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Economia ·

Economia Monetária

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Produto de pesquisa na área de Economia Brasileira Contemporânea desenvolvida no Centro de Estudo de Conjuntura no Instituto de Economia da Unicamp este livro examina a trajetória econômica brasileira no último quarto do século XX O período estudado é dividido em três fases A primeira engloba a segunda metade dos anos 1970 etapa marcada pela crise da ordem de Bretton Woods e a subsequente resposta brasileira por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento o último grande plano do modelo nacional desenvolvimentista A segunda fase referese à década de 1980 caracterizada pela crise da dívida dos países periféricos e pela transferência de recursos ao exterior fatores que levam a uma crescente desorganização da economia brasileira cujas maiores expressões foram a estagnação e o início da hiperinflação A década de 1990 por sua vez caracterizase por estabilidade inflacionária e baixo dinamismo da economia Essa situação foi atingida a partir da implantação de políticas de liberalização que visaram ao estabelecimento de um padrão de crescimento centrado em uma nova inserção internacional e na redefinição do papel do Estado combinadas com a estabilização posta em prática pelo Plano Real Professor do Instituto de Economia da Unicamp o autor busca os motivos para o desempenho tão díspar entre essas três décadas A identificação do esgotamento da dinâmica econômica vigente no país de 1930 a 1980 e do baixo dinamismo pós 1990 é ao mesmo tempo um diagnóstico e um alerta para a necessidade de uma política econômica capaz de restabelecer o crescimento sustentado no Brasil Ricardo Carneiro é mestre e doutor em Ciência Econômica pela Unicamp onde atualmente é professor titular Tem experiência na área de Economia com ênfase em Economia Brasileira e atua principalmente nos segmentos de desenvolvimento econômico política econômica política macroeconômica e sistemas financeiros Ao tratar do desenvolvimento da crise e da desaceleração da economia brasileira entre meados da década de 1970 e os anos 1990 o professor Ricardo Carneiro IEUnicamp ressalta a combinação dos diversos fatores internacionais e domésticos que funcionaram como elementos de obstáculo ou de estímulo ao crescimento econômico nacional Este livro analisa variáveis como o acesso a tecnologias produtivas dominantes a organização das finanças e a disponibilidade de financiamentos internacionais que somadas a fatores internos como o papel do Estado e a sua intervenção direta na economia e na articulação com o setor privado estabeleceram os perfis da economia brasileira nas últimas décadas O cenário resultante é essencial não só para a definição do perfil da economia brasileira contemporânea mas também como baliza e alerta para estratégias de desenvolvimento do país Desenvolvimento em crise Ricardo Carneiro Desenvolvimento em crise A economia brasileira no último quarto do século XX Ricardo Carneiro coleção economia contemporânea Capa Isabel Carballo 00Desenvolvimento em criseindd 1 050112 1103 Desenvolvimento em crise A economia brasileira no último quarto do século XX FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP Presidente do Conselho Curador Herman Jacobus Cornelis Voorwald DiretorPresidente José Castilho Marques Neto EditorExecutivo Jézio Hernani Bomfim Gutierre Conselho Editorial Acadêmico Alberto Tsuyoshi Ikeda Célia Aparecida Ferreira Tolentino Eda Maria Góes Elisabeth Criscuolo Urbinati Ildeberto Muniz de Almeida Luiz Gonzaga Marchezan Nilson Ghirardello Paulo César Corrêa Borges Sérgio Vicente Motta Vicente Pleitez EditoresAssistentes Anderson Nobara Henrique Zanardi Jorge Pereira Filho UNICAMP Reitor Carlos Henrique de Brito Cruz ViceReitor José Tadeu Jorge INSTITUTO DE ECONOMIA Diretor Paulo Eduardo de Andrade Baltar Diretor Associado Márcio Percival Alves Pinto Comissão de Publicações Márcio Percival Alves Pinto Coordenador José Ricardo Barbosa Gonçalves Waldir José de Quadros Fernando Nogueira da Costa Ricardo de Medeiros Carneiro Ricardo Carneiro Desenvolvimento em crise A economia brasileira no último quarto do século XX 2ª Reimpressão 5 2002 Ricardo Carneiro Direitos de publicação reservados à Fundação Editora da Unesp FEU Praça da Sé 108 01001900 São Paulo SP Tel 0xx11 32427171 Fax 0xx11 32427172 wwweditoraunespcombr wwwlivrariaunespcombr feueditoraunespbr Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Carneiro Ricardo Desenvolvimento em crise a economia brasileira no último quarto do século XX Ricardo Carneiro São Paulo Editora UNESP IE Unicamp 2002 Bibliografia ISBN 8571394040 1 Brasil Condições econômicas Século 20 2 Brasil Política econô mica 3 Crise econômica Brasil 4 Desenvolvimento econômico I Título II Título A economia brasileira no último quarto do século XX 023737 CDD33098106 Índices para catálogo sistemático 1 Brasil Economia Século 20 33098106 2 Século 20 Economia Brasil 33098106 Editora afiliada 5 Agradecimentos Este livro é produto de longos anos de trabalho de ensino e pesquisa na área de Economia Brasileira Contemporânea no Instituto de Economia da Unicamp Durante esse tempo lecio nei inúmeras vezes as disciplinas dessa área nos cursos de Gra duação e PósGraduação e desenvolvi trabalho de pesquisa junto ao Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica desse instituto Portanto meus primeiros agradecimentos vão para aqueles que na qualidade de alunos e estagiários partilharam do esforço e ajudaram a construir os textos relatórios ensaios cuja síntese final é este livro Embora obra individual há neste trabalho uma influência decisiva dos mestres professores e orientadores e dos seus respectivos livros Destaco dentre eles Acumulação de capital e industrialização no Brasil de Maria da Conceição Tavares O ca pitalismo tardio de João Manuel Cardoso de Mello O senhor e o unicórnio e inumeráveis ensaios sobre a economia brasileira de Luiz Gonzaga Belluzzo A estratégia de desenvolvimento 197476 sonho e fracasso de Carlos Lessa Raízes da concentração industrial em São Paulo de Wilson Cano Tenho plena certeza de que sem Ricardo Carneiro 6 Desenvolvimento em crise 7 o alicerce provido por esses livros e sem a discussão das minhas ideias com seus respectivos autores meu trabalho não teria tido êxito Colhi grandes benefícios também do debate com outros co legas e amigos do Instituto de Economia ocorridos sobretudo mas não exclusivamente no âmbito do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica bem como da leitura de seus trabalhos Correndo o risco de pecar pela omissão nomeio Car los Alonso Barbosa de Oliveira Paulo Davidoff Cruz Luciano Coutinho José Carlos Braga Jorge Mattoso Antonio Marcio Buainain Wilson Suzigan Fabrício de Oliveira José Carlos Mi randa Antonio Carlos Macedo e Silva No plano institucional dois apoios foram imprescindíveis para a realização do trabalho que culminou neste livro Desde logo a estrutura administrativa ágil e eficiente do Instituto de Economia da Unicamp presente na qualificação dos seus fun cionários e na infraestrutura material Destaco como exemplo dessa qualidade o trabalho realizado por Helena Lopes e Célia Quitério No desenvolvimento das pesquisas que redundaram neste livro sobretudo na sua terceira parte beneficieime duplamen te do apoio da Fapesp Inicialmente por meio de uma bolsa de pesquisa no exterior e posteriormente pela continuidade dos trabalhos no âmbito de projeto temático financiado por essa instituição No plano pessoal a realização de um livro não é tarefa sim ples Além de esforço e dedicação exige bastante equilíbrio emocional No meu caso só foi possível lidar com esse con junto de desafios pelo apoio incondicional de Fátima Chaves A todos muito obrigado Campinas março de 2002 Ricardo Carneiro Desenvolvimento em crise 7 Para Fátima Parte I Desenvolvimento 9 Sumário Prefácio 13 Luiz Gonzaga de Mello Belluzo Introdução 27 Parte I Desenvolvimento 1 Crise internacional e ajuste nacional o II PND 47 A crise do regime de Bretton Woods 48 As peculiaridades da resposta brasileira o II PND 55 Concepção e significado histórico do II PND 59 Mudanças na estrutura produtiva e no comércio exterior 64 A dinâmica do investimento 65 Evolução da produção 72 Transformações no comércio exterior 76 2 O padrão de financiamento durante o II PND 83 O papel do financiamento externo 84 Determinantes do endividamento 87 Ricardo Carneiro 10 Desenvolvimento em crise 11 As dimensões do financiamento interno 96 A gênese da moeda indexada 106 Parte II Crise 3 Ruptura do financiamento externo 115 A crise da dívida 116 Ruptura do financiamento externo e transferência de recursos para o exterior 121 Absorção real transferência financeira e o racionamento pelo mercado 19791982 122 Transferência de recursos para o exterior 19831989 126 4 Restrição cambial e crescimento econômico 139 As interpretações sobre a década perdida 141 Crescimento ciclo e geração de superávits 145 Instabilidade e declínio do investimento 147 Os ciclos do consumo 150 Dinâmica produtiva comércio exterior e saldo comercial 153 Dinâmica produtiva e inserção externa 153 A trajetória do saldo comercial 165 5 O desequilíbrio do setor público 179 Esgotamento do financiamento externo e desequilíbrio das finanças públicas 19801984 181 A crise das finanças públicas 19851989 193 6 Crise monetária e hiperinflação 205 Ajuste externo e incerteza dos preços macroeconômicos 19801985 207 Financeirização dos preços e hiperinflação 19861990 216 Desenvolvimento em crise 11 Parte III Desaceleração 7 Globalização financeira e inserção periférica 227 A globalização como ordem internacional 229 Instituições e atores relevantes 236 Os anos 90 e a integração da periferia 243 Inserção diferenciada da periferia Ásia versus América Latina 249 Os percalços da inserção periférica 253 México a crise cambial 256 Ásia a crise financeira e cambial 259 8 Abertura financeira balanço de pagamentos e financiamento 265 A conversibilidade da conta de capital caracterização 267 Evolução e composição dos fluxos de capitais 274 O investimento direto estrangeiro 276 O investimento de portafólio 280 O crédito de longo prazo 288 O financiamento bancário de curto prazo 292 A desnacionalização do setor bancário 294 Implicações da abertura financeira 299 A vulnerabilidade externa 299 A substituição monetária 303 9 Abertura comercial desnacionalização e dinâmica do crescimento 309 Abertura comercial reestruturação produtiva e inserção externa 313 Abertura comercial e reestruturação produtiva 315 Abertura comercial e inserção externa 326 Dimensões do saldo comercial 326 Dinâmica das exportações e importações 331 Abertura e estrutura da propriedade desnacionalização e privatização 335 13 Ricardo Carneiro 12 Desenvolvimento em crise 13 Dinâmica do crescimento 340 O investimento na indústria 343 O investimento em infraestrutura 349 10 A estabilidade inflacionária o Plano Real 357 Antecedentes e prérequisitos do Plano Real 361 Impactos do Plano Real inflação preços relativos câmbio e juros 367 Impactos do Plano Real consumo saldo comercial saldo primário investimento 379 Impactos do Plano Real a dívida pública 393 Referências bibliográficas 399 Índice de tabelas 417 Índice de gráficos 421 Índice de quadros 423 13 Desenvolvimento em crise 13 Prefácio Ricardo Carneiro colega de velhas e novas batalhas na Uni camp e em outros arraiais foi por certo generoso e imprudente ao me pedir que escrevesse o prefácio de seu livro Desenvolvi mento em crise A economia brasileira no último quarto do século XX Generoso porque ele sabe no Brasil de hoje aos velhos profes sores pouco resta e já é bastante senão o reconhecimento de seus melhores companheiros e exalunos Imprudente porque esfalfado de incumbências eu poderia falhar miseravelmente na tarefa Fiz o que minhas limitações permitem O leitor há de julgar se falhei ou não Ricardo escreveu um livro belo e rigoroso se é possível emprestar beleza a um texto de economia Ainda assim como Borges tratandose de livros prefiro o belo ao útil ou mesmo ao que se pretende rigoroso A beleza está na concepção na arquitetura O rigor foi adotado no tratamento cuidadoso das informações e em sua apresentação Os dados não são tortura dos para servir posições apriorísticas Na boa tradição da Unicamp Ricardo privilegia o trata mento histórico e mostra como se combinaram na dinâmica da Ricardo Carneiro 14 Desenvolvimento em crise 15 economia brasileira os fatores internacionais e os domésticos Mais do que isso o livro acompanha as transformações estru turais da economia mostrando como os pontos de mudança foram afetados pela interação entre as conjunturas internacio nais e as respostas das políticas domésticas Não se trata de uma rememoração mas de compreender a trajetória que nos trouxe até aqui Gramsci explicou que não se pode jogar fora o passado o presente é em si mesmo uma crí tica intrínseca ao que aconteceu1 A filosofia da práxis dizia ele nos ensina a tomar consciência desta crítica real e a darlhe uma expressão não apenas teórica mas política Não há aqui história como narrativa mas como crítica O livro toma como ponto de partida o período em que o Brasil empreendeu o último esforço de modernização da econo mia sob o amparo do Estado desenvolvimentista O II PND de flagrado logo após o primeiro choque do petróleo em meio à primeira recessão sincronizada do capitalismo do pósguerra foi uma tentativa de reduzir a vulnerabilidade da economia aos choques externos Na verdade tal fuga para a frente levou à exasperação o descompasso entre um nível requerido de formação bruta de capital e as condições domésticas de financiamento O hiato entre a capacidade de financiamento a partir de fontes inter nas e a demanda de crédito de longo prazo foi coberto pela tomada de recursos externos A maioria dos projetos assim financiados revelou uma limitada capacidade de gerar as divisas necessárias quando em operação para pagar o endi vidamento em moeda estrangeira Apesar das intenções do governo fracassaram as tentativas de reformar o sistema de financiamento doméstico e não foram adiante as pretendidas reformas na organização capitalista da grande empresa o que 1 Gramsci A Passato e presente Torino Einaudi 1974 Desenvolvimento em crise 15 incluía além das questões relativas à propriedade e à gestão a constituição de um sistema de absorção e de produção do avanço científico e tecnológico O segundo choque do petróleo e o choque de juros promo vido por Paul Volker no final de 1979 mudaram radicalmente as condições externas e decretaram a obsolescência da agenda de reformas proposta no debate dos anos 70 A severa crise cambial que se abateu sobre o Brasil no início dos anos 80 foi o fator essencial para a sobrevivência do malfalado processo de substituição de importações Em condições de extrema penúria de divisas ele avançou até mesmo em segmentos produtivos em que a escala do mercado interno não recomendaria a pro dução doméstica Boa parte da capacidade produtiva criada durante a vigên cia do II PND sobretudo no setor privado foi empurrada para a exportação à custa de estímulos fiscais e cambiais Rapidamente o país passou a exibir superávits comerciais superiores a 3 do PIB destinados a financiar a duras penas o serviço da dívida Os brasileiros lembramse ou pelo menos deveriam lem brarse de que os anos 80 foram marcados pelo predomínio das políticas patrocinadas pelo FMI convocado para socorrer os graves distúrbios que acometiam os balanços de pagamen tos dos países que se lançaram na aventura do endividamento externo das décadas anteriores Já naquela ocasião a missão principal do Fundo era a de impedir o colapso dos sistemas bancários entre eles o norteamericano que tinham em suas carteiras uma proporção elevada de empréstimos desti nados à periferia Os programas orientados pelo Fundo Monetário Internacio nal conseguiram digase resultados expressivos na redução rápida dos déficits em transações correntes dos países devedo res pavimentando o caminho para a recuperação das carteiras dos bancos comerciais As políticas do Fundo contaram então com a importante colaboração do desempenho da economia Ricardo Carneiro 16 Desenvolvimento em crise 17 americana Com a recuperação iniciada no terceiro trimestre de 1982 estimulada pela queda dos juros e por um déficit público elevado a economia dos Estados Unidos com o dólar sobre valorizado gerou demanda abundante para o resto do mundo Os bancos internacionais por sua vez puderam se benefi ciar tanto do trabalho de coordenação executado pelo Fundo quanto da formidável expansão da dívida pública norteame ricana Os papéis do governo americano deram mais qualidade aos ativos dos bancos credores num momento em que a dívida latinoamericana sofria forte desvalorização Foram beneficiados ainda pela melhora das contas externas dos países devedores o que acenava com a perspectiva de pagamento ao menos dos juros Os programas do Fundo Monetário cumpriram portan to a finalidade implícita em sua concepção reduzir ao mínimo os riscos de uma crise financeira à escala global evitando as sim a contaminação das praças que formam o centro nervoso do sistema internacional de pagamentos e de administração de grandes volumes de capitaldinheiro Outra coisa foram as consequências para os devedores Concebidas para maximizar os excedentes comerciais e mini mizar o aporte de recursos novos pelos bancos credores tais políticas de ajustamento engendraram uma forte transferência de recursos para o exterior e do setor público para o privado precipitando a fragilização financeira dos governos As reite radas tentativas de desvalorização do câmbio e as medidas de sustentação do ganho real pelas minidesvalorizações diárias ao mesmo tempo em que incitavam o ânimo da inflação pro vocaram o crescimento em termos reais do estoque da dívida externa quase toda ela de responsabilidade pública A geração de excedentes comerciais pelo setor privado en volvia além disso a compra dessas divisas pelo setor público o grande devedor em moeda estrangeira Na ausência de um ajuste fiscal de porte suficiente para esterilizar os efeitos mone tários expansionistas dessa operação o governo era obrigado a Desenvolvimento em crise 17 emitir dívida pública dolarizada ou papéis denominados em cruzeiros com taxas de juros nominais elevadas mas diante da aceleração inflacionária insuficientes em termos reais Daí a marcha para a hiperinflação a completa desorganiza ção das finanças públicas o mergulho das taxas de investimen to a espantosa deformação da riqueza privada acumulada sob a forma de dinheiro indexado No estágio final avançou célere o processo de substituição da moeda local pela divisa estrangeira o que permitiu mais tarde a adoção dos programas de estabilização com âncora cambial matrizes da desastrosa abertura financeira da regressão industrial e da perda de com petitividade dos anos 90 As políticas perpetradas na década perdida dos anos 80 culminaram no enfraquecimento do Estado e de suas políticas estrangulados pelo garrote do Fundo e dos credores Exangues acabaram por sucumbir completamente à velha aliança entre os grupos enriquecidos e cosmopolitas das sociedades nativas e a finança internacionalizada O Plano Real foi deflagrado numa conjuntura em que a fadiga da sociedade brasileira com os fracassos anteriores no combate à praga inflacionária já se transformava em exaspera ção Por razões estranhas à nossa vontade o longo período de escassez de financiamento externo privado chegou ao fim no início dos anos 90 Os novos mercados financeiros securitiza dos buscavam avidamente oportunidades de ganho em praças consideradas de maior risco Essa é história velha e conhecida Também é sabido que com a volta dos capitais foi possível re vigorar antigos ideais do liberalismo econômico apresentados como o último grito da moda econômica já lançados digase por Reagan e Tatcher no circuito Nova YorkLondres O que era um sonho de muitos brasileiros os capitais irrequietos e brin calhões estavam prestes a se transformar numa tentadora rea lidade Maravilha das maravilhas A mão invisível finalmente em ação nos trópicos Ricardo Carneiro 18 Desenvolvimento em crise 19 As palavras de ordem eram abertura comercial liberaliza ção das contas de capital desregulamentação e descompres são dos sistemas financeiros domésticos reforma do Estado incluindo a privatização da seguridade social e o abandono das políticas de fomento à industria e à agricultura O apetite voraz dos brasileiros ricos e bonitos por produtos e ideias de origem estrangeira sempre foi notório Nessa onda recente de globalização e exaltação do liberalismo econômico tal voracidade encontrou farto repasto Nos anos de sucesso do Plano Real as críticas à industriali zação brasileira concentravamse na denúncia de uma suposta tendência à autarquia à ineficiência à falta de competitividade externa e à estatização Estes diziam os detratores eram males congênitos do processo de substituição de importações É bom notar que muita gente já havia apontado a exaustão do chamado modelo de substituição de importações subli nhando aliás alguns desafios importantes que estavam presen tes em meados da década de 1970 1 a criação dos instrumentos e instituições de mobilização da poupança doméstica parti cularmente para suportar o financiamento de longo prazo 2 a reestruturação competitiva e a modernização organizacional da grande empresa de capital nacional e de suas relações com o Estado 3 a constituição do que Fernando Fanjzylber chamava de núcleo endógeno de inovação tecnológica A estratégia de desenvolvimento do Real apoiouse em quatro supostos 1 a estabilidade de preços cria condições para o cálculo econômico de longo prazo estimulando o investimento privado 2 a abertura comercial e a valorização cambial impõe disciplina competitiva aos produtores domésticos forçandoos a realizar ganhos substanciais de produtividade 3 as privatiza ções e o investimento estrangeiro removeriam gargalos de ofer ta na indústria e na infraestrutura reduzindo custos e melho rando a eficiência 4 a liberalização cambial associada à pre visibilidade quanto à evolução da taxa real de câmbio atrairia Desenvolvimento em crise 19 poupança externa em escala suficiente para complementar o esforço de investimento doméstico e para financiar o déficit em conta corrente2 Na verdade o uso abusivo da âncora cambial e dos juros elevados desestimulou os projetos voltados para as expor tações promoveu um encolhimento das cadeias produti vas afetadas por importações predatórias e aumentou a participação da propriedade estrangeira no estoque de capital doméstico Esses são fatores que levaram ao agravamento do desequilíbrio externo A abertura financeira não conseguiu até agora entregar as benfeitorias prometidas Muito pelo contrário a gestão cam bial e monetária desde os primórdios do Plano Real além de provocar efeitos negativos sobre o desempenho da indústria e da agricultura permitiu o crescimento muito rápido dos pas sivos interno e externo A acumulação desses compromissos tornou a economia mais vulnerável às mudanças de humor dos mercados globalizados e vem impondo severas restri ções ao crescimento econômico e portanto à capacidade de criar empregos As projeções realistas mostram que o balanço de pagamen tos não vai suportar taxas de crescimento mais elevadas A re messa de lucros e dividendos a despesa com juros e a maior elasticidade das importações em boa medida decorrente da preferência das multinacionais pelas compras em seus merca dos de origem devem impor limites mais estritos à expansão da economia A dependência dos humores dos mercados financeiros é constitutiva da forma de inserção internacional adotada pelo Brasil Mesmo nos momentos de relativa calmaria e otimismo o risco de assustar os possuidores de riqueza líquida nacio 2 Tavares e Belluzzo Desenvolvimento no Brasil relembrando um velho tema s d Ricardo Carneiro 20 Desenvolvimento em crise 21 nais e estrangeiros vem bloqueando a adoção de uma política monetária capaz de prover crédito em volume e em condições decentes para a indústria e a agricultura de induzir o investi mento privado ou estimular as exportações Numa economia aberta com elevado passivo externo e no tórias dificuldades de gerar saldos na balança de comércio ca pazes de reduzir significativamente o déficit em transações cor rentes as relações entre os movimentos taxa de juros e taxa de câmbio são mais complicadas do que pode supor a nossa vã filosofia O elemento crucial em tais circunstâncias é a expecta tiva dos agentes acerca dos efeitos provocados pelas mudan ças nas relações entre juros e câmbio quanto à conveniência de se manter a riqueza financeira em moeda local ou em divisa estrangeira Nas decisões sobre a posse da riqueza numa economia mo netária duas questões devem ser tomadas em consideração 1 o sistema internacional é constituído de uma hierarquia de mo edas umas mais estáveis e líquidas do que as outras é impro vável que o exportador alemão e o importador japonês escolham o real como moeda de transação nos seus negócios 2 sendo assim quanto maior a mobilidade de capitais diante de um agravamento da incerteza seja causado por fatores internos ou externos maior o risco de uma desvalorização abrupta e indesejada das moedas de menor reputação e liquidez Ainda que a adoção de um regime de taxa de câmbio flutuan te seja capaz de amenizar o baque as autoridades monetárias do país de moeda fraca com ponto de compra imprevisível poderão ser obrigados a vender reservas ou subir as taxas de juros para estabilizar o curso do câmbio dentro de limites considerados seguros Uma queda rápida dos juros pode desencadear movimentos mais intensos de desvalorização do real Duas seriam as conse quências 1 pressões sobre o nível geral de preços sobretudo mediante os reajustes dos preços indexados ao dólar dos servi Desenvolvimento em crise 21 ços públicos 2 elevação do valor da dívida interna denomina da em dólares É óbvio que uma inflação mais alta significaria uma redução ainda maior das taxas de juros reais Isso reforça ria os estímulos à demanda de divisas por motivo de proteção e por razões especulativas forçando uma ampliação da oferta de títulos públicos denominados em dólares A perda do controle nacional sobre as empresas e bancos desarticulou os mecanismos de governança e de coordenação estratégica da economia brasileira O setor produtivo estatal num país periférico e de industrialização tardia funcionava como um provedor de externalidades positivas para o setor pri vado O neoliberalismo à brasileira deixou escapar a oportuni dade oferecida pelas privatizações para criar grupos nacionais privados e públicos dotados de poder financeiro de capa cidade competitiva nos mercados mundiais e comprometidos formalmente com as metas de desenvolvimento do país e com a geração de moeda forte Ao contrário do que reza a vulgata liberal dentre os gran des países da periferia capitalista o Brasil esteve longe de pre tender a autarquia econômica Figurou sempre no pelotão de frente dos países destinatários do investimento estrangeiro No período áureo da industrialização as empresas estrangeiras eram atraídas pelas perspectivas de crescimento do país sobre tudo por seu potencial mercado interno Com a ação desenvol vimentista do Estado e o empresariado nativo os forasteiros ajudaram a transformar o Brasil numa das mais importantes economias industriais do Terceiro Mundo Havia complementação entre o movimento do capital pro dutivo em processo de internacionalização e as políticas de senvolvimentistas dos países hospedeiros Isso significa em termos práticos o seguinte a maioria dos investimentos vinha para a produção agrobusiness indústria de transformação e serviços funcionais e representava o aumento da capacidade produtiva e a criação de novos postos de trabalho Ricardo Carneiro 22 Desenvolvimento em crise 23 Nos tempos da globalização o padrão do investimento di reto estrangeiro sofreu profundas mutações Tratase agora de ocupar os mercados da periferia adquirindo empresas já exis tentes para ajustar as metas e as linhas de produção a uma estratégia global formulada fora do país É por isso que a nova onda de investimentos estrangeiros destruiu direta e indire tamente empregos e cavou um enorme buraco no balanço de pagamentos Muitos serviços até os de mão de obra tempo rária qualificada ou de assistência técnica deixam de ser con tratados pelas empresas nacionais e passam a ser terceirizados no exterior Com essas práticas e mais a remessa de lucros e dividendos os estrangeiros elevam o valor do faturamento e dos resultados em moeda forte Quem prescinde de grupos nacionais fortes portanto de uma estratégia de integração realmente competitiva será sim plesmente tragado pelo movimento internacional de fusões e aquisições A perda de dinamismo da economia brasileira a pasma ceira que se arrasta desde o início dos anos 80 provocou uma reação pavloviana nos bempensantes vamos abrir a economia e expor o empresariado nativo ou residente aos ventos benfa zejos da globalização Quase todos concordam que se esgotaram as formas de finan ciamento de incentivos e de proteção responsáveis pela sustenta ção do desenvolvimento industrial brasileiro ao longo de mais de cinco décadas Esse esgotamento foi acompanhado entre outras desgraças de uma profunda crise financeira e fiscal do Estado o que imobilizou a sua capacidade de coordenação e de indução Não é fácil imaginar como seriam construídas as novas ins tituições financeiras pensar como seria executada a reforma fiscal ou dar tratos à bola para estabelecer uma nova relação entre o Estado e o setor privado Isso para não falar da sintonia delicada entre a política de comércio exterior e a estratégia de crescimento e modernização da indústria brasileira Desenvolvimento em crise 23 Os governantes de turno e seus portavozes oficiais e ofi ciosos parecem estar convencidos de que a exposição pura e simples do setor industrial à concorrência externa será capaz de promover a modernização tecnológica e os ganhos de com petitividade Para começo de conversa é bom registrar que a concorrên cia nos mercados industriais está marcada por características que não guardam nenhuma semelhança com as superstições dos fanáticos da globalização Até mesmo os estudiosos mais conservadores reconhecem a existência de economias de escala e de escopo economias externas estratégias de ocupação e di versificação dos mercados conglomeração e acordos de coope ração Nesse jogo só entra quem tem cacife tecnológico poder financeiro e amparo político dos Estados Nacionais Essas características essenciais da concorrência e do com portamento das empresas sobretudo na área industrial estão completamente ausentes das elucubrações dos que pretendem nos ensinar os caminhos da modernidade Ao lado dessas considerações gerais há no Brasil a tradição de ignorar a experiência alheia ou na melhor das hipóteses de interpretála levianamente Não há exemplo nos países pe riféricos aí incluídos os Tigres Asiáticos de renúncia a políticas deliberadas de reestruturação produtiva ou de estímu lo à modernização e à conquista de mercados Seja qual for a estratégia adotada liderança das exportações ou preeminência do mercado interno os casos bemsucedidos de avanço in dustrial e produtivo têm um traço comum intencionalidade e coordenação pública A rejeição ao nacional entre as elites cosmopolitas é a mais profunda desde o início do processo de industrialização Atin giu de forma devastadora os sentimentos de pertinência à mesma comunidade de destino suscitando processos subjeti vos de diferenciação e desidentificação em relação aos outros ou seja à massa de pobres e miseráveis que infesta o país E Ricardo Carneiro 24 Desenvolvimento em crise 25 essa desidentificação vem assumindo cada vez mais as feições de um individualismo agressivo e antirrepublicano Uma espé cie de caricatura do americanismo A rejeição também foi mais ampla porque essas formas de consciência social contaminaram vastas camadas das classes médias desde os novos proprietários passando pelos qua dros técnicos intermediários até chegar aos executivos assa lariados e à nova intelectualidade formada em universidades estrangeiras ou mesmo em escolas locais que se esmeram em reproduzir os valores e hábitos estrangeiros Isso para não falar do papel avassalador da mídia nacional e estrangeira É ocioso dizer que tais expectativas e anseios não são um desvio psicológico mas deitam raízes profundas na desigualda de que há séculos assola o país Produtos da desigualdade secu lar e daquela acrescentada no período do desenvolvimentismo as classes cosmopolitas têm sido ao mesmo tempo decisivas para a reprodução do apartheid social e impiedosas na crítica do desenvolvimento nacional a partir de um primeiromundismo abstrato e não raro vulgar Examinado à luz de um projeto nacional capaz de integrar os mais pobres o cosmopolitismo das classes endinheiradas e remediadas revela o seu caráter parasitário e antirrepublicano Parasitário sim porque amparado na internacionalização e na financeirização da riqueza e da renda dos estratos superio res na diferenciação do consumo dos segmentos médios sus cita a modernização restrita da economia com seu séquito de destruição de empregos e exclusão social A dimensão individualista e antirrepublicana dessas formas de consciência no entanto vem produzindo a destruição do Es tado até mesmo de sua função essencial de garantir a segurança dos cidadãos Isso para não falar no bloqueio sistemático im posto pela fuga descarada das obrigações fiscais da universali zação das políticas de saúde educação e previdência que aliás definem a modernidade nos países realmente civilizados Desenvolvimento em crise 25 Há uma busca desesperada de refúgio no privatismo esco las privadas medicina privada e previdência privada Não é à toa que os mais afoitos não mais conseguem distinguir o que é público do que é privado Isso acentua a repulsa pelas con tribuições para o fundo público por parte dos endinheirados ou daqueles que por ora apenas se candidatam a essa condi ção de superioridade econômica e social Não se sabe quantos conseguirão dobrar o Cabo da Boa Esperança mas pelo andar da carruagem é possível estimar que seu número não será sig nificativo São quase vinte anos de baixo crescimento econômico de evolução lenta ou mesmo estagnação dos rendimentos das ca madas mais pobres e de bloqueio dos canais que permitiam ou prometiam a ascensão social Tais tendências já observadas na década de 1980 foram acentuadas pelas políticas propostas por Collor e depois em preendidas pelo professor Cardoso a conselho das classes pro prietárias locais e de seus aliados estrangeiros Há quem se ir rite com a menção do Consenso de Washington como origem e destino das políticas liberais na América Latina A irritação é sintoma da miopia interessada Basta olhar em volta e observar que as novas estratégias de integração à economia mundial e de modernização das relações entre Estado e mercado foram iguais em todos os países e produziram os mesmos resultados sociais desastrosos Cardoso manifestou preocupação com a situação de inse gurança que atormenta os moradores das grandes e médias cidades brasileiras O presidente bem poderia ver o documen tário de João Moreira Salles História de uma guerra particular Ali são reveladas de uma maneira brilhante e dramática as raízes da criminalidade urbana Não se trata exatamente da pobreza mas da marginalização dos pobres e do bloqueio às oportunida des numa sociedade que propõe como valor maior o consumo ilimitado e a afluência 27 Ricardo Carneiro 26 Desenvolvimento em crise 27 O presidente sociólogo costuma brandir os dados do IBGE sobre a redução do número de miseráveis É a ilusão do empi rismo Os dados não mostram as mudanças radicais nas rela ções econômicas e sociais ocorridas na periferia e nas favelas das grandes cidades A atividade ilícita e o crime tornaramse formas de sobrevivência e de busca de dignidade por parte de milhares de jovens abandonados pela sociedade e pela política oficiais Luiz Gonzaga de Mello Belluzo 27 Desenvolvimento em crise 27 Introdução Este livro examina a trajetória da economia brasileira no último quarto do século XX Nesse período há três fases dis tintas a segunda metade dos anos 70 marcada pela crise da ordem de Bretton Woods e a peculiar resposta brasileira por meio do II PND durante o qual assistese à derrocada do nacio naldesenvolvimentismo os anos 80 caracterizados pela crise da dívida dos países periféricos e a transferência de recursos ao exterior cujo resultado foi a crescente desorganização da eco nomia brasileira incluindo a hiperinflação e por fim a década de 1990 na qual o traço distintivo é a implantação de políti cas de liberalização visando ao estabelecimento de um padrão de crescimento centrado numa nova inserção internacional e na redefinição do papel do Estado cujos resultados principais foram a estabilidade inflacionária e o baixo dinamismo da economia O tema central a investigar é a razão para uma performance tão díspar entre os vários períodos ou melhor precisando os motivos para o esgotamento do dinamismo do capitalismo bra sileiro cuja característica essencial ao longo dos 50 anos que vão de 1930 a 1980 foi a vocação para o rápido crescimento Ricardo Carneiro 28 Desenvolvimento em crise 29 O trabalho possui uma hipótese geral cuja explicitação pos sibilitará um melhor entendimento e julgamento das suas par tes Essa hipótese realça a importância da combinação dos fatores internacionais e domésticos na determinação do dinamismo do capitalismo brasileiro isto é só é possível explicar as distintas performances desse capitalismo em diferentes períodos históricos pelo exame das articulações concretas entre as dimensões interna e externa do desenvolvimento Mais exatamente são as conjun turas históricas específicas que determinam a hierarquia dos fatores externos e internos como elementos de obstáculo ou estímulo ao crescimento Vista da perspectiva do sistema capitalista global a econo mia brasileira não pode ser caracterizada como integralmente reflexa ou dependente e tampouco como inteiramente autôno ma A dependência e a autonomia e mais ainda os seus graus se alternam ao longo dos vários momentos históricos atuan do como fator limitante ou estimulante do crescimento Em resumo nossa economia é suficientemente grande e comple xa para retirar parte de seu dinamismo de fatores puramente endógenos sobretudo da dimensão do seu mercado interno e da correspondente complexidade das relações econômicas Ao mesmo tempo não se constitui como uma unidade capaz de engendrar ciclos próprios de inovação tecnológica tampouco constrói uma base financeira doméstica capaz de financiar ade quadamente o investimento A especificação da hipótese geral posta anteriormente su põe a consideração dos principais condicionantes externos e internos ao crescimento Dentre os primeiros podese desta car a dinâmica tecnológica ou seja o grau de disseminação ou de acesso às tecnologias produtivas dominantes a forma pela qual se organizam as finanças internacionais e portanto a disponibilidade de financiamento e abarcando e dando for ma a isso tudo a ordem econômica internacional entendida Desenvolvimento em crise 29 como a existência de regras relativas ao comércio e finanças bem como de instituições capazes de suportálas Por fim mas não menos importante destacase o grau de autonomia que esse conjunto de condicionantes permite à política eco nômica doméstica Dentre os fatores internos o destaque cabe ao padrão de crescimento a combinação de setores produtivos líderes do processo e ao padrão de financiamento ou seja a sua capacida de em financiar o investimento nos prazos e volumes requeridos pelo primeiro O outro elemento central do processo referese ao papel do Estado à sua intervenção direta na economia e sua articulação com o setor privado O exame da trajetória da economia brasileira permite iden tificar um elevado dinamismo ao longo do período da moderna industrialização entre 1930 e 1980 com taxas médias de cres cimento em torno de 6 ao ano Poucos são os países que du rante esses cinquenta anos conseguem lograr a mesma perfor mance O declínio da taxa de crescimento no período 19802000 para um valor próximo a um terço da média anterior marca também uma perda de posição relativa perante outros países Embora essa etapa seja caracterizada por uma redução global das taxas de crescimento a performance do Brasil o afasta do gru po de países em desenvolvimento dinâmicos Quadro 1 Durante a fase desenvolvimentista a liderança no que tange à taxa de crescimento mantémse nos dois subperíodos considerados isto é tanto naquele no qual as condições inter nacionais são menos favoráveis 19291950 quanto durante as etapas mais propícias ao crescimento global 19501980 Há um elemento comum permanente ao longo desses anos e que diz respeito à relativa estabilidade do padrão tecnológi co Assistese nessa época à difusão e à consolidação da matriz produtivotecnológica oriunda da Segunda Revolução Indus trial As diferenças entre as duas épocas referemse sobretudo à ordem internacional Ricardo Carneiro 30 Desenvolvimento em crise 31 Quadro 1 Crescimento econômico comparado aa Fonte Maddison 1989 e International Monetary Fund 1980 Desenvolvimento em crise 31 Durante os anos 19291946 também conhecidos como o período do entreguerras assistese a derrocada do padrãoouro e da hegemonia inglesa Essa etapa é marcada por grandes ri validades internacionais pela ausência de um sistema global de comércio e pela retração dos fluxos de capitais de longo prazo Há um claro contraste com a fase posterior marcada pela he gemonia americana e a organização das relações econômicas internacionais pelas instituições gestadas em Bretton Woods que resultaram em grande estímulo aos fluxos de comércio e de investimento internacionais O fato de o Brasil ter mantido a performance nessas duas conjunturas históricas tão distintas a primeira das quais cla ramente restritiva do ponto de vista internacional sugere que o mercado interno e a estabilidade da tecnologia foram os ele mentos comuns desse processo de crescimento Esse argumen to é reforçado pela constatação de que no primeiro período são os países socialistas como a URSS ou capitalistas avançados com grande mercado interno Estados Unidos Canadá e Aus trália ou ainda capitalistas subdesenvolvidos mas com am plo mercado interno como Brasil e México que apresentam desempenho superior aos demais Na etapa seguinte as condições propiciadas pela nova or dem internacional ao amparo do acordo de Bretton Woods tais como o rápido crescimento dos fluxos de comércio e investimen to direto e a autonomia das políticas domésticas permitem uma ampliação das taxas de crescimento para o conjunto da economia mundial e sobretudo para os países mais dependen tes do desempenho do comércio internacional como os NICs asiáticos No caso destes últimos e também do Japão não po dem ser desconsideradas as razões geopolíticas que motivaram o grande apoio dos Estados Unidos ao seu desenvolvimento no pósSegunda Guerra Já assinalamos anteriormente o declínio da taxa de cres cimento do Brasil após 1980 É significativo porém que esse Ricardo Carneiro 32 Desenvolvimento em crise 33 declínio tenha ocorrido em dois subperíodos distintos os anos 80 marcados pela crise da dívida e os 90 caracterizados pela reinserção externa da economia brasileira Durante os anos 80 a ruptura do financiamento externo e mais que isso o pagamento da dívida explicam a brusca desaceleração do crescimento brasi leiro Ressaltase aqui a melhor qualidade da inserção interna cional dos países subdesenvolvidos asiáticos que logram man ter taxas de crescimento elevadas apesar do ambiente externo desfavorável A continuidade do baixo dinamismo econômico do país durante os anos 90 num contexto de ampliação dos fluxos de comércio e abundância de financiamentos internacionais e mais ainda de aceleração global das taxas de crescimento se presta a diversas interpretações Dado que as condições interna cionais melhoraram ante a década anterior a explicação recairia com maior ênfase em fatores domésticos ou numa combinação particular do novo contexto internacional com características pe culiares da economia brasileira A consideração conjunta dos fatores de estímulo ao cres cimento oriundos do contexto internacional permite identi ficar como conjunturas mais favoráveis aos países periféricos aquelas que incluem a estabilidade do paradigma tecnológico e uma ordem internacional similar à de Bretton Woods carac terizada pelo estímulo ao comércio e financiamento de longo prazo bem como pela possibilidade de maior autonomia das políticas domésticas Combinações nas quais não está presente o conjunto desses elementos como as observadas nos demais períodos produzem além de crescimento global menor um dinamismo bastante diferenciado entre países Postos os aspectos mais gerais da questão vejamos agora suas particularidades Tomemos inicialmente a questão do pa radigma tecnológico Como não há nos países periféricos do sistema capitalista um núcleo autônomo de inovação tecnoló gica a diferenciação da estrutura produtiva ocorre pela cópia Desenvolvimento em crise 33 ou reprodução dos setores já existentes nos países centrais Isso quer dizer que ceteris paribus quanto mais disseminada a tecnologia maiores as possibilidades de diversificação setorial das economias periféricas A postulação anterior realça como questão central o acesso dos países periféricos aos novos setores ou a sua capacidade de reproduzilos internamente seja pela aquisição da tecno logia via importação de máquinas e equipamentos seja pelo investimento direto das empresas multinacionais Como foi dito o período 19301980 possui como característica a relativa estabilidade do paradigma tecnológico oriundo da Segunda Re volução Industrial A baixa velocidade segundo a qual se pro cessava a inovação permitiu uma maior difusão do paradigma produtivo nos países periféricos Essa foi uma razão relevante para que esses países pudessem realizar a substituição de impor tações ou seja a internalização dos setores produtivos do para digma tecnológico dominante De acordo com Fajnzylber 1983 esse processo esbarrou em limites importantes sobretudo na descentralização da indústria de meios de produção pois mes mo no auge da desconcentração esta permaneceu concentrada nos países centrais No período recente depois de meados dos anos 80 a ace leração da mudança tecnológica é inequívoca Embora haja controvérsia sobre o alcance dessas transformações e o fato de constituírem uma nova Revolução Industrial tese amplamente contestada por Paul Krugmann e diversos outros economistas americanos não há dúvida quanto às mudanças relativas à mi croeletrônica e seu espraiamento por vários setores produtivos Assim nos segmentos sob processo de mudança tornouse muito mais difícil a internalização dos setores produtivos correspondentes em razão da indisponibilidade de tecnologia e das escalas de produção Há também no bojo do processo de mudanças ocorridas após os anos 80 modificações substantivas no padrão de con Ricardo Carneiro 34 Desenvolvimento em crise 35 corrência entre os capitais que se refletem no comportamento do investimento direto estrangeiro De um lado ampliase o ca ráter patrimonial e de outro o global sourcing Ambos acentuam o desequilíbrio de balanço de pagamentos dos países periféricos O primeiro por ensejar uma ampliação da remuneração desses investimentos sem a contrapartida da criação de capacidade de gerar divisas O último por elevar de maneira global o coefi ciente importado dessas economias Outro aspecto decisivo das condições externas diz respei to ao arranjo da ordem internacional vigente no que tange à regulação dos fluxos de capitais Uma postura liberal ou ausência de regulação no que se refere à mobilidade de capi tais implicou uma elevada volatilidade no financiamento à periferia e restrições à autonomia das políticas econômicas domésticas Uma ordem com restrições à livre mobilidade de capitais sobretudo os de curto prazo como foi a de Bretton Woods mostrouse mais favorável aos países periféricos pela ampliação das fontes de financiamento estáveis aos déficits externos desses países e redução da instabilidade macroeco nômica decorrente das limitações impostas ao trânsito de ca pitais de curto prazo Um dos aspectos centrais dos condicionantes externos so bre o crescimento da periferia diz respeito portanto às con dições externas ou às configurações das ordens internacionais do ponto de vista dos graus de liberdade ou autonomia que permitem às políticas econômicas domésticas Conforme Ei chengreen 1996 vista a questão dessa perspectiva a história contemporânea registra três possibilidades de estruturação das ordens internacionais Definida a existência ou não de mobilidade de capitais há as seguintes combinações possíveis no caso de plena mobili dade a autonomia é integralmente sacrificada quando se adota um sistema de câmbio fixo tal qual no padrãoouro Ainda no plano da mobilidade a opção pela manutenção da autonomia Desenvolvimento em crise 35 requer a adoção de um sistema de câmbio flexível Podese ga nhar mais autonomia na política doméstica sobretudo na fi xação dos juros à custa da flutuação cambial e portanto de algum grau de prejuízo para os fluxos de comércio e de capital Por fim eliminandose a prerrogativa da mobilidade para os capitais podese conciliar a autonomia da política econômica com um sistema de taxas de câmbio fixas Esse regime oriundo do acordo de Bretton Woods foi historicamente o mais favorá vel ao crescimento global e da periferia A formulação anterior embora verdadeira esconde algu mas determinações essenciais para os países periféricos sobre tudo para o grau de autonomia das suas políticas econômicas num regime globalizado Vejamos por quê Na globalização uma das características centrais dos fluxos de capitais é a sua volatilidade A combinação dessa volatilidade com a condição periférica definida por taxas de juros mais altas e maior varia bilidade da taxa de câmbio termina por criar um clima eco nômico adverso nesses países por meio de crises cambiais e financeiras recorrentes Assim conforme assinalado por Belluzzo 1997 o siste ma globalizado é também hierarquizado do ponto de vista da magnitude das taxas de juros e da intensidade da variação da taxa de câmbio Essa condição reflete uma posição subordinada no sistema global e traduz a menor densidade econômica des ses países ou a menor importância como destino dos capitais Isso na prática reduz o grau de autonomia da política econô mica desses países cujo objetivo central passa a ser assegurar o financiamento adequado via manipulação de câmbio e ju ros Ou seja as determinações internas dessas políticas são sacrificadas Uma vez definido o contexto externo cabe explicitar os condicionantes internos do crescimento No período 1930 1980 a questão do desenvolvimento confundese em larga medida com a da industrialização esta última entendida como Ricardo Carneiro 36 Desenvolvimento em crise 37 a crescente diferenciação da estrutura produtiva na direção de permitir no âmbito nacional a reprodução integral da força de trabalho e do capital Segundo Cardoso de Mello 1975 a nossa industrialização é específica por dois motivos em razão do momento na qual ocorre após a Segunda Revolução Industrial cujo efeito prin cipal do ponto de vista da organização do capital foi a mono polização e pelo seu ponto de partida a economia exportadora capitalista Ou seja a implantação da indústria no Brasil se dá após a consolidação da divisão internacional do trabalho re sultante da Primeira e Segunda Revolução Industrial Ocorre também após a crescente concentração econômica e monopoli zação decorrentes da Segunda Revolução responsável pelo sig nificativo aumento das barreiras tecnológicas e de capital para implantação dos vários segmentos produtivos Dados esses condicionantes a industrialização é vista como um processo de autonomização dos determinantes do cresci mento diante dos condicionantes externos Na economia ex portadora capitalista o desempenho da economia dependia do mercado internacional A indústria doméstica cujos mercados originavamse dos salários pagos na atividade exportadora ti nha um comportamento reflexo Assim a industrialização é pensada simultaneamente como um processo de diferenciação da estrutura produtiva e superação da dependência dos merca dos criados pela atividade exportadora Entre a dependência da atividade exportadora e a com pleta autonomização há um período de transição no qual a industrialização encontrase restringida De um lado por que apesar do declínio da atividade exportadora e portan to dos mercados por ela criados e que têm como contrapar tida a ampliação dos mercados criados pela própria indús tria a ampliação de capacidade produtiva no setor industrial depende da importação de bens de capital isto é da capaci dade para importar criada pelo setor exportador De outro Desenvolvimento em crise 37 porque não há ainda uma dinâmica típica de um capitalis mo comandado pelas decisões autônomas de investimento São os mercados industriais de bens de consumo e bens de produção preexistentes e anteriormente atendidos por im portações que determinam as decisões de investimento O limite do crescimento todavia é a capacidade para importar criada pelo setor exportador No seu estágio mais avançado o da industrialização pesada a autonomia do crescimento doméstico perante os mercados externos é completa Isso porque o grau de diferenciação da es trutura produtiva com a implantação de um expressivo parque produtor de meios de produção converte o investimento e seus encadeamentos como a variável crítica da dinâmica da econo mia Ou seja a autonomia ocorre tanto pelo lado dos mercados quanto pelo da independência do processo de reprodução do capital da importação de meios de produção Dessa perspectiva as transformações da estrutura pro dutiva induzidas pela abertura comercial durante os anos 90 podem ser caracterizadas como uma autêntica regressão De um lado porque produziram uma especialização regressiva no tecido industrial praticamente eliminando os setores vincula dos à reprodução do capital como o de insumos elaborados e máquinas e equipamentos De outro porque concentraram a atividade industrial nos setores intensivos em trabalho e recur sos naturais em detrimento daqueles com uso mais intenso de tecnologia e capital Outro aspecto interno de grande relevância referese ao financiamento do desenvolvimento A abordagem de Tavares 1975 enfatiza a dimensão relativa aos requerimentos de ca pital necessários aos empreendimentos sobretudo àqueles do setor pesado da economia O grau de centralização do capital embora aspecto relevante não esgota a questão do financia mento do investimento À medida que o processo de industria lização avança em direção aos setores mais complexos a ques Ricardo Carneiro 38 Desenvolvimento em crise 39 tão do financiamento tornase crucial Os volumes de capital necessários ao investimento e os prazos de maturação cada vez mais dilatados exigem um sistema financeiro complexo O desenvolvimento de um sistema de financiamento capaz de acompanhar e viabilizar a diferenciação da estrutura produ tiva é questão de grande importância enfatizada na abordagem anterior A rigor a independência do crescimento perante os condicionantes externos adquirida por meio de uma ampla diferenciação da estrutura produtiva aparece magnificada na questão do financiamento A incapacidade do sistema financeiro doméstico em prover crédito em volumes e prazos demandados pelas atividades em crescimento faz que esses financiamentos dependam do sistema internacional recriando a dependência Durante as etapas iniciais da industrialização o financia mento do investimento na indústria pode ser equacionado por meio do crédito de capital de giro renovado sucessivamente Nessa fase o investimento em infraestrutura de maior indivi sibilidade maiores requerimentos de capital e tempo de amor tização esteve a cargo do capital estrangeiro À medida que a indústria se move em direção aos setores pesados o crédito corrente tornase insuficiente e surge a necessidade de novos esquemas de financiamento A ausência do sistema bancário privado e mais ainda do capital financeiro capaz de simultaneamente centralizar capi tais e construir as instituições e o funding para o financiamento do investimento conduziu a uma decisiva mas insuficiente participação do Estado no setor via criação e gestão dos fundos de poupança compulsória e das instituições especiais de crédi to São portanto os recursos parafiscais e fiscais e os bancos públicos os principais responsáveis pelo sistema doméstico de financiamento de longo prazo De acordo com Davidoff Cruz 1984 durante o pósguerra na etapa de industrialização pe sada apesar de as empresas multinacionais contarem com cré dito de suas matrizes sendo os recursos domésticos reservados Desenvolvimento em crise 39 às empresas privadas nacionais e estatais estes foram insufi cientes para evitar uma intensa demanda por financiamento externo Em resumo o fato de o financiamento de longo prazo na economia brasileira depender da poupança compulsória domés tica e da poupança externa acarretou diante da inadequação da primeira uma dependência recorrente dos financiamentos externos A rigor não se constituiu no país um sistema de fi nanciamento de longo prazo com base na poupança interna su jeitando o crescimento aos ciclos de crédito internacionais As várias interrupções desses financiamentos e sobretudo aquela de maior intensidade nos anos 80 conduziram à estagnação e à hiperinflação As mudanças promovidas pela abertura financeira nos anos 90 estiveram longe de equacionar o problema do financiamento Isso por conta do aumento geral da volatilidade dos fluxos de capitais associada a seu caráter financeiro desvinculado do fluxo de mercadorias característica observada inclusive no investi mento direto estrangeiro IDE Ademais permaneceu a atrofia da base financeira doméstica apesar da significativa mudança na propriedade dos bancos com o aumento da participação dos estrangeiros Estes assimilaram o padrão de atuação dos bancos privados nacionais cujas fontes de lucro derivam da inter mediação da dívida pública e dos elevados spreads obtidos em operações de crédito racionadas Outro elemento central na explicação do desenvolvimen to brasileiro durante o período referese ao papel do Estado Como mostra Draibe 1985 a intervenção do Estado na eco nomia vai ganhando complexidade ao longo do tempo Inicial mente de caráter mais geral cujo fulcro era a manipulação de preços macroeconômicos câmbio juros fisco em favor da indústria a intervenção diversificase na direção da criação de um setor produtivo estatal bem como de instituições especiais de crédito para financiar setores específicos Ao final do proces Ricardo Carneiro 40 Desenvolvimento em crise 41 so de industrialização a economia brasileira possui um amplo setor estatal que atua como elemento de coordenação e de in dução do desenvolvimento A combinação de um amplo aparato regulador com a pro priedade de empresas produtivas e financeiras conferiu ao Es tado brasileiro uma significativa capacidade de intervenção e coordenação na economia Esse foi sem dúvida um elemento essencial pois permitiu ao capitalismo brasileiro ir além do que teria sido possível a partir das forças de mercado em ter mos de dinamismo do crescimento e diferenciação da estrutura produtiva A enorme redução do peso do Estado na economia pro movida pelas privatizações durante os anos 90 suprimiu da economia brasileira um de seus principais elementos de coor denação O investimento do setor produtivo estatal em con junto com o gasto público tradicional operava como indutor do gasto privado vale dizer com investimento autônomo diante das condições correntes da demanda agregada A privatização de vários desses segmentos mudou a natureza das suas deci sões de investimento que passaram a se pautar por critérios privados induzidos pelo comportamento da demanda A perda de dinamismo do crescimento daí resultante foi inevitável Para desenvolver as ideias expostas preliminarmente nesta Introdução dividiuse este livro em três partes distintas Na Parte I discutese o Desenvolvimento por meio do exame do úl timo período caracterizado como tal na história recente do país e no qual estão presentes uma elevada taxa de crescimento e a diferenciação da estrutura produtiva Nos dois capítulos que compõem a Parte I examinamse separadamente as transformações produtivas e o financiamen to da economia durante a implantação do II PND na segunda metade dos anos 70 Uma questão essencial surge da discussão da industrialização nesse período no Capítulo 1 e referese aos limites da diversificação por meio do desenvolvimento do setor Desenvolvimento em crise 41 de máquinas e equipamentos Concluise pela insuficiência de seu desenvolvimento mormente se considerada a sua capaci dade para inovar ou para seguir as mudanças tecnológicas em curso no resto do mundo Há diversas razões para a insuficiência no desenvolvimen to desse setor no Brasil e para a sua incapacidade de constituir um núcleo de geração e difusão de inovações tecnológicas A principal delas se refere à significativa presença de filiais estrangeiras dentre as empresas do setor e sua falta de auto nomia para definir políticas de desenvolvimento tecnológico independentemente das matrizes A presença dessas filiais estrangeiras é aliás o traço distintivo da estrutura industrial brasileira quando comparada a outras de países igualmente subdesenvolvidos mas com melhor desempenho como Co reia China e Índia O exame do financiamento durante esse período realiza do no Capítulo 2 destaca a elevada dependência de recursos externos e a sua contrapartida o insuficiente desenvolvimento da base financeira doméstica Foi esse sobreendividamento ex terno realizado em grande medida por razões financeiras que vulnerabilizou as contas do balanço de pagamentos e preparou o terreno para a crise externa quando sobrevieram os choques do preço do petróleo e dos juros no final dos anos 70 Ademais a recorrência excessiva aos recursos externos sobretudo para os projetos da indústria pesada cobrou seu preço no vazamen to da demanda de máquinas e equipamentos para o exterior prejudicando as empresas aqui instaladas A Parte II do livro compreende quatro capítulos e trata da Crise dos anos 80 período da assim chamada crise da dívida Inicialmente procurase caracterizar as várias etapas do finan ciamento externo após o choque dos juros em 1979 No Capí tulo 3 mostrase que de uma situação de absorção de recursos do exterior vigente desde o pósguerra o país inaugura nos anos 80 outra de crescente transferência de recursos para o Ricardo Carneiro 42 Desenvolvimento em crise 43 exterior Inicialmente elas se referem ao pagamento de juros aos bancos privados mas são acrescidas com o passar da dé cada de amortizações dos empréstimos às instituições multi laterais e do crescente repatriamento do IDE A magnitude das transferências realizadas encontra poucos paralelos na história econômica mundial contemporânea Uma das questões derivadas da transferência de recursos para o exterior era a da sua compatibilidade com a preservação do crescimento econômico em face da escassez de divisas As sim demonstrase no Capítulo 4 que o pagamento da dívida externa impôs um constrangimento ao crescimento da econo mia Ou seja apesar da diversificação alcançada pela economia brasileira a obtenção de superávits comerciais grandes o sufi ciente para fazer face ao serviço da dívida só era viável em fases recessivas ou de recuperação quando ainda existia capacidade ociosa e nunca na fase de aceleração ou com a economia cres cendo a taxas históricas Outra dimensão nem sempre ressaltada da transferência referese ao seu impacto sobre as finanças públicas e é exa minada no Capítulo 5 O setor público principal devedor em moeda estrangeira foi pressionado de várias maneiras pelas transferências ao exterior A desvalorização cambial necessária para a obtenção dos superávits ampliou a contrapartida em moeda local do estoque da dívida externa de responsabilidade do setor público A reorientação da economia para a produção de superávit aumentou a renúncia fiscal e os subsídios dimi nuindo as receitas desse setor e ampliando seus desequilíbrios e tornandoos cada vez mais autoalimentados A crise das finanças públicas associada à restrição externa e por ela determinada provoca uma intermitente e cada vez mais frequente aceleração da inflação Examinase no Capítulo 6 como esta última a partir de certo momento transfigurase em crise monetária com caráter peculiar A substituição monetá ria no nosso caso é feita pela moeda indexada que representa Desenvolvimento em crise 43 uma forma indireta de dolarização dos preços de bens e servi ços e dos ativos constituindo também uma forma particular de manifestação da hiperinflação A terceira e última parte do livro discute a Desaceleração do desenvolvimento econômico nacional durante os anos 90 dé cada dominada pelo baixo dinamismo No Capítulo 7 procu rase caracterizar a globalização e esclarecer o seu significado para os países periféricos Concluise para o caso da Amé rica Latina e sobretudo para o brasileiro que a integração no sistema global fundouse em fluxos de capitais voláteis e correntes de comércio do tipo centroperiferia Ademais essa integração resultou também como já assinalado em flutua ções exacerbadas nas taxas de câmbio e taxas de juros excessi vamente altas prejudicando o crescimento doméstico A avaliação da abertura financeira no Capítulo 8 permi te constatar seu papel restrito no financiamento do cresci mento econômico e um impacto significativo na fragilização das contas externas Quanto ao financiamento observouse a preservação de características históricas do sistema finan ceiro como a atrofia das fontes internas em benefício das externas acentuada pela desnacionalização de parte subs tancial do sistema bancário e a liberalização das entradas e saídas de capitais Esses capitais por sua vez em razão dos prazos de permanência e do direcionamento ampliam a vulnerabilidade a curto e a longo prazos do balanço de pagamentos O exame dos impactos da abertura comercial no Capítulo 9 permite constatar a regressão da estrutura produtiva em duas direções maior especialização com diminuição do peso dos setores de meios de produção e concentração nos seg mentos intensivos em trabalho e recursos naturais Essa mu dança conduziu a uma precarização da inserção externa com a substituição do superávit por um déficit comercial de grande sensibilidade às taxas de crescimento do produto Ricardo Carneiro 44 Desenvolvimento em crise AT No plano da abertura produtiva foi constatada também uma radical modificação na estrutura da propriedade com a diminuição de expressão do segmento estatal e também do ca pital privado nacional em favor das empresas estrangeiras Isto significou uma perda de coordenação importante sobretudo do investimento e uma vinculação menos mediatizada do ciclo in terno com o externo Em síntese a eliminação da coordenação decorrente da desnacionalização e a redução dos encadeamen tos pela especialização são fatores significativos do baixo dina mismo No Capítulo 10 analisase o processo pelo qual se logrou a estabilidade inflacionária o Plano Real Demonstrase que esse tipo de estabilização dado o contexto interno e externo no qual se implementa implica necessariamente taxas de juros elevadas e câmbio apreciado Essa configuração dos preços macroeconômicos produz uma restrição permanente à ex pansão da demanda agregada e um desequilíbrio expressivo nas contas patrimoniais do setor público A magnitude dos desequilíbrios oriundos do Plano Real cria uma disjuntiva entre o crescimento econômico e a manutenção da estabilidade inflacioná ria induzindo a política econômica a assumir um caráter restritivo Parte I Desenvolvimento 47 1 Crise internacional e ajuste nacional o II PND Este capítulo inicial discute nas suas linhas gerais a crise da ordem de Bretton Woods e a peculiar resposta brasileira por meio do II PND Tomando como referência a segunda me tade dos anos 70 procurase estabelecer quais as principais consequências para os países da periferia capitalista dos di versos distúrbios associados ao esgotamento do ciclo longo de crescimento e ao questionamento da hegemonia americana Partindo desse cenário examinase a alternativa seguida pelo Brasil marcada por uma clara opção de preservar o cresci mento e ampliar a diversificação da estrutura produtiva Ve rificase também em que medida essa tentativa logrou êxito no que se refere tanto a esta última quanto à modificação da inserção externa do país pela ótica do comércio exterior Ricardo Carneiro 48 Desenvolvimento em crise 49 A crise do regime de Bretton Woods A década de 1970 particularmente a sua segunda metade marca o esgotamento de um longo ciclo de prosperidade do capitalismo sob a égide da ordem de Bretton Woods Os prin cipais indicadores econômicos revelam a exaustão do dinamis mo desse padrão pela desaceleração do crescimento do produto nos principais países industrializados pela consequente perda de dinamismo do comércio mundial e pelo aumento da infla ção simultaneamente à elevação das taxas de juros Tabela 1 Indicadores da Economia Mundial aa Indicadores 195060 196070 197080 PIB Total 42 53 36 Comércio Mundial1 65 83 52 Taxas de Juros Longo Prazo2 Nominais 37 51 82 Reais 12 24 03 Índice de Preços IPC2 25 27 79 Fontes Maddison 1989 World Bank 1991 e Unctad 1993 apud Kozul Wright 1997 para PIB e Comércio Homer Sylla 1991 apud Ciocca Nardozzi 1996 para Juros e Preços 1 Exportações 2 Médias ponderadas para Estados Unidos Reino Unido Alemanha e França A história da ordem internacional de Bretton Woods das suas origens desdobramentos e implicações é assunto por de mais vasto para ser analisado nos limites deste trabalho Inte ressanos portanto recuperar apenas os traços principais da sua crise tal qual manifestos na segunda metade dos anos 70 O intuito principal é estabelecer as implicações sobre algumas variáveis críticas para a periferia capitalista tais como cresci mento do comércio internacional e natureza e intensidade dos fluxos de capitais Desenvolvimento em crise 49 A crescente desestruturação da ordem econômica interna cional ao longo dos anos 70 responde a fatores variados sejam eles monetáriofinanceiros ou produtivos nos planos domésti co e internacional Autores como Fajnzylber 1983 e Teixeira 1993 sugerem que o período está fortemente marcado pelo esgotamento da onda de inovações em cujo dinamismo assen touse o crescimento das economias capitalistas no pósguerra Um dos eixos desse ciclo de inovações residiu na progressi va diferenciação e sofisticação dos bens de consumo duráveis Outro na substituição de materiais naturais por sintéticos e adicionalmente nas mudanças da matriz energética com a pro gressiva substituição do carvão pelo petróleo Uma característica importante desse padrão foi a interação entre crescimento do produto e produtividade sobretudo nos ramos líderes do crescimento o que permitiu um aumento si multâneo dos lucros e salários ampliando as fontes de dina mismo Desse ponto de vista o arrefecimento do ciclo de ino vações e a consequente diminuição do ritmo de incorporação de progresso técnico terminam por constituir um obstáculo à continuidade da expansão Conforme argumentam Marglin Schor 1990 a dimi nuição no ritmo de incorporação de progresso técnico rompe a regra de crescimento proporcional entre salários e produtivida de que mantinha inalterada a distribuição funcional da renda Isso e mais o choque de preços de matériasprimas em espe cial do petróleo conduziram à redução da parcela dos lucros no produto e a um desestímulo ao investimento Considerados esses aspectos podese afirmar que o próprio crescimento eco nômico criou os obstáculos à sua continuidade A crescente perda de dinamismo poderia ter sido contra arrestada caso outros componentes da demanda agregada tais como o comércio internacional e os gastos públicos tivessem ampliado as expectativas de lucros Estas aliás foram duas importantes fontes do crescimento no pósguerra por meio da Ricardo Carneiro 50 Desenvolvimento em crise 51 criação de novos mercados No que tange ao comércio inter nacional a grande alavanca da expansão havia sido a interna cionalização da grande empresa especialmente a americana Conforme sugerem Coutinho Belluzzo 1982 esse processo de concorrência entre as grandes empresas inicialmente nos países centrais e posteriormente nos periféricos criou mercados adicionais potencializando o crescimento Para atuar como elemento dinamizador para além das limi tações impostas pelo esgotamento do ciclo de inovações esse processo teria que difundir o conjunto dos setores industriais pesados incorporando progressivamente áreas da periferia do sistema aos padrões de produção e consumo do centro Em al guma medida isso foi feito pelo padrão de desenvolvimento então vigente Todavia havia claras limitações tecnológicas de mercado e de organização econômica a impedir a completa di fusão do padrão do centro na periferia As limitações operantes pelo lado da expansão do comércio internacional eram significativas e não se atinham tão somen te à incorporação periférica A própria organização do sistema internacional fundada no regime de câmbio fixo foi progressi vamente questionada pelos desequilíbrios de balanço de paga mentos entre os principais países A suspensão da conversi bilidade do dólar em ouro em 1971 e a progressiva flutuação das taxas de câmbio após 1973 foram acompanhadas de uma redução do dinamismo do comércio internacional Do ponto de vista interno às economias centrais as tenta tivas de assegurar o dinamismo da demanda agregada por meio do gasto público viramse crescentemente limitadas Isso apesar dos crescentes déficits fiscais de acordo com o International Monetary Fund 1980 Estes últimos resultaram da perda de arrecadação oriunda da aceleração inflacionária e da amplia ção da carga de juros resultante da elevação das taxas de juros nominais Dessa forma rompese o padrão virtuoso de articulação entre gasto público e privado pelo qual a ampliação Desenvolvimento em crise 51 do primeiro desencadeava o crescimento do segundo dando origem a mais arrecadação evitando déficits elevados Em sín tese o período pós1973 é marcado por déficits públicos recor rentemente elevados nos países centrais mas também por uma sensibilidade menor do setor privado aos gastos públicos Vários autores dentre os quais Marglin Schor 1990 Belluzzo 1997 Parboni 1980 e Eichengreen 1996 veem a perda do dinamismo do sistema associada também aos con flitos e rivalidades que apareceram no plano internacional du rante os anos 70 O questionamento do sistema de taxas de câmbio fixas e das restrições à mobilidade de capitais por meio da constituição de um sistema financeiro transnacional foi a expressão maior da crescente incompatibilidade de interesses entre as nações centrais do sistema Na base do conflito estava a posição do dólar como moeda reserva do sistema mundial Durante o imediato pósguerra e nos anos 50 os déficits globais do balanço de pagamentos ame ricano haviam criado a liquidez necessária para pôr o sistema internacional em movimento Já nos anos 60 a contestação aos privilégios do dólar veio à tona No seu âmago o denomina do dilema de Triffin expressão da contradição de um siste ma internacional que utilizava uma moeda nacional como moeda reserva De acordo com Eichengreen 1996 a questão pode ser as sim resumida os Estados Unidos criaram por meio de seus déficits de balanço de pagamentos que passaram a englobar também a conta corrente no início dos anos 70 um montan te de dólares em circulação no sistema internacional que era considerado excessivo pelos seus parceiros isto é por emitir a moeda reserva os Estados Unidos tinham o privilégio do finan ciamento automático dos seus déficits externos Todavia os de mais parceiros que acumulam esses dólares nas suas reservas internacionais passaram a questionar crescentemente o valor ou a paridade dessa moeda Ricardo Carneiro 52 Desenvolvimento em crise 53 Conforme Parboni 1980 a alternativa mais apropriada seria substituir o dólar por uma moeda de conta internacional o que de fato contrariaria o privilégio americano razão pela qual não vingou Outra solução seria admitir uma flutuação do dólar perante outras moedas o que terminou acontecendo mas antes foi suspensa a convertibilidade do dólar em ouro o que de alguma maneira obrigava os países rivais a manterem saldos elevados dessa moeda em suas reservas internacionais A alternativa que terminou por se impor com grande rele vância para o futuro do sistema financeiro internacional foi o estímulo e a ampliação de um circuito financeiro denominado em dólar fora dos Estados Unidos Com isso se permitia que os detentores de reservas em dólar fizessem aplicações a juros livres fora do sistema financeiro americano à época excessi vamente regulado De acordo com Helleiner 1994 na práti ca apaziguavase o questionamento sobre o valor do dólar ao custo de ampliar a mobilidade dos capitais cujo controle havia sido um dos pilares do regime de Bretton Woods De acordo com Sunkel GriffithJones 1990 a expansão do euromercado deu origem a um importante ciclo de crédito internacional fundado em fontes privadas e nos bancos trans nacionais Na segunda metade dos anos 70 parte expressiva desses recursos destinouse ao financiamento das contas cor rentes deficitárias dos países periféricos Houve durante o pe ríodo uma mudança significativa na composição dos fluxos de capitais em direção aos países subdesenvolvidos com a perda de importância dos recursos públicos e no âmbito privado com a redução do peso do IDE em favor dos empréstimos ban cários Gráfico 1 O crescimento desses empréstimos foi viabilizado por im portantes inovações que permitiram reduzir os riscos indivi duais dos bancos Essas foram as taxas de juros flutuantes os empréstimos sindicalizados e o desenvolvimento do mercado interbancário Sunkel GriffithJones 1990 advertem para a Desenvolvimento em crise 53 brevidade da expansão desse ciclo de empréstimos na segunda metade dos anos 70 em razão de seus custos elevados e dos prazos reduzidos Rapidamente produziram uma situação na qual os empréstimos adicionais foram utilizados para rolar a dívida antiga GRÁFICO 1 Fluxos de capitais para países subdesenvolvidos Fonte Maddison 1989 Da perspectiva dos países subdesenvolvidos há dois fa tos particularmente graves a elevação brusca dos preços do petróleo o assim chamado primeiro choque do petróleo e o aumento substantivo das taxas de juros caracterizando o também primeiro choque dos juros após um longo período de juros nominais e reais muito baixos Os preços do petróleo moveramse do patamar histórico do pósguerra de US 3 o barril para algo próximo de US 12 em 1974 Deste último ano a 1978 permaneceram entre US 12 e US 15 para voltar a crescer novamente em 1979 atingindo o pico de US 37 em 1981 Gráfico 2 Ricardo Carneiro 54 Desenvolvimento em crise 55 GRÁFICO 2 Choques de juros e do petróleo Fonte Banco Central do Brasil 19741990 e OPEP A quadruplicação do preço da principal fonte de energia constituiu apenas uma parcela da perda de relações de troca sofridas pelos países periféricos não produtores de petróleo Estes foram vítimas de um aumento generalizado de preços dos bens produzidos nos países centrais sem contrapartida na ele vação dos preços das suas exportações dependentes em larga medida do dinamismo em declínio do comércio internacional A trajetória dos juros representada pela evolução da Libor não foi menos significativa os juros nominais evoluem do pa tamar préchoque de 5 para uma faixa entre 8 e 10 de 1974 a 1978 acelerandose a partir daí até atingir o pico de 19 em 1981 Os juros reais por sua vez permanecem prati camente constantes e só crescem de fato após o segundo cho que ou seja na década de 1980 A elevação da taxa de juros nominais decorrente da ampliação das taxas de inflação nos países centrais também teve para os subdesenvolvidos um significado particular Na prática como os preços das exporta ções desses países declinaram o aumento dos juros teve para eles um componente real Ou seja uma carga de juros constan Desenvolvimento em crise 55 te passou a requerer para seu pagamento um maior volume de exportações Desaceleração do crescimento do Produto Interno Bruto PIB dos países industrializados e do comércio internacional perda das relações de troca diminuição das formas de financia mento de maior estabilidade em benefício de outras mais caras e instáveis tais foram os percalços para a periferia do mundo capitalista oriundos da desagregação da ordem internacional de Bretton Woods As peculiaridades da resposta brasileira o II PND A resposta brasileira à crise da ordem internacional por meio do II PND despertou à época e mesmo durante a década seguinte intensas controvérsias O Plano consistia de um am plo programa de investimentos cujos objetivos eram transfor mar a estrutura produtiva e superar os desequilíbrios externos conduzindo o Brasil a uma posição de potência intermediária no cenário internacional Há pelo menos três correntes de interpretação sobre o período cada qual com suas variantes que merecem ser as sinaladas uma visão ortodoxa na qual a estratégia de polí tica econômica é vista como uma evasão ao ajustamento uma interpretação estruturalista segundo a qual o período pode ser caracterizado como de ajustamento estrutural e por fim uma vertente crítica que enfatiza a inadequação e o fracasso do ajustamento estrutural Uma contribuição à caracterização do período na ótica da evasão do ajustamento é dada por Malan Bonelli 1983 que o assinalam como um retardamento do ajuste às novas condições internacionais tornando a economia nacional mais vulnerável ante os choques externos Segundo esses autores a comparação do período de crescimento do milagre com a desa Ricardo Carneiro 56 Desenvolvimento em crise 57 celeração após 1974 revela três distinções importantes a perda de dinamismo do setor industrial os efeitos deletérios do pri meiro choque do petróleo sobre o balanço de pagamentos e a recessão e aceleração inflacionária na economia mundial Há porém um ponto comum aos dois períodos de extrema relevância a grande expansão da liquidez internacional A ma nutenção do crescimento às taxas históricas durante o período só foi possível com o recurso ao endividamento externo que retardou o ajuste da economia à nova situação internacional A elevação do preço do petróleo e a deterioração dos termos de troca criaram um déficit substantivo na balança comercial ao mesmo tempo em que o crescimento dos juros elevava os encargos da dívida ampliando o déficit em transações correntes De acordo com esses autores diante do desequilíbrio do balanço de pagamentos três alternativas se colocavam redu zir a demanda doméstica mediante o ajuste recessivo clássi co expandila à custa de um endividamento externo maior ou comprimir o consumo em favor do investimento A opção pela segunda alternativa apesar de atrasar o ajustamento atendia à estratégia de legitimação do regime militar pois de fato cons tituía a possibilidade de preservar ao máximo os interesses do mésticos que lhes davam sustentação Ainda na primeira vertente Fishlow 1986 analisa o período a partir de uma pergunta fundamental por que o Brasil não se ajustou melhor à deterioração da situação externa Isto é quais as fragilidades de uma estratégia de política econômica cuja orientação geral eram a substituição de importações nos seto res de bens intermediários e bens de capital e a manutenção do esforço exportador O autor destaca três contradições importantes do Plano a subestimação da crise do petróleo quanto a sua magnitude e desdobramentos o agravamento no curto prazo da situação do balanço de pagamentos e a ênfase excessiva ao papel do Estado como protagonista dos projetos Desenvolvimento em crise 57 Para Fishlow o governo Geisel ao optar pela manutenção do crescimento acelerado lidou com um conjunto de proble mas herdados do período anterior uma indústria com pouca capacidade ociosa a exigir elevados investimentos na hipótese da preservação do crescimento a deterioração das relações de troca com taxa de câmbio apreciada a inflação em alta e uma matriz energética profundamente dependente do petróleo No contexto anterior segundo o autor a alternativa de crescimento só foi possível em razão da existência de financia mento externo pois permitiu manter a taxa de câmbio aprecia da constituindo de modo implícito um subsídio à energia e às demais matériasprimas importadas evitando a aceleração da inflação Em contrapartida os setores considerados prio ritários na economia puderam também ser beneficiados com taxas elevadas de investimento fixo À custa portanto do en dividamento externo o Brasil conseguiu isolarse da inflação importada e assegurar uma taxa significativa de crescimento do investimento Cabe assinalar por fim a crítica de Fishlow ao desperdício associado ao II PND referente à falta de integração entre os projetos bem como ao superdimensionamento de vários deles Apesar das condições crescentemente restritivas do ponto de vista do financiamento o crescimento econômico foi preser vado mesmo diante da mudança de ênfase da política econô mica a partir de 1976 Isso porque a estratégia governamental segundo o autor obedecia a uma determinação política clara tratavase de manter a legitimidade do regime a fim de promo ver a transição lenta gradual e segura do autoritarismo para a democracia Castro Souza 1985 têm ponto de vista oposto Para eles a resposta brasileira à crise de 1974 foi de grande profun didade porque não se restringiu ao manejo do nível e composi ção do gasto doméstico mas atuou diretamente sobre a forma ção de capital A alternativa escolhida foi eliminar a atrofia dos Ricardo Carneiro 58 Desenvolvimento em crise 59 setores de bens de capital e insumos básicos buscando simul taneamente superar a crise e o subdesenvolvimento O ajusta mento estrutural do período 19741979 constituiu segundo os autores um ponto de ruptura ao direcionar a industrialização para as indústrias capitalintensivas e tecnológicointensivas integrando o parque industrial e dandolhe capacidade de com petitividade internacional Numa perspectiva crítica Lessa 1978 procura demons trar que os vários obstáculos com os quais se defrontou o II PND conduziram ao seu insucesso No início do programa a economia brasileira enfrentava um processo cíclico de desace leração resultante do excesso de investimento do período do milagre A mudança de eixo do processo de acumulação para os setores pesados criava um importante conflito de interesses com o setor dominante do ciclo anterior o de bens de consu mo duráveis O quadro internacional era também bastante des favorável pelo desaquecimento do comércio e pela mudança nas condições de financiamento com prazos mais curtos e taxas de juros mais elevadas Apesar de o esforço exportador ter sido considerável o II PND implicava no curto prazo um agrava mento do déficit em conta corrente pois ampliava o hiato de recursos Lessa sugere ademais que o Estado brasileiro tentou à época conciliar a totalidade de interesses como forma de man ter sua legitimidade e evitar perdas aos setores médios da so ciedade e consequentemente à indústria de bens de consumo duráveis O fracasso apresentouse já em 1977 com a desacele ração dos programas de investimento Numa abordagem complementar à anterior três críticas centrais são formuladas ao padrão de crescimento do período 19741980 por Tavares Lessa 1983 Da ótica do financia mento destacase o recurso extremo ao endividamento exter no Do lado real além da elevada relação capitalproduto dos novos investimentos a exigir um crescimento substantivo da Desenvolvimento em crise 59 taxa de poupança apontase também para o sobredimensiona mento dos projetos principalmente dos bens de capital sob encomenda que acarretou a elevação da capacidade ociosa no setor Como contribuição à análise crítica Serra 1982 indica com propriedade dois problemas centrais do II PND O pri meiro se refere ao momento no qual foi realizado quando a economia doméstica se desacelerava após o auge do ciclo e a conjuntura internacional era recessiva O segundo é o fato de o Plano ter recorrido fundamentalmente ao financiamento externo em moeda porque não podia contar com o aporte de capital de risco proveniente das empresas multinacionais diante da falência da união de interesses que havia caracterizado os ciclos de investimento precedentes Em síntese do conjunto dos autores que analisam o pe ríodo à exceção de Castro Souza 1985 podemse extrair os seguintes pontos críticos relevantes o momento de realização do programa foi inadequado em razão da conjuntura interna cional recessiva e da desaceleração cíclica interna o programa carecia de maior articulação entre os investimentos havendo um visível sobredimensionamento em particular no que se referia aos bens de capital sob encomenda recorreuse excessivamente ao financiamento externo ao mesmo tempo em que se descuidava da questão energética vulnerabilizando a economia a novos choques externos a manutenção do crescimento acelerado a qualquer preço teve como justificativa última o atendimento ao conjunto de interesses que sustentavam o regime autoritário convertendo o Estado no principal instrumento desse desiderato Concepção e significado histórico do II PND Como já foi apontado o II PND compreendia um amplo programa de investimentos cujo objetivo último era permitir Ricardo Carneiro 60 Desenvolvimento em crise 61 a correção dos desequilíbrios na estrutura industrial e no setor externo típicos de uma situação de subdesenvolvimento ainda presentes na economia brasileira apesar de quase meio século de crescimento industrial contínuo Podese sintetizar a estratégia do Plano em quatro eixos centrais modificações na matriz industrial ampliando a parti cipação da indústria pesada mudanças na organização indus trial acentuando a importância da empresa privada nacional desconcentração regional da atividade produtiva visando a re duzir a concentração espacial da produção e finalmente me lhoria na distribuição da renda Do ponto de vista de concepção o II PND se inscreve na tradição dos planos de desenvolvimento pregressos sob a égide dos quais realizaramse importantes modificações da estrutura produtiva Propunhase desta feita a realização de um bloco de inversões concentrado temporal e setorialmente abarcando os segmentos de bens de capital e bens intermediários Mais ainda perseguiase também a transformação das matrizes energética e de transporte de forma que estas últimas aliadas à implantação da indústria de bens intermediários criassem a demanda capaz de viabilizar os novos segmentos da indústria de bens de capital Aqui cabe um esclarecimento de ordem mais geral sobre a natureza do II PND e da sua continuidade com relação ao modelo histórico de desenvolvimento Comecemos por dis tinguir três alternativas básicas de crescimento No caso da substituição de importações a dinâmica da economia seria ditada pela internalização de segmentos relevantes da indús tria e redundaria numa baixa a longo prazo do coeficiente importado Na hipótese do drive exportador a competitivi dade das exportações permitiria que os mercados externos adicionais respondessem pelas decisões de investimento Em contraposição a essas duas alternativas teríamos a hipótese do ciclo endógeno na qual o investimento estaria determi Desenvolvimento em crise 61 nado preponderantemente pelo crescimento dos mercados domésticos criados por ele próprio de maneira autônoma ou induzida pelas relações intraindustriais Nos três casos os determinantes do investimento têm na tureza distinta Na substituição de importações o estrangula mento da capacidade para importar induz a internalização da oferta em vários segmentos produtivos Dessa forma são os mercados preexistentes os responsáveis últimos pelas decisões de investimento No caso do drive exportador a formação de nova capacidade produtiva fazse em razão de mercados exter nos adicionais supondo portanto não só a maior internacio nalização da produção como um superávit comercial perma nente Por fim no ciclo endógeno são as decisões de gasto dos capitalistas e do Estado que ao criarem seus próprios merca dos motivam a ampliação da capacidade produtiva Ao discutirem a vigência dos paradigmas alternativos de crescimento durante o período do II PND Tavares Lessa 1983 sugerem que não há uma redução tendencial do coe ficiente importado tampouco uma ampliação do coeficiente exportado da economia Dessa forma não teria havido modi ficações relevantes na participação dos mercados nem nos de terminantes do investimento na economia brasileira durante esse período As flutuações desses coeficientes seriam exclusi vamente de natureza cíclica O coeficiente importado teria um comportamento prócíclico em razão da complementaridade das importações de meios de produção com a produção domés tica Já o coeficiente exportado seria anticíclico variando con forme a absorção doméstica Para esses autores a elevação do coeficiente exportado e a redução do coeficiente importado no período 19741980 seriam resultado do processo intenso de desaceleração do crescimen to Os dados do Gráfico 3 sustentam essas afirmações O coe ficiente exportado apresenta oscilações de pequena magnitude durante o período 19741980 alcançando no último triênio Ricardo Carneiro 62 Desenvolvimento em crise 63 da década valor idêntico ao do auge do milagre econômico em 19701973 Além de seu valor praticamente constante ao re dor de 8 do PIB a ocorrência de déficits comerciais sistemá ticos desqualifica a tese do drive exportador ou dos mercados externos como fonte de dinamismo do crescimento GRÁFICO 3 Coeficientes de abertura e de variação do PIB Fonte FIBGE Contas Nacionais Quanto ao coeficiente importado a sua aderência ao ciclo é inquestionável mas insuficiente para desqualificar a hipóte se da substituição de importações Esse coeficiente reflete os movimentos da produção corrente e portanto em princípio não invalida a hipótese de que os novos investimentos tenham sido motivados pelos mercados internos preexistentes O reflexo sobre o coeficiente importado demandaria a maturação desses in vestimentos para manifestarse Depõe contra essa ponderação a queda de apenas um ponto percentual no coeficiente importado num período relativamente longo de mais de dez anos entre 1970 e 1980 A prévia internalização de importantes segmentos da in dústria pesada não colocava a substituição de importações no seu sentido histórico de superação da restrição absoluta da Desenvolvimento em crise 63 capacidade para importar como alternativa à continuidade do processo de industrialização tal qual ocorreu em períodos pre gressos Dada a complexidade da estrutura industrial já exis tente a decisão de internalizar a oferta em segmentos produ tivos novos funcionou como a criação de mercados adicionais a partir do investimento autônomo Nesse contexto a ideia de substituição de importações subsiste apenas como um conceito formal ou seja como uma referência ou comparação a estru turas mais complexas existentes nos países industrializados1 Como foi dito não houve durante a segunda metade dos anos 70 modificações substanciais do modelo histórico de desenvolvimento quando comparado a períodos anteriores Buscavase mais uma vez diferenciar a estrutura produtiva completandoa e aproximandoa do paradigma então prevale cente nos países centrais A ênfase nos setores pesados cujo atraso era assinalado assemelhava o II PND a programas que no passado haviam abraçado os mesmos objetivos como o Pla no de Metas Da mesma maneira as referências ao controle da tecnolo gia eram quase inexistentes Era como se a montagem pura e simples dos novos setores cada vez mais complexos em termos da tecnologia utilizada permitisse ganhar de maneira automá tica a capacidade de reproduzilos internamente Os limites en fatizados para a implantação da indústria de bens de capital por exemplo eram sobretudo aqueles decorrentes das escalas de produção necessárias e da magnitude dos capitais e finan ciamentos exigidos Embora haja alguma razão para tal atitude dado que o pa radigma tecnológico mudava lentamente e assistiase a sua di fusão à escala internacional pela concorrência entre as grandes empresas existiam todavia setores nos quais esse processo era 1 Ver a propósito Tavares 1975 para uma discussão do conceito e signifi cado histórico da substituição de importações Ricardo Carneiro 64 Desenvolvimento em crise 65 bastante limitado Conforme assinala Fajnzylber 1983 havia sérios obstáculos à difusão da indústria de bens de capital so bretudo por razões relativas ao domínio da tecnologia Outro aspecto decisivo do II PND relacionavase à intenção de modificações no que denominava organização industrial Essa questão referese particularmente ao caráter menor e su bordinado que o empresariado nacional havia desempenhado no processo de desenvolvimento brasileiro Dessa forma o objetivo central do PND era fortalecer esse segmento reservandolhe uma área nobre a dos bens de capitais sob encomenda Ainda no que diz respeito aos aspectos produtivos o II PND propunhase a corrigir os desequilíbrios regionais herdados dos períodos anteriores o que seria realizado pela desconcentração da nova indústria de bens intermediários cuja localização era bastante influenciada pela base de matériasprimas Já se fez menção à ausência de referência do II PND à ques tão da capacitação e autonomia tecnológicas Outro aspecto de cisivo que possui muito pouco destaque diz respeito ao padrão de financiamento Os obstáculos ao crescimento em nenhum momento eram percebidos como resultado da inadequação da base financeira doméstica assentada na poupança compulsória e largamente dependente de financiamentos externos Em con sonância com a tese da continuidade ante o período anterior e sobretudo no que diz respeito ao arcabouço de financiamento o II PND não previa mudanças significativas nesse campo Mudanças na estrutura produtiva e no comércio exterior O período de crescimento da economia brasileira que se estende de meados da década de 1970 até início dos 80 só pode ser entendido a partir do investimento autônomo liderado pelo Estado por meio do II PND Embora haja uma evidente desace Desenvolvimento em crise 65 leração nas taxas de crescimento do produto e do investimento a continuidade desse crescimento num contexto internacional crescentemente adverso já confere ao período uma caracterís tica singular A dinâmica do investimento Um primeiro aspecto quanto ao desempenho do investimen to durante o período é o declínio da sua taxa de crescimento a partir de 1974 Gráfico 4 Há contudo dois subperíodos niti damente distintos de 1974 a 1976 o investimento cresce aci ma da produção corrente entre 1977 e 1980 ocorre o inverso Essa constatação é importante pois indica a descontinuidade do padrão de crescimento montado a partir do II PND GRÁFICO 4 Evolução do Investimento Fonte FIBGE Contas Nacionais A desaceleração progressiva do investimento também fica evidente pela evolução da taxa de investimento pois atingido o pico de 25 do PIB em 19751976 há uma contínua e pro gressiva queda dessa taxa confirmando o recuo do programa de inversões Outras evidências a respeito da desarticulação Ricardo Carneiro 66 Desenvolvimento em crise 67 do Plano são ainda mais significativas De acordo com Serra 1982 houve uma progressiva substituição do investimento privado pelo investimento público rompendo um padrão his tórico de associação e complementaridade No que tange à associação entre investimento público e privado o trabalho de Coutinho Reichstul 1983 mostra a sua progressiva desarticulação A participação deste último no investimento total cai de 60 em 1974 para 55 em 1979 Em contrapartida o investimento das empresas estatais aumen ta sua participação em igual magnitude passando de 235 do total em 1974 para 285 em 1979 O crescente peso do investimento produtivo estatal num quadro de desaceleração constitui o indicador adicional da inconsistência do padrão de crescimento oriundo da estratégia de 1974 As indicações da falta de consistência do padrão de inves timento estão presentes também na evolução da composição do investimento relativa a máquinas e equipamentos e cons trução Dados das Contas Nacionais mostram que o primeiro grupo após manter a participação de aproximadamente 40 no total do investimento no triênio 19741976 declina pro gressivamente até alcançar 35 em 1980 Esse aspecto foi assinalado por Malan Bonelli 1983 para os quais isso daria ao investimento um caráter mais compensatório do que inovador As informações analisadas dão sustentação à interpre tação de Lessa 1978 para quem o II PND sofre uma im portante revisão a partir de 1977 descaracterizandoo como um programa de amplas transformações da economia apesar de se terem mantido significativos investimentos setoriais Essa observação é importante quando examinada de pers pectiva mais ampla pois mostra a ruptura de um padrão de crescimento que durante décadas esteve assentado na di nâmica articulada do investimento público e privado Con forme apontado por Serra 1982 essa desarticulação refle Desenvolvimento em crise 67 tiu sobretudo a menor participação das empresas privadas multinacionais Estas às voltas com uma desaceleração do crescimento significativa nos países centrais certamente se tornaram cautelosas para desencadear grandes projetos de inversão na periferia do sistema A análise desagregada dos investimentos realizados durante o período do II PND permite esclarecer melhor o alcance das mudanças Desde logo percebese na evolução do investimento uma distância substancial das metas pretendidas no programa Isso valeu sobretudo para o setor de energia e para as indús trias básicas Deixadas de lado as metas e comparada a trajetó ria do investimento com a do período 19701974 constatase um esforço adicional significativo na área de energia e de me nor intensidade nas indústrias básicas Tabela 2 Tabela 2 Distribuição setorial do investimento Setores 197074 197579 Projeções II PND Energia 84 101 194 Petróleo 11 17 20 Carvão e Gás 00 00 24 Eletricidade 73 84 1504 Indústria 186 178 228 Indústrias Básicas 105 107 193 Metalurgia 24 27 68 Mat Transporte 18 15 23 Mecânica e Elétrica 20 25 27 Química 24 22 45 Não Metálicos Papel Celul 20 18 20 Outras 81 72 35 Transporte 116 94 102 Comunicações 31 35 38 Memo InvestimentoPIB 225 241 Fonte Batista 1987 Ricardo Carneiro 68 Desenvolvimento em crise 69 Os números desagregados relativos à indústria são também elucidativos Nesse caso as metas de ampliação e diversificação também estiveram longe de ser cumpridas Mais ainda notase uma continuidade no padrão de distribuição setorial do investi mento quando são comparados os períodos 19701974 e 1975 1979 Ou seja apesar da ampliação absoluta não ocorreu uma concentração significativa de investimentos nas indústrias de base fossem elas de bens de capital ou de insumos básicos Isso significa dizer que o período do II PND apesar da ampliação absoluta do investimento não implicou modificação substantiva no seu padrão tendo o perfil deste último mostrado uma signi ficativa continuidade com o período anterior Embora o II PND não tenha se materializado como o instru mento da realização da pretendida diversificação adicional da matriz industrial na escala proposta inicialmente e tampouco tenha logrado a implantação definitiva dos setores mais avan çados da indústria ele preservou o processo de diferenciação da estrutura produtiva em direção à indústria pesada obser vado desde meados dos anos 50 Assim cabem aqui algumas considerações acerca das limitações à maior diversificação da estrutura produtiva observada no período Esses obstáculos manifestaramse com intensidade na indústria de bens de capital pois nos segmentos produtores de bens intermediários e energia o processo avançou substancialmente Em relação ao setor de energia os investimentos ampliaramse tanto no segmento produtor de petróleo quanto no de hidroele tricidade Tabela 2 embora numa velocidade insuficiente para reduzir a dependência de importações no caso do petróleo2 Os empecilhos tampouco se localizaram na indústria de bens 2 Dados do IpeaInpes 1985 obtidos dos anuários estatísticos da Petrobras demonstram que os investimentos dessa empresa em prospecção de pe tróleo dobraram no período 19741978 quando comparados a 19701973 Esse esforço todavia foi claramente insuficiente para atender à demanda interna e teve que ser ampliado após o segundo choque de preços em 1979 Desenvolvimento em crise 69 intermediários Tanto quanto no setor de energia os obstáculos tecnológicos e de escala de produção são pouco significativos nesse setor no qual a base de matériasprimas e a própria disponibilidade de energia são os fatores locacionais decisivos Nessas indústrias houve uma expressiva desconcentração da produção dos países centrais em benefício dos países periféri cos de maior grau de desenvolvimento durante o ciclo de cres cimento do pósguerra Os impedimentos para realizar uma maior diversificação da estrutura produtiva residiram sobretudo na indústria de bens de capital No que tange a esta última Fajnzylber 1983 já havia apontado sua elevada concentração nos países desen volvidos apesar da maturação do paradigma tecnológico Nos setores mais dinâmicos as fortes barreiras à entrada resultan tes do controle da tecnologia e das escalas de produção cons tituíam uma limitação à desconcentração dessa indústria em direção à periferia Nos países periféricos possuidores de economias de maior porte tais como Índia China Coreia e Brasil houve um im portante esforço para incorporar a indústria de bens de capital Ao analisar os resultados diferenciados obtidos por esses países o trabalho da Unctad 1985 pxxi destaca sobretudo o caráter dinâmico da implantação dessas indústrias Tratase de um processo no qual se deve construir toda uma estrutura de indústrias interconectadas para poder lograr as economias de especialização e de escala próprias das atividades de construção de maquinaria Dessa maneira a superação na divisão internacional do trabalho prévia nesse setor dependeria da transposição de obstáculos nos campos do financiamento da tecnologia e dos mercados Do ponto de vista dos dois últimos essas restri ções estariam sintetizadas na questão da escala e especializa ção da produção Maiores escalas de produção ao permitirem uma maior especialização seriam de importância crucial para Ricardo Carneiro 70 Desenvolvimento em crise 71 acumular conhecimento técnico Este último teria também um importante suporte na política de gastos em PD pesquisa e desenvolvimento das empresas O êxito na implantação dessa indústria visto de uma pers pectiva temporal mais ampla residiu sobretudo na aquisição de autonomia tecnológica Na prática isso supôs mercados suficientemente amplos internos ou conseguidos via expor tações capazes de viabilizar escalas de produção mínimas A capacitação tecnológica por sua vez resultou das políticas das empresas sendo importante para tanto o grau de compromis so com sua base local de produção Desse ponto de vista como sugere a Unctad 1985 a presença de empresas nacionais se ria um fator decisivo A comparação entre os setores de bens de capital dos maio res países subdesenvolvidos em 1980 realizada pela Unctad 1985 é bastante elucidativa O confronto do Brasil com a Coreia mostra uma indústria muito mais complexa e estrutu rada na economia brasileira O único item no qual a indústria coreana é superior referese à magnitude do pessoal técnico científico empregado pelas empresas o que certamente refletia a menor presença das empresas estrangeiras nessa economia Os dados do Quadro 2 mostram uma participação muito grande das filiais estrangeiras no caso brasileiro e mais que isso concentrada nos ramos de maior sofisticação tecnológica máquinasferramenta e material elétrico Na Coreia são ampla mente predominantes as empresas nacionais com alguma forma de colaboração estrangeira inexistindo um sistema de filiais de empresas estrangeiras O trabalho de Tadini 1986 reforça a análise anterior As sinala para o setor de bens de capital no Brasil uma histórica divisão do trabalho entre as filiais estrangeiras e as empresas brasileiras com as primeiras dominando o setor mais sofisti cado do ponto de vista tecnológico qual seja o setor elétrico enquanto as últimas concentraramse no setor mecânico A Desenvolvimento em crise 71 indústria como um todo sempre foi excessivamente diversifi cada conduzindo às escalas de produção reduzidas e pequena especialização Quadro 2 Brasil e Coreia propriedade das empresas de bens de capital 1980 Máquina Ferramenta Material Elaborado Material Elétrico Total Brasil 8 6 8 22 Nacionais I 1 0 1 2 Nacionais II1 3 5 3 11 Filiais 4 1 4 9 Coreia 7 8 6 21 Nacionais I 2 0 0 2 Nacionais II1 5 5 2 12 Conjuntas 0 3 4 7 Fonte Unctad 1985 1 Empresas nacionais com colaboração técnica estrangeira Para Tadini 1986 o II PND não solucionou esses proble mas A ampliação do setor de bens de capital por encomenda por exemplo deuse com a inclusão de um número excessivo de produtores em cada um dos segmentos produtivos em quanti dade bem mais elevada do que o observado nos países desenvol vidos O resultado foi alta ociosidade e pouca especialização Es sas características viramse agravadas pelo desvio da demanda doméstica para o exterior em razão da dependência dos finan ciamentos externos As exportações por sua vez concentra ramse exclusivamente nos bens mecânicos e direcionaramse para os países da periferia O conjunto de fatores já apontados dá uma ideia mais pre cisa do caráter e das limitações para a diferenciação da indús tria de bens de capital durante o II PND Embora o esforço de investimento tenha sido substantivo ele foi em grande parte Ricardo Carneiro 72 Desenvolvimento em crise 73 desperdiçado na medida em que reproduziu velhas estruturas e problemas O aspecto essencial nesse caso foi sem dúvida o pouco ganho obtido na capacidade de inovação tecnológica que irá se mostrar decisiva quando da mudança do paradigma ao longo dos anos 80 Evolução da produção As características do investimento analisadas anteriormen te têm impactos importantes sobre o desempenho da produção corrente Considerado o período como um todo verificamos a desaceleração tão somente da produção industrial pois a agro pecuária e os serviços preservam o crescimento do período an terior Essa tendência se acentua com o passar do tempo com a redução ainda maior do crescimento da produção industrial em contraste com a sustentação da produção agropecuária Ta bela 3 Esse descolamento constitui uma primeira indicação da crescente importância dos mercados externos à indústria exportações e gasto público na manutenção das taxas de crescimento globais Tabela 3 PIB setorial Taxas de crescimento em aa 19701980 PIB Agropecuária Indústria Total Total Vegetal Animal Total Extrat Transf Constr SIUP1 197080 87 47 45 47 93 71 90 102 123 197073 125 46 57 21 143 51 141 170 130 197476 80 35 22 52 84 93 79 91 123 197780 64 58 55 63 64 70 61 60 118 Fonte FIBGE Contas Nacionais Consolidadas 1 Seviços Industriais de Utilidade Pública No conjunto das atividades industriais ocorrem mudanças significativas Enquanto o crescimento se sustenta com a ex Desenvolvimento em crise 73 trativa mineral e os serviços industriais de utilidade pública há brusca desaceleração na indústria de transformação e na da construção Essa tendência nitidamente reforçada de 1977 a 1980 reflete sem dúvida a redução do investimento privado e a revisão dos investimentos do setor produtivo estatal inspirados no II PND Ao mesmo tempo indica o dinamismo diferenciado da extrativa mineral ligada ao mercado externo e a finalização de grandes obras de infraestrutura a cargo do setor público em particular na área da energia elétrica Observando detalhadamente a indústria de transformação na Tabela 4 constatase declínio do crescimento mais pronun ciado nos bens de consumo duráveis e nos bens de capital No primeiro caso a saturação da demanda a reposição concentrada e o encarecimento do crédito são os fatores apontados como de terminantes desse desempenho Quanto aos bens de capital a reversão dos investimentos do II PND explica a performance Os setores com menor desaceleração foram os de bens interme diários e bens de consumo não duráveis O desempenho deste último deveuse à sua essencialidade já no caso dos bens in termediários a internalização da oferta e portanto a deman da preexistente foi o fator primordial embora não se possa descartar o aumento das exportações como veremos a seguir Observando a estrutura produtiva da ótica da produção cor rente o estudo do IpeaInpes 1985 conclui pela existência de uma diversificação da produção industrial em direção aos gêneros produtores de bens intermediários em especial papel e papelão e química Provavelmente a diversificação em termos de capacida de instalada foi ainda maior por conta dos investimentos em bens de capital embora imperceptível em face da elevada ociosidade As afirmações que caracterizam o período 19741980 como de uma significativa diversificação da produção industrial em direção à indústria pesada requerem algumas qualificações Se considerarmos apenas o crescimento da produção vemos o pe ríodo liderado pelos bens intermediários e apesar da grande Ricardo Carneiro 74 Desenvolvimento em crise 75 desaceleração pelos bens de consumo duráveis Tabela 4 To mandose os subperíodos principais no primeiro 19741976 a liderança é exercida pelos bens de consumo duráveis e bens de capital e no segundo 19771980 pelos bens de consumo duráveis e bens intermediários Tabela 4 Taxas de crescimento em aa da indústria de transformação 19701980 Períodos Bens de Capital Bens Intermediários Bens Duráveis Bens Não Duráveis 197073 227 132 255 91 197480 74 83 93 44 197476 130 87 103 48 197780 34 80 86 41 Fonte Serra 1982 p58 apud FIBGE Duas conclusões importantes advêm desses dados a rápi da desaceleração da produção de bens de capital indica a sua desarticulação inter e intrassetorial e por consequência uma perda de importância dos mercados internos à indústria como elemento dinamizador do crescimento O desempenho diferen ciado dos setores com possibilidade de exportar a exemplo dos bens intermediários demonstra a fratura do padrão de cresci mento cuja característica central desde o Plano de Metas havia sido a liderança conjunta dos setores de bens de capital e bens de consumo duráveis isto é o dinamismo industrial fundado na diferenciação da estrutura produtiva e do consumo parece ter encontrado seus limites no II PND Do ponto de vista da energia apesar de uma política de investimento agressiva na área elétrica no que diz respeito à produção de petróleo os resultados foram claramente insufi cientes Entre 1973 e 1979 o quantum importado de petróleo cresceu 50 elevando a sua participação na pauta de 11 para Desenvolvimento em crise 75 37 durante o período A produção de petróleo bruto perma nece estagnada durante toda a década apresentando em 1980 o mesmo patamar de 1973 cerca de 10000000 m³ Mendonça de Barros Manoel 1989 Quanto à agricultura os anos 70 em particular a segunda metade testemunham importantes transformações Segundo Fonseca Salles Filho 1990 a década é marcada pelo tri nômio tecnificaçãoagroindustrializaçãoexportação A compo sição da produção sofre significativas modificações em especial pelo crescimento das atividades ligadas às exportações soja laranja carnes de aves pinus eucaliptus ao mesmo tempo em que aumenta o grau de processamento industrial da produção Nessa década as atividades que não estavam vinculadas a um dos eixos dinâmicos agroindustrial eou exportador ti veram um desempenho medíocre como o da produção de ali mentos não comercializáveis Tal desempenho contrasta com o dinamismo das atividades ligadas às exportações identificadas em grande parte com aquelas com algum grau de processamen to Dados apresentados por Rezende 1989 indicam que entre os produtos não comercializáveis apenas o milho que é uma cultura intimamente associada à produção de rações e o trigo que contou com uma ampla política de subsídio para interna lizar a oferta revelaram crescimento significativo No caso dos exportáveis além do desempenho da canadeaçúcar o desta que fica para os produtos não tradicionais como soja e laranja Consolidase assim nessa década e em particular na sua segunda metade uma forma peculiar de inserção da agricultura brasileira no comércio internacional Além da elevação do coefi ciente exportado3 a participação dos novos produtos passa de 3 O coeficiente exportado da agricultura evolui da seguinte forma 1970 1971 135 19721974 169 19751977 213 19781980 183 segundo Mendonça de Barros Manoel 1989 apud FIBGE p322 Ricardo Carneiro 76 Desenvolvimento em crise 77 15 para 30 na pauta entre 1971 e 1980 enquanto o grau de processamento vai de 22 em 1975 para 34 em 1980 Essa inserção externa explica a sustentação do crescimento da agricultura ante a perda de dinamismo da indústria no período considerado Transformações no comércio exterior Os recorrentes desequilíbrios da balança comercial consti tuem uma característica inequívoca do período 19741980 Por essa razão interessa analisar como esse desequilíbrio se mani festou ao longo do tempo e quais as principais modificações daí decorrentes especialmente no que tange à articulação dos setores produtivos com o exterior Os dados referentes à taxa de comércio são bastante es clarecedores quanto à inserção externa do ponto de vista se torial Tabela 5 Os setores significativamente superavitários são aqueles produtores de commodities agrominerais e de bens de consumo tradicionais embora tenha havido modificações significativas no segmento de bens intermediários O grupo produtor das commodities agrominerais apesar do saldo comercial permanente deteriora sua posição após 1977 Tudo indica que essa deterioração resultou sobretudo da per da nos termos de troca em razão da redução dos preços dessas matériasprimas no âmbito mundial observado após essa data O grupo dos manufaturados tradicionais Manufaturados 1 compreendendo calçados e têxtil possui um padrão distinto de inserção externa Desde logo as taxas de comércio e portanto o saldo são bem mais elevadas e menos sujeitas à deterioração dos preços internacionais Essas altas taxas são ampliadas ain da mais após 1979 certamente como reflexo da desvalorização cambial Desenvolvimento em crise 77 Tabela 5 Taxa de comércio exportaçãoimportação por setores 19741980 Saldo 1980 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 US mi AGROMINERAIS Abate de Animais 17 45 81 89 20 15 42 4231 Agropecuária 61 65 53 56 19 15 17 4466 Benef Produtos Vegetais 05 08 07 19 17 12 09 918 Óleos Vegetais 197 367 613 749 640 207 370 21556 Outros Alimentos 08 09 13 24 13 15 20 1721 Extrativa Mineral 45 79 69 57 55 46 65 15234 Manufaturados 1 Calçados 166 230 259 235 219 216 370 5191 Têxtil 45 50 49 66 75 108 116 7028 Manufaturados 2 Celulose Papel e Gráfica 03 04 04 04 08 13 22 2981 Minerais Não Metálicos 04 05 06 06 07 08 12 300 Outros Produtos Metá licos 02 02 04 06 09 12 16 1076 Siderurgia 01 01 04 05 09 16 14 2327 Refino de Petróleo e Petroquímica 01 02 01 01 03 04 05 6139 Metais Não Ferrosos 01 01 01 01 01 02 01 7755 Manufaturados 3 Veículos Automotores 32 70 69 186 277 667 1108 7797 Peças e Outros Veículos 02 03 04 07 08 13 08 2084 Elementos Químicos 01 01 01 01 01 01 02 9794 Equipamentos Eletrônicos 04 03 03 06 05 05 07 1795 Máquinas e Tratores 01 01 01 02 02 03 05 10678 Material Elétrico 03 02 02 03 03 04 05 4161 Fonte Funcex Outro grupo peculiar é o dos Manufaturados 2 composto dos bens intermediários que faziam parte dos setores incen tivados durante o II PND Por efeito das ampliações da capa cidade produtiva da diminuição da taxa de crescimento do méstica e da desvalorização cambial vários desses segmentos Ricardo Carneiro 78 Desenvolvimento em crise 79 passaram a apresentar superávit a partir de 19791980 Isso só não é verdadeiro para o setor petroquímico e de metais não ferrosos Esta é sem dúvida uma modificação relevante produzida pelo II PND pois o setor sai de uma posição global deficitária no início da década para o equilíbrio em 1980 com alguns superávits importantes como foi o caso da siderurgia e papel e celulose Um dado até certo ponto surpreendente é o da evolução da taxa de comércio de veículos automotores A exportação de veículos pesados ônibus caminhões tem a sua performance determinada pela competitividade da indústria doméstica e seu direcionamento para os mercados latinoamericanos Já a expor tação de veículos leves teve na desaceleração do crescimento in terno combinado com a política de incentivos os determinantes de uma melhor performance exportadora O segmento automo tivo é o único setor de maior conteúdo tecnológico no qual se observa um comportamento favorável das taxas de comércio Nos demais produtores de bens de capital Manufaturados 3 permanece uma situação de déficits elevados Do ponto de vista do déficit comercial é preciso distin guir dois períodos Apesar da ocorrência de déficits o período 19741977 não caracteriza ainda uma deterioração global da balança comercial identificável a partir de 1978 Como vere mos a seguir os sucessivos choques externos introduzem de sequilíbrios cada vez mais permanentes no comércio exterior sem que internamente as medidas adotadas sejam suficientes para eliminálos O principal fator determinante dos déficits comerciais no período foi a deterioração dos termos de troca Notamos a esse propósito o elevado grau de aderência entre o montante dos dé ficits comerciais e o índice de relações de troca Tabela 6 Esse movimento geral contudo não deve obscurecer a existência de dois períodos distintos o déficit surge abruptamente em 1974 como resultado da quadruplicação dos preços do petróleo da Desenvolvimento em crise 79 perda global de relações de troca e da antecipação de importa ções que conduz imediatamente à duplicação de seu valor Uma vez absorvido o choque as importações mantêmse no mesmo patamar durante quatro anos A redução progressiva do déficit ocorre predominantemente em razão da melhoria das relações de troca com crescimento marginal do quantum expor tado e crescimento significativo do quantum importado Tabela 6 Brasil índices do comércio exterior e saldo comercial 19721980 1977 100 Exportações Importações Índice de Relações de Troca Saldo US mi Preços Quantum Preços Quantum 1972 41 76 47 70 87 1973 56 88 59 85 95 70 1974 71 89 91 115 78 46900 1975 71 98 94 109 76 35400 1976 82 99 96 108 85 22250 1977 100 100 100 100 100 970 1978 92 113 107 105 86 10240 1979 101 124 128 115 79 28400 1980 107 152 164 115 65 28290 Fonte Banco Central do Brasil Relatório Anual Vários anos Já no período seguinte entre 1977 e 1980 de crescente ampliação do déficit a deterioração das relações de troca é con tínua e os déficits só não se mostram mais elevados porque é evidente o esforço doméstico para compensar pelo quantum ex portado o medíocre crescimento dos preços das exportações É muito diferente o comportamento das importações no qual o Ricardo Carneiro 80 Desenvolvimento em crise 81 aumento acentuado de preços se faz acompanhar da manuten ção do quantum importado Em síntese a melhor evolução do quantum não foi suficiente para compensar a trajetória altamen te desfavorável dos preços Como advertem Lessa 1978 e Fishlow 1986 a manuten ção de uma taxa de câmbio apreciada durante todo o período certamente agravou o desequilíbrio comercial Ao recusar me didas mais drásticas como o aumento da desvalorização cam bial a política econômica mantevese coerente com o espírito do ajustamento estrutural pois não onerou o passivo em moe da estrangeira das empresas e posteriormente incrementou o endividamento externo Em contrapartida criava um subsídio implícito nos preços das matériasprimas e energia importadas estimulando seu consumo e ampliando o déficit comercial Para Davidoff Cruz 1984 a política econômica embora tímida quanto aos desequilíbrios comerciais não foi inteira mente passiva nem inócua Para rejeitar ajustamentos mais drásticos na taxa cambial a política comercial apoiouse em dois pontos principais o controle seletivo de importações e a criação de uma ampla gama de incentivos e subsídios creditícios às exportações Essa política surtiu parcialmente efeito ao redu zir o componente supérfluo da pauta de importações estabili zando seu quantum e ao promover principalmente a partir de 1977 um expressivo crescimento do quantum exportado A análise detalhada das pautas esclarece melhor o que aqui já foi dito Quanto às importações o maior destaque foi o petró leo cuja participação passa de 10 do valor importado em 1973 para 44 em 1980 Tabela 7 As importações de matérias primas embora mantendo patamares elevados sofrem queda relativa certamente por efeito da entrada em operação de pro jetos que substituíam importações O declínio dos bens de capital está intimamente associado à desaceleração do investi mento enquanto o dos bens de consumo vinculase à política de controle seletivo Desenvolvimento em crise 81 Tabela 7 Brasil importações por principais grupos 19731980 Taxas de Crescimento Grupos 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 197380 Total US bi 62 126 122 124 120 137 180 229 205 Comb Minerais 124 234 254 310 339 328 375 444 446 MatériasPrimas 425 450 357 328 325 331 329 308 152 Bens de Consumo 105 69 67 70 77 81 87 57 105 Bens de Capital 346 247 322 292 258 260 209 191 191 Fonte Cacex Embora os vários componentes da pauta de importações à exceção do petróleo tenham reduzido sua participação em termos relativos houve aumento no valor importado de todas as categorias de bens Ou seja a política de substituição de im portações e a política comercial não foram capazes de suprimir a dependência da energia importada tampouco o elevado cres cimento das compras externas mesmo de bens de capital e até de matériasprimas Quanto às exportações o exame da pauta Tabela 8 mostra expressiva diversificação em direção aos manufaturados cuja participação aumenta de 28 em 1974 para 45 em 1980 O maior movimento de diferenciação ocorre porém a partir de 1977 estando assim associado à ampliação do quantum ex portado observado no período e à diversificação da pauta Se se considerar a redução do crescimento do comércio internacional no período concluise que esse desempenho das exportações explicase também pelo conjunto de incentivos fiscais e sub sídios creditícios às exportações de manufaturados4 além da já referida diversificação em direção aos bens intermediários 4 Segundo Baumann Moreira 1987 esses incentivos e subsídios alcançam o ápice durante o período assumindo os seguintes percentuais do valor ex portado 1974 55 1975 56 1976 66 1977 72 1978 68 1979 67 1980 45 Ricardo Carneiro 82 Desenvolvimento em crise AT Tabela 8 Brasil exportações por principais grupos 19731980 Taxas de Crescimento Grupos 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 197380 Total US bi 62 79 87 101 121 126 152 201 183 Básicos 660 576 580 605 574 472 430 421 112 Semimanuf 93 115 98 83 86 113 124 117 222 Manufaturados 231 285 298 274 317 402 436 448 300 Fonte Cacex Os desequilíbrios da estrutura produtiva da economia bra sileira não equacionados com a opção de 1974 merecem ser destacados pois constituem uma importante herança para a década seguinte Ficou evidente a crescente desarticulação do padrão de crescimento em especial quanto à associação dos investimentos públicos e privados Desarticulamse também os investimentos industriais principalmente pelo sobredimensio namento da indústria de bens de capital Por fim o ajuste insu ficiente do comércio exterior por meio de elevados subsídios às exportações pela crescente dependência da energia importada e das importações de bens de capital caracterizou a permanên cia da vulnerabilidade externa Em síntese o ajuste estrutural por meio do II PND não foi capaz de constituir um novo padrão de crescimento para a eco nomia brasileira deslocando seu eixo dinâmico para a indústria de bens de capital Ao mesmo tempo não foi capaz de remover a vulnerabilidade externa expressa nos déficits comerciais ele vados e ampliados após o segundo choque externo 83 2 O padrão de financiamento durante o II PND Este capítulo discute o financiamento do II PND e as suas implicações De início procurase mostrar a importância dos recursos externos para a economia brasileira durante o período bem como as razões que conduziram ao excessivo aumento da dívida externa Em seguida analisamse várias dimensões do financiamento doméstico sobretudo aquele controlado pelo setor público e com origem em recursos fiscais e parafiscais Por fim examinase como o padrão monetário acomodase às elevações intermitentes da inflação por meio dos primeiros de senvolvimentos da moeda indexada O ajustamento da economia brasileira após o primeiro cho que do petróleo foi realizado a partir do aprofundamento do padrão de financiamento herdado das reformas de 19641966 conforme apontado por Belluzzo 1988 A rigor ele foi acen tuado em alguns aspectos tais como a indução ainda maior ao Ricardo Carneiro 84 Desenvolvimento em crise 85 endividamento externo e a dependência no plano doméstico da poupança compulsória e das instituições públicas de crédito Além disso mais do que no passado o Estado realizou uma ativa política de gastos diretos e de sustentação de variados setores econômicos atingidos duramente pela progressiva de terioração da situação econômica No plano doméstico o Estado desempenhou um papel extremamente relevante no fornecimento de crédito de longo prazo A partir das reformas de 19641966 os recursos da poupança compulsória por ele administrados por meio de insti tuições especiais de crédito como o Banco Nacional da Habita ção BNH Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES e Banco do Brasil BB proporcionaram crédito a taxas favorecidas para a acumulação de capital e constituíram a base do financiamento interno de longo prazo Na frente exter na coube um papel decisivo à ampliação das facilidades de ob tenção de financiamentos externos diretamente pelas grandes empresas ou por repasses bancários O setor bancário doméstico participou desse processo como ator secundário sendo um mero repassador dos fundos oriun dos do Estado ou de empréstimos externos Embora solidários quanto ao risco do crédito os bancos desobrigaramse da cons tituição de funding para lastrear os empréstimos de longo prazo reduzindo substancialmente seus riscos e o comprometimento com o financiamento do crescimento A utilização exaustiva desses mecanismos e instrumentos conduziu a dois resultados distintos e simultâneos um aumento da vulnerabilidade externa e a deterioração da situação finan ceira do Estado brasileiro A rigor nesse período aparecem com clareza as fragilidades do desenvolvimento financeiro do país e sua incapacidade de alavancar o desenvolvimento econômico O papel do financiamento externo A importância do financiamento externo para a economia brasileira durante o período de crescimento acelerado após Desenvolvimento em crise 85 1968 foi decisiva A crise dos anos 80 que ocorreu em um con texto de exaustão desse padrão de financiamento resultou em larga medida dessa ruptura Ao examinarmos de forma mais detalhada a questão neste item procuraremos inicialmente re constituir as razões e os mecanismos desse endividamento e seu posterior estancamento para analisar em seguida as vá rias dimensões do financiamento doméstico A justificativa para a formação e expansão da dívida externa brasileira só pode ser encontrada na esfera das relações finan ceiras do país com o resto do mundo pois não foi determinada integralmente pelo hiato de recursos reais Isso pode ser com provado pelo significativo aumento das reservas internacionais ou seja poder de compra não utilizado ao longo dos anos 70 Há dois aspectos relevantes nessas relações financeiras o primeiro como já vimos é externo e diz respeito à grande ampliação de liquidez internacional no período especialmente pelo euromercado O outro é doméstico e se refere à combina ção do crescimento econômico com a atrofia do sistema finan ceiro local incapaz de atender à demanda crescente de crédito de longo prazo por essa razão desviada em grande parte para os financiamentos externos A rigor a utilização excessiva de financiamentos externos só pode ser entendida pela conjunção de interesses entre o ca pital bancário internacional e o doméstico como sugere Zini Júnior 1982 As operações de endividamento proporciona vam a esses segmentos lucros elevados ao mesmo tempo em que dispensavam o setor financeiro doméstico de constituir uma base de captação de recursos de longo prazo O desvio de parcela expressiva da demanda de crédito para o exterior constituiu assim a linha de menor resistência buscada pelo sistema financeiro que para isso contou com o aval da política econômica A propósito desse último aspecto Davidoff Cruz 1984 enfatiza a institucionalização de canais de ingresso de capi Ricardo Carneiro 86 Desenvolvimento em crise 87 tais de empréstimo pela Lei n 413162 regulamentada pela Lei n 439064 e pela Resolução n 63 de 1967 O primei ro instrumento foi de grande relevância para a captação direta de financiamentos externos pelas grandes empresas estatais e multinacionais Suas vantagens em relação ao crédito domés tico estavam não só nos juros mais baixos como também nos prazos mais longos Nesse sentido esse tipo de crédito subs titui aquele cujo provimento segundo o espírito das reformas de 19641966 estaria a cargo dos bancos de investimento Já a Resolução n 63 originava operações bancárias de repasse que representavam uma forma de captação do sistema financeiro privado superior aos instrumentos disponíveis no mercado do méstico além de reduzirem substantivamente os riscos do sis tema bancário brasileiro Uma visão distinta das razões do endividamento externo da economia brasileira restrita ao período do II PND pode ser encontrada no trabalho de Castro Souza 1985 A sua tese central procura negar a teoria convencional que associa os déficits externos à necessidade de poupança adicional Distingue portanto o hiato de poupança que caracterizaria insuficiência da poupança interna do hiato de divisas Este último poderia existir apesar da suficiência da poupança do méstica em razão da necessidade de recursos externos para fazer face às importações determinadas por falhas na estrutu ra industrial Em outras palavras apesar de não existir excesso de in vestimento sobre a poupança doméstica as falhas na estrutura industrial determinariam um déficit em transações reais ou um hiato de divisas Essa crítica à concepção dos dois hiatos é rele vante pois na sua formulação original ao excesso de investi mento sobre a poupança corresponderia um hiato de divisas de igual magnitude Todavia é preciso ir mais além e demonstrar que o endividamento também esteve dissociado do hiato de divisas Desenvolvimento em crise 87 Determinantes do endividamento As evidências empíricas dão sustentação à tese de que o en dividamento externo do país esteve fortemente condicionado pela atrofia do sistema de financiamento doméstico Ou seja o insuficiente desenvolvimento do sistema financeiro como determinante do endividamento externo suplantou tanto as razões relacionadas às falhas na matriz industrial indutora da absorção de recursos reais quanto a excessiva liquidez do sistema financeiro internacional condicionante da absorção de recursos financeiros Durante boa parte dos anos 70 até 1978 inclusive a absorção de recursos financeiros foi superior à absorção de recursos reais A exceção fica por conta do biênio 19741975 imediatamente após o primeiro choque do petróleo no qual ocorreu uma severa deterioração das relações de troca acompa nhada por restrição da liquidez internacional Gráfico 5 Entre 1970 e 1978 para uma absorção de recursos reais da ordem de US 202 bilhões observase uma absorção de recursos finan ceiros no valor de US 313 bilhões A formação de reservas GRÁFICO 5 Absorção de recursos do exterior Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos Ricardo Carneiro 88 Desenvolvimento em crise 89 vale dizer de poder de compra não utilizado em moeda estran geira constituiu o resultado evidente desse processo no qual os anos de 1974 e 1975 foram uma exceção de pequena duração Entre 1979 e 1980 o novo choque do petróleo associado à contração de liquidez e à subida dos juros determina uma ab sorção de recursos financeiros inferior à de recursos reais Ou seja o déficit em transações reais ampliado e o racionamento dos empréstimos implicam a queima de reservas para o fecha mento das contas externas A partir de então os juros man têmse em patamares elevados em termos nominais e reais e o financiamento é cada vez mais escasso até a sua ruptura em 1982 O período da formação da dívida externa brasileira que compreende os anos caracterizados pela absorção de recursos reais e financeiros pode ser dividido em quatro subperíodos distintos No auge do milagre brasileiro 19711973 a acu mulação de reservas explica o aumento da dívida bruta Nos três períodos seguintes 19741975 19761978 e 19791980 é o endividamento líquido que responde em proporções variáveis pelo aumento da dívida bruta Tabela 9 Tabela 9 Evolução da dívida externa1 19731980 Dívida Bruta US bi Variação Nominal Variação Real Dívida Líquida USbi Variação Nominal Variação Real Memo Reservas US bi 1973 126 320 243 62 153 86 64 1974 172 365 230 119 932 741 53 1975 212 233 130 171 440 320 40 1976 260 227 160 193 128 66 67 1977 320 233 158 248 283 04 73 1978 435 358 261 316 276 185 119 1979 499 147 30 402 272 143 97 1980 538 78 50 469 166 27 69 Fonte Banco Central do Brasil Relatório Anual Vários anos 1 Dívidas Brutas e Líquidas Registradas Desenvolvimento em crise 89 No período 19701973 o acúmulo de reservas foi respon sável por 72 do incremento da dívida bruta evidenciando a importância menor do déficit em transações reais e do déficit em transações correntes nesse desempenho Segundo Davidoff Cruz 1984 a justificativa oficial para o endividamento residia no diagnóstico da insuficiência da estrutura produtiva em bens intermediários e de capital bem como na necessidade de com plementar a poupança doméstica No bojo da expansão cíclica do período conforme ressalta o autor o endividamento externo foi essencialmente privado e o público inexpressivo Em outros termos a demanda do setor privado por financiamento no auge do ciclo econômico responde pelo incremento do endividamento A acumulação de reservas por sua vez revela a grande autonomia deste último em relação ao déficit em transações reais Nos anos 19741978 aproximadamente 75 do aumento da dívida bruta correspondeu ao incremento da dívida líquida e apenas 25 ao crescimento das reservas Embora esse seja de fato o período de maior absorção de recursos reais da economia brasileira após 1964 há uma distinção importante entre os pri meiros anos 19741975 e os seguintes 19761978 De início em face do choque do petróleo da consequente deterioração das relações de troca e da contração do crédito é o crescimento da dívida líquida acompanhado da perda de reservas que res ponde pelo incremento da dívida bruta No triênio seguinte a variação das reservas volta a explicar parcialmente o crescimen to da dívida cerca de um terço Por fim após 1979 a dívida líquida expandese acima da bruta em razão da drástica perda de reservas em face da insuficiência do financiamento externo De acordo com Batista Júnior 1988 a contribuição da va riação de reservas ao endividamento externo do país deve ser atribuída às pressões de oferta e à grande liquidez do mercado financeiro internacional durante o período Da mesma maneira as perdas de reservas observadas refletem as contrações dessa liquidez A alternância de períodos de ganho e perda de reser Ricardo Carneiro 90 Desenvolvimento em crise 91 vas ao longo dos anos 70 reflete portanto a instabilidade do mercado financeiro privado internacional Do conjunto dos fatores responsáveis pelo endividamento podese concluir que a propensão ao endividamento externo decorreu da insuficiência do desenvolvimento financeiro do méstico Por sua vez a evolução das relações de troca e das condições de liquidez do sistema financeiro internacional foi responsável pela composição desse endividamento ou mais precisamente pelo peso da dívida líquida e das reservas na for mação da dívida bruta No que concerne à dívida líquida o seu crescimento es teve associado aos déficits em transações correntes embora estes não possam ser tomados como sinônimo de absorção de recursos reais do exterior porque podem estar representando a amortização disfarçada da dívida externa em razão de eleva das taxas de inflação e de juros nominais internacionais Ou seja a elevação dos juros nominais ocorrida em 19731974 implicou em razão da parcela da dívida contratada a taxas de juros flutuantes uma ampliação do valor nominal do serviço da dívida Os dados da Tabela 10 sobre a composição do déficit em transações correntes esclarecem algumas dúvidas sobre a natu reza do endividamento ao longo do período Passado o impacto inicial do choque do petróleo em 19741975 diminui a impor tância do déficit em transações reais na explicação do déficit em transações correntes reduzindo sua participação de 845 em 1974 para 321 em 1978 Como vimos a continuidade no crescimento da dívida em face da queda do déficit em tran sações reais sugere que o endividamento se explica por outras razões que não o seu financiamento Para Davidoff Cruz 1984 no período 19741976 houve forte desequilíbrio comercial e significativa ampliação do hia to de recursos Esta última foi determinada por vários fatores além da deterioração dos termos de troca resultado do enca Desenvolvimento em crise 91 recimento do petróleo e da recessão internacional ocorreu também redução do volume exportado e ampliação do importa do O aumento das importações em situação tão desfavorável deveuse à opção de prosseguir o crescimento a taxas elevadas no contexto do II PND que era bastante intensivo em importa ções de bens intermediários e de capital Tabela 10 Déficit em transações correntes 19701980 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 Transações Correntes US bi 06 13 15 17 71 67 60 40 70 107 128 em a Transações Reais 171 571 519 494 845 722 590 264 321 414 384 Balança Comercial 413 261 164 04 659 528 375 24 147 264 220 Serviços Produtivos 584 310 355 499 187 193 215 288 174 150 163 b Rendas de Capitais 628 321 349 422 126 259 364 634 605 516 549 c Outros Serviços 238 119 135 100 29 20 46 103 84 71 80 d Transf Unilaterais 37 11 03 16 00 00 00 00 10 02 13 Fonte Banco Central do Brasil Paradoxalmente no período seguinte entre 1977 e 1978 quando melhoraram de forma significativa as relações comer ciais e se reduziu o hiato de recursos o endividamento externo sofreu um impulso decisivo descolandose portanto do finan ciamento do déficit em transações reais Além das condições fa voráveis de liquidez no plano internacional esse endividamento se explica por um conjunto de medidas de política econômica no contexto da política de ajuste monetário do balanço de pagamentos como a liberação da taxa de juros interna a pro teção ao risco cambial com a criação dos depósitos registrados em moeda estrangeira junto ao Banco Central e ainda a política deliberada de endividamento externo das empresas estatais Ricardo Carneiro 92 Desenvolvimento em crise 93 Castro Souza 1985 defendem ponto de vista distinto De acordo com os autores se até 1974 o hiato de recursos reais foi desprezível entre 1974 e 1978 a brusca elevação do déficit em transações correntes decorreu do déficit da balança comer cial que representava dois terços do primeiro e que esteve em grande medida associado ao ajustamento estrutural do país à crise Algumas objeções podem ser feitas a esse raciocínio em primeiro lugar após o impacto inicial em razão da perda de relações de troca e da recessão internacional há melhoria substantiva da balança comercial a partir de 1976 em segundo lugar o pagamento de serviços não produtivos representando de início parcela menor do déficit em transações correntes ad quire um peso crescente ultrapassando mais de metade deste após 1977 Tabela 10 Além de reafirmar a relevância dos determinantes reais no endividamento externo os autores contestam a ideia de que o déficit em transações correntes nesse período já tenha adqui rido um caráter financeiro pelo qual a dívida adicional serviria apenas para fazer face aos encargos do estoque existente Enten dem que são as taxas de juros nominais e não as reais que se elevam Isso implicaria a amortização disfarçada da dívida ou o inchamento da conta de juros Como existiu oferta de créditos adicionais podese evitar a amortização disfarçada por meio de novos financiamentos e da manutenção do valor real da dívida A afirmação anterior é parcialmente verdadeira Tudo indi ca que uma parcela do acréscimo da dívida durante o período serviu de fato para contrabalançar sua amortização disfarçada A velocidade de crescimento dessa dívida quando considerada em termos reais Tabela 9 leva a pensar em outros fatores im portantes na determinação de seu crescimento Ou seja além dos déficits em transações reais a própria rolagem da dívida já constitui um fator de pressão para seu aumento Outro ponto insuficientemente enfatizado por Castro Souza 1985 é a deterioração das condições de contratação da Desenvolvimento em crise 93 dívida Apesar de ter sido possível financiar o aumento da carga nominal de juros e os déficits em transações reais por meio de nova dívida o perfil desta se deteriorou consideravelmente De acordo com Batista Júnior 1988 a dívida pública contratada a taxas flutuantes por exemplo passa de 252 do total no período 19711973 para 518 em 19741978 e 644 em 19791982 O mesmo autor assinala como traço predominan te de parcela dos financiamentos obtidos durante o período o caráter de curto prazo Ganham importância os créditos inter bancários créditos de curtíssimo prazo tomados por bancos brasileiros no exterior e repassados a prazos mais longos inter namente deteriorando de forma radical o perfil da dívida ex terna Segundo seus cálculos a participação da dívida de curto prazo na dívida total salta de 96 em 1978 para 15 em 1980 e 20 em 1982 Um aspecto fundamental do processo de endividamento externo do Brasil durante o período do ajustamento estrutural diz respeito à crescente estatização da dívida externa Já em 1974 a participação do setor público na dívida externa reve lavase elevada correspondendo a aproximadamente 50 do total A partir desse momento esse desempenho é continua mente crescente atingindo 69 em 1980 Tabela 111 Segundo Davidoff Cruz 1984 a estatização da dívida externa reflete um padrão de financiamento perverso dos pro jetos públicos notadamente no caso das empresas estatais nas quais o rebaixamento de preços para controlar a inflação deprimia a capacidade de autofinanciamento Além disso a contenção orçamentária reduzia os recursos para os projetos em andamento reforçando a busca de financiamento externo 1 A participação da dívida pública na dívida total a partir de 1979 com as crescentes dificuldades de financiamento deve ter aumentado mais rapi damente isso porque como foi apontado o país recorreu largamente a créditos de curto prazo cujo montante não aparece na dívida registrada Ricardo Carneiro 94 Desenvolvimento em crise 95 Completa esse quadro a limitação ao endividamento interno do setor público a partir da estratégia de reservar os recursos domésticos ao setor privado Tabela 11 Tabela 11 Dívida externa registrada pública e privada 19731980 Total Dívida Pública Dívida Privada U bi U bi U bi 1973 125 65 520 60 480 1974 171 85 497 86 503 1975 211 114 540 97 460 1976 259 148 571 111 429 1977 320 193 603 127 397 1978 435 275 632 160 368 1979 499 340 681 159 319 1980 538 373 693 165 307 Fonte Banco Central do Brasil Ainda de acordo com Davidoff Cruz 1984 a criação de canais para a entrada de capitais de empréstimo seja por cap tação direta Lei n 4131 ou por repasses Resolução n 63 teve por efeito colar a demanda de crédito interna à demanda por financiamento externo em um movimento quase automá tico Do ponto de vista da Lei n 4131 as captações públicas são crescentes ao longo do tempo e estão concentradas em dois setores principais energia e siderurgia fato que reflete a opção pelo ajustamento estrutural após 1974 bem como a uti lização intensiva de financiamentos externos para viabilizar o programa Tabela 12 Em contrapartida ao crescimento da participação do setor público nos empréstimos via Lei n 4131 temos a participação decrescente do setor privado que ocorre em dois movimentos As captações da grande empresa privada nacional desaceleram imediatamente após o ciclo expansivo do milagre Já as empresas Desenvolvimento em crise 95 multinacionais mantêm elevado volume de captação até 1978 reduzindoo de forma intensa a partir de então Tabela 12 Tabela 12 Empréstimos em moeda Lei n 4131 segundo setor US bi 19721980 197276 A 197778 B 197980 C Crescimento Setor US bi US bi US bi BA CB Privado 187 583 293 428 157 233 567 464 Público 134 417 393 5708 516 767 1910 323 Total 321 1000 684 10008 673 1000 1131 16 Fonte Banco Central do Brasil Firce apud Davidoff Cruz 1984 O período após 1974 que é comandado pelo investimento autônomo do Estado tem como resultado a estatização da dívida externa pois o endividamento privado é mais sensível às flutua ções do ciclo doméstico bem como às dificuldades de balanço de pagamentos Assim em conjunturas externas adversas de maior necessidade de divisas as captações públicas aumentam mais que proporcionalmente É ilustrativo nesse sentido o ocorri do a partir de 1976 quando da elevação do diferencial entre ju ros internos e externos e mesmo após 1977 com a Resolução n 432 que transferia o risco cambial para o Banco Central apesar da conjuntura de elevada liquidez no mercado internacional há um retraimento relativo das captações do setor privado O período central de estatização da dívida externa é por tanto o referente ao II PND que tem como protagonistas a em presa estatal e as inversões em infraestrutura Como os recur sos do BNDES reforçados pelo PISPasep foram reservados às empresas privadas nacionais havia no contexto de então três alternativas para o financiamento do programa público de in versões o autofinanciamento o aporte de recursos fiscais ou o endividamento externo A partir de 1976 combinase uma Ricardo Carneiro 96 Desenvolvimento em crise 97 série de fatores que conduzem à opção pela terceira alternativa Os objetivos de controlar a inflação determinam uma conten ção tarifária e a ausência de uma reforma tributária inviabiliza o aporte de recursos fiscais A opção pelo endividamento exter no que era a linha de menor resistência coincide com a am pliação da liquidez internacional resultante da reciclagem do superávit dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo Opep Outra importante modalidade de financiamento externo foi a Resolução n 63 que constituiu o elo entre o sistema bancário doméstico e o internacional Os repasses de financiamento por parte dos bancos viabilizaram pelas suas características o aces so das empresas privadas nacionais Isso porque se permitiu nessas operações o desdobramento de prazos e valores a partir da operação externa contratada originalmente Nos intervalos das operações sucessivas os recursos ficavam depositados no Banco Central que assumia temporariamente o risco cambial e os encargos Dados apresentados por Zini Júnior 1982 dão conta de que em 1967 apenas 17 do passivo dos bancos comerciais e 11 dos bancos de investimento correspondiam a passivos cambiais Esses números crescem progressivamen te alcançando em 1980 304 para os bancos comerciais e 172 para os bancos de investimento A análise do endividamento externo da economia brasileira leva a concluir pela crescente fragilidade da situação externa do país após 1974 mormente na sua dimensão financeira Além do crescimento acelerado da dívida a deterioração é visível também na piora do seu perfil com o crescimento das parcelas contratadas a juros flutuantes ou a curtíssimo prazo Após o segundo choque de juros em 1979 a vulnerabilidade externa se estabelece de maneira definitiva As dimensões do financiamento interno O padrão de financiamento implantado com as reformas de 19641966 e levado aos seus limites durante o II PND tinha Desenvolvimento em crise 97 no Estado seu protagonista central No item anterior ficaram evidentes a dependência do país do financiamento externo e a desproporcional participação do Estado como devedor Do pon to de vista doméstico a trajetória não foi distinta A presença central do Estado na gestão dos fundos de poupança compul sória bem como pelas instituições especiais de crédito dálhe um destaque acentuado no financiamento do II PND Adicio nalmente realizou durante o período uma política anticíclica de grande envergadura A combinação de tão variadas formas de intervenção num contexto externo desfavorável termina por comprometer a saúde financeira desse Estado A execução de uma política de gastos que contemplava a montagem de novos setores produtivos e a sustentação de outros envolvendo imensa variedade de subsídios fiscais e creditícios além de incentivos e isenções fiscais no contexto de uma política monetária restritiva termina por dar origem a uma dívida pública expressiva As condições de financiamento do Estado foram piorando ao longo da década de modo que no início dos anos 80 as dívidas interna e externa já apresentavam magnitude elevada e perfil deteriorado Tem sido comum enfatizar o papel desempenhado pelo Es tado direta e indiretamente nos projetos de indústria de base no âmbito do II PND No caso dos setores de bens intermediá rios o papel central desempenhado pelos gastos públicos por meio das empresas estatais combinado com a defasagem de preços e tarifas conduziu o setor público ao lugar de principal tomador de recursos externos O Estado participou também ativamente da ampliação da indústria pesada por meio do fi nanciamento realizado pelo BNDES ao setor privado contem plando prioritariamente o setor de bens de capital Os empréstimos com correção monetária prefixada corres pondendo a 40 da correção monetária do período de vigên cia do financiamento num período de aceleração inflacionária constituíram verdadeira doação de capital Em linhas gerais Ricardo Carneiro 98 Desenvolvimento em crise 99 os custos desse programa para o Tesouro correspondiam à di ferença entre a remuneração dos recursos do PISPasep corre ção monetária mais 3 que formavam o principal funding do BNDES e as linhas subsidiadas Ou seja o desequilíbrio pa trimonial gerado pela concessão dos créditos subsidiados teria de ser em algum momento coberto pelo Tesouro sob pena de quebrar o BNDES O aumento dos juros internos consequência em princí pio da aceleração inflacionária após 1974 e da política de ajus te monetário do balanço de pagamentos posta em prática em 1976 combinado com a defasagem cambial apesar de estimu lar o endividamento externo criava sérios constrangimentos a parcela do empresariado privado nacional e ao equilíbrio da balança comercial Para minimizar o desequilíbrio comercial e sustentar setores competitivos ou prioritários como agricul tura energia e exportações foi criado um variado elenco de subsídios fiscais e creditícios O orçamento monetário pela conta fundos e programas passou a registrar o conjunto de subsídios creditícios conce didos por meio das linhas de crédito seletivas Dado o arranjo institucional então prevalecente nas autoridades monetárias com o entrelaçamento de funções entre o Tesouro o Banco do Brasil BB e o Banco Central Bacen a importância do or çamento monetário era absolutamente crucial O custo desse subsídio creditício bancado pelo setor público constituiu um impulso ao crescimento da dívida pública É imperioso esclarecer como o processo de sustentação do nível de atividades por meio das linhas de crédito seletivas implicou a expansão da dívida pública Das alternativas dispo níveis para financiar o déficit que as linhas de crédito subsidia das traziam implícitas reforma tributária emissão monetária ou de dívida pública utilizouse intensivamente a última A captação de recursos para a dívida pública faziase junto ao mercado ou aos fundos de poupança compulsória geridos pelo Desenvolvimento em crise 99 próprio Estado FGTS e PISPasep O diferencial entre as ta xas pagas pelos títulos públicos e as linhas de crédito seletivas compunha o déficit do setor público a ser coberto com expan são de dívida A quantificação do volume de subsídios decorrentes das linhas de crédito geridas pelo Banco Central via fundos e pro gramas é uma tarefa difícil haja vista a variedade de taxas de juros pagas no funding ao eventual aporte de recursos fiscais bem como a enorme variedade de linhas seletivas A estimati va mais completa para a magnitude desses subsídios creditícios foi apresentada por Langoni 1981 Os subsídios estritamente creditícios para agropecuária exportação e energia constituem parcela crescente dos favores concedidos ao setor privado do brando sua participação no PIB de 2 em 1976 para 4 em 1980 Tabela 13 Tabela 13 Principais subsídios e incentivos fiscais da área federal do PIB 19731980 Discriminação 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 INCENTIVOSPIB 27 35 35 30 34 35 30 17 SUBSÍDIOS1PIB 04 13 17 24 25 19 32 60 SUBS INCPIB 30 47 52 54 59 55 62 76 Fonte Langoni 1981 1 Implícitos ao crédito agropecuária exportação diretos trigo petróleo soja açúcar Explícitos ao crédito Proagro Proterra Fundag compra e venda de produtos agrícolas preços mínimos e estoques reguladores Há um aspecto importante a ser assinalado na evolução do montante de subsídios creditícios Como mostra Zini Júnior 1982 a maior expansão das linhas seletivas ocorre entre 1974 e 1976 tendo crescimento nulo em 1977 e declinando em ter mos reais entre 1978 e 1980 Contudo como o volume absoluto Ricardo Carneiro 100 Desenvolvimento em crise 101 dessas linhas ainda é bastante elevado e uma de suas caracterís ticas principais é a correção monetária prefixada a aceleração da inflação após 1978 ampliou a magnitude dos subsídios Além dos subsídios creditícios os subsídios aos preços e isenções fiscais destacamse durante o período como fonte con siderável de pressão sobre as finanças públicas No caso dos subsídios trigo petróleo soja e açúcar o valor é pratica mente constante até 1980 quando alcança quase 2 do PIB em razão da conta petróleo No caso das isenções fiscais cuja grande concentração ocorre nas exportações o valor oscila em torno dos 3 do PIB reduzindose drasticamente em 1980 quando após a primeira maxidesvalorização parte das isen ções foi retirada Tabela 13 De forma global os dados apre sentados mostram valores elevados e crescentes do conjunto de subsídios ao setor privado no denominado período de ajusta mento estrutural reafirmando o caráter de grande envergadura da ação anticíclica do Estado durante o período A importância da dimensão estritamente fiscal na gênese da deterioração das finanças públicas pode ser visualizada a partir de outro conjunto de informações extraído das Contas Nacionais Tabela 14 Durante o período 19741980 a perda de carga tributária bruta é inexpressiva e a redução dos im postos indiretos em razão da renúncia fiscal e da aceleração da inflação é parcialmente compensada pela elevação da carga tributária direta Contudo ocorreu uma redução da carga tribu tária líquida com perda de 45 pontos percentuais do PIB pas sando de 165 em 1973 para 12 em 1980 Como se pode observar na Tabela 14 mais da metade dessa perda se deveu aos subsídios 25 pontos percentuais2 A crise financeira do 2 Os dados sobre o montante de incentivos e subsídios são bastante discre pantes segundo as Tabelas 13 e 14 A razão para isso é que as Contas Na cionais não computam os subsídios creditícios e nem calculam as isenções fiscais Desenvolvimento em crise 101 setor público ainda possui caráter latente pois a carga de juros embora dobrando durante o período representa em 1980 ape nas 12 do PIB Tabela 14 Carga tributária bruta e líquida do PIB 19741980 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA 251 252 251 255 257 247 247 Impostos Diretos 104 113 116 122 123 124 112 Impostos Indiretos 147 139 135 134 134 122 135 TRANSFERÊNCIAS 388 101 394 394 107 106 126 Juros Dívida Interna 304 304 305 305 305 306 308 Juros Dívida Externa 301 302 302 302 302 303 304 Assistência e Previdência 361 367 372 372 381 378 378 Subsídios 322 327 316 315 319 319 337 CARGA TRIBUTÁRIA LÍQUIDA 163 152 157 162 150 141 121 Fonte IBGE Contas Nacionais Podese portanto concluir que a política anticíclica levada a cabo pelo Estado brasileiro não se ateve exclusivamente aos gastos em infraestrutura e a setores produtores de insumos bá sicos Após 1976 com a desaceleração dos investimentos ela se atrela de forma mais incisiva a uma política de sustentação de setores prioritários como energia agricultura e exportação por meio de linhas de crédito subsidiadas isenções fiscais e subsídios diretos Tendo em vista essa política de gastos como entender as teses que defendem uma origem de natureza finan ceira para a deterioração das finanças públicas Segundo Coutinho Belluzzo 1982 no contexto da po lítica de ajuste monetário do balanço de pagamentos praticada após 1976 a elevação da taxa interna de juros visava a reduzir a absorção doméstica e pela ampliação do diferencial de juros a incrementar a tomada de recursos externos O acúmulo de reservas decorrente dessa política criava um excesso de liqui Ricardo Carneiro 102 Desenvolvimento em crise 103 dez não desejado que no contexto da política de então teria de ser suprimido pela emissão de dívida pública Dessa forma a política de esterilização e não a de gastos ativos teria sido responsável pela deterioração das finanças públicas Em desapoio a essa tese cabe considerar que a elevação da taxa de inflação e do patamar da taxa de juros criava sérios pro blemas de operação e financiamento para vários setores consi derados prioritários como energia agricultura e exportação neste último caso agravados pela valorização do câmbio Como vimos para sustentar o nível de renda desses setores e viabi lizar a sua expansão foram criadas inúmeras linhas de crédito seletivas com juros subsidiados geridas pelos fundos e progra mas do Banco Central Essas linhas de crédito possuíam um custo expressivo pois em geral não cobriam sequer a correção monetária A questão portanto reside em verificar como foram financiadas pois já se evidenciaram seus impactos significati vos nas receitas públicas O financiamento das políticas anticíclicas e de reorientação da economia poderia ter sido feito por meio de uma política monetária menos rígida combinada com aportes de recursos fiscais Como na verdade combinouse uma política expansiva de gastos com uma política restritiva do ponto de vista mone tário o resultado teria de ser uma expansão da dívida pública Dito de outra maneira o crescimento da dívida pública resultou de uma conformação particular de política econômica na qual a expansão dos gastos era financiada por dívida pública rolada a uma taxa de juros elevada em razão de uma estratégia es pecífica de ajuste de balanço de pagamentos A rigor tanto a política de gastos quanto o acúmulo de reservas internacionais constituíram fatores de expansão da dívida pública A questão anterior é vista de forma distinta por Tavares Belluzzo 1982 Segundo esses autores a ampliação das dívidas após 1974 em particular da dívida pública não implicou gas tos adicionais de investimento e consumo Assim a ampliação Desenvolvimento em crise 103 da relação haveres financeirosPIB e particularmente da dívida públicaPIB apenas espelharia a reciclagem das dívidas públi cas e privadas a uma taxa de juros mais elevada Ou seja a elevação da taxa nominal de juros teria criado a necessidade de reciclagem do débito de vários setores produtivos além de aumentar as necessidades de recursos para a rolagem da dívida pública preexistente O objeto da ciranda financeira seria dessa forma a reci clagem das dívidas dos setores deficitários e da dívida pública Esta além do crescimento decorrente da rolagem do estoque anterior era ampliada em razão da política de acumulação de reservas Os autores fazem ainda referência ao processo de des monetização da economia por meio da generalização da carta de recompra que transformou os saldos monetários líquidos dos agentes em aplicações em títulos públicos O raciocínio embora colocando questões pertinentes deixa de considerar que boa parte da reciclagem das dívidas do setor privado foi realizada por linhas de crédito seletivas ao abrigo do orçamento monetário Dessa forma o setor público bancou o refinanciamento do passivo do setor privado em parte com re cursos fiscais mas preponderantemente pela expansão da dívi da pública A acumulação de reservas internacionais constituiu um fator de pressão adicional sobre a expansão da dívida em razão da política de contenção da liquidez que visava a man ter taxas de juros domésticas elevadas No entanto embora o crescimento das dívidas por razões puramente financeiras seja inquestionável elas também financiaram a manutenção de um elevado patamar de gastos correntes em consumo e investi mento durante o período 19741980 A questão ganha maior nitidez quando analisada da óti ca de financiamento do Banco Central Tanto as linhas subsi diadas fundos e programas quanto o acúmulo de reservas constituem operações ativas Do ponto de vista de seu financia mento poderseia ter utilizado a emissão monetária passivo Ricardo Carneiro 104 Desenvolvimento em crise 105 monetário ou de dívida pública passivo não monetário A opção pela segunda alternativa gerou um custo a ser coberto resultante da diferença entre a remuneração das operações ati vas e passivas que em ambos os casos pressionou a expansão da dívida pública Da perspectiva das finanças públicas o problema pode ser colocado como de um desequilíbrio potencial se visto pelos in dicadores tradicionais Observamos que a carga de juros até 1980 embora crescendo a taxas elevadas não possuía ainda peso significativo Tabela 14 No entanto a trajetória da dívida pública já se colocava como problema em razão da política an ticíclica combinada com a política monetária restritiva criando um expressivo diferencial entre o crescimento da dívida e das receitas públicas Entre 1970 e 1979 a dívida pública mobiliá ria interna passa de 87 para 118 do PIB e de um terço para metade da carga tributária bruta no mesmo período Outro fato relevante do ponto de vista da dívida pública é sem dúvida a mudança de seu perfil durante o período anali sado que explica também por que o seu crescimento não foi mais acentuado O estudo de Carneiro 1987 mostra que os déficits primários observados no período combinados com a elevação dos juros deram origem a déficits operacionais cuja magnitude deveria ter originado um crescimento ainda mais rá pido da dívida pública Todavia o lastro dessa última muda de títulos com correção monetária plena Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional ORTNs para títulos com juros nominais prefixados Em razão da intermitente aceleração da inflação esses títulos terminam por pagar taxas de juros negativas Ou tra forma não convencional de financiamento foram os Depó sitos Registrados em Moeda Estrangeira DRMEs cujo custo também foi negativo em termos reais em razão da apreciação cambial Tabela 15 Esse processo de mudança na composição da dívida pública mobiliária só pode ser entendido no contexto da desmonetiza Desenvolvimento em crise 105 ção da economia após 1976 promovida pela combinação entre elevação das taxas de juros de curto prazo e generalização da carta de recompra o que permitiu que as empresas transformas sem seus saldos em aplicações financeiras de alta liquidez Es tas por sua vez rendiam juros inferiores à inflação barateando o custo de rolagem da dívida pública A criação do seguro cam bial por meio da Circular n 230 e Resolução n 432 constituiu a base para os DRMEs outra forma barata de financiamento do setor público durante o período Embora positiva do ponto de vista do seu custo essa mudança na estrutura da dívida tem um lado perverso e diz respeito ao crescente caráter de curto prazo que adquire Tabela 15 Déficit e passivo do setor público do PIB 19741980 Déficit Dívida Operac Juros Primário Total ORTN LTN DRME Base 1974 20 12 08 104 26 12 00 65 1975 24 08 16 397 29 11 01 57 1976 31 11 20 391 22 18 01 51 1977 51 10 40 110 20 27 10 53 1978 46 16 30 114 12 32 19 51 1979 47 19 29 118 14 23 32 49 1980 41 23 18 397 11 14 32 40 Fonte Carneiro 1987 No contexto descrito Coutinho Belluzzo 1982 enten dem a heterodoxia desastrada levada a cabo pelo então minis tro Delfim Netto em 19791980 como uma estratégia de res tauração das finanças públicas A tentativa de reforma fiscal e recuperação de preços e tarifas públicas a maxidesvalorização com o intuito de reduzir os incentivos e subsídios às exportações e a prefixação das correções monetária e cambial para desvalori zar a dívida pública são as principais medidas de política eco nômica desse período Ricardo Carneiro 106 Desenvolvimento em crise 107 Vejamos alguns números por um lado apesar do sucesso em desvalorizar a dívida pública interna que cai de 118 do PIB em 1979 para 97 em 1980 as medidas da heterodoxia desastrada não conseguem recuperar a carga tributária líquida que de 15 em 1978 cai para 12 em 1980 em razão da elevação dos subsídios com destaque para os subsídios diretos aos combustíveis Tabelas 13 e 14 Por outro lado o rompi mento das regras de fixação do câmbio e da correção monetária danificou a credibilidade da correção dos contratos em termos reais tornando o setor privado avesso ao risco de tomar crédito de longo prazo Ao final podemos afirmar que a heterodoxia desastrada constituiu o canto do cisne do ciclo de crescimento pós1964 Apesar da visão correta quanto à dimensão doméstica do dese quilíbrio que se expressava na deterioração do financiamento público subestimou a restrição de financiamento externo Se fosse possível uma vez desvalorizada a dívida pública praticar simultaneamente políticas fiscal e monetária expansionistas a estratégia teria logrado sucesso Essa possibilidade contudo de pendia de financiamento externo abundante A rápida deterio ração do cenário externo a partir do segundo choque do petró leo e a contínua perda de reservas internacionais colocaram por terra as chances de continuidade do padrão de financiamento que havia sustentado o ciclo de crescimento precedente A gênese da moeda indexada No período de crescimento acelerado nos anos 60 e 70 pre valeceu um arranjo monetário bastante singular Conforme as sinala Moura da Silva 1979 o sistema monetáriofinanceiro brasileiro trabalhava simultaneamente com três moedas distin tas a moeda nominal o cruzeiro e as correções monetária e cambial A primeira desempenhava as funções clássicas de Desenvolvimento em crise 107 padrão de preços meio de pagamento e instrumento de deno minação dos contratos de curto prazo enquanto as duas últi mas exerciam a função de reserva de valor e instrumento de denominação dos contratos de longo prazo A relevância da moeda nominal na economia após as refor mas de 19641966 dependeu sobretudo do declínio da inflação Os choques de preços em 1974 e as posteriores e recorrentes mudanças de patamar da inflação inviabilizaram o cruzeiro como moeda Como veremos durante esse período e na década se guinte a história monetária brasileira está em grande medida associada aos mecanismos de substituição monetária ou seja da substituição do cruzeiro pelas correções monetária e cambial De 1974 a 1979 os fatores de aceleração da inflação pro vêm dos choques exógenos de preços externos e internos combinados após 1976 com a elevação das taxas de juros de curto prazo resultante da estratégia de ajuste monetário do balanço de pagamentos Os anos de súbita elevação da inflação 1974 1976 e 1979 correspondem aos dois choques do preço do petróleo e à elevação dos juros combinados com a quebra da safra agrícola em 1976 Tabela 16 Tabela 16 Preços câmbio e juros 19741980 Preços Taxa de Câmbio Taxas de Juros Anuais IPAOG Nominal Real Nominal Real Var Anual Var Anual Overnight C de Giro Overnight C de Giro 1974 3341 3195 109 173 385 119 370 1975 3306 3220 66 220 397 57 341 1976 3481 3361 81 413 529 29 344 1977 3353 3300 40 423 597 33 3168 1978 3423 3303 84 467 704 47 3184 1979 3795 1033 133 430 835 182 301 1980 1187 3540 296 473 880 296 3134 Fonte Banco Central do Brasil Ricardo Carneiro 108 Desenvolvimento em crise 109 Uma importante discussão a propósito da inflação durante o período diz respeito ao caráter determinante das variações dos custos primários nas mudanças de seus patamares Ou seja é possível admitir a estabilidade das margens de lucros das em presas ou estas se tornaram flexíveis em razão da instabilidade de preçoschave como petróleo e juros Como demonstrou Frenkel 1979 a possibilidade de alteração dos custos primários em especial das matériasprimas durante o período de produção induz as empresas a elevarem as margens de lucro para evitar perdas de capital No caso dos juros o efeito da variação seria o aumento do grau de endividamento de curto prazo no período de produção seguinte ou seja a redução da margem de lucro líquida corrente Os choques exógenos de preços especialmente o do petró leo e a política de aumento da taxa real de juros conduziram a economia a um grau de instabilidade elevado Ao ocasionar insegurança quanto à evolução dos custos primários e da taxa de juros essa instabilidade poderia ter acarretado aumentos preventivos nas margens de lucro das empresas o que teria conduzido a uma variação ainda maior da inflação Há contudo no período vários mecanismos importantes de atenuação do impacto dos choques exógenos de preços e da instabilidade sobre as margens de lucro e a trajetória da in flação O principal deles foi a substancial valorização da taxa cambial num contexto de crédito externo abundante Tabela 16 que não só atenuou os choques de preços como permitiu a obtenção de financiamentos inclusive para capital de giro a taxas inferiores às praticadas internamente Outro fator ate nuador foi a criação das linhas de crédito a taxas favorecidas pelos fundos e programas geridos pelo Banco Central e por fim a subcorreção de preços e tarifas públicas com impacto expres sivo nos custos primários Para melhor precisar o quadro de instabilidade criado pela aceleração inflacionária e pelas respostas de política econômica Desenvolvimento em crise 109 convém destacar seu efeito no padrão monetário Como vi mos a aceleração da inflação e o quadro de instabilidade que se instala após 1974 questionam a função de reserva de valor do padrão monetário então vigente o cruzeiro e portanto sua prerrogativa de moeda de referência dos contratos Como consequência as correções monetária e cambial passam a ser as principais moedas da economia No caso da correção cambial a valorização do câmbio e a oferta de liquidez internacional bem como o seguro cambial instituído pelo Banco Central com a Resolução n 432 e a Cir cular n 230 tornaramna moeda privilegiada para assunção de passivos Por sua vez a partir do primeiro choque de preços e das expectativas de elevação dos patamares inflacionários as aplicações com correção monetária tornamse o principal ins trumento de manutenção da riqueza financeira As aplicações prefixadas perdem substancialmente importância e têm seus prazos consideravelmente reduzidos A generalização das relações de débito e crédito em termos reais pelo abandono rápido e progressivo da moeda nominal e sua substituição pelas correções monetária e cambial produziu substantivo aumento nas taxas de juros domésticas e mais do que isso aumentou a incerteza quanto ao seu comportamento futuro Contudo essas tendências foram parcialmente anuladas pela política econômica por meio do estímulo ao endividamen to externo e da criação de linhas de crédito domésticas subsi diadas ainda que à custa da crescente deterioração das finanças públicas como mencionado no item anterior Em resumo a consolidação das duas correções como as verdadeiras moedas durante o período tem uma peculiarida de A proposital defasagem da correção cambial em relação à inflação e à correção monetária transformaa em instrumento privilegiado de contratação de passivos A correção monetária ao contrário por se tornar crescentemente padrão de preços e padrão de referência dos ativos financeiros domésticos consti tui principal reserva de valor da economia Ricardo Carneiro 110 Desenvolvimento em crise 111 O ano de 1979 é marcado por um novo choque do petróleo mas principalmente pela mudança nas condições de liquidez internacional com expressiva elevação das taxas de juros e re dução da oferta de novos créditos No que tange ao balanço de pagamentos essas mudanças se refletiram na insuficiência dos créditos externos adicionais para financiar o déficit em transa ções correntes conduzindo à perda de reservas internacionais e à explicitação da crise cambial A resposta da política econômica à manifestação da crise cambial é de grande relevância para explicar o agravamento do quadro de instabilidade que já se havia delineado com a própria crise Uma medida central tomada em dezembro de 1979 foi a maxidesvalorização da moeda doméstica rompendo a regra das minidesvalorizações periódicas e da defasagem da correção cambial em relação à inflação e à correção monetária A maxidesvalorização tinha por objetivo permitir a redução do déficit comercial com a concomitante diminuição de incen tivos e subsídios às exportações eliminando um fator de dete rioração das finanças públicas Essa medida surtiu efeito pro fundamente desestabilizador no que diz respeito à utilização da correção cambial como moeda de contratação de passivos A partir desse momento a correção cambial tornouse moeda de alto risco para a assunção de dívidas motivando uma fuga dos passivos dolarizados por parte do setor privado Imediatamente após a maxidesvalorização cambial a ace leração inflacionária dela decorrente associada ao choque do petróleo motivou a experiência de prefixação das correções monetária e cambial em 1980 como tentativa de deter o rit mo de crescimento dos preços O insucesso previsível dessa estratégia que conduziu a uma defasagem nas duas correções ante a inflação foi fundamental para ampliar o quadro de ins tabilidade A explicitação da fragilidade cambial e a maxidesvalorização já haviam destruído o reinado da correção cambial como prin Desenvolvimento em crise 111 cipal moeda de contratação dos passivos A prefixação além de não restaurar o papel da correção cambial introduziu um alto grau de desconfiança em relação à correção monetária como moeda de aplicação dos saldos líquidos de empresas e famí lias Em consequência observase em 1980 uma importante conversão de ativos financeiros em ativos reais consumo e estoques forçando o posterior abandono da prefixação O período 19741980 cuja marca principal é o questiona mento dos pressupostos do nacionaldesenvolvimentismo como modelo de crescimento também é caracterizado como o do surgimento de um padrão monetário peculiar o da moeda inde xada Ao contrário de outras experiências históricas nas quais a aceleração da inflação determinou uma progressiva substitui ção da moeda local por uma moeda estrangeira no caso brasi leiro a substituição ocorreu com base num artifício local que apesar de precário subsistiu por uma década Parte II Crise 115 3 Ruptura do financiamento externo A década de 1980 foi para os países da periferia capitalista um período adverso caracterizado pelo que se convencionou chamar de crise da dívida Nesses anos ocorreu uma deteriora ção global da situação econômica de tais países compreenden do uma piora nos termos de troca e um extremo racionamento do financiamento externo significando para alguns países so bretudo da América Latina a transferência de recursos para o exterior em razão do pagamento da dívida externa O Brasil não constituiu uma exceção a esse quadro Ao con trário dada a situação de fragilidade de suas contas externas pagou um preço elevado em termos de sacrifício do seu cresci mento econômico Para verificar como isso ocorreu iniciamos por traçar a trajetória do financiamento externo amplamente condicionado pelas transformações na ordem econômica inter nacional ocorridas durante a década Ricardo Carneiro 116 Desenvolvimento em crise 117 Neste capítulo o exame da ruptura do financiamento externo iniciase pela discussão da crise da dívida ou seja pela caracte rização da exclusão dos países periféricos do circuito financeiro internacional Em seguida examinamse para o caso brasilei ro as várias etapas da restrição do financiamento externo des de os anos 19791982 nos quais ainda há absorção de recursos reais e o racionamento é feito pelo mercado chegando à etapa seguinte 19831989 de crescentes transferências de recursos para o exterior para pagamento da dívida externa A crise da dívida Autores como Eichengreen 1996 e Helleiner 1994 ao analisarem a ordem econômica internacional após 1979 concordam em apontar o elevado grau de mobilidade dos capi tais como o elemento central na sua configuração Assim a chamada globalização pode ser caracterizada como uma or dem econômica na qual são progressivamente eliminadas as restrições a essa mobilidade Concretamente isso se traduziu no aumento contínuo das transações cambiais e dos fluxos brutos de capitais internacionais Esses fluxos de capitais apartaramse dos desequilíbrios em transações correntes dos vários países assumindo valores muitas vezes superiores a estes Ou seja ocorreu uma crescente autonomia do movi mento de capitais diante das necessidades de financiamento corrente dos países As ordens internacionais caracterizadas por maiores ou menores limitações à mobilidade dos capitais se sucedem his toricamente A passagem de um regime a outro depende de circunstâncias históricas específicas Os controles ou as restri ções à mobilidade de capitais sempre tiveram custos políticos internos ou externos Apenas em determinadas circunstâncias ou correlações de forças esses controles tornaramse viáveis Desenvolvimento em crise 117 Do ponto de vista da hipótese colocada anteriormente a mais importante razão para o impulso à globalização e a subs tituição da ordem regulada de Bretton Woods foi a mudança de posição de paíseschave no sistema internacional especialmen te os anglosaxões no final dos anos 70 Os Estados Unidos perdem pelo menos temporariamen te a sua liderança tecnológica e comercial e passam a apostar na reafirmação de sua hegemonia por meio de seu poderio fi nanceiro fundado no uso do dólar como moeda reserva pelo sistema internacional A Inglaterra só pôde aspirar a continuar como país importante por meio da constituição e ampliação de uma praça financeira offshore Por fim o Japão às voltas com superávits recorrentes nas transações correntes também se torna interessado na liberalização dos fluxos de capitais Esse ponto de vista é reforçado por Tavares Melin 1997 para quem a reafirmação da hegemonia americana teria ocorrido após uma década de fragilização da posição desse país durante os anos 70 A transnacionalização dos capitais americanos no pósguerra bancário e produtivo criou fortes competidores fora do espaço americano deteriorando progressivamente sua hegemonia produtiva e comercial O instrumento essencial da retomada dessa hegemonia foi a subida da taxa de juros ao final de 1979 que obrigou os de mais países avançados a dois movimentos a obtenção de supe rávits comerciais para financiar os déficits da conta de capital e a realização de políticas monetárias e fiscais restritivas para reduzir a absorção doméstica Para o conjunto desses países o resultado foi um menor dinamismo do crescimento econômico quando comparado à chamada idade de ouro período que vai do imediato pósguerra a meados dos anos 70 A alternativa que se colocava cada vez com maior intensi dade para os Estados Unidos ao longo dos anos 70 diante da moeda apreciada e de déficits recorrentes no balanço de transa ções correntes e no setor público era a de uma desvalorização Ricardo Carneiro 118 Desenvolvimento em crise 119 da moeda combinada com uma política fiscal contracionista A aposta na elevação das taxas de juros e na crescente liberaliza ção financeira viabilizou o financiamento para os déficits sem a necessidade de recorrer a ajustes intensos e muito rápidos Em síntese permitiu aos Estados Unidos a manutenção da autono mia da sua política econômica doméstica A reafirmação da hegemonia do dólar pode ser definida em termos das características da sua moeda Pelo fato de os Esta dos Unidos serem a potência dominante em termos políticos e militares e possuírem os mercados financeiros mais amplos e profundos a moeda americana constitui a principal reserva de valor da riqueza financeira global Por essa razão a desre gulação e a liberalização dos mercados financeiros nos países centrais além de atraírem fluxos de capitais crescentes para os Estados Unidos fazemse acompanhar de uma crescente de nominação em dólar das operações em outros países consoli dando essa moeda como a principal dos mercados financeiros globalizados1 Uma avaliação quantitativa dos dados sobre os fluxos de capitais nos anos 80 Tabela 17 põe em destaque as modifica ções mais relevantes após 1985 Destacase a maior importân cia dos fluxos de investimento direto e de portafólio quando comparados com os empréstimos bancários de curto e longo prazos bem como a perda de importância relativa dos fluxos oriundos do setor público Ou seja fica patente a dominância dos fluxos privados e dentre esses do investimento direto e das finanças diretas em detrimento das finanças bancárias 1 Autores como Helleiner 1994 chamam a atenção para fatores ideológicos subjacentes à globalização em especial a perda de hegemonia do embedded liberalism em favor do neoliberalismo A nova ideologia descarta os contro les de capitais como instrumentos relevantes pois foram abandonados os fundamentos econômicos que o justificavam sistema de taxas de câmbio fixas e autonomia da política econômica doméstica em favor do sistema de taxas flexíveis e da interdependência das políticas domésticas Desenvolvimento em crise 119 Essa primeira etapa da globalização caracterizouse pela exclusão da periferia em especial a latinoamericana Tabela 18 Durante a década de 1980 os países periféricos estiveram submetidos à assim chamada crise da dívida e que consistiu num drástico racionamento do financiamento externo Nesse período o financiamento adicional esteve condicionado à par ticipação e ao aval de instituições multilaterais especialmente o FMI Assim de uma participação de mais de 50 dos fluxos em 19751979 os subdesenvolvidos caem para 23 no período 19851989 e ainda assim com larga predominância dos fluxos públicos dois terços do total dirigido a esses países Tabela 17 Composição dos fluxos de capitais nos países desenvolvidos1 do PIB 19751989 Fluxos 197584 1985 1986 1987 1988 1989 Portafólio 06 15 18 11 15 19 Bônus 05 13 15 09 13 13 Ações 01 02 03 02 02 06 Investimento Direto 06 07 09 12 11 13 Bancário Longo Prazo 08 05 07 08 08 10 Bancário Curto Prazo2 03 05 08 10 06 04 Setor Público 05 04 07 12 06 06 Fonte Turner 1991 1 Fluxo líquido aquisição venda de ativos por parte de residentes 2 Empréstimos de curto prazo líquidos Do ponto de vista desses países há uma distinção impor tante entre as duas regiões que haviam sido as principais recep toras dos financiamentos externos durante o ciclo de expansão do pósguerra a Ásia e a América Latina De acordo com a Unctad 1998 esta última região que havia recebido 43 dos fluxos de capitais entre 1975 e 1982 reduz sua participação para 17 nos anos 19831989 O sudeste e o sul da Ásia por sua vez aumentam a participação de 24 para 40 nos mes mos períodos Ricardo Carneiro 120 Desenvolvimento em crise 121 Tabela 18 Fluxos de capitais globais1 Médias anuais em US bi 19751989 197579 198084 198589 Desenvolvidos 991 1757 4633 Público 210 401 638 Privado 781 1356 3995 Subdesenvolvidos 521 1055 1100 Público 321 667 743 Privado 199 388 358 Fonte Turner 1991 1 Exclui movimento de reservas e fluxos bancários de curto prazo De acordo com Medeiros 1997 no caso asiático ao con trário da América Latina não houve uma interrupção drástica dos fluxos de financiamento internacionais na chamada década perdida Na conta de capital mantiveramse tanto os fluxos de financiamento quanto um montante significativo de IDE A rigor esses países não tiveram problemas de financiamento externo ou restrição de balanço de pagamentos num sentido amplo Na conta comercial não houve redução abrupta da de manda nem perda de relação de trocas No caso dos serviços tampouco houve aumento excessivo da carga de juros A análise anterior encontra respaldo também nas pesqui sas de Singh 1994 quando trata dos impactos diferenciados dos choques externos nessas economias durante os anos 80 De acordo com esse autor os países da América Latina estiveram nessa década sujeitos a quatro choques distintos de demanda de relações de troca de taxa de juros e de oferta de capital No que tange ao último aspecto que é de longe o mais importante evidenciase que os bancos continuaram empres tando aos países da Ásia e suspenderam os empréstimos à América Latina apesar dos elevados déficits em transações correntes nos primeiros e isso é atribuído a razões puramen te subjetivas como o medo do contágio ou o instinto de ma Desenvolvimento em crise 121 nada Destacase todavia o fato de que o impacto do choque dos juros foi bem menor sobre os países asiáticos em razão do menor peso do serviço da dívida em média metade daque le dos países latinoamericanos Especificamente no que diz respeito ao choque sobre a balança comercial o autor mostra que a recessão global dos anos 80 afetou menos a demanda por produtos asiáticos Na mesma direção os termos de troca se deterioraram consideravelmente nos países latinoamerica nos cerca de 15 mantendose constantes ou até melho rando nos asiáticos Ruptura do financiamento externo e transferência de recursos para o exterior Do ponto de vista das relações econômicas do Brasil com o exterior a década de 1980 é marcada por uma mudança radical A absorção de recursos reais ou financeiros que havia sido a marca da inserção externa desde o pósguerra se vê abrupta mente revertida transformandose em transferência de recur sos para o exterior pelo pagamento de serviço e amortização parcial da dívida externa O processo se agrava com o passar do tempo podendo ser distinguidas duas etapas na primeira entre 1979 e 1982 ainda ocorre uma absorção de recursos reais do exterior financiada por queima de reservas pois houve apenas um racionamento de novos financiamentos pelo mercado Depois da ruptura do mercado internacional de crédito em 1982 abrese após 1983 um período de crescente transferência de recursos ao exterior Inicialmente em 1983 e 1984 essas transferências realizamse no âmbito de um racionamento ainda maior de novos créditos desta feita supervisionado pelo FMI Depois de 1985 o racio namento convertese em supressão absoluta de novos financia mentos implicando pagamentos crescentes ao exterior Ricardo Carneiro 122 Desenvolvimento em crise 123 Absorção real transferência financeira e o racionamento pelo mercado 19791982 De 1979 a 1982 a contração de liquidez internacional inicia uma fase de racionamento de crédito por parte das instituições bancárias o que determina uma absorção de recursos finan ceiros pelo país inferior à de recursos reais2 Assim parcela do déficit em transações reais é financiada com a queima de re servas Esse padrão se agrava em 1982 quando o persistente embora diminuto déficit em transações reais é integralmente financiado pelas reservas em um contexto de esgotamento do mercado voluntário de crédito Ou seja a absorção de recursos reais durante o período só é viabilizada parcialmente por uma transferência de recursos financeiros pela perda de reservas acumuladas no período pregresso Gráfico 6 GRÁFICO 6 Transferência de recursos para o exterior Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos 2 A transferência de recursos para o exterior tem duas dimensões a real e a financeira A primeira é definida como o saldo positivo de transações em bens e serviços A segunda compreende o saldo financeiro positivo ou seja a diferença entre a renda líquida de capitais enviada ao exterior e a entrada líquida de capitais A situação de desequilíbrio entre ambas implica ajustes no nível de reservas Desenvolvimento em crise 123 Na formação do déficit em transações correntes os juros assumem papel primordial elevando a sua participação de 515 em 1979 para 875 em 1982 Simultaneamente o déficit em transações reais reduz sua participação de 414 em 1979 para 95 em 1982 sendo acompanhado nos dois últimos anos por superávits comerciais Tabela 19 Entre 1979 e 1982 a natureza financeira do déficit em transações correntes é portanto inquestionável com a carga de juros tornandose o seu principal componente Por sua vez o ajuste na balança comercial não foi suficiente para compensar o déficit dos ser viços de não fatores resultando na manutenção de saldos de transações reais negativos que se somaram assim ao déficit financeiro Tabela 19 Tabela 19 Déficit em transações correntes valor e com posição 19791982 ItensAnos 1979 1980 1981 1982 Transações Correntes US bi 107 128 117 163 em a Trans Reais 414 384 52 94 Balança Com 264 220 102 48 Serviços Prod 150 163 154 142 b Rendas de Cap 516 549 875 827 c Outros Serv 71 80 90 78 d Transf Unilaterais 02 13 17 00 Fonte Banco Central do Brasil Relatório Anual Vários anos A partir de 1979 além do desequilíbrio da balança comer cial em razão do segundo choque do petróleo há simultanea mente acentuada elevação das taxas de juros que aumentam continuamente tanto em termos nominais quanto reais até Ricardo Carneiro 124 Desenvolvimento em crise 125 19823 e permanecem em patamar elevado ao longo da década Essa dupla pressão sobre o déficit em transações correntes leva a uma situação na qual os novos empréstimos são insuficientes para cobrir o serviço da dívida havendo rápida queima de re servas A situação é mais grave do que a que se apresenta ime diatamente após o primeiro choque do petróleo não só porque o aumento da taxa de juros foi maior como também em razão do já elevado estoque da dívida e da maior participação dos financiamentos a taxas flutuantes Quanto ao estoque da dívida o maior crescimento da dívida líquida perante a dívida bruta demonstra a insuficiência do en dividamento adicional para cobrir o déficit em transações cor rentes tendo sido esta a razão para a perda de reservas Tabela 20 Até 1982 foi possível financiar parcialmente por meio do mercado voluntário de crédito o desequilíbrio do balanço de pagamentos embora condicionado à imposição de ajustar cres centemente a balança comercial Isso se fez por meio de crédi tos em condições mais restritivas recorrendose inclusive a empréstimos de curto prazo Como aponta Batista Júnior 1988 o traço predominante de parcela dos financiamentos obtidos durante o período era seu caráter de curto prazo boa parte constituída de créditos interbancários crédito de curtíssimo prazo tomado por ban cos brasileiros no exterior e repassado a prazos mais longos internamente deteriorando de forma radical o perfil da dívida externa De acordo com os dados da Tabela 20 a participação da dívida de curto prazo na dívida total aumenta de 105 em 1979 para 215 em 1982 Nesse período observase um esgotamento temporário do processo convencional de estatização da dívida por impos sibilidade de se ampliar a dívida das estatais pelo seu elevado 3 Ver Gráfico 2 no Capítulo 1 para a trajetória das taxas de juros durante a década de 1980 Desenvolvimento em crise 125 grau de endividamento e pela desaceleração dos investimen tos públicos Em compensação observase a grande expansão das operações de repasse em razão da limitação quantitativa do crédito imposta pela política econômica doméstica De acor do com Davidoff Cruz 1984 isso levou ao uso mais intenso das operações de repasse inclusive pelas grandes empresas e à intensa dolarização dos passivos das instituições bancárias Rompese assim a divisão tradicional entre captação direta pelo setor público empresas estatais e grandes empresas no tadamente multinacionais e utilização de recursos de repasses pelas empresas privadas nacionais Tabela 20 Dívida externa bruta e dívida externa líquida US bi 19791982 Dívida Externa Bruta Reservas Dívida Externa Líquida Total Registrada Curto Prazo Total Registrada I II III IV V IIV VI IIIV 1979 558 499 59 97 461 402 1980 642 538 104 69 573 469 1981 739 614 125 75 664 539 1982 853 702 151 40 813 662 Fonte Banco Central do Brasil Após 1981 na vigência de um processo recessivo parcela desses recursos tomados pelos bancos não encontra tomadores finais e fica depositada no Banco Central ao abrigo da Circular n230 Representa desse modo endividamento adicional do setor público certamente imprescindível para fechar as contas externas só que agora por meio do endividamento direto das autoridades monetárias De acordo com os dados da Tabela 21 a dívida externa de responsabilidade do setor público ampliase de 55 para 61 do total enquanto a dívida direta do gover no central e da autoridade monetária dobra a sua participação entre 1979 e 1982 passando de 17 para 34 da dívida total Ricardo Carneiro 126 Desenvolvimento em crise 127 Tabela 21 Dívida externa pública 19791982 Itens 1979 1980 1981 1982 19791982 US bi Variação US bi A Dívida Externa Líquida 1 BH 443 559 644 792 349 B Dívida Externa do Setor Privado e Fin Pub AH 201 241 271 311 110 C Dívida Externa Pública Registrada Direta 324 356 406 455 131 D Dívida Externa Pública Não Registrada 22 45 60 87 65 E DRME do Setor Privado no Bacen 30 34 46 46 17 F Setor Público Financeiro Res n63 e Lei n4131 38 49 68 73 35 G Reservas das AM 96 69 70 35 61 H Dív Ext Púb Total Líq Ajust C D E F G 242 317 373 481 239 HA 550 570 580 610 680 I Dív Ext Bruta do Gov Fed e Bacen J K 138 150 181 199 61 J DRME 83 93 122 96 13 K Dív Reg e Não Reg do Gov Fed e Bacen 2 55 57 59 103 48 L Dív Ext Líquida do Gov Fed e Bacen IG 42 81 111 164 122 LH 170 250 300 340 510 Fonte Bontempo 1988a 1 Deduzidos os haveres de bancos brasileiros no exterior 2 Inclui depósitos de projetos Clube de Paris FMI Bônus Syndicated Loan CDR e outros Transferência de recursos para o exterior 19831989 Após a crise do mercado internacional de crédito em 1982 desencadeada pela moratória do México a estratégia básica dos bancos foi reduzir suas exposures nos países em desenvolvimento particularmente na América Latina o que significou a extin ção dos financiamentos voluntários dos déficits em transações Desenvolvimento em crise 127 correntes passandose para a etapa dos financiamentos involun tários sob a supervisão do FMI4 No caso brasileiro esse finan ciamento foi progressivamente menor principalmente a partir de 1984 quando o país passa a obter superávits comerciais ele vados e sistemáticos No limite a posição dos banqueiros era eliminar qualquer financiamento adicional ao país Em outras palavras o défi cit em transações correntes deveria tender a zero Ou seja o superávit comercial deveria ser suficiente para cobrir o déficit de serviços de fatores e não fatores originando um proces so de transferência de recursos reais ao exterior Essa posição embora aparentemente compatível com a manutenção do valor do principal da dívida compreendendo a sua renegociação e o pagamento dos juros tem importantes consequências sobre o estoque da dívida existente Em 1983 iniciase portanto um período caracterizado por contínua transferência de recursos ao exterior Embora as oscilações ano a ano das transferências sejam significativas o que de certa maneira indica as dificuldades de sua realização percebese que seu valor absoluto cresce substancialmente ao longo do tempo Gráfico 6 Nos anos de 1983 a 1989 podem ser distinguidos três subperíodos De 1983 a 1984 no qual a transferência de recursos reais supera a de recursos financeiros resultando em acumulação 4 Os quatro projetos centrais de renegociação da dívida externa brasileira sob supervisão do FMI foram I empréstimo ponte de bancos comerciais proporcional ao envolvimento financeiro anterior II reescalonamento do principal de médio e longo prazos com vencimen to em 1983 III renovação do crédito comercial de curto prazo IV manutenção do crédito interbancário nos níveis de 1982 Ricardo Carneiro 128 Desenvolvimento em crise 129 de reservas Isso ocorreu porque no âmbito dos acordos firmados com os bancos sob supervisão do FMI os finan ciamentos permitiram financiar uma parcela dos juros devi dos Assim a rápida obtenção de superávits em transações reais em particular o megassuperávit comercial de 1984 permitiu acumular reservas De 1985 a 1986 quando a transferência de recursos reais é inferior à de recursos financeiros e acarreta perda de re servas particularmente em 1986 quando atinge US 425 bilhões Há duas razões para tanto de um lado a recu peração da absorção doméstica que deprime o superávit comercial e de outro a redução acentuada dos financia mentos externos E a partir de 1987 quando a transferência de recursos reais volta a superar a de recursos financeiros Aqui dois aspec tos chamam a atenção apesar do volume crescente a dife rença entre ambas é muito pequena indicando que durante o período foram realizadas substanciais transferências aos credores externos o que resultou em pequena acumulação de reservas internacionais Uma das razões pode ser encon trada no pagamento quase integral dos juros atrasados re ferentes ao período em que o país esteve em moratória com os bancos comerciais em 1987 Nesse ano apesar da mora tória o acúmulo de reservas foi pouco expressivo US 700 milhões no conceito de liquidez internacional em razão da ainda elevada absorção doméstica que permitiu a recu peração apenas parcial do saldo comercial Em 1988 e 1989 realizase uma transferência de recursos reais para o exterior sem precedentes por conta do pagamento dos atrasados aos bancos comerciais e como veremos adiante em razão da amortização de parcela da dívida Para um superá vit de transações reais de US 323 bilhões no biênio o acrés cimo de reservas foi de apenas US 23 bilhões Desenvolvimento em crise 129 Os números referidos se refletem em grande medida no de sempenho do balanço de transações correntes durante o perío do O ano de 1983 no qual a conta de renda de capitais superou largamente o saldo de transações reais constituiu uma exceção tendo o saldo negativo sido financiado no âmbito dos acordos com o FMI Nos anos que vão de 1984 a 1989 embora tenha havido grande oscilação do saldo em transações correntes essa conta esteve praticamente equilibrada com o saldo em transa ções reais cobrindo a conta de renda de capitais Tabela 22 Há durante o período dois anos que merecem destaque es pecial Em 1986 ano caracterizado pelo auge da absorção do méstica o déficit em transações correntes de US 53 bilhões foi quase integralmente financiado pela perda de reservas US 425 bilhões Quando ocorreu o oposto como em 1988 ou seja obtevese elevado superávit em transações correntes US 42 bilhões por causa da recessão doméstica esse saldo foi utilizado para pagamento de juros atrasados não se mate rializando em ampliação correspondente de reservas cujo au mento foi de apenas US 17 bilhão Tabela 22 Déficit em transações correntes US bi 19831989 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 Transações Correntes 68 00 02 53 14 42 15 a Trans Reais 51 121 117 69 100 177 150 Balança Com 65 131 125 83 112 192 161 Serviços Prod 13 10 08 15 12 15 11 b Rendas de Cap 110 115 113 111 103 121 122 c Outros Serv 11 07 09 11 12 15 13 d Transf Unilaterais 01 02 01 01 01 01 02 Fonte Banco Central do Brasil Relatório Anual Vários anos O pagamento da quase integralidade dos juros durante esse pe ríodo refletiuse de forma significativa no montante e composição Ricardo Carneiro 130 Desenvolvimento em crise 131 da dívida externa Esse aliás era um resultado esperado pois o não refinanciamento dos juros conduziria necessariamente à estabilização do valor nominal da dívida e seu decréscimo em termos reais A primeira observação diz respeito à dívida de longo prazo registrada bruta A velocidade de seu crescimen to diminui consideravelmente a partir de 1984 para converter se em redução nominal após 1987 Como no período há ganhos de reservas internacionais esse movimento é ainda mais pro nunciado quando se toma a dívida líquida Tabela 23 Esses números atestam a inexistência de financiamentos externos voluntários após 1987 Tabela 23 Dívida externa bruta e dívida externa líquida US bi 19831989 Dívida Externa Bruta Reservas Dívida Externa Líquida Total Registrada Curto Prazo Total Registrada I II III IV V IIV VI IIIV 1983 935 813 122 46 889 767 1984 1020 910 110 120 900 790 1985 1051 958 93 105 946 853 1986 1110 1017 93 67 1043 950 1987 1212 1075 137 75 1137 1000 1988 1135 1025 110 91 1044 934 1989 1147 993 154 97 1050 896 Fonte Banco Central do Brasil O mesmo padrão é observado de maneira atenuada quando se considera a dívida total que inclui a dívida de curto prazo Apenas nos anos de suspensão de pagamentos de juros 1987 e 1989 essa dívida se amplia impedindo a queda do valor nominal da dívida total A conclusão desses dados parece ine quívoca o país não só pagou a maior parte dos juros da dívida como também a parcela do principal acarretando uma redução no valor real do endividamento o que nos leva a examinar os mecanismos pelos quais esse resultado foi logrado Desenvolvimento em crise 131 Sem desprezar as reduções reais da dívida ocorridas por conta do pagamento de juros ou dos mecanismos de conversão tomemos os fluxos financeiros segundo os tipos de credores externos Tabela 24 A partir de 1982 iniciase a transferência líquida de recursos financeiros porém desse ano até 1984 ain da ocorre significativa entrada de empréstimos que financiam parcela dos juros e a totalidade das amortizações Quanto às últimas seu montante cai significativamente a partir de 1983 em razão dos acordos de reescalonamento do principal celebra dos com os bancos comerciais É importante destacar nesse primeiro período a redução da exposure dos bancos comerciais por meio da diminuição dos no vos financiamentos cujos valores são inferiores ao montante de juros Os novos ingressos portanto advêm principalmen te das agências governamentais e dos organismos multilate rais com destaque para o FMI sob cuja supervisão o processo de reestruturação da dívida foi realizado Essa reestruturação implicou assim o aumento da participação dessas agências e organismos multilaterais como forma de viabilizar a retirada parcial dos bancos comerciais O período seguinte de 1985 a 1989 é marcado por um pa tamar de transferência financeira líquida bem mais elevada em média US 10 bilhões por ano acumulando US 50 bi lhões em cinco anos e ainda por algumas particularidades de grande importância O patamar de novos financiamentos cai de maneira acentuada a partir de 1987 tornando seus valores insuficientes até para cobrir as amortizações pagas Esse aspec to é básico para entender a redução da dívida externa de longo prazo após esse ano Vejamos então os seus detalhes Os bancos comerciais não aportam novos financiamentos em 1985 e 1986 A partir de 1987 há contudo financiamento adicional compulsório de parcela dos juros em razão da mora tória decretada em janeiro desse ano Em 1988 quando parte dos atrasados é paga há simultaneamente o refinanciamento Ricardo Carneiro 132 Desenvolvimento em crise 133 Tabela 24 Fluxos financeiros por credor externo US bi Tabela 24 19821989 Credor Externo 19821984 19851987 19881989 BIRD Ingressos 31270 33120 19980 Amortizações 8030 16430 21170 Juros 5320 15480 13310 Líquido 17920 1210 14500 BID Ingressos 9340 11180 6230 Amortizações 4020 5240 4980 Juros 2820 5130 3600 Líquido 2500 810 2350 FMI Ingressos 44920 00 4700 Amortizações 00 18220 17780 Juros 2720 10390 5190 Líquido 42200 28610 18270 Bônus Ingressos 1120 00 00 Amortizações 6670 11660 10210 Juros 8310 4680 1800 Líquido 13860 16340 12010 Intercompanhias Ingressos 9000 6620 1880 Amortizações 7910 6830 5170 Juros 6470 6770 4840 Líquido 5380 6980 8130 Bancos Ingressos 245290 7150 48400 Amortizações 72280 6290 25380 Juros 265250 185000 154280 Líquido 92240 184140 131260 Agenc Govern Ingressos 28630 13330 1110 Amortizações 11040 22840 13880 Juros 9770 19840 19560 Líquido 7820 29350 32330 Outros Ingressos 55160 21670 20280 Amortizações 41180 14430 15350 Juros 41970 13940 8680 Líquido 27990 6700 3750 Total Ingressos 424730 93070 102580 Amortizações 151130 101940 113920 Juros 342630 261230 211260 Líquido 69030 270100 222600 Fonte Banco Central do Brasil Relatório anual 1988 e 1989 Desenvolvimento em crise 133 da outra parte devida Por fim em 1989 em razão das difi culdades cambiais são novamente suspensos os pagamentos Como se vê apesar de mantida a lógica do pagamento da maior parcela possível dos juros devidos aos bancos comerciais as di ficuldades cambiais conduzem ao financiamento compulsório de uma parcela dos juros A consequência desse processo é que a dívida externa total nominal junto aos bancos comerciais se estabiliza a partir de 1986 A queda do valor nominal da dívida registrada observada a partir de 1988 é parcialmente compensada pela elevação da dívida de curto prazo que contabiliza os atrasados5 Após 1988 o declínio do valor nominal expressa uma depreciação acelera da da dívida em termos reais Retomandose a questão das transferências líquidas con cluise que após 1985 a elevação de seu patamar está vincu lada ao aumento de pagamento de juros aos bancos privados e depois de 1987 às amortizações pagas às agências governa mentais e instituições multilaterais Em 1985 apenas 65 do fluxo líquido negativo era de responsabilidade desses orga nismos passando esse valor para 22 em 1986 e para uma média anual de 38 entre 1987 e 1989 Interessa assinalar que a maior parcela desses fluxos negativos se deve às amor tizações o que elucida de maneira mais decisiva a redução da dívida nominal a partir de 1987 Essa é de fato uma pressão adicional sobre o balanço de pagamentos do país a partir de meados dos anos 80 Cabe assinalar por fim que aos sucessivos desequilíbrios no balanço de pagamentos decorrentes inicialmente da dívida junto ao setor privado e seguidos do débito diante de institui 5 Dados do Banco Central dão conta que entre 1986 e 1988 a dívida total junto aos bancos comerciais estabilizase em torno de US 70 bilhões Ao decrésci mo da dívida registrada corresponde um aumento da dívida de curto prazo que inclui os atrasados Ricardo Carneiro 134 Desenvolvimento em crise 135 ções multilaterais agregase um outro que tem origem no com portamento do capital produtivo A remessa de lucros e dividen dos cresce continuadamente após 1982 passando de 43 do total da renda de capitais para 20 em 1989 Os investimentos diretos cujo patamar anual era de US 15 bilhão no triênio 19791982 declinam progressivamente até atingir US 130 milhões em 1989 O que se pode concluir com relação a esse aspecto é que outra pressão adicional sobre o balanço de pagamentos se ori gina da repatriação do capital produtivo Além da estagnação da economia doméstica esse movimento está determinado pelo acirramento da concorrência nos países centrais e pelo surgi mento de uma legislação que estimula a repatriação de capitais notadamente nos Estados Unidos principal investidor estran geiro no Brasil Uma das principais consequências da ruptura do padrão de financiamento externo e do excessivo endividamento foi sem dúvida o elevado grau de estatização da dívida externa Vimos anteriormente o primeiro impulso a esse endividamento extra do setor público nos anos de 1979 a 1982 Há contudo um segundo movimento de ampliação da dívida externa estatal a partir de 1983 paradoxalmente quando se rompe o financia mento externo Apesar da radical diminuição dos financiamentos líquidos o processo de endividamento externo do setor público pros seguiu por meio de dois mecanismos do endividamento adi cional perante os organismos multilaterais e agências gover namentais e pela absorção de dívida externa do setor privado Isso conduziu a um salto da participação da dívida pública no total da dívida externa de 61 em 1982 para 71 em 1984 e 81 em 1987 A absorção prosseguiu em ritmo mais lento a partir de então atingindo 85 do total da dívida em 1989 Tabela 25 Desenvolvimento em crise 135 Tabela 25 Dívida externa pública US bi 19831989 1983 1984 198284 variação 1985 1986 1987 198487 variação 1988 1989 198789 variação A Dív Ext Líq B H 871 878 86 916 1043 1137 259 1120 1051 87 B Dív Ext do Setor Priv e Fin PubAH 251 251 60 217 233 218 34 278 173 44 C Dív Ext Púb Reg Direta 590 706 251 774 861 922 217 904 888 34 D Dív Ext Púb Não Reg 67 41 46 33 30 72 32 36 77 05 E DRME do Setor Priv no Bacen 69 58 12 49 32 39 19 22 29 10 F Setor Púb Financ Res n63 e Lei n4131 67 65 08 52 46 40 25 28 21 19 G Reservas das AM 40 113 79 105 68 75 39 91 97 22 H Dív Ext Púb Total Líq Ajust C D E F G 620 626 145 699 810 920 293 843 877 42 HA 710 710 1700 760 70 810 1130 750 830 490 I Dív Ext Bruta do Gov Fed e Bacen J K 312 372 172 363 435 517 145 537 600 84 J DRME 117 108 12 91 57 57 51 42 46 11 K Dív Reg e Não Reg do Gov Fed e Bacen 1 196 263 160 273 378 459 196 495 554 95 L Dív Ext Líq do Gov Fed e Bacen IG 272 258 94 258 367 442 184 446 503 61 LH 440 410 640 370 450 480 630 530 570 1450 Fonte Bontempo 1988a Banco Central do Brasil Ricardo Carneiro 136 Desenvolvimento em crise 137 A descrição dos mecanismos de endividamento durante os subperíodos esclarece a questão Como foi dito no biênio 19821983 a dívida pública externa aumenta significativamen te O aspecto mais relevante contudo é que dois terços desse aumento se dão na dívida do governo federal e Bacen que cres ce de 34 para 41 do total Ao mesmo tempo há um declí nio relativo mas também absoluto da dívida externa privada Tabela 25 Nesse período além do endividamento adicional foi de grande importância a transferência de dívida externa pri vada para o setor público como apontam Batista Júnior 1989 e Cavalcanti 1988 A renegociação da dívida externa sob a supervisão do FMI implicou a sua centralização no Banco Central Foi essa institui ção quem recebeu os depósitos de projeto tanto os referentes ao dinheiro novo quanto ao refinanciamento das amortizações incluindo a consolidação dos débitos de curto prazo Aqui há de se distinguir um duplo movimento de estatização um relativo ao principal da dívida e outro referente aos juros No que tange ao principal o acordo de renegociação esta belecia que a dívida vincenda tanto do setor público quanto do setor privado seria automaticamente refinanciada O setor pri vado em sua larga maioria optou por prépagar as suas dívidas externas realizando o depósito de seu contravalor em moeda doméstica no Banco Central Assim essa autoridade monetária ficou com disponibilidade para emprestar ao setor público uma parcela da dívida externa maior do que aquela que originalmen te lhe pertencia As necessidades de recursos do setor público referentes não só às amortizações que estavam automaticamen te refinanciadas mas também ao pagamento dos juros fizeram que absorvesse a parcela da dívida paga pelo setor privado Ou seja na prática o Bacen remanejou recursos e financiou parte dos juros que teriam de ser pagos pelo setor público Do ponto de vista das contas do Banco Central os depósitos de projeto significaram uma ampliação do passivo Desenvolvimento em crise 137 dolarizado que tinha contrapartida nas contas ativas com o reempréstimo relending aos setores público e privado O prépagamento realizado pelo setor privado abria a pos sibilidade de manejar a composição das contas ativas sem alterar o passivo dolarizado6 Os dados da Tabela 25 mos tram que no biênio 19831984 a redução absoluta da dívida externa privada US 6 bilhões equivale a 40 do aumento da dívida pública externa líquida Esta última por sua vez tornase crescentemente responsabilidade do governo fede ral e Banco Central No triênio 19851987 a ampliação da estatização da dí vida obedece a causas variadas embora a transferência de dí vida privada para o setor público ainda tenha respondido por 12 do incremento da dívida externa deste último Igualmen te importantes foram a perda de reservas e a moratória que responderam respectivamente por 11 e 13 do acréscimo da dívida externa líquida do setor público Nesse período cer ca de dois terços do aumento da dívida deveramse ao refi nanciamento dos juros junto a credores oficiais como aqueles representados pelo Clube de Paris Isso implicou também au mento da dívida de longo prazo de responsabilidade do gover no federal e Banco Central cuja participação na dívida total ultrapassa 50 Tabela 25 No último biênio 19881989 a estatização ocorre ape nas em termos relativos em razão da maior velocidade de re dução da dívida privada quando comparada à pública Isso se deveu a diversas razões entre as quais as operações de con versão de dívida em investimento restritas à dívida privada No âmbito da dívida pública a nova suspensão dos pagamen tos dos juros dessa feita de maneira parcial e acordada impe 6 Veremos no Capítulo 5 que o não pagamento dos juros da dívida externa em valores superiores ao disponível para reempréstimo constituiu uma im portante fonte de pressão sobre a dívida pública doméstica Ricardo Carneiro 138 Desenvolvimento em crise AT diu a redução da dívida de curto prazo Cabe ainda referir que os mecanismos de transferência de dívida externa intrassetor público continuam ativos mesmo diante da redução do esto que de dívida Tabela 257 Vimos neste capítulo que a economia brasileira em face da ruptura do financiamento externo foi obrigada a realizar cres centes transferências de recursos reais para o exterior Ademais dada a maior parcela de dívida externa sob a responsabilidade do setor público foi este último quem arcou com o ônus princi pal dessa transferência A maneira pela qual esses dois proces sos afetaram a capacidade de crescimento da economia e as fi nanças públicas será objeto de análise dos próximos capítulos 7 A transferência intrassetor público da responsabilidade sobre a dívida ex terna terá importantes repercussões sobre as contas do BC e a dívida públi ca interna como veremos no Capítulo 5 139 4 Restrição cambial e crescimento econômico Durante os anos 80 a economia brasileira apresentou con trastes significativos com as décadas pregressas especialmente com os anos 70 A queda acentuada do ritmo de crescimento observada nessa década indica o esgotamento de um padrão cuja marca foi o excepcional dinamismo durante os anos da moderna industrialização após 1930 e particularmente desde meados dos anos 50 O confronto entre as décadas de 1970 e 1980 indica tam bém nítida diferença na configuração dos ciclos econômicos Enquanto nos anos 70 observouse após o intenso crescimen to do milagre econômico 19701973 um longo período de desaceleração entre 1974 e 1980 marcado ainda por taxas de crescimento elevadas os anos 80 caracterizaramse pela alter nância de ciclos breves de recessão e expansão e por uma taxa de crescimento próxima ao aumento da população Gráfico 7 Ricardo Carneiro 140 Desenvolvimento em crise 141 Ainda mais importante do que a retração do crescimento do produto foi a trajetória do investimento A sua desacelera ção a partir de meados dos anos 70 foi substituída pela redução absoluta e variações intensas ao longo dos anos 80 indicando um clima de profunda incerteza e ausência de um padrão de crescimento sustentado Outro aspecto marcante da década de 1980 diz respeito às relações com o exterior Enquanto nos anos 70 houve sistemática absorção de recursos reais do exte rior por meio de déficits comerciais permanentes os anos 80 ao contrário caracterizaramse pela contínua transferência de recursos reais para o exterior via obtenção de superávits comer ciais recorrentes GRÁFICO 7 Desempenho comparado anos 70 versus 80 Fonte FIBGE Contas Nacionais A drástica redução do crescimento a estagnação do pro duto per capita a regressão do investimento e a transferência de recursos reais ao exterior são assim os pontos de destaque numa caracterização da década de 1980 Essas características por sua vez não podem ser tomadas como independentes entre si Há entre elas uma hierarquia ou mais precisamente uma maior relevância da transferência de recursos reais como fator determinante da trajetória das demais variáveis econômicas Do nosso ponto de vista a obrigatoriedade de transferir recursos Desenvolvimento em crise 141 reais para o exterior para servir a dívida externa criou um cons trangimento ao desenvolvimento da economia nacional As interpretações sobre a década perdida Uma década marcada por desempenho econômico tão des favorável suscitou interpretações divergentes sobre as razões dessa performance Do conjunto dessas visões podemos extrair três interpretações distintas A primeira diagnosticava que na raiz do pequeno dinamismo estava a incompatibilidade en tre crescimento doméstico e transferência de recursos reais para o exterior Numa posição intermediária temos a tese da possibilidade de retomada do crescimento condicionada à sua reorientação para compatibilizálo com a restrição externa Por fim no outro extremo estava a postura na qual se ressaltava a ausência de obstáculo externo ao crescimento Na primeira vertente de interpretações situamse os tra balhos de economistas críticos do ajuste externo da economia brasileira Uma síntese das suas posições encontrase em Bra sil 1987a no qual se conclui que as tentativas de retomar o crescimento econômico e melhorar a distribuição da renda rea lizadas em meados da década de 1980 esbarraram na restrição externa ou seja na imperiosidade de gerar elevados superávits comerciais para fazer face ao serviço da dívida Segundo o documento a compatibilidade entre crescimento e transferência de recursos para o exterior só seria viável na eta pa de recuperação do ciclo na qual o crescimento ocorreria com base em ocupação da capacidade produtiva ociosa Uma vez utili zada plenamente a capacidade existente o crescimento passaria a depender do aumento da taxa de investimento requerendo a rápida ampliação das importações e redução do saldo comercial Observando a questão de uma perspectiva de longo prazo Cardoso de Mello 1984 assinala a inconsistência temporal en Ricardo Carneiro 142 Desenvolvimento em crise 143 tre o crescimento das exportações o principal fator para a gera ção e sustentação dos superávits e a transferência de recursos ao exterior Isso porque o bom desempenho das primeiras depen deria da renovação tecnológica do parque produtivo nacional num contexto internacional de aceleração do progresso técni co Tal performance só poderia ser conseguida pela preservação da taxa de investimento em patamares elevados com o neces sário e correspondente aumento das importações Ainda na vertente crítica Moura da Silva 1984 adverte que a política de ajuste imposta pelos credores externos e o FMI ao Brasil teria criado obstáculos ao crescimento sustentado do país O período do ajustamento recessivo gerou condições para um crescimento de curto prazo mas comprometeu o cresci mento de longo prazo porque a taxa de acumulação de capital teria que ficar abaixo da taxa de poupança interna para viabili zar a transferência de recursos reais ao exterior O sentido geral do ajustamento era reduzir o excesso de dispêndio ou o déficit em transações correntes adaptandoo às novas disponibilidades de financiamento bem mais reduzi das Dois eram os requisitos básicos para viabilizar tal ajuste diminuir o déficit público aumentando a poupança domés tica em particular a do setor público o principal devedor e ao mesmo tempo mudar a estrutura de preços relativos para ampliar o coeficiente exportado e diminuir o coeficiente impor tado viabilizando a geração de divisas Entre 1979 e 1984 a mudança de preços relativos teve como ponto central a política cambial Realizouse também uma po lítica agressiva de recuperação de preços administrados e in sumos estratégicos basicamente produzidos por estatais e uma redução gradual de subsídios e incentivos fiscais às expor tações O principal objetivo dessa política era utilizar a política cambial ativa como instrumento de competitividade das expor tações em substituição à política de incentivos implícitos e ex plícitos que havia caracterizado a segunda metade dos anos 70 Desenvolvimento em crise 143 Opinião distinta quanto à possibilidade de êxito do ajus te externo da economia foi defendida pelo à época ministro Delfim Netto 1984 Para o exministro desde meados de 1979 promoveramse importantes modificações estruturais na economia brasileira O principal eixo da mudança de acordo com a sua análise foi a transformação da matriz energética a principal responsável pelo desequilíbrio externo As demais modificações estiveram subordinadas a esse eixo estratégico destacandose a contenção do déficit público e o redireciona mento do setor produtivo para o mercado internacional obje tivando tornar as exportações a nova fonte de dinamismo do crescimento O desequilíbrio externo foi enfrentado principalmente por meio de uma política cambial ativa compreendendo as maxidesvalorizações de 1979 e 1983 e as minidesvalorizações sem desconto da inflação externa ou seja a indexação plena do câmbio A política visava a ampliar o coeficiente exportado e a reduzir o coeficiente importado produzindo um superávit comercial Isso seria conseguido fundamentalmente pela alte ração de preços relativos ou seja pela elevação dos preços em moeda doméstica dos bens comercializáveis reduzindo sua absorção interna e pela conversão de não comercializáveis em comercializáveis via barateamento de seus preços em moeda estrangeira e finalmente pelo encarecimento dos bens im portados Notese que essa não seria apenas uma política de curto prazo mas visava a conectar o maior número possível de setores produtivos ao mercado internacional tornando as exportações uma variávelchave do novo modelo de crescimen to econômico Em nenhum momento essa interpretação faz referência à transferência de recursos reais como fator de limitação absolu ta do crescimento do país Segundo Delfim Netto 1984 havia se realizado um ajustamento estrutural da economia que não colidiria com a restrição externa O ajuste recessivo teria sido Ricardo Carneiro 144 Desenvolvimento em crise 145 necessário para reorientar a economia cujo crescimento numa segunda etapa dependeria do desempenho das exportações Os efeitos multiplicadores dessas últimas por sua vez dinamiza riam o mercado interno Segundo o então ministro não haveria incompatibilidade entre a preservação do saldo comercial e o crescimento da de manda doméstica em especial do investimento O pressuposto dessa visão era o de que o país conseguiria financiar déficits em transações correntes desde que reduzidos e crescer com base no drive exportador mesmo realizando transferência de recursos reais ao exterior Em termos mais precisos era necessário obser var o cumprimento de duas condições o maior crescimento das exportações ante as importações para garantir o saldo comercial e uma taxa de incremento das exportações superior à taxa de ju ros incidente sobre a dívida externa Garantiase dessa maneira um déficit em transações correntes declinante e o pagamento de parcela crescente deste Nessas condições seria viável retor nar ao mercado de crédito internacional e obter financiamento para a parcela não coberta desse déficit Em contraposição radical às teses anteriores destacase o trabalho desenvolvido por Castro Souza 1985 no qual se nega a relevância do ajustamento recessivo na transformação e reorientação da economia brasileira bem como a limitação ao crescimento oriunda da transferência de recursos reais ao exterior O argumento principal é o de que a rápida superação da crise cambial no início dos anos 80 não se deveu à política de ajustamento controle dos gastos e mudanças de preços relati vos mas às mudanças estruturais resultantes da implantação do II PND boa parte delas produzindo resultados a partir do início dos anos 80 Segundo esses autores as transformações levadas a cabo durante o II PND haviam permitido ao país não só a geração de um superávit comercial de natureza estrutural mas a su peração do subdesenvolvimento Assim a ideia central dessa Desenvolvimento em crise 145 tese era a de que o processo de substituição de importações levado a cabo durante o II PND havia possibilitado à econo mia operar em níveis de atividade crescentes sem alterações significativas na capacidade para importar Mais ainda admi tiase a possibilidade de geração de superávits após a elimi nação da capacidade ociosa ou seja na fase de aceleração do ciclo quando o investimento estivesse crescendo acima do produto Essa concepção sobre as implicações do ajustamento realizado no período 19741979 tem como uma das principais implicações negar a relevância do constrangimento cambial ao crescimento Crescimento ciclo e geração de superávits As evidências empíricas Tabela 26 permitem caracterizar os anos 80 como um período de estagnação Após o esgotamen to de um longo ciclo de expansão a economia ficou à deriva sem encontrar um novo padrão de crescimento sustentado O crescimento do PIB com significativa redução quando confronta do com a tendência histórica traduz de forma mais imediata os contornos dessa estagnação Contudo no crescimento negativo do investimento ela adquire o seu significado mais profundo Há outros aspectos importantes tais como a redução da propen são média a consumir e os superávits comerciais estes últimos obtidos de forma sistemática apesar da deterioração persistente dos termos de intercâmbio com o exterior O aspecto comum a todas as variáveis econômicas durante a década é sua grande variabilidade ou mais precisamente seu elevado grau de instabilidade cuja expressão maior é a curta duração dos ciclos econômicos caracterizados por breves períodos de expansão e retração Desse ponto de vista o exem plo mais ilustrativo é o do investimento pois apresenta intensa retração em 19811983 expansão equivalente em 19841986 e nova retração em 19871989 Em escala menor essa volatilidade Ricardo Carneiro 146 Desenvolvimento em crise 147 é também observada para o consumo e para as variáveis defini doras do saldo comercial Tabela 26 Taxa de crescimento das principais variáveis econômicas aa 19811989 Períodos PIB Consumo FBCF Exportação Importação Memo Saldo do PIB 198189 22 18 14 85 13 48 198183 21 22 117 80 120 26 198486 70 64 112 53 77 49 198789 21 13 22 123 15 67 Intervalo de Variação aa 40 a 83 57 a 97 163 a 222 106 a 213 174 a 286 Fonte FIBGE Contas Nacionais Evidências empíricas nos permitem associar a instabilidade à incompatibilidade entre a geração de superávits comerciais e o crescimento Observemse a esse propósito as relações entre o desempenho do investimento e das variáveis definidoras do saldo comercial No período recessivo quando o investimento se retrai ocorre uma redução proporcional das importações e uma aceleração do crescimento das exportações Na retomada do crescimento interno quando o investimento volta a crescer ampliamse as importações e cai a taxa de crescimento das ex portações O mesmo comportamento é observado em escala atenuada nas relações entre consumo e as variáveis definidoras do saldo Os dados macroeconômicos sugerem portanto uma in compatibilidade entre a preservação do superávit comercial e o aumento do investimento cuja origem advém tanto da am pliação das importações como da insustentabilidade do ritmo ascendente das exportações ante o crescimento sustentado da absorção doméstica Em menor escala essa contradição é Desenvolvimento em crise 147 observada também com relação ao aumento do consumo e leva a concluir pela existência de forte oposição entre geração de superávits comerciais e crescimento da absorção doméstica pelo menos quando o aumento desta última se faz a taxas históricas Instabilidade e declínio do investimento A impossibilidade da conciliação entre transferência de re cursos reais ao exterior e o crescimento sustentado tem sua expressão maior no mau desempenho do investimento Uma das razões essenciais para esse comportamento encontrase na dissociação entre investimentos privados e públicos cuja rup tura constitui uma indicação clara do esfacelamento do padrão de crescimento pregresso São aspectos centrais dessa ruptura o decréscimo sistemático dos investimentos do setor produtivo estatal a insustentabilidade do gasto público e o baixo patamar dos investimentos privados Tabela 27 Tabela 27 Evolução do investimento por agente1 19811989 Total Setor Produtivo Estatal Administração Pública Setor Privado Outros2 aa aa do to tal aa do total aa do total aa do total 198189 14 74 178 01 125 00 669 56 28 198183 117 108 222 126 108 115 640 178 30 198486 105 10 175 294 140 102 661 130 24 198789 16 101 135 165 134 26 706 96 26 Fonte FIBGE e Sest 1 Dados deflacionados pelo deflator implícito da Conta de Capital 2 Inclui matas plantadas novas culturas permanentes e animais reproduto res importados O investimento público stricto sensu concentrado em obras de infraestrutura mostra crescimento desprezível nos anos 80 Ricardo Carneiro 148 Desenvolvimento em crise 149 É marcado por fortes oscilações cíclicas e pela incapacidade de sustentar patamares elevados em períodos mais longos compa rativamente ao investimento privado O padrão de ajustamento adotado ao longo da década que sempre privilegiou o corte de investimentos como mecanismo de ajuste fiscal e posterior mente a crise financeira do setor público ambos decorrentes da transferência de recursos para o exterior constituem a origem desse comportamento As oscilações dos investimentos do setor produtivo estatal são menos intensas pois o movimento de queda do patamar é contínuo não se recuperando o pico das inversões ocorrido em 1981 Vimos no capítulo anterior a dependência das em presas estatais do financiamento externo para a realização dos seus programas de investimento O esgotamento dessa fonte de recursos e a obrigatoriedade de pagar pelo menos os juros da dívida contraída constituíram as razões principais para a queda permanente dos investimentos nesse setor Diante desse comportamento do conjunto dos investimen tos estatais possuidores de caráter estratégico por se locali zarem nas áreas de infraestrutura e insumos básicos não se poderia esperar desempenho distinto do investimento privado marcado pelo declínio e por fortes oscilações cíclicas refletin do em última instância ausência de um horizonte de cresci mento sustentado1 As informações sobre distribuição do investimento tam bém dão suporte à tese da estagnação Em sua composição vêse o peso decrescente das máquinas e equipamentos Já a par 1 A ausência de declínio do investimento privado no triênio 19871989 em desacordo com a trajetória do investimento estatal está fortemente con dicionada pelo ano de 1989 no qual a crescente explicitação do processo hiperinflacionário motiva o deslocamento da riqueza financeira para ativos reais aumentando a atividade da construção civil e até mesmo a importa ção de bens de capital sem similar nacional Desenvolvimento em crise 149 ticipação da construção civil na formação de capital ampliase traduzindo apenas desempenho menos medíocre com taxa de crescimento nula Assim o decréscimo absoluto mais elevado e as variações cíclicas mais intensas dos gastos em máquinas e equipamentos testemunham a insustentabilidade do padrão de crescimento Tabela 28 Tabela 28 Variação e composição da FBCF segundo segmento1 19811989 Total Construção Máquinas e Equipamentos Outros2 aa aa do total aa do total aa do total 198189 14 02 678 40 296 56 27 198183 117 73 677 197 293 178 30 198486 105 80 675 164 302 130 23 198789 16 04 681 54 293 96 26 Fonte FIBGE Contas Nacionais Consolidadas 1 Dados deflacionados pelos deflatores implícitos da Conta de Capital 2 Inclui matas plantadas novas culturas permanentes e animais reproduto res importados Uma qualificação adicional sobre o caráter do investimen to durante a década reforça o ponto anterior Segundo Suzigan 1988 o crescimento da indústria de bens de capital ocorre fundamentalmente no setor de bens seriados enquanto o de bens sob encomenda revela baixo dinamismo Caracterizase dessa forma o denominado investimento de modernização cuja marca principal é a introdução de novas máquinas desti nadas a elevar a produtividade sem alterações substantivas na capacidade produtiva As informações analisadas até aqui atestam a desarticula ção do padrão de desenvolvimento vigente por décadas na eco Ricardo Carneiro 150 Desenvolvimento em crise 151 nomia brasileira no qual o investimento público e o do setor produtivo estatal desempenhavam o papel de indutor do in vestimento privado Certamente o pouco de dinamismo ainda subsistente no investimento devese ao investimento privado nos setores vinculados à exportação e à produção de bens de consumo como veremos adiante A questão de maior importância relativa ao desempenho do investimento referese à incapacidade da orientação exportado ra em constituir o elemento da sua dinamização Ou seja os mercados adicionais originados da nova inserção exportadora foram insuficientes para assegurar a elevação e sustentação da taxa de investimento Certamente o aspecto quantitativo vale dizer o pequeno grau de abertura da economia brasileira de sempenha aqui o seu papel Todavia mais relevante ainda é o aspecto qualitativo ou seja a noção de que o crescimento do mercado interno continuou a ser o elemento dinâmico por excelência na determinação do investimento Os mercados ex ternos foram e continuaram a ser complementares Olhada a mesma questão de um ponto de vista microeco nômico ou seja dos determinantes do investimento podese afirmar que em alguns poucos setores nos quais o Brasil pos suiu vantagens comparativas absolutas os mercados externos puderam se constituir no incentivo principal ao investimento Na grande maioria dos segmentos produtivos foi a perspectiva de expansão do mercado interno que determinou a decisão de investir com a possibilidade de acessar os mercados externos desempenhando papel secundário Os ciclos do consumo Quando se examina a trajetória do consumo ao longo dos anos 80 constatase sua contribuição ao processo de ajusta mento externo viabilizando a transferência de recursos reais Desenvolvimento em crise 151 para o exterior Os dados agregados mostram seu crescimento inferior ao do PIB quando se toma o conjunto dos anos 80 indi cando uma redução da propensão média a consumir No entanto é também perceptível a sua grande variabilidade ou seja a sua intensa aceleração e desaceleração durante o ciclo econômico superior à variabilidade do produto total Tabela 26 Os dados sobre o consumo na região metropolitana de São Paulo Tabela 29 pelo seu nível de desagregação podem ilus trar melhor o ocorrido nessa década O crescimento para o total do consumo é nulo e ligeiramente negativo para a maioria das categorias de bens à exceção de bens não duráveis e autope ças Ademais fica também confirmada a intensa variabilidade do consumo associada ao ciclo econômico Como regra geral observase que quanto maior a durabilidade do bem maior é a variação do seu consumo ante o ciclo econômico Isso decorre do grau de essencialidade do bem das características da deman da reposição concentrada no tempo para os bens duráveis e da substituibilidade ante os ativos financeiros Tabela 29 Região metropolitana de São Paulo Faturamento real do comércio varejista Variação 19811989 Concess Veículos Auto peças e Acessór Material Constr Bens Duráveis Bens Semidur Bens Não Duráveis Comércio Geral 1981 361 298 185 215 39 07 156 1982 32 47 40 70 99 155 69 1983 01 47 60 131 25 89 52 1984 113 239 162 69 103 97 40 1985 363 285 43 47 161 218 177 1986 112 310 257 267 90 157 168 1987 334 142 325 281 231 187 245 1988 299 18 136 118 84 170 34 1989 57 27 121 51 74 168 45 198089 01 59 54 53 01 40 08 Fonte FCESP Ricardo Carneiro 152 Desenvolvimento em crise 153 Para o período 19811986 os dados mostram uma correla ção elevada do consumo de bens duráveis com o ciclo econô mico e a importância menor deste último no consumo de bens correntes e semiduráveis A comparação do período recessivo 19811983 com a recuperação 19841986 permite confir mar que o consumo de não duráveis ao contrário dos duráveis não sofre tanta influência da redução do nível de atividades Já na recuperação o consumo de todas as categorias é prócíclico embora com diferentes intensidades Em resumo a aceleração do crescimento do consumo após o período recessivo deveuse na sua maior parte ao cresci mento dos bens duráveis Interessa assinalar o peso do elevado grau de liquidez da riqueza financeira das famílias de alta renda e dos episódios de sua conversão em consumo para a definição desse comportamento Certamente esse padrão foi condiciona do pela antecipação do consumo durante as fases de congela mento de preços Exemplo da tendência anterior é a baixa correlação do con sumo de bens de maior durabilidade com o ciclo econômico a partir de meados de 1987 A continuidade do seu crescimento apesar do declínio da renda está inicialmente associada ao congelamento de preços do Plano Bresser e posteriormente ao início de um processo hiperinflacionário no qual uma das principais características é a conversão de ativos financeiros em ativos reais Para as famílias de mais alta renda isso significa a conversão de poupança financeira em bens de consumo de alto valor unitário O expressivo crescimento das vendas de au tomóveis em 1988 e de materiais de construção em 1989 é bastante ilustrativo desse fenômeno Tabela 29 As intensas variações do consumo podem ser atribuídas ao processo de ajustamento para a geração dos superávits comer ciais Este ao ter como um dos elementos centrais uma política monetária restritiva acumulou nas mãos das camadas de alta renda uma considerável massa de riqueza financeira com ele Desenvolvimento em crise 153 vado grau de liquidez Na recuperação o crescimento da renda associado à elevada disponibilidade de riqueza financeira por parte das famílias induziu a uma propensão maior a consumir cuja tradução é a conversão de poupança financeira em consu mo de bens duráveis Os períodos de congelamento de preços e a aceleração da inflação ao final da década apenas magnificaram esse movimento Dinâmica produtiva comércio exterior e saldo comercial Outra questão de importância referese aos efeitos da nova orientação da economia e da transferência de recursos reais sobre a trajetória da produção do comércio exterior e do sal do comercial Há aqui dois assuntos distintos a investigar de um lado até que ponto a orientação exportadora decorrente da nova configuração de preços relativos foi suficiente para asse gurar o dinamismo da economia de outro a origem e susten tabilidade dos saldos comerciais Dinâmica produtiva e inserção externa O desempenho medíocre do investimento refletiuse de for ma negativa no comportamento das atividades produtivas pois estas apresentaram declínio substancial nas taxas de crescimen to dos principais segmentos durante a década Tabela 30 Esses dados constituem também uma indicação adicional da insufi ciência dos estímulos oriundos do setor exportador para a sus tentação do crescimento da economia brasileira Além disso algumas características centrais da década são surpreendentes a estagnação da produção na indústria de transformação contrasta com a preservação do crescimento na agropecuária Mais ainda Ricardo Carneiro 154 Desenvolvimento em crise 155 ocorre uma nítida dissociação entre o comportamento cíclico desses dois setores bastante visível quando se comparam as suas taxas de crescimento Tabela 30 PIB setorial taxas de crescimento aa 19811989 Agropecuária Indústria Total Total Vegetal Animal Total Extrat Mineral Transf Constr Serv Ind Util Pub 198189 25 31 34 24 11 72 08 01 67 198183 16 24 14 39 54 64 57 78 58 198486 74 15 33 17 90 145 85 103 102 198789 20 55 54 53 02 12 01 12 41 Fonte FIBGE Contas Nacionais Consolidadas No setor agropecuário as lavouras registram crescimento superior ao da pecuária e mantêm uma vinculação tênue com o ciclo industrial A pecuária pelo contrário mostra caráter anticí clico resultante segundo Rezende 1989 da nature za dessa atividade No período recessivo 19811983 com binamse a queda da demanda para deprimir os preços e a elevação da taxa de juros para encarecer o custo de carregamento do rebanho promovendo ambas um aumento dos abates No período de recuperação 19841986 ocorre o oposto ou seja apesar do crescimento da demanda e dos preços a redução dos juros aumenta a retenção de estoque e faz cair a produção Já no período 19871989 a estagnação da produção a despeito do aumento na taxa de juros explicase pela preferência por ativos reais desencadeada pela ameaça de hiperinflação Como já observado o setor de lavouras mostra significativa autonomização em relação ao ciclo industrial A sua performance da segunda metade dos anos 70 é preservada ao longo dos anos 80 período no qual sua taxa de crescimento é cerca de quatro Desenvolvimento em crise 155 vezes superior à da indústria de transformação Como mostra Rezende 1989 esse desempenho não encontra explicação principal na dinâmica dos produtos exportáveis pois estes ao contrário dos anos 70 crescem a uma taxa inferior à dos não exportáveis De fato conforme Fonseca 1990 o desempenho exportador da agricultura nos anos 80 é inferior ao dos anos 70 apesar de o crescimento do valor exportado deverse primordial mente aos aumentos de quantidades2 De qualquer modo o mercado externo representou uma fonte de crescimento estável para a produção agrícola especialmente para certos segmentos Os dados da Tabela 31 dão suporte às afirmações anterio res Embora todos os segmentos do setor primário continuem gerando saldos expressivos o dinamismo das exportações só está presente em dois deles na agropecuária e no beneficia mento de produtos vegetais Em ambos o superávit comer cial ampliase significativamente Nos outros dois setores incluindo o de maior relevância na geração do saldo óleos vegetais nem as exportações nem os saldos se alteraram significativamente3 Afora a importância dos mercados externos como fator de autonomização da agricultura do ciclo doméstico Rezende 1989 aponta dois outros aspectos relevantes o caráter pró cíclico dos preços de fatores de produção importantes terra e mão de obra e a exogeneidade de custos de produção re levantes determinados pelo preço do petróleo Isso permitiu 2 A estabilidade tanto em preços quanto em volume do comércio internacio nal embora com preços deprimidos e crescimento moderado confrontada com a ampliação das quantidades exportadas pelo país é um importante indicador da competitividade dessas exportações 3 Outro aspecto a destacar é a presença de fatores cíclicos na determinação do saldo tais como a recuperação da absorção doméstica observável na maioria dos setores à exceção de beneficiamento de produtos vegetais Desenvolvimento em crise 157 156 157 Tabela 31 Comércio exterior do setor primário médias móveis trienais em US mi 19811988 Agropecuária Benef Produtos Ve getais Óleos Vegetais Outros Alimentos Extrativa Mineral X M XM X M XM X M XM X M XM X M XM 1981 9861 6239 16 11315 9363 12 25201 380 808 3791 1577 24 19814 2167 97 1982 9656 4864 24 12341 8815 14 26113 307 904 3607 1365 26 19678 1854 107 1983 9835 3619 33 15309 8307 19 23888 553 547 3017 1123 28 19073 1872 103 1984 12299 2526 49 16490 7807 21 23282 715 389 3165 982 32 18470 2241 84 1985 11785 3845 39 16842 6747 25 20197 880 230 3285 1338 28 18723 2731 71 1986 12179 4202 37 14604 5301 30 18638 676 328 3464 1696 23 18610 3250 58 1987 11498 4356 31 16223 3720 53 20223 574 415 3667 1934 19 19764 3842 52 1988 13984 3637 39 17725 3202 60 24028 537 473 3815 2356 18 22414 4603 49 Fonte Ipeadata apud MDIC 1998 Desenvolvimento em crise 157 157 que a agricultura ao contrário do setor industrial se ajustasse à crise via preços e não via quantidades Mesmo com queda de preços o barateamento da mão de obra e da terra por causa da estagnação da economia e dos insumos em razão da queda do preço do petróleo permitiu ampliar a produção sem comprimir a rentabilidade O outro fator relevante foi a estabilidade dos mercados para os produtos não exportáveis decorrente da substituição da po lítica de crédito subsidiado pela política de preços mínimos Esta última constituiu importante instrumento de sustentação e estabilização da renda agrícola Conforme Buainain 1988 sob a influência dos fatores mencionados a agricultura não só manteve a tendência de crescimento da década anterior como apresentou ganhos expressivos de produtividade nas lavouras mais importantes Em contraposição à agropecuária a indústria revelou um crescimento medíocre durante a década Apenas a indústria ex trativa mineral em razão da produção de petróleo e exporta ção de minérios manteve a mesma tendência de crescimento da década anterior Destacamse ainda os serviços industriais de utilidade pública cujo crescimento esteve determinado pela ocupação de capacidade de produção oriunda das grandes in versões públicas realizadas até o início da década sobretudo em energia elétrica Os segmentos mais importantes contu do permaneceram praticamente estagnados Tabela 30 Na construção civil esse desempenho esteve associado à redução dos gastos do governo em infraestrutura e à crise do SFH A indústria de transformação certamente não encontrou no drive exportador um elemento de dinamismo capaz de substituir o investimento autônomo chegando a 1989 com produção ape nas 85 superior à de 1980 De acordo com o IpeaIplan 1989 a maior inserção da indústria brasileira no mercado internacional ao longo dos anos Ricardo Carneiro 158 Desenvolvimento em crise 159 80 foi resultado de uma dupla determinação da competitivida de real de alguns segmentos produtivos mas também da estra tégia adotada por determinados segmentos para escapar do elevado grau de ociosidade resultante do sobredimensiona mento de projetos do II PND e da recessão do início da década Portanto essa inserção nem sempre foi realizada em bases competitivas tendo como suporte incentivos e subsídios de terioração da relação câmbiosalários defasagem de preços e de tarifas públicos e possibilidade de subfaturamento das ex portações A ampliação da inserção externa foi realizada ademais de maneira muito desigual Os dados do coeficiente exportado anual medido pelo quociente exportaçãovendas Tabela 32 mostram uma abertura bastante diferenciada segundo os gêne ros industriais Podese constatar também que quanto maior o coeficiente exportado total anual maior a dispersão nos coefi cientes exportados dos ramos produtivos o que significa que o grau de integração aos mercados externos é extremamente desigual e que seu impacto sobre os vários setores industriais é significativamente diferenciado Dos setores com coeficiente exportado significativo durante o período acima de 10 apenas uma parcela muito restri ta obteve esta marca ao longo da própria década No primeiro caso estão a metalúrgica e em menor escala celulose papel e papelão ambos produtores de bens intermediários e represen tantes significativos dos setores nos quais ocorreram elevados investimentos durante o II PND A maioria dos demais gêneros com alto grau de abertura já era de tradicionais exportadores como têxtil calçados produtos alimentares madeira e couros e peles Nesses segmentos a variação do coeficiente exportado foi menos significativa e resultou do menor crescimento do méstico e da melhor relação de preços Desenvolvimento em crise 159 Tabela 32 Coeficiente exportado da indústria médias móveis trienais 19811988 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 Indústria Geral 92 105 123 141 138 126 125 136 Prod Min Não Metálicos 27 24 27 33 40 41 49 55 Metalúrgica 85 127 174 214 213 201 209 234 Mecânica 106 108 106 114 107 102 114 138 Mat Elétrico e de Comunicações 56 56 62 67 63 54 51 54 Material de Transporte 191 210 215 232 221 222 222 228 Madeira 189 215 251 273 237 196 204 231 Mobiliário 20 19 27 35 45 41 40 36 Celulose Papel e Papelão 176 196 235 255 249 231 237 246 Borracha 51 55 83 116 125 109 112 135 Couros e Peles 237 230 216 208 164 167 202 262 Química 54 71 92 110 109 83 67 69 Prod Farmac e Veterinários 28 24 19 24 29 31 44 60 Perf Sabão Det Glic Velas 18 14 06 04 05 04 04 04 Prod de Matérias Plásticas 17 17 17 17 18 17 22 28 Indústria Têxtil 99 106 124 134 122 106 107 120 Vest Calçados e Art Tecido 141 152 178 211 214 205 189 192 Prod Alimentares 141 131 139 160 159 158 156 171 Bebidas 08 08 11 13 11 08 07 08 Fumo 106 143 175 166 167 118 98 48 Editorial e Gráfica 13 11 08 06 05 05 04 04 Diversas 93 79 62 53 51 59 90 104 Fonte Fundação Getúlio Vargas Sondagem Conjuntural É ainda digna de nota a consolidação da inserção externa no gênero de material de transporte associada à consolidação de um mercado regional no Cone Sul e por fim na mecânica cujo aumento da exportação certamente se deveu à necessida de de fugir do elevado grau de ociosidade Atentese por fim para a presença majoritária de gêneros industriais nos quais a inserção externa além de pouco significativa não se alterou de modo expressivo durante a década As informações analisadas sugerem fortemente que a orien tação exportadora entendida como a busca de mercados adi Ricardo Carneiro 160 Desenvolvimento em crise 161 cionais embora com alguma importância foi claramente insuficiente para atuar como o elemento dinâmico da econo mia brasileira durante a década em razão tanto do seu caráter restrito em termos setoriais quanto por sua intensidade Isso posto cabe examinar se não existiram também outros fatores de estímulo decorrentes da modificação de preços relativos referentes à indução para a substituição de importações O efeito conjunto da orientação exportadora e da substitui ção de importações pode ser visualizado pela análise das taxas de comércio Tabela 33 Desde logo fica evidente que para um conjunto de setores produtivos a inserção exportadora foi um fator relevante na explicação do crescimento Esses seg mentos são representados essencialmente por aquelas indús trias produtoras de bens intermediários Grupo 2 e em menor escala pelo segmento automotivo e de bens de consumo Gru pos 3 e 1 Notese que para a indústria produtora de insumos elaborados ou de bens de capital Grupo 4 a inserção externa pouco se alterou durante a década Há importantes distinções entre os setores beneficiados pela inserção exportadora Nos segmentos produtores de bens de consumo corrente Grupo 1 o aumento das exportações se fez acompanhar por uma também significativa ampliação das im portações atenuando o impacto das primeiras na dinamização desses setores Já nos setores de bens intermediários Grupo 2 ocorreu um crescimento das exportações em simultâneo com re dução ou substituição de importações ampliando os efeitos da inserção exportadora sobre a dinâmica do setor Idêntico padrão ao do Grupo 1 é observado no segmento automotivo no qual o grande destaque é a exportação de ônibus e caminhões Do já exposto fica evidente que a mudança de preços rela tivos foi insuficiente para promover uma ampla integração da indústria brasileira aos mercados externos A rigor o aumento dessa articulação ocorreu sobretudo pela ampliação das expor tações do segmento de bens intermediários cuja implantação Desenvolvimento em crise 161 havia sido decidida muito antes ainda no âmbito do II PND ao longo da segunda metade dos anos 70 Isso indica claramen te a preeminência dos mercados internos e dos mecanismos de crescimento baseados na sua dinâmica em uma economia como a brasileira caracterizada pela continentalidade e pelo elevado grau de diversificação da estrutura produtiva Tabela 33 Inserção externa do setor industrial médias trienais em US mi 1981 e 1988 1981 1988 Export Import XM XM Export Import XM XM Grupo 1 Calçados 6342 334 6008 240 15330 2398 12932 69 Têxtil 7490 557 6934 136 10540 2239 8301 56 Grupo 2 Celulose Papel e Gráfica 54457 21810 3265 25 11432 3039 8393 38 Metais Não Ferrosos 1386 6414 5028 02 13744 4177 9568 34 Minerais Não Metálicos 1408 1305 103 11 2475 1098 1376 23 Outros Produ tos Metálicos 2742 2324 418 12 3945 1485 2460 26 Refino de Petróleo e Petroquímica 12476 10020 2456 13 19350 9182 10168 21 Siderurgia 8693 4584 4109 22 33354 3114 30240 109 Grupo 3 Veículos Automotores 9407 42 9366 2894 15991 63 15928 2780 Peças e Outros Veículos 9941 9201 740 11 19815 11889 7927 17 Grupo 4 Elementos Químicos 2248 9322 7074 02 4679 11563 6884 04 Equip Eletrônicos 4698 5903 1205 08 7769 9977 2208 08 Máquinas e Tratores 9390 17064 7674 06 12158 16357 4199 07 Material Elétrico 3455 7692 4237 04 6484 7103 619 09 TOTAL 85123 76943 8180 11 177066 83684 93382 21 Fonte Ipeadata apud MDIC 1998 Ricardo Carneiro 162 Desenvolvimento em crise 163 As observações relativas aos anos 80 confirmam o padrão de inserção exportadora observado em épocas anteriores A rigor desde meados dos anos 50 a ampliação do coeficiente exportado na indústria ocorreu como subproduto da diversifi cação da estrutura produtiva Ou seja a diversificação da pauta de exportações decorre do próprio desenvolvimento doméstico guardando relação secundária com os aspectos cíclicos vale di zer taxa de câmbio e ritmo de crescimento Outro aspecto de grande relevância diz respeito à evolu ção da magnitude do saldo comercial do setor industrial cujo crescimento ao longo da década foi significativo Cabe ressaltar aqui dois aspectos a ampliação do superávit comercial no setor manufatureiro embora extraordinária ocorreu durante uma década caracterizada por taxas de crescimento do PIB muito reduzidas quando comparadas à média histórica O aumento do saldo por sua vez resultou da redução ou estabilidade das taxas de comércio Grupos 1 e 3 e da sua ampliação Grupo 2 Ou seja a substituição de importações no setor de bens in termediários permitiu simultâneo aumento das exportações e do superávit comercial tornando o setor responsável por cerca de 75 da ampliação total deste último As dificuldades do crescimento fundado na ampliação da in serção exportadora podem ser também detectadas pela análise do ciclo industrial No período recessivo 19811983 o único segmen to da indústria a apresentar crescimento positivo foi a extrativa mineral tanto pela substituição de importação petróleo quanto por um maior esforço exportador A indústria da construção civil apresentou taxas negativas associadas aos cortes dos gastos pú blicos o mesmo ocorrendo com a indústria de transformação por conta da contração da absorção doméstica Tabela 30 Na indústria de transformação apesar da forte contração da demanda doméstica a expansão das exportações atuou como fator compensatório para importantes gêneros indus Desenvolvimento em crise 163 triais em especial para os bens intermediários e alguns gêne ros de bens de consumo não duráveis que possuíam inserção tradicional no mercado externo têxtil vestuário e calçados fumo Como resultado a produção caiu muito menos nos bens de consumo não duráveis e bens intermediários e mais nos bens de capital e bens de consumo duráveis como nos indica a Tabela 34 A partir de 1984 os efeitos derivados do drive exporta dor tiveram impacto significativo nas indústrias de bens de capital e bens intermediários Segundo Suzigan 1986 1987 e 1988 na recuperação da produção o efeito multiplicador do superávit comercial ocorreu inicialmente pela elevação da massa de salários dinamizando o setor de bens de consumo não duráveis A persistência do crescimento e a elevação do salário médio logo recuperaram o setor de bens de consumo duráveis que passou a liderar o crescimento Essa aceleração do setor de bens de consumo duráveis como já referido foi bastante influenciada por episódios de conversão de ativos financeiros em consumo que marcaram todo o período de recuperação acelerando ainda mais o crescimento do setor Seguiuse a recuperação do investimento com a ampliação da produção de bens de capital transformando esses setores em líderes do crescimento Após 1987 a indústria retornou ao processo recessivo em face da acentuada redução da absorção doméstica decorrente da crise cambial e da aceleração inflacionária O drive exporta dor voltou a ser o fator de sustentação do crescimento mas não conseguiu contrabalançar a retração da absorção doméstica Si metricamente ao período da retomada os setores que sofreram maior redução da produção foram os de bens de capital e bens de consumo duráveis Tabela 34 Desenvolvimento em crise 165 164 165 Tabela 34 Produção industrial por categoria de uso 19811989 Variação Total 198189 1981 1982 1983 198183 1984 1985 1986 198486 1987 1988 1989 198789 Bens de Capital 69 192 152 193 536 147 123 221 491 17 20 14 23 Bens Intermed 170 111 27 30 114 103 72 94 268 11 23 27 15 Bens de Consumo 157 39 31 39 47 02 90 108 200 02 35 37 04 Duráveis 82 249 80 08 178 75 151 205 282 51 05 25 21 Não Duráveis 181 11 21 46 14 19 79 85 183 15 44 40 11 Fonte FIBGE Desenvolvimento em crise 165 165 Um aspecto importante para entender a retração rápida da produção de bens de consumo duráveis está não só no decrésci mo da massa salarial e do salário médio mas na rápida acelera ção inflacionária e indexação dos títulos financeiros associadas à elevação das taxas de juros nominais cujo efeito foi a retração do consumo de bens duráveis em especial os de maior valor uni tário A profunda oscilação na produção desses bens ao longo do período 19871989 foi o reflexo dos bruscos deslocamentos de ativos financeiros para consumo de duráveis de alto valor unitário Em síntese os dados sobre o desempenho cíclico da produ ção industrial ao longo dos anos 80 definem a seguinte trajetó ria a partir da recuperação da produção corrente desencadeada pelo drive exportador os setores de bens de consumo duráveis e bens de capital retomaram a liderança do crescimento num movimento de restauração do ciclo endógeno ou dos mercados internos como elementos dinâmicos do crescimento Todavia como veremos a seguir esse padrão de crescimento foi incom patível com a manutenção de elevados superávits comerciais pelo menos ao serem restabelecidas as taxas de crescimento históricas A trajetória do saldo comercial Segundo Markwald 1987 existem duas concepções sobre o caráter do superávit comercial nos anos 80 Durante o período recessivo prevalecia a tese segundo a qual o saldo tinha resul tado da redução da absorção doméstica associada à mudança de preços relativos Isso teria acarretado a redução absoluta das importações combinada com expressivo crescimento das exportações A partir da recuperação de 1984 a persistência do saldo comercial ensejou o surgimento da tese do supe rávit estrutural Vale dizer como a recuperação não implicou Ricardo Carneiro 166 Desenvolvimento em crise 167 a expansão significativa das importações concluiuse que sua redução se deveu a modificações mais permanentes na estru tura produtiva A ideia central dessa tese era a de que o processo de subs tituição de importações realizado durante o II PND permitia à economia operar em níveis de atividades crescentes sem alte rações significativas na capacidade para importar Na formula ção de Castro Souza 1985 admitiase a possibilidade de geração de superávits após a eliminação da capacidade ociosa ou seja na fase de aceleração do ciclo vale dizer de ampliação do investimento e até mesmo com a restauração das taxas his tóricas de crescimento Essa concepção fundada no caráter do ajustamento es trutural realizado no período 19741979 tem como uma das principais implicações negar a relevância do constrangimento cambial ao crescimento ao longo dos anos 80 Contestando a interpretação tradicional sobre a origem do superávit comer cial que teria sido fruto do controle dos gastos e das mudanças de preços relativos os autores argumentam que as exportações cresceram mais do que o esperado e as importações se reduzi ram menos do que o previsto Quanto às importações afirmam que no início do proces so de ajustamento externo não só o coeficiente importado era muito baixo como a quase totalidade da pauta era constituída por importações essenciais A redução adicional das importa ções no período 19811983 abrangeu os produtos que foram objeto dos programas do II PND e cujos projetos entraram em funcionamento exatamente nesse período metais não ferro sos produtos químicos papel e celulose fertilizantes e produ tos siderúrgicos Ou seja a redução das importações decorreu da redução do coeficiente importado por unidade de produto concentrada na indústria de bens intermediários O argumento é parcialmente correto Contudo insiste em não considerar que tanto o aumento total das exportações Desenvolvimento em crise 167 quanto a redução global das importações tiveram um impor tante componente cíclico ou seja foram em parte determina dos pela recessão da economia doméstica Seria mais correto dizer como aliás sugerem os autores em algumas oportunida des que com uma mesma capacidade para importar a econo mia pode operar em um nível de atividade mais elevado Os dados da Tabela 35 não deixam dúvidas sobre a impor tância do ciclo no saldo comercial no setor industrial A maior absorção doméstica provocou variações de cerca de 50 na mag nitude deste último Dos três grupos com maior expressão na geração do superávit aquele de maior sensibilidade foi exata mente o responsável pela maior parcela do saldo o segmento produtor de bens intermediários É também relevante a variação cíclica do saldo nos setores deficitários confirmando a sensibili dade deste último ao comportamento da absorção doméstica Tabela 35 Evolução do saldo comercial do setor industrial em US mi 19801989 Setor Industrial Total Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 1980 23761 12219 15265 5713 26428 1981 16630 14401 6376 12975 17122 1982 16278 12205 9464 11629 17020 1983 51924 17151 34065 9412 8704 1984 87942 21020 57088 10884 1050 1985 78581 18199 50385 13827 3830 1986 45551 15592 34984 8219 13244 1987 67522 20513 42467 18520 13978 1988 124274 23245 88331 25782 13084 1989 112925 19940 80390 27263 14668 Fonte Ipeadata apud MDIC 1998 Grupo 1 Bens de consumo correntes Grupo 2 Bens intermediários Grupo 3 Bens de consumo duráveis Grupo 4 Bens de capital e insumos elaborados A análise da balança comercial Gráfico 8 mostra três prin cipais períodos durante a década o quadriênio 19811984 no qual o aumento do superávit foi resultado tanto do crescimento Ricardo Carneiro 168 Desenvolvimento em crise 169 das exportações quanto da diminuição das importações com maior peso para as últimas o biênio 19851986 no qual a partir do início de 1985 o saldo estabilizouse para decrescer rapidamente em 1986 Como as importações se mantiveram praticamente no mesmo patamar acusando pequeno incre mento as variações do superávit foram predominantemente determinadas pelas oscilações das exportações Por fim no triê nio 19871989 a recuperação do saldo ocorreu primordialmen te em razão do crescimento das exportações apesar do novo incremento no patamar das importações4 GRÁFICO 8 Saldo da balança comercial US bilhões em 12 meses Fonte Boletim do Banco Central apud FUNCEX 4 Uma exceção relevante diz respeito ao ano de 1989 pois estando as exporta ções estabilizadas o superávit diminuiu em razão do aumento das impor tações Esse ano foi contudo bastante peculiar encontrandose a economia no limiar da hiperinflação houve expressiva conversão de ativos financeiros em ativos reais inclusive estoques de matériasprimas e bens instrumen tais sem similar nacional elevando o nível das importações Desenvolvimento em crise 169 Um exame mais acurado do superávit indica a existência de subperíodos que merecem avaliação precisa na sua associação com o ciclo econômico Do início de 1981 até o começo de 1983 inverteuse o sinal da balança comercial num contexto de recessão doméstica A redução das importações foi primordial nessa mudança de sinal pois houve importante oscilação nas exportações em boa medida resultante da recessão mundial do início da década No subperíodo seguinte entre início de 1983 e final de 1984 o superávit foi crescente coincidindo com a continui dade da recessão em 1983 e o início da recuperação em 1984 Tanto a redução das importações quanto a ampliação das ex portações contribuíram para o aumento do saldo Notese con tudo que a redução persistente das importações foi o aspecto comum entre os dois subperíodos Já o aumento das exporta ções está associado à recuperação do crescimento internacional sobretudo dos Estados Unidos após 1984 No período seguinte identificamse várias fases distin tas do início de 1985 até meados de 1986 o valor do supe rávit era estável e apesar da recuperação doméstica tanto as exportações quanto as importações mantiveram o patamar o que só foi possível em razão do elevado grau de ociosidade pósrecessão O decréscimo do saldo observado entre meados de 1986 e 1987 num contexto de aceleração cíclica resultou na sua maior parte da redução das exportações Quando ocorreu a involução da absorção doméstica a partir de meados de 1987 foi o crescimento das exportações que explicou a recuperação do superávit Concluise portanto que a partir de meados da década as oscilações do superávit comercial em razão das flutuações da absorção doméstica foram predominantemente determinadas pelas variações das exportações A proposição de que a influência cíclica sobre o superávit ocorreu primordialmente por meio das exportações pode ser mais bem verificada por meio de uma análise desagregada As quan Ricardo Carneiro 170 Desenvolvimento em crise 171 tidades exportadas são o principal determinante do aumento do valor das exportações compensando a evolução desfavo rável dos preços entre 1980 e 1985 Estes últimos se recupe raram parcialmente em 1986 e tiveram um crescimento lento até 1989 Tabela 36 A variação do quantum exportado guarda uma relação inversa com a absorção doméstica o que pode ser visto com nitidez nos anos de recessão intensa como 1981 e 1983 ou de grande crescimento como 1986 Assim o efeito cíclico é de importância central na determinação do valor das exportações como em 1986 quando a queda do valor exporta do só não é maior por causa da substantiva melhoria de preços Este permanecendo após esse ano contribui com a queda da absorção doméstica para a rápida recuperação do valor das ex portações e do superávit Tabela 36 Comércio exterior índices de preço P quantidade Q e valor V 19801989 1980 100 Exportações Importações P Q V P Q V 1980 1000 1000 1000 1000 1000 1000 1981 944 1204 1136 1110 861 955 1982 888 1099 975 1073 791 849 1983 832 1257 1045 1018 661 673 1984 850 1539 1309 963 635 612 1985 804 1632 1311 909 626 569 1986 860 1342 1154 720 826 594 1987 860 1559 1341 787 809 636 1988 944 1836 1733 860 713 613 1989 963 1789 1723 921 835 769 Fonte Banco Central do Brasil Relatório anual 1989 Nas importações apesar da importância da absorção do méstica outros elementos afetaram o valor importado A Desenvolvimento em crise 171 redução mais significativa deste último ocorreu no período recessivo 19811983 em razão da diminuição acentuada das quantidades pois os preços permaneceram em patama res elevados A continuidade do declínio do valor importado durante os primeiros anos da recuperação deveuse à queda nos preços já que as quantidades se estabilizaram No biênio correspondente ao auge da absorção doméstica 19861987 a queda dos preços compensou a elevação das quantidades importadas Em resumo embora o quantum importado guarde estreita relação com o ciclo doméstico seu impacto no valor importado foi significativamente alterado pelo movi mento dos preços indicando importante diferença em relação ao comportamento das exportações As questões anteriores adquirem ainda maior nitidez quando se analisam as importações e exportações segundo os principais grupos O efeito cíclico menos pronunciado no caso das impor tações notadamente na fase de recuperação deveuse a um item primordial os combustíveis minerais petróleo Estes além de uma redução da elasticidade renda da demanda que atenuou o crescimento do quantum importado tiveram importante redu ção de preço cuja intensidade contribuiu para reduzir o valor importado até 1986 Como esse é o principal item da pauta de importações entendese por que essas tiveram sensibilidade menos pronunciada ao ciclo doméstico A rigor o declínio do preço do petróleo explica por que o crescimento da demanda doméstica não se traduziu em crescimento expressivo das im portações totais Notese por exemplo que nos outros grupos em especial nos bens de capital o efeito cíclico foi bastante intenso e não foi amenizado por uma evolução favorável dos preços Tabela 37 A avaliação das exportações por grupos principais Tabela 38 demonstra uma evolução determinada pelas exportações de ma nufaturados A primeira razão para tal está no peso crescente Ricardo Carneiro 172 Desenvolvimento em crise 173 desses bens na pauta5 Por sua vez é expressiva a correlação entre o ciclo doméstico e o valor das exportações de manufa turados em especial com o quantum exportado Este último após crescer sistematicamente entre 1981 e 1984 declinou em 19851986 recuperandose a partir de 1987 Após esse ano a franca recuperação dos preços auxiliou na rápida ampliação do valor exportado6 Tabela 37 Índices de preço P quantidade Q e valor V das importações por grupos 19801989 1980 100 Combustíveis Minerais Matérias Primas Bens de Consumo Bens de Capital Q P V Q P V Q P V Q P V 1980 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 1981 95 117 111 75 108 81 68 111 75 93 99 92 1982 92 111 103 66 100 66 67 114 76 63 118 75 1983 87 97 84 50 100 50 61 98 60 55 105 57 1984 81 89 72 62 86 53 66 80 53 68 72 49 1985 72 84 61 58 90 52 66 91 60 74 76 57 1986 80 43 35 91 81 74 214 65 138 91 87 79 1987 88 53 46 81 89 72 130 77 101 74 122 90 1988 92 38 35 52 137 72 73 125 91 62 154 96 1989 87 50 43 60 159 95 163 119 194 63 164 104 Fonte Cacex 5 Dados da Cacex mostram que a participação dos manufaturados já era ele vada em 1980 45 alcançando novo patamar no período recessivo che gando em 1984 a 56 e oscilando em torno desse valor na segunda metade da década 6 A recuperação de preços está associada à superação da especulação cam bial subfaturamento das exportações ocorrida em 1986 decorrente do congelamento da taxa de câmbio oficial e da elevação das cotações do dólar no mercado paralelo Desenvolvimento em crise 173 Nos demais grupos essas relações embora presentes fo ram menos intensas Notese por exemplo que o quantum ex portado continuou crescendo ainda em 1985 no segundo ano da recuperação Mesmo em 1986 a queda nos semimanufatu rados foi mais suave e só se apresentou intensa no caso dos básicos por conta da quebra da safra agrícola Tabela 38 Índices de preço P valor V e quantidade Q das exportações 19801989 1980 100 Básicos Semimanufaturados Manufaturados Q P V Q P V Q P V 1980 100 100 100 100 100 100 100 100 100 1981 112 94 105 95 95 90 153 86 132 1982 107 91 97 81 76 61 166 68 114 1983 98 101 101 113 67 76 227 55 125 1984 117 88 103 166 73 120 299 56 168 1985 121 83 101 188 63 117 277 56 156 1986 112 77 86 179 59 106 233 59 137 1987 119 79 95 203 67 135 236 70 164 1988 140 79 111 250 83 208 296 72 213 1989 138 82 113 302 82 247 231 89 206 Fonte Cacex O que se pode concluir da análise anterior é que no perío do de recuperação a restrição cambial em razão da maior ab sorção doméstica não se manifestou com mais intensidade na evolução das importações porque o comportamento dos preços foi favorável Foi nas exportações em particular na de manu faturados que se pôde avaliar com precisão a existência de um Ricardo Carneiro 174 Desenvolvimento em crise 175 tradeoff entre a continuidade do crescimento e a preservação do superávit comercial7 Tais conclusões não são compartilhadas por Castro Sou za 1988 Os autores reafirmam a sua posição na crença de um superávit estrutural sustentando que mesmo quando do desaparecimento da capacidade ociosa o superávit poderia ser preservado Para explicar a drástica diminuição do saldo co mercial após dois anos de recuperação os autores usam como argumento central a velocidade de crescimento da demanda Consideram que o crescimento da demanda pode exceder den tro de certos limites o crescimento do produto potencial por causa da utilização da capacidade ociosa Contudo quando esse crescimento é muito rápido e intenso só com a utilização dos estoques ou a redução do saldo podese atender ao excesso de demanda Há dois aspectos básicos na argumentação dos autores que são verdadeiros em primeiro lugar parece inegável que o crescimento da demanda foi de fato muito rápido notada mente pelo efeito riqueza desencadeado pelo Plano Cruzado Ademais como alertam os autores em uma economia de pe queno grau de abertura ao exterior esse fenômeno pode de fato implicar a redução substantiva do saldo O que os auto res não analisam em detalhe contudo é o nível de utilização da capacidade instalada nos principais setores exportadores Somente a persistência de capacidade ociosa nesses setores atestaria a veracidade de suas teses caso contrário a veloci dade de crescimento da demanda apenas teria antecipado um resultado inexorável 7 Markwald 1987 analisando o período de recuperação 19841986 chega às mesmas conclusões propugnando a existência de severo tradeoff entre crescimento da demanda doméstica e saldo comercial O crescimento das importações mas principalmente a redução das exportações seria respon sável por essa incompatibilidade Desenvolvimento em crise 175 Em outras palavras a crítica fundamental que se pode fa zer a esse exercício é que ele trabalha com o grau médio de utilização da capacidade produtiva desconsiderando portanto a dispersão Ou seja desconsidera a possibilidade de inserção exportadora diferenciada e de os setores responsáveis por par cela expressiva das exportações atingirem o teto da capacidade produtiva antes dos demais setores produtivos Se isso ocorrer a continuidade do crescimento da absorção doméstica implica rá redução do superávit pela redução das exportações ou pelo aumento das importações Confrontemos pois essas possibili dades com as evidências empíricas Os dados da Tabela 39 sobre a utilização da capacidade instalada na indústria reafirmam as conclusões anteriores A evolução do grau de utilização leva a que em 1986 sejam atingidos os níveis prérecessão8 Da mesma forma que o coe ficiente exportado a dispersão no grau de utilização aumentou nas fases recessivas e diminuiu na recuperação indicando que o drive exportador afetou desigualmente a produção dos diver sos setores Assim Suzigan Kandir 1985 ao analisarem a recupera ção da produção industrial a partir do crescimento das exporta ções em 1984 apontam que no início dessa recuperação e como reflexo do período anterior a indústria apresenta elevado grau de dispersão nos níveis de utilização da capacidade produtiva com graus maiores de utilização nos setores produtores de tra deables e menores nos produtores de nontradeables Ainda de acordo com os dados da Tabela 39 o setor que apresentou menor redução na utilização da capacidade na fase recessiva foi o de bens intermediários traduzindo a importân cia do mercado externo como destino da produção Por isso 8 Dados desagregados da Tabela 39 indicam que o grau médio de utilização da capacidade em outubro de 1986 superou o de julho de 1980 Ricardo Carneiro 176 Desenvolvimento em crise 177 Tabela 39 Utilização da capacidade instalada na indústria Tabela 39 em do total 19801989 ItensAnos 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 Máx Mín Ind Geral 84 78 76 73 74 78 83 81 80 81 84 73 Setores Bens de Consumo 84 74 74 74 72 77 81 77 76 78 84 72 Bens de Capital 82 74 65 56 61 67 76 76 75 76 82 56 Mat de Constr 88 82 80 71 68 72 77 78 76 74 88 68 Outr Prod Interm 88 80 80 79 81 83 86 87 86 86 88 79 Gêneros Prod Min N Metal 90 85 82 75 68 70 78 81 80 76 90 68 Metalúrgica 90 81 76 77 84 87 87 85 85 88 90 76 Mecânica 80 73 66 60 63 72 79 76 75 76 80 60 Mat Elét e Comun 80 72 72 68 68 76 81 81 75 74 81 68 Mat de Transporte 87 71 64 63 64 68 78 72 76 77 87 63 Madeira 86 77 80 72 76 79 84 81 78 83 86 72 Mobiliário 80 73 76 70 69 77 86 75 72 74 86 69 Cel Pap e Papelão 91 87 88 85 88 88 90 90 88 89 91 85 Borracha 95 82 77 70 77 84 88 89 88 84 95 70 Couros e Peles 78 71 77 77 73 74 75 72 76 74 78 71 Química 89 81 81 82 81 82 84 88 86 87 89 81 Prod Farm e Veter 83 80 78 78 79 78 84 84 82 81 84 78 Perf Sabão Deterg 89 85 83 75 74 76 81 84 80 77 89 74 Prod de Mat Plast 82 72 74 67 65 71 83 78 71 77 83 65 Indústria Têxtil 90 82 84 80 80 88 91 88 87 89 91 80 Vest Calç e A Tec 88 84 84 83 79 82 86 84 84 88 88 79 Prod Ali mentares 76 74 73 73 73 76 74 74 71 73 76 71 Bebidas 85 83 81 79 78 77 84 79 81 86 86 77 Fumo 83 82 78 70 68 76 87 92 93 77 93 68 Editorial e Gráfica 73 75 77 75 72 75 82 79 74 81 82 72 Diversos 84 79 76 73 72 85 89 90 81 86 90 72 Fonte Fundação Getúlio Vargas Sondagem Conjuntural Desenvolvimento em crise 177 durante a fase de recuperação esse setor alcançou rapidamente o teto da capacidade instalada chegando a trabalhar seis meses com a capacidade produtiva praticamente esgotada no último trimestre de 1986 e no primeiro de 19879 Nos demais setores o problema existiu mas foi mais localizado Nos gêneros predominantemente produtores de bens intermediários a utilização da capacidade ficou sistematica mente acima da média nas várias fases do ciclo e além da sua variação menor há segmentos em que a plena utilização foi evidente como no químico metalúrgico e de papel e papelão Nos bens de consumo a pressão menor do ciclo doméstico não excluiu a existência de importantes gêneros exportadores com capacidade virtualmente esgotada no pico da absorção doméstica como é o caso do setor têxtil Nos gêneros predo minantemente produtores de bens de capital o problema não mostrou relevância com graus elevados de ociosidade mesmo no auge do ciclo A conclusão geral sobre os dados parece óbvia o esgotamento da capacidade produtiva doméstica em face do crescimento da absorção interna ocorreu na indústria de bens intermediários e em alguns segmentos de bens de consumo exatamente os que possuíam elevado coeficiente de exportação O tradeoff portanto revelase mais intenso e localizado do que os dados médios levam a crer A assertiva anterior invalida a argumentação de Castro Souza 1988 de que o declínio das exportações na recuperação de 19841986 se deveu sobretudo à velocidade de crescimen to da absorção doméstica o que teria impedido a recuperação progressiva da utilização da capacidade produtiva desviando 9 Os dados da Tabela 39 por serem dados médios seja do ponto de vista temporal ano ou setorial gênero escondem o esgotamento da capaci dade em vários subperíodos e subsetores Ricardo Carneiro 178 Desenvolvimento em crise AT exportações para o mercado interno Como demonstrado isso ocorreu porque importantes setores exportadores em particu lar o de bens intermediários esgotaram a capacidade ociosa tornando impraticável manter o volume exportado sem amplia ção da capacidade produtiva 179 5 O desequilíbrio do setor público Nos anos 80 explicitase na sua inteireza o desequilíbrio do setor público por meio da crise do seu padrão de financiamento O principal marco dessa crise é a restrição do financiamento externo que após o segundo choque do petróleo deteriorase crescentemente até culminar em 1982 com a extinção do mer cado voluntário de crédito para países em desenvolvimento Como vimos no Capítulo 3 essa ruptura exige a partir de 1983 a inversão dos fluxos de recursos ou mais precisamente a transferência de recursos reais ao exterior Esse constrangimento atinge duplamente as finanças pú blicas já deterioradas pela política praticada no quinquênio anterior De um lado o setor público intensifica sua ação para viabilizar a rápida geração de um superávit comercial para fazer face à transferência de recursos reais o que implica a ampliação da renúncia fiscal e do volume de subsídios De outro por ser Ricardo Carneiro 180 Desenvolvimento em crise 181 o principal devedor em moeda estrangeira arca com o ônus do pagamento de uma carga de juros em elevação Nesse contex to segundo Belluzzo 1988 o ano de 1983 é absolutamente crucial em razão da maxidesvalorização cambial pois esta de sequilibra a capacidade de pagamento do Estado visàvis suas receitas em razão do crescimento excessivo dos encargos da dívida externa Tendo como marco central a transferência de recursos reais ao exterior a deterioração das finanças públicas pode portan to ser vista de dupla perspectiva Em princípio está posta a questão de como o setor público contribui para a geração do superávit comercial aspecto que como veremos não pode ser subestimado dado seu impacto sobre a deterioração das recei tas públicas A outra dimensão da questão é a de como o setor público principal devedor em moeda estrangeira adquire as divisas do setor privado ou mais particularmente como finan cia a aquisição dessas divisas se não produz bens comercializá veis e portanto não as produz diretamente É indiscutível que a questão da transferência de recursos reais para o exterior está no cerne da deterioração das finanças públicas Como alertam com propriedade Fraga Neto Lara Resende 1985 é necessário diferenciar entre dois problemas distintos um global de balanço de pagamentos que diz respei to à geração das divisas necessárias para servir a dívida externa e o outro orçamentário Se o orçamento de divisas do setor pri vado é superavitário e o do setor público deficitário tornase relevante como o setor público adquire internamente ao setor privado as divisas geradas A questão da deterioração do financiamento público toda via não pode ser reduzida à questão orçamentária vale dizer às formas pelas quais o Estado financia no plano doméstico a aquisição de divisas do setor privado exportador Essa pode ser a dimensão principal de manifestação do problema mas não exclui a maneira pela qual o setor público auxilia a geração do Desenvolvimento em crise 181 superávit e por isso mesmo deteriora suas condições de finan ciamento Dessa perspectiva examinamos a seguir o comporta mento global das finanças públicas considerando a interação entre as duas dimensões assinaladas Esgotamento do financiamento externo e desequilíbrio das finanças públicas 19801984 Retomando o cerne da questão podemos afirmar que nos anos 80 com o esgotamento do financiamento externo o Esta do que já possuía um importante desequilíbrio em suas contas fruto da política anticíclica pregressa defrontase com cons trangimentos ampliados em razão da transferência de recursos ao exterior ou mais precisamente do pagamento dos encargos da dívida externa de sua responsabilidade Para analisar como esse desequilíbrio foi enfrentado vejamos a seguir os vários aspectos das finanças públicas nos anos 19801984 Uma análise global a partir das Contas Nacionais Tabela 40 mostra que no período 19801984 a carga tributária bruta se sustenta nos anos de recessão no patamar de 24 do PIB para declinar expressivamente no primeiro ano de recuperação A aceleração da inflação após a maxidesvalorização do câmbio em 1983 e a retomada do nível de atividades a partir do cresci mento das exportações reduzem a carga tributária em razão da desvalorização das receitas pelo efeito Tanzi e da renúncia fiscal É importante assinalar esse ponto pois mesmo as medi das tributárias destinadas a elevar a carga de impostos diretos evitando a deterioração à qual estão mais sujeitos os impostos indiretos num regime de alta inflação não são suficientes tanto para compensar a queda da arrecadação desses últimos quanto daquela advinda das isenções fiscais Ricardo Carneiro 182 Desenvolvimento em crise 183 Tabela 40 Carga tributária do PIB 19801984 1980 1981 1982 1983 1984 Carga Tributária Bruta 247 245 250 247 214 Impostos Diretos 112 117 126 121 112 Impostos Indiretos 135 129 125 126 102 Transferências 126 122 132 139 129 Juros Dívida Interna 08 11 12 15 20 Juros Dívida Externa 04 03 11 16 17 Assistência e Previdência 78 82 85 83 76 Subsídios 37 27 25 26 16 Carga Tributária Líquida 121 123 118 108 85 Fonte BacenDepec Indicadores Macroeconômicos do Setor Público 1989 A conclusão anterior é secundada pela análise de Teixeira Biasoto Júnior 1988 segundo a qual no período 1982 1984 apesar dos pacotes tributários que visavam a mudar a composição da receita em favor dos impostos diretos au mento do IRPF e do IRPJ notadamente sobre a riqueza fi nanceira além da criação do Finsocial em 1982 a carga tributária continua a se reduzir Isso por causa da recessão e da aceleração inflacionária mas principalmente em razão do drive exportador que acarretam uma redução drástica nos impostos indiretos A importância da reorientação do crescimento na deterio ração da carga tributária bruta aparece precisamente em 1984 ano no qual ocorre a recuperação Apesar de a maxidesvalori zação em 1983 ter permitido a redução dos incentivos e subsí dios às exportações o maior coeficiente exportado em relação ao PIB aumenta o valor dessas transferências ao setor privado exportador Os dados da Tabela 41 mostram que os incentivos fiscais as isenções e os subsídios ao comércio exterior exclu sive creditícios quase dobram a sua participação entre 1981 e 1984 elevandose de 15 do PIB para 27 com o maior Desenvolvimento em crise 183 crescimento ocorrendo em 1983 e em 1984 anos nos quais aparecem os megassuperávits comerciais1 Tabela 41 Incentivos e isenções fiscais subsídios e dispêndio público com crédito subsidiado do PIB 19811987 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 I Subsídios Contas Nacionais 1 27 26 26 16 15 15 17 II Incentivos e Isenções Fiscais2 43 41 45 48 43 46 49 A Incentivos 27 28 30 38 36 36 39 B Isenções 16 13 15 11 06 07 08 Comércio Exterior3 15 16 21 27 22 16 16 III Crédito Subsidiado Desemb Líquido 57 47 70 65 96 37 53 Comércio Exterior4 13 10 11 06 01 02 03 TOTAL I II III5 104 91 118 115 141 84 90 Fonte Bontempo 1988b 1 Itens principais trigo açúcar e álcool petróleo preços mínimos 2 IRPJ IRPF IPI II DRAWBACK ICM 3 Imposto de Importação IPI isenção s lucros de exportação créditos prê mio de IPI e ICM isenção de ICM 4 Relativos apenas a produtos manufaturados 5 Exclui dupla contagem de subsídios da União relativos a preços mínimos computados em I e III A constatação anterior tem importância na medida em que a reorientação do crescimento ou o drive exportador difere dos outros fatores responsáveis pela queda da carga tributária bru ta como a aceleração da inflação ou a recessão Isso porque os primeiros podem ser revertidos pela estabilização indexação de impostos e retomada do crescimento Já o impacto da reo 1 Notese que os subsídios creditícios embora sem impacto direto na carga tributária também crescem continuamente ao longo do período reforçando o impacto negativo sobre as finanças públicas Ricardo Carneiro 184 Desenvolvimento em crise 185 rientação do crescimento na queda da carga tributária requer uma reforma tributária profunda para ser anulado Como se pode ver na Tabela 41 o conjunto dos incentivos e das isenções oscila em torno de 45 do PIB com uma par te crescente atribuída ao comércio exterior No período 1980 1984 o total da renúncia fiscal representa uma parcela cada vez maior da receita fiscal alcançando 36 desta em 1984 Ou seja ao mesmo tempo em que se preservam os incentivos re gionais e setoriais ampliamse aqueles destinados a viabilizar a geração de um superávit comercial Nesse sentido podemos concluir que o ajuste fiscal no período 19811984 não conse guiu evitar a queda da carga tributária bruta Durante o período em questão a deterioração da carga tri butária líquida é superior à queda da carga tributária bruta em apenas 05 ponto percentual do PIB Em termos proporcionais sua queda é bem expressiva cerca de 50 mas se deve fun damentalmente à redução da carga bruta Observados os com ponentes da carga líquida constatase que o crescimento da carga de juros com as dívidas externa e interna é compensado pela redução dos subsídios apesar do crescimento dos primei ros em magnitude elevada de cerca de 3 do PIB A questão da redução dos subsídios merece melhor escla recimento Segundo Bontempo 1988b p13 as Contas Na cionais deveriam computar como subsídios as transferências recebidas do governo pelas empresas na forma de receitas adi cionais à produção com base na quantidade eou valor das mercadorias produzidas exportadas e consumidas ou ainda na forma de utilização dos fatores de produção O que ocorre na prática no registro dos subsídios nas contas brasileiras é que são computados basicamente aqueles subsídios concedi dos diretamente ao setor privado com destaque para açúcar álcool e trigo Nos bens produzidos ou fornecidos pelo setor público o único subsídio computado é o referente aos com bustíveis Ao longo do período considerado os subsídios con Desenvolvimento em crise 185 cedidos a esses produtos de fato se reduziram acentuadamente como transparece nas Contas Nacionais Existia contudo um amplo conjunto de subsídios repre sentado pela deterioração de preços e tarifas públicas não com putado como tal uma vez que as transferências para sustentar esses subsídios são realizadas por outros mecanismos como transferências de capital e assunção de dívidas por parte do Tesouro Esse conjunto de subsídios invisíveis representou papel crucial no ajustamento do setor privado à crise e na via bilização da geração do superávit comercial Esse ponto é bem observado por Werneck 1987 para quem a maior parcela do ônus do ajustamento externo recaiu sobre o setor público em particular sobre as empresas estatais Dessa maneira a dete rioração dos preços de produtos e insumos de uso generalizado configurou um subsídio de elevada magnitude ao setor privado que não encontra registro nas Contas Nacionais Os dados da Tabela 42 mostram expressiva defasagem de preços no setor público com destaque para telecomunicações aço e energia elétrica A combinação de defasagem de preços com elevados custos financeiros oriundos do endividamento externo prévio tornou vários desses setores praticamente in solventes exigindo transferências crescentes do Tesouro con tribuindo dessa forma para deteriorar as finanças públicas Tabela 42 Grupos estatais defasagem acumulada de preços1 em 19801984 Grupos 1980 1981 1982 1983 1984 Petrobrás 45 05 55 50 104 Siderbrás 70 150 101 120 268 Eletrobrás 190 177 198 260 280 Telebrás 59 139 163 343 425 CVRD 26 88 33 190 283 Portobrás 231 172 25 90 177 Fonte SeplanSest 1988 1 Defasagem medida em relação ao IGP coluna 2 Ricardo Carneiro 186 Desenvolvimento em crise 187 Quando se analisam as despesas do setor público fica trans parente a estratégia do ajuste fiscal tentado durante o período vale dizer o papel crucial desempenhado pela sua redução O corte de gastos apesar de generalizado atinge mais que pro porcionalmente os investimentos cuja diminuição no perío do é de 50 Os gastos de custeio também sofrem expressiva redução de 334 destacandose no final do período o corte dos recursos destinados a pessoal As despesas correntes só mantêm valor aproximadamente constante em razão da maior rigidez das transferências De qualquer maneira é importante ressaltar o caráter não linear dos cortes que sacrificaram prio ritariamente os gastos com investimento Tabela 43 Tabela 43 Despesas da União segundo item orçamentário 19801984 Participação Variação 1980 1981 1982 1983 1984 198084 Despesas Correntes 658 620 762 769 799 80 Despesas de Custeio 191 185 191 165 150 302 Transferências Correntes 467 436 572 603 649 236 Despesas de Capital 342 380 238 231 201 475 Investimento 77 160 102 74 56 360 Inversão Financeira 11 17 42 32 35 1873 Transferência de Capital 253 202 94 125 110 612 Fonte Brasil Ministério da Fazenda Secretaria do Tesouro Nacional Balanço Geral da União Vários anos A precariedade de tal ajuste estava no fato de a carga tribu tária continuar se reduzindo o que o tornaria dificilmente sus tentável Em outras palavras a inflação e a nova orientação do crescimento somadas ao aumento da carga de juros continua vam erodindo a carga tributária bruta e líquida Dessa forma a continuidade de redução do déficit público passa a exigir a re dução dos gastos públicos para patamar baixíssimo incluindo a realização de novos cortes incompatíveis com as necessidades mínimas do crescimento econômico Desenvolvimento em crise 187 A inviabilidade desse tipo de ajustamento prioritariamente centrado no corte de despesas aparece também no profundo corte dos investimentos das empresas estatais durante o perío do Dados da SeplanSest 1989 mostram que o investimento das empresas estatais entre 1981 e 1984 se reduz 40 em termos reais O caráter estratégico desses investimentos por causa da concentração dessas empresas nas áreas de bens inter mediários e insumos básicos demonstra a incompatibilidade desse tipo de ajustamento com uma trajetória sustentada de crescimento A política de ajustamento das contas públicas logra um su cesso relativo porém episódico já que reduz substancialmente o déficit público durante o período mas não o faz de maneira sustentável Tabela 44 A persistência do déficit público ope racional apesar da obtenção de superávits primários recorren tes centrados na política fiscal contracionista e sobretudo nos cortes de investimentos exige o exame mais acurado de sua trajetória e de seu financiamento Tabela 44 Déficit público por componente do PIB 19811984 Discriminação 1981 1982 1983 1984 Déficit Operacional 62 73 42 25 Carga de Juros nd nd 66 71 Dívida Interna nd nd 29 33 Dívida Externa nd nd 37 38 Déficit Primário nd nd 24 46 Fonte BacenDepec Indicadores Macroeconômicos do Setor Público 1989 Os dados da Tabela 44 mostram que a redução do déficit operacional ocorre apesar da expressiva elevação da carga de ju ros que chega a alcançar 71 do PIB em 1984 Esse aumento na carga de juros tem vários determinantes além do decréscimo do PIB durante o período Em relação aos juros da dívida interna a Ricardo Carneiro 188 Desenvolvimento em crise 189 alta foi determinada pela política monetária restritiva e o conse quente aumento dos juros domésticos Quanto aos encargos da dívida externa combinamse a elevação da taxa de juros inter nacional e a maxidesvalorização cambial de 1983 como fatores relevantes do aumento de seu custo Há outra razão para o au mento dos encargos da dívida externa que diz respeito à sua es tatização crescente cujos mecanismos serão discutidos adiante Interessa assinalar que apesar da elevação da carga de juros o déficit público é declinante o que supôs durante o período a realização de superávits primários crescentes Em 1983 e 1984 os superávits corresponderam a 363 e 647 do total da carga de juros representando um ajuste fiscal de grande magnitude Con tudo como o ajuste se baseou no corte de gastos sem o corres pondente aumento das receitas via reforma tributária de profun didade ao contrário as cargas bruta e líquida caíram ou ampla revisão de incentivos e subsídios ele possuiu caráter episódico A forma pela qual o déficit embora declinante foi finan ciado pode ser entendida por meio dos dados sobre a dívida lí quida do setor público Tabela 45 O período 19821984 cons titui o de maior crescimento do endividamento público durante a década expandindose simultaneamente as dívidas externa e interna como proporção do PIB em cerca de 15 pontos percen tuais Como durante o mesmo período o déficit acumulado foi de 67 do PIB o crescimento da dívida explicase também por outras razões Assim é necessário examinar de forma isolada a evolução de cada dívida diante do PIB e as razões específicas para o aumento de seus estoques Tabela 45 Dívida líquida do setor público 19821984 Dívida Total Dívida Interna Dívida Externa do PIB do PIB do Total do PIB do Total 1982 355 128 360 227 640 1983 466 171 367 295 633 1984 503 195 388 308 612 Fonte Banco Central do Brasil 1990 Relatório Anual 1989 Desenvolvimento em crise 189 Quanto à dívida externa a maxidesvalorização cambial de 30 amplia de maneira autônoma ou seja independen temente do déficit corrente o seu valor diante do PIB Outro fator relevante de seu crescimento real no período apesar da ausência de fluxos de financiamentos líquidos do exterior foi a assunção pelo setor público de dívida externa de res ponsabilidade do setor privado por meio dos depósitos de projeto referentes à renegociação da dívida sob a supervisão do FMI Antes de avaliarmos os mecanismos de endividamento adicional do setor público em moeda estrangeira vejamos os aspectos macroeconômicos da questão Há significativa distin ção entre o financiamento externo da economia e o financia mento externo do governo Mesmo na ausência de novos finan ciamentos externos à economia o financiamento externo ao governo pode aumentar pelo crescimento da sua participação no estoque da dívida já existente ou pela redução das reservas internacionais O primeiro caso ocorre quando o governo re cebe moeda doméstica do setor privado para prépagar dívida vincenda responsabilizandose por parcela maior da dívida já existente ampliando o endividamento externo bruto do setor público O segundo quando vende divisas ao setor privado sem a contrapartida da compra ou utiliza as reservas existentes para pagamento de seus compromissos aumentando diretamente o endividamento externo líquido Para Batista Júnior 1989 o processo de transferência de dívida externa do setor privado para o setor público tem maior importância no período 19831984 O autor põe em destaque a distinção entre o financiamento bruto em moeda estrangeira para o setor público dado pela soma da dívida registrada mais a dívida não registrada linhas comerciais de curto prazo e paga mentos externos atrasados mais a dívida vincenda depositada no Bacen DRME e depósitos de projeto e o financiamento líquido do qual se deduz a acumulação de reservas Ricardo Carneiro 190 Desenvolvimento em crise 191 Como vimos no Capítulo 3 a principal forma de financia mento do setor público no que diz respeito à assunção de dívi da externa do setor privado foram os denominados depósitos de projeto oriundos da forma específica pela qual se processou a renegociação da dívida externa sob supervisão do FMI Esses depósitos são extremamente relevantes do ponto de vista do financiamento público no período 19831984 inclusive porque dão margem à troca de posições entre o setor público e o priva do Vejamos a questão em detalhe É fundamental compreender como a dívida externa é rees truturada tendo como principal característica a intermediação do Banco Central De um lado temse os denominados depósi tos de projeto no Bacen referentes ao dinheiro novo à reestru turação das amortizações e às linhas de curto prazo comercial e interbancária que constituem a oferta de recursos em mo eda externa de outro os agentes domésticos públicos e priva dos potencialmente os demandantes dos recursos que podem candidatarse ao refinanciamento ou alternativamente pagar a dívida em moeda doméstica Dessa forma o Bacen tornase o único devedor em moeda estrangeira e os demais agentes domésticos passam a ser devedores do contravalor dessa dívida em moeda doméstica ao Bacen Os mecanismos de reestruturação da dívida do setor pú blico são particulares e têm implicações importantes O acesso ao refinanciamento das amortizações devidas davase por cré ditoponte do Bacen Contudo a insuficiência de recursos do setor público para cobrir também os juros da dívida gerou um volume de créditosponte superiores aos depósitos de projeto Parcela do financiamento desses encargos adveio de recursos externos não demandados pelo setor privado No entanto esse endividamento externo adicional foi insuficiente para a rola gem da dívida do setor público e para a cobertura dos créditos ponte em descoberto o Bacen foi obrigado a endividarse com Desenvolvimento em crise 191 o setor privado principalmente com a emissão de dívida mobi liária ver Diagrama a seguir Como mostra Cavalcanti 1988 mesmo com transferência de dívida externa do setor privado para o setor público o lastro de recursos não era capaz de suprir o conjunto da demanda deste último A demanda em particular excedia a oferta de recursos remanescentes pois as empresas públicas não gera vam os recursos necessários para cobrir os juros e precisavam refinanciálos com o principal Como o volume de MF30 con ta ativa excedia o montante de recursos disponíveis para re empréstimo passivo externo ou dolarizado a diferença teria de ser coberta por emissão passivo monetário ou por dívida pública mobiliária passivo não monetário Temos assim outra dimensão importante do financiamento público nesse período que consiste na expansão da dívida pública interna em razão do pagamento dos encargos da dívida externa tema que retoma remos em seguida Por meio dos mecanismos descritos e de outros menos relevantes que decorreram da centralização da renegociação da dívida externa no Bacen temse como resultado que a par ticipação da dívida externa do governo federal e do Bacen na dívida externa pública líquida total cresce progressivamente Entre 1982 e 1984 todo o crescimento de participação da dí vida externa pública na dívida externa total de 61 para 71 Ricardo Carneiro 192 Desenvolvimento em crise 193 ocorre por força da ampliação da participação do Bacen e da União que passa de 34 para 44 o que significa que essa estatização adicional da dívida externa constituiu forma de fi nanciamento relevante para o setor público até 1984 A insuficiência do financiamento externo durante o período considerado certamente constituiu um fator de crescimento da dívida pública interna Como visto a própria rolagem da dívi da externa do setor público origina um crescimento da dívida interna O aumento desta última que passa de 128 do PIB em 1982 para 195 em 1984 Tabela 45 não pode todavia ser entendido fora do contexto de uma política monetária res tritiva que visava a reduzir a absorção doméstica e a garantir a geração do superávit comercial A expansão da dívida interna para além do financiamento do déficit explicase pela elevação deliberada das taxas de juros e possui uma face contraditória com o pretendido ajuste das fi nanças públicas Já constatamos o elevado volume de subsídios e da renúncia fiscal durante o período A elevação das taxas de juros por sua vez pressiona fortemente para a manutenção dos subsídios creditícios principalmente ao setor exportador e à agricultura Os dados de desembolsos líquidos das autorida des monetárias com créditos direcionados e gastos do Tesouro Nacional com operações favorecidas Tabela 41 mostram valores elevados no período 19811984 acima de 45 do PIB crescendo ainda mais no biênio 19831984 para uma média de 65 do PIB Diante dos dados analisados parece evidente que a redu ção do déficit público obtida no período estava longe de refletir o equacionamento mais duradouro das finanças públicas Na verdade a combinação simultânea de corte de gastos ativos em especial de investimentos com a manutenção de incen tivos e subsídios associados à política monetária restritiva e aumento da carga de juros criou uma situação de profundo desequilíbrio no financiamento público Até 1984 como ainda Desenvolvimento em crise 193 era possível contar com financiamento externo a crise das fi nanças públicas não se explicitou de modo global É no período seguinte que ela irá se manifestar com toda a intensidade A crise das finanças públicas 19851989 A crise das finanças públicas gestada durante o ajusta mento promovido com o intuito de permitir a transferência de recursos reais para o exterior agravase de maneira radical du rante a Nova República No que diz respeito à carga tributária bruta Tabela 46 a queda durante o período é ainda mais drás tica reduzindose em 1989 para cerca de 22 do PIB Convém assinalar a ocorrência de dois períodos distintos que ajudam a entender os determinantes de deterioração tão expressiva Tabela 46 Carga tributária do PIB 19851989 Itens 1985 1986 1987 1988 1989 Carga Tributária Bruta 220 250 232 219 219 Impostos Diretos 117 124 115 110 112 Impostos Indiretos 103 126 118 109 108 Transferências 124 118 114 113 125 Juros Dív Int 23 12 10 16 14 Juros Dív Ext 15 13 14 17 17 Assist e Prev 71 79 73 70 75 Subsídios 15 15 17 11 19 Carga Tributária Líquida 97 132 119 106 94 Fonte BacenDepec 1989 Indicadores Macroeconômicos do Setor Público Em 19851986 há a elevação episódica da carga tributária bruta por conta da retomada do crescimento em um quadro de crescente importância da absorção doméstica Ou seja além do efeito cíclico a carga tributária bruta elevase por conta da redução da renúncia fiscal Notese que apesar de os incentivos Ricardo Carneiro 194 Desenvolvimento em crise 195 fiscais regionais e setoriais permanecerem intocados durante o período o total da renúncia fiscal cai como porcentagem do PIB acompanhando a diminuição da renúncia fiscal relativa ao comércio exterior Tabela 41 Aos fatores mencionados agrega se em 1986 a súbita queda da taxa de inflação produzida pelo Plano Cruzado que diminuiu o efeito Tanzi Entre 1987 e 1989 a carga tributária bruta sofre queda con tinuada tanto pela estagnação do crescimento combinada com o drive exportador como pela inusitada aceleração inflacionária Essa queda poderia ter sido ainda maior caso os impostos in diretos não tivessem sido indexados Do ponto de vista da pre servação da carga tributária aliás essa foi a única medida de maior impacto afora alguns aumentos marginais de alíquotas em bens supérfluos De qualquer forma considerando as que das na arrecadação apesar da indexação dos principais impos tos indiretos que ocorre em 1988 após sucessivas reduções de prazo de recolhimento fica fortemente sugerido um importan te aumento da sonegação fiscal Contrasta com o comportamento da carga tributária bruta a evolução da carga tributária líquida Embora com comporta mento cíclico idêntico ao da carga tributária bruta após o cres cimento nos anos 19851986 a queda menos acentuada que ocorre no período 19871989 coloca a carga tributária líquida em patamar superior ao dos anos 19811984 O aumento que ocorre nos anos 19851986 descontada a ampliação da carga tributária bruta devese à redução da carga de juros já que os subsídios permaneceram constantes Quanto aos subsídios re gistrados pelas Contas Nacionais a sua manutenção certamen te está vinculada à tentativa de preservação do congelamento de preços durante o Plano Cruzado A queda observada no período 19871989 além de refletir a redução da carga tributária bruta mostra uma inversão compa rativamente ao período imediatamente anterior pois ocorrem a elevação da carga de juros e a redução dos subsídios Esses Desenvolvimento em crise 195 dados indicam que durante o período algum esforço fiscal foi realizado do ponto de vista da redução dos subsídios diretos Contudo como já vimos grande parcela destes não aparece nas Contas Nacionais pois se refere à defasagem de preços e de tarifas públicas Vejamos portanto seu comportamento A defasagem de preços e tarifas públicas que constitui im portante subsídio ao setor privado e um fator crucial de dese quilíbrio das finanças públicas ampliouse no período 1984 1989 Inicialmente nos anos 19851986 os dois congelamen tos de preços fizeram que a maioria dos preços e tarifas fosse reajustada abaixo da inflação A defasagem foi particularmente elevada em 1985 em razão do congelamento isolado dos pre ços públicos que constituía uma das principais medidas de redução da taxa de inflação da gestão Dornelles A breve tenta tiva de recuperação do atraso desses preços após setembro de 1985 já na gestão Funaro foi sustada pelo congelamento geral de preços em fevereiro de 1986 ocorrendo nesse ano nova e importante defasagem Tabela 47 Tabela 47 Variação real de preços e serviços públicos1 19851989 1985 1986 1987 1988 1989 Acumu lado Energia Elétrica 1885 1065 3174 341 2334 783 Derivados de Petróleo Gasolina 2785 314 1056 211 4515 2540 Óleo Diesel 3273 3554 1857 419 2839 1518 Óleo Combustível 2784 3745 2350 1302 3298 2108 GLP 3457 3692 3612 1950 1406 1240 Produtos Siderúrgicos 081 3793 1048 638 1305 866 Correios e Telégrafos 487 255 2333 1461 381 047 Transporte Ferroviário 1621 4303 5071 1361 113 830 Serviços Portuários 4611 4303 2634 367 5217 2205 Fonte Banco Central do Brasil Brasil Programa Econômico 1 Deflacionados pelo IPCA Ricardo Carneiro 196 Desenvolvimento em crise 197 A partir de 1987 principalmente após a gestão Bresser tentase novamente uma recuperação de preços e tarifas públi cas registrandose no ano a menor defasagem Contudo com a aceleração inflacionária essas tentativas se mostram cada vez mais infrutíferas e os preços e tarifas voltam a apresentar maior deterioração em 19881989 Os dados sugerem que tendo em vista o caráter fundamental dos preços públicos na formação dos demais preços as tentativas de recuperar as defasagens ter minam por ocasionar a aceleração da inflação inviabilizando a recuperação pretendida Esse parece ser sem dúvida um pro blema crucial e de difícil solução no equacionamento do financia mento do setor público A defasagem acumulada de preços e ta rifas que obriga a crescentes transferências do Tesouro Nacional para as empresas cristalizou uma estrutura de preços relativos cujas tentativas de mudança acarretam aceleração da inflação Voltemos a outro importante fator de determinação da car ga tributária líquida Vimos que a carga de juros influenciou de forma significativa a variação da carga tributária líquida no pe ríodo 19841989 A partir do pico atingido em 1984 ela decres ceu durante três anos consecutivos voltou a crescer a partir de 1988 e já em 1989 atingiu proporção do PIB idêntica à de 1984 Nessa trajetória destacase a crescente participação da carga de juros interna visàvis a externa refletindo parcialmente a substi tuição de fonte de financiamento do setor público No período de queda da carga de juros em 19851987 o declínio ocorre para ambas interna e externa refletindo o movimento mais geral de retomada do crescimento do PIB Esse resultado pode ser explicado no que tange ao movimen to estrito das taxas de juros por um declínio da taxa exter na ao longo do período Podese também atribuir a queda da carga de juros interna à redução do patamar dos juros pagos como remuneração dos títulos públicos Tabela 51 Nos anos de 1988 e 1989 observase movimento oposto com elevação tanto da taxa de juros interna quanto externa o que parcial Desenvolvimento em crise 197 mente explica a elevação da carga de juros influenciada tam bém pela estagnação do PIB Esses dois últimos anos são bastante peculiares pois a elevação deliberada das taxas de juros tinha como justificati va o alongamento dos prazos da dívida interna Apesar dessa elevação os prazos mantiveramse muito curtos indicando pouca efetividade da taxa de juros para conseguir tal objetivo Dito de outra forma o elevado patamar inflacionário e por tanto os riscos de perda patrimonial por meio de defasagens no indexador que corrige o estoque da dívida bem como a desconfiança na capacidade de pagamento do Estado tornam a política de juros elevados inócua como instrumento de alon gamento de prazos revelando outra face da deterioração do financiamento público2 Os anos 19851989 mostram um déficit medido pelo conceito operacional em média superior ao do período 1981 1984 Mais ainda a magnitude crescente desse déficit sugere um descontrole explícito das finanças públicas o que nos leva a examinar em detalhe a política de gastos públicos realizada no período O declínio do superávit primário ao longo do pe ríodo sugere uma política fiscal menos contracionista do que a realizada no período anterior Tabela 48 De fato durante todos os anos examinados o superávit primário cobre parce la cada vez menor da carga de juros Nos dois últimos anos quando esta volta a crescer o superávit primário obtido não evita que esse crescimento se traduza em expressivo aumento do déficit público 2 Como veremos posteriormente os movimentos da carga de juros estão for temente influenciados pela relação entre a inflação e as correções monetária e cambial que atualizam o valor do estoque da dívida Num período mar cado por vários congelamentos de preços e oscilações na taxa de câmbio dado o elevado estoque da dívida a relação entre os indexadores das dívi das e a inflação passa a ser central na determinação da carga de juros Ricardo Carneiro 198 Desenvolvimento em crise 199 Tabela 48 Déficit público por componente do PIB 19851989 1985 1986 1987 1988 1989 Déficit Operacional 43 36 55 43 69 Carga de Juros 69 51 46 56 59 Dívida Interna 34 22 20 28 27 Dívida Externa 35 29 26 28 32 Déficit Primário 26 15 09 13 10 Fonte BacenDepec 1989 Indicadores Macroeconômicos do Setor Público Como vimos considerado o crescimento da carga de juros o ajustamento obtido em 19811984 com o superávit primário cobrindo parcela expressiva desta deveuse primordialmente ao corte nos gastos tendo portanto poucas chances de susten tação Tratase assim de esclarecer em que medida a gestão da política fiscal no período 19851989 agravou a situação das fi nanças públicas ou apenas executou uma política inevitável O exame de dados mais detalhados Tabela 49 mostra um crescimento diferenciado das categorias de despesa O aumento de 105 em valores reais das despesas correntes entre 1984 e 1988 confirma um padrão particular de recuperação de gas tos públicos pela magnitude do crescimento e sua composição Nesse sentido merece destaque o crescimento ainda maior das despesas de custeio Ao final da década a volta das despesas correntes a uma participação idêntica à observada no início dos anos 80 não significa contudo um ajustamento efetivo mas apenas sua perda de importância diante das despesas de capital No que se refere às despesas de capital os dados indicam aparentemente a retomada dos investimentos públicos De fato podese observar expressiva recuperação dos investimen tos com crescimento de 233 no período Contudo em 1988 a participação dos investimentos no total das despesas é idên tica à que se registrou em 1980 O dado mais relevante é o Desenvolvimento em crise 199 excepcional crescimento das transferências de capital 473 Sua participação nas despesas é continuamente crescente após 1985 e expressa a importância das transferências de recursos fiscais para a capitalização das empresas estatais vítimas de crescentes dificuldades em razão do elevado grau de endivida mento associado à crescente defasagem de preços Tabela 49 Despesas da União segundo item orçamentário 19851988 Participação Variação 1985 1986 1987 1988 19841988 Total 1000 1000 1000 1000 1523 Despesas Correntes 805 663 667 651 1056 Despesas de Custeio 158 108 152 127 1147 Transferências Correntes 647 555 515 523 1035 Despesas de Capital 195 337 333 349 3378 Investimento 68 81 106 74 2338 Inversão Financeira 47 137 53 25 791 Transferência de Capital 80 118 174 250 4734 Fonte Brasil Ministério da Fazenda Secretaria do Tesouro Nacional Balanço Geral da União Vários anos Dada a restrição financeira sobre o setor público oriun da do estoque de dívidas tudo indica que nos anos 80 foram tentados dois padrões de ajustamento inconsistentes Na pri meira metade da década a obtenção de um superávit primário insustentável acompanhado da perda de receita e fundado no corte dos investimentos e na segunda a recuperação de gastos ativos em especial dos gastos correntes excessivamente libe ral não contribuíram para amenizar as dificuldades de finan ciamento do setor público Além disso o Tesouro foi obrigado a arcar com o ônus crescente dos desequilíbrios das empresas estatais que se torna fator adicional de constrangimento aos gastos públicos Em contrapartida o equacionamento da questão dificil mente poderia restringirse ao âmbito da política fiscal e à Ricardo Carneiro 200 Desenvolvimento em crise 201 obtenção de um superávit primário equivalente à carga de juros Esta em torno de 5 do PIB e o elevado espectro de isenções fiscais e de subsídios necessários inclusive à geração de superávits comerciais não admitem soluções convencionais para o equacionamento do problema A persistência de elevado déficit público no período 1985 1989 levanos a indagar das condições de seu financiamen to O primeiro aspecto que chama a atenção é que apesar dos déficits elevados observados no período a participação da dívida líquida do setor público no PIB estabilizouse em torno de 50 Ao confrontarmos essa informação com o fato de que o déficit operacional se eleva no período chegamos à conclusão de que o estoque da dívida foi de alguma maneira desvalorizado Observando a questão de outro ponto de vista podemos constatar que as necessidades de financiamento do setor públi co como porcentagem do PIB não se traduziram em aumento correspondente da dívida líquida do setor público medida de igual forma Como os estoques de dívida estão indexados pelas correções monetária e cambial uma explicação importante para tal fato está na defasagem das correções que atualizam o estoque das dívidas ante a inflação que corrige o PIB Os inde xadores das dívidas deveriam ser com exceções como vere mos a seguir idênticos à taxa de inflação A correção se faz contudo de forma defasada no tempo o que em períodos de aceleração inflacionária impõe um diferencial entre a inflação e os indexadores3 Nos vários momentos de congelamento de preços ocorridos na segunda metade da década essa defasagem materializouse 3 Segundo cálculos de Batista Júnior 1989 p312 as defasagens das cor reções monetária e cambial médias em relação ao deflator implícito do PIB no período 19851988 foram respectivamente de 27 e 28 Desenvolvimento em crise 201 Essa defasagem que na prática representa a desvalorização do estoque da dívida não pode ser todavia atribuída tão somente às imperfeições da indexação em um contexto de aceleração inflacionária Vejamos portanto as dívidas externa e interna separadamente Tabela 50 No caso da dívida externa parte da redução de sua importância após 1985 pode ser atribuí da à apreciação cambial resultante da intermitente aceleração inflacionária Mas é preciso nesse sentido distinguir dois mo vimentos entre 19851987 apesar do crescimento do PIB a participação da dívida externa é ligeiramente crescente não só pelo menor atraso cambial como pela suspensão dos paga mentos em 1987 que implica endividamento adicional já em 19881989 num contexto de estagnação do PIB além da apre ciação cambial mais intensa ocorre uma significativa amortiza ção da dívida como já indicado no Capítulo 3 A dívida interna após atingir um pico em 1985 sofre sig nificativa redução em 1986 em razão da monetização da eco nomia durante o Plano Cruzado A partir de então o seu cres cimento é inexpressivo quando comparado ao déficit público Certamente a razão fundamental para isso foram os dois con gelamentos de preços ocorridos no Plano Bresser e no Plano Verão A construção de novos vetores de preços para servirem de base ao cálculo do índice de inflação resultou num expurgo da variação real dos preços nos indexadores desvalorizando a dívida Em 1989 a dívida interna volta a crescer apesar da ace leração inflacionária e do Plano Verão Esse crescimento esteve longe de traduzir a magnitude do déficit financiado nesse ano Todavia resultou de uma política monetária ativa que levou as taxas de juros a patamares inusitados eliminando parcial mente o deságio devido ao expurgo dos indexadores obtidos no Plano Verão Ricardo Carneiro 202 Desenvolvimento em crise 203 Tabela 50 Dívida líquida do setor público 19851989 Dívida Total Dívida Interna Dívida Externa do PIB do PIB do Total do PIB do Total 1985 503 211 419 292 581 1986 490 186 380 304 620 1987 517 193 374 324 626 1988 516 198 385 317 615 1989 505 222 439 284 561 Fonte Banco Central do Brasil 1990 Relatório Anual 1989 A relativa estabilidade da dívida líquida do setor público como porcentagem do PIB indica que a questão central a ser analisada é a composição da dívida interna ou mais precisa mente o mix de financiamento utilizado para financiar déficits crescentes num contexto de aceleração inflacionária A pouca expressão da base monetária como proporção do PIB descarta de imediato os ganhos de seignorage como instrumento de fi nanciamento dos déficits O principal deles foi sem dúvida a dívida mobiliária da União cuja participação passa de 54 do PIB em 1981 para 139 em 1989 Tabela 51 Tabela 51 Taxa real de juros e dívida mobiliária em 19811989 Taxa Real de Juros1 DívidaPIB 1981 32 54 1982 98 72 1983 63 61 1984 58 67 1985 151 104 1986 38 93 1987 28 101 1988 120 122 1989 345 139 Fonte Banco Central do Brasil 1990 Relatório Anual 1989 1 Deflacionado pelo INPC Desenvolvimento em crise 203 O crescimento da dívida mobiliária ligeiramente superior ao crescimento da dívida líquida durante o período principal mente após 1987 mostra o seu caráter primordial inclusive na substituição de outros tipos de dívida Afora a dívida mobiliá ria outros instrumentos tiveram papel pouco relevante e epi sódico no financiamento do déficit destacandose os depósitos voluntários do SBPE junto ao Bacen e as debêntures emitidas por empresas estatais O aspecto a ressaltar no financiamento do déficit e na composição da dívida líquida do setor público é o caráter de curtíssimo prazo que assume o financiamento principalmen te pela dívida mobiliária que do ponto de vista dos aplicado res possui liquidez imediata A crescente liquidez dos títu los públicos tem dois determinantes principais a progressiva precariedade das finanças públicas e a aceleração da inflação associada à manipulação dos indexadores que exacerbam os riscos de perda patrimonial Num contexto em que parcela crescente da riqueza dos agentes superavitários consiste em riqueza financeira de grande liquidez a contrapartida da de terioração do financiamento público é a possibilidade de con versão dessa liquidez em poder de compra desencadeando a hiperinflação O ponto anterior é absolutamente central No período 19841989 o estreitamento das fontes de financiamento do se tor público fez que se utilizasse de forma progressiva a dívida mobiliária de curtíssimo prazo Diante dos riscos de perda pa trimonial dos aplicadores a taxa de juros nominal oferecida pelos títulos públicos foi crescente Em 1988 e 1989 apesar da aceleração inflacionária provocada por essa estratégia de finan ciamento estabelecemse patamares elevados para a taxa de juros real Tabela 51 O crescimento da dívida mobiliária de curtíssimo prazo após 1986 só não se mostra mais intenso por conta das desva lorizações episódicas mediante os expurgos dos indexadores Ricardo Carneiro 204 Desenvolvimento em crise AT Em contrapartida o crescente grau de desconfiança leva à exi gência de juros mais elevados e ao encurtamento dos prazos até o limite diário Esse processo que traduz a completa ruptura do financiamento público tem como fim inevitável a crise de confiança e a fuga da riqueza financeira para ativos reais e de risco como a que se inicia no ano de 1989 205 6 Crise monetária e hiperinflação A ocorrência de hiperinflação na economia brasileira durante os anos finais da década de 1980 tornouse objeto de um cres cente consenso para as várias correntes interpretativas do pro cesso inflacionário No conjunto de trabalhos sobre a inflação no período coletado por Rego 1989 1990 uma minoria de autores postulava que apesar do aumento contínuo e acelerado de preços não teria havido hiperinflação tanto porque o au mento de preços não teria ultrapassado determinado patamar algo como 50 ao mês como porque ao contrário das expe riências clássicas não houve aqui uma substituição monetária radical da moeda nacional Em discordância com essa visão a maioria dos autores ad mitia a existência nesse período de um processo hiperinfla cionário inequívoco embora marcado por especificidades his Ricardo Carneiro 206 Desenvolvimento em crise 207 tóricas De acordo com uma das interpretações consagradas do período de Belluzzo Almeida 1990 mais do que o patamar quantitativo da variação de preços interessa assinalar a perda de relação das suas trajetórias com o comportamento dos cus tos num movimento denominado financeirização dos preços No âmbito monetário houve na prática um intenso proces so de substituição monetária por meio do desenvolvimento da moeda indexada que representou de maneira indireta a dola rização da nossa economia Durante a segunda metade da década de 1980 vários programas de estabilização de inspiração heterodoxa foram postos em prática com vistas a eliminar a inflação e a restau rar a credibilidade da moeda A constatação do fracasso de todos esses programas sem exceção nos permite formular hipótese sobre os determinantes do processo hiperinflacio nário durante o período qual seja a centralidade da restrição externa e mais precisamente da transferência de recursos reais para o exterior Quaisquer que tenham sido os méritos e deméritos desses programas de estabilização o principal requisito para obter êxi to era conseguir estabilizar o valor externo da moeda objetivo que se encontrava fora do alcance das autoridades econômicas locais Ou seja a ruptura do financiamento externo e a transfe rência de recursos reais para o exterior estão na raiz da incer teza quanto à evolução da taxa de câmbio cujo efeito sobre as outras esferas da economia dá ensejo ao desenvolvimento de um processo hiperinflacionário Para examinar como isso ocorreu a década de 1980 será dividida em dois grandes períodos Nos anos 19801985 con figurase a instabilidade dos preços macroeconômicos por conta do ajuste externo da economia Esses anos são marcados pela intermitente aceleração inflacionária resultante da flexibiliza ção das margens de lucro dos oligopólios e pela crescente subs Desenvolvimento em crise 207 tituição da moeda corrente pela moeda indexada Na segunda metade da década após o fracasso do Plano Cruzado observa se um acelerar contínuo da inflação que resulta na financeiriza ção dos preços e no início de um processo de rejeição da própria moeda indexada dando ensejo à intensificação da hiperinflação cuja tentativa de controle se dá pelo Plano Collor Ajuste externo e incerteza dos preços macroeconômicos 19801985 O ajustamento da economia para obter um superávit co mercial e transferir recursos para o exterior realizado após 1979 mas sobretudo depois de 1981 exigia entre outras mudanças uma alteração permanente na taxa de câmbio Vi mos no Capítulo 2 que à maxidesvalorização de 1979 seguese em 1980 a prefixação da correção cambial o que termi na por eliminar a desvalorização real obtida A mudança efetiva da política cambial em direção às desvalorizações reais iniciase em 1981 por meio da redução da periodicidade das minidesvalorizações e do abandono do desconto da inflação externa A insuficiência da política gradual conduz à mudança da política cambial consubstanciada na maxidesvalorização de 30 em fevereiro de 1983 Em seguida preservase a políti ca de manutenção da paridade encurtando os períodos entre as minidesvalorizações até a introdução das desvalorizações diárias em 1985 por conta da aceleração da inflação doméstica O resultado prático dessa política foi uma pequena desvalori zação real em 19811982 seguida de expressiva desvalorização real em 1983 e pequena valorização real em 19841985 Tabela 52 Ricardo Carneiro 208 Desenvolvimento em crise 209 Tabela 52 Taxas de câmbio nominal e real Variações Anuais 19781989 Câmbio Nominal1 Câmbio Real2 1978 303 84 1979 1033 133 1980 540 296 1981 951 24 1982 977 04 1983 2894 151 1984 2236 29 1985 2295 15 1986 424 110 1987 3800 41 1988 9550 87 1989 14013 181 Fonte FGVBanco Central do Brasil 1 Final de período 2 Deflator IPAOG Além da política cambial há alteração também na política monetária cujo caráter restritivo se acentua com o objetivo de promover a redução da absorção doméstica e assim viabilizar a transferência de recursos reais para o exterior Após 1981 as taxas de juros negativas do biênio 19791980 são substituídas por taxas positivas ou levemente negativas Estas últimas ocor rem não por intenção deliberada da política econômica mas como resultado da aceleração inflacionária que transforma ta xas de juros reais positivas ex ante em taxas negativas ex post Tabela 53 Como alertam Tavares Belluzzo 1986 para além dos impactos sobre os custos correntes e portanto sobre a infla ção advindos dessa estratégia a questão principal estaria na ins tabilidade criada em torno da evolução dos dois preços centrais da economia o câmbio e os juros e seus efeitos nas expectativas dos agentes econômicos Ou seja a necessidade da manuten ção da desvalorização real da moeda bem como a preservação Desenvolvimento em crise 209 da absorção doméstica dentro de limites que não ameaçassem a geração de superávits comerciais criava profunda incerteza a respeito do comportamento futuro do câmbio e dos juros Tabela 53 Taxas de juros de curto prazo1 Médias Anuais em 19781989 Nominal Real4 Overnight2 Capital de Giro3 Overnight2 Capital de Giro3 1978 467 704 47 184 1979 430 835 182 01 1980 473 880 296 134 1981 897 1417 15 257 1982 1207 1603 118 246 1983 1966 2668 25 134 1984 2196 3486 15 364 1985 2297 3142 41 321 1986 832 620 55 64 1987 4244 5604 65 307 1988 10538 11980 17 97 1989 50202 53170 818 1161 Fonte Andima apud Cenários Taxas de juros no Brasil 1 Taxas anuais calculadas a partir das médias aritméticas mensais 2 Overnight taxa calculada a partir de papel mais negociado em cada período 3 Capital de Giro custo efetivo inclui reciprocidades conforme as práticas do mercado 4 Taxas reais obtidas utilizandose a média anual do IGP Como vimos no Capítulo 2 na segunda metade da década de 1970 a existência de abundante financiamento externo e a solidez das finanças públicas permitiram à política econômica amenizar a instabilidade oriunda dos choques externos sobre os preços macroeconômicos Nos anos 80 a necessidade de transferir recursos reais para o exterior e a crescente deterio ração das finanças públicas inviabilizaram essa possibilidade Como demonstrou Frenkel 1979 a possibilidade de alteração dos custos primários em especial das matériasprimas du rante o período de produção em razão de variações na taxa Ricardo Carneiro 210 Desenvolvimento em crise 211 de câmbio induz as empresas a elevarem as margens de lucro para evitar perdas de capital No caso da taxa de juros o efeito da sua variação seria o aumento do grau de endividamento de curto prazo no período de produção seguinte implicando a re dução da margem de lucro líquida GRÁFICO 9 Taxas de inflação mensal médias trimestrais Fonte FGV e FIBGE A nova característica do processo inflacionário após o ajuste externo decorre da flexibilização das margens de lucro das em presas em razão da instabilidade dos preços macroeconômicos De acordo com Almeida Novais 1989 foi o aumento das margens de lucro das grandes empresas que constituiu o fator predominante de aceleração da inflação durante o período Um aspecto importante a ressaltar é o contexto no qual essas em presas promovem o ajuste de margens ou seja num ambiente recessivo Cabe portanto indagar por que a recessão não atuou como um mecanismo eficaz contra a elevação de preços impe dindo a ampliação das margens de lucro das grandes empresas Desenvolvimento em crise 211 Esse reajuste de margem foi facilitado pelo reforço ao poder de mercado das grandes empresas que decorreu da redução do coeficiente importado vale dizer da diminuição da concorrên cia externa Ao atuar na prática como uma ampliação das bar reiras à entrada a redução do coeficiente importado permitiu maior liberdade na fixação dos preços por parte das empresas Em razão dessa mudança a inflação durante o período é mar cada pela duplicação de seu patamar A aceleração da inflação que ocorre na primeira metade da década tem impacto significativo na moeda e conduz à substi tuição da moeda corrente pela moeda indexada refletindose na ampliação da participação dos títulos públicos e dos depósitos de poupança no M4 e na queda da base monetária Tabela 54 De um lado aumenta a incerteza sobre valores e contratos denominados na moeda nominal o que leva ao encurtamento de prazos desses últimos de outro conduz ao aperfeiçoamento da moeda indexada e à sua utilização definitiva na denominação de contratos Tabela 54 Haveres monetários e financeiros1 do PIB 19791989 Base M1 Títulos M2 Depósitos M3 Depósitos M4 Monetária Públicos Poupança a Prazo 1979 40 103 64 167 67 234 50 284 1980 34 88 42 130 63 193 40 233 1981 28 73 54 127 70 198 37 235 1982 26 65 68 134 81 214 45 260 1983 21 52 60 112 92 204 50 253 1984 16 38 66 104 94 198 57 255 1985 16 37 104 141 92 233 62 295 1986 32 82 93 175 81 256 61 317 1987 22 46 101 147 97 244 49 292 1988 14 28 122 150 108 257 41 298 1989 13 21 139 160 81 241 28 269 Fonte Banco Central do Brasil 1990 1 Média dos últimos 12 meses utilizandose as posições de final de período Ricardo Carneiro 212 Desenvolvimento em crise 213 A moeda indexada apoiase sobretudo em mecanismos formais de indexação em especial a correção monetária embo ra como veremos esta última esteja intimamente relacionada com a correção cambial Diante da aceleração inflacionária os bancos passam a aceitar depósitos remunerados com liquidez imediata Ou seja as famílias e empresas passam a deter depó sitos bancários similares a depósitos à vista mas que rendem o equivalente à correção monetária e assim defendem a moeda contra a corrosão inflacionária Para lidar com depósitos remunerados de liquidez inte gral os bancos modificaram seus ativos reduzindo os itens de menor liquidez como os empréstimos Estes foram crescen temente substituídos por títulos públicos de curto prazo Para fazer face a essas modificações o Banco Central também teve de adaptarse e emitir títulos de prazo mais curto indexados à correção monetária1 Há várias consequências para o sistema monetáriofinancei ro relativas ao desenvolvimento da moeda indexada De acordo com Mendonça de Barros 1993 do ponto de vista do público a implicação principal é a eliminação prática da distinção entre moeda e poupança decorrente do encurtamento generalizado dos prazos das aplicações Quanto aos bancos a eliminação dos depósitos à vista e sua substituição por depósitos remunerados e a utilização de títulos públicos como lastro para esses depó sitos levam à supressão do multiplicador bancário ou seja à eliminação da possibilidade de criação de moeda bancária2 1 Ao longo do período nos momentos de maior instabilidade cambial houve também uma demanda acentuada por títulos indexados à variação cambial demanda esta satisfeita pelo Bacen pela emissão das denominadas ORTNs cambiais 2 A razão substantiva para isso é a própria eliminação da moeda nominal e do sistema de reservas fracionárias nessa moeda Assim na prática cada unidade monetária recebida em depósito é automaticamente esterilizada pela compra de títulos públicos Desenvolvimento em crise 213 Uma última implicação do desenvolvimento da moeda in dexada referese à perda de capacidade do Banco Central em realizar política monetária entendida esta última como a capa cidade de alterar a taxa de juros básica do sistema ou o nível de reservas do sistema bancário a sua disposição de conceder cré dito e a partir daí via mecanismos de transmissão a trajetória de variáveis reais Dado que os títulos públicos constituem o lastro ou a contrapartida da moeda indexada e representam um múltiplo elevado do patrimônio líquido das instituições bancárias não é possível tentar influir no volume demanda do desses títulos sob pena de quebrar essas instituições Ou seja o Banco Central não pode pretender alterar a liquidez do sistema vendendo um volume de títulos em excesso aos ban cos e obrigandoos a captarem moeda no mercado A rigor o Banco Central foi obrigado a realizar o que se convencionou chamar de zeragem automática e que consistia na recompra dos estoques de títulos públicos não colocados no mercado pe los bancos Não é sem percalços que a moeda indexada referida à correção monetária se consolida como reserva de valor da economia durante o ajustamento externo Segundo Mendon ça de Barros 1993 em 19811982 as correções monetária e cambial são equiparadas e corrigidas pela inflação do mês imediatamente anterior Em 1983 a tentativa de expurgar a correção monetária provoca a fuga maciça de ativos financei ros com taxas de juros fixas para ativos com taxas variáveis A instabilidade dos fluxos financeiros conduz ao compromisso público e formal com o FMI de igualar as correções monetária e cambial à inflação Em 1985 ocorre nova modificação nas correções monetária e cambial substituindose a inflação do mês anterior pela média móvel da inflação dos três meses imediatamente anteriores na definição de sua magnitude Quando a inflação volta a acelerar após julho desse ano a defasagem das correções monetária e Ricardo Carneiro 214 Desenvolvimento em crise 215 cambial perante a inflação conduz à desintermediação financei ra e especulação com ativos reais bem como ao retardamento do fechamento do câmbio pelos exportadores A economia tem a rigor duas moedas que cumprem a fun ção de reserva de valor a correção cambial e a correção mo netária Ambas têm que refletir a inflação passada sob pena de acarretarem especulação cambial ou com ativos reais Ou seja a correção cambial define a taxa de câmbio real preço ma croeconômicochave para assegurar o superávit comercial Já a correção monetária corrige a massa de moeda indexada e por tanto o conjunto de ativos monetários e financeiros do país No caso de não retratar a inflação passada pode desencadear a conversão desse poder de compra em bens e ativos reais É nesse quadro de instabilidade crescente que deve ser avaliada a experiência do Plano Cruzado que ao fracassar abriu caminho à crescente explicitação da hiperinflação O programa de estabilização consistiu fundamentalmente em uma reforma monetária acompanhada de desindexação e do congelamento de preços Durante um período relativamente longo para a década cerca de seis meses o programa logrou manter taxas de inflação reduzidas criando a falsa impressão da volta à estabilidade Em sentido mais amplo podemos dizer que o insucesso do programa se explica por sua incapacidade de levar adian te reformas de profundidade restabelecendo novos eixos de expansão para a economia Em sua essência o programa re verteu a tendência à modificação dos preços entre tradables e nontradables introduzida pelo ajustamento externo mas foi incapaz de assegurar a estabilidade dessa nova configuração de preços De certa maneira o programa de estabilização apenas acen tuou algumas tendências subjacentes ao processo de recupera ção da absorção doméstica iniciada em meados de 1984 Isso é verdadeiro no que diz respeito aos salários e a diversos preços Desenvolvimento em crise 215 de produtos nontradables em especial os competitivos O con gelamento do câmbio contudo foi um passo adiante para sina lizar a inversão da configuração de preços relativos estabelecida pelo ajustamento externo Outro aspecto importante foi a monetização de parcela da dívida interna do setor público em poder do setor privado que além de reduzir o estoque da dívida permitiu ampliar o crédito interno reduzindo substancialmente as taxas de juros de cur to prazo A substituição da moeda indexada pela nova moeda acarretou uma expansão muito rápida do crédito possibilitada pela ampliação de depósitos à vista e pelo baixo requerimento de recolhimentos compulsórios por parte dos bancos herdado do período anterior Em princípio as expectativas de curto prazo quanto à ins tabilidade dos juros e câmbio que constituíam o principal foco de instabilização das expectativas e da aceleração inflacionária foram eliminadas Como entender contudo o rápido retorno da incerteza e da inflação após seis meses de vigência do Plano O questionamento mais importante ao programa vem da crise cambial que se expressa na deterioração do superávit co mercial e na perda substantiva de reservas internacionais cer ca de US 35 bilhões que representavam aproximadamente 36 das reservas disponíveis A manutenção do congelamento de preços e do câmbio significava a apreciação da taxa real de câmbio já que a inflação real não captada pelos índices de pre ços era crescente A rigor a revalorização do câmbio só seria sustentável por uma redução substantiva da transferência de recursos reais ao exterior por meio de novos financiamentos líquidos ou da renegociação da dívida externa em novas bases A estabilidade das taxas de juros em baixo patamar tam bém mostrava pouca possibilidade de sustentação Não tanto pela pressão exercida pelo financiamento do déficit operacional do setor público cujo componente financeiro se havia reduzido substancialmente com a monetização de parcela da dívida O Ricardo Carneiro 216 Desenvolvimento em crise 217 aspecto central era como recuperar o nível de gastos em espe cial os de investimento sem ampliar o endividamento público junto ao setor privado Como essa questão não foi equaciona da a instabilidade quanto ao comportamento futuro dos juros foi progressivamente reintroduzida na economia3 A drástica redução do superávit comercial e a expressiva perda de reservas internacionais constituíram significativa sina lização da insustentabilidade da relação de preços entre trada bles e nontradables Já no último trimestre de 1986 os preços das principais matériasprimas comercializáveis aumentam substantivamente com a cobrança generalizada de ágio sobre os preços congelados A partir de então a disseminação do ágio para o conjunto dos preços o rápido aumento da cotação do dólar no mercado paralelo e o travamento do fechamento do câmbio pelos exportadores forçam o abandono do Plano Financeirização dos preços e hiperinflação 19861990 O fracasso do Plano Cruzado inicia uma nova etapa no pro cesso inflacionário pois à instabilidade de preços macroeconômi cos oriunda do ajuste externo e agravada pelo Plano somamse as expectativas de novos congelamentos de preços A partir de então a aceleração da inflação é quase contínua sendo episodi camente detida pelos sucessivos planos heterodoxos Bresser e Verão do qual faziam parte os congelamentos de preços A antecipação aos congelamentos passou a ser uma estra tégia essencial das empresas para evitar que fossem apanhadas 3 A proposta da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento com recur sos de empréstimos compulsórios oriundos de impostos adicionais sobre o consumo tentou equacionar a questão mas foi derrotada politicamente e abandonada após a saída do ministro Dílson Funaro Desenvolvimento em crise 217 com preços defasados Ou seja como os reajustes de preços vistos da perspectiva de um produtor qualquer não eram con tínuos mas realizados a determinados intervalos de tempo o mecanismo básico de defesa das margens de lucros passou a ser a diminuição desse intervalo Por meio desse expediente dimi nui a possibilidade de os preços se defasarem ante os custos de produção evitando o comprometimento das margens de lucro Um aspecto relevante a ser entendido no processo referese ao fato de a inflação passada e portanto as correções cambial e monetária não serem mais um guia seguro para o reajuste de preços isto é a rápida aceleração da inflação implica ne cessariamente o atraso das correções ante a inflação corrente em razão do período de tempo necessário para a apuração dos índices de preços Portanto elas deixam de ser critérios para os reajustes de preços Esse processo de aceleração quase contínua da inflação deu origem segundo Belluzzo Almeida 1990 à financeiriza ção dos preços ou seja à utilização das taxas de juros de cur tíssimo prazo overnight como critério para reajuste de preços Como a inflação acelerava a intervalos de tempo cada vez mais curtos para evitar as defasagens de preços ainda mais sob ame aça permanente de congelamento era preciso utilizar como parâmetro de reajuste algum instrumento que incorporasse a ex pectativa de variação corrente da inflação Esse instrumento era a taxa de juros de curto prazo expressa pela LBC A LBC era um título público cuja remuneração compunha se pela taxa de juros do overnight Dessa forma era possível manter essa taxa em linha com a inflação corrente incorpo rando suas eventuais acelerações Cabe aqui lembrar que a LBC constituía também o critério de remuneração da moeda indexa da ou seja de toda a massa de ativos financeiros convertidos em quase moedas Por essa razão era imperioso mantêla em linha com a inflação evitando que sua eventual defasagem in duzisse à fuga da moeda indexada em direção a ativos reais Ricardo Carneiro 218 Desenvolvimento em crise 219 A partir da financeirização dos preços a formação desses últimos perde qualquer referência com os processos produti vos concretos ou mais precisamente com os custos Assim a trajetória da inflação passa a depender exclusivamente do mo vimento das taxas de juros de curto prazo Essa está referida ao comportamento esperado da própria inflação num mecanismo de inércia mas também às expectativas dos detentores de moeda indexada Podese assim afirmar que dado o clima de incerteza prevalecente as expectativas dos detentores da moeda indexada serão sempre na direção de exigir taxas de juros mais ele vadas determinando um processo contínuo de aceleração da inflação A mudança nos critérios da correção monetária pela intro dução da LBC deveria ter implicado modificação semelhante nos critérios da correção cambial para evitar a defasagem do câmbio Ou seja as desvalorizações da taxa de câmbio teriam que acompanhar a variação da LBC Como isso não ocorreu e a taxa de câmbio terminou por valorizarse em razão da contínua aceleração da inflação observouse no período uma importante fuga de capitais Tabela 52 Os elementos para caracterizar a hiperinflação estão clara mente dispostos no quadro descrito vale dizer na financei rização dos preços e na polarização da riqueza financeira nas quase moedas ou na moeda indexada isto é o estágio ao qual se chegou na moeda indexada além de supor uma contínua aceleração dos preços obscurece a noção de preços relativos e as suas relações com custos de produção Do ponto de vista monetário a precária preservação da moeda como unidade de conta deuse à custa da supressão da moeda bancária e da dis tinção entre moeda e poupança A tentativa de reverter esse quadro ocorreu por meio do Plano Collor e da sua pretendida reforma monetária Esta últi ma visava sobretudo a evitar a explicitação da hiperinflação que poderia ocorrer caso os detentores de quase moedas as transfor Desenvolvimento em crise 219 massem em poder de compra adquirindo bens ou ativos reais A sua principal medida foi o bloqueio e recolhimento ao Banco Central da massa de ativos financeiros em circulação na econo mia e mais precisamente dos passivos bancários As empresas e famílias teriam acesso apenas a uma parcela dos ativos possuídos pois apenas cerca de 20 destes seriam convertidos na nova moeda e liberados Os restantes 80 fica riam bloqueados no Banco Central rendendo correção monetária 6 aa e seriam devolvidos após 18 meses em 12 parcelas sucessivas Para garantir a continuidade do processo produtivo era permitida a utilização da liquidez bloqueada para pagamen to de impostos e de dívidas interprivadas contraídas antes da reforma Ou seja supunhase que com 20 da liquidez prévia seria possível retomar o nível corrente de produção realizando todos os pagamentos à vista e utilizando parcelas adicionais para liquidar os contratos de dívida Do ponto de vista das famílias a possibilidade de paga mento de dívidas eliminou a maior parte dos inconvenientes da reforma porque o poder de compra corrente além de provi soriamente recomposto pelo saque inicial seria integralmente restituído quando do pagamento dos salários O uso da liqui dez retida para saldar dívidas tributárias ou bancárias permitiu evitar eventuais desequilíbrios patrimoniais Os haveres não utilizados nesse processo viraram poupança de longo prazo Valores a Ordem do Banco Central VOBCs com rentabilida de e liquidez anteriormente especificadas Para as empresas a reforma criou problemas adicionais porque o saque de 20 da liquidez teria de cobrir pelo menos a folha de salários Para as empresas de ciclo de produção mais longo o montante era insuficiente embora mais que suficiente para aquelas de ciclo curto Assim era necessário obter mais moeda ou crédito para retomar os níveis de produção Como o sistema bancário praticamente bloqueou a concessão de novos empréstimos a reconstituição do circuito do crédito dependeu Ricardo Carneiro 220 Desenvolvimento em crise 221 sobretudo da sua concessão interempresas Para pagamento de dívidas bancárias e fiscais as empresas puderam usar o poder de compra confiscado o que evitou a ampliação dos desequilí brios Tal qual as famílias as empresas tiveram a sua poupança retida inviabilizando a continuidade de planos de investimento ou a sua deflagração Um subproduto importante da reforma foi a criação de um mercado secundário de VOBCs As empresas e famílias possui doras de dívidas a pagar bancárias ou tributárias em vez de utilizarem a liquidez na nova moeda para realizar esses paga mentos adquiriam de outras empresas e agentes a titularidade sobre os VOBCs retidos e com eles realizavam os pagamentos Na transação estabeleciase um deságio sobre os VOBCs adqui ridos e pagos em moeda nova Para os adquirentes a vantagem estava em utilizar menos moeda nova para pagar suas obriga ções bancárias e tributárias e para os vendedores obtinhase a nova moeda vendendose títulos cujo resgate só aconteceria após18 meses A possibilidade de realizar as transações que deram suporte ao mercado secundário de VOBCs estava ancorada na permis são de pagamento de dívidas com origem anterior ao Plano Parte dessas dívidas inexistia e foi forjada dando origem à troca de titularidade Ou seja um agente qualquer uma empresa por exemplo aceitava forjar uma dívida contra um terceiro trans feria para esse agente a sua titularidade sobre VOBCs e recebia o pagamento na moeda nova por essa transferência Enquanto a transação se realizava entre agentes priva dos a liquidez global da economia não se acrescia haven do apenas sua redistribuição Quando a transação envolvia o pagamento posterior de impostos a liquidez global au mentava isto é nesse caso além da redistribuição entre os agentes privados a conversão dos VOBCs em moeda pelo se tor público ampliava diretamente a liquidez colocando mais moeda nova em circulação Desenvolvimento em crise 221 O impacto da reforma sobre o sistema bancário foi signifi cativo e também diferenciado No lado do passivo a conversão de cerca de 20 do total em depósitos à vista e de 80 em VOBCs não trouxe maiores problemas Mas houve em maior ou menor grau dependendo da instituição um descasamento significativo entre a liquidez dos ativos e passivos Do ponto de vista dos primeiros a reforma converteu em moeda nova a parcela equivalente a 20 dos títulos públicos que lastrea vam a moeda indexada Para a parte do ativo constituída de empréstimos bancários não houve conversão Ou seja essa segunda parcela ou seria liquidada a prazo mais longo ou por meio do recebimento de VOBCs Assim quanto maior o peso dos empréstimos nos ativos bancários maior a iliquidez na nova moeda O setor público foi de fato o grande beneficiário da refor ma Do ponto de vista patrimonial a dívida de curto prazo foi convertida em dívida de médio prazo com taxas de juros signi ficativamente reduzidas ou seja os VOBCs Além do mais essa dívida também sofreu um processo significativo de deságio por conta da introdução de uma nova moeda e da construção de um novo vetor de preços para servir de base ao cálculo da inflação No plano corrente foi concedida aos Tesouros a capacidade de monetizar todos os VOBCs recebidos a título de pagamento de impostos Em princípio isso não alteraria a situação cor rente mas a possibilidade de utilizar os VOBCs para pagar dé bitos fiscais anteriores por parte do setor privado levou a um acréscimo significativo da arrecadação pois este último ante a recuperação incerta da moeda retida utilizoua para saldar débitos atrasados A avaliação da reforma monetária deve considerar como critério fundamental a capacidade desta última em restaurar se não todas pelo menos algumas das funções da moeda nacional Se é verdade que a reforma não conseguiu erradicar o regime de alta inflação ela todavia conseguiu de fato deter a hiperin Ricardo Carneiro 222 Desenvolvimento em crise 223 flação Ou seja se de um lado a reintrodução da liquidez na forma e magnitude em que ocorreu terminou por possibilitar a retomada da inflação de outro o diferimento do poder de compra acumulado sob a forma de moeda indexada parece ter sido suficiente para evitar a continuidade da especulação com ativos reais e de risco GRÁFICO 10 Preços ao consumidor e atacado Fonte FGV e FIBGE A volta da inflação para um patamar de dois dígitos Grá fico 10 após quatro meses da reforma e a sua consolidação nesse patamar levaram a interpretações sobre as causas dessa retomada cuja ênfase está no retorno rápido e significativo da liquidez por meio dos mecanismos descritos anteriormente Ou seja a reintrodução de cerca de 40 do valor dos VOBCs sequestrados após quatro meses de Plano Tabela 55 teria sido o meio pelo qual as empresas recuperaram a sua liquidez e passaram a praticar as mesmas políticas de preços de antes da reforma É duvidoso pensar que essa tenha sido de fato a razão que levou ao retorno da inflação De um lado porque os níveis pré vios de liquidez das empresas estiveram longe de ser recupe Desenvolvimento em crise 223 rados de outro porque como vimos anteriormente o retorno dessa liquidez ocorreu de maneira muito desigual Vale dizer nem todas as empresas recuperaram as condições de liquidez prévia Ao mesmo tempo durante o período em questão a economia brasileira foi vítima de uma das maiores recessões da sua história contemporânea Tudo isso leva a concluir que apesar de tudo a reforma não foi capaz de desmontar os meca nismos de dolarização indireta dos preços Tabela 55 Haveres monetários e financeiros US bi de dez90 19891991 Base Monetária M1 Títulos Públicos M2 Depósitos Poupança M3 Títulos Privados M4 VOBC M5 Dez89 52 80 572 652 251 903 124 1027 00 1027 Mar90 62 119 181 300 220 521 49 570 355 924 Jun90 113 164 193 357 127 484 130 614 319 933 Set90 87 143 181 324 143 467 162 629 299 919 Dez90 96 148 163 312 140 452 157 609 283 892 Mar91 81 138 92 328 151 480 142 622 269 891 Jun91 76 135 94 325 155 480 179 659 259 918 Set91 62 122 94 319 139 458 188 646 180 826 Dez91 63 107 81 381 162 543 177 720 126 846 Fonte Banco Central do Brasil apud Appy et al Apesar disso a reforma foi um instrumento poderoso para abortar a hiperinflação em curso A raiz disso esteve sem dúvi da no sequestro da liquidez e também nos critérios de correção monetária dessa liquidez Houve por conta dessa última um significativo deságio sobre os vários tipos de títulos privados e públicos Assim por exemplo o M4 e seus principais compo nentes excluindo os VOBCs retidos no Banco Central redu ziramse em cerca de 50 nos primeiros 12 meses posteriores à reforma Como consequência todos os ativos reais e de risco sofreram uma significativa desvalorização sobretudo nos me ses iniciais O dólar no mercado paralelo por exemplo teve a Ricardo Carneiro 224 Desenvolvimento em crise AT sua cotação reduzida em cerca de 50 em termos reais após seis meses Ao mesmo tempo o ágio sobre as cotações do dólar comercial caiu de 130 para 10 Em síntese a reforma além de diminuir o ímpeto do reajuste de preços de bens e serviços evitou a explosão de preços dos ativos reais Parte III Desaceleração 227 7 Globalização financeira e inserção periférica Este capítulo propõese a examinar as características do processo de globalização que nos parecem essenciais como de finidoras de uma ordem econômica internacional O objetivo é apreender os principais traços do processo com o intuito de esta belecer as formas e os limites da inserção dos países periféricos Admitese como hipótese central que a globalização é a resultante da interação de dois movimentos básicos no plano doméstico da progressiva liberalização financeira e no plano in ternacional da crescente mobilidade dos capitais Está implícita na hipótese anterior a ideia de que a globalização produtiva em bora relevante é um fenômeno subordinado Ou seja a onda de inovações que tem transformado os processos produtivos e a organização dos mercados e promovido um crescimento sem Ricardo Carneiro 228 Desenvolvimento em crise 229 paralelo do investimento direto estrangeiro tem seus limites di tados pela dominância da acumulação financeira Embora não seja o objetivo deste trabalho analisar as impli cações da liberalização financeira cabe referir alguns de seus efeitos sobre a dinâmica capitalista Uma das suas principais consequências é a financeirização entendida como uma norma de ação dos vários agentes econômicos sejam eles empresas famílias ou instituições financeiras A questão essencial é que o aprofundamento das finanças de mercado modifica o compor tamento dos vários tipos de agentes cuja lógica de investimen to se transforma e adquire um caráter especulativo Quanto mais aprofundada a liberalização mais a lógica especulativa toma conta dos agentes Ou seja com mercados amplos e líquidos o objetivo de qualquer investimento não é o de adquirir ativos que possam produzir um fluxo de rendi mentos que capitalizados à taxa de juros corrente superem o valor inicial desembolsado Essa diferença entre preço de compra e valor de mercado é determinada pela variação de curto prazo no valor de mercado desses ativos que no mais das vezes ocorre de maneira independente da evolução dos fundamentos A questão essencial é que a riqueza dos vários agentes adquire uma liquidez crescente aproximandoa da forma mais líquida e abstrata o dinheiro Decorre daí que a lógica da sua valorização também passa a ser a da forma mais líquida ou seja DD No exame da globalização como ordem internacional será considerado de início o conjunto de aspectos que definem o núcleo do sistema monetário internacional SMI Além da questão primordial referente ao grau de mobilidade dos ca pitais serão considerados o regime cambial predominante a hierarquia entre as moedas e as principais formas que assu mem os fluxos de capitais e o que é mais relevante do ponto de vista dos países periféricos o grau de autonomia da polí tica econômica Desenvolvimento em crise 229 Em seguida procurase caracterizar os principais agentes do processo destacando os investidores institucionais as em presas os bancos aos quais correspondem grosso modo os flu xos de capitais de portafólio investimento direto e crédito de curto e longo prazos Procurase explicitar as linhas gerais de atuação de cada um desses agentes tais como sua importância objetivos e estratégia assim como a diferenciação existente en tre eles Na sequência discutemse as diferentes formas de in serção de países ou regiões no sistema global A distinção fundamental nesse caso foi entre países centrais com moe da conversível e países periféricos sem moeda conversível Além de explicitar os determinantes gerais dos fluxos intra e intergrupos de países procurouse explorar as diferenciações existentes entre as distintas periferias em especial a Ásia e a América Latina Ao final do capítulo analisamse as crises recentes dos paí ses periféricos mostrando como elas adquirem crescentemente implicações sistêmicas Ademais procurase também especu lar sobre os desdobramentos da crise recente nos países da pe riferia no que tange às suas condições de acesso aos mercados financeiros globais A globalização como ordem internacional Vimos no Capítulo 3 que o grau de liberdade do movimento dos capitais é o elemento central na definição de um sistema monetáriofinanceiro internacional Outros dois aspectos rele vantes são o regime cambial estabilidade ou flexibilidade das taxas de câmbio e o grau de autonomia da política econômica doméstica A combinação desses três elementos na definição do SMI é tratada na literatura econômica como a trindade impos sível Ou seja só é possível combinar dois elementos de cada Ricardo Carneiro 230 Desenvolvimento em crise 231 vez ficando o terceiro automaticamente excluído A cada com binação por sua vez corresponde uma ordem internacional vi gente em período histórico determinado A representação das diversas possibilidades pode ser observada na Figura 1 Dada a existência de mobilidade de capitais só é possível escolher entre regimes de taxas de câmbio alternativos utili zando a autonomia da política doméstica como variável de ajus te No contexto da globalização o regime predominante é o de taxas de câmbio flutuantes no qual em princípio se preserva alguma autonomia da política doméstica Os sistemas com ta xas fixas currency board só são possíveis à custa do total sa crifício da autonomia da política econômica interna FIGURA 1 Possibilidades de combinação dos elementos do SMI De acordo com Eichengreen 1996 o regime de livre mo bilidade de capitais combinado com um sistema de taxas fixas de câmbio como no padrãoouro supõe que a política domés tica se volte exclusivamente para a defesa das paridades Vale dizer se os objetivos da política econômica doméstica são os de defender as paridades fixas quaisquer que sejam os custos internos é possível conciliar a livre mobilidade de capitais com um sistema de taxas fixas Como alerta Eichengreen esse sis tema pressupõe uma total subordinação da política econômica aos mecanismos de defesa das taxas de câmbio com o sacrifício de outros objetivos tais como o emprego o que a rigor seria impraticável nas modernas democracias Desenvolvimento em crise 231 A outra combinação a de um sistema de taxas fixas de câm bio com a autonomia das políticas domésticas requer altas res trições à mobilidade de capitais como foi o caso do regime de Bretton Woods sob pena de esta última inviabilizar a ma nutenção das paridades fixas O sistema monetáriofinanceiro internacional vigente nesse período pode ser considerado uma exceção pois supõe uma ordem econômica regulada tanto no plano interno quanto no externo Do que foi exposto anteriormente podemse deduzir as principais características da economia internacional que vão constituir a essência da globalização a livre mobilidade de ca pitais o regime de taxas de câmbio flutuantes e em princípio a autonomia das políticas econômicas domésticas Essa defini ção não considera todavia a hierarquia de moedas Ou seja na globalização o sistema monetáriofinanceiro internacional constituise como um sistema hierarquizado no qual o dólar é o núcleo A partir desse núcleo e dada a existência de livre mobilidade de capitais formamse as demais taxas de juros e câmbio do sistema A Figura 2 a seguir representa de maneira simplificada o funcionamento do sistema monetário internacional globaliza do Podese perceber a existência de três categorias de moeda a moeda reserva dólar as moedas conversíveis países cen trais e as moedas não conversíveis países periféricos No âmbito da moeda central definese a taxa de juros básica do sistema Obviamente ela é a menor de todas pois remunera um investimento que é feito na moeda mais forte do sistema e que é vista como a mais segura pelos detentores dos capitais À medida que se caminha para fora do núcleo do sistema as taxas de juros vão se elevando dado que as moedas vão se tornando menos seguras seta 1 da Figura 2 Podese interpre tar o fenômeno de outra maneira e afirmar que os proprietários dos capitais exigem um prêmio maior para investir nas moedas menos seguras Visto o problema de outro ângulo seta 2 da Ricardo Carneiro 232 Desenvolvimento em crise 233 Figura 2 podese afirmar que os proprietários de capitais na periferia aceitam taxas de remuneração menores para investir nas moedas mais fortes Essa conformação do sistema monetário internacional defi ne uma regra de formação das taxas de juros que é desfavorável aos países da periferia e até mesmo aos outros países centrais A taxa de juros fora do núcleo é sempre a taxa paga pela moeda central acrescida de um riscopaís Este último é determinado principalmente pela avaliação e classificação de agências espe cializadas e transmitese aos títulos do país que são negociados nos principais mercados principalmente o americano FIGURA 2 Operação do sistema monetário internacional SMI O importante a salientar é que dada a livre mobilidade dos capitais não há possibilidade de os países periféricos partici pantes do sistema não aceitarem essa regra de formação das taxas de juros porque na hipótese de fixarem taxas de juros internas abaixo da taxa estabelecida pelo mercado não só dei xariam de receber capitais como provocariam uma fuga dos capitais locais Ou seja a autonomia da política econômica do méstica entendida como a capacidade de determinar as taxas de juros é restrita quando comparada à dos países do centro do sistema Desenvolvimento em crise 233 A possibilidade de escapar dessa regra existe apenas para os países de moeda conversível ou seja para onde há um fluxo permanente de capitais produtivos e financeiros Nesse caso a fixação das taxas de juros internas abaixo do valor do merca do implica a saída de capitais e a consequente desvalorização da taxa de câmbio Essa por sua vez tem um piso a partir do qual passa a ser interessante a volta dos capitais para adquirir ativos produtivos ou financeiros a baixo preço em razão da moeda desvalorizada No caso das moedas não conversíveis essa alternativa não existe porque não há piso para a desvalorização da taxa de câmbio Ou seja caso haja fuga de capitais a desvalori zação pode prosseguir para limites bem mais amplos sem desencadear o retorno dos capitais pois pode não haver in teresse dos capitais na compra de ativos adicionais no país em questão Nesse caso portanto a fixação de taxas de juros abaixo daquela estabelecida no mercado internacional pode levar a uma desvalorização descontrolada da moeda do país e no limite a uma crise de confiança que questiona a sua própria existência Um aspecto crítico do sistema globalizado é o do patamar elevado das taxas de juros De acordo com Ciocca Nardozzi 1996 a elevação dos juros no final dos anos 70 e sua persis tência em patamares elevados nos anos 80 e 90 caracterizam essas últimas décadas como as de taxas reais de juros mais elevadas desde o final do século XIX excetuandose pequenos períodos nas últimas décadas desse século nos quais houve deflação Para explicar o fenômeno da permanência das taxas de juros em níveis elevados a abordagem keynesiana adotada pelos autores supracitados parece a mais convincente Segundo essa hipótese não existe nenhuma razão externa aos mercados fi nanceiros ou pertencente ao mundo real responsável pela determinação das taxas de juros Esta última é o produto de Ricardo Carneiro 234 Desenvolvimento em crise 235 convenções e do grau de certeza ou incerteza que agentes atri buem a essas convenções No caso dos mercados financeiros a maior ou menor con fiança dos agentes se traduz na intensidade da preferência pela liquidez Uma maior preferência pela liquidez vale dizer a co brança de um prêmio mais elevado para se desfazer da liquidez traduz uma menor confiança sobre a trajetória futura da econo mia e particularmente sobre a inflação No caso específico dos anos 80 e 90 podese portanto afirmar que as taxas de juros elevadas traduziram uma maior incerteza sobre a sustentação de trajetórias estáveis para a economia e a consistência da po lítica econômica Sinteticamente podemos identificar dois grupos de fatores aos quais se pode atribuir a capacidade de influir sobre a prefe rência pela liquidez dos agentes durante o período em questão São eles o crescente predomínio das finanças de mercado nos países centrais especialmente nos Estados Unidos e os funda mentos do sistema monetário internacional A forma pela qual se organizam os mercados financeiros revestese de grande importância na determinação da preferên cia pela liquidez Os sistemas nos quais predominam as rela ções de clientes intermediação bancária e os investimentos sólidos ativos instrumentais apresentam em geral uma pre ferência pela liquidez e portanto uma taxa de juros menor do que aqueles nos quais predominam as relações de mercado fi nança direta e o investimento fluido ativos financeiros Ade mais no segundo caso a disseminação dos mercados de ativos e seus ciclos de preços torna mais intensas as possibilidades de ganho ou perda de capital Ou seja variações das taxas de juros determinam perda ou ganho de capital para todos os detentores de títulos Por sua vez os riscos de perda de capital serão tão maiores quanto menores forem as taxas de juros o que impli ca que a taxa de juros além de mais elevada é também mais rígida à baixa Desenvolvimento em crise 235 Outro fator que exacerba a preferência pela liquidez é a atual organização do SMI fundada na livre mobilidade dos capitais e nas taxas de câmbio flutuantes Segundo a teoria neoclássica seria de esperar que a flexibilidade dos fluxos financeiros e do câmbio produzisse por meio de arbitragens uma igualação das taxas de juros nos distintos países A não convergência das taxas de juros em moedas distintas atesta a persistência dos riscos de país o que somado à variabilidade das taxas de câmbio torna bastante incertas as trajetórias das taxas de juros No que tange à incerteza quanto à evolução das taxas de juros Belluzzo 1997 sugere que o principal problema do sis tema que tem o dólar como moeda central estaria no caráter de devedor líquido do país emissor Ou seja a fonte de instabili dade estaria mais no estoque de dívida e na sua rolagem do que no financiamento corrente do déficit externo americano o que criaria problemas para o sistema monetáriofinanceiro interna cional tornandoo instável A sustentação do valor do dólar depende sobretudo das taxas de juros americanas e a variação dessa taxa influi decisivamente na direção e intensidade dos fluxos de capitais Em determinados momentos essa susten tação pode ser contraditória com a estabilidade dos mercados globalizados em especial dos periféricos Tratando do mesmo problema Teixeira 2000 destaca a situação assimétrica da economia americana ante o resto do mundo Ou seja apesar de serem inegáveis os impactos de uma elevação da taxa de juros americana sobre os fluxos globais de capitais e portanto sobre as demais economias as variações dessa taxa estariam determinadas por razões internas à eco nomia americana Os Estados Unidos por emitirem a moeda reserva do mundo não têm restrição externa isto é limites externos para o financiamento do seu déficit seja ele de tran sações correntes ou relativo à conta de capital Por essa razão os determinantes do patamar e da volatilidade da taxa de juros Ricardo Carneiro 236 Desenvolvimento em crise 237 básica do sistema guardam relação estrita com o desempenho de variáveis domésticas da economia americana Uma visão crítica das consequências da globalização leva a destacar problemas tais como a perda de relação entre as taxas de câmbio e a situação em conta corrente dos balanços de pagamentos a permanência dos riscos de país elevados e diferenciados presentes nas taxas de juros desiguais e afetan do desigualmente a capacidade doméstica de fazer política eco nômica Por fim a permanência da assimetria na política econô mica com as mudanças a partir dos Estados Unidos afetando mais o resto do mundo do que o contrário o que valeria mais intensamente para os países da periferia do sistema Instituições e atores relevantes A análise dos atores da globalização seja dos seus agentes ou países requer o uso de dois períodos distintos que grosso modo se confundem com as duas décadas 1980 e 1990 Do ponto de vista dos agentes há poucas modificações quando se consideram os dois períodos já quanto aos países há uma mo dificação essencial representada pela incorporação maciça da periferia durante a última década Da ótica dos fluxos de capitais a globalização tem carac terísticas bem peculiares quando confrontada com outras épo cas Sua natureza particular apresentase na predominância dos fluxos brutos de capitais quando visàvis os fluxos líquidos O Quadro 3 distingue mais precisamente os conceitos Ele deve ser pensado da ótica de um país receptor dos fluxos de capitais As colunas representam a diferença entre entradas e saídas portanto o fluxo líquido segundo a origem do agente Tanto re sidentes quanto não residentes podem internalizar ou exterio rizar recursos e o resultado dessas operações pode ser negativo ou positivo As linhas por sua vez representam o resultado Desenvolvimento em crise 237 bruto ou a soma das entradas e das saídas sendo o resultado total o que liquidamente entrou ou saiu do país Quadro 3 Classificação dos fluxos de capitais Residente Não Residente Resultado Entradas Entradas Brutas Saídas Saídas Brutas Resultado Fluxo Líquido de Residentes Fluxo Líquido de Não Residentes Líquido Total Foi dito anteriormente que as transações brutas adquirem um peso desproporcional na globalização o que significa que para cada unidade monetária internalizada ou exteriorizada li quidamente houve um crescimento substantivo das transações brutas Além do fato de a globalização significar fluxos de capi tais descolados de fluxos reais de comércio ou de investimento direto estrangeiro IDE há duas razões adicionais para que isso tenha ocorrido a primeira delas decorre do fato de que a globalização é uma via de mão dupla ou seja a liberaliza ção ampla dos fluxos de capitais implica que os países rece bem e exportam capitais simultaneamente A segunda está re lacionada a outra característica da globalização já mencionada anteriormente o sistema de taxas de câmbio flexíveis e juros flutuantes Ao permitir ganhos de curto prazo na especulação com moedas e taxas de juros esse sistema exacerbou o peso dos fluxos de capitais igualmente especulativos e de curto prazo A avaliação quantitativa dos dados sobre os fluxos de capi tais nos anos 80 com base em Turner 1991 conforme apresen tado no Capítulo 3 põe em destaque as modificações mais re levantes após 1985 Destacase a maior importância dos fluxos de investimento direto e de portafólio quando comparados com os empréstimos bancários de curto e longo prazos bem como a perda de importância relativa dos fluxos oriundos do setor público Ou seja fica patente a dominância dos fluxos privados e dentre esses do investimento direto e das finanças diretas em detrimento das finanças bancárias Ricardo Carneiro 238 Desenvolvimento em crise 239 Os dados de Turner também caracterizam a hierarquia dos fluxos de capitais durante os anos 80 Por ordem de importância temos portafólio IDE empréstimos bancários e setor público Essa ordenação permanecerá praticamente a mesma durante os anos 90 com pequenas mudanças de composição mostrando tratarse de uma característica permanente da globalização O grande crescimento do investimento de portafólio está associado ao aumento do investimento externo dos investido res institucionais resultado da desregulamentação da composi ção de seus portafólios A aquisição de ativos externos visou sobretudo a uma diversificação de risco Neste último aspecto a pouca diversificação dos fundos de pensão americanos em termos de moeda de denominação representa uma exceção o que revela o caráter menos propenso ao risco dos fundos ame ricanos e a hegemonia do dólar ou a ausência de outra moeda tão confiável que caso existisse teria produzido uma nova re lação entre taxas de câmbio O estudo de Turner 1991 sugere a possibilidade de uma maior volatilidade dos fluxos oriundos dos investidores insti tucionais após os anos 80 por conta do encerramento do ci clo básico de diversificação no âmbito dos países centrais As sim a composição dos portafólios ficaria mais suscetível aos movimentos de câmbio e juros Essa constatação é de grande importância para entender crises localizadas como a do SME que ocorrem no início dos anos 90 mas principalmente para compreender o transbordamento desses fluxos em direção à periferia que ocorre na última década A volatilidade dos fluxos de portafólio pode também ser apreendida pela forma de organização desses agentes e por sua inserção nas finanças de mercado Por exemplo é notório o crescimento mais rápido dos fundos mútuos em especial dos hedge funds que possuem uma maior propensão ao risco Os fundos de pensão por sua vez são induzidos crescentemente a um comportamento especulativo na medida em que a remu Desenvolvimento em crise 239 neração de seus gestores passa a ser determinada por critérios de performance De certa forma é o próprio crescimento dos investidores institucionais que ao permitir o aprofundamento do mercado impõe uma lógica crescentemente especulativa ao investimento de portafólio Segundo os dados de Turner houve em meados da déca da de 1980 uma retomada do IDE com características novas entre as quais a pouca relevância dos países subdesenvolvidos como receptores menos verdadeiro para a Ásia e bastante direcionado às bolsas de valores nos países desenvolvidos Os determinantes dessa nova onda de IDE possuem uma dupla natureza Ou seja de um lado estão ligados ao processo de financeirização traduzido na possibilidade de realização de ga nhos patrimoniais e de outro é inegável também o peso da dimensão produtiva em particular aquela relativa às mudanças tecnológicas e de estrutura de mercado Isso posto e rejeitando a ideia de que a globalização nas suas motivações maiores seja um processo de integração pro dutiva podemse recuperar nas órbitas produtiva tecnológica e dos mercados importantes razões para a ampliação do IDE como sugeridas por Dunning 1997 Segundo esse autor o pa radigma da globalização produtiva seria a cadeia de valor agre gado distribuída por diversos países e empresas e a diversidade geográfica dos mercados de destino da produção Isso ocorreria porque os crescentes custos de pesquisa e desenvolvimento PD em simultâneo com o ciclo de produto cada vez mais cur to induziriam as empresas a reduzirem o escopo de suas ativi dades na cadeia de valor agregado Nas diversas caracterizações do IDE percebese que a par tir dos anos 80 ele assumiu basicamente a forma de fusões e aquisições e alianças estratégicas em detrimento do greenfield investment As razões sugeridas para que isso tenha ocorrido foram as possibilidades de Ricardo Carneiro 240 Desenvolvimento em crise 241 aumento mais rápido de market share alcançar economias de escala e sinergia no núcleo core de atividades ganhar acesso a novas tecnologias e dividir os riscos associa dos com o processo de inovação ganhar acesso a mercados e cadeias de distribuição Analisando o IDE do ponto de vista do balanço de paga mentos e dada a pouca importância dos empréstimos de longo prazo as interpretações convencionais sugerem que este teria se tornado o fluxo de natureza mais estável o que estaria re lacionado com as expectativas de longo prazo que o animam desvinculadas da situação de balanço de pagamentos O IDE teria por definição uma menor liquidez ao mesmo tempo em que exigiria uma taxa de retorno inferior por conta do menor risco de taxa de câmbio No limite a taxa de retorno dependeria do desempenho da economia do país Sugerese também que o IDE tem um papel equilibrador no que diz res peito aos desequilíbrios cambiais Uma taxa de câmbio des valorizada atrai IDE aumentando a oferta de moeda externa porque a taxa de câmbio depreciada significa baixos preços de ativos domésticos e elevada rentabilidade dos setores produ tores de tradables A tese da maior estabilidade do IDE vem sendo contesta da por estudos de diferentes orientações O trabalho de Kregel 1996 e o de Claessens et al 1995 negam a ideia de que o IDE é o fluxo de maior estabilidade ou mais barato por não possuir nem a carga de juros fixa dos empréstimos bancários nem a volatilidade do investimento de portafólio O primeiro aspecto dessa contestação referese à menor liquidez do IDE pelo fato de estar vinculado a ativos instrumentais A esse res peito salientam tanto a maior negociabilidade das empresas nos mercados locais em geral cotadas em bolsa de valores quanto o fato de que um investidor direto pode realizar ope Desenvolvimento em crise 241 rações de hedging do IDE criando portanto pressão sobre o mercado cambial similar à dos outros fluxos O estudo de Kregel 1996 levanta ainda outros aspectos relevantes e que dizem respeito à inconsistência estrutural ou de longo prazo do IDE que se dirige aos países de moeda não conversível Desde logo assinala que os prêmios de risco a se rem incorporados aos retornos do investimento são maiores do que nos demais fluxos de capital exatamente pela sua menor liquidez Adicionalmente há que considerar que o conceito de IDE admite que se registrem como tal os lucros reinvestidos acarretando o aumento do estoque de IDE no país sem que te nha havido simultaneamente um aporte novo de capital ou um fluxo adicional de moeda estrangeira O crescimento do esto que de investimento estrangeiro e a taxa de retorno sobre este criam direitos sobre divisas que podem ser exercidos em qual quer momento e em geral o são em momentos de dificuldades do balanço de pagamentos No contexto da globalização os fluxos bancários de curto prazo adquirem caráter compensatório movendose em senti do contrário aos fluxos não bancários possuindo em grande parcela caráter especulativo intrínseco A importância desse tipo de empréstimo é bastante diferente segundo países e con dicionada pela existência de limites à exposição ao risco em moeda estrangeira ou por facilidades para emprestar domesti camente com denominação na moeda externa Além das opera ções de empréstimos de curto prazo os bancos desenvolveram em larga escala as operações fora de balanço Dada a volatili dade das taxas de juros e câmbio são os bancos que realizam as operações de cobertura de risco por meio de instrumentos de hedge options ou swaps Como essas operações não estão re gistradas em balanço subestimase o envolvimento dos bancos nas finanças internacionais A relevância e caráter essencial que possuem os fluxos de capitais bancários inclusive na formação de posições de risco Ricardo Carneiro 242 Desenvolvimento em crise 243 é destacada por Kregel 1996 A peculiaridade das instituições bancárias em especial as transnacionais está em poderem atuar simultaneamente em vários sistemas monetários nacionais Qualquer que seja a operação realizada por um banco em um país há a possibilidade de cobertura dessa operação em outro país Por exemplo um banco pode financiar o comércio exte rior entre dois países trabalhando com duas moedas distintas financiando e captando em ambas Mesmo que haja desequilí brio ou déficit de um dos países as operações do banco podem estar equilibradas o que não significa obviamente que não haja risco cambial nas operações por conta de default risco de crédi to ou problemas macroeconômicos O que foi dito anteriormente vale para todo tipo de ope ração inclusive para aquelas com derivativos A opção de fi car descasado é uma decisão do banco e reflete uma atitude especulativa diante da trajetória de taxas de câmbio e juros No exemplo mais simples citado anteriormente o banco pode decidir mudar o mix de sua captação ficando descasado em termos de moeda diante do mix de financiamento A generali zação desse comportamento especulativo nas várias operações pode colocar a instituição bancária e as moedas numa posição de risco Um dos mais importantes aspectos da globalização e que se faz presente já nos anos 80 diz respeito à volatilidade dos fluxos de capitais A teoria convencional sugere que os flu xos que guardam independência da situação de balanço de pagamentos do país receptor e que buscam rentabilidade de longo prazo são menos voláteis do que aqueles que se mo vem pelo diferencial de juros de curto prazo e que em geral estão associados ao sinal do balanço de pagamentos Testes estatísticos realizados por Turner 1991 sugerem o seguin te ranking quanto à volatilidade empréstimo de longo prazo investimento direto investimento de portafólio empréstimo de curto prazo Desenvolvimento em crise 243 Embora a hierarquia proposta anteriormente seja aceitável ela omite um aspecto central da questão que é o aumento da volatilidade para todos os tipos de fluxos de capitais em razão da dominância da acumulação financeira sobre a produtiva Ou seja na medida em que a lógica especulativa contamina em maior ou menor grau os agentes responsáveis pelo movimento de capitais estes tornamse intrinsecamente voláteis A insta bilidade dos fluxos de capitais parece ser portanto um elemen to bastante característico do processo de globalização Os anos 90 e a integração da periferia O movimento da globalização durante os anos 90 não traz nenhuma alteração substantiva quando analisado do ponto de vista dos fluxos de capitais entre os países avançados Segundo a avaliação do International Monetary Fund IMF 1998 um dos aspectos mais significativos é o aprofundamento das finan ças de mercado que ocorre pela crescente indiferenciação das atividades exercidas por instituições bancárias e não bancárias Outros traços relevantes do processo de globalização tam bém persistem nos anos 90 como o contínuo crescimento dos investidores institucionais e a diversificação de seu portafólio embora em velocidade menor do que na década precedente Do ponto de vista da importância dos fluxos a hierarquia se mantém com a mesma ordem da década precedente vale dizer portafólio IDE e empréstimos bancários de curto prazo A continuidade dos fluxos de capitais nos anos 90 apresen ta todavia dois aspectos a serem destacados o mais relevante sendo sem dúvida a incorporação ou reintegração dos países ditos emergentes aos mercados de capitais O segundo aspecto é a ocorrência de crises México Ásia Rússia América Latina e a possibilidade de sua generalização em uma crise global con taminando inclusive os países centrais A seguir examinaremos as duas questões 245 Ricardo Carneiro 244 Desenvolvimento em crise 245 Segundo o IMF 1997a a retomada dos fluxos de capitais em direção aos países emergentes durante os anos 90 só tem paralelo com o ocorrido durante o padrãoouro A compara ção com o período do auge do padrãoouro que vai de 1870 a 1913 só é válida em termos quantitativos pois segundo a Unctad 1998 naquele período os fluxos de comércio estavam intimamente ligados aos fluxos de capitais Estes últimos eram compostos basicamente de investimentos diretos e dirigiramse à produção de commodities ou à infraestrutura necessária para produzilas As commodities por sua vez constituíam uma por centagem importante do comércio internacional cerca de 60 Na retomada dos fluxos de capitais em direção à periferia na década de 1990 após uma década de exclusão há uma predo minância ou quase exclusividade dos fluxos privados Esses por sua vez atingem um valor máximo em 1996 ano imediatamente anterior à eclosão da crise asiática e apresentam tendência for temente declinante desde então Tabela 56 Do ponto de vista da composição há dois períodos distintos até 1993 antes da crise mexicana o portafólio é predominante Daí em diante o IDE assume a liderança em razão da continuidade de seu cres cimento enquanto o primeiro adquire comportamento instável Outro aspecto que chama atenção é a enorme volatilidade desses fluxos à exceção do IDE e sua exacerbada sensibilidade às crises Mais que isso a trajetória após a crise asiática sugere uma redução permanente nos patamares dos fluxos líquidos Os dados anteriores levam a indagar acerca das razões determinantes da trajetória desses fluxos O trabalho do IMF 1997 sugere a existência de uma combinação de fatores des tacando as transformações nos mercados centrais Essas se riam de duas ordens estruturais relativas ao crescimento da poupança financeira e à diversificação de portafólio dos inves tidores institucionais e cíclicas concernentes à queda de nível de atividades e rendimentos nos países centrais a partir do iní cio dos anos 90 Enfatizamse também os fatores de atração 245 Desenvolvimento em crise 245 Tabela 56 Fluxos de capitais privados para países emergentes US bi 19902000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fluxos Privados Totais Líq 458 1398 1169 1243 1413 1890 2242 1262 452 715 322 Investimento Direto Estrangeiro Líq 322 355 567 809 969 1204 1449 1487 1534 1460 1460 Investimento de PortaFólio Líq 397 530 816 1099 426 850 433 238 537 583 583 Outros Investimentos Líq 679 285 140 495 495 187 621 1272 1356 1721 1721 Memo Créditos Oficiais Líq 187 224 141 246 97 391 97 290 nd nd nd Fonte IMF 2000 247 Ricardo Carneiro 246 Desenvolvimento em crise 247 nos países receptores como a reorientação da política econô mica de longo prazo na direção de sua liberalização e de curto prazo pela manutenção de elevados rendimentos principal mente pelos altos patamares dos juros A maior parte da literatura Agénor 1996 Calvo et al 1996 FernandezArias 1996 Obstefeld Taylor 1997 World Bank 1997 que trata dos determinantes dos flu xos de capitais para a periferia aponta os fatores estruturais e cíclicos nos países centrais como mais relevantes Como foi apontado no início deste trabalho a liberalização dos mercados centrais e posteriormente dos emergentes pela remoção dos controles sobre o movimento dos capitais é considerada a mu dança essencial Outro fator coadjuvante foi o crescimento da poupança financeira em razão do aumento das taxas de juros em paralelo com a maior importância dos investidores institu cionais que diversificaram suas aplicações buscando aumentar rentabilidade e reduzir riscos A queda da taxa nominal e real de juros nos países centrais é considerada também como um fator cíclico relevante embora cada vez menos importante na medida em que os fluxos de IDE tornamse predominantes Desse ponto de vista da ótica dos países emergentes embora as condições macroeconômicas e de juros tenham sido inicialmente relevantes como fatores de atração o processo de fusões e aquisições incluindo a privati zação adquire subsequentemente maior peso Um dos aspectos essenciais desses fluxos é que têm impli cado maior absorção financeira do que real Assim até 1996 quando os fluxos líquidos estavam crescendo cerca de metade dos novos fluxos transformouse em reservas Tabela 57 levando a que proporção semelhante das reservas mundiais pertencesse aos emergentes1 As razões apontadas para isso são 1 Na fase de declínio dos fluxos e sobretudo após 1998 a formação de reser vas dos emergentes resulta dos superávits em transações correntes obtidos pelos países asiáticos 247 Desenvolvimento em crise 247 Tabela 57 Países emergentes fluxos de capitais e reservas US bi 19902000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fluxos Privados Totais Líq I 458 1398 1169 1243 1413 1890 2242 1262 452 715 322 Variação de Reservas II 662 752 272 831 926 1237 1091 688 606 901 838 III em 145 54 23 67 66 65 49 55 134 126 260 Fonte IMF 2000 Ricardo Carneiro 248 Desenvolvimento em crise 249 são a política de esterilização que visa a evitar excessiva apre ciação do câmbio e a constituição de um colchão de segurança contra a fuga de capitais A rigor o crescimento das reservas está intimamente relacionado com a mudança na natureza dos fluxos acentuação do caráter de curto prazo ou volátil e constitui um pedágio pago pelos países subdesenvolvidos para se inserirem na globalização A acumulação de reservas dá origem a um mecanismo trian gular A atração de capitais pelos emergentes devese em gran de medida ao diferencial de taxa de juros Uma absorção fi nanceira superior à real implica acumulação de reservas e sua aplicação a uma taxa de juros inferior à da captação A diferença de remuneração constitui uma transferência adicional de renda equivalente a um imposto ou pedágio cobrado dos emergentes Do ponto de vista doméstico a política de esterilização dá ori gem ao chamado déficit quasifiscal que decorre do diferencial entre taxa de juros obtida na aplicação das reservas e aquela paga aos detentores de títulos públicos2 Outra dimensão relevante do custo da absorção de capitais diz respeito ao financiamento da saída dos investimentos de residentes A globalização é uma via de mão dupla e implica a saída de capitais para o exterior correspondente às aplicações financeiras dos residentes Se o país que remete os fluxos não está produzindo um superávit comercial e se obriga a manter as reservas em patamar elevado a saída de capitais é financiada pela própria entrada Na prática isso reduz ainda mais a capa cidade de absorção de recursos reais decorrentes dos fluxos e aumenta de maneira implícita o seu custo Tabela 58 2 O trabalho do IMF 1997a sugere que há outra implicação importante desse mecanismo As reservas dos emergentes que constituem cerca de 50 do total são aplicadas nos mercados financeiros centrais contribuindo nos mo mentos de expansão da liquidez para a redução das taxas de juros Quando a liquidez se retrai o efeito é simétrico o uso das reservas pelos emergentes contribui para o aumento das taxas de juros e das dificuldades de captação Desenvolvimento em crise 249 Tabela 58 Países emergentes utilização dos fluxos de capitais Discriminação Destino do Fluxo Bruto 19801989 19901997 Saída Líquida de Capitais 140 236 Erros e Omissões BP 111 49 Variação de Reservas 30 214 Déficit em Conta Corrente 719 501 Total 1000 1000 Fonte Unctad 1999 Considerando os países emergentes em seu conjunto os fluxos de capitais também resultaram em valorização real do câmbio Esse foi um resultado praticamente inevitável em razão da combinação de políticas requerida para evitálo A possibi lidade de realizar uma operação maciça de esterilização capaz de manter a taxa real de câmbio está limitada pelo constrangi mento às finanças públicas A manutenção da taxa real poderia ser conseguida pelo ajuste deflacionário num mecanismo simi lar ao do padrãoouro o que não parece viável nas sociedades contemporâneas A apreciação poderia ser evitada se a absorção real aumentasse significativamente o que reduziria as reservas internacionais e o colchão de segurança para fazer face a uma eventual reversão dos fluxos inviabilizando a própria captação A rapidez dos fluxos implicou em vários países a dete rioração da qualidade dos ativos bancários ao mesmo tempo em que distorceu a formação de preços dos ativos financeiros nos mercados domésticos A ampliação da relação ativos ban cáriosPIB foi em geral acompanhada pela atrofia da base de captação interna Observouse uma ampliação substantiva do crédito com pelo menos dois problemas o financiamento de atividades nontradables e a compra de ativos já existentes espe cialmente ações Nos países em que o Banco Central realizou Ricardo Carneiro 250 Desenvolvimento em crise 251 uma política ativa de esterilização e nos quais havia restrições a operações domésticas denominadas em moeda estrangeira pelo menos evitouse que o sistema bancário expandisse excessiva mente o descasamento de moedas nas suas operações Quanto ao mercado de títulos a globalização aparentemente traria vantagens tanto para o investidor que além de maior rentabilidade estaria diversificando o risco quanto para o re ceptor que contaria com novas fontes de recursos e aprofun daria os mercados locais Todavia uma primeira implicação é que mudam os parâmetros para formação de preços levando a uma redução da eficiência dos mercados A maior intensidade de recursos aumenta a possibilidade de formação de bolhas acentuadas pelo fato de que a informação imperfeita dos inves tidores externos favorece a compra de determinados tipos de tí tulos Por fim as decisões de investimento refletem muito mais a situação nos mercados de origem do que os fundamentos do país receptor A avaliação global proposta no trabalho do IMF 1997a até o início da crise asiática sugere que os fluxos aumentaram a volatilidade relativa quando medida visàvis o mercado americano dos mercados de títulos em especial das bolsas de valores nos países periféricos mas diminuíram a volatilidade absoluta medida em cada um desses mercados Em resumo considerados os países emergentes em sua to talidade podemse identificar várias consequências problemáti cas dos fluxos de capitais a acumulação excessiva de reservas a apreciação da taxa de câmbio a deterioração dos balanços ban cários e o aumento da volatilidade dos mercados locais Essas características já tornavam esses mercados mais instáveis e portanto mais sujeitos à crise do que os mercados centrais Inserção diferenciada da periferia Ásia versus América Latina Comparandose as duas grandes regiões receptoras notase que há uma alternância quanto à magnitude dos fluxos captados Desenvolvimento em crise 251 Tabela 59 Na fase de expansão até 1996 a Ásia lidera as captações sendo sucedida após o início da crise em 1997 pela América Latina Após essa data a redução dos fluxos para a Ásia é muito mais intensa do que para esta última região Quanto à composição a diferença principal residiu no papel mais relevante do IDE na Ásia visàvis a América Latina na qual o portafólio é mais importante pelo menos até 1997 Durante o declínio dos fluxos após este último ano a compo sição é semelhante para ambas as regiões embora a retração seja mais intensa na Ásia compreendendo forte contração dos empréstimos bancários pequena recuperação do portafólio e manutenção do IDE As diferenças entre as duas regiões são portanto marcan tes e a rigor já o tinham sido nos anos 80 como vimos no Ca pítulo 3 Nessa década enquanto na América Latina os fluxos praticamente desapareceram na Ásia eles mantiveram um va lor razoável De qualquer modo as diferenças observadas nos anos 90 expressas no maior peso do IDE em direção ao conti nente asiático dizem respeito ao papel desempenhado por cada uma das economias centrais na região respectivamente os Es tados Unidos e o Japão como veremos a seguir Segundo Medeiros 1997 as duas regiões distinguemse pela inserção diferenciada No caso da Ásia há uma articulação com o Japão por meio da indústria de bens de capital importa ção e uma articulação com os mercados compradores da Orga nização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OCDE exportação nas manufaturas em geral Quanto à América Latina a articulação com a principal potência hegemônica os Estados Unidos se dá pelo mercado de manufaturas em geral Fica sugerido que enquanto no caso da Ásia existe uma articulação complementar com as economias desenvolvidas no caso da América Latina essa articulação não seria complemen tar Sem dúvida isso se deve ao caráter distinto das duas econo mias hegemônicas em cada região o Japão e os Estados Unidos Desenvolvimento em crise 253 252 253 Tabela 59 Fluxos líquidos de capitais para Ásia e América Latina US bi 19902000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Ásia Fluxos Privados Totais 215 377 150 415 671 744 1139 189 554 20 26 Investimento Direto Estrangeiro 95 152 147 330 447 485 555 602 572 538 493 Investimento de Portafólio 09 28 129 180 189 197 271 71 65 366 459 Outros Investimentos 129 197 127 95 34 63 312 484 1191 884 978 América Latina Fluxos Privados Totais 103 249 527 373 428 416 628 681 618 404 392 Investimento Direto Estrangeiro 66 109 134 122 231 249 393 538 563 642 569 Investimento de Portafólio 175 145 247 472 624 25 380 190 199 104 47 Outros Investimentos 138 05 146 221 426 142 144 47 145 342 223 Fonte IMF 2000 Desenvolvimento em crise 253 253 No âmbito regional constituiuse uma economia na Ásia tendo como centro irradiador o Japão Os investimentos deslo caramse sucessivamente do Japão para os Tigres e destes para o Asean4 compreendendo atividades de tecnologia cada vez mais complexa no que ficou conhecido como o paradigma dos flying geese Formouse um comércio triangular no qual o déficit dos países receptores dos investimentos com o país exportador de capital principalmente o Japão foi contrabalançado pelo superávit desses mesmos países com a OCDE Quanto à reinserção da América Latina nos anos 90 há es pecificidades importantes apesar de alguns elementos comuns com a Ásia Quanto ao balanço de pagamentos temos na conta de capitais a já assinalada volta dos fluxos externos com predo minância dos investimentos de portafólio e recursos de curto prazo até meados da década Do ponto de vista das transações correntes um peso ainda elevado da conta de serviços da dívida e um crescente déficit comercial No que diz respeito à inserção produtiva houve nos ca sos mais bemsucedidos uma regressão da estrutura industrial com a diminuição da indústria metalmecânica e ampliação dos setores produtores de commodities industriais Nos casos mais regressivos ocorreu uma nova especialização na exportação de bens primários de baixo dinamismo Na análise de Medeiros 1997 fica sugerida uma tendência permanente ao desequi líbrio externo em razão do fato de que as aberturas promove ram um viés em favor das atividades produtoras de serviços e de nontradables expansão e internacionalização dos serviços e retrocesso na substituição de importações que não produ zem divisas Uma caracterização adicional dos fluxos em direção à Ásia e à América Latina durante a primeira metade dos anos 90 realizada por Turner 1995 mostra que esses fluxos quando comparados com as exportações assumiram valores mais ele vados na América Latina cerca de 40 do que na Ásia em Ricardo Carneiro 254 Desenvolvimento em crise 255 torno de 20 Também na América Latina houve em média uma maior apreciação da taxa de câmbio visàvis a Ásia Essa diferença refletiu sobretudo a orientação do crescimento pois nessa última região o aumento do investimento implicou maior absorção real de recursos e menor pressão sobre a taxa de câm bio Na América Latina ao contrário o maior crescimento do consumo conduziu a resultados distintos acarretando maior acúmulo de reservas e apreciação do câmbio É perceptível o impacto que a valorização cambial teve sobre as exportações da América Latina especialmente na de manufaturados reduzindo seu crescimento e mais uma vez diferenciando a região da Ásia Nesta última os fluxos apresen taram uma maior correlação com o crescimento das exporta ções notadamente a de manufaturados As diferenças aparecem também na composição dos fluxos como no já referido ao maior peso do IDE na Ásia e portafólio na América Latina As distin ções todavia foram relevantes mesmo no âmbito do IDE pois na primeira região esses investimentos estiveram associados prioritariamente à criação de nova capacidade produtiva enquanto na segunda à aquisição do controle acionário Os percalços da inserção periférica Tendo em conta os padrões distintos de inserção da perife ria da Ásia e da América Latina examinamos a seguir as crises mexicana e asiática procurando indagar das suas razões espe cíficas e seus impactos em termos de extensão intensidade e duração A partir dos dados já examinados Tabelas 56 e 59 pode se constatar que a crise asiática teve intensidade maior Nesta última os fluxos de capitais se reduziram em maior magnitude e essa redução atingiu as suas várias modalidades inclusive o IDE Podese também perceber que enquanto a crise mexicana Desenvolvimento em crise 255 teve caráter regional a asiática assumiu uma feição global Na primeira houve uma reversão dos fluxos de capitais mais volá teis portafólio e empréstimos bancários dirigidos à América Latina Na segunda houve reversão ou diminuição de todos os tipos de fluxos para o conjunto das regiões periféricas Após a crise do México passada a retração de 1995 há uma recuperação dos vários mercados Segundo o IMF 1997a observase a expansão do mercado de bônus para os emergen tes resultante da manutenção dos baixos rendimentos nos mer cados centrais e da continuidade do processo de diversificação dos fundos de investimento Para o agregado dos emergentes melhorou sensivelmente o perfil de financiamento tanto pela queda do spread como pelo aumento de prazo Nos mercados primários essa nova onda de expansão foi liderada pela Améri ca Latina As condições mais favoráveis permitiram inclusive a troca de papéis por outros sem colaterais bem como a amplia ção do volume de títulos com taxas fixas de juros Nos mercados secundários os spreads voltaram rapidamente ao patamar anterior à crise refletindo a ampliação da liqui dez decorrente do aumento do turnover3 As condições também melhoraram no mercado de ações pela volta da tendência altista após 1995 acompanhada de uma redução da volatilidade das cotações de uma ampliação do turnoverliquidez e de uma ampliação das emissões primárias Por fim os empréstimos bancários se recuperaram de forma ainda mais intensa A análise mais detalhada do impacto da situação asiática reve la uma crise mais profunda e de recuperação mais demorada De acordo com o IMF 1999 e 2000 não só a intensidade desta última foi maior como também o foi a demora na recuperação dos vários 3 Nas transações desse mercado predominam os títulos da América Latina e os bradies Considerase que a relação entre emissão primária e negócios no mercado secundário ainda é baixa 17 vezes Esse mercado é considerado pequeno dando margem a ineficiências tais como a segmentação de merca do entre bradies e eurobônus e a ocorrência de episódios especulativos Ricardo Carneiro 256 Desenvolvimento em crise 257 mercados que se mantinham deprimidos até 1999 recuperandose parcialmente em 2000 Alguns números ilustram a afirmativa em 2000 os fluxos de capitais brutos estavam no mesmo patamar de 1996 enquanto os fluxos líquidos situaramse no mesmo nível de 1990 Tomandose os fluxos líquidos exclusive IDE os valores tornamse negativos em 1997 e assim permanecem até 2000 O retorno do financiamento bruto para os níveis mais ele vados desde a crise asiática se faz com várias particularidades A principal delas é o caráter intermitente ou volátil dos fluxos de capitais o que leva o IMF 2000 a denominar esse mercado onoff A razão para essa volatilidade reside na mudança da base ou tipo de investidor com a perda de importância do investi dor dedicado Assim o investidor predominante nos mercados emergentes é o não dedicado que investe simultaneamente nesses últimos e nos mercados centrais e para o qual o peso dos emergentes nos seus portafólios é marginal Os critérios de performance desses investidores são globais e portanto não vinculados ao desempenho dos mercados emergentes Por essa razão as mudanças nas condições de risco e rentabilidade em termos comparativos oriundas tanto dos mercados centrais quanto dos emergentes podem determinar bruscas e intensas flutuações nos recursos destinados a esses últimos No que tange ao comportamento dos vários fluxos obser vase uma recuperação do investimento de portafólio após 1999 mas cujos valores líquidos em 2000 ainda estavam cer ca de 40 abaixo do pico verificado em 1996 Nos mercados de bônus além da redução maciça de novas emissões foi evi dente o encolhimento dos mercados secundários Quanto ao custo das emissões de acordo com o IMF 2000 no mercado primário de bônus para o conjunto dos periféricos os spreads não retornaram aos valores observados no período de capta ção mais favorável entre meados de 1995 e meados de 1997 Esse padrão tem diferenciações significativas pois nos países da Ásia exceto Indonésia os spreads voltaram a patamares Desenvolvimento em crise 257 précrise Para os países mais importantes da América Latina especialmente o Brasil eles ainda se encontram em níveis su periores ao do início da crise Um aspecto bastante reafirmado pelas diversas análises foi o aumento da seletividade nas novas emissões inclusive com a ampliação dos bônus soberanos Os efeitos mais devastadores foram todavia nos inves timentos dirigidos às bolsas de valores Os preços das ações do conjunto dos países emergentes chegaram a cair em média 30 no pior momento da crise recuperandose parcialmente em 1999 e voltando a cair em 2000 Ao final desse último ano ainda continuavam abaixo do pico alcançado antes da crise Quanto aos empréstimos bancários a redução da exposure dos bancos para o conjunto da região após o segundo semestre de 1998 levouos a cerca de 50 do valor de 1997 A continui dade do declínio dos fluxos líquidos após essa data reduziu ain da mais essa exposição Os dados do IMF 2000 mostram que no ano 2000 já se observa um equilíbrio entre novos emprés timos e repagamentos A continuidade dos valores negativos em termos líquidos nos fluxos bancários deveuse sobretudo à ampliação dos depósitos no exterior dos países produtores de petróleo altamente superavitários em 2000 O aspecto mais marcante da performance dos fluxos de capi tais póscrise asiática é o do IDE Apesar da crise o IDE man tevese em ligeira expansão em 1998 e 1999 compensando a retração dos demais fluxos sobretudo dos bancários Todavia em 2000 o IDE apresentou estagnação atribuída a fatores ope rantes nos mercados emergentes como o esgotamento da onda de fusão e aquisição FA na Ásia e das privatizações na Amé rica Latina mas sobretudo aos motivos relativos aos países centrais como o declínio do ritmo de crescimento e dos lucros México a crise cambial Os dados assinalados anteriormente indicam uma maior profundidade e extensão da crise asiática visàvis a mexicana Ricardo Carneiro 258 Desenvolvimento em crise 259 Em razão disso seria conveniente examinar em detalhe essas crises para identificar suas diferenças e semelhanças De acordo com GriffithJones 1996 no caso do Méxi co um primeiro aspecto a assinalar é o ambiente mais geral no qual ocorre a crise caracterizado por um rápido e intenso processo de abertura financeira Esta última compreendeu não somente a completa convertibilidade da conta de capitais mas também uma liberalização do sistema financeiro doméstico Dadas as características já apontadas os elementos que permitiram o desencadeamento da crise foram a elevada magni tude do déficit em transações correntes e a apreciação cambial Esta última esteve intimamente associada aos influxos de capi tais e a uma absorção de recursos reais inferior à absorção de recursos financeiros redundando em acumulação de reservas Esses fluxos de capitais tiveram como peculiaridade a maior importância dos fluxos de portafólio Entre as várias alternati vas postas para a compra de títulos no mercado doméstico des tacavase a possibilidade de compra de títulos de curto prazo do governo ou seja instrumentos típicos do moneymarket Nos investimentos ditos de portafólio e no que diz res peito aos títulos o grande tomador de recursos foi o setor privado De qualquer maneira embora o setor público não tenha se endividado externamente a política de esterilização levou ao crescimento da dívida pública interna Esse processo deu origem a um encargo adicional para o setor público de nominado déficit quasifiscal oriundo dos diferenciais entre as taxas de juros da dívida interna e aquelas das aplicações das reservas Embora teoricamente lastreada por reservas a dívi da pública vai assumindo importância crescente fragilizando a posição do governo Outro aspecto importante dessa primeira fase diz respeito ao crescimento elevado dos empréstimos bancários que estive ram em boa medida associados ao processo de reprivatização dos bancos mas também ao funding obtido pelos bancos domés Desenvolvimento em crise 259 ticos no exterior As análises sugerem claramente uma deterio ração dos balanços bancários em decorrência do crescimento excessivo dos empréstimos O estopim da crise foi a redução do diferencial de taxas de juros decorrente do aumento da taxa americana em 1994 sem o correspondente aumento da taxa no México Simultaneamen te houve o assassinato do candidato presidencial pelo Partido Revolucionário Institucional PRI o que ajudou a aumentar o clima de incerteza e conduziu a uma perda substancial de reser vas nas semanas seguintes A resposta da política econômica a esses fatos foi consi derada inadequada pois de um lado manteve a taxa de juros inalterada e de outro permitiu apenas uma pequena desvalo rização cambial Quanto à taxa de juros doméstica a sua não elevação foi deliberada pois temiase que desencadeasse uma crise bancária de grandes proporções em face da precariedade dos balanços Já no caso do câmbio admitiase que sendo a perda de reservas temporária sua desvalorização seria contra producente e poderia comprometer a retomada posterior dos fluxos A solução encontrada pelos gestores da política econômica para amenizar a incerteza cambial foi criar um hedge para os investidores pela ampliação de emissão de um título da dívida pública dolarizado tesobonos Essa ação acabou por ampliar a fragilidade potencial na medida em que o estoque desses títu los passou a crescer a uma velocidade maior do que as reservas e a partir de certo ponto a suplantálas O caráter de curto pra zo desses títulos criava a possibilidade de troca por reservas a qualquer momento O quadro foi ainda agravado pelo aumento da dívida bancária de curto prazo que substituiu a entrada de outros fluxos externos menos voláteis Nesse quadro o anún cio da desvalorização cambial precipitou a corrida final contra o peso A intenção inicial era obter uma desvalorização em torno de 15 com o deslocamento da banda A fuga do peso foi to Ricardo Carneiro 260 Desenvolvimento em crise 261 davia tão forte que o governo se viu obrigado a deixar a moeda flutuar desvalorizandoa em escala muito maior A crise mexicana possui assim os ingredientes de uma crise clássica de balanço de pagamentos tais como déficit em transações correntes crescente apreciação cambial e o recurso a capitais de curto prazo Se essa é a sua manifestação as raízes mais profundas estão na adoção de políticas consentâneas com a integração na economia global vale dizer a convertibilidade plena da conta de capital e a liberalização do sistema financeiro doméstico Ásia a crise financeira e cambial As crises das economias do Sudeste Asiático também aca baram desembocando em crises monetáriocambiais mas ti veram outra morfologia De qualquer modo para a maioria dos autores que as analisaram a intensidade dessas crises foi ex cepcional considerando os fundamentos mais sólidos quando comparados ao México e à América Latina Para Krugman 1998 a crise monetária foi parte de pro blemas financeiros mais amplos determinados pelo papel da intermediação financeira nessas economias e pelo ciclo de preços de ativos Esse autor sugere que há um importante elemento de moral hazard no processo na medida em que con sidera essencial a garantia dos governos aos intermediários financeiros que deu origem a um processo de excesso de in vestimento fundado na maior propensão ao risco desses últi mos Isto posto a crise se traduziu na forma clássica do ciclo de ativos e sua peculiaridade residiu na utilização de emprés timos com funding externo Na mesma linha de raciocínio Kregel 1998 prega que a crise asiática não representa apenas uma crise clássica de ba lanço de pagamentos mas constituise primordialmente de Desenvolvimento em crise 261 uma crise financeira secundada por uma crise do primeiro tipo e por um movimento de flight to quality dos capitais De forma diferente de Krugman atribui a crise ao processo de liberaliza ção dos sistemas financeiros desses países Após 1994 começam a aparecer os sinais de desequilíbrio externo decorrentes da desaceleração do crescimento global e portanto do comércio internacional o que implicou déficits em transações correntes para os países asiáticos e uma am pliação do endividamento externo de curto prazo Houve em simultâneo uma apreciação das moedas regionais que mantive ram a paridade fixa com o dólar mesmo em face da apreciação desse último diante das demais moedas da tríade Os grandes agentes do endividamento de curto prazo fo ram os bancos que captaram em dívida direta e emprestaram aos diversos tomadores domésticos Este último aspecto foi bastante importante na constituição e desdobramento da crise porque os bancos tomaram recursos muito além das necessidades de cobertura do déficit corrente Isso porque como resultado da liberalização financeira doméstica foram induzidos a se internacionalizar a rigor desnecessariamente dada a elevada taxa de poupança interna Dessa forma hou ve um crescimento elevado das captações e dos passivos dos bancos em moeda estrangeira Esses recursos foram por sua vez direcionados para atividades e setores nontradables em particular investimentos imobiliários Qualquer que seja a razão que levou o sistema a essa expan são liberalização ou moral hazard o desdobramento da crise é único Segundo Kregel 1998 quando ocorre a deterioração das contas externas por razões comerciais a crise bancária in terna se explicita em razão do descasamento de moedas trans formandose em crise cambial A possibilidade de desvaloriza ção ameaçava os agentes que haviam investido internamente tomando dívida em moeda estrangeira Ricardo Carneiro 262 Desenvolvimento em crise 263 A reversão dos empréstimos bancários externos criava si multaneamente um problema de solvência doméstica relativo à reversão do ciclo de ativos e um problema de liquidez ex terna em razão da saída de divisas O contágio entre os países ocorreu a partir da especulação contra uma moeda específica e do seu desdobramento à medida que lograva sucesso Mesmo países mais sólidos do ponto de vista cambial são contamina dos pois a necessidade de realizar desvalorização competitiva tornase o mecanismo da propagação Em síntese a crise asiática tem uma dimensão financeira evidente que foi produto imediato de um ciclo de ativos fun dado em empréstimos externos mas que esteve amparada em última instância no processo de liberalização financeira domésti ca Em razão disso o remédio clássico da política de ajustamento monetário do balanço de pagamentos proposta pelo FMI em vez de solucionar agrava o problema Seu pressuposto é o de que existe um desequilíbrio de balanço de pagamentos que de corre do excesso de demanda agregada Assim as recomenda ções são desvalorização da moeda elevação da taxa de juros e orçamento superavitário Essa política no caso dos países asiáticos deteriora ain da mais a situação das empresas pois pelo lado patrimonial aumenta o montante da dívida e a carga de juros e pelo lado corrente diminui a demanda e a receita corrente Assim a es tratégia das firmas é reduzir seu nível de endividamento o mais rápido possível liquidando ativos e pagando débitos Obvia mente isso aumenta a demanda por moeda estrangeira e a li quidação de ativos em moeda doméstica deflação Um dos pontos essenciais da questão é que a elevação das taxas de juros que seria um importante instrumento de am pliação da demanda por moeda doméstica termina por exacer bar um resultado contrário ao agravar a situação das empresas Ou seja combinar desvalorização cambial e elevação dos juros com os agentes muito endividados em moeda estrangeira con Desenvolvimento em crise 263 duz à deterioração da situação patrimonial desses últimos à venda de ativos denominados em moeda doméstica e ao au mento da demanda por moeda estrangeira Uma questão de grande importância é a de como a crise asiática vai progressivamente contaminando o conjunto da periferia transmitindose por fim ao núcleo do sistema De acordo com a interpretação de Kregel 1998 citada anterior mente a especificidade da crise asiática residiu exatamente em que deu origem a um processo de fuga para a qualidade Para o IMF 1999 isso decorreu de uma reavaliação mais pro funda dos riscos representados pelos mercados emergentes Ou seja a crise explicitou o excesso de comprometimento em termos de volume de recursos e baixos spreads dos inves tidores com os países emergentes Apesar de a disseminação da crise já terse iniciado com os problemas do Sudeste Asiático para o Bank for Internatio nal Settlements BIS 1999 a moratória russa constituiu o marco decisivo no processo de contágio global ao transmitila para o núcleo do sistema porque ficou claro pela primeira vez que a ação de emprestador de última instância seria insu ficiente para cobrir a perda dos investidores Esse fato mudou a percepção de risco do conjunto de agentes levando a uma reversão ainda maior dos fluxos de capitais e a uma exacerba ção da fuga para a qualidade A extensão da queda de preços dos títulos de mercados emergentes terminou por se transmitir aos outros mercados Segundo o BIS 1998 isso deveuse basicamente ao fato de os agentes operarem com elevado grau de alavancagem Ou seja a percepção por parte dos emprestadores de um aumento no risco de crédito ou default levou à redução geral dos em préstimos inclusive para compra nos mercados secundários contraindo severamente a liquidez desses últimos As neces sidades de liquidez dos agentes passaram a depender dos ou Ricardo Carneiro 264 Desenvolvimento em crise AT tros mercados que dessa forma terminaram contagiados pela queda de preços4 O exame dos dados agregados no início desta seção mostrou que os fluxos de capitais para a periferia contraíramse significa tivamente após a crise asiática Embora não seja lícito deduzir daí uma exclusão permanente desses países podese admitir estar diante de um novo patamar de fluxos de capitais em ní veis bem mais modestos do que os de antes da crise como aliás parece sugerir o IMF 2000 4 O processo apontado que traduz na verdade a fusão dos riscos de crédito e de mercado resultante da alavancagem é de grande importância pois demonstra a existência de correlação na variação dos preços de ativos de diversas categorias e denominação monetária 265 8 Abertura financeira balanço de pagamentos e financiamento Ao longo dos anos 90 a economia brasileira passou por um processo intenso de liberalização que teve na abertura fi nanceira uma das suas dimensões mais expressivas Do nosso ponto de vista essa abertura engloba duas dimensões principais a ampliação da conversibilidade da conta de capital do balanço de pagamentos e a desnacionalização de parcela expressiva das empresas do setor financeiro em especial do ramo bancário Como decorrência desses dois processos observase o desen volvimento de um outro cuja extensão é ainda limitada qual seja a substituição monetária O grau de conversibilidade da conta de capital traduz a faci lidade com que são permitidas as entradas e saídas de capitais de não residentes e residentes Ou seja referese às normas de conversão da moeda estrangeira em moeda doméstica para fins de investimento e empréstimo Portanto exprime a mobilida Ricardo Carneiro 266 Desenvolvimento em crise 267 de dos capitais entre o país e o exterior A desnacionalização diz respeito a mudanças no controle da propriedade do sistema financeiro permitidas por mudanças permanentes ou ad hoc na legislação Por fim a substituição monetária referese ao uso de moedas estrangeiras em funções que em princípio deveriam ser realizadas pela moeda doméstica As relações entre essas dimensões da abertura financeira são bastante complexas e dependem de características histó ricoinstitucionais dos sistemas financeiros domésticos bem como da condução do processo de abertura Em termos abstra tos podese postular a independência entre esses aspectos Na prática todavia elas são bem mais interdependentes em razão do ambiente da globalização sobretudo em países de moeda não conversível Num regime de mobilidade de capitais restrita como o que prevaleceu na ordem de Bretton Woods a combinação entre participação elevada do capital estrangeiro nos sistemas finan ceiros domésticos e baixa conversibilidade da conta de capital não era incomum Por sua vez no âmbito da mobilidade res trita dos capitais o sistema de taxas de câmbio fixas tornava menos expressivos os processos de substituição monetária Outra é a interdependência desses fenômenos num regime caracterizado pela livre mobilidade dos capitais Dificilmente uma forte presença de estrangeiros no sistema doméstico dei xará de ser um estímulo à ampliação da conversibilidade Ou em sentido contrário o aumento da conversibilidade muito provavel mente trará uma maior presença das instituições financeiras estrangeiras Podese afirmar ainda que a ampliação da conver sibilidade traz de forma inexorável algum grau de substituição monetária em especial no caso das moedas não conversíveis Em razão das considerações já tecidas admitese como hi pótese para o caso brasileiro país no qual circula uma moeda nacional não conversível que a abertura financeira nas suas várias dimensões conduz necessariamente ao enfraquecimento Desenvolvimento em crise 267 da moeda nacional expresso em um grau significativo de subs tituição monetária Isto posto este capítulo examina a seguir os vários aspectos da abertura financeira para o caso brasileiro nos anos 90 iniciando pela conversibilidade da conta de capi tal seguindo com a propriedade do sistema bancário e encer rando com a discussão da vulnerabilidade externa e da substi tuição monetária A conversibilidade da conta de capital caracterização Definida como o grau de liberdade segundo o qual os fluxos de capitais circulam num determinado país a conversibilidade da conta de capital pode ser representada segundo a origem do agente residente ou não residente no país e pela natureza da operação realizada aquisição de ativoassunção de passivo internos e externos conforme o Quadro 4 O Quadro 4 faz o registro duplo da perspectiva dos resi dentes e dos não residentes de qualquer operação de conversão entre a moeda doméstica e moedas estrangeiras Assim por exemplo a assunção de passivo externo por residente pode tam bém ser classificada como a aquisição de ativos domésticos por não residentes A definição de qual a posição mais relevante para a classificação da operação foi feita tomando em considera ção a motivação ou a iniciativa dos agentes envolvidos Quadro 4 Graus de abertura da conta de capital Residentes Não Residentes Passivos Externos A Internos C Ativos Externos B Internos D Durante os anos 90 foram expressivas as alterações ocor ridas nos vários níveis da conversibilidade Desde 1991 houve Ricardo Carneiro 268 Desenvolvimento em crise 269 substancial modificação no chamado marco regulatório1 cujo intuito básico foi o de adaptar a legislação brasileira à nova realidade dos mercados centrais marcados pelo predomínio de operações securitizadas e flexibilizar as entradas e saídas de capitais A assunção de passivos externos por residentes posição A sofreu duas modificações importantes A primeira delas foi a mudança na forma de captação de bancos e grandes empre sas pois os tradicionais repasses bancários Operação 63 e a captação direta de empréstimos pelas empresas Lei n4131 deixaram de basearse em créditos bancários sindicalizados e passaram a originarse da emissão de títulos nos mercados inter nacionais de capitais No caso dos repasses bancários conforme assinalado por Prates Freitas 1999 o espectro de operações domésticas foi ampliado visàvis as Operações 63 restritas à indústria Foram progressivamente introduzidas as possibilidades de re passes ao comércio e serviços e posteriormente aos setores agropecuário e imobiliário Permitiuse também a realização de operações de leasing para financiamento de automóveis pelas empresas de arrendamento mercantil com recursos captados externamente A segunda mutação relevante está relacionada às formas de captação de recursos diretamente pelas empresas O endi vidamento por títulos de renda fixa diversificouse substanti vamente em termos de instrumentos moedas e prazos acom panhando as mutações dos mercados internacionais A grande novidade todavia esteve vinculada às novas possibilidades de captação por meio de títulos de renda variável os recibos de 1 A descrição do marco regulatório do movimento de capitais apresentada neste item está baseada no trabalho pioneiro sobre o assunto de Prates 1997 atualizado em Freitas Prates 2001 e Prates Freitas 1999 Desenvolvimento em crise 269 depósito depositary receipts DRs cujo registro se dá no de nominado Anexo V das nossas contas externas Esses títulos constituem recibos que representam ações ou eventualmente outros valores mobiliários adquiridos no mercado doméstico onde são mantidos em custódia e sendo negociados nos mer cados americano american depositary receipts ADRs ou outros global depositary receitps GDRs2 Da nossa ótica interessa destacar dois aspectos dessa for ma de captação de recursos o cambial e o do financiamento A emissão dos DRs para negociação nos mercados de capitais internacionais aumenta o aporte de capitais externos da mesma forma que o seu resgate implica saída de divisas Esse resgate por sua vez pode ocorrer a qualquer momento por desistência definitiva dos investidores ou por arbitragem quando há di vergência entre preços internos e externos das ações Deduzse da descrição anterior que quanto mais importante o volume de DRs maior a correlação das variações dos preços das ações entre a bolsa de valores interna e as bolsas externas Da perspectiva do financiamento a emissão de DRs nos ní veis I e II não implica captação de recursos novos para as empre sas pois é feita a partir de ações já em circulação no mercado se cundário Somente no nível III e Regra 144A nos quais se exigem informações bastante detalhadas sobre as empresas pode o DR representar a emissão primária de ações e portanto financiamen to adicional Esse instrumento tem sido utilizado principalmente pelas grandes empresas cerca de 50 com destaque para as anti gas estatais da área elétrica e de telecomunicações Mais ainda se concentraram nos níveis I e II e portanto ainda não constituem uma fonte importante de financiamento para as empresas 2 Para uma descrição minuciosa dos mecanismos de emissão e resgate dos ADRs dos seus vários níveis e das suas implicações sobre as bolsas locais ver o já citado trabalho de Prates Freitas 1999 Ricardo Carneiro 270 Desenvolvimento em crise 271 Da ótica do residente no país há que considerar também as possibilidades de aquisição de ativos no exterior posição B do Quadro 4 Aqui as modificações foram drásticas embora às vezes tortuosas constituindo uma verdadeira revolução quando comparadas à década anterior Dois instrumentos prin cipais sintetizam as mutações os fundos de investimento es trangeiros e a Carta Circular n5 CC5 Os fundos de investimento estrangeiros FIEs permitem ao residente investir no exterior em títulos da dívida sobera na brasileira Bradies e Global Bonds por meio da compra de cotas de fundos de investimentos constituídos no país A CC5 constitui o lado obscuro do processo pois foi se convertendo ao longo do tempo por linhas tortas na principal forma de ex patriação legal e ilegal de capitais De acordo com Simoens da Silva 1999 a CC5 data de 1969 e originariamente funcionava como conta de não residentes de pessoas físicas pelas quais se internalizava moeda estrangeira que poderia ser futuramen te repatriada Como conta de não residentes a CC5 poderia receber depósitos que não se originassem de recursos inter nalizados previamente Todavia na expatriação os valores da internalização tinham de ser respeitados havendo portanto equilíbrio cambial Uma modificação importante aconteceu em 1992 por meio da Carta Circular n2259 na qual o Banco Central permitiu que instituições financeiras comprassem moeda estrangeira li vremente no mercado flutuante de câmbio Em princípio essas contas deveriam servir para que as instituições não residentes pudessem operar no mercado de câmbio por meio de seu ban co correspondente no país Nada indicava que o saldo cambial dessa conta pudesse ficar negativo Havia na resolução várias exigências de documentação das operações a serem mantidas disponíveis para exame do Banco Central Na prática foi a permissividade da autoridade monetária ao relaxar a fiscalização sobre essas operações que estimulou os Desenvolvimento em crise 271 bancos a aceitarem depósitos em moeda nacional convertendo os em depósito em moeda estrangeira no exterior nas institui ções das quais em tese eram correspondentes Como ressalta Simoens da Silva 1999 a precariedade e a interinidade que marcavam essas operações levavam o mercado a denominálas barriga de aluguel como se o banco e seu correspondente estivessem vendendo apenas provisoriamente o direito de re messa para o exterior A alteração definitiva veio em 1996 pela Circular n2677 que dispensou a exigência de documentação para operações de repatriação de recursos e também para a constituição de disponibilidades no exterior por parte de pessoa física ou ju rídica residente ou domiciliada no país Essas transferências tornamse bastante ágeis pois são operadas pela mesma insti tuição financeira ou seja o banco local e a instituição da qual é representante na maioria das vezes uma subsidiária de sua propriedade com sede em paraísos fiscais A partir das mudanças advindas com os FIEs e a flexibili zação da CC5 as restrições ao investimento de residentes no exterior foram praticamente eliminadas Existem apenas restri ções de ordem operacional como os elevados custos de transa ção da CC5 que a tornam um instrumento de grandes investi dores ou o direcionamento dos recursos dos FIEs que investem exclusivamente em títulos da dívida soberana brasileira No que se refere ao acesso dos investidores estrangeiros ao mercado brasileiro de ativos reais e financeiros posição D as condições também se modificaram substantivamente ao longo da década Consideradas as duas formas do investimen to estrangeiro direto e portafólio houve uma expressiva modificação no que tange à regulação da primeira e o surgi mento de um aparato regulatório para a segunda inexistente até então Foram criados dois canais específicos para o investimento de portafólio os anexos e os fundos que vieram se juntar à Ricardo Carneiro 272 Desenvolvimento em crise 273 conta de não residentes CC5 já discutida anteriormente e que serviu também de canal de internalização de recursos A principal distinção entre esses instrumentos diz respeito ao di recionamento dos recursos nos anexos eram prioritariamente dirigidos para a compra de ações no mercado secundário os fundos possuíam diversas finalidades específicas renda fixa privatização empresas emergentes investimento imobiliário já a conta de não residentes caracterizavase exatamente por ausência de direcionamento A distinção entre os instrumentos quanto à natureza dos investidores pessoa física ou jurídica tipo de administração corretora distribuidora ou banco de investimento com posição de carteira renda fixa ou variável e tributação dos resultados alíquota de Imposto de Renda IR também era bastante significativa visando a cobrir uma ampla gama de inte resses de investidores Na prática apenas dois tipos de investi mento prosperaram o Anexo IV3 e a conta de não residentes O primeiro constituiuse como a forma preferida de participação dos investidores institucionais no mercado acionário local O segundo foi o instrumento por excelência de repatriação pro visória de capitais de residentes travestidos de não residentes oriundos principalmente de paraísos fiscais Uma característica central dos investimentos de portafólio é o caráter de curto prazo dada a ausência de exigência quanto a período de permanência Para lidar com isso e eventualmente dis criminar em favor de alguns tipos de investimento o governo uti lizou basicamente a tributação por meio da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras IOF na entrada dos recursos Essas alíquotas variaram sensivelmente ao longo do tempo em razão da 3 O Anexo V que constitui o instrumento de captação de recursos exter nos por meio dos DRs não deixa de ser um instrumento de investimento de portafólio Todavia como a captação de recursos por essa via depende mais da iniciativa das empresas locais preferimos considerálo como um mecanismo de assunção de passivos no exterior Desenvolvimento em crise 273 situação cambial A partir da crise asiática em 1997 elas foram progressivamente reduzidas e equiparadas4 Essa indistinção sig nifica uma ampliação concreta da conversibilidade na medida em que se abre mão de influir no direcionamento e mesmo que indi retamente no prazo de permanência dos capitais De acordo com Bielschowsky 1999 as mudanças rela tivas ao investimento direto estrangeiro IDE foram muito significativas durante a década É possível separar essas mo dificações em dois grupos distintos as genéricas e as especí ficas Fazem parte da primeira a abertura de novos setores ao investimento direto estrangeiro tais como os resultantes da privatização da queda da reserva de mercado na informática e a permissão para registro de patentes no setor bioquímico fármacos A ausência de restrições à participação dos estran geiros nas privatizações talvez tenha sido o fator isolado mais importante por causa da magnitude do programa Entre 1992 e 1994 foram privatizados os setores industriais siderurgia e petroquímica e após 1995 os serviços de utilidade pública principalmente telecomunicações e energia elétrica bem como o segmento de bancos públicos estaduais Dos fatores específicos mais importantes tivemos em 1994 por meio de emenda constitucional a equiparação da empresa estrangeira à empresa nacional que permitiu à primeira o aces so ao sistema de crédito público e a incentivos fiscais Outras alterações substanciais ocorreram na legislação de remessa de lu cros Suprimiuse a proibição da remessa de royalties por marcas e patentes A tributação da remessa de lucros foi reformulada substituindose o sistema de alíquotas crescentes e variáveis em razão do valor enviado e cuja incidência mínima era de 25 pela alíquota única de 15 sobre o total remetido 4 A equiparação definitiva dos diversos tipos de investimento é feita em 2000 pela Resolução nº 2689 A partir de então os não residentes passam a ter acesso às mesmas opções de investimento financeiro dos residentes Ricardo Carneiro 274 Desenvolvimento em crise 275 O último aspecto da conversibilidade da conta de capital diz respeito à possibilidade de endividamento interno por não resi dentes posição C Nesse plano a legislação brasileira ainda é bastante restritiva Para ter acesso ao sistema de crédito domés tico é necessário ser empresa constituída no território nacional mesmo que a propriedade seja estrangeira Isso na prática tem impedido que instituições financeiras não residentes operem alavancadas nos mercados de títulos e imóveis alimentando bolhas especulativas semelhantes às que ocorreram na Ásia Evolução e composição dos fluxos de capitais Uma avaliação inicial do movimento de integração da eco nomia brasileira aos fluxos de capitais revela um padrão bas tante semelhante ao conjunto dos países periféricos tal qual caracterizado no capítulo anterior Há uma etapa inicial de cres cimento muito intenso entre 1991 e 1994 que é atenuada pela crise mexicana Seguese um novo incremento entre 1995 e 1997 antes do agravamento da crise asiática e uma inflexão em 1998 seguida de declínio em 1999 e pequena recuperação em 2000 que não chega a atingir os picos anteriores Tabela 60 Uma avaliação da composição pela ótica dos fluxos líquidos mostra quatro momentos distintos a liderança dos emprésti mos de curto prazo em 1992 substituída pela do portafólio em 19931994 sucedida pela do financiamento de longo prazo em 19951996 e finalmente pelo IDE desde então Da pers pectiva dos fluxos líquidos melhorou a qualidade da captação cujo sentido foi o da substituição dos fluxos de maior pelos de menor volatilidade Essa característica todavia não elimi na a ampliação da vulnerabilidade do balanço de pagamentos porque esta última está associada não só à volatilidade e re versibilidade dos fluxos mas também e em alguns momentos principalmente ao comportamento dos estoques de capitais internalizados previamente Desenvolvimento em crise 275 Tabela 60 Movimento de capitais itens selecionados US mi 19922000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Movimento Bruto Portafólio 3863 15352 25142 24838 26078 39552 31380 18293 19635 IDE 1325 954 2356 4778 9644 17879 28480 31362 33597 Empréstimos de LP 7004 9726 9785 13292 21014 23564 63502 43447 41896 Empréstimos de CP1 18346 24358 28161 29656 35773 32196 23047 23291 24842 Total 30538 50390 65444 72564 92509 113191 146409 116393 119970 Movimento Líquido Portafólio 1704 6650 7280 2294 6040 5300 1851 1350 2537 IDE 1156 374 1738 3615 9124 16219 28840 29987 30613 Empréstimos de LP 5280 5288 3534 8382 13473 4499 33375 4856 7803 Empréstimos de CP1 6623 6012 3803 1495 6117 3577 7931 245 1551 Total 14763 18324 16355 15786 34754 22441 68295 26726 42505 Fonte Banco Central do Brasil 1 Linhas de crédito de curto prazo obrigações de bancos comerciais A análise dos diversos tipos de fluxos indica como caracte rística importante do movimento de capitais a acentuação da volatilidade e da reversibilidade Pelo Gráfico 11 que mede a rotatividade e portanto a volatilidade dos fluxos de capi tais por meio da relação Fluxo LíquidoFluxo Bruto percebe se que a rotatividade se amplia ao longo do tempo sobretudo após a crise asiática para os vários fluxos exceto para o IDE A pequena rotatividade deste último e a sua estabilidade é que conferem à rotatividade global um padrão mais estável pois nos demais fluxos elas se ampliam progressivamente O aguçamento das crises marca também o surgimento da reversibilidade em todas as formas de captação empréstimos de curto prazo em 1997 portafólio em 1998 e empréstimos de longo prazo em 1999 Essa característica não é observável no IDE apesar de sua estagnação em 2000 e redução em 20015 Po 5 Dados preliminares da nota para imprensa setor externo do Banco Cen tral mostram uma queda do IDE em 2001 para US 21 bilhões Ricardo Carneiro 276 Desenvolvimento em crise 277 dese inferir dessa análise que a redução da absorção líquida de capitais associada ao aumento da rotatividade indica uma cres cente precarização da inserção financeira do país Esta passou a depender cada vez mais do desempenho do IDE O arrefecimen to deste último certamente aumentará a vulnerabilidade do ba lanço de pagamentos como veremos nas seções seguintes GRÁFICO 11 Rotatividade dos fluxos de capitais LíquidoBruto Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos O investimento direto estrangeiro A característica proeminente do investimento direto es trangeiro IDE quando comparado às outras formas de inves timento é a sua estabilidade visível até mesmo nos períodos mais intensos da crise como em 1999 A ausência de volatili dade sugere que os fluxos de IDE sejam guiados por outros de terminantes que não aqueles dos ganhos a curto prazo Assim do ponto de vista do balanço de pagamentos enquanto durar o ciclo de investimentos externos a consistência do IDE terá que ser avaliada não a partir da sua volatilidade ou reversibilidade Desenvolvimento em crise 277 mas da relação entre o aporte de recursos e a geração de um fluxo de divisas compatível com a sua remuneração Isso nos leva a uma primeira caracterização do ciclo de in vestimentos diretos recente Conforme se pode observar Ta bela 61 há uma retomada após 1994 ano a partir do qual os aportes líquidos as conversões e os reinvestimentos vão se ele vando continuamente Essa recuperação embora seja reflexo do contexto externo favorável também expressa modificações internas substantivas como a intensificação das privatizações e as mudanças no marco regulatório do IDE já aludidas A relati va independência da trajetória do IDE do ciclo de crescimento doméstico indica que este tem se movido por outras razões in clusive de natureza patrimonial que ganham corpo nas fusões e aquisições Tabela 61 Investimento direto estrangeiro IDE US bi 19922000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 IDE Bruto 13 09 24 55 105 187 285 314 336 Retornos 02 06 06 12 05 17 26 14 29 IDE Líquido 11 03 18 43 100 170 259 300 306 Conversão e Reinvestimento 01 01 01 14 08 07 19 43 12 IDE c Aporte Cambial 12 04 19 29 92 163 240 257 294 Memória Remessa de Lucros e Dividendos 06 18 25 26 24 56 72 40 32 Fonte Banco Central do Brasil A análise do ciclo de investimentos após 1994 por meio dos dados da Tabela 61 sugere a existência de dois subperíodos Entre 1995 e 1998 o crescente patamar do IDE é acompanhado por uma ampliação absoluta e relativa da remessa de lucros e dividendos Em 1999 e 2000 as remessas caem significativa mente indicando uma intensificação do ciclo de investimentos externos o que certamente está associado ao aumento das inver sões em empresas adquiridas previamente sobretudo naquelas Ricardo Carneiro 278 Desenvolvimento em crise 279 privatizadas O baixo crescimento da economia brasileira entre 1998 e 2000 ao contrário do que ocorre nos países centrais sobretudo nos Estados Unidos indica que o ciclo expansivo do IDE guarda maior correlação com os ciclos econômicos nos países centrais Um outro aspecto relevante do IDE diz respeito à sua na tureza produtiva ou patrimonial isto é a sua concentração na criação de capacidade produtiva adicional ou na aquisição de empresas já existentes A esse respeito há evidências de que o IDE ganhou uma forte feição patrimonial As informações do World Investment Report da Unctad indicam uma participa ção crescente do investimento em fusões e aquisições ante o greenfield investment no total do IDE Tabela 62 Em 1999 e 2000 o peso do investimento patrimonial continua elevado apesar do esgotamento temporário das privatizações Isso se deveu à ampliação das FAs no âmbito privado estimulada pela desvalorização cambial pós1999 e consequente baratea mento dos ativos Tabela 62 Investimento direto estrangeiro composição US bi 19942000 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 IDE Líquido Total 18 43 100 170 259 300 305 IDE Greenfield 05 17 53 44 13 206 75 IDE Fusões e Aquisições 13 26 47 126 246 94 230 Fusões e AquisiçõesTotal 722 604 470 741 950 313 752 Fonte Banco Central do Brasil Unctad 2000b Uma indicação a mais sobre a natureza do IDE aparece nas informações sobre o destino das inversões Pela Tabela 63 per cebese que os novos investimentos se concentraram sobretu do no setor de serviços e especialmente naqueles cuja ativida de não produz divisas É o caso de energia gás e água correios Desenvolvimento em crise 279 e telecomunicações e também a intermediação financeira que passaram a concentrar cerca de um terço do estoque de inves timento estrangeiro no país Esses valores são um reflexo da privatização dos bancos estaduais da Telebrás e da maior velo cidade na venda das concessionárias de energia Podese portanto falar num deslocamento de grande intensidade do fluxo de IDE da indústria e de ramos trada bles e dentro dela alimentos e bebidas produtos químicos metalurgia básica automobilística para o setor de serviços que é na sua quase totalidade um produtor de nontradables A combinação da elevada participação do investimento pa trimonial no total do IDE e o direcionamento para os setores nontradables poderão criar sérios constrangimentos no ba lanço de pagamentos se e quando houver uma retração de novos investimentos Tabela 63 Estoque de IDE total e por setores selecionados 1995 e 1999 Estoque 1995 Estoque 1999 Valor Agricultura 6886 16 10 Indústria 234024 550 300 Alimentos e Bebidas 23324 55 30 Produtos Químicos 47477 112 60 Metalurgia Básica 25662 60 nd Automobilística 28513 67 50 Serviços 184390 434 680 Eletricidade Gás e Água 02 00 90 Correio e Telecomunicações 1951 05 110 Intermediação Financeira 12548 29 90 Serviços Prestados a Empresas 114549 269 250 Total 425300 1000 1000 Fonte Banco Central do Brasil Censo de Capitais Estrangeiros Uma última observação diz respeito ao papel desempenhado pelo IDE no financiamento do investimento produtivo Houve Ricardo Carneiro 280 Desenvolvimento em crise 281 uma importância crescente do investimento externo quando considerado o fluxo líquido total Se abatermos os recursos des tinados à privatização a importância cai substantivamente A exclusão do montante destinado a fusões e aquisições demons tra uma participação restrita do IDE no esforço de investimento doméstico o que obviamente não significa desprezar o papel setorial por ele desempenhado O investimento de portafólio Conforme apontado no início deste capítulo os fluxos de portafólio que constituíram uma forma importante de capta ção de recursos durante a década caracterizaramse por elevada volatilidade e reversibilidade O volume de recursos que entra ram sob essa forma alcança um máximo em termos brutos em 1997 declinando em 1999 e 2000 para patamares do início da abertura Do ponto de vista líquido a reversão é semelhante porém mais intensa como em 1998 Para esclarecer melhor as razões desse comportamento examinamos a seguir em de talhe a volatilidade ao longo do tempo com destaque para os anexos e a conta de não residentes CC5 Para entender o comportamento instável desses fluxos é necessário tecer algumas considerações relacionadas à sua origem e destino A análise do perfil dos investidores no Ane xo IV realizada por Prates Freitas 1999 mostra uma gran de participação de bancos 47 e outras instituições finan ceiras sobretudo fundos de investimento 32 no conjunto dos investidores A participação dos fundos de pensão 15 é inexpressiva Por sua vez a procedência desses investido res está concentrada na América Central 37 e América do Norte 32 Desenvolvimento em crise 281 Com base nessas informações podese inferir a presença de dois tipos básicos de investidores os fundos de investimen to de origem americana e investidores individuais nacionais operando como não residentes por meio de bancos em paraísos fiscais A implicação desse perfil é que as aplicações têm prazo mais curto quando comparadas por exemplo aos investimentos dos fundos de pensão ou seguradoras Por serem oriundas de número restrito de agentes tornamse mais voláteis em razão da formação comum de expectativas originando o denominado comportamento de manada A utilização da CC5 para internalizar os investimentos de portafólio deveuse à maior flexibilidade no direcionamento dos recursos e ao tratamento tributário diferenciado A esse respeito há três períodos distintos a considerar no período inicial da abertura até 1995 a CC5 tinha uma alíquota de IOF igual ou inferior aos outros instrumentos Nessa fase ela cons tituiu um importante instrumento de internalização de recursos por residentes travestidos de não residentes apresentando sal do positivo no segmento relativo a operações com clientes Na fase de maior afluência de capitais em 19961997 a alíquota de Imposto sobre Operações Financeiras IOF foi elevada para desestimular sua utilização implicando saldos negativos cres centes Por fim com as crescentes dificuldades de financiamen to externo após 1997 ela foi progressivamente equiparada às outras formas de captação As informações disponíveis indicam que a CC5 constituiu o instrumento por excelência de expatriação de capitais tanto de famílias de alta renda quanto de empresas Mas o seu papel foi mais amplo como atesta o grande movimento de recursos pelas transações entre instituições financeiras Isso demonstra que se prestou a outras tarefas tais como os ilícitos cambiais ou simplesmente foi usada por razões de maior flexibilidade em decorrência do menor rigor do Bacen no registro das opera ções relativas a essa conta Ricardo Carneiro 282 Desenvolvimento em crise 283 Tabela 64 Conta de não residentes US mi 19902000 Op com Clientes Op com Inst no Ext1 Total Ingresso Remessa Saldo Ingresso Remessa Saldo Ingresso Remessa Saldo 1990 2146 2351 205 1532 6019 4487 3678 8370 4692 1991 2250 1514 736 4273 9999 5727 6523 11513 4991 1992 3624 1581 2043 2792 8389 5598 6416 9970 3555 1993 2844 2337 507 8574 14902 6328 11418 17239 5821 1994 4377 3054 1322 8100 13313 5213 12477 16367 3891 1995 6816 4692 2124 15659 19706 4047 22475 24398 1923 1996 4855 6230 1375 247 13285 13038 5102 19515 14413 1997 4928 7609 2681 640 21843 21203 5568 29452 23884 1998 5185 12122 6936 2346 27163 24817 7531 39285 31753 1999 5446 6427 981 3611 13808 10197 9057 20235 11178 2000 6188 79931 1743 2335 9594 7260 8523 17526 9003 Fonte Banco Central do Brasil Análise do Mercado de Câmbio 1 Fluxo primário de câmbio entre instituições financeiras no mercado flu tuante Quanto ao destino os fluxos de portafólio estiveram ba sicamente concentrados no Anexo IV cerca de 80 com algum peso no fundo de renda fixa 15 Essa composição levou a que esses recursos fossem direcionados quase que ex clusivamente para a aquisição de ações no mercado secundá rio Embora não haja informação detalhada sobre a aplicação da CC5 tudo leva a crer que o padrão tenha sido o mesmo dos demais investimentos de portafólio A quase exclusividade dos recursos do Anexo IV foi direcio nada para compra de ações das empresas estatais em processo de privatização o que leva a inferir que mais do que a preo cupação com o fluxo de rendimentos futuros proporcionados pela distribuição de lucros e dividendos o que a rigor criaria o mesmo problema de inconsistência do IDE pela natureza dos setores a motivação principal desses investimentos residiu no ganho patrimonial resultante da valorização das ações Es ses ganhos ficam evidentes na Tabela 65 na qual dois aspectos Desenvolvimento em crise 283 salientamse a crescente valorização até 1997 e a elevada ro tatividade dos recursos O tipo de pressão que esses processos impõem sobre o balanço de pagamentos é evidente Mesmo em períodos de relativa calmaria a rotatividade elevada de recur sos pode ocasionar instabilidade na taxa de câmbio Por outro lado a rápida valorização dos investimentos que é fruto dos mercados estreitos ocasiona nos momentos de reversão sé rios constrangimentos cambiais desencadeando e aprofundan do crises Tabela 65 Anexo IV US mi 19912000 Estoque de Ativos1 Fluxos Anuais Rotativ2 Saldo Entradas Saídas Mensal Acumulado 1991 482 96 20 386 386 1992 2967 1652 56 1315 1701 1993 10380 14614 9136 63 5478 7179 1994 20971 20532 16778 82 3754 10933 1995 18650 22025 21498 98 527 11460 1996 23681 22936 19342 84 3594 15054 1997 32047 32191 30576 95 1615 16669 1998 17365 21887 24349 111 2462 14207 1999 19966 11180 9400 84 1128 15335 2000 17001 18346 15270 83 3076 18411 Fonte Bancen Boletim Mensal Vários anos Prates Freitas 1999 1 A preços de mercado 2 Indicador de rotatividade dos recursos saídasentradas A volatilidade e reversibilidade dos fluxos de portafólio e suas implicações sobre as contas externas podem ser mais bem aquilatadas pelos dados mensais Gráficos 12 e 13 No caso do Anexo IV além da intensidade da reversão nos períodos de crise o gráfico também indica um aumento da volatilidade dos fluxos após o início da crise asiática em meados de 1997 Não é diferente o comportamento dos recursos das contas de não residentes com o agravante de que constituem um fluxo per Ricardo Carneiro 284 Desenvolvimento em crise 285 manentemente negativo cujas saídas líquidas se intensificam em períodos de crise cambial GRÁFICO 12 Volatilidade dos fluxos do Anexo IV Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos GRÁFICO 13 Conta de não residentes fluxos líquidos Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos Um último aspecto relativo aos fluxos de portafólio diz respeito ao impacto que estes têm como fonte de financiamen to adicional para as empresas que operam no país Em tese Desenvolvimento em crise 285 justificarseia a absorção de fundos externos como forma de aprofundar a liquidez do mercado secundário de ações e elevar as cotações aproximandoas do seu valor patrimonial Isso per mitiria num segundo momento a emissão primária de ações no mercado doméstico ou internacional via DRs e portanto o financiamento de novos investimentos por parte das empresas Tabela 66 Concentração do mercado acionário à vista 19911997 A Maior As Cinco Maiores As Dez Maiores 1991 412 751 815 1992 548 744 819 1993 502 713 805 1994 401 691 776 1995 500 712 809 1996 612 758 847 1997 559 729 818 Fonte Souza 1998 Segundo os dados apresentados por Souza 1998 embora o volume de negócios da principal bolsa brasileira tenha cresci do 40 vezes em termos nominais no período de maior expansão entre 1991 e 1997 e o valor de mercado das empresas tenha se multiplicado por seis no mesmo período isso foi insuficiente para dinamizar o mercado acionário A maior razão parece ser sem dúvida a concentração dos negócios em algumas poucas empresas as estatais privatizáveis ou privatizadas como mos tram os dados da Tabela 66 Essa concentração em torno de algumas empresas é ainda maior no caso dos investimentos de portafólio estrangeiros6 6 O já citado trabalho de Prates 1999 adverte que a compra do controle acio nário das empresas nacionais via IDE tem implicado um estreitamento ainda maior do mercado acionário Via de regra as novas empresas passam a uti lizar recursos próprios para financiar suas atividades sem recorrerem por tanto ao mercado acionário local Não é incomum até mesmo a recompra de ações em circulação no mercado e o fechamento do capital da empresa 287 Ricardo Carneiro 286 Desenvolvimento em crise 287 A concentração do mercado acionário em torno de poucas empresas não foi modificada pelo investimento estrangeiro de portafólio A aquisição por grupos estrangeiros de várias em presas via IDE acentuou o baixo dinamismo do mercado primá rio de ações Segundo os registros da Comissão de Valores Mo biliários CVM o número de companhias abertas ampliouse de 846 para 1047 em 1998 e declinou desde então chegando a 996 em 2000 O volume emitido de novas ações encolheu no período como um todo pois passou de US 23 bilhões em 1994 para US 35 bilhões em 1998 caindo para apenas US 700 milhões em 2000 Uma consideração relevante no que tange ao mercado acio nário diz respeito à crescente substituição do mercado domés tico pelo externo por meio dos ADRs Dados da CVM sobre o valor de mercado dos investimentos nos Anexos IV e V mostram que desde meados de 1998 o último supera o primeiro Em ter mos de fluxos líquidos enquanto o Anexo IV é declinante mos trando valores negativos em 1998 e 2000 o Anexo V mantém elevados patamares de captação apesar das oscilações7 Apesar do desempenho superior do Anexo V DRs sobre os investimentos de portafólio no mercado acionário local a con tribuição do primeiro ao financiamento primário também foi li mitada sobretudo pela excessiva concentração num número re duzido de empresas Segundo os registros da CVM do total de DRs emitidos cerca de 38 foram dos níveis III e 144A portanto envolvendo emissão primária de ações Afora a Petrobras cujas emissões abarcaram três quartos desses valores algumas grandes companhias elétricas privatizadas a Embraer e um punhado de grandes empresas respondem pelo grosso desse tipo de emissão 7 Os fluxos líquidos para os dois instrumentos foram em US bilhões 1998 1997 1998 1999 2000 Anexo IV 49 26 28 15 33 Anexo V 12 42 38 11 63 287 Desenvolvimento em crise 287 Tabela 67 Emissões autorizadas de títulos no exterior 19922000 Discriminação 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 19991 20001 Total Valor US mi 55720 121490 115720 134740 169780 258640 432300 278894 159480 172766 Prazo Médio Anos 30 40 50 50 60 96 79 53 44 40 Spread 5710 6400 4920 5020 4740 4041 5380 6460 6430 6255 Setor Privado Financeiro Valor US mi 27200 78140 80310 75670 70750 63470 106900 88871 61938 23066 Prazo Médio Anos 30 30 40 40 50 63 46 28 24 24 Spread2 6370 6660 5000 5110 4960 3586 4950 6643 7107 3890 da Captação Total 488 643 694 562 417 245 247 319 388 134 Setor Privado Não Financeiro Valor US mi 19120 27470 32230 35520 76060 126320 242020 110510 56873 25266 Prazo Médio Anos 50 60 60 50 70 84 97 69 65 48 Spread 5760 5950 4970 5570 4930 4323 5480 5947 5726 5421 da Captação Total 343 226 279 264 448 488 560 396 357 146 Setor Público Valor US mi 9400 15880 3180 23550 22970 68850 83380 79513 40669 124433 Prazo Médio Anos 40 40 80 40 40 150 70 59 45 42 Spread 5180 5200 3580 4670 4210 3943 5630 6969 6384 6863 da Captação Total 169 131 27 175 135 266 193 285 255 720 Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos 1 Janeiro a agosto 2 Pontos básicos acima de título do Tesouro Americano de igual prazo Ricardo Carneiro 288 Desenvolvimento em crise 289 Assim os dados apresentados confirmam que os investi mentos de portafólio direcionados para o mercado acionário estiveram prioritariamente envolvidos num jogo patrimonial tendo pouco impacto no financiamento interno das empresas O crédito de longo prazo Vimos na caracterização inicial que o endividamento por títulos de dívida apesar de menos volátil também sofreu uma intensa reversão em 1999 Tabela 60 Outro indicador da re tração desse mercado é o incremento da participação do setor público que chega a três quartos do total no primeiro semestre de 2000 Tabela 67 Essa é certamente outra indicação im portante da retração dessa modalidade de financiamento num ciclo de endividamento inteiramente dominado por captações privadas O ano de 1997 apesar da menor absorção bruta e líquida de financiamentos ante 1998 marca o auge das captações analisadas do ponto de vista da sua qualidade menor spread e maior prazo O primeiro semestre desse ano é também o momento de maior expansão do mercado de títulos para os países emergentes A partir de então há uma progressiva dete rioração da captação cujos valores em 1999 chegam a atingir patamares semelhantes aos do início da década continuando deprimidos em 2000 A qualidade também se deteriora com o encurtamento de prazos e elevação dos spreads Do ponto de vista dos agentes domésticos o setor bancário liderou as captações até 1995 sendo sucedido pelas empresas de 1996 a 1999 e em 2000 pelo setor público num quadro de retração das emissões Os bancos têm mais expertise para endividarse externamente e portanto saíram na frente mas fatores internos pesaram nessa trajetória de endividamento Após a crise do México a política econômica contracionista e a elevação ainda maior dos juros implicaram a crescente inadim Desenvolvimento em crise 289 plência e o maior racionamento de crédito o que certamente se refletiu na contenção do volume de repasses pelos bancos Assim apesar da persistente melhora das condições de emis são pelos bancos após 1996 sua participação no total captado se retrai Após a crise asiática em meados de 1997 a deterioração das condições de captação pelos bancos é intensa quando ana lisada do ponto de vista dos prazos e spreads Entretanto ela é menos abrupta se observada da ótica dos valores captados Certamente o enorme diferencial de juros internoexterno con tribuiu para manter as emissões num patamar elevado apesar da piora de suas condições Em 1999 e 2000 a piora nas con dições externas associada à instituição do regime de câmbio flutuante derrubou as captações bancárias para patamares do início da década Não foi distinta a evolução do endividamento pelas empre sas Apesar da liderança na captação após 1996 o volume cres ce até 1998 e cai tanto quanto nas emissões bancárias por força das mesmas razões isto é a retração da oferta e o maior custo em razão do aumento do spread bem como a ampliação do risco em consequência da flutuação do câmbio Em 2000 a conjunção desses dois fatores conduz à primazia do setor público como principal agente do endividamento Ou seja na trajetória do endividamento passam a prevalecer razões de ordem macroeco nômica como o fechamento das contas externas Um aspecto adicional merece ser considerado na discussão da volatilidade dos fluxos provenientes da emissão dos títulos A melhora progressiva da sua qualidade no que diz respeito a prazos até 1997 não deve ser tomada como indicador de maior estabilidade dessa forma de financiamento Isso por conta da cláusula de put option presente na maioria desses títulos e que permite que o comprador exija o seu resgate antes do venci mento em prazos intermediários previamente estabelecidos Dados da ANBID citados por Prates Freitas 1999 dão conta Ricardo Carneiro 290 Desenvolvimento em crise 291 de que até 1997 cerca de metade do valor das emissões pos suía put option Em 1998 essa cláusula fez parte de 75 do total de títulos emitidos O impacto da dívida externa direta sobre o financiamento da economia foi expressivo A rigor esse financiamento por títulos propiciou um novo ciclo de endividamento externo da grande empresa ou seja tanto o crescimento dos níveis de endi vidamento quanto a substituição de dívida interna por dívida externa Conforme analisado por Pereira 1999 esses recursos possibilitaram a substituição de fontes internas de financia mento mais caras caso do capital de giro ou de difícil acesso como aquelas relativas ao investimento8 Uma breve comparação das principais formas de financiamento interno com o externo mostra a relevância desse último sobretudo nos momentos de maior liquidez do mercado internacional Tabela 68 A atrofia do financiamento doméstico de longo prazo e a dependência dos recursos externos têm sido características marcantes do sistema financeiro brasileiro contribuindo para a fragilidade das contas externas e a inadimplência das empresas em períodos de rever são e variações da taxa de câmbio como o ocorrido após 1999 Tabela 68 Financiamento externo e interno da grande empresa US mi 19931999 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Títulos no Exterior 2747 3223 3552 7606 12632 24202 11051 Ações Mercado Primário 841 2591 2111 9155 3505 4112 2749 Debêntures Mercado Primário 3844 3304 6883 8395 7518 9657 6676 Total Doméstico 4685 5895 8994 17550 11023 13769 9425 Fonte Moreira Puga 2000 8 Os dados de Pereira 1999 mostram que a grande empresa amplia o seu en dividamento recursos de terceirosrecursos totais que passa de 372 emem 1991 para 44 em 1996 Do total da dívida um percentual cada vez maior diz respeito à dívida externa O indicador dívida direta externa sobre dívida total cresce de 59 em 1991 para 233 em 1996 Desenvolvimento em crise 291 A importância do financiamento externo na alimentação do ciclo de crédito interno por meio dos repasses bancários é indiscutível embora tenha tido caráter limitado ou circunscrito a certos tipos de instituições financeiras e a determinados perí odos Ou seja o grau de dolarização dos passivos bancários sobretudo os de longo prazo foi significativamente menor do que nos ciclos de endividamento externo pregressos Tabela 69 O endividamento de longo prazo que constitui a base para os repasses não chegou a alcançar 10 dos passivos bancários embora como veremos adiante haja diferenças significativas segundo o tipo de instituição Tabela 69 Obrigações externas dos bancos privados do passivo 19911999 Total Curto Prazo Longo Prazo 1991 197 35 162 1992 217 155 62 1993 274 189 85 1994 208 130 78 1995 181 99 82 1996 207 113 94 1997 181 115 66 1998 187 91 96 1999 204 117 87 Fonte Banco Central do Brasil Suplemento Estatístico Vários anos Os bancos públicos federais e estaduais se endividaram abaixo da média do sistema de bancos múltiplos e comerciais Tabela 70 Os bancos privados nacionais apesar de respon sáveis por uma parcela expressiva do crédito concedido inter namente mantiveram um baixo patamar de endividamento externo Quando o ciclo de crédito interno se reverteu após 1995 também se contraiu a captação externa Os bancos com alguma forma de participação estrangeira tiveram maior par ticipação do passivo externo nas suas fontes de recursos No Ricardo Carneiro 292 Desenvolvimento em crise 293 caso das filiais dos bancos estrangeiros que são de longe as maiores tomadoras de dívida externa não há uma correspon dência entre o ciclo de crédito interno e as captações o que sugere que parte desse endividamento tenha sido utilizada para a aquisição de ativos financeiros títulos públicos em razão do diferencial de rentabilidade Essa é uma questão a examinar a seguir no âmbito da discussão do endividamento de curto prazo Tabela 70 Bancos múltiplos e comerciais endividamento externo 19941998 Obrigações ExternasPassivo Jun 94 Jun 95 Jun 96 Jun 97 Jun 98 Dez 98 Públicos Federais 95 101 76 73 63 62 Públicos Estaduais 57 27 21 19 05 06 Privados Nacionais 119 102 101 110 118 90 Estrangeiros Filial 246 262 264 280 456 477 Controle Estrangeiro 280 234 212 152 210 176 Participação Estrangeira 186 182 193 146 183 174 Memória Variação do Crédito nd 802 30 06 224 40 Fonte Sisbacen apud Puga 1999 O financiamento bancário de curto prazo No início desta seção fezse referência à volatilidade do fi nanciamento bancário de curto prazo demonstrandose que os fluxos de capitais desse tipo mostraramse também os de maior reversibilidade Tabela 60 Essa característica está associada em larga medida ao direcionamento dessas linhas de crédito bastante concentradas no financiamento do comércio exterior isto é no capital de giro de empresas importadoras e exporta doras bem como em operações de arbitragem No que diz respeito à volatilidade e reversibilidade os da dos sugerem claramente que estão associadas tanto às condi ções internacionais quanto às mudanças da situação doméstica Desenvolvimento em crise 293 Em 1995 e 1997 por exemplo a reversão das linhas de curto prazo está associada às crises mexicana e asiática Há também fatores internos que influenciaram o volume de crédito de curto prazo concedido pelos bancos Dentre esses cabe destacar além do ciclo de crescimento doméstico entre 1993 e 1997 a proibi ção de realização de importações financiadas num prazo menor de 180 dias em 1997 e a expectativa de mudança do regime de câmbio concretizada em janeiro de 1999 O financiamento das importações a prazos muito curtos transformava na prática as linhas bancárias comerciais externas em operações de financia mento de capital de giro das empresas importadoras a um cus to mais baixo do que as linhas internas No regime de câmbio fixo ou mais precisamente de taxa de câmbio fixa em termos reais os próprios bancos e alguns grandes tomadores realizavam operações de arbitragem em ra zão dos diferenciais de taxas de juros com risco reduzido Cer tamente essas duas práticas tiveram relevância para o inchaço das linhas externas de curto prazo e sua superação contribuiu para a diminuição das linhas de curto prazo em US 11 bilhões em 1998 A participação das linhas de curto prazo nos passivos ban cários declinou após 1994 indicando que os bancos foram cautelosos no seu uso como funding para o crédito interno As indicações são de que se manteve a divisão de trabalho entre ins tituições estrangeiras que continuaram financiando o comércio exterior e realizando arbitragens em momentos de grandes di ferenciais de juros e as instituições privadas nacionais que uti lizaram as captações de médio e longo prazos para repassálas internamente Em nenhum momento as linhas de curto prazo chegaram a apresentar uma participação expressiva nos passi vos do conjunto do sistema financeiro doméstico nem mesmo antes da mudança do regime cambial Se do ponto de vista do financiamento conforme adianta do anteriormente as linhas de curto prazo desempenham um Ricardo Carneiro 294 Desenvolvimento em crise 295 papel essencial no que tange ao financiamento do comércio ex terior e especialmente das exportações isso se deve ao pouco desenvolvimento do sistema financeiro doméstico Se agregar mos a essa importância a volatilidade das linhas determinada tanto por fatores externos quanto internos concluiremos por uma vulnerabilidade intrínseca das contas externas na ótica do financiamento de curto prazo O regime de câmbio flutuante ao adicionar risco às operações de arbitragem atenuou mas não suprimiu a volatilidade A desnacionalização do setor bancário Na segunda metade da década assistiuse a uma desna cionalização sem precedentes do setor bancário nacional Os argumentos em favor desse processo enfatizavam a ampliação da concorrência e a introdução de inovações bem como a supe rioridade dos bancos estrangeiros sobre os nacionais do ponto de vista operacional Adicionalmente buscavase reduzir o pa pel do Estado no setor ampliando a eficiência pela privatização de parte expressiva dos bancos públicos estaduais A penetração de bancos estrangeiros teve impulso também em fatores conjunturais O processo de estabilização da moeda desencadeou um ajuste de profundidade do setor em razão da perda dos lucros decorrente da intermediação da moeda inde xada Somouse a isso o aumento da fragilidade bancária em 1995 resultante dos elevados níveis de inadimplência que decorreram da combinação entre expansão do crédito e altas taxas de juros A junção dos dois aspectos deteriorou a situação de um conjunto expressivo de bancos públicos e privados que terminaram vendidos aos estrangeiros A maioria dos processos de compra de bancos nacionais por estrangeiros foi realizada sob controle do Banco Central por medidas ad hoc à revelia do Congresso Nacional ao abri Desenvolvimento em crise 295 go do artigo 52 das disposições transitórias da Constituição de 1988 O resultado após seis anos é o que se pode ver na Tabela 71 uma participação crescente das instituições estrangeiras no sistema bancário nacional Tabela 71 Participação estrangeira no sistema bancário nacional 19952000 Ativos Totais Operações de Crédito Depósitos Totais Patrimônio Líquido Captação Externa Jun95 104 65 71 150 345 Dez95 119 70 90 183 410 Jun96 140 93 67 164 440 Dez96 135 106 87 169 392 Jun97 178 95 133 200 374 Dez97 210 98 163 258 453 Jun98 247 71 173 255 483 Dez98 225 210 171 260 500 Dez99 232 200 168 255 389 Jun00 254 220 175 257 417 Dez00 274 252 211 283 424 Fonte Banco Central do Brasil Sisbacen e DimobPrates Freitas 1999 O aumento da participação estrangeira no sistema bancário nacional mostrado na Tabela 71 traz à luz outras particulari dades desse subsistema de propriedade de não residentes tais como a maior propensão ao endividamento externo e o menor comprometimento com as operações de crédito sobretudo o de longo prazo Até meados de 1998 havia uma clara assimetria entre a participação dos estrangeiros nos ativos totais ou patri mônio líquido e aquela referente ao crédito Após essa data cor rigese esse desbalanceamento em razão da expansão de bancos estrangeiros varejistas inclusive com aquisição de bancos priva dos nacionais com grandes carteiras de empréstimos compra do Banco Real pelo ABNAmro e do ExcelEconômico pelo BBV Ricardo Carneiro 296 Desenvolvimento em crise 297 Outra assimetria na operação do subsistema de proprieda de estrangeira evidenciase na comparação entre a sua partici pação no total do sistema ativos ou patrimônio líquido e o peso de suas captações externas o que indica que esses bancos utilizam mais intensamente o funding externo em detrimento do aprofundamento financeiro doméstico A maior propensão ao endividamento externo dos bancos de origem estrangeira não se traduz num papel mais ativo no que tange ao crédito quando comparado ao subsistema privado nacional Como mostram os dados da Tabela 72 o seu com prometimento com o crédito é bem inferior ao do conjunto do sistema bancário nacional que inclui os bancos públicos inclusive instituições especiais de crédito como o BNDES O envolvimento desse subsistema com o crédito vai convergindo para o padrão dos bancos privados nacionais sobretudo após 1998 com a expansão dos varejistas Tabela 72 Sistema bancário nacional concessão de crédito 19941998 CréditosAtivos Jun 94 Jun 95 Jun 96 Jun 97 Jun 98 Dez 98 Sistema Bancário Nacional 343 393 357 336 451 315 Bancos Múltiplos e Comerciais 318 387 342 313 250 269 Privados Nacionais 287 353 302 290 244 238 Estrangeiros 179 263 196 219 206 280 Controle Estrangeiro 298 403 320 318 236 264 Participação Estrangeira 231 242 228 249 257 327 Fonte Sisbacen apud Puga 1999 O aspecto mais significativo a destacar na entrada dos es trangeiros é a sua convergência para os padrões de atuação do sistema privado nacional Na medida em que esses bancos to maram o lugar de bancos públicos com outro desempenho so bretudo na concessão de crédito concluise que a elasticidade do sistema ou a sua prerrogativa de criar crédito atrofiouse O Gráfico 14 mostra a maior alavancagem do sistema bancário Desenvolvimento em crise 297 público ante os dois subsistemas privados mas também cons tata a convergência interprivada A combinação entre a maior propensão ao uso de fontes ex ternas de recursos e o maior racionamento de crédito questiona a eventual superioridade do sistema de propriedade estrangeiro sobre o sistema nacional em especial o controlado pelo setor pú blico Os bancos estrangeiros adaptaramse à cultura dos bancos nacionais privados de pouca concessão de crédito especialmen te de longo prazo além do uso excessivo da captação externa em detrimento do aprofundamento financeiro doméstico Adi cionalmente de maneira mais radical que os bancos privados nacionais derivam parcela crescente de seus lucros de operação de tesouraria especialmente do carregamento de títulos da dívida pública De acordo com análises da Austin Asis publicadas na Gazeta Mercantil em 1998 e 1999 a participação das receitas de tesouraria na receita bruta de intermediação financeira foi respectivamente de 249 e 315 para os privados nacionais e de 498 e 582 para os privados estrangeiros GRÁFICO 14 Alavancagem do sistema bancário Fonte Banco Central do Brasil Evolução do SFN Ricardo Carneiro 298 Desenvolvimento em crise 299 A observação da trajetória das margens de lucro dos ban cos Gráfico 15 mostra um resultado surpreendente quando se toma em conta a tese liberal A expectativa seria se não de uma redução das margens pelo menos de uma estabilidade destas por causa da intensificação da concorrência propiciada pela entrada de novos atores Os dados todavia indicam uma manutenção das margens brutas spreadtaxa de empréstimo que se deve não ao aumento da cunha fiscal ou do nível de inadimplência mas à elevação das margens líquidas de lucro Mostram portanto que a entrada de novos participantes estran geiros não ameaçou a estabilidade do oligopólio bancário antes consolidouo9 GRÁFICO 15 Margens de lucro dos bancos Fonte Banco Central Juros e Spread Bancário Vários números A esse respeito cabe assinalar a elevação das margens líqui das de lucro dos bancos em 1999 e 2000 num contexto de taxas 9 A divulgação de informações periódicas e detalhadas sobre o spread ban cário pelo Banco Central nota para imprensa juros e spread bancário lança luzes sobre a estratégia dos bancos para ampliar as margens de lucro Assim de um lado houve uma redução de margens nas linhas mais com petitivas vendor aquisição de bens e de outro uma ampliação naquelas nas quais predomina uma relação de clientela mais forte cheque especial capital de giro Desenvolvimento em crise 299 nominais de juros declinantes e intensa atuação do Bacen para induzir a redução dos spreads bancários A estratégia do oligo pólio bancário diante da queda das taxas nominais de juros da redução da inadimplência e da cunha fiscal foi manter a mar gem bruta e portanto ampliar a margem líquida Implicações da abertura financeira Examinamse a seguir os efeitos da abertura financeira na vulnerabilidade externa da economia bem como as suas impli cações quanto ao grau de substituição monetária Por um lado procurase verificar como os fluxos de capitais influíram nas con tas externas seja do ponto de vista da capacidade de pagamento do país seja da possibilidade de resistir a ataques especulativos Por outro examinase como a abertura condicionou e de que forma a substituição da moeda local por moeda estrangeira A vulnerabilidade externa Um dos resultados da abertura financeira que mais se des tacaram foi o rápido crescimento do passivo externo da econo mia brasileira Esse desempenho tem a sua trajetória colada ao ciclo de crédito internacional vale dizer aceleração até 1997 e desaceleração a partir de então Esta última todavia não foi suficiente para refletirse numa melhoria dos indicadores de endividamento medidos relativamente ao PIB em razão da des valorização cambial em 1999 Assim ao final do processo pode se caracterizar uma situação de grande vulnerabilidade dadas a magnitude e a natureza do passivo externo Tabela 73 Essa vulnerabilidade possui várias dimensões das quais destacaremos as que nos parecem ser as principais Da ótica dos estoques evidenciase a elevada participação do passivo de curto prazo no total Este após atingir a marca de um quarto de Ricardo Carneiro 300 Desenvolvimento em crise 301 todo o passivo imediatamente antes da crise em 1997 cai para cerca de 15 nos anos seguintes Como já foi demonstrado ao longo do capítulo esse passivo está constituído pelos fluxos que possuem maior volatilidade portafólio e empréstimos de curto prazo Adicionalmente há que considerar conforme já também salientado que os empréstimos bancários de curto prazo estão subestimados10 o que só agrava o problema Outra dimensão não considerada pelos dados referese às amortizações não programadas da dívida externa de longo prazo Como vi mos uma parcela crescente dessa última foi contratada com cláusula de resgate antecipado put option Por essa razão o exercício da opção pode ampliar de modo significativo e ines perado a pressão sobre as reservas cambiais A capacidade de o país resistir a um ataque especulativo por reversão dos fluxos de curto prazo encontrase bastante deteriorada como mostra o aumento progressivo da relação passivo de curto prazoreservas internacionais Na prática a pressão sobre as reservas pode ser ainda maior se forem compu tadas as amortizações não programadas e o passivo interno pú blico dolarizado vale dizer a dívida com correção cambial além da posição bancada pelo governo no mercado de derivativos de taxa de câmbio11 Outra dimensão do problema dos estoques e que não está explícita nos dados apresentados referese à sua rolagem O problema diz respeito essencialmente ao refinanciamento das amortizações da dívida de longo prazo em títulos Mesmo se des considerarmos as cláusulas de put option que têm a capacidade 10 O Bacen registra como empréstimos de curto prazo aqueles com menos de um ano de prazo tomando como base as declarações dos bancos e em presas devedores Os registros do BIS nos quais os empréstimos de curto prazo aparecem magnificados tomam como referência a declaração dos bancos emprestadores 11 A operação do governo nos mercados de câmbio futuro encerrada por força da proibição estabelecida nos acordos com o FMI após 1999 Desenvolvimento em crise 301 Tabela 73 Passivos e indicadores externos da economia brasileira US bi 19922000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Dívida Externa de Longo Prazo 1108 1143 1197 1293 1421 1633 2200 2141 2062 Dívida Externa de Curto Prazo 251 315 286 300 378 367 231 274 300 Investimento Direto Estrangeiro 602 622 659 727 859 1064 1323 1641 1977 Portafólio 00 00 104 252 412 533 408 505 463 Anexos I a IV 00 00 104 210 271 320 174 229 170 Fundos 00 00 00 42 61 36 21 00 13 Anexo V 00 00 00 00 80 177 213 276 280 Passivo Externo Bruto 1961 2080 2246 2572 3070 3597 4162 4561 4802 Reservas Internacionais Liquidez 238 322 388 518 601 522 445 363 330 Investimentos Brasileiros no Exterior 37 38 41 43 42 58 92 94 124 Créditos Brasileiros ao Exterior 67 64 63 61 76 73 120 67 68 Haveres Externos dos Bancos Comerciais 58 84 150 89 117 96 74 75 60 Ativos Externos 400 508 642 711 836 749 731 599 582 Passivo Externo Líquido 1561 1572 1604 1861 2234 2848 3431 3962 4220 Memória PIB em Dólares 3873 4297 5431 7054 7754 8041 8340 5552 5959 Lucros e Dividendos Líquido 05 19 25 26 23 56 72 40 33 Juros Líquido 73 83 63 81 92 104 120 151 146 Custo Líquido do Passivo Externo 78 102 88 107 115 160 192 191 184 Exportações 359 386 435 465 477 530 511 480 551 Variação do PEB nd 61 80 145 194 172 157 64 39 Variação do PEL nd 07 20 160 200 275 205 94 65 Passivo Externo BrutoPIB 506 484 414 365 396 447 499 797 884 Passivo Externo LíquidoPIB 403 366 295 264 288 354 411 676 708 PEB Curto PrazoPEB Total 128 151 174 215 257 250 154 153 159 PEB Longo PrazoPEB Total 872 849 826 785 743 750 846 847 841 PEB Curto Prazo Reservas 1055 978 1005 1066 1314 1724 1436 1610 2312 Custo LíquidoPIB 20 24 16 15 15 20 23 34 31 Custo Líquido Exportações 217 264 202 230 241 302 376 398 334 Fonte Banco Central do Brasil Sobeet Anbid Ricardo Carneiro 302 Desenvolvimento em crise 303 de diminuir o período de amortização da dívida de longo prazo a rolagem de US 210 bilhões no mercado de títulos cuja natu reza volátil é conhecida pode trazer novas pressões cambiais A substituição de parte das amortizações por fluxos adicionais de IDE tem ganhado expressão pela conversão de dívida em investi mento Seu alcance é todavia limitado pois está circunscrito às empresas internacionais Outro aspecto da vulnerabilidade externa diz respeito aos de sequilíbrios de fluxos Quando se toma a relação custo do passivo líquidoPIB notase que esta vem assumindo valores progressiva mente mais altos desde 1997 portanto a desvalorização cambial de 1999 apenas agravou o problema situando a transferência de recursos líquidos no patamar de 3 do PIB Este é certamente um valor muito elevado quando comparado com outros períodos históricos e expressa tanto o nível mais alto da taxa de juros quan to as novas exigências de remuneração do IDE O indicador que mostra com maior precisão o desequilíbrio de fluxos é o do custo líquido do passivoexportações Crescen te desde 1996 atinge cerca de 39 em 1999 e recua para 33 em 2000 por força do excepcional crescimento das exportações nesse último ano Ao longo da década o aumento desse in dicador traduz uma taxa implícita de remuneração do passivo líquido superior à taxa de crescimento das exportações A im plicação mais relevante desse fato é a rigidez da conta de tran sações correntes na qual o peso da remuneração de capitais é crescente Ou seja com o custo do passivo absorvendo uma parcela crescente das exportações diminui proporcionalmente o espaço para importação de bens e serviços e portanto para o crescimento doméstico A substituição monetária Uma das principais consequências da abertura financeira da economia brasileira foi a ampliação da substituição monetá Desenvolvimento em crise 303 ria ou seja além de se ter ampliado significativamente a posse de ativos financeiros no exterior por parte dos residentes tam bém induziu de forma temporária e permanente a substitui ção da moeda nacional pela estrangeira em algumas operações Os processos de substituição decorrem do hedge arbitragem ou especulação dos agentes com uma moeda estrangeira e sua intensidade indica a fragilidade da moeda local Esses processos pelo menos dentro de certos limites resultam do aumento da conversibilidade da conta de capital vale dizer da ampliação de ativos e passivos denominados em moeda estrangeira Podem ser exacerbados pelo pequeno apro fundamento financeiro na moeda local ou seja pela inexistên cia de relações de débitocrédito de valor e prazo significativos o que conferiria às transações financeiras domésticas uma ele vada liquidez e portanto maior flexibilidade para a substitui ção monetária No caso brasileiro podese constatar que a abertura pouco contribuiu para o aprofundamento financeiro Este último deve ser medido a partir de algumas contas dos passivos e ativos bancários dada a ausência de um mercado de capitais sig nificativo na nossa economia Como se depreende do Gráfico 16 houve no período mais intenso da abertura da economia brasileira após 1994 uma redução do aprofundamento finan ceiro o que está configurado na redução do crédito ao setor privado medido como proporção do PIB e por uma queda ainda maior da emissão de títulos bancários Ou seja além de con ceder proporcionalmente menos crédito12 o sistema bancário desenvolveu pouco a base de captação doméstica 12 Se levarmos em consideração a distinção entre bancos públicos e privados é forçoso concluir que esses últimos têm um comprometimento ainda menor com o crédito De acordo com os dados do Banco Central evolução do SFN wwwbcbgovbr entre 1994 e 1999 os bancos privados controlavam cerca de dois terços do patrimônio líquido do sistema bancário nacional e foram responsáveis por aproximadamente 45 do crédito concedido Ricardo Carneiro 304 Desenvolvimento em crise 305 Dos vários argumentos utilizados para explicar o pequeno aprofundamento financeiro na economia brasileira o mais ve rossímil é o da impossibilidade de constituição da yield curve Esta como se sabe define a taxa de juros dos empréstimos como uma função crescente dos prazos e riscos No caso bra sileiro a elevada taxa básica de juros no financiamento dos títulos públicos dotados também de grande liquidez determina que os empréstimos ao setor privado se caracterizem tanto por prazos curtos quanto por taxas de juros muito altas Desse ponto de vista o financiamento bancário de longo prazo ao setor privado é uma impossibilidade por causa da taxa de juros estratosférica que implicaria GRÁFICO 16 Aprofundamento financeiro Fonte Banco Central Boletins mensais Do que foi dito cabe destacar como essencial o alto pa tamar da taxa básica de juros referente aos títulos da dívida pública ou seja ao risco zero do sistema Todavia como foi demonstrado no Capítulo 7 esse valor da taxa de juros está associado ao riscopaís vale dizer à forma como se dá a deter minação das taxas de juros no contexto da globalização Não há Desenvolvimento em crise 305 associação unívoca entre a trajetória da dívida pública e a mag nitude do riscopaís determinado nos mercados globais São vá rios os fatores responsáveis pela definição deste último muitos deles associados às variações de humores dos mercados globais vinculados à trajetória das economias centrais ou a crises em outras economias emergentes Se o pequeno aprofundamento financeiro e a vulnerabilida de externa são os elementos impulsionadores da substituição monetária cabe verificar seus mecanismos concretos e dimen sionála Existem três instrumentos básicos de substituição monetária na economia brasileira a emissão de dívida pública indexada à variação cambial a permissão para um conjunto de limitado de empresas realizar depósitos em moeda estrangeira em instituições bancárias domésticas e os contratos futuros de câmbio da Bolsa de Mercadorias Futuros BMF estes últimos bastante utilizados episodicamente Das formas de substituição monetária já apontadas a dívi da pública indexada ao dólar é de longe a mais importante Por qualquer critério que essa dívida seja medida a sua expansão é bastante rápida alcançando patamares elevados em 19992000 Tabela 74 Há que considerar nesse caso duas razões distin tas para ampliação da dívida dolarizada a primeira é perma nente e está associada à necessidade de hedge dos agentes a outra é circunstancial ou especulativa e aparece em momentos de crise cambial A necessidade de hedge em moeda estrangeira é um subpro duto direto da abertura financeira e da ampliação dos fluxos de capitais Ela resulta tanto da necessidade de proteção para re sidentes que assumiram passivos em moeda estrangeira quan to para não residentes que realizaram investimentos no país e precisam proteger seus lucros dividendos ou rendimentos da variação cambial Não é por outra razão que a dívida indexada ao dólar alcançou um patamar em torno de 10 do PIB e 20 da dívida pública total Ricardo Carneiro 306 Desenvolvimento em crise 307 Tabela 74 Dívida pública indexada ao dólar 19942000 Dívida PIB Reservas Dez94 83 24 335 Dez95 53 16 217 Dez96 94 32 413 Dez97 154 53 816 Dez98 210 89 1668 Dez99 242 114 1503 Dez00 217 110 1831 Fonte Banco Central do Brasil Nota para Imprensa As possibilidades de variação cambial que são magnificadas quando se trata de moedas não conversíveis determina tam bém o crescimento de uma demanda especulativa por dívida dolarizada em momentos de turbulência cambial O Gráfico 17 mostra o aumento da participação da dívida pública indexada ao câmbio após o primeiro trimestre de 1998 com o pico em igual período de 1999 e uma redução significativa no ano 2000 apesar de o novo patamar ser superior àquele vigente antes da mudança do regime cambial GRÁFICO 17 Dívida indexada à variação cambial Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos Desenvolvimento em crise 307 O mecanismo mais recente de substituição monetária com preende a permissão para um conjunto restrito de empresas abrir e movimentar contas em moeda estrangeira em insti tuições bancárias domésticas A Resolução n2644 do Banco Central permite que companhias dos setores de petróleo gás natural e energia elétrica mantenham depósitos em moeda estrangeira no país em montante equivalente ao lucro bruto operacional A medida visa a proteger o lucro das empresas de eventuais variações cambiais tornando os investimentos mais atrativos Não há dados públicos que permitam avaliar o signi ficado dessa forma de substituição monetária Outro instrumento importante de substituição monetária embora temporário e virtual são os contratos futuros de moeda estrangeira negociados na BMF13 De acordo com Farhi 2000 o volume de contratos negociados é o principal indicador da expectativa de variação cambial Num mercado dominado por agentes privados quando a expectativa de mudança está difun dida e há uma posição majoritária os negócios declinam pois não é possível encontrar ofertas na outra ponta A conclusão lógica é a de que de 1997 a 1999 o crescimento do número de contratos diante da crescente certeza da desvalorização cam bial só ocorreu porque o governo assumiu a posição oposta aos agentes privados ou seja utilizou o mercado para dar proteção aos agentes privados e amenizar a pressão cambial A proibição da participação do governo nesse mercado por força de cláusula do acordo com o Fundo Monetário Internacio nal FMI assinado em 1999 suprime a possibilidade de utilizar esses contratos como instrumento de substituição monetária 13 Entre os instrumentos existentes o de maior relevância é o contrato futuro de dólar Seu objeto é a variação da taxa de câmbio entre as duas moe das com acerto diário de margem O contratopadrão é de US 10000000 desde outubro de 1997 tendo sido antes de US 5000000 e seu prazo máximo de 24 meses Ricardo Carneiro 308 Desenvolvimento em crise AT na medida em que sem a participação do setor público as apostas privadas devem anularse Isso todavia não extingue a discussão da oportunidade de atuação do governo nesse merca do até mesmo como forma de amenizar a pressão sobre a taxa de câmbio em momentos de ataques especulativos Ainda de acordo com Farhi 2000 pelo menos três argumentos podem ser usados em favor dessa participação o caráter alavancado do mercado pode permitir que o Banco Central opere montantes superiores aos das reservas internacionais disponíveis como os contratos são liquidados em moeda nacional as eventuais perdas do governo impactam as contas públicas em moeda do méstica mas não as reservas a posição assumida pelo Bacen ou seu preposto pode ganhar seguidores e amenizar a pressão cambial Em síntese podese minimizar um ataque especulati vo e a perda de reservas sem o que toda pressão cambial será dirigida para a dívida pública indexada ao dólar 309 9 Abertura comercial desnacionalização e dinâmica do crescimento Da perspectiva do setor produtivo as dimensões do pro cesso de liberalização com maior impacto foram a abertura co mercial e a desnacionalização da propriedade da qual as privati zações representaram parcela significativa Essas modificações constituem parte importante de um paradigma de crescimento alternativo ao desenvolvimentismo Os fundamentos deste último eram a industrialização por substituição de importações e uma ampla intervenção do Estado da qual fazia parte um setor produtivo estatal concentrado nas indústrias de base e na infraestrutura Para a crítica neoliberal o desenvolvimentismo teria sido o responsável pela crescente perda de dinamismo das econo mias latinoamericanas especialmente no que diz respeito à incapacidade de manter o ritmo de incorporação do progresso técnico e do aumento de produtividade A razão essencial para Ricardo Carneiro 310 Desenvolvimento em crise 311 isso segundo Franco 1998 foi a falta de concorrência decor rente da elevada proteção tarifária e do excesso de regulação ou presença estatal Conforme assinalado por Miranda 2000 essa visão advoga va que a proteção havia gerado uma estrutura produtiva ineficien te com excessiva diversificação e pouca competitividade interna cional Fazia parte desse quadro geral de ineficiência a exigência de níveis elevados de nacionalização e consequente integração vertical Ademais esse protecionismo garantia margens de lucros elevadas para as empresas a despeito da baixa produtividade O novo modelo de crescimento colocarseia como uma al ternativa radical ao desenvolvimentismo ao definir a concor rência como motor primordial do processo Ou seja em subs tituição às políticas de demanda ou de garantia de mercado decorrentes do primeiro paradigma propõese uma política de oferta sintetizada na ampliação da concorrência Esse seria o mecanismo central de estímulo à incorporação de novas tecno logias sustentando o ciclo virtuoso de aumento de produtivi dade e salários reais Para realizar esse desiderato utilizarseiam a abertura comercial não necessariamente associada à valorização cam bial e a privatização A primeira pela rebaixa geral de tarifas e da supressão da proteção não tarifária permitiria a entrada de novos produtores no mercado antes protegido ampliando a concorrência A segunda acarretaria uma gestão mais eficiente de vários segmentos produtivos via mudança de propriedade além da eliminação de vários monopólios estatais De acordo com Miranda 2000 supunhase que a concor rência induziria uma rápida transformação da estrutura produ tiva herdada da substituição de importações implicando mo dernização das plantas em razão do barateamento dos bens de capital mudança do mix de produtos redução da verticalização tudo isso na direção de uma alocação de recursos mais afinada com as vantagens comparativas da nossa economia Desenvolvimento em crise 311 Há alguns supostos implícitos a esse novo modelo que con vém explicitar A abertura seria uma via de mão dupla pois ao mesmo tempo em que levaria uma maior concorrência nos mercados locais também permitiria o acesso mais fácil aos mercados externos isto é o aumento de produtividade permi tiria abrir novos mercados via aumento de competitividade A rigor supõese também que esse processo leve de fato à glo balização da atividade industrial local dentro do paradigma do global sourcing A globalização da atividade produtiva suporia a superação da dicotomia mercado interno versus mercado externo com es pecialização local em certos segmentos da cadeia de valor agre gado Assim implicaria a eliminação dos esquemas tradicio nais de divisão do trabalho intersetorial do tipo centroperiferia Em síntese a atividade industrial instalada em qualquer país visaria sempre ao mercado global e participaria nas cadeias de valor agregado de acordo com as suas vantagens comparativas que definiriam um padrão de especialização intrassetorial Em relação a esse novo paradigma de crescimento há al gumas ressalvas iniciais a serem postas com base na nossa ex periência contemporânea de desenvolvimento Considerado o contexto histórico no qual se deu a industrialização brasileira como industrialização periférica podese afirmar que a concor rência e a inovação tiveram um papel distinto na medida em que não houve aqui um centro autônomo de inovação tecnoló gica É possível afirmar que enquanto o paradigma tecnológico se manteve relativamente estável e se pôde gozar do benefício da sua disseminação a estratégia de internalizar novos setores produtivos e diversificar a economia revelouse basicamente correta dotando nossa economia de dinamismo ímpar A estratégia da industrialização por substituição de im portações seria passível de crítica em duas situações extre mas quando engendrou a criação de monopólios ou noutro extremo quando implicou a criação de um número excessivo Ricardo Carneiro 312 Desenvolvimento em crise 313 de produtores Em outros termos com o padrão tecnológico estável tratavase de internalizar a produção dos bens da for ma mais eficiente possível desde que o acesso às tecnologias e a escala de produção não a impedissem Vimos nos capítulos iniciais deste livro que a diversificação nem sempre foi reali zada da forma mais eficiente Por exemplo onde era necessário ganhar capacitação tecnológica os avanços foram reduzidos Houve também casos evidentes de setores nos quais foi criado um número excessivo de produtores ou monopólios Contudo essas são críticas não à estratégia em si mas à sua condução pois no geral a industrialização por substituição de importa ções propiciou à economia brasileira um elevado dinamismo durante décadas Outro aspecto relevante diz respeito à dicotomia mercado interno versus mercado externo Dadas as dimensões iniciais da economia brasileira as sucessivas rodadas de diversificação ou seja de ampliação do mercado interno que caracterizaram as várias etapas da industrialização certamente conferiram a essa economia dinamismo mais acentuado do que um even tual crescimento fundado na produção de algumas commodities para o mercado internacional Em razão das dimensões conti nentais do país a introversão do crescimento foi um resultado inevitável De um ponto de vista empresarial isso se traduziu na maior relevância das avaliações sobre a dinâmica do merca do interno visàvis o mercado externo nas decisões de investi mento Podese portanto estabelecer com as devidas ressalvas que a internalização de setores cuja produção destinouse essencial mente ao mercado interno produziu um dinamismo maior do que o padrão alternativo fundado no mercado externo A via bilização desse modelo teve no Estado um ator fundamental De um lado assumindo determinadas atividades na indústria de base e infraestrutura as quais por razões de risco ou ren tabilidade não interessavam à iniciativa privada de outro as Desenvolvimento em crise 313 segurando simultaneamente por meio de seus investimentos oferta de bens essenciais e mercado para os empreendimentos privados Isto posto vejamos os efeitos produzidos pela tentati va de modificar as forças dinâmicas do crescimento brasileiro Abertura comercial reestruturação produtiva e inserção externa A velocidade da abertura comercial levada a cabo no Brasil durante os anos 90 está amplamente documentada na literatu ra ver por exemplo Holanda 1997 e Hay 1997 Conforme assinalado por esses autores a estrutura herdada de meados dos anos 50 foi inteiramente reformulada no início dos anos 90 Desde logo as barreiras não tarifárias consideradas por muitos como o principal instrumento de proteção foram in teiramente eliminadas Foi abolido o Anexo C uma lista da qual faziam parte cerca de 1300 produtos com importação proibida em razão da produção de similar nacional Os regimes especiais de importação foram reduzidos ao drawback à Zona Franca de Manaus e ao setor de tecnologia da informação No que tange às tarifas implantouse um rápido processo de redução Num período de aproximadamente cinco anos entre 1990 e 1994 a proteção à indústria foi drasticamente reduzida com a tarifa alfandegária média caindo a um terço da que havia prevalecido na década anterior A estrutura tari fária almejada em cinco anos com a reforma tarifária compre endia a redução do conjunto de tarifas para uma faixa de 0 a 40 com um valor modal de 20 A rigor o cronograma foi antecipado tendo atingido as metas propostas em termos nominais já em julho de 1993 Em termos efetivos a proteção da indústria em 1994 já havia alcançado os patamares acorda dos no âmbito do Mercosul e que teoricamente deveriam ser atingidos em 2006 Ricardo Carneiro 314 Desenvolvimento em crise 315 Essas afirmações estão amparadas nas informações da Ta bela 75 na qual se pode constatar para o período 19901994 uma redução da tarifa efetiva para todos os setores produti vos sem exceção e diminuição da tarifa máxima bem como da sua dispersão setorial Após 1995 observase uma reversão parcial na abertura comercial que todavia possuiu caráter bas tante concentrado e deveuse sobretudo à instituição do re gime automotivo caracterizado por uma elevação significativa da proteção no setor automobilístico especificamente para as montadoras Tabela 75 Brasil proteção efetiva da indústria 19902006 1990 1991 1992 1993 1994 1995 20061 Média 479 388 315 233 154 252 160 D Padrão 362 322 259 170 103 508 102 Mínimo 23 18 21 20 19 19 17 Máximo 1558 1248 987 751 446 2700 531 Fonte CIEFMF e CTTDECEXMEFP apud Holanda 1997 1 Tarifa externa comum do Mercosul Embora não constitua parte do processo de liberalização a valorização cambial há de ser considerada como um fator es sencial nesse processo em razão da sua duração Podese argu mentar que diferentemente da abertura cujo efeito direto é o barateamento das importações a apreciação do câmbio além de produzir esse resultado tem efeitos diretos sobre os pre ços e portanto competitividade das exportações A utilização de um regime de câmbio fixo no Brasil e a consequente valo rização do câmbio por um período de cinco anos somouse à abertura como importante determinante das transformações na estrutura produtiva e inserção externa Como se vê pela Tabela 76 durante a maior parte da dé cada de 1990 assistiuse a uma valorização sistemática das taxas de câmbio real e efetiva A taxa em relação ao dólar Desenvolvimento em crise 315 apreciouse rapidamente em 1994 e a partir daí manteve o mesmo patamar até a desvalorização e posterior flutuação em 1999 O movimento de apreciação foi mais acentuado perante as outras moedas relevantes taxa efetiva porque as moedas da Eurolândia e do Japão se desvalorizaram diante do dólar As outras moedas relevantes na Ásia mantiveramse atreladas ao dólar e portanto se desvalorizaram perante o real na mes ma proporção dessa moeda Tabela 76 Índices das taxas de câmbio 19902000 1992 100 RealDólar Efetiva 1990 796 784 1991 919 890 1992 1000 1000 1993 983 947 1994 850 830 1995 677 699 1996 660 653 1997 684 629 1998 720 650 1999 1098 982 2000 1077 896 Fonte Bacen apud Indicadores DIESP Vários anos Abertura comercial e reestruturação produtiva O sentido geral da mudança produzida pela abertura foi o de uma especialização da estrutura produtiva presente na ele vação do coeficiente importado de 57 em 1990 para 203 em 1998 A contrapartida dessa especialização deveria ter sido uma ampliação do coeficiente exportado capaz de compensar a perda de mercados domésticos o que todavia não ocorreu pois este último elevouse de 8 em 1990 para 148 em 1998 Tabela 77 A velocidade com a qual essa especialização ocor Ricardo Carneiro 316 Desenvolvimento em crise 317 reu foi acentuada após 1994 com a combinação da abertura e valorização do câmbio Tomandose o coeficiente importado como indicador da especialização percebese a sua evolução extrema no caso dos bens de capital setor no qual as importações passam de 20 da produção doméstica em 1990 para 100 em 1998 Nas indústrias de bens duráveis material de trans porte e intermediários elaborados a especialização também foi significativa possuindo pouca expressão nos bens de consumo e nos intermediários não elaborados Os dados setoriais confirmam o padrão observado para o conjunto da indústria qual seja a apreciação do câmbio após 1994 acelera o processo Essa especialização cujo significado maior foi a perda de densidade produtiva nos setores responsáveis pela reprodu ção do capital marca um antagonismo claro com o processo histórico de crescimento da economia brasileira cuja trajetó ria até os anos 80 havia sido a diversificação e a redução da dependência de importações incluindo os setores de meios de produção Significa também que o crescimento da economia nacional passa a depender mais fortemente das importações e portanto da qualidade de sua inserção externa Do ponto de vista do coeficiente de abertura as mudanças foram bem menos significativas ou seja a especialização não acarretou ganhos proporcionais de mercados externos e para o conjunto da indústria o mercado interno continuou a ser de longe o principal destino da produção Não houve portanto uma correlação significativa entre a ampliação da abertura e o aumento da especialização importaçãoprodução o que inva lida pelo menos como regra geral o paradigma da globalização produtiva suposto pela teoria neoliberal Convém também no tar a pouca influência da valorização cambial sobre a trajetó ria do coeficiente de abertura cuja evolução após 1994 é quase igual à do período anterior Desenvolvimento em crise 317 No setor produtor de bens duráveis o coeficiente exporta do aumentou significativamente e na mesma ordem de grande za do importado Nesse caso tudo leva a crer que houve algum tipo de especialização intraindustrial no setor Atentese para a pouca sensibilidade que esse processo revela ante a valoriza ção cambial pois o grande aumento do coeficiente exportado ocorre após 1994 Como apontado por Laplane Sarti 1997 a estratégia de sourcing das grandes empresas transnacionais no âmbito do Mercosul mostrouse como elemento decisivo para esse desempenho O setor de bens de capital a despeito da grande especializa ção ampliou o coeficiente exportado Há indicações da preser vação de um segmento de montagem que destina uma parcela significativa da produção para os mercados regionais No setor material de transporte foi também relevante o aumento des se coeficiente Nessa performance há influência significativa do setor automotivo e dos mercados regionais com exceção da montagem de aviões pela Empresa Brasileira de Aeronáutica Embraer que se destina a mercados mais amplos No caso desses setores a influência da valorização cambial foi menos significa tiva em comparação aos demais Apesar da especialização promovida pela abertura alguns segmentos do setor de meios de produção e de duráveis foram preservados e tiveram seus coeficientes de exportação amplia dos em razão da escala de produção interna e da possibilidade de acessar os mercados regionais As transformações apontadas têm várias implicações A pri meira e mais importante delas é a diminuição das relações in tersetoriais da economia brasileira Na sua operação corrente e mais ainda na sua reprodução as articulações entre os vários ramos produtivos foram reduzidas Ou seja o padrão de cresci mento fundado no adensamento das relações interdepartamen tais foi desarticulado Adicionalmente ao declínio da impor tância do mercado interno não correspondeu uma ampliação Ricardo Carneiro 318 Desenvolvimento em crise 319 do papel do mercado externo à exceção de uns poucos segmen tos produtivos Tabela 77 Coeficientes de penetração importações produção e abertura exportaçõesprodução da indústria brasileira por categoria de uso em 19901998 1990 1994 1998 9098 9094 9498 Coeficientes de Penetração Variação Absoluta Bens de Consumo Não Duráveis 28 42 79 51 14 37 Bens de Consumo Duráveis 89 122 293 204 33 171 Bens Intermediários Elaborados 61 118 219 158 57 101 Bens Intermediários 27 71 105 78 44 34 Bens de Capital 198 332 1003 805 134 671 Equipamento de Transporte 30 114 232 202 84 118 Total da Indústria 57 104 203 146 47 99 Coeficientes de Abertura Variação Absoluta Bens de Consumo Não Duráveis 79 92 107 28 13 15 Bens de Consumo Duráveis 127 132 327 200 05 195 Bens Intermediários Elaborados 101 151 165 64 50 14 Bens Intermediários 70 118 101 31 48 17 Bens de Capital 77 145 242 165 68 97 Equipamento de Transporte 105 125 204 99 20 79 Total da Indústria 88 122 148 60 34 26 Fonte IBGE apud Moreira 1999 O que foi dito anteriormente pode ser visto de manei ra mais detalhada na análise dos dados elaborados pelo BN DES 1999 a partir de metodologia criada pela OCDE a qual agrupa os gêneros produtivos de acordo com a intensidade de fator discriminando os setores intensivos em tecnologia capital mão de obra recursos naturais Pelos dados da Tabela 78 observase uma especialização ou perda de densidade das cadeias produtivas nos setores que usam mais intensamente tecnologia e capital com impacto menor no setor dependente de mão de obra e desprezível naquele com uso intensivo de recursos naturais Desenvolvimento em crise 319 Tabela 78 Coeficientes de penetração MP e abertura XP por intensidade de fator 19901998 Setores Intensivos em 1990 1994 1998 9098 9094 9498 Coeficientes de Penetração Variação Absoluta Tecnologia 98 168 441 343 70 273 Capital 99 135 242 143 36 107 Mão de Obra 20 56 117 97 36 61 Recursos Naturais 34 60 81 47 26 21 Coeficientes de Abertura Variação Absoluta Tecnologia 100 136 232 132 36 96 Capital 79 96 114 35 17 18 Mão de Obra 64 97 133 69 33 36 Recursos Naturais 127 160 188 61 33 28 Fonte IBGE apud Moreira 1999 O que se pode concluir dos dados agregados é que a aber tura provocou uma perda de elos das cadeias produtivas nos setores industriais dinâmicos fundados no uso mais intenso de tecnologia e capital Nos demais segmentos intensivos em trabalho e recursos naturais a especialização foi menos signi ficativa embora não desprezível no primeiro A importância da valorização cambial na definição do ritmo da penetração de importações fica evidenciada quando se utiliza o corte por intensidade de fator Ela é de grande relevância nos setores mais intensivos em tecnologia e capital como mostram os dados da Tabela 78 Como esperado a ampliação dos coeficientes de abertura dos setores situouse muito aquém dos coeficientes de penetra ção A exceção ficou por conta do setor intensivo em tecnologia no qual houve um aumento importante relativo e absoluto na parcela exportada da produção Nesse caso a valorização cam Ricardo Carneiro 320 Desenvolvimento em crise 321 bial não foi obstáculo pois o maior aumento do coeficiente ocorreu após 1994 A combinação das informações setoriais por uso e inten sidade de fator permite concluir que a abertura acompanhada da valorização do câmbio promoveu uma reestruturação pro dutiva de grande significado na economia brasileira Setores de alta intensidade de tecnologia e capital via de regra localizados nos segmentos produtores de bens de capital intermediários elaborados ou consumo duráveis realizaram uma expressiva especialização Apenas uma parcela desses mesmos segmen tos produtivos foi preservada e ampliou a sua inserção exter na Ao revés os setores intensivos em recursos naturais e tra balho predominantemente produtores de bens de consumo correntes e intermediários convencionais mantiveramse mais diversificados e ampliaram moderadamente a inserção exter na Em resumo há claras indicações de uma especialização re gressiva na economia brasileira com a ampliação do peso dos setores intensivos em recursos naturais e trabalho e redução da importância com exceções dos intensivos em tecnologia e capital O detalhamento da análise mostra que no setor intensivo em tecnologia o coeficiente de penetração elevouse de forma diferenciada em três grupos de indústrias com maior intensi dade no principal ramo dos eletroeletrônicos seguido das má quinas e equipamentos e por fim do segmento de material de transporte Tabela 79 Dos três segmentos o único no qual o coeficiente exportado também se amplia com intensidade é no de material de transportes As informações permitem identifi car a consolidação de segmentos produtores de veículos leves e pesados e a montagem de aviões com inserção externa signifi cativa Em correspondência com isso o peso do setor no Valor da Transformação Industrial VTI ampliase durante a década passando de 87 para 141 Tabela 80 Desenvolvimento em crise 321 Tabela 79 Coeficientes de penetração e abertura setoriais por intensidade de fator 19901998 Coeficiente de Penetração Coeficiente de Abertura 1990 1998 Var Abs 199098 1990 1998 Var Abs 199098 Setores Intensivos em Tecnologia Material de Transporte Fabricação de Outros Veículos 226 691 465 247 715 468 Motores e Peças para Veículos 80 347 267 187 347 160 Indústria da Borracha 51 233 182 74 97 23 Automóveis Utilitários Caminhões e Ônibus 02 184 182 63 143 80 Tratores e Máq Rodoviária Incl Peças e Acessórios 30 200 170 181 381 200 Eletroeletrônico Material Aparelhos Eletrônicos e de Comunicação 204 1607 1403 49 193 144 Condutores e Outros Mat Elétricos Excl para Veículos 116 328 212 65 89 24 Ap e Equip Elétricos Incl Eletrod e Máq de Escritório 38 142 104 92 230 138 Apar Receptores de Rádio e TV e Equip Som 63 141 78 93 130 37 Máquinas e Equipamentos Maq Equip e Inst Incl Peças e Acessórios 237 1008 771 84 236 152 Equip para Produção e Distri buição de Energia Elétrica 95 579 484 65 208 143 Setores Intensivos em Capital Química Elem Químicos Não Petroquí micos ou Carboquímicos 566 939 373 255 317 62 Indústria Farmacêutica 97 165 68 18 23 05 Resinas Fibras e Elastômeros 98 415 317 110 158 48 Adubos Fertilizantes e Corret Solo 149 366 217 18 20 02 Produtos Químicos Diversos 51 162 111 35 87 52 Refino de Petróleo 28 134 106 43 20 23 Petroquímica Básica e Intermediária 45 99 54 82 99 17 Laminados Plásticos 07 52 45 02 10 08 Ricardo Carneiro 322 Desenvolvimento em crise 323 Coeficiente de Penetração Coeficiente de Abertura 1990 1998 Var Abs 199098 1990 1998 Var Abs 199098 Intermediários Metalurgia dos Não Ferrosos 75 242 167 242 346 104 Outros Produtos Metalúrgicos 23 119 96 53 89 36 Papel Papelão e Artefatos de Papel 30 110 80 84 122 38 Celulose e Pasta Mecânica 53 110 57 551 665 114 Siderurgia 16 68 52 177 299 122 Fundidos e Forjados de Aço 11 62 51 15 52 37 Outros Produtos de Miner Não Metálicos 22 56 34 50 84 34 Peças e Estr de Concreto Ci mento e Fibrocimento 01 16 15 07 12 05 Cimento e Clínquer 02 09 07 04 04 00 Setores Intensivos em Mão de Obra Têxtil e Calçados Fiação e Tecelagem de Fibras Artificiais ou Sintéticas 16 202 186 19 60 41 Benef Fiação e Tecel de Fibras Naturais 37 195 158 91 122 31 Outras Indústrias Têxteis 12 130 118 71 138 67 Artigos do Vestuário e Acessórios 05 80 75 14 32 18 Calçados 05 46 41 247 563 316 Outros Vidro e Artigos de Vidro 60 163 103 47 92 45 Ind de Perfumaria Sabões e Velas 16 69 53 11 29 18 Artigos de Material Plástico 12 64 52 09 26 17 Setores Intensivos em Recursos Naturais Alimentar Moagem de Trigo 217 524 307 01 06 05 Refino de Óleos Vegetais e Fab de Gorduras p Alimentação 15 67 52 78 53 25 Conservas de Frutas Legumes Incl Sucos e Condimentos 23 71 48 438 352 86 Resfriamento e Prep do Leite e Laticínios 28 67 39 00 01 01 Continuação Desenvolvimento em crise 323 Coeficiente de Penetração Coeficiente de Abertura 1990 1998 Var Abs 199098 1990 1998 Var Abs 199098 Outras Ind Alimentares 40 78 38 44 44 00 Indústria de Bebidas 45 51 06 14 14 00 Abate e Prep de Aves 00 01 01 143 211 68 Indústria do Café 00 01 01 13 167 37 Ind do Açúcar 00 00 00 174 437 263 Abate de Animais Excl Aves e Prep de Carnes 69 49 20 63 145 82 Outras Indústria do Fumo 01 22 21 22 208 186 Indústria da Madeira 23 69 46 239 619 380 Fabricação de Alimentos para Animais 05 15 10 83 16 67 Fonte IBGE apud Moreira 1999 Nos demais segmentos o aumento de coeficiente exporta do com expressão em bens duráveis de consumo e alguns tipos de máquinas não foi suficiente para evitar a perda de peso na estrutura industrial A indústria mecânica que abriga a maior parcela da fabricação de máquinas e equipamentos tem queda de participação de 82 em 1990 para 35 em 1999 Da mes ma maneira o setor de material elétrico e de comunicação di minui de 73 para 49 em igual período Assim é imperioso concluir que a abertura promoveu uma especialização no setor intensivo em tecnologia com a preservação e aumento do peso do segmento produtor de material de transporte certamente em razão das escalas de produção domésticas e declínio dos eletroeletrônicos e máquinas e equipamentos Nos setores intensivos em capital há uma distinção básica entre a química e os intermediários No primeiro caso houve uma expressiva ampliação do coeficiente importado no seg mento de química fina elementos químicos e alguns ramos da orgânica resinas e inorgânica fertilizantes sem o corres pondente aumento do coeficiente exportado Como via de regra Continuação Ricardo Carneiro 324 Desenvolvimento em crise 325 esses são setores de maior sofisticação tecnológica concluise pela especialização do setor nos demais segmentos representa tivos da química básica ou intermediária Nestes últimos tanto o coeficiente importado quanto o exportado pouco aumenta ram Confrontando esses dados com aquele da participação se torial concluise que a ampliação do peso da química no valor agregado industrial deveuse aos ramos básicos No segmento de intermediários tanto a elevação dos coe ficientes importados quanto dos exportados esteve abaixo da média da indústria demonstrando uma relativa estabilidade na estrutura É perceptível todavia uma diminuição de diversifi cação nos setores de maior valor agregado como metalurgia dos não ferrosos e papel e papelão Do ponto de vista da participação no produto da indústria a situação é diferenciada À exceção do segmento de minerais não metálicos todos os demais seg mentos perdem peso no VTI Essa perda é menos significativa em papel e papelão de 35 para 25 e muito expressiva na metalúrgica de 177 para 95 Esse conjunto de informações permite concluir que a in dústria intensiva em capital passou por um duplo ajuste uma especialização nos segmentos de tecnologia mais avançada como alguns ramos da química e um encolhimento generali zado em vários subsetores de bens intermediários Nesse caso podese concluir que a abertura combinada com a valorização do câmbio promoveu a supressão dos produtores mais frágeis numa ampla gama de segmentos A indústria intensiva em mão de obra assistiu a uma ele vação generalizada e expressiva dos coeficientes importados com destaque para o complexo produtor de tecidos e vestuá rio e sobretudo na fiação e tecelagem Essa maior especiali zação não se traduziu em aumento de coeficiente exportado Este último ampliouse apenas na indústria de calçados ape sar de o coeficiente de penetração não ter se alterado Como resultado do aumento generalizado de importações esses se tores perdem participação no VTI Na têxtil ela cai de 52 Desenvolvimento em crise 325 em 1990 para 3 em 1999 No segmento de vestuário e cal çados a redução é de 42 para 31 no mesmo período e devese sobretudo ao primeiro Esse resultado não deixa de ser surpreendente para um setor no qual a economia brasilei ra possuía sólidas vantagens comparativas Ao que tudo in dica estas se mostraram efetivas diante da abertura apenas no setor de calçados cuja dependência no Brasil da base de recursos naturais é conhecida Tabela 80 Participação no VTI por gênero de indústria em Anos selecionados Gêneros 1990 1994 1999 Minerais Não Metálicos 23 29 41 Metalúrgica 177 115 95 Mecânica 82 45 35 Mat Elétrico e de Comunicações 73 77 50 Material de Transporte 87 180 141 Madeira 03 03 07 Mobiliário 01 01 02 Papel e Papelão 38 36 26 Borracha 30 15 17 Couros e Peles 01 01 02 Química 199 208 253 Farmacêutica 14 19 20 Perfumarias Sabões e Velas 07 23 26 Produtos de Matéria Plástica 10 07 07 Têxtil 50 32 30 Vest Calç e Artigos de Tecido 42 28 31 Produtos Alimentares 102 117 150 Bebidas 11 19 24 Fumo 10 13 15 Editorial e Gráfica 20 18 16 Fonte FIBGE Anuário Estatístico apud Siqueira 2000 Por fim nos setores de maior uso de recursos naturais nos quais estão presentes os segmentos produtores de commodities agroindustriais e nos quais a economia brasileira possui vanta gens comparativas absolutas não houve alteração substancial dos coeficientes de penetração exceto na moagem de trigo e Ricardo Carneiro 326 Desenvolvimento em crise 327 o coeficiente de exportação ampliouse moderadamente com exceção da indústria da madeira fumo e açúcar Nesse conjun to o grande destaque é para a indústria alimentar produtos alimentares bebidas cujo peso no VTI salta de 11 para 17 entre 1990 e 1999 As mudanças da estrutura industrial do país se fizeram ine quivocamente em duas direções a mais importante delas foi a da ampliação da fatia dos setores intensivos em recursos naturais e a consolidação de um segmento produtor e exportador de ma terial de transporte classificado como intensivo em tecnologia O peso das escalas de produção nacional para o setor automoti vo e da tradição da Embraer na montagem e comercialização de aviões foi decisivo Houve também uma perda de participação de diversos segmentos intensivos em capital e em trabalho De tudo isso resultou uma estrutura produtiva muito menos diver sificada do que no início da década e não fora pelo segmento de material de transporte concentrada em segmentos de pouco dinamismo Com as exceções já apontadas a indústria brasileira tendeu a concentrarse naqueles segmentos direta ou indireta mente dependentes da base de recursos naturais Abertura comercial e inserção externa Dimensões do saldo comercial Os efeitos das transformações da estrutura produtiva so bre a inserção externa da indústria vistos pelo saldo de co mércio exterior foram muito expressivos Considerandose a taxa de comércio1 notase que para o setor industrial como 1 A taxa de comércio mede para cada setor a relação entre exportações e im portações Valores maiores do que 1 indicam que na sua operação corrente o setor gera saldos comerciais Valores menores do que 1 indicam déficits Desenvolvimento em crise 327 um todo as importações passam a superar as exportações após 1994 Nos segmentos produtores de bens de consumo e inter mediários simples as exportações mantiveramse superiores às importações Já naqueles ramos cuja produção concentrase nos bens de capital e insumos elaborados a taxa de comércio deteriorouse sensivelmente Tabela 81 Tabela 81 Taxa de comércio e saldo comercial por categoria de uso Anos selecionados 1990 1994 1998 Taxa de Comércio XM Bens de Consumo Não Duráveis 28 22 14 Bens de Consumo Duráveis 14 11 11 Bens Intermediários Elaborados 17 13 08 Bens Intermediários 26 17 10 Bens de Capital 04 04 02 Equipamento de Transporte 35 11 09 Total da Indústria 15 12 07 Saldo Comercial XMP Bens de Consumo Não Duráveis 51 50 28 Bens de Consumo Duráveis 38 10 34 Bens Intermediários Elaborados 40 33 54 Bens Intermediários 43 47 04 Bens de Capital 121 187 761 Equipamento de Transporte 75 11 28 Total da Indústria 31 18 55 Fonte IBGE apud Moreira 1999 em da produção do setor Visto o desempenho pelo ângulo do saldo comercial notase que este último tornouse globalmente negativo após 1994 mas atingiu valores muito elevados no setor de bens de capital Aliás cabe assinalar que a deterioração do saldo setorial nesse e em outros setores é anterior à valorização cambial como em bens duráveis intermediários elaborados e material de trans porte Podese concluir dessas evidências que a indústria bra Ricardo Carneiro 328 Desenvolvimento em crise 329 sileira após a abertura passou a operar permanentemente com déficit comercial cuja participação no valor da produção tende a ampliarse na fase de aceleração do ciclo econômico Vista a questão pelo ângulo da intensidade de fator a de terioração fica ainda mais evidente Desde o início da década a taxa de comércio vem declinando em todos os segmentos Após 1994 a queda é mais intensa apenas nos setores intensivos em trabalho e recursos naturais indicando que estes sofreram mais intensamente os efeitos da valorização cambial Apesar disso ao final da década as exportações superam as importações ape nas nos últimos setores ocorrendo o contrário com aqueles intensivos em capital e tecnologia cuja sensibilidade à abertura foi mais intensa Tabela 82 Tabela 82 Taxa de comércio e saldo por intensidade de fator Anos selecionados Setores Intensivos em 1990 1994 1998 Taxa de Comércio XM Tecnologia 10 08 05 Capital 08 07 05 Mão de Obra 32 17 11 Recursos Naturais 37 27 23 Saldo Comercial XMP Tecnologia 02 32 209 Capital 20 39 128 Mão de Obra 44 41 16 Recursos Naturais 93 100 107 Fonte IBGE apud Moreira 1999 em da produção do setor Considerado o saldo comercial de cada setor vêse um crescimento inusitado do déficit nos intensivos em tecnologia e em capital Já nos demais a deterioração não chega a pro duzir resultados negativos Todavia cabe notar a concentração do superávit nos segmentos intensivos em recursos naturais e o equilíbrio naqueles com maior intensidade de trabalho ou Desenvolvimento em crise 329 seja com a atual estrutura produtiva da indústria brasileira os setores mais dinâmicos capital e tecnologia são deficitários e os tradicionais recursos naturais e trabalho superavitários Do conjunto das informações analisadas podese inferir a existência de um déficit comercial estrutural na economia bra sileira como resultado da reestruturação produtiva induzida pela abertura combinada com a apreciação cambial Os setores deficitários concentramse naqueles segmentos de maior elas ticidade de renda da demanda ocorrendo o oposto com os su peravitários Os primeiros também se localizam predominan temente nos setores vinculados à operação corrente consumo e intermediários básicos enquanto os últimos concentramse nos segmentos vinculados à operação ampliada bens de capi tal Por essa dupla razão o déficit comercial é função crescente da taxa de crescimento do PIB A análise do saldo comercial tomando os seus valores e distribuição ao longo do tempo é bastante esclarecedora Desde logo a redução e conversão do superávit em déficit é marca da década Desse ponto de vista nem a desvalorização cambial em 1999 combinada com o baixo crescimento após 1998 reverte as mudanças estruturais o que fica evidente quando se considera a composição dos setores superavitários No início da década cerca de um terço do superávit era gerado pela indústria in tensiva em escala ou capital cuja participação foi declinando ao longo do tempo interrompida pela desvalorização cambial de 1998 O mesmo ocorre com as indústrias intensivas em trabalho de forma que ao final da década o saldo comercial brasileiro concentrase em boa medida 80 nos segmentos intensivos em recursos naturais Tabela 83 O fato de a parcela do saldo recuperarse após a desvalo rização cambial atesta a importância da combinação de aber tura e câmbio no desempenho desses setores Para os intensi vos em escala ou capital produtores de commodities industriais siderúrgica papel e celulose metalurgia de não ferrosos a valorização prejudicou as exportações dada a importância da Ricardo Carneiro 330 Desenvolvimento em crise 331 concorrência em preços Já em casos dos intensivos em traba lho complexo têxtil e vestuário a apreciação do câmbio junto com a abertura promoveu uma enxurrada de importações Cabe assinalar também que a indústria intensiva em tec nologia e os fornecedores especializados não são globalmente superavitários apesar de apresentarem saldos positivos em al guns ramos importantes como material de transporte Nesses setores o saldo além de localizado é também proporcionalmen te menor pois o conteúdo importado da produção é muito mais elevado do que nas demais atividades geradoras de superávit Tabela 83 Saldo total por setor produtivo Anos selecionados Valor US mi Participação no Saldo 1992 1994 1998 2000 1992 1994 1998 2000 Indústria Intensiva em Escala 6699 4289 7 2557 32 23 0 15 Rec Naturais Ind Agroalimentar 3661 3428 3236 4198 18 18 25 2 Indústria Intensiva em Trabalho 3278 2647 316 1042 16 14 2 6 Primários Agrícolas 2932 4517 4256 4691 14 24 33 28 Rec Naturais Ind Intens em Outros Rec Agrícolas 1859 2408 3016 2404 9 13 24 14 Primários Minerais 1635 1367 2316 1828 8 7 18 11 Rec Naturais Ind Intens em Rec Minerais 555 167 1922 1205 3 2 8 6 Rec Naturais Ind Intens em Rec Energéticos 377 949 1920 3117 5 9 8 15 Fornecedores Especializados 821 2801 8636 6752 11 25 37 31 Indústria Intensiva em PD 1473 3533 6895 5435 20 32 30 25 Primários Energéticos 4618 3606 3440 4935 63 33 15 23 Total 13330 7600 10298 4724 100 100 100 100 Fonte IEDI 2001 Desenvolvimento em crise 331 O déficit comercial também se modificou do ponto de vista dos setores geradores Em 1992 os energéticos essencial mente petróleo respondiam por dois terços deste e a indús tria intensiva em tecnologia e fornecedores de bens de capital por cerca de um terço Com a consolidação da abertura cresce o peso desses últimos setores cuja contribuição para o déficit chega à casa dos 70 em 1998 caindo um pouco após a des valorização A forma como se processou a abertura isto é a sua velocidade abrangência e ausência de salvaguardas num con texto internacional de significativas mudanças tecnológicas teria que conduzir a esses resultados Dificilmente o peso do déficit será deslocado desses segmentos2 em razão das escalas de produção necessárias e do controle da tecnologia Dinâmica das exportações e importações As transformações da estrutura produtiva e do saldo comer cial observadas nos anos 90 se fizeram acompanhar de perfor mances distintas das exportações e importações com estas últi mas apresentando taxas de crescimento que foram o dobro das primeiras A comparação com as outras regiões do mundo di mensiona melhor essa assimetria Do ponto de vista das expor tações o crescimento situouse na média mundial mas bem abaixo dos demais países em desenvolvimento As importações cresceram o dobro da taxa mundial e sensivelmente acima dos outros grupos de países Tabela 84 Informações mais atuali zadas demonstram que a flutuação e desvalorização de câmbio após 1999 alteraram marginalmente a dinâmica das exporta ções Estas continuaram a se expandir muito abaixo daquelas dos países em desenvolvimento Porém as mudanças cambiais 2 Dados do IEDI 2001 mostram que três setores concentram a quase tota lidade do déficit eletroeletrônico química e bens de capital Ricardo Carneiro 332 Desenvolvimento em crise 333 combinadas com a desaceleração do crescimento doméstico in verteram a trajetória das importações Tabela 84 Comércio exterior do Brasil e regiões do mundo ao ano 19901998 19992000 Exportações Importações Exportações Importações Mundo 62 65 80 85 Desenvolvidos 56 61 nd nd Em desenvolvimento 84 79 nd nd Ásia 100 87 140 155 América Latina 85 125 135 125 Brasil 63 134 73 32 Fonte Banco Central do Brasil Unctad e WTO Do ponto de vista dos mercados de destino das exportações brasileiras houve significativas mudanças durante a década Podese perceber que ocorreu uma troca da importância entre os mercados cujo sentido foi o de diminuir o peso dos países desenvolvidos Em compensação ampliouse a relevância dos países de regiões mais pobres especialmente do Mercosul e do restante da América Latina Tabela 85 A análise das exportações por tipo de produto realizada pela Cepal 1999 mostra que a perda de mercados nos paí ses desenvolvidos concentrase nos itens mais elaborados da pauta ou seja bens de capital e insumos elaborados De forma simétrica é exatamente nesses produtos que se amplia a parti cipação das exportações em direção aos menos desenvolvidos Os dados sugerem portanto que a ausência de dinamis mo das exportações brasileiras está ligada tanto à incapacidade de ampliar a diversificação da pauta quanto às mudanças nos principais mercados de destino isto é a venda de produtos de maior dinamismo concentrouse em países mais pobres en quanto para os países mais ricos destinouse uma parcela crescente dos produtos menos dinâmicos Desenvolvimento em crise 333 Tabela 85 Origem e destino dos fluxos de comércio externo Anos selecionados Destino das Exportações Origem das Importações 1990 1994 1998 2000 1990 1994 1998 2000 Estados Unidos 242 202 191 239 213 202 234 231 EU 324 280 288 268 223 271 292 252 Ásia Excl Or Médio 168 162 110 115 85 150 137 154 Subtotal 734 644 589 622 521 623 663 637 Mercosul 42 136 174 140 112 137 163 140 ALADI Excl Mercosul 62 88 88 94 65 56 51 69 OPEP 57 40 54 45 218 100 55 90 Resto do Mundo 105 92 95 99 84 84 68 64 Total 1000 1000 1000 1000 1000 1000 1000 1000 Fonte MDIC Intercâmbio comercial brasileiro por blocos e países No caso da origem das importações observamse tam bém modificações relevantes A primeira delas é o aumento da participação dos países desenvolvidos que segundo a Cepal 1999 ocorreu de maneira generalizada nos diversos tipos de produtos De outra parte temos o recuo expressivo da área da Opep por conta da redução do preço do petróleo e o sur gimento de outras áreas entre os países em desenvolvimento especialmente Mercosul e Sudeste Asiático que ocuparam esse espaço Tabela 85 O conjunto de informações sugere a constituição nos anos 90 de duas importantes assimetrias no comércio exterior bra sileiro As importações que cresceram substancialmente mais rápido durante a década originamse crescentemente das áreas desenvolvidas Já as exportações com dinamismo acentuada mente menor dirigiramse cada vez mais para os países em desenvolvimento especialmente para as áreas mais pobres Nas relações comerciais com os países ricos nossas importações con centraramse em bens de maior conteúdo tecnológico insumos Ricardo Carneiro 334 Desenvolvimento em crise 335 elaborados e bens de capital enquanto as exportações cons tituem sobretudo commodities agrícolas ou industriais Com os países pobres diversificamos as importações e concentramos as exportações em bens mais sofisticados especialmente bens de capital Em síntese podese concluir que nas relações com os paí ses ricos regredimos para um sistema de relações de intercâm bio do tipo centroperiferia clássico Já com o restante da peri feria em especial a latinoamericana consolidamos um perfil de relacionamento comercial oposto àquele construído com o centro As informações sobre composição da pauta de exportações e importações são reveladoras do perfil de integração externa da economia brasileira na década Nas primeiras a única grande modificação diz respeito à consolidação de um setor exportador intensivo em tecnologia já assinalado anteriormente e como vimos concentrado no segmento de material de transporte Afora isso o perfil das exportações mantevese praticamente inalterado incluindo uma alta concentração nos setores inten sivos em recursos naturais e bens intermediários intensivos em escala Notese também que a desvalorização cambial de 1999 tem pouca influência sobre esse perfil Tabela 86 No âmbito das importações as mudanças foram mais sig nificativas Com a queda do preço do petróleo e da participação dos energéticos as indústrias intensivas em tecnologia e for necedores especializados passam a liderar a pauta de importa ções secundadas pela indústria intensiva em escala No caso das primeiras a desvalorização cambial não muda a tendência O que se pode concluir do conjunto dos dados é que a estrutura do comércio exterior brasileiro refletiu fielmente as mudanças ocorridas na estrutura produtiva com exportações concentradas em setores de menor conteúdo tecnológico ocorrendo o inverso com as exportações Desenvolvimento em crise 335 Tabela 86 Composição das exportações e importações Anos selecionados Exportações 1992 1994 1998 2000 Indústria Intensiva em Escala 26 24 24 21 Indústria Agroalimentar 13 14 12 11 Indústria Intensiva em Trabalho 13 12 10 11 Agrícolas 12 15 16 14 Fornecedores Especializados 9 10 9 9 Minerais 8 6 8 7 Ind Intens em Rec Minerais 7 6 6 7 Ind Intens em Outros Rec Agrícolas 6 7 9 7 Indústria Intensiva em PD 4 4 6 12 Ind Intens em Rec Energéticos 2 2 1 1 Energéticos 0 0 0 0 Total 100 100 100 100 Importações 1992 1994 1998 2000 Energéticos 21 10 6 9 Fornecedores Especializados 18 19 22 20 Indústria Intensiva em PD 13 14 16 20 Indústria Intensiva em Escala 12 17 20 15 Ind Intens em Rec Minerais 9 8 8 8 Agrícolas 7 6 6 4 Indústria Intensiva em Trabalho 6 7 9 8 Minerais 5 4 3 3 Indústria Agroalimentar 5 8 5 3 Ind Intens em Rec Energéticos 4 5 4 7 Ind Intens em Outros Rec Agrícolas 2 2 2 2 Total 100 100 100 100 Fonte IEDI 2001 Abertura e estrutura da propriedade desnacionalização e privatização O processo de abertura comercial e financeira da economia brasileira e a redefinição da participação do Estado por meio das privatizações deram ensejo a uma importante mutação na estrutura da propriedade das empresas As razões gerais para Ricardo Carneiro 336 Desenvolvimento em crise 337 que isso tenha ocorrido no plano internacional foram referen ciadas no Capítulo 7 A principal delas foi sem dúvida a grande expansão do IDE e o aumento das fusões e aquisições trans fronteiriças observado depois de meados dos anos 80 e que atinge os países em desenvolvimento nos anos 90 Conforme assinalado no Capítulo 7 o motivo principal para a expansão do IDE foi a financeirização da riqueza e a busca de valorização patrimonial pela compra integral de empresas ou de participações acionárias Há todavia razões ligadas à esfera produtiva e da concorrência e que dizem respeito à redefinição do oligopólio global Ou seja o processo de reconcentração da propriedade e da cristalização de novas configurações oligopo listas com escala global tem sido também um importante defi nidor da forma e direção do IDE Do ponto de vista produtivo as fusões e aquisições FAs respondem à necessidade de as empresas centraremse num número menor de atividades core business nas quais são mais competitivas e têm maior capacidade de inovação Outra razão invocada para as FAs é a possibilidade de ganhar rapidamente fatias de mercado pela absorção de concorrentes ou mesmo ter acesso a novos mercados pela aquisição de marcas com tradição local Apontase ainda a desregulação de determinados setores incluindo a privatização como elemento de aceleração do pro cesso Em síntese razões relativas ao aumento da capacidade de inovação tecnológica desregulamentação e ampliação da concorrência são indicadas como definidoras das motivações das FAs As razões já apontadas são relevantes mas não dão conta de motivações essenciais do processo e menos ainda das suas consequências De uma perspectiva geral podese afirmar que as FAs traduzem uma tendência inerente ao capitalismo qual seja a da centralização dos capitais Isso implica a redução do número de produtores em cada um dos ramos da economia e temporária ou permanentemente na redução da concorrência Desenvolvimento em crise 337 Desse ponto de vista os problemas mais graves estão na área de serviços públicos anteriormente estatais que foram priva tizados atividades cuja natureza favorece a formação de mono pólios privados em substituição aos públicos Há aspectos ainda menos virtuosos nos processos recentes de FA e que dizem respeito ao caráter especulativo de uma parcela expressiva dessas transações A especulação caracte rizase quando a operação de FA tem outros objetivos que não o de ampliar os fluxos de rendimentos ou de lucros seja pela inovação ou mesmo pelo fortalecimento do poder de merca do Nesse caso o intuito é adquirir uma empresa para vendêla adiante a preços mais elevados o que em geral ocorre por meio de seu desmembramento Da perspectiva dos países da periferia do sistema capitalis ta o processo de FA tem duas especificidades o peso maior das operações transfronteiriças comparativamente àquelas rea lizadas no âmbito doméstico e um desequilíbrio entre compras e vendas Ao contrário dos países centrais nos quais há uma interpenetração patrimonial com um relativo equilíbrio entre compras e vendas nas operações entre os distintos países nos periféricos vendese muito mais do que se compra caracteri zandose assim um intenso processo de desnacionalização da propriedade das empresas Esta última constatação põe por terra a ideia de que no âm bito dos países periféricos as FAs cujo conduto principal é o investimento direto estrangeiro sejam uma via de mão dupla que termine por levar a uma multinacionalização das empresas locais Os dados para o Brasil são bastante eloquentes a esse respeito de acordo com Unctad 2000 no triênio 19971999 para cada um dólar de investimento realizado por empresas brasileiras no exterior foram internalizados 10 dólares de in vestimento de empresas estrangeiras no país Assim nos anos 90 ocorre um expressivo crescimento das fusões e aquisições na economia brasileira Como se pode no Ricardo Carneiro 338 Desenvolvimento em crise 339 tar pela Tabela 87 desde 1993 o número de FAs transfronteiri ças cresce significativamente mantendose entre metade e um terço de todas as transações desde então Entre 1996 e 1998 triênio no qual ocorrem grandes privatizações telecomunica ções e setor elétrico assistese a um aumento substancial das operações comandadas pelo capital estrangeiro Tabela 87 Fusões e aquisições de empresas no Brasil 19922000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Número de Transações Total 58 150 175 212 328 372 351 309 353 Domésticas 21 68 94 130 167 204 221 208 230 Transfronteiriças 37 82 81 82 161 168 130 101 123 Valor de Transações US mi Total 7188 11701 12203 18889 23904 28250 36515 nd nd Domésticas 6718 10475 10852 17128 17371 16186 7139 nd nd Transfronteiriças 470 1226 1351 1761 6533 12064 29376 9357 23013 Total 7188 11701 12203 18889 23904 28250 36515 nd nd Fonte KPGMUnctad 2001 Os valores das operações de FA indicam a verdadeira di mensão da participação do capital estrangeiro nesse processo crescente até 1998 acompanhando a intensificação do processo de privatizações A queda em 1999 certamente está ligada ao declínio das vendas das estatais Já o retorno de valores elevados em 2000 mostra a relevância das transações interprivadas ou seja indica que o processo foi muito além da compra de em presas privatizadas Os setores nos quais ocorreram essas FAs foram bastante variados Em termos de valor houve uma concentração expressi va nos serviços de utilidade pública privatizados especialmente telecomunicações e energia elétrica O setor financeiro como já mostrado no Capítulo 8 foi objeto de uma privatização e desna cionalização significativas vindo a seguir em termos de impor tância Nos setores metalurgia e siderurgia extração de minerais Desenvolvimento em crise 339 e química e petroquímica houve também o predomínio de pri vatizações Todavia conforme se pode observar no Gráfico 18 foi muito diferenciada a gama de setores nos quais as FAs atingiram valores significativos no âmbito privado GRÁFICO 18 Fusões e aquisições no Brasil 19911999 Fonte Miranda 2000 Fica sugerido pela caracterização do processo de FA que houve também uma desnacionalização expressiva da economia brasileira e que não se ateve aos limites do setor privatizado espraiandose por uma ampla gama de segmentos produtivos Tomando o caso das 100 maiores empresas como ilustração do ocorrido percebese que houve um substancial crescimento da importância da empresa estrangeira com um recuo expressivo do setor estatal e também da grande empresa familiar nacional Tabela 88 A presença dos grupos privados nacionais ampliouse apenas nas empresas de propriedade compartilhada ou domi nante em geral exestatais privatizadas nas quais dividem o controle com grupos estrangeiros É pouco provável que nesses Ricardo Carneiro 340 Desenvolvimento em crise 341 casos detenham posições hegemônicas ou que possam resistir a uma nova onda de concentração Nos anos 90 assistiuse ao desmonte do antigo padrão de crescimento assentado no tripé empresa estatalempresa multinacionalempresa nacional privada A nova configuração da propriedade realça o peso da grande empresa estrangeira Certamente a equação das decisões de investimento dessas empresas é distinta das empresas locais em razão mesmo da sua inserção global Além disso o processo foi inerentemente concentrador ampliando a presença dos oligopólios globais no Brasil Isto posto tratase de examinar em que medida essa nova configuração é capaz de dotar o capitalismo brasileiro de significativas taxas de crescimento Tabela 88 Distribuição das 100 maiores empresas por tipo de propriedade Anos selecionados Tipo de Propriedade 1990 1995 1998 Número da Receita Número da Receita Número da Receita Estrangeira 270 260 310 380 340 400 Compartilhada 50 40 150 100 230 190 Estatal 380 440 230 300 120 210 Familiar 270 230 260 170 260 170 Dispersa 10 00 30 20 40 30 Cooperativas 20 20 20 20 10 00 Fonte BNDES 1999 Dinâmica do crescimento Visto pela taxa de crescimento do PIB o desempenho da economia brasileira durante a década de 1990 pode ser carac terizado como medíocre Com valor em torno de 27 aa um Desenvolvimento em crise 341 pouco acima dos 23 aa da década anterior representa me nos da metade da taxa média do período 19301980 e cerca de um terço daquela do período 19501980 Essa performance refle te por sua vez a trajetória do investimento Mesmo compara dos à década anterior sabidamente um período de estagnação os níveis de investimento são muito baixos3 Além disso a ava liação do investimento nessa década mostra outra característica relevante os ciclos de breve duração Há três ciclos de investi mento no período com picos da taxa de inversão e duração de cerca de seis meses em 1995 1997 e 20004 A composição setorial da taxa de investimento na década de 1990 não mostra aparentemente alteração significativa To davia a análise detalhada dessa composição Tabela 89 aponta mudanças importantes como a queda do peso da construção civil não residencial reflexo do pouco dinamismo dos investi mentos em infraestrutura bem como a ampliação da participa ção do componente importado nos gastos totais com máquinas e equipamentos Inferese dessas informações o menor poder de encadeamento do investimento durante a década A redução do peso da construção civil não residencial num contexto de baixa taxa global de investimento traduz o pequeno dinamismo do investimento em infraestrutura De acordo com Ipea 2000 os gastos no conjunto desses setores cujo declí nio já se iniciara nos anos 80 acentuamse na atual década De uma média de 54 do PIB nos anos 70 reduzemse para 37 nos 80 e 22 nos 90 3 Os dados trabalhados pelo Ipea 1998 mostram que por qualquer critério de mensuração da taxa de investimento a preços de 1980 ou a preços de 1995 ela é inferior na última década A redução média nos anos 90 perante os 80 é de cerca de 5 do PIB por qualquer um dos critérios 4 Os dados trimestrais da taxa de investimentos do IBGE localizam esses picos no primeiro semestre de 1995 no segundo semestre de 1997 e no último semestre de 2000 Ricardo Carneiro 342 Desenvolvimento em crise 343 Tabela 89 Taxa de investimento a preços correntes do PIB 19901996 Total Construção Máquinas e Equipamentos Outros 1990 207 133 69 05 1991 181 119 57 05 1992 184 123 50 12 1993 193 130 51 12 1994 207 134 60 13 1995 205 128 65 13 1996 193 130 53 10 1997 199 136 53 10 1998 197 138 50 09 1999 191 132 48 10 2000 194 131 53 11 Fonte Ipeadata apud IBGE Do ponto de vista da indústria autores como Bielschowsky 1999 e Miranda 2000 apontam o caráter de modernização remoção de gargalos e aumento de produtividade desses investimentos concentrados em aquisição de novos equipa mentos para atualização tecnológica e mudanças de layout sem significativas adições de capacidade produtiva o que explica em parte por que a taxa de investimento não se ampliou subs tancialmente Outra razão foi a elevação significativa do com ponente importado das máquinas e equipamentos Estes além de mais eficientes tornaramse mais baratos tanto por conta do progresso tecnológico quanto em razão da valorização cambial entre 1994 e 1998 O conjunto dos dados sobre a taxa de investimento indica a ocorrência de dois fenômenos uma desarticulação do ponto de vista dos macrossetores indústria e infraestrutura e tam bém uma redução do encadeamento intrassetorial na própria indústria em razão do aumento da participação das máquinas e equipamentos importados O comportamento peculiar do inves timento na década ou seja a taxa global reduzida e os ciclos Desenvolvimento em crise 343 de curta duração encontra explicação nesse novo padrão de articulação no qual sobressai a menor capacidade de encadea mento do gasto autônomo seja em razão da sua concentração em termos de setores ou conteúdo ou por conta do vaza mento para o exterior Uma análise desagregada dos principais subsetores da indústria e infraestrutura pode esclarecer melhor esse ponto Tabela 90 Composição do investimento 19901999 Não Residencial Residencial Nacional Importado 1990 498 502 894 106 1991 476 524 786 214 1992 453 547 749 251 1993 431 569 755 245 1994 409 591 747 253 1995 387 613 687 313 1996 442 558 650 350 1997 442 558 587 413 1998 442 558 594 406 1999 442 558 541 459 Fonte Ipeadata apud IBGE O investimento na indústria Informações analisadas por Bielschowsky 1999 para o período 19941997 servem como ilustração para o comporta mento do investimento industrial na década Desde logo mos tram que o investimento esteve concentrado em alguns ramos industriais ou seja o dinamismo entre os ramos foi bastante diferenciado o que exprime também a desarticulação ou baixa capacidade de encadeamento entre os setores Tabela 91 Os segmentos industriais nos quais os investimentos se expandi ram acima da média histórica foram beneficiados pelo excep cional aumento da demanda doméstica após a estabilização ou em menor escala pela constituição de uma base exportadora naqueles cujo investimento declinou comparativamente a pe Ricardo Carneiro 344 Desenvolvimento em crise 345 ríodos anteriores ou o peso da concorrência das importações foi excessivo ou a expansão para o mercado externo foi obsta culizada pela apreciação cambial ou ainda as novas escalas de produção e controle da tecnologia impediram a internalização do setor Tabela 91 Composição do investimento na indústria 19701988 19951997 SiderurgiaMetalurgia 183 228 Material de Transporte 78 134 Alimentos 101 112 Material Elétrico e Eletrônico 44 46 Plásticos 23 36 Farmacêutica 17 18 Subtotal 446 574 Química 166 100 Mecânica 74 51 Não Metálicos 61 40 Papel e Celulose 41 30 Têxtil 61 58 Borracha 12 09 Subtotal 415 289 Outros 138 138 Total 1000 1000 Fonte Bielschowsky 1999 O setor de material de transporte foi o que mais ampliou a participação na taxa de investimento Há pelo menos três grandes segmentos com dinamismo diferenciado Em primeiro lugar a montagem de aviões concentrada em jatos de alcance regional atividade na qual a Embraer consolidou a participação no mercado global Na automobilística veículos leves a aber tura permitiu atrair para o país outros produtores do oligopólio global ampliando internamente a concorrência e o investimen to No entanto o segmento automobilístico foi um dos poucos que conseguiram um aumento da proteção tarifária via insti Desenvolvimento em crise 345 tuição do regime automotivo Esse aumento de proteção teve vigência apenas para as montadoras mas não para a produção de partes e peças protegendo o mercado do produto final mas permitindo o sourcing das empresas No segmento de veículos pesados ônibus caminhões tra tores houve de acordo com MDIC 1998 uma estagnação da produção doméstica e das exportações associada tanto ao pe queno crescimento do mercado doméstico quanto ao das eco nomias regionais para as quais se dirigem nossas exportações Assim há evidências de que o aumento do investimento do setor automotivo tenha se concentrado na indústria automobi lística e mais precisamente nas montadoras possuindo pela sua menor amplitude menor poder irradiador No setor de material elétrico e eletrônico que abriga di versos segmentos produtivos as razões para o aumento do in vestimento estiveram circunscritas à ampliação de capacidade no segmento de bens de consumo associada ao crescimento do mercado interno O destaque da expansão foi para o segmento de utilidades domésticas eletrônicas linha branca linha mar rom Nos demais equipamentos industriais equipamento de energia elétrica telecomunicações automação industrial informática o aumento do coeficiente importado substitui produção interna por importações A abertura não afetou negativamente o subsetor de utilida des domésticas dada a sua proteção pelos custos de transporte elétricos ou imperfeições de mercado como marcas clien telas e redes de assistência Conforme salientado por Biels chowsky 1999 os coeficientes de abertura ampliaramse sobretudo pelo aumento da importação de partes e componen tes Observase aqui portanto o mesmo padrão anterior de am pliação de capacidade na ponta montadora com a já referida diminuição dos efeitos de encadeamento A siderurgiametalurgia recebeu um importante estímulo da demanda derivada por chapas de aço para produzir bens du Ricardo Carneiro 346 Desenvolvimento em crise 347 ráveis Todavia esses efeitos benéficos de ampliação do merca do interno foram em parte compensados pela redução do saldo comercial do setor Outros estímulos igualmente importantes provieram das mudanças na estrutura de propriedade e de mercado A privatização iniciou um processo de mudança de propriedade e de busca de nichos de mercado que ainda está em curso o que determinou um aumento da concorrência e de investimentos independentemente das condições correntes de mercado Do ponto de vista das articulações o setor mantevese altamente integrado com a base de matériasprimas e a produ ção de semielaborados todavia reduziu essas articulações na compra de equipamentos O setor de alimentos manteve inalterada a sua participa ção no investimento na indústria situandose na fronteira dos setores dinâmicos Essa indústria passou por grandes modifi cações nos anos 90 Desde logo foi o setor industrial no qual houve o maior número o terceiro em valor de fusões e aqui sições Gráfico 18 Considerando que essas últimas foram transações realizadas exclusivamente dentro do setor privado podese ter uma ideia das mudanças ocorridas na estrutura da propriedade O sentido geral dessa modificação foi a ampliação da atuação do oligopólio global no país por meio de maior pre sença de marcas mundiais Os efeitos dessas mudanças sobre o investimento foram menores do que o esperado por duas ra zões a rápida estabilização do oligopólio e a perda de mercados potenciais Os ganhos de mercado decorrentes do aumento de consumo foram parcialmente anulados pelo aumento expressivo do coeficiente importado em determinados setores especial mente aqueles não protegidos por imperfeições de mercado ou custos de transporte elevados Um exemplo significativo do impacto da estrutura de pro priedade e de mercado sobre o investimento é o da farmacêu tica Apesar da grande ampliação da demanda interna após a estabilização e da manutenção dos coeficientes de comércio o Desenvolvimento em crise 347 setor investe apenas moderadamente porque é dominado por um oligopólio estável que reproduz os principais atores do oli gopólio mundial Perante o rápido crescimento da demanda houve duas respostas aumento moderado do investimento e acréscimo de preços Por fim o setor de plásticos no qual houve uma ampliação expressiva dos investimentos é constituído na sua maioria da indústria de embalagens que possui uma oferta bastante ato mizada Essa estrutura de propriedade e mercado desconcen trada induziu o expressivo aumento do investimento diante do crescimento da demanda A química é um setor de grande peso na produção e inves timento mas esse último teve um declínio relativo bastante significativo na década Dado o tamanho do setor a explicação para esse desempenho requer que se especifiquem pelo menos três subsetores o setor de química inorgânica a petroquímica e a química fina O primeiro segmento é produtor de bens in termediários a partir da base de matériaprima e constituise em geral como um setor bastante concentrado Possui no Brasil um coeficiente importado significativo por ausência de uma base de matériasprimas adequada sobretudo em fertilizantes Na petroquímica houve importante mudança na estrutura da propriedade por meio do processo de privatização Como ressalta IEDI 2000 a saída da Petrobras do setor deixou os grupos nacionais expostos a uma intensa concorrência externa o que tem levado a uma desnacionalização e uma segunda ro dada de concentração dessa feita reproduzindo uma estrutura mais semelhante à do oligopólio global Apesar dos problemas relativos à falta de escala e grau de centralização do capital em alguns segmentos os investimentos na petroquímica respon deram pela maior parcela de inversões do setor Vimos nas seções iniciais que na química fina que produz com maiores requerimentos de tecnologia e capital a produção nacional foi praticamente desestruturada por causa da concor Ricardo Carneiro 348 Desenvolvimento em crise 349 rência das importações De acordo com a Abiquim por essa razão os saldos comerciais do setor são crescentemente nega tivos aumentando de US 12 bilhão em 1990 para US 63 bilhões em 1999 Em resumo também na indústria química observase um padrão de investimento bastante desarticulado com concentração em determinados segmentos A perda de importância do investimento da indústria me cânica era previsível em razão da desestruturação do setor de bens de capital resultante da abertura comercial Con forme Bielschowsky 1999 no segmento sob encomenda a produção de equipamento pesado aumentou pouco por causa do baixo dinamismo do investimento em infraestrutura No segmento de produtos para telecomunicações e informática o grande aumento da abertura transformou a indústria nacional em simples montadora No segmento de bens seriados que envolve tecnologia sofisticada e escalas de produção elevadas tradicionalmente a produção doméstica tem pouca expressão No caso dos minerais não metálicos do qual o cimento é o principal ramo produtor houve pouca mudança na estrutura da propriedade sem conduzir portanto a alteração no elevado grau de oligopolização da produção Adicionalmente o merca do interno se expandiu pouco em face do pequeno dinamismo da construção civil Esse crescimento ainda foi minimizado em razão da concorrência das importações que num setor bastante protegido por custos de transporte elevados só se ampliou por causa da valorização da taxa de câmbio A indústria têxtil representa um exemplo extremo da si tuação exposta Poucas modificações na estrutura da proprie dade vista pela ótica da entrada de novos produtores mas mo dificações relevantes se consideradas as saídas A avalanche de importações provocou uma perda de mercados internos e externos determinando o encolhimento do setor na maioria de seus segmentos O setor só esboça alguma recuperação após o estabelecimento de cotas de importação após 1995 Desenvolvimento em crise 349 No segmento produtor de papel e celulose a desvalorização foi extremamente danosa pois implicou uma redução substan cial do saldo comercial e induziu níveis de investimento muito baixos Esse setor no qual os mercados externos apesar de complementares representam uma parcela significativa da de manda apresentou um desempenho medíocre durante a déca da O mesmo vale para segmentos de perfil semelhante na área de bens intermediários É possível concluir que o padrão observado para o investi mento quando tomado de forma agregada ou macrossetorial vale ainda mais para os setores ou subsetores ou seja uma diversidade muito grande de comportamento Esta se deveu aos ritmos bastante diferenciados do crescimento dos merca dos interno e externo mas também à perda de capacidade de retroalimentação dos gastos correntes e de investimento por insuficiência dos efeitos de encadeamento O investimento em infraestrutura O patamar do investimento em infraestrutura que já era baixo no início da década quando comparado às duas décadas anteriores declinou ainda mais ao longo dos anos 90 Dos três setores mais importantes o investimento cai sensivelmente em energia elétrica mantémse em transportes e cresce apenas em telecomunicações Tabela 92 Essas são atividades nas quais a presença do Estado nas últimas décadas foi absolutamente decisiva para ampliar a oferta de serviços Assim o seu desem penho recente só pode ser entendido no contexto da modifica ção do papel do Estado nos diversos segmentos Antes porém de discutir o novo marco institucional e suas relações com o desempenho do setor caberia fazer referência a uma característica básica da infraestrutura Via de regra essa atividade é caracterizada pela elevada imobilização de capital Ricardo Carneiro 350 Desenvolvimento em crise 351 fixo na maioria dos casos com peso decisivo da construção civil e longo prazo de implantação e maturação dos investi mentos Importante sublinhar que em razão dessas caracterís ticas os investimentos para ampliação de capacidade além de exigirem grandes volumes de capital em prazos de construção dilatados estão também sujeitos a erros de estimação relativa mente altos Todavia uma vez implantada a nova capacidade produtiva podese contar com um fluxo de rendimentos bas tante estável Do ponto de vista da construção de nova capacidade e da produção corrente os setores de infraestrutura operam de for ma distinta da indústria de transformação na qual o investi mento inicial pode ser razoavelmente estimado dado o elevado peso das máquinas e equipamentos mas o fluxo de rendimen tos é bastante incerto Dito isso é importante ressaltar que dos setores assinalados anteriormente embora tenha havido modificações tecnológicas em vários deles o único no qual a atividade produtiva aproximouse do paradigma da indústria foi o setor de telecomunicações Tabela 92 Investimento em infraestrutura econômica 19901998 Setores Energia Telecomunicações Transportes Total US bi PIB US bi PIB US bi PIB US bi PIB 1990 88 240 16 044 06 016 110 30 1991 57 152 28 074 09 024 94 25 1992 49 118 28 068 10 024 87 21 1993 45 099 32 071 09 020 86 19 1994 39 066 32 054 12 020 83 14 1995 42 068 40 065 11 018 93 15 1996 40 059 60 088 16 023 116 17 1997 48 056 75 087 15 017 138 16 1998 54 060 37 041 08 009 99 11 Fonte Ipea 2000 Desenvolvimento em crise 351 Nas telecomunicações houve uma revolução tecnológica a partir dos anos 80 e o investimento nacional recuperouse de 1995 em diante tendo atingido em 19961997 patamares semelhantes ao dos anos 70 Ainda sob propriedade e operação da estatal Telebrás somente é possível entender esse desempe nho quando se considera a estratégia de privatização do setor Segundo Almeida 1999 além da implantação de um novo marco institucional para a operação do sistema e sua posterior privatização o governo decidiu elevar os investimentos na sua expansão para evitar uma depreciação no preço de venda dos ativos e o fez elevando a margem de autofinanciamento do sis tema pela recuperação tarifária Se considerarmos o setor nos seus vários segmentos pode mos concluir que haverá suficiente incentivo ao investimen to nos próximos anos As razões residem tanto na formação de uma estrutura oligopólica instável que tenderá a acirrar a concorrência quanto na existência de demanda reprimida O modelo de privatização do setor estabeleceu regras claras para evitar a formação de monopólios em áreas geográficas especí ficas ou especialização em serviços em áreas distintas Assim enquanto não houver reconcentração com estabilização do oli gopólio e também crescimento da demanda haverá disposição ao investimento O impacto da elevação do investimento no setor de teleco municações e particularmente da telefonia sobre a indústria nacional de bens de capital estará condicionado pelo resultado da privatização Esta na verdade confirmou o que já era espe rado ou seja uma predominância das operadoras estrangeiras Como essas últimas já possuem relações privilegiadas com for necedores de equipamento nos países onde têm forte presença é previsível que uma parcela substantiva da demanda por equi pamentos vaze para o exterior Um setor de grande relevância na infraestrutura mas com comportamento simétrico ao de telecomunicações é o de energia Ricardo Carneiro 352 Desenvolvimento em crise 353 elétrica Seus investimentos declinaram significativamente nos anos 90 representando em 1998 como porcentagem do PIB cerca de um quarto do que foram no início da década Tabela 92 Em termos médios os investimentos da década caíram para metade dos valores dos anos 80 e um terço daqueles dos anos 70 A insuficiência dos investimentos do setor evidenciou se em 2001 pela necessidade de estabelecer o racionamento no consumo de energia elétrica medida fora de prática desde o final dos anos 40 Em documento do BNDES ver Pires et al 2001 atribuemse as dificuldades para ampliação da oferta à transição de modelos ou seja à passagem do estatal para o privado e à subestimação das dificuldades dessa mudança Assim reconhecemse explici tamente as insuficiências do novo marco regulatório bem como a ausência de articulação entre os vários órgãos governamentais responsáveis pelo setor de energia Completando o diagnósti co admitese que nos últimos anos os recursos das empre sas estatais ainda amplamente dominantes nos segmentos de geração e transmissão foram prioritariamente destinados para o saneamento financeiro das empresas e portanto para a preparação das privatizações Esse diagnóstico tem um apelo muito grande ainda mais porque não questiona o núcleo da política de liberalização vale dizer as privatizações Ou seja em nenhum momento as aná lises cujo fulcro é a insuficiência do novo marco regulatório questionam a viabilidade de privatizar o setor elétrico brasilei ro marcado por várias especificidades dentre as quais a presen ça dominante da energia gerada por meio de força hidráulica que responde por cerca de 80 da oferta total A predominância das hidroelétricas na produção de energia no Brasil coloca questões particulares para a expansão do setor e torna problemática a sua privatização Caso a opção de ampliação de capacidade se faça com base nessa alternativa estarão criadas sérias dificuldades para participação do capital privado A gera Desenvolvimento em crise 353 ção de hidroeletricidade apesar de mais barata com um custo médio em torno de US 23 o MWh exige investimentos de lon go prazo de amortização e com custos incertos de construção dado o elevado montante de obras físicas e impactos ambientais bem como períodos de implantação longos de cinco anos em média Dadas essas características o risco para o capital privado é excessivo além das dificuldades em obter financiamento para empreendimentos com essas peculiaridades A alternativa para uma maior participação do capital pri vado na geração de energia seria a das termoelétricas Estas além dos menores investimentos e prazos de maturação e im plantação mais reduzidos teriam também a seu favor um risco diminuído por conta da maior previsibilidade do custo do in vestimento Apesar de mais compatíveis com o investimento privado e a privatização do setor as termoelétricas introduzem um elemento de perturbação no conjunto do setor elétrico em razão da elevação a curto prazo dos custos de geração esti mados em US 40 o MWh Em síntese o novo modelo traz implícito o aumento rápido e substantivo do preço da energia com várias implicações Diante das características do sistema elétrico brasileiro cabe examinar quais são os reais problemas da transição entre dois modelos o estatal e o privado sobretudo no que tange aos novos investimentos O já referido estudo do BNDES dá ênfase às dificuldades de implantação das termoelétricas e os atribui à falta de articulação das reformas do setor energéti co Assim não se teria atingido uma definição clara sobre a utilização do gás natural na matriz energética com incertezas relativas a disseminação de seu uso incentivos à exploração preços etc Especificamente no aspecto referente à utilização do gás natural no setor produtor de energia elétrica apontase o descasamento de moedas dólar na compra do gás e real na venda de energia como um obstáculo essencial à deflagração dos investimentos Ricardo Carneiro 354 Desenvolvimento em crise 355 A omissão principal dessa interpretação está em não con siderar que os problemas da transição resultam sobretudo da privatização do setor Já mostramos anteriormente que a esco lha das termoelétricas se deve ao fato de possuírem um ciclo de capital mais compatível ou aceitável para o investimento privado A sua implantação no sistema elétrico brasileiro sig nificará todavia um rápido crescimento dos custos marginais Na lógica de operação de um sistema completamente privado os preços de oferta serão os do produtor marginal no caso os das termoelétricas o que permitirá às hidroelétricas a obtenção de lucros extraordinários com o passar do tempo ou em outros termos a revalorização dos seus ativos A constatação anterior não é trivial e tem um significado muito preciso a possibilidade de ganho patrimonial na com pra das hidroelétricas já existentes torna esse investimento muito mais atrativo aos olhos do capital privado do que a criação de nova capacidade Tudo leva a crer que antes da privatização do conjunto de ativos do setor relativos às hi droelétricas os investimentos privados serão escassos o que mais do que as indefinições de marco regulatório responde pelo pouco interesse do setor privado nos acréscimos de capa cidade do sistema Voltando ao período de transição consideremos a trajetória do investimento um dos aspectos do setor elétrico estudados por Camargo 2001 No seu trabalho Camargo assinala que apesar do aumento da participação do capital privado na gera ção de energia elétrica atingindo cerca de 25 em 2000 por conta das privatizações não houve um incremento de parti cipação proporcional na adição de capacidade do setor Assim os investimentos continuaram sendo realizados de modo qua se exclusivo pelas empresas estatais O capital privado preocu pouse sobretudo com investimentos de caráter patrimonial pela compra de participação acionária em outras empresas do setor elétrico Desenvolvimento em crise 355 A privatização de ativos e a estatização dos novos investi mentos têm sido portanto o aspecto mais nocivo das transfor mações pelas quais passa o setor elétrico Dificilmente o setor privado embarcará decisivamente em novos investimentos an tes de explorar todas as possibilidades de ganhos patrimoniais Ao setor estatal fica a responsabilidade de assegurar os novos investimentos de forma direta e indireta No que diz respeito ao setor de transportes a taxa de inves timento embora tenha se recuperado ligeiramente ainda está num patamar muito baixo quando comparada aos anos 70 e mesmo aos anos 80 Mesmo essa recuperação que ocorre em 1997 diante dos demais anos da década de 1990 deve ser to mada com cautela em razão de seu caráter isolado5 Atualmen te como nas demais áreas de infraestrutura o setor transita do modelo estatal para o privado resultando daí importantes implicações No modelo prévio predominava a propriedade estatal dos ativos e o investimento tinha nos aportes fiscais uma fonte de grande relevância Até o final dos anos 80 podiase contar com o aporte significativo de recursos advindos de impostos vincu lados proibidos pela Constituição de 1988 A partir das refor mas liberalizantes parcela do setor passou a ser operada pelo setor privado sob o regime de concessão embora esse padrão ainda seja minoritário O segmento de transportes é composto basicamente dos subsetores rodoviário ferroviário e portuário Via de regra as adi ções de capacidade envolvem um elevado volume ou conteúdo de construção civil embutindo portanto um alto grau de im previsibilidade nos custos de investimento Por sua vez o prin 5 De acordo com Soares 1999 o recente aumento do investimento no setor rodoviário deve ser quase integralmente creditado à ampliação do investimento estatal na duplicação de duas grandes rodovias SPBH e SPOsório Ricardo Carneiro 356 Desenvolvimento em crise AT cipal aspecto da operação do setor é a densidade de tráfego volume de carga veículos etc que é bastante variável segun do a localização geoeconômica Esses dois parâmetros são de grande relevância para examinar a trajetória recente do setor e suas perspectivas Em razão da concentração econômica que implica também densidade de tráfego localizada podese inferir que apenas uma parcela pequena do setor é privatizável e assim mesmo na sua operação Dificilmente o investimento será aumentado sem uma ampliação dos gastos estatais o que se torna pouco provável no âmbito do atual modelo de crescimento por conta do regime fiscal prevalecente A análise detalhada do setor de infraestrutura permitiu concluir também por uma grande diversidade de seu desempe nho O trânsito de uma atividade dominada pelo Estado para o controle do setor privado tem determinado uma variedade muito grande de situações em razão da natureza da atividade da estrutura da propriedade e da concorrência o que tem sig nificado uma dispersão das performances que acentua o caráter assincrônico do investimento nos vários segmentos da econo mia Dadas a magnitude do setor e a importância que chegou a alcançar na participação do investimento concluise que a pri vatização qualquer que tenha sido seu efeito microeconômico implicou uma perda de capacidade de coordenação por parte do Estado e de indução do investimento privado 357 10 A estabilidade inflacionária o Plano Real O programa de estabilização posto em prática a partir de 1994 faz parte da família de planos que utilizaram a âncora cambial como mecanismo para lograr mais rapidamente a esta bilidade de preços ou seja utilizase a fixação do valor externo da moeda como meio para alcançar a estabilidade do valor in terno da moeda O primeiro é definido pela relação de equiva lência ou taxa de câmbio da moeda local com a moeda externa mais relevante no caso o dólar O segundo pela constância do poder de compra nominal da moeda doméstica ante uma canastra de bens A utilização de uma moeda externa de referência não re pousa na livre escolha A moeda a ser utilizada é de maneira compulsória aquela que constitui a substituta imediata da moeda doméstica mormente na função de reserva de valor Nos casos brasileiro e latinoamericano o dólar cumpre essa função e Ricardo Carneiro 358 Desenvolvimento em crise 359 portanto constituiu a âncora cambial dos programas de estabi lização Subjacente à construção da âncora cambial está a ideia de que parte dos preços e dos ativos locais tem cotação real ou virtual nessa moeda de referência O valor interno da moeda definese pelo seu poder de com pra ante uma determinada cesta de bens Em tese a estabi lidade supõe um valor monetário nominal invariável de uma canastra de bens representativos A definição do conjunto de bens que expressa o valor estável da moeda não é uma questão trivial Uma escolha possível é a de um conjunto no qual a pre sença de bens comercializáveis seja preponderante Nesse caso haveria uma equivalência entre o valor externo da moeda e seu valor interno Dados os preços desses bens em moeda externa uma variação do valor externo da moeda se traduziria numa variação equivalente do valor interno da moeda Outra opção seria a de definir um conjunto mais amplo composto de bens comercializáveis e não comercializáveis Nes se caso a correspondência entre a variação do valor externo e interno da moeda seria apenas parcial isto é dados os preços externos a mudança do valor externo da moeda afetaria ape nas a parte do valor interno da moeda correspondente ao valor dos bens comercializáveis que teriam seus valores nominais alterados O que foi dito anteriormente sugere que a âncora cambial é um mecanismo de estabilização de apenas uma parte dos pre ços A fixação do valor externo da moeda supondo que este continuará constante e a ausência de choques de preços na economia internacional têm em princípio a prerrogativa de estabilizar o subconjunto de preços dos bens comercializáveis Na prática se a taxa de câmbio é utilizada como indexador ou seja como referência para ajuste de outros preços domésti cos o seu efeito será mais amplo abarcando também parte dos bens não comercializáveis Desenvolvimento em crise 359 A âncora é um mecanismo que pode em princípio estabi lizar um subconjunto dos preços de uma economia qualquer os comercializáveis A primeira questão que surge é de que depende a evolução dos demais preços Se a economia está in dexada pela taxa de câmbio a âncora terá também efeito sobre o restante dos preços A rigor utilizase o câmbio como indexa dor exatamente porque a moeda externa constitui a referência central da economia Como o seu valor varia todos os demais preços também variam ou seja a taxa de câmbio ou o valor externo da moeda tornase uma referência para o valor interno da moeda na medida em que mesmo os bens não comerciali záveis têm sua variação determinada pela evolução do câmbio nominal As razões pelas quais a taxa de câmbio se torna o indexa dor principal da economia estão relacionadas à importância da moeda externa como reserva de valor Como todos os agentes pretendem defender o valor da sua renda corrente e da riqueza utilizam a taxa de câmbio que exprime os termos de conversão de uma moeda em outra para atualizar seus preços e o valor de sua riqueza Vimos no Capítulo 6 que no caso do Brasil dada a complexidade da economia e das relações financeiras a refe rência à taxa de câmbio foi mediada pela taxa de juros de curto prazo Considerada a questão desse ponto de vista a inflação ou seja a variação do valor interno da moeda seria explicada em última instância pelos fatores responsáveis pela instabilida de da taxa de câmbio A teoria ortodoxa nega a interpretação exposta Apesar de aceitar a existência da indexação pelo câmbio vê a flutuação do valor real deste último como resultado da variação dos preços internos ou seja o sentido da determinação é oposto ao expli citado na visão heterodoxa São os desequilíbrios de financia mento do setor público que geram a perda de valor interno da moeda e exigem o reajuste de seu valor externo Desse ponto de vista a âncora cambial é apenas um artifício para deter o Ricardo Carneiro 360 Desenvolvimento em crise 361 processo inflacionário Seu impacto imediato no reajuste de preços seja direto via bens comercializáveis ou indireto como indexador seria inegável mas insuficiente A estabili zação definitiva somente seria alcançada se o processo de dete rioração do valor interno da moeda fosse detido Vejamos essas questões mais detalhadamente O valor externo da moeda e a sua medida a taxa de câmbio dependem essencialmente das condições de financiamento do balanço de pagamentos Em tese a taxa de câmbio adequada é aquela que permite o equilíbrio do balanço de pagamentos Na prática pode haver uma taxa de câmbio que não produza o equilíbrio mas um superávit ou mesmo um déficit desde que financiável Isto na verdade sugere que a relação de equivalên cia em termos reais da moeda doméstica com a moeda externa guarda uma independência muito grande dos processos de de terminação do valor interno da moeda Por exemplo períodos de abundância de financiamento externo podem promover a fixação da taxa de câmbio e a consequente estabilização do va lor externo da moeda com relativa independência da inflação doméstica As relações do valor interno da moeda com o financiamen to do setor público são vistas por diferentes paradigmas As teorias ortodoxas postulam sempre uma relação entre déficits e taxas de inflação Nas versões contemporâneas fundadas nas expectativas racionais como em Bacha 1994 é irrelevante a forma de financiamento do déficit público por moedas ou tí tulos Se o déficit é considerado excessivo o setor privado rea justa seus preços para evitar que parcela da sua renda seja apro priada pelo setor público em razão de seu poder de emissão Como os títulos de hoje serão a moeda de amanhã o raciocínio se aplica também à emissão de dívida Podese admitir uma relação de dependência entre déficit ou dívida públicos e valor interno da moeda sem ter que re correr ao paradigma monetarista Desde logo déficits públi Desenvolvimento em crise 361 cos em situação de pleno emprego produzem inflação A rela ção entre dívida pública e inflação é mais mediata Ela diz res peito à solvência do Estado soberano que tem a prerrogativa de emissão monetária Dívidas muito elevadas ou crescendo muito rápido ou ainda com perfil ou fonte de financiamento inadequados podem desencadear crises de confiança de maior ou menor intensidade Uma crise de confiança moderada implica o pagamento de um maior prêmio para colocação de títulos públicos A eleva ção das taxas de juros básicas da economia promove mudanças na estrutura de preços relativos alterando o valor interno da moeda À medida que a confiança se deteriora surge um pro cesso de substituição monetária o que leva também à modifi cação do valor externo da moeda Nesse estágio tornase difícil determinar qual a fonte da instabilidade do valor da moeda Em resumo a distinção essencial entre as teorias ortodo xas e heterodoxas diz respeito à hierarquia entre os fatores de terminantes da inflação Para a primeira embora se reconheça o papel direto e indireto da taxa de câmbio na realimentação da inflação as razões essenciais estão associadas a déficits e dívidas públicos excessivos Na interpretação heterodoxa o sentido da determinação é inverso a inflação originase das variações da taxa de câmbio e seus impactos diretos e indire tos nos preços bem como de seus efeitos na deterioração das contas públicas Como foi mostrado na Parte II deste livro a inflação brasileira na década de 1980 ilustra com precisão a segunda hipótese Antecedentes e prérequisitos do Plano Real Uma condição essencial para a implementação de progra mas de estabilização com âncora cambial é a possibilidade de estabelecer o valor externo da moeda sem que este seja amea Ricardo Carneiro 362 Desenvolvimento em crise 363 çado por choques de preços ou percalços no financiamento do balanço de pagamentos Considerada essa última característi ca esclarecese o porquê de esses programas não terem sido adotados nos anos 80 período durante o qual o valor externo da moeda esteve sob permanente questionamento em razão da crise da dívida De igual maneira a ausência de crises de confiança de maior intensidade sobre a dívida pública parece ser também um requisito para deflagrar esse tipo de programa de estabiliza ção sobretudo pelas suas significativas implicações fiscais Uma situação de baixo estoque de dívida pequeno déficit corrente ou a combinação de ambos constitui uma garantia de não desencadeamento dos desequilíbrios nas finanças públicas A estabilidade fundada na âncora cambial tem portanto como prérequisito condições adequadas de financiamento do balanço de pagamentos e do setor público Com esses requi sitos assegurados a estabilização compreende sobretudo a definição de um mecanismo de desindexação Cabe portanto examinar a seguir essas três dimensões da estabilidade vale dizer as condições que permitiram fixar e sustentar o valor externo da moeda a natureza e alcance do equilíbrio fiscal e finalmente a instituição da Unidade Real de Valor URV como mecanismo de passagem para a nova moeda Vimos nos capítulos anteriores as mudanças operadas na inserção externa brasileira Do ponto de vista financeiro a abertura significou a volta de financiamento externo abundante até 1997 permitindo superar a permanente escassez de divisas típica da década anterior e que se expressava no baixo valor das reservas internacionais e na instabilidade da taxa de câmbio A abertura permitiu portanto ampliar consideravelmente o montante das reservas internacionais assegurando a manuten ção do valor externo da moeda Gráfico 19 O pressuposto da âncora cambial era portanto a constitui ção de reservas internacionais altas que permitissem desenco Desenvolvimento em crise 363 rajar tentativas de especulação contra a paridade estabelecida A manutenção dessas reservas significava todavia manter ele vada a atratividade da nova moeda para estimular os influxos de capitais Vimos no Capítulo 8 que nos primeiros anos da abertura os fluxos mais voláteis portafólio e empréstimos de curto prazo constituíram as principais formas de absorção de recursos financeiros Assim os fluxos líquidos elevados exi giam altas taxas de juros na moeda doméstica GRÁFICO 19 Reservas internacionais Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos A outra condição importante para realizar o programa de estabilização era o relativo equilíbrio fiscal Do ponto de vista patrimonial a situação era excelente A dívida líquida do setor público atingiu em 1994 o valor mais baixo da década me nos de 30 do PIB Gráfico 25 O patamar reduzido da dívida interna deveuse ao confisco de ativos financeiros oriundo do Plano Collor em 1990 que a diminuiu em 1991 para cerca de 15 do PIB Já a dívida externa pública reduziuse por duas ra zões a bruta por causa do deságio permitido pela renegociação no âmbito do Plano Brady a líquida por conta do acúmulo de reservas internacionais Em princípio nada fazia crer que a dí vida pública e seu crescimento prospectivo pudessem ameaçar a confiança na nova moeda Ricardo Carneiro 364 Desenvolvimento em crise 365 O equilíbrio corrente do setor público era algo mais com plicado apesar da obtenção sistemática de elevados superávits primários nas contas públicas consolidadas Gráfico 23 A or todoxia apontava a existência de um desequilíbrio corrente nas contas públicas fosse ele potencial e de médio prazo Giam biagi 1997 ou efetivo e de curto prazo Bacha 1994 O pri meiro dizia respeito à inconsistência entre o crescimento das despesas e receitas O segundo ao mecanismo da repressão fiscal que advinha do regime de alta inflação e que seria perdido com a estabilidade desequilibrando as contas públicas O equilíbrio intertemporal das contas públicas é como postulamos anteriormente um dos sustentáculos da confiança na moeda nacional A definição dessa consistência do ponto de vista corrente e patrimonial é bastante complexa e problemáti ca Antes de tudo ela supõe uma postura acerca do tamanho e papel do Estado na economia expresso por exemplo no mon tante da carga tributária e na sua distribuição Não prescinde tampouco de uma definição dos gastos prioritários ou melhor de uma hierarquia desses gastos Em contrapartida pela ótica patrimonial não é possível definir abstratamente níveis de déficit e dívida ideais porque as condições de financiamento e rolagem podem modificarse substancialmente ao longo do tempo Concretamente o que se pode estabelecer é que a prevalência da ordem liberal torna mais estreitos os limites para o déficit e eleva os custos de ro lagem da dívida Em última instância define um padrão mais restrito para o equilíbrio fiscal Em razão das considerações anteriores optamos por um exame mais pragmático e conjuntural do equilíbrio fiscal por que conforme foi assinalado a tese do desequilíbrio fiscal in tertemporal está imbuída de uma concepção particular sobre tamanho e papel do Estado na economia Ou seja já define previamente os limites da intervenção estatal na economia bem como a agenda de reformas necessária à consecução des Desenvolvimento em crise 365 ses limites o que não significa todavia que alguns dos proble mas apontados deixem de ser pertinentes Eles apenas serão tratados no contexto do processo de estabilização e não com referência a um paradigma abstrato de intervenção estatal Do ponto de vista do programa de estabilização o desequi líbrio originado dela própria pela perda dos ganhos oriundos da repressão fiscal se colocava como o problema mais importante e imediato O mecanismo da repressão fiscal resultava da práti ca da execução orçamentária em um regime de alta inflação A fixação das despesas em termos nominais permitia que fossem sendo desvalorizadas ao longo do ano Em contrapartida as re ceitas se mantinham por estarem pelo menos parcialmente in dexadas A inflação era desse ponto de vista um instrumento de equilíbrio das contas públicas ao preservar receitas e desva lorizar despesas A estabilidade da moeda traria uma perda líquida e certa para as finanças públicas que consistia na redução dos ganhos advindos da depreciação das despesas Como medida preven tiva para enfrentar o esperado aumento dos gastos o governo criou o Fundo Social de Emergência FSE posteriormente de nominado de Fundo de Estabilidade Fiscal FEF O objetivo central do FSE era o de criar um instrumento capaz de este rilizar os acréscimos de despesas oriundos da estabilização evitando o surgimento de déficits O seu volume total era de 20 da receita dos quais três quartos correspondiam à receita já existente originária das transferências automáticas receitas vinculadas e um quarto às novas receitas oriundas de aumen to de carga tributária Dessa forma o FSE era essencialmente um mecanismo de desvinculação de receita e ampliação da ca pacidade da União para cortar gastos Dadas as condições iniciais de equilíbrio fiscal e do balanço de pagamentos iniciouse o programa de estabilização A pri meira etapa consistiu no estabelecimento de uma regra de pas sagem ou de um mecanismo de coordenação para a fixação de Ricardo Carneiro 366 Desenvolvimento em crise 367 preços na nova moeda A experiência com os planos heterodo xos havia demonstrado a inconveniência da passagem abrupta via congelamento de preços A dispersão dos reajustes de pre ços típica do regime de alta inflação implicava preços afastados do seu valor médio real no momento do congelamento levando à necessidade de correções subsequentes para minimizar o de sequilíbrio Para evitar esses problemas foi instituída a URV mecanis mo de coordenação de reajuste de preços que a rigor estimulava a completa indexação da economia A URV se propunha a ser uma unidade de valor constante quando medida na moeda velha ou seja constituía um superindexador cujo valor era alterado dia riamente em razão da desvalorização ou variação de preços na moeda corrente O preço de uma mercadoria qualquer uma vez fixado em URV teria o seu valor mantido constante na moeda corrente pois o valor da primeira era corrigido pela variação dos preços nessa última Junto com a instituição da URV o governo converteu dois preços básicos nessa nova unidade O primeiro deles foi o câm bio cuja desvalorização diária passou a ser idêntica à da URV estabelecendo na prática a equivalência entre dólar e URV Para o conjunto dos preços dos bens comercializáveis os preços estavam fixados concomitantemente em dólar e em URV O governo também transformou em URV os salários utilizando para tanto a média do poder de compra dos quatro meses ante cedentes Com isso deu a todos os produtores de bens não co mercializáveis uma referência essencial para o cálculo de preço na nova unidade de conta Adicionalmente o governo estabeleceu que a variação da Unidade Fiscal de Referência UFIR acompanharia a da URV na prática convertendo a sua receita à nova unidade de conta Ao longo da vigência da URV os preços e tarifas públicos tam bém foram rapidamente convertidos Esse conjunto de referên cias na nova unidade de conta câmbio salários tributos e Desenvolvimento em crise 367 insumos básicos deu ao setor privado os parâmetros necessá rios para o estabelecimento de preços na nova moeda Durante a vigência da URV de março a junho de 1994 o governo eximiuse de definir as regras para a conversão de contratos privados ou seja todos os contratos a maioria deles com regras de indexação implícitas e explícitas foram convertidos à nova unidade de conta por meio de livre nego ciação A rigor portanto a passagem para a URV e posterior mente para a nova moeda não interferiu em eventuais proces sos de mudança de preços relativos porventura em curso na economia Impactos do Plano Real inflação preços relativos câmbio e juros Colocados os pressupostos mais gerais da estabilização bem como seus principais instrumentos caberia analisar os re sultados do ponto de vista da inflação e preços relativos bem como das principais variáveis macroeconômicas isto é câmbio e juros e salários Após a fase inicial de alinhamento de preços relativos to dos os preços foram expressos obrigatoriamente em reais a partir de julho de 1994 Ficou então caracterizada a queda permanente da inflação na nova moeda mas que já se evidenciara na unidade de conta URV Apesar disso a taxa de inflação ainda continuou expressiva durante os dois anos seguintes caindo para um dígi to anual apenas no início de 1997 Gráfico 20 A morosidade na queda da taxa de inflação deveuse so bretudo ao lento declínio dos preços dos bens não comercia lizáveis pois os comercializáveis caíram muito mais rápido o que fica evidente no Gráfico 20 pela comparação entre o IPCA e o IPADI Dado o mecanismo de alinhamento de preços esta belecido pela URV é pouco provável que essa inflação residual Ricardo Carneiro 368 Desenvolvimento em crise 369 tenha sido produzida por descoordenação Ela foi produto da ancoragem cambial e da abertura que internalizou um vetor de preços externos para os bens comercializáveis em simultâneo com o crescimento do nível de atividades que permitiu um au mento dos preços dos bens não comercializáveis Portanto a mudança de preços relativos que já vinha ocorrendo desde o início da década por conta da abertura acelerouse na fase da URV em razão do aquecimento do nível de atividades GRÁFICO 20 Variação de preços em 12 meses Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos A fixação da taxa de câmbio nominal permitiu assim que a moeda nacional recuperasse a sua função de padrão de preços Para o subconjunto dos preços de bens comercializá veis a estabilização dos preços é imediata Eles são cotados internacionalmente e seus valores na moeda doméstica são estabelecidos multiplicandoos pela taxa de câmbio Como a taxa é fixa os preços tornamse estáveis excetuandose momentos de eventuais choques quando mudam as cotações no mercado internacional O subconjunto dos bens não co Desenvolvimento em crise 369 mercializáveis possui outra trajetória De um lado cessam os mecanismos de indexação o que detém o crescimento absoluto dos preços Todavia como as condições de sua de terminação são preponderantemente internas pode haver alteração desses preços como decorrência da evolução da trajetória da economia A rapidez com a qual a estabilidade ocorre depende portanto da mudança de preços relativos que acompanha os programas de estabilização Essa mudança por sua vez depende essen cialmente da participação dos bens comercializáveis visàvis os não comercializáveis na oferta doméstica Considerada a questão desse ponto de vista percebese que a abertura comer cial constituiu outro importante instrumento de estabilização dos preços internos De um lado aumentou a participação dos bens comercializáveis no conjunto de preços domésticos de outro criou um limite ao reajuste interno de preços em razão da concorrência potencial das importações Tabela 93 Relação câmbiosalários 19902000 1992 100 US Efetiva 1990 855 842 1991 1035 1002 1992 1000 1000 1993 901 869 1994 704 687 1995 511 528 1996 466 462 1997 466 429 1998 463 417 1999 732 655 2000 701 583 Fonte Bacen e FIESP apud Indicadores DIESP Vários anos Como se pode observar a relação é fortemente declinante entre 1991 e 1995 estável no triênio 19961998 e cresce em 1999 e 2000 por força da desvalorização cambial A mudança Ricardo Carneiro 370 Desenvolvimento em crise 371 na relação câmbiosalários resulta da fixação do primeiro num contexto de inflação residual e do aumento do salário nominal acima da inflação e dá apenas uma pálida ideia das mudanças de preços relativos ocorridas durante a década de 1990 e so bretudo após o programa de estabilização As transformações da economia brasileira na década de 1990 e mais precisamente a abertura comercial e as privati zações foram as duas principais razões para as mudanças de preços relativos observadas na nossa economia Fatores cir cunstanciais ou cíclicos como a apreciação cambial ou o breve e intenso ciclo de crescimento após o Real foram desse ponto de vista relevantes mas secundários A consideração dos preços relativos nos anos após o Real sugere a existência de duas grandes modificações o declínio dos preços de bens industrializados e o aumento dos preços dos serviços públicos e privados Eliminandose o componente cíclico dessas mudanças pelo exame do ocorrido após a desa celeração do crescimento e desvalorização do câmbio eviden ciase a permanência das duas primeiras tendências ou seja o barateamento dos produtos industrializados em razão da aber tura vale dizer do aumento de importações ou compressão das margens de lucro e o encarecimento dos serviços públicos pri vatizados constituem a grande mudança estrutural Um dos conjuntos de preços com maior declínio relativo foi aquele referente a alimentação Essa diminuição ocorre tanto na fase de expansão da economia e apreciação cambial quanto na de depreciação do câmbio e estagnação do PIB sugerindo tratarse de um processo de profundidade O mesmo padrão é observado para os itens componentes de artigos de residência móveis e utensílios e eletroeletrônicos vestuário cuidados pessoais relativo a produtos de higiene pessoal e recreação É indiscutível que esses produtos originados na sua quase tota lidade do setor privado empresarial e industrial foram objeto de mudanças significativas durante a década tenham estas sido originadas da concorrência das importações da modernização tecnológica ou organizacional Desenvolvimento em crise 371 Tabela 94 Evolução de preços em períodos selecionados Grupos e Subgrupos Jul94 a Mar01 Jul94 a Dez98 Jan99 a Mar01 Geral 992 701 163 Alimentação Total 600 408 126 No Domicílio 544 332 147 Fora do Domicílio 764 648 64 Habitação Total 2292 1935 121 Aluguel 3779 4019 44 Energia Elétrica 1585 864 387 Artigos de Limpeza 708 405 210 Artigos de Residência Total 526 333 142 Móveis e Utensílios 705 459 171 Eletroeletrônicos 356 166 153 Vestuário Total 339 247 76 Roupas 289 241 44 Calçados 306 210 80 Transportes Total 1425 769 357 Público 1787 1198 244 Próprio 820 501 207 Saúde e Cuidados Pessoais Total 1084 840 127 Remédios 1224 832 206 Serviços 1354 1186 73 Cuidados Pessoais 566 331 171 Despesas Pessoais Total 1015 845 75 Serviços Pessoais 1606 1400 84 Recreação Fumo e Filmes 614 476 80 Educação Total 1197 924 100 Cursos 1611 1321 50 Comunicação Total 3430 2575 232 Telefone 3443 2575 236 Fonte IBGE No outro polo entre os preços com aumento superior à mé dia indicando seu encarecimento e de forma permanente inde pendentemente dos fatores circunstanciais estão aqueles refe Ricardo Carneiro 372 Desenvolvimento em crise 373 rentes aos assim chamados serviços públicos com destaque para energia elétrica transporte público e comunicações em especial telefone Todos esses serviços têm em comum o fato de serem fornecidos por empresas privadas em substituição às antigas empresas estatais A mudança de propriedade determinou num primeiro momento a substancial elevação de preços e tarifas em termos reais e posteriormente a indexação pelo Índice Geral de Preços IGP como tentativa de manter seus valores em dólares No grupo relativo aos serviços privados tais como saúde e educação apesar do intenso crescimento durante a fase expan siva da economia observase um declínio relativo após a desa celeração e depreciação cambial Aqui cabe observar que para esses serviços tanto quanto para os aluguéis embora o ciclo econômico tenha impacto na trajetória dos seus preços ocorre apenas uma pequena compensação nos aumentos ocorridos na fase anterior sem alterar a tendência de encarecimento destes Um dos impactos mais significativos do programa de es tabilização foi a apreciação do câmbio visível na evolução da relação câmbiosalários e na da taxa de câmbio Essa valoriza ção cambial já vinha da fase da URV A aceleração da inflação decorrente da introdução dessa última implicava uma defasa gem entre os índices de preços usados para corrigir a URV e a inflação real Dito de outra maneira o poder de compra de uma URV medido por uma canastra ampla de bens se reduziu Como o câmbio estava colado na URV podese deduzir que o seu poder de compra também diminuiu ou seja houve uma desvalorização do dólar no período No mês imediatamente posterior ao plano houve uma apre ciação adicional da nova moeda por conta da queda nominal da cotação do dólar A continuidade da entrada de recursos exter nos e a saída momentânea do Banco Central BC do mercado produziram um excesso de oferta de divisas e a queda de sua cotação O objetivo implícito dos gestores da política econômica era obter uma queda mais rápida da taxa de inflação e produzir Desenvolvimento em crise 373 um fato político que pudesse ser usado pelo exministro da Fa zenda na sua campanha à Presidência da República A rigidez nominal da taxa de câmbio uma vez alcançado o piso significava que a taxa real se apreciaria em razão do ritmo de crescimento dos preços domésticos Esse regime cambial prevaleceu até março de 1996 quando pressionado pela crise do México o BC definiu um novo regime de bandas de flutua ção mas que consistia na prática na indexação do câmbio à in flação corrente após uma minidesvalorização de 5 De acordo com cálculos do Diesp desde o início do plano até a mudança houve uma apreciação do real da ordem de 20 perante o dólar e de 16 diante da cesta de moedas A determinação da magnitude da apreciação do câmbio constitui um assunto controverso Pelo menos dois aspectos estão envolvidos a base de comparação e os índices de preços utilizados para estimar a defasagem cambial1 Quanto à base de comparação qualquer que seja o período utilizado ele impli cará distorções2 Dessa maneira a base escolhida estará sempre associada a um atributo que se quer enfatizar No caso brasi 1 Para Franco 1998 não haveria sentido em comparar a taxa cambial pósestabilização com a taxa préestabilização O argumento é o de que a queda abrupta da inflação definiria outra taxa de câmbio consistente com a nova realidade No passado taxas de inflação elevadas teriam exigido taxas de câmbio desvalorizadas para evitar fuga de capital ou seja como a alta inflação aumentava a probabilidade de apreciação da taxa de câmbio era necessário manter essa taxa desvalorizada para inibir a fuga de capitais Quando a estabilização mudou o patamar inflacionário e o risco de fuga de capitais desapareceu a taxa pôde se apreciar visàvis a situação anterior sem criar maiores problemas no balanço de pagamentos Os crescentes ju ros nominais pagos aos investidores externos para compensar a apreciação do câmbio demonstram que os agentes percebiam a valorização 2 A questão da paridade original ou do ponto de partida é uma questão que só tem solução do ponto de vista teórico Dessa forma seria viável esta belecer uma taxa de câmbio real pela comparação de duas cestas de bens idênticas produzidas em dois países distintos Teoria da paridade do poder de compra Ricardo Carneiro 374 Desenvolvimento em crise 375 leiro por exemplo se a ideia é associar taxa de câmbio com elevados saldos comerciais durante os anos 90 o ano a escolher é 1992 De acordo com Pastore Pinotti 1995 na escolha dos índices para medir as variações cambiais a opção deve ser por aqueles que melhor expressem a mudança dos preços relativos ou seja as mudanças de preços externos visàvis os preços in ternos A preservação das paridades originais supõe que a taxa de câmbio seja corrigida pela diferença da variação de preços entre os dois conjuntos Se os preços internacionais crescem mais rápido do que os internos a taxa de câmbio tem que ser valorizada e viceversa Caso isso não ocorra os preços inter nacionais crescem ou decrescem perante os preços internos tornando os bens internacionais mais caros ou mais baratos em moeda doméstica A questão resumese a qual índice de preços escolher para medir as variações A escolha de um índice de preços por ataca do que inclua por exemplo apenas bens comercializáveis não terá a capacidade de exprimir a variação de preços relativos en tre dois países ou entre vários países isto é os bens represen tados nos dois índices constituem apenas um subconjunto dos bens produzidos em cada país Por conseguinte a variação dos preços internacionais refletese proporcionalmente nos preços internos deixando inalterada a relação entre os preços no caso a taxa de câmbio O caso oposto constituise da escolha de índices de preços ao consumidor nos quais supostamente haja uma presença ex clusiva dos bens não comercializáveis Uma variação dos pre ços internos torna imediatamente os bens domésticos mais caros diante dos bens internacionais e viceversa ou seja modifica ções nos preços traduzemse em mudanças proporcionais no poder de compra das respectivas moedas As mudanças da taxa de câmbio visam a restabelecer a estrutura de preços relativos original corrigindo a variação de preços interna ou externa Desenvolvimento em crise 375 A comparação entre a evolução de um índice do primeiro tipo o IPAPI que inclui um grande número de produtos co mercializáveis com um do segundo tipo o INPC no qual o peso de bens e serviços não comercializáveis é preponderante mos tra como esperado uma maior valorização cambial quando medida pelo INPC De maneira simétrica quando da flutuação do câmbio em 1999 a desvalorização mais substancial foi a computada utilizandose o IPAPI como referência Tabela 95 Tabela 95 Índices das taxas de câmbio 19902000 1992 100 Indústria IPAPI Consumidor INPC RUS Efetiva RUS Efetiva 1990 810 789 796 784 1991 1028 996 919 890 1992 1000 1000 1000 1000 1993 927 886 983 947 1994 843 817 850 830 1995 793 807 677 699 1996 828 808 660 653 1997 853 784 684 629 1998 897 809 720 650 1999 1230 1091 1098 982 2000 1104 926 1077 896 Fonte Bacen FGV IBGE apud Indicadores DIESP Vários anos Do ponto de vista dos salários a estabilidade implicou uma série de mudanças No período de transição durante a vigên cia da URV é difícil determinar o que de fato ocorreu com os salários A conversão salarial pela média real dos quatro meses antecedentes pode ter consolidado perdas que advieram da aceleração da inflação Os salários uma vez convertidos em URV passaram a ser ajustados na moeda velha a cada período Ricardo Carneiro 376 Desenvolvimento em crise 377 de recebimento o que eliminou a perda de poder aquisitivo que ocorria entre os reajustes ao reduzir esse período para 30 dias No entanto a aceleração da inflação na vigência da URV produziu um aumento de preços não captado pelos índices O reconhecimento da diversidade de situações e da dificuldade de estabelecer uma regra neutra do ponto de vista distributivo fez o governo admitir a negociação da reposição de perdas na primeira database após a implantação do plano A estabilidade de preços e o aquecimento da economia foram sem dúvida os agentes principais da mudança da taxa de salários na economia O rendimento real deflacionado pelo INPC ou seja o seu poder aquisitivo medido diante de uma cesta ampla de bens aumentou 32 entre 1993 e 1998 Ta bela 96 Notese que esse crescimento é anterior ao plano de estabilização e guarda uma aderência elevada como o ciclo de crescimento o que fica mais evidente quando se observam os dados de São Paulo região de maior densidade industrial na qual os salários e rendimentos começam a aumentar em 1993 e já declinam em 1998 por conta da maior reversão da produção Tabela 96 Variação do rendimento médio real 19911999 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Brasil 180 96 88 43 60 81 15 05 55 S Paulo Ocupados 72 87 115 78 129 27 16 46 62 S Paulo Assalariados 68 34 109 43 43 43 36 28 46 Fonte IBGE SEADE apud Indicadores DIESP Vários números Durante os primeiros meses da estabilização a manuten ção de altas taxas de juros nominais internas serviu a um du plo propósito De um lado garantiu em razão das incertezas sobre a trajetória da taxa de inflação a manutenção das taxas Desenvolvimento em crise 377 reais internas num patamar elevado evitando o crescimento excessivo da demanda agregada e a fuga para ativos reais De outro proporcionou conjuntamente com a apreciação cambial em curso um cupom cambial bem maior do que a taxa interna garantindo assim o influxo de capitais Gráfico 21 A susten tação de taxas de juros muito altas durante um período muito longo sobretudo após o declínio da inflação está relacionada à apreciação do câmbio Para analisar a questão dos juros é necessário lidar com três taxas distintas para aplicações domésticas a taxa medi da em dólar cupom cambial e a taxa medida em real taxa interna para as aplicações externas a taxa diretamente em dólar No caso das aplicações internas a primeira define a remuneração do investidor externo e a segunda a do investi dor interno O cupom cambial c resulta da taxa nominal de juros r depois de descontada a desvalorização cambial v Logo c rv donde se conclui que a remuneração do inves tidor estrangeiro é diretamente proporcional à taxa nominal de juros e inversamente proporcional ao ritmo de desvalori zação cambial Já a taxa real de juros interna i resulta da taxa nominal r depois de descontada a inflação doméstica p Logo i rp Por fim a taxa externa é formada pela taxa americana o riscoBrasil Assim o que diferencia a remuneração do investidor ex terno da do investidor doméstico é a relação entre a taxa de inflação e a desvalorização do câmbio Há de fato uma inter dependência entre as duas taxas mas numa economia aberta que depende de fluxos de capitais externos a necessidade de assegurar um determinado valor para o cupom cambial cons titui a restrição a ser observada em última instância na fixação da taxa interna de juros Essa remuneração dos capitais exter nos em moeda doméstica o cupom cambial tem como piso a taxa externa Ricardo Carneiro 378 Desenvolvimento em crise 379 GRÁFICO 21 Taxas de juros anualizadas Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos O Gráfico 21 mostra vários períodos distintos no comporta mento das taxas de juros Nos anos anteriores ao programa de estabilização as três taxas são convergentes e as taxas internas caem em direção ao valor da taxa externa Entre o entorno da estabilização e meados de 1995 há expressiva divergência pois o diferencial da taxa de juros interna é utilizado para assegurar o afluxo de capitais e o acúmulo de reservas Entre meados de 1995 e a primeira metade de 1997 as condições internacionais extremamente favoráveis permitem novamente a convergência das taxas Após a eclosão da crise asiática a explicitação do de sequilíbrio em conta corrente associado à apreciação do câmbio implica uma nova divergência em razão do aumento das taxas internas Após a instituição do câmbio flutuante e mais que isso depois da sua estabilização no primeiro semestre obser vase um novo período de convergência Em resumo os dados mostram que houve razões de na tureza interna para a manutenção de taxas de juros elevadas acima do patamar definido pelos mercados globais Esses mo tivos prenderamse num primeiro momento à constituição de reservas internacionais expressivas e num segundo à susten tação de uma taxa de câmbio apreciada num contexto restritivo de financiamento externo Desenvolvimento em crise 379 Após março de 1995 em decorrência da crise do México a mudança da política cambial com a introdução da indexação da taxa de câmbio à inflação combinouse com a necessidade de realizar uma política doméstica restritiva para definir pata mares elevados para a taxa interna e para o cupom Essa política durou até o primeiro trimestre de 1996 quando as condições de financiamento melhoraram rapidamente Mesmo assim não foi possível diminuir com maior velocidade as taxas nominais internas porque a valorização prévia da taxa cambial fazia que os investidores externos embutissem na desvalorização esperada uma taxa superior à da inflação corrente para cobrir eventual perda decorrente da aceleração das desvalorizações Esse prêmio adicional só poderia ser coberto pela manutenção da taxa de ju ros nominal em patamar elevado Ao final de 1997 com a deterioração das condições interna cionais em razão da crise asiática as taxas de juros voltaram a subir impulsionadas basicamente pela necessidade de garantir um cupom cambial mais alto Este último cresceu por razões externas ou seja o contágio da crise asiática que determinou o crescimento do riscopaís e por razões internas especialmente o atraso cambial cada vez mais percebido Assim as taxas inter nas só voltam a cair após a desvalorização cambial do início de 1999 e subsequentemente pela melhoria moderada das con dições do mercado internacional após meados desse ano A sua permanência em patamares elevados mesmo após a absorção do impacto inflacionário da desvalorização constitui a melhor evidência da importância dos limites externos à fixação dos ju ros internos Gráfico 21 Impactos do Plano Real consumo saldo comercial saldo primário investimento O programa de estabilização permitiu a continuidade e deu impulso à recuperação da produção corrente que se havia ini Ricardo Carneiro 380 Desenvolvimento em crise 381 ciado em 1993 após três anos de recessão decorrentes do Pla no Collor Como foi sugerido no Capítulo 9 esse crescimento da produção teve como características básicas o desempenho mais acentuado da indústria e no âmbito desta dos bens de consumo duráveis Todavia esse ciclo de crescimento apesar de intenso foi breve desacelerando em meados de 1997 e conver tendose em declínio em 1998 e 1999 com início de recupera ção em 2000 Tabela 97 Tabela 97 Produção da indústria por categoria de uso 19902000 1991 100 Anos Geral Capital Intermediários Duráveis Nãoduráveis 1990 1027 1013 1023 956 982 1991 1000 1000 1000 1000 1000 1992 963 931 976 870 962 1993 1035 1021 1029 1123 1026 1994 1114 1212 1096 1293 1046 1995 1134 1215 1098 1480 1089 1996 1152 1043 1129 1645 1127 1997 1197 1092 1181 1693 1135 1998 1174 1071 1173 1370 1123 1999 1166 979 1196 1239 1106 2000 1237 1107 1277 1497 1099 Fonte IBGE 1996 Essa brevidade do ciclo de crescimento esteve determinada tanto por fatores estruturais como por razões decorrentes da ar quitetura do plano de estabilização As razões substantivas para que o investimento tenha se revestido de pequeno dinamismo ligadas à abertura comercial e às modificações na estrutura da propriedade foram analisadas no Capítulo 9 Cabe portanto explorar como os demais componentes da demanda se compor taram e como explicam o resultado modesto do crescimento Um dos aspectos mais relevantes do plano foi sem dúvi da o seu impacto no aumento do consumo Esse acréscimo do Desenvolvimento em crise 381 consumo ocorreu em todos os tipos de bens mas foi particular mente grande nos bens duráveis e mais ainda naqueles de maior valor unitário Gráfico 22 Isso decorreu de dois fatores distin tos porém interdependentes do acréscimo do salário médio e da massa salarial e da grande expansão do crédito pessoal GRÁFICO 22 Índice do consumo de bens duráveis 1994 100 Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos A combinação de regras de conversão salarial relativamente neutras e com possibilidade de reposição das perdas na data base o rápido declínio da inflação e o aquecimento do nível de atividades permitiram o crescimento simultâneo do rendi mento médio e dos níveis de ocupação e portanto da massa de rendimentos3 Todavia mesmo o expressivo aumento de 40 dessa renda entre 1993 e 1996 não dá conta da explosão do consumo observada no mesmo período Essa explosão só pode ser explicada pela maior propensão ao endividamento das famílias que resultou tanto da estabilidade que possibilitou 3 Conforme assinalado por Baltar Mattoso 1997 o nível de ocupação global aumenta a despeito da queda significativa do emprego formal con centrada sobretudo na indústria de transformação Ricardo Carneiro 382 Desenvolvimento em crise 383 calcular o valor dos compromissos financeiros quanto do cres cimento da renda e da ocupação e portanto da confiança em assumir esses encargos O aumento do crédito sobretudo crédito pessoal dirigido ao financiamento dos bens duráveis foi produto também da mudança das estratégias bancárias A perda da fonte de lucro oriunda da gestão da moeda indexada floating e arbitragem de taxas levou os bancos a apostarem no crédito como nova origem dos lucros Dessa forma o crescimento da demanda e a disposição em ampliar a oferta fizeram o crédito aumentar a taxas elevadíssimas apesar das também elevadas taxas de juros e de todas as medidas restritivas Estas consistiram na elevação do compulsório sobre depósitos à vista e a prazo a níveis inusi tados ver Freitas 1998 Parte da restrição à ampliação do crédito por supressão do multiplicador bancário foi contornada pelo aumento do funding externo dos bancos conforme mostrado no Capítulo 8 Mecanismos informais de fuga do compulsório também foram criados pelos bancos De todo modo embora as restrições não tenham impedido o aumento do crédito elas o encareceram substancialmente Essa foi aliás uma importante restrição à continuidade da expansão que aparece no crescente índice de inadimplência e no consequente racionamento do crédito por parte dos bancos4 A análise da trajetória do consumo indica uma das restri ções impostas pela arquitetura do programa de estabilização ao crescimento da demanda agregada A elevada taxa de juros e os níveis de inadimplência restringiram o aumento do consu 4 A combinação da perda de fontes de lucratividade com os níveis crescentes de inadimplência levou à quebra de importantes bancos nacionais A disse minação de uma crise bancária de maiores proporções somente foi evitada pelo BC à custa da desnacionalização de parcela do setor bancário nacional conforme mostrado no Capítulo 8 e do socorro aos bancos em dificuldades pelo Proer e Proes Desenvolvimento em crise 383 mo sobretudo naqueles itens de maior valor unitário Perdese assim um importante instrumento de ampliação da demanda efetiva Tabela 98 Indicadores do crédito do PIB 19931998 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Bancos 272 277 256 239 206 198 Privados 86 98 81 78 73 66 Públicos 186 179 175 161 133 132 Não Bancos 37 26 22 27 29 39 Total 309 303 278 266 235 237 Inadimplência1 nd 28 92 65 69 95 1 Percentagem dos créditos em atraso e liquidação sobre o total do crédito Fonte Banco Central do Brasil Evolução do sistema financeiro nacional 1998 Um dos resultados mais impressionantes da estabilização foi a sua contribuição para a mudança do saldo da balança co mercial Como ficou evidente no Capítulo 9 a perda do saldo só pode ser entendida no âmbito da abertura e das mudanças que induziu na estrutura produtiva Nesse contexto maior to davia é inquestionável a importância das variáveis de natureza cíclica como taxas de câmbio crescimento doméstico e cresci mento internacional na formação do déficit A combinação de valorização cambial e ciclo de atividades interno e externo no contexto da abertura comercial pro duziu impacto significativo no saldo comercial Este passa ra pidamente de valores positivos e elevados cerca de US 12 bilhões anuais na primeira metade da década para valores negativos aproximadamente US 6 bilhões por ano na se gunda metade Como já foi observado a deterioração do saldo ocorre pelo grande diferencial de crescimento entre importações e exportações De maneira simétrica quando o déficit diminuiu em 1999 ano marcado pela maxidesvalorização e retração do crescimento doméstico isso resultou de uma contração maior Ricardo Carneiro 384 Desenvolvimento em crise 385 das importações Os dados confirmam portanto que importa ções e exportações têm diferentes sensibilidades ante o ciclo econômico Tabela 99 Tabela 99 Ciclo econômico saldo comercial importações e exportações US bi e 19912000 Saldo Variação Impor tações Variação Expor tações Variação Var do PIB Var do Com Intern 1991 106 19 210 19 316 06 03 42 1992 153 443 205 24 358 133 08 55 1993 133 131 252 229 385 75 42 41 1994 105 211 330 310 435 130 60 99 1995 34 1324 499 512 465 69 42 97 1996 56 647 533 68 477 26 27 60 1997 67 196 597 120 530 111 36 95 1998 66 15 577 34 511 36 01 40 1999 14 790 494 144 480 61 08 70 2000 08 430 558 130 550 145 44 90 Fonte Banco Central do Brasil As informações desagregadas confirmam o que foi já dito Tabela 100 As exportações têm seu desempenho fortemen te condicionado pela performance do comércio internacional O melhor período de preços corresponde ao auge da expansão re cente entre 1994 e 1997 havendo forte declínio desses últimos em 1998 e 1999 diante da desaceleração do crescimento Em menor escala a variação do quantum exportado também depen de da dinâmica do comércio internacional mas está igualmen te associado ao aumento da absorção que é muito forte em 19941996 e à apreciação cambial Com relação a esta última notese seu impacto no quantum exportado que aumenta subs tancialmente em 1999 como efeito da maxidesvalorização A queda no valor exportado apesar da grande variação das quan tidades em 1999 sugere que o efeito preço prevalece sobre as primeiras o que indica uma pauta excessivamente concentrada Desenvolvimento em crise 385 em commodities e portanto muito dependente dos seus ciclos de preços A evolução dos preços das importações mostra um padrão de comportamento caracterizado pelo descolamento dos ciclos internos e externos A razão para isso está na composição da pauta brasileira concentrada em bens de maior conteúdo tec nológico e originários de países desenvolvidos A importância de fatores cíclicos na determinação desses preços é reduzida Ao contrário do que ocorre com os preços as quantidades im portadas mostram uma forte reação ao ciclo doméstico O seu quantum dobra entre 1994 e 1996 permanecendo constante em 1997 e 1998 para declinar substancialmente na recessão de 1999 Não se deve desprezar o papel que tiveram nessas situações a valorização e a desvalorização da taxa de câmbio respectivamente Tabela 100 Exportações e importações PQ 19942000 Exportação Importação Preço Quantum Preço Quantum 1994 880 1037 1082 574 1995 1000 974 1107 847 1996 1000 1000 1000 1000 1997 1007 1102 1062 1055 1998 939 1140 1009 1074 1999 819 1228 1014 910 2000 846 1364 1017 1060 Fonte Funcex apud MICT Algumas constatações realizadas anteriormente indicam uma nova configuração na dinâmica do comércio externo bra sileiro ou seja o processo de transformação estrutural promo vido pela abertura levou a uma mudança do peso das variáveis cíclicas na determinação da trajetória dos fluxos de comércio exterior Desde logo observase uma maior importância dos Ricardo Carneiro 386 Desenvolvimento em crise 387 fatores cíclicos externos principalmente pelos preços e em menor grau pelas quantidades das exportações Nas importa ções a pequena influência dos ciclos externos nos seus preços torna o ciclo doméstico o principal mecanismo de sua varia ção via quantidades Por fim cabe assinalar que no contexto apresentado as variações da taxa de câmbio perdem influência na determinação da trajetória das importações e exportações fazendo qualquer ajuste depender mais das quantidades Como o ciclo externo está fora de controle o ciclo interno tornase a principal variável de ajuste do saldo comercial Uma implicação imediata da inversão de sinal da balança co mercial foi a perda de uma importante fonte de demanda agrega da Pela análise realizada no Capítulo 9 ficou sugerido que essa perda é permanente dada a nova inserção externa da economia brasileira Concluiuse também que do ponto de vista cíclico o principal mecanismo de ajuste do déficit é o nível de absorção doméstico isto é a magnitude do déficit comercial responde muito mais a variações no nível de atividades do que na taxa de câmbio o que acentua seu caráter anticíclico Isto posto cabe examinar os efeitos da estabilização e do crescimento e apreciação cambial que lhe estão associados sobre o restante da balança de transações reais Com a perda do superávit comercial em 1995 todas as con tas que compõem a balança de transações correntes tornamse negativas à exceção das transferências unilaterais fazendo crescer rapidamente o déficit em transações correntes para va lores próximos de 5 do PIB Essa deterioração do balanço de transações correntes deveuse principalmente à piora substan tiva do saldo de transações reais que passa de valores positi vos no triênio 19921994 para valores fortemente negativos após 1995 Esse desempenho como foi assinalado decorreu da piora da balança de mercadorias mas também da ampliação do sal do negativo dos serviços especialmente os serviços produtivos Desenvolvimento em crise 387 ou de não fatores O item mais importante nessa conta é o de viagens internacionais cujas despesas aumentaram desmesu radamente após o Plano Real por efeito do crescimento mas sobretudo em razão da apreciação cambial Do ponto de vista da composição do déficit em transações correntes DTC identificamse três períodos distintos Nos anos 19921994 o saldo de transações reais somado às trans ferências unilaterais praticamente cobre a conta de renda de capitais Em 19951997 o balanço de transações reais é forte mente negativo e supera o de renda de capitais acarretando um déficit em transações correntes que se expande muito rápido A insustentabilidade da situação anterior leva à desaceleração do nível de atividades em 1998 secundada pela maxidesvaloriza ção do câmbio em 1999 Esse ajuste reduz o déficit em transa ções reais em 50 mas não faz a situação retornar ao padrão préestabilização no qual o saldo da balança financiava a tota lidade do déficit dos serviços produtivos e uma grande parcela das rendas de capitais Tabela 101 Balanço de transações correntes US bi 19922000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Balança Comercial 152 133 105 33 55 68 66 12 07 Serviços Reais 36 55 59 78 89 103 97 60 76 Saldo de Trans Reais 116 78 46 111 144 171 163 72 83 Renda de Capitais 77 100 89 108 116 159 191 192 179 Transf Unilaterais 22 17 26 39 29 22 18 20 15 Déf Trans Correntes 61 05 17 180 231 308 336 244 247 Memo do PIB nd 00 03 26 30 38 43 44 42 Fonte Banco Central do Brasil A fragilização da conta corrente externa resultante da es tabilização combinada com a abertura comercial fica evidente pelos dados já apresentados Há que chamar a atenção to Ricardo Carneiro 388 Desenvolvimento em crise 389 davia para um aspecto adicional e que se refere aos limites da política de ajustamento A política econômica doméstica não tem controle sobre a parcela do DTC referente à renda de capitais que aliás ampliouse substancialmente como resul tado do aumento do passivo externo líquido Para limitar o montante do déficit a valores financiáveis a gestão econômica trabalha nos marcos da liberalização comercial com a regu lação do nível de atividades e da taxa de câmbio Desse ponto de vista os resultados obtidos após dois anos de crescimento nulo e de um ano de maxidesvalorização do câmbio são bas tante modestos e indicam o ressurgimento de uma restrição externa ao crescimento Os efeitos deletérios da estabilização sobre as contas pú blicas foram ainda mais significativos tanto do ponto de vista corrente quanto do patrimonial Examinemos o primeiro as pecto pelo comportamento das contas fiscais Os indicadores de déficit Gráfico 23 mostram que o país deixa uma situação de relativo equilíbrio fiscal com expressivos superávits opera cionais em 1993 e 1994 para uma trajetória de desequilíbrio ca racterizada por déficits operacionais crescentes até 1998 quan do se inicia o programa de ajuste fiscal acarretando a obtenção de superávits primários da ordem de 3 do PIB A análise da composição desses déficits mostra inequivo camente que se deveram a uma carga de juros crescente que chegou a patamares inusitados em 1998 e 1999 Em contrapar tida o balanço primário mantevese basicamente equilibrado no mesmo período não tendo portanto nenhuma responsabi lidade na formação desse déficit Podese concluir então que o déficit teve origem puramente financeira ou seja resultou diretamente da manutenção da taxa de juros elevada que foi uma peça essencial da abertura e da estabilização Do ponto de vista da demanda agregada as autoridades econômicas abstiveramse de realizar uma política contracio nista no período 19941998 ou seja o crescimento da carga de Desenvolvimento em crise 389 juros não foi compensado pela elevação do superávit primário implicando o aumento proporcional do déficit operacional Essa preservação do déficit operacional e o seu financiamento pela emissão de dívida pública todavia não tiveram impacto expan sionista sobre a demanda efetiva pois não se materializaram em poder de compra mas em aumento da riqueza financeira privada Após 1999 com a deterioração do financiamento ex terno e flutuação do câmbio a política fiscal adquire um caráter francamente contracionista via realização de superávits primá rios para compensar a carga de juros GRÁFICO 23 Déficit público do PIB Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos Estabelecidos a trajetória das finanças públicas e o papel exclusivo da carga de juros na formação do déficit operacional tornase importante discutir como a política econômica ortodo xa executou a política fiscal no período A questão é relevante Ricardo Carneiro 390 Desenvolvimento em crise 391 na medida em que após a estabilização desaparece o superávit primário expressivo característico dos primeiros anos da déca da e que volta a aparecer no ajuste fiscal após 1998 A análise da deterioração das contas públicas do ponto de vista do resultado primário supõe que se examinem em sepa rado as várias instâncias do governo em razão das diferenças nas origens de receitas e decisões de gasto Desse ponto de vista a primeira informação relevante é que entre 1994 e 1998 o governo central foi responsável por cerca de 50 do declínio do superávit primário repartindose o restante entre estados municípios e estatais Dado que as empresas estão em processo de privatização ou extinção e têm uma participação fortemente declinante nas contas públicas examinemos em detalhe as es feras de governo Nas contas do governo central os impactos da estabilização entre 1994 e 1998 conduziram à redução do superávit primário em 27 do PIB No mesmo período a receita total aumentou em 15 do PIB o que quer dizer que as despesas se amplia ram em cerca de 42 do PIB ou 20 da arrecadação o que é um número bastante significativo e dificilmente atribuível à repressão fiscal Há várias contas responsáveis por esse resultado mas os destaques são para os aumentos em outras despesas correntes e de capital 15 do PIB e benefícios previdenciários 11 do PIB A primeira conta representa a parcela livre dos gastos do governo e que não está sujeita a vinculações Isso sugere que o mecanismo do Fundo Social de Emergência aprovado pelo governo antes da estabilização e que lhe deu maior margem de manobra na decisão de alocação da despesa não tenha sido utilizado para esterilizar gastos mas para ampliálos de acordo com a sua política de alianças Nos benefícios previdenciários estão incluídos apenas os gastos com a previdência do setor privado Estes se ampliaram Desenvolvimento em crise 391 de forma importante no período principalmente pelas aposen tadorias proporcionais visando a assegurar direitos adquiridos ante a perspectiva de modificações no regime que acabaram se confirmando É importante frisar todavia que o déficit que aparece após 1995 se deve sobretudo à estagnação das recei tas por conta da maior informalização do mercado de trabalho e da ampliação do desemprego Tabela 102 NFSP conceito nominal 19942000 do PIB 19942000 Discriminação 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Governo Central Receita Total 189 183 175 185 204 209 218 Tesouro 139 133 123 134 153 16 166 INSS 5 5 52 51 52 49 51 Transferências a Estados e Municípios 26 28 27 28 3 32 37 Receita Líquida 164 155 148 157 174 178 181 Despesas Não Financeiras 14 148 146 155 167 156 161 Pessoal 51 56 53 48 51 49 51 Benefícios Previdenciários 49 50 53 54 6 58 61 Outras Vinculações 07 08 07 09 1 08 08 Outras Despesas Correntes e de Capital 33 34 33 44 47 41 41 Discrepância Estatística 08 01 02 05 01 01 01 Superávit Primário Governo Central 33 05 04 03 06 21 19 Estados e Municípios 08 02 05 07 02 03 06 Empresas Estatais 12 01 01 01 04 06 11 Setor Público Consolidado 52 03 01 10 00 3 36 Fonte Ministério da Fazenda e BNDES 1999 A previdência do setor público constitui outro aspecto do problema Nas contas do governo central os gastos com pessoal chegam a reduzirse levemente no período ou seja o crescimento da folha com inativos é compensado com a que Ricardo Carneiro 392 Desenvolvimento em crise 393 da com ativos o que certamente reflete também o processo de antecipação de aposentadorias para garantir direitos que foi ainda mais intenso no setor público e que determinou uma realocação com os gastos de pessoal É importante fri sar que a previdência pública como parte dos gastos com pessoal não teve nenhuma participação na redução do su perávit primário Como foi dito uma parcela relevante da queda do supe rávit primário deveuse às esferas subnacionais de governo Apesar de as transferências para estados e municípios terem crescido 05 do PIB entre 1994 e 1998 o superávit primário declinou 1 no mesmo período Além dos aumentos das des pesas por conta da perda do mecanismo da repressão fiscal a deterioração das finanças dessas entidades explicase sobre tudo pela perda de receitas próprias em razão da guerra fis cal Ilustra a afirmativa o fato de as receitas totais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS estarem estagnadas em termos nominais portanto declinantes em ter mos reais desde 1995 A rapidez pela qual o governo central realiza o ajuste fiscal após 1998 devese tanto ao aumento de receitas quanto à que da de despesas isto é o saldo primário passou de um déficit de 06 para um superávit de 19 do PIB perfazendo um ajuste total de 25 do PIB No mesmo período a receita tributária foi de 204 para 218 do PIB vale dizer um ganho de 14 ponto percentual do PIB As esferas subnacionais também realizaram um ajuste significativo e de certo ponto de vista mais duro do que aquele do governo central dado que as suas possibilidades de ampliação de receitas são mais restritas A propósito desse último aspecto cabe assinalar a concentração do aumento da carga tributária da União nas contribuições Cofins Contribui ção Provisória sobre Movimentação Financeira CPMF Estas possuem duas características importantes o caráter cumulati vo e o nãopartilhamento com as esferas subnacionais Desenvolvimento em crise 393 A análise da política fiscal mostra duas etapas bastante nítidas e distintas entre 1994 e 1998 o governo realiza uma política neutra ou seja financia déficits operacionais oriundos de pagamento de juros por meio de emissão de dívida pública e ao mesmo tempo amplia gastos correntes por meio do au mento da carga tributária Já no segundo período entre 1998 e 2000 o caráter é inequivocamente restritivo pois os déficits operacionais são compensados por superávits primários Estes últimos são obtidos por uma combinação de aumento de carga tributária e corte de gastos A discussão do perfil do investimento já foi realizada no Capítulo 9 todavia cabe enfatizar algumas das suas caracterís ticas mais evidentes nos dados de menor horizonte temporal Assim o Gráfico 24 mostra um perfil cíclico bastante acentua do com a taxa de investimento expandindose e contraindose rápida e intensamente Além da nova natureza da decisão do investimento autônomo e da sua articulação com o restante da economia caracterizado no Capítulo 9 esse novo padrão de comportamento reflete também a nova configuração da de manda agregada conforme já apontado Dela fazem parte uma insustentabilidade do crescimento do consumo financiado por crédito o saldo comercial negativo e crescente com o nível de renda e uma política fiscal que passa de neutra a contracionista GRÁFICO 24 Taxa de investimento do PIB preços do ano anterior Fonte Ipeadata Ricardo Carneiro 394 Desenvolvimento em crise 395 Impactos do Plano Real a dívida pública O conjunto dos efeitos da estabilização no contexto de libe ralização comercial e financeira teve impactos significativos so bre a situação patrimonial da economia em especial sobre os es toques de dívidas interna e externa do setor público A trajetória dessas duas variáveis é de extrema importância pois como vi mos nela repousa em última instância a estabilidade da moeda vale dizer a estabilidade do valor interno e externo da moeda A dívida pública interna mostra uma trajetória explosiva após o Plano Real Gráfico 25 Seu crescimento de 20 pontos percen tuais do PIB em apenas cinco anos só tem paralelo na história eco nômica do Brasil contemporâneo com aquele da crise da dívida em 19821984 Há dois momentos distintos na expansão dessa dívida De 1994 a 1997 cresce a dívida interna e cai a externa ou seja a acumulação de reservas além de implicar crescimento da primeira conforme explicado anteriormente também faz cair a dívida pública externa líquida Após 1998 a perda contínua de reservas e posteriormente o endividamento junto às instituições multilaterais fazem crescer também a dívida externa Na ausência de déficits primários nas contas públicas a dívida originouse da combinação entre taxas de juros elevadas e a esterilização da ab sorção de recursos financeiros do exterior A política de esteriliza ção implicou a emissão de dívida interna para enxugar a liquidez oriunda do superávit da conta de capital bastante superior às ne cessidades de financiamento corrente do balanço de pagamentos que redundou no crescimento das reservas O acúmulo de reser vas foi uma estratégia deliberada para realizar a estabilização com âncora cambial A sua esterilização era essencial para evitar uma queda da taxa de juros ou uma apreciação excessiva do câmbio que terminariam por inviabilizar a entrada de capitais Essa políti ca teve todavia um custo muito alto expresso no chamado déficit quasifiscal formado pela diferença de remuneração entre a dívida interna e as reservas internacionais Desenvolvimento em crise 395 GRÁFICO 25 Dívida líquida do setor público Fonte Banco Central do Brasil Boletim Mensal Vários anos Visto de outro ângulo o problema pode ser assim expresso a emissão inicial de dívida pública para esterilizar o acréscimo de reservas não representa num primeiro momento aumento da dívida líquida do setor público pois o acréscimo da primeira se dá por aumento de haveres externos A disparidade entre a taxa de juros que remunera as reservas e a dívida interna faz que essa última cresça mais rapidamente Ao final de alguns anos o estoque de dívida pública não guarda mais relação com o montante de reservas Após 1998 a crescente pressão para desvalorização do câmbio e a sua posterior flutuação tiveram um impacto signi ficativo na dívida pública líquida que entre final desse ano e início de 2000 cresce de 45 para 50 do PIB Dois processos respondem por isso a ampliação do endividamento externo do governo brasileiro junto às instituições multilaterais para as Ricardo Carneiro 396 Desenvolvimento em crise 397 segurar a saída dos capitais de curto prazo e o impacto da des valorização sobre a dívida pública interna dolarizada oferecida como hedge ao setor privado Tornouse comum argumentar nas esferas ortodoxas como em Malan 2001 que o reconhecimento de vários tipos de passivos governamentais muitos deles negociados com grande deságio no mercado foi uma das razões centrais para o cresci mento da dívida pública Esse reconhecimento determinou a recuperação do valor de face desses passivos e a troca desses títulos ou obrigações por títulos da dívida pública mobiliária O trabalho de Rêgo Filho et al 1999 estima que esse processo representou um acréscimo de aproximadamente 43 do PIB sobre a dívida líquida do setor público Esse valor deve ser contraposto àquele obtido com as priva tizações para se estimar o impacto líquido dos processos patri moniais sobre a dívida Segundo o BNDES 2001 ao longo da década e sobretudo na sua segunda metade as privatizações renderam cerca de US 100 bilhões às várias esferas de gover no incluídos aí o pagamento dos ativos e a transferência de dívidas À taxa de câmbio média de 2000 esse valor equivalia a cerca de 18 do PIB ou seja mais de quatro vezes o montante gasto para validar os esqueletos Assim os processos patrimo niais contribuíram para evitar um crescimento ainda mais ex plosivo da dívida pública Dado que o valor interno da moeda repousa em última ins tância na solvência do Estado a pergunta que se coloca é a das possibilidades de estabilizar o crescimento da dívida líquida do setor público a maior parte da qual de curto prazo e ainda com parcela significativa indexada ao câmbio Do ponto de vista pa trimonial não há mais possibilidade de utilizar as privatiza ções pois resta apenas uma parte do setor elétrico a privatizar O mecanismo de desvalorização da dívida pela inflação deve ser descartado pois só opera com aceleração permanente desta o que já representa o questionamento do valor interno da moeda Desenvolvimento em crise 397 Assim em condições de estabilidade da taxa de câmbio o crescimento do estoque da dívida vai depender de três fato res da taxa de juros real do crescimento do PIB e do superávit primário Como vimos no regime de abertura financeira a taxa de juros é determinada externamente e seu patamar mesmo em momentos favoráveis tem sido elevado e muito rígido à baixa Restam portanto o superávit primário e o crescimento do PIB Dados esses parâmetros um exercício numérico esclarece as restrições reais para estabilizar a dívida A cada ano a dívida aumenta 5 do PIB valor que terá de ser zerado para evitar o crescimento da relação dívidaPIB Dado o valor inicial desta última 50 cada ponto percentual de crescimento do PIB ad mite o aumento de meio ponto percentual da dívida O restante terá de ser obtido pelo superávit primário Para taxas de cresci mento do PIB de 2 3 ou 4 o superávit primário requerido para estabilizar a relação será respectivamente de 4 35 e 3 Se considerarmos que o valor de 3 de superávit primário é admissível e viável fica por verificar o impacto de um cresci mento anual de 4 sobre as contas externas Qualquer exercício de simulação pode provar que as con tas externas brasileiras não suportam uma taxa de crescimento dessa magnitude a não ser que mudem radicalmente as condi ções de financiamento internacional Para efeito de raciocínio admitamos que o vencimento do principal seja integralmente rolado e que não haja saída líquida nem de investimento de portafólio tampouco de investimento direto Isto posto tratase de determinar os níveis do déficit em transações correntes DTC e como financiálo Os dados do passivo externo líquido apresentados no Ca pítulo 8 sugerem que o seu custo se situará em torno de 35 do PIB ao ano Valores dessa magnitude parecem constituir o limite financiável do DTC seja por empréstimos adicionais in vestimento de portafólio ou investimento direto O problema reside na composição do DTC no qual o valor da renda de ca Ricardo Carneiro 398 Desenvolvimento em crise AT pitais não pode ser comprimido ou seja não há espaço para o aumento do déficit em transações reais sem que o DTC cres ça para valores não financiáveis Isso supõe portanto que o crescimento pretendido de 4 ao ano teria que se dar a partir de um crescimento das exportações superior simultaneamen te ao incremento das importações e à taxa de juros em dólar Essas possibilidades são limitadas em razão da nova inserção externa da economia brasileira A análise do processo de estabilização realizada neste ca pítulo mostrou que a economia brasileira se encontra num im passe ou seja somente será possível manter a estabilidade da moeda à custa do crescimento econômico A primeira restrição que existe quanto a esse último está no plano do valor externo da moeda O crescimento excessivo do DTC poderá conduzir a uma necessidade de corrigilo Se isso for feito pela correção do valor externo da moeda correse o risco de desencadear uma aceleração da inflação e um aumento permanente do estoque da dívida pública A outra alternativa será obviamente a de desacelerar o crescimento doméstico Evitar o questionamento do valor externo da moeda supõe desacelerar o crescimento econômico o que impõe realizar su perávits primários elevados ou admitir o crescimento da dívida pública interna para limites acima do aceitável pelo mercado ou seja significa aceitar o questionamento do valor interno da moeda A conclusão anterior implica reconhecer que a políti ca econômica de preservação da estabilidade deverá ter como um de seus elementos centrais o caráter restritivo Somamse a isso as demais características da economia brasileira produti vas financeiras e macroeconômicas para configurar um regime de baixo dinamismo 399 Referências bibliográficas AFONSO J R R DAIN S O setor público e as finanças públicas na Améri ca Latina o caso do Brasil Rio de Janeiro UFRJ IEI 1987 AGÉNOR P The surge in capital flows analysis of pull and push fac tors International Journal of Finance and Economics 1996 AGLIETTA M Macroéconomie financière Paris Éditions La Découverte 1995 ALÉM C GIAMBIAGI F PASTORIZA F Cenário macroeconômico 19972002 Rio de Janeiro BNDES 1997 Texto para Discussão n56 ALMEIDA J S G et al Evolução e impasses do crédito São Paulo Iesp Fundap 1988 Relatório de Pesquisa n4 ALMEIDA J S G NOVAIS L F Financiamento e desempenho corrente das empresas privadas e estatais São Paulo Iesp Fundap 1989 Relató rio de Pesquisa n3 ALVES S R O desafio do déficit público In LOZARDO E Déficit público brasileiro política econômica 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Discussão BONTEMPO H C Transferências externas e financiamento do gover no federal e autoridades monetárias Pesquisa e Planejamento Econô mico v18 n1 abr 1988a Subsídios e incentivos uma avaliação quantitativa preliminar Bra sília Bacen Depec Dipec 1988b Mimeogr BRAGA J C S Os orçamentos estatais e a política econômica In BELLUZZO L G M COUTINHO R Org Desenvolvimento ca pitalista no Brasil ensaios sobre a crise São Paulo Brasiliense 1982 vI A financeirização global O padrão sistêmico de riqueza do ca pitalismo contemporâneo In TAVARES M C FIORI J L Poder e dinheiro Uma economia política da globalização Rio de Janeiro Vozes 1997 BRASIL SeplanPR O I PND da Nova República Brasília 1985 Ministério da Fazenda O financiamento do desenvolvimento econô mico no período 198791 Brasília mar 1987a Plano de controle macroeconômico Brasília jul 1987b Exposição de motivos n395 Brasília 7 dez 1993 BRESSER PEREIRA L C Os dois congelamentos de preços no Brasil Revista de Economia Política São Paulo v8 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índices do comércio exterior e saldo comercial 19721980 79 7 Brasil importações por principais grupos 19731980 81 8 Brasil exportações por principais grupos 19731980 82 9 Evolução da dívida externa 19731980 88 10 Déficit em transações correntes 19701980 91 11 Dívida externa registrada pública e privada 19731980 94 12 Empréstimos em moeda Lei n4131 segundo setor US bi lhões 19721980 95 13 Principais subsídios e incentivos fiscais da área federal 19731980 99 14 Carga tributária bruta e líquida 19741980 101 15 Déficit e passivo do setor público 105 16 Preços câmbio e juros 107 Ricardo Carneiro 418 Desenvolvimento em crise 419 17 Composição dos fluxos de capitais nos países desenvolvidos 119 18 Fluxos de capitais globais 120 19 Déficit em transações correntes valor e composição 19791982 123 20 Dívida externa bruta e dívida externa líquida 19791982 125 21 Dívida externa pública 126 22 Déficit em transações correntes US bilhões 129 23 Dívida externa bruta e dívida externa líquida 19831989 130 24 Fluxos financeiros por credor externo 19821989 131 25 Dívida externa pública 19831989 135 26 Taxa de crescimento das principais variáveis econômicas aa 19811989 146 27 Evolução do investimento por agente 147 28 Variação e composição da FBCF segundo segmento 19811989 149 29 Região metropolitana de São Paulo Faturamento real do comércio varejista 151 30 PIB setorial taxas de crescimento aa 19811989 154 31 Comércio exterior do setor primário médias móveis trienais em US milhões 19811988 158 32 Coeficiente exportado da indústria médias móveis trienais 19811988 159 33 Inserção externa do setor industrial 160 34 Produção industrial por categoria de uso 19811989 164 35 Evolução do saldo comercial do setor industrial 19801989 167 36 Comércio exterior índices de preço quantidade e valor 19801989 170 37 Índices de preço quantidade e valor das importações por grupos 19801989 172 38 Índices de preço valor e quantidade das exportações 19801989 173 39 Utilização da capacidade instalada na indústria em do total 19801989 176 40 Carga tributária do PIB 19801984 182 41 Incentivos e reduções fiscais subsídios e dispêndio público com crédito subsidiado do PIB 19811987 183 Desenvolvimento em crise 419 42 Grupos estatais defasagem acumulada de preços 185 43 Despesas da União segundo item orçamentário 186 44 Déficit público por componente do PIB 187 45 Dívida líquida do setor público 188 46 Carga tributária do PIB 193 47 Variação real de preços e serviços públicos 195 48 Déficit público por componente do PIB 198 49 Despesas da União segundo item orçamentário 199 50 Dívida líquida do setor público 202 51 Taxa de juros real e dívida mobiliária em 202 52 Taxas de câmbio nominal e real 207 53 Taxas de juros de curto prazo 209 54 Haveres monetários e financeiros 19791989 211 55 Haveres monetários e financeiros 19891991 223 56 Fluxos de capitais privados para países emergentes US bilhões 19902000 247 57 Países emergentes fluxos de capitais e reservas 247 58 Países emergentes utilização dos fluxos de capitais 248 59 Fluxos de capitais para Ásia e América Latina 251 60 Movimento de capitais itens selecionados 19911999 275 61 Investimento direto estrangeiro IDE 277 62 Investimento direto estrangeiro composição 278 63 Estoque de IDE total e por setores selecionados 279 64 Conta de não residentes 282 65 Anexo IV 283 66 Concentração do mercado acionário à vista em 285 67 Emissões autorizadas de títulos no exterior 287 68 Financiamento externo e interno da grande empresa US bilhões 291 69 Obrigações externas dos bancos privados do passivo 291 70 Bancos múltiplos e comerciais endividamento externo 292 71 Participação estrangeira no sistema bancário nacional 295 72 Sistema bancário nacional concessão de crédito 296 73 Passivos e indicadores externos da economia brasileira US bilhões 301 74 Dívida pública indexada ao dólar 306 421 Ricardo Carneiro 420 Desenvolvimento em crise 421 75 Brasil proteção efetiva da indústria 314 76 Índices das taxas de câmbio 1992 100 315 77 Coeficientes de penetração importaçõesprodução e abertura exportaçõesprodução da indústria brasileira por categoria de uso em 318 78 Coeficientes de penetração MP e abertura XP por intensidade de fator 319 79 Coeficientes de penetração e abertura setoriais por intensidade de fator 321 80 Participação no VTI por gênero de indústria em 323 81 Taxa de comércio e saldo comercial por categoria de uso 327 82 Taxa de comércio e saldo por intensidade de fator 328 83 Saldo total por setor produtivo 330 84 Comércio exterior do Brasil e regiões do mundo 332 85 Origem e destino dos fluxos de comércio externo 333 86 Composição das exportações e importações 335 87 Fusões e aquisições de empresas no Brasil 338 88 Distribuição das 100 maiores empresas por tipo de propriedade 340 89 Taxa de investimento a preços correntes 341 90 Composição do investimento 343 91 Composição do investimento na indústria 344 92 Investimento em infraestrutura econômica 19901998 350 93 Relação câmbiosalários 1992 100 369 94 Evolução de preços em períodos selecionados 370 95 Índices das taxas de câmbio 1992100 375 96 Variação do rendimento médio real 376 97 Produção da indústria por categoria de uso 1991 100 380 98 Indicadores do crédito do PIB 383 99 Ciclo econômico saldo comercial importações e exportações US bilhões e 384 100 Exportações e importações PQ 385 101 Balanço de transações correntes US bilhões 387 102 NFSP Conceito nominal 19942000 do PIB 391 421 Desenvolvimento em crise 421 Índice de gráficos 1 Fluxos de capitais para países subdesenvolvidos 53 2 Choques de juros e do petróleo 54 3 Coeficientes de abertura e de variação do PIB 62 4 Evolução do investimento 65 5 Absorção de recursos do exterior 87 6 Transferência de recursos para o exterior 122 7 Desempenho comparado anos 70 versus 80 140 8 Saldo da balança comercial US milhões em 12 meses 168 9 Taxas de inflação mensal médias trimestrais 210 10 Preços ao consumidor e atacado 222 11 Rotatividade dos fluxos de capitais líquidobruto 276 12 Volatilidade dos fluxos do Anexo IV 284 13 Conta de não residentes fluxos líquidos 284 14 Alavancagem do sistema bancário 297 15 Margens de lucro dos bancos 298 16 Aprofundamento financeiro 304 17 Dívida indexada à variação cambial 306 18 Fusões e aquisições no Brasil 19911999 339 19 Reservas internacionais 363 423 Ricardo Carneiro 422 Desenvolvimento em crise 423 20 Variação de preços em 12 meses 368 21 Taxas de juros anualizadas 378 22 Índice do consumo de bens duráveis 1994 100 381 23 Déficit público do PIB 389 24 Taxa de investimento do PIB preços do ano anterior 393 25 Dívida líquida do setor público 394 423 Desenvolvimento em crise 423 Índice de quadros 1 Crescimento econômico comparado ao ano 30 2 Brasil e Coreia propriedade das empresas de bens de capital 1980 71 3 Classificação dos fluxos de capitais 237 4 Graus de abertura da conta de capital 267 SOBRE O LIVRO Formato 14 x 21 cm Mancha 23 x 445 paicas Tipologia Iowan Old Style 1014 Papel Offset 75 gm2 miolo Cartão Supremo 250 gm2 capa 1ª edição 2002 2ª reimpressão 2011 EQUIPE DE REALIZAÇÃO Coordenação Geral Sidnei Simonelli Produção Gráfica Anderson Nobara Edição de Texto Nelson Luís Barbosa Assistente Editorial Carlos Villarruel Preparação de Original Ada Santos Seles Revisão Kalima Editores Atualização ortográfica Editoração Eletrônica Lourdes Guacira da Silva Simonelli Supervisão Rosângela F de Araújo Diagramação