda com suas chagas a não desautorize O mesmo digo eu Senhor que não é muito rompa nos 180 mesmos afetos quem se vê no mesmo estado Abrasai destruí consumi nos a todos mas pode ser que algum dia queirais espanhóis e portugueses e que os não acheis Holanda vos dará os apostólicos conquistadores que levem pelo Mundo os estandartes da cruz Holanda vos dará os pregadores evangélicos que semeiem nas terras dos bárbaros a doutrina católica e a reguem com o próprio sangue Holanda defenderá a verdade de vossos Sacramentos e a autoridade da Igreja Romana Holanda edificará templos Holanda levantará altares Holanda consagrará sacerdotes e oferecerá o sacrifício de vosso Santíssimo Corpo Holanda enfim vos servirá e venerará tão religiosamente como em Amsterdão Meldeburgo e Flisinga e em todas as outras colônias daquele frio e alagado inferno se está fazendo todos os dias VIEIRA Antônio Sermões 7 ed Rio de Janeiro Agir 1975 p 3132 No primeiro texto Gregório de Matos dirigese a Deus solicitandolhe o perdão por seus pecados No entanto esse pedido é interessante pois o poeta considera que perdoar é um ganho para Deus já que condenar implicaria perda de sua glória Portanto o que o poeta faz nesse soneto é dizer a Deus que não deve ele fazer um mau negócio deixando de perdoarlhe Nesse texto o enunciador quer que se entenda exatamente aquilo que foi dito Há uma concordância entre o que se disse e o que se pretendeu dizer Já o segundo texto apresenta uma particularidade diferente Faz ele parte do célebre Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda pregado em 1640 em Salvador na Bahia quando os holandeses apertavam o cerco contra a cidade ameaçando invadila Nesse sermão Vieira dirigese diretamente a Deus pedindo suplicando e até exigindo que ele salve a cidade O sermão começa com um versículo do salmo XLIII Levantate Por que dormes ó Senhor Levantate e não nos repilas para sempre Por que voltas a face Esquecete da nossa miséria e da nossa tribulação Levantate ó Senhor ajudanos e redimenos por causa de teu nome O texto transcrito acima começa um versículo do livro de Jó VII 21 Eis que agora estarei no pó mas se amanhã me buscardes não estarei Esse texto bíblico funciona como argumento de autoridade se Jó falou assim com Deus Vieira também se sente no direito de dirigirse severamente à divindade Depois da citação latina o pregador começa a parafrasear o que disse Jó se Deus não moderasse seus tormentos se continuasse a mandarlhe sofrimentos 181 até que sua vida acabasse não encontraria mais quem o servisse quem o venerasse quem o bendissesse como apesar das dores fazia Jó mas apenas inimigos como os sabeus e os caldeus Tendo parafraseado o texto do livro do Jó estabelece uma relação de identidade entre a situação de Jó e as das pessoas que estavam cercadas pelos holandeses Daí conclui que se as circunstâncias são as mesmas os sentimentos em relação à divindade devem ser iguais Por isso dirigese a Deus dizendolhe que abrase destrua e consuma a todos Adverteo porém de que no dia em que desejar encontrar espanhóis e portugueses não os achará deparará apenas com holandeses Segue então um texto magnífico em que o pregador diz uma coisa para significar outra afirma alguma coisa para que se entenda exatamente o contrário devemse compreender suas afirmações como negações Quando diz por exemplo Holanda os holandeses levantará altares o que quer dizer é Holanda não levantará nenhum altar Esse recurso em que se diz uma coisa para significar o contrário chamase ironia ou antífrase Como se percebe a ironia de Vieira Se ele está fazendo um paralelo entre a história de Jó e a situação dos portugueses e identifica os portugueses e os espanhóis a Jó os holandeses só podem ser comparados aos sabeus e caldeus que não serviriam a Deus não o venerariam etc Quando diz que os holandeses vão fazer tudo isso o que quer dizer é que eles não farão nada disso Com efeito a Holanda era um país protestante ao contrário de Portugal e de Espanha e nada faria pela fé católica Habitualmente dizemos alguma coisa desejando que o ouvinte entenda exatamente aquilo que foi dito Nesses casos há uma adequação entre o que se disse e o que se quis dizer No entanto nem sempre há essa correspondência Muitas vezes dizse alguma coisa querendo que se entenda uma outra dizse uma coisa para significar outra Há uma série de mecanismos lingüísticos que servem para estabelecer intencionalmente um conflito entre o que se diz e o que se pretende dizer Ironia ou antífrase É a afirmação de alguma coisa que se quer negar Quando se produz uma ironia o que se deve entender é o contrário do que foi dito Vejam os altos feitos desses governadores dilapidar o erário público quebrar o Estado e fomentar a corrupção 182 Evidentemente altos feitos significa não altos feitos Entendemos uma ironia por oposições criadas explícita ou implicitamente no interior do texto São os sentidos opostos e mutuamente exclusivos que patenteiam a ironia Assim no exemplo acima há uma contradição entre altos feitos e dilapidar o erário público quebrar o Estado fomentar a corrupção Às vezes essa oposição pode ficar implícita em função da situação de comunicação Assim quando um torcedor diz Que bela partida a um jogador de um time que perdeu de goleada e jogou muito mal a situação de comunicação dispensa que se explicite a contradição no texto Observe como Camões comenta a contradição entre o nome de um determinado monte e suas características Junto de um seco fero e estéril monte Inútil e despido calvo informe Da Natureza em tudo aborrecido Onde nem ave voa ou fera dorme Nem rio claro corre ou ferve fonte Nem verde ramo faz doce ruído Cujo nome do vulgo introduzido É Feliz por antífrase infelice Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1988 p 311312 Veja um outro exemplo Moça linda bem tratada três séculos de família burra como uma porta um amor ANDRADE Mário de Poesias completas 4 ed São Paulo Martins 1974 p 299 Lítotes Nesse mecanismo negase algo para afirmar seu contrário À beira do negro poço debruçome e nele vejo agora que não sou moço um passarinho em um desejo ANDRADE Carlos Drummond de Poesia e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1983 p 290 183 Agora que não sou moço significa agora que sou velho negase a mocidade para afirmar a velhice Quando se nega o contrário do que se quer afirmar dizse menos para dar a entender mais Dizse de forma atenuada para que o ouvinte ou o leitor entenda de maneira enfática É mais atenuado dizer não é muito trabalhador do que dizer é vagabundo Preterição É a negação explícita de que se pretende dizer o que de fato se disse Negase claramente que se queira dizer o que se disse Simulase não desejar dizer o que se disse Um belo exemplo de preterição ocorre na peça Júlio César de Shakespeare Marco Antônio em seu discurso no sepultamento de César cena II do 3º ato desaprova a opinião de Bruto sobre César e ao mesmo tempo nega explicitamente que o faça glorifica o morto e nega que o esteja fazendo Amigos romanos compatriotas prestaime atenção Estou aqui para sepultar César não para glorificálo O mal que fazem os homens perdura depois deles Freqüentemente o bem que fizeram é sepultado com os próprios ossos Que assim seja com César O nobre Bruto vos disse que César era ambicioso Se assim foi era uma grave falta e César a pagou gravemente Aqui com a permissão de Bruto e dos demais pois Bruto é um homem honrado como todos os demais são homens honrados venho falar nos funerais de César Era meu amigo leal e justo comigo mas Bruto diz que era ambicioso e Bruto é um homem honrado Trouxe muitos cativos para Roma cujos resgates encheram os cofres do Estado César neste particular parecia ambicioso Quando os pobres deixavam ouvir suas vozes lastimosas César derramava lágrimas A ambição deveria ter um coração mais duro Entretanto Bruto disse que ele era ambicioso e Bruto é um homem honrado Todos vós o vistes nas Lupercais três vezes eu lhe apresentei uma coroa real e três vezes ele a recusou Isto era ambição Entretanto Bruto disse que ele era ambicioso e sem dúvida alguma Bruto é um homem honrado Não falo para desaprovar o que Bruto disse mas aqui estou para falar sobre aquilo que conheço Todos vós já o amastes não sem motivo Que razão então vos detém agora para pranteálo Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1989 p 449 Observe um outro exemplo em que D Jerônymo Osório diz que não fala do que está falando 184 Pois Senhor de que serviria logo tanto trabalho e tanta despesa sem fruto Não falo dos juros que os fidalgos têm vendido nas jóias das senhoras empenhadas nas lágrimas das mulheres na pobreza da gente nobre na miséria dos que pouco podem Gastese tudo e consumase por serviço de Deus e de Vossa Alteza que quando Deus Nosso Senhor oferecer uma grande ocasião para seu serviço não haja em Portugal forças para se lançar mão delaCarta II a D Sebastião In Cartas portuguesas Coimbra Imprensa da Universidade 1922 p 18 Reticência Nesse mecanismo lingüístico há uma suspensão do que se está dizendo deixandose no entanto patente o que se pretende dizer Interrompese a frase mas o contexto deixa claro o que se quer dizer Dessa forma dizse sem dizer Observe o exemplo abaixo em que com a reticência após a palavra depois o poeta não diz explicitamente o que acontece entre os amantes mas pelo contexto deixa entender o que se pretendia dizer Trememos de medo a boca emudece Mas sentemse os pulos do meu coração Seu seio nevado de amor se entumece E os lábios se tocam no ardor da paixão Depois mas já vejo que vós meus senhores Com fina malícia quereis me enganar Aqui faço ponto segredos de amores Não quero não posso não devo contar ABREU Casimiro de As primaveras São PauloBrasília MartinsINL 1972 p 86 Observe um outro exemplo em que o contexto deixa patente a frase que Menezes suspende se canse do marido e o traia Félix foi buscar a carteira tirou dela a carta e entregoua a Menezes Menezes leu o que se segue Mísero moço És amado como era o outro serás humilhado como ele No fim de alguns meses terás um Cirineu para te ajudar a carregar a cruz como teve o outro por cuja razão se foi desta para melhor Se ainda é tempo recua A carta não tinha assinatura 185 Menezes ficou atônito mas foi obra de alguns instantes poucos Sua índole generosa repelia a idéia de acreditar na revelação que acabava de ler É impossível disse ele Félix ergueu a cabeça que apertava entre as mãos e replicou Essa é a tua convicção eu quisera que fosse a minha Mas que testemunho tens tu contra o que aí vês escrito Não sei respondeu Menezes com calor mas é o que me diz o coração Repugna crer que essa pobre senhora Não é impossível Demais uma carta anônima ASSIS Machado de Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1979 vol I p 190 Há dois outros mecanismos lingüísticos em que não há um conflito entre o que se diz e o que se quer dizer mas entre o que se diz e os fatos narrados Eufemismo É a atenuação do que teria intensidade maior Com ele suavizase o que seria grosseiro ou chocante No poema abaixo falase de morte sem nomeála claramente ela é designada por meio de uma série de expressões atenuadas Consoada Quando a indesejada das gentes chegar Não sei se dura ou caroável Talvez eu tenha medo Talvez sorria ou diga Alô iniludível O meu dia foi bom pode a noite descer A noite com seus sortilégios Encontrará lavrado o campo a casa limpa A mesa posta Com cada coisa em seu lugar BANDEIRA Manuel Poesia completa e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1983 p 307 O eufemismo tem a função muitas vezes de ocultar a realidade Expressão acabada da tecnocracia o economês tem seu aspecto cruel como elemento de dominação de uma casta que desde os governos militares não pára de ganhar poder e seu caráter ilusório a serviço de uma ideologia 186 do eufemismo ou flexibilização e realinhamento são algo mais que meros aumentos de preços MARTINS Eduardo O Estado de S Paulo 1º11995 B5 Hipérbole É o exagero daquilo que é mais atenuado Com ela intensificase a expressão Então de peito aberto mandei que José Mateus apertasse o gatilho Atira seu filho de uma égua que a peça é de segurança O povo em derredor espalhou a perna no medo de pegar bala vadia e muito sujeito correu para trás de porta O enfezadinho sem força nem para segurar a arma veio cair junto da minha montaria ajoelhado Contou que devia uns adiantados a Cicarino e o aguardenteiro de cima dessa prevalência ameaçou trancar os restos de seus dias no fundo da cadeia Visse eu que ele possuía ninhada de moleques e não sabia desde mês o que era gosto de gordura E mostrou o peitinho afundado onde aparecia o reco reco das costelas Tenha dó coronel Tenha pena deste sofredor Não agüentei e caso José Mateus relatasse nova remessa de miséria eu era Azeredo de dar ao necessitado a camisa do corpo e toda a pecúnia do bolso De coração compadecido mas ainda em berro autoritário mandei que ficasse de pé Não sou santo de altar São Jorge ou Santo Onofre para ninguém cair ajoelhado na poeira Digo sem ostentação que Deus não cresceu o neto de meu avô na beira dos dois metros para que ele desperdiçasse essa grandeza toda em raiva de anão em ódio de sujeito nascido para caber num dedal de costureira CARVALHO José Cândido de O coronel e o lobisomem 8 ed Rio de Janeiro José Olympio 1971 p 2324 Observe outros exemplos a Outra vez aquele frio de lobisomem varreu o espinhaço da campeirada de fazer sossego de cemitério Uma raiz que brotasse vinha à tona seu barulho Id ibid p 45 b Lá perambulei a tarde toda em conferência semvergonhista Contou ele na ponta dos dedos os rabosdesaia que lustraram os paus de sua cama tantos e tantos de não ter cabeça para guardar 187 Nem um caderno alentado dava para escrever os nomes todos E como prova de libertinagem retirou de uma canastra quantidade de ligas e demais petrechos que as madamas na pressa da retirada esqueciam nos cantos De deixados de lenço nem é bom falar Tenho um gavetão cheio Rebati o avantajado dele com avantajado igual Fiz ver apontando o queixo que um terço da barba perdi em roçar cangote de donzela militante Ou mais seu compadre ou mais Id ibid p 111 c aquela que faz certa a coisa incerta e os dias mais que séculos compridos ALMEIDA Guilherme de Poesia vária São Paulo Cultrix 1976 p 99 d No tempo de meu Pai sob estes galhos Como uma vela fúnebre de cera Chorei bilhões de vezes com a canseira De inexorabilíssimos trabalhos ANJOS Augusto dos Poesia e prosa São Paulo Ática 1977 p 69 e E logo nesse instante concertou Para a guerra o belígero aparelho Para que ao Português se lhe tornasse Em roxo sangue a água que buscasse CAMÕES Luís de Os Lusíadas I 82 Na linguagem de todos os dias usamos muitas hipérboles faz séculos que a estou esperando já que disse mais de mil vezes estou morrendo de sede posso falar com você um minuto e muitos eufemismos fazer amor ir ao lavabo descansar O eufemismo atinge aqueles domínios discursivos atingidos pelo tabu lingüístico funções reprodutoras e excretoras órgãos sexuais etc Os tabus mudam de época para época de sociedade para sociedade Algumas palavras que não se diziam em público hoje aparecem nos jornais nas novelas etc Como já explicamos ao falar da ironia o leitor compreende que há um conflito entre o que se disse e o que se quer dizer porque o texto traz marcas explícitas ou implícitas aquelas que se depreendem da situação dessa contradição semântica Por que é que se utilizam esses mecanismos de nãoconcordância entre a intencionalidade do dizer e o dito Quando se comunica alguma coisa o enunciador não quer somente fazer o outro saber alguma coisa mas quer também leválo a aceitar aquilo que disse Por isso valese de uma série de mecanismos 188 lingüísticos que levam o ouvinte ou o leitor a admitir como verdadeiro o que foi transmitido Esses mecanismos de discordância entre o que se pretende dizer e o que se disse visam a chamar a atenção do leitor com vistas a fazêlo ficar mais facilmente de acordo com o que se comunicou O enunciador diz menos para que o leitor entenda mais diz e afirma não ter dito deixa patente o que não disse simula moderação para dizer enfaticamente finge exagero para dizer atenuadamente Dessa forma revela significados encobrindoos e oculta significados mostrandoos Com isso o leitor atenta melhor para o que está sendo dito e dessa maneira é conduzido a aceitar mais facilmente o conteúdo transmitido Com esses mecanismos o enunciador vela significados para desvelá los revela sentidos para escondêlos O leitor no entanto só percebe o sentido do texto quando apreende esses conflitos pois nesses casos o significado constróise exatamente na não correspondência entre o que se diz e o que se quer dizer 189 Lição 17 Argumentação Leia o texto que se segue Será porventura o não fazer fruto hoje a palavra de Deus pela circunstância da pessoa Será porque antigamente os pregadores eram santos eram varões apostólicos e exemplares e hoje os pregadores são eu e outros como eu Boa razão é esta A definição do pregador é a vida e o exemplo Por isso Cristo no Evangelho não o comparou ao semeador senão ao que semeia Reparai Não diz Cristo Saiu a semear o semeador senão saiu a semear o que semeia Ecce exiit qui seminat seminare Entre o semeador e o que semeia há muita diferença uma cousa é o soldado e outra cousa o que peleja uma cousa é o governador e outra o que governa Da mesma maneira uma cousa é o semeador e outra o que semeia uma cousa é o pregador e outra o que prega O semeador e o pregador é nome o que semeia e o que prega é ação e as ações são as que dão o ser ao pregador Ter nome de pregador ou ser pregador de nome não importa nada as ações a vida o exemplo as obras são as que convertem o mundo O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito qual cuidais que é É o conceito que de sua vida têm os ouvintes Antigamente convertiase o mundo hoje por que se não converte ninguém Porque hoje pregamse palavras e pensamentos antigamente pregavamse palavras e obras Palavras sem obras são tiro sem bala atroam mas não ferem A funda de Davi derrubou ao gigante mas não o derrubou com o estalo senão com a pedra Infixus est lapis in fronte ejus A pedra entrou em sua fronte As vozes da harpa de Davi lançavam fora os demônios do corpo de Saul mas não eram vozes pronunciadas com a boca eram vozes formadas com a mão David tollebat citharam et percutiebat manu sua Davi pegava a cítara e tangiaa com sua mão Por isso Cristo comparou o pregador ao semeador O pregar que é falar fazse com a boca o pregar que é semear fazse com a mão Para falar ao vento bastam palavras para falar ao coração são necessárias obras Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou cento por um Que quer isto dizer Quer dizer que de uma palavra nasceram cem palavras Não Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras Pois palavras que frutificam obras vede se podem ser só palavras VIEIRA Antônio Sermões Porto Lello 1959 vol I t 1 p 1415 Esse texto foi extraído do célebre Sermão da sexagésima em que Vieira desenvolve a partir da parábola do semeador uma teoria da eficácia da 190 sermonística Discute todas as possíveis causas da ineficácia da pregação e mostra como se torna eficaz um sermão Nessa passagem vai mostrar que a pessoa do pregador desempenha um papel importante no êxito de uma peça oratória A tese que defende é que uma pregação só terá eficácia se houver uma concordância entre o que o pregador diz e o que faz Aduz as seguintes razões para comprovar sua tese a Cristo diz no Evangelho saiu a semear o que semeia e não saiu a semear o semeador porque semeador sendo substantivo designa um ser enquanto o que semeia centrado num verbo indica uma ação b na língua fazse sempre diferença entre o nome e a ação como o comprovam vários exemplos soldado vs o que peleja governador vs o que governa c os fatos da antigüidade mostram que o exemplo é que converte d há uma identidade entre palavras sem obra e tiro sem bala pois ambos atroam mas não ferem e dois exemplos das Escrituras comprovam que não é a palavra mas a ação é que é eficaz a derrubada do gigante por Davi e a expulsão dos demônios do corpo de Saul f há duas espécies de pregação o falar que se faz com a boca o semear que se faz com a mão g a eficácia da pregação só existe quando os homens passam a agir segundo a palavra de Deus e por isso só palavras não podem ser eficazes Vieira argumenta em favor de sua tese ou seja fornece razões para que a aceitemos Que é argumentar Normalmente pensase que comunicar seja apenas transmitir informações A teoria da comunicação mostra que intervêm na realização do ato comunicativo seis fatores o emissor aquele que produz a mensagem o receptor aquele a quem a mensagem é transmitida a mensagem elemento material que veicula informações por exemplo um conjunto de sons uma imagem o código um sistema lingüístico ou seja um conjunto de elementos e de regras combinatórias que permite construir uma mensagem por exemplo uma língua o canal conjunto de meios sensoriais ou não pelos quais a mensagem é transmitida por exemplo o canal auditivo o telefone o referente a situação a que a mensagem remete Apesar de analisar detidamente como cada um desses seis fatores interfere no processo comunicacional a teoria da comunicação vê o ato comunicativo de maneira muito simplificada pois concebe emissor e receptor como pólos neutros a quem cabe tão somente produzir receber e compreender mensagens 191 O processo comunicativo é mais complexo pois há uma diferença nítida entre comunicação recebida e comunicação assumida Comunicar é agir sobre o outro e por conseguinte não é só leválo a receber e compreender mensagens mas é fazêlo aceitar o que é transmitido crer naquilo que se diz fazer aquilo que se propõe Isso quer dizer que comunicar não é apenas fazer saber mas principalmente fazer crer e fazer fazer É o que diz Vieira falando da eficácia do sermão não se deve falar ao vento não persuadir mas ao coração persuadir Comunicar significa obter adesão Esta depende de opiniões prévias de crenças de aspirações de valores de normas de conduta que se admitem como válidas de convicções políticas de emoções de sentimentos de visão de mundo etc Persuadir é levar o outro a aderir ao que se diz A eficácia de um ato de comunicação reside na aceitação do que expôs o emissor Muitas vezes pensa se que a argumentação restringese à demonstração procedimento por meio do qual se mostra a verdade de uma conclusão ou ao menos sua relação necessária com as premissas em que se trabalha com provas cuja validade independe das convicções pessoais Um exemplo clássico de um raciocínio demonstrativo é o silogismo que foi definido por Aristóteles como uma série de palavras em que sendo admitidas certas coisas delas resultará necessariamente alguma outra pela simples razão de se terem admitido aquelas Por exemplo Todas as estrelas brilham com luz própria Sírio é uma estrela Logo Sírio brilha com luz própria Admitindose que a primeira e a segunda proposições sejam verdadeiras a conclusão tornase necessária A argumentação engloba a demonstração mas não se restringe a ela pois trabalha não só com o que é necessariamente verdadeiro o que é logicamente demonstrável mas também com aquilo que é pausível possível provável Argumentar em sentido lato é fornecer razões em favor de determinada tese Enquanto a demonstração lógica implica que se duas idéias forem contraditórias uma será verdadeira e a outra falsa a argumentação em sentido lato mostra que uma idéia pode ser mais válida que outra Isso significa que a adesão não se faz somente a teses verdadeiras mas também a teses que parecem oportunas socialmente justas úteis equilibradas etc Assim a argumentação opera não só com o necessário mas também com o preferível isto é com juízos de valor em que alguma coisa é considerada superior a outra melhor do que outra etc 192 Aristóteles analisou nos Tópicos os diferentes lugares comuns tópicos empregados na persuasão Destaquemos quatro deles 1 lugar da quantidade é aquele que mostra que alguma coisa é superior a outra por ser proveitosa a um número maior de pessoas por ser mais durável por ser útil em situações mais variadas por ser mais antiga etc Muitas publicidades fundamentamse no lugar da quantidade a Bombril tem mil e uma utilidades b A Sul América faz parte da sua vida desde o tempo em que anúncio se chamava reclame Desde sua fundação em 5 de dezembro de 1895 a Sul América é uma empresa em sintonia com o seu tempo E voltada para as necessidades de seus clientes Durante toda a sua existência a Sul América tem contado com a dedicação dos seus funcionários Com o apoio dos corretores e prestadores de serviços E com a confiança dos seus segurados Por isso ela chega aos 100 anos em 1995 percebida pelo público como a seguradora mais confiável do mercado Sul América Seguros 100 anos de garantia Esse texto verbal é acompanhado de uma foto de um antigo cartaz publicitário que mostra o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara e contém os seguintes dizeres Firme como o Pão de Assúcar Sul América A maior Cia de Seguros de Vida na América do Sul Para indicar que essa publicidade é bastante antiga açúcar está escrita com dois s segundo velhas normas ortográficas Veja 3151995 p 4647 c Quantos grupos trabalham em prol dos brancos Poucos Por isso vivemos a situação reversa de enfrentar discriminação em nossos trabalhos pagamos altos impostos para sustentar programas de bemestar para as minorias Nós do KKK estamos compromissados com os interesses da maioria branca Planfleto An Introduction to the Invisible Empire of the Ku Klux Klan In Folha de S Paulo 1161995 130 2 lugar da qualidade é aquele segundo o qual é preferível o que é único raro insubstituível O Credicard veiculou uma propaganda na televisão nos primeiros meses de 1995 que mostrava pessoas fazendo coisas que não são absolutamente indispensáveis Um locutor comentava o que elas faziam dizendo por exemplo Não é necessário passar a primavera em Paris O cartão de crédito era então associado ao que distingue certas pessoas da grande maioria 193 Leia este texto extraído de um folheto publicitário do Cartão Nacional Visa em que se faz uso do lugar da qualidade estruturandose a publicidade como se fosse um anúncio de correio sentimental 6 meses de experiência Jovem poliglota de excelente reputação e prestígio bem recebido no Brasil inteiro e em mais de 200 países procura para relacionamento experimental de 6 meses e futuro compromisso pessoas acima de 21 anos que adorem viver bem gostem de viajar ir a restaurantes shoppings teatros supermercados fazer compras e muitas outras coisas boas da vida Rio de Janeiro 0800 210080 Cartão Nacional Visa 6 meses sem anuidade para você conhecer e aprovar Entre em contato com a gente hoje mesmo e associese ao Nacional Visa Você tem 6 meses para testar e aprovar todos os seus benefícios e serviços exclusivos Observe este texto publicitário do Banco Econômico que combina os lugares da qualidade e da quantidade Econômico Bom atendimento para todas as gerações Se o que você quer do seu Banco é bom atendimento seja Econômico Em cada uma das 279 agências do Econômico você tem gerentes prontos para ouvilo trocar idéias oferecer os melhores investimentos as melhores soluções Uma verdadeira assessoria econômica Se seu negócio exige rapidez e praticidade seja Econômico Suas agências são todas informatizadas Por isso além de atendimento personalizado você conta com a melhor tecnologia bancária pronta para servilo 2667 caixas e terminais de clientes 113 terminais de auto atendimento 571 quiosques do Banco 24 Horas 135 postos de serviço atendimento por telefone e fax 24 horas por dia 7 dias por semana entre outras facilidades Tudo isso porque nos seus 160 anos o Econômico sempre investiu em gente e tecnologia com um único objetivo dar o melhor atendimento a todos os seus clientes pessoas físicas ou jurídicas O Econômico é a mais antiga instituição financeira privada da América Latina Um dos dez maiores bancos brasileiros E o único que une a tecnologia de um banco jovem e ágil a uma história de 160 anos de tradição e bons negócios Seja Econômico Qualquer que seja a sua geração você vai ser bem atendido Econômico Desde 1834 Veja 761995 p 144145 194 3 lugar da ordem é aquele que afirma a superioridade da causa sobre o efeito do anterior sobre o posterior etc Por exemplo os índios brasileiros têm direito a todas as terras do território nacional porque já estavam aqui quando os portugueses chegaram 4 lugar do existente é aquele que declara a superioridade do que é sobre aquilo que é apenas possível O provérbio Mais vale um pássaro na mão do que dois voando baseiase nesse tópico Estamos pois tomando argumentação num sentido bastante amplo São argumentos tanto as provas demonstrativas ou seja aquelas que mostram a verdade de uma conclusão ou pelo menos sua relação necessária com as premissas aquelas cuja validade independe de opinião pessoal quanto as persuasivas isto é aquelas que buscam a adesão de indivíduos para uma determinada tese apelando para o preferível A adesão pode ter intensidade variável e depender de diferentes razões a tese pode ser considerada verdadeira oportuna socialmente justa útil equilibrada Enquanto nas provas demonstrativas a verdade de uma tese implica a falsidade da outra as provas persuasivas mostram que uma tese é melhor que a outra Essa concepção de argumentação está de acordo com a etimologia da palavra argumento que vem do latim argumentum vocábulo formado com o tema argu que está também presente nos termos arguto argúcia argênteo argentum e significa fazer brilhar fazer cintilar O argumento é pois tudo aquilo que ressalta faz brilhar faz cintilar uma idéia Argumento é todo procedimento lingüístico utilizado pelo enunciador com vistas a fazer seu interlocutor aceitar o que está sendo dito a persuadilo a leválo a crer a conduzilo a fazer o que foi proposto Todo texto é portanto argumentativo Alguns se apresentam explicitamente como argumentativos como os discursos publicitários outros se mostram como discursos de busca e de comunicação do conhecimento como os textos científicos Aqueles valemse mais de provas persuasivas estes utilizamse mais de provas demonstrativas No entanto em qualquer dos casos uma argumentação bem feita dá consistência ao texto produz uma sensação de realidade e uma impressão de verdade Leva o leitor a crer que o texto fala de coisas reais e verdadeiras levao a aceitálo Analisemos agora alguns tipos de argumento 1 Argumentos baseados no consenso As matemáticas trabalham com axiomas isto é proposições evidentes por si mesmas e portanto indemonstráveis duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si o todo é maior que a parte o todo é igual à soma das partes 195 que o constituem de um ponto a outro não se pode traçar mais de uma linha reta duas grandezas linhas superfícies ou sólidos são iguais quando colocadas uma sobre a outra coincidem em toda a sua extensão Os axiomas são verdades ou seja idéias que se impõem pela evidência Outras vezes operamos com presunções que são proposições fundadas numa base suficiente dada pelas experiências partilhadas pelo senso comum por aquilo que se considera normal para formar uma convicção razoável por exemplo uma pessoa ilustre não pode praticar um ato indigno As ciências humanas trabalham com máximas e proposições aceitas como verdadeiras numa certa época Por isso dispensam demonstração a menos que o texto em que aparecem tenha sido escrito exatamente com a finalidade de demonstrálas Para efeitos de argumentação podemse usar portanto proposições evidentes por si ou universalmente aceitas Por exemplo prescindem de demonstração afirmações como a Nenhum país pode ser considerado civilizado se nele não se acatam as decisões de Justiça b País bom é o que cuida das crianças TOLEDO Roberto Pompeu de Veja 761995 p 170 c A educação é a base do desenvolvimento econômico Não devemos confundir argumentos baseados no consenso com lugares comuns carentes de base factual de validade discutível reveladores muitas vezes de preconceitos do enunciador o crime não compensa político não presta brasileiro não gosta de trabalhar etc 2 Argumentos baseados em fatos As opiniões pessoais transmitem apreciações pontos de vista julgamentos que exprimem aprovação ou desaprovação Terão elas muito pouco valor se não estiverem apoiadas em fatos isto é elementos da realidade Dizer Ele é muito cheio de si Ele tem complexo de inferioridade Esse carro é maravilhoso tem menos valor argumentativo do que afirmar Ele é muito cheio de si raramente dirige a palavra a um subordinado Ele tem complexo de inferioridade não quis inscreverse no concurso pois embora pudesse ter sido aprovado com facilidade não se achava preparado para ser professor universitário Esse carro é maravilhoso rodou 100000 quilômetros sem precisar de qualquer conserto 196 Nas campanhas políticas por exemplo é comum fazeremse acusações genéricas contra os candidatos chamandoos de incompetentes corruptos ladrões Esse argumento contra a candidatura de alguém terá peso maior se for acompanhado de fatos comprobatórios Se um adversário diz que X é corrupto bastará que um partidário negue a acusação para contraargumentar No entanto se disser que X é corrupto porque aceitou pagamento da construtora Y para apresentar a emenda Z na Comissão de Orçamento a contraargumentação fica mais complicada Os fatos que servem para argumentar em favor de uma determinada idéia podem ser cifras estatísticas acontecimentos históricos dados da experiência etc Quando bem feita a argumentação baseada em fatos o texto transmite a impressão de falar de coisas verdadeiras e não de conter um amontoado de opiniões gratuitas Vejamos alguns exemplos de argumentos baseados em fatos a O cinto evita muitas mortes mas segundo autoridades de trânsito está provocando um efeito colateral mais perigoso do que amassar roupas Transmite mais segurança aos motoristas e eles se arriscam mais Em São Paulo as mortes diminuíram mas o número de acidentes aumentou Em dezembro de 1993 houve 16 227 acidentes Um ano depois quando o cinto já era obrigatório dezembro registrou 17 982 colisões Veja 1751995 p 73 b Segundo maior banco público do país a Caixa Econômica Federal está tão bagunçada que não publica balanço há três anos Nem o Tribunal de Contas da União aceita seus balancetes Veja 1751995 p 96 c Segurar os professores da rede pública na sala de aula virou uma missão difícil Os baixos salários estão levando milhares deles a pendurar o diploma na parede e procurar outra profissão No Rio de Janeiro estima se que diariamente vinte professores deixem as escolas estaduais e municipais Em São Paulo desde janeiro 210 professores da rede estadual gente com estabilidade no emprego que no passado não pediria demissão em hipótese alguma requisitaram exoneração Veja 2451995 p 73 Os dados apresentados devem ser pertinentes suficientes adequados fidedignos Recentemente o antropólogo Luiz Mott publicou em jornais de São Paulo e de Salvador sua tese de que o herói negro Zumbi líder de Palmares era homossexual A comunidade negra reagiu violentamente contra essa idéia cf por exemplo Veja 2451995 p 5758 Na polêmica que seguiu líderes do movimento negro disseram de maneira politicamente incorreta que a afirmação 197 de Mott denigre Zumbi Subjacente a essa polêmica está a tese defendida pelos que se posicionaram contra o antropólogo de que um homossexual não pode ser herói por causa de suas preferências sexuais O raciocínio é falacioso porque o fato de alguém ter uma determinada orientação sexual não é pertinente para a conclusão de que não pode ser herói visto que não há implicação necessária entre heterossexualidade e heroísmo Nota o articulista Janer Cristaldo Admitamos que Zumbi tenha sido homossexual Em que empana este fato sua luta pela libertação dos seus Homossexual foi Sócrates e isto em nada desmerece sua condição de pensador ou soldado Também o foram Alexandre e Alcebíades e duvido que seus inimigos lhes tivessem menos respeito por tal opção Homossexuais foram Cervantes e Garcia Lorca E daí Vamos jogar na fogueira o Quixote os poemas de Lorca Homossexuais são muitos líderes religiosos e políticos do mundo contemporâneo tanto na Europa como no Brasil e não será por esta condição que os julgaremos Por que então este escândalo todo em torno da hipótese de Zumbi preferir rapazes a moças Folha de S Paulo 1161995 53 Do lado dos ativistas do movimento homossexual aparece a tese de que os homossexuais são mais talentosos do que os heterossexuais É ainda Janer Cristaldo no texto citado acima quem diz Quando acossados os homossexuais costumam citar estes colegas ilustres o que no fundo é uma espécie de sofisma Pois para cada homossexual de talento corresponderão milhares de medíocres Como também ocorre com os heteros com negros ou brancos ricos ou pobres já que talento não se compra na farmácia Os dados que servem de base para a generalização supracitada são insuficientes para realizála pois do fato de que alguns ou muitos homossexuais são talentosos não decorre necessariamente que todos o sejam É preciso ter muito cuidado com esses argumentos que apelam para uma totalidade indeterminada pois basta um único caso contrário para derrubálos Quando se diz que todos os brasileiros são indolentes é suficiente apontar um que não seja para que a afirmação deixe de ter validade As generalizações com dados insuficientes revelam tabus e preconceitos Na polêmica supracitada aparece ainda a tese de que todo ser humano é bissexual porque todos os animais mantêm relação sexual com parceiros de ambos os sexos O fato correto ou incorreto não importa de os animais serem bissexuais não é adequado para afirmar a bissexualidade dos seres 198 humanos já que entre esses a orientação sexual não é apenas um fato biológico mas também cultural Afirmações generalizantes exigem dados consistentes fidedignos adequados pertinentes suficientes que lhes sirvam de suporte Constróise uma generalização indevida por exemplo quando se torna o que é acidental acessório ocasional como essencial inerente necessário Uma frase comum é as mulheres são barbeiras É uma generalização indevida tomar a imperícia no trânsito como algo inerente ao sexo feminino já que se podem citar mulheres que dirigem muito bem Da mesma forma dizer que professor universitário é parasita é generalizar indevidamente A maioria das sentenças judiciosas do senso comum são generalizações indevidas A utilização de argumentos desse tipo por exemplo brasileiro não sabe votar brasileiro não se rebela aceita tudo jornal só conta mentira todo artista é bicha todos os roqueiros são drogados funcionário público é vagabundo revela um autor acrítico preso a lugares comuns imerso num universo conceptual muito pobre Devemos considerar agora um outro aspecto referente aos argumentos baseados em fatos Muitas vezes eles estruturam a realidade Isso ocorre quando se generaliza um caso particular ou se transpõe para um outro domínio o que é aceito num domínio particular No primeiro caso temos o argumento por ilustração ou por exemplo No argumento por ilustração um caso particular serve para confirmar uma proposição geral Em muitos contos de Edgar Allan Poe enunciase um princípio geral que será em seguida ilustrado com um fato particular Vejase por exemplo o conto O demônio da perversidade Inicia ele da seguinte maneira Ao examinar as faculdades e impulsos dos móveis primordiais da alma humana deixaram os frenólogos de mencionar uma tendência que embora claramente existente como um sentimento radical primitivo irredutível tem sido igualmente desdenhada por todos os moralistas que os precederam A indução a posteriori teria levado a frenologia a admitir como um princípio inato e primitivo da ação humana algo de paradoxal que podemos chamar de perversidade na falta de termo mais característico Ficção completa poesia ensaios Rio de Janeiro Nova Aguilar 1986 p 344345 A essa introdução segue o relato de um caso que comprova que o ser humano age por perversidade Na argumentação pelo exemplo formulamos um princípio geral a partir de casos particulares ou da probabilidade de repetição de casos idênticos Temos 199 esse tipo de argumentação quando por exemplo depois de narrar que um fiscal de arrecadação foi preso em flagrante recebendo propina concluímos que existe corrupção no serviço público brasileiro No caso da argumentação pela ilustração e pelo exemplo constitui defeito argumentativo dar um alcance que o caso particular não permite à afirmação geral Por exemplo não se pode dizer a partir de um único caso de corrupção no serviço público que todos os funcionários são corruptos As generalizações indevidas as afirmações gerais que nada têm a ver com os casos particulares relatados ou que são contrárias aos fatos narrados destroem a argumentação baseada em fatos singulares Por exemplo não tem nenhum valor argumentativo a afirmação de que o Congresso Nacional está dando todo o apoio ao Executivo depois de relatar uma série de episódios de derrota fragorosa de proposições do Presidente no Congresso Muitas vezes os casos particulares são apresentados como modelos a seguir ou antimodelos a evitar Observemos este exemplo retirado do sermão de Antônio Conselheiro sobre a dor de Maria na flagelação de seu Filho Nele depois de mostrar a dor sentida pela Virgem diz o pregador Compreendamos portanto o plano da Providência Divina e agradecendo ternos dado na Senhora um perfeito modelo de virtudes tratemos seguir os seus passos para sermos ditosos NOGUEIRA Ataliba Antônio Conselheiro e Canudos São Paulo Nacional 1974 p 83 A argumentação por analogia é aquela que transpõe o que é válido num domínio para outro Tito Lívio em sua História romana II 32 312 conta que numa revolta da plebe Menênio Agripa procurava pacificar os revoltosos mostrando que a sociedade precisa ser solitária como os órgãos do corpo humano pois o estômago precisa das mãos da boca e dos dentes como estes precisam daquele Dizia o tribuno da plebe que um dia as mãos e a boca se rebelaram e resolveram não mais alimentar o estômago e assim todo o corpo ficou doente Concluía afirmando que os órgãos devem ser solidários cada um deles deve executar a função que a natureza lhe reservou senão todo o corpo fica arruinado Esse argumento estabelece uma analogia entre a fisiologia do corpo humano e a ordem social para naturalizála Constitui um defeito na argumentação por analogia aproximar dois domínios que não tenham nenhuma relação de identidade 3 Argumentos fundados na estrutura da realidade São os argumentos que invocam relações de sucessão por exemplo relações de causa e efeito ou de coexistência por exemplo relações entre a pessoa e o ato 200 Uma argumentação baseiase na sucessão quando se procuram determinar as causas ou os efeitos de um fato quando um evento é apreciado em função de suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis quando se buscam os motivos que levaram à realização de alguma ação etc Quando um promotor pretende provar que uma determinada pessoa cometeu um crime alegando que seria ela beneficiada por ele está utilizando a argumentação baseada na sucessão Um outro tipo de argumento de sucessão é o que se baseia na relação entre meios e fins Essa relação serve de fundamento para o argumento do desperdício ou da utilidade aquele que nos incita a praticar ou não uma ação em vista de uma finalidade maior a alcançar por exemplo votar num determinado candidato para impedir que outro ganhe ou ajudar o devedor insolvente para não perder o que já se emprestou o argumento de direção aquele que apresenta alguma coisa não como um fim mas como uma etapa importante para atingir determinado fim por exemplo todos os argumentos políticos que mostram a importância de ocupar certos postos no aparelho do estado com vistas a agir para atingir determinadas metas argumento do supérfluo aquele que desvaloriza certo ato mostrando que ele não influi no desenrolar dos acontecimentos Vieira num dos Sermões do Mandato vai utilizar as relações de sucessão para definir o que não é o amor pois para o pregador o amor deve ser definido fora dessas relações Definindo S Bernardo o amor fino diz assim Amor non quaerit causam nec fructum O amor fino não busca causa nem fruto Se amo porque me amam tem o amor causa se amo para que me amem tem fruto e amor fino não há de ter porquê nem para quê Se amo porque me amam é obrigação faço o que devo se amo para que me amem é negociação busco o que desejo Pois como há de amar o amor para ser fino Amo quia amo amo ut amem amo porque amo e amo para amar Quem ama porque o amam é agradecido quem ama para que o amem é interesseiro quem ama não porque o amam nem para que o amem esse só é fino E tal foi a fineza de Cristo em respeito a Judas fundada na ciência que tinha dele e dos demais discípulos Sermões Porto Lello 1959 vol II t IV p 336 Quando se faz uso de argumentos de sucessão devese evitar a tautologia em que se dá como causa de um fato o próprio fato exposto em outras palavras ou em que se considera demonstrado o que se precisa demonstrar Dizer por exemplo que o fumo faz mal à saúde porque prejudica o organismo é uma tautologia já que prejudicar o organismo é fazer mal à saúde Um acusado de um crime que comece a dizer que é objeto de uma acusação injusta está declarando sua inocência que é exatamente o que deve provar 201 Por outro lado muitas vezes se toma como causa explicação razão de ser de um fato aquilo que não o é Uma causa é o que provoca um efeito Assim deve haver uma relação necessária entre causa e efeito Muitas vezes tomase aquilo que veio antes como causa do que veio depois O que vem depois não é necessariamente efeito do que o antecede Por exemplo se alguém quebra a perna depois de ter visto um gato preto e conclui que o encontro com o gato preto é a causa de ter quebrado a perna está usando uma falsa causalidade No entanto todo o discurso supersticioso baseiase nesse tipo de causalidade As relações de coexistência entre pessoa e ato não se estabelecem entre realidades de nível igual mas entre duas realidades de nível distinto sendo uma considerada mais importante que outra Assim por exemplo quando um advogado defende um réu acusado de matar a mulher dizendo que ele é bom pai bom amigo etc está considerando essas qualidades mais importantes que o ato em si está querendo estabelecer atenuantes para o crime etc Nesse tipo de argumentação interpretamse comportamentos e juízos em função da reputação do indivíduo O prestígio de uma pessoa serve de base para o argumento de autoridade que é freqüentemente utilizado quando não existem critérios objetivos para determinar a verdade ou falsidade de um juízo O argumento de autoridade é a citação dos pontos de vista de um autor reconhecido num dado domínio da experiência como meio de prova em favor de uma tese Com freqüência o argumento de autoridade em lugar de ser a única prova vem completar uma rica argumentação Constatase então que uma mesma autoridade é valorizada ou desvalorizada conforme esteja ou não de acordo com a opinião dos oradores Um oponente das idéias neoliberais poderia dizer é coisa do Roberto Campos enquanto um partidário delas diria segundo opinião do insigne brasileiro Dr Roberto Campos Retiramos de uma peça de um advogado uma série de argumentos de autoridade Sobre esse remédio heróico observou o grande José Carlos Barbosa Moreira em recente escrito de doutrina observese o uso do adjetivo grande Citando o primeiro Agravante nesse sentido a opinião de Hamilton de Moraes Barros a quem a própria indevida inventariante refere como respeitadíssimo civilista ressaltese a ênfase no reconhecimento da autoridade pela parte contrária no mesmo sentido expõe um dos mais renomados expositores atuais da matéria observese que é sublinhado o renome ou o reconhecimento como sinal de autoridade no assunto 202 como ensina Wellington Moreira Pimental reforçase com o verbo sua condição de mestre Voltando Carlos Maximiliano ao tratamento da matéria se apóia em uma verdadeira torrente da doutrina nacional e estrangeira dezesseis autores ao todo ao argumento de autoridade acrescentase um argumento de quantidade A respeito em livro que honra a cultura jurídica brasileira seu insigne autor que o publicou aos setenta e sete anos declara que um dos recursos de autoridade é sem dúvida o da idade com a sabedoria e a experiência que com ela se adquire Como ensina a maior autoridade brasileira em matéria de interpretação Sendo também essa a lição da mais alta doutrina estrangeira a autoridade é assegurada por estar no ponto mais alto da escala de valores do conhecimento sobre a questão Observando o gênio de Carnelutti que a decisão passada em julgamento O uso de citações por um lado cria uma imagem favorável do enunciador pois mostra que ele conhece bem o assunto que está sendo discutido porque já leu o que pensaram outros atores sobre ele por outro torna os autores citados fiadores da veracidade de um dado ponto de vista No entando tem um efeito argumentativo contrário a utilização de citações descosturadas sem relação com o tema erradas feitas pela metade mal compreendidas 4 Argumentos quase lógicos São aqueles cuja estrutura lembra a dos raciocínios formais mas que não podem ser considerados lógicos em sentido estrito porque dão lugar a controvérsia não demonstrando algo que seja evidente por si mesmo A argumentação quase lógica permanecerá muitas vezes implícita Esse tipo de argumento baseiase em relações A identidade é a relação entre dois termos perfeitamente iguais que no entanto permanecem distintos Na argumentação quase lógica procuramse identificar seres objetos situações que não apresentam semelhanças evidentes Vejase este trecho de um artigo do senador Pedro Simon em que ele vai mostrar a falácia de um argumento subjacente economistas são economistas à questão de que não há mal nenhum em um Presidente do Banco Central deixar seu cargo e tornarse empregado de uma instituição financeira privada 203 Expresidentes do BC entram e saem do mercado como eu entro e saio do supermercado Para eles mercado é apenas o lugar onde vence o melhor e o mais competente Se é só isso que me expliquem por que diabos o mercado prefere execonomistas do Banco Central em vez de execonomistas do Ipea ou execonomistas da Funai É que o mercado é aquele naco do mundo privado que vive de informações privilegiadas obtidas junto ao Estado E essas informações estão todas reunidas em computadores do Banco Central não da Funai da Febem ou da CEF Veja 1461995 p 134 A relação de identidade aplicada à língua natural tornase suscetível de controvérsia porque não cria uma tautologia já que a mesma palavra é usada com dois sentidos diferentes Em Vidas secas no célebre episódio do soldado amarelo há a seguinte passagem Afastouse inquieto Vendoo acanalhado e ordeiro o soldado ganhou coragem avançou pisou firme perguntou o caminho E Fabiano tirou o chapéu de couro Governo é governo Tirou o chapéu de couro curvouse e ensinou o caminho ao soldado amarelo São Paulo Martins 1971 p 152 No primeiro emprego a palavra governo significa órgãos do poder político no segundo quer dizer autoridade É essa propriedade das palavras que permite compreender como nãocontraditório o que aparentemente é uma contradição É assim que se pode compreender o fragmento de Heráclito entramos e não entramos duas vezes no mesmo rio Muitas vezes a argumentação procura mostrar que o que parece contraditório não o é porque as situações são distintas Assim Pascal nos Pensamentos diz Quando a palavra de Deus que é verdadeira é literalmente falsa é verdadeira espiritualmente nº 680 Podese afirmar que o homem nunca deve matar outro ser humano e ao mesmo tempo dizer que o homem tem o direito de matar outra pessoa em legítima defesa Outras vezes a argumentação tem exatamente a finalidade de mostrar a incompatibilidade entre duas situações Um exemplo é a afirmação de que não pode defender a descriminalização do aborto quem é contrário à pena de morte Evidentemente essa incompatibilidade não é lógica Por isso precisase argumentar dizendo que há uma identidade entre aborto e assassinato Um outro tipo de argumento quase lógico é o fundado na reciprocidade Em lógica uma relação é simétrica quando sua conversão é idêntica ou seja quando se afirma a mesma relação entre a e b e b e a O argumento de 204 reciprocidade considera idênticos para um determinado efeito antecedente e conseqüente da mesma relação a Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti b Se não é vergonhoso para vós vender não será vergonhoso para nós comprarAristóteles Rhétorique Paris Librairie Générale Française 1991 p 267 II 1397a O argumento de transitividade é aquele em que se estabelecem relações transitivas Em lógica a transitividade é a propriedade de uma relação tal que se existe entre A e B e entre B e C existe entre A e C se A é maior que B e B é maior que C então A é maior que C Na argumentação quase lógica a transitividade é possível mas não necessária Por exemplo Os amigos de meus amigos são meus amigos Os argumentos de inclusão fazem apelo às relações matemáticas entre o todo e suas partes Assim passase da relação matemática de que o todo é maior do que cada uma de suas partes para a tese de que o todo vale mais do que cada uma das partes de que aquilo que vale para o todo vale para a parte de que aquilo que não é permitido ao todo não é permitido a nenhuma das partes A concepção de que o todo é igual à soma das partes serve de fundamento para os argumentos de partição Observe este exemplo retirado da Retórica de Aristóteles Se todos os homens fazem o mal por três motivos por causa disso daquilo ou daquilo outro e como pelas duas primeiras razões era impossível que o tivesse feito os adversários não duvidam de que terá sido pela terceira Paris Librairie Générale Française 1991 p 272 II 1398a O objetivo desse tipo de raciocínio é mostrar que somente certas causas podem produzir um efeito e que portanto se se excluem determinadas causas as que restam são responsáveis pelo efeito e que se todas as causas estão excluídas o efeito não ocorre O argumento por divisão está na base do dilema forma de argumento em que se examinam hipóteses para concluir que qualquer que seja a escolhida se chega ao mesmo resultado Um exemplo Os livros da biblioteca de Alexandria contêm ou não contêm a mesma coisa que o Alcorão Se contêm são inúteis Se não contêm são maus Logo em qualquer caso é preciso queimálos Outro exemplo Se você se casar desposará uma mulher bonita ou uma mulher feia Se 205 for bonita você será atormentado pelo ciúme se for feia você não poderá suportála Logo você não deve casarse A relação entre as partes e o todo serve de base para os argumentos chamados a pari e a contrario Esses argumentos dizem respeito à aplicação ou nãoaplicação de um princípio a outra espécie do mesmo gênero Por exemplo uma lei promulga certas disposições relativas ao brasileiro nato O argumento a pari procura mostrar que elas se aplicam também ao brasileiro naturalizado o a contrario quer demonstrar que não No primeiro caso o que se deseja provar é que a regra se aplica a todo o gênero no segundo que ela só se aplica a uma parte sendo portanto uma exceção de um princípio geral que se aplica ao gênero O argumento por comparação que não resulte de alguma coisa mensurável é quase lógico A comparação pretende tornar homogêneo o que é comparado É um argumento por comparação dizer que é crime tanto desviar dinheiro do erário público quanto dar benefícios contrários ao interesse público a certos setores privilegiados da população como por exemplo anistiar as dívidas de financiamento agrícola dos grandes fazendeiros Como o argumento por comparação homogeneíza o que é comparado podese argumentar também mostrando a superioridade daquilo que é incomparável porque é único Por exemplo temos grandes escritores na literatura brasileira Alencar Aluísio Mário etc mas Machado é Machado Um tipo de argumento de comparação é aquele que mostra o sacrifício que se fez para obter uma determinada coisa em que alguma coisa é julgada pelo preço que os homens lhe conferem se ele renunciou o trono para ficar com essa mulher deve ela ser excepcional Entram ainda nos argumentos quase lógicos todos os que se referem a probabilidades não calculáveis isto é à probabilidade ou improbabilidade de que alguma coisa ocorra A célebre aposta de Pascal é um argumento dessa natureza Diz ela que como não se pode provar que Deus existe nem que ele não existe já que não se pode ter certeza da existência ou não da salvação eterna só se pode apostar Ao fazer uma aposta devese levar em conta as perdas e os ganhos Se se aposta na não existência de Deus e ele existe estáse perdido se se aposta na sua existência e ele não existe não se perde nada Por isso devese apostar em sua existência Pensamentos São Paulo Nova Cultural 1988 p 9498 Col Os Pensadores 5 Argumentos baseados na competência lingüística Há várias situações de comunicação por exemplo aquelas em que se usa o discurso administrativo o científico o pedagógico em que é obrigatório o uso da norma culta da língua O modo de dizer o nível de língua utilizado a precisão vocabular conferem confiabilidade ao que se diz dão credibilidade às 206 informações veiculadas Assim por exemplo um professor que não usa a variante culta da língua cria nos seus alunos a imagem de alguém que não conhece a matéria que ensina As informações científicas parecem mais confiáveis quando expostas em vocabulário técnico Além disso podemse usar diferentes mecanismos lingüísticos com valor argumentativo No texto com que iniciamos esta lição vemos que parte da argumentação de Vieira baseiase na oposição nome vs verbo Estratégias argumentativas Como vimos há seis fatores que intervêm na comunicação emissor receptor mensagem referente código e canal As estratégias persuasivas são conjuntos de argumentos que enfocam um ou mais de um desses fatores a Estratégia centrada no emissor é aquela que procura mostrálo como alguém credenciado para um dado discurso que busca criar dele uma imagem favorável Há pouco tempo a televisão veiculou uma publicidade de baterias para carros Nela aparecia Emerson Fittipaldi a exaltar as qualidades do produto Ao final ele dizia a frase De carro eu entendo um pouco Essa mensagem baseia toda a sua estratégia argumentativa na credibilidade do emissor visto como a pessoa mais competente para dizer alguma coisa sobre carros Num discurso suplicatório quem pede cita desgraças que o atingiram dificuldades por que passa etc não para criar uma imagem desfavorável de si mesmo mas para apresentarse como vítima do destino das circunstâncias etc b Estratégia voltada para o receptor é aquela que procura criar uma imagem favorável daquele a quem se deseja persuadir que procura mostrar ao receptor que ele passará a ser melhor se fizer determinadas coisas etc É uma estratégia muito utilizada pelo discurso publicitário Se você tem um cunhado que é um Durango Kid um primo que é um Billy o Folgado ou uma tia solteirona que pensa que é a Scarlett OHara não sirva café Melitta Eles nunca mais vão sair da sua casa Só a Melitta tem 5 tipos de café uma para cada paladar Extra Forte Forte Suave Descafeinado e Premium Class Todos são feitos com grãos 100 arábica que garantem o máximo de aroma e sabor Agora você não precisa trancar a porta para seus convidados não saírem correndo da sua casa quando você servir o cafezinho Veja 1461995 p 22 c Estratégia centrada no referente é aquela que procura dar informações sobre aquilo de que se fala citando fatos dados experimentos etc 207 Há cem anos nascia um carro popular bem diferente resultado do sonho pioneiro de Karl Bentz e Gottlieb Daimler que separadamente conduziram suas pesquisas na área do transporte coletivo Surgia o ônibus que no decorrer do tempo transformouse no meio de transporte mais popular no mundo No diaadia das cidades e estradas os ônibus urbanos e rodoviários MercedesBenz estão presentes na hora do trabalho e na hora do lazer Milhões de pessoas viajam conhecem novos lugares e divertemse por meio do ônibus com toda segurança e conforto O ônibus MercedesBenz é um veículo popular que incorpora itens só encontrados em carros sofisticados como freio ABS arcondicionado videocassete tocafitas toalete e até motorista Veja 1461995 p 25 d Estratégia voltada para a mensagem é aquela que trabalha com jogos de sentido e de sons com combinações inusitadas de palavras etc Um enunciado bem construído fala por si 1 Feliz ano novo e pás na terra aos homens de boa vontadeSugestão de leitor para a Campanha de Combate à Miséria Joelmir Beting O Estado de S Paulo 30121994 B2 2 Desfile em que você pode passar a mão nos modelosCartaz do Salão do Automóvel São Paulo 1995 3 São Paulo pára se não entrar nos trilhosShopping News 241995 p 1 manchete referente à questão ferroviária 4 Trânsito de São Paulo Trem jeitoShopping News 3041995 p 1 idem e Estratégia centrada no código é aquela que se vale de oposições lingüísticas de significados antigos de uma palavra de virtualidades da língua Num editorial de O Estado de S Paulo de 1841995 em que se discute a questão da escola pública há o seguinte argumento baseado na oposição transitoriedade vs permanência expressa pelos verbos estar vs ser Talvez um estudo sério da Fundação Carlos Chagas ajude a encontrar a resposta em São Paulo 47 dos professores consideram que a saída para seus problemas está na mudança de emprego Ou seja praticamente a metade dos professores já não são professores Estão professores por falta de alternativa A 3 f A estratégia voltada para o canal é aquela que valoriza o veículo da comunicação É muito freqüente que o senso comum considere o canal como prova de veracidade de uma dada informação Deu na televisão 208 Podese usar mais de uma estratégia argumentativa no mesmo texto No entanto uma será a dominante e as outras subdominantes Por exemplo no editorial de O Estado de S Paulo citado no item d temos uma estratégia voltada para o código combinada com uma referencial citação do percentual de professores que pretende abandonar o magistério Para tornar um texto convincente pouco servem as manifestações de sinceridade do enunciador ou as declarações de certeza expressas por construções como tenho certeza estou certo creio sinceramente afirmo com toda a convicção é claro é obvio é evidente Num texto não se prometem sinceridade e convicção Constróise o texto de modo que ele pareça sincero e verdadeiro A argumentação é exatamente a exploração de recursos com vistas a fazer o texto parecer verdadeiro a fim de levar o leitor a aderir à tese que ele defende 209 Lição 18 Resumo Leia o texto que segue Imagens do nosso planeta na França aconteceram eleições dentro de uma perfeita calma com a pitada de surpresa necessária para despertar o interesse No mesmo dia em Ruanda África Negra 5 mil ou talvez 8 mil hutus foram assassinados por soldados tutsis essa mesma Ruanda que no ano passado assistiu a um genocídio traduzido em meio milhão de cadáveres Ainda no mesmo dia mas dessa vez na Itália aconteceram eleições regionais enquanto nos Estados Unidos se descobria com ânsia de vômito que a carnificina de Oklahoma City foi obra de americanos de verdade patriotas totalmente brancos que amam as árvores e os pássaros Finalmente em Tóquio o número dois da seita Aum Shinri Kyo suspeito de ter organizado o atentado com gás de combate ao metrô de Tóquio foi apunhalado por um fanático de extremadireita É difícil para um jornalista descobrir suas âncoras e suas observações entre tantas imagens incompatíveis cujo espectro abrange desde a rotina eleitoral à mais pura erupção de loucura coletiva Devemos confessar que às vezes temos certos escrúpulos de dedicar extensos comentários a acontecimentos tão clássicos simplistas e ordenados quanto às eleições presidenciais por exemplo ao mesmo tempo em que a demência do planeta nos faz assistir de Tóquio a Michigan e a Ruanda ao início do apocalipse Esses acontecimentos tão díspares merecem no entanto uma interrogação comum A cerimônia eleitoral tão terna tão pouco romântica ocorrida no domingo não extrairia seu mérito precisamente do abominável espetáculo que nos foi oferecido pelo mundo Japão Ruanda quando a democracia não esteve presente para erradicar os impulsos da morte e de assassinato que devastam os homens e as sociedades humanas Sem dúvida a democracia não tem nada de cômico Faltalhe talento Ela não conseguiria competir com o genial diretor teatral trágico e sádico que joga centenas de milhares de crianças perdidas nas suaves colinas da África tropical em Ruanda É verdade falta brilho à democracia Ela é aborrecida sem imaginação repetitiva medíocre E no entanto No entanto ela constitui a última proteção tão frágil e poderosa ao mesmo tempo que as sociedades podem opor ao desencadear de suas pulsões mais sombrias mais diabólicas Pulsões que vemos se desencadear assim que saltam os marcos da democracia 210 É o que ocorre em Ruanda onde massacres se sucederam ao fracasso do pacto democrático No Japão o crime do metrô foi perpetrado por uma seita antidemocrática militarizada hierarquizada fúnebre secreta e mórbida E se a matança de Oklahoma City foi cometida num país absolutamente democrático os EUA seus atores são homens que declararam guerra principalmente à democracia Esses bárbaros brancos que se autodenominam patriotas querem voltar aos bons velhos tempos dos pioneiros do desbravamento das fronteiras e em seu ódio irracional por Washington quer dizer pela lei democrática matam centenas de cidadãos ao acaso Nesse sentido é que continua sendo sem dúvida legítimo escrever longos artigos sobre as eleições democráticas na França ou na Itália Precisamente para tentar lutar contra essas outras notícias do dia que de Ruanda a Michigan só nos falam sobre o fascínio da morte LAPOUGE Gilles O Estado de S Paulo 2641995 A8 Depois de ler o texto do começo ao fim vemos que ele trata da legitimidade de um jornalista escrever sobre eleições democráticas pois a democracia é a última proteção contra as pulsões da morte que assolam as sociedades Depois percebemos o movimento do texto apresentação de imagens conflitantes indagação sobre a validade de escrever sobre aquilo que é rotineiro como eleições discussão sobre o mérito da democracia constatação de que a democracia não é espetacular afirmação de que ela é a última proteção contra as pulsões da morte existentes na sociedade e ilustração com casos recentes validade de escrever sobre as eleições democráticas Com base nesse movimento podese dividir o texto em seis partes 1ª dois primeiros parágrafos 2ª terceiro parágrafo 3ª quarto parágrafo 4ª quinto parágrafo 5ª sexto e sétimo parágrafos 6ª oitavo parágrafo Os temas tratados em cada parte já mais ou menos esboçados quando se analisou a marcha do texto são os seguintes 1ª parte concomitância de acontecimentos contraditórios no mundo rotina eleitoral vs massacres e chacinas 2ª parte escrúpulos do jornalista em tratar de acontecimentos não espetaculares quando acontecimentos dramáticos ocorrem 211 3ª parte o mérito da rotina eleitoral surge do contraste com os impulsos da morte 4ª parte ausência de uma dimensão espetacular da democracia 5ª parte democracia última proteção contra as pulsões mais sombrias da sociedade como o comprovam todos os casos de massacres e chacinas 6ª parte validade de escrever artigos sobre eleições democráticas luta contra as pulsões da morte Um resumo desse texto poderia ser assim redigido Acontecimentos contraditórios ocorrem todos os dias no mundo de um lado eleições realizadas na mais absoluta ordem de outro massacres e atos terroristas Um jornalista diante desse quadro sente escrúpulos em tratar de acontecimentos nãodramáticos como eleições O mérito da rotina eleitoral entretanto surge do contraste com os acontecimentos que revelam os impulsos da morte A democracia não tem uma dimensão espetacular No entanto é a última proteção contra as pulsões mais sombrias da sociedade pois como o comprovam recentes acontecimentos massacres e atos de terror são devidos à falta de democracia ou ao ódio a ela O que legitima portanto escrever artigos sobre eleições democráticas é que eles fazem parte da luta contra o desejo de matar Muitas vezes se indaga por que resumir um texto O resumo permite penetrar o pensamento do autor discernindo o que é essencial e o que é acessório compreender bem o texto e apresentar com outras palavras o sentido do que foi lido Além disso permitenos flagrar a progressão das idéias nucleares do texto a correlação entre elas e o jogo argumentativo que as envolve Antes de explicitar o que é um resumo comecemos por dizer o que ele não é a Um resumo não é um plano nem um conjunto de notas dispostas em ordem Não pode ser redigido em estilo telegráfico Ao contrário deve ser inteiramente redigido É necessário que ele seja claro lógico e bem encadeado É preciso lembrar que ele é escrito para que outra pessoa o leia Por isso deve ser compreensível Se o leitor precisar consultar o texto original para compreendê lo não tem ele nenhum valor pois não é explícito b Um resumo não é uma colagem de fragmentos do texto original um mosaico de frases ou expressões do autor uma montagem de citações do texto a ser resumido uma justaposição de trechos do original Num resumo o que se 212 faz é compreender o pensamento do autor e exprimilo com suas palavras Dizer que o resumo não é colagem não significa no entanto que não se possa usar nenhuma palavra ou expressão do texto original Essa exigência seria absurda A procura de sinônimos que substituam as palavras usadas pelo autor e o recurso a perífrases costumam tornar o estilo artificial e produzir contrasensos É descabido por exemplo se o autor usou diversas vezes a expressão mass media sentirse obrigado a substituíla por meios de comunicação de massa Se o texto é bem escrito as palavras são bem escolhidas e certas expressões exprimem de maneira admirável certos conceitos etc O que não se deve fazer é reproduzir frases ou segmentos de frases ainda mais sem aspas c Um resumo não é uma redução mecânica do texto original o que significa que cada parte dele não tem que corresponder necessariamente a uma dada parte do texto original O defeito mais comum da redução mecânica é construir um resumo com tantos parágrafos quantos forem os do texto original Ora o que acontece nesses casos é que se tem uma justaposição de parágrafos insignificantes em que se misturam o essencial e o acessório O resumo deve ser claro coerente hierarquizado centrado sobre aquilo que é essencial d Um resumo não é um comentário nem um julgamento de valor Nele é fundamental que haja submissão ao pensamento do autor fidelidade ao sentido do texto original Mesmo que se julgue que as idéias do autor não são corretas que seus argumentos não são adequados quem resume não pode fazer objeções nem críticas Da mesma forma não cabe aprovação àquilo com que se concorda Num resumo não deve aparecer nada que não esteja no texto nem mesmo para justificar explicar ou ilustrar o que o autor disse e Um resumo não é uma análise em que se explica o que o autor quis dizer em que se discute o modo de argumentação em que se fazem observações pessoais sobre o texto etc Um resumo respeita a ordem das idéias adotadas pelo autor dá uma versão condensada mas fiel do texto na progressão estabelecida no original Em síntese um resumo não é uma paráfrase ou seja não é um comentário uma explicação e uma interpretação do texto nem uma tradução dele em outras palavras Nele é preciso escolher o essencial e omitir o acessório Um resumo é um texto redigido com períodos completos que condensa numa determinada proporção um texto mais longo sem acrescentarlhe nenhum elemento pessoal e cuja articulação corresponde à organização geral do texto 213 original Nas provas e exames recomendase em geral que o tamanho do resumo corresponda a ¼ da extensão do texto a ser condensado Muitas pessoas pensam que resumir é riscar o que parece secundário e unir os fragmentos que não foram eliminados No entanto um resumo é uma condensação que mostra uma compreensão do texto e isso só se demonstra por meio de uma formulação pessoal É preciso apresentar com suas próprias palavras os pontos relevantes do texto A reprodução de frases revela em geral que o texto não foi compreendido Repitamos com outras palavras o que é um resumo É uma redução do texto original procurando captar suas idéias essenciais na progressão e no encadeamento que aparecem no texto Por isso para resumir é preciso estar atento a três aspectos do texto a suas partes b sua progressão c a conexão entre elas Nas partes do texto é preciso discernir a importância relativa dos elementos escolhendo o que deixar de lado para pôr em relevo o que deve aparecer Por outro lado é preciso perceber a estrutura do texto ou seja a progressão das idéias e seu encadeamento Um resumo será sempre redigido em prosa e obedecerá mais ou menos às características do texto dissertativo Isso significa que o resumo de uma narração não será redigido como uma pequena narração mas como a apresentação do assunto nela tratado Para elaborar um bom resumo é necessário antes de mais nada compreender o sentido global do texto Por isso não se pode ir resumindo à medida que se vai fazendo a primeira leitura O grau de dificuldade para resumir um texto devese a à complexidade do texto vocabulário muito técnico complexa estruturação sintáticosemântica relações lógicas muito sutis assunto desconhecido b à falta de competência do leitor baixo grau de amadurecimento intelectual pequeno repertório de informações nenhuma familiaridade com o tema O uso de procedimentos apropriados no entanto pode reduzir as dificuldades Os passos de um resumo são aqueles que seguimos para resumir o texto com que abrimos essa lição 1 Ler pelo menos uma vez o texto inteiro Como o texto não é um aglomerado de frases o leitor precisa ter noção do todo para entender o 214 significado preciso de cada uma das partes A preocupação dessas leituras é tentar apreender o tema geral do texto é responder à pergunta de que trata o texto 2 Apreendido o tema geral do texto ler outra vez agora com interrupções procurando o significado de palavras desconhecidas buscando compreender as frases mais complexas as muito longas as que contenham inversões etc dando especial atenção às palavras coesivas isto é àquelas que estabelecem conexões ou retomam o que foi dito por exemplo assim mas por conseguinte seu isso ele aqui Ao verificar as conexões entre as partes percebese o movimento do texto sua progressão o encadeamento das idéias 3 Em seguida segmentar o texto em unidades temáticas Se o texto é pequeno o primeiro critério pode ser a divisão em parágrafos No entanto cabe lembrar que a paragrafação é apenas um indicador de divisão Devese tomála no início como um guia para encontrar uma segmentação mais adequada do texto No exemplo com que abrimos essa lição juntamos num só bloco temático por exemplo o primeiro e o segundo parágrafos porque em ambos o autor opunha uma eleição rotineira a um ou mais eventos que levavam à morte muitas pessoas Da mesma forma unimos numa só parte os parágrafos sexto e sétimo porque naquele se afirma que a pulsão da morte aparece quando se sai fora dos marcos democráticos e neste se ilustra a afirmação anterior 4 Extrair os temas de cada uma das partes Conforme explicamos no capítulo referente a temas e figuras o tema é um termo abstrato que categoriza vários elementos de natureza concreta O trabalho de resumir um texto consiste antes de mais nada em apreender temas O resumo de um texto deve ser feito pois a partir dos temas que ele contém de forma a dizer o essencial de cada parte 5 Fazer a redação final com suas próprias palavras Nela apresentamse os temas de cada parte encadeados na progressão em que aparecem no texto respeitandose as relações estabelecidas no texto entre eles Na redação final devese no primeiro parágrafo apresentar uma visão de conjunto do texto a ser resumido assuntofato autor lugar épocaocasião data causa finalidade e se necessário circunstâncias mais notórias Por outro lado é importante principalmente quando se condensa um texto longo que o resumo seja estruturado em parágrafos pois eles deixam entrever o plano da condensação realizada 215 BIBLIOGRAFIA ABAURRE Maria Bernadete Marques e POSSENTI Sírio 1993 Vestibular da Unicamp Língua Portuguesa São Paulo Globo AUTHIER J 1982 Hétérogénéité montrée et hétérogénéité constitutive éléments pour une approche et lautre dans le discours DRLAV 26 91151 BAKHTIN Mikhail 1979 Marxismo e filosofia da linguagem São Paulo Hucitec BARROS Diana Luz Pessoa de 1988 Teoria do discurso fundamentos semióticos São Paulo Atual 1990 Teoria semiótica do texto São Paulo Ática BERNÁRDEZ E 1982Introducción a la lingüística del texto Madrid EspasaCalpe BOSI Alfredo 1964 História concisa da literatura brasileira São Paulo Cultrix CÂMARA Jr Joaquim Mattoso 1970 Estrutura da língua portuguesa Petrópolis Vozes CHARAUDEAU Patrick 1992 Grammaire du sens et de lexpression Paris Hachette DESALMAND Paul e TORT Patrick 1977 Du plan à la dissertation Paris Hatier e GÉRAY Christine 1989 Technique du résumé et de la discussion Paris Hatier DUCROT Oswald 1977 Dizer e não dizer Princípios de semântica lingüística São Paulo Cultrix DURIGAN Jesus Antônio et alii orgs 1987 A magia da mudança Vestibular da Unicamp língua e literatura Campinas Editora da Unicamp ECO Umberto 1990 Les limites de linterprétation Paris Grasset FARACO Carlos Alberto e TEZZA Cristóvão 1992 Prática de texto língua portuguesa para estudantes universitários 2 ed Petrópolis Vozes FAVERO Leonor Lopes 1991 Coesão e coerência textuais São Paulo Ática e KOCH Ingedore Villaça 1983 Lingüística textual São Paulo Cortez FIORIN José Luiz 1988 As figuras de pensamento estratégia do enunciador para persuadir o enunciatário Alfa São Paulo 32 5367 216 1996 As astúcias da enunciação as categorias de 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Luiz Carlos 1989 Texto e coerência São Paulo Cortez 1990 A coerência textual São Paulo Contexto LAPA M Rodrigues 1975 Estilística da língua portuguesa Coimbra Coimbra Editora LAUSBERG H 1966 Elementos de retórica literária Lisboa Gulbenkian MAINGUENEAU Dominique 1987 Nouvelles tendances en analyse du discours Paris Hachette MARTINS Nilce SantAnna 1989 Introdução à estilística a expressividade na língua portuguesa São Paulo T A QueirozEDUSP OSAKABE Haquira 1979 Argumentação e discurso político São Paulo Kairós 217 PERELMAN Charles 1970 Le champ de largumentation Bruxelles PUB e OBRECHTSTYTECA L 1970 Traité de largumentation la nouvelle réthorique Bruxelles Ed de lUniv de Bruxelles RIFFATERE Michael 1971 Essais de stylistique structurale Paris Flammarion ROCCO Maria Thereza Fraga 1981 Crise na linguagem redação no vestibular São Paulo Mestre Jou 221 Lição 1 Considerações sobre a noção de texto Exercícios QUESTÃO 1 Como se viu num texto todas as partes são solidárias isto é o significado de um segmento definese pela relação que mantém com os demais Esse dado não pode ser desconsiderado tanto na leitura enquanto na redação Quem lê não entenderá o significado do texto se não perceber as correlações entre cada uma de suas partes Quem escreve não será compreendido se não for capaz de articular com coerência os diferentes segmentos constitutivos do texto O fragmento que segue deverá ser usado como base para esta primeira questão a sintetize o seu significado em aproximadamente quatro linhas b acrescentelhe um parágrafo de cinco a dez linhas que o complemente com coerência Uma paisagem poderá ser bela graciosa sublime insignificante ou feia porém jamais será risível Riremos de um animal mas porque teremos surpreendido nele uma atitude de homem ou certa expressão humana Riremos de um chapéu mas no caso o cômico não será o pedaço de feltro ou palha senão a forma que alguém lhe deu o molde da fantasia humana que ele possui Como é possível que fato tão importante em sua simplicidade não tenha merecido atenção mais acurada dos filósofos Já se definiu o homem como um animal que ri Poderia também ter sido definido como um animal que faz rir pois se o outro animal o conseguisse ou algum objeto inanimado seria por semelhança com o homem pela característica impressa pelo homem ou pelo uso que o homem dele faz Henri Bergson O riso apud FGV 1991 QUESTÃO 2 CEAFFGV Crie um tópico frasal pertinente e que de forma sintética possa dar conta do assunto desenvolvido no parágrafo que se segue Em dias melhores o próprio rei Fahd da Arábia Saudita chegou a gastar 6 milhões de dólares em uma única noitada Desde que o Iraque invadiu o Kuwait porém os milionários árabes desapareceram de cena O Carlton 222 famoso cassino de Cannes só salvou o faturamento de agosto graças ao azar do xeque Eynanlan que pouco antes da crise perdeu 16 milhões de dólares Com a escassez de ricaços árabes as casas de jogos de da Riviera francesa voltaram suas esperanças agora para o azar dos milionários japoneses Veja setembro de 90 adaptado QUESTÃO 3 Num texto o significado de cada parte não é autônomo Prova disso é o que vem a seguir a Fica proibido o uso da palavra liberdade a qual será suprimida dos dicionários Fora de contexto que sentido se pode dar a esse trecho b observe agora o mesmo trecho inserido no contexto que vem transcrito abaixo Fica proibido o uso da palavra liberdade a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas A partir desse instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio ou como a semente do trigo e a sua morada será sempre o coração do homem Thiago de Mello Estatutos do Homem Procure interpretar o sentido da mesma passagem dentro do novo contexto QUESTÃO 4 Como as sociedades complexas são divididas em grupos movidos por interesses diferentes há palavras que para um grupo têm valor negativo para outro valor positivo Mais uma vez é o contexto que confere positividade ou negatividade a palavras desse tipo Redija um texto em que a palavra semterra tenha um valor positivo e um em que apresente um valor negativo QUESTÃO 5 Quando uma frase ou uma expressão é ambígua com muita freqüência o contexto pode desfazer a ambigüidade Observe a frase que segue Os participantes da gincana acharam a estrada intransitável 223 Fora de contexto a frase pode significar que os participantes da gincana consideraram a estrada intransitável ou que localizaram a estrada intransitável Inscrita num contexto porém a frase pode perder a ambigüidade como se pode notar a partir do exemplo que segue Na opinião dos repórteres esportivos a estrada de acesso à Praia Vermelha era transitável Não foi essa porém a opinião dos participantes da gincana já que eles acharam a estrada intransitável A frase que segue é ambígua Naquele dia eu soube o que é medo de ladrão Inscreva essa frase dentro de um contexto para que ela perca a ambigüidade QUESTÃO 6 Tapandose o A e o C dessa ilustração o termo intermediário da seqüência vertical é lido como o número treze 13 Tapandose o 12 e o 14 o mesmo termo na horizontal é lido como a letra B Esse artifício se presta para ilustrar um dado fundamental para se representar o significado de um enunciado dentro de um texto Qual é esse dado e como a ilustração pode ser útil para explicálo 224 Lição 2 Variação lingüística modalidades de linguagem e produção do texto escrito Exercícios QUESTÃO 1 O trecho que segue aproveitado de um Vestibular da Unicamp foi extraído de um debate que sucedeu à palestra do poeta Paulo Leminski Poesia A Paixão da Linguagem proferida durante o curso Os Sentidos da Paixão Funarte 1986 Tratase de um texto oral permeado pois de vários traços lingüísticos típicos dessa variante Procure transcrevêlo traduzindoo para a linguagem escrita culta Estudei durante seis anos muito a vida de um paulista e fiz um filme sobre ele que é o Mário de Andrade um puta poeta muito pouco falado pelas ditas vanguardas modernistas Hoje em dia felizmente já existem vários trabalhos há muita gente reavaliando a poética do Mário que ela é muito mais importante e profunda do que aparentemente pareceu nestes últimos anos Estudando o Mário eu descobri que o Mário foi um exemplo do cara que morreu de amor mas de amor pelo seu povo pelo seu país pela sua cultura Um outro cara que eu também fiz um filme é o Câmara Cascudo Um cara como o Câmara Cascudo morre os jornais dão uma notinha desse tamanhinho escondidinho um cara que deveria ter estátua em praça pública devia ser lido recitado Os Sentidos da Paixão p 301 QUESTÃO 2 A linguagem publicitária no intuito de seduzir o potencial comprador do produto anunciado costuma fazer uso da variante lingüística típica desse grupo de consumidores É o que ocorre com o texto que segue dirigido para a grande massa de vestibulandos de todo o país jovens dominantemente enquadrados na faixa etária entre 17 e 19 anos Você vai supor que o mesmo tipo de anúncio publicitário queira atingir os candidatos ao exame de admissão ao Curso de Preparação à Carreira Diplomática do Instituto Rio Branco Promovendo as adaptações necessárias tanto no conteúdo quanto na forma de linguagem redija um texto análogo ao que vem a seguir 225 É massa brother Brother dentro dessa nova edição do Vestibular 500 Testes tem tudo para que o próximo vestiba role na maior Só de português são 80 questões sendo 50 testes e 30 escritas Fora as questões de física química biologia história geografia matemática e inglês Ah tem uma lista de livros e uma série de dicas que você precisa ficar por dentro antes de encarar os exames Vestibular 500 Testes especial do Guia do Estudante Desencana brother Vestibular agora é manha Veja São Paulo 231091 p 13 QUESTÃO 3 Observe o texto que segue Comunicado de Imprensa O Governo brasileiro acompanha com preocupação os desdobramentos da tentativa de tomada de poder pela força na Venezuela ocorrida hoje de madrugada Ao manifestar o seu compromisso inequívoco com a democracia e o estado de direito o Governo brasileiro reitera o seu repúdio a toda e qualquer ação que pretenda usurpar os poderes institucionais legitimamente constituídos e espera o pronto estabelecimento da normalidade no país vizinho e amigo O Governo brasileiro expressa o seu apoio à manutenção da paz e da ordem institucional e democrática da Venezuela na plena vigência dos direitos humanos e das liberdades individuais Brasília 27 de novembro de 1992 Como se nota no Comunicado de Imprensa transcrito acima usase uma linguagem formal sem afetação e sem rebuscamentos de estilo que comprometam a clareza do comunicado a objetividade da posição assumida perante o acontecimento e a revelação dos dados de que se tem notícia Tomando como modelo o texto acima transcrito usando a mesma variante lingüística aí explorada tente redigir um comunicado com as seguintes instruções manifestação de repúdio à tentativa de golpe de Estado na fictícia República Democrática de San Martín manifestação de apoio ao Presidente Jesus Castillejo e a seu governo 226 declaração de que o Brasil apoiou convocação de reunião do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos o Brasil se põe em defesa da democracia e dos direitos humanos conforme carta da OEA QUESTÃO 4 No texto que segue ocorre a exploração curiosa de uma variante lingüística o produtor do texto veste a máscara lingüística de um grupo social com o propósito de ridicularizálo Tratase de um falante da variante culta do português que com intenção de parodiar simula o uso de uma variante típica de grupos jovens urbanos pouco afeitos ao conhecimento da cultura erudita MASSA Pô Erundina massa Agora que o maneiro Cazuza virou nome num pedaço aqui na Sampa quem sabe tu te anima e acha aí um point pra botá o nome de Magdalena Tagliaferro Cláudio Santoro Jaques Klein Edoardo de Guarnieri Guiomar Novaes João de Souza Lima Armando Belardi e Radamés Gnattali Esses caras não foi cruner de banda a la Togloditas do Sucesso mas se a tua moçada não manjar quem eles foi dá um look aí na Enciclopédia Britânica ou no Groves International e tu vai sacá que o astral do século 20 musical deve muito a eles Júlio Medaglia dijei do Teatro Municipal do Rio de Janeiro São Paulo SP Painel do Leitor Folha de São Paulo 41090 Você vai inverter a orientação argumentativa do texto isto é criticar o elitismo da posição do maestro Júlio Medaglia alegando que ao lado dos grandes nomes da música brasileira também merecem espaço os seus representantes populares Quanto à variante lingüística você vai fazer o avesso do que fez o maestro isto é simular o uso de uma variante lingüística afetada e preciosista com intenção de parodiála QUESTÃO 5 O uso da variante lingüística culta de maneira afetada e pedante produz efeitos tão adversos quanto o seu uso descuidado e negligente Na Literatura não tem sido incomum a construção de personagens que falam excessivamente empolado caracterizandose por isso como figuras caricatas É o que ocorre com Aldrovando no conhecido conto de Monteiro Lobato O Colocador de Pronomes O trecho que segue é parte de um ofício que Aldrovando remete ao Congresso pedindo leis repressivas contra os desacatos às normas do idioma 227 Leis Senhores leis de Dracão que diques sejam e fossados e alcáçares de granito prepostos à defensão do idioma Mister sendo a forca se restaure que mais o baraço merece quem conspurca o sacro patrimônio da sã vernaculidade que quem ao semelhante a vida tira Vede Senhores os pronomes em que lazeira jazem Monteiro Lobato Textos escolhidos Por José Carlos Barbosa Moreira 3 ed Rio de Janeiro Agir 1972 p 100 Coleção Nossos Clássicos vol 65 Procure reescrever o trecho de Aldrovando usando a linguagem culta mas sem afetação de modo que ela possa ser compreendida sem esforço pelos habituais leitores dos nossos grandes jornais QUESTÃO 6 Há circunstâncias de comunicação que dada a solenidade que envolvem exigem um uso mais cuidadoso e apurado da linguagem Falar em público é uma dessas ocasiões como foi o caso do reeducando do grande presídio do Carandiru em São Paulo incumbido de fazer a apresentação de um show da atriz Rita Cadillac Eis como o médico Dráuzio Varella transcreve um trecho dessa apresentação Prezados reeducandos deste estabelecimento penal o humilde locutor que vos dirige o verbo tem a honra de anunciar esta grande artista figurativa da televisão Musa indomável da arte dançarina Aquela que foi a bailarina crooner do impredizível Chacrinha que Deus o tenha Nesse momento festivo convido para adentrar ao palco a madrinha da Casa de Detenção Rita Cadillac VARELA Dráuzio Estação Carandiru São Paulo Companhia das Letras 1999 pág 77 a O uso da variante lingüística escolhida pelo reeducando foi apropriada Comente sua resposta b Dependendo da resposta dada em a reescreva o trecho fazendo as adaptações lingüísticas exigidas pela situação 228 Lição 3 A propósito da noção do erro Exercícios QUESTÃO 1 Não é muito comum um falante nativo cometer erros que violam as regras do sistema lingüístico tornando a frase agramatical Mas por descuido ou confusão esse tipo de erro não deixa de ter algum percentual de ocorrência Nos trechos que seguem ocorre algum tipo de agramaticalidade seja do nível da frase seja no do discurso Pelo contexto muitas vezes é possível presumir o que o falante pretenderia dizer Tente com base nessa presunção reescrever esses trechos reconstruindo um de seus possíveis sentidos I Alta autoridade do governo paulista garantiu ontem que as investigações para apurar os responsáveis pelo seqüestro do exvice presidente do Bradesco Antônio Beltran Martinez terão prosseguimento mesmo que fique comprovada a participação de pessoas influentes e importantes Tudo aquilo que a polícia necessitar de meios para chegar a esse objetivo ela terá a responsabilidade de apurar até o fim doa a quem doer esses fatos Diário do Povo 91087 apud Unicamp 87 Declarações de uma alta autoridade do governo II Como as pesquisas médicas apontam entre outras desgraças que há uma relação direta entre doenças respiratórias e fumo III Não pude ir até a famosa Londres como estava com pressa de voltar ao Brasil IV Em conseqüência da alta produtividade agrícola daquela região que colheu só este ano mais de duas toneladas de grãos que nos dois anteriores QUESTÃO 2 O erro tido como desvio das normas da língua padrão é muito mais comum que todos os outros 229 Em todos os trechos que seguem ocorre esse tipo de desvio Reescreva os efetuando a devida adequação à norma culta da língua I Apesar das dificuldades que ora passa o País temos que investir para a consolidação da área de comunicação científica nacional e internacional Num ofício da presidência da Intercom para pesquisadores na área de Comunicação II Le Bistangô o restaurante francês que você vai e sempre volta Publicidade Rádio Musical FM 1059 251091 III Para ele tais pressões partiram de um diretor da Folha que não lembro o nome e de políticos ligados a Collor Folha de S Paulo 171090 p A9 Declarações do Gov Fleury sobre possível envolvimento da polícia no caso do seqüestro de Abílio Diniz IV Bancada evangélica Deus os perdoe Bóris Casoy referindose à movimentação da bancada evangélica para inocentar o deputado João de Deus Antunes PPRRS ontem no TJ Brasil do SBT Folha de São Paulo 4594 p 12 V É estranho essa história do Luiz Antônio Fleury Filho arredar o pé Kid Vinil músico sobre a decisão de Fleury não participar de debate político pela TV na campanha sucessória Folha de São Paulo 201190 VI Quem também esteve no autódromo de Donington foi o rei Hussein da Jordânia O rei sorriu muito e falou pouco Os carros da Williams foram os que mais o agradaram Folha de S Paulo 13493 p 4 VII A Universidade é muito mais eficiente que a indústria porque ela é o único organismo da sociedade que pode especular sem grande ônus A Universidade é o único organismo que você pode abandonar uma pesquisa sem nenhum trauma Apud Unicamp 88 VIII Uma casa onde na frente funcionava um bar foi totalmente destruída por um incêndio na madrugada de ontem O Liberal Belém 27989 apud Unicamp 88 230 QUESTÃO 3 Os erros de ortografia são inocentes por um lado e comprometedores por outro Inocentes porque na grande maioria dos casos não prejudicam em nada a compreensão do enunciado comprometedores porque sobretudo certos tipos de erro desqualificam o enunciador criando dele a imagem de quem não tem familiaridade com a língua escrita Tente corrigir os erros ortográficos contidos nas passagens que seguem I Muitos costumam mudar de comportamento e se mostrar mau humorados Jornal da Tarde 230693 p 12 II Calmo e sorridente mas sem o crucifixo no pescoço que usa desde que decidiu estudar para ser padre Mequinho não exitou nas primeiras jogadas nem pareceu surpreendido pela escolha do rival a agressiva Defesa Holandesa Folha de S Paulo 030391 p 76 III Unicamp89 a Os atuais ministros e prefeito são amisíssimos de longa data b Mais da metade desses policiais extrapolam os limites do dever por serem mau preparados c Desde o início o animal preferido em carrosséis é o cavalo mas há excessões IV O prefeito é obcecado por obras faraônicas o que paraliza o desenvolvimento de outros setores com que seus pretensiosos planos se incompatibilizam V Fuvest No último concerto da orquestra sinfônica houve fraglantes discriminações entre os convidados apesar de ser uma festa beneficiente VI Fuvest A insipiência científica do povo levouo a taxar de feiticeiros os expertos em astronomia VII Esse maltrato que a língua sofre não passa de um processo de renovação Revista Imprensa junho 1990 n 34 p 15 VIII Embora quizesse pôr o caso em discussão hesitou muito ao perceber o constrangimento de todos 231 QUESTÃO 4 Há certos usos lingüísticos que apesar de já freqüentes na língua culta escrita são ainda considerados errados pela tradição gramatical Assim ao lado dos usos canônicos e tradicionais vão ganhando espaço usos variantes Nesses casos em se tratando de textos que devem ser escritos na norma culta é mais aconselhável optar pelo uso canônico mesmo por uma questão de preservar o produtor do texto de possíveis contestações incômodas Os trechos que seguem contêm alguns desses casos desviados do uso prescrito pela tradição Reescrevaos adequandoos às prescrições tradicionais I A solicitação da visita do nosso representante não implicará em compromisso de contratação dos nossos serviços II Poucos presidentes custaram tanto para formar o Ministério III O socorro demorou muito para chegar no local do sinistro IV De domingo não há expediente V Foi o melhor filme que assistimos nos últimos anos VI Qualquer repórter nosso conhece melhor o assunto vai nos locais e entrevista as pessoas certas e faz um matéria dez vezes melhor LEMOS Carlos Revista Imprensa janeiro de 1995 n 88 p 60 QUESTÃO 5 Um erro lingüístico constrangedor consiste em usar uma palavra em lugar de outra por confusão resultante da semelhança fonética entre elas ou de outros tipos de falsas associações Cada um dos trechos a seguir contém esse tipo de erro Transcrevaos usando a palavra apropriada I O paciente insistiu com o médico para tomar anestesia peledural em vez de anestesia geral II Devido a intensas filas formadas no último dia 25 a UNIP prorrogou suas inscrições até o dia 061294 comunicado em Folha S Paulo 1994 III Hoje é dia de despedida com muito entretendimento 232 Locutor da Rádio Bandeirantes FM 281291 às 12h 15min IV Achei muita falta de personalidade de sua parte você não ter tido a coragem de sustar em público as acusações que você fez em particular V Foi grande a sua decepção ao receber depois de vinte anos de trabalho na firma o aviso breve VI O plano de reurbanização não quer mais saber da construção de casas germinadas VII Se o caso você chegar antes por favor deixe um recado na portaria VIII O centroavante Viola do Corinthians guincha para comemorar seu gol que chamou de porco em alusão ao símbolo do Palmeiras Frase de Folha de S Paulo citada na Revista Imprensa julho de 1993 n 70 p 50 QUESTÃO 6 Um erro pouco comentado ou até mesmo ignorado é o que consiste em criar no interior do discurso confusões de sentido obscuridades ou até mesmo o nonsense Tratase de um erro perturbador já que dificulta ou impede a compreensão do enunciado Os trechos que seguem contêm esse tipo de erro Procure presumir a partir de dados do contexto o sentido que o autor queria produzir e reescreva cada uma das passagens eliminando essas conveniências I As videolocadoras de São Carlos estão escondendo suas fitas de sexo explícito A decisão atende a uma portaria de dezembro de 91 do Juizado de Menores que proíbe que as casas de vídeo aluguem exponham e vendam fitas pornográficas a menores de 18 anos A portaria proíbe ainda os menores de 18 anos de irem a motéis e rodeios sem a companhia ou autorização dos pais Folha Sudeste 060692 apud Unicamp 93 II O povo não só quer o impeachment desse aventureiro chamado Collor como o confisco dos bens nada honestos de Sr Paulo César Farias e companhia E que a esse PFL e ao Brizola cuja ficha de filiação ao PDT já rasguei reste a vingança do povo LAN Painel do Leitor Folha de S Paulo 300792 apud Unicamp 93 233 III O exprefeito de Sonora JCC apenas aguarda os primeiros pronunciamentos da Justiça e do Tribunal de Contas para decidir se responde ao processo por desvio de CR 130 milhões em carne e osso ou desaparece seguindo exemplo de um colega de corrupção JCC corre dois riscos ter que devolver o dinheiro a ainda ir para a cadeia São motivos suficientes para pensar em pegar a estrada Bastidores Diário da Serra Campo Grande 2627993 apud Unicamp 95 IV Zélia Cardoso de Melo decidiu amanhã oficializar sua união com Chico Anysio A Tarde Salvador 16994 apud Unicamp 95 QUESTÃO 7 Muitos erros lingüísticos se devem ao fato de que o enunciador por equívoco de análise presume ou intui uma certa forma de estruturação da frase que numa leitura mais calculada não se sustenta Reescreva as frases que seguem corrigindo os erros nela contidos I É exatamente essa grande maioria que chamamos abstratamente de povo São os cidadãos humildes que vivem de pequenos serviços na periferia das grandes cidades São para esses cidadãos anônimos que ganharam personalidade dia 15 de novembro que o novo governo deverá estar voltado Painel da Folha de S Paulo 191189 apud Unicamp 90 II Malcom Browne também da Associated Press deveria ter impedido que o monge budista em Saigon não se imolasse sentado e ereto impedindo o mundo de ver o protesto em cuja foto encontrou seu maior impacto Caio Túlio Costa Folha de S Paulo 170391 apud Unicamp 92 III O trabalho nesses imensos empreendimentos prosseguiu no século XIV e ainda mais além mas já não eram o principal foco de arte GOMBRICHEH A História da Arte 4 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1985 p 155 IV Representantes do sindicato do setor imobiliário reuniramse em São Paulo onde foram discutidos entre outros assuntos a concessão de crédito para a casa própria 234 V São por atitudes como essa que o Congresso brasileiro goza hoje de credibilidade cada vez mais escassa e diminuta Folha de S Paulo 220391 p 12 VI Graves problemas são estes mas a circunstância os fazem ainda maiores VII Carlos Lacerda não veio veio eu Até hoje a vaia não acabou Episódio narrado pelo comentarista político Newton Carlos O fato ocorreu com ele mesmo em Belo Horizonte perante um auditório superlotado ansioso à espera da presença de Carlos Lacerda Este afônico mandou em seu lugar o então novato e inexperiente repórter da Tribuna da Imprensa Newton Carlos que nervosíssimo iniciou a palestra com a frase acima Revista Imprensa janeiro de 1995 n 88 p 61 VIII COMO ESCREVER Olho vivo para não maltratar o português Preste atenção ao enunciado Se fugir do tema copiar o texto apresentado ou fazer uma narração relato de uma história onde é pedida uma dissertação defesa de uma idéia a redação será anulada Folha de S Paulo 281191 Caderno Fuvest apud Unicamp 91 IX Tanto o vocábulo despida quanto pelada significam praticamente a mesma coisa mas as impressões que provocam em cada um desses termos são bem diferentes QUESTÃO 8 Entre os erros lingüísticos a hipercorreção é especialmente inconveniente pois é aquele que se comete com a preocupação de acertar Baseado em falsas pressuposições o enunciador imagina estar seguindo o rigor da língua culta e na verdade está se opondo a ele Nos itens que seguem há esse tipo de erro Procure corrigilos I Cada um contribue com sua parte II Não morava longe do lougradouro III Não se tratavam de interesses que favoreciam apenas a cúpula do clube mas a todos os seus sócios 235 IV Hajam as condições que houverem o jogo não será adiado V Eu penso de que não há mais clima para esse tipo de discussão VI Quantos anos fazem que eles não dão notícia QUESTÃO 9 Erros motivados por analogia presumida entre certas formas da língua são também muito comuns Reescreva as passagens que seguem corrigindoas I A entrevista do governador Qüércia ontem no Palácio dos Bandeirantes foi conduzida por ele de modo a insinuar que faltou equilíbrio emocional ao candidato do PDS no episódio Essa tática deverá ser mantida pelo governador todas as vezes em que o assunto vir à tona nos próximos dias Folha de São Paulo 201190 II Um grupo de defesa dos direitos civis ameaçou intervir se o juiz Mike McSpadden ir adiante com seu plano de aprovar o pedido de castração Folha de São Paulo 130292 apud Unicamp 93 III Para reinvindicar eles são mais que pretenciosos IV A edificação da casa terá início quando eu reahaver todo o dinheiro investido em outros imóveis V Aconselhouos a que intretessem as crianças com boas leituras durante a aula vaga VI A polícia não interviu no seqüestro e se tivesse intervisto teria sido pior VII Se você requiser os documentos imediatamente ainda é possível não estourar o prazo VIII Quem ver a redação da lei notará que existem lá falhas imperdoáveis IX Ao descer da escada tropeçou nos degrais X Mandou abrir uma champanha para comemorar a vitória do seu clube XI Grande parte dos nossos jogadores de futebol está atuando em times extrangeiros 236 Lição 4 A heterogeneidade lingüística Exercícios QUESTÃO 1 A partir da depreensão do ponto de vista explícito neste fragmento de O Príncipe de Maquiavel e de sua confrontação com a memória que se tem de outros discursos a respeito do mesmo tema tente expor num pequeno fragmento dissertativo qual é o ponto de vista com que esse texto está polemizando Deve um príncipe portanto não se importar com a reputação de cruel a fim de poder manter os seus súditos em paz e confiantes pois que com pouquíssimas repressões será mais piedoso do que aqueles que por muito clementes permitem as desordens das quais resultem assassínios e rapinagens Estas atingem a comunidade inteira enquanto que os castigos impostos pelo príncipe atingem poucos E dentre todos os príncipes é ao príncipe novo que é impossível esquivarse à reputação de cruel por oferecerem os Estados novos muitos perigos Virgílio diz pela boca de Dido Res dura et regni novitas me talia cogunt Morili et late fines custode tueri As circunstâncias duras e o fato de ser recente a minha realeza constrangem me ao rigor e à fortificação das fronteiras Eneida I p 563564 Deve ele entretanto ser cauto no crer e no agir e não temer a própria sombra e proceder de maneira a que temperadas as suas ações com a prudência e a humanidade a confiança demasiada não o torne incauto e a desconfiança exagerada não o torne intolerável Nasce disso uma questão a saber é melhor ser amado que temido ou o contrário Responderseá que se desejaria ser uma e outra coisa mas como é difícil casálas é muito mais seguro ser temido que amado quando se haja de optar por uma das alternativas É que dos homens podese dizer geralmente o seguinte que são ingratos volúveis dissimulados esquivadores dos perigos ambiciosos de ganho que enquanto os beneficias são inteiramente teus oferecendote o próprio sangue os bens a vida os filhos como atrás se disse desde que não se mostre a necessidade disso 237 E o príncipe que haja confiado inteiramente na palavra dada perdese se estiver desprevenido de outras medidas pois as amizades baseadas no interesse e não na grandeza e nobreza de alma não se têm à altura do que se merece e na ocasião necessária não se podem usar E os homens receiam menos ofender aquele que se faz amar do que aquele que se faz temer o amor mantémse vinculado à gratidão e esse vínculo por serem míseros os homens rompeo toda ocasião conveniente ao passo que o temor é mantido pelo receio aos castigos e jamais faz com que te abandonem Maquiavel Nicolau O Príncipe São Paulo Cultrix sd p 107108 QUESTÃO 2 Manuel Bandeira usando o verbo traduzir em sentido largo faz referência a certas traduções que fizera de alguns poemas da nossa literatura Entre elas cita duas traduções de poemas antigos para moderno um soneto de Bocage e o Adeus de Tereza de Castro Alves Em seguida acrescenta Na semana seguinte voltei traduzindo estes versos do autor da Moreninha Mulher irmã escutame não ames Quando a teus pés um homem terno e curvo Jurar amor chorar pranto de sangue Não creias não mulher ele te engana As lágrimas são galas da mentira E o juramento manto da perfídia Teresa se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde Se ele chorar Se ele se rasgar todo Não acredita não Tereza É lágrima de cinema É tapeação Mentira CAI FORA Fazendo o confronto entre os dois trechos comente que tipo de interpretação a tradução de Bandeira faz do poema citado 238 QUESTÃO 3 A nota que segue foi extraída da seção Radar da Revista Veja assinada pelo jornalista Ancelmo Góis Afirmando que o governo está disposto a reconhecer oficialmente como mortos os desaparecidos durante o regime militar o redator assim se manifesta Solução para os desaparecidos O projeto de lei que o ministro Nelson Jobim prepara para reconhecer como mortos os desaparecidos deve contornar a resistência militar Dirá que os desaparecidos que segundo testemunho ou documento tenham participado de partidos de esquerda e com indícios seguros de que tenham sido presos também por documentos ou testemunhos serão considerados mortos Veja 240595 p 39 Usando o discurso indireto que vem após um verbo no futuro Dirá o jornalista antecipase ao conteúdo do projeto de lei que está sendo preparado pelo ministro Nelson Jobim Levando em conta esses dados elabore um pequeno comentário sobre o possível motivo que teria levado o jornalista a não usar o discurso direto nesse caso e sobre o grau de confiabilidade ou efeito de verdade do discurso indireto montado por ele QUESTÃO 4 O uso do discurso indireto abre brecha para o enunciador imiscuirse no interior do discurso citado e acrescentar informações que sob o ponto de vista daquele que cita estão contidas implicitamente no discurso citado Tratase de uma espécie de seqüestro da voz da pessoa citada para fazêla dizer o que não disse Numa matéria da Revista Veja sobre o perfil do então presidente da CNBB Dom Lucas Moreira Neves o jornalista Ernesto Bernardes caracterizavao como conservador Numa retrospectiva de sua atuação no cenário brasileiro a matéria recuperou um episódio ocorrido em 1969 quando Dom Lucas era bispo auxiliar de São Paulo quatro padres dominicanos foram presos e torturados Um deles frei Tito tentou suicídio e foi transferido para o Hospital Militar onde foi visitado por D Lucas Segundo Frei Betto outro dos dominicanos presos na época no julgamento do padre Tito a defesa convidou o bispo para testemunhar que o réu tinha sido torturado e este se recusou a fazêlo Na semana passada na Suécia frei Betto limitouse a confirmar o que escreveu no livro 239 O livro é público Quem quiser que leia e tire suas conclusões Prefiro não falar sobre isso e torcer para que Lucas faça uma boa gestão à frente da CNBB Veja 250595 p 103 Suponhamos que um jornalista analisando o conteúdo da citação acima prefira enunciála em discurso indireto nestes termos Na semana passada na Suécia frei Betto disse que seu livro era público e quem quisesse que o lesse e visse as denúncias lá contidas Disse ainda que preferia não falar sobre essa melancólica e constrangedora passagem da vida pregressa de Dom Lucas e torcer para que ele fizesse uma boa gestão à frente da CNBB Suponha agora um outro redator que também em discurso indireto resolvesse dar à citação de frei Betto uma direção menos desfavorável à imagem do atual presidente da CNBB Redija a citação nessa direção QUESTÃO 5 Os textos que seguem extraídos de fontes variadas tratam de um tema comum a Proclamação da República no Brasil Leiaos confrontando os pontos de vista neles expressos e ao final redija um texto dissertativo manifestando o seu ponto de vista sobre o mesmo acontecimento histórico TEXTO I Cap LX manhã de 15 Quando Aires saiu do Passeio Público suspeitava alguma coisa e seguiu até o largo da Carioca Poucas palavras e sumidas gente parada caras espantadas vultos que arrepiavam caminho mas nenhuma notícia clara nem completa Na rua do Ouvidor soube que os militares tinham feito uma revolução ouviu descrições da marcha e das pessoas e notícias desencontradas Voltou ao largo onde três tílburis o disputaram ele entrou no que lhe ficou mais à mão e mandou tocar para o Catete Não perguntou nada ao cocheiro este é que lhe disse tudo e o resto Falou de uma revolução de dois ministros mortos um foragido os demais presos O imperador capturado em Petrópolis vinha descendo a serra Aires olhava para o cocheiro cuja palavra saía deliciosa de novidade Não lhe era desconhecida esta criatura Já a vira sem o tílburi na rua ou na 240 sala à missa ou a bordo nem sempre homem alguma vez mulher vestida de seda ou de chita Quis saber mais mostrouse interessado e curioso e acabou perguntando se realmente houvera o que dizia O cocheiro contou que ouvira tudo a um homem que trouxera da rua dos Inválidos e levara ao largo da Glória por sinal que estava assombrado não podia falar pedialhe que corresse que lhe pagaria o dobro e pagou Talvez fosse algum implicado no barulho sugeriu Aires Também pode ser porque ele levava o chapéu derrubado e a princípio pensei que tinha sangue nos dedos mas reparei e vi que era barro com certeza vinha de descer algum muro Mas pensando bem creio que era sangue barro não tem aquela cor A verdade é que ele pagou o dobro da viagem e com razão porque a cidade não está segura e a gente corre grande risco levando pessoas de um lado para outro ASSIS Machado de Esaú e Jacó Rio de Janeiro Edições de Ouro sd p 159160 TEXTO II Quando ao proclamarse a República a massa da população tomada de surpresa pelo acontecimento se mostra alheia ou indiferente a princípio Pelotas que pertence aliás à velha linhagem de soldados cuja origem data dos tempos coloniais acha injustificável a omissão das camadas populares e vê nisto o mal de origem do novo regime Em realidade a República é obra exclusiva do exército ou mais precisamente da guarnição da Corte embora seja apresentada também como da armada que não teve parte na mudança das instituições e em nome do povo que a tudo assistiu bestializado A fórmula em nome do povo impõese logo e continuará a ser adotada em decretos do governo provisório O representante diplomático norteamericano no Rio de Janeiro que acompanhara com viva simpatia a fundação da República no Brasil não pôde deixar de estranhar que um setor isolado se atribuísse por conta própria o direito de falar pelo povo quando só teve a acompanhálo um punhado de civis da propaganda em prol do novo regime Aquele em nome do povo diz a 17 de dezembro de 1889 em despacho endereçado ao Secretário de Estado em Washington mostra apenas o escasso respeito que lhe merece a opinião públicaHolanda Sérgio Buarque de O Brasil monárquico Do império à República In Holanda SB de org História da Civilização Brasileira São Paulo Difusão Européia do Livro 1972 5 volume TII pp 346347 241 TEXTO III 15 de novembro A Proclamação da República chegou às 10 horas da noite em telegrama lacônico Liberais e conservadores não queriam acreditar Artur Itabirano saiu para a rua soltando foguete Dr Serapião e poucos mais o acompanhavam de lenço incendiário no pescoço Conservadores e liberais recolheramse ao seu infortúnio O Pico do Cauê quedou indiferente era todo ferro supunhase eterno Não resta mais testemunha daquela noite para contar o efeito dos lenços vermelhos ao suposto luar das montanhas de Minas Não restam sequer as montanhas Andrade Carlos Drummond de Boitempo Rio de Janeiro Aguilar 1977 p 369 242 Lição 5 Seleção vocabular Exercícios QUESTÃO 1 Nos trechos que seguem ocorrem palavras ou expressões usadas inadequadamente por razões diversas por serem incompatíveis com o nível de linguagem do contexto em que estão inscritas por serem redundantes por associarem significados que não se combinam etc Procure substituílas pela palavra ou expressão apropriada ou se for o caso excluir as que são desnecessárias I Após a primeira crise de artrite provocada pelo excesso de ácido úrico o jovem professor se transformou definitivamente em herbívoro II Em declaração a um canal de televisão o ilustre jurista italiano ponderou que não via a menor justificativa nem jurídica nem ética para o rumoroso episódio da jovem esposa americana que resolveu capar o coitado do marido III Os festejos comemorativos do dia da libertação dos escravos tiveram início na Catedral da Sé com um culto ecumênico para várias religiões reunidas num ato de fé comum IV Durante as explosões do arsenal da Marinha na Ilha do Governador em meados de 1995 vários cidadãos cometeram verdadeiros atos heróicos indo socorrer com suas lanchas pessoas confinadas no local V Ao menos neste ano não são procedentes as costumeiras zangas do eleitorado contra a atuação dos seus representantes no Legislativo já que a maioria das leis sancionadas pelo Congresso foi benéfica à população VI O prefeito da capital grande figura por ocasião de audiência que concedeu a uma Comunidade de Bairro foi homenageado pelo representante dos presentes que começou por exaltar o chefe do executivo pelo seu jeito simplório de ser 243 VII Logo que o folclórico jogador levantouse do banco e começou a fazer aquecimento espalhouse pelo estádio um murmurinho sintoma da expectativa geral pela rápida entrada do imprevisível atacante QUESTÃO 2 O trecho que segue foi extraído da seção Pingos nos iis de Josué Machado publicado na Revista Imprensa Mídia junho de 95 n 9 p 24 Um anúncio publicado em revistas de grande circulação comunicou o lançamento da chuteira Predador da Adidas que veste por exemplo os pés dos jogadores da Alemanha O texto diz que a chuteira veste os pés dos jogadores Por que veste Aprendemos na escolinha da Dona Olga com 5 ou 6 anos que se vestem roupas e se calçam sapatos chinelos meias e até luvas Dona Olga não conhecia as atuais levíssimas chuteiras Como se vê a combinação dos termos vestir os pés é vista como uma associação incomum no Português embora o colunista abra margem para a possibilidade de se estar querendo com isso criar um efeito de sentido as chuteiras de que fala o anúncio são tão delicadas e leves que vestem e não calçam Falta nos contexto para confirmar essa hipótese A combinação de termos usualmente incompatíveis no entanto tem sido usada sobretudo na literatura para criar efeitos de sentido de vários tipos É o que se dá no trecho que segue de Aluísio de Azevedo em volta das bicas era um zunzum crescente uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas Uns após outros lavavam a cara incomodamente debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos os homens esses não se preocupavam em não molhar o pêlo ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas fossando e fungando contra as palmas das mãos O cortiço 13 ed São Paulo Martins 1957 p 42 Como se vê a intenção do narrador é clara selecionando termos compatíveis com o universo semântico dos animais irracionais para se referir ao universo dos humanos ele quer enfatizar o caráter animalesco e degradado das personagens que vivem no cortiço Com base nesses dados redija um texto procurando usar uma escolha lexical similar à de Aluísio Azevedo relatando a condição dos catadores de lixo nas ruas das nossas grandes cidades ou nos lixões 244 QUESTÃO 3 Silveira era secretário de miseenpage do Jornal do Brasil e Sérgio Noronha era o secretário de texto Miseenpage era o nome engraçadopedante que usávamos para a função de escolher as fotos os destaques e a diagramação da página LEMOS Carlos Revista Imprensa Janeiro95 n88 p60 O uso de estrangeirismos pode ser explorado como recurso para a criação de efeitos de sentido como é o caso do trecho que segue Beatriz Não tive o prazer de vêla no último baile do Cassino Esteve ravissant esplendide O highlife do Rio de Janeiro estava representado em tudo quanto possui de mais recherché O salão iluminado a giomo e a last fashion exibia os seus mais belos esplendores JUNIOR França Caiu o Ministério p62 apud Vestibular da Universidade Federal de Goiás 1992 a Tente traduzir na medida das disponibilidades do nosso léxico os estrangeirismos contidos nesse texto b Confronte o texto original com a tradução feita e levando em conta o que diz o jornalista Carlos Lemos a propósito da expressão miseenpage tente explicar o efeito de sentido que o uso do estrangeirismo produz no trecho literário de França Júnior QUESTÃO 4 Como se sabe o jargão é a linguagem especializada de um certo segmento profissional Não raras vezes traz para o usuário comum da língua sérias dificuldades de compreensão Aqueles que têm necessidade de se fazer compreender por esse tipo de auditório deveriam evitálo ou tentar traduzirse Ocorre que para evitar o jargão podese esbarrar num outro tipo de inconveniente o da imprecisão É o que acusa este trecho da Revista Veja que vem a seguir Hiponcondria econômica O ministro Fernando Henrique Cardoso é um médico frustrado Vive fazendo diagnósticos da situação inconvivível da economia A inflação deu um soluço 30 de julho Se a inflação espirra a gente dá aspirina para evitar que vire pneumonia 6 de agosto O país sofre de esquizofrenia 10 de agosto 245 A inflação é uma urticária 16 de agosto Veja SPaulo 150993 p 25 Procure traduzir com palavras precisas o que queria dizer o então Ministro da Fazenda com as frases acima transcritas QUESTÃO 5 Nas palavras como nas modas observa a mesma regra Sendo novas ou antigas demais são igualmente grotescas Não sejas o primeiro a experimentar as novas Nem tampouco o último a encostar as antigas POPE Ensaio sobre a crítica Apud RÓNAI Paulo Dicionário Universal de Citações 2 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1985 Verbete palavra p 720 O conselho contido na passagem acima é sábio mas nem sempre é seguido O trecho que vem abaixo extraído de uma reportagem jornalística trata da exótica linguagem usada pelos escrivães de polícia na redação de boletins de ocorrência e textos similares Na sala do escrivão de polícia o mundo e a língua portuguesa ganham outras dimensões Ali quem trabalha e paga impostos está sujeito a se transformar em retro supra ou infra Os criminosos são elementos ou meliantes Mãe é genitora e revólver é berro Uma discussão ganha o pomposo nome de desinteligência Rua não é rua mas leito carroçável E o resultado pode ser O elemento sacou do berro bateu na parte ouvida e seqüestrou sua genitora logo após iniciar desinteligência no leito carroçável UCHÔA Marcos O Estado de S Paulo 050492 p8 Procure reescrever o último período desse parágrafo procedendo a uma escolha lexical que elimine dele o tom excêntrico e grotesco Com o mesmo critério reescreva as passagens que seguem extraídas da mesma reportagem O acusado colocou em periclitação a vida da parte ouvida ao depositar sobre seu corpo solução combustível O autor da prática delitiva confessou ter batido na parte ouvida 246 QUESTÃO 6 O preciosismo que se manifesta pela predileção por palavras raras e pretensiosamente eruditas não enriquece em nada o texto ao contrário prejudica o dandolhe feições de afetação e artificialidade É o que vem satirizado pelo jornalista Paulo Francis nesta passagem No Brasil me contaram que Antônio Houaiss disse na televisão que vai fazer um dicionário com Nós faz Nós quer e similares porque é assim que o povo fala Imaginem só isso de um filólogo que no diaadia em vez de discordo diz discrepo em vez de familiarizado diz tenho privância e em vez de em baixo sotoposto FRANCIS Paulo O Estado de S Paulo 9691 p16 Caricaturas e irreverências à parte o fato é que o jornalista manifesta nesse trecho o tipo de reação que desperta a afetação verbal Na lição sobre variação lingüística já se fez alusão a um conto de Monteiro Lobato intitulado O Colocador de Pronomes em que o narrador constrói um personagem caricato Aldrovando Cantagallo que consome os seus dias a lutar incansavelmente contra o crime da incorreção gramatical Seu léxico é precioso e afetado como se pode notar no trecho que segue em que se manifesta contrário à alegação de que a língua deve evoluir na boca do povo e desanda a proferir uma sucessão de rabugices contra a linguagem jornalística E não lhe objetassem que a língua é organismo vivo e que a temos a evoluir na boca do povo Língua Chama você língua a garabulha bordalenga que estampam periódicos Cá está um desses galicígrafos Deletreemolo ao acaso E baixando as cangalhas lia Teve lugar ontem É língua esta espurcícia negral Ó meu seráfico Frei Luís como te conspurcam o divino idioma estes sarrafaçais da moxinifada no Trianon Por que Trianon Por que este perene barbarizar com alienígenos arrevezos Tão bem ficava A Benfica ou se querem neologismo de bom cunho o Logratório Tarelos é que são tarelos LOBATO Monteiro Contos escolhidos 3 ed São Paulo Brasiliense 1993 p 119120 a Reescreva as falas da personagem excluindo o léxico que lhes confere o caráter pernóstico e afetado b Para a caracterização da personagem que efeito produz a exclusão do léxico rebuscado 247 QUESTÃO 7 Um texto é eficaz nas suas intenções de comunicação quando atinge o resultado que se pretende com ele A obtenção desse resultado depende de múltiplas competências uma delas é a escolha do léxico apropriado aos objetivos que se tem em mente Quando se quer por exemplo ridicularizar alguém a escolha do léxico não pode ser mediada por princípios de boas maneiras O trecho que segue serve para ilustrar o que estamos dizendo tratase de uma passagem de um artigo jornalístico em que o articulista falando da arrogância e da ineficácia do serviço público cita um episódio em que precisando de providências burocráticas para regularizar a sua situação funcional procurou uma funcionária de uma universidade paulista Fui recebido por uma senhora daquele tipo usando cabelos em forma de cogumelo atômico com o apelido irreverente a não ser escrito aqui posta na poltrona do chefe Consultadas as fichas a matrona sentenciou secamente Você a polidez dos funcionários públicos é proverbial não é doutor ROMANO Roberto Folha de S Paulo 050692 p13 Está evidente a intenção do jornalista em desmoralizar arrasadoramente a funcionária e com ela o serviço público E esse resultado é plenamente atingido a partir sobretudo do uso de uma seleção lexical direcionada para esse fim Em primeiro lugar observemse as palavras que escolheu para designar a funcionária primeiro senhora depois tipo um hiperônimo pouco cordial e por fim matrona um sinônimo nada honroso Acompanhando esse processo de demolição de imagem as escolhas lexicais que permeiam o texto têm efeito massacrante cogumelo atômico apelido irreverente a não ser escrito aqui posta e não sentada poltrona do chefe sentenciou e não solicitou ou perguntou secamente você e não o senhor polidez com ironia proverbial também irônico Suponha que você queira atingir o resultado contrário ao de Roberto Romano Reescreva o mesmo episódio substituindo os termos escolhidos a fim de criar uma imagem positiva dos funcionários e do serviço público em geral QUESTÃO 8 Palavras polissêmicas em geral usadas com alta freqüência na linguagem cotidiana têm o inconveniente de nivelar os significados provocando a perda de matizes semânticos diferenciadores 248 Quando se diz Ele fez que não gostou fez aqui tem o sentido dominante de simulou Ele fez dezoito anos ontem fez significa neste caso completou Quando se diz Os resultados alcançados foram bons bons significa promissores satisfatórios É bom à noite andar mais atento bom significa conveniente Com base nesses dados procure substituir a palavra grifada por um sinônimo que traduza de maneira mais específica o significado mais compatível com o contexto Se a permutação o exigir faça a alteração de estrutura que for necessária I O satélite faz um círculo em torno da Terra II Verdi fez a Aída por encomenda III Pediu que o barbeiro lhe fizesse barba e cabelo IV Esses novos veículos fazem menos fumaça que os antigos V Na esquina vendendo frutas ele consegue fazer uns vinte reais por dia VI O camelo é capaz de fazer quilômetros e quilômetros sem tomar água VII Nas brincadeiras ela sempre queria fazer a patroa e eu a empregada VIII São Francisco de Assis é conhecido sobretudo como um homem bom IX O imóvel sempre foi e sempre será um bom investimento X A erosão tem inutilizado boas porções da nossa terra agricultável XI Ele tinha saudade dos bons tempos XII Teve uma gripe mas já está bom XIII Era um aluno muito bom de matemática XIV Um dos pontos em que mais insistiu foi a necessidade de cumprir prazos 249 XV Vamos marcar um ponto da cidade em que possamos encontrar nos com facilidade XVI O ponto central da discussão não foi tratado com a devida profundidade XVII A inflação durante o mês de julho caiu vários pontos XVIII Em vários pontos do livro há passagens ambíguas XIX Neste ponto a Rádio Cultura encerra suas transmissões XX A exibição da orquestra foi o ponto alto da programação 250 Lição 6 Texto figurativo e texto temático Exercícios QUESTÃO 1 O texto temático e o texto figurativo constituem formas diferentes de construir significados O conteúdo de um texto temático é traduzível por um texto figurativo e viceversa Evidentemente essa tradução implica perdas e ganhos o texto figurativo por exemplo dado o seu papel de criar um simulacro do mundo costuma ser mais rico em pormenores mais apropriado para revelar aspectos plásticos e sensoriais do universo representado por ele O texto temático por outro lado tende a ser mais sintético mais apropriado para operar com o universo do inteligível e do racional O texto que segue é figurativo Leiao com atenção Em todas as partes do mundo ainda acontece o fato de muitas pessoas não encontrarem locais para trabalhar Tratase de homens e mulheres que têm capacidade para arar a terra semear plantar e colher para edificar casas abrir estradas dirigir veículos operar máquinas nas indústrias e que precisam ganhar dinheiro para alimentar seus filhos mantêlos na escola pagar aluguel cuidar da saúde vestirse Oferecemse para trabalhar em fábricas lojas fazendas lugares públicos mas a resposta é que não existem mais vagas ou o que é pior que estão demitindo e não contratando Esse parágrafo figurativo embora com algumas perdas inevitáveis de sentido poderia ser assim traduzido para um parágrafo temático O desemprego é ainda um dado universal A demanda de trabalho por indivíduos dele necessitados para a garantia de condições básicas de sobrevivência é maior do que a oferta por parte da produção e dos serviços O trecho que segue é dominantemente figurativo Tente traduzilo para um texto temático preservando as idéias centrais Os vendedores de ameixa preta sentiamse desencorajados em seus esforços para convencer os americanos a comer os frutos mesmo nas quantidades consumidas em anos anteriores Com algo semelhante ao desespero a Junta Consultiva da Ameixa Preta da Califórnia California Prune Advisory 251 Board recorreu aos conselhos do Instituto de Pesquisa de Motivação Institute for Motivation Research Quando se submeteram pessoas ao teste de associação de palavras os primeiros pensamentos que vieram à tona de sua mente com referência às ameixas pretas foram idéias como velha solteirona e seca Em seus estudos sobre o lugar ocupado pela palavra prune ameixa seca na língua inglesa encontrou frases como old prune face cara de ameixa velha e drielupold prune velha ameixa seca Quando seus investigadores realizaram entrevistas de profundidade verificaram que as ameixas pretas eram imaginadas como símbolo de decrepitude e desvitalização Outros pensavam nas ameixas pretas em termos de autoridade paterna Lembravamse de que quando crianças eram muitas vezes obrigados a comer ameixas pretas porque vocês precisam comer ou porque ameixas fazem bem para vocês As ameixas estavam associadas a casas de pensão onde eram servidas por senhoras parcimoniosas a pessoas mesquinhas e egoístas a puritanos sem alegria A sombria cor preta das ameixas tais como eram servidas comumente foi objeto de comentários desagradáveis A cor preta era considerada um tanto simbolicamente sinistra em pelo menos um caso a pobre ameixa foi associada a feiticeiras PACKARD Vance Nova técnica de convencer 5 ed São Paulo Ibrasa 1980 p 128 QUESTÃO 2 Um mesmo tema pode ser representado por percursos figurativos diferentes O tema da conquista do poder por exemplo pode ser representado pela figura de uma rainha que trama com o cunhado a morte do rei como é o caso do Hamlet de Shakespeare ou pela figura de um candidato que persuade os eleitores a lhe confiarem o voto ou por um místico que se diz enviado dos céus para construir uma civilização de devotos Para que um texto figurativo manifeste um dado tema é necessário que as figuras escolhidas personagens lugares objetos ações se articulem coerentemente num percurso que não dê margem a interpretações contraditórias O texto que segue por exemplo figurativiza o tema do aconchego do lar numa propaganda do Banco Itaú para vender um programa de computador que permite ao correntista fazer operações bancárias de dentro de casa Obs para dar legibilidade ao texto verbal à esquerda transcrevemos dele os trechos abaixo 252 Itaú Bankline Pessoal Você nunca se sentiu tão em casa para ir ao banco Já pensou como seria ter uma Agência Itaú no meio da sua sala de estar Era só aproveitar o intervalo da novela para consultar extratos Fazer transferência e investimentos enquanto o jantar esquenta no forno Já pensou O Itaú pensou E criou o Itaú Bankline Pessoal sua Agência Itaú em casa Basta ligar seu micro para acessar os computadores do Itaú É a mais alta tecnologia permitindo que você faça consultas investimentos transferência e muito mais no seu lar doce lar Veja 260795 p 24 Agora você vai proceder a alterações no percurso figurativo do texto verbal e do visual para manifestar o tema da rotina do lar e com base nisso tentar vender título de um clube de campo QUESTÃO 3 O texto figurativo dada a sua capacidade de criar uma representação simulada do mundo é muito eficaz sob o ponto de vista argumentativo para ilustrar afirmações contidas em passagens temáticas É o que ocorre no trecho que segue A casualidade pode dar origem a descobertas científicas Foi o que ocorreu ao Sr Alexandre Flemming quando estava cultivando bactérias em frascos Sem serem previstos começaram a surgir fungos no 253 interior dos recipientes e as bactérias morreram Em vez de desprezar o episódio inesperado o ilustre biólogo associou o surgimento dos fungos com a morte das bactérias Foi a partir dessa ocorrência que inventou a penicilina O trecho que segue é temático e contém uma afirmação genérica Desenvolva um parágrafo figurativo que ilustre a afirmação feita e constitua um bom argumento a favor dela Todos os homens nos diz Pascal são quase sempre levados a crer não pela força das provas mas por agrado PERELMAN Ch e TYTECA L Olbrechts Traité de largumentation la nouvelle rhétorique 5 ed Editions de lUniversité de Bruxelles 1988 p 80 QUESTÃO 4 Há certos textos figurativos que são verdadeiras narrativas rápidas sintéticas muito carregadas de significados pressupostos É o caso deste minipoema que vem transcrito a seguir Gato do Mato e Leão conforme o combinado Juntos caçavam corças pelo mato As corças escaparam Resultado Não escapou o Gato Mário Quintana Prosa e Verso 2 ed Porto Alegre Globo 1980 p 41 Desenvolva num pequeno texto temático os principais pressupostos desse texto figurativo QUESTÃO 5 Nenhum texto é mais apropriado para tecer comentários sobre outros textos do que o temático É por meio dele que de maneira explícita damos opiniões emitimos juízos de valor manifestamos nossa discordância sobre pontos de vista que lemos ou ouvimos Todos os textos que seguem são trechos de cartas de várias procedências enviadas à Revista Veja comentando uma entrevista do cientista Alberto Santoro publicada em Páginas Amarelas do número anterior 190795 Leiaos com atenção Alberto Santoro Muito interessante a entrevista com o físico Alberto Santoro Reflete claramente como anda a ciência brasileira Os cursos de pósgraduação 254 tornamse um espelho dessa situação como bem relatou Veja Amarelas 19 de julho SVB Brasília DF Mesmo no governo de um intelectual como Fernando Henrique Cardoso o país continua exportando cientistas criativos Vergonhosamente remunerados e sem estímulos eles vão embora quando já são internacionalmente conhecidos deixando no desamparo a ciência aqui produzida SM São Paulo SP A mediocridade e a incompetência ocupam o espaço e passam a ser referência nas universidades e centros de pesquisa no país Pesquisadores espertos conseguem aumentar sua fortuna pessoal embora suas pesquisas jamais produzam resultados e eles sempre possam colocar a culpa na insuficiência de recursos Aos professores e pesquisadores realmente competentes resta a alternativa de ir embora AAS Fortaleza CE A entrevista do físico Alberto Santoro contém uma série de inverdades e conceitos questionáveis Existe sim uma política de ciência e tecnologia no país que aliás possibilitou ao professor Santoro realizar suas pesquisas Seu salário no Centro de Pesquisas Físicas é de 421925 reais e não de 2200 reais O salário de motorista na administração pública federal inclusive no MCT é de 800 reais As leis de incentivos fiscais já induziram investimentos no valor de 500 milhões de reais em ciência e tecnologia A entrevista em que acusa indiscriminadamente os que trabalham no país de espertos e safados foi um desserviço à difícil tarefa de fazer ciência e tecnologia em nosso país José Israel Vargas Ministro da Ciência e Tecnologia Brasília DF PROPOSTA DE REDAÇÃO Confrontando os dados e opiniões acima emitidos com dados e informações que você possui construa um texto temático manifestando seu ponto de vista sobre Que grau de prioridade deve ter a pesquisa científica num país em desenvolvimento como o Brasil 255 Lição 7 Alteração do sentido das palavras Exercícios QUESTÃO 1 Por trás da aparente simplicidade os provérbios muitas vezes em linguagem metafórica exprimem de maneira condensada e realista certas concepções certas visões de mundo que fazem parte do ideário de um povo ou de certo grupo social Os dois provérbios que seguem exemplificam com propriedade o que se disse acima A desgraça do pau verde É ter pau seco ao lado Vem o fogo queima o seco Lá vai o verde queimado MOTA Leonardo Adagiário brasileiro Belo Horizonte ItatiaiaSão Paulo Editora da Universidade de São Paulo 1987 p 38 Faça um sermão mas não bata no púlpito Id ibid p 97 Escolha um dos dois provérbios e com base no seu sentido metafórico comente um acontecimento que se encaixe dentro da concepção neles implícita QUESTÃO 2 A metonímia não é um recurso retórico exclusivo da linguagem verbal como se pode notar pela observação da foto reproduzida ao lado Como se vê a foto flagra sobretudo mãos ávidas em busca de alimento Tais recursos não são usados apenas como adorno ou expediente decorativo mas como uma estratégia de produção de significado Folha de S Paulo 031296 p11 256 Procure redigir um pequeno texto traduzindo em palavras o efeito de sentido produzido pela foto QUESTÃO 3 Observe o texto visual que vem abaixo A escadaria de Odessa Esse fotograma mostra uma cena da repressão czarista aos que se manifestavam solidários com a revolta iniciada no Encouraçado Potemkin A mãe que se propõe subir as escadas de Odessa com o filho assassinado ao colo é vista em contraste com as sombras dos soldados imensas e fantasmagóricas que se projetam na contraluz Como se pode notar as sombras o efeito produzido pelos corpos dos soldados que interceptam a luz aparecem em lugar dos corpos dos soldados Tratase pois da utilização do efeito em lugar da causa o que caracteriza uma metonímia Redija um pequeno texto que reproduza a mesma metonímia explorada como recurso expressivo no fotograma impresso acima QUESTÃO 4 Num conto de Eça de Queirós intitulado A aia narrase a história de um poderoso rei que tendo morrido em batalha deixa como herdeiro um único filho recémnascido A rainha no comando do reino sentese frágil já que o seu trono está sob a ameaça de um irmão bastardo do rei morto Diz o narrador a certa altura 257 No entanto um grande temor enchia o palácio onde agora reinava uma mulher entre mulheres As portas da cidade tinham sido seguras com cadeias mais fortes Nas atalaias ardiam lumes mais altos Mas à defesa faltava disciplina viril Uma roca não governa como uma espada QUEIRÓS Eça de Obras de Eça de QueirósPorto Lello e Irmão sd Vol I p 776 No último período o narrador usa roca instrumento de uso próprio de mulher para designar mulher e espada instrumento próprio de homem para designar homem Tratase de um tipo de metonímia já que entre o instrumento e seu usuário há uma relação de contigüidade É o mesmo mecanismo que se dá no dito popular Naquela casa é a mulher que usa calças Procure construir dois pequenos trechos onde se use o instrumento para designar a pessoa que o usa QUESTÃO 5 Leia com atenção o trecho que segue Um barbeiro no Planalto Um bom motorista quando está ao volante jamais se esquece de vez por outra dar uma olhadela nas luzinhas que estão à sua frente no painel do automóvel Não basta acompanhar os movimentos do ponteiro da gasolina É indispensável ficar de olho nos indicadores de óleo do motor e fluido de freio para mencionar apenas dois exemplos Na direção do país Fernando Collor de Mello é o que se poderia chamar de péssimo condutor Na última semana depois de perambular sem rumo e realizar uma seqüência de manobras arriscadas o governo foi lançado no acostamento Collor descobriuse sem credibilidade e sem dinheiro os dois principais combustíveis da administração pública Num primeiro momento desnorteado convocou a Brasília ao preço de cerca de US 10 mil por cabeça os deputados e senadores em férias Os parlamentares notaram que todas as luzes do painel de controle do governo estavam acesas Não bastava irrigar os tanques Era preciso submeter o motor a uma retífica Inconformado o presidente relutou em aceitar o diagnóstico De um microfone do Palácio do Planalto queixouse de solidão e falta de solidariedade 258 Premido contra a parede Collor acabou por extirpar parte das peças enferrujadas que emperram a engrenagem do Brasil Novo Substituiu dois ministros que rangiam há tempos Seus ouvidos eram os únicos do país que permaneciam insensíveis à chiadeira Baixou o capô sem notar a presença de várias outras peças retorcidas A partir de amanhã o presidente volta ao estacionamento do Congresso Pedirá crédito e dinheiro Mesmo que obtenha não irá longe Um carro com o motor recauchutado pode até dar algumas voltas mas será sempre um carro velho No caso da máquina pilotada por Collor há duas agravantes os reparos foram mal feitos e o motorista é o mesmo Se troca de ministro resolvesse o problema Sarney teria descido a rampa do Planalto sob aplausos É verdade que Collor ainda tem muito chão pela frente O problema é que dirige um fusquinha convencido de que está a bordo de uma Ferrari De resto faz curvas na pele de Ayrton Senna para descobrirse Satoro Nakajima no instante em que roda na pista SOUZA Josias de Folha de S Paulo 140192 p 12 Desde o título o texto acima faz uso de metáforas que se encadeiam produzindo uma alegoria Ao significado de base de motorista se acrescenta o de condutor de um país governante ao significado de automóvel se acrescenta o de um país Essa combinação de dois planos de significado nos permite associar dados de uma experiência de comando mais conhecida a de dirigir um auto aos de outra menos conhecida a de governar um país Esse é um dos recursos que faz da metáfora um expediente retórico muito utilizado tanto na literatura como em textos utilitários Tomando como referência o texto de Josias de Souza procure construir uma alegoria similar com a mesma preocupação didática com base nas seguintes relações de sentido De um lado De outro lado Como sentido de base Como sentido de base um cargo de representação uma empresa privada como sentido metafórico como sentido metafórico um cargo de embaixador um país Procure por meio do uso de metáforas mostrar semelhanças e intersecções entre os dois planos de significado 259 Lição 8 Modos de ordenar os tempos Exercícios QUESTÃO 1 Cada uma das frases que seguem contém uma ou duas formas verbais empregadas equivocadamente quanto ao uso do tempo se não levarmos em conta a possibilidade da utilização de um tempo com valor de outro Procure identificálas e reescrever a frase fazendo a devida correção a Ulisses Guimarães morreu tragicamente quando viajava de Ubatuba para São Paulo a bordo de um helicóptero que se perdia no meio de um denso nevoeiro na Serra do Mar e em seguida caía no oceano para nunca mais ser encontrado b Era um famoso escritor que morava à beira da praia de Ipanema Às tardes tinha o hábito de recostado à janela do seu apartamento observar o fluxo da maré e o movimento das ondas que foram e voltaram num incessante vaivém c O forasteiro dirigiuse calado para os lados do armazém onde no dia anterior deixou seu cavalo amarrado à sombra de uma árvore e recostou os arreios ao pé dela d O primeiro de uma série de planos destinados ao controle da inflação foi o cruzado em 1986 Dias após a sua implantação o povo brasileiro assumirá em relação à vigilância de preços uma atitude até então nunca vista QUESTÃO 2 Redija as frases que seguem de acordo com as alterações sugeridas a Hoje em matéria de tecnologia da computação estamos ainda sem condições de competir no mercado internacional Amanhã talvez dependendo do desenvolvimento de tecnologia nacional estaremos em melhores condições Permute hoje por na próxima década e reescreva o trecho todo mantendo a progressão temporal estabelecida no texto inicial b Hoje o Brasil vive ainda um clima de imaturidade em que a classe política não concebe abrir mão de vantagens imediatas e restritas em 260 favor de benefícios a longo prazo e mais amplos Ontem não era diferente as mesmas miopias e contumácias estavam presentes na última década Permute hoje por no governo passado e reescreva o trecho mantendo as mesmas relações de anterioridade e posterioridade entre as partes QUESTÃO 3 Preencha os espaços vazios com o verbo inscrito entre parênteses no tempo adequado ao contexto a Precisamos acreditar que o homem do século XXI terá mais motivos do que nós para se alegrar pois àquela altura dos acontecimentos já soluções para os graves problemas sociais que ora nos afligem encontrar b Se na década de 60 o governo tivesse investido maciçamente em programas de alfabetização na de 80 já a fase crítica do analfabetismo no país superar c Em 1945 desencadeuse a denominada campanha queremista cujo objetivo era resumido na palavra de ordem queremos Getúlio Os adeptos da campanha defendiam a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte com Getúlio no poder Só posteriormente realizadas eleições diretas nas quais Getúlio concorrer serdever d Para muitas das religiões depois que o mundo se converter e aderir aos princípios delas todos os problemas do homem e todos os sofrimentos desaparecer e No exato momento em que você programar o seu telefone para despertá lo seu alarme em sua casa tocar QUESTÃO 4 Reescreva as frases que seguem empregando adequadamente os advérbios ou expressões adverbiais que estiverem mal empregados a A primeira reação de desacato público ao governo ocorreu no mês retrasado Logo no próximo mês ocorreu a segunda e daqui a pouco ocorreriam muitas outras b No início do século o poder político estava centrado na figura dos coronéis em vários estados brasileiros Mas agora já se esboçavam reações contra aquela situação Em São Paulo por exemplo o governador Washington Luís estimulou em 1921 a profissionalização 261 dos integrantes do Poder Judiciário no mesmo Estado o também governador Jorge Tibiriçá criara perto da década passada 1906 uma polícia de carreira c Fleury Filho ocupou o cargo de Secretário da Justiça do Estado de São Paulo na gestão do governador Orestes Qüércia e na próxima gestão foi eleito governador do mesmo Estado QUESTÃO 5 Levando em consideração a mudança de tempo no verbo da oração principal reescreva a frase usando o tempo adequado na oração subordinada a Um famoso crítico literário brasileiro supõe que estudar literatura brasileira seja o mesmo que estudar literatura comparada tal a vinculação entre nossas obras e as de procedência externa Permute supõe por supunha e reescreva o trecho b Era pouco provável que o eleitorado se comportasse da mesma forma de sempre dentro de condições sociais tão diferentes das anteriores Permute era por será c Antes que tivesse ocorrido a tragédia deulhes ordens expressas para que tomassem cuidado Permute deu por dará darlhesá d Não teria ocorrido pior resultado se tivessem seguido as instruções dadas pelo manual Permute teria ocorrido por ocorrerá QUESTÃO 6 Como se sabe podese usar um tempo verbal em lugar de outro para a obtenção de efeitos de sentido É o que se dá com as formas verbais grifadas nas passagens que vêm a seguir Abaixo de cada uma delas efetue o seguinte trabalho a Reescreva as formas grifadas no tempo verbal em sentido próprio b Crie uma frase em que ocorram verbos usados na mesma forma e com o mesmo sentido das formas grifadas Não é necessário que se usem os mesmos verbos da frase matriz Exemplo Não fora o meu interesse pela sua amizade não o cativara a fosse cativaria b Não quisera eu o seu comparecimento não o convidara 262 Prossiga I Creio que nenhuma das flores do mundo será mais delicada que a rosa II O que o senhor deseja de aperitivo Eu queria um suco de tomate temperado III Com o mercado nervoso como está eu aplicaria em ouro IV 9 de maio de 1500 Cabral parte do Rio Tejo com uma frota de treze navios que após passar as Ilhas de Cabo Verde toma rumo oeste afastase da costa africana e chega ao Brasil QUESTÃO 7 Você está diante de uma oportunidade rara para a sua carreira profissional a possibilidade de realizar o grande desejo de sua vida Entre outras provas de avaliação de mérito para a obtenção dessa conquista solicitase que você a Faça um relato circunstanciado de suas experiências passadas b um relato de suas atividades presentes c um relato de seus projetos futuros Elabore o seu texto utilizando em a os tempos do subsistema do pretérito em b os do subsistema do presente em c os do subsistemas do futuro 263 Lição 9 O parágrafo Exercícios QUESTÃO 1 Contase que Galileu nas polêmicas com os adversários era dado ao emprego de sátiras para desmoralizálos O texto que segue é um exemplo disso e foi transcrito sem paragrafação para que você reconstitua essa segmentação Se Sarpi quer que eu acredite que os babilônios cozinhavam ovos fazendo os girar bem rápido com atiradeiras eu acredito mas devo dizer que a causa desse efeito está muito longe de ser a que ele acreditava Para chegar à verdade devo raciocinar assim Se não conseguimos um resultado que os outros conseguiram antes deve ser porque em nossas operações deixamos de lado aquilo que causava esse resultado e se deixamos de lado uma única coisa ela sozinha pode ser a causa Agora temos os ovos e a atiradeira e rapazes fortes para operálas e ainda assim os ovos não cozinham mas esfriam mais rapidamente E desde que nada nos falta a não ser os babilônios então os babilônios eram a causa do endurecimento dos ovos MICHAEL White Galileu Galilei São Paulo Globo 1993 p23 Como se sabe a segmentação de um texto em parágrafos é um expediente usado para estabelecer uma hierarquia entre as diferentes passagens do texto além de fornecer ao leitor pistas para depreender o plano de organização do esquema montado pelo autor O trecho acima transcrito foi segmentado no original em três parágrafos assim constituídos 1 Alusão a um presumível fato histórico acompanhado de um comentário 2 Proposta de um critério de verdade 3 Aplicação do critério postulado para verificação do fato inicial Onde seriam feitos os cortes de cada um dos três parágrafos QUESTÕES DE 2 A 4 Essas questões foram extraídas do vestibular da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo realizado em julho de 1995 264 QUESTÃO 2 Crie um tópico frasal pertinente que possa sintetizar as idéias exploradas no parágrafo abaixo Um certo clima de desconfiança insatisfação e pavor não se nota só entre cientistas e sábios ele já está se alastrando entre o povo e sensibiliza especialmente os jovens sobretudo os estudantes O fato de que as manifestações mais clamorosas de seu protesto pertençam ao passado não significa que ele tenha perdido em intensidade e universalidade Muito pelo contrário o terror dos anos 70 é filho do protesto dos anos 60 Pedro Dalle Nogare QUESTÃO 3 Reorganize as idéias do texto abaixo em apenas um parágrafo Deixe claras as relações entre elas servindose de conectivos que reduzam o trecho a poucos períodos O Brasil reencontrou alguma estabilidade Vale a pergunta Este país é viável O real trouxe uma inflação baixa e quase civilizada Errado A Bolívia e o Paraguai têm inflação baixíssima São paradigmas de desenvolvimento e fartura O Brasil possui território mercado e capacidade empresarial que o distinguem do resto do mundo Verdade Essas mesmas qualidades não melhoraram a sorte da Índia Ela continua um país em desenvolvimento Adaptado da resenha de Gustavo Camargo sobre o livro de Lídia Goldenstein Exame 10295 p 59 QUESTÃO 4 Pontue o texto abaixo utilizandose dos sinais gráficos adequados vírgula pontoevírgula ponto e outros efetuando a paragrafação devida Não é necessário reescrever o texto Em havendo paragrafação indiquea claramente com duas barras oblíquas O mais importante de todos os sinais é a palavra sem a qual não seria possível a convivência humana e a própria sociedade inexistiria dada a impossibilidade de intercâmbio lingüístico sem esse extraordinário suporte desaparecia a cosmovisão que o homem tem das coisas e nem se chegaria ao desenvolvimento com a ausência do código lingüístico oral ou escrito sem idéias ou conceitos seria possível existir cultura progresso e civilização óbvio é que não pois as palavras são o sustentáculo de toda essa gigantesca arquitetura chamada civilização quando se destruiu a Biblioteca de Alexandria o mundo chorou mas por quê será preciso responder Alberto Mesquita de Carvalho 265 QUESTÃO 5 O trecho que segue é o desenvolvimento de um parágrafo que ilustra o respectivo tópico com dados concretos e justifica o que se disse no seu início Pela observação atenta dos dados apresentados é possível presumir qual seja o tópico frasal Tal parágrafo se insere num capítulo intitulado Trabalho e ócio na Antigüidade Em Atenas na época clássica quando os poetas cômicos qualificavam um homem por seu ofício Eucrates o comerciante de estopa Lisicles o comerciante de carneiros não era precisamente para honrálos só é homem por inteiro quem vive no ócio Segundo Platão uma cidade bem feita seria aquela na qual os cidadãos fossem alimentados pelo trabalho rural de seus escravos e deixassem os ofícios para a gentalha a vida virtuosa de um homem de qualidade deve ser ociosa logo veremos que é a vida de um proprietário de bens de raiz que não trabalha no sentido de que se ocupa em dirigir suas terras VEYNE Paul História da vida privada I São Paulo Companhia das Letras 1990 p 124125 Levando em conta o que se disse no enunciado procure redigir um tópico frasal que seja compatível com os dados nele explanados QUESTÃO 6 O trecho que segue é parte de um longo parágrafo incluído num capítulo que trata das relações entre pais e filhos no século XIX O tópico frasal foi excluído para que você crie um que se preste para sintetizar as idéias expostas no desenvolvimento abaixo Aqui e ali subsistem algumas varas e açoites de corda mas cada vez mais reprovados Perduram na escola e em certos liceus que pretendem impor uma disciplina militar George Sand treme ao lembrar o diretor do liceu Henri IV que defensor feroz da autoridade absoluta autorizou que um pai inteligente mandasse seu negro espancar seu filho diante de toda a classe convocada militarmente para assistir ao espetáculo dessa execução ao gosto colonial ou moscovita e ameaçada de severa punição ao menor sinal de desaprovação Historie de ma vie História de minha vida II 179 Mas progressivamente os adolescentes se insurgem como Baudelaire e seus camaradas em Lyon em 1832 e as famílias protestam Os internatos em sua publicidade chegam a especificar nos prospectos que excluem tais métodos O próprio Estado intervém e várias circulares acentuam que não se deve bater nunca nas crianças ARIÈS Philippe DUBY Georges História da vida privada 4 Da Revolução Francesa à Primeira Guerra São Paulo Companhia das Letras 1991 p 158 266 QUESTÃO 7 Leia com atenção o parágrafo que segue extraído do mesmo capítulo da obra citada na questão anterior E que drama quando o filho não consegue ou não aceita sêlo As ambições da família se desmoronam O filho se sente culpado O adulto nunca acaba de pagar sua dívida e de remoer sua traição Lembrese de Baudelaire que nunca deixou de sentir remorsos em relação à mãe Madame Aupick Ou Van Gogh que em sua correspondência com o irmão Theo manifesta a revolta desesperada do mau filho Fonte de angústia existencial o totalitarismo familiar oitocentista é sob muitos aspectos profundamente neurótico Decididamente ser herdeiro não é tão simples p 160 O conteúdo do tópico frasal na verdade está contido no parágrafo anterior vindo retomado pelo pronome demonstrativo o não aceita sêlo Pelo desenvolvimento dado ao parágrafo é possível presumir com certa aproximação a que tipo de conteúdo se refere o demonstrativo olo Tente transcrevêlo QUESTÃO 8 Os dados apresentados a seguir foram extraídos dispersamente de um artigo de Roberto Pompeu de Toledo publicado na Veja de 22192 p58 a 63 Eles servem de base para a proposta de redação que será feita a seguir O charme do 18 O censo de 1991 concluiu que a população brasileira cresce a 18 ao ano É a primeira vez em cinqüenta anos que esse percentual fica abaixo dos 2 Éramos 93139037 em 1970 e com que orgulho cantávamos Noventa milhões em ação pra frente Brasil salve a Seleção Somos 146 milhões hoje segundo as primeiras estimativas do IBGE com base no censo realizado no ano passado e não é com orgulho que enunciamos essa cifra Antes se orgulho há ou melhor dizendo se há motivo para otimismo já que orgulho é palavra muito forte para estes tempos ele se deve a um número bem menorzinho 18 Tratase sempre segundo as estimativas preliminares do IBGE da taxa de crescimento anual que se registrou no país ao longo da década de 80 O Brasil com crescimento anual de 18 ainda está distante de padrões primeiromundistas como o 11 dos Estados Unidos ou o 05 da França Mas a desaceleração do crescimento pelo menos afasta o bichopapão da 267 exploração demográfica A queda das taxas de crescimento é um fenômeno universal Bolívia 29 México 20 Índia 19 China 15 Argentina 12 Estados Unidos 11 Suécia 08 França 05 Espanha 02 Itália 02 Proposta de redação Esta questão propõe a elaboração de um texto previamente dividido em três parágrafos cujos tópicos são dados de antemão O trabalho consiste em desenvolver cada um dos tópicos segundo as instruções dadas para cada um deles 1 O controle da explosão demográfica tem sido apontado como característica de países desenvolvidos Desenvolvimento confirmação do tópico mediante exemplificação com dados concretos 2 Apesar da procedência desses dados eles não nos autorizam a considerar o controle demográfico como causa e sim como conseqüência do desenvolvimento social Desenvolvimento confirmação do tópico mediante razões e dados 3 Em vista disso estão equivocados aqueles que preconizam o controle demográfico como solução suficiente para alavancar o Brasil rumo ao desenvolvimento Desenvolvimento confirmação do tópico com justificativas 268 Lição 10 Características lingüísticas da dissertação Exercícios Para situar dentro do seu contexto o trecho que segue foi extraído de um artigo de Eça de Queirós publicado na imprensa da época Tratase de uma réplica a outro artigo de autoria do escritor português Manuel Joaquim Pinheiro Chagas 18421895 para o jornal Atlântico no qual este criticou com ferocidade o referido artigo anterior de Eça de Queirós por julgálo injurioso a Portugal No interior da longa réplica Eça com ironia diz que a ferocidade de Pinheiro Chagas contra o que escrevera justificase pelo fato de que quando um colaborador do jornal se vê pressionado a entregar uma matéria no prazo combinado e as idéias não vêm a tendência é arrasar alguém que se escolhe como vítima quem quer que seja Dizendo conhecer essa situação por experiência própria assim a relata Meu caro Pinheiro Chagas Eu conheço a situação é medonha Na véspera temse dito ao director do jornal apertandolhe ferventemente a mão e com a voz a tremer Palavra de honra menino Pela minha vida que tens lá o artigo além de amanhã às nove horas Eu sou incapaz de te comprometer Jurote pela alma de meus filhos Boa noite Lá o tens Depois naturalmente como você sabe não se pensa mais no artigo Mas cruel destino no dia aprazado lá toca a campainha lá chega fatal implacável irrevogável o moço da tipografia É horroroso Sobretudo quando ele usa botas que rangem Fica à espera passeando no pátio ou no corredor e aquele lento gemer de solas tristes cadenciado e acusador alucina E cá no nosso gabinete que pavorosa luta As cinco tiras de papel ali estão sobre a mesa lívidas irônicas vazias e é necessário enchêlas todas de alto a baixo com coisas extraídas do nosso interior É trágico A parte da carcaça humana a que se recorre primeiro é naturalmente ao crânio depósito de idéias impressões adjectivos e teorias apertase o crânio nas mãos frementes sacodese o crânio como uma velha algibeira nada sai do crânio E as botas ao longe a ranger 269 Maldição Recorrese então ao peito asilo dos afetos dos sentimentos generosos Talvez de lá saia um canto um grito uma apóstrofe Arranhase convulsivamente o peito batese desesperadamente no peito como numa porta fechada o peito fica mudo como o crânio E as botas ao longe a ranger Inferno E então os crentes rezam à Virgem Maria os ateus invocam a Morte a doce aniquilação da matéria os mais violentos pensam em atrair o moço da tipografia com palavras doces cortálo aos pedaços com uma navalha de barba enconder os fragmentos na sarjeta doméstica E as botas lá no fundo ironicamente rangem Ah caro Chagas é daí que vêm as cãs precoces Sabe você o que eu fiz numa destas agonias sentindo o moço da tipografia a tossir na escada e não podendo arrancar uma só idéia útil do crânio do peito ou do ventre QUEIRÓS Eça de Obras de Eça de Queirós Porto Lello e Irmão Editores vol II p 14021403 QUESTÃO 1 Elabore um desfecho para o texto imaginando uma resposta coerente no plano do conteúdo e da linguagem para a interrogação contida no último parágrafo do fragmento transcrito QUESTÃO 2 Imaginese na condição do moço do jornal o que usa botas que rangem Sob o ponto de vista dessa personagem construa um pequeno trecho descritivo revelando suas impressões sobre o estado em que se encontra o gabinete do articulista no momento em que ele enfrenta a pavorosa luta para concluir e entregar a matéria prometida QUESTÃO 3 Elabore um pequeno trecho dissertativo comentando as sensações provocadas pela relação tensa em que um indivíduo assume para si o papel de impor a outro um compromisso que este não tem condições de cumprir no prazo exigido QUESTÃO 4 Imaginese na situação de um seqüestrado cujos olhos foram completamente vendados pelos seqüestradores Para compensar essa condição de completa cegueira sua atenção toda se volta para os ruídos e barulhos ao 270 redor para os odores e para tudo aquilo que está ao alcance das suas mãos que pelo tato tentam sondar e reconhecer o ambiente em que o encarceraram Num acreditável descuido dos seqüestradores o telefone toca e como ninguém vem atendêlo você tem a inesperada chance de tentar transmitir informações sobre a possível localização do cárcere Coerente com os dados apresentados tente fazer uma descrição fornecendo as pistas mais significativas possíveis na tentativa de identificar o local em que o aprisionam QUESTÃO 5 Como se viu o texto dissertativo é usado para comentar avaliar explicar classificar dados da realidade concreta subordinandoos organizadamente a um ponto de vista genérico e abstrato de um enunciador Observe os dados e informações que seguem A tourada sempre foi pelo que tenho observado uma fonte de informação intercultural distorcida É um padrão de comportamento particularmente difícil de explicar convincentemente a um observador americano comum Escolho a portanto como um passo adequado para teste Forma Uma tourada tem uma forma muito complexa e precisa Um homem armado de espada e capa vermelha desafia e mata um touro de lide A forma é estabelecida com muitos pormenores Há termos lexicais específicos para variações aparentemente irrelevantes O toureiro o touro os picadores a música a vestimenta etc são parte da forma Sentido A tourada tem um complexo de sentidos na cultura espanhola É um esporte Simboliza o triunfo da arte sobre a força bruta de um touro É uma diversão É uma demonstração de bravura Um observador americano sentado ao lado de um espectador espanhol ou mexicano verá uma grande parte da forma embora não o total Verá um homem com uma vestimenta especial armado de espada e capa desafiando e matando o touro Verá o touro arremetendose contra o homem e notará que o homem ilude o touro com sua capa Notará a música a cor etc O sentido do espetáculo contudo é muito diferente para ele É a chacina de um animal indefeso por um homem armado É injusto porque é o touro que sempre morre É destituído de espírito esportivo para o touro É cruel para com os animais Logo o toureiro é cruel O público é cruel Encontramos algo que se aproxima a um contraste mínimo na cultura americana na pesca do tarpão Na pesca do tarpão temos uma forma uma luta com uma linha e anzóis camuflados A maior parte da forma é prescrita com detalhe Não há grande público visível porém em certo sentido as reportagens jornalísticas representam um contacto de espectadores No 271 complexo de sentidos é um esporte e representa um triunfo da habilidade sobre a força bruta lutadora do peixe Observamos agora que o mesmíssimo americano que interpretou a tourada como cruel e aplicou esse sentido ao espectador e ao toureiro irá sentarse ao lado do mesmo espectador num barco de pesca e jamais pensará na pescaria como cruel LADO Robert Introdução à Lingüística Aplicada Petrópolis Vozes 1971 p154157 Levando em conta esses dados elabore uma dissertação comentando a seguinte passagem O êxito da atividade diplomática que opera com as complexas relações entre culturas diferentes não pode prescindir da competência do diplomata para interpretar hábitos culturais dentro da dimensão exata de sentido que a cultura lhe empresta QUESTÃO 6 Tema do Concurso para Admissão ao Curso de Preparação à Carreira Diplomática do Instituto Rio Branco 1990 Desenvolva o tema A articulação do Brasil país em desenvolvimento com um mundo que se transforma vertiginosamente desafios e problemas 272 Lição 11 Estruturas dos conteúdos da dissertação Como observação inicial para as questões que vêm a seguir é importante dizer que todas as propostas de redação aqui transcritas foram extraídas de vestibulares anteriores do Curso de Preparação à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco As sugestões de encaminhamento da proposta no entanto são de iniciativa exclusiva dos autores deste manual Tais sugestões não devem ser encaradas como a única rota a seguir nem como a forma ideal de tratar o tema proposto muito menos como o texto exemplar a ser adotado como modelo Como se sabe as possibilidades de estruturação de um texto dissertativo são praticamente inesgotáveis não tendo cabimento pois a imposição de um esquema predeterminado O que mais importa num texto dissertativo é que por meio dele se discuta a questão proposta com opiniões claras e firmes secundadas por argumentos sólidos articulados entre si dentro dos princípios da coesão e da coerência textual A solidez dos argumentos se mede pela sua pertinência ao contexto e pela funcionalidade para demonstrar o que se pretende A forma de linguagem adequada a esta situação de comunicação é evidentemente a norma culta sem afetação ou artifícios forçados que deixem transparecer intenções de exibir erudição A escolha lexical deve ser adequada ao tema e aos resultados que se têm em mente com o texto seduzir ridicularizar exaltar depreciar atenuar agravar etc A sugestão de alguns planos ou esqueletos dissertativos estudados nesta lição deve ser encarada como um roteiro facilitador ou orientador da estruturação formal dos conteúdos alterável e ampliável conforme as conveniências de cada caso concreto Feitas essas ressalvas eis alguns dos temas propostos em exames anteriores e seus respectivos encaminhamentos QUESTÃO 1 Comente o texto abaixo extraído do Memorial de Aires de Machado de Assis Obras Completas 1 Volume Editora Nova Aguilar 4ª edição 1979 p 1097 273 Durante os meus trinta e tantos anos de diplomacia algumas vezes vim ao Brasil com licença O mais do tempo vivi fora em várias partes e não foi pouco Cuidei que não acabaria de me habituar novamente a esta vida de cá Pois acabei Certamente ainda me lembram coisas e pessoas de longe diversões paisagens costumes mas não morro de saudades por nada Aqui estou aqui vivo aqui morrerei Por uma questão de método para discutir o tema proposto vamos dividi lo nas três partes que integram o protótipo de uma dissertação 1 Enunciação do problema INTRODUÇÃO 2 Discussão do problema DESENVOLVIMENTO 3 Balanço da discussão CONCLUSÃO Compreensão do texto Evidentemente quando a proposta de redação é extraída de um texto mais amplo o primeiro que se tem a fazer é aplicarse à leitura do excerto proposto como base para tentar compreender com a máxima aproximação possível os significados aí inscritos e sobretudo o tema central que lhes confere unidade Nesse fragmento de Memorial de Aires o Conselheiro registra em suas memórias alguns dados da experiência passada uma impressão decorrente dessa experiência e uma negação dessa impressão Esse relato poderia ser condensado em três seqüências nucleares do excerto o mais do tempo vivi fora cuidei que não acabaria de me habituar novamente a esta vida de cá Pois acabei No penúltimo período o narrador atenua o caráter definitivo contido no significado de acabei citando lembranças ainda vivas do tempo de ausência do Brasil A oração adversativa introduzida pelo conector mas não deixa dúvidas no entanto sobre a sensação dominante o dado exposto à direita do mas tem mais peso do que a declaração à esquerda Por fim num período curto e contundente vem a síntese temática Aqui estou aqui vivo aqui morrerei Como tudo isso se refere à experiência de trinta anos de diplomacia eis aí um texto primoroso que fala da profissão do diplomata 274 Introdução A questão proposta para discutir está implícita no percurso do fragmento machadiano a convivência prolongada com outra cultura levanos a perder contacto com a nossa Desenvolvimento O plano de estruturação da dissertação pode ser análogo ao do texto de base em que está presente um esquema que pode ser assim resumido afirmação da ausência negação da ausência afirmação da presença Essas relações permitem o desenvolvimento da dissertação com base no plano dialético que pode ser assim delineado Tese A longa ausência da própria terra e seu poder transformador sua ação descaracterizadora e o risco de perda da identidade pelo distanciamento da cultura de origem Antítese A força da identidade com a própria cultura e seu poder conservador a garantia de preservação e de continuísmo Síntese O mergulho prolongado em águas de outra cultura e a assimilação de seus hábitos só momentânea e aparentemente constitui ameaça de roubar nos da nossa De fato e ao final da experiência vivida os traços da nossa cultura não se apagam reforçamse Conclusão O diplomata não deve furtarse aos benefícios para si e para o desempenho de sua função de mergulhar em outras culturas se tem a sua como referência aquela em que está vive e morrerá Proposta de redação Procure desenvolver o tema proposto no vestibular tomando como sugestão o roteiro genérico apresentado QUESTÃO 2 Tema do vestibular de 1989 Comente o texto abaixo Em todas as nações devemos ver e procurar antes de tudo aquilo em que elas nos possam ser úteis e defendermonos é claro contra o que nos possa prejudicar e nos ameaçar olhar a marcha dos eventos de olhos abertos e 275 não escurecidos pelas lentes de deformação fornecidas por uma ótica intencional qualquer que seja a procedência O patriotismo deve preservar sua pureza e não degenerar em patacoadas de aparência Sobre este ponto vou ainda citarme numa frase que versava esse tema condenando o que chamei o nosso patriotismo de palavras que doura tudo que é nosso e recorta na deformação sentimental do entusiasmo tudo que possuímos ao qual opunha eu o patriotismo que observa com rigor para levantar sobre o que é mau a perspectiva do que é bom para tirar do que é bom a possibilidade do melhor Esse patriotismo feito de inquietação e de zelo deve ser sobretudo o dos diplomatas que são a placa sensível do país exposta às impressões do exterior suas antenas em contato com as correntes elétricas do mundo AMADO Gilberto Discurso de paraninfo proferido em 1955 por ocasião da formatura dos novos diplomados do Instituto Rio Branco Compreensão do texto Nesse trecho de Gilberto Amado podemos distinguir as seguintes partes Afirmação da postura adequada perante outras nações absorver o útil imunizarse contra o prejudicial olhar a marcha dos eventos com olhos desprovidos de mediações deformadoras Afirmação implícita de que o sentimento de patriotismo não deve funcionar como um desses mediadores deformadores Análise de dois tipos de patriotismo o condenável aquele atrelado à aparência de palavras que supervaloriza o nacional por camuflagem doura sentimentalista o desejável aquele que é puro que observa com objetividade para sobrepor o bom ao que é mau e extrair do bom o melhor que é inquieto e zeloso Conclusão ao diplomata convém o segundo tipo de patriotismo Sua função é a de sensor não censor apurado do que ocorre no exterior antena sensível que capta o que circula pelo mundo Após essa leitura podemos estruturar a redação dentro do seguinte esquema 1 INTRODUÇÃO Segundo o texto a relação do diplomata com qualquer nação deve ser presidida pelo pragmatismo tirar proveito do útil e descartar o prejudicial e pelo senso de realidade cuidadando para que distorções subjetivas não interfiram no seu trabalho 276 O problema levantado pelo texto pode ser assim colocado há dois tipos distintos de patriotismo Ambos contribuem para que esse tipo de relação ideal seja atingido 2 DESENVOLVIMENTO Aproveitando uma pista que o próprio texto abre o tema pode ser desenvolvido com base no plano comparativo da seguinte forma 1 caracterização do primeiro tipo de patriotismo 2 caracterização do segundo tipo de patriotismo 3 confronto entre ambos a argumentos contrários ao primeiro tipo b argumentos favoráveis ao segundo tipo 4 Conclusão atualidade do discurso de Gilberto Amado tipo de patriotismo que convém não só ao diplomata mas também ao cidadão e ao país razões por que esse é o conveniente Proposta de redação Sem a necessidade de seguir o plano de conteúdo que foi apresentado com a simples intenção de ilustrar o esquema dissertativo sugerido procure dentro desse modelo elaborar sua própria redação segundo argumentos e dados por você escolhidos QUESTÃO 3 Tema do vestibular de 1987 Comente o texto abaixo Nosso edifício tanto externo como interno está cheio de imperfeições mas nada é inútil na natureza nem mesmo a inutilidade Nada existe no universo que não desempenhe papel oportuno Nosso ser é formado de qualidades doentias a ambição a inveja a vingança a superstição o desespero vivem em nós tão naturalmente que sua imagem se reflete também nos animais inclusive a da crueldade esse vício desnaturado pois mesmo na compaixão sentimos intimamente não sei que agridoce volúpia de ver sofrerem nossos semelhantes e as próprias crianças o sentem E se se arrancassem do homem as sementes dessas qualidades doentias detruirseiam as condições fundamentais de sua vida Assim como em toda administração existem ofícios abjetos necessários os vícios têm seu lugar indispensável na nossa estrutura tal qual os venenos que conservam a nossa saúde Embora desculpáveis 277 tanto mais quanto necessários deixemolos entregues aos cidadãos mais vigorosos e ousados que lhes sacrificam a honra e a consciência assim como os antigos sacrificavam sua vida pela pátria nós mais fracos desempenhemos os papéis mais fáceis e menos arriscados O bem público exige que se traia que se minta e se massacre abdiquemos dessa incumbência em favor de outros mais obedientes e acomodatícios MONTAIGNE Michel de Ensaios livro III capítulo 1 Tradução de Sérgio Milliet Compreensão do texto Esse trecho dos Ensaios de Montaigne afirma a imperfeição como um dado inerente à natureza humana nega que essa imperfeição seja inútil já que tudo o que existe no universo é funcional advoga que a presença de qualidades doentias no homem não é um acidente cultural é tão natural que sua imagem reflete também nos animais e as crianças as possuem adverte que as qualidades doentias não podem ser excluídas do homem sem destruirlhe as condições fundamentais de existência reitera que os vícios e o veneno são extensivos ao homem e à sociedade ofícios abjetos existem em toda administração como os vícios na estrutura individual aconselha que os mais fracos entre os quais se inclui devem abrir mão dos ofícios abjetos da administração porque são mais arriscados e difíceis exigem o sacrifício da honra e da consciência sugere que os cidadãos mais vigorosos e ousados da administração são também mais obedientes e comodistas Comentário do texto Podemos abordar esse tema com base no plano segmentado nestas três partes afirmação explicação e ilustração 1 Introdução afirmação Montaigne o famoso pensador do século XVI afirma que o homem e a sociedade humana são constitutivamente afetados por imperfeições As paixões doentias estão presentes em todos os homens como componentes de natureza e não de cultura Elas o possuem de maneira tão natural que sua imagem se reflete até nos animais e as crianças que são menos influenciadas pelos traços culturais 278 já são atingidas por um vício tão aberrante quanto é o da volúpia de se comprazer com o sofrimento alheio O problema que se coloca é o julgamento que se deve fazer dessa condição inelutável E a resposta é o próprio Montaigne quem nos dá tais imperfeições não são inúteis já que nada do que existe no universo é desprovido de alguma funcionalidade 2 Desenvolvimento explicação e ilustração O texto de Montaigne apesar de sua complexidade pode ser desenvolvido com base no plano ilustração e explicação de uma afirmação a a afirmação já contida na introdução é a da utilidade das imperfeições humanas posta sob a forma de máxima a ser demonstrada b Ilustração de que a ambição a inveja a vingança a superstição o desespero todas essas imperfeições arraigadas na natureza humana tiveram seu papel como propulsores do progresso histórico os ofícios abjetos dos cidadãos mais vigorosos que por exigência do bem público traem mentem e massacram 3 Conclusão É inevitável emitir um julgamento um comentário presidido pelos princípios da ética sobre aquilo que Montaigne considera como necessário para o progresso histórico e o bem público Além disso é inevitável levantar o problema que Montaigne deixa omisso em que medida os fins aprovam os meios que o produzem E por último não é possível aceitar como indiscutível a saída de deixarmos por conta dos mais vigorosos e ousados aquilo que nos é mais arriscado e mais dif ícil Proposta de redação Seguindo apenas o plano afirmação explicação e ilustração e desprezando o conteúdo do roteiro que é mero expediente de ilustração procure redigir o seu próprio texto comentando o trecho dos Ensaios de Montaigne PROPOSTAS DOS ÚLTIMOS EXAMES A seguir vêm reproduzidas as provas de redação de 1995 a 2000 copiadas literalmente dos respectivos concursos para Admissão ao Curso de Preparação à Carreira Diplomática 279 Ao final de cada prova vem transcrito um exemplo de redação de um dos candidatos acompanhado da nota que se lhe atribuiu A partir da leitura atenta da coletânea de textos e do tema proposto o candidato pode por indução depreender os traços tidos como qualificantes nesse tipo de prova TEMAS DADOS EM EXAMES ANTERIORES 1990 Desenvolva o tema A articulação do Brasil país em desenvolvimento com um mundo que se transforma vertiginosamente desafios problemas 1991 Comente o texto a seguir Escritor por acidente eu habitueime a andar terraaterra abreviando o espírito à contemplação dos fatos de ordem física adstritos às leis mais simples e gerais ao contrário do que se acredita no terreno maciço das indagações objetivas ao rés da existência há uma crescente instabilidade O poeta o sonhador em geral quem quer que se afeiçoe a explicar a vida por um método exclusivamente dedutivo é soberano no pequeno reino onde o entroniza a sua fantasia Nós não O rumo para o ideal baralhanolos o próprio crescer do domínio sobre a realidade como se à hierarquia lógica dos conhecimentos positivos acompanhassem justalinearmente as nossas emoções sempre mais complexas e menos exprimíveis Sobretudo menos exprimíveis No submeter a fantasia ao plano geral da natureza iludemse os que nos supõem cada vez mais triunfantes e aptos a resumir tudo que vemos ao rigorismo impecável de algumas fórmulas incisivas e secas Somos cada vez mais frágeis e perturbados No perpétuo desequilíbrio entre o que imaginamos e o que existe verificamos atônitos que a idealização mais afogueada apagamnola os novos quadros da existência Mesmo no recesso das mais indutivas noções não é fácil saber hoje onde acaba o racionalismo e principia o misticismo quando a própria matéria parece espiritualizarse no radium e o concreto desfecha no translúcido e no intáctil ou entram improvisadamente pelos laboratórios dos alquimistas Imaginai uns tristes poetas pelo avesso arrebatanos também o sonho mas ao invés de projetarmos a centelha criadora do gênio sobre o mundo que nos rodeia é o resplendor deste mundo que nos invade e deslumbra 280 Euclides da Cunha 18661909 Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras in Obras Completas Rio de Janeiro Cia José Aguilar Editoras 1966 v I páginas 206 e 207 revista a acentuação pelo IRBr à luz da reforma ortográfica de 1971 1992 DIPLOMACIA E PROCESSO TECNOLÓGICO A ubiqüidade do telefone as viagens supersônicas os satélites de comunicação a transmissão sem fio de imagens etc têm facilitado economicamente o contato entre povos e governos Além disso são cada vez mais comuns as reuniões de ministros do exterior e presidentes e chefes de governo vêm desenvolvendo a prática de se encontrarem periodicamente Na sua opinião as alterações provocadas pelo progresso tecnológico indicam que a diplomacia tradicional aquela das embaixadas e embaixadores sur place está fadada ao desaparecimento 1993 Disserte sobre o texto abaixo Os historiadores raramente fazem justiça à tensão psicológica exercida sobre o político O que eles têm à disposição são documentos escritos para uma variedade de empregos segundo as regras atuais de publicidade cada vez mais destinadas à elaboração de relatórios e nem sempre relevantes quanto ao momento da decisão O que nenhum documento revela é o impacto acumulado de acidentes circunstanciais inapalpáveis temores e hesitação HENRY KISSINGER White House Years Little Brown and Company Boston 1979 1994 Redija uma dissertação sobre o seguinte excerto do Sermão XIV do Rosário pregado à irmandade de pretos de um engenho baiano em 1633 pelo Padre Antônio Vieira Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado porque padeceis em modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz e em toda a sua paixão A sua cruz foi composta de dois madeiros e a vossa em um engenho é de três Também ali não faltaram as canas porque duas vezes entraram na Paixão uma vez servindo para o ceptro do escárnio e outra vez para a esponja em que lhe deram fel A paixão de Cristo parte foi 281 de noite sem dormir parte foi de dia sem descansar e tais são as vossas noites e os vossos dias Cristo despido e vós despidos Cristo sem comer e vós famintos Cristo em tudo maltratado e vós maltratados em tudo Eles os Senhores mandam e vós servis eles dormem e vós velais eles descansam e vós trabalhais eles gozam o fruto de vossos trabalhos e o que vós colheis deles é um trabalho sobre outro Não há trabalhos mais doces que os das vossas oficinas mas toda essa doçura para quem é Apud BOSI Alfredo Dialética da Colonização São Paulo Companhia das Letras 1992 p 144 EXEMPLO DE REDAÇÃO Oferecemos como exemplo texto no original sem correções que obteve nota alta no exame de admissão de 1990 O desenvolvimento econômico e social pleno é a principal meta de países em desenvolvimento como o Brasil O alcance desse objetivo no entanto dependerá da capacidade dos condutores da política de desenvolvimento do século e de adaptar o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil à nova realidade políticoeconômica que se apresenta A primeira questão que aflora em qualquer trabalho de análise sobre o subdesenvolvimento é a necessidade de se estabelecer uma nova ordem econômica mundial Ocorre que discursos nacionalistas inflamados nos foros internacionais mais importantes como o GATT e a ONU já provaram ser inócuos Dessa forma só resta a países em desenvolvimento como o Brasil privilegiar soluções alternativas como o processo de integração econômica com outros Estados ou a vinculação de temas diversos como as questões da dívida externa e da ecologia em evidência atualmente No caso específico do Brasil o principal desafio é implementar sua integração econômica com os demais países da América Latina sobretudo com a Argentina sem permitir que tal iniciativa fracasse como ocorreu no caso da formação da ALALC e da ALADI Para tanto é preciso que as condições básicas de integração levem em consideração as particularidades da economia em cada país sem no entanto deixar de lado o pragmatismo que deve nortear todo o processo É importante ressaltar a propósito que todo o relacionamento do Brasil com os demais países do Terceiro Mundo deve revestirse de caráter pragmático sob pena de serem perpetuados os traços de tutela que já caracterizaram a política externa brasileira em relação aos países subdesenvolvidos 282 No campo político internacional destacase presentemente o processo de liberalização dos países da Europa Oriental Segundo grande parte dos observadores e estudiosos da história deste início de década tal processo afetará profundamente a economia dos países latinoamericanos inclusive a do Brasil De fato percebese o grande interesse demonstrado pelas potências econômicas ocidentais em investir no leste europeu inclusive com o objetivo de fortalecer o processo de redemocratização dos países da região Ocorre porém que o capital a ser investido pelos países ocidentais ricos terá a destinação que se apresentar mais interessante e lucrativa Evidentemente um país como o Brasil rico em recursos minerais e com abundante mãodeobra está em condições de disputar investimentos com quaisquer outros No entanto cabe aos condutores da política de desenvolvimento do país estabelecer condições favoráveis a investimentos e atrair capitais ainda que para tanto tenham que enfrentar o desafio de alterar o modelo desenvolvimentista adotado pelo Brasil Aliás é importante salientar que justamente esse desafio foi enfrentado por países asiáticos como a Coréia do Sul e Formosa com grande êxito Está claro pois que o Brasil deve acompanhar de perto as transformações políticoeconômicas pelas quais o mundo está passando e modificar a forma através da qual se relaciona com países ricos e pobres como meio de alcançar seus objetivos de desenvolvimento Transformações típicas deste final de século como a criação dos blocos econômicos supranacionais a partir da integração econômica de Estados nacionais e a liberalização dos países comunistas do leste europeu devem ser corretamente interpretadas sob pena de inviabilizarem a grande meta nacional o desenvolvimento EXEMPLO DE PROVA concurso de 1995 Leia os textos que se seguem Texto nº 1 O campus cai no samba O samba entrou para a universidade e formou seu bloco entre a comissão dos acadêmicos e a ala da comunidade sob o comando do sociólogo Sérgio Murilo a Golfinhos da Guanabara a primeira escola de samba mirim da Zona Sul fincou estandarte no campus da Praia Vermelha da UFRJ e está iniciando um projeto de educação ambiental cênica e cultural Passei pela Flor do Amanhã e pelo Projeto Devenir tentando implantar esse trabalho Que agora parece que vai levantar vôo O samba é um valor 283 muito forte entre as pessoas do Rio e é o elo perfeito para a universidade se desenvolver em conjunto opina Murilo que atraiu o professor Joel Rufino dos Santos para ser o presidente de honra da escola Tocando o enredo Oba É carnaval para o desfile do ano que vem as mais de mil crianças da escola terão esta semana sua primeira participação no diaadia da universidade serão estrelas de um vídeo que alunos da Escola de Comunicação farão para o Festival do Minuto O Globo julho de 1995 Texto nº 2 Educação em vista de um pensamento livre Não basta ensinar ao homem uma especialidade Porque se tornará assim uma máquina utilizável mas não uma personalidade É necessário que adquira um sentimento um senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido daquilo que é belo do que é moralmente correto A não ser assim ele se assemelhará com seus conhecimentos profissionais mais a um cão ensinado do que a uma criatura harmoniosamente desenvolvida Deve aprender a compreender as motivações dos homens suas quimeras e suas angústias para determinar com exatidão seu lugar em relação a seus próximos e à comunidade Estas reflexões essenciais comunicadas à jovem geração graças aos contatos vivos com os professores de forma alguma se encontram escritas nos manuais É assim que se expressa e se forma de início toda a cultura Quando aconselho com ardor as Humanidades quero recomendar essa cultura viva e não um saber fossilizado sobretudo em história e filosofia Os excessos do sistema de competição e de especialização prematura sob o falacioso pretexto de eficácia assassinam o espírito impossibilitam qualquer vida cultural e chegam a suprimir os progressos nas ciências do futuro É preciso enfim tendo em vista a realização de uma educação perfeita desenvolver o espírito crítico na inteligência do jovem Ora a sobrecarga do espírito pelo sistema de notas entrava e necessariamente transforma a pesquisa em superficialidade O ensino deveria ser assim quem o receba o recolha como um dom inestimável nunca como uma obrigação penosa Albert Einstein Como vejo o mundo Texto nº 3 Aristarco O Dr Aristarco Argola de Ramos da conhecida família do Visconde de Ramos do Norte enchia o império com o seu renome de pedagogo 284 Nas ocasiões de aparato é que se podia tomar o pulso ao homem Não só as condecorações gritavamlhe do peito como uma couraça de grilos Ateneu Ateneu Aristarco todo era um anúncio Os gestos calmos soberanos eram de um rei o aristocrata excelso dos silabáreis a pausa hierática de andar deixava sentir o esforço a cada passo que ele fazia para levar adiante de empurrão o progresso do ensino público Em suma um personagem que ao primeiro exame produzianos a impressão de um enfermo desta enfermidade atroz e estranha a obsessão da própria estátua Enveredando pelo tema querido do elogio próprio e do Ateneu ninguém mais pôde falar Aristarco sentado de pé cruzando terríveis passadas imobilizando se a repentes inesperados gesticulando como um tribuno de meetings clamando como para um auditório de dez mil pessoas majestoso sempre alçando os padrões admiráveis como um leiloeiro e as opulentas faturas desenrolou com a memória de uma última conferência a narrativa dos seus serviços à causa santa da instrução Trinta anos de tentativas e resultados esclarecendo como um farol diversas gerações agora influentes no destino do país E as reformas futuras Não bastava a abolição dos castigos corporais o que já dava uma benemerência Era preciso a introdução de métodos novos supressão absoluta dos vexames de punição modalidades aperfeiçoadas no sistema das recompensas ajeitação dos trabalhos de maneira que seja a escola um paraíso adoção de normas desconhecidas cuja eficácia ele pressentia perspicaz como as águias Ele havia de criar um horror a transformação moral da sociedade Raul Pompéia O Ateneu Texto nº 4 Professor Comecei com o pé esquerdo meu primeiro dia de professor Sempre temi o ridículo E a tal ponto que esse temor forma paroxística de minha timidez costuma atuar em minha vida como uma bússola negativa a orientar para o avesso meus atos Fazme viver de pé atrás com o mundo torname arredio e suspicaz quando poderia confiar ou em virtude de viva reação levame a ousar e avançar em circunstâncias que aconselhariam retraimento Enfim põeme fora do centro de gravidade E foi precisamente o ridículo ele me acompanha como um demônio arrimadiço que me estragou a aula inaugural 285 A hesitação que experimentei ao entrar na sala e o ar canhestro que devia ter já haviam despertado entre as alunas desses sorrisos sorrateiros que a gente percebe por um sentido oculto sem precisar de olhar os circunstantes Mas a vexatória situação culminou foi no momento em que abri atarantadamente o livro de chamada e fiquei a estropiar nomes e a gaguejar provocando hilaridade geral Passou a impressão desagradável do episódio ocorrido na primeira aula Nos dias que se seguiam ou por temerem a surveillante ou por terem dado outro rumo às suas maquinações as diabretes do Colégio já não me hostilizaram Por outro lado parece que não vou mal no curso Pelo menos a diretoria se mostra satisfeita Nas primeiras aulas com o fito de conquistar o inimigo tentei causar sensação recorrendo a frases de efeito Que me seja perdoado este pecado contra a dignidade intelectual Foi o recurso extremo de um homem em apuros Cometi também erros de técnica prepareime como se fosse lecionar na Ecole Normale Supérieure de Paris e não num curso secundário de província Em vez de me cingir ao que dizem os compêndios como em geral fazem os professores aprofundei o assunto varejei livrarias vasculhei bibliotecas Tratei como coisa familiar problemas literários de cuja existência as alunas nem sequer suspeitavam Embora dessem mostras de interesse vislumbrando em minhas dissertações um mundo que desconheciam percebi com alguns dias que o nível intelectual do auditório não alcançava o das preleções Adapteime agora à turma conheço a linguagem que convém ao professor acostumeime a repetir palavras e a repisar noções para dar tempo a que sejam assimiladas Cyro dos Anjos Abdias Desenvolva o tema que se segue em dissertação de 450 a 600 palavras valor 60 pontos A Educação e o pensamento livre 286 EXEMPLO DE PROVA concurso de 1996 Leia os textos que se seguem Texto nº 1 O Projeto Social Durante um quarto de século o esporte favorito dos economistas e sociólogos de esquerda no Brasil e de alguns brazilianists americanos de persuasão liberal1 foi acusar o governo da Revolução de 1964 de indiferença social traduzida em políticas ortodoxas de alto custo social Alegavase crueldade no arrocho salarial e incompetência na invenção de processos indolores para a cura da inflação No momento em que escrevo 1993 passados trinta anos depois de vários planos heterodoxos congelamentos e confiscos estamos imersos na mais profunda recessão de nossa história com queda brutal do salário real e vergonhosa piora na distribuição de renda Reconhecese afinal que o custo social da desinflação do período cartelista foi moderado Em nenhum dos anos do ajuste 196467 o crescimento do PIB real foi negativo com nível de desemprego tolerável Reconhecese que Castello Branco tinha um projeto social bastante racional e articulado Os dois leitmotivs daquilo que se podia chamar de projeto social eram a democratização das oportunidades e a promoção de um novo trabalhismo No capítulo da democratização das oportunidades houve um elenco de medidas algumas já anteriormente descritas democratização do acesso à habitação pelo Sistema Financeiro de Habitação do acesso à terra pelo Estatuto da Terra do acesso à educação por instrumentos variados como o salário educação para o ensino primário e bolsas de estudos administradas pelos sindicatos Na Constituição de 1967 art 168 parág 3º III esboçarseia um esquema racional de financiamento da educação O ensino dos 7 aos 14 anos seria obrigatório e gratuito na rede oficial Nos graus superiores ao primário substituirseia o sistema de gratuidade pela concessão de bolsas de estudo para os que demonstrando efetivo aproveitamento provassem insuficiência de recursos As bolsas seriam gratuitas no ensino secundário exigindose posterior reembolso no caso do ensino superior 1 A palavra liberal no jargão político americano ao contrário do que sucede na América Latina e na maioria dos países europeus é identificada com posturas governamentais assistencialistas e regulatórias Para os republicanos nos Estados Unidos é expressão pejorativa aplicada aos democratas acusados de laxismo fiscal e paternalismo social em contraste com o individualismo de mercado dos republicanos nota do autor 287 Tudo ficou na intenção por falta de regulamentação A Constituição de 1988 passou demagogicamente ao extremo oposto gratuidade para todos em todos os níveis do ensino público Mas são escassas as escolas públicas secundárias e 75 dos universitários têm que cursar faculdades privadas Roberto Campos A lanterna na popa memórias Texto nº 2 Um sistema dual os integrados e os marginalizados Recorrendo de novo à terminologia de Dahl seria possível dizer que há hoje no Brasil um sistema dual caracterização que também se aplica ao sistema político de vários países latinoamericanos Dahl usa a expressão para descrever diferentes sistemas de poder tais como os que existiram em Atenas na Grécia Antiga e no sul dos Estados Unidos até a década de 1960 A peculiaridade do sistema dual é a de que para os indivíduos que estão integrados existem mecanismos efetivos de participação e influência ao passo que para os que ficam de fora há um regime de coerção e em casos extremos de terror Evidentemente tais sistemas duais diferem muito entre si um exemplo extremo é o atual regime da África do Sul outro mais ameno é o do período de Giolitti na Itália A atual ordem política brasileira pode ser comparada ao passado sistema italiano especialmente no que se refere à extraordinária diferenciação regional de poder existente nos dois casos Também seria interessante comparar a sociedade brasileira à do Sul dos Estados Unidos no período anterior à década de 1960 dado o papel da escravidão na história de ambas No entanto o caso italiano é mais próximo no sentido em que a dualidade do sistema baseiase em critérios mais sociais do que raciais Como afirmou o deputado Ulysses Guimarães no discurso citado a miséria é uma forma de discriminação e não há pior discriminação do que a miséria Em que consiste esse sistema dual brasileiro Para aqueles que estão dentro isto é para os grupos social e economicamente dominantes assim como para outros segmentos organizados da sociedade há um regime político competitivo Talvez seja avançar muito supor que existe uma poliarquia para esses grupos mas já estamos a caminho disso Evidentemente entre os que estão dentro contamse segmentos organizados de trabalhadores assim como outros setores sociais e políticos que querem democratizar o sistema e eliminar a dualidade universalizando suas características democráticas Para os que ficam de fora para os marginalizados que são muito pobres e incapazes de se organizar resta apenas tornaremse objeto de manipulação política em outras palavras são tratados não como cidadãos mas como clientes na acepção romana do termo E 288 quando necessário o que ocorre com freqüência são submetidos à repressão policial Eles são livres para participar das eleições e na realidade a maioria o faz Não são marginalizados por nenhum tipo de restrição institucional mas pelas próprias condições sociais políticas e culturais em que vivem e que os transformam em massas amorfas Talvez seja mais exato dizer que também eles estão dentro só que à margem Aqui impõese uma distinção muito complexa entre cidadãos e eleitores Segundo Ulysses Guimarães em um país com 30401000 de analfabetos é preciso não esquecer que a cidadania começa com a alfabetização Esta observação nos remete ao problema inicial da distância entre as instituições que garantem a liberdade política e o que diz respeito à defesa da justiça social Não é que as eleições não tenham relevância nas decisões tomadas nos sistemas duais A questão é que deles participam segmentos da população que têm pouca ou mesmo nenhuma possibilidade de exercer qualquer influência autônoma A clássica frase eleitoral a cada homem um voto pressupõe a autonomia do indivíduo para expressar sua opinião Todavia no Brasil como observou o cientista político Fábio Wanderley somente 75 milhões de pessoas pagam impostos enquanto 75 milhões estão habilitados a votar Isto significa que a cidadania eleitoral antecipou de certo modo a cidadania política no sentido mais amplo Para dizer de outro modo existem milhões de cidadãos no sentido eleitoral que na realidade não passam de cidadãos de segunda classe Aqui começamos a nos distanciar do caso norteamericano onde a despeito da desigualdade entre ricos e pobres e pondo à parte a questão racial sempre houve pelo menos desde a época de Tocqueville uma forte tendência à igualdade de condições no sentido de efetiva igualdade dos cidadãos perante a lei Isto de forma alguma é uma mera formalidade legal mas representa a capacidade política cultural e social de cada cidadão para exercer os direitos garantidos pelo sistema institucional Em uma sociedade democrática os indivíduos pertencem a diferentes classes o que ocasiona desigualdades sociais mas não existem cidadãos de segunda classe pelo menos não na magnitude registrada no Brasil e na maioria dos países latino americanos Evidentemente encontrase situação semelhante em várias das grandes cidades dos Estados Unidos que receberam um grande número de migrantes negros sulinos nos últimos quarenta anos Também nessas cidades os pobres constituem a grande maioria da cidadania e do eleitorado No entanto não é esta a situação geral do país nem de nenhuma de suas regiões Francisco Weffort Qual Democracia 289 Texto nº 3 O Sanduíche Encantado Era na Rua Alegre na Aldeia Campista Hoje não existe mais a Rua Alegre e quase não existe mais a Aldeia Campista Do ano não estou bem certo Ou 1921 ou 1923 Não não Vinte e dois foi o ano do Centenário Agora me lembro 2 1 No ano seguinte minha família foi morar na Tijuca Rua Antônio dos Santos Defronte morava o juiz Eurico Cruz Mas volto à Aldeia Campista No fim da Rua Alegre exatamente na esquina com Maxwell estava a escola pública Lá fiz todo o curso primário Ou por outra não todo Fui até o terceiro ano primário só Quando minha mãe me matriculou eu estava absolutamente certo de que jamais aprenderia a ler e jamais aprenderia a escrever E foi lá na escolinha pobre que tinha se tanto oitenta alunos foi lá que eu sofri o primeiro e definitivo trauma da minha infância Tinha eu seis anos e como já escrevi era pequenino e cabeçudo como um anão de Velasquez Esse trauma profundo e irreversível foi um sanduíche Exatamente um sanduíche Minha família era pobre muito pobre mesmo Minha mãe que foi uma das mulheres mais lindas do seu tempo tinha de ir para a cozinha e para o tanque Uma tarde passou lá por casa uma amiga de minha mãe amiga dos bons tempos do Recife Entrou e quando viu a nossa miséria começou a chorar Chorava a visita por um lado e minha mãe por outro Até então eu não via a miséria como tal E me considerava rico diante dos filhos da lavadeira Chamavase Dolores a amiga da minha mãe Aí está Dolores Bem Éramos tão pobres que eu nem sempre levava merenda para a escola Mas no primeiro dia e como era o primeiro dia levei uma banana Ninguém pode imaginar a ternura a um só tempo agradecida e triste com que eu a segurava O fato de têla fezme sentir um pequeno príncipe O importante na escola não foi a escola nem a aula nem a professora Foi o recreio foi a merenda foi a banana Tudo aconteceu na hora do recreio Lá fui eu com todos os outros para o pátio Tenho seis anos e vou comer uma banana Aos seis anos ninguém come uma banana com uma fulminante voracidade No meu tempo as crianças primeiro a lambiam Chupavase a banana como hoje o chica bom Eu estou descascando radiante a banana E súbito paro Na minha frente está um garoto de cabelo à nazareno Traz a merenda num papel amarrado com barbante prateado ou dourado Desfaz o nó sem pressa Desembrulha E lá estava simplesmente o sanduíche de ovo o único sanduíche de ovo de todo o recreio 290 Já contei este episódio umas dez vezes Mas entendam reescrevê lo dáme uma desesperada euforia O garoto está à minha frente e não tira os olhos de mim por minha vez também não tiro os olhos dele Ali começou a vergonha ali começou a humilhação da banana Uma professora apareceu e por um momento até invejou aquele afrontoso pão com ovo Outros meninos outras meninas olhavam também Uma menina tinha uma lata pequena de biscoito Mas a latinha perdeu longe para o sanduíche A professora passou outra vez Uma tristeza turvou o seu olhar Tristeza e mesmo ressentimento por não estar comendo o pão com ovo Digo isso e não sei se estou tecendo uma cruel fantasia retrospectiva E não contente o menino deixava escorrer a gema como uma baba amarela Era como já escrevi o trauma Digo trauma e não lhe ponho um T maiúsculo por um certo pudor estilístico Ora depois disso aconteceu o diabo Dias meses anos já fluíram para a eternidade Houve a guerra Hiroxima Mas a lesão da alma lá continua reservada intacta indiferente ao tempo e à bomba atômica Escrevo isso e paro de bater a máquinaNelson Rodrigues O Reacionário memórias e confissões Desenvolva o tema que se segue em dissertação de 450 a 600 palavras valor 60 pontos Democracia e desigualdade EXEMPLO DE REDAÇÃO Cláudia de Borba Maciel 5460 A democracia está morta vida longa à democracia A euforia que se seguiu à queda do Muro de Berlim com a proclamação da democracia e do mercado como valores universais cedeu lugar à frustração pelo aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas tanto entre países como entre indivíduos A vitalidade da democracia dependerá portanto da capacidade de criar novos mecanismos institucionais que reduzam a desigualdade preservando a diversidade característica do mundo pós moderno A tensão entre democracia e desigualdade remonta às origens da democracia moderna entendida a partir da tradição revolucionária francesa ou da Revolução Americana A primeira repousa na concepção de Rousseau sobre a vontade geral e a soberania popular Os indivíduos são 291 fundamentalmente iguais em direitos e virtuosos e racionais quanto aos recursos morais A vontade geral é uma construção coletiva que se manifesta de forma soberana indivisível infalível e nãodelegável A tradição liberal inaugurada por John Locke baseiase na desigualdade original entre os homens O bem comum é alcançado pela soma dos interesses individuais sintetizada no conceito de busca da felicidade O princípio da representatividade e os esquemas institucionais de controle e equilíbrio checks and balances são a base do sistema político e não as qualidades morais do indivíduo Ao retomar a temática de Tocqueville sobre as restrições que a igualdade política impõe à liberdade na democracia americana Robert Dahl propõe o modelo da democracia econômica O autor critica o capitalismo de sociedade anônima dos Estados Unidos no qual a administração das corporações é centralizado e distante dos interesses sociais A democracia econômica de Dahl introduz mecanismos de participação dos trabalhadores na gestão das empresas de forma a incorporar elementos de igualdade política à esfera da liberdade econômica Assim o clássico dilema americano entre a máxima liberdade de propriedade e o ideal da plena igualdade seria relativizado De outra perspectiva a crítica de Claus Offe caracteriza a alienação política como principal efeito da crise da democracia representativa O crescente distanciamento entre eleitor e político conduz ao absenteísmo e mesmo ao cinismo em relação à política A solução tentativa de Offe seria transferir a ênfase do processo político do momento de formação da vontade seja ela um ente coletivo ou a soma de interesses particulares para a deliberação ou seja o voto Assim a construção de mecanismos institucionais que busquem melhorar a qualidade do voto é preferível à extensão quantitativa do sufrágio Liberar os cidadãos das restrições econômicas e culturais é tarefa fundamental para o aperfeiçoamento da democracia Considerados estes argumentos deduzse que restam recursos à democracia para responder ao desafio da desigualdade É saudável também em um mundo pósindustrial em que as identidades são cada vez mais afirmadas pelo que somos e não pelo que fazemos conforme Alain Touraine preservar o espaço político para a desigualdade entendida não como exclusão mas como diversidade A democracia com todas as suas imperfeições permanece a pior forma de governo com exceção de todas as outras como ensinou Winston Churchill 292 EXEMPLO DE PROVA concurso de 1997 Leia os textos que se seguem Texto nº 1 Yes nós temos halloween Em pleno Brasil lindo e trigueiro havia lojas na semana passada vendendo uniforme de bruxa Agora sim Agora vamos Um importante passo no rumo da inserção do Brasil no Primeiro Mundo foi dado nos últimos anos com o início da celebração por aqui da festa conhecida como halloween Sim já há halloween no Brasil Em pleno Brasil lindo e trigueiro para não dizer inzoneiro este Brasil brasileiro terra de vatapá caruru e mungunzá havia na semana passada lojas vendendo roupas e chapéus de bruxa Escolas promoviam festas alusivas à data Casas noturnas anunciavam bailes comemorativos Crianças invadindo as casas e pedindo doces senão fazendo malvadezas Me dê um trato ou faço uma traquinagem Abóboras ocas chapéus cônicos vassouras voadoras Dá para acreditar que isso esteja ocorrendo no Brasil até ontem tão atrasado Para os leitores que não sabem o que é halloween pois nem tudo é perfeito ainda no Brasil tratase daquele evento na véspera do Dia de Todos os Santos com o qual os americanos celebram o Dia das Bruxas Pois agora já estamos quase iguais aos americanos Temos halloween Yes nós temos halloween O fenômeno por enquanto circunscrevese às áreas chiques de São Paulo Rio de Janeiro e outras cidades O povão ainda não chegou lá Na verdade o povão sempre chega atrasado Em seu meio ainda nem existe o hábito de colar adesivos com gracejos em inglês no automóvel A rigor a grande maioria nem tem automóvel Portanto mesmo se fosse a Miami e comprasse um adesivo não teria onde colar O halloween veio culminar uma série de avanços ultimamente experimentados pela boa sociedade brasileira Já há lugares onde se pode pedir sorvete de vanilla muito superior ao de baunilha As redes de sorveteria La Basque e Babuska oferecem vanilla Mesmo que a palavra seja de origem espanhola foi incorporada pela língua inglesa e os americanos a utilizam Vale dizer que no La Basque e na Babuska tomase sorvete em inglês o que impressiona muito mais ao paladar Também há lojas que anunciam sales e oferecem produtos com preços 10 off ou 20 off o que é muito mais vantajoso do que uma simples liquidação que ofereça descontos equivalentes E já se pode ligar para uma pizzaria que faça 293 delivery em vez de entrega sem falar na inominável venda para viagem Com a delivery garantemse rapidez e segurança no percurso Em certas esquinas de shopping center olhase em volta e só se vê inglês Mergulhase então na magia dos Ws e Ys na simpatia do S Esse Brasil sim dá gosto Ele fazia por merecer o halloween que mesmo que fosse só uma palavra sem significado já nos conduziria a um mundo de encantamento com sua formidável carga de Ls e Es duplos enriquecido ainda por um W e um H como deve ser não mudo e inútil mas trabalhado desde o fundo da garganta sem medo de ser ouvido O Brasil que dá gosto é aquele que não parece Brasil Não O Brasil que dá gosto é aquele que não só não parece o Brasil mas parece os Estados Unidos É a este que como numa vassoura de bruxa nos transporta o halloween Talvez o leitor tenha desconfiado de que se tentou fazer ironia neste texto Mas talvez não dadas as deficiências do escriba Então vaise direto ao ponto festejar o halloween no Brasil é coisa de basbaques Assim como saborear vanilla vender off e despachar delivery É coisa de imitadores Ainda se fosse para imitar o que a civilização americana tem de fundamental como o respeito à lei e à ética do trabalho vá lá Mas não é para imitar pela rama ciscando no que há de estéril e superficial Ora imitar macaquear querer igualarse àquele que se considera superior pelas vãs artimanhas do arremedo não é apenas confessarse inferior nem falsificar se a si mesmo como outros falsificam uísque Antes é uma das mais antigas e consistentes formas de ser tolo Roberto Pompeu de Toledo Veja 061196 Texto nº 2 Entre Palavras Entre coisas e palavras principalmente entre palavras circulamos A maioria delas não figura nos dicionários de há 30 anos ou figura com outras acepções A todo momento impõese tomar conhecimento de novas palavras e combinações de Você que me lê preste atenção Não deixe passar nenhuma palavra ou locução atual pelo seu ouvido sem registrála Amanhã pode precisar dela E cuidado ao conversar com seu avô talvez ele não entenda o que você diz O malote o cassete o spray o fuscão o copião a Vemaguet a chacrete o linóleo o nylon o nycron o ditafone a Informática a dublagem o sinteco o telex existiam em 1940 Ponha aí o computador os anticoncepcionais os mísseis a motoneta a VeloSolex o biquíni o módulo lunar o antibiótico o enfarte a acupuntura 294 a biônica o acrílico o tá legal o apartheid o som pop a arte op as estruturas e a infraestrutura Não esqueça também seria imperdoável o Terceiro Mundo a descapitalização o desenvolvimento o unissex o bandeirinha o mass media o Ibope a renda per capita a mixagem De passagem anote a reunião de cúpula a minicopa a conjuntura o Porcão a Reflexologia a ioga o iogurte os alucinógenos o morfema o semantema o estocástico o ergódigo e o markoviano Só Não Tem seu lugar ao sol a metalinguagem o servomecanismo as algias a cocacola o superego a Futurologia a homeostatia a Adecif a Transamazônica a Sudene o Incra a Unesco o ISOP a OEA e a ONU Estão reclamando porque não citei a conotação o conglomerado a diagramação o ideologema o idioleto o ICM a IBM o falou as operações triangulares o zoom e a guitarra elétrica Mas por sua vez se esqueceram de lembrar chuchubeleza ecumenismo tremendo barato monema parâmetro gerontologia genocídio cronograma PIB política habitacional gol de letra mercado fracionário de balcão Olhe aí na fila quem Embreagem defasagem barra tensora vela de ignição engarrafamento Detran poliéster parafernália filhotes de bonificação letra imobiliária conservacionismo carnet da girafa poluição Mas há de haver espaço para setorial tônica mafagafe José Cândido de Carvalho descobriu um ninho deles e divertenos com a descoberta em delicioso livro complexo de castração inseminação artificial napalm ovos de codorna teste de Cooper sesquicentenário didascália passarela gelobaiano E o vestibular para milhões O cursinho e o cursilho O mestrado Ah faltava a análisesinótica do mapa meteorológico A custódia de títulos nominativos O transplante variadíssimo e nem sempre letal A implantação e os implementos industriais O audiovisual e seus flanelógrafos para uso de aloglotas A macrobiótica pois não E o offset Fundos de investimento e daí Também os de incentivos fiscais Knowhow Barbeador elétrico de 90 microrranhuras Fenolite Baquelite LP e compacto Alimentos supergelados Viagens pelo crediário Circuito fechado de TV na Rodoviária Argh Pow Click Não havia nada disso no jornal do tempo de Venceslau Brás ou mesmo de Washington Luís Algumas dessas coisas começam a aparecer sob Getúlio Vargas Hoje estão ali na esquina para consumo geral A enumeração caótica não é invenção crítica de Leo Spitzer Está aí na vida de todos os 295 dias Entre palavras e combinações de palavras circulamos vivemos morremos e palavras somos finalmente mas com que significado que não sabemos ao certo Carlos Drummond de Andrade De notícias e não notícias fazse a crônica Texto nº 3 Português do Brasil versus português de Portugal as querelas Vamos ler algumas opiniões sobre a questão de haver uma ou duas línguas portuguesas Tais especulações são em geral carregadas de nacionalismo exacerbado para um ou para outro lado Iniciemos pela de Câmara Júnior Como quer que seja as discrepâncias de língua padrão entre Brasil e Portugal não devem ser explicadas por um suposto substrato tupi ou por uma suposta profunda influência africana como se tem feito às vezes Resultam essencialmente de se achar a língua em dois territórios nacionais distintos e separados A partir do período clássico em que o português se implantou no Brasil cada país teve a sua evolução lingüística nem sempre coincidente uma com a outra apesar das estreitas relações de vida social e cultura O problema do português popular e dialetal do Brasil é naturalmente outro Nele podem ter atuado substratos indígenas não necessariamente tupi e os falares africanos na estrutura fonológica e gramatical Também se verificaram por outro lado sobrevivências de traços portugueses arcaicos que não se eliminaram de áreas isoladas ou laterais em relação às grandes correntes de comunicação da vida colonial A imensa vastidão do território brasileiro e as modalidades de uma exploração intermitente e caprichosa já propiciavam aliás por si sós uma complexa dialetação que ainda está por se estudar cabalmente A posição de Câmara Junior poderíamos dizer é objetiva e neutra nela está presente a preocupação científica do lingüista que preconiza fundamentalmente a evolução natural para um e outro sistema em territórios geográficos distintos Tal não é a neutralidade científica encontrada em Ribeiro 1933 Nessas breves passagens do texto de Ribeiro A língua nacional fica clara a posição apaixonada que o autor assume em relação à unidade brasílica do português americano Vejamos Parece todavia incrível que a nossa Independência ainda conserve essa algema nos pulsos e que a personalidade de americanos pague tributo à submissão das palavras 296 A nossa gramática não pode ser inteiramente a mesma dos portugueses As diferenciações regionais reclamam estilo e método diversos Trocar um vocábulo uma inflexão nossa por outra de Coimbra é alterar o valor de ambos a preço de uniformidade artificiosas e enganadoras Não podemos sem mentira e sem mutilação perniciosa sacrificar a consciência das nossas próprias expressões Corrigilas pode ser um abuso que afete e comprometa a sensibilidade imanente a todas elas Os nossos modos de dizer são diferentes e legítimos e o que é melhor são imediatos e conservam pois o perfume do espírito que os dita Temos assim no testemunho de João Ribeiro uma defesa da língua brasileira nacional como marca da independência do povo brasileiro uma exaltação à alma e ao espírito brasileiros libertos via língua das amarras que os prendiam ao reino português Se é veemente e exacerbada a glorificação da língua brasileira nacional defendida por Ribeiro não menos veemente e exacerbado é o depoimento de José Pedro Machado em O português do Brasil Este texto que ora leremos foi escrito como uma resposta indignada a um pronunciamento do poeta Cassiano Ricardo lido a 30 de janeiro de 1941 frente à Academia Brasileira de Letras intitulado A Academia e a língua brasileiras partes do qual aparecem transcritas no livro de Machado e que retomaremos para melhor explicitar a posição lusitana do último Em primeiro lugar pois as palavras de Cassiano Ricardo A glória de Portugal nada tem que ver com a língua falada pelo povo brasileiro Muito ao contrário é na língua falada pelo brasileiro que melhor havemos de celebrar a glória de Portugal Se os filólogos portugueses são os primeiros a reconhecer com absoluta lealdade que falamos um dialecto do português e portanto uma língua que se destacou de sua origem peninsular não poderemos nós ser mais realistas do que o rei ou no caso do que os reis da lingüística portuguesa Glorifiquemos assim as duas línguas e não somente a portuguesa criando direitos e obrigações recíprocas Não é possível anular o fenômeno lingüística no Brasil muito menos transigir num assunto que tanto interessa à formação nacional E em seguida o depoimento de Machado 297 Não foi pequeno o eco do discurso do Sr Cassiano Ricardo Os jornais publicaramno integralmente e até o Estado de São Paulo procedeu a um inquérito entre alguns publicistas e intelectuais brasileiros Como tem sucedido várias vezes também aqui as opiniões se dividiram para um lado os defensores do idioma brasileiro para o outro os seus adversários Infelizmente não se lembraram de tomar aquela atitude que afinal parece tão evidente tão lógica que muito surpreende não ter sido a adaptada em vez de se ouvirem pessoas com certeza distintas nas suas especialidades mas pouco versadas nesta por que não se pediu a opinião dos filólogos O facto de não considerar língua brasileira mas dialectos brasileiros não quer dizer que eu ponha em dúvida a justiça da independência brasileira o que seria estupidamente absurdo nem tãopouco ofender os brios patrióticos dos nossos irmãos de alémAtlântico Devemos no entanto afastar todos os sentimentos para alcançar um objecto que sem essa medida prévia aparecerá diante dos nossos olhos rodeado de espessas névoas ou deturpado Eu sou da opinião de Sílvio Elia A fuga para a Europa ou o recolhimento na taba do índio são duas soluções cômodas mas em desacordo com o ser nacional O texto de Machado fala por si mesmo O posicionamento que o autor assume em tomo de uma política lusitana da língua portuguesa ecoa em cada passagem embora ele procure enfatizar o poder decisório dos filólogos que poria fim a discursos como o proferido pelo poeta E é justamente em um breve comentário sobre Cassiano Ricardo que Machado mais fortemente revela seu descaso pelos que apregoam a existência de uma língua brasileira nacional individuada Lembro que o nome do ilustre acadêmico não é nem pode ser desconhecido Tratase de um poeta cuja glória foi coroada com aquele admirável Martim Cererê dedicado ao Brasilmenino Nessas páginas ao lado da simplicidade tão bela aparecenos um português razoável Por isso ocorre perguntar Por que não emprega o delicado poeta nas suas obras uma língua absolutamente diferente da minha Além de justificar a existência do dialecto dignificado tornava se coerente com o teor do discurso feito na Academia Brasileira Ênfase acrescida pelo autor Temos pois quatro diferentes posições sobre a questão da língua nacional F T Tempos Lingüísticositinerário histórico da língua portuguesa 298 Desenvolva o tema que se segue em dissertação de 450 a 600 palavras valor 60 pontos Nacionalismo e globalização o papel da cultura e a política do idioma EXEMPLO DE REDAÇÃO Giuliana Sampaio Ciccu 4960 A cultura é o principal elemento em que se baseia o conceito de nação Profundamente arraigada nas diversas sociedades cada cultura tem condições de manter sua individualidade a despeito do intercâmbio progressivamente maior entre os países decorrente do processo de globalização O Estado tem um papel a cumprir para assegurar esta permanência cabe a ele providenciar acesso à educação e incentivar as manifestações culturais genuínas do povo Desde as unificações italiana e alemã alguns fatores têm sido considerados fundamentais para que um Estado possa ser propriamente considerado como tal Somente quando há entre o povo um nível mínimo de homogeneidade poderá haver estabilidade suficiente para que a unidade política se mantenha Assim história religião raça e em especial língua comuns são indispensáveis para que surja um sentimento de identidade que caracterize e particularize uma nação A história fornece várias evidências da fragilidade de um Estado constituído na ausência de um substrato cultural comum A antiga Iugoslávia por exemplo esfacelouse logo após o fim do regime comunista do Marechal Tito que mantinha o país unido por meio da força A fragmentação observada ocorreu sobretudo em virtude das diferenças religiosas e culturais entre os povos que habitavam aquele território A identidade cultural é portanto essencial para a vida do Estado Com o fim da GuerraFria acelerouse o processo de globalização tanto nos planos econômico e político quanto no âmbito cultural No Brasil a influência estrangeira começou a evidenciarse de maneira mais pronunciada principalmente no que diz respeito à presença da língua inglesa Vocábulos ingleses passaram a ser utilizados mesmo quando há termos correspondentes na língua nacional Tal influência embora não configure ameaça à cultura brasileira não pode tampouco ser considerada positiva Alguns países como a França adotaram métodos legais para pôr fim à tendência elaborando lei que proíbe o uso do inglês em diversas ocasiões 299 Esta porém não parece ser a solução mais adequada para o problema O melhor caminho para garantir a unidade cultural é a educação Um povo que conheça suas tradições e sua história certamente encontrará motivos para se orgulhar do patrimônio que herdou e não sentirá necessidade de adotar ou imitar outras culturas Permitirá somente o intercâmbio natural com mútuas influências que caracteriza uma cultura viva Estabelecer contatos permanentes com povos de cultura semelhante é igualmente importante para estimular a consciência cultural de cada povo Desse modo a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa reunindo os sete países lusófonos do mundo representa iniciativa de grande relevância e deve ser prioritária no plano da política do idioma Não se trata de anular o que há de específico no português falado na Europa América e África mas de ressaltar significativo traço cultural que aproxima os diversos países Não há motivos portanto para temer os efeitos da globalização sobre a cultura nacional Desde que o Estado contribua de modo eficaz para estimular a consciência cultural do povo esta tende a manterse ainda que haja intensos contatos com outras culturas EXEMPLO DE PROVA concurso de 1998 Leia os textos que se seguem Texto nº 1 Fazedores de desertos É natural que todos os dias chegue do interior um telegrama alarmante denunciando o recrudescer do verão bravio que se aproxima Sem mais o antigo ritmo tão propício às culturas o clima de S Paulo vai mudando Não o conhecem mais os velhos sertanejos afeiçoados à passada harmonia de uma natureza exuberante derivando na intercadência firme das estações de modo a permitirlhes fáceis previsões sobre o tempo As suas regras ingênuas enfeixadas em alguns ditados que tinham às vezes rigorismo de leis falhamlhes hoje em toda a linha passamlhes estéreis as luas novas trovejadas diluemselhes como fumaradas secas as nuvens que ao entardecer abarreiram os horizontes varremlhes as ventanias súbitas a poeira líquida das neblinas que se adensam de manhã pelo topo dos outeiros e em plena primavera agora sob o alastramento das soalheiras 300 fortes o aspecto de suas plantações esfolhadas e esfloradas principia a ser desanimador revelando antes do estilo franco esse período máximo à vida vegetativa que nos países quentes está no desequilíbrio entre a evaporação intensa pelas folhas e a absorção escassa e cada vez menor pelas raízes Mas é natural o fenômeno Nem é admissível que ante ele se surpreendam os nossos lavradores primeiras vítimas dessa anomalia climática Porque há longos anos com persistência que nos faltou para outros empreendimentos nós mesmos a criamos Temos sido um agente geológico nefasto e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza que nos rodeia É o que nos revela a história Foi a princípio um mau ensinamento do aborígine Na agricultura do selvagem era instrumento preeminente o fogo Entalhadas as árvores pelos cortantes dgis de diorito e encoivarados os ramos alastravamlhes por cima as caitaras crepitantes e devastadoras Inscreviam depois em cercas de troncos carbonizados a área em cinzas onde fora a mata vicejante e cultivavamna Renovavam o mesmo processo na estação seguinte até que exaurida aquela mancha de terra fosse abandonada em caapuera jazendo dali por diante para todo sempre estéril porque as famílias vegetais renovadas no terreno calcinado eram sempre de tipos arbustivos diversos das da selva primitiva Veio depois o colonizador e copiou o processo Agravouo ainda com se aliar ao sertanista ganancioso e bravo em busca do silvícola e do ouro Afogada nos recessos de uma flora que lhe abreviava as vistas e sombreava as tocaias do tapuia dilaceroua golpeandoa de chamas para desvendar os horizontes e destacar bem perceptíveis tufando nos descampados limpos as montanhas que o norteavam balizando a rota das bandeiras Atacaram a terra nas explorações mineiras a céu aberto esterilizaram na com o lastro das grupiaras retalharamna a pontaços de alvião degradaramna com as torrentes revoltas e deixaram ao cabo aqui ali por toda a banda para sempre áridas avermelhando nos ermos com o vivo colorido da argila revolvida as catas vazias e tristonhas com o seu aspecto sugestivo de grandes cidades em ruínas Ora tais selvatiquezas atravessaram toda a nossa história Mais violentas no Norte onde se firmou o regímen pastoril nos sertões abusivamente sesmados e desbravados a fogo incêndios que duravam 301 meses derramandose pelas chapadas em fora ali contribuíram para que se estabelecessem em grandes tratos o regímen desértico e a fatalidade das secas O sul subtraiuse em parte à faina destruidora que o próprio governo da metrópole em sucessivas cartas régias procurou refrear criando mesmo juizes conservadores das matas que impedissem a devastação O mesmo sistema de culturas largamente extensivas porém as lavouras parasitárias arrancando todos os princípios vitais da terra sem lhes restituir um único foram pouco a pouco remodelandolhe as paragens mais férteis transmudandoas e amaninhandoas As conseqüências repontam naturais A temperatura alterase agravada nesse expandirse de áreas de insolação cada vez maiores pelo poder absorvente dos nossos terreno s desnudados cuja ardência se transmite por contacto aos ares e determina dois resultados inevitáveis a pressão que diminui tendendo para um minimum capaz de perturbar o curso regular dos ventos desorientandoos pelos quatro rumos do quadrante e a umidade relativa que decresce tornando cada vez mais problemáticas as precipitações aquosas De sorte que o sueste regulador essencial do nosso clima depois de transmontar a Serra do Mar onde precipita grande cópia de vapores ao estirarse pelo planalto vai encontrando atmosfera mais quente do que dantes cujo efeito é aumentarlhe a capacidade higrométrica diminuindo na mesma relação as probabilidades de chuvas São fatos positivos irrefragáveis e bastam para que se explique a alteração de um clima Mas apontemos um outro Neste entrelaçamento de fatores climáticos introduzimos um artificial e de todo fora das indagações meteorológicas normais a queimada É transitória mas engravece os perigos De feito a irradiação noturna contrabate a insolação a terra devolve aos céus o excesso de calor acumulado resfria e o orvalho decorrente ilude de algum modo a carência das chuvas Ora as queimadas impedem esse derivativo único As colunas de fumo rompentes de vários lugares a um tempo adensamse no espaço e interceptam a descarga do solo Desaparece o sol e o termômetro permanece imóvel ou de preferência sobe A noite sobrevém em fogo a terra irradia com um sol obscuro porque se sente uma impressão 302 estranha de faúlhas invisíveis mas toda a ardência reflui sobre ela recambiada pelo anteparo espesso da fumaça e mal se respira do bochorno inaturável em que toda a adustão golfada pelas soalheiras e pelos incêndios se concentra numa hora única da noite Hoje Thomas Buckle não entenderia as páginas que escreveu sobre uma natureza que acreditou incomparável no estadear uma dissipação de força wantoness of power com esplendor sem par Porque o homem a quem o romântico historiador negou um lugar no meio de tantas grandezas não as corrige nem as domina nobremente nem as encadeia num esforço consciente e sério Extingueas Euclides da Cunha O Estado de São Paulo 21101901 Texto nº 2 O alerta da história Como se acabou com mais de 90 da grande floresta do litoral brasileiro Estréia neste verão no sul da Bahia uma ponte entre o passado e o futuro da Mata Atlântica Tem 110 metros a distância de um gol a outro no Maracanã Programa para dez segundos em campo aberto e velocidade olímpica Mas ali a travessia a passos regulados pelo balanço de uma ponte pênsil rangendo a 20 metros de altura entre copas centenárias que meio século atrás atapetavam inteiramente o município de Una o tempo tem outra medida É contado em angelins jequitibás oitis copaíbas ipês baraúnas jueranas louros canelas e maçarandubas cada árvore que durante o trajeto o olho leigo aprende a distinguir na barafunda verde da floresta Naquele litoral os naturalistas registraram há poucos anos o recorde planetário de 450 espécies vegetais por hectare E perto de lá num inventário de 500 anos atrás o escrivão Pero Vaz de Caminha atestou O arvoredo é tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular Debruçada sobre essa amostra da eternidade a passarela foi construída com doações internacionais e tecnologia canadense para que os visitantes contemplem por que aquela paisagem pronta há 12 000 anos está ameaçada de acabar em 2010 pela avaliação do Instituto de Estudos SócioAmbientais do Sul da Bahia uma ONG de Ilhéus Diante do prognóstico ela salvou da motosserra um pedaço de terra já destinado pelo Ibama à extração de madeira e o abriu ao turismo tentando ensinar aos vizinhos que também por esperteza se pode conservar a Mata Atlântica Salvaramse 84 hectares Uma área vinte vezes maior que a derrubada todo ano no município onde paradoxalmente 303 a floresta nativa brasileira começou a desaparecer depois que o Artigo 225 da Constituição estendeu sobre ela o título de patrimônio nacional Até hoje o Congresso ainda não regulamentou o dispositivo de 1988 Se passar outra década discutindo a lei em Una ela chegará tarde Que ela a Mata Atlântica está quase acabando já se sabe graças sobretudo ao aviso de outro americano o historiador Warren Dean Antes de morrer em 1994 ele legou ao Brasil A Ferro e Fogo um livro belo intrincado e sombrio como a floresta úmida Nele se aprende a História do Brasil como meio milênio de desertificação num processo que vara todos os ciclos econômicos desde que em 1500 os portugueses tropeçaram em um meio continente movidos por cobiça e vaidade sem se deixar levar por compaixão ou mesmo por curiosidade O Brasil que eles avistaram pela primeira vez era um litoral coberto por 3500 quilômetros de mata exuberante em uma faixa quase contínua com 1 milhão de quilômetros quadrados em que hoje cabem as fronteiras de dezessete Estados Numa terra cujo cenário começou a amadurecer quando o resto do planeta ainda era triturado por glaciações e turbulências geológicas a tripulação de Pedro Álvares Cabral inaugurou o machado na semana do descobrimento cortando palmito para variar a dieta de bordo A colonização começou com a coleta do paubrasil Depois vieram cinco séculos de queimadas A cana o pasto o café tudo foi plantado nas cinzas da Mata Atlântica Dela saiu a lenha para os fornos dos engenhos de açúcar locomotivas termelétricas e siderúrgicas Até o século passado punhase fogo em madeira de lei nativa e importavase mogno das Antilhas Sobrou menos de 8 da paisagem avistada por Cabral há 500 anos Marcos Sá Corrêa Veja Especial Amazônia 241297 Texto nº 3 O patrimônio natural e o cultural por uma visão convergente A Constituição Brasileira em seu Artigo 216 considera constituintes do patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial portadores de referência à identidade à ação à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira Esse artigo inclui como integrante desse patrimônio as formas de expressão os modos de criar fazer e viver A mesma Constituição define como regiões prioritárias de conservação ambiental a Mata Atlântica a Floresta Amazônica o Pantanal e outros ecossistemas importantes espaços territoriais onde existem subculturas importantes como a dos caiçaras do litoral do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro O Estado implantou nessas áreas uma série de parques nacionais e reservas naturais que pela legislação em vigor levam à exclusão e mesmo reassentamento das comunidades e culturas tradicionais em outras áreas 304 Essa política tem criado inúmeros conflitos entre a administração de parques e reservas e as comunidades tradicionais que ainda presentes nessas áreas protegidas são proibidas de exercer suas práticas econômicas e sociais A prática de pequenas roças o uso de tecnologias patrimoniais na pesca no fabrico de farinha na construção de canoas têm sofrido severas restrições colocando em risco a própria reprodução social e simbólica dessas comunidades tradicionais cujos membros freqüentemente são forçados a migrar para as periferias pobres das cidades da região Aí sofrem um processo de perda de sua identidade cultural com o abandono de práticas simbólicas essenciais à sobrevivência do grupo Essas práticas preservacionistas oficiais impulsionadas por grupos ecológicos urbanos desconhecedores das relações e práticas históricas destes grupos com o mundo natural em grande parte responsáveis pela conservação das florestas e áreas costeiras têm ocasionado a redução da diversidade cultural brasileira e contribuído para o aumento da degradação de matas e mares Na década de 80 a figura do tombamento proposta pelo Serviço Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional foi também proposta seja para preservar o patrimônio natural o tombamento da Serra do Mar das Ilhas do Litoral Paulista seja para preservar o patrimônio cultural tombamento das vilas caiçaras como as de Picinguaba e Icapara nos municípios litorâneos paulistas de Ubatuba e Iguape respectivamente A idéia de patrimônio natural já figurava no DecretoLei nº 25 de 30 de novembro de 1937 visando a proteger valores paisagísticos como sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana Fonseca 1996 Nesse sentido o patrimônio natural tinha seu equivalente no primeiro parque nacional brasileiro o de ltatiaia criado nesse mesmo ano Já em 1934 o Código Florestal definia parques nacionais como monumentos naturais destinados a proteger áreas de grande beleza cênica com composição florística primitiva A conservação do patrimônio natural e a do cultural não podem mais ser consideradas dois processos separados e opostos O desafio maior é ainda o de conservar processos e produtos socioambientais que são dinâmicos e históricos As culturas tradicionais não são peças de museus como sugerem alguns folcloristas mas se encontram profundamente inseridas em formas de vida que subsistem ainda que ameaçadas em muitas regiões brasileiras sobretudo em ecossistemas tidos até agora como marginais como florestas mangues e estuáriosAntônio Carlos Diegues Simpósio sobre Política Nacional do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural 305 Desenvolva o tema que se segue em dissertação de 450 a 600 palavras valor 60 pontos Meio ambiente e patrimônio natural os propósitos da preservação na construção do patrimônio nacional EXEMPLO DE REDAÇÃO concurso de 1998 César Augusto de Oliveira Sauer 5160 Há muito vem o Brasil a explorar sem recorrer ao planejamento de longo prazo os imensos recursos naturais disponíveis O resultado de séculos de devastação ambiental pode ser percebido na mudança climática ora em curso em diversas regiões do País A preservação do patrimônio natural no entanto não implica a renúncia ao aproveitamento econômico tão caro ao patrimônio e à economia nacional Salientese ainda que a estratégia governamental de proteger o meio ambiente e as culturas tradicionais não deve prescindir da educação e da fiscalização ambientais Os ciclos da economia brasileira ao longo da História revelam a maneira com que se tem tratado a questão ecológica A extração do pau brasil quase o levou à extinção a economia açucareira devastou imensos tratos de Mata Atlântica no Nordeste a mineração provocou voçorocas em regiões de Minas Gerais a cultura do café tornou estéreis terras do Vale do Paraíba Por último durante o regime militar de exceção a política governamental de ocupação da Amazônia estimulou a criação extensiva de gado na região acarretando o desmatamento de imensas áreas A solução para o impasse entre preservação ecológica e desenvolvimento econômico passa pelo aproveitamento racional dos recursos naturais A pesca esportiva tão difundida nos países ricos do Hemisfério Norte não somente gera riquezas como também não prejudica o ecossistema A mesma lógica comercial e conservacionista aplicase ao turismo As florestas brasileiras são atrações turísticas em potencial à espera de encaminhamento adequado O conseqüente aumento da renda da população local seria alcançado sem danos para o meio ambiente O papel do Governo nessa questão é fundamental Para fins de preservação ambiental além da exploração planejada dos recursos naturais mister se faz a educação do caboclo da Amazônia no que tange aos métodos de cultivo Formas arcaicas de preparo do solo para o plantio devem ser abandonadas Da mesma forma a fiscalização por parte de órgãos governamentais desempenha relevante missão ao 306 reprimir atividades como o garimpo a pecuária a caça a pesca e a extração de madeira que não obedeçam às normas vigentes de proteção ambiental Por fim o patrimônio cultural representado pelas comunidades tradicionais merece todos os esforços para ser resguardado das investidas da civilização Os irmãos VillasBoas ainda no governo de Getúlio Vargas já se preocupavam com a questão indígena Havia então a necessidade de amenizar o contato entre civilizados e aculturados A criação de parques e reservas para as culturas tradicionais tem representado atitude louvável por parte do Governo Devese ressaltar porém a urgência de providências mais abrangentes tais como a garantia de liberdade para as práticas culturais dessas comunidades e sobretudo a proteção contra a influência externa do homem civilizado Por meio de uma estratégia criteriosa de preservação ambiental o Brasil estará a caminho de reverter a tendência histórica de desenvolverse às custas do meio ambiente Esse novo modelo de desenvolvimento chamado desenvolvimento sustentável possibilitará não só a preservação dos patrimônios natural e cultural da Nação mas também a provisão dos meios necessários para a prosperidade econômica EXEMPLO DE PROVA concurso de 1999 Leia os textos que se seguem Texto nº 1 A ditadura do PC Os americanos absolvem Clinton nas pesquisas mas deixamse asfixiar pelos códigos do politicamente correto O escritor Norman Mailer e outros intelectuais revolucionários tanto na arte quanto na política em seu tempo diagnosticaram que a paranóia sexual nos Estados Unidos é apenas uma variante de um outro retrocesso o movimento politicamente correto Ambos começaram como movimentos em favor da decência da sociedade e protetores dos mais fracos Ambos degeneraram em fascismo diz Mailer Uma pessoa politicamente correta PC não faz piadas racistas ou de conteúdo sexual e evita palavras que contenham insinuações culturais negativas Há todo um dicionário de termos que são considerados corretos e devem ser rigidamente obedecidos pelos que não querem ser vistos como aberrações veja quadro Os negros americanos fizeramse chamar de afroamericanos Os índios de nativos E os gays preferem ser chamados de homossexuais mas já foi o contrário e é preciso ficar atento para não parecer politicamente incorreto 307 Fosse apenas o pecado da palavra e estava tudo muito bem O problema é que o PC no afã de justiça cega que caracteriza o movimento colocou nas universidades legiões de alunos despreparados e incapazes de aprender Preteriramse alunos brilhantes em favor de outros pouco dotados intelectualmente Os escolhidos tinham como virtude acadêmica apenas o fato de ser negros latinos ou ser mulheres e estar grávidas Também as empresas foram obrigadas a contratar levas de candidatos piores apenas porque eles se encaixavam no figurino politicamente correto Nos últimos dois anos tanto as universidades quanto as empresas conseguiram na justiça retomar um pouco do poder de admitir alunos e funcionários não com base em cotas étnicas mas na boa e velha competência Para isso quem não sabe uma dica os PCs são tão fanáticos quanto a juventude hitlerista lembra Camille Paglia A origem filosófica do movimento pode ser encontrada na verdade em outra freguesia tão totalitária e dirigiste quanto a de Hitler a China de Mao TséTung A idéia de carimbar um adversário político ou qualquer pessoa indesejável ao regime com o selo de politicamente incorreto foi um poderoso instrumento de dominação ideológica utilizado por Mao A idéia foi apropriada pelos militantes das minorias étnicas dos Estados Unidos em seguida caiu no gosto das feministas radicais e dos estudantes politizados O escritor David Horowitz autor de Radical Son Filho Radical livro lançado em abril nos Estados Unidos e que faz uma das melhores análises dos descaminhos da esquerda americana levanta um ponto interessante Horowitz espantase com o fato de que o politicamente correto embora seja na raiz um movimento de esquerda radical se viabilizou no país com a ajuda de algumas das mais conservadoras instituições americanas as grandes empresas e as fundações de apoio ao ensino e pesquisa Eurípedes Alcântara Veja 26 de agosto 1998 Analfabeto marginalizado em relação à cultura eurocêntrica Animal selvagem nãohumano que vagueia livremente Antiaborto próvida Branco pobre em melanina Corrupto eticamente diferente Feio cosmeticamente diferente Fome déficit nutricional Gastador poupador negativo Gordo generosamente modelado Podre economicamente marginalizado Politicamente correto a própria expressão deixou a ser politicamente correta Melhor usar culturalmente sensível Prisioneiro cliente do sistema correcional Saqueador consumidor nãotradicional Viciado em drogas privado de sobriedade Novilíngua 308 Texto nº 2 Exclusão semântica Quando o primeiro foguete espacial Ariane 5 explodiu no lançamento a comunicação ao público foi a seguinte pérola que porta voz algum faria melhor O vôo do Ariane 5 não resultou na validação do novo vetor europeu E de um coronel da Força Aérea americana temos a seguinte a respeito dos aceleradores dos foguetes mimosos objetos pesando 135 toneladas Eles exercem uma força explosiva no impacto sobre uma superfície que é suficiente para exceder o limiar aceito de sobrepressão dos danos fisiológicos ao pessoal exposto Eu matogrossense simplório imaginaria que se caísse sobre a cabeça de alguém causaria um belo galo Exemplos divertidos não faltam por aí e muitos estudiosos sérios descobrem o humor involuntário desses convolutos exercícios de expressão Mas o assunto da semântica vai muito além da brincadeira Não sem motivo um dos grandes lingüistas deste século D Bolinger deu a um de seus livros este extraordinário título Linguagem uma Arma Carregada que foi naturalmente muito aperfeiçoada pelos totalitarismos e autoritarismos de todos os sexos imagináveis desenvolvidos subdesenvolvidos ou neutros E ninguém se especializou mais na criação de slogans do que as esquerdas de Lênin ao Grande Pai Stalin As esquerdas brasileiras não ficaram atrás a ponto de o presidente Castello Branco lhes reconhecer três capacidades especiais de organizar manifestações de rua desorganizar a economia e fabricar slogans E para ninguém dizer que só se distinguiram aquelas grandes figuras de esquerda a CNN acaba de informar que o presidente Clinton e os líderes da maioria republicana no Congresso americano Trent Lott e Newt Gringrich receberam do Conselho Nacional dos Professores de Inglês o Prêmio Nacional da Dupla Fala Doublespeak pela linguagem escorregadia e ambígua com que descreveram o acordo deste ano sobre o orçamento equilibrado que se vai traduzir no aumento do endividamento federal Como se sabe quem primeiro usou o termo dupla fala em conexão com os crimes de pensamento foi George Orwell o grande escritor inglês cuja firme integridade o levou primeiro a lutar de armas na mão pela causa da esquerda nos campos de batalha da Guerra Civil Espanhola e depois a denunciar as traições e intrigas das facções a serviço soviético Isso lhe custou ser vítima de um dos mais canalhas patrulhamentos da intelectualidade socialista do tempo Roberto Campos Folha de S Paulo 29 de novembro de 1998 309 Texto 3 Cegueira brasileira O politicamente correto não ridiculariza os EUA como se pensa comumente É surpreendente a facilidade com que no Brasil especialmente nos meios jornalísticos e entre intelectuais idéias preconcebidas fantasiosas e supostamente críticas se generalizam e acabam por absoluta falta de contestação ganhando o status de realidade Um dos exemplos mais impressionantes do desconhecimento travestido de senso crítico é a imagem que se criou entre nós do que seja a sociedade norteamericana e particularmente do que significa nos EUA o politicamente correto Supõese em geral que o país tratado freqüentemente como um bloco indiferenciado esteja inteiramente dominado por leis repressivas que cerceiam a liberdade individual enrijecem as relações entre homens e mulheres abalam a espontaneidade e destroem o senso de humor Do que exatamente estamos falando quando nos referimos ao politicamente correto Tratase somente de uma série de normas que asfixiam o vocabulário restringem as relações interpessoais e substituem a competência pelo sistema de cotas Alguém acredita de fato que a sociedade norteamericana passou a se devotar gratuitamente o exercício da autocontenção e à disseminação de um vocabulário repleto de ridículos eufemismos Não é curioso senão melancólico o fato de repetirmos os mesmos velhos comentários pretensamente argutos sobre o politicamente correto tantos anos depois de o debate lerse iniciado e diversificado nos EUA Para evitar a hegemonia de uma visão unilateral sugiro abordarmos o tema de forma um pouco menos provinciana em primeiro lugar não podemos esquecer que a despeito de todos os seus efeitos perversos a discussão em torno do politicamente correto diz respeito a problemas que no Brasil temos enorme dificuldade em enfrentar como a discriminação racial a violência doméstica a violência de gênero a homofobia e o etnocentrismo por exemplo Os abusos que têm ocorrido na América do Norte perpetrados em nome dos direitos civis vêm sendo freqüentemente confundidos por nossa ignorância ilustrada com a própria substância dos movimentos em torno desses direitos O fato de centenas de milhares de mulheres terem rompido o muro de silêncio da violência doméstica e das agressões sexuais e o fato de os afroamericanos terem tido acesso a posições que dificilmente alcançariam 310 em outros tempos parece ter sido obscurecido por uma dezena de histórias bizarras que generalizadas passaram a refletir a sociedade dos EUA em sua totalidade Quando penso em os americanos não vejo apenas os homens brancos protestantes com bandeiras nacionais tremulando na porta de casa ou as feministas ensandecidas que a imprensa brasileira costuma destacar e generalizar o que é lamentável em se tratando de um cenário caracterizado exatamente pela multiplicidade de feminismos A sociedade norteamericana é tudo menos homogênea e tampouco estática Ao contrário tratase de uma sociedade profundamente experimental no que concerne ao comportamento e às normas que procuram regulálo Falar em os americanos desconsiderando a diversidade cultural de um país com enorme população de afroamericanos asiáticos e hispânicos entre tantos outros é um ato falho que reflete não só o desconhecimento das dinâmicas culturais mas sobretudo a necessidade de construir um modelo reduzido e simplificado de classificação dos fenômenos sociais Camille Paglia e Norman Mailer críticos radicais do politicamente correto representam apenas uma faceta de um debate intenso e de uma mobilização permanente que a mídia brasileira sempre esquece de noticiar quando retrata unilateralmente a chamada ditadura do politicamente correto Os casos que continuam a ser noticiados no Brasil anos depois de ocorridos como o do menino processado por beijar a coleguinha na escola são também na América do Norte considerados ridículos e extremados Mas insistese no Brasil em reproduzilos como se fossem ilustrações vivas da camisadeforça em que vivem os americanos Houve e ainda há exageros radicalismos e absurdos ninguém nega Esquecese entretanto de que os efeitos perversos e as ameaças às liberdades individuais fontes legítimas de inquietação aconteceram em decorrência de mudanças profundas que beneficiaram parcelas significativas da população ampliando como nunca o universo da cidadania Nos EUA o desafio já está posto há algum tempo e a sociedade discute intensamente os limites da regulação do comportamento e a redefinição das fronteiras entre o público e o privado Enquanto ainda supomos que o país se deixa dominar por uma nova ortopedia social os americanos já mobilizam poderosas reações vivem confrontos recuos retrocessos e reafirmações e desenvolvem novos organismos destinados tanto a combater os excessos quanto a restaurar antigas prerrogativas Há portanto um processo dinâmico de debates permanentes que insistimos no Brasil em não enxergar Confundese aqui a confortável 311 inércia e a resistência à mudança com a suposta espontaneidade de um modelo criativo de convívio entre dessemelhantes Agarramonos infantilmente às falhas e aos excessos de uma experiência capaz no limite de ameaçar e desalojar velhos privilégios para construir a imagem primitiva e cristalizada de um país que estaria dominado pelo radicalismo conservador e falta de imaginação Para quem acha graça em piadas racistas e precisa delas para alimentar seu senso de humor uma sugestão que tal se divertir com a enxurrada de piadas sobre o politicamente correto popularizadas nos Estados Unidos e incorporadas espertamente ao poderoso mercado editorial Barbara Musimeci Soares Folha de S Paulo 13 de dezembro de 1998 Desenvolva o tema Semântica comportamento e discriminação positiva até onde ir no politicamente correto extensão de 450 a 600 palavras valor 60 pontos EXEMPLO DE REDAÇÃO Daniel Roberto Pinto 4760 O filósofo e ensaísta George Steiner observou certa vez que os artigos e livros publicados em alemão após a Segunda Guerra Mundial não mais atingiam os picos de graça e criatividade da fecunda primeira parte do século A maior obraprima do pósguerra neste idioma Dr Faustus de Thomas Mann foi redigido num estilo original inspirado no alemão arcaico Isto se devia segundo Steiner à contaminação do idioma pelo seu uso como língua oficial do Terceiro Reich palavras como relâmpago solução final tratamento comuns e necessárias no diaadia passaram a adquirir outras conotações por vezes mórbidas À semântica é implacável e sua vingança não tarda Sim as palavras com suas denotações e conotações influenciam o pensamento e portanto também o comportamento Todos conhecemos o efeito de expressões como negro correndo é ladrão judeu é pãoduro e lugar de mulher e é na cozinha sobre a carga semântica das palavras negro judeu e mulher Fica em conseqüência alterada a nossa percepção do outro o que acabará se refletindo em nosso comportamento Justifica se portanto o combate a estas expressões pejorativas pela erradicação 312 do seu uso na nossa linguagem cotidiana ou até em manuais escolares onde por vezes se insinua Será então lícito esperar que prejudicada a transmissão dos preconceitos estes retrocedam até certo ponto O movimento politicamente correto abraçou esta causa juntamente com a da ação positiva cujo papel no surgimento de uma próspera classe média negra no crescimento da participação das mulheres na sociedade no progresso sócioeconômico dos hispânicos é inegável Os Estados Unidos tem o mérito de estarem discutindo há décadas a questão da integração social Não há duvidas para judeus negros hispânicos mulheres e católicos romanos nunca foi tão bom viver nos EUA É fato comprovase e representa até certo grau uma história do movimento Mas há armadilhas Quando o movimento politicamente correto ou antes uma de suas vertentes assume uma postura agressiva de patrulha quando professores de literatura são tachados de preconceituosos por ensinarem escritores mortos brancos europeus e homens quando qualquer imprudência verbal pode levar a um processo judicial quando se abre mão da objetividade em prol de um relativismo total em que todas as culturas se equivalem então a sociedade privada de qualquer ponto de referência se desintegra e os maiores prejudicados são aqueles que originariamente se pretenda ajudar O programa de ação positiva sofre também por seus excessos a tal ponto que não são poucos os negros que hoje defendem a sua extinção Pela sua própria natureza o programa suscitou inúmeros ressentimentos e o que é pior lançou sobre os beneficiados a pecha de incapazes de vencer sem ajuda Toda sociedade por mais diversificada que seja como a dos EUA precisa se sustentar em valores comuns Que haja portanto um movimento em prol da elevação da linguagem Que se defenda a igualdade de oportunidades com base na educação de alto padrão para todos Mas se o movimento políticamente correto ultrapassar as barreiras do razoável o risco será alto não haverá mais linguagem comum e nem consenso sobre o conteúdo e o significado da educação O oposto do totalitarismo como descrito no inicio desta dissertação mostrarseá um mal tão grande quanto ele 313 EXEMPLO DE PROVA concurso de 2000 Leia os textos que se seguem Texto nº 1 Pesquisa Variacionista e Ensino Discutindo o Preconceito Lingüístico Todos nós sabemos que direta ou indiretamente um dos maiores problemas do ensino de língua portuguesa passa pela questão do preconceito lingüística Na maior parte das vezes o ensino de gramática é feito de forma rígida como se tudo fosse inerentemente errado O ensino normativo tem o objetivo explícito de banir das línguas formas ditas empobrecedoras formas ditas desviantes formas consideradas indignas de serem usadas por homens de bem E na perseguição deste objetivo no sentido mais literal do termo muitas vezes e com freqüência banemse da escola não as formas lingüísticas consideradas indesejáveis mas as pessoas que as produzem porque estas formas são normalmente aquelas produzidas em maior quantidade pelas pessoas de classe social sem prestígio As pessoas de classe prestigiada também produzem as formas consideradas indesejáveis só às vezes em menor quantidade Em nome da boa língua praticase a injustiça social humilhado o ser humano por meio da nãoaceitação de um de seus bens culturais mais divinos o domínio inconsciente e pleno de um sistema de comunicação próprio da comunidade ao seu redor E mais do que isto a escola e a sociedade da qual a escola é reflexo fazem associações sem qualquer respaldo lingüístico objetivo entre domínio de determinadas formas lingüísticas e elegância e deselegância entre domínio de determinadas formas lingüísticas e competência ou incompetência entre domínio de determinadas formas lingüísticas e inteligência e burrice Com que direito visões preconceituosas podem ser reforçadas As questões que envolvem a linguagem não são simplesmente lingüísticas são acima de tudo ideológicas E a Sociolingüística produz fatos para colocar lenha na fogueira deste debate e particularmente no debate público sobre o preconceito lingüístico corroborado tacitamente pela maior parte dos membros de uma comunidade lingüística Sabese bem que infelizmente língua é também instrumento de poder língua é também instrumento de dominação língua é também instrumento de opressão Ainda não vi e gostaria de ver um dia a utopia faz parte da vida a língua ser usada como um real instrumento de libertação 314 Então os resultados da pesquisa sociolingüística podem ser usados para a discussão do preconceito lingüístico apresentando fatos inquestionáveis que evidenciam que as pessoas não estão simplesmente nocauteando a concordância tropeçando ou cometendo gafes mas sim deixando seu vernáculo emergir numa situação de fala em que muitos não admitem que ela possa emergir William Labov bem o coloca que quando estamos completamente envolvidos com conteúdo lingüístico da nossa fala deixamos de nos policiar e deixamos o vernáculo emergir vernáculo este que muitas vezes não coincide com as formas codificadas e ao longo do tempo sentidas como as únicas formas legítimas por grande parte dos usuários da língua Relembro todavia que também não deveríamos perder de vista a possibilidade de podermos contribuir para a codificação de uma norma mais realística mais interessante que contemplasse valores diversos que refletisse um pouco mais a nossa identidade lingüística e que restituísse aos alunos o prazer ele estudar português dando vez à pluralidade de normas Finalizando considero que com os resultados que temos em mão não temos o direito de nos omitir diante das situações concretas de preconceito lingüístico Mais do que isto temos o dever de nos manifestar É o exercício da cidadania Transcrevo a seguir uma parte de minha primeira carta enviada ao Correio Braziliense que reflete bem a minha visão a respeito do preconceito lingüístico e de suas implicações perversas Para mim igual ou pior do que o preconceito de religião raça cor sexo classe social entre outros é o preconceito lingüístico porque ele é sutil e por razões históricas corroborado pela maior parte da sociedade como algo natural O preconceito cria a falsa idéia de que há uma língua melhor do que outra de que há um dialeto melhor do que outro Pior do que isto cria também a falsa idéia de que quem domina as formas de prestígio é mais inteligente mais capaz Confundir discurso político com a língua de um povo é pensar esta língua como algo pequeno demais E confundir forma de falar com competência ou com inteligência significa ver a língua apenas como instrumento de poder e de dominação não como um poderoso instrumento de comunicação A língua de qualquer povo em qualquer época é um instrumento extremamente poderoso porque presta a múltiplas funções transmitir mensagens objetivas organizar o pensamento expressar os desejos e as emoções convencer os outros estabelecer contatos e até mudar o 315 estado das coisas ou seja até realizar atos Mas este precioso instrumento também pode servir a instintos nada nobres pode servir para oprimir para discriminar para enganar para mentir e até infelizmente para alijar o ser humano do meio produtivo Maria Marta Pereira Scherre Pesquisa Ensino da LínguaContribuições da Sociolingüística UFRJCNPq Rio de Janeiro 1996 Texto nº 2 Outrossins Já escrevi sobre isso Na ocasião fui ácido na crítica no que aliás acho que fiz muito bem Do que estou falando Estou falando é de certos indivíduos que passam a vida entre o cinza e o marrom a hedionda raça dos burocratas Todos engajados com afinco em lidar com papéis encaminhá los despachálos e sobre eles deitar falação geralmente num estilo de bula de remédio São montanhas cordilheiras de cartas ofícios avisos pareceres e todo tipo de correspondência que vai daqui para ali numa penosa melopéia canina Ao Sr Assessor Ao Sr Chefe Ao Sr Diretor Isso desde o simples bilhete que só atravessa a Esplanada dos Ministérios nas mãos do contínuo até o pesado processo que cruza a nação inteira e se destina a seu mais longínquo igarapé Não me refiro ao conteúdo dessa papelada Ela obviamente traduz a própria razão de ser do serviço público Reclamo é da lamentável forma como são escritos esses documentos oficiais e oficiosos É mais do que tempo de tornar inteligível e fluida a redação na administração pública De falar português claro Sim porque causa espanto e náusea o blablablá rococó e gongórico que escorre espesso e obscuro pelas mal traçadas linhas da maioria dos processos escritos nestes brasis Há em vigor recomendação explícita no sentido de simplificar os textos Mas como outras essa também não pegou É olimpicamente ignorada por cidadãos pressurosos em bajular o chefe com palavras empoladas e ocas numa verborragia que não conhece começo início nem fim Coisas como destarte inobstante máxime outrossim e assim por diante Outrossim Você ouviu alguém pronunciar essa palavra Uma vezinha só na vida Pois bem meu amigo e no entanto as cartas e os ofícios estão cheios dela dela que não altera ou acrescenta coisíssima alguma E que dizer do fim dos textos quando surge aquele grotesco parágrafo que ninguém rigorosamente ninguém lê e se lesse não acreditaria um pingo no que ele declara Renovo meus protestos de estima ou pior ainda Colho o ensejo para reiterar meu apreço 316 Colho o ensejo Protestos de estima Mais uma vez paciente leitor você já escutou isso da boca de alguém Duvido Pois há quem escreva e lá se vai uma fortuna em tempo e dinheiro com tamanha baboseira A redação oficial não deve cultivar pretensões literárias Estas são terreno dos literatos que diabo Há sujeitos porém que se dão ao desplante de escrever com o dicionário do lado só para escolher palavras mais difíceis Conheço um que adora trocar o tão comum verbo ligar pela raridade que é o verbo jungir só para provocar efeito na quadrada cabeça do seu chefe Existem pérolas nesse campo fértil No Banco do Brasil certa vez circulou uma carta que começava assim Assunto Cobra e prosseguia O Sr Fulano de Tal dirigiuse a esta seção informando ter sido picado pela epigrafada Blearghhh Há ainda o reino da nebulosidade Nele nada supera este trecho de uma instrução do então recémcriado Banco Central pelos idos de 1965 Fazse notar que os parentes consangüíneos de um dos cônjuges são parentes por afinidade do outro os parentes por afinidade de um dos cônjuges não são parentes de outro cônjuge São também parentes por afinidade da pessoa além dos parentes consangüíneos de seu cônjuge os cônjuges de seus próprios parentes consangüíneos Tente decifrar e você cumprirá um delirante exercício de piruetas mentais Mera coincidência enquanto reflito sobre tanta sandice vejo na televisão um político de prestígio dizer simplesmente o seguinte Nada veio de grave nas objugatórias de Sua Excelência Sinto justa perplexidade pois não estou defendendo o pobre e monossilábico vocabulário usado pela garotada infelizmente formado a partir dos roncos primitivos do rock Mas tenha paciência objurgatória E por aí afora Até hoje os ofícios das repartições militares começam como no tempo do Barão de Paranapiacaba Solicitação faz maneira bicentenária e anacrônica de pedir alguma coisa a alguém Repitoninguém que regule bem diz coisas assim Meu amor apraz me comunicar que vou à sua casa amanhã Outrossim informo que chegarei para o jantar ou você está uma gracinha querida Destarte podíamos fazer um programa se lhe aprouver e lá se vai o programa por água abaixo Falando sério você já calculou quanto o Brasil gasta com tamanha besteira Milhões de linhas diariamente datilografadas ou digitadas um custo altíssimo em fitas de máquinas papel e tempo completamente perdido Sim porque suprimidas tais palavras e frases o sentido da mensagem em nada se altera e sobretudo não há um só destinatário neste planeta que se 317 comova com reiteradas manifestações de subida consideração Muito menos a mulher que na cama escuta o marido formal sussurrarlhe ao ouvido Boa noite meu bem Renovo minhas expressões de distinta consideração com o que me despeço Até amanhã Tudo isso é absurdo mas continuam as pobres secretárias datilografando o dia inteiro encômios alvedrios e alvitres além de zelarem com a máxima atenção pela ridícula margem direita que atraso Saudades de Hélio Beltrão que fez ventilar ar puro no seu tempo à frente do Ministério da Desburocratização Foi bom enquanto durou Depois retrocedemos e agora só nos restam o tédio e o bocejo Márcio Cotrim Texto nº 3 GiLuminoso Deus anda bom demais comigo Não sei se mereço tantas gentilezas dEle Na última terçafeira a dádiva veio de um inesperado convite para ver Gilberto Gil que participava em São Paulo do lançamento do livro GiLuminoso A poÉtica do Ser trabalho do poeta Bené Fonteles baseado na fecunda obra do mestre baiano Gilberto Gil é dessas almas iluminadas alma de poeta que o criador envia ao planeta com a missão de traduzir o sentimento de seu povo E Gil o faz com textos que primam pela criatividade pelo bom gosto e por que não pela correção Além de bálsamo para corações e mentes a poesia de Gil é verdadeira aula de português Vejamos alguns casos pinçados desse encontro Em SuperHomem a Canção belíssima letra que até hoje incomoda muita gente Gil usa com mestria um tempo verbal dos mais interessantes o maisqueperfeito Verdadeira tortura em certas aulas de português esse tempo de nome enigmático Por que maisqueperfeito perguntase a garotada cuja expectativa nem sempre o professor satisfaz surge na letra com dois valores distintos Na primeira ocorrência Minha porção mulher que até então se resguardara o maisqueperfeito em sua forma simples que equivale à composta tinha resguardado é usado com seu valor específico E que valor é esse Basta ver por que o maisqueperfeito tem esse nome Na verdade antes é preciso saber por que o pretérito perfeito se chama perfeito A palavra vem do latim perfectu que ao pé da letra significa feito completamente Não é à toa que se diz por exemplo que uma obra de arte é perfeita Se é perfeita não lhe falta nada está completamente feita 318 Na letra de SuperHomem Gil começa dizendo Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria A forma verbal vivi é do pretérito perfeito portanto indica algo passado e acabado feito completamente Quando o poeta diz Minha porção mulher que até então se resguardara emprega o maisqueperfeito resguardara até o momento em que deixou de existir a ilusão de que ser homem bastaria Pois bem se vivi que por extensão contextual implica a idéia de que deixei de viver é pretérito perfeito resguardara que indica fato mais velho anterior só pode ser maisqueperfeito ou seja mais velho que o perfeito Como outros tempos verbais o maisqueperfeito tem valores paralelos periféricos Um deles aparece na mesma letra Quem dera pudesse todo homem compreender ó mãe quem dera Como ocorre com Tomara que vem da primeira pessoa do singular do pretérito mais queperfeito do verbo tomar dera é do maisqueperfeito do verbo dar mas não se emprega com o valor específico desse tempo Dera no caso expressa desejo e funciona tal qual se vê em algumas formas do futuro do pretérito como gostaria desejaria etc Outro belo exemplo de Gil presente no livro está em Tempo Rei letra em que o imperativo é usado com leveza e adequação Tempo rei ó tempo rei ó tempo rei transformai as velhas formas do viver Ensinaime ó pai o que eu ainda não sei Mãe Senhora do Perpétuo socorrei A segunda pessoa do plural empregada nas formas do imperativo afirmativo transformar ensinai e socorrei confere ao texto tom de oração oração ao deus tempo E pensar que alguns deuses menos nobres é claro do ensino lingüístico pregam à sumária eliminação das segundas pessoas tu e vós dos livros de português Para esses nobres senhores o verbo seria conjugado só nas primeiras pessoas eu e nós e nas terceiras ele eles você vocês E se dizem modernos democratas e libertários Para eles liberdade é omitir é negar o futuro cidadão o direito de conhecer todas as formas da língua Em última análise é fazêlo imaginar que Gil Machado de Assis Fernando Pessoa e Vieira escrevem na língua de outro planeta Em Porto Alegre onde estive recentemente para proferir palestra durante a importante Feira do Livro que lá se realiza o professor Paulo Ledur presidente da Câmara do Livro disseme que em muitas escolas algumas delas públicas do Rio Grande do Sul são adotados esses livros de português que omitem a segunda pessoa Logo lá terra em que o delicioso tu muitas vezes com o verbo com o s da segunda pessoa tu podes 319 tu viras é ouvido em cada esquina Sem comentários Pasquale Cipro Neto O Globo 28111999 p34 Desenvolva o tema O bom usuário do idioma é quem sabe infringilo no momento certo extensão de 450 a 600 palavras valor 60 pontos EXEMPLO DE REDAÇÃO Márcia Nazaré Souza Chaves 5560 Li já a um tempo uma crônica muito interessante de Luís Fernando Veríssimo acerca de sua falta de apego por assim dizer à norma culta da Língua Portuguesa Contava a estória de uma entrevista da qual teria sido vítima uma estudante o teria procurado como expert no uso da língua para dele colher algumas lições Veríssimo retratouse então como um enganador alguém que absolutamente não conhece as regras gramaticais e nem tem muito interesse em com elas ter intimidade pois dizer que algo está claro pode até não estar certo mas está claro certo Estou com o Veríssimo Acredito aliás que a companhia não poderia ser melhor O bom uso da língua ultrapassa o conhecimento da regra A norma nada mais é senão um acessório Valioso é verdade mas ainda assim acessório Mais importante que a forma é a mensagem Conhecer a língua é no meu entender usar a regra como aliada como forma de esclarecimento de aproximação do meu alvo como maneira de chegar mais rápido e mais fácil ao meu destino final a plena compreensão da mensagem pelo ouvinte Quando se fala ou se escreve há que se pensar não em si mesmo mas em quem ouve em quem lê Se este não conseguiu compreender a mensagem de que valeram as regras do meu bom português Sempre comunguei da idéia de que o nível da fala deve se adequar ao ouvinte e não ao falante E você não precisa obrigatoriamente falar errado para isso basta falar claro certo Ah Veríssimo Talvez a maioria esmagadora dos políticos e não me refiro só aos brasileiros não concorde comigo Afinal clareza não é um bem perseguido por essa classe principalmente junto ao eleitorado mais pobre que ainda 320 confunde gramatiquês com bom português persistindo aquela velha idéia de que quanto mais rebuscado o discurso melhor preparado está o candidato Rodrigues Hapa na sua Estilística da Língua Portuguesa possui opinião um tanto extrema sobre o assunto que poderia ser resumida mais ou menos assim se é para acabar com a espontaneidade com a riqueza da língua em nome da regra morra a regra Nem tanto ao mar caro mestre Vamos aplicar o princípio da coerência do aceitável Não desprezamos o vocabulário de nosso estudante somente porque ele não sabe usar o pretérito maisqueperfeito cuja prática exige uma sutileza um certo jogo de cintura que ele não consegue alcançar Paciência Sempre restará o pretérito perfeito cuja objetividade talvez esteja mais próxima de sua realidade Assim se o seu filho ainda no processo deformação da fala emite um eu fazi não o culpe corrigindoo de pronto como se ele fosse um burrinho O seu processo mental foi perfeito Como poderia ele imaginar que o pretérito perfeito do indicativo desse verbo sofre uma variação de radical esbanjando irregularidade Ele pode até não ter falado certo mas parafraseando nosso bom e velho Veríssimo foi claro certo 321 Lição 12 Coesão textual Exercícios QUESTÃO 1 A Marquesa de Alegros ficara viúva aos quarenta e três anos e passava a maior parte do ano retirada na sua quinta de Carcavelos As suas duas filhas educadas no receio do céu e nas preocupações da moda eram beatas e faziam o chique falando com igual fervor da humildade cristã e do último figurino de Bruxelas Um jornalista de então dissera delas Pensam todos os dias na toilette com que hão de entrar no Paraíso QUEIRÓS Eça de O crime do Padre Amaro In Obras de Eça de Queirós Porto Lello e irmãos sd volI p22 Como se nota as filhas da Marquesa de Alegros vêm caracterizadas satiricamente por meio de um jogo de coesão marcado pela seleção de dois conjuntos de palavras e expressões que pertencem a dois campos de significado opostos entre si de um lado ocorrem termos que se incluem no universo conceitual da espiritualidade de outro termos que se incluem no universo da materialidade Representando esquematicamente temos Universo da espiritualidade Universo da materialidade receio do céu preocupações da moda beatas faziam o chique humildade cristã último figurino Nesses pares o segundo termo desmente o primeiro expondo a contradição entre eles a qual vem ridicularizada no período final Procure usando um esquema similar de escolha de palavras que se opõem ridicularizar a contradição daqueles que se dizem devotados à causa pública mas na verdade seu procedimento é todo dirigido à satisfação das ambições pessoais ou de seu grupo QUESTÃO 2 Mal usados os mecanismos de coesão podem provocar ambigüidades de efeitos grotescos É o que acontece com o trecho jornalístico a seguir transcrito de um vestibular da Unicamp 322 A oncocercose é uma doença típica de comunidades primitivas Não foi desenvolvido ainda nenhum medicamento ou tratamento que possibilite o restabelecimento da visão Após ser picado pelo mosquito o parasita agente da doença cai na circulação sangüínea e passa a provocar irritações oculares até perda total da visão Folha de S Paulo 021190 apud Unicamp 91 a Do modo como está redigido esse trecho nos induz a depreender da sua leitura um sentido absurdo Qual é esse sentido b Levando em conta o seu conhecimento de mundo procure presumir o significado pretendido pelo redator e reescreva o trecho de modo a deixar clara essa pretensão QUESTÃO 3 O trecho que segue foi extraído de uma conferência do antropólogo Roberto da Mata Após algumas páginas em que trata da prática do clientelismo em nossa política deplorando a naturalidade com que os políticos nomeiam seus parentes para cargos públicos o conferencista acrescenta o que segue Clientelismo histórico Estudando tais casos deduzse uma norma capaz de explicar a crônica ineficiência das nossas administrações públicas Quero me referir ao fato de que neste sistema o cargo é proporcional ao grau de relacionamento Parentes próximos compadres e amigos do peito aspiram não obstante suas qualificações a altos cargos Uma tia velha pode ser nomeada fiscal do consumo uma namorada pode vir a ser indicada como gerente de uma carteira do Banco do Brasil em Paris um primo carnal poderá ser secretário de Estado MATA Roberto da Brasileiro Cidadão 1ª ed São Paulo Cultura Editores Associados p15 Como se vê a orientação argumentativa do texto tem a intenção de ridicularizar a administração pública e explicar sua ineficiência Esse resultado é obtido por um jogo de coesão que correlaciona de um lado termos hipônimos do hiperônimo cargo e de outro hipônimos de parentesco deixando claro que apesar da falta de qualificação os parentes são nomeados para os mais diversos cargos Essa relação entre cargo e parentesco vem exemplificada por palavras hipônimas aquelas que estão contidas num conceito mais geral dessa forma 323 Conceitos gerais ou parentesco cargo hiperônimos tia velha fiscal do consumo hipônimos namorada gerente de uma carteira do Banco do Brasil em Paris primo carnal secretário de Estado Usando o mesmo tipo de coesão por hipônimos tente acrescentar a esse mesmo texto um trecho que exemplifique o desprezo pela relação competência e cargo QUESTÃO 4 Tinha razão o camponês que declarou no VIII Congresso dos Sovietes tudo vai bem Mas se a terra é para nós o pão é para vocês isto é para os comissários a água é para nós mas o peixe para vocês as florestas são para nós mas a madeira para vocês Izvestia de Kronstadt 25031921 citin Henri Arvon A Revolta de Kronstadt apud vestibular de História Fuvest 94 O trecho acima cria um efeito irônico por meio de um jogo argumentativo com o conector mas que como se viu estabelece uma relação de contrajunção ligando enunciados com direção argumentativa contrária Após dizer que tudo vai bem o camponês contrapõe a essa afirmação três seqüências em que opõe os bens de produção terra água florestas aos bens de consumo pão peixe madeira Como é próprio do mas o que vem à sua direita tem um peso argumentativo maior do que o vem à esquerda Com isso reforça a ironia dizendo que o que pertence ao nós é menos vantajoso do que o que pertence ao vocês os comissários Suponha que o texto comece assim Tinha razão o representante dos trabalhadores que declarou numa reunião com representantes do empresariado brasileiro tudo vai bem Mas Continue o texto seguindo o mesmo jogo argumentativo do camponês de Kronstadt adaptando porém o conteúdo das declarações à realidade brasileira atual 324 QUESTÃO 5 Vi uma fotografia sua no metrô Numa frase como essa fora do contexto o anafórico sua dá margem a várias interpretações para o mesmo enunciado Dentro de um contexto determinado porém a ambigüidade pode ser desfeita Redija um trecho colocando a frase dentro de um contexto em que fique claro apenas um dos seus significados Exemplo Eu não sabia que você andava fotografando ganhando prêmios e expondo suas fotos em lugares públicos Pois ontem vi uma fotografia sua no metrô QUESTÃO 6 O uso inadequado de conectores entre os enunciados muitas vezes não produz ambigüidades nem afeta o sentido que o enunciador quis dar ao que falou ou escreveu mas indica falta de conhecimento da norma padrão Com isso desqualifica a imagem social do falante e assim enfraquece o poder argumentativo do texto Com os pronomes relativos é muito comum a ocorrência de problemas desse tipo Em todas as frases que seguem o pronome relativo está usado inadequadamente Reescrevaas de acordo com as prescrições da norma culta I Um cidadão de qualquer cultura tem sempre muito prazer em exibir aos visitantes os atributos e as particularidades que a sua cultura se tornou notória II No Brasil mesmo um grande autor como Jorge Amado que as obras dele são traduzidas em vários idiomas não vende mais livros do que um autor menos popular nos Estados Unidos III O século XX que em sua longa seqüência de anos não se conseguiu reduzir a barbárie suporta em seu currículo uma incômoda estatística de 187 milhões de pessoas vítimas de massacres de todo tipo IV O custo humano das conquistas do regime soviético que sobre os números dele não existem estatísticas consensuais foi excessivo e intolerável V A economia americana que nenhuma outra se iguala no mundo durante o período de 1880 e 1914 beneficiouse ainda da última guerra mundial 325 VI A Receita Federal perde cerca de 4 bilhões de reais com o contrabando do Paraguai São cerca de 800 ônibus diários levando um exército de sacoleiros onde se pode perceber que as estatísticas não são tranqüilizadoras para o governo QUESTÃO 7 Procure completar os trechos que seguem dando continuidade à orientação argumentativa indicada pelo conector grifado I Os jornais em época de eleição não têm assumido com seriedade o seu compromisso de informar corretamente o leitor sobre os candidatos Não apuram a verdade das propagandas não ouvem o outro lado não se preocupam com avaliar a viabilidade das mirabolantes promessas de campanha Além disso II O cidadão não está obrigado a pagar mais impostos do que a lei determina Por isso se ela permite manobras para a pessoa física ou jurídica pagar menos impostos não se pode tachar esse ato de corrupção Entretanto III No carnaval de 1994 um rumoroso caso agitou a opinião pública nacional O então Presidente da República Itamar Franco foi fotografado ao lado de uma modelo num camarote do sambódromo do Rio de Janeiro A imprensa alardeou ostensivamente o escândalo provocado pelo fato de a modelo ter aparecido sem calcinha na foto Não deu porém quase nenhum destaque ao fato de o Presidente da República Supremo Magistrado da Nação ComandanteChefe das Forças Armadas que jurou defender a Constituição e as leis estar num camarote comprado por bicheiros Houve portanto IV Como em qualquer outra profissão os jornalistas não estão livres da corrupção Há a pequena corrupção na qual repórteres e editores aceitam presentes caros ou trocam favores com empresários e políticos Há também entre outras variantes a grande corrupção que envolve grandes somas de dinheiro ou o equivalente em espécie Apesar disso Revista Imprensa março de 94 n78 p4 QUESTÃO 8 Como se sabe sobretudo a partir da década de 80 o movimento dos chamados semterra surgiu como conseqüência de um dos graves problemas da 326 cena econômica e social do Brasil Como todo movimento dessa natureza formaramse em torno dele correntes de opinião contrárias As duas vertentes dentro do debate exprimemse lingüisticamente em torno de dois conceitos básicos os que consideram o ato dos semterra como invasão os que o interpretam como ocupação de fazendas ou terrenos urbanos Redija um parágrafo sobre cada uma dessas versões explorando recursos de coesão lexical para marcar com clareza a posição de quem o escreveu seja para caracterizar o ato como invasão mais grave ou como simples ocupação mais ameno 327 Lição 13 Coerência textual Exercícios QUESTÃO 1 A apresentação de dados estatísticos brutos sem levar em conta a sua relatividade cria um tipo de incoerência que esvazia completamente o poder argumentativo desses dados O trecho que vem a seguir ilustra esse tipo de inconveniente Por que medo de avião O avião é propicio ao medo fechado e com gente aglomerada Você não tem domínio da situação nem jeito de escapar Além disso o vôo em si gera ansiedade Há também claro os riscos de qualquer viagem Andar de avião é mais seguro do que tomar banho No ano passado 200 americanos morreram em acidentes aéreos No mesmo ano 800 perderam a vida por causa de objetos que caíram em suas cabeças e 300 porque escorregaram na banheira Isso sem contar os 42 mil que morreram em acidentes de carroBettina Monteiro Viagem e Turismo setembro de 1996 No segundo parágrafo a redatora lança mão de dados para argumentar a favor da afirmação contida no primeiro período a Por que esses dados não funcionam como um argumento irrefutável para provar o que ela pretende b Suponha o seguinte tópico frasal Andar de avião é mais seguro do que se pensa Usando os mesmos dados ou acrescentando outros desenvolva esse parágrafo conferindo coerência a ele QUESTÃO 2 Mais importante do que o mero conhecimento de dados e cifras é a capacidade de perceber suas correlações e implicações Observe estes dados A conta é de Carlos Augusto Montenegro dono do Ibope Com o Real a audiência da TV brasileira caiu 12 Veja 7695 p 49 Além disso no Brasil segundo uma pesquisa que eu vi na sala do Boni 78 das pessoas só se informam pela televisão CRUZ Alberico de Souza Veja 7695 p 44 328 Redija um parágrafo que tire dos dados apresentados uma conclusão compatível dentro dos princípios da coerência textual QUESTÃO 3 Leia com atenção o trecho que segue Maravilhoso e utilíssimo instrumento a memória Sem ela mal pode o raciocínio desempenhar o seu ofício Ora ela me falta por completo O que me desejam perguntar devem fazêlo parceladamente pois responder a um assunto em que haja muitas coisas importantes ultrapassa minha capacidade MONTAIGNE Michel Equem de O pensamento vivo de Montaigne apresentado por André Gide São Paulo Martins Edusp 1975 p57 A deficiência de memória no entanto podenos ser benéfica sobretudo nos casos em que nos é penosa a lembrança de episódios traumáticos da vida passada como foi o de um acidente de que fui vítima há exatos quinze anos nove meses e dois dias Foi na primavera no dia 29 de setembro de 1563 na França Eram dez horas e vinte e cinco minutos da manhã quando cavalgava minha montaria predileta um cavalo árabe de cinco anos e três meses aferroado por vespa entre os dois quadris disparou em desenfreada carreira fazendome bater a cabeça contra um grosso galho de mangueira que ladeava a estrada que saía do portão do meu castelo e ia dar no município vizinho de Dresden pequeno povoado com 25000 habitantes Por felicidade do destino meia hora após o acidente passava por lá um médico holandês que me socorreu levandome até o hospital de Dresden onde após exames de laboratório fui submetido a uma cirurgia que me salvou a vida Sou até hoje grato a esse médico Jackes Van Dirk bonachão de barba branca amarelada pela fumaça dos seus prediletos charutos Havana O primeiro parágrafo dessa narração foi extraído dos Ensaios de Montaigne O segundo foi forjado e contém incoerências de vários tipos narrativa figurativa temporal espacial tanto no plano intratextual quanto no extratextual Reescreva o segundo parágrafo eliminando as incoerências Se necessário consulte uma enciclopédia sobre datas lugares e fatos 329 QUESTÃO 4 No romance Diva o narrador assim se manifesta a respeito de um dos personagens Geraldo pertencia à classe de homens a quem lateja a moleira toda a vida e velhos já são ainda meninos de cabelos brancos Não lhe admire portanto a leviandade desse moço ALENCAR José de Diva 5ed São Paulo Ática 1993 p 13 Desprezando o contexto da obra de que foi extraído mas preservando os princípios da coerência narrativa escreva um parágrafo relatando a reação de Geraldo frente ao fato de que o pai da noiva se opõe ao casamento QUESTÃO 5 No trecho que segue extraído do vestibular da Unicamp 94 há uma incoerência de nível figurativo Reescrevao eliminandoa Acrescente mais algumas figuras que componham um percurso figurativo coerente com as fantasias do personagem Dois carregadores estão conversando e um diz Se eu fosse Presidente da República eu só acordava lá pelo meiodia depois ia almoçar lá pelas três quatro horas Só então é que eu ia fazer o primeiro carreto QUESTÃO 6 A falta de compatibilidade entre uma conclusão e os dados que lhe servem de base constitui incoerência que desqualifica o poder argumentativo do texto e desmoraliza o enunciador É o que ocorre na passagem que segue extraída do vestibular da Unicamp 1989 O jornal Folha de S Paulo introduz com o seguinte comentário uma entrevista recente 81288 com o professor Paulo Freire A gente cheguemos não será uma construção gramatical errada na gestão do Partido dos Trabalhadores em São Paulo Os trechos da entrevista nos quais a Folha se baseou para fazer tal comentário foram os seguintes A criança terá uma escola na qual a sua linguagem seja respeitada Uma escola em que a criança aprenda a sintaxe mas sem desprezo pela sua 330 Esses oito milhões de meninos vêm da periferia do Brasil Precisamos respeitar a sua sintaxe mostrando que sua linguagem é bonita e gostosa às vezes é mais bonita que a minha E mostrando tudo isso dizer a ele Mas para tua própria vida tu precisas dizer a gente chegou em vez de a gente cheguemos Isso é diferente a abordagem é diferente É assim que queremos trabalhar com abertura mas dizendo a verdade Reescreva a introdução do jornal de modo que ela fique coerente com as demais passagens da resposta de Paulo Freire QUESTÃO 7 Em todas as passagens que seguem por causa de defeitos de estruturação lingüística há prejuízos ao sentido de cada uma delas Reescrevaas evitando essas formas de incoerência a Zélia Cardoso de Mello decidiu amanhã oficializar sua união com Chico Anysio A Tarde Salvador 160994 apud Vestibular Unicamp 1995 b Crime racial O olho da manchete de página do Diário Catarinense dizia Maurício José Lemos Freire titular do primeiro órgão do mundo a tratar especificamente de casos de racismo deu palestra em escola de Joinville Aí o título botou tudo a perder DELEGACIA DEFENDE CRIME RACIAL Meu secretário ficou indignadíssimo Considerado que diabo de delegacia é essa que defende o crime racial Quer dizer que se um monstro qualquer espancar um doce crioulinho como aquele Kennedy da falecida novela Pátria Minha é só correr para a delegacia que estará a salvo Parece que é Fascistas de todo o mundo acorrei Imprensa maio 95 n92 p 31 c Aspas atropeladas De algum lugar do Rio de Janeiro chegou fax do leitor André Martins inconformado com esta revista Imprensa É que no mês de fevereiro de 95 matéria intitulada 0KM JÁ ATROPELA NA LARGADA p 67 é atribuída ao diretor de Comunicação da Fiat Nivaldo Notoli entre aspas a seguinte frase A proposta da Editora Globo veio de encontro à nossa estratégia que visa estabelecer um elo direto com o nosso consumidor Perplexo por saber que a Fiat aceitou uma proposta contrária à estratégia da empresa André deseja identificar a verdadeira vítima desse atropelamento da comunicação Imprensa maio 95 n92 p 31 331 QUESTÃO 8 O texto que segue faz parte de uma publicidade sobre Aruba veiculada em página dupla na Revista Imprensa O texto vem transcrito na página da esquerda e da direita é ocupada por uma grande foto do mar de Aruba Se interpretamos a parte final do texto a partir da frase O azul do mar é incrível e a areia branquinha dando às palavras o seu sentido literal surpreendemonos com uma incoerência que chega perto do absurdo A ruptura com a forma de linguagem anterior é tal que temos a impressão de que essa parte final foi completada por uma criança em fase inicial de alfabetização Corroboram essa hipótese não só o tema que é pueril mas também a forma gráfica das letras e o tipo de erro ortográfico legau Se entretanto tentarmos interpretar essa mesma passagem percebendo o seu sentido não literal ela ganha coerência e contribui de maneira original e pitoresca com o significado que o redator quer criar Uma boa pista para o cálculo desse sentido não literal é a passagem Descobrimos também a fonte da juventude A partir daí a linguagem do texto vaise alterando progressivamente criando a impressão de regressão de idade Levando tudo isso em conta redija um parágrafo procurando explicitar o sentido não literal que esta passagem produz 332 QUESTÃO 9 Na publicidade que vem a seguir aparentemente há uma gritante incoerência entre o trecho inscrito no quadro e a frase final Homenagem da MPMLintas aos 30 anos da Rede Globo Eis o texto publicitário A passagem intermediária no entanto desfaz a incoerência e torna o texto perfeitamente compreensível Traduza num parágrafo de maneira mais explícita o sentido dessa passagem intermediária tentando explicar sua função para criar o sentido global da propaganda QUESTÃO 10 Leia os trechos que seguem 1 Tão inteiramente conhecia Cristo a Judas como a Pedro e aos demais mas notou o Evangelista com especialidade a ciência do Senhor em respeito a Judas porque em Judas mais que em nenhum dos outros campeou a fineza do seu amor Ora vede Definindo S Bernardo o amor fino diz assim Amor non quaerit causam nec fructum O amor fino não busca causa nem fruto Se amo porque me amam tem o amor causa se amo para que me amem tem fruto e amor fino não há de ter por quê nem para quê Se amo porque me amam é obrigação faço o que devo se amo para que me amem é negociação busco o que desejo Pois como há de amar o amor para ser fino Amo quia amo amo ut amem amo porque amo e amo para amar Quem ama porque o amam é agradecido quem ama para que o amem é 333 interesseiro quem ama não porque o amam nem para que o amem esse só é fino E tal foi a fineza de Cristo em respeito de Judas fundada na ciência que tinha dele e dos demais discípulos VIEIRA Antônio Sermões 4 ed Rio de Janeiro Agir 1966 p 64 2 Moça da sociedade paulista Empresário europeu deseja conhecer para fins de amizade e breve compromisso moça de elevada índole moral culta de inegável beleza física e com convicção interior e sensibilidade que o faça acreditar que ainda existem mulheres de bons princípios caráter íntegro romântico que crêem na existência e encontro do verdadeiro amor Características pessoais Europeu 38 anos livre 177m 75kg situação financeira e social definidas ótima apresentação Características pretendidas 2634 anos livre exigente em relação ao que quer da vida entretanto simples meiga voltada prioritariamente ao lar de boa família companheira e amiga Pedese foto de corpo inteiro e carta de próprio punho que serão devolvidas em sigilo Se você existe pode confiar e escrever sem receios Esta mensagem é absolutamente séria CAIXA POSTAL xxxxxx CEP xxxxx São Paulo SP Folha de S Paulo apud vestibular Unicamp 89 Proposta de redação Confrontando a concepção de amor explícita no texto de Vieira e a concepção de amor implícita na mensagem absolutamente séria do anúncio da Folha de São Paulo redija um texto dissertativo discutindo a relação de concordância ou de discordância que existe entre ambas 334 Lição 14 Informações implícitas Exercícios QUESTÃO 1 Os dois textos que seguem contêm uma pergunta e uma resposta respectivamente e foram extraídos da seção Bárbara responde da Revista da Folha de 30495 nº 158 p 8 Uma amiga me mandou uma cartinha para que minha filha entre em uma corrente mundial de livros infantis até o príncipe Henry filho da princesa Diana participa Como saltar fora sem ser antipática Sofia Carvalhosa SP Você enlouqueceu mulher Sua filha pode vir a ser amiga do irmão do futuro rei da Inglaterra e você quer fazêla saltar fora Por acaso você acha que a corrente não está à altura da sua pimpa Um dia ela ainda vai jogar essa negligência na sua cara Preguiçosa Com a irreverência que caracteriza o estilo da referida jornalista ela vai direto ao argumento exposto com mais destaque pela sua consulente a participação do príncipe Henry O pressuposto de que a inclusão do filho de Diana é o argumento mais forte está instaurado pelo uso do marcador até que implica o seguinte raciocínio a não é comum um príncipe estar entre os integrantes de uma corrente de livros b se ele está é que existem motivos de sobra para justificar a entrada de qualquer outro Construa um pequeno texto convidando seu interlocutor a aceitar uma proposta qualquer instaurando como argumento mais forte o fato de que ela é apoiada por alguém insuspeito que habitualmente não apoiaria propostas do mesmo gênero QUESTÃO 2 Veja bem abrasileiramento do brasileiro não quer dizer regionalismo nem nacionalismo pra ser civilizado artisticamente entrar no concerto das nações que hoje em dia dirigem a civilização da Terra o Brasil tem que concorrer para este concerto com a sua parte pessoal com o que o singulariza e o individualiza Mário de Andrade 1924 apud Vestibular de História da PUC SP 1992 335 Nesse texto sob a forma de pressupostos afirmase que a o brasileiro não é brasileiro b o Brasil não é civilizado artisticamente c o Brasil não faz parte do concerto das nações dirigentes da civilização da Terra d o Brasil não concorre para esse concerto com a parte que o singulariza Esses pressupostos são marcados por a um substantivo derivado de verbo abrasileiramento b uma preposição que indica finalidade pra ser c uma preposição e um verbo pra entrar d uma locução verbal tem que concorrer Redija um texto usando marcadores de pressupostos apropriados que instaurem no texto os seguintes implícitos a que o brasileiro não era brasileiro mas agora é b que o Brasil não era civilizado artisticamente mas nos dias de hoje é c que o Brasil não fazia parte do concerto das nações dirigentes da civilização da Terra mas hoje faz d que o Brasil não concorria para esse concerto com a parte que o singulariza mas hoje concorre QUESTÃO 3 Num debate de televisão pelos idos de 1986 um famoso político em defesa do plano cruzado um dos planos econômicos de nossa história afirmou cometendo um ato falho que foi acompanhado de risos irônicos O plano cruzado é bom até para os trabalhadores a Comente o pressuposto instaurado na declaração que deu margem aos risos b Construa uma declaração análoga em que o declarante deixe escapar um pressuposto que em estado de atenção não diria QUESTÃO 4 Com as alterações efetuadas o produto ficou mais saudável pois além da gordura foram extraídos os ingredientes prejudiciais à saúde Há no fragmento pressupostos estabelecidos pelo advérbio mais pela conjunção pois e pela locução prepositiva além de 336 Redija um texto similar com esses três instauradores de pressupostos respeitando as seguintes instruções a uma alteração foi efetuada b ela produziu melhora em algo que já era bom c o argumento dado para a melhora é que dentre todos os inconvenientes sobretudo um deles foi eliminado QUESTÃO 5 Estou telefonando para marcar quando devo mandar receber a diferença relativa ao primeiro orçamento referente às obras de troca de cabos e fios elétricos em sua empresa Há dois pressupostos no trecho estabelecidos um pela conjunção quando e outro pelo ordinal primeiro Construa um texto similar efetuando uma cobrança sob os pressupostos de que a houve uma alteração de contrato a favor do fornecedor b o conteúdo dessa alteração não está sob controvérsia segundo a versão de quem está cobrando QUESTÃO 6 Se a Receita Federal passar a fiscalizar com eficiência até os empresários vão acabar pagando imposto de renda A frase conta com os pressupostos de que a a Receita Federal não é eficiente na fiscalização b os empresários não costumam pagar imposto de renda Usando marcadores de pressupostos similares aos da frase acima redija uma outra em que se estabeleçam os pressupostos de que a o governo não administra com rigor mas pode fazêlo b essa atitude pode controlar os gastos públicos com as empreiteiras que habitualmente são difíceis de controlar QUESTÃO 7 O diálogo que segue foi extraído de uma tira do humorista Luís Fernando Veríssimo intitulada AS COBRAS Flecha você é machista Para mim não existe qualquer diferença entre os sexos Shirley Que pergunta Aliás típicaApud Unicamp 93 337 Como se vê nesse texto Flecha nega um preconceito no plano explícito mas o afirma no plano implícito Usando um marcador de pressuposição similar ao do texto redija um diálogo em que um dos interlocutores a manifeste uma opinião explícita b deixe implícita a opinião contrária QUESTÃO 8 Suponha que você vá redigir uma lei isentando as igrejas e instituições religiosas do pagamento de impostos Na oração principal deve constar a afirmação de que As igrejas e instituições religiosas estão isentas de pagar imposto Entre as expressões instituições religiosas e estão isentas encaixe por meio de uma oração subordinada adjetiva a seguinte expansão Elas se dedicam à assistência dos segmentos sociais menos favorecidos e à sua promoção a Qual seria a redação do texto se quiséssemos dar vantagens para as igrejas e instituições religiosas b E para dar vantagens ao fisco QUESTÃO 9 A partir de agora só as pessoas que conseguirem autorização do governo poderão ter máquina de escrever em casa Quem tiver passagem pela polícia não está autorizado a ter porte de máquina Quanto aos contemplados serão devidamente registrados No fragmento acima há dois subentendidos instaurados pelo redator da notícia a que máquina de escrever no regime considerado é similar a uma arma de fogo b que mesmo os portadores autorizados não estão livres de suspeita Redija um fragmento similar instaurando o subentendido de que o governo a que se refere a notícia a está fragilizado b sentese ameaçado por escritores como se portassem armas de fogo 338 QUESTÃO 10 O Ministério da Fazenda descobriu uma nova esperteza no Instituto de Resseguros do Brasil O instituto alardeou um lucro no primeiro semestre de 31 bilhões de cruzeiros que esconde na verdade um prejuízo de dois bi Brasil Cuba e Costa Rica são os três únicos países cujas empresas de resseguros são estatais Veja 1993 p 31 Como se vê além de vários pressupostos o texto deixa subentendido por um processo de comparação de três países que a empresa de resseguros na mão do Estado não é uma solução recomendável b que o Brasil no que se refere a empresas de resseguros é um país dos mais atrasados do mundo Usando do mesmo processo de comparação redija um texto que deixe entrever o subentendido de que a animosidade contra as empresas estatais muitas vezes é fruto de preconceito e de desinformação 339 Lição 15 Progressão textual Exercícios QUESTÃO 1 Muitas vezes a falta de coesão textual acaba redundando na falta de progressão já que o produto resultante é um mero aglomerado de frases que não possui unidade temática As frases não fluem o sentido global não se constrói Temse a impressão de camadas que poderiam ocupar qualquer lugar no conjunto O trecho que segue está claramente comprometido por falta de coesão e de progressão textual Nele se encaixam várias frases todas elas bem redigidas mas no seu conjunto não chegam a constituir um texto Todas as passagens falam da educação mas não é possível a partir da sua leitura determinar um tema que lhes dê unidade Há entre elas até mesmo contradições comprometedoras umas supervalorizam o papel da educação outras a consideram como desnecessária e até mesmo como inimiga da sabedoria Leia com atenção o que vem a seguir O mundo na hora presente encontrase numa encruzilhada entre a educação e a catástrofe De todos os métodos já experimentados em educação o melhor consiste em dar a cada criança uma boa mãe A educação deve levar o homem a fazer o que precisa ser feito por sua espontânea vontade A grande falha dos educadores é nunca se lembrarem de que eles já foram crianças A educação não tem conseguido até hoje bons resultados já que quando criança os homens são tão inteligentes e amáveis quando adultos no geral são tolos e grosseiros A educação é inimiga da sabedoria porque nos obriga a aprender muitas coisas completamente desnecessárias para quem quer ser sábio Há no entanto dentro desse trecho idéias que se compatibilizam e podem ser ordenadas dentro dos princípios da progressão textual Mesmo as que se incompatibilizam podem ser encaixadas de modo tal que fique preservada a unidade temática basta para isso que o texto distinga com clareza os diferentes pontos de vista sob os quais se pode avaliar uma mesma questão Tente pois construir um texto onde essas opiniões sobre a educação se encaixem sem afetar a progressão textual Evidentemente você pode acrescentar 340 suas opiniões e excluir do trecho dado aquelas que sejam incompatíveis com o ponto de vista que vai garantir a unidade temática QUESTÃO 2 O texto que segue foi extraído do prefácio do livro Nova Técnica de Convencer de Vance Packard 5 ed São Paulo Ibrasa 1980 p56 Nele o autor trata com preocupação de modernos recursos empregados por agências de publicidade para induzir consumidores a comprar produtos movidos por impulsos da fantasia e por apelos incontrolados do inconsciente De propósito foram enxertados neste trecho de Packard algumas passagens que dada a sua redundância prejudicam a progressão textual Leia com atenção o que vem a seguir e excluindo as redundâncias procure reconstituir o texto original Um diretor de publicidade de Milwaukee dirigindose a colegas comentou o fato de as mulheres pagarem dois dólares e meio por um creme para a pele mas não darem mais de vinte e cinco centavos por um sabonete Elas pagam muito mais por um creme para a pele do que por um sabonete Por quê O sabonete explicou ele apenas promete deixálas limpas O creme promete tornálas belas Segundo o diretor de publicidade essas mulheres são atraídas pela promessa de beleza feita pelo creme enquanto que o sabonete só promete a limpeza do corpo Os sabonetes começaram agora a prometer também beleza além de limpeza Aliás os sabonetes também passaram a fazer o mesmo apelo do creme de pele Esse diretor de publicidade acrescentou As mulheres estão comprando uma promessa Prosseguindo disse Os fabricantes de cosméticos não estão vendendo lanolina estão vendendo esperança Não compramos mais laranjas compramos vitalidade Não compramos simplesmente um automóvel compramos prestígio O pior é que na opinião do referido diretor de publicidade não só as mulheres compram promessa em vez de creme de pele mas nós também compramos saúde em vez de laranja e prestígio em vez de automóvel QUESTÃO 3 O texto que segue constitui um bom exemplo de progressão textual Brilhantes e engraçados Jornalistas às vezes são brilhantes beminformados aplicados interessados Outras são desleixados malinformados desinteressados Quatro histórias da segunda parte 341 1 Quando se dava o resultado do jogo do bicho pelo rádio o repórter Alberto Brandão da Rádio Globo saiu anunciando Na cabeça elefante no segundo prêmio cobra no terceiro e no sétimo prêmio o bicho do mar jacaré 2 Toda a redação do Jornal do Brasil estava diante do televisor vendo o histórico momento em que o homem pisava pela primeira vez na Lua Todos menos um Remy Gorga bom jornalista e bom tradutor torcedor fanático do Colorado estava sentado lá no fundo alheio a tudo atento ao radinho de pilha que colado ao ouvido transmitia o jogo do Internacional 3 Marcus Vinicius repórter da Rádio Globo descrevendo um desastre de automóvel Depois do choque o carro saiu cambaleando 4 Roberto Granja jovem repórter recémchegado do Recife começou no Rio fazendo plantão da madrugada Fechado o jornal o chefe de redação antes de sair pergunta a Granja que fazia ronda Alguma novidade Não Só um bonde que enguiçou com algumas pessoas dentro No elevador foi que o chefe se tocou só podia ser o bondinho do Pão de Açúcar Voltou foi ver era Dez pessoas estavam dentro penduradas por um fio num bonde enguiçado já havia duas horas Um drama de primeira página Apenas um bonde que enguiçou LEMOS Carlos Revista Imprensa n 92 maio95 p72 Como se vê os quatro itens que se seguem ao primeiro parágrafo constituem uma ilustração das inferências contidas na seqüência dos adjetivos desleixados malinformados desinteressados Procure compor um texto usando processo similar ao do trecho da Revista Imprensa ilustrando o que afirmam os adjetivos em itálico na passagem que segue Não são raros os casos em que nossa imprensa por precipitação irresponsabilidade ou máfé publica notícias infundadas alarmantes interesseiras OBS Use só um item para cada adjetivo Os casos podem ser relatados de memória ou até mesmo inventados O importante é que se coloquem em progressão com o trecho citado 342 QUESTÃO 4 A redundância é um dos fatores que compromete a progressão textual mas pode ser usada como de fato se dá em bons textos a serviço de intenções retóricas para a produção de efeitos de sentido A diferença entre esses dois usos repousa no dado de que como recurso retórico a redundância é produto de um programa intencionalmente traçado para criar efeito de reforço da mensagem ou para estabelecer certa hierarquia entre as passagens do texto ou para marcar certa divisão entre elas etc a redundância perturbadora é produto da inadvertência e não acrescenta nada de novo ao texto não sendo possível perceber por trás delas nenhum esquema regular de organização As trovas populares em que a métrica e a rima são fatores determinantes fazem largo uso das repetições extraindo delas coloridos efeitos Eis um exemplo O tempo é senhor de tudo Sem tempo nada se faz Tempo dá e tempo tira Tempo leva e tempo traz MOTA Leonardo Adagiário Brasileiro Belo Horizonte ItatiaiaSão Paulo Editora da Universidade de São Paulo 1987 p344 Ou ainda este extraído da mesma fonte Com jeito se leva o mundo De tudo o jeito é capaz O caso é ajeitarse o jeito Como muita gente faz Procure construir um pequeno texto em prosa repetindo como recurso expressivo a expressão O tempo é senhor de tudo se preferir inspirando se no célebre poema de Vinícius de Morais construa um texto usando como refrão a expressão Porque hoje é sábado QUESTÃO 5 Faz parte das regras do jogo da progressão textual o respeito às noções de pertinência e de funcionalidade Isso quer dizer que não se inserem dados no texto que não sejam úteis ou funcionais para o enriquecimento do significado que se deseja construir ou dos resultados que se pretendem atingir Um dado ou uma informação que não vão ser explorados posteriormente ou que não sirvam para confirmar o que se disse antes devem ser excluídos do texto 343 A pertinência dos dados é sempre relativa às intenções que presidem a construção do texto Suponhamos por exemplo uma passagem como esta A Revista X atingiu a tiragem de 1130000 exemplares está há mais de 20 anos no mercado e é lida sobretudo pelas classes A e B Segundo fontes de pesquisa de opinião tratase da publicação mais confiável do país Tais dados são pertinentes para promover a venda de espaço da revista a anunciantes ou para convencer um articulista de renome a aceitar uma proposta de passar a escrever para ela Entretanto para persuadir uma escola de público infantil a assinála para a biblioteca das crianças não tem a menor pertinência Levando em conta essas condições observe com atenção os dados contidos no trecho que segue e desenvolva um texto dissertativo explorando os desdobramentos para os quais esses dados são pertinentes A República da Argentina nosso vizinho de fronteira com uma população de 33070000 habitantes é o mercado mais promissor de todos os países da América Latina para a produção da indústria brasileira Em 1990 importou US 41 bilhões em máquinas industriais produtos químicos e minerais tendo por parceiros comerciais os Estados Unidos Brasil Holanda Alemanha e Repúblicas da CEI Em 1992 as exportações do Brasil somaram US 361 bilhões O atual presidente Carlos Saúl Menem temse empenhado vivamente para converter o país num destacado interlocutor internacional dos Estados Unidos Em recente visita ao presidente Bill Clinton tendo sido recebido como líder do hemisfério ouviu deste a afirmação de que a Argentina é uma candidata natural a integrarse ao NAFTA o acordo de livre comércio entre os Estados Unidos México e Canadá o que pressupõe um entendimento com seus parceiros do Mercosul Brasil Uruguai e Paraguai 344 Lição 16 Dizer uma coisa para significar outra Exercícios Texto para as questões 1 e 2 Ponto de vista Avolumamse com suspeito sincronismo as denúncias na imprensa sobre a prática do nepotismo entre os políticos brasileiros Como um dos atingidos pela nefasta campanha que visa a denegrir a imagem do servidor público no Brasil a mando de interesses inconfessáveis me senti no dever de responder publicamente às insidiosas insinuações na certeza de que assim fazendo estarei defendendo não apenas minha honra apanágio maior de uma vida toda ela dedicada à causa pública e à tradição familiar que assimilei ainda no colo do meu saudoso pai quando era prefeito nomeado da nossa querida Queijadinha do Norte e eu era o seu secretário particular depois da escola mas também a honra de toda uma classe tão injustamente vilipendiada a não ser quando pertence a outro partido porque aí é merecido A imprensa brasileira em vez de cumprir seu legítimo papel numa sociedade democrática que é o de dar a previsão do tempo e o resultado da Loteria insiste em perscrutar as ações dos políticos como se estes fossem criminosos comuns não qualificados e em difamálos com mentiras Ou em casos de extrema irresponsabilidade e crueldade com verdades Outro dia depois de ler uma reportagem em que um órgão da nossa grande imprensa me fazia acusações especialmente levianas vireime para meu chefe de gabinete e comentei Querida por que eles fazem isto comigo Mas ela apenas resmungou alguma coisa virouse para o outro lado e continuou a dormir obviamente perplexa VERÍSSIMO Luís Fernando Veja 12489 p 19 Esse trecho corresponde à parte inicial de um artigo de página inteira em que Luís Fernando Veríssimo veste a máscara de um político brasileiro que se considera vítima de uma campanha de difamação e se põe em defesa da classe Tratase de um curioso artifício de construção textual em que o texto diz uma coisa para significar outra À primeira vista o significado do texto parece ser uma veemente defesa que um político brasileiro faz da própria honra e da sua classe No entanto a inserção de certas passagens no contexto não deixam dúvidas de que o sentido 345 global é exatamente o oposto de uma defesa da classe política Na verdade é uma demolidora e bemhumorada ironia contra o tipo de político cujo discurso vem caricatamente simulado no texto Só uma interpretação irônica é que pode justificar a inclusão de passagens como no colo do meu saudoso pai quando era prefeito nomeado da nossa querida Queijadinha do Norte uma classe tão injustamente vilipendiada a não ser quando pertence a outro partido porque aí é merecido ou ainda vireime para meu chefe de gabinete e comentei Querida porque eles fazem isto comigo QUESTÃO 1 Acrescente um parágrafo ao trecho acima transcrito no mesmo tom irônico de modo que forme com ele um conjunto coerente QUESTÃO 2 Suponha agora que esse texto de Luís Fernando Veríssimo tenha a efetiva intenção de assumir com veemência a defesa dos políticos brasileiros contra as denúncias de prática no nepotismo orquestradas pela imprensa Que tipo de rearticulações ele deveria sofrer QUESTÃO 3 Leia o trecho que segue Prezado amigo Na última carta você me pedia notícias sobre a situação geral do nosso país Lamento informálo de que as coisas aqui não vão nada bem Persistem os velhos problemas nada contornáveis grupos econômicos nada dispostos a abrir mão de seus interesses não muito patrióticos as ações não pouco corrosivas da corrupção as intervenções nada eficazes da classe política Coexistindo com esse quadro e por causa dele continuam as condições econômicas do povo num estado que não causa inveja a ninguém e o bem estar coletivo em patamares de que não temos motivo para nos orgulhar Esse fragmento simulado de uma carta fazendo uso do recurso da lítotes cria uma imagem pouco alvissareira do país Fazendo uso deste mesmo recurso escreva um fragmento similar criando uma imagem do país oposta à do trecho acima transcrito 346 QUESTÃO 4 CAPÍTULO CXXV EPITÁFIO AQUI JAZ DONA EULÁLIA DAMASCENA DE BRITO MORTA AOS DEZENOVE ANOS DE IDADE ORAI POR ELA CAPÍTULO CXXVI DESCONSOLAÇÃO O epitáfio diz tudo Vale mais do que se lhes narrasse a moléstia de Nhã loló a morte o desespero da família o enterro Ficam sabendo que morreu acrescentarei que foi por ocasião da primeira entrada da febre amarela Não digo mais nada a não ser que a acompanhei até o último jazigo e me despedi triste mas sem lágrimas Concluí que talvez não a amasse deveras Se não contei a morte não conto igualmente a missa do sétimo dia A tristeza de Damasceno era profunda esse pobre homem parecia uma ruína Quinze dias depois estive com ele continuava inconsolável e dizia que a dor grande com que Deus o castigara fora ainda aumentada com a que lhe infligiram os homens Não me disse mais nada Três semanas depois tornou ao assunto e então confessoume que no meio do desastre irreparável quisera ter a consolação da presença dos amigos Doze pessoas apenas e três quartas partes amigos do Cotrim acompanharam à cova o cadáver de sua querida filha E ele fizera expedir oitenta convites Pondereilhe que as perdas eram tão gerais que bem se podia desculpar essa desatenção aparente Damasceno abanava a cabeça de um modo incrédulo e triste Qual gemia ele desampararamme ASSIS Machado de Memórias Póstumas de Brás Cubas São Paulo Abril Cultural 1978 p150151 No trecho acima o narrador faz referência à morte inesperada daquela que ele pretendia por esposa Nhãloló ou Dona Eulália Damascena de Brito e ao desconsolo do pai agravado pelo fato de pouquíssimos amigos terem comparecido ao enterro O narrador fala de temas de que promete não falar usando pois o recurso retórico da preterição Tal recurso cria um efeito curioso ao fingir não tocar num assunto cria a impressão de que ele se impõe com tal evidência que na verdade nem precisaria ser mencionado Com isso a revelação daquilo que não precisaria ser relevado acaba dando destaque ao que de fato se põe em cena 347 Proposta Fazendo uso da preterição cite mais algumas reações de possíveis membros da família que estavem entre as doze pessoas a acompanhar o enterro QUESTÃO 5 I Rubião fitava a enseada eram oito horas da manhã Quem o visse com os polegares metidos no cordão do chambre à janela de uma grande casa de Botafogo cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta mas em verdade vos digo que pensava em outra coisa Coteja o passado com o presente Que era há um ano Professor Que é agora Capitalista Olha para si para as chinelas umas chinelas de Túnis que lhe deu recente amigo Cristiano Palha para a casa para o jardim para a enseada para os morros e para o céu e tudo desde as chinelas até o céu tudo entra na mesma sensação de propriedade Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas pensa ele Se mana Piedade tem casado com Quincas Borba apenas me daria uma esperança colateral Não casou ambos morreram e aqui está tudo comigo de modo que o que parecia uma desgraça II Que abismo que há entre o espírito e o coração O espírito do exprofessor vexado daquele pensamento arrepiou caminho buscou outro assunto uma canoa que ia passando o coração porém deixouse estar a bater de alegria Que lhe importa a canoa nem o canoeiro que os olhos de Rubião acompanham arregalados Ele coração vai dizendo que uma vez que a mana Piedade tinha de morrer foi bom que não casasse podia vir um filho ou uma filha ASSIS Machado de Quincas Borba 11 ed São Paulo Ática 1992 p 13 Como se nota as duas reticências que ocorrem no texto marcam a interrupção do discurso imposta pela censura do espírito do exprofessor ao coração Proposta Fazendo uso das reticências continue o texto construindo um diálogo em que a euforia do coração do exprofessor pela fortuna herdada é entrecortada 348 pela censura do espírito de Rubião constrangido por estarse alegrando com a morte alheia QUESTÃO 6 Num repente relembrei estar em noite de lobisomem era sextafeira Já um estirão era andado quando numa roça de mandioca adveio aquele figurão de cachorro uma peça de vinte palmos de pêlo e raiva Dei um pulo de cabrito e preparado estava para a guerra do lobisomem Por descargo de consciência do que nem carecia chamei os santos de que sou devocioneiro São Jorge Santo Onofre São José Em presença de tal apelação mais brabento apareceu a peste Ciscava o chão de soltar terra e macega no longe de dez braças ou mais Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o nome de Ponciano de Azeredo Furtado Dos olhos do lobisomem pingava labareda em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente Tanta chispa largava o penitente que um caçador de paca estando em distância de bom respeito cuidou que o mato estivesse ardendo Já nessa altura eu tinha pegado a segurança de uma figueira e lá de cima no galho mais firme aguardava a deliberação do lobisomem Garrucha engatilhada só pedia que o assombrado desse franquia de tiro Sabidão cheio de voltas e negaças deu ele de executar macaquice que nunca cuidei que um lobisomem pudesse fazer Aquele par de brasas espiava aqui e lá na esperança de que pensasse ser uma súcia deles e não uma pessoa sozinha O que o galhofista queria é que eu coronel de ânimo desenfreado fosse para o barro denegrir a farda e deslustrar a patente Sujeito especial em lobisomem como eu não ia cair em armadilha de pouco pau No alto da figueira estava no alto da figueira fiquei CARVALHO José Cândido de O Coronel e o Lobisomem 8 ed São Paulo J Olympio sd p 178179 Como se vê o texto se estrutura a partir da alternância entre eufemismos e hipérboles De um lado o Coronel disfarça o seu medo do lobisomem com eufemismos dei um pulo de cabrito criando a impressão de esperteza e não de medo chamei os santos de que sou devocioneiro segundo ele por descargo de consciência e não por medo tinha pegado a segurança de uma figueira alegando que era por por estratégia e não por medo de outro lado exagera por meio de hipérboles a periculosidade do lobisomem uma peça de 349 vinte palmos de pêlo e raiva ciscava o chão de soltar terra e macega no longe de dez braças ou mais pingava labareda em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente Proposta Muitas vezes certas condições nos impõem a necessidade de contrabalançar eufemismos e hipérboles Fazendo uso desses dois recursos retóricos elabore um pequeno discurso de homenagem à delegação de um país com que já nos relacionamos cordialmente e sem restrições no passado mas no presente aquelas boas relações estão sendo abaladas por tensões e conflitos delicados As boas relações do passado devem ser enfatizadas e os conflitos atuais devem ser atenuados mas não podem deixar de ser citados 350 Lição 17 Argumentação Exercícios QUESTÃO 1 O texto publicitário que segue tenta persuadir o telespectador a ver o canal MTV e o patrocinador a investir nele baseado em vários tipos de argumento comandados por um principal do qual os demais são manifestação e sintoma sua grande quantidade de telespectadores 111 municípios na rede 3ª emissora no público jovem Além disso tratase de um telespectador ativo participante 2000 quilos em cartas recebidas 5563 ôis sic do Zeca Camargo Os dados mostram ainda um longo tempo de exposição dos seus programas 11712 horas no ar com muita variedade 26400 videoclips exibidos que dá bom retorno aos patrocinadores 180 anunciantes Enfim uma empresa de porte que dá emprego para 201 funcionários Tudo isso com apenas 2 anos de MTV É um invejável resultado em muito pouco tempo Como se nota tratase de um jogo argumentativo baseado sobretudo no tópico da quantidade para o qual aquilo que produz muitos resultados e agrada a muitos tem mais valor do que aquilo que produz pouco e que agrada a poucos Além disso a discriminação de dados e o uso de quantidades exatas criam um efeito de verdade A indicação da fonte fornecedora da estatística Datafolha um organismo não vinculado à MTV é outro recurso que reforça a impressão de verdade Explorando recursos argumentativos baseado no tópico da quantidade faça um parágrafo dissertativo procurando convencer o leitor de que um dos 351 graves problemas sócioeconômicos do Brasil é a imigração de regiões carentes para os grandes centros urbanos do Sul Se necessário pesquise dados em uma fonte credenciada QUESTÃO 2 A seguir vem um texto publicitário que baseado nas diferenças individuais propõe um produto identificado com elas Individualidade e identidade são pois a base do jogo argumentativo do texto explorando o tópico da qualidade SOLUÇÕES PERSONALIZADAS EM REVESTIMENTO CERÂMICO Por natureza você é diferente de qualquer outra pessoa Ninguém tem seu código genético sua impressão digital suas experiências de vida Assim suas preferências também são únicas Por isso a Portobello está decretando o fim da massificação na indústria cerâmica As Soluções Personalizadas Portobello formam um conjunto de produtos e serviços que permitem a máxima individualização em cada projeto interagindo diretamente com arquitetos decoradores e consumidores Os revendedores e Showrooms Portobello oferecem variedades de formatos texturas e cores combináveis entre si permitindo um número ilimitado de soluções São exclusividades Portobello combinadas com uma só fonte de inspiração você Fazendo uso do argumento de qualidade redija um texto pequeno persuadindo seus amigos de que a leitura de bons livros é mais útil do que ver televisão QUESTÃO 3 Como se sabe o que existe sobretudo aquilo que está arraigado a uma cultura é mais persuasivo do que o seu contrário Por isso é difícil produzir argumentos que convençam os indivíduos acostumados com o existente a agir contra ele 352 O trecho que segue é o início de uma publicidade institucional financiada pelo Unicef e pela Fundação Odebrecht Leiao com atenção Você acha normal que uma criança carente fracasse na escola Nós não Os altos índices de repetência escolar só não são mais perversos que o conformismo da nossa sociedade com esse absurdo Um absurdo que está presente de modo significativo entre as classes sociais mais ricas e de modo esmagador entre as classes mais pobres A verdade é que o fracasso na escola passou a ser encarado de forma tão natural quanto a chuva o sol o calor e o frio Tão natural que passou a fazer parte da nossa culturaVeja 17894 p 52 Após esses dois parágrafos iniciais o texto procura apresentar argumentos para persuadir o povo a tomar providências contra esse estado de coisas Redija você um pequeno texto com essa mesma orientação argumentativa Tratase de um esforço argumentativo direcionado contra uma opinião consensual QUESTÃO 4 Leia com atenção o trecho que segue extraído do texto dramático Auto da Compadecida CHICÓ Mas padre não vejo nada de mau em se benzer o bicho JOÃO GRILO No dia em que chegou o motor novo do major Antônio Morais o senhor não benzeu PADRE Motor é diferente é uma coisa que todo mundo benze Cachorro é que eu nunca ouvi falar CHICÓ Eu acho cachorro uma coisa muito melhor do que motor PADRE É mas quem vai ficar engraçado sou eu benzendo o cachorro Benzer motor é mais fácil todo mundo faz isso mas benzer cachorro JOÃO GRILO É Chicó o padre tem razão Quem vai ficar engraçado é ele e uma coisa é benzer motor do major Antônio Morais e outra benzer o cachorro do major Antônio Morais PADRE mão em concha no ouvido Como JOÃO GRILO Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do major Antônio Morais 353 PADRE E o dono do cachorro de quem vocês estão falando é Antônio Morais JOÃO GRILO É Eu não queria vir com medo de que o senhor se zangasse mas o major é rico e poderoso e eu trabalho na mina dele Com medo de perder meu emprego fui forçado a obedecer mas disse a Chicó o padre vai se zangar PADRE desfazendose em sorrisos Zangar nada João Quem é um ministro de Deus para ter direito de se zangar Falei por falar mas também vocês não tinham dito de quem era o cachorro JOÃO GRILO cortante Quer dizer que benze não é PADRE a Chicó Você o que é que acha CHICÓ Eu não acho nada de mais PADRE Nem eu Não vejo mal nenhum em se abençoar as criaturas de Deus SUASSUNA Ariano Teatro Moderno Auto da Compadecida 8 ed Rio de Janeiro Agir INL 1971 p3234 O texto mostra um jogo argumentativo entre três personagens de início Chicó e João Grilo tentam persuadir o sacerdote a fugir do consenso e benzer um cachorro o sacerdote baseado no consenso recusase a acatar seus argumentos Para se opor ao consenso é preciso um argumento mais forte escolheram então o de autoridade o cachorro era do major Antônio Morais O padre submetese a ele Coloquese agora no lugar do sacerdote e encontre uma saída honrosa para não se desviar do consenso não cair em contradição e não entrar em confronto ostensivo com o major Antônio Morais QUESTÃO 5 Os argumentos baseados em categorias genéricas são menos persuasivos do que os dados de realidade que os sustentam Uma categoria abstrata só é eficaz em argumentação quando os interlocutores compartilham os fenômenos que lhes dão fundamento O trecho que segue é uma boa demonstração de que a generalidade é um defeito que enfraquece o poder argumentativo do texto 354 Afinal de contas quem são eles Engulo o uísque e vou caminhando Tenho um encontro com um empresário e um americano antropólogo que está com ele Cinema grana outros papos O burguês amigo meu fala sem parar nas tragédias da lucratividade nacional Meu amigo fala muito delesdelesdeles Todo o mal do Brasil é culpa deles O mundo e o país estão sendo destruídos por eles Até que o americano não agüenta mais de curiosidade e pergunta Who are they Quem são eles Meu amigo pára travado Quem são eles Aí descubro o óbvio triunfal Eles são os outros São as forças ocultas que desculpam nossa omissão Grande categoria descobri eles Todos nós falamos da desgraça nacional como se fosse feita por outros seres impalpáveis que são responsáveis por tudo Eles podem ser o governo o operariado os americanos os jornalistas até os judeus talvez Todos menos nós JABOR Arnaldo Os canibais estão na sala de jantar 5 ed São Paulo Siciliano 1993 p 19 Elabore um parágrafo esclarecendo os possíveis atores a que a categoria eles se refere procurando dar uma resposta mais persuasiva à pergunta feita pelo americano QUESTÃO 6 Em época de campanha política faz parte do jogo argumentativo um candidato desqualificar o discurso do seu concorrente É o que se dá nesta declaração de Lula contra Fernando Henrique Cardoso por ocasião da campanha eleitoral para a Presidência da República em 1994 O que Fernando Henrique conhece do Brasil Nada Ele só sabe onde ficam os monumentos de Roma as praças de Londres e os botequins de Paris Não dá para conhecer o Brasil pelo mapa Veja 4195 p 6 Suponha que você seja o assessor de comunicação de Fernando Henrique Redija uma resposta rápida à declaração de Lula tentando neutralizar a intenção de seus argumentos QUESTÃO 7 Palavras de sentido aparentemente idêntico possuem matizes de significado que permitem seu uso para orientações argumentativas completamente diferentes e até opostas É o caso da oposição entre assassinasse e executasse no texto que vem a seguir extraído da seção de cartas do leitor de Veja 7695 355 Salman Rushdie Não está correta a afirmação de que foi oferecido prêmio de 3 milhões de dólares ao fiel que assassinasse Salman Rushdie O correto é dizer que a recompensa foi prometida ao fiel que executasse a sentença proferida por quem tinha competência para tanto no caso um imã xiita Como muçulmano xiita que sou tenho direito e competência para discordar da sentença pois concordo com Salman Rushdie quando afirma que quem se ofendeu provavelmente não leu Os Versos Satânicos Eu os li e achei que o autor merecia quando muito uma reprimenda pública Concordo também com Rushdie sobre a banalidade do fundamentalismo contrário aos preceitos islâmicos de tolerância justiça e liberdade Amarelas 17 de maio Suponha o que segue foi você que usou nas Páginas Amarelas de Veja o verbo assassinasse em vez de executasse Redija breve resposta ao leitor comentando o uso de uma palavra em vez de outra QUESTÃO 8 Dada a complexidade de certos temas que são objeto de debate em determinado momento da História não é de estranhar o fato de que existam bons argumentos favoráveis tanto a um ponto de vista quanto ao seu contrário Modernamente o debate sobre questões ligadas à ecologia tem despertado polêmicas acaloradas e opiniões conflitantes muitas delas baseados em argumentos respeitáveis Leia os três trechos que vêm a seguir I Nos países onde a ecologia se estruturou como movimento de opinião três projetos um reformista um intermediário outro revolucionário se defrontam As diferenças de ótica entre eles se enraízam para além ou aquém da política tradicional em divergências quase metafísicas sobre a questão de nossas relações com o universo Para o primeiro grupo sem dúvida o mais banal por ser menos dogmático menos doutrinário partese da noção de que através da proteção ao meio ambiente é o homem que se trata de salvaguardar quando preciso até dele mesmo O meio ambiente em si não tem valor intrínseco Apenas se for destruído a própria existência ou pelo menos o bemestar do homem podem ficar comprometidos Tratase por assim dizer de uma visão humanista da ecologia antropocentrista em que a natureza tem papel indireto o centro é o homem O meio ambiente é a nossa periferia o que engloba envolve o homem A natureza não tem por si só nenhum valor absoluto 356 II A segunda via vai um passo além Ela se fundamenta no princípio de que não se deve apenas militar em defesa dos direitos do homem De maneira mais global devese também visar à ampliação do bemestar de tudo o que se encontra na Terra Nessa linha de ação e raciocínio atribuise um valor pelo menos moral a certos seres não humanos e aspirase a um bemestar de todas as espécies Daí nasceu o movimento da libertação animal segundo o qual todos os seres suscetíveis de sentir dor e prazer devem ser tratados igualmente Homens e animais portanto passam pelo crivo das preocupações morais O antropocentrismo já começa a ceder III O terceiro grupo verbaliza a reivindicação de um direito das árvores e das pedras ou seja da natureza como tal inclusive sua forma vegetal e mineral Os princípios dessa ecologia mais radical passam pela revisão do conceito de humanismo moderno o contrato social dos pensadores políticos deve ser substituído por um novo contrato natural no qual o universo todo se torna uma figura de direito Não se trata mais de considerar o homem como centro do mundo e sim o cosmos que se necessário deve ser protegido do próprio homem O ecossistema ou biosfera passa a adquirir valor próprio superior ao da espécie humana A natureza longe de ser apenas o palco de nossas atividades deveria ser o objeto de um respeito estético moral e jurídico Sendo assim é a civilização ocidental inteira que caberia incriminar Entregue ao consumismo desenfreado ela conduziria de forma inequívoca à devastação da Terra FERRY Luc Veja 25 anos Reflexões para o futuro 1993 p 174176 Como se pode notar os três fragmentos abordam a questão das relações do homem com o universo em que vive No primeiro antropocentrista o homem é concebido como valor máximo na natureza Todos os demais seres só adquirem valor em função dele No segundo antropocentrista moderado o homem não é o único valor do universo em função do qual os outros seres adquirem importância Reconhece se além do homem valor intrínseco a outras espécies que têm também direito ao bemestar No terceiro contrário ao antropocentrismo o universo é todo concebido como uma figura de direito O homem passa a ser função do universo e não o contrário Proposta Redija um texto dissertativo manifestando com que ponto de vista você se identifica e expondo argumentos competentes para justificálo 357 Lição 18 Resumo Exercícios PROPOSTAS DAS PROVAS DE 1996 A 2000 Para esta lição que trata das características de um resumo e da melhor forma de fazêlo não há melhor exercício que tentar resumir os próprios textos propostos nos últimos concursos para Admissão ao Curso de Preparação à Carreira Diplomática A grande vantagem dessa escolha é que cada texto vem acompanhado de um exemplo de resumo elaborado por um dos candidatos acrescido da nota obtida Dentre os textos da coletânea proposta para a redação um é selecionado para resumir com especificação da extensão ideal em quantidade de palavras e do valor em pontos Tratase de uma forma de a banca dar a conhecer ao menos implicitamente seus critérios de avaliação desse tipo de prova Nesta lição 18 será transcrito apenas o texto da coletânea destacado para ser resumido Os demais componentes da coletânea inclusive o que vem repetido aqui estão transcritos nos exercícios da lição 11 EXEMPLO DE PROVA concurso de 1996 Texto nº 2 Um sistema dual os integrados e os marginalizados Recorrendo de novo à terminologia de Dahl seria possível dizer que há hoje no Brasil um sistema dual caracterização que também se aplica ao sistema político de vários países latinoamericanos Dahl usa a expressão para descrever diferentes sistemas de poder tais como os que existiram em Atenas na Grécia Antiga e no sul dos Estados Unidos até a década de 1960 A peculiaridade do sistema dual é a de que para os indivíduos que estão integrados existem mecanismos efetivos de participação e influência ao passo que para os que ficam de fora há um regime de coerção e em casos extremos de terror Evidentemente tais sistemas duais diferem muito entre si um exemplo extremo é o atual regime da África do Sul outro mais ameno é o do período de Giolitti na Itália 358 A atual ordem política brasileira pode ser comparada ao passado sistema italiano especialmente no que se refere à extraordinária diferenciação regional de poder existente nos dois casos Também seria interessante comparar a sociedade brasileira à do Sul dos Estados Unidos no período anterior à década de 1960 dado o papel da escravidão na história de ambas No entanto o caso italiano é mais próximo no sentido em que a dualidade do sistema baseiase em critérios mais sociais do que raciais Como afirmou o deputado Ulysses Guimarães no discurso citado a miséria é uma forma de discriminação e não há pior discriminação do que a miséria Em que consiste esse sistema dual brasileiro Para aqueles que estão dentro isto é para os grupos social e economicamente dominantes assim como para outros segmentos organizados da sociedade há um regime político competitivo Talvez seja avançar muito supor que existe uma poliarquia para esses grupos mas já estamos a caminho disso Evidentemente entre os que estão dentro contamse segmentos organizados de trabalhadores assim como outros setores sociais e políticos que querem democratizar o sistema e eliminar a dualidade universalizando suas características democráticas Para os que ficam de fora para os marginalizados que são muito pobres e incapazes de se organizar resta apenas tornaremse objeto de manipulação política em outras palavras são tratados não como cidadãos mas como clientes na acepção romana do termo E quando necessário o que ocorre com freqüência são submetidos à repressão policial Eles são livres para participar das eleições e na realidade a maioria o faz Não são marginalizados por nenhum tipo de restrição institucional mas pelas próprias condições sociais políticas e culturais em que vivem e que os transformam em massas amorfas Talvez seja mais exato dizer que também eles estão dentro só que à margem Aqui impõese uma distinção muito complexa entre cidadãos e eleitores Segundo Ulysses Guimarães em um país com 30401000 de analfabetos é preciso não esquecer que a cidadania começa com a alfabetização Esta observação nos remete ao problema inicial da distância entre as instituições que garantem a liberdade política e o que diz respeito à defesa da justiça social Não é que as eleições não tenham relevância nas decisões tomadas nos sistemas duais A questão é que deles participam segmentos da população que têm pouca ou mesmo nenhuma possibilidade de exercer qualquer influência autônoma A clássica frase eleitoral a cada homem um voto pressupõe a autonomia do indivíduo para expressar sua opinião Todavia no Brasil como observou o cientista político Fábio Wanderley somente 75 milhões de pessoas pagam impostos enquanto 75 milhões estão habilitados a votar Isto significa que a cidadania eleitoral antecipou de certo modo a cidadania política no sentido mais amplo Para 359 dizer de outro modo existem milhões de cidadãos no sentido eleitoral que na realidade não passam de cidadãos de segunda classe Aqui começamos a nos distanciar do caso norteamericano onde a despeito da desigualdade entre ricos e pobres e pondo à parte a questão racial sempre houve pelo menos desde a época de Tocqueville uma forte tendência à igualdade de condições no sentido de efetiva igualdade dos cidadãos perante a lei Isto de forma alguma é uma mera formalidade legal mas representa a capacidade política cultural e social de cada cidadão para exercer os direitos garantidos pelo sistema institucional Em uma sociedade democrática os indivíduos pertencem a diferentes classes o que ocasiona desigualdades sociais mas não existem cidadãos de segunda classe pelo menos não na magnitude registrada no Brasil e na maioria dos países latino americanos Evidentemente encontrase situação semelhante em várias das grandes cidades dos Estados Unidos que receberam um grande número de migrantes negros sulinos nos últimos quarenta anos Também nessas cidades os pobres constituem a grande maioria da cidadania e do eleitorado No entanto não é esta a situação geral do país nem de nenhuma de suas regiões Francisco Weffort Qual Democracia Elabore um resumo do Texto nº 2 com extensão de 200 a 250 palavras valor 40 pontos EXEMPLO DE RESUMO Maurício Fernando Dias Fávero 3740 No excerto Um sistema dual os integrados e os marginalizados da obra Qual Democracia Francisco Weffort descreve o sistema político brasileiro como sistema dual salientando as condições sociais que determinam a marginalização política de parcela significativa da população do país À luz da terminologia de Dahl Weffort aponta a existência no Brasil de sistema político dual Esse sistema caracterizase por um lado como regime efetivo de participação política para os indivíduos socialmente integrados e por outro como regime de exclusão e de coerção para as pessoas marginalizadas Weffort sublinha que a marginalização políticosocial radicase sobretudo em causas sociais Tais causas na opinião do autor originam se da diferenciação regional de poder e de herança escravocrata do Brasil 360 A situação de marginalização em apreço propicia a manipulação eleitoral da população pobre e desinformada cuja situação lembra o autor é determinada pelas condições de empobrecimento social político e cultural em que se encontra Em seguida Weffort adverte que a educação constitui fator responsável pela distinção entre cidadão e eleitor A cidadania eleitoral assevera o autor não garante cidadania política que por seu turno é mais abrangente e exercida de modo autônomo Ao contrário dos Estados Unidos assinala Weffort o Brasil não oferece igualdade de oportunidades à maioria da população relegando expressivo número de brasileiros à semelhança da maioria dos latinoamericanos ao exercício de cidadania de segunda classe socialmente dependente e politicamente manipulável EXEMPLO DE PROVA concurso de 1997 Texto nº 3 Português do Brasil versus português de Portugal as querelas Vamos ler algumas opiniões sobre a questão de haver uma ou duas línguas portuguesas Tais especulações são em geral carregadas de nacionalismo exacerbado para um ou para outro lado Iniciemos pela de Câmara Júnior Como quer que seja as discrepâncias de língua padrão entre Brasil e Portugal não devem ser explicadas por um suposto substrato tupi ou por uma suposta profunda influência africana como se tem feito às vezes Resultam essencialmente de se achar a língua em dois territórios nacionais distintos e separados A partir do período clássico em que o português se implantou no Brasil cada país teve a sua evolução lingüística nem sempre coincidente uma com a outra apesar das estreitas relações de vida social e cultura O problema do português popular e dialetal do Brasil é naturalmente outro Nele podem ter atuado substratos indígenas não necessariamente tupi e os falares africanos na estrutura fonológica e gramatical Também se verificaram por outro lado sobrevivências de traços portugueses arcaicos que não se eliminaram de áreas isoladas ou laterais em relação às grandes correntes de comunicação da vida colonial A imensa vastidão do território brasileiro e as modalidades de uma exploração intermitente e caprichosa já propiciavam aliás por si sós uma complexa dialetação que ainda está por se estudar cabalmente 361 A posição de Câmara Junior poderíamos dizer é objetiva e neutra nela está presente a preocupação científica do lingüista que preconiza fundamentalmente a evolução natural para um e outro sistema em territórios geográficos distintos Tal não é a neutralidade científica encontrada em Ribeiro 1933 Nessas breves passagens do texto de Ribeiro A língua nacional fica clara a posição apaixonada que o autor assume em relação à unidade brasílica do português americano Vejamos Parece todavia incrível que a nossa Independência ainda conserve essa algema nos pulsos e que a personalidade de americanos pague tributo à submissão das palavras A nossa gramática não pode ser inteiramente a mesma dos portugueses As diferenciações regionais reclamam estilo e método diversos Trocar um vocábulo uma inflexão nossa por outra de Coimbra é alterar o valor de ambos a preço de uniformidade artificiosas e enganadoras Não podemos sem mentira e sem mutilação perniciosa sacrificar a consciência das nossas próprias expressões Corrigilas pode ser um abuso que afete e comprometa a sensibilidade imanente a todas elas Os nossos modos de dizer são diferentes e legítimos e o que é melhor são imediatos e conservam pois o perfume do espírito que os dita Temos assim no testemunho de João Ribeiro uma defesa da língua brasileira nacional como marca da independência do povo brasileiro uma exaltação à alma e ao espírito brasileiros libertos via língua das amarras que os prendiam ao reino português Se é veemente e exacerbada a glorificação da língua brasileira nacional defendida por Ribeiro não menos veemente e exacerbado é o depoimento de José Pedro Machado em O português do Brasil Este texto que ora leremos foi escrito como uma resposta indignada a um pronunciamento do poeta Cassiano Ricardo lido a 30 de janeiro de 1941 frente à Academia Brasileira de Letras intitulado A Academia e a língua brasileiras partes do qual aparecem transcritas no livro de Machado e que retomaremos para melhor explicitar a posição lusitana do último Em primeiro lugar pois as palavras de Cassiano Ricardo A glória de Portugal nada tem que ver com a língua falada pelo povo brasileiro Muito ao contrário é na língua falada pelo brasileiro que melhor havemos de celebrar a glória de Portugal 362 Se os filólogos portugueses são os primeiros a reconhecer com absoluta lealdade que falamos um dialecto do português e portanto uma língua que se destacou de sua origem peninsular não poderemos nós ser mais realistas do que o rei ou no caso do que os reis da lingüística portuguesa Glorifiquemos assim as duas línguas e não somente a portuguesa criando direitos e obrigações recíprocas Não é possível anular o fenômeno lingüística no Brasil muito menos transigir num assunto que tanto interessa à formação nacional E em seguida o depoimento de Machado Não foi pequeno o eco do discurso do Sr Cassiano Ricardo Os jornais publicaramno integralmente e até o Estado de São Paulo procedeu a um inquérito entre alguns publicistas e intelectuais brasileiros Como tem sucedido várias vezes também aqui as opiniões se dividiram para um lado os defensores do idioma brasileiro para o outro os seus adversários Infelizmente não se lembraram de tomar aquela atitude que afinal parece tão evidente tão lógica que muito surpreende não ter sido a adaptada em vez de se ouvirem pessoas com certeza distintas nas suas especialidades mas pouco versadas nesta por que não se pediu a opinião dos filólogos O facto de não considerar língua brasileira mas dialectos brasileiros não quer dizer que eu ponha em dúvida a justiça da independência brasileira o que seria estupidamente absurdo nem tãopouco ofender os brios patrióticos dos nossos irmãos de alémAtlântico Devemos no entanto afastar todos os sentimentos para alcançar um objecto que sem essa medida prévia aparecerá diante dos nossos olhos rodeado de espessas névoas ou deturpado Eu sou da opinião de Sílvio Elia A fuga para a Europa ou o recolhimento na taba do índio são duas soluções cômodas mas em desacordo com o ser nacional O texto de Machado fala por si mesmo O posicionamento que o autor assume em tomo de uma política lusitana da língua portuguesa ecoa em cada passagem embora ele procure enfatizar o poder decisório dos filólogos que poria fim a discursos como o proferido pelo poeta E é justamente em um breve comentário sobre Cassiano Ricardo em nota de rodapé que Machado mais fortemente revela seu descaso pelos que apregoam a existência de uma língua brasileira nacional individuada Assim se expressa o autor nessa nota de pédepágina 363 Lembro que o nome do ilustre acadêmico não é nem pode ser desconhecido Tratase de um poeta cuja glória foi coroada com aquele admirável Martim Cererê dedicado ao Brasilmenino Nessas páginas ao lado da simplicidade tão bela aparecenos um português razoável Por isso ocorre perguntar Por que não emprega o delicado poeta nas suas obras uma língua absolutamente diferente da minha Além de justificar a existência do dialecto dignificado tornava se coerente com o teor do discurso feito na Academia Brasileira Ênfase acrescida pelo autor Temos pois quatro diferentes posições sobre a questão da língua nacional F T Tempos Lingüísticositinerário histórico da língua portuguesa Elabore o resumo do Texto nº 3 com extensão de 200 a 250 palavras valor 40 pontos EXEMPLO DE RESUMO Maximiliano Barbosa Fraga 4040 No texto Português do Brasil VERSUS português de Portugal as querelas da obra Tempos Lingüísticos itinerário histórico da língua portuguesa FT faz um relato das opiniões de quatro escritores sobre a questão de haver uma ou duas línguas portuguesas FT considera a opinião de Câmara Júnior objetiva e neutra Câmara Júnior lembra o autor explica as diferenças de língua padrão entre Brasil e Portugal com base na evolução natural da língua em territórios geográficos distintos e separados Câmara Júnior cita FT destaca que o português popular e dialetal do Brasil por seu turno pode ter sofrido a ação de substratos indígenas e africanos na estrutura fonológica e gramatical Em seguida FT destaca o caráter apaixonado do posicionamento de João Ribeiro Este conforme F assevera as diferenças regionais existentes entre Brasil e Portugal e a necessidade de haver estilo e método diversos entre a língua dos dois países Ribeiro aponta FT defende uma língua brasileira nacional como característica de independência do povo brasileiro 364 FT assinala as discrepâncias de opinião existentes entre José Pedro Machado e Cassiano Ricardo Cassiano aponta FT salienta a existência de duas línguas citando o fato de que os próprios portugueses consideram que os brasileiros falam um dialeto do português peninsular Machado menciona F T defende consulta aos filólogos sobre o tema e posicionase contra a existência de língua brasileira nacional individuada assinalando que a língua usada por Cassiano Ricardo não é absolutamente diferente daquela por ele empregada EXEMPLO DE PROVA concurso de 1998 Texto nº 1 Fazedores de desertos É natural que todos os dias chegue do interior um telegrama alarmante denunciando o recrudescer do verão bravio que se aproxima Sem mais o antigo ritmo tão propício às culturas o clima de S Paulo vai mudando Não o conhecem mais os velhos sertanejos afeiçoados à passada harmonia de uma natureza exuberante derivando na intercadência firme das estações de modo a permitirlhes fáceis previsões sobre o tempo As suas regras ingênuas enfeixadas em alguns ditados que tinham às vezes rigorismo de leis falhamlhes hoje em toda a linha passamlhes estéreis as luas novas trovejadas diluemselhes como fumaradas secas as nuvens que ao entardecer abarreiram os horizontes varremlhes as ventanias súbitas a poeira líquida das neblinas que se adensam de manhã pelo topo dos outeiros e em plena primavera agora sob o alastramento das soalheiras fortes o aspecto de suas plantações esfolhadas e esfloradas principia a ser desanimador revelando antes do estilo franco esse período máximo à vida vegetativa que nos países quentes está no desequilíbrio entre a evaporação intensa pelas folhas e a absorção escassa e cada vez menor pelas raízes Mas é natural o fenômeno Nem é admissível que ante ele se surpreendam os nossos lavradores primeiras vítimas dessa anomalia climática Porque há longos anos com persistência que nos faltou para outros empreendimentos nós mesmos a criamos Temos sido um agente geológico nefasto e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza que nos rodeia É o que nos revela a história 365 Foi a princípio um mau ensinamento do aborígine Na agricultura do selvagem era instrumento preeminente o fogo Entalhadas as árvores pelos cortantes dgis de diorito e encoivarados os ramos alastravamlhes por cima as caitaras crepitantes e devastadoras Inscreviam depois em cercas de troncos carbonizados a área em cinzas onde fora a mata vicejante e cultivavamna Renovavam o mesmo processo na estação seguinte até que exaurida aquela mancha de terra fosse abandonada em caapuera jazendo dali por diante para todo sempre estéril porque as famílias vegetais renovadas no terreno calcinado eram sempre de tipos arbustivos diversos das da selva primitiva Veio depois o colonizador e copiou o processo Agravouo ainda com se aliar ao sertanista ganancioso e bravo em busca do silvícola e do ouro Afogada nos recessos de uma flora que lhe abreviava as vistas e sombreava as tocaias do tapuia dilaceroua golpeandoa de chamas para desvendar os horizontes e destacar bem perceptíveis tufando nos descampados limpos as montanhas que o norteavam balizando a rota das bandeiras Atacaram a terra nas explorações mineiras a céu aberto esterilizaram na com o lastro das grupiaras retalharamna a pontaços de alvião degradaramna com as torrentes revoltas e deixaram ao cabo aqui ali por toda a banda para sempre áridas avermelhando nos ermos com o vivo colorido da argila revolvida as catas vazias e tristonhas com o seu aspecto sugestivo de grandes cidades em ruínas Ora tais selvatiquezas atravessaram toda a nossa história Mais violentas no Norte onde se firmou o regímen pastoril nos sertões abusivamente sesmados e desbravados a fogo incêndios que duravam meses derramandose pelas chapadas em fora ali contribuíram para que se estabelecessem em grandes tratos o regímen desértico e a fatalidade das secas O sul subtraiuse em parte à faina destruidora que o próprio governo da metrópole em sucessivas cartas régias procurou refrear criando mesmo juizes conservadores das matas que impedissem a devastação O mesmo sistema de culturas largamente extensivas porém as lavouras parasitárias arrancando todos os princípios vitais da terra sem lhes restituir um único foram pouco a pouco remodelandolhe as paragens mais férteis transmudandoas e amaninhandoas As conseqüências repontam naturais A temperatura alterase agravada nesse expandirse de áreas de insolação cada vez maiores pelo poder absorvente dos nossos terrenos 366 desnudados cuja ardência se transmite por contacto aos ares e determina dois resultados inevitáveis a pressão que diminui tendendo para um minimum capaz de perturbar o curso regular dos ventos desorientandoos pelos quatro rumos do quadrante e a umidade relativa que decresce tornando cada vez mais problemáticas as precipitações aquosas De sorte que o sueste regulador essencial do nosso clima depois de transmontar a Serra do Mar onde precipita grande cópia de vapores ao estirarse pelo planalto vai encontrando atmosfera mais quente do que dantes cujo efeito é aumentarlhe a capacidade higrométrica diminuindo na mesma relação as probabilidades de chuvas São fatos positivos irrefragáveis e bastam para que se explique a alteração de um clima Mas apontemos um outro Neste entrelaçamento de fatores climáticos introduzimos um artificial e de todo fora das indagações meteorológicas normais a queimada É transitória mas engravece os perigos De feito a irradiação noturna contrabate a insolação a terra devolve aos céus o excesso de calor acumulado resfria e o orvalho decorrente ilude de algum modo a carência das chuvas Ora as queimadas impedem esse derivativo único As colunas de fumo rompentes de vários lugares a um tempo adensamse no espaço e interceptam a descarga do solo Desaparece o sol e o termômetro permanece imóvel ou de preferência sobe A noite sobrevém em fogo a terra irradia com um sol obscuro porque se sente uma impressão estranha de faúlhas invisíveis mas toda a ardência reflui sobre ela recambiada pelo anteparo espesso da fumaça e mal se respira do bochorno inaturável em que toda a adustão golfada pelas soalheiras e pelos incêndios se concentra numa hora única da noite Hoje Thomas Buckle não entenderia as páginas que escreveu sobre uma natureza que acreditou incomparável no estadear uma dissipação de força wantoness of power com esplendor sem par Porque o homem a quem o romântico historiador negou um lugar no meio de tantas grandezas não as corrige nem as domina nobremente nem as encadeia num esforço consciente e sério Extingueas Euclides da Cunha O Estado de São Paulo 21101901 1 Elabore um resumo do Texto nº 1 com extensão de 200 a 250 palavras valor 40 pontos 367 EXEMPLO DE RESUMO concurso de 1998 Luiz Claudio Themudo 3840 No artigo intitulado Fazedores de desertos que foi publicado na edição de 21101901 do jornal O Estado de São Paulo o escritor Euclides da Cunha crítica a forma nefasta e inconseqüente de o Homem agir ao tratar do próprio ambiente em que vive De início o articulista aponta o fogo e seu uso sistemático na agricultura do aborígene como o primeiro elemento responsável pela esterilidade da terra O quadro é agravado quando o colonizador em conjunto com o sertanista parte em busca de ouro e índios O autor salienta que após os períodos das bandeiras e da exploração mineral os resultados foram o desmatamento florestal e a dilapidação de áreas extensas Em seguida o escritor afirma que os regimes pastoris em prática no Norte do Brasil muito contribuíram para a ocorrência de secas e para o processo de desertificação dos solos Ressalta ainda Cunha os malefícios advindos da introdução das queimadas que embora transitórias alteram de forma significativa o processo de resfriamento natural dos solos Euclides da Cunha conclui então que fenômenos como mudanças climáticas seja a alteração da temperatura a mudança do curso regular dos ventos ou a diminuição da umidade relativa são conseqüências naturais das diversas práticas que apesar de bárbaras são persistentemente adotadas pelo Homem com vistas a controlar a natureza EXEMPLO DE PROVA concurso de 1999 Texto 3 Cegueira brasileira O politicamente correto não ridiculariza os EUA como se pensa comumente É surpreendente a facilidade com que no Brasil especialmente nos meios jornalísticos e entre intelectuais idéias preconcebidas fantasiosas e supostamente críticas se generalizam e acabam por absoluta falta de contestação ganhando o status de realidade Um dos exemplos mais impressionantes do desconhecimento travestido de senso crítico é a imagem que se criou entre nós do que seja a sociedade norteamericana e particularmente do que significa nos EUA o politicamente correto Supõese em geral que o país tratado 368 freqüentemente como um bloco indiferenciado esteja inteiramente dominado por leis repressivas que cerceiam a liberdade individual enrijecem as relações entre homens e mulheres abalam a espontaneidade e destroem o senso de humor Do que exatamente estamos falando quando nos referimos ao politicamente correto Tratase somente de uma série de normas que asfixiam o vocabulário restringem as relações interpessoais e substituem a competência pelo sistema de cotas Alguém acredita de fato que a sociedade norteamericana passou a se devotar gratuitamente o exercício da autocontenção e à disseminação de um vocabulário repleto de ridículos eufemismos Não é curioso senão melancólico o fato de repetirmos os mesmos velhos comentários pretensamente argutos sobre o politicamente correto tantos anos depois de o debate lerse iniciado e diversificado nos EUA Para evitar a hegemonia de uma visão unilateral sugiro abordarmos o tema de forma um pouco menos provinciana em primeiro lugar não podemos esquecer que a despeito de todos os seus efeitos perversos a discussão em torno do politicamente correto diz respeito a problemas que no Brasil temos enorme dificuldade em enfrentar como a discriminação racial a violência doméstica a violência de gênero a homofobia e o etnocentrismo por exemplo Os abusos que têm ocorrido na América do Norte perpetrados em nome dos direitos civis vêm sendo freqüentemente confundidos por nossa ignorância ilustrada com a própria substância dos movimentos em torno desses direitos O fato de centenas de milhares de mulheres terem rompido o muro de silêncio da violência doméstica e das agressões sexuais e o fato de os afroamericanos terem tido acesso a posições que dificilmente alcançariam em outros tempos parece ter sido obscurecido por uma dezena de histórias bizarras que generalizadas passaram a refletir a sociedade dos EUA em sua totalidade Quando penso em os americanos não vejo apenas os homens brancos protestantes com bandeiras nacionais tremulando na porta de casa ou as feministas ensandecidas que a imprensa brasileira costuma destacar e generalizar o que é lamentável em se tratando de um cenário caracterizado exatamente pela multiplicidade de feminismos A sociedade norteamericana é tudo menos homogênea e tampouco estática Ao contrário tratase de uma sociedade profundamente experimental no que concerne ao comportamento e às normas que procuram regulálo Falar em os americanos desconsiderando a diversidade cultural de um país com enorme população de afroamericanos asiáticos e hispânicos entre tantos outros é 369 um ato falho que reflete não só o desconhecimento das dinâmicas culturais mas sobretudo a necessidade de construir um modelo reduzido e simplificado de classificação dos fenômenos sociais Camille Paglia e Norman Mailer críticos radicais do politicamente correto representam apenas uma faceta de um debate intenso e de uma mobilização permanente que a mídia brasileira sempre esquece de noticiar quando retrata unilateralmente a chamada ditadura do politicamente correto Os casos que continuam a ser noticiados no Brasil anos depois de ocorridos como o do menino processado por beijar a coleguinha na escola são também na América do Norte considerados ridículos e extremados Mas insistese no Brasil em reproduzilos como se fossem ilustrações vivas da camisadeforça em que vivem os americanos Houve e ainda há exageros radicalismos e absurdos ninguém nega Esquecese entretanto de que os efeitos perversos e as ameaças às liberdades individuais fontes legítimas de inquietação aconteceram em decorrência de mudanças profundas que beneficiaram parcelas significativas da população ampliando como nunca o universo da cidadania Nos EUA o desafio já está posto há algum tempo e a sociedade discute intensamente os limites da regulação do comportamento e a redefinição das fronteiras entre o público e o privado Enquanto ainda supomos que o país se deixa dominar por uma nova ortopedia social os americanos já mobilizam poderosas reações vivem confrontos recuos retrocessos e reafirmações e desenvolvem novos organismos destinados tanto a combater os excessos quanto a restaurar antigas prerrogativas Há portanto um processo dinâmico de debates permanentes que insistimos no Brasil em não enxergar Confundese aqui a confortável inércia e a resistência à mudança com a suposta espontaneidade de um modelo criativo de convívio entre dessemelhantes Agarramonos infantilmente às falhas e aos excessos de uma experiência capaz no limite de ameaçar e desalojar velhos privilégios para construir a imagem primitiva e cristalizada de um país que estaria dominado pelo radicalismo conservador e falta de imaginação Para quem acha graça em piadas racistas e precisa delas para alimentar seu senso de humor uma sugestão que tal se divertir com a enxurrada de piadas sobre o politicamente correto popularizadas nos Estados Unidos e incorporadas espertamente ao poderoso mercado editorial Barbara Musimeci Soares Folha de S Paulo 13 de dezembro de 1998 Elabore um resumo do Texto nº 3 com extensão de 200 a 250 palavras valor 40 pontos 370 EXEMPLO DE RESUMO Daniel Roberto Pinto 3540 No artigo Cegueira Brasileira SP 13121998 Bárbara Musimeci Soares disseca a crítica brasileira ao fenômeno norteamericano do politicamente correto Seu objetivo combater o hábito arraigado nos meios intelectuais e jornalísticos brasileiros de fazer generalizações falsamente argutas e nada originais sobre uma sociedade tão complexa e dinâmica como a norteamericana Segundo esta visão brasileira os EUA padeceriam sob leis que limitam a liberdade individual e sufocam a espontaneidade e o senso de humor nas relações sociais Bárbara Soares acusa esta visão de confundir os abusos de um sistema com o próprio sistema e a tacha de provinciana estamos atentos aos problemas alheios sem percebei que são conseqüência de tentativas de solucionar dificuldades graves e que continuam a nos afligir no Brasil tais como a discriminação a violência e a desigualdade É de se lamentar ainda que os inegáveis progressos na luta pelos direitos civis como a reação das mulheres à violência sexual e a ascensão social dos negros não sejam levados na devida conta encobertos que são por alguns casos pitorescos Estes aliás são ridicularizados e condenados também nos EUA onde os abusos e absurdos do processo são alvo de debates permanentes resultando em um mecanismo dinâmico de progresso social Já no Brasil estaríamos insistindo em achar que nossa acomodação e resistência à mudança nada mais é que a espontaneidade de uma sociedade onde os desiguais convivem de maneira criativa E assim a autora parece concluir permanecerão desiguais ad infinitum EXEMPLO DE PROVA concurso de 2000 Texto nº 1 Pesquisa Variacionista e Ensino Discutindo o Preconceito Lingüístico Todos nós sabemos que direta ou indiretamente um dos maiores problemas do ensino de língua portuguesa passa pela questão do preconceito lingüística Na maior parte das vezes o ensino de gramática é feito de forma rígida como se tudo fosse inerentemente errado O ensino normativo tem o objetivo explícito de banir das línguas formas ditas empobrecedoras formas ditas desviantes formas consideradas indignas de serem usadas por 371 homens de bem E na perseguição deste objetivo no sentido mais literal do termo muitas vezes e com freqüência banemse da escola não as formas lingüísticas consideradas indesejáveis mas as pessoas que as produzem porque estas formas são normalmente aquelas produzidas em maior quantidade pelas pessoas de classe social sem prestígio As pessoas de classe prestigiada também produzem as formas consideradas indesejáveis só às vezes em menor quantidade Em nome da boa língua praticase a injustiça social humilhado o ser humano por meio da nãoaceitação de um de seus bens culturais mais divinos o domínio inconsciente e pleno de um sistema de comunicação próprio da comunidade ao seu redor E mais do que isto a escola e a sociedade da qual a escola é reflexo fazem associações sem qualquer respaldo lingüístico objetivo entre domínio de determinadas formas lingüísticas e elegância e deselegância entre domínio de determinadas formas lingüísticas e competência ou incompetência entre domínio de determinadas formas lingüísticas e inteligência e burrice Com que direito visões preconceituosas podem ser reforçadas As questões que envolvem a linguagem não são simplesmente lingüísticas são acima de tudo ideológicas E a Sociolingüística produz fatos para colocar lenha na fogueira deste debate e particularmente no debate público sobre o preconceito lingüístico corroborado tacitamente pela maior parte dos membros de uma comunidade lingüística Sabese bem que infelizmente língua é também instrumento de poder língua é também instrumento de dominação língua é também instrumento de opressão Ainda não vi e gostaria de ver um dia a utopia faz parte da vida a língua ser usada como um real instrumento de libertação Então os resultados da pesquisa sociolingüística podem ser usados para a discussão do preconceito lingüístico apresentando fatos inquestionáveis que evidenciam que as pessoas não estão simplesmente nocauteando a concordância tropeçando ou cometendo gafes mas sim deixando seu vernáculo emergir numa situação de fala em que muitos não admitem que ela possa emergir William Labov bem o coloca que quando estamos completamente envolvidos com conteúdo lingüístico da nossa fala deixamos de nos policiar e deixamos o vernáculo emergir vernáculo este que muitas vezes não coincide com as formas codificadas e ao longo do tempo sentidas como as únicas formas legítimas por grande parte dos usuários da língua Relembro todavia que também não deveríamos perder de vista a possibilidade de podermos contribuir para a codificação de uma norma mais realística mais interessante que contemplasse valores diversos que 372 refletisse um pouco mais a nossa identidade lingüística e que restituísse aos alunos o prazer ele estudar português dando vez à pluralidade de normas Finalizando considero que com os resultados que temos em mão não temos o direito de nos omitir diante das situações concretas de preconceito lingüístico Mais do que isto temos o dever de nos manifestar É o exercício da cidadania Transcrevo a seguir uma parte de minha primeira carta enviada ao Correio Braziliense que reflete bem a minha visão a respeito do preconceito lingüístico e de suas implicações perversas Para mim igual ou pior do que o preconceito de religião raça cor sexo classe social entre outros é o preconceito lingüístico porque ele é sutil e por razões históricas corroborado pela maior parte da sociedade como algo natural O preconceito cria a falsa idéia de que há uma língua melhor do que outra de que há um dialeto melhor do que outro Pior do que isto cria também a falsa idéia de que quem domina as formas de prestígio é mais inteligente mais capaz Confundir discurso político com a língua de um povo é pensar esta língua como algo pequeno demais E confundir forma de falar com competência ou com inteligência significa ver a língua apenas como instrumento de poder e de dominação não como um poderoso instrumento de comunicação A língua de qualquer povo em qualquer época é um instrumento extremamente poderoso porque presta a múltiplas funções transmitir mensagens objetivas organizar o pensamento expressar os desejos e as emoções convencer os outros estabelecer contatos e até mudar o estado das coisas ou seja até realizar atos Mas este precioso instrumento também pode servir a instintos nada nobres pode servir para oprimir para discriminar para enganar para mentir e até infelizmente para alijar o ser humano do meio produtivo Maria Marta Pereira Scherre Pesquisa Ensino da LínguaContribuições da Sociolingüística UFRJCNPq Rio de Janeiro 1996 EXEMPLO DE RESUMO Márcia Nazaré Souza Chaves 3840 Maria Marta Pereira Scherre no texto Pesquisa Variacionista e Ensino Discutindo o Preconceito lingüístico Pesquisa e Ensino da Língua contribuições sociolingüística UFRJCNPq Rio de Janeiro 1996 faz uma 373 reflexão acerca do que entende como preconceito lingüístico a imposição nas escolas da chamada norma culta como forma de manutenção do status quo um dos mais aviltantes meios de preconceito social vez que expressões lingüísticas consideradas inaceitáveis e quem as produz são relegadas a uma casta inferior Essa imposição é feita de maneira sutil no intuito de esconder sua ferocidade a boa língua vai sendo instalada lenta mas constantemente sufocando desvios até que dois blocos sejam compostos o primeiro formado por aqueles que apreenderam as minúcias da regra usandoas a seu favor o segundo pelos que não se enquadraram cujo destino é servir ao primeiro Segundo a visão sociolingüísta estáse perdendo a perspectiva da finalidade da língua a comunicação em primazia da forma como essa comunicação é feita como se fazer a concordância fosse mais importante do que saber com o que se está concordando A autora conclui não pelo fim das regras mas que elas sejam feitas considerandose a riqueza a pluralidade dos falares tornando o seu estudo interessante justamente por refletir essa gama de variações lingüísticas De outra forma a língua nada mais será senão um instrumento letal de dominação deixando a comunicação num plano insignificante Título Manual do Candidato Português Autores Francisco Platão Savioli e José Luiz Fiorin Coordenação Editorial Ednete Lessa Editoração Eletrônica Samuel Tabosa de Castro Capa Ingrid Rocha Comunicações Revisão de Texto Jeanne Sawaya Formato 21 x 297 cm Mancha Gráfica 125 x 259 cm Tipologia Times New Roman 12178 textos Univers bold 12 14 aberturas Papel Cartão Supremo 250 gm2 capa Ap 75 gm2 miolo Número de Páginas 376 Tiragem 1500 exemplares Impressão e Acabamento PAX Editora Gráfica