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Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 57 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE TEXTOS Maristela Gatti Piffer1 Universidade Federal do Espírito Santo Programa de PósGraduação em Educação Cláudia Maria Mendes Gontijo2 Universidade Federal do Espírito Santo Programa de PósGraduação em Educação Resumo Este artigo discute o trabalho com a produção de textos escritos em uma instituição de educação infantil a partir dos resultados de uma pesquisa de mestrado realizada pela abordagem metodológica do estudo de caso do tipo etnográfico A pesquisa foi desenvolvida durante o ano de 2005 em uma turma de crianças na faixa de seis a sete anos de idade As análises sustentadas na perspectiva dialógica de linguagem de Mikhail Bakhtin focaram as práticas de produção de textos com os gêneros textuais que foram recorrentes na sala de aula as histórias em quadrinhos e os textos de opinião Além da leitura e dos conhecimentos sobre o sistema de escrita da língua portuguesa a produção de textos escritos é considerada neste artigo como uma dimensão importante na alfabetização e por isso ela é enfatizada neste trabalho A investigação da prática educativa evidenciou que as professoras envolvidas no estudo se preocuparam em desenvolver propostas em relação a esse tipo de trabalho mas apontou também a necessidade de criação de condições apropriadas para que as crianças tenham o que dizer e se sintam dessa forma motivadas a escrever textos Palavraschave Alfabetização produção de textos infância 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo pedagoga no Sistema Municipal de Ensino de VitóriaES membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização Leitura e Escrita do Espírito Santo NEPALES UFESCEPPGE 2 Doutora em Educação pela UNICAMP pósdoutorado na Universidade da Califórnia Berkeley CA USA Professora do Departamento de Linguagens Cultura e Educação Centro de Educação Universidade Federal do Espírito Santo Integrante da linha de pesquisa Educação e Linguagens do Programa de PósGraduação em Educação UFES Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 58 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr TEXT PRODUCTION PRACTICES Abstract This paper results from a research that aims at analyzing the work of written text production at an educational institution for children The research was based on an ethnographic case study and was developed during a year at a school for children from zero to six years old The class involved in the work included six and sevenyearold children In order to carry out the analysis we evoked the studies of Bakhtin and Geraldi among other authors who gave us support to understanding text production at school Thereby this article aims at analyzing the work carried out by teachers and children in that specific class with comics and opinionated texts Besides the reading and the knowledge on Portuguese language system the production of written texts is considered in this article as an important dimension in literacy and therefore it is emphasized in this paper The investigation of the educational practice shows that teachers involved in the study care about developing suitable proposals concerning such kind of work but also shows the need for creation of suitable conditions for children to have what to say and feel thereby motivated to write texts Key words Literacy text production childhood PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE TEXTOS Introdução Este texto é o desdobramento de uma pesquisa cuja finalidade é investigar as práticas de alfabetização nas escolas públicas Considerando a alfabetização uma prática sociocultural em que se desenvolve o trabalho de produção de textos orais e escritos de leitura e a compreensão dos conhecimentos sobre o sistema de escrita da língua portuguesa elegemos para análise o trabalho com a produção de textos em instituições educativas que atendem crianças de zero a seis anos de idade Pensamos que a aproximação com as práticas que se desenvolvem na sala de aula é fundamental para compreendermos como têm sido reelaborados os diferentes conhecimentos que subsidiam o trabalho com a linguagem escrita no cotidiano educativo escolar Neste artigo retomamos em linhas gerais as contribuições decorrentes desse estudo evidenciando os desafios as possibilidades e as Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 59 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr contradições que permearam o trabalho com a linguagem escrita na sala de aula pesquisada e suscitando reflexões que pretendem contribuir para o avanço da compreensão desses processos na construção de caminhos que permitam efetivamente tomar o texto como unidade de ensino na alfabetização A pesquisa se constitui em um estudo de caso do tipo etnográfico Esse tipo de abordagem metodológica apresenta de acordo com Freitas 2002 um enfoque sóciohistórico uma vez que concebe a aprendizagem como um processo gerador do desenvolvimento e possibilita maior aproximação com a realidade pesquisada por meio de um exercício investigativo que trata o fenômeno social de forma concreta Nesse modo de fazer ciência a concretude do fenômeno é conservada pela arte da descrição e da explicação em uma abordagem que apreende o singular como instância de uma totalidade que é social histórica e cultural A concepção dialética histórica e social na produção do conhecimento também foi abordada por Bakhtin 1999 2003 Ao dialogar com as posições predominantes nas orientações linguísticas de seu tempo o autor defende uma abordagem dialógica na qual a língua é estudada em sua natureza viva num processo que articula o contexto e o meio social organizado Essa ideia pode ser mais bem compreendida nos apontamentos de Bakhtin 2003 sobre o problema do texto na Linguística na Filologia e em outras ciências humanas Nesses apontamentos Bakhtin ressalta que o texto é o ponto de partida a realidade imediata e única das ciências humanas uma vez que o objeto real é o homem social inserido na sociedade que fala e exprime a si mesmo por outros meios Podese encontrar para ele e para a sua vida algum enfoque além daquele que passa pelos textos signos criados ou a serem criados por ele Podese observálo e estudálo como fenômeno da natureza como coisa BAKHTIN 2003 p 319 Para o autor a atividade humana como um texto em potencial só pode ser compreendida no interior das relações dialógicas de seu tempo Nessa perspectiva as ciências humanas centram o foco de atenção nas especificidades humanas concebendoas em seu processo de contínua expressão criação e recriação A instituição escolar A escola onde a pesquisa foi realizada faz parte do sistema público de ensino Fica situada numa região urbanizada com intensas atividades comerciais e rodoviárias O prédio escolar tem dois andares com Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 60 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr oito salas de aula refeitório área de lazer e quatro salas ambientes biblioteca informática videoteca e sala de artes funcionando em boas condições Em relação aos usos da escrita os espaços tempos e modos destinados à circulação de material escrito no ambiente escolar estavam vinculados mais especificamente a duas principais finalidades expor os trabalhos realizados com e pelas crianças e comunicar às famíliascomunidade sobre as normas atividades letivas reuniões de pais e outros eventos Para expor os trabalhos das crianças foram disponibilizados todos os espaços azulejados das paredes onde constantemente podiam ser observadas as produções cotidianas das turmas Havia também um espaço reservado para as mostras de trabalhos decorrentes dos projetos institucionais desenvolvidos em sala de aula A utilização desse espaço ocorria em forma de rodízio constituindose numa mostra permanente de trabalhos onde podiam ser encontradas informações acerca dos projetos desenvolvidos como pode ser observado na Foto 1 Quanto à utilização de materiais escritos com a finalidade de comunicação a escola elaborava cartazes que eram afixados em espaços próximos à entrada murais com informações referentes ao trabalho escolar Foto 2 e prestações de contas bilhetes que eram enviados para as famílias nas agendas informativos anuais com a caracterização geral da escola e normas de funcionamento Além disso as salas e demais ambientes escolares eram identificados com placas que informavam o tipo de atividade predominantemente realizada naqueles locais A classe envolvida no estudo foi uma turma de 23 crianças entre seis e sete anos de idade do turno vespertino regida por duas professoras uma que conduziu os trabalhos no primeiro semestre e a outra que ingressou em regime de designação temporária no segundo semestre Elas apresentavam trajetórias acadêmicas e experiências no campo educacional diferentes A primeira professora docente no primeiro semestre já possuía Foto 1 Exposição de trabalhos das crianças Foto 2 Programação da semana da criança Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 61 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr experiência de mais de dez anos em educação a segunda estava iniciando a sua carreira profissional e havia feito o Magistério em nível médio As crianças residiam próximo à escola e pertenciam a famílias pouco numerosas cuja renda familiar girava em torno de um a cinco salários mínimos O grau de escolarização reincidente dos pais era o nível médio A maioria das crianças já possuía experiência escolar dentro da instituição e as demais já haviam frequentado outras instituições de educação infantil confirmando a incorporação da dinâmica escolar nas relações vividas pelo grupo Em ambiente familiar de acordo com dados informados nos questionários as crianças tinham contato com materiais escritos variados como livros revistas jornais correspondências Dentre os mais citados estavam os livros de literatura infantil os gibis e as revistas A preferência por livros de literatura infantil em ambiente familiar também foi confirmada pelas crianças e pode ser compreendida como uma forma de incorporação das práticas de leitura da escola uma vez que nesse ambiente educativo a literatura infantil é predominante como também foi observado no contexto da sala de aula pesquisada Fotos 3 e 4 Além dos livros de literatura infantil na sala de aula eram utilizados outros suportes textuais dicionários gibis almanaques atividades xerocopiadas cartazes produzidos em aula calendário blocos de atividades Havia também vários potes com materiais pedagógicos etiquetados pelas crianças e alfabetos afixados nas paredes e carteiras Esses materiais eram constantemente utilizados pelas crianças e pelas professoras que procuravam explorálos em diversos momentos 06 Foto 3 Cantinho de leitura na sala de aula Foto 4 Sala de leitura da escola Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 62 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr solicitando consultas aos alfabetos e aos cartazes produzidos e também durante a distribuição dos materiais na busca por objetos guardados em potes no uso do dicionário A movimentação das crianças em torno dos materiais escritos era integrada aos diversos trabalhos desenvolvidos na escola em especial os que tomaram como eixos orientadores a literatura infantil e os direitos das crianças temas dos projetos institucionais da escola para o ano letivo Situações de produção de textos observadas em sala de aula Considerando as contribuições decorrentes da perspectiva bakhtiniana de linguagem definimos duas categorias de análise que foram configuradas a partir do conceito de gêneros textuais o trabalho com as histórias em quadrinhos e com os textos de opinião Essas escolhas foram efetuadas tomando por base o levantamento das condições de produção dos textos Por meio desse levantamento foi possível entrever os gêneros que mais se manifestaram nas práticas das professoras As propostas de produção que envolveram as histórias em quadrinhos foram observadas em 375 dos 60 eventos registrados em nosso diário de campo indicando uma recorrência de 12 situações de trabalho com o gênero Os textos de opinião foram evidenciados em 25 das situações observadas perfazendo um total de oito eventos conforme indicado na tabela que se segue Tabela 1 Situações de escrita observadas em sala de aula Gênero textual F Texto de opinião História em quadrinhos Reescrita de histórias em quadrinhos Relatório Lista de palavras Reconto Relato pessoal Bilhete Carta de solicitação Poema 08 06 06 03 03 02 01 01 01 01 2500 1875 1875 938 938 626 312 312 312 312 Total 32 100 Como mostra a tabela no contexto da classe pesquisada o trabalho com textos se configurava em uma dimensão importante do processo de alfabetização e a sua entrada na sala de aula ocorria por diferentes suportes como livros de literatura infantil jornais revistas gibis encartes atividades Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 63 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr fotocopiadas etc De acordo com a Professora 13 a escolha do texto ocorria a partir dos temas de estudo e das demandas da turma Compreendemos que a constituição de sujeitos deve ser a principal razão para a entrada do texto na sala de aula acreditando conforme aponta Geraldi 1997 p 20 que Ao se propor a produção de textos como a devolução da palavra ao sujeito apostase no diálogo que não exclui a polêmica e a luta pelos sentidos e na possibilidade de recuperar na história contida e não contada elementos indicativos do novo que se imiscuiu nas diferentes formas de retomar o vivido de inventar o cotidiano O diálogo portanto constituise o ponto de encontro das vozes que habitam a sala de aula que nesse contexto é concebida como lugar de interação de produção de sentidos e de constituição de sujeitos Assim procurando compreender como o trabalho com textos na sala de aula era articulado em função dessa importante dimensão do processo de alfabetização voltamos nosso olhar para as condições de produção dos textos procurando evidenciar como eram delineadas essas condições Quais movimentos suscitavam entre as crianças Como as crianças respondiam a essas propostas de produção Quais aspectos dessa atividade interdiscursiva eram concretizados nos textosproduto dessa ação Como as crianças materializavam seus discursos a partir das propostas enunciadas pelas professoras O que revelavam em seus textos e como se constituíam nessa atividade sujeitos de ideias opiniões saberes valores cultura Para proceder às análises das situações de trabalho com a produção de texto tomamos por base um percurso descritivoexplicativo abordando o contexto imediato de produção os processos que se desenvolveram durante o trabalho de escritura e os textos resultantes da produção No delineamento do contexto imediato contemplamos a análise das condições de elaboração dos textos focalizando as instruções explicitadas pelas professoras para o trabalho de escritura O gênero história em quadrinhos A entrada do gênero história em quadrinhos na sala de aula teve início no primeiro bimestre do ano letivo estendendose até o final do ano quando foram desenvolvidas atividades que estavam vinculadas à produção de histórias em quadrinhos e à reescrita a partir de histórias em quadrinhos Segundo Cademartori 2003 as histórias em quadrinhos agregam elementos da cultura literária ficcional que acenam para estilos humorísticos eróticos e de aventura ancorados em uma tipologia textual que envolve predominantemente aspectos da ordem do narrar por meio de uma sucessão de imagens fixas e organizadas em sequências Esse 3 Em atenção ao protocolo de pesquisa usaremos neste artigo os termos Professora 1 para a regente da classe no primeiro semestre e Professora 2 para a docente que atuou no segundo semestre Usaremos também somente as iniciais dos nomes das crianças da classe Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 64 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr enquadramento das imagens permite recortar o espaçotempo dos acontecimentos e das ações que é conectado não apenas pela contiguidade das vinhetas mas também pelos elementos verbais e visuais que constituem o todo de sentido do texto como os balões de fala com suas formas apêndices e contornos variados que indicam o discurso direto em suas diferentes formas de manifestação o tamanho e a espessura das letras as onomatopeias que atuam como recurso narrativo na evolução da trama os sinais de tipo natural e artificial como os ícones e os símbolos dentre outros Esses aspectos situam as histórias em quadrinhos no campo da produção cultural intermidiática atingindo um auditório social caracterizado predominantemente pelo público infantojuvenil Assim tendo em vista os elementos constitutivos do gênero suas esferas de circulação e finalidades comunicativas compreendemos que a sua inserção no espaço escolar como objeto de ensinoaprendizagem requer uma articulação coerente entre as práticas sociais de linguagem e as atividades de linguagem dos aprendizes uma vez que é através dos gêneros que as práticas de linguagem materializamse nas atividades dos aprendizes DOLZ SCHNEUWLY 2004 p 74 grifo dos autores evidenciando a necessidade de conciliação de estratégias de ensino adequadas para o trabalho com o gênero em contexto escolar No caso pesquisado as propostas de produção focalizaram capacidades discursivas da ordem do narrar tomando como estratégia do dizer alguns recursos linguísticos e icônicos Para isso as professoras consideraram uma sequência de ensino que consistiu de acordo com nossas observações numa proposta progressiva de trabalho que privilegiou alguns aspectos composicionais do gênero a sequência início meio e fim em narrativas curtas três a quatro vinhetas o título o nome do autor o uso de balões de fala os traços narrativos as onomatopeias e alguns sinais de tipo artificiais como ícones e símbolos As análises das propostas de produção e dos movimentos suscitados entre as crianças captados por meio de anotações em diário de campo e de transcrições das interações ocorridas em aula bem como de uma amostra de 25 textos resultantes do processo de produção evidenciaram a preocupação das professoras em organizar uma sequência didática para trabalhar com as histórias em quadrinhos focalizando inicialmente a organização de ideias no texto a partir do uso de recursos icônicos uma estratégia de ensino que elas imaginavam ser interessante para as crianças Contudo em grande parte das situações analisadas observamos que as crianças não realizaram o trabalho de produção conforme as orientações delineadas buscando diferentes alternativas para cumprir a tarefa solicitada pelas professoras escrever histórias em quadrinhos Geralmente elas recorriam a temáticas e personagens da literatura infantil predominante em seu universo cultural como os contos de fada utilizavam uma quantidade reduzida de cenas duas três ou quatro cenas concluindo a narrativa antes do último quadrinho e em muitos casos os sentidos dos textos ficavam circunscritos à interação oral com o autor como pode ser notado no trabalho realizado por Nat Fotos 5 e 6 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 65 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Nat dividiu a folha em duas partes definindo portanto a quantidade de quadrinhos de sua história Em seguida iniciou o desenho de uma personagem no espaço reservado à segunda cena Buscando atender às orientações delineadas ela incluiu um balão de fala em seu trabalho após consulta aos diferentes estilos de balões que foram registrados em seu caderno Nesse balão escreveu PATRÍCIA Somente depois de concluir a produção dessa vinheta passou para o primeiro quadrinho onde desenhou outra personagem com inscrições textuais que não possibilitaram a constituição de sentidos do texto nem tampouco o seu reconhecimento em narrativa quadrinizada Na tentativa de compreendermos os processos que se desenvolveram a partir das propostas de produção das histórias em quadrinhos encontramos alguns fatores que podem ter influenciado a atividade discursiva das crianças Conforme aponta Mendonça 2005 embora as histórias em quadrinhos apresentem semioses distintas articuladas por meio de recursos verbais e não verbais que contribuem para o processo de constituição de sentidos tornandoas mais acessíveis às crianças em fase inicial de apropriação da linguagem escrita sua entrada no espaço escolar ocorre em muitos casos influenciada por essa relativa facilidade provocando a falsa premissa de que a leitura e a escrita de histórias em quadrinhos são capacidades facilmente desenvolvidas Compreendemos que o trabalho de produção dos textos foi influenciado pelas suas condições uma vez que em todas as situações observadas a escolha do gênero antecedeu os outros elementos que deveriam ser considerados como condições essenciais para o trabalho com textos caracterizando uma proposta de trabalho em que a temática foi tomada como pretexto para ensinar a sequência explicitada A escolha do gênero história em quadrinhos se sobrepôs aos conteúdos às motivações que podem ter ou criar Somente não se sobrepôs Foto 6 Trabalho de Nat 1972005 Foto 5 Nat produzindo o texto 1972005 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 66 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr aos destinatários que gostariam de avaliar os textos das crianças sem considerar também nenhum desses aspectos mas a capacidade de a criança organizar as ideias numa sequência narrativa quadrinizada com começo meio e fim Esse dado em consonância com a escolha da estratégia de dizer que de antemão já estava definida configurou uma proposta de produção textual cuja situação de comunicação apresentou finalidades que se restringiram ao trabalho escolar particularmente à avaliação do percurso evolutivo de cada criança sem considerar as circunstâncias sociais de uso dessa forma de linguagem Ao discorrer sobre as concepções de linguagem que sustentam de maneira geral o ensino da língua na escola Geraldi 2003 p 119 enfatiza que a língua pode ser vista como instrumento de comunicação como meio de troca de mensagens entre as pessoas ou é ela tomada como objeto de estudo como um sistema cujos mecanismos estruturais se procura identificar e descrever Com base nessas abordagens podem ser suscitados de acordo com o autor objetivos distintos que são tomados para orientar um trabalho voltado para o desenvolvimento de capacidades de expressão e compreensão de mensagens ou para o conhecimento do sistema linguístico Acreditamos que essas dimensões do trabalho com a linguagem escrita devem ser entrelaçadas nas práticas de leitura e de produção de textos compreendendo que É exercendo a linguagem que o aluno se preparará para deduzir ele mesmo a teoria de suas leis Aprender a respeito da língua tomar consciência dos mecanismos estruturais do sistema linguístico deve ser etapa posterior levar o aluno à consciência da língua só depois de ter ele a posse da língua GERALDI 2003 p 120 Nesse sentido o autor explica que a escolha das estratégias de dizer não pode ocorrer no abstrato Elas são selecionadas ou construídas em função tanto do que se tem a dizer quanto das razões para dizer a quem se diz GERALDI 2003 p 164 Entretanto nesse contexto de produção das histórias em quadrinhos observamos que havia certa ênfase na sistematização de alguns aspectos estruturais do gênero e o dizer das crianças de maneira geral foi comprometido pela inversão provocada nas propostas de produção Uma inversão que situou as estratégias do dizer como ponto de partida abstraindo da atividade de produção textual as dimensões sociocomunicativas fundamentais no trabalho com os gêneros discursivos a esfera as necessidades da temática o conjunto de participantes e a vontade enunciativa ou a intenção do locutor Esse movimento também foi observado nas atividades de reescrita das histórias em quadrinhos que foram abordadas a partir de três demandas de trabalho evidenciadas nas práticas das professoras a reescrita coletiva a reescrita em duplas e a reescrita individual Essas atividades de escrita conforme indicado na análise das seis situações observadas foram delineadas a partir de propostas que circunscreveram o dizer das crianças à reprodução da sequência narrativa quadrinizada usando suas palavras Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 67 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Ao apontar nas transcrições das interações ocorridas em aula e em fotos dos textos produzidos pelas crianças as implicações decorrentes dessas propostas de trabalho com a linguagem escrita observamos que as possibilidades de interação entre os interlocutores foram influenciadas pela ênfase na codificação de palavras a partir da reprodução simplificada e impessoal dos sentidos da narrativa quadrinizada como pode ser observado nesta proposta da Prof 2 Vocês vão olhar cada quadrinho desse aqui e vão escrever uma frase do que que tá acontecendo no quadrinho faz o contorno dos quadrinhos no quadro então vocês vão pegar o lápis crianças e vão fazer assim enumerar os quadrinhos colocar número um na ordem das cenas tá bom por exemplo essa é a primeira cena é em cima do quadrinho aqui oh número um enumera o primeiro quadrinho no quadro aí vocês vão ver a ordem das cenas e vão colocar tá depois que vocês enumera primeiro vão enumerar os quadrinhos todo mundo colocando os números nos quadrinhos na ordem da cena tá um dois três até acabar os quadrinhos vão escrever uma frase do que vocês estão vendo naquele quadrinho entenderam 299 2005 Com base nessas orientações ou seja escrever o que estavam observando em cada quadrinho as crianças tentavam imprimir suas marcas na produção textual Contudo o espaço de diálogo entre autor e interlocutor era definido pelas próprias condições de produção uma vez que elas centravam seus esforços nos aspectos estruturais do sistema de escrita buscando diferentes meios para cumprir as tarefas solicitadas que nesse contexto interlocutivo tinham como principal finalidade a avaliação das escritas infantis Essa constatação tecida a partir da análise de 15 produções decorrentes das propostas de reescrita das histórias em quadrinhos evidencia que a preocupação com a comprovação dos níveis evolutivos da escrita na criança influenciou o processo de produção de sentidos dos textos comprometendo as possibilidades de diálogo de constituição de sujeitos produtores de discursos e reduzindo a atividade interdiscursiva das crianças à mera reprodução de enunciados como podemos notar no trabalho realizado por Joa Foto 7 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 68 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Ao concretizar as instruções delineadas pela professora enumerando as vinhetas e escrevendo frases para dizer o que estava acontecendo em cada cena Joa registra sentenças isoladas justapostas apenas reproduzindo o conteúdo de cada vinheta sem marcar o seu posicionamento no processo de produção de sentidos do texto Foto 7 Texto de Joa 2992005 ELE ESTÁ PLANTANDO ELE ESTÁ REGANDO ELE ESTÁ FELIZ ELE ESTÁ OLHANDO PARA FLOR ELE ESTÁ PENSANDO ELE CHUTOU A FLOR ELE ESTÁ TRISTE Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 69 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr A partir desse exemplo podemos notar que as práticas em torno da reescrita de histórias em quadrinhos embora buscassem romper com as concepções tradicionais de alfabetização revelavam uma aproximação com a visão mecanicista na qual a preocupação com o aspecto grafofônico prevalece sobre os demais aspectos da linguagem o que se evidencia na fragmentação e na artificialização dos enunciados Tomando uma situação de escrita exemplificada por Geraldi 2003 compreendemos que essa proposta de trabalho com as histórias em quadrinhos aproximouse de outra situação muito comum nas classes de alfabetização a escrita de textos a partir de gravuras Nessas situações conforme analisa o autor o que se tem a dizer é uma história suscitada pelas gravuras cuja finalidade discursiva se circunscreve a mostrar o que se sabe sobre o sistema da língua Como consequência são anuladas nessa demanda de trabalho tanto as razões para dizer quanto o que se tem a dizer o que também foi possível observar nas situações de reescrita das histórias em quadrinhos observadas em que as vinhetas foram concebidas como gravuras a serem reproduzidas uma a uma por meio da linguagem escrita Embora algumas crianças tenham buscado outros meios para concretizar a proposta apresentando resultados que se aproximaram um pouco mais da sequência narrativa observamos que em ambos os casos as respostas foram determinadas pelas condições em que foi instaurada a atividade de escrita reduzindo as possibilidades de interlocução com o texto que nesse contexto não foi selecionado tendo em vista o seu conteúdo as relações de sentido mas como um pretexto para preencher as necessidades de avaliação da escrita Assim compreendemos que as condições delimitadas modificaram de forma negativa as potencialidades das crianças impedindo que elas se constituíssem por meio da linguagem escrita sujeitos de seu próprio discurso Além disso essas práticas contribuíram para a constituição de sentidos que se desvincularam das funções e das significações sociais dessa forma de linguagem reforçando o caráter punitivo e pragmatista da tarefa avaliativa o que pode ser constatado nas vozes das crianças que foram convidadas a explicitar sua compreensão acerca das razões que motivaram o trabalho de escritura Let porque tinha que escrevê porque quando minha mãe vim na reunião eh ela vai vê e ela vai me batê Jon porque tá aqui oh mostrando os quadrinhos Cris porque porque a tia mandô a gente escrevê pra gente vê se sabe escrevê direitinho Wes para a mamãe o papai a diretora Mon porque a professora vai vê Evento 39 2992005 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 70 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr A análise das respostas das crianças nos leva a refletir sobre algumas questões que envolvem o aprendizado da escrita e as recentes descobertas no campo da alfabetização Essas descobertas vinculadas ao campo da Psicologia HistóricoCultural evidenciam que a linguagem escrita é um objeto cultural produzido historicamente Como produto cultural resultante de processos de objetivação nos quais a experiência humana foi se acumulando e se transformando a linguagem escrita comporta portanto uma síntese da atividade humana Assim ao se apropriar da escrita a criança está se apropriando da sua história social das suas funções e significações socialmente estabelecidas Nesse sentido o papel da instituição escolar é fundamental uma vez que a educação escolar é mediadora entre as crianças e a significação social da escrita portanto entre as crianças e o conhecimento historicamente elaborado GONTIJO 2002 p 54 Contudo nesse contexto das práticas educativas em torno das histórias em quadrinhos a compreensão das funções e das significações sociais da linguagem escrita ficou comprometida devido à ênfase à sua dimensão linguística fonética e fonológica No caso específico das atividades de reescrita individual das histórias em quadrinhos tanto para as crianças como para a Professora 2 a relação entre os motivos e o fim do trabalho de escritura produziu o sentido de cumprimento de uma tarefa de uma obrigação que de certo modo lhes permitiu adequarse à dinâmica escolar atendendo às demandas decorrentes das práticas avaliativas em que estavam circunscritas essas relações de trabalho com a linguagem escrita Nesse sentido que razões levaram as professoras da turma pesquisada a focalizar situações de escrita de base narrativa em torno da reescrita de histórias em quadrinhos Por que as crianças não eram motivadas a narrar por exemplo suas experiências cotidianas de vida ou outras histórias que por sua beleza e encantamento merecem se recontadas e ouvidas Onde e por que ficaram perdidos ou escondidos esses saberes Sabemos que a arte de contar histórias teve sua origem nas antigas culturas orais e estava fortemente vinculada ao imaginário e à memória coletiva dos povos Como toda enunciação humana sua natureza é social e determinada por um conjunto de fatores que abarcam o espaço físico e histórico o auditório social as finalidades comunicativas a vontade discursiva do narrador De acordo com Guimarães 2000 as mais brilhantes narrativas populares ocorreram com os camponeses da França no século XVIII entre crianças homens e mulheres agricultores e trabalhadores artesanais que se reuniam junto às lareiras para escutar histórias que mais tarde se tornaram tradições culturais No Brasil segundo a autora a arte de contar histórias foi herdada da Nigéria a partir das narrativas de pessoas que faziam parte de uma casta especial Essas pessoas se deslocavam de tribo em tribo recitando seus alôs uma tradição que foi realimentada pela Velha Totonha de José Lins do Rego que no cenário brasileiro mantinha a tradição da narrativa oral se deslocando de engenho a engenho Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 71 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Nesse contexto social os contos orais eram marcados pela interação imediata pela presença corporal do narrador e do destinatário que reconstroem os sentidos do texto numa relação verbal que também é significada por gestos expressões mímicas pausas entoações É particularmente nesses aspectos que a tradição oral se diferencia da escrita uma vez que nessa a interação face a face cede o lugar ao discurso mediado Uma das contribuições mais relevantes acerca da importância das narrativas populares foi apresentada por Benjamin 19944 Para o autor a fonte das narrativas orais é a experiência que passa de pessoa para pessoa e as melhores narrativas escritas são aquelas que mais se aproximam das histórias orais contadas por narradores anônimos Ao discorrer sobre a figura do narrador tomando como referência Nikolai Leskov Benjamin distingue dois grandes grupos fundamentais de narradores anônimos que podem ser representados pela figura do camponês sedentário e do marinheiro comerciante De acordo com o autor o narrador sedentário é aquele que possui um saber comum por meio do qual expressa suas experiências de vida revestindoas de sugestões práticas conselhos e ensinamentos O marinheiro comerciante como nos fala Benjamim é reconhecido pelo povo como o narrador que vem de longe que viaja e portanto tem muito que contar A interpenetração desses grupos de narradores foi possível devido ao sistema corporativo medieval no qual se intercambiavam o saber das terras distantes o saber espacial trazido pelos migrantes e o saber do passado o saber temporal recolhido na experiência do trabalhador sedentário Assim a experiência vivida se constituía na fonte do narrador experiência que segundo Benjamim 1994 está em vias de extinção devido às transformações sociais políticas e econômicas de nossa sociedade O autor argumenta que em nome da modernização e do desenvolvimento das forças produtivas o discurso vivo e singular da experiência humana foi empobrecido e aos poucos substituído por outras experiências de caráter global e desmoralizante como as experiências de guerra as experiências econômicas geradas pela inflação e as que envolvem a ética política Nesse cenário de transformações sociais o discurso vivo que inicialmente foi remodelado pelo romance de formação teve sua maior baixa com a instauração de outra forma de comunicação que não procede da tradição oral a informação Foi a informação que veio consolidar por meio da imprensa as ideologias da classe burguesa influenciando decisivamente a forma épica do discurso Lamentando as implicações decorrentes dessa nova forma de comunicação Benjamin 1994 p 202203 explica Essa forma lapidar mostra claramente que o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes que a informação sobre acontecimentos próximos O saber que vinha de longe do 4 Essas discussões foram publicadas no livro intitulado Magia e técnica arte e política cuja primeira edição data de 1985 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 72 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr longe espacial das terras estranhas ou do longe temporal contido na tradição dispunha de uma autoridade que era válida mesmo que não fosse controlável pela experiência Mas a informação aspira a uma verificação imediata Antes de mais nada ela precisa ser compreensível em si e para si Porém enquanto esses relatos recorriam frequentemente ao miraculoso é indispensável que a informação seja plausível Nisso ela é incompatível com o espírito da narrativa Se a arte da narrativa é hoje rara a difusão da informação é decisivamente responsável por esse declínio Essa atualização cotidiana e veloz de informações que nos coloca a par dos acontecimentos locais e mundiais sempre acompanhados de explicações que impõem ao leitor um contexto psicológico vem expulsando a narrativa viva e singular de nossas relações sociais tornandonos cada vez mais pobres em histórias surpreendentes em relatos de experiência vivida No contexto escolar especificamente as histórias que se apoiam nesse saber que vem de longe espacial e temporal também sofreram transformações em decorrência da modernização dos seus diferentes modos de veiculação Inseridas no campo da cultura literária ficcional as histórias populares circulam no espaçotempo escolar por meio de diversos gêneros orais e escritos como os contos as fábulas as lendas as novelas os romances as narrativas de aventura de enigma mítica dentre outros cuja tipologia discursiva norteadora se circunscreve na ordem do narrar Entretanto alguns mecanismos de circulação e modos de apropriação da literatura infantil como recurso didático têm repercutido em sérias implicações para a constituição da criança como sujeito de direitos de ideias de opiniões de valores sujeitos que também têm muitas histórias a contar Histórias que poderiam tornar a sala de aula um lugar habitado por muitas e diferentes vozes lugar dialógico em que as experiências das crianças não são minimizadas ou sobrepostas a interesses de ordem estritamente pedagógica como ocorre por exemplo nas práticas de avaliação das escritas infantis em que a principal finalidade é a comprovação do desenvolvimento evolutivo da criança uma demanda que também foi recorrente na sala de aula pesquisada Sabemos contudo que a articulação das demandas teórico práticas que envolvem o trabalho com a leitura e com a produção de textos requer o conhecimento de pressupostos que possibilitem o redimensionamento na forma de trabalhar a linguagem uma vez que a língua na perspectiva aqui defendida não está pronta para ser usada mas é reconstituída no próprio processo de interlocução que está inserido em um contexto social no qual participam sujeitos portadores de experiências de ideias de histórias de vida Esse pressuposto fundamental do pensamento bakhtiniano nos remete a considerar que outros fatores também podem contribuir para a instauração do diálogo na sala de aula revestindo o trabalho de produção de diferentes possibilidades Assim durante o período em que estivemos em Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 73 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr campo buscamos captar e delinear algumas dessas possibilidades Elas ocorreram particularmente nas propostas de trabalho em que as crianças foram motivadas a dizer suas opiniões sobre diferentes situações vivenciadas no espaçotempo escolar Essas situações emergiram a partir de necessidades reais das relações entre sujeitos no espaço escolar e de temáticas que os envolviam nas discussões e foram incorporadas ao trabalho com a linguagem escrita provocando mudanças no modo como as crianças se apropriaram dos conhecimentos que envolvem essa forma de linguagem possibilitando assim que assumissem posicionamentos explicitassem suas ideias e opiniões acerca dos temas abordados A produção de textos de opinião Ao todo foram observados oito eventos em que a base argumentativa foi tomada como fio condutor do trabalho de escritura Buscando dar visibilidade aos processos que se desenvolveram a partir das propostas delineadas pelas professoras elegemos para análise as situações de produção em que as crianças explicitaram suas opiniões sobre a escola o trabalho infantil a falta de moradia os trabalhos literários expostos na escola o caso do cachorro da vizinha Essas análises foram efetuadas por meio de uma amostra de 18 textos De maneira geral nessas propostas de trabalho com a linguagem escrita as crianças tinham o que dizer tinham razões para dizer e interlocutores para os textos que produziam A partir dessas condições foram definidas então as estratégias do dizer que suscitaram diferentes movimentos de interação com o outro por meio da escrita Esses movimentos foram evidenciados em nossas análises quando procuramos pontuar as marcas discursivas que as crianças deixaram por entrever em seus argumentos marcas que foram revestidas de aspectos polifônicos de aspectos que sinalizaram a presença das vozes do discurso social presentificados de forma singular nos resultados da atividade produtiva como podemos observar no texto produzido por Mon Foto 8 que tomou como ponto de partida as discussões tecidas em aula sobre o trabalho infantil Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 74 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Mon produziu esse texto a partir das indicações da professora para observar diversas imagens de crianças trabalhando e explicitar por meio da linguagem escrita suas opiniões sobre a questão Focalizando nossa análise nos recursos linguísticos selecionados por Mon para concretizar o seu dizer podemos notar que ela iniciou o texto com a forma prenominal EU implicandose de forma direta com o enunciado EU ACHO QUE ELA ESTÁ TRABALHANDO NO SISAL e assumindo o seu posicionamento em frente a essa situação EU NÃO GOSTO DE VER CRIANÇA TRABALHAR Em seguida justifica a sua opinião usando o operador explicativo PORQUE para argumentar que ELES TÊM QUE ESTUDAR Com esse argumento Mon revestiu seu discurso de outras vozes enunciativas baseandose em valores aceitos socialmente falando a partir do outro e para o outro que nesse contexto era a professora a interlocutora imediata do texto e que em tais circunstâncias pode ter influenciado o seu dizer Podemos ainda compreender que Mon não está nesse enunciado referindose a todas as crianças Ela situa que são ELES ou seja aqueles meninos e meninas pobres que estão trabalhando e não têm o direito Foto 8 Texto produzido por Mon 1492005 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 75 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr à educação garantido Nesse sentido aproximase do discurso dominante que situa o lugar da criança pobre em nossa sociedade Criança não pode trabalhar mas como também não pode ficar na rua tem que se ocupar com uma atividade que lhe é determinada socialmente a atividade escolar O efeito de polifonia é marcado então por um indicador modal que está implícito ELES DEVEM ESTUDAR que nesse caso produziu um conteúdo que não é de responsabilidade exclusiva do locutor mas de outras vozes que se entrecruzaram nesse enunciado De acordo com Bakhtin 2003 como unidades da comunicação discursiva os enunciados se constituem na relação social entre os participantes Nesse contexto discursivo o tema o querer dizer e as razões para dizer ou seja as finalidades discursivas determinam a escolha da forma de dizer Nesse sentido compreendemos que nas situações que tomaram por base o discurso argumentativo as condições de produção influenciaram positivamente no querer dizer das crianças e na seleção dos meios para a concretização desse dizer Analisando os textos produzidos pelas crianças encontramos marcas que revelaram os diferentes modos de compreensão da realidade e de apropriação do discurso social um aspecto fundamental no trabalho de produção textual Considerações finais Por meio de um percurso analítico que focalizou as condições de produção dos textos os processos que se desenvolveram durante o trabalho de escritura e os resultados dessa atividade interdiscursiva apontamos alguns dos principais desafios que revestiram a entrada do texto na sala de aula pesquisada Como evidenciado em nossas análises nas situações que envolveram as histórias em quadrinhos a relação dialógica com os textos por meio do trabalho de escritura foi influenciada de maneira geral pela inversão que situou as estratégias do dizer como ponto de partida abstraindo da atividade de produção textual as dimensões sociocomunicativas fundamentais no trabalho com os gêneros discursivos As implicações decorrentes do trabalho com as histórias em quadrinhos foram minimizadas no trabalho com os textos de opinião uma vez que nas circunstâncias em que foram instauradas essas propostas de produção as crianças tinham o que dizer tinham razões para dizer e interlocutores para os textos que produziam A partir dessas condições foram definidas então as estratégias do dizer que conforme pudemos observar suscitaram novas possibilidades de interação com o outro por meio da escrita A complexidade desse processo exige que o trabalho educativo seja pensado de forma intencional organizada e sistemática Do ponto de vista da Psicologia HistóricoCultural a apropriação das formas humanas de comportamento não ocorre de modo natural e espontâneo mas sim a partir da mediação qualificada do outro mais experiente Para que as crianças se Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 76 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr apropriem da linguagem escrita e de suas diferentes formas de manifestação sociocultural é fundamental que sejam instauradas conforme indicado por Geraldi 2003 condições essenciais para o trabalho de escritura dos textos ou seja que elas tenham o que dizer tenham motivações para dizer tenham destinatários para os textos que produzem e a partir desses elementos escolham as estratégias do dizer imprimindo no produto da atividade interdiscursiva suas marcas suas histórias de vida O espaço da sala de aula como observamos em nossas análises é um espaço povoado por muitas vozes vozes que se presentificaram de diferentes modos que circularam de várias maneiras nesse espaço de interlocução Contudo como nos lembra Goulart 2005 147 as palavras não costumam pedir licença para entrar mas podem ser ouvidas ou não E a professora como mediadora autorizada no espaço escolar pode instituir outras formas de interação que possibilitem o diálogo no interior das relações pedagógicas que provoquem a participação das crianças reconhecendo as suas potencialidades e seus modos próprios de apropriação dos saberes Assim compreendemos que O papel da escola é dar continuidade ao diálogo que as crianças já fazem com a realidade de várias formas ampliando as suas redes de conhecimento alargando as suas sensibilidades respondendo a algumas perguntas e criando outras O texto não parte somente da sala de aula o texto entra na classe primeiramente nas vozes dos alunos da professora deixando à mostra seus conhecimentos suas origens GOULART 2005 p 147148 Nesse encontro de várias vozes é preciso então levar em conta a história de vida dos sujeitos suas experiências de leitura e de escrita suas experiências de mundo Com Bakhtin e Vigotski aprendemos que como uma atividade constitutiva dos seres humanos a linguagem se constitui nas relações sociais nas interações que ocorrem entre as pessoas Adotar a produção de textos como eixo do trabalho educativo na educação infantil implica desse modo reconhecer a criança como sujeito político histórico e cultural possibilitando que exerça aqui e agora o direito de defender suas opiniões falar sobre sua vida escrevêla etc Nessa perspectiva o trabalho com a produção de textos na sala de aula configurase numa dimensão essencial do processo de alfabetização uma vez que por meio dele as crianças podem se constituir sujeitos no espaçotempo vivo de interação com o outro passando do reconhecimento ao conhecimento da reprodução à produção de saberes Nesse sentido quais mudanças podem ser efetuadas para que o texto seja tomado efetivamente na sala de aula Não temos respostas definitivas para essa questão mas podemos a partir das discussões aqui suscitadas delinear algumas contribuições no sentido de pensar a instauração de outros rumos para o trabalho com o texto nas classes de alfabetização A primeira diz respeito ao redimensionamento das Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 77 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr concepções de linguagem e de sujeitos que se constituem na sala de aula Além disso é necessário pensarmos em mudanças de ordem prática que demandam fundamentalmente a instauração de situações comunicativas reais ou fictícias que permitam integrar as condições essenciais para que o enunciado seja tomado como unidade de comunicação discursiva Reconhecemos contudo que a articulação dessas demandas não é tarefa fácil mas pode ser pensada a partir de propostas de formação que considerem o diálogo a história dos sujeitos e seus sistemas de significações como princípios essenciais na produção dos saberes e fazeres docentes Pensar a formação nessa perspectiva implica romper com os modelos predominantes buscando a implementação de políticas de formação com ações ajustadas aos interesses dos profissionais em educação às demandas emergentes no cotidiano das práticas educativas e à real valorização do trabalho docente Uma alternativa que pode promover a busca por outros caminhos para que as crianças e os professores sujeitos de direitos possam constituirse também sujeitos de ideias saberes opiniões valores cultura De caminhos que possibilitem tornar a sala de aula um espaço dialógico habitado por sujeitos sóciohistóricos ou em outras palavras um lugar de interação verbal em que são confrontados diferentes e importantes saberes Referências BAKHTIN Mikhail Mikhailovith Marxismo e filosofia da linguagem problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem São Paulo Hucitec 1999 Estética da criação verbal 4 ed São Paulo Martins Fontes 2003 BENJAMIN Walter Magia e técnica arte e política ensaios sobre literatura e história da cultura 7 ed São Paulo Brasiliense 1994 CADEMARTORI Ligia Criança e quadrinhos In JACOBY Sissa Org A criança e a produção cultural do brinquedo à literatura Porto Alegre Mercado Aberto 2003 p 4561 FREITAS Maria Teresa de Assunção A abordagem sóciohistórica como orientadora da pesquisa qualitativa Cadernos de Pesquisa São Paulo Autores Associados n 116 p 2139 jul 2002 GERALDI João Wanderley Da redação à produção de textos In GERALDI João Wanderley CITELLI Beatriz Org Aprender e ensinar com textos de alunos São Paulo Cortez 1997 p 1723 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 78 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Portos de passagem São Paulo Martins Fontes 2003 GONTIJO Cláudia Maria Mendes O processo de alfabetização novas contribuições São Paulo Martins Fontes 2002 GOULART Cecília Histórias de crianças linguagens e educação infantil Cadernos de Pesquisa em Educação Universidade Federal do Espírito Santo Centro Pedagógico Programa de PósGraduação em Educação Vitória PPGE v 10 n 19 p 139157 dez 2005 GUIMARÃES Maria Flora O conto popular In BRANDÃO Helena Nagamine Org Gêneros do discurso na escola mito conto cordel discurso político divulgação científica São Paulo Cortez 2000 p 85117 MENDONÇA Márcia Rodrigues de Souza Um gênero quadro a quadro a história em quadrinhos In DIONÍSIO Angela Paiva MACHADO Ana Raquel BEZERRA Maria Auxiliadora Org Gêneros textuais ensino 4ª ed Rio de Janeiro Lucerna 2005 p 194207 SARMENTO Manuel Jacinto Estudo de caso etnográfico em educação In ZAGO Nadir CARVALHO Marília Pinto de VILELA Rita Amélia Teixeira Itinerários de pesquisa perspectivas qualitativas em sociologia da educação Rio de Janeiro DPA 2003 p 137179 SCHNEUWLY Bernard et al In ROJO Roxane CORDEIRO Glaís Sales Org Gêneros orais e escritos na escola São Paulo Mercado das Letras 2004 SOUZA Luzinete Vasconcelos de As proezas das crianças em textos de opinião Campinas São Paulo Mercado das Letras 2003 VIGOTSKI Lev Semenovich Teoria e método em psicologia 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 A construção do pensamento e da linguagem São Paulo Martins Fontes 2001 Enviado em 11112010 Aceito em 18022011
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Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 57 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE TEXTOS Maristela Gatti Piffer1 Universidade Federal do Espírito Santo Programa de PósGraduação em Educação Cláudia Maria Mendes Gontijo2 Universidade Federal do Espírito Santo Programa de PósGraduação em Educação Resumo Este artigo discute o trabalho com a produção de textos escritos em uma instituição de educação infantil a partir dos resultados de uma pesquisa de mestrado realizada pela abordagem metodológica do estudo de caso do tipo etnográfico A pesquisa foi desenvolvida durante o ano de 2005 em uma turma de crianças na faixa de seis a sete anos de idade As análises sustentadas na perspectiva dialógica de linguagem de Mikhail Bakhtin focaram as práticas de produção de textos com os gêneros textuais que foram recorrentes na sala de aula as histórias em quadrinhos e os textos de opinião Além da leitura e dos conhecimentos sobre o sistema de escrita da língua portuguesa a produção de textos escritos é considerada neste artigo como uma dimensão importante na alfabetização e por isso ela é enfatizada neste trabalho A investigação da prática educativa evidenciou que as professoras envolvidas no estudo se preocuparam em desenvolver propostas em relação a esse tipo de trabalho mas apontou também a necessidade de criação de condições apropriadas para que as crianças tenham o que dizer e se sintam dessa forma motivadas a escrever textos Palavraschave Alfabetização produção de textos infância 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo pedagoga no Sistema Municipal de Ensino de VitóriaES membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização Leitura e Escrita do Espírito Santo NEPALES UFESCEPPGE 2 Doutora em Educação pela UNICAMP pósdoutorado na Universidade da Califórnia Berkeley CA USA Professora do Departamento de Linguagens Cultura e Educação Centro de Educação Universidade Federal do Espírito Santo Integrante da linha de pesquisa Educação e Linguagens do Programa de PósGraduação em Educação UFES Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 58 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr TEXT PRODUCTION PRACTICES Abstract This paper results from a research that aims at analyzing the work of written text production at an educational institution for children The research was based on an ethnographic case study and was developed during a year at a school for children from zero to six years old The class involved in the work included six and sevenyearold children In order to carry out the analysis we evoked the studies of Bakhtin and Geraldi among other authors who gave us support to understanding text production at school Thereby this article aims at analyzing the work carried out by teachers and children in that specific class with comics and opinionated texts Besides the reading and the knowledge on Portuguese language system the production of written texts is considered in this article as an important dimension in literacy and therefore it is emphasized in this paper The investigation of the educational practice shows that teachers involved in the study care about developing suitable proposals concerning such kind of work but also shows the need for creation of suitable conditions for children to have what to say and feel thereby motivated to write texts Key words Literacy text production childhood PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE TEXTOS Introdução Este texto é o desdobramento de uma pesquisa cuja finalidade é investigar as práticas de alfabetização nas escolas públicas Considerando a alfabetização uma prática sociocultural em que se desenvolve o trabalho de produção de textos orais e escritos de leitura e a compreensão dos conhecimentos sobre o sistema de escrita da língua portuguesa elegemos para análise o trabalho com a produção de textos em instituições educativas que atendem crianças de zero a seis anos de idade Pensamos que a aproximação com as práticas que se desenvolvem na sala de aula é fundamental para compreendermos como têm sido reelaborados os diferentes conhecimentos que subsidiam o trabalho com a linguagem escrita no cotidiano educativo escolar Neste artigo retomamos em linhas gerais as contribuições decorrentes desse estudo evidenciando os desafios as possibilidades e as Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 59 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr contradições que permearam o trabalho com a linguagem escrita na sala de aula pesquisada e suscitando reflexões que pretendem contribuir para o avanço da compreensão desses processos na construção de caminhos que permitam efetivamente tomar o texto como unidade de ensino na alfabetização A pesquisa se constitui em um estudo de caso do tipo etnográfico Esse tipo de abordagem metodológica apresenta de acordo com Freitas 2002 um enfoque sóciohistórico uma vez que concebe a aprendizagem como um processo gerador do desenvolvimento e possibilita maior aproximação com a realidade pesquisada por meio de um exercício investigativo que trata o fenômeno social de forma concreta Nesse modo de fazer ciência a concretude do fenômeno é conservada pela arte da descrição e da explicação em uma abordagem que apreende o singular como instância de uma totalidade que é social histórica e cultural A concepção dialética histórica e social na produção do conhecimento também foi abordada por Bakhtin 1999 2003 Ao dialogar com as posições predominantes nas orientações linguísticas de seu tempo o autor defende uma abordagem dialógica na qual a língua é estudada em sua natureza viva num processo que articula o contexto e o meio social organizado Essa ideia pode ser mais bem compreendida nos apontamentos de Bakhtin 2003 sobre o problema do texto na Linguística na Filologia e em outras ciências humanas Nesses apontamentos Bakhtin ressalta que o texto é o ponto de partida a realidade imediata e única das ciências humanas uma vez que o objeto real é o homem social inserido na sociedade que fala e exprime a si mesmo por outros meios Podese encontrar para ele e para a sua vida algum enfoque além daquele que passa pelos textos signos criados ou a serem criados por ele Podese observálo e estudálo como fenômeno da natureza como coisa BAKHTIN 2003 p 319 Para o autor a atividade humana como um texto em potencial só pode ser compreendida no interior das relações dialógicas de seu tempo Nessa perspectiva as ciências humanas centram o foco de atenção nas especificidades humanas concebendoas em seu processo de contínua expressão criação e recriação A instituição escolar A escola onde a pesquisa foi realizada faz parte do sistema público de ensino Fica situada numa região urbanizada com intensas atividades comerciais e rodoviárias O prédio escolar tem dois andares com Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 60 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr oito salas de aula refeitório área de lazer e quatro salas ambientes biblioteca informática videoteca e sala de artes funcionando em boas condições Em relação aos usos da escrita os espaços tempos e modos destinados à circulação de material escrito no ambiente escolar estavam vinculados mais especificamente a duas principais finalidades expor os trabalhos realizados com e pelas crianças e comunicar às famíliascomunidade sobre as normas atividades letivas reuniões de pais e outros eventos Para expor os trabalhos das crianças foram disponibilizados todos os espaços azulejados das paredes onde constantemente podiam ser observadas as produções cotidianas das turmas Havia também um espaço reservado para as mostras de trabalhos decorrentes dos projetos institucionais desenvolvidos em sala de aula A utilização desse espaço ocorria em forma de rodízio constituindose numa mostra permanente de trabalhos onde podiam ser encontradas informações acerca dos projetos desenvolvidos como pode ser observado na Foto 1 Quanto à utilização de materiais escritos com a finalidade de comunicação a escola elaborava cartazes que eram afixados em espaços próximos à entrada murais com informações referentes ao trabalho escolar Foto 2 e prestações de contas bilhetes que eram enviados para as famílias nas agendas informativos anuais com a caracterização geral da escola e normas de funcionamento Além disso as salas e demais ambientes escolares eram identificados com placas que informavam o tipo de atividade predominantemente realizada naqueles locais A classe envolvida no estudo foi uma turma de 23 crianças entre seis e sete anos de idade do turno vespertino regida por duas professoras uma que conduziu os trabalhos no primeiro semestre e a outra que ingressou em regime de designação temporária no segundo semestre Elas apresentavam trajetórias acadêmicas e experiências no campo educacional diferentes A primeira professora docente no primeiro semestre já possuía Foto 1 Exposição de trabalhos das crianças Foto 2 Programação da semana da criança Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 61 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr experiência de mais de dez anos em educação a segunda estava iniciando a sua carreira profissional e havia feito o Magistério em nível médio As crianças residiam próximo à escola e pertenciam a famílias pouco numerosas cuja renda familiar girava em torno de um a cinco salários mínimos O grau de escolarização reincidente dos pais era o nível médio A maioria das crianças já possuía experiência escolar dentro da instituição e as demais já haviam frequentado outras instituições de educação infantil confirmando a incorporação da dinâmica escolar nas relações vividas pelo grupo Em ambiente familiar de acordo com dados informados nos questionários as crianças tinham contato com materiais escritos variados como livros revistas jornais correspondências Dentre os mais citados estavam os livros de literatura infantil os gibis e as revistas A preferência por livros de literatura infantil em ambiente familiar também foi confirmada pelas crianças e pode ser compreendida como uma forma de incorporação das práticas de leitura da escola uma vez que nesse ambiente educativo a literatura infantil é predominante como também foi observado no contexto da sala de aula pesquisada Fotos 3 e 4 Além dos livros de literatura infantil na sala de aula eram utilizados outros suportes textuais dicionários gibis almanaques atividades xerocopiadas cartazes produzidos em aula calendário blocos de atividades Havia também vários potes com materiais pedagógicos etiquetados pelas crianças e alfabetos afixados nas paredes e carteiras Esses materiais eram constantemente utilizados pelas crianças e pelas professoras que procuravam explorálos em diversos momentos 06 Foto 3 Cantinho de leitura na sala de aula Foto 4 Sala de leitura da escola Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 62 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr solicitando consultas aos alfabetos e aos cartazes produzidos e também durante a distribuição dos materiais na busca por objetos guardados em potes no uso do dicionário A movimentação das crianças em torno dos materiais escritos era integrada aos diversos trabalhos desenvolvidos na escola em especial os que tomaram como eixos orientadores a literatura infantil e os direitos das crianças temas dos projetos institucionais da escola para o ano letivo Situações de produção de textos observadas em sala de aula Considerando as contribuições decorrentes da perspectiva bakhtiniana de linguagem definimos duas categorias de análise que foram configuradas a partir do conceito de gêneros textuais o trabalho com as histórias em quadrinhos e com os textos de opinião Essas escolhas foram efetuadas tomando por base o levantamento das condições de produção dos textos Por meio desse levantamento foi possível entrever os gêneros que mais se manifestaram nas práticas das professoras As propostas de produção que envolveram as histórias em quadrinhos foram observadas em 375 dos 60 eventos registrados em nosso diário de campo indicando uma recorrência de 12 situações de trabalho com o gênero Os textos de opinião foram evidenciados em 25 das situações observadas perfazendo um total de oito eventos conforme indicado na tabela que se segue Tabela 1 Situações de escrita observadas em sala de aula Gênero textual F Texto de opinião História em quadrinhos Reescrita de histórias em quadrinhos Relatório Lista de palavras Reconto Relato pessoal Bilhete Carta de solicitação Poema 08 06 06 03 03 02 01 01 01 01 2500 1875 1875 938 938 626 312 312 312 312 Total 32 100 Como mostra a tabela no contexto da classe pesquisada o trabalho com textos se configurava em uma dimensão importante do processo de alfabetização e a sua entrada na sala de aula ocorria por diferentes suportes como livros de literatura infantil jornais revistas gibis encartes atividades Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 63 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr fotocopiadas etc De acordo com a Professora 13 a escolha do texto ocorria a partir dos temas de estudo e das demandas da turma Compreendemos que a constituição de sujeitos deve ser a principal razão para a entrada do texto na sala de aula acreditando conforme aponta Geraldi 1997 p 20 que Ao se propor a produção de textos como a devolução da palavra ao sujeito apostase no diálogo que não exclui a polêmica e a luta pelos sentidos e na possibilidade de recuperar na história contida e não contada elementos indicativos do novo que se imiscuiu nas diferentes formas de retomar o vivido de inventar o cotidiano O diálogo portanto constituise o ponto de encontro das vozes que habitam a sala de aula que nesse contexto é concebida como lugar de interação de produção de sentidos e de constituição de sujeitos Assim procurando compreender como o trabalho com textos na sala de aula era articulado em função dessa importante dimensão do processo de alfabetização voltamos nosso olhar para as condições de produção dos textos procurando evidenciar como eram delineadas essas condições Quais movimentos suscitavam entre as crianças Como as crianças respondiam a essas propostas de produção Quais aspectos dessa atividade interdiscursiva eram concretizados nos textosproduto dessa ação Como as crianças materializavam seus discursos a partir das propostas enunciadas pelas professoras O que revelavam em seus textos e como se constituíam nessa atividade sujeitos de ideias opiniões saberes valores cultura Para proceder às análises das situações de trabalho com a produção de texto tomamos por base um percurso descritivoexplicativo abordando o contexto imediato de produção os processos que se desenvolveram durante o trabalho de escritura e os textos resultantes da produção No delineamento do contexto imediato contemplamos a análise das condições de elaboração dos textos focalizando as instruções explicitadas pelas professoras para o trabalho de escritura O gênero história em quadrinhos A entrada do gênero história em quadrinhos na sala de aula teve início no primeiro bimestre do ano letivo estendendose até o final do ano quando foram desenvolvidas atividades que estavam vinculadas à produção de histórias em quadrinhos e à reescrita a partir de histórias em quadrinhos Segundo Cademartori 2003 as histórias em quadrinhos agregam elementos da cultura literária ficcional que acenam para estilos humorísticos eróticos e de aventura ancorados em uma tipologia textual que envolve predominantemente aspectos da ordem do narrar por meio de uma sucessão de imagens fixas e organizadas em sequências Esse 3 Em atenção ao protocolo de pesquisa usaremos neste artigo os termos Professora 1 para a regente da classe no primeiro semestre e Professora 2 para a docente que atuou no segundo semestre Usaremos também somente as iniciais dos nomes das crianças da classe Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 64 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr enquadramento das imagens permite recortar o espaçotempo dos acontecimentos e das ações que é conectado não apenas pela contiguidade das vinhetas mas também pelos elementos verbais e visuais que constituem o todo de sentido do texto como os balões de fala com suas formas apêndices e contornos variados que indicam o discurso direto em suas diferentes formas de manifestação o tamanho e a espessura das letras as onomatopeias que atuam como recurso narrativo na evolução da trama os sinais de tipo natural e artificial como os ícones e os símbolos dentre outros Esses aspectos situam as histórias em quadrinhos no campo da produção cultural intermidiática atingindo um auditório social caracterizado predominantemente pelo público infantojuvenil Assim tendo em vista os elementos constitutivos do gênero suas esferas de circulação e finalidades comunicativas compreendemos que a sua inserção no espaço escolar como objeto de ensinoaprendizagem requer uma articulação coerente entre as práticas sociais de linguagem e as atividades de linguagem dos aprendizes uma vez que é através dos gêneros que as práticas de linguagem materializamse nas atividades dos aprendizes DOLZ SCHNEUWLY 2004 p 74 grifo dos autores evidenciando a necessidade de conciliação de estratégias de ensino adequadas para o trabalho com o gênero em contexto escolar No caso pesquisado as propostas de produção focalizaram capacidades discursivas da ordem do narrar tomando como estratégia do dizer alguns recursos linguísticos e icônicos Para isso as professoras consideraram uma sequência de ensino que consistiu de acordo com nossas observações numa proposta progressiva de trabalho que privilegiou alguns aspectos composicionais do gênero a sequência início meio e fim em narrativas curtas três a quatro vinhetas o título o nome do autor o uso de balões de fala os traços narrativos as onomatopeias e alguns sinais de tipo artificiais como ícones e símbolos As análises das propostas de produção e dos movimentos suscitados entre as crianças captados por meio de anotações em diário de campo e de transcrições das interações ocorridas em aula bem como de uma amostra de 25 textos resultantes do processo de produção evidenciaram a preocupação das professoras em organizar uma sequência didática para trabalhar com as histórias em quadrinhos focalizando inicialmente a organização de ideias no texto a partir do uso de recursos icônicos uma estratégia de ensino que elas imaginavam ser interessante para as crianças Contudo em grande parte das situações analisadas observamos que as crianças não realizaram o trabalho de produção conforme as orientações delineadas buscando diferentes alternativas para cumprir a tarefa solicitada pelas professoras escrever histórias em quadrinhos Geralmente elas recorriam a temáticas e personagens da literatura infantil predominante em seu universo cultural como os contos de fada utilizavam uma quantidade reduzida de cenas duas três ou quatro cenas concluindo a narrativa antes do último quadrinho e em muitos casos os sentidos dos textos ficavam circunscritos à interação oral com o autor como pode ser notado no trabalho realizado por Nat Fotos 5 e 6 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 65 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Nat dividiu a folha em duas partes definindo portanto a quantidade de quadrinhos de sua história Em seguida iniciou o desenho de uma personagem no espaço reservado à segunda cena Buscando atender às orientações delineadas ela incluiu um balão de fala em seu trabalho após consulta aos diferentes estilos de balões que foram registrados em seu caderno Nesse balão escreveu PATRÍCIA Somente depois de concluir a produção dessa vinheta passou para o primeiro quadrinho onde desenhou outra personagem com inscrições textuais que não possibilitaram a constituição de sentidos do texto nem tampouco o seu reconhecimento em narrativa quadrinizada Na tentativa de compreendermos os processos que se desenvolveram a partir das propostas de produção das histórias em quadrinhos encontramos alguns fatores que podem ter influenciado a atividade discursiva das crianças Conforme aponta Mendonça 2005 embora as histórias em quadrinhos apresentem semioses distintas articuladas por meio de recursos verbais e não verbais que contribuem para o processo de constituição de sentidos tornandoas mais acessíveis às crianças em fase inicial de apropriação da linguagem escrita sua entrada no espaço escolar ocorre em muitos casos influenciada por essa relativa facilidade provocando a falsa premissa de que a leitura e a escrita de histórias em quadrinhos são capacidades facilmente desenvolvidas Compreendemos que o trabalho de produção dos textos foi influenciado pelas suas condições uma vez que em todas as situações observadas a escolha do gênero antecedeu os outros elementos que deveriam ser considerados como condições essenciais para o trabalho com textos caracterizando uma proposta de trabalho em que a temática foi tomada como pretexto para ensinar a sequência explicitada A escolha do gênero história em quadrinhos se sobrepôs aos conteúdos às motivações que podem ter ou criar Somente não se sobrepôs Foto 6 Trabalho de Nat 1972005 Foto 5 Nat produzindo o texto 1972005 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 66 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr aos destinatários que gostariam de avaliar os textos das crianças sem considerar também nenhum desses aspectos mas a capacidade de a criança organizar as ideias numa sequência narrativa quadrinizada com começo meio e fim Esse dado em consonância com a escolha da estratégia de dizer que de antemão já estava definida configurou uma proposta de produção textual cuja situação de comunicação apresentou finalidades que se restringiram ao trabalho escolar particularmente à avaliação do percurso evolutivo de cada criança sem considerar as circunstâncias sociais de uso dessa forma de linguagem Ao discorrer sobre as concepções de linguagem que sustentam de maneira geral o ensino da língua na escola Geraldi 2003 p 119 enfatiza que a língua pode ser vista como instrumento de comunicação como meio de troca de mensagens entre as pessoas ou é ela tomada como objeto de estudo como um sistema cujos mecanismos estruturais se procura identificar e descrever Com base nessas abordagens podem ser suscitados de acordo com o autor objetivos distintos que são tomados para orientar um trabalho voltado para o desenvolvimento de capacidades de expressão e compreensão de mensagens ou para o conhecimento do sistema linguístico Acreditamos que essas dimensões do trabalho com a linguagem escrita devem ser entrelaçadas nas práticas de leitura e de produção de textos compreendendo que É exercendo a linguagem que o aluno se preparará para deduzir ele mesmo a teoria de suas leis Aprender a respeito da língua tomar consciência dos mecanismos estruturais do sistema linguístico deve ser etapa posterior levar o aluno à consciência da língua só depois de ter ele a posse da língua GERALDI 2003 p 120 Nesse sentido o autor explica que a escolha das estratégias de dizer não pode ocorrer no abstrato Elas são selecionadas ou construídas em função tanto do que se tem a dizer quanto das razões para dizer a quem se diz GERALDI 2003 p 164 Entretanto nesse contexto de produção das histórias em quadrinhos observamos que havia certa ênfase na sistematização de alguns aspectos estruturais do gênero e o dizer das crianças de maneira geral foi comprometido pela inversão provocada nas propostas de produção Uma inversão que situou as estratégias do dizer como ponto de partida abstraindo da atividade de produção textual as dimensões sociocomunicativas fundamentais no trabalho com os gêneros discursivos a esfera as necessidades da temática o conjunto de participantes e a vontade enunciativa ou a intenção do locutor Esse movimento também foi observado nas atividades de reescrita das histórias em quadrinhos que foram abordadas a partir de três demandas de trabalho evidenciadas nas práticas das professoras a reescrita coletiva a reescrita em duplas e a reescrita individual Essas atividades de escrita conforme indicado na análise das seis situações observadas foram delineadas a partir de propostas que circunscreveram o dizer das crianças à reprodução da sequência narrativa quadrinizada usando suas palavras Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 67 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Ao apontar nas transcrições das interações ocorridas em aula e em fotos dos textos produzidos pelas crianças as implicações decorrentes dessas propostas de trabalho com a linguagem escrita observamos que as possibilidades de interação entre os interlocutores foram influenciadas pela ênfase na codificação de palavras a partir da reprodução simplificada e impessoal dos sentidos da narrativa quadrinizada como pode ser observado nesta proposta da Prof 2 Vocês vão olhar cada quadrinho desse aqui e vão escrever uma frase do que que tá acontecendo no quadrinho faz o contorno dos quadrinhos no quadro então vocês vão pegar o lápis crianças e vão fazer assim enumerar os quadrinhos colocar número um na ordem das cenas tá bom por exemplo essa é a primeira cena é em cima do quadrinho aqui oh número um enumera o primeiro quadrinho no quadro aí vocês vão ver a ordem das cenas e vão colocar tá depois que vocês enumera primeiro vão enumerar os quadrinhos todo mundo colocando os números nos quadrinhos na ordem da cena tá um dois três até acabar os quadrinhos vão escrever uma frase do que vocês estão vendo naquele quadrinho entenderam 299 2005 Com base nessas orientações ou seja escrever o que estavam observando em cada quadrinho as crianças tentavam imprimir suas marcas na produção textual Contudo o espaço de diálogo entre autor e interlocutor era definido pelas próprias condições de produção uma vez que elas centravam seus esforços nos aspectos estruturais do sistema de escrita buscando diferentes meios para cumprir as tarefas solicitadas que nesse contexto interlocutivo tinham como principal finalidade a avaliação das escritas infantis Essa constatação tecida a partir da análise de 15 produções decorrentes das propostas de reescrita das histórias em quadrinhos evidencia que a preocupação com a comprovação dos níveis evolutivos da escrita na criança influenciou o processo de produção de sentidos dos textos comprometendo as possibilidades de diálogo de constituição de sujeitos produtores de discursos e reduzindo a atividade interdiscursiva das crianças à mera reprodução de enunciados como podemos notar no trabalho realizado por Joa Foto 7 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 68 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Ao concretizar as instruções delineadas pela professora enumerando as vinhetas e escrevendo frases para dizer o que estava acontecendo em cada cena Joa registra sentenças isoladas justapostas apenas reproduzindo o conteúdo de cada vinheta sem marcar o seu posicionamento no processo de produção de sentidos do texto Foto 7 Texto de Joa 2992005 ELE ESTÁ PLANTANDO ELE ESTÁ REGANDO ELE ESTÁ FELIZ ELE ESTÁ OLHANDO PARA FLOR ELE ESTÁ PENSANDO ELE CHUTOU A FLOR ELE ESTÁ TRISTE Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 69 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr A partir desse exemplo podemos notar que as práticas em torno da reescrita de histórias em quadrinhos embora buscassem romper com as concepções tradicionais de alfabetização revelavam uma aproximação com a visão mecanicista na qual a preocupação com o aspecto grafofônico prevalece sobre os demais aspectos da linguagem o que se evidencia na fragmentação e na artificialização dos enunciados Tomando uma situação de escrita exemplificada por Geraldi 2003 compreendemos que essa proposta de trabalho com as histórias em quadrinhos aproximouse de outra situação muito comum nas classes de alfabetização a escrita de textos a partir de gravuras Nessas situações conforme analisa o autor o que se tem a dizer é uma história suscitada pelas gravuras cuja finalidade discursiva se circunscreve a mostrar o que se sabe sobre o sistema da língua Como consequência são anuladas nessa demanda de trabalho tanto as razões para dizer quanto o que se tem a dizer o que também foi possível observar nas situações de reescrita das histórias em quadrinhos observadas em que as vinhetas foram concebidas como gravuras a serem reproduzidas uma a uma por meio da linguagem escrita Embora algumas crianças tenham buscado outros meios para concretizar a proposta apresentando resultados que se aproximaram um pouco mais da sequência narrativa observamos que em ambos os casos as respostas foram determinadas pelas condições em que foi instaurada a atividade de escrita reduzindo as possibilidades de interlocução com o texto que nesse contexto não foi selecionado tendo em vista o seu conteúdo as relações de sentido mas como um pretexto para preencher as necessidades de avaliação da escrita Assim compreendemos que as condições delimitadas modificaram de forma negativa as potencialidades das crianças impedindo que elas se constituíssem por meio da linguagem escrita sujeitos de seu próprio discurso Além disso essas práticas contribuíram para a constituição de sentidos que se desvincularam das funções e das significações sociais dessa forma de linguagem reforçando o caráter punitivo e pragmatista da tarefa avaliativa o que pode ser constatado nas vozes das crianças que foram convidadas a explicitar sua compreensão acerca das razões que motivaram o trabalho de escritura Let porque tinha que escrevê porque quando minha mãe vim na reunião eh ela vai vê e ela vai me batê Jon porque tá aqui oh mostrando os quadrinhos Cris porque porque a tia mandô a gente escrevê pra gente vê se sabe escrevê direitinho Wes para a mamãe o papai a diretora Mon porque a professora vai vê Evento 39 2992005 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 70 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr A análise das respostas das crianças nos leva a refletir sobre algumas questões que envolvem o aprendizado da escrita e as recentes descobertas no campo da alfabetização Essas descobertas vinculadas ao campo da Psicologia HistóricoCultural evidenciam que a linguagem escrita é um objeto cultural produzido historicamente Como produto cultural resultante de processos de objetivação nos quais a experiência humana foi se acumulando e se transformando a linguagem escrita comporta portanto uma síntese da atividade humana Assim ao se apropriar da escrita a criança está se apropriando da sua história social das suas funções e significações socialmente estabelecidas Nesse sentido o papel da instituição escolar é fundamental uma vez que a educação escolar é mediadora entre as crianças e a significação social da escrita portanto entre as crianças e o conhecimento historicamente elaborado GONTIJO 2002 p 54 Contudo nesse contexto das práticas educativas em torno das histórias em quadrinhos a compreensão das funções e das significações sociais da linguagem escrita ficou comprometida devido à ênfase à sua dimensão linguística fonética e fonológica No caso específico das atividades de reescrita individual das histórias em quadrinhos tanto para as crianças como para a Professora 2 a relação entre os motivos e o fim do trabalho de escritura produziu o sentido de cumprimento de uma tarefa de uma obrigação que de certo modo lhes permitiu adequarse à dinâmica escolar atendendo às demandas decorrentes das práticas avaliativas em que estavam circunscritas essas relações de trabalho com a linguagem escrita Nesse sentido que razões levaram as professoras da turma pesquisada a focalizar situações de escrita de base narrativa em torno da reescrita de histórias em quadrinhos Por que as crianças não eram motivadas a narrar por exemplo suas experiências cotidianas de vida ou outras histórias que por sua beleza e encantamento merecem se recontadas e ouvidas Onde e por que ficaram perdidos ou escondidos esses saberes Sabemos que a arte de contar histórias teve sua origem nas antigas culturas orais e estava fortemente vinculada ao imaginário e à memória coletiva dos povos Como toda enunciação humana sua natureza é social e determinada por um conjunto de fatores que abarcam o espaço físico e histórico o auditório social as finalidades comunicativas a vontade discursiva do narrador De acordo com Guimarães 2000 as mais brilhantes narrativas populares ocorreram com os camponeses da França no século XVIII entre crianças homens e mulheres agricultores e trabalhadores artesanais que se reuniam junto às lareiras para escutar histórias que mais tarde se tornaram tradições culturais No Brasil segundo a autora a arte de contar histórias foi herdada da Nigéria a partir das narrativas de pessoas que faziam parte de uma casta especial Essas pessoas se deslocavam de tribo em tribo recitando seus alôs uma tradição que foi realimentada pela Velha Totonha de José Lins do Rego que no cenário brasileiro mantinha a tradição da narrativa oral se deslocando de engenho a engenho Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 71 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Nesse contexto social os contos orais eram marcados pela interação imediata pela presença corporal do narrador e do destinatário que reconstroem os sentidos do texto numa relação verbal que também é significada por gestos expressões mímicas pausas entoações É particularmente nesses aspectos que a tradição oral se diferencia da escrita uma vez que nessa a interação face a face cede o lugar ao discurso mediado Uma das contribuições mais relevantes acerca da importância das narrativas populares foi apresentada por Benjamin 19944 Para o autor a fonte das narrativas orais é a experiência que passa de pessoa para pessoa e as melhores narrativas escritas são aquelas que mais se aproximam das histórias orais contadas por narradores anônimos Ao discorrer sobre a figura do narrador tomando como referência Nikolai Leskov Benjamin distingue dois grandes grupos fundamentais de narradores anônimos que podem ser representados pela figura do camponês sedentário e do marinheiro comerciante De acordo com o autor o narrador sedentário é aquele que possui um saber comum por meio do qual expressa suas experiências de vida revestindoas de sugestões práticas conselhos e ensinamentos O marinheiro comerciante como nos fala Benjamim é reconhecido pelo povo como o narrador que vem de longe que viaja e portanto tem muito que contar A interpenetração desses grupos de narradores foi possível devido ao sistema corporativo medieval no qual se intercambiavam o saber das terras distantes o saber espacial trazido pelos migrantes e o saber do passado o saber temporal recolhido na experiência do trabalhador sedentário Assim a experiência vivida se constituía na fonte do narrador experiência que segundo Benjamim 1994 está em vias de extinção devido às transformações sociais políticas e econômicas de nossa sociedade O autor argumenta que em nome da modernização e do desenvolvimento das forças produtivas o discurso vivo e singular da experiência humana foi empobrecido e aos poucos substituído por outras experiências de caráter global e desmoralizante como as experiências de guerra as experiências econômicas geradas pela inflação e as que envolvem a ética política Nesse cenário de transformações sociais o discurso vivo que inicialmente foi remodelado pelo romance de formação teve sua maior baixa com a instauração de outra forma de comunicação que não procede da tradição oral a informação Foi a informação que veio consolidar por meio da imprensa as ideologias da classe burguesa influenciando decisivamente a forma épica do discurso Lamentando as implicações decorrentes dessa nova forma de comunicação Benjamin 1994 p 202203 explica Essa forma lapidar mostra claramente que o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes que a informação sobre acontecimentos próximos O saber que vinha de longe do 4 Essas discussões foram publicadas no livro intitulado Magia e técnica arte e política cuja primeira edição data de 1985 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 72 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr longe espacial das terras estranhas ou do longe temporal contido na tradição dispunha de uma autoridade que era válida mesmo que não fosse controlável pela experiência Mas a informação aspira a uma verificação imediata Antes de mais nada ela precisa ser compreensível em si e para si Porém enquanto esses relatos recorriam frequentemente ao miraculoso é indispensável que a informação seja plausível Nisso ela é incompatível com o espírito da narrativa Se a arte da narrativa é hoje rara a difusão da informação é decisivamente responsável por esse declínio Essa atualização cotidiana e veloz de informações que nos coloca a par dos acontecimentos locais e mundiais sempre acompanhados de explicações que impõem ao leitor um contexto psicológico vem expulsando a narrativa viva e singular de nossas relações sociais tornandonos cada vez mais pobres em histórias surpreendentes em relatos de experiência vivida No contexto escolar especificamente as histórias que se apoiam nesse saber que vem de longe espacial e temporal também sofreram transformações em decorrência da modernização dos seus diferentes modos de veiculação Inseridas no campo da cultura literária ficcional as histórias populares circulam no espaçotempo escolar por meio de diversos gêneros orais e escritos como os contos as fábulas as lendas as novelas os romances as narrativas de aventura de enigma mítica dentre outros cuja tipologia discursiva norteadora se circunscreve na ordem do narrar Entretanto alguns mecanismos de circulação e modos de apropriação da literatura infantil como recurso didático têm repercutido em sérias implicações para a constituição da criança como sujeito de direitos de ideias de opiniões de valores sujeitos que também têm muitas histórias a contar Histórias que poderiam tornar a sala de aula um lugar habitado por muitas e diferentes vozes lugar dialógico em que as experiências das crianças não são minimizadas ou sobrepostas a interesses de ordem estritamente pedagógica como ocorre por exemplo nas práticas de avaliação das escritas infantis em que a principal finalidade é a comprovação do desenvolvimento evolutivo da criança uma demanda que também foi recorrente na sala de aula pesquisada Sabemos contudo que a articulação das demandas teórico práticas que envolvem o trabalho com a leitura e com a produção de textos requer o conhecimento de pressupostos que possibilitem o redimensionamento na forma de trabalhar a linguagem uma vez que a língua na perspectiva aqui defendida não está pronta para ser usada mas é reconstituída no próprio processo de interlocução que está inserido em um contexto social no qual participam sujeitos portadores de experiências de ideias de histórias de vida Esse pressuposto fundamental do pensamento bakhtiniano nos remete a considerar que outros fatores também podem contribuir para a instauração do diálogo na sala de aula revestindo o trabalho de produção de diferentes possibilidades Assim durante o período em que estivemos em Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 73 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr campo buscamos captar e delinear algumas dessas possibilidades Elas ocorreram particularmente nas propostas de trabalho em que as crianças foram motivadas a dizer suas opiniões sobre diferentes situações vivenciadas no espaçotempo escolar Essas situações emergiram a partir de necessidades reais das relações entre sujeitos no espaço escolar e de temáticas que os envolviam nas discussões e foram incorporadas ao trabalho com a linguagem escrita provocando mudanças no modo como as crianças se apropriaram dos conhecimentos que envolvem essa forma de linguagem possibilitando assim que assumissem posicionamentos explicitassem suas ideias e opiniões acerca dos temas abordados A produção de textos de opinião Ao todo foram observados oito eventos em que a base argumentativa foi tomada como fio condutor do trabalho de escritura Buscando dar visibilidade aos processos que se desenvolveram a partir das propostas delineadas pelas professoras elegemos para análise as situações de produção em que as crianças explicitaram suas opiniões sobre a escola o trabalho infantil a falta de moradia os trabalhos literários expostos na escola o caso do cachorro da vizinha Essas análises foram efetuadas por meio de uma amostra de 18 textos De maneira geral nessas propostas de trabalho com a linguagem escrita as crianças tinham o que dizer tinham razões para dizer e interlocutores para os textos que produziam A partir dessas condições foram definidas então as estratégias do dizer que suscitaram diferentes movimentos de interação com o outro por meio da escrita Esses movimentos foram evidenciados em nossas análises quando procuramos pontuar as marcas discursivas que as crianças deixaram por entrever em seus argumentos marcas que foram revestidas de aspectos polifônicos de aspectos que sinalizaram a presença das vozes do discurso social presentificados de forma singular nos resultados da atividade produtiva como podemos observar no texto produzido por Mon Foto 8 que tomou como ponto de partida as discussões tecidas em aula sobre o trabalho infantil Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 74 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Mon produziu esse texto a partir das indicações da professora para observar diversas imagens de crianças trabalhando e explicitar por meio da linguagem escrita suas opiniões sobre a questão Focalizando nossa análise nos recursos linguísticos selecionados por Mon para concretizar o seu dizer podemos notar que ela iniciou o texto com a forma prenominal EU implicandose de forma direta com o enunciado EU ACHO QUE ELA ESTÁ TRABALHANDO NO SISAL e assumindo o seu posicionamento em frente a essa situação EU NÃO GOSTO DE VER CRIANÇA TRABALHAR Em seguida justifica a sua opinião usando o operador explicativo PORQUE para argumentar que ELES TÊM QUE ESTUDAR Com esse argumento Mon revestiu seu discurso de outras vozes enunciativas baseandose em valores aceitos socialmente falando a partir do outro e para o outro que nesse contexto era a professora a interlocutora imediata do texto e que em tais circunstâncias pode ter influenciado o seu dizer Podemos ainda compreender que Mon não está nesse enunciado referindose a todas as crianças Ela situa que são ELES ou seja aqueles meninos e meninas pobres que estão trabalhando e não têm o direito Foto 8 Texto produzido por Mon 1492005 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 75 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr à educação garantido Nesse sentido aproximase do discurso dominante que situa o lugar da criança pobre em nossa sociedade Criança não pode trabalhar mas como também não pode ficar na rua tem que se ocupar com uma atividade que lhe é determinada socialmente a atividade escolar O efeito de polifonia é marcado então por um indicador modal que está implícito ELES DEVEM ESTUDAR que nesse caso produziu um conteúdo que não é de responsabilidade exclusiva do locutor mas de outras vozes que se entrecruzaram nesse enunciado De acordo com Bakhtin 2003 como unidades da comunicação discursiva os enunciados se constituem na relação social entre os participantes Nesse contexto discursivo o tema o querer dizer e as razões para dizer ou seja as finalidades discursivas determinam a escolha da forma de dizer Nesse sentido compreendemos que nas situações que tomaram por base o discurso argumentativo as condições de produção influenciaram positivamente no querer dizer das crianças e na seleção dos meios para a concretização desse dizer Analisando os textos produzidos pelas crianças encontramos marcas que revelaram os diferentes modos de compreensão da realidade e de apropriação do discurso social um aspecto fundamental no trabalho de produção textual Considerações finais Por meio de um percurso analítico que focalizou as condições de produção dos textos os processos que se desenvolveram durante o trabalho de escritura e os resultados dessa atividade interdiscursiva apontamos alguns dos principais desafios que revestiram a entrada do texto na sala de aula pesquisada Como evidenciado em nossas análises nas situações que envolveram as histórias em quadrinhos a relação dialógica com os textos por meio do trabalho de escritura foi influenciada de maneira geral pela inversão que situou as estratégias do dizer como ponto de partida abstraindo da atividade de produção textual as dimensões sociocomunicativas fundamentais no trabalho com os gêneros discursivos As implicações decorrentes do trabalho com as histórias em quadrinhos foram minimizadas no trabalho com os textos de opinião uma vez que nas circunstâncias em que foram instauradas essas propostas de produção as crianças tinham o que dizer tinham razões para dizer e interlocutores para os textos que produziam A partir dessas condições foram definidas então as estratégias do dizer que conforme pudemos observar suscitaram novas possibilidades de interação com o outro por meio da escrita A complexidade desse processo exige que o trabalho educativo seja pensado de forma intencional organizada e sistemática Do ponto de vista da Psicologia HistóricoCultural a apropriação das formas humanas de comportamento não ocorre de modo natural e espontâneo mas sim a partir da mediação qualificada do outro mais experiente Para que as crianças se Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 76 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr apropriem da linguagem escrita e de suas diferentes formas de manifestação sociocultural é fundamental que sejam instauradas conforme indicado por Geraldi 2003 condições essenciais para o trabalho de escritura dos textos ou seja que elas tenham o que dizer tenham motivações para dizer tenham destinatários para os textos que produzem e a partir desses elementos escolham as estratégias do dizer imprimindo no produto da atividade interdiscursiva suas marcas suas histórias de vida O espaço da sala de aula como observamos em nossas análises é um espaço povoado por muitas vozes vozes que se presentificaram de diferentes modos que circularam de várias maneiras nesse espaço de interlocução Contudo como nos lembra Goulart 2005 147 as palavras não costumam pedir licença para entrar mas podem ser ouvidas ou não E a professora como mediadora autorizada no espaço escolar pode instituir outras formas de interação que possibilitem o diálogo no interior das relações pedagógicas que provoquem a participação das crianças reconhecendo as suas potencialidades e seus modos próprios de apropriação dos saberes Assim compreendemos que O papel da escola é dar continuidade ao diálogo que as crianças já fazem com a realidade de várias formas ampliando as suas redes de conhecimento alargando as suas sensibilidades respondendo a algumas perguntas e criando outras O texto não parte somente da sala de aula o texto entra na classe primeiramente nas vozes dos alunos da professora deixando à mostra seus conhecimentos suas origens GOULART 2005 p 147148 Nesse encontro de várias vozes é preciso então levar em conta a história de vida dos sujeitos suas experiências de leitura e de escrita suas experiências de mundo Com Bakhtin e Vigotski aprendemos que como uma atividade constitutiva dos seres humanos a linguagem se constitui nas relações sociais nas interações que ocorrem entre as pessoas Adotar a produção de textos como eixo do trabalho educativo na educação infantil implica desse modo reconhecer a criança como sujeito político histórico e cultural possibilitando que exerça aqui e agora o direito de defender suas opiniões falar sobre sua vida escrevêla etc Nessa perspectiva o trabalho com a produção de textos na sala de aula configurase numa dimensão essencial do processo de alfabetização uma vez que por meio dele as crianças podem se constituir sujeitos no espaçotempo vivo de interação com o outro passando do reconhecimento ao conhecimento da reprodução à produção de saberes Nesse sentido quais mudanças podem ser efetuadas para que o texto seja tomado efetivamente na sala de aula Não temos respostas definitivas para essa questão mas podemos a partir das discussões aqui suscitadas delinear algumas contribuições no sentido de pensar a instauração de outros rumos para o trabalho com o texto nas classes de alfabetização A primeira diz respeito ao redimensionamento das Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 77 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr concepções de linguagem e de sujeitos que se constituem na sala de aula Além disso é necessário pensarmos em mudanças de ordem prática que demandam fundamentalmente a instauração de situações comunicativas reais ou fictícias que permitam integrar as condições essenciais para que o enunciado seja tomado como unidade de comunicação discursiva Reconhecemos contudo que a articulação dessas demandas não é tarefa fácil mas pode ser pensada a partir de propostas de formação que considerem o diálogo a história dos sujeitos e seus sistemas de significações como princípios essenciais na produção dos saberes e fazeres docentes Pensar a formação nessa perspectiva implica romper com os modelos predominantes buscando a implementação de políticas de formação com ações ajustadas aos interesses dos profissionais em educação às demandas emergentes no cotidiano das práticas educativas e à real valorização do trabalho docente Uma alternativa que pode promover a busca por outros caminhos para que as crianças e os professores sujeitos de direitos possam constituirse também sujeitos de ideias saberes opiniões valores cultura De caminhos que possibilitem tornar a sala de aula um espaço dialógico habitado por sujeitos sóciohistóricos ou em outras palavras um lugar de interação verbal em que são confrontados diferentes e importantes saberes Referências BAKHTIN Mikhail Mikhailovith Marxismo e filosofia da linguagem problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem São Paulo Hucitec 1999 Estética da criação verbal 4 ed São Paulo Martins Fontes 2003 BENJAMIN Walter Magia e técnica arte e política ensaios sobre literatura e história da cultura 7 ed São Paulo Brasiliense 1994 CADEMARTORI Ligia Criança e quadrinhos In JACOBY Sissa Org A criança e a produção cultural do brinquedo à literatura Porto Alegre Mercado Aberto 2003 p 4561 FREITAS Maria Teresa de Assunção A abordagem sóciohistórica como orientadora da pesquisa qualitativa Cadernos de Pesquisa São Paulo Autores Associados n 116 p 2139 jul 2002 GERALDI João Wanderley Da redação à produção de textos In GERALDI João Wanderley CITELLI Beatriz Org Aprender e ensinar com textos de alunos São Paulo Cortez 1997 p 1723 Revista Eletrônica de Educação v 5 n 1 mai 2011 Artigos ISSN 19827199 78 Programa de PósGraduação em Educação PIFFER Maristela Gatti GONTIJO Cláudia Maria Mendes Práticas de produção de textos Revista Eletrônica de Educação São Carlos SP UFSCar v 5 no 1 p 5778 mai 2011 Disponível em httpwwwreveducufscarbr Portos de passagem São Paulo Martins Fontes 2003 GONTIJO Cláudia Maria Mendes O processo de alfabetização novas contribuições São Paulo Martins Fontes 2002 GOULART Cecília Histórias de crianças linguagens e educação infantil Cadernos de Pesquisa em Educação Universidade Federal do Espírito Santo Centro Pedagógico Programa de PósGraduação em Educação Vitória PPGE v 10 n 19 p 139157 dez 2005 GUIMARÃES Maria Flora O conto popular In BRANDÃO Helena Nagamine Org Gêneros do discurso na escola mito conto cordel discurso político divulgação científica São Paulo Cortez 2000 p 85117 MENDONÇA Márcia Rodrigues de Souza Um gênero quadro a quadro a história em quadrinhos In DIONÍSIO Angela Paiva MACHADO Ana Raquel BEZERRA Maria Auxiliadora Org Gêneros textuais ensino 4ª ed Rio de Janeiro Lucerna 2005 p 194207 SARMENTO Manuel Jacinto Estudo de caso etnográfico em educação In ZAGO Nadir CARVALHO Marília Pinto de VILELA Rita Amélia Teixeira Itinerários de pesquisa perspectivas qualitativas em sociologia da educação Rio de Janeiro DPA 2003 p 137179 SCHNEUWLY Bernard et al In ROJO Roxane CORDEIRO Glaís Sales Org Gêneros orais e escritos na escola São Paulo Mercado das Letras 2004 SOUZA Luzinete Vasconcelos de As proezas das crianças em textos de opinião Campinas São Paulo Mercado das Letras 2003 VIGOTSKI Lev Semenovich Teoria e método em psicologia 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 A construção do pensamento e da linguagem São Paulo Martins Fontes 2001 Enviado em 11112010 Aceito em 18022011