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Ciências Econômicas ·
Macroeconomia 1
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1 TÓPICO 5: DO CURTO AO LONGO PRAZO MACROECONÔ- MICO ROTEIRO: 1. Introdução 2. Do curto ao longo prazo: mecanismos automáticos de reequilíbrio 3. Política econômica e choques no longo prazo 3.1. Política monetária 3.2. Política fiscal e choques de demanda 3.3. Choques de oferta permanentes 4. Debate sobre a utilização ou não de políticas macroeconômicas ativas no curto prazo 4.1. Funcionamento ou não do mecanismo de reequilíbrio automático 4.2. A velocidade de retorno para o equilíbrio de longo prazo 4.3. Friedman e a questão das defasagens 4.4. Ciclo político 4.5. Histerese 5. Sumário 1. Introdução Vimos que, no curto prazo macroeconômico (até tópico 3), os mercados de bens e monetário (financeiro) se equilibram, mas o mercado de tra- balho pode permanecer em desequilíbrio, de modo que o nível de pro- dução efetiva Q pode ser diferente do nível de produção potencial Qp. No longo prazo macroeconômico (tópico 4), porém, também o mercado de trabalho se equilibra, em função da existência (por hipótese) de uma perfeita flexibilidade de preços e salários. O foco do presente tópico consiste em examinar justamente a transição da economia do curto para o longo prazo. Em outras palavras, trata-se de estudar os mecanismos através dos quais, segundo a teoria ortodoxa, o nível de produção efetivo Q (curto prazo macroeconômico) de uma economia de mercado tende a convergir, no longo prazo, para o nível de produção potencial Qp. Neste caso, entrarão em operação os chamados “mecanismos automáti- cos” de equilíbrio da economia, ou seja, mecanismos que, pelo funcio- namento do sistema de preços da própria economia privada – isto é, independentemente da ação da política macroeconômica – tenderiam, coeteris paribus, a reconduzir a economia ao nível de produção poten- cial Qp no longo prazo. ➢ Como vimos, no modelo de concorrência perfeita isto significa “pleno emprego” (ausência de desemprego involuntário), mas no modelo de concorrência imperfeita, não. 2 ➢ Obs. 1: Lembre-se que “longo prazo” é um período de tempo teóri- co, e não um prazo certo de tempo: é o tempo necessário... para que a flexibilidade de preços e salários reequilibre a economia no ponto Qp! Como veremos, algumas escolas de pensamento argumentam que a economia, de fato, nunca (ou quase nunca) chega neste equilíbrio de longo prazo. Ele seria, então, uma mera “curiosida- de teórica”. Outras escolas argumentam que, pelo contrário, a economia está praticamente o tempo todo nesse equilíbrio, desviando-se dele raramente, por períodos de tempo insignificantes. Resultam, portanto, recomendações de política econômica com- pletamente diferentes por parte dessas escolas, como veremos. ➢ Obs. 2: Embora no longo prazo macroeconômico, ainda estamos no curto prazo microeconômico (ou marshalliano), e que portanto Qp não cresce sistematicamente. Os determinantes de Qp podem mudar uma vez, mas não mudarão continuamente. Mudanças sistemáticas em Qp serão objeto de estudo da teoria do crescimento. Para entender completamente o que vem a seguir, é fundamental distin- guir os seguintes conceitos: ➢ Choques (exógenos): são mudanças bruscas no comportamento dos agentes privados, que ocorrem o tempo todo, e que deslocam a eco- nomia de seu equilíbrio inicial (de curto ou longo prazo) para outro equilíbrio (de curto prazo). Exemplos: Choques expectacionais; Choques de oferta; Choques de demanda autônoma; Choques financeiros, etc.. ▪ Podem ser favoráveis (↑Q, N) ou desfavoráveis (↓Q, N). ➢ Políticas econômicas (exógenas): resultam de decisões governa- mentais. Exemplos: Políticas fiscais; Políticas monetárias; Políticas cambiais, etc.. ▪ Podem ser estabilizadoras (aproximam a economia de Qp) ou desestabilizadoras (afastam a economia de Qp); ➢ Forças automáticas (ou endógenas) de mercado: reação dos agen- tes privados, via oferta e demanda agregada, aos desequilíbrios ge- rados por choques e/ou políticas desestabilizadoras. 3 ▪ Podem ser equilibradoras (aproximam a economia de Qp) ou desequilibradoras (afastam a economia de Qp). 2 Do curto ao longo prazo: mecanismos automáticos de reequilíbrio No conjunto de gráficos abaixo o equilíbrio de longo prazo é obtido conforme o Tópico 4 (seguindo as setas pretas): ➢ No Gráfico 1, a interseção (ponto E) das funções oferta (Ns) e de- manda (Nd) de trabalho determina, simultaneamente, o salário real de equilíbrio de longo prazo [(W/P)E] e o nível de emprego potencial Np; ▪ Np será um ponto de pleno emprego se supusermos um modelo com concorrência perfeita; mas se for adotado um modelo com concorrência imperfeita, poderá haver desemprego involuntário (e estrutural) mesmo no ponto Np; Qp Q0 r rn0 DA A Pe0 Graf. 5 Graf. 4 Graf. 3 Graf. 2 Graf. 1 0 Ns0 u0 E 0 (W/P)0 N0 N0 N0 Q0 Q0 OALP Q0 P0 PELP DAe Qp P Q 45° Qp Qp Q Q N Nd(j0, K0, te0) unairu Np Qp Np FP(j0, K0) N Q (W/P)E Np Ns(Pop0, 0; z0) N W/P 0% 100% N u Q=Q OACP0(Pe0) E r0 Graf. 6 4 ➢ No Gráfico 2, a projeção do ponto Np na função de produção FP de- termina o nível de produção potencial Qp; ➢ No Gráfico 3, a projeção do ponto Np na reta determina a taxa de de- semprego de equilíbrio (ou estrutural) unairu. ➢ No Gráfico 4, a projeção do ponto Qp a partir do segundo gráfico permite rebater o mesmo ponto para o eixo x; ➢ No Gráfico 5, a projeção do ponto Qp do quarto gráfico permite de- terminar a posição (vertical neste ponto) da função oferta agregada de longo prazo (OALP); a função demanda agregada (DA), que per- mite determinar, no ponto de interseção com a OALP, o nível de preços de equilíbrio de longo prazo (PELP). No Gráfico 6, a projeção do ponto Qp do quarto gráfico na função IS permite determinar a posição da taxa de juros real de equilíbrio de longo prazo, ou natural (rn0). Já no equilíbrio de curto prazo a sequência de determinação do grá- fico é invertida, iniciando-se no Gráfico 5 (setas azuis). Tal qual no Tópico 3, ele é gerado pela interseção (ponto 0) das funções de demanda agregada e oferta agregada de curto prazo (OACP0), que determinam o nível de produto efetivo Q0 < Qp e o nível de preços inicial P0 > PE. Há, portanto, insuficiência de demanda agregada. ➢ No Gráfico 6, a projeção do ponto Q0 a partir do quarto gráfico per- mite determinar a taxa de juros real efetiva (r0 > rn0); ➢ No Gráfico 4, a projeção do ponto Q0 a partir do quinto gráfico per- mite rebater o mesmo ponto para o eixo y; ➢ No Gráfico 2, a projeção do ponto Q0 na função de produção FP de- termina o nível de emprego efetivo N0 < Np; ➢ A partir do Gráfico 2, dois caminhos são possíveis: ▪ Para baixo, no gráfico 3, a projeção do ponto N0 sobre a reta per- mite obter a taxa de desemprego efetiva u0 > unairu. ▪ Para cima, no Gráfico 1, a projeção do ponto N0 sobre a função de demanda por trabalho Nd permite obter (ponto 0) o salário real efetivo (W/P)0 > (W/P)E. Projetando-se esse nível de salário real na função oferta de trabalho Ns (linha tracejada azul), percebe-se que a esse salário a quantidade ofertada de trabalho é Ns0 > N0. A quantidade ofertada é portanto maior que a quantidade demanda- da de trabalho, e há excesso de oferta no mercado de trabalho. Uma diferença significativa do aqui exposto em relação ao Tópico 3 é que o nível de preços esperado Pe0 é agora uma variável endógena: ele se localizará sempre na interseção das funções OALP, DAe (linha azul tracejada) e OACP (ponto A do Gráfico 5). Para entender a razão disso, siga os seguintes passos lógicos: 5 ➢ Lembre-se que, conforme visto no Tópico 4, cada ponto da função OALP corresponde a um ponto de interseção das funções Ns e Nd no Gráfico 1, isto é, a um ponto de equilíbrio no mercado de trabalho; e portanto a um salário real de equilíbrio (W/P)E; ➢ As funções Ns e Nd foram construídas sob a hipótese de informação perfeita; em particular, de que empresas e indivíduos (ou sindicatos) acertem suas expectativas acerca dos preços futuros (P = Pe); ➢ Portanto, a economia só estará no ponto Qp (sobre a função OALP) quando os agentes acertarem as expectativas de preço (P = Pe); ▪ Mas os agentes só acertarão as expectativas de preço (P = Pe) se previrem corretamente a demanda agregada (DAe = DA); e ape- nas neste caso a economia estará em seu equilíbrio de longo pra- zo; • No gráfico acima, supõe-se DA < DAe P < Pe (insuficiên- cia de demanda agregada, Q < Qp). • Perceba que, se pelo contrário, os agentes tivessem subestima- do a demanda agregada (DA > DAe), o nível geral de preços seria superior ao esperado (P > Pe), e a economia estaria em si- tuação de superaquecimento (Q > Qp). Contudo, para a teoria ortodoxa esses desequilíbrios no mercado de tra- balho não podem persistir indefinidamente. Forças equilibradoras au- tomáticas (de mercado), decorrentes do livre funcionamento do próprio sistema de preços (e não da política macroeconômica do go- verno) entrarão em operação para reconduzir a economia ao seu ponto de equilíbrio. ➢ Para entender corretamente a forma como essas forças equilibradoras automáticas operam, é preciso entender corretamente a razão do de- sequilíbrio original. ➢ Como visto, no ponto 0 do Gráfico 1 há excesso de oferta de traba- lho, e o salário real efetivo é maior que o de equilíbrio; enquanto is- so, no gráfico 5 há insuficiência de demanda agregada. ➢ Esses dois aspectos estão relacionados: a microeconomia ensina que sempre que o preço de uma mercadoria qualquer é fixado em um ní- vel excessivamente elevado (em relação ao preço de equilíbrio), ela “encalha”, ou seja, os ofertantes (empresas produtoras) não conse- guem vender a quantidade que gostariam a esse preço. Há então ex- cesso de oferta dessa mercadoria, e seu preço cairá até o nível neces- sário para absorver este excesso. ➢ Na visão ortodoxa, algo similar ocorre no caso da mercadoria força de trabalho: se o salário real (que é o preço da mercadoria força de trabalho) for estabelecido em um nível excessivamente elevado (em relação ao salário real de equilíbrio) – como no ponto 0 do Gráfico 1 6 – então os ofertantes de trabalho (trabalhadores) não conseguem vender a quantidade de força de trabalho que gostariam (Ns0) a este salário real. Há excesso de oferta de trabalho, e o salário real terá que de alguma forma cair até (W/P)E para absorver este excesso. ➢ Por que, porém, o salário real se tornou excessivamente elevado em relação ao salário real de equilíbrio? Para entender este ponto, lem- bre-se que embora o salário real seja o fundamental para as decisões de ofertar trabalho (trabalhadores) e demandar trabalho (empresas), o salário é efetivamente negociado em termos nominais, tendo em vis- ta uma expectativa de preço Pe para o futuro. ➢ Se a demanda agregada (e portanto os preços) efetivamente se com- portarem de forma diferente do esperado pelos agentes (DA ≠ DAe P ≠ Pe), o salário nominal acordado entre as partes corresponderá a um salário real efetivo diferente do necessário para manter o mer- cado de trabalho em equilíbrio [(W/P)≠(W/P)E]. ▪ Exemplo: • Suponha que o salário real de equilíbrio (W/P)E seja equivalen- te a 5 cestas básicas, e que o preço da cesta básica seja um bom indicador do comportamento do índice geral de preços (simplificação); • Suponha ainda que no momento do acordo salarial a cesta bá- sica custe R$ 200, mas que, durante o período de vigência do acordo haja uma expectativa média de 10% de inflação (te = 10%); neste caso o preço esperado da cesta básica seria Pte = Pt-1(1+te) = 200 x (1+0,1) = 200 x 1,1 = R$ 220. • Com base nestas expectativas, o salário nominal seria estabe- lecido em: Wt = (W/P)E x Pte = 5 x 220 = R$ 1.100. • Se os preços efetivamente subissem 10%, o salário real efetivo seria igual ao de equilíbrio, e a economia estaria no ponto E do Gráfico 1. Mas o que aconteceria se inesperadamente os pre- ços subissem apenas 5%? • Neste caso, os preços efetivos da cesta básica subiriam apenas para Pt = Pt-1(1+t) = 200(1+0,05) = 200x1,05 = R$ 210; • O salário real efetivo seria então de: W/P = 1.100/210 5,24 cestas básicas; • O salário real efetivo seria então maior que o salário real de equilíbrio (5 cestas básicas) e, ao invés de um ponto como E, a economia estaria em um ponto como 0 no Gráfico 1; e a eco- 7 nomia teria então excesso de oferta de trabalho (desemprego involuntário)1; A este excesso de oferta de trabalho corresponderia uma situação de in- suficiência de demanda agregada (ou excesso de oferta, ou ainda su- perprodução) no mercado de bens, pois, como pode ser visto no ponto 0 do Gráfico 5, Q0 < Qp. Essa ligação entre os mercados de bens e de tra- balho fica mais clara se imaginarmos que a taxa de inflação mais baixa que a esperada corresponde a preços mais baixos do que o esperado e, portanto, a uma demanda agregada mais baixa do que a esperada. Como o desequilíbrio será eliminado no longo prazo? ➢ Para entender a resposta a esta pergunta, voltemos a enfocar o con- junto de gráficos abaixo: ➢ Observando o Gráfico 1 novamente, percebe-se que o ponto 0 está fora da função oferta de trabalho. Isto significa que, neste ponto, os 1 Caso a inflação fosse maior do que a esperada, o salário real seria menor do que o de equilíbrio, e have- ria a situação inversa de excesso de demanda de trabalho. Pe0 Graf. 5 Graf. 4 Graf. 3 Graf. 2 Graf. 1 0 Ns0 u0 E 0 (W/P)0 N0 N0 N0 Q0 Q0 OALP Q0 P0 PELP DA Qp P Q 45° Qp Qp Q Q N Nd(j0, K0, te0) unairu Np Qp Np FP(j0, K0) N Q (W/P)E Np Ns(Pop0, 0, z0) N W/P 0% 100% N u Q=Q OACP0(Pe0) OACP1(↓Pe) E A 8 ofertantes de trabalho não estão maximizando sua utilidade e, portan- to, estão insatisfeitos (involuntariamente desempregados). Pelo me- nos alguns deles estariam claramente dispostos a aceitar um salário real menor a permanecer desempregados. Haveria então em concor- rência perfeita uma pressão descendente sobre os salários nominais. ▪ Uma forma complementar de interpretar o fenômeno consiste em perceber que, em um modelo de concorrência imperfeita, uma ta- xa de desemprego superior à natural (Gráfico 5) implica que as empresas disporiam de poder de barganha para forçar os salários nominais para baixo. Mais importante, se o desequilíbrio foi gerado por um erro na forma- ção de expectativas sobre os preços, tais expectativas podem ser corri- gidas. ➢ No caso do exemplo anteriormente empregado, as partes envolvidas na negociação salarial, ao reconhecerem a superestimação dos preços esperados, revisam suas expectativas para baixo, adequando-as ao preço efetivo (fazem Pte = Pt = R$ 210). ▪ Com tais expectativas, estariam dispostas a renegociar os salários nominais para Wt = (W/P)E x Pte = 5 x 210 = R$ 1.050; ▪ O salário real efetivo seria então de W/P = 1.050/210 = 5 cestas básicas = salário real de equilíbrio. ➢ A economia retornaria então sem qualquer política governamental, pelo próprio funcionamento do sistema de preços, ao ponto E de equilíbrio do mercado de trabalho, eliminando o excesso de oferta de trabalho; ➢ Contudo, é preciso entender o que está acontecendo no mercado de bens (Gráfico 5) para a plena compreensão do mecanismo em opera- ção, já que a economia só voltará ao ponto E no mercado de tra- balho (Gráfico 1) se ela simultaneamente voltar ao ponto Qp no mercado de bens (Gráfico 5), eliminando a insuficiência de deman- da agregada também por forças automáticas. ▪ No Gráfico 5, a reavaliação dos preços esperados conduz a um deslocamento da função oferta agregada para baixo e para a direita, de OACP0 até OACP1, provocando um deslocamento do ponto de equilíbrio da economia do ponto de equilíbrio de curto prazo 0 até o ponto de equilíbrio de longo prazo E. • Os preços caem de P0 para PELP, já que a consequente redução dos salários nominais é repassada aos preços; • A produção sobe de Q0 para Qp, já que, com a operação do efeito Keynes: ↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→ etc...→↑Q,N; • Quando a economia atinge o ponto Qp, ela também atinge: 9 O nível de emprego Np e o salário real (W/P)E (gráficos 4, 2 e 1); A taxa de desemprego de equilíbrio unairu (gráficos 4, 2 e 3), ou natural (concorrência perfeita). Com base nestas ideias, é possível entender os desequilíbrios que po- dem ocorrer no curto prazo (Q ≠ Qp), conforme gráfico abaixo: Portanto, em caso de superaquecimento, a função OACP se deslocaria para cima e para a esquerda; Se, porém, a economia estivesse no seu equilíbrio de longo prazo (inter- seção DA x OALP), então: DA = DAe P = Pe Q = Qp Nd = Ns (W/P) = (W/P)E u = unairu • Consequência fundamental 1 para a economia ortodoxa: ➢ A flexibilidade dos preços e salários nominais dota a economia, em tese, de um mecanismo de equilíbrio capaz de eliminar automati- camente, ou seja, sem qualquer intervenção ou política macroeco- nômica ativa, os desequilíbrios do mercado de trabalho a longo pra- zo. Em concorrência perfeita isto equivale a pleno emprego; em im- perfeita, não. ➢ Muito cuidado com a interpretação: O mecanismo automático em questão é tendencial; seu funcio- namento supõe a cláusula coeteris paribus; Portanto: ▪ Ele não quer dizer que a economia esteja o tempo todo no ponto Qp; ▪ Ele não quer dizer sequer que a economia de fato atinja o ponto Qp em algum momento do futuro (longo prazo) e lá permaneça; Superaquecimento DA > DAe P > Pe Salário real efetivo < sal. real de equilíbrio Demanda > oferta de trabalho Taxa de desemprego efetiva < Nairu Correção: ↑Pe → ↑W OACP para cima/esquerda Insuficiência de demanda agregada DA < DAe P < Pe Salário real efetivo > sal. real de equilíbrio Oferta > demanda de trabalho Taxa de desemprego efetiva > Nairu Correção: ↓Pe → ↓W OACP para baixo/direita ↓W Qp OALP P Q 10 O que ele efetivamente quer dizer é que, sempre que ocorrerem choques exógenos que desviem a economia do ponto Qp, entra- rão em operação forças automáticas que tenderão a levá-la de volta ao ponto Qp. ▪ Contudo, antes de ela atingir o ponto em questão, novos cho- ques podem ocorrer e afastá-la novamente do ponto Qp, de modo que ela, na prática, pode nem atingi-lo. O mecanismo automático, porém, garante que a economia estará em média flutuando ao redor do ponto Qp, como no gráfico abaixo: Como veremos, a heterodoxia discorda desta interpretação. 3 Política econômica e choques no longo prazo • Consequência fundamental 2 para a economia convencional: ➢ Como a função oferta agregada de longo prazo (OALP) é vertical, fatores que deslocam a função de demanda agregada, como: Políticas monetárias; Políticas fiscais; Choques autônomos de demanda; e Choques financeiros, ➢ Afetam a produção, a renda real e o emprego apenas no curto pra- zo; ➢ Os efeitos desses fenômenos sobre os níveis de produção, renda real e emprego de uma economia que já esteja no ponto Qp desapare- cem no longo prazo; ➢ Permanecem apenas os efeitos sobre o nível geral de preços P e de- mais variáveis nominais (salários nominais W, por exemplo). Trata-se da chamada propriedade de “neutralidade da moeda no longo prazo”, ou validade no longo prazo da “teoria quanti- tativa da moeda”. ▪ Obs.: no caso da política fiscal e dos choques de demanda, também há efeitos permanentes sobre a taxa de juros real e a Tempo Q Qp Operação do meca- nismo automático e/ou políticas ma- croeconômicas cor- retas: setas verme- lhas Efeitos dos choques e/ou políticas ma- croeconômicas er- rôneas: setas rosas. Determinado pelas forças da oferta: Pop, ; l, j, K, te. 11 composição da demanda agregada (entre consumo e investi- mento)2. É preciso cuidado também na interpretação desse resultado: ➢ Ele não quer dizer, por si só, que as políticas macroeconômicas não devam ser utilizadas para auxiliar uma economia em desequilíbrio (Q ≠ Qp) a retornar ao ponto Qp; ➢ Ele quer dizer que deslocamentos da função demanda agregada (de- vidas a choques ou a políticas macro), não afetam a posição do ponto Qp. ▪ Isto quer dizer que mudanças na demanda explicam apenas os desvios (ou flutuações) da economia ao redor do ponto Qp (teoria das flutuações ou ciclos), mas não os movimentos do próprio ponto Qp. Não podem, portanto, na ortodoxia, explicar o cresci- mento econômico de longo prazo, mas apenas os preços no longo prazo. ▪ Os movimentos do próprio ponto Qp devem-se exclusivamente a mudanças do lado da oferta, que afetam a OACP e a OALP. • Tal separação de resultados é questionada também pela hete- rodoxia. 3.1 Políticas monetárias e choques financeiros Exemplo 1: Imagine uma economia que já esteja no ponto Qp, e sobre a qual seja aplicada uma política monetária contracionista (ou que ocorra um choque financeiro desfavorável). Os efeitos são os dos gráficos abaixo: 2 Certas vertentes do pensamento ortodoxo questionarão também este resultado, argumentando que a política fiscal não afeta nenhum desses elementos. PELP Tempo P Determinado pela interseção entre DA (Ms) e OALP Nível de preços efetivo P: determinado pela interseção entre DA (outros fatores: política fiscal, choques de demanda e financeiros) e OACP (choques de oferta temporários). 12 a) oferta e demanda agregada: • Curto prazo (passagem do ponto 0 ao ponto 1): A política monetária contracionista (↓Ms), ou o choque financeiro desfavorável (↑k/h) pro- vocam aumento da taxa de juros (↑i), que reduz o investimento, a de- manda agregada, o produto e o emprego (↓I→↓DA→...→↓Q,N). O movimento é reforçado pelo efeito multiplicador. A queda do nível de emprego N (aumento da taxa de desemprego u) reduz o poder de barga- nha dos assalariados, reduzindo os salários nominais. A queda dos salá- rios é repassada aos preços, que caem3 de P0 para P1: ↓Ms ou ↑k/h→↑i→I→↓DA→...→↓Q,N. • Longo prazo (passagem do ponto 1 ao 2): No ponto 1 temos produto inferior ao potencial (Q1 < Qp, desaquecimento), implicando emprego in- ferior ao potencial (N < Np) e, portanto, excesso de oferta no mercado de trabalho (Ns > Nd), taxa de desemprego efetiva inferior à NAIRU (u > unairu) e preços efetivos inferiores aos esperados (P < Pe). Então, as ex- pectativas de preços serão revistas para baixo (↓Pe), ocasionando nova queda dos salários nominais (↓W) e dos preços efetivos (↓P). Este últi- mo provoca queda na demanda por moeda (↓L) pelo motivo transação, o que reduz os juros e amplia o investimento, a demanda agregada e o produto (inclusive com o reforço do efeito multiplicador). Esse proces- so (efeito Keynes)4 continua em operação enquanto sua causa última (Q < Qp) persistir; ou seja, ele continuará a operar até que a economia re- torne ao equilíbrio de longo prazo no ponto 2 (onde Q = Qp, N = Np, Nd = Ns, Pe = P e u = unairu). Em suma: 3 Outros fatores podem ajudar a explicar a queda de preços gerada por queda da demanda agregada, como queda das margens de lucro dos setores flex, ou aumento da produtividade. Este último pode ser justifica- do pela teoria da produtividade marginal decrescente ou (como em Keynes) por “gargalos” decrescentes e pelo uso de fatores de produção (trabalho, capital e terra) de melhor qualidade. 4 Reforçado ou não pelo efeito Pigou e outros potenciais efeitos estabilizadores. 2 1 0 DA1(↓Ms,↑k,h) P0 DA0(Ms0;k0/h0) P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 OACP1 (↓Pe→↓W) P Q OACP0 (Pe0) 13 Pe > P→↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→ ↑DA→...→ ↑Q,N. b) O mesmo processo observado no modelo IS-LM permite visualizar me- lhor o efeito sobre a taxa de juros: • A taxa de juros inicial (i0) é a taxa de juros de equilíbrio de longo prazo ou “taxa de juros natural”5. • A política monetária contracionista desloca a LM para cima e eleva a taxa de juros para o nível i1 > i0 apenas temporariamente; no longo pra- zo a queda de preços (originária da queda dos salários) desloca a LM novamente para baixo, e a taxa de juros retorna a i0. ➢ Uma política monetária expansionista geraria efeitos simétricos so- bre uma economia operando sobre o ponto Qp. • Portanto, a política monetária, seja contracionista ou expansionista, só afeta a taxa de juros (mantendo-a acima ou abaixo da taxa de ju- ros natural) no curto prazo; no longo prazo ela tende ao seu valor natural. 5 Lembre-se de que na ausência de inflação a taxa de juros nominal é igual a real. in Tempo i Determinada pela interseção entre IS e OALP Taxa de juros efetiva: desvia-se da natu- ral devido a mudanças na LM: política monetária e choques financeiros 1 0=2 LM1(↓Ms ou ↑k/h) i1 Q1 i0=i2 OALP Qp → 1 IS i Q LM0(P0)=LM2(↓Pe→↓W→↓P) 14 3.2 Políticas fiscais e choques de demanda Exemplo 2: Imagine uma economia que já esteja no ponto Qp, e sobre a qual seja aplicada uma política fiscal contracionista – para simplificar, mediante corte dos gastos governamentais G. Os efeitos são os dos grá- ficos abaixo: a) Oferta e demanda agregada: • Curto prazo (passagem do ponto 0 ao ponto 1): O nível de produção cai de Qp para Q1, já que, como anteriormente visto, o corte dos gastos públicos reduz a demanda agregada, a produção e o emprego (inclusive com reforço do efeito multiplicador)6: ↓G →↓DA→...→↓Q,N ➢ A queda do nível de emprego (aumento da taxa de desemprego) re- duz o poder de barganha dos assalariados, reduzindo os salários no- minais7. A queda de custos é repassada aos preços, que caem de P0 para P1. • Longo prazo (passagem do ponto 1 ao ponto 2): O processo de recupe- ração da economia pelos seus mecanismos automáticos, já explicado, se repete: no ponto 1 temos produto inferior ao potencial (Q1 < Qp, desa- quecimento), implicando emprego inferior ao potencial (N < Np) e, por- tanto, excesso de oferta no mercado de trabalho (Ns > Nd), taxa de de- semprego efetiva superior à NAIRU (u > unairu) e preços efetivos inferi- ores aos esperados (P < Pe). Então, as expectativas de preços serão re- vistas para baixo (↓Pe), ocasionando nova queda dos salários nominais (↓W) e dos preços efetivos (↓P). Este último provoca queda na demanda por moeda (↓L) pelo motivo transação, o que reduz os juros e amplia o investimento, a demanda agregada e o produto (inclusive com o reforço do efeito multiplicador). Esse processo continua em operação enquanto 6 Efeito deslocamento (crowding out) parcial omitido. 7 Vale novamente a observação feita na nota de rodapé 4. 2 1 0 P0 DA0(G0) P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA1(↓G) OACP1 (↓Pe→↓W) P Q OACP0 (Pe0) 15 sua causa última (Q < Qp) persistir; ou seja, ele continuará a operar até que a economia retorne ao equilíbrio de longo prazo no ponto 2 (onde Q = Qp, N = Np, Nd = Ns, Pe = P e u = unairu). Em suma: Pe > P→↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...→ ↑Q,N. • O mecanismo automático continua reduzindo os salários nominais en- quanto a economia estiver desaquecida, só parando de operar quando o desequilíbrio no mercado de trabalho estiver eliminado, isto é, quando P = Pe, Q = Qp, Ns = Nd, N = Np e u = unairu. Portanto, a economia acaba voltando ao ponto de partida inicial. b) Observando o mesmo processo no modelo IS-LM (gráfico abaixo): • No curto prazo (passagem do ponto 0 ao ponto 1), como visto anteri- ormente, os juros caem de i0 para i1 devido ao fato de que a queda do produto reduz a demanda por moeda pelo motivo transação: ↓G→↓DA→↓Q→↓L→↓i • No longo prazo (passagem do ponto 1 ao ponto 2), os juros caem mais ainda, já que o mesmo processo anterior implica queda de preços, a qual, reduzindo a demanda por moeda pelo motivo transação, desloca a LM para a direita: Pe > P→↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i ➢ A economia se recupera, com o nível de produção aumentando de Q1 para Qp; • Portanto, o efeito deslocamento (crowding out) é total no longo prazo, qualquer que seja a inclinação da curva LM. A queda do gasto gover- namental produz um aumento do investimento privado exatamente de mesmo montante. ➢ Observe que o deslocamento do ponto de interseção entre IS e OALP diminui permanentemente a taxa de juros “natural” ou de equilíbrio de longo prazo. 2 1 0 i0 IS1(↓G) LM0(P0) i2 Qp i1 OALP Q1 → 1 IS0(G0) i Q LM1(↓Pe→↓W→↓P) 16 ➢ Uma política fiscal expansionista produziria efeitos simétricos: Elevação da taxa de juros natural; Redução do investimento privado no mesmo montante. • Efeitos similares ao dessa política fiscal contracionista seriam obtidos a longo prazo em decorrência de um choque de demanda desfavorável (↓ C e/ou c e/ou I ); ➢ Note que no longo prazo o “paradoxo da parcimônia” desapare- ce: um aumento da propensão a poupar s (= redução da propensão a consumir c) produz elevação do investimento privado. Ou seja, uma elevação da poupança causa elevação do investimento (causalidade compatível com a lei de Say). • Choques de demanda favoráveis teriam efeitos simétricos. 3.3 Choques de oferta permanentes • Exemplo 3: Imagine uma economia que já esteja operando sobre o pon- to Qp, e que sofra então um choque de oferta favorável (↓z). Este deslo- ca, como vimos, a função OACP para baixo e a OALP para a direita. a) efeitos sobre oferta e demanda agregada: • Há um choque de oferta favorável com as seguintes consequências: ➢ Curto prazo (passagem do ponto 0 ao ponto 1): Ampliação simul- tânea do produto potencial de Qp0 para Qp1 (deslocamento da OALP para a direita) e do produto efetivo de Q0 (=Qp0) para Q1 (desloca- mento da OACP para baixo). Perceba contudo que, no curto prazo, os preços caem apenas de P0 para P1, e o produto efetivo não se am- plia o suficiente para absorver toda nova capacidade produtiva que foi criada. Assim, no ponto 1, a economia apresenta um cenário de insuficiência de demanda agregada (já que Q1< Qp1) e excesso de oferta no mercado de trabalho (ou seja, Ns > Nd, N < Np e u > unairu). O salário real está acima do salário real de equilíbrio, pois os preços efetivos foram inferiores aos esperados (Pe > P) por ocasião da negociação dos contratos salariais: Q1 2 1 0 P2 OACP2(↓Pe→↓W) OALP1(↓z) P0 DA Qp0 P1 OALP0(z0) Qp1=Q2 P Q OACP0 (z0) OACP1(↓z) 17 ↓z→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...→↑Q,N (CP) Mas, ao mesmo tempo: ↓z→↑Qp > ↑Q Então Q < Qp ➢ Longo prazo (passagem do ponto 1 ao ponto 2): Volta a operar o mesmo mecanismo anteriormente assinalado para retirar a economia do desequilíbrio: Pe> P:↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...→↑Q,N ➢ O processo segue, novamente, até que Q2 = Qp1. • Através desse exemplo percebe-se melhor o significado da lei de Say: “toda a oferta cria a sua própria procura”: um aumento na oferta, ao deslocar as funções OACP e OALP para a direita, acaba provocando uma queda de salários e de preços que, no longo prazo, garante a exis- tência de demanda (“mercado”) para toda a capacidade produtiva adici- onal criada; ➢ Insuficiência de demanda agregada (“crises de superprodução”) ou excesso de demanda agregada (“superaquecimento”) são fenômenos de curto prazo, transitórios, provocados por movimentos de oferta e/ou demanda agregada que fizeram com que os preços efetivos di- ferissem dos esperados. O processo de correção das expectativas elimina tais desequilíbrios de curto prazo automaticamente no longo prazo, sem necessidade de utilização de políticas governamentais expansionistas. b) O mesmo processo no modelo IS-LM permite visualizar o efeito so- bre a taxa de juros: 1 2 0 Q1 i2 OALP1(↓z) i0 LM0(P0) Qp0 i1 OALP0(z0) Qp1=Q2 IS i Q LM1(↓z→↓P) LM2(↓Pe→↓W→↓P) 18 • Observe que, também nesse caso, o deslocamento da OALP diminui a taxa de juros “natural” ou de equilíbrio de longo prazo (de i0 para i2), mas no curto prazo a LM se desloca apenas de LM0 para LM1, de modo que a taxa de juros efetiva cai apenas de i0 para i1. • Será então necessária uma nova queda de preços (associada à nova que- da dos salários nominais) para deslocar novamente a LM, agora de LM1 para LM2 e, assim, provocar a queda da taxa de juros efetiva de i1 para i2. ➢ Choques de oferta desfavoráveis teriam impactos simétricos. 4. Debate sobre a utilização ou não de políticas macroeconômicas ati- vas no curto prazo • O longo prazo provoca um retorno ao mundo neoclássico: ➢ Lei de Say: “toda oferta cria sua própria procura”; Variações da demanda agregada não afetam o montante de pro- dução, renda real e emprego “de longo prazo”, mas apenas os desvios da média; Volta à neutralidade da moeda e à Teoria Quantitativa da Moeda (política monetária não afeta variáveis reais como produção, renda real e nível de emprego, mas apenas variáveis nominais). Política econômica no LP (se a economia já estiver no equilí- brio): não usar políticas ativistas; ▪ Política fiscal: equilibrar orçamento; ▪ Política monetária neutra (nem contracionista, nem expansi- onista) para estabilizar o nível de preços. ▪ Políticas de expansão da oferta, que permitam ampliar o pro- duto potencial, são consideradas desejáveis, na medida em que geram efeitos permanentes sobre o produto. • Porém, fica ainda a dúvida: como a economia não se encontra o tempo todo em Qp, será que é interessante utilizar políticas macroeconômicas destinadas a acelerar a convergência da economia para o ponto Qp? Ou será que é melhor manter as políticas macroeconômicas neutras e deixar a economia se reequilibrar sozinha, a partir dos mecanismos au- tomáticos previamente descritos, decorrentes da operação dos efeitos Keynes e Pigou, em um contexto de plena flexibilidade de preços e sa- lários nominais? • Exemplo: imaginemos que algum choque ou política equivocada geras- se a situação de insuficiência de demanda agregada no mercado de bens (e excesso de oferta no mercado de trabalho) conforme gráfico abaixo: 19 • Como reagir? Diferentemente do contexto do curto prazo, onde os pre- ços eram rígidos e apenas era possível a utilização de políticas macroe- conômicas expansionistas, agora há duas opções para a política econô- mica: • Uma opção consiste em deixar o sistema de preços reequilibrar automa- ticamente a economia, sem intervenção governamental, ou seja, sem mudanças na política fiscal e na política monetária, que continuariam neutras. ➢ Neste caso (gráfico abaixo), o mecanismo de ajuste automático fun- ciona da seguinte forma: os agentes econômicos (trabalhadores e empresários) percebem que erraram na estimativa de preços (perce- ba no gráfico acima que a queda dos preços de P0 para P1 surpreen- deu os agentes econômicos, que esperavam Pe0=P0), de forma que o salário real efetivo tornou-se excessivamente elevado (maior que o salário real de equilíbrio de longo prazo). ➢ O mecanismo de ajustamento automático funcionará exatamente da forma anteriormente descrita, ou seja, as expectativas de preço serão revistas para baixo (↓Pe), levando a uma redução dos salários nomi- nais (↓W). A consequente redução dos custos de produção acarreta um deslocamento da OACP para a direita e para baixo (ao longo da P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 P Q OACP0 (Pe0) OACP1 (↓Pe→↓W) P0 DA0 Q1 → 1 Qp Q OACP0 (Pe0=P0) OALP P P1 20 mesma DA), de modo que os preços caem até P2, quando a econo- mia volta ao seu equilíbrio de longo prazo no ponto Qp. Perceba que o reaquecimento da economia passa novamente pelo efeito Keynes: Pe > P: ↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...→ Q, N Note também que a função demanda agregada não se desloca com a queda de preços e salários nominais. A outra opção consiste em utilizar políticas macroeconômicas expansi- onistas, deslocando a função demanda agregada. No gráfico abaixo, su- pusemos que a política empregada com esta finalidade foi a monetária expansionista: Comparando as duas opções, percebe-se que em ambas, após o reequilí- brio: ➢ Os níveis de produção/renda real e emprego (e portanto as taxas de desemprego) são os mesmos, e iguais aos seus valores de equilíbrio de longo prazo: Q=Qp, N = Np e u = unairu; ➢ Tanto o nível de preços quanto o nível de salários nominais são mais baixos no caso da recuperação automática do que no caso da induzi- da pela política expansionista. Contudo, o salário real será exatamen- te o mesmo (= salário real de equilíbrio de longo prazo) em ambos os casos. Portanto, do ponto de vista das comparações dos dois mecanismos, os resultados de longo prazo mostram indiferença. Mas isso não esgota a questão, já que ainda há questões a tratar para resolver esse importante debate, quais sejam: Será que o mecanismo de reequilíbrio automático funciona mesmo? P0 DA1(↑Ms) Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 P Q OACP0 (Pe0) 21 Caso funcione, será que ele é mais rápido ou mais lento para reequili- brar a economia, em comparação com as políticas macroeconômicas ativistas? 4.1 Funcionamento ou não do mecanismo de reequilíbrio automático • Para a teoria ortodoxa, como vimos, existem efeitos automáticos (inde- pendentes da ação governamental) capazes de fazer uma economia re- tornar ao seu equilíbrio de longo prazo: ➢ Efeito Keynes: Q < Qp→↓W,P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...↑Q,N; ➢ Efeito Pigou: Q < Qp→↓W,P→↑(Ms/P)→↑C→↑DA→...↑Q,N; ➢ Efeito câmbio real (economia aberta, visto em Macro 3); ➢ Outros...8 • Portanto, ainda que haja armadilha da liquidez e/ou que a elasticidade- juros do investimento possa ser baixa, nada impede que cedo ou tarde a economia acabe retornando ao ponto Qp. Keynes (1936: cap. 19) argumentou, porém, que esses mecanismos au- tomáticos de longo prazo que operam através da flexibilidade de salá- rios e preços, ao invés de melhorar os níveis de emprego e renda real, PODERIAM piorá-los. • Keynes não negou que os efeitos em questão pudessem realmente ope- rar no sentido apontado pela ortodoxia. Mas chamou a atenção para uma série de efeitos desequilibradores que, em sua opinião, poderiam agir de forma a compensar a operação dos efeitos Keynes, Pigou, etc.. Incluem-se entre esses efeitos: ➢ Corte dos salários nominais redistribui renda dos trabalhadores para os capitalistas; como estes têm uma menor propensão a consumir, o consumo cai, reduzindo, e não aumentando, a demanda, produção, renda real e emprego (“efeito Kalecki”)9; ➢ Efeito sobre o endividamento (“efeito Fisher”10): em países de infla- ção relativamente baixa, dívidas privadas são contraídas em termos nominais; quedas de preços aumentam o valor real das dívidas pri- 8 Keynes também cita no cap. 19 da Teoria Geral: o efeito positivo da queda dos preços dos bens de capi- tal sobre a eficiência marginal do capital e o investimento; um possível efeito de aumento do grau de confiança, que poderia ativar o investimento e/ou o consumo e/ou reduzir os juros. 9 Em homenagem ao economista polonês Michal Kalecki, provavelmente o economista que mais enfati- zou os efeitos da mudança de distribuição de renda sobre os determinantes dos níveis de produção e em- prego. 10 Em homenagem ao economista neoclássico estadunidense Irving Fisher, primeiro a enfatizar esse efei- to. A despeito de ter feito importantes contribuições para o desenvolvimento da teoria ortodoxa, a obser- vação da importância desse efeito no auge da Grande Depressão fez com que o autor passasse a acreditar que nessas condições extremas o sistema econômico se tornasse instável. Vide Fisher, I. (1933). The debt- deflation theory of great depressions. Econometrica. 22 vadas, o que afeta negativamente o consumo e o investimento priva- dos, além da possibilidade de desencadear falências generalizadas; tais fatores reduziriam a demanda agregada, a produção e o empre- go; ➢ Redução corrente de preços pode levar a expectativas de reduções ainda maiores no futuro, implicando redução da eficiência marginal do capital, a qual reduziria o investimento, a demanda agregada, a produção e o emprego: ↓P→↓Pe→↓EMgK→↓I→↓ DA→↓Q,N; ▪ Outros...11 • Graficamente: • O gráfico acima expressa um dos possíveis casos de falha de funciona- mento dos mecanismos automáticos de reequilíbrio do mercado de tra- balho, segundo a visão de Keynes: ➢ O desequilíbrio inicial no mercado de trabalho coloca em operação o mecanismo de reequilíbrio automático: ↓Pe→↓W→ deslocamento da OACP para a direita e para baixo; ➢ Se apenas este mecanismo equilibrador estivesse em operação, co- mo antes, a economia retornaria ao ponto Qp, com os preços caindo ainda mais; ➢ Contudo, Keynes argumenta que a queda de salários nominais e de preços também provoca (devido aos efeitos desequilibradores assi- nalados anteriormente) deslocamento da curva de demanda agregada novamente para a esquerda, de DA0 para DA1; • Neste caso, surgem 3 resultados possíveis: 11 Afora efeitos de economia aberta, Keynes também cita no cap. 19 da Teoria Geral: a possibilidade de uma queda (endógena) da oferta de moeda em resposta à deflação desativar o efeito Keynes; a possibili- dade de disputas trabalhistas corroerem o grau de confiança, com efeitos negativos sobre investimento e/ou o consumo e/ou juros; e o possível impacto negativo nas finanças públicas, que podem levar os agen- tes privados a esperarem aumentos de impostos, que teriam efeito negativo sobre a eficiência marginal do capital e o investimento. P3 DA1(↓Pe→↓W) P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 OACP1 (↓Pe→W) P Q OACP0 (Pe0) OACP2 (↓Pe→W) 23 ➢ Caso 1 (efeitos equilibradores e desequilibradores “empatam”): No caso do gráfico acima, o deslocamento da função de demanda agre- gada de DA0 para DA1 devido aos efeitos desequilibradores foi su- posto do mesmo montante que o deslocamento da OACP para a di- reita e para baixo. Neste caso, os mecanismos de reequilíbrio auto- mático não funcionariam, pois o nível de produção continuaria em Q1 e o único efeito seria uma nova queda dos preços, de P2 para P3. Como o desequilíbrio não foi eliminado, novas revisões de expecta- tivas de preços e quedas de salários nominais ocorreriam, provocan- do novos deslocamentos tanto da OACP (para baixo) quanto da DA (para baixo) no mesmo montante, sem efeito sobre os níveis de pro- dução (as setas indicam a trajetória da produção e preços após su- cessivos deslocamentos das funções). ➢ Caso 2 (efeitos equilibradores > efeitos desequilibradores): No se- gundo caso (gráfico abaixo), o deslocamento da função de demanda agregada de DA0 para DA1 devido aos efeitos desequilibradores foi suposto menor do que o deslocamento da OACP para baixo. Neste caso, os mecanismos de reequilíbrio automático prevaleceriam, pois o nível de produção voltaria para Qp, após sucessivos deslocamen- tos de ambas as funções (porém mais lentamente) conforme as setas. ➢ Caso 3 (efeitos desequilibradores > efeitos equilibradores): Final- mente, um terceiro caso (gráfico abaixo) mostra a possibilidade de que o deslocamento da função de demanda agregada de DA1 para DA2 devido aos efeitos desequilibradores seja maior que o deslo- camento da OACP para a direita e para baixo. Neste caso, os meca- nismos de reequilíbrio automático seriam superados pela força dos efeitos desequilibradores: o nível de produção cairia inicialmente de Q1 para Q2, e depois cada vez mais profundamente após cada um dos sucessivos deslocamentos, acompanhadas de quedas de preços cada vez mais profundas (vide setas). Q2 → 1 DA1(↓Pe→↓W) P3 P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 OACP1 (↓Pe→↓W) P Q OACP0 (Pe0) OACP2 (↓Pe→↓W) 24 Perceba que neste caso, ao invés de reequilibrar a economia, a flexibilidade de preços e salários pode tornar-se um mecanismo gerador de desequilíbrios cumulativos, na medida em que a ca- da “rodada” de redução de preços e salários, o nível de produção se afastaria cada vez mais de Qp. Se justificaria neste caso não apenas o uso de políticas macroeco- nômicas, mas também de dispositivos que reduzissem a flexibilidade de preços e salários (como uma legislação trabalhista que impedisse ou dificultasse mudanças nos salários nominais). • Nos casos 1 e 3 acima, como os níveis de produção não retornam auto- maticamente para Qp, o único remédio consiste em utilizar políticas macroeconômicas expansionistas para atingir este intento. • Keynes não afirma que os casos 1 ou 3 aconteçam, mas que eles são possíveis. O ponto fundamental para Keynes, portanto, é que nada ga- rante, a priori, que os efeitos equilibradores decorrentes da flexibilidade de salários e preços sejam mais fortes que os desequilibradores (caso 2). Portanto, utilizar políticas macroeconômicas expansionistas é por ele considerado mais seguro do que confiar na flexibilidade de preços e sa- lários nominais como mecanismo automáticos de reequilíbrio da eco- nomia privada. • Outros heterodoxos, porém, vão mais longe, e afirmam que: ➢ Os efeitos equilibradores, como os efeitos Keynes e Pigou, carecem de fundamentação teórica e/ou empírica (Serrano e Ribeiro, 2004)12; ➢ Portanto, para estes autores, o caso 2 nunca acontece, mas sim os casos 1 ou 3. • A ortodoxia contra argumenta, tentando mostrar que: 12 Para uma crítica desses efeitos, vide Serrano, F. e Ribeiro, R.T. (2004) “Notas Críticas sobre a Curva de Demanda Agregada”. In: Economia-Ensaios, Uberlândia, 18(2)/19(1): 123-143, jul. e dez. Disponível em http://www.ie.ufu.br/revista/edicoes/Economia_Ensaios_vol18%282%29vol19%281%29_2004.pdf#page=123. OACP2 (↓Pe→↓W) Q3 → 1 Q2 → 1 DA1(↓Pe→↓W) P3 P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 OACP1 (↓Pe→↓W) P Q OACP0 (Pe0) 25 ➢ O efeito desequilibrador da redistribuição de renda é empiricamente insignificante (Blinder, 197513); ➢ O efeito desequilibrador de uma queda de preços sobre as dívidas reais ou sobre a EMgK é temporário (Tobin, 198014); ➢ Para esta vertente, portanto, os efeitos desequilibradores podem ser desconsiderados em uma análise de longo prazo; pode-se tomar en- tão como caso geral aquele no qual a função demanda agregada não é deslocada pela mudança dos salários, com apenas os efeitos equi- libradores considerados15; ➢ Assim, tais autores concluem que deste ponto de vista e até este ponto da argumentação, não há nada que favoreça a ação de uma política macroeconômica expansionista em relação ao mecanis- mo de reequilíbrio automático induzido pela perfeita flexibili- dade de preços e salários nominais. • O ponto em questão estabelece a linha divisória entre a macroecono- mia ortodoxa e a heterodoxa: ➢ Ortodoxos explicita ou implicitamente admitem que o caso 2 acima narrado é o caso geral, e as economias de mercado são intrinseca- mente estáveis. ➢ Heterodoxos admitem ao menos a possibilidade dos casos 1 e 3 e, portanto, de que as economias de mercado sejam intrinsecamente instáveis. 4.2 A velocidade da transição do curto para o longo prazo A discussão anterior, contudo, não esgota o assunto sobre se é melhor utilizar as políticas macroeconômicas ativistas para corrigir os desequi- líbrios de curto prazo ou confiar nos mecanismos de ajuste automático decorrentes da plena flexibilidade de preços e salários nominais. Dentro da própria ortodoxia existe essa percepção, pois mesmo que se adotasse a hipótese de que os efeitos equilibradores sempre sejam mais fortes que os desequilibradores, ainda assim o processo de ajuste auto- mático pode ser tão lento que, na prática, se torne irrelevante; ➢ Para entender porque, é preciso lembrar que toda a argumentação anterior foi desenvolvida com base na hipótese de coeteris paribus: depois do choque inicial de demanda, as reações (equilibradoras ou 13 Blinder, Alan (1975) “Distribution Effects and the Aggregate Consumption Function”. In: The Journal of Political Economy, Vol. 83, No. 3 (Jun., 1975), pp. 447-475. 14 Tobin, James (1980) Asset Accumulation and Economic Activity: Reflections on Contemporary Macro- economic Theory. Chicago: University of Chicago Press. Tradução para português: Acumulação de Ati- vos e Atividade Econômica. São Paulo: Vértice, 1987. 15 Há exceções mesmo entre autores ortodoxos, como por exemplo De Long, B. and Summers, L. (1985) “Is Increased Price Flexibility Stabilizing?” in: NBER Working Paper no. 1686; e Hahn, F. e Solow, R. (1995) A Critical Essay on Modern Macroeconomic Theory. Cambridge: MIT Press. Evidentemente, tais autores encontram-se virtualmente na linha divisória entre ortodoxia e heterodoxia. 26 desequilibradoras) da economia são consequências do choque inici- al; ➢ Por suposição, nenhum outro choque de nenhuma espécie atingiu a economia durante todo o processo de transição da economia do cur- to para o longo prazo; ➢ Esta é uma hipótese simplificadora útil para compreender didatica- mente o processo de ajuste automático; contudo, para analisar qual das duas opções é a melhor, o uso das políticas macro ativistas ou a confiança nos mecanismos automáticos de mercado, ela pode gerar um importante erro de percepção acerca da forma de funcionamento da economia. ➢ Isto porque, na prática, choques de demanda, de oferta e outros mu- dam constantemente de posição os níveis de produção e preços; ➢ Se tais choques são frequentes, e se o mecanismo de ajuste automá- tico decorrente da flexibilidade de preços e salários for lento, antes de o ponto de equilíbrio ser atingido, ele novamente será deslocado por tais choques; • A situação pode ser mais bem compreendida conforme o gráfico abai- xo. Para não tornar o gráfico difícil de entender, desenharemos apenas a curva de oferta de longo prazo OALP e certos pontos cheios. Estes de- vem ser interpretados como pontos de equilíbrio de curto ou de longo prazo, conforme estejam ou não sobre a função OALP. • Suponha que a economia de um país encontre-se inicialmente em seu ponto de equilíbrio de longo prazo A, mas que, como anteriormente, um choque de demanda desfavorável a desloque para um ponto de equilí- brio de curto prazo (interseção OACP com DA) como B; • O ponto B, contudo, não é um ponto de equilíbrio de longo prazo, já que está à esquerda de OALP. Os mecanismos automáticos decorrentes da flexibilidade de preços e salários nominais entrarão em ação e tenta- rão conduzir a economia a seu novo ponto de equilíbrio de longo prazo (interseção da nova DA com OALP), digamos, o ponto C; Qp OALP P Q A B C D E 27 • Contudo, em um cenário de choques frequentes e de lentidão no proces- so de ajuste automático, antes que a economia atinja o ponto C ela pode sofrer um novo choque (por exemplo, de oferta temporário agora) e ser deslocada, digamos, para um novo ponto de equilíbrio de curto prazo D (superaquecimento); • Estando fora de seu equilíbrio de longo prazo, a economia iniciará uma nova trajetória em direção a ele (digamos, ponto E); mas novos choques podem interromper a trajetória e lançá-la novamente para longe de seu equilíbrio de longo prazo; • E assim sucessivamente... • Em suma: na prática, se os choques forem muito frequentes e a veloci- dade de ajuste para o equilíbrio de longo prazo for muito lenta, pode ocorrer uma situação em que nunca, ou quase nunca, há tempo para a economia atingir o equilíbrio de longo prazo através de seu mecanismo automático; a economia estará quase sempre em desequilíbrio, como no gráfico abaixo: • A tendência ao equilíbrio de longo prazo ainda estaria presente mas mesmo assim, a economia ficaria a maior parte do tempo em desequilí- brio. ➢ Usando a linguagem de teoria dos sistemas complexos adaptativos, o equilíbrio de longo prazo seria um “atrator fraco”; ➢ De acordo com esse argumento, o longo prazo macroeconômico se- ria uma espécie de prazo “virtual”, que nunca se efetiva; ➢ Keynes: “o LP não existe”... “no LP estaremos todos mortos”. • Neste caso, o capitalismo seria instável, e o uso de políticas macroeco- nômicas ativistas poderia ser defendido com base no argumento de que se trata de uma forma mais rápida de fazer a economia atingir o equilí- brio no ponto Qp e permanecer nas proximidades dele. O Estado, atra- vés das políticas macroeconômicas ativistas, teria um papel estabiliza- dor sobre a economia, melhorando o resultado geral e o bem-estar soci- al. Qp OALP P Q 28 • Uma posição bastante diferente poderia ser defendida caso os choques fossem pouco frequentes e/ou pouco significativos e a velocidade de convergência do sistema econômico para a posição de equilíbrio de longo prazo for elevada. Neste caso, a situação seria como a ilustrada no gráfico abaixo: • A economia ficaria agora a maior parte do tempo no ou muito próxima do seu equilíbrio de longo prazo. ➢ O equilíbrio de longo prazo seria um “atrator forte”, e o longo prazo macroeconômico seria uma situação corriqueira; • A economia seria estável; se justificaria plenamente o abandono das políticas macroeconômicas ativistas e a confiança nos mecanismos au- tomáticos de reequilíbrio do mercado, baseados na flexibilidade de pre- ços e salários. ➢ O uso de políticas macroeconômicas ativistas não seria recomenda- do, pois estas poderiam até mesmo aumentar a instabilidade do sis- tema econômico. A atuação do Estado é vista agora como fonte de instabilidade. Explica-se assim a importância da discussão acerca da chamada “velo- cidade de ajuste” do sistema econômico aos desequilíbrios, ou velocida- de de convergência para o equilíbrio de longo prazo. No fundo, trata-se de uma pergunta simples: quanto tempo demora o sistema econômico para, uma vez perturbado por um choque, retornar ao seu equilíbrio de longo prazo? Ou, em outros termos, quanto tempo dura o curto prazo? ➢ Se a velocidade de ajuste for baixa, demorará muito tempo para que a economia retorne ao seu equilíbrio de longo prazo, e o curto prazo durará bastante; muitos autores argumentam que, neste caso, se justi- ficaria o uso de políticas macroeconômicas ativistas para acelerar a eliminação dos desequilíbrios de curto prazo, ou seja, para acelerar o processo de convergência para o equilíbrio de longo prazo. ➢ Se a velocidade de ajuste for alta, o equilíbrio de longo prazo será rapidamente alcançado, o curto prazo será realmente muito curto e o uso de políticas macroeconômicas ativistas não seria visto como ne- cessário. Qp OALP P Q 29 Que fatores, portanto, afetam a velocidade de ajuste do sistema econô- mico aos desequilíbrios? Retomemos o mecanismo de ajuste através do efeito Keynes: sempre que Q < Qp, P < Pe. Portanto: ↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...↑Q,N. Os dois primeiros passos são essenciais para determinar a velocidade de ajuste: ➢ Com que velocidade as expectativas de preços erroneamente forma- das são corrigidas? ➢ Com que velocidade as novas expectativas são incorporadas nos con- tratos trabalhistas, isto é, qual o grau de flexibilidade dos contratos? ▪ A resposta a estas duas perguntas fundamentais permite distinguir as 4 principais vertentes do pensamento ortodoxo, conforme a ta- bela abaixo: Contratos Rígidos Flexíveis Modelo de formação de expecta- tivas Exógenas Síntese neoclássica- “keynesiana” Adaptativas Monetarista Racionais Novo keynesiana/NSN Novo clássica Expectativas exógenas: nenhuma correção significativa de expectativas de inflação; Expectativas adaptativas: correção de expectativas relativamente len- ta; Expectativas racionais: relativamente rápida correção de erros expec- tacionais; Contratos rígidos: contratos não podem ser mudados instantaneamente; consequência: lentidão na incorporação de novas expectativas nos con- tratos; Contratos flexíveis: mercado de trabalho funciona como um leilão, contratos são renegociáveis instantaneamente de acordo com a vontade dos contratantes (“hipótese de recontratação”); consequência: incorpo- ração instantânea de novas expectativas nos contratos; Podemos, a partir dessas ideias, ordenar essas vertentes ortodoxas con- forme a velocidade de ajuste que elas postulam para o sistema econômi- co (da menor para a maior velocidade de ajuste): 30 Sínt. neocl.-keynesiana < novo keynesiana < monetarista < novo clássica Quanto mais à esquerda nesta lista, menor a velocidade percebida de ajuste automático do sistema econômico, e maior a necessidade perce- bida do uso de políticas macroeconômicas ativistas; e vice-versa. 4.3 Friedman e a questão das defasagens Milton Friedman (monetarista) argumentou contra as políticas macroe- conômicas “ativistas”, que tentam reconduzir a economia ao ponto de produto potencial Qp. Para ele, pode até ser que o mecanismo automático via flexibilidade de salários nominais e preços não seja realmente muito rápido para recon- duzir a economia a pleno emprego permanentemente (“falha de merca- do” devida a falhas informacionais – ausência de informação perfei- ta). Friedman observa, porém, que considerar a existência de certa lentidão no ajuste do mercado de trabalho (“falhas de mercado”) sem que se con- sidere também as falhas de governo (que tampouco tem informação per- feita, e que pode até ter informação mais imperfeita que os agentes pri- vados) torna a discussão enviesada a favor do uso das políticas macroe- conômicas ativistas. A consideração adequada das falhas de governo permitiria então uma visão mais equilibrada do assunto. ➢ Ademais, Friedman lembra que embora em uma economia de merca- do com laissez-faire os contratos sejam teoricamente flexíveis, na prá- tica a intervenção governamental que ocorre através da legislação tra- balhista nas relações entre patrões e empregados gera rigidez contra- tual e diminui a velocidade de convergência da economia para o equi- líbrio. Advoga, portanto, a redução da interferência governamental nestas relações (“flexibilização trabalhista”) como forma de aumentar tal velocidade. As políticas macroeconômicas ativistas, ao tentarem manter a economia o tempo todo em Qp (chamadas também de políticas de “sintonia fina”), estariam inerentemente fadadas ao fracasso, já que existiriam vários ti- pos de defasagem cercando a atuação da política econômica (“falhas de governo”): ➢ Defasagens de percepção (ou reconhecimento): os responsáveis pe- la execução da política econômica (policy makers) demoram a perce- ber que a economia afastou-se de Qp; 31 ➢ Defasagens de execução (inclui as de decisão e introdução): as po- líticas macroeconômicas corretas para cada situação demoram a ser implantadas; ➢ Defasagens de resposta (ou efetividade): a economia demora a res- ponder ao estímulo da política depois que ela é colocada em prática. A soma dessas defasagens pode fazer com que, quando a política macroeconômica adotada finalmente gerar as respostas que dela se espera, o motivo que a gerou pode ter deixado de existir, e a eco- nomia talvez seja mais prejudicada que auxiliada. ▪ Por exemplo, uma situação de insuficiência de demanda agrega- da poderia ser corrigida mediante políticas monetárias e/ou fis- cais expansionistas. Contudo, as defasagens envolvidas podem fazer com que quando tais políticas finalmente começarem a dar resultados, a economia já não esteja mais na mesma situação, mas superaquecida! Neste caso, as políticas empregadas gerariam ainda mais superaquecimento e pressões inflacionárias; e vice- versa. A conclusão é que as políticas macroeconômicas ativistas, neste contexto, ao invés de contribuírem para estabilizar a economia, po- dem muito bem gerar choques que tornem a economia mais instá- vel. Considerando o potencial de instabilidade das políticas macroeconômi- cas ativistas, Friedman recomendou sua substituição pela utilização de metas para a política econômica. A intenção é neutralizar a ação das po- líticas macroeconômicas para que elas deixem de gerar perturbações por causa das defasagens. ➢ Esta é a origem do sistema de metas de inflação, metas fiscais, etc.. Friedman preferia, ao invés de uma política de metas de inflação atualmente em curso em vários países, uma política de crescimento da oferta de moeda a uma taxa constante e igual à da produção po- tencial vezes a elasticidade-renda da demanda por moeda. Seu ar- gumento será examinado com mais cuidado no próximo tópico. ▪ Isso exige (como veremos em Macro aberta) a manutenção de um sistema de taxas de câmbio flutuantes. Os economistas mais favoráveis ao uso de políticas macroeconômicas ativistas (vertentes mais à esquerda no ordenamento anteriormente apre- sentado das escolas ortodoxas), embora reconheçam a existência de de- fasagens, afirmam que Friedman exagerou as falhas de governo e mini- mizou as de mercado. As seguintes ideias lastreiam tal posição: 32 ➢ A rigidez dos contratos trabalhistas não decorre exclusivamente da ação da legislação trabalhista, mas é uma característica ineren- te ao funcionamento da própria economia privada. Economistas novos keynesianos/NSN desenvolveram vários mode- los tentando demonstrar que tanto empresários quanto trabalhadores preferem contratos dotados de certo grau de rigidez (devido a cus- tos de renegociação, incerteza, etc.). Tais contratos seriam ótimos do ponto de vista microeconômico, ou seja, consistentes com a ma- ximização de lucro e/ou utilidade de cada agente individual (e por- tanto com o postulado de racionalidade); mas seriam sub-ótimos no sentido macroeconômico, pois acarretariam lentidão de ajuste do mercado de trabalho e, portanto, redução de bem-estar social. ➢ É verdade que a existência de defasagens cria problemas para as polí- ticas macroeconômicas ativistas, mas eles podem ser reduzidos atra- vés de uma série de mecanismos, como por exemplo: Ao invés de guiar a política macroeconômica apenas pela observa- ção do estado presente da economia, pode-se utilizar também indi- cadores antecedentes, isto é, certos indicadores que permitem pre- ver antecipadamente o comportamento futuro da economia; Instrumentos legais e institucionais que reduzam as defasagens de introdução (medidas provisórias, delegação legislativa, etc..); ▪ Keynes: separação do orçamento corrente do orçamento de in- vestimentos; ➢ É verdade que os governos (assim como os agentes privados) enfren- tam sérios problemas informacionais; mas, pelo menos no que concer- ne a informações macroeconômicas, nada garante que as disponíveis ao governo sejam inferiores às disponíveis ao setor privado, podendo até mesmo o contrário ocorrer. 4.4 Ciclo político. ❖ Outro argumento importante utilizado pela ortodoxia contra o uso de políticas macroeconômicas ativistas por parte dos governos consiste na visão de que, embora na teoria essas possam melhorar o desempenho macroeconômico, na prática pode ocorrer o contrário. ❖ Isso porque frequentemente se imagina que os gestores da política eco- nômica sejam meros técnicos voltados ao bem comum, mas na prática sua ação reflete os interesses políticos dos governantes aos quais se en- contram vinculados. 33 ➢ Em particular, a necessidade de popularidade e votos, especialmente em períodos importantes para as eleições, compromete a execução da política macroeconômica. ➢ Isso cria um incentivo para que, qualquer que seja o partido no poder, e em qualquer país, as políticas macro se tornem excessi- vamente expansionistas em períodos pré-eleitorais, obrigando-as a se tornarem mais contracionistas do que o necessário no período imedi- atamente posterior às eleições. ➢ Esse movimento pendular seria tão forte que criaria um verdadeiro ciclo econômico político: em anos eleitorais produção e emprego se- riam mais elevados, o oposto ocorrendo nos anos pós-eleições. ▪ Mais sobre isso em Macro 3 (teoria dos ciclos econômicos). ❖ Todos concordam que se trata de um problema importante, mas como ele não atinge apenas a economia, é um problema mais geral, que pode ser amenizado por instituições adequadas. 4.5 Histerese ❖ Trata-se de um termo oriundo da Física, que define situações em que variáveis que teriam efeito supostamente transitório (de curto prazo) acabem tendo efeitos permanentes (de longo prazo). ❖ Texto pioneiro: Blanchard e Summers (1986)16. ❖ A ideia básica é que crises temporárias (por exemplo, situações de insu- ficiência de demanda agregada no mercado de bens / excesso de deman- da agregada no mercado de trabalho) poderiam causar danos permanen- tes à economia, reduzindo a oferta agregada de longo prazo. ➢ Neste caso, surgiria uma ligação entre os lados da oferta e demanda agregada que não passaria pelo sistema de preços, mas por outros mecanismos, que gerariam histerese. ❖ Um exemplo de histerese: o efeito do desemprego sobre a produtivida- de. ➢ Em vários tipos de ocupação, a produtividade depende do exercício contínuo da atividade. Se o trabalhador fica desempregado, sua pro- dutividade cai, e quanto maior o período de desemprego, maior a perda. O gráfico abaixo ilustra o problema: 16 Blanchard, O.J. and Summers, L.H., 1986. Hysteresis and the European unemployment problem. NBER macroeconomics annual, 1, pp.15-78. 34 Suponha que a economia esteja inicialmente em situação de insuficiên- cia de demanda agregada, de modo que Q0 < Qp e, portanto, u > unairu. Suponha adicionalmente que: ➢ O governo não utilize políticas macroeconômicas expansionistas, na esperança de que as forças de mercado reativem a economia; ➢ As forças de mercado reajam lentamente ao desequilíbrio em ques- tão. O resultado é que, conforme o tempo passa, o tempo em que os desem- pregados estão afastados de suas atividades aumenta, reduzindo a pro- dutividade total dos fatores (j) da economia. Isso, por sua vez, teria co- mo resultado o deslocamento da função OALP para a esquerda, dimi- nuindo o produto potencial (efeito de longo prazo). O argumento pode ser usado para defender uma resposta mais ativa e expansionista da política macroeconômica, pois tais políticas, expandin- do o produto e o emprego na direção do potencial, minimizariam a per- da de produto potencial, evitando que houvesse tempo para a OALP se deslocar muito para a esquerda. Esta discussão sobre a utilização ou não de políticas macroeconômicas ativas será interrompida temporariamente, até que tenhamos mais ele- mentos para dar continuidade a ela. 5. Sumário (até agora...) • Visão ortodoxa, compartilhada por todas as quatro vertentes tratadas (síntese keynesiano-neoclássica, novo keynesiana (NSN), monetarista e novo clássica) → dicotomia fundamental entre curto e longo prazo: ➢ Curto prazo macroeconômico: Possibilidade de desequilíbrio do mercado de trabalho e, por consequência, de que todas as variáveis reais da economia (pro- Histerese(↓j) P0 Qp OALP0(j0) Q0 → 1 DA0 P Q OACP0 35 dução, emprego, taxa de juros reais, salários reais, etc.) estejam fora de seus valores de equilíbrio de longo prazo; Políticas monetárias e fiscais afetam produção, emprego e outras variáveis reais (salários reais, taxas de juros reais, etc.); ➢ Longo prazo macroeconômico: Equilíbrio do mercado de trabalho; por consequência, todas as variáveis reais da economia (produção, emprego, taxa de juros reais, salários reais, etc.) atingem seus valores de equilíbrio de longo prazo; Neutralidade da moeda: políticas monetárias afetam todas as va- riáveis nominais na mesma proporção, de modo que nenhuma variável real é afetada. Políticas fiscais afetam a taxa real de juros de longo prazo e a composição do PIB17, mas não são capazes de afetar produção, emprego e preços pelo lado da demanda; ▪ Pelo lado da oferta, porém, quanto menor a carga tributária (e, portanto, o tamanho do Estado), maiores os níveis de pro- dução e emprego potenciais, e os salários reais de equilíbrio de longo prazo; e menores a taxa de juros real de longo prazo e a taxa natural de desemprego. Portanto, apenas mudanças nas variáveis de oferta são capazes de afetar as variáveis reais no longo prazo. • Visão heterodoxa: não há dicotomia conceitual entre curto e longo pra- zo macroeconômico. ➢ O longo prazo deveria ser interpretado apenas como uma sequência de “curtos prazos”, e não como um período de tempo efetivamente atingido no qual se inverteriam os resultados de curto prazo. ➢ Assim, as políticas fiscais e monetárias são vistas como capazes de afetar as variáveis reais permanentemente, e não apenas no curto prazo. As políticas monetárias e fiscais nunca seriam “neutras”; ou seja, elas sempre poderiam afetar produto e emprego; o que não quer dizer que devam ser utilizadas sempre para aumentar produção e emprego, já que também podem elevar os preços. • Para Keynes e outros autores heterodoxos, os efeitos das políticas ex- pansionistas provavelmente seriam maiores sobre emprego e produção e menores sobre preços quanto maior fosse o prazo decorrido a partir de sua introdução; isto porque em prazos mais longos (conceito microe- 17 Como veremos no próximo tópico, a vertente novo clássica argumenta que a política fiscal, pelo lado da demanda, não afeta tampouco a taxa de juros real e a composição do PIB. Tais resultados são decor- rência da chamada equivalência ricardiana, ou teorema de Barro - Ricardo. 36 conômico), a oferta seria considerada mais, e não menos elástica (em prazos suficientemente longos, a própria capacidade produtiva poderia ser expandida pela ampliação do estoque de capital). • No que concerne ao debate entre as vertentes que defendem a utilização de políticas macroeconômicas ativistas e as que são contra tal uso, po- demos sintetizar os argumentos na tabela abaixo: Temas concernentes ao debate acerca da conveniência da utili- zação das políticas macroeconômicas ati- vistas no CP Argumentos favorá- veis Argumentos contrá- rios Capacidade da flexibi- lidade de preços e salá- rios reconduzir a eco- nomia ao seu equilíbrio de longo prazo (ponto Qp) PODE ser incapaz (Keynes) ou É sempre incapaz (heterodoxos mais radicais) Sempre capaz Efeito das hipóteses acerca da formação de expectativas sobre a velocidade de retorno ao ponto Qp Expectativas exógenas ou adaptativas diminu- em a velocidade de re- torno Expectativas racionais aumentam a velocidade de retorno Efeito das hipóteses acerca da flexibilidade de contratos sobre a velocidade de retorno ao ponto Qp Contratos rígidos dimi- nuem a velocidade de retorno Contratos perfeitamen- te flexíveis aumentam a velocidade de retorno Fontes de rigidez con- tratual enfatizadas Os próprios contratos livremente negociados Interferência governa- mental (legislação tra- balhista) Existência de defasa- gens de política eco- nômica (“falhas de go- verno”) Consideradas exagera- das e passíveis de se- rem minoradas Muito importantes 37 Ciclos políticos Consideradas exagera- das e passíveis de se- rem minoradas Muito importantes Histerese Presença exige políti- cas macroeconômicas ativistas Inexistentes ou pouco importantes
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1 TÓPICO 5: DO CURTO AO LONGO PRAZO MACROECONÔ- MICO ROTEIRO: 1. Introdução 2. Do curto ao longo prazo: mecanismos automáticos de reequilíbrio 3. Política econômica e choques no longo prazo 3.1. Política monetária 3.2. Política fiscal e choques de demanda 3.3. Choques de oferta permanentes 4. Debate sobre a utilização ou não de políticas macroeconômicas ativas no curto prazo 4.1. Funcionamento ou não do mecanismo de reequilíbrio automático 4.2. A velocidade de retorno para o equilíbrio de longo prazo 4.3. Friedman e a questão das defasagens 4.4. Ciclo político 4.5. Histerese 5. Sumário 1. Introdução Vimos que, no curto prazo macroeconômico (até tópico 3), os mercados de bens e monetário (financeiro) se equilibram, mas o mercado de tra- balho pode permanecer em desequilíbrio, de modo que o nível de pro- dução efetiva Q pode ser diferente do nível de produção potencial Qp. No longo prazo macroeconômico (tópico 4), porém, também o mercado de trabalho se equilibra, em função da existência (por hipótese) de uma perfeita flexibilidade de preços e salários. O foco do presente tópico consiste em examinar justamente a transição da economia do curto para o longo prazo. Em outras palavras, trata-se de estudar os mecanismos através dos quais, segundo a teoria ortodoxa, o nível de produção efetivo Q (curto prazo macroeconômico) de uma economia de mercado tende a convergir, no longo prazo, para o nível de produção potencial Qp. Neste caso, entrarão em operação os chamados “mecanismos automáti- cos” de equilíbrio da economia, ou seja, mecanismos que, pelo funcio- namento do sistema de preços da própria economia privada – isto é, independentemente da ação da política macroeconômica – tenderiam, coeteris paribus, a reconduzir a economia ao nível de produção poten- cial Qp no longo prazo. ➢ Como vimos, no modelo de concorrência perfeita isto significa “pleno emprego” (ausência de desemprego involuntário), mas no modelo de concorrência imperfeita, não. 2 ➢ Obs. 1: Lembre-se que “longo prazo” é um período de tempo teóri- co, e não um prazo certo de tempo: é o tempo necessário... para que a flexibilidade de preços e salários reequilibre a economia no ponto Qp! Como veremos, algumas escolas de pensamento argumentam que a economia, de fato, nunca (ou quase nunca) chega neste equilíbrio de longo prazo. Ele seria, então, uma mera “curiosida- de teórica”. Outras escolas argumentam que, pelo contrário, a economia está praticamente o tempo todo nesse equilíbrio, desviando-se dele raramente, por períodos de tempo insignificantes. Resultam, portanto, recomendações de política econômica com- pletamente diferentes por parte dessas escolas, como veremos. ➢ Obs. 2: Embora no longo prazo macroeconômico, ainda estamos no curto prazo microeconômico (ou marshalliano), e que portanto Qp não cresce sistematicamente. Os determinantes de Qp podem mudar uma vez, mas não mudarão continuamente. Mudanças sistemáticas em Qp serão objeto de estudo da teoria do crescimento. Para entender completamente o que vem a seguir, é fundamental distin- guir os seguintes conceitos: ➢ Choques (exógenos): são mudanças bruscas no comportamento dos agentes privados, que ocorrem o tempo todo, e que deslocam a eco- nomia de seu equilíbrio inicial (de curto ou longo prazo) para outro equilíbrio (de curto prazo). Exemplos: Choques expectacionais; Choques de oferta; Choques de demanda autônoma; Choques financeiros, etc.. ▪ Podem ser favoráveis (↑Q, N) ou desfavoráveis (↓Q, N). ➢ Políticas econômicas (exógenas): resultam de decisões governa- mentais. Exemplos: Políticas fiscais; Políticas monetárias; Políticas cambiais, etc.. ▪ Podem ser estabilizadoras (aproximam a economia de Qp) ou desestabilizadoras (afastam a economia de Qp); ➢ Forças automáticas (ou endógenas) de mercado: reação dos agen- tes privados, via oferta e demanda agregada, aos desequilíbrios ge- rados por choques e/ou políticas desestabilizadoras. 3 ▪ Podem ser equilibradoras (aproximam a economia de Qp) ou desequilibradoras (afastam a economia de Qp). 2 Do curto ao longo prazo: mecanismos automáticos de reequilíbrio No conjunto de gráficos abaixo o equilíbrio de longo prazo é obtido conforme o Tópico 4 (seguindo as setas pretas): ➢ No Gráfico 1, a interseção (ponto E) das funções oferta (Ns) e de- manda (Nd) de trabalho determina, simultaneamente, o salário real de equilíbrio de longo prazo [(W/P)E] e o nível de emprego potencial Np; ▪ Np será um ponto de pleno emprego se supusermos um modelo com concorrência perfeita; mas se for adotado um modelo com concorrência imperfeita, poderá haver desemprego involuntário (e estrutural) mesmo no ponto Np; Qp Q0 r rn0 DA A Pe0 Graf. 5 Graf. 4 Graf. 3 Graf. 2 Graf. 1 0 Ns0 u0 E 0 (W/P)0 N0 N0 N0 Q0 Q0 OALP Q0 P0 PELP DAe Qp P Q 45° Qp Qp Q Q N Nd(j0, K0, te0) unairu Np Qp Np FP(j0, K0) N Q (W/P)E Np Ns(Pop0, 0; z0) N W/P 0% 100% N u Q=Q OACP0(Pe0) E r0 Graf. 6 4 ➢ No Gráfico 2, a projeção do ponto Np na função de produção FP de- termina o nível de produção potencial Qp; ➢ No Gráfico 3, a projeção do ponto Np na reta determina a taxa de de- semprego de equilíbrio (ou estrutural) unairu. ➢ No Gráfico 4, a projeção do ponto Qp a partir do segundo gráfico permite rebater o mesmo ponto para o eixo x; ➢ No Gráfico 5, a projeção do ponto Qp do quarto gráfico permite de- terminar a posição (vertical neste ponto) da função oferta agregada de longo prazo (OALP); a função demanda agregada (DA), que per- mite determinar, no ponto de interseção com a OALP, o nível de preços de equilíbrio de longo prazo (PELP). No Gráfico 6, a projeção do ponto Qp do quarto gráfico na função IS permite determinar a posição da taxa de juros real de equilíbrio de longo prazo, ou natural (rn0). Já no equilíbrio de curto prazo a sequência de determinação do grá- fico é invertida, iniciando-se no Gráfico 5 (setas azuis). Tal qual no Tópico 3, ele é gerado pela interseção (ponto 0) das funções de demanda agregada e oferta agregada de curto prazo (OACP0), que determinam o nível de produto efetivo Q0 < Qp e o nível de preços inicial P0 > PE. Há, portanto, insuficiência de demanda agregada. ➢ No Gráfico 6, a projeção do ponto Q0 a partir do quarto gráfico per- mite determinar a taxa de juros real efetiva (r0 > rn0); ➢ No Gráfico 4, a projeção do ponto Q0 a partir do quinto gráfico per- mite rebater o mesmo ponto para o eixo y; ➢ No Gráfico 2, a projeção do ponto Q0 na função de produção FP de- termina o nível de emprego efetivo N0 < Np; ➢ A partir do Gráfico 2, dois caminhos são possíveis: ▪ Para baixo, no gráfico 3, a projeção do ponto N0 sobre a reta per- mite obter a taxa de desemprego efetiva u0 > unairu. ▪ Para cima, no Gráfico 1, a projeção do ponto N0 sobre a função de demanda por trabalho Nd permite obter (ponto 0) o salário real efetivo (W/P)0 > (W/P)E. Projetando-se esse nível de salário real na função oferta de trabalho Ns (linha tracejada azul), percebe-se que a esse salário a quantidade ofertada de trabalho é Ns0 > N0. A quantidade ofertada é portanto maior que a quantidade demanda- da de trabalho, e há excesso de oferta no mercado de trabalho. Uma diferença significativa do aqui exposto em relação ao Tópico 3 é que o nível de preços esperado Pe0 é agora uma variável endógena: ele se localizará sempre na interseção das funções OALP, DAe (linha azul tracejada) e OACP (ponto A do Gráfico 5). Para entender a razão disso, siga os seguintes passos lógicos: 5 ➢ Lembre-se que, conforme visto no Tópico 4, cada ponto da função OALP corresponde a um ponto de interseção das funções Ns e Nd no Gráfico 1, isto é, a um ponto de equilíbrio no mercado de trabalho; e portanto a um salário real de equilíbrio (W/P)E; ➢ As funções Ns e Nd foram construídas sob a hipótese de informação perfeita; em particular, de que empresas e indivíduos (ou sindicatos) acertem suas expectativas acerca dos preços futuros (P = Pe); ➢ Portanto, a economia só estará no ponto Qp (sobre a função OALP) quando os agentes acertarem as expectativas de preço (P = Pe); ▪ Mas os agentes só acertarão as expectativas de preço (P = Pe) se previrem corretamente a demanda agregada (DAe = DA); e ape- nas neste caso a economia estará em seu equilíbrio de longo pra- zo; • No gráfico acima, supõe-se DA < DAe P < Pe (insuficiên- cia de demanda agregada, Q < Qp). • Perceba que, se pelo contrário, os agentes tivessem subestima- do a demanda agregada (DA > DAe), o nível geral de preços seria superior ao esperado (P > Pe), e a economia estaria em si- tuação de superaquecimento (Q > Qp). Contudo, para a teoria ortodoxa esses desequilíbrios no mercado de tra- balho não podem persistir indefinidamente. Forças equilibradoras au- tomáticas (de mercado), decorrentes do livre funcionamento do próprio sistema de preços (e não da política macroeconômica do go- verno) entrarão em operação para reconduzir a economia ao seu ponto de equilíbrio. ➢ Para entender corretamente a forma como essas forças equilibradoras automáticas operam, é preciso entender corretamente a razão do de- sequilíbrio original. ➢ Como visto, no ponto 0 do Gráfico 1 há excesso de oferta de traba- lho, e o salário real efetivo é maior que o de equilíbrio; enquanto is- so, no gráfico 5 há insuficiência de demanda agregada. ➢ Esses dois aspectos estão relacionados: a microeconomia ensina que sempre que o preço de uma mercadoria qualquer é fixado em um ní- vel excessivamente elevado (em relação ao preço de equilíbrio), ela “encalha”, ou seja, os ofertantes (empresas produtoras) não conse- guem vender a quantidade que gostariam a esse preço. Há então ex- cesso de oferta dessa mercadoria, e seu preço cairá até o nível neces- sário para absorver este excesso. ➢ Na visão ortodoxa, algo similar ocorre no caso da mercadoria força de trabalho: se o salário real (que é o preço da mercadoria força de trabalho) for estabelecido em um nível excessivamente elevado (em relação ao salário real de equilíbrio) – como no ponto 0 do Gráfico 1 6 – então os ofertantes de trabalho (trabalhadores) não conseguem vender a quantidade de força de trabalho que gostariam (Ns0) a este salário real. Há excesso de oferta de trabalho, e o salário real terá que de alguma forma cair até (W/P)E para absorver este excesso. ➢ Por que, porém, o salário real se tornou excessivamente elevado em relação ao salário real de equilíbrio? Para entender este ponto, lem- bre-se que embora o salário real seja o fundamental para as decisões de ofertar trabalho (trabalhadores) e demandar trabalho (empresas), o salário é efetivamente negociado em termos nominais, tendo em vis- ta uma expectativa de preço Pe para o futuro. ➢ Se a demanda agregada (e portanto os preços) efetivamente se com- portarem de forma diferente do esperado pelos agentes (DA ≠ DAe P ≠ Pe), o salário nominal acordado entre as partes corresponderá a um salário real efetivo diferente do necessário para manter o mer- cado de trabalho em equilíbrio [(W/P)≠(W/P)E]. ▪ Exemplo: • Suponha que o salário real de equilíbrio (W/P)E seja equivalen- te a 5 cestas básicas, e que o preço da cesta básica seja um bom indicador do comportamento do índice geral de preços (simplificação); • Suponha ainda que no momento do acordo salarial a cesta bá- sica custe R$ 200, mas que, durante o período de vigência do acordo haja uma expectativa média de 10% de inflação (te = 10%); neste caso o preço esperado da cesta básica seria Pte = Pt-1(1+te) = 200 x (1+0,1) = 200 x 1,1 = R$ 220. • Com base nestas expectativas, o salário nominal seria estabe- lecido em: Wt = (W/P)E x Pte = 5 x 220 = R$ 1.100. • Se os preços efetivamente subissem 10%, o salário real efetivo seria igual ao de equilíbrio, e a economia estaria no ponto E do Gráfico 1. Mas o que aconteceria se inesperadamente os pre- ços subissem apenas 5%? • Neste caso, os preços efetivos da cesta básica subiriam apenas para Pt = Pt-1(1+t) = 200(1+0,05) = 200x1,05 = R$ 210; • O salário real efetivo seria então de: W/P = 1.100/210 5,24 cestas básicas; • O salário real efetivo seria então maior que o salário real de equilíbrio (5 cestas básicas) e, ao invés de um ponto como E, a economia estaria em um ponto como 0 no Gráfico 1; e a eco- 7 nomia teria então excesso de oferta de trabalho (desemprego involuntário)1; A este excesso de oferta de trabalho corresponderia uma situação de in- suficiência de demanda agregada (ou excesso de oferta, ou ainda su- perprodução) no mercado de bens, pois, como pode ser visto no ponto 0 do Gráfico 5, Q0 < Qp. Essa ligação entre os mercados de bens e de tra- balho fica mais clara se imaginarmos que a taxa de inflação mais baixa que a esperada corresponde a preços mais baixos do que o esperado e, portanto, a uma demanda agregada mais baixa do que a esperada. Como o desequilíbrio será eliminado no longo prazo? ➢ Para entender a resposta a esta pergunta, voltemos a enfocar o con- junto de gráficos abaixo: ➢ Observando o Gráfico 1 novamente, percebe-se que o ponto 0 está fora da função oferta de trabalho. Isto significa que, neste ponto, os 1 Caso a inflação fosse maior do que a esperada, o salário real seria menor do que o de equilíbrio, e have- ria a situação inversa de excesso de demanda de trabalho. Pe0 Graf. 5 Graf. 4 Graf. 3 Graf. 2 Graf. 1 0 Ns0 u0 E 0 (W/P)0 N0 N0 N0 Q0 Q0 OALP Q0 P0 PELP DA Qp P Q 45° Qp Qp Q Q N Nd(j0, K0, te0) unairu Np Qp Np FP(j0, K0) N Q (W/P)E Np Ns(Pop0, 0, z0) N W/P 0% 100% N u Q=Q OACP0(Pe0) OACP1(↓Pe) E A 8 ofertantes de trabalho não estão maximizando sua utilidade e, portan- to, estão insatisfeitos (involuntariamente desempregados). Pelo me- nos alguns deles estariam claramente dispostos a aceitar um salário real menor a permanecer desempregados. Haveria então em concor- rência perfeita uma pressão descendente sobre os salários nominais. ▪ Uma forma complementar de interpretar o fenômeno consiste em perceber que, em um modelo de concorrência imperfeita, uma ta- xa de desemprego superior à natural (Gráfico 5) implica que as empresas disporiam de poder de barganha para forçar os salários nominais para baixo. Mais importante, se o desequilíbrio foi gerado por um erro na forma- ção de expectativas sobre os preços, tais expectativas podem ser corri- gidas. ➢ No caso do exemplo anteriormente empregado, as partes envolvidas na negociação salarial, ao reconhecerem a superestimação dos preços esperados, revisam suas expectativas para baixo, adequando-as ao preço efetivo (fazem Pte = Pt = R$ 210). ▪ Com tais expectativas, estariam dispostas a renegociar os salários nominais para Wt = (W/P)E x Pte = 5 x 210 = R$ 1.050; ▪ O salário real efetivo seria então de W/P = 1.050/210 = 5 cestas básicas = salário real de equilíbrio. ➢ A economia retornaria então sem qualquer política governamental, pelo próprio funcionamento do sistema de preços, ao ponto E de equilíbrio do mercado de trabalho, eliminando o excesso de oferta de trabalho; ➢ Contudo, é preciso entender o que está acontecendo no mercado de bens (Gráfico 5) para a plena compreensão do mecanismo em opera- ção, já que a economia só voltará ao ponto E no mercado de tra- balho (Gráfico 1) se ela simultaneamente voltar ao ponto Qp no mercado de bens (Gráfico 5), eliminando a insuficiência de deman- da agregada também por forças automáticas. ▪ No Gráfico 5, a reavaliação dos preços esperados conduz a um deslocamento da função oferta agregada para baixo e para a direita, de OACP0 até OACP1, provocando um deslocamento do ponto de equilíbrio da economia do ponto de equilíbrio de curto prazo 0 até o ponto de equilíbrio de longo prazo E. • Os preços caem de P0 para PELP, já que a consequente redução dos salários nominais é repassada aos preços; • A produção sobe de Q0 para Qp, já que, com a operação do efeito Keynes: ↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→ etc...→↑Q,N; • Quando a economia atinge o ponto Qp, ela também atinge: 9 O nível de emprego Np e o salário real (W/P)E (gráficos 4, 2 e 1); A taxa de desemprego de equilíbrio unairu (gráficos 4, 2 e 3), ou natural (concorrência perfeita). Com base nestas ideias, é possível entender os desequilíbrios que po- dem ocorrer no curto prazo (Q ≠ Qp), conforme gráfico abaixo: Portanto, em caso de superaquecimento, a função OACP se deslocaria para cima e para a esquerda; Se, porém, a economia estivesse no seu equilíbrio de longo prazo (inter- seção DA x OALP), então: DA = DAe P = Pe Q = Qp Nd = Ns (W/P) = (W/P)E u = unairu • Consequência fundamental 1 para a economia ortodoxa: ➢ A flexibilidade dos preços e salários nominais dota a economia, em tese, de um mecanismo de equilíbrio capaz de eliminar automati- camente, ou seja, sem qualquer intervenção ou política macroeco- nômica ativa, os desequilíbrios do mercado de trabalho a longo pra- zo. Em concorrência perfeita isto equivale a pleno emprego; em im- perfeita, não. ➢ Muito cuidado com a interpretação: O mecanismo automático em questão é tendencial; seu funcio- namento supõe a cláusula coeteris paribus; Portanto: ▪ Ele não quer dizer que a economia esteja o tempo todo no ponto Qp; ▪ Ele não quer dizer sequer que a economia de fato atinja o ponto Qp em algum momento do futuro (longo prazo) e lá permaneça; Superaquecimento DA > DAe P > Pe Salário real efetivo < sal. real de equilíbrio Demanda > oferta de trabalho Taxa de desemprego efetiva < Nairu Correção: ↑Pe → ↑W OACP para cima/esquerda Insuficiência de demanda agregada DA < DAe P < Pe Salário real efetivo > sal. real de equilíbrio Oferta > demanda de trabalho Taxa de desemprego efetiva > Nairu Correção: ↓Pe → ↓W OACP para baixo/direita ↓W Qp OALP P Q 10 O que ele efetivamente quer dizer é que, sempre que ocorrerem choques exógenos que desviem a economia do ponto Qp, entra- rão em operação forças automáticas que tenderão a levá-la de volta ao ponto Qp. ▪ Contudo, antes de ela atingir o ponto em questão, novos cho- ques podem ocorrer e afastá-la novamente do ponto Qp, de modo que ela, na prática, pode nem atingi-lo. O mecanismo automático, porém, garante que a economia estará em média flutuando ao redor do ponto Qp, como no gráfico abaixo: Como veremos, a heterodoxia discorda desta interpretação. 3 Política econômica e choques no longo prazo • Consequência fundamental 2 para a economia convencional: ➢ Como a função oferta agregada de longo prazo (OALP) é vertical, fatores que deslocam a função de demanda agregada, como: Políticas monetárias; Políticas fiscais; Choques autônomos de demanda; e Choques financeiros, ➢ Afetam a produção, a renda real e o emprego apenas no curto pra- zo; ➢ Os efeitos desses fenômenos sobre os níveis de produção, renda real e emprego de uma economia que já esteja no ponto Qp desapare- cem no longo prazo; ➢ Permanecem apenas os efeitos sobre o nível geral de preços P e de- mais variáveis nominais (salários nominais W, por exemplo). Trata-se da chamada propriedade de “neutralidade da moeda no longo prazo”, ou validade no longo prazo da “teoria quanti- tativa da moeda”. ▪ Obs.: no caso da política fiscal e dos choques de demanda, também há efeitos permanentes sobre a taxa de juros real e a Tempo Q Qp Operação do meca- nismo automático e/ou políticas ma- croeconômicas cor- retas: setas verme- lhas Efeitos dos choques e/ou políticas ma- croeconômicas er- rôneas: setas rosas. Determinado pelas forças da oferta: Pop, ; l, j, K, te. 11 composição da demanda agregada (entre consumo e investi- mento)2. É preciso cuidado também na interpretação desse resultado: ➢ Ele não quer dizer, por si só, que as políticas macroeconômicas não devam ser utilizadas para auxiliar uma economia em desequilíbrio (Q ≠ Qp) a retornar ao ponto Qp; ➢ Ele quer dizer que deslocamentos da função demanda agregada (de- vidas a choques ou a políticas macro), não afetam a posição do ponto Qp. ▪ Isto quer dizer que mudanças na demanda explicam apenas os desvios (ou flutuações) da economia ao redor do ponto Qp (teoria das flutuações ou ciclos), mas não os movimentos do próprio ponto Qp. Não podem, portanto, na ortodoxia, explicar o cresci- mento econômico de longo prazo, mas apenas os preços no longo prazo. ▪ Os movimentos do próprio ponto Qp devem-se exclusivamente a mudanças do lado da oferta, que afetam a OACP e a OALP. • Tal separação de resultados é questionada também pela hete- rodoxia. 3.1 Políticas monetárias e choques financeiros Exemplo 1: Imagine uma economia que já esteja no ponto Qp, e sobre a qual seja aplicada uma política monetária contracionista (ou que ocorra um choque financeiro desfavorável). Os efeitos são os dos gráficos abaixo: 2 Certas vertentes do pensamento ortodoxo questionarão também este resultado, argumentando que a política fiscal não afeta nenhum desses elementos. PELP Tempo P Determinado pela interseção entre DA (Ms) e OALP Nível de preços efetivo P: determinado pela interseção entre DA (outros fatores: política fiscal, choques de demanda e financeiros) e OACP (choques de oferta temporários). 12 a) oferta e demanda agregada: • Curto prazo (passagem do ponto 0 ao ponto 1): A política monetária contracionista (↓Ms), ou o choque financeiro desfavorável (↑k/h) pro- vocam aumento da taxa de juros (↑i), que reduz o investimento, a de- manda agregada, o produto e o emprego (↓I→↓DA→...→↓Q,N). O movimento é reforçado pelo efeito multiplicador. A queda do nível de emprego N (aumento da taxa de desemprego u) reduz o poder de barga- nha dos assalariados, reduzindo os salários nominais. A queda dos salá- rios é repassada aos preços, que caem3 de P0 para P1: ↓Ms ou ↑k/h→↑i→I→↓DA→...→↓Q,N. • Longo prazo (passagem do ponto 1 ao 2): No ponto 1 temos produto inferior ao potencial (Q1 < Qp, desaquecimento), implicando emprego in- ferior ao potencial (N < Np) e, portanto, excesso de oferta no mercado de trabalho (Ns > Nd), taxa de desemprego efetiva inferior à NAIRU (u > unairu) e preços efetivos inferiores aos esperados (P < Pe). Então, as ex- pectativas de preços serão revistas para baixo (↓Pe), ocasionando nova queda dos salários nominais (↓W) e dos preços efetivos (↓P). Este últi- mo provoca queda na demanda por moeda (↓L) pelo motivo transação, o que reduz os juros e amplia o investimento, a demanda agregada e o produto (inclusive com o reforço do efeito multiplicador). Esse proces- so (efeito Keynes)4 continua em operação enquanto sua causa última (Q < Qp) persistir; ou seja, ele continuará a operar até que a economia re- torne ao equilíbrio de longo prazo no ponto 2 (onde Q = Qp, N = Np, Nd = Ns, Pe = P e u = unairu). Em suma: 3 Outros fatores podem ajudar a explicar a queda de preços gerada por queda da demanda agregada, como queda das margens de lucro dos setores flex, ou aumento da produtividade. Este último pode ser justifica- do pela teoria da produtividade marginal decrescente ou (como em Keynes) por “gargalos” decrescentes e pelo uso de fatores de produção (trabalho, capital e terra) de melhor qualidade. 4 Reforçado ou não pelo efeito Pigou e outros potenciais efeitos estabilizadores. 2 1 0 DA1(↓Ms,↑k,h) P0 DA0(Ms0;k0/h0) P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 OACP1 (↓Pe→↓W) P Q OACP0 (Pe0) 13 Pe > P→↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→ ↑DA→...→ ↑Q,N. b) O mesmo processo observado no modelo IS-LM permite visualizar me- lhor o efeito sobre a taxa de juros: • A taxa de juros inicial (i0) é a taxa de juros de equilíbrio de longo prazo ou “taxa de juros natural”5. • A política monetária contracionista desloca a LM para cima e eleva a taxa de juros para o nível i1 > i0 apenas temporariamente; no longo pra- zo a queda de preços (originária da queda dos salários) desloca a LM novamente para baixo, e a taxa de juros retorna a i0. ➢ Uma política monetária expansionista geraria efeitos simétricos so- bre uma economia operando sobre o ponto Qp. • Portanto, a política monetária, seja contracionista ou expansionista, só afeta a taxa de juros (mantendo-a acima ou abaixo da taxa de ju- ros natural) no curto prazo; no longo prazo ela tende ao seu valor natural. 5 Lembre-se de que na ausência de inflação a taxa de juros nominal é igual a real. in Tempo i Determinada pela interseção entre IS e OALP Taxa de juros efetiva: desvia-se da natu- ral devido a mudanças na LM: política monetária e choques financeiros 1 0=2 LM1(↓Ms ou ↑k/h) i1 Q1 i0=i2 OALP Qp → 1 IS i Q LM0(P0)=LM2(↓Pe→↓W→↓P) 14 3.2 Políticas fiscais e choques de demanda Exemplo 2: Imagine uma economia que já esteja no ponto Qp, e sobre a qual seja aplicada uma política fiscal contracionista – para simplificar, mediante corte dos gastos governamentais G. Os efeitos são os dos grá- ficos abaixo: a) Oferta e demanda agregada: • Curto prazo (passagem do ponto 0 ao ponto 1): O nível de produção cai de Qp para Q1, já que, como anteriormente visto, o corte dos gastos públicos reduz a demanda agregada, a produção e o emprego (inclusive com reforço do efeito multiplicador)6: ↓G →↓DA→...→↓Q,N ➢ A queda do nível de emprego (aumento da taxa de desemprego) re- duz o poder de barganha dos assalariados, reduzindo os salários no- minais7. A queda de custos é repassada aos preços, que caem de P0 para P1. • Longo prazo (passagem do ponto 1 ao ponto 2): O processo de recupe- ração da economia pelos seus mecanismos automáticos, já explicado, se repete: no ponto 1 temos produto inferior ao potencial (Q1 < Qp, desa- quecimento), implicando emprego inferior ao potencial (N < Np) e, por- tanto, excesso de oferta no mercado de trabalho (Ns > Nd), taxa de de- semprego efetiva superior à NAIRU (u > unairu) e preços efetivos inferi- ores aos esperados (P < Pe). Então, as expectativas de preços serão re- vistas para baixo (↓Pe), ocasionando nova queda dos salários nominais (↓W) e dos preços efetivos (↓P). Este último provoca queda na demanda por moeda (↓L) pelo motivo transação, o que reduz os juros e amplia o investimento, a demanda agregada e o produto (inclusive com o reforço do efeito multiplicador). Esse processo continua em operação enquanto 6 Efeito deslocamento (crowding out) parcial omitido. 7 Vale novamente a observação feita na nota de rodapé 4. 2 1 0 P0 DA0(G0) P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA1(↓G) OACP1 (↓Pe→↓W) P Q OACP0 (Pe0) 15 sua causa última (Q < Qp) persistir; ou seja, ele continuará a operar até que a economia retorne ao equilíbrio de longo prazo no ponto 2 (onde Q = Qp, N = Np, Nd = Ns, Pe = P e u = unairu). Em suma: Pe > P→↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...→ ↑Q,N. • O mecanismo automático continua reduzindo os salários nominais en- quanto a economia estiver desaquecida, só parando de operar quando o desequilíbrio no mercado de trabalho estiver eliminado, isto é, quando P = Pe, Q = Qp, Ns = Nd, N = Np e u = unairu. Portanto, a economia acaba voltando ao ponto de partida inicial. b) Observando o mesmo processo no modelo IS-LM (gráfico abaixo): • No curto prazo (passagem do ponto 0 ao ponto 1), como visto anteri- ormente, os juros caem de i0 para i1 devido ao fato de que a queda do produto reduz a demanda por moeda pelo motivo transação: ↓G→↓DA→↓Q→↓L→↓i • No longo prazo (passagem do ponto 1 ao ponto 2), os juros caem mais ainda, já que o mesmo processo anterior implica queda de preços, a qual, reduzindo a demanda por moeda pelo motivo transação, desloca a LM para a direita: Pe > P→↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i ➢ A economia se recupera, com o nível de produção aumentando de Q1 para Qp; • Portanto, o efeito deslocamento (crowding out) é total no longo prazo, qualquer que seja a inclinação da curva LM. A queda do gasto gover- namental produz um aumento do investimento privado exatamente de mesmo montante. ➢ Observe que o deslocamento do ponto de interseção entre IS e OALP diminui permanentemente a taxa de juros “natural” ou de equilíbrio de longo prazo. 2 1 0 i0 IS1(↓G) LM0(P0) i2 Qp i1 OALP Q1 → 1 IS0(G0) i Q LM1(↓Pe→↓W→↓P) 16 ➢ Uma política fiscal expansionista produziria efeitos simétricos: Elevação da taxa de juros natural; Redução do investimento privado no mesmo montante. • Efeitos similares ao dessa política fiscal contracionista seriam obtidos a longo prazo em decorrência de um choque de demanda desfavorável (↓ C e/ou c e/ou I ); ➢ Note que no longo prazo o “paradoxo da parcimônia” desapare- ce: um aumento da propensão a poupar s (= redução da propensão a consumir c) produz elevação do investimento privado. Ou seja, uma elevação da poupança causa elevação do investimento (causalidade compatível com a lei de Say). • Choques de demanda favoráveis teriam efeitos simétricos. 3.3 Choques de oferta permanentes • Exemplo 3: Imagine uma economia que já esteja operando sobre o pon- to Qp, e que sofra então um choque de oferta favorável (↓z). Este deslo- ca, como vimos, a função OACP para baixo e a OALP para a direita. a) efeitos sobre oferta e demanda agregada: • Há um choque de oferta favorável com as seguintes consequências: ➢ Curto prazo (passagem do ponto 0 ao ponto 1): Ampliação simul- tânea do produto potencial de Qp0 para Qp1 (deslocamento da OALP para a direita) e do produto efetivo de Q0 (=Qp0) para Q1 (desloca- mento da OACP para baixo). Perceba contudo que, no curto prazo, os preços caem apenas de P0 para P1, e o produto efetivo não se am- plia o suficiente para absorver toda nova capacidade produtiva que foi criada. Assim, no ponto 1, a economia apresenta um cenário de insuficiência de demanda agregada (já que Q1< Qp1) e excesso de oferta no mercado de trabalho (ou seja, Ns > Nd, N < Np e u > unairu). O salário real está acima do salário real de equilíbrio, pois os preços efetivos foram inferiores aos esperados (Pe > P) por ocasião da negociação dos contratos salariais: Q1 2 1 0 P2 OACP2(↓Pe→↓W) OALP1(↓z) P0 DA Qp0 P1 OALP0(z0) Qp1=Q2 P Q OACP0 (z0) OACP1(↓z) 17 ↓z→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...→↑Q,N (CP) Mas, ao mesmo tempo: ↓z→↑Qp > ↑Q Então Q < Qp ➢ Longo prazo (passagem do ponto 1 ao ponto 2): Volta a operar o mesmo mecanismo anteriormente assinalado para retirar a economia do desequilíbrio: Pe> P:↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...→↑Q,N ➢ O processo segue, novamente, até que Q2 = Qp1. • Através desse exemplo percebe-se melhor o significado da lei de Say: “toda a oferta cria a sua própria procura”: um aumento na oferta, ao deslocar as funções OACP e OALP para a direita, acaba provocando uma queda de salários e de preços que, no longo prazo, garante a exis- tência de demanda (“mercado”) para toda a capacidade produtiva adici- onal criada; ➢ Insuficiência de demanda agregada (“crises de superprodução”) ou excesso de demanda agregada (“superaquecimento”) são fenômenos de curto prazo, transitórios, provocados por movimentos de oferta e/ou demanda agregada que fizeram com que os preços efetivos di- ferissem dos esperados. O processo de correção das expectativas elimina tais desequilíbrios de curto prazo automaticamente no longo prazo, sem necessidade de utilização de políticas governamentais expansionistas. b) O mesmo processo no modelo IS-LM permite visualizar o efeito so- bre a taxa de juros: 1 2 0 Q1 i2 OALP1(↓z) i0 LM0(P0) Qp0 i1 OALP0(z0) Qp1=Q2 IS i Q LM1(↓z→↓P) LM2(↓Pe→↓W→↓P) 18 • Observe que, também nesse caso, o deslocamento da OALP diminui a taxa de juros “natural” ou de equilíbrio de longo prazo (de i0 para i2), mas no curto prazo a LM se desloca apenas de LM0 para LM1, de modo que a taxa de juros efetiva cai apenas de i0 para i1. • Será então necessária uma nova queda de preços (associada à nova que- da dos salários nominais) para deslocar novamente a LM, agora de LM1 para LM2 e, assim, provocar a queda da taxa de juros efetiva de i1 para i2. ➢ Choques de oferta desfavoráveis teriam impactos simétricos. 4. Debate sobre a utilização ou não de políticas macroeconômicas ati- vas no curto prazo • O longo prazo provoca um retorno ao mundo neoclássico: ➢ Lei de Say: “toda oferta cria sua própria procura”; Variações da demanda agregada não afetam o montante de pro- dução, renda real e emprego “de longo prazo”, mas apenas os desvios da média; Volta à neutralidade da moeda e à Teoria Quantitativa da Moeda (política monetária não afeta variáveis reais como produção, renda real e nível de emprego, mas apenas variáveis nominais). Política econômica no LP (se a economia já estiver no equilí- brio): não usar políticas ativistas; ▪ Política fiscal: equilibrar orçamento; ▪ Política monetária neutra (nem contracionista, nem expansi- onista) para estabilizar o nível de preços. ▪ Políticas de expansão da oferta, que permitam ampliar o pro- duto potencial, são consideradas desejáveis, na medida em que geram efeitos permanentes sobre o produto. • Porém, fica ainda a dúvida: como a economia não se encontra o tempo todo em Qp, será que é interessante utilizar políticas macroeconômicas destinadas a acelerar a convergência da economia para o ponto Qp? Ou será que é melhor manter as políticas macroeconômicas neutras e deixar a economia se reequilibrar sozinha, a partir dos mecanismos au- tomáticos previamente descritos, decorrentes da operação dos efeitos Keynes e Pigou, em um contexto de plena flexibilidade de preços e sa- lários nominais? • Exemplo: imaginemos que algum choque ou política equivocada geras- se a situação de insuficiência de demanda agregada no mercado de bens (e excesso de oferta no mercado de trabalho) conforme gráfico abaixo: 19 • Como reagir? Diferentemente do contexto do curto prazo, onde os pre- ços eram rígidos e apenas era possível a utilização de políticas macroe- conômicas expansionistas, agora há duas opções para a política econô- mica: • Uma opção consiste em deixar o sistema de preços reequilibrar automa- ticamente a economia, sem intervenção governamental, ou seja, sem mudanças na política fiscal e na política monetária, que continuariam neutras. ➢ Neste caso (gráfico abaixo), o mecanismo de ajuste automático fun- ciona da seguinte forma: os agentes econômicos (trabalhadores e empresários) percebem que erraram na estimativa de preços (perce- ba no gráfico acima que a queda dos preços de P0 para P1 surpreen- deu os agentes econômicos, que esperavam Pe0=P0), de forma que o salário real efetivo tornou-se excessivamente elevado (maior que o salário real de equilíbrio de longo prazo). ➢ O mecanismo de ajustamento automático funcionará exatamente da forma anteriormente descrita, ou seja, as expectativas de preço serão revistas para baixo (↓Pe), levando a uma redução dos salários nomi- nais (↓W). A consequente redução dos custos de produção acarreta um deslocamento da OACP para a direita e para baixo (ao longo da P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 P Q OACP0 (Pe0) OACP1 (↓Pe→↓W) P0 DA0 Q1 → 1 Qp Q OACP0 (Pe0=P0) OALP P P1 20 mesma DA), de modo que os preços caem até P2, quando a econo- mia volta ao seu equilíbrio de longo prazo no ponto Qp. Perceba que o reaquecimento da economia passa novamente pelo efeito Keynes: Pe > P: ↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...→ Q, N Note também que a função demanda agregada não se desloca com a queda de preços e salários nominais. A outra opção consiste em utilizar políticas macroeconômicas expansi- onistas, deslocando a função demanda agregada. No gráfico abaixo, su- pusemos que a política empregada com esta finalidade foi a monetária expansionista: Comparando as duas opções, percebe-se que em ambas, após o reequilí- brio: ➢ Os níveis de produção/renda real e emprego (e portanto as taxas de desemprego) são os mesmos, e iguais aos seus valores de equilíbrio de longo prazo: Q=Qp, N = Np e u = unairu; ➢ Tanto o nível de preços quanto o nível de salários nominais são mais baixos no caso da recuperação automática do que no caso da induzi- da pela política expansionista. Contudo, o salário real será exatamen- te o mesmo (= salário real de equilíbrio de longo prazo) em ambos os casos. Portanto, do ponto de vista das comparações dos dois mecanismos, os resultados de longo prazo mostram indiferença. Mas isso não esgota a questão, já que ainda há questões a tratar para resolver esse importante debate, quais sejam: Será que o mecanismo de reequilíbrio automático funciona mesmo? P0 DA1(↑Ms) Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 P Q OACP0 (Pe0) 21 Caso funcione, será que ele é mais rápido ou mais lento para reequili- brar a economia, em comparação com as políticas macroeconômicas ativistas? 4.1 Funcionamento ou não do mecanismo de reequilíbrio automático • Para a teoria ortodoxa, como vimos, existem efeitos automáticos (inde- pendentes da ação governamental) capazes de fazer uma economia re- tornar ao seu equilíbrio de longo prazo: ➢ Efeito Keynes: Q < Qp→↓W,P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...↑Q,N; ➢ Efeito Pigou: Q < Qp→↓W,P→↑(Ms/P)→↑C→↑DA→...↑Q,N; ➢ Efeito câmbio real (economia aberta, visto em Macro 3); ➢ Outros...8 • Portanto, ainda que haja armadilha da liquidez e/ou que a elasticidade- juros do investimento possa ser baixa, nada impede que cedo ou tarde a economia acabe retornando ao ponto Qp. Keynes (1936: cap. 19) argumentou, porém, que esses mecanismos au- tomáticos de longo prazo que operam através da flexibilidade de salá- rios e preços, ao invés de melhorar os níveis de emprego e renda real, PODERIAM piorá-los. • Keynes não negou que os efeitos em questão pudessem realmente ope- rar no sentido apontado pela ortodoxia. Mas chamou a atenção para uma série de efeitos desequilibradores que, em sua opinião, poderiam agir de forma a compensar a operação dos efeitos Keynes, Pigou, etc.. Incluem-se entre esses efeitos: ➢ Corte dos salários nominais redistribui renda dos trabalhadores para os capitalistas; como estes têm uma menor propensão a consumir, o consumo cai, reduzindo, e não aumentando, a demanda, produção, renda real e emprego (“efeito Kalecki”)9; ➢ Efeito sobre o endividamento (“efeito Fisher”10): em países de infla- ção relativamente baixa, dívidas privadas são contraídas em termos nominais; quedas de preços aumentam o valor real das dívidas pri- 8 Keynes também cita no cap. 19 da Teoria Geral: o efeito positivo da queda dos preços dos bens de capi- tal sobre a eficiência marginal do capital e o investimento; um possível efeito de aumento do grau de confiança, que poderia ativar o investimento e/ou o consumo e/ou reduzir os juros. 9 Em homenagem ao economista polonês Michal Kalecki, provavelmente o economista que mais enfati- zou os efeitos da mudança de distribuição de renda sobre os determinantes dos níveis de produção e em- prego. 10 Em homenagem ao economista neoclássico estadunidense Irving Fisher, primeiro a enfatizar esse efei- to. A despeito de ter feito importantes contribuições para o desenvolvimento da teoria ortodoxa, a obser- vação da importância desse efeito no auge da Grande Depressão fez com que o autor passasse a acreditar que nessas condições extremas o sistema econômico se tornasse instável. Vide Fisher, I. (1933). The debt- deflation theory of great depressions. Econometrica. 22 vadas, o que afeta negativamente o consumo e o investimento priva- dos, além da possibilidade de desencadear falências generalizadas; tais fatores reduziriam a demanda agregada, a produção e o empre- go; ➢ Redução corrente de preços pode levar a expectativas de reduções ainda maiores no futuro, implicando redução da eficiência marginal do capital, a qual reduziria o investimento, a demanda agregada, a produção e o emprego: ↓P→↓Pe→↓EMgK→↓I→↓ DA→↓Q,N; ▪ Outros...11 • Graficamente: • O gráfico acima expressa um dos possíveis casos de falha de funciona- mento dos mecanismos automáticos de reequilíbrio do mercado de tra- balho, segundo a visão de Keynes: ➢ O desequilíbrio inicial no mercado de trabalho coloca em operação o mecanismo de reequilíbrio automático: ↓Pe→↓W→ deslocamento da OACP para a direita e para baixo; ➢ Se apenas este mecanismo equilibrador estivesse em operação, co- mo antes, a economia retornaria ao ponto Qp, com os preços caindo ainda mais; ➢ Contudo, Keynes argumenta que a queda de salários nominais e de preços também provoca (devido aos efeitos desequilibradores assi- nalados anteriormente) deslocamento da curva de demanda agregada novamente para a esquerda, de DA0 para DA1; • Neste caso, surgem 3 resultados possíveis: 11 Afora efeitos de economia aberta, Keynes também cita no cap. 19 da Teoria Geral: a possibilidade de uma queda (endógena) da oferta de moeda em resposta à deflação desativar o efeito Keynes; a possibili- dade de disputas trabalhistas corroerem o grau de confiança, com efeitos negativos sobre investimento e/ou o consumo e/ou juros; e o possível impacto negativo nas finanças públicas, que podem levar os agen- tes privados a esperarem aumentos de impostos, que teriam efeito negativo sobre a eficiência marginal do capital e o investimento. P3 DA1(↓Pe→↓W) P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 OACP1 (↓Pe→W) P Q OACP0 (Pe0) OACP2 (↓Pe→W) 23 ➢ Caso 1 (efeitos equilibradores e desequilibradores “empatam”): No caso do gráfico acima, o deslocamento da função de demanda agre- gada de DA0 para DA1 devido aos efeitos desequilibradores foi su- posto do mesmo montante que o deslocamento da OACP para a di- reita e para baixo. Neste caso, os mecanismos de reequilíbrio auto- mático não funcionariam, pois o nível de produção continuaria em Q1 e o único efeito seria uma nova queda dos preços, de P2 para P3. Como o desequilíbrio não foi eliminado, novas revisões de expecta- tivas de preços e quedas de salários nominais ocorreriam, provocan- do novos deslocamentos tanto da OACP (para baixo) quanto da DA (para baixo) no mesmo montante, sem efeito sobre os níveis de pro- dução (as setas indicam a trajetória da produção e preços após su- cessivos deslocamentos das funções). ➢ Caso 2 (efeitos equilibradores > efeitos desequilibradores): No se- gundo caso (gráfico abaixo), o deslocamento da função de demanda agregada de DA0 para DA1 devido aos efeitos desequilibradores foi suposto menor do que o deslocamento da OACP para baixo. Neste caso, os mecanismos de reequilíbrio automático prevaleceriam, pois o nível de produção voltaria para Qp, após sucessivos deslocamen- tos de ambas as funções (porém mais lentamente) conforme as setas. ➢ Caso 3 (efeitos desequilibradores > efeitos equilibradores): Final- mente, um terceiro caso (gráfico abaixo) mostra a possibilidade de que o deslocamento da função de demanda agregada de DA1 para DA2 devido aos efeitos desequilibradores seja maior que o deslo- camento da OACP para a direita e para baixo. Neste caso, os meca- nismos de reequilíbrio automático seriam superados pela força dos efeitos desequilibradores: o nível de produção cairia inicialmente de Q1 para Q2, e depois cada vez mais profundamente após cada um dos sucessivos deslocamentos, acompanhadas de quedas de preços cada vez mais profundas (vide setas). Q2 → 1 DA1(↓Pe→↓W) P3 P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 OACP1 (↓Pe→↓W) P Q OACP0 (Pe0) OACP2 (↓Pe→↓W) 24 Perceba que neste caso, ao invés de reequilibrar a economia, a flexibilidade de preços e salários pode tornar-se um mecanismo gerador de desequilíbrios cumulativos, na medida em que a ca- da “rodada” de redução de preços e salários, o nível de produção se afastaria cada vez mais de Qp. Se justificaria neste caso não apenas o uso de políticas macroeco- nômicas, mas também de dispositivos que reduzissem a flexibilidade de preços e salários (como uma legislação trabalhista que impedisse ou dificultasse mudanças nos salários nominais). • Nos casos 1 e 3 acima, como os níveis de produção não retornam auto- maticamente para Qp, o único remédio consiste em utilizar políticas macroeconômicas expansionistas para atingir este intento. • Keynes não afirma que os casos 1 ou 3 aconteçam, mas que eles são possíveis. O ponto fundamental para Keynes, portanto, é que nada ga- rante, a priori, que os efeitos equilibradores decorrentes da flexibilidade de salários e preços sejam mais fortes que os desequilibradores (caso 2). Portanto, utilizar políticas macroeconômicas expansionistas é por ele considerado mais seguro do que confiar na flexibilidade de preços e sa- lários nominais como mecanismo automáticos de reequilíbrio da eco- nomia privada. • Outros heterodoxos, porém, vão mais longe, e afirmam que: ➢ Os efeitos equilibradores, como os efeitos Keynes e Pigou, carecem de fundamentação teórica e/ou empírica (Serrano e Ribeiro, 2004)12; ➢ Portanto, para estes autores, o caso 2 nunca acontece, mas sim os casos 1 ou 3. • A ortodoxia contra argumenta, tentando mostrar que: 12 Para uma crítica desses efeitos, vide Serrano, F. e Ribeiro, R.T. (2004) “Notas Críticas sobre a Curva de Demanda Agregada”. In: Economia-Ensaios, Uberlândia, 18(2)/19(1): 123-143, jul. e dez. Disponível em http://www.ie.ufu.br/revista/edicoes/Economia_Ensaios_vol18%282%29vol19%281%29_2004.pdf#page=123. OACP2 (↓Pe→↓W) Q3 → 1 Q2 → 1 DA1(↓Pe→↓W) P3 P2 Qp P1 OALP Q1 → 1 DA0 OACP1 (↓Pe→↓W) P Q OACP0 (Pe0) 25 ➢ O efeito desequilibrador da redistribuição de renda é empiricamente insignificante (Blinder, 197513); ➢ O efeito desequilibrador de uma queda de preços sobre as dívidas reais ou sobre a EMgK é temporário (Tobin, 198014); ➢ Para esta vertente, portanto, os efeitos desequilibradores podem ser desconsiderados em uma análise de longo prazo; pode-se tomar en- tão como caso geral aquele no qual a função demanda agregada não é deslocada pela mudança dos salários, com apenas os efeitos equi- libradores considerados15; ➢ Assim, tais autores concluem que deste ponto de vista e até este ponto da argumentação, não há nada que favoreça a ação de uma política macroeconômica expansionista em relação ao mecanis- mo de reequilíbrio automático induzido pela perfeita flexibili- dade de preços e salários nominais. • O ponto em questão estabelece a linha divisória entre a macroecono- mia ortodoxa e a heterodoxa: ➢ Ortodoxos explicita ou implicitamente admitem que o caso 2 acima narrado é o caso geral, e as economias de mercado são intrinseca- mente estáveis. ➢ Heterodoxos admitem ao menos a possibilidade dos casos 1 e 3 e, portanto, de que as economias de mercado sejam intrinsecamente instáveis. 4.2 A velocidade da transição do curto para o longo prazo A discussão anterior, contudo, não esgota o assunto sobre se é melhor utilizar as políticas macroeconômicas ativistas para corrigir os desequi- líbrios de curto prazo ou confiar nos mecanismos de ajuste automático decorrentes da plena flexibilidade de preços e salários nominais. Dentro da própria ortodoxia existe essa percepção, pois mesmo que se adotasse a hipótese de que os efeitos equilibradores sempre sejam mais fortes que os desequilibradores, ainda assim o processo de ajuste auto- mático pode ser tão lento que, na prática, se torne irrelevante; ➢ Para entender porque, é preciso lembrar que toda a argumentação anterior foi desenvolvida com base na hipótese de coeteris paribus: depois do choque inicial de demanda, as reações (equilibradoras ou 13 Blinder, Alan (1975) “Distribution Effects and the Aggregate Consumption Function”. In: The Journal of Political Economy, Vol. 83, No. 3 (Jun., 1975), pp. 447-475. 14 Tobin, James (1980) Asset Accumulation and Economic Activity: Reflections on Contemporary Macro- economic Theory. Chicago: University of Chicago Press. Tradução para português: Acumulação de Ati- vos e Atividade Econômica. São Paulo: Vértice, 1987. 15 Há exceções mesmo entre autores ortodoxos, como por exemplo De Long, B. and Summers, L. (1985) “Is Increased Price Flexibility Stabilizing?” in: NBER Working Paper no. 1686; e Hahn, F. e Solow, R. (1995) A Critical Essay on Modern Macroeconomic Theory. Cambridge: MIT Press. Evidentemente, tais autores encontram-se virtualmente na linha divisória entre ortodoxia e heterodoxia. 26 desequilibradoras) da economia são consequências do choque inici- al; ➢ Por suposição, nenhum outro choque de nenhuma espécie atingiu a economia durante todo o processo de transição da economia do cur- to para o longo prazo; ➢ Esta é uma hipótese simplificadora útil para compreender didatica- mente o processo de ajuste automático; contudo, para analisar qual das duas opções é a melhor, o uso das políticas macro ativistas ou a confiança nos mecanismos automáticos de mercado, ela pode gerar um importante erro de percepção acerca da forma de funcionamento da economia. ➢ Isto porque, na prática, choques de demanda, de oferta e outros mu- dam constantemente de posição os níveis de produção e preços; ➢ Se tais choques são frequentes, e se o mecanismo de ajuste automá- tico decorrente da flexibilidade de preços e salários for lento, antes de o ponto de equilíbrio ser atingido, ele novamente será deslocado por tais choques; • A situação pode ser mais bem compreendida conforme o gráfico abai- xo. Para não tornar o gráfico difícil de entender, desenharemos apenas a curva de oferta de longo prazo OALP e certos pontos cheios. Estes de- vem ser interpretados como pontos de equilíbrio de curto ou de longo prazo, conforme estejam ou não sobre a função OALP. • Suponha que a economia de um país encontre-se inicialmente em seu ponto de equilíbrio de longo prazo A, mas que, como anteriormente, um choque de demanda desfavorável a desloque para um ponto de equilí- brio de curto prazo (interseção OACP com DA) como B; • O ponto B, contudo, não é um ponto de equilíbrio de longo prazo, já que está à esquerda de OALP. Os mecanismos automáticos decorrentes da flexibilidade de preços e salários nominais entrarão em ação e tenta- rão conduzir a economia a seu novo ponto de equilíbrio de longo prazo (interseção da nova DA com OALP), digamos, o ponto C; Qp OALP P Q A B C D E 27 • Contudo, em um cenário de choques frequentes e de lentidão no proces- so de ajuste automático, antes que a economia atinja o ponto C ela pode sofrer um novo choque (por exemplo, de oferta temporário agora) e ser deslocada, digamos, para um novo ponto de equilíbrio de curto prazo D (superaquecimento); • Estando fora de seu equilíbrio de longo prazo, a economia iniciará uma nova trajetória em direção a ele (digamos, ponto E); mas novos choques podem interromper a trajetória e lançá-la novamente para longe de seu equilíbrio de longo prazo; • E assim sucessivamente... • Em suma: na prática, se os choques forem muito frequentes e a veloci- dade de ajuste para o equilíbrio de longo prazo for muito lenta, pode ocorrer uma situação em que nunca, ou quase nunca, há tempo para a economia atingir o equilíbrio de longo prazo através de seu mecanismo automático; a economia estará quase sempre em desequilíbrio, como no gráfico abaixo: • A tendência ao equilíbrio de longo prazo ainda estaria presente mas mesmo assim, a economia ficaria a maior parte do tempo em desequilí- brio. ➢ Usando a linguagem de teoria dos sistemas complexos adaptativos, o equilíbrio de longo prazo seria um “atrator fraco”; ➢ De acordo com esse argumento, o longo prazo macroeconômico se- ria uma espécie de prazo “virtual”, que nunca se efetiva; ➢ Keynes: “o LP não existe”... “no LP estaremos todos mortos”. • Neste caso, o capitalismo seria instável, e o uso de políticas macroeco- nômicas ativistas poderia ser defendido com base no argumento de que se trata de uma forma mais rápida de fazer a economia atingir o equilí- brio no ponto Qp e permanecer nas proximidades dele. O Estado, atra- vés das políticas macroeconômicas ativistas, teria um papel estabiliza- dor sobre a economia, melhorando o resultado geral e o bem-estar soci- al. Qp OALP P Q 28 • Uma posição bastante diferente poderia ser defendida caso os choques fossem pouco frequentes e/ou pouco significativos e a velocidade de convergência do sistema econômico para a posição de equilíbrio de longo prazo for elevada. Neste caso, a situação seria como a ilustrada no gráfico abaixo: • A economia ficaria agora a maior parte do tempo no ou muito próxima do seu equilíbrio de longo prazo. ➢ O equilíbrio de longo prazo seria um “atrator forte”, e o longo prazo macroeconômico seria uma situação corriqueira; • A economia seria estável; se justificaria plenamente o abandono das políticas macroeconômicas ativistas e a confiança nos mecanismos au- tomáticos de reequilíbrio do mercado, baseados na flexibilidade de pre- ços e salários. ➢ O uso de políticas macroeconômicas ativistas não seria recomenda- do, pois estas poderiam até mesmo aumentar a instabilidade do sis- tema econômico. A atuação do Estado é vista agora como fonte de instabilidade. Explica-se assim a importância da discussão acerca da chamada “velo- cidade de ajuste” do sistema econômico aos desequilíbrios, ou velocida- de de convergência para o equilíbrio de longo prazo. No fundo, trata-se de uma pergunta simples: quanto tempo demora o sistema econômico para, uma vez perturbado por um choque, retornar ao seu equilíbrio de longo prazo? Ou, em outros termos, quanto tempo dura o curto prazo? ➢ Se a velocidade de ajuste for baixa, demorará muito tempo para que a economia retorne ao seu equilíbrio de longo prazo, e o curto prazo durará bastante; muitos autores argumentam que, neste caso, se justi- ficaria o uso de políticas macroeconômicas ativistas para acelerar a eliminação dos desequilíbrios de curto prazo, ou seja, para acelerar o processo de convergência para o equilíbrio de longo prazo. ➢ Se a velocidade de ajuste for alta, o equilíbrio de longo prazo será rapidamente alcançado, o curto prazo será realmente muito curto e o uso de políticas macroeconômicas ativistas não seria visto como ne- cessário. Qp OALP P Q 29 Que fatores, portanto, afetam a velocidade de ajuste do sistema econô- mico aos desequilíbrios? Retomemos o mecanismo de ajuste através do efeito Keynes: sempre que Q < Qp, P < Pe. Portanto: ↓Pe→↓W→↓P→↓L→↓i→↑I→↑DA→...↑Q,N. Os dois primeiros passos são essenciais para determinar a velocidade de ajuste: ➢ Com que velocidade as expectativas de preços erroneamente forma- das são corrigidas? ➢ Com que velocidade as novas expectativas são incorporadas nos con- tratos trabalhistas, isto é, qual o grau de flexibilidade dos contratos? ▪ A resposta a estas duas perguntas fundamentais permite distinguir as 4 principais vertentes do pensamento ortodoxo, conforme a ta- bela abaixo: Contratos Rígidos Flexíveis Modelo de formação de expecta- tivas Exógenas Síntese neoclássica- “keynesiana” Adaptativas Monetarista Racionais Novo keynesiana/NSN Novo clássica Expectativas exógenas: nenhuma correção significativa de expectativas de inflação; Expectativas adaptativas: correção de expectativas relativamente len- ta; Expectativas racionais: relativamente rápida correção de erros expec- tacionais; Contratos rígidos: contratos não podem ser mudados instantaneamente; consequência: lentidão na incorporação de novas expectativas nos con- tratos; Contratos flexíveis: mercado de trabalho funciona como um leilão, contratos são renegociáveis instantaneamente de acordo com a vontade dos contratantes (“hipótese de recontratação”); consequência: incorpo- ração instantânea de novas expectativas nos contratos; Podemos, a partir dessas ideias, ordenar essas vertentes ortodoxas con- forme a velocidade de ajuste que elas postulam para o sistema econômi- co (da menor para a maior velocidade de ajuste): 30 Sínt. neocl.-keynesiana < novo keynesiana < monetarista < novo clássica Quanto mais à esquerda nesta lista, menor a velocidade percebida de ajuste automático do sistema econômico, e maior a necessidade perce- bida do uso de políticas macroeconômicas ativistas; e vice-versa. 4.3 Friedman e a questão das defasagens Milton Friedman (monetarista) argumentou contra as políticas macroe- conômicas “ativistas”, que tentam reconduzir a economia ao ponto de produto potencial Qp. Para ele, pode até ser que o mecanismo automático via flexibilidade de salários nominais e preços não seja realmente muito rápido para recon- duzir a economia a pleno emprego permanentemente (“falha de merca- do” devida a falhas informacionais – ausência de informação perfei- ta). Friedman observa, porém, que considerar a existência de certa lentidão no ajuste do mercado de trabalho (“falhas de mercado”) sem que se con- sidere também as falhas de governo (que tampouco tem informação per- feita, e que pode até ter informação mais imperfeita que os agentes pri- vados) torna a discussão enviesada a favor do uso das políticas macroe- conômicas ativistas. A consideração adequada das falhas de governo permitiria então uma visão mais equilibrada do assunto. ➢ Ademais, Friedman lembra que embora em uma economia de merca- do com laissez-faire os contratos sejam teoricamente flexíveis, na prá- tica a intervenção governamental que ocorre através da legislação tra- balhista nas relações entre patrões e empregados gera rigidez contra- tual e diminui a velocidade de convergência da economia para o equi- líbrio. Advoga, portanto, a redução da interferência governamental nestas relações (“flexibilização trabalhista”) como forma de aumentar tal velocidade. As políticas macroeconômicas ativistas, ao tentarem manter a economia o tempo todo em Qp (chamadas também de políticas de “sintonia fina”), estariam inerentemente fadadas ao fracasso, já que existiriam vários ti- pos de defasagem cercando a atuação da política econômica (“falhas de governo”): ➢ Defasagens de percepção (ou reconhecimento): os responsáveis pe- la execução da política econômica (policy makers) demoram a perce- ber que a economia afastou-se de Qp; 31 ➢ Defasagens de execução (inclui as de decisão e introdução): as po- líticas macroeconômicas corretas para cada situação demoram a ser implantadas; ➢ Defasagens de resposta (ou efetividade): a economia demora a res- ponder ao estímulo da política depois que ela é colocada em prática. A soma dessas defasagens pode fazer com que, quando a política macroeconômica adotada finalmente gerar as respostas que dela se espera, o motivo que a gerou pode ter deixado de existir, e a eco- nomia talvez seja mais prejudicada que auxiliada. ▪ Por exemplo, uma situação de insuficiência de demanda agrega- da poderia ser corrigida mediante políticas monetárias e/ou fis- cais expansionistas. Contudo, as defasagens envolvidas podem fazer com que quando tais políticas finalmente começarem a dar resultados, a economia já não esteja mais na mesma situação, mas superaquecida! Neste caso, as políticas empregadas gerariam ainda mais superaquecimento e pressões inflacionárias; e vice- versa. A conclusão é que as políticas macroeconômicas ativistas, neste contexto, ao invés de contribuírem para estabilizar a economia, po- dem muito bem gerar choques que tornem a economia mais instá- vel. Considerando o potencial de instabilidade das políticas macroeconômi- cas ativistas, Friedman recomendou sua substituição pela utilização de metas para a política econômica. A intenção é neutralizar a ação das po- líticas macroeconômicas para que elas deixem de gerar perturbações por causa das defasagens. ➢ Esta é a origem do sistema de metas de inflação, metas fiscais, etc.. Friedman preferia, ao invés de uma política de metas de inflação atualmente em curso em vários países, uma política de crescimento da oferta de moeda a uma taxa constante e igual à da produção po- tencial vezes a elasticidade-renda da demanda por moeda. Seu ar- gumento será examinado com mais cuidado no próximo tópico. ▪ Isso exige (como veremos em Macro aberta) a manutenção de um sistema de taxas de câmbio flutuantes. Os economistas mais favoráveis ao uso de políticas macroeconômicas ativistas (vertentes mais à esquerda no ordenamento anteriormente apre- sentado das escolas ortodoxas), embora reconheçam a existência de de- fasagens, afirmam que Friedman exagerou as falhas de governo e mini- mizou as de mercado. As seguintes ideias lastreiam tal posição: 32 ➢ A rigidez dos contratos trabalhistas não decorre exclusivamente da ação da legislação trabalhista, mas é uma característica ineren- te ao funcionamento da própria economia privada. Economistas novos keynesianos/NSN desenvolveram vários mode- los tentando demonstrar que tanto empresários quanto trabalhadores preferem contratos dotados de certo grau de rigidez (devido a cus- tos de renegociação, incerteza, etc.). Tais contratos seriam ótimos do ponto de vista microeconômico, ou seja, consistentes com a ma- ximização de lucro e/ou utilidade de cada agente individual (e por- tanto com o postulado de racionalidade); mas seriam sub-ótimos no sentido macroeconômico, pois acarretariam lentidão de ajuste do mercado de trabalho e, portanto, redução de bem-estar social. ➢ É verdade que a existência de defasagens cria problemas para as polí- ticas macroeconômicas ativistas, mas eles podem ser reduzidos atra- vés de uma série de mecanismos, como por exemplo: Ao invés de guiar a política macroeconômica apenas pela observa- ção do estado presente da economia, pode-se utilizar também indi- cadores antecedentes, isto é, certos indicadores que permitem pre- ver antecipadamente o comportamento futuro da economia; Instrumentos legais e institucionais que reduzam as defasagens de introdução (medidas provisórias, delegação legislativa, etc..); ▪ Keynes: separação do orçamento corrente do orçamento de in- vestimentos; ➢ É verdade que os governos (assim como os agentes privados) enfren- tam sérios problemas informacionais; mas, pelo menos no que concer- ne a informações macroeconômicas, nada garante que as disponíveis ao governo sejam inferiores às disponíveis ao setor privado, podendo até mesmo o contrário ocorrer. 4.4 Ciclo político. ❖ Outro argumento importante utilizado pela ortodoxia contra o uso de políticas macroeconômicas ativistas por parte dos governos consiste na visão de que, embora na teoria essas possam melhorar o desempenho macroeconômico, na prática pode ocorrer o contrário. ❖ Isso porque frequentemente se imagina que os gestores da política eco- nômica sejam meros técnicos voltados ao bem comum, mas na prática sua ação reflete os interesses políticos dos governantes aos quais se en- contram vinculados. 33 ➢ Em particular, a necessidade de popularidade e votos, especialmente em períodos importantes para as eleições, compromete a execução da política macroeconômica. ➢ Isso cria um incentivo para que, qualquer que seja o partido no poder, e em qualquer país, as políticas macro se tornem excessi- vamente expansionistas em períodos pré-eleitorais, obrigando-as a se tornarem mais contracionistas do que o necessário no período imedi- atamente posterior às eleições. ➢ Esse movimento pendular seria tão forte que criaria um verdadeiro ciclo econômico político: em anos eleitorais produção e emprego se- riam mais elevados, o oposto ocorrendo nos anos pós-eleições. ▪ Mais sobre isso em Macro 3 (teoria dos ciclos econômicos). ❖ Todos concordam que se trata de um problema importante, mas como ele não atinge apenas a economia, é um problema mais geral, que pode ser amenizado por instituições adequadas. 4.5 Histerese ❖ Trata-se de um termo oriundo da Física, que define situações em que variáveis que teriam efeito supostamente transitório (de curto prazo) acabem tendo efeitos permanentes (de longo prazo). ❖ Texto pioneiro: Blanchard e Summers (1986)16. ❖ A ideia básica é que crises temporárias (por exemplo, situações de insu- ficiência de demanda agregada no mercado de bens / excesso de deman- da agregada no mercado de trabalho) poderiam causar danos permanen- tes à economia, reduzindo a oferta agregada de longo prazo. ➢ Neste caso, surgiria uma ligação entre os lados da oferta e demanda agregada que não passaria pelo sistema de preços, mas por outros mecanismos, que gerariam histerese. ❖ Um exemplo de histerese: o efeito do desemprego sobre a produtivida- de. ➢ Em vários tipos de ocupação, a produtividade depende do exercício contínuo da atividade. Se o trabalhador fica desempregado, sua pro- dutividade cai, e quanto maior o período de desemprego, maior a perda. O gráfico abaixo ilustra o problema: 16 Blanchard, O.J. and Summers, L.H., 1986. Hysteresis and the European unemployment problem. NBER macroeconomics annual, 1, pp.15-78. 34 Suponha que a economia esteja inicialmente em situação de insuficiên- cia de demanda agregada, de modo que Q0 < Qp e, portanto, u > unairu. Suponha adicionalmente que: ➢ O governo não utilize políticas macroeconômicas expansionistas, na esperança de que as forças de mercado reativem a economia; ➢ As forças de mercado reajam lentamente ao desequilíbrio em ques- tão. O resultado é que, conforme o tempo passa, o tempo em que os desem- pregados estão afastados de suas atividades aumenta, reduzindo a pro- dutividade total dos fatores (j) da economia. Isso, por sua vez, teria co- mo resultado o deslocamento da função OALP para a esquerda, dimi- nuindo o produto potencial (efeito de longo prazo). O argumento pode ser usado para defender uma resposta mais ativa e expansionista da política macroeconômica, pois tais políticas, expandin- do o produto e o emprego na direção do potencial, minimizariam a per- da de produto potencial, evitando que houvesse tempo para a OALP se deslocar muito para a esquerda. Esta discussão sobre a utilização ou não de políticas macroeconômicas ativas será interrompida temporariamente, até que tenhamos mais ele- mentos para dar continuidade a ela. 5. Sumário (até agora...) • Visão ortodoxa, compartilhada por todas as quatro vertentes tratadas (síntese keynesiano-neoclássica, novo keynesiana (NSN), monetarista e novo clássica) → dicotomia fundamental entre curto e longo prazo: ➢ Curto prazo macroeconômico: Possibilidade de desequilíbrio do mercado de trabalho e, por consequência, de que todas as variáveis reais da economia (pro- Histerese(↓j) P0 Qp OALP0(j0) Q0 → 1 DA0 P Q OACP0 35 dução, emprego, taxa de juros reais, salários reais, etc.) estejam fora de seus valores de equilíbrio de longo prazo; Políticas monetárias e fiscais afetam produção, emprego e outras variáveis reais (salários reais, taxas de juros reais, etc.); ➢ Longo prazo macroeconômico: Equilíbrio do mercado de trabalho; por consequência, todas as variáveis reais da economia (produção, emprego, taxa de juros reais, salários reais, etc.) atingem seus valores de equilíbrio de longo prazo; Neutralidade da moeda: políticas monetárias afetam todas as va- riáveis nominais na mesma proporção, de modo que nenhuma variável real é afetada. Políticas fiscais afetam a taxa real de juros de longo prazo e a composição do PIB17, mas não são capazes de afetar produção, emprego e preços pelo lado da demanda; ▪ Pelo lado da oferta, porém, quanto menor a carga tributária (e, portanto, o tamanho do Estado), maiores os níveis de pro- dução e emprego potenciais, e os salários reais de equilíbrio de longo prazo; e menores a taxa de juros real de longo prazo e a taxa natural de desemprego. Portanto, apenas mudanças nas variáveis de oferta são capazes de afetar as variáveis reais no longo prazo. • Visão heterodoxa: não há dicotomia conceitual entre curto e longo pra- zo macroeconômico. ➢ O longo prazo deveria ser interpretado apenas como uma sequência de “curtos prazos”, e não como um período de tempo efetivamente atingido no qual se inverteriam os resultados de curto prazo. ➢ Assim, as políticas fiscais e monetárias são vistas como capazes de afetar as variáveis reais permanentemente, e não apenas no curto prazo. As políticas monetárias e fiscais nunca seriam “neutras”; ou seja, elas sempre poderiam afetar produto e emprego; o que não quer dizer que devam ser utilizadas sempre para aumentar produção e emprego, já que também podem elevar os preços. • Para Keynes e outros autores heterodoxos, os efeitos das políticas ex- pansionistas provavelmente seriam maiores sobre emprego e produção e menores sobre preços quanto maior fosse o prazo decorrido a partir de sua introdução; isto porque em prazos mais longos (conceito microe- 17 Como veremos no próximo tópico, a vertente novo clássica argumenta que a política fiscal, pelo lado da demanda, não afeta tampouco a taxa de juros real e a composição do PIB. Tais resultados são decor- rência da chamada equivalência ricardiana, ou teorema de Barro - Ricardo. 36 conômico), a oferta seria considerada mais, e não menos elástica (em prazos suficientemente longos, a própria capacidade produtiva poderia ser expandida pela ampliação do estoque de capital). • No que concerne ao debate entre as vertentes que defendem a utilização de políticas macroeconômicas ativistas e as que são contra tal uso, po- demos sintetizar os argumentos na tabela abaixo: Temas concernentes ao debate acerca da conveniência da utili- zação das políticas macroeconômicas ati- vistas no CP Argumentos favorá- veis Argumentos contrá- rios Capacidade da flexibi- lidade de preços e salá- rios reconduzir a eco- nomia ao seu equilíbrio de longo prazo (ponto Qp) PODE ser incapaz (Keynes) ou É sempre incapaz (heterodoxos mais radicais) Sempre capaz Efeito das hipóteses acerca da formação de expectativas sobre a velocidade de retorno ao ponto Qp Expectativas exógenas ou adaptativas diminu- em a velocidade de re- torno Expectativas racionais aumentam a velocidade de retorno Efeito das hipóteses acerca da flexibilidade de contratos sobre a velocidade de retorno ao ponto Qp Contratos rígidos dimi- nuem a velocidade de retorno Contratos perfeitamen- te flexíveis aumentam a velocidade de retorno Fontes de rigidez con- tratual enfatizadas Os próprios contratos livremente negociados Interferência governa- mental (legislação tra- balhista) Existência de defasa- gens de política eco- nômica (“falhas de go- verno”) Consideradas exagera- das e passíveis de se- rem minoradas Muito importantes 37 Ciclos políticos Consideradas exagera- das e passíveis de se- rem minoradas Muito importantes Histerese Presença exige políti- cas macroeconômicas ativistas Inexistentes ou pouco importantes