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This work is licensed under a Creative Commons Attribution 40 International License REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 72 ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO PELA INCORPORAÇÃO DE TRADIÇÕES AFROBRASILEIRAS OPENING PATHS IN PHILOSOPHY OF RELIGION BY INCORPORATING AFROBRAZILIAN TRADITIONS JOSÉ EDUARDO PORCHER José Eduardo Porcher Bacharel mestre e doutor em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Atualmente é pesquisador de pós doutorado na Universidade Federal de Santa Maria Foi pesquisador de pós doutorado na Universidade Federal do Paraná na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e no Rutgers Center for the Philosophy of Religion É membro da atual diretoria da Associação Brasileira de Filosofia da Religião Seu projeto de pesquisa atual Expanding the Philosophy of Religion by Engaging with Afro Brazilian Traditions é financiado pela John Templeton Foundation Email joseporcherufsmbr Resumo A partir de uma análise das duas principais tradições de matiz africana do Brasil o candomblé e a umbanda são sugeridas algumas questões para a Filosofia da Religião Entre elas que essa disciplina precisa rever sua metodologia para abarcar outras tradições religiosas e que estudálas contribui para iluminar a própria Filosofia da Religião Ao longo do artigo farei isso apontando que as práticas rituais tradições orais e etnografias do candomblé e umbanda podem abrir caminhos para diversos debates metodológicos epistemológicos e metafísicos na Filosofia da Religião Para esse fim gesticularei na direção de duas recomendações a primeira consiste em empregar descrições densas para facilitar compreensões mais ricamente contextualizadas dos fenômenos religiosos a segunda consiste em entender rituais como empreendimentos propriamente cognitivos Palavraschave Candomblé Umbanda Mediunidade Sacrifício Descrição Densa Próteses Cognitivas Abstract From an analysis of the two main African traditions in Brazil candomblé and umbanda some questions for the Philosophy of Religion are suggested Among them that this discipline needs to review its methodology to embrace Other religious traditions and that studying them contributes to illuminate the Philosophy of Religion itself Throughout the article I will do this by pointing out that the ritual practices oral traditions and ethnographies of candomblé and umbanda can open paths to several methodological epistemological and metaphysical debates in the Philosophy of Religion In order to achieve this purpose I will gesture in the direction of two recommendations the first consists in employing dense descriptions to facilitate more richly contextualised understandings of religious phenomena the second is to understand rituals as properly cognitive endeavours Keywords Candomblé Umbanda Mediumship Sacrifice Dense Description Cognitive Prosthesis ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 73 Exu era o mais jovem dos orixás Exu assim devia reverência a todos eles sendo sempre o último a ser cumprimentado Mas Exu almejava a senioridade desejando ser homenageado pelos mais velhos Prandi 2001 p42 Em 1945 o antropólogo francês Roger Bastide ajuizou em Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto que A filosofia do candomblé não é uma filosofia bárbara mas um pensamento sutil que ainda não foi totalmente desvendado por nós p134 Gostaria de levantar aqui a hipótese de um pensamento sutil à espera de ser decodificado em termos de uma abertura reveladora para religiosidades que apesar de terem recebido muita atenção dos antropólogos não têm sido suficientemente contempladas pelos filósofos da religião nem mesmo em seu lugar de origem Com foco nas duas principais tradições de matiz africano no Brasil sugerirei que essas tradições suscitam questões específicas e envolventes para a Filosofia da Religião que a disciplina precisa rever sua metodologia para abarcálas e que o contato entre esses mundos até então isolados pode iluminar o estudo de ambos Farei isso apontando que práticas rituais tradições orais e etnografias do candomblé e da umbanda podem abrir caminhos para debates metodológicos epistemológicos e metafísicos em Filosofia da Religião A Filosofia da Religião tradicional tem sido prejudicada por uma concepção limitada e acrítica de religião que negligencia o papel da prática e da emoção bem como exclui grande parte das tradições não ocidentais ora ignorando ora empobrecendo os recursos intelectuais fornecidos por elas ao extrair proposições generalizadas e a históricas que as transformam num teísmo rarefeito Além disso essa concepção possui um viés intelectualista em prol da análise e avaliação de crenças religiosas excluindo praticamente todos os outros fenômenos religiosos Finalmente ela também manifesta insularidade ou seja uma tendência a explorar e até mesmo formular suas questões apenas em termos das tradições de seus praticantes Knepper 2013 Schilbrack 2014 Embora isso seja compreensível devido à preponderância do catolicismo e do protestantismo onde a disciplina se desenvolveu também justifica a queixa crescente de JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 74 que a disciplina tem se alienado de grande parte da prática real da religião enquanto pretende estar investigando a religião em geral De Cruz 2018 Por um lado isso tem levado a uma crise de identidade na Filosofia da Religião contemporânea Kanaris 2018 por outro tem alimentado tentativas de identificar novos caminhos para os filósofos da religião distintos daqueles percorridos por teólogos e outros estudiosos da religião Draper Schellenberg 2017 Meu objetivo aqui é preconizar um meio para começarmos a remediar essas duas tendências apontando áreas de contato possíveis entre a Filosofia da Religião e as expressões religiosas afrobrasileiras Creio que há aqui algo que pode não só contribuir para a instauração gradual de uma Filosofia da Religião póssecular póscolonial intercultural comparativa e global mas também para a inauguração de uma linha de pesquisa interdisciplinar em solo brasileiro O candomblé é uma tradição religiosa afrobrasileira caracterizada pela invocação e celebração de divindades africanas os orixás ancestrais semidivinos e outros espíritos que se acredita possuírem pessoas iniciadas Em suas muitas variações ele coloca que enquanto todo ser humano está sob o governo de divindades cuja identidade pode ser reconhecida por meio de ritos divinatórios apenas algumas pessoas podem recebêlas em seus corpos isto é incorporálas Por isso homenagens devem ser prestadas às divindades por meio de oferendas e sacrifícios para facilitar a transmissão da força vital sagrada o axé indispensável à manutenção da saúde e do bemestar Serra 2018 A umbanda é um híbrido distintamente brasileiro de candomblé espiritismo kardecista e catolicismo popular com elementos indígenas romantizados Engler 2012 Na umbanda incorporamse espíritos mas não divindades embora certos espíritos pertençam a uma falange um grupo que trabalha direta ou indiretamente para e em nome de determinado orixá Espíritos são concebidos como seres desencarnados que retornaram ao mundo mortal para ajudar as pessoas e por meio disso resolver seus problemas para que eles mesmos possam evoluir espiritualmente A ideia de evolução espiritual herdada do kardecismo é central para a umbanda e significa que todo espírito precisa voltar à Terra para ser recebido nos corpos daqueles que podem entrar em transe de possessão para alcançar esse objetivo Bahia 2018 ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 75 Há diferenças importantes entre o candomblé e a umbanda bem como diferenças internas entre variantes do candomblé e da umbanda Silva 2005 p12627 Por exemplo a umbanda possui um conjunto maior e mais doutrinariamente elaborado de entidades sobrenaturais a umbanda dá mais ênfase à mediunidade como fonte de serviço aos praticantes o candomblé dá mais ênfase à adivinhação e ao papel dos pais e das mães de santo como centrais para o ritual o candomblé dá mais ênfase à iniciação com a autoridade carismática da mediunidade desempenhando um papel menor do que na umbanda a umbanda reserva um papel maior à feitiçaria os textos e hinos do candomblé fazem mais uso do vocabulário africano enquanto no extremo branco do espectro das suas formas rituais a umbanda usa elementos cristãos por exemplo o Pai Nosso Lentamente a Filosofia da Religião tem incorporado tendências bemvindas ao dar a devida atenção aos rituais religiosos Schilbrack 2004 e ao promover pesquisas envolvendo filósofos de tradições religiosas e regiões geográficas subrepresentadas Nagasawa 2017 Sugiro que essas duas tendências possam ser avançadas significativamente mediante o envolvimento com o candomblé e com a umbanda tendo em vista que alguns dos aspectos mais marcantes dessas tradições têm escapado quase inteiramente aos filósofos da religião Desses destacarei a mediunidade por meio da incorporação de espíritos e da prática ritual de oferendas e sacrifícios Embora não haja um consenso formal sobre a definição de mediunidade ela pode ser definida a grosso modo como a capacidade de se comunicar regularmente com os espíritos dos falecidos com ancestrais ou com divindades mas também como um conjunto de experiências em que um indivíduo o médium mantém contato regular ou permanece sob o controle de um ser incorpóreo Bastos et al 2015 Tanto no candomblé quanto na umbanda divindades e espíritos são concebidos como frequentemente ativos e imanentes ao nosso mundo trabalhando em favor das pessoas deste lado sendo recebidos por praticantes iniciados e comunicando instruções e conselhos Schmidt 2016 Antropólogos há muito são fascinados pela mediunidade de incorporação em parte por causa de sua presença em tantas culturas díspares em parte porque apesar dessa ubiquidade ela continua sendo misteriosa e exótica Como Janice Boddy explica JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 76 A possessão espiritual geralmente se refere ao domínio exercido sobre um ser humano por forças externas ou entidades mais poderosas do que ela Essas forças podem ser ancestrais ou divindades fantasmas de origem estrangeira ou entidades ontologicamente e etnicamente estranhas Algumas sociedades evidenciam múltiplas formas espirituais Dependendo do contexto cultural e etiológico tais espíritos podem ser exorcizados ou alojados em relação relativamente permanente com seu hospedeiro ou médium ocasionalmente usurpando a primazia do lugar em seu corpo mesmo vestindo suas próprias roupas e falando suas próprias línguas durante os transes de possessão Possessão então é um termo amplo que se refere a uma integração de espírito e matéria força ou poder e realidade corpórea em um cosmos onde as fronteiras entre um indivíduo e seu ambiente são reconhecidas como permeáveis flexivelmente traçadas ou pelo menos negociáveis Boddy 1994 p407 Ao contrário dos antropólogos os filósofos da religião têm largamente ignorado esse espectro da religiosidade humana mesmo em locais como o Brasil nos quais esse é um aspecto central para um grande número de praticantes Ignorar essas práticas significa estar fechado a questões que podem ser investigadas lado a lado com outros estudiosos da religião como qual seria a visão de vida após a morte sustentada por essas tradições Elas postulam a imortalidade Além disso há questões que podem interessar ainda mais aos filósofos do que outros estudiosos como quais compromissos ontológicos estão implícitos nessas práticas rituais Como a mediunidade pode ser vista como evidência em favor de sua visão do que acontece conosco após a morte corporal No candomblé tudo e todos comem Johnson 2002 p36 e alimentar os orixás com oferendas e sangue sacrificial é parte essencial da prática religiosa Schmidt 2013 Na umbanda diversos alimentos rituais são oferecidos às divindades mas esta difere do candomblé na medida em que alimentos bebidas alcoólicas roupas perfumes charutos doces e outros presentes são oferecidos não só aos orixás ou aos seus representantes mas também aos espíritos auxiliares de velhos escravos africanos índios crianças e outros Hale 2009 Nivaldo Léo Neto Sharon Brooks e Rômulo Alves 2009 afirmam que a finalidade principal do sacrifício ebó é a fortificação e alimentação das divindades Quando o sacrifício é realizado com sucesso os pedidos e desejos dos devotos são atendidos Segundo os autores os entrevistados utilizam o verbo comer ao descrever o sacrifício No entanto essa expressão precisa ser entendida de forma simbólica pois as divindades não comem realmente a carne mas se alimentam da energia da vítima ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 77 sacrificial Essa energia é chamada de axé e se refere a uma força mística que está presente em alguns lugares objetos ou certas partes do corpo animal como coração fígado pulmões genitais leitos de rios pedras sementes e frutas sagradas 2009 p3 O sangue é especialmente importante pois se acredita que ele transporte o axé de um ser vivo O objetivo do sacrifício portanto é fornecer energia às divindades para que a energia retorne como presentes aos praticantes do sacrifício Consequentemente a harmonia entre o mundo e as divindades seria preservada O que essas práticas implicam na relação entre seres humanos espíritos e divindades Como as oferendas e sacrifícios podem ser vistos como evidência em favor de sua visão acerca da natureza dos espíritos e das divindades Para incorporar esses aspectos e questões específicas à Filosofia da Religião uno minha voz ao coro daqueles que recomendam que a filosofia da religião deve superar seu foco atual primário na racionalidade do teísmo tradicional tornandose uma forma plenamente global de reflexão crítica sobre as religiões em todas as suas variedades e dimensões em diálogo com outros ramos da Filosofia e outras disciplinas do estudo acadêmico das religiões Contudo longe de simplesmente abandonar as questões e métodos da Filosofia da Religião tradicional a proposta aqui é que ela seja expandida através do envolvimento com tradições cujo foco não é a profissão de fé a crença ou o dogma mas a prática ritual Em outras palavras tratase de integrar à Filosofia da Religião uma filosofia das práticas religiosas Como Kevin Schilbrack afirma em Philosophy and the Study of Religions Minha crítica à filosofia da religião tradicional é que apesar de suas realizações ela opera com uma compreensão inadequada da tarefa da disciplina Para evitar estreiteza intelectualismo e insularidade os filósofos da religião devem entender sua tarefa como tendo três partes não deve excluir nenhuma religião deve dar o devido reconhecimento à centralidade da prática religiosa para as comunidades religiosas e deve expandir suas conversas com os outros ramos da filosofia e as outras disciplinas em estudos religiosos 2014 p11 JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 78 Para esse fim gesticularei na direção de duas recomendações a primeira se trata de empregar descrições densas para facilitar compreensões mais ricamente contextualizadas dos fenômenos religiosos a segunda se trata de entender rituais como empreendimentos propriamente cognitivos A primeira destas sugestões é devida sobretudo a Timothy Knepper 2013 e Mikel Burley 2020 a segunda a Schilbrack 2014 O estudioso da religião deve começar descrevendo os outros em seus próprios termos não apenas porque o estudo acadêmico das religiões deve procurar ser cuidadoso ou respeitoso mas antes porque ações são constituídas pelas intenções dos agentes portanto a compreensão dessas intenções é necessária para se ter uma compreensão precisa de suas ações Porém como observou Clifford Geertz para qualquer situação em que há mais de um agente envolvido haverá múltiplas interpretações do que está acontecendo Uma descrição densa consiste na tentativa do etnógrafo de construir uma imagem determinada uma leitura da situação relevante a partir dos dados disponíveis incluindo as respectivas interpretações dos agentes Há portanto um sentido em que a etnografia é um esforço completamente interpretativo explicar explicações nas palavras de Geertz 1973 p9 Uma vez que as melhores fontes para se ler o comportamento ritualizado são derivadas de relatos densamente descritos fornecidos por etnografias o envolvimento com a etnografia é um meio incontornável para avaliar os compromissos ontológicos de religiões baseadas em tradições orais focadas em práticas rituais Além disso esse envolvimento também permite explorar as possíveis contribuições dessas etnografias para os debates clássicos em Filosofia da Religião tais quais aqueles sobre a morte e imortalidade por um lado e sobre a existência e natureza das divindades por outro Em muitos casos uma descrição abrangente será necessária para contextualizar e identificar adequadamente as particularidades de um determinado fenômeno No entanto a prática da descrição é rotineiramente desvalorizada na Filosofia sendo percebida como um mero exercício preliminar algo a ser feito para preparar o terreno para que a tarefa própria da Filosofia seja iniciada tal opinião pode ser encontrada mesmo em Schilbrack ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 79 2014 Essa tarefa supostamente adequada é geralmente caracterizada em termos de avaliação crítica Faço coro com Burley 2020 entretanto quando ele defende que a própria descrição pode ser crítica pois pode revelar a dubiedade de suposições endêmicas que filósofos e outros teóricos têm sido propensos a sustentar Ao complexificar e enriquecer nossas descrições estamos fazendo filosofia de um modo descritivo e contemplativo Em vez de apressarnos a avaliar os fenômenos discutidos em termos de algum conjunto de critérios normativos supostamente universalizáveis podemos deternos na pluralidade radical dos próprios fenômenos permitindo que nossa atenção se volte para as características salientes que possam desestabilizar as expectativas sobre o que seria ou em que deveria consistir a religião Phillips 2007 Ainda práticas religiosas podem ser vistas não somente como expressões do pensamento religioso como se o que uma comunidade religiosa realmente ensinasse fosse articulado apenas nos textos escritos por seus intelectuais o que certamente não é o caso do candomblé nem da umbanda mas também como exemplos desse pensamento Schilbrack sugere que os aspectos materiais dos rituais religiosos os instrumentos os adereços a arte as oferendas o incenso os próprios edificios possam servir como o que poderíamos chamar de próteses cognitivas Essa ideia é tomada de emprestéstimo de cientistas cognitivos que observam que quando as pessoas estão resolvendo problemas cognitivos elas geralmente se apóiam no ambiente e descarregam seus processos de pensamento em instrumentos físicos e culturais do mundo As pessoas exploram estruturas externas em seu ambiente ou criam ferramentas que reduzem a carga computacional em sua economia cognitiva e os ajudam a lembrar processar informações e resolver problemas cognitivos Menary 2010 Pode ser que como o trabalho práticas religiosas tais como a incorporação e o sacrifício se direcionem a um fim além de si mesmas ou que como o jogo sejam executadas como um fim em si mesmas Seja qual for a interpretação elas podem ser vistas como oportunidades de cognição sobre saúde amor dever maturidade soberania propósito ou mais abstratamente a natureza da existência humana Sem dúvida também JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 80 são oportunidades de cognição sobre a natureza dos seus objetos mais óbvios a saber as entidades incorporadas e homenageadas Não é preciso exagerar a ideia de que práticas religiosas são uma fonte de pensamento original muitas práticas religiosas são de fato repetitivas ou rotineiras e não há dúvida de que os praticantes são muitas vezes passivos diante das tradições da autoridade e do treinamento No entanto isso não impede que tomemos tais práticas como oportunidades de investigação Filósofos da religião podem adotar a mesma abordagem interpretativa das práticas religiosas e vêlas como práticas sociais que não podem senão envolver aprendizado e exploração Algumas das coisas que se aprende participando de rituais serão sobre o próprio praticante quando me envolvo nessa prática o que muda em mim Meus desejos originais Minha vontade Meus hábitos O que em mim resiste a essa mudança e precisa ser entregue Algumas das coisas que se aprende serão sobre aqueles com quem se interage quem entre nós não é confiável Quais de nós podem servir de modelo E finalmente outras coisas serão sobre o mundo como contexto de ação sobre tempestades e doenças sobre comida e música Em última análise as práticas podem servir como oportunidades de investigação a respeito dos recursos superempíricos que tornam a prática bemsucedida O período atual é um momento experimental na Filosofia da Religião À medida que o conhecimento de várias religiões e culturas se torna cada vez mais acessível e à medida que cresce o reconhecimento de que o paroquialismo e a miopia cultural na Filosofia não são mais uma opção a exploração de métodos alternativos se faz necessária Os métodos sugeridos aqui não constituem a única ou mesmo necessariamente a melhor maneira de proceder em filosofia da religião Mas eles constituem creio eu uma abordagem promissora que oferece o potencial de se fazer justiça conceitual à pluralidade radical de formas de vida humanas dando atenção para as ideias e práticas de todas as religiões e todas as classes na medida em que ressoam no mundo vivido de indivíduos e comunidades Hewitt Scrutton 2018 Knepper 2021 Essa não é apenas uma questão de utilidade metodológica mas uma questão de justiça para aqueles cuja história e vida ainda lutam por visibilidade e valor e uma questão de solidariedade e preocupação com aqueles que virão depois de nós ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAHIA Joana 2018 Umbanda In Encyclopedia of Latin American Religions DOI 10100797833190895605351 BASTIDE Roger 1945 Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto Rio de Janeiro O Cruzeiro BASTOS Paulo R H O JUNIOR Marco AV B GONÇALVES Lídia M OSÓRIO Igraíne H S LUCCHETTI Giancarlo 2015 Mediumship review of quantitative studies published in the 21st century In Archives of Clinical Psychiatry 425p12938 BODDY Janice 1994 Spirit possession revisited Beyond instrumentality In Annual Review of Anthropology 23 407434 BURLEY Mikel 2020 A Radical Pluralist Philosophy of Religion CrossCultural Multireligious Interdisciplinary London Bloomsbury Academic DE CRUZ Helen 2018 Religious Beliefs and Philosophical Views A Qualitative Study In Res Philosophica 95 3 477504 DRAPER Paul SCHELLENBERG John L 2017 Renewing Philosophy of Religion Exploratory Essays Oxford Oxford University Press ECKEL Malcom D SPEIGHT C Allen DUJARDIN Troy 2021 The Future of the Philosophy of Religion Cham Switzerland Springer ENGLER Steven 2012 Umbanda and Africa In Nova Religio 154 1335 GEERTZ Clifford 1973 Thick Description Toward an Interpretive Theory of Culture In The Interpretation of Cultures Selected Essays 330 New York Basic Books HALE Lindsay 2009 Hearing the Mermaids Song The Umbanda Religion in Rio de Janeiro Albuquerque University of New Mexico Press HEWITT Simon SCRUTTON Anastasia P 2018 Philosophy and living religion an introduction In International Journal of Philosophy and Theology 79 349354 JOHNSON Paul C 2002 Secrets Gossip and Gods The Transformation of Brazilian Candomblé Oxford Oxford University Press KANARIS Jim 2018 Reconfigurations of Philosophy of Religion A Possible Future Albany State University of New York Press JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 82 KNEPPER Timothy D 2013 The Ends of Philosophy of Religion Terminus and Telos New York Palgrave Macmillan 2021 Philosophy of Lived Religion The Next Revolution In Eckel Speight DuJardin p 6172 MENARY Richard 2010 The Extended Mind Cambridge MIT Press MESZAROS Julia ZACHHUBER Johannes 2013 Sacrifice and Modern Thought Oxford Oxford University Press NAGASAWA Yujin 2017 Global Philosophy of Religion and its Challenges In Draper Schellenberg p 3347 PHILLIPS Dewi Z 2007 Philosophy s Radical Pluralism in the House of Intellect A Reply to Henk Vroom In Sanders p197211 PRANDI Reginaldo 2001 Mitologia dos Orixás São Paulo Companhia das Letras SANDERS Andy F 2007 D Z Phillips Contemplative Philosophy of Religion Questions and Responses Aldershot Ashgate SCHILBRACK Kevin 2004 Thinking through Rituals Philosophical Perspectives New York Routledge 2014 Philosophy and the Study of Religions A Manifesto Malden WileyBlackwell SCHMIDT Bettina E 2013 Blood Sacrifice as a Symbol of the Paradigmatic Other The Debate about EbóRituals in the Americas In Meszaros Zachhuber p197213 2016 Contemporary Religions in Brazil In Oxford Handbooks Online DOI 101093oxfordhb978019993542001350 SERRA O 2018 Candomblé In Encyclopedia of Latin American Religions DOI 10100797833190895605241 SILVA Vagner G 2005 Candomblé e Umbanda Caminhos da Devoção Brasileira São Paulo Selo Negro Edições
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questões específicas e envolventes para a Filosofia da Religião que a disciplina precisa rever sua metodologia para abarcálas e que o contato entre esses mundos até então isolados pode iluminar o estudo de ambos Farei isso apontando que práticas rituais tradições orais e etnografias do candomblé e da umbanda podem abrir caminhos para debates metodológicos epistemológicos e metafísicos em Filosofia da Religião A Filosofia da Religião tradicional tem sido prejudicada por uma concepção limitada e acrítica de religião que negligencia o papel da prática e da emoção bem como exclui grande parte das tradições não ocidentais ora ignorando ora empobrecendo os recursos intelectuais fornecidos por elas ao extrair proposições generalizadas e a históricas que as transformam num teísmo rarefeito Além disso essa concepção possui um viés intelectualista em prol da análise e avaliação de crenças religiosas excluindo praticamente todos os outros fenômenos religiosos Finalmente ela também manifesta insularidade ou seja uma tendência a explorar e até mesmo formular suas questões apenas em termos das tradições de seus praticantes Knepper 2013 Schilbrack 2014 Embora isso seja compreensível devido à preponderância do catolicismo e do protestantismo onde a disciplina se desenvolveu também justifica a queixa crescente de JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 74 que a disciplina tem se alienado de grande parte da prática real da religião enquanto pretende estar investigando a religião em geral De Cruz 2018 Por um lado isso tem levado a uma crise de identidade na Filosofia da Religião contemporânea Kanaris 2018 por outro tem alimentado tentativas de identificar novos caminhos para os filósofos da religião distintos daqueles percorridos por teólogos e outros estudiosos da religião Draper Schellenberg 2017 Meu objetivo aqui é preconizar um meio para começarmos a remediar essas duas tendências apontando áreas de contato possíveis entre a Filosofia da Religião e as expressões religiosas afrobrasileiras Creio que há aqui algo que pode não só contribuir para a instauração gradual de uma Filosofia da Religião póssecular póscolonial intercultural comparativa e global mas também para a inauguração de uma linha de pesquisa interdisciplinar em solo brasileiro O candomblé é uma tradição religiosa afrobrasileira caracterizada pela invocação e celebração de divindades africanas os orixás ancestrais semidivinos e outros espíritos que se acredita possuírem pessoas iniciadas Em suas muitas variações ele coloca que enquanto todo ser humano está sob o governo de divindades cuja identidade pode ser reconhecida por meio de ritos divinatórios apenas algumas pessoas podem recebêlas em seus corpos isto é incorporálas Por isso homenagens devem ser prestadas às divindades por meio de oferendas e sacrifícios para facilitar a transmissão da força vital sagrada o axé indispensável à manutenção da saúde e do bemestar Serra 2018 A umbanda é um híbrido distintamente brasileiro de candomblé espiritismo kardecista e catolicismo popular com elementos indígenas romantizados Engler 2012 Na umbanda incorporamse espíritos mas não divindades embora certos espíritos pertençam a uma falange um grupo que trabalha direta ou indiretamente para e em nome de determinado orixá Espíritos são concebidos como seres desencarnados que retornaram ao mundo mortal para ajudar as pessoas e por meio disso resolver seus problemas para que eles mesmos possam evoluir espiritualmente A ideia de evolução espiritual herdada do kardecismo é central para a umbanda e significa que todo espírito precisa voltar à Terra para ser recebido nos corpos daqueles que podem entrar em transe de possessão para alcançar esse objetivo Bahia 2018 ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 75 Há diferenças importantes entre o candomblé e a umbanda bem como diferenças internas entre variantes do candomblé e da umbanda Silva 2005 p12627 Por exemplo a umbanda possui um conjunto maior e mais doutrinariamente elaborado de entidades sobrenaturais a umbanda dá mais ênfase à mediunidade como fonte de serviço aos praticantes o candomblé dá mais ênfase à adivinhação e ao papel dos pais e das mães de santo como centrais para o ritual o candomblé dá mais ênfase à iniciação com a autoridade carismática da mediunidade desempenhando um papel menor do que na umbanda a umbanda reserva um papel maior à feitiçaria os textos e hinos do candomblé fazem mais uso do vocabulário africano enquanto no extremo branco do espectro das suas formas rituais a umbanda usa elementos cristãos por exemplo o Pai Nosso Lentamente a Filosofia da Religião tem incorporado tendências bemvindas ao dar a devida atenção aos rituais religiosos Schilbrack 2004 e ao promover pesquisas envolvendo filósofos de tradições religiosas e regiões geográficas subrepresentadas Nagasawa 2017 Sugiro que essas duas tendências possam ser avançadas significativamente mediante o envolvimento com o candomblé e com a umbanda tendo em vista que alguns dos aspectos mais marcantes dessas tradições têm escapado quase inteiramente aos filósofos da religião Desses destacarei a mediunidade por meio da incorporação de espíritos e da prática ritual de oferendas e sacrifícios Embora não haja um consenso formal sobre a definição de mediunidade ela pode ser definida a grosso modo como a capacidade de se comunicar regularmente com os espíritos dos falecidos com ancestrais ou com divindades mas também como um conjunto de experiências em que um indivíduo o médium mantém contato regular ou permanece sob o controle de um ser incorpóreo Bastos et al 2015 Tanto no candomblé quanto na umbanda divindades e espíritos são concebidos como frequentemente ativos e imanentes ao nosso mundo trabalhando em favor das pessoas deste lado sendo recebidos por praticantes iniciados e comunicando instruções e conselhos Schmidt 2016 Antropólogos há muito são fascinados pela mediunidade de incorporação em parte por causa de sua presença em tantas culturas díspares em parte porque apesar dessa ubiquidade ela continua sendo misteriosa e exótica Como Janice Boddy explica JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 76 A possessão espiritual geralmente se refere ao domínio exercido sobre um ser humano por forças externas ou entidades mais poderosas do que ela Essas forças podem ser ancestrais ou divindades fantasmas de origem estrangeira ou entidades ontologicamente e etnicamente estranhas Algumas sociedades evidenciam múltiplas formas espirituais Dependendo do contexto cultural e etiológico tais espíritos podem ser exorcizados ou alojados em relação relativamente permanente com seu hospedeiro ou médium ocasionalmente usurpando a primazia do lugar em seu corpo mesmo vestindo suas próprias roupas e falando suas próprias línguas durante os transes de possessão Possessão então é um termo amplo que se refere a uma integração de espírito e matéria força ou poder e realidade corpórea em um cosmos onde as fronteiras entre um indivíduo e seu ambiente são reconhecidas como permeáveis flexivelmente traçadas ou pelo menos negociáveis Boddy 1994 p407 Ao contrário dos antropólogos os filósofos da religião têm largamente ignorado esse espectro da religiosidade humana mesmo em locais como o Brasil nos quais esse é um aspecto central para um grande número de praticantes Ignorar essas práticas significa estar fechado a questões que podem ser investigadas lado a lado com outros estudiosos da religião como qual seria a visão de vida após a morte sustentada por essas tradições Elas postulam a imortalidade Além disso há questões que podem interessar ainda mais aos filósofos do que outros estudiosos como quais compromissos ontológicos estão implícitos nessas práticas rituais Como a mediunidade pode ser vista como evidência em favor de sua visão do que acontece conosco após a morte corporal No candomblé tudo e todos comem Johnson 2002 p36 e alimentar os orixás com oferendas e sangue sacrificial é parte essencial da prática religiosa Schmidt 2013 Na umbanda diversos alimentos rituais são oferecidos às divindades mas esta difere do candomblé na medida em que alimentos bebidas alcoólicas roupas perfumes charutos doces e outros presentes são oferecidos não só aos orixás ou aos seus representantes mas também aos espíritos auxiliares de velhos escravos africanos índios crianças e outros Hale 2009 Nivaldo Léo Neto Sharon Brooks e Rômulo Alves 2009 afirmam que a finalidade principal do sacrifício ebó é a fortificação e alimentação das divindades Quando o sacrifício é realizado com sucesso os pedidos e desejos dos devotos são atendidos Segundo os autores os entrevistados utilizam o verbo comer ao descrever o sacrifício No entanto essa expressão precisa ser entendida de forma simbólica pois as divindades não comem realmente a carne mas se alimentam da energia da vítima ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 77 sacrificial Essa energia é chamada de axé e se refere a uma força mística que está presente em alguns lugares objetos ou certas partes do corpo animal como coração fígado pulmões genitais leitos de rios pedras sementes e frutas sagradas 2009 p3 O sangue é especialmente importante pois se acredita que ele transporte o axé de um ser vivo O objetivo do sacrifício portanto é fornecer energia às divindades para que a energia retorne como presentes aos praticantes do sacrifício Consequentemente a harmonia entre o mundo e as divindades seria preservada O que essas práticas implicam na relação entre seres humanos espíritos e divindades Como as oferendas e sacrifícios podem ser vistos como evidência em favor de sua visão acerca da natureza dos espíritos e das divindades Para incorporar esses aspectos e questões específicas à Filosofia da Religião uno minha voz ao coro daqueles que recomendam que a filosofia da religião deve superar seu foco atual primário na racionalidade do teísmo tradicional tornandose uma forma plenamente global de reflexão crítica sobre as religiões em todas as suas variedades e dimensões em diálogo com outros ramos da Filosofia e outras disciplinas do estudo acadêmico das religiões Contudo longe de simplesmente abandonar as questões e métodos da Filosofia da Religião tradicional a proposta aqui é que ela seja expandida através do envolvimento com tradições cujo foco não é a profissão de fé a crença ou o dogma mas a prática ritual Em outras palavras tratase de integrar à Filosofia da Religião uma filosofia das práticas religiosas Como Kevin Schilbrack afirma em Philosophy and the Study of Religions Minha crítica à filosofia da religião tradicional é que apesar de suas realizações ela opera com uma compreensão inadequada da tarefa da disciplina Para evitar estreiteza intelectualismo e insularidade os filósofos da religião devem entender sua tarefa como tendo três partes não deve excluir nenhuma religião deve dar o devido reconhecimento à centralidade da prática religiosa para as comunidades religiosas e deve expandir suas conversas com os outros ramos da filosofia e as outras disciplinas em estudos religiosos 2014 p11 JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 78 Para esse fim gesticularei na direção de duas recomendações a primeira se trata de empregar descrições densas para facilitar compreensões mais ricamente contextualizadas dos fenômenos religiosos a segunda se trata de entender rituais como empreendimentos propriamente cognitivos A primeira destas sugestões é devida sobretudo a Timothy Knepper 2013 e Mikel Burley 2020 a segunda a Schilbrack 2014 O estudioso da religião deve começar descrevendo os outros em seus próprios termos não apenas porque o estudo acadêmico das religiões deve procurar ser cuidadoso ou respeitoso mas antes porque ações são constituídas pelas intenções dos agentes portanto a compreensão dessas intenções é necessária para se ter uma compreensão precisa de suas ações Porém como observou Clifford Geertz para qualquer situação em que há mais de um agente envolvido haverá múltiplas interpretações do que está acontecendo Uma descrição densa consiste na tentativa do etnógrafo de construir uma imagem determinada uma leitura da situação relevante a partir dos dados disponíveis incluindo as respectivas interpretações dos agentes Há portanto um sentido em que a etnografia é um esforço completamente interpretativo explicar explicações nas palavras de Geertz 1973 p9 Uma vez que as melhores fontes para se ler o comportamento ritualizado são derivadas de relatos densamente descritos fornecidos por etnografias o envolvimento com a etnografia é um meio incontornável para avaliar os compromissos ontológicos de religiões baseadas em tradições orais focadas em práticas rituais Além disso esse envolvimento também permite explorar as possíveis contribuições dessas etnografias para os debates clássicos em Filosofia da Religião tais quais aqueles sobre a morte e imortalidade por um lado e sobre a existência e natureza das divindades por outro Em muitos casos uma descrição abrangente será necessária para contextualizar e identificar adequadamente as particularidades de um determinado fenômeno No entanto a prática da descrição é rotineiramente desvalorizada na Filosofia sendo percebida como um mero exercício preliminar algo a ser feito para preparar o terreno para que a tarefa própria da Filosofia seja iniciada tal opinião pode ser encontrada mesmo em Schilbrack ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 79 2014 Essa tarefa supostamente adequada é geralmente caracterizada em termos de avaliação crítica Faço coro com Burley 2020 entretanto quando ele defende que a própria descrição pode ser crítica pois pode revelar a dubiedade de suposições endêmicas que filósofos e outros teóricos têm sido propensos a sustentar Ao complexificar e enriquecer nossas descrições estamos fazendo filosofia de um modo descritivo e contemplativo Em vez de apressarnos a avaliar os fenômenos discutidos em termos de algum conjunto de critérios normativos supostamente universalizáveis podemos deternos na pluralidade radical dos próprios fenômenos permitindo que nossa atenção se volte para as características salientes que possam desestabilizar as expectativas sobre o que seria ou em que deveria consistir a religião Phillips 2007 Ainda práticas religiosas podem ser vistas não somente como expressões do pensamento religioso como se o que uma comunidade religiosa realmente ensinasse fosse articulado apenas nos textos escritos por seus intelectuais o que certamente não é o caso do candomblé nem da umbanda mas também como exemplos desse pensamento Schilbrack sugere que os aspectos materiais dos rituais religiosos os instrumentos os adereços a arte as oferendas o incenso os próprios edificios possam servir como o que poderíamos chamar de próteses cognitivas Essa ideia é tomada de emprestéstimo de cientistas cognitivos que observam que quando as pessoas estão resolvendo problemas cognitivos elas geralmente se apóiam no ambiente e descarregam seus processos de pensamento em instrumentos físicos e culturais do mundo As pessoas exploram estruturas externas em seu ambiente ou criam ferramentas que reduzem a carga computacional em sua economia cognitiva e os ajudam a lembrar processar informações e resolver problemas cognitivos Menary 2010 Pode ser que como o trabalho práticas religiosas tais como a incorporação e o sacrifício se direcionem a um fim além de si mesmas ou que como o jogo sejam executadas como um fim em si mesmas Seja qual for a interpretação elas podem ser vistas como oportunidades de cognição sobre saúde amor dever maturidade soberania propósito ou mais abstratamente a natureza da existência humana Sem dúvida também JOSÉ EDUARDO PORCHER REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 80 são oportunidades de cognição sobre a natureza dos seus objetos mais óbvios a saber as entidades incorporadas e homenageadas Não é preciso exagerar a ideia de que práticas religiosas são uma fonte de pensamento original muitas práticas religiosas são de fato repetitivas ou rotineiras e não há dúvida de que os praticantes são muitas vezes passivos diante das tradições da autoridade e do treinamento No entanto isso não impede que tomemos tais práticas como oportunidades de investigação Filósofos da religião podem adotar a mesma abordagem interpretativa das práticas religiosas e vêlas como práticas sociais que não podem senão envolver aprendizado e exploração Algumas das coisas que se aprende participando de rituais serão sobre o próprio praticante quando me envolvo nessa prática o que muda em mim Meus desejos originais Minha vontade Meus hábitos O que em mim resiste a essa mudança e precisa ser entregue Algumas das coisas que se aprende serão sobre aqueles com quem se interage quem entre nós não é confiável Quais de nós podem servir de modelo E finalmente outras coisas serão sobre o mundo como contexto de ação sobre tempestades e doenças sobre comida e música Em última análise as práticas podem servir como oportunidades de investigação a respeito dos recursos superempíricos que tornam a prática bemsucedida O período atual é um momento experimental na Filosofia da Religião À medida que o conhecimento de várias religiões e culturas se torna cada vez mais acessível e à medida que cresce o reconhecimento de que o paroquialismo e a miopia cultural na Filosofia não são mais uma opção a exploração de métodos alternativos se faz necessária Os métodos sugeridos aqui não constituem a única ou mesmo necessariamente a melhor maneira de proceder em filosofia da religião Mas eles constituem creio eu uma abordagem promissora que oferece o potencial de se fazer justiça conceitual à pluralidade radical de formas de vida humanas dando atenção para as ideias e práticas de todas as religiões e todas as classes na medida em que ressoam no mundo vivido de indivíduos e comunidades Hewitt Scrutton 2018 Knepper 2021 Essa não é apenas uma questão de utilidade metodológica mas uma questão de justiça para aqueles cuja história e vida ainda lutam por visibilidade e valor e uma questão de solidariedade e preocupação com aqueles que virão depois de nós ABRINDO CAMINHOS EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO BRASÍLIA V 8 Nº 2 DEZ 2021 ISSN 23588284 DOSSIÊ RELIGIOSIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS E AFROBRASILEIROS 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAHIA Joana 2018 Umbanda In Encyclopedia of Latin American Religions DOI 10100797833190895605351 BASTIDE Roger 1945 Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto Rio de Janeiro O Cruzeiro BASTOS Paulo R H O JUNIOR Marco AV B GONÇALVES Lídia M OSÓRIO Igraíne H S LUCCHETTI Giancarlo 2015 Mediumship review of quantitative studies published in the 21st century In Archives of Clinical Psychiatry 425p12938 BODDY Janice 1994 Spirit possession revisited Beyond instrumentality In Annual Review of Anthropology 23 407434 BURLEY Mikel 2020 A Radical Pluralist Philosophy of Religion CrossCultural Multireligious Interdisciplinary London Bloomsbury Academic DE CRUZ Helen 2018 Religious Beliefs and Philosophical Views A Qualitative Study In Res Philosophica 95 3 477504 DRAPER Paul SCHELLENBERG John L 2017 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