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Teoria Geral do Direito Civil

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Manual de Direito Civil VOLUME ÚNICO Pablo Stolze Gagliano Rodolfo Pamplona Filho Atualizado de acordo com as recentes disposições sobre o direito real de laje de dezembro de 2016 ISBN 9788547216771 Gagliano Pablo Stolze Manual de direito civil volume único Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho São Paulo Saraiva 2017 1 Direito civil 2 Direito civil Brasil I Título II Pamplona Filho Rodolfo 161508 CDU 34781 Índices para catálogo sistemático 1 Brasil Direito civil 34781 Presidente Eduardo Mufarej Vicepresidente Claudio Lensing Diretora editorial Flávia Alves Bravin Conselho editorial Presidente Carlos Ragazzo Gerente de aquisição Roberta Densa Consultor acadêmico Murilo Angeli Gerente de concursos Roberto Navarro Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues Edição Deborah Caetano de Freitas Viadana Produção editorial Ana Cristina Garcia coord Luciana Cordeiro Shirakawa Clarissa Boraschi Maria coord Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro Mônica Landi Tatiana dos Santos Romão Tiago Dela Rosa Diagramação Livro Físico KnowHow Editorial Revisão KnowHow Editorial Comunicação e MKT Elaine Cristina da Silva Capa Roney Camelo Livro digital Epub Produção do epub Guilherme Henrique Martins Salvador Serviços editoriais Surane Vellenich Data de fechamento da edição 912017 Dúvidas Acesse wwweditorasaraivacombrdireito Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n 961098 e punido pelo artigo 184 do Código Penal SUMÁRIO Agradecimentos Nota dos Autores Parte Geral Pessoas I Pessoa Natural 1 A Personalidade Jurídica 11 Conceito 12 Aquisição da personalidade jurídica 13 O nascituro 2 Capacidade 21 Incapacidade absoluta 22 Incapacidade relativa 221 Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos 222 Os ébrios habituais e os viciados em tóxicos 223 Aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade 224 Os pródigos 225 Algumas palavras sobre a capacidade jurídica dos indígenas 23 Suprimento da incapacidade representação e assistência 3 Emancipação 4 DIREITOS DA PERSONALIDADE 5 Extinção da pessoa natural 51 Morte presumida 511 Ausência 512 Justificação de óbito 52 Morte simultânea comoriência II Pessoa Jurídica 1 Conceito 2 Surgimento da pessoa jurídica 3 Classificação das pessoas jurídicas 31 Pessoas jurídicas de direito público 32 Pessoas jurídicas de direito privado 321 As associações 322 As sociedades 323 As fundações 324 As organizações religiosas 325 Os partidos políticos 326 As empresas individuais de responsabilidade limitada 4 Desconsideração da Personalidade Jurídica 5 Extinção da Pessoa Jurídica III Domicílio 1 conceito e distinções necessárias 2 Tratamento legal e mudança de domicílio 3 Domicílio aparente ou ocasional 4 Domicílio da pessoa jurídica 5 Espécies de domicílio IV Bens 1 Conceito 2 Classificação 21 Dos bens considerados em si mesmos 211 Bens corpóreos e incorpóreos 212 Bens imóveis e móveis 213 Bens fungíveis e infungíveis 214 Bens consumíveis e inconsumíveis 215 Bens divisíveis e indivisíveis 216 Bens singulares e coletivos 22 Dos bens reciprocamente considerados 23 Dos bens públicos e particulares FATOS JURÍDICOS V Fato Jurídico 1 Conceito e classificação dos fatos jurídicos 2 Negócio jurídico 21 Conceito 22 Planos de análise 23 Defeitos do negócio jurídico 231 Erro ou ignorância 232 Dolo 233 Coação 234 Lesão 235 Estado de perigo 236 Simulação 237 Fraude contra credores 24 Invalidade do negócio jurídico 25 Elementos acidentais do negócio jurídico 251 Condição 252 Termo 253 Encargo 3 Ato Ilícito VI Prescrição e Decadência 1 noções conceituais 2 A Prescrição e a decadência no Código Civil 3 Causas impeditivas e suspensivas 4 Causas interruptivas 5 Direito intertemporal Parte especial Obrigações VII Introdução ao Direito das Obrigações 1 Conceito do direito das obrigações 2 Distinção entre direitos pessoais e reais 3 Figuras híbridas entre Direitos Pessoais e Reais 4 Considerações terminológicas 5 Estrutura da relação jurídica obrigacional 51 Elemento subjetivo sujeitos da relação obrigacional 52 Elemento objetivo a prestação 521 Características fundamentais da prestação 5211 Licitude 5212 Possibilidade 5213 Determinabilidade 53 Elemento ideal o vínculo jurídico entre credor e devedor 6 FONTES DAS OBRIGAÇÕES VIII Classificação das Obrigações 1 Introdução 2 Classificação básica 21 Obrigações de dar 211 Obrigações de dar coisa certa 212 Obrigações de dar coisa incerta 213 Obrigações de dar dinheiro obrigações pecuniárias 22 Obrigações de fazer 23 Obrigações de não fazer 3 classificação especial das Obrigações 31 Classificação especial quanto ao elemento subjetivo sujeitos 311 Obrigações fracionárias 312 Obrigações conjuntas 313 Obrigações disjuntivas 314 Obrigações solidárias 3141 A solidariedade 3142 Subsidiariedade 32 Classificação especial quanto ao elemento objetivo prestação 321 Obrigações alternativas 322 Obrigações facultativas 323 Obrigações cumulativas 324 Obrigações divisíveis e indivisíveis 325 Obrigações líquidas e ilíquidas 33 Classificação especial quanto ao elemento acidental 331 Obrigações condicionais 332 Obrigações a termo 333 Obrigações modais 34 Classificação especial quanto ao conteúdo 341 Obrigações de meio 342 Obrigações de resultado 343 Obrigações de garantia 4 Obrigação natural IX Teoria do Pagamento 1 conceito e natureza jurídica do pagamento 2 CONDIÇÕES SUBJETIVAS DO PAGAMENTO 21 De quem deve pagar 22 Daqueles a quem se deve pagar 3 CONDIÇÕES OBJETIVAS DO PAGAMENTO 31 Do objeto do pagamento e sua prova 32 Do lugar do pagamento 33 Do tempo do pagamento X Formas Especiais de Pagamento 1 introdução 2 consignação em PAGAMENTO 3 Pagamento com Subrogação 4 Imputação do Pagamento 5 DAÇÃO EM PAGAMENTO 6 NOVAÇÃO 7 Compensação 8 Confusão 9 REMISSÃO XI Transmissão das Obrigações 1 INTRODUÇÃO 2 CESSÃO DE CRÉDITO 3 CESSÃO DE DÉBITO ASSUNÇÃO DE DÍVIDA 4 CESSÃO DE CONTRATO XII Teoria do Inadimplemento 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 2 INADIMPLEMENTO FORTUITO DA OBRIGAÇÃO 3 INADIMPLEMENTO CULPOSO DA OBRIGAÇÃO 31 Perdas e danos 32 Juros 33 Inadimplemento relativo a mora 331 Mora do devedor 332 Mora do credor 333 Purgação e cessação da mora 4 Cláusula Penal 5 ARRAS CoNTRATOS XIII Visão Estrutural do Contrato 1 Conceito de Contrato 2 Natureza Jurídica do Contrato 3 Principiologia do Direito Contratual 31 Princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo 32 Princípio da força obrigatória do contrato 33 Princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato 34 Princípio da função social do contrato 35 Princípio da equivalência material 36 Princípio da boafé 361 Delimitação conceitual 362 Funções da boafé objetiva 3621 Função interpretativa e de colmatação 3622 Função criadora de deveres jurídicos anexos 3623 Função delimitadora do exercício de direitos subjetivos 363 Desdobramentos da boafé objetiva 3631 Venire contra factum proprium 3632 Supressio 3633 Surrectio 3634 Tu quoque 3635 Exceptio doli 3636 Inalegabilidade das nulidades formais 3637 Desequilíbrio no exercício jurídico 3638 Cláusula de Stoppel XIV Formação dos Contratos 1 Noções Básicas 2 Fase de Puntuação Negociações Preliminares 3 Proposta de Contratar 31 Prazo de validade da proposta 32 A oferta ao público 33 Consequências jurídicas da morte do proponente 4 A aceitação 5 Formação dos Contratos entre Ausentes 6 A Proposta no Código de Defesa do Consumidor 7 Lugar da Formação do Contrato XV Das Estipulações Contratuais em Relação a Terceiros 1 Introdução 2 Estipulação em Favor de Terceiro 3 Promessa de Fato de Terceiro 31 Natureza jurídica 32 Exclusão de responsabilidade 4 Contrato com Pessoa a Declarar XVI Contrato Preliminar 1 Conceito e institutos similares 2 Natureza jurídica 3 Classificação 4 Tutela Específica XVII Vícios Redibitórios 1 Conceito e Características 2 Consequências Jurídicas da Verificação de Vícios Redibitórios 3 Prazo para a Propositura das Ações Edilícias 4 Vícios Redibitórios e o Código de Defesa do Consumidor XVIII Evicção 1 Noções Conceituais 2 Fundamentos Jurídicos 3 Requisitos 31 Aquisição de um bem 311 Contratos onerosos 312 Aquisição em hasta pública 32 Perda da posse ou da propriedade 33 Prolação de sentença judicial ou execução de ato administrativo 4 Direitos do Evicto 5 Espécies de Evicção Total e Parcial 6 Evicção e Autonomia da Vontade A Cláusula de Não Evicção XIX Extinção do Contrato 1 INTRODUÇÃO 2 Extinção Natural do Contrato 21 Cumprimento do contrato ou exaustão do seu objeto 22 Verificação de fatores eficaciais 221 Vencimento do termo 222 Implemento de condição resolutiva 223 Frustração da condição suspensiva 3 Causas Anteriores ou Contemporâneas à Formação do Contrato 31 Nulidade ou anulabilidade 32 Redibição 33 Direito de arrependimento 4 Causas Supervenientes à Formação do Contrato 41 Resilição 411 Bilateral distrato 412 Unilateral 42 Resolução 421 Algumas palavras sobre a voluntariedade da inexecução 422 Cláusula resolutória expressa ou tácita 43 Rescisão 44 Morte do contratante 45 Caso fortuito ou força maior XX Exceção de Contrato Não Cumprido 1 Considerações Iniciais 2 Conceito e Natureza Jurídica 3 Elementos Caracterizadores 4 RESTRIÇÃO à APLICAÇÃO DO INSTITUTO 5 Garantia de Cumprimento 6 A Exceção do Contrato Não Cumprido e a Administração Pública XXI Teoria da Imprevisão e Resolução por Onerosidade Excessiva 1 INTRODUÇÃO 2 Elementos para Aplicabilidade da Teoria da Imprevisão 3 Teoria da Imprevisão Lesão 4 Teoria da Imprevisão Inadimplemento Fortuito Caso Fortuito ou Força Maior 5 A Teoria da Imprevisão no Código de Defesa do Consumidor 6 A Teoria da Imprevisão no Código Civil de 2002 61 Aplicabilidade do instituto 62 Revisibilidade do contrato 63 Aplicação da teoria nos contratos unilaterais XXII Contratos Atípicos 1 Introdução 2 CONTRATOS TÍPICOS E ATÍPICOS 21 Distinção dos contratos nominados e inominados 22 Classificação dos contratos atípicos 23 Disciplina jurídica dos contratos atípicos 3 Os Contratos Atípicos no Código Civil Brasileiro 4 União de Contratos ou Contratos Coligados XXIII Compra e Venda 1 Conceito e Partes 2 Características 3 Elementos Essenciais 31 O consentimento 32 A coisa 33 O preço 4 Despesas com o Contrato de Compra e Venda 5 Responsabilidade Civil pelos Riscos da Coisa 6 Questões Especiais Referentes à Compra e Venda 61 Venda a descendente 62 Situações especiais referentes à falta de legitimidade para a compra e venda 63 Venda a condômino 64 Venda entre cônjuges e entre companheiros 7 Venda Ad Corpus e Venda Ad Mensuram 8 Cláusulas Especiais ou Pactos Acessórios à Compra e Venda 81 Retrovenda 82 Venda a contento e sujeita à prova por experimentação 83 Preempção ou preferência 84 Venda com reserva de domínio 85 Venda sobre documentos XXIV Troca ou Permuta 1 Denominação e Conceito 2 Características 3 Permuta de Valores Desiguais 4 Disciplina Jurídica XXV Contrato Estimatório 1 Conceito e Partes 2 Natureza Jurídica 3 Características XXVI Doação 1 Conceito e Partes 2 Características 3 Aceitação da Doação 4 Doação Mortis Causa 5 Doação Inoficiosa 6 Doação Universal 7 Promessa de Doação Pactum de Donando 8 ESPÉCIES DE DOAÇÃO 81 Doação pura doação com fatores eficaciais 82 Doação contemplativa doação remuneratória 83 Doação conjuntiva 84 Doação com cláusula de reversão 85 Doação mista doações mútuas 86 Doação sob forma de subvenção periódica 87 Doação indireta doação disfarçada 9 Extinção do Contrato de Doação 91 Meio natural de extinção 92 Revogação da doação inexecução do encargo e ingratidão do donatário 921 Hipóteses de ingratidão 922 Ação revocatória características Condições Prazos Efeitos 923 Doações não sujeitas à revogação 10 Doação por Procuração XXVII Locação de Coisas 1 Noções Gerais 2 Conceito 3 Elementos Essenciais 31 Tempo duração da locação 32 Coisa objeto da locação 33 Retribuição preço da locação 4 Características 5 Modalidades 6 Conteúdo do Contrato de Locação Direitos e Obrigações das Partes 61 Obrigações do locador direitos do locatário 611 Entregar ao locatário a coisa alugada 612 Manter a coisa alugada no mesmo estado 613 Garantir o uso pacífico da coisa 62 Obrigações do locatário direitos do locador 621 Servirse da coisa alugada para os usos contratados 622 Tratar a coisa alugada como se sua fosse 623 Pagar pontualmente o aluguel 624 Levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros 625 Restituir a coisa finda a locação no estado em que a recebeu 7 A Indenização por Benfeitorias na Coisa Locada 8 Direito de Retenção 9 Extinção do Contrato de Locação XXVIII Empréstimo 1 Introdução 2 Comodato 21 Histórico e conceito 22 Características 23 Prazo do contrato 24 Partes e objeto 25 Direitos e obrigações das partes 26 Despesas feitas pelo comodatário 27 Extinção 3 Mútuo 31 Histórico e conceito 32 Riscos da coisa emprestada 33 Características 34 Prazo do contrato 35 Partes e objeto 36 Mútuo feito a menor 37 Garantia de restituição ao mutuante 38 Direitos e obrigações das partes 39 Extinção XXIX Prestação de Serviço 1 Considerações Terminológicas Iniciais 2 Conceito e Contratos Afins 3 Características 4 Objeto 5 Forma 6 Retribuição 61 Compensação na ausência de habilitação 7 Tempo de Duração 71 Direito ao aviso prévio 72 Contagem do tempo 8 Extinção do Contrato 81 Direito à certificação 82 Indenizações pela extinção antecipada 9 Aliciamento de Mão de Obra XXX Empreitada 1 Noções Conceituais 2 Objeto 3 Características 4 Modalidades 41 Empreitada de lavor 42 Empreitada de materiais 5 O Preço 6 Direitos e Deveres do Empreiteiro e do ComitenteDono da Obra 61 Remuneração 62 Aceitação 63 Pagamento de materiais recebidos e inutilizados 64 Inalterabilidade relativa do projeto 7 Prazo de Garantia 8 Suspensão do Contrato de Empreitada 9 Extinção do Contrato de Empreitada XXXI Depósito 1 Conceito 2 Características 3 Partes e Objeto 4 Espécies de Depósito 5 Direitos e Obrigações das Partes 6 Negativa de Devolução da Coisa Depositada 61 Análise dos arts 633 a 635 do Código Civil 62 Direito de retenção 7 Extinção do Contrato de Depósito XXXII Mandato 1 Conceito e Denominação 2 Distinções Terminológicas 3 Partes 4 Características 5 Forma 6 Substabelecimento 7 Objeto do Mandato 8 Espécies 81 Mandato extrajudicial 82 Mandato judicial 9 Conteúdo do Mandato 10 Direitos e Obrigações das Partes 101 Obrigações do mandatário direitos do mandante 102 Obrigações do mandante direitos do mandatário 11 Irrevogabilidade do Mandato 12 Extinção do Mandato XXXIII Comissão 1 Conceito e Elementos 2 Características 3 Direitos e Obrigações das Partes 4 Espécies de Comissão 5 Cláusula Del Credere 6 Extinção do Contrato XXXIV Agência e Distribuição 1 Unidade ou Distinção Conceitual 2 Características 3 Direitos e Obrigações das Partes 4 Extinção do Contrato XXXV Corretagem 1 Conceito e Institutos Análogos 2 Tipologia 3 Características 4 Direitos e Deveres DAS PARTES 5 Remuneração do Corretor 6 Extinção do Contrato de Corretagem XXXVI Transporte 1 Conceito 2 Características 3 Transporte de Coisas ou Mercadorias 4 Transporte de Pessoas 5 Transporte Gratuito 6 Extinção do Contrato de Transporte XXXVII Seguro 1 Conceito 2 Princípios reguladores 3 Natureza jurídica 4 Características 5 Partes 6 Objeto do seguro O risco 7 A boafé e o contrato de seguro 8 Apólice 9 Direitos e obrigações das partes 10 Prêmio 11 Agente autorizado do segurador o corretor de seguros 12 Espécies de seguro seguro de dano e seguro de pessoa 121 Seguro de dano 1211 Sinistro parcial 1212 Garantia do seguro e vício intrínseco da coisa segurada 1213 Seguro de coisas transportadas 1214 Transferência do contrato 1215 Direito de regresso da companhia seguradora 1216 Seguro de responsabilidade civil 122 Seguro de pessoa 1221 Noções introdutórias 1222 Seguro de acidentes pessoais 1223 Seguro de vida 1224 Seguro em grupo 13 Extinção do contrato XXXVIII Constituição de Renda 1 Conceito 2 Características 3 Forma 4 Direitos e Obrigações das Partes 5 Nulidade da Constituição de Renda 6 Direito de Acrescer 7 Extinção do Contrato XXXIX Jogo e Aposta 1 Noções Introdutórias 2 Conceito 3 Natureza Jurídica 4 Espécies de Jogo 5 Características 6 Contratos Diferenciais 7 Utilização do Sorteio 8 O Reembolso de Empréstimo para Jogo ou Aposta 9 Extinção do Contrato XL Fiança 1 Conceito 2 Características 3 Partes 4 Objeto 5 Espécies de Fiança 6 Efeitos da Fiança 61 Benefício de ordem 62 Direitos e deveres das partes 7 Fiança Conjunta 8 Limitação Temporal da Fiança 9 Fiança e Aval 10 Fiança e Outorga Uxória 11 Extinção da Fiança XLI Transação 1 Conceito e Natureza Jurídica 2 Elementos analiticamente considerados 3 Características 4 Espécies 5 Forma 6 Objeto 7 Efeitos XLII Compromisso 1 Conceito de Compromisso 2 Características 3 Natureza Jurídica 4 O Compromisso no Procedimento da Arbitragem 5 Extinção do Contrato de Compromisso XLIII Atos Unilaterais 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 2 PROMESSA DE RECOMPENSA 21 Pressupostos de validade 22 Possibilidade de revogação 23 Concorrência de interessados 24 Concursos com promessa pública de recompensa 3 GESTÃO DE NEGÓCIOS 31 Obrigações do gestor e do dono do negócio XLIV Enriquecimento sem Causa e Pagamento Indevido 1 ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA 2 PAGAMENTO INDEVIDO 21 Espécies de pagamento indevido 22 Pagamento indevido e boafé 23 Ação de in rem verso Responsabilidade Civil XLV Introdução à Responsabilidade Jurídica 1 Introdução 2 Conceito Jurídico de Responsabilidade 3 Responsabilidade Jurídica Responsabilidade Moral 4 Responsabilidade Civil Responsabilidade Criminal XLVI Noções Gerais sobre Responsabilidade Civil 1 Conceito de Responsabilidade Civil 2 Breve Notícia Histórica da Responsabilidade Civil 3 Considerações Iniciais sobre as Espécies de Responsabilidade Civil 31 Responsabilidade civil subjetiva responsabilidade civil objetiva 32 Responsabilidade civil contratual responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana 4 Natureza Jurídica da Responsabilidade Civil 5 Função da Reparação Civil 6 Importância do Estudo da Responsabilidade Civil XLVII Elementos da Responsabilidade Civil 1 Uma Visão Geral dos Elementos da Responsabilidade Civil 2 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O ELEMENTO ACIDENTAL CULPA 3 Considerações sobre a Responsabilidade Civil e Imputabilidade XLVIII A Conduta Humana 1 A Conduta Humana primeiro elemento da responsabilidade civil 2 Classificação da Conduta Humana 3 A Conduta Humana e a Ilicitude XLIX O Dano 1 Conceito de Dano 2 Requisitos do Dano Indenizável 3 Espécies de Dano Patrimonial e Moral 4 Dano Reflexo ou em Ricochete 5 Danos Coletivos Difusos e a Interesses Individuais Homogêneos 6 Formas de Reparação de Danos L O Dano Moral 1 Introdução 2 A Preocupação do Código Civil de 2002 com a Questão da Moralidade 3 Conceito e Denominação 4 Dano Moral Direto e Indireto 5 Natureza Jurídica da Reparação do Dano Moral 6 Dano moral e Pessoa Jurídica 7 Dano Moral e Direitos Difusos e Coletivos LI Nexo de Causalidade 1 Introdução 2 Teorias Explicativas do Nexo de Causalidade 21 Teoria da equivalência das condições conditio sine qua non 22 Teoria da causalidade adequada 23 Teoria da causalidade direta ou imediata 3 TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO 4 CAUSAS CONCORRENTES 5 CONCAUSAS 6 A Teoria da Imputação Objetiva e a Responsabilidade Civil LII Causas Excludentes de Responsabilidade Civil e Cláusula de Não Indenizar 1 Introdução 2 Causas Excludentes de Responsabilidade Civil 21 Estado de necessidade 22 Legítima defesa 23 Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal 24 Caso fortuito e força maior 25 Culpa exclusiva da vítima 26 Fato de terceiro 3 Cláusula de Não Indenizar LIII A Responsabilidade Civil Subjetiva e a Noção de Culpa 1 Introdução 2 Breve Histórico e Conceito de Culpa da Glória ao Declínio 3 Elementos da Culpa 4 Graus e Formas de Manifestação da Culpa em Sentido Estrito Negligência Imprudência e Imperícia 5 Espécies de Culpa LIV Responsabilidade Civil Objetiva e a Atividade de Risco 1 Introdução 2 A Responsabilidade Civil Objetiva na Legislação Especial e o Risco da Atividade 3 Como Conciliar a Responsabilidade Civil Objetiva e o art 944 parágrafo único do Código Civil de 2002 LV Responsabilidade Civil por Ato de Terceiro 1 Introdução 2 Tratamento Legal da Matéria 3 Responsabilidade Civil dos Pais pelos Filhos Menores 4 Responsabilidade Civil dos Tutores e Curadores pelos Tutelados e Curatelados 5 Responsabilidade Civil do Empregador ou Comitente pelos atos dos seus Empregados Serviçais ou Prepostos 6 Responsabilidade Civil dos Donos de Hotéis Hospedarias e Estabelecimentos Educacionais por ato dos seus Hóspedes Moradores e Educandos 7 Responsabilidade Civil pelo Produto de Crime 8 Responsabilidade Civil das Pessoas Jurídicas de Direito Público e de Direito Privado LVI Responsabilidade Civil pelo Fato da Coisa e do Animal 1 Introdução 2 A Importância do Direito Francês 3 A DOUTRINA DA GUARDA DA COISA E DO ANIMAL NO BRASIL 4 O Responsável Civil pela Guarda da Coisa ou do Animal 5 Tratamento Legal 51 Responsabilidade civil pela guarda do animal 52 Responsabilidade civil pela ruína de edifício ou construção 53 Responsabilidade civil pelas coisas caídas de edifícios LVII Preferências e Privilégios Creditórios 1 ESCLARECIMENTOS TERMINOLÓGICOS 2 CONCURSO DE CREDORES 3 CATEGORIAS DAS PREFERÊNCIAS NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO 4 ORDEM PREFERENCIAL NO DIREITO BRASILEIRO DIREITOS REAIS LVIII Noções Gerais sobre Direitos Reais 1 Direitos Reais denominação e conceito 2 Natureza da Relação Jurídica Real 3 OBRIGAÇÃO REAL PROPTER REM LIX Posse 1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA 2 Teorias da Posse 3 Teoria Adotada pelo Código Civil 4 Detenção 5 Posse de Direitos Possessio Juris 6 Classificação da Posse 61 Quanto ao exercício e gozo posse direta e posse indireta 62 Quanto à existência de vício posse justa e posse injusta 63 Quanto à legitimidade do título ou ao elemento subjetivo posse de boafé e posse de máfé 64 Quanto ao tempo posse nova e posse velha 65 Quanto à proteção posse ad interdicta e posse ad usucapionem 7 Composse 8 Momento de Aquisição da Posse 9 Quem pode adquirir a posse 10 Modos de Perda da Posse 11 Efeitos da Posse 111 Percepção dos frutos e produtos 112 Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa 113 Indenização pelas benfeitorias realizadas 114 Proteção possessória 1141 De direito material 1142 De direito processual LX Propriedade 1 Conceito 2 Características 3 Extensão da Propriedade 4 Aquisição da Propriedade Imóvel 41 Usucapião 411 Conceito e pressupostos 412 Principais espécies 4121 Usucapião extraordinária art 1238 do CC 4122 Usucapião ordinária art 1242 do CC 4123 Usucapião constitucional ou especial rural ou pro labore art 191 da CF art 1239 do CC 4124 Usucapião constitucional ou especial urbana ou pro misero art 183 da CF art 1240 do CC art 9º do Estatuto da Cidade 4125 Usucapião especial urbana coletiva art 10 do Estatuto da Cidade 4126 Usucapião rural coletiva art 1228 4º e 5º do CC587 4127 Usucapião familiar art 1240A do CC 4128 Usucapião indígena art 1228 4º e 5º do CC 4129 Usucapião administrativa art 1071 do CPC 42 Registro imobiliário 43 Acessão 431 Conceito 432 Distinção entre acessão e benfeitoria 433 Acessão natural formação de ilhas 434 Acessão natural aluvião 435 Acessão natural avulsão 436 Acessão natural álveo abandonado 437 Acessão artificial construções e plantações 5 Aquisição da Propriedade Mobiliária 51 Usucapião 52 Ocupação 53 Achado de tesouro 54 Tradição 55 Especificação 56 Confusão comistão e adjunção 6 Perda da Propriedade LXI Direitos de vizinhança 1 Conceito 2 Uso Anormal da Propriedade Arts 1277 a 1281 3 Árvores Limítrofes Arts 1282 a 1284 4 PASSAGEM FORÇADA ART 1285 5 PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES ARTS 1286 E 1287 6 DAS ÁGUAS ARTS 1286 E 1287 7 LIMITES ENTRE PRÉDIOS E DO DIREITO DE TAPAGEM ARTS 1297 E 1298 8 Direito de Construir Arts 1297 e 1298 LXII Condomínio 1 Noções Introdutórias 2 Condomínio Voluntário 3 Condomínio Necessário 4 Condomínio Edilício 5 Multipropriedade ou Time Sharing LXIII Direitos reais na coisa alheia 1 Introdução 2 Direitos Reais de Gozo ou Fruição 21 Superfície 22 Servidão 23 Usufruto 24 Uso 25 Habitação 26 Direito do promitente comprador 27 Penhor hipoteca e anticrese 28 Laje Direito de Família LXIV Introdução ao direito de família 1 CONCEITO DE FAMÍLIA OU CONCEITOS DE FAMÍLIAS 2 PRINCÍPIOS PECULIARES DO DIREITO DE FAMÍLIA 21 Princípio da afetividade 22 Princípio da solidariedade familiar 23 Princípio da proteção ao idoso 24 Princípio da função social da família 25 Princípio da plena proteção das crianças e adolescentes 26 Princípio da convivência familiar 27 Princípio da intervenção mínima do Estado no Direito de Família LXV Noções conceituais sobre o casamento 1 conceito e natureza jurídica 2 a promessa de casamento responsabilidade civil por ruptura do noivado 3 formas especiais de casamento 31 Casamento por procuração 32 Casamento nuncupativo 33 Casamento em caso de moléstia grave 34 Casamento celebrado fora do País perante autoridade diplomática brasileira 35 Casamento celebrado fora do País perante autoridade estrangeira LXVI Capacidade habilitação e celebração matrimonial 1 CAPACIDADE PARA O CASAMENTO 11 Autorização para o casamento do menor de 18 anos 12 Antecipação da idade núbil 2 Habilitação para o casamento 21 Requerimento da habilitação 22 Edital de proclamas 23 Oposição à habilitação 24 Certificação da habilitação 3 Celebração do casamento LXVII Plano de existência do casamento 1 INTRODUÇÃO 2 NOÇÕES GERAIS DO PLANO DE EXISTÊNCIA DO casamento como NEGÓCIO JURÍDICO 21 Manifestação de vontade consentimento 22 Celebração por autoridade materialmente competente LXVIII Plano de validade do casamento impedimentos matrimoniais 1 CONCEITO E TRATAMENTO LEGAL 2 ANÁLISE DO ART 1521 DO CÓDIGO CIVIL IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS 21 Casamento entre parentes em linha reta 22 Casamento entre afins em linha reta 23 Casamento entre o adotante com quem foi cônjuge do adotado e do adotado com quem o foi do adotante 24 Casamento entre colaterais 25 Casamento entre o adotado e o filho do adotante 26 Casamento entre as pessoas casadas 27 Casamento entre o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte 28 Casamento entre adúlteros 3 OPOSIÇÃO DOS IMPEDIMENTOS 4 EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO NULO LXIX Plano de validade do casamento causas de anulação 1 CAUSAS DE ANULABILIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 11 Nubente que não completou a idade mínima para casar 12 Nubente em idade núbil sem autorização para o casamento 13 Vícios de vontade 131 Da omissão legal de referência a outros vícios de consentimento 132 Do erro essencial sobre a pessoa de um dos cônjuges 1321 Quanto à identidade honra e boa fama 1322 Quanto à existência de cometimento de crime 1323 Quanto à existência de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou patologia transmissível 1324 Hipóteses não mais caracterizadoras de erro essencial 133 Da coação 14 Nubente incapaz de consentir ou de manifestar o seu consentimento 15 Revogação do mandato no casamento por procuração 16 Incompetência da autoridade celebrante 2 PRAZO E LEGITIMAÇÃO PARA ANULAÇÃO DO CASAMENTO 3 EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO ANULÁVEL 31 Convalescimento do casamento anulável 32 Natureza jurídica da sentença anulatória do casamento 33 Consequências jurídicas da anulação do casamento LXX Plano de validade do casamento casamento putativo 1 CONCEITO E TRATAMENTO LEGAL 2 RECONHECIMENTO DA PUTATIVIDADE 3 EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO PUTATIVO 31 Casamento inválido putativo contraído de boafé por ambos os cônjuges 32 Casamento inválido putativo contraído de boafé por um dos cônjuges LXXI Plano de eficácia do casamento deveres matrimoniais e causas suspensivas do casamento 1 EFICÁCIA JURÍDICA DO CASAMENTO DEVERES MATRIMONIAIS 2 OS DEVERES MATRIMONIAIS NO CÓDIGO CIVIL 21 Fidelidade recíproca 22 Vida em comum no domicílio conjugal dever de coabitação 23 Mútua assistência 24 Sustento guarda e educação dos filhos 25 Dever de respeito e consideração mútuos 3 CAUSAS SUSPENSIVAS DO CASAMENTO 31 Noções gerais 32 Casamento doa viúvoa com filhos do falecido pendentes inventário e partilha 33 Casamento da viúva ou de mulher cujo casamento tenha sido nulo ou anulado antes do decurso de dez meses 34 Casamento doa divorciadoa pendente a partilha dos bens do casal 35 Casamento doa tutora curadora ou seus parentes com a pessoa tutelada ou curatelada 36 Arguição das causas suspensivas 37 Consequências jurídicas da verificação de causas suspensivas LXXII Regime de bens do casamento noções introdutórias fundamentais 1 CONCEITO E PRINCIPIOLOGIA 2 PACTO ANTENUPCIAL 3 AUTORIZAÇÃO CONJUGAL OUTORGA UXÓRIA E OUTORGA MARITAL 4 REGIMES DE BENS NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO 5 REGIME LEGAL SUPLETIVO 6 REGIME LEGAL OBRIGATÓRIO 7 MUDANÇA DE REGIME DE BENS DO CASAMENTO 8 ADMINISTRAÇÃO DOS BENS NO CASAMENTO LXXIII Regime de bens do casamento comunhão parcial de bens 1 INTRODUÇÃO E SUPLETIVIDADE 2 CONCEITO E disciplina legal 3 BENS EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO 4 BENS INCLUÍDOS NA COMUNHÃO 5 ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO NO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS LXXIV Regime de bens do casamentocomunhão universal de bens 1 CONCEITO 2 BENS EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO 3 TRATAMENTO JURÍDICO DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS 4 EXTINÇÃO DA COMUNHÃO LXXV Regime de bens do casamento separação convencional de bens 1 INTRODUÇÃO 2 CONCEITO 3 ADMINISTRAÇÃO DAS DESPESAS DO CASAL NA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL LXXVI Regime de bens do casamento participação final nos aquestos 1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS E CONCEITO 2 DIFERENCIAÇÃO PARA OS REGIMES DA COMUNHÃO PARCIAL E DA SEPARAÇÃO DE BENS 3 AS DÍVIDAS NO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS 4 A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E O REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS LXXVII Bem de família 1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA 2 DISCIPLINA JURÍDICA DO BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO 3 DISCIPLINA JURÍDICA DO BEM DE FAMÍLIA LEGAL LXXVIII União estável e outras modalidades de entidades familiares 1 CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL 2 ELEMENTOS CARACTERIZADORES 21 Reflexão sobre o tema da dualidade de sexos 22 Elementos caracterizadores essenciais 221 Publicidade 222 Continuidade 223 Estabilidade 224 Objetivo de constituição de família 23 Elementos acidentais 3 IMPEDIMENTOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL 4 EFEITOS PESSOAIS DA UNIÃO ESTÁVEL DIREITOS E DEVERES DOS COMPANHEIROS 5 EFEITOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL REGIME DE BENS 6 CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO 7 FAMÍLIA MONOPARENTAL 8 FamÍlia Homoafetiva 9 FAMÍLIA POLIAFETIVA LXXIX Divórcio 1 CONCEITO DE DIVÓRCIO e TRATAMENTO JURÍDICO ATUAL 2 O DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL 3 O DIVÓRCIO JUDICIAL 4 USO DO NOME PÓSDIVÓRCIO LXXX Poder familiar e guarda de filhos 1 CONCEITO DE PODER FAMILIAR 2 EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR 3 USUFRUTO E ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DE FILHOS MENORES 4 EXTINÇÃO SUSPENSÃO E DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR 5 GUARDA DE FILHOS 6 ALIENAÇÃO PARENTAL LXXXI Filiação 1 INTRODUÇÃO 2 A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA FILIAÇÃO E O PRINCÍPIO ESPECÍFICO DA VERACIDADE DA FILIAÇÃO 3 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO 4 RECONHECIMENTO JUDICIAL 41 Noções gerais 42 Ação de investigação de paternidade 43 Paternidade socioafetiva e posse do estado de filho 44 Multiparentalidade LXXXII Parentesco 1 CONCEITO JURÍDICO DE PARENTESCO 2 VISÃO CLASSIFICATÓRIA DO PARENTESCO 21 Classificação do parentesco quanto à natureza 211 Parentesco natural 212 Parentesco civil 213 Parentesco por afinidade 22 Classificação do parentesco quanto a linhas 221 Parentesco em linha reta 222 Parentesco em linha colateral 23 Classificação do parentesco quanto a graus 3 PERSISTÊNCIA DO PARENTESCO POR AFINIDADE NA LINHA RETA APÓS A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL 4 RESTRIÇÕES LEGAIS DECORRENTES DO PARENTESCO 5 ADOÇÃO LXXXIII Alimentos 1 TERMINOLOGIA E CONCEITO 2 PRESSUPOSTOS E CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO 3 LEGITIMAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR 4 CLASSIFICAÇÕES 5 A CULPA EM SEDE DE ALIMENTOS499 6 A PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS 7 ALIMENTOS GRAVÍDICOS 8 REVISÃO EXONERAÇÃO E EXTINÇÃO DOS ALIMENTOS LXXXIV Tutela curatela e tomada de decisão apoiada 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 2 DISTINÇÃO CONCEITUAL DE TUTELA E CURATELA 3 TUTELA 31 Sujeitos da tutela 32 Objeto da tutela 33 Cessação da tutela 4 CURATELA 41 Sujeitos da curatela 42 Alguns aspectos processuais da curatela 5 Tomada de Decisão Apoiada Sucessões LXXXV Noções introdutórias do direito das sucessões 1 A MORTE COMO FATO JURÍDICO 2 COMPREENSÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICOIDEOLÓGICA 3 SUCESSÃO HEREDITÁRIA CONCEITO E ESPÉCIES 31 Classificação da sucessão hereditária pela matriz normativa 32 Classificação da sucessão hereditária pelo conjunto de bens transmitidos 4 PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO DIREITO SUCESSÓRIO 41 Princípio da saisine 42 Princípio non ultra vires hereditatis 43 Princípio da função social da herança 44 Princípio da territorialidade 45 Princípio da temporariedade 46 Princípio do respeito à vontade manifestada LXXXVI Administração da Herança 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 2 ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA 3 RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR DA HERANÇA E DO INVENTARIANTE 4 SUCESSÃO EM BENS DE ESTRANGEIROS LXXXVII Aceitação e Renúncia da Herança 1 INTRODUÇÃO 2 ACEITAÇÃO DA HERANÇA 21 Distinção entre aceitação e delação da herança 22 Classificação 221 Aceitação expressa 222 Aceitação tácita 223 Aceitação presumida 23 Efeitos 24 Revogação da aceitação 25 Transmissibilidade do direito de aceitação da herança 3 RENÚNCIA DA HERANÇA LXXXVIII Cessão de Direitos Hereditários 1 INTRODUÇÃO 2 COMPREENDENDO A NATUREZA DA CHAMADA RENÚNCIA TRANSLATIVA 3 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS 4 DISCIPLINA JURÍDICA 5 NECESSIDADE DA AUTORIZAÇÃO CONJUGAL LXXXIX Vocação Hereditária 1 INTRODUÇÃO 2 LEGITIMADOS PARA A SUCESSÃO HEREDITÁRIA EM GERAL 3 LEGITIMIDADE ESPECIAL NA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA 31 Filhos ainda não concebidos de pessoa indicada pelo testador prole eventual 311 Discussão sobre o enquadramento do embrião como prole eventual 312 Discussão sobre a possibilidade de reconhecimento de vocação hereditária autônoma ao embrião 32 Pessoas jurídicas 33 Fundações 4 IMPEDIMENTOS LEGAIS SUCESSÓRIOS XC Excluídos da Sucessão 1 INTRODUÇÃO 2 EXCLUSÃO POR INDIGNIDADE 21 Causas de exclusão por indignidade 211 Autoria coautoria ou participação em homicídio doloso tentado ou consumado 212 Delitos contra a honra 213 Violência ou fraude 22 Efeitos da exclusão por indignidade 3 TEORIA DO HERDEIRO APARENTE 4 PERDÃO DO INDIGNO 5 DESERDAÇÃO 51 Conceito 52 Hipóteses legais de deserdação 53 Procedimento 54 Efeitos de deserdação e direito de representação XCI Herança Jacente 1 CONCEITO 2 NATUREZA 3 ARRECADAÇÃO 4 HERANÇA VACANTE XCII Da Petição de Herança 1 CONCEITO 2 NATUREZA JURÍDICA E OBJETIVOS 3 PRAZO PARA EXERCÍCIO 4 LEGITIMIDADE 5 A PETIÇÃO DE HERANÇA E A BOAFÉ XCIII Sucessão Legítima 1 NOÇÕES CONCEITUAIS 2 DISCIPLINA JURÍDICA POSITIVADA DA SUCESSÃO LEGÍTIMA 21 Considerações gerais e regras fundamentais 22 Sucessão pelo descendente 221 Correntes explicativas da concorrência do descendente com o cônjuge sobrevivente no regime da comunhão parcial 222 Compreensão da expressão bens particulares para efeito de concorrência do cônjuge sobrevivente com o descendente 223 Concorrência do descendente com o cônjuge sobrevivente no regime da separação convencional de bens 23 Sucessão pelo ascendente 24 Sucessão pelo cônjuge 241 O usufruto vidual 242 Direito real de habitação 243 Disciplina efetiva da sucessão do cônjuge 25 Sucessão pelao companheirao 26 Sucessão pelo colateral 27 Sucessão pelo ente público XCIV Direito de Representação 1 CONCEITO 2 CARACTERÍSTICAS 3 FUNDAMENTO E FINALIDADE 4 EFEITOS XCV Sucessão Testamentária 1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O TESTAMENTO 11 Sobre o poder de testar 12 Conceito e natureza jurídica 13 Características essenciais 14 Modalidades classificatórias do testamento 2 ASPECTOS RELEVANTES DO PLANO DA VALIDADE APLICÁVEL AO TESTAMENTO 21 Manifestação de vontade livre e de boafé 22 Capacidade de testar 23 Objeto do testamento 24 Forma prescrita em lei 25 Prazo das ações de invalidade de testamento 3 O TESTAMENTEIRO 4 REGÊNCIA TEMPORAL DA LEI REGULADORA DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA XCVI Formas Ordinárias de Testamento 1 INTRODUÇÃO 2 FORMAS PROIBIDAS DE TESTAMENTO 3 TESTAMENTO PÚBLICO 4 TESTAMENTO CERRADO 5 TESTAMENTO PARTICULAR XCVII Formas Extraordinárias de Testamento 1 TESTAMENTO MARÍTIMO E AERONÁUTICO 2 TESTAMENTO MILITAR XCVIII Codicilo 1 CONCEITO E DENOMINAÇÃO 2 FINALIDADE E OBJETO DO INSTITUTO 3 FORMA 4 RELAÇÃO DO CODICILO COM O TESTAMENTO 5 REVOGAÇÃO XCIX Disposições Testamentárias 1 CONCEITO DE DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA 2 MODALIDADES 3 INTERPRETAÇÃO 4 SOBRE A NOMEAÇÃO DE HERDEIROS E A DISTRIBUIÇÃO DE QUINHÕES OU BENS INDIVIDUALMENTE CONSIDERADOS 5 VALIDADE DAS CLÁUSULAS TESTAMENTÁRIAS 6 PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO 7 LIMITAÇÕES DE EFICÁCIA 8 CLÁUSULAS DE RESTRIÇÃO DE PROPRIEDADE C Legados 1 NOÇÕES CONCEITUAIS 2 SUJEITOS 3 OBJETO 4 TIPOLOGIA 5 EFEITOS 6 PAGAMENTO 7 CADUCIDADE CI Direito de Acrescer e Redução das Disposições Testamentárias 1 INTRODUÇÃO 2 DIREITO DE ACRESCER 3 REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS CII Substituições 1 INTRODUÇÃO 2 SUBSTITUIÇÃO VULGAR OU ORDINÁRIA 3 SUBSTITUIÇÃO RECÍPROCA 4 SUBSTITUIÇÃO FIDEICOMISSÁRIA FIDEICOMISSO 5 SUBSTITUIÇÃO COMPENDIOSA CIII Extinção do Testamento Invalidade Caducidade Revogação e Rompimento 1 INVALIDADE DO TESTAMENTO 11 Prazo das ações de invalidade de testamento 12 Conversão do testamento nulo ou anulável 2 INEXECUÇÃO DO TESTAMENTO 21 Caducidade 22 Revogação 23 Rompimento CIV Inventário 1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL E CLASSIFICAÇÃO 2 INVENTÁRIO E ESPÓLIO 3 ADMINISTRAÇÃO PROVISÓRIA DA HERANÇA 4 O INVENTARIANTE 5 INÍCIO E PRAZO DO INVENTÁRIO 6 LIQUIDAÇÃO DA HERANÇA 61 Sonegados 62 Colações 63 Pagamento das dívidas 64 Avaliação e cálculo do imposto 7 INVENTÁRIO NEGATIVO 8 INVENTÁRIO ADMINISTRATIVO 9 INVENTÁRIO JUDICIAL 10 ALVARÁ JUDICIAL CV Partilha 1 NOÇÕES CONCEITUAIS 2 ESPÉCIES DE PARTILHA 3 LEGITIMIDADE PARA REQUERIMENTO DA PARTILHA 4 PARTILHA EM VIDA 5 ISONOMIA NA PARTILHA 6 ALIENAÇÃO JUDICIAL 7 HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA 8 DA GARANTIA DOS QUINHÕES HEREDITÁRIOS 9 DA INVALIDADE DE PARTILHA AÇÃO ANULATÓRIA ANULAÇÃO DA PARTILHA E AÇÃO RESCISÓRIA 10 Sobrepartilha Referências PABLO STOLZE GAGLIANO Juiz de Direito na Bahia Professor de Direito Civil da UFBA Universidade Federal da Bahia da Escola da Magistratura do Estado da Bahia e do Curso LFG Mestre em Direito Civil pela PUCSP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia Membro da Academia Brasileira de Direito Civil ABDC e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia RODOLFO PAMPLONA FILHO Juiz Titular da 32ª Vara do Trabalho de SalvadorBA Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da UNIFACS Universidade Salvador Coordenador dos Cursos de Especialização em Direito Civil e em Direito e Processo do Trabalho da Faculdade Baiana de Direito e do Curso de Especialização online em Direito e Processo do Trabalho da Estácio em parceria tecnológica com o CERS Cursos online Professor Associado da graduação e da pósgraduação Mestrado e Doutorado em Direito da UFBA Universidade Federal da Bahia Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP Máster em Estudios en Derechos Sociales para Magistrados de Trabajo de Brasil pela UCLM Universidad de CastillaLa ManchaEspanha Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia Membro e Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia da Academia Brasileira de Direito Civil ABDC do Instituto Brasileiro de Direito Civil IBDCivil e do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM Dedicamos esse livro ao nosso Senhor Jesus Cristo e a Maria de Lourdes Gomes Pamplona in memoriam por tudo AGRADECIMENTOS Agradecer é o gesto mais puro e coerente que se pode ter quando se recebe o apoio em qualquer momento Por isso registramos publicamente nossos agradecimentos ao lançar este livro a nossas esposas Kalline e Emilia a nossos filhos Bibi Nana Rodolfinho e Marina e também a Nathalia Lutembach Flávio Tartuce Claudio Lensing Flávia Bravin Deborah Caetano de Freitas Viadana Thaís de Camargo Rodrigues Poliana Soares Albuquerque Priscilla Mariz Just Costa Aline Darcy Flôr de Souza Fernanda Barretto Martinha Araújo o anjo da guarda de Rodolfo família Crooners in Concert Julia Pringsheim Garcia Edilberto Silva Ramos Edson Saldanha Nathália Cavalcante Marcela Freitas Alisson Carmelo Guilherme Köpfer e nossos alunos em todos os cursos presenciais e online de todo o Brasil Este livro não seria possível sem vocês NOTA DOS AUTORES Este livro é a realização de um sonho Na oportunidade em que completamos 15 anos de publicações pela Editora Saraiva parceria que se iniciou com o bemsucedido lançamento do primeiro volume Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil em uma festiva sessão de autógrafos realizada em 3 de abril de 2002 no Centro de Convenções da Bahia temos a oportunidade de dar um passo ainda mais ousado Conseguir reunir em um volume único um verdadeiro Manual de Direito Civil toda a nossa visão sobre o Direito Civil codificado brasileiro é possibilitar ao nosso fiel público leitor uma obra absolutamente abrangente de fácil manuseio que reúne não somente ideias já expostas em nossa coleção mas também observações e pontuações absolutamente relevantes para quem precisa de respostas rápidas em um texto preciso e enxuto Claro que caso o leitor precise aprofundarse em cada uma das questões aqui suscitadas terá à sua disposição os volumes correspondentes de nosso primeiro filho que continuará a crescer sendo lapidado e aperfeiçoado O fato é que agora o leitor conta com mais essa opção para conhecer os nossos posicionamentos de forma a construirmos cada vez mais juntos os novos rumos do Direito Civil brasileiro Disponibilizamos como de costume ao final desta nota os nossos emails pessoais para que possamos ter a oportunidade de interagir com cada um de vocês Esse contato seja por correio eletrônico nas redes sociais ou mesmo presencial tem nos estimulado a ampliar cada vez mais a nossa obra Com Deus sempre Abraços a todos e todas Salvador dezembro de 2016 Pablo Stolze Gagliano pablostolzegmailcom Rodolfo Pamplona Filho rpfrodolfopamplonafilhocombr PARTE GERAL PESSOAS I PESSOA NATURAL 1 A PERSONALIDADE JURÍDICA A questão da personalidade jurídica é um dos temas mais importantes para a Teoria Geral do Direito Civil pois a sua regular caracterização é uma premissa de todo e qualquer debate no campo do Direito Privado Embora o instituto seja bastante abrangente aplicandose também às pessoas jurídicas não há como negar que sendo o ser humano o destinatário final de toda norma é razoável que o estudo da personalidade jurídica tome como parâmetro inicial a pessoa natural 11 Conceito Personalidade jurídica é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações ou em outras palavras é o atributo para ser sujeito de direito Adquirida a personalidade o ente passa a atuar na qualidade de sujeito de direito pessoa natural ou jurídica praticando atos e negócios jurídicos dos mais diferentes matizes No que tange à pessoa natural ou física objeto deste Capítulo o Código Civil de 2002 substituindo a expressão homem por pessoa em evidente atualização para uma linguagem politicamente correta e compatível com a nova ordem constitucional dispõe em seu art 1º que Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil Essa disposição como já se infere permite a ilação de que a personalidade é atributo de toda e qualquer pessoa seja natural ou jurídica uma vez que a própria norma civil não faz tal distinção de acepções 1 12 Aquisição da personalidade jurídica A pessoa natural para o direito é o ser humano enquanto sujeitodestinatário de direitos e obrigações O seu surgimento segundo a dicção legal ocorre a partir do nascimento com vida art 2º do CC2002 No instante em que principia o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório clinicamente aferível pelo exame de docimasia hidrostática de Galeno 2 o recémnascido adquire personalidade jurídica tornandose sujeito de direito mesmo que venha a falecer minutos depois 3 Ao menos aparentemente essa teria sido a opção do legislador brasileiro na medida em que tradicional corrente doutrinária defende a denominada teoria natalista 4 Seguindo essa diretriz doutrinária e legal que tem importantes reflexos práticos e sociais se o recém nascido cujo pai já tenha morrido falece minutos após o parto terá adquirido por exemplo todos os direitos sucessórios do seu genitor transferindoos para a sua mãe Nesse caso a avó paterna da referida criança nada poderá reclamar Sucede que conforme veremos no tópico seguinte não é pacífica a aceitação da corrente natalista o que torna o assunto ora estudado de grande interesse acadêmico senão apaixonante De qualquer forma independentemente da linha de pensamento adotada cumprenos advertir que diferentemente da superada orientação romanista na generalidade das civilizações contemporâneas não se exige mais a forma humana e a viabilidade para se conceder ao recémnascido a qualidade de pessoa 13 O nascituro Cuidase o nascituro do ente concebido embora ainda não nascido O Código Civil trata do nascituro quando posto não o considere explicitamente pessoa coloca a salvo os seus direitos desde a concepção art 2º do CC2002 Ora adotada a tradicional teoria natalista segundo a qual a aquisição da personalidade operase a partir do nascimento com vida concluise que não sendo pessoa o nascituro possuiria mera expectativa de direito Mas a questão não é pacífica na doutrina Os adeptos da teoria da personalidade condicional sufragam entendimento no sentido de que o nascituro possui direitos sob condição suspensiva Nesse sentido preleciona ARNOLDO WALD A proteção do nascituro explicase pois há nele uma personalidade condicional que surge na sua plenitude com o nascimento com vida e se extingue no caso de não chegar o feto a viver 5 A teoria concepcionista por sua vez influenciada pelo Direito francês contou com diversos adeptos Segundo essa vertente de pensamento o nascituro adquiriria personalidade jurídica desde a concepção sendo assim considerado pessoa Existem autores outrossim cujo pensamento mais comedido aproximase em nosso pensar da teoria da personalidade condicional pois sustentam que a personalidade do nascituro conferiria aptidão apenas para a titularidade de direitos personalíssimos sem conteúdo patrimonial a exemplo do direito à vida ou a uma gestação saudável uma vez que os direitos patrimoniais estariam sujeitos ao nascimento com vida condição suspensiva Poderseia mesmo afirmar adverte MARIA HELENA DINIZ que na vida intrauterina tem o nascituro personalidade jurídica formal no que atina aos direitos personalíssimos e aos da personalidade passando a ter a personalidade jurídica material alcançando os direitos patrimoniais que permaneciam em estado potencial somente com o nascimento com vida Se nascer com vida adquire personalidade jurídica material mas se tal não ocorrer nenhum direito patrimonial terá 6 Entretanto como dito acima a teoria concepcionista em sua forma mais pura ao reconhecer o nascituro como pessoa desde a concepção alcançaria inclusive determinados efeitos patrimoniais 7 Tradicionalmente a doutrina no Brasil segue a teoria natalista embora em nosso sentir a visão concepcionista paulatinamente ganhe força na jurisprudência do nosso País 8 Mas a questão como visto não é simples Ainda que o nascituro não seja considerado pessoa a depender da teoria adotada ninguém discute que tenha direito à vida e não a mera expectativa Nesse diapasão em defesa da corrente concepcionista e apesar da polêmica doutrinária existente vale conferir o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul EMENTA Seguroobrigatório Acidente Abortamento Direito à percepção de indenização O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção O nascimento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais Apelação a que se dá provimento 5 fls Apelação Cível n 70002027910 sexta câmara cível Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Relator Carlos Alberto Álvaro de Oliveira julgado em 28032001 Independentemente de se reconhecer o atributo da personalidade jurídica o fato é que seria um absurdo resguardar direitos desde o surgimento da vida intrauterina se não se autorizasse a proteção desse nascituro direito à vida para que justamente pudesse usufruir tais direitos Qualquer atentado à integridade do que está por nascer pode assim ser considerado um ato obstativo do gozo de direitos 9 A situação se torna ainda mais complexa se levarmos em consideração a polêmica sobre a eventual descriminalização do aborto atualmente tipificado nos arts 124 a 127 do vigente Código Penal brasileiro ou mesmo o já autorizado aborto necessário ou no caso de gravidez resultante de estupro art 128 em que o direito à vida é relativizado em função da tutela de outros valores jurídicos A despeito de toda essa profunda controvérsia doutrinária o fato é que nos termos da legislação em vigor inclusive do Código Civil o nascituro embora não seja expressamente considerado pessoa tem a proteção legal dos seus direitos desde a concepção Nesse sentido podese apresentar o seguinte quadro DIREITOS DO NASCITURO a o nascituro é titular de direitos personalíssimos como o direito à vida o direito à proteção prénatal etc 10 b pode receber doação sem prejuízo do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos c pode ser beneficiado por legado e herança d o Código Penal tipifica o crime de aborto e como decorrência da proteção conferida pelos direitos da personalidade o nascituro tem direito à realização do exame de DNA para efeito de aferição de paternidade 11 No âmbito do Direito do Trabalho vale destacar que a estabilidade da gestante se conta do início da gravidez mesmo que seja do desconhecimento de empregado e empregador Nesse sentido o que vale é a data da concepção em si e não a data da confirmação científica ou da comunicação do estado gravídico ao empregador O nascituro tem ainda direito a alimentos por não ser razoável que a genitora suporte todos os encargos da gestação sem a colaboração econômica do pai da criança que está por vir ao mundo Trata se dos chamados Alimentos Gravídicos que compreendem todos os gastos necessários à proteção do feto 12 Por fim salientese que a tutela propugnada pela codificação civil tanto a vigente quanto a revogada em relação ao nascituro estendese observadas as suas peculiaridades ao natimorto tendo em vista que a vida já foi reconhecida desde o ventre materno Nesse sentido é o Enunciado n 1 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de dezembro de 2002 sob a coordenação científica do Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR do Superior Tribunal de Justiça 13 Ainda sobre o tema vale lembrar da figura do nondum conceptus a saber a prole eventual da pessoa existente por ocasião da morte do testador quando há disposição testamentária a seu favor Tratase de um sujeito de direito sem ser pessoa como o nascituro previsto nos arts 1799 e 1800 do CC2002 14 Os bens que lhe são destinados ficam sob a administração de alguém designado pelo próprio testador ou em não havendo indicação de pessoa nomeada pelo juiz devendo a nomeação recair no testamenteiro se houver Somente em sua falta é que o magistrado poderá nomear outra pessoa a seu critério 2 CAPACIDADE Adquirida a personalidade jurídica toda pessoa passa a ser capaz de direitos e obrigações Possui portanto capacidade de direito ou de gozo Todo ser humano tem assim capacidade de direito pelo fato de que a personalidade jurídica é atributo inerente à sua condição MARCOS BERNARDES DE MELLO prefere utilizar a expressão capacidade jurídica para caracterizar a aptidão que o ordenamento jurídico atribui às pessoas em geral e a certos entes em particular estes formados por grupos de pessoas ou universalidades patrimoniais para serem titulares de uma situação jurídica 15 Nem toda pessoa porém possui aptidão para exercer pessoalmente os seus direitos praticando atos jurídicos em razão de limitações orgânicas ou psicológicas Se puderem atuar pessoalmente possuem também capacidade de fato ou de exercício Reunidos os dois atributos falase em capacidade civil plena Nesse sentido cumpre invocar o preciso pensamento de ORLANDO GOMES A capacidade de direito confundese hoje com a personalidade porque toda pessoa é capaz de direitos Ninguém pode ser totalmente privado dessa espécie de capacidade E mais adiante A capacidade de fato condiciona se à capacidade de direito Não se pode exercer um direito sem ser capaz de adquirilo Uma não se concebe portanto sem a outra Mas a recíproca não é verdadeira Podese ter capacidade de direito sem capacidade de fato adquirir o direito e não poder exercêlo por si A impossibilidade do exercício é tecnicamente incapacidade 16 Não há que confundir por outro lado capacidade e legitimidade Nem toda pessoa capaz pode estar legitimada para a prática de determinado ato jurídico A legitimação traduz uma capacidade específica Em virtude de um interesse que se quer preservar ou em consideração à especial situação de determinada pessoa que se quer proteger criaramse impedimentos circunstanciais que não se confundem com as hipóteses legais genéricas de incapacidade O tutor por exemplo embora maior e capaz não poderá adquirir bens móveis ou imóveis do tutelado art 1749 I do CC2002 Dois irmãos da mesma forma maiores e capazes não poderão se casar entre si art 1521 IV do CC2002 Em tais hipóteses o tutor e os irmãos encontramse impedidos de praticar o ato por falta de legitimidade ou de capacidade específica para o ato Sobre o assunto manifestase com propriedade SÍLVIO VENOSA nos seguintes termos Não se confunde o conceito de capacidade com o de legitimação A legitimação consiste em se averiguar se uma pessoa perante determinada situação jurídica tem ou não capacidade para estabelecêla A legitimação é uma forma específica de capacidade para determinados atos da vida civil O conceito é emprestado da ciência processual Está legitimado para agir em determinada situação jurídica quem a lei determinar Por exemplo toda pessoa tem capacidade para comprar ou vender Contudo o art 1132 do Código Civil estatui os ascendentes não podem vender aos descendentes sem que os outros descendentes expressamente consintam Desse modo o pai que tem a capacidade genérica para praticar em geral todos os atos da vida civil se pretender vender um bem a um filho tendo outros filhos não poderá fazêlo se não conseguir a anuência dos demais filhos Não estará ele sem tal anuência legitimado para tal alienação Num conceito bem aproximado da ciência do processo legitimação é a pertinência subjetiva de um titular de um direito com relação a determinada relação jurídica A legitimação é um plus que se agrega à capacidade em determinadas situações 17 Portanto sintetizando a nossa linha de pensamento temos J Capacidade de direito capacidade genérica J Capacidade de fato ou de exercício capacidade em sentido estrito medida do exercício da personalidade J Capacidade específica legitimidade ausência de impedimentos jurídicos circunstanciais para a prática de determinados atos E o que se dá quando é ausente a capacidade de fato Estaremos diante da incapacidade civil seja absoluta ou relativa o que será abordado nos próximos tópicos e que passou por verdadeira revolução com a Lei n 13146 de 6 de julho de 2015 Estatuto da Pessoa com Deficiência 18 a partir da sua entrada em vigor em janeiro de 2016 É o que veremos no próximo subtópico 21 Incapacidade absoluta Em linha de princípio cumpre mencionar mais uma vez que a previsão legal da incapacidade traduz a falta de aptidão para praticar pessoalmente atos da vida civil Encontrase nessa situação a pessoa a quem falte capacidade de fato ou de exercício ou seja que esteja impossibilitada de manifestar real e juridicamente a sua vontade Ressaltese todavia que a incapacidade jurídica não é excludente absoluta de responsabilização patrimonial uma vez que na forma do art 928 do CC2002 o incapaz responde pelos prejuízos que causar se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazêlo ou não dispuserem de meios suficientes 19 O Código Civil de 1916 em seu art 5º reputava absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil a os menores de dezesseis anos b os loucos de todo o gênero c os surdosmudos que não puderem exprimir a sua vontade d os ausentes declarados tais por ato do juiz Seguindo uma diretriz mais moderna o Código Civil de 2002 indicou as seguintes pessoas como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil a os menores de dezesseis anos b os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos c os que mesmo por causa transitória não puderem exprimir sua vontade Observese que o Código Civil em vigor afastou a expressão loucos de todo o gênero duramente criticada por NINA RODRIGUES na época da elaboração do Código Civil de 1916 Da mesma forma aperfeiçoando o sistema deu nova compreensão ao tema da ausência que passou a figurar em capítulo próprio como modalidade de presunção de morte bem como excluiu os surdosmudos impossibilitados de manifestar vontade do rol de absolutamente incapazes Esta foi a disciplina desde a entrada em vigor do atual Código Civil Todavia com o advento da Lei n 13146 de 6 de julho de 2015 Estatuto da Pessoa com Deficiência uma verdadeira reconstrução jurídica se operou 20 Com efeito de maneira inédita o Estatuto retira a pessoa com deficiência 21 da categoria de incapaz Tratase de uma mudança paradigmática senão ideológica Em outras palavras a pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física mental intelectual ou sensorial nos termos do art 2º não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz na medida em que os arts 6º e 84 do mesmo diploma deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa Art 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa inclusive 22 para I casarse e constituir união estável II exercer direitos sexuais e reprodutivos III exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar IV conservar sua fertilidade sendo vedada a esterilização compulsória V exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária e VI exercer o direito à guarda à tutela à curatela e à adoção como adotante ou adotando em igualdade de oportunidades com as demais pessoas Art 84 A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas Este último dispositivo é de clareza meridiana a pessoa com deficiência é legalmente capaz 23 Considerandose o sistema jurídico tradicional vigente por décadas no Brasil que sempre tratou a incapacidade como um consectário quase inafastável da deficiência pode parecer complicado em uma leitura superficial a compreensão da alteração legislativa Uma reflexão mais detida é porém esclarecedora Em verdade o que o Estatuto pretendeu foi homenageando o princípio da dignidade da pessoa humana fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser rotulada como incapaz para ser considerada em uma perspectiva constitucional isonômica dotada de plena capacidade legal ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos como a tomada de decisão apoiada 24 e extraordinariamente a curatela para a prática de atos na vida civil De acordo com a atual disciplina a curatela restrita a atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial art 85 caput passou a ser uma medida extraordinária 25 Art 85 2º A curatela constitui medida extraordinária devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição preservados os interesses do curatelado Temos portanto um sistema que faz com que se configure como imprecisão técnica considerar a pessoa com deficiência incapaz Ela é dotada de capacidade legal ainda que se valha de institutos assistenciais para a condução da sua própria vida Em outros pontos percebemos que essa mudança legislativa operouse em diversos níveis inclusive no âmbito do Direito Matrimonial porque o mesmo diploma estabelece revogando o art 1548 I do Código Civil e acrescentando o 2º ao art 1550 que a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbil poderá contrair núpcias expressando sua vontade diretamente ou por meio do seu responsável ou curador Isso só comprova a premissa apresentada no início do texto A pessoa com deficiência passa a ser considerada legalmente capaz Por consequência dois artigos matriciais do Código Civil foram reconstruídos O art 3º do Código Civil que dispõe sobre os absolutamente incapazes teve todos os seus incisos revogados mantendose como única hipótese de incapacidade absoluta a do menor impúbere menor de 16 anos O art 4º por sua vez que cuida da incapacidade relativa também sofreu modificação No inciso I permaneceu a previsão dos menores púberes entre 16 anos completos e 18 anos incompletos o inciso II por sua vez suprimiu a menção à deficiência mental referindo apenas os ébrios habituais e os viciados em tóxico o inciso III que albergava o excepcional sem desenvolvimento mental completo passou a tratar apenas das pessoas que por causa transitória ou permanente não possam exprimir a sua vontade por fim permaneceu a previsão da incapacidade do pródigo Pensamos que a nova Lei veio em boa hora ao conferir um tratamento mais digno às pessoas com deficiência Verdadeira reconstrução valorativa na tradicional tessitura do sistema jurídico brasileiro da incapacidade civil Mas o grande desafio é a mudança de mentalidade na perspectiva de respeito à dimensão existencial do outro Mais do que leis precisamos mudar mentes e corações 26 Assim temos que no vigente ordenamento jurídico restam como absolutamente incapazes somente os menores de dezesseis anos menores impúberes Abaixo desse limite etário o legislador considera que a pessoa é inteiramente imatura para atuar na órbita do direito É bom notar que não é correto dizer que apenas as crianças são absolutamente incapazes Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente até os doze anos de idade incompletos considerase a pessoa criança 27 Entretanto conforme mencionado acima os adolescentes até os dezesseis anos também são reputados absolutamente incapazes Para a relação de emprego também estão proibidos de qualquer labor os menores de dezesseis anos salvo na condição de aprendizes em que se admite o trabalho a partir dos quatorze anos valendo destacar que esse limite de proibição mostra uma retrospectiva constitucional oscilante quatorze anos em 1946 doze anos em 196769 quatorze anos com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e finalmente dezesseis anos em 1998 Emenda Constitucional n 20 de 17121998 28 Se a incapacidade absoluta ficou limitada à questão etária o mesmo já não pode ser dito em relação à incapacidade relativa que embora também afetada pela Lei n 131462015 Estatuto da Pessoa com Deficiência ainda comporta algumas modalidades autônomas É o que veremos no próximo subtópico 22 Incapacidade relativa Entre a absoluta incapacidade e a plena capacidade civil figuram pessoas situadas em zona intermediária por não gozarem de total capacidade de discernimento e autodeterminação Tratase dos relativamente incapazes O Código de 1916 em seu art 6º considerava incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer a os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos b os pródigos c os silvícolas Já o Código Civil de 2002 em seu texto original considerou incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer a os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos b os ébrios habituais os viciados em tóxicos e os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido c os excepcionais sem desenvolvimento mental completo d os pródigos Contudo a Lei n 131462015 Estatuto da Pessoa com Deficiência reconstruiu essa disciplina normativa De fato modificou o inciso II suprimindo a menção à deficiência mental que passou a prever somente os ébrios habituais e os viciados em tóxico bem como alterou o inciso III que albergava o excepcional sem desenvolvimento mental completo passando o dispositivo a tratar única e exclusivamente das pessoas que por causa transitória ou permanente não possam exprimir a sua vontade 221 Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos Neste inciso figura uma das mais importantes modificações do Código Civil de 2002 se comparada com a regra do Código Civil de 1916 A incapacidade relativa seguindo orientação do Projeto de Código Civil de 1965 deixou de se situar na faixa dos dezesseis aos vinte e um anos e reduziu o seu limite etário máximo para os dezoito anos A partir do Código Civil de 2002 a maioridade civil passou a ser atingida aos dezoito anos seguindo uma tendência já firmada em nossa sociedade no sentido de chamar os jovens à responsabilidade mais cedo igualandoa nesse aspecto à maioridade criminal e trabalhista Registrese porém que não há nenhuma correlação obrigatória entre a maioridade civil e a imputabilidade penal A coincidência do marco temporal dos dezoito anos é acidental constituindose muito mais uma exceção do que uma regra na história jurídica do Brasil o Código Criminal do Império de 1830 por exemplo fixava a responsabilidade em 14 anos Quanto às atenuantes ligadas a critérios etários da mesma forma não há qualquer relação com a idade de capacidade civil estando mais relacionada à sua própria formação psicológica 29 MOREIRA ALVES em artigo publicado na Internet A Parte Geral do Projeto do Código Civil discorrendo sobre o tema assevera Nesse ponto fui vencido talvez pela pecha que me atribuem de renitente e conservador mas continuo com dúvidas Não desconheço que a imensa maioria das legislações modernas abaixou o limite de idade em matéria de capacidade de fato mas também penso que no momento em que o mundo mais se complica e em que as relações jurídicas se tornam complexas não me parece que um instituto dessa natureza seja capitis deminutio que não visa a denegrir ninguém e portanto considerar que quem tenha 18 anos não tem um certo discernimento no entanto esquecemse aqueles que se baseiam nisso de que esse é um instituto de proteção e não visa senão à tutela dos interesses daquele que é lançado na vida das relações jurídicas e pode ter o seu patrimônio e as suas relações jurídicas sem a tutela necessária em face da complexidade da vida jurídica moderna 30 Em nosso entendimento a redução da maioridade civil é porém um reflexo natural da evolução da sociedade contemporânea em que o jovem é chamado a assumir cada vez mais precocemente uma função socialmente ativa Salientese porém que a redução do limite etário para fins de capacidade jurídica não importa necessariamente em modificação de tais limites em matérias relacionadas com a dependência econômica não somente por aí se tratar de uma questão de necessidade de alimentos mas também por se tratar muitas vezes de estatutos próprios verdadeiros microssistemas paralelos à codificação civil 31 Na mesma linha entendemos que tal redução não implica cancelamento automático do pagamento de pensão alimentícia no âmbito do Direito de Família desde que mantidos os pressupostos autorizadores da referida obrigação 222 Os ébrios habituais e os viciados em tóxicos Na doutrina e na legislação comparada prelecionam EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI deparamos com diferentes períodos e ideologias em torno da problemática da embriaguez Em todos os tempos o homem procurou fugir da realidade mediante a utilização de tóxicos Em geral as pessoas que têm de suportar maior miséria e dor são aquelas que procuram fugir dessa realidade miserável ou dolorosa decorra ela de conflitos predominantemente individuais ou de condições sociais no fundo sempre existem condições sociais só que mais ou menos mediatas Quem fugir da realidade na maioria dos casos é quem suporta as piores condições sociais ou seja os marginalizados e carentes O uso de tóxicos visa o rompimento dos freios ou criar as condições para fazêlo 32 Triste realidade dos nossos dias a embriaguez é um mal que destrói o tecido da célula social degradando moralmente o indivíduo Sensível a esse fato o Código Civil de 2002 elevou à categoria de causa de incapacidade relativa a embriaguez habitual que reduza sem privar totalmente a capacidade de discernimento do homem A evolução na disciplina jurídica do mal da embriaguez já era visualizada há algum tempo no campo do Direito do Trabalho pois embora prevista na Consolidação das Leis do Trabalho como falta grave ensejadora da extinção por justa causa do contrato de trabalho 33 o seu reconhecimento como patologia vem afastando o rigor da norma legal se não tiver acarretado prejuízo direto à comunidade A embriaguez habitual corresponde à forma crônica tradicionalmente vista como marco reprovável do cultivo de um vício evidentemente antissocial Através dela a justa causa se configura pelo fato da conduta social do empregado independentemente de ter ocorrido dentro ou fora da empresa Sua justificativa teórica é a inconveniência da manutenção de um empregado com comportamento censurável pela sociedade Esta faceta da embriaguez tem sido atenuada como justa causa tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência em vista da evolução dos estudos sobre o alcoolismo como doença e não como vício social A embriaguez patológica normalmente associada a outros distúrbios da saúde pode ensejar em cada caso concreto a suspensão do contrato individual para encaminhamento do empregado à Previdência Social em lugar de justificar a denúncia do contrato por justa causa Já a embriaguez em serviço não exige a iteratividade para se caracterizar como justa causa Por isto mesmo recomendase ao empregador uma postura de rigorosa prudência tal qual na configuração da desídia a fim de não ser reprimido pelo uso desproporcionado da punição o que pode variar de acordo com as peculiaridades do caso concreto De fato sendo ocasional ou havendo motivo plausível para ocorrer a embriaguez em serviço como por exemplo nas confraternizações de final de ano será mais recomendável reprimila com punição mais leve Ao contrário em determinadas atividades v g condução de veículos a embriaguez no comparecimento à empresa ou durante a prestação do serviço ainda que numa única oportunidade pode ensejar mal manifesto à comunidade pelo que provada a alegação de estado etílico significativamente elevado tornase bastante razoável a aplicação da sanção máxima da despedida 34 Na mesma linha os viciados em tóxicos com reduzida capacidade de entendimento são considerados relativamente incapazes Todavia é preciso analisar o grau de intoxicação e dependência para aferir se haverá efetivamente possibilidade de prática de atos na vida civil no caso de internamento para tratamento 35 223 Aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade Esta modalidade é uma novidade da Lei n 131462015 Estatuto da Pessoa com Deficiência De fato as pessoas que mesmo por causa transitória não puderem exprimir a sua vontade foram enquadradas originalmente pelo Código Civil de 2002 como absolutamente incapazes De repente o novo diploma converteu aqueles que eram absolutamente incapazes em relativamente capazes Sinceramente não nos convence tratar essas pessoas sujeitas a uma causa temporária ou permanente impeditiva da manifestação da vontade como aquele que esteja em estado de coma no rol dos relativamente incapazes Se não podem exprimir vontade alguma a incapacidade não poderia ser considerada meramente relativa A impressão que temos é a de que o legislador não soube onde situar a norma Melhor seria caso não optasse por inserila no artigo anterior consagrarlhe dispositivo legal autônomo Não tendo assim procedido mas sim convertendo a hipótese em situação de incapacidade relativa temse que o dispositivo deve ser apreendido dessa forma ainda que não coincidente com a nossa visão sobre o tema 224 Os pródigos Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA pródigo é aquele que desordenadamente gasta e destrói a sua fazenda reduzindose à miséria por sua culpa Tanto o Código de 1916 quanto o Código Civil de 2002 não definiram a prodigalidade A origem dessa capitis deminutio radicase no Direito Romano que considerando o patrimônio individual uma copropriedade da família capitulava como prejudicial ao interesse do grupo familiar a dilapidação da fortuna 36 Tratase de um desvio comportamental que refletindose no patrimônio individual culmina por prejudicar ainda que por via oblíqua a tessitura familiar e social Notese que o indivíduo que descontroladamente dilapida o seu patrimônio poderá ulteriormente bater às portas de um parente próximo ou do próprio Estado para buscar amparo Por isso a lei justifica a interdição do pródigo reconhecendolhe relativa capacidade Segundo a legislação em vigor a interdição do pródigo somente o privará de sem curador emprestar transigir dar quitação alienar hipotecar demandar ou ser demandado e praticar em geral atos que não sejam de mera administração art 1782 do CC2002 Não suporta restrição pois a prática de atos pessoais uma vez que a sua incapacidade justificadora da curatela referese apenas a atos que possam diminuir o seu patrimônio O Código Civil de 2002 incorretamente ao nosso ver afastou a determinação do art 460 do CC1916 que atribuía legitimidade ativa para a interdição do pródigo apenas ao cônjuge ascendente ou descendente Poderia ter melhorado a dicção legal incluindo o convivente mas não admitir como o fez 37 que qualquer parente ou até mesmo o Ministério Público que não tem interesse em resguardar patrimônio particular possa pleitear a curatela por prodigalidade O que justifica essa interdição é a preservação patrimonial da fazenda do interdito e apenas os parentes sucessíveis especialmente os herdeiros necessários têm tal interesse 38 225 Algumas palavras sobre a capacidade jurídica dos indígenas A disciplina normativa da capacidade jurídica dos índios que no CC1916 mereceu assento entre os relativamente incapazes passou a ser remetida à legislação especial art 4º parágrafo único do CC2002 que regula autonomamente a matéria Registrese a propósito que a codificação revogada usava o termo silvícola aquele que vive na selva o que também constava no projeto do Código vigente Entretanto por emenda do Deputado Ricardo Fiuza o vocábulo foi substituído por índio tornando a regra civilista harmônica com o texto constitucional de 1988 Neste tópico porém utilizaremos apenas por questão de estilo as duas expressões indistintamente A Lei n 5371 de 5 de dezembro de 1967 consagrando sistema de proteção ao índio instituiu a FUNAI Fundação Nacional do Índio que exerce poderes de representação e apoio ao indígena Interessante notar que a Lei n 6001 de 19 de dezembro de 1973 Estatuto do Índio considera o indígena em princípio agente absolutamente incapaz reputando nulos os atos por eles praticados sem a devida representação Ressalva a lei todavia a hipótese de o índio demonstrar discernimento aliado à inexistência de prejuízo em virtude do ato praticado pelo que aí como exceção poderá ser considerado plenamente capaz para os atos da vida civil Portanto havendo o Código Civil vigente remetido a matéria para a legislação especial parecenos que o índio passou a figurar em regra entre as pessoas privadas de discernimento para os atos da vida civil absolutamente incapazes o que não reflete adequadamente a sua atual situação na sociedade brasileira Cumpre fixar ainda que a Lei n 6015 de 31 de dezembro de 1973 Lei de Registros Públicos determina que os índios enquanto não integrados não estão obrigados a inscrição do nascimento Este poderá ser feito em livro próprio do órgão federal de assistência aos índios renumerado pela Lei n 9053 de 2551995 A constante inserção social do índio na sociedade brasileira com a consequente absorção de valores e hábitos nem sempre sadios da civilização ocidental justifica a sua exclusão no Código Civil de 2002 do rol de agentes relativamente capazes Por isso não é razoável firmarse a premissa da sua absoluta incapacidade como quer a legislação especial Apenas em hipóteses excepcionais devidamente comprovadas deve ser reconhecida a sua completa falta de discernimento para efeito de obter a invalidade dos atos por si praticados Assim acreditamos que a melhor disciplina sobre a matéria é considerar o índio se inserido na sociedade como plenamente capaz podendo ser invocada porém como norma tuitiva indigenista não como presunção absoluta mas sim como situação verificável judicialmente inclusive com dilação probatória específica de tal condição para a declaração de nulidade do eventual negócio jurídico firmado É digno de nota que a Lei n 131462015 Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou o parágrafo único do art 4º do Código Civil para substituir a palavra índios por indígenas O teor da norma por sua vez fora mantido 23 Suprimento da incapacidade representação e assistência O suprimento da incapacidade absoluta dáse através da representação No Código de 1916 atuavam por meio de representantes legais pais tutores ou curadores os absolutamente incapazes elencados em seu art 5º Tal disciplina não foi substancialmente modificada pelo CC2002 uma vez que os menores de dezesseis anos são representados por seus pais ou tutores e os enfermos ou deficientes mentais privados de discernimento além das pessoas impedidas de manifestar a sua vontade mesmo que por causa transitória art 3º do CC2002 por seus curadores Se o absolutamente incapaz porém praticar o ato sozinho sem a representação legal a hipótese é de nulidade Assim o representante pratica o ato no interesse do incapaz Dessa forma é importante frisar que tal interesse é sempre o norte na condução do representante legal porém não é qualquer obrigação assumida pelos pais em nome dos filhos que pode ser considerada válida 39 Nesse sentido o CC2002 tratou em seu art 119 expressamente tal questão estabelecendo inclusive prazo decadencial para a desconstituição do negócio jurídico firmado contra interesses do representado 40 cominando de nulidade porém o negócio jurídico celebrado por pessoa absolutamente incapaz art 166 I Não se pode confundir por outro lado a representação legal ora tratada com a representação voluntária ou convencional a exemplo do que ocorre no contrato de mandato Neste caso uma parte mandante cuida de outorgar por ato de vontade mediante procuração instrumento do mandato poderes gerais ou específicos para que a outra mandatário pratique atos jurídicos em seu nome e no seu interesse Por isso mesmo o art 120 preceituou que os requisitos e os efeitos da representação legal são os estabelecidos nas normas respectivas os da representação voluntária são os da Parte Especial deste Código Todavia destaquese que o Código Civil de 2002 reservou na Parte Geral um capítulo para os preceitos genéricos sobre a representação legal e a voluntária Sobre esse tema já na Exposição de Motivos do Anteprojeto de Código de Obrigações de 1941 firmada por Orozimbo Nonato Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães liase O instituto da representação foi libertado da sua condição servil ao mandato deixandose à disciplina deste contrato apenas as relações entre as próprias partes contratantes A representação seja qual for a sua origem legal ou convencional obedecerá a princípios uniformes que devem resguardar a boafé de terceiros obrigados a tratar com interposta pessoa Por isso mesmo em qualquer das formas de representação é essencial a comprovação pelo representante da sua qualidade bem como da extensão de seus poderes para atuar em nome do representado A sanção para o excesso de atuação é a responsabilidade pessoal do representante pelos atos excedentes conforme regra do art 118 do CC2002 Já o suprimento da incapacidade relativa dáse por meio da assistência Diferentemente dos absolutamente incapazes o relativamente incapaz pratica o ato jurídico juntamente com o seu assistente pais tutor ou curador sob pena de anulabilidade 3 EMANCIPAÇÃO A menoridade à luz do Código Civil de 2002 cessa aos dezoito anos completos quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil art 5º Nesse ponto vale anotar a curiosa observação de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO Interessantes problemas relacionamse intimamente com o advento da maioridade O primeiro é este em que instante precisamente se completa a maioridade Contamse os 21 anos de momento a momento Será preciso se compute o último dia integralmente A opinião mais correta é no sentido de que o indivíduo se torna maior e capaz no primeiro momento do dia em que perfaz os 21 anos Se ele nasceu num ano bissexto a 29 de fevereiro a maioridade será alcançada no 21º ano mas a 1º de março Se ignorada a data do nascimento exigirseá exame médico porém na dúvida penderseá pela capacidade in dubio pro capacitate 41 Ocorre que é possível a antecipação da capacidade plena em virtude da autorização dos representantes legais do menor ou do juiz ou pela superveniência de fato a que a lei atribui força para tanto Cuidase da emancipação figura equivalente à declaração de maioridade do direito alemão e do direito suíço 42 A emancipação poderá ser A emancipação voluntária ocorre pela concessão dos pais ou de um deles na falta do outro mediante instrumento público independentemente de homologação judicial desde que o menor haja completado dezesseis anos art 5º parágrafo único I primeira parte do CC2002 Note que o CC1916 autorizava a emancipação voluntária por concessão do pai ou se fosse morto da mãe se o menor contasse dezoito anos completos art 9º 1º I primeira parte Tal dispositivo se afigurava flagrantemente inconstitucional à luz do princípio da igualdade A esse respeito sempre defendemos mesmo durante a vigência do Código de 1916 que o ato de emancipação deveria conjugar a anuência de ambos os pais somente admitido o suprimento judicial para hipóteses de impossibilidade material de sua manifestação por exemplo um dos pais está em coma mas nunca em nosso sentir se sobrepondo à eventual recusa expressa de um deles A própria Lei de Registros Públicos ao disciplinar o registro da emancipação já fazia referência aos atos dos pais in verbis Art 89 No cartório do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária de cada comarca serão registrados em livro especial as sentenças de emancipação bem como os atos dos pais que a concederem em relação aos menores nela domiciliados Art 90 O registro será feito mediante trasladação da sentença oferecida em certidão ou do instrumento limitandose se for de escritura pública as referências da data livro folha e ofício em que for lavrada sem dependência em qualquer dos casos da presença de testemunhas mas com a assinatura do apresentante Dele sempre constarão 1º data do registro e da emancipação 2º nome prenome idade filiação profissão naturalidade e residência do emancipado data e cartório em que foi registrado o seu nascimento 3º nome profissão naturalidade e residência dos pais ou do tutor grifamos A emancipação é ato irrevogável mas os pais podem ser responsabilizados solidariamente pelos danos causados pelo filho que emanciparam Esse é o entendimento mais razoável em nossa opinião para que a vítima não fique sem qualquer ressarcimento A emancipação judicial é aquela concedida pelo juiz ouvido o tutor se o menor contar com dezesseis anos completos art 5º parágrafo único I segunda parte do CC2002 Observese que a previsão legal por mencionar tutor pressupõe a falta de ambos os pais motivo pelo qual a emancipação somente se dará pela via judicial ao contrário da modalidade anterior emancipação voluntária que se realiza extrajudicialmente 43 O juiz nesses casos de emancipação judicial deverá comunicar a emancipação ao oficial de registro de ofício se não constar dos autos haver sido efetuado este em oito dias Antes do registro a emancipação em qualquer caso não produzirá efeito art 91 e parágrafo único da Lei n 6015 de 31 121973 Posto isso passaremos a analisar as hipóteses de emancipação legal A primeira hipótese é o casamento art 5º parágrafo único II do CC2002 A capacidade geral para todos os atos da vida civil à luz do vigente Código Civil somente advém a partir dos dezoito anos Todavia podem casar o homem e a mulher a partir dos dezesseis anos desde que tenham a autorização de ambos os pais ou de seus representantes legais art 1517 do CC2002 44 Recebendose em matrimônio portanto antecipam a plena capacidade jurídica estando implícita a manifestação de vontade dos pais ou representantes legais de emancipar os menores nubentes Não faria sentido que permanecessem os cônjuges sob o poder familiar expressão consagrada em substituição a pátrio poder se passam a formar um novo núcleo familiar A responsabilidade decorrente do casamento justifica essa hipótese legal de emancipação Um dado relevante a ser destacado é que excepcionalmente será permitida a convolação de núpcias por aquele que ainda não alcançou a idade mínima legal art 1520 do CC2002 Dessa forma realizado o matrimônio mediante autorização judicial não há como deixar de reconhecer que poderá ocorrer em situação excepcionalíssima a emancipação do menor Interessante notar que mesmo havendo a dissolução do casamento pelo divórcio ou morte do outro cônjuge o emancipado não retorna à anterior situação de incapacidade civil Em caso de nulidade ou anulação entendemos que a emancipação persiste apenas se o matrimônio fora contraído de boafé casamento putativo Em caso contrário retornase à situação de incapacidade como consectário lógico de um retorno ao status quo ante Em seguida prevê a lei como causa de emancipação legal o exercício de emprego público efetivo art 5º parágrafo único III do CC2002 A expressão emprego público utilizada não é a mais adequada uma vez que limita tecnicamente a finalidade da norma De fato servidor público é o indivíduo que mantém com o Estado ou entidades de sua Administração direta ou indireta relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência O servidor entretanto é um gênero do qual se extraem duas espécies o empregado público conhecido pelo neologismo celetista que mantém relação de trabalho subordinado regida portanto pela legislação trabalhista comum no caso brasileiro a CLT de onde se origina o epíteto mencionado e o serventuário ou funcionário público que é o trabalhador que exerce cargo ou função pública mediante aprovação em concurso público eleição ou nomeação em comissão com disciplina por Estatuto daí também o neologismo de servidor estatutário que é instituto jurídico regido pelo Direito Administrativo 45 O objetivo da regra legal e é assim que deve ser interpretada é que essa causa especial de emancipação diz respeito às hipóteses de provimento efetivo em cargo ou emprego público não importando a atecnia Desde que haja nomeação em caráter efetivo afastadas portanto as designações para cargos comissionados ou temporários o agente adquire plena capacidade civil emancipandose Ademais não se justifica a resistência doutrinária em aceitar a vinculação a autarquia ou entidade paraestatal como causa de emancipação Isso porque são considerados servidores públicos em sentido amplo os estatutários e os empregados públicos 46 da administração pública indireta de maneira que não sendo temporário o vínculo justificase plenamente a emancipação A par dessas considerações cumpre reconhecer que a partir da vigência do Código Civil de 2002 essa hipótese restou esvaziada perdendo importância prática Tal conclusão se dá pela circunstância de que dificilmente a lei admitirá o provimento efetivo em cargo ou emprego público antes dos dezoito anos até mesmo porque esta é a idade mínima admitida para a capacidade plena trabalhista 47 E como se sabe atingido esse patamar de dezoito anos já estará adquirida a plena capacidade civil 48 Na codificação anterior em que a maioridade plena era alcançada aos vinte e um anos a hipótese era bem mais factível Também a colação de grau em curso de ensino superior é causa legal de emancipação art 5º parágrafo único IV do CC2002 Sobre esse item cumpre transcrever a arguta preleção de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO dificilmente alguém se emancipará presentemente por essa forma dada a considerável extensão dos cursos 1º e 2º graus superior Quando vier a receber o grau o estudante terá certamente atingido a maioridade 49 Tal dificuldade tal qual a hipótese anterior é ainda maior no atual Código Civil que reduz a maioridade para os dezoito anos Finalmente justifica a emancipação o estabelecimento civil ou comercial ou a existência de relação de emprego desde que em função deles o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria art 5º parágrafo único V do CC2002 Nesse ponto houve peculiar inovação do Código Civil de 2002 O Código de 1916 autorizava a emancipação apenas pelo estabelecimento civil ou comercial com economia própria O Código Civil de 2002 por seu turno além de estabelecer a idade mínima de dezesseis anos estendeu a norma para a hipótese de existência de relação de emprego desde que o menor passe a ter economia própria A existência de relação de emprego a partir de dezesseis anos apesar de proibida em trabalho noturno perigoso ou insalubre é possível faticamente embora do ponto de vista social seja difícil imaginar que com tal idade alguém consiga um posto de trabalho que lhe permita ter economia própria Ocorrendo porém essa nova hipótese legal parecenos razoável afirmar que todas as normas da Consolidação das Leis do Trabalho e leis extravagantes anteriores à edição do CC2002 que limitem a manifestação de vontade do menor entre dezesseis e dezoito anos 50 deixariam de ser aplicáveis ao emancipado uma vez que seria um contrassenso imaginar que tal trabalhador teria alcançado a maioridade civil que lhe autoriza praticar todos os atos jurídicos no meio social mas não possa firmar por exemplo um Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho sem assistência de seus responsáveis legais 51 É importante porém deixar claro que a emancipação não se adquire pura e simplesmente com a celebração de contrato de trabalho devendo concorrer como outro requisito a existência de economia própria o que descarta a priori os contratos de aprendizagem art 428 da CLT e os de jornada a tempo parcial art 58A da CLT que admitem contratação com remuneração por valores inferiores ao salário mínimo mensal legal Uma questão que nos parece relevante diz respeito à prova da emancipação legal pela existência da relação de emprego Com efeito a celebração de um contrato de trabalho subordinado com um menor exige para sua regularidade alguns requisitos formais De fato como se trata de um menor a assistência para o ato da celebração é formalidade que não pode ser considerada despicienda E assim sendo na assistência familiar teríamos uma situação semelhante à da emancipação voluntária pois estaria implícita a manifestação de vontade no sentido de emancipar o menor Assim a carteira de trabalho CTPS devidamente assinada seria o documento hábil para comprovar a emancipação legal que obviamente perduraria mesmo que o empregado menor fosse despedido antes de completar 18 dezoito anos Nas situações porém em que o contrato de trabalho tenha sido celebrado sem a devida assistência ou sem a assinatura da CTPS parecenos que até mesmo por medida protetiva em face dos interesses do menor não deve este ser considerado emancipado exigindose sim a assistência de seus pais para a prática de atos jurídicos em geral ou na falta destes do Ministério Público do Trabalho em eventuais reclamações trabalhistas 52 4 DIREITOS DA PERSONALIDADE Uma das principais inovações da Parte Geral do Código Civil de 2002 é a existência de um capítulo próprio destinado aos direitos da personalidade Tratase de um dos sintomas da modificação axiológica da codificação brasileira que deixa de ter um perfil essencialmente patrimonial característico do Código Civil de 1916 concebido para uma sociedade agrária tradicionalista e conservadora para se preocupar substancialmente com o indivíduo em perfeita sintonia com o espírito da Constituição Cidadã de 1988 Conceituamse os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos físicos psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais A ideia a nortear a disciplina dos direitos da personalidade é a de uma esfera extrapatrimonial do indivíduo em que o sujeito tem reconhecidamente tutelada pela ordem jurídica uma série indeterminada de valores não redutíveis pecuniariamente como a vida a integridade física a intimidade a honra entre outros A matéria está prevista expressamente pelo CC2002 no Capítulo II do Livro I Título I da sua Parte Geral Não há a menor dúvida de que o ser humano é o titular por excelência da tutela dos direitos da personalidade Todavia vale destacar que o instituto alcança também os nascituros que embora não tenham personalidade jurídica têm seus direitos ressalvados pela lei desde a concepção o que inclui obviamente os direitos da personalidade Outro aspecto cuja polêmica outrora existente por certo se diluiu com o Código Civil de 2002 é em relação à pessoa jurídica Se é certo que uma pessoa jurídica jamais terá uma vida privada mais evidente ainda é que ela pode e deve zelar pelo seu nome e imagem perante o públicoalvo sob pena de perder largos espaços na acirrada concorrência de mercado Se é óbvio que o dano moral como dor íntima e sentimental não poderá jamais atingir a pessoa jurídica não podemos deixar de colocar que o dano à honra ou à imagem por exemplo afetará valores societários e não sentimentais pelo que não se justifica a restrição sob pena de violação do princípio maior do neminem laedere A publicidade negativa de determinado produto por exemplo pode destruir toda a reputação de uma empresa da mesma forma que informações falsas sobre eventual instabilidade financeira da pessoa jurídica podem acabar levandoa a uma indesejável perda de credibilidade com fortes reflexos patrimoniais A Constituição Federal de 1988 por sua vez ao preceituar em seu art 5º X que são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação não fez qualquer acepção de pessoas não podendo ser o dispositivo constitucional interpretado de forma restritiva notadamente quando se trata de direitos e garantias fundamentais Título II onde se encontra o dispositivo mencionado Da mesma forma ao assegurar o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem art 5º V o texto constitucional não apresentou qualquer restrição devendo o direito abranger a todos indistintamente Sem demérito de reconhecer que a teoria dos direitos da personalidade tenha sido construída a partir de uma concepção antropocêntrica do direito consideramos inadmissível a posição que limita a possibilidade de sua aplicação à pessoa natural Essa tese inclusive já havia sido consagrada jurisprudencialmente de forma indireta por súmula do Superior Tribunal de Justiça 53 pondo o Código Civil de 2002 fim à polêmica estabelecendo expressamente Art 52 Aplicase às pessoas jurídicas no que couber a proteção dos direitos da personalidade Sendo direitos ínsitos à pessoa em suas projeções física mental e moral os direitos da personalidade são dotados de certas características particulares que lhes conferem posição singular no cenário dos direitos privados Assim os direitos da personalidade são a absolutos oponibilidade erga omnes irradiando efeitos em todos os campos e impondo à coletividade o dever de respeitálos b gerais ou necessários outorgados a todas as pessoas simplesmente pelo fato de existirem c extrapatrimoniais ausência de um conteúdo patrimonial direto aferível objetivamente ainda que sua lesão gere efeitos econômicos d indisponíveis nem por vontade própria do indivíduo o direito pode mudar de titular o que faz com que os direitos da personalidade sejam alçados a um patamar diferenciado dentro dos direitos privados A indisponibilidade dos direitos da personalidade abarca tanto a intransmissibilidade impossibilidade de modificação subjetiva gratuita ou onerosa inalienabilidade quanto a irrenunciabilidade impossibilidade de reconhecimento jurídico da manifestação volitiva de abandono do direito 54 e imprescritíveis inexiste um prazo para seu exercício não se extinguindo pelo não uso 55 Quando se fala em imprescritibilidade do direito da personalidade estáse referindo aos efeitos do tempo para a aquisição ou extinção de direitos Não há como se confundir porém com a prescritibilidade da pretensão de reparação por eventual violação a um direito da personalidade Se há uma violação consistente em ato único nasce nesse momento obviamente para o titular do direito a pretensão correspondente que se extinguirá pela prescrição genericamente no prazo de 3 três anos art 206 3º V do CC2002 f impenhoráveis decorrente da extrapatrimonialidade e indisponibilidade direitos morais jamais poderão ser penhorados não havendo porém qualquer impedimento legal na penhora do crédito dos direitos patrimoniais correspondentes g vitalícios acompanham a pessoa desde a primeira manifestação de vida até seu passamento Sendo inerentes à pessoa extinguemse em regra com o seu desaparecimento Destaquese porém que há direitos da personalidade que se projetam além da morte do indivíduo como no caso do direito ao corpo morto cadáver Além disso se a lesão por exemplo à honra do indivíduo ocorrer após o seu falecimento atentado à sua memória ainda assim poderseá exigir judicialmente que cesse a lesão ou sua ameaça tendo legitimidade para requerer a medida na forma do parágrafo único do art 12 do CC2002 o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau Consideramos conveniente classificar os direitos da personalidade com base na tricotomia corpomenteespírito Assim sem pretender esgotálos classificamos os direitos da personalidade de acordo com a proteção à a vida e integridade física corpo vivo cadáver voz b integridade psíquica e criações intelectuais liberdade criações intelectuais privacidade segredo c integridade moral honra imagem identidade pessoal Todavia enumerar os direitos da personalidade em espécie é uma tarefa hercúlea e incessante uma vez que não é possível fazer uma relação exaustiva dada a circunstância de ser possível o reconhecimento de novos direitos na medida da evolução da sociedade Assim simultaneamente respeitando a diretriz dessa obra de concentrar toda a matéria em um único volume e visando facilitar a compreensão do nosso amigo leitor passaremos em revista de forma direta e objetiva os principais direitos da personalidade apresentando os seus respectivos conceitos 56 a Direito à vida direito mais precioso do ser humano que sintetiza e concentra em si todos os demais direitos Por isso mesmo na precisa síntese de CARLOS ALBERTO BITTAR é o direito que se reveste em sua plenitude de todas as características gerais dos direitos da personalidade devendose enfatizar o aspecto da indisponibilidade uma vez que se caracteriza nesse campo um direito à vida e não um direito sobre a vida Constituise direito de caráter negativo impondose pelo respeito que a todos os componentes da coletividade se exige Com isso temse presente a ineficácia de qualquer declaração de vontade do titular que importe em cerceamento a esse direito eis que se não pode ceifar a vida humana por si ou por outrem mesmo sob consentimento porque se entende universalmente que o homem não vive apenas para si mas para cumprir missão própria da sociedade Cabelhe assim perseguir o seu aperfeiçoamento pessoal mas também contribuir para o progresso geral da coletividade objetivos esses alcançáveis ante o pressuposto da vida 57 b Direito à integridade física a higidez do ser humano no sentido mais amplo da expressão mantendose portanto a incolumidade corpórea e intelectual repelindose as lesões causadas ao funcionamento normal do corpo humano Um dos temas mais difíceis neste ponto diz respeito justamente aos limites do poder da vontade individual em confronto com a necessidade de intervenções médicas ou cirúrgicas Sobre o tema dispõe inclusive o art 15 do CC2002 Art 15 Ninguém pode ser constrangido a submeterse com risco de vida a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica Assim qualquer pessoa que se submete a tratamento médico em especial a intervenção cirúrgica deve ter plena consciência de seus riscos cabendo ao profissional que a acompanhar expressamente informá la recomendandose inclusive o registro por escrito de tal fato para prevenir responsabilidades O doente tem portanto a prerrogativa de se recusar ao tratamento em função do seu direito à integridade física valendo registrar que no caso da impossibilidade de sua manifestação volitiva deve esta caber ao seu responsável legal Não havendo entretanto tempo hábil para a oitiva do paciente como por exemplo em uma emergência de parada cardíaca o médico tem o dever de realizar o tratamento independentemente de autorização eximindose de responsabilidade Nesse diapasão podese falar em direito ao corpo tanto vivo quanto morto O corpo como projeção física da individualidade humana também é inalienável embora se admita a disposição de suas partes seja em vida seja para depois da morte desde que justificado o interesse público isso não implique mutilação e não haja intuito lucrativo Nesse sentido em relação ao próprio corpo foi consagrada regra expressa no art 13 do CC2002 nos seguintes termos Art 13 Salvo por exigência médica é defeso o ato de disposição do próprio corpo quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes Parágrafo único O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante na forma estabelecida em lei especial O Código Civil de 2002 também se preocupou com o tema do direito ao cadáver consoante se depreende da análise do seu art 14 Art 14 É válida com objetivo científico ou altruístico a disposição gratuita do próprio corpo no todo ou em parte para depois da morte Parágrafo único O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo Se a personalidade jurídica termina com a morte da pessoa natural mors omnia solvit poderseia defender com bastante razoabilidade que deixaria de existir também sobre o cadáver qualquer direito como emanação da personalidade jurídica Todavia com fundamento na ideia de que é preciso proteger a dignidade do ser humano e seus restos mortais lhe representam post mortem temse admitido a preservação como direito da personalidade do cadáver Como observa Elimar Szaniawski esse direito diz respeito aos parentes do morto tratandose de um direito familiar diferente do tratamento que se dá às partes separadas do próprio corpo e possui conotações e natureza de um direito de propriedade O direito ao cadáver diz respeito ao próprio defunto à sua memória pois em certas ocasiões podem ocorrer atentados à memória do morto Vamos encontrar situações em que são praticados atos contra o corpo do morto mesmo que o indivíduo nada tenha consentido em vida ou como ato de última vontade e que não vêm a se constituir em violação ao respeito à memória do morto nem injúria contra seus parentes que lhe sobreviveram Enquadramse nesta espécie as hipóteses em que necessário é o estudo e o exame de certos órgãos atingidos por doenças buscando o legislador as causas que provocaram a degeneração e a morte do indivíduo 58 c Direito à voz a voz do ser humano entendida como a emanação natural de som da pessoa é também protegida como direito da personalidade De fato dispõe o inciso XXVIII a do art 5º da Constituição Federal de 1988 XXVIII são assegurados nos termos da lei a a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas inclusive nas atividades desportivas Embora se trate de um componente físico que se agrega à noção de imagem ganha individualidade identificando pessoas e estilos d Direito à integridade psíquica em um segundo plano de análise metodológica tomase a pessoa como ser psíquico atuante que interage socialmente incluindose nessa classificação o direito à liberdade inclusive de pensamento à intimidade à privacidade ao segredo além do direito referente à criação intelectual consectário da própria liberdade humana Nessa classificação levamse em conta os elementos intrínsecos do indivíduo como atributos de sua inteligência ou sentimento componentes do psiquismo humano e Direito à liberdade faculdade de agir segundo sua consciência observandose os limites da liberdade alheia O art 5º da Constituição Federal de 1988 é um verdadeiro monumento à liberdade em todas as suas formas seja na concepção mais individualizada até a consagração de liberdades coletivas Vários têm sido os enfoques com que se encara a liberdade civil política religiosa sexual etc com a enunciação de componentes próprios e distintos como a liberdade de locomoção de trabalho de exercício de atividade de estipulação contratual de comércio de culto de organização sindical de imprensa dentre outras f Direito à liberdade de pensamento tomado em acepção mais abrangente o direito de liberdade compreende a liberdade de pensamento Todavia dada a sua peculiaridade de ser a forma de expressão da individualidade do ser humano merece destaque como direito autônomo A esse respeito o inciso IV do art 5º da CF88 estabelece expressamente que é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato Como consequência da regra primeira a manifestação do pensamento a criação a expressão e a informação sob qualquer forma processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição observado o disposto obviamente na própria Constituição como preceitua o seu art 220 g Direito às criações intelectuais autoria científica artística e literária manifestação direta da liberdade de pensamento A Constituição Federal em seu art 5º também alberga tais direitos que podem ser conceituados como o resultado cultural do gênio humano nas diversas áreas do conhecimento XXVII aos autores pertence o direito exclusivo de utilização publicação ou reprodução de suas obras transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar XXVIII são assegurados nos termos da lei a a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas inclusive nas atividades desportivas b o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas XXIX a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização bem como proteção às criações industriais à propriedade das marcas aos nomes de empresas e a outros signos distintivos tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País No depoimento de CARLOS ALBERTO BITTAR É preciso distinguir portanto duas classes de interesses nos direitos autorais os morais e os patrimoniais Os primeiros é que em nossa opinião são os efetivos direitos da personalidade enquanto os últimos nada mais são do que manifestações econômicas de um direito de propriedade 59 Nesse sentido parece ser a disciplina feita pela Lei n 961098 Art 49 Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros por ele ou por seus sucessores a título universal ou singular pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais por meio de licenciamento concessão cessão ou por outros meios admitidos em Direito obedecidas as seguintes limitações I a transmissão total compreende todos os direitos de autor salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei h Direito à privacidade também considerada inviolável pelo inciso X do art 5º da CF a vida privada é entendida como a vida particular da pessoa natural right of privacy compreendendo como uma de suas manifestações o direito à intimidade Tratase de um direito da personalidade cuja tutela jurídica veio a ser consagrada também no art 21 do CC2002 a saber Art 21 A vida privada da pessoa natural é inviolável e o juiz a requerimento do interessado adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma Manifestase principalmente por meio do direito à intimidade não obstante a proteção legal da honra e da imagem lhe seja correlata O elemento fundamental do direito à intimidade manifestação primordial do direito à vida privada é a exigibilidade de respeito ao isolamento de cada ser humano que não pretende que certos aspectos de sua vida cheguem ao conhecimento de terceiros 60 Em outras palavras é o direito de estar só Há vários elementos que se encontram ínsitos à ideia de intimidade o lar a família e a correspondência são os mais comuns e visíveis i Direito ao segredo pessoal profissional e doméstico segredo na clássica definição de PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR é o círculo concêntrico de menor raio em que se desdobra a intimidade é o que reclama proteção mais veemente contra a indiscrição 61 A ideia de segredo abrange três esferas bem visíveis a saber o segredo das comunicações tratase do direito à manutenção sigilosa das comunicações em geral abrangendo o segredo epistolar correspondência telefônico e telegráfico 62 o segredo doméstico aquele reservado aos recônditos do lar e da vida privada O direito ao segredo doméstico está firmemente relacionado à inviolabilidade do domicílio 63 Cumprenos lembrar que o direito ao segredo doméstico impõese inclusive entre parentes e o segredo profissional que consiste no direito da pessoa que teve de revelar algum segredo da sua esfera íntima a terceiro por circunstância da atividade profissional deste ex médicos padres advogados etc j Direito à honra a honra é um dos mais significativos direitos da personalidade acompanhando o indivíduo desde seu nascimento até depois de sua morte Consiste em um conceito valorativo que pode se manifestar sob duas formas honra objetiva correspondente à reputação da pessoa compreendendo o seu bom nome e a fama de que desfruta no seio da sociedade e honra subjetiva correspondente ao sentimento pessoal de estima ou à consciência da própria dignidade Tratase também de um direito da personalidade alçado à condição de liberdade pública com previsão expressa no inciso X do art 5º da CF88 X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação k Direito à imagem em definição simples constitui a expressão exterior sensível da individualidade humana digna de proteção jurídica Para efeitos didáticos dois tipos de imagem podem ser concebidos como imagemretrato que é literalmente o aspecto físico da pessoa e imagematributo que corresponde à exteriorização da personalidade do indivíduo ou seja à forma como ele é visto socialmente O CC2002 de forma expressa consagra o direito à imagem em seu art 20 Art 20 Salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública a divulgação de escritos a transmissão da palavra ou a publicação a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber se lhe atingirem a honra a boa fama ou a respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais Parágrafo único Em se tratando de morto ou de ausente são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge os ascendentes ou os descendentes Portanto considerando que a imagem que abrange até mesmo a transmissão da palavra ou seja a voz traduz a essência da individualidade humana a sua violação merece firme resposta judicial Por isso não só a utilização indevida da imagem não autorizada mas também o desvio de finalidade do uso autorizado ex permitese a veiculação da imagem em outdoor e o anunciante a utiliza em informes publicitários caracterizam violação ao direito à imagem devendo o infrator ser civilmente responsabilizado A despeito portanto de a natureza do próprio direito admitir a sua cessão de uso a autorização do titular há de ser expressa não se admitindo interpretação ampliativa das cláusulas contratuais para se estender a autorização a situações não previstas l Direito à identidade traduz a ideia de proteção jurídica aos elementos distintivos da pessoa natural ou jurídica no seio da sociedade Vale lembrar os dispositivos pertinentes do CC2002 no capítulo relativo aos direitos da personalidade Art 16 Toda pessoa tem direito ao nome nele compreendidos o prenome e o sobrenome Art 17 O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público ainda quando não haja intenção difamatória Art 18 Sem autorização não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial Art 19 O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome A proteção dos direitos da personalidade dáse em vários campos do ordenamento jurídico desfrutando assim de estatutos disciplinadores diversos variáveis em função do enfoque adotado Em linhas gerais a proteção dos direitos da personalidade poderá ser a preventiva principalmente por meio do ajuizamento de ação com tutela inibitória objetivando evitar a concretização da ameaça de lesão ao direito da personalidade b repressiva por meio da imposição de sanção civil pagamento de indenização ou penal persecução criminal em caso de a lesão já haver se efetivado O Código Civil de 2002 consagrando as duas formas de proteção jurídica em seu art 12 prevê que Art 12 Podese exigir que cesse a ameaça ou a lesão a direito da personalidade e reclamar perdas e danos sem prejuízo de outras sanções previstas em lei Parágrafo único Em se tratando de morto terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau Tal norma é a regra geral codificada quanto à tutela dos direitos da personalidade sendo aplicável subsidiariamente inclusive às hipóteses disciplinadas pelo seu art 20 que se refere especificamente ao direito de imagem64 5 EXTINÇÃO DA PESSOA NATURAL Termina a existência da pessoa natural com a morte art 6º do CC2002 Em geral a parada do sistema cardiorrespiratório com a cessação das funções vitais indica o falecimento do indivíduo Tal aferição permeada de dificuldades técnicas deverá ser feita por médico com base em seus conhecimentos clínicos e de tanatologia 65 sendo mais utilizada nos dias de hoje dado o seu caráter irreversível como critério científico para a constatação do perecimento a morte encefálica A morte deverá ser atestada por profissional da Medicina ressalvada a possibilidade de duas testemunhas o fazerem se faltar o especialista sendo o fato levado a registro nos termos dos arts 77 a 88 da Lei de Registros Públicos Dentre os seus efeitos apontamse a extinção do poder familiar a dissolução do vínculo conjugal a abertura da sucessão a extinção de contrato personalíssimo etc Vale notar ainda que existem direitos da personalidade cujo raio de atuação e eficácia projetase post mortem 66 Cuidase aqui da morte real como extinção do sopro de vida no ser humano e não da morte civil o desterro por exemplo que foi proscrita do nosso ordenamento Vejamos porém outras acepções que a expressão morte do ponto de vista codificado também pode possuir 51 Morte presumida O Código Civil de 2002 admite a morte presumida quanto aos ausentes nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva art 6º do CC2002 Notese que a mesma lei em seu art 9º IV determina a inscrição da sentença declaratória de ausência e de morte presumida Enquanto não houver o reconhecimento judicial de sua morte presumida nos casos em que se admite a sucessão definitiva os bens do ausente não serão definitivamente transferidos para os seus sucessores Mas a declaração de morte presumida não ocorre apenas em caso de ausência A lei enumera outras hipóteses em seu art 7º I e II Art 7º Pode ser declarada a morte presumida sem decretação de ausência I se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida II se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro não for encontrado até dois anos após o término da guerra Parágrafo único A declaração de morte presumida nesses casos somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações devendo a sentença fixar a data provável do falecimento Tais hipóteses também deverão ser formuladas em procedimento específico de justificação nos termos da Lei de Registros Públicos Vejamos separadamente essas hipóteses de morte presumida 511 Ausência A ausência é antes de tudo um estado de fato em que uma pessoa desaparece de seu domicílio sem deixar qualquer notícia O CC1916 elencava os ausentes declarados tais por ato do juiz como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil conforme dispunha o seu art 5º IV Tratavase sem sombra de dúvida de terrível equívoco conceitual pois na verdade o que se buscava tutelar era o patrimônio do desaparecido disciplinando gradativamente sua sucessão sempre com a cautela da possibilidade de retorno Não havia portanto incapacidade por ausência mas sim uma premência em proteger os interesses do ausente devido à sua impossibilidade material de cuidar de seus bens e interesses e à incompatibilidade jurídica de conciliar o abandono do domicílio com a conservação de direitos O CC2002 reconhece a ausência como uma morte presumida em seu art 6º a partir do momento em que a lei autorizar a abertura de sucessão definitiva Para chegar a esse momento porém um longo caminho deve ser cumprido Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem deixar qualquer notícia nem representante ou procurador o fato é que teremos uma massa patrimonial com titular mas sem quem a administre Assim a requerimento de qualquer interessado direto ou mesmo do Ministério Público o Poder Judiciário reconhecerá tal circunstância com a declaração fática da ausência nomeando curador que passará a gerir os negócios do ausente até seu eventual retorno providenciandose a arrecadação de seus bens para o devido controle 67 Na mesma situação se enquadrará aquele que tendo deixado mandatário este último se encontre impossibilitado física ou juridicamente quando seus poderes outorgados forem insuficientes ou simplesmente não tenha interesse em exercer o múnus Na nomeação do curador o juiz deve necessariamente fixarlhe os poderes e obrigações estando aquele equiparado aos tutores e curadores de incapazes Observese que essa nomeação não é discricionária estabelecendo a lei uma ordem legal estrita e sucessiva no caso de impossibilidade do anterior a saber 1 o cônjuge do ausente se não estiver separado judicialmente ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência 2 pais do ausente destaquese que a referência é somente aos genitores e não aos ascendentes em geral 3 descendentes do ausente preferindo os mais próximos aos mais remotos 4 qualquer pessoa à escolha do magistrado Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente ou se ele deixou representante ou procurador em se passando três anos 68 poderão os interessados requerer que se declare efetiva e formalmente a ausência e se abra provisoriamente a sucessão Observese que este prazo de um ano previsto na legislação de direito material serve para a publicação bimestral de editais com o objetivo de anunciar da forma mais ampla possível a arrecadação dos bens chamando o ausente a entrar em sua posse 69 É somente após esse prazo que os interessados poderão requerer a abertura da sucessão provisória 70 A ideia de provisoriedade da sucessão é uma cautela que se exige ainda que se anteveja o provável falecimento real do ausente uma vez que não se tem realmente ainda certeza de tal fato Por isso mesmo cercase o legislador da exigência de garantia da restituição dos bens em cuja posse os herdeiros se imitiram provisoriamente mediante a apresentação de penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos valendose destacar inclusive que o 1º do art 30 estabelece que aquele que tiver direito à posse provisória mas não puder prestar a garantia exigida neste artigo será excluído mantendose os bens que lhe deviam caber sob a administração do curador ou de outro herdeiro designado pelo juiz e que preste essa garantia 71 Essa razoável cautela de exigência de garantia é excepcionada porém em relação aos ascendentes descendentes e ao cônjuge uma vez provada a sua condição de herdeiros 2º do art 30 o que pode ser explicado pela particularidade de seu direito em função dos outros sujeitos legitimados para requerer a abertura da sucessão provisória 72 ao qual se acrescenta o Ministério Público por força do 1º do art 28 do CC2002 Vale destacar que na forma do 2º do art 745 do CPC2015 o interessado ao requerer a abertura da sucessão provisória pedirá a citação pessoal dos herdeiros presentes e do curador e por editais a dos ausentes para requererem habilitação na forma dos arts 689 a 692 73 Em todo caso a provisoriedade da sucessão é evidente na tutela legal haja vista que é expressamente determinado por exemplo que os imóveis do ausente só se poderão alienar não sendo por desapropriação ou hipotecar quando o ordene o juiz para lhes evitar a ruína art 31 bem como que antes da partilha o juiz quando julgar conveniente ordenará a conversão dos bens móveis sujeitos a deterioração ou a extravio em imóveis ou em títulos garantidos pela União art 29 Um aspecto de natureza processual da mais alta significação na ideia de preservação ao máximo do patrimônio do ausente é a estipulação pelo art 28 do prazo de 180 dias para produção de efeitos da sentença que determinar a abertura da sucessão provisória após o que se procederá à abertura do testamento caso existente ou ao inventário e partilha dos bens como se o ausente tivesse falecido Com a posse nos bens do ausente passam os sucessores provisórios a representar ativa e passivamente o ausente o que lhes faz dirigir contra si todas as ações pendentes e as que de futuro àquele forem movidas Na forma do art 33 os herdeiros empossados se descendentes ascendentes ou cônjuges terão direito subjetivo a todos os frutos e rendimentos dos bens que lhes couberem o que não acontecerá com os demais sucessores que deverão necessariamente capitalizar metade desses bens acessórios com prestação anual de contas ao juiz competente Se durante essa posse provisória porém se provar o efetivo falecimento do ausente converterseá a sucessão em definitiva considerandose aberta na data comprovada em favor dos herdeiros que o eram àquele tempo Isso inclusive pode gerar algumas modificações na situação dos herdeiros provisórios uma vez que não se pode descartar a hipótese de haver herdeiros sobreviventes na época efetiva do falecimento do desaparecido mas que não mais estejam vivos quando do processo de sucessão provisória Por mais que se queira preservar o patrimônio do ausente o certo é que a existência de um longo lapso temporal sem qualquer sinal de vida reforça as fundadas suspeitas de seu falecimento Por isso presumindo efetivamente o seu falecimento estabelece a lei o momento próprio e os efeitos da sucessão definitiva De fato dez anos após o trânsito em julgado da sentença de abertura de sucessão provisória converterseá em definitiva o que obviamente dependerá de provocação da manifestação judicial para a retirada dos gravames impostos podendo os interessados requerer o levantamento das cauções prestadas Essa plausibilidade maior do falecimento presumido é reforçada em função da expectativa média de vida do homem admitindo o art 38 a possibilidade de requerimento da sucessão definitiva provando se que o ausente conta oitenta anos de idade e que de cinco datam as últimas notícias dele Se um herdeiro imitido na posse durante a sucessão provisória não requerer a sucessão definitiva mesmo passado lapso temporal superior ao previsto em lei teremos mera irregularidade uma vez que aberta a sucessão provisória a definitiva é apenas transmudação da natureza da propriedade já transferida provisoriamente Se é certo que a ausência é uma morte presumida o fato é que não se pode descartar a possibilidade de eventual retorno do ausente Se este aparece na fase de arrecadação de bens não há qualquer prejuízo ao seu patrimônio continuando ele a gozar plenamente de todos os seus bens Se já tiver sido aberta a sucessão provisória a prova de que a ausência foi voluntária e injustificada faz com que o ausente perca em favor do sucessor provisório sua parte nos frutos e rendimentos art 33 parágrafo único Em função porém da provisoriedade da sucessão o seu reaparecimento faz cessar imediatamente todas as vantagens dos sucessores imitidos na posse que ficam obrigados a tomar medidas assecuratórias precisas até a entrega dos bens a seu titular art 36 Se a sucessão todavia já for definitiva terá o ausente direito aos seus bens se ainda incólumes não respondendo os sucessores havidos pela sua integridade conforme se verifica no art 39 nos seguintes termos Art 39 Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva ou algum de seus descendentes ou ascendentes aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem os subrogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo Parágrafo único Se nos dez anos a que se refere este artigo o ausente não regressar e nenhum interessado promover a sucessão definitiva os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal se localizados nas respectivas circunscrições incorporandose ao domínio da União quando situados em território federal Salientese que o 4º do art 745 do CPC2015 estabelece que regressando o ausente ou algum de seus descendentes ou ascendentes para requerer ao juiz a entrega de bens serão citados para contestar o pedido os sucessores provisórios ou definitivos o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública seguindose o procedimento comum o que é medida das mais razoáveis na salvaguarda dos interesses envolvidos Situação interessante diz respeito ao efeito dissolutório do casamento decorrente da ausência admitido pelo Código Civil vigente em seu art 1571 1º 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio aplicandose a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente Em nosso sentir o reconhecimento da dissolução do vínculo por essa forma somente se dará após a abertura da sucessão definitiva do ausente por força da última parte do supratranscrito 1º que faz referência à presunção estabelecida por este Código para o ausente vide art 6º Assim tendo em vista o lapso temporal para o reconhecimento da sucessão definitiva poderá ser mais conveniente para o cônjuge presente a utilização do divórcio com a citação do ausente por edital 512 Justificação de óbito O art 88 da LRP consagra um procedimento de justificação com a necessária intervenção do Ministério Público que tem por finalidade proceder ao assento do óbito em hipóteses de campanha militar desastre ou calamidade em que não foi possível proceder a exame médico no cadáver Art 88 Poderão os Juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio inundação incêndio terremoto ou qualquer outra catástrofe quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar se o cadáver para exame Parágrafo único Será também admitida a justificação no caso de desaparecimento em campanha provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do art 85 e os fatos que convençam da ocorrência do óbito O CC2002 em verdade em seu art 7º I e II apenas amplia generalizando tais hipóteses de morte presumida que de forma bastante coerente somente pode ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações devendo a sentença fixar a data provável do falecimento O procedimento judicial para essa declaração de morte presumida se dá da mesma forma que a produção antecipada da prova conforme estabelecido pelo 5º do art 381 do CPC2015 aplicável a todas as situações em que se pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica seja para simples documento e sem caráter contencioso seja para servir de prova em processo regular 74 52 Morte simultânea comoriência A situação jurídica da comoriência vem prevista no art 8º do CC2002 nos seguintes termos Art 8º Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros presumirseão simultaneamente mortos O Código Civil francês originalmente buscou seguir em seus arts 721 e 722 a tendência do Direito Romano estabelecendo regras e presunções para fixar o momento da morte dos comorientes se os falecidos eram menores de quinze anos presumese que o mais velho sobreviveu se tinham todos mais de sessenta anos a presunção é de sobrevida do mais novo se uns têm menos de quinze e outros mais de sessenta a presunção de sobrevivência é em favor dos primeiros entre os quinze e os sessenta anos a presunção entre pessoas do mesmo sexo é a sobrevivência do mais novo e se forem de sexos opostos do homem quando tiverem a mesma idade ou a diferença não exceder de um ano 75 Tais critérios desprovidos de fundamentação científica não convencem É melhor a solução do Código Civil brasileiro No caso de não se poder precisar a ordem cronológica das mortes dos comorientes a lei firmará a presunção de haverem falecido no mesmo instante o que acarreta importantes consequências práticas Tomese o exemplo de João e Maria casados entre si sem descendentes ou ascendentes vivos Falecem por ocasião do mesmo acidente Pedro primo de João e Marcos primo de Maria concorrem à herança dos falecidos Se a perícia atestar que João faleceu dez minutos antes de Maria a herança daquele à luz do princípio da saisine e pela ordem de vocação legal seria transferida para a sua esposa e posteriormente após se agregar ao patrimônio dela arrecadada por Marcos A solução inversa ocorreria se Maria falecesse antes de João Ora em caso de falecimento sem possibilidade de fixação do instante das mortes firma a lei a presunção de óbito simultâneo o que determinará a abertura de cadeias sucessórias distintas Assim nessa hipótese não sendo os comorientes considerados sucessores entre si não haverá transferência de bens entre eles de maneira que Pedro e Marcos arrecadarão a meação pertencente a cada sucedido Indiscutivelmente é a solução mais adequada II PESSOA JURÍDICA 1 CONCEITO O homem é um ser gregário por excelência Por diversas razões inclusive de natureza social e antropológica tende a agruparse para garantir a sua subsistência e realizar os seus propósitos Nesse contexto a pessoa jurídica figura moldada a partir de um fato social ganha singular importância Assim nascendo como contingência do fato associativo o direito confere personalidade jurídica a esse grupo viabilizando a sua atuação autônoma e funcional com personalidade própria com vistas à realização de seus objetivos Nessa linha de raciocínio como decorrência desse fato associativo podemos conceituar a pessoa jurídica como o grupo humano criado na forma da lei e dotado de personalidade jurídica própria para a realização de fins comuns Complementaremos esse conceito básico entretanto em momento oportuno ao demonstrarmos a existência de peculiares espécies de pessoa jurídica a exemplo da fundação que deriva da personificação de um patrimônio e da empresa individual de responsabilidade limitada que consiste em uma pessoa jurídica unipessoal Enquanto sujeito de direito poderá a pessoa jurídica por seus órgãos e representantes legais atuar no comércio e sociedade praticando atos e negócios jurídicos em geral 2 SURGIMENTO DA PESSOA JURÍDICA O art 45 do CC2002 prevê Art 45 Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro precedida quando necessário de autorização ou aprovação do Poder Executivo averbandose no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo Parágrafo único Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado por defeito do ato respectivo contado o prazo da publicação e sua inscrição no registro Ora da análise do dispositivo notase que a personificação da pessoa jurídica é de fato construção da técnica jurídica podendo inclusive operarse a suspensão legal de seus efeitos por meio da desconsideração em situações excepcionais admitidas por lei O que é importante destacar porém é que a outorga de personalidade jurídica a entidades de existência ideal tem por finalidade em verdade o livre estabelecimento de relações jurídicas lícitas facilitando o comércio e outras atividades negociais Daí o postulado básico do art 20 do CC1916 As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros que embora não repetido no CC2002 continua válido doutrinariamente ressalvadas porém as hipóteses de desconsideração calcadas em geral na ideia do desvio de sua finalidade social ou na confusão patrimonial 76 A pessoa natural surge no momento do nascimento com vida Da mesma forma a pessoa jurídica possui um ciclo de existência A sua existência legal no sistema das disposições normativas exige a observância da legislação em vigor que considera indispensável o registro para a aquisição de sua personalidade jurídica Nesse sentido a inscrição do ato constitutivo ou do contrato social no registro competente junta comercial para as sociedades mercantis em geral e cartório de registro civil de pessoas jurídicas para as fundações associações e sociedades civis é condição indispensável para a atribuição de personalidade à pessoa jurídica Lembrese todavia de que em algumas hipóteses exigese ainda autorização do Poder Executivo para o seu funcionamento E se assim é observase que o registro da pessoa jurídica tem natureza constitutiva por ser atributivo de sua personalidade diferentemente do registro civil de nascimento da pessoa natural eminentemente declaratório da condição de pessoa já adquirida no instante do nascimento com vida Seguindo a diretriz normativa do Código Civil o registro declarará art 46 a a denominação os fins a sede o tempo de duração e o fundo social quando houver b o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores e dos diretores c o modo por que se administra e representa ativa e passivamente judicial e extrajudicialmente d se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração e de que modo e se os membros respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações sociais f as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino de seu patrimônio nesse caso Para alguns tipos de pessoas jurídicas independentemente do registro civil a lei por vezes impõe o registro em algum outro órgão com finalidade cadastral e de reconhecimento de validade de atuação como é o caso dos partidos políticos que na forma do 2º do art 17 da Constituição Federal e dos parágrafos do art 7º da Lei n 9096 de 19 de setembro de 1995 devem ser inscritos no Tribunal Superior Eleitoral 77 Da mesma forma as entidades sindicais obtêm personalidade jurídica com o simples registro civil mas devem comunicar sua criação ao Ministério do Trabalho não para efeito de reconhecimento mas sim simplesmente para controle do sistema da unicidade sindical ainda vigente em nosso País conforme o art 8º I e II da Constituição Federal de 1988 78 3 CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS Em primeiro plano a doutrina aponta a existência de pessoas jurídicas de direito público interno ou externo e de direito privado art 40 do CC2002 Em que pese a menção expressa a tal distinção no Código Civil brasileiro o campo de investigação desta obra não comporta uma análise muito detalhada das pessoas jurídicas de direito público devendo se concentrar nas pessoas jurídicas de direito privado Todavia façamos algumas rápidas considerações sobre as primeiras sem fugir porém da proposta original da obra 31 Pessoas jurídicas de direito público Os Estados soberanos do mundo as organizações internacionais ONU OIT etc a Santa Sé 79 e outras entidades congêneres são pessoas jurídicas de direito público externo Nesse sentido o art 42 do CC2002 é expresso ao dispor que Art 42 São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público O surgimento dos Estados soberanos ou dessas entidades supraestatais vai decorrer do advento de fatos históricos como revoluções ou criações constitucionais ou mesmo pela edição de tratados internacionais As pessoas jurídicas de direito público interno 80 por sua vez nos termos do art 41 do CC2002 com a redação dada pela Lei n 11107 de 2005 são a a União b os Estados o Distrito Federal e os Territórios c os Municípios d as autarquias inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei Dentro da tríplice concepção política delineada pela Carta Constitucional de 1988 a União os Estados e os Municípios entidades políticas da Administração Pública Direta compõem a estrutura federativa do Estado brasileiro O Decretolei n 200 de 25 de fevereiro de 1967 81 definiu a autarquia como o serviço autônomo criado por lei com personalidade jurídica patrimônio e receita próprios para executar atividades típicas da Administração Pública que requeiram para seu melhor funcionamento gestão administrativa e financeira descentralizada Tal definição todavia não satisfaz Além de incompleta acaba por confundir a noção de serviço público com a de autarquia o que metodologicamente é inadequado Nesse ponto justa é a crítica de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO como definição o enunciado normativo não vale nada Sequer permite ao intérprete identificar quando a figura legalmente instaurada tem ou não natureza autárquica pois deixou de fazer menção ao único traço que interessa referir a personalidade de Direito Público Por isso o ilustrado administrativista afastandose da dicção legal conceitua as autarquias como pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa 82 A lei todavia em especial o CC2002 vai além Atenta à realidade atual de nossa complexa estrutura administrativa e política considera pessoas jurídicas de direito público interno as demais entidades de caráter público criadas por lei art 41 V do CC2002 Enquadramse nesse conceito as fundações públicas 83 e as agências reguladoras estas últimas com natureza de autarquias especiais As fundações públicas pontifica ODETE MEDAUAR devem ter sua instituição autorizada por lei específica segundo determina o inc XIX do art 37 da Constituição Federal 84 Tais entidades de direito público e bem assim as entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado mas que prestem serviço público empresas públicas e sociedades de economia mista por exemplo têm a sua disciplina normativa e controle funcional previstos por normas de Direito Administrativo que escapam do objeto deste livro 85 Feitas portanto dentro da objetividade sugerida pelo tema as pertinentes observações acerca das entidades de direito público aprofundaremos o estudo das pessoas jurídicas de direito privado que mais de perto nos interessam 32 Pessoas jurídicas de direito privado O vigente Código Civil brasileiro em seu art 44 classificou originalmente as pessoas jurídicas de direito privado em a associações art 44 I b sociedades art 44 II c fundações art 44 III Louvável aliás a postura adotada pelo legislador quando da elaboração do Código Civil de 2002 por haver expressamente delineado os caracteres distintivos das sociedades e associações disciplinandoas em capítulos próprios Superouse portanto a confusão conceitual existente no Código de 1916 que identificava inadvertidamente os conceitos 86 causando perplexidade na doutrina e sérios inconvenientes para o adequado entendimento da matéria As sociedades civis ou mercantis e as associações estruturalmente consideradas corporações resultam da união de indivíduos universitas personarum as fundações por sua vez simples patrimônio vinculado a uma finalidade decorrem da afetação patrimonial determinada por seu instituidor universitas bonorum subsumindose com mais propriedade na categoria das instituições Posteriormente a Lei n 10825 de 22 de dezembro de 2003 deu nova redação ao já transcrito art 44 inserindo dois novos incisos a saber o IV referente às organizações religiosas e o V sobre os partidos políticos Tratase em nosso entender de um erro conceitual pois tanto as organizações religiosas quanto os partidos políticos se enquadram perfeitamente como veremos no conceito jurídico de associação bem como as cinco alíneas não elencam todas as modalidades de pessoas jurídicas de direito privado tornandose tal rol meramente exemplificativo 87 A modificação teve por finalidade expressa conforme consta no art 1º da supramencionada lei modificadora 88 evitar a aplicação a tais entidades da necessidade prevista no art 2031 de adaptar suas disposições às novas regras codificadas 89 notadamente à força conferida às assembleias gerais e às regras próprias de exclusão de membros o que alvoroçou em especial as organizações religiosas Observese que além da inclusão em incisos como se tratasse de novas espécies do gênero pessoa jurídica de direito privado a mencionada lei transformou o parágrafo único original em 2º com a mesma redação As disposições concernentes às associações aplicamse subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código destacando dois novos parágrafos com as seguintes redações 1º São livres a criação a organização a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas sendo vedado ao poder público negarlhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento 3º Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica Por fim a Lei n 12441 de 11 de julho de 2011 alterou o Código Civil brasileiro com o acréscimo de alguns dispositivos que permitiram a constituição de uma nova modalidade de pessoa jurídica a saber a empresa individual de responsabilidade limitada EIRELI que passou a ser elencada no novel inciso VI do mencionado art 44 Tratase de uma importante inovação do direito positivo brasileiro reconhecendo a possibilidade de criação de pessoas jurídicas unipessoais ou seja aquelas que não exigem a presença de mais de uma pessoa para sua constituição Verifiquemos portanto nos próximos subtópicos cada uma dessas espécies de pessoas jurídicas de direito privado 321 As associações As associações são entidades de direito privado formadas pela união de indivíduos com o propósito de realizar fins não econômicos O Código Civil de 2002 em seu art 53 expressamente dispõe que Art 53 Constituemse as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos O traço peculiar às associações civis portanto é justamente a sua finalidade não econômica podendo ser educacional lúdica profissional 90 religiosa etc 91 Resulta conforme se anotou da união de pessoas geralmente em grande número os associados e na forma estabelecida em seu ato constitutivo denominado estatuto Notese que pelo fato de não perseguir escopo lucrativo a associação não está impedida de gerar renda que sirva para a mantença de suas atividades e pagamento do seu quadro funcional Pelo contrário o que se deve observar é que em uma associação os seus membros não pretendem partilhar lucros ou dividendos como ocorre entre os sócios nas sociedades civis e mercantis A receita gerada deve ser revertida em benefício da própria associação visando à melhoria de sua atividade Por isso o ato constitutivo da associação estatuto não deve impor entre os próprios associados direitos e obrigações recíprocos como aconteceria se se tratasse de um contrato social firmado entre sócios art 53 parágrafo único do CC2002 De acordo com o vigente Código Civil na redação alterada pela Lei n 111272005 o estatuto das associações conterá sob pena de nulidade art 54 a a denominação os fins e a sede da associação b os requisitos para a admissão demissão e exclusão dos associados c os direitos e deveres dos associados d as fontes de recursos para sua manutenção e o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos f as condições para a alteração das disposições estatutárias e para sua dissolução g a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas Preocupase a lei portanto em estabelecer o conteúdo mínimo necessário do estatuto de uma associação visando sobremaneira coibir abusos por parte de pessoas inescrupulosas que constituem associações fraudulentas apenas para causar danos à Fazenda Pública ou a terceiros de boafé Além da Assembleia Geral órgão máximo da associação é muito comum que o seu estatuto autorize a composição de um Conselho Administrativo ou Diretoria e de um Conselho Fiscal A estrutura organizacional da entidade portanto respeitados os preceitos legais de ordem pública depende do conteúdo normativo de seu estatuto O Código Civil de 2002 todavia cuidou de disciplinar um campo de atuação privativo da Assembleia Geral ressaltando a sua característica de órgão deliberativo superior Compete pois privativamente à Assembleia Geral ex vi do disposto no art 59 do CC2002 na redação alterada pela Lei n 111272005 I destituir os administradores II alterar o estatuto Ressalvase todavia que as deliberações a que se referem os incisos I e II demandam deliberação da assembleia especialmente convocada para esse fim cujo quorum será o estabelecido no estatuto bem como os critérios de eleição dos administradores art 59 parágrafo único na redação dada pela Lei n 11127 de 2005 Garantese outrossim o direito de convocação da Assembleia Geral a 15 um quinto dos associados art 60 não podendo o estatuto segundo a lei alijar a minoria desse direito Interessante notar que a lei cuidou de considerar intransmissível a qualidade de associado art 56 do CC2002 92 Todavia havendo autorização estatutária o titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação poderá transmitir por ato inter vivos ou mortis causa os seus direitos a um terceiro adquirente ou herdeiro que passará à condição de associado Por óbvio o associado não está preso à associação Por isso embora a lei não faça referência expressa poderá a qualquer tempo observados os termos do estatuto desligarse da corporação Claro está todavia que esse direito de retirada semelhante ao direito de recesso do sócio nas sociedades empresariais não permite ao associado que se exima das obrigações sociais porventura assumidas O Código Civil brasileiro com a redação dada pela Lei n 11127 de 2005 prevê ainda a exclusão do associado desde que haja justa causa e na estrita forma do estatuto social que deve regular a existência de um procedimento que assegure direito de defesa e de recurso conforme se verifica do seguinte dispositivo Art 57 A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso nos termos previstos no estatuto Malversação de receitas sociais prática de crimes violação grave de preceitos éticos e da lei são exemplos de situações que podem ser consideradas justas causas justificandose a imposição da pena de exclusão partindose sempre do pressuposto de garantia por óbvio ao infrator do direito ao contraditório e à ampla defesa Na redação original do dispositivo admitiase que mesmo não cuidando o estatuto de elencar as condutas que entende passíveis de exclusão do associado a Assembleia Geral especialmente convocada poderia apreciar a existência de motivos graves e em deliberação fundamentada e por maioria absoluta dos presentes decidir pela aplicação da sanção Na atualidade mesmo sem tal previsão parecenos lógico que tal poder da Assembleia Geral ainda é invocável o que está limitado porém pela própria previsão do estatuto e pela superior garantia de base constitucional do direito de defesa e recurso Sendo extinta uma associação ante a omissão de seu estatuto e dos seus sócios pontifica a Professora MARIA HELENA DINIZ a lei procura dispor sobre o destino de seu patrimônio E arremata apurarseão então os seus haveres procedendose à liquidação solvendose os débitos sociais recebendose o quantum que lhe era devido 93 Os bens remanescentes por sua vez não havendo destinação especial prevista no estatuto nem deliberação social a respeito deviam ser devolvidos a um estabelecimento municipal estadual ou federal de fins idênticos ou semelhantes Se não houvesse todavia no Município no Estado no Distrito Federal ou no Território estabelecimento nas condições indicadas o patrimônio seria devolvido à Fazenda do Estado do Distrito Federal ou da União O Código Civil de 2002 em seu art 61 dispõe que em caso de dissolução o patrimônio líquido deduzidas as quotas ou frações ideais de propriedade do associado parágrafo único do art 56 bem como os débitos sociais será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto ou omisso este por deliberação dos associados a instituição municipal estadual ou federal de fins idênticos ou semelhantes Na falta dessas os bens remanescentes serão devolvidos à Fazenda do Estado do Distrito Federal ou da União art 61 2º Por cláusula do estatuto ou no silêncio deste por deliberação dos associados prevê o 1º do art 61 é permitido aos respectivos membros antes da destinação do remanescente a entidades congêneres receber em restituição em valor atualizado as contribuições que houverem prestado ao patrimônio da entidade 322 As sociedades A sociedade é espécie de corporação dotada de personalidade jurídica própria e instituída por meio de um contrato social com o precípuo escopo de exercer atividade econômica e partilhar lucros A esse respeito pontifica com acuidade ORLANDO GOMES que se duas ou mais pessoas põem em comum sua atividade ou seus recursos com o objetivo de partilhar o proveito resultante do empreendimento constituem uma sociedade 94 O contrato social nesse contexto desde que devidamente registrado é o ato constitutivo da sociedade O Código Civil brasileiro estabelece que Art 981 Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e a partilha entre si dos resultados Parágrafo único A atividade pode restringirse à realização de um ou mais negócios determinados Dependendo do tipo de atividade realizada a doutrina tradicional sustenta que a sociedade poderá ser civil ou mercantil A diferença está em que apenas a sociedade mercantil pratica atos de comércio para produzir lucros 95 As sociedades civis por sua vez a despeito de perseguirem proveito econômico não empreendem atividade mercantil ou seja não atuam na qualidade de comerciantes é o caso das sociedades formadas por certos profissionais médicos advogados dentistas etc O Código Civil de 2002 aproveitando os ensinamentos do moderno Direito Empresarial atualizouos terminologicamente ao classificar quanto ao objeto social as sociedades em a sociedades empresárias b sociedades simples Nos termos do art 982 do CC2002 considerase empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro E que se entende por empresário Respondenos o art 966 do CC2002 Art 966 Considerase empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços Abandonouse portanto a superada definição de comerciante substituindoa pela moderna noção de empresário Nesse diapasão concluise que a sociedade empresária vem a ser a pessoa jurídica que exerça atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços com registro na Junta Comercial e sujeita à legislação falimentar Em linhas gerais podemos afirmar que uma sociedade empresária é marcada pela impessoalidade porquanto os seus sócios atuam como meros articuladores de fatores de produção capital trabalho matériaprima e tecnologia não importando a atuação pessoal de cada um no exercício da atividade empresarial desenvolvida É o caso de uma concessionária de veículos ou de um banco Muitas vezes nem se sabe quem são os detentores da empresa No tocante ainda às sociedades empresárias para o seu efetivo controle expressa o art 967 do CC2002 ser obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede antes do início de sua atividade 96 Essas sociedades por sua vez podem assumir as seguintes formas arts 983 e 1039 a 1092 do CC2002 a sociedade em nome coletivo b sociedade em comandita simples c sociedade limitada d sociedade anônima e sociedade em comandita por ações Cumprenos referir que a sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade empresarial rural e seja constituída ou transformada de acordo com um dos tipos de sociedade empresária pode observadas as exigências legais requerer a sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede ficando equiparada para todos os efeitos à sociedade empresária art 984 do CC2002 Tratase de sociedade empresária por equiparação Até aqui se cuidou das sociedades empresárias A outra categoria que completa a classificação apresentada é a das sociedades simples Tratase de pessoas jurídicas que embora persigam proveito econômico não empreendem atividade empresarial Equiparamse às tradicionalmente conhecidas sociedades civis não tendo obrigação legal de inscrever os seus atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis mas somente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas Com efeito os arts 998 caput e 1000 do CC2002 que tratam das sociedades simples apenas se referem ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas em redação que permite perfeita correspondência aos já mencionados arts 967 e 969 que remetem ao Registro Público de Empresas Mercantis 97 No vastíssimo campo de atuação das sociedades simples verificase a aplicação do instituto em sociedades de profissionais liberais instituições de ensino entidades de assistência médica ou social entre outras Embora possa adotar uma das formas societárias previstas para as sociedades empresárias ressalvada a sociedade por ações por absoluta incompatibilidade e imposição legal 98 não se subordina às normas relativas ao empresário Em outras palavras na sociedade simples cujo registro deve ser feito no CRPJ Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas acentuase a marca da pessoalidade na medida em que a atuação pessoal de cada sócio importa para o exercício da própria atividade desenvolvida como se dá em uma sociedade de médicos ou de advogados Por isso em geral as sociedades simples são prestadoras de serviços Acrescentese apenas que quanto à sociedade de advogados por disposição de norma especial art 15 1º da Lei n 8906 de 1994 Estatuto da Advocacia o seu registro deve ser feito na Ordem dos Advogados do Brasil OAB Caso não adote um dos tipos societários regulados nos arts 1039 a 1092 do CC2002 excepcionadas como dito as SAs dos arts 1088 e 1089 subordinase às normas que lhes são próprias previstas nos arts 997 a 1038 do referido diploma legal 99 As sociedades anônimas e as sociedades cooperativas 100 por sua vez embora integradas ao Código Civil de 2002 tiveram a sua disciplina remetida para legislação especial vide os mencionados arts 1088 e 1089 bem como os arts 1093 a 1096 do CC2002 respectivamente em virtude de suas peculiaridades 323 As fundações Diferentemente das associações e das sociedades as fundações resultam não da união de indivíduos mas da afetação de um patrimônio por testamento ou escritura pública que faz o seu instituidor especificando o fim para o qual se destina 101 O art 62 do Código Civil vigente dispõe que Art 62 Para criar uma fundação o seu instituidor fará por escritura pública ou testamento dotação especial de bens livres especificando o fim a que se destina e declarando se quiser a maneira de administrála Cumprenos observar que o legislador cuidou de inserir originalmente um parágrafo único no referido art 62 do CC2002 consagrando o elemento finalístico da fundação que somente poderia constituirse para fins religiosos morais culturais ou de assistência Salientese que o referido parágrafo único teve sua redação modificada pela Lei n 13151 de 28 de julho de 2015 para detalhadamente especificar as finalidades de uma fundação que somente poderá ser constituída para fins de I assistência social II cultura defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico III educação IV saúde V segurança alimentar e nutricional VI defesa preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável VII pesquisa científica desenvolvimento de tecnologias alternativas modernização de sistemas de gestão produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos VIII promoção da ética da cidadania da democracia e dos direitos humanos e IX atividades religiosas Escapa pois do permissivo legal mesmo com a mencionada ampliação de finalidades a entidade supostamente fundacional que empreenda atividade econômica com escopo lucrativo 102 Não se admite por outro lado sobretudo por sua precípua finalidade social que a diretoria ou o conselho deliberativo da fundação desvirtuando inclusive a vontade do instituidor aliene injustificadamente bens componentes de seu acervo patrimonial Sustentamos que toda alienação demanda alvará judicial devendo ser devidamente motivada em procedimento de jurisdição graciosa com a indispensável intervenção do Ministério Público Para a criação de uma fundação deve o instituidor necessariamente destacar determinada parcela de seu patrimônio pessoal composta por bens móveis ou imóveis especificandoos e atribuindolhes determinada finalidade não econômica bem como a maneira de administrálos Neste ponto observese que a dotação não se confunde com a doação porque esta envolve a transferência de bens de uma pessoa a outra enquanto aquela é elemento constitutivo de uma pessoa jurídica Apenas por duas formas se concretiza o ato de dotação patrimonial escritura pública ou testamento Em caso de instituição por escritura pública negócio inter vivos o instituidor é obrigado a transferir à fundação a propriedade ou outro direito real que tenha sobre os bens dotados sob pena de a transcrição ou inscrição se efetivar por meio de ordem judicial art 64 do CC2002 Registrese por fim que a instituição por testamento poderá se dar por qualquer modalidade testamentária uma vez que o legislador não fora expresso quanto à exigência do testamento público Em linhas gerais há duas formas de instituição da fundação a direta quando o próprio instituidor o faz pessoalmente inclusive cuidando da elaboração dos estatutos ou a fiduciária quando confia a terceiro a organização da entidade Neste último caso dispõe o art 65 do CC2002 Art 65 Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio em tendo ciência do encargo formularão logo de acordo com as suas bases art 62 o estatuto da fundação projetada submetendoo em seguida à aprovação da autoridade competente com recurso ao juiz Parágrafo único Se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo instituidor ou não havendo prazo em cento e oitenta dias a incumbência caberá ao Ministério Público Notese que a nova Lei Codificada foi mais precisa do que o Código de 1916 uma vez que cuidou de estabelecer o prazo máximo de cento e oitenta dias para a elaboração dos estatutos sob pena de a incumbência ser transferida ao Parquet Em geral o Ministério Público tem uma ou mais Promotorias de Justiça com atribuição específica de fiscalizar a criação e funcionamento das fundações Ainda sobre a elaboração dos estatutos observese que a Lei n 13151 de 28 de julho de 2015 admitiu expressamente a possibilidade de estabelecimento de remuneração aos dirigentes de fundações 103 Como consectário de sua atribuição legal para fiscalizar as fundações é o órgão do Ministério Público que deverá aprovar os estatutos da fundação com recurso ao juiz competente em caso de divergência O interessado submeterá o estatuto ao Ministério Público que verificará se foram observadas as bases da fundação e se os bens dotados são suficientes ao fim a que ela se destina Não havendo óbice o Parquet aprovará o estatuto 104 Quanto à relevante função fiscalizadora do órgão ministerial estabelece o art 66 do Código Civil de 2002 com a nova redação firmada pela Lei n 13151 de 28 de julho de 2015 Art 66 Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas 1º Se funcionarem no Distrito Federal ou em Território caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios 105 2º Se estenderem a atividade por mais de um Estado caberá o encargo em cada um deles ao respectivo Ministério Público Vale ressaltar que esta atual redação é evidentemente inspirada na decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 2794 proposta pela CONAMP entidade de representação nacional do Ministério Público que reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo original do Código Civil de 2002 que conferia ao Ministério Público Federal poderes para fiscalizar fundação localizada no Distrito Federal por conta da inequívoca usurpação de atribuição legal e constitucional do Ministério Público do próprio Distrito Federal Nada impede todavia que haja atuação fiscalizatória conjunta do Ministério Público do Estado ou do Distrito Federal e Territórios com o Ministério Público Federal caso haja interesse que justifique a intervenção deste último 106 Como toda pessoa jurídica de direito privado o ciclo constitutivo da fundação só se aperfeiçoa com a inscrição de seus atos constitutivos no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas Nesse sentido dispõe o art 114 da Lei n 6015 de 31 de dezembro de 1973 Lei de Registros Públicos Art 114 No Registro Civil de Pessoas Jurídicas serão inscritos I os contratos os atos constitutivos o estatuto ou compromissos das sociedades civis religiosas pias morais científicas ou literárias bem como o das fundações e das associações de utilidade pública grifo nosso Alterando a inútil regra do art 25 do CC1916 que mandava converter em títulos da dívida pública os bens insuficientes da fundação até que atingissem o capital necessário para o seu funcionamento o Código Civil de 2002 consagrando norma adequada e precisa dispõe em seu art 63 que Art 63 Quando insuficientes para constituir a fundação os bens a ela destinados serão se de outro modo não dispuser o instituidor incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante A lei também cuidou da possibilidade de alteração do estatuto da fundação Para que se possa alterar o estatuto determina o art 67 do CC2002 a observância dos seguintes pressupostos a deliberação de dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação b respeito à finalidade da fundação c aprovação pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 dias esgotado o lapso temporal ou no caso de o Ministério Público denegar a aprovação poderá o juiz suprila a requerimento do interessado 107 Não havendo unanimidade na alteração estatutária persistia dúvida na doutrina quanto ao prazo concedido à minoria vencida para impugnar judicialmente o ato Enquanto o art 29 do CC1916 estabelecia o lapso de um ano o Código de Processo Civil de 1973 por sua vez em seu art 1203 parágrafo único consagrava prazo menor de apenas dez dias Ora considerando que a norma processual era posterior à regra de direito material concluise por princípio de direito intertemporal que devia prevalecer o curto prazo de dez dias Nesse diapasão preleciona SÍLVIO VENOSA nesse aspecto entendemos que está derrogado o art 29 do Código Civil que atribuirá prazo de um ano para a minoria vencida promover a nulidade da modificação dos estatutos porque o estatuto processual disciplinou diferentemente a matéria 108 O Código Civil de 2002 escoimando qualquer dúvida a respeito em seu art 68 uniformizou o tratamento legal consagrando o prazo previsto na legislação processual civil originária Art 68 Quando a alteração não houver sido aprovada por votação unânime os administradores da fundação ao submeterem o estatuto ao órgão do Ministério Público requererão que se dê ciência à minoria vencida para impugnála se quiser em dez dias grifo nosso A título de curiosidade a regra processual mencionada do CPC1973 foi revogada pelo Código de Processo Civil de 2015 que não introduziu qualquer novo dispositivo regente da matéria de maneira que persiste a norma do Código Civil Finalmente o art 69 mantendo a mesma diretriz do CC1916 109 regula o destino dos bens componentes do acervo patrimonial em caso de desvirtuamento da finalidade da fundação ou expiração do prazo de sua existência Art 69 Tornandose ilícita impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação ou vencido o prazo de sua existência o órgão do Ministério Público ou qualquer interessado lhe promoverá a extinção incorporandose o seu patrimônio salvo disposição em contrário no ato constitutivo ou no estatuto em outra fundação designada pelo juiz que se proponha a fim igual ou semelhante Vale destacar que a extinção da fundação privada também faz cessar a personalidade jurídica devendo ser liquidado o passivo com o ativo existente após o que o resultado patrimonial positivo é que será destinado à fundação com fim igual ou semelhante E quem pode promover a extinção de uma fundação A resposta é trazida pela legislação processual Com efeito preceitua o art 765 do CPC2015 Art 765 Qualquer interessado ou o Ministério Público promoverá em juízo a extinção da fundação quando I se tornar ilícito o seu objeto II for impossível a sua manutenção III vencer o prazo de sua existência Observese que a previsão é bastante ampla abrangendo a superveniência da ilicitude do objeto a impossibilidade de sua manutenção e até mesmo o advento de termo fixado na sua instituição uma vez que pode haver fundações temporárias 324 As organizações religiosas Juridicamente podem ser consideradas organizações religiosas todas as entidades de direito privado formadas pela união de indivíduos com o propósito de culto a determinada força ou forças sobrenaturais por meio de doutrina e ritual próprios envolvendo em geral preceitos éticos Nesse conceito enquadramse portanto desde igrejas e seitas até comunidades leigas como confrarias ou irmandades Dessa forma temse uma gama de manifestações da espiritualidade humana comunidades católicas evangélicas associações espiritualistas tendas de umbanda entidades budistas ou relativas à prática de outras filosofias orientais etc Abstraída a questão do raciocínio cerebrino de distinguir as organizações religiosas tecnicamente das associações e não vêlas o que pareceria mais óbvio como associações com peculiaridades decorrentes de suas próprias crenças soanos também a priori despiciendo o 1º inserido no art 44 do CC2002 São livres a criação a organização a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas sendo vedado ao poder público negarlhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento Isso porque o art 19 I da Constituição Federal de 1988 já veda à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionálos embaraçarlhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público Tratase portanto do que se convencionou chamar justamente de liberdade de organização religiosa uma das formas de expressão da liberdade religiosa coexistindo com a liberdade de crença e de culto Obviamente a liberdade de organização e funcionamento das entidades religiosas não as exime da apreciação judicial de seus atos uma vez que não seria constitucional abrir uma exceção ao princípio da indeclinabilidade do Poder Judiciário art 5º XXXV da CF de 1988 Nessa esteira observese que na III Jornada de Direito Civil realizada em novembro2004 no Superior Tribunal de Justiça foi aprovado o Enunciado n 143 proposto pelos ilustres Professores Gustavo Tepedino e Bruno Lewicki no sentido de que a liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro nem a possibilidade de reexame pelo Judiciário da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos 325 Os partidos políticos A mesma crítica feita no tópico anterior de criação forçada de uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado distinta das associações para enquadrar as organizações religiosas pode ser feita ao inciso seguinte que trata dos partidos políticos De fato como ensina Maria Helena Diniz os partidos políticos são entidades integradas por pessoas com ideias comuns tendo por finalidade conquistar o poder para a consecução de um programa São associações civis que visam assegurar no interesse do regime democrático a autenticidade do sistema representativo e defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal Adquirem personalidade jurídica com o registro de seus estatutos mediante requerimento ao cartório competente do Registro Civil das pessoas jurídicas da capital federal e ao Tribunal Superior Eleitoral Os partidos políticos poderão ser livremente criados tendo autonomia para definir sua estrutura interna organização e funcionamento devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidária Ser lhesá proibido receber recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiro devendo prestar contas de seus atos à Justiça Eleitoral 110 O 3º inserido no art 44 estabelece apenas que os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica Na falta de norma posterior esta lei específica continua sendo a Lei n 909695 que dispondo sobre os partidos políticos regulamentou os arts 17 e 14 3º V da Constituição Federal de 1988 326 As empresas individuais de responsabilidade limitada A Lei n 12441 de 11 de julho de 2011 consagrou no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade antes não autorizada de criação de pessoa jurídica constituída por apenas uma pessoa natural sem a necessidade de conjunção de vontades Tratase de uma antiga reivindicação dos especialistas da área que constantemente criticavam a construção artificial de pessoas jurídicas fenômeno que ocorria pela circunstância de não se admitir ressalvadas situações anômalas e especiais a pessoa jurídica constituída por uma única pessoa Assim empresas eram constituídas normalmente apenas no papel pois pela exigência de participação de mais de uma pessoa criavamse pessoas jurídicas sem qualquer tipo de affectio societatis o que era facilmente constatável quando se verificava que um dos sócios detinha a esmagadora maioria das quotas de uma sociedade enquanto o outro sócio normalmente um parente ou um amigo era titular de insignificante participação no capital social sem qualquer interesse concreto no negócio O advento da EIRELI Empresa Individual de Responsabilidade Limitada permite que uma única pessoa natural possa sem precisar formar sociedade com absolutamente ninguém constituir uma pessoa jurídica com responsabilidade limitada ao capital integralizado E notese a grande vantagem da EIRELI diferentemente do empresário individual cuja responsabilidade pelas dívidas contraídas recai no seu próprio patrimônio pessoal pessoa física no caso da EIRELI a sua responsabilidade é limitada ao capital constituído e integralizado Se a iniciativa foi louvável vindo em boa hora a forma da disciplina todavia talvez mereça alguma ponderação crítica Com efeito preceitua o caput do novo art 980A Art 980A A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social devidamente integralizado que não será inferior a 100 cem vezes o maior salário mínimo vigente no País A estipulação de um capital mínimo para a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada se por um lado visa à proteção de quem negocia com tal pessoa jurídica por outro prisma pode acabar inviabilizando sua disseminação Se não houvesse tal limitação não hesitaríamos em afirmar peremptoriamente que a instituição da EIRELI decretaria o fim do empresário individual pois não haveria qualquer sentido em se permanecer nesta condição se fosse possível constituir livremente uma pessoa jurídica com responsabilidade patrimonial limitada Ademais deverseia ter evitado a expressão capital social pois como dito acima a EIRELI não é uma sociedade empresária mas sim uma pessoa jurídica unipessoal Observese no particular que o legislador teve inclusive a preocupação de inserila topologicamente em um título próprio Título IA Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada justamente localizado entre os Títulos I e II que tratam respectivamente do empresário individual e das sociedades empresárias 111 Sobre o nome empresarial vale lembrar este deverá ser formado pela inclusão da expressão EIRELI após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada art 980A 1º Outra observação importante é que a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade art 980A 2º A instituição da EIRELI pode ser originária quando decorrente de ato de vontade de criação específica desta modalidade de pessoa jurídica ou superveniente quando na forma do 3º do art 980 A resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio independentemente das razões que motivaram tal concentração Esta instituição superveniente pode se dar por exemplo pela morte dos demais sócios ou pela aquisição da totalidade do capital social por um único sócio Nesse sentido vale destacar que foi inserido um parágrafo único no art 1033 do CC2002 que trata de hipóteses de dissolução de sociedades que de certa forma estimula a conversão de sociedades empresárias em EIRELI quando finda a pluralidade societária Com efeito se por força do inciso IV do art 1033 a falta de pluralidade de sócios não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias importava em regra na dissolução da sociedade o novo dispositivo mencionado parágrafo único do art 1033 estabelece que isso não ocorrerá caso o sócio remanescente inclusive na hipótese de concentração de todas as quotas da sociedade sob sua titularidade requeira no Registro Público de Empresas Mercantis a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada observandose no que couber o disposto nos arts 1113 a 1115 do CC2002 112 Outro aspecto a destacar diz respeito à previsão do 5º do art 980A que estabelece 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem nome marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica vinculados à atividade profissional Tratase de um interessante mecanismo pelo qual prestadores de serviços inclusive os profissionais liberais mesmo não exercendo uma atividade empresarial típica poderão se valer desta nova forma de pessoa jurídica evitando assim a constituição de sociedades forçadas sem deixar de gozar do benefício de limitação da sua responsabilidade Registrese porém que o dispositivo deve ser compatibilizado com o parágrafo único do art 966 que estabelece que não se considera empresário quem exerce profissão intelectual de natureza científica literária ou artística ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa grifos nossos Por fim devese salientar que a disciplina jurídica das sociedades limitadas é aplicável subsidiariamente no que couber às EIRELI na forma do 6º do art 980A 4 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A doutrina da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica disregard of legal entity ganhou força na década de 1950 com a publicação do trabalho de ROLF SERICK professor da Faculdade de Direito de Heidelberg Com fulcro em sua teoria pretendeuse justificar a superação da personalidade jurídica da sociedade em caso de abuso permitindose o reconhecimento da responsabilidade ilimitada dos sócios O precedente jurisprudencial que permitiu o desenvolvimento da teoria ocorreu na Inglaterra em 1897 Tratase do famoso caso Salomon vs Salomon Co Aaron Salomon objetivando constituir uma sociedade reuniu seis membros da sua própria família cedendo para cada um apenas uma ação representativa ao passo que para si reservou vinte mil Pela desproporção na distribuição do controle acionário já se verificava a dificuldade em reconhecer a separação dos patrimônios de Salomon e de sua própria companhia Em determinado momento talvez antevendo a quebra da empresa Salomon cuidou de emitir títulos privilegiados obrigações garantidas no valor de dez mil libras esterlinas que ele mesmo cuidou de adquirir Ora revelandose insolvável a sociedade o próprio Salomon que passou a ser credor privilegiado da sociedade preferiu a todos os demais credores quirografários sem garantia liquidando o patrimônio líquido da empresa Apesar de Salomon haver utilizado a companhia como escudo para lesar os demais credores a Câmara dos Lordes reformando as decisões de instâncias inferiores acatou a sua defesa no sentido de que tendo sido validamente constituída e não se identificando a responsabilidade civil da sociedade com a do próprio Salomon este não poderia pessoalmente responder pelas dívidas sociais Mas a semente da teoria estava lançada Em linhas gerais a doutrina da desconsideração pretende o superamento episódico da personalidade jurídica da sociedade em caso de fraude abuso ou simples desvio de função objetivando a satisfação do terceiro lesado junto ao patrimônio dos próprios sócios que passam a ter responsabilidade pessoal pelo ilícito causado Claro está que a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade que serviu como escudo para a prática de atos fraudulentos abusivos ou em desvio de função não pode significar ressalvadas hipóteses excepcionais a sua aniquilação A empresa é um polo de produção e de empregos O afastamento do manto protetivo da personalidade jurídica deve ser temporário e tópico perdurando apenas no caso concreto até que os credores se satisfaçam no patrimônio pessoal dos sócios infratores verdadeiros responsáveis pelos ilícitos praticados Ressarcidos os prejuízos sem prejuízo de simultânea responsabilização administrativa e criminal dos envolvidos a empresa por força do próprio princípio da continuidade poderá desde que apresente condições jurídicas e estruturais voltar a funcionar Entretanto reconhecemos que em situações de excepcional gravidade poderá justificarse a despersonalização em caráter definitivo da pessoa jurídica entendido tal fenômeno como a extinção compulsória pela via judicial da personalidade jurídica Apontamse os casos de algumas torcidas organizadas que pela violência de seus integrantes justificariam o desaparecimento da própria entidade de existência ideal Assim sendo o rigor terminológico impõe diferenciar as expressões despersonalização que traduz a própria extinção da personalidade jurídica e desconsideração que se refere apenas ao seu superamento episódico em função de fraude abuso ou desvio de finalidade Ambas porém não se confundem com a responsabilidade patrimonial direta dos sócios tanto por ato próprio quanto nas hipóteses de corresponsabilidade e solidariedade Por isso vale registrar que tecnicamente pelo fato de a desconsideração ser uma sanção que se aplica a um comportamento abusivo ela é decretada e não declarada como muitas vezes se utiliza a expressão Nessa mesma linha também se decreta a despersonalização extinção da pessoa jurídica pondo fim a ela ao contrário da responsabilidade patrimonial direta em que há um reconhecimento de uma situação fática ensejadora declarandose a ocorrência do fato e as suas consequências jurídicas Além disso vale destacar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica também pode ser aplicada de forma inversa o que significa dizer ir ao patrimônio da pessoa jurídica quando a pessoa física que a compõe esvazia fraudulentamente o seu patrimônio pessoal Tratase de uma visão desenvolvida notadamente nas relações de família de forma original em que se visualiza muitas vezes a lamentável prática de algum dos cônjuges que antecipandose ao divórcio retira do patrimônio do casal bens que deveriam ser objeto de partilha incorporandoos na pessoa jurídica da qual é sócio diminuindo o quinhão do outro consorte Nesta hipótese podese vislumbrar a possibilidade de o magistrado desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica buscando bens que estão em seu próprio nome para responder por dívidas que não são suas e sim de seus sócios o que inicialmente foi sendo aceito pela força criativa da jurisprudência passando a matéria a ser prevista expressamente no Código de Processo Civil de 2015 conforme se verifica do 2º do seu art 133 113 Historicamente o Código Civil de 1916 114 por haver sido elaborado no final do século XIX época em que os tribunais da Europa se deparavam com os primeiros casos de aplicação da teoria não dispensou tratamento legal à teoria da desconsideração Coube à jurisprudência acompanhada eventualmente por leis setoriais 115 o desenvolvimento da teoria no Direito Civil brasileiro Nesse contexto importante é a contribuição dada pelo Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 que incorporou em seu sistema normativo norma expressa a respeito da teoria da desconsideração Art 28 O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando em detrimento do consumidor houver abuso de direito excesso de poder infração da lei fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social A desconsideração também será efetivada quando houver falência estado de insolvência encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração Observando os pressupostos indicados pela norma chegase à conclusão de que o legislador se deixou influenciar por uma concepção objetivista notadamente se formos analisar a previsão ainda mais genérica do 5º do mesmo dispositivo que preceitua 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores Confirase a esse respeito o pensamento de ZELMO DENARI um dos autores do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor o texto introduz uma novidade pois é a primeira vez que o direito legislado acolhe a teoria da desconsideração sem levar em conta a configuração da fraude ou o abuso de direito De fato o dispositivo pode ser aplicado pelo juiz se o fornecedor em razão de má administração pura e simplesmente encerrar suas atividades como pessoa jurídica 116 O tema tem sido conhecido pela doutrina e jurisprudência especializadas como a dicotomia de teorias da Desconsideração da Personalidade Jurídica a primeira denominada Teoria Maior exige a comprovação de desvio de finalidade da pessoa jurídica ou a confusão patrimonial a segunda por sua vez chamada de Teoria Menor apenas decorre da insolvência do devedor e é aplicada especialmente no Direito Ambiental e do Consumidor O Código Civil atual por sua vez colocandose ao lado das legislações modernas consagrou em norma expressa a teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos seguintes termos Art 50 Em caso de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial pode o juiz decidir a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica Segundo a regra legal a desconsideração será possível a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir se o abuso consistir em a desvio de finalidade b confusão patrimonial No primeiro caso desvirtuouse o objetivo social para se perseguirem fins não previstos contratualmente ou proibidos por lei No segundo a atuação do sócio ou administrador confundiuse com o funcionamento da própria sociedade utilizada como verdadeiro escudo não se podendo identificar a separação patrimonial entre ambos Nas duas situações fazse imprescindível a ocorrência de prejuízo individual ou social justificador da suspensão temporária da personalidade jurídica Consagrouse pois uma linha objetivista que prescinde da existência de elemento anímico ou intencional propósito ou dolo específico de fraudar a lei ou de cometer um ilícito adotandose como já mencionado acima a denominada Teoria Maior da Desconsideração a qual exige a prova do abuso 117 diferentemente da Teoria Menor aplicada na seara do Direito do Consumidor Ambiental bem como na Justiça do Trabalho43 Um dado dos mais relevantes porém que parece estar passando despercebido é o fato de que a nova norma genérica não limita a desconsideração aos sócios mas também a estende aos administradores da pessoa jurídica 118 Esse dispositivo pode se constituir em um valiosíssimo instrumento para a efetividade da prestação jurisdicional pois possibilita inclusive a responsabilização dos efetivos senhores da empresa no caso cada vez mais comum da interposição de testas de ferro vulgarmente conhecidos como laranjas nos registros de contratos sociais quando os titulares reais da pessoa jurídica posam como meros administradores para efeitos formais no intuito de fraudar o interesse dos credores Ademais põese fim a qualquer discussão acerca da possibilidade de alcançar o patrimônio de administradores não sócios cuja conduta deve ser a mais idônea possível tendo em vista tal possibilidade expressa de sua responsabilização 119 A grande virtude sem sombra de qualquer dúvida da desconsideração da personalidade jurídica prevista no art 50 e todos reconhecem ser esta uma das grandes inovações do CC2002 é o estabelecimento de uma regra geral de conduta para todas as relações jurídicas travadas na sociedade o que evita que os operadores do Direito tenham de fazer como faziam malabarismos dogmáticos para aplicar a norma outrora limitada a certos microssistemas jurídicos em seus correspondentes campos de atuação civil trabalhista comercial etc Vale destacar por fim que a desconsideração da personalidade jurídica é perfeitamente aplicável também para as empresas individuais de responsabilidade limitada tendo sido este inclusive um dos fundamentos do veto ao 4º do art 980A 120 5 EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA Assim como a pessoa natural a pessoa jurídica completa o seu ciclo existencial extinguindose A dissolução poderá ser a convencional é aquela deliberada entre os próprios integrantes da pessoa jurídica respeitado o estatuto ou o contrato social b administrativa resulta da cassação da autorização de funcionamento exigida para determinadas sociedades se constituírem e funcionarem Nesse sentido pondera CAIO MÁRIO Se praticam atos opostos a seus fins ou nocivos ao bem coletivo a administração pública que lhes dera autorização para funcionamento pode cassála daí resultando a terminação da entidade uma vez que a sua existência decorrera daquele pressuposto 121 c judicial nesse caso observada uma das hipóteses de dissolução previstas em lei ou no estatuto o juiz por iniciativa de qualquer dos sócios poderá por sentença determinar a sua extinção 122 O Código Civil de 2002 em seu art 51 dispõe que nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento ela subsistirá para fins de liquidação até que esta se conclua Finda a liquidação inclusive com a satisfação das obrigações tributárias promoverseá o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica o que será averbado no mesmo registro onde originalmente foi inscrita Já tendo sido analisado o destino do patrimônio remanescente em caso de extinção da associação art 61 cumprenos referir que em caso de dissolução da sociedade os bens que sobejarem deverão ser partilhados entre os respectivos sócios observada a participação social de cada um o que deve ser sempre lembrado uma vez que como consta do 2º do art 51 as disposições para a liquidação das sociedades aplicamse no que couber às demais pessoas jurídicas de direito privado III DOMICÍLIO 1 CONCEITO E DISTINÇÕES NECESSÁRIAS Domicílio civil da pessoa natural é o lugar onde estabelece residência com ânimo definitivo convertendoo em regra em centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional Notese a amplitude da definição Compõemna duas situações que geralmente se confundem mas possuem caracteres distintos A primeira é a noção de domicílio ligada à vida privada da pessoa às suas relações internas sugerindo o local onde reside permanentemente sozinho ou com os seus familiares A segunda que interessa à atividade externa da pessoa à sua vida social e profissional referese ao lugar onde fixa o centro de seus negócios jurídicos ou de suas ocupações habituais Tanto em uma hipótese quanto em outra estamos diante da noção de domicílio O Código Civil de 2002 abarcou expressamente as duas hipóteses admitindo a sua cumulação como se verifica da análise dos seus arts 70 e 72 Art 70 O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo Art 72 É também domicílio da pessoa natural quanto às relações concernentes à profissão o lugar onde esta é exercida Parágrafo único Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem Para uma efetiva compreensão da matéria fazse mister fixar e distinguir as noções de morada residência e domicílio Morada é o lugar onde a pessoa natural se estabelece provisoriamente Confundese com a noção de estadia apresentada por ROBERTO DE RUGGIERO como a mais tênue relação de fato entre uma pessoa e um lugar tomada em consideração pela lei advertindo que a sua importância é porém mínima e subalterna não produzindo em regra qualquer efeito senão quando se ignora a existência de uma sede mais estável para a pessoa 123 Assim o estudante laureado que é premiado com uma bolsa de estudos na Alemanha e lá permanece por seis meses tem aí a sua morada ou estadia 124 Falase também para caracterizar esta relação transitória de fato em habitação Diferentemente da morada a residência pressupõe maior estabilidade É o lugar onde a pessoa natural se estabelece habitualmente RUGGIERO com propriedade fala em sede estável da pessoa Assim o sujeito que mora e permanece habitualmente em uma cidade local onde costumeiramente é encontrado tem aí a sua residência Mais complexa é a noção de domicílio porque abrange a de residência e por consequência a de morada O domicílio segundo vimos acima é o lugar onde a pessoa estabelece residência com ânimo definitivo convertendoo em regra em centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional Não basta pois para a sua configuração o simples ato material de residir porém mais ainda o propósito de permanecer animus manendi convertendo aquele local em centro de suas atividades Necessidade e fixidez são as suas características Compõese o domicílio pois de dois elementos a objetivo o ato de fixação em determinado local b subjetivo o ânimo definitivo de permanência Assim se o sujeito fixase em determinado local com o propósito de ali permanecer transformandoo em centro de seus negócios constituiu ali o seu domicílio civil Por outro lado nada impede que uma pessoa resida em mais de um local com habitualidade tomando apenas um como centro principal de seus negócios ou seja como seu domicílio Situação diferente é o caso de a pessoa ter uma pluralidade de residências vivendo alternadamente em cada uma delas sem que se possa considerar uma somente como seu centro principal Neste caso considerarseá seu domicílio na forma do art 71 do Código Civil qualquer delas Finalmente é importante frisar em conclusão que a fixação do domicílio tem natureza jurídica de ato jurídico não negocial ato jurídico em sentido estrito 2 TRATAMENTO LEGAL E MUDANÇA DE DOMICÍLIO O Código Civil de 1916 considerou domicílio civil da pessoa natural o lugar onde ela estabelece sua residência com ânimo definitivo art 31 Entretanto se a pessoa natural tiver diversas residências onde alternadamente viva ou vários centros de ocupações habituais considerarseá domicílio seu qualquer destes ou daquelas art 32 Admitiu assim a pluralidade de domicílios Assim à luz do princípio da pluralidade domiciliar se o indivíduo mora em um lugar com sua família e em outro exerce a sua atividade profissional ou realiza seus principais negócios jurídicos será considerado seu domicílio qualquer desses locais O próprio Código de Processo Civil de 2015 admite o princípio da pluralidade domiciliar ao dispor em seu art 46 1º que tendo mais de um domicílio o réu será demandado no foro de qualquer deles O Código Civil de 2002 por sua vez também admitiu a pluralidade de domicílios O domicílio da pessoa natural dispõe o art 70 é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo Ocorre que se porém a pessoa natural tiver diversas residências onde alternada mente viva considerarseá domicílio seu qualquer delas art 71 Inovou outrossim o legislador ao substituir a expressão centro de ocupações habituais por outra mais abrangente ao disciplinar no art 72 que é também domicílio da pessoa natural quanto às relações concernentes à profissão o lugar onde esta é exercida e ainda se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem Em nosso entendimento a consagração do critério referente à relação profissional é mais adequada e precisa A preferência pelo local onde se travam relações profissionais servirá não apenas para definir o domicílio do comerciante mas também e com mais clareza o domicílio do empregado importante para aplicação das regras dos arts 469 e 651 1º da CLT e dos profissionais autônomos em geral A mudança de domicílio operase com a transferência da residência aliada à intenção manifesta de o alterar A prova da intenção resulta do que declarar a pessoa às municipalidades do lugar que deixa e para onde vai ou se tais declarações não fizer da própria mudança com as circunstâncias que a determinaram Tais regras encontram assento no art 74 do CC2002 Tratase de norma jurídica imperfeita uma vez que a falta de declaração não acarreta sanção alguma ao omitente Aliás atento a isso o legislador cuidou de admitir a prova da mudança do domicílio por meio da análise objetiva das circunstâncias fáticas de alteração da residência ex comunicação de transferência ao empregado posse e exercício de cargo público comprovação de despesas de mudança etc Registrese que a diretriz adotada no Código de Processo Civil de 1973 foi mantida no art 43 do Código de Processo Civil de 2015 125 3 DOMICÍLIO APARENTE OU OCASIONAL A necessidade de fixação do domicílio decorre de imperativo de segurança jurídica Assim para as pessoas que não tenham residência certa ou vivam constantemente em viagens elaborouse a teoria do domicílio aparente ou ocasional segundo a qual aquele que cria as aparências de um domicílio em um lugar pode ser considerado pelo terceiro como tendo aí seu domicílio Aplicação legal desta teoria encontrase no art 73 do CC2002 terseá por domicílio da pessoa natural que não tenha residência habitual o lugar onde for encontrada Neste local pois por criar uma aparência de domicílio poderá ser demandada judicialmente é o caso v g dos andarilhos ciganos profissionais de circo etc O Código de Processo Civil brasileiro aplica também tal regra estabelecendo o 2º do seu art 46 do CPC2015 que sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu ele poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro de domicílio do autor 4 DOMICÍLIO DA PESSOA JURÍDICA Em regra o domicílio civil da pessoa jurídica de direito privado é a sua sede indicada em seu estatuto contrato social ou ato constitutivo equivalente É o seu domicílio especial Se não houver essa fixação a lei atua supletivamente ao considerar como seu domicílio o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações ou então se possuir filiais em diversos lugares cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados art 75 IV e 1º do CC2002 Aliás o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento no sentido de que a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou do estabelecimento em que se praticou o ato Súmula 363 Se a administração ou diretoria da pessoa jurídica de direito privado tiver sede no estrangeiro será considerado seu domicílio no tocante às obrigações contraídas por qualquer de suas agências o lugar do estabelecimento sito no Brasil a que ela corresponder art 75 2º do CC2002 As pessoas jurídicas de direito público por sua vez têm domicílio previsto em lei da seguinte forma art 75 do CC2002 a a União tem por domicílio o Distrito Federal b os Estados e Territórios têm por domicílio as capitais c os Municípios têm por domicílio o lugar onde funcione a administração municipal d as demais pessoas jurídicas de direito público têm por domicílio o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações ou onde elegerem domicílio especial nos seus estatutos ou atos constitutivos Cumprenos observar que o critério legal para a fixação do domicílio das pessoas jurídicas de direito público nem sempre se identifica com a regra adotada para determinar a competência de foro ou territorial Assim o Código de Processo Civil de 2015 prevê em seus arts 51 e 52 Art 51 É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União Parágrafo único Se a União for a demandada a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda no de situação da coisa ou no Distrito Federal Art 52 É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal Parágrafo único Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado Observese que a nova legislação processual flexibiliza a diretriz do inciso I do art 99 do Código de Processo Civil de 1973 que direcionava a competência para o foro da capital do Estado ou do Território para as ações em que a União ou o Território for autor ré ou interveniente A intenção do dispositivo vigente é evidentemente facilitar a atuação judicial do jurisdicionado 5 ESPÉCIES DE DOMICÍLIO O domicílio voluntário é o mais comum Decorre do ato de livre vontade do sujeito que fixa residência em um determinado local com ânimo definitivo animus manendi Não sofre interferência legal este tipo de domicílio Já o domicílio legal ou necessário decorre de mandamento da lei em atenção à condição especial de determinadas pessoas 126 Assim têm domicílio necessário o incapaz o servidor público o militar o marítimo e o preso art 76 do CC2002 Seguindo a diretriz do Código Civil de 2002 art 76 temos o seguinte quadro Domicílio do incapaz É o do seu representante ou assistente Domicílio do servidor público O lugar em que exerce permanentemente as suas funções Domicílio do militar O lugar onde serve e sendo da Marinha ou da Aeronáutica a sede do comando a que se encontra imediatamente subordinado Domicílio do marítimo O lugar onde o navio estiver matriculado Domicílio do preso O lugar em que cumpre a sentença O agente diplomático por sua vez que citado no estrangeiro alegar extraterritorialidade sem designar onde tem no país o seu domicílio poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve art 77 do CC2002 O domicílio de eleição ou especial por fim decorre do ajuste entre as partes de um contrato Nesse sentido o Código Civil de 2002 dispõe Art 78 Nos contratos escritos poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes Tal disposição harmonizase com o estabelecido nos arts 62 e 63 do Código de Processo Civil de 2015 Art 62 A competência determinada em razão da matéria da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes Art 63 As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações Vale destacar porém que este dispositivo somente pode ser invocado em relações jurídicas em que prevaleça o princípio da igualdade dos contratantes e de sua correspondente autonomia de vontade Isto porque na seara do Direito do Consumidor e não seria exagero afirmar que a maioria esmagadora dos contratos celebrados no país são negócios de consumo consideramos ilegal a cláusula contratual que estabelece o foro de eleição em benefício do fornecedor do produto ou serviço em prejuízo do consumidor por violar o disposto no art 51 IV do CDC considerase nula de pleno direito a cláusula de obrigação iníqua abusiva que coloque o consumidor em desvantagem exagerada ou seja incompatível com a boafé e a equidade Mesmo que seja dada prévia ciência da cláusula ao consumidor o sistema protetivo inaugurado pelo Código moldado por superior interesse público proíbe que o fornecedor se beneficie de tal prerrogativa Não se pode negar a desigualdade econômica entre as partes contratantes somente mitigada pelos mecanismos legais de freios e contrapesos decorrentes do dirigismo contratual do Código de Defesa do Consumidor Compensase a desigualdade econômica por meio de uma igualdade jurídica A título de ilustração imagine a aquisição de um produto fabricado no sul do país por um indivíduo morador da cidade de Maceió tendo o contrato estabelecido que o foro de Porto Alegre seria o competente para as demandas porventura existentes entre as partes do negócio O mesmo raciocínio é aplicável para as relações de trabalho subordinado em que o art 9º da CLT Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação tem sido invocado para fulminar qualquer tentativa de utilização do instituto do foro de eleição no Direito do Trabalho IV BENS 1 CONCEITO Em geral bem significa toda utilidade em favor do ser humano conceito que não interessa diretamente ao Direito Já em sentido jurídico lato sensu bem jurídico é a utilidade física ou imaterial objeto de uma relação jurídica seja pessoal ou real Não existe consenso doutrinário quanto à distinção entre bem e coisa 127 Preferimos identificar a coisa sob o aspecto de sua materialidade reservando o vocábulo aos objetos corpóreos Os bens por sua vez compreenderiam os objetos corpóreos ou materiais coisas e os ideais bens imateriais Dessa forma há bens jurídicos que não são coisas os direitos autorais o direito de imagem os créditos etc Notese que o Código Civil de 2002 apesar de não diferenciar os conceitos consagra a expressão bem jurídico compreendendo as coisas e os bens imateriais 2 CLASSIFICAÇÃO Podemos apresentar de forma abrangente a seguinte classificação dos bens 21 Dos bens considerados em si mesmos Nessa classificação analisamse os bens em sua individualidade 211 Bens corpóreos e incorpóreos Embora a classificação formal em epígrafe não esteja prevista na legislação codificada o fato é que tem grande utilidade O Código Penal brasileiro por exemplo traz tipos próprios para os ilícitos praticados contra a propriedade imaterial bens incorpóreos como a violação de direito autoral art 184 além de haver expressa disciplina de outros crimes contra a propriedade intelectual patentes desenhos industriais marcas etc na Lei n 9279 de 1451996 que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial Como o próprio nome já infere bens corpóreos são aqueles que têm existência material perceptível pelos nossos sentidos como os bens móveis livros joias etc e imóveis terrenos etc em geral Em contraposição aos mesmos encontramse os bens incorpóreos que são aqueles abstratos de visualização ideal não tangível Tendo existência apenas jurídica por força da atuação do Direito encontramse por exemplo os direitos sobre o produto do intelecto com valor econômico Embora as relações jurídicas possam ter como objeto tanto bens corpóreos quanto incorpóreos há algumas diferenças na sua disciplina jurídica como v g o fato de que somente os primeiros podem ser objeto de contrato de compra e venda enquanto os bens imateriais somente se transferem pelo contrato de cessão bem como não podem em teoria tradicional ser adquiridos por usucapião nem ser objeto de tradição uma vez que esta implica a entrega da coisa 128 212 Bens imóveis e móveis Este critério de classificação cuida do bem em sua concepção naturalística Bens imóveis são aqueles que não podem ser transportados de um lugar para outro sem alteração de sua substância um lote urbano v g Bens móveis por sua vez são os passíveis de deslocamento sem quebra ou fratura um computador v g Os bens suscetíveis de movimento próprio enquadráveis na noção de móveis são chamados de semoventes um animal de tração v g A distinção legal tem especial importância prática pois a alienação de bens imóveis revestese de formalidades não exigidas para os móveis Diferentemente da sistemática legal francesa só se pode operar a aquisição da propriedade imobiliária no Direito brasileiro se ao título aquisitivo em geral o contrato se seguir a solenidade do registro Para os bens móveis dispensase o registro exigindose apenas a tradição da coisa Mas as cautelas com as quais a lei civil cerca a alienação de imóveis não terminam aqui Seguindo a diretriz do Código Civil de 1916 o marido ou a mulher independentemente do regime de bens adotado só poderia alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis com a autorização do outro arts 235 I e 242 I O Código Civil de 2002 por sua vez manteve a mesma restrição ressalvando que tal limitação não se aplica aos cônjuges casados sob regime de separação absoluta art 1647 Bens imóveis Não podem ser transportados de um lugar para o outro sem alteração de sua substância Ex terreno Bens móveis Podem ser deslocados sem quebra ou fratura Ex computador Semoventes bens suscetíveis de movimento próprio enquadráveis na noção de móveis Ex cavalo Os bens imóveis são classificados pela doutrina da seguinte forma a1 Imóveis por sua própria natureza O Código Civil de 2002 considera imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente art 79 do CC2002 a2 Imóveis por acessão física industrial ou artificial É tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo como a semente lançada à terra os edifícios e construções de modo que se não o possa retirar sem destruição ou dano art 79 do CC2002 Acessão significa incorporação união física com aumento de volume da coisa principal Nesse caso os bens móveis incorporados intencionalmente ao solo adquirem a sua natureza imobiliária Por exemplo o forro de gesso utilizado na construção da casa Vale advertir não perderem a natureza de imóveis os materiais provisoriamente separados de um prédio para nele mesmo se reempregarem ex retirada de telhas enquanto se reformam as vigas de sustentação da casa para nesta voltar a ser empregadas ao final da obra e bem assim as edificações que separadas do solo mas conservando a sua unidade forem removidas para outro local art 81 I e II do CC2002 a3 Imóveis por acessão intelectual 129 São os bens que o proprietário intencionalmente destina e mantém no imóvel para exploração industrial aformoseamento ou comodidade Exemplos típicos são os aparelhos de ar condicionado escadas de emergência e os maquinários agrícolas Tais bens podem ser a qualquer tempo mobilizados São as chamadas pertenças bens acessórios de que voltaremos a tratar em tópico próprio ainda neste Capítulo a4 Imóveis por determinação legal Nessa categoria não prevalece o aspecto naturalístico do bem senão a vontade do legislador Principalmente por imperativo de segurança jurídica a lei civil optou por considerar tais bens de natureza imobiliária Seguindo a linha normativa do Código Civil de 1916 seriam os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram as apólices da dívida pública gravadas com cláusula de inalienabilidade e o direito à sucessão aberta art 44 O Código Civil de 2002 corretamente excluiu desse rol por seu evidente aspecto anacrônico as apólices de dívida pública clausuladas É bom que se diga que com a nova Lei Codificada tal classificação apesar de não haver sido desprezada ganhou contornos mais simples A disciplina adotada pelo legislador é menos digressiva limitandose a considerar imóveis apenas o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente art 79 Em sequência consoante se anotou linhas acima consideraramse imóveis por força de lei os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram bem como o direito à sucessão aberta art 80 I e II Embora a proteção dada aos bens imobiliários seja tradicionalmente mais rígida modernamente os bens móveis têm gozado de maior importância econômica e dimensão social sendo também de grande importância o seu estudo Tais bens podem ser assim classificados b1 Móveis por sua própria natureza São aqueles bens que sem deterioração de sua substância podem ser transportados de um local para outro mediante o emprego de força alheia É o caso dos objetos pessoais em geral livros carteiras bolsas etc b2 Móveis por antecipação São os bens que embora incorporados ao solo são destinados a serem destacados e convertidos em móveis como é o caso por exemplo das árvores destinadas ao corte b3 Móveis por determinação legal São bens considerados de natureza mobiliária por expressa dicção legal O Código Civil de 2002 considera móveis as energias que tenham valor econômico os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações art 83 Por fim os semoventes são os bens que se movem de um lugar para outro por movimento próprio como é o caso dos animais Sua disciplina jurídica é a mesma dos bens móveis por sua própria natureza sendolhes aplicáveis todas as suas regras correspondentes art 82 do CC2002 213 Bens fungíveis e infungíveis Esta classificação encontrase no art 85 do CC2002 Bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros da mesma espécie qualidade e quantidade É uma classificação típica dos bens móveis Exemplos café soja minério de carvão O dinheiro é um bem fungível por excelência Bens infungíveis por sua vez são aqueles de natureza insubstituível ex uma obra de arte Notese que o atributo da fungibilidade em geral decorre da natureza do bem Mas nem sempre é assim A vontade das partes poderá por exemplo tornar um bem essencialmente fungível em bem infungível É o caso do empréstimo gratuito de uma cesta de frutas apenas para a ornamentação de uma mesa Tal bem deverá ser devolvido ao final da celebração não se admitindo seja substituído por outro Tratase do chamado comodato ad pompam A fungibilização também pode decorrer do valor histórico de um determinado bem Por exemplo um vaso da dinastia Ming é hoje sem dúvida um bem infungível enquanto registro de uma época remota mas em seu próprio tempo nada mais era do que um utensílio doméstico perfeitamente substituível A distinção é de grande importância prática valendo lembrar v g que os contratos de mútuo e comodato têm como elemento diferenciador justamente a natureza fungível ou infungível respectivamente do bem emprestado Bens fungíveis Podem ser substituídos por outros da mesma espécie quantidade e qualidade Ex dinheiro Bens infungíveis Não podem ser substituídos Ex obra de arte 214 Bens consumíveis e inconsumíveis Bens consumíveis são os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância bem como aqueles destinados à alienação É o caso do alimento Bens inconsumíveis são aqueles que suportam uso continuado sem prejuízo do seu perecimento progressivo e natural ex o automóvel Bens destinados à alienação como um aparelho celular vendido em uma loja especializada adquirem por força de lei a natureza de consumíveis Por outro lado nada impede seja considerado inconsumível pela vontade das partes um determinado bem naturalmente consumível uma garrafa rara de licor apenas exposta à apreciação pública Há certos direitos que não podem recair sobre bens consumíveis como o direito real de usufruto Se tal ocorrer surge a figura do chamado usufruto impróprio ou quase usufruto Impende notar que o Código Civil de 2002 diferentemente do Código de Defesa do Consumidor consagrara tal classificação art 86 do CC2002 sem fazer referência às espécies de bens duráveis e não duráveis Na Lei de Proteção ao Consumidor Lei n 807890 a característica da durabilidade é indispensável para que se possa definir o prazo decadencial para o ajuizamento de ações referentes a vícios no produto ou serviço Responsabilidade pelo Vício no Produto ou Serviço Nesse sentido o art 26 do CDC dispõe O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em I trinta dias tratandose de fornecimento de serviço e de produto não duráveis II noventa dias tratandose de fornecimento de serviço e de produto duráveis grifamos Comentando esse dispositivo ZELMO DENARI um dos autores do Anteprojeto pontifica que a qualificação dos produtos ou serviços como de consumo duráveis ou não duráveis envolve a sua maior ou menor durabilidade mensurada em termos de tempo de consumo Assim os produtos alimentares de vestuário e os serviços de dedetização por exemplo não são duráveis ao passo que os eletrodomésticos veículos automotores e os serviços de construção civil são duráveis 130 Bens consumíveis Bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância Ex sanduíche Bens inconsumíveis Bens móveis que suportam uso continuado Ex carro 215 Bens divisíveis e indivisíveis O Código Civil de 2002 consagrou a definição de bens divisíveis bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam art 87 Bens divisíveis são portanto os que podem ser repartidos em porções reais e distintas formando cada uma delas um todo perfeito Caso contrário são bens indivisíveis Os bens poderão ser indivisíveis a por sua própria natureza ex um animal b por determinação legal ex o módulo rural a servidão c por convenção ex em uma obrigação de dinheiro que deva ser satisfeita por vários devedores estipulouse a indivisibilidade do pagamento 131 Finalmente cumpre referir a importante observação feita por ORLANDO GOMES a respeito do tema a distinção entre bens divisíveis e indivisíveis aplicase às obrigações e aos direitos A regra dominante para as obrigações é que mesmo quando a prestação é divisível o credor não pode ser compelido a receber por partes se assim não convencionou Se a prestação for indivisível e houver pluralidade de devedores cada qual será obrigado pela dívida toda 132 Bens divisíveis Podem se repartir em porções reais e distintas formando cada uma delas um todo perfeito Ex saca de café Bens indivisíveis Não admitem divisão cômoda sem desvalorização ou dano Ex cavalo 216 Bens singulares e coletivos Bens singulares são coisas consideradas em sua individualidade representadas por uma unidade autônoma e por isso distinta de quaisquer outras Podem ser simples quando as suas partes componentes encontramse ligadas naturalmente uma árvore um cavalo ou compostas quando a coesão de seus componentes decorre do engenho humano um avião um relógio Bens coletivos são os que sendo compostos de várias coisas singulares são considerados em conjunto formando um todo homogêneo uma floresta uma biblioteca Bens singulares Coisas consideradas em sua individualidade representadas por uma unidade autônoma Ex livro Bens coletivos Coisas que em conjunto formam um todo homogêneo Ex universalidade de fato biblioteca universalidade de direito herança As coisas coletivas formam universalidades de fato ou de direito A universalidade de fato é o conjunto de coisas singulares simples ou compostas agrupadas pela vontade da pessoa tendo destinação comum como um rebanho ou uma biblioteca A unidade baseiase na realidade natural 133 Notese que a universalidade de fato permite sua desconstituição pela vontade do seu titular O Código Civil de 2002 cuida da matéria em seu art 90 constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que pertinentes à mesma pessoa tenham destinação unitária A universalidade de direito consiste em um complexo de direitos e obrigações a que a ordem jurídica atribui caráter unitário como o dote ou a herança A unidade é resultante da lei 134 O vigente Código Civil dispensalhe tratamento inovador em seu art 91 ao dispor que constitui universalidade de direito de uma pessoa o complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico É o caso do patrimônio do espólio e da massa falida 22 Dos bens reciprocamente considerados Este critério de classificação leva em conta o liame jurídico existente entre o bem jurídico principal e o acessório Principal é o bem que possui autonomia estrutural ou seja que existe sobre si abstrata ou concretamente ao passo que acessório é aquele cuja existência supõe a do principal art 92 do CC2002 A regra geral é que o acessório segue sempre a sorte do principal inclusive no campo do Direito das Obrigações o contrato de fiança por exemplo é acessório em face do contrato principal de compra e venda Cuidase da aplicação da máxima accessorium sequitur suum principale Principal É o bem que existe sobre si abstrata ou concretamente Ex a árvore em relação ao fruto Acessório É o bem cuja existência supõe a do principal Ex o fruto em relação à arvore Regra geral Pelo princípio da gravitação jurídica o bem acessório segue o principal São bens acessórios a os frutos utilidades que a coisa principal periodicamente produz cuja percepção não diminui a sua substância ex a soja a maçã o bezerro os juros o aluguel Os rendimentos consistem em frutos civis a exemplo do aluguel dos juros e dos dividendos b os produtos utilidades que a coisa principal produz cuja percepção ou extração diminui a sua substância ex pedras e metais que se extraem das minas e das pedreiras c as pertenças coisas acessórias destinadas a conservar ou facilitar o uso das coisas principais sem que destas sejam parte integrante ex as máquinas utilizadas em uma fábrica os implementos agrícolas as provisões de combustível os aparelhos de ar condicionado Tal categoria foi consagrada expressamente no art 93 do Código Civil de 2002 São pertenças os bens que não constituindo partes integrantes se destinam de modo duradouro ao uso ao serviço ou ao aformoseamento de outro d as benfeitorias obra realizada pelo homem na estrutura da coisa principal com o propósito de conservála melhorála ou embelezála Consideramse necessárias as benfeitorias realizadas para evitar um estrago iminente ou a deterioração da coisa principal ex reparos realizados em uma viga Úteis aquelas empreendidas com o escopo de facilitar a utilização da coisa ex a abertura de uma nova entrada que servirá de garagem para a casa E finalmente voluptuárias quando empreendidas para mero deleite ou prazer sem aumento da utilidade da coisa a decoração de um jardim art 96 do CC2002 e as partes integrantes embora não disciplinadas expressamente pela legislação civil 135 entendemse por partes integrantes os bens que unidos a um principal formam com ele um todo sendo desprovidos de existência material própria embora mantenham sua identidade É o caso por exemplo de uma lâmpada em relação a um lustre pois mesmo admitindose a sua identidade autônoma carece a lâmpada de qualquer utilidade individual 23 Dos bens públicos e particulares Quanto ao titular do domínio os bens poderão ser públicos ou particulares Os bens particulares se definem por exclusão ou seja são aqueles não pertencentes ao domínio público mas sim à iniciativa privada cuja disciplina interessa em especial ao Direito Civil Já os bens públicos são aqueles pertencentes à União aos Estados ou aos Municípios art 98 do CC2002 Essa classe objeto de domínio público em função de sua grande importância subdividese por sua vez em a bens de uso comum do povo são bens públicos cuja utilização não se submete a qualquer tipo de discriminação ou ordem especial de fruição É o caso das praias estradas ruas e praças art 99 I do CC2002 São inalienáveis b bens de uso especial são bens públicos cuja fruição por título especial e na forma da lei é atribuída a determinada pessoa bem como aqueles utilizados pelo próprio Poder Público para a realização dos seus serviços públicos art 99 II do CC2002 É o caso dos prédios onde funcionam as escolas públicas São também inalienáveis c bens dominicais ou dominiais são bens públicos não afetados à utilização direta e imediata do povo nem aos usuários de serviços mas que pertencem ao patrimônio estatal art 99 III CC2002 É o caso dos títulos pertencentes ao Poder Público dos terrenos de marinha e das terras devolutas São alienáveis observadas as exigências da lei ODETE MEDAUAR adverte que o ordenamento brasileiro inclinase à publicização do regime dos bens pertencentes a empresas públicas sociedades de economia mista e entidades controladas pelo Poder Público 136 Cumpre mencionar nesse particular que o Código Civil de 2002 dispõe em seu art 99 parágrafo único que não dispondo a lei em contrário consideramse dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado A Carta Magna elenca em seu art 20 os bens pertencentes à União 137 Os bens de domínio do Estado vêm previstos em seu art 26 138 Por exclusão o que não pertencer ao domínio federal ou estadual ingressa no patrimônio público municipal Finalmente cumpre lembrar que o Código Civil de 2002 seguindo diretriz consagrada em nosso direito proíbe a usucapião de bens públicos art 102 FATOS JURÍDICOS V FATO JURÍDICO 1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS Todo acontecimento natural ou humano que determine a ocorrência de efeitos constitutivos modificativos ou extintivos de direitos e obrigações na órbita do direito denominase fato jurídico Indiscutivelmente tratase de conceito basilar verdadeira causa genética das relações jurídicas e bem assim dos direitos e obrigações aí compreendidos Fora da noção de fato jurídico pouca coisa existe ou importa para o direito A noção de fato jurídico entendido como o evento concretizador da hipótese contida na norma comporta em seu campo de abrangência não apenas os acontecimentos naturais fatos jurídicos em sentido estrito mas também as ações humanas lícitas ou ilícitas ato jurídico em sentido amplo que se subdivide em negócio jurídico e em ato jurídico stricto sensu e ato ilícito respectivamente bem como aqueles fatos em que embora haja atuação humana esta é desprovida de manifestação de vontade mas mesmo assim produz efeitos jurídicos atofato jurídico O tema da classificação dos fatos jurídicos em sentido amplo tem sido alvo de acesas controvérsias doutrinárias Essa circunstância em nossa opinião não decorre somente da visão metodológica dos doutrinadores civilistas no trato da matéria mas sim em verdade da grande atecnia que o Código Civil de 1916 emprestou ao tema De fato embora ainda não seja perfeita a disciplina empreendida pelo Código Civil de 2002 por omitirse por exemplo em institutos como atofato jurídico ou a enunciação expressa dos elementos de existência do negócio jurídico o fato é que houve considerável inovação na legislação do século XXI substituindose a expressão genérica ato jurídico pela designação específica negócio jurídico medida da mais louvável técnica jurídica uma vez que é a este e não àquele que se aplicam todas as normas ali explicitadas Outra inovação salutar referese aos atos jurídicos em sentido estrito atos lícitos não negociais que na esteira do art 295 do Código Civil português de 1967 passaram a ser tratados em um título da Parte Geral com um único dispositivo art 185 determinando que se lhes apliquem no que couber as disposições do negócio jurídico O CC2002 omitiuse da figura do atofato jurídico tão bem trabalhada na doutrina nacional pelos gênios de Pontes de Miranda e Marcos Bernardes de Mello mas como um dever dogmático não podemos nos furtar a incluíla em qualquer classificação dos fatos jurídicos em sentido lato Assim a despeito das controvérsias existentes podemos decompor o fato jurídico visualizandoo esquematicamente da seguinte forma Essa nossa classificação dos fatos jurídicos toma por base o próprio ser humano enquanto sujeito destinatário da norma jurídica e agente de sua aplicação Assim partese dos fatos ordinários ou extraordinários em que a intervenção humana é inexistente fatos jurídicos stricto sensu passando por aquelas situações em que embora a atuação do homem seja da substância do fato jurídico não importa para a norma se houve ou não manifestação de vontade em praticálo atofato jurídico até chegar finalmente nas situações em que se destaca juridicamente a ação da pessoa seja com consequências jurídicas impostas pela lei e não escolhidas pelas partes ato jurídico stricto sensu ou meramente lícito seja pela regulamentação da autonomia privada negócio jurídico Não esquecemos obviamente da atuação humana com efeitos não desejados pelo ordenamento jurídico ato ilícito que por produzir efetivamente reflexos no mundo do Direito não pode deixar de ser analisada quando do estudo dos fatos jurídicos Notese inclusive que respeitável corrente doutrinária esposa entendimento no sentido de que deveriam subsumirse na categoria dos atos jurídicos em sentido amplo 139 Para tanto argumentase que mesmo atuando contrariamente à ordem jurídica a conduta humana deflagraria efeitos relevantes para o direito razão pela qual não se lhe poderia negar o qualificativo de ato jurídico Embora não ignoremos a ideia preferível é não apenas por força do específico tratamento legal dado à matéria arts 186 e 187 do CC2002 mas também e sobretudo por imperativo metodológico reconhecer posição própria para as ações desvaliosas ilícitas sem confundila com a definição de ato jurídico lícito Considerase fato jurídico em sentido estrito todo acontecimento natural determinante de efeitos na órbita jurídica Os fatos jurídicos em sentido estrito por sua vez subdividemse em a ordinários b extraordinários Os fatos jurídicos ordinários são fatos da natureza de ocorrência comum costumeira cotidiana São exemplos o nascimento a morte o decurso do tempo Os fatos jurídicos extraordinários porém ganham destaque pela nota da extraordinariedade por serem inesperados ou inevitáveis caso fortuito ou força maior respectivamente Para que não pairem quaisquer dúvidas em relação ao nosso posicionamento sobre tais institutos entendemos como uma proposta de aspecto diferencial que a característica básica da força maior em que pese ser decorrente em regra de um fato natural é a sua absoluta inevitabilidade enquanto o caso fortuito tem como nota essencial a imprevisibilidade para os parâmetros do homem médio motivos pelos quais ambos inclusive são causas excludentes de responsabilidade Outra especial categoria que guarda caracteres inconfundíveis é a dos atosfatos jurídicos que nada mais é do que um fato jurídico qualificado pela atuação humana Mas não seria uma contradição dizer que se trata de um fato mas mesmo assim se exige a intervenção do indivíduo Não dizemos nós No atofato jurídico o ato humano é realmente da substância deste fato jurídico mas não importa para a norma se houve ou não intenção de praticálo O que se ressalta na verdade é a consequência do ato ou seja o fato resultante sem se dar maior significância se houve vontade ou não de realizálo A ideia que deve presidir a compreensão dos atosfatos jurídicos é de que para a sua caracterização a vontade humana é irrelevante pois é o fato humano por si só que goza de importância jurídica e eficácia social Em alguns momentos tornase bastante difícil diferenciar o atofato jurídico do ato jurídico em sentido estrito Isso porque nesta última a despeito de atuar a vontade humana os efeitos jurídicos produzidos pelo ato encontramse previamente determinados pela lei não havendo espaço para a autonomia da vontade Ainda assim devemos lembrar que somente no atofato a vontade humana o elemento psíquico é completamente irrelevante para a sua configuração embora seja indiscutível a deflagração de efeitos a partir dos atosfatos praticados por ambos Já o ato jurídico em sentido estrito constitui simples manifestação de vontade sem conteúdo negocial que determina a produção de efeitos legalmente previstos Neste tipo de ato não há necessidade de uma declaração de vontade manifestada com o propósito de atingir dentro do campo da autonomia privada os efeitos jurídicos pretendidos pelo agente mas sim um simples comportamento humano deflagrador de efeitos previamente estabelecidos por lei Sinteticamente podese dizer que essa espécie de ato jurídico lícito apenas concretiza o pressuposto fático contido na norma jurídica Não há que se confundir o ato jurídico stricto sensu com o atofato jurídico A aparente confusão dissipase com a clara enunciação da existência ou não de uma atuação consciente que é essencial para o ato jurídico mas irrelevante para o atofato O elemento psíquico pois pouco importa para este último Um exemplo de ato jurídico stricto sensu é o ato de fixação do domicílio Notese que o elemento caracterizador dessa categoria reside na circunstância de que o agente embora realize ato de forma consciente não goza de ampla liberdade de escolha na determinação dos efeitos resultantes de seu comportamento como se dá no negócio jurídico um contrato por exemplo O elemento básico porém é a manifestação de vontade Vale lembrar ainda que o processo formativo do ato jurídico em sentido estrito é mais simplificado prescindindo de um complexo ciclo cognitivodeliberativo Isso porque em sua grande maioria consoante já anotamos os atos jurídicos stricto sensu traduzem simples comportamentos humanos a colheita de uma fruta v g diferentemente do que ocorre nas manifestações declarativas de vontade formadoras dos negócios jurídicos um contrato de locação v g Daí por que neste âmbito em princípio não importa a indagação de certos pressupostos de validade do ato jurídico a exemplo da capacidade do agente não seria lógico considerar nulo o ato de percepção do fruto realizado por um menor púbere e da forma diferentemente do que ocorre nas declarações de vontade em geral sobretudo na categoria dos negócios jurídicos em que a doutrina sistematiza rígidos pressupostos para a validade do ato praticado capacidade e legitimidade do agente licitude e possibilidade do objeto adequação da forma Outro ponto relevante que diferencia o ato jurídico não negocial e o negócio jurídico está no plano da eficácia pois não há como se falar de termo condição ou encargo em ato jurídico stricto sensu uma vez que não há conjunção de vontades nem possibilidade de escolha ou limitação dos efeitos legalmente previstos O Código Civil de 2002 mais técnico e preciso a par de consagrar ampla e exaustiva disciplina do negócio jurídico previu ainda em dispositivo específico art 185 a categoria dos atos jurídicos em sentido estrito mandandolhes aplicar no que couber as normas relativas aos negócios jurídicos em geral 2 NEGÓCIO JURÍDICO A categoria dos negócios jurídicos desenvolveuse graças ao labor da doutrina germânica em período relativamente recente Por isso CLÓVIS BEVILÁQUA ao elaborar o Código Civil em 1899 não cuidou de dispensar a devida atenção deixando de consagrála em seu projeto Aliás analisando as suas normas verificamos que em nenhum momento utilizouse a expressão negócio jurídico não obstante o tratamento legal dado ao ato jurídico fosse a ele perfeitamente aplicável Tal inconveniente foi contornado pelo Código Civil de 2002 cuja Parte Geral da lavra do Min MOREIRA ALVES merecedora de justos elogios disciplina exaustivamente a categoria dos negócios jurídicos sem desconsiderar os atos jurídicos em sentido estrito 21 Conceito Negócio jurídico é a declaração de vontade emitida em obediência aos seus pressupostos de existência validade e eficácia com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente 22 Planos de análise Com efeito para apreender sistematicamente o tema e não simplesmente reproduzir regras positivadas fazse mister analisálo sob os três planos em que pode ser visualizado a Existência um negócio jurídico não surge do nada exigindose para que seja considerado como tal o atendimento a certos requisitos mínimos Nessa linha são elementos constitutivos do negócio jurídico b Validade o fato de um negócio jurídico ser considerado existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito ou seja com aptidão legal para produzir efeitos Tratase de um plano em que se adjetivam os elementos de existência Assim são elementos de validade do negócio jurídico c Eficácia ainda que um negócio jurídico existente seja considerado válido ou seja perfeito para o sistema que o concebeu isto não importa em produção imediata de efeitos pois estes podem estar limitados por elementos acidentais da declaração A premissa é que existente e válido um negócio jurídico deve ele produzir efeitos imediatamente Todavia a sua eficácia poderá ser delimitada pelos seguintes elementos acidentais 23 Defeitos do negócio jurídico Neste tópico serão passados em revista os vícios que impedem seja a vontade declarada livre e de boafé prejudicando por conseguinte a validade do negócio jurídico Tratase dos defeitos dos negócios jurídicos que se classificam em vícios de consentimento aqueles em que a vontade não é expressada de maneira absolutamente livre e vícios sociais em que a vontade manifestada não tem na realidade a intenção pura e de boafé que enuncia 231 Erro ou ignorância Embora a lei não estabeleça distinções o erro é um estado de espírito positivo qual seja a falsa percepção da realidade ao passo que a ignorância é um estado de espírito negativo o total desconhecimento do declarante a respeito das circunstâncias do negócio O erro entretanto só é considerado como causa de anulabilidade do negócio jurídico se for a essencial substancial b escusável perdoável Nesse sentido dispõe nossa Lei Codificada Art 138 São anuláveis os negócios jurídicos quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal em face das circunstâncias do negócio Substancial é o erro que incide sobre a essência substância do ato que se pratica sem o qual este não se teria realizado É o caso do colecionador que pretendendo adquirir uma estátua de marfim compra por engano uma peça feita de material sintético O Código Civil de 2002 enumerou as seguintes hipóteses de erro substancial em seu art 139 a quando interessa à natureza do negócio ao objeto principal da declaração ou a alguma das qualidades a ele essenciais b quando concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade desde que tenha influído nesta de modo relevante c sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei for o motivo único ou principal do negócio jurídico Vêse portanto que o erro poderá incidir no negócio no objeto ou na pessoa O erro invalidante há que ser ainda escusável isto é perdoável dentro do que se espera do homem médio que atue com grau normal de diligência Não se admite outrossim a alegação de erro por parte daquele que atuou com acentuado grau de displicência O direito não deve amparar o negligente 140 Ademais a própria concepção de homem médio deve levar em consideração o contexto em que os sujeitos estão envolvidos Afinal a compra de uma joia falsa pode ser um erro escusável de um particular mas muito dificilmente de um especialista em tal comércio Até aqui se cuidou do erro de fato mas qual seria o tratamento dispensado pela doutrina ao erro de direito Em regra o error juris que não se confunde com a ignorância da lei não é causa de anulabilidade do negócio Em nossa compreensão o erro de direito somente deve ser admitido em caráter excepcional até mesmo por força da regra expressa no art 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de que ninguém pode se escusar de cumprir a lei alegando que não a conhece Desde que não se pretenda descumprir preceito de lei se o agente de boafé pratica o ato incorrendo em erro substancial e escusável há que reconhecer por imperativo de equidade a ocorrência do erro de direito É o caso por exemplo de alguém que eventualmente celebra um contrato de importação de uma determinada mercadoria sem saber que momentos antes foi expedido decreto proibindo a entrada de tal produto no território nacional Não admitir a anulação do contrato simplesmente pela ficção legal da LINDB seria fazer com que o jurista fechasse os olhos para a realidade do que ordinariamente acontece o que é inadmissível O Código Civil de 2002 admitiu o erro de direito substancial desde que não implique recusa à aplicação da lei art 139 III Embora a regra legal não seja expressa a respeito o requisito da boafé é obviamente indispensável para que se reconheça esta espécie de erro Em conclusão interessa a referência feita pelo atual Código Civil à hipótese de erro que não invalida o negócio quando a pessoa a quem a declaração de vontade se dirige se oferece para executála de acordo com a vontade real do manifestante Art 144 O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa a quem a manifestação de vontade se dirige se oferecer para executála na conformidade da vontade real do manifestante Neste artigo bem como na regra do art 142 que prevê a possibilidade de convalescimento do ato se o erro na indicação da pessoa ou da coisa for suprido pelas circunstâncias constatase a aplicação do princípio da conservação regra de ouro do moderno Direito Civil segundo o qual deve o intérprete desde que não haja prejuízo e respeitadas as prescrições legais empreender todos os esforços para resguardar a eficácia jurídica do ato acoimado de invalidade Outro equívoco muito comum que deve ser afastado é a falsa ideia de que erro e vício redibitório se confundem O erro consoante já se anotou expressa uma equivocada representação da realidade uma opinião não verdadeira a respeito do negócio do seu objeto ou da pessoa com quem se trava a relação jurídica Esse defeito do negócio portanto vicia a própria vontade do agente atuando no campo psíquico subjetivo Diferente é a hipótese de vício redibitório garantia legal prevista para os contratos comutativos em geral Se o adquirente por força de uma compra e venda por exemplo recebe a coisa com defeito oculto que lhe diminui o valor ou prejudica a sua utilização vícios redibitórios poderá rejeitála redibindo o contrato ou se preferir exigir o abatimento no preço Notese pois que o agente ao adquirir a coisa não incorreu em erro uma vez que recebeu exatamente aquilo que pretendia comprar Apenas a coisa transferida portava defeito oculto que lhe depreciava ou tornava imprópria a sua utilização O vício redibitório pois não toca o psiquismo do agente incidindo portanto na própria coisa objetivamente considerada Exemplo o indivíduo pretende comprar um relógio de ouro da marca x Um vizinho lhe faz uma oferta e então ele compra o produto desejado sem que haja erro em sua manifestação de vontade Alguns dias depois entretanto observa que o relógio não funciona bem em virtude de um defeito oculto em seu maquinismo Tratase no caso de vício redibitório que desafia em concurso de ações duas vias judiciais ações edilícias a ação redibitória para desfazer o contrato e exigir o que se pagou com perdas e danos se o alienante sabia do vício ou a ação quanti minoris para se exigir o abatimento no preço 141 232 Dolo Por imperativo de precedência lógica e da disciplina legal estudamos o erro antes do dolo uma vez que a doutrina do primeiro fundamenta teoricamente o segundo Nessa linha costumase afirmar que o dolo é o erro provocado por terceiro e não pelo próprio sujeito enganado Seria portanto todo artifício malicioso empregado por uma das partes ou por terceiro com o propósito de prejudicar outrem quando da celebração do negócio jurídico Assim o sujeito que aliena a caneta de cobre afirmando tratarse de ouro atua com dolo e o negócio poderá ser anulado Não se deve confundir esta espécie de dolo com o chamado dolus bonus expressão consagrada desde o Direito Romano Quando o vendedor elogia exageradamente o seu produto realçando em demasia suas qualidades não atua maliciosamente Para tanto exigese do adquirente grau mediano de diligência para que possa perceber as criativas técnicas de marketing A despeito disso fica claro que a indicação de qualidades inexistentes ou a afirmação de garantias inverídicas extrapolam o limite do razoável podendo configurar publicidade enganosa sujeitando o infrator a sanções administrativas civis e criminais Também não se deve identificar o dolo com a fraude Nesta quase sempre buscase violar a lei ou prejudicar a um número indeterminado de pessoas a atuação dolosa por sua vez dirigese especificamente à outra parte do negócio O dolo não se presume das circunstâncias de fato devendo ser provado por quem o alega Quanto à extensão dos seus efeitos no negócio jurídico o dolo poderá ser a principal essencial determinante ou causal b acidental O dolo para invalidar o ato deve ser principal atacando a causa do negócio em si uma vez que o acidental aquele que não impediria a realização do negócio só gera a obrigação de indenizar O Código Civil de 2002 em seu art 145 após referir que os negócios jurídicos só são anuláveis quando o dolo for a sua causa principal ressalva no artigo seguinte que o dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos É acidental prossegue o legislador quando a seu despeito o negócio seria realizado embora por outro modo Para a exata compreensão da matéria figuremos um exemplo de dolo acidental o sujeito declara pretender adquirir um carro escolhendo um automóvel com cor metálica e quando do recebimento da mercadoria enganado pelo vendedor verifica que a coloração é em verdade básica Neste caso não pretendendo desistir do negócio poderá exigir compensação por perdas e danos Diferente seria porém a situação em que ao sujeito somente interessasse comprar o veículo se fosse da cor metálica hipótese em que este elemento faria parte da causa do negócio jurídico Nesse caso tendo sido enganado pelo vendedor para adquirir o automóvel poderseia anular o negócio jurídico com base em dolo Quanto à atuação do agente o dolo poderá ser a positivo b negativo omissivo O primeiro decorre de uma atuação comissiva a exemplo do expediente ardiloso do vendedor que engana o adquirente quanto à natureza do produto colocado no mercado O segundo fruto de uma omissão traduz uma abstenção maliciosa juridicamente relevante É o caso do silêncio intencional de uma das partes levando a outra a celebrar negócio jurídico diverso do que pretendia realizar O Código Civil inclusive traz previsão expressa sobre o dolo negativo no art 147 ao preceituar que nos negócios jurídicos bilaterais o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado constitui omissão dolosa provandose que sem ela o negócio não se teria celebrado Admitese ainda que o negócio jurídico seja anulado por dolo de terceiro Neste ponto houve louvável avanço O Código Civil de 2002 é mais preciso do que o CC1916 142 ao prever que o dolo de terceiro invalida o ato não apenas quando a parte a quem aproveite efetivamente soube do expediente astucioso mas também se dele devesse ter conhecimento Criase uma hipótese de dolo eventual da parte a quem aproveita o ardil Art 148 Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento em caso contrário ainda que subsista o negócio jurídico o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou grifamos Se a parte a quem aproveita o dolo não sabia nem tinha como saber do expediente astucioso subsiste o negócio embora o terceiro responda civilmente perante a parte ludibriada Figuremos o seguinte exemplo Caio colecionador de vasos antigos contrata os serviços de Tício profissional especializado em intermediar a compra e venda de objetos raros Após alguns meses de busca infrutífera Tício atuando dolosamente e objetivando não perder a sua remuneração promoveu a negociação de um falso jarro da dinastia Ming réplica de um original entre Caio tomador de seus serviços e Orfeu proprietário do referido artefato Notese que Caio fora induzido a erro pelo intermediário Tício pessoa em quem depositava sincera confiança Ora com base nessa situação hipotética as seguintes conclusões podem ser tiradas à luz do Código Civil brasileiro a se Orfeu tinha conhecimento da atuação maliciosa de Tício caracterizando verdadeiro conluio entre ambos o negócio pode ser anulado b se Orfeu não tinha conhecimento direto do dolo de Tício mas podia presumilo em face das circunstâncias do fato o negócio pode ser anulado c se Orfeu não sabia nem tinha como saber da atuação dolosa de Tício em face da boafé de Orfeu o negócio subsiste respondendo apenas Tício pelas perdas e danos devidos a Caio Entendemos que nas duas primeiras hipóteses a e b Orfeu poderá ser civilmente responsabilizado obrigação de pagar perdas e danos juntamente com Tício por não haver avisado a vítima Caio a respeito da manobra ardilosa Não há que se confundir outrossim o dolo de terceiro com a hipótese de dolo do representante de uma das partes Em se tratando de representação legal tutela ou curatela por exemplo o representado só responderá civilmente até a importância do proveito que obteve Se a representação for convencional efetivada por meio do contrato de mandato ambas as partes representante e representado além da obrigatoriedade de devolver aquilo que indevidamente receberam responderão solidariamente por perdas e danos art 149 do CC2002 Nesta última hipótese se apenas o representante atuou com dolo descumprindo instruções expressas do representado e extrapolando portanto os limites do mandato entendemos que restará afastada a referida solidariedade Uma observação final ainda deve ser feita Se ambas as partes do negócio procederam com dolo pelo princípio que veda a alegação da própria torpeza em juízo nemo propriam turpitudinem allegans a lei proíbe que se possa anular o negócio ou pleitear indenização art 150 do CC2002 Não se trata exatamente de compensação de dolos consoante pondera GIORGI certamente se o dolo de uma parte não corresponde em intenção ou em efeitos ao dolo da outra parte seria uma exorbitância admitir a compensação o juiz tem o dever e o direito de pôr em confronto os artifícios das duas partes e decidir se é ou não caso de ação anulatória 143 Apenas impede a lei que o dolo bilateral possa ser oficialmente amparado 233 Coação Enquanto o dolo manifestase pelo ardil a coação traduz violência Entendese como coação capaz de viciar o consentimento toda violência psicológica apta a influenciar a vítima a realizar negócio jurídico que a sua vontade interna não deseja efetuar São dois os tipos de coação a física vis absoluta b moral vis compulsiva A coação física vis absoluta é aquela que age diretamente sobre o corpo da vítima A doutrina entende que este tipo de coação neutraliza completamente a manifestação de vontade tornando o negócio jurídico inexistente e não simplesmente anulável Imagine a hipótese de um lutador de sumô pegar a mão de uma velhinha analfabeta à força para apor a sua impressão digital em um instrumento de contrato que ela não quer assinar Logicamente tais exemplos parecem beirar a patologia mas são situaçõeslimite em que nem sequer se poderá discutir a invalidade do ato jurídico pois ele não será considerado juridicamente existente por inexistir qualquer manifestação de vontade Obviamente para que isso seja aceito judicialmente será necessário provar inequivocamente a coação física vis absoluta pois de fato haverá um documento com uma suposta manifestação de vontade a ser declarada inexistente A coação moral vis compulsiva por sua vez é aquela que incute na vítima um temor constante e capaz de perturbar seu espírito fazendo com que ela manifeste seu consentimento de maneira viciada Nesta hipótese a vontade do coagido não está completamente neutralizada mas sim embaraçada turbada viciada pela ameaça que lhe é dirigida pelo coator Por não tolher completamente a liberdade volitiva é causa de invalidade anulabilidade do negócio jurídico e não de inexistência Figurese o exemplo do sujeito que é ameaçado de sofrer um mal físico se não assinar determinado contrato Embora se lhe reconheça a opção de celebrar ou não o negócio se o fizer não se poderá dizer que externou livremente a sua vontade Poderá pois anular o contrato Segundo dispõe o art 151 do Código Civil de 2002 a coação vicia o ato nas seguintes circunstâncias Art 151 A coação para viciar a declaração da vontade há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa à sua família ou aos seus bens 144 Interessante que a Lei Codificada cuidou de admitir o reconhecimento da coação quando a ameaça dirigirse a pessoa não pertencente à família do paciente um amigo por exemplo cabendo ao juiz avaliar as circunstâncias do caso e decidir a respeito da invalidade do negócio art 151 parágrafo único do CC2002 145 Nessa ordem de ideias podemse apontar os seguintes requisitos para a caracterização da coação a violência psicológica b declaração de vontade viciada c receio sério e fundado de grave dano à pessoa à família ou pessoa próxima ou aos bens do paciente Afastandose um pouco da regra geral que toma como referência a figura do homem médio na análise dos defeitos do negócio jurídico no apreciar a coação deve o juiz atentar para as circunstâncias do fato e condições pessoais da vítima Ninguém imagina uma franzina senhora idosa ameaçando verbalmente sem auxílio de uma arma de fogo um homem musculoso e saudável para que aliene o seu imóvel para ela Se a lei não determinasse a interpretação da norma à luz do caso concreto abrirseia oportunidade para falsas alegações de coação instalandose indesejável insegurança jurídica Para a boa fixação do tema transcrevemos o art 152 do CC2002 Art 152 No apreciar a coação terseão em conta o sexo a idade a condição a saúde o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela Não se considera coação outrossim a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial Se a ordem jurídica reconhece o legítimo e regular exercício de um direito não se poderá considerar abusiva a ameaça de seu exercício Exemplo o locatário tornandose inadimplente não poderá afirmar haver sido coagido pelo fato de o locador advertilo de que se não pagar os aluguéis recorrerá à Justiça Da mesma forma não caracteriza violência psicológica apta a anular o negócio o simples temor reverencial O respeito pela autoridade paterna ou eclesiástica não deve ser em princípio justificativa para se anular o ato praticado Entretanto se esta força moral se fizer acompanhar de ameaça ou intimidação o vício poderá se configurar Vale mencionar que não concordamos com a ideia de que o ato praticado sob sugestão hipnótica poderia ser anulado por coação Em verdade consoante já anotamos a hipnose atua sobre a manifestação volitiva do paciente neutralizandoa de maneira que os reflexos jurídicos de sua atividade resolvemse no plano existencial do negócio jurídico Naturalmente da mesma forma que na coação física vis absoluta será imprescindível comprovar a absoluta ausência de manifestação de vontade para a declaração de inexistência do negócio jurídico E o que dizer da coação exercida por terceiro O Código Civil de 2002 dispõe Art 154 Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos grifamos Adotouse fórmula semelhante àquela prevista para o dolo exercido por terceiro consoante se depreende da leitura do art 148 do CC2002 Com a atual disciplina só se admite a anulação do negócio se o beneficiário soube ou devesse saber da coação respondendo solidariamente com o terceiro pelas perdas e danos Se a parte não coagida de nada sabia subsiste o negócio jurídico respondendo o autor da coação por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto nos termos do art 155 do CC2002 A mantença do negócio é medida de justiça uma vez que a parte adversa de boafé desconhecendo a coação proveniente de terceiro empreende gastos e realiza investimentos de maneira que a sua anulação acarretaria um injusto prejuízo E não se diga estar o coagido desamparado uma vez que poderá exigir indenização do coator na exata medida do dano sofrido 234 Lesão Andou muito bem o codificador ao prever no art 157 o instituto jurídico da lesão Podese conceituar a lesão como o prejuízo resultante da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico em face do abuso da inexperiência necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes Traduz muitas vezes o abuso do poder econômico de uma das partes em detrimento da outra hipossuficiente na relação jurídica O primeiro diploma brasileiro a tratar da lesão ainda que sob o aspecto criminal foi a Lei n 1521 de 26121951 Lei de Economia Popular que em seu art 4º previa Art 4º Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real assim se considerando b obter ou estipular em qualquer contrato abusando da premente necessidade inexperiência ou leviandade de outra parte lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida Pena detenção de 6 seis meses a 2 dois anos e multa de cinco mil a vinte mil cruzeiros A despeito de se tratar de norma penal a doutrina firmou entendimento no sentido de que o comportamento ilícito do agente também repercutiria na seara cível autorizando a invalidação do contrato Quase quarenta anos mais tarde a Lei n 8078 de 1191990 Código de Defesa do Consumidor combatendo a lesão nos contratos de consumo em seu art 6º V elencou como direito do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e mais adiante em seu art 39 V capitulou como prática abusiva exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva Além disso no art 51 IV considerou nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boafé ou a equidade complementando em seu 1º III que se presume exagerada a vantagem que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor considerandose a natureza e conteúdo do contrato o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso Notese que na sistemática do CDC a recusa de modificação dos termos do contrato determinará não a simples anulação mas a nulidade absoluta e de pleno direito da cláusula contratual considerada abusiva por se reconhecer violação a superiores princípios de ordem pública É bom que se diga neste ponto que a lesão prevista no Código de Defesa do Consumidor lesão consumerista exige para a sua caracterização e reconhecimento apenas a desvantagem obrigacional exagerada desproporção entre as prestações em detrimento do consumidor prescindindo de qualquer elemento subjetivo inclusive o dolo de aproveitamento por parte do fornecedor do produto ou serviço E como se poderia genericamente caracterizar o instituto jurídico da lesão Tradicionalmente temse entendido que a lesão se compõe de dois requisitos básicos a saber a objetivo ou material desproporção das prestações avençadas b subjetivo imaterial ou anímico a premente necessidade a inexperiência ou a leviandade da parte lesada e o dolo de aproveitamento da parte beneficiada característica ressaltada pela concepção tradicional do instituto mas que como veremos não foi exigida na vigente codificação No apreciar a desproporção entendemos não ser adequada a utilização do sistema legal de tarifamento pelo qual a própria lei cuida de estabelecer parâmetros objetivos para identificação da quebra de equivalência entre as prestações é o caso do Direito Romano que reconhecia a lesão quando a vantagem desproporcional correspondesse à metade do preço justo Não havendo solução ideal mais conveniente é facultar ao julgador à luz do caso concreto reconhecer ou não a ocorrência do referido vício A premente necessidade por sua vez tem base econômica e reflexo contratual Caracteriza uma situação extrema que impõe ao necessitado a inevitável celebração do negócio prejudicial Da mesma forma a inexperiência e a leviandade podem compor subjetivamente o vício de que ora se trata A primeira traduzindo a falta de habilidade para o trato nos negócios sem significar necessariamente falta de instrução ou de cultura geral A leviandade por sua vez caracteriza uma atuação temerária impensada inconsequente De referência a estes dois últimos elementos inexperiência e leviandade antes que se diga que o direito não deve tutelar os negligentes é bom se observar que a tônica da lesão é exatamente a presunção do fato de a parte adversa beneficiada abusar desses estados psicológicos violando inclusive o superior princípio da boafé objetiva E em conclusão podese admitir que o abuso por parte do beneficiário é em regra decorrência de seu dolo de aproveitamento ou seja do seu propósito de obter vantagem exagerada da situação de hipossuficiência do contratante lesado Não se confunde a lesão todavia com a aplicação da teoria da imprevisão Esta última decorrente do desenvolvimento teórico da cláusula rebus sic stantibus é aplicável quando a ocorrência de acontecimentos novos imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis refletindo sobre a economia ou na execução do contrato autorizarem a sua resolução ou revisão para ajustálo às circunstâncias supervenientes A lesão é vício que surge concomitantemente com o negócio já a teoria da imprevisão por sua vez pressupõe negócio válido contrato comutativo de execução continuada ou diferida que tem seu equilíbrio rompido pela superveniência de circunstância imprevista e imprevisível O Código Civil de 2002 prevê em seu art 157 que Art 157 Ocorre a lesão quando uma pessoa sob premente necessidade ou por inexperiência se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta 1º Apreciase a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico 2º Não se decretará a anulação do negócio se for oferecido suplemento suficiente ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito Observese que na nova disciplina legal da lesão agora aplicável para as relações contratuais em geral além de não se exigir o dolo de aproveitamento para a sua configuração isto é a intenção de auferir vantagem exagerada às expensas de outrem 146 a norma cuidou de estabelecer o momento para análise da desproporção das prestações e bem assim admitiu a conservação do negócio em caso de revisão contratual 147 É preciso que se diga que a constatação da premente necessidade ou da inexperiência deve levar em conta as condições pessoais do lesado assim como se dá na apreciação da coação Se a desvantagem contratual decorre exclusivamente da desídia de quem contratou inserindose na própria álea contratual não há falarse em invalidação do negócio em respeito ao princípio da segurança jurídica Podese concluir ter havido uma verdadeira mudança axiológica no Código Civil de 2002 prevendo este vício de consentimento como uma verdadeira limitação à autonomia individual da vontade não mais se admitindo o chamado negócio da china uma vez que não se aceitará mais passivamente a ocorrência de negócios jurídicos com prestações manifestamente desproporcionais 235 Estado de perigo O estado de perigo também consagrado pelo Código Civil vigente é um defeito do negócio jurídico que guarda características comuns com o estado de necessidade causa de exclusão de ilicitude no direito penal 148 Configurase quando o agente diante de situação de perigo conhecido pela outra parte emite declaração de vontade para salvaguardar direito seu ou de pessoa próxima assumindo obrigação excessivamente onerosa Identificase no caso uma especial hipótese de inexigibilidade de conduta diversa ante a iminência de dano por que passa o agente a quem não resta outra alternativa senão praticar o ato Nesse sentido o art 156 do Código Civil de 2002 Art 156 Configurase o estado de perigo quando alguém premido da necessidade de salvarse ou a pessoa de sua família de grave dano conhecido pela outra parte assume obrigação excessivamente onerosa Parágrafo único Tratandose de pessoa não pertencente à família do declarante o juiz decidirá segundo as circunstâncias A doutrina costuma apresentar os seguintes exemplos o indivíduo abordado por assaltantes oferece uma recompensa ao seu libertador para salvarse o sujeito está se afogando e promete doar significativa quantia ao seu salvador o dono da embarcação fazendo água se compromete a remunerar desarrazoa damente a quem o leve para o porto 149 Até mesmo a expressão meu reino por um cavalo da obra de Shakespeare pode ser um exemplo didático desse vício Outra hipótese mais condizente com a realidade de nossos dias pode ser apontada Não há como não reconhecer a ocorrência desse vício no ato de garantia prestação de fiança ou emissão de cambial prestado pelo indivíduo que pretenda internar em caráter de urgência um parente seu ou amigo próximo em determinada Unidade de Terapia Intensiva e se vê diante da condição imposta pela diretoria do hospital no sentido de que o atendimento emergencial só é possível após a constituição imediata de garantia cambial ou fidejussória É perfeita a incidência da norma premido da necessidade de salvar pessoa próxima de perigo de grave dano conhecido da outra parte o declarante assume obrigação excessivamente onerosa 150 Não se pretende justificar o tratamento clínico em hospital particular de pessoa desprovida de recursos Entretanto a prestação de serviços médicos emergenciais é obrigação não apenas jurídica mas principalmente moral decorrente do sublime juramento de Hipócrates Prestado o serviço emergencial que se providencie a transferência do paciente para um hospital da rede pública E para esse tipo de atendimento de emergência qualquer exigência imposta como condição sine qua non para a pronta atuação médica é descabida podendo inclusive gerar a responsabilização criminal dos envolvidos Finalmente não se devem confundir o estado de perigo a coação e a lesão No estado de perigo diferentemente do que ocorre na coação o beneficiário não empregou violência psicológica ou ameaça para que o declarante assumisse obrigação excessivamente onerosa O perigo de não salvarse não causado pelo favorecido embora de seu conhecimento é que determinou a celebração do negócio prejudicial Também com a lesão o vício de que ora cuidamos não se confunde O estado de perigo traduz uma situação em que o declarante premido da necessidade de salvarse ou a pessoa próxima realiza o negócio jurídico assumindo prestações excessivamente onerosas Busca evitar pois a concretização de um perigo de dano físico ou pessoal Tal não ocorre na lesão em que o contraente por razões essencialmente econômicas ou por sua evidente inexperiência ou leviandade é levado inevitavelmente a contratar prejudicandose Registrese que na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de novembro2004 foi proposto por MÁRIO LUIZ DELGADO RÉGIS o Enunciado n 148 com o seguinte conteúdo Art 156 Ao estado de perigo art 156 aplicase por analogia o disposto no 2º do art 157 A sugestão parecenos extremamente razoável e compatível com o espírito do atual Código Civil na busca pela conservação do negócio em caso de revisão contratual 151 236 Simulação Embora o Código Civil de 2002 tenha deixado de tratar a simulação ao lado dos demais vícios de consentimento deslocandoa para o capítulo referente à Invalidade do Negócio Jurídico art 167 em que a considera como causa de nulidade e não mais de anulação do ato jurídico por questão metodológica e didática desenvolveremos o tema seguindo a sistemática tradicional ou seja antes da análise da fraude contra credores Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA a simulação é uma declaração enganosa de vontade visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado 152 Segundo noção amplamente aceita pela doutrina na simulação celebrase um negócio jurídico que tem aparência normal mas que na verdade não pretende atingir o efeito que juridicamente devia produzir É um defeito que não vicia a vontade do declarante uma vez que este mancomunase de livre vontade com o declaratário para atingir fins espúrios em detrimento da lei ou da própria sociedade Tratase pois de um vício social que mais do que qualquer outro defeito revela frieza de ânimo e pouco respeito ao ordenamento jurídico No Direito Civil brasileiro a simulação poderá ser a absoluta neste caso o negócio formase a partir de uma declaração de vontade ou uma confissão de dívida emitida para não gerar efeito jurídico algum Criase uma situação jurídica irreal lesiva do interesse de terceiro por meio da prática de ato jurídico aparentemente perfeito embora substancialmente ineficaz Um exemplo ilustrará a hipótese para livrar bens da partilha imposta pelo regime de bens ante a iminente separação judicial o cônjuge simula negócio com amigo contraindo falsamente uma dívida com o escopo de transferirlhe bens em pagamento prejudicando sua esposa Notese que o negócio simulado fora pactuado para não gerar efeito jurídico algum Como se sabe a alienação não pretende operar a transferência da propriedade dos bens em pagamento de dívida mas sim permitir que o terceiro amigo salvaguarde o patrimônio do alienante até que se ultime a ação de separação judicial Tratase de um verdadeiro jogo de cena uma simulação absoluta b relativa dissimulação Neste caso emitese uma declaração de vontade ou confissão falsa com o propósito de encobrir ato de natureza diversa cujos efeitos queridos pelo agente são proibidos por lei Denominamos esta hipótese de simulação relativa objetiva Também ocorre quando a declaração de vontade é emitida aparentando conferir direitos a uma pessoa mas transferindoos em verdade para terceiro não integrante da relação jurídica Tratase aqui de simulação relativa subjetiva Observese que diferentemente do que ocorre na simulação absoluta na relativa as partes pretendem atingir efeitos jurídicos concretos embora vedados por lei Um exemplo muito comum e amplamente divulgado pela doutrina auxiliará na fixação do tema um homem casado pretende doar um bem a sua concubina concubinato impuro Ante a proibição legal o alienante simula uma compra e venda que em seu bojo encobre o ato que efetivamente se quer praticar a doação do bem com o efeito de transferência gratuita da propriedade Outra manobra simulatória pode ainda ser apontada por força da proibição o homem casado aliena o bem a um terceiro em face de quem não há restrição legal o qual em seguida doa o mesmo à concubina Também há o vício quando as partes de um negócio antedatam ou pósdatam um documento objetivando situar cronologicamente a realização do negócio em período de tempo não verossímil Em todas as situações estamos diante de uma simulação relativa Após enumerar as hipóteses de simulação em seu art 102 153 o Código Civil de 1916 ressalvava não reconhecer este defeito quando não houver intenção de prejudicar terceiros ou de fraudar a lei 154 Tratase da chamada simulação inocente ilustrada na hipótese do homem solteiro sem herdeiros necessários que simula a venda de um bem a sua concubina encobrindo uma doação Não tendo havido prejuízo a direito de terceiros ou à própria lei considerase a simulação inocente e o negócio jurídico é considerado válido Em seguida cuidou a Lei Codificada de 1916 de proibir às partes alegar a simulação em juízo em litígio de um contra o outro e contra terceiros nemo propriam turpitudinem allegans e bem assim conferiu legitimidade ativa aos terceiros lesados ou aos representantes do Poder Público para demandarem a nulidade dos atos simulados 155 Toda essa disciplina alterouse profundamente no Código Civil brasileiro de 2002 Em primeiro lugar a simulação deixou de ser causa de anulabilidade e passou a figurar entre as hipóteses legais de nulidade do ato jurídico Em caso de simulação absoluta fulminase de invalidade todo o ato caso se trate de simulação relativa declarase a nulidade absoluta do negócio jurídico simulado subsistindo o que se dissimulou se for válido na substância e na forma Também não se reconheceu validade à simulação inocente uma vez que não há ressalva nesse sentido em artigo próprio como fazia o Código de 1916 156 Finalmente configurando causa de nulidade nada impede seja a simulação alegada pelos próprios simuladores em litígio de um contra o outro até porque as nulidades podem ser alegadas por qualquer interessado pelo Ministério Público quando lhe couber intervir ou até mesmo pronunciadas de ofício pelo juiz ressalvados sempre os direitos de terceiros de boafé Neste ponto cumprenos transcrever o art 167 do Código Civil de 2002 referente à simulação Art 167 É nulo o negócio jurídico simulado mas subsistirá o que se dissimulou se válido for na substância e na forma 157 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando I aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem II contiverem declaração confissão condição ou cláusula não verdadeira III os instrumentos particulares forem antedatados ou pósdatados 2º Ressalvamse os direitos de terceiros de boafé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado No estudo da simulação fazse necessária breve referência à reserva mental ou reticência A reserva mental se configura quando o agente emite declaração de vontade resguardando o íntimo propósito de não cumprir o avençado ou atingir fim diverso do ostensivamente declarado De acordo com o Código Civil Art 110 A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou salvo se dela o destinatário tinha conhecimento Claro está que situandose na mente do agente em sede de mera cogitatio a reserva mental não tem relevância para o Direito até que se exteriorize Um bom exemplo de reserva mental é quando o autor de uma obra declara que estará fazendo uma sessão de autógrafos e que doará os direitos autorais para uma instituição de caridade Pouco importa se no íntimo o inescrupuloso doutrinador somente queria fazer marketing para sua produção intelectual não pretendendo entregar o resultado pecuniário prometido A manifestação de vontade foi emitida sem vício e não tendo o destinatário conhecimento da reserva mental é plenamente válida Ocorre que no momento em que a reserva mental é exteriorizada trazida ao campo de conhecimento do outro contraente aí sim poderá se converter em simulação tornando por consequência passível de invalidade o negócio jurídico celebrado Exemplo um estrangeiro em um país que admite a aquisição de nacionalidade pelo casamento contrai matrimônio apenas para este fim reservando mentalmente a intenção de não cumprir os deveres do casamento Pretende apenas tornarse nacional e evitar a sua expulsão Se a outra parte sabia do desiderato espúrio tornase cúmplice do outro contraente e o ato poderá ser invalidado por simulação 158 Neste ponto uma importante observação deve ser feita Apesar de a doutrina tradicionalmente reconhecer que a reserva mental havendo anuência do outro contraente convertese em negócio simulado sujeito à declaração de nulidade MOREIRA ALVES autor da Parte Geral no Anteprojeto do Código Civil sustenta que neste caso o negócio jurídico é inexistente Da reserva mental trata o art 108 159 que a tem por irrelevante salvo se conhecida do destinatário caso em que se configura hipótese de ausência de vontade e consequentemente inexistência do negócio jurídico 160 Com a devida vênia este não é o nosso entendimento Exteriorizada a reserva mental o destinatário que anuiu com o desiderato do agente passa a atuar ao lado do simulador objetivando atingir fim não declarado e proibido por lei Tratase de típica hipótese de simulação Até porque o negócio existirá e surtirá efeitos frente a terceiros ainda que não sejam aqueles originariamente declarados e aparentemente queridos até que se declare judicialmente a sua nulidade 161 237 Fraude contra credores A fraude contra credores também considerada vício social consiste no ato de alienação ou oneração de bens assim como de remissão de dívida praticado pelo devedor insolvente ou à beira da insolvência com o propósito de prejudicar credor preexistente em virtude da diminuição experimentada pelo seu patrimônio O progresso material e espiritual dos povos consagrou o reconhecimento do princípio segundo o qual é o patrimônio do devedor e não a sua pessoa a garantia da satisfação dos créditos 162 Portanto a previsibilidade legal desse vício traduz um instrumento normativo de proteção conferido aos credores quirografários em geral Na fraude contra credores não há um necessário disfarce como na simulação O ato praticado por si só já é lesivo ao direito do credor e deve ter a sua ineficácia judicialmente declarada Dois elementos compõem a fraude o primeiro de natureza subjetiva e o segundo objetiva a consilium fraudis o conluio fraudulento b eventus damni o prejuízo causado ao credor Discutese se o consilium fraudis não é elemento essencial deste vício social de maneira que o estado de insolvência aliado ao prejuízo causado ao credor seriam suficientes para a caracterização da fraude Entendemos que tratandose de atos gratuitos de alienação praticados em fraude contra credores doação feita por devedor reduzido à insolvência v g o requisito subjetivo representado pelo consilium fraudis máfé é presumido A anulação do ato praticado em fraude contra credores dáse por meio de uma ação revocatória denominada ação pauliana Os fundamentos da referida ação causas de pedir à luz do Código Civil de 2002 são as seguintes a negócios de transmissão gratuita de bens art 158 caput doação v g b remissão de dívidas art 158 caput o devedor insolvente perdoa dívida de terceiro v g c contratos onerosos do devedor insolvente em duas hipóteses art 159 quando a insolvência for notória quando houver motivo para ser conhecida do outro contratante a pessoa que adquire o bem do devedor é um parente próximo que deveria presumir o seu estado de insolvência d antecipação de pagamento feita a um dos credores quirografários em detrimento dos demais art 162 neste caso a ação é proposta também contra o beneficiário do pagamento da dívida não vencida que fica obrigado a repor em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores aquilo que recebeu e outorga de garantia de dívida dada a um dos credores em detrimento dos demais art 163 firmase aqui uma presunção de fraude É o caso da constituição de hipoteca sobre bem do devedor insolvente em benefício de um dos credores O credor quirografário preexistente que já o era antes do ato fraudulento que tornou o devedor insolvente tem legitimidade ativa para ajuizar a ação revocatória art 158 do CC2002 a qual por ter natureza pessoal independe de outorga uxória ou autorização marital O credor com garantia em princípio por já deter um bem ou um patrimônio vinculado à satisfação da dívida careceria de interesse processual Todavia caso se torne insuficiente a mencionada garantia poderá manejar a referida actio consoante se depreende da análise do 1º do art 158 do CC2002 163 O devedor insolvente por sua vez deverá figurar no polo passivo da ação juntamente com a pessoa com quem ele celebrou o ato e o terceiro que haja atuado de máfé art 161 do CC2002 incidindo tal regra apenas nas ações propostas com fundamento nos arts 158 e 159 do Código Civil vigente negócios fraudulentos de transmissão gratuita de bens remissão de dívidas e contratos onerosos fraudulentos desde que a insolvência do devedor seja notória ou haja motivo para ser presumida Concordamos com CARVALHO SANTOS no sentido de que a legitimidade passiva do terceiro espécie de subadquirente existe quando haja adquirido o bem de máfé e a título oneroso ou esteja ou não de máfé quando a aquisição se der a título gratuito 164 Seguindo a mesma diretriz do Código anterior art 112 o Código Civil de 2002 em seu art 164 firmou regra no sentido de considerar de boafé os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil rural industrial ou à subsistência do devedor e de sua família Anulado o negócio fraudulento a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores Se o negócio fraudulento tinha o único objetivo de atribuir direito real de garantia a anulação atingirá apenas a preferência ajustada art 165 do CC2002 Observe que a lei ao referirse à consequência do reconhecimento do vício consigna a seguinte expressão Anulados os negócios fraudulentos Mas será que a ação pauliana resultaria na prolação de uma sentença anulatória propriamente dita A doutrina tradicional sustenta tratarse de sentença anulatória de ato jurídico desconstitutiva do ato impugnado Esse é o pensamento difundido desde CLÓVIS BEVILÁQUA esse remédio é a ação pauliana revocatória ou rescisória pela qual o credor obtém a anulação do ato que diminui a soma dos bens de seu devedor para neles fazer execução quando outros não existam em quantidade suficiente para a satisfação do débito 165 Não pensamos assim Entendemos que a decisão final na ação pauliana é simplesmente declaratória da ineficácia do ato praticado em fraude contra credores Vale dizer a ação visa declarar ineficaz o ato apenas em face dos credores prejudicados e não propriamente anulálo ou desconstituílo Os princípios gerais da teoria das nulidades não devem se aplicar aqui Nesse sentido é a lição do Professor YUSSEF SAID CAHALI citando NELSON HANADA desde que no ato praticado em fraude de credores a simples declaração de ineficácia isto é a declaração de que o negócio jurídico não prejudica aos credores anteriores ao ato por ineficaz em relação a eles porque a esse ponto não entrou no mundo jurídico é bastante para satisfazer o interesse dos credores porquanto isso é suficiente para que os bens possam ser abrangidos pela execução como se ainda se encontrassem no patrimônio do executado 166 E em outro ponto de sua obra conclui o mesmo autor parecenos porém que o efeito da sentença pauliana resulta do objetivo a que colima a ação declaração de ineficácia jurídica do negócio fraudulento 167 Bastante razoável esse pensamento inclusive em se considerando que se o devedor conseguir numerário suficiente para saldar as suas dívidas o ato de alienação subsistirá não mais se podendo defender a sua anulabilidade A despeito desses lúcidos argumentos o Código Civil de 2002 preferiu seguir a teoria tradicional considerando de natureza anulatória o provimento jurisdicional final na ação pauliana art 165 do CC2002 como regra genérica Nesse sentido observa MOREIRA ALVES o último dos defeitos de cuja disciplina trata o Projeto é a fraude contra credores como sucede no Código Civil atual Igualmente manteve o projeto a anulabilidade como consequência da fraude contra credores embora reproduza no art 160 a regra do art 110 168 do Código na qual Pontes de Miranda identifica hipótese de ineficácia relativa Vale lembrar ainda que o Superior Tribunal de Justiça a despeito das controvérsias existentes editou a Súmula 195 169 no sentido de não admitir a anulação por fraude contra credores em sede de embargos de terceiro Salientase com isso a importância que se atribui à natureza anulatória da ação pauliana Se se reconhecesse a tese da ineficácia ficaria mais fácil admitir o deslinde da questão em embargos de terceiro desde que fossem citados todos os interessados Não se deve confundir finalmente a fraude contra credores com a fraude de execução Em referência a esta última dispõe o art 792 do Código de Processo Civil de 2015 equivalente ao art 593 do CPC1973 Art 792 A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução I quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público se houver II quando tiver sido averbada no registro do bem a pendência do processo de execução na forma do art 828 III quando tiver sido averbado no registro do bem hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude IV quando ao tempo da alienação ou da oneração tramitava contra o devedor ação capaz de reduzilo à insolvência V nos demais casos expressos em lei 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente 2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição mediante a exibição das certidões pertinentes obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica a fraude à execução verificase a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar 4º Antes de declarar a fraude à execução o juiz deverá intimar o terceiro adquirente que se quiser poderá opor embargos de terceiro no prazo de 15 quinze dias Observase que entre ambas as espécies de fraudes existe diferença no momento de sua ocorrência Enquanto na fraude contra credores o devedor insolvente antecipase alienando ou onerando bens em detrimento dos seus credores antes que estes intentem qualquer espécie de ação na fraude de execução mais grave por violar normas de ordem pública o devedor já tem contra si processo judicial capaz de reduzilo à insolvência e ainda assim atua ilicitamente alienando ou onerando o seu patrimônio em prejuízo não apenas dos seus credores mas do próprio processo caracterizando reprovável atitude de desrespeito à Justiça Um ponto a ser destacado porém é que embora sua denominação possa dar a entender sentido contrário a demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência a que se refere o art 792 II do CPC2015 equivalente ao art 593 II do CPC1973 não é necessariamente de execução admitindose a declaração da fraude à execução se na efetivação da prestação jurisdicional for constatado por exemplo que o devedor alienou bens após o ajuizamento da ação de conhecimento que gerou o título executivo judicial ainda que anteriormente ao início da fase executória correspondente Por tudo isso o ato praticado em fraude de execução é ineficaz em face da execução desafiando simples pronunciamento judicial por provocação do interessado ou de ofício no próprio curso do processo o bem não tem a alienação declarada nula mas apenas a alienação não produzirá efeitos em relação ao exequente podendose penhorálo como se fosse do executado É desnecessário dizer que a despeito de prescindir do ajuizamento de ação para o seu reconhecimento só poderá o juiz apreciar o incidente após ouvir o devedor em respeito ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa Em quadro podemos trazer a seguinte visão sistemática das principais distinções elencadas na doutrina entre os institutos FRAUDE À EXECUÇÃO FRAUDE A CREDORES Instituto de Direito Processual Instituto de Direito Material Máfé presumida Ônus da prova do credor Interesse do credor e do Estado sendo considerados atos atentatórios à dignidade da Justiça art 774 I CPC2015 art 600 I CPC1973 Interesse somente do credor como particular prejudicado Atos declarados ineficazes Atos anuláveis Declarável incidentalmente Objeto de ação anulatória autônoma e específica Tipifica ilícito penal CP art 179 Interesse puramente particular Em conclusão vale referir que a ação pauliana também não se confunde com a ação revocatória falencial Esta última prevista no art 129 da Lei de Falências Lei n 111012005 não visa anular negócio jurídico algum mas sim obter a declaração judicial de ineficácia da alienação fraudulenta efetivada em prejuízo da massa e por via oblíqua dos próprios credores do falido Ao contrário o art 130 da Lei n 111012005 por sua vez exige ação revocatória sendo semelhante à fraude contra credores vide art 132 da mesma lei 24 Invalidade do negócio jurídico Conforme ensina CARVALHO SANTOS a nulidade é um vício que retira todo ou parte de seu valor a um ato jurídico ou o torna ineficaz apenas para certas pessoas 170 No mesmo sentido doutrina MARIA HELENA DINIZ que a nulidade vem a ser a sanção imposta pela norma jurídica que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em desobediência ao que prescreve 171 Desses conceitos tradicionais podemos extrair a conclusão de que a nulidade se caracteriza como uma sanção pela ofensa a determinados requisitos legais não devendo produzir efeito jurídico em função do defeito que carrega em seu âmago Como sanção pelo descumprimento dos pressupostos de validade do negócio jurídico o direito admite e em certos casos impõe o reconhecimento da declaração de nulidade objetivando restituir a normalidade e a segurança das relações sociojurídicas Essa nulidade porém sofre gradações de acordo com o tipo de elemento violado podendo ser absoluta ou relativa como a seguir verificaremos Com fulcro no pensamento de GRINOVER CINTRA e DINAMARCO é correto afirmar que o reconhecimento da nulidade de um ato viciado é uma forma de proteção e defesa do ordenamento jurídico vigente 172 De fato a previsibilidade doutrinária e normativa da teoria das nulidades impede a proliferação de atos jurídicos ilegais portadores de vícios mais ou menos graves a depender da natureza do interesse jurídico violado Dentro dessa perspectiva é correto dizer que o ato nulo nulidade absoluta desvalioso por excelência viola norma de ordem pública de natureza cogente e carrega em si vício considerado grave O ato anulável nulidade relativa por sua vez contaminado por vício menos grave decorre da infringência de norma jurídica protetora de interesses eminentemente privados Tais premissas devem ser corretamente fixadas uma vez que a natureza da nulidade determinará efeitos variados interferindo até mesmo na legitimidade ativa para a arguição dos referidos vícios Além das principais categorias já apontadas absoluta e relativa as nulidades classificamse em173 a originária e sucessiva a primeira nasce com o próprio ato contemporaneamente à sua formação a segunda decorre de causa superveniente b total e parcial no primeiro caso a nulidade atinge todo o ato contaminandoo por inteiro no segundo a nulidade contamina apenas parte do negócio mantendose as demais disposições que à luz do princípio da conservação podem ser preservadas 174 O Código Civil de 2002 corretamente adota a expressão invalidade como categoria genérica das subespécies de nulidade absoluta e relativa destinando um capítulo próprio para suas disposições gerais arts 166 a 184 Todo ato pois absoluta ou relativamente nulo anulável é considerado inválido Entretanto é bom que se diga que a simples invalidade do instrumento não induz a do próprio negócio quando este se puder provar por outro modo A invalidade do instrumento onde se documentou o contrato por exemplo não acarreta a consequente e imediata nulidade do próprio negócio jurídico contratual se for possível prová lo por outra forma art 183 do CC2002 art 152 Do mesmo modo a invalidade parcial suprarreferida não contamina as partes válidas e aproveitáveis de um negócio Aliás pelo mesmo fundamento princípio da conservação há regra legal no sentido de não implicar a invalidade da obrigação principal eventual defeito da obrigação acessória O raciocínio inverso todavia não é admitido art 184 do CC2002 Assim a nulidade do contrato de penhor acessório não prejudica a validade da compra e venda que estava garantindo principal Todavia a invalidade do contrato principal prejudica por razões óbvias a garantia acessória pactuada por não lhe ser separável O Código Civil de 2002 em seus arts 166 e 167 considera nulo o negócio jurídico quando a for celebrado por pessoa absolutamente incapaz b for ilícito impossível ou indeterminável o seu objeto c o motivo determinante comum a ambas as partes for ilícito d não revestir a forma prescrita em lei e preterir alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade f tiver por objeto fraudar a lei imperativa g a lei taxativamente o declarar nulo ou proibirlhe a prática sem cominar sanção h tiver havido simulação Analisando os termos da lei concluise com facilidade que esses pressupostos legais enquadramse perfeitamente no esquema teórico apresentado quando se tratou do plano de validade De fato são pressupostos de validade do negócio jurídico PLANO DE VALIDADE Agente capaz e legitimado Manifestação de vontade livre e de boafé Forma livre ou prescrita em lei Objeto lícito possível e determinado ou determinável Como se vê todas as hipóteses legais mencionadas estão diretamente relacionadas com um dos pressupostos estabelecidos de validade Talvez as únicas novidades consistam na previsibilidade da causa entendida como motivação típica do ato dentre os pressupostos de validade do negócio jurídico art 166 III do CC2002 e bem assim a fraude à lei imperativa art 166 VI do CC2002 No que diz respeito à fraude à lei algumas observações devem ser feitas Primeiramente não há que se confundir essa espécie de fraude causa de nulidade absoluta com a fraude contra credores vício social do negócio jurídico e justificador de sua anulação consoante já se anotou Tratase da manobra engendrada pelo fraudador para violar dispositivo expresso de lei objetivando esquivarse de obrigação legal ou obter proveito ilícito As legislações fiscal e trabalhista costumeiramente são atingidas por esta espécie de fraude realizada sob diferentes formas 175 Notese que a nulidade do ato dada a gravidade do vício que porta imaginese um menor de dez anos celebrando um contrato de leasing ou o estabelecimento de um negócio que tenha por objeto a prestação de um serviço criminoso poderá ser arguida por qualquer interessado ou pelo Ministério Público quando lhe couber intervir podendo inclusive o próprio juiz declarála de ofício razão por que se diz que a nulidade operase de pleno direito Nesse sentido estabelece o Código Civil de 2002 Art 168 As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo Ministério Público quando lhe couber intervir Parágrafo único As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas não lhe sendo permitido suprilas ainda que a requerimento das partes grifos nossos Impende notar ainda que o negócio nulo não admite confirmação 176 razão por que constatandose o vício o ato há que ser repetido afastandose o seu defeito Tal repetição todavia só é aconselhada quando não se puder utilizar a medida sanatória especial de conversão remédio que deve ser sempre priorizado Quanto ao aspecto da prescritibilidade costuma a doutrina afirmar que se a nulidade é de negócio jurídico relativo a direito imprescritível a ação para decretarlhe a nulidade não prescreve jamais 177 Em abono dessa tese argumentase que o prazo prescricional previsto para as ações pessoais art 205 do CC2002 é uma regra genérica que não se compatibiliza com a característica da perpetuidade reconhecida à nulidade absoluta O Código Civil de 2002 seguindo este norte doutrinário consagrou em norma expressa a imprescritibilidade da declaração de nulidade do negócio jurídico Art 169 O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação nem convalesce pelo decurso do tempo grifos nossos Contudo a despeito de a lei haver firmado norma expressa a respeito não é facilmente aceita a teoria da imprescritibilidade dos efeitos do ato nulo Sim o ato nulo produz efeitos embora limitados à seara das relações fáticas Com efeito não há como negar que o ato realmente existiu embora se reconheça que esteja eivado de vícios que impossibilitam o reconhecimento de sua validade jurídica Tais atos geram sem sombra de dúvida efeitos concretos que não podem deixar de se convalidar com o decurso do tempo Os efeitos privados pela sanção da nulidade são os jurídicos não havendo como se negar o fato de que a emissão destes atos gera efeitos na realidade concreta ou seja em outras palavras a nulidade absoluta ou relativa somente é evidente no mundo ideal exigindo a manifestação judicial para a declaração desta nulidade Preferível por isso é o entendimento de que a ação declaratória de nulidade é realmente imprescritível como aliás toda ação declaratória deve ser mas os efeitos do ato jurídico existente porém nulo sujeitamse a prazo que pode ser o prazo máximo prescricional para as pretensões pessoais que foi reduzido pelo Código Civil de 2002 de 20 anos para 10 anos ou como na maior parte dos casos tratandose de demanda de reparação civil o prazo de 3 anos CC2002 art 206 3º V Isso porque se a ação ajuizada for do ponto de vista técnico simplesmente declaratória sua finalidade será apenas a de certificar uma situação jurídica da qual pende dúvida o que jamais poderia ser objeto de prescrição Todavia se a ação declaratória de nulidade for cumulada com pretensões condenatórias como acontece na maioria dos casos de restituição dos efeitos pecuniários ou indenização correspondente admitirse a imprescritibilidade seria atentar contra a segurança das relações sociais Nesse caso entendemos que prescreve sim a pretensão condenatória uma vez que não é mais possível retornar ao estado de coisas anterior Por imperativo de segurança jurídica melhor nos parece que se adote o critério da prescritibilidade da pretensão condenatória de perdas e danos ou restituição do que indevidamente se pagou correspondente à nulidade reconhecida uma vez que a situação consolidada ao longo de dez anos provavelmente já terá experimentado uma inequívoca aceitação social Aliás se a gravidade no caso concreto repudiasse a consciência social que justificativa existiria para tão longo silêncio Mais fácil crer que o ato já atingiu a sua finalidade não havendo mais razão para desconsiderar os seus efeitos Em síntese a imprescritibilidade dirigese apenas à declaração de nulidade absoluta do ato não atingindo as eventuais pretensões condenatórias correspondentes Nessa linha de raciocínio cumpre analisar os efeitos da declaração de nulidade do negócio jurídico Por se tratar de sentença proferida no bojo de ação declaratória de nulidade salvo norma especial em sentido contrário os seus efeitos retroagem até a data da realização do ato invalidandoo ab initio efeitos ex tunc Declarado nulo o ato as partes restituirseão ao estado em que antes dele se achavam e não sendo possível restituílas serão indenizadas com o equivalente Nesse sentido o art 182 do CC2002 é expresso 178 Art 182 Anulado o negócio jurídico restituirseão as partes ao estado em que antes dele se achavam e não sendo possível restituílas serão indenizadas com o equivalente Vale advertir que a expressão anulado consignada na norma deve ser entendida em sentido amplo de forma a abranger também a nulidade absoluta Conforme já mencionamos o ato anulável nulidade relativa padece de vício menos grave por violar interesses meramente particulares Em uma escala axiológica crescente de ilicitude a nulidade relativa encontrase a meio caminho entre a nulidade absoluta e a plena validade do negócio jurídico Nesta hipótese pontifica SILVIO RODRIGUES procura o legislador proteger um interesse particular quer de pessoa que não atingiu ainda o pleno desenvolvimento mental como o menor púbere ou o silvícola quer de pessoa que tenha concordado em virtude de um vício de vontade quer ainda de indivíduo que tenha sido ludibriado pela simulação ou pela fraude Aqui o interesse social é mediato de maneira que o ordenamento jurídico conferindo ação ao prejudicado não toma qualquer iniciativa e se dispõe a validar o ato se o interessado não promover a sua anulação 179 Com efeito nos termos do art 171 do Código Civil é anulável o negócio jurídico além de outros casos expressamente previstos em lei 180 a por incapacidade relativa do agente b por vício resultante de erro dolo coação estado de perigo lesão ou fraude contra credores A vigente Lei Codificada conforme já se disse converte a simulação em causa de nulidade absoluta do ato jurídico art 167 do CC2002 inserindo no campo da anulabilidade dois novos defeitos analisados anteriormente a lesão e o estado de perigo Diferentemente da nulidade absoluta a relativa anulabilidade que não tem efeito antes de julgada por sentença não poderá ser pronunciada de ofício exigindo pois para o seu reconhecimento alegação dos legítimos interessados Art 177 A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença nem se pronuncia de ofício só os interessados a podem alegar e aproveita exclusivamente aos que a alegarem salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade Se o objeto do negócio jurídico e da própria relação obrigacional daí decorrente for indivisível ou houver solidariedade ativa ou passiva entre as partes quando cada um dos declarantes tem direito ou está obrigado à dívida toda a arguição de nulidade relativa feita por um dos envolvidos aproveita aos demais interessados Aliás o melhor entendimento é no sentido de que se trata de pessoa juridicamente interessada vale dizer o próprio declarante que foi parte no negócio ou o seu representante legal Interesse meramente econômico ou moral não legitima a alegação A impugnação do ato anulável dáse por meio de ação anulatória de negócio jurídico cujo prazo decadencial é de quatro anos art 178 do CC2002 contandose da seguinte forma a no caso de coação do dia em que ela cessar b no de erro dolo fraude contra credores estado de perigo ou lesão do dia em que se realizou o negócio jurídico c no de atos de incapazes do dia em que cessar a incapacidade Este prazo é reduzido para dois anos no caso de a norma legal não estabelecer prazo para a anulação Art 179 Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável sem estabelecer prazo para pleitearse a anulação será este de dois anos a contar da data da conclusão do ato Na hipótese por exemplo de anulação da venda de ascendente a descendente realizada sem o consentimento dos demais herdeiros necessários a lei cuida apenas de prever a anulabilidade do negócio sem estabelecer prazo para a sua invalidação art 496 do CC2002 Nesse caso o prazo será de dois anos aplicandose o referido art 179 A anulação do negócio todavia deve ser sempre providência secundária Por força do princípio da conservação em virtude do qual devese tentar ao máximo aproveitar o negócio jurídico viciado a doutrina civilista reconheceu existirem medidas sanatórias do ato nulo ou anulável consistentes em instrumentos jurídicos destinados a salvaguardar a manifestação de vontade das partes preservandoa da deficiência que inquina o ato 181 No que tange especificamente ao ato anulável especial atenção merece a medida sanatória da confirmação A confirmação que alguns preferem denominar ratificação consoante já se anotou é medida sanatória voluntária própria dos atos anuláveis e consistente em uma declaração de vontade que tem por objetivo validar um negócio jurídico defeituoso por erro dolo coação lesão estado de perigo ou fraude contra credores 182 desde que já se encontre escoimado o vício de que padecia Seus efeitos retroagem à data do negócio que se pretende confirmar A esse respeito o Código Civil de 2002 dispõe Art 172 O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes salvo direito de terceiro Em tal hipótese se um determinado contrato foi firmado por força de ameaça coação moral e posteriormente verificase que a avença acabou favorecendo o coagido pode este confirmar o negócio renunciando por conseguinte ao direito de anulálo Essa confirmação poderá ser a expressa quando as partes manifestam firme e claro propósito de reafirmar todos os termos do negócio A confirmação expressa deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantêlo art 173 do CC2002 b tácita neste caso mesmo não manifestando explícito interesse de confirmálo a parte comportase diante da outra nesse sentido É o que ocorre quando a despeito do vício o devedor que poderia alegálo cumpre a sua obrigação art 174 do CC2002 Registrese que na forma do art 176 do CC2002 se a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro será validado se este a der posteriormente o que deve em regra ser feito de forma expressa não se admitindo salvo regra excepcional a prova de uma autorização tácita É desnecessário observar que a confirmação expressa ou tácita importa a extinção de todas as ações ou defesas de que dispunha a vítima do defeito negocial contra a outra parte art 175 do CC2002 Entretanto é bom que se diga que em nenhuma hipótese a confirmação poderá violar direito de terceiro de boafé 183 Esse elemento psicológico a boafé a despeito da omissão legal é pressuposto inafastável para que se reconheça o impedimento da confirmação em prejuízo do terceiro Se um terceiro de máfé experimentar prejuízo em decorrência da confirmação de um determinado negócio jurídico nada poderá alegar uma vez que a lei não deve tutelar os inescrupulosos A ideia de boafé também está presente em duas outras regras específicas em que se preserva o interesse de quem não deu causa à anulação do negócio jurídico sem prejuízo da disciplina geral de proteção aos incapazes a saber Art 180 O menor entre dezesseis e dezoito anos não pode para eximirse de uma obrigação invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte ou se no ato de obrigarse declarouse maior Art 181 Ninguém pode reclamar o que por uma obrigação anulada pagou a um incapaz se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga Finalmente cumprenos analisar os efeitos da anulabilidade ou nulidade relativa do negócio jurídico Em linha de princípio cumpre fixar que a sentença proferida ao final da ação anulatória de negócio jurídico tem natureza desconstitutiva ou constitutiva negativa uma vez que determina em seu comando sentencial o desfazimento do ato e por consequência a extinção da relação jurídica viciada Ora partindose da premissa assentada na doutrina processual civil de que a sentença constitutiva positiva ou negativa não tem eficácia retrooperante mas sim possui efeitos para o futuro ex nunc podese chegar à falsa conclusão de que isso também ocorre na sentença anulatória de ato jurídico De fato as sentenças desconstitutivas em geral possuem efeitos para o futuro ex nunc a exemplo da que decreta a separação judicial de um casal dissolvendo a sociedade conjugal Somente após o trânsito em julgado da sentença as partes na separação litigiosa ou os interessados na separação consensual podemse considerar civilmente separados Ocorre que a ilicitude do ato anulável a despeito de desafiar sentença desconstitutiva exige que a eficácia sentencial seja retroativa ex tunc sob pena de se coroarem flagrantes injustiças Figuremos a seguinte hipótese um indivíduo vítima de lesão foi levado por necessidade a celebrar um contrato cujas prestações eram consideravelmente desproporcionais Por força da avença viciada o lesado fora induzido a prestar um sinal arras confirmatórias no valor de quinze mil reais Posteriormente cuidou de anular o ato viciado pleiteando inclusive o que indevidamente pagou Ora tal situação demonstra claramente que a maior virtude da anulabilidade do ato é exatamente restituir as partes ao estado anterior em que se encontravam em todos os seus termos E obviamente tal propósito só é possível se se reconhecer à sentença anulatória efeitos retrooperantes Nesse sentido justificando o entendimento de que a sentença anulatória a despeito de ser constitutiva negativa possui efeitos ex tunc e não ex nunc leiase o art 182 do Código Civil de 2002 Art 182 Anulado o negócio jurídico restituirseão as partes ao estado em que antes dele se achavam e não sendo possível restituílas serão indenizadas com o equivalente grifos nossos E para que não haja dúvida quanto à eficácia retroativa ex tunc da anulação do ato negocial cumpre transcrever a lúcida preleção do Professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR São casos especiais de sentença constitutiva a sentença que anula o ato jurídico por incapacidade relativa do agente ou vício de erro dolo coação simulação ou fraude porque sua eficácia é ex tunc em decorrência do art 158 do Código Civil que manda in casu sejam as partes restituídas ao estado em que se achavam antes do ato anulado 184 Cumpre advertir ainda que a anulação do ato negocial sem pedido expresso de restituição da coisa indevidamente transferida ao réu não permite ao juiz concedêlo de ofício à luz do princípio processual do nemo judex sine actore Da mesma forma para o reconhecimento dos efeitos ex tunc da sentença constitutiva negativa é imprescindível uma determinação judicial expressa de retroação dos efeitos por uma questão básica de estabilidade e segurança jurídica Nesse sentido é o pensamento de OVÍDIO BAPTISTA As ações constitutivas pelas quais se busque obter a desconstituição de atos ou negócios jurídicos quando não cumuladas com alguma demanda de restituição da posse da coisa eventualmente transferida ao réu em virtude do cumprimento do negócio jurídico desfeito não têm eficácia capaz de autorizar o juiz ao julgála procedente a ordenar a restituição A anulação rescisão ou revogação do ato ou negócio jurídico não envolve necessariamente qualquer pretensão à restituição da posse que somente poderá compor outra demanda inconfundível com a ação constitutiva negativa Especialmente nos casos em que o negócio jurídico desconstituído pela sentença haja servido de base para uma nova transferência da coisa a terceiro de boafé tornase visível a impropriedade de tratarse de restituição da coisa como mera questão da lide constitutiva 185 Em conclusão com fundamento em tudo que se expôs cuidaremos de apresentar um quadro comparativo entre a nulidade absoluta e a nulidade relativa ressaltando os seus efeitos e características peculiares NULIDADE ABSOLUTA NULIDADE RELATIVA anulabilidade Ato nulo exige interesse público O ato anulável atinge interesses particulares legalmente tutelados Operase de pleno direito Não se opera de pleno direito Não se admite confirmação Admitese confirmação expressa ou tácita Pode ser arguida pelas partes por terceiro interessado pelo Ministério Público quando lhe couber intervir ou até mesmo pronunciada de ofício pelo juiz Somente pode ser arguida pelos legítimos interessados A ação declaratória de nulidade é decidida por sentença declaratória de efeitos ex tunc A ação anulatória é decidida por sentença de natureza desconstitutiva cujos efeitos em nosso sentir são ex tunc A nulidade pode ser reconhecida a qualquer tempo não se sujeitando a prazo decadencial A anulabilidade somente pode ser arguida pela via judicial em prazos decadenciais de 4 regra geral ou 2 regra supletiva anos salvo norma específica em sentido contrário Considerando a importância do tema da conversão do negócio jurídico nem sempre tratado com a devida atenção pelos manuais de Direito Civil cuidamos aqui de desenvolvêlo A conversão figura muito bem desenvolvida pelo Direito Processual Civil constitui no Direito Civil à luz do princípio da conservação uma importante medida sanatória dos atos nulo e anulável Devese mencionar nesse ponto que a despeito de a conversão poder ser invocada para os atos anuláveis seu maior campo de aplicação indiscutivelmente é na seara dos atos nulos uma vez que os primeiros admitem confirmação o que não é possível para os últimos O Código Civil de 2002 por sua vez colocandose ao lado dos ordenamentos jurídicos mais modernos admitiu a medida para os negócios jurídicos nulos Art 170 Se porém o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido se houvessem previsto a nulidade grifamos Nesse contexto o Professor MARCOS BERNARDES DE MELLO define essa medida conservatória nos seguintes termos consiste no expediente técnico de aproveitarse como outro ato jurídico válido aquele inválido nulo ou anulável para o fim a que foi realizado 186 Tratase portanto de uma medida sanatória por meio da qual se aproveitam os elementos materiais de um negócio jurídico nulo ou anulável convertendoo juridicamente e de acordo com a vontade das partes em outro negócio válido e de fins lícitos Retirase portanto o ato negocial da categoria em que seria considerado inválido inserindoo em outra na qual a nulidade absoluta ou relativa que o inquina será considerada sanada à luz do princípio da conservação Nesse diapasão atentese para a advertência de KARL LARENZ no sentido de que não se admite a conversão se o negócio perseguido pelas partes persegue fins imorais ou ilícitos 187 A conversão exige para a sua configuração a concorrência dos seguintes pressupostos a material aproveitamse os elementos fáticos do negócio inválido convertendoo para a categoria jurídica do ato válido 188 b imaterial a intenção dos declarantes direcionada à obtenção da conversão negocial e consequente recategorização jurídica do negócio inválido Podemse apontar alguns exemplos de conversão substancial a nota promissória nula por inobservância dos requisitos legais de validade é aproveitada como confissão de dívida a doação mortis causa inválida segundo boa parte da doutrina brasileira convertese em legado desde que respeitadas as normas de sucessão testamentária e segundo a vontade do falecido o contrato de compra e venda de imóvel valioso firmado em instrumento particular nulo de pleno direito por vício de forma convertese em promessa irretratável de compra e venda para a qual não se exige a forma pública Tratase da conversão substancial a qual diz respeito ao conteúdo do negócio jurídico em si e não da conversão simplesmente formal ou legal 189 Os estudiosos do Direito Processual Civil desenvolveram com maestria a figura jurídica sob análise principalmente no campo da tutela possessória em que se admite a fungibilidade ou conversibilidade dos interditos nos termos do art 554 do Código de Processo Civil de 2015 Art 554 A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados Seguindo essa diretriz embora ajuizada ação de manutenção de posse com causa de pedir consistente na turbação se o juiz se convencer tratarse de esbulho não indeferirá a inicial uma vez que por força da conversibilidade dos interditos poderá outorgar a proteção legal adequada ordenando a expedição de mandado de reintegração de posse Como exemplo aliás destaquese que o Superior Tribunal de Justiça admitiu a conversão de um inventário em procedimento de herança jacente justificando tal providência no princípio da economia processual 190 Em outra oportunidade o mesmo Tribunal admitiu a conversão de procedimento de jurisdição voluntária em contenciosa sob o argumento de que o sistema das nulidades processuais no Direito brasileiro prestigia o aproveitamento dos atos processuais desde que a finalidade tenha sido alcançada e não haja prejuízo para qualquer das partes 191 O jurista precisa notar que a conversão substancial do negócio jurídico é medida de alto valor principalmente no campo do Direito Contratual e por isso mesmo não merece permanecer adormecida nos velhos livros de Teoria Geral 25 Elementos acidentais do negócio jurídico Após analisarmos aspectos relacionados à validade do negócio jurídico cumpre indagar a respeito da eficácia do ato negocial Nesse plano verificase se o negócio jurídico é eficaz ou seja se repercute juridicamente no plano social imprimindo movimento dinâmico ao comércio jurídico e às relações de direito privado em geral Assim a título de ilustração celebrado um contrato de compra e venda existente e válido será também juridicamente eficaz se não estiver subordinado a um acontecimento futuro a partir do qual passa a ser exigível Nesse diapasão seguindo a linha de pensamento de JUNQUEIRA DE AZEVEDO o terceiro e último plano em que a mente humana deve projetar o negócio jurídico para examinálo é o plano de eficácia Nesse plano não se trata naturalmente de toda e qualquer possível eficácia prática do negócio mas sim tão só de sua eficácia jurídica e especialmente da sua eficácia própria ou típica isto é da eficácia referente aos efeitos manifestados como queridos 192 Nesse campo de estudo do negócio jurídico são considerados elementos acidentais modalidades a o termo b a condição c o modo ou encargo Antes porém de iniciarmos a análise desses elementos é preciso que se diga que por vezes o ato eivado de nulidade absoluta produz efeitos jurídicos a exemplo do que ocorre no casamento putativo 193 ou seja tem repercussões no plano da eficácia e bem assim na hipótese de atos praticados por menores incapazes sem a devida representação ou assistência mas com indiscutível eficácia jurídica e aceitação social 194 A esse respeito pontifica com propriedade SÍLVIO VENOSA O negócio é juridicamente nulo mas o ordenamento não pode deixar de levar em conta efeitos materiais produzidos por esse ato Isso é verdadeiro tanto em relação aos atos nulos como em relação aos atos anuláveis 195 Feita essa importante observação passaremos à análise dos elementos acidentais do negócio jurídico verdadeiros fatores de eficácia da declaração negocial de vontade consoante adiante se demonstrará 251 Condição Tratase da determinação acessória que faz a eficácia da vontade declarada dependente de algum acontecimento futuro e incerto 196 Tratase portanto de um elemento acidental consistente em um evento futuro e incerto por meio do qual subordinamse ou resolvemse os efeitos jurídicos de um determinado negócio É o caso por exemplo do indivíduo que se obriga a transferir gratuitamente um imóvel rural ao seu sobrinho doação quando ele se casar O casamento no caso é uma determinação acessória futura e incerta que subordina a eficácia jurídica do ato negocial condição suspensiva Na mesma linha quando o sujeito adquire por meio de um contrato devidamente registrado o usufruto de um determinado bem para auferir renda até que cole grau em curso superior forçoso concluir também tratarse de negócio jurídico condicional condição resolutiva Dois elementos são fundamentais para que se possa caracterizar a condição a a incerteza b a futuridade Se o fato a que se subordina a declaração de vontade for certo uma data determinada por exemplo estaremos diante de um termo e não de uma condição Por isso se diz ser indispensável a incerteza da determinação acessória para que se possa identificála como condição Aliás é bom advertir que essa incerteza diz respeito à própria ocorrência do fato e não ao período de tempo em que este se realizará Por isso a morte em princípio não é considerada condição o indivíduo nasce e tem a certeza de que um dia morrerá mesmo que não saiba quando acontecimento certus an e incertus quando Tratase de um termo incerto matéria que será analisada logo mais Imaginese a hipótese de uma doação condicionada ao falecimento de um parente moribundo obrigome a transferir a terceiro a minha fazenda quando o meu velho tio que lá se encontra falecer A doutrina por outro lado costuma lembrar a hipótese de a morte vir a ser considerada condição Se a doação figurada linhas acima for subordinada à morte de meu tio dentro de um prazo prefixado doarei a fazenda se o meu tio moribundo falecer até o dia 5 o acontecimento subsumese à categoria de condição uma vez que neste caso haverá incerteza quanto à própria ocorrência do fato dentro do prazo que se fixou Também a futuridade é requisito indispensável para a caracterização da condição Acontecimento passado não pode caracterizar determinação acessória condicional O exemplo citado por SPENCER VAMPRÉ é bastante elucidativo prometo a alguém certa quantia em dinheiro se o meu bilhete de loteria que correu ontem estiver premiado Neste caso tratandose de fato passado uma de duas situações poderá ocorrer ou o bilhete está premiado e a promessa de doação é pura e simples não condicional ou o bilhete está branco perdendo a promessa eficácia jurídica 197 Fixadas tais premissas passaremos a analisar o direito positivo a respeito da matéria O Código Civil de 2002 dispõe Art 121 Considerase condição a cláusula que derivando exclusivamente da vontade das partes subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto Cotejando essa regra legal com a correspondente norma do Código de 1916 198 constatamos que o legislador cuidou não apenas de substituir a expressão ato por negócio jurídico mas também consignou expressamente a vontade das partes como única causa genética de toda determinação acessória condicional De tal forma culminou por afastar a categoria das condições necessárias condiciones juris uma vez que estas não se radicando na vontade das partes derivam exclusivamente da lei a escritura pública na venda de um imóvel por exemplo não é propriamente uma condição voluntária mas sim um requisito formal de validade legalmente exigido Nesse ponto cumpre transcrever o pensamento de MOREIRA ALVES No que diz respeito à condição o Projeto procurou aperfeiçoar o Código vigente corrigindolhe falhas e suprimindo lacunas No art 119 199 que corresponde ao 114 do Código atual a inclusão da frase derivando exclusivamente da vontade das partes serve para afastar do terreno das condições em sentido técnico as condiciones juris 200 Com base em tal assertiva portanto podemos colocar ao lado da futuridade e da incerteza a voluntariedade da condição como elemento característico fundamental Adotando o critério classificatório da condição mais difundido quanto ao modo de atuação teríamos a condições suspensivas b condições resolutivas Fundindo os subtipos em conceito único podese definir a condição como o acontecimento futuro e incerto que subordina a aquisição de direitos deveres e a deflagração de efeitos de um determinado ato negocial condição suspensiva ou a contrario sensu que determina o desaparecimento de seus efeitos jurídicos condição resolutiva De referência à condição suspensiva é preciso que se esclareça que a aposição de cláusula dessa natureza no ato negocial subordina não apenas a sua eficácia jurídica exigibilidade mas principalmente os direitos e obrigações decorrentes do negócio Quer dizer se um sujeito celebra um contrato de compra e venda com outro subordinandoo a uma condição suspensiva enquanto esta se não verificar não se terá adquirido o direito a que ele visa art 125 do CC2002 201 Assim se o comprador inadvertidamente antecipa o pagamento poderá exigir a repetição do indébito via actio in rem verso por se tratar de pagamento indevido Isso porque não implementada a condição não se poderá afirmar haver direito de crédito a ser satisfeito de maneira que o pagamento efetuado caracteriza espúrio enriquecimento sem causa do vendedor Nesse sentido clara é a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA Caso especial de indébito e que encontra a mesma solução é o do pagamento de dívida condicional antes do implemento da condição É de princípio que subordinandose o ato a condição suspensiva enquanto esta se não realiza não terá adquirido o direito a que ele visa Ora condicional a dívida o credor não tem mais que uma expectativa spes debitum iri que se poderá ou não transformar em direito e o devedor não tem uma obrigação efetiva de solver Se portanto este paga antes de verificada a conditio está na mesma situação daquele que paga em erro pois que conforme ocorra ou não a condição o débito poderá ou não ocorrer Daí a consequência o que recebe dívida condicional fica obrigado a restituir 202 Vale destacar porém que até mesmo para a segurança das relações jurídicas o estabelecimento de novas disposições enquanto pendente uma condição suspensiva somente poderá ter valor se realizada a condição forem com ela compatíveis 203 Se for resolutiva a condição enquanto esta não se realizar vigorará o negócio jurídico podendo exercerse desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido Verificada a condição para todos os efeitos extinguese o direito a que ela se opõe art 127 do CC2002 Entretanto se a condição for aposta em contrato de execução continuada ou diferida protraída no tempo o seu implemento salvo estipulação em contrário não prejudicará os atos já praticados desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e a boafé art 128 do CC2002 Assim no exemplo do usufruto constituído sobre imóvel para mantença de estudante universitário usufrutuário beneficiário da renda proveniente da venda do gado até que cole grau o implemento da condição resolutiva colação de grau não poderá prejudicar a venda de novilhos a terceiro já pactuada estando pendente apenas a entrega dos animais A condição resolutiva poderá ainda ser expressa ou tácita No primeiro caso operase de pleno direito no segundo demanda interpelação judicial Esta última espécie não fora contemplada em norma expressa pelo Código Civil de 2002 embora entendamos deva subsistir jurisprudencial e doutrinariamente Não é pelo fato de ser tácita ou implícita que perde a natureza de condição Assim nos contratos bilaterais mesmo não havendo cláusula que preveja a resolução da avença em caso de inadimplemento acontecimento futuro e incerto se uma das partes não cumprir a sua obrigação poderá a outra pleitear a dissolução do negócio cumulada com perdas e danos exigindoselhe todavia antes do ajuizamento da ação principal a interpelação judicial do inadimplente Dentro ainda de nosso esforço classificatório as condições poderão ser no plano fenomenológico a positivas consistem na verificação de um fato auferição de renda até a colação de grau b negativas consistem na inocorrência de um fato empréstimo de uma casa a um amigo até que a enchente deixe de assolar a sua cidade A esse respeito assim se manifesta ROBERTO DE RUGGIERO Se é positiva aparece quando surge o fato se é negativa até o momento em que se verifique a eventualidade considerada 204 Quanto à licitude as condições podem ser ainda a lícitas b ilícitas Seguindo a bem elaborada redação do Código Civil de 2002 são lícitas em geral todas as condições não contrárias à lei à ordem pública e aos bons costumes art 122 do CC2002 De acordo com tal diretriz a licitude de uma cláusula condicional exige compatibilidade não apenas com o direito positivo mas também com o indispensável respeito ao padrão de moralidade média da sociedade enquadrável no conceito indeterminado de bons costumes São exemplos de condições não admitidas por atentarem contra o direito ou a moral a proibição de se casar pois viola a liberdade individual admite outrossim a doutrina a proibição de se casar com determinada pessoa uma vez que a liberdade de escolha não estaria completamente obstada 205 a proibição de mudar de religião a obrigatoriedade de sair do país e não mais voltar a prática de determinado ato criminoso a obrigatoriedade de permanecer em determinado lugar As condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados maculandoos de nulidade absoluta arts 123 II e 166 VII do CC2002 Costuma ainda a doutrina e o CC2002 art 122 parte final reputar proibidas as condições a perplexas incompreensíveis ou contraditórias b potestativas As condições perplexas incompreensíveis ou contraditórias são aquelas que privam de todo o efeito o negócio jurídico celebrado Imaginese um contrato de comodato em que se estabeleça o seguinte Empresto o imóvel desde que você não more nele e não o alugue Nesse ponto o Código Civil dispôs expressamente que as condições incompreensíveis ou contraditórias invalidam o próprio negócio jurídico que lhes é subordinado art 123 III do CC2002 Notese que a consequência da aposição dessa espécie de condição considerada ilícita é a própria invalidade do negócio jurídico pactuado art 123 III do CC2002 Tratase no caso de uma nulidade absoluta por violação a expressa disposição de lei art 166 VII do CC2002 A segunda hipótese de cláusula vedada diz respeito às condições puramente potestativas que são aquelas que derivam do exclusivo arbítrio de uma das partes Não se confundem outrossim com as condições simplesmente potestativas as quais dependendo também de algum fator externo ou circunstancial não caracterizam abuso ou tirania razão pela qual são admitidas pelo direito As condições puramente potestativas caracterizamse pelo uso de expressões como se eu quiser caso seja do interesse deste declarante se na data avençada este declarante considerarse em condições de prestar etc Todas elas traduzem arbítrio injustificado senão abuso de poder econômico em franco desrespeito ao princípio da boafé objetiva Por outro lado as condições simplesmente potestativas a par de derivarem da vontade de uma das partes apenas aliamse a outros fatores externos ou circunstanciais os quais amenizam eventual predomínio da vontade de um dos declarantes sobre a do outro Tomese a hipótese do indivíduo que promete doar vultosa quantia a um atleta se ele vencer o próximo torneio desportivo Nesse caso a simples vontade do atleta não determina a sua vitória que exige para a sua ocorrência a conjugação de outros fatores preparo técnico nível dos outros competidores boa forma física etc A esse respeito vale transcrever a sintética e inteligente conclusão de ARNOLDO WALD São potestativas as condições que dependem da vontade do agente Distinguemse na matéria as condições puramente potestativas que ficam ao exclusivo arbítrio de um dos contratantes e privam de todo o efeito o ato jurídico das demais condições potestativas em que se exige da parte um certo esforço ou determinado trabalho Viciam o ato as primeiras citandose como exemplo de condições potestativas as seguintes se a parte quiser se pedir se desejar etc São ao contrário condições potestativas que não viciam o ato por importar desempenho de uma atividade as que subordinam a validade de uma doação a determinado livro que o donatário deverá escrever à venda de determinado objeto à aquisição de determinado bem à conclusão de um curso etc 206 WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO em seu Curso de Direito Civil amparado na jurisprudência pátria apresenta um rol de situações admitidas como condições simplesmente potestativas 207 Da análise desses julgados constatase acentuada carga de subjetivismo uma vez que em nosso entendimento algumas dessas cláusulas não deveriam ser reputadas lícitas em face do seu caráter nitidamente arbitrário quando puder ou quando possível expressões indicadoras de inegável capricho foram tidas por aceitáveis no elenco jurisprudencial apresentado É preciso que se observe ainda que se por um lado a lei veda o estabelecimento de condição que derive exclusivamente do capricho de uma das partes tal não ocorre na chamada venda a contento pacto acessório que dá direito ao comprador de experimentar a coisa antes de aceitála uma vez que a sua causa não é o arbítrio mas sim a satisfação do adquirente o que é plenamente admitido por lei 208 Outra distinção legal de relevo diz respeito às condições física e juridicamente impossíveis Condições fisicamente impossíveis são aquelas irrealizáveis por qualquer pessoa ou seja cujo implemento exigiria esforço sobrenatural É o caso de se exigir que o sujeito dê a volta ao redor do estádio da Fonte Nova em dois segundos O Código Civil de 2002 confere tratamento diferenciado à matéria Se a condição fisicamente impossível tiver natureza suspensiva invalidará o negócio que lhe for subordinado nulidade absoluta por violação a expressa disposição de lei art 123 I cc o art 166 VII do CC2002 Se tiver cunho resolutivo ou for de não fazer coisa impossível será reputada inexistente art 124 do CC2002 As condições juridicamente impossíveis também são consideradas ilícitas por contrariarem o direito Não vislumbramos diferença essencial entre a ilicitude e a impossibilidade jurídica de uma determinação acessória uma vez que lhes é aplicável o mesmo sistema principiológico Aliás a consequência da aposição de uma conditio juridicamente impossível é exatamente a invalidade do negócio jurídico assim como ocorre em uma condição considerada ilícita art 123 I e II do CC2002 Em verdade parecenos que pretendeu o legislador explicitar em uma ênfase quase pleonástica que não somente são proibidas as condições expressamente vedadas pelo Direito mas sim também tudo aquilo que não estiver de acordo com o ordenamento jurídico o que carrega em si uma distinção muito tênue Tomemse os seguintes exemplos de condições juridicamente impossíveis realizar negócio jurídico condicionado à alienação de bem de uso comum do povo doação condicionada à vinda do Rei do Brasil quando o sistema republicano já aboliu a monarquia etc Beviláqua citando GOUVEIA PINTO preleciona que as condições contrárias ao direito e à moral contêm em si um vício que se propaga à declaração principal da vontade e a política jurídica aconselha que se destruam esses estímulos para a prática do mal 209 Até aqui apresentamos critérios classificatórios da condição quanto a à natureza necessárias condiciones juris e voluntárias b ao modo de atuação suspensivas e resolutivas c ao plano fenomenológico positivas e negativas d à licitude condições lícitas e ilícitas subdividindose estas últimas em ilícitas stricto sensu e proibidas que abarcam as perplexas contraditórias e incompreensíveis e as puramente potestativas e à possibilidade condições possíveis e impossíveis física e juridicamente Em sequência quanto à origem gênero do qual já destacamos as condições potestativas ao abordarmos o critério da licitude as condições poderão ser a casuais as que dependem de um evento fortuito natural alheio à vontade das partes Ex Doarei o valor se chover na lavoura b potestativas já analisadas São as que dependem da vontade de uma das partes Consoante visto acima poderão ser simplesmente potestativas ou puramente potestativas As primeiras por não demostrarem capricho são admitidas pelo direito lícitas ao passo que as segundas por serem arbitrárias são vedadas ilícitas Se a condição nasce potestativa mas vem a perder tal característica por fato superveniente alheio à vontade do agente que frustra ou dificulta a sua realização dizse que é promíscua 210 c mistas são as que derivam não apenas da vontade de uma das partes mas também de um fator ou circunstância exterior como a vontade de um terceiro Ex Darei o capital de que necessita se formares a sociedade com fulano Cumpre observar que os critérios classificatórios interagem interpenetrandose de maneira que uma mesma condição pode ser considerada voluntária suspensiva fisicamente possível e lícita por exemplo Finalmente registrese haver dissenção doutrinária no que tange aos efeitos do implemento de uma condição A doutrina alemã é no sentido de serem irretroativos tais efeitos posição aparentemente adotada pelo antigo Código Civil de 1916 Os franceses por sua vez esposam entendimento contrário defendendo a retroatividade dos efeitos da condição de maneira a considerar por ficção que o tempo intermediário entre o instante da declaração de vontade e o do implemento da condição não exista É como se realizada a condição o ato negocial fosse considerado puro ab initio Sobre o assunto conclui acertadamente CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA A doutrina legal brasileira encontrase portanto na linha das teorias mais modernas que contestam esse efeito retrooperante como regra geral admitindo que ele se entenda como forma de construção jurídica que explica e torna mais claros os efeitos do ato condicional fixando de que maneira atua o evento na aquisição ou na resolução do direito na maioria dos casos 211 O Código Civil de 2002 não tratou da matéria em norma expressa razão pela qual perfilhamonos junto à corrente de pensamento esposada pelo ilustrado jurista mineiro Finalmente à luz do princípio da eticidade e da boafé frisese que se considera realizada a condição cujo implemento seja maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer não se reputando na mesma linha implementada a condição levada a efeito por quem se beneficiaria com a mesma art 129 do CC2002 Da mesma forma ao titular do direito eventual nos casos de condição suspensiva ou resolutiva é permitido praticar os atos destinados a conserválo art 130 do CC2002 252 Termo Também espécie de determinação acessória o termo é o acontecimento futuro e certo que subordina o início ou o término da eficácia jurídica de determinado ato negocial Possui duas características fundamentais a futuridade b certeza Assim como a condição essa cláusula referese a acontecimento futuro descaracterizandoa se o evento já ocorreu 212 A sua fixação importa para os negócios de execução diferida não os instantâneos que se consumam em um só ato Se um contrato de prestação de serviços protrai a sua eficácia negocial para data certa indicada pelos contratantes a partir da qual as obrigações passam a ser exigíveis firmase um termo inicial conforme já se anotou Mas se não há data para o seu cumprimento dizse que é puro e instantâneo de exigibilidade imediata Nada impede outrossim tomandose o mesmo exemplo que as partes acordem data certa para extinção dos efeitos do contrato hipótese em que se estará diante de um termo final Nessa linha de raciocínio seguindo a diretriz apresentada pelo Código Civil vigente é correto afirmarse que o termo inicial suspende o exercício mas não a aquisição do direito art 131 do CC2002 Com isso querse dizer que nos negócios jurídicos a termo inicial apenas a exigibilidade do negócio é transitoriamente suspensa não impedindo que as partes adquiram desde já os direitos e deveres decorrentes do ato Dessa forma em um determinado contrato a termo pode o devedor cumprir antecipadamente a sua obrigação uma vez que não tendo sido pactuado o prazo em favor do credor o termo não subordina a aquisição dos direitos e deveres decorrentes do negócio mas apenas o seu exercício Realizado o ato já surgem o crédito e o débito estando os mesmos apenas com a exigibilidade suspensa Por isso não há no caso de antecipação do pagamento enriquecimento sem causa do credor como ocorreria se se tratasse de negócio sob condição suspensiva consoante se anotou linhas acima Advirta se apenas que a antecipação do pagamento ante tempus é simplesmente uma faculdade e não uma obrigação do devedor O termo poderá ser certo ou incerto No primeiro caso certus an e certus quando há certeza da ocorrência do evento futuro e do período de tempo em que se realizará traduzindose em geral por uma data determinada ou um lapso temporal preestabelecido no dia 13 de abril de 2001 ou da data de hoje a 10 dias No segundo caso certus an e incertus quando existe uma indeterminação quanto ao momento da ocorrência do fato embora seja certo que existirá quando fulano morrer O período de tempo entre os termos inicial e final denominase prazo art 132 do CC2002 O seu estudo importa não apenas para o Direito Civil mas principalmente para o Direito Processual Civil e a esse respeito cumpre transcrever a lição de WAMBIER ALMEIDA e TALAMINI Esse espaço de tempo em que deve ser realizado o ato processual tem um termo inicial isto é um momento de início da contagem do respectivo prazo dies a quo e um termo final ou seja um momento em que o prazo se expira dies ad quem sujeitando o titular do ônus ou do dever à respectiva consequência 213 Em regra computamse os prazos excluindose o dia do começo e incluindose o dia do vencimento Nessa ordem de ideias e para que não pairem dúvidas transcrevemos o art 132 do CC2002 Art 132 Salvo disposição legal ou convencional em contrário computamse os prazos excluído o dia do começo e incluído o do vencimento 1º Se o dia do vencimento cair em feriado considerarseá prorrogado o prazo até o seguinte dia útil 2º Meado considerase em qualquer mês o seu décimo quinto dia 3º Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início ou no imediato se faltar exata correspondência 4º Os prazos fixados por hora contarseão de minuto a minuto Nos testamentos presumese o prazo em favor do herdeiro 214 e nos contratos em proveito do devedor 215 salvo quanto a esses se do conteúdo do instrumento ou das circunstâncias resultar que se estabeleceu a benefício do credor ou de ambos os contratantes art 133 do CC2002 Vale salientar que os atos negociais sem prazo são exigíveis de imediato ressalvada a hipótese de a execução ter de ser feita em local diverso ou depender de tempo a entrega de uma mercadoria em outro Estado por exemplo Cuidase do prazo tácito previsto no art 134 do CC2002 Art 134 Os negócios jurídicos entre vivos sem prazo são exequíveis desde logo salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo Finalmente cumprenos mencionar que a doutrina costuma apresentar a seguinte classificação do termo a convencional fixado pela vontade das partes em um contrato por exemplo b legal determinado por força de lei c de graça fixado por decisão judicial geralmente consiste em um prazo determinado pelo juiz para que o devedor de boafé cumpra a sua obrigação 253 Encargo Modo ou encargo é determinação acessória acidental do negócio jurídico que impõe ao beneficiário um ônus a ser cumprido em prol de uma liberalidade maior Tratase de uma autolimitação da vontade típica dos negócios gratuitos Nesse sentido preleciona SÍLVIO VENOSA O encargo ou modo é restrição imposta ao beneficiário da liberalidade Assim faço doação à instituição impondolhe o encargo de prestar determinada assistência a necessitados doo casa a alguém impondo ao donatário obrigação de residir no imóvel faço legado de determinada quantia a alguém impondolhe o dever de construir monumento em minha homenagem faço doação de área determinada à Prefeitura com encargo de ela colocar em uma das vias públicas meu nome etc 216 Ora se é realizado tendo em vista um benefício mais significativo para o realizador do ato caracterizase como mera restrição não sendo correto dizer que o encargo funciona como contraprestação contratual Por isso entendemos não assistir razão a RUGGIERO quando admite a natureza de encargo ao ônus que restrinja todas as vantagens patrimoniais decorrentes do negócio 217 Encargo é peso atrelado a uma vantagem e não uma prestação correspectiva sinalagmática Cumpre mencionar ainda que essa espécie de determinação acessória não suspende a aquisição nem o exercício do direito ressalvada a hipótese de haver sido fixado o encargo como condição suspensiva art 136 do CC2002 Geralmente é identificado pelas expressões para que com a obrigação de com o encargo de Não suspendendo os efeitos do negócio jurídico o não cumprimento do encargo não gera portanto a invalidade da avença mas sim apenas a possibilidade de sua cobrança judicial ou a posterior revogação do negócio como no caso de ser instituído em doação art 562 do CC2002 ou legado art 1938 do CC2002 Interessante ainda é a previsão normativa do art 137 do CC2002 218 segundo a qual o encargo ilícito ou impossível é considerado não escrito inexistente remanescendo o ato na sua forma pura Seria o caso por exemplo de uma doação em que se estabelecesse para o donatário a obrigação de fazer uma viagem turística a Saturno encargo ainda impossível no atual estágio de pesquisas espaciais A mesma norma legal por outro lado ressalva a hipótese de tal encargo haver sido imposto como motivo determinante da liberalidade causa do ato negocial caso em que invalida todo o negócio Assim se o ato de liberalidade doação de um valioso imóvel é feito com a finalidade específica motivação típica de o donatário empregála na implantação de uma casa de prostituição encargo ilícito deverá ser invalidado todo o negócio jurídico Em verdade a nova regra legal supre lacuna existente no Código de 1916 que não disciplinava satisfatoriamente o modo ou encargo reservandolhe apenas o seu mencionado art 128 3 ATO ILÍCITO Quando estudamos o fato jurídico vimos que o ato jurídico em sentido amplo é toda ação humana lícita positiva ou negativa apta a criar modificar ou extinguir direitos e obrigações Entretanto por vezes pode a pessoa atuar contrariamente ao direito violando as normas jurídicas e causando prejuízo a outrem Neste último caso estaremos diante de uma categoria própria denominada ato ilícito conceito difundido pelo Código Civil alemão consistente no comportamento humano voluntário contrário ao direito e causador de prejuízo de ordem material ou moral SÉRGIO CAVALIERI FILHO com precisão defineo como o ato voluntário e consciente do ser humano que transgride um dever jurídico 219 Do exposto poderemos extrair os seguintes elementos componentes do ato ilícito a ação humana positiva ou negativa b contrariedade ao direito ou ilicitude violação de dever jurídico preexistente c prejuízo material ou moral CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA adverte A iliceidade de conduta está no procedimento contrário ao dever preexistente E arremata Sempre que alguém falta ao dever a que é adstrito comete um ilícito e como os deveres qualquer que seja a sua causa imediata na realidade são sempre impostos pelos preceitos jurídicos o ato ilícito importa na violação do ordenamento jurídico 220 O Código de 1916 em seu art 159 assim o definia Art 159 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulamse pelo disposto neste Código arts 1518 a 1532 e 1537 a 1553 Observese que esse dispositivo além de estar calcado na ideia de culpa traduzida nas expressões omissão voluntária negligência ou imprudência impôs o dever de indenizar como consequência pelo prejuízo causado a outrem Não se preocupou outrossim o legislador de 1916 em reconhecer expressamente a reparabilidade do dano moral Entretanto por não haver estabelecido proibição nesse sentido sempre foi possível interpretar teleologicamente a palavra prejuízo para abranger a indenização pela dor psicológica sofrida Tal interpretação foi reforçada com a Constituição Federal de 1988 que em seu art 5º V e X consagrou expressamente a reparabilidade do dano moral fulminando de morte os que ainda resistiam a tal hermenêutica O Código Civil de 2002 por sua vez aprimorou sobremaneira essa regra legal consoante decorre da leitura dos seus arts 186 e 187 Art 186 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito Art 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercêlo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes grifos nossos Além de admitir seguindo orientação constitucional que o ato ilícito poderá produzir dano exclusivamente moral o legislador nos referidos arts 186 e 187 cuidou também de prever em norma expressa a teoria do abuso de direito apenas indiretamente reconhecida pelo Código de 1916 221 Essa teoria desenvolveuse a partir do célebre caso de Clement Bayard julgado por um tribunal francês no início do século passado O proprietário de um imóvel sem razão justificável construiu altas hastes pontiagudas para prejudicar o voo de aeronaves no terreno vizinho Cuidavase de nítido abuso do direito de propriedade Analisando o art 187 do CC2002 concluise não ser imprescindível pois para o reconhecimento da teoria do abuso de direito que o agente tenha a intenção de prejudicar terceiro bastando segundo a dicção legal que exceda manifestamente os limites impostos pela finalidade econômica ou social pela boafé ou pelos bons costumes 222 Aliás no apreciar a aplicação da teoria deve o julgador recorrer à regra de ouro do art 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Art 5º Na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum Adotouse portanto o critério finalístico para a identificação do abuso de direito 223 O exercício regular do direito a legítima defesa e o estado de necessidade são causas excludentes de ilicitude previstas em nosso direito positivo Nesse sentido dispõe o art 188 do CC2002 Art 188 Não constituem atos ilícitos I os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido II a deterioração ou destruição da coisa alheia ou a lesão a pessoa a fim de remover perigo iminente Parágrafo único No caso do inciso II o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo Dentro da noção de exercício regular de um direito enquadrase por óbvias razões o estrito cumprimento do dever legal A legítima defesa art 188 I primeira parte do CC2002 pressupõe a reação proporcional a uma injusta agressão atual ou iminente utilizandose moderadamente os meios de defesa postos à disposição do ofendido A desnecessidade ou imoderação dos meios de repulsa poderá caracterizar o excesso proibido pelo direito Vale lembrar que se o agente exercendo a sua lídima prerrogativa de defesa atinge terceiro inocente terá de indenizálo cabendolhe outrossim ação regressiva contra o verdadeiro agressor Nesse sentido confiramse os arts 929 e 930 do CC2002 Art 929 Se a pessoa lesada ou o dono da coisa no caso do inciso II do art 188 não forem culpados do perigo assistirlhesá direito à indenização do prejuízo que sofreram Art 930 No caso do inciso II do art 188 se o perigo ocorrer por culpa de terceiro contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado Parágrafo único A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano art 188 inciso I O estado de necessidade art 188 II do CC2002 por sua vez consiste na situação de agressão a um direito alheio de valor jurídico igual ou inferior àquele que se pretende proteger para remover perigo iminente quando as circunstâncias do fato não autorizarem outra forma de atuação Percebase que o parágrafo único do referido artigo de lei prevê que o estado de necessidade somente será considerado legítimo quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo Diferentemente do que ocorre na legítima defesa o agente não reage a uma situação injusta mas atua para subtrair um direito seu ou de outrem de uma situação de perigo concreto É o caso do sujeito que desvia o carro de um bebê para não atropelálo e atinge o muro da casa causando danos materiais Atuou neste caso em estado de necessidade Se o terceiro atingido não for o causador da situação de perigo poderá exigir indenização do agente que houvera atuado em estado de necessidade cabendo a este ação regressiva contra o verdadeiro culpado o pai do bebê que à luz do art 933 do CC2002 responderá objetivamente pelo dano causado Finalmente cumprenos advertir que em situações excepcionais os atos lícitos poderão impor a obrigação de indenizar É o caso da passagem forçada prevista no art 1285 do CC2002 Art 1285 O dono do prédio que não tiver acesso a via pública nascente ou porto pode mediante pagamento de indenização cabal constranger o vizinho a lhe dar passagem cujo rumo será judicialmente fixado se necessário Notese que neste caso a obrigação de indenizar decorre de um ato perfeitamente lícito o próprio direito de passagem previsto no referido artigo de lei Ainda no campo dos Direitos Reais também ocorre a obrigação de indenizar em decorrência de um ato lícito na hipótese prevista no art 1313 do CC2002 Art 1313 O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio mediante prévio aviso para I dele temporariamente usar quando indispensável à reparação construção reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório II apoderarse de coisas suas inclusive animais que aí se encontrem casualmente 1º O disposto neste artigo aplicase aos casos de limpeza ou reparação de esgotos goteiras aparelhos higiênicos poços e nascentes e ao aparo de cerca viva 2º Na hipótese do inciso II uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho poderá ser impedida a sua entrada no imóvel 3º Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano terá o prejudicado direito a ressarcimento grifamos Excepcionalmente portanto a responsabilidade civil poderá decorrer de um comportamento humano admitido pelo direito VI PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA 1 NOÇÕES CONCEITUAIS A prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado em virtude da inércia do seu titular no prazo previsto pela lei 224 Nesse caso a obrigação jurídica prescrita convertese em obrigação natural que é aquela que não confere o direito de exigir seu cumprimento mas se cumprida espontaneamente autoriza a retenção do que foi pago 225 Tem por objeto direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis não afetando por isso direitos sem conteúdo patrimonial direto como os direitos personalíssimos de estado ou de família que são irrenunciáveis e indisponíveis Como veremos a seguir as relações jurídicas afetadas pela prescrição são objeto necessário de ações condenatórias que visam compelir o obrigado a cumprir a prestação ou sancionálo na hipótese de inadimplemento Entretanto para se chegar à ideia de que a prescrição atinge a pretensão e não o direito de ação em si longo caminho foi percorrido Tradicionalmente a doutrina sempre defendeu que a prescrição ataca a ação e não o direito que só se extingue por via de consequência 226 Mas tal assertiva data venia amparase em fundamento equivocado O direito constitucional de ação ou seja o direito de pedir ao Estado um provimento jurisdicional que ponha fim ao litígio é sempre público abstrato de natureza essencialmente processual e indisponível Não importa se o autor possui ou não razão isto é se detém ou não o direito subjetivo que alega ter A ordem jurídica sempre lhe conferirá o legítimo direito de ação e terá à luz do princípio da inafastabilidade inviolável direito a uma sentença Por isso não se pode dizer que a prescrição ataca a ação Ocorre que na época da elaboração do Código Civil de 1916 e mesmo antes consideravase ainda com fulcro na superada teoria imanentista do Direito Romano que a ação judicial nada mais era do que o próprio direito subjetivo lesado em movimento 227 Por essa razão incrementada pelo pouco desenvolvimento do Direito Processual Civil não se visualizava a nítida distinção entre o direito de ação em si de pedir do Estado o provimento jurisdicional e o próprio direito material violado Ora se a ação e o direito material eram faces da mesma moeda explicavase porque se defendia que a prescrição extintiva atacava o direito de ação e indiretamente o próprio direito material violado que permaneceria inerte despojado de sua capacidade defensiva Todavia consoante já se demonstrou a prescrição não atinge o direito de ação que sempre existirá mas sim a pretensão que surge do direito material violado E o que se entende por pretensão Pretensão é a expressão utilizada para caracterizar o poder de exigir de outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico vale dizer é o poder de exigir a submissão de um interesse subordinado do devedor da prestação a um interesse subordinante do credor da prestação amparado pelo ordenamento jurídico Observese portanto que o objeto da prescrição extintiva é a pretensão e não o direito de ação em si que sempre existirá mesmo depois de decorrido o prazo prescricional estabelecido em lei Nesse sentido a técnica do Código Civil de 2002 é digna de encômios Título IV Da Prescrição e da Decadência Capítulo I Da Prescrição Seção I Disposições Gerais Art 189 Violado o direito nasce para o titular a pretensão a qual se extingue pela prescrição nos prazos a que aludem os arts 205 e 206 grifos nossos 228 Comentando esse dispositivo MIGUEL REALE com sabedoria pontifica Ainda a propósito da prescrição há problema terminológico digno de especial ressalte Tratase de saber se prescreve a ação ou a pretensão Após amadurecidos estudos preferiuse a segunda solução por ser considerada a mais condizente com o Direito Processual contemporâneo que de há muito superou a teoria da ação como simples projeção de direitos subjetivos 229 Aliás mesmo antes da Nova Lei Codificada o Código de Defesa do Consumidor talvez a mais inovadora lei das últimas décadas já trazia disposição alinhada com a correta técnica de disciplina da prescrição afastandose da ideia equivocada de que o decurso do prazo prescricional atacaria o direito de ação Art 27 Prescreve em 5 anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo iniciandose a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria grifos nossos O Código Civil de 2002 inclusive põe termo também à discussão doutrinária acerca da possibilidade de se poder opor em defesa um direito prescrito ao estabelecer no art 190 que a exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão 230 Por tudo que se disse até aqui já se pode perceber profundas diferenças entre a prescrição e a decadência Há direitos que por sua própria natureza possuem prazo predeterminado para o seu exercício O transcurso desse prazo aliado à inércia do seu titular caracteriza a decadência ou caducidade Esta última portanto consiste na perda efetiva de um direito potestativo pela falta de seu exercício no período de tempo determinado em lei ou pela vontade das próprias partes Sendo literalmente a extinção do direito é também chamada em sentido estrito consoante já se disse de caducidade não remanescendo qualquer sombra de direito em favor do titular que não terá como exercer mais de forma alguma o direito caduco Referemse como veremos a seguir a direitos potestativos de qualquer espécie disponíveis ou não direitos estes que nas palavras de FRANCISCO AMARAL conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem por ato unilateral sem que haja dever correspondente apenas uma sujeição 231 Um exemplo facilitará o entendimento 232 Adquirida uma coisa com vício redibitório defeito oculto que diminui o valor ou prejudica o uso da coisa alienada disciplinado nos arts 441 a 446 do CC2002 o adquirente desde o momento da tradição tem o direito de exigir o desfazimento do contrato por meio da ação redibitória dentro do prazo predeterminado de trinta dias se o bem for móvel ou um ano se o bem for imóvel 233 Tratase de um prazo decadencial legalmente previsto para o exercício de um direito potestativo direito de redibir o contrato uma vez que o alienante se sujeitará ao seu exercício sem que nada possa fazer Não há portanto no exercício do direito potestativo sujeito a prazo decadencial pretensão exigível pelo titular do direito violado que é objeto de prescrição consoante já vimos Registrese que nem a prescrição nem a decadência se confundem com o instituto da preclusão que em verdade é a perda de uma faculdade ou direito processual por se haver esgotado ou por não ter sido exercido em tempo e momento oportunos 234 Da mesma forma não há como confundilos com a perempção que embora também calcada na ideia de inércia é instituto de direito processual aplicável somente aos acionantes da máquina judiciária com a extinção do processo civil ou criminal como sanção pelo não cumprimento de diligências que lhe cabiam235 Há perfeita correspondência entre os institutos da prescrição e decadência e a classificação das ações de acordo com a tutela jurisdicional pretendida E isso se dá em verdade porque se a prescrição é a extinção da pretensão à prestação devida direito esse que continua existindo na relação jurídica de direito material em função de um descumprimento que gerou a ação esta somente pode ser aplicada às ações condenatórias Afinal somente esse tipo de ação exige o cumprimento coercitivo de uma prestação 236 Já a decadência como se refere à perda efetiva de um direito pelo seu não exercício no prazo estipulado somente pode ser relacionada aos direitos potestativos que exijam uma manifestação judicial Tal manifestação por ser elemento de formação do próprio exercício do direito somente pode se dar portanto por ações constitutivas Por fim as ações declaratórias que visam apenas ao mero reconhecimento de certeza jurídica e isso independe de qualquer prazo somente podem ser imprescritíveis uma vez que não são direcionadas a modificar qualquer estado de coisas Por exceção nos casos de direitos potestativos exercitáveis mediante simples declaração de vontade do titular sem prazo especial de exercício previsto em lei a eventual ação judicial ajuizada ações constitutivas sem prazo especial de exercício previsto em lei também será imprescritível como é o caso da ação de divórcio que desconstitui o vínculo matrimonial 2 A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL O Código Civil de 2002 objetivando tentar superar um erro histórico 237 finalmente disciplinou expressamente a decadência evitando a lamentável circunstância de o CC1916 ter tratado todos os prazos sob a denominação comum de prescrição o que fazia com que o aplicador do direito tivesse de se rebelar contra a literalidade do texto legal e contra princípio básico de hermenêutica distinguindo onde este não fazia com base na essência e sentido do prazo previsto Tratando de forma explícita a matéria até mesmo a diferença entre os institutos fica facilitada Nessa linha a própria possibilidade de renúncia prévia é elemento interessante para a distinção uma vez que a decadência prevista em lei é irrenunciável art 209 enquanto a renúncia à prescrição não é somente admissível como também se aceita a sua caracterização tácita Para se renunciar à aplicação da prescrição todavia é preciso que a mesma já esteja consumada e não haja prejuízo a terceiro 238 Renunciar à prescrição consiste na possibilidade de o devedor de uma dívida prescrita consumado o prazo prescricional e sem prejuízo a terceiro abdicar do direito de alegar essa defesa indireta de mérito a prescrição em face do seu credor Se anuncia o pagamento e o executa renunciou expressamente Se embora não o haja afirmado expressamente constituiu procurador providenciou as guias bancárias para o depósito ou praticou qualquer ato incompatível com a prescrição significa que renunciou tacitamente Justamente em decorrência dessa peculiaridade em relação à renúncia proibida para o prazo decadencial legal deve o juiz de ofício conhecer da decadência quando prevista em lei Sobre pronunciamento de ofício da prescrição cuidaremos a seguir mas adiantamos que conforme a regra do art 193 do CC2002 a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita Antes do advento da Lei n 11280 de 16 de fevereiro de 2006 que autorizou genericamente o conhecimento de ofício da prescrição ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973 já havia a previsão de situações específicas de acolhimento ex officio de prescrição como no caso dos absolutamente incapazes que merecendo tutela especial do Estado podiam ver a prescrição ser declarada de ofício quando tal acolhimento lhes favorecesse art 194 do CC2002 ora revogado seja como sujeito passivo hipótese mais visível seja como terceiro interessado juridicamente no resultado da demanda Com a revogação do art 194 do CC2002 pela referida Lei n 112802006 permitiuse ao órgão judicante reconhecer de ofício a prescrição sem restrições a situações específicas A mesma norma também alterou o 5º do art 219 do CPC1973 prevendo que o juiz pronunciasse de ofício a prescrição o que antes somente poderia ocorrer se não se tratasse de direitos patrimoniais Sempre entendemos e defendemos publicamente todavia que esse reconhecimento de ofício pressupunha que o juiz antes de se manifestar à luz do princípio da cooperação processual ouvisse as partes Essa oitiva tem duas finalidades bem evidentes permitir que o devedor possa oporse ao pronunciamento judicial pois pode querer pagar renunciando à prescrição e admitir que o credor possa contraporse ao reconhecimento do fim da sua pretensão argumentando por exemplo que o prazo prescricional não fluiu ou qualquer outra causa obstativa da prescrição Adotando exatamente essa diretriz o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu expressamente no parágrafo único do seu art 487 que a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestarse ressalvando apenas a hipótese do 1º do seu art 332 que trata de julgamento de improcedência prima facie Já a decadência não pode ser declarada de ofício se for estipulada convencionalmente hipótese em que os próprios contratantes e não a lei previram prazo decadencial para o exercício de um direito o que se entende até mesmo pelo fato de que a norma pactuada pela autonomia da vontade por não ser legislação federal tem de necessariamente ser levada ao conhecimento do magistrado Todavia em função da importância do instituto que repitase implica a perda do direito material discutido em juízo também não haverá preclusão temporal para sua arguição art 211 do CC2002 Notese que a sistemática do Código de 1916 era menos abrangente Além de só autorizar a alegação da prescrição de direitos patrimoniais pela parte a quem aproveitasse vedando o reconhecimento judicial de ofício art 165 não reservou um único artigo à disciplina da decadência Outra questão controvertida na doutrina também foi dirimida pelo Código Civil de 2002 a discussão sobre a possibilidade de alteração convencional dos prazos prescricionais Nesse ponto talvez pelo fato de a prescrição somente poder ser fixada por lei ao contrário da decadência que admite a delimitação pela via negocial os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes conforme preceitua o art 192 que pôs fim à controvérsia Registrese que os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais que derem causa à prescrição ou não a alegarem oportunamente art 195 do CC2002 regra que também é aplicável para a decadência por força do art 208 do CC2002 Tal preceito destaca a importância dos institutos e de sua arguição em juízo uma vez que podem ensejar ações de responsabilização civil por perdas de chance Vale lembrar que o Código de 1916 já trazia dispositivo semelhante embora com mais requisitos As pessoas que a lei priva de administrar os próprios bens têm ação regressiva contra os seus representantes legais quando estes por dolo ou negligência derem causa à prescrição Finalmente duas óbvias regras merecem ser lembradas posto prescindam de maiores esclarecimentos dada a clareza de sua hermenêutica A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor 239 art 196 do CC2002 e com o principal prescrevem os direitos acessórios art 167 do CC1916 sem previsão expressa no CC2002 embora merecedora de integral acolhimento doutrinário Por fim para a consumação da prescrição e no que couber da decadência fazse mister em síntese a conjugação de quatro fatores bem nítidos a existência de um direito exercitável b inércia do titular pelo não exercício c continuidade da inércia por certo tempo d ausência de fato ou ato impeditivo suspensivo ou interruptivo do curso da prescrição requisito aplicável à decadência excepcionalmente somente por previsão legal específica art 207 do CC2002 3 CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS A legislação prevê diversas causas impeditivas e suspensivas da prescrição A priori não há diferença ontológica entre impedimento e suspensão da prescrição pois ambas são formas de paralisação do prazo prescricional A sua diferença fática é quanto ao termo inicial pois no impedimento o prazo nem chegou a correr enquanto na suspensão o prazo já fluindo congelase enquanto pendente a causa suspensiva Por isso mesmo as causas impeditivas e suspensivas da prescrição são tratadas da mesma forma nos arts 197 a 199 do CC2002 a saber Art 197 Não corre a prescrição I entre os cônjuges na constância da sociedade conjugal II entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar III entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores durante a tutela ou curatela Art 198 Também não corre a prescrição I contra os incapazes de que trata o art 3º II contra os ausentes do País em serviço público da União dos Estados ou dos Municípios III contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas em tempo de guerra Art 199 Não corre igualmente a prescrição I pendendo condição suspensiva II não estando vencido o prazo III pendendo ação de evicção Injustificável é essa disciplina do mesmo instituto em três artigos diferentes pois a sua caracterização como impedimento ou suspensão dependerá muito do caso concreto Por exemplo o casamento entre devedores fará suspender a prescrição já iniciada por aplicação do art 197 I do CC2002 O mesmo dispositivo porém autoriza uma hipótese de impedimento do curso prescricional se a dívida for contraída durante a constância da sociedade conjugal O mesmo raciocínio é aplicado entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar expressão que substitui o superado pátrio poder e entre tutelados e curatelados e seus tutores e curadores durante a tutela ou curatela 240 Da mesma forma não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes os ausentes do País em serviço público da União dos Estados e dos Municípios e os que se acharem servindo nas Forças Armadas em tempo de guerra Notese que dado o interesse público envolvido a prescrição não corre contra essas pessoas embora possa correr a favor Assim se o credor ausentouse do País para prestar serviços em uma embaixada brasileira em Islamabad por exemplo o prazo prescricional ficará suspenso até o seu retorno Por outro lado se o ausente for o devedor a prescrição corre a seu favor de maneira que durante o período em que estiver fora o prazo fluirá normalmente Finalmente não corre a prescrição pendendo condição suspensiva não estando vencido o prazo ou estando em curso ação de evicção art 199 do CC2002 As duas primeiras hipóteses são claras e falam por si mesmas Se o negócio jurídico estiver subordinado a condição suspensiva ou a prazo o crédito constituído será inexigível até o advento da condição ou o vencimento da dívida transcurso do prazo restando obstado o curso do prazo prescricional até aí A pretensão no caso só surgirá quando o crédito for exigível ocorrida a condição ou vencido o prazo e o devedor descumprir a prestação que lhe fora imposta Também não corre a prescrição estando pendente ação de evicção A evicção prevista nos arts 447 a 457 do CC2002 consiste na perda total ou parcial do direito do adquirente sobre a coisa em razão de uma decisão judicial que reconhece a propriedade anterior de outrem Pelos riscos da evicção responde o alienante perante o adquirente Assim estando pendente ação de evicção proposta pelo terceiroreivindicante contra o adquirente os prazos prescricionais em geral e bem assim o próprio prazo de usucapião prescrição aquisitiva ficam suspensos até que se decida a quem de fato pertence a propriedade Em nosso entendimento o legislador perdeu boa oportunidade de suprimir por ser absolutamente desnecessário a disciplina prevista pelo art 199 do Código Civil de 2002 art 170 do CC1916 As regras aí constantes são óbvias e não mereciam atenção do legislador O próprio BEVILÁQUA lembra nos SÍLVIO VENOSA já criticava a redação do art 170 do CC1916 pelas sobreditas razões Clóvis em seus comentários ao art 170 entendeo supérfluo pelo simples fato de que nos decantados casos a prescrição não corre e nem poderia correr porque não existe ação para o cumprimento da obrigação 241 O único reparo a ser feito nessa culta advertência é no sentido de que a prescrição não corre por não haver surgido ainda a pretensão do credor fruto da violação do seu direito Isso porque consoante já observamos o direito processual de ação direito de pedir um provimento jurisdicional do Estado sempre existirá incondicionalmente Um dado importantíssimo de grandes consequências práticas é a regra do art 200 do CC2002 que assim dispõe Art 200 Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva Com efeito muitas vezes determinados fatos geram repercussões tanto no juízo civil quanto no criminal correndo processos simultaneamente que poderiam gerar inclusive sentenças contraditórias caso a sentença civil seja prolatada antes da penal Na hipótese de o sujeito haver cometido um homicídio por exemplo a despeito da relativa independência entre a jurisdição penal e a civil enquanto não houver sentença criminal definitiva a prescrição não correrá contra os herdeiros da vítima credores da reparação civil 242 Outro exemplo muito comum é quando se despede um empregado por falta grave de improbidade havendo sido dado início também à persecução criminal Enquanto pendente a discussão no juízo penal não correrá a prescrição para demandas cuja causa de pedir próxima seja a acusação de improbidade Isso pode ser extremamente útil para uma cognição exauriente da matéria e uma solução integral da lide pois se buscará mais a verdade real do que a realidade formal e muitas vezes apequenada de uma reparação puramente pecuniária 243 Por fim salientese que a suspensão da prescrição em favor de um dos credores solidários somente aproveitará aos outros se a obrigação for indivisível consoante disciplina o art 201 do CC2002 Art 201 Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível Assim se Caio Tício e Tácito são credores solidários 244 de Xerxes devedor de uma quantia de trezentos reais verificada uma causa suspensiva em face de algum deles ex Caio ausentouse do país em serviço público da União só restará suspenso o prazo prescricional em favor do beneficiário direto da suspensão uma vez que se trata de obrigação divisível prestação de dar dinheiro Contra os outros credores o prazo prescricional fluirá normalmente Diferentemente se o objeto da obrigação for indivisível ex um cavalo de raça a suspensão da prescrição em face de um dos credores beneficiará todos os demais 4 CAUSAS INTERRUPTIVAS A diferença entre a interrupção e a suspensão da prescrição é que enquanto na segunda o prazo fica paralisado na primeira zerase todo o prazo decorrido recomeçando a contagem da data do ato que a interrompeu ou do último ato do processo para a interromper parágrafo único do art 202 do CC2002 Assim transcorridos dois anos do prazo prescricional para se formular uma pretensão via ação ordinária de cobrança prazo máximo de dez anos no CC2002 vinte anos no CC1916 por exemplo e verificada posteriormente uma causa interruptiva todo o lapso temporal recomeça do zero Outra peculiaridade da disciplina legal da prescrição pelo atual Código Civil diz respeito à interrupção da prescrição que agora somente poderá ocorrer uma única vez 245 Essa limitação nos parece bastante salutar no sentido de moralizar a utilização da possibilidade de interrupção evitandose abusos generalizáveis e a própria perpetuação da lide Assim são causas interruptivas da prescrição na forma dos incisos do art 202 do Código Civil a O despacho do juiz mesmo incompetente que ordenar a citação se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual inc I Neste ponto houve importante alteração se considerarmos a regra similar contida no art 172 I do CC1916 Isso porque esta última norma que previa a interrupção da prescrição pela citação pessoal feita ao devedor ainda que ordenada por juiz incompetente já havia sofrido temperamento à luz do disposto no 1º do art 219 do Código de Processo Civil de 1973 com redação determinada pela Lei n 895294 com o seguinte teor A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação Assim desde que a parte interessada promovesse os atos necessários à efetivação da citação pagamento das custas por exemplo no prazo de lei não mais a data da citação válida mas sim a data da propositura da ação 246 marcaria a interrupção do prazo prescricional Essa diretriz foi mantida no Código de Processo Civil de 2015 estabelecendo expressamente o parágrafo único do seu art 802 que a interrupção da prescrição retroagirá à data de propositura da ação Nessa linha prevê o art 240 do CPC2015 Art 240 A citação válida ainda quando ordenada por juízo incompetente induz litispendência torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor ressalvado o disposto nos arts 397 e 398 da Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil 1º A interrupção da prescrição operada pelo despacho que ordena a citação ainda que proferido por juízo incompetente retroagirá à data de propositura da ação 2º Incumbe ao autor adotar no prazo de 10 dez dias as providências necessárias para viabilizar a citação sob pena de não se aplicar o disposto no 1º 3º A parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário 4º O efeito retroativo a que se refere o 1º aplicase à decadência e aos demais prazos extintivos previstos em lei E se a parte interessada não promover os atos necessários à efetivação da citação no prazo de lei Nesse caso excedidos os prazos previstos no CPC respondenos BARBOSA MOREIRA a citação apenas surtirá o efeito interruptivo ou obstativo na data em que se realizar 247 desde que até então não se haja consumado a prescrição ou a extinção do direito 248 Em nosso entendimento o disposto no art 202 I do Código Civil de 2002 não entrava em rota de colisão com o art 219 e parágrafos do Código de Processo Civil de 1973 devendo as referidas regras ser interpretadas harmonicamente Vale dizer exarado o despacho positivo inicial de citação citese os efeitos da interrupção do prazo prescricional retroagirão até a data da propositura da ação desde que a parte praticasse os atos processuais que lhe fossem determinados nos prazos legalmente previstos para viabilizar a citação Esse sempre foi considerado por nós o melhor entendimento tendo sido adotado expressamente pelo CPC2015 conforme se verifica do seu art 240 e seus parágrafos bem como do parágrafo único do seu art 802 249 Dessa forma parecenos que quanto ao ato jurídico que interrompe a prescrição não houve mudança Isso porque a menção ao despacho que determina a citação do art 202 I do CC2002 traz referência ao fato de que ela ocorrerá se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual Não se pode esquecer que o fundamento da prescrição é a inércia da parte e não do Poder Judiciário não sendo razoável se admitir que por força de ato não imputável a ela possa sofrer consequências nos seus direitos subjetivos Assim ousamos afirmar o que interrompe é a citação mas se do despacho que a determina até a sua consumação não há qualquer ato imputável à parte ficticiamente os atos de determinação despacho inicial e citação confundirseão A regra processual é portanto perfeitamente compatível com a legislação de direito material até mesmo por se tratar de um dado objetivo para a contagem do lapso prescricional Com a interrupção a prescrição volta a contar novamente Todavia a premissa de que o fundamento da prescrição é a inércia da parte e não do Poder Judiciário não pode ser desprezada Assim a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória nasce novo prazo para a pretensão executória ou de cumprimento da prestação jurisdicional fixada Se ajuizado no prazo adequado não há que se falar em interrupção de prescrição mas simplesmente da sua não consumação quando a parte pratica os atos que lhe cabem b O protesto nas mesmas condições do inciso antecedente inc II Tratase aqui da medida cautelar de protesto prevista originalmente nos arts 867 a 873 do Código de Processo Civil de 1973 matéria que passou a ser disciplinada pelos arts 726 a 729 do Código de Processo Civil de 2015 250 Pode pois o credor vencendo a sua inércia valerse da medida judicial mencionada para dar ciência de seu interesse no cumprimento da obrigação ao devedor interrompendo dessa forma a prescrição Ainda se referindo ao protesto judicial do Código de Processo Civil de 1973 observava HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que era ele portanto ato judicial de comprovação ou documentação de intenção do promovente Revelase por meio dele o propósito do agente de fazer atuar no mundo jurídico uma pretensão geralmente de ordem substancial ou material 251 Por fim observese que a medida judicial só terá o condão de interromper o curso do prazo prescricional se o interessado promovêla no prazo e na forma da lei processual c O protesto cambial inc III Tratase neste ponto de uma inovação do Código Civil de 2002 De fato a Lei Codificada anterior só previa o protesto judicial como causa de interrupção da prescrição art 172 II do CC1916 O Código Civil de 2002 por sua vez alargando o horizonte de aplicação da norma admitiu em regra expressa o protesto cambial como causa interruptiva revogando inequivocamente o entendimento anterior já assentado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 153 simples protesto cambiário não interrompe a prescrição d A apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores inc IV O credor que habilitar o seu crédito no inventário ou no concurso de credores aberto contra o devedor haverá interrompido o curso do prazo prescricional que corria contra si Isso porque demonstra pelo seu comportamento claro propósito de fazer valer a sua pretensão e Qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor inc V Tratase de norma genérica que considera causa interruptiva da prescrição qualquer ato judicial que demonstre a intenção do credor de exigir o cumprimento da prestação devida Interpelações notificações enfim medidas cautelares em geral podem interromper o curso do prazo prescricional f Qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial que importe reconhecimento do direito pelo devedor inc VI Essa regra considera interrompida a prescrição por qualquer manifestação do devedor que importe reconhecimento da prestação que lhe era exigível Uma carta de confissão de dívida a solicitação de purgação da mora ou até mesmo a declaração feita de viva voz na presença de testemunhas poderão gerar esse efeito Pela generalidade da norma entendemos que o intérprete não deve estabelecer restrições ou condicionamentos onde não existe ficando a cargo do julgador a admissão in concreto da presente causa interruptiva Devese observar que ao praticar atos incompatíveis com a prescrição renúncia tácita nomeando procurador para que efetue o depósito do valor devido por exemplo o devedor atua inequivocamente no sentido de reconhecer o direito do credor interrompendo o curso da prescrição Registrese que na forma do art 203 a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado Por fim em relação às obrigações com pluralidade de sujeitos tanto no polo passivo e ativo quanto na condição de sujeito principal ou de obrigado em relação acessória disciplina o art 204 do CC2002 Art 204 A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros semelhantemente a interrupção operada contra o codevedor ou seu herdeiro não prejudica aos demais coobrigados 1º A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros 2º A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis 3º A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador Duas ideias orientaram o legislador a primeira no sentido de que em se tratando de pluralidade de credores a interrupção da prescrição feita por um deles não poderá favorecer os demais por outro lado se houver pluralidade de devedores a interrupção da prescrição operada contra um dos codevedores ou seu herdeiro não poderá prejudicar os demais coobrigados para os quais continuará fluindo normalmente o lapso prescricional Entretanto havendo solidariedade ativa hipótese em que todos os credores têm o direito de exigir a dívida integralmente com a consequente obrigação de repassar a quotaparte dos demais por existir um liame interno ligando os credores entre si a interrupção promovida por um deles aproveita a todos Pelo mesmo fundamento existindo solidariedade passiva situação em que qualquer dos devedores pode ser demandado por toda a dívida a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros Observese porém que se a interrupção for promovida diretamente contra um dos herdeiros do devedor solidário os seus efeitos não prejudicarão os outros herdeiros ou devedores senão quando se tratar de obrigações e direitos indivisíveis Finalmente a par da clareza da norma vale registrar que a interrupção produzida contra o principal devedor alcança pela relação de acessoriedade o fiador 5 DIREITO INTERTEMPORAL Para arrematar parecenos importante tratar da questão dos prazos prescricionais em matéria de Direito Intertemporal quando há conflito de normas jurídicas no tempo fixando prazos distintos O art 6º da LINDB estabelece que a lei em vigor terá efeito imediato e geral respeitados o ato jurídico perfeito o direito adquirido e a coisa julgada 252 Assim dois princípios básicos podem ser enunciados sobre o tema 1 Imediatidade dos efeitos da lei 2 Irretroatividade da nova regra legal Quando uma nova lei entra em vigor três situações jurídicas bem distintas podem ocorrer 1 Pretéritas iniciadas e terminadas antes da vigência da nova lei 2 Pendentes iniciadas antes da vigência da lei 3 Futuras iniciadas após a vigência da lei nova e ainda não concluídas Em relação às situações pretéritas nenhuma dificuldade há de se colocar uma vez que se trata de uma situação jurídica consolidada Mesmo em sede de prazos prescricionais não há maiores digressões sobre a matéria valendo lembrar o exemplo da prescrição trabalhista cujo prazo para o trabalhador urbano foi originariamente ampliado pela CF88 o art 11 da CLT determinava na sua redação original um prazo de dois anos mantido pelo texto constitucional somente para o período posterior à extinção do vínculo empregatício criando porém uma prescrição de parcelas de cinco anos mas a própria jurisprudência trabalhista reconheceu o direito adquirido em função da prescrição consumada na data de promulgação do novo texto constitucional No caso das situações futuras stricto sensu a questão é ainda mais fácil pois simplesmente aplicar seá a nova regra prescricional sem qualquer maior questionamento A situação porém é mais complexa em relação às situações jurídicas pendentes facta pendentia nas quais se incluem as situações futuras ainda não concluídas quando da edição da nova norma No caso de uma nova lei não estabelecer regras de transição 253 WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA31 inspirado nas diretrizes do Código Civil alemão aponta alguns critérios I Se a lei nova aumenta o prazo de prescrição ou de decadência aplicase o novo prazo computandose o tempo decorrido na vigência da lei antiga 254 II Se a lei nova reduz o prazo de prescrição ou decadência há que se distinguir a se o prazo maior da lei antiga se escoar antes de findar o prazo menor estabelecido pela lei nova adotase o prazo da lei anterior b se o prazo menor da lei nova se consumar antes de terminado o prazo maior previsto pela lei anterior aplicase o prazo da lei nova contandose o prazo a partir da vigência desta 255 PARTE ESPECIAL OBRIGAÇÕES VII INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 1 CONCEITO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES O Direito das Obrigações o mais lógico de todos os ramos do Direito Civil é também o mais refratário a mudanças Vale dizer embora não seja imutável sofre bem menos a interferência da alteração de valores e hábitos sociais se comparado por exemplo com o Direito de Família mais sensível às mutações sociais pela sua evidente ligação a fatos comuns do cotidiano Em objetiva definição tratase do conjunto de normas regras e princípios jurídicos reguladoras das relações patrimoniais entre um credor sujeito ativo e um devedor sujeito passivo a quem incumbe o dever de cumprir espontânea ou coativamente uma prestação de dar fazer ou não fazer O desenvolvimento desse instituto jurídico ligase mais proximamente às relações econômicas não sofrendo normalmente influências locais valendo destacar que é por meio das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico sob formas definidas de atividade produtiva e permuta de bens como já salientou ORLANDO GOMES 1 Justamente por tal circunstância é o ramo mais propício à uniformização do Direito Privado com a unificação do Direito Civil e Comercial já efetivada na Suíça e Itália tentada tantas vezes no Brasil mas somente realizada de forma parcial com o Código Civil de 2002 2 DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS PESSOAIS E REAIS Nessas lições introdutórias sobre Direito das Obrigações parecenos fundamental distinguilos dos chamados direitos reais LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA em difundida lição adverte que o direito real é aquele que afeta a coisa direta e imediatamente sob todos ou sob certos respeitos e a segue em poder de quem quer que a detenha O direito pessoal é o direito contra determinada pessoa 2 Observase portanto que real é o direito que traduz o poder jurídico direto de uma pessoa sobre uma coisa submetendoa em todos propriedade ou em alguns de seus aspectos usufruto servidão superfície etc Para o seu exercício portanto prescindese de outro sujeito Os direitos pessoais por sua vez identificados com os direitos de crédito de conteúdo patrimonial têm por objeto a atividade do devedor contra o qual são exercidos Assim ao transferir a propriedade da coisa vendida o vendedor passa a ter um direito pessoal de crédito contra o comprador devedor a quem incumbe cumprir a prestação de dar a quantia pactuada dinheiro Notese outrossim que o objeto do crédito ou sob o aspecto passivo da obrigação é a própria atividade do devedor Nesse contexto fica fácil notar que ao Direito das Obrigações interessa apenas o estudo das relações jurídicas obrigacionais pessoais entre um credor titular do direito de crédito e um devedor incumbido do dever de prestar deixandose para o Direito das Coisas as relações e direitos de natureza real RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL Sujeito ativo credor relação jurídica obrigacional sujeito passivo devedor RELAÇÃO JURÍDICA REAL Titular do direito real relação jurídica real bem coisa Há todavia algumas figuras jurídicas que se situam em uma zona cinzenta entre os direitos pessoais e os reais 3 FIGURAS HÍBRIDAS ENTRE DIREITOS PESSOAIS E REAIS Embora o tópico possa parecer mais adequado à classificação das obrigações a distinção entre direitos pessoais e reais traz sempre à lembrança figuras jurídicas situadas em uma área intermediária De fato existem obrigações em sentido estrito que decorrem de um direito real sobre determinada coisa aderindo a essa e por isso acompanhandoa nas modificações do seu titular São as chamadas obrigações in rem ob rem ou propter rem também conhecidas como obrigações reais ou mistas Ao contrário das obrigações em geral que se referem ao indivíduo que as contraiu as obrigações propter rem se transmitem automaticamente para o novo titular da coisa a que se relacionam É o caso por exemplo da obrigação do condômino de contribuir para a conservação da coisa comum art 1315 do CC2002 ou a dos vizinhos de proceder à demarcação das divisas de seus prédios art 1297 do CC2002 em que a obrigação decorre do direito real transmitindose com a transferência da titularidade do bem Por fim distingase a obrigação propter rem das obrigações com eficácia real Nestas sem perder seu caráter de direito a uma prestação há a possibilidade de oponibilidade a terceiros quando houver anotação preventiva no registro imobiliário como por exemplo nos casos de locação e compromisso de venda como dispõe o art 8º da Lei n 824591 3 4 CONSIDERAÇÕES TERMINOLÓGICAS Nos Códigos do mundo em geral e no nosso em particular consagrouse a denominação Direito das Obrigações dandose destaque ao aspecto passivo a obrigação e não ao ativo o crédito da relação jurídica obrigacional Assim foi no Código Beviláqua 1916 que reserva todo o seu Livro III Títulos I a IX para o Direito das Obrigações e também no vigente Código Civil 2002 que mantendo a mesma terminologia consagrao em seu Livro I Títulos I a X incluindose nessa parte o Direito Contratual os Títulos de Crédito e as Regras de Responsabilidade Civil Entretanto para que não existam impropriedades terminológicas prejudiciais à compreensão de nossa matéria qual seria o alcance e significado da palavra obrigação Obrigação significa a própria relação jurídica pessoal que vincula duas pessoas credor e devedor em razão da qual uma fica obrigada a cumprir uma prestação patrimonial de interesse da outra Nesse sentido é o pensamento de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO A obrigação é a relação jurídica de caráter transitório estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica positiva ou negativa devida pelo primeiro ao segundo garantindolhe o adimplemento através de seu patrimônio 4 Nessa fase de criação de um conceito mais técnico de obrigação não podemos esquecernos do seu caráter transitório repudia ao Direito moderno a ideia de uma obrigação perpétua pois isso corresponderia à ideia de servidão humana bem como do seu conteúdo econômico esclarecendose que a menção à prestação positiva ou negativa se refere à modalidade de prestação fazerdar ou não fazer JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA amparado na doutrina alemã amplia ainda mais o conceito analítico de obrigação para considerála mais do que uma relação jurídica obrigacional um verdadeiro processo conducente à satisfação do interesse do credor A obrigação com todos os poderes e deveres que se enxertam no seu tronco pode mesmo considerarse como um processo conjunto de actos logicamente encadeados entre si e subordinado a determinado fim conducente ao cumprimento 5 Em perspectiva mais restrita por outro lado a palavra obrigação significaria o próprio dever de prestação imposto ao devedor Todavia não raramente a expressão dever jurídico transcende os limites do direito invadindo a esfera da moral falase nesse caso em dever ou obrigação religiosa sentimental etc Em nosso entendimento é mais adequado empregarmos a expressão obrigação para referirmos à própria relação jurídica obrigacional vinculativa do credor e do devedor sem que se possa apontar atecnia na adoção da palavra para significar apenas o dever de prestar por se tratar de expressão plurissignificativa Não se deve confundir ainda obrigação debitum e responsabilidade obligatio por somente se configurar esta última quando a prestação pactuada não é adimplida pelo devedor A primeira corresponde em sentido estrito ao dever do sujeito passivo de satisfazer a prestação positiva ou negativa em benefício do credor enquanto a outra se refere à autorização dada pela lei ao credor que não foi satisfeito de acionar o devedor alcançando seu patrimônio que responderá pela prestação Em geral toda obrigação descumprida permite a responsabilização patrimonial do devedor não obstante existam obrigações sem responsabilidade obrigações naturais debitum sem obligatio como as dívidas de jogo e as pretensões prescritas Por outro lado poderá haver responsabilidade sem obrigação obligatio sem debitum a exemplo do que ocorre com o fiador que poderá ser responsabilizado pelo inadimplemento de devedor sem que a obrigação seja sua Interessa ainda em respeito à técnica a fixação de dois outros importantes conceitos correlatos ao de obrigação o estado de sujeição e o ônus jurídico 6 O estado de sujeição consiste na situação da pessoa que tem de suportar sem que nada possa fazer na sua própria esfera jurídica o poder jurídico conferido a outra pessoa Ao exercício de um direito potestativo corresponde o estado de sujeição da pessoa que deverá suportálo resignadamente ex o locador no contrato por tempo indeterminado denuncia o negócio jurídico resilindoo sem que o locatário nada possa fazer Esse estado de sujeição por tudo que se disse não traduz uma relação jurídica obrigacional por ser inexistente o dever de prestar O ônus jurídico por sua vez caracterizase pelo comportamento que a pessoa deve observar com o propósito de obter um benefício maior O onerado pois suporta um prejuízo em troca de uma vantagem É o caso do donatário beneficiado por uma fazenda a quem se impõe por exemplo o pagamento de uma pensão mensal vitalícia à tia idosa do doador doação com encargo Não se trata pois de um dever de prestar correlato à satisfação de um crédito mas sim de um encargo que deve ser cumprido em prol de uma vantagem consideravelmente maior O ônus não é imposto por lei e só se torna exigível se o onerado aceita a estipulação contratual 5 ESTRUTURA DA RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL Entendida a obrigação em sentido mais abrangente como a relação jurídica pessoal por meio da qual uma parte devedora fica obrigada a cumprir espontânea ou coativamente uma prestação patrimonial em proveito da outra credora fazse necessário analisar a sua constituição estrutural Em outras palavras que elementos compõem a relação jurídica obrigacional Antes de aprofundarmos o tema é bom frisar que a análise dos elementos constitutivos da obrigação não deve ser confundida com o estudo de suas fontes Com efeito a fonte da obrigação traduz a sua causa genética ou seja o fato ou ato jurídico criador da própria relação jurídica obrigacional Assim o contrato ou o ato ilícito fatos deflagradores de efeitos na órbita jurídica não podem ser confundidos com a obrigação em si vínculo pessoal entre credor e devedor Posto isso entendemos que a relação obrigacional é composta por três elementos fundamentais Assim nas relações obrigacionais mais simplificadas o sujeito passivo devedor obrigase a cumprir uma prestação patrimonial de dar fazer ou não fazer objeto da obrigação em benefício do sujeito ativo credor Notese outrossim a existência de relações jurídicas complexas nas quais cada parte é simultaneamente credora e devedora uma da outra É o caso da obrigação decorrente do contrato de compra e venda o vendedor é credor do preço e devedor da coisa ao passo que o comprador é credor da coisa e devedor do preço Analisemos agora cada um desses elementos fundamentais 51 Elemento subjetivo sujeitos da relação obrigacional O credor sujeito ativo da relação obrigacional é o titular do direito de crédito ou seja é o detentor do poder de exigir em caso de inadimplemento o cumprimento coercitivo judicial da prestação pactuada O devedor por sua vez sujeito passivo da relação jurídica obrigacional é a parte a quem incumbe o dever de efetuar a prestação Para que se possa reconhecer a existência jurídica da obrigação os sujeitos da relação credor e devedor que tanto podem ser pessoas físicas como jurídicas devem ser determinados ou ao menos determináveis Se Caio por meio de um contrato tornase credor de Tício tendo sido ambos devidamente identificados no título negocial os sujeitos são determinados Entretanto poderá haver indeterminação subjetiva na relação obrigacional quando por exemplo um devedor assina um cheque ao portador não sabendo quem irá recebêlo no banco pois a cambial pode circular na praça restando momentaneamente indeterminado o sujeito ativo credor do valor nele consignado 7 É também o caso da promessa de recompensa feita ao público art 854 do CC2002 Tratase de hipóteses em que há indeterminabilidade subjetiva ativa da obrigação Também poderá ocorrer a indeterminabilidade subjetiva passiva da relação obrigacional Nesse caso não se pode de antemão especificar quem é o devedor da obrigação É o que acontece com as obrigações propter rem prestações de natureza pessoal que acedem a um direito real acompanhandoo em todas as suas mutações Por exemplo a taxa condominial ou o Imposto Predial Territorial Urbano são prestações compulsórias vinculadas à propriedade do imóvel residencial ou comercial pouco importando quem seja efetivamente o seu titular A obrigação portanto não possui sujeito determinado sendo certo apenas que a pessoa que adquirir o imóvel ficará sujeita ao seu cumprimento Sempre que a indeterminabilidade do credor ou do devedor participar do destino natural dos direitos oriundos da relação 8 ou seja for da própria essência da obrigação examinada a exemplo da decorrente de título ao portador ou da obrigação propter rem estaremos diante do que se convencionou chamar de obrigação ambulatória Cumprenos referir ainda que se as qualidades de credor e devedor fundiremse operarseá a extinção da obrigação por meio da confusão art 381 do CC2002 Finalmente deve ser salientado para a exata compreensão da matéria que na relação obrigacional podem concorrer figuras secundárias ou coadjuvantes como os representantes e os núncios Os representantes legais pais tutores curadores ou voluntários mandatários agem em nome e no interesse de qualquer dos sujeitos da relação obrigacional credor ou devedor Manifestam portanto declaração de vontade por conta do representado vinculandoos na forma da legislação em vigor Os núncios por sua vez são meros transmissores da vontade do declarante Atuam como simples mensageiros da vontade de outrem sem interferirem efetivamente na relação jurídica Essa singular figura jurídica todavia não é exclusiva do Direito das Obrigações No Direito de Família por exemplo admitese que o casamento seja contraído por meio de procurador dotado de poderes especiais art 1542 do CC2002 consignados em instrumento público Neste caso a despeito de a lei referir o termo mandatário o que sugere a existência de representação convencional ou voluntária a doutrina reconhece haver apenas a colaboração de um núncio ou mensageiro transmissor da vontade do nubente ausente 52 Elemento objetivo a prestação Neste ponto chegamos ao coração da relação obrigacional Em princípio devese salientar que a obrigação possui dois tipos de objeto a objeto direto ou imediato b objeto indireto ou mediato O objeto imediato da obrigação e por consequência do direito de crédito é a própria atividade positiva ação ou negativa omissão do devedor satisfativa do interesse do credor Tecnicamente essa atividade denominase prestação que terá sempre conteúdo patrimonial Sobre o tema conclusivas são as palavras de ANTUNES VARELA A prestação consiste em regra numa atividade ou numa ação do devedor entregar uma coisa realizar uma obra dar uma consulta patrocinar alguém numa causa transportar alguns móveis transmitir um crédito dar certos números de lições etc Mas também pode consistir numa abstenção permissão ou omissão obrigação de não abrir estabelecimentos de certo ramo de comércio na mesma rua ou na mesma localidade obrigação de não usar a coisa recebida em depósito obrigações de não fazer escavações que provoquem o desmoronamento do prédio vizinho 9 Posto isso já se pode observar que as prestações que constituem o objeto direto da obrigação poderão ser Dentre as prestações de dar coisa certa poderíamos referir aquela pactuada para a entrega de determinado veículo um caminhão por exemplo por força de um contrato de compra e venda Já a prestação de dar coisa incerta por sua vez existirá quando o sujeito se obriga a alienar determinada quantidade de café sem especificar a sua qualidade Quando do cumprimento da obrigação por óbvio esta prestação por meio de uma operação determinada concentração do débito que consistirá na escolha da qualidade do produto converterseá em prestação de dar coisa certa viabilizando o seu adimplemento A prestação de fazer por sua vez se refere a uma prestação de conduta comissiva como por exemplo pintar um quadro ou cantar uma ária italiana em apresentação pública Finalmente temos ainda as prestações de não fazer que consistem sinteticamente em abstenções juridicamente relevantes Assim quando por força de um contrato uma parte se obriga perante o seu vizinho a não realizar determinada obra em seu quintal ou um exempregado se obriga a não manter vínculo empregatício com outra empresa concorrente da exempregadora cláusula de não concorrência estaremos diante de uma prestação de fato negativa Vale mencionar ainda que a prestação consoante veremos em momento oportuno para ser validamente considerada objeto direto da obrigação deverá ser lícita possível e determinada ou determinável Fixadas tais premissas fica fácil a compreensão do objeto indireto ou mediato da obrigação Tratase no caso do objeto da própria prestação de dar fazer ou não fazer ou seja do próprio bem da vida posto em circulação jurídica Cuidase em outras palavras da coisa em si considerada de interesse do credor Assim tomando os dois primeiros exemplos acima apresentados poderíamos afirmar que o caminhão e o café do tipo escolhido são os objetos indiretos da obrigação Notese entretanto que a distinção entre os objetos direto prestação e indireto bem da vida da obrigação nas prestações de fazer é menos nítida considerando que a própria atividade do devedor em si mesma considerada já materializa o interesse do credor Interessa observar com fundamento na doutrina de ORLANDO GOMES que o objeto da obrigação não deve ser confundido com o seu conteúdo Enquanto aquele diz respeito à atividade do próprio devedor prestação de dar fazer ou não fazer este último consiste no poder do credor de exigir a prestação e a necessidade jurídica do devedor de cumprila 10 Este poder do credor e esta necessidade do devedor portanto integram o conteúdo e não o objeto da obrigação Antes todavia de iniciarmos a análise mais minuciosa dos requisitos da prestação uma importante questão merece ser destacada a patrimonialidade é indispensável para a sua caracterização Segundo ORLANDO GOMES a patrimonialidade da prestação objetivamente considerada é imprescindível à sua caracterização pois do contrário e segundo Colagrosso não seria possível atuar a coação jurídica predisposta na lei para o caso de inadimplemento 11 Seguindo a mesma vertente MARIA HELENA DINIZ pontifica que a prestação deverá ser patrimonial pois é imprescindível que seja suscetível de estimação econômica sob pena de não constituir uma obrigação jurídica uma vez que se for despida de valor pecuniário inexiste possibilidade de avaliação dos danos 12 De fato em regra o direito obrigacional está calcado na ideia de patrimonialidade uma vez que os bens e direitos indisponíveis a exemplo dos direitos da personalidade em geral honra imagem segredo vida privada liberdade etc escapam de seu âmbito de atuação normativa Aliás é bom que se diga que o dever geral de respeito a esses direitos não traduzem uma prestação patrimonial devida a um credor Assim não se pode reconhecer como válidas as relações obrigacionais que tenham por objeto tais direitos personalíssimos Ninguém imagina por exemplo que uma parte por meio de um contrato de cessão pretenda alienar a sua honra ficando o devedor pessoalmente vinculado a cumprir essa prestação Para além da própria impossibilidade jurídica do objeto da obrigação porque está fora do comércio jurídico a ausência de economicidade patrimonialidade da honra já prejudicaria o reconhecimento da existência e validade jurídica da relação obrigacional e da própria prestação travada entre o seu titular e um eventual interessado em sua aquisição Tal observação à luz do Código Civil de 2002 merece ser destacada considerandose que esse novo diploma reconhece ao lado dos direitos pessoais e reais em geral passíveis de apreciação patrimonial direitos outros de natureza personalíssima e inestimáveis desprovidos de economicidade Estes últimos portanto insuscetíveis de disposição ao menos na sua essência não poderão inserirse nas relações obrigacionais em geral 13 Fora do campo desses direitos da personalidade prestações há entretanto que não são economicamente mensuráveis embora constituam inequivocamente objeto de uma obrigação É o caso por exemplo de alguém se obrigar por meio de um contrato a não ligar o seu aparelho de som para não prejudicar o seu vizinho A prestação no caso não é marcada pela economicidade e nem por isso se nega a existência de uma relação obrigacional Claro que a prestação de per si não tem um conteúdo econômico mas a disciplina no caso do inadimplemento deverá têlo seja na tutela específica seja na eventual apuração das perdas e danos Assim fixemos a premissa de que em geral as prestações devem ser patrimonialmente apreciáveis embora em algumas situações essa característica possa não existir Nesse sentido lúcido é o pensamento do culto SÍLVIO DE SALVO VENOSA Embora a maioria das obrigações possua conteúdo imediatamente patrimonial como comprar e vender alugar doar etc há prestações em que esse conteúdo não é facilmente perceptível ou mesmo não existe 14 Outro não é o entendimento do douto PAULO LÔBO que com propriedade invocando o pensamento de PONTES DE MIRANDA pontifica Pontes de Miranda entende que se a prestação é lícita não se pode dizer que não há obrigação se não é suscetível de valorização econômica como na hipótese de se enterrar o morto segundo o que ele em vida estabelecera ou estipularam os descendentes ou amigos Do mesmo modo estabelece o art 398 do Código Civil português que a prestação não necessita de ter valor pecuniário mas deve corresponder a um interesse do credor digno de proteção legal 15 Parecenos sem dúvida o melhor entendimento 521 Características fundamentais da prestação A prestação objeto direto ou imediato da relação obrigacional compreende o conjunto de ações comissivas positivas ou omissivas negativas empreendidas pelo devedor para a satisfação do crédito Assim quando dá ao credor a quantia devida ou realiza a obra prometida o devedor está cumprindo a sua prestação ou em outras palavras adimplindo a obrigação pactuada Mas note que a prestação poderá também ser negativa Nesse caso o devedor obrigase a não realizar determinada atividade sob pena de se tornar inadimplente Dessa forma a sua prestação consiste em uma abstenção juridicamente relevante um não fazer em benefício do credor Tal ocorre no caso de alguém se obrigar contratualmente a não construir acima de determinada altura impedindo a visão panorâmica de seu vizinho Independentemente de este contrato estar registrado e constituir um direito real de servidão o fato é que o sujeito assume uma obrigação prestação negativa de não realizar determinada atividade Nesse caso o devedor descumpre a prestação ao realizar a atividade que se obrigara a não fazer De tal forma poderíamos apresentar o seguinte quadro de classificação das prestações considerando se o modo de atuação do devedor Reiterese que é preciso não confundir outrossim o objeto direto ou imediato da obrigação a prestação com o seu objeto indireto ou mediato Nesse sentido já advertia ANTUNES VARELA Tendo principalmente em vista as obrigações com prestação de coisas os autores costumam distinguir entre o objeto imediato e o objeto mediato da obrigação O primeiro consiste na atividade devida na entrega da coisa na cedência dela na sua restituição etc o segundo na própria coisa em si mesma considerada ou seja no objeto da prestação 16 Conforme já mencionamos o objeto indireto ou mediato da obrigação é o próprio bem da vida posto em circulação jurídica Cuidase em outras palavras da coisa em si considerada de interesse do credor Assim no caso da obrigação imposta ao mutuário aquele que tomou um empréstimo o seu objeto direto ou imediato é a prestação a sua atividade de dar ao passo que o objeto indireto ou mediato da obrigação pactuada é o próprio bem da vida que se pretende obter a utilidade material que se vai transferir o dinheiro Sinteticamente teríamos Em conclusão cumprenos transcrever a lúcida preleção de RUGGIERO a respeito do tema Nos limites em que as leis da natureza e as do direito consentem que uma pessoa se obrigue para com a outra a dar fazer ou não fazer alguma coisa qualquer forma da atividade humana pode constituir objeto de obrigação E arremata Resulta pois dos citados limites e ao mesmo tempo da natureza intrínseca do vínculo obrigatório e da necessitas que lhe é inerente que a prestação deve revestir determinados caracteres indispensáveis à existência jurídica da obrigação 17 A prestação portanto para ser considerada válida deverá ser lícita possível e determinável E são exatamente esses caracteres que imprimem validade à prestação que iremos analisar nos próximos tópicos 5211 Licitude A licitude da prestação implica o respeito aos limites impostos pelo direito e pela moral Ninguém defenderá por exemplo a validade de uma prestação que imponha ao devedor cometer um crime matar alguém roubar etc ou realizar favores de ordem sexual Tais prestações ilícitas repugnariam a consciência jurídica e o padrão de moralidade média observado e exigido pela sociedade ORLANDO GOMES citando TRABUCCHI visualizou diferença entre a prestação juridicamente impossível e a prestação ilícita nos seguintes termos a primeira é aquela simplesmente não admitida pela lei a segunda por sua vez além de não ser admitida constitui ato punível E exemplifica a alienação do Fórum romano prestação juridicamente impossível a venda de um pacote de notas falsas prestação ilícita 18 A despeito do valor metodológico dessa lição o fato é que a diagnose diferencial traçada é desprovida de maior importância prática e juridicamente se nos afigura desnecessária Os princípios que informam a ilicitude da prestação são os mesmos que dão a tônica de sua impossibilidade jurídica 5212 Possibilidade A prestação para que seja considerada viável deverá ser física e juridicamente possível A prestação é considerada fisicamente impossível quando é irrealizável segundo as leis da natureza Imagine a hipótese de o sujeito por meio de um contrato obrigarse a pavimentar o solo da lua Notese que a impossibilidade da prestação confundese com o próprio objeto do negócio jurídico que deu causa à relação obrigacional contrato A impossibilidade jurídica por sua vez consoante já noticiamos é conceito que quanto aos seus efeitos práticos confundese com a própria ilicitude da prestação A prestação juridicamente impossível é vedada pelo ordenamento jurídico a exemplo da hipótese em que o devedor se obriga a alienar um bem público de uso comum do povo ou transferir a herança de pessoa viva Vale lembrar que para se considerar inválida nula toda a obrigação a prestação deverá ser inteiramente irrealizável por quem quer que seja Isto é se a impossibilidade for parcial o credor poderá a seu critério aceitar o cumprimento parcial da obrigação inclusive por terceiro se não for personalíssima a expensas do devedor Finalmente a impossibilidade a depender do momento de sua ocorrência poderá ser a originária b superveniente A impossibilidade originária ocorre ao tempo da formação da própria relação jurídica obrigacional Nesse caso como a nulidade macula a própria causa genética da obrigação em regra o negócio jurídico a obrigação não prosperará devendo ser invalidada Ressalvese todavia a hipótese de o negócio jurídico fonte da obrigação estar subordinado a uma condição suspensiva e a impossibilidade de a obrigação nascente ser sanada antes do implemento da referida conditio 19 Nesse caso a relação obrigacional subsistirá A impossibilidade superveniente por sua vez é posterior à formação da relação obrigacional Nessa hipótese tanto poderá haver o aproveitamento parcial da prestação em sua parte não inutilizada como a obrigação poderá ser integralmente extinta 5213 Determinabilidade Toda prestação para valer e ser realizável deverá conter elementos mínimos de identificação e individualização Afinal ninguém poderá obrigarse a prestar alguma coisa Por isso dizse que a prestação além de lícita e possível deverá ser determinada ou ao menos determinável A prestação determinada é aquela já especificada certa individualizada Exemplo obrigome a transferir a propriedade de uma casa situada na Rua Oliveiras sn cuja área total é de 100 metros quadrados Notese que nesse caso houve inteira descrição da prestação que se pretende realizar Cuidase portanto consoante veremos adiante de obrigação de dar coisa certa A prestação determinável por sua vez é aquela ainda não especificada mas que contém elementos mínimos de individualização É objeto das chamadas obrigações genéricas Para que haja o seu cumprimento no momento de realizála o devedor ou o credor deverá especificar o objeto da obrigação convertendoa em prestação certa e determinada Assim quando o sujeito se obriga a dar coisa incerta obrigação genérica duas sacas de café por exemplo sem especificar a qualidade tipo A ou B no momento de cumprir a obrigação o devedor ou o credor a depender do contrato ou da própria lei deverá especificar a prestação individualizando a Esta operação de certificação da coisa por meio da qual se especifica a prestação convertendo a obrigação genérica em determinada denominase concentração do débito ou concentração da prestação devida De tal forma forçoso convir que a indeterminabilidade será sempre relativa uma vez que no momento do pagamento deverá cessar sob pena de se frustrar a finalidade da própria obrigação 53 Elemento ideal o vínculo jurídico entre credor e devedor Cuidase do elemento espiritual ou abstrato da obrigação consistente no vínculo jurídico que une o credor ao devedor Consoante já se disse a obrigação só poderá ser compreendida em todos os seus aspectos se a considerarmos como uma verdadeira relação pessoal originada de um fato jurídico fonte por meio da qual fica o devedor obrigado vinculado a cumprir uma prestação patrimonial de interesse do credor O fato jurídico fonte da obrigação por sua vez não deverá integrar esse elemento ideal uma vez que por imperativo de precedência lógica é anterior à relação jurídica obrigacional Aliás a obrigação é a própria consequência jurídica do fato com ele não se confundindo Assim o contrato de compra e venda por exemplo é o fato jurídico determinante do vínculo obrigacional existente entre credor e devedor É portanto a causa genética da obrigação em si 6 FONTES DAS OBRIGAÇÕES No contexto jurídico as fontes do direito são os meios pelos quais se formam ou se estabelecem as normas jurídicas Tratase em outras palavras de instâncias de manifestação normativa a lei o costume fontes diretas a analogia a jurisprudência os princípios gerais do direito a doutrina e a equidade fontes indiretas 20 A doutrina costuma referir que a lei é a fonte primária das obrigações em geral Entretanto sempre entre a lei e os seus efeitos obrigacionais os direitos e obrigações decorrentes existirá um fato jurídico o contrato o ato ilícito etc que concretiza o suposto normativo Vale dizer entre a norma e o vínculo obrigacional instaurado entre credor e devedor concorrerá um acontecimento natural ou humano que se consubstancia como condição determinante da obrigação Nesse contexto precisas são as palavras de ORLANDO GOMES Quando se indaga a fonte de uma obrigação procurase conhecer o fato jurídico ao qual a lei atribui o efeito de suscitála É que entre a lei esquema geral e abstrato e a obrigação relação singular entre pessoas medeia sempre um fato ou se configura uma situação considerado idôneo pelo ordenamento jurídico para determinar o dever de prestar A esse fato ou a essa situação denominase fonte ou causa geradora da obrigação 21 No estudo das fontes portanto sem menosprezarmos a importância da lei causa primária das obrigações cuidaremos de desenvolver também a classificação das suas fontes mediatas ou seja daqueles fatos jurídicos que concretizam o preceito insculpido na norma legal Parte respeitável da doutrina entende que nos sistemas positivos modernos a lei é a fonte primária das obrigações Nesse sentido pontifica ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO É a vontade do Estado É a lei o ordenamento jurídico positivo que fazendo surgir certas obrigações como vimos acaba por regular todas as outras Devemos dessa forma colocála em primeiro lugar por ser um ato do Estado um ato de império depois as outras fontes que são o agir dos homens vivendo em sociedade Também este é o pensamento de SILVIO RODRIGUES para quem a lei constitui fonte primordial das obrigações ao lado da vontade humana e do ato ilícito 22 Em prol da inserção da lei na categoria de fonte das obrigações argumentase que há obrigações nascidas diretamente da lei ex lege a exemplo da prestação alimentar devida pelo pai ao filho por força da norma prevista no art 1696 do CC2002 Todavia a despeito de não desconhecermos que a lei é a causa primeira de toda e qualquer obrigação fonte imediata sustentamos que haverá sempre entre o comando legal e os efeitos obrigacionais deflagrados in concreto uma situação de fato fonte mediata uma causa próxima determinante da obrigação No caso da prestação alimentar por exemplo essa causa é o próprio vínculo de parentesco existente entre pai e filho Este é o pensamento de SÍLVIO DE SALVO VENOSA com quem concordamos inteiramente Quernos parecer contudo sem que haja total discrepância com o que já foi dito que a lei é sempre fonte imediata das obrigações Não pode existir obrigação sem que a lei ou em síntese o ordenamento jurídico a ampare Todas as demais várias figuras que podem dar nascimento a uma obrigação são fontes mediatas São na realidade fatos atos e negócios jurídicos que dão margem ao surgimento de obrigações É assim em linhas gerais que se posiciona Orlando Gomes 23 Posto isso classificamos as fontes mediatas das obrigações da seguinte forma a os atos jurídicos negociais o contrato o testamento as declarações unilaterais de vontade b os atos jurídicos não negociais o ato jurídico stricto sensu os fatos materiais como a situação fática de vizinhança etc c os atos ilícitos no que se incluem o abuso de direito e o enriquecimento ilícito Essa enumeração pela generalidade de seus elementos não pretende ser exaustiva Dentre as fontes mediatas merece especial referência pela considerável importância e larga aplicação prática o contrato fonte negocial mais relevante para o Direito das Obrigações De fato desde quando o homem abandonou o seu estado mais primitivo o contrato filho dileto da autonomia privada passou a ser o mais relevante instrumento jurídico de circulação de riquezas econômicas Manifestação primordial da propriedade marcou o desenvolvimento político dos povos Por meio dele substituise a força bruta pelo consenso de modo a permitir que um grupo pudesse adquirir inicialmente pela simples troca mais tarde pelo dinheiro bens de outro Claro está que essa manifestação primitiva do fenômeno contratual a despeito de carecer de sistematização dogmática já se transformava em importante fonte de obrigações Mas notese que o contrato é apenas uma espécie de negócio jurídico não exaurindo esta categoria Há também os negócios de natureza unilateral formados por manifestação de uma só vontade como o testamento e a promessa de recompensa declaração unilateral de vontade que também são fonte de obrigações No que diz respeito aos atos jurídicos não negociais sejam atos materiais ou participações o simples comportamento humano produz efeitos na órbita do direito sendo capaz de gerar obrigações perante terceiros com características singulares Finalmente temos o ato ilícito consistente no comportamento humano voluntário contrário ao direito e causador de prejuízo de ordem material ou moral Assim quando o sujeito guiando o seu veículo excede o limite de velocidade e atropela alguém concretiza o comando normativo previsto no art 186 do CC2002 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito de forma que o agente devedor ficará pessoalmente vinculado à vítima credor até que cumpra a sua obrigação de indenizar No estudo do ato ilícito destacase o abuso de direito considerado também fonte de obrigações e que mereceu especial referência no Código Civil de 2002 consoante se depreende da leitura de seu art 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercêlo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes Analisando este artigo concluise não ser imprescindível para o reconhecimento da teoria do abuso de direito que o agente tenha a intenção de prejudicar terceiro bastando segundo a dicção legal que exceda manifestamente os limites impostos pela finalidade econômica ou social pela boafé ou pelos bons costumes Assim desde que haja o abuso o agente ficará obrigado a indenizar a pessoa prejudicada Muitos exemplos poderiam ser apontados como a negativa injustificada de contratar após o aceitante efetuar gastos nesse sentido no Direito das Coisas o abuso do direito de propriedade causando danos a vizinhos etc Todos esses fatos traduzem abuso de direito e determinarão a obrigação de o causador do dano devedor indenizar o prejudicado credor Por isso é fonte de obrigações O Código Civil de 1916 não continha dispositivo específico acerca da matéria De qualquer forma da análise de suas normas distribuídas ao longo de seus Livros poderíamos concluir que reconhecia expressamente três fontes de obrigações a o contrato b a declaração unilateral de vontade c o ato ilícito O Código Civil de 2002 mantém a mesma orientação do Código antigo reconhecendo estas causas sem dispensarlhes capítulo próprio Arrematamos esse tópico e capítulo com a convicção de que quanto à inexistência de dispositivo específico para as fontes das obrigações andou bem o legislador considerandose sobretudo que esta matéria dada a sua riqueza de tons e matizes jurídicos deve ser reservada à doutrina e à jurisprudência e não ao legislador VIII CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES 1 INTRODUÇÃO Após analisarmos juridicamente a relação obrigacional passando em revista os elementos que compõem a sua estrutura cuidaremos neste Capítulo de suas várias modalidades Toda classificação pode variar de acordo com a visão metodológica de cada autor Preferimos apresentála em duas partes Primeiramente a classificação básica presente em toda e qualquer modalidade de relação jurídica obrigacional segundo a prestação que as integra Depois uma classificação especial que leva em consideração modalidades específicas de obrigações independentemente da sua positivação Vamos a elas 2 CLASSIFICAÇÃO BÁSICA As obrigações apreciadas segundo a prestação que as integra poderão ser Essa é a classificação básica das obrigações que inspirada no Direito Romano dare facere non facere foi adotada pela legislação brasileira desde o esboço de Teixeira de Freitas SÍLVIO DE SALVO VENOSA observa que Ambos os Códigos brasileiros ativeramse sem dúvida a essa classificação romana tendo distribuído as obrigações igualmente em três categorias obrigações de dar coisa certa ou coisa incerta obrigações de fazer e obrigações de não fazer Assim afastouse o Código somente das obrigações de prestar termo que era ambíguo Essa estrutura é mantida integralmente no novo Código 24 Verifiquemos como se dá tal disciplina em nosso direito positivo 21 Obrigações de dar As obrigações de dar que têm por objeto prestações de coisas consistem na atividade de dar transferindose a propriedade da coisa entregar transferindose a posse ou a detenção da coisa ou restituir quando o credor recupera a posse ou a detenção da coisa entregue ao devedor Subdividemse todavia em obrigações de dar coisa certa arts 233 a 242 do CC2002 e de dar coisa incerta arts 243 a 246 do CC2002 211 Obrigações de dar coisa certa Nesta modalidade de obrigação o devedor obrigase a dar entregar ou restituir coisa específica certa determinada um carro marca X placa 5555 ano 2016 chassis n proprietário um animal reprodutor bovino da raça nelore com o peso de arrobas número de registro 88888 cujo proprietário é E se é assim o credor não está obrigado a receber outra coisa senão aquela descrita no título da obrigação Nesse sentido clara é a dicção do art 313 do CC2002 O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida ainda que mais valiosa Aplicase também para as obrigações de dar coisa certa o princípio jurídico de que o acessório segue o principal acessorium sequitur principale 25 Dessa forma não resultando o contrário do título ou das circunstâncias do caso o devedor não poderá se negar a dar ao credor aqueles bens que sem integrar a coisa principal secundamna por acessoriedade art 233 do CC2002 Exemplificando obrigandose a transferir a propriedade da casa imóvel por acessão artificial estarão incluídas as benfeitorias realizadas acessórias da coisa principal se o contrário não resultar do contrato ou das próprias circunstâncias Quanto ao risco de perecimento ou deterioração do objeto há que se invocar a milenar regra do res perit domino suo 26 Em caso de perda ou perecimento prejuízo total duas situações diversas todavia podem ocorrer a se a coisa se perder sem culpa do devedor antes da tradição da entrega da coisa ou pendente condição suspensiva o negócio encontrase subordinado a um acontecimento futuro e incerto o casamento do devedor por exemplo fica resolvida a obrigação para ambas as partes suportando o prejuízo o proprietário da coisa que ainda não a havia alienado art 234 parte inicial do CC2002 b se a coisa se perder por culpa do devedor responderá este pelo equivalente valor da coisa mais perdas e danos art 234 parte final do CC2002 Nesse caso suportará a perda o causador do dano já que terá de indenizar a outra parte Imagine a hipótese de o devedor por culpa ou dolo haver destruído o bem que devia restituir Em caso de deterioração prejuízo parcial também duas hipóteses são previstas em lei a se a coisa se deteriora sem culpa do devedor poderá o credor a seu critério resolver a obrigação ou aceitar a coisa abatido de seu preço o valor que perdeu art 235 do CC2002 b se a coisa se deteriora por culpa do devedor poderá o credor exigir o equivalente ou aceitar a coisa no estado em que se acha com direito a reclamar em um ou em outro caso a indenização pelas perdas e danos art 236 do CC2002 As obrigações de restituir por sua vez mereceram tratamento específico Conforme já foi dito nessa modalidade de obrigação a prestação consiste na devolução da coisa recebida pelo devedor a exemplo daquela imposta ao depositário devedor que deve restituir ao depositante credor aquilo que recebeu para guardar e conservar Na mesma situação encontramse o locatário e o comodatário que devem restituir ao locador e ao comodante respectivamente a coisa recebida Em todos os casos a coisa já pertencia antes do nascimento da obrigação ao próprio credor Ora o Código Civil de 2002 prevê em seu art 238 que se a obrigação for de restituir coisa certa e esta sem culpa do devedor se perder antes da tradição 27 sofrerá o credor a perda e a obrigação se resolverá ressalvados os seus direitos até o dia da perda A norma não prima pelo melhor estilo de redação por repetir a expressão perda no mesmo contexto De qualquer forma subsiste a regra de que a coisa perece para o dono credor que suportará o prejuízo sem direito a indenização considerandose a ausência de culpa do devedor Finalmente devemos observar que o legislador não obstante houvesse imposto as consequências do prejuízo ao credor ressalvou os seus direitos até o dia da perda Assim se a coisa depositada gerou frutos até a sua perda sem atuação ou despesa do depositário que inclusive tinha ciência de que as utilidades pertenceriam ao credor este terá direito sobre elas até o momento da destruição fortuita da coisa principal Tudo o que se disse até aqui se aplica à obrigação de restituir cujo objeto se perdeu destruição total sem culpa do devedor Entretanto em caso de simples deterioração recebêloá o credor tal qual se ache sem direito a indenização art 240 do CC2002 E o que dizer se nas obrigações de restituir a coisa se perde ou deteriora por culpa do devedor Por óbvio se a coisa se perde por culpa do devedor que não poderá mais restituíla ao credor deverá responder pelo equivalente valor do objeto mais perdas e danos art 239 do CC2002 Se todavia a coisa restituível apenas se deteriora a solução da lei é no sentido de se aplicar a mesma regra acima citada art 239 ou seja a imposição ao devedor de responder pelo equivalente valor do objeto mais perdas e danos Nada impede todavia a despeito de o Código Civil de 2002 ser silente a respeito que o credor de coisa restituível deteriorada por culpa do devedor opte por ficar com a coisa no estado em que se encontra com direito a reclamar a indenização pelas perdas e danos correspondentes à deterioração Esta aliás era a solução do Código revogado art 871 cc o art 867 28 Por fim cumprenos fazer referência aos melhoramentos acréscimos e frutos experimentados pela coisa nas obrigações de restituir Se tais benefícios se agregaram à coisa principal sem concurso de vontade ou despesa para o devedor lucrará o credor desobrigado de indenização art 241 do CC2002 Se todavia tais melhoramentos ou acréscimos exigiram concurso de vontade ou despesa para o devedor o Código Civil de 2002 seguindo orientação da Lei Civil anterior determina que sejam aplicadas as regras atinentes aos efeitos da posse quanto às benfeitorias realizadas art 242 do CC2002 Assim se os acréscimos traduzem benfeitorias necessárias a reforma realizada para a conservação do bem reestruturação de uma viga p ex ou úteis o acréscimo efetuado para facilitar a sua utilização a abertura de uma entrada maior p ex o devedor de boafé terá direito de ser indenizado podendo inclusive reter a coisa restituível até que lhe seja pago o valor devido direito de retenção No que tange às obras voluptuárias acréscimos para simples embelezamento ou aformoseamento uma estátua no jardim p ex poderá o devedor levantálas retirálas se não lhe for pago o valor devido desde que não haja prejuízo para a coisa principal art 1219 do CC2002 Estando de máfé 29 o devedor só terá direito a reclamar a indenização pelos acréscimos necessários sem possibilidade de retenção da coisa art 1229 do CC2002 Finalmente quanto aos frutos aplicamse também as regras previstas pelo legislador ao tratar dos efeitos da posse no Livro III Do Direito das Coisas Dessa forma se em vez de acréscimos melhoramentos ou benfeitorias a coisa restituível gerar frutos deveremos perquirir o elemento anímico do devedor a sua boa ou máfé para que possamos extrair as consequências jurídicas apropriadas Assim enquanto estiver de boafé o devedor tem direito aos frutos percebidos art 1214 CC2002 Exemplo ao comodatário a quem se impõe a obrigação de restituir a coisa emprestada fora reconhecido o direito pelo comodante de perceber os frutos das árvores que integram o imóvel até o final do prazo contratual Fará jus o comodatário portanto aos frutos colhidos durante todo o tempo em que permaneça licitamente no imóvel de boafé Os frutos pendentes ainda não destacados da coisa principal por sua vez deverão ser restituídos ao tempo em que cessar a boafé deduzidas as despesas de produção e custeio art 1219 parágrafo único do CC2002 Entretanto se o devedor estiver de máfé deverá responder por todos os frutos colhidos e percebidos bem como pelos que por culpa sua deixou de perceber percipiendos desde o momento em que se constituiu de máfé assistindolhe todavia direito às despesas de produção e custeio De tal forma se não puder restituir ao credor esses frutos deverá indenizálo com o equivalente em pecúnia art 1216 do CC2002 Imagine ainda na hipótese do comodato que o comodatário notificado para deixar o imóvel em face do término do prazo estipulado recalcitre e não se retire continuando a fruir de suas utilidades A partir do momento em que tomar ciência do vício que inquina a sua posse passará a atuar de máfé e não mais terá direito às utilidades da coisa 212 Obrigações de dar coisa incerta Ao lado das obrigações de dar coisa certa figuram as obrigações de dar coisa incerta cuja prestação consiste na entrega de coisa especificada apenas pela espécie 30 e quantidade É o que ocorre quando o sujeito se obriga a dar duas sacas de café por exemplo sem determinar a qualidade tipo A ou B Tratase das chamadas obrigações genéricas Nesse sentido clara é a norma do art 243 do Código Civil de 2002 Art 243 A coisa incerta será indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade Ressaltese entretanto que essa indeterminabilidade do objeto há que ser meramente relativa uma vez que se assim não fosse a finalidade da própria obrigação restaria frustrada Em outras palavras a prestação genérica dar duas sacas de café deverá se converter em prestação determinada quando o devedor ou o credor escolher o tipo de produto a ser entregue no momento do pagamento dar duas sacas de café do tipo A A esse respeito pontificou CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA O estado de indeterminação é transitório sob pena de faltar objeto à obrigação Cessará pois com a escolha a qual se verifica e se reputa consumada tanto no momento em que o devedor efetiva a entrega real da coisa como ainda quando diligencia praticar o necessário à prestação 31 Na mesma linha do nosso entendimento CARLOS ROBERTO GONÇALVES preleciona Na obrigação de dar coisa incerta ao contrário o objeto não é considerado em sua individualidade mas no gênero a que pertence por exemplo dez sacas de café sem especificação da qualidade Determinouse in casu apenas o gênero e a quantidade faltando determinar a qualidade para que a referida obrigação se convole em obrigação de dar coisa certa e possa ser cumprida art 245 32 Assim vale esclarecer que não é o fato de ser por exemplo um cereal sem a qualidade correspondente que torna a coisa indeterminada mas sim a sua falta de especificação dentro de um gênero que aí sim nunca perece Concluise pois que se a qualidade do café é especificada e as sacas já foram individualizadas já foram separadas do gênero e apresentadas ao credor ou então são as únicas existentes do gênero a obrigação é de dar coisa certa Por outro lado se mesmo que se tenha estabelecido a qualidade do café ainda não tiverem sido individualizadas as sacas dentro do universo do estoque eou produção a obrigação será de dar coisa incerta Essa operação por meio da qual se especifica a prestação convertendo a obrigação genérica em determinada denominase concentração do débito ou concentração da prestação devida Mas a quem caberia a escolha Ao credor ou ao devedor Por princípio o Código Civil em quase todas as suas normas prefere o devedor quando a vontade das partes não houver estipulado a quem assiste determinado direito Essa regra todavia consoante veremos no decorrer desta obra admite temperamentos 33 Assim seguindo a regra geral a concentração do débito efetuarseá por atuação do devedor se o contrário não resultar do título da obrigação Essa liberdade de escolha todavia não é absoluta uma vez que o devedor não poderá dar a coisa pior nem será obrigado a dar a melhor No exemplo supramencionado o sujeito passivo da relação obrigacional deverá havendo mais de um tipo de café optar por aquele de qualidade intermediária se não tiver havido convenção em sentido contrário Da mesma forma se o devedor se obriga a entregar duas cabeças de gado deverá especificar a raça dos animais no ato do cumprimento da obrigação ex nelore holandês ou mesmo individualizálos Não estará obrigado todavia a entregar os melhores reprodutores do plantel nem poderá escolher os piores animais do rebanho Em tais hipóteses ao devedor impõese escolher a coisa pela média Ressaltese todavia que essa é uma regra legal supletiva que só poderá ser invocada se nada houver sido estipulado no título da obrigação em geral o contrato E para que não pairem dúvidas leiase o art 244 do CC2002 Art 244 Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade a escolha pertence ao devedor se o contrário não resultar do título da obrigação mas não poderá dar a coisa pior nem será obrigado a prestar a melhor Por óbvio se nas obrigações de dar coisa incerta a prestação é inicialmente indeterminada não poderá o devedor antes de efetuada a sua escolha isto é antes da concentração do débito alegar perda ou deterioração da coisa ainda que por força maior ou caso fortuito art 246 do CC2002 O gênero segundo tradicional entendimento não perece jamais genus nunquam perit Nesse particular o exemplo figurado por SÍLVIO VENOSA é bastante didático Se alguém se obriga a entregar mil sacas de farinha de trigo continuará obrigado a tal ainda que em seu poder não possua referidas sacas ou que parte ou o total delas se tenha perdido Já se o devedor se tivesse obrigado a entregar uma tela de pintor famoso a perda da coisa sem sua culpa resolveria a obrigação 34 A título de curiosidade histórica vale destacar que o antigo Projeto de Lei n 69602002 depois renumerado para 2762007 pretendia relativizar essa regra nos seguintes termos Art 246 Antes de cientificado da escolha o credor não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa ainda que por força maior ou caso fortuito salvo se se tratar de dívida genérica limitada e se extinguir toda a espécie dentro da qual a prestação está compreendida Feita a escolha as regras que passarão a ser aplicadas serão aquelas previstas para as obrigações de dar coisa certa art 245 cc os arts 233 a 242 do CC2002 213 Obrigações de dar dinheiro obrigações pecuniárias Ainda no estudo das obrigações de dar merecem especial referência as obrigações de dar certa quantia em dinheiro obrigações pecuniárias 35 Segundo ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO o pagamento em dinheiro consiste assim na modalidade de execução obrigacional que importa a entrega de uma quantia de dinheiro pelo devedor ao credor com liberação daquele É um modo de pagamento que deve realizarse em princípio em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação onde esta deverá cumprirse segundo o art 947 36 do CC 37 Observese que a redação original do art 947 1º do Código de 1916 permitia que o pagamento das obrigações pecuniárias fosse feito em determinada espécie de moeda nacional ou estrangeira e inclusive por meio de ouro e prata 38 Tal admissibilidade talvez decorresse do fato de a nossa economia no início do século XX ainda estar diretamente atrelada ao capital das metrópoles colonizadoras não se havendo desenvolvido a indústria e o sistema financeiro nacional Além do mais a fraqueza da moeda nacional sempre fez parte de nossa tradição econômica Ocorre que em 27 de novembro de 1933 por meio da edição do Decreto n 23501 proibiramse as estipulações de pagamento em ouro ou qualquer outra moeda estrangeira em detrimento da moeda nacional Se por um lado tal providência refletia o nacionalismo crescente da década de 1930 por outro era resultado da própria inflação e do desequilíbrio cambial Posteriormente o Decretolei n 857 de 1969 mantendo a obrigatoriedade do pagamento em moeda nacional passou a admitir todavia posto em caráter excepcional a utilização de moeda estrangeira nos contratos internacionais importação e exportação por exemplo A esse respeito com propriedade pontifica ARNOLDO WALD O reconhecimento da validade da cláusula de pagamento em moeda estrangeira nos contratos internacionais decorreu de imperativo categórico da economia mundial pois como já se salientou na época a admitir que o decreto visasse proibir quaisquer dívidas em moeda estrangeira terseia na realidade proibido o comércio do Brasil com qualquer outra nação 39 Mais recentemente o Plano Real instituído pela Lei n 9069 de 29 de junho de 1995 admitiu que as operações e contratos de que tratam o Decretolei n 857 de 11 de setembro de 1969 e o art 6º da Lei n 8880 de 27 de maio de 1994 não estão sujeitos à obrigatoriedade de serem corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor IPCr o que dá a entender que nas hipóteses previstas nessas leis a correção monetária da obrigação poderá ser feita em moeda estrangeira De qualquer forma permanece a regra geral da obrigatoriedade do pagamento em moeda corrente nacional que tem curso forçado para as obrigações exequíveis no Brasil ressalvadas apenas as relações contratuais de natureza internacional Por princípio devese lembrar ainda que tais obrigações pecuniárias devem observar o valor nominal da moeda Nesse sentido aliás dispõe o art 315 do Código Civil de 2002 As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento em moeda corrente e pelo valor nominal salvo o disposto nos artigos subsequentes Consoante se depreende dessa regra legal é o princípio do nominalismo que regula as denominadas dívidas de dinheiro Por força dessa regra assevera CARLOS ROBERTO GONÇALVES considerase como valor da moeda o valor nominal que lhe atribui o Estado no ato de emissão ou cunhagem E arremata De acordo com o referido princípio o devedor de uma quantia em dinheiro liberase entregando a quantidade de moeda mencionada no contrato ou no título da dívida e em curso no lugar do pagamento ainda que desvalorizada pela inflação ou seja mesmo que a referida quantidade não seja suficiente para a compra dos mesmos bens que podiam ser adquiridos quando contraída a obrigação 40 Assim sendo a dívida de dinheiro e à luz do princípio do nominalismo se Caio emprestou a Tício R 10000 para que este devolvesse a quantia em sessenta dias a mesma quantidade de moeda deverá ser devolvida R 10000 mesmo que sua expressão econômica não seja mais a mesma isto é não seja mais suficiente para a compra dos mesmos bens que podiam ser adquiridos na época da celebração do contrato de empréstimo mútuo Entretanto ao lado das dívidas de dinheiro a doutrina influenciada pela instabilidade de nossa economia elaborou o conceito das chamadas dívidas de valor 41 Estas não teriam por objeto o dinheiro em si mas o próprio valor econômico aquisitivo expresso pela moeda Na obrigação de prestar alimentos por exemplo o devedor é obrigado a fornecer não determinada soma em dinheiro mas sim o que for necessário à mantença do alimentando Observese portanto que se o valor nominal da pensão estiver defasado é possível a sua revisão judicial Outro excelente exemplo de dívida de valor é apontado por ÁLVARO VILLAÇA Também é indiscutivelmente dívida de valor a indenização devida em razão das desapropriações O Poder Público expropriante por exigência constitucional art 5º inc XXIV há que pagar ao expropriado prévia e justa indenização o que quer dizer que o valor do bem expropriado obtido mediante avaliação é que se faz devido e não meramente o valor inicial depositado no processo por esse Poder Público A indenização necessita ser justa Deve ser paga ao expropriado não uma soma em dinheiro simplesmente mas uma importância que corresponda ao valor da coisa desapropriada 42 Nessa linha de intelecção outra importante observação deve ser feita Em virtude da galopante inflação que durante décadas assolou o País e pela própria fragilidade de nossa economia fezse necessária para a correção de distorções de valor nas obrigações pecuniárias a criação de índices de atualização econômica das obrigações pecuniárias as denominadas cláusulas de escala móvel que poderiam ser escolhidas pelas próprias partes A Lei n 6205 de 29 de abril de 1975 vedou a estipulação do salário mínimo como critério de atualização econômica de dívidas Em 1977 por meio da Lei n 6423 estabeleceuse como índice a ORTN Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional posteriormente substituída pela OTN criada pelo Decretolei n 228486 apenas para obrigações ajustadas com prazo igual ou superior a doze meses Três anos mais tarde a Medida Provisória n 5789 criaria o BTN também disciplinado pela Lei n 7777 de 19 de junho de 1989 Tempos depois a despeito de a diminuição da inflação não justificar mais ao menos teoricamente a adoção de índices oficiais de atualização econômica surgiu a TR Taxa Referencial criada pela Lei n 817791 cuja fixação seria feita pelo Banco Central do Brasil 43 Tudo isso demonstra o esforço constante embora nem sempre exitoso do governo federal em buscar mecanismos de correção da equação econômica dos contratos e das obrigações exequíveis a médio e longo prazos Por fim cumprenos advertir que a teoria da imprevisão não poderá ser confundida com a cláusula de escala móvel Esta decorre de uma prévia estipulação das partes contratantes para corrigir eventuais distorções econômicas em contratos exequíveis a médio ou longo prazos aquela por sua vez derivada da antiga cláusula rebus sic stantibus consiste no reconhecimento de que a ocorrência de eventos supervenientes imprevisíveis e não imputáveis às partes com reflexos sobre a economia do contrato poderá autorizar a sua revisão ou até mesmo o seu desfazimento por princípio de equidade O Código Civil de 2002 disciplina as obrigações pecuniárias nos arts 315 e seguintes Uma das inovações positivadas é a constante do art 317 que dá poderes ao juiz para corrigir o valor econômico do contrato se motivos imprevisíveis supervenientes tornarem manifestamente desproporcional o valor da prestação devida em cotejo com aquele pactuado ao tempo da celebração do negócio Tratase de aplicação específica da teoria da imprevisão apenas para reconhecer ao juiz poderes para atualizar monetariamente a prestação contratual uma vez que as regras genéricas da imprevisão autorizadoras da resolução ou da revisão dos termos da própria avença encontramse consignadas nos arts 478 a 480 do Código Civil de 2002 Digna de nota também é a previsão do art 318 do novo diploma legal que considera nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional ressalvados os casos previstos em legislação especial a exemplo dos contratos internacionais de importação e exportação 22 Obrigações de fazer Nas obrigações de fazer interessa ao credor a própria atividade do devedor Em tais casos a depender da possibilidade ou não de o serviço ser prestado por terceiro a prestação do fato poderá ser fungível ou infungível A obrigação de fazer será fungível quando não houver restrição negocial no sentido de que o serviço seja realizado por outrem Assim não obstante eu contrate a reparação do cano da cozinha com o encanador Caio nada impede se as circunstâncias do negócio não apontarem em sentido contrário que a execução do serviço seja feita pelo seu colega Tício Em casos como esse dizse que a obrigação não foi pactuada em atenção à pessoa do devedor Atento a isso o Código Civil admite a possibilidade de o fato ser executado por terceiro havendo recusa ou mora do devedor nos termos do seu art 249 Art 249 Se o fato puder ser executado por terceiro será livre ao credor mandálo executar à custa do devedor havendo recusa ou mora deste sem prejuízo da indenização cabível Parágrafo único Em caso de urgência pode o credor independentemente de autorização judicial executar ou mandar executar o fato sendo depois ressarcido 44 Comentando esse dispositivo concernente às obrigações fungíveis SÍLVIO VENOSA pontifica É interessante notar que no parágrafo único a novel lei introduz a possibilidade de procedimento de justiça de mão própria no que andou muito bem Imaginese a hipótese de contratação de empresa para fazer a laje de concreto de um prédio procedimento que requer tempo e época precisos Caracterizada a recusa e a mora bem como a urgência aguardar uma decisão judicial ainda que liminar no caso concreto poderá causar prejuízo de difícil reparação 45 Assim poderá o credor independentemente de autorização judicial contratar terceiro para executar a tarefa pleiteando depois a devida indenização o que se já era possível ser admitido no sistema anterior por construção doutrinária agora se torna norma expressa Por outro lado se ficar estipulado que apenas o devedor indicado no título da obrigação possa satisfazêla estaremos diante de uma obrigação infungível Tratase das chamadas obrigações personalíssimas intuitu personae cujo adimplemento não poderá ser realizado por qualquer pessoa em atenção às qualidades especiais daquele que se contratou Tal ocorre quando se contrata um renomado artista para pintar um retrato ou um consagrado cantor para apresentarse em um baile de formatura Tais pessoas não poderão sem prévia anuência do credor indicar substitutos sob pena de descumprirem a obrigação personalíssima pactuada Finalmente cumprenos analisar quais são as consequências do descumprimento de uma obrigação de fazer Se a prestação do fato tornase impossível sem culpa do devedor resolvese a obrigação sem que haja consequente obrigação de indenizar Assim se um malabarista foi contratado para animar um aniversário de criança e no dia do evento foi vítima de um sequestro a obrigação extinguese por força do evento fortuito Entretanto se a impossibilidade decorrer de culpa do devedor este poderá ser condenado a indenizar a outra parte pelo prejuízo causado Utilizando o exemplo acima imagine que o malabarista contratado acidentouse porque no dia da festa dirigia seu veículo alcoolizado e em alta velocidade Nesse caso o descumprimento obrigacional decorreu de sua imprudência razão pela qual deverá ser responsabilizado Tendo em vista situações como essas o Código Civil em seu art 248 dispõe que Art 248 Se a prestação do fato tornarse impossível sem culpa do devedor resolverseá a obrigação se por culpa dele responderá por perdas e danos grifos nossos Estudando essa regra cumprenos advertir que o tratamento dispensado pelo Código Civil ao descumprimento das obrigações de fazer não foi o mais adequado apresentandose de forma extremamente lacunosa Isso porque a consequência do inadimplemento culposo dessa espécie de obrigação não gera apenas o dever de pagar perdas e danos indenização como única forma de consequência lógicojurídica do ilícito praticado A moderna doutrina processual nos ensina que ao lado da pretensão indenizatória existem outros meios de tutela jurídica colocados à disposição do credor Na hipótese de descumprimento sem culpa do devedor não há como em regra responsabilizálo uma vez que ausente um dos requisitos básicos para a responsabilidade civil no direito positivo brasileiro Havendo culpa contudo outras considerações devem ser feitas A visão tradicional do direito das obrigações pelo seu cunho intrinsecamente patrimonialista sempre defendeu que seria uma violência à liberdade individual da pessoa a prestação coercitiva de condutas ainda que decorrentes de disposições legais e contratuais Tal concepção de intangibilidade da vontade humana embora possa identificarse com vetustas regras romanas reflete em verdade a essência dos princípios liberais que influenciaram a formação e consolidação do Direito Civil em especial no século XIX com o advento do Code Napoléon Nesse sentido o dogma da intangibilidade da vontade humana zelosamente guardado nas tradições francesas pandectistas fazia o mundo aceitar que toute obligation de faire ou de ne pas faire se resout en dommages et intérêts en cas dinexecution de la part du débiteur art 1142 do Código Civil francês 46 Assim pela convicção de que a liberdade humana é o valor maior na sociedade a resolução em perdas e danos seria a única consequência para o descumprimento das obrigações de fazer ou não fazer Essa visão em nosso entendimento é todavia inaceitável na atualidade Isso porque o vigente ordenamento jurídico brasileiro há muito vem relativizando o princípio tradicional do nemo praecise potest cogi ad factum reconhecendo que a incoercibilidade da vontade humana não é um dogma inafastável 47 desde que respeitados direitos fundamentais Com efeito um bom exemplo disso é a histórica previsão do Decretolei n 5837 com a disciplina do denominado compromisso irretratável de compra e venda em que se verifica um direito real de aquisição haja vista que se obrigava o promitente vendedor a uma prestação de fazer consistente na transferência definitiva da propriedade uma vez pago totalmente o preço sob pena de adjudicação compulsória Por outro lado o Código de Defesa do Consumidor Lei n 8078 de 1191990 garante em diversos dispositivos o direito do consumidor à tutela específica inclusive do adimplemento contratual em razão da natureza obrigacional inerente às lides individuais consumeristas Senão vejamos Art 18 Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente da embalagem rotulagem ou mensagem publicitária respeitadas as variações decorrentes de sua natureza podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias pode o consumidor exigir alternativamente e à sua escolha I a substituição do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso II a restituição imediata da quantia paga monetariamente atualizada sem prejuízo de eventuais perdas e danos III o abatimento proporcional do preço Art 19 Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que respeitadas as variações decorrentes de sua natureza seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente da embalagem rotulagem ou de mensagem publicitária podendo o consumidor exigir alternativamente e à sua escolha I o abatimento proporcional do preço II complementação do peso ou medida III a substituição do produto por outro da mesma espécie marca ou modelo sem os aludidos vícios IV a restituição imediata da quantia paga monetariamente atualizada sem prejuízo de eventuais perdas e danos Art 35 Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta apresentação ou publicidade o consumidor poderá alternativamente e à sua livre escolha I exigir o cumprimento forçado da obrigação nos termos da oferta apresentação ou publicidade II aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente III rescindir o contrato com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada monetariamente atualizada e a perdas e danos Art 84 Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento Tão importante inovação todavia conforme observa FREDIE DIDIER JR estava restrita às lides de consumo as outras ainda estavam ao desabrigo havendo de conformarse com a solução da tutela reparatória em dinheiro prevalecendo a vontade humana de descumprir o pactuado A discussão acabou entretanto com o advento da Reforma Legislativa de 1994 também chamada de dezembrada que culminou com a modificação de mais de cem artigos do CPC implementando a tutela específica das obrigações contratuais ou legais de fazer ou não fazer Ampliouse a possibilidade da mencionada modalidade de tutela de forma a alcançar o ideal chiovendiano da maior coincidência possível 48 De fato passou o art 461 do Código de Processo Civil brasileiro de 1973 com o advento das Leis n 8952 de 13121994 e 10444 de 752002 a ter a seguinte redação Art 461 Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou se procedente o pedido determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente 2º A indenização por perdas e danos darseá sem prejuízo da multa art 287 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia citado o réu A medida liminar poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo em decisão fundamentada 4º O juiz poderá na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença impor multa diária ao réu independentemente de pedido do autor se for suficiente ou compatível com a obrigação fixandolhe prazo razoável para o cumprimento do preceito 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente poderá o juiz de ofício ou a requerimento determinar as medidas necessárias tais como a imposição de multa por tempo de atraso busca e apreensão remoção de pessoas e coisas desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva se necessário com requisição de força policial 6º O juiz poderá de ofício modificar o valor ou a periodicidade da multa caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva Valendonos novamente das conclusões do jurista baiano o art 461 do Código de Processo Civil serve à tutela do adimplemento contratual seja seu conteúdo uma obrigação de fazer ou não fazer fungível ou infungível 49 Daí não é de estranhar que o Código de Processo Civil de 2015 que teve no mencionado jurista baiano um de seus principais artífices contenha um Capítulo específico dentro do Título referente ao Cumprimento da Sentença destinado ao Cumprimento de Sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer de não fazer ou de entregar coisa Capítulo VI do Título II do Livro I Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença da Parte Especial do novo CPC Sobre as obrigações de fazer ou não fazer estabelecem os arts 536 e 537 in verbis Art 536 No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer o juiz poderá de ofício ou a requerimento para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente 1º Para atender ao disposto no caput o juiz poderá determinar entre outras medidas a imposição de multa a busca e apreensão a remoção de pessoas e coisas o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva podendo caso necessário requisitar o auxílio de força policial 2º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 dois oficiais de justiça observandose o disposto no art 846 1º a 4º se houver necessidade de arrombamento 3º O executado incidirá nas penas de litigância de máfé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência 4º No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer aplicase o art 525 no que couber 5º O disposto neste artigo aplicase no que couber ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional Art 537 A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento em tutela provisória ou na sentença ou na fase de execução desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito 1º O juiz poderá de ofício ou a requerimento modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluíla caso verifique que I se tornou insuficiente ou excessiva II o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento 2º O valor da multa será devido ao exequente 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório devendo ser depositada em juízo permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do art 1042 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado 5º O disposto neste artigo aplicase no que couber ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional Dessa forma fazse mister propugnar por uma interpretação mais consentânea e lógica do art 248 do CC2002 ou seja tal regra somente pode ser aplicada quando não é mais possível o cumprimento da obrigação ou não tendo o credor mais interesse na sua realização ante o inadimplemento do devedor o autor da ação assim o pretender Se todavia ainda é possível cumprir a obrigação pactuada deve a ordem jurídica buscar satisfazer o credor com a efetiva prestação pactuada proporcionando na medida do praticamente possível que quem tem um direito receba tudo aquilo e precisamente aquilo que tem o direito de obter e não impor indenizações equivalentes haja vista que isso não realiza o bem da vida pretendido Na precisa observação de LUIZ GUILHERME MARINONI Notese que a tutela ressarcitória pelo equivalente permite apenas o sacrifício de um valor em dinheiro e não de valores concretos como o do bem prometido ao credor Preservamse assim determinados valores o que seria fundamental para garantir a liberdade e a propriedade dos sujeitos A preocupação com a manutenção da liberdade e da propriedade é que inspirou uma forma de tutela que dava ao autor apenas o equivalente em dinheiro já que a abstração dos valores e portanto a troca dos equivalentes era fundamental dentro de uma sociedade preocupada em garantir a liberdade e os valores ligados à propriedade O direito liberal era eminentemente patrimonialista e portanto supunha que os direitos podiam ser adequadamente tutelados através da via ressarcitória Na verdade os direitos que tornaram evidente a insuficiência das sentenças clássicas ainda não estavam consagrados à época do direito liberal e muito menos falavase nessa época em interesses difusos e coletivos como objeto da possível tutela jurisdicional 50 Para a efetivação da tutela específica poderá o magistrado valerse inclusive ex officio da fixação de astreintes que são justamente essas multas diárias pelo eventual não cumprimento da decisão judicial previstas no art 537 do CPC2015 bem como quaisquer outras diligências necessárias para a regular satisfação da pretensão sendo a relação do 1º do art 536 do CPC2015 meramente exemplificativa na espécie Obviamente a busca da tutela específica não exclui a indenização pelas perdas e danos ocorridos até a data da realização concreta da obrigação de fazer submetida à apreciação judicial Por outro lado a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos poderá ocorrer nos termos do art 499 do Código de Processo Civil de 2015 que preceitua Art 499 A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente Ressaltese ainda que tais regras são aplicáveis também para a obrigação de entregar coisa o que não é uma novidade do Código de Processo Civil de 2015 Com efeito por força da Lei n 10444 de 7 de maio de 2002 o Código de Processo Civil de 1973 também adotou a disciplina da tutela específica para as obrigações de dar coisa certa tendo em vista a redação que foi conferida ao seu art 461A Art 461A Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa o juiz ao conceder a tutela específica fixará o prazo para o cumprimento da obrigação 1º Tratandose de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade o credor a individualizará na petição inicial se lhe couber a escolha cabendo ao devedor escolher este a entregará individualizada no prazo fixado pelo juiz 2º Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido expedirseá em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel 3º Aplicase à ação prevista neste artigo o disposto nos 1º a 6º do art 461 Mantendo tal diretriz estabeleceram os arts 498 e 538 do CPC2015 Art 498 Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa o juiz ao conceder a tutela específica fixará o prazo para o cumprimento da obrigação Parágrafo único Tratandose de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade o autor individualizálaá na petição inicial se lhe couber a escolha ou se a escolha couber ao réu este a entregará individualizada no prazo fixado pelo juiz Seção II Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Entregar Coisa Art 538 Não cumprida a obrigação de entregar coisa no prazo estabelecido na sentença será expedido mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel 1º A existência de benfeitorias deve ser alegada na fase de conhecimento em contestação de forma discriminada e com atribuição sempre que possível e justificadamente do respectivo valor 2º O direito de retenção por benfeitorias deve ser exercido na contestação na fase de conhecimento 3º Aplicamse ao procedimento previsto neste artigo no que couber as disposições sobre o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer Salientese a afirmação expressa da aplicabilidade obviamente no que couber para tal modalidade de obrigações das disposições referentes ao cumprimento das relações jurídicas obrigacionais de fazer ou de não fazer Mas em que consiste efetivamente uma obrigação de não fazer É o que veremos no próximo subtópico 23 Obrigações de não fazer A obrigação de não fazer tem por objeto uma prestação negativa um comportamento omissivo do devedor É o que ocorre quando alguém se obriga a não construir acima de determinada altura 51 a não instalar ponto comercial em determinado local a não divulgar conhecimento técnico para concorrente de seu ex empregador a não sublocar a coisa etc Observese que em todas essas hipóteses o devedor descumpre a obrigação ao realizar o comportamento que se obrigara a abster A despeito de a liberdade negocial imperar especialmente no Direito das Obrigações deve ser observado que não serão consideradas lícitas as obrigações de não fazer que violem princípios de ordem pública e vulnerem garantias fundamentais Assim a priori não se devem reputar válidas obrigações negativas que atinjam em última análise direitos da personalidade não sendo juridicamente admitidas Posto isso quais seriam os efeitos decorrentes do descumprimento das obrigações negativas Se o inadimplemento resultou de evento estranho à vontade do devedor isto é sem culpa sua extingue se a obrigação sem perdas e danos Art 250 Extinguese a obrigação de não fazer desde que sem culpa do devedor se lhe torne impossível absterse do ato que se obrigou a não praticar É o caso do sujeito que se obrigou a não construir um muro em seu imóvel a fim de não prejudicar a vista panorâmica do vizinho mas em razão de determinação do Poder Público que modificou a estrutura urbanística municipal viuse forçado a realizar a obra que se comprometera a não realizar Tratase portanto de um descumprimento fortuito não culposo da obrigação de não fazer Pode todavia acontecer que o descumprimento da obrigação decorra de ato imputável ao próprio devedor que realizou voluntariamente sem a interferência coercitiva de fator exógeno a conduta que se obrigara a não realizar Operase então o descumprimento culposo da obrigação de não fazer Utilizando o exemplo supra imaginese que em razão de um desentendimento qualquer o vizinho por espírito de vingança resolva erguer o muro que não deveria levantar Tendo em vista situações como essa dispõe o art 251 do Código de 2002 Art 251 Praticado pelo devedor o ato a cuja abstenção se obrigara o credor pode exigir dele que o desfaça sob pena de se desfazer à sua custa ressarcindo o culpado perdas e danos Parágrafo único Em caso de urgência poderá o credor desfazer ou mandar desfazer independentemente de autorização judicial sem prejuízo do ressarcimento devido A análise desse dispositivo legal nos indica que havendo o inadimplemento culposo o credor além das perdas e danos poderá lançar mão da tutela específica assim como previsto para as obrigações de fazer podendo inclusive atuar pela própria força em caso de urgência independentemente de autorização judicial Em relação ao descumprimento culposo das obrigações de não fazer conforme já visto o art 461 do Código de Processo Civil de 1973 com as modificações inseridas posteriormente diretriz mantida no vigente CPC2015 admitiu a tutela específica em face do adimplemento contratual Nesse sentido quando a obrigação apesar de inadimplida ainda pode ser cumprida e o seu cumprimento é de interesse do credor podemos pensar na tutela do adimplemento da obrigação contratual na forma específica 52 De forma aparente uma situação diferente surgiria quando se trata de uma obrigação de não fazer Com efeito aqui temos uma situação em que o devedor se obrigou a não praticar determinada conduta mas por sua culpa a realizou no plano concreto O fato depois de realizado não pode ser apagado da face da Terra pois as palavras proferidas são como flechas desferidas que não voltam atrás É o caso por exemplo da estipulação contratual de uma obrigação de não revelar um segredo Uma vez tornado público o conteúdo que se queria sigiloso não há como retirar do conhecimento da comunidade correspondente o domínio de tal saber Por isso alguém poderia imaginar que o tratamento legal da tutela jurídica das obrigações de não fazer deveria ser diferente da disciplina das obrigações de conduta positiva Ledo engano diremos nós explicando a utilização da expressão aparente no início dessa exposição Da mesma forma que as obrigações de fazer o que deve ser levado em consideração é se é possível ou não restituir as coisas ao status quo ante ou mesmo assim se o credor tem interesse em tal situação Sendo possível e havendo interesse do credor pode este demandar judicialmente o cumprimento da obrigação de não fazer sem prejuízo das perdas e danos até o desfazimento do ato que o devedor se obrigou a não fazer com base no art 251 do Código Civil de 2002 E a legislação processual respalda tal afirmação tanto no já mencionado art 461 do CPC1973 quanto no também já transcrito art 536 do CPC2015 que dá o mesmo tratamento às obrigações de fazer e de não fazer Também nesse diapasão estabelece o art 497 do Código de Processo Civil de 2015 Art 497 Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer o juiz se procedente o pedido concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente Parágrafo único Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática a reiteração ou a continuação de um ilícito ou a sua remoção é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo Tudo o que foi aqui exposto serve para corroborar que é possível sim a tutela específica da obrigação de fazer impondo medidas coercitivas para que o devedor cumpra a prestação a que estava adstrito seja de fazer seja de não fazer A imediata conversão para indenização de perdas e danos não pode mais ser invocada em qualquer caso de inexecução da obrigação devendo ser verificado no caso concreto apenas se é possível no campo fático a realização da prestação objeto da relação obrigacional e se o credor tem efetivo interesse na sua concretização Por isso podemos afirmar peremptoriamente que a velha fórmula das perdas e danos convive sim com outras formas de tutela jurídica na obrigação de fazer Vale dizer evoluímos das perdas e danos para as perdas e danos eou tutela específica o que nos permite materializar as constantemente invocadas palavras de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO refletindo sobre o pensamento de GIUSEPPE CHIOVENDA Devese proporcionar a quem tem direito à situação jurídica final que constitui objeto de uma obrigação específica precisamente aquela situação jurídica final que ele tem o direito de obter 53 Essa é a diretriz a ser tomada sempre para a compreensão da matéria 3 CLASSIFICAÇÃO ESPECIAL DAS OBRIGAÇÕES No tópico anterior apresentamos a classificação básica das obrigações considerando a natureza do objeto prestação da relação jurídica obrigacional obrigações de dar coisa certacoisa incerta de fazer e de não fazer Tais modalidades de obrigações são tidas como básicas justamente porque todas as demais as tomam como premissas ainda que possam estar eventualmente relacionadas com a natureza do objeto da obrigação Agora cuidaremos de analisar o tema sob outras perspectivas apontando as modalidades mais difundidas de obrigações valendonos inclusive do conhecimento daquelas já estudadas Para tanto seguindo respeitável corrente doutrinária levaremos em conta principalmente os seguintes critérios a subjetivo os sujeitos da relação obrigacional b objetivo o objeto da relação obrigacional a prestação Considerando o elemento subjetivo os sujeitos as obrigações poderão ser a fracionárias b conjuntas c disjuntivas d solidárias Considerando o elemento objetivo a prestação além da classificação básica que também utiliza esse critério prestações de dar fazer e não fazer podemos apontar a existência de modalidades especiais de obrigações a saber a alternativas b facultativas c cumulativas d divisíveis e indivisíveis e líquidas e ilíquidas E para que nosso esquema seja completo estudaremos também as obrigações segundo critérios metodológicos menos abrangentes Assim quanto ao elemento acidental encontramos a obrigação condicional b obrigação a termo c obrigação modal Finalmente quanto ao conteúdo classificamse as obrigações em a obrigações de meio b obrigações de resultado c obrigações de garantia As obrigações naturais também serão aqui tratadas ao final do capítulo Antes porém de iniciarmos a análise do tema é preciso que se tenha firme a ideia de que em Direito nem sempre uma classificação especial exclui a outra de forma que se poderá ter por exemplo uma obrigação de dar solidária divisível e a termo uma obrigação de fazer conjunta e de resultado etc No mesmo sentido algumas classificações especiais podem se constituir por vezes em desdobramentos umas das outras principalmente se levarmos em consideração os diversos critérios classificatórios aqui estudados Como exemplo veremos que as obrigações fracionárias classificação quanto ao sujeito pressupõem a divisibilidade das obrigações classificação quanto ao objeto etc Dessa forma o único enquadramento que não se pode a priori conceber é a existência de obrigações contraditórias em seus próprios termos divisível e indivisível líquidas e ilíquidas etc 31 Classificação especial quanto ao elemento subjetivo sujeitos Nos próximos subtópicos analisaremos modalidades de obrigações que pressupõem a pluralidade de sujeitos 311 Obrigações fracionárias Nas obrigações fracionárias concorre uma pluralidade de devedores ou credores de forma que cada um deles responde apenas por parte da dívida ou tem direito apenas a uma proporcionalidade do crédito As obrigações fracionárias ou parciais em verdade podem ser do ponto de vista ideal decompostas em tantas obrigações quantos os credores ou devedores pois encaradas sob a ótica ativa não formam um crédito coletivo e sob o prisma passivo coligamse tantas obrigações distintas quanto os devedores dividindose o cumprimento da prestação entre eles 54 As dívidas de dinheiro por exemplo em princípio são fracionárias se A B e C adquiriram conjuntamente um veículo obrigandose a pagar 300 não havendo estipulação contratual em sentido contrário 55 cada um deles responderá por 100 Tais obrigações por óbvio pressupõem a divisibilidade da prestação Um bom exemplo disso se encontra nas obrigações trabalhistas judiciais e extrajudiciais decorrentes de uma relação condominial em que norma expressa 56 estabelece a responsabilidade proporcional de cada um dos condôminos 57 Outro exemplo para visualizar de outro lado uma obrigação fracionária no polo ativo é um direito de crédito transferido ipso facto do passamento de seu titular aos seus herdeiros legítimos e testamentários pois do ponto de vista ideal enquanto se processa o inventário cada um deles terá direito apenas a uma quotaparte do crédito original Observese a propósito dos exemplos citados que o fracionamento pode ser verificado tanto originariamente quanto por derivação mas o modo de constituição e a procedência não influem em sua disciplina a menos que as partes os regulem de forma diversa da prevista em lei 58 A respeito das obrigações fracionárias ORLANDO GOMES enuncia regras básicas que defluem de sua própria estrutura a cada credor não pode exigir mais do que a parte que lhe corresponde e cada devedor não está obrigado senão à fração que lhe cumpre pagar b para os efeitos da prescrição pagamento de juros moratórios anulação ou nulidade da obrigação e cumprimento de cláusula penal as obrigações são consideradas autônomas não influindo a conduta de um dos sujeitos em princípio sobre o direito ou dever dos outros 59 Ressaltese que como veremos pelo fato de a solidariedade não se presumir sendo decorrente de norma legal ou convencional a presunção que militará em qualquer obrigação com pluralidade de credores eou devedores é de que se trata de uma obrigação fracionária Tratase pois de uma regra geral especialmente aplicada às obrigações com objeto divisível a exemplo das obrigações pecuniárias 312 Obrigações conjuntas São também chamadas de obrigações unitárias ou de obrigações em mão comum Zur gesamtem Hand no Direito germânico Nesse caso concorre uma pluralidade de devedores ou credores impondose a todos o pagamento conjunto de toda a dívida não se autorizando a um dos credores exigila individualmente nem um dos devedores cumprila sem a presença dos demais No testemunho abalizado de ORLANDO GOMES as obrigações conjuntas pressupõem a existência de patrimônio separado Dada a sua especial configuração no Direito alemão gravam as sociedades os acervos hereditários e a comunhão matrimonial de bens Correspondem portanto a uma situação patrimonial que vincula condôminos O direito do credor não se dirige contra cada qual mas coletivamente contra todos A legislação pátria não regula especialmente as obrigações conjuntas do tipo mancomunado Tendo aceito a concepção romana do condomínio considerao uma unidade para o efeito de participação em relações obrigacionais É verdade que os condôminos agem por intermédio de um representante o administrador do condomínio No caso por exemplo da comunhão de bens instaurada em regime matrimonial cabia ao marido como chefe da sociedade conjugal e administrador do patrimônio comum contrair obrigações pelas quais respondam os bens do casal Em razão de tais acervos constituírem núcleos unitários de bens não parece correto admitir a existência de pluralidade propriamente dita de devedores mesmo se considerando que não chegam a constituir uma pessoa jurídica 60 Tentando visualizar um exemplo de tal modalidade de obrigação em nosso ordenamento jurídico podemos imaginar a hipótese de três devedores obrigaremse conjuntamente a entregar ao credor um caminhão carregado de soja ou três artistas se comprometerem a se apresentar conjuntamente Em tal hipótese nenhum dos devedores poderá pretender o pagamento isolado de sua quota para se eximir da obrigação nem o credor poderá exigir o pagamento parcial da dívida buscandose um adimplemento parcial Apenas se desobrigam em conjunto entregando toda a mercadoria prometida ou realizando conjuntamente a apresentação 313 Obrigações disjuntivas Nessa modalidade de obrigação existem devedores que se obrigam alternativamente ao pagamento da dívida Vale dizer desde que um dos devedores seja escolhido para cumprir a obrigação os outros estarão consequentemente exonerados cabendo portanto ao credor a escolha do demandado De tal forma havendo uma dívida contraída por três devedores A B C a obrigação pode ser cumprida por qualquer deles ou A ou B ou C Observese portanto que a conjunção ou vincula alternativamente os sujeitos passivos entre si Diferem das obrigações solidárias por lhes faltar a relação interna que como veremos é própria do mecanismo da solidariedade justificando neste último o direito regressivo do devedor que paga Esse tipo de obrigação é pouco seguro para o credor uma vez que se pudesse cobrar dos três obviamente teria maior garantia patrimonial para a satisfação do seu crédito 314 Obrigações solidárias As obrigações solidárias são de grande importância prática e por isso merecem um estudo mais pormenorizado 3141 A solidariedade A obrigação solidária é sem dúvida uma das mais importantes categorias do Direito Obrigacional SÍLVIO VENOSA invocando o pensamento de CAIO MÁRIO adverte que embora a solidariedade se houvesse originado no Direito Romano a fixação precisa de suas fontes históricas é tarefa por demais tormentosa 61 Existe solidariedade quando na mesma obrigação concorre uma pluralidade de credores cada um com direito à dívida toda solidariedade ativa ou uma pluralidade de devedores cada um obrigado à dívida por inteiro solidariedade passiva Embora não haja previsão legal específica consignada nas disposições gerais da solidariedade no Código Civil nada impede que se fale também em solidariedade mista constituída pela vontade das partes submetida intuitivamente às regras que regulam as duas primeiras Observese que no caso existe unidade objetiva da obrigação o objeto é único embora concorram mais de um credor ou devedor cada um deles com direito ou obrigado respectivamente a toda a dívida ROBERTO DE RUGGIERO discorrendo acerca das obrigações solidárias assevera Verificase uma verdadeira e própria unidade da obrigação não obstante a pluralidade dos sujeitos quando a relação se constitua de modo que um dos vários credores tenha a faculdade de receber tudo tal como se fosse o único credor ou quando cada um dos vários devedores deva pagar tudo como se fosse o único devedor 62 O Código Civil de 2002 em seu art 264 dispõe que Art 264 Há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor ou mais de um devedor cada um com direito ou obrigado à dívida toda Observese que a primeira parte desse dispositivo legal cuida da solidariedade ativa entre credores ao passo que a sua segunda e última parte trata da solidariedade passiva entre devedores Dois exemplos facilitarão a compreensão da matéria a Exemplo de solidariedade ativa A B e C são credores de D Nos termos do contrato título da obrigação o devedor deverá pagar a quantia de R 30000000 havendo sido estipulada a solidariedade ativa entre os credores da relação obrigacional Assim qualquer dos três credores A B ou C poderá exigir toda a dívida de D ficando é claro aquele que recebeu o pagamento adstrito a entregar aos demais as suas quotaspartes respectivas Mas note que se o devedor pagar a qualquer dos credores exonerase Nada impede outrossim que dois dos credores ou até mesmo todos os três cobrem integralmente a obrigação pactuada b Exemplo de solidariedade passiva A B e C são devedores de D Nos termos do contrato título da obrigação os devedores encontram se coobrigados solidariamente solidariedade passiva a pagar ao credor a quantia de R 30000000 Assim o credor poderá exigir de qualquer dos três devedores toda a soma devida e não apenas um terço de cada um Nada impede outrossim que o credor demande dois dos devedores ou até mesmo todos os três conjuntamente Notese entretanto que o devedor que pagou toda a dívida terá ação regressiva contra os demais coobrigados para haver a quotaparte de cada um Se a obrigação fosse fracionária consoante vimos acima o credor só poderia exigir de cada devedor a sua respectiva quotaparte R 10000000 Todavia como fora estipulada a solidariedade o credor poderá escolher o devedor que pagará os R 30000000 ou pode exigir que os três concorram com a sua parte ou que apenas dois efetuem o pagamento 63 Nada impede outrossim que haja pluralidade de credores e devedores vinculados solidariamente ao pagamento da dívida Posto isso devemos salientar que segundo o nosso direito positivo a solidariedade passiva ou ativa por princípio não se presume nunca resultando expressamente da lei ou da vontade das partes art 265 do CC2002 Assim não havendo norma legal ou estipulação negocial expressa que estabeleça a solidariedade o juiz não poderá presumila da simples análise das circunstâncias negociais se três devedores A B e C se obrigaram a pagar R 30000000 inexistindo determinação legal ou estipulação contratual a respeito da solidariedade cada um deles estará obrigado a pagar apenas a sua quotaparte R 10000000 Entretanto se o contrato estabelecer a solidariedade passiva o credor poderá cobrar de qualquer dos devedores os R 30000000 Neste caso a solidariedade resultará da vontade das próprias partes Pode acontecer entretanto que a solidariedade resulte da lei É o que acontece com os pais tutores curadores donos de hotéis que são solidariamente responsáveis pelos causadores do dano filhos tutelados curatelados hóspedes nos termos dos arts 932 e 942 parágrafo único do CC2002 64 É o caso também da previsão do 2º do art 2º da CLT que estabelece Sempre que uma ou mais empresas tendo embora cada uma delas personalidade jurídica própria estiverem sob a direção controle ou administração de outra constituindo grupo industrial comercial ou de qualquer outra atividade econômica serão para os efeitos da relação de emprego solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas Nesse caso mesmo não sendo empregadores todas as empresas participantes do grupo econômico podem ser responsabilizadas pelos créditos trabalhistas do empregado de uma delas Finalmente não se devem confundir as obrigações solidárias com as obrigações in solidum Nestas últimas posto concorram vários devedores os liames que os unem ao credor são totalmente distintos embora decorram de um único fato Assim se o proprietário de um veículo emprestao a um amigo bêbado e este vem a causar um acidente surgirão obrigações distintas para ambos os agentes o proprietário do bem e o condutor sem que haja solidariedade entre eles 65 31411 Solidariedade ativa Na solidariedade ativa cujas noções gerais já foram vistas qualquer dos credores tem a faculdade de exigir do devedor a prestação por inteiro e a prestação efetuada pelo devedor a qualquer deles liberao em face de todos os outros credores 66 Assim apenas para a boa fixação do tema lembremonos de que pactuada a solidariedade ativa entre três credores o devedor cobrado por apenas um deles exonerase pagandolhe toda a soma devida Aquele que recebeu o pagamento por óbvio responderá perante os demais pelas quotas de cada um Existe portanto na solidariedade ativa uma relação jurídica interna entre os credores a qual é irrelevante para o devedor Vale dizer este último pagando a soma devida exonerase perante todos Consequentemente em virtude do vínculo interno que os une aquele que recebeu todo o pagamento passa a responder perante os demais credores pelas partes de cada um Nesse sentido é de fácil intelecção a regra constante no art 267 do CC2002 Art 267 Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro Em verdade é muito raro encontrar na prática casos de solidariedade ativa pactuada pelas próprias partes Aliás se os credores pretenderem que apenas um deles receba o pagamento muito mais simples e seguro será por meio de um contrato de mandato outorgar ao credor escolhido uma procuração com poderes para receber a soma devida em nome dos demais 67 Da mesma forma temos também dificuldade em encontrar casos de solidariedade ativa por força de lei Talvez a única hipótese apontada pela doutrina seja aquela prevista pela Lei n 209 de 211948 que trata do pagamento relativo a débitos civis e comerciais de pecuaristas Art 12 O débito ajustado constituirseá à base de garantias reais ou fidejussórias existentes e se pagará anualmente pena de vencimento em prestações iguais aos credores em solidariedade ativa rateadas em proporção ao crédito de cada um Parágrafo único Para os casos de execução judicial é usada a cláusula penal de 10 sobre o principal e acessórios da dívida grifos nossos Segundo o Código Civil de 2002 o pagamento feito pelo devedor a um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que foi pago art 269 Notese que a Lei Codificada anterior em seu art 900 caput não fazia essa referência dispondo apenas que O pagamento feito a um dos credores solidários extingue inteiramente a dívida Assim no momento em que o novo diploma limitou os efeitos da exoneração do devedor até o montante do que efetivamente pagou forçoso convir que se o devedor pagou menos do que devia continuará obrigado ao pagamento do restante da dívida abatida por óbvio a parte que já quitou mantida a solidariedade ativa quanto ao saldo devedor Poderá todavia ocorrer que um dos credores solidários em vez de exigir a soma devida haja perdoado a dívida art 272 do CC2002 Tratase da chamada remissão de dívida forma especial de extinção das obrigações prevista nos arts 385 a 388 do CC2002 Nesse caso assim como ocorre quando recebe o pagamento o credor remitente que perdoou responderá perante os demais credores pela parte que lhes caiba Exemplificando A B e C são credores solidários de D C perdoou toda a dívida de R 30000000 De tal forma não havendo participado da remissão os outros credores poderão exigir daquele que perdoou C as quotaspartes que lhes caibam R 10000000 para A e R 10000000 para B E o que dizer se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros Nesse caso há que ser invocada a regra do art 270 do CC2002 segundo a qual Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário salvo se a obrigação for indivisível Um exemplo facilitará a compreensão da norma A B e C são credores solidários de D Como se sabe qualquer deles pode cobrar toda a soma devida pelo devedor Pois bem B morre deixando os seus filhos E e F como herdeiros Nesse caso cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário isto é a metade 12 da quota de B R 5000000 Entretanto se a obrigação for indivisível um cavalo de raça por exemplo o herdeiro poderá exigilo por inteiro dada a impossibilidade de fracionálo respondendo por óbvio perante todos os demais pela quotaparte de cada um Finalmente inovou o Código Civil de 2002 ao prever regras inéditas atinentes à defesa do devedor e ao julgamento da lide assentada em solidariedade ativa O primeiro desses dispositivos proíbe que o devedor oponha a todos os credores solidários a exceção pessoal oponível a apenas um deles art 273 Exceção aqui significa defesa Assim se apenas um dos credores atuou dolosamente quando da celebração do contrato título da obrigação estando todos os demais de boafé a exceção alegação de dolo não poderá ser oposta contra todos Não prejudicará pois os credores de boafé Já o segundo dispositivo sem correspondente no Código revogado veio previsto no art 274 com a seguinte redação Art 274 O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais o julgamento favorável aproveitalhes a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve Tal dispositivo foi modificado pelo Código de Processo Civil de 2015 que lhe conferiu por meio de seu art 1068 a seguinte redação Art 274 O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais mas o julgamento favorável aproveitalhes sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles Dentro do esforço de clareza que norteia a elaboração de todas nossas reflexões cuidaremos de ilustrar algumas hipóteses Por exemplo se um dos credores solidários cobra sozinho a dívida e o devedor alega prescrição sendo esta acolhida pelo magistrado este julgamento contrário não afeta os demais credores solidários Por isso se diz que o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais Assim os demais credores solidários podem ainda cobrar a dívida claro que suscitando causas que demonstrem a não consumação do prazo prescricional Por outro lado se um dos credores solidários na época da feitura do contrato fonte da obrigação ameaçou o devedor para que este também celebrasse o negócio com ele estando os demais credores de boafé o juiz poderá acolher a defesa do réu devedor excluindo o coator da relação obrigacional em face da invalidade da obrigação assumida perante ele Neste caso a sentença não poderá prejudicar os demais credores que de boafé sem imaginar a coação moral celebraram o negócio com o devedor com o assentimento deste Pode ocorrer todavia que o juiz julgue favoravelmente a um dos credores solidários Neste caso duas consequências distintas podem ocorrer 1 Se o juiz desacolheu a defesa exceção do devedor e esta não era de natureza pessoal ou seja era comum a todos os credores o julgamento beneficiará a todos os demais Exemplo imagine que o credor A exija a dívida do devedor D Este se defende alegando que o valor da dívida é excessivo não havendo razão para se cobrar aquele percentual de juros defesa não pessoal O juiz não aceita as alegações do devedor e reconhece ser correto o valor cobrado Da mesma forma o devedor D sustenta haver prescrição e esta não é acolhida pelo juízo Nesses casos o julgamento favorável ao credor A beneficiará todos os demais B C 2 Se o juiz desacolheu a defesa exceção do devedor e esta era de natureza pessoal o julgamento não interferirá na esfera jurídica dos demais credores Exemplo o credor A exige a dívida do devedor D Este opõe defesa alegando que A coagiuo por meio de grave ameaça a celebrar o contrato fonte da obrigação também com ele O juiz não aceita as alegações do devedor e reconhece que A é legítimo credor solidário Neste caso o julgamento favorável ao credor A consoante já registramos acima em nada interferirá na esfera jurídica dos demais credores de boafé cuja legitimidade para a cobrança da dívida em tempo algum fora impugnada pelo devedor Não se poderá dizer pois neste caso que o julgamento favoreceu os demais credores uma vez que a situação dos mesmos não mudou Sintetizando instituiuse o regime da extensão secundum eventum litis da coisa julgada surgida de processo instaurado por um dos credores os credores que não participaram do processo apenas podem ser beneficiados com a coisa julgada jamais prejudicados Assim a coisa julgada surge independentemente de a decisão ter sido favorável ou desfavorável ao credor que propôs a demanda mas a sua extensão aos demais credores é que é efetivamente secundum eventum litis 68 Em conclusão vale referir que a solidariedade ativa extinguese além do pagamento da dívida pelas outras formas especiais de extinção das obrigações novação compensação remissão etc 31412 Solidariedade passiva A ocorrência prática da solidariedade passiva é muito comum Como já vimos existe solidariedade passiva quando em determinada obrigação concorre uma pluralidade de devedores cada um deles obrigado ao pagamento de toda a dívida Vale lembrar o exemplo supra A B e C são devedores de D Nos termos do contrato os devedores encontramse coobrigados solidariamente solidariedade passiva a pagar ao credor a quantia de R 30000000 Assim o credor poderá exigir de qualquer dos três devedores toda a soma devida e não apenas um terço de cada um Nada impede outrossim que o credor demande dois dos devedores ou até mesmo todos os três conjuntamente cobrandolhes toda a soma devida ou parte dela Note entretanto que o devedor que pagou toda a dívida terá ação regressiva contra os demais coobrigados para haver a quotaparte de cada um Nesse sentido para a boa fixação da matéria transcreveremos in verbis o art 275 parágrafo único do Código de 2002 Art 275 O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores parcial ou totalmente a dívida comum se o pagamento tiver sido parcial todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto Parágrafo único Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores O que caracteriza essa modalidade de obrigação solidária é exatamente o fato de qualquer dos devedores estar obrigado ao pagamento de toda a dívida Entretanto cumprenos lembrar que se a solidariedade não houver sido prevista por lei ou pela própria vontade das partes art 265 do CC2002 a obrigação não poderá ser considerada por presunção solidária Nesse caso se o objeto da obrigação o permitir será considerada fracionária é o caso do dinheiro em que não pactuada a solidariedade cada devedor responderá por uma fração da dívida 13 segundo o exemplo dado 69 Assim como ocorre na solidariedade ativa na passiva a pluralidade de devedores encontrase internamente vinculada de forma que aquele que pagou integralmente a dívida terá ação regressiva contra os demais para haver a quotaparte de cada um art 283 do CC2002 O devedor que for demandado poderá opor ao credor as exceções defesas que lhe forem pessoais haver sido induzido em erro p ex e bem assim as defesas que forem comuns a todos os devedores valor cobrado excessivo p ex Não lhe aproveitam contudo as exceções ou defesas pessoais a outro devedor assim se o devedor A fora induzido em erro ao assumir a obrigação não poderá o coobrigado B se demandado utilizar contra o credor essa defesa que não lhe diz respeito art 281 do CC2002 Salientese ainda que se o credor aceitar o pagamento parcial de um dos devedores os demais só estarão obrigados a pagar o saldo remanescente Da mesma forma se o credor perdoar a dívida em relação a um dos devedores solidários remissão os demais permanecerão vinculados ao pagamento da dívida abatida por óbvio a quantia relevada art 277 do CC2002 Destaquese que aqui a hipótese é de remissão ou pagamento de parte da dívida e não de perdão ou adimplemento total da prestação Da mesma forma não se confunde com a simples exclusão do devedor solidário pela sua não cobrança direta ou pelo seu não acionamento judicial o que é em última análise um direito potestativo do credor 70 Quanto à responsabilidade dos devedores solidários se a prestação se impossibilitar por dolo ou culpa de um dos devedores todos permanecerão solidariamente obrigados ao pagamento do valor equivalente Entretanto pelas perdas e danos só responderá o culpado art 279 do CC2002 Vale dizer se A B e C devedores solidários obrigaramse a entregar ao credor D uma saca de café e esta é destruída pela desídia de A que a deixou próxima de uma fornalha todos os devedores permanecerão solidariamente adstritos ao pagamento do valor da saca de café Entretanto os prejuízos resultantes do fato perdas e danos experimentados pelo credor que não pôde na data fixada repassar o café ao seu consumidor serão compensados exclusivamente pelo devedor culpado A E o que dizer se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros Nessa hipótese há que ser invocada a regra do art 276 do CC2002 segundo a qual Art 276 Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros nenhum destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário salvo se a obrigação for indivisível mas todos reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores Um exemplo facilitará a compreensão da norma A B e C são devedores solidários de D valor total da dívida R 30000000 Como se sabe de qualquer dos devedores poderá ser exigido o pagamento total ou parcial da obrigação Pois bem B morre deixando os seus filhos E e F como herdeiros Neste caso cada um destes só estará obrigado a pagar a quota que corresponder a seu quinhão hereditário isto é a metade 12 da quota de B R 5000000 Entretanto se a obrigação for indivisível um touro reprodutor por exemplo o credor poderá exigilo por inteiro dada a impossibilidade de fracionálo cabendo ao herdeiro que pagou haver dos demais coobrigados via ação regressiva se necessário as partes de cada um Mas observe a parte final da norma se o credor houver por bem demandar todos os herdeiros de B E e F conjuntamente estes serão considerados como um único devedor solidário em relação aos demais devedores estando portanto obrigados a pagar toda a dívida ressalvado o posterior direito de regresso Não se esqueça todavia de que o pagamento total da dívida pelos herdeiros reunidos não poderá obviamente ultrapassar as forças da herança uma vez que não seria lícito admitir que os referidos sucessores E e F diminuíssem o seu patrimônio pessoal para cumprir uma obrigação a que não deram causa Assim sendo para que não pairem quaisquer dúvidas podemos visualizar o art 276 com a seguinte sistematização a Dívida indivisível qualquer herdeiro individualmente pode ser compelido a pagar tudo bem como qualquer devedor b Dívida divisível nesse caso a situação varia se o herdeiro for acionado individualmente ou reunido com os demais herdeiros b1 Acionamento individual qualquer herdeiro paga apenas sua quotaparte na herança não podendo ser compelido a pagamento que supere sua parte na herança Mesmo que tenha patrimônio pessoal superior sua obrigação na dívida restringese aos limites da força da herança em sua quotaparte Reiterese que se um herdeiro nessa situação for compelido a pagar toda a dívida o início do art 276 será violado tornandose letra morta b2 Acionamento coletivo dos herdeiros somente reunidos os herdeiros podem ser compelidos a pagar toda a dívida pois ocupam a posição do devedor falecido Demandados conjuntamente geram um litisconsórcio passivo necessário e unitário pois serão vistos como se fosse um único codevedor em relação aos demais devedores Nada impede que o credor renuncie à solidariedade em favor de um dos devedores Tal ocorrerá por exemplo no caso de o credor receber parcialmente de um devedor e darlhe quitação Aí o credor demonstra desinteresse em receber a integridade da dívida 71 A renúncia da solidariedade pode se dar também por meio da manifestação expressa da vontade excluindo um ou mais devedores sem extinção total da dívida No sistema do CC1916 se o credor exonerasse da solidariedade um ou mais devedores aos outros só lhe ficaria o direito de acionar abatendo no débito a parte correspondente aos devedores cuja obrigação remitiu parágrafo único do art 912 Já no CC2002 tal regra de dedução não foi manifestada expressamente Assim surge a dúvida na disciplina do CC2002 no caso de renúncia da solidariedade de um ou alguns dos devedores poderá o credor demandar dos devedores remanescentes o valor total da dívida Entendem Silvio Rodrigues 72 e Maria Helena Diniz 73 interpretando o parágrafo único do art 282 que nessa hipótese deverá ser deduzido o valor correspondente ao quinhão dos exonerados da responsabilidade pelo que o credor somente poderia demandar os remanescentes pelo valor restante Embora ousando discordar dos ilustres mestres parecenos que a nova disciplina legal gerou um novo tratamento da matéria Uma coisa é renúncia ou pagamento parcial da dívida hipótese já tratada do art 277 do CC2002 em que a dedução é fruto da concepção de evitar o enriquecimento indevido Outra situação completamente distinta é a renúncia à solidariedade em relação a um ou alguns dos devedores pois isso deve ser respeitado como o exercício de um direito potestativo do credor ressalvada obviamente a mencionada relativização pela intervenção de terceiros conhecida como chamamento ao processo pelo que tem ele o direito de demandar o valor da dívida toda de apenas parte dos devedores solidários 74 Dessa forma entendemos que o Código Civil de 2002 ao modificar a redação do dispositivo equivalente ao CC1916 parágrafo único do art 912 corrigiu um equívoco histórico Ademais o reconhecimento desse direito potestativo não implica obviamente qualquer repercussão na relação havida entre os devedores pelo que mesmo que o credor exonere qualquer deles perdoando lhe a dívida aceitando pagamento parcial ou renunciando à solidariedade p ex o exonerado continuará obrigado no rateio entre os codevedores pela parte que caiba ao devedor insolvente aquele que não disponha de patrimônio suficiente para cumprir a obrigação conforme se verifica do art 284 do CC2002 75 De tudo que se disse concluise com facilidade que as vantagens da solidariedade passiva são inúmeras para o credor Daí por que a sua incidência é tão difundida em várias espécies de contrato mútuo locação compra e venda etc Comentando os benefícios dessa modalidade obrigacional o ilustrado SILVIO RODRIGUES pontifica Digamos que três pessoas solicitam individualmente empréstimo a um banqueiro Se este o conceder simplesmente tornase credor de cada um dos mutuários da cifra fornecida e por ocasião do vencimento deve cobrar de cada devedor a importância emprestada Se um dos devedores se tornou insolvente sofre o credor o prejuízo pois é titular de três créditos independentes e autônomos que não se encontram de qualquer modo interligados Antevendo tal hipótese o banqueiro condiciona a concessão dos empréstimos ao estabelecimento de solidariedade entre os devedores desse modo enfeixa numa só as três relações jurídicas obrigacionais Fixada a solidariedade pode o credor cobrar seu crédito de qualquer dos devedores pois o vínculo inicial de múltiplo que era tornase uno assim se por acaso um dos devedores ou dois deles se tornarem insolventes não sofrerá prejuízo o credor pois cobrará do devedor remanescente a totalidade do crédito E conclui o Mestre Sua garantia aumenta indiscutivelmente pois só deixará de receber a prestação inteira se todos os devedores solidários ficarem insolventes 76 É a sábia e eterna lição ELEMENTO SUBJETIVO SUJEITOS Fracionárias Pluralidade de devedores ou credores cada um deles responde apenas por parte da dívida Conjuntas Pluralidade de devedores ou credores impondose a todos o pagamento conjunto de toda a dívida não se autorizando aos credores exigila individualmente Disjuntivas Devedores se obrigam alternativamente ao pagamento da dívida Se um cumpre a obrigação os demais são exonerados Solidárias Solidariedade ativa pluralidade de credores cada um com direito à dívida toda Solidariedade passiva pluralidade de devedores cada um obrigado à dívida por inteiro 3142 Subsidiariedade Um tema raramente tratado pelos principais doutrinadores do Direito Civil brasileiro seja quando se referem ao Direito das Obrigações seja discorrendo sobre responsabilidade civil é a questão da responsabilidade patrimonial subsidiária De fato ao se passar os olhos no Código Civil de 2002 não se verifica qualquer referência à ideia de responsabilidade subsidiária no livro do Direito das Obrigações Todavia se o campo de investigação for ampliado para a análise de outros livros do próprio Código Civil e da jurisprudência nacional sem muita dificuldade é possível encontrar previsões de responsabilidade subsidiária Tratando por exemplo do registro da pessoa jurídica o art 46 V do CC2002 estabelece que ele declarará se os membros respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações sociais o que mutatis mutandi também está previsto no que diz respeito ao contrato social das sociedades simples no art 997 VI do CC2002 Quando trata também da sociedade em comandita por ações há previsão expressa de tal responsabilidade no art 1091 do CC2002 in verbis Art 1091 Somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e como diretor responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade 1º Se houver mais de um diretor serão solidariamente responsáveis depois de esgotados os bens sociais 2º Os diretores serão nomeados no ato constitutivo da sociedade sem limitação de tempo e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços do capital social No campo do Direito de Família por exemplo estabelece o art 1744 do CC2002 uma responsabilidade do magistrado que será direta e pessoal quando não tiver nomeado o tutor ou não o houver feito oportunamente mas apenas subsidiária quando não tiver exigido garantia legal do tutor nem o removido tanto que se tornou suspeito Na área trabalhista a disciplina jurisprudencial sobre a terceirização propugnada pelo Tribunal Superior do Trabalho no inciso IV da sua Súmula 331 prevê uma responsabilização patrimonial subsidiária do tomador dos serviços intermediados pela empresa prestadora 77 Mas que é essa responsabilidade subsidiária Nada mais do que uma forma especial de solidariedade com benefício ou preferência de excussão de bens de um dos obrigados dizemos nós De fato na visão assentada sobre a solidariedade passiva temos determinada obrigação em que concorre uma pluralidade de devedores cada um deles obrigado ao pagamento de toda a dívida Nessa responsabilidade solidária há portanto duas ou mais pessoas unidas pelo mesmo débito Na responsabilidade subsidiária por sua vez uma das pessoas tem o débito originário e a outra tem apenas a responsabilidade por esse débito Por isso existe uma preferência dada pela lei na fila ordem de excussão execução no mesmo processo primeiro são demandados os bens do devedor porque foi ele quem se vinculou de modo pessoal e originário à dívida não tendo sido encontrados bens do devedor ou não sendo eles suficientes iniciase a excussão de bens do responsável em caráter subsidiário por toda a dívida Vale lembrar que a expressão subsidiária se refere a tudo que vem em reforço de ou em substituição de ou seja não sendo possível executar o efetivo devedor sujeito passivo direto da relação jurídica obrigacional devem ser executados os demais responsáveis pela dívida contraída Por isso podemos afirmar que não existe a priori uma obrigação subsidiária motivo pelo qual talvez os doutrinadores pátrios de direito civil normalmente não se debrucem sobre o tema nessa área mas sim apenas uma responsabilidade subsidiária Afinal de contas nem sempre quem tem responsabilidade por um débito se vinculou originariamente a ele por causa de uma relação jurídica principal como é o exemplo dos fiadores e dos sócios responsabilizados acessoriamente na forma prevista nos arts 794 e 795 78 do Código de Processo Civil de 2015 Em outro exemplo na área trabalhista vale destacar a previsão do art 455 da CLT que estabelece que nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar cabendo todavia aos empregados o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro Nessa hipótese está estabelecida por lei uma solidariedade mas é lógico que o debitum é somente do subempreiteiro sendo a obligatio estendida ao empreiteiro principal 79 Em situações como a de responsabilidade subsidiária ou de solidariedade estabelecida sem qualquer preferência de excussão mas com devedores solidários sem debitum e havendo mais de um coobrigado deve ser aplicada a regra do art 285 do CC2002 in verbis Art 285 Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores responderá este por toda ela para com aquele que pagar Obviamente essa previsão é inaplicável para as hipóteses em que há solidariedade fundada pela coexistência de sujeitos no polo passivo da dívida todos com debitum e obligatio pois aí o pagamento interessa diretamente a todos os devedores 32 Classificação especial quanto ao elemento objetivo prestação Embora já houvéssemos utilizado esse critério a prestação para explicarmos a classificação básica das obrigações dar fazer e não fazer recorreremos mais uma vez a ele para apontarmos outras difundidas modalidades obrigacionais nessa classificação especial As espécies apresentadas portanto serão estudadas e classificadas estritamente segundo o seu objeto independentemente dos sujeitos da relação 321 Obrigações alternativas As obrigações alternativas ou disjuntivas são aquelas que têm por objeto duas ou mais prestações sendo que o devedor se exonera cumprindo apenas uma delas São portanto obrigações de objeto múltiplo ou composto cujas prestações estão ligadas pela partícula disjuntiva ou Exemplo A devedor liberase pagando um touro reprodutor ou um carro a B credor Nada impede outrossim que as prestações sejam na perspectiva da classificação básica de natureza diversa a entrega de uma joia ou a prestação de um serviço Notese que as prestações são excludentes entre si Sobre o tema ORLANDO GOMES manifestase A obrigação pode ter como objeto duas ou mais prestações que se excluem no pressuposto de que somente uma delas deve ser satisfeita mediante escolha do devedor ou do credor Neste caso a prestação é devida alternativamente 80 Teoricamente é possível fazer a distinção entre obrigações genéricas e alternativas As primeiras são determinadas pelo gênero e somente são individualizadas no momento em que se cumpre a obrigação 81 as segundas por sua vez têm por objeto prestações específicas excludentes entre si Assim conclui ANTUNES VARELA se o livreiro vender um exemplar de certa obra de que há vários ainda em circulação a obrigação será genérica mas será alternativa se vender um dos três únicos exemplares de edições diferentes da obra à escolha do devedor Se o hoteleiro reservar um dos quartos do hotel para o cliente a obrigação será genérica se a reserva se referir à suíte do 1º ou à suíte do 2º andar a obrigação será alternativa 82 Pois bem fixada a premissa de que as obrigações alternativas têm objeto múltiplo prestações excludentes entre si cumprenos indagar a quem cabe a escolha da prestação que será realizada Ao credor ou ao devedor Como regra geral o direito de escolha cabe ao devedor se o contrário não houver sido estipulado no título da obrigação Nesse sentido dispõe o art 252 caput do CC2002 Art 252 Nas obrigações alternativas a escolha cabe ao devedor se outra coisa não se estipulou Assim se A obrigase a pagar um automóvel ou R 1000000 a B a escolha caberá ao devedor A se o contrário não fora estipulado no contrato Entretanto essa regra geral sofre alguns temperamentos consoante deflui da análise dos parágrafos do art 252 abaixo sintetizados 1 embora a escolha caiba ao devedor o credor não está obrigado a receber parte em uma prestação e parte em outra princípio da indivisibilidade do objeto 2 se a obrigação for de prestações periódicas o direito de escolha poderá ser exercido em cada período 3 havendo pluralidade de optantes imagine por exemplo um grupo de devedores com direito de escolha não tendo havido acordo unânime entre eles a decisão caberá ao juiz após expirar o prazo judicial assinado para que chegassem a um entendimento suprimento judicial da manifestação de vontade 4 também caberá ao juiz escolher a prestação a ser cumprida se o título da obrigação houver deferido esse encargo a um terceiro e este não quiser ou não puder exercêlo Interessante notar que o atual Código Civil seguindo diretriz do Código anterior não cuidou de estabelecer prazo para o exercício do direito de escolha em seu capítulo dedicado às obrigações alternativas arts 252 a 256 do CC2002 Isso todavia não significa dizer que o optante possa exercê lo a qualquer tempo como se fizesse pender indefinidamente uma espada de Dâmocles na cabeça da outra parte Por isso a despeito da omissão de nossa lei substantiva o Código de Processo Civil de 2015 em seu art 800 dispõe que Art 800 Nas obrigações alternativas quando a escolha couber ao devedor esse será citado para exercer a opção e realizar a prestação dentro de 10 dez dias se outro prazo não lhe foi determinado em lei ou em contrato 1º Devolverseá ao credor a opção se o devedor não a exercer no prazo determinado 2º A escolha será indicada na petição inicial da execução quando couber ao credor exercêla Outra questão digna de nota diz respeito à impossibilidade de cumprimento das obrigações alternativas Se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor extinguirseá a obrigação Exemplificando uma enchente destruiu o carro e matou o touro reprodutor que compunham o núcleo da obrigação alternativa art 256 do CC2002 Entretanto se a impossibilidade de todas as prestações alternativas decorrer de culpa do devedor não competindo a escolha ao credor ficará aquele obrigado a pagar o valor da prestação que por último se impossibilitou mais as perdas e danos art 254 do CC2002 Exemplo A obrigase a entregar a B um computador ou uma impressora a laser à sua escolha do devedor Ocorre que por negligência o devedor danifica o computador e em seguida destrói a impressora Nesse caso deverá pagar ao credor o valor da impressora a laser objeto que por último se danificou mais as perdas e danos Seguindo a mesma ordem de ideias se a impossibilidade de todas as prestações alternativas decorrer de culpa do devedor mas a escolha couber ao credor poderá este reclamar o valor de qualquer das prestações mais as perdas e danos art 255 segunda parte do CC2002 E o que dizer se a impossibilidade não for total ou seja atingir apenas uma das prestações Nesse caso se não houver culpa do devedor a obrigação consoante vimos acima concentrase na prestação remanescente art 253 do CC2002 Da mesma forma se a prestação se impossibilitar por culpa do devedor não competindo a escolha ao credor poderá o débito ser concentrado na prestação remanescente art 253 do CC2002 Entretanto se a prestação se impossibilitar por culpa do devedor e a escolha couber ao credor este terá direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da que se impossibilitou mais as perdas e danos art 255 primeira parte do CC2002 Em síntese 1 Impossibilidade total todas as prestações alternativas 2 Impossibilidade parcial de uma das prestações alternativas Desnecessário notar que se a prestação se impossibilita totalmente por culpa do credor situação menos provável considerase cumprida a obrigação exonerandose o devedor Em caso de impossibilidade apenas parcial poderá o devedor realizar a parte possível ou restante da prestação sem embargo de ser indenizado pelos danos que porventura sofreu 83 Uma observação final se impõe o que acontece se o devedor ignorando que a obrigação era alternativa isto é que tinha o direito de escolha efetua o pagamento Poderá se retratar Segundo posição preponderante desde o Direito Romano havendo prova de que o devedor incorreu em erro substancial poderá buscar o reconhecimento judicial da invalidade do pagamento efetuando assim a posição diversa Mas ressaltese tal só é possível se houver prova do vício de consentimento dolo coação etc ou outra hipótese ensejadora da nulidade relativa ou absoluta da prestação realizada pois tendo atuado livremente o devedor não poderá retratarse 84 322 Obrigações facultativas O Código Civil de 2002 não cuidou dessa espécie obrigacional também denominada obrigação com faculdade alternativa ou obrigação com faculdade de substituição A obrigação é considerada facultativa quando tendo um único objeto o devedor tem a faculdade de substituir a prestação devida por outra de natureza diversa prevista subsidiariamente Exemplo o devedor A obrigase a pagar a quantia de R 1000000 facultandoselhe todavia a possibilidade de substituir a prestação principal pela entrega de um carro usado Notese que se trata de obrigação com objeto único não obstante se reconheça ao devedor o poder de substituição da prestação Por isso se a prestação inicialmente prevista se impossibilitar sem culpa do devedor a obrigação extinguese não tendo o credor o direito de exigir a prestação subsidiária Não se deve todavia confundila com as obrigações alternativas estudadas linhas acima Nestas a obrigação tem por objeto duas ou mais prestações que se excluem alternativamente Tratase portanto de obrigações com objeto múltiplo ORLANDO GOMES reconhecia os seguintes efeitos às obrigações facultativas 85 1 o credor não pode exigir o cumprimento da prestação facultativa 2 a impossibilidade de cumprimento da prestação devida extingue a obrigação 3 somente a existência de defeito na prestação devida pode invalidar a obrigação 323 Obrigações cumulativas As obrigações cumulativas ou conjuntivas são as que têm por objeto uma pluralidade de prestações que devem ser cumpridas conjuntamente É o que ocorre quando alguém se obriga a entregar uma casa e certa quantia em dinheiro Notese que as prestações mesmo diversas são cumpridas como se fossem uma só e encontramse vinculadas pela partícula conjuntiva e Nesses casos o devedor apenas se desobriga cumprindo todas as prestações 324 Obrigações divisíveis e indivisíveis As obrigações divisíveis são aquelas que admitem o cumprimento fracionado ou parcial da prestação as indivisíveis por sua vez só podem ser cumpridas por inteiro À vista desses conceitos de fácil intelecção vale mencionar a observação feita por BEVILÁQUA no sentido de que a divisibilidade ou indivisibilidade das obrigações só aparece em toda a luz e só oferece interesse jurídico havendo pluralidade de credores ou de devedores Havendo unidade nem mais de um devedor obrigado a um credor as obrigações são em regra indivisíveis porque nem o credor é obrigado a receber pagamentos parciais nem o devedor a fazêlos se outra coisa foi estipulada 86 De acordo com a assertiva de BEVILÁQUA não se deve concluir que determinada prestação não é divisível se concorrer apenas um devedor É que havendo apenas um único obrigado mesmo que a prestação seja essencialmente divisível dar dinheiro por exemplo o credor não é obrigado a receber por partes se tal não fora convencionado O pagamento pois em princípio deverá ser feito sempre em sua integralidade art 314 do CC2002 As obrigações de dar podem ser divisíveis ou indivisíveis As de fazer só serão reputadas divisíveis se a atividade puder ser fracionada o que não ocorre por exemplo quando contratamos a pintura de um quadro mas podese dar com a contratação de alguém para construir um muro As obrigações de não fazer traduzindose em uma abstenção juridicamente relevante são em regra indivisíveis O Código Civil em seus arts 257 e 258 trata das obrigações divisíveis e indivisíveis merecendo neste ponto transcrição literal Obrigações divisíveis Art 257 Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível esta presumese dividida em tantas obrigações iguais e distintas quantos os credores ou devedores Assim se a obrigação é de dar um determinado valor R 100000 por exemplo ou três sacas de café a obrigação melhor dito a prestação é divisível por excelência Obrigações indivisíveis Art 258 A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão por sua natureza por motivo de ordem econômica ou dada a razão determinante do negócio jurídico De acordo com melhor doutrina a indivisibilidade poderá ser 87 a natural material quando decorre da própria natureza da prestação a entrega de um touro reprodutor por exemplo b legal jurídica quando decorre de norma legal a pequena propriedade agrícola módulo rural 88 por exemplo é indivisível por força de lei assim como as servidões prediais nos termos dos arts 1386 do CC2002 89 c convencional quando decorre da vontade das próprias partes que estipulam a indivisibilidade no próprio título da obrigação em geral o contrato Voltemos agora nossa atenção ao art 258 à luz da classificação acima proposta Por óbvio se a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão por sua natureza para utilizarmos definições da própria lei estaremos diante da indivisibilidade natural ou material a obrigação de entregar um cavalo por exemplo Motivo de ordem econômica e razão determinante do negócio jurídico por sua vez são expressões utilizadas pelo art 258 para caracterizar as outras formas de indivisibilidade Tanto podem integrar a categoria da indivisibilidade legal como também a convencional Vale dizer motivos de cunho social e econômico podem levar o legislador a reconhecer a indivisibilidade de determinado objeto e por conseguinte da própria prestação a exemplo do que ocorreu com a pequena propriedade agrária módulo rural em relação à qual a lei proibiu o fracionamento mormente para efeito de alienação indivisibilidade legal Da mesma forma a razão determinante do negócio jurídico que nada mais é do que a sua causa 90 pode fazer com que as partes estipulem a indivisibilidade da obrigação indivisibilidade convencional Evidentemente qualquer que seja a natureza da indivisibilidade natural legal ou convencional se concorrerem dois ou mais devedores cada um deles estará obrigado pela dívida toda art 259 do CC2002 Notese todavia que o dever imposto a cada devedor de pagar toda a dívida não significa que exista solidariedade entre eles uma vez que no caso é o objeto da própria obrigação que determina o cumprimento integral do débito Obviamente se A B e C obrigamse a entregar um cavalo qualquer deles demandado deverá entregar todo o animal E isso ocorre não necessariamente por força de um vínculo de solidariedade passiva mas sim pelo simples fato de que não se poderá cortar o cavalo em três para dar apenas um terço do animal ao credor O efeito disso porém é muito semelhante à solidariedade embora a obrigação pudesse ser excepcionalmente disjuntiva uma vez que na forma do parágrafo único do art 259 o devedor que paga integralmente a dívida subrogase substituise nos direitos do credor em relação aos outros coobrigados Por outro lado se a pluralidade for de credores pelas mesmas razões acima indicadas poderá qualquer deles exigir a dívida inteira O devedor ou devedores se desobrigará desobrigarão por sua vez em duas hipóteses art 260 do CC2002 a pagando a todos os credores conjuntamente nesse caso ao devedor aconselhase por cautela e em atenção ao dito popular segundo o qual quem paga mal paga duas vezes exigir recibo quitação firmado por todos os credores b pagando a um dando este caução de ratificação dos outros credores nesse caso pode o devedor pagar a apenas um dos credores da obrigação indivisível desde que este apresente uma garantia caução de que os outros credores ratificam o pagamento Essa garantia de ratificação deverá ser documentada em instrumento escrito datado e assinado pelos outros credores com as suas firmas devidamente reconhecidas para que não haja dúvida a respeito de sua autenticidade Recebendo a dívida por inteiro o credor deverá repassar aos outros em dinheiro as partes que lhes caibam no total art 261 do CC2002 Essa regra se justifica pelo fato de que a coligação entre os credores decorreu da própria impossibilidade de fracionamento da prestação e se assim foi os outros deverão se contentar com as suas parcelas em dinheiro caso hajam permanecido inertes sem exigir do devedor o cumprimento da sua obrigação Aquele que demandou o sujeito passivo terá pois o direito de ficar com a coisa devida É a solução mais razoável na falta de outra melhor Além do pagamento da dívida esta poderá se extinguir pela remissão perdão pela transação novação compensação e pela confusão art 262 do CC2002 Tratase de formas especiais de pagamento que serão estudadas em momento próprio Ocorrendo qualquer delas se partir de apenas um dos credores a obrigação persistirá quanto aos demais descontada a quotaparte do referido credor Exemplificando A B e C são credores de D A obrigação prestação é indivisível entrega de um cavalo Se A perdoar a dívida D continuará obrigado a entregar o animal a B e C embora tenha o direito de exigir que se desconte em dinheiro a quota do credor que o perdoou no caso o valor correspondente a 13 do valor do animal Finalmente por força do que dispõe o art 263 do Código Civil vigente que repete dispositivo do Código revogado art 895 perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos Assim imaginada uma obrigação indivisível com pluralidade de devedores se o animal perecer por culpa de todos eles responderão por partes iguais pelas perdas e danos devidas ao credor Se todavia a culpa for de apenas um somente este será civilmente responsabilizado As perdas e danos no caso correspondem à indenização devida pelo prejuízo causado ao credor em virtude da morte do animal Vale lembrar que pelo valor da prestação em si todos responderão proporcionalmente Como decorrência da indivisibilidade da prestação em matéria de prescrição a sua declaração aproveita a todos os devedores mesmo que haja sido reconhecida em face de apenas um assim como a suspensão ou interrupção interfere na situação jurídica de todos eles Em conclusão reputamos conveniente traçar com a necessária clareza a diferença existente entre as obrigações solidárias e as obrigações indivisíveis Consoante já vimos a solidariedade passiva ou ativa existe quando em determinada relação obrigacional concorre uma pluralidade de credores ou de devedores cada um com direito ou obrigado a toda a dívida O critério metodológico para a classificação dessa modalidade obrigacional obrigação solidária é a pluralidade de sujeitos na relação jurídica Notese entretanto que a relação jurídica interna entre os devedores na solidariedade passiva ou os credores na solidariedade ativa decorre não do objeto em si mas sim de uma estipulação convencional ou determinação legal imposta aos sujeitos coobrigados Quando falamos em solidariedade pois olhamos para os sujeitos envolvidos e não para o objeto da obrigação razão pela qual se pactuarmos a solidariedade entre devedores ou credores não importa se é uma quantia em dinheiro ou um animal pois cada um dos sujeitos estará obrigado ou terá direito a toda a dívida E mesmo que se resolva em perdas em danos a solidariedade subsistirá 325 Obrigações líquidas e ilíquidas Líquida é a obrigação certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto A prestação pois nesses casos é certa individualizada a exemplo do que ocorre quando alguém se obriga a entregar ao credor a quantia de R 10000 A obrigação ilíquida por sua vez carece de especificação do seu quantum para que possa ser cumprida A apuração processual desse valor dáse por meio de procedimento específico de liquidação na forma do disposto na legislação processual É muito comum por exemplo em reclamações trabalhistas no rito ordinário a parte não formular pedido líquido Em casos tais se o juiz não liquidar especificar o valor no comando sentencial poderá proferir decisão ilíquida deixando para momento posterior a efetivação do valor devido Para que não pairem quaisquer dúvidas é preciso ressaltar que uma sentença ilíquida não é uma sentença que se revela incerta quanto à existência do crédito mas tão somente quanto ao seu valor Uma sentença incerta quanto à certificação do direito é uma contradição de termos nula de pleno direito enquanto uma sentença ilíquida cumpre a prestação jurisdicional exigindo apenas a realização de atos específicos para a determinação do quantum devido ou excepcionalmente do quid debeatur o quê como por exemplo quando determina a reconstrução de um muro sem indicar onde e como fazêlo Conforme ensina MANOEL ANTÔNIO TEIXEIRA FILHO em um plano ideal as obrigações consubstanciadas em títulos executivos judiciais deveriam ser sempre líquidas ou seja conter todos os elementos necessários à sua imediata execução porquanto a certeza do credor em relação ao montante do seu crédito e em contrapartida a do devedor quanto ao total da dívida propiciaria uma execução rápida livre em boa parte dos incidentes que a entravam dentre os quais se incluem os respeitantes à determinação do quantum debeatur 91 Entretanto tal ideal na prática por vezes é difícil de ser alcançado seja pela própria natureza do pedido seja pela absoluta falta de elementos nos autos ou mesmo pela enorme quantidade de pedidos formulados ou feitos acumulados para julgamento OBRIGAÇÕES ELEMENTO OBJETIVO PRESTAÇÃO Alternativas Aquelas que têm por objeto duas ou mais prestações sendo que o devedor exonerase cumprindo apenas uma delas Facultativas Aquelas que têm um único objeto e o devedor tem a faculdade de substituir a prestação devida por outra de natureza diversa Cumulativas Aquelas que têm por objeto uma pluralidade de prestações a serem cumpridas conjuntamente Divisíveis Aquelas que admitem o cumprimento fracionado ou parcial da prestação Indivisíveis Aquelas que só podem ser cumpridas por inteiro Líquidas Aquelas certas quanto à existência e determinadas quanto ao objeto Ilíquidas Não há especificação do quantum para o seu cumprimento 33 Classificação especial quanto ao elemento acidental Nessa classificação tomaremos como base o plano de eficácia do negócio jurídico 331 Obrigações condicionais Tratase de obrigações condicionadas a evento futuro e incerto como ocorre quando alguém se obriga a dar a outrem um carro quando este se casar Lembremos apenas que a condição é a determinação acessória que faz a eficácia da vontade declarada dependente de algum acontecimento futuro e incerto Cuidase portanto de um elemento acidental consistente em um evento futuro e incerto por meio do qual se subordinam ou resolvem os efeitos jurídicos de determinado negócio Em referência à condição suspensiva é preciso recordar também que a aposição de cláusula dessa natureza no ato negocial subordina não apenas a sua eficácia jurídica exigibilidade mas principalmente os direitos e obrigações decorrentes do negócio Quer dizer se um sujeito celebra um contrato de compra e venda com outro subordinandoo a uma condição suspensiva enquanto esta se não verificar não se terá adquirido o direito a que ele visa art 125 do CC2002 O contrato gerará pois uma obrigação de dar condicionada Assim se o comprador inadvertidamente antecipar o pagamento poderá exigir a repetição do indébito via actio in rem verso por se tratar de pagamento indevido Isso porque não implementada a condição não se poderá afirmar haver direito de crédito a ser satisfeito de maneira que o pagamento efetuado caracteriza espúrio enriquecimento sem causa do vendedor De tal forma nas obrigações condicionais enquanto não se implementar a condição não poderá o credor exigir o cumprimento da dívida 332 Obrigações a termo Se a obrigação subordinar a sua exigibilidade ou a sua resolução outrossim a evento futuro e certo estaremos diante de uma obrigação a termo Também espécie de determinação acessória o termo é o acontecimento futuro e certo que subordina o início ou o término da eficácia jurídica de determinado ato negocial Diferentemente do que ocorre com a condição no negócio jurídico a termo pode o devedor cumprir antecipadamente a sua obrigação uma vez que não tendo sido pactuado o prazo em favor do credor o evento termo não subordina a aquisição dos direitos e deveres decorrentes do negócio mas apenas o seu exercício Realizado o ato já surgem o crédito e o débito estando estes apenas com a exigibilidade suspensa Por isso não há no caso de antecipação do pagamento enriquecimento sem causa do credor como ocorreria se se tratasse de negócio sob condição suspensiva consoante se anotou linhas acima Advirta se apenas que a antecipação do pagamento ante tempus é simplesmente uma faculdade e não uma obrigação do devedor Nas obrigações a termo portanto em regra poderá o devedor antecipar o pagamento sem que isso caracterize enriquecimento sem causa do credor 333 Obrigações modais As obrigações modais são aquelas oneradas com um encargo ônus imposto a uma das partes que experimentará um benefício maior Segundo precisa definição de MARIA HELENA DINIZ a obrigação modal é a que se encontra onerada com um modo ou encargo isto é por cláusula acessória que impõe um ônus à pessoa natural ou jurídica contemplada pela relação creditória É o caso p ex da obrigação imposta ao donatário de construir no terreno doado um prédio para escola 92 Cumpre mencionar ainda que essa espécie de determinação acessória não suspende a aquisição nem o exercício do direito ressalvada a hipótese de haver sido fixado o encargo como condição suspensiva art 136 do CC2002 Geralmente é identificada pelas expressões para que com a obrigação de com o encargo de Registrese que por não suspender os efeitos do negócio jurídico o não cumprimento do encargo não gera a invalidade da avença mas sim apenas a possibilidade de sua cobrança ou eventualmente posterior revogação como no caso de ser instituído em doação art 562 do CC2002 Finalmente se a obrigação não for condicional a termo ou modal dizse que é obrigação pura OBRIGAÇÕES ELEMENTO ACIDENTAL Condicionais Condicionadas a evento futuro e incerto A termo Exigibilidade subordinada a evento futuro e certo Modais Possuem um encargo ônus imposto a uma das partes que experimentará benefício maior 34 Classificação especial quanto ao conteúdo Nessa classificação abordaremos modalidades que levam em consideração o objetivo do quanto pactuado 341 Obrigações de meio A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga a empreender sua atividade sem garantir todavia o resultado esperado As obrigações do médico em geral assim como as do advogado são fundamentalmente de meio uma vez que esses profissionais a despeito de deverem atuar segundo as mais adequadas regras técnicas e científicas disponíveis naquele momento não podem garantir o resultado de sua atuação a cura do paciente o êxito no processo 93 342 Obrigações de resultado Nessa modalidade obrigacional o devedor se obriga não apenas a empreender a sua atividade mas principalmente a produzir o resultado esperado pelo credor É o que ocorre na obrigação decorrente de um contrato de transporte em que o devedor se obriga a levar o passageiro com segurança até o seu destino Se não cumprir a obrigação ressalvadas as hipóteses de quebra do nexo causal por eventos fortuitos um terremoto será considerado inadimplente devendo indenizar o outro contratante A respeito desse tema interessante questão diz respeito à obrigação do cirurgião plástico Em se tratando de cirurgia plástica estética haverá segundo a melhor doutrina obrigação de resultado Entretanto se se tratar de cirurgia plástica reparadora decorrente de queimaduras por exemplo a obrigação do médico será reputada de meio e a sua responsabilidade excluída se não conseguir recompor integralmente o corpo do paciente a despeito de haver utilizado as melhores técnicas disponíveis Nesse sentido cumprenos invocar trecho do pensamento de NERI CAMARA SOUZA A cura não pode ser o objetivo maior devido à característica de imprevisibilidade do organismo humano mormente em estado de doença o que se reflete em limitações no exercício da medicina Já não se pode dizer o mesmo quando estivermos frente a um atendimento médico por ocasião de uma cirurgia plástica estética para os casos de cirurgia plástica reparadora cabe a afirmação de caracterizarse como uma obrigação de meios A doutrina e a jurisprudência brasileira são unânimes pelo menos até o presente momento em considerar os casos de cirurgia plástica estética como um contrato cujo objeto é uma obrigação de resultado Assim há presunção de culpa se o médico cirurgião plástico não adimplir integralmente a sua obrigação o adimplemento parcial é considerado uma não execução da obrigação pela qual se comprometeu com o paciente contratante 94 343 Obrigações de garantia Por fim vale lembrar da existência na classificação das obrigações quanto ao conteúdo das chamadas obrigações de garantia que não se enquadram perfeitamente em nenhuma das duas anteriores De fato tais obrigações têm por conteúdo eliminar riscos que pesam sobre o credor reparando suas consequências A eliminação do risco que pertencia ao credor representa bem suscetível de aferição econômica O exemplo típico de tais obrigações são os contratos de seguro em que mesmo que o bem pereça em face de atitude de terceiro incêndio provocado a seguradora deve responder OBRIGAÇÕES CONTEÚDO De meio O devedor se obriga a empreender a atividade sem garantir o resultado esperado De resultado O devedor se obriga não apenas a empreender a atividade mas principalmente produzir o resultado De garantia Eliminar riscos que se pesam sobre o credor reparando suas consequências 4 OBRIGAÇÃO NATURAL As obrigações classificamse tradicionalmente em civis e naturais na medida em que sejam exigíveis ou apenas pagáveis desprovidas de exigibilidade jurídica A obrigação natural é portanto um debitum em que não se pode exigir judicialmente a responsabilização patrimonial obligatio do devedor mas que sendo cumprido não caracterizará pagamento indevido Sendo dívida a ela se aplicam a priori todos os elementos estruturais de uma obrigação com a peculiaridade porém de não poder ser exigida a prestação embora haja a irrepetibilidade do pagamento Em essência e na estrutura a obrigação natural não difere da obrigação civil tratase de uma relação de débito e crédito que vincula objeto e sujeitos determinados Todavia distinguese da obrigação civil por não ser dotada de exigibilidade Tal inexigibilidade é derivada de algum óbice legal com finalidade de preservação da segurança e estabilidade jurídica como ocorre por exemplo na prescrição de uma pretensão decorrente de uma dívida em que o direito não se satisfaz com obrigações perpétuas ou na impossibilidade de cobrança judicial de dívida de jogo pelo reconhecimento social do caráter pernicioso de tal conduta O fundamento primeiro portanto para o reconhecimento da justiça da retenção do pagamento de uma obrigação natural é de ordem moral Por um determinado motivo A contraiu uma dívida em face de B mas por um obstáculo jurídico não a pode exigir judicialmente embora o objeto da relação obrigacional não deixe de existir Tratase portanto de um dever de consciência em que cada um deve honrar a palavra empenhada cumprindo a prestação a que se obrigou Toda a repercussão jurídica da obrigação natural surge de fato quando ela é cumprida sponte propria Na autorizada opinião de Georges Ripert a obrigação natural não existe enquanto o devedor não afirmou essa existência pelo seu cumprimento Ela nasce do reconhecimento do dever moral pelo devedor É de resto o que diz o Código Civil quando se limita a indicar que a repetição do pagamento é impossível 95 É esse também o fundamento destacado por SERPA LOPES A obrigação natural tenha ela uma causa lícita ou ilícita baseiase nas exigências de regra moral Apesar de o direito positivo ter legitimado uma determinada situação em benefício do devedor este pode a despeito disso encontrarse em conflito com a sua própria consciência e nada obsta a que desprezando a mercê recebida da lei realize a prestação a que se sente moralmente obrigado Assim acontece por exemplo se o indivíduo é liberado pela prescrição do respectivo título creditório ou se é beneficiado com a fulminação de nulidade do negócio jurídico de que seria devedor se válido fosse Além disso a realização de uma obrigação natural constitui um ato intimamente ligado à vontade do devedor É movimento partido do seu próprio eu livre manifestação de sua consciência embora exigindo igualmente a vontade menos necessária do accipiens 96 Não se deve imaginar porém que o fundamento moral de dever ético da consciência das obrigações naturais confundese com as regras morais em geral Normas de ordem religiosa doméstica ou simplesmente de cortesia não compreendem obrigações naturais a exemplo do dever cristão de amar ao próximo por não gerarem efeito algum na órbita do direito Como já dissemos alhures não há como se negar que a moral tem uma preocupação expressiva com o foro íntimo enquanto o direito se relaciona evidentemente com a ação exterior do homem Por isso mesmo cabe ao último o estabelecimento de sanções concretas enquanto àquela somente podem se exigir sancionamentos difusos não institucionalizados A legalidade não é portanto sinônimo de moralidade tanto que a coercitividade se limita ao direito jamais à moral 97 Por isso a obrigação natural não se identifica com o mero dever moral pois representa uma dívida efetiva proveniente de uma causa precisa O objeto de sua prestação pertence do ponto de vista ideal ao patrimônio do credor de modo que não cumprida a obrigação sofre ele um prejuízo o que não se verifica quando há o descumprimento de um dever moral Na observação sempre aguçada do Mestre SÍLVIO VENOSA Embora o dever moral não constitua um vínculo jurídico é evidente que os princípios da Moral em grande maioria inspiram e instruem as normas jurídicas Desse modo é inegável que não podemos deixar de divisar nas obrigações naturais relações jurídicas que com liberdade de expressão se situam a meio caminho entre o Direito e a Moral É como se o legislador titubeasse perante determinadas situações preferindo não outorgar a elas as prerrogativas absolutas de direito não quisesse deixar essas mesmas relações ao total desamparo da lei A situação mostrase bastante clara nas dívidas de jogo ou aposta nas quais o legislador elevaas à categoria de contrato arts 1477 a 1480 mas impõelhes o estado de obrigações naturais 98 Assim colocada em um meiotermo entre os campos da moral e do direito preferimos junto com o mestre paulista reconhecerlhe natureza jurídica de uma obrigação imperfeita por lhe faltar a exigibilidade característica das obrigações em geral Salientese por fim que tais obrigações naturais não se confundem com as obrigações nulas Com efeito o que é nulo nenhum efeito deve produzir a obrigação natural ao contrário produz o efeito jurídico da possibilidade de retenção da prestação em caso de pagamento voluntário irrepetibilidade Por isso mesmo salvo vedação legal expressa e específica vide p ex o art 814 1º do CC2002 não vemos a priori nenhum óbice à novação de obrigações naturais a despeito de a questão ser muito polêmica Em relação às obrigações naturais três critérios nos parecem mais relevantes para classificálas a quanto à tipicidade a obrigação natural poderá ser típica ou atípica na medida em que é prevista em texto legal como relação obrigacional inexigível No primeiro caso temse a dívida de jogo e a prescrita no segundo tínhamos a dívida residual após a concordata antes da vigência da Lei n 111012005 a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas b quanto à origem a obrigação natural poderá ser originária quando é inexigível desde o início como a dívida de jogo ou derivada ou degenerada quando nasce como obrigação civil perdendo depois a exigibilidade como a dívida prescrita c quanto aos efeitos produzidos sob essa ótica a obrigação natural será comum ou limitada A primeira é a que admite todos os efeitos da obrigação civil salvo os que se refiram à exigibilidade judicial Já a segunda é a que se restringe à retenção do pagamento negandolhe a lei outros efeitos como a novação a fiança e a promessa de pagamento Ex a dívida de jogo lícito 99 A legislação brasileira não dispensou ao contrário de outros países 100 às obrigações naturais uma disciplina própria Todavia em função de previsões esparsas no ordenamento jurídico é possível fazer uma sistematização acerca do tema De fato estabelece por exemplo o art 882 do CC2002 Art 882 Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir obrigação judicialmente inexigível De tal regra legal é possível se estabelecer a premissa em nosso sistema da irrepetibilidade da prestação na obrigação natural sendo irrelevante inclusive se o devedor conhecia tal incoercibilidade Nessa mesma linha no que se refere às dívidas de jogo ou aposta preceitua o art 814 do CC2002 Art 814 As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento mas não se pode recobrar a quantia que voluntariamente se pagou salvo se foi ganha por dolo ou se o perdente é menor ou interdito 1º Estendese esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento novação ou fiança de dívida de jogo mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boafé 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação ainda que se trate de jogo não proibido só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos 3º Excetuamse igualmente os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva intelectual ou artística desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares Registrese em tal previsão que embora se reconheça a validade da retenção do pagamento da dívida de jogo ou aposta proíbese qualquer estipulação contratual em relação a tais obrigações naturais admitindose a sua natureza limitada Da mesma maneira o art 564 III do CC2002 estabelece que não se revogam por ingratidão as doações que se fizerem em cumprimento de obrigação natural pois no campo estritamente jurídico não se trata propriamente de obrigações mas sim de adimplemento de obrigações não exigíveis judicialmente Um bom exemplo extraído todavia de legislação revogada era a dívida residual após a concordata pois como o 4º do art 155 do Decretolei n 766145 estabelecia que a sentença que julgar cumprida a concordata declararia a extinção da responsabilidade do devedor o fato é que a dívida subsistiria apenas não mais podendo ser exigida judicialmente Caso o devedor quisesse pagar honrando seus compromissos inexistiria indébito uma vez que não haveria animus donandi mas sim verdadeiro pagamento Destaquese por fim que a irrepetibilidade do pagamento existe na obrigação natural ainda que se trate de caso de erro quanto à incoercibilidade da dívida ou dolo do credor nesse sentido sendo irrelevante o fato de o devedor ter realizado a prestação na convicção de que podia ser compelido a pagar O pagamento todavia deve ser realizado sem coação ou qualquer outro vício de consentimento que não importe em uma falsa percepção da realidade pois do contrário a repetição é cabível Ou seja se o dolo do credor for só no sentido de fazer o devedor acreditar que o débito é exigível não há que se falar em repetição mas se a conduta de cumprimento da obrigação natural for viciada em qualquer outro sentido aí sim caberá a repetição IX TEORIA DO PAGAMENTO 1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO PAGAMENTO Em geral a obrigação extinguese por meio do cumprimento voluntário da prestação Dizse no caso ter havido a solução solutio da obrigação com a consequente liberação do devedor Com muito maior frequência todavia costumase utilizar a expressão pagamento para significar o desempenho voluntário da prestação devida Por isso o termo pagamento diferentemente do que a linguagem comum nos sugere não significa apenas a entrega de uma soma em dinheiro mas poderá também traduzir em sentido mais amplo o cumprimento voluntário de qualquer espécie de obrigação 101 Assim nesse sentido paga não apenas aquele que entrega a quantia em dinheiro obrigação de dar mas também o indivíduo que realiza uma atividade obrigação de fazer ou simplesmente se abstém de um determinado comportamento obrigação de não fazer Com a sua habitual precisão CLÓVIS BEVILÁQUA manifestase a respeito do tema nos seguintes termos no primeiro sentido o pagamento é o modo de cumprir as obrigações de dar ou mais particularmente de dar somas de dinheiro No segundo a satisfação do prometido ou devido em qualquer variedade de obrigação 102 Compõese o pagamento de três elementos fundamentais a o vínculo obrigacional tratase da causa fundamento do pagamento não havendo vínculo não há que se pensar em pagamento sob pena de caracterização de pagamento indevido b o sujeito ativo do pagamento o devedor solvens que é o sujeito passivo da obrigação c o sujeito passivo do pagamento o credor accipiens que é o sujeito ativo da obrigação Vale destacar para que não pairem quaisquer dúvidas terminológicas que em matéria de pagamento fazse a inversão dos polos da relação jurídica obrigacional como a ver o outro lado da moeda para considerar sujeito ativo do pagamento e não da obrigação o devedor pois é ele que pratica o ato na espécie ou seja o sujeito ativo do pagamento é aquele que deve entregálo e viceversa em relação ao credor 103 Nesse diapasão cumprenos investigar qual seria a natureza jurídica do pagamento Indiscutivelmente o pagamento é fato jurídico na medida em que tem o condão de resolver a relação jurídica obrigacional Como se sabe fato jurídico é todo acontecimento que produz efeitos na órbita do direito a exemplo do que ocorre com o pagamento Ocorre que a categoria de fato jurídico é por demais abrangente de modo que se deve perquirir em que subespécie de fato se subsume o pagamento seria um ato jurídico stricto sensu ou um negócio jurídico Os adeptos da primeira subteoria ato jurídico em sentido estrito defendem que o pagamento é um simples comportamento do devedor sem conteúdo negocial cujo principal e único efeito previsto pelo ordenamento jurídico é a extinção da obrigação A segunda subteoria negócio jurídico identifica no pagamento mais do que um simples comportamento mas uma declaração de vontade acompanhada de um elemento anímico complexo o animus solvendi Dentre esses pensadores há os que defendem a natureza contratual bilateral do pagamento que consistiria em um acordo liberatório entre as partes Uma terceira vertente doutrinária variante da anterior por sua vez afirma ser o pagamento negócio jurídico unilateral pois prescindiria da anuência da parte credora accipiens Adotando posição intermediária ROBERTO DE RUGGIERO afirma que o pagamento ora é negócio jurídico unilateral ora é negócio jurídico bilateral A verdade quanto à referida discordância é que a solutio pode ser ora um negócio jurídico unilateral ora um negócio jurídico bilateral conforme a natureza específica da obrigação quando ela consiste numa omissão e mesmo quando consiste em uma ação não é necessária a intervenção do credor é pelo contrário necessário o seu concurso se a prestação consiste num dare pois neste caso há a aceitação do credor 104 Em nossa opinião não se poderá adotar posição definitiva a respeito do assunto Somente a análise do caso concreto poderá dizer se o pagamento tem ou não natureza negocial e bem assim caso seja considerado negócio se é unilateral ou bilateral Pretender impor uma determinada categoria como verdade absoluta é esforço intelectual infecundo e poderá levar o intérprete a erro Por isso adequadas são as palavras do Mestre CAIO MÁRIO que assevera Genericamente considerado o pagamento pode portanto ser ou não um negócio jurídico e será unilateral ou bilateral dependendo esta classificação da natureza da prestação conforme para a solutio contentese o direito com a emissão volitiva tão somente do devedor ou para ela tenha de concorrer a participação do accipiens 105 Parecenos sem dúvida o melhor entendimento 2 CONDIÇÕES SUBJETIVAS DO PAGAMENTO Nesse tópico analisaremos os sujeitos do pagamento 21 De quem deve pagar Diferentemente do que se possa imaginar em uma primeira abordagem não é apenas o devedor que está legitimado para efetuar o pagamento De fato em primeiro plano o sujeito passivo da relação obrigacional é o devedor ou seja a pessoa que contraiu a obrigação de pagar Entretanto segundo a sistemática do direito positivo brasileiro também poderá solver o débito pessoa diversa do devedor o terceiro esteja ou não juridicamente interessada no cumprimento da obrigação Nesse sentido clara é a regra do art 304 do CC2002 Art 304 Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagála usando se o credor se opuser dos meios conducentes à exoneração do devedor Parágrafo único Igual direito cabe ao terceiro não interessado se o fizer em nome e à conta do devedor salvo oposição deste grifos nossos A norma legal indicanos a existência de duas espécies de terceiro a o terceiro interessado b o terceiro não interessado Por terceiro interessado entendase a pessoa que sem integrar o polo passivo da relação obrigacional base encontrase juridicamente adstrita ao pagamento da dívida a exemplo do fiador que se obriga ao cumprimento da obrigação caso o devedor direto afiançado não o faça Outro exemplo de terceiro interessado nos é dado por ÁLVARO VILLAÇA É o caso como foi referido do subinquilino que em razão de cessão pelo inquilino que lhe foi feita do contrato de locação corre o risco de ser despejado por falta de pagamento se não liquidar os aluguéis em atraso 106 Notese que o terceiro interessado poderá caso o credor se recuse injustamente a receber o pagamento ou dar quitação regular usar dos meios conducentes à exoneração do devedor como por exemplo a ação de consignação em pagamento Por isso não é lícita a recusa do credor que exige receber o pagamento das mãos do próprio devedor 107 Pode outrossim o adimplemento da obrigação ser efetuado por terceiro não interessado Tratase de pessoa que não guarda vinculação jurídica com a relação obrigacionalbase por nutrir interesse meramente moral É o caso do pai que paga a dívida do filho maior ou do provecto amigo que honra o débito do seu compadre Tais pessoas agem movidas por sentimento de solidariedade familiar ou social não estando adstritas ao cumprimento da obrigação Em casos tais duas situações podem ocorrer a o terceiro não interessado paga a dívida em nome e à conta do devedor art 304 do CC2002 neste caso não tem a priori o direito de cobrar o valor que desembolsou para solver a dívida uma vez que o fez não por motivos patrimoniais mas por sentimentos filantrópicos pelo que pode inclusive lançar mão dos meios conducentes à exoneração do devedor a exemplo da consignação em pagamento É o caso mencionado de pagamento feito por pais filhos ou amigos em que o móvel subjetivo do indivíduo é a solidariedade 108 Registrese porém que processualmente o terceiro não interessado que paga a dívida em nome e à conta do devedor deverá demonstrar a sua legitimidade para fazêlo tendo em vista que ajuíza a postulação invocando o direito alheio de efetivar o pagamento e obter a quitação b o terceiro não interessado paga a dívida em seu próprio nome art 305 do CC2002 neste caso tem o direito de reaver o que pagou embora não se subrogue nos direitos do credor Conforme veremos adiante subrogação é expressão que traduz a ideia de substituição De tal forma se o terceiro não interessado paga em seu próprio nome poderá cobrar do devedor o que pagou mas não substituirá o credor em todas as suas prerrogativas Assim se havia uma hipoteca garantindo a dívida primitiva o terceiro não desfrutará da mesma garantia real restandolhe apenas cobrar o débito pelas vias ordinárias Talvez um bom exemplo de pagamento realizado por terceiro em seu próprio nome seja o da fiança criminal De fato se na fiança civil o terceiro fiador que paga a dívida o faz por ter interesse na relação jurídica principal na fiança criminal quem presta a fiança em seu próprio nome para obter a liberdade provisória do acusado definitivamente não tem nenhum vínculo com a relação jurídica estabelecida Assim para efeitos meramente didáticos podemos afirmar que o pagamento da fiança civil é um caso típico de pagamento por terceiro interessado e o pagamento da fiança criminal um exemplo de adimplemento por terceiro não interessado que terá o direito de ser ressarcido do valor no caso da quebra e perda da fiança Registrese por óbvio que a fiança criminal deve ser prestada pelo próprio afiançado sendo o pagamento por terceiro situação excepcional enquanto a fiança civil é prestada necessariamente por terceiro Uma importante observação entretanto deve ser feita Não é algo muito comum alguém se predispor a pagar dívida de outrem Por isso o direito não ignora que pessoas inescrupulosas movidas por razões egoísticas poderão valerse da legitimidade conferida ao terceiro não interessado para se tornarem credoras do devedor piorando a situação econômica destes Damos um exemplo Imagine que em uma determinada cidade dois comerciantes disputam entre si o mercado de cereais Um deles necessitando de numerário para levar à frente os seus negócios contrai vultosa dívida perante um determinado credor não conseguindo adimplila no vencimento embora ainda não estivesse insolvente O seu concorrente ciente do fato paga a dívida tornandose seu credor Ora em tal caso é indiscutível que a situação do devedor ficará agravada uma vez que terá muito mais dificuldade de solver amigavelmente a obrigação sem mencionar o fato de que o seu desafeto o novo credor poderá macular a sua imagem na praça alardeando informações falsas acerca de sua real situação econômica Para evitar situações como essa que incentivariam comportamentos escusos é que o Código Civil brasileiro de 2002 reconhece ao devedor a faculdade de oporse ao pagamento da dívida por terceiro quando houver justo motivo para tanto Art 306 O pagamento feito por terceiro com desconhecimento ou oposição do devedor não obriga a reembolsar aquele que pagou se o devedor tinha meios para ilidir a ação 109 Ou seja havendo o desconhecimento ou a oposição do devedor e o pagamento ainda assim se der o terceiro não terá o direito de reembolsarse nos termos do art 306 do CC2002 desde que o devedor obviamente disponha de meios para solver a obrigação Parecenos porém a bem da verdade que nessas hipóteses do art 306 nasce para o terceiro uma obrigação natural atípica pois se houver o pagamentoressarcimento do devedor ao terceiro não há que falar em enriquecimento indevido Em nosso entendimento portanto a recusa do devedor poderá ter fundo moral como no exemplo acima em que se pretende impedir a sua humilhação não obstante a oposição possa também assentar se em razões essencialmente jurídicas É o caso por exemplo de a dívida não ser exigível por inteiro de estar no todo ou em parte prescrita de promanar de negócio anulável de existir possibilidade de exceptio non adimpleti contractus exceção de contrato não cumprido etc 110 Finalmente cumprenos tecer breves considerações acerca do pagamento que importe transferência de domínio Em tal situação nos termos do art 307 do CC2002 por razões óbvias o pagamento só poderá ser feito pelo titular do objeto cuja propriedade se pretenda transferir Querse com isso evitar a chamada alienação a non domino ou seja aquela efetuada por quem não seja proprietário da coisa Se todavia se der em pagamento coisa fungível não se poderá mais reclamar do credor que de boa fé a recebeu e a consumiu ainda que o devedor não tivesse o direito de alienála Nesse caso o verdadeiro proprietário da coisa deverá exigir não do credor de boafé mas do próprio devedor as perdas e danos devidas por força da alienação indevida Exemplificando Caio em pagamento de uma dívida transfere a Tício a propriedade de duas sacas de trigo Este de boafé as recebe e consome Posteriormente descobrese que o cereal pertencia a Xisto de modo que a alienação fora dada a non domino Em tal hipótese Xisto deverá reclamar de Caio e não de Tício perdas e danos devidos por força do prejuízo que experimentou 22 Daqueles a quem se deve pagar Segundo a nossa legislação em vigor o pagamento poderá ser feito às seguintes pessoas a o credor b o representante do credor c o terceiro Nesse sentido é a dicção da regra prevista no art 308 do CC2002 Art 308 O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente sob pena de só valer depois de por ele ratificado ou tanto quanto reverter em seu proveito Claro que em primeiro plano o pagamento deve ser feito ao próprio credor accipiens sujeito ativo titular do crédito Poderá todavia ocorrer a transferência inter vivos por meio da cessão de crédito ou post mortem em face da morte do credor originário do direito de maneira que o cessionário no primeiro caso e o herdeiro ou legatário no segundo passarão a ter legitimidade para exigir o cumprimento da dívida Nada impede outrossim que o devedor se dirija a um representante legal ou convencional do credor para efetuar o pagamento Tal ocorre quando o pai representante legal do filho recebe numerário devido a este em virtude de um crédito existente contra terceiro Da mesma forma o credor pode por meio da representação convencional ou voluntária outorgar poderes para que o seu procurador possa receber o pagamento e dar quitação Pode ocorrer que uma pessoa diversa do credor e sem poderes de representação apresentese ao devedor e receba o pagamento Nesse caso se o devedor não tomou as cautelas necessárias efetuando o pagamento para um sujeito qualquer poderá sofrer as consequências do seu ato traduzidas pelo ditado quem paga mal paga duas vezes O direito não socorre os negligentes dormientibus ne sucurrit jus e no caso se não cuidou de investigar a legitimidade do recebedor poderá ser compelido a pagar novamente ao verdadeiro credor Consoante bem asseverou SÍLVIO VENOSA Para a estabilidade das relações negociais o direito gira em torno de aparências As circunstâncias externas não denotando que o portador da quitação seja um impostor tornam o pagamento válido considerase autorizado a receber o pagamento o portador da quitação exceto se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante 111 Daí a grande importância da previsão do art 311 do CC2002 Art 311 Considerase autorizado a receber o pagamento o portador da quitação salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante No caso de pagamento feito a terceiro ressalva a lei todavia a possibilidade de o credor ratificálo ou reverter em seu proveito o pagamento recebido conforme o art 310 do CC2002 Assim se Caio devedor de Tício paga a dívida a Xisto terceiro sem poderes de representação o pagamento só valerá se for ratificado confirmado por Tício verdadeiro credor ou mesmo sem confirmação se houver revertido em seu próprio proveito ex o devedor prova que o credor recebeu o dinheiro do terceiro e comprou um carro Nessa hipótese porém o pagamento só será válido até o montante do benefício experimentado pelo credor Vale dizer se o terceiro apenas em parte reverteu o que pagou em benefício do credor este continuará com o direito de exigir o restante do crédito não recebido Situação especial de pagamento feito a terceiro é aquele efetuado a credor aparente ou putativo Tratase de aplicação da teoria da aparência Em determinadas situações a simples aparência de uma qualidade ou de um direito poderá gerar efeitos na órbita jurídica Tal ocorre na chamada teoria do funcionário de fato provinda do Direito Administrativo quando determinada pessoa sem possuir vínculo com a Administração Pública assume posto de servidor como se realmente o fosse e realiza atos em face de administrados de boafé que não teriam como desconfiar do impostor Imaginese em um distante município o sujeito que assume as funções de um oficial de Registro Civil realizando atos registrários e fornecendo certidões Por óbvio a despeito da flagrante ilegalidade que inclusive acarretará responsabilização criminal os efeitos jurídicos dos atos praticados aparentemente lícitos deverão ser preservados para que se não prejudique aqueles que de boafé hajam recorrido aos préstimos do suposto oficial Da mesma forma se nos dirigimos ao protocolo de uma repartição pública para apresentarmos dentro de determinado prazo um documento e lá encontramos uma pessoa que se apresenta como o funcionário encarregado não existe necessidade de se perquirir a respeito da sua legitimidade Se o sujeito era um impostor caberá à própria Administração Pública apurar o fato com o escopo de punir os verdadeiros funcionários que permitiram o acesso de um estranho ao interior de suas instalações O que não se pode supor é que o administrado será prejudicado com a perda do prazo para a apresentação do documento solicitado Mas não apenas no Direito Administrativo a teoria da aparência tem aplicabilidadeTambém no Direito Civil Muito difundida é a hipótese de um ou ambos os cônjuges de boafé contrairem matrimônio incorrendo em erro em face da figura do outro consorte Tratase do chamado casamento putativo previsto no art 1561 do CC2002 Art 1561 Embora anulável ou mesmo nulo se contraído de boafé por ambos os cônjuges o casamento em relação a estes como aos filhos produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória 1º Se um dos cônjuges estava de boafé ao celebrar o casamento os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão Assim se duas pessoas desconhecendo que são irmãos casam entre si o matrimônio poderá ulteriormente ser invalidado nulidade absoluta embora os seus efeitos jurídicos sejam preservados por estarem os consortes de boafé Poderão portanto proceder à partilha do patrimônio comum como se estivessem dissolvendo a sociedade conjugal de um casamento válido por meio de ação de separação judicial admitindose ainda o reconhecimento de outros efeitos compatíveis com a hipótese vertente Em outra situação estando apenas um dos cônjuges de boafé por desconhecer que o outro já era casado os efeitos jurídicos serão preservados apenas em seu benefício De tal forma terá direito à partilha de bens de acordo com o regime adotado poderá pleitear alimentos e bem assim terá direito sucessório se o outro consorte falecer antes da sentença que decretar a nulidade do casamento Observa se portanto que por força da aparência de licitude os efeitos do casamento inválido serão resguardados em prol do contraente de boafé O Direito das Obrigações da mesma forma deixase influenciar pela teoria da aparência ao admitir que o pagamento seja feito de boafé ao credor putativo Tratase da pessoa que se apresenta como sujeito ativo da relação obrigacional sujeito passivo do pagamento não havendo razão plausível para o devedor desconfiar da sua ilegitimidade No dizer de CAIO MÁRIO chamase credor putativo a pessoa que estando na posse do título obrigacional passa aos olhos de todos como sendo a verdadeira titular do crédito credor aparente 112 Tendo em vista tal situação o Código Civil brasileiro art 309 do CC2002 dispõe que Art 309 O pagamento feito de boafé ao credor putativo é válido ainda provado depois que não era credor 113 Analisando esse dispositivo NELSON NERY JR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY anotam que A nossa legislação além do CC1916 1600 CC 1817 acolheu a aparência em vários outros de seus dispositivos como por exemplo CC1916 1318 CC 686 221 CC 1561 e 935 CC 309 não havendo razão para que o princípio não seja aplicado analogicamente a outras hipóteses como admite o art 4º da LICC Na verdade a exigência da preservação da segurança das relações jurídicas e o registro da boafé de terceiro devem justificar o acolhimento da teoria da aparência TJRJ ADCOAS 1982 82632 Requisitos indispensáveis para a validade do pagamento ao credor putativo aparente são a a boafé do devedor b a escusabilidade de seu erro Por óbvio a lei exige para que o pagamento seja admitido que o devedor haja atuado de boafé ou seja não possa supor ante as circunstâncias de fato que a pessoa que exige o pagamento não tem poderes para tanto A boafé no caso é a subjetiva um estado psicológico de firme crença na legitimidade daquele que se apresenta ao devedor É indispensável também embora não seja a lei explícita a respeito que o erro em que laborou o devedor seja escusável perdoável Se tinha motivos para desconfiar do impostor deverá evitar o pagamento depositandoo em juízo se for o caso Conforme já dissemos o direito não deve tutelar os negligentes dormientibus ne sucurrit jus Finalmente para a boa compreensão do tema figuremos o seguinte exemplo de aplicação da teoria da aparência credor aparente ou putativo durante muitos anos uma senhora residente no sul da Bahia comprou produtos agrícolas de uma mesma empresa situada na capital baiana E sempre o mesmo preposto cuidava de entregar os implementos recebendo a quantia devida Certo dia o preposto fora demitido não tendo a empresa o cuidado de avisar o fato a todos os seus clientes Movido por sentimento de vingança o exempregado dirigiuse até a fazenda da incauta senhora dizendolhe que poderia pagar lhe antecipadamente uma vez que naquele mês os produtos seriam enviados pelo correio dentro de alguns dias Sem motivo para desconfiar do ardil o pagamento fora efetuado e a agricultora não recebeu os implementos Em tal hipótese figurada verificada a boafé e a escusabilidade do erro mesmo se verificando posteriormente que o sujeito não detinha mais poderes de representação o pagamento valerá e a indústria será obrigada a fornecer o produto arcando com o prejuízo se não puder cobrar do farsante Ainda pensando na hipótese de pagamento feito a terceiro é possível que o accipiens excepcionalmente seja o credor do credor quando for penhorado o crédito com a devida intimação do devedor de que o débito está em juízo Por isso mesmo seguindo a linha de que não se deve prestigiar os não diligentes estabelece o art 312 do CC2002 Art 312 Se o devedor pagar ao credor apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito ou da impugnação a ele oposta por terceiros o pagamento não valerá contra estes que poderão constranger o devedor a pagar de novo ficandolhe ressalvado o regresso contra o credor Assim por exemplo se Caio deve a Tício a importância de R 100000 temos que tal crédito poderá ser penhorado pelos credores de Tício Nesse caso se Mévio obtém a constrição judicial penhora de tal crédito o que por óbvio somente pode acontecer antes de ser efetivado o pagamento e mesmo assim Caio ciente dela paga a importância diretamente a Tício temos a aplicação da regra quem paga mal paga duas vezes pois Mévio poderá exigir de Caio o valor correspondente como se o valor não tivesse sido pago Da mesma forma se Caio deve a mesma importância ou um cavalo de raça a Tício e Mévio impugna tal relação creditícia alegando ser o efetivo destinatário do bem poderá Mévio exigir que lhe seja pago o valor equivalente por Caio caso este precipitadamente pague diretamente o suposto crédito de Tício 3 CONDIÇÕES OBJETIVAS DO PAGAMENTO Nos próximos tópicos analisaremos cada um dos elementos objetivos do pagamento a saber seu objeto prova lugar e tempo 31 Do objeto do pagamento e sua prova Vários dos princípios atinentes ao objeto do pagamento já foram estudados no decorrer desta obra Assim já sabemos que o credor não está obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida ainda que mais valiosa e também não está adstrito a receber por partes nem o devedor a pagarlhe fracionadamente se assim não se convencionou arts 313 e 314 do CC2002 Tais dispositivos visam preservar a segurança jurídica dos negócios uma vez que se não forem respeitados as partes nunca saberão como efetuar corretamente o pagamento se sou credor de um relógio de cobre não estou obrigado a aceitar um de ouro e viceversa Da mesma forma se fora estipulada a entrega de uma saca de café o devedor deverá prestála por inteiro e não por partes Consoante já anotamos as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento em moeda corrente nacional pelo seu valor nominal art 315 do CC2002 114 Nada impede outrossim a adoção de cláusulas de escala móvel para que se realize a atualização monetária da soma devida segundo critérios escolhidos pelas próprias partes Notese que o Código de 2002 admitiu que a obrigação cujo objeto compreenda prestações sucessivas possa aumentar progressivamente art 316 Essa regra em verdade decorre de prática negocial difundida quando as partes no próprio contrato adotam critério de aumento progressivo das parcelas a serem adimplidas Entretanto se a adoção de tais regras se der no bojo de um contrato de consumo é preciso perquirir se tal cláusula não é abusiva por acarretar injusta desproporção entre as prestações pactuadas em detrimento do consumidor Tudo dependerá da análise do caso concreto Tecidos tais esclarecimentos cuidemos agora da prova do pagamento Se a precípua atividade do devedor é pagar ou seja cumprir a sua obrigação forçoso é convir que terá o direito de exigir uma prova de que adimpliu A quitação portanto é primordialmente o meio de prova do pagamento Tratase em nosso entendimento de ato devido imposto ao credor que recebeu o pagamento no qual serão especificados o valor e a espécie da dívida quitada o nome do devedor ou de quem por este pagou o tempo e o lugar do pagamento Concretizase em instrumento público ou particular datado e assinado pelo próprio credor ou por representante seu O devedor tem direito subjetivo à quitação e caso lhe seja negada poderá reter a coisa facultando selhe depositála em juízo via ação consignatória de pagamento para prevenir responsabilidade art 319 do CC2002 Não poderá pois diante da recusa injustificada do credor de darlhe quitação abandonar o bem devido à sua própria sorte Fará jus outrossim às despesas efetuadas durante o tempo em que guardou e conservou a coisa por conta da negativa do credor de recebêla mediante quitação São requisitos legais da quitação art 320 do CC2002 a o valor e a espécie da dívida quitada b o nome do devedor ou de quem por este pagou representante sucessor ou terceiro c o tempo do pagamento dia mês e se quiserem hora d o lugar do pagamento e a assinatura do credor ou de representante seu Pode ocorrer todavia que o pagamento seja efetuado e o devedor por inexperiência ou ignorância não exija a quitação de forma regular preterindo os requisitos legais acima mencionados Nesse caso o parágrafo único do art 320 do CC2002 prevê a possibilidade de se admitir provado o pagamento se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida Essa regra é de louvável justiça Quem atua no interior do País sabe que o conhecimento das leis é na generalidade dos casos raridade Por isso o cidadão humilde não poderia ser alijado do seu direito à quitação pelo simples fato de não haver exigido o recibo com todos os requisitos exigidos por lei Se o juiz concluir pelas circunstâncias do caso posto a acertamento que o devedor pagou deverá declarar extinta a obrigação Essa é a melhor solução em respeito inclusive ao princípio da boafé Nas relações trabalhistas em função do reconhecimento da desigualdade fática entre trabalhador e empregador exige a CLT nos parágrafos do seu art 477 um cuidado maior para o reconhecimento da quitação quando se trata de empregado com mais de um ano de tempo de serviço exigindo como requisito de validade a assistência do respectivo sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho 115 Sobre tal requisito formal o Tribunal Superior do Trabalho inclusive editou a Súmula 330 que preceitua in verbis A quitação passada pelo empregado com assistência de entidade sindical de sua categoria ao empregador com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art 477 da CLT tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas I A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e consequentemente seus reflexos em outras parcelas ainda que essas constem desse recibo II Quanto a direitos que deveriam ter sido satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho a quitação é válida em relação ao período expressamente consignado no recibo de quitação Havendo débitos literais ou seja documentados por títulos se a quitação consistir na devolução do título perdido este poderá o devedor exigir retendo o pagamento declaração do credor que inutilize o título desaparecido art 321 do CC2002 Exemplificando Caio é devedor de Tício por força de uma cambial nota promissória emitida em benefício deste último No dia do vencimento o credor alega haver perdido o título de crédito Em tal hipótese impõese ao devedor no ato do pagamento exigir uma declaração datada e assinada preferencialmente com firma reconhecida pelo próprio credor no sentido de que reconhecia a inutilidade do título extraviado e que estava quitando a dívida contraída Para prevenir responsabilidade frente a terceiro é de boa cautela que o credor dê ciência a terceiro por meio da imprensa acerca do extravio da cártula em respeito ao princípio da boafé A lei civil reconhece ainda hipóteses de presunção de pagamento quando este não se possa comprovar por meio de quitação total e regular São as seguintes a No pagamento realizado em quotas periódicas a quitação da última estabelece até prova em contrário a presunção de estarem solvidas as anteriores Para afastarem essa presunção os credores escolas por exemplo costumam inserir no título a advertência de que o pagamento da última mensalidade em atraso não quita as pretéritas art 322 do CC2002 b Sendo a quitação do capital sem reserva de juros que são os frutos civis do capital estes presumemse pagos art 323 do CC2002 Confirase também o art 354 do CC2002 referente à imputação do pagamento c Nas dívidas literais a entrega do título nota promissória cheque letra de câmbio etc ao devedor firma presunção de pagamento art 324 do CC2002 Todas essas presunções de pagamento todavia são relativas Vale dizer firmam uma presunção vencível cabendo o ônus de provar o contrário a inexistência do pagamento ao credor No que se refere à terceira presunção entrega do título nas dívidas literais a lei prevê o prazo decadencial de sessenta dias para que o credor prove a inocorrência do pagamento parágrafo único do art 324 do CC2002 Vale referir que as despesas com o pagamento e a quitação deverão em princípio correr a cargo do devedor ressalvada a hipótese de o aumento da despesa decorrer de fato atribuído ao credor que deverá nesse caso responder por esse acréscimo art 325 do CC2002 Finalmente destaquese que na forma do art 326 do CC2002 se o pagamento se houver de fazer por medida ou peso entenderseá no silêncio das partes que aceitaram os do lugar da execução Ou seja privilegiamse os usos e costumes do local medida das mais salutares para preservar a boafé dos contratantes que em regra se valem dos parâmetros que habitualmente utilizam no seu dia a dia metros ou léguas quilômetros de altura ou pés quilogramas arrobas ou onças hectares tarefas ou metros quadrados etc Um bom exemplo da utilidade de tal regra é da unidade de medida conhecida como alqueire a qual em Minas Gerais Rio de Janeiro e Goiás equivale a 10000 braças quadradas 484 hectares e em São Paulo a 5000 braças quadradas 242 hectares havendo ainda o alqueire fluminense 27225m2 equivalente a 75 x 75 braças baiano 968 hectares e do norte 272 hectares Além disso alqueire pode ainda ser unidade de medida de capacidade para secos equivalente a 3627 litros ou a quatro quartas E também no Pará usase como medida de capacidade correspondente a dois paneiros o que equivale a 30 quilos Vale lembrar ainda da tarefa medida agrária constituída por terras destinadas à canadeaçúcar e que no Ceará equivale a 3630m2 em Alagoas e Sergipe a 3052m2 e na Bahia a 4356m2 32 Do lugar do pagamento A compreensão deste tópico não se reveste de complexidade Desde o Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS admitiase que o lugar do pagamento se o contrário não resultasse do título deveria ser efetuado no domicílio do devedor art 1055 4º Essa regra permanece em nosso direito positivo uma vez que por princípio as obrigações deverão ser cumpridas no domicílio do sujeito passivo da obrigação Tratase das chamadas dívidas quesíveis ou quérables tão bem definidas pelo brilhante Professor ÁLVARO VILLAÇA em princípio o pagamento deve ser feito no domicílio do devedor A dívida neste caso será quesível ou seja deve ser cobrada buscada pelo credor no domicílio do devedor Tudo indica que a palavra quesível encontra origem no verbo latino quaero is sivi situ ere da terceira conjugação que significa buscar inquirir procurar informarse indagar perguntar 116 Nesse sentido dispõe o art 327 do CC2002 Art 327 Efetuarseá o pagamento no domicílio do devedor salvo se as partes convencionarem diversamente ou se o contrário resultar da lei da natureza da obrigação ou das circunstâncias A regra geral portanto poderá ser afastada pela própria lei imagine que lei municipal crie determinado tributo determinando que o pagamento seja feito na prefeitura ou em determinado banco ou pelas circunstâncias ou natureza da obrigação a prestação decorrente de um contrato de trabalho por exemplo poderá ser cumprida fora do domicílio do devedor se em benefício do empregado e da mesma forma no contrato de empreitada a prestação deverá ser efetuada no lugar onde se realiza a obra 117 Por outro lado se for estipulado que o pagamento será efetuado no domicílio do credor estaremos diante de uma dívida portável ou portable Nesse caso ao devedor incumbe buscar o credor para efetuar o pagamento Observese entretanto que se não houver estipulação contratual nesse sentido será aplicada a regra geral Tal disciplina genérica é visivelmente conciliada pela previsão do art 46 do Código de Processo Civil de 2015 118 que estabelece a regra do domicílio do réu como foro competente para ajuizamento de ações Observese ainda o fato de que o Código de Defesa do Consumidor em seu art 51 veda o estabelecimento de cláusulas abusivas contra o consumidor não se podendo estipular local para o pagamento em detrimento do hipossuficiente Atentese ainda para o fato de que se forem designados dois ou mais lugares para o pagamento diferentemente do que se possa imaginar a lei determina que a escolha caberá ao credor nos termos do parágrafo único do art 327 do CC2002 Em caráter excepcional se o pagamento consistir na tradição de um imóvel ou em prestações relativas ao imóvel o pagamento será feito no lugar onde for situado o bem art 328 do CC2002 Explicase facilmente essa regra uma vez que será nesse lugar que se procederá ao registro do título de transferência na forma da Lei de Registros Públicos e do próprio Código Civil Finalmente duas novas regras merecem destaque Permitiu o novo diploma legal à luz dos princípios da razoabilidade e da eticidade que o devedor sem prejuízo do credor e havendo motivo grave possa efetuar o pagamento em lugar diverso do estipulado art 329 do CC2002 É o que ocorre se no lugar do pagamento houver sido decretado estado de emergência por força de inundação Por óbvio nesse caso o devedor deverá buscar a localidade mais próxima conforme suas forças para realizar o pagamento Em conclusão atento ao fato de que o direito é um fenômeno socialmente mutável admitiu o legislador no art 330 do Código Civil de 2002 que o pagamento feito reiteradamente em outro local faz presumir a renúncia do credor ao lugar previsto no contrato Consideramos pouco adequada a utilização da expressão renúncia uma vez que esta em nosso entendimento por significar extinção de direitos deve ser normalmente expressa Temos em verdade a perda de eficácia da disposição convencionada por força de costume assentado pelas próprias partes Observese que no caso o costume não está derrogando a lei mas sim tão somente o contrato tratandose o dispositivo de uma aplicação do venire contra factum proprium decorrente do princípio da boafé 119 33 Do tempo do pagamento Em princípio todo pagamento deve ser efetuado no dia do vencimento da dívida Na falta de ajuste e não dispondo a lei em sentido contrário poderá o credor exigir o pagamento imediatamente art 331 do CC2002 Tal regra de compreensão fácil somente se aplica às obrigações puras pois se forem condicionais ficarão na dependência do implemento da condição estipulada art 332 do CC2002 Se a obrigação é a termo em sendo o prazo concedido a favor do devedor nada impede que este antecipe o pagamento podendo o credor retêlo Em caso contrário se o prazo estipulado for feito para favorecer o credor não poderá o devedor pagar antecipadamente Tudo dependerá de como se conven cionou a obrigação A respeito da hora em que deve ser feito o pagamento vale transcrever o pensamento de CAIO MÁRIO Chegado o dia o pagamento tem de ser feito Cabe indagar da hora pois que o dia astronômico tem 24 horas mas não é curial que aguarde o devedor a calada da noite para solver as horas mortas Já que o recurso ao nosso direito positivo não nos socorre é prestimosa a invocação do Direito Comparado Assim é que o Código Civil alemão no art 358 manda que se faça nas horas habitualmente consagradas aos negócios Os bancos por exemplo têm horário de expediente e irreal seria que se considerasse extensível o tempo da solução ulterior ao seu encerramento 120 Finalmente é possível ao credor exigir antecipadamente o pagamento nas estritas hipóteses numerus clausus previstas em lei art 333 do CC2002 a no caso de falência do devedor ou de concurso de credores nesse caso o credor deverá acautelarse habilitando o crédito antecipadamente vencido no juízo falimentar b se os bens hipotecados ou empenhados objeto de penhor forem penhorados em execução de outro credor aqui a antecipação do vencimento propiciará que o credor possa tomar providências imediatas para garantir a satisfação do seu direito c se cessarem ou se tornarem insuficientes as garantias do débito fidejussórias fiança por ex ou reais hipoteca penhor anticrese e o devedor intimado se negar a reforçálas a negativa de renovação ou reforço das garantias indica que a situação do devedor não é boa razão por que a lei autoriza a antecipação do vencimento Registrese que em todas essas situações havendo solidariedade passiva a antecipação da exigibilidade da dívida não prejudicará os demais devedores solventes X FORMAS ESPECIAIS DE PAGAMENTO 1 INTRODUÇÃO Consoante vimos no capítulo anterior o pagamento traduz o fim natural de toda obrigação Todavia existem outras formas especiais de extinção das obrigações as quais a doutrina costuma denominar pagamentos especiais ou indiretos Metaforicamente podemos dizer que se o pagamento é a morte natural de uma obrigação não podemos deixar de reconhecer que juridicamente há outras formas de morte de uma obrigação sem que se siga a via ordinária concebida genericamente para todas as formas de vida Consoante veremos no decorrer deste capítulo ocorrida uma dessas modalidades de extinção obrigacional o devedor se eximirá de responsabilidade embora nem sempre o crédito haja sido plenamente satisfeito É o que ocorre por exemplo quando o credor perdoa a dívida Nesse caso a obrigação será extinta por meio da remissão não obstante não tenha havido pagamento propriamente dito Concluise portanto que a extinção da obrigação não necessariamente significará satisfação do credor Advertimos outrossim quanto à importância da matéria uma vez que cada forma especial de pagamento apresenta peculiaridades exigindo do estudioso redobrada atenção para que não confunda institutos jurídicos semelhantes embora desiguais em essência 2 CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO Embora o vínculo jurídico que envolve os sujeitos da relação obrigacional leve à visão de que o devedor somente tenha a obrigação de satisfazer o crédito não há como se negar a ele o direito de cumprir a prestação que foi pactuada Assim se o credor teoricamente o mais interessado na realização da prestação se nega a recebê la ou surge outro fato qualquer obstativo desse pagamento direto pode o devedor se valer da consignação para se ver livre da obrigação assumida Exemplificando se A deve a B a importância de R 100000 e B se recusa a receber o valor ofertado por qualquer motivo que seja poderá A depositar judicialmente ou em estabelecimento bancário o valor devido à disposição do credor extinguindose a obrigação e evitando ainda a caracterização da mora Tratase a consignação em pagamento portanto do instituto jurídico colocado à disposição do devedor para que ante o obstáculo ao recebimento criado pelo credor ou quaisquer outras circunstâncias impeditivas do pagamento exerça por depósito da coisa devida o direito de adimplir a prestação liberandose do liame obrigacional 121 Um esclarecimento terminológico se impõe de logo Visando a uma compreensão precisa da matéria entendemos que a terminologia adequada para os sujeitos da consignação em pagamento é a que identifica o devedor que é o sujeito ativo da consignação com a expressão consignante e o credor em face de quem se consigna com a expressão consignatário devendo ser reservada a expressão consignado para o bem objeto do depósito judicial ou extrajudicial Ressaltese que embora haja identidade terminológica a consignação em pagamento não se confunde com a venda por consignação contrato estimatório que é em verdade um negócio jurídico por meio do qual uma das partes consignante transfere a outro consignatário bens móveis a fim de que os venda segundo um preço previamente estipulado ou simplesmente os restitua ao próprio consignante Esta forma de extinção das obrigações consignação em pagamento deve ser estudada tanto no campo do Direito Material arts 334 a 345 do CC2002 quanto no Processual uma vez que é objeto de um procedimento especial próprio previsto nos arts 539 a 549 do Código de Processo Civil de 2015 que admite inclusive como veremos uma fase extrajudicial Duas observações devem ser feitas sobre a natureza jurídica do pagamento em consignação A primeira é que sem qualquer dúvida se trata de uma forma de extinção das obrigações constituindose em um pagamento indireto da prestação avençada Isso porque a consignação visa evitar que o devedor cônscio de suas obrigações fique com a dívida por longo tempo em seu passivo tal qual espada de Dâmocles pendendo sobre sua cabeça à mercê do arbítrio do credor Por isso podemos compreender com Antonio Carlos Marcato que o pagamento por consignação é instrumento de direito material destinado à solução de obrigações que têm por objeto prestações já vencidas e ainda pendentes de satisfação pouco importando se essa pendência decorre de causa atribuível ao credor ou resulta de outra circunstância obstativa do pagamento por parte do devedor e este valese de tal instrumento para liberarse do vínculo que o submete ao accipiens e livrarse em consequência dos ônus e dos riscos decorrentes dessa submissão 122 A segunda colocação é a de que a consignação em pagamento não é em verdade um dever mas sim mera faculdade do devedor que não pôde adimplir a obrigação por culpa do credor O art 335 do CC2002 apresenta uma relação de hipóteses em que a consignação pode ter lugar a saber a se o credor não puder ou sem justa causa recusar receber o pagamento ou dar quitação na devida forma inciso I se A locador de um imóvel a B recusase a receber o valor do aluguel ofertado por este último por considerar que deveria ser majorado por um determinado índice previsto em lei B poderá consignar o valor se entender que o reajuste é indevido Notese que a norma exige que a recusa seja justa mas a constatação da veracidade de tal justiça somente pode ser verificada em definitivo pela via judicial A hipótese é aplicável também para o caso de A aceitar receber o valor mas se recusar a dar a quitação que é direito do devedor Nessa previsão enquadramse ainda as dívidas portables situação excepcional em que o pagamento deve ser feito no domicílio do credor Para isso conforme observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES é necessário que tenha havido oferta real efetiva incumbindo ao autor provála bem como a recusa injustificada do credor A este incumbe ao contrário o ônus de provar a existência de justa causa para a recusa 123 b se o credor não for nem mandar receber a coisa no lugar tempo e condição devidos inciso II a regra geral no vigente ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito ao lugar de pagamento das obrigações é a de que este deve ser feito no domicílio do devedor Se o credor não comparecer ou mandar terceiro para exigir a prestação isso não afasta por si só o vencimento e a exigibilidade da dívida pelo que se autoriza a consignação do valor devido Exemplificando se A acerta receber um pagamento de B no dia 352016 e chegando o dia combinado A não comparece nem manda ninguém em seu lugar a dívida vencerá sem pagamento Para evitar as consequências jurídicas da mora poderá B depositar o valor devido à disposição de A extinguindose a obrigação c se o credor for incapaz de receber for desconhecido declarado ausente ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil inciso III este inciso comporta várias situações fáticas distintas Em relação ao incapaz este nunca pode mesmo receber em razão de sua condição devendo o pagamento ser feito ao seu representante que não é tecnicamente o credor Se este estiver impossibilitado por qualquer motivo uma viagem por exemplo não há como se fazer o pagamento diretamente ao credor incapaz pelo que pode ser feita a consignação Outra situação é se o credor se tornar desconhecido o que ocorre v g se A deve a importância de R 100000 a B e este vem a falecer não se sabendo quem são seus efetivos herdeiros na data de vencimento da obrigação A ausência é situação fática qualificada juridicamente como morte presumida art 6º do CC2002 em que alguém desaparece sem deixar notícias de seu paradeiro ou representante para administrarlhe os bens Nesse caso sem saber a quem pagar pode o devedor realizar a consignação Por fim residindo o credor em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil não é razoável se exigir que o devedor tenha de arriscar a sua vida para procurar o credor que nem se dignou a receber a sua prestação se pretender se ver livre da obrigação estando autorizado a consignála d se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento inciso IV se duas pessoas distintas A e B pleiteiam o pagamento de uma determinada prestação em face de C dizendose cada uma o verdadeiro credor o devedor C para não incidir na regra de quem paga mal paga duas vezes deve consignar judicialmente o valor devido para que o juiz verifique quem é o legítimo credor ou qual a quota de cada um se entender ambos legitimados Tratase de uma hipótese muito comum por exemplo na Justiça do Trabalho quando falecendo o empregado A consigna o empregador B suas verbas rescisórias quando há discussão sobre a legitimidade para o recebimento entre diversas mulheres que se dizem companheiras do falecido inclusive com filhos comuns Observe se que o art 547 do CPC2015 estabelece que se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento o autor requererá o depósito e a citação dos possíveis titulares do crédito para provarem o seu direito Salientese que na forma do art 345 do CC2002 se a dívida se vencer pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente excluir poderá qualquer deles requerer a consignação Notese que a hipótese é de exigir a consignação e não o pagamento propriamente dito Como observa MARIA HELENA DINIZ a ação de consignação é privativa do devedor para liberarse do débito mas se a dívida se vencer não tendo havido o depósito pelo devedor pendendo litígio entre credores que se pretendam mutuamente excluir qualquer deles estará autorizado a requerer a consignação garantindo assim o direito de receber a satisfação do crédito exonerandose o devedor pouco importando qual dos credores seja reconhecido como o detentor legítimo do direito creditório 124 e se pender litígio sobre o objeto do pagamento inciso V se por exemplo A e B disputam judicialmente quem é o legítimo sucessor do credor C não é recomendável que o devedor D antecipese à manifestação estatal para entregar o bem a um deles pois assumirá o risco do pagamento indevido Da mesma forma se A e B disputam judicialmente a titularidade de um bem imóvel locado não deve o locatário D fazer o pagamento direto sem ter a certeza de quem é o legítimo credor Nesse sentido estabelece o art 344 que o devedor de obrigação litigiosa exonerarseá mediante consignação mas se pagar a qualquer dos pretendidos credores tendo conhecimento do litígio assumirá o risco do pagamento O art 973 do CC1916 trazia ainda um inciso VI se houver concurso de preferência aberto contra o credor ou se este for incapaz de receber o pagamento A referência à capacidade foi incorporada no inciso III do art 335 havendo supressão da menção ao concurso de credores mas que pode ser considerada incluída do ponto de vista ideal nas previsões dos incisos IV ou V a depender da existência ou não de demanda judicial Sobre tal previsão observa SÍLVIO VENOSA que no concurso de preferência haverá vários credores do credor intitulados ao crédito O devedor consignante não pode arriscarse a pagar mal Na verdade aí o crédito já é um bem que pertence a terceiros e não mais ao credor da dívida O crédito integra o patrimônio do devedor 125 Registrese porém que tal rol não é taxativo pois a própria legislação codificada traz outras situações em que é autorizada a consignação como por exemplo os arts 341 e 342 do CC2002 126 ou mesmo em legislação complementar Decretolei n 5837 art 17 parágrafo único Lei n 49237 arts 19 e 21 III etc Na forma do art 336 do CC2002 para que a consignação tenha força de pagamento será mister concorram em relação às pessoas ao objeto modo e tempo todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento Assim em relação às pessoas a consignação deverá ser feita pelo devedor ou quem o represente em face do alegado credor sob pena de não ser considerado válido salvo se ratificado por este ou se reverter em seu proveito na forma dos arts 304 e 308 do CC2002 Em relação ao objeto é óbvio que o pagamento deve ser feito na integralidade uma vez que o credor não está obrigado a aceitar pagamento parcial Antecipese inclusive que no procedimento especial correspondente a matéria é expressamente disciplinada conforme se verifica da redação do art 545 do CPC2015 que preceitua in verbis Art 545 Alegada a insuficiência do depósito é lícito ao autor completálo em 10 dez dias salvo se corresponder a prestação cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato 1º No caso do caput poderá o réu levantar desde logo a quantia ou a coisa depositada com a consequente liberação parcial do autor prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará sempre que possível o montante devido e valerá como título executivo facultado ao credor promoverlhe o cumprimento nos mesmos autos após liquidação se necessária Quanto ao modo da mesma forma não se admitirá modificação do estipulado devendo a obrigação ser cumprida da mesma maneira como foi concebida originalmente Exemplificando se A se comprometeu a pagar a importância de R 100000 à vista para B não poderá consignar em quatro prestações de R 25000 Assim também não poderá mudar o local do pagamento estabelecendo o art 337 do CC2002 que o depósito requererseá no lugar do pagamento cessando tanto que se efetue para o depositante os juros da dívida e os riscos salvo se for julgado improcedente Vale lembrar que se a dívida for quérable como é a regra geral o depósito será feito no domicílio do devedor se portable no do credor ou se houver foro de eleição no domicílio estabelecido Por fim quanto ao tempo também não se pode modificar o pactuado sendo vedado como observa o culto Desembargador CARLOS ROBERTO GONÇALVES efetuarse antes de vencida a dívida se assim não foi convencionado A mora do devedor por si só não impede a propositura da ação de consignação em pagamento se ainda não provocou consequências irreversíveis pois tal ação pode ser utilizada tanto para prevenir como para emendar a mora 127 Realizado o depósito com a finalidade de extinguir a obrigação poderá ele ser levantado A resposta a essa questão depende do momento em que o devedor pretender realizar tal ato buscando retornar as coisas ao status quo ante 128 a Antes da aceitação ou impugnação do depósito nesse momento tem o devedor total liberdade para levantar o depósito uma vez que a importância ainda não saiu de seu patrimônio jurídico Tratase de uma faculdade mas que acarreta o ônus de pagar as despesas necessárias para o levantamento e extinção do processo se o depósito foi realizado judicialmente bem como a subsistência da obrigação para todos os fins de direito art 338 do CC2002 b Depois da aceitação ou impugnação do depósito pelo credor nesse momento embora ainda não tenha sido julgada a procedência do depósito o fato é que o credor já se manifestou sobre ele pretendendo incorporálo ao seu patrimônio aceitação ou o considerando por exemplo insuficiente impugnação A oferta portanto já está caracterizada O depósito porém poderá ainda ser levantado pelo devedor mas agora somente com anuência do credor que perderá a preferência e a garantia que lhe competia sobre a coisa consignada ex preferência por hipoteca no concurso de credores com liberação dos fiadores e codevedores que não tenham anuído art 340 do CC2002 Isso se justifica pela regra de que é patrimônio do devedor a garantia comum dos seus credores e essa não incorporação patrimonial no caso se deu pela vontade do credor não podendo tal ato unilateral de verdadeira renúncia prejudicar os demais interessados na extinção da obrigação c Julgado procedente o depósito admitido em caráter definitivo o depósito o devedor já não poderá levantálo ainda que o credor consinta senão de acordo com os outros devedores e fiadores art 339 do CC2002 Isso porque sendo julgado procedente o depósito consuma se o pagamento extinguindose juridicamente a obrigação pelo que não podem ser prejudicados os codevedores e fiadores 129 Obviamente se estes concordarem com o levantamento cai o impedimento criado pela lei retornando tudo ao status quo ante por expressa manifestação da autonomia da vontade Embora a esmagadora maioria das situações de consignação em pagamento envolvam obrigações pecuniárias a sua disciplina não se limita a elas Se A se obriga a entregar uma máquina a B e este na data do vencimento recusase a recebêla poderá o devedor A se valer da consignação em pagamento para extinguir a obrigação Nesse caso na forma do art 341 do CC2002 se a coisa devida foi imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmo lugar onde está poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebêla sob pena de ser depositada Vale destacar que o Código de Processo Civil de 1973 no art 891 parágrafo único estabelecia que o devedor poderá ajuizar a consignação no foro em que se encontra a coisa devida se esta for corpo que deva ser entregue nesse local O CPC2015 não traz regra expressa equivalente mas o raciocínio parece nos ainda plenamente válido por ser factível para determinadas situações concretas É o caso no exemplo anterior de o maquinário se encontrar em domicílio diferente daquele do credor valendo lembrar que a regra geral de local do pagamento é justamente o domicílio do devedor Óbvio que se a coisa certa estiver em lugar distinto daquele em que se pactuou a entrega ou no silêncio do domicílio do devedor correm por conta do solvens as despesas de transporte salvo estipulação em contrário 130 Todavia se a coisa foi indeterminada leiase incerta na expressão do art 342 do CC2002 131 é preciso se proceder à sua certificação pela operação denominada concentração do débito ou concentração da prestação devida Quando a escolha cabe ao devedor nenhum problema se dará pois é ele que pretende ofertar o pagamento Caso a escolha caiba ao credor deve ele ser citado para tal fim sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher Pensando nessa hipótese prevê o art 543 do Código de Processo Civil de 2015 Art 543 Se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a escolha couber ao credor será este citado para exercer o direito dentro de 5 cinco dias se outro prazo não constar de lei ou do contrato ou para aceitar que o devedor a faça devendo o juiz ao despachar a petição inicial fixar lugar dia e hora em que se fará a entrega sob pena de depósito Procedida a escolha pelo devedor regerseá a consignação pelas mesmas regras referentes à coisa certa Para o processo judicial de consignação em pagamento estabelece o art 343 do CC2002 que as despesas com o depósito quando julgado procedente correrão à conta do credor e no caso contrário à conta do devedor Uma pergunta porém se impõe e se A devedor em face da recusa de B credor na relação jurídica de direito material propõe a consignação judicial do pagamento do valor e nos autos B aceita sem impugnação a importância ofertada a quem cabe o pagamento das despesas processuais A pergunta é pertinente uma vez que do ponto de vista técnico inexiste vencedor ou perdedor a quem imputar os ônus da sucumbência A resposta porém é das mais simples pois de fato o que ocorreu foi o reconhecimento da procedência do pedido com a admissão pelo credor de que o valor era efetivamente devido Pensando justamente nessa situação é que preceitua o art 546 parágrafo único do Código de Processo Civil de 2015 Art 546 Julgado procedente o pedido o juiz declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios Parágrafo único Procederseá do mesmo modo se o credor receber e der quitação grifos nossos Há situações todavia em que a relação obrigacional que envolve os sujeitos é de trato sucessivo havendo portanto prestações periódicas a serem adimplidas É o caso por exemplo da dívida de aluguéis 132 alimentos prestações de financiamento habitacional e até mesmo salários tendo em vista a sucessividade do pacto laboral Nesses casos recusandose o credor a receber as prestações ofertadas pelo devedor pode este consignálas na medida em que forem vencendo Tal regra é expressa na legislação processual conforme se verifica do art 541 do CPC2015 in verbis Art 541 Tratandose de prestações sucessivas consignada uma delas pode o devedor continuar a depositar no mesmo processo e sem mais formalidades as que se forem vencendo desde que o faça em até 5 cinco dias contados da data do respectivo vencimento Registrese porém que para casos como tais em que a obrigação consiste em prestações periódicas elas podem ser consideradas implicitamente incluídas no pedido ainda que sem declaração expressa do autor na forma do art 323 do CPC2015 133 A Lei n 8951 de 13121994 integrante de um amplo conjunto de inovações do Código de Processo Civil de 1973 trouxe diversas e profundas modificações na disciplina da consignação em pagamento No Direito Positivo brasileiro tradicionalmente não tendo sido a obrigação adimplida por mora atribuída somente ao credor dispunha o devedor única e exclusivamente da via judicial para poder livrarse da prestação Hoje todavia em função justamente de modificações na legislação processual criouse um procedimento extrajudicial para a resolução do problema cuja finalidade maior sem sombra de dúvida é simultaneamente aliviar o Poder Judiciário de mais esta quantidade de demandas permitindo uma rápida resposta e por isso mais efetiva ao devedor que encontra resistência do credor em receber o que lhe é devido 134 Essa diretriz de conduta foi inteiramente mantida no Código de Processo Civil de 2015 O art 1º da Lei n 895194 sem modificar o caput do art 890 do Código de Processo Civil de 1973 acrescentoulhe quatro parágrafos instituindo o procedimento extrajudicial de consignação em pagamento Registrese entretanto que embora à época constituísse uma inovação para o Direito Positivo brasileiro a consignatória extrajudicial já existia com bastante eficácia em outros sistemas jurídicos notadamente nos países europeus 135 Tratase de verdadeira medida de dessacralização da consignação em pagamento digna de aplausos tendo em vista o seu nítido intento de simplificar a solução de conflitos O procedimento é por demais singelo o que demonstra ainda mais a busca pela desburocratização e desformalização sem violência mínima que seja às garantias constitucionais do processo valendonos das palavras do ilustre CALMON DE PASSOS 136 Nessa mesma linha determina o atual 1º do art 539 do CPC2015 1º Tratandose de obrigação em dinheiro poderá o valor ser depositado em estabelecimento bancário oficial onde houver situado no lugar do pagamento cientificandose o credor por carta com aviso de recebimento assinado o prazo de 10 dez dias para a manifestação de recusa A priori devese observar de logo que esse procedimento extrajudicial somente é aplicável às obrigações pecuniárias não sendo possível sua aplicação em relações obrigacionais relacionadas com a entrega de coisa A consignação de coisa continua somente se dando mediante a via judicial o que se explica até mesmo pela falta de uma estrutura específica de natureza extrajudicial suficientemente idônea para atuar como depositária do bem consignado Observese que o novo dispositivo sana um erro histórico do antigo 1º do art 890 do CPC1973 seu correspondente histórico Com efeito na redação anterior havia uma determinação de que o depósito fosse feito em banco oficial Isso sempre nos pareceu contudo apenas uma preferência legal que objetiva a facilitar eventual procedimento judicial posterior pois defendíamos que a inexistência de estabelecimento bancário oficial na localidade onde deveria ser procedido o pagamento não deveria impedir o devedor de se valer do procedimento se tem acesso a estabelecimento bancário privado A regra portanto deve ser compreendida no sentido de que o depósito deve ser efetuado em banco oficial onde houver podendo ser efetuado em banco privado na hipótese de inexistência do primeiro 137 Como não há determinação legal expressa entendemos ainda que a cientificação do depósito pode ser procedida tanto pelo estabelecimento bancário como pela via postal ou mesmo pelo próprio devedor pessoalmente Exigirse que tal notificação somente possa darse pelo banco soa como um formalismo desnecessário incompatível e inexplicável se comparado com a proposta de simplificação O mais relevante porém é que não se abra mão obviamente da prova efetiva da ciência ao credor da realização do depósito O aviso de recebimento a que se refere o 1º tem justamente essa finalidade Observese que a disciplina positivada do Código de Processo Civil de 2015 não utiliza mais a expressão conta com correção monetária constante do 1º do art 890 do revogado CPC1973 Parecenos todavia que o depósito de valor deve ser feito preferencialmente em conta que permita rendimentos que evitem a perda de seu poder aquisitivo com o desgaste da moeda atualização monetária Segundo o CPC2015 decorrido o prazo do 1º contado do retorno do aviso de recebimento sem a manifestação de recusa considerarseá o devedor liberado da obrigação ficando à disposição do credor a quantia depositada 2º do art 539 do CPC2015 O prazo de dez dias fixado no 1º deve ter seu termo inicial a partir da data do retorno do aviso de recebimento e não da data em que foi efetivamente cientificado o credor Tal diretriz prestigia a segurança jurídica A liberação da obrigação pelo menos nas relações reguladas genericamente pela legislação codificada civil se dá sem ressalvas desde que logicamente tenham sido observadas todas as regras legais notadamente a notificação do credor Este é um aspecto que deve ser constantemente relembrado pois o devedor precisa se precaver de todas as cautelas possíveis para que não haja qualquer nulidade na cientificação Interessantes exemplos podem ser lembrados na possibilidade de o credor estar impossibilitado fisicamente de receber comunicações v g internado em coma ou judicialmente interditado pelo que seu curador é que deve ser notificado especificandose todas as nuances da relação obrigacional a que se refere a consignatória Há portanto uma presunção da quitação da obrigação avençada pelo silêncio do credor somente se admitindo discussão desta se o credor demonstrar alguma irregularidade na sua aceitação tácita do valor depositado Dessa forma não podemos concordar in totum com SÉRGIO BERMUDES para quem a falta de recusa não obsta à propositura das ações que o credor tiver contra o devedor incumbindo ao primeiro opor ao argumento de que não se manifestou as alegações que tiver como as de não recebimento da carta de inexistência da mora accipiendi ou de insuficiência do depósito 138 Efetivamente não só podem como devem ser conhecidas as alegações de não recebimento da carta mas jamais se pode aceitar a rediscussão de matéria que deveria ter sido ventilada quando da recusa ao depósito sob pena de tirar qualquer validade a essa modalidade extrajudicial de pagamento por consignação A hipótese de recusa está prevista no 3º do art 539 do CPC2015 que determina que esta deva ser manifestada por escrito ao estabelecimento bancário Aí está outro aspecto que nos parece bastante interessante A recusa deve ser formulada perante o estabelecimento bancário e não necessariamente ao devedorconsignante Isso porque conforme se pode verificar do 4º existe previsão de possibilidade de levantamento do depósito pelo consignante na hipótese de recusa do credor Ora se o depósito é efetuado em nome do credor por ser quantia que o depositante lhe entende devida é preciso que o estabelecimento bancário tenha conhecimento da recusa para que possa proceder à liberação do valor ao devedor caso seja do seu interesse Notese ainda que o 3º do art 540 do CPC2015 fixa também o prazo de um mês e não mais trinta dias como na anterior previsão do 3º do art 890 do CPC1973 no caso de haver recusa do recebimento da importância consignada para que o devedor ou terceiro possa propor a ação de consignação instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa determinando o 4º que caso não seja proposta a ação no referido prazo ficará sem efeito o depósito podendo levantálo o depositante Sobre tais dispositivos entendemos que a expressão ficará sem efeito o depósito é bastante imprecisa tecnicamente tendo em vista que o depósito de uma quantia é um fato jurídico sendo completamente inócua do ponto de vista fático a determinação legal uma vez que permanecendo depositada continuará a importância a ser atualizada monetariamente tal como se tivesse efetivamente passado para o patrimônio jurídico do credor Da mesma forma ainda que ultrapassado o prazo de um mês não mais de trinta dias repitase parecenos absurdo pensar numa preclusão da possibilidade de ajuizamento da ação de consignação pois como veremos a posteriori enquanto há débito sempre há a possibilidade de consignálo Sendo assim entendemos a fixação do prazo de trinta dias somente como uma limitação temporal para ser considerada elidida a mora na hipótese de haver recusa uma vez que havendo aceitação tácita ou expressa o valor se transfere ao patrimônio do credor Nesse sentido concordamos totalmente com CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO quando afirma que a lei não teve a inconstitucional intenção de fechar o caminho do processo ao devedor que não proponha a demanda naquele prazo de trinta dias somente facultoulhe o levantamento do depósito findo esse prazo Se ele não o levantar contudo nem por isso ficará obstado de propor a ação de consignação em pagamento e exibir a prova do depósito 3º O legislador não deve tampouco ter pretendido que o devedor levante o depósito e faça outro incontinenti querendo propor a demanda em juízo após os trinta dias Carece de eficácia no sistema também a locução ficando sem efeito o depósito sempre 3º 139 Assim também pensa ANTONIO CARLOS MARCATO Ao prever o depósito extrajudicial a lei está a conferir ao interessado no pagamento uma via diversa do acesso necessário e imediato à jurisdição como ocorria até o advento da Lei 895194 sem contudo retirarlhe esse direito de acesso Sucede apenas que a não propositura da ação no trintídio acarreta o restabelecimento do estado anterior à efetivação do depósito extrajudicial ou seja a dívida remanesce em aberto e o credor insatisfeito desta feita por inércia imputável ao devedor 140 Em resumo na consignação extrajudicial o silêncio do credor caracterizará a aceitação do depósito a inércia do devedor não promovendo a ação no prazo a sua mora Encerrando esta breve análise geral da consignatória extrajudicial consideramos relevante lembrar que ela não se constitui de forma alguma em procedimento preparatório necessário para o ajuizamento posterior da ação de consignação em pagamento mas sim mera faculdade legal podendo o devedor se desejar ajuizar diretamente a ação judicial de consignação A competência territorial ratione loci para julgar a ação de consignação em pagamento continua se dando pelo local indicado para ser procedido ordinariamente o adimplemento da obrigação conforme se observa do art 540 do CPC2015 Art 540 Requererseá a consignação no lugar do pagamento cessando para o devedor à data do depósito os juros e os riscos salvo se a demanda for julgada improcedente Salientese porém que tratandose de ação consignatória de aluguéis e encargos é competente para conhecer e julgar tais ações na forma do art 58 II da Lei n 824591 o foro de eleição e na sua falta o do lugar da situação do imóvel expressão inclusive redundante haja vista que foro já importa a noção de lugar 141 No que diz respeito aos requisitos da petição inicial o Código de Processo Civil de 2015 estabelece requerimentos obrigatórios a saber o depósito da quantia ou da coisa devida a ser efetivado no prazo de 5 cinco dias contados do deferimento ressalvada a hipótese do art 539 3º inciso I e a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer contestação inciso II Ressaltese que pelo rito anterior na concepção original do diploma processual de 1973 o consignatário era citado para em lugar dia e hora determinado vir ou mandar receber a quantia ou a coisa devida sob pena de ser feito o respectivo depósito Atualmente de maneira muito mais célere o depósito é requerido desde a inicial podendo já ter sido procedido mesmo antes do ajuizamento no caso da consignatória extrajudicial ressalva feita inclusive no final do inciso I e o réu é citado não somente para dizer se aceita o valor mas também para na hipótese de recusa apresentar sua resposta o que economiza diversos atos processuais Notese aqui que a nova disciplina processual propugnada pelo CPC2015 utiliza a expressão genérica oferecer contestação e não mais oferecer resposta considerando a nova diretriz de concentração das modalidades de resposta do réu na contestação inclusive por exemplo a exceção declinatória de foro Obviamente a diligência da citação do réu somente deve ser procedida após a comprovação do depósito determinado pelo juiz no prazo previsto no inciso I do art 542 do CPC2015 E se por acaso esse depósito não for realizado A hipótese nos parece de extinção do processo sem resolução de mérito com indeferimento da petição inicial pela aplicação analógica do art 485 I cc o parágrafo único do art 321 ambos do CPC2015 Isso porque sendo o depósito um dos pressupostos necessários para a determinação de citação do réuconsignatário a sua não efetivação impede o curso natural do processo e o conhecimento das alegações fáticas contidas na petição inicial 142 Por isso mesmo diante da literalidade do caput do art 321 do CPC2015 143 parecenos que não há motivo para se abrir novo prazo para emenda já que se trata do cumprimento de uma determinação judicial expressa anterior qual seja o depósito da quantia ou da coisa devida a ser efetivado no prazo de 5 cinco dias contados da cientificação dizemos nós do deferimento Claro que o caput do art 321 pode ser invocado em outras situações por exemplo se a petição menciona o depósito extrajudicial mas não junta a comprovação mas não para reabrir novo prazo determinado judicialmente para cumprimento de uma diligência Quanto ao prazo para a resposta agora concentrada na contestação vale lembrar que historicamente houve modificação legislativa nesse sentido O texto original do art 896 do Código de Processo Civil de 1973 determinava que a contestação será oferecida no prazo de 10 dez dias contados da data designada para recebimento Hoje contudo como foi suprimida há tempos essa fixação específica de prazo para a contestação da consignatória aplicase a regra geral de prazos para resposta do réu no processo de conhecimento expressa no art 335 do CPC2015 qual seja de 15 quinze dias De acordo com a inteligência da atual redação do art 544 do CPC2015 Art 544 Na contestação o réu poderá alegar que I não houve recusa ou mora em receber a quantia ou a coisa devida II foi justa a recusa III o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento IV o depósito não é integral Parágrafo único No caso do inciso IV a alegação somente será admissível se o réu indicar o montante que entende devido Tratase efetivamente de um rol das matérias típicas suscitáveis na contestação à consignação em pagamento pois este procedimento especial como já vimos tem cabimento justamente quando há uma mora accipiendi ou seja um atraso ou recusa injustificável do credor em receber a prestação que lhe é devida Um dos pontos a destacar é no supratranscrito parágrafo único o condicionamento da possibilidade de alegação da não integralidade do depósito à indicação pelo credor do montante que entende devido Essa modificação no preciso comentário de RODRIGUES PINTO corresponde a uma atitude que vem tomando o legislador comum ou trabalhista no sentido de evitar a contestação genérica na discussão de valores via de regra usada para somente protelar o desfecho da demanda 144 Nossa compreensão da matéria é que se trata efetivamente de uma medida salutar pois evita a imprecisa defesa por negação geral possibilitando tanto à parte contrária quanto ao juiz uma melhor visualização dos aspectos controversos do litígio Vale acrescentar ainda que o art 546 do CPC2015 estabelece Art 546 Julgado procedente o pedido o juiz declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios Parágrafo único Procederseá do mesmo modo se o credor receber e der quitação Por fim para encerrar esta análise da disciplina da ação de consignação em pagamento impõese a verificação do art 545 do CPC2015 que estabelece Art 545 Alegada a insuficiência do depósito é lícito ao autor completálo em 10 dez dias salvo se corresponder a prestação cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato 1º No caso do caput poderá o réu levantar desde logo a quantia ou a coisa depositada com a consequente liberação parcial do autor prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará sempre que possível o montante devido e valerá como título executivo facultado ao credor promoverlhe o cumprimento nos mesmos autos após liquidação se necessária Sobre essa possibilidade de complementação do depósito ainda se referindo ao Código de Processo Civil de 1973 comentou HUMBERTO THEODORO JÚNIOR O credor não é obrigado a receber prestação menor ou diversa daquela pela qual se obrigou o devedor Por isso o art 896 n IV arrola entre as defesas úteis a da insuficiência do depósito efetuado pelo promovente da consignatória Provada essa defesa a consequência natural seria a improcedência do pedido A lei no entanto por política de economia processual e pela preocupação de eliminar o litígio instituiu uma faculdade especial para o devedor quando a defesa se referir apenas à insuficiência do depósito em semelhante situação facultase ao autor a complementação em 10 dias art 899 É bom lembrar que esse depósito complementar não foi condicionado pela lei nem a erro nem a boafé do autor de sorte que se mostra irrelevante o motivo da insuficiência do depósito Desde que o devedor concorde com a alegação do réu e se disponha a complementar o depósito aberta lhe será a faculdade do art 899 145 A previsão do 1º é medida de grande utilidade prática pois evita que haja maior demora do feito normalmente já bastante lento quanto à importância incontroversa prosseguindo o litígio somente quanto à discussão da existência ou não de valores inadimplidos No que diz respeito à parte incontroversa o processo fica portanto extinto com julgamento do mérito uma vez que houve um reconhecimento parcial da procedência do pedido hipótese que pode ser adequada à previsão do art 487 III a do Código de Processo Civil de 2015 A única objeção ao levantamento do depósito é bastante razoável constituindose na ressalva do caput do art 545 do CPC2015 no que diz respeito à possibilidade de o depósito corresponder à prestação cujo descumprimento importe na rescisão do contrato se a prestação devida por exemplo já se tornou imprestável ao réu evidentemente não aproveitará ao autor o exercício da faculdade prevista na lei respondendo ele na hipótese de improcedência da consignação pelas perdas e danos decorrentes de sua mora 146 O 2º caracterizase como outra saudável medida de simplificação e economia processuais pois caso a recusa tenha ocorrido somente pela não integralidade do depósito e restando demonstrada essa afirmação não precisará o credor ajuizar ação autônoma pois a própria sentença que reconhecer a insuficiência do depósito servirá de título executivo judicial em favor do credor 3 PAGAMENTO COM SUBROGAÇÃO Segundo o léxico CALDAS AULETE subrogação é o ato de subrogar Ato pelo qual se substitui uma pessoa ou coisa em lugar de outra For Ato pelo qual o indivíduo que paga pelo devedor com o consentimento deste expressamente manifestado ou por fatos donde claramente se deduza fica investido nos direitos do credor Cód Civ Port art 778 F Lat Subrogatio 147 Para a ciência jurídica da mesma forma subrogação traduz a ideia de substituição de sujeitos ou de objeto em uma determinada relação jurídica Citando pensamento de HENRY DE PAGE CAIO MÁRIO observa que na palavra mesma que exprime o conceito do latim sub rogare sub rogatio está contida a ideia de substituição ou seja o fato de uma pessoa tomar o lugar da outra assumindo a sua posição e a sua situação 148 Assim se um indivíduo gravou determinado bem de sua herança com cláusula de inalienabilidade o sucessor não poderá sem a devida autorização judicial alienálo e caso o faça justificará o gasto aplicando o valor remanescente na aquisição de outro bem que substituirá o primeiro o qual passará a suportar a cláusula restritiva Dizse no caso haver se operado uma subrogação substituição objetiva ou real ocorrida entre coisas Nesse sentido confirase por exemplo o art 1848 2º do Código Civil de 2002 Art 1848 Salvo se houver justa causa declarada no testamento não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima 1º Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa 2º Mediante autorização judicial e havendo justa causa podem ser alienados os bens gravados convertendose o produto em outros bens que ficarão subrogados nos ônus dos primeiros grifos nossos Outras hipóteses de subrogação real são encontradas nos arts 39 1446 1659 I e II 1668 I e 1719 do Código Civil de 2002 Ao lado da subrogação objetiva ou real temos ainda a subrogação subjetiva ou pessoal Como o próprio nome sugere nesse caso a substituição que se opera é de sujeitos e não de objeto na relação jurídica Tal ocorre por exemplo quando o fiador paga a dívida do afiançado passando a partir daí a ocupar a posição do credor substituindoo Assim se Caio fiador paga a dívida de Tício devedor principalafiançado junto a Mévio credor poderá então exigir o reembolso do que pagou sub rogandose nos direitos do credor A subrogação pois significará uma substituição de sujeitos na relação jurídica uma vez que Caio assumirá o lugar do credor Mévio que lhe transferirá os seus direitos e garantias por força de lei Pois bem É exatamente desta última modalidade de subrogação que trataremos neste capítulo O pagamento com subrogação modo especial de extinção das obrigações disciplinado pelos arts 346 a 351 do CC2002 traduz a ideia de cumprimento da dívida por terceiro com a consequente substituição de sujeitos na relação jurídica obrigacional originária sai o credor e entra o terceiro que pagou a dívida ou emprestou o necessário para que o devedor solvesse a obrigação Quando um terceiro paga ou empresta o necessário para que o devedor solva a sua obrigação operar seá por convenção ou em virtude da própria lei a transferência dos direitos e eventualmente das garantias do credor originário para o terceiro subrogado Dizse no caso ter havido pagamento com subrogação pessoal ou seja pagamento com substituição de sujeitos no polo ativo da relação obrigacional A dívida será considerada extinta em face do antigo credor remanescendo todavia o direito transferido ao novo titular do crédito Há portanto dois necessários efeitos da subrogação liberatório pela extinção do débito em relação ao credor original e translativo pela transferência da relação obrigacional para o novo credor Não há que se confundir todavia o pagamento com subrogação com a mera cessão de crédito haja vista que nesta última a transferência da qualidade creditória operase sem que tenha havido o pagamento da dívida Como bem pondera ORLANDO GOMES a subrogação pessoal assemelhase à cessão de crédito subordinandose na sua espécie mais comum às regras que a disciplinam Não se confundem porém A subrogação pressupõe pagamento só se verificando se o credor originário for satisfeito A cessão de crédito ao contrário ocorre antes que o pagamento seja feito 149 grifos nossos A despeito dessa falta de identidade é forçoso convir que esses institutos guardam pontos de contato uma vez que a própria lei na hipótese de subrogação convencional estudada a seguir manda sejam aplicados os dispositivos da cessão de crédito art 348 do CC2002 Assim ocorre pagamento com subrogação quando Caio paga a dívida de Tício subrogandose nos direitos do credor Mévio Diferentemente haverá simples cessão de crédito quando o credor Mévio por força de estipulação negocial transfere o seu crédito a Caio de forma que este a partir daí possa exigir o pagamento da dívida notificando o devedor para tal fim Frisese outrossim que esta substituição poderá darse de duas formas por força de lei ou em virtude de convenção pela vontade das próprias partes Assim temos a pagamento com subrogação legal b pagamento com subrogação convencional Vejamos cada uma delas separadamente Em três hipóteses configurase a subrogação legal ou seja de pleno direito art 346 do CC2002 a em favor do credor que paga a dívida do devedor comum inciso I se duas ou mais pessoas são credoras do mesmo devedor operar seá a subrogação legal se qualquer dos sujeitos ativos pagar ao credor preferencial aquele que tem prioridade no pagamento do crédito o valor devido Assim por exemplo não havendo dívida trabalhista se o primeiro credor segundo a ordem legal de preferência é a União Federal detentora do único crédito tributário poderá qualquer dos outros credores objetivando acautelar o seu crédito pagar ao Fisco subrogandose em seus direitos Dessa maneira poderá exigir além do seu próprio crédito o valor da dívida adimplida Da mesma forma haverá interesse no pagamento estando os credores na mesma classe se o segundo credor pagar ao primeiro cuja dívida venceu em primeiro lugar já tendo inclusive penhora registrada passando a substituílo em todos os seus direitos Esta última situação é apontada por ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO Também pode acontecer que um credor hipotecário com segunda hipoteca sobre determinado imóvel do devedor queira pagar ao titular do crédito com primeira hipoteca sobre essa mesma coisa subrogandose nos direitos deste executando depois os dois créditos hipotecários sem ficar aguardando que o primeiro seja executado para em seguida executar o segundo sobre o saldo que restar da primeira execução 150 Embora a hipótese seja pouco factível a subrogação também se dará em créditos sem direito de preferência uma vez que o CC2002 suprimiu tal exigência na previsão constante do inciso correspondente b em favor do adquirente do imóvel hipotecado que paga ao credor hipotecário bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado do direito sobre o imóvel inciso II a hipoteca é um direito real de garantia incidente sobre imóveis Em geral quando uma pessoa pretende obter um empréstimo o credor antes de fornecer o numerário costuma exigir garantias e em especial uma garantia real a exemplo da hipoteca de um imóvel do devedor uma fazenda por exemplo Nesse caso o proprietário terá o seu bem gravado pela hipoteca podendo o credor hipotecário reavêlo em mãos de quem quer que seja por força do chamado direito de sequela Nada impede porém que o devedor aliene o bem hipotecado a um terceiro ciente da hipoteca aliás toda hipoteca deve ser registrada no Cartório de Registro Imobiliário Este adquirente o comprador da fazenda portanto objetivando liberar o imóvel poderá pagar a soma devida ao credor hipotecário subrogandose em seus direitos Embora se trate de hipótese não muito frequente não é impossível ocorrer e no caso paga a dívida poderá o terceiro adquirente subrogado nos direitos do credor exigila do devedor Na parte final deste inciso inovou o Código Civil de 2002 ao reconhecer a incidência da subrogação legal também na hipótese de um terceiro efetivar o pagamento para não ser privado de direito sobre o imóvel No caso não se trata do terceiro que adquire imóvel hipotecado pois essa hipótese está contida na primeira parte da norma A previsibilidade legal compreende situações outras de pessoas que tenham algum direito sobre o imóvel e para não perdêlo pagam a dívida do proprietário subrogandose nos direitos do credor É o que ocorre se o promitente comprador de um imóvel paga a dívida do proprietário promitente vendedor por considerar que o credor poderia exigir a alienação judicial do bem objeto do compromisso de venda c em favor do terceiro interessado que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado no todo ou em parte inciso III esta é a hipótese mais comum de subrogação legal Operase quando um terceiro juridicamente interessado no cumprimento da obrigação paga a dívida subrogandose nos direitos do credor É o que ocorre no caso do fiador que paga a dívida do devedor principal passando a partir daí a poder exigir o valor desembolsado utilizando se necessário as garantias conferidas ao credor originário É o que ocorre também quando um dos devedores solidários paga a dívida ao credor comum Lembrese de que consoante já anotamos o terceiro não interessado que paga a dívida em seu próprio nome tem direito a reembolsarse embora não se subrogue nos direitos do credor art 305 do CC2002 Até aqui tratamos de hipóteses de subrogação legal quer dizer operada por força de lei devendo ser interpretadas restritivamente por serem relacionadas de forma taxativa numerus clausus Nada impede outrossim dentro do campo de atuação da autonomia da vontade e da livreiniciativa que as próprias partes fora das hipóteses supra admitam a subrogação por simples estipulação negocial Tratase da denominada subrogação convencional ou voluntária a seguir analisada Esta forma de subrogação decorre da vontade das próprias partes e é disciplinada pelo art 347 do CC2002 que a admite em duas hipóteses a quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transmite todos os seus direitos inciso I tratase de situação muito semelhante à cessão do crédito sendolhe inclusive aplicadas as mesmas regras art 348 do CC2002 Todavia consoante já advertimos o fato de haver semelhança não significa dizer que os institutos jurídicos sejam idênticos A cessão que poderá inclusive ser gratuita prescindindo pois de pagamento não se submete aos limites impostos pelo Código ao pagamento com subrogação art 350 do CC2002 Além disso na cessão de crédito a cientificação do devedor é também condição indispensável para que o ato tenha eficácia jurídica uma vez que a sua ciência é um imperativo lógico do princípio da boafé pois se o devedor pagar a prestação ao credor original que de máfé não o cientificou de já ter recebido o pagamento de terceiros não há como exigir do solvens a ideia de quem paga mal paga duas vezes por não ter o dever de investigar o credor sobre tal circunstância b quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida sob a condição expressa de ficar o mutuante sub rogado nos direitos do credor satisfeito inciso II nesse caso a pessoa que emprestou o numerário mutuante para que o devedor mutuário pagasse a soma devida no próprio ato negocial de concessão do empréstimo ou financiamento estipula expressamente que ficará subrogado nos direitos do credor satisfeito Assim se A empresta um valor a B sob a condição de subrogarse nos direitos do credor primitivo poderá não apenas exigir o reembolso do que pagou mas também utilizarse das eventuais garantias pactuadas em prol do credor inicial Tudo dependerá da forma pela qual a subrogação fora prevista no contrato Esse caso lembranos SÍLVIO VENOSA ocorre com muita frequência nos financiamentos dos bancos ditos sociais As Caixas Econômicas costumam liquidar os débitos dos devedores com instituições privadas fornecendo financiamentos em condições mais favoráveis 151 O principal efeito da subrogação é exatamente transferir ao novo credor todos os direitos ações privilégios e garantias do primitivo em relação à dívida contra o devedor principal e seus fiadores art 349 do CC2002 Dessa forma se o credor principal dispunha de garantia real uma hipoteca ou um penhor por exemplo ou pessoal fiança ou ambas o terceiro subrogado passará a detêlas podendo pois tomar as necessárias medidas judiciais para a proteção do seu crédito como se fosse o credor primitivo Observese apenas que se a subrogação for convencional as partes poderão convencionar a diminuição de privilégios ou garantias concedidas ao credor originário Lembremonos também de que na subrogação legal o subrogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor senão até a soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor art 350 do CC2002 grifos nossos Assim se a dívida vale R 100000 e o terceiro juridicamente interessado fiador obteve desconto e pagou apenas R 80000 com a devida anuência do credor que emitiu quitação plena e irrevogável só poderá exercer os seus direitos e garantias contra o devedor até o limite da soma que efetivamente desembolsou para solver a obrigação R 80000 Não poderá pois cobrar do devedor R 100000 sob pena de caracterizar enriquecimento sem causa ilícito Tratase no caso de uma restrição apenas imposta à subrogação legal haja vista que na convencional inserida no campo da autonomia privada as partes têm liberdade para estipularem a mantença ou não de garantias e o alcance dos efeitos jurídicos do pagamento Finalmente cumprenos anotar que se houver concorrência de direitos entre o credor originário e o credor subrogado ao primeiro assistirá preferência na satisfação do crédito Assim se A é credor de R 30000 em face de B e C credor subrogado pagalhe apenas parte da dívida R 15000 ficará subrogado em seus direitos até essa quantia Pois bem Suponhamos que o patrimônio de B não seja suficiente para saldar os dois créditos concorrentes de A e C Nesse caso por expressa determinação legal art 351 do CC2002 o credor originário terá preferência ao subrogado se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever Tratase de uma regra adequada pela própria anterioridade do crédito e em virtude da inexistência de outra solução melhor 4 IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO Ninguém está impedido de contrair mais de uma dívida com a mesma pessoa Supondo serem todas líquidas e vencidas e oferecendo o devedor capital insuficiente para a quitação de todas tem ele o direito de escolher qual das dívidas pretende extinguir em primeiro lugar É o caso de o sujeito dever R 500000 R 1000000 e R 1500000 ao mesmo credor sendo todas as dívidas líquidas e vencidas Não discordando o credor em receber parcialmente o pagamento cabe ao devedor em regra a escolha é dele imputar o valor pago em qualquer das dívidas Da mesma forma tendo todas as dívidas o mesmo valor urge especificar qual dos débitos deverá ser solvido em primeiro lugar Isso se dá através do instituto da imputação do pagamento Entendese a imputação do pagamento como a determinação feita pelo devedor dentre dois ou mais débitos da mesma natureza positivos e vencidos devidos a um só credor indicativa de qual dessas dívidas quer solver 152 Vale dizer tratase muito mais de um meio indicativo de pagamento do que propriamente de um modo satisfativo de adimplemento Desse lapidar conceito doutrinário calcado na previsão legal correspondente art 352 do CC2002 153 extraemse os dois requisitos legais indispensáveis a igualdade de sujeitos credor e devedor b liquidez e vencimento de dívidas da mesma natureza Esses requisitos são imprescindíveis simultaneamente para que o devedor possa ter o direito subjetivo de fazer a imputação do pagamento independentemente da manifestação do credor Embora o Código Civil de 2002 nada mencione na espécie parecenos que a ideia de que com consentimento do credor se possa fazer imputação do pagamento em dívida ilíquida ou não vencida constante da segunda parte do art 991 do CC1916 continua válida uma vez que decorre muito mais da autonomia individual da vontade do que da existência necessária de previsão legal haja vista que se prejuízo houver será para o próprio credor que anuiu com a proposta do devedor antecipando o vencimento de sua dívida ou liquidandoa convencionalmente Em verdade é possível se afirmar que todas as limitações à imputação do pagamento podem ser relevadas por mútuo consentimento das partes Assim o é com a imputação em dívida ilíquida e ainda não vencida como visto e bem assim com a pretensão de que o pagamento seja feito primeiro em relação aos juros vencidos e depois em relação ao capital art 354 do CC2002 154 Observese da mesma forma que salvo anuência do credor o devedor não poderá também imputar o pagamento em dívida cujo montante seja superior ao valor ofertado pois como visto o pagamento parcelado do débito só é permitido quando convencionado art 314 do CC2002 Na ausência porém de qualquer manifestação de vontade e ocorrendo o silêncio do devedor sobre qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento como deve proceder Pensando em situações como as tais estabelece o art 353 do CC2002 Art 353 Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento se aceitar a quitação de uma delas não terá direito a reclamar contra a imputação feita pelo credor salvo provando haver ele cometido violência ou dolo Todavia pode acontecer que a quitação seja omissa quanto à imputação escapando da incidência da norma supramencionada Nesse caso serão invocadas as regras da imputação legal Fazendo a interpretação conjunta dos arts 354 e 355 155 do CC2002 podemos estabelecer a seguinte ordem preferencial a prioridade para os juros vencidos em detrimento do capital b prioridade para as líquidas e vencidas anteriormente em detrimento das mais recentes c prioridade para as mais onerosas 156 em detrimento das menos vultosas se vencidas e líquidas ao mesmo tempo Todavia por extremo rigor acadêmico fica a pergunta que não quer calar e se todas as dívidas tiverem exatamente a mesma natureza vencimento e valor A legislação codificada civil não traz uma resposta direta sustentando ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO que seria analogicamente de aplicarse a regra do art 433 item 4 do Código Comercial brasileiro que estatui Sendo as dívidas da mesma data e de igual natureza entendese feito o pagamento por conta de todas em devida proporção 157 A solução que poderia satisfazer no passado recente não é mais válida pela revogação expressa de toda a Parte Primeira do Código Comercial brasileiro por força do art 2045 do Código Civil de 2002 E como proceder a partir de então De lege ferenda a despeito de inexistir solução legal recomendamos como mera sugestão doutrinária que à luz dos princípios da equidade e da razoabilidade o magistrado continue aplicando a regra legal superada imputando à conta de cada dívida o valor pago na sua devida proporção Embora tal entendimento culmine por impor ao credor o recebimento parcial da dívida devemos lembrar que ele de certa forma contribuiu para o embaraço da situação ao não cuidar de indicar na quitação em qual das dívidas imputava o pagamento IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO Regra 1 imputação será feita pelo devedor Regra 2 se o devedor não indicar em qual das dívidas será feito o pagamento a imputação será feita pelo credor Regra 3 se o credor também não fizer a indicação a imputação será feita pela lei a preferência deverá ser a imputação na dívida mais antiga mas se todas tiverem o mesmo vencimento imputarseá na dívida mais onerosa 5 DAÇÃO EM PAGAMENTO Essa forma especial de pagamento tem origem no Direito Romano havendo os jurisconsultos durante muito tempo discutido a sua natureza e os seus efeitos Admitiase naquela época a denominada datio in solutum ou seja a entrega pelo devedor de coisa diversa daquela que fora anteriormente convencionada pelas partes 158 Seguindo a trilha de pensamento do insuperável ANTUNES VARELA a dação em cumprimento datio in solutum vulgarmente chamada pelos autores de dação em pagamento consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida com o fim de mediante acordo do credor extinguir imediatamente a obrigação 159 Tratase pois de forma de extinção obrigacional disciplinada pelos arts 356 a 359 do CC2002 por força da qual o credor consente em receber prestação diversa da que fora inicialmente pactuada Assim se o devedor obrigase a pagar a quantia de R 100000 poderá solver a dívida por meio da dação entregando um automóvel ou prestando um serviço desde que o credor consinta com a substituição das prestações Aliás cumprenos registrar que a obrigação primitiva não precisa ser necessariamente pecuniária Pouco importa se fora inicialmente pactuada obrigação de dar de fazer ou de não fazer O que realmente interessa é a natureza diversa da nova prestação Esse é o pensamento aliás do Mestre CAIO MÁRIO Também em nada afeta a essência da dação em pagamento que a coisa entregue seja móvel ou imóvel corpórea ou incorpórea um bem jurídico qualquer uma coisa ou um direito como o usufruto É mister contudo que seja diferente da devida 160 Ressaltese todavia que a dação em pagamento não se confunde com a pluralidade de prestações existente nas obrigações alternativas haja vista que nestas a diversidade de prestações está prevista no próprio título da obrigação p ex nos termos do contrato eu me obrigo a entregar um imóvel ou dez mil reais Da mesma forma não é idêntica às obrigações facultativas porque aqui também existe prévia estipulação negocial da prestação subsidiária p ex nos termos do contrato eu me obrigo a entregar um imóvel sendo facultada em caráter subsidiário e ao meu critério a entrega de dez mil reais 161 Diferentemente na dação em pagamento estipulase uma prestação a entrega de dez mil reais e ulteriormente por meio de uma nova estipulação negocial entre devedor e credor este aceita liberálo recebendo por exemplo em troca do dinheiro um imóvel São requisitos dessa forma de extinção das obrigações a a existência de uma dívida vencida visto que ninguém pode pretender solver uma dívida que não seja existente e exigível b o consentimento do credor vale dizer não basta a iniciativa do devedor uma vez que segundo a legislação em vigor a dação só terá validade se o credor anuir até porque por princípio este não estaria obrigado a receber coisa diversa da que fora pactuada na forma do art 313 do CC2002 c a entrega de coisa diversa da devida somente a diversidade essencial de prestações caracterizará a dação em pagamento ou seja a obrigação será extinta entregando o devedor coisa que não seja a res debita d o ânimo de solver animus solvendi o elemento anímico subjetivo da dação em pagamento é exatamente o animus solvendi Sem essa intenção de solucionar a obrigação principal o ato pode converterse em mera liberalidade caracterizando até mesmo a doação Lembrese de que se for estipulado o preço da coisa dada em pagamento o que ocorre ordinariamente com os imóveis as relações entre as partes serão reguladas pelas normas concernentes à compra e venda nos termos do art 357 do CC2002 Assim as regras gerais referentes aos riscos da coisa à invalidade do negócio e tudo o mais que for compatível com o contrato de compra e venda será aplicado no caso à dação em pagamento Ainda segundo a nossa legislação em vigor não existirá propriamente dação quando a coisa dada em pagamento consistir em título de crédito visto que no caso haverá mera cessão de crédito art 358 do CC2002 com extinção da obrigação originária por um meio de pagamento 162 A evicção é uma garantia legal típica dos contratos onerosos em que há transferência de propriedade arts 447 a 457 do CC2002 Ocorre a evicção que traduz a ideia de perda quando o adquirente de um bem vem a perder a sua propriedade ou posse em virtude de decisão judicial que reconhece direito anterior de terceiro sobre ele Em tal situação delineiamse nitidamente três sujeitos a o alienante que responderá pelos riscos da evicção ou seja que deverá ser responsabilizado pelo prejuízo causado ao adquirente b o evicto o adquirente que sucumbe à pretensão reivindicatória do terceiro c o evictor o terceiro que prova o seu direito anterior sobre a coisa Até aqui poderia o leitor indagar se essa matéria tem importância no estudo da dação em pagamento Tem sim E muita importância Vamos imaginar que o credor aceite em vez dos dez mil reais a entrega de um imóvel pelo devedor O que fazer então se um terceiro após a dação ser efetuada reivindicar o domínio do bem provando ter direito anterior sobre ele Nesse caso se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento ou seja perdêla para o terceiro que prove ser o verdadeiro dono desde antes da sua entrega a obrigação primitiva de dar os dez mil reais será restabelecida ficando sem efeito a quitação dada ao devedor Apenas deverão ser ressalvados os direitos de terceiros de boafé a exemplo do que ocorreria se a prestação originária fosse a entrega de um veículo e este já estivesse alienado a terceiro No caso havendo sido perdido o imóvel objeto da dação em pagamento por força da evicção as partes não poderão pretender restabelecer a obrigação primitiva mantendo o mesmo objeto a entrega do carro que já se encontra em poder de um terceiro de boafé Deverão pois na falta de solução melhor resolver a obrigação em termos pecuniários É óbvio que esse nosso posicionamento se limita à existência do elemento boafé pois no mesmo exemplo demonstrado o conluio entre o devedor e o terceiroadquirente do automóvel deve a situação retornar ao status quo ante evitandose que se faça tábula rasa da boafé alheia no caso do credor que aceitou espontaneamente a dação Ressalvada portanto a boafé de terceiros é possível ainda se enunciar a regra de que a invalidade da dação em pagamento importará sempre no restabelecimento da obrigação primitiva perdendo efeito a quitação dada Tudo o que até aqui dissemos diz respeito à dação em pagamento datio in solutum forma de extinção das obrigações que se concretiza quando o credor aceita receber coisa diversa da que fora inicialmente pactuada Entretanto não há que se confundir a dação in solutum com outra figura muito próxima posto diversa a denominada dação pro solvendo cujo fim precípuo não é solver imediatamente a obrigação mas sim facilitar o seu cumprimento Irreparável é o exemplo de dação pro solvendo proposto por ANTUNES VARELA A pequeno retalhista deve ao armazenista B cem contos preço da mercadoria que este lhe forneceu Como tem a vida um pouco embaraçada e o credor aperta com a liberação da dívida A cedelhe um crédito que tem sobre C não para substituir o seu débito ou criar outro ao lado dele mas para que o credor B se cobre mais facilmente do seu crédito visto C estar em melhor situação do que A Quando esta seja a intenção das partes a obrigação não se extingue imediatamente Mantémse e só se extinguirá se e à medida que o respectivo crédito for sendo satisfeito à custa do novo meio ou instrumento jurídico para o efeito proporcionado ao credor 163 grifos nossos No caso a dação pro solvendo a par de conter embutida uma cessão de crédito não traduz imediata liberação do devedor cedente do crédito uma vez que a extinção da obrigação só ocorrerá quando o credor cessionário do crédito tiver sido plenamente satisfeito Por isso que não se trata tecnicamente de uma dação em pagamento com finalidade extintiva mas sim de simples meio facilitador do cumprimento da obrigação 6 NOVAÇÃO A palavra novação originase da expressão latina novatio novus novo nova obligatio Já a conheciam os romanos que a definiam como a transferência translatio transfusio duma dívida antiga para uma obrigação nova 164 Comparando a novação romana com a sua definição moderna RUGGIERO observa que profundamente diversas são porém como dissemos a forma a estrutura íntima e a função da novação no direito moderno e no romano especialmente se se considera mais que o Justiniano o direito clássico 165 A despeito porém de não haver precisa identidade entre os institutos romano e moderno o que é perfeitamente compreensível em face da natural evolução do Direito o fato é que indiscutivelmente o Direito Romano é a fonte histórica mais importante da novação A sua disciplina é feita pelo Código Civil de 2002 em seus arts 360 a 367 Dáse a novação quando por meio de uma estipulação negocial as partes criam uma nova obrigação destinada a substituir e extinguir a obrigação anterior Tratase no dizer do magistral RUGGIERO de um ato de eficácia complexa que repousa sobre uma vontade destinada a extinguir um crédito pela criação de um novo 166 Exemplo clássico de novação pode ser dado nos seguintes termos A deve a B a quantia de R 100000 O devedor então exímio carpinteiro propõe a B que seja criada uma nova obrigação de fazer cujo objeto seja a prestação de serviço de carpintaria na residência do credor Este pois aceita e por meio da convenção celebrada considera extinta a obrigação anterior que será substituída pela nova Novar em linguagem corrente portanto é criar uma obrigação nova para substituir e extinguir a anterior Concordamos com ANTUNES VARELA no sentido de ser inteiramente inútil a discussão a respeito da finalidade da novação se se trata de modo satisfatório ou não satisfatório de pagamento uma vez que a resposta a essa indagação dependerá do sentido que se dê à ideia de satisfação do interesse do credor 167 O que se deve salientar é que toda a novação tem natureza jurídica negocial Ou seja por princípio nunca poderá ser imposta por lei dependendo sempre de uma convenção firmada entre os sujeitos da relação obrigacional Nesse sentido pois concluímos não existir em regra novação legal determinada por imperativo de lei até mesmo pela ausência do indispensável requisito do animus novandi a ser explicado no próprio tópico Convencionada portanto a formação de outra obrigação a primitiva relação jurídica será considerada extinta sendo substituída pela nova Aí então teremos o fenômeno novatório A novação para se caracterizar deverá conter os seguintes requisitos a a existência de uma obrigação anterior só se poderá efetuar a novação se juridicamente existir uma obrigação anterior a ser novada Ressaltese porém que se a obrigação primitiva for simplesmente anulável essa invalidade não obstará a novação Ora se o ato anulável pode ser confirmado nada impede que a relação obrigacional aí compreendida seja extinta e substituída por outra por meio da novação Tal não será possível se a obrigação inicial for nula ou estiver extinta Explicase No primeiro caso dada a gravidade do vício que porta nulidade absoluta a obrigação deverá ser repetida ou seja novamente pactuada considerandose inclusive o fato de não poder ser confirmada A segunda hipótese proibitiva ocorrerá quando a obrigação primitiva estiver extinta Por óbvio se a obrigação p ex já foi cumprida o pagamento solveu o débito não havendo lugar para a novação art 367 do CC2002 A despeito de se tratar de questão controvertida depois de muito refletir concluímos não haver óbice porém à novação de obrigações naturais salvo vedação legal expressa e específica vide p ex o art 814 1º do CC2002 b a criação de uma nova obrigação substancialmente diversa da primeira esse é um requisito que deve ser estudado com atenção Ora consoante já dissemos a novação consiste na convenção pactuada entre os sujeitos da relação obrigacional no sentido de criarem uma nova obrigação destinada a substituir e extinguir a anterior Dessa forma a criação de uma obrigação nova é requisito indispensável para a caracterização da novação Mas apenas isso não basta É preciso pois que haja diversidade substancial entre a obrigação antiga e a nova Em outras palavras o conteúdo da obrigação há que ter sofrido modificação substancial mesmo que o objeto da prestação não haja sido alterado se houver alteração de partes por exemplo poderá ser reconhecida a diversidade substancial necessária para se caracterizar a novação mesmo que o objeto da obrigação permaneça o mesmo Aliás simples modificações setoriais de um contrato não traduzem novação Assim quando a instituição financeira apenas concede o parcelamento da dívida aumenta o prazo para pagamento ou recalcula a taxa de juros aplicada não necessariamente estará realizando uma novação Até porque nesses contratos de refinanciamento é muito comum a existência de cláusula expressa no sentido de afastar o reconhecimento da novação se qualquer dessas hipóteses ocorrer a exemplo do parcelamento do débito Não basta pois a concessão de um prazo mais favorável ou a simples alteração de uma garantia Para novar as obrigações devem ser substancialmente diversas Nesse sentido observa com a sua habitual precisão ORLANDO GOMES Conforme a doutrina moderna a novação só se configura ao contrário do que ocorria no Direito romano se houver diversidade substancial entre as duas dívidas a nova e a anterior Não há novação quando apenas se verifiquem acréscimos ou outras alterações secundárias na dívida como por exemplo a estipulação de juros a exclusão de uma garantia o encurtamento do prazo de vencimento e ainda a aposição de um termo 168 c o ânimo de novar animus novandi esse é o requisito anímico subjetivo da novação Para que ela se configure portanto é indispensável que as partes tenham o propósito de novar Por isso não haverá necessariamente novação se as partes acordarem a substituição do objeto da obrigação sem que haja prova do ânimo de novar Nos termos do Código Civil ausente esse propósito cuja prova poderá decorrer de declaração expressa ou das próprias circunstâncias a segunda obrigação simplesmente confirmará a primeira art 361 do CC2002 Em verdade não foi muito técnico o legislador ao dizer que a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira Ora se a ausência do animus inviabiliza o reconhecimento da novação não se poderá dizer haver sido criada uma segunda obrigação Preferimos dizer amparados na melhor doutrina apenas que a declaração de vontade das partes para modificar algum aspecto do negócio sem o indispensável intuito de novar apenas confirma ou reforça a obrigação primitiva Exemplificamos Vendedor e comprador acordam modificar o objeto da obrigação em vez de ser alienado o apartamento 1 do condomínio X o comprador adquirirá um terreno contíguo Nesses termos a simples alteração do objeto da prestação não caracterizará novação Assim mantidos todos os termos do contrato prazo forma de pagamento valor da venda garantias a alteração do objeto sem o propósito de novar apenas confirmará a obrigação pactuada de dar no contrato de compra e venda Finalmente cumprenos observar que dada a sua natureza negocial lembrese de que a novação em regra nunca é imposta por lei 169 a novação para ser válida exige a observância dos pressupostos legais de validade do negócio jurídico especialmente a capacidade das partes e a legitimação A ausência de qualquer um dos requisitos aqui mencionados importará na impossibilidade de reconhecimento da ocorrência da novação A doutrina aponta fundamentalmente a existência de três espécies de novação a a novação objetiva b a novação subjetiva c a novação mista A novação objetiva modalidade mais comum e de fácil compreensão ocorre quando as partes de uma relação obrigacional convencionam a criação de uma nova obrigação para substituir e extinguir a anterior Nesse sentido dispõe o art 360 I do CC2002 Art 360 Dáse a novação I quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior Assim por exemplo haverá novação objetiva quando credor e devedor acordarem extinguir a obrigação pecuniária primitiva por meio da criação de uma nova obrigação cujo objeto é a prestação de um serviço Ressaltese que não há obrigatoriedade de que a obrigação primitiva seja pecuniária sendo irrelevante tratarse de obrigação de dar fazer ou não fazer Notese porém que a diversidade substancial das obrigações e o ânimo de novar são requisitos indispensáveis para que se considere liquidada a obrigação inicial Nada obsta outrossim a que a novação se configure mesmo que a segunda obrigação também tenha como objeto o pagamento em dinheiro Nessa hipótese terá que se provar com mais acuidade a intenção de novar embora nada impeça que se reconheça ter havido novação Não se deve também confundir a novação objetiva com a dação em pagamento Nesta a obrigação originária permanece a mesma apenas havendo uma modificação do seu objeto com a devida anuência do credor Diferentemente na novação objetiva a primeira obrigação é quitada e substituída pela nova A novação subjetiva por sua vez dada a sua similitude com outras figuras jurídicas merece atenção redobrada Dáse a novação subjetiva em três hipóteses a por mudança de devedor novação subjetiva passiva b por mudança de credor novação subjetiva ativa c por mudança de credor e devedor novação subjetiva mista A novação subjetiva passiva ocorre quando um novo devedor sucede ao antigo ficando este quite com o credor art 360 II do CC2002 Constatase pois haver uma alteração de sujeitos passivos na relação obrigacional de forma que a primitiva obrigação é considerada extinta em face do antigo devedor substituído pelo novo Não há pois necessariamente modificação do objeto da obrigação mas apenas de sujeitos considerandose entretanto quitada a obrigação pactuada com o primeiro devedor Segundo a doutrina a novação subjetiva passiva poderá ocorrer de dois modos por expromissão e por delegação No primeiro caso a substituição do devedor se dá independentemente do seu consentimento por simples ato de vontade do credor que o afasta fazendoo substituir por um novo devedor art 362 do CC2002 Imagine a hipótese de um filho abastado angustiado pela vultosa dívida contraída por seu pobre pai dirigirse ao credor solicitandolhe que mesmo sem o consentimento do seu genitor homem orgulhoso e conservador admita que suceda ao seu pai na obrigação contraída Outro exemplo ocorre com relativa frequência em processos trabalhistas em que terceiros à relação empregatícia v g sócios tomadores de serviço membros de grupo econômico entre outros celebram conciliações com autores de reclamações trabalhistas assumindo débitos e extinguindo postulações que poderiam ser dirigidas aos efetivos empregadores Assim caso o credor aquiesça poderá por meio de um ato de expromissão substituir os sujeitos passivos da relação obrigacional Observese que a obrigação contraída pelo segundo devedor será considerada nova em face da primeira que se reputará liquidada afastandose da relação obrigacional o primitivo devedor mesmo sem seu consentimento Poderá também ocorrer a novação subjetiva passiva por meio da delegação Nesse caso o devedor participa do ato novatório indicando terceira pessoa que assumirá o débito com a devida aquiescência do credor Assim participam da delegação o antigo devedor delegante o novo devedor delegado e finalmente o credor delegatário De tal forma excluído o antigo devedor perante este a obrigação será considerada extinta Segundo ROBERT JOSEPH POTHIER para se fazer a delegação é necessário a o concurso do delegante ou seja do antigo devedor que dá ao credor outro devedor em seu lugar b a pessoa do delegado que se obriga para com o credor em lugar do antigo devedor ou para com a pessoa indicada por ele c o credor que em consequência da obrigação do delegado contratada para com ele ou para com a pessoa que ele indicou desobriga o delegante ou seja o devedor 170 Esta forma de novação embora não expressamente prevista em lei é amplamente admitida sobretudo em se considerando que o devedor diferentemente do que ocorre na expromissão participa do ato conferindolhe mais segurança Em verdade não há mesmo necessidade de sua previsão expressa pois decorrente necessariamente de um ato negocial fruto da autonomia individual da vontade dos contratantes Não há que se confundir todavia a novação subjetiva passiva principalmente por delegação com a mera cessão de débito uma vez que nesse caso o novo devedor assume a dívida permanecendo o mesmo vínculo obrigacional Não há aqui portanto ânimo de novar extinguindo o vínculo anterior Da mesma forma a novação subjetiva passiva não se confunde com o pagamento por terceiro interessado ou desinteressado Neste a dívida é extinta pelo adimplemento enquanto naquela nova obrigação é contraída com o mesmo conteúdo objetivo mas com diversidade substancial no polo passivo extinguindose a relação obrigacional primitiva Na novação subjetiva se o devedor for insolvente 171 não tem o credor que o aceitou nos termos do art 363 do CC2002 ação regressiva contra o primeiro devedor salvo se este obteve por máfé a substituição Tratase de norma razoável que visa reprimir a atuação danosa do devedor que indica terceiro para substituílo sabendo do seu estado de insolvência Tudo o que até aqui dissemos é referente à novação subjetiva passiva Entretanto consoante já dito a alteração poderá se dar no polo creditório da relação jurídica obrigacional hipótese em que estaremos diante de uma novação subjetiva ativa por mudança de credores Tendo em vista essa possibilidade o art 360 III do CC2002 dispõe Art 360 Dáse a novação III quando em virtude de obrigação nova outro credor é substituído ao antigo ficando o devedor quite com este Assim na novação subjetiva ativa operase a mudança de credores considerandose extinta a relação obrigacional em face do credor primitivo que sai e dá lugar ao novo O devedor portanto não deverá mais nada ao primeiro uma vez que a sua dívida reputarseá liquidada perante ele Exemplo muito comum de incidência dessa regra é apontado pela doutrina imagine que A tem um devedor B e um credor C Pois bem Nada impede que por meio de uma novação subjetiva ativa A acerte com B para que este pague a C No caso verificase ter havido mudança de credores na relação obrigacional sai o credor A e entra o credor C a quem B deverá pagar a dívida Notese todavia que para se considerar extinta a obrigação perante A credor primitivo deverá haver prova do ânimo de novar Essa forma de novação não tem grande utilidade sobretudo se considerarmos as vantagens da cessão de crédito Vale dizer é muito mais comum haver mudança de credores por meio da transmissão do crédito entre o credor primitivo cedente e o novo credor cessionário Atentese todavia para o fato de que na cessão de crédito a obrigação permanece a mesma não havendo portanto extinção ou liquidação da relação jurídica primitiva o que é extremamente relevante por exemplo em função da contagem do prazo prescricional para exigibilidade judicial da pretensão que na novação pelo fato de ser constituída nova obrigação deve necessariamente ser reiniciado Finalmente temos a novação subjetiva mista de ocorrência bem mais rara que se verifica quando ambos os sujeitos da relação obrigacional são substituídos em uma incidência simultânea dos incisos II e III do art 360 do CC2002 É possível ocorrer a chamada novação mista incidente quando além da alteração de sujeito credor ou devedor mudase o conteúdo ou o objeto da relação obrigacional Tratase pois de um tertium genus formado pela fusão das duas espécies de novação anteriormente estudadas objetiva e subjetiva É lógico que por ser uma forma mista guarda as características das duas outras Um bom exemplo de razoável plausibilidade é encontrado na doutrina o pai assume dívida em dinheiro do filho mudança de devedor mas com a condição de pagála mediante a prestação de determinado serviço mudança de objeto 172 O principal efeito da novação é liberatório ou seja a extinção da primitiva obrigação por meio de outra criada para substituíla Em geral realizada a novação extinguemse todos os acessórios e garantias da dívida a exemplo da hipoteca e da fiança sempre que não houver estipulação em contrário art 364 primeira parte do CC2002 Aliás quanto à fiança o legislador foi mais além ao exigir que o fiador consentisse para que permanecesse obrigado em face da obrigação novada art 366 do CC2002 Quer dizer se o fiador não consentir na novação estará consequentemente liberado Da mesma forma a ressalva de uma garantia real penhor hipoteca ou anticrese que tenha por objeto bem de terceiro garantidor da dívida só valerá com a anuência expressa deste art 364 segunda parte do CC2002 Exemplo Caio hipotecou a um banco a sua fazenda em garantia do empréstimo concedido ao seu irmão Tício para a aquisição de uma casa própria Se Tício e a instituição financeira resolverem novar a garantia real hipotecária só persistirá com a expressa anuência de Caio Finalmente ocorrida a novação entre o credor e um dos devedores solidários o ato só será eficaz em face do devedor que novou recaindo sobre o seu patrimônio as garantias do crédito novado restando por consequência liberados os demais devedores art 365 do CC2002 Obviamente se a novação implica a constituição de uma nova obrigação para substituir e extinguir a anterior somente o devedor que haja participado desse ato suportará as suas consequências E o que dizer se a solidariedade for ativa entre credores Nesse caso respondenos com a sua peculiar inteligência SÍLVIO DE SALVO VENOSA Em se tratando de solidariedade ativa uma vez ocorrida a novação extinguese a dívida A novação é meio de cumprimento Seguese o princípio geral da solidariedade ativa Feita a novação por um dos credores solidários os demais credores que não participaram do ato se entenderão com o credor operante de acordo com os princípios da extinção da solidariedade ativa 173 7 COMPENSAÇÃO No amplo campo das relações obrigacionais as pessoas são livres para estabelecer diversos negócios jurídicos com quem quer que seja Nada impede por isso seja firmada uma ou mais obrigações entre dois sujeitos que adrede já mantinham relação jurídica porém em polos inversos da recémconstituída Nessa situação de relação creditícia e debitória simultânea é que pode ser invocado o instituto da compensação A compensação é uma forma de extinção de obrigações em que seus titulares são reciprocamente credores e devedores Tal extinção se dará até o limite da existência do crédito recíproco remanescendo se houver o saldo em favor do maior credor conforme se depreende do art 368 do CC2002 Art 368 Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra as duas obrigações extinguemse até onde se compensarem Dessa forma se A tem uma dívida de R 100000 com B e B também tem uma dívida de R 100000 com A tais obrigações no plano ideal seriam extintas sem qualquer problema No mesmo raciocínio se A tem uma dívida de R 100000 com B e B tem uma dívida de R 150000 com A haveria a extinção até o limite de R 100000 remanescendo saldo de R 50000 em favor de A Duas são as espécies de compensação encontradas no sistema brasileiro a saber a legal b convencional 174 A compensação legal é a regra geral exigindo para sua configuração o atendimento de diversos requisitos legais o que apreciaremos nos tópicos a seguir Nela satisfeitos os requisitos da lei o juiz apenas a reconhece declarando a sua realização já ocorrida no plano ideal desde que provocado Já a compensação convencional é decorrência direta da autonomia da vontade não exigindo os mesmos requisitos para a compensação legal Destaquese inclusive que no campo da compensação a vontade individual é extremamente respeitada podendo até mesmo vedar a possibilidade de sua ocorrência na forma do art 375 do CC2002 175 Assim por meio de acordo de vontades é possível compensar obrigações de natureza diversa o que não seria possível como veremos na compensação legal Por exemplo se as partes assim o quiserem é possível compensar uma obrigação de dar um carro uma casa um computador que A tenha em relação a B por uma obrigação de fazer pintar um quadro construir um muro dar uma aula que B tenha em relação a A Da mesma forma se A deve uma importância de R 100000 a B obrigação pecuniária e B deve a entrega de um animal para A obrigação de dar as dívidas podem ser compensadas por acordo embora não o possam como veremos pela via legal Por ser a forma tratada diretamente em nossa codificação civil vejamos agora quais os requisitos necessários para a caracterização da compensação legal No atual ordenamento jurídico brasileiro podemos considerar os seguintes requisitos para a compensação legal a reciprocidade das obrigações somente se pode falar em compensação quando há simultaneidade de obrigações com inversão dos sujeitos em seus polos A única exceção na forma do art 371 do CC2002 176 referese ao fiador que pode compensar a sua dívida própria com a de seu credor ao afiançado tendo em vista que se trata de um terceiro interessado que é responsabilizado sem débito próprio Tal exceção deve ser interpretada restritivamente haja vista que por força de lei o terceiro que se obriga por determinada pessoa não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever art 376 do CC2002 Lembrese ainda de que na cessão de crédito o devedor notificado deve opor imediatamente a compensação sob pena de seu silêncio importar em perda da possibilidade de compensação Caso não seja notificado terá direito a opor ao cessionário a compensação do crédito que tinha contra o cedente 177 Exemplificando se A tem uma dívida de R 150000 com B e B tem uma dívida de R 100000 com A pretendendo A ceder seu crédito a C B ao ser notificado da cessão deve opor imediatamente a compensação de seu crédito sob pena de não poder mais compensálo no caso concreto Se A e C por sua vez não diligenciam a cientificação de B este poderá opor a C como compensação o crédito que tinha contra A É óbvio que realizada a cessão nada impede a compensação também de créditos próprios do devedor B em relação ao cessionário A Finalmente cumprenos lembrar que embora sem equivalente no CC2002 a ideia do art 1020 do CC1916 que autorizava a compensação de crédito do coobrigado até o limite da parte deste na dívida comum pelo devedor solidário em relação ao credor pode ser ainda invocada não por força de norma vigente mas sim por aplicação do instituto da solidariedade e da vedação do enriquecimento indevido 178 b liquidez das dívidas para que haja a compensação legal é necessário identificar a expressão numérica das dívidas Se elas ainda não foram reduzidas a valor econômico não há como se imaginar a compensação Exemplificando se A tem uma dívida de R 150000 com B e B foi condenado judicialmente ao pagamento de perdas e danos em relação a A se ainda não foi verificado o valor exato dessa condenação não há possibilidade de saber a quanto alcançam para serem compensadas O CC2002 não trouxe norma equivalente ao art 1012 do CC1916 que vedava a compensação legal de coisas incertas 179 mas o requisito de liquidez da dívida já engloba a necessária certificação para a utilização do instituto c exigibilidade atual das prestações é também requisito da lei vigente 180 para a compensação legal o vencimento da dívida entendido isso como a imediata exigibilidade da prestação Assim salvo pela via convencional não pode ser compensado um débito vencido com outro a vencer 181 Destaquese que não obstam a compensação os chamados prazos de favor 182 o que é medida das mais justas tendo em vista que a dilatação prazal no caso dáse por mera liberalidade Exemplificando se A tem uma dívida vencida de R 150000 com B e este lhe concede um prazo maior para pagála nada impede que B possa compensar tal crédito com outra dívida vencida que tem em relação a A Registrese por óbvio que a obrigação natural por faltar o requisito da exigibilidade não pode ser também compensada d fungibilidade dos débitos por fim exigese para a compensação legal que as dívidas sejam de coisas fungíveis entre si ou seja da mesma natureza Exemplificando se A tem uma dívida de R 100000 com B e B lhe deve um computador ainda que no valor de R 100000 a A não é possível a compensação legal pois embora os bens sejam fungíveis não o são entre si pois ninguém é obrigado a receber prestação diversa do pactuado Todavia se A deve cinco sacas de feijão a B e B também tem uma dívida com A porém de apenas três sacas de feijão é possível a compensação Não se poderá porém compensar coisas fungíveis do mesmo gênero se diferem na qualidade quando especificada no contrato 183 Exemplificando se A deve cinco sacas de feijão preto a B e B também tem uma dívida com A porém de apenas três sacas de feijão branco e essa diferenciação é expressa no contrato não será possível a compensação pela diferença de qualidade Hipóteses existem em que é inadmissível a utilização da via compensatória para extinção de relações obrigacionais De fato como já destacado anteriormente a manifestação expressa e livre da vontade pode por sua autonomia afastar o instituto como previsto cristalinamente no art 375 do CC2002 Ademais embora a causa das dívidas não influa em regra na validade do negócio jurídico e consequentemente na utilização do instituto da compensação estabelece o art 373 do CC2002 algumas situações em que não é admissível sua aplicação a saber a dívidas provenientes de esbulho furto ou roubo inciso I a ilicitude do fato gerador da dívida contamina sua validade pelo que não sendo passível de cobrança muito menos o será de compensação Exemplificando se eu me aproprio de um bem do meu credor não posso compensar minha dívida com a devolução da coisa apoderada b se uma das dívidas se originar de comodato depósito ou alimentos inciso II o comodato e o depósito obstam a compensação por serem objeto de contratos com corpo certo e determinado inexistindo portanto a fungibilidade entre si necessária à compensação Ademais são contratos calcados na ideia de fidúcia confiança Quanto aos alimentos por serem dirigidos à subsistência do indivíduo admitir a sua compensação seria negar a sua função alimentar Exemplificando se A deve R 100000 a título de alimentos a B mesmo que este lhe deva a importância superior v g por causa de um mútuo feneratício 184 não poderá fazer a compensação pois a verba se destina à subsistência de B c se uma das dívidas for de coisa não suscetível de penhora inciso III a impenhorabilidade de determinados bens justificase por sua relevância conforme se pode verificar do art 833 do CPC2015 Como a importância de tais bens afasta até mesmo o poder estatal da constrição judicial não seria lógico que a sua entrega pudesse ser negada do ponto de vista fático pela utilização da compensação Também não se admite na forma do art 380 do CC2002 a compensação em prejuízo de terceiros Nesse caso o devedor que se torne credor do seu credor depois de penhorado o crédito deste último não pode opor ao exequente a compensação de que contra o próprio credor disporia Registrese ainda não como hipótese de impossibilidade absoluta de compensação legal mas sim de restrições à extinção direta das obrigações o fato de que em se tratando de dívidas pagáveis em locais diferentes para se operar o instituto da compensação deve ser feita a dedução das despesas necessárias à operação como previsto no art 378 do CC2002 Destaquese por fim que sendo a mesma pessoa obrigada por várias dívidas compensáveis serão observadas ao compensálas as regras estabelecidas quanto à imputação de pagamento na forma do art 379 do CC2002 185 pela evidente semelhança entre as situações fáticas Ou seja havendo várias dívidas a compensar deve ser obedecida a seguinte ordem a tem o devedor o direito subjetivo de apontar a dívida que pretende compensar art 352 do CC2002 b no silêncio do devedor pode o credor fazer a imputação quitando uma delas art 353 do CC2002 c no silêncio de ambas as partes procedese à seguinte imputação legal arts 354 e 355 do CC2002 c1 prioridade para os juros vencidos em detrimento do capital c2 prioridade para as líquidas e vencidas anteriormente em detrimento das mais recentes c3 prioridade para a mais onerosas em detrimento das menos vultosas se vencidas e líquidas ao mesmo tempo c4 por construção doutrinária proporcionalmente a cada dívida se de mesmo valor vencidas e líquidas ao mesmo tempo 8 CONFUSÃO Operase a confusão quando as qualidades de credor e devedor são reunidas em uma mesma pessoa extinguindose consequentemente a relação jurídica obrigacional É o que ocorre por exemplo quando um sujeito é devedor de seu tio e por força do falecimento deste adquire por sucessão a sua herança Em tal hipótese passará a ser credor de si mesmo de forma que o débito desaparecerá por meio da confusão Nada impede por outro lado que a confusão se dê por ato inter vivos se o indivíduo subscreve um título de crédito nota promissória p ex obrigandose a pagar o valor descrito no documento e a cártula após circular chega às suas próprias mãos por endosso também será extinta a obrigação Nesse sentido dispõe o art 381 do CC2002 cuja redação é idêntica à da norma anterior correspondente Art 381 Extinguese a obrigação desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor Finalmente cumprenos advertir que a confusão aqui estudada não se confunde com a prevista nos arts 1272 a 1274 do CC2002 referente à aquisição da propriedade móvel de coisas líquidas que se misturam CONFUSÃO Conceito as qualidades de credor e devedor são reunidas em uma mesma pessoa extinguindose a relação jurídica obrigacional Exemplo um sujeito é devedor de seu próprio tio e por força do falecimento deste adquire por sucessão a herança Passará a ser credor de si mesmo caso em que se operará a confusão Arts 381 e 384 do CC2002 A confusão poderá determinar a extinção total ou parcial da dívida nos termos do art 382 do CC2002 Por isso subtipificase em a confusão total de toda a dívida b confusão parcial de parte da dívida Vale mencionar consoante referimos acima que pode derivar de ato mortis causa sucessão hereditária embora nada impeça que se origine de ato inter vivos A doutrina reconhece ainda a chamada confusão imprópria quando se reúnem na mesma pessoa as condições de garante e de sujeito ativo ou passivo É o que se dá quando se reúnem as qualidades de fiador e devedor sujeito passivo ou de dono da coisa hipotecada e credor sujeito ativo 186 Nesses casos a confusão é imprópria pois não extingue a obrigação primitiva mas sim somente a relação obrigacional acessória O principal efeito da confusão é a extinção da obrigação Entretanto vale lembrar que se a confusão se der na pessoa do credor ou devedor solidário a obrigação só será extinta até a concorrência da respectiva parte no crédito se a solidariedade for ativa ou na dívida se a solidariedade for passiva subsistindo quanto ao mais a solidariedade art 383 do CC2002 Isso quer dizer que a confusão operada em face de um desses sujeitos não se transmite aos demais mantidas as suas respectivas quotas Por fim cumprenos analisar a hipótese de restabelecimento da obrigação prevista no art 384 do CC2002 Art 384 Cessando a confusão para logo se restabelece com todos os seus acessórios a obrigação anterior Nesse caso é de clareza meridiana o fato de que a obrigação não teria sido definitivamente extinta Senão não poderia ressurgir tal qual fênix das cinzas Tratase na verdade da ocorrência de causa que apenas suspende ou paralisa a eficácia jurídica do crédito restabelecendose posteriormente a obrigação com toda a sua força Para facilitar a compreensão da regra vale transcrever o exemplo apresentado por ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO Seria o caso de operarse a confusão de acordo com o primeiro exemplo dado tendo em vista a sucessão provisória de B ante sua morte presumida desaparecimento em um desastre aviatório Neste caso durante o prazo e as condições que a lei prevê aparecendo vivo B desaparece a causa da confusão podendo dizerse que A esteve impossibilitado de pagar seu débito porque iria fazêlo a si próprio por ser herdeiro de B como se nesse período estivesse neutralizado o dever de pagar com o direito de receber 187 Tratase de um exemplo adequado para sepultar qualquer dúvida 9 REMISSÃO O estabelecimento de uma obrigação tem por destino natural o seu cumprimento tendo em vista o interesse dos sujeitos na prestação pactuada Todavia pode ocorrer de o credor não ter mais interesse no cumprimento da prestação declarando de forma inequívoca a dispensa da obrigação Em tal hipótese o credor renuncia a um direito seu despojandose da exigibilidade de seu crédito Remissão portanto é o perdão da dívida em que A credor de B declara que não pretende mais exigi la por meio de um documento particular por exemplo ou pratica ato incompatível com tal possibilidade devolvendo o título objeto da obrigação Juridicamente porém é preciso que seja aceita tácita ou expressamente para produzir efeitos uma vez que ainda restará a obrigação moral de cumprimento da dívida Ademais a remissão somente pode operarse inter partes não sendo esta admitida em prejuízo de terceiros na forma do art 385 do Código Civil de 2002 188 Em respeito ao rigor técnico devemos ainda neste tópico inicial estabelecer a diferença entre a remissão e a doação Nesta uma das partes doador por liberalidade transfere bens do seu patrimônio para terceiro donatário Tratase pois de um típico contrato de natureza gratuita e unilateral Diferenciandoo da remissão lembra SÍlvio Venosa que nesta nem sempre estará presente o intuito de liberalidade Ademais para a remissão é irrelevante o intuito com que é feita o que não ocorre na doação 189 Antes de prosseguir com a disciplina jurídica de remissão de dívidas no direito brasileiro fazse mister tecer alguns esclarecimentos terminológicos por uma questão de homofonia O objeto deste capítulo é a remissão grafada com duas letras s significando justamente o perdão da dívida Tem a natureza jurídica portanto de modo de extinção das obrigações Ela não se confunde porém com remição escrita com a letra ç que é instituto jurídico completamente diferente Remição significa resgate ou seja liberação do domínio de outrem que processualmente pode ser de bens ou da própria dívida executada A remição da dívida está prevista no art 826 do CPC2015 consistente no pagamento do total da dívida extinguindo a execução 190 Da mesma forma não se confunde com a remição de bens Em nossa legislação esse instituto remição de bens se manifestou em duas oportunidades distintas A primeira prevista nos originários arts 787 a 790 do Código de Processo Civil de 1973 revogados pela Lei n 113822006 autorizava o cônjuge descendente ou ascendente do devedor a remir em todos ou quaisquer bens penhorados ou arrecadados no processo de insolvência depositando o preço por que foram alienados ou adjudicados de forma a evitar que o bem deixasse a propriedade da família embora saísse da titularidade do devedor 191 Posteriormente o instituto volta à baila como uma remição especial de bens feita pelo executado na previsão dos arts 877 3º 192 e 902 193 do Código de Processo Civil de 2015 sem equivalente na codificação processual anterior REMISSÃO Conceito perdão da dívida expresso ou tácito total ou parcial Requisitos ânimo de perdoar aceitação do perdão O perdão não pode prejudicar eventuais direitos de terceiros Arts 385 a 388 do CC2002 Para caracterizar a remissão da dívida mister se faz a presença de dois requisitos simultâneos a Ânimo de perdoar o ato de perdoar é uma manifestação volitiva Assim em regra deve ser expressa somente se admitindo excepcio nalmente o perdão tácito em função de presunções legais Por se tratar de uma disposição de direitos exige portanto não somente a capacidade jurídica mas a legitimação para dispor do referido crédito como requisito de validade de todo e qualquer negócio jurídico b Aceitação do perdão segundo a doutrina alemã seguida nesse ponto pelo Código de 2002 art 385 a remissão não prescinde da concordância do devedor pois motivos vários de natureza metajurídica não desejar dever favores ao credor respeitabilidade social em pagar suas dívidas podem levar à recusa do perdão Assim ausente a anuência pode o devedor consignar o valor devido colocandoo à disposição do credor não havendo que se falar em indébito A exigibilidade da aceitação do perdão pelo devedor todavia a despeito de haver sido expressamente estabelecida no Código Civil de 2002 sempre foi objeto de acirrados debates na doutrina A doutrina italiana por exemplo negava o caráter bilateral da remissão sustentando que seria ato de disposição patrimonial exclusivo do credor Nesse sentido observa ORLANDO GOMES Para a doutrina italiana a remissão de dívida é negócio jurídico unilateral uma espécie particular de renúncia a um direito de crédito 194 Optou a nova Lei Codificada portanto pela teoria oposta no sentido do reconhecimento da natureza bilateral da remissão A remissão pode ser total ou parcial Se o credor não é obrigado a receber parcialmente a dívida pode a contrario sensu perdoála parcialmente persistindo o debitum no montante não remitido Exemplificando A deve a B a quantia de R 100000 mas B declara sem oposição de A que somente irá executar a quantia de R 50000 perdoando o restante do débito ou em outro exemplo mais factível somente a dívida nominal sem a correção monetária ou acessórios como juros moratórios A remissão poderá ainda ser expressa ou tácita A remissão expressa pode ocorrer tanto de forma escrita quanto verbal embora a comprovação da última seja de grande dificuldade no caso concreto Seria o caso por exemplo de alguém que diante de uma plateia declara publicamente que perdoa a dívida de alguém comportamento que não pode ser desprezado juridicamente como se fosse mera bravata Na remissão expressa recomendase em verdade a estipulação por escrito público ou particular carta testamento etc declarando o credor que não deseja mais receber a dívida Hipóteses de remissão tácita são previstas porém nos arts 386 e 387 do CC2002 nos seguintes termos Art 386 A devolução voluntária do título da obrigação quando por escrito particular prova desoneração do devedor e seus coobrigados se o credor for capaz de alienar e o devedor capaz de adquirir Art 387 A restituição voluntária do objeto empenhado 195 prova a renúncia do credor à garantia real não a extinção da dívida Nessas situações presumese a remissão ainda que não esteja verbalizada pelos atos praticados pelo credor valendo destacar inclusive em relação à primeira previsão que esta se coaduna com a presunção de pagamento do art 324 do CC2002 Na ideia de devolução voluntária do título da obrigação devese incluir a sua própria destruição a ensejar a remissão tácita da dívida Exemplificando se A credor de B em obrigação prevista em determinado título de crédito simplesmente destrói o título na frente de B mesmo que não diga expressamente que o está perdoando a remissão será presumida Em relação à segunda previsão é importante destacar que a remissão presumida é a da relação jurídica obrigacional acessória com a devolução do objeto do penhor e não da dívida principal Encerrando é preciso registrar que a remissão a codevedor na forma do art 388 do CC2002 é plenamente válida mas impõe o reequacionamento da dívida com a dedução da parte remitida Com efeito dispõe o mencionado dispositivo Art 388 A remissão concedida a um dos codevedores extingue a dívida na parte a ele correspondente de modo que ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida Isso se dá porque de fato ocorrerá a extinção parcial da dívida em relação a esse codevedor Neste particular vale destacar que a remissão não se confunde com a renúncia à solidariedade Ou seja a situação aqui versada não se confunde com as regras dos arts 277 e 282 do CC2002 E para que não remanesçam dúvidas figuremos o seguinte exemplo Alberto Augusto e Asdrúbal são devedores solidários de Aníbal da quantia de R 30000 Aníbal por sua vez perdoa a dívida de Asdrúbal Nesse caso subsistirá a solidariedade em face dos demais devedores Alberto e Augusto que estarão obrigados ao pagamento de R 20000 uma vez que deverá ser abatida a quotaparte do devedor perdoado R 10000 XI TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES 1 INTRODUÇÃO A obrigação em geral não é um vínculo pessoal imobilizado Poderá pois transferirse ativa crédito ou passivamente débito segundo as normas estabelecidas na legislação vigente Essa ideia não era comum entre os romanos que não criaram instrumentos jurídicos eficazes para a transferência do crédito ou do débito Para conseguir isso tinham de recorrer a uma manobra radical a novação transformando em obrigação nova o conteúdo da antiga 196 Todavia tal expediente além de pouco prático não operava exatamente uma transmissão obrigacional visto que consoante já vimos na novação extinguese e não simplesmente se transfere a obrigação primitiva Trataremos pois de um fenômeno acidental que se reveste de alta importância prática mormente sob o prisma comercial A transferência de créditos a assunção de dívidas enfim a circulação de títulos em geral apontam para a importância do tema que está intimamente ligado às relações negociais Afinal a transmissibilidade das obrigações em grande parte faz girar as engrenagens econômicas do mundo Com apurada precisão realçando a importância do tema ANTUNES VARELA observa que mesmo nos países com uma codificação autônoma do direito comercial as leis civis continuam a tratar a matéria com grande desenvolvimento sinal da manutenção do seu incontestável interesse prático É aliás sabido que as formas clássicas da transmissão das obrigações reguladas na lei civil são também usadas pelos comerciantes tal como em contrapartida é cada vez mais frequente o recurso na contratação civil das formas de transmissão ou de constituição de créditos tipicamente comerciais como o endosso ou a emissão de cheques e letras 197 Nessa ordem de ideias serão analisadas no decorrer deste capítulo três modalidades de transmissão O Código Civil de 1916 talvez pela época em que fora redigido período marcado pela primariedade da economia e principalmente pelos fortes resquícios de uma sociedade escravocrata e politicamente conservadora não tratou satisfatoriamente da matéria Em verdade cuidou apenas de dispensar um título próprio para a cessão de crédito arts 1065 e s sem que houvesse disciplinado a cessão de débito e a cessão de contrato O Código Civil de 2002 melhorando a disciplina criou um título próprio Da Transmissão das Obrigações onde tratou da cessão de crédito e também da cessão de débito assunção de dívida deixando de fora da incidência de suas normas todavia a cessão de contrato que merecia tratamento específico Vejamos cada uma delas a seguir 2 CESSÃO DE CRÉDITO A cessão de crédito consiste em um negócio jurídico por meio do qual o credor cedente transmite total ou parcialmente o seu crédito a um terceiro cessionário mantendose a relação obrigacional primitiva com o mesmo devedor cedido Em geral é negócio jurídico oneroso pactuado com propósito lucrativo embora nada obste a transmissão gratuita do crédito Essa forma negocial de cessão é sem dúvida a mais importante e a que mais de perto nos interessa Todavia a doutrina reconhece a existência da cessão judicial realizada por meio de uma decisão do juiz a exemplo da decisão que atribui ao herdeiro ou legatário um crédito do falecido e da cessão legal operada por força de lei como a cessão dos acessórios da dívida garantias juros cláusula penal determinada pelo art 287 do CC2002 198 Vale destacar que é desnecessário o consentimento prévio do devedor para que ocorra a cessão ou seja o sujeito passivo não tem o direito de impedir a transmissão do crédito muito embora a sua notificação seja exigida para que o negócio produza os efeitos desejados conforme a seguir será demonstrado Diferentemente do que se dá com a novação a obrigação não é extinta operandose apenas a transmissão da qualidade creditória a um terceiro inexistindo portanto da mesma forma o animus novandi necessário para caracterização desse instituto análogo Não há que ser confundida também com a subrogação legal uma vez que o subrogado não poderá exercer os direitos e ações do credor além dos limites do desembolso Tal restrição não é imposta à cessão de crédito Se a subrogação todavia for convencional o tratamento dado pela lei é o mesmo da cessão de crédito art 348 do CC2002 Ainda na diferenciação da cessão de crédito para a subrogação é possível esquematizar CESSÃO DE CRÉDITO SUBROGAÇÃO Cessão particular dos direitos do credor Pagamento do crédito preexistente A título gratuito ou oneroso A título oneroso necessariamente Exemplo de cessão de crédito de natureza onerosa é apresentado por ANTUNES VARELA A emprestou 5000 contos a B pelo prazo de três anos tendo a dívida sido afiançada por C Passado um ano o mutuante tem inesperadamente necessidade de dinheiro Como não pode ainda exigir a restituição da quantia mutuada vende o crédito por 4200 contos a D que não hesita em o adquirir pela confiança que deposita na solvabilidade do fiador 199 Se A não tivesse vendido leiase cedido onerosamente mas apenas transmitido o crédito sem exigir contraprestação alguma a cessão seria considerada gratuita Notese por outro lado que o título da obrigação no exemplo dado o contrato de mútuo poderia proibir a cessão do crédito Isso se dá porque as normas disciplinadoras da cessão são essencialmente dispositivas podendo ser afastadas pela vontade das partes sem que houvesse violação a princípio de ordem pública Todavia essa cláusula proibitiva pacto de non cedendo só poderá ser oposta ao terceiro de boafé a quem se transmitiu o crédito cessionário se constar expressamente do instrumento da obrigação Por óbvio se o contrato era silente a respeito presumese que a cessão seria possível Tendo em vista todos esses aspectos o Código Civil de 2002 consagrando regra mais abrangente disciplinou a cessão de crédito em seu art 286 Art 286 O credor pode ceder o seu crédito se a isso não se opuser a natureza da obrigação a lei ou a convenção com o devedor a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boafé se não constar do instrumento da obrigação 200 Da análise dessa regra concluise com facilidade que a cessão de crédito não poderá ocorrer em três hipóteses a se a natureza da obrigação for incompatível com a cessão b se houver vedação legal c se houver cláusula contratual proibitiva Sobre a terceira hipótese já falamos de modo que nos resta estudar as duas primeiras Ora por inequívocas razões nem toda relação obrigacional admite a transmissibilidade creditória É o caso do direito aos alimentos O menoralimentando não pode negociar com um terceiro e ceder o crédito que tenha em face do seu paialimentante Da mesma forma não se admite a cessão de direitos da personalidade 201 como a honra o nome a intimidade etc Também não poderá ocorrer a cessão se houver proibição legal É o caso da regra prevista no art 520 do CC2002 que proíbe a cessão do direito de preferência 202 a um terceiro Da mesma forma o art 1749 III do CC2002 proíbe que o tutor seja cessionário de direito contra o tutelado Por ter natureza negocial a cessão pressupõe a observância dos pressupostos gerais de validade sobretudo a capacidade e a legitimidade das partes Quanto a esta última lembrese de que o art 1749 III do CC2002 nega legitimidade ao tutor para que se constitua cessionário de direito contra o menor tutelado Vale dizer embora capaz pesa contra si um impedimento legal específico em virtude do encargo público que desempenha em prol do menor Para valer frente a terceiros nos termos do art 288 do CC2002 a cessão de crédito deverá constar de instrumento público ou se for celebrada por instrumento particular deverá revestirse das solenidades previstas no 1º do art 654 do CC2002 quais sejam a indicação do lugar em que foi passado a qualificação das partes a data o seu objetivo e conteúdo sendo indispensável em ambos os casos o registro do ato para que gere efeitos erga omnes 203 A cessão de direitos hereditários e de créditos hipotecários por sua vez só admite a celebração por meio de instrumento público 204 Transmitido o crédito os acessórios e garantias da dívida também serão cedidos se não houver estipulação expressa em sentido contrário em virtude do princípio de que o acessório segue o principal art 287 do CC2002 Havendo garantia real imobiliária uma hipoteca p ex é indispensável a anuência do cônjuge do cedente para que a cessão seja considerada válida Aspecto importante que merece ser ressaltado diz respeito à notificação do devedor para que a cessão tenha eficácia jurídica em face deste último Conforme já explicitamos o devedor não precisa autorizar a cessão Isso não quer dizer todavia que não deva ser notificado a respeito do ato até para saber que a partir daquela comunicação não pagará mais a dívida ao credor primitivo cedente mas sim ao novo cessionário Esse dever de informar toca inclusive a questão da boafé objetiva nos contratos Tratase de um dever anexo de lealdade imposto ao cedente como requisito indispensável para a eficácia jurídica do negócio de transmissão que realiza A esse respeito precisas são as palavras de CRISTOPH FABIAN Um exemplo de dever de informar como dever à prestação encontrase na cessão de créditos para ser válida a cessão em relação ao devedor ela deve ser notificada a esse art 1069 do CC de 1916 Se o cedente não notificar a cessão ele pode ser responsável por danos ao cessionário Nesta perspectiva a notificação é um dever anexo que assegura a realização da cessão em relação ao devedor 205 Por tais razões o Código Civil de 2002 prevê em seu art 290 que Art 290 A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor senão quando a este notificada mas por notificado se tem o devedor que em escrito público ou particular se declarou ciente da cessão feita Assim se A cede o seu crédito a B deverá como condição sine qua non para a eficácia jurídica do ato de transmissão notificar judicial ou extrajudicialmente o devedor C para que tome ciência da cessão Aliás aí está outra diferença para o pagamento com subrogação visto que o terceiro que paga e se subroga nos direitos do credor não está adstrito a essa regra Dispensase outrossim a notificação se o devedor por escrito público ou particular se declarar ciente da cessão realizada Não havendo a notificação a cessão não gerará o efeito jurídico pretendido e o devedor não estará obrigado a pagar ao novo credor cessionário Aliás por expressa determinação legal fica desobrigado o devedor que antes de ter conhecimento da cessão paga ao credor primitivo cedente 206 Notificado o devedor vinculase ao cessionário podendo opor a este as exceções defesas que lhe competirem bem como as que no momento em que veio a ter conhecimento da cessão 207 tinha contra o cedente Essa regra prevista no art 294 do CC2002 revestese da mais alta importância prática e significa que o sujeito passivo da obrigação poderá defenderse utilizando as armas jurídicas que apresentaria contra o cedente Assim se o crédito foi obtido mediante erro ou lesão por exemplo poderá opor essas exceções à cessão do crédito Da mesma forma poderá provar que já pagou ou que a dívida fora remitida perdoada Notese ainda que o Código Civil de 2002 suprimiu a parte final do art 1072 do CC1916 que proibia ao devedor opor ao cessionário de boafé a simulação do cedente A explicação para esse fato é muito simples Como no Código Civil de 2002 a simulação deixa de ser causa de anulação e passa a figurar entre as hipóteses de nulidade absoluta do negócio jurídico qualquer pessoa inclusive o Ministério Público quando lhe couber intervir ou o próprio juiz de ofício pode apontar a invalidade do ato simulado Havendo simulação portanto presumese ter havido violação a interesses superiores de ordem pública e de tal forma esse vício social poderá ser arguido pelo próprio devedor em face do cessionário de boafé Ainda no que diz respeito à comunicação da ocorrência da cessão parecenos que não é imprescindível seja para a validade seja para a eficácia da avença a cientificação do eventual fiador da relação jurídica obrigacional não somente pela ausência de menção de tal circunstância nas hipóteses de extinção da fiança art 838 do CC2002 mas também pelo motivo de que foi ele um garantidor do devedor que continua sendo o mesmo independentemente da modificação do sujeito ativo da obrigação Finalmente quanto à responsabilidade pela cessão do crédito por força do art 295 do CC2002 firmouse a regra geral de que na cessão a título oneroso o cedente ficará responsável pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu ainda que o contrato nada diga a respeito Vale dizer o cedente deverá garantir que o crédito existe embora não responda pela solvabilidade do devedor Tratase no caso da denominada cessão pro soluto Na mesma linha se a cessão tiver sido gratuita somente remanesce a mesma responsabilidade pela existência do crédito se o cedente houver procedido de máfé Por outro lado nada impede que no ato de transmissão do crédito o cedente expressamente se responsabilize pela solvência do devedor Nesse caso além de garantir a existência do crédito tornase corresponsável pelo pagamento da dívida até o limite do que recebeu do cessionário ao que se acrescem juros bem como a obrigação de ressarcimento das despesas da cessão e as que o cessionário houver feito para a cobrança da dívida Tratase da denominada cessão pro solvendo a qual exige prévia estipulação contratual arts 296 e 297 do CC2002 Quando a transferência do crédito se dá por força de lei estabelecia o art 1076 do CC1916 208 sem equivalente direto no CC2002 que o credor originário não respondia pela realidade da dívida regra esta que por força da circunstância excepcional de tal cessão parecenos que deve ser não somente mantida mas também aplicável à cessão judicial Vale registrar ainda que uma vez penhorado um crédito este não mais poderá ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora No entanto se o devedor não tiver conhecimento da penhora e pagar ao cessionário ficará desobrigado restando apenas ao terceiro prejudicado entenderse com o credor art 298 do CC2002 3 CESSÃO DE DÉBITO ASSUNÇÃO DE DÍVIDA O Código Civil de 2002 diferentemente do Código anterior que era silente a respeito reservou todo o Capítulo II do Título II para disciplinar a matéria arts 299 a 303 A cessão de débito ou assunção de dívida consiste em um negócio jurídico por meio do qual o devedor com o expresso consentimento do credor transmite a um terceiro a sua obrigação Cuidase de uma transferência debitória com mudança subjetiva na relação obrigacional Não se confunde com a novação subjetiva passiva uma vez que a relação obrigacional permanece a mesma lembrese de que na novação a dívida anterior se extingue e é substituída por uma nova Obviamente como haverá alteração subjetiva na relaçãobase e ao se considerar que o patrimônio do devedor é a garantia da satisfação do crédito o credor deverá anuir expressamente para que a cessão seja considerada válida e eficaz Mesmo antes do Código Civil de 2002 não admitíamos de forma alguma a ideia de que essa anuência pudesse ser tácita a defluir das circunstâncias Como a própria satisfação do seu crédito está em jogo o credor deve consentir expressamente sendo essa a regra geral a ser seguida Aliás dirimindo qualquer dúvida a respeito o art 299 do CC2002 é de intelecção cristalina 209 Art 299 É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor com o consentimento expresso do credor ficando exonerado o devedor primitivo salvo se aquele ao tempo da assunção era insolvente e o credor o ignorava Parágrafo único Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida interpretandose o seu silêncio como recusa A importância do consentimento do credor é de tal forma que o silêncio é qualificado como recusa contrariando portanto até mesmo a máxima do cotidiano de que quem cala consente Notese que a lei não admite a exoneração do devedor se o terceiro a quem se transmitiu a obrigação era insolvente e o credor o ignorava Não se exige no caso a máfé do cedente bastando que o credor não saiba do estado de insolvência preexistente à cessão de débito para se restabelecer a obrigação do devedor primitivo Por isso é de boa cautela dar ciência ao credor do estado de solvabilidade do novo devedor Aliás será também restabelecida a obrigação se a substituição do devedor vier a ser invalidada restaurandose o débito com todas as suas garantias excetuandose as garantias prestadas por terceiro uma fiança por exemplo Neste último caso se o terceiro atuou de máfé sabendo do vício da cessão a sua garantia subsistirá art 301 do CC2002 Para que seja reputada válida além dos pressupostos gerais do negócio jurídico a cessão de débito deverá observar os seguintes requisitos a a presença de uma relação jurídica obrigacional juridicamente válida o que pressupõe a existência nos planos do negócio jurídico b a substituição do devedor mantendose a relação jurídica originária c a anuência expressa do credor ANTÔNIO CHAVES citado por SÍLVIO VENOSA aponta como casos mais frequentes de cessão de débito os de venda de estabelecimento comercial ou de fusão de duas ou mais pessoas jurídicas bem como os de dissolução de sociedades quando um ou alguns dos sócios assumem dívidas da pessoa jurídica no próprio nome 210 Já ORLANDO GOMES lembrava que a assunção de dívida não poderia ser confundida com a promessa de liberação nem com o reforço pessoal da obrigação A promessa é um negócio jurídico pelo qual alguém se obriga em face do devedor a pagar a sua dívida Tratase de um contrato preliminar cujo objeto é uma obrigação de fazer o pagamento do débito de terceiro de modo que o devedor continua obrigado à obrigação principal O reforço da obrigação por sua vez ocorre quando um terceiro ingressa na relação obrigacional tornandose devedor solidário sem exonerar o devedor É como se houvesse apenas um reforço patrimonial para a satisfação do crédito 211 Quanto aos meios de substituição a assunção de dívida poderá se dar por duas formas a Por delegação decorre de negócio pactuado entre o devedor originário e o terceiro com a devida anuência do credor O devedor cedente é o delegante o terceirocessionário delegado e o credor o delegatário Poderá ter efeito exclusivamente liberatório delegação privativa não remanescendo qualquer responsabilidade para o devedor originário delegante como também poderá admitir a subsistência da responsabilidade do delegante que responderá pelo débito em caso de inadimplência do novo devedor delegação cumulativa ou simples b Por expromissão hipótese em que o terceiro assume a obrigação independentemente do consentimento do devedor primitivo Assim como na delegação poderá ter eficácia simplesmente liberatória ou em situação mais rara o terceiro poderá vincularse solidariamente ao cumprimento da obrigação ao lado do devedor originário expromissão cumulativa 212 Neste último caso não há propriamente sucessão no débito havendo nítida semelhança com o reforço pessoal de obrigação Observese ainda que por expressa dicção legal o novo devedor não pode opor ao credor as exceções defesas pessoais que competiam ao devedor primitivo exemplo incapacidade dolo coação etc nos termos do art 302 do Código Civil de 2002 Nada impede por outro lado que oponha defesas não pessoais como o pagamento da dívida ou a exceção de contrato não cumprido Além disso salvo assentimento expresso do devedor primitivo consideramse extintas a partir da assunção da dívida as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor na forma do art 300 do CC2002 Art 300 Salvo assentimento expresso do devedor primitivo consideramse extintas a partir da assunção da dívida as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor 213 Por fim cumprenos advertir que o adquirente de um imóvel hipotecado poderá assumir o débito garantido pelo imóvel Em tal hipótese se o credor hipotecário notificado não impugnar em trinta dias a cessão do débito entenderseá válido o assentimento Tratase de uma exceção admitida pela própria lei à regra geral de que o credor deve anuir sempre de forma expressa Razões superiores inclusive sociais lembrese do constitucional direito à moradia aconselham no caso a assunção do débito podendo o cessionário adquirente do imóvel pagar a dívida subrogandose nos direitos do credor em relação ao cedente devedor original consoante já estudamos art 303 do CC2002 4 CESSÃO DE CONTRATO A cessão de contrato ou de posição contratual é instituto jurídico conhecido da doutrina que surpreendentemente não mereceu a devida atenção no Código Civil de 2002 Diferentemente do que ocorre na cessão de crédito ou de débito neste caso o cedente transfere a sua própria posição contratual compreendendo créditos e débitos a um terceiro cessionário que passará a substituílo na relação jurídica originária Com absoluta propriedade SÍLVIO VENOSA observa que a cessão de crédito substitui uma das partes na obrigação apenas do lado ativo e em um único aspecto da relação jurídica o mesmo ocorrendo pelo lado passivo na assunção de dívida Todavia ao transferir uma posição contratual há um complexo de relações que se transfere débitos créditos acessórios prestações em favor de terceiros deveres de abstenção etc Na transferência da posição contratual portanto há cessões de crédito ou podem haver e assunções de dívida não como parte fulcral no negócio mas como elemento integrante do próprio negócio 214 Notese que parte respeitável da doutrina adepta da teoria atomística fragmentava a análise científica do instituto sob exame para concluir que em verdade a cessão da posição contratual não seria mais do que um plexo de cessões múltiplas de crédito e débito conjugadas carecedoras de autonomia jurídica Não concordamos com esse entendimento Quando em um determinado contrato imagine uma promessa irretratável de compra e venda uma das partes cede a sua posição contratual o faz de forma integrada não havendo pois a intenção de transmitir separadamente débitos e créditos Por isso entendemos assistir razão aos adeptos da teoria unitária segundo a qual a cessão de contrato opera a transferência da posição contratual como um todo sem que se possa identificar a fragmentação ou atomização dos elementos jurídicos componentes da posição contratual Para que seja considerada válida a cessão de contrato deverá observar os seguintes requisitos a a celebração de um negócio jurídico entre cedente e cessionário b integralidade da cessão cessão global c a anuência expressa da outra parte cedido Por óbvio obrigações há de natureza personalíssima que não admitem cessão Assim se eu contrato a feitura de uma obra de arte com um artista famoso este não poderá ceder a sua posição contratual Entendemos que a natureza mesma da obrigação impede na hipótese a cessão contratual Pode ocorrer outrossim que a obrigação não seja pactuada intuitu personae personalíssima e ainda assim o contrato proíba a cessão Entretanto não havendo cláusula proibitiva a cessão de posição contratual é possível desde que haja expresso consentimento da outra parte Não havendo esse consentimento o cedente continuará obrigado à satisfação do crédito Em conclusão cumprenos destacar a enumeração dos principais casos de cessão de contrato no Direito brasileiro segundo o pensamento de SILVIO RODRIGUES 215 a os contratos de cessão de locação em que o contratobase é transferido com a anuência do cedido transpassandose para o cessionário todos os direitos e obrigações deles resultantes b os contratos de compromisso de venda nesse caso havendo a cessão sem o consentimento do promitente vendedor haverá responsabilidade solidária entre o cedente e o cessionário 216 c os contratos de empreitada d os contratos de lavra e fornecimento de minérios em que o titular da lavra ao transmitila a terceiros transferelhes a própria posição contratual isto é direitos e deveres decorrentes dos contratos de fornecimento de minérios e o próprio contrato de mandato que costumeiramente é transferido a terceiro por meio do substabelecimento sem reserva de poderes CESSÃO DE CRÉDITO CESSÃO DE DÉBITO CESSÃO DE CONTRATO O credor cedente transfere total ou parcialmente o seu crédito a um terceiro cessionário mantendose a mesma relação obrigacional primitiva com o devedor cedido O devedor cedido com expresso consentimento do credor cedente transfere o seu débito a terceiro cessionário O cedente transfere ao cessionário de forma global a sua própria posição contratual compreendendo créditos e débitos A relação obrigacional é a mesma A relação obrigacional é a mesma Cessão global integralidade da cessão A cessão poderá ser onerosa ou gratuita A anuência do credor é indispensável Anuência expressa da outra parte cedido Em relação ao contrato individual de trabalho por envolver aspectos peculiares procederemos a seguir a uma análise mais minuciosa XII TEORIA DO INADIMPLEMENTO 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Conforme já vimos durante todo o estudo da matéria a obrigação entendida como a relação jurídica patrimonial que vincula o credor ao devedor é um liame economicamente funcional por meio do qual se efetiva a circulação de bens e direitos no comércio jurídico De tal forma dada a sua dinâmica essencial a relação obrigacional obedece a um ciclo que se encerra com a sua extinção que se dá geralmente por meio do pagamento Entretanto pode ocorrer que a obrigação não seja cumprida em razão de atuação culposa ou de fato não imputável ao devedor Se o descumprimento decorreu de desídia negligência ou mais gravemente por dolo do devedor estaremos diante de uma situação de inadimplemento culposo no cumprimento da obrigação que determinará o consequente dever de indenizar a parte prejudicada Por outro lado se a inexecução obrigacional derivou de fato não imputável ao devedor enquadrável na categoria de caso fortuito ou força maior configurarseá o inadimplemento fortuito da obrigação sem consequências indenizatórias para qualquer das partes Em algumas situações todavia a própria lei admite que a ocorrência de evento fortuito não exclui a obrigação de indenizar Uma delas ocorre quando a própria parte assume a responsabilidade de responder pelos prejuízos mesmo tendo havido caso fortuito ou força maior art 393 do CC2002 Também em caso de mora poderá o devedor responsabilizarse nos mesmos termos art 399 do CC2002 se retardar por sua culpa o cumprimento da obrigação Obviamente o inadimplemento não se opera com os mesmos matizes sempre variando de acordo com a natureza da prestação descumprida Assim nas obrigações de dar operase o descumprimento quando o devedor recusa a entrega devolução ou restituição da coisa Nas obrigações de fazer quando se deixa de cumprir a atividade devida Finalmente quanto às obrigações negativas a própria lei dispõe que o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster art 390 do CC2002 É o caso do sujeito que obrigandose a não levantar o muro realiza a construção tornandose inadimplente a partir da data em que realizou a obra Nesta última hipótese obrigações negativas devese observar que o legislador de 2002 optou por inserir a referida norma no capítulo dedicado às disposições gerais do Título IV Do Inadimplemento das Obrigações e não no capítulo específico sobre a mora como fazia a legislação revogada Sintetizando essas noções introdutórias temos que o inadimplemento pode ser dar portanto de maneira fortuita em que a priori não haverá responsabilização ou ocorrendo de forma culposa pode se manifestar na modalidade absoluta que imporá o pagamento de perdas e danos ou relativa em que se verificarão os efeitos da mora Compreendamos cada uma dessas modalidades 2 INADIMPLEMENTO FORTUITO DA OBRIGAÇÃO O descumprimento da obrigação pode decorrer de fato não imputável ao devedor Dizse nesse caso ter havido inadimplemento fortuito da obrigação ou seja não resultante de atuação dolosa ou culposa do devedor que por isso não estará obrigado a indenizar Fatos da natureza ou atos de terceiro poderão prejudicar o pagamento sem a participação do devedor que estaria diante de um caso fortuito ou de força maior Imagine que o sujeito se obrigou a prestar um serviço e no dia convencionado é vítima de um sequestro Não poderá em tal hipótese em virtude de evento não imputável à sua vontade cumprir a obrigação avençada Mas nesse ponto de nosso raciocínio uma pergunta se impõe afinal de contas estando essa espécie de inadimplemento diretamente ligada à ideia de evento fortuito o que se entende por caso fortuito ou de força maior A doutrina não é unânime a respeito dessa intrigante questão Segundo MARIA HELENA DINIZ na força maior conhecese o motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento pois se trata de um fato da natureza como p ex um raio que provoca um incêndio inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação impedindo a entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos etc No caso fortuito o acidente que acarreta o dano advém de causa desconhecida como o cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos causando incêndio explosão de caldeira de usina e provocando morte 217 SILVIO RODRIGUES lembra que a sinonímia entre as expressões caso fortuito e força maior por muitos sustentada tem sido por outros repelida estabelecendo os vários escritores que participam desta última posição critério variado para distinguir uma da outra Dentre as distinções conhecidas Agostinho Alvim dá notícia de uma que a doutrina moderna vem estabelecendo e que apresenta efetivamente real interesse teórico Segundo a referida concepção o caso fortuito constitui um impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou com a sua empresa enquanto a força maior advém de um acontecimento externo 218 Para demonstrar que os doutrinadores de fato não adotam critério único para a definição dos termos caso fortuito e força maior vale conferir o pensamento de ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO Pelo que acabamos de perceber caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza sem qualquer intervenção da vontade humana A força maior por sua vez é o fato do terceiro ou do credor é a atuação humana não do devedor que impossibilita o cumprimento obrigacional 219 Sem pretender pôr fim à controvérsia visto que seria inadmissível a pretensão entendemos que a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade mesmo sendo a sua causa eventualmente conhecida um terremoto ou uma erupção vulcânica por exemplo ao passo que o caso fortuito por sua vez tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade segundo os parâmetros do homem médio Nesta última hipótese portanto a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta impossibilitando o cumprimento de uma obrigação um atropelamento um roubo Advertimos outrossim que as situações da vida real podem tornar muito difícil a diferenciação entre caso fortuito ou força maior razão por que a despeito de nos posicionarmos acerca do tema diferenciando os institutos não consideramos grave erro a identificação dos conceitos no caso concreto Ademais para o direito obrigacional quer tenha havido caso fortuito quer tenha havido força maior a consequência em regra é a mesma extinguese a obrigação sem qualquer consequência para as partes Aliás o Código Civil de 2002 em regra específica condensou o significado das expressões em conceito único consoante se depreende da análise do seu art 393 Art 393 O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior se expressamente não se houver por eles responsabilizado Parágrafo único O caso fortuito ou de força maior verificase no fato necessário cujos efeitos não era possível evitar ou impedir grifos nossos Notese pela análise da primeira parte do dispositivo que o devedor à luz do princípio da autonomia da vontade pode expressamente se responsabilizar pelo cumprimento da obrigação mesmo em se configurando o evento fortuito Assim se uma determinada empresa celebra um contrato de locação de gerador com um dono de boate nada impede que se responsabilize pela entrega da máquina no dia convencionado mesmo na hipótese de suceder um fato imprevisto ou inevitável que naturalmente a eximiria da obrigação um incêndio que consumiu todos os seus equipamentos Nesse caso assumirá o dever de indenizar o contratante se o gerador que seria locado houver sido destruído pelo fogo antes da efetiva entrega Essa assunção do risco no entanto para ser reputada eficaz deverá constar de cláusula expressa do contrato Essa matéria ligada à ocorrência de eventos que destroem ou deterioram a coisa prejudicando o descumprimento obrigacional interessa à chamada teoria dos riscos Por risco expressão tão difundida no meio jurídico entendase o perigo a que se sujeita uma coisa de perecer ou deteriorar por caso fortuito ou de força maior Por tudo isso podemos concluir que apenas o inadimplemento absoluto com fundamento na culpa do devedor impõe o dever de indenizar pagar as perdas e danos gerando por conseguinte para o devedor inadimplente a responsabilidade civil por seu comportamento ilícito INADIMPLEMENTO FORTUITO art 393 do CC 3 INADIMPLEMENTO CULPOSO DA OBRIGAÇÃO O desfecho normalmente esperado de uma obrigação dáse por meio de seu adimplemento cumprimento voluntário já estudado quando tratamos da teoria do pagamento Entretanto pode ocorrer que a obrigação se frustre por culpa do devedor que deixa de realizar a prestação pactuada impondoselhe o dever de indenizar a parte prejudicada Nesse sentido o art 389 do CC2002 dispõe expressamente que Art 389 Não cumprida a obrigação responde o devedor por perdas e danos mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advogado Essa regra legal encontrase sem dúvida mais afinada com a nossa realidade econômica por fazer expressa menção a índices de atualização monetária parâmetros que eram desconhecidos pela Lei Codificada anterior Lembrese nesse ponto que o Código de Beviláqua fora elaborado em período de economia estável e rudimentar pósescravocrata De qualquer maneira reputamos desnecessária a referência a honorários de advogado no conteúdo normativo por se tratar de obrigação cuja exigibilidade encontra supedâneo na própria legislação processual civil Ademais no caso concreto poderá não ter havido despesa com advogado a justificar o pleito indenizatório como ocorre por previsão legal no processo trabalhista em que é facultado o jus postulandi pessoal das partes na forma do art 791 da Consolidação das Leis do Trabalho 220 O inadimplemento tratado pela norma do art 389 é o denominado absoluto ou seja aquele que impossibilita o credor de receber a prestação devida ex a destruição do cereal que seria entregue pelo devedor seja de maneira total seja parcialmente quando há pluralidade de objetos e apenas parte deles se inviabiliza convertendose a obrigação na falta de tutela jurídica específica em obrigação de indenizar 221 Tal não se confunde com o inadimplemento relativo uma vez que nessa hipótese a prestação ainda possível de ser realizada não foi cumprida no tempo lugar e forma convencionados havendo por outro lado o interesse do credor de que seja adimplida sem prejuízo de exigir uma compensação pelo atraso causado Esse retardamento culposo no cumprimento de uma obrigação ainda realizável caracteriza a mora tema dos mais interessantes que será estudado no próximo capítulo Posto isso retornando ao estudo do inadimplemento culposo absoluto cumprenos advertir que o referido art 389 do Código Civil de 2002 é visto pela doutrina como a base legal da responsabilidade civil contratual sendo que a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana repousaria em outras paragens art 927 do CC2002 Ora quando um sujeito guiando imprudentemente o seu veículo chocase contra um muro causando danos ao proprietário desse imóvel fica claro que também descumpriu uma obrigação anterior embora de natureza eminentemente legal não causar dano a outrem Por isso se diz que nesse caso inexistindo um vínculo contratual anterior entre o causador do dano e a vítima aquele deverá indenizar segundo os princípios da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana previstos em nossa legislação em vigor Afinal o ato ilícito também gera o dever de indenizar Quem infringe dever jurídico lato sensu fica obrigado a reparar o dano causado Esse dever passível de violação pode ter assim como fonte tanto uma obrigação imposta por um dever geral do direito ou pela própria lei quanto por um negócio jurídico preexistente O primeiro caso caracteriza a responsabilidade civil aquiliana 222 enquanto o segundo a responsabilidade civil contratual E quais as diferenças básicas entre essas duas formas de responsabilização Três elementos diferenciadores podem ser destacados a saber a necessária preexistência de uma relação jurídica entre lesionado e lesionante o ônus da prova quanto à culpa e a diferença quanto à capacidade 223 Com efeito para caracterizar a responsabilidade civil contratual fazse mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir que constitui justamente o objeto do negócio jurídico ao passo que na culpa aquiliana violase um dever necessariamente negativo ou seja a obrigação de não causar dano a ninguém Justamente por tal circunstância é que na responsabilidade civil aquiliana a culpa deve ser sempre provada pela vítima enquanto na responsabilidade contratual ela é de regra presumida 224 invertendose o ônus da prova cabendo à vítima comprovar apenas que a obrigação não foi cumprida restando ao devedor o onus probandi por exemplo de que não agiu com culpa ou que ocorreu alguma hipótese excludente do elo de causalidade Como observa SÉRGIO CAVALIERI FILHO essa presunção de culpa não resulta do simples fato de estarmos em sede de responsabilidade contratual O que é decisivo é o tipo de obrigação assumida no contrato Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um determinado resultado e não conseguiu haverá culpa presumida ou em alguns casos até responsabilidade objetiva se a obrigação assumida no contrato foi de meio a responsabilidade embora contratual será fundada na culpa provada 225 Por fim vale destacar que em termos de capacidade o menor púbere só se vincula contratualmente quando assistido por seu representante legal e excepcionalmente se maliciosamente declarouse maior art 180 do CC2002 somente devendo ser responsabilizado nesses casos ao contrário da responsabilidade civil aquiliana em que o prejuízo deve ser reparado pelo menos na previsão do art 156 do Código Civil de 1916 sem correspondente no atual diploma civil O Código Civil de 2002 por sua vez sem distinguir púberes de impúberes dispõe que o incapaz será responsabilizado pelos prejuízos que a sua atuação ilícita causar se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazêlo ou não dispuserem de meios suficientes Vejamos nos próximos subtópicos duas consequências do inadimplemento culposo de obrigações 31 Perdas e danos ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO pontifica que a expressão perdas e danos que não se apresenta com a felicidade de exprimir o seu exato conceito nada mais significa do que os prejuízos os danos causados ante o descumprimento obrigacional 226 De fato aprendemos que a obrigação vista sob um prisma dinâmico encontra o seu termo no pagamento com a consequente satisfação do credor Nada impede outrossim possa quedarse descumprida Se o descumprimento derivar de atuação culposa do devedor causadora de prejuízo material ou moral será obrigado a compensar civilmente o credor indenizandoo Pagar perdas e danos afinal de contas significa isso indenizar aquele que experimentou um prejuízo uma lesão em seu patrimônio material ou moral por força do comportamento ilícito do transgressor da norma Veremos futuramente que no campo da responsabilidade aquiliana ou extracontratual é muito comum o agente infrator ser compelido a indenizar a vítima ainda que não haja atuado culposamente segundo os princípios da responsabilidade civil objetiva que também foram albergados pelo Código de 2002 mormente para os agentes empreendedores de atividade de risco art 927 parágrafo único do CC2002 Por tudo isso deixando de lado por ora aspectos mais delicados de responsabilidade civil fixemos a premissa de que as perdas e danos traduzem o prejuízo material ou moral causado por uma parte à outra em razão do descumprimento da obrigação Acrescentese ainda o fato de que também o inadimplemento relativo mora que se caracteriza quando a prestação posto realizável não é cumprida no tempo lugar e forma devidos também autoriza o pagamento das perdas e danos correspondentes ao prejuízo derivado do retardamento imputável ao credor ou ao devedor Registrese que não se pode confundir a expressão pagamento de perdas e danos com pagamento do equivalente pois a primeira se refere a todo tipo de prejuízo material ou moral decorrente do descumprimento e a concepção de prestação equivalente diz respeito à devolução de valores pagos ou adiantados evitandose o enriquecimento indevido de um dos sujeitos da relação obrigacional Se no primeiro caso abstraídas as hipóteses de responsabilidade civil objetiva há de se verificar quem agiu com o elemento culpa para se exigirem as perdas e danos na segunda situação a busca da restituição das coisas ao status quo ante impõe a devolução de valores pagos ainda que o descumprimento da obrigação tenha sido fortuito As consequências da mora são previstas em regras específicas nos termos dos arts 394 a 401 do CC2002 não sendo demais lembrar que a indenização devida nesse caso deverá ser menor do que se se tratasse de total e absoluto descumprimento da obrigação 227 hipótese em que o ressarcimento deverá ser cabal O Código Civil de 2002 em seu art 389 ao tratar das disposições gerais relativas ao inadimplemento das obrigações fixa regra genérica já estudada linhas atrás Art 389 Não cumprida a obrigação responde o devedor por perdas e danos mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advogado grifos nossos Essa regra que deve ser lida em sintonia com a norma prevista no art 393 do CC2002 que exige a atuação culposa do devedor para que possa ser responsabilizado não explica o que se entende por perdas e danos Nós já sabemos que essa expressão traduz o prejuízo ou dano material ou moral causado por uma parte à outra em razão do descumprimento da obrigação A legislação codificada a despeito de não definila com precisão até por não ser função precípua do legislador fazêlo preferiu simplesmente traçar os seus contornos delimitando o seu alcance e deixando para a doutrina a difícil missão de apresentar uma conceituação teórica a seu respeito consoante se depreende da leitura do seu art 402 do CC2002 Salvo as exceções expressamente previstas em lei as perdas e danos devidas ao credor abrangem além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar Em outras palavras as perdas e danos devidas ao credor deverão compreender o dano emergente o que efetivamente perdeu e o lucro cessante o que razoavelmente deixou de lucrar Com referência ao dano emergente AGOSTINHO ALVIM pondera ser possível estabelecer com precisão o desfalque do nosso patrimônio sem que as indagações se perturbem por penetrar no terreno hipotético Mas com relação ao lucro cessante o mesmo já não se dá E a respeito do lucro cessante assevera com brilhantismo Finalmente e com o intuito de assinalar com a possível precisão o significado do termo razoavelmente empregado no art 1059 do Código diremos que ele não significa que se pagará aquilo que for razoável ideia quantitativa e sim que se pagará se se puder razoavelmente admitir que houve lucro cessante ideia que se prende à existência mesma de prejuízo Ele contém uma restrição que serve para nortear o juiz acerca da prova do prejuízo em sua existência e não em sua quantidade Mesmo porque admitida a existência do prejuízo lucro cessante a indenização não se pautará pelo razoável e sim pelo provado 228 Imagine que uma indústria de veículos haja celebrado um contrato de compra e venda com um fornecedor de pastilhas de freios que se comprometera a entregarlhe um lote de dez mil peças até o dia 10 O pagamento efetivouse no ato da celebração do contrato No dia fixado o fornecedor sem justificativa razoável comunicou ao adquirente que não mais produziria as referidas peças Dessa forma abriuse ao credor a possibilidade de resolver o negócio podendo exigir as perdas e danos que compreenderiam o dano efetivo causado pelo descumprimento obrigacional as suas máquinas ficaram paradas tendo a receita mensal diminuído consideravelmente e bem assim o que razoavelmente deixou de lucrar se as pastilhas de freio houvessem chegado a tempo os carros teriam sido concluídos e as vendas aos consumidores efetivadas como era de se esperar Outro exemplo agora extraído do campo de estudo da responsabilidade extracontratual também nos servirá Um indivíduo guiando imprudentemente o seu veículo abalroa um táxi que estava corretamente estacionado Em tal hipótese o causador do dano por sua atuação ilícita será obrigado a indenizar a vítima pagandolhe as perdas e danos que compreenderão conforme já vimos o dano emergente correspondente ao efetivo prejuízo material do veículo carroceria danificada espelhos laterais quebrados danos à pintura etc e bem assim os lucros cessantes referentes aos valores a que faria jus o taxista durante todo o tempo em que o seu veículo ficou parado em conserto na oficina Claro está que o dano emergente e os lucros cessantes devem ser devidamente comprovados na ação indenizatória ajuizada contra o agente causador do dano sendo de bom alvitre exortar os magistrados a impedirem que vítimas menos escrupulosas incentivadoras da famigerada indústria da indenização tenham êxito em pleitos absurdos sem base real formulados com o nítido escopo não de buscar ressarcimento mas de obterem lucro abusivo e escorchante Além disso seguindo essa linha de raciocínio não é demais lembrar que segundo o nosso direito positivo mesmo a inexecução obrigacional resultando de dolo do devedor a compensação devida só deverá incluir os danos emergentes e os lucros cessantes diretos e imediatos ou seja só se deverá indenizar o prejuízo que decorra diretamente da conduta ilícita infracional do devedor art 403 do CC2002 229 excluídos os danos remotos Tratase segundo preleção do Desembargador CARLOS ROBERTO GONÇALVES de aplicação da teoria dos danos diretos e imediatos formulada a propósito da relação de causalidade que deve existir para que se caracterize a responsabilidade do devedor Assim o devedor responde tão só pelos danos que se prendem a seu ato por um vínculo de necessidade não pelos resultantes de causas estranhas ou remotas 230 Assim descumprido um determinado contrato não se deve admitir como indenizável o dano emocional causado na esposa do credor que confiando no êxito do negócio que o seu marido pactuou com o devedor já fazia planos de viajar para a Europa A sua dor moral traduz muito mais uma decepção um reflexo remoto da lesão aos termos do negócio que não é resultado direto do inadimplemento obrigacional Atentese para o fato todavia de que há uma especial categoria de danos denominados danos em ricochete que a despeito de não serem suportados pelos próprios sujeitos da relação jurídica principal atingem pessoas próximas e são perfeitamente indenizáveis por derivarem diretamente da atuação ilícita do infrator Manifestandose a respeito do assunto CAIO MÁRIO preleciona A tese do dano reflexo embora se caracterize como a repercussão do dano direto e imediato é reparável o que multiplica dizem Malaurie e Aynès os credores por indenização E em outro trecho de sua excelente obra exemplifica A situação aqui examinada é a de uma pessoa que sofre o reflexo de um dano causado a outra pessoa Pode ocorrer por exemplo quando uma pessoa que presta alimentos a outra pessoa vem a perecer em consequência de um fato que atingiu o alimentante privando o alimentando do benefício 231 Este último é diretamente atingido por um dano reflexo ou em ricochete visto que a vítima imediata é o próprio alimentante morto Vale mencionar ainda que todo e qualquer dano para ser considerado indenizável deverá conjugar os seguintes requisitos a efetividade ou certeza uma vez que a lesão ao bem jurídico material ou moral não poderá ser simplesmente hipotética O dano poderá ter até repercussões futuras a exemplo do sujeito que perdeu um braço em virtude de acidente mas nunca poderá ser incerto ou abstrato b subsistência no sentido de que se já foi reparado não há o que indenizar c lesão a um interesse juridicamente tutelado de natureza material ou moral obviamente que o dano deverá caracterizar violação a um interesse tutelado por uma norma jurídica quer seja material um automóvel uma casa quer seja moral a honra a imagem Por fim vale destacar que de acordo com o caput do art 404 do CC2002 as perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos abrangendo juros custas e honorários de advogado sem prejuízo da pena convencional É sobre os juros que tratamentos no próximo subtópico 32 Juros A doutrina não diverge muito quanto à conceituação dos juros ARNOLDO WALD define os juros como o rendimento do capital preço do seu uso preço locativo ou aluguel do dinheiro prêmio pelo risco corrido decorrente do empréstimo cabendo aos economistas o estudo de sua incidência da taxa normal em determinada situação e de suas repercussões na vida do país 232 Tratase pois sob o prisma eminentemente jurídico de um fruto civil correspondente à remuneração devida ao credor em virtude da utilização do seu capital Em linhas gerais os juros fixados legais determinados por lei ou convencionais fixados pelas próprias partes subdividemse em a compensatórios b moratórios Os primeiros objetivam remunerar o credor pelo simples fato de haver desfalcado o seu patrimônio concedendo o numerário solicitado pelo devedor Os segundos por sua vez traduzem uma indenização devida ao credor por força do retardamento culposo no cumprimento da obrigação Assim celebrado um contrato de empréstimo a juros mútuo feneratício o devedor pagará ao credor os juros compensatórios devidos pela utilização do capital ex se tomou 10 devolverá 12 O Código Civil brasileiro não estabelece para essa modalidade compensatória de juros qualquer limitação específica Seguindo tal diretriz o Superior Tribunal de Justiça STJ aprovou a Súmula 382 que define que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12 ao ano por si só não caracteriza abuso entendendose que é necessário analisar cada caso concreto 233 Se entretanto no dia do vencimento atrasar o cumprimento da prestação pagará os juros de mora que são contabilizados dia a dia sendo devidos independentemente da comprovação do prejuízo O citado Professor ARNOLDO WALD lembra ainda que os juros compensatórios são geralmente convencionais por dependerem de acordo prévio das partes sobre a operação econômica e as condições em que a mesma deveria ser realizada mas podem decorrer de lei ou de decisão jurisprudencial Súmula 164 enquanto que os juros moratórios podem ser legais ou convencionais conforme decorram da própria lei ou da convenção 234 Quanto aos juros moratórios o Código Civil de 1916 em seu art 1062 preceituava que não tendo sido convencionados a taxa seria de 6 ao ano O percentual aliás seria o mesmo se os referidos juros fossem devidos por força de lei ou se as partes os convencionassem sem taxa estipulada art 1063 O Decretolei n 22626 de 1933 Lei da Usura por sua vez em seu art 1º vedou que qualquer espécie de juros fosse estipulada com taxa superior ao dobro da taxa legal perfazendo assim um teto máximo de 12 ao ano Nessa linha a Constituição Federal de 1988 dispunha expressamente em seu art 192 3º que as taxas de juros reais nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito não poderão ser superiores a doze por cento ao ano a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura punido em todas as suas modalidades nos termos que a lei determinar sendo esta genericamente a previsão aplicável a todas as formas de obrigações Todavia com a aprovação da Emenda Constitucional n 40 de 2952003 todos os parágrafos foram revogados passando o caput a figurar com a seguinte redação Art 192 O sistema financeiro nacional estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade em todas as partes que o compõem abrangendo as cooperativas de crédito será regulado por leis complementares que disporão inclusive sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram Com essa dicção imprimiuse mais flexibilidade ao mercado financeiro e autonomia ao Banco Central Na prática as coisas pouco mudarão pois a atividade bancária continuará a ser regida por normas administrativas até que se cuide de implementar as referidas leis complementares e lamentavelmente a insegurança quanto à taxa de juros continuará a nos perseguir Quanto aos juros legais moratórios o Código Civil estabeleceu que Art 406 Quando os juros moratórios não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada ou quando provierem de determinação da lei serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional Tal dispositivo revela a opção do legislador civil por juros flutuantes uma vez que não estabelece o percentual máximo para a fixação de juros empregando como base a taxa que estiver em vigor para a mora dos impostos devidos à Fazenda Nacional o que importa reconhecer Essa confusa redação dá azo ao debate doutrinário e jurisprudencial sobre qual a taxa aplicável a saber a Taxa Selic utilizada pela Fazenda Pública para o cálculo de tributos federais ou a prevista no art 161 1º do Código Tributário Nacional Explicando tal dissenso doutrinam GUSTAVO TEPEDINO HELOISA HELENA BARBOZA e MARIA CELINA BODIN DE MORAES em lição que merece fiel transcrição Em estudo minucioso sobre o tema Leonardo Mattietto RTDC p 89 e ss explica que a taxa Selic Sistema Especial de Liquidação e Custódia surgida como índice de remuneração de títulos da dívida federal corresponde à média ajustada dos financiamentos diários com lastro em títulos federais fixada pelo Comitê de Política Monetária Copom do Banco Central do Brasil A sua adoção para o cálculo de juros moratórios devidos à Fazenda Nacional foi disposta pela Lei n 8981 de 20 de janeiro de 1995 art 84 complementada pela Lei n 9065 de 20 de junho de 1995 art 13 determinando serem os juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia Selic para títulos federais acumuladas mensalmente Em decorrência dessas leis calculamse os acréscimos devidos em razão da mora nos tributos devidos à Fazenda Nacional do seguinte modo somase a taxa Selic desde a do mês seguinte ao do vencimento do tributo até a do mês anterior ao do pagamento e acrescentase a esta soma 1 referente ao pagamento Destinado à utilização subsidiária somente se a lei não dispuser de modo diverso o art 161 1º do CTN deixaria de ser aplicável em razão do art 84 da Lei 898195 a despeito da controvérsia ainda não dissipada quanto à constitucionalidade da utilização da Selic Leonardo Mattietto aponta a divergência do STJ sendo a 1ª Turma favorável à aplicação dessa taxa enquanto a 2ª Turma mostrase contrária nos seguintes termos A Taxa Selic para fins tributários é a um tempo inconstitucional e ilegal Como não há pronunciamento de mérito da Corte Especial deste egrégio Tribunal que em decisão relativamente recente não conheceu da arguição de inconstitucionalidade correspectiva cf Incidente de Inconstitucionalidade no REsp 215881 permanecendo a mácula também na esfera infraconstitucional nada está a empecer seja essa indigitada Taxa proscrita do sistema e substituída pelos juros previstos no Código Tributário art 161 1º do CTN A utilização da Taxa Selic como remuneração de títulos é perfeitamente legal pois toca ao Bacen e ao Tesouro Nacional ditar as regras sobre os títulos públicos e sua remuneração Nesse ponto nada há de ilegal ou inconstitucional A balda exsurgiu quando se transplantou a Taxa Selic sem lei para o terreno tributário A Taxa Selic ora tem a conotação de juros moratórios ora de remuneratórios a par de neutralizar os efeitos da inflação constituindose em correção monetária por vias oblíquas Tanto a correção monetária como os juros em matéria tributária devem ser estipulados em lei sem olvidar que os juros remuneratórios visam a remunerar o próprio capital ou o valor principal A Taxa Selic cria a anômala figura de tributo rentável Os títulos podem gerar renda os tributos per se não STJ REsp 291257 2ª T Rel Min Eliana Calmon Rel para o acórdão Min Franciulli Netto j 2342002 DJ 1762002 235 Assim sendo temos que tal taxa não se confunde com os juros por ter ela natureza jurídica completamente diversa levandose em conta que compreende a um só tempo juros moratórios que são os unicamente tratados no art 406 do CC2002 juros compensatórios ou remuneratórios e indisfarçável conotação de correção monetária além das denunciadas constitucionalidade e legalidade duvidosas Nessa seara consideramos que atenta contra a concepção de segurança jurídica a realização de um negócio jurídico em que o devedor não fica sabendo na data da avença quanto vai pagar a título de juros pelo menos no que diz respeito a um percentual máximo pois não terá o dom da profecia para saber o que ocorrerá no mercado de capitais em períodos subsequentes ao da realização do negócio Por isso a comissão de juristas que se reuniram no STJ para firmar enunciados sobre o Código Civil de 2002 manifestouse contrariamente à utilização da Taxa Selic como a taxa aplicável à regra do art 406 do CC2002 aduzindo dentre outros argumentos que essa taxa não permite o seu prévio conhecimento sendo portanto insegura 236 Em conclusão na ausência de pactuação de juros moratórios em relações civis há de se continuar aplicando o percentual de 1 a teor do art 161 1º do Código Tributário Nacional Lei n 5172 de 25101966 isto é 1 ao mês ou 12 ao ano 237 Registrese todavia que como medida de equidade abstraída a discussão da constitucionalidade e legalidade da Taxa Selic discussão essa que extrapola os limites da proposta desta obra se os débitos dos contribuintes com a Fazenda devem ser corrigidos pela Taxa Selic o mesmo deve ocorrer para a Fazenda ou seja a correção pela taxa também se aplicaria às devoluções efetuadas pelo Fisco aos contribuintes Vale destacar como outrora já afirmado que na forma do art 405 do CC2002 os juros de mora devem em regra ser contados desde a citação inicial 238 No caso de mora caracterizada antes da vigência do Código Civil de 2002 incidem as regras anteriores desde a citação até o término da sua vacatio legis e a partir daí o limite do art 406 239 33 Inadimplemento relativo a mora Consoante vimos no tópico anterior o inadimplemento é considerado absoluto quando impossibilita total ou parcialmente o credor de receber a prestação devida quer decorra de culpa do devedor inadimplemento culposo quer derive de evento não imputável à sua vontade inadimplemento fortuito O inadimplemento relativo por sua vez ocorre quando a prestação ainda passível de ser realizada não foi cumprida no tempo lugar e forma convencionados remanescendo o interesse do credor de que seja adimplida sem prejuízo de exigir uma compensação pelo atraso causado Esse retardamento culposo no cumprimento de uma obrigação ainda realizável caracteriza a mora que tanto poderá ser do credor mora accipiendi ou credendi como também com mais frequência do devedor mora solvendi ou debendi A difundida ideia de associar a mora ao descumprimento tempestivo da prestação pactuada não significa que a sua configuração só se dê quando o devedor retarda a solução do débito Conforme vimos se o credor obsta injustificadamente o pagamento e lembrese de que pagar também é um direito do devedor recusandose a receber a coisa ou a quantia devida no lugar e forma convencionados também aí haverá a mora Tendo em vista essas noções o Código Civil de 2002 dispõe Art 394 Considerase em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebêlo no tempo lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer Observese que tanto a lei como a convenção categoria abrangente do contrato podem estabelecer os critérios ou requisitos para que o devedor pague validamente não podendo o credor afastarse deles sob pena de incorrer em mora CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA identificando no comportamento moroso um ato humano observa que não é também toda a retardação no solver ou no receber que induz mora Algo mais é exigido na sua caracterização Na mora solvendi como na accipiendi há de estar presente um fato humano intencional ou não intencional gerador da demora na execução Isto exclui do conceito de mora o fato inimputável o fato das coisas o acontecimento atuante no sentido de obstar a prestação o fortuito e a força maior impedientes do cumprimento 240 Nesse sentido dispõe o art 396 do CC2002 que não havendo fato ou omissão imputável ao devedor não incorre este em mora Assim se a equipe contratada para animar uma festinha de aniversário de criança convencionou chegar às 18 horas mas em razão de um congestionamento imprevisto somente compareceu às 19h30 sem que se possa acusála de negligência ou imprudência por esse atraso e sendo a prestação ainda de interesse do credor este não poderá pretender uma compensação pelo atraso considerandose que o retardamento se deu por evento fortuito não imputável ao devedor Entretanto se a equipe somente compareceu às 3 horas da manhã já não havendo nenhum convidado e sendo a prestação inútil considerarseá a obrigação extinta se de fato restar comprovado que os contratados não concorreram culposamente para o evento 331 Mora do devedor Sem dúvida esta é a mais frequente espécie de mora Ocorre quando o devedor retarda culposamente o cumprimento da obrigação Na hipótese mais comum o sujeito se obriga a pagar a quantia de R 100000 no dia 15 e chegado o vencimento simplesmente não paga Interessante notar que se a obrigação for negativa não fazer e o indivíduo realizar a prestação que se comprometeu a não efetivar não se poderá dizer ter havido mora mas sim inadimplemento absoluto Por isso consoante já anotamos fez bem o legislador de 2002 ao deslocar a regra do art 390 do CC2002 241 para o capítulo dedicado às disposições gerais do Título IV Do Inadimplemento das Obrigações retirandoa do capítulo específico sobre a mora como fazia a legislação revogada É o caso do sujeito que obrigandose a não levantar o muro realiza a construção incorrendo em inadimplência absoluta e não simplesmente em mora a partir da data em que realizou a obra Posto isso com base no ensinamento de CLÓVIS BEVILÁQUA 242 podemos apontar os seguintes requisitos da mora do devedor a A existência de dívida líquida e certa somente as obrigações certas quanto ao seu conteúdo e individualizadas quanto ao seu objeto podem viabilizar a ocorrência da mora Ninguém retarda culposamente o cumprimento de uma prestação incerta ilíquida ou indeterminada Se sou devedor de R 100000 ou de determinado serviço de carpintaria incorro em mora ao não realizar qualquer das prestações especificadas b O vencimento exigibilidade da dívida se a obrigação venceu tornouse exigível e por conseguinte o retardamento culposo no seu cumprimento poderá caracterizar a mora Lembrese de que o não cumprimento das obrigações com termo de vencimento certo dia 23 de junho por exemplo constitui de pleno direito em mora o devedor Tratase da chamada mora ex re Aplicase aqui a regra dies interpellat pro homine Não havendo termo definido 243 o credor deverá interpelar o devedor judicial ou extrajudicialmente para constituílo em mora Cuidase nesse caso da mora ex persona 244 Finalmente cumprenos anotar seguindo a trilha de pensamento do brilhante ARRUDA ALVIM ainda na vigência do CPC1973 que a citação inicial válida produz os seguintes efeitos a completa a formação do processo agora em relação ao réu pois o mesmo já existia entre o autor e o juiz como relação bilateral art 263 CPC primeira frase ou então triangulariza a relação processual b e especificamente produz os efeitos discriminados no art 219 do CPC quais sejam previne a competência induz litispendência faz litigiosa a coisa constitui o devedor em mora e interrompe a prescrição 245 Assim não tendo a obrigação vencimento certo e mesmo sem prévia interpelação judicial ou extrajudicial a citação do devedor em uma ação condenatória que tenha por objeto o cumprimento da prestação constitui de pleno direito o devedor em mora Nesta última hipótese se houver autorização legal ou contratual e não se tendo operado o inadimplemento absoluto o devedor poderá purgar a mora no prazo fixado pela lei pelo contrato ou pelo próprio juiz da causa Nos contratos de alienação fiduciária em garantia deixando de pagar as prestações pactuadas o credor agente fiduciário intentará contra o devedor fiduciante ação de busca e apreensão para obter a rescisão do contrato e a consolidação da propriedade do bem que lhe fora alienado ressalvada a hipótese de purgação da mora por parte do devedor art 3º 1º e 2º do Declei n 91169 246 Na mesma linha nos contratos de locação poderá o locatário desde que não tenha usado dessa faculdade nos vinte e quatro meses imediatamente anteriores à propositura da ação de despejo requerer a purgação ou emenda da mora que será efetuada por meio de depósito no prazo de 10 dez dias contado da intimação que poderá ser dirigida ao locatário ou diretamente ao patrono deste por carta ou publicação no órgão oficial a requerimento do locador art 62 III e parágrafo único da Lei n 8245 de 18101991 247 c A culpa do devedor já vimos linhas acima não haver mora sem a concorrência da atuação culposa do devedor Veremos que este raciocínio não se aplica bem à hipótese de mora do credor Mesmo se afirmando que o retardamento já firma uma presunção juris tantum de culpa o fato é que sem esta o credor não poderá pretender responsabilizar o devedor art 396 do CC2002 Complementando esse rol concordamos com ORLANDO GOMES 248 no sentido de que a mora somente se caracterizará se houver viabilidade do cumprimento tardio da obrigação Vale dizer se a prestação em atraso não interessar mais ao credor este poderá considerar resolvida a obrigação hipótese em que restará caracterizado o seu inadimplemento absoluto 249 É por isso que o parágrafo único do art 395 do CC2002 prevê que se a prestação devido à mora se tornar inútil ao credor este poderá enjeitála e exigir a satisfação das perdas e danos Tratase repita se de inadimplemento absoluto em virtude do qual o credor deverá ser cabalmente indenizado fazendo jus a receber o que efetivamente perdeu dano emergente e o que razoavelmente deixou de lucrar lucros cessantes Ressaltese que nas obrigações provenientes de ato ilícito considerase o devedor em mora desde que o praticou na forma do art 398 do CC2002 Feitas tais considerações devemos nesse ponto analisar quais são os efeitos jurídicos decorrentes da mora do devedor O primeiro deles é a sua responsabilidade civil pelo prejuízo causado ao credor em decorrência do descumprimento culposo da obrigação Essa compensação se não for apurada em procedimento autônomo poderá vir expressa previamente no próprio título da obrigação por meio de uma cláusula penal moratória tema que será tratado adiante Nesse sentido o art 395 caput do CC2002 é claro ao dispor que responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa mais juros atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advogado Os juros moratórios aqui referidos não devem ser confundidos com os compensatórios Estes remuneram o credor pela disponibilização do capital ao devedor ao passo que aqueles traduzem a compensação devida por força do atraso no cumprimento da obrigação e são contados desde a citação art 405 do CC2002 O segundo efeito digno de nota diz respeito à responsabilidade pelo risco de destruição da coisa devida durante o período em que há a mora do devedor Tratase da chamada perpetuatio obligationis situação jurídica peculiar referida no art 399 do CC2002 Art 399 O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior se estes ocorrerem durante o atraso salvo se provar isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada A regra nos indica que em caráter excepcional o devedor poderá ser responsabilizado pela impossibilidade da prestação ainda que decorrente de caso fortuito ou de força maior Imagine o comodatário que recebeu um purosangue a título de empréstimo gratuito por quinze dias e findo o prazo atrasa a devolução do animal Perecendo o cavalo em decorrência de uma enchente evento fortuito que inundou completamente o pasto onde estava o devedor poderá ser responsabilizado com fundamento na referida norma legal Entretanto se provar isenção de culpa não na ocorrência do evento obviamente que poderá ser fortuito mas no retardamento da prestação imagine que o credor não pôde receber o animal no dia convencionado sem que o devedor houvesse concorrido para isso 250 ou se provar que o dano sobreviria mesmo que a prestação fosse oportunamente desempenhada como na hipótese de a enchente também haver invadido os pastos do credor de maneira que afogaria o animal ainda que já estivesse sob a guarda do seu proprietário cessará nesses dois casos a obrigação de indenizar 332 Mora do credor Embora menos comum do que a mora do devedor nada impede que o próprio sujeito ativo da relação obrigacional recusandose a receber a prestação no tempo lugar e forma convencionados incorra em mora Tratase da mora do credor Muito se discutiu a respeito de sua natureza e características tendo surgido respeitáveis vozes que afirmaram tratarse de mora objetiva ou seja independente da atuação culposa do sujeito da relação obrigacional SILVIO RODRIGUES por exemplo afirma que a mora do credor não requer o aditamento da noção de culpa para se caracterizar 251 CROME citado por RUGGIERO adotando posição mais radical combatia o entendimento tradicional argumentando que como o credor não era obrigado a nada e não existia um direito do devedor a se eximir da obrigação não se poderia conceber uma demora imputável a quem só tem direito a receber 252 Salientando a falta de uniformidade da doutrina a respeito do tema CAIO MÁRIO observa Um ponto existe que é o centro de competição dos juristas Enquanto uns mantêm posição extremada entendendo que não há mora accipiendi na falta de culpa do credor outros vão ao campo oposto e sustentam que ela se caracteriza ainda quando o retardo ocorra por motivo de força maior 253 Em nosso entendimento a mora do credor prescinde de fato da aferição de culpa Desde que não queira receber a coisa injustificadamente isto é no tempo lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer sem razão plausível o credor estará em mora não sendo necessário que o devedor demonstre a sua atuação dolosa ou culposa Pode ocorrer entretanto que o credor esteja transitoriamente impedido de receber por fato plenamente justificável situação esta que obviamente não caracterizaria a sua mora Esta somente se configura quando o devedor faz uma oferta real e não simplesmente uma promessa nos estritos termos da obrigação pactuada e o credor sem motivo justo ou aparente recusase a receber Aí não importa se atuou com dolo ou culpa recusandose está em mora Frequentemente diante da recusa do credor o devedor pretendendo exonerarse da obrigação utiliza se da consignação em pagamento cujo procedimento vem regulado pelos arts 539 a 549 do CPC2015 que é uma forma especial de extinção de obrigações Não se deve confundir outrossim a mora accipiendi com situações em que a ausência da colaboração necessária do credor produz a desoneração definitiva do devedor porque este se obrigou por exemplo a oferecer a prestação em determinado momento prazo fixo sendo o próprio credor por fato a ele imputável que não a recebeu A prestação não é em si mesma impossível mas não poderá mais beneficiar aquele credor É o caso do sujeito que se inscreve num cruzeiro paga a inscrição mas falta à partida do barco porque resolveu não ir ou por qualquer outra razão 254 Nesse caso tendo pago a inscrição era o sujeito credor da prestação mas por ato unicamente imputável a si não permitiu a realização do objeto da obrigação o que desonera definitivamente o devedor sem o obrigar às perdas e danos Quanto aos efeitos da mora do credor o art 400 do CC2002 dispõe o seguinte Art 400 A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservála e sujeitao a recebêla pela estimação mais favorável ao devedor se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação Nos termos deste dispositivo legal a mora accipiendi produz os seguintes efeitos jurídicos a subtrai do devedor o ônus pela guarda da coisa ressalvada a hipótese de ter agido com dolo neste caso se o devedor por exemplo apresentouse para devolver o touro reprodutor de propriedade do credor e estando este em mora de receber poderá providenciar o seu depósito judicial à custa do credor moroso Caso permaneça com o animal e realize despesas poderá cobrálas posteriormente O que a lei proíbe à luz do superior princípio ético da boafé é que o devedor atue dolosamente abandonando o animal na estrada ou deixando de alimentálo Em tais casos a sua responsabilidade persiste b obriga o credor a ressarcir o devedor pelas despesas de conservação da coisa conforme vimos acima estando o credor em mora correm por sua conta as despesas ordinárias e extraordinárias de natureza necessária empreendidas pelo devedor que fará jus ao devido ressarcimento monetariamente corrigido c sujeita o credor a receber a coisa pela estimação mais favorável ao devedor se houver oscilação entre o dia estabelecido para o pagamento vencimento e o dia de sua efetivação assim se o devedor se obrigou a transferir em virtude de uma compra e venda no dia 15 um touro reprodutor pelo preço de R 1000000 e o credor retardou injustificadamente o recebimento da coisa somente efetivado no dia 25 quando a cotação do animal atingiu o preço de R 1200000 deverá o referido credor moroso arcar com a diferença pagando o valor maior Se a oscilação for para menor todavia deverá pagar o preço convencionado 333 Purgação e cessação da mora A purgação ou emenda da mora consiste no ato jurídico por meio do qual a parte neutraliza os efeitos do seu retardamento ofertando a prestação devida mora solvendi ou aceitandoa no tempo lugar e forma estabelecidos pela lei ou pelo título da obrigação mora accipiendi Por parte do devedor a purgação da mora efetivase com a sua oferta real devendo abranger a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do atraso juros de mora cláusula penal despesas realizadas para a cobrança da dívida etc Tratandose de prestação pecuniária deverá ser corrigida monetariamente caso seja necessário art 401 I do CC2002 Por parte do credor a emenda se dá oferecendose este a receber o pagamento e sujeitandose aos efeitos da mora até a mesma data Esses efeitos foram vistos acima ao analisarmos o art 400 do CC2002 Não esqueça que o credor deverá indenizar o devedor por todos os prejuízos que este experimentou por força de seu atraso art 401 II do CC2002 Vale mencionar também que a eficácia da purgação da mora é para o futuro ex nunc de forma que os efeitos jurídicos até então produzidos deverão ser observados os juros devidos pelo atraso até o dia da emenda por exemplo Importa ainda diferenciarmos a purgação da cessação da mora A primeira como visto traduz uma atuação reparadora do sujeito moroso neutralizando os efeitos de seu retardamento A segunda por sua vez é mais abrangente e decorre da própria extinção da obrigação É o que se dá por exemplo quando se opera a novação ou a remissão de dívida A sua eficácia é retroativa ex tunc Em nosso entendimento a purgação da mora deverá vir prevista em lei 255 ou no contrato uma vez que implica restrição à liberdade negocial e ao direito do credor devendo ocorrer até o momento da contestação da lide na falta de dispositivo legal expresso em contrário Vale registrar porém o entendimento da Súmula 173 do STF na parte de purgação explicitando a possibilidade de purgar a mora sem extinguir obrigação principal ao afirmar que em caso de obstáculo judicial admitese a purga da mora pelo locatário além do prazo legal 256 Finalmente é bom que se diga que o Código Civil de 2002 contornando uma impropriedade do Código anterior suprimiu o inciso III do revogado art 959 da lei anterior o qual fazia referência à purgação da mora de ambos os contraentes quando houvesse renúncia recíproca por parte dos sujeitos da relação jurídica obrigacional Certa a conclusão de SÍLVIO VENOSA no sentido de que nesse caso estando ambos em mora elas se anulam já que as partes colocamse em estado idêntico e uma nada pode imputar à outra É como se os efeitos da mora simultânea de uma parte e de outra se eliminassem reciprocamente não havendo que se cogitar de renúncia 257 4 CLÁUSULA PENAL A cláusula penal é um pacto acessório pelo qual as partes de determinado negócio jurídico fixam previamente a indenização devida em caso de descumprimento culposo da obrigação principal de alguma cláusula do contrato ou em caso de mora Em outras palavras a cláusula penal também denominada pena convencional tem a precípua função de préliquidar danos em caráter antecipado para o caso de inadimplemento culposo absoluto ou relativo da obrigação Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA não se confunde esta pena convencional com as repressões impostas pelo direito criminal as quais cabe somente ao poder público aplicar em nossos dias A pena convencional é puramente econômica devendo consistir no pagamento de uma soma ou execução de outra prestação que pode ser objeto de obrigações 258 Basicamente podemos atribuir duas finalidades essenciais à cláusula penal a função de pré liquidação de danos e a função intimidatória A primeira decorre de sua própria estipulação a pena convencional pretende indenizar previamente a parte prejudicada pelo inadimplemento obrigacional A segunda função não menos importante atua muito mais no âmbito psicológico do devedor influindo para que ele não deixe de solver o débito no tempo e na forma estipulados Exemplo muito comum de aplicação do instituto extraímos dos contratos de locação Atrasando o pagamento o locatário estará adstrito ao pagamento da pena convencional Frequentemente os formandos em Direito na iminência da inesquecível solenidade de colação de grau alugam a beca para o evento no contrato de locação é muito usual a estipulação da cláusula penal para o caso de não devolverem a roupa em perfeito estado de conservação A despeito de não conceituar a cláusula penal o Código Civil de 2002 dispõe em seu art 408 que incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal desde que culposamente deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora O art 409 por sua vez complementa a regra anterior estabelecendo que a cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação ou em ato posterior pode referirse à inexecução completa da obrigação à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora grifos nossos Da análise dessas normas podemos identificar as seguintes espécies de cláusula penal a cláusula penal compensatória estipulada para o caso de descumprimento da obrigação principal b cláusula penal moratória estipulada para o caso de haver infringência de qualquer das cláusulas do contrato ou inadimplemento relativo mora Analisemos a seguir essas duas espécies A cláusula penal compensatória como vimos é estipulada para o caso de haver descumprimento culposo da própria obrigação Quando se estipular a cláusula penal para o caso de descumprimento da obrigação o credor poderá a seu critério nos termos do art 410 do CC2002 exigila a título das perdas e danos sofridos no valor pactuado ou se for possível faticamente e do seu interesse executar o contrato forçando o cumprimento da obrigação principal por meio da imposição de multa cominatória se a natureza da prestação pactuada o permitir Notese que é uma situação distinta da obrigação facultativa também denominada obrigação com faculdade alternativa ou obrigação com faculdade de substituição pois nesta última a faculdade de escolha é do devedor enquanto na cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação a faculdade de escolha é do credor O que não pode é cumulativamente exigir a cláusula e pleitear indenização Revendo inclusive ponto já defendido em sala de aula acreditamos que o credor também não tem a opção de ajuizamento de ação autônoma de cunho indenizatório para apuração do dano e fixação do seu correspondente valor uma vez que isso seria incompatível com a própria natureza da estipulação de uma cláusula penal que é a prétarifação das perdas e danos não havendo além disso interesse de agir na propositura dessa ação Nesse sentido é o posicionamento de CLÓVIS BEVILÁQUA para quem escolhida a pena desaparece a obrigação originária e com ela o direito de pedir perdas e danos já que se acham prefixados na pena Se o credor escolher o cumprimento da obrigação e não puder obtêla a pena funcionará como compensatória das perdas e danos 259 Atentese portanto para o fato de que se o prejuízo do credor exceder ao previsto na cláusula penal não poderá ele exigir outra indenização em regra Uma das novidades entretanto do Código Civil brasileiro de 2002 é a admissão da possibilidade de exigência de indenização suplementar se isso houver sido convencionado Neste caso a pena prevista valerá como mínimo da indenização cabendo ao credor demonstrar o prejuízo excedente art 416 parágrafo único do CC2002 Assim se a pena convencional é de R 100000 mas o meu prejuízo foi de R 150000 só poderei exigir maior valor se houver previsão contratual nesse sentido A norma legal pretendeu em tal hipótese imprimir maior seriedade e segurança à estipulação da pena convencional Essa estipulação da possibilidade de indenização suplementar embora não prevista no Código Civil de 1916 já ocorria em nosso sistema notadamente nos contratos de grandes corporações que por tratarem de quantias vultosas muitas vezes em diferentes parâmetros monetários pactuavam a título de pena convencional apenas o quantum minimum da indenização para eventual discussão judicial ou por arbitragem Vale lembrar ainda que a pena convencional prevista no contrato não poderá por expressa disposição legal art 412 do CC2002 exceder o valor da obrigação principal sob pena de invalidade Se determinado contrato tem o valor de R 1000000 correspondente à expressão pecuniária da prestação principal não se poderá obviamente sob pena de violação ao princípio que veda o enriquecimento sem causa estipular cláusula penal compensatória no valor de R 1200000 Como vimos se o credor diante do inadimplemento absoluto do devedor entender que o seu prejuízo ultrapassa a expectativa anteriormente pactuada R 1000000 só poderá exigir o restante R 200000 se houver expressa disposição convencional nesse sentido valendo a pena como mínimo da indenização Ressaltese que sem tal previsão autorizativa sofrerá o credor o prejuízo pelo excedente O que não se admite pois é que em determinado contrato se estabeleça previamente cláusula penal cujo valor exceda a expressão econômica da prestação principal Caso isso ocorra poderá o juiz reduzir equitativamente a pena convencional ex vi do disposto no art 413 do CC2002 Art 413 A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo tendose em vista a natureza e a finalidade do negócio Tendo em vista esse permissivo legal concluímos que a redução do valor da pena convencional poderá se dar em duas hipóteses a se a obrigação já houver sido cumprida em parte pelo devedor que nesse caso teria direito ao abatimento proporcional à parcela da prestação já adimplida b se houver manifesto excesso da penalidade tendose em vista a natureza e finalidade do negócio Quanto a essas hipóteses de redução judicial concordamos com respeitável parcela da doutrina no sentido de que a utilização do verbo dever impõe ao juiz a redução da pena convencional sob pena de uma das partes restar excessivamente onerada Até porque não haveria sentido a cobrança de uma cláusula penal que extrapolasse o valor máximo do contrato Se a cláusula penal for instituída para o caso de inadimplemento relativo da obrigação mora ou infringência de determinada cláusula contratual objetivouse com isso apenas a préliquidação de danos decorrentes do atraso culposo no cumprimento da obrigação ou do descumprimento de determinada cláusula estipulada de forma que por óbvio seu valor pecuniário deverá ser menor do que aquele que seria devido se se tratasse de cláusula compensatória por inexecução total da obrigação Nesses casos tratandose de cláusula penal moratória o Código Civil admite que o credor cumulativamente exija a satisfação da pena cominada juntamente com o cumprimento da obrigação principal art 411 do CC2002 Art 411 Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora ou em segurança especial de outra cláusula determinada terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada juntamente com o desempenho da obrigação principal Manifestandose a respeito o sábio SILVIO RODRIGUES pontifica que se a disposição contratual tiver o propósito de desencorajar a mora ou de assegurar o cumprimento de uma cláusula da avença portanto cláusula moratória permite a lei que se ajunte o pedido de multa ao da prestação principal 260 Lembrese nesse ponto que o Código de Defesa do Consumidor limita a 2 a pena convencional dos contratos de consumo no Brasil art 52 1º do CDC No processo do trabalho em que a busca por soluções autocompositivas é erigida a princípio devendo o magistrado propugnar pela conciliação das partes a cláusula penal moratória é amplamente utilizada com menção expressa na Consolidação das Leis do Trabalho da possibilidade de cumulação com a obrigação principal estabelecida 261 Por fim cumprenos mencionar que levandose em conta que a cláusula penal traduz a liquidação antecipada de danos realizada pelas próprias partes contratantes uma vez ocorrido o descumprimento obrigacional não precisará o credor provar o prejuízo uma vez que este será presumido art 416 do CC2002 Ressalvamos apenas a hipótese de o próprio contrato haver admitido a indenização suplementar art 416 parágrafo único consoante vimos anteriormente caso em que o credor deverá provar o prejuízo que excedeu o valor da pena convencional Caso a obrigação seja indivisível a exemplo daquela que tem por objeto a entrega de um animal descumprindo a avença qualquer dos coobrigados todos incorrerão na pena convencional embora somente o culpado esteja obrigado a pagála integralmente Isso quer dizer que os outros devedores que não hajam atuado com culpa responderão na respectiva proporção de suas quotas assistindolhes direito de regresso contra aquele que deu causa à aplicação da pena art 414 do CC2002 Por outro lado sendo divisível a obrigação como ocorre frequentemente nas de natureza pecuniária só incorrerá na pena o devedor ou o herdeiro do devedor se a obrigação foi transmitida mortis causa que a infringir e proporcionalmente à sua parte na obrigação art 415 do CC2002 Lembrese ainda de que se a obrigação for solidária pelas perdas e danos só responderá o culpado nos termos do art 279 do CC2002 O Código Civil de 1916 continha dispositivo no sentido de que a nulidade da obrigação principal importaria na da cláusula penal correspondente 262 A nova e vigente Lei Codificada por sua vez suprimiu a referência a essa regra legal talvez por considerála desnecessária Ora se a obrigação principal por qualquer motivo é declarada nula ou simplesmente anulada obviamente que a pena convencional pacto acessório que é restará prejudicada até mesmo por aplicação da regra da parte geral concebida para os bens mas aplicáveis às obrigações de que acessório é aquele cuja existência supõe a do principal 263 Por isso a despeito da omissão legal entendemos por princípio subsistir a regra que fora defendida por CLÓVIS BEVILÁQUA nos seguintes termos Se a obrigação principal for ilícita contrária aos bons costumes ou se tornar impossível por fato do credor não subsistirá e com ela desaparecerá a pena envolvida na mesma nulidade Nem é justificável o Código Civil argentino quando considera eficaz a pena convencional assecuratória de obrigações inexigíveis juridicamente sempre que não sejam propriamente reprovadas por lei art 666 porque a natureza da prestação acessória se deve ressentir da ineficácia e da inconsistência daquela de que depende a sua existência Se a obrigação principal é insubsistente pelas razões indicadas insubsistente deve ser a cláusula penal acessória Cód Civil art 922 264 Costuma a doutrina diferenciar a cláusula penal de institutos jurídicos análogos Cuidaremos das distinções que reputamos mais importantes Não se confunde por exemplo com as arras penitenciais tema adiante desenvolvido uma vez que estas além de serem pagas antecipadamente garantem ao contraente o direito de se arrepender desfazendo portanto o negócio não obstante as arras dadas Diferentemente a cláusula penal além de não ser paga antecipadamente somente será devida em caso de inadimplemento culposo da obrigação tendo nítido caráter indenizatório Ademais a pena convencional não garante direito de arrependimento algum Na mesma linha não se há que identificar o instituto sob análise com as obrigações alternativas Nessas como já vimos existe um vínculo obrigacional com objeto múltiplo cabendo a escolha ao credor ou ao devedor A cláusula penal por sua vez além de não ser necessariamente alternativa à prestação principal somente será devida quando esta for descumprida a título indenizatório 265 Difere também da chamada astreinte multa diária para compelir o cumprimento de uma obrigação de fazer por se tratar esta última de cominação não decorrente da manifestação da vontade das partes mas sim da atuação do EstadoJuiz para efetiva tutela da obrigação pactuada 5 ARRAS Para que não pairem dúvidas quanto à exata compreensão da matéria é bom que se diga que o Código Civil de 1916 tratou das arras no Capítulo 3 Título IV do Livro III ao disciplinar as disposições gerais dos contratos arts 1094 a 1097 Diferentemente o Código Civil de 2002 optou por antecipar o tratamento do tema regulando as arras ao final do seu Título III antes de iniciar as disposições gerais sobre os contratos arts 417 a 420 De fato conforme veremos abaixo tratase de matéria diretamente ligada à teoria geral das obrigações e dos contratos sendo conveniente em respeito inclusive à ordem do atual Código analisála neste momento Traçando a evolução histórica e a variação etimológica do assunto CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA nos lembra que a palavra arra que nos veio diretamente do latim arrha pode ser pesquisada retrospectivamente no grego arrâbon no hebraico arravon no persa rabab no egípcio aerb com sentido de penhor garantia É a mesma ideia que subsistiu através dos tempos Sua riqueza de acepções demonstra bem como a utilização do conceito em vários setores técnicos e profanos evidencia a sua utilização frequente Em vernáculo mesmo significou de um lado o penhor a quantia dada em garantia de um ajuste como também a quantia ou os bens prometidos pelo noivo para sustento da esposa se ela lhe sobrevivesse sentido em que a emprega Alexandre Herculano num evidente paralelismo com o dote 266 Em tradicional e respeitável definição CLÓVIS BEVILÁQUA conceitua as arras ou sinal como tudo quanto uma das partes contratantes entrega à outra como penhor da firmeza da obrigação contraída 267 Claro está que a palavra penhor empregada nesta definição não traduz o direito real de garantia mas nos transmite uma ideia genérica de garantia de segurança Tratase portanto de uma disposição convencional pela qual uma das partes entrega determinado bem à outra em geral dinheiro em garantia da obrigação pactuada Poderá ou não a depender da espécie das arras dadas conferir às partes o direito de arrependimento conforme veremos abaixo As arras ou sinal podem apresentarse em duas modalidades distintas com diversas finalidades a saber as arras confirmatórias e as arras penitenciais Em uma primeira modalidade as arras significam princípio de pagamento é o sinal dado por uma das partes à outra marcando o início da execução do negócio Tratase das arras confirmatórias que vinham expressamente referidas no art 1094 do Código Civil de 1916 O sinal ou arras dado por um dos contraentes firma presunção de acordo final e torna obrigatório o contrato Nesse caso as arras simplesmente confirmam a avença não assistindo às partes direito de arrependimento algum Caso deixem de cumprir a sua obrigação serão consideradas inadimplentes sujeitandose ao pagamento das perdas e danos Assim nas vendas a prazo é muito comum que o vendedor exija o pagamento de um sinal cuja natureza é indiscutivelmente de arras confirmatórias significando princípio de pagamento Prestadas as arras as partes não poderão voltar atrás O Código Civil de 2002 aprimorando o tratamento da matéria cuida de disciplinar o destino das arras confirmatórias após a conclusão do negócio nos termos do seu art 417 Art 417 Se por ocasião da conclusão do contrato uma parte der à outra a título de arras dinheiro ou outro bem móvel deverão as arras em caso de execução ser restituídas ou computadas na prestação devida se do mesmo gênero da principal Da leitura da norma concluise facilmente que as arras confirmatórias não admitem direito de arrependimento Pelo contrário como no sistema anterior firmam princípio de pagamento Se entretanto for da mesma natureza da prestação principal o que ocorre comumente quando as arras consistem em dinheiro serão computadas no valor devido para efeito de amortizar a dívida Por outro lado tendo natureza diversa joias por exemplo deverão ser restituídas ao final da execução do negócio E o que aconteceria se não obstante as arras dadas o contrato não fosse cumprido Nesse caso respondenos o art 418 do CC2002 se a parte que deu as arras não executar o contrato poderá a outra têlo por desfeito retendo as arras dadas se entretanto a inexecução obrigacional for de quem recebeu as arras poderá quem as deu haver o contrato por desfeito e exigir a sua devolução mais o equivalente com atualização monetária segundo os índices oficiais juros e honorários de advogado O vigente dispositivo legal é mais bem redigido que o anterior uma vez que supera o inconveniente técnico do Código revogado de somente se referir à parte que deu as arras nos termos do seu art 1097 268 Além de só trazer previsão sobre quem deu as arras e não quem as recebeu a lei anterior não admitia expressamente que a parte inocente pudesse reclamar perdas e danos se o seu prejuízo fosse maior do que o valor das arras dadas Criticando esse dispositivo SILVIO RODRIGUES demonstra a única forma razoável de se interpretar o referido artigo de lei a se o contratante inadimplente deu arras pode a outra parte guardálas a título de indenização ou pleitear a reparação integral do prejuízo Neste último caso as arras devem ser imputadas na indenização b se inadimplente for o contratante que recebeu o sinal pode o outro ou reclamar indenização pelo prejuízo que provar ter sofrido ou pleitear apenas a devolução em dobro das arras 269 O Código Civil de 2002 como visto superou a impropriedade técnica da regra anterior ao reconhecer em seu art 418 o direito de ambos os contraentes à retenção das arras sem prejuízo de indenização suplementar se o montante do prejuízo superar o valor econômico das referidas arras Nesse sentido o art 419 do CC2002 sem correspondente na lei revogada Art 419 A parte inocente pode pedir indenização suplementar se provar maior prejuízo valendo as arras como taxa mínima Pode também a parte inocente exigir a execução do contrato com as perdas e danos valendo as arras como o mínimo da indenização Exemplificando a hipótese normativa podemos citar o contrato celebrado entre uma sociedade empresária e uma importadora para a aquisição de um maquinário fabricado no exterior A sociedade efetiva o negócio pagando o sinal arras confirmatórias Posteriormente sem justificativa plausível deixa de solver o restante do débito desistindo de adquirir o bem Nesse caso não lhe assistindo direito de arrependimento e em face do prejuízo causado ao outro contratante perderá as arras dadas que valerão como taxa mínima se houver prova de prejuízo maior Tudo que até aqui falamos diz respeito às arras confirmatórias E o que seriam as arras penitenciais Um contrato civil quando celebrado é feito para ser cumprido não havendo espaço ordinariamente para alegações de arrependimento Entretanto como situação excepcional poderão as partes pactuar o direito de arrependimento caso em que estaremos diante das denominadas arras penitenciais O Código Civil vigente melhorando consideravelmente o tratamento legal da matéria dispõe em seu art 420 que Art 420 Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória Neste caso quem as deu perdêlasá em benefício da outra parte e quem as recebeu devolvêlasá mais o equivalente Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar grifos nossos Dessa forma se for exercido o direito de arrependimento ou seja o direito de desistir do negócio jurídico firmado a quantia ou valor entregue a título de arras será perdido ou restituído em dobro por quem as deu ou as recebeu respectivamente a título indenizatório Exemplificando em determinado negócio jurídico a parte compradora presta arras penitenciais R 100000 Posteriormente respeitado o prazo previsto no contrato arrependese perdendo em proveito da outra parte as arras dadas Se no entanto foi o vendedor quem se arrependeu deverá restituílas em dobro ou seja devolver o valor recebido R 100000 acrescido de mais R 100000 a título de ressarcimento devido à parte que não desfez o negócio Vale destacar o fato de o legislador ter utilizado a palavra equivalente nos artigos referentes às arras Isso tem importância justamente pelo fato de que as arras não precisam necessariamente ser prestadas em dinheiro Assim se o arrependido for quem recebeu as arras deve restituílas ao outro contratante somado com o equivalente que poderá ser ou não da mesma natureza das arras Ou seja se as arras forem como no exemplo mencionado de R 100000 o arrependido devolveria o mencionado valor em dobro Se for um bem também avaliado em R 100000 devolvêloá acrescido da importância correspondente E mais a norma não restringe a possibilidade de sendo as arras prestadas em valor poder a parte devolvêlas acrescidas por exemplo de um bem que valha a mesma importância no mercado Notese que a perda das arras penitenciais e bem assim a sua restituição em dobro atuam no ânimo das partes com escopo intimidatório para que preferencialmente não desistam da avença Finalmente cumprenos observar ainda que o art 420 do CC2002 proibiu no caso das arras penitenciais a indenização suplementar além daquela correspondente à perda das arras Esse entendimento aliás já havia sido sufragado pelo excelso Supremo Tribunal Federal para as promessas irretratáveis de compra e venda consoante assentado na sua Súmula 412 No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento a devolução do sinal por quem o deu ou a sua restituição em dobro por quem a recebeu exclui indenização a maior a título de perdas e danos salvo os juros moratórios e os encargos do processo Em síntese podemos diferenciar as arras confirmatórias das arras penitenciais da seguinte forma a embora ambas sejam pagas antecipadamente sua finalidade é distinta uma vez que as primeiras apenas confirmam a avença enquanto as segundas garantem o direito de arrependimento b na primeira modalidade de arras como não há direito de arrependimento a inadimplência gerará direito à indenização funcionando as arras para tal finalidade guardadas as suas peculiaridades cômputo na indenização devida por quem as deu ou devolução em dobro por quem as recebeu no lugar de pleitear indenização na segunda modalidade como assegura o direito de arrependimento não há que falar em indenização complementar uma vez que se arrepender foi uma faculdade assegurada no contrato com a perda por quem as deu ou devolução em dobro por quem as recebeu das arras c as arras devem ser sempre expressas não se admitindo arras tácitas Todavia como o direito de arrependimento em contratos civis não consumeristas é situação excepcional todo o pagamento a título de arras será considerado a priori na modalidade confirmatória As arras penitenciais para serem assim consideradas devem sempre estar expressas como tais no contrato Embora já tenhamos feito referência ao tema reputamos interessante diferenciarmos mais uma vez as arras da cláusula penal escoimando qualquer dúvida porventura remanescente A diferença para as arras confirmatórias é de intelecção imediata dispensando maiores considerações uma vez que firmam o início de execução do negócio ao passo que a cláusula penal ou pena convencio nal préliquidam danos A distinção com as arras penitenciais por sua vez merecem maior atenção As arras penitenciais além de serem pagas antecipadamente garantem ao contraente o direito de se arrepender ao passo que a cláusula penal além de não ser paga previamente somente será devida em caso de inadimplemento culposo da obrigação tendo apenas caráter indenizatório sem viabilizar arrependimento algum Ademais vale registrar que a cláusula penal quando fixada impede salvo previsão contratual específica o pagamento de indenização suplementar a título de perdas e danos Já as arras somente impedem indenização suplementar na modalidade penitencial como visto acima Além de tudo isso somente a cláusula penal poderá sofrer redução judicial quando exceder o valor da prestação principal ou já tiver havido cumprimento parcial da obrigação 270 CONTRATOS XIII VISÃO ESTRUTURAL DO CONTRATO 1 CONCEITO DE CONTRATO Conceituar não é tarefa fácil Aliás apresentar um conceito é missão das mais intrincadas na doutrina uma vez que aquele que se arrisca a realizála poderá pecar por presunção por imaginar que a sua definição criada é a mais perfeita de todas ou simplesmente uma verdade jurídica absoluta ou por omissão acreditando que a enunciação simples demais seja a mais didática quando em verdade não passa de uma concepção simplória Sem pretender incorrer nesses erros entendemos que o contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes limitadas pelos princípios da função social e da boafé objetiva autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir segundo a autonomia das suas próprias vontades Não se poderá falar em contrato de fato sem que se tenha por sua pedra de toque a manifestação de vontade Sem querer humano pois não há negócio jurídico E não havendo negócio não há contrato Ocorre que toda essa manifestação de vontade deverá fazerse acompanhar pela necessária responsabilidade na atuação do contratante derivada do respeito a normas superiores de convivência com assento na própria Constituição da República Em uma perspectiva civilconstitucional devemos ter em conta que o contrato espécie mais importante de negócio jurídico apenas se afirma socialmente se entendido como um instrumento de conciliação de interesses contrapostos manejado com vistas à pacificação social e ao desenvolvimento econômico Não podemos dessa forma considerálo como um instrumento de opressão mas sim de realização Lamentavelmente não é raro um dos contraentes pretender utilizálo como açoite visando a subjugar a parte economicamente mais fraca em franco desrespeito à sua função social Isso mesmo todo contrato deve observar a uma função social Ora se nós já constatamos que este negócio jurídico serve como inegável veículo de manifestação do direito de propriedade e este último fora na Carta Magna de 1988 devidamente socializado por consequência o contrato também acabaria por sofrer o mesmo processo Nesse diapasão com sabedoria JOÃO HORA NETO preleciona Em verdade se é certo que a Carta Magna de 1988 de forma explícita condiciona que a livreiniciativa deve ser exercida em consonância com o princípio da função social da propriedade art 170 III e uma vez entendida que a propriedade representa o segmento estático da atividade econômica não é desarrazoado entender que o contrato enquanto segmento dinâmico implicitamente também está afetado pela cláusula da função social da propriedade pois o contrato é um instrumento poderoso da circulação da riqueza ou melhor da própria propriedade 271 Mas esse fenômeno de socialização de institutos jurídicos de Direito Privado não é novo O próprio CLÓVIS BEVILÁQUA ao tratar da matéria ainda que sob um enfoque de cunho historicista já ressaltava esse aspecto em sua clássica obra Direito das Obrigações consoante deflui da análise deste interessante trecho Podese portanto considerar o contracto como um conciliador dos interesses collidentes como um pacificador dos egoísmos em lucta É certamente esta a primeira e mais elevada funcção social do contrato E para avaliarse de sua importância basta dizer que debaixo deste ponto de vista o contracto corresponde ao direito substitue a lei no campo restricto do negocio por elle regulado Ninguem dirá que seja o contracto o único factor da pacificação dos interesses sendo o direito mesmo o principal delles o mais geral e o mais forte mas impossível será desconhecer que também lhe cabe essa nobre função socializadora Vêde uma creança em tenra edade Appetece um objecto com que outra se diverte seu primeiro impulso é arrebatalo num ímpeto de insoffrido egoísmo das mãos frágeis que o detêm A experiência porém pouco e pouco lhe ensina que encontrará resistência sempre que assim proceder Seu proceder vae amoldandose às circumstancias e em vez de apoderarse à força pede solicita propõe trocas seduz com promessas capitosas e esgotados os meios brandos passará então à violência ou aos gritos último recurso dos fracos Assim foi o homem primitivo assim seria o homem civilizado se não o contivessem os freios do direito da religião da opinião pública de todas as disciplinas sociaes empenhadas na tarefa de trazer bem enjaulada a fera que cada homem traz dentro de si 272 sic A dimensão da socialização do contrato entretanto não se limita à ideia de harmonização de interesses contrapostos Não só neste aspecto centrase a denominada função social Em nosso sentir na medida em que o processo de constitucionalização do Direito Civil conduziunos a um repensar da função social da propriedade toda a ideologia assentada acerca do contrato passou a ser revista segundo um panorama de respeito à dignidade da pessoa humana Em um Estado verdadeiramente democrático de direito o contrato somente atenderá à sua função social no momento em que sem prejuízo ao livre exercício da autonomia privada 1 respeitar a dignidade da pessoa humana traduzida sobretudo nos direitos e garantias fundamentais 2 admitir a relativização do princípio da igualdade das partes contratantes somente aplicável aos contratos verdadeiramente paritários que atualmente são minoria 3 consagrar uma cláusula implícita de boafé objetiva ínsita em todo contrato bilateral e impositiva dos deveres anexos de lealdade confiança assistência confidencialidade e informação 4 respeitar o meio ambiente 5 respeitar o valor social do trabalho Enfim todas essas circunstâncias reunidas moldam o princípio da função social do contrato assentado no art 421 do Código Civil a ser estudado brevemente Mas há um importante aspecto que deve ser ressaltado o reconhecimento deste princípio não significa negação da autonomia privada e da livreiniciativa Pelo contrário Significa sua reeducação Nesse sentido com maestria escreve NELSON NERY JR A função social do contrato não se contrapõe à autonomia privada mas com ela se coaduna e se compatibiliza À conclusão semelhante se chegou na Jornada de Direito Civil como se pode verificar Jornada 23 A função social do contrato prevista no art 421 do Código Civil vigente não elimina o princípio da autonomia contratual mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana 273 Portanto à vista do exposto poderíamos sem prejuízo da definição supraapresentada e já sob uma perspectiva mais estrutural reconceituarmos o contrato genericamente como um negócio jurídico bilateral por meio do qual as partes visando a atingir determinados interesses patrimoniais convergem as suas vontades criando um dever jurídico principal de dar fazer ou não fazer e bem assim deveres jurídicos anexos decorrentes da boafé objetiva e do superior princípio da função social Esse conceito será desenvolvido em outros pontos de nossa obra embora o nosso caro leitor já possa perceber que não se poderá apresentar uma definição de contrato desatrelada de sua concepção ética e social Firmado portanto o nosso conceito a natureza jurídica do contrato se mostra evidente 2 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO O contrato como já dito é espécie de negócio jurídico 274 A corrente voluntarista que prestigia a declaração de vontade é dominante no Direito brasileiro consoante se depreende da leitura do art 112 do CC2002 Art 112 Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem É bom que se diga todavia que críticas contundentes são dirigidas à corrente voluntarista Afirmase não ser verdadeira a premissa de que o declarante sempre manifesta a sua vontade dirigida a um determinado fim querido e previamente conhecido Na hipótese de conversão substancial medida sanatória do ato nulo ou anulável por exemplo as partes celebram um determinado negócio jurídico inválido mas que por força do princípio da conservação poderá ser convertido em outra categoria de negócio se contiver os pressupostos de validade deste último um contrato de compra e venda de imóvel nulo por inobservância da forma pública por exemplo podese converter em uma promessa de compra e venda que admite instrumento particular Notese que nesse caso não se pode afirmar que o negócio resultante da conversão foi desejado e pretendido e ainda assim não se nega a sua natureza negocial Carece de significado prático porém a incessante tarefa de se responder se prevalece a vontade interna ou a vontade declarada Se o negócio jurídico enquanto manifestação humana destinada a produzir fins tutelados por lei é fruto de um processo cognitivo que se inicia com a solicitação do mundo exterior passando pela fase de deliberação e formação da vontade culminando ao final com a declaração da vontade parece que não há negarse o fato de que a vontade interna e a vontade declarada são faces da mesma moeda Em linguagem simples o negócio jurídico é a manifestação de vontade emitida em obediência aos seus pressupostos de existência validade e eficácia com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente A esse conceito pois perfeitamente se subsume a noção de contrato Entretanto uma vez que o contrato é espécie do gênero negócio é forçoso convir que algum aspecto o particulariza dos outros negócios jurídicos Esse aspecto sem sombra de dúvida consiste na convergência das manifestações de vontades contrapostas formadora do denominado consentimento Discorrendo a respeito do tema ORLANDO GOMES pondera Empregase em duas acepções a palavra consentimento ora como acordo de vontades para exprimir a formação bilateral do negócio jurídico contratual ora como sinônimo da declaração de vontade de cada parte do contrato Admitida nesta última acepção falase em mútuo consentimento expressão considerada redundante porque em um dos termos consentimento está contida a ideia que o outro mútuo exprime No exame dos elementos constitutivos do contrato o consentimento apresentase como requisito típico conquanto exigido igualmente na formação dos outros negócios jurídicos bilaterais No contrato porém singularizase pela circunstância de que as vontades que o formam correspondem a interesses contrapostos 275 O consentimento ou consenso portanto é o núcleo do negócio jurídico contratual formado a partir das vontades emitidas pelas partes declarantes Sem essa manifestação de vontade e consequentemente o consentimento o negócio jurídico será considerado inexistente 3 PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO CONTRATUAL Por princípio entendamse os ditames superiores fundantes e simultaneamente informadores do conjunto de regras do Direito Positivo Pairam pois por sobre toda a legislação dandolhe significado legitimador e validade jurídica A respeito deles discorre o jusfilósofo WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO Princípios por sua vez encontramse em um nível superior de abstração sendo igual e hierarquicamente superiores dentro da compreensão do ordenamento jurídico como uma pirâmide normativa Stufenbau e se eles não permitem uma subsunção direta de fatos isso se dá indiretamente colocando regras sob o seu raio de abrangência 276 Dada a importância pois deste tema preferimos destacálos em tópico próprio uma vez que se cotejarmos a doutrina clássica com a moderna abordagem constitucional da matéria constataremos de imediato sensível mudança no colorido jurídico dos princípios contratuais Na medida em que nos desapegamos de uma tendência excessivamente patrimonial fechada e egoística do Direito Civil passando a reconhecer uma justa prevalência da pessoa humana em lugar dos bens materiais é natural que a concepção teórica do sistema de princípios informadores do Direito Contratual experimentasse mudança E essa alteração no trato ideológico do Direito Civil fora muito bem sentida por LUIZ EDSON FACHIN Da eliminação e das fronteiras arquitetadas pelo sistema privado clássico abrese o Direito Civil contemporâneo Do estágio de direitos absolutos individualistas e perpétuos migra para a sua conformação contemporânea o modelo de família num reconhecimento plural de entidades familiares do contrato e da propriedade funcionalizados mudanças que repercutem nos direitos e deveres que os diversos sujeitos apresentam 277 Perceberemos portanto na enumeração dos princípios que seguem abaixo que alguns clássicos foram mantidos posto hajam sido objeto de releitura e ainda outros foram acrescentados por entendermos necessários para a completude do conjunto Temos portanto a o princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo b o princípio da força obrigatória do contrato c o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato d o princípio da função social do contrato e o princípio da boafé objetiva f o princípio da equivalência material Ressalvese obviamente que para um aprofundamento do estudo do que se convencionou chamar de principiologia podese sempre estudar princípios gerais do Direito como por exemplo pairando por sobre todos os princípios supramencionados dandolhes dimensão constitucional está o princípio da dignidade da pessoa humana que jamais poderá ser esquecido pois indiscutivelmente servirá de medida para toda a investigação que fizermos a respeito de cada um dos princípios contratuais acima elencados Vejamos porém nos próximos subtópicos cada um dos princípios contratuais específicos 31 Princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo Não se pode falar em contrato sem autonomia da vontade E por isso o princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo deve ser sempre visto como o primeiro princípio contratual específico Mesmo em um sistema como o nosso que toma por princípio maior a função social do contrato este não poderá obviamente ser distendido a ponto de neutralizar a livreiniciativa das partes consoante bem advertiu o insuperável Professor ARRUDA ALVIM Parece portanto que a função social vem fundamentalmente consagrada na lei nesses preceitos e em outros mas não é nem pode ser entendida como destrutiva da figura do contrato dado que então aquilo que seria um valor um objetivo de grande significação função social destruiria o próprio instituto do contrato 278 E conforme já anotamos linhas acima mesmo tendo por vetor a sua função social o contrato é um fenômeno eminentemente voluntarista fruto da autonomia privada e da livreiniciativa ARNOLDO WALD nesse particular lembranos que a autonomia da vontade se apresenta sob duas formas distintas na lição dos dogmatistas modernos podendo revestir o aspecto de liberdade de contratar e de liberdade contratual Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato A primeira se refere à possibilidade de realizar ou não um negócio enquanto a segunda importa na fixação das modalidades de sua realização 279 Essa liberdade de contratar por sua vez manifestase no plano pessoal ou seja na liberdade de escolher a pessoa com a qual contratar Notase com isso que com o advento do liberalismo mormente após a propagação das ideias iluministas esse importante princípio ganhou ainda mais visibilidade A autonomia da vontade nessa linha vista no plano da bilateralidade do contrato pode ser expressa pelo denominado consensualismo 280 o encontro das vontades livres e contrapostas faz surgir o consentimento pedra fundamental do negócio jurídico contratual Vale lembrar inclusive que tal princípio predominante no século XIX e no primeiro quartel do século XX sofreria pesado golpe com os movimentos sociais os quais entretanto não teriam o condão de aniquilálo Aliás nem mesmo os mais exacerbados regimes socialistas como o soviético conseguiram abolir o contrato 281 Isso porque se nós prescindirmos da noção de vontade consequentemente estaremos negando a própria existência real do contrato Contrato sem vontade não é contrato Pode ser tudo Até tirania Menos contrato Mesmo sabendo que em algumas modalidades contratuais a exemplo daquelas pactuadas sob a forma de adesão o âmbito de atuação da vontade é sobremaneira diminuído não podemos negar a sua ocorrência pois ainda assim o aderente tem a liberdade de contratar ou não Claro está entretanto que no curso do século XX com o incremento tecnológico e a eclosão de guerras e revoluções que redesenhariam a arquitetura geopolítica do mundo o individualismo liberal cederia lugar para o intervencionismo do Estado que passaria a se imiscuir mais e mais na atividade econômica abandonando o vetusto dogma francês do laissezfaire Com isso o reflexo dessa ingerência estatal se fez sentir nos sistemas jurídicos por meio do denominado dirigismo contratual As leis civis portanto pouco a pouco deixariam de ser meramente abstencionistas passando a intervir na seara das relações negociais coibindo abusos e reequilibrando a balança contratual por meio da previsão de instrumentos ou mecanismos jurídicos em favor do hipossuficiente econômico inversão do ônus da prova responsabilidade civil objetiva desconsideração da pessoa jurídica teoria da imprevisão etc E uma nítida demonstração desse fenômeno no Brasil como visto foi a aprovação do nosso Código de Defesa do Consumidor Lei n 8078 de 1990 Notase por conseguinte de todo o exposto que a autonomia da vontade e o consensualismo permanecem como base da noção de contrato embora limitados e condicionados por normas de ordem pública em benefício do bemestar comum FERNANDO NORONHA que prefere utilizar a expressão autonomia privada em substituição à autonomia de vontade demonstra em sua obra como o valor desta última tem sofrido restrições de outros princípios igualmente indispensáveis à efetivação da justiça contratual Foi a crítica aos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual que permitiu que desabrochassem os princípios da boafé e da justiça contratual os quais aliás nunca deixaram de estar latentes em todos os ordenamentos apenas eram ofuscados pelo brilho artificialmente acrescentado ao princípio da velha autonomia da vontade 282 Nesse diapasão podemos afirmar que a limitação da manifestação de vontade dos contratantes imposta por normas de ordem pública dirigismo contratual tornouse necessária para que a liberdade volitiva sem contenção não se convertesse em abuso LUIS DÍEZPICAZO e ANTONIO GULLÓN afirmam com propriedade que a autonomia privada deve sofrer os seguintes condicionamentos 283 a da Lei a lei manifestação maior do poder estatal interfere no âmbito da autonomia privada posto sem aniquilála para salvaguardar o bem geral b da Moral tratase de uma limitação de ordem subjetiva com forte carga éticovalorativa c da Ordem Pública também este conceito que mais se relaciona com a estabilidade ou segurança jurídica atua na ausência de normas imperativas impondo a observância de princípios superiores ligados ao Direito à Política e à Economia Todas essas limitações não significam como se disse aniquilação da autonomia privada pois sem esta as relações de direito privado se estagnariam e a sociedade contemporânea entraria em colapso Apenas como visto acima vivese um momento histórico marcado por disputas geopolíticas e imprevisão econômica no qual o individualismo selvagem cedeu lugar para o solidarismo social característico de uma sociedade globalizada que exige o reconhecimento de normas limitativas do avanço da autonomia privada em respeito ao princípio maior da dignidade da pessoa humana Tal passagem contudo não se deu sem dor e perda pontifica EDUARDO TAKEMI KATAOKA muitos autores chegaram a proclamar a morte o declínio e o fim do Direito Efetivamente aquele belo Direito de segurança conceitos fechados e igualdade formal morreu declinou acabou Um novo Direito surge como aparece todos os anos uma nova safra dos grandes vinhos do passado cabendo a nós degustar ambos É preciso encarar o novo com otimismo e não com a nostalgia do passado irremediavelmente perdido 284 Em síntese temos que como corolário da liberdade individual no campo negocial a liberdade contratual foi erigida realmente ao patamar de princípio mas que por sua vez não pode ser interpretado de forma absoluta Assim envolvemse nessa ideia de liberdade contratual e suas limitações por preceitos de ordem pública três modalidades distintas que podem ser didaticamente compreendidas da seguinte forma a a própria liberdade de contratar em regra ninguém pode ser forçado a celebrar um negócio jurídico pois isso importaria em um vício de consentimento a macular a validade da avença Numa evidente flexibilização de tal regra o que já mostra que nenhum princípio pode ser encarado seriamente como uma verdade absoluta para toda e qualquer situação mas sim somente como uma verdade socialmente aceita enquanto socialmente aceita o direito positivo consagrou algumas situações de contratação obrigatória como por exemplo em determinadas modalidades securitárias b a mencionada liberdade de com quem contratar aqui também se visualiza uma ressalva quando se verifica por exemplo a ocorrência de um monopólio na prestação de serviços o que por outro lado também é hodiernamente combatido por normas de Direito Econômico na busca da realização da livre concorrência princípio constitucional insculpido no art 170 IV da Carta de 1988 c a liberdade de estabelecimento do conteúdo do contrato ou seja a liberdade para escolher o que se vai contratar Da mesma forma constatase facilmente uma limitação de tal modalidade no fenômeno do dirigismo contratual sendo o contrato individual de emprego o exemplo mais evidente disso uma vez que seu conteúdo mínimo é todo estabelecido no sistema brasileiro por normas constitucionais art 7º da CF88 e infraconstitucionais CLT e legislação complementar 32 Princípio da força obrigatória do contrato O princípio da força obrigatória denominado classicamente pacta sunt servanda traduz a natural cogência que deve emanar do contrato a fim de que se lhe possa reconhecer utilidade econômica e social De nada valeria o negócio se o acordo firmado entre os contraentes não tivesse força obrigatória Seria mero protocolo de intenções sem validade jurídica Segundo ORLANDO GOMES o princípio da força obrigatória consubstanciase na regra de que o contrato é lei entre as partes Celebrado que seja com a observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos E arremata o ilustre civilista baiano Essa força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é a pedra angular da segurança do comércio jurídico 285 Nada temos contra esse princípio Pelo contrário Sem o reconhecimento da obrigatoriedade dos contratos a palavra dos homens careceria de força jurídica em franco prejuízo à segurança das relações negociais Apenas defendemos firmemente que esse princípio não pode ser levado às suas últimas consequências Em outras palavras não admitimos que se empreste ao pacta sunt servanda caráter absoluto Enquanto predominaram as ideias liberais e individualistas do século XIX era natural e até compreensível que partindose da ideia posteriormente reputada como equivocada de que as partes são formalmente iguais a vontade que delas emanasse poderia traduzirse em lei imutável Todavia esse princípio da força obrigatória manifestado especialmente na imodificabilidade ou intangibilidade dos termos do contrato tornouse um nefasto instrumento de opressão econômica As mudanças por que passou a humanidade no decorrer do século XX alimentadas por um inimaginável esforço bélico acentuariam as desigualdades sociais facilitando a opressão do fraco pelo forte Com isso as leis perderiam o seu caráter de neutralidade passando a interferir na atividade econômica e negocial Nesse contexto não poderia o princípio sob análise subsistir incólume Em uma época como a atual em que os contratos paritários cedem lugar aos contratos de adesão o pacta sunt servanda ganhou um matiz mais discreto temperado por mecanismos jurídicos de regulação do equilíbrio contratual a exemplo da teoria da imprevisão Aliás a teoria da imprevisão construída a partir da revivescência da vetusta cláusula rebus sic stantibus do direito canônico é invocada quando um acontecimento superveniente e imprevisível torna excessivamente onerosa a prestação imposta a uma das partes em face da outra que em geral se enriquece à sua custa ilicitamente Interessa observar que o enriquecimento da parte contrária à que se onera não é elemento indispensável para a ocorrência da teoria visto que situações há nas quais a própria parte credora também resta prejudicada pela superveniência do acontecimento imprevisível Nesse sentido OTÁVIO LUIZ RODRIGUES JUNIOR citando respeitável doutrina Como afirma RUY ROSADO DE AGUIAR JUNIOR é possível que o fato futuro se abata sobre o devedor sem que daí decorra maior vantagem para o credor e nem por isso deixa de existir a onerosidade excessiva que justifica a extinção ou a modificação do contrato por iniciativa do devedor REGINA BEATRIZ PAPA DOS SANTOS também adverte sobre a impropriedade de se associar ambas as exigências Alguns autores acreditam que deve ocorrer também o enriquecimento indevido para a outra parte favorecida pelo desequilíbrio contratual do que se ousa discordar pois casos há em que a onerosidade excessiva para uma das partes não implica em lucro excessivo para a outra mas sim até em algum prejuízo por sofrer também as consequências da alteração das circunstâncias e além disso a finalidade principal da imprevisão é socorrer o contratante que será lesado pelo desequilíbrio contratual e não punir a parte que se enriquecerá com esse desequilíbrio 286 Em outras palavras por meio da teoria da imprevisão que sob nova roupagem pode também ser denominada teoria da onerosidade excessiva querse evitar o empobrecimento injustificado da parte contratante Nessa linha uma vez configurados os pressupostos da teoria a parte lesada poderá ingressar em juízo pleiteando a revisão ou a resolução do contrato Notase assim dessa simples análise que a teoria em questão mitiga ou relativiza o princípio da força obrigatória na medida em que este só deverá incidir plenamente quando por razão de justiça as condições econômicas da execução do contrato forem similares às do tempo de sua celebração Mudanças bruscas portanto durante a execução e que impliquem injusta alteração na base econômica do contrato poderão justificar a revisão de sua balança econômicofinanceira Com isso podemos facilmente perceber como o pacta sunt servanda nos dias que correm tornouse visivelmente menos rígido da mesma forma como vislumbramos no princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo 33 Princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato Regra geral os contratos só geram efeitos entre as próprias partes contratantes razão por que se pode afirmar que a sua oponibilidade não é absoluta ou erga omnes mas tão somente relativa Como negócio jurídico em que há a manifestação espontânea da vontade para assumir livremente obrigações as disposições do contrato a priori somente interessam às partes não dizendo respeito a terceiros estranhos à relação jurídica obrigacional Assim o contrato celebrado entre Caio e Tício não pode em princípio afetar Florisvaldo Todavia existem figuras jurídicas que podem excepcionar esta regra É o caso por exemplo da estipulação em favor de terceiro e do contrato com pessoa a declarar Por meio da primeira previsão uma parte convenciona com o devedor que este deverá realizar determinada prestação em benefício de outrem alheio à relação jurídica obrigacional original Na mesma linha o contrato com pessoa a declarar é uma figura contratual consagrada expressamente pelo atual Código Civil consistindo em verdade em uma promessa de prestação de fato de terceiro que também titularizará os direitos e obrigações decorrentes do negócio caso aceite a indicação realizada Para fins didáticos trataremos dessas duas figuras em momento posterior dado o seu elemento comum ser de estipulações contratuais relacionadas a terceiros O que é importante destacar porém é que como todos os demais princípios tradicionais aqui descritos também se verifica na modernidade sem trocadilho a relativização do princípio da relatividade subjetiva quando se constata por exemplo a violação de regras de ordem pública e interesse social como no caso da declaração de nulidade de cláusula contratual abusiva em atuação judicial do Ministério Público na defesa dos consumidores CDC art 51 4º Como visto tudo aquilo que outrora era tido como princípio do Direito Privado referente a contratos tem se flexibilizado em função de outros interesses não necessariamente limitados às partes contratantes o que nos parece uma consequência evidente do macroprincípio constitucional da dignidade da pessoa humana bem como daquilo que PAULO LUIZ NETTO LÔBO chama de princípios sociais dos contratos 287 Feitas tais considerações passaremos a estudar justamente tais princípios sociais a saber os princípios da função social do contrato da equivalência material e da boafé objetiva 34 Princípio da função social do contrato A socialização da ideia de contrato não é ideia nova A partir do momento em que o Estado passou a adotar uma postura mais intervencionista abandonando o ultrapassado papel de mero espectador da ambiência econômica a função social do contrato ganhou contornos mais específicos Registrese nesse ponto a observação de GISELDA HIRONAKA a respeito da intelecção da palavra social Ainda que o vocábulo social sempre apresente esta tendência de nos levar a crer tratarse de figura da concepção filosóficosocialista deve restar esclarecido tal equívoco Não se trata sem sombra de dúvida de se estar caminhando no sentido de transformar a propriedade em patrimônio coletivo da humanidade mas tão apenas de subordinar a propriedade privada aos interesses sociais através desta ideiaprincípio a um só tempo antiga e atual denominada doutrina da função social 288 O contrato é figura que acompanha as mudanças de matizes da propriedade experimentando inegável interferência deste direito Ora ao constatarmos o inafastável conteúdo político da propriedade erigida à condição de direito fundamental na Constituição Federal 289 é forçoso convir que as modificações no seu trato ideológico refletirseiam na seara contratual A partir do momento em que se começou a perceber que a propriedade somente mereceria tutela se atendesse a uma determinada finalidade social abandonouse o antigo modelo oitocentista de concepção desse direito que cederia lugar a uma doutrina mais afinada aos anseios da sociedade atual Com isso socializandose a noção de propriedade o contrato naturalmente experimentaria o mesmo fenômeno ainda que o reconhecimento legal dessa alteração no seu trato ideológico não se houvesse dado de forma imediata Devemos de logo ressaltar que a função social do contrato traduz conceito sobremaneira aberto e indeterminado impossível de se delimitar aprioristicamente HUMBERTO THEODORO JR citando o professor curitibano PAULO NALIN na busca por delimitar as suas bases de intelecção lembranos com acerto que a função social manifestarseia em dois níveis 290 a intrínseco o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais impondose o respeito à lealdade negocial e à boafé objetiva buscandose uma equivalência material entre os contratantes b extrínseco o contrato em face da coletividade ou seja visto sob o aspecto de seu impacto eficacial na sociedade em que fora celebrado De fato é perfeitamente adequada a sistematização e o trato ideológico da função social do contrato segundo a doutrina de NALIN 291 Sem pretendermos exaurir esforços na hercúlea tarefa de definir a função social do contrato ela poderá por outro lado ser delimitada no espaço jurídico de atuação em que se projeta Em um primeiro plano a socialização da ideia de contrato na sua perspectiva intrínseca propugna por um tratamento idôneo das partes na consideração inclusive de sua desigualdade real de poderes contratuais Nesse sentido repercute necessariamente no trato ético e leal que deve ser observado pelos contratantes em respeito à cláusula de boafé objetiva E nessa perspectiva temos que a relação contratual deverá compreender os deveres jurídicos gerais e de cunho patrimonial de dar fazer ou não fazer bem como deverão ser levados em conta os deveres anexos ou colaterais que derivam desse esforço socializante Com isso obrigações até então esquecidas pelo individualismo cego da concepção clássica de contrato ressurgem gloriosamente a exemplo dos deveres de informação confidencialidade assistência lealdade etc E todo esse sistema é sem sombra de dúvida informado pelo princípio maior de proteção da dignidade da pessoa humana Em um segundo plano o contrato é considerado não só como um instrumento de circulação de riquezas mas também de desenvolvimento social Isso mesmo desenvolvimento social Sem o contrato a economia e a sociedade se estagnariam por completo fazendo com que retornássemos a estágios menos evoluídos da civilização humana Ocorre que todo desenvolvimento deve ser sustentado racionalizado e equilibrado Por isso ao concebermos a figura do contrato quer seja o firmado entre particulares quer seja o pactuado com a própria Administração Pública não poderíamos deslocálo da conjuntura social que lhe dá ambiência Consoante inferimos linhas acima como chancelar como válido por exemplo um negócio que posto atenda aos seus pressupostos formais de validade desrespeite leis ambientais ou pretenda fraudar leis trabalhistas Na mesma linha não se pode admitir contratos que violem a livre concorrência as leis de mercado ou os postulados de defesa do consumidor sob o pretexto de se estar incentivando a livreiniciativa Nessa mesma linha de intelecção é o pensamento de EDUARDO SENS SANTOS o contrato não pode mais ser entendido como mera relação individual É preciso atentar para os seus efeitos sociais econômicos ambientais e até mesmo culturais Em outras palavras tutelar o contrato unicamente para garantir a equidade das relações negociais em nada se aproxima da ideia de função social O contrato somente terá uma função social uma função pela sociedade quando for dever dos contratantes atentar para as exigências do bem comum para o bem geral Acima do interesse em que o contrato seja respeitado acima do interesse em que a declaração seja cumprida fielmente e acima da noção de equilíbrio meramente contratual há interesse de que o contrato seja socialmente benéfico ou pelo menos que não traga prejuízos à sociedade em suma que o contrato seja socialmente justo 292 Com isso repitase não se está pretendendo aniquilar os princípios da autonomia da vontade ou autonomia privada ou do pacta sunt servanda mas apenas temperálos tornandoos mais vocacionados ao bemestar comum sem prejuízo do progresso patrimonial pretendido pelos contratantes Como já diziam os antigos em conhecido ditado nem tanto ao mar nem tanto à terra ou seja não pode ser considerado justo o modelo de contrato que só contemple a manifestação de vontade da parte declarante seguindo diretriz tipicamente liberal impondose outrossim a observância dos limites traçados pela própria ordem social a fim de que a perseguição dos interesses das partes contratantes não esbarre em valores constitucionais superiores condensados sinteticamente no princípio da dignidade da pessoa humana Para nós a função social do contrato é antes de tudo um princípio jurídico de conteúdo indeterminado que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo efeito de impor limites à liberdade de contratar em prol do bem comum E essa socialização traduz em nosso sentir um importante marco na história do Direito uma vez que com ela abandonaríamos de vez o modelo clássicoindividualista típico do século XIX A autonomia da vontade pontifica JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES marca registrada da teoria contratual do século XIX gera ou é gerada por uma concepção de direito como expressão de faculdades individuais entre elas a vontade de um soberano e à noção de poder como capacidade de imposição da própria vontade vontade que obriga 293 Essa correção de rumos portanto humaniza a ideia de contrato rendendo ensejo a que seja banido de vez de nosso sistema o péssimo hábito de se encarar o contrato como uma rede de caça em que o forte subjuga o fraco utilizando sobretudo a técnica covarde da imposição de cláusulas leoninas 294 De tudo o que dissemos até aqui já se pode verificar que o Direito Contratual brasileiro passou mormente após a edição de nossa Constituição de 1988 por um inegável processo de socialização ou por que não dizer de democratização jurídica Em verdade garantias constitucionais tais como as que impõem o respeito à função social da propriedade ao direito do consumidor à proteção do meio ambiente às leis trabalhistas à proteção da ordem econômica e da liberdade de concorrência todas elas conectadas ao princípio de proteção à dignidade da pessoa humana remetemnos à ideia de que tais conquistas sob nenhuma hipótese ou argumento poderão posteriormente vir a ser minimizadas ou neutralizadas por nenhuma lei posterior Nessa mesma linha a socialização do contrato devidamente amparada no sistema constitucional e consagrada expressamente pelo art 421 do Código Civil não poderia em nosso entender sofrer ulterior constrição ou violência por parte de outra lei ordinária sob pena de flagrante inconstitucionalidade A essa conclusão chegamos uma vez que ao ferir esse princípio os direitos e as garantias acima mencionados também restariam vulnerados Nesse passo lembramonos do que J J GOMES CANOTILHO denominou princípio da vedação ao retrocesso ou do não retrocesso social Com isto quer dizerse que os direitos sociais e econômicos ex direito dos trabalhadores direito à assistência direito à educação uma vez obtido um determinado grau de realização passam a constituir simultaneamente uma garantia institucional e um direito subjectivo E mais adiante arremata O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade subjetivamente adquiridos constitui um limite jurídico do legislador e ao mesmo tempo uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alcançadas 295 Embora concebido segundo esse trecho do pensamento do ilustre constitucionalista para ser aplicado sobretudo em defesa dos direitos sociais nada impede que transplantemos o princípio do não retrocesso social para o âmbito do direito contratual uma vez que segundo a perspectiva constitucional pela qual estudamos este último a violação da função social do contrato traduzirseia sem dúvida em inegável retrocesso em nossa nova ordem jurídica Não por simples razão histórica o Código Civil de 1916 ignorou a função social do contrato e da propriedade Quando da elaboração do seu projeto 1899 fruto do empenho de CLÓVIS BEVILÁQUA com inegável influência do esforço dos juristas que o antecederam com destaque para TEIXEIRA DE FREITAS viviase em uma sociedade de economia rudimentar pósescravocrata e recémingressa na República Todos esses fatores agregados ao poderio reacionário e à força política dos senhores de terra apontavam no sentido oposto ao da socialização da propriedade e por consequência do contrato Com isso acentuouse uma nítida vocação materialista do Código de 1916 pouco afeito aos valores essenciais da pessoa humana e imbuído cegamente do firme propósito de tutelar o crédito e a propriedade mantendo ainda a todo o custo a estabilidade da família casamentária pouco importando a dignidade do devedor ou o reconhecimento do filho bastardo Embora não possamos negar a sua grandeza técnica sem cometermos grave injustiça o fato é que o codificador de 1916 absorveu demasiadamente os valores individualistas patriarcais e conservadores da sociedade de então Aliás se fizermos uma detida análise do pensamento filosófico de BEVILÁQUA elaborador do projeto do Código de 1916 poderemos detectar nítida vocação positivista com acentuados matizes de materialismo existencial Resta pois por exclusão a necessidade de acreditarmos numa causa externa para as nossas sensações E esta causa se ainda fugirmos à providência ao espírito soberano governing spirit de Berkeley há de ser forçosamente a matéria 296 grifamos E foi somente a partir do primeiro quarto do século XX que o Estado Liberal cederia lugar ao Estado Social refletindose esse processo político na ordem jurídica mundial No Brasil entretanto após vivermos os terríveis anos da ditadura esse reflexo só viria a ser sentido mais tarde com o processo político de redemocratização e a implantação efetiva no plano constitucional do Estado de Direito Isso mesmo Por incrível que possa parecer a nossa legislação contratual e civil em geral somente se aperfeiçoou alinhandose aos sistemas mais avançados do mundo ocidental após a entrada em vigor da atual Constituição Republicana Com ela valores de elevação da pessoa humana além de princípios norteadores de um planejamento econômico sustentado fariam com que a nossa legislação ordinária sob muitos aspectos obsoleta viesse a ser repensada e reconstruída Tudo isso a demonstrar a veracidade do que dissemos a abertura do nosso horizonte ideológico na perspectiva civil deuse efetivamente após a Constituição de 1988 A respeito do fundamento constitucional do princípio da função social cuja ressonância sem dúvida reverbera no dogma maior do respeito à dignidade da pessoa humana PAULO NALIN citando ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO complementa Mas a construção do pensamento da função social do contrato envolto aos efeitos que o negócio produz na coletividade já encontra espaço na prática judiciária Conforme parecer civil de lavra de Junqueira de AZEVEDO é exatamente esta a noção que se extrai da leitura do multicitado artigo 170 caput da Constituição da República sendo preceito destinado a que os contratos se estabeleçam em uma ordem social harmônica 297 De fato os princípios vetores de uma ordem econômica sustentada e equilibrada em que haja respeito ao direito do consumidor ao meio ambiente e como já observamos à própria função social da propriedade todos eles reunidos e interligados dão sustentação constitucional à função social do contrato Nesse diapasão o Código Civil vigente abrindo o capítulo dedicado à teoria geral dos contratos consagrou esse importante preceito nos seguintes termos Art 421 A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato A interpretação desse dispositivo nos leva a conclusões interessantes Ao mencionar que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato o legislador estabeleceu de uma só vez um critério finalístico ou teleológico e outro critério limitativo para a caracterização desse princípio Sob o primeiro enfoque toda a atividade negocial fruto da autonomia da vontade encontra a sua razão de ser o seu escopo existencial na sua função social Tratase nesse particular de referência desnecessária uma vez que não deveria o legislador assumir o papel da doutrina para tentar apontar razão ou justificativa desse ou daquele princípio ou instituto tarefa desnecessária e perigosa pois poderá restringir indevidamente as construções pretorianas Talvez por esse motivo o antigo Projeto de Lei n 69602002 renumerado para 2762007 antes de seu arquivamento definitivo pretendia alterar tal artigo para suprimir a expressão em razão mantendo o restante da norma Já sob o segundo aspecto temos que essa liberdade negocial deverá encontrar justo limite no interesse social e nos valores superiores de dignificação da pessoa humana Qualquer avanço para além dessa fronteira poderá caracterizar abuso judicialmente atacável Nesse ponto sim andou bem o legislador ao impor limite à liberdade de contratar em prol do interesse social O banimento das cláusulas leoninas não se deve dar apenas no âmbito trabalhista ou do consumidor mas sim em todo e qualquer contrato civil ou empresarial entre partes economicamente iguais ou não Assim deve ser a nova doutrina contratualista segundo uma perspectiva civil constitucional Imaginese por exemplo que se tenha pactuado um contrato de engineering para a instalação de uma fábrica Mesmo que o negócio pactuado seja formalmente perfeito agente capaz objeto lícito forma prescrita ou não defesa em lei etc se a legislação ambiental ou de segurança no trabalho por exemplo houver sido violada tal avença não haverá respeitado a sua função social não devendo ser chancelada pelo Poder Judiciário Na mesma linha se se pretendeu instalar a indústria para fim de lavagem de dinheiro Claro está que em caso de dano poderá o prejudicado intentar ação indenizatória sem que descartemos a hipótese de se poder atacar até mesmo a sua validade pois se a infringência ao superior princípio houver derivado de fraude à lei hipótese bastante factível nada impede que se obtenha judicialmente a nulidade do próprio contrato Nesse sentido estabelece o art 166 do Código Civil Art 166 É nulo o negócio jurídico quando I celebrado por pessoa absolutamente incapaz II for ilícito impossível ou indeterminável o seu objeto III o motivo determinante comum a ambas as partes for ilícito IV não revestir a forma prescrita em lei V for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade VI tiver por objetivo fraudar lei imperativa VII a lei taxativamente o declarar nulo ou proibirlhe a prática sem cominar sanção Vêse portanto que tal regra possibilita inclusive que ganhe novos contornos até mesmo a legitimidade para requerer judicialmente a invalidação pois o próprio Ministério Público poderá desde que o interesse público assim o justifique pretender a nulidade do contrato nos termos acima apontados como já lhe era reconhecido quanto às relações de consumo facultandoselhe inclusive lançar mão da disregard doctrine doutrina da desconsideração da pessoa jurídica consagrada pelo art 50 do Código Civil para efeito de concretização do comando sentencial Nessa mesma linha na perspectiva da função social é possível se defender por exemplo a legitimidade da vítima de um acidente para pleitear reparação diretamente em face da seguradora mesmo não tendo ela firmado contrato Nessa mesma linha de intelecção entremostrando ainda mais a nítida preocupação socializante do Código Civil de 2002 cuidouse ainda de disciplinar dois outros defeitos do negócio jurídico intimamente conectados à ideia de solidarismo social a lesão e o estado de perigo 298 e que também têm inegável reflexo na seara contratual 35 Princípio da equivalência material Desenvolvido por PAULO LUIZ NETTO LÔBO o princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato antes durante e após sua execução para harmonização dos interesses Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato da forma como foi assinado ou celebrado mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra aferível objetivamente segundo as regras da experiência ordinária O princípio clássico pacta sunt servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas 299 Entretanto diferentemente do mencionado autor preferimos por razões didáticas e metodológicas tratar desse princípio como um subproduto normativo do princípio maior senão axial da função social do contrato haja vista que sem dúvida no campo de abrangência deste último encontrase subsumido Em verdade tal princípio pode ser considerado um desdobramento da manifestação intrínseca da função social do contrato e da boafé objetiva na consideração pelo julgador do desequilíbrio recíproco real entre os poderes contratuais ou da desproporcionalidade concreta de direitos e deveres o que outrora seria inadmissível Nessa linha como ensina o mestre alagoano O princípio da equivalência material desenvolvese em dois aspectos distintos subjetivo e objetivo O aspecto subjetivo leva em conta a identificação do poder contratual dominante das partes e a presunção legal de vulnerabilidade A lei presume juridicamente vulneráveis o trabalhador o inquilino o consumidor o aderente de contrato de adesão Essa presunção é absoluta pois não pode ser afastada pela apreciação do caso concreto O aspecto objetivo considera o real desequilíbrio de direitos e deveres contratuais que pode estar presente na celebração do contrato ou na eventual mudança do equilíbrio em virtude das circunstâncias supervenientes que levem à onerosidade excessiva para uma das partes 300 De fato somente se poderá atingir o tão almejado solidarismo social em fina sintonia com a proteção da dignidade da pessoa humana se o contrato buscar de fato o equilíbrio entre as prestações das partes pactuantes evitandose assim o abuso do poder econômico e a tirania já anacrônica do vetusto pacta sunt servanda 36 Princípio da boafé A noção de boafé bona fides ao que consta foi cunhada primeiramente no Direito Romano embora a conotação que lhe foi dada pelos juristas alemães receptores da cultura romanista não fosse exatamente a mesma 301 Em Roma partindose de uma acentuada amplitude semântica podese afirmar que A fides seria antes um conceito ético do que propriamente uma expressão jurídica da técnica Sua juridicização só iria ocorrer com o incremento do comércio e o desenvolvimento do jus gentium complexo jurídico aplicável a romanos e a estrangeiros 302 Já no Direito Alemão a noção de boafé traduziase na fórmula do Treu und Glauben lealdade e confiança regra objetiva que deveria ser observada nas relações jurídicas em geral A esse respeito pontifica JUDITH MARTINSCOSTA A fórmula Treu und Glauben demarca o universo da boafé obrigacional proveniente da cultura germânica traduzindo conotações totalmente diversas daquelas que a marcaram no direito romano ao invés de denotar a ideia de fidelidade ao pactuado como numa das acepções da fides romana a cultura germânica inseriu na fórmula as ideias de lealdade Treu ou Treue e crença Glauben ou Glaube as quais se reportam a qualidades ou estados humanos objetivados 303 Também o direito canônico enfrentaria o tema em termos semelhantes aos do direito alemão embora introduzisse um poderoso polo de significados a boafé é vista como ausência de pecado ou seja como estado contraposto à máfé 304 Feito esse breve apanhado histórico já podemos observar que a boafé é antes de tudo uma diretriz principiológica de fundo ético e espectro eficacial jurídico Vale dizer a boafé se traduz em um princípio de substrato moral que ganhou contornos e matiz de natureza jurídica cogente Contextualizando esse importante princípio em nossa ordem constitucional PAULO ROBERTO NALIN pondera tendo o homem como centro necessário das atenções oportuno de indagar da possibilidade de localização da boafé enquanto princípio geral do Direito no sistema constitucional assim como os demais princípios então ditos fundamentais inclusos na Carta como o da dignidade do ser humano a vida a integridade física a liberdade a propriedade privada a livre manifestação do pensamento a intimidade e vida privada etc 305 361 Delimitação conceitual Antes de aprofundarmos os contornos deste importantíssimo princípio fazse necessário que estabeleçamos uma diagnose diferencial entre a boafé objetiva e a boafé subjetiva Esta última consiste em uma situação psicológica um estado de ânimo ou de espírito do agente que realiza determinado ato ou vivencia dada situação sem ter ciência do vício que a inquina Em geral esse estado subjetivo deriva do reconhecimento da ignorância do agente a respeito de determinada circunstância como ocorre na hipótese do possuidor de boafé que desconhece o vício que macula a sua posse Nesse caso o próprio legislador em vários dispositivos cuida de amparálo não fazendo o mesmo outrossim quanto ao possuidor de máfé arts 1214 1216 1217 1218 1219 1220 1242 do CC2002 Distinguese portanto da boafé objetiva a qual tendo natureza de princípio jurídico delineado em um conceito jurídico indeterminado consiste em uma verdadeira regra de comportamento de fundo ético e exigibilidade jurídica BRUNO LEWICKI pontifica que a concepção de boafé subjetiva ligada ao voluntarismo e ao individualismo que informam o nosso Código Civil é insuficiente perante as novas exigências criadas pela sociedade moderna Para além de uma análise de uma possível máfé subjetiva no agir investigação eivada de dificuldades e incertezas fazse necessária a consideração de um patamar geral de atuação atribuível ao homem médio que pode ser resumido no seguinte questionamento de que maneira agiria o bonus pater familiae ao depararse com a situação em apreço Quais seriam as suas expectativas e as suas atitudes tendo em vista a valoração jurídica histórica e cultural do seu tempo e de sua comunidade 306 A resposta a estas últimas indagações portanto encontrase na definição da boafé objetiva que conforme já vimos consiste em um princípio vinculado a uma imprescindível regra de comportamento umbilicalmente ligada à eticidade que se espera seja observada em nossa ordem social A título de arremate vale observar que não deixamos de notar que o termo princípio da boafé objetiva em si pode apresentar um conteúdo pleonástico já que se é princípio somente pode ser o da boafé objetiva já que a boafé subjetiva não é princípio Melhor seria sem dúvida nominálo apenas de princípio da boafé mas manteremos a utilização consagrada pelo uso para não provocar maiores polêmicas e por conta da indiscutível consagração em nosso sistema Livrandonos das amarras excessivamente tecnicistas da teoria clássica cabenos fazer uma releitura da estrutura obrigacional revista à luz dessa construção ética para chegarmos à inafastável conclusão de que o contrato não se esgota apenas na obrigação principal de dar fazer ou não fazer Ladeando pois esse dever jurídico principal a boafé objetiva impõe também a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção não menos relevantes a exemplo dos deveres de lealdade e confiança assistência confidencialidade ou sigilo informação etc Tais deveres é importante registrar são impostos tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo da relação jurídica obrigacional pois referemse em verdade à exata satisfação dos interesses envolvidos na obrigação assumida por força da boafé contratual Assim passaríamos a ter o seguinte esquema Uma ressalva entretanto há de ser feita Ao consignarmos a boafé objetiva como fundamento desses deveres de proteção concebemos esse fundamento sob o prisma de sua função normatizadora de tais direitos A boafé objetiva pois é o princípio ou norma reguladora desses deveres cuja enumeração não pode ser considerada taxativa 307 Com isso querse dizer que não se poderia obviamente na investigação da causa genética de tais deveres anexos prescindir dos fatos materiais de que são originados as negociações preliminares o contrato o fim do negócio etc Nesse sentido é o pensamento do culto MENEZES CORDEIRO em obra clássica sobre o tema A boafé apenas normatiza certos factos que estes sim são fonte mantenhase o paralelo com a fenomenologia da eficácia negocial a sua fonte reside não na norma que mande respeitar os negócios mas no próprio negócio em si E mais adiante complementa O Direito obriga então a que nessas circunstâncias as pessoas não se desviem dos propósitos que em ponderação social emerjam da situação em que se achem colocadas não devem assumir comportamentos que a contradigam deveres de lealdade nem calar ou falsear a actividade intelectual externa que informa a convivência humana deveres de informação Embora as estrutura e teleologia básicas sejam as mesmas adivinhase a presença de concretizações diversas consoante os fatos que lhes deem origem 308 362 Funções da boafé objetiva Nesse diapasão cumprenos observar ainda que a doutrina destaca as seguintes funções da boafé objetiva a função interpretativa e de colmatação b função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção c função delimitadora do exercício de direitos subjetivos Vamos compreender cada uma dessas funções nos próximos subtópicos 3621 Função interpretativa e de colmatação A função interpretativa é de todas a mais conhecida por nossa doutrina O aplicador do direito tem na boafé objetiva um referencial hermenêutico dos mais seguros para que possa extrair da norma objeto de sua investigação o sentido moralmente mais recomendável e socialmente mais útil Guarda pois essa função íntima conexão com a diretriz consagrada na regra de ouro do art 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro segundo a qual o juiz ao aplicar a lei deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum E essa base legal interpretativa encontrase no art 113 do Código Civil Art 113 Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boafé e os usos do lugar de sua celebração Comentando esse dispositivo pondera MIGUEL REALE que em todo ordenamento jurídico há artigoschave isto é normas fundantes que dão sentido às demais sintetizando diretrizes válidas para todo o sistema E mais adiante acrescenta Com razão o supratranscrito art 113 dá preferência aos negócios jurídicos para fixar as diretrizes hermenêuticas da eticidade e da socialidade 309 Na mesma linha a boafé serve ainda como suporte de colmatação para orientar o magistrado em caso de integração de lacunas A esse respeito pontifica o magistral CLÓVIS DO COUTO E SILVA o princípio da boafé revela se como delineador do campo a ser preenchido pela interpretação integradora pois da perquirição dos propósitos e intenções dos contratantes pode manifestarse a contrariedade do ato aos bons costumes ou à boafé 310 3622 Função criadora de deveres jurídicos anexos Mas a boafé objetiva tem também a importante função criadora de deveres anexos ou de proteção Consoante vimos acima esta função criadora não dispensa a convergência de um acontecimento que dê causa a tais deveres Vale repisar a boafé objetiva atua como fundamento normativo e não propriamente fático desses deveres Por óbvio não poderíamos nessa linha de intelecção pretender esgotar todos esses deveres uma vez que a sua enumeração não é exaustiva Apenas a título de ilustração citemse os deveres mais conhecidos a lealdade e confiança recíprocas b assistência c informação d sigilo ou confidencialidade Todos eles sem dúvida derivados da força normativa criadora da boafé objetiva São em verdade deveres invisíveis ainda que juridicamente existentes Compreendamos e exemplifiquemos esses deveres reiterando mais uma vez que este rol não é taxativo 36221 Deveres de lealdade e confiança recíprocas Quando se fala em deveres de lealdade e confiança recíprocas costumase denominálos deveres anexos gerais de uma relação contratual Isso porque lealdade nada mais é do que a fidelidade aos compromissos assumidos com respeito aos princípios e regras que norteiam a honra e a probidade Ora se isso não estiver implícito em qualquer relação jurídica não se sabe o que poderia estar A ideia de lealdade infere o estabelecimento de relações calcadas na transparência e enunciação da verdade com a correspondência entre a vontade manifestada e a conduta praticada bem como sem omissões dolosas o que se relaciona também com o dever anexo de informação para que seja firmado um elo de segurança jurídica calcada na confiança das partes que pretendem contratar com a explicitação a mais clara possível dos direitos e deveres de cada um Confiança nesse sentido de crença na probidade moral de outrem é algo portanto que não se outorga por decreto mas sim que se conquista justamente pela prática de uma conduta leal ou se pressupõe em uma sociedade que se pretende reconhecer como civilizada 36222 Dever de assistência O dever de assistência também conhecido como dever de cooperação se refere à concepção de que se o contrato é feito para ser cumprido aos contratantes cabe colaborar para o correto adimplemento da sua prestação principal em toda a sua extensão A esse dever se liga pela negativa consequentemente o de não dificultar o pagamento por parte do devedor ou o recebimento do crédito pelo sujeito ativo da relação obrigacional No ensinamento de PAULO ROBERTO NALIN O dever de cooperação de outra forma se reporta à obrigação de se facilitar o cumprimento obrigacional com base nos critérios e limites usuais ditados pelos usos costumes e boafé A cooperação é encarada no mais em um duplo sentido apesar de sua natural tendência de favorecimento ao devedor exigindo de ambos os contratantes uma postura de solidariedade 311 36223 Dever de informação Tratase de uma imposição moral e jurídica a obrigação de comunicar à outra parte todas as características e circunstâncias do negócio e bem assim do bem jurídico que é seu objeto por ser imperativo de lealdade entre os contraentes Discorrendo sobre o tema no campo do Direito do Consumidor adverte o culto Professor da Faculdade de Direito de Buenos Aires CARLOS GHERSI realçando os seus campos de aplicação La información aparece cumpliendo una función de transcendencia así en la toma de decisiones aspecto psicológico en la conve niencia o utilidad de los precios y o sus financiamientos aspectos económicos la cobertura o satisfacción de una necesidad aspecto antropológico la defensa o tutela del consumidor aspecto jurídico etc sin embargo no podemos afirmar o fundamentar con firmeza y convicción que socialmente esto sea satisfactorio 312 Mas devemos registrar que este referido dever anexo também é exigível nos contratos civis em geral e não apenas nos negócios celebrados no âmbito do Direito do Consumidor 36224 Dever de sigilo ou confidencialidade Figuremos aqui também um exemplo para o seu adequado entendimento Em um determinado contrato firmado entre as empresas OLIVEIRA e TIGÓ para fornecimento de ração de pássaros não se consignou cláusula no sentido de que as partes contratantes não poderiam durante a vigência do contrato ou mesmo após divulgar dados ou informações uma da outra Ora ainda que não haja estipulação nesse sentido é forçoso convir que a boafé objetiva impõe que se observe o dever de sigilo ou confidencialidade entre ambas É imperativo lógico da lealdade que deve ser observada entre as contratantes resguardando direito da personalidade 3623 Função delimitadora do exercício de direitos subjetivos Finalmente temos ainda a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos Por meio da boafé objetiva visase a evitar o exercício abusivo dos direitos subjetivos Aliás no atual sistema constitucional em que se busca o desenvolvimento socioeconômico sem desvalorização da pessoa humana não existe mais lugar para a tirania dos direitos Por isso de uma vez por todas não se pode mais reconhecer legitimidade ou se dar espaço às denominadas cláusulas leoninas ou abusivas algumas são tão terríveis que as denominamos jocosamente em nossas aulas zoológicas quer se trate de um contrato de consumo quer se trate de um contrato civil em geral É o exemplo do dispositivo contratual que preveja a impossibilidade de se aplicarem as normas da teoria da imprevisão da onerosidade excessiva em benefício da parte prejudicada Em tal caso temos convicção de que essa previsão além de iníqua viola a função social do contrato e a boafé objetiva por ser inegavelmente abusiva Cabe portanto à boafé também essa função delimitadora Referindose a essa função CRISTOPH FABIAN adverte que aí se encontra o problema do abuso de direito Todo o direito é delimitado pela boafé Fora ou contra a boafé não existe nenhum direito subjetivo Tais interesses jurídicos não merecem proteção O exemplo mais significante para a limitação de direitos pela boafé é o art 51 do CDC 313 Finalmente após passarmos em revista os artigos que dão sustentação ao sistema da boafé objetiva do Código Civil especialmente o art 113 chegamos ao ponto em que devemos analisar aquele que reputamos o mais importante desses dispositivos Importante não no sentido de haver uma hierarquia entre as normas legais consagradas no atual Código Civil Não é isso Mas no sentido de que se trata de um dispositivo que intimamente unido à diretriz legal impositiva da função social do contrato art 421 cuida expressamente da boafé objetiva como princípio de direito Tratase do art 422 Art 422 Os contratantes são obrigados a guardar assim na conclusão do contrato como em sua execução os princípios de probidade e boafé Notese que o legislador tratou a observância dos princípios de probidade e boafé como verdadeira obrigação dos contratantes Falhou entretanto ao prever que a boafé somente seria observável quando da conclusão e durante a execução do contrato Não é bem assim Deverá esse princípio que veio delineado no Código como cláusula geral incidir mesmo antes e após a execução do contrato isto é nas fases pré e póscontratual Isso mesmo Mesmo na fase das tratativas preliminares das primeiras negociações da redação da minuta a denominada fase de puntuação a boafé devese fazer sentir A quebra portanto dos deveres éticos de proteção poderá culminar mesmo antes da celebração da avença na responsabilidade civil do infrator Por isso embora imperfeita a atual redação legal não hesitamos em afirmar que com base no macroprincípio constitucional da dignidade da pessoa humana a boafé objetiva deve ser observada também nas mencionadas fases anteriores e posteriores à celebração e cumprimento da avença Pensar em sentido contrário seria defender em última análise que o sistema positivo brasileiro admitiria em tais fases a prática de condutas desleais somente sancionandoas na fase contratual o que nos parece um absurdo Discorrendo a respeito ainda na época da tramitação do Projeto do Código Civil vejamos o que escreveu JUNQUEIRA DE AZEVEDO em excelente artigo sobre o tema demonstrando que independentemente da sua positivação expressa tal princípio não deve ser desprezado 314 o art 421 se limita ao período que vai da conclusão do contrato até a sua execução Sempre digo que o contrato é um certo processo em que há um começo prosseguimento meio e fim Temos fases contratuais fase précontratual contratual propriamente dita e pós contratual Uma das possíveis aplicações da boafé é aquela que se faz na fase précontratual fase essa em que temos as negociações preliminares as tratativas É um campo propício para o comportamento de boafé no qual ainda não há contrato e podemse exigir aqueles deveres que uma pessoa deve ter como correção de comportamento em relação ao outro Cito um caso entre a Cica e plantadores de tomate no Rio Grande do Sul no qual em pelo menos 4 acórdãos o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu que a Companhia Cica havia criado expectativas nos possíveis contratantes pequenos agricultores ao distribuir sementes para que plantassem tomates e depois errou ao se recusar a comprar a safra dos tomates Houve então prejuízo dos pequenos agricultores baseado na confiança despertada antes do contrato fase précontratual Logo o caso do art 421 deveria também falar em responsabilidade précontratual ou extensão do comportamento de boafé na fase précontratual Faço um parêntese para exemplificar transformando em hipótese o que li nos jornais de hoje sobre o caso da Ford com o Governador do Rio Grande do Sul A Ford durante os dois anos em que teria procurado montar a sua indústria certamente teve muitos gastos e de repente o negócio não teria sido efetivado O problema da responsabilidade précontratual é justamente esse qual seja o dos gastos que se fazem antes do contrato e quando há a ruptura Se essa hipótese da Ford for précontratual no caso suponho ter havido algum contrato anterior mas se não houvesse e se fosse apenas um problema de negociações antes de qualquer efetivação do negócio haveria dois pressupostos da responsabilidade précontratual a confiança na realização do futuro negócio e o investimento na confiança Faltariam talvez outros dois pressupostos o de poder atribuir uma justificação à confiança que alguém teve e em segundo lugar o de que essa confiança tenha sido causada pela outra parte Assim poderíamos duvidar se o Governador chegou a criar essa confiança e portanto provocou a despesa da indústria e ainda se a indústria não confiou demais e assim por diante São problemas em aberto mas de qualquer maneira o meu primeiro ponto sobre a responsabilidade précontratual é que há uma omissão do Projeto de Código Civil no artigo em causa E ainda sobre a quebra da boafé objetiva na fase póscontratual complementa Isso também é assunto que a doutrina tem tratado a chamada responsabilidade póscontratual ou post pactum finitum Darei três exemplos para comprovação de que após o contrato encerrado ainda há possibilidade de exigir boafé dos contratantes 1 O proprietário de um imóvel vendeuo e o comprador o adquiriu por este ter uma bela vista sobre um vale muito grande construindo ali uma bela residência que valia seis vezes o valor do terreno A verdade é que o vendedor gabou a vista e aí fez a transferência do imóvel para o comprador negócio acabado Depois o exproprietário o vendedor foi à prefeitura municipal verificou que não havia a possibilidade de construir um prédio em frente mas adquiriu o prédio em frente ao que tinha vendido e conseguiu na prefeitura a alteração do plano diretor da cidade permitindo ali uma construção Quer dizer ele construiu um prédio que tapava a vista do próprio terreno que havia vendido ao outro esse não era ato literalmente ilícito Ele primeiramente vendeu cumpriu a sua parte Depois comprou outro terreno foi à prefeitura mudou o plano e aí construiu A única solução para o caso é aplicar a regra da boafé Ele faltou com a lealdade no contrato que já estava acabado É portanto post pactum finitum 2 Uma dona de boutique encomendou a uma confecção de roupas 120 casacos de pele A confecção fez os casacos vendeuos e os entregou para essa dona da boutique Aí liquidado esse contrato a mesma confecção fez mais 120 casacos de pele idênticos e vendeu os para a dona da boutique vizinha Há também evidentemente deslealdade e post pactum finitum 3 Um indivíduo queria montar um hotel e procurou o melhor e mais barato carpete para colocar no seu empreendimento Conseguiu uma fornecedora que disse ter o preço melhor mas que não fazia a colocação Ele pediu então à vendedora a informação de quem poderia colocar o carpete A firma vendedora indicou o nome de uma pessoa que já tinha alguma prática na colocação do carpete mas não disse que o carpete que estava fornecendo para esse empresário era de um tipo diferente O colocador do carpete pôs uma cola inadequada e semanas depois todo o carpete estava estragado A vendedora dizia cumpri a minha parte no contrato entreguei recebi o preço o carpete era esse fiz favor indicando um colocador Segundo a regra da boafé ela não agiu com diligência porque no mínimo deveria tê lo alertado uma espécie de dever de informar e de cuidar depois de o contrato ter terminado a propósito do novo tipo de carpete Há responsabilidade póscontratual Portanto o art 421 está insuficiente pois só fala em conclusão o momento em que se faz o contrato e execução Não fala nada do que está para depois nem falava do que estava antes Finalmente ainda a propósito das insuficiências o artigo fala apenas em execução no momento final e muitas vezes o caso na verdade não chega a ser de execução mesmo que dilatemos a expressão em português execução 315 Em conclusão verificamos que os deveres anexos ou de proteção gerarão efeitos que subsistirão à própria vigência do contrato em si caracterizando aquilo que a doutrina convencionou chamar de pós eficácia das obrigações Inserese a póseficácia das obrigações no âmbito da função integrativa da boafé objetiva como um dever lateral de lealdade pontifica MAURICIO JORGE MOTA Os deveres laterais de conduta inerentes à boafé são deveres funcionalizados ao fim do contrato e como tal surgem e se superam no desenvolvimento da situação contratual como uma totalidade autonomizandose em relação ao dever de prestação principal para assegurarem o correto implemento do escopo do contrato Assim podem subsistir deveres póseficazes ao término do adimplemento do contrato no interesse da correta consecução deste 316 Exemplificando essa subsistência dos deveres anexos mesmo após a execução do contrato como desdobramento de eficácia da boafé objetiva transcrevemos ainda as sábias palavras de COUTO E SILVA Entre os deveres que permanecem mesmo depois de extinta a relação principal pode ser mencionado o dever do sócio que se retira de uma sociedade que tem em consequência extinto seu vínculo jurídico de evitar prejudicar com a sua atividade o funcionamento da sociedade de que participou revelando circunstância que só podia conhecer em razão de sua qualidade de sócio Outro exemplo é o dever de empregado que nessa qualidade tomou conhecimento de alguma circunstância relevante como um segredo de fabricação de não leválo ao conhecimento por exemplo de uma firma concorrente mesmo após ter sido despedido 317 Notase à luz desses ensinamentos que uma vez reconhecida a pré e póseficácia dos deveres anexos derivados da boafé o que expressamente propugnamos o art 422 sob comento é indubitavelmente deficiente por circunscreverse ao período de vigência contratual 363 Desdobramentos da boafé objetiva Compreendida a noção da boafé objetiva em matéria contratual a sua aplicação pragmática gera importantes efeitos nos mais diferentes campos Tais repercussões práticas podem ser sistematizadas em algumas locuções de uso corrente no dia a dia das lides forenses consistentes em figuras parcelares expressão que deve ser entendida como argumentações usuais para decisões com fundamentação tópica Como bem observa LUCIANO DE CAMARGO PENTEADO A boafé segundo a insuperável classificação feita por Menezes Cordeiro ao tratar do exercício inadmissível das posições jurídicas apresentaria oito figuras parcelares ou seja tipos de argumentos recorrentes com vistas a sua aplicação tópica Entre eles estariam o venire contra factum proprium o tu quoque a exceptio doli desdobrada em exceptio doli generalis e exceptio doli specialis a inalegabilidade das nulidades formais o desequilíbrio no exercício jurídico a supressio e a surrectio Sendo figuras parcelares de uma cláusula geral e não noções próprias de uma definição conceitual é preciso desde já salientar que em sua aplicação não é necessário que todos os pressupostos estejam presentes havendo a possibilidade de se julgar não em termos de tudo ou nada mas em termos de um mais e de um menos Do mesmo modo determinada situação jurídica pode ser reconduzida a mais de uma das figuras parcelares da boa fé porque estas gozam de certa plasticidade Todas entretanto resultam da incidência do CC 422 em matéria de contratos e de direito das obrigações São tipos em torno dos quais é possível agrupar os casos que tratem do tema da boafé objetiva Como tipos permitem esta qualificação móvel 318 Tais figuras parcelares também chamadas de função reativa 319ou de subprincípios da boafé objetiva consistem em verdadeiros desdobramentos da boafé objetiva de relevantíssima utilização independentemente da denominação utilizada Assim ousando ressistematizar para meros efeitos didáticos no nosso sistema normativo a classificação do grande professor português apresentamos a seguir aqueles que consideramos os principais efeitos do desdobramento do princípio da boafé objetiva 320 3631 Venire contra factum proprium A primeira repercussão pragmática da aplicação do princípio da boafé objetiva reside na consagração da vedação do comportamento contraditório Na tradução literal venire contra factum proprium significa vir contra um fato próprio Ou seja não é razoável admitirse que uma pessoa pratique determinado ato ou conjunto de atos e em seguida realize conduta diametralmente oposta Partese da premissa de que os contratantes por consequência lógica da confiança depositada devem agir de forma coerente segundo a expectativa gerada por seus comportamentos Bom exemplo deriva do art 330 do Código Civil em que o credor que aceitou durante a execução de pacto de trato sucessivo o pagamento em lugar diverso do convencionado não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato para alegar descumprimento A ideia inclusive pode ser desdobrada para o tempo do cumprimento do contrato em que a tolerância habitual de determinado atraso sem oposição impede a cobrança de sanção pela mora do período 3632 Supressio A expressão supressio também é um importante desdobramento da boafé objetiva Decorrente da expressão alemã Verwirkung 321 consiste na perda supressão de um direito pela falta de seu exercício por razoável lapso temporal Tratase de instituto distinto da prescrição que se refere à perda da própria pretensão Na figura da supressio o que há é metaforicamente um silêncio ensurdecedor ou seja um comportamento omissivo tal para o exercício de um direito que o movimentarse posterior soa incompatível com as legítimas expectativas até então geradas Assim na tutela da confiança um direito não exercido durante determinado período por conta desta inatividade perderia sua eficácia não podendo mais ser exercitado Nessa linha à luz do princípio da boafé o comportamento de um dos sujeitos geraria no outro a convicção de que o direito não seria mais exigido O exemplo tradicional de supressio é o uso de área comum por condômino em regime de exclusividade por período de tempo considerável que implica a supressão da pretensão de cobrança de aluguel pelo período de uso Embora evidentemente próximo há diferença da supressio para a prescrição pois enquanto esta subordina a pretensão apenas pela fluência do prazo aquela depende da constatação de que o comportamento da parte não era mais aceitável segundo o princípio da boafé Da mesma forma há evidente proximidade da supressio e do venire contra factum proprium não sendo desarrazoado vislumbrálos em uma relação de gênero venire e espécie supressio Todavia vale destacar que a supressio se refere exclusivamente a um comportamento omissivo ou seja à não atuação da parte gerando a ineficácia do direito correspondente 3633 Surrectio Costumamos afirmar em sala de aula que a surrectio é o outro lado da moeda da supressio Com efeito se na figura da supressio vislumbrase a perda de um direito pela sua não atuação evidente o instituto da surrectio se configura no surgimento de um direito exigível como decorrência lógica do comportamento de uma das partes O art 330 do CC2002 pode ser considerado um didático exemplo De fato se o credor aceitou durante a execução do contrato que o pagamento se desse em lugar diverso do convencionado há tanto uma supressio do direito do credor de exigir o cumprimento do contrato quanto uma surrectio do devedor de exigir que o contrato seja agora cumprido no novo lugar tolerado 3634 Tu quoque Tu quoque Brutus fili mi A célebre frase historicamente atribuída a Júlio César pela constatação da traição de seu filho Brutus dá nome também a um dos mais comuns desdobramentos do princípio da boafé objetiva A aplicação do tu quoque se constata em situações em que se verifica um comportamento que rompendo com o valor da confiança surpreende uma das partes da relação negocial colocandoa em situação de injusta desvantagem Um bom exemplo é a previsão do art 180 do CC2002 que estabelece que o menor entre dezesseis e dezoito anos não pode para eximirse de uma obrigação invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte ou se no ato de obrigarse declarouse maior Outro bom exemplo desse desdobramento do princípio da boafé objetiva reside no instituto do exceptio non adimpleti contractus Se a parte não executou a sua prestação no contrato sinalagmático não poderá exigir da outra parte a contraprestação 3635 Exceptio doli A exceção dolosa conhecida como exceptio doli consiste em um desdobramento da boafé objetiva que visa a sancionar condutas em que o exercício do direito tenha sido realizado com o intuito não de preservar legítimos interesses mas sim de prejudicar a parte contrária Uma aplicação deste desdobramento é o brocardo agit qui petit quod statim redditurus est em que se verifica uma sanção à parte que age com o interesse de molestar a parte contrária e portanto pleiteando aquilo que deve ser restituído É o exemplo no direito positivo brasileiro do art 940 do CC2002 que preceitua que aquele que demandar por dívida já paga no todo ou em parte sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido ficará obrigado a pagar ao devedor no primeiro caso o dobro do que houver cobrado e no segundo o equivalente do que dele exigir salvo se houver prescrição Outro exemplo de aplicação é a figura do assédio processual consistente na utilização dos instrumentos processuais para simplesmente não cumprir a determinação judicial Tratase nas palavras da magistrada MYLENE PEREIRA RAMOS de situação processual de procrastinação por uma das partes no andamento de processo em qualquer uma de suas fases negando se a cumprir decisões judiciais amparandose ou não em norma processual para interpor recursos agravos embargos requerimentos de provas petições despropositadas procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária 63ª Vara do Trabalho de São Paulo Processo 02784200406302004 Vale registrar ainda que a doutrina esmiúça a exceptio doli em exceptio doli generalis e exceptio doli specialis Nesse ponto observa LUCIANO DE CAMARGO PENTEADO A exceptio doli specialis nada mais seria do que uma particularização da exceptio doli generalis referida a atos de caráter negocial e a atos dele decorrentes quando o primeiro houvesse sido obtido com dolo Assim a generalis como o próprio nome diz é gênero e a outra espécie A diferença específica encontrase nos casos em que a fonte da que dimana o possível direito é um negócio jurídico e não qualquer outra fonte O caráter excessivamente geral das duas figuras acaba por tornar sua aplicação perigosa em termos de segurança jurídica valor que parece preservado pelas figuras anteriormente consideradas na medida em que tem pressupostos concretos de verificação 322 3636 Inalegabilidade das nulidades formais A inalegabilidade das nulidades formais é a aplicação da regra de que ninguém se deve valer da própria torpeza como desdobramento do princípio da boafé objetiva Consiste também em uma aplicação específica do venire contra factum proprium vedando o comportamento contraditório em matéria de nulidade Tratase de um princípio amplamente abarcado na legislação brasileira notadamente no campo processual valendo lembrar por exemplo as regras do art 276 do CPC2015 323 e do art 796 b da Consolidação das Leis do Trabalho 324 3637 Desequilíbrio no exercício jurídico A menção ao desequilíbrio no exercício jurídico é nada mais nada menos do que o reconhecimento da função delimitadora do exercício de direitos subjetivos exercida pela boafé objetiva Com efeito o exercício desproporcional e por isso abusivo de direitos caracteriza um ato ilícito que não pode ser tolerado pelo ordenamento jurídico 3638 Cláusula de Stoppel Finalmente como último desdobramento do princípio da boafé objetiva vale registrar a figura conhecida como Cláusula de Stoppel ou Cláusula de Estoppel 325 Tratase de uma expressão típica do direito internacional em que se busca preservar a boafé e com isso a segurança das relações jurídicas neste importante campo Consiste em síntese na vedação do comportamento contraditório no plano do Direito Internacional Na observação de Rodrigo Murad do Prado No caso das Atividades Militares na Nicarágua o stoppel foi arguido pelos Estados Unidos tendo a Corte rejeitado este argumento lembrando que não basta que um Estado tenha aceitado de uma maneira clara e constante um regime jurídico ou um princípio tornando se ainda mais necessário que o seu comportamento tenha levado a um outro ou outros Estados fundamentados nesta atitude a modificar a sua posição em seu prejuízo ou a sofrer um prejuízo 326 Configurase portanto como uma aplicação pragmática da boafé objetiva em relações internacionais desde que a situação de prejuízo por quebra da confiança seja como visto de possível constatação XIV FORMAÇÃO DOS CONTRATOS 1 NOÇÕES BÁSICAS Em geral o contrato é negócio jurídico bilateral decorrente da convergência de manifestações de vontade contrapostas 327 Caio parte 1 por exemplo manifestando o seu sério propósito de contratar apresenta uma proposta ou oferta a Tício parte 2 que após analisála aquiesce ou não com ela Caso haja aceitação as manifestações de vontade fazem surgir o consentimento 328 consistente no núcleo volitivo contratual 329 Notese entretanto que até a formação do contrato por meio do consentimento firmado os interesses dos contraentes são contrários Tomese o exemplo de um contrato de compra e venda O vendedor quer vender pelo preço mais alto e o comprador quer comprar pelo preço mais baixo Nessa linha superada a fase das tratativas preliminares formulase uma proposta interessante também para o comprador que aquiescendo culmina por fechar o negócio Com precisão o sempre lembrado CLÓVIS BEVILÁQUA sintetiza o iter de formação de um contrato salientando os seus reflexos psíquicos de constituição Eu sintome inclinado a comprar um objecto que vi e do qual me convém ser proprietário Resisto ou cedo logo ao impulso do desejo que me arrasta para o objecto discuto as vantagens e desvantagens da obtenção e afinal minha vontade cedendo à solicitação dos motivos mais fortes vae a traduzirse em acto Supponho que venceu o desejo de possuir o objecto em questão começo a externar a minha volição propondo a alguém que possue o que eu ambiciono que se resolva a mo ceder Na mente desse alguém suscitará a minha proposta as mesmas phases da elaboração psychica porque o pensamento passou em meu espírito até que sua vontade convirja ou não para o ponto em que estacionou a minha Se convergir será nossos interesses ou o que se nos afigura tal realizaram seu encontro harmônico achamse em congruência actual Para mim era mais útil no momento possuir o objecto em questão do que a somma a desembolsar ou o serviço a prestar para o possuidor do objecto era mais vantajoso do que possuílo receber o que eu lhe oferecia Com a manifestação em divergência de nossa vontade iniciase o contracto 330 sic Vêse com isso que o nascimento de um contrato segue um verdadeiro iter ou processo de formação cujo início é caracterizado pelas negociações ou tratativas preliminares denominada fase de puntuação até que as partes chegam a uma proposta definitiva seguida da imprescindível aceitação Somente nesse instante com a junção desses dois elementos PROPOSTA à ACEITAÇÃO o contrato estará finalmente formado Em síntese pois teríamos 2 FASE DE PUNTUAÇÃO NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES A fase de puntuação consoante anotamos acima consiste no período de negociações preliminares anterior à formação do contrato É neste momento prévio que as partes discutem ponderam refletem fazem cálculos estudos redigem a minuta do contrato enfim contemporizam interesses antagônicos para que possam chegar a uma proposta final e definitiva No dizer de GUILLERMO BORDA Muchas veces las tratativas contractuales se desenvuelven a través de un tiempo más o menos prolongado sea porque el negocio es complejo y las partes quieren estudiarlo en todas sus consecuencias o porque quien lo firma no tiene poderes suficientes o por cualquier otro motivo 331 A característica básica desta fase é justamente a não vinculação das partes a uma relação jurídica obrigacional Como destaca CARLYLE POPP A principal característica desta fase de negociações preliminares é a não obrigatoriedade Isto porque realizar negociações é um direito concedido pelo ordenamento de natureza constitucional que autoriza a livre celebração de negócios jurídicos Optar pela celebração ou não é um direito que assiste a cada um dos negociantes Este direito voltase a dizer é cada vez mais limitado limitação esta diretamente proporcional ao incremento da boafé objetiva nas relações jurídicas Não celebrar o negócio jurídico é um direito que assiste ao tratante desde que aja dentro dos limites da boafé e não viole a confiança alheia 332 Esta é em nossa opinião uma das mais sensíveis diferenças ao se propugnar por uma nova visão da teoria geral dos contratos De fato ninguém é obrigado a contratar Todavia ao se dar início a um procedimento negociatório é preciso observar sempre se a depender das circunstâncias do caso concreto já não se formou uma legítima expectativa de contratar Dizer portanto que há direito subjetivo de não contratar não quer dizer que os danos daí decorrentes não devam ser indenizados dependendo da circunstância do caso concreto na perspectiva do princípio da boafé objetiva Apenas a título exemplificativo podemos pensar na ideia de reparação dos prejuízos da parte que efetivou gastos na certeza da celebração do negócio se todos os indícios da negociação iam nesse sentido Outro importante ponto deve ainda ser ressaltado Esses atos preparatórios característicos da fase de puntuação não se identificam com o denominado contrato preliminar a exemplo de uma promessa de compra e venda A promessa de contrato também denominada précontrato ou contrato preliminar é aquele negócio jurídico que tem por objeto a obrigação de fazer um contrato definitivo O exemplo mais comum é o compromisso de venda o qual como se sabe pode inclusive gerar direito real Cuidase de modalidade contratual que deverá conter todos os requisitos essenciais ao contrato definitivo com exceção da forma e cujo regramento encontrase nos arts 462 a 466 do Código de 2002 Claro que pactuandose o contrato preliminar a responsabilização do infrator será muito mais facilitada por já existir previamente um título que servirá de base ao pleito da parte prejudicada pelo inadimplemento da outra Caso não seja celebrada a promessa a parte prejudicada poderá outrossim buscar a compensação devida provando no caso a ocorrência de uma legítima expectativa de pactuação com base na boafé objetiva gerando prejuízos que devem ser reparados 3 PROPOSTA DE CONTRATAR A proposta também denominada policitação consiste na oferta de contratar que uma parte faz à outra com vistas à celebração de determinado negócio daí aquele que apresenta a oferta é chamado de proponente ofertante ou policitante Tratase de uma declaração receptícia de vontade que para valer e ter força vinculante deverá ser séria e concreta ainda que verbal Meras conjecturas ou declarações jocosas não traduzem proposta juridicamente válida e exigível Da mesma forma a seriedade da proposta deve ser analisada com bastante cuidado para que ela não seja confundida com uma simples oferta de negociações preliminares 333 O Código Civil ao discorrer sobre o tema na Seção II do Capítulo I do Título V Da Formação dos Contratos embora não haja elencado os seus elementos constitutivos disciplinoua nos seguintes termos Art 427 A proposta de contrato obriga o proponente se o contrário não resultar dos termos dela da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso Observese portanto que a proposta de contratar obriga o proponente ou policitante que não poderá voltar atrás ressalvadas apenas as exceções capituladas na própria lei arts 427 e 428 Cuidase no caso do denominado princípio da vinculação ou da obrigatoriedade da proposta diretriz normativa umbilicalmente ligada ao dogma da segurança jurídica Da análise desse dispositivo concluímos que o legislador reconhece a perda da eficácia cogente da oferta nas seguintes situações a se o contrário a não obrigatoriedade resultar dos termos dela mesma é o caso de o proponente salientar quando da sua declaração de vontade oferta que reserva o direito de retratarse ou arrependerse de concluir o negócio Tal possibilidade entretanto não existirá nas ofertas feitas ao consumidor na forma da Lei n 807890 CDC b se o contrário a não obrigatoriedade resultar da natureza do negócio citese o exemplo seguindo o pensamento de CARLOS ROBERTO GONÇALVES das chamadas propostas abertas ao público que se consideram limitadas ao estoque existente 334 Podemos pensar também como um exemplo do dia a dia quando se oferece carona em sua moto a pessoas de um grupo contrato de transporte gratuito em que a oferta somente pode ser considerada válida ao primeiro que aceitar pela impossibilidade fática de carregar mais de um no veículo c se o contrário a não obrigatoriedade resultar das circunstâncias do caso nesse caso optou o legislador por adotar uma dicção genérica senão abstrata que dará ao juiz a liberdade necessária para aferir no caso concreto e respeitado o princípio da razoabilidade situação em que a proposta não poderia ser considerada obrigatória Complementando esse rol de exceções o codificador cuidou ainda de mencionar hipóteses de perda de força vinculante da proposta por força do decurso de lapso temporal entre a proposta e a aceitação É o prazo de validade da proposta 31 Prazo de validade da proposta Dispõe o art 428 do Código Civil Art 428 Deixa de ser obrigatória a proposta I se feita sem prazo a pessoa presente não foi imediatamente aceita Considerase também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante II se feita sem prazo a pessoa ausente tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente III se feita a pessoa ausente não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado IV se antes dela ou simultaneamente chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente Para que entendamos tais situações é preciso definir o que se entende por pessoa presente e pessoa ausente Presentes são as pessoas que mantêm contato direto e simultâneo uma com a outra a exemplo daquelas que tratam do negócio pessoalmente ou que utilizam meio de transmissão imediata da vontade como o telefone por exemplo Observese que em tais casos o aceitante toma ciência da oferta quase no mesmo instante em que ela é emitida Ausentes por sua vez são aquelas pessoas que não mantêm contato direto e imediato entre si caso daquelas que contratam por meio de carta ou telegrama correspondência epistolar Nessa linha de raciocínio poderemos considerar mutatis mutandis entre presentes o contrato celebrado eletronicamente em um chat salas virtuais de comunicação haja vista que as partes envolvidas mantêm contato direto entre si quando de sua formação e por outro lado entre ausentes aquele formado por meio do envio de mensagem eletrônica email pois nesse caso medeia um lapso de tempo entre a emissão da oferta e a resposta Tecidas tais considerações retornaremos à análise do art 428 sob comento o qual enumera as seguintes hipóteses de perda da eficácia obrigatória da proposta a se feita sem prazo a pessoa presente não foi imediatamente aceita ora se se trata de pessoas presentes inferese daí que a resposta ou aceitação deve ser imediata sob pena de perda de eficácia da oferta Notese que o legislador salienta considerar também presente a pessoa que contrata por telefone ou outro meio de comunicação semelhante o mencionado chat por exemplo b se feita sem prazo a pessoa ausente tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente neste caso a proposta é enviada sem referência a prazo e decorre tempo suficiente para a manifestação do aceitante que o deixa transcorrer in albis Interessante notar que o legislador ao referirse a tempo suficiente consagrou uma expressão que encerra conceito aberto ou indeterminado cabendo portanto ao julgador sempre de acordo com o princípio da razoabilidade aplicar da melhor forma a norma ao caso concreto Como parâmetro pode o juiz por exemplo considerar suficiente o período de tempo dentro do qual habitualmente em contratos daquela natureza costumase emitir a resposta c se feita a pessoa ausente não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado nessa hipótese a proposta é feita a pessoa ausente com definição de prazo e a aceitação não é expedida dentro do prazo dado Exemplo Caio envia correspondência a Tício propondolhe a celebração de determinado contrato consignando na própria carta o prazo de seis meses para a resposta aceitação Passamse os seis meses e a resposta não é expedida De tal forma perde a proposta a sua obrigatoriedade d se antes dela a proposta ou simultaneamente chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente aqui antes da proposta ou junto com ela chega ao conhecimento da outra parte a retratação ou o arrependimento do proponente caso em que a oferta perderá também a sua obrigatoriedade Fora dessas hipóteses arts 427 segunda parte e 428 portanto a proposta obriga o proponente e deverá ser devidamente cumprida caso haja a consequente aceitação 32 A oferta ao público O Código Civil de 2002 cuidou ainda de regular no art 429 a oferta ao público consistente na proposta de contratar feita a uma coletividade Nesse sentido dispôs que a oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos Vêse portanto que esta modalidade de oferta não se diferencia essencialmente das demais singularizandose apenas por se dirigir a um número indeterminado de pessoas Ademais desde que seja feita observandose os requisitos gerais de validade da proposta tornase obrigatória ressalvada a hipótese de as circunstâncias ou os usos descaracterizaremna como oferta Imaginese por exemplo que em uma determinada localidade muito distante seja secular o costume de anunciar produtos em alta voz apenas como técnica publicitária para atrair clientes à barraca do anunciante sendo que a proposta definitiva somente é feita pelo vendedor após a escolha do bem pretendido Finalmente vale notar que o mesmo dispositivo de lei admite a revogação da proposta se for feita pela mesma via de divulgação e desde que essa faculdade haja sido ressalvada na própria oferta Com isso querse dizer que se o proponente não reservou a faculdade de revogação dando inclusive ciência dela à outra parte não poderá exercêla Há entretanto um peculiar tipo de oferta comum nos dias de hoje e que merece a nossa redobrada atenção aquela operada por aparelhos automáticos de venda de produtos Sobre o tema manifestase com propriedade CAIO MÁRIO citando o pensamento de FRAN MARTINS Constitui ainda tipo peculiar de oferta a que resulta do processo técnico com a adoção de aparelhos automáticos nos quais a mercadoria é exposta e afixado o preço formandose o contrato com a introdução de moeda em uma ranhura outros contratos além da compra e venda celebramse pelo mesmo sistema como o transporte em trem subterrâneo pousada em motéis à margem das estradas venda de jornais etc O aparelho automático é que representa no caso o proponente o oblato é o público em geral 335 Em nosso sentir esta especial forma de contratação típica da sociedade em que vivemos é passível de concretização na medida em que se reconhece juridicidade à atuação do aparato mecânico o qual exerceria uma função semelhante à do núncio Não concebemos portanto que o mecanismo eletrônico ou mecânico seja admitido como representante da empresa ou do empresário que o instalou uma vez que poderes de representação demandariam uma margem de voluntarismo e discernimento de que não dispõe Mas sem dúvida a máquina serve como transmissor da vontade do comerciante que fixa o preço as condições e instruções de venda e ainda assim anuncia ou deve anunciar a garantia do recebimento do produto ou a devolução do preço pago Por isso quando colocamos uma moeda em uma máquina de refrigerantes aceitamos uma proposta de contratar formulada pelo vendedor das mercadorias por meio de um mecanismo transmissor da sua vontade Outros aspectos acerca da proposta feita ao público consumidor serão vistos ainda neste capítulo quando tratarmos do tema à luz do Direito do Consumidor 33 Consequências jurídicas da morte do proponente Finalmente cumprenos indagar quais serão as consequências jurídicas da morte do proponente antes da celebração do contrato ou seja antes que o aceitante possa aquiescer com a oferta Não temos dúvida de que se a proposta feita puder ser cumprida a posteriori por não se referir a prestação infungível personalíssima a sua obrigatoriedade perdurará refletindose nos bens componentes do espólio desde que seja plenamente válida 336 Se entretanto o proponente vier a falir antes da aceitação da proposta concordamos com o culto DARCY BESSONE no sentido de que tal circunstância não o privaria da capacidade para contratar embora os contratos que celebre não sejam oponíveis à massa falida não podendo portanto prejudicar os seus credores Advirtase apenas que poderá o proponente falido encontrar na superveniência de sua falência razão para revogar a proposta e por outro lado poderá o próprio aceitante desistir se antever prejuízo ao negócio ou caso já tenha aceitado insciente da quebra poderá desligarse posteriormente do contrato 337 4 A ACEITAÇÃO A aceitação é a aquiescência a uma proposta formulada Tratase da manifestação de vontade concordante do aceitante ou oblato que adere à proposta que lhe fora apresentada Como se trata de atuação da vontade humana deverá ser externada sem vícios de consentimento como o erro o dolo a lesão ou a coação sob pena de o negócio vir a ser anulado Pressupõe da mesma forma a plena capacidade do agente se não for o caso de estar representado ou assistido na forma da legislação civil em vigor Cumprenos observar que se a aceitação for feita fora do prazo com adições restrições ou modificações importará em nova proposta Ou seja caso a aquiescência não seja integral mas feita intempestivamente ou com alterações restritivas ou ampliativas converterseá em contraproposta nos termos do art 431 do Código Civil 338 Nessa mesma linha se a aceitação por circunstância imprevista chegar tarde ao conhecimento do proponente este deverá comunicar o fato imediatamente ao aceitante sob pena de responder por perdas e danos art 430 Interessante esta última hipótese O referido dispositivo impõe ao proponente à luz da superior regra de boafé objetiva ainda que na fase précontratual o dever de informar ao aceitante que a sua manifestação de vontade chegou ao seu conhecimento tardiamente sob pena de em se omitindo vir a ser responsabilizado Imaginese por exemplo que Souza houvesse enviado a Frim uma proposta para a venda de uma tonelada de bananasdaterra Frim então dentro do prazo assinado responde aquiescendo com a oferta Ocorre que por circunstância imprevista a carta é extraviada e somente chega às mãos do proponentevendedor Souza sete dias após o final do prazo de resposta já tendo inclusive se comprometido a vender as bananas a um terceiro Geraldo Deverá pois neste caso comunicar imediatamente a Frim o recebimento tardio da sua resposta sob pena de ser civilmente responsabilizado pelos danos daí resultantes Tratase sem dúvida de norma clara e de inegável justiça que se afina com o princípio da eticidade valorizado pelo codificador Finalmente vale salientar que a aceitação poderá ser expressa ou tácita consoante se pode concluir da análise do art 432 do Código Civil Art 432 Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa ou o proponente a tiver dispensado reputarseá concluído o contrato não chegando a tempo a recusa Nesses casos o costume negocial ou até mesmo a dispensa do proponente fazem com que se admita a aceitação tácita se não chegar ao aceitante antes da conclusão do negócio a recusa do proponente Dificuldade há todavia na fixação do momento em que se reputa celebrado o contrato por se tratar de aceitação tácita Entretanto desde que haja prova nesse sentido início de atos executórios por exemplo o policitante não poderá mais se retratar 5 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ENTRE AUSENTES Importante questão a ser enfrentada diz respeito à formação do contrato entre ausentes especialmente o pactuado mediante correspondência epistolar Aliás como carecemos de uma disciplina específica dos contratos eletrônicos a matéria aqui exposta poderá mutatis mutandis ser adaptada àqueles negócios pactuados por email Fundamentalmente a doutrina criou duas teorias explicativas a respeito da formação do contrato entre ausentes 339 a teoria da cognição para os adeptos dessa linha de pensamento o contrato entre ausentes somente se consideraria formado quando a resposta do aceitante chegasse ao conhecimento do proponente b teoria da agnição dispensase que a resposta chegue ao conhecimento do proponente b1 à subteoria da declaração propriamente dita o contrato se formaria no momento em que o aceitante ou oblato redige datilografa ou digita a sua resposta Peca por ser extremamente insegura dada a dificuldade em se precisar o instante da resposta b2 à subteoria da expedição considera formado o contrato no momento em que a resposta é expedida b3 à subteoria da recepção reputa celebrado o negócio no instante em que o proponente recebe a resposta Dispensa como vimos sua leitura Tratase de uma subteoria mais segura do que as demais pois a sua comprovação é menos dificultosa podendo ser provada por exemplo por meio do AR aviso de recebimento nas correspondências Mas afinal qual seria a teoria adotada pelo nosso direito positivo CLÓVIS BEVILÁQUA autor do projeto do Código Civil de 1916 era nitidamente adepto da subteoria da expedição por reputála a mais razoável e a mais jurídica 340 Por isso boa parte da doutrina brasileira debruçandose sobre o art 1086 do Código revogado concluía tratarse de dispositivo afinado com o pensamento de BEVILÁQUA Art 1086 caput Os contratos por correspondência epistolar ou telegráfica tornamse perfeitos desde que a aceitação é expedida grifamos Na mesma linha se cotejarmos esse dispositivo com o correspondente do Código em vigor teremos a nítida impressão de que foi adotada a vertente teórica da expedição Art 434 Os contratos entre ausentes tornamse perfeitos desde que a aceitação é expedida exceto I no caso do artigo antecedente II se o proponente se houver comprometido a esperar resposta III se ela não chegar no prazo convencionado grifamos Notese entretanto que o referido dispositivo enumera situações em que o contrato não se reputará celebrado no caso do art 433 se o proponente se houver comprometido a esperar a resposta nesta hipótese o próprio policitante comprometeuse a aguardar a manifestação do oblato ou finalmente se a resposta não chegar no prazo assinado pelo policitante Ocorre que se observarmos a ressalva constante no inciso I desse artigo que faz remissão ao art 433 chegaremos à inarredável conclusão de que a aceitação não se reputará existente se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante Atentese para essa expressão se antes dela ou com ela CHEGAR ao proponente a retratação do aceitante Ora ao fazer tal referência o próprio legislador acabou por negar a força conclusiva da expedição para reconhecer que enquanto não tiver havido a RECEPÇÃO o contrato não se reputará perfeito pois antes do recebimento da resposta ou simultaneamente a esta poderá vir o arrependimento do aceitante Dada a amplitude da ressalva constante no art 433 que admite como vimos a retratação do aceitante até que a resposta seja recebida pelo proponente entendemos que o nosso Código Civil adotou a subteoria da recepção e não a da expedição Esse é o entendimento também de CARLOS ROBERTO GONÇALVES O art 434 do Código Civil acolheu expressamente a teoria da expedição ao afirmar que os contratos entre ausentes tornamse perfeitos desde que a aceitação é expedida Entretanto estabeleceu três exceções a no caso de haver retratação do aceitante b se o proponente se houver comprometido a esperar resposta e c se ela não chegar no prazo convencionado Ora se sempre é permitida a retratação antes de a resposta chegar às mãos do proponente e se ainda não se reputa concluído o contrato na hipótese de a resposta não chegar no prazo convencionado na realidade o referido diploma filiouse à teoria da recepção e não à da expedição 341 6 A PROPOSTA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Embora não seja objeto específico de nossa obra não poderíamos nos furtar de tecer breves considerações acerca da oferta ao público feita no âmbito do Direito do Consumidor por se tratar de tema atual e dos mais palpitantes O Código de Defesa do Consumidor Lei n 8078 de 1191990 regula no Capítulo V Das Práticas Comerciais Seção II a oferta feita ao mercado de consumo arts 30 a 35 342 Logo no art 30 o legislador cuidou de estabelecer com nitidez que as propostas feitas ao consumidor serão informadas pelo princípio da vinculação o que significa dizer que terão sempre uma carga de obrigatoriedade mais acentuada do que as ofertas em geral reguladas pelo Código Civil Art 30 Toda informação ou publicidade suficientemente precisa veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado Deverá ademais ser feita em língua portuguesa art 31 e com informações claras precisas e ostensivas Analisando aspectos do referido princípio ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN pontifica Dois requisitos básicos devem estar presentes para que o princípio atue Em primeiro lugar inexistirá vinculação se não houver exposição Uma simples proposta que mesmo colocada no papel não chegue ao conhecimento do consumidor não obriga o fornecedor Em segundo lugar a oferta informação ou publicidade deve ser suficientemente precisa isto é o simples exagero puffing não obriga o fornecedor É o caso de expressões exageradas que não permitem verificação objetiva como o melhor sabor o mais bonito o maravilhoso Contudo até essas expressões em alguns contextos podem ganhar precisão vinculando então o anunciante Por exemplo quando o fornecedor afirma ter o melhor preço da capital ou a garantia mais completa do mercado A utilização do puffing em relação ao preço impõe de regra a vinculação 343 Ademais tornando efetiva a tutela do consumidor o art 35 preceitua que se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta apresentação ou publicidade o consumidor poderá alternativamente e à sua escolha a exigir o cumprimento forçado da obrigação nos termos da oferta apresentação ou publicidade neste caso lançando mão sobretudo dos meios judiciais de tutela específica postos à sua disposição b aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente tratase de uma faculdade do consumidor e não um direito do fornecedor c rescindir o contrato com direito à restituição da quantia eventualmente antecipada monetariamente atualizada e a perdas e danos tratase em verdade de resolução de contrato por inadimplemento abrindose ao consumidor a possibilidade de pleitear a compensação devida atualizada segundo os índices oficiais em vigor Com isso vemos que a legislação consumerista imprimiu uma efetiva tutela no plano processual inclusive dos direitos dos consumidores afinandose assim com a nossa Lei Fundamental 7 LUGAR DA FORMAÇÃO DO CONTRATO Finalmente cumprenos lembrar ao nosso amigo leitor que nos termos do art 435 do Código Civil o contrato reputase celebrado no lugar em que foi proposto Tal regra longe de ser desnecessária afigurase útil especialmente quando surgirem questões atinentes à competência ou quando o juiz tiver de analisar usos e costumes do lugar onde o negócio fora pactuado Claro está entretanto que no caso da contratação eletrônica pela Internet nem sempre esta regra poderá ser aplicada com a devida segurança considerandose a frequente dificuldade de se precisar o local de onde partiu a proposta XV DAS ESTIPULAÇÕES CONTRATUAIS EM RELAÇÃO A TERCEIROS 1 INTRODUÇÃO A regra geral é que os contratos só devem gerar efeitos entre as próprias partes contratantes não dizendo respeito a priori a terceiros estranhos à relação jurídica contratual Assim por exemplo Valdir não tem nada a ver com o contrato celebrado entre Florisvaldo e Barbosa não podendo exigir para si o mesmo conteúdo contratual Todavia como toda regra parece comportar uma exceção e talvez esta regra também comporte exceções não é diferente com o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato Nos próximos tópicos abordaremos três modalidades de estipulações contratuais relacionadas com terceiros a saber a estipulação em favor de terceiro b promessa de fato de terceiro c contrato com pessoa a declarar Vamos a elas 2 ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO Por meio da estipulação em favor de terceiro ato de natureza essencialmente contratual uma parte convenciona com o devedor que este deverá realizar determinada prestação em benefício de outrem alheio à relação jurídicabase No Código Civil brasileiro a matéria é tratada de forma sucinta consoante se pode observar dos seguintes dispositivos Da Estipulação em Favor de Terceiro Art 436 O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação Parágrafo único Ao terceiro em favor de quem se estipulou a obrigação também é permitido exigila ficando todavia sujeito às condições e normas do contrato se a ele anuir e o estipulante não o inovar nos termos do art 438 Art 437 Se ao terceiro em favor de quem se fez o contrato se deixar o direito de reclamarlhe a execução não poderá o estipulante exonerar o devedor Art 438 O estipulante pode reservarse o direito de substituir o terceiro designado no contrato independentemente da sua anuência e da do outro contratante Parágrafo único A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade No dizer do culto CAIO MÁRIO a estipulação em favor de terceiro originase da declaração acorde do estipulante e do promitente com a finalidade de instituir um iuris vinculum mas com a peculiaridade de estabelecer obrigação de o devedor prestar em benefício de uma terceira pessoa a qual não obstante ser estranha ao contrato se torna credora do promitente 344 Nessa modalidade contratual especial as partes são chamadas de estipulante aquele que estabelece a obrigação e promitente ou devedor aquele que se compromete a realizála Já o terceiro ou beneficiário é o destinatário final da obrigação pactuada O exemplo mais comum desta figura jurídica é o seguro de vida Neste caso consumado o risco previsto na apólice a seguradora conforme estipulado com o segurado deverá pagar ao terceiro beneficiário o valor devido a título de indenização Álvaro Villaça Azevedo lembranos outro exemplo Também existe a estipulação ora cogitada quando um pai estipulante por exemplo determina a uma empresa promitente ou devedora de que é acionista que prometa pagar a seu filho beneficiário ou terceiro os dividendos correspondentes a suas ações na época em que forem devidos Basta que essa empresa concorde por seus legítimos dirigentes com tal estipulação para que esteja aperfeiçoado o contrato em favor de terceiro porque dessa avença não toma parte 345 Percebese com isso que o terceiro estranho ao negócio será por ele afetado situação esta que excepciona a regra geral da relatividade dos efeitos do contrato O principal efeito peculiar desta modalidade especial de contratação é a possibilidade de exigibilidade da obrigação tanto pelo estipulante quanto pelo terceiro Registrese porém que esta dupla possibilidade somente é aceitável se o terceiro anuir às condições e normas do contrato na forma do transcrito art 436 do CC2002 Assim anuindo o beneficiário com as condições e normas do contrato o que deve ser feito de forma expressa ou seja assumindo as obrigações dele decorrentes incorpora ao seu patrimônio jurídico o direito de exigir a prestação o que se infere da interpretação conjunta do mencionado dispositivo com o art 437 Dessa forma a lógica de quem pode o mais pode o menos deve ser temperada com a observância do direito adquirido pois se é lógico que quem estipula uma obrigação em favor de terceiro possa justamente por ser o contratante modificar o contrato tanto no seu conteúdo quanto ao destinatário também é imprescindível compreender que a exoneração do devedor mediante uma remissão por exemplo não poderá ofender direito do beneficiário Nesse sentido a faculdade de substituição deste deve ser em nosso sentir registrada explicitamente no contrato como estabelece o art 438 do CC2002 Nesse particular avulta a crítica da doutrina à previsão legal no que diz respeito a ausência de uma distinção quanto à onerosidade da avença em relação ao terceiro pois nada impede que esse assuma obrigações para ter direito ao benefício estipulado É o que menciona ÁLVARO VILLAÇA lembrando o saudoso SILVIO RODRIGUES Após mostrar a falta de harmonia no Código anterior valendo a crítica também para o novo entre esses artigos que tratam da estipulação estudada demonstra Silvio Rodrigues que faltou ao legislador brasileiro diferenciar entre estipulação a título gratuito e a título oneroso elucidando que no tocante ao parágrafo único do art 1098 parágrafo único do art 436 do novo Código colocamse ao terceiro ao lado das vantagens que lhe são concedidas obrigações Caso o beneficiário assuma estas em razão dos benefícios oferecidos concretizase o negócio sem que exista qualquer possibilidade de revogação ou modificação pelo estipulante sem que com isso concorde o terceiro Faz ver ainda esse professor que ante o art 1099 art 437 do novo Código se a estipulação for a título gratuito o estipulante só não a pode revogar se expressamente abriu mão desse direito ao conferir ao terceiro a prerrogativa de exigir o cumprimento da promessa se for a título oneroso não se compreende a exoneração do obrigado ou substituição do terceiro ou ainda outra modificação contratual entendo pois isso envolveria um prejuízo para este último sem qualquer causa que o justificasse Quanto ao art 1100 do Código anterior art 438 do Código Civil prossegue o mesmo professor em sua exegese só deve ser aplicado às estipulações graciosas dado que o terceiro com sua substituição não sofre prejuízo pois sua situação é de quem aguarda um benefício 346 3 PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO Além da previsão legal da estipulação em favor de terceiro admite o Código Civil brasileiro a possibilidade de estabelecimento de uma declaração de vontade na afirmação da realização de um ato por terceiro A expressão fato de terceiro consagrada no texto codificado nos parece um tanto imprópria tendo em vista que se trata da prática futura de uma conduta humana e não de um fato de coisa ou animal Tratase portanto de um negócio jurídico em que a prestação acertada não é exigida do estipulante mas sim de um terceiro estranho à relação jurídica obrigacional o que também flexibiliza o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato 31 Natureza jurídica Um tema pouco tratado na doutrina especializada é a natureza jurídica da promessa de fato de terceiro Em nosso entender parecenos bastante claro que se trata de um negócio jurídico submetido a um fator eficacial ou seja com um elemento acidental que limita não o debitum a relação obrigacional em si mesmo mas sim a obligatio a responsabilidade civil pelo descumprimento do contrato Expliquemos melhor Se Caio promete a Tício que o Professor Geraldo irá ministrar aulas em um curso preparatório para concursos caso o ilustre propedeuta não realize tal tarefa é óbvio que não tendo participado da avença não poderá ser compelido a fazêlo O negócio jurídico porém existiu é válido e eficaz para vincular os sujeitos contratantes e não obviamente o terceiro motivo por que estabelece o caput do art 439 do CC2002 que aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos quando este não o executar Diferente situação haverá todavia quando o terceiro nominado originalmente pelo estipulante se comprometer diretamente à prestação pois aí a obrigação será própria dele conforme se verifica do art 440 Art 440 Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem se este depois de se ter obrigado faltar à prestação Nada impede obviamente por força da autonomia da vontade que se estabeleça uma responsabilidade solidária do estipulante original mas isso dependerá por certo de manifestação expressa nesse sentido por aplicação da regra do art 265 do CC2002 32 Exclusão de responsabilidade Ainda sobre a promessa de fato de terceiro o Código Civil brasileiro de 2002 trouxe uma inovação ao prever uma hipótese de exclusão de responsabilidade civil do estipulante para o descumprimento da obrigação pelo terceiro É o que preceitua o parágrafo único do art 439 estabelecendo que a responsabilidade não existirá se o terceiro for cônjuge do promitente dependendo da sua anuência o ato a ser praticado e desde que pelo regime do casamento a indenização de algum modo venha a recair sobre os seus bens É a situação em que Caio promete a Tício que sua esposa de Caio não de Tício com quem é casado em comunhão universal de bens irá transferir um imóvel para si Ora a responsabilidade civil de Caio pelo descumprimento da prestação por sua esposa acabará recaindo no patrimônio desta o que seria uma situação de responsabilização de terceiro que não fez parte da relação jurídica obrigacional 4 CONTRATO COM PESSOA A DECLARAR Temos ainda o denominado contrato com pessoa a declarar Tratase de figura contratual consagrada pelo Código Civil vigente que a regulou a partir do seu art 467 sem equivalente na legislação codificada anterior Do Contrato com Pessoa a Declarar Art 467 No momento da conclusão do contrato pode uma das partes reservarse a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes Traduz em verdade também uma promessa de prestação de fato de terceiro que titularizará os direitos e obrigações decorrentes do negócio caso aceite a indicação realizada o que se dará ex tunc à celebração do negócio art 469 A respeito do tema ORLANDO GOMES preleciona Tratase de contrato no qual se introduz a cláusula especial pro amico eligendo ou pro amico electo pela qual uma das partes se reserva a faculdade de nomear quem assuma a posição de contratante A pessoa designada toma na relação contratual o lugar da parte que a nomeou tal como se ela própria houvesse celebrado o contrato O designante sai da relação sem deixar vestígios Em suma o contraente in proprio nomeia terceiro titular do contrato 347 No dizer de JONES FIGUEIRÊDO ALVES por meio deste negócio reservase a um dos contratantes no negócio jurídico celebrado pela cláusula pro amico eligendo a indicação de outra pessoa que o substitua na relação contratual adquirindo os direitos e assumindo as obrigações dele decorrentes Caso não exercite a cláusula ou o indicado recuse a nomeação ou seja insolvente disso desconhecendo a outra parte permanece o contrato somente eficaz entre os contratantes originários art 470 348 O prazo para a comunicação da indicação do terceiro é de cinco dias se outro lapso não se estipulou art 468 Tratase a nosso ver de prazo decadencial contratualmente estipulado dentro do qual o contraente exercerá caso queira o direito potestativo de indicação É de notar que o parágrafo único do referido art 468 exige que a aceitação do terceiro deva observar a mesma forma que as partes usaram para o contrato Assim se a aceitação da proposta de contratar foi expressa por escrito a aquiescência do terceiro indicado não poderá ser tácita o que deve ser observado no caso concreto pois o silêncio do terceiro não será necessariamente interpretado como aceitação A própria lei entretanto ressalva hipóteses em que o contrato será eficaz apenas entre os contratantes originários arts 470 e 471 a se não houver indicação de pessoa ou se o nomeado se recusar a aceitála b se a pessoa nomeada era insolvente e a outra pessoa o desconhecia no momento da aceitação c se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação Claro está portanto que o contrato com pessoa a declarar é um negócio jurídico que envolve certa margem de risco tanto para os contratantes originários como para o terceiro que aceita a indicação SÍLVIO VENOSA aliás lembra ser comum a ocorrência desta figura nos compromissos de compra e venda de imóveis nos quais o promissário comprador atribuise a faculdade de indicar terceiro para figurar na escritura definitiva 349 Não se deve confundir o contrato com pessoa a declarar com a figura jurídica da cessão de posição contratual Sobre essa modalidade de cessão também denominada cessão do contrato já vimos que de forma diferente do que ocorre na cessão de crédito ou de débito neste caso o cedente transfere a sua própria posição contratual compreendendo créditos e débitos a um terceiro cessionário que passará a substituílo na relação jurídica originária Os institutos não devem ser confundidos haja vista que no contrato com pessoa a declarar a faculdade de indicação já vem prevista originariamente podendo inclusive nunca ser exercida na cessão da posição de contrato por sua vez não ocorre necessariamente estipulação prévia da faculdade de substituição Assim o terceiro embora não vinculado originariamente à relação contratual poderá experimentar os seus efeitos caso aceite a nomeação indicada Observase portanto nesse caso que o espectro eficacial do negócio jurídico firmado entre os contraentes iniciais incidirá em sua órbita jurídica de atuação mitigandose dessa forma o princípio da relatividade dos efeitos do contrato XVI CONTRATO PRELIMINAR 1 CONCEITO E INSTITUTOS SIMILARES Conceituar um instituto jurídico nunca é uma tarefa definitiva havendo sempre a possibilidade de divergências para a fixação dos limites de sentido e significado de cada palavra Sem cair na tentação das conceituações digressivas compreendemos o contrato preliminar como uma avença através da qual as partes criam em favor de uma ou mais delas a faculdade de exigir o cumprimento de um contrato apenas projetado Tratase portanto de um negócio jurídico que tem por objeto a obrigação de fazer um contrato definitivo O exemplo mais comum desse tipo de promessa é a de compra e venda promessa de compra e venda a qual quando devidamente registrada no Cartório de Imóveis 350 produz eficácia real facultando ao promitente comprador se for necessário recorrer à ação de adjudicação compulsória para a concre tização do seu direito Tal figura já era conhecida inclusive no Direito Romano pois o pactum de contrahendo compreendia o pactum de mutuando e o pactum de commodando entre outros Essa possibilidade de exigência da eficácia imediata de um contrato in fieri é também denominada doutrinariamente précontrato promessa de contrato ou compromisso não devendo ser confundido com o negócio jurídico ainda não celebrado cuja eficácia se pretende exigir Como observa Orlando Gomes Tratase de figuras distintas do respectivo contrato definitivo havendo entretanto quem conteste a independência dos dois Sob a influência do Direito francês segundo a qual a promessa de venda que é contrato preliminar no entendimento geral vale venda quando haja consentimento das duas partes sobre a coisa e o preço muitos autores negam a autonomia do précontrato Pensam outros que se consiste em criar a obrigação de celebrar o contrato definitivo é supérfluo porque se alguém prometeu obrigarse em dia certo obrigado estará nesse dia como se nele houvesse contraído a obrigação Exigir que novamente se obrigue é admitir como diziam certos canonistas um circuitus inutilis 351 Também não se deve colocar na mesma tábua as chamadas negociações preliminares e o contrato preliminar De fato as negociações preliminares ao contrário do instituto aqui analisado não geram direitos à contratação pretendida podendose falar no máximo em uma responsabilidade civil précontratual cujos danos são passíveis de indenização 2 NATUREZA JURÍDICA O contrato preliminar é um negócio jurídico na medida em que consiste em uma declaração de vontade emitida em obediência aos seus pressupostos de existência validade e eficácia com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente Daí não é de se estranhar que disponha o art 462 do Código Civil brasileiro in verbis Art 462 O contrato preliminar exceto quanto à forma deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado Isso porque como negócio jurídico que é o contrato preliminar também se submete a todos os requisitos essenciais do contrato a ser pactuado A exclusão da forma se dá por uma opção legislativa de modo a facilitar e estimular a utilização do instituto como ordinariamente se procede por exemplo quando o contrato definitivo exige a escritura pública e os requisitos do contrato preliminar são satisfeitos com a lavratura em instrumento particular Nada impede porém que o contrato definitivo contenha mais cláusulas do que as pactuadas no contrato preliminar que de maneira alguma se desnatura com tal possibilidade Com efeito a regra legal deve ser interpretada com razoabilidade para se entender que a exigência é somente quanto aos requisitos essenciais entendase os elementos de existência e validade do negócio jurídico e não quanto ao inteiro conteúdo do pactuado 3 CLASSIFICAÇÃO Toda classificação é variável de acordo com a visão metodológica de cada autor Em nossa compreensão devemos classificar os contratos preliminares de acordo com a sua exigibilidade retratabilidade e onerosidade 352 Na classificação primária percebemos que o précontrato pode ser unilateral ou bilateral Nesta primeira forma a faculdade de exigir o cumprimento reservase única e exclusivamente a uma das partes sendo que a outra contrai uma obrigação cujo adimplemento fica subordinado à vontade da que pode exigilo Destaquese que a peculiaridade de criar obrigação ao talante de uma única parte não retira a natureza contratual desta promessa uma vez que ela somente se aperfeiçoa com o acordo de vontades São exemplos de tais contratos preliminares unilaterais a opção de compra a venda a contento e a promessa de doação Para hipóteses como essas é que foi concebido o art 466 do Código Civil de 2002 a saber Art 466 Se a promessa de contrato for unilateral o credor sob pena de ficar a mesma sem efeito deverá manifestarse no prazo nela previsto ou inexistindo este no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor Como observa SÍLVIO VENOSA quem promete dar fazer ou não fazer algo não pode ficar indefinidamente vinculado Se não houve prazo na promessa cujo decurso por si só desobriga o promitente deve este conceder um prazo para que o interessado se manifeste Em várias situações práticas a promessa unilateral é utilizada como por exemplo na opção que se dá a um credor para alienar um determinado bem 353 Já no contrato preliminar bilateral cada parte pode exigir da outra a execução do contrato que projetaram em toda a sua extensão e efeitos A promessa de venda é o exemplo mais habitual de tal espécie de avença pois nela tanto o promitente vendedor quanto o promitente comprador podem exigir a realização do negócio jurídico prometido a saber a venda do bem nos termos em que foi pactuado ainda que com condição resolutiva da avença Nos précontratos bilaterais vislumbrase uma nova classificação ou uma subclassificação quanto à retratabilidade Por certo não haveria sentido em estabelecer cláusula de arrependimento nos contratos preliminares unilaterais uma vez que apenas a vontade de um dos précontratantes é relevante para a realização ou não do précontrato Nas formas bilaterais porém é relevantíssimo saber se há possibilidade de arrependimento ou irretratabilidade pois neste último caso na promessa de venda o direito positivo pode considerar inclusive um direito real 354 Especificamente sobre o contrato preliminar de compra e venda a doutrina fazia distinção entre duas modalidades o contrato preliminar próprio que representaria mera promessa e o impróprio contrato em formação que vale por si mesmo Em nossa opinião por força da atual disciplina positivada tal classificação perdeu o sentido pragmático Por fim registrese como o faz ORLANDO GOMES 355 que a promessa pode ser onerosa ou gratuita pois nada impede que se pactue o pagamento de uma retribuição um prêmio por exemplo como contraprestação simplesmente pelo exercício do direito potestativo de realização do contrato nas promessas unilaterais ou do direito subjetivo de exigir a contratação nos précontratos bilaterais independentemente dos efeitos pecuniários do contrato definitivo 4 TUTELA ESPECÍFICA Como um pactum de contrahendo a obrigação de fazer estabelecida no contrato preliminar deve em regra ser objeto da tutela prevista nos arts 497 a 501 do CPC2015 o que nos parece um imperativo da busca por uma maior efetividade das relações jurídicas de Direito Material ainda que em detrimento da visão mais tradicional do Direito das Obrigações conforme já explicitamos anteriormente XVII VÍCIOS REDIBITÓRIOS 1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS Os vícios redibitórios por definição são defeitos ocultos que diminuem o valor ou prejudicam a utilização da coisa recebida por força de um contrato comutativo art 441 do CC2002 O principal aspecto a ser considerado é precisamente portanto o fato de este vício ser oculto recôndito ou seja não aparente Se for aparente não se tratará de vício redibitório CAIO MÁRIO ao definilo afirma tratarse de um defeito oculto de que é portadora a coisa objeto de contrato comutativo que a torna imprópria ao uso a que se destina ou lhe prejudica sensivelmente o valor E mais adiante arremata Não se aproxima ontologicamente o conceito de vício redibitório da ideia de responsabilidade civil Não se deixa perturbar a sua noção com a indagação da conduta do contraente ou apuração da sua culpa que influirá contudo na graduação dos respectivos efeitos sem aparecer como elementar de sua caracterização 356 Essencialmente o vício redibitório aproximase muito mais de uma causa de dissolução contratual do que propriamente do sistema de responsabilidade civil muito embora a parte prejudicada tenha o direito de ser devidamente indenizada Exemplo típico de aplicação da teoria ocorrerá quando Simplício ao comprar um relógio de cobre da marca Scubix ignora que ele é portador de um defeito oculto uma conexão equivocada de suas engrenagens v g que prejudica a sua utilização Notese outrossim que esse defeito deverá acompanhar a coisa quando da sua tradição Sim porque se o vício é posterior à aquisição da coisa ou seja se a causa do defeito operouse já quando a res estava em poder do adquirente por má utilização ou desídia este nada poderá pleitear Nesse diapasão poderíamos assim elencar os seguintes elementos caracterizadores ou requisitos do vício redibitório a a existência de um contrato comutativo translativo da posse e da propriedade da coisa b um defeito oculto existente no momento da tradição c a diminuição do valor econômico ou o prejuízo à adequada utilização da coisa Advertimos mais uma vez que vício redibitório e erro posto sejam conceitos muito próximos não devem ser confundidos 2 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA VERIFICAÇÃO DE VÍCIOS REDIBITÓRIOS E afinal de contas verificada a incidência de vício redibitório quais seriam as suas consequências jurídicas A resposta não é difícil A teor do art 442 do Código Civil abremse para o adquirente duas possibilidades a rejeitar a coisa redibindo o contrato via ação redibitória b reclamar o abatimento no preço via ação estimatória ou quanti minoris A primeira solução é a mais drástica O alienatário insatisfeito pela constatação do vício propõe dentro do prazo decadencial previsto em lei uma ação redibitória cujo objeto é precisamente o desfazimento do contrato e a devolução do preço pago podendo inclusive pleitear o pagamento das perdas e danos No segundo caso prefere o adquirente também dentro do prazo decadencial da lei propor ação para pleitear o abatimento ou desconto no preço em face do defeito verificado Tal ação denominase ação estimatória ou quanti minoris Tanto a ação redibitória quanto a ação quanti minoris são espécies das denominadas ações edilícias existindo entre ambas uma relação de alternatividade ou seja um concurso de ações o adquirente somente poderá promover uma ou outra visto que comportam pedidos excludentes entre si electa una via non datur regressus ad alteram Discorrendo sobre o tema no plano processual J M DE ARRUDA ALVIM após criticar a expressão concurso de ações pontifica De várias formas podese apresentar o concurso de ações Como por exemplo vejamos as ações que cabem ao comprador de coisa recebida com vício ou defeito oculto que a tornem imprópria ao uso destinado Estas existem para a satisfação do direito do comprador Entretanto pelo art 442 do CC2002 pode o adquirente ou mover ação redibitória enjeitando a coisa e rescindindo o contrato ou então reclamar abatimento no preço 357 Observese outrossim que nos termos do art 443 se o alienante conhecia o vício ou defeito oculto da coisa deverá restituir o que recebeu com perdas e danos mas se não o conhecia apenas restituirá o valor recebido mais as despesas do contrato Tratase pois de um dispositivo que guarda íntima conexão com a noção já trabalhada de boafé objetiva A quebra do dever de lealdade consistente na alienação de coisa que sabe ser defeituosa sujeita pois o alienante a pagar a título indenizatório perdas e danos à parte adversa Caso entretanto desconheça o defeito apenas restituirá o status quo ante devolvendo o preço pago mais as despesas do contrato Registrese inclusive que o Código Civil vigente não renovou a norma proibitiva de admissão das ações edilícias quando a coisa fosse adquirida em hasta pública CC1916 Art 1106 Se a coisa foi vendida em hasta pública não cabe a ação redibitória nem a de pedir abatimento no preço não trazendo qualquer norma equivalente no que constituiu um avanço até pela dificuldade de caracterização que se verifica na prática judicial Posto isso passemos a enfrentar um importante aspecto referente às ações edilícias qual é o prazo para a sua propositura 3 PRAZO PARA A PROPOSITURA DAS AÇÕES EDILÍCIAS Primeiramente frisese que por se tratar de ações que têm por conteúdo nitidamente o exercício de direitos potestativos os prazos em questão são decadenciais e não prescricionais Aliás é interessante observar que o artigo regente da matéria art 445 do CC2002 se cotejado com o 178 2º e 5º do CC1916 indica uma das raras hipóteses de aumento de prazo no Código de 2002 Comparemos os dispositivos Código Civil de 2002 Art 445 O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel e de um ano se for imóvel contado da entrega efetiva se já estava na posse o prazo contase da alienação reduzido à metade 1º Quando o vício por sua natureza só puder ser conhecido mais tarde o prazo contarseá do momento em que dele tiver ciência até o prazo máximo de cento e oitenta dias em se tratando de bens móveis e de um ano para os imóveis 2º Tratandose de venda de animais os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial ou na falta desta pelos usos locais aplicandose o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria Código Civil de 1916 Art 178 Prescreve 2º Em 15 quinze dias contados da tradição da coisa a ação para haver abatimento do preço da coisa móvel recebida com vício redibitório ou para rescindir o contrato e reaver o preço pago mais perdas e danos 5º Em 6 seis meses IV a ação para haver o abatimento do preço da coisa imóvel recebida com vício redibitório ou para rescindir o contrato comutativo e haver o preço pago mais perdas e danos contado o prazo da tradição da coisa Concluise pois que o prazo decadencial para o ajuizamento da ação redibitória ou da ação quanti minoris aumentou de 15 para 30 dias no caso de bens móveis e de 6 meses para 1 ano no caso de bens imóveis Entretanto caso o adquirente já estivesse na posse da coisa o prazo é contado a partir da alienação pela metade Esta última circunstância por sua vez não prevista no Código anterior deve ser realçada por meio de um exemplo para que não pairem dúvidas na mente de nosso atento leitor Imaginese que Juca estivesse na posse de uma fazenda pertencente a Chico há 2 anos na qualidade de arrendatário Resolve então comprála Ora em tal caso se vier a perceber a existência de vício redibitório defeito oculto terá o prazo de um ano reduzido à metade 6 meses portanto a contar da data do registro do título de transferência no cartório de imóveis data da alienação formal para propor a ação edilícia O mesmo raciocínio se aplica se se tratar de bens móveis operandose todavia a redução de prazo de 30 para 15 dias Mas afinal de contas qual seria o real motivo para que se procedesse a essa contagem do prazo pela metade A justificativa é que uma vez que o adquirente já estava na posse do bem o legislador entendeu que ele já disporia de tempo maior para a detecção do defeito razão pela qual o prazo seria contado pela metade Essa explicação todavia nem sempre convence ou se afigura justa pois se o adquirente estiver na posse do bem apenas um dia antes do ato de alienação suportará a perda de metade do prazo É isso mesmo Segundo o dispositivo sob comento basta a simples posse da coisa anterior à tradição para que se proceda à redução do prazo E uma vez que não se estipulou critério objetivo para contagem desse lapso temporal um breve período que seja anterior à alienação já justificaria a sua perda por metade Tal situação não nos parece justa e deve em nosso sentir ser devidamente aferida pelo juiz caso a caso segundo o bom senso que se espera do julgador cauteloso Interessante ainda observar a dicção do 1º do artigo sob comento já transcrito 1º Quando o vício por sua natureza só puder ser conhecido mais tarde o prazo contarseá do momento em que dele tiver ciência até o prazo máximo de cento e oitenta dias em se tratando de bens móveis e de um ano para os imóveis Cuidouse aqui de regular a situação muito comum de o vício redibitório apenas ser detectado após a tradição ou como quer o legislador ser conhecido mais tarde hipótese em que o prazo será contado a partir do momento em que o adquirente tiver ciência do defeito termo a quo até o prazo máximo de 180 dias se a coisa for móvel e de um ano se for imóvel Salientese este ponto tal prazo somente correrá a partir do momento em que o dono da coisa detectar o vício o qual obviamente não poderá decorrer de má utilização e sim ser anterior à tradição da coisa Este dispositivo segue a trilha do art 26 3º da Lei n 807890 CDC que dispõe acerca do prazo decadencial para que o consumidor reclame por vícios do produto ou serviço Art 26 O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em I trinta dias tratandose de fornecimento de serviço e de produto não duráveis II noventa dias tratandose de fornecimento de serviço e de produto duráveis 3º Tratandose de vício oculto o prazo decadencial iniciase no momento em que ficar evidenciado o defeito grifamos Em se tratando entretanto de venda de animais o 2º do art 445 do CC prevê que os prazos de garantia serão os estabelecidos em lei especial ou na falta desta pelos usos locais aplicandose o disposto no parágrafo antecedente se não houver regra disciplinando a matéria Vêse portanto tratarse de regra supletiva cuja finalidade é evitar eventuais litígios quando o vício redibitório incidir em animal objeto de contrato de compra e venda Outro importante aspecto abordado pelo Código Civil vigente e desconhecido pela legislação anterior deve ser ressaltado a previsibilidade normativa da suspensão do prazo de garantia legal enquanto estiver em curso a garantia contratual E tão interessante é a dicção deste dispositivo que em nosso sentir na falta de regra semelhante poderá ser aplicado subsidiariamente às relações de consumo Nesse ponto estamos a tratar da regra prevista no art 446 Art 446 Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento sob pena de decadência Comentando este dispositivo JONES FIGUEIRÊDO ALVES observou Cláusula de garantia é causa obstativa de decadência e como cláusula contratual pela qual o alienante acoberta a indenidade da coisa é complementar da garantia obrigatória e legal a que responde Não exclui portanto a garantia legal O primeiro relatório ao projeto de autoria do Deputado Ernani Satyro já registrava não se haver como confundir o fato de não correr prazo na constância da cláusula de garantia com a obrigação que tem o adquirente de denunciar o defeito da coisa ao alienante tão logo o verifique Tratase como se vê de consagração jurídica de um dever de probidade e boafé tal como anunciado no art 422 Não é por estar amparado pelo prazo de garantia que o comprador deva se prevalecer dessa situação para absterse de dar ciência imediata do vício verificado na coisa adquirida 358 Em verdade o que o legislador fez não sem tempo foi solucionar a delicada situação consistente no fato de coexistirem duas modalidades de garantia a legal e a contratual Isso ocorre com frequência no âmbito do mercado de consumo O indivíduo compra por exemplo uma televisão de determinada marca com garantia contratual de 5 anos Sem prejuízo de tal cláusula entretanto gozará também da garantia legal genérica prevista pelo Código de Defesa do Consumidor para o caso de se verificar defeito no produto adquirido art 26 Pois bem Em tal circunstância enquanto estiver em curso o prazo de garantia contratual a garantia legal estará sobrestada paralisada ou seja não correrá prazo decadencial algum em desfavor do adquirente Todavia verificado o defeito o adquirente por imperativo da boafé objetiva deverá denunciálo noticiálo ao alienante nos 30 dias seguintes ao descobrimento sob pena de decadência Com isso concluímos que caso o alienatário descumpra esse dever de informação perderá o direito à garantia legal Constatese portanto mais uma vez como toda a análise hermenêutica do novo diploma especialmente na seara contratual encontrase profundamente influenciada pelo princípio da boafé cuja noção vale sempre a pena ser recordada Enquanto princípio normativo a boafé surge como um critério norteador de comportamentos impondo às partes uma conduta que possa valorarse como honesta correta e leal Pretende com tal fórmula exprimirse a ideia de que não é legítimo defraudar aquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas tornandose por isso necessário que os contratantes atuem tal como deve esperarse que o faça qualquer pessoa que participe corretamente no tráfico jurídico No que vai implicada a exigência fundamental de que cada uma das partes da relação negocial tome em consideração os interesses legítimos da outra 359 Essa belíssima passagem do pensamento de ALMENO DE SÁ harmonizase perfeitamente com a ideia esposada o adquirente age de maneira leal e ética ao comunicar ao alienante o defeito da coisa dentro do prazo estipulado em lei O seu silêncio outrossim poderá indicar intenção de prejudicar ou máfé mormente em se considerando que os efeitos danosos provenientes do vício poderão em virtude do seu comportamento omissivo se agravar 4 VÍCIOS REDIBITÓRIOS E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Finalmente cumprenos tecer breves considerações acerca dos vícios redibitórios e o nosso Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 A proteção dispensada pelo CDC ao consumidor é muito mais ampla do que aquela prevista no Código Civil Isso porque a lei consumerista não cuida de diferenciar os vícios aparentes dos redibitórios consagrando todavia um eficaz sistema protetivo que irá tutelar os direitos da parte hipossuficiente na relação de consumo independentemente da natureza do defeito em tela arts 18 e s Nesse mesmo sentido JOSÉ FERNANDO SIMÃO observa que O Código de Defesa do Consumidor inovou ao enfatizar o fato de o vício ser de qualidade ou quantidade O fato de o vício ser oculto ou aparente realmente gera poucas diferenças na relação de consumo e suas consequências limitamse à questão dos prazos para exercício do direito de reclamar pelos vícios art 26 Código de Defesa do Consumidor 360 Já SÍLVIO VENOSA com maestria pontifica Sem sombra de dúvida é no âmbito do consumidor que avultará de importância a garantia pelos produtos ou pelos serviços Já ressaltamos que o fornecedor tem o dever de informar o consumidor acerca das qualidades do produto ou serviço bem como advertilo dos riscos Entre as regras de programa que traz a lei Lei n 807890 é reconhecida a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo E mais adiante arremata existe um alargamento da responsabilidade legal do fornecedor atendendo ao dinamismo e à forma das práticas de comércio O fornecedor responsabilizase não somente pelo produto em si que coloca no mercado como também pela imagem que divulga desse produto sendo obrigado a respeitar sua veracidade 361 Assim forçoso convir que sem dúvida a grande vantagem do sistema inaugurado pelo CDC consiste na ampliação da responsabilidade do fornecedor pelo vício do produto ou serviço Tratase em verdade de uma forma objetiva de responsabilidade civil o que favorece a defesa do consumidor compartilhada solidariamente por todos aqueles que participam da cadeia causal de consumo 362 XVIII EVICÇÃO 1 NOÇÕES CONCEITUAIS Evicção é uma figura jurídica que nos remete à ideia de perda Assim como os vícios redibitórios a proteção contra seus efeitos nada mais é do que uma garantia contratual dos contratos onerosos Consiste a evicção na perda pelo adquirente evicto da posse ou propriedade da coisa transferida por força de uma sentença judicial ou ato administrativo que reconheceu o direito anterior de terceiro denominado evictor Notese portanto que a sua previsão legal decorre especialmente da necessidade de se resguardar o adquirente de uma eventual alienação a non domino ou seja alienação de coisa não pertencente ao alie nante Em tal caso poderá o alienatário adquirente voltarse contra aquele se vier a perder a coisa para terceiro Sob o prisma histórico esse peculiar instituto jurídico tem indiscutível raiz romana Nasceu das formalidades da mancipatio ou de negócio menos formal denominado stipulatio Se o adquirente pela mancipatio viesse a ser demandado por terceiro antes de ocorrer a usucapião poderia chamar o vendedor a fim de que ele se apresentasse em juízo para assistilo e defendêlo na lide Se o vendedor se recusasse a comparecer ou se mesmo comparecendo o adquirente se visse privado da coisa teria este último a denominada actio auctoritatis para obter o dobro do preço que havia pago no negócio 363 Vêse portanto dessas breves noções conceituais introdutórias que da evicção participam três personagens fundamentais a alienante b adquirente evicto c terceiro evictor Sendo assim caso o adquirente venha a perder a coisa adquirida para o terceiroreivindicante evictor que prova o seu legítimo e anterior direito à propriedade da coisa poderá voltarse contra o alienante para haver deste a justa compensação pelo prejuízo sofrido Os fundamentos de tal importante e justa garantia se mostram evidentes Explicitemonos 2 FUNDAMENTOS JURÍDICOS Tornase nesse diapasão indiscutível o caráter essencialmente garantista da evicção De fato mesmo que analisássemos o instituto sob uma ótica estritamente patrimonialista teríamos por certo que o princípio geral da proibição do enriquecimento sem causa já legitimaria social e juridicamente a sua utilização Afinal de contas ela somente é cabível nos contratos onerosos em que os ônus da avença devem ser divididos entre os contratantes para que possam obter os proveitos desejados e a perda do bem sem que se buscasse reparar as coisas ao status quo ante importaria em locupletamento sem contraprestação do alienante Todavia limitarnosemos a essa ótica de certa forma simplista Por certo mais uma vez devemos frisar ao nosso atento leitor que todas essas noções vêm profunda e umbilicalmente informadas e influenciadas por um princípio maior o da boafé objetiva Isso mesmo A ocorrência da evicção não deixa de traduzir na esmagadora maioria das situações uma afronta a esse princípio basilar das relações jurídicas e em especial na modernidade das relações contratuais pela inegável quebra da lealdade que deve pautar toda e qualquer relação negocial Fazemos tal observação uma vez que a investigação científica do novo Direito Civil não pode em hipótese alguma prescindir de uma inafastável base de eticidade e transparência nas suas relações jurídicas valores aparentemente esquecidos pela cultura privatística nacional nos últimos anos que pouco incremento deu à finalidade maior de promoção da dignidade da pessoa humana Assim não temos dúvida a garantia da evicção guarda íntima conexidade com o princípio da boafé informador de todo o Direito Privado Por isso mesmo e a título de exemplo é que não se poderá falar de evicção se o arrematante sabia que a coisa era alheia ou litigiosa na forma do art 457 do CC2002 3 REQUISITOS Em nosso Código Civil a evicção é disciplinada a partir do seu art 447 Art 447 Nos contratos onerosos o alienante responde pela evicção Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública A primeira parte do dispositivo deixa bem claro quem responde pelos riscos o alienante E para que a sua responsabilidade se manifeste três requisitos devem ser conjugados a aquisição de um bem b perda da posse ou da propriedade c prolação de sentença judicial ou execução de ato administrativo Analisemos cada um deles separadamente 31 Aquisição de um bem Para que a evicção se opere é preciso se verificar qual foi a maneira pela qual o bem foi adquirido Isso porque para caracterizar a evicção tal aquisição deve preceder cronologicamente à perda da coisa Sendo de tal forma relevante esta aquisição podese dar por duas maneiras quais sejam a celebração de um contrato oneroso translativo da posse ou propriedade da coisa ou a sua aquisição em hasta pública Expliquemos estas duas hipóteses de ocorrência 311 Contratos onerosos A primeira observação a ser feita é que se encontram fora da proteção contra os efeitos da evicção todos os contratos gratuitos traslativos de posse e propriedade de bens Assim por exemplo não há que se falar do instituto nos contratos de doação simples ou comodato uma vez que os ônus patrimoniais foram impostos apenas para uma das partes pactuantes Quando se fala em riscos da evicção concepção doutrinária tradicional faz menção sempre ao contrato de compra e venda Entretanto é importante frisar que a evicção já poderá operarse com a perda da simples posse da coisa não sendo ademais uma figura exclusiva de tal figura contratual Nesse sentido HERMANO FLÁVIO MONTANINI DE CASTRO e DANILO FLÁVIO MONTANINI DE CASTRO citando pensamento de CAIO MÁRIO asseveram que Em que pese quase todos os Códigos do mundo disciplinarem a evicção dentro das regras relativas ao contrato de compra e venda o que aliás a técnica legislativa do Brasil não seguiu pois tratou do assunto dentro do capítulo referente às disposições gerais dos contratos o fato é que esta garantia não fica adstrita apenas a esta figura contratual 364 Aliás a própria situação da aquisição em hasta pública não tem propriamente natureza de contrato de compra e venda 312 Aquisição em hasta pública Antes da vigência do Código Civil de 2002 havia acesa controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de se falar na proteção contra os riscos da evicção quando o bem fosse adquirido em hasta pública Pela modificação legislativa tal aspecto não comporta mais quaisquer dúvidas Por certo nosso leitor já deve ter observado que o art 447 do CC2002 teve uma parte final acrescentada pelo codificador de 2002 que até então não existia na lei anterior subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública Imaginese por exemplo que Carlos haja arrematado determinado bem móvel ou imóvel em leilão ou praça respectivamente Se após a arrematação e a expedição da imprescindível carta comprobatória do seu novo direito de propriedade vier a ser demandado em sede de ação reivindicatória proposta por Adolfo e sucumbir poderá exercer o seu direito de regresso fruto da garantia da evicção contra o devedor de cujo patrimônio se originou o bem levado à hasta Nesse caso o arrematante Carlos uma vez litigando com o terceiro Adolfo sobre a coisa adquirida em hasta pública deve valerse da denunciação da lide como meio de exercício de sua pretensão regressiva art 125 I do CPC2015 É isso mesmo Quando Carlos arrematou o bem o fez em sede de execução para viabilizar que os credores do devedorexecutado fossem satisfeitos Ora se o arrematante vier a perder a coisa concluímos que o devedor locupletouse indevidamente por haver propiciado a hasta de um bem aparentemente seu mas que de fato não lhe pertencia Em tal caso o valor pago por Carlos caracterizaria pagamento indevido cabendo ao mesmo por força da segunda parte deste dispositivo voltarse contra o executado devedor para exercer o direito que da evicção lhe resulta Nessa linha questão bastante interessante é saber quem é o responsável por tal pagamento Dissertando sobre o tema FREDIE SOUZA DIDIER JR em excelente obra 365 aqui transcrita até mesmo nos rodapés observa Resta saber quem será o responsável pelo pagamento dos prejuízos do arrematanteevicto Segundo demonstra Araken de Assis que traçou belo painel da controvérsia a doutrina brasileira adotou o pensamento de Liebman caberia pretensão regressiva em face do devedor que se enriqueceu indevidamente sendo ele insolvente poderia o arrematante voltarse contra o credorexequente que muito embora tivesse o direito ao pagamento não o tinha a ser pago pela alienação de bem de terceiro 366 Vai além Araken de Assis e o acompanhamos Reconhece o autor a partir de pensamento de Wilard de Castro Villar que também o Estado pode ser responsabilizado pelos prejuízos sofridos pelo arrematante em razão da evicção Vejamos o seu pensamento com o qual concordamos integralmente Aqui é preciso considerar a unidade do poder jurisdicional Ao subrogar a vontade do executado a instâncias do exequente ou veicular a ação deste na esfera jurídica do obrigado conforme o ângulo da análise e a um só tempo decidir o domínio a favor de terceiro o Estado assume o risco de entregar com uma mão o que em seguida retirará com a outra Daí resulta o dever estatal de indenizar o evicto Ademais a inserção do Estado no negócio de arrematação autoriza imputarlhe responsabilidade pelo dano porventura causado a terceiro Deste modo o Estado responderá solidariamente com as partes da relação processual pela evicção do arrematante 367 Somente nesse aspecto final não concordamos data venia com o nosso espetacular processualista A possibilidade de se reconhecer legitimidade passiva ao credorexequente na demanda regressiva proposta pelo evicto e mesmo ao Estado nos parece exagerada No primeiro caso apenas admitiríamos a sua condição de réu se estivesse agindo ardilosamente Caso não houvesse procedido de forma insidiosa a sua boafé seria em nosso sentir justificativa suficiente para excluílo da lide mormente porque em toda arrematação existe para o arrematante uma álea de risco semelhante ou maior à ocorrente nos contratos em geral Para o credorexequente pouco importa qual é o bem que irá ser expropriado para satisfazer seu crédito pois é a relação jurídica obrigacional que o vinculava ao devedor que quer ver cumprida e foi justamente pelo inadimplemento do réu que teve de se valer do aparato judicial para receber sua prestação Na mesma linha também não admitimos a responsabilidade do Estado mormente em se considerando a hipótese de todo o trâmite processual da constrição penhora à hasta pública tiver sido devidamente obedecido e conduzido Afinal nada mais fez o Estado do que cumprir um dever constitucionalmente imposto que é o de apreciar toda lesão ou ameaça de lesão a direito art 5º XXXV da CF88 Assim é importante perceber que se houve expropriação de bens do devedor isso ocorreu por sua única e exclusiva responsabilidade pelo que ampliar o âmbito de garantia contra os riscos da evicção sem norma legal autorizadora soa como um superdimensionamento do instituto Basta pensar por exemplo na execução de um crédito trabalhista contra alguns dos devedores contumazes de tais verbas que simplesmente fecham as portas e nada pagam pouco contribuindo para solução do litígio a ponto de deixar ir à praça ou leilão seus bens Nesse caso o arrematante virará credor pela evicção do empregado e do Estado Não nos parece razoável tal solução pelo que consideramos sem a menor sombra de dúvida que toda a responsabilidade é do devedor expropriado Fazse mister registrar por fim que embora o exemplo mais evidente de aquisição em hasta pública seja a arrematação a previsão não se limita a ela podendo ser perfeitamente aplicável para o caso por exemplo de uma adjudicação 32 Perda da posse ou da propriedade A evicção conforme dissemos remetenos à ideia de perda do domínio ou da posse por força de ato judicial ou administrativo que reconheça direito anterior de terceiro Notese portanto que o prejudicado quando consumada a perda do bem e consequentemente a evicção é o adquirente também denominado evicto E mais em nosso sentir basta que se perca a posse daquilo que legitimamente se transferiu ao evicto independentemente de a sentença transitar em julgado ou da transferência do domínio para que este possa fazer valer o seu direito contra o alienante 33 Prolação de sentença judicial ou execução de ato administrativo Esse é um ponto que também deve ser bem destacado e compreendido Tradicionalmente a doutrina costuma referir que a evicção decorre de uma sentença judicial que reconhece direito anterior de terceiro sobre a coisa Nesse sentido veja esta definição de ORLANDO GOMES Dáse evicção quando o adquirente vem a perder a propriedade ou posse da coisa em virtude de sentença judicial que reconhece a outrem direito anterior sobre ela 368 Na mesma linha para BEVILÁQUA a evicção consiste na perda total ou parcial da posse de uma coisa em virtude de sentença que a garante a alguém que a ela tinha direito anterior 369 De fato como regra geral podemos afirmar que o evicto sucumbe ante o evictor no bojo de uma ação reivindicatória em que este último formula a sua pretensão de direito real em face da coisa que acaba por ser acolhida Entretanto nada impede que a perda do bem se dê por força de um ato administrativo como por exemplo uma apreensão policial Imaginese por exemplo que Leodegário esteja guiando o seu veículo recémcomprado e seja parado por uma blitz policial Após apresentar seus documentos o policial verifica que o automóvel conduzido havia sido roubado Situação extremamente desagradável e desconcertante mormente porque Leodegário de nada sabia Em seguida o veículo é apreendido operandose por consequência a perda da posse e posteriormente da propriedade do bem Nesse contexto nada impede que o evicto Leodegário sem que houvesse sido prolatada nenhuma sentença ingresse de imediato com ação judicial para haver do alienante do veículo a justa compensação por sua perda Portanto concluímos que a sentença nem sempre é indispensável para que se consume o risco decorrente da evicção Nesse sentido é o pensamento de SÍLVIO VENOSA Destarte temos acompanhado sem rebuços essa corrente jurisprudencial que entende ser a apreensão administrativa nessas premissas equivalente a uma decisão judicial dentro do espírito do instituto 370 Claro está entretanto que esse ato administrativo deve ser firme o bastante para implicar efetiva perda da posse ou da propriedade outro bom exemplo seria a apreensão de produtos por fiscais da alfândega Registrese porém que não é uma limitação do direito de propriedade advinda do Estado que ensejará a evicção mas sim a determinação da perda da propriedade ou da posse da coisa O tombamento por exemplo em que pese poder reduzir os direitos do proprietário é hipótese assentada de não cabimento do instituto 4 DIREITOS DO EVICTO Nessa linha de intelecção observase que o evicto ao exercer o seu direito resultante da evicção formulará em face do alienante uma pretensão tipicamente indenizatória Poderá pleitear pois salvo estipulação em contrário além da restituição integral do preço ou das quantias que pagou art 450 do CC2002 a a indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir b a indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção c as custas judiciais e os honorários do advogado por ele constituído Vale notar que a obrigação prevista neste artigo subsiste para o alienante ainda que a coisa esteja deteriorada exceto se tiver havido dolo do adquirente art 451 Ou seja se a coisa alienada não estava em perfeito estado de conservação ou estava parcialmente destruída e o evicto vem a perdêla ainda assim terá direito à restituição integral na forma do art 450 Perderá entretanto esse direito se atuou dolosamente dando causa à deterioração Em tal caso não terá direito à compensação integral abrangente das perdas e danos Ademais caso o evicto já tenha sido compensado pelas deteriorações o alienante poderá obviamente deduzir o valor dessas vantagens da quantia que teria de restituirlhe a teor do art 452 do CC2002 5 ESPÉCIES DE EVICÇÃO TOTAL E PARCIAL Na medida em que implique a perda completa da propriedade ou apenas de fração dela a evicção será chamada de total ou parcial respectivamente Entretanto vale notar que seja total ou parcial o preço a ser restituído será o do valor da coisa na época em que se evenceu se perdeu e proporcional ao desfalque sofrido no caso de evicção parcial na forma do parágrafo único do art 450 do CC2002 Em caso de evicção parcial ou seja de perda não integral da coisa alienada por exemplo a reivindicação de parte de livros de uma biblioteca de parte de um terreno adquirido ou de alguns animais de uma fazenda comprada de porteira fechada poderá o evicto optar entre a dissolução do contrato ou a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido Caso não seja considerável a evicção circunstância que deverá ser aferida pelo juiz in concreto terá direito apenas à indenização art 455 Tratase como se pode ver de uma hipótese de concurso de direitos ou pretensões não podendo por óbvias razões o evicto cumular ambos os pedidos A lei não estabelece especificamente qual é o prazo para a dedução em juízo desta postulação nem a sua natureza A primeira impressão é que se trata de uma ação edilícia e por isso deveria ser aplicado o mesmo prazo decadencial do art 445 do CC2002 Todavia assim não pensamos De fato não nos parece muito técnico admitir no sistema codificado civil a fixação de prazos decadenciais por analogia Todavia ainda que isso não seja óbice é preciso analisar o que se pretende deduzir em juízo quando realizada a evicção A postulação que se faz quando ocorrente a evicção não é de desfazimento do negócio postulação constitutiva negativa que atrai um prazo de natureza decadencial mas sim da sua dissolução por fato posterior com as mencionadas indenizações correspondentes proporcionais no caso de evicção parcial Assim o que se tem efetivamente é uma pretensão e por isso o prazo deverá ser considerado prescricional E qual é o prazo A primeira tentação da mesma forma pela inexistência de uma previsão disciplinadora específica é invocar o caput do art 205 do CC2002 para reconhecer o prazo de 10 dez anos Todavia assim também não pensamos De novo consideramos relevantíssimo verificar qual é a natureza da postulação deduzida em juízo E nesse caso constatamos que no final das contas o que se verifica é uma pretensão de reparação civil pois o alienante ou devedor expropriado no caso da hasta pública acabou por gerar um dano no patrimônio do adquirente evicto por submeter um bem que não era seu mas sim do terceiro evictor Por isso defendemos que na atualidade o prazo para tal pretensão é de 3 três anos na forma do art 206 3º V do vigente Código Civil brasileiro prazo para se formular pretensão de reparação civil 6 EVICÇÃO E AUTONOMIA DA VONTADE A CLÁUSULA DE NÃO EVICÇÃO A nossa atenção entretanto deverá redobrar quando passarmos a analisar o tormentoso tema referente à exclusão à diminuição ou ao aumento da garantia decorrente da evicção De fato essa garantia poderá dentro do âmbito da autonomia da vontade sofrer extensão ou retração podendo até mesmo ser suprimida nos termos do art 448 do Código Civil Art 448 Podem as partes por cláusula expressa reforçar diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção De logo constatamos que essa possibilidade sempre decorrerá de cláusula expressa nunca podendo pois ser implícita consoante deflui claramente da primeira parte do dispositivo Assim se as partes resolverem aumentar extensão da garantia o direito do adquirente estabelecendo uma multa caso se consume a perda por exemplo abater a garantia de indenização pelos eventuais frutos restituídos diminuição da garantia ou bem assim excluírem totalmente a responsabilidade pela evicção somente poderão fazêlo por cláusula expressa constante do contrato firmado É de se salientar outrossim que existe uma hipótese de exclusão legal da garantia que é a mencionada previsão legal do art 457 do Código que proíbe o adquirente de demandar pela evicção se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa Tratase como já dito de um dispositivo umbilicalmente ligado ao superior princípio da boafé objetiva uma vez que não se afigura justo que o alienatário adquirente possa pleitear compensação por um dano conscientemente sofrido Se sabia pois que a coisa era alheia de terceiro ou litigiosa era objeto de disputa judicial não deveria contratar Mas atenção Ainda que tendo havido a exclusão convencional da garantia art 448 se a evicção se operar o evicto terá o direito de receber pelo menos o preço que pagou pela coisa evicta se não tiver sabido do risco da evicção ou tendo sido dele informado não o assumiu conforme estabelecido expressamente pelo art 449 do CC2002 Vale dizer mesmo que no contrato conste a cláusula o alienante não responde pelos riscos da evicção ainda assim o evicto a quem não houvesse sido noticiado o risco de perda ou mesmo informado que não tenha assumido esse risco terá ao menos o direito de receber o preço pago Não terá portanto direito à indenização pelos frutos restituídos benfeitorias ou outras despesas assistindo lhe apenas o direito de haver de volta a quantia que pagou pela coisa que se evenceu Com isso forçoso convir que o alienante apenas se exonerará totalmente da responsabilidade pelos riscos da evicção caso faça constar do contrato a cláusula excludente da garantia e além disso dê ao adquirente a efetiva ciência do risco de perda da coisa e de que assume esse risco naquele ato Assim compatibilizando as regras dos arts 449 e 457 temos que havendo efetivamente o conhecimento dos riscos seja pela informação direta e expressa do alienante art 449 seja por outros meios admissíveis em Direito por saber que a coisa era alheia ou litigiosa notese que o art 457 não limita a forma de cientificação não poderá o adquirente demandar pela evicção Notese portanto que a controvérsia poderá instaurarse em função da prova do conhecimento efetivo dos riscos existentes da possibilidade de perda da coisa Comentando esta última hipótese ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO citando doutrina de ARNOLDO WALD pondera que se o adquirente sabe do vício que macula o direito do alienante relativamente ao objeto que lhe é transmitido e exclui expressamente a responsabilidade de quem alienou a essa mesma coisa é claro que o adquirente está adquirindo bem litigioso Nesse caso o contrato apresentase com natureza aleatória pois ocorrendo a evicção nada poderá o adquirente reclamar do alienante 371 XIX EXTINÇÃO DO CONTRATO 1 INTRODUÇÃO Embora a legislação muitas vezes se valha indistintamente de denominações distintas extinção resilição resolução e rescisão como sinônimas defendemos um maior rigor terminológico Assim quando estivermos falando do gênero utilizaremos as expressões extinção dissolução ou desfazimento do contrato por considerálas equivalentes 372 valendo destacar que a primeira é a consagrada no Capítulo II do Título V Dos Contratos em Geral do texto codificado Todavia na análise das modalidades extintivas posteriores não necessariamente concebidas no contrato verificaremos como dito causas anteriores contemporâneas ou supervenientes à sua celebração Quanto às causas anteriores e contemporâneas utilizaremos a expressão genérica extinção embora como veremos aceitemos a utilização em determinadas modalidades de outras expressões o que sempre explicitaremos No que diz respeito porém às últimas causas motivos supervenientes reservaremos as expressões resilição somente para a extinção baseada na declaração de vontade posterior de uma ou das duas partes resolução para a extinção fundamentada no descumprimento contratual e rescisão como modalidade para específicas hipóteses de desfazimento Obviamente a morte de um dos contratantes bem como a ocorrência de caso fortuito ou força maior é também um fato superveniente que não pode ser desprezado para a discussão sobre a extinção do vínculo contratual estabelecido Realizados os esclarecimentos terminológicos passemos a enfrentar cada uma dessas modalidades extintivas do contrato 2 EXTINÇÃO NATURAL DO CONTRATO Sob a denominação extinção natural do contrato reunimos todas as situações fáticas em que a relação contratual se dissolve pela verificação de uma circunstância prevista pelas partes e tida como razoavelmente esperada A exemplificação mais óbvia é indubitavelmente a do regular cumprimento do contrato mas não se limita a ela uma vez que por força da disciplina normativa do negócio jurídico podem as partes estabelecer elementos de eficácia que limitam a produção de efeitos do contrato possibilitando sua extinção Enfrentemos nos próximos subtópicos cada uma destas formas de extinção natural do contrato 21 Cumprimento do contrato ou exaustão do seu objeto O contrato é feito para ser cumprido Essa máxima aparentemente tão óbvia deve ser explicitada para registrar a forma esperada de extinção do contrato realizandose o seu conteúdo Realizada a prestação na forma como pactuada extinguese ex nunc a relação contratual havida entre as partes Com efeito cumprida a prestação muitas vezes já se encontra exaurido o objeto do contrato É o caso por exemplo da venda de um bem móvel em que com o pagamento do preço e a entrega da coisa consumada está a obrigação extinguindose o vínculo contratual Registrese porém que o cumprimento da prestação extingue juridicamente o contrato independentemente da possibilidade fática de repetição da prestação Um bom exemplo é o contrato de prestação de serviços que não exaure materialmente a atividade imagine v g que Fábio Rocha presta um serviço específico de tocar seu contrabaixo em uma banda de rock em um único dia recebendo a contraprestação correspondente Ainda que ele possa vir a prestar novos serviços a primeira relação já se extinguiu com seu cumprimento A visualização de tais exemplos se mostra bem mais fácil nos contratos instantâneos seja de execução imediata seja de execução diferida Nos contratos de duração por sua vez a tendência é a indeterminação do prazo embora nem sempre a leitura das cláusulas contratuais permita dizer de pronto se o cumprimento imediato da prestação importará a extinção do vínculo Tal registro se impõe para afirmar que o silêncio não importa por si só em uma regra absoluta de indeterminação prazal Isso porque a prestação pode significar a exaustão do objeto do negócio ocorrente quando há uma evidente limitação natural ou jurídica na possibilidade de cumprimento Por exemplo quando se celebra um contrato de prestação de serviço para uma situação excepcional ou emergencial v g o fornecimento de colchões para desabrigados por uma enchente limitado obviamente ao número de pessoas necessitadas ainda que desconhecido ou oferece um produto no comércio limitado ao estoque existente Nesse campo seguindo as regras para a celebração do negócio jurídico podem as partes estabelecer cláusulas no campo da eficácia que também importarão em uma extinção natural do contrato 22 Verificação de fatores eficaciais As partes celebrantes de um contrato podem estabelecer elementos limitadores da sua duração concebendo previamente portanto a sua extinção Isso porque o cumprimento do contrato em tais situações está intimamente ligado a este fato eficacial relacionado ao decurso do tempo ou à ocorrência de um evento futuro e incerto 221 Vencimento do termo Uma das hipóteses para a extinção de um contrato independentemente de seu regular eou integral cumprimento é o advento de um termo Podem as partes por exemplo celebrar contratos sem a prefixação de um prazo O exemplo mais didático é por certo o contrato de emprego que por força do princípio da continuidade da relação de emprego presumese sempre de duração indeterminada motivo pelo qual para ser extinto impõe em regra a concessão de um aviso prévio Outros contratos porém podem ser celebrados e comumente o são com a estipulação de um termo embora nada impeça que sejam feitos sem limitação temporal É o caso por exemplo de contratos de assistência técnica 222 Implemento de condição resolutiva Além de um evento certo quanto à ocorrência como é o caso do termo podem as partes estipular querendo que a duração do contrato seja limitada à ocorrência de um evento futuro e incerto a condição Tratase no caso do implemento de uma condição resolutiva Assim caso seja celebrado um contrato cuja eficácia esteja submetida a uma condição o implemento de tal evento gerará a sua extinção automática O exemplo comumente citado de condição resolutiva ocorre quando no próprio contrato é prevista cláusula no sentido de que em ocorrendo o inadimplemento por parte de qualquer dos contratantes o vínculo jurídico estará extinto Esta é sem sombra de dúvida a situação mais lembrada na doutrina especializada embora devamos advertir que o fato concretizador desta previsão negocial lhe é superveniente o inadimplemento Outro exemplo interessante de implemento de condição resolutiva é o pacto de retrovenda cláusula especial à compra e venda que garante ao vendedor o direito de recobrar a coisa imóvel no prazo decadencial de três anos restituindo o preço recebido e desembolsando as despesas do comprador na forma dos arts 505 a 508 do CC2002 223 Frustração da condição suspensiva Embora não seja tecnicamente uma hipótese de extinção natural do contrato parecenos que na busca pela completude que anima a redação desta obra vale a pena lembrar ainda que por extremo apego ao rigor acadêmico que a frustração da condição suspensiva pode também gerar a extinção contratual a depender da forma como venha inserida no negócio jurídico Por certo se por exemplo Jorge estabelece que vai entregar determinado bem a Iuri se ganhar na loteria enquanto não se realizar tal fato o contrato embora existente e válido não produz efeitos estando suspensa sua execução Realizandose esse evento incerto deverá produzir todos os efeitos pactuados Todavia se a loteria mencionada deixar de existir não há como imaginar que as partes estejam vinculadas indefinidamente pelo que por exceção teremos a extinção do contrato pela impossibilidade jurídica de sua execução Embora pouco usual não consideramos equivocada chamar essa modalidade de extinção bem como a anterior de resolução contratual embora como veremos a expressão seja reservada habitualmente para causas supervenientes a saber hipóteses de inexecução faltosa descumprimento contratual Compreendidas as situações de extinção natural do contrato passemos a enfrentar as hipóteses de extinção do contrato sem o cumprimento do quanto pactuado Dividamos porém tais modalidades em dois grandes grupos tomando por parâmetro um critério temporal a saber de um lado causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato e de outro causas supervenientes à celebração da avença 3 CAUSAS ANTERIORES OU CONTEMPORÂNEAS À FORMAÇÃO DO CONTRATO Partindose da premissa de que o objetivo almejado pelas partes não foi cumprido seja realizando a prestação seja cumprindo os fatores eficaciais do negócio jurídico toda extinção contratual posterior nestes termos deve ser considerada anormal Esta morte não natural porém pode ter sua raiz em causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato o que não lhe retira a caracterização de uma extinção posterior haja vista que se parte da concepção de existência jurídica da avença Conheçamos portanto quais são tais causas 31 Nulidade ou anulabilidade A ocorrência de nulidade seja absoluta seja relativa no negócio jurídico contratual é uma típica hipótese que pode ser anterior à própria celebração mas que a contamina de tal forma que impossibilita a produção válida de efeitos A nulidade é uma sanção pela ofensa a determinados requisitos legais que impõe a não produção de efeitos jurídicos em função do defeito que carrega em seu âmago Como sanção pelo descumprimento dos pressupostos de validade do negócio jurídico o Direito admite e impõe o reconhecimento da declaração de nulidade objetivando restituir a normalidade e a segurança das relações sociojurídicas Esta nulidade sofre gradações de acordo com o tipo de elemento violado podendo ser absoluta ou relativa na medida em que decorra da infringência de normas de ordem pública ou de normas jurídicas protetoras de interesses preponderantemente privados 373 O importante a destacar porém é que partindo do pressuposto que o negócio efetivamente existiu a sua extinção se dá pelo reconhecimento judicial da nulidade e anulabilidade desfazendose qualquer vínculo contratual existente entre as partes 32 Redibição Um fenômeno anterior à celebração do contrato mas que também pode gerar a sua extinção é a redibição A expressão pode é aqui utilizada em seu sentido técnico qual seja a de faculdade pois nem sempre a ocorrência de um vício redibitório entendido como o defeito oculto que diminui o valor ou prejudica a utilização da coisa recebida por força de um contrato comutativo importará na extinção do contrato podendo sim gerar uma revisão de suas prestações com o abatimento do preço correspondente Como vimos em capítulo anterior a redação do art 442 do Código Civil brasileiro garante ao adquirente de coisa defeituosa a faculdade de redibir o contrato leiase extinguilo pelo vício oculto da coisa ou reclamar redução no preço pactuado Logo tratase de uma hipótese de extinção contratual por causa anterior à sua celebração uma vez que se o vício ou defeito for decorrente da utilização posterior pelo adquirente e não pela sua preexistência ainda que oculta não há como se invocar a garantia 33 Direito de arrependimento A lógica da celebração de um contrato é no sentido de que as partes ao estabelecêlo já tenham a convicção de que querem efetivamente a prestação pactuada Todavia como medida excepcional é possível em determinadas avenças que as partes pactuem contemporaneamente à celebração do negócio um direito de arrependerse como a estabelecer um período de carência em que é possível se desfazer o contrato sem maiores ônus Dada a excepcionalidade de tal medida parecenos razoável afirmar que tal direito somente pode ser reconhecido se previsto expressamente em respeito ao princípio da autonomia da vontade Para tais situações podem as partes estabelecer arras penitenciais na forma como previsto no art 420 do CC2002 in verbis Art 420 Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória Neste caso quem as deu perdêlasá em benefício da outra parte e quem as recebeu devolvêlasá mais o equivalente Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar grifos nossos Registrese no particular que nas relações de consumo o art 49 do CDC confere ao consumidor independentemente de previsão contratual o direito potestativo de desistir da compra realizada fora do estabelecimento no prazo de sete dias 374 Tratase do denominado prazo de reflexão 4 CAUSAS SUPERVENIENTES À FORMAÇÃO DO CONTRATO Quando mencionamos a ocorrência de causas supervenientes à formação do contrato partimos do pressuposto de que ele se concretizou de forma plena como negócio jurídico nos planos da existência validade e eficácia Assim celebrado para ser cumprido sem vícios ou previsão de arrependimento sua dissolução posterior podese dar por diversas formas que variam desde a manifestação expressa da vontade até os efeitos extintivos do eventual inadimplemento ou da morte de um dos contratantes Enfrentemos cada uma destas modalidades 41 Resilição A expressão resilição utilizada expressamente de forma técnica pelo Código Civil vigente em seu art 473 375 aperfeiçoando a redação legal codificada outrora omissa referese à extinção do contrato por iniciativa de uma ou ambas as partes Registrese portanto de logo que tal extinção não se opera retroativamente produzindo seus efeitos ex nunc Assim nos contratos de trato sucessivo não se restituem as prestações cumpridas a menos que as partes assim o estabeleçam Em verdade partindo da concepção de que o contrato gera um vínculo jurídico obrigatório às partes a conclusão lógica é que a mesma manifestação conjunta da vontade possa extinguilo Assim sendo temos que a regra no direito brasileiro é que a resilição seja bilateral distrato embora se possa falar em casos permitidos expressa ou implicitamente pela lei em uma manifestação unilateral de vontade extintiva do contrato Compreendamos estas duas espécies 411 Bilateral distrato A resilição bilateral é chamada pela doutrina e pelo próprio texto codificado de distrato Se foi a autonomia da vontade que estabeleceu a relação contratual é óbvio que esta mesma autonomia poderá desfazêla na forma como pactuado possivelmente celebrando um novo negócio jurídico que estabelece o fim do vínculo contratual disciplinando as consequências jurídicas deste fato Assim por exemplo se a empresa X tem um contrato de prestação de serviços com um escritório de advocacia celebrado por tempo indeterminado as partes podem de comum acordo extinguilo estabelecendo as indenizações que acharem cabíveis por tal rompimento contratual E de que forma devese dar tal extinção a Forma Estabelece expressamente o art 472 Art 472 O distrato fazse pela mesma forma exigida para o contrato Se é da substância do negócio jurídico uma determinada forma somente por tal solenidade é que se pode considerar válido o distrato Assim por exemplo se por força da regra do art 108 do CC2002 376 a lei obriga o registro por escritura pública de um determinado contrato para sua validade não poderão as partes desfazêlo por instrumento particular Da mesma forma se segundo o art 819 do CC2002 377 a fiança somente pode darse por escrito seu distrato não poderá ser feito oralmente Isso não implica dizer porém que se o contrato foi estabelecido por uma determinada forma não imposta pela lei ele também tenha de seguir tal formalidade para ser extinto b Quitação Um dado relevante se refere ao instituto da quitação De fato estabelecia o art 1093 do CC1916 Art 1093 O distrato fazse pela mesma forma que o contrato Mas a quitação vale qualquer que seja a sua forma Uma leitura apressada poderia levar à conclusão de que com a retirada da menção à quitação no já transcrito art 472 do CC2002 esta também deveria seguir a mencionada regra de forma A observação é como dito apressada e equivocada Em verdade não houve modificação da disciplina da quitação nos contratos mas sim apenas um aperfeiçoamento da técnica legislativa passando o instituto a ser disciplinado em dispositivo próprio relacionado à prova do pagamento mantida a concepção de liberdade de forma 378 412 Unilateral Partindose da concepção tradicional do princípio da força obrigatória dos contratos pacta sunt servanda é lógico que a extinção unilateral do contrato por mera manifestação de vontade não poderia ser bem vista Em verdade essa visão específica continua válida pois seria ilógico ou no mínimo atentatório à segurança de uma estipulação contratual imaginar que toda contratação pudesse ser simplesmente desfeita ao alvedrio de uma das partes Nessa linha admitese portanto a resilição unilateral somente com autorização legal expressa ou implícita pela natureza da avença e sempre com a prévia comunicação à outra parte 379 É o que se infere do caput do art 473 do CC2002 sem equivalente na codificação anterior Art 473 A resilição unilateral nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita opera mediante denúncia notificada à outra parte Em um contrato de prestação de serviços pactuado entre um professor de educação física e uma academia de ginástica também pode prever uma cláusula resilitória mormente em se considerando que a relação contratual não deve ser vocacionada à eternidade Vale acrescentar ainda que o ato jurídico pelo qual se opera a resilição unilateral é denúncia Denunciar um contrato portanto em Direito Civil traduz a ideia de resilir o negócio unilateralmente a Limitação temporal Nas relações civis em geral que admitam a resilição unilateral não se propugna independentemente de prévia comunicação pela mais ampla possibilidade da extinção imediata do contrato Isso porque a parte contrária pode ter realizado vultosos investimentos na perspectiva da continuidade do vínculo contratual não sendo razoável nem compatível com a boafé objetiva que anima toda a atual codificação civil que tais gastos permaneçam irressarcidos Dando um exemplo para melhor visualizar a hipótese imaginese um contrato de prestação de serviços de assistência técnica em que a empresa prestadora invista na aquisição de equipamentos especializados para o maquinário da tomadora Ora se repentinamente esta última decide romper o vínculo contratual por ter p ex encontrado outra empresa que possa lhe prestar o serviço ficaria a outra parte a ver navios Em outra linha se por força da maior proteção que lhe dá a legislação consumerista pretende um consumidor desfazer um contrato de compra e venda por não ter mais condições de cumprir o pactuado deve o vendedor aceitar tal fato sem qualquer ressarcimento pelas despesas feitas É claro que não já havendo inclusive farta jurisprudência nacional sobre a matéria mesmo aplicando regras anteriores ao atual Código Civil brasileiro Pensando em tais situações foi explicitada a regra do parágrafo único do mencionado art 473 in verbis Parágrafo único Se porém dada a natureza do contrato uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos Frisese entretanto que a compensação das despesas efetuadas pela parte que não desfez o contrato deverá ser justa e fixada segundo critérios compatíveis com os princípios da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana Por tais razões não vemos com bons olhos as regras de fidelização contratual utilizadas pelas empresas de telefonia celular resultando na imposição de pesadas multas ao consumidor que pretenda resilir o contrato especialmente quando o móvel subjetivo da resilição for a insatisfação com o serviço fornecido Em tal hipótese esta referida técnica de subordinação contratual afigurasenos injusta e ilegítima uma vez que retira do consumidor o direito de escolha quanto à melhor concessionária que possa servirlhe ferindo inclusive todo o sistema de privatização e a própria Constituição Federal que aponta a livre concorrência como o princípio básico da economia b Formas especiais Algumas modalidades contratuais permitem a resilição unilateral tomandose em consideração certas peculiaridades utilizando doutrina e legislação nomes especiais para caracterizála Dentre essas formas especiais destacamos a revogação a renúncia e o resgate b1 Revogação A revogação consiste em uma modalidade de desfazimento de determinados negócios jurídicos por iniciativa de uma das partes isoladamente É o exemplo da resilição unilateralmente feita nos contratos de mandato arts 682 a 687 do CC2002 e doação arts 555 a 564 do CC2002 380 Especificamente sobre o mandato vale registrar que é possível o estabelecimento de cláusula restritiva da sua resilição leiase cláusula de irrevogabilidade na forma do art 684 381 Distinguindo revogação de denúncia afirma ORLANDO GOMES que esta põe fim diretamente à relação obrigacional enquanto aquela extingue o contrato e só como consequência mediata a relação fazendo cessar ex tunc ou ex nunc os efeitos do negócio O ato de revogação requer cumprimento pelo próprio sujeito que praticou o ato que se revoga e deve destinarse a impedir que este produza seus efeitos próprios Contudo o vocábulo revogação é empregado em sentido mais amplo Tal como a denúncia consiste a revogação numa declaração receptícia de vontade que opera extrajudicialmente e como ela é direito potestativo Os contratos estipulados no pressuposto da confiança recíproca entre as partes podem resilirse ad nutum mediante revogação Está neste caso o mandato A lei autoriza o mandante a revogálo pondolhe termo a todo tempo por simples declaração de vontade e independentemente de aviso prévio Outros contratos comportam esse modo de resilição sem essa liberdade A doação por exemplo pode ser revogada mas o poder de revogação não se exerce livremente estando condicionado a causas peculiares Neste caso a revogação confundese com a resolução porque depende de condição resolutiva a ser apreciada pelo juiz 382 b2 Renúncia Como a outra face da moeda compreendemos que o sentido que se dá ao vocábulo renúncia em matéria de extinção contratual nada mais é do que a resilição contratual por iniciativa unilateral do sujeito passivo da relação obrigacional sendo também especialmente aplicável a algumas modalidades contratuais É o caso por exemplo também no contrato de mandato da renúncia do mandatário na forma determinada no art 688 do CC2002 que também prevê limitações ao seu exercício 383 No ensinamento de ORLANDO GOMES Posto que seja unilateral a renúncia pertence à categoria dos negócios extintivos apresentandose normalmente como comportamento abdicativo destinado a extinguir uma relação jurídica pela autoeliminação de um dos seus sujeitos o ativo No direito das obrigações a remissão da dívida é a figura mais característica da renúncia No mandato tanto o mandante pode desvincularse do contrato revogando os poderes do mandatário como este com a mesma liberdade de ação se libera renunciandoos Exerce deste modo o poder de resilir unilateralmente o contrato pelo que indeferimos a postulação do item a da inaugural Deve notificar sua intenção ao mandante e em certos casos aguardar substituto Da renúncia distinguemse os negócios omissivos como o repúdio 384 b3 Resgate Exemplo clássico e difundido de resgate encontrávamos no Código Civil anterior quando preceituava acerca do instituto da enfiteuse direito real na coisa alheia não mais disciplinado pela codificação nacional Aliás observa a esse respeito PABLO STOLZE GAGLIANO que Dado o seu caráter de perpetuidade e por imitar o direito de propriedade sem sêlo o novo Código Civil corretamente pôs fim à enfiteuse substituindoa pelo direito real de superfície mais dinâmico e de caráter temporário 385 Traduzia pois este resgate o exercício de um direito potestativo então previsto no art 693 do CC1916 com a seguinte redação Art 693 Todos os aforamentos inclusive os constituídos anteriormente a este Código salvo acordo entre as partes são resgatáveis 10 dez anos depois de constituídos mediante pagamento de um laudêmio que será de 25 dois e meio por cento sobre o valor atual da propriedade plena e de 10 dez pensões anuais pelo foreiro que não poderá no seu contrato renunciar ao direito de resgate nem contrariar as disposições imperativas deste Capítulo Na atual codificação contudo a expressão somente é utilizada em outro contexto mais especificamente no exercício da retrovenda referindose ao retorno do bem ao vendedor conforme se verifica de uma simples leitura dos arts 505 e 506 Art 505 O vendedor de coisa imóvel pode reservarse o direito de recobrála no prazo máximo de decadência de três anos restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador inclusive as que durante o período de resgate se efetuaram com a sua autorização escrita ou para a realização de benfeitorias necessárias Art 506 Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus o vendedor para exercer o direito de resgate as depositará judicialmente grifos nossos A retrovenda em verdade é uma cláusula especial à compra e venda que limita a sua eficácia uma vez que submete o negócio jurídico a uma condição resolutiva expressa sendo considerado por nós uma modalidade de extinção natural do contrato Na anterior hipótese da enfiteuse portanto especialmente quando decorrente de um contrato firmado entre as partes ou na situação atualmente prevista da retrovenda podemos observar especiais modalidades de resilição 386 manifestadas por meio do direito de resgate 42 Resolução Embora a legislação codificada por vezes utilize a expressão em outros sentidos 387 o fato é que a teoria geral dos contratos reserva para o vocábulo resolução o significado de extinção contratual fundamentada no descumprimento do pactuado Sob a expressão descumprimento compreendase o inadimplemento tanto culposo quanto involuntário e bem assim a inexecução absoluta e a relativa Se o contrato é feito para ser cumprido a não realização da prestação como pactuada pode ensejar sim a priori a critério da parte lesada por sua provocação o desfazimento da relação obrigacional A expressão pode é aqui mais uma vez utilizada em seu sentido técnico pois na nova visão que se propugna para o direito obrigacional devese sempre prestigiar a tutela específica da obrigação caso seja possível a prestação e ainda haja interesse nela pela parte lesada realizandose a intenção declarada ao se celebrar a avença 421 Algumas palavras sobre a voluntariedade da inexecução Para efeito de resolução do contrato pouco importa se a inexecução se deu voluntária ou involuntariamente De fato seja pela recusa justificada ou não do devedor seja por fatos alheios à sua vontade como por exemplo no caso fortuito ou de força maior sempre será possível ao interessado parte lesada pelo descumprimento pedir a resolução do contrato extinguindose o vínculo contratual Necessário se faz porém verificar se há razoabilidade no incumprimento para efeito de verificação da responsabilidade civil por tal ato pelo que remetemos tal discussão para um capítulo próprio O tema do descumprimento do contrato ensejando a sua resolução desperta na realidade vários temas acessórios como é o caso por exemplo nos contratos bilaterais em que o inadimplemento de uma parte autoriza o não cumprimento de prestação correspondente pela outra caracterizando a exceção substancial do contrato não cumprido exceptio non adimpleti contractus Da mesma maneira a resolução do contrato pode decorrer da impossibilidade de seu cumprimento por onerosidade excessiva em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevistos tema aliás que pode ensejar inclusive a rediscussão das suas prestações justamente para evitar a sua extinção Dada a importância desses dois últimos aspectos disciplinados expressamente pelo Código Civil de 2002 o segundo inclusive de forma inovadora por uma questão metodológica vamos tratálos também em capítulos autônomos 422 Cláusula resolutória expressa ou tácita As partes podem prever no próprio conteúdo do contrato que caso haja descumprimento será ele considerado extinto Tratase da chamada cláusula resolutiva ou resolutória expressa ou pacto comissório expresso 388 que gera efeito dissolutório da relação contratual Quando contudo as partes nem sequer cogitaram acerca do inadimplemento contratual falase de maneira distinta na preexistência de uma cláusula resolutória tácita 389 pois em todo contrato bilateral por força da interdependência das obrigações o descumprimento culposo por uma das partes deve constituir justa causa para a resolução do contrato uma vez que se um é causa do outro deixandose de cumprir o primeiro perderia o sentido o cumprimento do segundo Tal instituto está previsto expressamente no Código Civil brasileiro especificamente no seu art 474 Art 474 A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito a tácita depende de interpelação judicial Aplaudimos a nova disciplina legal pois explicitou tratarse de uma cláusula resolutiva modificando a expressão anterior condição resolutiva constante do parágrafo único do art 119 do CC1916 o que nos soa mais técnico pela dificuldade de se imaginar um elemento limitador da eficácia implicitamente contida em um negócio jurídico E por que não se incluir dentro da visão esquemática aqui propugnada tal assunto na parte referente à extinção natural do contrato haja vista que foram as próprias partes que já anteviram tal possibilidade Justamente porque na visão ética que defendemos para as relações contratuais não nos parece aceitável imaginar que pela boafé objetiva alguém pactue uma relação contratual já com a firme intenção de não cumprila A concepção da cláusula resolutória expressa deve ser aceita não pela ideia de que o contrato foi celebrado para não ser cumprido mas sim justamente por uma questão de cautela no caso de inadimplemento em função de eventuais situações supervenientes o que se mostra mais evidente nos contratos de execução diferida ou de duração Por tais fundamentos divergimos neste particular do dileto amigo CARLOS ROBERTO GONÇALVES que elenca a cláusula resolutiva expressa como uma causa contemporânea à formação do contrato 390 Em verdade embora concebida na celebração da avença a causa somente se materializa e de forma sempre indesejada embora admitida com o descumprimento da obrigação pactuada Resolução pressupõe inadimplemento de algo exigível E inadimplemento é algo que nunca pode ser considerado normal ou contemporâneo ao contrato Por isso mesmo a expressão de pleno direito deve ser interpretada com a devida ressalva pois ela não quer dizer que ocorrendo o inadimplemento o contrato está automaticamente extinto Pensar dessa forma seria prestigiar o inadimplente o que é inadmissível Assim o que se deve ter em mente é que ocorrendo o inadimplemento a parte lesada tem o direito de exigir o seu cumprimento haja vista que a tutela específica das obrigações deve ser a regra em nosso ordenamento ou não sendo mais possível a prestação ou não havendo mais interesse em seu cumprimento a declaração judicial da sua resolução Essa é a linha do art 475 do Código Civil brasileiro Art 475 A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato se não preferir exigirlhe o cumprimento cabendo em qualquer dos casos indenização por perdas e danos Dessa forma havendo o inadimplemento e optando a parte lesada pela resolução duas situações poderão advir a Há cláusula resolutória expressa nesse caso uma manifestação judicial terá efeito meramente declaratório operandose ex tunc A provocação do EstadoJuiz somente se faz necessária para assegurar uma certeza jurídica o que é em essência a finalidade de qualquer postulação de natureza declaratória Ademais podemse cumular pretensões postulações condenatórias ao exigir restituição de parcelas pagas devolução de bens e indenização pela extinção do contrato b Não há cláusula resolutória expressa nesse caso entendese ser imprescindível a interpelação judicial para desconstituir o vínculo contratual uma vez que não é razoável se imaginar que em um contrato sinalagmático uma das partes tenha de continuar a cumprir a sua prestação se a outra se abstém de tal mister A finalidade de tal interpelação é justamente cientificar a parte contrária da intenção de considerar resolvido o contrato podendo ser suprida por outra forma de cientificação Ressaltese que embora inadimplente o devedor não se pode tolerar que o credor queira resolver o contrato reavendo bens alienados em prestações sem a devolução com as devidas compensações das parcelas pagas Nesse sentido estabelece o Código de Defesa do Consumidor Art 53 Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações bem como nas alienações fiduciárias em garantia consideramse nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que em razão do inadimplemento pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado 1º Vetado 2º Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis a compensação ou a restituição das parcelas quitadas na forma deste artigo terá descontada além da vantagem econômica auferida com a fruição os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo 3º Os contratos de que trata o caput deste artigo serão expressos em moeda corrente nacional Registrese ainda que no campo da disciplina legal ou da autonomia da vontade é possível o estabelecimento de regras para a purgação da mora afastando a resolução contratual o que deve ser analisado no caso concreto bem como ser admissível por exceção que a resolução do contrato se dê por iniciativa daquele que não conseguiu adimplilo 43 Rescisão Se há uma modalidade de extinção contratual em que se constata profunda imprecisão terminológica e desvios teoréticos não há menor dúvida de que é rescisão Do ponto de vista gramatical a expressão encontra as seguintes acepções rescisão sf 1813 cfms2 ação de rescindir 1 anulação de contrato 11 JUR ato através do qual um contrato deixa de surtir efeitos devido a um vício nele contido anulação 2 rompimento corte ETIM lat rescissio onis rescisão anulação supressão destruição com dissimilação das sibilantes ver cind fhist 1813 rescisão 1836 rescisão 391 Baseada nos ensinamentos de MESSINEO 392 porém boa parte da doutrina civilista brasileira especializada 393 identifica o termo rescisão tecnicamente como a forma de extinção de contratos em que tenha ocorrido lesão ou celebrados sob estado de perigo Observando tal confusão registra SÍLVIO VENOSA que rescisão é palavra que traz entre nós a noção de extinção da relação contratual por culpa Originalmente vinha ligada tão só ao instituto da lesão No entanto geralmente quando uma parte imputa à outra o descumprimento de um contrato pede a rescisão em juízo e a sentença decretaa Os interessados no entanto usam com frequência o termo com o mesmo sentido de resilir isto é terminar a avença de comum acordo distratar o que foi contratado Nada impede que assim se utilize num costume arraigado em nossos negócios 394 E por mais contraditório que possa parecer o próprio Código Civil de 2002 utiliza a expressão em diversos contextos sem um elemento comum que os una 395 MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES após registrar a confusão terminológica existente prefere concluir que em nosso Direito a rescisão deve de fato ser tratada como causa extintiva do contrato em caso de nulidade seguindo a linha do Código Civil francês 396 Assim na primeira acepção rescisão seria uma causa superveniente à formação do contrato Embora imprecisa tratase da forma mais utilizada na prática motivo pelo qual preferimos metodologicamente tratar neste tópico o instituto Todavia para que não sejamos acusados de colidir as classificações feitas esclarecemos que se utilizada no sentido clássico de causa extintiva do contrato em caso de nulidade rescisão obviamente será uma causa anterior ou contemporânea à formação do contrato 44 Morte do contratante Por fim fazse mister tecer algumas considerações acerca dos efeitos da morte de um dos contratantes para a relação jurídica obrigacional Como observa ORLANDO GOMES Entre as causas de extinção dos contratos a morte de um dos contratantes ocupa lugar à parte Sua inclusão nos outros modos de dissolução não tem realmente cabimento Não é possível afirmarse que resolve o contrato Sem dúvida impossibilita sua execução ou faz cessála definitivamente mas a rigor não pode ser considerada inexecução involuntária porque seus efeitos não se igualam aos do caso fortuito Não se justifica também enquadrála entre as causas de resilição como procede a doutrina francesa pois a resilição se caracteriza por ser consequência de manifestação da vontade de um ou dos dois contratantes 397 De fato a morte de uma das partes somente constitui causa de dissolução do contrato naquelas avenças personalíssimas contraídas justamente em função da pessoa do contratante intuitu personae equiparandose à incapacidade superveniente 398 Somente nestes casos pode ser aplicado o brocardo latino mors omnia solvit Mesmo assim operandose a extinção da avença terá produzido seus efeitos normalmente até o evento morte não tendo portanto efeito retroativo ex tunc mas sim obviamente ex nunc o que se torna mais evidente nos contratos de execução continuada ou periódica Nas demais situações fáticas as obrigações contratuais bem como os direitos correspondentes transmitemse aos herdeiros do de cujus 45 Caso fortuito ou força maior Apenas com a finalidade de dar completude à nossa classificação devemos lembrar que hipóteses de caso fortuito ou força maior também ensejam a extinção do contrato A matéria já foi por nós tratada anteriormente mas é importante reafirmar que ambas as hipóteses foram condensadas em conceito único conforme se pode verificar do art 393 do CC2002 Art 393 O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior se expressamente não se houver por eles responsabilizado Parágrafo único O caso fortuito ou de força maior verificase no fato necessário cujos efeitos não era possível evitar ou impedir Há profunda divergência na eventual distinção conceitual entre os dois institutos Sem intenção de dirimila identificamos na força maior a característica da inevitabilidade e no caso fortuito a nota distintiva da imprevisibilidade Não há diferença pragmática porém entre os institutos que ocorrendo na vigência de uma relação contratual acabarão por extinguila sem ônus às partes Vale registrar inclusive a título de curiosidade que algumas modalidades contratuais expressamente elencam a força maior como causa extintiva 399 o que em verdade é perfeitamente dispensável tendo em vista o próprio sentido do instituto XX EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Um tema extremamente relevante em sede de discussão sobre extinção contratual é a aplicação da exceção de contrato não cumprido exceptio non adimpleti contractus Tratase de instituto de grande aplicabilidade prática que dada a sua importância jurisprudencial merece ser tratado em capítulo próprio A matéria está disciplinada nos arts 476 e 477 do CC2002 que estipulam Seção III Da Exceção de Contrato não Cumprido Art 476 Nos contratos bilaterais nenhum dos contratantes antes de cumprida a sua obrigação pode exigir o implemento da do outro Art 477 Se depois de concluído o contrato sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou pode a outra recusarse à prestação que lhe incumbe até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazêla Compreendamos sistematicamente o tema a partir da enunciação de seu conceito 2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA Consiste a exceção de contrato não cumprido em um meio de defesa pelo qual a parte demandada pela execução de um contrato pode arguir que deixou de cumprilo pelo fato da outra ainda também não ter satisfeito a prestação correspondente Como se infere tal exceção somente pode ser aplicada nos chamados contratos bilaterais sinalagmáticos ou de prestações correlatas em que se tem uma produção simultânea de prestações para todos os contratantes pela dependência recíproca das obrigações Tratase portanto de uma exceção substancial paralisando a pretensão do autor de exigir a prestação pactuada ante a alegação do réu de não haver percebido a contraprestação devida Não se discute a priori o conteúdo do contrato nem se nega a existência da obrigação ou se pretende extinguila sendo uma contestação apenas do ponto de vista da exigibilidade Sobre as exceções substanciais disserta FREDIE DIDIER JR aqui transcrito inclusive com suas referências em rodapé A exceção substancial para ser conhecida pelo juiz precisa ser exercida pelo demandado Não pode de regra o magistrado conhecer ex officio dessa exceção 400 Não alegada a exceção substancial no momento da contestação ocorre a preclusão salvo se a lei expressamente permitir a alegação a qualquer tempo o que é raro ex prescrição art 193 do CC2002 A exceção opera no plano da eficácia 401 não pretende o demandado extinguir a pretensão contra si exercida mas apenas retirarlhe a eficácia Quem excetua não nega a eficácia busca neutralizála ou retardála 402 A exceção como reverso da pretensão prescreve no mesmo prazo desta art 190 do CC2002 403 São exceções substanciais por exemplo a prescrição o direito de retenção e a exceção de contrato não cumprido 404 Tratase também de um instrumento bastante útil para forçar o devedor a cumprir a sua obrigação uma vez que a recusa de pagamento da obrigação pode compelilo a tal fim Registrese ainda com SILVIO RODRIGUES que a exceptio non adimpleti contractus pode ser invocada qualquer que seja a causa geradora do inadimplemento do contrato Quer a recusa de cumprimento se funde na má vontade do contratante quer na força maior ou no caso fortuito em ambas as hipóteses a outra parte pode aduzir a exceção Porque tendo uma prestação sua causa na outra deixando aquela de ser cumprida seja qual for o motivo cessa de exigir a causa de cumprimento da segunda 405 Por fim é possível falar em exceção do contrato parcialmente cumprido exceptio non rite adimpleti contractus no caso de uma das partes ter cumprido apenas em parte ou de forma imperfeita a sua obrigação quando se comprometera a cumprila integralmente mas em verdade a sua concepção está abrangida na primeira 3 ELEMENTOS CARACTERIZADORES Para facilitar a compreensão do instituto destrinchemos quais são os elementos necessários para sua caracterização a Existência de um contrato bilateral A exceptio non adimpleti contractus em sentido próprio somente pode ser invocada em contratos onde há uma dependência recíproca das obrigações em que uma é a causa de ser da outra não sendo aplicável a priori para outras relações jurídicas b Demanda de uma das partes pelo cumprimento do pactuado Somente há sentido na invocação de uma exceção substancial defesa em sentido material se há uma provocação exigindose o cumprimento pois na inércia das partes não há que falar em defesa c Prévio descumprimento da prestação pela parte demandante É justamente o prévio descumprimento pela parte demandante que autoriza o excipiente a se valer da exceptio non adimpleti contractus uma vez que tendo havido cumprimento da prestação na forma como pactuada a demanda pelo seu cumprimento constitui o regular exercício de um direito potestativo Ressaltese que se o descumprimento foi de terceiro e não da parte contratante não há como invocar a exceção 4 RESTRIÇÃO À APLICAÇÃO DO INSTITUTO A disciplina legal da exceptio non adimpleti contractus nada dispunha sobre a possibilidade de restrição à invocação do instituto Nada impede porém que partindose de situações fáticas em que as partes estejam em igualdade ou a restrição seja feita em interesse da coletividade seja ela realizada É o posicionamento por exemplo de CARLOS ROBERTO GONÇALVES Como decorrência do princípio da autonomia da vontade admitese a validade de cláusula contratual que restrinja o direito de as partes se utilizarem do aludido art 476 Tratase da cláusula solve et repete pela qual obrigase o contratante a cumprir a sua obrigação mesmo diante do descumprimento da do outro resignandose a posteriormente voltarse contra este para pedir o cumprimento ou as perdas e danos Importa em renúncia ao direito de opor a exceção do contrato não cumprido Não é muito comum sendo encontrada em alguns contratos administrativos para proteger a Administração Nas relações de consumo deve ser evitada em razão da cominação de nulidade a toda cláusula que coloque o consumidor em desvantagem exagerada CDC art 51 406 5 GARANTIA DE CUMPRIMENTO Como visto a exceptio non adimpleti contractus pressupõe o descumprimento da avença Todavia celebrado o contrato se houver fundado receio de seu futuro descumprimento por força da diminuição posterior do patrimônio da parte contrária é preciso que se faça algo para resguardar o interesse dos contraentes Para isso prevê o art 477 do CC2002 Art 477 Se depois de concluído o contrato sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou pode a outra recusarse à prestação que lhe incumbe até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazêla Tratase de uma forma de proteção aos interesses daquele que por força da relação obrigacional está adstrito ao cumprimento da prestação antes da parte contrária constituindose sem a menor dúvida em medida das mais justas Exemplificando a matéria observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES Procurase acautelar os interesses do que deve pagar em primeiro lugar protegendoo contra alterações da situação patrimonial do outro contratante Autorizase por exemplo o vendedor a não entregar a mercadoria vendida se algum fato superveniente à celebração do contrato acarretar diminuição considerável no patrimônio do comprador capaz de tornar duvidoso o posterior adimplemento de sua parte na avença podendo aquele neste caso reclamar o preço de imediato ou exigir garantia suficiente Na hipótese mencionada não poderá o comprador exigir do vendedor a entrega da mercadoria enquanto não cumprir a sua obrigação de efetuar o pagamento do preço ou oferecer garantia bastante para satisfazêla Se promover ação judicial para esse fim poderá aquele opor a exceção do contrato não cumprido 407 Dando outro exemplo imaginese que alguém contrate a banda CROONERS IN CONCERT para fazer um show de final de ano em uma determinada casa de espetáculos no interior da Bahia Por força de uma enchente porém o local ficou interditado por vários meses gerando visível e substancial prejuízo para seu proprietário Ora será que vale a pena correr o risco de se deslocar para a cidade fazer a apresentação e não receber a contraprestação É claro que não motivo pelo qual deve o referido conjunto musical exigir garantias do cumprimento antes de se aventurar pelas estradas da vida 6 A EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Por fim vale tecer algumas considerações sobre a possibilidade de invocação da exceção do contrato não cumprido em sede de contratos administrativos Não há a menor dúvida de que isso pode ser feito unilateralmente pela Administração mas a pergunta que se faz é se o particular também gozaria dessa prerrogativa Isso porque estabelecido o contrato com a Administração Pública o contratado assume o papel de seu colaborador agindo como tal no interesse da comunidade que não pode ficar prejudicada pela paralisação na sua execução Na observação de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO essa doutrina sofre hoje algum abrandamento pois já se aceita que a exceptio non adimpleti contractus seja invocada pelo particular contra a Administração embora sem a mesma amplitude que apresenta no direito privado Neste os interesses das partes são equivalentes e se colocam no mesmo pé de igualdade no contrato administrativo os interesses das partes são diversos devendo em determinadas circunstâncias prevalecer o interesse público que incumbe em princípio à Administração proteger Por isso o particular deve como regra dar continuidade ao contrato evitando de sponte sua paralisar a execução do contrato já que a rescisão unilateral é prerrogativa da Administração o que o particular pode e deve fazer até mesmo para acautelar seus interesses é pleitear a rescisão administrativa ou judicialmente aguardando que ela seja deferida 408 É claro que em certas situações a continuidade da prestação deve ser verificada de acordo com o princípio da razoabilidade proporcionalidade pois pode impossibilitar a execução do contrato ou causar ao contratado um desequilíbrio econômico de tal monta que não seria razoável exigir que fosse ele suportado pela desproporção entre esse sacrifício e o interesse público a atingir pela execução do contrato Assim parecenos por exemplo que as previsões do art 78 XV e XVI da Lei de Licitações Lei n 866693 podem autorizar excepcionalmente sem trocadilho a aplicação da exceção do contrato não cumprido 409 Até porque nessa mesma linha de raciocínio também não se afigura justo que o Estado se beneficie à custa do particular XXI TEORIA DA IMPREVISÃO E RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA 1 INTRODUÇÃO Apenas por uma questão de rigor terminológico parecenos relevante explicitar a diferença entre Teoria da Imprevisão Resolução por Onerosidade Excessiva e Cláusula Rebus Sic Stantibus A Teoria da Imprevisão é o substrato teórico que permite rediscutir os preceitos contidos em uma relação contratual em face da ocorrência de acontecimentos novos imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis Tratase em nosso pensar de uma aplicação direta do princípio da boafé pois as partes devem buscar no contrato alcançar as prestações que originalmente se comprometeram da forma como se obrigaram Já a expressão Cláusula Rebus Sic Stantibus remonta como visto a tempos imemoriais Mesmo sendo em verdade bastante anterior cronologicamente à concepção da Teoria da Imprevisão sua finalidade acaba por se revelar uma aplicação dela no reconhecimento pretoriano no sentido de que em todo contrato de prestações sucessivas haverá sempre uma cláusula implícita de que a convenção não permanece em vigor se as coisas não permanecerem rebus sic stantibus como eram no momento da celebração Tal construção teórica inclusive foi uma das responsáveis pela consagração jurisprudencial da correção monetária no país ainda na época em que o texto codificado prestigiava o nominalismo Por fim quando se fala em Resolução por Onerosidade Excessiva expressão utilizada pela atual codificação civil brasileira arts 478 a 480 do CC2002 sem correspondente na anterior já se está a invocar a extinção resolução do contrato em função do descumprimento involuntário pela onero sidade excessiva gerada por circunstâncias supervenientes A expressão mencionada expressamente na Seção IV do Capítulo II Da Extinção do Contrato do Título V Dos Contratos em Geral não é totalmente precisa uma vez que como veremos e se encontra positivado a onerosidade excessiva não importa somente na extinção do contrato mas também potencialmente em sua revisão Além disso como veremos a expressão teoria da onerosidade excessiva embora calcada em fundamentos semelhantes não corresponde exatamente à teoria da imprevisão por estar mais focada na questão da desproporção do que propriamente na imprevisibilidade 2 ELEMENTOS PARA APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO Como já se observou esta teoria interessa mais aos contratos de execução continuada ou de trato sucessivo ou seja de médio ou longo prazo bem como os de execução diferida sendo inútil para os contratos de execução imediata Podemos nessa linha de intelecção decompor essa importante construção dogmática nos seguintes elementos a superveniência de circunstância imprevisível claro está assim que se a onerosidade excessiva imposta a uma das partes inserirse na álea de previsão contratual não se poderá em tal caso pretenderse mudar os termos da avença haja vista que na vida negocial nada impede que uma das partes tenha feito um mau negócio b alteração da base econômica objetiva do contrato a ocorrência da circunstância superveniente altera a balança econômica do contrato impondo a uma ou a ambas as partes onerosidade excessiva c onerosidade excessiva consequencialmente uma ou até mesmo ambas as partes experimentam um aumento na gravidade econômica da prestação a que se obrigou Com isso podemos concluir consoante anotamos linhas acima que a teoria da imprevisão não pressupõe necessariamente enriquecimento de uma parte em detrimento do empobrecimento da outra Isso porque na superveniência da circunstância não esperada poderá haver determinada onerosidade para ambas as partes sem que com isso se afaste a aplicação da teoria 3 TEORIA DA IMPREVISÃO LESÃO Não se confunde outrossim a aplicação da teoria da imprevisão com o vício da lesão art 157 do CC embora neste também se verifique a existência de desproporção manifesta entre as prestações pactuadas consoante se pode observar da análise do mencionado dispositivo legal Art 157 Ocorre a lesão quando uma pessoa sob premente necessidade ou por inexperiência se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta Podese assim conceituar a lesão como o prejuízo resultante da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico em face do abuso da inexperiência necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes Decompõese pois este defeito em dois elementos a objetivo ou material desproporção das prestações avençadas b subjetivo imaterial ou anímico a premente necessidade a inexperiência e a leviandade da parte lesada valendo destacar que tradicionalmente se acrescenta a noção do dolo de aproveitamento da parte beneficiada embora o texto do Código Civil de 2002 a ele não faça menção expressa sendo em nosso entender despiciendo Notase assim de uma análise perfunctória dessas simples noções que posto haja semelhança uma nítida diagnose diferencial entre a lesão e a imprevisão poderá ser traçada A primeira cuida de defeito do negócio jurídico apto a ensejar a sua anulação e ocorrente desde o momento em que o contrato é celebrado Ou seja a lesão nasce com o negócio jurídico invalidandoo A teoria da imprevisão por sua vez pressupõe a existência de um contrato válido de execução continuada ou diferida que por circunstância superveniente onera excessivamente o devedor Não há pois aqui fundo de abuso de poder econômico como ocorre na lesão mas sim alteração da sua base objetiva por fato posterior imprevisível Caso se trate de situação previsível e de consequências calculáveis dentro da álea econômica ordinária ainda que impossibilite o cumprimento da obrigação principal não há falar em aplicação da teoria sob análise nem muito menos pretenderse a revisão judicial do contrato 4 TEORIA DA IMPREVISÃO INADIMPLEMENTO FORTUITO CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR Embora muito próximos cabe distinguir a teoria da imprevisão do denominado inadimplemento fortuito O caso fortuito ou a força maior institutos com sede legal própria no Código Civil art 393 resultam no inadimplemento fortuito da obrigação sem que com isso se imponha a qualquer das partes a obrigação de indenizar A teoria da imprevisão por sua vez enseja uma revisão dos termos do contrato podendo gerar na repactuação um dever de ressarcir parcelas pagas ou gastos feitos bem como até mesmo de indenizar pela extinção da avença Tratando da aplicação da teoria à Administração Pública e fazendo a distinção para a força maior observa MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO Nesta estão presentes os mesmos elementos fato estranho à vontade das partes inevitável imprevisível a diferença está em que na teoria da imprevisão ocorre apenas um desequilíbrio econômico que não impede a execução do contrato e na força maior verificase a impossibilidade absoluta de dar prosseguimento ao contrato As consequências são também diversas no primeiro caso a Administração pode aplicar a teoria da imprevisão revendo as cláusulas financeiras do contrato para permitir a sua continuidade se esta for conveniente para o interesse público no segundo caso ambas as partes são liberadas sem qualquer responsabilidade por inadimplemento como consequência da norma do art 1058 do Código Civil Pela Lei n 8666 a força maior constitui um dos fundamentos para a rescisão do contrato art 78 XVII tendo esta efeito meramente declaratório de uma situação de fato impeditiva da execução 410 Tratase portanto de dois institutos diversos que não devem ser confundidos 411 5 A TEORIA DA IMPREVISÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Diferentemente do Código de Beviláqua que não cuidou da matéria o Código de Defesa do Consumidor em seu art 6º V inovou ao consagrar essa teoria com novo matiz ao admitir que o consumidor pudesse pleitear a revisão do contrato se circunstância superveniente desequilibrasse a base objetiva do contrato impondolhe prestação excessivamente onerosa Vêse pois da análise deste dispositivo que a moldura jurídica dada pelo legislador a esta teoria é peculiar na medida em que permite a revisão contratual independentemente de o fato superveniente ser imprevisível Isso mesmo O CDC não exigiu a imprevisibilidade para que se pudesse rediscutir os termos do contrato razão por que a doutrina e a jurisprudência especializadas preferem aí denominála teoria da onerosidade excessiva E afinal como se tratou da teoria da imprevisão no Código Civil brasileiro Como imprevisão propriamente dita ou como onerosidade excessiva É o que veremos no próximo tópico 6 A TEORIA DA IMPREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 O atual Código Civil por sua vez cuidou de regular a matéria nos seguintes termos Seção IV Da Resolução por Onerosidade Excessiva Art 478 Nos contratos de execução continuada ou diferida se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa com extrema vantagem para a outra em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis poderá o devedor pedir a resolução do contrato Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação Art 479 A resolução poderá ser evitada oferecendose o réu a modificar equitativamente as condições do contrato Art 480 Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou alterado o modo de executála a fim de evitar a onerosidade excessiva Diante dos termos da nova lei algumas considerações podem ser tecidas 61 Aplicabilidade do instituto Primeiramente notamos que a dicção do art 478 faz presumir que a teoria adotada pelo codificador exige para a sua configuração que da superveniência do evento extraordinário e imprevisível decorra enriquecimento sem causa para uma parte em detrimento da outra Já criticamos linhas atrás a impropriedade de se considerar que a imprevisão exija relação causal entre enriquecimento e empobrecimento de uma parte e outra uma vez que o fato posterior poderá onerar a ambas caso em que ainda assim a teoria não poderia deixar de ser aplicada Interessante notar também que o novo diploma exige além da imprevisibilidade a extraordinariedade do evento ou seja deverá ser excepcional escapando assim do curso normal e ordinário dos acontecimentos da vida Aliás por se tratar de cláusula geral deverá o juiz efetivar a sua concreção atento às características do caso concreto Nessa linha o devedor excessivamente onerado poderá nos termos do art 478 pleitear a resolução ou seja o desfazimento do contrato caso em que os efeitos da sentença retroagirão ao momento da citação A respeito deste último aspecto pontifica JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO O art 478 dispõe que os efeitos da sentença que decretar a resolução retroagirão à data da citação Compreendese pois a sentença verifica nesse caso que havia realmente fundamento para a resolução do contrato Mas pode perguntarse se será essa a única solução possível Uma vez que a actuação também pode ser extrajudicial os efeitos poderão retroagir à data da interpelação dirigida por uma parte à outra uma vez verificado que havia realmente fundamento para a resolução do contrato Na realidade aquele trecho do art 478 que traduz antes de mais nada a realidade processual comum só confunde Se se não quisesse estabelecer uma solução especial para esta hipótese mais valia o Código ter omitido qualquer referência à retroacção Mais uma vez a roupagem processual em leis substantivas revelase deslocada e nociva 412 sic 62 Revisibilidade do contrato O artigo subsequente por sua vez abre a possibilidade de se evitar a resolução se o réu oferecerse a modificar equitativamente as condições do contrato Notase portanto da leitura deste dispositivo que a revisão do contrato nos termos do atual Código Civil é uma simples faculdade do demandado o que se nos afigura um escancarado absurdo Como conceber que a revisão da base econômica do contrato fique ao alvedrio de apenas uma das partes A negativa dessa via deferida exatamente à parte que em geral goza de maior poder econômico pode significar na prática que ao autor da ação devedor onerado pelo evento imprevisível caiba apenas pleitear a resolução do contrato ou seja a dissolução do negócio o que poderá não lhe interessar ou até mesmo serlhe ainda mais prejudicial Por isso sustentamos a inegável possibilidade à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana do devedor e da efetividade do processo de o juiz sem pretender substituirse à vontade das partes prolatar sentença revisional corretiva das bases econômicas do negócio mesmo com a oposição do réu credor 413 Aliás podendose o mais a resolução podese o menos a revisão por inegável razão de justiça Tal entendimento inclusive parecenos respaldado por uma previsão específica de aplicação de tal teoria em relação ao pagamento da prestação devida por força da relação jurídica obrigacional Tratase do art 317 do CC2002 sem equivalente na codificação anterior que estabelece Art 317 Quando por motivos imprevisíveis sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução poderá o juiz corrigilo a pedido da parte de modo que assegure quanto possível o valor real da prestação Ainda nessa linha vale destacar que a Lei n 10931 de 2 de agosto de 2004 que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias Letra de Crédito Imobiliário Cédula de Crédito Imobiliário Cédula de Crédito Bancário alterando o Decretolei n 911 de 1º de outubro de 1969 as Leis n 4591 de 16 de dezembro de 1964 4728 de 14 de julho de 1965 e 10406 de 10 de janeiro de 2002 e dando outras providências acabou por estabelecer regras procedimentais para a hipótese de ação que vise rediscutir obrigações decorrentes de empréstimo financiamento ou alienação imobiliários norma compatível com a ideia de que o sujeito passivo da obrigação deve consignar o valor que entende devido demonstrando a sua boafé e animus solvendi Sobre o tema vale destacar inclusive por fim que o Enunciado n 367 do Conselho da Justiça Federal trata especificamente do tema nos termos aqui propostos 414 63 Aplicação da teoria nos contratos unilaterais Finalmente o art 480 consagra regra específica aos contratos unilaterais ou seja aqueles que impõem obrigações apenas para uma das partes Neste caso para evitar a onerosidade excessiva veja que a norma tem cunho acautelatório o devedor poderá pugnar pela redução da prestação ou a alteração do modo de executála Ora se partimos da premissa de que o codificador optou pela referência à imprevisibilidade temse que na hipótese ocorrido o evento inesperado deste o devedor poderá pleitear a minimização das consequências danosas nos termos anteriormente mencionados É o caso por exemplo de alguém se comprometer por meio de um contrato de doação contrato unilateral a fornecer 50 sacas de cereais em um determinado dia a uma família carente que reside em uma longínqua comunidade cujo único acesso é uma estrada vicinal Se um evento inesperado dificultar sobremaneira a prestação uma grave erosão na estrada por exemplo o devedor poderá pugnar pelo envio do cereal pela via fluvial em dias seguidos segundo a disponibilidade dos barcos de transporte da região Vêse com isso que a norma sob comento afinase com os ditames constitucionais de valorização da pessoa humana segundo uma perspectiva socializadora do contrato XXII CONTRATOS ATÍPICOS 1 INTRODUÇÃO Já tivemos oportunidade de mencionar que o contrato principal espécie de negócio jurídico é sem dúvida uma das mais importantes figuras jurídicas do Direito Civil Na mesma linha de comparação o contrato está para o civilista como o crime está para o penalista Ocorre que diferentemente do delito que exige subsunção a um tipo penal previamente delineado na lei tipicidade o contrato se apresenta de variadas formas com incontáveis matizes Com isso queremos dizer que por ser fruto da livre autonomia da vontade 415 não poderia o legislador conceber antecipadamente todos os tipos de contratos moldando prévios standards legais uma vez que sempre existiriam determinados contratos não previstos em lei os denominados contratos atípicos Tomemse a título de exemplo o contrato de factoring ou o de hospedagem Vale no entanto mencionar que o Direito Romano principal fonte histórica do Direito ocidental por sua própria natureza formalista não se adequou ao sistema dos contratos atípicos e inominados consoante se pode observar da doutrina do culto EBERT CHAMOUN Caracterizava o direito romano das obrigações a tipicidade contratual diferentemente do que sucede no atual direito civil os romanos entendiam que apenas certos negócios eram idôneos para configurar relações contratuais e demarcavam os limites de cada tipo de contrato com tal fixidez que além deles não eram possíveis quaisquer extensões A prática entretanto exigia a criação de novas figuras contratuais que o zelo sistemático e a rígida simetria do jus civile não podiam reconhecer Como sempre sucedeu foi o pretor que sem as admitir em seus éditos nem lhes conceder fórmulastipo protegeuas porém com ações através de decretos 416 O Direito Civil atual por sua vez admite a existência destas figuras jurídicas contratos atípicos e inominados consoante veremos no decorrer deste capítulo 2 CONTRATOS TÍPICOS E ATÍPICOS Por contratos típicos entendamse aqueles que têm previsibilidade legal ou seja que são regulados pelo Direito Positivo como a compra e venda a doação a locação o depósito o seguro o comodato o mútuo etc São portanto figuras com assento na legislação em vigor Já os contratos atípicos por sua vez são aqueles não regulados em lei como por exemplo os contratos de hospedagem factoring e engineering 417 dentre tantos outros 418 Uma boa definição de contrato atípico é dada por GISELDA HIRONAKA A seu turno portanto contrato atípico é aquele não disciplinado pelo ordenamento jurídico embora lícito pelo fato de restar sujeito às normas gerais do contrato e não contrariar a lei nem os bons costumes nem os princípios gerais do direito 419 Aproveitando tal linha de pensamento concluímos que todo e qualquer contrato atípico embora decorrente da autonomia privada e da livreiniciativa deverá respeitar os parâmetros de matiz constitucional fixados pelos princípios da função social do contrato e da boafé Aliás essa ideia de solidarismo contratual é bem nítida no pensamento de PAULO ROBERTO NALIN A ideia de uma relação contratual solidária pressupõe sobretudo o existir da concorrência e não da oposição no que tange aos interesses envolvidos a propósito de um fim comum e de uma indispensável medida de cooperação entre as partes E mais adiante Na atualidade afastandose dos padrões religiosos estritos e das casuísticas hipóteses oferecidas pelo Código Civil bem como da própria Carta Constitucional brasileira é factível se extrair um sentido do que seja contratação solidária mostrandose imperativa a leitura do Código Civil e a interpretação dos contratos à luz da Carta Sob o prisma constitucional é possível sustentar que independentemente da escolha ideológica que se faça a melhor descrição da solidariedade deve estar voltada à verticalização dos interesses do homem eficaz o suficiente para aniquilar as desigualdades subjetivas e regionais configurandose como indissociáveis a solidariedade e a igualdade 420 Nessa linha podemos concluir que as disposições normativas constantes nos arts 421 e 422 do Código Civil imprescindíveis para a nova concepção dos contratos na modernidade são perfeitamente aplicáveis aos contratos atípicos Art 421 A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato Art 422 Os contratantes são obrigados a guardar assim na conclusão do contrato como em sua execução os princípios de probidade e boafé A respeito deste fenômeno de socialização jurídica das relações contratuais também notada como visto no âmbito dos contratos atípicos vale referir outra preleção de GISELDA HIRONAKA citando TEPEDINO Gustavo Tepedino 421 bem observa que a inserção da função social como um dos megaprincípios constitucionais entre os direitos e as garantias fundamentais teve o escopo de elevar a determinação de seu atendimento ao patamar de regra fundamental apta a instrumentalizar todo o tecido constitucional e por via de consequência todas as normas infraconstitucionais criando um parâmetro interpretativo do ordenamento jurídico 21 Distinção dos contratos nominados e inominados Uma importante observação sobre o tema é a distinção entre contratos típicos e atípicos e os contratos nominados e inominados De fato utilizase a expressão contratos nominados quando tais contratos tiverem terminologia ou nomenclatura definida Assim sendo concluise facilmente portanto que por uma questão lógica os contratos típicos por serem objeto de previsão legislativa são também nominados Nos exemplos de contratos atípicos que mencionamos até agora todos possuem uma nomenclatura corrente e socialmente admitida razão por que poderíamos em nosso pensar considerálos também nominados Nada impede entretanto que as partes conjuguem prestações de diversos contratos ou criem uma figura contratual completamente nova segundo a autonomia de suas vontades inexistindo por consequência nomen juris para esta nova modalidade negocial Em tal caso teríamos aí sim um contrato atípico inominado Vemos portanto que não é correto estabelecerse uma sinonímia entre essas expressões muito embora não incorramos em erro ao afirmar que em geral os contratos típicos são nominados ao passo que os atípicos podem não o ser Nesse diapasão concluímos com a lição de ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO citando respeitável doutrina italiana no sentido de que Assim quando falamos em contrato típico ministra Ângelo Piraino Leto com as palavras de Sacco queremos dizer contrato que se insere em uma figura que tem uma disciplina legal particular Por outro lado é contrato atípico aquele que não possui uma disciplina legislativa possuindo uma causa nova e diversa relativamente ao disciplinado pela lei Os contratos típicos recebem do ordenamento jurídico uma regulamentação particular e apresentamse com um nome ao passo que os atípicos embora possam ter um nome carecem de disciplina particular não podendo a regulamentação dos interesses dos contratantes contrariar a lei a ordem pública os bons costumes e os princípios gerais do direito 422 22 Classificação dos contratos atípicos Cumprenos mencionar ainda que em nosso sentir e segundo doutrina de ORLANDO GOMES 423 os contratos atípicos comportam uma subtipificação 424 a contratos atípicos propriamente ditos são aqueles criados ou inventados pelas próprias partes que cuidam de celebrar um negócio jurídico inteiramente novo com características específicas e sem similar no direito positivo São fruto da autonomia privada limitada como vimos pelos princípios superiores de índole constitucional da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana este último compreensivo da necessidade de observância da boafé objetiva na relação negocial b contratos atípicos mistos são aqueles formados pela conjugação de prestações típicas de outros contratos existentes Provêm pois da fusão de elementos de outros contratos positivados resultando em uma figura nova dotada de autonomia jurídica e unidade sistêmica É o caso do contrato de hospedagem que decorre da conjugação de elementos de outros contratos como a locação o depósito a compra e venda etc 23 Disciplina jurídica dos contratos atípicos O maior problema no que tange aos contratos atípicos é a sua disciplina jurídica Inexistindo regra legal específica e segundo o pensamento do civilista baiano ORLANDO GOMES 425 três soluções são apresentadas pela doutrina a teoria da combinação b teoria da absorção c teoria da aplicação analógica Conforme a primeira teoria o hermeneuta ao analisar um contrato atípico deverá decompôlo aplicando para cada parte sua a regra legal correspondente ao tipo de contrato que lhe é similar Ou seja no contrato de hospedagem deveriam ser combinadas as regras legais da locação do depósito e da compra e venda para solucionar qualquer questão de natureza interpretativa Consoante bem observou ORLANDO GOMES a maior crítica que se pode fazer a esta teoria é no sentido de que não se afigura verdadeira a ideia de que o contrato atípico dentro de sua unidade sistêmica resulta da simples soma de outras figuras contratuais E arremata Em resumo o isolamento de elementos particulares de um contrato e dos respectivos efeitos jurídicos não pode ser feito sem prejuízo de sua estrutura Ademais as regras parciais de contratos cujos elementos são aproveitados na formação dos contratos mistos chocamse por vezes tornandose impossível neste caso a combinação 426 De fato não vemos com bons olhos esta solução doutrinária uma vez que em sendo adotada negarse iam autonomia e identidade ontológica e funcional ao contrato atípico afigurandose pois como uma solução extremamente simplista Os adeptos da segunda teoria por sua vez sustentam que em todo contrato atípico existe algum elemento preponderante ou influente em face dos outros razão por que culminaria por absorvêlos Assim se em determinado contrato atípico a prestação preponderante é a de depósito entregar coisa móvel para guardar e devolver as regras deste último contrato deverão prevalecer em detrimento de qualquer outra Não convence entretanto a ideia de que em determinado contrato um elemento seja preponderante em face do outro Todos são sem dúvida igualmente importantes para a formação do contrato atípico não havendo razões propriamente científicas para se concluir que uma prestação prefere a outra Com a devida vênia portanto afastamos esta segunda vertente de pensamento Defendese finalmente a teoria da aplicação analógica segundo a qual o intérprete deverá utilizar as regras legais referentes ao contrato típico mais semelhantes àquele sob análise Cuidase de mecanismo também insatisfatório na medida em que não resolve plenamente a delicada questão referente ao instrumento interpretativo mais preciso a ser utilizado uma vez que como dito acima não se poderá afirmar que determinado elemento do contrato atípico é mais preponderante a ponto de servir como elo com outro contrato típico Ademais poderá ocorrer de não se encontrar contrato dotado de semelhança suficiente para justificar o recurso da analogia Considerando pois a dificuldade de se apontar critério seguro de interpretação concordamos com PEDRO PAIS DE VASCONCELOS em excelente tratado sobre o tema no sentido de que nos contratos atípicos o intérprete conta muito mais com as próprias estipulações contratuais do que com o direito positivo Nos contratos atípicos o intérprete tem de contar mais com as estipulações negociais e pode contar menos com o direito dispositivo E adiante Tal como nos contratos típicos o conteúdo dos contratos atípicos resulta primacialmente da sua interpretação e esta é feita acima de tudo pela interpretação das estipulações negociais que lhe dão vida e em que se materializam As estipulações negociais que formam o contrato constituem a primeira matéria disponível para a sua interpretação E é aí que o intérprete vai recolher em primeira linha a expressão da vontade negocial e é aí que vai também numa primeira linha ajuizar sobre a tipicidade ou atipicidade do contrato As estipulações negociais não esgotam contudo o campo de expressão da vontade negocial Quando os contratos celebrados são típicos as partes podem reduzir a muito pouco a matéria das suas estipulações os tipos fornecem injuntiva ou dispositivamente uma disciplina quase suficiente Os contratos atípicos ao contrário não têm modelos regulativos que dispensem ou substituam as estipulações negociais Assim os contratantes de uma compra e venda não precisam em princípio de declarar mais do que a identificação da coisa vendida e o montante do preço o tipo fornece tudo o mais em princípio necessário como disciplina do contrato Já para os contratantes de um contrato atípico é necessário estipular nas declarações negociais que forma o contrato a disciplina em princípio completa do contrato 427 Assim sendo entendemos que a interpretação de um contrato atípico deverá ser direcionada segundo as estipulações do próprio negócio e sempre segundo os condicionamentos de ordem pública ditados pela Constituição Federal Estendemos portanto aos atípicos a lúcida observação feita por FLÁVIO TARTUCE a respeito dos contratos típicos na atual perspectiva civilconstitucional Nessa nova estrutura o contrato típico instituto do Direito Privado vem sofrendo uma série de alterações conceituais e a antiga visão de autonomia plena da vontade perde espaço para uma elaboração mais voltada para a realidade social dos envolvidos na relação negocial 428 Posto isso passaremos a analisar o tema sob a ótica da legislação em vigor 3 OS CONTRATOS ATÍPICOS NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO O Código Civil de 1916 não consagrou dispositivo algum para os contratos atípicos O Código Civil de 2002 por sua vez posto não haja dedicado seção ou capítulo específico para a sua disciplina fezlhe expressa menção em seu art 425 Art 425 É lícito às partes estipular contratos atípicos observadas as normas gerais fixadas neste Código Vêse portanto que o legislador remeteu a disciplina do tema às disposições gerais dos contratos constantes nos arts 421 a 480 É de se notar a existência de proposta legislativa para alteração deste dispositivo segundo a doutrina do eminente Professor VILLAÇA consoante se pode observar da análise do culto Des JONES FIGUEIRÊDO ALVES a respeito deste dispositivo de lei Sustentou o Prof Álvaro Villaça em relevante contribuição crítica ao texto do projeto do CC de 2002 apresentada à Relatoria Geral no sentido de que os contratos atípicos não podem ser regidos pelas normas dos contratos típicos principalmente dos mistos pois a contratação só se extingue após cumpridas todas as obrigações contratadas O contrato forma um todo uno e indivisível Em razão disso fora sugerida a seguinte alteração legislativa Art 425 É lícito às partes estipular contratos atípicos resguardados a ordem pública os bons costumes e os princípios gerais de direito especialmente o princípio de que suas obrigações são indivisíveis formando um só todo 429 Contudo o relatório do Deputado VICENTE ARRUDA na Comissão de Constituição e Justiça cuidou de refutar a proposta de alteração legislativa sob o seguinte argumento Art 425 Ao permitir a estipulação de contratos atípicos e determinar que os mesmos deverão observar as normas gerais fixadas no Código que preconizam a boafé os bons costumes a preservação da ordem pública e os princípios gerais de direito o dispositivo já impede a estipulação de contratos atípicos que não atendam aqueles pressupostos Pela manutenção do texto 430 De nossa parte embora possa parecer que o legislador não avançou muito assim não pensamos Dada a natureza destes contratos afigurase de certa forma impróprio que se pretenda esgotar sua disciplina sendo mais razoável portanto que se deixe o seu tratamento ao sabor da autonomia da vontade das partes sempre limitada pelas balizas constitucionais acima mencionadas Pensamos pois ser perfeitamente possível que se admita a aplicação das normas gerais da teoria geral dos contratos sempre em observância dos limites de contratação delineados em nossa Constituição Federal O que não poderíamos é negar a sua importância muito bem notada pelo magistral FRANCESCO MESSINEO Il contratto innominato 431 è lindizio più significativo che la vita giuridica non si fossilizza in forme immutabili e che al contrario essa è in perenne movimento e in constante evoluzione 432 4 UNIÃO DE CONTRATOS OU CONTRATOS COLIGADOS Como arremate deste capítulo acreditamos que deve ser feita uma importante advertência não podemos confundir o contrato atípico com a união ou coligação de contratos instituto jurídico de natureza completamente distinta O contrato atípico como visto a despeito de carecer de previsibilidade legal forma uma unidade negocial autônoma diferentemente da coligação de contratos em que temos vários negócios jurídicos conjugados unidos entre si Nesta última hipótese não se poderá reconhecer caráter de unidade sistêmica nem muito menos identificálo com um contrato atípico unidade contratual Isso porque não se está diante de uma única figura mas sim de várias pluralidade contratual Tal aspecto fora muito bem observado por MESSINEO Il fenomeno del collegamento o connessione fra contratti si hà quando un contratto presenti un certo nesso con un altro duplicità sia che il nesso abbia come punto di riferimento il primo contratto sia che abbia cume punto di riferimento il secondo Tal qualificazione provvisoria avrà bisogno di sviluppo ma serve per um primo orientamento Il problema che qui sorge della pluralità o unità di causa e quindi della dualità o pluralità di contratti è identico a quello vagliato sopra a proposito del contratto innominato capitolo XIII 8 condifferenza che mentre in quel caso prende rilievo il fenomeno della dualità o pluralità che come abbiamo notato hà il primo e necessario presupposto perché possa darsi collegamento fra contratti i contratti come monadi 433 A despeito de não haver previsão legal específica a respeito disso é inegável que o fenômeno da coligação contratual poderá existir segundo a autonomia condicionada da vontade das partes Situação muito comum que bem exemplifica a coligação de contratos encontramos nas avenças firmadas entre donos de postos de combustível e os distribuidores de derivados de petróleo Frequentemente as partes envolvidas celebram simultaneamente vários contratos coligados podendo eles figurar no mesmo instrumento ou não Assim são celebrados contratos de fornecimento de combustível comodato das bombas locação de equipamentos etc Todos eles juridicamente vinculados dando causa a uma complexa relação jurídica vinculativa das partes contratantes 434 Em termos de classificação segundo doutrina de ENNECCERUS referida por ORLANDO GOMES 435 a união entre contratos poderá darse das seguintes formas a união meramente externa b união com dependência c união alternativa Em todas elas repitase não existe a formação de um contrato único mas sim a conjugação de mais de um contrato No primeiro caso temse apenas uma vinculação meramente documental Os contratos não guardam vínculo de funcionalidade sistêmica entre si mas apenas são consignados no mesmo instrumento Em linguagem simples e coloquial com a permissão do nosso caro leitor e sem prescindirmos do amor à técnica diríamos que os contratos compartilham o mesmo lugar o mesmo papel De fato não se trataria propriamente de uma união de contratos mas apenas de um compartilhamento de instrumento Aliás já tivemos oportunidade de advertir que não se pode confundir o contrato enquanto acordo negocial de vontades cujo núcleo é o consentimento das partes contratantes com o mero instrumento contratual o documento que concretiza na realidade externa a vontade das partes Nesse sentido a união meramente externa é inequivocamente superficial No segundo caso os contratos coligados guardam uma íntima vinculação de dependência entre si como ocorre nos contratos firmados com donos de postos de gasolina mencionados linhas acima ou na hipótese de contratos por exemplo de empréstimo mútuo ou comodato firmados entre empregado e empregador no curso do contrato de emprego e a este vinculado Os contratos unemse formando uma espécie de bloco contratual capilarizado entre si A impressão que se tem é que se trata de um contrato misto mas tal imagem se desfaz ao procedermos com uma análise de fundo e concluirmos pela existência de autonomia jurídica entre as diversas figuras vinculadas Bem a propósito nesse particular são as palavras do grande mestre ORLANDO GOMES A dependência pode ser recíproca ou não Na primeira forma dois contratos completos embora autônomos condicionamse reciprocamente em sua existência e validade Cada qual é a causa do outro formando uma unidade econômica Enfim a intenção das partes é que um não exista sem o outro A coligação dos contratos pode ser necessária ou voluntária A coligação necessária também chamada genética é imposta pela lei como que existe entre o contrato de transporte aéreo e o de seguro de passageiro Quando decorre da vontade dos interessados como se verifica ordinariamente dizse voluntária Visto que nessa união de contratos há reciprocidade os dois se extinguem ao mesmo tempo a dissolução de um implica a do outro 436 E finalmente a união alternativa é aquela em que os contratos são excludentes entre si prevalecendo um em lugar do outro caso determinado acontecimento ou circunstância prevista pelas partes se implemente É o caso por exemplo de um contrato de doação cuja eficácia esteja condicionada a um determinado evento ser aprovado em um concurso v g estabelecendose que caso ele não se realize a cessão do bem será considerada como um mero contrato de comodato Também neste caso entendemos que se trata de uma união aparente com veio de superficialidade visto que de fato apenas um dos contratos prevalecerá Em conclusão frisese que posto não houvesse sido disciplinada em seção específica do atual Código Civil por manifesta desnecessidade força é convir que a coligação de contratos é perfeitamente possível em nosso direito positivo XXIII COMPRA E VENDA 1 CONCEITO E PARTES A definição do contrato de compra e venda é extremamente simples dispensando grande esforço intelectual traduz o negócio jurídico em que se pretende a aquisição da propriedade de determinada coisa mediante o pagamento de um preço Tratase pois de um negócio jurídico bilateral pelo qual uma das partes vendedora se obriga a transferir a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel à outra compradora mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro preço Não é outra aliás a dicção legal do nosso próprio Código Civil que dispõe Art 481 Pelo contrato de compra e venda um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa e o outro a pagarlhe certo preço em dinheiro Notase portanto a existência de dois atores fundamentais neste cenário jurídico o vendedor que se obriga à transferência do domínio e o comprador que se obriga ao pagamento do preço É de salientar entretanto que no sistema jurídico brasileiro o contrato de compra e venda produz apenas efeitos jurídicos obrigacionais não operando de per si a transferência da propriedade senão a simples obrigação de fazêlo Com isso queremos dizer que celebrado o contrato de compra e venda as partes ainda não podem considerarse donas do preço vendedor ou da coisa comprador senão até que se opere a tradição da coisa vendida embora já sejam titulares do direito de exigir a sua prestação Ou seja a transferência de propriedade no direito positivo brasileiro resulta da constituição do título contrato e de uma posterior solenidade modo tradição do bem móvelregistro do bem imóvel Por exemplo se Caio celebrou contrato de compra e venda com Silvio vendedor enquanto não se operar o registro do título constitutivo no cartório de imóveis o primeiro não poderá ser reputado dono da coisa Sob este aspecto demonstrando a natureza jurídica obrigacional do contrato de compra e venda era bastante claro o Anteprojeto do Código de Obrigações de autoria do grande CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que em seu art 388 dispunha O contrato de compra e venda constitui o título causal da transferência de domínio a qual se opera pela tradição ou pela transcrição no registro da sede do imóvel e não pode ser obstada pela morte do vendedor nem por ato emanado deste ou de terceiro salvo caso de dúvida levantada perante o oficial do registro ou por ele próprio 437 grifos nossos Claro está finalmente que as partes envolvidas neste contrato devem ser dotadas dos requisitos de capacidade e legitimidade indispensáveis para a perfeita validade não somente da avença em questão mas também de qualquer negócio jurídico 2 CARACTERÍSTICAS Tratase em síntese de um negócio jurídico bilateral e sinalagmático em regra consensual comutativo ou aleatório autorizador da transferência de propriedade de execução instantânea ou diferida 438 entre outras características 439 Nesse sentido é conveniente lembrar que nos dias que correm a compra e venda é costumeiramente pactuada sob a forma de contrato de adesão É um contrato bilateral na sua formação pois exige a conjugação das vontades contrapostas do vendedor e do comprador as quais quando harmonizadas formam o consentimento núcleo do referido negócio Sob outro enfoque é considerado bilateral por gerar ou produzir direitos e obrigações para ambas as partes envolvidas na avença Temos assim sob o critério eminentemente científico que o contrato de compra e venda é bilateral na sua formação e quanto aos seus efeitos Nessa mesma linha da sua ínsita bilateralidade resulta a consequente característica da existência do sinalagma entre as prestações pactuadas Falase pois que é um contrato bilateral e sinalagmático E o que viria a ser pois o sinalagma Em nosso sentir o sinalagma característica imanente aos contratos bilaterais traduziria a relação ou nexo de causalidade reciprocidade entre as prestações opostas pactuadas Assim a prestação devida pelo vendedor transferir a propriedade da coisa seria correlata recíproca ou correspectiva por força do sinalagma em face da prestação do comprador pagar o preço Há como se vê entre ambas uma inequívoca relação de reciprocidade o preço somente é devido porque a coisa também o é e viceversa Além de bilateral é em geral consensual ou seja tornase perfeito quando as partes convencionam a respeito do preço e da coisa a ser vendida Vale dizer o contrato se forma pelo simples consentimento independentemente da entrega do bem Veja nesse ponto o nosso regramento legal Art 482 A compra e venda quando pura considerarseá obrigatória e perfeita desde que as partes acordarem no objeto e no preço Da leitura do supramencionado dispositivo é possível extrair os elementos essenciais do contrato de compra e venda consentimento coisa e preço o que esmiuçaremos no próximo tópico É ainda espécie de negócio jurídico oneroso podendo ser comutativo ou aleatório É oneroso porque traduz para cada parte o experimento de um ganho ou benefício e a consequente diminuição patrimonial o vendedor se beneficia com o preço e perde a coisa o comprador se beneficia com a coisa e perde o preço Vale registrar que somente nos contratos onerosos é que o alienante responderá pelos riscos da evicção na forma do art 447 do CC2002 bem como pelos vícios redibitórios abrindose ao adquirente neste caso a possibilidade de rejeitar a coisa redibindo o contrato via ação redibitória ou reclamar o abatimento no preço via ação estimatória ou quanti minoris Ressaltese porém que na forma do art 503 do CC2002 nas coisas vendidas conjuntamente o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas Tal regra em nosso entendimento deve ser temperada em função da utilidade da coisa coletiva Em se tratando de uma universalidade por exemplo uma biblioteca ou uma coleção de selos cujo valor em seu conjunto pode superar o valor de cada um dos itens somados individualmente considerados ou na hipótese de a ausência de um inutilizar ou fazer perder o sentido da aquisição dos demais ex par de brincos cartas de baralho etc sem que sejam considerados por isso meras partes integrantes a regra legal pode não fazer sentido se aplicada Nessa linha poderá ser comutativo se as prestações das partes forem certas ou aleatório se não houver certeza quanto à ocorrência de uma das prestações A esse respeito com absoluta propriedade SÍLVIO VENOSA pontifica é contrato geralmente comutativo porque no momento de sua conclusão as partes conhecem o conteúdo de sua prestação Admitese a compra e venda aleatória quando uma das partes pode não conhecer de início o conteúdo de sua prestação o que não suprime os fundamentos básicos do negócio 440 Exemplo de contrato aleatório é a compra e venda de uma safra de soja 441 Podemos ainda dizer que é um contrato autorizador da transferência de propriedade Sobre essa característica já discorremos acima quando mencionamos que a obrigação principal do vendedor é transferir o domínio da coisa ao passo que a do comprador é o preço Frisese mais uma vez que esse efeito translativo é consequência do contrato e somente se concretiza por meio da tradição móveis e do registro imóveis 442 Observese porém que a compra e venda é na classificação dos contratos reciprocamente considerados um contrato principal e definitivo O contrato de compra e venda pode ainda se dar tanto na modalidade paritária quanto na de adesão a depender de as partes estarem em iguais condições de negociação estabelecendo livremente as cláusulas contratuais na fase de puntuação ou se um dos pactuantes predetermina ou seja impõe as cláusulas do negócio jurídico respectivamente É negócio jurídico de ampla utilização como já dito pelo que é invocado em quase todos os tipos de relações contratuais civis comerciais consumeristas e administrativos salvo as trabalhistas pois nesta modalidade é a força de trabalho ou seja em última análise o próprio trabalhador que é o objeto da relação jurídica de direito material Tratase ainda de um contrato que pode darse tanto de forma livre ou seja não solene ou a contrario sensu com rigor formal contrato solene quando envolva bens imóveis a teor do art 108 do CC2002 Quanto à designação tratase por óbvio de um contrato nominado e pela existência de uma disciplina legal específica de um contrato típico O contrato de compra e venda é também um contrato impessoal pois só interessa o resultado da atividade contratada independentemente de quem seja a pessoa que irá realizála Dessa forma falecendo o comprador ou vendedor antes da tradição da coisa ou da transcrição registro da transferência pode a providência ser exigida do seu espólio É também um contrato causal que pode ser invalidado quando o seu motivo determinante for inexistente ilícito ou imoral Mesmo tratandose de contrato que envolve normalmente duas pessoas é considerado um contrato individual pois se refere a uma estipulação entre pessoas determinadas ainda que em número elevado mas consideradas individualmente Pela função econômica estabelece uma troca visto que se caracteriza pela permuta de utilidades econômicas sendo uma delas o dinheiro Finalmente é um contrato instantâneo pelo fato de seus efeitos serem produzidos de uma só vez podendo ser de execução imediata quando se consuma no momento da celebração com a entrega do bem móvel ou registro do contrato de transferência de bem imóvel ou diferida quando as partes fixam prazo para a sua exigibilidade ou cumprimento 3 ELEMENTOS ESSENCIAIS Ainda que os requisitos planos de existência e validade dos negócios jurídicos sejam imanentes a todas as espécies contratuais merecem eles no contrato de compra e venda algumas especificações e minudências De fato da leitura do mencionado art 482 do CC2002 443 como visto é possível extrair os elementos essenciais específicos da compra e venda a saber a o consentimento seu núcleo b o preço c a coisa Analisemos separadamente cada um desses requisitos 31 O consentimento Superada a fase das tratativas preliminares ao firmarem as partes seu consentimento a respeito do preço e da coisa a ser vendida o contrato reputase formado independentemente de forma previamente estabelecida em lei Notese entretanto que em nosso sistema se o contrato versar sobre imóvel que suplante o teto de 30 salários mínimos considerase indispensável a lavratura do ato em escritura pública sob pena de nulidade absoluta Nesse sentido o art 108 do nosso Código Civil Art 108 Não dispondo a lei em contrário a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição transferência modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País Não se confunda outrossim a exigência da forma pública do contrato definitivo de compra e venda com a do contrato preliminar de promessa já que para este último a lei também admitiu a forma particular art 1417 cabendonos lembrar que uma das vantagens da promessa de compra e venda é exatamente a possibilidade de sua formalização sem os rigores do instrumento público 444 32 A coisa Por óbvia razão o bem objeto do contrato de compra e venda deverá ser coisa passível de circulação no comércio jurídico a coisa não pode ser bem fora do comércio seja por disposição de lei contrato ou por sua própria natureza certa e determinada ou determinável o que afasta por consequência todos os interesses não suscetíveis de aferição ou valor econômico essencial como a honra o nome a integridade física a vida etc Fixada tal premissa fica claro que uma quantidade inimaginável de objetos pode transferirse por meio da compra e venda o que inclusive além de demonstrar progresso cultural e espiritual em longo período da Antiguidade os bens circulavam especialmente por força das guerras e batalhas favorece e estimula a economia Desnecessário notar ainda que o bem passível de transferência deverá ser de propriedade do vendedor sob pena de o negócio ser nulo por falta de possibilidade jurídica por caracterizar a indesejável alienação a non domino Apenas por exceção podemos admitir que a coisa vendida possa ser alheia desde que o vendedor a adquira antes de o comprador sofrer a perda Notese entretanto que se o objeto do negócio forem direitos e não coisas mais técnico seria denominálo contrato de cessão de direitos em vez de contrato de compra e venda Na trilha de pensamento de PABLO STOLZE GAGLIANO reputamos mais apropriada a utilização da palavra alienação para caracterizar a transferência de coisas de um titular para o outro reservando a expressão cessão para os direitos em geral 445 É o caso da cessão onerosa do direito hereditário ou de quotas de determinada sociedade Posto isso podemos observar que o Código Civil em seu art 483 446 admite que a compra e venda tenha por objeto coisas atuais ou futuras Por coisa atual entendese o objeto existente e disponível ao tempo da celebração do negócio a coisa futura por sua vez é aquela que posto ainda não tenha existência real é de potencial ocorrência Imaginese por exemplo a compra de uma safra de cacau que ainda não foi plantada Em tal caso o contrato ficará sem efeito se a coisa não vier a existir consoante previsto no mesmo dispositivo ressalvada a hipótese de as partes terem pretendido pactuar contrato aleatório 447 O legislador cuidou ainda de estabelecer que caso a venda se realize à vista de amostra protótipos ou modelos entenderseá que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a ela correspondem art 484 Tratase de regra clara já existente no campo do Direito do Consumidor e agora definitivamente implantada para os contratos civis em geral Ora se o que se pretendeu com a edição do novo diploma dentre outras finalidades foi a busca da concretização do ideal ético no plano jurídico nada mais justo que à luz do princípio da boafé objetiva a parte vendedora venha a cumprir o seu dever de lealdade contratual com a máxima diligência Essa previsão legal tem que ver aliás com os princípios da eticidade e socialidade cujo conteúdo nada mais faz do que relativizar a fruição de um direito subjetivo reconhecendose segundo MIGUEL REALE que este deve ser exercido em benefício da pessoa mas sempre respeitados os fins ético sociais da comunidade a que o seu titular pertence Não há em suma direitos individuais absolutos uma vez que o direito de cada um acaba onde o de outrem começa 448 Por isso mesmo cumprenos lembrar que havendo contradição ou diferença entre a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato e a amostraprotótipomodelo prevalecerá qualquer destes últimos uma vez que se presume tenha o comprador se orientado pelo objeto apresentado para a efetivação da compra No campo do Direito do Consumidor deverá prevalecer a oferta a publicidade ou o anúncio feito pelo fornecedor do produto ou serviço cabendo ao consumidor comprador alternativamente e à sua escolha exigir o cumprimento forçado da obrigação nos termos da oferta apresentação ou publicidade aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente ou finalmente rescindir o contrato com direito à restituição da quantia eventualmente antecipada monetariamente atualizada e a perdas e danos art 35 do CDC No dizer de VASCONCELLOS E BENJAMIN A parceria entre o Direito e a comunicação mercadológica com o consumidor evoluiu de uma proteção extracontratual frágil para uma tutela efetiva na fase da formação do contrato e a partir desta para um regime especial de execução do documento contratual É nesta última concepção que as mensagens mercadológicas em particular a publicidade ganham força obrigatória transformandose a comunicação publicitária em autêntico serviço informativo em benefício dos consumidores 449 Força é convir portanto que o sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor é mais amplo do que o figurado no Código Civil brasileiro 33 O preço O preço é um pressuposto existencial ou elemento constitutivo específico do contrato de compra e venda Cuidou o codificador de dispensar cinco artigos para regular o preço no contrato sob estudo arts 485 a 489 Em princípio o preço deverá ser fixado pelas próprias partes segundo a autonomia de suas vontades Entendemos contudo que a autonomia da vontade no caso específico não é absoluta uma vez que o preço deve observar o princípio da equivalência material das prestações bem como deve ser considerado sério no sentido de não ínfimo pois em caso contrário configurarseia uma doação simulada Não há óbice porém a que o preço seja indicado por terceiro a ser designado pelos próprios contraentes Este terceiro atuaria como árbitro especialmente nomeado para realizar a fixação da quantia a ser paga pelo comprador Esperase portanto deste sujeito lisura e bom senso no cumprimento do seu encargo Na hipótese entretanto de o terceiro não aceitar a incumbência ficará sem efeito o contrato ressalvada a hipótese de os contratantes designarem outra pessoa art 485 Em nosso pensar caso o terceiro denegue e as partes não indiquem substituto concluímos não ser caso de simples ineficácia do contrato mas fundamentalmente de inexistência por ausência de requisito específico preço consoante mencionado linhas acima 450 Nada impede outrossim que se deixe a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa em certo e determinado dia e lugar art 486 Sobre essa possibilidade pondera com precisão SÍLVIO DE SALVO VENOSA que se na data fixada houver ocorrido oscilação de preço levarseá em conta o preço médio se o contrato não estipular diferentemente como por exemplo o preço mais alto ou mais baixo do dia o preço de determinado horário o preço de abertura ou encerramento do mercado ou do pregão etc 451 De fato as partes têm plena liberdade de proceder às devidas alterações e adaptações em face do índice ou critério escolhido se não houver por certo razão superior que limite essa faculdade Nessa mesma linha poderão as partes servirse de índices ou parâmetros objetivos para a fixação do preço desde que não sejam abusivos ou extorsivos 452 Interessante notar ainda que o art 488 do Código admite a utilização do costume praeter legem segundo as vendas habituais da parte vendedora em caráter supletivo caso o contrato seja convencionado sem fixação de preço ou de critérios para a sua determinação e não houver tabelamento oficial A título de revisão lembremonos na trilha de pensamento do insuperável NORBERTO BOBBIO que um exemplo quase que indiscutido de fonte reconhecida é representado pelo costume Neste caso com efeito estamos diante de regras produzidas pela vida social externamente ao ordenamento jurídico do Estado e por este último acolhidas num segundo momento como normas jurídicas 453 Tal regra sem correspondente no Código anterior afigurasenos muito útil pois permite a subsistência do contrato pactuado Frisese por fim que não havendo acordo nesta hipótese por ter havido diversidade de preço prevalecerá o termo médio ou seja o valor médio resultante dos preços praticados pelo vendedor nos últimos tempos na forma do parágrafo único do mencionado art 488 Cumprenos advertir ainda que a lei reputa nulo de pleno direito o contrato de compra e venda quando se deixe ao exclusivo arbítrio de uma das partes a fixação do preço art 489 Tratase de regra clara que decorre da proibição legal das cláusulas ou condições puramente potestativas reputadas ilícitas por traduzirem uma arbitrária manifestação da vontade humana 454 É preciso que se observe ainda que se por um lado a lei veda o estabelecimento de condição que derive exclusivamente do capricho de uma das partes tal não ocorre na chamada venda a contento pacto acessório que dá direito ao comprador de experimentar a coisa antes de aceitála uma vez que a sua causa não é o arbítrio mas sim a satisfação do adquirente o que é plenamente admitido por lei Por fim vale lembrar que na forma do art 491 não sendo a venda a crédito o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço Tal regra é a mais perfeita tradução da exceptio non adimpleti contractus exceção de contrato não cumprido típica dos contratos bilaterais 455 e revela que dado que nem sempre a simultaneidade de prestações é alcançável embora sempre recomendável há grande importância no estabelecimento de garantias para o cumprimento do pactuado 4 DESPESAS COM O CONTRATO DE COMPRA E VENDA O contrato de compra como já se explicitou tem apenas efeitos obrigacionais não importando de forma imediata na transferência da propriedade Para esse fim necessária se faz a entrega do bem ou seja a sua tradição no caso de bens móveis Tratandose de bens imóveis a propriedade somente se transferirá se seguindose ao título contrato ocorrer o registro imobiliário Tais atos notadamente o registro importam em custos E quem deve arcar com eles A resposta está no art 490 do CC2002 que preceitua in verbis Art 490 Salvo cláusula em contrário ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador e a cargo do vendedor as da tradição Interessante ressaltar que estando as partes em condição de igualdade o exercício da autonomia da vontade permite que os ônus sejam transferidos para a parte contrária o que importa dizer portanto que a norma legal neste aspecto é de caráter supletivo no caso de silêncio e orientador de conduta e não imperativo Nesse sentido é importante explicitar também que o vendedor salvo convenção em contrário responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição na forma do art 502 do CC2002 Por mais óbvia que pareça a regra a sua explicitação pela via legislativa se mostra bastante conveniente uma vez que resolve os costumeiros conflitos sobre quem é responsável pelo pagamento de dívidas contraídas posteriormente à celebração do negócio jurídico de compra e venda mas antes da transferência da propriedade Em nosso sentir também há de se aplicar a regra no caso da transferência imobiliária por conta de uma adequada e recomendável interpretação extensiva da palavra tradição já que por conta do difundido adágio onde há a mesma razão deve haver o mesmo direito 5 RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS RISCOS DA COISA Tratase agora de enfrentarmos o instigante tema referente à responsabilidade civil pelo risco de a coisa perecer por caso fortuito ou força maior Como sabemos a regra geral do nosso sistema é no sentido de que a transferência da propriedade da coisa vendida somente se opera quando da sua tradição ou registro Até que se consume pois qualquer desses atos a coisa continua juridicamente vinculada ao vendedor uma vez que ainda não saiu do seu âmbito de domínio Pois bem Partindose dessa premissa é forçoso convir que a responsabilidade pela integridade da coisa em face do risco de perecimento por caso fortuito ou de força maior corre por conta do alienante Aplicase o dogma do res perit domino a coisa perece para o dono Nesse sentido dispõe nosso Código Civil Art 492 Até o momento da tradição os riscos da coisa correm por conta do vendedor e os do preço por conta do comprador Tal regra a par de extremamente clara afigurase importante na medida em que espanca qualquer dúvida referente à responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa Claro está entretanto que se a coisa pereceu ou se deteriorou por culpa do próprio comprador arcará este com as consequências jurídicas do seu próprio ato Ressalva entretanto o legislador 1º que os casos fortuitos ocorrentes no ato de contar marcar ou assinalar coisas que comumente se recebem contando pesando medindo ou assinalando e que já tiverem sido postas à disposição do comprador correrão por conta deste Assim imagine que Filogônio pretenda comprar 150 vacas do fazendeiro Oliveiros No dia da venda o comprador solicita que 200 reses do rebanho de Oliveiros sejam reunidas em uma pastagem a meio caminho entre as duas propriedades rurais e postas à sua disposição para a escolha Ocorrendo um súbito desmoronamento que culminou com o perecimento de trinta cabeças o pretenso comprador deverá arcar com esse prejuízo uma vez que referidos animais já estavam à sua disposição Todavia se os animais fossem reunidos na fazenda do próprio vendedor entendemos que neste caso não faria sentido atribuirse responsabilidade ao comprador pelo fato de os bens não haverem saído do seu hábitat Ademais o dano poderia ocorrer mesmo que a venda não houvesse sido proposta Na mesma linha 2º correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas se estiver em mora de as receber quando postas à sua disposição no tempo lugar e modo ajustados o que é perfeitamente compatível com a regra do art 400 do Código Civil 456 Vemos portanto que a mora do comprador também lhe é desfavorável na medida em que lhe impõe responsabilidade pelos riscos pendentes sobre a coisa Ainda no campo da responsabilidade questão interessante diz respeito a coisas entregues fora do local de concretização do negócio De fato a regra geral é de que a tradição da coisa vendida na falta de estipulação expressa darseá no lugar onde ela se encontrava ao tempo da venda art 493 do CC2002 Todavia nada impede que as partes estabeleçam que a tradição seja feita em lugar diverso Nesse caso de quem serão os riscos por eventual perecimento ou deterioração da coisa Sobre o tema dispõe a nossa lei Art 494 Se a coisa for expedida para lugar diverso por ordem do comprador por sua conta correrão os riscos uma vez entregue a quem haja de transportála salvo se das instruções dele se afastar o vendedor Claro está que se a coisa é expedida para lugar diverso ou é entregue a terceiro para que seja o portador ambas as situações por determinação do comprador este passará a assumir a responsabilidade pela sua integridade até chegar ao seu local de destino Em caso como este interessa a celebração de um contrato de seguro para prevenir o adquirente de eventuais prejuízos Assim por exemplo se Marina compra revistas raras do colecionador Maicon e este as entrega a um portador ou ao serviço de correios conforme instruções expressas da compradora não arcará o vendedor com os riscos de eventual perda ou deterioração da coisa Se entretanto o vendedor mesmo diante da ordem recebida afastase dela faz retornar para si a assunção do risco A esse respeito com percuciência pontifica CAIO MÁRIO Se porém o vendedor contrariar as instruções do adquirente suporta os riscos ocorridos durante o transporte porque assim procedendo age como mandatário infiel Clóvis Beviláqua Não se escusará com a alegação de que procurou ser útil ao comprador mediante a adoção de meio mais eficiente e mais rápido transporte aéreo em vez de terrestre por exemplo porque não se trata de apurar uma possível intenção de bem servir Deixando de seguir as instruções do comprador tomou a si o risco da coisa até a sua efetiva entrega e desta sorte a pessoa que a transportou deixa de ser um representante do adquirente A tradição fica pois adiada até a chegada ao destino 457 Tratase portanto de uma hipótese de responsabilidade civil contratual pois descumprindo o vendedor as instruções expressas do comprador impõeselhe arcar com as consequências danosas do seu comportamento Entendemos ainda que no caso da chamada tradição simbólica ou tradição ficta entendida como a substituição da entrega material do bem pelo ato indicativo do propósito de transmitir a posse ou pela entrega de coisa que represente a transferida o respeito à boafé objetiva impõe considerar que a finalidade declarada está consumada pelo que a propriedade do bem se aperfeiçoou sendo considerada legítima É de ressaltar ainda que o Código dá ao vendedor poderes para sobrestar paralisar a entrega da coisa até que o comprador lhe dê garantia caução de pagar no tempo ajustado caso este último haja caído em insolvência art 495 Disto se depreende a nosso ver que esta garantia poderá ser real ou pessoal fidejussória a depender do quanto convencionado entre as próprias partes 458 Com esse expediente o legislador pretende evitar que o alienante seja prejudicado caso opere a transferência do bem sem o correspondente recebimento do preço Em outras palavras evita o enriquecimento sem causa 6 QUESTÕES ESPECIAIS REFERENTES À COMPRA E VENDA Neste ponto da obra levaremos o nosso caro leitor a tomar contato com instigantes questões relativas ao contrato de compra e venda que muito têm aguçado a curiosidade dos juristas e despertado acesas polêmicas na jurisprudência 61 Venda a descendente O art 1132 do Código Civil de 1916 dispunha que os ascendentes não podem vender aos descendentes sem que os outros descendentes expressamente consintam Este dispositivo em verdade criava uma restrição à venda a descendentes que não gozariam de legitimidade para figurar como adquirentes neste tipo de contrato Estariam pois nesse contexto impedidos de celebrar este negócio ainda que fossem perfeitamente capazes se os demais descendentes não houvessem expressado a sua aquiescência 459 Em verdade o que visou a nossa lei neste particular foi exatamente resguardar a legítima dos demais descendentes que não participassem da referida venda O fato é que a lei a mantém adotando ainda providências tutelares em face desta porção patrimonial E uma dessas medidas de proteção à legítima é precisamente a necessidade de se colher a anuência dos demais herdeiros necessários preferenciais para que se possa reputar válida a referida venda Acesa controvérsia entretanto instalouse na jurisprudência acerca do grau da referida invalidade decorrente da violação deste preceito antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 Havia dúvida se a hipótese tratava de nulidade absoluta por afronta a expresso dispositivo legal ou de mera anulabilidade A justificativa para a primeira solução nulidade absoluta consoante mencionamos resultaria da conjugação do já mencionado art 1132 com o art 145 V do Código revogado 460 O primeiro utilizando a expressão não podem proibia que se efetuasse venda de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais já o segundo situado na Parte Geral referia ser nulo o ato jurídico quando a lei lhe negasse efeito Da análise de ambos os dispositivos decorreria a indigitada nulidade Ocorre que floresceu na doutrina e na jurisprudência corrente diversa que sufragava a anulabilidade do negócio sob comento Nesse sentido leiase preleção de ARNOLDO WALD Segundo a melhor jurisprudência tal venda feita sem o consentimento de quem de direito é anulável e não nula de pleno direito Súmula 494 e a nulidade pode ser declarada em ação movida contra o ascendente ainda em vida deste RE 115105 julgado pelo STF neste v p 550 461 De fato a corrente da anulabilidade muito mais razoável soluciona com muito mais eficácia e utilidade a problemática questão referente à venda entre ascendentes e descendentes Isso porque caso fosse seguida a tese da nulidade absoluta alguns intransponíveis senão esdrúxulos obstáculos surgiriam a exemplo da imprescritibilidade do vício e ainda da possibilidade de o negócio ser impugnado por qualquer pessoa ou até mesmo ter a nulidade reconhecida pelo juiz de ofício Ademais seguindose essa corrente estarseia impedindo por via oblíqua que os demais herdeiros pudessem posteriormente chancelar o ato uma vez que como se sabe o negócio jurídico nulo não admite confirmação 462 Por isso a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça com inegável acerto adotou esta última vertente de pensamento mais consentânea com o nosso sistema jurídico Nesse contexto o Supremo Tribunal Federal havia editado a Súmula 494 cancelando a anterior Súmula 152 cujo teor é o seguinte Súmula n 494 A ação para anular venda de ascendente a descendente sem consentimento dos demais prescreve em 20 vinte anos contados da data do ato revogada a Súmula n 152 Como se vê a despeito de haver seguido a linha da anulabilidade a nossa Suprema Corte acabou por admitir um incompreensível prazo vintenário para que se pudesse impugnar o ato viciado Esse longo prazo a par de favorecer a sensação de insegurança jurídica não se harmoniza com o nosso sistema de nulidades vigente que como se sabe adota curtos prazos decadenciais para a anulação do negócio jurídico vide por exemplo o art 171 do CC O Código Civil de 2002 por sua vez visando colocar um fim à controvérsia dispôs em seu art 496 que Art 496 É anulável a venda de ascendente a descendente salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido Parágrafo único Em ambos os casos dispensase o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória 463 grifamos Observese de logo a referência feita ao cônjuge do alienante o qual quando não casado no regime da separação obrigatória de bens também deverá anuir na venda Tal circunstância se justifica pelo fato de o Código Civil de 2002 ter erigido o cônjuge à condição de herdeiro necessário Entretanto na hipótese de ser casado em regime de separação obrigatória por não ter interesse jurídico reconhecido por lei no patrimônio do alienante não precisará consentir Observe ainda nosso caro amigo leitor que o vigente Código Civil dirimindo qualquer controvérsia é claro ao dizer que a compra e venda de ascendente a descendente não apenas do pai ao filho mas do avô ao neto etc é anulável Pôsse por terra assim a corrente minoritária que sustentava a tese da nulidade absoluta Mas cumprenos salientar que em nosso sentir a antiga Súmula 494 do STF perdeu a sua eficácia por força do art 179 do Código Civil vigente sem correspondente na codificação anterior que transcrevemos in verbis 464 Art 179 Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável sem estabelecer prazo para pleitearse a anulação será este de dois anos a contar da data da conclusão do ato Vêse com isso que uma vez não previsto o prazo decadencial de anulação este será de dois anos e não mais de vinte 465 Finalmente tenhamos ainda em mente que a restrição negocial sob comento não se aplica às doações que se submetem a outro regramento nem a outros atos jurídicos como por exemplo o de concessão de uma garantia real uma hipoteca feita por ascendente em prol de um descendente seu Isso porque tratandose de norma restritiva do direito de propriedade do alienante art 496 não poderá ser analisada extensivamente nada impedindo que se possa eventualmente impugnar o ato com fulcro em outros defeitos do negócio previstos em lei 62 Situações especiais referentes à falta de legitimidade para a compra e venda Já tivemos oportunidade de discorrer acerca das diferenças existentes entre capacidade e legitimidade De fato nem toda pessoa capaz pode estar legitimada para a prática de um determinado ato jurídico haja vista que a legitimação traduz uma capacidade específica Assim podemos perceber que a ilegitimidade traduz um impedimento específico para a prática de determinado ato ou negócio jurídico em razão de um interesse superior que se quer tutelar Nesse contexto as pessoas referidas no art 497 são consideradas pelo legislador carentes de legitimidade para a compra de determinados bens ainda que em hasta pública e caso seja efetuada será considerada nula de pleno direito Assim os tutores curadores testamenteiros e administradores não poderão adquirir os bens confiados à sua guarda inciso I Os servidores públicos em geral e notese que o legislador foi mais técnico e preciso ao se referir a servidor em lugar de funcionário público abrangendo portanto não somente os estatutários efetivos mas da mesma forma os exercentes de cargo em comissão contratados temporariamente em regime especial de direito administrativo REDA e os celetistas também não poderão adquirir bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que estejam sob sua administração direta ou indireta inciso II Na mesma linha os juízes secretários de tribunais arbitradores peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça não poderão adquirir bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal juízo ou conselho no lugar onde servirem ou a que estender a sua autoridade inciso III Notese todavia que o art 498 ressalva que esta proibição não compreende os casos de compra e venda ou cessão entre coerdeiros ou em pagamento de dívida ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso o que nos parece de uma justiça evidente uma vez que a relação jurídica submetida em juízo não tem qualquer vinculação direta ou indireta com o múnus público exercido Aliás vale registrar que em nosso sentir a proibição prevista no inciso III atinge por lógica interpretação interpostas pessoas que atuando no interesse espúrio de um dos agentes públicos mencionados pretenda adquirir o bem para repassálo depois Tratarseia no caso de inequívoca simulação padecente também do vício de nulidade art 167 do Código Civil Finalmente a proibição estendese aos leiloeiros e seus prepostos no que tange aos bens de cuja venda estejam encarregados Registrese finalmente que as proibições previstas neste artigo estendemse também à cessão de crédito Observese que o Código Civil de 2002 não repetiu a dicção do art 1133 II do Código Civil anterior que proibia ao mandatário adquirir bens do mandante 466 Correta a nosso ver a nova lei pois nada impediria que o mandatário satisfazendo todas as condições apresentadas pelo mandante e em pé de igualdade com terceiro viesse a comprar o bem Cuidase aliás da peculiar figura do autocontrato ou do contrato consigo mesmo por força do qual na lavratura da título de transferência figurará uma única pessoa mandatário Tal somente é possível como se sabe porque também atua no interesse do mandante Nada impede ademais que o próprio mandante compareça ao ato e participe da sua documentação juntamente com o seu procurador agora parte autônoma no negócio jurídico 467 63 Venda a condômino Para a compreensão deste tópico fazse necessário transcrevermos o art 504 do CC2002 Art 504 Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos se outro consorte a quiser tanto por tanto O condômino a quem não se der conhecimento da venda poderá depositando o preço haver para si a parte vendida a estranhos se o requerer no prazo de cento e oitenta dias sob pena de decadência Parágrafo único Sendo muitos os condôminos preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e na falta de benfeitorias o de quinhão maior Se as partes forem iguais haverão a parte vendida os comproprietários que a quiserem depositando previamente o preço Tratase de norma referente apenas ao condomínio de coisa indivisível condicionante da faculdade de alienação por determinar ao condôminoalienante a necessidade de conferir ao seu consorte direito de preferência em face da fração alienada ou seja o direito de prevalecer o seu interesse em adquirir o bem se sua proposta estiver em iguais condições às dos demais interessados Por definição o condomínio traduz a coexistência de vários proprietários que detêm direito real sobre a mesma coisa havendo entre si a divisão ideal segundo suas respectivas frações No caso sob análise a coisa objeto do direito real dos comproprietários não é passível de divisão razão por que pretendeu o legislador imprimir a obrigatoriedade de se dar primazia a cada um dos consortes no caso de haver eventual alienação de parte do condomínio Mas notese que segundo expressa dicção legal esse direito de preferência que tem eficácia real deverá ser exercido pelo condômino interessado em pé de igualdade com os terceiros que pretendam adquirir a referida quota Assim se o condômino Bacildes anunciou a venda de sua parte pelo preço de R 100000 Badja e Higuita também coproprietários deverão pagar o referido valor não tendo direito a abatimento preferindo entretanto a um eventual terceiro que também demonstre interesse na aquisição da coisa Como a lei não especifica o modo pelo qual se deva dar ciência aos demais consortes entendemos que tal comunicação poderá se operar por meio de notificação judicial ou extrajudicial assinandose prazo de manifestação sob pena de o silêncio do notificado ser interpretado como recusa Vale observar outrossim que a violação deste direito de preferência diferentemente do que se opera com a cláusula especial do contrato de compra e venda arts 513520 gera eficácia real e consequentemente oponibilidade erga omnes na mesma linha dos arts 27 a 34 da Lei n 8245 de 18 101991 Lei do Inquilinato 468 consoante se pode observar na segunda parte do dispositivo o condômino a quem não se der conhecimento da venda poderá depositando o preço haver para si a parte vendida a estranhos se o requerer no prazo de cento e oitenta dias sob pena de decadência destaques nossos Tratase de um preceito bastante adequado dada a peculiaridade da indivisibilidade da coisa tendo o propósito de evitar o ingresso na comunhão de pessoas estranhas o que pode gerar constrangimentos evitáveis com o simples exercício do direito de preferência Essa faculdade reivindicatória portanto decorrente de um direito de natureza potestativa somente será legitimamente exercida se o respectivo preço houver sido depositado respeitado o prazo máximo para o seu exercício 180 dias E a partir de quando se conta esse prazo A pergunta é pertinente pelo fato de que o próprio dispositivo legal se refere à circunstância de que o condômino não teve conhecimento da venda A resposta óbvia é de que o prazo começa a fluir a partir de tal conhecimento que se presume quando efetivado o registro do título translativo Caso entretanto concorra mais de um condômino interessado as seguintes regras deverão ser observadas a preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor b na falta de benfeitorias o condômino de quinhão maior c se as partes forem iguais terão direito à parte vendida os comproprietários que a quiserem depositando previamente o preço Concordamos outrossim com a observação de NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY 469 no sentido de que a regra sob estudo impositiva do direito de preferência aplicase também ao coerdeiro que pretenda alienar a sua quota hereditária uma vez que como se sabe a herança é considerada coisa universal e indivisível até se ultimar a partilha Em que pese a controvérsia existente sobre o tema merece ser prestigiado o entendimento segundo o qual a venda e a cessão de direitos hereditários em se tratando de bem indivisível se subordinam à regra do CC16 1139 que reclama seja dada preferência ao condômino coerdeiro Em linha de princípio a orientação legal é no sentido de evitar o ingresso de estranho no condomínio preservandoo de futuros litígios e inconvenientes A interpretação meramente literal deve ceder passo quando colidente com outros métodos exegéticos de maior robustez e cientificidade STJ REsp 50226BA DJU 17121999 p 24700 Rel Min Sálvio de Figueiredo Teixeira v u julgado em 2381994 4ª Turma 64 Venda entre cônjuges e entre companheiros Uma vez firmada a sociedade conjugal os cônjuges assumem entre si direitos e deveres recíprocos regendose os aspectos patrimoniais dessa união pelas normas constantes do regime de bens ou do pacto antenupcial Nessa ordem de ideias a depender do regime de bens escolhido os consortes podem manter patrimônio próprio e separado a exemplo do que ocorre na comunhão parcial na separação total e na participação final nos aquestos Em tais casos nada impede que um dos cônjuges aliene ao outro bem próprio não representando tal ato negocial ao menos em tese burla ao sistema legal em vigor Nesse sentido escoimando qualquer dúvida dispõe o art 499 do CC2002 Art 499 É lícita a compra e venda entre cônjuges com relação a bens excluídos da comunhão Aliás devemos banir de vez a falsa perspectiva da existência de presunção de fraude nos atos celebrados entre pessoas casadas como transparece da análise do controvertido art 977 do Código Civil 470 Por óbvio o contrato de compra e venda no regime da comunhão universal de bens careceria de eficácia ou utilidade social uma vez que adquirido o bem passaria a integrar o patrimônio comum No que tange aos companheiros observamos que a mesma regra por isonomia constitucional se aplica devendose ressaltar que a teor do art 1725 471 o regime adotado é o da comunhão parcial de bens 7 VENDA AD CORPUS E VENDA AD MENSURAM Para bem compreendermos este tema mister se faz transcrevermos o art 500 do Código Civil Art 500 Se na venda de um imóvel se estipular o preço por medida de extensão ou se determinar a respectiva área e esta não corresponder em qualquer dos casos às dimensões dadas o comprador terá o direito de exigir o complemento da área e não sendo isso possível o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço 1º Presumese que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada ressalvado ao comprador o direito de provar que em tais circunstâncias não teria realizado o negócio 2º Se em vez de falta houver excesso e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida caberá ao comprador à sua escolha completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso 3º Não haverá complemento de área nem devolução de excesso se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões ainda que não conste de modo expresso ter sido a venda ad corpus grifos nossos Sublinhamos como pode notar o nosso caro leitor as duas espécies de venda tratadas neste item a venda por medida de extensão ad mensuram a primeira e a venda por referência meramente enunciativa ad corpus a segunda No primeiro caso o alienante cuida de especificar ou discriminar a área vendida ou o próprio preço por indicação de medida Ex imóvel de 567 hectares com metros de frente metros de fundo na lateral contíguo ao imóvel do senhor ao norte Ou então o imóvel de 567 hectares será alienado onerosamente pagandose reais por hectare O que temos pois aqui é uma venda especificada oficialmente certa e segura Em geral assim deve constar nas escrituras públicas de alienação indispensáveis para as vendas de imóveis cujo valor ultrapasse os trinta salários mínimos art 108 do Cód Civil Em tal caso se foi estipulado o preço por medida de extensão ou determinada a respectiva área a venda é denominada ad mensuram e caso a área não corresponda em qualquer dos casos às dimensões dadas o comprador terá o direito a de exigir o complemento da área e não sendo isso possível b o de reclamar a resolução do contrato ou pedir o abatimento proporcional no preço Todavia um ponto deve ficar bem claro tais direitos somente existirão se se tratar de venda ad mensuram Em primeiro plano como se pode ver o legislador abre a possibilidade de o comprador prejudicado pleitear o complemento da área vendida via ação ex empto e não sendo isso possível atente bem para esta expressão poderá pedir o desfazimento do contrato com eventuais perdas e danos ou o mero abatimento no preço caso queira ficar com o imóvel de metragem menor do que a declarada pelo alienante Embora haja entendimento no sentido de que o adquirente possa ingressar de imediato com ação de resolução do contrato para pedir o seu desfazimento ou ação de abatimento do preço da venda sustentamos que por expressa determinação legal basta ler o caput do artigo sob comento estes dois pedidos somente seriam viáveis caso se afigure impossível o complemento da área Claro está entretanto que formulado o pedido de complemento o autor adquirente prejudicado poderá cumulálo com o pedido de resolução do contrato ou abatimento no preço estes excludentes entre si caracterizando aquele fenômeno que a doutrina processual denominou de cumulação eventual de pedidos O que não se admite obviamente é que na mesma demanda se postule o desfazimento do negócio e simultaneamente o abatimento no preço por manifesta falta de compatibilidade lógica Urge assinalar entretanto que se a diferença entre a dimensão real do imóvel e a sua dimensão declarada na escritura for igual ou inferior a 5 120 da área total presumese que as referências às dimensões foram meramente enunciativas não assistindo pois ao comprador direito algum ressalvando selhe a hipótese dispõe o 1º do art 500 de provar que em tais circunstâncias não teria celebrado o negócio A despeito de reconhecermos nesta última parte do dispositivo em estudo um acentuado grau de subjetividade reputamos razoável a preocupação do legislador que dessa maneira resguardaria o comprador especialmente quando aquela diferença 5 for de valor significativo Ademais dada a imprecisão do nosso sistema registrário tal margem de erro é de possível ocorrência prática Cumprenos ainda notar que o Código Civil de 2002 avançou no tratamento desta matéria se compararmos as suas normas com as constantes no Código de 1916 Previu por exemplo a factível hipótese de ocorrer o inverso ou seja o excesso de área ao invés de sua falta Em outras palavras o que fazer se o vendedor após a tradição registro verificou que alienou mais do que declarou ORLANDO GOMES em doutrina anterior ao atual Código pontificava que se a área do imóvel tiver dimensões maiores do que as declaradas ao comprador aproveita o excesso pois ao vendedor não se permite que por essa razão pleiteie a resolução do contrato nem que pretenda a suplementação do preço Entretanto em algumas legislações se lhes assegura expressamente esse direito entendendo alguns escritores que a solução é aplicável entre nós e outros que cabe a ação de anulação por erro 472 No sistema ora vigente respondenos o 2º no sentido de que em tal circunstância se o vendedor comprovar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida facultase ao comprador e à sua escolha completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso Poderseia argumentar em um plano crítico de perspectiva que direito algum assistiria ao vendedor uma vez que se presume que deveria conhecer aquilo que lhe pertence cabendolhe arcar com o ônus de alienar parcela maior do seu patrimônio Entretanto o mínimo de experiência prática nos dá conta da imensa diversidade geográfica de nosso país de proporções continentais o que dificulta sobremaneira a perfeita mensuração dos imóveis urbanos e rurais especialmente na zona rural e em face de pessoas de baixo poder aquisitivo Nem todos têm lamentavelmente condições financeiras de custear o trabalho de um engenheiro agrimensor E alie se a isso o fato de que nosso sistema de Registros Públicos é em muitos Estados excessivamente burocrático e frequentemente pouco preciso Por tais razões concluímos pela razoabilidade do referido dispositivo que garante ao vendedor o direito de justificar a sua ignorância em face da dimensão exata da área cabendo entretanto ao comprador a faculdade de escolher se complementa o preço ou devolve a área excedente Finalmente se as referências da área foram meramente enunciativas ou seja sem descrição ou sua especificação por preço determinado reputase a venda ad corpus mesmo que tal expressão não conste do corpo da escritura de venda Privilegiase assim o conteúdo em vez do mero formalismo Quanto ao prazo para o exercício das ações suprarreferidas dispõe o legislador que será de um ano 473 a contar do registro do título tendo inequívoca natureza decadencial por se tratar de exercício de direito potestativo ainda que se admita a postergação do seu dies a quo Tal ressalva é feita pelo parágrafo único do art 501 que preceitua que se houver atraso na imissão de posse do imóvel atribuível ao alienante a partir dela é que fluirá o prazo de decadência Neste caso compreendese que o prazo comece a fluir da posse efetiva e não do mero registro por considerarmos que somente a partir da imissão pode o adquirente verificar o imóvel e detectar o defeito 8 CLÁUSULAS ESPECIAIS OU PACTOS ACESSÓRIOS À COMPRA E VENDA Em que consistem as cláusulas especiais ou pactos acessórios à compra e venda Nada mais do que elementos acidentais do contrato de compra e venda que não afetam a priori a sua existência ou validade mas sim o campo da eficácia do negócio jurídico pretendido e celebrado subordinando seus efeitos em geral a eventos futuros e incertos O vigente Código Civil brasileiro previu expressamente na referida Seção II Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda do Capítulo I Da Compra e Venda do Título VI Das Várias Espécies de Contrato do Livro I Do Direito das Obrigações da Parte Especial 5 cinco modalidades de cláusulas especiais sendo 4 quatro previstas na codificação anterior retrovenda venda a contento e venda sujeita à prova preempção ou preferência e venda com reserva de domínio e 1 uma sem correspondente no CC1916 a saber a venda sobre documentos Analisemos pois cada uma dessas cláusulas separadamente 81 Retrovenda A cláusula de retrovenda também chamada de cláusuladireito de retrato ou pactum de retrovendendo é um pacto acessório adjeto à compra e venda por meio do qual o vendedor resguarda a prerrogativa de resolver o negócio restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas feitas pelo comprador Tratase portanto de uma condição resolutiva expressa que submete o negócio jurídico da compra e venda a evento futuro e incerto segundo o interesse do vendedor em reaver a coisa aliado ao oferecimento do valor adequado para restituição e reembolso O primeiro elemento interesse do vendedor é autoexplicativo sendo decorrente da sua autonomia da vontade Quanto ao segundo porém algumas considerações se fazem necessárias De fato o valor adequado para a retrovenda na forma do art 505 do CC2002 474 que podemos chamar de justo preço deve corresponder a todos os gastos empreendidos pelo comprador devidamente atualizados seja para a aquisição do bem seja para a realização de benfeitorias necessárias Parecenos lógico que benfeitorias úteis e voluptuárias devem estar fora deste preço salvo se realizadas com autorização do vendedor não somente por força da ausência de previsão legal mas também em respeito ao princípio da boafé objetiva uma vez que dada a previsão contratual da possibilidade de retrovenda tais dispêndios podem ser encarados como uma tentativa do comprador de inviabilizar o exercício da prerrogativa De fato não podemos deixar de ter em mente que a retrovenda não constitui uma nova alienação mas sim o desfazimento do negócio jurídico original pela ocorrência da condição resolutiva estabelecida ab initio Justamente por isso é importante também ter redobrado cuidado na análise da situação fática em que se alega uma retrovenda pois não é difícil imaginar que possa ser utilizada lamentavelmente como um instrumento de fraude É o exemplo de uma simulação de compra e venda com cláusula de retrovenda para mascarar um empréstimo usurário em que o imóvel tenha sido colocado como garantia É importante ressaltar que tais situações simulatórias traduzem hipóteses de nulidade absoluta permitindo ao magistrado até mesmo o seu reconhecimento de ofício art 167 do CC2002 Sobre a natureza do bem a retrovenda somente é prevista para bens imóveis o que é perfeitamente compreensível dada a facilidade com que as coisas móveis circulam no comércio jurídico Caso as partes todavia decidam instituir uma cláusula de retrovenda para bens móveis ela não será nula porém deverá ser interpretada de acordo com a autonomia da vontade das partes Registrese entretanto que a utilidade prática da cláusula de retrovenda cada vez mais se esvai por força da disseminação da promessa compromisso de compra e venda a ser estudada aqui na parte referente a Direitos Reais Nessa linha de pensamento observa VENOSA Dois são os pontos fundamentais da cláusula portanto somente se defere à compra e venda de imóveis e seu prazo não pode ultrapassar os três anos Houve quem no passado defendesse sua utilização para os móveis sem sucesso contudo O fato de os móveis se transferirem sem maiores formalidades pela tradição sem maior publicidade para cautela de terceiros bem como os termos peremptórios da lei não permitem outra conclusão Se estabelecida a retrovenda na alienação de bem móvel a questão ficará no campo negocial da autonomia de vontade contratual subordinandose aos princípios obrigacionais em geral desvinculandose da aplicação das normas do Código ora examinadas Sabido da importância das vendas imobiliárias para o patrimônio dos contratantes resulta extremamente inconveniente essa cláusula cuja franca utilidade facilmente percebida é mascarar empréstimos onzenários ou camuflar negócios não perfeitamente transparentes Geralmente a inserção desse pacto na venda de imóvel procura atender a dificuldades econômicas do vendedor que as entende passageiras Se era útil no passado para garantir o pagamento por parte do vendedor nas vendas a prazo o compromisso de compra e venda substituiua com ampla vantagem sepultando definitivamente a utilidade da retrovenda 475 Por sua condição de cláusula acessória a nulidade do pactum de retrovendendo não afeta a validade do contrato de compra e venda O prazo para a retrovenda é de no máximo 3 três anos nada impedindo que as partes estabeleçam prazo menor Sua natureza por se referir à desconstituição do negócio jurídico de compra e venda é obviamente decadencial o que somente foi explicitado com o Código Civil brasileiro vigente Tratase em verdade do exercício de um direito potestativo Um ponto relevantíssimo a ser destacado pois é a questão da natureza jurídica da cláusula Por óbvio há consenso doutrinário de que tal cláusula tem natureza jurídica obrigacional não possuindo eficácia real de forma distinta portanto da promessa irretratável de compra e venda devidamente registrada Todavia em que pese tal circunstância o direito positivo reconhece uma oponibilidade transindividual muito próxima da concepção erga omnes típica dos direitos reais De fato confirase o art 507 do CC2002 Art 507 O direito de retrato que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários poderá ser exercido contra o terceiro adquirente Parecenos relevante registrar porém um elemento diferenciador da vigente disposição legal para a norma equivalente revogada que constava do art 1142 do CC1916 nos seguintes termos Art 1142 Na retrovenda o vendedor conserva a sua ação contra os terceiros adquirentes da coisa retrovendida ainda que eles não conhecessem a cláusula de retrato O novo texto legal suprime como visto a previsão expressa de dispensabilidade de conhecimento pelo terceiro da cláusula de retrovenda para a sua exigibilidade Destarte poderíamos concluir que hoje o retrato somente poderá ser exercido se o terceiro tiver conhecimento da cláusula Assim pensamos pelo fato de soar extremamente incoerente que um Código que prestigia enormemente a boafé notadamente na sua modalidade objetiva venha a desprezála justamente em um instituto que como já apontado tem ensejado a simulação de negócios jurídicos Em conclusão temos que à luz do princípio da boafé objetiva e também em atenção ao estado de inocência do terceiro que podemos traduzir na expressão boafé subjetiva o pacto de retrovenda somente poderá ser exercido caso se tenha realizado o registro da cláusula ou se fora dada ciência direta ao pretenso interessado na aquisição da coisa Feitas tais observações somente nos cumpre ressaltar também que o vigente dispositivo legal põe fim à polêmica sobre a transmissibilidade do direito de retrato proibindo a cessão desse direito por ato inter vivos pois apenas admite a sua transmissão para herdeiros e legatários o que pressupõe o falecimento do vendedor original 476 Caso o bem ainda pertença ao comprador e este não cumpra espontaneamente a cláusula pactuada poderá o vendedor exigir judicialmente o seu adimplemento na forma do art 506 do CC2002 sem equivalente no CC1916 que preceitua in verbis Art 506 Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus o vendedor para exercer o direito de resgate as depositará judicialmente Parágrafo único Verificada a insuficiência do depósito judicial não será o vendedor restituído no domínio da coisa até e enquanto não for integralmente pago o comprador Ressaltese a parte final do parágrafo único destacando a ideia do justo preço que aqui defendemos não sendo estranho afirmar que a lide poderá se concentrar apenas na fixação do valor adequado para a retrovenda Se a coisa vier a perecer sem culpa extinguese o direito de resgate uma vez que houve perda do bem para o comprador sem qualquer indenização à parte adversa valendo a regra de que a coisa perece para seu dono res perit domino Outrossim entendemos que por força do mesmo princípio se o imóvel se deteriorar não terá o vendedor direito à redução proporcional do preço devendo restituílo integralmente ao comprador Na mesma linha e pelo mesmo fundamento o comprador enquanto detiver a propriedade sob condição resolutiva terá direito aos frutos e rendimentos do imóvel justamente pela sua condição de proprietário Por fim na forma do art 508 do CC2002 se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo imóvel e só uma o exercer poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito contanto que seja integral A regra facilita a compreensão do instituto da retrovenda conjunta e sua finalidade De fato garantido o direito a duas ou mais pessoas o ideal seria que elas postulassem conjuntamente por não haver prevalência do direito de uma em face das outras Todavia como os interesses individuais são variáveis agiu bem o legislador ao prever que caso não haja manifestação conjunta prevalecerá aquele que primeiro provocou realizando o depósito desde que integral O óbvio porém deve ser ressaltado somente será garantido o direito com o pagamento total não havendo que se falar em retrovenda parcial Se houver discussão sobre o justo valor realçase a importância da comunicação aos demais interessados pois estes poderão querendo exercer também o direito de retrato fazendo aí sim o depósito do valor adequado A pergunta que não quer calar é e se todos realizarem simultaneamente o depósito adequado exercitando o seu direito A lei não traz a resposta sendo intuitivo responder que não sendo possível delimitar quem efetivou a medida em primeiro lugar o que na maior parte das vezes é relativamente fácil de comprovar seja pela guia de depósito bancário seja pelo protocolo de petição judicial ou extrajudicialmente seja razoável estabelecer um condomínio sobre o imóvel E se o bem imóvel vendido com a cláusula de retrovenda pertencia originalmente a uma coletividade em condomínio mas a sua alienação não foi realizada no mesmo ato ou com cláusula de retrovenda conjunta A regra expressa do sistema anterior art 1143 2º do CC1916 garantia que cada qual de per si exercitasse sobre o respectivo quinhão o seu direito de retrato sem que o comprador pudesse constranger os demais a resgatálo por inteiro O vigente Código Civil brasileiro silenciou sobre a questão mas em nosso entendimento não há mudança de orientação uma vez que a regra é compatível com os princípios do condomínio 82 Venda a contento e sujeita à prova por experimentação A Subseção II da Seção destinada às cláusulas especiais à compra e venda reúne dois institutos jurídicos análogos a saber a venda a contento e a venda sujeita a prova Ambas as cláusulas se referem a vendas realizadas sob condição suspensiva vale dizer ao agrado do comprador ou à adequação do bem à finalidade desejada É interessante ressaltar que na codificação revogada ambas as modalidades estavam previstas no mesmo dispositivo qual seja o art 1144 que preceituava ipsis litteris Art 1144 A venda a contento reputarseá feita sob condição suspensiva se no contrato não se lhe tiver dado expressamente o caráter de condição resolutiva Parágrafo único Nesta espécie de venda se classifica a dos gêneros que se costumam provar medir pesar ou experimentar antes de aceitos A codificação vigente por sua vez destrincha os institutos explicitando que do ponto de vista técnico a hipótese é propriamente de condição suspensiva uma vez que sujeita a evento futuro e incerto Nessa linha portanto a venda a contento também conhecida como venda ad gustum ou com pactum displicentiae é aquela que se realiza sob a condição suspensiva de só se tornar perfeita e obrigatória após declaração do comprador de que a coisa o satisfaz 477 Aqui merece destaque a natureza subjetiva do ato revelador do contentamento que deve ser encarada como uma condição potestativa simples e não puramente potestativa uma vez que o pacto acessório dá direito ao comprador de experimentar a coisa antes de aceitála não sendo a sua concepção o arbítrio do potencial adquirente mas sim a sua satisfação Já na venda sujeita a prova a condição suspensiva reside no atendimento das qualidades asseguradas pelo vendedor e na idoneidade para o fim a que se destina 478 Nessa segunda modalidade o campo de subjetividade embora existente é menor uma vez que é admissível falar em demonstração objetiva das qualidades e idoneidade para os fins experimentação Dessa forma entendemos que para a venda sujeita à prova a recusa do comprador não pode ser injustificada motivo pelo qual aplaudimos a explicitação da modalidade análoga Ressaltese no particular que em ambas as formas o negócio jurídico embora existente e válido somente produzirá os seus efeitos após a declaração do comprador Assim sendo é instituto distinto do direito de arrependimento que também é uma prerrogativa excepcional nas relações contratuais salvo nas relações de consumo em que o art 49 do CDC confere ao consumidor o direito potestativo de desistir da compra realizada fora do estabelecimento no prazo de 7 sete dias 479 Reconhecida a natureza jurídica de condição suspensiva destas duas modalidades de cláusulas especiais duas consequências lógicas se impõem a enquanto não advier a manifestação concordante do adquirente e a despeito de haver ocorrido a tradição o domínio continua com o alienante que sofre as perdas advindas do fortuito b não tendo adquirido o domínio o comprador antes da ocorrência da condição é mero comodatário limitandose por tal circunstância às suas obrigações art 511 do CC2002 480 pelo que a posse que exerce é precária A lei não estabelece prazo para que o comprador se manifeste declarando sua satisfação pessoal com o bem ou a adequação deste para as finalidades pretendidas Assim sendo não havendo previsão contratual específica escrita ou verbal tem o vendedor a prerrogativa de intimálo judicial ou extrajudicialmente para que se verifique a ocorrência ou não da condição 481 E se o comprador silenciar Na falta de previsão legal ou contratual específica parecenos que a razoabilidade impõe reconhecer o ditado popular de que quem cala consente Por exemplo se Marli vende um DVD para Cleide com a condição suspensiva de que esta goste do seu conteúdo não fixando prazo para tal manifestação deve comunicála judicial ou extrajudicialmente para que o faça no prazo improrrogável de X dias sob pena de caracterizar tacitamente o agrado Até porque os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica nos orientam no sentido de que este comportamento omissivo aliado à subsistência da posse sobre a coisa firma a ideia de que houve a satisfação ou o atendimento da expectativa do comprador em face da coisa 83 Preempção ou preferência Celebrado um negócio jurídico de compra e venda e em seguida a transmissão da propriedade pela tradição ou registro o normal é que não haja mais qualquer vinculação entre os contratantes Todavia podem os pactuantes estabelecer uma cláusula que obrigue o comprador de coisa móvel ou imóvel no caso de pretender vendêla ou dála em pagamento a oferecêla a quem lhe vendeu originalmente para que este tenha a preferência em readquirila em igualdade de condições com quem também está interessado em incorporála em seu patrimônio É a cláusula de preempção também chamada de cláusula de preferência prelação ou pactum protimiseos disciplinada pelos arts 513 a 520 do CC2002 Tratase de um pacto decorrente unicamente da autonomia da vontade e estipulado evidentemente em favor do alienante aqui chamado preferente prestigiando o seu desejo eventual de retomar o bem que outrora lhe pertenceu Por isso mesmo não somente o comprador tem a obrigação de cientificar na forma do caput do art 513 do Código Civil 482 como também o vendedor tem o direito de exercitálo independentemente de provocação do comprador 483 Para que o direito de preempção seja exercido o vendedor sob pena de perda da sua preferência está obrigado a pagar em condições iguais o preço encontrado ou o ajustado art 515 do CC2002 Isso quer dizer que para readquirir o bem o vendedor originário deve igualar as condições oferecidas por terceiros tanto no que se refere ao valor pecuniário preço quanto em relação às vantagens oferecidas Por isso o cumprimento da cláusula que se assemelha a uma condição resolutiva não se identificando pois se trata de uma nova aquisição potencialmente com valor diferenciado e não um retorno ao status quo ante depende necessariamente de duas circunstâncias a saber a interesse do comprador em se desfazer do imóvel por compra e venda ou dação em pagamento negócios jurídicos eminentemente onerosos b desejo do vendedor original em readquirir o bem tendo condições de oferecer as mesmas condições de terceiros não basta a manifestação de vontade sendo imprescindível tal igualdade sob pena de prejudicar o comprador original ora alienante Sem a presença simultânea desses dois requisitos não há como falar em prelação E qual é o prazo do direito de preferência Esta é uma pergunta interessante excelente para fazer em provas sem consulta à legislação uma vez que a resposta comporta desdobramentos Isso porque a cláusula especial de preferência no contrato de compra e venda terá sempre limitação temporal cujo prazo ficará a critério das partes não podendo na forma do parágrafo único do art 513 do CC2002 sem correspondente no CC1916 exceder 180 cento e oitenta dias se a coisa for móvel ou 2 dois anos se imóvel Este é o prazo de validade temporal da cláusula de preferência Todavia para o exercício do seu direito tem o vendedor o prazo de 3 três dias se o bem for móvel ou 60 sessenta dias se for imóvel contados em ambas as hipóteses da data em que o comprador tiver notificado o vendedor original É o que se infere do art 516 do CC2002 484 que aumentou o prazo o que é uma exceção no vigente Código Civil brasileiro no caso dos bens imóveis em relação ao trintídio originalmente previsto no art 1153 do CC1916 485 Não há direito de preferência sobre parte do bem móvel ou imóvel ainda que estabelecido em benefício de duas ou mais pessoas Nesta hipótese o prazo de validade da cláusula é o mesmo mas o prazo decadencial correrá para cada preferente a partir de sua cientificação podendo o direito caducar portanto para uns e não para outros É o que se infere do art 517 do CC2002 Art 517 Quando o direito de preempção for estipulado a favor de dois ou mais indivíduos em comum só pode ser exercido em relação à coisa no seu todo Se alguma das pessoas a quem ele toque perder ou não exercer o seu direito poderão as demais utilizálo na forma sobredita No que tange aos seus efeitos a violação desta cláusula especial do contrato de compra e venda não gera eficácia real mas sim se resolve na velha fórmula das perdas e danos por expressa dicção legal Assim se o comprador não tiver afrontado cientificado o vendedor estabelece o art 518 do CC2002 in verbis Art 518 Responderá por perdas e danos o comprador se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem Responderá solidariamente o adquirente se tiver procedido de máfé É de lamentar que neste aspecto não tenha sido prevista qualquer modalidade de tutela específica para o descumprimento pois a regra contratual em situações como tais é normalmente violentada por quem tem condições de abusar do poderio econômico Este é um elemento inclusive que diferencia tal cláusula especial à compra e venda com o direito de preferência do locatário no contrato de locação imobiliária De fato na forma dos arts 27 a 34 da Lei n 824591 tem o locatário preferência para adquirir o imóvel locado em igualdade de condições com terceiros devendo o locador darlhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca Este direito de preferência decorre necessariamente de preceito legal e não meramente da autonomia da vontade como o pacto acessório aqui tratado Assim além da possibilidade de perdas e danos o direito de preferência do locatário poderá ter eficácia real com a possibilidade de tutela específica desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel É o que estabelece o art 33 da Lei do Inquilinato Lei n 824591 in verbis Art 33 O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou depositando o preço e demais despesas do ato de transferência haver para si o imóvel locado se o requerer no prazo de seis meses a contar do registro do ato no cartório de imóveis desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel Vale destacar também que o direito de preferência quando estabelecido nesta cláusula especial de compra e venda é considerado personalíssimo ou seja não se transmite nem por ato inter vivos nem mortis causa o que é objeto de norma específica a saber o art 520 do CC2002 O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros Compreendida a cláusula especial de preferência parecenos relevante distinguila da retrovenda o que pode ser sintetizado em quatro pontos de divergência a enquanto na retrovenda o negócio original se resolve no pacto de preferência há uma nova aquisição feita pelo vendedor primitivo b a retrovenda recai somente sobre imóveis 486 enquanto o pacto de preferência recai sobre móveis e imóveis c na retrovenda o vendedor conserva o direito de readquirir a coisa e o comprador é obrigado a vender no pacto de preferência o comprador não está obrigado a vender a coisa d enquanto o direito contido na retrovenda é transmissível art 507 do CC2002 o direito de preferência não se transfere a terceiros Por fim de forma excepcional a lei estabelece um direito de preferência de natureza obrigacional mas que não decorre de um contrato de compra e venda e sim da expropriação para fins de necessidade ou utilidade pública Em direito administrativo falase em retrocessão Em casos que tais se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública ou por interesse social não tiver o destino para que se desapropriou ou não for utilizada em obras ou serviços públicos caberá ao expropriado direito de preferência pelo preço atual da coisa art 519 do CC2002 Tratase de medida das mais salutares pois o desvio da finalidade originária do ato da Administração Pública deve ensejar o direito de o administrado reaver o seu bem sem prejuízo do interesse público que receberá o valor efetivo pelo preço atual da coisa matéria que rende inúmeros desdobramentos e controvérsias na seara específica do Direito Administrativo 84 Venda com reserva de domínio Tratase de uma cláusula não prevista originariamente na codificação civil revogada sendo portanto uma novidade do Código Civil de 2002 embora o instituto já fosse conhecido no campo do direito processual A venda com reserva de domínio ou pactum reservati dominii nada mais é do que um contrato de compra e venda de coisa móvel em que se subordina a efetiva transferência da propriedade ao pagamento integral do preço Por meio deste contrato com tal condição suspensiva transferese ao adquirente apenas a posse da coisa alienada conservando o vendedor o domínio sobre ela até lhe ser pago a totalidade do preço 487 Nessas circunstâncias a quitação do preço estipulado enseja a automática transferência do domínio o que não exigirá mais qualquer ato uma vez que materialmente já ocorreu a tradição Por isso mesmo estando já o comprador na posse direta do bem móvel é ele o guardião do mesmo sendo o responsável pelos riscos da coisa motivo pelo qual soa razoável a regra do art 524 do CC2002 que dispõe Art 524 A transferência de propriedade ao comprador dáse no momento em que o preço esteja integralmente pago Todavia pelos riscos da coisa responde o comprador a partir de quando lhe foi entregue Parecenos evidente que a ideia de disciplinar tal modalidade de compra e venda submetida a condição suspensiva tem por finalidade incentivar o crédito ao consumo de bens móveis proporcionando maior garantia ao vendedor muito embora a alienação fiduciária afiguresenos muito mais dinâmica Por isso mesmo há a preocupação de se explicitar a legitimidade de instituições financeiras para na condição de cessionárias do crédito original do vendedor exercer os direitos e pretensões decorrentes do contrato a benefício do seu crédito excluída a concorrência de qualquer outro É esta a regra do art 528 do CC2002 Art 528 Se o vendedor receber o pagamento à vista ou posteriormente mediante financiamento de instituição do mercado de capitais a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato a benefício de qualquer outro A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato 488 No que diz respeito à validade formal de tal cláusula estabelece a lei que a forma deve ser necessariamente escrita e para valer contra terceiros precisa ser registrada em cartório próprio a saber o Cartório de Títulos e Documentos no domicílio do comprador 489 Somente podem ser objeto da venda com reserva de domínio coisas móveis de natureza durável suscetível de caracterização perfeita havendo restrição legal nesse sentido no art 523 do CC2002 buscando evitar distúrbios na identificação do bem sendo estabelecida inclusive regra de hermenêutica contratual para explicar que na dúvida decidese em favor do terceiro adquirente de boafé 490 E se o comprador tornarse inadimplente Bem tratandose de uma venda com condição suspensiva em primeiro lugar deve o vendedor constituir o comprador formalmente em mora seja pelo protesto do título seja por interpelação judicial 491 valendo destacar que tal ato é essencial até mesmo porque enseja a possibilidade de purgação da mora pelo adquirente A partir daí o art 526 492 do Código Civil de 2002 oferece duas opções ao vendedor a exigir o pagamento das obrigações vencidas e vincendas sem prejuízo da pretensão indenizatória compreendida na expressão e o mais que lhe for devido contida na lei ou b reaver a coisa com a apreensão e depósito da coisa uma vez que o comprador não tem mais justo título a respaldar a sua posse motivo pelo qual há a possibilidade inclusive de concessão de ordem liminar para impedir que o comprador aliene esconda ou deteriore a coisa independentemente da boafé de terceiros Se o vendedor escolher a segunda opção estabelece o art 527 do Código Civil Art 527 Na segunda hipótese do artigo antecedente é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido O excedente será devolvido ao comprador e o que faltar lhe será cobrado tudo na forma da lei processual Por fim perguntase qual é a diferença da venda com reserva de domínio para a alienação fiduciária em garantia Segundo ARNOLDO WALD a alienação fiduciária em garantia é todo negócio jurídico em que uma das partes fiduciante aliena a propriedade de uma coisa móvel ao financiador fiduciário até que se extinga o contrato pelo pagamento ou pela inexecução 493 Tratase portanto de negócio jurídico bilateral no qual se pretende a transferência da propriedade de uma coisa ao credor com a finalidade de garantir um pagamento Vale dizer o devedor fiduciante permanece como possuidor direto ao passo que o credor fiduciário detém a posse indireta e a propriedade resolúvel da coisa até o adimplemento da dívida Nesse aspecto é possível constatar a semelhança na circunstância fática de que há a transferência da posse direta do bem para o sujeito que pretende obter o seu domínio No mais porém há mais diferenças do que semelhanças podendo os elementos de divergência ser assim resumidos a Na venda com reserva de domínio há uma venda com condição suspensiva qual seja o evento futuro e incerto do pagamento do preço pelo comprador embora a posse direta do bem já seja transferida na alienação fiduciária há uma venda para a entidade financiadora com condição resolutiva o pagamento da dívida consolidaria a propriedade no possuidor direto b A venda com reserva de domínio pode ser feita diretamente entre comprador e vendedor enquanto na alienação fiduciária há a presença indispensável de um financiador c A venda com reserva de domínio se restringe a bens móveis enquanto a alienação fiduciária pode ser aplicada igualmente em venda de imóvel art 22 da Lei n 951497 O fato porém é que com a disseminação da alienação fiduciária o espaço reservado para a venda com reserva de domínio tem diminuído embora ainda seja figura contratual bastante utilizada notadamente na aquisição de eletrodomésticos 85 Venda sobre documentos A venda sobre documentos como modalidade especial de compra e venda não encontrava previsão no Código Civil de 1916 sendo uma novidade da codificação inaugurada em 2002 Tratase porém de instituto há muito conhecido notadamente no comércio marítimo tendo por finalidade agilizar a dinâmica contratual de forma a possibilitar a conclusão do negócio jurídico sem que se tenha de proceder à análise da coisa que comumente está na detenção de terceiros como por exemplo um transportador ou um depositário Consiste na forma do art 529 do CC2002 em uma compra e venda em que a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou no silêncio deste pelos usos Salientese a menção aos usos fonte normativa relevantíssima no meio comercial o que já destaca a sua importância na disseminação do instituto O critério de segurança desta forma contratual reside na circunstância prevista no parágrafo único do mencionado artigo de que SE encontrando a documentação em ordem não pode o comprador recusar o pagamento a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida salvo se o defeito já houver sido comprovado hipótese última em que deve ser feita a ressalva pelo comprador uma vez que conhecendo ele o defeito e mesmo assim adquirindo o bem a presunção é de que o desejava no estado em que se encontrava Um exemplo muito comum ocorre na venda de mercadoria ainda em transporte depositada em armazém ou pendente de liberação na alfândega em que o vendedor entrega ao comprador o título warrant ou outro documento hábil ao recebimento da coisa que como se percebe em tais casos se encontra com terceiros Como há a impossibilidade de se obstar o pagamento a pretexto de defeito na coisa se o documento a esta referente encontrase em ordem o que fazer se o bem entregue contiver um vício oculto A mesma conduta a se ter em qualquer outra modalidade de compra e venda respondemos nós pois é óbvio que tal cláusula especial tem por fito somente facilitar a consumação da transferência de domínio sem aguardar a tradição e não lesionar o comprador sendo aplicável portanto toda a disciplina de tutela em face dos vícios redibitórios 494 à luz do princípio da boafé objetiva Nesse sentido observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES que a entrega dos documentos gera pois presunção de que a coisa conserva as qualidades neles apontadas não podendo o comprador condicionar o pagamento à realização de vistoria para constatação de inexistência de defeitos ocultos vícios redibitórios ou aparentes Como observa Paulo Luiz Netto Lôbo ocorre em relação ao comprador aproximação com o esquema solve et repete primeiro pague depois reclame muito utilizado no direito fiscal O comprador paga contra a entrega do documento representativo e reclama contra o vendedor sobre vício ou defeito da coisa 495 E se de fato o bem não for entregue Como a propriedade já se transferiu devese ingressar com a medida possessória ou petitória cabível em face do alienante ação reivindicatória por exemplo O pagamento devido pelo comprador como dito pela mera entrega do título representativo ou outros documentos exigidos no contrato ou pelos usos do comércio será efetuado na data e no lugar de entrega dos documentos salvo convenção em sentido contrário na forma do art 530 do Código Civil 496 Neste tipo de negócio jurídico é extremamente recomendável a estipulação de um seguro cujos ônus não foram esquecidos pelo vigente Código Civil brasileiro ao estabelecer em seu art 531 Art 531 Se entre os documentos entregues ao comprador figurar apólice de seguro que cubra os riscos do transporte correm estes à conta do comprador salvo se ao ser concluído o contrato tivesse o vendedor ciência da perda ou avaria da coisa A disposição legal tem por finalidade sancionar a máfé do vendedor que já tinha ciência da perda ou avaria da coisa e mesmo assim celebrou o negócio jurídico É óbvio porém que o transcrito dispositivo é em verdade uma regra de responsabilidade civil pois de fato o pagamento da contratação do seguro é custeado originalmente pelo comprador apenas sendo possível invocar o dispositivo depois de se constatar que o negócio já celebrado e consumado com a entrega dos documentos não poderia têlo sido pela perda ou avaria da coisa o que somente pode ser constatado posteriormente Por fim também se prevê a atuação de estabelecimentos bancários neste tipo de relação negocial É a regra do art 532 do CC2002 Art 532 Estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento bancário caberá a este efetuálo contra a entrega dos documentos sem obrigação de verificar a coisa vendida pela qual não responde Parágrafo único Nesse caso somente após a recusa do estabelecimento bancário a efetuar o pagamento poderá o vendedor pretendêlo diretamente do comprador No testemunho autorizado de SÍLVIO VENOSA Esssa modalidade é regulada pelo Código italiano Premissa ordinária da venda contra documentos é que a coisa encontrese na posse de um terceiro em nome e por conta do vendedor Ocorre com frequência na compra e venda internacional por nós já examinada Sua utilidade maior acentuase quando um ou ambos os contratantes se encontram em local diverso da mercadoria no momento da conclusão do contrato Há sem dúvida a interferência dos princípios dos títulos de crédito no contrato de compra e venda Esse negócio tem lugar quando esses documentos representam a própria coisa como ocorre em alguns títulos de crédito 497 XXIV TROCA OU PERMUTA 1 DENOMINAÇÃO E CONCEITO Troca ou permuta são expressões equivalentes que contêm uma grande quantidade de sinônimos câmbio escambo comutação permutação Até a palavra mútuo é elencada neste rol 498 Abstraída esta última palavra que tem um sentido próprio no campo do Direito qualquer uma delas pode ser utilizada indistintamente embora por óbvio sejam preferíveis as adotadas pelo Código que dão nome a este capítulo o que prestigiaremos na medida do possível e do estilo redacional Tratase de uma das modalidades contratuais de mais antiga utilização mesmo antes do desenvolvimento da compreensão do sistema normativo moderno consistindo seu conceito em síntese em um negócio jurídico em que as partes se obrigam a entregar reciprocamente coisas que não sejam dinheiro A proximidade de tal modalidade contratual com o contrato de compra e venda é evidente pois afinal de contas o que é uma troca senão uma compra que se paga com bem em vez de pecúnia Fixado seu conceito enunciemos suas principais características 2 CARACTERÍSTICAS Quanto à natureza da obrigação tratase de um contrato bilateral na medida em que implica direitos e obrigações para ambos os contratantes Nada impede porém que se apresente na modalidade plurilateral ou multilateral caso concorram mais de dois contratantes com obrigações desde que seja assim estabelecido pela autonomia da vontade ex Marina troca a figurinha x com Nathália em contraprestação à figurinha y de Carol que por sua vez receberá a figurinha z de que Nathália era detentora Da mesma forma a troca é um contrato oneroso Mesmo não havendo a entrega de pecúnia nesta modalidade contratual isso não a torna um contrato gratuito De fato na permuta a cada benefício recebido corresponde um sacrifício patrimonial sendo aplicáveis todas as peculiaridades de tal característica por exemplo a exceção do contrato não cumprido As obrigações devem equivalerse juridicamente conhecendo os contratantes ab initio as suas respectivas prestações pelo que se fala em um contrato comutativo Tal correspondência não será necessariamente econômica a depender da autonomia da vontade das partes conforme esmiuçaremos nesse capítulo Pelas suas próprias peculiaridades a troca ou permuta em regra pressupõe que as partes estejam em iguais condições de negociação estabelecendo livremente as cláusulas contratuais na fase de puntuação considerandose assim um contrato paritário É um típico contrato civil que quanto à forma é classificado a priori como não solene a menos que envolva por exceção bens imóveis em que conforme preceituado pelo art 108 do Código Civil haverá a imprescindibilidade do registro para a validade da estipulação contratual e consensual tal qual a compra e venda na medida em que se concretiza com a simples declaração de vontade produzindo de imediato seus efeitos jurídicos obrigacionais sem operar de per si a transferência da propriedade senão a simples obrigação de fazêlo Quanto à designação por óbvio que se trata de um contrato nominado e pela existência de uma disciplina legal específica de um contrato típico O contrato de troca ou permuta assim como o de compra e venda não é celebrado em função da pessoa do contratante mas sim pela circunstância fática de quem dispõe das coisas destinadas a ser os objetos da relação contratual Assim sendo pode ser considerado contrato impessoal que é aquele em que somente interessa o resultado da atividade contratada independentemente de quem seja a pessoa que irá realizála Por exemplo se um dos permutantes vier a falecer antes da entrega da coisa poderá ser exigido do espólio o cumprimento da prestação Mesmo tratandose de contrato que envolve normalmente duas pessoas é considerado um contrato individual pois se refere a uma estipulação entre pessoas determinadas ainda que em número elevado mas consideradas individualmente Quanto ao tempo a troca ou permuta é um contrato instantâneo já que seus efeitos são produzidos de uma só vez podendo materializarse tanto como um contrato de execução imediata quanto de execução diferida a depender da situação fática em que a produção concentrada de efeitos se dê ipso facto à avença ou em data posterior à celebração em função da inserção de um termo limitador da sua eficácia Tratase ainda em função do motivo determinante do negócio de um contrato causal que pode ser declarado inválido se a causa do negócio jurídico for considerada inexistente ilícita ou imoral Na classificação pela função econômica até pela sua denominação já se infere tratarse de um contrato em que há permuta de utilidades econômicas Por fim tomando o critério classificatório dos contratos reciprocamente considerados confirmamos ser um contrato principal com existência autônoma independentemente de outro bem como definitivo 3 PERMUTA DE VALORES DESIGUAIS Como parece óbvio somente de forma excepcional é que os bens permutados terão exatamente o mesmo valor econômico Por isso não é raro que uma das partes componha a sua prestação com pecúnia o que decorre do exercício da autonomia individual da vontade Do exposto suscitamos a seguinte questão quando a contraprestação pelo bem ofertado em troca for parcialmente em dinheiro estará desvirtuada a permuta Para responder é preciso analisar a natureza do contrato de permuta em que há saldo a satisfazer pois a depender do enfoque que se vislumbre podese ter efetivamente uma permuta ex a troca de uma casa por um apartamento complementando a diferença em dinheiro ou uma compra e venda com pagamento parcialmente in natura ex a venda de uma fazenda com o recebimento de um apartamento como parte do pagamento Segundo a doutrina de Eduardo Espínola 499 é possível visualizar três teorias a verificação de qual o maior valor exato se da coisa ou do saldo caracterizandose objetivamente no primeiro caso a permuta e no segundo a compra e venda 500 b verificação da efetiva intenção das partes apreciada de acordo com as circunstâncias c consideração da permuta como regra geral para a entrega recíproca de bens permuta com saldo a não ser que a importância paga como saldo seja de tal maneira superior à coisa objeto do contrato que indubitavelmente o pagamento em dinheiro deve ser considerado o objeto principal Nas palavras do já lembrado EDUARDO ESPÍNOLA é esta última a opinião dominante com a qual se conformam os princípios reguladores da matéria nos vários sistemas legislativos Tem razão Henri de Page quando adverte que em matéria de permuta com saldo não existe critério fixo que permita dizer invariavelmente se o caso é de venda ou de troca ou de venda e troca geminadas O que é certo é que as legislações modernas salvo alguma como a portuguesa 501 não se pronunciam por alguma das soluções admitidas pela doutrina de onde se depreende que a permuta com saldo em dinheiro não deixa de ser permuta salvo manifestação sincera das partes noutro sentido Para evitar controvérsias o Código Civil alemão limitouse a declarar que à permuta se aplicam as disposições correspondentes da compra e venda art 515 no que acrescentamos nós foi seguido pelo Código Civil brasileiro art 533 do CC2002 com as devidas adaptações Assim sendo registramos que o parâmetro de mais da metade do valor como qualquer outro por não ter previsão legal específica deve ser aplicado de acordo com o princípio da razoabilidade motivo pelo qual é possível sim tomar outro parâmetro no caso concreto a depender das circunstâncias fáticas 4 DISCIPLINA JURÍDICA A disciplina jurídica da troca ou permuta não mereceu maiores detalhamentos do legislador De fato dada a semelhança existente entre o contrato de compra e venda e a troca ou permuta toda a disciplina normativa aplicável ao primeiro poderá ser invocada mutatis mutandis à segunda 502 a saber as regras sobre vícios redibitórios evicção etc Ressaltese porém que dadas as peculiaridades desta modalidade contratual notadamente a inexistência de um preço pelo bem trocado na ocorrência de um vício redibitório por exemplo não haverá a opção de exigir entre a solução do contrato ou o abatimento do preço concentrandose as opções na extinção da avença O Código Civil brasileiro de 2002 reservou por isso à referida figura contratual apenas um único artigo que tem por finalidade fazer as adaptações às suas peculiaridades assim preceituando Art 533 Aplicamse à troca as disposições referentes à compra e venda com as seguintes modificações I salvo disposição em contrário cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca II é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante Na primeira ressalva como não se tem propriamente de forma isolada um comprador e um devedor mas sim dois sujeitos que recebem e entregam prestações não pecuniárias uma solução salomônica foi adotada para o estabelecimento das despesas do negócio jurídico Tal regra obviamente é de aplicação supletiva na ausência de estipulação contratual específica decorrente da autonomia da vontade das partes Já a segunda ressalva também existente na codificação anterior foi atualizada no vigente Código Civil passando de caso de nulidade para anulabilidade acompanhando portanto a já mencionada modificação da disciplina da venda de ascendente a descendente art 496 do CC2002 Sobre o tema observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES Se os valores são desiguais e o objeto que pertence ao ascendente é mais valioso os demais descendentes devem ser ouvidos e consentir expressamente pelas mesmas razões que justificam a necessidade de tal consentimento na venda de ascendente para descendente art 496 Se os valores são iguais não há necessidade da referida anuência pela impossibilidade de haver prejuízo para os demais descendentes E embora o Código não mencione também será dispensável tal anuência se o bem recebido pelo ascendente na troca tiver valor superior ao por ele entregue pois haverá na hipótese aumento de seu patrimônio não tendo os demais descendentes legítimo interesse para discordar do negócio 503 Vêse portanto neste ponto a inequívoca preocupação do legislador de proteção da legítima XXV CONTRATO ESTIMATÓRIO 1 CONCEITO E PARTES Muito se discutiu em doutrina a respeito da natureza do contrato estimatório firmandose ao final desta tormenta doutrinária a tese defensiva de sua autonomia jurídica consoante assevera o culto WALDIRIO BULGARELLI As discussões verificadas em torno da natureza jurídica do contrato estimatório compra e venda sob condição resolutiva depósito oferta firme de venda espécie de comissão ou mesmo um tipo de sociedade perderam muito da sua importância após a tipificação que lhe foi dada pelo Código Civil Italiano de 1942 504 De fato o Código italiano cuidou de tipificálo trazendo disciplina própria nos arts 15561558 conceituandoo da seguinte forma Art 1556 Pelo contrato estimatório entrega uma parte uma ou mais coisas móveis à outra e esta se obriga a pagar o preço a não ser que restitua a coisa no prazo estabelecido Seguido de forma muito próxima quanto à sua dicção legal pelo Código Civil brasileiro Art 534 Pelo contrato estimatório o consignante entrega bens móveis ao consignatário que fica autorizado a vendêlos pagando àquele o preço ajustado salvo se preferir no prazo estabelecido restituirlhe a coisa consignada Com fundamento nesses dispositivos legais fica fácil conceituarmos o contrato consignatório como um negócio jurídico por meio do qual uma das partes consignante transfere a outro consignatário bens móveis a fim de que os venda segundo um preço previamente estipulado ou simplesmente os restitua ao próprio consignante Enunciados estão também os sujeitos da relação contratual quais sejam o consignante titular do bem e o consignatário responsável pela venda ou restituição da coisa devendo ser reservada a expressão consignado para o bem objeto do negócio jurídico Ressaltese que embora haja identidade terminológica o contrato estimatório venda por consignação não se confunde com a consignação em pagamento que é em verdade um instituto jurídico colocado à disposição do devedor para que ante o obstáculo ao recebimento criado pelo credor ou quaisquer outras circunstâncias impeditivas do pagamento exerça por depósito da coisa devida o direito de adimplir a prestação liberandose do liame obrigacional A matéria embora já conhecida da doutrina e jurisprudência brasileira bem como na história do Direito 505 somente veio a ser codificada com o advento do Código Civil de 2002 pois o Código de 1916 silenciou sobre o instituto 2 NATUREZA JURÍDICA Originalmente havia bastante polêmica acerca da natureza jurídica do contrato estimatório venda em consignação o que por certo decorria da falta de uma disciplina codificada Ressaltese porém que a autonomia da venda por consignação para a compra e venda já vinha sendo sustentada antes mesmo da positivação pelo vigente Código Civil brasileiro que a reconhece como forma contratual típica e nominada Esta modalidade contratual por isso mesmo deve ser diferenciada de algumas espécies análogas com as quais não se deve confundir notadamente com o reconhecimento de sua autonomia O contrato estimatório portanto não deve confundirse com o mandato CC2002 arts 653692 pois o mandatário atua como mero representante jurídico do mandante sem que esteja necessariamente obrigado a realizar atos de venda dentro de um prazo preestabelecido Ademais a revogação e a renúncia são direitos potestativos típicos do mandato e não da consignação Na mesma linha de entendimento não pode ser identificada ao contrato de comissão figura jurídica regulada pelo Código Civil de 2002 em seus arts 693709 equivalentes aos arts 165190 do Código Comercial de 1850 revogado nesta parte pela atual codificação civil Posto exista similitude várias diferenças podem ser apontadas tais como a a comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário em seu próprio nome à conta do comitente enquanto na venda por consignação o consignante apenas transfere a posse dos bens móveis ao consignatário para que este efetive a venda b no contrato estimatório por sua própria natureza reconhecese ao consignatário facultativamente a obrigação de vender ou restituir a coisa nada impedindo que fique com ela enquanto na comissão tal não ocorre c mesmo não sendo considerado empregado o comissário guarda uma vinculação maior às ordens e instruções do comitente podendo inclusive ser despedido sem justa causa 506 d presumese o comissário autorizado a conceder dilação de pagamento salvo proibição do comitente diferentemente do contrato estimatório em que por sua natureza o prazo é concedido pelo próprio consignante e é típica do contrato em comissão e não do estimatório a possibilidade de estipulação da cláusula del credere pacto por força do qual o comissário responde solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente fazendo jus a remuneração mais elevada para compensar o ônus assumido salvo estipulação em contrário Também não se poderá equiparála ao contrato de corretagem arts 722729 do CC2002 haja vista serem tratados por regras e princípios diversos e especialmente porque o corretor atua como verdadeiro mediador obrigandose a obter para o seu cliente um ou mais negócios conforme as instruções recebidas diversamente do que ocorre com o consignatário Salientando as suas peculiaridades na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovouse o Enunciado n 32 referente ao contrato estimatório nos seguintes termos ENUNCIADO N 32 No contrato estimatório art 534 o consignante transfere ao consignatário temporariamente o poder de alienação da coisa consignada com opção de pagamento do preço de estima ou sua restituição ao final do preço ajustado 507 Notese pois que o consignatário fará jus a uma parcela do preço da venda que deverá pela natureza mesma do contrato ser fixado pelo próprio consignante Exemplo já mencionado é o da editora que transfere ao livreiro determinada quantidade de livros estipulando o preço de venda e o período dentro do qual os exemplares devem ser vendidos ou simplesmente caso isso não ocorra serão restituídos ao consignante Outra hipótese seria a de uma distribuidora de bebidas transferir em consignação a uma empresa organizadora de festas certa quantidade de engradados de refrigerante O que for vendido é computado como lucro para ambas as partes o que não for é devolvido ao consignante Em resumo teríamos o seguinte quadro O objeto deste contrato como visto é limitado a bens móveis não havendo permissibilidade legal para que se pactue o contrato tendo por objeto imóveis pois isso desvirtuaria a natureza mesma da avença Embora a lei aponte no sentido de que a coisa móvel deva ser vendida a terceiro ou se isso não ocorrer restituída ao consignante nada impede que o próprio consignatário a compre pagando o valor estipulado Tais possibilidades são conferidas facultativamente a ele não podendo em nosso sentir o consignante impor a aquisição pelo consignatário por força da inegável abusividade contida em cláusula deste jaez Finalmente cumprenos advertir que caso o contrato não estipule prazo para a venda ou a restituição do bem poderá o consignante notificar o consignatário fixandolhe prazo para a necessária devolução 508 3 CARACTERÍSTICAS O contrato estimatório como visto embora conhecido na prática negocial há muito tempo portanto nominado tornouse típico no Código Civil de 2002 arts 534537 sendo dotado das seguintes características a real pois a entrega da coisa ao consignatário é verdadeiro elemento constitutivo ou existencial do contrato Em outras palavras assim como ocorre no penhor e no depósito enquanto não operada a transferência da posse o contrato não se considera formado b bilateral impõe direitos e deveres para ambas as partes A obrigação precípua do consignante é remunerar o consignatário e o dever jurídico principal deste último é efetivar a venda da coisa No próximo tópico traremos mais detalhes específicos sobre este assunto c oneroso pois ambas as partes em linha de princípio experimentam reciprocamente sacrifícios patrimoniais e benefícios correspondentes d comutativo uma vez que as prestações impostas às partes são certas e determinadas no próprio contrato e de duração prazo determinado ou não em geral no próprio contrato já se estabelece o prazo dentro do qual deve o consignatário efetivar a venda dos bens ou devolvêlos Entretanto vimos linhas acima que caso não se pactue este prazo poderá o consignante a qualquer tempo notificar a parte adversa para que realize a devolução daquilo que recebeu f é fiduciário ou seja é um contrato pactuado em confiança pois o consignante sujeitase a transferir coisas suas ao consignatário sem a consequente translação do domínio e em caráter potencialmente temporário A priori tratase de um contrato paritário em que as partes em iguais condições de negociação estabelecem livremente as cláusulas contratuais na fase de puntuação mas também pode manifestarse na modalidade de um contrato de adesão contrato em que um dos pactuantes predetermina as cláusulas do negócio jurídico Ex Ricardo passa a Jorge livreiro vários livros da sua editora informando o prazo o valor pretendido com cada obra e até a margem de lucro aceitável tendo Jorge apenas a alternativa de contratar ou não Tratase de modalidade contratual amplamente difundida na prática tanto nas relações civis quanto comerciais Embora seja como visto um contrato real não há a imprescindibilidade de uma forma específica para a validade da estipulação contratual pelo que é considerado um contrato não solene Tratase ainda e em regra de um contrato impessoal pois somente interessa o resultado da atividade contratada independentemente de quem seja a pessoa que irá realizála o que importa em poder ser executado por outrem Na mesma linha da maioria das figuras contratuais nominadas do Código Civil de 2002 o contrato estimatório é um contrato causal vinculado portanto à causa que o determinou podendo ser declarado inválido se esta for considerada inexistente ilícita ou imoral Pela função econômica tratase de um contrato de atividade caracterizado pela prestação de uma conduta mediante a qual se pode conseguir uma utilidade econômica tais como os contratos de emprego prestação de serviços empreitada mandato agência e corretagem Por fim como é evidente tratase de um contrato principal com existência autônoma independentemente de outro e definitivo pois não depende de qualquer outra avença não sendo preparatório para a compra e venda XXVI DOAÇÃO 1 CONCEITO E PARTES Sobre o conceito de doação muito incisiva no caso em estudo é a dicção do Código Civil de Portugal em que se pode observar nitidamente o mencionado animus donandi típico do contrato de doação Art 940 1 Doação é o contrato pelo qual uma pessoa por espírito de liberalidade e à custa do seu patrimônio dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito ou assume uma obrigação em beneficio do outro contraente 2 Não há doação na renúncia a direitos e no repúdio de herança ou legado nem tão pouco nos donativos conformes aos usos sociais grifos nossos Nesse mesmo diapasão mas com redação mais concisa preceitua o nosso Código Civil Art 538 Considerase doação o contrato em que uma pessoa por liberalidade transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra grifo nosso Vale salientar neste ponto que o nosso legislador diferentemente do português não considerou doação a assunção de uma obrigação acertadamente ao nosso ver pois em nosso sistema tal situação jurídica subsumese melhor em outros institutos jurídicos típicos da teoria geral das obrigações como a assunção de dívida ou a novação subjetiva passiva cuja finalidade diz mais respeito com a ideia de adimplemento animus solvendi do que com a de mera liberalidade Assim sendo já podemos conceituar doação como um negócio jurídico firmado entre dois sujeitos doador e donatário por força do qual o primeiro transfere bens móveis ou imóveis para o patrimônio do segundo animado pelo simples propósito de beneficência ou liberalidade Duas são as partes portanto da doação a saber o doador que é aquele que transfere o bem e o donatário que é aquele que recebe o benefício E quais são as características básicas desse contrato É o que veremos no próximo tópico 2 CARACTERÍSTICAS Como se vê do já transcrito art 538 do CC2002 tratase a doação de um contrato típico e nominado cuja principal característica é a unilateralidade impondo obrigação apenas para o doador E mesmo que se trate de doação onerosa aquela gravada com um encargo ainda assim em nosso pensamento a característica da unilateralidade persistiria uma vez que o ônus que se impõe ao donatário não tem o peso da contraprestação a ponto de desvirtuar a natureza do contrato É o caso do sujeito que doa uma grande fazenda a Beneval impondo a este o encargo não a contraprestação de pagar uma pensão a uma senhora idosa tia do doador até que ela complete 85 anos Notese que neste caso o ônus assumido por Beneval deverá ser cumprido em benefício dele mesmo e não tem o matiz de uma contraprestação obrigacional ou seja ele donatário não está pagando a pensão como pressuposto para o recebimento da coisa nota típica da bilateralidade sinalagmática E tanto é assim que a despeito de o doador poder revogar o negócio se o encargo for descumprido 509 desde o dia da celebração do ato o donatário já adquire a propriedade da coisa ainda que não tenha efetivado o pagamento devido art 136 do CC Temos assim que o contrato de doação somente impõe obrigação no sentido técnico estrito do termo para uma das partes o doador não desvirtuando esta unilateralidade a existência de onerosidade doação com encargo Nesse mesmo sentido conclui SÍLVIO VENOSA quando imposto encargo à doação não se desvirtua a unilateralidade 510 Além da unilateralidade a doação caracterizase por ser essencialmente formal consoante se depreende da análise do art 541 do Código Civil Art 541 A doação farseá por escritura pública ou instrumento particular grifos nossos Entretanto poderá ser simplesmente consensual verbal caso tenha por objeto bens móveis de pequeno valor se lhe seguir de imediato a tradição conforme consta do parágrafo único do mencionado art 541 511 É o caso por exemplo do amigo que doa uma caneta ao outro entregandoa de imediato Observese entretanto que o legislador não cuidou de estabelecer critérios para a mensuração do conceito de pequeno valor Tratase pois de um conceito aberto ou indeterminado que deverá ser preenchido pelo juiz no caso concreto há quem considere pequeno valor aquele que não suplante o teto de um salário mínimo embora a questão não seja pacífica Vale lembrar entretanto que em nosso sistema se o contrato versar sobre imóvel que suplante o teto de 30 salários mínimos considerase indispensável a lavratura do ato em escritura pública ou seja a solenidade da forma sob pena de nulidade absoluta Nesse sentido o já mencionado art 108 do nosso Código Civil Art 108 Não dispondo a lei em contrário a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição transferência modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País Outra importante nota característica da doação é a ocorrência do animus donandi que pode ser entendida como o ânimo ou propósito de beneficiar patrimonialmente o destinatário da vontade do doador Este animus donandi não pode ser confundido com a simples renúncia abdicativa ou seja aquela manifestação negocial por meio da qual o declarante simplesmente se despoja de um bem do seu patrimônio sem beneficiário certo ou determinado Notese assim que este tipo de declaração de vontade opera a extinção de um direito como na hipótese em que o proprietário abandona o imóvel quando o credor remite o crédito quando o credor renuncia à fiança ou à hipoteca quando o devedor renuncia ao prazo concedido ao seu favor quando o devedor renuncia à prescrição 512 Em todas essas situações pois não existe uma transferência patrimonial voluntária benéfica a determinada pessoa Caso entretanto se trate de renúncia translativa posto guarde distinção ontológica com o contrato sob exame a sua semelhança eficacial em face da doação é muito grande pois neste caso há pessoas que se beneficiam do ato ex Hollyveiros renuncia à sua quota da herança em favor do seu irmão Pedro Trata se de cessão de direitos com natureza de renúncia translativa Nessa mesma linha não se deve confundir o animus donandi com o solvendi em que a parte pretende solver um débito cumprir uma obrigação Não é outra aliás a diagnose diferencial entre a doação e a dação em pagamento arts 356 a 359 do CC2002 forma especial de pagamento Finalmente salientando advertência feita quando enfrentamos o contrato de compra e venda se o objeto do negócio forem direitos e não coisas mais técnico será chamálo de contrato de cessão gratuita de direitos em vez de contrato de doação É o exemplo da cessão gratuita do direito hereditário ou de quotas de uma determinada sociedade A classificação quanto à comutatividade ou aleatoriedade é inaplicável ao contrato de doação na modalidade de doação simples tendo em vista a sua característica de unilateralidade quanto aos efeitos Pelos mesmos fundamentos não há falar em equação financeira do contrato ou contrato evolutivo bem como em função econômica do contrato Embora gratuito em geral é um contrato de adesão uma vez que ao donatário somente cabe anuir ou não à liberalidade do doador não podendo discutir os seus termos Na classificação dos contratos quanto à disciplina jurídica é contrato amplamente utilizado nas relações civis não sendo muito comum nas comerciais consumeristas e administrativas nem aplicável para as relações trabalhistas Tratase ainda de um contrato impessoal entendido como aquele em que somente interessa o resultado da atividade contratada independentemente de quem seja a pessoa que irá realizála e individual referindose a uma estipulação entre pessoas determinadas No que diz respeito ao tempo a forma habitual é de contratação e execução imediatas mas nada impede que a autonomia da vontade dos contratantes no particular do doador a estabeleça sob a modalidade instantânea com execução diferida ou excepcionalmente com duração limitação temporal Por fim tratase de um contrato principal e a priori definitivo embora haja quem admita possível a celebração de uma promessa de doação contrato preliminar que tem por finalidade justamente a celebração de um contrato definitivo 3 ACEITAÇÃO DA DOAÇÃO Ao apresentar a proposta de doação esperase que o donatário expressamente manifestese aquiescendo ou repudiando a oferta do doador Como já asseveramos por ser negócio bilateral na origem e unilateral nos efeitos somente após haver a aceitação do donatário o consentimento se forma dando origem ao contrato 513 Tal manifestação expressa pode ser tanto na modalidade escrita quanto verbal ou mesmo gestual Entretanto pode acontecer que o doador por cautela cuide de assinarlhe prazo de manifestação a teor do art 539 do Código Civil sob pena do seu silêncio traduzir aceitação tratandose de doação pura Art 539 O doador pode fixar prazo ao donatário para declarar se aceita ou não a liberalidade Desde que o donatário ciente do prazo não faça dentro dele a declaração entenderseá que aceitou se a doação não for sujeita a encargo grifamos Vejase que cuidandose de doação sem encargo pura estaríamos diante de uma situação peculiar em que o silêncio de uma das partes produziria efeito aquisitivo de direitos Este prazo como se depreende da leitura da norma ficará a critério do doador segundo a sua autonomia de vontade Não devemos outrossim confundir esta modalidade de aceitação presumida decorrente de uma abstenção do donatário silêncio com a hipótese em que posto não haja expressamente aquiescido nem tenha sido estipulado o prazo para manifestação realiza o donatário atos compatíveis com a ideia de aceitar providenciou a limpeza do bem doado pagou tributos referentes a ele realizou orçamentos para a sua melhoria etc caso em que estaríamos diante de uma modalidade de aceitação tácita perfeitamente possível em nosso sentir Nesse mesmo sentido observa DARCY BESSONE Cumpre inicialmente terse em vista que o silêncio não pode ser confundido com a manifestação tácita ou implícita Vivante adverte que a voz do silêncio compreende o silêncio de palavras e de fatos isto é a inação Assim quando Massé diz que quem guarda silêncio não diz não mas também não diz sim devese entender que a abstenção de palavras deve ser acompanhada da abstenção de atos ou fatos porque de outro modo a manifestação tácita isto é a que se inferisse de atos ou fatos que não comportassem outra explicação caracterizarseia Então o silêncio somente se configura quando haja abstenção completa tanto de palavras como de atos ou fatos 514 Assim sendo chegamos à conclusão de que a aceitação poderá ser expressa tácita ou presumida art 539 do CC2002 Notese entretanto que de forma excepcional a lei dispensa a capacidade do aceitante como requisito inafastável de validade Sobre a capacidade o ato negocial demanda para ser válido a concorrência de um agente emissor de vontade capaz e legitimado Desde que seja plenamente capaz poderá a pessoa física ou jurídica para esta última exigindose naturalmente o registro dos seus atos constitutivos praticar atos e celebrar negócios em geral na órbita jurídica Indiscutível é pois a necessidade de que o doador seja pessoa capaz não obstante possam concorrer impedimentos específicos em determinadas situações caracterizando o que a doutrina chamou de ilegitimidade como a hipótese do sujeito casado que mesmo capaz pretenda doar um bem à sua concubina 515 A lei permite entretanto especificamente no que tange ao donatário que possam ser beneficiadas pessoas absolutamente incapazes art 543 do CC2002 ou até mesmo o próprio nascituro art 542 do CC2002 o que reforça neste último caso a tese sustentada pelos adeptos da teoria concepcionista no sentido de que o nascituro já seria considerado pessoa e não mero ente potencial com expectativa de direitos 516 Confiramse a propósito os mencionados dispositivos Art 542 A doação feita ao nascituro valerá sendo aceita pelo seu representante legal Art 543 Se o donatário for absolutamente incapaz dispensase a aceitação desde que se trate de doação pura A ideia de dispensa da aceitação do absolutamente incapaz é na verdade a correção de uma impropriedade técnica do texto equivalente do CC1916 que dizia que as pessoas que não pudessem contratar poderiam não obstante aceitar doações puras Em verdade o que ocorre é uma modalidade especial de aceitação presumida uma vez que sendo a doação pura ou seja sem qualquer encargo não há qualquer prejuízo para o incapaz É óbvio que se a doação importar em qualquer ônus ao donatário incapaz o dispositivo legal não é aplicável sendo a doação nula de pleno direito Claro está entretanto que em linha de regra geral no caso do absolutamente incapaz deverá estar devidamente representado para a validade do ato da doação o mesmo valendo para o nascituro Nesta hipótese poderseia falar também em curatela 517 quando lhe faltar o seu representante legal A respeito do nascituro entretanto vale notar que caso não nasça com vida a estipulação negocial quedará prejudicada e sem efeito permanecendo o bem no patrimônio do doador Por fim ainda sobre o tema da aceitação é interessante destacar ainda nesta linha a indicação doutrinária e jurisprudencial feita por NELSON NERY JR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY no sentido de que a doação por representante voluntário procurador somente seria possível com a indicação explícita do donatário Para a validade da escritura de doação realizada por procurador não bastam poderes para a liberalidade de modo genérico É indispensável a menção do donatário bem como o objeto respectivo No mesmo sentido RT 49544 RT 47295 518 Concordamos com esse pensamento uma vez que reforça o princípio da segurança jurídica nas relações negociais evitando quebra da boafé objetiva por parte do mandatário 4 DOAÇÃO MORTIS CAUSA Delicado problema diz respeito à admissibilidade da doação mortis causa aquela em que o disponente prevê a transferência de bemns do seu patrimônio a título gratuito para depois da sua morte Analisando detidamente esta figura somos por sua inadmissibilidade Isso porque se atentarmos para o nosso sistema sucessório de normas concluiremos que para o atendimento deste tipo de desiderato o legislador previu um instituto jurídico específico o testamento Tratase pois este último de negócio jurídico unilateral essencialmente revogável 519 e especialmente solene pelo qual o autor da herança testador dispõe acerca da transmissibilidade dos seus bens para depois da sua morte Poderá fundamentalmente na forma da lei civil adotar uma das seguintes formas Testamentos ordinários art 1862 do CC2002 I o público II o cerrado III o particular Testamentos especiais arts 1886 e 1887 do CC2002 I o marítimo II o aeronáutico III o militar Notese ademais que do art 1857 ao art 1990 deparamonos com uma exaustiva regulamentação da sucessão testamentária sobretudo por meio de normas cogentes e de ordem pública referentes não apenas à elaboração como também à execução do testamento tudo levando a crer que em nosso Direito Positivo a transmissibilidade do patrimônio post mortem somente poderá se dar por esta via em prol da segurança e do respeito à última vontade do testador Concluímos pois pela inadmissibilidade da doação para depois da morte do doador figura que inclusive carece de previsibilidade legal 520 sendo o legado disposição testamentária a título singular pela qual o testador deixa à pessoa estranha ou não à sucessão legítima um ou mais objetos individualizados ou quantia em pecúnia previsto nos arts 1912 a 1940 do CC2002 a figura jurídica mais próxima da noção de doação post mortem 5 DOAÇÃO INOFICIOSA A denominada doação inoficiosa é aquela que traduz violação da legítima dos herdeiros necessários Por herdeiros necessários entendase aquela classe de sucessores que têm por força de lei direito à parte legítima da herança 50 521 O que o legislador pretendeu ao resguardar o direito desta categoria de herdeiros foi precisamente darlhes certo conforto patrimonial impedindo que o autor da herança disponha totalmente do seu patrimônio De nossa parte temos sinceras dúvidas a respeito da eficácia social e justiça desta norma preservadora da legítima a qual na grande maioria das vezes acaba por incentivar intermináveis brigas judiciais quando não a própria discórdia ou até mesmo a indolência Poderia talvez o legislador resguardar a necessidade da preservação da legítima apenas enquanto os herdeiros fossem menores ou caso padecessem de alguma causa de incapacidade situações que justificariam a restrição à faculdade de disposição do autor da herança Mas estender a proteção patrimonial a pessoas maiores e capazes em nosso sentir é demais De qualquer forma o nosso Direito Positivo manteve a preservação da legítima circunstância que se reflete no âmbito do Direito Contratual especialmente na doação consoante podemos observar da análise dos arts 544 e 549 do Código Civil Art 544 A doação de ascendentes a descendentes ou de um cônjuge a outro importa adiantamento do que lhes cabe por herança Art 549 Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador no momento da liberalidade poderia dispor em testamento O que o legislador quer impedir é pois que o doador disponha gratuitamente de mais da metade da sua herança com violação da legítima dos herdeiros necessários A contrario sensu se o ato de liberalidade não atingir o direito desta categoria de herdeiros será reputado válido Vale lembrar inclusive que para efeito deste cálculo deverá se considerar o valor do patrimônio do disponente quando da alienação Para facilitar o entendimento do nosso estimado leitor um exemplo irá ilustrar a hipótese Imaginemos que Claudio Adriano seja titular de um patrimônio avaliado em 100000 reais Viúvo tem três filhos Huguinho Zezinho e Luizinho Todos como sabemos herdeiros necessários Pois bem Imaginemos que Claudio resolva doar 50 do seu patrimônio 50000 para um terceiro Não haveria problema pois esta quota sairia da sua parte disponível Na mesma linha poderia também doar este valor para um dos herdeiros necessários 50 o qual inclusive poderia já receber a título de adiantamento a sua parte na legítima 1666 O que o testador não poderia seria doar a parte disponível 50 uma quota que ultrapassasse os 1666 correspondentes à legítima dos outros herdeiros necessários Se isso ocorresse a doação no que concerne a esse excesso seria considerada nula a teor do art 549 do Código Civil Importante aspecto a ser considerado diz respeito à natureza desta invalidade o ato seria reputado nulo nulidade absoluta ou anulável nulidade relativa Jurisprudência anterior à entrada em vigor do Código Civil de 2002 atribuía a natureza anulatória ao ato admitindo prazo de vinte anos para o exercício da ação judicial correspondente Nesse sentido confirase o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça da lavra do Min RUY ROSADO DE AGUIAR JR VENDA DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE Interposta pessoa Anulação Prescrição Data inicial Doação inoficiosa A prescrição da ação de anulação de venda de ascendente para descendente por interposta pessoa é de quatro anos e corre a partir da data da abertura da sucessão Diferentemente a prescrição da ação de nulidade pela venda direta de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais é de vinte anos e flui desde a data do ato de alienação A prescrição da ação 522 de anulação de doação inoficiosa é de vinte anos correndo o prazo da data da prática do ato de alienação Arts 177 1778 1132 e 1176 do C Civil Primeiro recurso não conhecido conhecimento parcial do segundo e seu provimento também parcial STJ Recurso Especial 199700741508 Rel Min Ruy Rosado de Aguiar data da decisão 2561998 4ª Turma Vêse portanto que o norte jurisprudencial firmado antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 era no sentido de considerar de natureza anulatória e com prazo de vinte anos a contar do ato de doação a ação judicial de invalidade da doação inoficiosa Ora mesmo se persistir este posicionamento forçoso será concluir que o prazo da anulatória teria sido reduzido para dois anos a teor do art 179 do Código Civil 523 Art 179 Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável sem estabelecer prazo para pleitearse a anulação será este de dois anos a contar da data da conclusão do ato Temos entretanto algumas dúvidas a respeito da natureza anulatória deste prazo Isso porque a par de as regras preservadoras da legítima terem natureza pública e cogente indiscutível o fato é que o Código Civil ao referir a expressão é nulo culmina por remeter o intérprete à inafastável conclusão de que se trata de nulidade absoluta e não mera anulabilidade Aliás um ponto digno de elogio no novo diploma é exatamente este cuidar de traçar uma diagnose linguística diferencial mais nítida entre os institutos jurídicos da nulidade e da anulabilidade Notese portanto que quando o legislador quis mencionar a hipótese de anulabilidade tratou de ser explícito como é o caso por exemplo das regras dos arts 117 496 533 1550 1558 e 2027 aos quais remetemos o leitor E como se sabe não havendo prazo decadencial específico de anulabilidade este será de dois anos a teor do art 179 Ora na hipótese sob análise o legislador expressamente referiu ser nula a doação inoficiosa e não simplesmente anulável como fizera por exemplo no próprio artigo subsequente Art 550 A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge ou por seus herdeiros necessários até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal grifos nossos Tais argumentos portanto seriam suficientes em nosso sentir para chegarmos à inafastável conclusão de que a doação inoficiosa por traduzir afronta a normas de ordem pública e segundo as normas legais do próprio Código Civil é nula de pleno direito Mas a este argumento poderseia contrapor outro por ser imprescritível a arguição da nulidade absoluta isso não geraria insegurança jurídica ante a possibilidade de se poder atacar o ato a qualquer tempo De fato o art 169 do Código Civil dispõe que o ato nulo não convalesce pelo decurso do tempo Mas os efeitos patrimoniais decorrentes da declaração de invalidade sim podem prescrever A declaração de nulidade absoluta da doação inoficiosa a teor deste mencionado dispositivo de lei não se submete a prazo algum embora o pedido dirigido à reivindicação da coisa pretensão de natureza real ou o pagamento das perdas e danos pretensão de natureza pessoal formulado pelo herdeiro prejudicado submetese ao prazo prescricional geral para pretensões pessoais ou reais de dez anos na forma do art 205 do CC2002 Diante de todo o exposto e por inexistir jurisprudência maciça nos Tribunais Superiores a respeito do tema à luz do Código Civil duas correntes de pensamento poderão ser formadas a a que considera a doação inoficiosa um negócio jurídico anulável e cujo prazo decadencial para a ação correspondente seria de dois anos art 179 b a que considera a doação inoficiosa negócio jurídico nulo sendo imprescritível o pedido declaratório da nulidade em si e prescritível em dez anos a pretensão real de reivindicação do bem doado ou a pretensão pessoal de perdas e danos Em nosso sentir há de prevalecer a segunda linha de pensamento 6 DOAÇÃO UNIVERSAL Outra forma de doação proibida em nosso sistema é a denominada doação universal aquela que compreende todo o patrimônio do doador sem reserva mínima de parte para a sua mantença Nesse sentido dispõe o art 548 do nosso Código Civil Art 548 É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte ou renda suficiente para a subsistência do doador Cuidase em nosso sentir de inequívoca hipótese de nulidade absoluta por traduzir violação de preceito cogente de ordem pública que visa a resguardar rendimento mínimo para a existência digna do doador Evitamos inclusive empregar o termo subsistência em seu sentido literal uma vez que esse dispositivo deve ser interpretado conjuntamente com o comando constitucional que prevê a dignidade da pessoa humana como um dos valores fundamentais no Estado Democrático de Direito E sem dúvida viver dignamente é muito mais do que simplesmente subsistir Sobre a dignidade da pessoa humana princípio fundamental tantas vezes referido nesta obra lembremonos das brilhantes palavras de CANOTILHO Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano inquisição escravatura nazismo stalinismo polpotismo genocídios étnicos a dignidade da pessoa humana como base da república significa sem transcendências ou metafísicas o reconhecimento do homo noumenon ou seja do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República Neste sentido a República é uma organização política que serve o homem não é o homem que serve os aparelhos políticoorganizatórios 524 Em verdade a preocupação do legislador é extremamente justificável Se permitido fosse a doação de todo o patrimônio do disponente estarseia ainda que por via oblíqua oportunizandose que este mesmo doador posteriormente pudesse bater às portas de um parente via ação de alimentos ou do próprio Estado por meio do sistema de Seguridade Social Garantese assim a proteção a um patrimônio mínimo do indivíduo como uma tutela indispensável a uma vida digna da qual não poderá abrir mão em hipótese alguma 525 Poderá entretanto o juiz à luz do princípio da conservação dos negócios jurídicos reconhecer a nulidade meramente parcial da doação para conservála no que tange ao quantum excedente do rendimento básico necessário à mantença do doador Admitese portanto em nosso sentir que se opere a redução da liberalidade como ocorre na doação inoficiosa para que se possa preservar a vida digna do doador Obviamente a restrição à doação se afere no momento da sua celebração não havendo que falar em nulidade de doação se posteriormente sem nenhuma vinculação direta com o referido contrato vem o doador a cair na penúria Não é demais lembrar nesse ponto que caso o doador tenha herdeiros necessários deverá se sujeitar à restrição do art 549 acima analisado 7 PROMESSA DE DOAÇÃO PACTUM DE DONANDO Enfrentaremos aqui um dos mais tormentosos e interessantes problemas referentes à doação Poderia este contrato ser objeto de uma promessa A promessa de contrato também denominada précontrato ou contrato preliminar é aquele negócio jurídico que tem por objeto a obrigação de fazer um contrato definitivo O exemplo mais comum é o compromisso de venda o qual como se sabe pode inclusive gerar direito real 526 No caso da doação entretanto a situação afigurase mais delicada uma vez que tratandose de um contrato em geral gratuito doação pura posto sempre unilateral quanto aos efeitos o reconhecimento da validade e eficácia jurídica da promessa faria com que o donatário simples beneficiário do ato pudesse ingressar com a execução específica do contrato forçando o doador a cumprir com o ato de liberalidade a que se obrigara O vício de forma será sanado pela execução da prestação prometida Não havendo entretanto em nosso Direito Positivo regra semelhante a doutrina e a jurisprudência controvertemse a respeito Analisando o problema CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA pondera Tem a doutrina se debatido se a doação pode ser objeto de contrato preliminar pactum de donando E a solução doutrinária tem sido infeliz por falta de uma distinção essencial entre doação pura e doação gravada de encargo Partindo da primeira especificase a pergunta pode alguém obrigarse a realizar uma doação pura Formalmente sim porque tendo o contrato preliminar por objeto um outro contrato futuro e definitivo v n 198 supra este novo contrahere poderia ser a doação como qualquer outra espécie Atendendo a este aspecto apenas não falta bom apoio à resposta afirmativa quer dos Códigos quer dos doutores Acontece que não se pode deixar de encarar o problema sob o aspecto ontológico e assim considerado a solução negativa impõese 527 De fato a latere a doação gravada com encargo figura jurídica perfeitamente compatível com a promessa pela sua onerosidade intrínseca a doação pura por seu turno se analisada inclusive em seu aspecto teleológico não se compatibilizaria tão bem com a ideia de uma execução forçada pelo simples fato de o promitentedonatário estar constrangendo a outra parte promitentedoador ao cumprimento de um ato de simples liberalidade em face do qual inexistiu contrapartida prestacional Claro está entretanto que muitas vezes o doador não atua somente com o animus donandi mas também impulsionado por outros sentimentos como até mesmo o desejo de resgatar uma dívida de honra ou reconhecer o mérito do donatário No dizer de LUIS DÍEZPICAZO e ANTONIO GULLÓN citados por ANA PRATA em monumental obra do Direito Português a doação pode fazerse por generosidade por caridade por vaidade por simples pompa por cultivar o que hoje se chama uma determinada imagem para o exterior ou por qualquer outra causa 528 Mas ainda assim prepondera o aspecto da beneficência liberalidade como causa do contrato Nesse diapasão concluímos pela inadmissibilidade da execução coativa da promessa de doação muito embora não neguemos a possibilidade de o promitentedonatário privado da legítima expectativa de concretização do contrato definitivo e desde que demonstrado o seu prejuízo possa responsabilizar o promitentedoador pela via da ação ordinária de perdas e danos Nesse sentido é a conclusão de ANA PRATA Eliminando do regime da promessa de doação a tutela obrigacional da execução específica estáse afinal a caracterizar tal contrato promessa como integrando aquela categoria de promessas precárias cujo cumprimento se resolve forçosamente na indenização 529 Outro não é aliás o pensamento de SÍLVIO VENOSA Caso se torne impossível a entrega da coisa por culpa do promitente doador o outorgado tem ação de indenização por inadimplemento Destarte admitida a teoria do précontrato no ordenamento para os pactos em geral não existe em tese obstáculo para a promessa de doar 530 Notese entretanto que para existir esta consequente obrigação de indenizar deverão estar presentes os pressupostos gerais da responsabilidade civil 531 8 ESPÉCIES DE DOAÇÃO Além das modalidades especiais já vistas no decorrer deste capítulo é muito comum em doutrina apresentar diversas classificações do contrato de doação Aqui elencaremos as mais comuns 81 Doação pura doação com fatores eficaciais A primeira modalidade é a doação pura aqui algumas vezes já mencionada que é aquela que se traduz simplesmente em uma liberalidade sem fixação de qualquer fator eficacial condição termo ou encargo Ao lado dela podemos lembrar de modalidades de doação em que tenha sido estipulado um desses fatores limitando a produção de seus efeitos 532 É o caso da doação condicional e da doação a termo cujas denominações são autoexplicativas De fato no primeiro caso é estipulada uma condição evento futuro e incerto ao negócio e no segundo é estabelecido um termo evento futuro e certo que delimita um prazo findo o qual o donatário passa a exercer o domínio sobre a coisa alienada Dentro da imensa gama de situações em que pode ser enquadrada a doação condicional temos a doação a entidade a se constituir evento futuro e incerto quanto à efetiva ocorrência para o qual o Código Civil de 2002 trouxe disciplina específica estabelecendo um prazo decadencial para sua constituição sob pena de invalidade da doação É a previsão do art 554 do CC2002 que preceitua Art 554 A doação a entidade futura caducará se em dois anos esta não estiver constituída regularmente Já a doação modal onerosa ou com encargo como o próprio nome indica tratase de doação gravada com um ônus ex obrigome a doarlhe uma fazenda impondolhe o encargo de você pagar uma pensão de meio salário mínimo à minha tia idosa Sua previsão é feita no art 553 do Código Civil de 2002 Art 553 O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação caso forem a benefício do doador de terceiro ou do interesse geral Parágrafo único Se desta última espécie for o encargo o Ministério Público poderá exigir sua execução depois da morte do doador se este não tiver feito É preciso salientar sempre que o encargo não é uma contraprestação sendo proporcionalmente muito menos extenso do que o benefício recebido Isso porque se o encargo for muito pesado pode descaracterizar a doação transformandoa por exemplo em uma compra e venda disfarçada Descumprido o encargo o seu beneficiário poderá exigir a sua execução judicial sendo que se o beneficiário for a coletividade está o Ministério Público legitimado a exigir tal execução Ressaltese que como veremos além dessa consequência execução coercitiva se houver descumprimento do encargo poderá o doador até mesmo revogar a doação 82 Doação contemplativa doação remuneratória Outra espécie de doação expressamente mencionada tanto na codificação vigente quanto na revogada é a doação contemplativa Tratase de uma modalidade em que o doador declina ou indica as razões motivos que o levaram a fazer a doação ex doarei 1000 reais a Pedro pelo seu espírito de beneficência altruísmo e compreensão Em geral é espécie de doação pura É importante perceber que a doação contemplativa não se confunde com a declaração unilateral de vontade uma vez que aquela é uma relação jurídica negocial com concurso de vontades doar e aceitar a doação enquanto esta é uma manifestação volitiva unilateral que obriga apenas o declarante constituindose em fonte de obrigações Equiparada à doação contemplativa pelo menos para o texto codificado está a doação remuneratória que é aquela feita em retribuição a serviços prestados pelo donatário É o caso do médico da família que serviu ao doador com dedicação durante toda a vida sem cobrar nada por isso Claro está entretanto que esta doação não consiste tecnicamente em pagamento mas sim tão somente em um justo reconhecimento do doador pelos favores recebidos São elas previstas no art 540 do CC2002 que preceitua in verbis Art 540 A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade como não o perde a doação remuneratória ou a gravada no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto Sobre o tema vale a lição de PAULO LUIZ NETTO LÔBO A doação remuneratória prevista no art 540 do Código Civil conjuga liberalidade e remuneração por serviços prestados pelo donatário ao doador Tem o propósito de recompensar serviços gratuitos recebidos A razão prática do recurso à doação remuneratória é a de tornar indiscutível no tempo a atribuição patrimonial fundada na gratidão A doação remuneratória não se confunde com adimplemento de obrigação nem com dação em pagamento que é a substituição da coisa devida por outra O pagamento ou adimplemento de obrigação é incompatível com a causa donandi em outras palavras se há negócio jurídico não se pode solver a obrigação mediante doação Na doação remuneratória não há dever jurídico exigível pelo donatário mas o doador sentese no dever moral de remunerálo em virtude da prestação de algum serviço que aquele lhe prestou e por alguma razão pessoal renunciou à remuneração Enquadrarseia no conceito amplo de obrigação natural residente na consciência individual do doador que o direito reconhece e tutela Na situação regular de obrigação natural o devedor paga e não pode repetir Na doação remuneratória o credor não deseja receber pagamento admite todavia receber doação que não tem essa natureza Por exemplo o advogado que presta gratuitamente seus serviços profissionais a um amigo e em virtude dos laços de amizade constrangese em receber qualquer pagamento há doação remuneratória no presente valioso ou estimativo que o amigo lhe faz Não há nem pode haver correspectividade ou contraprestação no ato de doar com ânimo remuneratório Com a tradição do objeto dissolvese a motivação e os efeitos da doação são assemelhados ao da doação pura 533 Cabenos mencionar ainda como uma subespécie a doação feita em contemplação a casamento futuro Dispondo sobre esta espécie o art 546 do Código Civil é extremamente claro e elucidativo Art 546 A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa quer pelos nubentes entre si quer por terceiro a um deles a ambos ou aos filhos que de futuro houverem um do outro não pode ser impugnada por falta de aceitação e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar Interessante observar nesse particular que o negócio jurídico segundo a dicção deste dispositivo ficará sem efeito se o casamento não se realizar Concluise portanto e esse seria um erro grave posto provável imaginarse que a doação seria nula na falta do casamento Todavia assim não é uma vez que seria o caso de negativa de eficácia e não propriamente de validade Com efeito o negócio jurídico da doação feita em contemplação a casamento futuro é existente e válido tendo apenas um fator eficacial pendente qual seja o referido matrimônio evento futuro e incerto como toda condição por mais que os noivos estejam ansiosos para casar ou receber o bem doado Em todas as espécies aqui mencionadas ou a mencionar o caráter de liberalidade faz com que o doador não seja obrigado a pagar juros moratórios nem esteja sujeito às consequências da evicção ou do vício redibitório conforme consta da parte inicial do art 552 do CC2002 Todavia como consta na parte final do mencionado dispositivo nas doações para casamento com certa e determinada pessoa o doador ficará sujeito à evicção salvo convenção em contrário 83 Doação conjuntiva Doação conjuntiva por sua vez é aquela feita a mais de uma pessoa ex vi do disposto no art 551 do Código Civil de 2002 Salvo declaração em contrário a doação em comum a mais de uma pessoa entendese distribuída entre elas por igual Notase que a distribuição equitativa das quotas ou partes da coisa doada somente ocorrerá caso o doador segundo a sua autonomia de vontade não houver disposto em sentido contrário ex 20 caberá a Pedro e 80 a João Em seguida o parágrafo único do mesmo dispositivo prevê que Se os donatários em tal caso forem marido e mulher subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo Assim se os beneficiários da doação forem casados entre si qualquer que seja o regime de bens com a morte de um deles a totalidade da herança tocará ao cônjuge sobrevivo excepcionandose portanto qualquer outra regra sucessória que desse destino diverso ao referido bem Em nosso sentir todavia o codificador poderia ter ido mais além contemplando o mesmo benefício à companheira sobrevivente uma vez que a união estável entendida como uma legítima forma de constituição de família também justificaria a mesma solução Percebese aqui como em todas as demais regras referentes à doação uma primazia do matrimônio a qual se por um lado é fruto de nossa tradição religiosa por outro não poderia significar a minimização da tutela de outras formas de união livre dotadas da mesma dignidade constitucional Aliás como bem observou RODRIGO DA CUNHA PEREIRA a partir do momento em que a família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor surgiram novas e várias representações sociais para ela 534 84 Doação com cláusula de reversão A doação com cláusula de reversão por sua vez é uma interessante figura jurídica em que se prevê o retorno do bem ao doador na hipótese de premoriência do donatário A cláusula de reversão pode ser definida como a estipulação negocial por meio da qual o doador determina o retorno do bem alienado caso o donatário venha a falecer antes dele Temse pois inequivocamente uma doação geradora de propriedade resolúvel do adquirente Nesse sentido dispõe o art 547 do Código Civil que o doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário Como se pode verificar a morte é admitida pela lei como causa da reversão nada obstando porém que se estipule de outra forma a doação a termo no sentido de o bem doado poder reverter ao patrimônio do doador antes mesmo da morte do donatário Nesse sentido observa SÍLVIO VENOSA perguntase também se essa cláusula pode ser aposta estipulando reversão antes da morte do donatário A resposta é afirmativa Cuidase de aplicar o princípio geral que admite os negócios a termo 535 Nesse ponto tudo fica no âmbito da autonomia da vontade das partes contraentes Interessante ponto a ser abordado diz respeito à possibilidade de renúncia da reversão Em outras palavras o direito à reversão poderia ser renunciado pelo doador Não temos dúvida de que sim Tratase pois de um direito potestativo disponível do doador Nessa mesma linha pontifica GUILLERMO BORDA Puesto que la reversión es un derecho de carácter patrimonial nada impide que sea renunciado por el donante art 1845 La renuncia puede ser expresa o tácita 536 Outro instigante problema diz respeito à possibilidade de o bem ser revertido a terceiro O Código anterior era omisso a esse respeito o que levava parte da doutrina a admitir essa hipótese caracterizando uma espécie de fideicomisso 537 inter vivos que operaria a transmissibilidade do domínio de um bem doado a um terceiro sem que tivesse havido a morte do doador Sua aceitação sempre foi polêmica antes da edição do Código Civil de 2002 que culminou por proibilo consoante se depreende do parágrafo único do artigo sob comento Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro Talvez a razão de tal proibição resida não apenas na natureza testamentária do fideicomisso mas especialmente na necessidade de se preservar o bem em poder de uma das partes incentivandoa a imprimir destinação econômica a ele sem o risco de ao final ter de se sujeitar a uma segunda transferência em benefício de terceira pessoa Resguardase outrossim com tal restrição a segurança nas relações jurídicas 85 Doação mista doações mútuas A doação mista negotium mixtum cum donatione é um negócio jurídico de conteúdo prestacional híbrido com característica de negócio oneroso mas trazendo em seu bojo também um matiz de liberalidade Exemplo clássico pode ser invocado no caso de um sujeito pagar livremente 200 reais por um bem que vale apenas 100 Em nosso sentir para poder definir em qual categoria o contrato melhor se enquadraria se na compra e venda ou doação terá o intérprete de investigar a causa do negócio para concluir se prepondera o espírito de liberalidade ou apenas a especulação econômica 538 E com base nessa premissa concordamos com CARLOS ROBERTO GONÇALVES quando preleciona Embora sustentem alguns que o negócio deve ser separado em duas partes aplicandose a cada uma delas as regras que lhes são próprias a melhor solução é verificar a preponderância do negócio se oneroso ou gratuito levandose em conta o art 112 do Código Civil 539 Podese falar ainda em doações mútuas que não se confundem com a doação mista Observese que nas doações mútuas grafamos propositadamente a expressão no plural pois este negócio pressupõe que duas partes realizem reciprocamente atos de liberalidade beneficiandose mutuamente em um só ato Vale dizer uma parte doa à outra e viceversa Aproximase da troca mas com esta não se confunde pela diferença de causa a liberalidade uma vez que na doação existe uma liberalidade que não há na troca Nesta última há uma finalidade negocial típica de permutar o que é de um pelo que é de outro Nas doações mútuas há apenas o interesse de beneficiar o outro contratante sem interesse na reciprocidade embora existente no mesmo ato 86 Doação sob forma de subvenção periódica A doação sob forma de subvenção periódica é prevista no art 545 do Código Civil que dispõe Art 545 A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado extinguese morrendo o doador salvo se este outra coisa dispuser mas não poderá ultrapassar a vida do donatário Em tal caso temse um contrato cujas prestações devidas pelo doador são pagas periodicamente nada impedindo outrossim que o doador aplique o capital e o donatário passe a perceber os seus frutos sendolhe vedado o levantamento integral do valor Claro está que o período de vigência desta doação dependerá do quanto estipulado livremente pelo doador salientando que a lei posto admita o benefício para depois da morte do doador veda a possibilidade de os sucessores do donatário beneficiaremse com o referido rendimento 87 Doação indireta doação disfarçada Por fim vale tecer algumas considerações sobre o tema da doação indireta e da doação disfarçada O que a doutrina convencionou chamar de doação indireta não traduz tecnicamente doação embora consista em um ato de vantagem patrimonial para uma das partes O exemplo mais lembrado é o da remissão perdão de dívida A remissão de dívida não é uma doação mas constitui um benefício já que o devedor tem um acréscimo patrimonial consistente na quitação de seu passivo Outro exemplo é o pagamento de débito alheio notadamente quando se tratar de um terceiro não juridicamente interessado A doação disfarçada por sua vez é aquela que encobre um negócio jurídico simulado ou em fraude à lei É o exemplo do indivíduo que forja uma doação quando na verdade está vendendo o bem para evitar que seus credores exijam o preço como garantia de suas dívidas ou de alguém que faz uma doação para não incidir em vedações contratuais de compra e venda Essa classificação é encontrada na obra de CARVALHO DE MENDONÇA que exemplifica As indiretas operamse frequentemente a nas renúncias b nas estipulações em favor de terceiros c nas remissões de débitos Outro exemplo seria a própria doação mista já analisada acima E conclui o festejado jurista distinguindo as duas modalidades teoricamente a diferença consiste no seguinte a indireta resulta de um ato que não é aparente que é na realidade uma doação a disfarçada é ao contrário uma doação com aparência de um ato jurídico diverso 540 Em complemento a este item cuidaremos de destacar em tópicos próprios e distintos dadas a importância e a profundidade dos temas a doação entre companheiros e concubinos e a doação feita ao nascituro e ao embrião Vamos a elas 9 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE DOAÇÃO Neste tópico enfrentaremos o tema da extinção do contrato de doação sob dois enfoques distintos O primeiro se refere à sua modalidade natural com a sua regular execução O segundo prisma é justamente o outro lado da moeda qual seja a sua inexecução Vamos a eles 91 Meio natural de extinção A forma natural de extinção do contrato de doação dáse por meio de sua execução vale dizer no momento em que o doador cumpre a prestação a que se obrigou o negócio jurídico se exaure Caso entretanto padeça de alguma invalidade o contrato será extinto por meio de declaração da sua nulidade ou da sua desconstituição por anulabilidade nos termos da teoria geral do negócio jurídico 541 92 Revogação da doação inexecução do encargo e ingratidão do donatário Uma especial forma de extinção do contrato de doação entretanto operase por meio da denominada revogação do doador Sua origem remonta ao Direito Romano conforme a doutrina de CARVALHO DE MENDONÇA Essa revogação regulada por Justiniano teve sua origem em uma disposição particular O imperador Filipe estatuiu em uma Constituição que a doação feita por um patrono ao liberto seria sempre revogável à vontade Percebese porém que tal faculdade só devia ser utilizada para suprimir a ingratidão do liberto Esse intuito da lei porém era irrealizável porque o patrono era afinal o árbitro único da conduta do seu liberto e daí resultava a inconsciência da doação A isto veio obviar em 355 outra Constituição que só tolerava a revogação em tal caso quando o doador fizesse a liberalidade sem ter filhos vindo mais tarde a têlos Quase ao mesmo tempo em 349 estendiase ao pai e à mãe o direito de revogar doações e mais tarde em 426 a todos os descendentes 542 Tratase pois a revogação do exercício de um direito potestativo por meio do qual o doador verificando a ocorrência de alguma das situações previstas expressamente em lei manifesta vontade contrária à liberalidade conferida tornando sem efeito o contrato celebrado e despojando consequentemente o donatário do bem doado Diferentemente da resolução a revogação até mesmo em respeito ao princípio da segurança nos negócios jurídicos tem eficácia ex nunc consoante observa MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA citado por ARAKEN DE ASSIS A revogação consiste na destruição do vínculo contratual mediante uma declaração dos contraentes oposta à primitiva que lhe deu vida Ainda quando se trate de revogação unilateral de uma das partes não se confunde com a resolução visto que opera ex nunc 543 Tal prerrogativa exercida no bojo de uma ação judicial culmina por excepcionar o caráter de perpetuidade do direito de propriedade configurandose pois como uma situação excepcional e peculiar 544 Nesse diapasão cumprenos mencionar que o Código Civil brasileiro admite a revogação da doação por duas ordens de motivos art 555 a por inexecução do encargo na doação modal b por ingratidão do donatário A primeira hipótese é de intelecção cristalina Caso o donatário a quem fora imposto o cumprimento de um encargo não o realize poderá o doador desfazer a liberalidade revogandoa Nada impede outrossim que o próprio beneficiário do encargo exija o seu cumprimento adotando a medida judicial cabível Se entretanto o beneficiário for a própria coletividade imaginemos que o ônus fosse a construção de um posto de saúde o Ministério Público poderá ingressar com a referida demanda conforme já vimos no art 553 do CC2002 Mas notese o direito de revogar em primeiro plano cabe ao próprio doador e não à pessoa beneficiada pela estipulação do encargo devendose frisar ainda que o seu exercício não poderá ficar ao livrearbítrio do disponente exigindose pois a configuração de uma das duas ordens de causas revocatórias acima referidas Verificada a mora do donatário poderá o doador notificálo assinandolhe prazo para que cumpra o encargo caso ainda tenha interesse consoante dispõe o art 562 do Código Civil Art 562 A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo se o donatário incorrer em mora Não havendo prazo para o cumprimento o doador poderá notificar judicialmente o donatário assinandolhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida Interessante é a referência que o legislador fez ao prazo razoável expressão de conteúdo fluídico ou indeterminado não admitindo parâmetros doutrinários ou jurisprudenciais apriorísticos por depender das circunstâncias ditadas pela natureza do encargo imposto Questão interessante diz respeito ao prazo decadencial para revogar a doação pois considerandose não mais existir no Código de 2002 prazo vintenário de prescrição extintiva é forçoso convir que este será agora de dez anos ex vi do disposto no art 205 da vigente codificação civil Art 205 A prescrição ocorre em dez anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor 545 Posto isso vamos enfrentar no próximo tópico o tema referente à revogação da doação por ingratidão do donatário 921 Hipóteses de ingratidão Sem sombra de dúvida uma das piores qualidades que um homem pode cultivar é a ingratidão Segundo o clássico dicionarista CALDAS AULETE o ingrato é aquele que não mostra reconhecimento ou simplesmente que se esqueceu dos benefícios que recebeu 546 No caso de tal comportamento provir do donatário a situação revestese de maior gravidade na medida em que beneficiado por um ato de liberalidade ou até mesmo altruísmo voltase traiçoeiramente contra aquele que o agraciou Podemos inclusive afirmar que o cometimento de qualquer dos atos de ingratidão capitulados na lei civil traduz quebra de boafé objetiva póscontratual ou seja implica o cometimento de ato atentatório ao dever de respeito e lealdade observável entre as próprias partes mesmo após a conclusão do contrato Seguindo este raciocínio concluímos que caso o donatário realize qualquer dos atos de ingratidão elencados no art 557 do Código Civil estará atuando em detrimento à regra ética e de exigibilidade jurídica da boafé objetiva póscontratual Art 557 Podem ser revogadas por ingratidão as doações I se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele II se cometeu contra ele ofensa física III se o injuriou gravemente ou o caluniou IV se podendo ministrálos recusou ao doador os alimentos de que este necessitava Um detalhe porém se mostra relevante Não há limites para a ingratidão humana Assim sendo a perspectiva de caracterização das hipóteses de ingratidão como violações à boafé objetiva póscontratual faz com que reconheçamos que ao contrário do que estava assentado na vigência do Código Civil brasileiro de 1916 o novo rol não é mais taxativo aceitando em nome do princípio outras hipóteses ainda que de forma excepcional Nesse sentido posicionaramse os juristas da I Jornada de Direito Civil que aprovaram o Enunciado n 33 com a seguinte redação ENUNCIADO N 33 Art 557 o novo Código Civil estabeleceu um novo sistema para a revogação da doação por ingratidão pois o rol legal previsto no art 557 deixou de ser taxativo admitindo excepcionalmente outras hipóteses Feitas tais considerações vamos então analisar uma a uma as hipóteses previstas no vigente Código Civil brasileiro a Homicídio doloso consumado ou tentado Caso o donatário cometa crime de homicídio doloso o culposo está fora da previsão legal consumado ou tentado contra o doador poderá ter a liberalidade revogada No caso da tentativa de morte fica claro que o próprio doador diante do pior dos atos de ingratidão o atentado contra a sua própria vida poderá exercer o seu direito potestativo revocatário desconstituindo a liberalidade Tratase pois de uma medida com perceptível conteúdo sancionatório sem prejuízo da responsabilização criminal do agente criminoso Interessante mencionar ainda a questão referente ao homicídio doloso consumado uma vez que consoante já registramos linhas acima a revogação é um direito personalíssimo conferido ao doador Em tal caso em face da sua morte causada por ato do donatário a quem caberia o exercício desta prerrogativa O Código Civil de 1916 era silente a respeito havendo todavia sugestão doutrinária no sentido de que em caráter excepcional poderiam os herdeiros do doador falecido vítima do homicídio ingressar com a ação revocatória por não se afigurar ético que o homicidadonatário permanecesse beneficiado pela liberalidade conferida O Código de 2002 por sua vez cuidou de contornar a omissão dispondo que Art 561 No caso de homicídio doloso do doador a ação caberá aos seus herdeiros exceto se aquele houver perdoado 547 A primeira parte do dispositivo é de intelecção imediata A ação de revogação estudada com minúcia logo abaixo caberá aos herdeiros do doador legitimidade ativa em caso de cometimento de homicídio doloso consumado Notese que em caso de tentativa a legitimidade continuará sendo em caráter personalíssimo do doador No entanto a segunda parte da regra legal causanos certa perplexidade a revogação poderá ser evitada se o doador houver perdoado o seu homicida Como entender esta ressalva partindo da premissa de que a norma cuidou da prática de homicídio doloso O doador não estava morto Como haveria então de perdoar Em resposta a esta indagação descartada a hipótese de o legislador haver no caso previsto uma reaparição espiritual do falecido talvez se houvesse pretendido considerar que na eventualidade de a morte não ser instantânea o doador ainda antes do seu passamento tenha relevado a agressão e perdoado o donatário Exemplo o donatário atira no doador este é internado e no hospital pouco antes de morrer perdoa o seu agressor Outra hipótese é aventada por CARLOS ROBERTO GONÇALVES quando sugere a possibilidade de se operar uma forma de perdão tácito no caso de o doador não exercer o seu direito de revogação dentro do prazo previsto em lei que estudaremos abaixo O citado art 561 veio suprir omissão existente no diploma de 1916 sobre essa questão ao determinar a aplicação do critério adotado em países como a França a Espanha a Itália etc cujos códigos permitem aos herdeiros propor a revogação da doação em caso de morte do doador provocada pelo donatário salvo se aquele não tendo morrido instantaneamente teve oportunidade de promovêla e não o fez perdoando tacitamente o ingrato 548 grifos nossos Em nossa visão segundo um juízo de razoabilidade interpretativa consideramos a segunda parte deste artigo de redação extremamente infeliz Em linha de princípio e com a devida vênia não perfilhamos a tese do perdão tácito esposada pelo grande civilista e amigo CARLOS ROBERTO GONÇALVES Isso porque em se tratando de situação tão grave homicídio doloso do doador afigurarsenosia extremamente perigoso admitirse uma forma tácita ou indireta de perdão mormente em se considerando que o doador talvez não houvesse podido intentar a revocatória por se encontrar internado na UTI de um hospital em estado de coma em virtude da agressão sofrida E mesmo que tivesse a oportunidade de perdoar dada a natureza da agressão que sofreu deveria fazêlo expressamente e não se firmar uma simples presunção Vale dizer em nosso sentir admitida pelo legislador uma forma de perdão este deverá ser sempre expresso manifesto e inequívoco e não simplesmente tácito Afastada pois esta hipótese restanos considerar o perdão expresso realizado pelo doador antes da sua morte O que levaria uma pessoa a perdoar seu algoz sabendo da sua morte iminente Piedade cristã desespero altruísmo coerção religiosa por medo do inferno enfim deveria o direito positivo chancelar um perdão em termos tais Poderíamos considerar inteiramente livre a vontade da pessoa ferida e moribunda que perdoa o seu agressor Seria justa esta forma de beneficência patrimonial Como repercutiria tal ato na sociedade Alimentaria no donatáriohomicida sensação de impunidade ainda que no plano civil Todas essas indagações caro leitor profundamente inquietantes levamnos a nutrir profunda antipatia intelectual por esta forma esdrúxula de perdão muito embora reconheçamos especialmente por não ser possível investigar com precisão a vontade íntima da vítima que segundo o dispositivo atualmente vigente é juridicamente possível que o doador releve a agressão chancelando pois a liberalidade conferida Na dúvida entretanto e desde que demonstre discernimento ao perdoar o que pode ser comprovado por testemunhas ou até mesmo por laudo médico deverá prevalecer a vontade do doador Afinal de contas se a ingratidão é um dos sentimentos mais terríveis que pode acometer o ser humano o perdão é a mais perfeita manifestação da divindade em cada um de nós Ainda neste tema uma questão interessante nos foi suscitada em sala de aula e consideramos adequado compartilhála Imaginese que Caio doa um bem a Tício O donatário Tício tem a propriedade perfeita e consumada não sendo portanto proprietário resolúvel Tício então resolve alienar o bem a Mévio Consumada a venda Tício tenta matar Caio que sobrevivendo intenta revogar a doação Como fica a situação de Mévio A resposta em nossa opinião encontrase no art 1360 do CC2002 549 que garante que se a propriedade se resolver por uma causa superveniente o possuidor que a tiver adquirido por título anterior à resolução Mévio será considerado proprietário perfeito restando à pessoa em cujo benefício houve a resolução Caio ação contra aquele cuja propriedade se resolveu Tício para haver a própria coisa ou o valor ação regressiva Esse tipo de propriedade não resolúvel mas que pode desfazerse por uma causa superveniente é conhecida como propriedade ad tempus Finalmente observese com SILVIO LUIS FERREIRA DA ROCHA que O Código Civil não exige a prévia condenação criminal do donatário contentandose com o fato mas a sentença criminal absolutória impede a revogação da doação 550 b Ofensa física Menos grave do que a situação anterior posto não menos revoltante a doação poderá ser revogada se o donatário ofender fisicamente o doador ou seja em linguagem penalmente mais apropriada cometer contra ele qualquer crime que viole a sua integridade corporal ou a sua saúde física especialmente a lesão corporal Na mesma linha do inciso anterior dispensase a condenação criminal e não será considerada ingratidão se a lesão for culposa ou praticada em legítima defesa 551 Outra não era aliás a lição de CLÓVIS BEVILÁQUA transcrita integralmente abaixo a offensa physica também não necessita de ser reconhecida por acção penal e ficará desclassificada de entre as modalidades de ingratidão se resultar de repulsa a uma agressão ou se não for intencional 552 Assim imaginemos que tempos depois da doação as partes se encontrem discutam e o donatário desfira um soco no doador Em tal caso poderá a doação ser revogada independentemente do desfecho da ação penal valendo notar que as ofensas de cunho moral ou psicológico enquadramse no inciso seguinte c Delitos contra a honra calúnia injúria e difamação Observe o nosso atento leitor que preferimos utilizar na descrição deste título uma expressão mais genérica delitos contra a honra em vez de simplesmente mencionar a injúria grave e a calúnia consoante vem consignado no dispositivo legal sob análise Isso porque entendemos que o codificador na redação deste enunciado incorreu num equívoco muito comum enfrentado pelos doutrinadores dedicados ao fantástico estudo da hermenêutica jurídica disse menos do que deveria Nesse caso a ratio da norma importa a aplicação da denominada interpretação extensiva 553 muitas vezes necessária para fixarmos o exato sentido da norma jurídica consoante exemplifica ORLANDO DE ALMEIDA SECCO Se finalmente a interpretação der à lei um sentido mais amplo do que aquele expresso pelo legislador no texto será então declarativa extensiva Exemplo quando no Código Penal art 235 se define o crime de bigamia como contrair sendo casado novo casamento se quer punir não só o duplo casamento como também o triplo quádruplo e assim sucessivamente A lei fala em bigamia mas quer referir se a dois ou mais casamentos o que em última análise seria a bigamia e poligamia 554 E assim pensamos pois não haveria lógica nem coerência em se considerar causas revocatórias da doação apenas a injúria e a calúnia colocandose de lado a difamação Isso porque tratam os três tipos penais de delitos do mesmo gênero vale dizer de crimes contra a honra geradores de dano moral Ademais a difamação pode ser tão ou mais grave do que a injúria Como se sabe e a título apenas de fixação a calúnia é o delito de imputação falsa intencional de fato criminoso ex Tibúrcio acusa falsamente Jonas de haver roubado o seu carro embora soubesse de sua inocência a injúria por sua vez traduz a agressão por meio de palavras de baixo calão xingamentos gestos desrespeitosos evitaremos aqui o exemplo por ser desnecessário finalmente na difamação o agente imputa à vítima fatos não criminosos posto desabonadores de sua conduta ex Fibri divulga que Beto pode ser encontrado diariamente em pontos de jogo do bicho casas de prostituição ou em determinados botecos em vez de estar trabalhando ou estudando As três situações portanto poderão justificar de per si a revogação da doação independentemente de ter havido condenação criminal nos mesmos termos esposados linhas acima Outro ponto interessante a destacar é o emprego do advérbio modal gravemente no inciso legal sob estudo III Se o injuriou gravemente sic O que teria querido o legislador dizer quando empregou esta expressão para caracterizar a injúria Por acaso seria admissível um juízo de gradação no apreciar a injúria Poderia pois ser leve média grave a critério do julgador Em nosso sentir por reputarmos a injúria um acontecimento de definição categorial técnica qual seja um crime contra a honra somos forçados a convir que a expressão adverbial utilizada ressoa um tanto pleonástica para reforçar uma natural e ínsita gravidade existente em todo o delito contra a honra especialmente a injúria Nessa linha pensamos que uma vez reconhecido pelo magistrado ainda que incidentalmente no processo civil a injúria sofrida pelo doador este reconhecimento já traz em si a gravidade do fato simplesmente por se tratar de um ilícito penal contra a honra Por isso afirmamos ser desnecessária a colocação desta expressão no mencionado dispositivo restando ao magistrado apenas admitir a existência ou não da injúria para o efeito de revogar a doação Mas uma vez a tendo admitido a sua gravidade é imanente Pensamento contrário revestirseia de um imenso e injustificável subjetivismo aumentando em demasia o poder discricionário do julgador que assumiria uma hercúlea senão impossível missão de graduar ou dimensionar o espectro danoso psicológico da lesão sofrida d Recusa de alimentos A obrigação de pagar alimentos em nosso sistema poderá derivar das seguintes causas do direito de família casamento parentesco união estável do direito das obrigações decorrente do cometimento de ato ilícito com cunho indenizatório ou do próprio direito sucessório legado de alimentos No âmbito do direito de família os alimentos radicamse no princípio de solidariedade familiar que deve existir entre os parentes cônjuges ou sobreviventes valendo transcrever o art 1694 do vigente Código Civil brasileiro Art 1694 Podem os parentes os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social inclusive para atender às necessidades de sua educação 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia Não nos cabendo por ora a análise desses dispositivos salientamos apenas o teor do seu caput quando nos indica a reciprocidade do direito aos alimentos exatamente em razão do supramencionado princípio de solidariedade Pois bem Previu o legislador a possibilidade de o doador revogar a doação na hipótese de o donatário podendo conceder alimentos ao doador os houver negado Dada a situação e pelo específico espectro de atuação das normas impositivas da obrigação alimentar somos levados a crer que tal faculdade revocatória restringirseá obviamente às pessoas unidas por vínculo matrimonial concubinário ou parental Isso por não se admitir que pessoas estranhas vale dizer sem tais vínculos familiares tenham entre si a obrigação de prestar alimentos Assim e a título exemplificativo imaginemos que Janio houvesse doado uma vultosa quantia a Bruno seu irmão Posteriormente atingido por um revés Janio passa por uma grave crise financeira faltando lhe até mesmo o necessário para a sua subsistência Chocado verifica ainda que o seu único irmão Bruno dono de uma próspera empresa de esponjas de aço negoulhe a prestação de alimentos Poderá pois revogar a doação com fundamento no dispositivo sob análise Vale mencionar entretanto que esta causa revocatória pressupõe a conjugação de três requisitos 555 a a possibilidade de pagamento por parte do donatário pois não poderá sacrificar a sua família ou a si mesmo à luz do próprio princípio da proporcionalidade que determina a observância da capacidade econômica de quem paga e a necessidade de quem pede para a justa fixação da pensão devida b a legitimidade passiva do donatário ou seja o donatário deve na forma da lei ser devedor dos alimentos solicitados c a injustificada recusa do donatário a sanção revogação da doação pressupõe a solicitação por parte do doador e a consequente negativa do donatário Uma importante observação entretanto deve ser feita O direito potestativo de revogar a doação em caso da negativa injustificada do donatário não impede a execução do título constitutivo da obrigação alimentar nem muito menos a eventual decretação da prisão civil do devedor 556 Em nosso pensar a revogação fundamentase na quebra de lealdade na traição traduzida no virar as costas para aquela pessoa que em determinado momento da vida do donatário cuidou de beneficiálo movido por simples liberalidade ou outro nobre sentimento de altruísmo Podemos falar aqui por certo em quebra de boafé objetiva póscontratual E nessa linha mesmo que o donatário demandado pague com atraso a prestação devida reputamos possível a revogação que segundo a norma legal decorre da simples recusa de pagamento Ademais caso se admita tese em sentido contrário poderia o donatário lançar mão de malabarismos ou chicanas processuais para retardar o pagamento e apenas efetuálo quando estivesse na iminência de ser preso ou de ter a doação revogada Por tudo isso concluímos no sentido de que a revogação é possível desde que consumada a negativa do donatário em prestar os alimentos devidos e Ingratidão cometida contra pessoa próxima do doador Prevê o art 558 que poderá ocorrer também a revogação quando o ofendido nos casos do artigo anterior for o cônjuge ascendente descendente ainda que adotivo ou irmão do doador Em tais casos embora o doador seja a vítima reflexa do comportamento danoso em um evidente dano por ricochete a agressão ou violação a direito é dirigida a pessoa próxima a si razão por que se justifica seja a doação revogada Não referiu todavia o codificador a hipótese de a agressão ser dirigida à companheira do doador situação indiscutivelmente possível e que também autorizaria numa interpretação constitucional o desfazimento do benefício Isso porque o fato de a família constituída pelo doador não estar sob o pálio religiosamente legitimador do casamento mas sim no âmbito da união estável não poderá impedir seja o donatário igualmente apenado pelo seu comportamento lesivo ou desabonador Finalmente registrese que em nosso sentir a referência feita ao descendente ainda que adotivo é totalmente desnecessária por reputarmos o adotado descendente para todos os fins de direito até mesmo por força de regra constitucional 557 apenas compreendendose tal excesso pela preocupação que o legislador teve de escoimar qualquer dúvida a respeito da natureza e dos efeitos da adoção 922 Ação revocatória características Condições Prazos Efeitos O direito de revogar a doação é exercido por meio de ação judicial revocatória com prazo decadencial de um ano a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar e de ter sido o donatário o seu autor art 559 do CC2002 558 Notese portanto que o termo inicial para a contagem do referido prazo não será o da consumação ou ocorrência do ato de ingratidão mas sim o da ciência do fato e de sua autoria Nessa linha caso o doador houvesse sido vítima de um atentado que culminou com o seu internamento hospitalar por exemplo durante dois meses a contagem do prazo iniciase a partir do momento em que tomou conhecimento de que o donatário fora o autor do delito Por se tratar de prazo decadencial ou de caducidade não se submete a priori a causas impeditivas suspensivas ou interruptivas Outro ponto importante a se destacar é que o direito de revogar a doação por ato de ingratidão do donatário é irrenunciável ex vi do disposto no art 556 do Código Civil Art 556 Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário Note o nosso caro leitor que a proibição legal referese à renúncia antecipada nada impedindo portanto que o doador permita o escoamento do prazo para a propositura da demanda operandose por conseguinte os efeitos de uma renúncia tácita E isso obviamente somente pode ocorrer após a consumação do referido prazo CLÓVIS BEVILÁQUA discorrendo a respeito da renúncia preleciona que O Código Civil como outras legislações considera de ordem pública o direito de revogar doações por ingratidão do donatário Não pode porém a lei obrigar o doador a exercêlo Proíbe a renúncia mas deixa ao interessado a liberdade de usar do seu direito de revogar quando lhe parecer conveniente 559 No polo ativo da ação de revogação figurará o doador dado o caráter intuitu personae do direito sob estudo podendo no entanto conforme vimos linhas acima em caráter excepcional a ação ser iniciada pelos herdeiros do doador se este foi vítima de crime de homicídio doloso consumado art 561 do CC2002 No polo passivo por seu turno estará o donatário autor do ato de ingratidão a ser devidamente apontado e comprovado pelo demandante na forma da legislação em vigor O ônus da prova é do autor que deverá demonstrar cabalmente a ocorrência dos fatos caracterizadores da ingratidão Admite o legislador ainda que em caso de falecimento do doador ou donatário possam os seus herdeiros prosseguir 560 na demanda uma vez que considerandose tratar de pedido com reflexos patrimoniais no espólio haverá interesse dos mesmos nesta sucessão processual Art 560 O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador nem prejudica os do donatário Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador continuandoa contra os herdeiros do donatário se este falecer depois de ajuizada a lide Finalmente cumprenos salientar que a revogação da doação surtirá efeitos ex nunc 561 preservando se portanto direitos adquiridos por terceiros anteriormente art 563 1ª parte segundo o princípio constitucional que resguarda o direito adquirido Assim imaginemos que antes da revogação houvesse o donatário firmado contrato de locação da coisa doada por prazo de 12 meses Deverá pois o doador respeitar o direito do inquilino terceiro de boafé Nessa mesma linha a teor da 2ª parte do mesmo art 563 o donatário não estará obrigado a restituir os frutos colhidos ou percebidos provenientes da coisa doada antes da citação válida na ação revocatória A citação no caso foi o referencial utilizado pelo legislador para marcar o momento processual em que o donatário convertese em possuidor de máfé por estar formal e processualmente ciente de que poderá vir a perder aquilo que recebeu do doador Após este ato de comunicação processual portanto deverá restituir tudo aquilo que perceber inclusive em nosso sentir os produtos posto a lei seja silente a respeito 562 e caso não possa proceder à restituição in natura deverá fazêlo em espécie indenizando o doador segundo o valor médio da coisa 923 Doações não sujeitas à revogação Alguns tipos de doação na forma do art 564 do Código Civil não poderão ser revogadas por ingratidão Tratase de enumeração numerus clausus que esmiuçamos abaixo a doações puramente remuneratórias vimos linhas acima que a doação puramente remuneratória é aquela feita em retribuição a serviços prestados pelo donatário É o caso do médico da família que serviu ao doador com dedicação durante toda a vida sem cobrar nada por isso Observese que por se tratar de uma doação feita em reconhecimento ao comportamento do donatário não poderá ser revogada por já se considerar o doador recompensado Em algumas situações entretanto a norma parecenos injusta como no exemplo de o doador ser vítima de tentativa de homicídio e não poder revogar a doação ainda que tenha a mesma natureza remuneratória b doações oneradas com encargo já cumprido cumprido o encargo que grava a doação não poderá mais segundo a norma legal sob análise o doador revogar a doação por considerar que o donatário já sofreu um decréscimo patrimonial em troca do benefício patrimonial pretendido Mas salientese que a irrevogabilidade somente ocorrerá se o encargo já houver sido cumprido c doações feitas em cumprimento a obrigação natural a obrigação natural ou imperfeita é aquela de cunho moral desprovida de coercibilidade ou exigibilidade jurídica ex dívida de jogo dívida prescrita Ora por se tratar de uma dívida de honra o legislador considera que a doação feita em seu cumprimento embora não tenha tecnicamente a natureza de pagamento não poderá ser revogada pelo doador que cumpriu a sua palavra d doações feitas para determinado casamento a lei proíbe a revogação da doação nessa circunstância por considerar que o desfazimento do ato de liberalidade poderá repercutir na entidade familiar atingindo pessoas inocentes que não participaram do ato de ingratidão Preserva assim a própria boafé e a estabilidade nas relações jurídicas Discorrendo a respeito de idêntica regra do Código Civil anterior CARVALHO SANTOS arremata a razão pela qual as doações feitas para determinado casamento não poderão ser revogadas por ingratidão do donatário é a seguinte só se tornando efetiva com a realização do casamento art 1173 563 bem é de se ver que beneficia não somente o cônjuge a quem é feita mas também ao outro e aos filhos que nascerem do casamento A revogação portanto iria prejudicar também o cônjuge inocente e os filhos do casal art 314 564 em contrário ao princípio geral de que a pena deve ser pessoal não devendo atingir em seus efeitos senão o culpado 565 10 DOAÇÃO POR PROCURAÇÃO Encerrando este capítulo reputamos necessário observar ao nosso estimado leitor que a doutrina e a jurisprudência têm admitido a doação por procuração desde que o doador cuide de especificar o objeto da doação e o beneficiário do ato donatário Tal situação aliás não proibida por lei já era prevista no Anteprojeto de Código de Obrigações elaborado pelo grande CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA 566 Art 432 Não vale a doação que se faça por procurador salvo investido de poderes especiais com indicação expressa do donatário ou de um dentre vários que o doador nominalmente mencionar O Código Civil de 2002 porém silenciou sobre o tema pelo que entendemos que tomadas as cautelas necessárias especificação do objeto e individualização do beneficiário é possível sim tal modalidade de doação Não seria válida portanto a procuração genérica para doar o que o procurador considerasse conveniente pois isso consistiria em uma situação de completa submissão do mandante ao mandatário XXVII LOCAÇÃO DE COISAS 1 NOÇÕES GERAIS O contrato versado neste capítulo é um dos mais utilizados no cotidiano das relações sociais De fato a locação está presente desde a constante preocupação com a moradia até os nossos momentos de lazer quando alugamos uma casa na praia para descansar um carro ou bicicleta para passear ou um smoking para uma solenidade E a depender da conotação da palavra locação o campo de abrangência pode ser maior ainda Isso porque a ideia original do instituto na sua concepção romanista abrangia não somente o uso e gozo de uma coisa infungível mas também a prestação de um serviço apreciável economicamente ou a execução de alguma obra determinada Tinhase portanto no instituto da locação romana uma verdadeira tríade de relações contratuais que poderiam ser assim visualizadas a locação de coisas locatio conductio rerum ou locatio res referente única e exclusivamente ao uso e gozo de bem infungível b locação de serviços locatio conductio operarum ou locatio operarum consistente em uma prestação de serviço economicamente apreciável considerada em si mesma independentemente do resultado c locação de obra locatio conductio operis ou locatio operis significando a execução de uma obra certa ou de determinado trabalho tendo em vista um fim ou efeito Tal visão na modernidade tornouse abrangente demais sendo inconveniente reunir no mesmo instituto básico atividades tão diversas Assim desde a codificação de 1916 a locação de obra locatio conductio operis ou locatio operis passou a ser denominada empreitada com regras próprias e específicas para as suas peculiaridades Nessa esteira a antiga locação de serviços locatio conductio operarum ou locatio operarum passou a ser chamada formalmente no Código Civil de 2002 de contrato de prestação de serviço também com disciplina particular adotandose expressão que já vinha sendo utilizada na doutrina e na prática das relações jurídicas Vale destacar que boa parte daquilo que originalmente era disciplinado por esta figura contratual a saber o trabalho humano em si mesmo mudou para uma nova disciplina específica e típica regida por normas de proteção ao trabalhador subordinado 1 ficando as regras codificadas apenas para o trabalho autônomo O objeto deste capítulo portanto é somente a locação de coisas reservandose a análise das demais figuras contratuais para outras oportunidades 2 CONCEITO A locação de coisas é o negócio jurídico por meio do qual uma das partes locador se obriga a ceder à outra locatário por tempo determinado ou não o uso e gozo de coisa infungível mediante certa remuneração Tal conceito extraído inteiramente da previsão legal contida no art 565 do Código Civil 2 é abrangente o suficiente para ser a base normativa fundamental para a compreensão do instituto É importante registrar desde já que por opções políticas modalidades de locação podem ter regras particulares caracterizando verdadeiros microssistemas jurídicos entendida a expressão na acepção de conjuntos coerente de regras e princípios com motivação axiológica própria o que não decorre apenas da existência de uma legislação especial mas sim de todo um pequeno e complexo sistema operando a partir de suas próprias diretrizes ainda que sofrendo a influência e mantendo a comunicação com as regras codificadas É o caso das locações imobiliárias regidas por lei própria a saber a Lei n 824591 cujo estudo aprofundado requereria não um capítulo mas um volume inteiro com o enfrentamento inclusive de aspectos processuais o que não é objeto de nossa obra 3 Mesmo em função de tais hipóteses conhecer o tratamento codificado é importantíssimo não para sua aplicação direta mas certamente pela sua natureza residual em face de lei especial haja vista a raiz comum dos institutos 4 Por isso registramos que dada a delimitação temática desta obra abordaremos neste capítulo apenas as regras gerais de locação de coisas inserindo informações sempre que possível no corpo do texto ou em rodapé sobre as peculiaridades da locação imobiliária de forma a permitir uma visão preliminar de tal disciplina ainda que sem animus de esgotála 3 ELEMENTOS ESSENCIAIS Mesmo levando em consideração que os requisitos de existência e validade dos negócios jurídicos são aplicáveis a todas as figuras contratuais consideramos conveniente destacar alguns deles no contrato de locação Isso se dá pelo fato de que tal qual o contrato de compra e venda a própria definição legal constante do já transcrito art 565 do CC2002 explicitaos como essenciais merecendo a sua análise particularizada a saber a o tempo b a coisa c a retribuição Analisemos separadamente cada um desses requisitos 31 Tempo duração da locação O contrato de locação é essencialmente temporário Assim sendo mesmo quando não explicitado o prazo de duração as partes terão a avença sempre como finita não podendo ser considerada vitalícia Contrato de locação perpétuo é uma contradição em termos Deve pois a locação ter prazo determinado ou indeterminado No primeiro caso estabelece o art 573 do CC2002 Art 573 A locação por tempo determinado cessa de pleno direito findo o prazo estipulado independentemente de notificação ou aviso A priori podese imaginar que se trata da aplicação direta do princípio do dies interpellat pro homine Caso o locatário não devolva o bem ao término do contrato passa a ter posse injusta e de máfé aplicandose as regras dos arts 1216 a 1220 do CC2002 5 Salientese porém que tal circunstância pode ser relevada pelo locador uma vez que a ausência de oposição de sua parte para a continuidade da posse do locatário em relação à coisa locada faz presumir prorrogada a locação pelo mesmo aluguel mas sem prazo determinado 6 É a regra do art 574 do CC2002 Art 574 Se findo o prazo o locatário continuar na posse da coisa alugada sem oposição do locador presumirseá prorrogada a locação pelo mesmo aluguel mas sem prazo determinado Ressaltese a peculiaridade dessa regra legal em que a caracterização jurídica da posse de boa ou má fé dependerá neste caso da conduta do locatário em devolver o bem findo o prazo originário da locação e sucessivamente da inércia do locador em exigir o bem de volta Tomemos um exemplo do dia a dia Se Davi loca uma roupa e esquece de devolver na data aprazada sua posse após o término do prazo é considerada de máfé aplicandose as regras pertinentes Todavia se devolve ainda que serodiamente deverá arcar com o valor correspondente à locação pelos dias de atraso como se a locação tivesse se prorrogado até a data da devolução E no caso da locação por duração indeterminada Bem neste caso mister se faz a notificação do locatário para que devolva imediatamente ou em prazo razoável a coisa locada sob pena de incidir nos efeitos da mora 7 Nesse particular não há previsão legal específica de prazo no Código Civil brasileiro motivo pelo qual entendemos que se trata de uma regra em aberto que deve ser colmatada diretamente pelo locador que fixará prazo compatível para a entrega sob pena de controle judicial a posteriori Apenas a título de sugestão parecenos bastante proporcional como critério balizador deste prazo que seja ele fixado de acordo com a periodicidade de pagamento da locação Assim por exemplo se alugo um carro por diária o prazo de um dia para devolução pode ser razoável se alugo por semana ou quinzena o prazo correspondente pode ser invocado Esse critério tem respaldo na ideia de que esta periodicidade gera uma expectativa de percepção da verba Podese por outra via optar por um prazo menos flexível com o que não concordamos Seria o caso por exemplo da concessão do lapso temporal mínimo de trinta dias por analogia à regra constitucional de concessão do aviso prévio na relação de emprego 8 Registrese a propósito que no âmbito da locação imobiliária esta é a regra específica pelo menos para a extinção unilateral por iniciativa do locatário conforme consta do art 6º da Lei n 824591 a saber Art 6º O locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador com antecedência mínima de trinta dias Parágrafo único Na ausência do aviso o locador poderá exigir quantia correspondente a um mês de aluguel e encargos vigentes quando da resilição Voltando à hipótese de extinção unilateral do contrato de locação por iniciativa do locador em caso de não devolução da coisa pelo locatário este pagará enquanto a tiver em seu poder o aluguel que o locador arbitrar e responderá pelo dano que ela venha a sofrer embora proveniente de caso fortuito conforme estabelece o caput do art 575 do CC2002 O pagamento referido é chamado de aluguelpena sendo uma sanção pelo descumprimento do pactuado o que não pode ser considerado uma regra meramente potestativa visto que o parágrafo único do mesmo dispositivo admite um controle judicial da razoabilidade 9 regra sem equivalente no sistema codificado anterior Já a previsão de responsabilidade pelos danos sofridos pela coisa ainda que provenientes de caso fortuito é mera aplicação específica da regra dos efeitos da mora do devedor constante do art 399 do CC2002 10 Por fim vale registrar que não há na vigente codificação civil tal qual na anterior qualquer restrição de período de vigência do contrato de locação deixando a matéria para a autonomia das partes contratantes Existe certa limitação outrossim na locação imobiliária uma vez que a Lei n 824591 exige em seu art 3º anuência do cônjuge para qualquer dos contratantes quando for estipulada locação por prazo igual ou superior a dez anos 11 A ausência dessa outorga uxória todavia não invalida o contrato apenas implica a ineficácia da cláusula quanto ao tempo excedente ao decêndio em relação ao cônjuge traduzindose como uma norma limitativa de direito 32 Coisa objeto da locação O objeto do contrato de locação pode ser coisa móvel ou imóvel O requisito indispensável porém é que seja um bem infungível pois não é possível imaginarse a locação de bens que possam ser trocados por outros da mesma espécie por ser próprio da locação o retorno do bem ao locador Pelo mesmo fundamento não é possível falar em locação de bens consumíveis cujo uso importe na destruição imediata da sua substância Da mesma forma observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES Não constitui óbice à locação a inalienabilidade da coisa pois os bens públicos e também aqueles gravados com a referida cláusula especial que os coloca fora do comércio podem ser dados em aluguel Igualmente podem ser alugados os bens incorpóreos ou direitos como uma patente de invenção uma marca o usufruto e as servidões prediais juntamente com o prédio dominante etc 12 Uma interessante questão é saber se a coisa locada precisa ser necessariamente de propriedade do locador Em nosso entender a resposta é negativa Embora pareça lógico imaginar que o mais natural é que o locador seja proprietário do bem nada impede que o mero possuidor alugue o bem de que não tenha a titularidade do domínio Afinal de contas o contrato de locação não é translativo de propriedade e consequentemente de posse indireta mas sim fonte de obrigações pessoais Sobre o tema CUNHA GONÇALVES observa que A locação de coisa alheia será válida enquanto durar a posse do locador e somente ficará sem efeito quando a coisa locada for reivindicada pelo seu verdadeiro proprietário pois ficando evicto o locador evicto ficará também o locatário Todavia o proprietário evictor tem a faculdade de manter o locatário mediante novo arrendamento 13 Parecenos adequado tal entendimento principalmente no campo da locação de coisas móveis pois nem sempre é possível e quase nunca é razoável exigir que o locatário verifique se a coisa é de efetiva propriedade do locador Ademais a possibilidade de sublocação também ratifica a possibilidade de alguém que não é proprietário mas mero possuidor poder locar um bem 33 Retribuição preço da locação Como terceiro elemento fundamental particular do contrato de locação temos a retribuição pela disposição da coisa locada Locação é contrato essencialmente oneroso Tal retribuição chamada de preço aluguel ou renda é a priori estabelecida diretamente pelas partes no exercício da autonomia da vontade podendo ser feita mediante arbitramento administrativo ou judicial ou ainda imposto por ato governamental como no caso dos táxis e dos prédios urbanos 14 No caso da locação de bens da União o parágrafo único do art 95 do Decretolei n 9760 de 59 1946 determina que seja feita em concorrência pública e pelo maior preço oferecido na base mínima do valor locativo fixado O valor porém não pode ser fixado de forma meramente potestativa por uma das partes De fato sobre tal impossibilidade de estipulação potestativa do preço ao arbítrio exclusivo de um dos contratantes vale transcrever o já mencionado art 575 do CC2002 Art 575 Se notificado o locatário não restituir a coisa pagará enquanto a tiver em seu poder o aluguel que o locador arbitrar e responderá pelo dano que ela venha a sofrer embora proveniente de caso fortuito Parágrafo único Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo poderá o juiz reduzilo mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade Ou seja até mesmo no chamado aluguelpena cuja natureza sancionatória é evidente não há falar em ampla liberdade de uma das partes para fixação do valor estando a matéria submetida a controle judicial a posteriori característica aliás bastante evidente no novo sistema codificado 15 Contudo conforme adverte CARLOS ROBERTO GONÇALVES Como também ocorre na compra e venda o preço deve ser sério isto é real pois se estipulado em valor ínfimo ou irrisório será na realidade fictício e descaracterizará o contrato Deve ser ainda determinado ou ao menos determinável nada impedindo todavia que seja variável de acordo com índices estabelecidos pela lei ou contratados pelas partes de modo a não contrariála A lei impõe em regra tetos aos reajustes Embora o pagamento deva ser feito via de regra em dinheiro nada obsta que se convencione outro modo podendo ser misto ou seja parte em dinheiro e parte em frutos e produtos ou em obras e benfeitorias feitas pelo locatário Se todavia for efetuado exclusivamente com os frutos e produtos do imóvel deixará de ser locação propriamente dita convertendose em contrato inominado Em geral o pagamento é fixado em dinheiro a ser pago periodicamente por semana quinzena ou mês como contrato de execução prolongada ou sucessiva tempus successivum habet nada impedindo seja pago de uma só vez por todo o período da locação como sucede com os aluguéis de temporada que podem ser exigidos antecipadamente e de uma só vez art 20 da atual Lei do Inquilinato Lei n 824591 A referida lei veda a estipulação do aluguel em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo art 17 não admitindo a exigência de pagamento antecipado salvo a exceção apontada no citado dispositivo A falta de pagamento do aluguel enseja ao locador o direito de cobrálo sob a forma de execução CPC art 585 IV ou de pleitear a resolução do contratante tanto no direito comum quanto no regime especial do inquilinato mediante ação de despejo 16 Vale destacar a possibilidade prevista na Lei n 824591 de qualquer das partes pedir a revisão judicial da importância do aluguel com a finalidade de readequálo ao justo valor praticado no mercado Tratase do seu art 19 que preceitua in verbis Art 19 Não havendo acordo o locador ou locatário após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado poderão pedir revisão judicial do aluguel a fim de ajustálo ao preço de mercado 4 CARACTERÍSTICAS Fixado o conceito e compreendidos os elementos essenciais do contrato de locação de coisas é hora de enunciar suas principais características Tradicionalmente prevista nas codificações brasileiras a locação sempre foi um contrato típico e nominado Tratase de um contrato bilateral e individual uma vez que implica direitos e obrigações para ambos os contratantes locador e locatário individualmente considerados É um contrato essencialmente oneroso haja vista que ao benefício recebido corresponde um sacrifício patrimonial entrega da coisa ou pagamento do preço Como tais obrigações se equivalem conhecendo pois os contratantes ab initio as suas respectivas prestações consiste em um contrato comutativo enquadrandose também no conceito de contrato evolutivo Pode ser pactuado tanto na forma paritária como por adesão É contrato de ampla utilização nas relações civis comerciais e consumeristas sendo também utilizado supletivamente em relações administrativas e inaplicável para as avenças trabalhistas no que tange ao exercício da atividade laboral Quanto à forma tratase de um contrato consensual e não solene uma vez que se concretiza com a simples declaração de vontade não exige forma especial podendo ser convencionado por escrito ou verbalmente Registrese porém que se por acaso for exigida uma fiança a lógica impõe que o contrato principal de locação seja escrito uma vez que ficaria extremamente estranho haver um acessório formal de um contrato não solene Não pode ser considerado personalíssimo especialmente em virtude da previsão do art 577 do CC2002 17 que admite a transferência da avença contratual no caso de falecimento do locador ou do locatário aos seus herdeiros Ademais a possibilidade jurídica de ser cedido ou sublocado também é um elemento que reforça o caráter não personalíssimo deste contrato Nada impede porém que se estabeleça expressamente a impossibilidade de cessão e sublocação emprestandolhe efeito intuitu personae O tempo como exposto é um elemento essencial no contrato de locação consistindo em um típico contrato de duração Tal duração pode ser determinada ou indeterminada na medida em que haja ou não previsão expressa de termo final ou condição resolutiva a limitar a eficácia do contrato O que não se admite em nosso sentir é a locação vitalícia Como a maciça maioria das figuras contratuais codificadas tratase de um contrato causal cuja invalidade pode ser declarada no caso de motivo inexistente ilícito ou imoral Pela sua função econômica consiste em um contrato de troca caracterizado pela permuta de utilidades econômicas Por fim tratase de um contrato principal e definitivo já que não depende de qualquer outra avença bem como não é preparatório de nenhum outro negócio jurídico 5 MODALIDADES A disciplina aqui estudada se refere precipuamente ao contrato de locação de bens móveis Isso porque como visto existem outras modalidades de locação regidas por normas diferenciadas merecedoras apenas de referência neste capítulo por escaparem conforme dissemos acima do seu objetivo A mais importante delas é a locação imobiliária urbana disciplinada pela Lei do Inquilinato Lei n 824591 norma que vem se mantendo após vários diplomas legais que tentaram regular a matéria valendo registrar que a vigente codificação civil pouco menciona sobre locação imobiliária Tal norma reguladora da locação imobiliária urbana abrange a disciplina da locação residencial urbana arts 46 e 47 a locação de temporada também denominada time sharing arts 48 a 50 e a locação não residencial incluída para fins comerciais arts 51 a 57 com a incorporação de regras do antigo Decreto n 2415034 A própria Lei n 824591 porém no parágrafo único do seu art 1º excluiu expressamente determinadas locações e situações assemelhadas a saber Art 1º A locação de imóvel urbano regulase pelo disposto nesta lei Parágrafo único Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais a as locações 1 de imóveis de propriedade da União dos Estados e dos Municípios de suas autarquias e fundações públicas 2 de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos 3 de espaços destinados à publicidade 4 em aparthotéis hotéisresidência ou equiparados assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar b o arrendamento mercantil em qualquer de suas modalidades Como observa SÍLVIO VENOSA os imóveis de propriedade do Estado União Estados e Municípios não se sujeitam a essa lei assim como os das respectivas autarquias e fundações O interesse público não permite que essas locações se sujeitem ao regime privado Os arrendamentos dos imóveis da União são regidos pelo Decretolei n 976046 e pelo Decretolei n 687444 18 Ainda no que tange às modalidades de locação na compreensão do parágrafo único do art 1º da Lei n 824591 outras importantes observações devem ser feitas As locações de vagas autônomas de garagem ou espaços para estacionamento são contratos atípicos que denotam características não somente da locação de coisas mas também dos contratos de depósito e prestação de serviços Registrese que as vagas de estacionamento ligadas a locação imobiliária já se encontram incluídas na disciplina do inquilinato Já os espaços destinados a publicidade encontram sua regência na própria codificação civil uma vez que sua finalidade é distinta da pretendida pela Lei n 824591 que objetiva disciplinar relações imobiliárias propriamente ditas Quanto aos aparthotéis hotéisresidência ou equiparados mencionados linhas acima ressalta SÍLVIO VENOSA A Lei do Inquilinato é expressa no excluir de seu alcance os aparthotéis hotéisresidência ou equiparados São novas formas jurídicas que florescem no mundo negocial Os aparthotéis possuem forma de ocupação diferenciada da locação A própria lei especifica que assim se entende os locais prestadores de serviços regulares a seus usuários e como tais estejam autorizados a funcionar O fenômeno merece atenção do legislador que ainda não regulou essa modalidade de ocupação de imóvel Pode ocorrer que embora o aparthotel esteja assim estruturado a ocupação se dê por contrato de locação destinado à moradia portanto alcançada a relação pela lei inquilinária Há necessidade de exame das circunstâncias do caso concreto Nos prédios destinados a essa modalidade de moradia o pagamento é feito sob a forma de diárias pois o contrato é de hospedagem e não de locação Se a relação não estiver submetida à lei do inquilinato a relação de hospedagem não está sujeita à ação de despejo sendo utilizável a possessória para a restituição do imóvel 19 Por fim o arrendamento mercantil leasing consiste em uma figura contratual autônoma que não se enquadra perfeitamente nas regras codificadas merecendo regras próprias e particularizadas valendo destacar a circunstância de que o preço que se paga não é uma simples locação mas sim um meio de pagamento parcial da coisa com finalidade de aquisição Cumpre destacar também que a locação para exploração agrícola ou pecuária de prédio rústico ou seja o arrendamento rural é regida pelo Estatuto da Terra Lei n 4504 de 30111964 aplicandose supletivamente o Código Civil conforme preceitua o 9º do art 92 do mencionado Estatuto 9º Para solução dos casos omissos na presente Lei prevalecerá o disposto no Código Civil 6 CONTEÚDO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES Neste tópico pretendemos dar uma visão geral do conteúdo do contrato de locação no que diz respeito aos direitos e obrigações das partes reciprocamente consideradas De fato se a todo direito corresponde uma obrigação parecenos razoável sistematizar esse tópico na divisão Obrigações do locador direitos do locatário e Obrigações do locatário direitos do locador Todavia registramos mais uma vez que sendo necessário faremos a indexação dos dispositivos codificados com as regras próprias da Lei do Inquilinato de forma a dar uma visão realmente abrangente sobre o tema Vamos conhecêlos 61 Obrigações do locador direitos do locatário Sobre as obrigações do locador estabelece o art 566 do CC2002 Art 566 O locador é obrigado I a entregar ao locatário a coisa alugada com suas pertenças em estado de servir ao uso a que se destina e a mantêla nesse estado pelo tempo do contrato salvo cláusula expressa em contrário II a garantirlhe durante o tempo do contrato o uso pacífico da coisa 20 Vejamos cada uma delas por partes 611 Entregar ao locatário a coisa alugada A primeira obrigação do locador é entregar ao locatário a coisa locada com suas pertenças em estado de servir ao uso a que se destina CC art 566 I primeira parte Lei n 824591 art 22 I Por mais óbvio que pareça é necessário afirmar tal dever pela circunstância de que o contrato de locação é uma fonte de obrigações que passam a ser exigíveis pela celebração do negócio jurídico e não um contrato real que somente se considera ultimado pela entrega da coisa Assim celebrado o contrato mas não cumprida tal obrigação básica do locador cabe não somente a resolução da avença mas também perdas e danos A obrigação de entregar ao locatário a coisa locada abrange evidentemente o dever de respeitar a vigência do contrato quando estipulado por duração determinada Sobre o tema determina o art 571 do CC2002 Art 571 Havendo prazo estipulado à duração do contrato antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultantes nem o locatário devolvêla ao locador senão pagando proporcionalmente a multa prevista no contrato Parágrafo único O locatário gozará do direito de retenção enquanto não for ressarcido A concepção de que se trata de um ato ilícito é evidente na previsão de ressarcimento de perdas e danos pelo locador bem como no outro lado da moeda o pagamento proporcional de multa pelo locatário Interessante é verificar a norma equivalente na Lei do Inquilinato a saber o seu art 4º que com a redação dada pela Lei n 12112 de 9 de dezembro de 2009 preceitua Art 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato não poderá o locador reaver o imóvel alugado O locatário todavia poderá devolvêlo pagando a multa pactuada proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato ou na sua falta a que for judicialmente estipulada 21 Parágrafo único O locatário ficará dispensado da multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência pelo seu empregador privado ou público para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato e se notificar por escrito o locador com prazo de no mínimo trinta dias de antecedência Vale registrar que a dispensa da multa no caso de transferência do locatário por decisão patronal justificase inteiramente tendo em vista que se trata tecnicamente de um ato superveniente imputável única e exclusivamente a terceiro Por fim registrese a regra do art 572 do CC2002 Art 572 Se a obrigação de pagar o aluguel pelo tempo que faltar constituir indenização excessiva será facultado ao juiz fixála em bases razoáveis Sobre tal novel prerrogativa do magistrado no controle de razoabilidade da indenização na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi aprovado o Enunciado n 179 com a seguinte redação Enunciado n 179 Art 572 A regra do art 572 do novo CC é aquela que atualmente complementa a norma do art 4º 2ª parte da Lei n 824591 Lei de Locações balizando o controle da multa mediante a denúncia antecipada do contrato de locação pelo locatário durante o prazo ajustado 612 Manter a coisa alugada no mesmo estado Não basta porém entregar a coisa com seus acessórios em perfeita condição de uso para o fim pactuado É também dever do locador manter o bem nesse estado pelo tempo do contrato salvo cláusula expressa em contrário CC arts 566 I segunda parte e 567 Lei n 824591 art 22 III e X Isso quer dizer no final das contas que é dever do locador fazer a manutenção do bem locado custeando todas as despesas necessárias para a sua conservação Tal dever contudo pode ser transferido ao locatário por força de previsão contratual o que decorre por certo do respeito à autonomia da vontade das partes Uma pergunta interessante diz respeito a quem cabe o pagamento das despesas condominiais na locação imobiliária urbana Isso porque por força de preceito legal a saber o art 23 XII da Lei n 824591 as despesas ordinárias de manutenção e conservação de condomínio na locação imobiliária urbana são atribuídas no silêncio da previsão contratual ao locatário e não ao locador A regra em que pese sua ampla utilização na prática das relações sociais é incoerente em nossa visão com a natureza propter rem das obrigações condominiais sendo decorrente talvez de certo favorecimento ao locador na vigente Lei do Inquilinato Afinal de contas encerrado o contrato de locação e havendo inadimplemento da despesa condominial não temos dúvida de que o proprietário responderá diretamente pela dívida independentemente do ajuizamento de ação regressiva em face do agora exlocatário Mais lógico seria que a lei explicitasse e mantivesse a obrigação de pagamento das despesas ordinárias com o locador admitindo a possibilidade de inversão desta responsabilidade por expressa previsão contratual tal como consta com outras obrigações propter rem por exemplo o inciso VIII do art 22 pagar os impostos e taxas e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel salvo disposição expressa em contrário no contrato grifos nossos do mesmo texto legal Tal circunstância gerou em nosso sentir uma pequena atecnia ou mesmo incoerência no texto da Lei do Inquilinato De fato estabelece o art 25 da Lei n 824591 Art 25 Atribuída ao locatário a responsabilidade pelo pagamento dos tributos encargos e despesas ordinárias de condomínio o locador poderá cobrar tais verbas juntamente com o aluguel do mês a que se refiram Parágrafo único Se o locador antecipar os pagamentos a ele pertencerão as vantagens daí advindas salvo se o locatário reembolsálo integralmente O texto guarda uma antinomia porque poucos momentos antes no mencionado art 23 XII já atribuiu ao locatário a responsabilidade pelas despesas ordinárias de condomínio gerando dúvida na interpretação do dispositivo notadamente no campo de seu alcance Afinal não são as partes que atribuem a responsabilidade pelas referidas despesas mas a própria norma legal Superase porém a incerteza apontada com a vivência na área em que mesmo não se exigindo previsão contratual nesse sentido por força da aplicação do preceito legal aludido é extremamente comum a estipulação de cláusula que atribui a responsabilidade final pelo pagamento do condomínio ao locatário A regra do art 25 tem por fito apenas facilitar a cobrança da despesa do locatário pelo locador seja extrajudicialmente v g no mesmo boleto bancário seja judicialmente com a cumulação objetiva de pedidos 22 Como consequência lógica do dever fundamental do locador pela manutenção da coisa alugada estabelece o art 567 do CC2002 Art 567 Se durante a locação se deteriorar a coisa alugada sem culpa do locatário a este caberá pedir redução proporcional do aluguel ou resolver o contrato caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava Da mesma forma preceitua o art 26 da Lei n 824591 Art 26 Necessitando o imóvel de reparos urgentes cuja realização incumba ao locador o locatário é obrigado a consentilos Parágrafo único Se os reparos durarem mais de dez dias o locatário terá direito ao abatimento do aluguel proporcional ao período excedente se mais de trinta dias poderá resilir o contrato Tal direito do locatário e dever do locador é decorrência evidente do princípio da equivalência material das prestações no campo das relações bilaterais sinalagmáticas sendo próprio também da existência de uma equação financeira do contrato como um contrato evolutivo na classificação propugnada por ARNOLDO WALD 23 613 Garantir o uso pacífico da coisa Por fim a terceira obrigação fundamental do locador é garantir ao locatário durante o tempo do contrato o uso pacífico da coisa De fato se a propriedade da coisa locada pelo locador não é um requisito indispensável para a celebração do contrato de locação indubitavelmente a posse mansa e pacífica o é pois somente é razoável admitir a transferência temporária da prerrogativa de uso se não há questionamentos quanto a esta condição É corolário dessa obrigação a responsabilidade do locador por exemplo pelos vícios redibitórios da coisa locada Neste diapasão estabelece o art 568 do CC2002 art 22 IV da Lei n 824591 Art 568 O locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada e responderá pelos seus vícios ou defeitos anteriores à locação 62 Obrigações do locatário direitos do locador Sobre as obrigações do locatário estabelece o art 569 do CC2002 Art 569 O locatário é obrigado I a servirse da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos conforme a natureza dela e as circunstâncias bem como tratála com o mesmo cuidado como se sua fosse II a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados e em falta de ajuste segundo o costume do lugar III a levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros que se pretendam fundadas em direito IV a restituir a coisa finda a locação no estado em que a recebeu salvas as deteriorações naturais ao uso regular 24 Façamos tal qual no subtópico anterior a análise sistematizada de tais obrigações 621 Servirse da coisa alugada para os usos contratados A primeira parte do inciso I do art 569 do Código Civil estabelece a obrigação de o locador servir se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos conforme a natureza dela e as circunstâncias Isso decorre da natureza causal do contrato de locação sendo o desvio da finalidade pactuada um ilícito contratual que autoriza não somente a resolução da avença mas também a demanda por perdas e danos Nesse tom estabelece o art 570 do CC2002 Art 570 Se o locatário empregar a coisa em uso diverso do ajustado ou do a que se destina ou se ela se danificar por abuso do locatário poderá o locador além de rescindir o contrato exigir perdas e danos Registrese no particular que a expressão mais adequada seria resolver o contrato traduzindo a dissolução da avença em caso de inadimplemento 622 Tratar a coisa alugada como se sua fosse Um segundo dever contratual do locatário gerando direito ao locador é tratar a coisa locada com o mesmo cuidado como se sua fosse A expressão do texto legal é bem ilustrativa para exprimir a ideia de que o locatário deve ter o máximo cuidado no lidar com a coisa objeto do contrato de locação Todavia ousando corrigir o texto codificado consideramos mais didático afirmar que na verdade deve o locatário tratar o bem locado melhor do que se fosse seu uma vez que se seu fosse ato ilícito algum cometeria em princípio se o destruísse o que definitivamente não pode ser feito na locação em que a restituição da coisa é também um dever contratual 623 Pagar pontualmente o aluguel A mais evidente obrigação do locatário é sem a menor sombra de dúvida pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados e em falta de ajuste segundo o costume do lugar O pagamento pela locação como exposto é normalmente pósretributivo ou seja pago após o início do uso e gozo do bem podendo porém ser estabelecido de forma diversa No campo da locação imobiliária estabelece o art 20 da Lei n 824591 25 a vedação do pagamento antecipado do aluguel salvo para as hipóteses de ausência de garantia locatícia caução fiança seguro de fiança locatícia ou cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento 26 e de locação para temporada 27 Vale destacar que o art 39 da mesma lei com a redação dada pela Lei n 12112 de 9 de dezembro de 2009 estabelece que salvo disposição contratual em contrário qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado por força desta Lei 624 Levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros Como vimos no subtópico 613 é dever do locador garantir o uso pacífico da coisa resguardando o locatário dos embaraços e turbações de terceiros sendo direito do locatário exigir o cumprimento de tal obrigação Por força do dever acessório de assistência colaboração ou cooperação decorrente do princípio da boafé objetiva aos contratantes cabe colaborar para o correto adimplemento das prestações oriundas do pactuado principal em toda a sua extensão Assim não há dúvida de que é dever consectário do locatário levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros que se pretendam fundadas em direito para que o locador providencie as diligências necessárias para a defesa da coisa locada Nada impede outrossim que o próprio locatário na qualidade de titular da posse direta da coisa também possa ajuizar os interditos possessórios cabíveis sem exclusão da legitimidade do locador possuidor indireto do bem 625 Restituir a coisa finda a locação no estado em que a recebeu É característica fundamental do contrato de locação que o diferencia inclusive de outras figuras contratuais a devolução ao locador da coisa locada ao término do contrato Assim é obrigação fundamental do locatário sendo direito do locador restituir a coisa finda a locação no estado em que a recebeu salvas as deteriorações naturais ao uso regular Neste dever é evidente que se pressupõe a devida conservação da coisa locada obrigação já explicitada no subtópico 622 deste capítulo admitindose obviamente não somente as deteriorações naturais pelo uso mas também pelo decurso inexorável do tempo 7 A INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS NA COISA LOCADA Sendo a locação um típico contrato de duração é perfeitamente natural que no uso cotidiano da coisa benfeitorias sejam feitas pelo locatário No campo das locações em geral estabelece o art 578 do CC2002 Art 578 Salvo disposição em contrário o locatário goza do direito de retenção no caso de benfeitorias necessárias ou no de benfeitorias úteis se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador 28 Notese portanto que apenas subsidiariamente são aplicadas as regras legais prevalecendo pois o quanto pactuado entre as partes segundo o princípio da autonomia privada 8 DIREITO DE RETENÇÃO Com a finalidade de proporcionar garantia maior para o credor estimulando o devedor ao cumprimento de suas obrigações prevê o ordenamento jurídico um meio de autotutela Tratase do direito de retenção que consiste na prerrogativa de o credor manter sob sua posse direta bem do devedor até que este cumpra a prestação a que está obrigado Cuidase em nossa visão de um direito potestativo por meio do qual o seu titular força o cumprimento de uma prestação que lhe é devida mediante justificada negativa de devolução da coisa No caso das benfeitorias necessárias ou se autorizadas das úteis vimos que o art 578 do CC2002 já autorizava esta forma de autodefesa Todavia esta prerrogativa foi ampliada no novo ordenamento jurídico civil Com efeito se na codificação passada a previsão era restrita na locação às mencionadas benfeitorias agora também é possível o locatário se valer de tal direito na hipótese de extinção antecipada do contrato de duração determinada conforme previsão do já aludido parágrafo único do art 571 29 9 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO A extinção natural do contrato de locação se dá com o advento do seu termo final por aplicação do já analisado art 573 do CC2002 No campo das relações imobiliárias estabelecem os já transcritos arts 46 e 47 da Lei n 824591 Art 46 Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado independentemente de notificação ou aviso 1º Findo o prazo ajustado se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador presumir seá prorrogada a locação por prazo indeterminado mantidas as demais cláusulas e condições do contrato 2º Ocorrendo a prorrogação o locador poderá denunciar o contrato a qualquer tempo concedido o prazo de trinta dias para desocupação Art 47 Quando ajustada verbalmente ou por escrito e com prazo inferior a trinta meses findo o prazo estabelecido a locação prorroga se automaticamente por prazo indeterminado somente podendo ser retomado o imóvel I nos casos do art 9º II em decorrência de extinção do contrato de trabalho se a ocupação do imóvel pelo locatário estiver relacionada com o seu emprego III se for pedido para uso próprio de seu cônjuge ou companheiro ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha assim como seu cônjuge ou companheiro de imóvel residencial próprio IV se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público que aumentem a área construída em no mínimo vinte por cento ou se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão em cinquenta por cento V se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos 1º Na hipótese do inciso III a necessidade deverá ser judicialmente demonstrada se a o retomante alegando necessidade de usar o imóvel estiver ocupando com a mesma finalidade outro de sua propriedade situado na mesma localidade ou residindo ou utilizando imóvel alheio já tiver retomado o imóvel anteriormente b o ascendente ou descendente beneficiário da retomada residir em imóvel próprio 2º Nas hipóteses dos incisos III e IV o retomante deverá comprovar ser proprietário promissário comprador ou promissário cessionário em caráter irrevogável com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo É possível porém como visto a extinção antecipada com os ônus correspondentes na forma do art 571 do CC2002 e art 4º da Lei n 824591 A resilição bilateral amigável também é plenamente possível para a extinção do contrato de locação Na hipótese de locação por duração indeterminada é possível portanto a resilição unilateral desde que a parte interessada notifique a outra com prazo razoável sob pena de incidência dos efeitos da mora Tratase da denúncia vazia do contrato de locação entendida esta como a extinção por iniciativa unilateral sem necessidade de justificação legal mas sim como decorrência da manifestação da vontade da parte Lembremos neste aspecto a regra do art 6º da Lei n 824591 aplicável à extinção unilateral do contrato de locação imobiliária por prazo indeterminado por iniciativa do locatário Art 6º O locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador com antecedência mínima de trinta dias Parágrafo único Na ausência do aviso o locador poderá exigir quantia correspondente a um mês de aluguel e encargos vigentes quando da resilição A morte do locador ou do locatário por sua vez não gera efeito extintivo da locação tanto na previsão codificada do art 577 do CC2002 quanto na dos arts 10 e 11 da Lei do Inquilinato 30 Vale registrar que no caso de modificação do estado civil seja do locatário seja do locador não ocorrerá tecnicamente a extinção do contrato de locação mas a sua cessão com a subrogação dos direitos e deveres É a regra do art 12 com a redação dada pela Lei n 12112 de 9 de dezembro de 2009 da Lei n 824591 Art 12 Em casos de separação de fato separação judicial divórcio ou dissolução da união estável a locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel 1º Nas hipóteses previstas neste artigo e no art 11 a subrogação será comunicada por escrito ao locador e ao fiador se esta for a modalidade de garantia locatícia 2º O fiador poderá exonerarse das suas responsabilidades no prazo de 30 trinta dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo subrogado ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 cento e vinte dias após a notificação ao locador Salientese ainda que sobre o tema da extinção do contrato de locação imobiliária urbana o art 9º da Lei n 824591 preceitua Art 9º A locação também poderá ser desfeita I por mútuo acordo II em decorrência da prática de infração legal ou contratual III em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos IV para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou podendo ele se recuse a consentilas O descumprimento das obrigações do locador e do locatário em qualquer das modalidades de locação pode ensejar a sua resolução sem prejuízo das perdas e danos correspondentes Por fim destaquemos outra regra específica da Lei do Inquilinato Art 7º Nos casos de extinção de usufruto ou de fideicomisso a locação celebrada pelo usufrutuário ou fiduciário poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para a desocupação salvo se tiver havido aquiescência escrita do nuproprietário ou do fideicomissário ou se a propriedade estiver consolidada em mãos do usufrutuário ou do fiduciário Parágrafo único A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados da extinção do fideicomisso ou da averbação da extinção do usufruto presumindose após esse prazo a concordância na manutenção da locação 31 O usufruto é um direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa enquanto temporariamente destacado da propriedade já o fideicomisso é uma disposição testamentária por meio da qual o testador institui alguém chamado fiduciário como seu herdeiro ou legatário recebendo bens em propriedade resolúvel limitada no plano da eficácia por termo ou condição o que inclui inclusive a própria possibilidade de morte do fiduciário transferindose os bens com o advento do fator eficacial a outra pessoa nomeada denominada fiduciária Comentando o referido dispositivo ainda na vigência do Código Civil brasileiro de 1916 observava SÍLVIO VENOSA O projeto original desta lei trazia neste artigo o 1º com esta redação Denunciada a locação após o decurso do prazo e até a desocupação o locatário responderá também pela cominação arbitrada na comunicação a qual não poderá exceder o valor da obrigação principal Cuidavase do aluguelmulta que não prosperou na lei vigente A inspiração do dispositivo residia na orientação do art 1196 do Código Civil Sob a égide da lei revogada houve jurisprudência que admitia a aplicação de aluguelmulta arbitrado pelo locador nas hipóteses de denúncia vazia É lícito ao locador arbitrar aluguel a ser pago pelo inquilino que deixa de restituir o imóvel após regular notificação mas dentro dos limites estabelecidos pelo art 920 do Código Civil 6ª Câmara do 2º TACSP Apelação com revisão 247491 no mesmo sentido RT 639132 Essa orientação de parte da jurisprudência visava justamente coibir o abuso por parte do inquilino e seu injusto enriquecimento motivado pela demora no julgamento definitivo dos despejos Como a apelação nesses casos era recebida em ambos os efeitos a suspensão da execução do despejo por muitos meses e até anos desmoralizava a atribuição da justiça e colocava o locador em posição de extrema inferioridade Como basicamente a chamada denúncia vazia servia para as locações não residenciais a manutenção do inquilino no imóvel explorando uma atividade lucrativa com aluguel geralmente aviltado trazia restrição sumamente injusta ao direito de propriedade do locador A dificuldade maior nessas hipóteses era a fixação justa do aluguelpena Havia um sentido altamente moralizador na norma a qual no entanto não resistiu à redação definitiva O parágrafo excluído por outro lado merecia crítica já que dúvidas persistiriam no tocante ao montante da multa e sua forma de cobrança Haveria dificuldades naquela redação do que se entenderia como obrigação principal A referência ao art 920 do Código Civil demonstrava que o legislador pretendia sem dúvida abrir a possibilidade ao locador de fixar multa cominação dizia a lei quando do decurso de prazo da denúncia O referido art 920 dispõe O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal Ao suprimir esta possibilidade de aluguelmulta o legislador certamente levou em conta que na atual lei há maior agilização na efetivação dos despejos mormente pela exclusão do efeito suspensivo dos recursos interpostos contra as sentenças Com isso uma vez declarado o despejo não haverá o longo tempo do trâmite processual recursal para a desocupação do imóvel o que torna desnecessária a fixação de uma pena Assim na nova lei passa a não ser mais defensável a persistência de aplicação do art 1196 do Código Civil 32 XXVIII EMPRÉSTIMO 1 INTRODUÇÃO Emprestar não deixa de ser um ato de benevolência Pelo menos deveria ser assim uma vez que a lei divina de convivência fraterna entre homens de boa vontade nos ensina que não devemos ser egoístas nem guardarmos apego demais às coisas materiais e terrenas Afinal de contas o que se leva dessa vida senão a própria vida que levamos O sentido deste vocábulo entretanto para o Direito não tem a mesma significação que lhe dá o uso coloquial consoante arguta observação de CARVALHO DE MENDONÇA O vocábulo vulgar empréstimo não tem em direito a mesma significação técnica No primeiro sentido ele exprime a entrega de um objeto a alguém que assume a obrigação implícita de o restituir em um prazo mais ou menos determinado Não se trata porém de distinguir a natureza do objeto nem a forma da restituição Assim tanto se diz emprestar um cavalo ou emprestar dinheiro como emprestar um prédio O direito ao contrário partindo da forma por que deve ser feita a restituição considera o empréstimo sob dois pontos de vista e o ramifica em dois institutos que são na verdade inconfundíveis o mútuo e o comodato 33 Nesse contexto a economia e a história da humanidade demonstraram ao longo dos séculos que nem sempre se persegue em tais contratos especialmente o mútuo a realização de um benefício podendo também existir acentuado escopo especulativo tornandose um fabuloso instrumento de riqueza para algumas classes É o caso do mútuo a juros feneratício Assim cuidaremos neste capítulo das duas modalidades de contratos de empréstimo o comodato arts 579 a 585 do CC2002 e o mútuo arts 586 a 592 do CC2002 com as suas principais características dando ênfase à finalidade social e ao tratamento dispensado à matéria pelo Código Civil vigente De logo e já concluindo este tópico introdutório advertimos não ter havido mudanças de fundo no tratamento legal dispensado pelo Código Civil de 2002 se o cotejarmos com a legislação revogada conforme também observou CHRISTINE OLIVEIRA PETER DA SILVA Uma análise comparativa entre o Código de 1916 e o de 2002 voltada para o contrato de empréstimo nas suas duas modalidades mútuo e comodato permite a conclusão de que em grandes linhas as alterações restringiramse a adaptações do vernáculo supressão e mudança de algumas expressões da língua portuguesa inadequadas aglutinação de disposições e supressões de dispositivos obsoletos 34 Passemos portanto direto para a análise das duas modalidades de empréstimo a começar pela primeira positivada o comodato 2 COMODATO Neste tópico abordaremos o contrato de comodato que se refere ao empréstimo de coisas infungíveis empréstimo de uso 21 Histórico e conceito Segundo WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO a expressão comodato originouse provavelmente da locução latina commodum datum sendo essa ainda modernamente a sua essência Aliás segundo as ordenações o comodato era assim chamado porque se dava a coisa para cômodo e proveito daquele que a recebia 35 Já no âmbito do direito comparado o Código Civil português diploma que mais influenciou a redação do nosso Código de 2002 definiu o comodato em seu art 1129 nos seguintes termos Art 1129 Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa móvel ou imóvel para que se sirva dela com a obrigação de a restituir Seguindo a mesma linha embora com redação diferente o nosso Código por sua vez estabelece Art 579 O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis Perfazse com a tradição do objeto Assim observamos que o comodato é um negócio jurídico unilateral e gratuito por meio do qual uma das partes comodante transfere à outra comodatário a posse de um determinado bem móvel ou imóvel com a obrigação de o restituir Tratase pois consoante definiu o legislador do empréstimo gratuito de um bem infungível ou seja insubstituível É o que ocorre quando alguém cede o uso do seu apartamento bem infungível a um amigo impondolhe a obrigação de devolver Claro está que se trata de uma figura contratual especialmente assentada no princípio da lealdade contratual boafé objetiva pois parte do pressuposto de que o dono da coisa comodante confia no beneficiário do empréstimo comodatário Aliás é bom que se afirme que o comodato opera apenas a transferência da posse da coisa e não da propriedade razão por que podemos afirmar sem risco de erro que o comodatário é titular de uma simples posse precária ou seja de favor podendo ser compelido à restituição a qualquer tempo E é o próprio CLÓVIS BEVILÁQUA quem bem define a posse precária figurando exemplo perfeitamente aplicável à figura do comodato É perfeitamente lícita a concessão da posse de uma coisa a título precário isto é para ser restituída quando o proprietário a reclamar 36 Notase pois nessa linha de intelecção que a posse exercida pelo comodatário por ser de natureza instável e sem animus domini intenção de atuar como dono poderá durar por tempo indeterminado sem que se consume a prescrição aquisitiva oriunda do usucapião Em outras palavras por estar exercendo uma posse simplesmente de favor o comodatário não poderá usucapir o bem Entretanto caso o proprietário notifiqueo para que devolva a coisa e a restituição seja negada a partir daí começa a fluir o prazo prescricional em favor do prescribentecomodatário uma vez que tendo afrontado o verdadeiro dono passou a atuar como se proprietário fosse Finalmente é bom que se diga que o comodato pode despontar no bojo de uma relação de consumo como aquela travada entre o assinante de TV a cabo e a empresa prestadora do serviço No caso o equipamento é fornecido ao consumidor a título de empréstimo de uso valendo salientar que o assinante deverá ser devidamente informado acerca de todas as cláusulas contratuais muitas vezes omitidas no superficial contato via telemarketing e além disso gozará da ampla proteção dispensada pelo Código de Defesa do Consumidor 22 Características O contrato de comodato é uma forma contratual típica e nominada que possui as seguintes características a real já anotamos que o contrato real é aquele que só se torna perfeito com a entrega da coisa de uma parte à outra É o que ocorre no caso do comodato O contrato em si somente se considera concluído quando o comodante entrega o bem ao comodatário Tratase pois de um pressuposto existencial específico deste tipo de negócio a exemplo do que ocorre com o penhor e o depósito A respeito deste tema invocamos a doutrina de ORLANDO GOMES O comodato é contrato real Só se perfaz com a entrega da coisa A convenção em que se estipule a obrigação de emprestar coisa não fungível é promessa de comodato Só é comodato aquela em que se cede o uso da coisa e não a em que se promete cedêlo 37 b unilateral pois apenas o comodatário posto experimente benefício assume obrigação em face do comodante deverá guardar e conservar a coisa como se fosse sua devendo restituíla ao final do contrato ou quando o comodante o exigir conforme veremos abaixo c gratuito em outras palavras é um contrato benéfico pois apenas o comodatário experimenta benefício uma vez que poderá usar e possuir coisa alheia infungível d fiduciário este adjetivo no dizer de AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA traduz a ideia de confiança 38 E de fato o contrato de comodato traz ínsito em grau mais sensível do que a média dos outros contratos o imperativo ético de lealdade e confiança recíprocas dever jurídico anexo derivado do princípio da boafé A essa conclusão chegamos com certa facilidade quando observamos que o comodante nesta modalidade negocial despojase da posse daquilo que lhe pertence para favorecer a outra parte Força é convir que não costumamos emprestar algo a quem não nos inspira confiança e temporário o comodato por gerar mero direito pessoal é essencialmente temporário não se transmitindo aos herdeiros do comodatário Aliás raciocínio contrário desembocaria na dilatada e absurda privação do direito real do comodante O prazo de sua vigência poderá vir estipulado no contrato ou caso este seja omisso será o necessário para o uso concedido conforme veremos no próximo tópico f intuitu personae o comodato é contrato personalíssimo de natureza individual pois é pactuado em atenção à pessoa do comodatário embora esta característica possa ser afastada pela vontade das partes Finalmente devemos anotar a possibilidade de ser aposto ao comodato um encargo ou modo caracterizando o denominado comodato modal cuja exemplificação é feita com precisão por SÍLVIO VENOSA Fabricante empresta prateleiras refrigeradores e dispositivos de divulgação a fim de que o comerciante exponha e venda os produtos de sua fabricação municipalidade empresta imóvel para ser utilizado como centro esportivo distribuidora de derivados de petróleo fornece equipamentos tais como bombas elevadores de veículos compressores etc desde que o posto de serviços de veículos comercialize unicamente produtos de sua bandeira etc 39 Pela sua unilateralidade a classificação dos contratos em comutativos ou aleatórios bem como de contratos evolutivos não lhe é aplicável A depender das circunstâncias podese materializar tanto como um contrato paritário quanto por adesão É contrato amplamente utilizado nas relações civis comerciais e consumeristas não sendo muito comum nas administrativas e inaplicável nas trabalhistas salvo de forma indireta quando decorrente da relação de trabalho 40 Quanto à forma é uma avença não solene uma vez que a forma é livre para a validade da estipulação contratual Tratase por fim como a maioria das formas contratuais previstas no Código Civil brasileiro de um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais Pela função econômica tratase de um contrato de crédito posto sui generis pois caracterizado pela obtenção de um bem para ser restituído posteriormente calcada na confiança dos contratantes podendo estar relacionado a um interesse de obtenção de uma utilidade econômica em tal transferência de posse Por fim tratase de um contrato principal e definitivo sendo possível falar de uma promessa de empréstimo contrato preliminar 23 Prazo do contrato Vimos acima que o comodato é um contrato essencialmente temporário conforme demonstra o art 581 do Código Civil Art 581 Se o comodato não tiver prazo convencional presumirselheá o necessário para o uso concedido não podendo o comodante salvo necessidade imprevista e urgente reconhecida pelo juiz suspender o uso e gozo da coisa emprestada antes de findo o prazo convencional ou o que se determine pelo uso outorgado Da leitura do artigo de lei depreendese que o mais comum seja a fixação de prazo para o comodato não obstante permita a norma legal que o contrato não tenha prazo determinado caso em que se presumirá o necessário para o uso concedido Assim a título de ilustração imaginemos que Jazon dono de um belo apartamento situado na costa de Salvador houvesse emprestado o imóvel a Oliveiros seu primo que se encontrava acometido de pneumonia a fim de que este convalescesse mais rapidamente em virtude da benéfica influência da brisa do mar Ora posto não houvesse sido fixado prazo contratual este será o razoavelmente necessário para o uso concedido ou seja até a convalescença do comodatário Veja pois o nosso caro amigo leitor a demonstração da afirmativa que fizemos acima no sentido de tratarse de um contrato acentuadamente fiduciário ou seja calcado na lealdade e confiança entre as partes contratantes como decorrência da cláusula geral de boafé objetiva Aliás nesse particular não é demais lembrar a preleção sempre oportuna de NELSON NERY JR A boafé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta de modo que deve agir como um ser humano reto vale dizer com probidade honestidade e lealdade 41 E é este comportamento que se espera especialmente do comodatário beneficiário do contrato sob estudo Em geral o comodato verbal é feito por prazo indeterminado devendo o comodante comunicar ao comodatário acerca da devolução o que pode ser feito por meio de notificação judicial ou extrajudicial É o caso por exemplo do professor que empresta livros para seus orientandos pesquisarem do colega que empresta seu caderno a outro para tirar cópias ou do amigo ou irmão que empresta uma casa ou um carro para outro Já em outra oportunidade o próprio STJ firmou o entendimento de que se o contrato de comodato fora pactuado a prazo determinado dispensase a constituição do devedor em mora e consequentemente a sua notificação Nada impede entretanto que o comodante notifiqueo embora não seja obrigado a tanto por força do termo de devolução fixado Em qualquer caso se o comodatário não proceder com a restituição da coisa poderá ter contra si ajuizada ação de reintegração de posse Retomando agora a análise do mencionado art 581 vale notar que haja prazo determinado ou seja este o necessário para o uso concedido poderá o comodante em caráter excepcional e a qualquer tempo provando necessidade imprevista e urgente reconhecida pelo juiz suspender o uso e gozo da coisa emprestada A necessidade imprevista e urgente referida no enunciado normativo traduz uma expressão de conceito aberto ou indeterminado que dá ao juiz ampla margem de atuação discricionária no seu preenchimento o que não significará brecha para abuso ou arbitrariedade uma vez que tal atividade de integração deverá sempre ser limitada por valores constitucionais especialmente pela função social do contrato e pelo postulado axial de valorização da dignidade da pessoa humana Em conclusão devemos observar que o comodato diferentemente do que ocorre no usufruto ou na superfície 42 não gera direito real mas sim e tão somente direito pessoal ao comodatário caracterizado por uma natural transitoriedade 24 Partes e objeto No decorrer deste capítulo pudemos constatar que são partes no contrato de comodato o comodante proprietário da coisa emprestada e o comodatário beneficiário do contratopossuidor da coisa Não podem figurar como comodantes nesse contrato as pessoas mencionadas no art 580 do Código Civil Art 580 Os tutores curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato sem autorização especial os bens confiados à sua guarda Não se trata no caso de incapacidade mas sim de falta de legitimidade para dar em comodato Isto é pesa contra tais pessoas um impedimento circunstancial ou específico criado pelo legislador com o escopo de proteger o interesse de pessoas em situação especial como os tutelados ou curatelados O objeto por excelência do contrato de comodato são as coisas infungíveis ou seja que não se podem substituir por outras do mesmo gênero quantidade e qualidade independentemente do valor Ex o empréstimo de um apartamento um livro ou uma caneta Tratase pois de coisas específicas individualizadas A doutrina admite no entanto o empréstimo de coisas fungíveis e consumíveis contanto que o comodatário as conserve intactas para em seguida restituílas no mesmo estado em que as recebeu 43 é o denominado comodato ad pompam vel ostentationem cuja raiz remonta ao Direito Romano Imagine se a título de exemplo que Caio peça a título de empréstimo à sua amiga Charlot dona de um buffet de alto luxo um peru assado apenas para a ornamentação de uma mesa durante duas horas Ao final do prazo será devolvido o mesmo peru ao comodante Tratase pois de uma espécie de comodato apenas para ornamentação 25 Direitos e obrigações das partes Já vimos acima que o contrato de comodato é essencialmente unilateral impondo pois ao comodatário a precípua obrigação de restituir a coisa quando lhe for reclamada Mas o comodatário a quem fora confiado o bem emprestado deverá ainda usálo de conformidade com o contrato ou a sua natureza conservando o bem como se seu próprio fosse art 582 do CC2002 e ainda salvaguardandoo de eventuais riscos de destruição total ou parcial pela ocorrência de caso fortuito ou de força maior art 583 do CC2002 Caso não utilize corretamente a coisa causando dano ao seu proprietário deverá indenizálo segundo as regras da responsabilidade civil contratual Vale lembrar inclusive que tratandose de responsabilidade civil contratual a culpa do comodatário é presumida cabendolhe o ônus da prova de que o fato ocorreu sem concorrência de sua culpa É interessante salientar a referência feita no art 583 no sentido de caso o comodatário pretenda antepor a salvação de objeto seu em detrimento do direito do comodante responderá pelo dano ocorrido ainda que proveniente de evento acidental Figurese a hipótese de a casa do comodatário estar em chamas em virtude de um curtocircuito ocasional Se ao retirar os pertences das chamas o comodatário der primazia aos seus deixando para trás os pertence do comodante responderá pelo dano ocorrido É óbvio que se dano decorreu todavia de comportamento culposo ou doloso seu deverá também compensar a vítima A regra é extremamente dura e assemelhase àquela prevista para o contrato estimatório já estudado anteriormente art 535 do CC2002 Pretendeu o legislador sem sombra de dúvida evitar fraudes impondo ao tomador do empréstimo a redobrada cautela e extrema responsabilidade de salvaguardar aquilo que não lhe pertence em face da eventual consumação de um risco Todavia em nosso sentir e invocando um juízo de ponderação e bom senso entendemos que esse dispositivo somente será aplicado caso o comodatário anteponha a salvação dos seus objetos abandonando os do comodante consoante se observa do enunciado normativo constante no referido artigo de lei Art 583 Se correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante responderá pelo dano ocorrido ainda que se possa atribuir a caso fortuito ou força maior grifamos Ora diante disso é forçoso convir que tratandose de evento fortuito se o comodatário não teve tempo chance ou oportunidade de salvar objeto algum mas apenas a sua própria vida e a de sua família responsabilidade nenhuma lhe poderá ser imposta por constatarmos que tal situação desbordaria do âmbito de previsão normativa É claro que ressaltese o ônus da prova de tal circunstância cabe ao comodatário e não ao comodante proprietário da coisa perdida Em outras palavras haverá para o tomador do empréstimo a obrigação de pagar perdas e danos apenas e tão somente na hipótese de preterir os bens do comodante aos seus quando da situação de risco em que se encontrava À conclusão semelhante chegou o grande civilista WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO Se o comodante efetua o empréstimo e a casa onde se acha o objeto dele vem a ser destruída por incêndio por exemplo evidentemente não está o comodatário obrigado a arriscar a própria vida para salvar a coisa emprestada em tal conjuntura ocorre caso fortuito ou força maior que libera o comodatário da obrigação de restituir Todavia se o comodatário tem a alternativa de salvar objetos da sua propriedade e a coisa dada em comodato manda a lei que primeiramente proceda ao salvamento desta Se ele antepuser porém os próprios bens ficará obrigado a ressarcir os prejuízos do comodante 44 Portanto caso configurada a responsabilidade do comodatário por aplicação do art 583 poderíamos concluir estar excepcionada a milenar regra res perit domino segundo a qual a coisa pereceria para o próprio dono uma vez que o prejuízo resultante da consumação do risco não seria experimentado pelo proprietário mas sim pelo mero possuidor da res o comodatário Vale notar ainda que uma vez constituído em mora o que ocorre em geral por meio de notificação a segunda parte do art 582 impõe ao comodatário o pagamento de um aluguel arbitrado pelo comodante até que efetive a devolução correndo ainda contra si os riscos pela destruição da coisa 45 Quanto à assunção do risco novidade não há pois uma vez configurada a mora o devedor assume a responsabilidade pela integridade da coisa mesmo por caso fortuito ou força maior nos termos do art 399 do CC caracterizando a denominada perpetuatio obligationis Importantes observações no entanto devem ser feitas quanto ao direito conferido ao comodante de arbitrar aluguel a ser pago pela outra parte enquanto a mora estiver configurada Primeiramente posto a lei faculte ao próprio comodante indicar este valor claro está que a sua fixação não poderá ser extorsiva sob pena de atuar abusivamente incorrendo na previsão normativa do art 187 do CC que define como ato ilícito o abuso de direito Art 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercêlo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes Deverá atuar pois de conformidade com os princípios da boafé objetiva e da função social do contrato art 422 Finalmente cumprenos observar que embora o legislador haja referido a palavra aluguel isso não quer dizer que o contrato de comodato haja se convertido em locação Não é nada disso A palavra aluguel vem aí empregada no sentido de perdas e danos ou seja deverá o comodatário indenizar o comodante em virtude da mora pois conforme sábia advertência de BARROS MONTEIRO o aluguel é apenas a maneira pela qual se indeniza o comodante dos prejuízos resultantes da mora entre os quais se inclui também verba de honorários de advogado 46 É de notar ainda que havendo mais de um comodatário haverá solidariedade legal entre eles por força do que dispõe o art 585 do CC2002 em face de todo e qualquer dano que venham causar ao comodante Assim segundo as regras da solidariedade passiva poderá o credor comodante exigir o pagamento integral da reparação de qualquer dos comodatários garantindose como se sabe ao que pagou ação regressiva contra os demais devedores solidários 26 Despesas feitas pelo comodatário Cuidamos de destacar em tópico autônomo embora pudesse fazer parte do item anterior a importante regra que impede que o comodatário recobre do comodante despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada art 584 do CC2002 Uma primeira interpretação conduzirnosia à conclusão de que ao proibir que o comodatário exija reparação por eventuais despesas efetuadas na coisa estariam incluídos na vedação todo e qualquer gasto inclusive benfeitorias realizadas Entretanto a referida regra deve ser vista com ressalva Quando o legislador proibiu que o comodatário pleiteasse ressarcimento por eventuais despesas realizadas referiuse na esteira da melhor interpretação às despesas ordinárias ou seja comuns e não obviamente às extraordinárias imprescindíveis à conservação da coisa a exemplo das benfeitorias necessárias pois seria uma flagrante injustiça negarse reparação neste último caso Assim não poderá o comodatário exigir nada se pretende fazer uma reforma para melhorar o acesso a uma sala Neste caso não terá direito a nada ressalvada a hipótese de as partes haverem convencionado reparação Por outro lado imagine que o comodatário precisasse reformar uma viga ou o telhado do imóvel que ameaça desabar Por óbvio tratandose de uma despesa necessária que também seria feita pelo próprio dono o seu direito à reparação é inegável E ainda que houvesse norma contratual proibitiva entendemos que tal disposição seria nula por violar a função social do contrato especialmente em seu aspecto intrínseco de respeito à boafé objetiva Finalmente cumprenos observar que até o pagamento terá o comodatário direito de retenção por aplicação do mesmo princípio que o assegura em virtude das benfeitorias necessárias 47 27 Extinção Antes de aprofundarmos a análise deste tópico fixemos a premissa de que aqui tratamos do contrato válido de comodato Isso porque se for padecente de alguma nulidade absoluta ou relativa o estudo de sua desconstituição é feito no bojo da própria teoria geral quando da análise da invalidade do negócio jurídico 48 Posto isso podemos afirmar que o contrato válido de comodato extinguese pelo exaurimento do seu prazo de vigência e caso seja pactuado por prazo indeterminado será considerado cumprido quando esgotada a finalidade de sua utilização conforme vimos acima Poderá ainda o contrato de comodato ser dissolvido por resolução ou resilição Findará ainda o contrato se o seu objeto sofrer destruição total perecimento como na hipótese de um acidente natural enchente terremoto etc destruir a casa cedida para uso do comodatário Sendo destruição todavia apenas parcial nada impede que o comodato subsista a depender do interesse das partes Se entretanto o comodatário laborou com culpa ou incorreu em alguma das situações de responsabilidade vistas acima arts 582 e 583 a obrigação convertese em perdas e danos Questão interessante diz respeito à morte das partes Poderá ser considerado dissolvido o contrato em caso de falecimento do comodatário se o contrato for considerado intuitu personae pois há casos em que o comodante cede o uso da coisa em atenção não especificamente à pessoa do comodatário mas em favor do interesse deste Expliquemos Pode o comodante haver emprestado uma casa para um dileto amigo morar com a sua esposa O comodatário morre e o contrato poderá ser mantido com a viúva Tudo dependerá da vontade das partes ou da natureza mesma do negócio como bem exemplifica neste último caso CARLOS ROBERTO GONÇALVES Se no entanto o empréstimo do trator ao vizinho por exemplo foi feito para uso na colheita a sua morte prematura não obriga os herdeiros a efetuarem a devolução antes do término da aludida tarefa 49 Finalmente vale observar que a morte do comodante não induz a extinção do contrato uma vez que os seus herdeiros deverão respeitar o seu prazo de vigência 3 MÚTUO Neste tópico abordaremos o contrato de mútuo que consiste no empréstimo de coisas fungíveis 31 Histórico e conceito Sem dúvida o contrato de mútuo é uma das molas propulsoras da economia mundial por ser um importante instrumento de realização da atividade financeira Antes porém de conceituálo cumprenos tecer breves considerações históricas Nas sociedades antigas o mútuo traduzia manifestação de caridade pois se condenava a fixação de juros Já no Direito Romano predominou a liberdade na estipulação dos juros posteriormente combatida no Direito Canônico e admitida nos dias atuais 50 Conceitualmente o mútuo consiste em um empréstimo de consumo ou seja tratase de um negócio jurídico unilateral por meio do qual o mutuante transfere a propriedade de um objeto móvel fungível ao mutuário que se obriga à devolução em coisa do mesmo gênero qualidade e quantidade Nesse sentido clara é a dicção do art 586 do Código Civil Art 586 O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero qualidade e quantidade Notese em linha de princípio que posto o dinheiro seja bem fungível por excelência o mútuo pode ter por objeto outros bens passíveis de consumibilidade Assim tanto haverá o mútuo quando se toma dinheiro emprestado em um banco como também quando vamos ao vizinho e pedimos emprestado uma porção de açúcar obrigandonos a devolver outra porção do mesmo gênero no dia seguinte É importante pois que fixemos este ponto enquanto comodato tem por objeto coisas infungíveis empréstimo de uso o mútuo tem por objeto coisas fungíveis empréstimo de consumo sendo que neste caso como bem observa SILVIO LUIS FERREIRA DA ROCHA a transferência da propriedade não é a finalidade do contrato desejada pelas partes como ocorre na compra e venda mas a consequência normal da fungibilidade do bem emprestado que na maioria das vezes impede a restituição do mesmo bem emprestado 51 32 Riscos da coisa emprestada Exatamente porque a coisa emprestada é transferida ao mutuário como condição para a celebração do contrato forçoso convir que os riscos de destruição correrão única e exclusivamente por conta do tomador do empréstimo desde o momento da tradição art 587 do CC2002 Tratase pois de um natural desdobramento da aplicação da regra diversas vezes citada segundo a qual a coisa perece para o dono res perit domino Assim imaginemos que Eustáquio ao sair da agência bancária onde obteve empréstimo de R 500000 houvesse sido assaltado enquanto atravessava a rua Pois bem Nada poderá reclamar do banco já que por força de lei assumiu os riscos de perda da coisa desde a sua entrega efetiva Podemos então dizer que o mutuário se torna dono da coisa a partir do momento em que a mesma lhe é entregue Mas notese que conforme anotamos linhas acima citando doutrina de SILVIO DA ROCHA a causa deste contrato é diferente da compra e venda pois o mutuário adquire o bem com a obrigação de devolver outro equivalente àquele que recebeu do mesmo gênero qualidade e quantidade Assim podemos afirmar que em verdade o mutuário se torna dono da coisa individualmente considerada mas não do seu valor pois está obrigado a restituir outro bem equivalente 33 Características O mútuo é um contrato típico e nominado que se particulariza pelas seguintes características a real na mesma linha do comodato este contrato só se torna perfeito com a entrega da coisa de uma parte à outra Vale lembrar o contrato em si somente se considera concluído quando o mutuante entrega o bem ao mutuário Não basta pois a mera assinatura do instrumento contratual nem a prestação de garantias Enquanto a coisa emprestada não for transferida ao mutuário o contrato não é considerado juridicamente existente Interessante neste ponto é a abordagem da questão da promessa de contratar ou seja teria eficácia a celebração de mero contrato preliminar promessa de mútuo em que as partes se obrigariam à conclusão do negócio definitivo Existe posicionamento doutrinário no sentido de negar exigibilidade na promessa de empréstimo gratuito admitindose a força da promessa entretanto quando tivesse por objeto empréstimo oneroso a juros por exemplo Em qualquer dos casos todavia quer se trate de negócio gratuito ou oneroso uma vez descumprida a promessa a parte prejudicada fará jus às perdas e danos 52 b unilateral é unilateral pois uma vez formado o contrato com a entrega da coisa apenas o mutuário assume obrigações c gratuito ou oneroso 53 será gratuito quando não for fixada remuneração ao mutuante pois neste caso o mutuário apenas se beneficiaria com o empréstimo entretanto fixado pagamento ao mutuante como ocorre no mútuo a juros haverá também sacrifício patrimonial ao tomador do empréstimo convertendo o contrato em oneroso No dizer de ORLANDO GOMES ao contrário do comodato a gratuidade não é da essência do mútuo mas sim de sua natureza Em Direito Civil só não é gratuito se for expressamente estipulado o contrário Tal estipulação se permite Toma então o nome de mútuo feneratício ou frutífero sendo normalmente oneroso o mútuo de dinheiro 54 Expliquemos melhor Imaginemos que João e Pedro houvessem acertado um contrato de mútuo João mutuante emprestou a Pedro mutuário R 100000 com a obrigação de pagarlhe em 30 dias Pois bem Caso não fosse fixada remuneração ao mutuante pagamento de juros seria correto dizer que embora assumida a obrigação de devolver o patrimônio de Pedro em nada seria abalado ou diminuído pois recebendo R 100000 devolveria apenas R 100000 em trinta dias Dizse pois neste caso que o empréstimo seria gratuito pois apenas beneficiaria o mutuário Por outro lado caso houvessem sido fixado juros no final do prazo estipulado Pedro não devolveria apenas R 100000 mas sim a quantia de R 101000 acrescida de juros R 100000 capital R 1000 juros Neste caso poderíamos concluir que ao benefício experimentado correspondeu um sacrifício patrimonial imposto ao mutuário caracterizando uma modalidade onerosa de empréstimo mútuo feneratício d temporário ou contrato de duração esta modalidade de contrato é fixada por prazo determinado e não o havendo aplicarseiam as regras previstas no art 592 estudadas abaixo Pela sua unilateralidade a classificação dos contratos em comutativos ou aleatórios bem como de contratos evolutivos não é aplicável ao mútuo assim como ao comodato É um contrato pessoal quanto à celebração pois o empréstimo de coisa fungível é feito em face da pessoa do mutuário A depender das circunstâncias pode se materializar tanto como um contrato paritário quanto por adesão É contrato amplamente utilizado nas relações civis comerciais e consumeristas não sendo comum nas administrativas e inaplicável nas trabalhistas 55 sendo sempre um contrato individual referindose a uma estipulação entre pessoas determinadas ainda que em número elevado serão consideradas individualmente Quanto à forma é uma avença não solene uma vez que a forma é livre para a validade da estipulação contratual Tratase por fim como a maioria das formas contratuais previstas no Código Civil brasileiro de um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais Pela função econômica tratase de um contrato de crédito pois caracterizado pela obtenção de um bem para ser restituído posteriormente calcada na confiança dos contratantes podendo estar relacionado a um interesse de obtenção de uma utilidade econômica em tal transferência de posse Por fim tratase de um contrato principal e definitivo havendo entendimento no sentido de admitir uma promessa de empréstimo contrato preliminar 34 Prazo do contrato O mútuo é por excelência um contrato com prazo determinado quer seja por estipulação das próprias partes mais comum quer seja por aplicação supletiva do art 592 do Código Civil Assim não havendo sido estipulado prazo este será a até a próxima colheita se o mútuo for de produtos agrícolas assim para o consumo como para semeadura b de trinta dias pelo menos se for de dinheiro c do espaço de tempo que declarar o mutuante se for de qualquer outra coisa fungível Na hipótese prevista na alínea c regra nitidamente subsidiária o próprio mutuante irá declarar o prazo do contrato caso este não tenha por objeto produtos agrícolas ou dinheiro assinandolhe prazo para pagamento 35 Partes e objeto Já vimos linhas acima que esse contrato é pactuado entre duas partes o mutuante cedente da coisa e o mutuário tomador do empréstimo No âmbito do mercado financeiro as instituições de crédito frequentemente figuram no polo ativo da relação emprestando dinheiro segundo as normas definidas pelo Banco Central do Brasil Essas instituições não se submetem ao teto legal de juros estabelecido pelo Código Civil ou pela Lei de Usura Decreto n 2262633 embora se encontrem no âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor Nesse sentido vejase a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras Já quanto ao objeto ao definirmos o mútuo afirmamos que serão apenas coisas fungíveis destacando se nesse grupo o dinheiro Nesse ponto vale todavia a advertência feita por MARIA HELENA DINIZ que registra que excepcionalmente o contrato de mútuo possa recair sobre coisa inconsumível pelo uso que por convenção ou por destinação se torne fungível como por ex o empréstimo tomado a um livreiro de dois exemplares de uma obra com a obrigação de restituílos em igual número 56 O exemplo é pertinente para realçar a característica de fungibilidade do objeto do mútuo pois o livro no caso não é considerado na sua individualidade mas sim como um produto com determinadas características que pode ser substituído por outro da mesma natureza quantidade e qualidade 36 Mútuo feito a menor Claro que como todo negócio jurídico o mútuo deve observar pressupostos gerais de validade destacandose a capacidade das partes contratantes que pressupõe a maioridade cuja regra etária refere se ao cômputo de dezoito anos completos ressalvada a emancipação Ocorre que a despeito disso admitiu o legislador a validade e eficácia de empréstimo feito a menor com determinadas ressalvas consoante podemos concluir da análise dos seguintes dispositivos legais Art 588 O mútuo feito a pessoa menor sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver não pode ser reavido nem do mutuário nem de seus fiadores Art 589 Cessa a disposição do artigo antecedente I se a pessoa de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo o ratificar posteriormente II se o menor estando ausente essa pessoa se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais III se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho Mas em tal caso a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças IV se o empréstimo reverteu em benefício do menor V se o menor obteve o empréstimo maliciosamente É interessante registrarmos o histórico deste instituto descrito com maestria por SILVIO RODRIGUES A lei no intuito de proteger o menor nega ao mutuante que lhe concedeu empréstimo sem prévia autorização do pai ou tutor o direito de reaver a importância emprestada quer do próprio menor quer de seus fiadores ou abonadores CC art 588 A regra tradicional nos quadros de nosso direito privado inspirase no senatus consultus macedoniano e ingressou no Código Civil de 1916 art 1259 pela vetusta porta das Ordenações do Reino Referido senatus consultus que tira seu nome do criminoso que matou o próprio pai para lhe herdar os bens e assim pagar suas dívidas negava ao credor toda ação tendente a obter o pagamento do dinheiro emprestado a um filius familiae 57 O primeiro desses dispositivos art 588 do CC2002 não admite a força eficacial do mútuo feito a pessoa menor sem autorização do seu representante impondo ao próprio mutuante o prejuízo eventualmente advindo deste empréstimo em face da vedação legal de reaver o valor emprestado do próprio menor ou do seu fiador Interessante notar que o enunciado normativo refere a necessidade de autorização da pessoa sob cuja guarda estiver o menor condição esta que quando observada daria ao mutuante o direito de reaver o valor cedido E notese a pessoa legitimada a efetivar a aludida autorização não será necessariamente o pai ou a mãe mas também o tutor ou qualquer outra pessoa exercente da guarda O dispositivo correspondente do Código de 1916 por sua vez ia mais além pois proibia inclusive que o mutuante na falta da referida autorização cobrasse o valor do abonador do menor Art 1259 O mútuo feito a pessoa menor sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver não pode ser reavido nem do mutuário nem de seus fiadores ou abonadores art 1502 grifamos O denominado abonador no caso seria uma espécie de fiador do fiador referência redundante e totalmente desnecessária corretamente excluída no Código novo O dispositivo seguinte por seu turno abre exceções à regra consagrando hipóteses em que poderá o mutuante exigir a restituição do que emprestou Vamos a elas a se houver posterior ratificação do representante ou guardião do menor vale dizer se a pessoa de cuja autorização necessitava o mutuante o ratificar poderá exigir o pagamento do que emprestou É o caso do pai que ao saber da dívida contraída pelo filho menor em virtude do mútuo que celebrou corroborou o débito por considerálo questão de honra b se o menor contraiu o empréstimo para os seus alimentos habituais estando ausente a pessoa que o assistia nesse caso o representante ou guardião do menor encontrase ausente e a palavra ausência aqui deve ser entendida em sentido comum ou seja não estava presente para ministrar os alimentos e o menor dada a situação de risco em que se encontrava contraiu a dívida Nesse contexto poderá o mutuante exigir de volta o que emprestou por inegável razão de justiça Frisese finalmente que a expressão alimentos habituais deve ser entendida em sentido amplo conforme bem observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES A palavra alimentos é empregada em sentido amplo abrangendo não apenas os naturais ou necessários destinados à satisfação das necessidades primárias da vida como também os civis ou côngruos que se prestam a manter a condição social do menor e abrangem os gastos com vestuário educação assistência médica etc 58 c se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho posto não seja comum o menor pode ter bens ganhos com o seu trabalho pois como sabemos a capacidade laboral advém aos 16 anos nos termos do art 7º XXXIII da Constituição Federal 59 podendo atuar abaixo desta idade na qualidade de aprendiz Em tais casos formando portanto patrimônio poderá o menormutuário ser demandado para pagar aquilo que tomou emprestado Nesse ponto vale lembrar com SILVIO RODRIGUES que o novo Código aumentou a abrangência da exceção pois fugindo da ideia de só permitir a validade do empréstimo feito a menor que tiver bens adquiridos no serviço militar e em função pública deu validade a tais empréstimos quando o menor tiver bens adquiridos com qualquer tipo de trabalho 60 Ressalva entretanto o legislador que a execução do credor não poderá ultrapassar as forças dos bens do menor ou seja somente aquilo que for resultado de seu próprio trabalho poderá ser objeto de constrição em uma eventual demanda estando fora qualquer patrimônio adquirido por outro meio herança doação etc garantindolhe um patrimônio mínimo para sua subsistência no que se inclui obviamente o próprio salário pela sua característica de impenhorabilidade prevista no art 833 do Código de Processo Civil de 2015 61 Isso evita que se vulnere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana cujo alcance é magistralmente lembrado por LUÍS ROBERTO BARROSO O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo É um respeito à criação independente da crença que se professe quanto à sua origem A dignidade relacionase tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência 62 d se o empréstimo reverteu em benefício do próprio menor sem dúvida este inciso afigurase dentre todos o de amplitude mais elástica Com esta regra decorrente sem dúvida também do preceito contido no art 181 do CC2002 admite o legislador que o mutuante tenha o direito ao reembolso se provar que reverteu em benefício do próprio menor mutuário a coisa emprestada Notese que o ônus da prova cabe ao próprio mutuante e além disso deve demonstrar que o benefício incrementou diretamente o patrimônio do menor Assim figurese a hipótese de Zé Carlos emprestar R 10000 a Juquinha e este com o referido valor comprar uma bicicleta Deve pois haver um liame jurídico um nexo de causalidade entre o bem ou valor emprestado e a vantagem auferida pelo mutuário Finalmente registrese que segundo a doutrina se o empréstimo beneficiar a pessoa que deveria autorizálo poderá também o mutuante reaver o que emprestou para evitar o enriquecimento sem causa 63 e se o menor obteve o empréstimo maliciosamente caso o menor haja obtido o empréstimo de maneira ardilosa vil rasteira poderá o mutuante exigir de volta o que emprestou Imaginese por exemplo que ao celebrar o contrato o mutuário haja dolosamente ocultado a sua menoridade A esse respeito aliás dispõe o art 180 do Código Civil O menor entre dezesseis e dezoito anos não pode para eximirse de uma obrigação invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte ou se no ato de obrigarse declarouse maior 37 Garantia de restituição ao mutuante Como forma de resguardar o direito do mutuante prevê o Código Civil em seu art 590 a possibilidade de exigir do mutuário garantia se antes do vencimento da dívida este último sofrer notória mudança em sua situação econômica A garantia possível de ser exigida poderá ser real penhor hipoteca anticrese ou fidejussória fiança Nada impede ainda a caução de dinheiro mediante depósito em conta corrente e mediante autorização judicial Mas devemos observar que a norma estabeleceu como conditio sine qua non para a constituição da garantia que tenha havido notória mudança na situação econômica do devedor Assim sendo e partindo da premissa de que na lei não há palavras inúteis é ao menos o que se espera forçoso convir que o mutuário somente estará obrigado à prestação da garantia se sofrer considerável abalo no seu patrimônio de conhecimento geral o que deve ser objeto de prova do mutuante em caso de negativa Tratase de uma manifestação específica do disposto no art 477 do CC2002 Momentâneos desequilíbrios econômicos ou pequenos abalos patrimoniais não justificariam pois a medida acautelatória 38 Direitos e obrigações das partes Fundamentalmente e por considerarmos que o contrato de mútuo tem natureza unilateral gerando pois obrigação apenas para o mutuário podemos afirmar que a obrigação precípua assumida pelo tomador do empréstimo é de devolver aquilo que se lhe emprestou em coisa da mesma natureza quantidade e qualidade O mutuante em princípio não assume obrigação derivada do contrato valendo mencionar a interessante ressalva feita por SILVIO LUIS F DA ROCHA no sentido de que eventualmente o mutuante pode vir a ter obrigações para com o mutuário como indenizálo pelos danos causados por vícios da coisa que eram do seu conhecimento e ignorados pelo mutuário a exemplo do que determina o art 1521 do Código Civil italiano 64 39 Extinção Por fim falaremos a respeito da dissolução do contrato válido de mútuo Como se trata de um contrato temporário o mútuo extinguese com o advento do seu termo ou antes dele se o mutuário efetuar o pagamento Todavia se o mutuário uma vez vencida a dívida não pagála a dissolução se dará por meio da resolução do contrato podendo o mutuante neste caso exigir a devida compensação pelo prejuízo sofrido incluindose os juros de mora Nada impede outrossim na mesma linha do que desenvolvemos quando tratamos do comodato que o contrato se desfaça por meio de resilição unilateral por manifestação de vontade de qualquer das partes se houver estipulação nesse sentido ou bilateral mediante distrato XXIX PRESTAÇÃO DE SERVIÇO 1 CONSIDERAÇÕES TERMINOLÓGICAS INICIAIS Dando continuidade à tríade de relações contratuais originadas da concepção romanista de locação iniciada em capítulo anterior e que ainda seguirá no próximo enfrentemos a tarefa de compreender o contrato de prestação de serviços previsto nos arts 593 a 609 do vigente Código Civil brasileiro Tratase na visão mencionada da antiga locação de serviços locatio conductio operarum ou locatio operarum assim também nominada no CC1916 que na vigente codificação tomou a nova terminologia de prestação de serviço Essa modificação de denominação em nosso entender é bem mais adequada e politicamente correta já que o trabalho humano não deve ser considerado objeto de locação pois o homem não é coisa a ser locada mas sim destinado à realização prestação de uma atividade É com este objetivo que conceituaremos o instituto conforme se verificará no próximo tópico 2 CONCEITO E CONTRATOS AFINS O contrato de prestação de serviços é o negócio jurídico por meio do qual uma das partes chamada prestador se obriga a realizar uma atividade em benefício de outra denominada tomador mediante remuneração Tratase de uma modalidade contratual aplicável a qualquer tipo de atividade lícita seja manual seja intelectual conforme explicita o art 594 do CC2002 65 A proximidade do contrato de prestação de serviços com o contrato de emprego é evidente diferenciandose os dois pelo elemento subordinação jurídica entendida como hierarquização que é indispensável no segundo e ausente no primeiro 66 Com efeito a prestação de serviços regida pelas regras do Código Civil brasileiro é aquela desenvolvida de forma autônoma visando à obtenção de determinado resultado não sendo a modalidade negocial adequada para relações jurídicas empregatícias trabalho subordinado ou mesmo para outras formas de relação de trabalho autônomo p ex empreitada comissão corretagem ou representação comercial autônoma 67 Por isso o próprio texto codificado faz a ressalva expressa em seu art 593 Art 593 A prestação de serviço que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial regerseá pelas disposições deste Capítulo A similitude com a empreitada também é marcante mas nesta última a finalidade é específica qual seja a execução de uma obra ou a criação de algo novo como a construção de um armazém construção civil ou uma criação técnica elaboração de um projeto científico artística redação de um livro ou peça teatral ou artesanal feitura de vasos de argila para decoração Notese portanto que na empreitada temse por meta o resultado da atividade e não a atividade em si como se dá na prestação de serviços 3 CARACTERÍSTICAS Compreendido o conceito do contrato de prestação de serviço é preciso enunciar suas principais características Tratase de um contrato típico e nominado amplamente utilizado nas relações civis comerciais consumeristas e administrativas Pode ser encarado como um contrato de trabalho lato sensu do qual se desprendeu desenvolvendose como modalidade própria o contrato de trabalho subordinado contrato de emprego 68 Possui um marcante traço de bilateralidade uma vez que o prestador se obriga a realizar a atividade em troca da retribuição e o tomador se obriga a pagar o pactuado em retorno à conduta efetivada Por haver equivalência entre tais prestações classificase como um contrato comutativo sendo perfeitamente aplicável o conceito de contrato evolutivo em que é estabelecida a equação financeira do contrato impondose a compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato A previsão codificada apenas faz menção à forma onerosa de prestação de serviços ao contrário do Código Civil português que também a admite na modalidade gratuita 69 No sistema brasileiro portanto a prestação de serviços não onerosos estará fora do campo de aplicação das regras codificadas sendo própria da disciplina da atividade voluntária 70 Pode ser celebrado tanto na modalidade paritária como na por adesão Quanto à forma tratase de um contrato não solene com forma livre de pactuação consensual concretizandose com a simples declaração de vontades Quanto à pessoa do contratante o contrato de prestação de serviço é individual e em regra personalíssimo ou seja celebrado intuitu personae Essa característica é evidenciada pelo art 605 do CC2002 que preceitua in verbis Art 605 Nem aquele a quem os serviços são prestados poderá transferir a outrem o direito aos serviços ajustados nem o prestador de serviços sem aprazimento da outra parte dar substituto que os preste A menção porém à expressão em regra é justamente porque por exceção é possível sim o prestador de serviço se fazer substituir por outrem desde que haja a anuência do tomador o que significa no final das contas que é possível uma subcontratação pela autonomia da vontade das partes Isso por sua vez não é possível de forma alguma na relação de emprego em que se houver alguma substituição do prestador de serviços leiase do empregado considerase que o vínculo é mantido diretamente por este substituto com o tomador e não com o prestador original que tem seu contrato nesta hipótese suspenso Não se confunda porém esta previsão com a terceirização 71 que nada mais é do que a utilização do contrato de prestação de serviço por uma empresa para disponibilizar mão de obra para outra nas hipóteses admitidas no ordenamento jurídico Quanto ao tempo o contrato de prestação de serviços pode ser tanto instantâneo seja na modalidade de execução imediata seja na de execução diferida quanto de duração determinada ou indeterminada Vale registrar que neste último caso contratação por duração previamente determinada há uma limitação temporal máxima qual seja de 4 quatro anos conforme consta no art 598 do CC2002 que estabelece Art 598 A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta ou se destine à execução de certa e determinada obra Neste caso decorridos quatro anos darseá por findo o contrato ainda que não concluída a obra Tratase como a maioria das formas contratuais previstas no Código Civil brasileiro de um contrato causal o que é reforçado pela sua característica de contrato personalíssimo Assim seus motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais Pela função econômica consiste em um contrato de atividade caracterizado pela prestação de uma conduta de fato mediante a qual se conseguirá uma utilidade econômica Por fim tratase de um contrato principal e definitivo visto que não depende de qualquer outra avença bem como não é preparatório de nenhum outro negócio jurídico 4 OBJETO O objeto primordial do contrato de prestação de serviço é sempre uma atividade humana lícita que pode ser tanto manual material quanto puramente intelectual imaterial conforme se extrai do já citado art 594 que expressa Art 594 Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito material ou imaterial pode ser contratada mediante retribuição A lógica portanto é que a prestação de fazer estabelecida seja certa e determinada Todavia por exceção é possível estabelecer um contrato de prestação de serviço sem uma determinação específica Isso porém não quer dizer que a contratação seja genérica e ilimitada mas sim embora ampla delimitada pelas características inerentes à sua condição É o que dispõe o art 601 do CC2002 Art 601 Não sendo o prestador de serviço contratado para certo e determinado trabalho entenderseá que se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com as suas forças e condições Assim por exemplo se um escritório de advocacia é contratado para cuidar do setor jurídico de uma empresa todas as tarefas inerentes a esta atividade se encontram incluídas no pacote seja a redação de peças seja o comparecimento a audiências ou a redação de pareceres Não se inclui aí aquilo que está fora do seu ramo de atividade como contabilidade organização de arquivos investimentos em bolsa ou administração de recursos humanos Da mesma forma pensando em pessoa física se um médico é contratado direta e pessoalmente para cuidar da saúde de alguém não se pode esperar que isso inclua o acompanhamento a compras a indicação de vestimentas ou o aconselhamento psicológico 5 FORMA Como visto em tópico anterior a prestação de serviço é um contrato não solene com forma livre de pactuação Assim pois pode ser estabelecido tanto verbalmente o que aliás é muito comum no dia a dia das relações jurídicas de direito material quanto de forma escrita Sobre esta última forma na hipótese de qualquer das partes não ser alfabetizada a lei estabelece um meio de prova para a sua declaração de vontade É o que se depreende do art 595 do CC2002 verbis Art 595 No contrato de prestação de serviço quando qualquer das partes não souber ler nem escrever o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas Registrese a natureza instrumentária de tais testemunhas que servirão para comprovar a declaração de vontade contida no documento em caso de impugnação 6 RETRIBUIÇÃO Em função do caráter bilateral e comutativo do contrato de prestação de serviço o regular desempenho da atividade pactuada faz surgir o direito a uma contrapartida Este dever do tomador do serviço é uma retribuição pela conduta praticada sendo também chamada de honorários soldadas 72 preço ou salário Buscaremos evitar porém esta última denominação embora também utilizada pela lei conforme se verifica do parágrafo único do art 599 do CC2002 a seguir tratado tendo em vista que a consideramos atécnica uma vez que na atualidade reservamos a expressão salário somente para a retribuição do contrato de emprego 73 Tal contrapartida pelo serviço prestado em regra deve ser estabelecida prévia e expressamente pelos contratantes O sistema codificado brasileiro na espécie não admite como já mencionado a prestação gratuita de serviços motivo pelo qual o prestador fará sempre jus a uma retribuição Na ausência de pactuação pelas partes da sua forma e valor caberá ao juiz arbitrála de acordo com os costumes do lugar levando em consideração o tempo de execução do serviço bem como sua qualidade conforme se verifica do art 596 do Código Civil 74 Por uma questão de ordem natural o pagamento é normalmente pósretributivo e global ou seja realizado posteriormente à prestação do serviço e de forma total Todavia há ampla liberdade no exercício da autonomia individual da vontade para modificar tal regra seja quanto ao momento do seu pagamento antecipadamente à prestação do serviço concomitante considerando as etapas já executadas ou após a sua conclusão seja quanto à forma da prestação parcela única ou dividida É o que se infere da autorização contida no art 597 do CC2002 Art 597 A retribuição pagarseá depois de prestado o serviço se por convenção ou costume não houver de ser adiantada ou paga em prestações 61 Compensação na ausência de habilitação A ideia de retribuição é tão importante no contrato de prestação de serviço que mesmo não tendo o prestador habilitação específica para o exercício da atividade pactuada deve receber alguma contrapartida a título de compensação caso esteja de boafé e tenha a outra parte auferido efetivo benefício É o que dispõe a regra do art 606 do CC2002 Art 606 Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação ou não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei não poderá quem os prestou cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado Mas se deste resultar benefício para a outra parte o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável desde que tenha agido com boafé Parágrafo único Não se aplica a segunda parte deste artigo quando a proibição da prestação de serviço resultar de lei de ordem pública 7 TEMPO DE DURAÇÃO O já transcrito art 598 do CC2002 limita como visto o tempo de duração do contrato de prestação de serviço em quatro anos para a sua fixação convencional ainda que não concluída a obra leiase tarefa pactuada uma vez que a expressão obra deve ser reservada para o contrato de empreitada Assim em reverência à concepção de conservação do contrato a análise de um pacto com prazo superior não deverá importar na nulidade da avença mas apenas da cláusula readequandoa ao limite legal A limitação tem por finalidade evitar a celebração de avenças longas demais com animus de definitividade acorrentando as partes a um contrato do qual não teriam condições econômicas de se desvencilhar pela possibilidade do valor das perdas e danos daí advindas leválos à ruína Isso não impede obviamente que as partes vencido o prazo contratual convencionado o renovem por outro período caso seja de seus interesses E isso se dá sem sombra de dúvida porque da mesma forma não há impedimento para a contratação por duração indeterminada o que por óbvio pode ultrapassar tal limite Ademais nessas hipóteses de contratação por duração indeterminada têm as partes o direito à resilição unilateral conforme se verificará no próximo subtópico 75 Todavia ainda sobre o tema da duração do contrato de prestação de serviço há quem acentue como nota distintiva do contrato de prestação de serviços para o contrato de emprego a ausência de habitualidade entendida no sentido de continuidade da relação jurídica de direito material Tratase na nossa visão de erro técnico Com efeito um contrato de prestação de serviço pode ser habitual sem que com isso se converta em um contrato de emprego O exemplo do escritório de advocacia que presta serviços de consultoria há longos anos para uma mesma empresa é um bom indicador da veracidade desta informação O que há porém é que a continuidade na prestação de serviços por pessoa física pode inferir a caracterização de uma relação de emprego apenas travestida sob outra forma contratual o que lamentavelmente é muito comum Em verdade inclusive para efeito de ônus da prova em processo na Justiça do Trabalho alegada a existência de vínculo empregatício pelo reclamante fato negado pelo reclamado mas com a admissão de uma prestação de serviços autônomos contrato de prestação de serviço o onus probandi será do demandado pois o vínculo empregatício no caso seria presumido Isso todavia não se confunde com a ideia de que pela continuidade da relação contratual haveria necessariamente a presunção de conversão mas sim é decorrência da aplicação própria das regras consolidadas de ônus da prova 76 que por sua vez não discrepam no final das contas dos preceitos do Código de Processo Civil brasileiro 77 71 Direito ao aviso prévio Embora haja um prazo máximo estipulado na lei para a fixação convencional do prazo o fato é que as partes podem celebrar um contrato de prestação de serviço de forma indeterminada e que pode ultrapassar tal prazolimite Podem também até mesmo como vimos acima renoválo sem limite de tempo ou número de recontratações segundo a autonomia das suas vontades No entanto não havendo prazo determinado enquanto não se estabelecer um termo final os contratantes estarão vinculados à avença Por isso mesmo não havendo qualquer prestígio à concepção de pactos perpétuos admitese a resilição unilateral do contrato de prestação de serviço desde que a parte interessada comunique previamente à outra de forma que se prepare para a extinção do vínculo que muitas vezes é sua única fonte de subsistência É o aviso prévio instituto que teve origem nas relações de comércio e se difundiu sobremaneira por causa da sua utilização também nos contratos de emprego 78 Sua disciplina específica para o contrato de prestação de serviço se encontra no art 599 do CC2002 que preceitua in verbis Art 599 Não havendo prazo estipulado nem se podendo inferir da natureza do contrato ou do costume do lugar qualquer das partes a seu arbítrio mediante prévio aviso pode resolver o contrato Parágrafo único Darseá o aviso I com antecedência de oito dias se o salário se houver fixado por tempo de um mês ou mais II com antecipação de quatro dias se o salário se tiver ajustado por semana ou quinzena III de véspera quando se tenha contratado por menos de sete dias Abstraída a já comentada atecnia mantida da legislação anterior de denominar a retribuição da prestação de serviço como salário o prazo estabelecido é bastante razoável dada a expectativa de tempo para a percepção da contrapartida Notese portanto que a resilição contratual do contrato de prestação de serviço sem duração determinada é considerada um direito potestativo da parte o qual para ser regularmente exercido exige a concessão do aviso prévio Por isso entendemos que a ausência da comunicação pela parte que resiliu o contrato faz nascer para o outro contratante o direito de pleitear perdas e danos pelos prejuízos causados o que por óbvio deve ser demonstrado 72 Contagem do tempo Regra interessante é prevista no art 600 do CC2002 Art 600 Não se conta no prazo do contrato o tempo em que o prestador de serviço por culpa sua deixou de servir A previsão é estabelecida a priori em favor do tomador do serviço evitando que o prestador conte como prazo do contrato período em que por culpa sua deixou de servir Isso porém importa em afirmar que todo o tempo em que o prestador deixou de servir sem culpa sua deverá ser computado mesmo em detrimento do interesse do tomador É o caso a título exemplificativo de enfermidades ou convocação para serviço público obrigatório No entanto essa contagem não implica que tenha o prestador necessariamente direito à retribuição do período Isso porque caso a retribuição não tenha sido estipulada de forma global mas sim por dia efetivamente disponibilizado sua interpretação deve ser restritiva Assim para efeito de retribuição não havendo pactuação específica que prevaleceria pela autonomia da vontade das partes parecenos que a sua vinculação ao tempo à disposição deve ser interpretada de forma restritiva ou seja o período em que o prestador deixou de servir com ou sem culpa não deve ser remunerado por ser dele prestador o risco da atividade econômica Exemplificando contratado o profissional Caio como consultor presencial de Tício pelo valor de R 1000000 por seis meses o período em que Caio esteja fora do país para tratar de interesse particular não pode ser contado no tempo do contrato Já o período em que esteja adoentado deve ser contado por ser fato independente da sua vontade ou seja sem concorrência de sua culpa A remuneração porém somente será devida se o serviço for realmente prestado independentemente do cômputo ou não do prazo contratual salvo previsão específica Tratase portanto de uma concepção diferente da relação de emprego em que o empregador tomador de serviços assume os riscos da atividade econômica remunerando o empregado em diversas hipóteses em que não há labor férias repouso semanal licenças médicas até o 15º dia etc o que é conhecido como suspensão parcial ou interrupção do contrato de emprego 8 EXTINÇÃO DO CONTRATO Chegando finalmente ao tema da extinção do contrato de prestação de serviço constatamos que a atual codificação aperfeiçoou bastante o sistema anterior que apenas previa expressamente o término do contrato de locação de serviços com a morte do locador 79 embora obviamente a aplicação da teoria geral dos contratos importasse o reconhecimento de outras hipóteses lógicas como o advento do termo o distrato ou o cumprimento do contrato De fato explicitaramse como em poucas figuras contratuais quase todas as modalidades extintivas da prestação de serviços conforme se pode verificar do art 607 do Código Civil Art 607 O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes Termina ainda pelo escoamento do prazo pela conclusão da obra pela rescisão do contrato mediante aviso prévio por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato motivada por força maior 81 Direito à certificação Extinguindose o contrato têm os contratantes o direito à regular quitação o que decorre até mesmo da Teoria Geral das Obrigações Nessa linha estabelece o art 604 do CC2002 Art 604 Findo o contrato o prestador de serviço tem direito a exigir da outra parte a declaração de que o contrato está findo Igual direito lhe cabe se for despedido sem justa causa ou se tiver havido motivo justo para deixar o serviço A explicitação de tal direito é bastante razoável O que é inexplicável é a menção somente ao prestador de serviço Se é certo que normalmente é deste o interesse em obter a quitação seja para se precaver de responsabilidade seja para exigir o pagamento do preço o Direito não pode fechar os olhos para a bilateralidade deste contrato De fato pode o tomador ter interesse jurídico e pragmático na obtenção de tal seja por óbvio como um recibo dos pagamentos efetivados seja como prova para eventual ação de reparação civil 82 Indenizações pela extinção antecipada Como vimos o contrato de prestação de serviço pode ser estabelecido por duração indeterminada ou determinada Na primeira hipótese é possível sim a resilição unilateral desde que seja concedido o aviso prévio à parte contrária na forma estabelecida no analisado art 599 do Código Civil A situação é diferenciada porém quando há termo final adrede estabelecido Neste caso como há uma expectativa da duração da obra para seu regular cumprimento a lógica é de que não haja extinção do contrato antes do advento do termo pactuado Todavia não é possível em uma relação dinâmica como a prestação de serviço engessar a conduta das partes impedindo o prosseguimento de suas vidas com a impossibilidade absoluta de desfazimento do negócio a que estão vinculadas Assim é possível sim a extinção antecipada do contrato de prestação de serviço de duração determinada Nesses casos porém as partes devem observar regras de justa compensação Responderá a parte em geral pelas perdas e danos que a outra vier a sofrer com tal extinção antecipada Observese porém que se a iniciativa da extinção antecipada for do tomador o texto legal já fixa a indenização devida prétarifando as perdas e danos É o que se extrai dos arts 602603 do CC2002 Art 602 O prestador de serviço contratado por tempo certo ou por obra determinada não se pode ausentar ou despedir sem justa causa antes de preenchido o tempo ou concluída a obra Parágrafo único Se se despedir sem justa causa terá direito à retribuição vencida mas responderá por perdas e danos O mesmo darse á se despedido por justa causa Art 603 Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa a outra parte será obrigada a pagarlhe por inteiro a retribuição vencida e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato Parecenos relevante registrar que o dispositivo vigente art 603 consiste basicamente na atualização da regra codificada anterior 9 ALICIAMENTO DE MÃO DE OBRA Norma de conteúdo inegavelmente ético é a prevista no art 608 do CC2002 Art 608 Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço pelo ajuste desfeito houvesse de caber durante dois anos A regra já existente no sistema anterior que apenas mencionava um prazo maior de 4 anos limitando a regra à atividade agrícola tem por finalidade combater a concorrência desleal com o aliciamento de mão de obra XXX EMPREITADA 1 NOÇÕES CONCEITUAIS Encerrando a tríade de relações contratuais originadas da concepção romanista de locação conheçamos o contrato de empreitada prevista nos arts 610 a 626 do vigente Código Civil brasileiro Tratase na visão mencionada da antiga locação de obra locatio conductio operis ou locatio operis nominada de contrato de empreitada que tem por finalidade a execução de uma obra certa ou de determinado trabalho Conceituando este contrato entendemos a empreitada como um negócio jurídico por meio do qual uma das partes denominada de empreiteiro empresário ou locador se obriga sem subordinação ou dependência a realizar pessoalmente ou por meio de terceiros obra certa para o outro contratante denominado dono da obra comitente ou locatário com material próprio ou por este fornecido mediante remuneração determinada ou proporcional ao trabalho executado A ausência de subordinação ou dependência é destacada desde já como uma nota distintiva desta modalidade contratual para a relação de emprego modalidade contratual que dados os limites desta obra é apreciada por nós em volume distinto da nossa produção literária 80 Da mesma forma incluímos em nosso conceito a referência ao modo de fixação de preço bem como à utilização ou não de material próprio para distinguirmos as modalidades de empreitada como veremos adiante 81 2 OBJETO Antes de conhecermos as características bem como discorrermos sobre as modalidades do contrato de empreitada conveniente tecer algumas considerações sobre o seu objeto Com efeito na empreitada o que importa como objeto da relação contratual é a obra a ser executada como por exemplo a construção de um armazém para que haja a retribuição correspondente valor este conhecido simplesmente como preço da empreitada É por consequência a relação contratual básica e de mais frequente utilização na atividade de construção civil embora não se limite a ela podendo ser utilizada também assim para o desenvolvimento de um trabalho seja manual ou intelectual como uma criação técnica elaboração de um projeto científico artística redação de um livro ou uma peça teatral ou artesanal feitura de vasos de argila para decoração Isso pode ser inferido até mesmo do 2º do art 610 do Código Civil ao mencionar que o contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executálo ou de fiscalizarlhe a execução pois a elaboração do projeto também pode ser resultante de um contrato de empreitada sem o estabelecimento de qualquer obrigação de executar a obra Assim sendo se na empreitada em geral o que interessa é a realização da obra não há a priori impedimento legal para a sua subcontratação a chamada subempreitada o que como veremos somente pode ser limitado por norma específica 82 ou pela autonomia da vontade Enunciado o conceito e conhecido o objeto da empreitada conheçamos as principais características deste contrato 3 CARACTERÍSTICAS O contrato de empreitada forma contratual típica e nominada é um negócio jurídico necessariamente bilateral com estabelecimento de direitos e obrigações para ambas as partes Pela proporcionalidade das prestações com conteúdo patrimonial considerase comutativo e oneroso podendo ser enquadrado no conceito de contrato evolutivo pelo reconhecimento da existência de uma equação financeira do contrato Vale destacar que não conseguimos visualizar em sentido próprio um contrato gratuito de empreitada tendo em vista que o estabelecimento de uma obrigação de realizar sem ônus uma obra para outrem se enquadraria em uma figura contratual atípica que reuniria elementos dos contratos de empreitada e de doação Normalmente realizado de forma paritária em função mesmo da lei da oferta e da procura não há impedimento para que seja celebrado no formato por adesão É um tradicional contrato civil mas que também é utilizado com frequência em relações jurídicas de direito material consumeristas e administrativas Quanto à forma é um contrato não solene que prescinde de forma específica e consensual pois se perfaz com a simples declaração de vontade É importante destacar que embora se refira à realização de uma obra não é a entrega da coisa que configura o contrato mas sim o estabelecimento da obrigação de fazêla Em relação à pessoa do contratante na empreitada em geral o que interessa é a realização da obra não havendo impedimento para a sua subcontratação a chamada subempreitada salvo a própria manifestação da vontade em sentido contrário Por isso é classificado a priori como um contrato impessoal podendo porém ser celebrado intuitu personae ou seja em função da pessoa do contratante tornandose esta um elemento causal do contrato Nesse sentido inclusive é o art 626 do CC2002 Art 626 Não se extingue o contrato de empreitada pela morte de qualquer das partes salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro Tratase ainda de um contrato individual concebido tradicionalmente como uma estipulação entre pessoas determinadas ainda que em número elevado mas consideradas isoladamente Quanto ao tempo o contrato de empreitada é celebrado como um contrato de duração também chamado de contratos de trato sucessivo execução continuada ou débito permanente com limitação temporal determinada Não faz sentido para nós em função do objeto da empreitada que é sempre uma obra ou trabalho determinado a sua contratação por duração indeterminada uma vez que toda realização de obra ou trabalho deve ter um animus de finitude Não se confunda porém a imprescindibilidade de um termo final determinado com a obrigatoriedade de uma data pois a certeza do termo é quanto à esperada ocorrência e não necessariamente quanto ao dia Assim por exemplo se Niraldo contrata com Chiquita a construção de uma casa as partes podem ter a expectativa de terminála em x meses mas isso pode variar de acordo com o próprio andamento dos trabalhos que não se esgotam em uma única prestação É claro que nada impede que a autonomia da vontade estabeleça prazo específico para a realização da obra caracterizandose o inadimplemento se a mesma não foi entregue com o advento do termo Na mesma linha consideramos inaceitável do ponto de vista teórico a concepção de uma empreitada instantânea De fato por mais rápida que seja a conduta de realização da obra e do trabalho há sempre um lapso temporal por menor que seja dias horas ou mesmo minutos entre a manifestação da vontade de celebração da avença e a concretização do pactuado Tratase ainda como a maioria das formas contratuais previstas no Código Civil brasileiro de um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais Pela função econômica consiste em um contrato de atividade caracterizado pela prestação de uma conduta de fato mediante a qual se conseguirá uma utilidade econômica Vale ressaltar que se trata de uma prestação de atividade em sentido diverso da constante nos contratos de emprego e de prestação de serviços uma vez que não considera a atividade em si mesma porém como um meio para obtenção do objeto da relação contratual obra ou trabalho Por fim tratase de um contrato principal e definitivo uma vez que não depende de qualquer outra avença bem como não é preparatório de nenhum outro negócio jurídico Conhecidas as características básicas do contrato de empreitada verifiquemos as suas modalidades começando com a empreitada de lavor para somente depois dada a importância enfrentarmos o tema da empreitada de materiais 4 MODALIDADES Toda classificação de um instituto jurídico pode variar de acordo com a visão metodológica de cada autor Na classificação do contrato de empreitada adotamos como critério a própria disciplina legal analisandoa sob a forma de sua execução na medida em que o empreiteiro contribua somente com seu trabalho ou também forneça os materiais correspondentes Com efeito preceitua o art 610 do Código Civil de 2002 Art 610 O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu trabalho ou com ele e os materiais 1º A obrigação de fornecer os materiais não se presume resulta da lei ou da vontade das partes 2º O contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executálo ou de fiscalizarlhe a execução Vamos conhecer cada uma dessas modalidades 41 Empreitada de lavor A empreitada de lavor também conhecida como empreitada de mão de obra é a regra geral que se presume na ausência de manifestação Por meio dela o empreiteiro simplesmente entrega a sua força de trabalho para a realização da obra contratada Nesta modalidade de empreitada os riscos da atividade são a priori do dono por aplicação do princípio geral res perit domino salvo no caso de conduta culposa do empreiteiro 83 em que o elemento anímico faz incidir a sua responsabilidade Assim v g se uma forte chuva destrói parte de obra em curso deve o dono arcar com os prejuízos inclusive com os custos para a reconstrução o que não ocorreria se a destruição se desse por culpa do empreiteiro que por exemplo deixou ao ar livre materiais perecíveis não guardou equipamentos etc Todavia afirmar que o risco é exclusivo do dono neste caso parecenos se não inadequado pelo menos revelador de uma meia verdade Isso porque no caso de perecimento fortuito da coisa ou seja sem culpa do empreiteiro nem mora do dono embora o dono realmente sofra a frustração de não obter o bem o fato é que a disciplina legal imputa ao empreiteiro o ônus da perda da retribuição correspondente É a regra que se infere do art 613 do Código Civil de 2002 Art 613 Sendo a empreitada unicamente de lavor art 610 se a coisa perecer antes de entregue sem mora do dono nem culpa do empreiteiro este perderá a retribuição se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade A regra não se nos afigura justa uma vez que retira a retribuição pelo labor despendido sem que o empreiteiro tenha tido qualquer culpa no perecimento da coisa Ademais a parte final do dispositivo soa como de uma obviedade ululante uma vez que se o empreiteiro provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade a culpa do dono da obra responsável pelos materiais que geraram a perda estará configurada atraindo a aplicação das regras de responsabilidade civil 42 Empreitada de materiais A empreitada de materiais também chamada de empreitada mista é aquela em que o empreiteiro se obriga não somente a realizar a obra mas também a fornecer os materiais necessários para o seu desenvolvimento Na forma do já mencionado 1º do art 610 tratase de situação que exige previsão específica seja de norma legal própria seja da autonomia da vontade Assim a regra geral positivada é a empreitada de lavor considerandose a empreitada mista como situação excepcional embora na prática ela seja extremamente comum A diferença em essência da modalidade anterior também se refere aos riscos da atividade econômica aqui inclusive sobre o perecimento da coisa que correm por conta única e exclusivamente do empreiteiro É a disciplina que se extrai do art 611 do CC2002 que preceitua Art 611 Quando o empreiteiro fornece os materiais correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra a contento de quem a encomendou se este não estiver em mora de receber Mas se estiver por sua conta correrão os riscos A ressalva quanto à mora do dono da obra é pertinente apenas para mostrar que não há diferença em essência quanto à regra geral da mora contida no art 400 do Código Civil 5 O PREÇO Se a empreitada é um contrato em que um dos contraentes empreiteiro se obriga sem subordinação ou dependência a realizar certo trabalho para o outro dono da obra tal atividade deve ter uma retribuição que como visto acima é denominada preço Este valor pode ser fixado através de uma remuneração global que abranja de uma só vez toda a atividade desenvolvida ou proporcional ao trabalho executado Neste último caso incide a regra do art 614 do CC2002 Art 614 Se a obra constar de partes distintas ou for de natureza das que se determinam por medida o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida ou segundo as partes em que se dividir podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada 1º Tudo o que se pagou presumese verificado 2º O que se mediu presumese verificado se em trinta dias a contar da medição não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver incumbido da sua fiscalização Ressaltese a importância das presunções trazidas pelos dois parágrafos o segundo inclusive sem correspondente na codificação revogada presunções estas juris tantum ou seja que admitem a produção de prova em sentido contrário O pagamento ao empreiteiro pelo dono da obra do preço da medida faz presumir a verificação Assim em princípio o ônus da prova de eventual vício é do dono da obra Situação complexa porém é se o contrato de empreitada for estabelecido em uma relação de consumo Nesse caso pois pode ocorrer a inversão do ônus da prova CDC art 6º VIII 84 uma vez que o consumidor nesta situação é justamente o dono da obra Sobre o caráter relativo da presunção lembra VENOSA que geralmente nessa modalidade de empreitada as partes se documentam com cronogramas planilhas e documentos de medição da obra As presunções apontadas na lei são relativas e admitem prova em contrário A matéria é de exame no caso concreto 85 Quanto à variabilidade do preço é preciso ter em mente que em regra o preço da empreitada é fixo estabelecido no momento da celebração não havendo direito à sua rediscussão posterior Nessa linha estabelece o art 619 do CC2002 Art 619 Salvo estipulação em contrário o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra segundo plano aceito por quem a encomendou não terá direito a exigir acréscimo no preço ainda que sejam introduzidas modificações no projeto a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra Parágrafo único Ainda que não tenha havido autorização escrita o dono da obra é obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos segundo o que for arbitrado se sempre presente à obra por continuadas visitas não podia ignorar o que se estava passando e nunca protestou Neste dispositivo já se vislumbra o direito subjetivo do dono da obra de alterar o seu projeto original o que deve ser feito em regra expressamente as instruções escritas do dono da obra mencionadas no caput admitindose porém a modalidade tácita na parte final do parágrafo único do mencionado dispositivo Nada impede porém que as partes em empreitadas de duração mais longa estabeleçam preços reajustáveis de acordo com índices oficiais de mercado Da mesma forma a autonomia da vontade autoriza que os contratantes pactuem o estabelecimento de um preço máximo ou a contrario sensu fixem que a obra será realizada sem o intento de lucro com preço de custo A própria disciplina positivada do contrato de empreitada prevê porém uma hipótese de aplicação específica da cláusula rebus sic stantibus estabelecendo art 620 do CC2002 Art 620 Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão de obra superior a um décimo do preço global convencionado poderá este ser revisto a pedido do dono da obra para que se lhe assegure a diferença apurada Não é de estranhar que o dispositivo seja inovador uma vez que a teoria da onerosidade excessiva embora aceita doutrinária e jurisprudencialmente somente veio a se positivar em norma geral estritamente civil com o advento da vigente codificação civil brasileira 6 DIREITOS E DEVERES DO EMPREITEIRO E DO COMITENTEDONO DA OBRA A análise do conteúdo do contrato de empreitada importa na compreensão de alguns direitos e deveres dos sujeitos da relação jurídica de direito material o que ora apreciamos 61 Remuneração Conforme visto no tópico anterior o pagamento da empreitada denominado preço é feito pelo resultado do serviço Dessa forma o empreiteiro se obriga a dar a obra pronta por um preço certo ou proporcional ao serviço sem atenção a priori ao tempo nela empregado somente sendo devida a remuneração se a obra for realmente executada Despendendo mais tempo do que o previsto não terá direito a qualquer majoração salvo se houver pactuação nesse sentido Sendo a remuneração ou preço um elemento essencial do contrato dada a impossibilidade de uma empreitada gratuita fazse mister observar que ele não significa necessariamente um pagamento em dinheiro mas sim uma retribuição pela obra realizada que pode ser de outra espécie que não pecúnia inclusive uma quotaparte da própria obra a ser realizada 62 Aceitação Tendo sido a obra realizada na forma estabelecida não há direito de recusa do seu dono a recebêla havendo portanto direito subjetivo do empreiteiro de obter a aceitação Todavia tal não ocorre na óbvia hipótese de inobservância das regras estabelecidas para a construção pois isso caracteriza de forma evidente o inadimplemento contratual É o que se extrai do art 615 do Código Civil Art 615 Concluída a obra de acordo com o ajuste ou o costume do lugar o dono é obrigado a recebêla Poderá porém rejeitála se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza Por outro lado em um exemplo evidente de respeito à concepção de preservação teoria da conservação do negócio jurídico o art 616 admite que na mencionada situação de desvio das instruções planos ou regras estabelecidas mas sendo a obra ainda de interesse do seu dono pode quem encomendou a obra em vez de enjeitála recebêla com abatimento no preço 63 Pagamento de materiais recebidos e inutilizados Outro elemento importante na análise do contrato de empreitada é sobre a responsabilidade pelos riscos da inutilização do material Parecenos óbvio que na empreitada de materiais este risco é próprio do empreiteiro que os fornece salvo se a perda do material decorrer de conduta imputável única e exclusivamente ao dono da obra o que é aplicação das mais básicas regras de responsabilidade civil Mutatis mutandis positivouse a mesma concepção para a situação inversa conforme se verifica do art 617 do CC2002 Art 617 O empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu se por imperícia ou negligência os inutilizar A regra aqui porém é somente em relação aos materiais Vale registrar que a direção e fiscalização da atividade competem somente ao próprio empreiteiro que contratará e despedirá sua mão de obra bem como dirigirá a prestação da atividade Salientese ademais que a única fiscalização que o dono da obra poderá fazer em situações como essa é aquela relacionada à própria realização da obra no que diz respeito à observância dos parâmetros estabelecidos no projeto Não deve ter ele pois qualquer tipo de ingerência direta na atividade dos trabalhadores contratados pelo empreiteiro pois isso pode caracterizar a existência de um vínculo empregatício direto consigo 64 Inalterabilidade relativa do projeto Estabelecido o projeto da obra a ser desenvolvida pelo empreiteiro a lógica até mesmo pela concepção de tratarse de uma construção é que tal projeto seja realizado como se contém Todavia é extremamente comum a inserção de pequenas modificações do projeto original Neste caso a quem cabe a modificação A lógica é que seja ao dono da obra já que é ele o destinatário final da construção pois o empreiteiro é contratado para realizar a edificação exatamente da forma como foi pactuada Assim sendo é preciso explicitar que é portanto direito subjetivo do dono da obra fazer alterações no projeto a ser implantado E como fica a questão da autoria do projeto caso este tenha sido realizado por pessoa distinta do dono da obra Sobre o tema inovou o vigente Código Civil brasileiro sem qualquer correspondência no sistema anterior estabelecendo em seu art 621 Art 621 Sem anuência de seu autor não pode o proprietário da obra introduzir modificações no projeto por ele aprovado ainda que a execução seja confiada a terceiros a não ser que por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica fique comprovada a inconveniência ou a excessiva onerosidade de execução do projeto em sua forma originária Parágrafo único A proibição deste artigo não abrange alterações de pouca monta ressalvada sempre a unidade estética da obra projetada A regra nos parece extremamente adequada pois pondera os interesses das partes na manutenção do projeto estabelecido o que é uma garantia mínima de segurança jurídica admitindo a sua flexibilização para as pequenas alterações tópicas que não importam em sensível modificação de custos e do direito do autor do projeto em realizar o idealizado Da mesma forma ressalvada fica a ideia de conservação da avença contratual permitindo a alteração quando por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica fique comprovada a inconveniência ou a excessiva onerosidade de execução do projeto em sua forma originária 7 PRAZO DE GARANTIA Um dos dispositivos legais mais importantes em nossa opinião na disciplina jurídica do contrato de empreitada é o que estabelece um prazo de garantia pela solidez e segurança do trabalho bem como pelos materiais e solo utilizados Estabelece o caput do art 618 do Código Civil Art 618 Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis o empreiteiro de materiais e execução responderá durante o prazo irredutível de cinco anos pela solidez e segurança do trabalho assim em razão dos materiais como do solo Tratase o prazo de 5 cinco anos de um lapso temporal bastante razoável para atestar se a edificação feita pelo empreiteiro é sólida e segura o suficiente para se garantir como um produto que respeita as especificações estabelecidas Vale registrar que o novo texto suprimiu a ressalva que havia na codificação anterior em relação ao solo em que se mencionava que não haveria tal garantia se não o achando firme preveniu em tempo o dono da obra Agiu bem na nossa opinião o codificador de 2002 De fato tal ressalva nos soava absurda pois não teria sentido a criação de uma causa excludente de responsabilidade do empreiteiro por ter dado ciência ao dono da obra e mesmo assim ter prosseguido em um trabalho de risco É importante porém discutir a natureza deste prazo de 5 cinco anos Não se trata nem de prazo prescricional nem decadencial pois em verdade se refere a uma garantia legal imposta ao empreiteiro como um ônus decorrente da atividade exercida E esse prazo de garantia não está relacionado com prazos decadenciais ou prescricionais Ledo engano O parágrafo único do art 618 neste aspecto sem equivalente direto na codificação anterior preceitua Parágrafo único Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito Este prazo decadencial se refere única e exclusivamente ao exercício do direito de garantia Tratase portanto de um prazo para o ajuizamento da postulação decorrente de uma ação redibitória ou a quanti minoris que discrepa da regra geral contida no art 445 do Código Civil 86 Tal prazo decadencial não se confunde com o prazo prescricional para o ajuizamento de postulação de natureza condenatória para a obtenção de indenização pelos danos verificados Este entendimento já estava pacificado no STJ através de sua Súmula 194 publicada no Diário de Justiça de 3101997 que dizia Prescreve em vinte anos a ação para obter do construtor indenização por defeitos da obra O aresto jurisprudencial por óbvio deve ser atualizado com o novo e reduzido prazo prescricional para ações de reparação civil qual seja de 3 três anos na forma do art 206 3º V do Código Civil brasileiro de 2002 ou 5 cinco anos se o dono da obra vítima do dano for consumidor a teor do art 27 do CDC a depender da natureza da relação jurídica travada O prazo prescricional obviamente somente começa a contar do momento em que se verificou o dano em observância ao princípio da actio nata pois é nesse momento que o direito é considerado violado nascendo a pretensão na forma do art 189 do atual Código Esta dicotomia de prazos foi inclusive reconhecida também na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal que editou o Enunciado n 181 com a seguinte redação Enunciado n 181 Art 618 O prazo referido no art 618 parágrafo único do CC referese unicamente à garantia prevista no caput sem prejuízo de poder o dono da obra com base no mau cumprimento do contrato de empreitada demandar perdas e danos Sobre esta interessante temática confira o nosso leitor o que escrevemos em nosso volume dedicado ao estudo da Responsabilidade Civil com incursões inclusive no Direito do Consumidor 87 Bem em nosso sentir o prazo previsto no parágrafo único deste artigo concerne apenas a eventuais vícios de qualidade que prejudiquem a economicidade ou a utilização da obra realizada Ou seja o dono da obra terá o prazo decadencial de 180 dias para redibir o contrato rejeitando a obra ou eventualmente pleitear o abatimento no preço caso constate qualquer defeito desta natureza Tratase pois de regra específica que prevaleceria em face da prevista no art 445 do Código Civil referente aos vícios redibitórios em geral Registrese porém que o termo inicial de tal prazo não se identifica com a celebração do negócio jurídico mas sim com a manifestação do vício ou defeito Se entretanto tiver havido dano proveniente de falha na estrutura da obra por defeito de segurança ou solidez o direito de pleitear a reparação por perdas e danos poderá ser postulado no prazo prescricional geral de três CC ou cinco anos CDC como visto acima caso se cuide ou não de relação de consumo A única advertência que fazemos é a impossibilidade de se sustentar que o prazo seja vintenário considerando a não adoção deste lapso temporal no Código de 2002 cujo prazo máximo da prescrição liberatória é de dez anos 88 Registrese todavia que havendo uma subempreitada subcontratação da empreitada estabelece o art 622 do CC2002 Art 622 Se a execução da obra for confiada a terceiros a responsabilidade do autor do projeto respectivo desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art 618 e seu parágrafo único A previsão legal se refere à situação em que terceiro contratado como empreiteiro apenas execute a obra com autonomia sem nenhuma relação direta com o autor do respectivo projeto Assim sendo parece realmente lógico que a responsabilidade do mencionado autor do projeto se restrinja à solidez e segurança decorrente dos materiais e do solo pois são a priori as únicas atividades decorrentes de conduta a si imputável o que é um elemento básico de responsabilidade civil Sobre o referido dispositivo legal comenta CARLOS ROBERTO GONÇALVES Pode a obra com efeito ser projetada por uma pessoa e executada por outra É bastante comum no entanto ser projetada e executada pela mesma pessoa Neste caso responde o projetista pelos danos que causar ao dono da obra tanto por defeitos do projeto quanto por omissões na fiscalização da execução do serviço Quando no entanto o projetista limitase a elaborar o projeto a sua responsabilidade cingese nos termos do supratranscrito art 618 à solidez e segurança da obra no que diga respeito às características do trabalho apresentado Naturalmente os defeitos devem verificarse no projeto em si e não na execução da obra Se o vício de solidez e segurança resulta de falha ou imprecisão do projeto a responsabilidade é imputada a quem o elaborou Todavia se decorre da execução responsabilizase o empreiteiro que a promoveu 89 8 SUSPENSÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA Na generalidade dos casos o contrato de empreitada é um típico negócio de duração em que a atividade contratada não se esgota em um único ato caracterizandose como um pacto de trato sucessivo na sua prestação Todavia mesmo iniciada a obra qualquer das partes pode em determinadas hipóteses suspender a sua execução o que faz nascer o direito subjetivo da parte contrária de ser indenizada pelos danos causados É o que verificamos dos arts 623 e 624 do CC2002 Art 623 Mesmo após iniciada a construção pode o dono da obra suspendêla desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos mais indenização razoável calculada em função do que ele teria ganho se concluída a obra Art 624 Suspensa a execução da empreitada sem justa causa responde o empreiteiro por perdas e danos Notese que tais hipóteses fáticas são denominadas de suspensão somente pela possibilidade mais teórica do que fática de retomada da obra pelas próprias partes em comum acordo o que não demanda previsão legal específica No entanto uma reflexão mais detida nos levaria à conclusão de que a situação se aproximaria muito mais de uma modalidade de resilição unilateral E o mais interessante na nossa leitura é que por incrível que pareça a disciplina dessas duas modalidades de suspensão da empreitada vai por caminhos diferentes para o mesmo lugar a extinção do contrato De fato em que consiste o pagamento das despesas e lucros relativos aos serviços já feitos senão os danos emergentes sofridos pelo empreiteiro E o que seria a indenização razoável calculada em função do que ele teria ganho se concluída a obra senão uma forma eufemística de denominar os lucros cessantes A ideia portanto é a mesma Suspenso ou resilido unilateralmente o contrato de empreitada por qualquer das partes sem justa causa esta responde em face da outra pelas perdas e danos sofridos tal como se dá de forma semelhante no pagamento das arras penitenciais Na mesma linha o art 625 do Código Civil Art 625 Poderá o empreiteiro suspender a obra I por culpa do dono ou por motivo de força maior II quando no decorrer dos serviços se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução resultantes de causas geológicas ou hídricas ou outras semelhantes de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado observados os preços III se as modificações exigidas pelo dono da obra por seu vulto e natureza forem desproporcionais ao projeto aprovado ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço Tais situações em geral resultarão não na simples suspensão do contrato admitida excepcionalmente mas na própria extinção do contrato razão pela qual não consideramos técnica a referência à palavra suspensão no caput do dispositivo Somente a título exemplificativo tomemos o inciso I Ocorrendo um evento de força maior a exemplo de um incêndio ou enchente que destruam totalmente o local da obra impedindo nova edificação configurarseá a dissolução da avença Na mesma linha no inciso II diante de dificuldades imprevisíveis de execução resultantes de causas geológicas ou hídricas ou outras semelhantes o contrato poderá ser resolvido e não simplesmente suspenso Da mesma maneira na hipótese do inciso III mesmo sendo direito subjetivo do dono da obra a apresentação de alterações ao projeto aprovado dispondose inclusive a arcar com o acréscimo do preço o fato é que nem sempre o empreiteiro pode ter condições reais para realizar tais alterações Em tais situações poderá sim em nosso sentir o contrato ser desfeito admitindose apenas excepcionalmente a suspensão do contrato caso seja possível a reversão da situação fática impeditiva Apenas para arrematar vale destacar que de forma curiosa nada falou o vigente Código Civil brasileiro sobre justos motivos específicos para a suspensão da obra pelo seu dono razão pela qual a matéria pode ser regida pela disciplina geral da extinção do contrato 9 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA A forma ordinária de extinção do contrato de empreitada se dá simplesmente pela consumação da sua finalidade ou seja mediante sua execução É claro porém que os demais meios comuns de dissolução do contrato 90 são perfeitamente aplicáveis à espécie aqui analisada Assim embora normalmente celebrado de forma impessoal admitida uma empreitada firmada na forma do já mencionado art 626 do CC2002 em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro o falecimento do empreiteiro levará inexoravelmente à extinção do contrato Por decorrência se celebrado com pessoa jurídica a sua despersonalização poderá levar também à extinção do negócio Além disso como visto no tópico anterior a disciplina codificada do contrato de empreitada acaba admitindo expressamente a resilição unilateral tanto por parte do dono da obra quanto do empreiteiro na forma dos arts 623 e 624 do Código Civil já estudados Finalmente na mesma linha de entendimento as situações previstas no art 625 poderão resultar na extinção do contrato a depender das circunstâncias do caso concreto XXXI DEPÓSITO 1 CONCEITO Podemos definir o contrato de depósito como um negócio jurídico por meio do qual uma das partes depositante transfere à outra depositário a guarda de um objeto móvel para que seja devidamente conservado e posteriormente devolvido Esta nossa despretensiosa definição não discrepa muito da proposta por CLÓVIS BEVILÁQUA Depósito é o contrato pelo qual uma pessoa recebe um objeto móvel alheio com a obrigação de guardálo conserválo e restituílo em seguida 91 Notese ademais que se trata de um contrato calcado na confiança ou seja especialmente sujeito à incidência principiológica da boafé objetiva uma vez que o depositante sem perder a propriedade daquilo que lhe pertence transfere o poder de fato sobre a coisa para terceiro depositário que não poderá utilizála senão quando expressamente permitido No Código Civil brasileiro o conceito legal do depósito vem estampado logo em seu art 627 escoimando quaisquer dúvidas a respeito do seu objeto apenas bens móveis Art 627 Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel para guardar até que o depositante o reclame Finalmente para que não haja dúvida acerca da dimensão conceitual deste instituto é preciso que não o confundamos com o denominado sequestro que consiste no depósito judicial de coisa sobre a qual pende litígio Como bem adverte CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA a disciplina do sequestro em nosso sistema diferentemente de outros ordenamentos sujeitase às regras do Código de Processo Civil E pontifica Costumase compreender na dogmática do depósito o sequestro que é o depósito de coisa litigiosa A sua disciplina que em outros sistemas se abriga no Código Civil em nosso direito obedece a orientação diferente regulandose pelo disposto no Código de Processo Civil Tanto pode compreender bens móveis ou imóveis realizandose neste último caso simbolicamente Efetuase por mandado judicial cuja expedição obedecerá à verificação sumária de requisitos Código de Processo Civil arts 822 e ss seja como medida preparatória ou antecedente da ação seja como incidente na pendência da lide 92 De fato no Código de Processo Civil de 1973 o sequestro era tratado como procedimento cautelar Já no Código de Processo Civil de 2015 passou a ser referido como uma das formas de efetivação de tutela de urgência 93 Em verdade achamos acertada a posição do legislador em situar topograficamente a sua disciplina no Código de Processo Civil 2 CARACTERÍSTICAS O depósito contrato típico e nominado é celebrado de forma individual tendo as seguintes características a unilateral ou bilateral na sua essência o depósito é um contrato tipicamente unilateral ou seja impõe obrigação apenas para uma das partes o depositário Entretanto especialmente naqueles negócios de natureza mercantil poderá apresentarse ainda sob a forma de contrato bilateral Em tal caso pactuouse ab initio a remuneração do depositário É o que ocorre por exemplo nos contratos de guarda de veículos em estacionamentos de shoppings centers modalidade contratual atípica assemelhada ao contrato de depósito 94 cuja disciplina legal lhe é aplicável notadamente no que diz respeito à responsabilidade civil 95 Nada impede outrossim que seja ainda bilateral imperfeito situação peculiar na qual o contrato nasce unilateral convertendose posteriormente em bilateral durante a sua execução Em outras palavras quando celebrado apenas o depositário estava obrigado mas no curso do contrato passou a ter também direito em face do depositante É o que ocorre quando celebrado um depósito unilateral sem remuneração convencionada o depositário acaba por realizar à sua custa despesas de conservação da coisa cabendolhe por lei o direito de retêla até que o depositante lhe indenize art 644 do CC2002 b gratuito ou oneroso se for celebrado na modalidade unilateral considerase o contrato gratuito pois apenas o depositante se beneficia caso entretanto seja pactuada remuneração ao depositário reputarseá o negócio oneroso pois ambas as partes ao benefício patrimonial experimentado suportarão correspondente prejuízo A respeito do tema observa ORLANDO GOMES com peculiar sabedoria A gratuidade não é da essência do contrato Se em direito civil está presumida obsoletamente de regra se tornou oneroso forma ordinariamente utilizada atualmente 96 De fato nos dias de hoje a modalidade onerosa é na prática a mais comum pois o contrato de depósito passou a ter acentuado intuito especulativo havendo inúmeras sociedades empresárias dedicadas exclusivamente à sua exploração a exemplo daquelas já mencionadas que se dedicam ao ramo dos estacionamentos pagos relação contratual esta à qual a disciplina do contrato de depósito é aplicável Sensível a isso o codificador admitiu a onerosidade do contrato em dispositivo de intelecção clara Art 628 O contrato de depósito é gratuito exceto se houver convenção em contrário se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão Parágrafo único Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei nem resultar de ajuste será determinada pelos usos do lugar e na falta destes por arbitramento Todavia não se pode desprezar a sua ocorrência gratuita até mesmo por força da dicção legal São exemplos corriqueiros de contratos gratuitos de depósito hipóteses como a do vaqueiro que deixa seus animais cavalos vacas etc no curral de um determinado fazendeiro nem sempre seu patrão ou especificamente no âmbito da relação de emprego do empregador que disponibiliza armários para os empregados guardarem seus pertences pessoais Da mesma forma nas relações de consumo vislumbram se contratos gratuitos de depósito em academias de ginástica que oferecem sem custo armários para os seus atletas colocarem suas roupas enquanto se exercitam c real diversas vezes no curso desta obra cuidamos de definir o que se entende por contrato real No entanto posto não pretendamos cansar o nosso amigo leitor reputamos necessário por amor à didática e à clareza relembrarmos que real é o contrato que somente se torna perfeito e acabado com a entrega do bem objeto do negócio de uma parte à outra Tal é o que se dá com o mútuo o penhor e na mesma linha com o depósito Enquanto não efetuada a entrega ao depositário o contrato não se torna perfeito Não se diga com isso entretanto que o contrato tenha efeitos reais pois a propriedade não é transferida ao depositário que atuará como mero detentor Quanto ao caráter intuitu personae apontado por juristas de alto quilate 97 preferimos não elencálo neste rol pois em nosso sentir tal contrato tem perdido a nota de pessoalidade que tradicionalmente se lhe aponta Nesse sentido MARIA HELENA DINIZ Todavia hodiernamente esse caráter não tem prevalecido por ser normal que alguém confie a guarda de bem que lhe pertence a depositário que mal conhece principalmente se se tratar de uma empresa ou empresário que exerce atividade negocial de depositário 98 Enquanto contrato unilateral a classificação em contratos comutativos ou aleatórios não é aplicável ao depósito Todavia por exceção pode o contrato se converter em bilateral quanto à sua execução hipótese em que será por certo um contrato comutativo uma vez que as obrigações se equivalerão Neste último caso podese falar em contrato evolutivo em que é estabelecida a equação financeira do contrato impondose a compensação de eventuais alterações sofridas no curso do negócio A depender das circunstâncias pode se materializar tanto como um contrato paritário quanto por adesão É contrato amplamente utilizado nas relações civis comerciais e consumeristas não sendo muito comum nas administrativas e inaplicável nas trabalhistas Quanto à forma o depósito na sua modalidade voluntária é uma avença em geral solene uma vez que a lei exige expressamente a forma escrita para a sua comprovação como previsto no art 646 do CC2002 Todavia esta forma escrita é ad probationem e não ad substantiam não sendo desarrazoado admitirse a sua prova por outros meios já que a inexistência da forma escrita não faz presumir jure et de jure a inexistência do negócio O depósito necessário por sua vez dada a sua natureza pode ser celebrado de maneira não solene sem qualquer restrição apenas pela prática dos atos materiais correspondentes Tratase por fim como a maioria das formas contratuais previstas no Código Civil brasileiro de um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais Pela função econômica tratase de um contrato de crédito pois caracterizado pela obtenção de um bem para ser restituído posteriormente calcado na confiança dos contratantes podendo estar relacionado a um interesse de obtenção de uma utilidade econômica em tal transferência de posse Por fim tratase de um contrato principal e definitivo Vale registrar ainda que se trata de contrato temporário cuja duração é normalmente determinada não havendo óbice para que se estabeleça de forma indeterminada com os ônus correspondentes quando o contrato não for gratuito 3 PARTES E OBJETO Já tivemos oportunidade de afirmar que são partes no contrato de depósito o depositante proprietário da coisa e o depositário a pessoa a quem se transfere a coisa para a sua guarda sendo desnecessário referir que para a sua validade devem os partícipes da relação negocial ser capazes ou caso não o sejam estar devidamente representados ou assistidos Quanto aos bens que podem ser depositados podemos afirmar que seguindo diretriz oriunda do Direito Romano o nosso permite apenas o depósito de coisas móveis Nesse sentido preleciona o brilhante BEVILÁQUA No direito romano só as coisas móveis se consideravam regularmente depositáveis Entre nós também é essa a doutrina aceita 99 O bem objeto do depósito deverá naturalmente ser de propriedade do depositante ou se assim não o for deverá ele ter poderes para efetuar o contrato Pergunta interessante que se nos impõe agora é a seguinte poderá o depósito ter por objeto bens fungíveis e consumíveis A resposta é afirmativa Tratase do denominado depósito irregular que tem como exemplo mais comum e difundido o depósito de dinheiro bancário Há na espécie inegável semelhança embora não identificação entre o depósito e o mútuo razão pela qual se lhes aplicam as mesmas regras A diferença entretanto entre tais figuras existe e está nos fins econômicos dos respectivos contratos o depósito é feito no interesse do depositante e o mútuo no do mutuário No Código Civil a disciplina do depósito irregular é feita pelo art 645 Art 645 O depósito de coisas fungíveis em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero qualidade e quantidade regularseá pelo disposto acerca do mútuo Ao mencionar que deverão ser restituídas coisas do mesmo gênero quantidade e qualidade quis o legislador enfatizar a natureza fungível e consumível do bem entregue ao depositário afigurandose obviamente impossível a entrega da coisa original Assim quando fazemos no banco o depósito de R 100000 ao efetuarmos posteriormente o saque do numerário não receberemos as mesmas cédulas que depositamos mas sim outras notas representativas do mesmo valor Ainda quanto ao objeto do depósito cumprenos lembrar que a teor do art 630 do CC2002 se tal objeto for entregue fechado colado selado ou lacrado nesse mesmo estado deverá ser mantido Trata se de um dever ex lege cujo descumprimento por traduzir infração ao dever de lealdade emanado da boafé objetiva poderá resultar na responsabilidade civil do depositário Nada impede no entanto em caso de urgência e supedaneado em interesse público que o depositário viole o invólucro ou embalagem do depósito se não houver tempo de recorrer à autoridade pública competente Claro que isso sempre em caráter excepcional Imaginemos por exemplo que o depositário houvesse desconfiado de haver recebido material inflamável com risco sério e real de explosão havendo o depositante se omitido a respeito de todas as características da coisa Sendo a sua suspeita fundada e não tendo como obter imediato auxílio da polícia técnica poderá ser levado a devassar o sigilo do bem abrindo a sua embalagem para assegurarse a respeito da sua suposta periculosidade Claro está entretanto que em havendo excesso de sua parte poderá ser compelido a indenizar o depositante Finalmente lembramos ao amigo leitor que se o depositário por circunstância inevitável caso fortuito ou força maior houver perdido a coisa depositada e recebido outra em seu lugar como ocorre na hipótese de pagamento da indenização do seguro ficará obrigado nos termos do art 636 do CC2002 a entregar a segunda coisa ao depositante cabendolhe as ações que eventualmente tiver contra o terceiro responsável pela restituição da que foi perdida Na mesma linha conforme prevê o art 637 do CC2002 o herdeiro do depositário que de boafé vendeu a coisa depositada é obrigado a assistir o depositante na reivindicação e a restituir ao comprador o preço recebido A previsão visa a prestigiar o princípio da boafé acautelando os direitos do depositante Assim por exemplo temos a situação em que Caio após receber uma coisa em depósito de Tício vem a falecer deixando Mévio como seu único herdeiro Desconhecendo este último a relação jurídica travada pode de boafé acreditar que o bem depositado fosse de titularidade do de cujus pelo que pensando que tinha passado para sua propriedade vendeo a Xisto Ora neste caso Mévio não somente deve restituir a Xisto o valor recebido como também deve apoiar e custear a expressão assistir neste caso deve ser entendida de forma ampla o depositante na ação reivindicatória na condição de assistente do autor 100 4 ESPÉCIES DE DEPÓSITO Em primeiro plano temos o depósito convencional centro das nossas atenções neste capítulo Tratase do depósito contratual ou voluntário negócio jurídico definido pelo art 627 do Código Civil cujo estudo já iniciamos linhas atrás Além deste temos ainda o depósito judicial aquele que deriva de uma decisão ou sentença a exemplo do que ocorre nas ações de consignação em pagamento ou ainda nas de sequestro já mencionado no decorrer deste capítulo Outra importante figura é o denominado depósito necessário ou obrigatório que se subtipifica em legal e miserável Em verdade estas duas últimas submodalidades de depósito são derivadas de mandamento normativo previsto no Código Civil em seu art 647 Art 647 É depósito necessário I o que se faz em desempenho de obrigação legal II o que se efetua por ocasião de alguma calamidade como o incêndio a inundação o naufrágio ou o saque O denominado depósito legal previsto no inciso I é aquele decorrente de uma obrigação prevista em texto normativo a exemplo do que ocorre quando o sujeito encontra coisa alheia perdida impondose lhe a teor dos arts 1233 a 1237 do Código Civil 101 que se encaminhe a uma delegacia de polícia para efetuar o depósito sob pena de incorrer no crime de apropriação indébita de coisa achada CP art 169 II Outros exemplos de depósito legal segundo a doutrina sempre atual de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO são os seguintes b o de dívida vencida pendente a lide quando vários credores lhe disputarem o montante uns excluindo outros art 345 c o que deve ser feito pelo administrador dos bens do depositário que se tenha tornado incapaz art 641 d o do lote compromissado no caso de recusa de recebimento da escritura definitiva DecLei n 58 de 10121937 art 17 parágrafo único e Dec n 3079 de 1591938 art 17 parágrafo único 102 Já o depósito miserável também decorrente de lei é como já dissemos aquele desempenhado em situação de desespero como um incêndio uma inundação um naufrágio ou o saque Claro está que esta enumeração legal não é exaustiva uma vez que o legislador por não ser profeta não poderia prever antecipadamente toda situação fática justificadora deste tipo de depósito Assim sendo a critério do julgador sendo a situação comprovadamente calamitosa tal depósito deverá ser permitido Na hipótese de uma enchente por exemplo a pessoa poderá ser levada a efetuar a entrega de seus bens a um vizinho cuja casa não fora invadida pela água devendose registrar que por não se presumir gratuito art 651 do CC2002 o depositário poderá vir a ser remunerado especialmente quando houver sofrido prejuízo No geral entretanto nenhum valor é estipulado ao depositário que atua por espírito de solidariedade Finalmente cumprenos observar que por força do art 648 do CC2002 abaixo transcrito aplicam se subsidiariamente ao depósito necessário as regras da modalidade voluntária Art 648 O depósito a que se refere o inciso I do artigo antecedente regerseá pela disposição da respectiva lei e no silêncio ou deficiência dela pelas concernentes ao depósito voluntário Parágrafo único As disposições deste artigo aplicamse aos depósitos previstos no inciso II do artigo antecedente podendo estes certificaremse por qualquer meio de prova Interessante a referência feita no parágrafo único no sentido de se poder provar o depósito miserável por qualquer meio de prova dada a gravidade do seu contexto aspecto este que não escapou ao olhar observador de CARLOS ALBERTO BITTAR Em alguns casos indicamse os bens e a pessoa a quem compete a guarda depósito legal e em outras tomase como depositário aquela que primeiro a tanto se dispuser depósito miserável cingindose aos bens que se oferecerem à ocasião Na primeira hipótese provase por escrito o depósito na segunda por qualquer outro meio possível 103 Nesse diapasão temos ainda o depósito das bagagens dos viajantes ou hóspedes equiparado ao legal CC2002 art 649 Tratase de um depósito oneroso cujo preço é incluído na hospedagem art 651 segunda parte do CC2002 podendo atingir hotéis motéis pensões albergues pousadas e todo e qualquer estabelecimento que exerça atividade idêntica Esta modalidade de depósito revestese de particular interesse pois a sua disciplina não é feita apenas pelo Código Civil mas também pelo Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 uma vez que os hospedeiros podem ser considerados em geral fornecedores de produtos e serviços submetendo se assim ao império desse importante microssistema Assim toda e qualquer análise feita a respeito desta matéria deverá considerar a incidência dos princípios protetivos desta lei especial Com isso não estamos sustentando o desprezo às normas insculpidas no Código Civil mas apenas apontando a necessidade de o intérprete aplicálas sistematicamente cotejandoas com o CDC resguardando sempre o comando constitucional de indiscutível cunho principiológico de defesa do consumidor 104 Por serem considerados depositários os hospedeiros responderão por eventuais prejuízos causados aos hóspedes assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos art 649 parágrafo único do CC2002 A responsabilidade civil por atos de pessoas empregadas é consectário lógico da condição de empregador havendo dispositivo expresso no próprio Código Civil dispondo nesse sentido Art 932 São também responsáveis pela reparação civil III o empregador ou comitente por seus empregados serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele Vale lembrar aliás que tal responsabilidade também é objetiva a teor do art 933 do mesmo diploma Quanto às pessoas admitidas reputamos todas aquelas que obtenham autorização de acesso nas dependências do estabelecimento de hospedagem desde o mero prestador de serviço um encanador contratado por exemplo a um terceiro que esteja apenas de passagem Daí por que a segurança nos hotéis e motéis é geralmente mais criteriosa Ao se referir a furtos e roubos no art 649 ora estudado o legislador não pretendeu em nosso pensar e nem pôde esgotar todas as hipóteses de cometimento de crimes contra o patrimônio impositivas do dever de indenizar Entendemos pois que tal referência enumerativa não é exaustiva de maneira que haverá responsabilidade civil também quando seus empregados ou pessoas admitidas cometerem por exemplo crime de apropriação indébita ou de estelionato em detrimento do hóspede depositante pois a ratio da norma é responsabilizar pelos danos ao patrimônio dos viajantes ou dos hóspedes Outra peculiar situação entretanto deverá ser destacada Frequentemente os hospedeiros ao receberem o hóspede solicitam que informe se está portando objetos de valor e em caso positivo se gostaria de utilizar o cofre do apartamento ou da recepção Tratase de uma cautela razoável e compreensiva embora não possa significar se o hóspede não quiser utilizar o serviço isenção de responsabilidade Isso porque em havendo falha no sistema de segurança não se poderá isentar o hospedeiro mormente em se considerando que por estar inserido em uma relação de consumo sujeitase às normas da responsabilidade objetiva não havendo espaço para se discutir culpa ou dolo Nessa linha o codificador somente admitiu a isenção de responsabilidade se houver prova de que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados art 650 do CC2002 Por conseguinte apenas situações graves de rompimento do nexo causal como a culpa exclusiva da vítima o fortuito externo ou a força maior poderiam impedir que o hóspede ou viajante fizesse jus à compensação devida o que é ônus da prova do estabelecimento hoteleiro 5 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES Em geral o depósito impõe obrigações apenas ao depositário a quem incumbe precipuamente guardar conservar e devolver a coisa depositada respondendo por qualquer dano decorrente de sua má atuação ressalvadas a consumação do risco por caso fortuito ou força maior Nada impede outrossim que seja pactuado como contrato bilateral caso em que o depositante obriga se a remunerar o depositário pela prestação da atividade De qualquer forma podemos afirmar sem risco de erro que a obrigação nuclear derivada deste contrato é imposta ao depositário Aliás vale lembrar que esta obrigação de guarda deve ser feita de maneira responsável e criteriosa expressamente determinado por lei conforme se depreende do art 629 do CC2002 Art 629 O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence bem como a restituíla com todos os frutos e acrescidos quando o exija o depositante Observe nosso caro leitor que caso a coisa depositada produza frutos estes deverão ser devolvidos juntamente com a coisa principal Assim imaginese a hipótese de uma vaca ter sido entregue em depósito Claro está que se vier a ter um bezerrinho durante a vigência do depósito este também deverá ser devolvido ao depositante Na mesma linha qualquer acréscimo realizado na coisa imaginese um reparo ou a colocação de um instrumento necessário de segurança em um veículo depositado deverá acompanhar a devolução da res sem prejuízo de o depositário ser compensado Quanto à restituição da coisa esta deve ser feita salvo disposição em contrário no lugar em que tiver de ser guardada correndo as despesas de restituição por conta do depositante art 631 do CC2002 Esta referência à obrigação de o depositante pagar as despesas de restituição afigurasenos importante uma vez que sendo omisso o contrato a ausência de tal previsão legal poderia gerar dúvida ou litígio E nesse sentido comprovase mais uma vez que embora o depósito seja originalmente unilateral e gratuito poderá gerar obrigações para o depositante Caso o bem depositado seja de terceiro aplicaselhe o art 632 do CC2002 nos seguintes termos Art 632 Se a coisa houver sido depositada no interesse de terceiro e o depositário tiver sido cientificado deste fato pelo depositante não poderá ele exonerarse restituindo a coisa a este sem consentimento daquele Com isso resguardase o direito do terceiro legítimo proprietário da coisa Ainda quanto à obrigação de restituir cumprenos advertir que o depositário somente poderá negarse à mesma nas estritas hipóteses de lei estudadas linhas abaixo arts 633 e 634 do CC2002 Fora daí deverá devolver sempre não podendo alegar que a coisa não pertence ao depositante nem muito menos opor compensação salvo se noutro depósito a referida compensação se fundar CC2002 art 638 Nesse caso o legislador somente admitiu a compensação se esta provier de outro depósito Assim imaginese que Joseph mantém em depósito uma coisa de Milton sem ter efetuado a restituição solicitada No entanto Joseph entregou também em depósito coisa sua a Milton Neste caso Milton poderá quando instado a devolver o bem pertencente a Joseph retêlo alegando compensação Outra importante regra referente ao dever de restituir está prevista no art 639 do CC2002 Art 639 Sendo dois ou mais depositantes e divisível a coisa a cada um só entregará o depositário a respectiva parte salvo se houver entre eles solidariedade Um exemplo vale por mil palavras suponhamos que Jassa e Odessa sejam proprietários de uma tonelada de soja depositada em poder de Oliveiros Neste caso tratandose de coisa divisível deverá o depositário entregar a cada um dos depositantes a sua respectiva parte 500 kg se o contrato não dispuser de forma diferente Todavia se houver entre eles solidariedade poderá o depositário entregar todo o bem para apenas um dos depositantes que o reclamar art 275 do CC2002 Esta mesma solução ainda que por justificativa de outra natureza deverá ocorrer se a coisa depositada for indivisível dada a impossibilidade de fracionamento da res art 260 do CC2002 Outro ponto a ser destacado diz respeito à proibição imposta ao depositário no sentido de não poder servirse da coisa depositada sem expressa autorização do depositante nem muito menos dar em depósito a outrem Neste último caso entretanto caso esteja autorizado responderá juntamente com o terceiro por qualquer ato danoso que este venha a cometer se houver agido com culpa na sua escolha art 640 do CC2002 Assim ainda que devidamente autorizado se o depositário confiar a coisa a alguém que normalmente não cumpre com suas diligências incidirá em culpa in eligendo responsabilizandose civilmente o que também ocorrerá se delegar a função por exemplo a um menor ou a um enfermo mental E por falar nos incapazes é de se notar que caso o depositário seja acometido por uma incapacidade superveniente o administrador dos seus bens em geral o curador deverá diligenciar a imediata restituição da coisa depositada e não querendo ou não podendo o depositante recebêla recolhêlaá ao depósito público ou promoverá a nomeação de outro depositário art 641 do CC2002 Nesta última situação posto não haja o legislador estabelecido prazo para a nova nomeação deverá ser este o razoável para a escolha de pessoa idônea constituindose em uma hipótese exemplificativa de depósito necessário legal art 647 I do CC2002 Finalmente cumprenos lembrar que caberão ao depositante as despesas feitas com a coisa e os prejuízos que do depósito vierem Vale dizer deverá o depositante por ser proprietário arcar com os custos provenientes do depósito art 643 do CC2002 salvo é claro estipulação contratual em sentido contrário 6 NEGATIVA DE DEVOLUÇÃO DA COISA DEPOSITADA Como já nos parece claro as obrigações do depositário envolvem a guarda e a conservação do bem sendo seu corolário lógico a obrigação de restituir a coisa para o seu efetivo titular Todavia há situações em que a recusa de devolução é autorizada por lei tendo em vista a ocorrência de circunstâncias fáticas diferenciadas E que circunstâncias são essas É o que veremos no próximo tópico 61 Análise dos arts 633 a 635 do Código Civil Conforme vimos acima uma das obrigações precípuas do depositário é de devolução da coisa recebida do depositante Aliás por se tratar de contrato essencialmente calcado na confiança recíproca o descumprimento desse dever traduziria injustificável infração à cláusula geral de boafé objetiva Entretanto situações há previstas na própria lei que autorizariam a negativa de restituição sem a esperada responsabilidade civil do depositário que estaria no caso atuando no estrito cumprimento de um dever legal Sobre o estrito cumprimento do dever legal já teve oportunidade de asseverar o grande JOSÉ FREDERICO MARQUES tratarse em verdade de situação de exercício regular de direito o próprio cumprimento do dever legal não explícito no artigo 160 105 nele está contido porquanto atua no exercício regular de um direito reconhecido aquele que pratica um ato no estrito cumprimento do dever legal 106 Nesse diapasão com amparo nos arts 633 a 635 do Código Civil as hipóteses legais de negativa de devolução seriam as seguintes a exercício do direito de retenção analisado no próximo subtópico b embargo judicial do objeto depositado tratase da situação em que pende sobre o bem alguma medida judicial constritiva ou assecuratória como o arresto o sequestro ou até mesmo uma cautelar inominada c execução pendente sobre o objeto depositado claro está que em havendo execução em curso com a real possibilidade de penhora e excussão do bem sob poder do depositário sendo este comunicado do fato não poderá efetuar a devolução da coisa ao devedorexecutado devendo depositála perante o juízo da própria execução Percebese em tal caso que se a penhora já está consumada com mais razão ainda deve o depositário negarse à restituição d ocorrência de motivo razoável acerca da procedência ilícita da coisa depositada o legislador aqui ao utilizar a expressão motivo razoável cunhou um conceito aberto ou indeterminado a ser preenchido pelo juiz no caso concreto Assim se o depositário por exemplo suspeitar que a res é contrabandeada poderá negarse à restituição sob pena inclusive de vir a ser responsabilizado criminalmente pelo fato Em tal circunstância deverá a coisa ser recolhida ao depósito público art 634 do CC2002 Finalmente cumprenos advertir que o legislador em norma aberta art 635 do CC2002 admite o depósito judicial caso o depositário tendo motivo plausível não possa guardar a coisa e o depositante se negue a recebêla Tratase como se pode observar de regra de espectro amplo composta por conceito indeterminado exigindo do juiz extrema cautela ao preenchêlo no caso concreto à luz do princípio da operabilidade Nessa situação temos uma hipótese de consignação em pagamento uma vez que é obrigação do depositário guardar conservar e restituir a coisa Não sendo mais possível que se cumpram as duas primeiras obrigações é seu dever comunicar o depositante e devolver o bem pelo que havendo resistência deverá consignálo 62 Direito de retenção Poderá também o depositário oporse à devolução caso exerça na forma do art 644 do CC2002 o seu direito de retenção jus retentionis Tratase em nosso sentir de um direito potestativo oponível contra o depositante por meio do qual o seu titular depositário força o cumprimento de uma prestação que lhe é devida mediante justificada negativa de devolução da coisa depositada Na mesma linha o eminente SILVIO RODRIGUES pontifica que O direito de retenção já vimos é um meio direto de defesa que a lei confere ao credor para coagir o devedor a efetuar o pagamento de um débito oriundo de relação com determinada coisa que pertence ao devedor mas que se encontra em mãos do credor Como meio compulsório de defesa estimula o proprietário da coisa que procura reavêla a resgatar dívida que de sua guarda resultou 107 Não se trata frisese de um direito real mas sim de um direito de natureza pessoal com eficácia coercitiva especialmente porque se direito real fosse figuraria à luz do princípio da tipicidade no rol do art 1225 do CC2002 Ademais é exercido contra o depositante não se configurando como manifestação de poder real direto sobre a coisa Só existe pois na medida em que visa a forçar o cumprimento de uma prestação devida ao seu titular Nesse campo vejamos em que hipóteses admite o legislador o exercício do direito de retenção no contrato de depósito Em princípio lembremonos de que tão logo o depositante reclame a restituição da coisa o depositário deverá fazêlo sob pena inclusive de quebra da boafé objetiva contratual Excepcionalmente todavia poderá o depositário exercer o direito de retenção da coisa nas seguintes situações art 644 do CC2002 a até que lhe seja paga a retribuição devida vale dizer pactuado o depósito em sua modalidade onerosa poderá o depositário reter a coisa depositada até que seja pago É o caso por exemplo do sujeito que guarda sua bagagem no maleiro de um aeroporto Enquanto não pagar o valor não poderá ter acesso aos seus bens Aplicando a regra para o contrato de estacionamento de veículo imagine por exemplo que você deixou seu carro no estacionamento pago do shopping Enquanto não houver o pagamento não há liberação do veículo b até que lhe seja pago o valor líquido da despesa que tenha realizado se o depositário efetuou despesas extraordinárias não imputadas a ele durante a execução do contrato poderá exercer o direito de retenção até ser compensado Tal dispositivo visa a evitar o enriquecimento sem causa do depositante Figurese a título exemplificativo a situação em que o depositante entrega um cachorro a título de depósito Ao efetuar a entrega forneceu também a quantidade de ração que reputou suficiente para alimentar o animal durante o período do contrato Ora verificando o término do alimento antes da data de restituição do animal o depositário às suas expensas adquiriu mais ração para alimentar o cãozinho Terá pois direito de retêlo enquanto não for ressarcido por esta despesa imprevista c até que seja indenizado por eventual prejuízo decorrente do depósito esta hipótese também conectada ao princípio que veda o enriquecimento sem causa é de clareza meridiana Ora se por força do depósito o depositário sofre dano é mais do que justo que seja devidamente ressarcido É o caso em que a vaca entregue a título de depósito está contaminada por aftosa e o depositário insciente do fato a coloca com animais seus que vêm a perecer Em tal situação poderá reter o animal depositado até que o depositante o indenize pelas despesas que teve Prevê outrossim o parágrafo único do art 644 que se tais dívidas despesas ou prejuízos não forem provados suficientemente ou forem ilíquidos de valor ainda não determinado o depositário poderá exigir caução garantia idônea do depositante ou na falta desta a remoção da coisa para o depósito público até que se liquidem Finalmente uma interessante e derradeira questão se nos impõe poderia o depositário negarse a restituir a coisa alegando que lhe pertence O bom senso em nosso sentir sugere ser afirmativa a resposta desde que a resistência do depositário seja exercida de maneira adequada recolhendose a coisa ao depósito público Tal providência a par de justa resguarda o direito de propriedade pois permite a apuração de quem seja o legítimo titular da coisa Ademais como devolver aquilo que a nossa convicção considera ser nosso Finalmente vale lembrar não ser possível a prisão do depositário infiel em caso de recusa injustificada da devolução da coisa 7 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE DEPÓSITO Como arremate deste tema vale tecer rápidas considerações sobre a extinção do contrato de depósito Como se trata de uma avença temporária o advento do termo deve extinguir o negócio Quando não for estabelecido o prazo a solicitação do depositante ou a devolução justificada do bem pelo depositário terá o mesmo efeito Obviamente o perecimento do objeto também tem o efeito extintivo da relação jurídica A morte do depositário pode também ter o mesmo efeito se o contrato for estabelecido de forma pessoal Resumindo tais modalidades observa com propriedade SÍLVIO VENOSA O depósito extinguese pelo vencimento do prazo pela manifestação do depositante que pede a restituição por iniciativa do depositário se não quiser ou já não puder manter a coisa em seu poder na descrição do art 635 antigo art 1270 Extinguirseá também o negócio se a coisa perecer por desaparecimento do objeto e pela morte ou incapacidade do depositário quando exclusivamente intuitu personae o contrato A Lei n 231354 e o Decreto n 4039565 estabelecem que o depósito extinguese no prazo de 25 anos quando não reclamada a coisa 108 XXXII MANDATO 1 CONCEITO E DENOMINAÇÃO Mandato é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa chamada mandatário recebe poderes de outra chamada mandante para em nome desta última praticar atos ou administrar interesses Tal conceito é extraído da previsão contida no art 653 do CC2002 Art 653 Operase o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para em seu nome praticar atos ou administrar interesses A procuração é o instrumento do mandato Registremos desde já com EDUARDO ESPÍNOLA que a palavra mandato lat Mandatum vem de manu dare dictum ex eo quod dat manu dextera fidem mandatae susceptaeque operi invicem alligabant quem dava o encargo e quem o recebia apertavam a mão demonstrando um a confiança que depositava no outro e este a segurança que corresponderia a esta confiança 109 Notese ainda que posto o objeto do mandato seja a representação nada impede haja representação sem mandato como na hipótese da representação legal dos pais em face dos filhos menores 2 DISTINÇÕES TERMINOLÓGICAS Fazer a distinção terminológica adequada do mandato para a procuração exige um cuidado de ourives no lapidar dos institutos De fato o primeiro é o contrato ou seja a causa do vínculo jurídico que une dois sujeitos e disciplina a realização de determinada conduta de interesse de ambos a saber a prática de atos ou administração de interesses Justamente por ser uma relação contratual interessa a priori somente às partes contratantes que disciplinarão os efeitos pretendidos Neste ponto é importante observar que não se deve confundir mandato com mandado pois este último expressa em verdade a formalização por escrito de uma ordem judicial sendo decorrente de uma relação jurídica processual nada tendo que ver com a celebração de um negócio jurídico Já a expressão procuração tem um sentido muito mais amplo do que o previsto no mencionado dispositivo legal De fato a primeira acepção decorrente diretamente do texto normativo transcrito é a de instrumento Ou seja procuração nesse sentido consagrado pela lei e pela utilização coloquial uma vez que se trata de expressão que caiu no uso comum é o documento ou título público ou particular por meio do qual uma pessoa estabelece quais são os poderes outorgados a outrem para que possa praticar atos ou administrar negócios em seu interesse Tratase pois do instrumento formal de delimitação de poderes no mandato Todavia esta significação meramente formal não deve ser confundida com a declaração que outorga os poderes de representação Tal outorga de poderes dáse através de uma declaração unilateral de vontade negócio jurídico unilateral que na falta de uma expressão típica no sistema brasileiro é também chamada de procuração Assim temse o reconhecimento de que a palavra procuração é plurissignificativa tendo a acepção tanto do instrumento formal do mandato quanto do negócio jurídico unilateral de outorga de poderes Como esclarece ORLANDO GOMES O mandato é a relação contratual pela qual uma das partes se obriga a praticar por conta da outra um ou mais atos jurídicos O contrato tem a finalidade de criar essa obrigação e regular os interesses dos contratantes formando a relação interna mas para que o mandatário possa cumprila é preciso que o mandante lhe outorgue o poder de representação se tem ademais interesse em que aja em seu nome o poder de representação tem projeção exterior dando ao agente nas suas relações com terceiras pessoas legitimidade para contratar em nome do interessado com o inerente desvio dos efeitos jurídicos para o patrimônio deste último A atribuição desse poder é feita por ato jurídico unilateral que não se vincula necessariamente ao mandato e mais do que isso que tem existência independente da relação jurídica estabelecida entre quem o atribui e quem o recebe Esse ato unilateral carece em nossa terminologia jurídica de expressão que o designe inconfundivelmente O termo procuração que o definiria melhor é empregado comumente para designar o instrumento do ato concessivo de poderes mas tecnicamente é o vocábulo próprio Até os que conceituam a procuração erroneamente como instrumento do mandato admitem que possa ser verbal embora confundindoa com o mandato isto é sem que tenha a forma instrumental Justamente porque se faz essa confusão e não há vocábulo próprio para qualificar o negócio jurídico unilateral de atribuição de poderes de representação este denominado também mandato como se não fosse coisa diferente do contrato que tem esse nome O resultado dessa sinonímia absurda é a confusão entre mandato e representação que leva à falsa ideia de que toda representação voluntária é mandato Há que distinguir pois o contrato do ato jurídico unilateral o mandato da procuração em sentido técnico A própria contextura da procuração denuncia o caráter unilateral do negócio jurídico nela consubstanciada pois nesse ato o representante não intervém 110 Da mesma forma observa FERRER CORREIA Procuração é o ato pelo qual o representado se vincula em face de pessoa determinada ou do público a receber e suportar na sua esfera jurídica os efeitos dos negócios que em seu nome realizar o procurador nos limites objetivamente assinalados e ao mesmo tempo adquire direito a haver por seus diretamente esses negócios Se quisermos o ato pelo qual o representado se apropria preventivamente dos efeitos ativos e passivos de certos negócios jurídicos a concluir em seu nome pelo representante 111 A representação não se confunde com o mandato É possível nessa linha haver mandato sem representação pois o estabelecimento da relação contratual de mandato não outorga automaticamente os poderes de representação sendo necessária a declaração unilateral de vontade de estabelecimento de tais poderes 112 e principalmente o que é mais comum representação sem mandato p ex na representação legal de incapazes a saber a tutela ou a curatela ou então na representação assumida como um munus judicial caso do inventariante ou do síndico da falência A relação entre os institutos em síntese é que os poderes de representação voluntária quando necessários para o regular cumprimento das obrigações decorrentes do mandato são outorgados através da procuração declaração unilateral de vontade manifestação esta que se instrumentaliza normalmente através de um documento com o mesmo nome procuração 113 Nesse sentido vale transcrever a observação de LEONARDO MATTIETTO ainda na vigência da codificação anterior Procuração é o negócio jurídico pelo qual se constitui o poder de representação voluntária Também se denomina procuração contudo além do negócio jurídico constitutivo do poder de representação voluntária o documento que marca a outorga desse poder Se de fato no mais das vezes a outorga seja efetivamente materializada em um escrito ela também pode ser verbal bem como pode ocorrer de modo expresso ou tácito Aproveitando a lição de Andreas von Tuhr podese dizer que a procuração designa tanto o ato de outorga do poder representativo como o instrumento deste poder O professor Oliveira Ascensão acrescenta que a linguagem técnica distanciase aqui da linguagem corrente Para esta a procuração é o documento no qual se exara a autorização do representado Tecnicamente porém pode haver procuração meramente verbal Assim não se pense em procuração apenas como um documento embora tal concepção formalista seja insinuada pelo art 1288 2ª Parte do Código Civil Brasileiro mas também como um negócio jurídico 114 Portanto é possível haver mandato verbal bem como procuração relação jurídica verbal mas é impróprio se falar em instrumento verbal de procuração pois todo instrumento deve ser escrito Compreendida tal distinção terminológica 115 com a apreensão da essência dos institutos passemos a diferenciar o contrato de mandato de outras figuras contratuais correlatas 3 PARTES Dois são os sujeitos do contrato de mandato O primeiro sujeito é o mandante É ele que outorga poderes para que outrem em seu nome pratique atos ou administre interesses O segundo sujeito é o mandatário Tratase do indivíduo que assume a obrigação de vincular o mandante Observese que a atribuição do mandatário não se resume ao poder de vincular mas sim no dever de realizar a conduta que lhe foi determinada o que como visto é um ponto de aproximação mas não de identidade com o contrato de prestação de serviço Caso não tenha a efetiva obrigação de praticar atos ou administrar interesses não se estará diante de um contrato de mandato mas de outra figura contratual Não há regras especiais em relação à capacidade das partes valendo destacar que o caput do art 654 do CC2002 estabelece expressamente que todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante No entanto cumpre afirmar que o relativamente incapaz também pode assumir a posição de mandatário assumindo o mandante porém o risco de tal contratação É o que preceitua o art 666 do CC2002 Art 666 O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais aplicáveis às obrigações contraídas por menores Reconhecida a validade da relação de mandato com o mandatário de dezesseis ou dezessete anos é irrelevante para o terceiro que com ele celebrou contrato a sua relativa incapacidade uma vez que é o mandante que responderá ao final É o que ocorre costumeiramente por exemplo quando o pai sem ânimo para comparecer à reunião de condomínio outorga poderes a seu filho de 17 anos Se dentro dos limites estabelecidos no mandato o mandatário menor não cumpriu bem a tarefa o prejuízo será única e exclusivamente do mandante De toda maneira o que deve ser verificado sempre é se o mandante tem capacidade para conferir o mandato Nada impede finalmente que o ato seja outorgado em favor de duas ou mais pessoas consoante veremos no próximo subtópico Não há mutatis mutandis diferença substancial de tratamento do mandato conjunto para o mandato individualizado De fato estabelece o art 672 do CC2002 Art 672 Sendo dois ou mais os mandatários nomeados no mesmo instrumento qualquer deles poderá exercer os poderes outorgados se não forem expressamente declarados conjuntos nem especificamente designados para atos diferentes ou subordinados a atos sucessivos Se os mandatários forem declarados conjuntos não terá eficácia o ato praticado sem interferência de todos salvo havendo ratificação que retroagirá à data do ato Ser especificamente designados para atos diferentes ou subordinados a atos sucessivos significa no final das contas que se fez por economia no mesmo instrumento mandatos distintos para sujeitos distintos Aliás em nosso pensar o simples ato de designação de mais de um mandatário no mesmo instrumento apenas possibilita o melhor cumprimento do ato proposto uma vez que nessa situação há uma pluralidade subjetiva para o desempenho da atividade Falase assim em mandato solidário que é aquele em que qualquer um dos mandatários pode praticar todos os atos designados independentemente da participação dos demais comandatários O mandato conjunto propriamente dito é aquele em que a atuação dos dois ou mais mandatários é concomitante hipótese em que a ausência de um dos mandatários importa em ineficácia do ato salvo ratificação posterior do mandante Debruçandonos ainda neste dispositivo veremos que além de conjunto podem os mandatários ser designados para atos diferentes mandato fragmentário ou fracionário ou para atos sucessivos mandato sucessivo Caso a pluralidade não seja de mandatários mas sim de mandantes estabelece o art 680 do CC2002 Art 680 Se o mandato for outorgado por duas ou mais pessoas e para negócio comum cada uma ficará solidariamente responsável ao mandatário por todos os compromissos e efeitos do mandato salvo direito regressivo pelas quantias que pagar contra os outros mandantes Compreendidas todas essas noções gerais sobre o contrato de mandato já é tempo de apresentar uma visão sistematizada de suas principais características 4 CARACTERÍSTICAS O contrato de mandato é como visto uma modalidade contratual típica e nominada de grande ocorrência prática Quanto à natureza da obrigação estabelecida o mandato é um contrato tipicamente unilateral uma vez que implica a priori obrigações apenas a uma das partes Vale consignar que tal qual o contrato de depósito o mandato se enquadra na classificação de contrato bilateral imperfeito que é aquele que pode eventualmente durante a sua execução gerar efeitos à parte contrária por fato superveniente 116 Pela unilateralidade intrínseca da avença é inaplicável a classificação em contratos comutativos e aleatórios bem como em contratos evolutivos A regra geral do mandato é que seja estipulado de forma gratuita É de clareza meridiana porém que a autonomia da vontade pode estabelecêlo na modalidade onerosa havendo atividades em que esta forma é a regra e a gratuidade a exceção como por exemplo no caso dos advogados e dos despachantes Nesse sentido preceitua o art 658 do CC2002 Art 658 O mandato presumese gratuito quando não houver sido estipulada retribuição exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa Parágrafo único Se o mandato for oneroso caberá ao mandatário a retribuição prevista em lei ou no contrato Sendo estes omissos será ela determinada pelos usos do lugar ou na falta destes por arbitramento Ressaltese ademais que nessa hipótese o mandato tornase bilateral propriamente dito com características comutativas e evolutivas Pode ser pactuado tanto na modalidade paritária quanto por adesão sendo contrato eminentemente civil Mesmo considerando que ainda vamos tecer comentários sobre a forma do mandato explicitemos desde já que se trata de uma modalidade não solene que pode ser estabelecida verbalmente ou mesmo se caracterizar tacitamente Somente por exceção é que se fala em solenidade essencial no mandato o que decorre mais da natureza do negócio jurídico que se pretende celebrar do que de uma disciplina propriamente dita desta figura contratual É o caso por exemplo do casamento por procuração que exige instrumento público com poderes especiais 117 Ainda quanto à forma o mandato é um contrato consensual uma vez que se concretiza com a simples declaração de vontade não dependendo em princípio da prática de qualquer ato Quanto à pessoa do contratante em que pese como veremos a possibilidade jurídica do substabelecimento o mandato é um contrato individual e personalíssimo ou seja celebrado intuitu personae em que a figura do contratante tem influência decisiva para a celebração do negócio sendo razoável afirmar inclusive que a pessoa do contratante se torna um elemento causal do contrato Nessa linha vale registrar que da mesma maneira que a maioria das figuras contratuais nominadas do Código Civil ressalvados os títulos de crédito o contrato de mandato é um contrato causal vinculado portanto à causa que o determinou podendo ser declarado inválido se tal causa for considerada inexistente ilícita ou imoral Quanto ao tempo tratase de um contrato de duração que se cumpre por meio de atos reiterados Tal duração pode ser determinada ou indeterminada na medida em que haja ou não previsão expressa de termo final ou condição resolutiva a limitar a eficácia do contrato Geralmente pela sua função econômica consiste em um contrato de atividade caracterizado pela prestação de uma conduta de fato mediante a qual se conseguirá uma utilidade econômica Tratase por fim de um contrato evidentemente acessório já que tem finalidade preparatória haja vista servir para a realização de determinados atos ou administração de interesses Não é porém um contrato preliminar mas sim definitivo em relação às partes contratantes mandante e mandatário mesmo tendo a sua produção de efeitos relacionada com a conduta a que um dos contratantes se obrigou em face do outro 5 FORMA No que diz respeito à forma estabelece o art 656 do CC2002 Art 656 O mandato pode ser expresso ou tácito verbal ou escrito Tal previsão de liberdade da forma do contrato de mandato reforça a importância da afirmação do conteúdo plurissignificativo da expressão procuração Afinal de contas se procuração fosse única e exclusivamente o instrumento do mandato seria por demais estranho reconhecer a possibilidade de existência de um instrumento tácito ou verbal Daí por que fica ainda mais nítida a diferença entre mandato e procuração O fato todavia é que a relação contratual do mandato pode decorrer tanto de manifestação expressa das partes nesse sentido mandato expresso o que pode tomar a forma escrita ou verbal quanto da prática de atos em benefício do alegado mandante mandato tácito No caso de ser escrita modalidade mais comum estabelece o 1º do art 654 do CC2002 que o instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado a qualificação do outorgante e do outorgado a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos Uma mudança de diretriz da nova codificação porém foi o entendimento de que a exigência de reconhecimento de firma não é um requisito indispensável para a validade perante terceiros mas sim uma formalidade que este mesmo terceiro pode exigir ou dispensar 118 No caso do mandato expresso verbal seu elemento complicador é justamente a prova de tal manifestação de vontade o que a priori pode ser demonstrado por todos os meios de prova admissíveis em Direito inclusive a prova testemunhal Assim é exemplo de relação jurídica estabelecida verbalmente quando na fila da matrícula Camila anuncia publicamente que está designando Fred como seu procurador para fazer a matrícula em seu nome sendo o mandato verbal a relação jurídica havida entre os sujeitos a qual pela sua unilateralidade faz surgir obrigações para o mandatário e prerrogativasdireitos para o mandante Caso o terceiro a escola a faculdade não exija documento escrito de procuração para efeito de prova é perfeitamente defensável a existência do mandato verbal Já o mandato tácito é aquele que se depreende da prática de atos pelo mandatário em benefício do mandante como se mandato expresso tivesse sido celebrado Na esteira do art 659 do CC2002 a aceitação do mandato pode ser tácita e resulta do começo de execução Vale registrar que o mandato tácito é amplamente aceito por exemplo na prática judicial trabalhista considerandose investido de tal poder o advogado que comparece em juízo acompanhando a parte em audiência mesmo sem procuração Cumpre anotar ainda que a liberdade de forma no contrato de mandato é uma regra geral mas que deve levar em consideração também a forma do ato a ser praticado É o disposto no art 657 do CC2002 Art 657 A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito Assim por exemplo se Cedric constitui Jorge como seu mandatário para vender seu valioso apartamento para Iuri a forma pública será essencial uma vez que o negócio jurídico de compra e venda no caso também se dará através de escritura pública 6 SUBSTABELECIMENTO Uma característica do contrato de mandato como visto é a sua celebração intuitu personae Isso não impede todavia que o mandatário original possa transferir os poderes que lhe foram outorgados pelo mandante para terceira pessoa de modo a facilitar a realização da conduta a que se comprometeu Essa transferência de poderes verdadeira relação negocial derivada chamase substabelecimento Pode ser feito com ou sem reservas de poderes para o mandatário original ou seja resguardandose ou não os poderes inicialmente estabelecidos 119 Da mesma forma o substabelecimento podese dar para atuação separadamente ou em conjunto ou seja para que o substabelecido tenha ou não autonomia para atuar individualmente na conduta desejada pelo mandatário Entendemos inclusive que a prerrogativa de substabelecer o mandato é um direito subjetivo do mandatário que somente pode ser subtraído por previsão legal específica ou cláusula contratual impeditiva expressa E como fica a responsabilidade pelos danos eventualmente causados pelo substabelecido A matéria é objeto de previsão específica e detalhada no art 667 do Código Civil Art 667 O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer sem autorização poderes que devia exercer pessoalmente 1º Se não obstante proibição do mandante o mandatário se fizer substituir na execução do mandato responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto embora provenientes de caso fortuito salvo provando que o caso teria sobrevindo ainda que não tivesse havido substabelecimento 2º Havendo poderes de substabelecer só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelo substabelecido se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele 3º Se a proibição de substabelecer constar da procuração os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o mandante salvo ratificação expressa que retroagirá à data do ato 4º Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento o procurador será responsável se o substabelecido proceder culposamente E qual deve ser a forma do substabelecimento O sistema codificado anterior previa no 2º do seu art 1289 que para o ato que não exigir instrumento público o mandato ainda quando por instrumento público seja outorgado pode substabelecerse mediante instrumento particular Poderia então restar a dúvida e se o ato exigisse instrumento público o substabelecimento também deveria seguir a mesma sorte Em que pese a imperfeita redação a resposta nos parece positiva pois decorrente da aplicação da regra de que o acessório segue o principal O novo sistema codificado na nossa opinião manteve a regra embora tenha modificado a redação do dispositivo equivalente qual seja o art 655 do CC2002 Art 655 Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público pode substabelecerse mediante instrumento particular A ideia em nosso entender continua a mesma pois o princípio não foi modificado nem excepcionado Assim para atos que exigem instrumento público o substabelecimento obrigatoriamente deve seguir a mesma forma A formalidade será dispensada porém quando tal instrumento não for da essência do ato ainda que o mandato original eventualmente tenha seguido essa solenidade Nesse diapasão foi editado o Enunciado n 182 da III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal Enunciado n 182 Art 655 O mandato outorgado por instrumento público previsto no art 655 do CC somente admite substabelecimento por instrumento particular quando a forma pública for facultativa e não integrar a substância do ato Entretanto à guisa de exemplo se Hélio constitui Ronaldo por instrumento público como seu procurador para vender determinado bem móvel negócio jurídico este que não exige a forma pública nada impede que Ronaldo substabeleça tal mandato a Vivaldo por instrumento particular sendo este substabelecimento perfeitamente válido Parecenos ser sem dúvida a mais razoável interpretação 7 OBJETO DO MANDATO Quase todos os atos da vida civil podem ser objeto de um contrato de mandato De fato todos os atos que envolvam interesses patrimoniais ou extrapatrimoniais não personalíssimos ou que não exijam a intervenção pessoal do mandante podem ter seu cumprimento ou administração delegados por meio de mandato Assim é o ensinamento de ORLANDO GOMES A prática de qualquer negócio jurídico pode ser objeto de mandato Quando o mandato constitui a relação jurídica subjacente do ato de atribuição do poder de representação não se permite que o mandatário se obrigue a praticar certos atos que por sua natureza personalíssima somente o mandante pode efetuar como vg o testamento O mandato pode ser convencionado no interesse exclusivo do mandante mandatum mea gratia no do mandatário mandatum tua tantum gratia ou no interesse comum dos dois mandatum tua et mea gratia Concluise também no interesse de terceiro mandatum aliena gratia 120 No mesmo diapasão também registra CARLOS ROBERTO GONÇALVES Em regra todos os atos podem ser realizados por meio de procurador Constitui requisito inafastável que o ato ou o negócio colimado seja lícito e conforme aos bons costumes e à moral O objeto do mandato não se limita porém aos atos patrimoniais A adoção e o reconhecimento do filho natural por exemplo podem ser efetuados por meio de mandato Até mesmo o casamento que é um dos atos mais solenes do Código Civil e de reconhecida importância para a vida das pessoas pode ser celebrado mediante procuração por instrumento público com poderes especiais CC art 1542 Alguns poucos todavia como o testamento a prestação de concurso público o serviço militar o mandato eletivo o exercício do poder familiar e outros por serem personalíssimos não podem ser praticados por representante 121 Nessa linha de pensamento até mesmo a confissão entendida como a admissão de fato contrário a seu interesse e favorável à parte contrária pode ser feita por representante desde que tenha poderes para tal mister Vale lembrar aqui a regra do art 213 do CC2002 Art 213 Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados Parágrafo único Se feita a confissão por um representante somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado Ainda sobre o objeto do mandato a relação jurídica pode ser estabelecida para a prática de um ou mais negócios específicos ou então referirse à administração geral dos interesses do mandante na forma do art 660 do Código Civil 122 O mandato assim pode ser especial a um ou mais negócios específicos ou geral a todos os negócios do mandante sendo portanto uma classificação quanto ao número efetivo ou potencial de negócios em que o mandatário está autorizado a representar o mandante Tais modalidades por sua vez não se confundem com os mandatos em termos gerais e com os mandatos com poderes especiais classificação essa que diz respeito aos limites dos poderes outorgados no mandato Com efeito sobre o mandato em termos gerais importante disciplina é estabelecida pelo art 661 do CC2002 Art 661 O mandato em termos gerais só confere poderes de administração 1º Para alienar hipotecar transigir ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária depende a procuração de poderes especiais e expressos 2º O poder de transigir não importa o de firmar compromisso Algumas considerações devem ser feitas sobre a referida previsão De fato o que são poderes de administração Por exclusão podem eles ser definidos como aqueles que exorbitem da administração ordinária como alienar hipotecar transigir Acreditamos porém que é possível estabelecer um conceito mais preciso da matéria Poderes de administração ordinária com efeito devem ser entendidos como todos aqueles necessários para o regular cumprimento dos negócios jurídicos já estabelecidos inclusive a celebração de negócios jurídicos correlatos ou conexos ao mandato que não importem necessariamente na perda do objeto do contrato Assim por exemplo se Márcia tem poderes para administrar um bem cuidando pessoalmente de sua conservação não está autorizada implicitamente a locálo ainda que o resultado econômico reverta para o proprietário Para isso mister se faria a outorga de poderes específicos pois tal conduta exorbitaria da administração ordinária A análise do caso concreto é sem sombra de dúvida imprescindível Por isso mesmo a outorga de poderes especiais e expressos mencionada no 1º não dispensa a adequada descrição do objeto com sua identificação e individualização 123 o que explica também a ressalva do 2º pois se para firmar compromisso pressupõe poderes para transigir a recíproca não é verdadeira ou seja na letra da lei o poder de transigir não importa o de firmar compromisso Não há impedimento legal porém para a comum prática de se estabelecer uma procuração com poderes gerais de administração cumulada com poderes específicos Na verdade tal estipulação pode ser algo bastante razoável para o cumprimento do mister desejado pois muitas vezes para o desempenho de determinados objetivos necessária se faz a realização de atos jurídicos próprios da administração ordinária Em conclusão visando a enriquecer o estudo deste tópico vale lembrar a possibilidade de se realizar doação por meio de procuração 124 conforme já anotou PABLO STOLZE GAGLIANO A doutrina e a jurisprudência brasileiras têm admitido a doação por procuração desde que o doador cuide de especificar o objeto da doação e o beneficiário do ato donatário Tal situação aliás não proibida por lei já era prevista no Anteprojeto de Código de Obrigações elaborado pelo grande CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA 125 Art 432 Não vale a doação que se faça por procurador salvo investido de poderes especiais com indicação expressa do donatário ou de um dentre vários que o doador nominalmente mencionar Ora desde que a referida procuração contenha poderes especiais indicando por conseguinte o beneficiário da liberalidade e o bem doado não vemos óbice a que se reconheça validade e eficácia ao ato consoante anotam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY Para a validade de escritura de doação realizada por procurador não bastam poderes para a liberalidade de modo genérico É indispensável a menção do donatário bem como o objeto respectivo No mesmo sentido RT 49544 RT 47295 126 Respeitase assim a autonomia da vontade do doador representado sem que haja risco à segurança jurídica 127 8 ESPÉCIES Um esforço classificatório simples nos permite verificar a existência de diversas espécies de mandato Assim quanto à forma o mandato pode ser como visto tácito ou expresso e nesta modalidade tanto verbal quanto escrito Neste último ou seja no escrito pode ser outorgado pela lavratura de um documento diretamente entre as partes instrumento particular ou público ou mesmo pelo registro da outorga de poderes em uma ata seja extrajudicialmente p ex em uma reunião ou assembleia seja judicialmente v g ata de audiência o que é chamado de mandato apud acta O mandato é em regra gratuito mas pode ser remunerado Quando outorgados a mais de uma pessoa os mandatos podem ser classificados como conjuntos todos os mandatários têm de atuar simultaneamente fragmentários ou fracionários os mandatários são designados e atuam em atos diferentes sucessivos os mandatários são designados e atuam em atos distintos e que se sucedem no tempo ou solidários qualquer um dos mandatários pode praticar todos os atos designados independentemente da participação dos demais comandatários Por outro viés sob o enfoque do objeto do contrato mais especificamente sobre o número efetivo ou potencial de negócios em que o mandatário poderá atuar podemos classificar o mandato em geral ou especial na medida em que estabelece poderes genéricos de administração ordinária de quaisquer negócios ou poderes limitados restritos à prática de determinados negócios jurídicos Sem confundir com tal classificação mas tomando por parâmetro os limites dos poderes outorgados no mandato classificamse tais avenças em mandatos em termos gerais entendidos como os que outorgam poderes genéricos de administração e mandatos com poderes especiais que são os que abrangem poderes específicos especiais e expressos para atos como alienar hipotecar transigir firmar compromisso ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária A classificação porém que mais nos interessa neste momento toma como base o campo de atuação do mandatário para a prática dos atos desejados Nesse prisma o mandato pode ser extrajudicial ou judicial 81 Mandato extrajudicial A relação contratual de mandato serve como visto para quase todos os atos da vida civil dada a gama multifária de situações que integra o seu objeto Assim não há dúvida de que o mandato extrajudicial tradicionalmente conhecido como ad negotia é de ocorrência extremamente comum sendolhe aplicada toda a disciplina aqui analisada Todavia a outra espécie de mandato sob o enfoque da área de atuação do mandatário é por incrível que pareça ainda mais frequente o judicial 82 Mandato judicial O contrato mantido pelo advogado com seu cliente para o ajuizamento da demanda não é inicialmente o de mandato mas sim o de prestação de serviço ou excepcionalmente de emprego Decidido o ajuizamento de demanda judicial aí por certo é que surge o contrato de mandato como o negócio jurídico que disciplina a relação interna entre advogado e cliente em função do processo ou seja de mandatário e mandante O sistema codificado civil anterior trazia uma relativamente minuciosa disciplina do mandato judicial tratando da matéria em seus arts 1324 a 1330 Tal previsão se justificava pelo momento histórico de sistematização do nosso primeiro Código Civil em que a dogmática processualística ainda não se encontrava tão desenvolvida nem era tão estudada e prestigiada como em décadas posteriores Por isso plenamente justificável é a previsão do art 692 do CC2002 128 que remete a disciplina do mandato judicial à legislação processual e somente de forma supletiva às regras contidas no vigente Código Civil Isso porque embora o mandato judicial não deixe de ser um vínculo jurídico com natureza contratual as suas peculiaridades exigem uma normatização própria decorrente sem dúvida da sistemática processual 129 Tratase portanto de uma área de interpenetração entre o Direito Processual e o Direito Material devendo ser observadas as regras específicas de capacidade postulatória como pressuposto geral inclusive a circunstância de que não é qualquer bacharel em Direito que pode ser mandatário mas sim somente um advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil Sobre o tema da procuração do mandato judicial estabelecem os arts 104 e 105 do Código de Processo Civil de 2015 Art 104 O advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração salvo para evitar preclusão decadência ou prescrição ou para praticar ato considerado urgente 1º Nas hipóteses previstas no caput o advogado deverá independentemente de caução exibir a procuração no prazo de 15 quinze dias prorrogável por igual período por despacho do juiz 130 2º O ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado respondendo o advogado pelas despesas e por perdas e danos Art 105 A procuração geral para o foro outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte habilita o advogado a praticar todos os atos do processo exceto receber citação confessar reconhecer a procedência do pedido transigir desistir renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação receber dar quitação firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica que devem constar de cláusula específica 131 1º A procuração pode ser assinada digitalmente na forma da lei 2º A procuração deverá conter o nome do advogado seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo 3º Se o outorgado integrar sociedade de advogados a procuração também deverá conter o nome dessa seu número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo 4º Salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo inclusive para o cumprimento de sentença A regra do mencionado caput do art 105 do CPC2015 firma a ideia de que a procuração judicial pode ter dois tipos de cláusulas a cláusula ad judicia tratase da cláusula que outorga poderes gerais para o foro autorizando o advogado a atuar em todos os atos processuais b cláusula extra judicia tratase da cláusula que outorga poderes específicos para atos de maior relevância no processo que em tese deveriam ser feitos pessoalmente pela parte São os especificamente enumerados no transcrito caput do art 105 do CPC2015 a saber receber citação confessar reconhecer a procedência do pedido transigir desistir renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação receber dar quitação firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica que devem constar de cláusula específica Sobre a extinção do mandato judicial vale registrar ainda as previsões dos arts 111 e 112 do Código de Processo Civil de 2015 Art 111 A parte que revogar o mandato outorgado a seu advogado constituirá no mesmo ato outro que assuma o patrocínio da causa Parágrafo único Não sendo constituído novo procurador no prazo de 15 quinze dias observarseá o disposto no art 76 132 Art 112 O advogado poderá renunciar ao mandato a qualquer tempo provando na forma prevista neste Código que comunicou a renúncia ao mandante a fim de que este nomeie sucessor 1º Durante os 10 dez dias seguintes o advogado continuará a representar o mandante desde que necessário para lhe evitar prejuízo 133 2º Dispensase a comunicação referida no caput quando a procuração tiver sido outorgada a vários advogados e a parte continuar representada por outro apesar da renúncia Tais regras são bastante razoáveis tendo em vista a imprescindibilidade da presença do advogado na demanda judicial uma vez que é ele o detentor exclusivo do jus postulandi salvo na Justiça do Trabalho e nos Juizados Especiais Estaduais ou Federais Salientese porém que a revogação do mandato pela parte mesmo constituindo ato contínuo outro profissional para assumir a demanda não prejudica o direito do causídico destituído ao preço pelo serviço até então prestado o que deverá na falta de previsão contratual específica ser fixado por arbitramento por aplicação do 2º do art 22 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil 134 Vale registrar outrossim que o art 25 da referida norma Lei n 890694EOAB disciplina a prescrição da pretensão de cobrança dos honorários advocatícios da seguinte forma Art 25 Prescreve em cinco anos a ação de cobrança de honorários de advogado contado o prazo I do vencimento do contrato se houver II do trânsito em julgado da decisão que os fixar III da ultimação do serviço extrajudicial IV da desistência ou transação V da renúncia ou revogação do mandato 135 9 CONTEÚDO DO MANDATO O conteúdo do mandato é estabelecido pela autonomia da vontade das partes É esta autonomia da vontade portanto que fixa quais são os limites da atuação do mandatário devendo balizar o seu comportamento No entanto somente obrigam o mandante os atos praticados dentro dos estritos limites do mandato não sendo exigíveis as avenças celebradas que exorbitem tais regramentos É o que dispõe o art 662 do CC2002 Art 662 Os atos praticados por quem não tenha mandato ou o tenha sem poderes suficientes são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados salvo se este os ratificar Parágrafo único A ratificação há de ser expressa ou resultar de ato inequívoco e retroagirá à data do ato A consequência portanto da inexistência de mandato ou de mandato com poderes insuficientes é a ineficácia do negócio jurídico celebrado pelo menos em relação ao alegado mandante E se por acaso houver mandato mas o mandatário atuar além dos seus limites ou diametralmente contra eles A resposta se encontra no art 665 do CC2002 que estabelece Art 665 O mandatário que exceder os poderes do mandato ou proceder contra eles será considerado mero gestor de negócios enquanto o mandante lhe não ratificar os atos Cumprido regularmente o mandato porém é o mandante o responsável único pelo negócio celebrado salvo se por exceção o mandatário agir em seu próprio nome ainda que o negócio seja de conta do mandante 136 10 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES Neste tópico pretendemos enumerar de forma sistematizada com a indicação das previsões legais correspondentes os principais direitos e obrigações do mandante e mandatário Com efeito o regular cumprimento do mandato importa em uma gama de deveres e direitos cuja sistematização se impõe para a devida compreensão Isso porque o mandato é como já informado um contrato aprioristicamente unilateral que somente geraria obrigações para o mandatário Nessa linha o mandante não teria obrigações no contrato mas sim apenas o dever de cumprimento do quanto pactuado pelo mandatário o que já é uma fase posterior à avença contratual Destacamos todavia que na execução do mandato podem surgir obrigações para o mandante motivo pelo qual a doutrina criou para situações como essa a classificação como contrato bilateral imperfeito 137 Por outro lado o mandato oneroso por exceção é um contrato propriamente bilateral motivo por que o texto normativo também faz menção nos arts 675 a 681 do CC2002 a obrigações do mandante Feitos estes esclarecimentos preliminares passemos pois à compreensão das obrigações e como o outro lado da moeda os direitos de cada uma das partes do contrato de mandato 101 Obrigações do mandatário direitos do mandante A obrigação básica do mandatário é como parece óbvio cumprir os atos necessários para o fiel desempenho do mandato Assim como visto do já transcrito art 667 do CC2002 o mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer sem autorização poderes que devia exercer pessoalmente sendo direito do mandante exigir tal regular cumprimento ou sucessivamente a indenização pelos danos verificados Por isso mesmo na forma do art 668 do CC2002 o mandatário é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante transferindolhe as vantagens provenientes do mandato por qualquer título que seja Dessa forma é direito do mandante exigir diretamente ou pela via judicial tal prestação de contas Em relação aos terceiros o vigente Código Civil brasileiro não trouxe norma equivalente à previsão do art 1305 do CC1916 que estabelecia que o mandatário era obrigado a apresentar o instrumento do mandato às pessoas com quem tratar em nome do mandante sob pena de responder a elas por qualquer ato que lhe exceda os poderes A ausência dessa previsão normativa específica não afasta porém tal regra que em verdade é um direito do terceiro para conhecer os limites dos poderes do mandato Ademais é possível admitir que tal direito se encontra previsto de forma implícita na estipulação do art 673 do CC2002 que preceitua in verbis Art 673 O terceiro que depois de conhecer os poderes do mandatário com ele celebrar negócio jurídico exorbitante do mandato não tem ação contra o mandatário salvo se este lhe prometeu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente Vale registrar ainda que o dispositivo equivalente no Código Civil de 1916 a saber o seu art 1306 trazia referência à ausência de ação contra o mandante senão quando este houver ratificado o excesso do procurador o que nos parece despiciendo pois praticado o ato fora dos limites do mandato não há como obrigar o mandante salvo justamente pela sua ratificação o que vem agora explicitado conforme se depreende dos arts 662 e 665 do CC2002 Voltando ao caput do art 667 do CC2002 é obrigação do mandatário como visto indenizar o mandante pelos prejuízos que causar no desempenho culposo do múnus atribuído Uma interessante regra porém em relação à referida indenização é prevista no art 669 do CC2002 Art 669 O mandatário não pode compensar os prejuízos a que deu causa com os proveitos que por outro lado tenha granjeado ao seu constituinte A justificativa do dispositivo é muito simples é obrigação do mandatário realizar o mandato de forma benéfica ao mandante Se no desempenhar desta atribuição granjeoulhe proveitos nada mais do que se espera e deseja Se porém ao mesmo tempo por outros atos também decorrentes do mandato gerou perdas ao mandante tal fato não é desejado nem sequer esperado devendo o mandatário indenizar integralmente o seu constituinte O abuso do direito no desempenho do mandato é um ato ilícito como outro qualquer enquadrandose na regra do art 187 do vigente Código Civil brasileiro Todavia preferiu o legislador trazer dois dispositivos com previsões específicas de hipóteses de abuso de direito no campo das relações jurídicas de direito material decorrentes do contrato de mandato que merecem ser aqui referidos Confiramse pois os arts 670 e 671 do CC2002 Art 670 Pelas somas que devia entregar ao mandante ou recebeu para despesa mas empregou em proveito seu pagará o mandatário juros desde o momento em que abusou Art 671 Se o mandatário tendo fundos ou crédito do mandante comprar em nome próprio algo que devera comprar para o mandante por ter sido expressamente designado no mandato terá este ação para obrigálo à entrega da coisa comprada O primeiro dispositivo é de intelecção imediata por ser óbvio que se o mandatário recebeu valores para entregar ao mandante ou para as despesas do cumprimento do mandato e em vez de cumprir o determinado empregou as verbas em proveito próprio praticou ato ilícito que deve ser reparado estabelecendo o dispositivo a cobrança de juros legais pelo abuso cometido Já quanto ao mencionado art 671 do CC2002 observa JONES FIGUEIRÊDO ALVES Criase aqui regra nova de lógica razoável almejando outrossim a proteção do mandante para eventuais atos ímprobos praticados pelo mandatário em flagrante desrespeito à boafé e à fidúcia caracteres inerentes à natureza do mandato Afigurase perfeitamente válida a pretensão do mandante em receber do mandatário algo que teria expressamente designado para que este comprasse no exercício de sua função e mais ainda valendose de fundos ou créditos do próprio outorgante 138 Por fim embora o contrato de mandato seja uma avença personalíssima que se extingue com a morte de qualquer das partes art 682 II do CC2002 isto não autoriza que o mandatário abandone a celebração já iniciada de um negócio se houver perigo na demora sob pena de responder por perdas e danos Tal regra está prevista no art 674 do Código Civil 139 e se justifica pela circunstância de que a manifestação de vontade do mandante antes do fato superveniente era no sentido de realmente concretizar o negócio Assim a impossibilidade posterior de conclusão do negócio em função da demora imputável ao mandatário gera potencial dano aos interesses subjetivos do mandante ou no caso de morte dos seus herdeiros 102 Obrigações do mandante direitos do mandatário Na precisa colocação de ORLANDO GOMES no mandato com representação o mandatário tem simultaneamente uma obrigação e um poder obrigação para com o mandante poder em relação a terceiros 140 Em que pese a unilateralidade genética do contrato de mandato gratuito é óbvio que em qualquer das modalidades de mandato o mandante é obrigado pelo menos a satisfazer as obrigações contraídas pelo mandato dentro dos seus estritos limites Isso por si só não retira a característica unilateral do mandato pois o contrato em si já terá sido cumprido no que diz respeito às suas partes restando portanto apenas a produção de efeitos perante terceiros Sobre o tema dispõe o art 675 do CC2002 Art 675 O mandante é obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo mandatário na conformidade do mandato conferido e adiantar a importância das despesas necessárias à execução dele quando o mandatário lho pedir Do referido dispositivo extraise a conclusão de que as despesas inerentes ao cumprimento do mandato devem ser evidentemente suportadas pelo mandante que é o beneficiário da conduta esperada Assim concluise pela existência de um segundo dever do mandante além de honrar os compromissos assumidos pelo mandatário qual seja custear as despesas da execução do mandato o que se torna mais evidente ainda no contrato de mandato oneroso Sobre tal obrigação confirase o art 676 do CC2002 Art 676 É obrigado o mandante a pagar ao mandatário a remuneração ajustada e as despesas da execução do mandato ainda que o negócio não surta o esperado efeito salvo tendo o mandatário culpa Tanto isso é verdade que a disciplina codificada deste contrato garante ao mandatário o direito à percepção de juros sobre qualquer quantia adiantada pela execução do mandato bem como o ressarcimento pelas perdas que sofrer obviamente não resultantes de culpa ou excesso de poderes Senão vejamos os arts 677 e 678 do CC2002 Art 677 As somas adiantadas pelo mandatário para a execução do mandato vencem juros desde a data do desembolso Art 678 É igualmente obrigado o mandante a ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato sempre que não resultem de culpa sua ou de excesso de poderes O direito do mandatário a ser ressarcido de todas as despesas e perdas que teve pelo regular cumprimento do mandato é uma prerrogativa tão importante que foi prevista duas vezes no novo texto codificado Em situações como esta é defensável a tese já sustentada linhas acima de que o contrato se manifesta por vezes como bilateral imperfeito De fato dispõem os arts 664 e 681 do CC2002 Art 664 O mandatário tem o direito de reter do objeto da operação que lhe foi cometida quanto baste para pagamento de tudo que lhe for devido em consequência do mandato Art 681 O mandatário tem sobre a coisa de que tenha a posse em virtude do mandato direito de retenção até se reembolsar do que no desempenho do encargo despendeu A previsão dúplice do direito de retenção do mandatário se explica apenas por um esforço de sistematização do legislador para estabelecer que o direito é aplicável tanto para a retribuição pelo mandato quanto pelas despesas contraídas no que entendemos abrangente não somente o ressarcimento de gastos mas também as próprias perdas e danos Sobre o tema a III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal editou o Enunciado n 184 com a seguinte redação Enunciado n 184 Arts 664 e 681 Da interpretação conjunta desses dispositivos extraise que o mandatário tem o direito de reter do objeto da operação que lhe foi cometida tudo o que lhe for devido em virtude do mandato incluindose a remuneração ajustada e o reembolso de despesas Neste momento fazse mister esclarecer a diferença entre instruções do mandante para cumprimento dos negócios pretendidos e os próprios limites do mandato De fato atuando o mandatário dentro dos limites dos poderes outorgados mesmo em situação ou resultado não querido pelo mandante este último se obriga perante terceiros O risco da atividade portanto perante terceiros contratantes é do mandante uma vez que é este quem estabelece o limite de poderes outorgados Tendoo feito em desacordo com o que pretendia intimamente ou com o que instruiu o mandatário não há como deixar de se obrigar perante as pessoas com as quais foram celebrados negócios jurídicos Isso não quer dizer que o risco final no caso de descumprimento de instruções pelo mandatário seja do mandante mas apenas que os terceiros de boafé não podem ser responsabilizados se os negócios foram celebrados dentro dos estritos limites da outorga de poderes Tal afirmação justifica o direito subjetivo do mandante de acionar o mandatário pelas perdas e danos sofridos pelo descumprimento de suas instruções sem prejuízo de ter de cumprir o quanto pactuado com terceiros dentro dos limites do contrato É essa a regra do art 679 do CC2002 Art 679 Ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante se não exceder os limites do mandato ficará o mandante obrigado para com aqueles com quem o seu procurador contratou mas terá contra este ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância das instruções Assim por exemplo imaginemos que Wilson constitua Esmeralda como sua mandatária dandolhe amplos poderes por meio de uma procuração para que alugue determinado bem de sua propriedade Se nas instruções passadas embora não constantes da procuração foi feita restrição quanto ao valor da locação e mesmo assim a mandatária aluga o bem para terceiro por valor menor do que o pretendido pelo mandante o contrato de locação é perfeitamente válido e exigível pelo terceiro locatário devendo Wilson processar querendo Esmeralda pela inobservância das instruções Por fim parecenos óbvio que é dever do mandante dar ao mandatário que cumpriu regularmente as atividades que lhe foram delegadas quitação formal de suas obrigações sendo direito do mandatário exigila inclusive judicialmente 11 IRREVOGABILIDADE DO MANDATO O mandato é um contrato tipicamente de duração cuja possibilidade de resilição unilateral é prerrogativa inerente a qualquer das partes A resilição unilateral quando de iniciativa do mandatário é chamada de renúncia uma vez que importa em abdicar dos poderes outorgados pelo mandante Quando a resilição unilateral parte do mandante falase em revogação do mandato o que como visto é o exercício de uma prerrogativa própria da relação contratual Assim a revogabilidade é a regra e apenas por exceção é estabelecida e admitida a irrevogabilidade do mandato Tal irrevogabilidade contudo comporta graus Com efeito é possível classificar a irrevogabilidade em relativa ou mitigada pela autonomia privada e absoluta ou imposta por norma de ordem pública A irrevogabilidade relativa é a mais comum e abrangente Inserida como cláusula contratual pode ser desconsiderada pela autonomia da vontade da parte que arcará com as perdas e danos correspondentes É ela que é tratada no art 683 do CC2002 Art 683 Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante o revogar pagará perdas e danos Todavia há outra modalidade de cláusula de irrevogabilidade que se reveste de natureza absoluta ensejando a ineficácia do ato unilateral de revogação São as hipóteses previstas nos arts 684 e 685 do vigente Código Civil brasileiro a saber Art 684 Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário a revogação do mandato será ineficaz Art 685 Conferido o mandato com a cláusula em causa própria a sua revogação não terá eficácia nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes ficando o mandatário dispensado de prestar contas e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato obedecidas as formalidades legais O mandato ou procuração em causa própria in rem suam é uma exceção à vedação do autocontrato Sua utilização é extremamente comum para a celebração de contratos de compra e venda com o fito de facilitar a transmissão da propriedade evitando a necessidade da presença física do alienante admitindose a sua presença jurídica por meio do mandatário que é o principal interessado no cumprimento do negócio Assim a procuração em causa própria é estabelecida no interesse exclusivo do mandatário que recebe poderes para desempenhar o mandato com a transmissão de bem de titularidade do mandante em seu favor motivo pelo qual se estabelece e se justifica a impossibilidade de sua revogação ou extinção com a morte ou interdição do mandante Para maior segurança e considerando a natureza do ato final a ser realizado o mandato em causa própria em geral deve ser firmado por instrumento público dispensandose por óbvio a prestação de contas Pelos mesmos motivos o parágrafo único do art 686 do Código Civil estabelece que é irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados aos quais se ache vinculado 12 EXTINÇÃO DO MANDATO Sobre os modos terminativos do mandato estabelece o art 682 do CC2002 Art 682 Cessa o mandato I pela revogação ou pela renúncia II pela morte ou interdição de uma das partes III pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes ou o mandatário para os exercer IV pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio XXXIII COMISSÃO 1 CONCEITO E ELEMENTOS A título de introdução vejamos como DE PLÁCIDO E SILVA conceitua comitente e consequentemente o contrato de comissão COMITENTE Denominação que se dá à pessoa que encarrega outra de comprar vender ou praticar qualquer ato sob suas ordens e por sua conta mediante certa remuneração a que se dá o nome de comissão É assim um dos participantes do contrato de comissão que justamente dá poderes ao comissário para que execute o negócio ou pratique o ato a seu mando e sob sua conta obrigandose a pagar ao comissário as despesas e comissões resultantes do contrato e a cumprir as obrigações que da comissão contrato resultarem para ele Embora sob vários aspectos o comitente se assemelhe ao mandante nem sempre ele o é pois a comissão pode resultar de mandato ou simplesmente das ordens para execução de atos comerciais que são feitos sob o nome e responsabilidade do comissário que assim age autonomamente perante os terceiros com quem contrata A responsabilidade do comitente pois relativamente aos atos praticados pela pessoa a quem os incumbiu de praticar decorre das condições em que foram dadas essas ordens se em virtude de contrato de comissão mercantil de mandato ou de preposição comercial pois somente nestes dois últimos casos perfeito mandante é responsável pelos atos de seus mandatários se agirem segundo suas instruções e poderes dados No entanto mesmo na comissão o comitente é responsável pelas obrigações assumidas pelo comissário nos negócios ou operações realizados por determinação dele 141 Tratase pois de um negócio jurídico bilateral pelo qual uma das partes comissário assume em seu próprio nome e à conta do comitente a obrigação de adquirir ou vender bens móveis Pela natureza mesma deste tipo de contrato e em se considerando a formalidade exigida para a transferência dos bens de raiz concluise não ser possível comissão que tenha por objeto bens imóveis Isto porque no sistema brasileiro a transmissão de propriedade dos imóveis exige em regra instrumento público e registro que respeite a cadeia nominal Desse modo haveria necessariamente a atuação em nome do comitente e não em nome próprio do comissário ou então seria mister a transmissão prévia de propriedade ao comissário para só assim realizar a venda do imóvel Tanto em uma hipótese como na outra restaria desconfigurado o contrato de comissão De um lado pois temos o comitente pessoa por cujo interesse bens móveis são vendidos ou adquiridos e o comissário pessoa que atuando em seu próprio nome mas por conta do primeiro realiza os atos negociais perante terceiros fazendo jus a uma retribuição ajustada ou arbitrada segundo os costumes do lugar denominada comissão Exemplo interessante de aplicação deste contrato é encontrada na atividade comercial empreendida por agências de viagens que contratando em seu próprio nome fazem jus à remuneração devida comissão pela venda de passagens aéreas O Código Civil contornando a lacuna da codificação civil anterior pois a matéria era disciplinada no Cód Comercial de 1850 dispõe a respeito deste contrato Art 693 O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário em seu próprio nome à conta do comitente Vale registrar que o termo comissão além de designar a figura contratual é utilizado também para nomear a remuneração a que tem direito o comissário pelo desempenho do encargo contratual que lhe delega o comitente Dessa forma passemos a estudar as características deste contrato 2 CARACTERÍSTICAS O contrato de comissão como visto é hoje reconhecidamente uma modalidade contratual autônoma típica e nominada É contrato bilateral não apenas na sua formação mas também quanto aos seus efeitos pois impõe direitos e obrigações para ambas as partes o comissário tem a obrigação precípua de adquirir ou alienar bens móveis no interesse da outra parte e o comitente assume o dever de pagarlhe a remuneração devida Além disso é consensual tornandose perfeito pela simples convergência de vontades das partes consentimento Por isso tratase em regra geral de um contrato não solene admitindose até mesmo a sua celebração de forma verbal Aliás nesse particular cumprenos relembrar que vigora em nosso sistema o princípio da liberdade da forma Tal orientação contudo é a nota característica das sociedades contemporâneas segundo já anotava CLÓVIS BEVILÁQUA É princípio aceito pelo direito moderno que as declarações de vontade não estão sujeitas a uma forma especial senão quando a lei expressamente a estabelece É até um dos resultados da evolução jurídica assinalado pela história e pela filosofia a decadência do formalismo em correspondência com o revigoramento da energia jurídica imanente nos atos realizados pelos particulares a expansão da autonomia da vontade e a consequente abstenção do Estado que se acantoa de preferência na sua função de superintendente pronto a intervir quando é necessário restabelecer coativamente o equilíbrio de interesses 142 Apenas excepcionalmente a norma legal impõe determinado revestimento para o ato traduzido em uma forma especial ou em uma indispensável solenidade caso em que se diz que o negócio é ad solemnitatem É o caso do testamento negócio jurídico unilateral para o qual a lei impõe determinada forma pública cerrada ou particular não reconhecendo liberdade ao testador para elaborálo de acordo com a sua vontade Também servem de exemplo os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis acima do valor consignado em lei uma vez que a forma pública é indispensável para a validade do ato art 108 do CC2002 Ora tratandose de contrato pactuado em geral por empresários individuais ou sociedades empresárias o mais comum é a sua lavratura em instrumento escrito particular não apenas para efeito de prova consoante visto acima mas também por imperativo de segurança jurídica É também a comissão contrato oneroso pois ambas as partes ao benefício experimentado sofreram decréscimo patrimonial Como as obrigações estabelecidas no contrato de comissão se equivalem conhecendo os contratantes ab initio as suas respectivas prestações não há dúvida de que se trata de um contrato comutativo Por tal circunstância podemos considerálo um contrato evolutivo na classificação proposta pelo Professor ARNOLDO WALD para se referir a figuras contratuais em que é estabelecida a equação financeira do contrato que pode ser exigida judicialmente Na hipótese das partes estarem em iguais condições de negociação estabelecendo livremente as cláusulas contratuais na fase de puntuação falase na existência de um contrato paritário diferentemente do contrato de adesão que pode ser conceituado simplesmente como o contrato onde um dos pactuantes predetermina ou seja impõe as cláusulas do negócio jurídico O contrato de comissão hodiernamente pode ser estabelecido nas duas formas Reconhecemos também neste contrato um elemento fiduciário bem acentuado vale dizer é negócio jurídico essencialmente calcado na confiança recíproca nos deveres de lealdade decorrentes da boafé objetiva E tal aspecto fica bem realçado se analisarmos os arts 696 e 707 do vigente Código Civil brasileiro Art 696 No desempenho das suas incumbências o comissário é obrigado a agir com cuidado e diligência não só para evitar qualquer prejuízo ao comitente mas ainda para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente se podia esperar do negócio Parágrafo único Responderá o comissário salvo motivo de força maior por qualquer prejuízo que por ação ou omissão ocasionar ao comitente Art 707 O crédito do comissário relativo a comissões e despesas feitas goza de privilégio geral no caso de falência ou insolvência do comitente Note caro leitor que a responsabilidade jurídica e ética imposta ao comissário é inequivocamente notada no art 696 quando a norma obrigao a atuar no desempenho deste contrato com cuidado e diligência Por outro lado também o comissário em face da firme expectativa que depositou no comitente de que receberia a remuneração devida fará jus a eventualmente em caso de inadimplência habilitar o seu crédito com privilégio geral quando se tratar de falência ou insolvência do comitente Por tais razões concluímos que este contrato é essencialmente fiduciário e personalíssimo intuitu personae realizado de forma individual Quanto ao tempo tratase de um contrato de duração também chamado de contrato de trato sucessivo execução continuada ou débito permanente 143 que se cumpre por meio de atos reiterados Tal duração pode ser determinada ou indeterminada na medida em que haja ou não previsão expressa de termo final ou condição resolutiva a limitar a eficácia do contrato É característica comum do contrato de comissão a profissionalização do comissário que desenvolve habitualmente a atividade comissionada Nada impede que o comissário porém exerça sua profissão sem ajustar um contrato permanente ou de duração com o comitente pois a avença pode resumirse a uma operação ou a algumas operações determinadas Na prática todavia abstraída a situação de um profissional dedicado à prática habitual da negociação de bens por conta alheia dificilmente os interessados terão condições práticas de estabelecer um verdadeiro contrato de comissão Entre dois não comerciantes que têm em mira um só e específico negócio muito mais natural será o uso do mandato que o da comissão gerado que foi este nos usos e costumes das relações mercantis Entretanto é de reconhecerse que em tese não há óbice à contratação de uma comissão plenamente civil um contrato em que nenhuma das partes seja comerciante Na mesma linha da maioria das figuras contratuais nominadas do CC2002 o contrato de comissão é um contrato causal vinculado portanto à causa que o determinou podendo ser declarado inválido se tal causa for considerada inexistente ilícita ou imoral Pela função econômica consiste em um contrato de atividade caracterizado pela prestação de uma conduta de fato mediante a qual se pode conseguir uma utilidade econômica qual seja a aquisição ou venda de bens do comitente pelo comissário Por fim como é evidente tratase de um contrato principal com existência autônoma independentemente de outro pois a compra e venda pode não ser realizada e mesmo assim o contrato é válido e definitivo pois não depende de qualquer outra avença não sendo propriamente preparatório para a compra e venda a ser potencialmente efetivada pelo comissário Por fim registrese que se trata de um contrato cuja presença é comum tanto na área civil quanto comercial podendo estar indiretamente relacionado com avenças trabalhistas e consumeristas sendo incompatível com os contratos administrativos 3 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES A obrigação precípua que decorre deste contrato é imposta ao comissário que assume o dever de adquirir ou vender bens em seu próprio nome e no interesse do comitente art 693 do CC2002 Mas não apenas isso Em uma perspectiva afinada ao princípio da eticidade um dos pilares deste atual Código Civil deverá o comissário agir de conformidade com as instruções recebidas com o máximo cuidado e diligência por imperativo do princípio maior da boafé objetiva Nesse sentido cumprenos transcrever o art 695 do CC2002 e relembrar o já mencionado art 696 do CC2002 Art 695 O comissário é obrigado a agir de conformidade com as ordens e instruções do comitente devendo na falta destas não podendo pedilas a tempo proceder segundo os usos em casos semelhantes Parágrafo único Terseão por justificados os atos do comissário se deles houver resultado vantagem para o comitente e ainda no caso em que não admitindo demora a realização do negócio o comissário agiu de acordo com os usos Art 696 No desempenho das suas incumbências o comissário é obrigado a agir com cuidado e diligência não só para evitar qualquer prejuízo ao comitente mas ainda para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente se podia esperar do negócio Parágrafo único Responderá o comissário salvo motivo de força maior por qualquer prejuízo que por ação ou omissão ocasionar ao comitente Note estimado leitor que o primeiro desses dispositivos impõe ao comissário o dever de cumprir fielmente as instruções recebidas do comitente na mesma linha do dever imposto ao mandatário no desempenho do seu munus Todavia caso não possa pedir determinada instrução a tempo não prevista ou indicada previamente poderá proceder de acordo com a sua vontade segundo os usos e costumes do lugar previsão legal que autoriza mais uma vez o reconhecimento do costume como fonte do Direito 144 notadamente na área comercial Interessante observar ainda que o parágrafo único aponta duas situações justificadoras da atuação do comissário no caso de não haver instrução específica a ser seguida a se da sua atuação decorreu vantagem ao comitente critério eminentemente utilitarista b se a celebração do negócio não admitia demora imagine que o terceiro a quem seria vendido o bem estava na iminência de viajar para o exterior caso em que a despeito de não haver instrução específica para aquele tipo de negócio o comissário agindo claro na mais estrita boafé realizou o ato negocial segundo os costumes do lugar Observese que neste último caso não se exige que tenha resultado vantagem para o comitente Vale dizer desde que o comissário não tenha atuado com dolo o eventual lucro daí advindo inserese na álea de incerteza ínsita em negócios desta natureza Estaria pois o comissário devidamente justificado não podendo o comitente responsabilizálo por haver celebrado um mau negócio Aliás se o negócio fosse bom também não estaria o comitente obrigado a majorar o percentual da comissão Em seguida o art 696 traz importante regra umbilicalmente ligada à boafé objetiva como vimos no tópico anterior impondo ao comissário o dever de atuar com cuidado e diligência evitando qualquer prejuízo ao comitente e visando a proporcionarlhe o razoável lucro que se poderia esperar do negócio Tais deveres de inegável conteúdo ético e exigibilidade jurídica ainda que não fossem expressamente contemplados na lei decorreriam da cláusula geral de boafé objetiva implícita em todo e qualquer contrato Com fundamento em tudo que se expôs salientese ainda que nos termos do parágrafo único do art 696 o comissário é responsável por qualquer prejuízo causado ao comitente salvo por óbvio se demonstrar ocorrência de caso fortuito ou força maior causas excludentes de responsabilidade civil por ruptura do nexo causal 145 Pode ainda o comissário no exercício da sua atividade conceder dilação prorrogação de prazo para pagamento segundo os usos e costumes do lugar a menos que haja proibição expressa do comitente art 699 146 Assim na forma do artigo seguinte sem equivalente na codificação comercial revogada Art 700 Se houver instruções do comitente proibindo prorrogação de prazos para pagamento ou se esta não for conforme os usos locais poderá o comitente exigir que o comissário pague incontinenti ou responda pelas consequências da dilação concedida procedendo se de igual modo se o comissário não der ciência ao comitente dos prazos concedidos e de quem é seu beneficiário Percebese claramente em tal dispositivo a preocupação com a observância da lealdade e da boafé objetiva na prática do ato de concessão de prazo Correlatamente às obrigações impostas ao comissário por se tratar de negócio jurídico bilateral e sinalagmático incumbe ao comitente remunerálo pagandolhe comissão que geralmente é calculada segundo um percentual incidente sobre o valor do contrato Nesse particular vale lembrar que caso não seja estipulada a retribuição devida ao comissário será ela arbitrada segundo os usos correntes do lugar art 701 do CC2002 Tratase no caso de um costume praeter legem para evitar que eventual litígio não seja dirimido E esta remuneração devida ao comissário afigurase tão importante que em face de eventual crédito não cumprido ou por despesas realizadas no cumprimento da comissão poderá o comissário habilitarse no juízo falimentar ou da insolvência do comitente como credor dotado de privilégio geral na forma prevista no já transcrito art 707 do Código Civil Vale observar ainda que caso o contrato não possa ser concluído em virtude da morte do comissário ou por motivo de força maior art 702 do CC2002 a comissão devida pelo comitente será proporcional aos trabalhos realizados pelo comissário Ora por proporcional entendase em nosso sentir o resultado monetário devido pelo tempo de efetiva prestação do serviço até o óbito ou a ocorrência do evento fortuito Notese outrossim que o referido dispositivo não fez menção à hipótese de morte do comitente Todavia a depender da situação entendemos que por se tratar de contrato fiduciário poderá também ser considerado extinto o negócio devendo por óbvio o comissário depositar judicialmente os valores a que farão jus os herdeiros do comitente falecido Ainda no que tange à comissão é admitido que o comissário possa exercer direito de retenção sobre os bens e valores em seu poder em virtude da relação contratual pelo reembolso das despesas feitas ou até que lhe seja paga a comissão devida art 708 do CC2002 sem equivalente no CCom Este direito de cunho potestativo como se sabe não tem natureza real mas é entendido como uma prerrogativa que visa a forçar a parte devedora no caso o comitente a cumprir a sua obrigação Pode ainda ser manejado como defesa preliminar de mérito verdadeira exceção substancial caso o comitente pretenda demandálo ajuizando uma demanda possessória ou reivindicatória Interessante dispositivo contém o art 706 do CC2002 Art 706 O comitente e o comissário são obrigados a pagar juros um ao outro o primeiro pelo que o comissário houver adiantado para cumprimento de suas ordens e o segundo pela mora na entrega dos fundos que pertencerem ao comitente Isso porque se trata de uma mesma regra autorizadora de dois tipos diferentes de juros a saber juros compensatórios em benefício do comissário pelo adiantamento de despesas para cumprimento de ordens do comitente ou seja em outras palavras cabe ao comitente custear as despesas para o cumprimento de suas ordens e juros moratórios em benefício do comitente na hipótese de atraso dos valores devidos a ele 4 ESPÉCIES DE COMISSÃO Seguindo a doutrina de DESCARTES DE MAGALHÃES a comissão poderá ser 147 a imperativa ou facultativa b simples ou complexa c conexa ou alternativa Dizse imperativa a comissão relativa àquele contrato em que a sua execução é ditada unilateralmente pelo comitente caracterizando verdadeiro contrato de adesão Já na comissão dita facultativa reservase maior liberdade contratual ao comissário no que tange ao ato a ser por ele praticado Simples por sua vez é a comissão única ao passo que complexa é a que reúne duas ou mais comissões cada uma com execução independente da outra Conexa é aquela que reúne várias comissões coligadas unidas entre si inseparáveis enquanto alternativa é a que compreende duas ou mais ordens facultandose ao comissário a escolha entre elas 5 CLÁUSULA DEL CREDERE Estabelecendo uma regra geral conforme estampado no art 697 do CC2002 o comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem tratar exceto em caso de laborar com culpa ou na hipótese de haver sido estipulada a cláusula del credere também conhecida como cláusula de confiança ou cláusula de garantia Por meio desta estipulação negocial o comissário passa a responder solidariamente com a pessoa com que houver tratado em nome do comitente de maneira que o direito deste último resta mais acautelado É a previsão do art 698 do CC2002 que estabelece in verbis Art 698 Se do contrato de comissão constar a cláusula del credere responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente caso em que salvo estipulação em contrário o comissário tem direito a remuneração mais elevada para compensar o ônus assumido 148 No dizer de DESCARTES DE MAGALHÃES Não há porventura quem não compreenda que mesmo as pessoas mais abastadas a quem a fortuna prodigará sempre os maiores bens podem por esta ou aquela circunstância que não vem a pelo investigar tornarse carentes de recursos ou ser reduzidas à miséria Sendo assim o comitente por mais atilado e probo que seja o comissário arriscase muita vez a não ser pago devido à superveniente insolvência da pessoa com quem contratou 149 Tal cláusula portanto tem o nítido escopo de cercar de maior garantia o recebimento do crédito pelo comitente onerandose por consequência o comissário que fará jus a uma remuneração maior Assemelhase pois ao seguro mas com este contrato não se confunde pois não se tem em meta a proteção de interesse legítimo pela consumação de risco decorrente de sinistro nem muito menos se pode encartar o comissário na figura do segurador para o qual se exigem requisitos específicos para poder atuar no mercado de seguros Muito menos poderá o comissário ser considerado fiador pois não é garantidor subsidiário e sim solidário direto não existindo benefício de ordem ou excussão legalmente previstos em seu favor Tornase em verdade o comissário por meio desta cláusula um devedor solidário de maneira que o comitente para a satisfação do seu crédito poderá demandálo diretamente de forma isolada ou alternativamente ao terceiro sem prejuízo de poder acionar ambos em litisconsórcio passivo solidariedade passiva por força de lei Excepciona portanto a regra geral do já analisado art 694 do CC2002 no sentido de não poder o comitente demandar diretamente as pessoas com quem o comissário contratou Ora se há a previsão de solidariedade passiva poderá obviamente demandar o comissário ou próprio terceiro Sobre a sua importância assevera WALDEMAR FERREIRA Assaz relevante é ela e por isso mesmo correntia no comércio comissário Fortalece sobremodo o contrato Aumentalhe extraordinariamente a prestância revertendo em benefício das duas partes contratantes Ao aumento de responsabilidades do comissário corresponde o acréscimo de sua remuneração por via de regra 150 Realçamos porém que a parte final do art 698 do Código Civil dá ensejo a uma análise do tipo de contrato de comissão pois a menção à ideia de que salvo estipulação em contrário o comissário tem direito a remuneração mais elevada para compensar o ônus assumido importa em verificar se o contrato foi estabelecido na modalidade paritária ou de adesão pois nesta última situação não estranharíamos se a cláusula del credere fosse considerada inválida por abusividade 6 EXTINÇÃO DO CONTRATO Em primeiro plano o contrato de comissão extinguese com a consumação do seu objeto ou seja por meio de sua execução Se for pactuada por prazo determinado findase com a consumação do prazo Nada impede outrossim que seja desfeito por resilição bilateral distrato ou unilateral ou em caso de inadimplemento resolução Na hipótese de extinção promovida pelo comitente independentemente da causa estabelece o art 703 do CC2002 Art 703 Ainda que tenha dado motivo à dispensa terá o comissário direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao comitente ressalvado a este o direito de exigir daquele os prejuízos sofridos Na hipótese porém de resilição unilateral pelo comitente preceitua o art 705 do Código Civil de 2002 Art 705 Se o comissário for despedido sem justa causa terá direito a ser remunerado pelos trabalhos prestados bem como a ser ressarcido pelas perdas e danos resultantes de sua dispensa É importante ressaltar que a utilização da expressão despedida sem justa causa visivelmente emprestada do Direito do Trabalho não importa em reconhecer a existência de um vínculo empregatício no contrato de comissão quando celebrado entre pessoas físicas O que ela quer dizer em verdade é que no contrato de comissão admitese a resilição unilateral sem expressa previsão contratual o que é uma situação evidentemente excepcional no sistema codificado brasileiro tal qual ocorre no contrato de emprego Admitese ainda a inexecução resultante de evento fortuito como na hipótese já vista de morte da parte seja o comissário art 702 do CC2002 seja o comitente Finalmente vale lembrar com esteio na doutrina de THEODORO JR que A falência interfere na comissão mas não a extingue necessariamente Falido o comitente terá o síndico poder de denunciála na conveniência da massa A concordata preventiva do comitente não repercute sobre o contrato de comissão A falência do comissário inviabiliza a continuidade do contrato mas a massa terá direito de receber os créditos já adquiridos 151 XXXIV AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO 1 UNIDADE OU DISTINÇÃO CONCEITUAL Um primeiro e intrigante ponto que deve de logo ser colocado à nossa apreciação diz respeito à acesa polêmica doutrinária acerca do tratamento conjugado dispensado pelo legislador a essas duas figuras Isso porque no mesmo capítulo intitulado Da Agência e Distribuição o codificador nos dá a aparente impressão de tratarse de uma sinonímia ou seja de instituto idêntico consagrado terminologicamente todavia de duas diferentes maneiras HUMBERTO THEODORO JR é um dos juristas que não vê diferença entre os dois institutos O novo Código Civil a exemplo do direito europeu abandonou o nomen iuris de representante comercial substituindoo por agente Sua função porém continua sendo exatamente a mesma do representante comercial autônomo Mas além de falar em contrato de agência o Código fala também em contrato de agência e distribuição Não são porém dois contratos distintos mas o mesmo contrato de agência no qual se pode atribuir maior ou menor soma de funções ao preposto 152 Ousamos todavia discordar do ilustre professor Note o nosso atento amigo leitor que a própria redação do art 710 especialmente em sua parte final já denota a diagnose diferencial entre os referidos contratos Art 710 Pelo contrato de agência uma pessoa assume em caráter não eventual e sem vínculos de dependência a obrigação de promover à conta de outra mediante retribuição a realização de certos negócios em zona determinada caracterizandose a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada Parágrafo único O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos No contrato de agência o agente sem vínculo de subordinação e sem deter a coisa que comercializa realiza negócios em área determinada fazendo jus a uma remuneração fixa ou percentual diferentemente no contrato de distribuição posto deva também empreender negócios à conta e no interesse de terceiro o distribuidor já tem à sua disposição a coisa negociada Este elemento ter consigo ou não a coisa a ser comercializada pois é a nota distintiva entre as duas espécies contratuais Assim vale ressaltar conceituamos o contrato de agência como o negócio jurídico em que uma pessoa física ou jurídica assume em caráter não eventual e sem vínculos de dependência a obrigação de promover à conta de outra mediante retribuição a realização de certos negócios em zona determinada Já o contrato de distribuição é o negócio jurídico em que uma pessoa física ou jurídica assume em caráter não eventual e sem vínculos de dependência a obrigação de promover à conta de outra mediante retribuição a realização de certos negócios em zona determinada tendo desde já em sua detenção a coisa objeto do negócio Sensível a esta diferença HÉLIO CAPEL FILHO assevera Imperioso notar que o legislador usou o colado dispositivo para conceituar o contrato de agência e ao final aponta uma hipótese em que caso somado à agência o fator modificador a posse da coisa a ser comercializada o contrato caracterizase de distribuição A norma permite desta forma acreditar que se o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada o contrato não será mais o de agência mas de distribuição A declaração de existência deste efeito de transfiguração contratual de uma forma para outra por parte do legislador não permite crer se tratar de uma só modalidade contratual posto que impossível transformarse em si mesmo Inaceitável a hipótese de na ontologia um objeto sofrer interferências do meio para ao final transfigurarse nele próprio Portanto o contrato de agência e o contrato de distribuição são na verdade instrumentos distintos dos quais a empresa poderá lançar mão com o fito de escoar sua produção ou estoque Contudo vale lembrar que conforme disposição dos bens nessa relação poderá estar desvirtuado o objeto contratual que poderá passar a ser regido por outras vias legais 153 Além disso no contrato de agência o agente promove a celebração do negócio entre o proponenteagenciado e o adquirente em geral consumidor ao passo que na distribuição é o próprio distribuidor quem vende o produto que já se encontrava em sua posse E assim o é especialmente por considerarmos que este contrato tem raiz na concessão mercantil A esse respeito pontifica com precisão JOSÉ MARIA TREPAT CASES A primeira etapa do contrato de distribuição é a venda do produto pelo proponente ou distribuído ao distribuidor para posterior revenda ao destinatário final consumidor ou a outra pessoa que faça dele objeto de nova comercialização Aqui já se tem uma diferença abismal entre a distribuição e a agência enquanto no primeiro o produtor eou fabricante revende ao distribuidor o produto para posterior revenda neste último o proponente ou agenciado vende os produtos ou presta os serviços diretamente ao consumidor em razão da intermediação do agente 154 Entendemos outrossim que tanto a agência como a distribuição são contratos eminentemente mercantis expressamente voltados à venda de mercadorias e assim pensamos por observarmos que a nota distintiva entre ambos é precisamente o fato de o distribuidor ter em seu poder coisas a serem negociadas como assentou o próprio dispositivo sob comento 155 Assim há quem entenda que não se subsumiriam a estas figuras os contratos celebrados por representantes de artistas e jogadores de futebol como anotam por exemplo ANTÔNIO FÉLIX DE ARAÚJO CINTRA e RICARDO BERGER nos seguintes termos Nessa linha de raciocínio não se justifica a amplitude que alguns querem dar ao contrato de agência no Código Civil dizendo que serviria para agenciamento de artistas atletas e outras atividades que não fossem relacionadas à compra e venda de mercadorias Vale frisar novamente que o Código Civil apenas deu outro nome para a mesma relação conhecida tradicionalmente como representação comercial Isso decorre não apenas da definição equivalente do contrato acima mencionada mas também da própria regulamentação encontrada nos artigos 710 e seguintes do Código Civil Toda a linguagem e toda a lógica desses dispositivos apontam para o agenciamento na compra e venda de mercadorias por exemplo quando se fala em zona de atuação do agente cessação de atendimento de propostas direito à remuneração pelos negócios concluídos dentro da zona de atuação e assim por diante Até a definição de distribuição que conforme será visto aparece dentro da definição de agência e como um desdobramento desta última menciona claramente coisa a ser negociada 156 A tese é atrativa e muito bem fundamentada porém não concordamos com ela 157 De fato o contrato de agência é tradicionalmente visto como uma modalidade de contrato de colaboração empresarial tais como a comissão mercantil a representação comercial a concessão comercial a franquia a corretagem a concessão do uso de marca etc Todavia com a unificação das obrigações civis e comerciais pelo Código Civil brasileiro é preciso um novo olhar para o instituto sendo plenamente aplicável para as relações civis E neste novo campo das relações negociais encontram terreno fértil na disciplina do contrato de agência os negócios jurídicos estabelecidos com agentes de atividades artísticas e esportivas notadamente no Brasil na área futebolística em que a atividade pactuada é justamente a de promoção de negócios individuais consistente na busca da clientela para coletar propostas a serem repassadas ao proponente 2 CARACTERÍSTICAS Neste tópico cuidaremos de caracterizar os contratos de agência e de distribuição conjuntamente dada a inegável similitude que guardam entre si agora consagrados como contratos típicos e nominados Tratase de contratos bilaterais e onerosos pois produzem direitos e obrigações para as duas partes sendo nessa linha também sinalagmáticos pois a prestação de uma das partes é causa da prestação da outra e comutativos pela equivalência das prestações Por isso também podem ser considerados contratos evolutivos em que é estabelecida a equação financeira do contrato impondose a compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato São ainda contratos simplesmente consensuais e não solenes muito embora a depender do valor negociado a forma escrita possa se fazer necessária para efeito de prova negócios ad probationem Finalmente podemos afirmar tratarse de negócios fiduciários pois são inegavelmente calcados na confiança em outras palavras são negócios celebrados intuitu personae E este caráter personalíssimo acaba por conferir ao agente certa exclusividade na área de sua atuação a teor do art 711 do Código Civil Art 711 Salvo ajuste o proponente não pode constituir ao mesmo tempo mais de um agente na mesma zona com idêntica incumbência nem pode o agente assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero à conta de outros proponentes Não viola a livre concorrência esta estipulação pois é da natureza mesma deste tipo de contrato a fidelidade negocial imposta entre as partes delimitadora de um âmbito específico de atuação do agente ou distribuidor Podem materializarse tanto na modalidade paritária quanto por adesão na medida em que respectivamente as partes estejam em iguais condições de negociação estabelecendo livremente as cláusulas contratuais na fase de puntuação ou em que uma delas imponha as cláusulas do negócio jurídico Tratase em ambos os casos de figura contratual típica de relações comerciais que caracteriza quando prestado por pessoa física uma relação de trabalho autônoma que por força da nova redação do art 114 da Constituição Federal deve estar sob a competência da Justiça do Trabalho mesmo não sendo uma relação de emprego Como contratos individuais interessam apenas a pessoas determinadas sendo contratos de duração determinada ou indeterminada também chamados de contratos de trato sucessivo execução continuada ou débito permanente cumpridos por meio de atos reiterados Mais uma vez registramos a característica causal de tais contratos que vincula a sua validade sendo pela função econômica um contrato de atividade caracterizado pela prestação de uma conduta de fato mediante a qual se conseguirá uma utilidade econômica embora por vezes soe como um contrato associativo caracterizado pela coincidência de fins tendo em vista que a finalidade de ambos os contratantes é a mesma qual seja a venda do produto agenciado ou distribuído Por fim é típico contrato principal com existência autônoma e definitivo pois não é preparatório para qualquer negócio jurídico embora sua utilidade acabe se confundindo com o objetivo da alienação do produto agenciado ou distribuído 3 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES Firmada como regra geral da atuação negocial do agentedistribuidor a sua exclusividade territorial CC2002 art 711 158 passemos a analisar mais detalhadamente os direitos e obrigações decorrentes do contrato A principal obrigação do contrato é imposta ao agente ou distribuidor que se obriga a atuar como empreendedor promotor de negócios em favor do proponente devendo agir no desempenho do que lhe foi cometido com toda diligência atendose às instruções recebidas art 712 159 ficando ao seu cargo ainda ressalvada estipulação em contrário todas as despesas decorrentes do contrato art 713 160 Fica claro pois aqui o princípio da boafé objetiva com toda a sua magnitude 161 Observese outrossim não existir relação de dependência hierárquica ou subordinação funcional entre as partes Aliás esta é uma das notas que diferencia o contrato de agência do contrato de trabalho pois a subordinação jurídica no contrato de emprego é absoluta não se admitindo em regra autonomia na conduta do empregado Fará jus o agente ou distribuidor a uma remuneração fixa ou percentual pelos negócios que promover correspondente àqueles concluídos dentro de sua zona ainda que sem a sua interferência art 714 162 Interessante notar a previsão normativa no sentido de que caso o negócio seja realizado na área de sua atuação do agente ou distribuidor ainda que não tenha tido participação ativa na celebração do contrato terá direito à remuneração imaginese que o produto do proponente ou agenciado foi adquirido na área geográfica de exclusividade de determinado agente sem a sua intervenção direta Com isso querse evitar nitidamente fraude à cláusula de exclusividade impedindose assim que terceiro intermedeie o negócio afetado apenas àquele determinado agente Nesse sentido TREPAT CASES O cliente poderá pagar o preço devido tanto ao agente desde que tenha poderes para praticar tal ato mandato como diretamente ao agenciado Se pago ao agente este poderá do montante deduzir a sua remuneração Se pago diretamente ao agenciado este creditará ao agente Se não for ajustada cláusula de não exclusividade toda e qualquer negociação concluída no território zona abrangido pelo contrato de agência eou distribuição realizada diretamente pelo proponente ou por intermédio de terceiros gerará o direito de comissão ao agente contratado para atuar naquela área geográfica 163 E esta remuneração será devida ainda quando o negócio deixe de ser realizado por fato imputável ao proponente art 716 do CC2002 Imaginese por exemplo que o proponente por dívida sua tenha se submetido à penhora dos produtos que seriam repassados ao agente para uma venda já acertada ao consumidor Ora inviabilizada a realização do negócio por fato imputável ao próprio agenciado débito seu deverá adimplir o crédito devido ao agente referente à remuneração que lhe seria devida Inversamente caso a entrega do produto ao agente haja se tornado impossível em virtude de fato inevitável caso fortuito ou força maior não estará o proponente obrigado a nada Imaginese a título de exemplo que o proponente não tenha podido entregar a mercadoria ao agente em virtude de um incêndio acidental ocorrido em suas instalações fabris No entanto se o descumprimento fortuito da obrigação se der em face do agente dispõe o art 719 que não podendo continuar o trabalho por fato que não lhe seja imputável terá direito à remuneração correspondente aos serviços realizados cabendo esse direito aos herdeiros no caso de morte A regra em nosso sentir é justa por vedar o enriquecimento sem causa do proponente nada impedindo a transmissibilidade do direito aos herdeiros do agente pois se trata de direito meramente creditório Aliás se o serviço fora devidamente realizado pelo agente ainda em vida incorporou por consequência este crédito ao seu patrimônio transferindose aos seus sucessores depois de sua morte por força do princípio da saisine 164 Chama finalmente a nossa atenção a referência feita pelo art 715 no sentido de que o agente ou distribuidor tem direito à indenização se o proponente sem justa causa cessar o atendimento das propostas ou reduzilo tanto que se torne antieconômica a continuação do contrato Tratase claramente de uma regra que respeita a função social do contrato e da empresa Ora se o proponente embaraça ou faz cessar injustamente o atendimento das propostas reduzindo ou até mesmo em nosso sentir inviabilizandoas sem justa causa tornando antieconômica a continuação do contrato com o agente deverá pois indenizálo Mas o que se entende por cessar o atendimento o reduzir as propostas sem justa causa Cuidase inegavelmente de um conceito indeterminado sintonizado com o sistema aberto de normas inaugurado pelo Código Civil à luz do princípio da operabilidade ou concretude e que deve ser preenchido pelo juiz com a devida cautela e bom senso no caso concreto Pensamos que somente fatos inevitáveis traduzidos como eventos fortuitos poderiam autorizar esta atuação indesejada por parte do proponente Fora daí atuando culposamente deverá indenizar o agente por ser medida de justiça Tornar antieconômica a atividade negocial como consequência desta atuação perniciosa do agenciado significaria vulnerar o equilíbrio contratual onerando o agente excessiva e injustificadamente impedindo a celebração normal dos negócios que agenciou e dos quais depende para a mantença do seu próprio empreendimento 4 EXTINÇÃO DO CONTRATO Um contrato válido extinguese fundamentalmente de três maneiras por resilição por resolução e por rescisão Seja pela recusa justificada ou não do devedor seja por fatos alheios à sua vontade como por exemplo no caso fortuito ou de força maior sempre será possível ao interessado parte lesada pelo descumprimento pedir a resolução do contrato extinguindose o vínculo contratual A resolução pois traduz desfazimento do contrato por inadimplemento Quanto à rescisão podemos extrair duas acepções jurídicas da palavra A primeira é justamente a no sentido genérico de extinção do contrato como utilizada no cotidiano civil e trabalhista vale dizer traduz descumprimento do contrato por inadimplemento no mesmo sentido da resolução O outro sentido mais próximo do gramatical é o que corresponde à ruptura do contrato em face de uma nulidade lesão ou estado de perigo Este último sentido não é muito frequente na prática jurídica embora tenha respaldo de autores do porte de FRANCESCO MESSINEO 165 Finalmente a resilição consiste no desfazimento do contrato por simples manifestação de vontade independentemente do seu cumprimento Traduz pois o simples exercício de um direito potestativo Admitese além da resilição bilateral o denominado distrato também a resilição unilateral que se dá quando uma das partes após comunicar à outra aviso prévio ou préaviso denuncia o contrato desfazendoo Nessa linha admitese portanto a resilição unilateral somente com autorização legal expressa ou implícita pela natureza da avença e sempre com a prévia comunicação à outra parte É o que se infere do caput do art 473 do Código Civil de 2002 sem equivalente na codificação anterior Art 473 A resilição unilateral nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita opera mediante denúncia notificada à outra parte Pois bem Os contratos de agência e de distribuição admitem todas essas formas de dissolução com alguns temperamentos Se o contrato for por tempo indeterminado qualquer das partes poderá dissolvêlo 166 mediante aviso prévio de noventa dias desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente art 720 do CC2002 Havendo divergência entre as partes segundo dispõe o parágrafo único o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido A falta deste préaviso poderá gerar direito à indenização em favor da parte que não denunciou o contrato Mas notese que a resilição não será possível caso a natureza e o vulto do investimento realizado pelo agente determinem a mantença da avença à luz do princípio que veda o enriquecimento sem causa Em se tratando de contratos de agência e distribuição a resilição não será possível se não transcorreu prazo razoável conceito aberto 167 compatível com a natureza e o vulto do investimento realizado pelo agente para a consecução dos negócios agenciados Finalmente é de se observar que o art 717 do Código Civil refere à dispensa do agente por justa causa expressão que deve ser entendida não como aplicação estrita de faltas graves enunciadas taxativamente mas sim como no direito do trabalho no sentido de desfazimento do contrato por fato imputável ao próprio agente o que traduziria por óbvio hipótese de resolução contratual e não de rescisão Dispõe o referido artigo que mesmo dispensado por justa causa terá o agente direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao proponente sem embargo de haver este perdas e danos pelos prejuízos sofridos vale dizer o agente que deu causa à extinção do contrato fará jus às remunerações referentes aos negócios que houver promovido direta ou indiretamente mas por outro lado não estará livre do dever de indenizar o agenciado pelos prejuízos morais e materiais que experimentou Nada impede pois que se opere a compensação entre as dívidas Todavia se a dispensa se der sem culpa do agente terá ele direito à remuneração até então devida inclusive sobre os negócios pendentes além das indenizações previstas em lei especial 168 art 718 do CC2002 Ou seja neste caso o desfazimento do contrato se dá por fato imputável ao proponenteagenciante e não ao agente de maneira que este último terá o direito de ser compensado pelos prejuízos morais e materiais que sofreu Nada impede outrossim que o próprio agente exerça o direito de resolução do contrato quando o agenciado realizar atos incompatíveis com o objeto do contrato ou com a boafé objetiva XXXV CORRETAGEM 1 CONCEITO E INSTITUTOS ANÁLOGOS O contrato de corretagem é o negócio jurídico por meio do qual uma pessoa não vinculada a outra em decorrência de mandato de prestação de serviços ou por qualquer outra relação de dependência se obriga a obter para a segunda um ou mais negócios conforme as instruções recebidas É como se o corretor em linguagem simples e direta tivesse a precípua tarefa de aproximar duas outras partes com o propósito de que as mesmas celebrem determinado contrato Tal conceito é extraído diretamente da previsão do art 722 do Código Civil 169 O sujeito que se obriga é denominado corretor e o que contrata a intermediação é chamado de comitente o que clama por uma atenção especial para que não haja confusão com o contrato de comissão Notese que o próprio conceito legal se preocupa em distinguir o contrato de corretagem de figuras análogas como o mandato e a prestação de serviços E a distinção é muito simples A atividade do corretor é uma obrigação de resultado pois este se obriga a aproximar pessoas interessadas na realização de um negócio somente fazendo jus à sua remuneração se este se concretizar justamente por ter atendido aos objetivos da pessoa que lhe transmitiu as instruções e que lhe pagará a retribuição devida No mandato porém o mandatário pratica atos pelo mandante na qualidade de representante voluntário o que inexiste na corretagem em que o corretor apenas aproxima as partes sem qualquer poder decisório ou especificamente de representação ainda que delegado Já a prestação de serviços realmente se aproxima mais da corretagem pois a final a atividade de aproximação ou de procura de interessados feita pelo corretor não deixa de ser um serviço prestado ao comitente Todavia a corretagem abarca peculiaridades inexistentes na prestação de serviços como a necessária profissionalidade do corretor e a finalidade específica de tal modalidade contratual além da circunstância fática de que o prestador de serviço age em nome próprio enquanto o corretor apenas medeia as partes não sendo ele quem concretiza o negócio Esta mesma última diferença é nota distintiva entre a corretagem e o contrato de comissão De fato a corretagem não deve ser confundida com a comissão uma vez que o comissário age sempre nomino suo enquanto o corretor é obrigado a encaminhar o contrato ao principal interessado limitandose a aproximar o seu contratante dos demais interessados Não tem pois o comissário sujeito do contrato de comissão como tem o corretor a função de aproximar partes interessadas na celebração de um negócio mas sim a de celebrálo em seu próprio nome no interesse do comitente Destaquese ainda que justamente pelas suas características específicas a corretagem também não se confunde com o contrato de emprego pois ausente estará a subordinação jurídica mesmo em se tratando de uma relação de trabalho humano em sentido amplo Vale repisar que a relação jurídica no campo obrigacional nasce apenas com a efetivação do negócio pois se trata de um contrato de resultado não importando o trabalho do corretor se tal resultado não for atingido Assim todo o esforço e tempo despendido pelo corretor não terá qualquer compensação se o negócio não for concretizado o que por certo é um elemento diferencial do contrato de emprego uma vez que neste último é a energia colocada à disposição que é remunerada independentemente de resultados 2 TIPOLOGIA Sobre a atividade do corretor lembra CARLOS ROBERTO GONÇALVES Os corretores podem ser livres e oficiais Os primeiros são pessoas que sem nomeação oficial exercem com ou sem exclusividade a atividade de intermediação de negócios em caráter contínuo ou intermitente Os corretores oficiais são os de valores públicos de mercadorias de navios de seguros e de operações de câmbio que têm a sua profissão legalmente disciplinada e são investidos em cargo público cujos atos por esta razão gozam de fé pública estando sujeitos a requisitos especiais para exercêla tais como idade idoneidade e cidadania Lei n 653078 regulamentada pelo Dec n 8187178 Os corretores públicos investidos em seu cargo mediante nomeação governamental devem ter matrícula na Junta Comercial ou em outro órgão público competente e possuir os livros necessários ao exercício da função denominados cadernos manuais para registro das operações em que atuaram como intermediários São ainda obrigados a prestar fiança como garantia de seu bom desempenho 170 Dessa observação inferese portanto que existem dois tipos de corretagem a oficial e a livre A corretagem oficial é aquela praticada por corretores investidos de ofício público gozando de prerrogativas inerentes ao exercício de tal munus como por exemplo a fé pública Exigemse requisitos especiais para exercêla estabelecidos em normas específicas de diversas naturezas 171 Já a corretagem livre pode ser praticada por qualquer pessoa capaz que exerce o ofício de intermediador continuadamente não dependendo de designação oficial MARIA HELENA DINIZ elenca como hipóteses de corretagem livre corretores livres de espetáculos públicos e diversões de empréstimos de obras de arte de automóveis de pedras preciosas de publicidade de serviços de trabalhadores em geral ou especializados de artistas de esportistas profissionais de conferencistas de bens móveis e imóveis etc 172 Neste aspecto é interessante fazer uma observação sobre a corretagem de imóveis Em nossa modesta opinião ainda que esteja ela disciplinada por lei específica a saber a Lei n 653078 regulamentada pelo Dec n 8187178 tratase de uma modalidade de corretagem livre mesmo dependente de requisitos legais como a exigência de habilitação técnica específica pois a sua atividade não se enquadra propriamente como um ofício público Mas a matéria é de alta indagação merecendo maior reflexão por parte dos nossos Tribunais Compreendida a delimitação conceitual bem como a tipologia da corretagem verifiquemos as principais características deste contrato 3 CARACTERÍSTICAS Fixado o conceito desta modalidade contratual é preciso enunciar suas principais características A corretagem como visto é um contrato típico e nominado Quanto à natureza da obrigação tratase de um contrato bilateral que implica direitos e obrigações para ambos os contratantes de um lado o corretor que assume a obrigação de resultado de mediar a realização de um negócio jurídico do outro o comitente pessoa que contrata tal intermediação É um contrato necessariamente oneroso embora a remuneração do corretor dependa sempre da concretização do negócio Uma de suas características mais evidentes porém é o de ser um contrato aleatório uma vez que a obrigação do comitente somente poderá ser exigida em função da concretização do negócio Pode ser estabelecido tanto na modalidade paritária como por adesão não sendo aplicável a classificação dos contratos evolutivos dada a álea que envolve tal relação É contrato de ampla utilização nas relações civis e comerciais sendo inaplicável em nosso sentir nas relações trabalhistas e administrativas Quanto à forma tratase de um contrato não solene e consensual uma vez que se concretiza com a simples declaração de vontade podendo ser realizado até mesmo verbalmente e para qualquer tipo de negócio jurídico lícito Quanto ao aspecto pessoal entendemos que o contrato de corretagem é personalíssimo ou intuitu personae ou seja é celebrado em função da pessoa do contratante que tem influência decisiva para o consentimento do outro para quem interessa que a prestação seja cumprida por ele próprio pelas suas características particulares habilidade experiência técnica idoneidade etc sendo estabelecido sempre de forma individual Embora a produção de efeitos para o comitente somente se perfaça a priori com a conclusão do negócio jurídico a corretagem é um contrato de duração pois as obrigações do corretor se cumprem por meio de atos reiterados na busca diligente e prudente da realização do negócio pretendido Entendemos ainda que a corretagem é um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais Posto seja um contrato de atividade uma vez que implica a prestação de uma conduta de fato vincula se à realização de uma finalidade proposta podendo afirmarse que gera obrigação de resultado Tratase por isso mesmo de um contrato acessório pois a relação contratual depende da celebração do negócio jurídico objetivado que é celebrado pelas partes e não pelo corretor Justamente em decorrência dessa característica a nulidade do contrato principal deve impor a nulidade do contrato de corretagem que não poderá produzir o efeito de ser devido o pagamento ao corretor Não é porém um contrato preliminar mas sim definitivo em relação às partes aqui contratantes corretor e comitente mesmo tendo a sua produção de efeitos para fins remuneratórios condicionada ao contrato principal Notese neste diapasão que os contratos preliminares ou pactum de contrahendo são exceção em nosso ordenamento jurídico pois nada mais são do que negócios jurídicos que têm por finalidade a celebração de um contrato definitivo pelas próprias partes 4 DIREITOS E DEVERES DAS PARTES Mesmo sendo um negócio jurídico que estabelece obrigação de resultado a celebração de um contrato de corretagem importa na produção de efeitos para ambas as partes embora a obrigação de pagar a comissão esteja condicionada à realização do contrato principal De fato em um primeiro momento regra geral o contrato de corretagem gera obrigações apenas ao corretor o que se infere da minuciosa regra do art 723 do Código Civil que preceitua in verbis Art 723 O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência e a prestar ao cliente espontaneamente todas as informações sobre o andamento do negócio Parágrafo único Sob pena de responder por perdas e danos o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência Redação do caput e inclusão do parágrafo único dadas pela Lei n 12236 de 2010 Tal plêiade de obrigações se justifica tranquilamente pela característica peculiar da corretagem de estipulação de uma obrigação de resultado em que todo o risco da atividade é do corretor que deve buscar de todas as formas a realização do negócio A menção à diligência e prudência se refere justamente a esta assunção de riscos o que orienta toda a interpretação do mencionado dispositivo valendo destacar que o dever de prestar informações é sem a menor sombra pálida de dúvida uma consequência direta do princípio maior da boafé que não precisava sequer ser positivado no caso concreto o que não impede de aplaudirmos esta referência constante em norma específica A obrigação básica do comitente surgirá se o negócio jurídico pretendido for celebrado hipótese em que deverá arcar com a remuneração do corretor o que analisaremos no próximo tópico não devendo atribuir isso a quem não foi parte no contrato de corretagem como por exemplo a outra parte no contrato principal Registramos porém conforme ainda verificaremos a seguir que estabelecida uma cláusula de exclusividade na corretagem o que demanda sempre previsão expressa e específica a mesma deverá ser observada pelo comitente sob pena de ter de arcar com o valor da remuneração mesmo que o negócio tenha sido realizado sem a mediação do corretor exclusivo salvo comprovação de inércia ou ociosidade 5 REMUNERAÇÃO DO CORRETOR A remuneração do corretor também denominada comissão preço ou corretagem somente é devida após a conclusão do negócio o que decorre da sua característica peculiar de estabelecimento de obrigação de resultado O contrato de corretagem é necessariamente oneroso mesmo levandose em consideração a circunstância de que a remuneração do corretor depende sempre da concretização do negócio Não vislumbramos de forma alguma a possibilidade jurídica de estabelecimento de um contrato gratuito de corretagem valendo destacar que o próprio texto legal preceitua que na ausência de estipulação deve ser arbitrada a justa remuneração do corretor É a regra que se infere do art 724 do CC2002 Art 724 A remuneração do corretor se não estiver fixada em lei nem ajustada entre as partes será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais Tendo desempenhado suas atividades de mediação e conseguido a celebração do negócio jurídico terá o corretor adquirido o direito de percepção da remuneração ainda que posteriormente venham as partes arrependerse ou realizar o distrato do negócio conforme preceitua o art 725 do CC2002 Art 725 A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes A concepção do dispositivo que inova o sistema anterior ainda que já se encontrassem precedentes jurisprudenciais do STJ nesta linha é bastante simples celebrado o negócio jurídico com a atuação do corretor devida é a comissão pois a obrigação de resultado se perfaz A ideia é para nós tão evidente que prevalece inclusive na hipótese de extinção do contrato de corretagem mas com celebração posterior do negócio por efeito direto do trabalho do corretor 173 Em síntese a ocorrência de situações supervenientes como o distrato ou mesmo o exercício do direito de arrependimento não podem afetar o direito adquirido do corretor à sua retribuição Justa pois é a regra em nossa opinião É preciso porém registrar que não se pode confundir arrependimento com desistência Arrependimento pressupõe a celebração do negócio com a retratação posterior o que é uma situação excepcional Desistência por sua vez se situa ainda na fase précontratual motivo pelo qual não havendo ainda o negócio jurídico principal não há que se falar em direito à comissão Por fim regra importantíssima referente ao estabelecimento eventual de cláusula de exclusividade na corretagem é estabelecida no art 726 do CC2002 Art 726 Iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes nenhuma remuneração será devida ao corretor mas se por escrito for ajustada a corretagem com exclusividade terá o corretor direito à remuneração integral ainda que realizado o negócio sem a sua mediação salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade A exegese do dispositivo leva à afirmação de que o estabelecimento de cláusula de exclusividade faz pressupor a existência do direito do corretor à comissão enquanto exigível o contrato cabendo ao comitente o ônus da prova de que o corretor descumpriu a sua obrigação básica de atuar diligente e prudentemente Tratase de uma situação que se visualiza claramente no dia a dia o que faz com que recomendemos extrema cautela a todos que celebrarem contrato de corretagem no que diz respeito a tal cláusula de exclusividade Justamente por isso é que afirmamos peremptoriamente que tal cláusula pelos efeitos que produz deve ser sempre expressa e clara cabendo ao magistrado na dúvida decidir em favor do comitente Para encerrar este tópico enfrentemos aquele que para nós é o dispositivo mais polêmico da disciplina codificada da corretagem a saber o art 728 do Código Civil Art 728 Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um corretor a remuneração será paga a todos em partes iguais salvo ajuste em contrário Tal regra positivada se interpretada friamente comportará uma profunda injustiça De fato o trabalho de corretagem envolve a prática de uma série de atos não sendo estranho verificar situações em que diversos profissionais possam ter atuado notadamente quando se trata de corretagem prestada por uma equipe de corretores profissionais Assim podem ocorrer situações em que um primeiro corretor tenha feito apenas o primeiro contato com o cliente e um segundo tenha feito todo o trabalho de aproximação e convencimento das partes bem como a formalização do negócio Dizer que a retribuição do primeiro deva ser igual à do segundo nos parece uma postura desarrazoada Desse modo entendemos que a expressão salvo ajuste em contrário deve ser interpretada de forma ampla para abranger também um ajuste tácito de proporcionalidade do pagamento pela atuação de cada corretor O pagamento uniforme somente deve ser feito na impossibilidade de comprovação desta divisão de tarefas Nessa linha de pensamento observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES O dispositivo não distingue a atuação de cada um afastando a possibilidade de se proporcionalizar a remuneração com base na maior ou menor participação de cada um na conclusão exitosa do negócio salvo naturalmente ajuste em contrário O critério não se afigura o mais justo especialmente naqueles casos em que um corretor dedica todo o seu tempo na busca da efetivação do negócio e outro tem uma discreta atuação de poucos minutos ORLANDO GOMES sustentava em obra escrita quando ainda se encontrava em vigor o Código de 1916 que não tratava dessa matéria que na mediação conjunta todos os corretores que intervierem fazem jus à remuneração tendo direito cada qual a quota proporcional ao valor do serviço prestado se entrarem diretamente em contato com os interessados Nesse sentido era a jurisprudência antes da vigência do novo Código Civil Parecenos esta a melhor solução devendose destarte interpretar a determinação do art 728 de que a remuneração seja paga a todos os corretores em partes iguais como endereçada às hipóteses em que todos eles tenham tido participação equivalente efetiva e decisiva como intermediários na conclusão do negócio não devendo ser aplicada quando for evidente a desproporção da atuação de cada um sob pena de se configurar uma inominável injustiça Pressupõe a regra portanto participação razoavelmente igualitária Se os intermediários divergirem sobre a divisão da comissão restará ao comitente consignála em juízo 174 É um critério que submetemos à jurisprudência a ser construída com base na codificação civil vigente 6 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE CORRETAGEM O fim natural e desejado do contrato de corretagem se dá com a celebração do negócio jurídico principal pretendido e o pagamento da remuneração pois estará realizada a obrigação de resultado assumida bem como adimplida a retribuição correspondente Todavia ressaltese que todos os meios comuns de dissolução do contrato também são perfeitamente aplicáveis ao contrato de corretagem Vale destacar inclusive que o advento do termo é uma forma bastante comum quando celebrado o contrato de corretagem por duração determinada ou a simples resilição unilateral por parte do comitente sendo que em tais situações também poderá ocorrer a consolidação posterior do direito à retribuição na forma já explicada dos arts 727 e 728 do CC2002 XXXVI TRANSPORTE 1 CONCEITO O contrato de transporte cuja disciplina é feita a partir do art 730 do Código de 2002 pode ser definido como o negócio jurídico bilateral consensual e oneroso pelo qual uma das partes transportador ou condutor se obriga a mediante remuneração transportar pessoa ou coisa a um destino previamente convencionado Confirase a esse respeito o referido artigo de lei sem correspondência no Código revogado Art 730 Pelo contrato de transporte alguém se obriga mediante retribuição a transportar de um lugar para outro pessoas ou coisas Tratase de um contrato que embute inequivocamente uma obrigação de resultado transportar a pessoa ou o bem ao local de destino em perfeita segurança Nesse ponto importante observação é feita por CARLOS ROBERTO GONÇALVES no sentido de que Se o transporte é secundário ou acessório de outra prestação o contratante seja vendedor ou de outra espécie não pode ser considerado um transportador cuja obrigação é exclusivamente a de efetuar o traslado de coisa ou pessoa regendose a sua responsabilidade pelas normas que disciplinam o contrato principal 175 O art 732 do CC2002 procurou compatibilizar as normas codificadas do contrato de transporte com a legislação especial dispondo Aos contratos de transporte em geral são aplicáveis quando couber desde que não contrariem as disposições deste Código os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais Vale destacar por exemplo que conforme o meio em que é feito o transporte o contrato poderá ser terrestre se em terra ou em pequeno percurso de água Decreto n 9235386 marítimo se feito em alto mar ou rios e lagos navegáveis em longos percursos CCom arts 629 a 632 e aéreo se utilizar o espaço aéreo Leis n 571071 629875 635076 683380 699782 e 756586 Código Brasileiro de Aeronáutica bem como a Convenção de Varsóvia Assim sem negar a aplicação dos preceitos genéricos codificados ressalvase toda a legislação especial sobre transportes bem como o Código de Defesa do Consumidor 176 Não se deve confundir outrossim o contrato de transporte com o fretamento pois neste último os riscos correm integralmente por conta do tomador da coisa fretada consoante observa com sabedoria HUMBERTO THEODORO JR alicerçado em PONTES DE MIRANDA Pontes de Miranda lembra que também não se pode confundir o contrato de transporte com o contrato de fretamento Neste o proprietário de um navio ou de uma aeronave cede o seu uso a outra pessoa O usuário assume o risco do transporte que realizar por meio do veículo fretado O contrato é misto envolvendo locação de coisa e às vezes locação de serviços Seu objeto principal porém não é o deslocamento de pessoas ou mercadorias É o usuário que no fretamento exerce a atividade de navegador o que é completamente estranho ao contrato de transporte Mesmo quando se freta uma nave com a respectiva tripulação não se tem contrato de transporte Explica Pontes de Miranda no fretamento há transferência da posse da nave o que afasta qualquer teoria que pretende ver no fretamento da nave nua ou da nave armada e equipada locação de serviços e não locação de coisa 177 Voltando os nossos olhos ao contrato de transporte podemos observar que da sua definição legal defluem as duas espécies a transporte de coisas arts 743 a 756 b transporte de pessoas arts 734 a 742 O preço pago ao transportador recebe a denominação de frete ou porte no transporte de coisas e de valor da passagem no transporte de passageiros O contrato se celebra entre o transportador e no outro polo a pessoa que vai ser transportada ou o indivíduo que entrega o objeto transportado expedidor Posto isso e para a melhor compreensão das suas normas estudemos as suas características 2 CARACTERÍSTICAS O contrato de transporte é um negócio jurídico típico e nominado que passou a ser previsto no Código Civil brasileiro em 2002 tendo características bem definidas Tratase de um contrato bilateral e sinalagmático por gerar reciprocamente direitos e obrigações para ambas as partes Além disso é um contrato oneroso com prestações certas comutativo Assim sendo não há que falar em contrato gratuito de transporte o que é objeto de norma expressa 178 Finalmente é bom que se diga que este tipo de contrato é essencialmente consensual contratado por adesão Vale dizer tornase perfeito com a simples manifestação da vontade concordante dos envolvidos a exemplo do passageiro que no ponto faz um simples gesto para que o ônibus pare Naquele momento já há contrato independentemente de qualquer instrumento escrito ou outra formalidade Aliás em havendo um acidente ali mesmo na rua a responsabilidade do transportador já é contratual O mesmo ocorre quando adquirimos bilhetes de passagens aéreas ou providenciamos o envio de uma encomenda pela internet ou pelo telefone Não se exige prévio contrato escrito decorrendo a avença diretamente das vontades convergentes E notese que em geral o transportador estabelece respeitando regulamentação legal 179 e administrativa as condições do contrato Típico contrato de adesão Relembrando podemos trazer quatro traços característicos dos contratos de adesão a uniformidade o objetivo do estipulante é obter do maior número possível de contratantes o mesmo conteúdo contratual para uma racionalidade de sua atividade e segurança das relações estabelecidas b predeterminação unilateral a fixação das cláusulas é feita anteriormente a qualquer discussão sobre a avença De fato a simples uniformidade não é suficiente para se considerar um contrato como de adesão pois é imprescindível que tais cláusulas uniformes sejam impostas por somente uma das partes 180 c rigidez além de uniformemente predeterminadas não é possível rediscutir as cláusulas do contrato de adesão sob pena de descaracterizálo como tal d posição de vantagem superioridade material de uma das partes embora a expressão superioridade econômica seja a mais utilizada até pela circunstância de ser a mais comum consideramos mais adequada a concepção de superioridade material uma vez que é em função de tal desigualdade fática que faz com que possa ditar as cláusulas aos interessados É o exemplo de alguém que embora não sendo considerado um potentado econômico seja o detentor do monopólio de exploração de determinado produto ou serviço pelo que no campo dos fatos sua vontade prevalece sobre a dos aderentes ainda que mais fortes economicamente Pela sua característica limitadora da liberdade contratual pelo menos na sua concepção clássica a interpretação do contrato de adesão não poderia se dar da mesma forma que em um contrato paritário tradicional Por isso não se estranha que nas poucas oportunidades em que os contratos de adesão foram mencionados no atual Código Civil brasileiro ante o absoluto silêncio da codificação anterior tenha sido justamente para trazer regras de hermenêutica atenuadoras do elevado poder daqueles que predeterminam unilateralmente cláusulas uniformes e rígidas 181 Quanto ao tempo é um contrato que pode ser estabelecido na modalidade instantânea ex o transporte público de cada dia ou de duração ex contrato de transporte de empregados feito por uma empresa terceirizada de forma permanente a depender da situação fática e da vontade das partes Em nosso sentir poderá ainda este contrato ser de execução simples quando apenas um transportador realiza o serviço ou de execução cumulativa quando mais de um transportador se obriga a cumprir um determinado percurso da viagem vinculandose solidariamente aos demais como bem pontificou ZENO VELOSO Dáse transporte cumulativo quando vários transportadores por terra água ou ar efetuam sucessivamente o deslocamento de um lugar para outro de pessoas ou coisas Cada transportador se obriga relativamente ao respectivo percurso se em tal percurso sofrerem danos as pessoas e coisas transportadas o transportador responderá por eles 182 É a regra do art 733 do Código Civil Art 733 Nos contratos de transporte cumulativo cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas 1º O dano resultante do atraso ou da interrupção da viagem será determinado em razão da totalidade do percurso 2º Se houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso a responsabilidade solidária estenderseá ao substituto É interessante registrar que o caput do mencionado artigo dá a entender que a responsabilidade civil de cada transportador limitarseia ao respectivo percurso mas é o art 756 183 aliado ao 2º transcrito que esclarece a existência de solidariedade o que é perfeitamente compatível com as regras assentes do Código de Defesa do Consumidor É o que pode ocorrer quando contratamos um pacote de viagem turística englobando trechos aéreos terrestres e eventualmente marítimo Finalmente cumprenos mencionar que o contrato de transporte é também um contrato de consumo regido e delimitado consequentemente pelas normas do Código de Defesa do Consumidor 184 Pela comutatividade pode se enquadrar no conceito de contrato evolutivo É contrato de ampla utilização nas relações civis comerciais e consumeristas gerando repercussões nas áreas administrativa e trabalhista Por não depender de qualquer forma prescrita em lei tratase de um contrato não solene É ainda um contrato individual obrigando somente os sujeitos individualmente considerados e impessoal pois somente interessa o resultado da atividade contratada independentemente de quem seja a pessoa que irá realizála Tratase como a maioria das formas contratuais previstas no Código Civil brasileiro de um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais Pela função econômica tratase de um contrato de atividade caracterizado pela prestação de uma conduta de fato mediante a qual se conseguirá uma utilidade econômica Por fim tratase de um contrato principal e definitivo uma vez que não depende de qualquer outra avença embora seja possível estabelecer um contrato acessório de transporte como por exemplo o contrato de transporte de bagagens como acessório do contrato principal de transporte de passageiros bem como não é preparatório de nenhum outro negócio jurídico Conhecidas as características básicas do contrato de transporte em geral verifiquemos as suas duas modalidades começando com o transporte de coisas para somente depois dada a importância enfrentar o tema do transporte de pessoas 3 TRANSPORTE DE COISAS OU MERCADORIAS Ao utilizar a palavra coisa para caracterizar este tipo de transporte o legislador se refere apenas a bens corpóreos e materializados com expressão econômica que poderão ser objeto desse tipo de contrato Notese aliás levando em conta a materialidade da coisa que se exige a sua individualização bem como a de seu destinatário para evitar com isso a frustração da entrega Art 743 A coisa entregue ao transportador deve estar caracterizada pela sua natureza valor peso e quantidade e o mais que for necessário para que não se confunda com outras devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço Recebendo a coisa obrigase o transportador a empreender todo o zelo e cautela no desempenho da sua atividade 185 emitindo na oportunidade o conhecimento de transporte ou seja o documento derivado do próprio contrato que contém os necessários dados de identificação da mercadoria art 744 186 podendo circular como título de crédito Nesse sentido pontifica ZENO VELOSO O conhecimento é documento emitido pelo transportador Está preso ao princípio da literalidade o que está escrito vale e deve ser cumprido Os direitos e deveres das partes estão nele consignados pelo que goza de autonomia É considerado título de crédito embora impróprio representando as coisas ou mercadorias objeto do transporte e mencionadas no documento Em regra é título à ordem e como tal pode ser endossado o último endossatário e detentor do conhecimento presumese titular da mercadoria constante do título É claro o conhecimento nominativo com a cláusula não à ordem não pode ser endossado 187 Interessante anotar ainda que o conhecimento de transporte é documento que serve para fundamentar a responsabilidade civil do transportador e para esse fim o Superior Tribunal de Justiça tem se contentado apenas com a sua cópia desde que não exista dúvida quanto à sua emissão Ainda sobre o conhecimento de transporte vale lembrar que o transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue devidamente assinada a relação discriminada das coisas a serem transportadas em duas vias uma das quais por ele devidamente autenticada ficará fazendo parte integrante do conhecimento a teor do parágrafo único do art 744 Notese pois que o conhecimento de transporte a par de ser um título que acautela os direitos do remetente também traduz obrigações a ele impostas especialmente as que decorrem de quebra da boafé objetiva quando presta informações falsas ou imprecisas 188 Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que se refere o artigo antecedente dispõe o art 745 do CC2002 será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias a contar daquele ato sob pena de decadência Tratase inequivocamente de responsabilidade calcada na infração ao dever de informar dever anexo ou de proteção oriundo da cláusula geral de boafé objetiva Caso seja descumprido este dever o transportador fará jus à indenização Até aí tudo bem O problema está na estipulação de prazo decadencial de 120 dias para se formular a pretensão indenizatória Não é correta esta opção do legislador em nosso sentir Pretensão indenizatória desafia prazo prescricional e não decadencial referente este último apenas a direitos potestativos No caso todavia de maneira anômala e um tanto atécnica estabelece o legislador uma situação especial de prazo decadencial dentro do qual se pode formular pleito indenizatório Notese mais uma vez que a redibição do contrato esta sim podendo desafiar prazo decadencial não se poderia confundir com a pretensão compensatória mas a opção do legislador foi a de estabelecer prazo único de natureza decadencial Registrese nesse diapasão que norma posterior a recente Lei n 11442 de 5 de janeiro de 2007 estabeleceu especificamente para os contratos de transporte rodoviário de carga com maior rigor terminológico em seu art 18 Art 18 Prescreve em 1 um ano a pretensão à reparação pelos danos relativos aos contratos de transporte iniciandose a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano pela parte interessada grifo nosso Tratandose de regra especial não revoga a regra geral do Código Civil brasileiro vigente que é aplicável às demais modalidades de transporte de coisas no que diz respeito aos danos decorrentes de informação inexata ou falsa descrição dos objetos a serem transportados E a pergunta que não quer calar é qual é a natureza e o prazo para as postulações reparatórias de danos em contrato de transporte que não sejam decorrentes de informação inexata ou falsa descrição das coisas transportadas Depois de tudo quanto exposto a resposta nos parece clara Sendo a postulação reparatória de natureza condenatória o prazo para o exercício de tal pretensão será sempre prescricional E o lapso temporal na falta de regra específica é o genérico de 3 três anos previsto no art 206 3º V do CC2002 É salvo melhor juízo o entendimento que conseguimos ter sobre a matéria Por outro lado não haverá direito à indenização se o transportador recusar a coisa cuja embalagem esteja inadequada bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas ou danificar o veículo e outros bens art 746 do CC2002 Tratase aliás de uma obrigação legal do transportador pois a sua atividade profissional não poderá em nenhuma hipótese pôr em risco a saúde e a segurança das pessoas ou bens envolvidos sob pena de responsabilização civil e criminal No âmbito civil repitase exerce ele uma atividade de risco que justifica a dispensabilidade do elemento culpa para a imposição do dever de indenizar E tal dever lhe é imposto não apenas quando causa prejuízo ao consumidor que o contrata mas também aos seus empregados ou a terceiros atingidos pela relação de consumo equiparados aos consumidores denominados bystanders art 17 do CDC Na mesma linha e visando especialmente à preservação da ordem pública a teor do art 747 do Código Civil o transportador deverá obrigatoriamente recusar a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos a exemplo de bens contrabandeados ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento como as mercadorias introduzidas no país mediante sonegação fiscal caracterizando o crime de descaminho Ainda no que tange à responsabilidade civil e observe o leitor como o legislador é severo com o transportador consagrando diversos dispositivos para regular a sua responsabilidade duas outras importantes questões merecem ser enfrentadas Dispõe o art 750 do CC2002 que a responsabilidade do transportador é limitada ao valor constante do conhecimento começando no momento em que ele ou seus prepostos recebe a coisa e terminando quando é entregue ao destinatário ou depositada em juízo se aquele não for encontrado Quanto ao início e ao término da responsabilidade nada temos a opor Todavia limitar o alcance indenizatório ao valor constante do título pode não se afigurar justo nem muito menos razoável Isso porque o prejuízo do contratante pode superar o teto estipulado no conhecimento especialmente se tiver sofrido dano moral Argumentarse que simplesmente aceitou o teto constante no documento assumindo o risco de experimentar prejuízo a maior é em nosso sentir à luz dos princípios da função social do contrato e da boafé objetiva inaceitável Sobretudo se considerarmos que o transporte geralmente é pactuado sob a forma de contrato de adesão Entendimento semelhante encontra respaldo em posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal para justificar a fixação de indenização que supera o teto estabelecido pela Convenção de Varsóvia em caso de extravio de bagagens em viagens internacionais Indenização Dano moral Extravio de mala em viagem aérea Convenção de Varsóvia Observação mitigada Constituição Federal Supremacia O fato de a Convenção de Varsóvia revelar como regra a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais Configurados esses pelo sentimento de desconforto de constrangimento aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala cumpre observar a Carta Política da República incisos V e X do art 5º no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil STF RE 1727209RJ DJU 2121997 relator Min Marco Aurélio julgado em 621996 2ª Turma Finalmente vale anotar ainda que em caso de transporte cumulativo como visto todos os transportadores responderão solidariamente pelo dano causado perante o remetente ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles de modo que o ressarcimento recaia por inteiro ou proporcionalmente naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano art 756 do CC2002 Por transporte cumulativo vimos linhas acima entendese aquele em que vários transportadores efetuam o deslocamento em determinado trecho ou percurso por terra mar ou ar O art 756 ao estabelecer a responsabilidade solidária entre os transportadores nada mais fez do que reproduzir o comando normativo geral constante do art 942 189 agregando algumas especificidades Deixou claro por exemplo que embora qualquer dos transportadores possa ser demandado pela vítima do dano para a cobrança de toda a dívida dada a existência de solidariedade passiva a responsabilidade de cada um no âmbito da relação jurídica interna que os une em sede de ação regressiva deverá considerar a atuação isolada de cada coobrigado em cada trecho de ocorrência do dano Exemplo imagine que você contrate um pacote turístico em que haja transportes cumulativos trechos pelo ar pelo mar e por terra Pois bem Ocorrido um dano em seu trecho terrestre você poderá demandar qualquer dos transportadores mas aquele que pagou terá ação regressiva contra o codevedor efetivamente causador do dano transportador terrestre Se dois ou mais transportadores concorreram para o dano repartirão entre si o ônus em face daquele que indenizou a vítima Com fundamento na doutrina pátria 190 podemos apresentar o seguinte quadro de direitos e obrigações das partes envolvidas no contrato de transporte de mercadorias DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO REMETENTE DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO TRANSPORTADOR Entrega da mercadoria em condições de envio Receber a coisa a ser transportada no dia hora local e pelo modo convencionados Pagamento do preço convencionado ressalvada a hipótese de este ser adimplido pelo destinatário Empregar total diligência no transporte da mercadoria posta sob a sua custódia Acondicionamento da mercadoria Seguir o itinerário ajustado ressalvadas as hipóteses de caso fortuito e força maior Declaração do seu valor e da sua natureza Entregar a mercadoria ao destinatário da mesma mediante apresentação do respectivo documento comprobatório de sua qualidade de recebedor conhecimento de transporte Recolhimento tributário pertinente respeito às normas legais em vigor no sentido de somente expedir mercadorias de trânsito admitido no Brasil Respeito às normas legais em vigor no sentido de somente transportar mercadorias de trânsito admitido no Brasil Até a entrega terá o direito de desistir do transporte pedindo de volta a coisa ou alterar o destinatário arcando com as despesas devidas 17 Desnecessidade de comunicar ao remetente a chegada da mercadoria ou de realizar a entrega em domicílio se assim não fora convencionado devendo tal obrigação quando estipulada constar também do conhecimento de transporte18 Comentando o transporte de mercadorias SÍLVIO VENOSA lembra ainda que 191192 cabe ao transportador permitir o desembarque da mercadoria mediante a apresentação do conhecimento salvo se se tratar de mercadoria sujeita a transporte sob regulamentação especial ou de endossatário em penhor art 106 do Decreto n 5181363 redação do Decreto n 6158867 Cuidase do direito de stoppage in transitu ou variação do destino da carga Se houver variação do destino o transportador poderá pedir reajuste do frete Se não houver acordo cumprirá o transporte entregando a coisa no destino primitivo 193 Todavia não poderá efetivar esta entrega a destino algum caso exista causa de interrupção da viagem devidamente demonstrada nos termos do art 753 do Código Civil Art 753 Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção o transportador solicitará incontinenti instruções ao remetente e zelará pela coisa por cujo perecimento ou deterioração responderá salvo força maior 1º Perdurando o impedimento sem motivo imputável ao transportador e sem manifestação do remetente poderá aquele depositar a coisa em juízo ou vendêla obedecidos os preceitos legais e regulamentares ou os usos locais depositando o valor 2º Se o impedimento for responsabilidade do transportador este poderá depositar a coisa por sua conta e risco mas só poderá vendêla se perecível 3º Em ambos os casos o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda 4º Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns continuará a responder pela sua guarda e conservação sendolhe devida porém uma remuneração pela custódia a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte Chamam a nossa atenção alguns aspectos deste dispositivo Notase a possibilidade de o transportador em não efetivando o depósito judicial efetuar a venda da coisa transportada caso perdure o impedimento sem razão a si imputável ou ainda que o obstáculo lhe seja atribuído caso se trate de mercadoria perecível Poderá pois vendêla segundo o valor razoável de mercado depositando o preço recebido Toda esta providência por óbvio somente será possível se o remetente não se manifestar pois se o fizer deverá a sua vontade prevalecer por ser dono da coisa Aliás esta alienação a nosso ver é medida extraordinária supletiva ou seja deve o transportador primeiramente tentar contatar o remetente para que este se manifeste e comunique o que deve ser feito diante do impedimento se não obtiver êxito deverá depositar judicialmente o bem e não podendo fazê lo por falta de tempo hábil por exemplo deverá tentar a venda Temos para nós que este é o melhor entendimento em respeito ao direito de propriedade do remetente que poderá responsabilizar o transportador caso experimente prejuízo na aplicação deste dispositivo de lei Hipótese especial de depósito da coisa transportada vem contemplada no art 755 do CC2002 in verbis Art 755 Havendo dúvida acerca de quem seja o destinatário o transportador deve depositar a mercadoria em juízo se não lhe for possível obter instruções do remetente se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa o transportador deverá vendêla depositando o saldo em juízo Vêse aqui em dispositivo análogo ao inciso IV do art 335 do CC2002 claramente que o legislador fora mais técnico ao estipular que o depósito precederá à venda da coisa Por fim não esqueçamos que a coisa depositada ou guardada nos armazéns do transportador em virtude de contrato de transporte regese no que couber pelas disposições relativas a depósito a teor do disposto no art 751 do CC2002 194 4 TRANSPORTE DE PESSOAS Mutatis mutandis poderíamos aproveitar as observações acima esposadas quanto aos direitos e obrigações das partes aplicandoas ao transporte de pessoas Registrese apenas o imensurável valor daquilo que se transporta a vida humana Por isso mesmo é que invertemos a ordem apresentada pelo Código para tratar com mais ênfase agora do transporte de pessoas AGUIAR DIAS em sua monumental obra já advertia que em todo o contrato de transporte de pessoas existe implícita uma cláusula de segurança ou de incolumidade 195 Mesmo que o instrumento contratual não explicite é decorrência do princípio da função social do contrato e da regra ética de boafé objetiva arts 421 e 422 do CC2002 que o transportador tem o dever de levar o passageiro a salvo e em segurança até o local de destino A quebra desta obrigação implícita de natureza contratual impõe o reconhecimento da responsabilidade objetiva do transportador que deverá indenizar a vítima independentemente de ter atuado ou não com dolo ou culpa Lembrese inclusive de que o primeiro diploma brasileiro consagrador de responsabilidade civil objetiva foi precisamente o Decreto Legislativo n 2681 de 1912 referente às estradas de ferro Este mesmo princípio anunciado há tantas décadas veio previsto pelo Código de Defesa do Consumidor que prevê a responsabilização objetiva do fornecedor de serviço art 14 facilitando desta maneira a compensação devida à vítima Não é demais notar que se não bastasse a incidência do CDC o serviço de transporte de passageiros terrestre marítimo ou aeronáutico é considerado indiscutivelmente uma atividade de risco para a qual o Código Civil prevê também a aplicação das regras da responsabilidade sem culpa nos termos do parágrafo único do seu art 927 A disciplina específica do transporte de pessoas é feita a partir do art 734 do Código Civil que harmonizandose com a Lei do Consumidor prevê Art 734 O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens salvo motivo de força maior sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade Parágrafo único É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização E qual é o momento em que se inicia a responsabilidade civil do transportador A resposta parece óbvia a partir do momento em que o contrato inicia a sua execução A observação se faz pertinente porque em certos meios de transporte é possível distinguir facilmente a oportunidade da celebração do contrato e o momento de sua execução Um exemplo comumente invocado é o que ocorre nas viagens aéreas em que o ticket de viagem é comprado normalmente com alguma antecedência Nessas situações somente se pode falar de responsabilidade do transportador a partir da execução do contrato Por outro lado no transporte rodoviário levandose em consideração que a estação de ônibus não é de titularidade da transportadora somente se pode considerar iniciada a execução com o embarque do passageiro terminando obviamente com o desembarque Nesta linha se o passageiro por exemplo machucase por causa de uma queda no embarque ou desembarque em função de um deslocamento brusco do veículo caracterizada estará a responsabilidade do transportador tendo em vista ter se iniciado a execução do contrato Já no transporte rodoviário tendo em vista que a estação não pertence à transportadora a execução somente se inicia com o embarque do passageiro e só termina com o desembarque Se o passageiro vem a se ferir em razão de queda ocorrida durante o embarque ou desembarque porque o ônibus movimentou se abruptamente configurase a responsabilidade do transportador porque já se iniciara a execução do contrato E essa obrigação de segurança é tão importante que somente será ilidida em situações excepcionais de quebra do nexo causal não eximindo o transportador pelo fato de terceiro nos termos da Súmula 187 do STF A responsabilidade contratual do transportador pelo acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro contra o qual tem ação regressiva Tal preceito vem agora reproduzido pelo art 735 do Código de 2002 Art 735 A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro contra o qual tem ação regressiva Imaginese por exemplo que um exempregado da companhia de viação visando a prejudicar seu antigo patrão resolva folgar alguns componentes da roda do ônibus causando grave acidente Em tal caso não poderá o proprietário da empresa alegar fato de terceiro para se eximir da obrigação de indenizar Assim poderíamos concluir que apenas a culpa exclusiva da vítima ou a ocorrência de evento fortuito excluiriam o dever de indenizar Lembrese ademais que somente o fortuito externo tem o condão de eximir o transportador o mesmo não acontecendo na hipótese de fortuito interno Nesse sentido observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES Somente o fortuito externo isto é a causa ligada à natureza estranha à pessoa do agente e à máquina exclui a responsabilidade deste em acidente de veículos O fortuito interno não Assim temse decidido que o estouro de pneus a quebra da barra de direção o rompimento do burrinho dos freios e outros defeitos mecânicos em veículos não afastam a responsabilidade do condutor porque previsíveis e ligados à máquina 196 Questão interessante diz respeito ao assalto ocorrido durante o transporte Em nossa opinião seria por demais injusto impor à companhia transportadora o ônus de assumir a obrigação de indenizar os passageiros pelo roubo ocorrido do qual também foi vítima ainda mais em se considerando ser do Estado o dever constitucional de garantir a todos a segurança pública Ressalvese apenas a situação delituosa para a qual contribuiu a própria companhia transportadora em virtude da atuação desidiosa ou negligente do seu preposto que parou o ônibus ou atracou a embarcação em local inseguro por exemplo Seguindo esta mesma linha de raciocínio CARLOS ROBERTO GONÇALVES pontifica Podese afirmar malgrado as divergências apontadas que são encontradas na jurisprudência em maior número decisões no sentido de que o assalto à mão armada no interior de ônibus embora se pudesse ter meios de evitálo equiparase ao caso fortuito assim considerado o fato imprevisível que isenta de responsabilidade o transportador ao fundamento especialmente de que o dever de prestar segurança pública ao passageiro é do Estado mercê do art 144 da Constituição Federal não se podendo transferilo ao transportador 197 Nesse ponto cumprenos indagar acerca da responsabilidade do transportador pelo dano causado a seus prepostos Em tal caso estaremos diante de um acidente de trabalho em que como visto a responsabilidade civil do empregador será em regra subjetiva salvo a caracterização da atividade como de risco habitual para efeito de incidência da regra do parágrafo único do art 927 do CC2002 questão sobremaneira controvertida Outro ponto digno de realce diz respeito à responsabilidade do transportador em face de pedestres Um acidente muitas vezes não atinge apenas os passageiros mas também os transeuntes vale dizer pessoas que não mantinham relação contratual com a companhia transportadora Em relação ao passageiro conforme já vimos no momento em que ele adquire o bilhete ou recebe o email de confirmação de aquisição da passagem o contrato já está perfectibilizado Claro está portanto que em relação ao passageiro a responsabilidade do transportador é contratual e objetiva regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor Mas e quanto ao terceiro Imagine apenas a título de ilustração que o ônibus por desídia do motorista que dormiu ao volante causou grave acidente ferindo passageiros e atropelando pedestres Como ficaria afinal a situação destes últimos Em nosso pensamento tratase de situação de responsabilidade civil aquiliana também de natureza objetiva por considerarmos o terceiro vítima do evento equiparado ao passageiroconsumidor nos termos do art 17 do CDC CAVALIERI lembra ainda que em se tratando de transporte público explorado por concessionários ou permissionários do serviço a própria Constituição Federal em seu art 37 6º estabelece a responsabilidade sem culpa do transportador 198 Gostaríamos de registrar apenas o fato de que muitas vezes o próprio pedestre é o único responsável pelo evento fatídico Pesa reconhecer que a população exige do Poder Público a construção de passarelas sobre movimentadas rodovias e uma vez concluída a obra inúmeros transeuntes insistem de forma leviana e injustificável em arriscar as próprias vidas passando por baixo da construção Muitos demonstram inclusive certo prazer mórbido em se esquivar dos veículos Em tais casos desde que não haja concorrência de culpa do motorista entendemos que o pedestrevítima não terá direito a indenização alguma nem muito menos a sua família se o dano decorreu exclusivamente de sua atuação culposa por estar configurada uma excludente de responsabilidade civil genericamente disciplinada em nosso ordenamento jurídico Finalmente devese notar que a obrigação de transporte do passageiro implica a necessidade de se guardar o mesmo dever de cautela em face de sua bagagem e principalmente de se observar o itinerário proposto sob pena de o condutor ser responsabilizado Em relação à mudança de itinerário se esta se der por motivo de força maior o transportador não poderá ser responsabilizado nos termos do art 737 Imagine por exemplo que em uma viagem aérea o comandante da aeronave sua autoridade máxima decida alterar a rota por força de uma tempestade sendo forçado a pousar em uma cidade distante daquela traçada como destino no plano de voo Em tal hipótese não podemos pretender responsabilizar a companhia aérea em virtude de a medida haver sido tomada em atenção à incolumidade dos passageiros e da tripulação Por outro lado a pessoa transportada também deve sujeitarse às normas estabelecidas pelo transportador constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários abstendose de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros danifiquem o veículo ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço nos termos do art 738 evitando conduta incompatível com a saúde segurança e sossego dos outros passageiros Interessante mencionar que neste dispositivo o legislador previu um redutor indenizatório caso tenha havido culpa concorrente da própria vítima do evento Parágrafo único Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares o juiz reduzirá equitativamente a indenização na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano Tratase de uma aplicação específica da regra genérica sobre responsabilidade civil prevista no art 945 do CC2002 Art 945 Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso a sua indenização será fixada tendose em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano Cuidados especiais devem ser tomados ainda no que tange à admissão de alguns passageiros cuja situação pessoal possa pôr em risco a saúde ou a segurança dos demais O próprio Código Civil cuidou de estabelecer em seu art 739 uma regra aparentemente discriminatória mas que em verdade visa salvaguardar um interesse público superior Art 739 O transportador não pode recusar passageiros salvo os casos previstos nos regulamentos ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem grifos nossos A título apenas de exemplo lembrese de que passageiros portadores de doenças infectocontagiosas transmissíveis pelo ar não devem viajar em aparelhos utilizados por outras pessoas Tal medida visa à proteção dos usuários desses serviços de transporte Na mesma linha passageiros armados não podem ser admitidos em transportes de uso coletivo especialmente as aeronaves Em nossa opinião mesmo com o devido porte legal de arma ressalvada a hipótese de condução especial de preso ou missão especialmente autorizada a arma a critério do comandante autoridade máxima deve ser transportada desmuniciada em compartimento de carga Tais medidas afiguramse sobremaneira importantes nos dias que correm em que os atentados terroristas tornaramse comuns em alguns meios de transporte especialmente o aéreo em alguns Estados do mundo 5 TRANSPORTE GRATUITO Questão interessante amplamente discutida na doutrina e jurisprudência diz respeito ao denominado transporte gratuito Na mais restrita acepção do termo gratuito somente poderá ser considerado o transporte de mera cortesia ou seja a carona desinteressada por amizade ou outro sentimento íntimo Nesse sentido o art 736 do Código de 2002 sem correspondente no Código anterior Art 736 Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente por amizade ou cortesia Parágrafo único Não se considera gratuito o transporte quando embora feito sem remuneração o transportador auferir vantagens indiretas Pela dicção da norma podemos vislumbrar duas situações juridicamente distintas a o transporte propriamente gratuito ou de mera cortesia previsto no caput do artigo sob comento neste caso havendo acidente e dano causado ao tomador da carona entendemos dever ser aplicado o sistema de regras da responsabilidade aquiliana do Código Civil o que significa dizer que o juiz nos termos do art 186 deverá perquirir a culpa em sentido lato do condutor para efeito de lhe impor a obrigação de indenizar Não concordamos data vênia com o entendimento de que apenas o dolo ou a culpa grave autorizariam a obrigação de indenizar Súmula 145 do STJ sobretudo pelo fato de o Código Civil vigente não estabelecer esta restrição Ademais também negamos a natureza contratual da relação jurídica travada entre condutor e caronista pela idêntica razão de não encontrar respaldo legal Tratase pois a carona em si de um ato jurídico não negocial que se causar dano ao passageiro por má atuação do condutor poderá se converter em ato ilícito Exemplo passando pela rua um amigo pede carona Momentos depois o veículo tomba desgovernado com danos ao condutor e ao passageiro Neste caso o primeiro poderá ser responsabilizado se houver prova de haver atuado com dolo ou culpa art 186 do CC Notese que o art 736 do Código refere expressamente não serem aplicáveis as regras do contrato de transporte para esta hipótese b transporte interessado sem remuneração direta parágrafo único do artigo sob comento diferentemente neste caso o condutor posto não seja diretamente remunerado experimenta vantagem indireta à custa do conduzido Imagine por exemplo um representante de vendas que faz questão de levar o seu cliente até o seu stand Ocorrendo um abalroamento lesivo no caminho o transportador poderá ser responsabilizado segundo as regras de responsabilidade civil contratual inferidas do sistema de Defesa do Consumidor Tratase de um acidente de consumo gerador de responsabilidade civil objetiva Aliás uma vez que neste caso deverão ser aplicadas as regras do contrato de transporte cumprenos lembrar a incidência da cláusula de segurança impondo a obrigação de levar o passageiro ao seu destino são e salvo Veja portanto que em se tratando de transporte interessado a responsabilização do transportador é mais facilitada Finalmente é bom que se diga que o transporte clandestino não encontra amparo legal e qualquer acidente que venha a ocorrer em virtude desse tipo de transporte deverá ser juridicamente suportado pela vítima É o caso do sujeito que sofre grave lesão por adentrar sorrateiramente no compartimento de cargas de um navio Atuou com culpa exclusiva não cabendo direito a indenização Caso venha a falecer não poderão pelas mesmas razões expostas os seus familiares pleitear indenização De clareza meridiana e fácil intelecção é o art 741 do Código Civil que dispõe Art 741 Interrompendose a viagem por qualquer motivo alheio à vontade do transportador ainda que em consequência de evento imprevisível fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria ou com a anuência do passageiro por modalidade diferente à sua custa correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário durante a espera de novo transporte Tratase de comando normativo que traduz a obrigação de resultado derivada deste tipo de contrato Ainda que a viagem se frustre por motivo alheio à sua vontade deve o transportador contar com a logística necessária para a consumação do fim a que se propôs sob pena de responsabilidade É o que ocorre com frequência nos aeroportos do Brasil quando diante de atrasos ou cancelamentos de voo os passageiros são alocados em outras aeronaves ou recebem vouchers para estada em hotel aguardando acomodação Todo esse custo faz parte da atividade do transportador que não poderá repassálo ao usuário do serviço Por outro lado efetivado o transporte terá direito de retenção sobre a bagagem de passageiro e outros objetos pessoais deste para garantirse do pagamento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o percurso art 742 Tratase de direito contemplado na própria lei semelhante posto não idêntico por lhe faltar natureza real ao penhor legal previsto no art 1467 I do CC2002 199 Configura portanto uma modalidade de autodefesa de forma a garantir o adimplemento da contraprestação fixada na relação contratual estabelecida Vale destacar que o contrato de transporte de bagagens é acessório ao contrato de transporte de pessoas pois o viajante ao comprar a sua passagem assegura o direito de transportar consigo as suas malas ainda que se estabeleçam limites razoáveis para tal transporte 6 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRANSPORTE Além dos meios comuns de dissolução do contrato já exaustivamente analisados ao longo desta obra resolução resilição ou rescisão o contrato de transporte se extingue natural e simplesmente pela consumação da sua finalidade ou seja por meio da sua execução Todavia merece a nossa atenção o importante art 740 que em seu caput admite que o passageiro possa dissolver o contrato de transporte antes de iniciada a viagem sendolhe devida a restituição do valor da passagem desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada Não há um prazo mínimo estabelecido em lei para esta renegociação razão por que em face do silêncio do legislador entendemos que poderá ocorrer até antes do embarque Obviamente que não poderá se dar depois como se dá com o no show passageiro que sem prévio aviso não comparece ao seu embarque Admite outrossim o 1º que o passageiro possa desistir do transporte mesmo depois de iniciada a viagem sendolhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar pois se fosse dado ao transportador reter o valor da passagem caracterizaria enriquecimento ilícito Não terá entretanto direito ao reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado 2º Notese que nesta hipótese o passageiro não cuidou de desistir avisando ao transportador e ainda assim outra pessoa viajou em seu lugar caso em que terá direito ao reembolso Em conclusão dispõe o 3º nas hipóteses previstas neste artigo o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro a título de multa compensatória E aqui diante deste dispositivo de aplicação direta ao mercado de consumo por ausência de disposição igual ou semelhante no CDC perguntamos não deveria o transportador aéreo seguir esta norma Isso porque muitas vezes o reembolso do passageiro dáse mediante crédito de outro trecho aéreo o que nem sempre pode se afigurar justo ou até mesmo lhe interessar XXXVII SEGURO 1 CONCEITO Inicialmente cumprenos observar que a análise a ser empreendida neste capítulo diz respeito ao seguro de natureza contratual ou seja pactuado livremente entre segurado e segurador Preocupamonos em tecer este esclarecimento porque com o incremento tecnológico e a banalização cotidiana das situações de risco especialmente nas grandes cidades do mundo o seguro ganhou tamanha importância e tal é a necessidade social em face desse instituto que hoje tornouse difundido o seguro legal obrigatório de automóveis DPVAT sem mencionar a existência de um verdadeiro direito securitário regulador de certas relações travadas no âmbito da Previdência Social Por isso deve o profissional do direito redobrar a sua atenção quando fizer menção à palavra seguro pois em verdade dada a sua dimensão semântica multifacetada o mesmo significante pode conduzir a mais de um significado No entanto conforme dissemos acima considerando o propósito desta obra cuidaremos aqui simplesmente do contrato de seguro Conceitualmente podemos definilo como o negócio jurídico por meio do qual mediante o pagamento de um prêmio o segurado visando a tutelar interesse legítimo assegura o direito de ser indenizado pelo segurador em caso de consumação de riscos predeterminados Nesse sentido preceitua o caput do art 757 do Código Civil Art 757 Pelo contrato de seguro o segurador se obriga mediante o pagamento do prêmio a garantir interesse legítimo do segurado relativo a pessoa ou a coisa contra riscos predeterminados Visa pois o contrato de seguro a acautelar interesse do segurado em caso de sinistro obrigandose para tanto o segurador ao pagamento de uma indenização cujos critérios de mensuração são previamente estabelecidos pelas próprias partes Difícil imaginar a nossa vida moderna sem este contrato Afinal especialmente no atual cenário urbano o perigo nos acompanha em todos os momentos ao sairmos de casa e entrarmos no elevador do nosso prédio correndo o risco de este não estar no mesmo nível do piso perseguenos ainda quando vamos até a quadra vizinha pegar o nosso carro ou até mesmo quando pretendemos visitar o nosso amor em outra cidade de ônibus navio ou avião Em todos os momentos portanto o risco se faz presente e os seus contornos e matizes ficam cada vez mais nítidos em uma sociedade marcada pelo avanço tecnológico e pela imprevisão institucionalizada Por isso mesmo o pleno conhecimento das regras codificadas permite uma visão abrangente do tema mas nunca exaustiva uma vez que há uma enorme gama de seguros regidos por leis próprias o que é reconhecido pelo próprio diploma civil conforme se verifica do seu art 777 do CC2002 200 E dada a multiplicação incessante de situações de risco típico aspecto de uma sociedade de massa o seguro hoje concretizase principalmente por meio de contratos de adesão Por isso mesmo parecenos que antes de expressar a natureza jurídica e apontar as principais características deste contrato fazse mister tecer algumas rápidas palavras sobre seus princípios reguladores Vamos a eles 2 PRINCÍPIOS REGULADORES Mesmo reconhecendo que o contrato de seguro se instrumentaliza na esmagadora maioria das vezes como um contrato de adesão uma importante observação neste ponto urge ser feita Dois princípios fundamentais regem o contrato de seguro o princípio do mutualismo e o princípio da boafé O princípio da boafé traduz uma regra impositiva de eticidade na relação negocial derivada do contrato de seguro E isso significa não apenas que as partes devem conduzirse de maneira leal mas também que ao intérprete impõese na análise das cláusulas contratuais o dever de extrair as conclusões mais condizentes com este princípio Sem dúvida mais do que em qualquer outro contrato no seguro dada a sua vulnerabilidade diante de fraudes a confiança recíproca a boafé objetiva e subjetiva se faz obrigatória sob pena de total desvirtuamento jurídico da finalidade social de suas normas Lembranos nesse particular FRANÇOIS EWALD filósofo assistente de MICHEL FOUCAULT no Collège de France É interessante notar a propósito que esta ideia de confiança esta construção de si mesmo como tendo capacidade tendo possibilidade de viver em confiança esta relação entre alguém e os outros constitui um bem que é a condição de todos os outros bens Podemos dizer que a confiança é um bem soberano um bem primordial E conclui Assim localizado o seguro neste universo da confiança podemos nos questionar sobre quais são as instituições que nos permitem quais são as instituições por meio das quais dentro da nossa cultura procuramos obter este bem que é a confiança E em seguida neste belo trabalho o autor enumera quais seriam essas instituições a filosofia a ciência a religião asseverando que o seguro na história do ocidente como produtor de confiança encontra assento ao lado dessas grandes instituições 201 Posteriormente retornaremos ao estudo da confiança quando nos dedicarmos em tópico próprio ao estudo da boafé aplicada ao contrato de seguro 202 Já o mutualismo requer desde já esclarecimento de nossa parte para facilitar a compreensão conceitual do seguro O objeto desse contrato é como já comentado o risco transferido ao segurador com o propósito de resguardar interesse legítimo do segurado No entanto a viabilidade jurídica e econômica dessa atividade somente é possível em virtude da base mutuária do seguro ou seja da concorrência de um número mínimo de segurados que por meio de seus aportes financeiros garantem a solvabilidade do sistema Nesse sentido observa SÍLVIO VENOSA Tecnicamente só se torna possível quando o custeio é dividido entre muitas pessoas por número amplo de segurados Embora o contrato de seguro seja negócio jurídico isolado e autônomo entre segurador e segurado somente se torna viável se existe base mutuária para custeálo e um amplo número de segurados Cabem à ciência atuária o exame estatístico e o cálculo de seguros de determinado segmento social São feitos cálculos aproximados dos sinistros que ordinariamente ocorrem efetuandose complexos estudos de probabilidade O mutualismo constitui a base do seguro 203 Em outras palavras mediante sofisticados cálculos matemáticos a atividade securitária somente se torna viável se concorrer um número mínimo predeterminado de segurados levandose em conta nesta análise em especial o perfil socioeconômico de cada um Todavia se a base mutuária for deficitária ou insuficiente o sistema entrará em colapso Compreendida esta premissa analisemos a natureza jurídica do seguro 3 NATUREZA JURÍDICA O contrato de seguro aqui novamente entendido como a figura pactuada livremente entre segurado e segurador abstraídas portanto as modalidades de seguro obrigatório tem típica natureza negocial No entanto a liberdade volitiva característica de outros negócios pactuados entre partes iguais paritários aqui não é normalmente notada pois como já afirmado o seguro é concretizado nos dias de hoje na esmagadora maioria das vezes por meio da técnica de contratação em massa notoriamente conhecida como contrato de adesão Em tal técnica de formação no contrato de seguro não se tem pois ampla liberdade na estipulação do conteúdo do negócio uma vez que o segurado ao optar por determinada companhia de seguro e a esta opção basicamente está reservada a sua liberdade adere à proposta de contratar que lhe é apresentada sem a possibilidade de mudança de fundo das cláusulas contratuais Ou aceita ou não contrata E tamanha é a vulnerabilidade do segurado no momento desta contratação por conta da limitação em sua manifestação volitiva que atualmente é possível pactuarse o seguro simplesmente anuindo a uma cartilha apresentada formulário pela via impressa ou eletrônica ou até mesmo por telefone ou fax Em verdade consoante dissemos acima esta desoxigenação de sua autonomia negocial justificase pela própria necessidade social de contratação em massa impeditiva da celebração paritária de contratos deste matiz No entanto isso não significa obviamente a legitimação do abuso de poder econômico rechaçado pelo próprio sistema que cuidou de consagrar princípios supranegociais a exemplo da função social do contrato e da boafé objetiva insculpidos não apenas no Código Civil mas também no Código de Defesa do Consumidor e umbilicalmente conectados ao superior e matricial princípio da dignidade da pessoa humana com assento constitucional Em conclusão temos que é característica marcante do contrato de seguro a sua celebração por meio da técnica de adesão devidamente contida por superiores princípios de raiz constitucional e por normas de ordem pública visando a coibir o abuso de poder econômico Além disso nada impede o estabelecimento ainda que em situações excepcionais de modalidades personalizadas do contrato de seguro com discussão especializada de cláusulas o que deve elevar sobremaneira os valores exigidos como por exemplo artistas e esportistas que celebram contratos de seguro para partes de suas características físicas marcantes como voz pernas e até mesmo nádegas Compreendida e reafirmada a natureza contratual do seguro ainda que normalmente estipulado sob a técnica de adesão vale enunciar em separado suas demais características 4 CARACTERÍSTICAS Além da circunstância de o contrato de seguro ser estabelecido normalmente sob a modalidade de contrato de adesão outras características podem ser destacadas O seguro contrato típico e nominado é também contrato bilateral com obrigações para ambos os contratantes embora o sinalagma não se manifeste com tamanha nitidez consoante analisaremos em tópico posterior 204 É contrato oneroso pois ao benefício proporcionado corresponde um sacrifício patrimonial Embora tradicionalmente seja considerado aleatório pois visa a resguardar interesse jurídico do segurado que pode eventualmente vir a não sofrer dano algum pela não consumação do sinistro um importante esclarecimento deve ser feito esta incerteza prestacional diz respeito ao risco acontecimento incerto que pode não se concretizar e não à expectativa do recebimento do prêmio pelo segurador obrigação contratual imposta ao segurado Tratase de certa maneira de uma forma contratual que pode ser enquadrada juridicamente na modalidade emptio spei prevista no art 458 do CC2002 205 em que o contratante assume o risco de não vir a ganhar coisa alguma deixando à sorte propriamente dita o resultado da sua contratação Ademais esta álea de incerteza no pagamento da indenização em caso de sinistro não chega a gerar insegurança jurídica para a atividade securitária pois em virtude dos precisos cálculos atuariais que realiza o segurador tem em altíssima margem de acerto uma projeção antecipada do número de sinistros que ocorrerão em determinada localidade em certo período de tempo Cuidase pois nesse enfoque de uma atividade relativamente segura para o segurador Por outro lado a incerteza do pagamento da indenização no caso de sinistro é uma álea suportada com naturalidade pelo segurado uma vez que não é razoável imaginar que queira ele sofrer os danos contratualmente segurados Embora seja uma típica figura contratual aplicável em relações civis comerciais e consumeristas pode ser aplicada ao seguro a classificação de contrato evolutivo para se referir a figuras contratuais em que é estabelecida a equação financeira do contrato impondose a compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato pelo que este viria com cláusulas estáticas propriamente contratuais e outras dinâmicas impostas por lei Tratase de um contrato de duração com execução continuada pois se prolonga durante o tempo de vigência estabelecido pelas próprias partes admitindose a sua recondução tácita uma única vez nos termos do art 774 do CC2002 de clara intelecção Art 774 A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo mediante expressa cláusula contratual não poderá operar mais de uma vez 206 Notese outrossim que em alguns casos o contrato de seguro pode viger por longos anos a exemplo dos planos de saúde nada impedindo entretanto que em vez da recondução do mesmo contrato se possa pactuar novo acordo renovandoo como em nosso sentir deve se dar nos contratos de seguro de veículos caso em que estaríamos na verdade diante de uma recondução expressa Finalmente podemos afirmar que o contrato de seguro é eminentemente consensual pois se torna perfeito mediante a simples manifestação de vontade das partes por escrito formulário fax internet ou até mesmo oralmente por telefone Não há pois obrigatoriedade da forma pública como requisito de validade do contrato de seguro muito embora a sua redução a termo e a consequente emissão da apólice e do documento para pagamento do prêmio possam ser necessárias para efeito de prova do negócio em juízo Sobre tais aspectos vale mencionar os arts 758 e 759 do CC2002 Art 758 O contrato de seguro provase com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro e na falta deles por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio Art 759 A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco Esse efeito meramente ad probationem em nosso entender não tem o efeito de tornar o negócio formal ou solene uma vez que a própria parte final do primeiro dispositivo admite a sua prova na falta dos documentos próprios pelo documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio Quanto à pessoa do contratante parecenos que o seguro pode ser encarado como um contrato personalíssimo ou intuitu personae ou seja celebrado em função da sua figura que tem influência decisiva para o consentimento do outro Nessas circunstâncias mister se faz afirmar inclusive que a pessoa do contratante tornase um elemento causal do contrato Tal afirmação nos parece evidente em relação à figura do segurado Todavia em relação ao segurador tal característica de pessoalidade deve ser encarada com maior cuidado pois não nos parece razoável recusar a possibilidade de sucessão de empresas em tal polo desde que não haja prejuízo ao segurado Tratase por fim de um contrato individual por se referir a uma estipulação entre pessoas determinadas ainda que em número elevado mas consideradas individualmente O seguro como as demais figuras contratuais codificadas é um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais classificado pela função econômica em um contrato de prevenção de riscos caracterizado pela assunção de riscos por parte de um dos contratantes resguardando a possibilidade de dano futuro e eventual Por fim o seguro consiste em um contrato principal e definitivo uma vez que não depende de qualquer outra avença bem como não é preparatório de nenhum outro negócio jurídico 5 PARTES São partes necessárias no contrato de seguro o segurado e o segurador Eventualmente em algumas modalidades de seguro surge a figura do beneficiário Segurado é a pessoa física ou jurídica consumidora da prestação de serviço da companhia seguradora e que tem a precípua obrigação de pagarlhe uma obrigação pecuniária denominada prêmio visando a acautelar interesse legítimo seu Notese que o segurado é destinatário final da prestação do serviço securitário encartandose pois o vínculo que trava com a companhia no conceito de relação de consumo 207 razão por que eventuais lides deverão ser dirimidas pelas normas do Código de Defesa do Consumidor Prêmio conforme dissemos e diferentemente do que muitos imaginam é o valor devido e pago pelo segurado e não pelo segurador para que ele segurado tenha direito ao recebimento do valor indenizatório do seguro O segurador por sua vez é necessariamente pessoa jurídica sob a forma de sociedade anônima cooperativa ou sociedade mútua devidamente autorizada pelo Poder Executivo 208 Tratase portanto de uma pessoa jurídica que para ter existência legal e validamente funcionar exige além do registro público autorização específica do governo sob pena de se reputar inexistente a sua constituição Vale destacar outrossim que na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi aprovado o Enunciado n 185 estabelecendo Art 757 A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua caracterizados pela autogestão É o segurador quem assume o risco obrigandose ao pagamento de indenização ao segurado em caso de consumação do sinistro Interessante notar que SÍLVIO DE SALVO VENOSA entende não existir no seguro propriamente indenização mas sim contraprestação contratual Ou seja conclui o autor o segurador não indeniza quando ocorre um fato ou ato danoso apenas cumpre o que lhe toca pela avença contratual Ainda não é da essência do contrato de seguro que todo o prejuízo seja ressarcido porque em princípio o segurador comprometese a pagar apenas o valor segurado 209 Ousamos divergir ao menos em parte do ilustrado jurista De fato a obrigação do segurador tem natureza contratual em tese limitada pelos termos do contrato mas tal circunstância não elide a sua natureza indenizatória especialmente porque a sua atividade pressupõe exatamente a transferência do risco de dano a ser eventualmente experimentado pelo segurado que busca no seguro a garantia de compensação em caso de ocorrência do sinistro E tanto isso é verdade que por se tratar de obrigação essencialmente compensatória é vedado ao segurador por exemplo no seguro de dano a ser analisado abaixo contratar valor que supere o interesse do segurado no momento da conclusão do contrato art 778 do CC2002 Temos pois que em geral não se lhe pode negar essa natureza compensatória mitigada em alguns casos especiais de seguro a exemplo do seguro de vida 210 Pode concorrer ainda neste cenário jurídico a figura do beneficiário do seguro O beneficiário não é tecnicamente parte mas sim um terceiro que experimenta efeitos patrimoniais favoráveis decorrentes do contrato de seguro É o que ocorre por exemplo no seguro de vida pactuado por Bomfim com o Banco RPF em que se indicou como pessoa favorecida em caso de morte seu filho Bomfim Jr Observese que este último posto não seja parte no contrato de seguro beneficiase patrimonialmente por fazer jus ao recebimento da indenização devida Tratase como se pode notar de uma estipulação em favor de terceiro Situação próxima da estipulação em favor de terceiro mas que com ela não se confunde é o seguro por conta de outrem sobre o qual escreveu PEDRO ALVIM Não se trata de uma estipulação a favor de terceiro da natureza daquela que ocorre no seguro de vida onde o segurado dispõe livremente sobre o beneficiário do contrato Os riscos transferidos ao segurador neste caso incidem sobre o estipulante Contrata um negócio seu com o segurador ao passo que no seguro por conta de quem pertencer o risco pesa não sobre o próprio estipulante mas sobre interesses de outrem Interfere pois o contratante em negócio que não afeta seu patrimônio ou sua pessoa E exemplifica Um exemplo ajuda esclarecer melhor a questão A mercadoria é despachada com destino a um armazém geral onde deverá ser negociada posteriormente O embarcador faz então o seguro dos riscos que podem ocorrer a favor de quem pertencer 211 Dispõe pois neste ponto a respeito desta peculiar figura o art 767 do Código Civil de 2002 Art 767 No seguro à conta de outrem o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante por descumprimento das normas de conclusão do contrato ou de pagamento do prêmio Norma clara que visa a evitar que esta modalidade negocial prejudique o segurador Em conclusão embora não faça parte da relação contratual cumprenos lembrar que atua junto às companhias seguradoras fiscalizandoas a Superintendência de Seguros Privados SUSEP Outra importante entidade que deve ser aqui mencionada é o Instituto de Resseguros do Brasil IRB 212 Nesse mesmo período foi criado em 1939 o Instituto de Resseguros do Brasil IRB através do Decretolei n 1186 de 3 de abril de 1939 As sociedades seguradoras ficaram obrigadas desde então a ressegurar no IRB as responsabilidades que excedessem sua capacidade de retenção própria que através da retrocessão passou a compartilhar o risco com as sociedades seguradoras em operação no Brasil Com esta medida o Governo Federal procurou evitar que grande parte das divisas fosse consumida com a remessa para o exterior de importâncias vultosas relativas a prêmios de resseguros em companhias estrangeiras O IRB adotou desde o início de suas operações duas providências eficazes visando criar condições de competitividade para o aparecimento e o desenvolvimento de seguradoras de capital brasileiro o estabelecimento de baixos limites de retenção e a criação do chamado excedente único Através da adoção de baixos limites de retenção e do mecanismo do excedente único empresas pouco capitalizadas e menos instrumentadas tecnicamente como era o caso das empresas de capital nacional passaram a ter condições de concorrer com as seguradoras estrangeiras uma vez que tinham assegurada a automaticidade da cobertura de resseguro 213 O resseguro portanto confere maior segurança ao sistema pois permite o compartilhamento do risco com o ressegurador é como se a seguradora fizesse o seu próprio seguro Mas não devemos confundilo com a retrocessão lembra com habitual sabedoria SÍLVIO VENOSA a retrocessão por sua vez é a operação pela qual o ressegurador coloca seus excedentes junto ao outros seguradores no mercado interno ou externo salientando ainda a crítica feita por PONTES DE MIRANDA no sentido de ser mais técnico falarse em retrosseguro pois se trata de novo resseguro que faz o ressegurador 214 6 OBJETO DO SEGURO O RISCO O que se entende por risco AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA conhecido estudioso da língua portuguesa define o risco em uma das suas acepções como o perigo mais possível do que provável 215 E como dissemos acima em uma sociedade notadamente violenta como a nossa a assunção do risco tornouse uma atividade extremamente rentável uma vez que monopolizada apenas por grandes corporações Comentando o recrudescimento do risco na atualidade o que serviria até mesmo de base à teoria da responsabilidade objetiva pontifica CALMON DE PASSOS Sobre esse estado de coisas Niklas Luhmann e Raffaele de Giorgi em trabalho intitulado de Lanalisi e lo studio del rischio nelle società complesse afirmam poder este tema ser objeto de pesquisa sociológica e de pesquisa orientada para uma teoria da sociedade tal sua relevância Lembram caber às ciências sociais a tarefa de fornecer análises que tornem possível uma compreensão das condições de vida da sociedade contemporânea O horizonte de percepção desta sociedade esclarecem é caracterizado por uma crescente possibilidade de decisão E se entendermos perigo como a probabilidade de um evento futuro danoso resultante do que pode ser imputado a algo externo colocado fora do poder de opção do agente será possível falarse de risco quando um dano qualquer que seja for passível de ser entendido como consequência de uma decisão seja ela imputável ao agente ou atribuível a um outro que não ele Nesses termos a sociedade contemporânea caracterizase pela diminuição do perigo e incremento do risco A ciência a tecnologia a economia de nossos dias contribuíram para a redução do perigo A previsibilidade e o controle que a tecnologia já permite no tocante aos acontecimentos externos autorizam esta conclusão O que é danoso por determinação externa se tornou altamente previsível e controlável graças aos avanços da ciência Contudo na medida em que se tornam evidentes e mais numerosas as possibilidades de decisão em relação a comportamentos ou na medida em que podem se tornar visíveis as possibilidades das quais depende a ocorrência de danos futuros efetivos impõese a tematização dos riscos O horizonte do futuro se retrai a sua prospectiva se desloca do âmbito do perigo para o âmbito do risco Os riscos agora estão estreitamente relacionados ao desenvolvimento da própria sociedade ao desenvolvimento da ciência da tecnologia da medicina da política e em geral às transformações da estrutura nas quais se torna possível a comunicação social Em suma concluem o risco se fez integrante do próprio modo de ser da sociedade contemporânea 216 É nesse contexto portanto que ganhou importância ao longo do século XX a atuação das companhias de seguro no Brasil e no mundo o que exigiu por parte do nosso legislador uma exaustiva regulamentação e cujo mais recente diploma de grande envergadura é exatamente o Código Civil de 2002 Tamanha é a dimensão do risco que no contrato de seguro se por um lado a generalidade das situações autorizadoras de sua aplicação implica um perigo de dano pode acontecer que o segurador seja chamado a indenizar em face da superveniência apenas de uma circunstância futura incerta e especial a exemplo da sobrevivência no seguro de vida Ao definir o seguro em seu art 757 o Código Civil estabelece que a finalidade do negócio ou seja a sua causa é garantir um interesse legítimo do segurado em caso de consumação da situação de risco Nessa linha podem ser objeto deste contrato inúmeros interesses jurídicos tutelados de cunho material casa apartamento avião satélite joias etc ou moral vida imagem honra etc 217 Antes de avançarmos neste ponto é preciso deixar claro que se a causa do negócio for ilícita deve ser reconhecida a sua nulidade absoluta art 166 III do CC2002 e art 51 IV e XV do CDC por afronta ao princípio da função social do contrato 218 E com vistas à preservação da função social do contrato estabelece o art 762 do CC2002 219 a nulidade absoluta do contrato de seguro pactuado para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado do beneficiário ou de representante de um ou de outro Tratase de norma que em nosso sentir é de clareza meridiana não se pode conceber contrato de seguro que vise a acobertar um comportamento ilícito intencional do segurado do beneficiário ou do representante de qualquer destes pois isso afrontaria o princípio ético nas relações negociais Imagine se por exemplo a absurda hipótese de uma quadrilha contratar seguro de um carregamento contrabandeado ou de um lote de drogas Impensável Por isso corretamente veda o legislador a contratação nesses termos Mas observe o nosso estimado leitor que a vedação aplicase apenas aos ilícitos dolosos cometidos pelas pessoas ali elencadas e não aos meramente culposos Assim a análise do elemento subjetivo culpabilidade é indispensável no caso concreto para se poder concluir pela aplicabilidade ou não da norma proibitiva No entanto o bom senso do julgador deve servir de bússola a orientar a adoção da melhor providência no caso concreto impondo maior cautela em situações que evidenciem maior gravidade Assim se o segurado por exemplo assumindo o risco danoso do seu próprio comportamento realiza um racha embriagado e culmina por danificar todo o seu veículo não consideramos justo o pagamento de indenização sendo defensável inclusive sustentarse na hipótese aventada a tese do dolo eventual O dolo eventual em nosso sentir portanto afasta o recebimento do valor do seguro nos termos do referido art 762 No que tange ao segurador outra importante regra ética é estabelecida pelo art 773 do CC2002 Art 773 O segurador que ao tempo do contrato sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir e não obstante expede a apólice pagará em dobro o prêmio estipulado Este dispositivo guarda íntima conexão com o princípio da boafé adiante estudado Ora inexistente a situação de perigo de dano forçoso convir que o contrato de seguro carece de objeto devendo ser considerado portanto não simplesmente nulo mas inexistente Como se sabe todo negócio jurídico pressupõe a existência de um objeto utilidade física ou ideal em razão do qual giram os interesses das partes Assim por exemplo se a intenção é celebrar um contrato de mútuo a manifestação da vontade deverá recair sobre coisa fungível sem a qual o negócio simplesmente não se concretizará Da mesma forma em um contrato de prestação de serviços a atividade do devedor em benefício do tomador prestação é o objeto da avença No caso do seguro nesse mesmo diapasão caso o risco elemento constitutivo do contrato não exista ao tempo da celebração da avença o negócio é inexistente motivo pelo qual como uma sanção tarifada estabeleceu a codificação civil a obrigação de o segurador pagar em dobro o prêmio estipulado o que tem natureza jurídica indenizatória Por tais razões sancionando este comportamento antiético estabeleceu o legislador no dispositivo sob comento que o segurador devesse pagar em dobro o prêmio estipulado com o fito de assim indenizar o segurado Entendemos outrossim que não tendo havido previsão legal de indenização suplementar esta somente será possível em caráter excepcional se o segurado e é dele o ônus da prova neste caso demonstrar lesão patrimonial ou moral superior ao valor em dobro que lhe será pago 7 A BOAFÉ E O CONTRATO DE SEGURO O contrato de seguro é instituto jurídico que sobrevive oxigenado pela boafé quer seja na sua dimensão subjetiva individualpsicológica de cada parte atuando sem malícia ou torpeza quer seja na sua dimensão objetiva pela incidência da regra ética comportamental de orientação hermenêutica e constitutiva de deveres de proteção Mais do que qualquer outra figura contratual por sua vulnerabilidade a fraudes o seguro exige a observância da ética negocial sob pena do desvirtuamento da sua própria finalidade conforme se depreende do art 765 do CC2002 in verbis Art 765 O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato a mais estrita boafé e veracidade tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes A única ressalva que fazemos a este dispositivo é no sentido de que antes da celebração da avença e mesmo após a sua consumação a boafé deve ser preservada para evitar comportamentos desleais a exemplo do segurador que previamente à apresentação dos termos do contrato anuncia coberturas inexistentes violação à boafé précontratual ou que após a vigência do negócio divulga dados e informações dos segurados para outras empresas violação à boafé póscontratual Justificase nesses termos a responsabilidade civil do transgressor que também poderia ser o segurado caso a conduta desleal fosse sua em situações outras correlatas Em suma a violação da boafé no contrato de seguro traduz a sua ineficácia jurídica com a consequente imposição de responsabilidade civil e possivelmente criminal do infrator Imaginese por exemplo o furto simulado de um automóvel ou o incêndio criminoso de um armazém visando ao recebimento do valor do seguro Em todas essas situações afastada a boafé o direito brasileiro repele a pretensão do segurado E exatamente visando a preservar a boafé nas relações travadas entre segurador e segurado como também com o eventual beneficiário o Código Penal tipifica como crime a fraude para recebimento do seguro Estelionato Art 171 Obter para si ou para outrem vantagem ilícita em prejuízo alheio induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício ardil ou qualquer outro meio fraudulento Pena reclusão de um a cinco anos e multa 1º Se o criminoso é primário e é de pequeno valor o prejuízo o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art 155 2º 2º Nas mesmas penas incorre quem Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro V destrói total ou parcialmente ou oculta coisa própria ou lesa o próprio corpo ou a saúde ou agrava as consequências da lesão ou doença com o intuito de haver indenização ou valor de seguro Outro importante aspecto no estudo da boafé aplicada ao contrato de seguro diz respeito ao descumprimento do dever de informação por meio da omissão ou inexatidão das informações prestadas pelo segurado razão pela qual sugerimos a redobrada atenção quando do preenchimento de questionários apresentados pelas seguradoras Sobre tais declarações estabelece o art 766 do CC2002 Art 766 Se o segurado por si ou por seu representante fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio perderá o direito à garantia além de ficar obrigado ao prêmio vencido Parágrafo único Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má fé do segurado o segurador terá direito a resolver o contrato ou a cobrar mesmo após o sinistro a diferença do prêmio Interessante mencionar neste ponto que é posição tradicional da jurisprudência brasileira o reconhecimento da eficácia do contrato de seguro caso o segurado não tenha intencionalmente prestado informação inexata ou se omitido conforme podemos notar na leitura deste antigo julgado do Supremo Tribunal Federal É válido o contrato de seguro quando a omissão verificada nas informações prévias do segurado não tiver sido intencional ou de mafé Natureza jurídica do Instituto de Resseguros do Brasil STF RE 47410 Recurso Extraordinário relator Min Victor Nunes julgado em 551961 2ª Turma E nos dias de hoje ainda é defensável este entendimento ao interpretarmos o parágrafo único do art 766 caso o segurador detecte a omissão ou inexatidão comprovadamente culposa na informação do segurado poderá resolver o contrato ou cobrar mesmo após o sinistro a diferença do prêmio Nessa linha de intelecção concluímos que se o evento previsto no contrato houver se consumado risco demonstrada a atuação meramente culposa do segurado a indenização será devida mediante claro o pagamento de todo o prêmio estipulado Em conclusão ainda tratando da boafé cumprenos mencionar o art 768 do Código Civil Art 768 O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato Tratase indiscutivelmente de comportamento que vulnera gravemente a lealdade contratual caracterizando abuso de direito por parte do segurado Por exemplo contratado o seguro de danos de uma casa o seu dono deixa expostos fios elétricos facilitando a ocorrência do sinistro Ou como bem ilustra SÍLVIO VENOSA Em um seguro que garanta contra o furto de veículo por exemplo agrava o risco o fato de o proprietário ou possuidor deixar a chave no contato ou expor a coisa segurada a risco desnecessário estacionando o veículo em local ermo e mal visitado É posição do STJ que a culpa há de ser direta do segurado não podendo prejudicálo nesse caso a culpa do preposto Exigese que o contratante do seguro tenha diretamente agido de forma a aumentar o risco Fiuza 2002695 220 8 APÓLICE A apólice não se confunde com o contrato de seguro O contrato é o negócio a avença o acordo de vontades entre segurado e segurador e que em geral tem as suas normas previstas em um instrumento impresso fornecido pelo segurador com inúmeras cláusulas e advertências A apólice tem dimensão menor tratase simplesmente do instrumento que consubstancia e descreve os limites de incidência do seguro pactuado Por meio da apólice portanto descrevese o risco e delimitase o período de vigência do seguro em dias e horas visando com isso a tornar clara e precisa a assunção do risco pelo segurador permitindo em contrapartida ao segurado ter a exata noção da abrangência do seu direito Tamanha é a sua importância que serve inclusive de prova do contrato de seguro na forma do já transcrito art 758 do CC2002 221 o que não quer dizer logicamente que o seu não recebimento implique em negativa de cobertura do risco Isso porque é muito comum pactuarse o contrato de seguro com vigência imediata relegandose o envio da apólice para momento posterior Mas uma vez enviada e recebida é importante meio de prova do contrato Interessante mencionar a respeito desta função probatória da apólice entendemos que a sua ausência não impede a comprovação do contrato por outros meios o que reforça a nossa afirmação de que o contrato de seguro é não solene Precede a emissão da apólice proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco a teor do já mencionado art 759 do Código Civil Lembranos nesse ponto TREPAT CASES com amparo no Decreto n 6054967 que regulamenta o Decretolei n 7366 Antecede à apólice proposta encaminhada pelo corretor ou pelo segurado pelo último assinada que conterá os dados já enumerados que farão parte do documento final Uma vez aceita a proposta será emitida a apólice propriamente dita em prazo não superior a 15 quinze dias 222 Interessante notar que alguns contratos podem ser celebrados com dispensa da apólice emitindose documento mais simples denominado bilhete de seguro a teor do art 10 do DecLei n 7366 cuja dicção é Art 10 É autorizada a contratação de seguros por simples emissão de bilhete de seguro mediante solicitação verbal do interessado 1º O CNSP regulamentará os casos previstos neste artigo padronizando as cláusulas e os impressos necessários 2º Não se aplicam a tais seguros as disposições do artigo 1433 do Código Civil 223 É o caso por exemplo do seguro obrigatório de veículos em que não há emissão de apólice mas sim de simples bilhete Sobre o bilhete de seguro pontifica PEDRO ALVIM Reduz ao mínimo os elementos do contrato Suas condições são todas impressas e inalteráveis Figuram no próprio bilhete Obedece a um padrão que nivela todos os segurados na mesma posição Essa peculiaridade do bilhete limita seu campo de aplicação Só serve para os ramos de seguro que se prestam à massificação através de uma coberturatipo com as mesmas condições para todos os segurados 224 Mas é de notar que em geral os contratos de seguro dada a complexidade das relações que formam culminam por exigir a emissão de apólice documento este que não experimenta as mesmas limitações do bilhete Quanto à forma de emissão a apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos à ordem ou ao portador e mencionarão os riscos assumidos o início e o fim de sua validade o limite da garantia e o prêmio devido e quando for o caso o nome do segurado e o do beneficiário art 760 do CC2002 225 No seguro de pessoas a exemplo do seguro de vida a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador Lembranos ainda CARLOS ROBERTO GONÇALVES que as apólices nominativas podem ser transferidas mediante cessão civil e as à ordem por endosso Naquelas alienada a coisa que se ache no seguro transferese ao adquirente o contrato pelo prazo que ainda faltar 226 Finalmente cumprenos registrar que a apólice também serve como importante instrumento de interpretação dos termos do contrato de seguro não podendo por óbvio consignar cláusula que afronte norma legal 9 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES Ao longo de todo este capítulo fizemos menção às obrigações e direitos de ambas as partes Neste tópico cuidaremos de sistematizar as mais importantes normas pertinentes ao tema constantes nas disposições gerais do contrato de seguro complementando esse rol de direitos e obrigações à medida que formos avançando no estudo de cada espécie de seguro prevista no Código Civil A precípua obrigação do segurado sem sombra de dúvida é a de pagar o prêmio nos termos do contrato Tratase da remuneração do segurador devida em dinheiro pelo segurado ainda que não se concretize o risco Tamanha é a sua importância que reservamos o próximo tópico apenas para a sua análise Em contrapartida em se consumando o sinistro ou em casos especiais como no seguro de vida com o alcance da idade limite deverá o segurador efetuar o pagamento da contraprestação devida Essa é pois a base obrigacional do contrato de seguro prêmio indenização contraprestação O pagamento dessa indenização devida ao segurado deve em princípio ser efetuado em dinheiro a teor do art 776 do CC2002 Art 776 O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido salvo se convencionada a reposição da coisa Em havendo mora a prestação indenizatória devida será monetariamente atualizada segundo os índices oficiais estabelecidos sem prejuízo dos juros moratórios art 772 do CC2002 227 Além disso podemos destacar também o dever imposto a ambas as partes já estudado em tópico anterior de observar atentamente o princípio da boafé evitando situações de fraude que ponham em risco a própria atividade securitária Nesse contexto ainda em respeito ao princípio da boafé vale lembrar que o segurado é obrigado a comunicar ao segurador logo que saiba todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto sob pena de perder o direito à garantia se provar que silenciou de máfé art 769 do CC2002 228 Imaginese por exemplo que em um transporte marítimo de carga o segurado tomou ciência de grave avaria na embarcação durante o trajeto pondo em risco o objeto segurado não tendo feito a devida comunicação ao segurador Nesse caso ocorrendo o agravamento do risco não derivado de culpa do segurado o segurador poderá resolver o contrato resolução fortuita desde que o faça por escrito no prazo decadencial de quinze dias seguintes ao recebimento do aviso do incremento do risco 1º A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio 2º Ainda na linha de respeito ao princípio da eticidade dispõe o art 771 do CC2002 que sob pena de perder o direito à indenização o segurado participará o sinistro ao segurador logo que o saiba e tomará as providências imediatas para minorarlhe as consequências a exemplo da imperiosa medida de comunicação à autoridade policial correndo à conta do segurador até o limite fixado no contrato as despesas de salvamento consequente ao sinistro Impõese por ora a análise em separado da principal obrigação assumida pelo segurado o pagamento do prêmio 10 PRÊMIO Na linguagem coloquial a primeira acepção da palavra prêmio é sempre no sentido da outorga de um benefício pelo alcance de uma meta Todavia no contrato de seguro a expressão tem conteúdo bem distinto Denominase prêmio o valor que o segurado deve pagar à seguradora visando à cobertura do risco O prêmio deve ser pago por inteiro independentemente de haver se consumado o risco É a previsão expressa do art 764 do CC2002 Art 764 Salvo disposição especial o fato de se não ter verificado o risco em previsão do qual se faz o seguro não exime o segurado de pagar o prêmio Vale dizer não existe propriamente um sinalagma direto e necessário ou seja um nexo causal entre a prestação consistente no pagamento do prêmio e o pagamento da indenização devida pelo segurador O segurado pode portanto passar a vida inteira apenas pagando os valores devidos sem nunca perceber indenização alguma por conta da ausência de concretização do risco e dará graças a Deus por isso É totalmente diferente note o nosso amigo leitor do contrato de compra e venda em que as prestações estão unidas por um vínculo sinalagmático necessário o comprador somente paga porque recebe a coisa o vendedor somente dá a coisa porque recebe o preço Interessante notar ainda que o prêmio pode ser pago antes do início da vigência do seguro caso em que em geral pagando à vista o segurado obtém desconto ou o que é mais comum facilidade oferecida pelas seguradoras por conta da concorrência entre as mesmas o pagamento do prêmio é feito em parcelas durante a vigência do contrato No entanto caso o segurador permita o pagamento da primeira parcela após a concessão de prazo 30 dias p ex poderá segundo o princípio da autonomia privada estipular a vigência imediata do seguro muito embora se admita também o contrário ou seja a vigência condicionada ao pagamento do prêmio Nesse sentido também é a doutrina de VENOSA a respeito do prêmio Pode ser pago antes da vigência do seguro ou solvido a prazo durante o período de vigência No entanto o seguro só vigerá a partir do pagamento do prêmio embora o termo inicial apontado na apólice possa ser anterior Tratase de norma expressa art 12 do DecretoLei 7366 que visa garantir ao segurado o recebimento do prêmio 229 Outra conclusão a que podemos chegar sem muito esforço é no sentido de que mesmo ainda não formalmente acatada a proposta se o segurador recebeu o valor correspondente ao prêmio deve cumprir as obrigações decorrentes do seguro Finalmente vale lembrar que salvo disposição em contrário a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado mas se a redução do risco for considerável o segurado poderá exigir a revisão do prêmio ou a resolução do contrato art 770 do CC2002 Nesse diapasão impõesenos uma pergunta o que se entende por diminuição do risco No dizer de TREPAT CASES Diminuição do risco é toda e qualquer providência tomada pela seguradora que traz como consequência imediata a redução do risco em virtude de desativação ou exclusão de locais cobertos bem como da melhoria da proteção dada ao objeto do seguro 230 Em outras palavras traduz a redução da probabilidade de dano razão por que em consequência o valor do prêmio deverá sofrer a diminuição correspondente podendo resultar em alguns casos até mesmo na resolução do contrato Exemplo típico é a instalação de mecanismos rastreadores de veículos por satélite que fazendo recuar a margem de incidência de assaltos resulta no pagamento de prêmio consideravelmente menor Por outro lado imaginese agora que por razão de ordem pública pesquisa p ex um determinado objeto segurado um armamento antigo houvesse sido emprestado ao Exército por prazo indeterminado Permanecerá assim em um quartel reduzindo quase a zero a probabilidade de desaparecimento ou destruição da coisa Em tal caso é razoável não a simples revisão do prêmio mas sim a resolução do próprio contrato Delicada questão gira em torno do atraso no pagamento do prêmio Isso porque nos estritos termos da legislação vigente adotandose uma interpretação literal a mora por parte do segurado ainda que seja de um único dia implica a perda total do direito à indenização o que se não nos afigura justo Nesse sentido o art 763 do Código Civil Art 763 Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio se ocorrer o sinistro antes de sua purgação A nosso ver a rigidez desta norma rompe com o princípio da razoabilidade pois o pagamento mesmo tardio com as naturais consequências derivadas da mora pagamento de juros multa etc permite supor o restabelecimento do equilíbrio contratual projetado ab initio pelo segurado e pelo segurador E em assim sendo a perda de todo o valor do seguro é inteiramente desarrazoada Nessa mesma linha de pensamento assevera RUY ROSADO DE AGUIAR JR Pode assim acontecer que em contrato de seguro cujo prêmio tenha sido pago durante muitos anos a mora de um dia determinará a perda da indenização Não vejo nenhuma razão para que não se permita a purgação da mora ainda depois do sinistro quando for o caso de cumprimento substancial do contrato 231 De fato é o caso de se reconhecer o adimplemento substancial na hipótese vertente quando a prestação uma vez não cumprida conforme originalmente pactuado é adimplida a posteriori satisfazendo plenamente o interesse do credor Sobre esta doutrina observa ELISSANE OMAIRI Ocorre o adimplemento substancial quando a prestação for essencialmente cumprida e assim os interesses pretendidos pelo credor serão satisfeitos Nessa situação o instituto resolutório é afastado em virtude do proveito da prestação pelo credor e também os efeitos produzidos pela resolução seriam injustos Adimplemento substancial na visão de Clóvis do COUTO E SILVA é um adimplemento tão próximo do resultado final que tendose em vista a conduta das partes excluise o direito de resolução permitindo tão somente o pedido de indenização Já Anelise BECKER esclarece que o adimplemento substancial consiste em um resultado tão próximo do almejado que não chega a abalar a reciprocidade o sinalagma das prestações correspectivas Por isso mantémse o contrato concedendose ao credor direito a ser ressarcido pelos defeitos da prestação porque o prejuízo ainda que secundário se existe deve ser reparado 232 Ora o pagamento posterior não pode traduzir a resolução da avença mormente por considerarmos que o interesse que o credor segurador persegue é plenamente atendido impondose o respeito ao que se pactuou originariamente Aliás observando a aplicação desta teoria aos contratos de seguro anota MARCO ANTÔNIO SCARPASSA O primeiro deles é o princípio da conservação do negócio jurídico segundo o qual se deve procurar conservar o máximo do negócio realizado pelas partes Para melhor esclarecimento nos valemos das valiosas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo responsável pelo ensinamento de que o princípio da conservação consiste pois em se procurar salvar tudo que é possível num negócio jurídico concreto tanto no plano da existência quanto da validade quanto da eficácia O princípio da conservação portanto é a consequência necessária do fato de o ordenamento jurídico ao admitir a categoria negócio jurídico estar implicitamente reconhecendo a utilidade de cada negócio jurídico O segundo princípio é o do adimplemento substancial cuja aplicação em nosso direito é inconteste conforme Araken de Assis a hipótese estrita de adimplemento substancial descumprimento de parte mínima equivale no direito brasileiro grosso modo ao adimplemento chamado de insatisfatório ao invés de infração a deveres secundários existe discrepância qualitativa e irrelevante na conduta do obrigado Em tais termos a solução do problema se acomoda ao regime usual e comum O juiz avaliará a existência ou não da utilidade da prestação segundo determina o art 395 parágrafo único do CC2002 233 Com isso queremos dizer que com a mora não se pode imediatamente considerar cancelada a apólice e extinto o seguro negandose ao segurado o direito à indenização devida em caso de sinistro abatendose é claro a parcela em atraso Deve sim o segurador cuidar de comunicar o segurado interpelandoo judicial ou extrajudicialmente dandoselhe ciência de que a sua mora implicará o cancelamento do contrato para só assim respeitado o dever de informação decorrente do princípio da boafé objetiva considerar extinto o contrato Por tudo isso forçoso convir que a simples mora não resulta na negativa do pagamento da indenização senão quando efetivamente extinto o contrato após a devida ciência do segurado em respeito ao já mencionado princípio da boafé objetiva E tão importante é a ciência do segurado por conta da perda da cobertura ajustada que simples cláusula constante na apólice permitindo o cancelamento automático não serve em nosso entender para afastar a necessidade de comunicação formal se for constatada a mora Finalmente especificamente no que tange ao seguro obrigatório é bom lembrar que a falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres DPVAT não é motivo para a recusa do pagamento da indenização nos termos da Súmula 257 do STJ 234 11 AGENTE AUTORIZADO DO SEGURADOR O CORRETOR DE SEGUROS Inovando o Código Civil de 2002 cuidou de regular a responsabilidade do segurador por ato do seu agente autorizado o corretor de seguros E já não era sem tempo Em geral quando pactuamos o seguro não lidamos diretamente com prepostos ou empregados da companhia de seguro mas sim com os profissionais legalmente habilitados e autorizados para o exercício deste tipo de atividade O simpático corretor procura visita liga envia mensagem eletrônica carta pelo correio apresenta a proposta convence enfim seduz o segurado a pactuar o contrato com esta ou aquela companhia seguradora orientandoo inclusive quanto à maneira de responder o nem sempre fácil questionário de risco Por tudo isso é natural e lógico que o segurador havendo atuação danosa do corretor responda por ele em face do segurado prejudicado Nesse sentido estabeleceu o art 775 do CC2002 Art 775 Os agentes autorizados do segurador presumemse seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem Tratase de responsabilidade por ato de terceiro de natureza objetiva por estar inserida em uma relação de consumo facultandose à seguradora por óbvio ingressar a posteriori com ação regressiva em face do agente causador do dano Nessa mesma linha por uma informação equivocada prestada pelo agente autorizado por ocasião das respostas ao questionário apresentado ao segurado deve responder a companhia caso não prove a máfé do contratante E caso haja o descredenciamento de seu corretor deve a companhia cuidar de comunicar ao segurado que era assistido pelo agente descredenciado por imperativo da boafé e para evitar também eventual responsabilidade civil por aplicação da teoria da aparência Por tudo isso entendemos que as companhias seguradoras devem redobrar a sua cautela não apenas no credenciamento mas especialmente na fiscalização que se deve exercer sobre o corretor de seguros pois como vimos acima por disposição expressa de lei assume regra geral a responsabilidade civil pelos seus atos 12 ESPÉCIES DE SEGURO SEGURO DE DANO E SEGURO DE PESSOA Fundamentalmente temos duas espécies de seguro o seguro de dano e o seguro de pessoa O primeiro tem por objeto a assunção do risco de prejuízo a interesse material do segurado impondo se mediante recebimento do prêmio ao segurador o dever de pagarlhe indenização Aqui portanto a natureza compensatória da prestação contratual assumida pela companhia de seguro é mais nítida traduzindose como a sua mais notável característica Já o segundo tipo de seguro desdobrase em seguro de vida e de acidentes pessoais Tratase de modalidades negociais especiais que escapam em verdade da natureza compensatória dos seguros em geral consistindo em obrigações especiais que visam a acautelar bens extrapatrimoniais insuscetíveis de valoração a integridade física e a vida Estão pois fortemente ligados aos direitos da personalidade o que exigiu por parte do legislador tratamento específico Abordemos então separadamente estas duas espécies de seguro destrinchando as suas principais características 121 Seguro de dano De início cumprenos anotar que o seguro de dano tanto pode servir para cobrir o prejuízo sofrido pelo segurado como também aquele que ele causa a terceiro quer seja de natureza material quer seja de natureza moral Assim exemplo mais comum e corriqueiro quando contratamos o seguro de nosso carro estamos pactuando esta modalidade negocial para nos precaver de danos sofridos ou causados a outrem Mas notese que neste tipo de seguro para evitar o enriquecimento sem causa e o intuito especulativo espúrio que afrontaria a natureza meramente compensatória da obrigação assumida pelo segurador dispõe o art 778 que a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato sob pena do disposto no art 766 235 e sem prejuízo da ação penal que no caso couber 236 Na mesma linha também para evitar o locupletamento ilícito a indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro e em hipótese alguma o limite máximo da garantia fixado na apólice salvo em caso de mora do segurador art 781 do CC2002 237 Ponderamos tão somente que nesse aspecto não apenas em caso de mora do segurador que naturalmente explica o aumento na indenização devida mas também em situações em que o valor da cobertura contratada é inferior ao valor justo de mercado da coisa segurada deverseia admitir o redimensionamento da prestação contratada Mas a regra geral permanece proíbe o legislador no seguro de dano a contratação de mais de um seguro sobre o mesmo bem ou por valor superior a que valha para evitar em caso de sinistro enriquecimento sem causa do segurado Aliás a teor do art 782 do Código Civil 238 se o segurado pretender na vigência do contrato obter novo seguro sobre o mesmo interesse e contra o mesmo risco junto a outro segurador deve previamente à luz do princípio da boafé objetiva e especialmente do dever anexo de informação comunicar sua intenção por escrito ao primeiro indicando a soma por que pretende segurarse a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art 778 visto acima A proibição portanto recai no denominado sobresseguro ou seguro a maior que no dizer do ilustrado TREPAT CASES em sua excelente obra não se pode confundir com o cosseguro O sobresseguro também denominado seguro a maior é o seguro no qual o valor da apólice é maior do que o valor do bem segurado e não se confunde com o cosseguro art 761 a operação consiste na repartição de um mesmo risco de um mesmo segurado entre duas ou mais seguradoras e podem ser emitidas tantas apólices quantas forem as seguradoras ou uma única apólice por uma das seguradoras denominada nesse caso Seguradora Líder não se verificando ainda assim quebra do vínculo do segurado com cada uma das seguradoras que respondam isoladamente perante ele pela parcela de responsabilidade que assumiram 239 De fato especialmente quando o risco envolvido implica em caso de sinistro o pagamento de vultosas indenizações é comum seguradoras associaremse para a mesma cobertura visando a repartir o ônus em caso de pagamento de indenização ao segurado Nesse sentido cumprenos transcrever o art 761 do vigente Código Civil brasileiro Art 761 Quando o risco for assumido em cosseguro a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais para todos os seus efeitos Feita esta importante diferenciação observese que a proibição do sobresseguro típica dos seguros de danos não pode ser confundida com a obrigatoriedade de o risco do seguro compreender todos os prejuízos resultantes ou consequentes como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro minorar o dano ou salvar a coisa art 779 do CC2002 240 ou seja a cobertura deve ser completa não traduzindo esta completude necessária com o seguro a maior 1211 Sinistro parcial Aparentemente simples e talvez até desprovida de importância jurídica maior a regra do art 783 do CC2002 a nosso ver merece ser realçada dadas as suas implicações em face do Código de Defesa do Consumidor Art 783 Salvo disposição em contrário o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização no caso de sinistro parcial Ora se for contratado um seguro de determinado interesse patrimonial por valor menor do que o preço justo operarseá regra geral uma redução proporcional na prestação devida em caso de sinistro parcial pois se presume que o próprio segurado assumiu esta diferença a menor quando da pactuação do seguro Tal regra nos conduz a uma reflexão Esta cláusula traduz nitidamente uma excepcionalidade que deve ser corretamente compreendida nada impede que o segurado segundo a sua livre autonomia da vontade e especialmente por considerarmos que ele pode não dispor de capacidade financeira para uma cobertura integral segundo o valor total da coisa pactue o seguro por um valor menor não obstante frisese esta cláusula deva vir por conta da boafé devidamente destacada e expressamente aceita pelo contratante Em outras palavras sob pena de violação aos arts 25 50 e 54 do CDC 241 a pretexto de nulidade absoluta esta previsão não pode simplesmente integrar o corpo de um formulário sem o necessário destaque por se tratar de disposição que limita ou atenua a responsabilidade do fornecedor de serviço no mercado de consumo 1212 Garantia do seguro e vício intrínseco da coisa segurada Importante dispositivo está previsto no art 784 do CC2002 Art 784 Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada não declarado pelo segurado Parágrafo único Entendese por vício intrínseco o defeito próprio da coisa que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie Para o seu adequado entendimento necessário se faz antes observarmos que a noção de vício intrínseco tanto compreende o defeito aparente como o oculto redibitório pois para efeito de cobertura qualquer dos dois quando não declarado pelo segurado resulta na negativa de pagamento Sobre os vícios redibitórios teçamos algumas considerações a título de revisão conceitual Os vícios redibitórios por definição são defeitos ocultos que diminuem o valor ou prejudicam a utilização da coisa recebida por força de um contrato comutativo art 441 do CC2002 O principal aspecto a ser considerado é precisamente portanto o fato de este vício ser oculto recôndito ou seja não aparente Se for aparente não se tratará de vício redibitório Nosso sempre lembrado mestre CAIO MÁRIO ao definilo afirma com absoluta precisão tratarse de um defeito oculto de que é portadora a coisa objeto de contrato comutativo que a torna imprópria ao uso a que se destina ou lhe prejudica sensivelmente o valor E mais adiante arremata Não se aproxima ontologicamente o conceito de vício redibitório da ideia de responsabilidade civil Não se deixa perturbar a sua noção com a indagação da conduta do contraente ou apuração da sua culpa que influirá contudo na graduação dos respectivos efeitos sem aparecer como elementar de sua caracterização 242 Quanto a esta última afirmação do culto jurista razão lhe assiste inteiramente Essencialmente o vício redibitório aproximase muito mais de uma causa de dissolução contratual do que propriamente do sistema de responsabilidade civil muito embora a parte prejudicada tenha o direito de ser devidamente indenizada Exemplo típico de aplicação da teoria ocorrerá quando alguém ao comprar um relógio de cobre da marca X ignora que o objeto é portador de um defeito oculto uma conexão equivocada de suas engrenagens v g que prejudica a sua utilização Notese outrossim que esse defeito deverá acompanhar a coisa quando da sua tradição Sim porque se o vício é posterior à aquisição da coisa ou seja se a causa do defeito operouse já quando a res estava em poder do adquirente por má utilização ou desídia este nada poderá pleitear Nesse diapasão poderíamos elencar os seguintes elementos caracterizadores ou requisitos do vício redibitórios a a existência de um contrato comutativo translativo da posse e da propriedade da coisa b um defeito oculto existente no momento da tradição c a diminuição do valor econômico ou o prejuízo à adequada utilização da coisa Pois bem Não importa se o vício é redibitório ou aparente sendo intrínseco da coisa segurada e não declarado pelo segurado determina a lei como sanção pela violação ao princípio da boafé a exclusão da garantia Mas notese que a teor da última parte do art 784 para o segurado perder o direito ao valor da indenização deve ter se omitido no dever de informar à companhia seguradora sobre o defeito intrínseco da coisa e logicamente para tanto deverá ter ciência do defeito que carrega a coisa E muitas vezes situações como essa culminam por adentrar o campo da fraude a exemplo do cidadão que ciente do estado precário de desgaste dos seus pneus completamente carecas toma emprestado novos apenas para o dia da vistoria ou o sujeito que visando a pactuar o seguro de danos à sua residência ciente de grave problema na rede elétrica propício a causar incêndios não comunica ao segurador Por outro lado caso o segurado desconheça o vício não teria tecnicamente como se omitir negando a informação devida Em casos como esse a indenização é devida cabendo à companhia se precaver realizando quando reputar conveniente respeitando sempre os termos do contrato novas vistorias e avaliações 1213 Seguro de coisas transportadas O contrato de transporte cuja disciplina é feita a partir do art 730 do Código de 2002 sem correspondência no Código revogado pode ser definido como o negócio jurídico bilateral consensual e oneroso pelo qual uma das partes transportador ou condutor se obriga a mediante remuneração transportar pessoa ou coisa a um destino previamente convencionado Confirase a esse respeito o referido artigo de lei Art 730 Pelo contrato de transporte alguém se obriga mediante retribuição a transportar de um lugar para outro pessoas ou coisas Tratase de um contrato que embute inequivocamente uma obrigação de resultado transportar a pessoa ou o bem ao local de destino em perfeita segurança Não se deve confundir outrossim o contrato de transporte com o fretamento pois neste último os riscos correm integralmente por conta do tomador da coisa fretada consoante observa com sabedoria HUMBERTO THEODORO JR alicerçado em PONTES DE MIRANDA Pontes de Miranda lembra que também não se pode confundir o contrato de transporte com o contrato de fretamento Neste o proprietário de um navio ou de uma aeronave cede o seu uso a outra pessoa O usuário assume o risco do transporte que realizar por meio do veículo fretado O contrato é misto envolvendo locação de coisa e às vezes locação de serviços Seu objeto principal porém não é o deslocamento de pessoas ou mercadorias É o usuário que no fretamento exerce a atividade de navegador o que é completamente estranho ao contrato de transporte Mesmo quando se freta uma nave com a respectiva tripulação não se tem contrato de transporte Explica Pontes de Miranda no fretamento há transferência da posse da nave o que afasta qualquer teoria que pretende ver no fretamento da nave nua ou da nave armada e equipada locação de serviços e não locação de coisa 243 Voltando os nossos olhos ao contrato de transporte podemos observar que da sua definição legal defluem as duas espécies a transporte de coisas arts 743 a 756 b transporte de pessoas arts 734 a 742 Nessa linha de intelecção e especificamente no que tange ao transporte de coisas dispõe o art 780 do vigente Código Civil Art 780 A vigência da garantia no seguro de coisas transportadas começa no momento em que são pelo transportador recebidas e cessa com a sua entrega ao destinatário Norma clara de intelecção imediata o seguro no transporte de coisas iniciase no momento em que o objeto é recebido pelo transportador e finda com a sua entrega ao destinatário a quem se impõe por consequência a partir daí a responsabilidade sobre o bem adquirido 1214 Transferência do contrato Salvo disposição em contrário conforme dispõe o art 785 do CC2002 244 admitese a transferência do contrato a terceiro com a alienação ou cessão do interesse segurado Tratase nitidamente de hipótese de cessão de contrato ou de posição contratual A cessão de contrato ou de posição contratual é instituto jurídico conhecido da doutrina mas que surpreendentemente não mereceu a devida atenção no Código de 2002 Diferentemente do que ocorre na cessão de crédito ou de débito neste caso o cedente transfere a sua própria posição contratual compreendendo créditos e débitos a um terceiro cessionário que passará a substituílo na relação jurídica originária Quando em um determinado contrato imaginese uma promessa irretratável de compra e venda uma das partes cede a sua posição contratual o faz de forma integrada não havendo pois a intenção de transmitir separadamente débitos e créditos Ora com a alienação da coisa é consectário lógico a admissibilidade da transferência do próprio contrato de seguro que passará então a surtir efeitos em face do novo adquirente Mas se o instrumento contratual é nominativo a transferência só produz efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário art 785 1º do CC2002 Por outro lado a apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em preto datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário devidamente preenchido portanto art 785 2º do CC2002 Sobre o tema comenta JONES FIGUEIRÊDO ALVES Este artigo trata da transmissibilidade dos direitos inerentes ao contrato de seguro Como referido pelo art 760 a apólice e o bilhete de seguro podem ser nominativos onde constante nominalmente o segurador e o segurado bem como o seu representante ou terceiro beneficiário à ordem transferíveis por endosso ou ao portador sem a nominação do beneficiário são transferíveis por mera tradição não exigindo nenhuma formalização Desse modo a transferência do contrato a terceiro por alienação ou cessão do interesse segurado é admitida como válida salvo existindo cláusula expressa em contrário Entretanto conforme leciona Silvio Rodrigues a transmissão do direito à indenização não pode implicar prejuízo para o segurador cuja situação não deve ser por ela agravada Direito civil dos contratos e das declarações unilaterais da vontade 27 ed São Paulo Saraiva 2000 v 3 p 355 Os parágrafos ao dispositivo inovam a matéria trazendolhe melhor disciplina para efeito da transmissão 245 1215 Direito de regresso da companhia seguradora Paga a indenização o segurador subrogase nos limites do valor respectivo nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano art 786 do CC2002 246 Tratase sem dúvida de hipótese de subrogação pessoal tema dos mais apaixonantes com raízes na teoria geral das obrigações No caso estabelecendo o próprio legislador no mencionado art 786 a subrogação do segurador nos limites do valor respectivo nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano temos claramente uma hipótese de pagamento com subrogação legal Pagando pois o segurador ingressa com ação regressiva em face do causador do dano sendo ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga em prejuízo do segurador os direitos a que se refere este artigo art 786 2º Não pode pois o segurado por exemplo pretender perdoar o causador do dano já tendo recebido o valor da indenização para impedir a demanda regressiva a ser proposta pela companhia Em nosso entendimento parecenos que o prazo para a ação regressiva deve ser o mesmo para a dedução da pretensão de reparação civil qual seja 3 três anos com fundamento no art 206 3º V do vigente Código Civil brasileiro uma vez que é nessa pretensão que se subroga o segurador Todavia salvo em caso de atuação dolosa a subrogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado seus descendentes ou ascendentes consanguíneos ou afins art 786 1º A lógica do dispositivo reside no fato de que há potencialmente um patrimônio comum do segurado e dos referidos familiares não sendo razoável estimularemse demandas no seio familiar Claro está porém que dada a equiparação constitucional da união estável ao casamento é forçoso convir em uma interpretação conforme à Constituição que o direito de regresso também não caberá se o causador do dano não dolosamente realizado for a companheira ou companheiro do segurado 1216 Seguro de responsabilidade civil Uma das facetas do seguro de danos é o de responsabilidade civil Tratase hoje de uma das formas mais comuns de seguro por meio da qual o segurado visa a obter cobertura em face de eventuais danos que culposamente venha a causar a terceiros Em outras palavras pretendese por meio deste seguro transferir ao segurador a responsabilidade civil do segurado pelo ilícito causado Nesse sentido dispõe o vigente Código Civil sem norma correspondente na codificação anterior Art 787 No seguro de responsabilidade civil o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro 1º Tão logo saiba o segurado das consequências de ato seu suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia comunicará o fato ao segurador 2º É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação bem como transigir com o terceiro prejudicado ou indenizálo diretamente sem anuência expressa do segurador 3º Intentada a ação contra o segurado dará este ciência da lide ao segurador 4º Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro se o segurador for insolvente E notese que esta imposição de responsabilidade ao segurador visando à redução dos riscos tão incrementados em nossa sociedade é salientada pelo próprio princípio da função social Por imposição do princípio da boafé tão logo saiba o segurado das consequências de ato seu suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia comunicará o fato ao segurador art 787 1º podendo a demora na comunicação militar em seu desfavor uma vez que danos consequenciais derivados da própria mora não poderiam ser imputados ao segurador em face da interrupção do nexo causal Vale dizer a demora do segurado poderá traduzir uma concausa deflagradora de efeito danoso em tese não imputável à companhia seguradora a depender da análise do caso concreto Caso a demora do segurado agrave a dimensão do prejuízo impondo efeitos colaterais gravosos a direito seu poderá a seguradora em princípio eximirse de responsabilidade alegando a não observância da cobertura de risco contratada Na mesma linha em face da vinculação contratual firmada com a companhia também é defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação bem como transigir com o terceiro prejudicado ou indenizálo diretamente sem anuência expressa do segurador art 787 2º Se assim o fizer estará por sua própria conta Já no plano processual intentada a ação contra o segurado dará este ciência da lide ao segurador art 787 3º por meio do instituto jurídico da denunciação da lide 247 A respeito das consequências da denunciação escreve ARRUDA ALVIM Havendo denunciação tanto pelo autor como pelo réu haverá regime unitário contra a parte adversa e na denunciação o denunciado será réu A sentença será formalmente una mas conterá na verdade duas decisões já se tendo corretamente decidido pela nulidade da sentença omissa quanto a uma das lides 248 Vale acrescentar ainda que na prática forense temse observado que o instituto da denunciação da lide recebe diferentes matizes de aplicação no caso concreto ou como bem observa FREDIE DIDIER JR não há como chegar a outra conclusão a solução que se dá ao problema da admissibilidade da denunciação da lide é casuística 249 Frisese ainda que subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro se o segurador for insolvente art 787 4º hipótese pouco provável de ocorrer Regra especial finalmente encontrase no art 788 do Código Civil Art 788 Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado Parágrafo único Demandado em ação direta pela vítima do dano o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado sem promover a citação deste para integrar o contraditório Sobre o tema comenta JONES FIGUEIRÊDO ALVES O parágrafo único do artigo remete a hipótese ao disposto no art 476 do CC2002 Entretanto exigese maior acuidade na interpretação do seu texto em face da pretensa exceção arguível É que feito o seguro em favor de outrem não identificado terceiro prejudicado potencial não teria em verdade tal exceção o condão de afastar a seguradora pelo pagamento do prêmio enquanto não implementada a obrigação pelo segurado É o que o sistema de tais seguros objetiva estabelecer o princípio da universalidade a tanto que a cobertura à vítima do dano é efetuada independentemente de o veículo ou a própria seguradora serem identificados acionando o beneficiário do seguro qualquer das empresas seguradoras integrantes do consórcio securitário art 7º da Lei 6194 e mais ainda terá o terceiro prejudicado direito à indenização pelo sinistro mesmo que não efetuado o pagamento do prêmio pelo segurado Nesse sentido o STJ tem dirimido com segurança A indenização decorrente do chamado seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres DPVAT devida a pessoa vítima por veículo identificado que esteja com a apólice do referido seguro vencida pode ser cobrada de qualquer seguradora que opere no completo STJ 4ª T Responsabilidade 200838GO Rel Min Cesar Asfor Rocha DJ de 252000 A jurisprudência tem sinalizado de há muito nessa linha Não pode a seguradora se recusar a pagar a indenização proveniente de seguro obrigatório alegando a falta de pagamento do prêmio pelo proprietário do veículo causador do acidente pois a lei não faz essa exigência e além do mais aquela não terá qualquer prejuízo pois poderá ingressar com uma ação regressiva tudo nos termos da Lei n 6019 com a redação dada pela Lei n 8441 RT 743300 Observese ademais a orientação do STJ ao particularizar a obrigação daquele causador do dano somente quando inexistente consórcio segurador que assuma o risco O dever de indenizar o prejudicado pelo acidente causado por veículo cujo seguro estava vencido é do proprietário deste quando à época do evento danoso ainda não estava em vigor a norma que prevê a obrigação indenizatória do Consórcio de Seguradoras para esses casos SJT 3ª T Responsabilidade 218418 São Paulo Rel Min Fátima Nancy Andrighi DJ de 1792001 Diante de tal sentir afigurase ambígua e desproporcional a narração do texto do referido parágrafo aparentando prevalecer em tais hipóteses a exceção do contrato não cumprido quando em verdade terá apenas a seguradora demandada o direito de regresso contra o segurado moroso 250 Compreendido de forma sistemática o seguro de dano passemos a abordar a outra espécie codificada de seguro a saber o seguro de pessoa 122 Seguro de pessoa O seguro de pessoa já comentado escapa da natureza compensatória dos seguros em geral consistindo em obrigações especiais acautelatórias de eventuais violações a direitos da personalidade Desdobrase tal espécie contratual em outras duas específicas a saber o seguro de vida e o seguro de acidentes pessoais ambas modalidades negociais especiais que visam a cobrir riscos de lesões a bens extrapatrimoniais insuscetíveis de valoração o que justifica o tratamento diferenciado por parte do legislador 1221 Noções introdutórias O seguro de pessoa possui traços característicos que em muitos pontos afastamno do seguro de dano E essa natureza peculiar é decorrência direta do interesse segurado valores e bens de natureza personalíssima a exemplo da integridade física e da própria vida Por isso no seguro de pessoa é possível a pactuação múltipla ou seja mais de um contrato em garantia do mesmo interesse não havendo em princípio limitação de valor consoante podemos verificar da leitura do Código Civil mais especificamente do art 789 do CC2002 Art 789 Nos seguros de pessoas o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse com o mesmo ou diversos seguradores Outra característica do seguro de pessoa que o diferencia das demais modalidades é a proibição de o segurador subrogarse nos direitos e ações do segurado ou do beneficiário contra o causador do sinistro art 800 do CC2002 251 isso porque além da natureza do interesse em jogo não se aplica aqui ao menos nos moldes tradicionais o princípio indenitário como ocorre no seguro de dano Vale dizer o valor a ser pago ao beneficiário ou segurado não pode ser encarado como uma indenização comum mas sim como uma compensação ou consolo pela lesão ao interesse extrapatrimonial segurado Note portanto nosso amigo leitor que o seguro de pessoa visa em verdade a acautelar direitos da personalidade Não se admite ademais nos termos do art 795 do CC2002 252 qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado no seguro de pessoa considerandose nula de pleno direito qualquer cláusula nesse sentido por violar a boafé objetiva e o princípio da função social do contrato Cumprenos observar ainda que o segurador não pode eximirse ao pagamento do seguro ainda que da apólice conste a restrição se a morte ou a incapacidade do segurado provier da utilização de meio de transporte mais arriscado da prestação de serviço militar da prática de esporte ou de atos de humanidade em auxílio de outrem nos termos do art 799 do CC2002 Tratase de norma de ordem pública em nosso sentir que visa a resguardar a própria função social dessas modalidades de seguro não podendo portanto ser afastadas pela vontade das partes E tamanha é a importância do seguro de vida e de acidentes pessoais para o caso de morte que a teor do art 794 do CC2002 o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado nem se considera herança para todos os efeitos de direito razão pela qual o seu levantamento independe de inventário administrativo Lei n 114412007 ou judicial podendo se realizar mediante simples alvará judicial no bojo de procedimento de jurisdição voluntária A respeito do seguro de pessoa lembranos CARLOS ROBERTO GONÇALVES que são exemplos os seguros de vida acidentes pessoais natalidade pensão aposentadoria invalidez e segurosaúde excluindose do âmbito do Código Civil este último a teor do art 802 253 Art 802 Não se compreende nas disposições desta Seção a garantia do reembolso de despesas hospitalares ou de tratamento médico nem o custeio das despesas de luto e de funeral do segurado Dessas modalidades de seguro algumas inclusive com matiz previdenciário sobrelevam o seguro de acidentes pessoais e especialmente o seguro de vida que pela sua dimensão merece um tratamento mais minudente Vejamos cada um deles 1222 Seguro de acidentes pessoais O seguro de acidentes pessoais visa a cobrir danos que atinjam a integridade física psicológica ou até mesmo moral do segurado mediante pagamento de indenização em dinheiro Salientese que não é somente o fato do acidente que gera o direito à percepção da indenização mas também no caso de morte decorrente de acidente deve haver o pagamento do seguro Como nos parece evidente impõese a análise das cláusulas contratuais estabelecidas em tal seguro sempre à luz do Código de Defesa do Consumidor para se poder dimensionar a extensão da cobertura Vale mencionar inclusive neste ponto haver antigo precedente no STJ no sentido de não se conhecer Recurso Especial em caso de ação de indenização devida em virtude de contrato de seguro de vida em grupo e acidentes pessoais pela circunstância de o conceito de acidente pessoal depender da análise interpretativa de cláusulas contratuais não podendo ser aferido na instância especial à luz do enunciado da Súmula 5 do STJ REsp 586131SP Rel Min Barros Monteiro julgado em 25102005 1223 Seguro de vida Também espécie de seguro pessoal o seguro de vida dadas as suas peculiaridades merece tratamento em dispositivo próprio Este contrato fue afirmam RIPERT e BOULANGER considerado inmoral durante mucho tiempo y Portalis lo había declarado ilícito por constituir un juego sobre la vida humana Una resolución del Consejo de Estado del 28 de mayo de 1818 lo declaró sin embargo lícito y luego de un desarollo bastante lento el seguro de vida adquirió una importancia considerable 254 Admitida a sua licitude pois entendemos que a natureza jurídica do seguro de vida sem sombra de dúvida encontra assento no conceito de estipulação em favor de terceiro Por meio da estipulação em favor de terceiro ato de natureza essencialmente negocial uma parte convenciona com o devedor que este deverá realizar determinada prestação em benefício de outrem alheio à relação jurídicabase No Código Civil brasileiro de 2002 a matéria é tratada de forma sucinta praticamente repetindo o disposto na codificação revogada arts 1098 a 1100 do CC1916 No dizer de CAIO MÁRIO a estipulação em favor de terceiro originase da declaração acorde do estipulante e do promitente com a finalidade de instituir um iuris vinculum mas com a peculiaridade de estabelecer obrigação de o devedor prestar em benefício de uma terceira pessoa a qual não obstante ser estranha ao contrato se torna credora do promitente 255 Nessa modalidade contratual especial as partes são chamadas de estipulante aquele que estabelece a obrigação e promitente ou devedor aquele que se compromete a realizála Já o terceiro ou benefíciário é o destinatário final da obrigação pactuada O exemplo mais comum desta figura jurídica é o seguro de vida Neste caso consumado o risco previsto na apólice a seguradora conforme estipulado com o segurado deverá pagar ao terceiro beneficiário o valor devido a título de indenização E esta sua natureza jurídica é realçada até mesmo pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Nesse diapasão podemos afirmar ainda que a relevância dessa modalidade de seguro é indiscutível por ter por objeto o maior de todos os bens Lembranos o grande CAIO MÁRIO existirem duas espécies de seguro de vida 256 a o seguro de vida propriamente dito tratase do negócio jurídico por meio do qual o segurado mediante recolhimento do prêmio constitui capital a ser pago ao beneficiário do seguro por ocasião da sua morte b o seguro de sobrevivência ou dotal neste caso admitese contratualmente o levantamento ainda em vida do segurado do capital constituído em caso do alcance de determinado limite temporal ou em face da ocorrência de determinado evento Em geral o próprio segurado pactua o seguro visando a beneficiar terceiro admitindo o legislador outrossim que a vida de outrem seja segurada caso haja razão ou justificativa para tanto como o vínculo familiar próximo Exemplo eu posso celebrar um seguro de vida que tenha por objeto o risco de morte do meu filho estipulando determinada pessoa minha esposa sua mãe como beneficiária Nesse sentido confirase a previsão do art 790 do CC2002 Art 790 No seguro sobre a vida de outros o proponente é obrigado a declarar sob pena de falsidade o seu interesse pela preservação da vida do segurado Parágrafo único Até prova em contrário presumese o interesse quando o segurado é cônjuge ascendente ou descendente do proponente Notese que o dispositivo não deve ser interpretado literalmente mas sim em uma perspectiva constitucional o que foi confirmado na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal que editou o Enunciado n 186 com o seguinte teor Enunciado n 186 Art 790 O companheiro deve ser considerado implicitamente incluído no rol das pessoas tratadas no art 790 parágrafo único por possuir interesse legítimo no seguro da pessoa do outro companheiro Ademais se o próprio companheiro pode ser instituído beneficiário por que não admitir a presunção de interesse no seguro da vida do outro 257 Admitese ainda a substituição do beneficiário do seguro de vida nos termos do art 791 do CC2002 caso o segurado não renuncie a esta faculdade ou se o seguro não tiver como causa declarada a garantia de alguma obrigação por ato entre vivos um termo contratual aditivo ou de última vontade testamento Imaginese por exemplo a pactuação do seguro de vida feito pelo pai instituindo como beneficiário o seu filho com o escopo de garantir a conclusão dos seus estudos em caso de morte precoce do segurado Todavia invocando o dever de informação em decorrência do princípio da boafé objetiva se o segurador não for cientificado oportunamente da substituição desobrigarseá pagando o capital segurado ao antigo beneficiário parágrafo único do art 791 do CC2002 258 Tratase em nosso sentir esta comunicação ao segurador de condição específica de eficácia para que a substituição pretendida surta os efeitos pretendidos Percebese nesse particular certa mudança caso cotejemos a legislação vigente com a equivalente revogada uma vez que o Código de 1916 tratando da matéria em seu art 1473 dispunha no sentido de deferir ao herdeiro do segurado o valor do seguro caso não houvesse sido instituído o beneficiário Comentando este dispositivo SÍLVIO VENOSA observa ter havido uma mudança de diretriz no Código novo pois neste diploma o capital deverá ser pago ao antigo beneficiário e não ao herdeiro quando o segurador não for cientificado oportunamente da substituição 259 Interpretamos a mudança de maneira um pouco diferente Entendemos que ao se referir ao pagamento ao herdeiro em caráter subsidiário a legislação anterior estava se referindo à situação de falta de instituição de beneficiário e não propriamente de alteração de sujeito não comunicada ao segurador Nessa linha o Código Civil vigente embora seja mais explícito no que tange aos efeitos jurídicos da falta de comunicação ao segurador não cuidou de regular neste dispositivo a falta de indicação de beneficiário disciplina que é feita logo em seguida pelo art 792 Art 792 Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente e o restante aos herdeiros do segurado obedecida a ordem da vocação hereditária Parágrafo único Na falta das pessoas indicadas neste artigo serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência Na locução final serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência incluemse em nosso sentir as pessoas que integram a dimensão socioafetiva do conceito de família não necessariamente unidas por vínculos de sangue a exemplo de um primo distante criado conosco ou um afilhado Inovou o legislador art 797 do CC2002 no seguro de vida para o caso de morte ao estipular a licitude do prazo de carência contratado durante o qual o segurador não responderá pela ocorrência do sinistro Neste caso o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada em nosso entender devidamente atualizada Interessante registrar ainda a impossibilidade legal de o segurador no seguro individual ingressar com ação de cobrança ou procedimento de execução de cobrança em face do segurado em havendo inadimplemento assistindolhe apenas nos termos da lei a resolução do contrato Nessa linha é a previsão do art 796 do Código Civil Art 796 O prêmio no seguro de vida será conveniado por prazo limitado ou por toda a vida do segurado Parágrafo único Em qualquer hipótese no seguro individual o segurador não terá ação para cobrar o prêmio vencido cuja falta de pagamento nos prazos previstos acarretará conforme se estipular a resolução do contrato com a restituição da reserva já formada ou a redução do capital garantido proporcionalmente ao prêmio pago Questão das mais delicadas envolvendo o seguro de vida diz respeito ao suicídio cometido pelo segurado Aliás em todos os tempos povos e especialmente religiões a temática do suicídio é extremamente complexa E a sua ocorrência pode gerar repercussão jurídica no contrato de seguro de vida digna de detida análise Antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 a matéria era regulada por duas súmulas a saber No Supremo Tribunal Federal Súmula 105 Salvo se tiver havido premeditação o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro No Superior Tribunal de Justiça Súmula 61 O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado 2ª Seção j 14101992 DJ 20101992 p 18382 Da simples leitura desses dois enunciados forçoso concluir que o entendimento dos nossos Tribunais superiores era no sentido de não admitir a cobertura do seguro caso o suicida haja premeditado o ato que ceifou a sua vida Vale dizer não haverá direito à indenização se se provar que o segurado celebrou o contrato como parte de um plano fatal visando a amparar patrimonialmente os seus entes queridos A contrario sensu não havendo premeditação obviamente não para o ato suicida mas sim para a percepção do benefício o suicídio seria considerado um acidente pessoal gerando o dever de pagamento da prestação pactuada Nesse diapasão uma pergunta não quer calar afinal o que se entende por premeditação no suicídio Tratase de questão intrincada Quando constatamos que alguém resolveu dar cabo da sua própria vida claro está que o ato em si já traz certa carga de meditação prévia pois houve a intenção concretizada no comportamento fatal de interromper o seu ciclo vital No entanto a premeditação a que se refere a jurisprudência em nosso sentir é dotada de maior dimensão ou seja implica a existência de um plano prévio de suicídio que insere a pactuação do seguro como um dos seus elementos de realização celebrase o contrato já visando a permitir o amparo das pessoas vinculadas afetiva ou economicamente ao suicida Nessa linha ausente este planejamento o suicídio equivaleria a um acidente pessoal um ato de descontrole emocional que geraria a obrigação imposta ao segurador de indenizar Visando a contornar a dificuldade em se aferir se houve ou não premeditação e notese que ônus da prova deve ser do segurador o Código Civil tentou dirimir a controvérsia por meio de dispositivo sem equivalente no sistema anterior que embora traga maior segurança jurídica não é de todo preciso conforme veremos abaixo Art 798 O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato ou da sua recondução depois de suspenso observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente Parágrafo único Ressalvada a hipótese prevista neste artigo é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado Embora garanta a restituição da reserva técnica do capital formado parágrafo único art 797 do CC2002 não se reconhecerá o direito do beneficiário ao valor do seguro caso o suicídio ocorra nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato ou da sua recondução depois de suspenso Tratase de uma espécie peculiar de prazo de carência que busca dissuadir o segurado da ideia de pactuar o seguro como um dos elementos justificadores do seu suicídio Claro está no entanto que se o agente aguardar por mais de dois anos mesmo havendo premeditado o seguro deverá ser pago Estabelecer um prazo fixo determinado pode significar em alguns casos injustiça manifesta em virtude daqueles que não premeditando nada ceifam a sua própria vida em momento de descontrole dentro ainda do prazo de dois anos o que eventualmente pode ser objeto de discussão judicial Mas devemos reconhecer a tentativa louvável do legislador no sentido de imprimir maior segurança jurídica a esta delicada situação 260 Por fim notese que ressalvada a hipótese prevista no artigo sob análise é considerada nula de pleno direito a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado parágrafo único do art 798 Tratase de cláusula abusiva violadora dos princípios da boafé e da função social Aliás vale recordar que o parágrafo único do art 2035 do Código Civil utilizando linguagem contundente determina que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos Utilizando a expressão nenhuma convenção o legislador impõe a todos os negócios jurídicos não importando se celebrados antes ou após a entrada em vigor do Código Civil de 2002 a fiel observância dos seus preceitos de ordem pública especialmente a função social da propriedade e dos contratos Assim contratos que violem regras ambientais ou a utilização econômica racional do solo assim como as convenções que infrinjam deveres anexos decorrentes da cláusula de boafé objetiva lealdade respeito assistência confidencialidade informação expressamente prevista no art 422 do Código Civil não poderão prevalecer ante a nova ordem civil Nessa mesma linha a cláusula proibitiva do pagamento do seguro em caso de suicídio ressalvada a hipótese de incidência do caput do art 798 é nula por afrontar esses superiores princípios de matiz constitucional A esse respeito bastante apropriadas aliás são as palavras do grande jurista J M ARRUDA ALVIM quando em uma de suas insuperáveis obras pontificou o que ocorreu crescentemente ao longo do século XIX e mais acentuadamente nesse século XX é que mesmo no âmbito do contrato clássico ou tradicional aumentou o espectro das normas de ordem pública e por isso mesmo correlatamente diminuiu o âmbito da livre manifestação dos contratantes Podese acentuar que a razão em decorrência da qual aumentou o espectro das normas de ordem pública foi precisamente a falência aos olhos da sociedade do modelo clássico ou tradicional na sua originária início do século XIX e absoluta pureza Desta forma o que se verificou mesmo em sede do contrato tradicional foi a modificação paulatina sem o desaparecimento da autonomia da vontade do caráter intensamente dispositivo das regras atinentes aos contratos passando a aumentar o número de regras imperativas 261 1224 Seguro em grupo O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela de qualquer modo se vincule a teor do quanto dispõe o art 801 do Código Civil de 2002 Art 801 O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela de qualquer modo se vincule 1º O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado e é o único responsável para com o segurador pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais 2º A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo Comentando este instituto no Código Civil de 1916 pontificava CAIO MÁRIO que é objeto de ajuste entre várias pessoas que se propõem a assumir os riscos que todas estejam correndo e figuram ao mesmo tempo como segurados e seguradores E arremata Não se deve confundir o seguro mútuo com práticas adotadas entre pessoas ligadas por uma relação de natureza profissional ou outra as quais ajustam entre si cotizaremse e oferecer à família da que falecer uma quantia formada pela soma das cotas de todos Há uma inspiração securitária ou uma ideia de operação mútua de seguro mas a falta dos requisitos não se compadece com esta espécie 262 A especial aplicação desta modalidade contratual é o seguro de vida em grupo Essa modalidade de seguro exemplifica CARLOS ROBERTO GONÇALVES é celebrada entre uma seguradora e uma grande empresa ou associação em benefício dos seus empregados ou associados que desfrutarão das vantagens da estipulação mediante contribuição determinada e global a ser paga pelo estipulante 263 O estipulante aliás não representa o segurador perante o grupo segurado e é o único responsável para com o segurador pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais 1º daí por que deve ter envergadura financeira para pactuar este tipo de contrato Finalmente cumpre lembrar que a modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo 2º por expressa determinação legal 13 EXTINÇÃO DO CONTRATO Conforme já afirmamos em outra oportunidade um contrato válido extinguese fundamentalmente de três maneiras por resilição por resolução e por rescisão 264 Todas elas são perfeitamente aplicáveis ao contrato de seguro e por isso a ela remetemos nosso leitor Vale destacar porém duas peculiaridades já mencionadas quanto à extinção do contrato de seguro A primeira diz respeito à aludida previsão do art 796 do CC2002 Nela visualizase a ideia de que os contratos de seguro podem ser estipulados por tempo determinado o que aliás é a regra mais comum Da mesma forma o referido dispositivo traz uma hipótese específica de resolução do contrato por descumprimento da obrigação do segurado de pagamento do prêmio A segunda observação referese à aplicação do art 766 do CC2002 que traz uma hipótese de resolução do contrato quando a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de máfé do segurado o segurador terá direito a resolver o contrato ou a cobrar mesmo após o sinistro a diferença do prêmio XXXVIII CONSTITUIÇÃO DE RENDA 1 CONCEITO Por meio do contrato de constituição de renda uma pessoa devedor rendeiro ou censuário obrigase a pagar à outra credor rentista ou censuísta determinada prestação periódica a título gratuito ou oneroso conforme consta dos arts 803 e 804 do vigente Código Civil brasileiro nos seguintes termos Art 803 Pode uma pessoa pelo contrato de constituição de renda obrigarse para com outra a uma prestação periódica a título gratuito Art 804 O contrato pode ser também a título oneroso entregandose bens móveis ou imóveis à pessoa que se obriga a satisfazer as prestações a favor do credor ou de terceiros Quando pactuado a título gratuito não existe contrapartida do credor de maneira que o pagamento da renda tem explicação causal na liberalidade que se pretendeu conferir Luan obrigase a pagar prestação vitalícia a Florisvaldo mediante contrato de constituição de renda sem que este último nada houvesse pago ou transferido a Luan Nesse caso podemos afirmar ainda tratarse de contrato unilateral por impor obrigação apenas para o devedor censuário Interessante referência que deve ser feita na constituição de renda a título gratuito decorre da norma constante no art 813 do CC2002 Art 813 A renda constituída por título gratuito pode por ato do instituidor ficar isenta de todas as execuções pendentes e futuras Parágrafo único A isenção prevista neste artigo prevalece de pleno direito em favor dos montepios e pensões alimentícias Cuidase indiscutivelmente de cláusula de impenhorabilidade que para valer em face de terceiros deve ser levada ao Registro Público Desnecessária no entanto em nosso sentir a menção aos montepios e às pensões que têm nítida natureza alimentar não podendo ser penhoradas por esta simples razão a teor da legislação processual civil art 833 do CPC2015 Em geral todavia a sua celebração operase a título oneroso 265 Neste caso o rendeiro recebe da outra parte bens móveis um capital por ex ou imóveis obrigandose a pagar as prestações periódicas em favor do credorrentista ou em havendo estipulação especial até mesmo de terceiro Compreendida a conceituação desta incomum modalidade contratual enumeremos suas principais características 2 CARACTERÍSTICAS A constituição de renda é um contrato típico e nominado conforme se pode perceber da simples leitura do texto codificado Como visto tratase de modalidade contratual que pode ser pactuada tanto na forma gratuita menos comum quanto na onerosa Em regra é bilateral em sua formação embora SILVIO RODRIGUES lembrenos de que o contrato pode adquirir o caráter de plurilateral pelo desdobrarse da pessoa do instituidor Com efeito é possível que o instituidor se proponha a transferir um capital ao censuário a fim de que este pague uma renda vitalícia a terceira pessoa que assume o nome de beneficiário 266 No que tange à certeza das prestações pactuadas é a nosso ver contrato comutativo não nos afigurando razoável sustentar uma modalidade aleatória A pouca incidência prática de tal contrato não permite afirmar se é mais comum a sua estipulação de forma paritária ou por adesão sendo as duas perfeitamente aplicáveis O conceito de contrato evolutivo porém élhe inaplicável pela sua própria disciplina jurídica É um típico contrato civil stricto sensu não se visualizando como possa ser inserido tal como disciplinado pelo Código Civil em relações comerciais trabalhistas consumeristas ou administrativas É como veremos no próximo tópico um contrato solene que exige escritura pública como requisito de validade Notese neste ponto como observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES que a maioria dos autores entende que se trata de contrato real porque se aperfeiçoa com a entrega dos bens ao rendeiro a quem o domínio é transferido desde a tradição 267 Ao encontro desta linha de pensamento citam o art 809 do CC2002 Art 809 Os bens dados em compensação da renda caem desde a tradição no domínio da pessoa que por aquela se obrigou Para o adequado entendimento deste ponto relembremos o que se entende por contrato real diferenciandoo do contrato com efeitos reais Contrato de efeitos reais é aquele que de per si opera imediatamente a transferência dominial da res independentemente de solenidade como ocorre na França Por óbvias razões forçoso convir não ser este o sistema adotado no Brasil que por influência romana exige como regra geral para a transferência da propriedade além do título um contrato por ex uma solenidade registrotradição Por outro lado um contrato é denominado real quando somente se torna perfeito com a transferência da coisa a exemplo do penhor e do comodato Vale dizer a entrega do objeto afigurase como pressuposto existencial específico do contrato Sem a tradição o contrato não se forma Sem a entrega da coisa o contrato não se forma é um nada jurídico Ora o referido art 809 em nenhum momento deixou clara esta ideia Pelo contrário ao referir que os bens dados em compensação da renda caem desde a tradição no domínio da pessoa que por aquela se obrigou indicanos a existência de um contrato anterior entre rendeiro e rentista devedor e credor No dizer de SERPA LOPES ligar a tradição à formalização do contrato importaria na impossibilidade de transcrever pois antes da tradição não existiria contrato Consequentemente entendemos infundada a qualificação da constituição de renda como contrato real 268 Assim nesta linha de intelecção poderíamos concluir que na modalidade onerosa a constituição de renda se trata como visto de um contrato bilateral No entanto caso seguíssemos a linha reputada majoritária que considera esse contrato como de natureza real jamais poderíamos considerálo bilateral quanto aos efeitos que produz mas sim unilateral e oneroso a exemplo do mútuo feneratício uma vez que a obrigação imposta ao rentista de transferir o bem vinculado seria anterior à formação do próprio contrato verdadeiro requisito de sua existência e não consequência obrigacional da avença Vale acrescentar ainda que o contrato pode vincular terceiro não propriamente para obrigálo mas sim para beneficiálo a exemplo do que ocorre no seguro de vida estipulação em favor de terceiro 269 Interessante mencionar que tal como se dá no usufruto este contrato será sempre de duração ou seja nunca instantâneo podendo ser temporário com prazo determinado ou vitalício a teor do art 806 do CC2002 Art 806 O contrato de constituição de renda será feito a prazo certo ou por vida podendo ultrapassar a vida do devedor mas não a do credor seja ele o contratante seja terceiro Como se vê o contrato pode surtir efeitos mesmo após a morte do devedor vinculando os seus sucessores que continuarão obrigados a pagar a renda até as forças da herança obviamente art 1792 do CC2002 O mesmo não se dá com a morte do credor pois o direito que titulariza é personalíssimo não podendo transmitilo a terceiro Assim p ex se Leonardo Inácio devedorrendeiro morre o bem que recebeu vinculado à renda é transmitido ao seu filho Manoel Carlos que continuará a pagar a renda ao credor até o seu termo final ou a morte do referido rentista Por outro lado se morre o credor da renda o contrato é imediatamente extinto Por isso mesmo no que diz respeito à importância da pessoa do contratante para a celebração e produção de efeitos do contrato a constituição de renda é personalíssima em relação ao credor rentista ou censuísta e impessoal quanto ao devedor rendeiro ou censuário Tratase de um contrato individual estipulado sempre entre pessoas determinadas Seguindo a linha causalista do vigente Código Civil brasileiro cuja prova mais evidente é a previsão do art 166 III 270 a constituição de renda é um contrato causal Por fim tratase de um contrato principal e definitivo uma vez que não depende de qualquer outra avença bem como não é preparatório de nenhum outro negócio jurídico 3 FORMA Quanto à forma o contrato de constituição de renda é negócio solene ad solemnitatem exigindo escritura pública para a sua validade independentemente do valor da renda estipulada art 807 do CC2002 Vale lembrar que por força do princípio da liberdade da forma os negócios formais ou solenes não são a regra em nosso Direito Em tais casos quando a norma legal impõe determinado revestimento para o ato traduzido em uma forma especial ou em uma indispensável solenidade dizse que o negócio é ad solemnitatem É o caso do testamento negócio jurídico unilateral para o qual a lei impõe determinada forma pública cerrada ou particular não reconhecendo liberdade ao testador para elaborálo de acordo com a sua vontade Também servem de exemplo os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis acima do valor consignado em lei uma vez que a forma pública é indispensável para a validade do ato consoante acima se demonstrou Assim considerado o contrato de constituição de renda formal ou solene a violação dos requisitos de forma implicará em sua nulidade absoluta art 166 IV do CC2002 4 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES Na rara modalidade gratuita de constituição de renda dada a sua unilateralidade somente há de se falar em obrigações para o rendeiro ou censuário devedor da prestação periódica bem como de direitos ao beneficiário rentista ou censuísta credor da mesma Na modalidade bilateral e onerosa porém há um direito óbvio do rendeiro ou censuário qual seja receber os bens móveis ou imóveis objeto do contrato para que possa pagar a prestação pactuada E como deve ser paga a prestação Da forma como for pactuada respondemos nós pois a matéria está livre para a autonomia da vontade A aquisição do direito à renda se torna exigível porém dia a dia na forma estabelecida pelo art 811 do CC2002 Art 811 O credor adquire o direito à renda dia a dia se a prestação não houver de ser paga adiantada no começo de cada um dos períodos prefixos Obviamente havendo o adimplemento do pagamento da prestação por parte do rendeiro ou censuário tem o credor beneficiário rentista ou censuísta o direito subjetivo de exigir judicialmente as prestações atrasadas O texto legal porém foi mais longe De fato preceitua o art 810 do CC2002 Art 810 Se o rendeiro ou censuário deixar de cumprir a obrigação estipulada poderá o credor da renda acionálo tanto para que lhe pague as prestações atrasadas como para que lhe dê garantias das futuras sob pena de rescisão do contrato A possibilidade de exigência de garantia que na falta de restrição legal pode ser tanto real como fidejussória é até razoável dado o inadimplemento anterior O que é pois por demais interessante é a previsão da possibilidade de rescisão do contrato por inadimplemento e por extensão na impossibilidade de prestação da garantia Tratase portanto de uma cláusula resolutória ou como prefere parte da doutrina nacional resolutiva tácita implícita em todo contrato e no particular no de constituição de renda E a rescisão do contrato importará por sua vez em um retorno ao status quo ante o que significa no final das contas o reconhecimento de que nesta modalidade contratual a propriedade transferida para a compensação de renda é potencialmente resolúvel É a única conclusão possível a nosso ver diante da previsão normativa 5 NULIDADE DA CONSTITUIÇÃO DE RENDA Hipótese especial de nulidade típica do contrato de constituição de renda vem prevista no art 808 do CC2002 Art 808 É nula a constituição de renda em favor de pessoa já falecida ou que nos trinta dias seguintes vier a falecer de moléstia que já sofria quando foi celebrado o contrato Com a previsão desta nulidade querse não apenas proteger o interesse do devedor da renda mas especialmente resguardar a eficácia do contrato pois não teria sentido pactuálo em face de quem não é pessoa viva ou não goza da expectativa mínima necessária para o gozo da renda em face de moléstia anterior 6 DIREITO DE ACRESCER Por expressa determinação legal ressalvada estipulação contratual em contrário vedase o direito de acrescer em favor de rentista credor sobrevivo caso a renda seja estipulada em prol de mais de uma pessoa Assim a título exemplificativo se há três rentistas Huguinho Zezinho e Luizinho morrendo este último a sua quota é abatida presumindose no silêncio do negócio que cada um deles era titular de quota equivalente no caso um terço para cada um Nesse sentido de clareza meridiana é o art 812 do CC2002 Art 812 Quando a renda for constituída em benefício de duas ou mais pessoas sem determinação da parte de cada uma entendese que os seus direitos são iguais e salvo estipulação diversa não adquirirão os sobrevivos direito à parte dos que morrerem Nada impede outrossim que o instituidor preveja o direito de acrescer de maneira que com a morte de um dos credores a sua parte beneficiaria aos demais Lembranos neste particular SÍLVIO VENOSA que em se tratando de beneficiários casados entre si com o falecimento de um deles o outro terá a respectiva parte acrescida à sua quota por aplicação do art 551 parágrafo único referente às doações 271 salvo disposição em contrário Todavia tal conclusão em nosso pensar somente poderá ser aplicada aos contratos instituídos a título gratuito pois somente a eles aplicamse por equiparação as regras referentes às doações 7 EXTINÇÃO DO CONTRATO Além das hipóteses gerais de invalidade bem como a específica mencionada nesse capítulo o contrato de constituição de renda válido poderá ser extinto pelas causas supervenientes à sua formação Assim podem ocorrer quaisquer das formas gerais de dissolução contratual resolução resilição e rescisão Vale destacar porém no particular que o já analisado art 806 do CC2002 trata tanto de uma causa anterior fixação de um termo certo quanto superveniente morte do credor Da mesma forma a cláusula resolutiva tácita mencionada no art 810 do CC2002 se enquadra em tais causas supervenientes na modalidade resolução Havia porém uma forma particular de resilição unilateral para o contrato de constituição de renda Tratase do resgate como uma particular modalidade de extinção da constituição de renda prevista no art 751 do CC1916 sem equivalente no CC2002 Art 751 O imóvel sujeito a prestações de renda pode ser resgatado pagando o devedor um capital em espécie cujo rendimento calculado pela taxa legal dos juros assegure ao credor renda equivalente Tal possibilidade de resgate não é mais possível ante a falta de previsão normativa vigente motivo pelo qual sua menção tem interesse meramente histórico XXXIX JOGO E APOSTA 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Quer apostar comigo Esta frase tão comum em nosso dia a dia é o início de uma proposta para a celebração de uma modalidade contratual típica prevista no sistema codificado brasileiro desde a época da codificação de 1916 Tratase do Contrato de Aposta que é tratado juntamente com o Contrato de Jogo nos arts 814 a 817 do CC2002 em uma reunião de dois contratos afins na mesma disciplina jurídica tal qual também feito em linha semelhante posto não igual na regulação dos Contratos de Agência e Distribuição Feito esse registro inicial de afirmação da dualidade contratual na mesma normatização passemos a conceituar tais figuras contratuais 2 CONCEITO Como dito os arts 814 a 817 do Código Civil vigente regulam duas figuras jurídicas com conceitos distintos mas com evidentes afinidades De fato o contrato de jogo pode ser definido como o negócio jurídico por meio do qual duas ou mais pessoas prometem realizar determinada prestação em geral de conteúdo pecuniário a quem conseguir um resultado favorável na prática de um ato em que todos participam Registrese que o jogo e consequentemente o sucesso ou fracasso de cada parte depende necessariamente da atuação de cada sujeito chamado jogador seja por sua inteligência seja por sua habilidade força ou simplesmente sorte Já o contrato de aposta é o negócio jurídico em que duas ou mais pessoas com opiniões diferentes sobre certo acontecimento prometem realizar determinada prestação em geral de conteúdo pecuniário àquela cuja opinião prevalecer Na aposta não se exige a participação ativa de cada sujeito chamado apostador contribuindo para o resultado do evento mas sim apenas a manifestação de sua opinião pessoal A proximidade entre os dois institutos porém é evidente notadamente pelo elemento comum da álea que os envolve pois apenas para recordar o velho clássico da corrida entre a lebre e a tartaruga nem sempre o mais habilidoso ou capaz vence uma competição Há tanta afinidade entre eles que na prática muitas vezes acabamos fazendo referência a um quando pretendemos utilizar o outro É o caso por exemplo quando dois amigos dizem vamos apostar uma corrida Isto na verdade não é propriamente uma aposta mas sim um jogo pois depende da participação efetiva dos contendores habilidade força ou velocidade e não somente da sorte Da mesma forma falase em jogar nos cavalos quando o indivíduo está realizando de fato apostas em corridas em um hipódromo Outros elementos marcantes que demonstram o traço comum entre os dois institutos são a inexigibilidade das prestações deles advindas e a irrepetibilidade do pagamento efetuado por sua causa 272 dados estes que evidenciam a toda prova a sua natureza de obrigações naturais É o que se infere do art 814 caput e 1º do CC2002 Art 814 As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento mas não se pode recobrar a quantia que voluntariamente se pagou salvo se foi ganha por dolo ou se o perdente é menor ou interdito 273 1º Estendese esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento novação ou fiança de dívida de jogo mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boafé A ressalva do caput é imperfeita e inadequada 274 pois somente abre exceção para o dolo quando por uma questão de lógica e justiça também podem ser invocados os demais vícios de consentimento como o erro a coação o estado de perigo e a lesão além dos vícios sociais da fraude contra credores e da própria simulação esta última hipótese de nulidade absoluta Além disso sendo o perdente menor ou interdito a hipótese é de incapacidade o que também invalidaria o negócio jurídico Interessante porém é a menção do 1º que estende a inexigibilidade e a irrepetibilidade a todo e qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento novação ou fiança de dívida de jogo o que nos parece medida das mais razoáveis pois se harmoniza com a característica da inexigibilidade jurídica deste tipo de obrigação sem prejudicar os interesses dos terceiros de boafé Estabelecida a distinção conceitual e os elementos de aproximação entre as duas figuras cabenos compreender agora a sua natureza jurídica 3 NATUREZA JURÍDICA Fixados os conceitos básicos sobre jogo e aposta parecenos relevante neste momento reafirmar a sua natureza jurídica contratual De fato apesar de inseridos no Título VI Das Várias Espécies de Contrato o fato de a lei negar alguns efeitos aos contratos de jogo e aposta como a inexigibilidade de suas prestações faz com que haja profunda controvérsia doutrinária em seu derredor Isso decorre por certo da concepção tradicional de que tanto o jogo quanto a aposta eram condutas socialmente indesejáveis desagregadoras do ambiente familiar pelo estabelecimento de posturas viciadas e possibilidade de ruína do patrimônio dos envolvidos Nessa linha a condição de obrigação natural em que não há exigibilidade judicial do conteúdo pactuado faz com que a ideia de um contrato no sentido de autodeterminação da vontade para a produção de efeitos seja muito malvista por setores da doutrina Afirma por exemplo SILVIO RODRIGUES O Código Civil cuida do jogo e da aposta dentro do terreno dos contratos nominados ao mesmo tempo que nega a esses ajustes qualquer dos efeitos almejados pelas partes o que constitui uma contradição Se o jogo e a aposta fossem um contrato seriam espécie do gênero ato jurídico gerando por conseguinte os efeitos almejados pelos contratantes Se isso ocorresse seria justa sua disciplinação entre os contratos Todavia tanto o jogo lícito quanto a aposta não são atos jurídicos posto que a lei lhes nega efeitos dentro do campo do direito Assim não podem ser enfileirados entre os negócios jurídicos e por conseguinte entre os contratos 275 A crítica em nosso sentir embora bem fundamentada não deve prevalecer A condição de obrigação natural não descaracteriza a figura contratual A relação jurídica de direito material existe e é válida tendo apenas limitados alguns dos seus efeitos por uma opção do legislador calcado em um preconceito social positivando valores conduta que deve ser respeitada Todavia negar a natureza contratual a um acordo de vontades que produz efeitos ainda que restritos parecenos fazer sobrepujar o preconceito à norma e à efetiva aceitabilidade social do instituto Ademais pretensões prescritas por exemplo não invalidam os contratos em que se fundam mesmo se há a perda da exigibilidade judicial de algumas ou de todas as suas prestações Isso mostra que a produção limitada de efeitos não retira a natureza contratual de um acordo de vontades para a produção de determinado resultado Em síntese posto entendamos a limitação dos seus efeitos jurídicos justificada pela natureza peculiar desses institutos não negamos outrossim a sua natureza eminentemente contratual Parecenos interessante também no que diz respeito à natureza jurídica diferenciar o jogo e a aposta da promessa de recompensa Nas modalidades aqui estudadas temos um negócio jurídico que potencialmente produzirá uma obrigação natural Já na promessa de recompensa o que há é uma declaração unilateral de vontade sem destinatário determinado mas que faz surgir um direito plenamente exigível se atendida a condição ou desempenhado o serviço estabelecido 4 ESPÉCIES DE JOGO Antes de abordar as características básicas dos contratos de jogo e aposta parecenos relevante fazer algumas considerações sobre as espécies de jogo Com efeito o jogo pode ser classificado como ilícito ou proibido e lícito sendo que estes últimos se subdividem em tolerados ou autorizados legalmente permitidos Os jogos ilícitos como é intuitivo são aqueles vedados expressamente por normas legais Nesse diapasão o Decretolei n 3688 de 3101941 Lei das Contravenções Penais estabelece em seus arts 50 a 58 diversas condutas típicas ensejadoras da persecução criminal Verifiquese como nota comum que todas estas condutas vedadas se vinculam necessariamente a práticas em que o resultado depende única e exclusivamente da sorte 276 p ex jogo do bicho roleta dados etc em lugar público ou acessível ao público Independentemente da conveniência ou não da manutenção de seus tipos penais no ordenamento jurídico brasileiro o fato é que a vedação dessas condutas importa na impossibilidade jurídica de reconhecer a validade plena de tais avenças 277 Todavia até mesmo por força do princípio jurídico que impede a alegação em seu favor da própria torpeza bem como impede o enriquecimento indevido a natureza contratual no sentido de um acordo de vontades livremente estabelecido impõe sem dúvida o reconhecimento da validade do pagamento já efetivado uma vez que decorrente de ato voluntário do pagador e consequentemente da solutio retentio Assim ainda que ilícitos o jogo eou aposta as regras aqui tratadas lhes são plenamente aplicáveis 278 Protestando contra tal contradição do sistema normativo ensinava ORLANDO GOMES O contrato de jogo proibido é nulo de pleno direito por ter causa ilícita Nenhum efeito produz De ato nulo não resultam consequências suscetíveis de proteção legal Nesta ordem de ideias não pode surgir a dívida de jogo como obrigação válida A rigor não se justifica a impossibilidade de repetição do que foi pago voluntariamente Dizse no entanto que o contrato de jogo proibido gera uma obrigação natural Nessa assertiva se contém difundido equívoco O principal efeito da obrigação natural consiste na soluti retentio Ora o credor de dívida de jogo proibido não tem o direito de reter o que recebeu A esse recebimento falta causa precisamente porque o contrato é nulo de pleno direito Por outro lado embora imperfeita porque desprovida de sanção a obrigação natural tem um fim moral e seu suporte psicológico é a convicção de que deve ser cumprida porque assim manda a consciência A prática de ato ilícito não pode gerar uma obrigação com semelhante finalidade nem desperta o sentimento de que é desonroso o inadimplemento Em obrigação natural podese falar quando o jogo é tolerado visto que a lei lhe não atribui sanção apenas para não fomentar a prática de ato que não tem objetivo sério A dívida oriunda de contrato de jogo proibido poderia ser repetida por constituir enriquecimento sem causa O pagamento seria indevido por ter como causa contrato nulo Realizado como é contra proibição legal esse contrato não pode originar qualquer efeito Contudo arguise que a repetição deve ser repelida com apoio no princípio geral que manda suprimir a condictio procedente da nulidade dos contratos quando há causa torpe para ambas as partes in paris causa turpitudinis cessat repetitio A nulidade do contrato justifica a inexistência da obrigação mas a repetição se excluiu pela concorrência de causa torpe 279 Em paralelo às condutas tipificadas há outro campo de relações referente a jogos e apostas que merece a tutela do ordenamento jurídico Tratase da área dos jogos e apostas lícitos em que se faz mister esclarecer uma importante distinção Há dois tipos de jogos lícitos A primeira forma de jogo lícito é aquela ocorrente no grande mar de licitude existente fora das ilhas de ilicitude o que é uma homenagem ao princípio ontológico da liberdade de que tudo que não está juridicamente proibido está juridicamente permitido 280 Ou seja toda modalidade de jogo ou aposta que não esteja tipificada é considerada lícita como a corrida apostada entre amigos para ver quem chega primeiro a rifa feita por uma comissão de formatura ou o carteado a dinheiro entre membros da família fora portanto do âmbito de incidência do art 50 4º a da LCP Em tal modalidade de jogo ou aposta há apenas a tolerância do ordenamento jurídico pois em que pese a aceitação de sua licitude não se admite a produção total dos efeitos do negócio jurídico gerando obrigações naturais às quais também se aplicam as regras aqui tratadas E há uma segunda forma de jogo lícito Tratase do jogo ou aposta autorizado ou legalmente permitido Nessas modalidades não há falar em obrigação natural ou juridicamente incompleta mas sim de obrigação juridicamente exigível em todos os seus efeitos Tal distinção decorre da própria regra legal inserida pelo codificador de 2002 em consonância com a realidade existente Confiramse por isso os dois últimos parágrafos do art 814 do CC2002 lembrando que o caput trata justamente da inexigibilidade e irrepetibilidade do pagamento de dívida de jogo e aposta 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação ainda que se trate de jogo não proibido só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos 3º Excetuamse igualmente os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva intelectual ou artística desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares É o caso pois das diversas loterias patrocinadas pelo Governo Federal através da Caixa Econômica Federal como a título exemplificativo Lotofácil Loteca Lotogol Lotomania Loteria Instantânea Loteria Federal Quina MegaSena e Dupla Sena No mesmo sentido enquadramos como obrigações juridicamente exigíveis por força do mencionado 3º não somente competições esportivas propriamente ditas mas todo tipo de premiação lícita prometida seja em emissoras de televisão seja em qualquer outro meio de divulgação Nessas hipóteses hão de ser aplicadas as prescrições legais e regulamentares 281 bem como se for o caso o Código de Defesa do Consumidor 5 CARACTERÍSTICAS Pela sua evidente similitude cuidaremos de caracterizar os contratos de jogo e aposta conjuntamente até mesmo pelo fato de ambos terem sido tratados na mesma disciplina na vigente codificação de 2002 A afirmação da natureza contratual do jogo e da aposta já os consagra como contratos típicos e nominados Tratase de modalidades contratuais bilaterais com direitos e obrigações para ambos os contratantes admitindose uma plurilateralidade ou multilateralidade na medida em que haja mais de dois pactuantes Embora possam ser estabelecidos sem problemas na modalidade gratuita o jogo e a aposta somente têm relevância para o Direito quando celebrados de forma onerosa Tendo em vista o elemento sorte ou azar que os envolve são obviamente contratos aleatórios já que a obrigação de uma das partes só pode ser considerada devida em função de coisas ou fatos futuros cujo risco da não ocorrência foi assumido pelo outro contratante Podem ser estabelecidos tanto de forma paritária como por adesão sendo ilustrativos respectivamente os exemplos da aposta entre amigos e a fezinha na loteria esportiva Pela álea inerente ao contrato a classificação de contrato evolutivo é inaplicável ao jogo e à aposta São típicos contratos civis inaplicáveis para relações comerciais trabalhistas e administrativos podendo revestirse como contratos consumeristas Quanto à forma são contratos não solenes e consensuais A priori quanto à importância da pessoa do contratante para a celebração e produção de efeitos do contrato tais negócios jurídicos classificamse como pessoais também chamados de personalíssimos ou realizados intuitu personae São contratos individuais pois estipulados entre pessoas determinadas ainda que em número elevado mas consideradas individualmente Quanto ao tempo podem ser tanto contratos instantâneos seja de execução imediata ou de execução diferida quanto de duração determinada ou indeterminada a depender da situação concreta São contratos tipicamente causais a ponto de a regra de irrepetibilidade e inexigibilidade ser estendida a qualquer outra avença que encubra ou envolva reconhecimento novação ou fiança de dívida de jogo na forma do já transcrito 1º do art 814 do CC2002 o que afastaria a exigibilidade por exemplo de títulos executivos decorrentes da dívida contraída tendo como causa o jogo ou a aposta Sobre tal característica é importante registrar que quando o jogo ou a aposta é a própria causa de outro negócio jurídico a sua condição de obrigação natural contamina a nova avença o que é mais evidente na hipótese de mútuo conforme se verifica do art 815 do CC2002 282 A classificação pela função econômica não é adequada para os contratos de jogo e aposta uma vez que a álea própria dessa relação contratual é um traço distintivo que o peculiariza dentre as demais formas contratuais O mais próximo que se pode vislumbrar é de um contrato de atividade que é aquele caracterizado pela prestação de uma conduta de fato mediante a qual se conseguirá uma utilidade econômica A classificação porém não é perfeita justamente pelo fato de que a utilidade econômica não necessariamente será obtida já que depende de outros fatores independentemente da conduta do contratante como a sorte e a habilidade do adversário no jogo Por fim é típico contrato principal com existência autônoma e definitivo não sendo preparatório para qualquer negócio jurídico nem podendo sêlo pela inexigibilidade a ele inerente 6 CONTRATOS DIFERENCIAIS Um modificação substancial entre a nova e a anterior codificação diz respeito ao tratamento dos chamados contratos diferenciais São eles no ensinamento de ORLANDO GOMES os contratos de vendas pelos quais as partes não se propõem realmente a entregar a mercadoria o título ou valor e a pagar o preço mas tão só à liquidação pela diferença entre o preço estipulado e a cotação do bem vendido no dia do vencimento Se o preço subir ganha o comprador pois o vendedor é obrigado a pagar a diferença Se baixar ganha o vendedor que à diferença faz jus No primeiro caso a diferença é paga pelo vendedor e no segundo pelo comprador 283 No sistema codificado do século XX tais modalidades contratuais estavam equiparadas ao jogo na forma do art 1479 do CC1916 284 motivo por que não tinham exigibilidade judicial nem repetibilidade caracterizandose como obrigações naturais Tudo mudou o Código Civil brasileiro de 2002 que expressamente estabeleceu em seu art 816 Art 816 As disposições dos arts 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa mercadorias ou valores em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste Assim embora também existente a álea tal qual no jogo e na aposta estabelece a regra positivada a impossibilidade de sua equiparação a tais contratos constituindose portanto em obrigações juridicamente completas e exigíveis Essa mudança de diretriz parecenos bastante razoável dada a importância moderna das bolsas de futuros cuja finalidade é a organização de um mercado para a negociação de produtos derivados de títulos mercadorias e valores Afinal de contas referidos negócios têm seu risco inerente com a possibilidade concreta de ganhos e perdas como em qualquer sistema clássico de Bolsas de Valores o que nunca foi considerado ilegal Sobre o tema vale registrar a observação de JONES FIGUEIRÊDO ALVES O CC2002 aboliu o princípio da equiparação Efetivamente equiparar as operações de bolsas de futuros a jogo ou aposta era algo que não podia permanecer no Código Civil Observese que o DecretoLei n 2286 de 2371986 já dispõe sobre a cobrança de impostos nas operações a termo de bolsas de mercadorias ou mercados outros de liquidações futuras realizadas por pessoa física tributando os rendimentos e ganhos de capital delas decorrentes E no art 3º são definidos como valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei n 6385 de 7121976 os índices representativos de carteiras de ações e as opções de compra e venda de valores mobiliários sendo certo que o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil através das Resoluções n 119086 e 164589 respectivamente referiamse às bolsas cujo objetivo é justamente a organização de um mercado livre e aberto para a negociação de produtos derivativos de mercadorias e ativos financeiros Isto já existe no Brasil desde 1986 quando foi criada a Bolsa de Mercadorias Futuros que realiza um volume de negócios equivalente a dez vezes o nosso Produto Interno Bruto Tais bolsas existem na Alemanha na França na Itália na Suíça na Austrália na Áustria na Bélgica em Luxemburgo na Holanda no Reino Unido e sobretudo nos Estados Unidos Ser contra a existência dos negócios realizados nas Bolsas de Mercadorias e Futuros com base na afirmativa de eles terem por objeto negócios equiparados a jogo e aposta é despiciendo porque nas clássicas Bolsas de Valores as ações compradas ou vendidas também variam de preço de um dia para o outro sendo essa operação absolutamente aceitável e tributada 285 7 UTILIZAÇÃO DO SORTEIO Não é toda decisão que depende da sorte que pode ser considerada jogo ou aposta Um bom exemplo disso é a técnica do sorteio que quando não tem por finalidade o divertimento ou ganho dos participantes não pode ser regulado como jogo Sobre o tema estabelece o art 817 do CC2002 Art 817 O sorteio para dirimir questões ou dividir coisas comuns considerase sistema de partilha ou processo de transação conforme o caso O sorteio embora seja um método que envolve necessariamente a sorte dos participantes quando estabelecido como um critério para dirimir questões não pode ser encarado como um jogo Tratase apenas de uma forma encontrada pelo sistema normativo para pôr termo a controvérsias Tal método é utilizado pelo ordenamento em diversas hipóteses nas regras processuais como a título exemplificativo no sorteio de jurados na distribuição de processos em comarcas onde há pluralidade de juízos na relatoria em recursos etc Nas relações jurídicas de direito material um bom exemplo é a promessa de recompensa em que o próprio Código Civil brasileiro admite a utilização deste critério quando for simultânea a execução da tarefa estabelecida 286 Em pendências sobre direitos disponíveis entre pessoas capazes a possibilidade jurídica de renúncia e transação torna admissível a eleição do sorteio como forma de solução de conflitos o mesmo podendo darse no âmbito do inventário ou do arrolamento em nível sucessório entre os herdeiros Observese porém que em todas essas situações não há necessariamente a ideia de ganho para um em detrimento dos outros uma vez que a sorte não tem por objetivo o lucro ou perda mas apenas o deslinde da controvérsia 8 O REEMBOLSO DE EMPRÉSTIMO PARA JOGO OU APOSTA Como afirmamos alhures os contratos de jogo e de aposta são negócios jurídicos tipicamente causais Por isso suas características básicas de irrepetibilidade de pagamento e inexigibilidade da prestação são estendidas a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento novação ou fiança de dívida de jogo como estabelece o mencionado 1º do art 814 do CC2002 O traço mais evidente deste perfil causalista do sistema codificado brasileiro se dá na relação do jogo e aposta com o mútuo De fato é perfeitamente compreensível que tomado pela excitação do momento do jogo ou da aposta algum incauto queira fazer empréstimos para poder apostar ou jogar Tal consentimento porém é evidentemente viciado motivo por que a regra legal estende a inexigibilidade do reembolso para tal empréstimo É o que se vislumbra no art 815 do CC2002 que estabelece Art 815 Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta no ato de apostar ou jogar Parecenos lógico que o preceito somente é aplicável para situações em que o mutuante tenha pleno conhecimento do fato o que se depreende da menção ao momento em que o empréstimo é feito no ato de apostar ou jogar Assim por óbvio entendemos que para os mútuos feitos sem nenhum tipo de vinculação com o ato de apostar ou jogar ainda que sua finalidade implícita seja para tal mister não se aplica o dispositivo em respeito inclusive à boafé subjetiva daquele que emprestou Por outro lado acreditamos firmemente que outros negócios jurídicos como compra e venda de coisas móveis pensese na aquisição de fichas para pagamento posterior por ex podem atrair a aplicação analógica da norma na hipótese de ter a mesma causa 9 EXTINÇÃO DO CONTRATO Por se configurarem regra geral como obrigações naturais juridicamente inexigíveis não há grande interesse prático ou acadêmico no desenvolvimento deste tópico razão por que o legislador corretamente permaneceu silente Claro está todavia que fora as situações de invalidade o jogo e a aposta extinguemse com o cumprimento da prestação pecuniária nos termos e nas condições desenvolvidas no corpo deste capítulo Cumprenos lembrar apenas e em conclusão que os jogos e apostas oficialmente autorizados admitem a sua cobrança judicial por não se subsumirem à noção de obrigações naturais ou imperfeitas a exemplo da Loto ou da MegaSena XL FIANÇA 1 CONCEITO No sistema brasileiro as garantias podem ser reais como se dá com a hipoteca penhor e anticrese ou fidejussórias ou seja de natureza pessoal em que determinada pessoa se compromete a na falta do devedor principal suportar a dívida assumida Dessa forma como vimos linhas acima a fiança traduz uma modalidade de garantia pessoal ou fidejussória Podemos definila com base na regra legal como o negócio jurídico por meio do qual o fiador garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor caso este não a cumpra art 818 do CC2002 É de notar um detalhe nem sempre percebido A fiança é um contrato firmado entre credor e fiador não tendo a participação obrigatória do devedor Ou seja o devedor posto seja a pessoa por quem o fiador responde subsidiária ou solidariamente não tem o condão de impedir a contratação nos termos do art 820 do CC2002 Art 820 Podese estipular a fiança ainda que sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade Com isso não se quer dizer que o devedor não tome ciência da instituição da garantia pois tal comunicação é decorrência do próprio princípio da boafé Pode até indicar ou sugerir o fiador pessoa de sua confiança que deverá ser aceito pela outra parte Mas o que pretende o dispositivo é deixar claro que esta modalidade de garantia tem em mira o interesse do credor e não do devedor que não pode como visto oporse à estipulação No que tange às características básicas desta modalidade contratual vejamos tais classificações no próximo tópico 2 CARACTERÍSTICAS A fiança é evidentemente um contrato típico e nominado pois se encontra previamente definida na lei civil com nomenclatura consagrada e ampla utilização em relações civis comerciais e consumeristas Dentre suas características podemos enumerar algumas bem marcantes A primeira delas é a unilateralidade pois uma vez celebrado o contrato de fiança impõese obrigação apenas para uma das partes no caso o fiador Em função disso é inaplicável a classificação dos contratos em comutativos ou aleatórios Outra característica importante é a acessoriedade uma vez que sempre acompanha um contrato principal criador da obrigação principal que é garantida Imaginemos por exemplo um contrato de locação firmado com fiança locatícia a locação é o contrato principal a fiança o contrato acessório Não é porém um contrato preliminar mas sim definitivo em relação às partes aqui contratantes fiador e afiançado mesmo tendo a sua produção de efeitos condicionada ao descumprimento da obrigação do contrato principal Notese neste diapasão que os contratos preliminares ou pactum de contrahendo são exceção em nosso ordenamento jurídico já que nada mais são do que negócios jurídicos que têm por finalidade justamente a celebração de um contrato definitivo pelas próprias partes o que inexiste na fiança Outro traço peculiar é a gratuidade no sentido de que apenas traz benefício para uma das partes credor sem que se lhe imponha contraprestação alguma Vale lembrar que a interpretação dos contratos gratuitos deve ser sempre mais restrita do que os negócios jurídicos onerosos 287 uma vez que por envolver uma liberalidade a legislação considerou razoável que o contratante não onerado tivesse uma proteção menor do que o pactuante devedor Justamente por essa característica de não onerosidade é inaplicável à fiança a classificação em contrato evolutivo Excepcionalmente todavia a fiança poderá ser onerosa caso o fiador seja remunerado Tal retribuição dada a natureza sui generis deste contrato ausente a característica geral do sinalagma há de ser efetuada pelo próprio afiançado ou seja quem se onera não é o credor parte do contrato de fiança mas o devedor afiançado Tratase de uma onerosidade especial sem dúvida a exemplo do que ocorre na fiança bancária pois o onerado não é parte do próprio contrato Ilustrando a hipótese SILVIO RODRIGUES pontifica Nada impede entretanto que o fiador reclame em troca da garantia que oferece determinada remuneração O procedimento de há muito se instalou no comércio bancário em que os bancos assinam termos de responsabilidade em favor de seus clientes em troca de uma percentagem sobre o montante garantido É a chamada fiança bancária Modernamente encontramse firmas especializadas em prestar fiança mediante percentagem Nessas hipóteses o negócio é oneroso pois está presente o propósito especulativo 288 A fiança escapa ao princípio geral da liberdade da forma previsto no art 107 do Código Civil 289 pois em virtude de dispositivo específico art 819 do CC2002 é exigido instrumento escrito não admitindo interpretação extensiva Caso as partes outrossim pretendam ainda imprimir eficácia erga omnes a este contrato deverão registrálo no Cartório de Títulos e Documentos Vale lembrar ainda que reforçando o seu formalismo em determinadas situações exigese a outorga uxória a teor do art 1647 Pode ser celebrada tanto na modalidade paritária quanto por adesão na hipótese respectivamente de as partes estarem em iguais condições de negociação estabelecendo livremente as cláusulas contratuais ou um dos pactuantes impor as cláusulas do negócio jurídico Tratase de um contrato individual estipulado sempre entre pessoas determinadas Quanto à pessoa do contratante observa ORLANDO GOMES Embora a fiança seja contrato intuitu personae em relação ao fiador suas obrigações transmitemse mortis causa desde que nascida antes da abertura da sucessão Por outras palavras os efeitos da fiança produzidos até a morte do fiador vinculam os herdeiros intra vires hereditates 290 De fato as obrigações da fiança se transmitem mortis causa até os limites das forças da herança conforme estabelecido no art 836 do CC2002 Art 836 A obrigação do fiador passa aos herdeiros mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador e não pode ultrapassar as forças da herança Dessa forma podemos afirmar que a fiança é sim um contrato personalíssimo mas que constituído o dever de pagar pela inadimplência do devedor da obrigação principal antes do advento da morte do fiador esta responsabilidade se transmite a seus herdeiros Quanto ao tempo é um contrato de duração essencialmente temporário Tal duração pode ser determinada ou indeterminada na medida em que haja ou não previsão expressa de termo final ou condição resolutiva a limitar a eficácia do contrato Seguindo a linha causalista do vigente Código Civil brasileiro a fiança é um contrato causal Quanto à função econômica a fiança é classificada como um contrato de prevenção de riscos pois caracterizado pela assunção de riscos por parte de um dos contratantes resguardando a possibilidade de dano futuro e eventual que in casu se refere ao eventual inadimplemento por parte do devedor da obrigação principal 3 PARTES Cumprenos esclarecer este ponto Já mencionamos que as partes no contrato de fiança são o credor e o fiador ou seja tratase de uma estipulação pactuada entre estas duas partes e não com o devedor afiançado Pressupõese por óbvio a capacidade das partes envolvidas valendo lembrar que a teor do art 826 do CC2002 se o fiador se tornar insolvente ou incapaz poderá o credor exigir que seja substituído pois tal providência acautela a satisfação do seu crédito Não concordamos todavia com CARVALHO DE MENDONÇA quando considerando a fiança um contrato bilateral imperfeito preleciona Se porém como no caso mais comum ela é contratada entre fiador e o devedor o contrato é bilateral imperfeito pois que ao formarse somente origina obrigações do fiador para com o credor Mas se o fiador pagar mais tarde a dívida surgem obrigações para o devedor obrigado desde então ao reembolso 291 Definitivamente não aceitamos tal pensamento A eventual possibilidade de o fiador demandar o devedor não significa que o contrato seja celebrado entre ambos mas sim que o devedor simplesmente experimenta a repercussão dos efeitos deste pagamento 292 Assim é importante deixar clara a diferença entre ser parte e sofrer os efeitos do pagamento efetivado por terceiros Afinal se o fiador é terceiro interessado em relação ao débito parte é que ele ao mesmo tempo não pode ser Ressaltese no entanto que em geral o devedor afiançado participa do ato não como parte mas como simples interessado indicando pessoa física ou jurídica para figurar como fiador posto a última palavra seja sempre do credor a quem interessa sob o prisma patrimonial a constituição da garantia E isso fica muito mais claro ao lermos o art 825 do Código Civil de 2002 Art 825 Quando alguém houver de oferecer fiador o credor não pode ser obrigado a aceitálo se não for pessoa idônea domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação Se o credor pois recusar a indicação nada feito Não haverá fiança Por outro lado caso o credor o aceite efetuado o pagamento pelo fiador este assumirá o posto de credor subrogandose em todos os seus direitos contra o devedor principal Neste caso o credor originário subrogado deixa de figurar na relação jurídica que passa a ter como partes o fiador novo credor e o devedor principal Tratase do fenômeno da subrogação legal O principal efeito da subrogação é exatamente transferir ao novo credor todos os direitos ações privilégios e garantias do primitivo em relação à dívida contra o devedor principal e os fiadores art 349 do CC2002 Dessa forma se o credor principal dispunha de garantia real uma hipoteca ou um penhor p ex o terceiro subrogado passará a detêla podendo pois tomar as necessárias medidas judiciais para a proteção do seu crédito como se fosse o credor primitivo Nesse ponto interessante questão pode ser abordada Como sabemos a Lei do Bem de Família Lei n 800990 alterada pela Lei do Inquilinato Lei n 824591 em seu art 3º VII excepcionou a protelação legal para admitir a penhora do imóvel do fiador na locação Em outras palavras se o fiador for demandado pelo locador visando à cobrança dos aluguéis atrasados poderá o seu único imóvel residencial ser executado para a satisfação do débito do inquilino Não ignorando que o fiador possa obrigarse solidariamente o fato é que na sua essência a fiança é um contrato meramente acessório pelo qual um terceiro fiador assume a obrigação de pagar a dívida se o devedor principal não o fizer Mas seria razoável garantir o cumprimento desta obrigação essencialmente acessória do fiador com o seu único bem de família Seria essa norma constitucional Partindo da premissa de que as obrigações do locatário e do fiador têm a mesma base jurídica o contrato de locação não é justo que o garantidor responda com o seu bem de família quando a mesma exigência não é feita para o locatário Isto é se o inquilino fugindo de suas obrigações viajar para o interior da Bahia e comprar um único imóvel residencial este seu bem será impenhorável ao passo que o fiador continuará respondendo com o seu próprio bem de família perante o locador que não foi pago À luz do Direito Civil Constitucional pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil parecenos forçoso concluir que este dispositivo de lei viola o princípio da isonomia insculpido no art 5º da Constituição Federal uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica o contrato de locação 293 Lamentavelmente o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 407688SP pondo por terra belíssimo entendimento exarado anteriormente em decisão monocrática pelo Min Carlos Velloso firmou entendimento no sentido da constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador na locação no que já vem sendo acompanhado pelo Superior Tribunal de Justiça Posto isso fazemos a seguinte indagação se o fiador terceiro interessado pagar a obrigação locatícia e por consequência subrogarse nos direitos do credor satisfeito teria em seu favor a prerrogativa de penhorar o imóvel residencial do devedor afiançado em eventual ação regressiva Vale dizer partindo da premissa de que o credor primitivo detinha este poder contra si assumindo agora o posto de credor poderia exercêlo em face do devedor principal O Superior Tribunal de Justiça antes do mencionado julgamento do Supremo Tribunal Federal corretamente a nosso ver posicionouse em sentido contrário De fato Eis o acórdão do Superior Tribunal de Justiça em que se entendeu que o fiador que paga a dívida do locatário não se subroga em todos os direitos e prerrogativas do locador restando pois excluída a possibilidade de pleitear a penhora do imóvel residencial do locatárioafiançado 1 A impenhorabilidade do bem de família é regra somente cabendo as exceções legalmente previstas Nos termos da Lei n 800990 art 3º VII incluído pela Lei n 824591 art 82 é possível a penhora do bem de família como garantia de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação 2 O fiador que paga integralmente a dívida à qual se obrigou fica subrogado nos direitos e garantia do locadorcredor Entretanto não há como estenderlhe o privilégio da penhorabilidade do bem de família em relação ao locatárioafiançado taxativamente previsto no dispositivo mencionado visto que nem mesmo o locador o dispunha 3 Recurso conhecido e provido STJ REsp 255663SP rel Min Edson Vidigal julgado em 2962000 5ª Turma grifos nossos A nossa preocupação todavia é que com o julgamento do RE 407688SP que firmou equivocadamente data venia a constitucionalidade desta penhora passese a admitir a legitimidade da subrogação do fiador nesta prerrogativa Tal entendimento em nosso sentir padeceria de vício pois a par da manifesta inconstitucionalidade da medida admitiria uma interpretação extensiva do preceito legal art 3º VII da Lei do Bem de Família para contemplar hipótese não admitida em lei A penhorabilidade absurdamente admitida é do imóvel do fiador e não do afiançado 4 OBJETO O objeto de todo contrato de fiança é sem dúvida a dívida que se quer garantir Por óbvio apenas terá efeito a fiança quando a obrigação principal se tornar exigível admitindo o legislador nessa linha de intelecção que se possa estipular a garantia fidejussória em face de débito futuro embora neste caso o fiador não seja demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor art 821 do CC2002 Note ainda o nosso leitor que ao garantir a obrigação principal o fiador assumea de maneira ampla compreendendose os seus acessórios inclusive as eventuais despesas processuais assumidas pelo credor desde a sua citação art 822 do CC2002 Tal dispositivo é útil pois se não houvesse sido previsto poderia haver dúvida no caso concreto acerca da extensão da garantia Outra importante regra sobre o objeto do contrato de fiança que merece a nossa atenção vem prevista no art 823 do CC2002 Art 823 A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas e quando exceder o valor da dívida ou for mais onerosa que ela não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada Tratase de dispositivo claro de cristalina intelecção Não teria sentido a fiança garantia pessoal prestada por terceiro superar o valor da obrigação principal Se assim o fosse estarseia indiscutivelmente incrementando o enriquecimento sem causa do credor Observamos apenas que o legislador em vez de utilizar a expressão não valerá deveria ter dito não terá eficácia uma vez que a impropriedade se refere ao plano de eficácia e não ao de validade Entendemos ainda que o juiz não somente pode como deve realizar esta redução de ofício no bojo da própria demanda ajuizada contra o fiador independentemente da provocação do interessado em respeito aos princípios da função social do contrato e da boafé objetiva sob pena de coroar flagrante injustiça Finalmente frisese que as obrigações nulas não são suscetíveis de fiança exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor art 824 do CC2002 Vale dizer qualquer outra causa de nulidade da obrigação principal arts 166 e 167 do CC2002 prejudica a fiança salvo se o devedor for absoluta ou relativamente incapaz Neste caso visando a protegêlo preferiu o legislador manter a fiança Assim se um menor de 14 anos absolutamente incapaz contrai uma obrigação esta poderá ser exigível do fiador que não terá ação regressiva contra ele Assumiu pois o risco de garantir uma dívida alheia sem direito ulterior ao reembolso Atentese porém que nos termos do art 588 tal exceção não abrange o mútuo feito ao menor Art 588 O mútuo feito a pessoa menor sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver não pode ser reavido nem do mutuário nem de seus fiadores Relembrese todavia da ressalva constante no artigo seguinte Art 589 Cessa a disposição do artigo antecedente I se a pessoa de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo o ratificar posteriormente II se o menor estando ausente essa pessoa se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais III se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho Mas em tal caso a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças IV se o empréstimo reverteu em benefício do menor V se o menor obteve o empréstimo maliciosamente 5 ESPÉCIES DE FIANÇA Parecenos relevante neste tópico fazer um breve esclarecimento terminológico e classificatório Expliquemonos Do ponto de vista terminológico a expressão fiança tem objetivos completamente distintos a depender do campo de atuação em que se esteja trabalhando qual seja civil o que se define por exclusão ou seja todas as relações não criminais como civis stricto sensu comerciais consumeristas etc ou penal Ambas têm o sentido de garantia Diferem todavia na finalidade específica A fiança civil é como visto uma relação jurídica contratual estabelecida entre o credor de uma obrigação e um sujeito garantidor com seu patrimônio pessoal para eventual hipótese de descumprimento de uma prestação principal pelo efetivo devedor Tratase portanto de um contrato que reforça a solvabilidade de uma obrigação patrimonial Já que estamos falando de terminologia vale registrar inclusive que a unificação da disciplina das obrigações civis e comerciais fez perder o sentido da especificação de fiança civil e fiança comercial 294 Já a fiança criminal garante não o cumprimento de uma prestação patrimonial mas sim o direito à liberdade do acusado na efetivação da presunção de sua inocência até o trânsito em julgado do processo penal correspondente 295 Como observa JÚLIO FABBRINI MIRABETE A fiança é um direito subjetivo constitucional do acusado que lhe permite mediante caução e cumprimento de certas obrigações conservar sua liberdade até a sentença condenatória irrecorrível É um meio utilizado para obter a liberdade provisória se o acusado está preso é solto se está em liberdade mas ameaçado de custódia a prisão não se efetua É uma contracautela à prisão provisória pois a substitui destinada a impedir que a dilação do inquérito policial e do processo condenatório cause dano ao jus libertatis do indiciado ou réu e a assegurar a sua presença no processo e o pagamento de custas do dano e da pena multa Os artigos 322 a 350 regulam a fiança direito subjetivo constitucional que denegado constitui constrangimento ilegal à liberdade de locomoção art 648 V e crime de abuso de autoridade art 4º e da Lei n 4898 de 91265 296 A confusão entre os dois institutos é embora indevida sem sombra de dúvida justificável não somente pelo sentido de garantia mas pela circunstância de ser uma assunção por um terceiro necessariamente na fiança civil e facultativamente na fiança criminal Registrese nessa linha que a fiança criminal deve ser prestada em primeiro plano pelo próprio afiançado sendo o pagamento por terceiro situação também admitida ao passo que a fiança civil é prestada necessariamente por terceiro Realçada a diferença entre a fiança criminal e a fiança civil é claro que é desta última modalidade que o corte epistemológico desta obra impõe a abordagem Contudo esta também apresenta algumas espécies fazendose mister um novo esforço classificatório para a adequada delimitação e compreensão do tema De fato a fiança civil pode ser classificada em judicial legal ou finalmente convencional A fiança judicial é aquela decorrente de uma exigência processual não sendo estabelecida para garantir uma relação contratual mas sim uma decisão judicial A peculiaridade desta forma de fiança é ser ela prestada pelo próprio devedor É o caso por exemplo da caução prevista se estabelecida na modalidade fidejussória no art 559 do CPC2015 Art 559 Se o réu provar em qualquer tempo que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece de idoneidade financeira para no caso de sucumbência responder por perdas e danos o juiz designarlheá o prazo de 5 cinco dias para requerer caução real ou fidejussória sob pena de ser depositada a coisa litigiosa ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente Já a fiança legal como o próprio nome indica é a proveniente de previsão legal específica não sendo fruto exclusivo do interesse e manifestação volitiva dos sujeitos envolvidos O vigente Código Civil brasileiro 297 é repleto de disposições nesse sentido a saber Art 260 Se a pluralidade for dos credores poderá cada um destes exigir a dívida inteira mas o devedor ou devedores se desobrigarão pagando I a todos conjuntamente II a um dando este caução de ratificação dos outros credores Art 495 Não obstante o prazo ajustado para o pagamento se antes da tradição o comprador cair em insolvência poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado Art 1745 Os bens do menor serão entregues ao tutor mediante termo especificado deles e seus valores ainda que os pais o tenham dispensado Parágrafo único Se o patrimônio do menor for de valor considerável poderá o juiz condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante podendo dispensála se o tutor for de reconhecida idoneidade Registrese a bem da verdade que a expressão utilizada é caução mas o contexto em que é inserida demonstra claramente que se trata de uma garantia fidejussória de natureza obrigacional não pressupondo depósito de bens 298 Por fim a fiança civil pode ser convencional também chamada de contratual que é aquela oriunda espontaneamente da vontade das partes credor e fiador mesmo sem a anuência do devedor afiançado É esta última modalidade que consiste no objeto precípuo deste capítulo 6 EFEITOS DA FIANÇA A celebração de um contrato de fiança gera efeitos tanto para os sujeitos contratantes credor e fiador quanto para o devedor afiançado Para compreender a gama de direitos e deveres decorrentes de tal avença contratual fazse mister discorrer primeiro sobre o instituto do benefício de ordem que é sem sombra de dúvida uma das mais importantes características deste contrato 61 Benefício de ordem Não há dúvida de que o fiador é em essência por força da característica de acessoriedade do contrato de fiança um sujeito passivo de segundo grau ou seja um garantidor da obrigação principal Tal ideia fora anunciada logo no início do presente capítulo quando salientamos a natureza jurídica da fiança afirmando tratarse de uma garantia pessoal ou fidejussória acessória da obrigação principal Com isso podemos concluir debruçandonos na essência do instituto que a obrigação do fiador é em princípio meramente subsidiária Vale lembrar a respeito do tema que a subsidiariedade nada mais é do que uma solidariedade com preferência De fato na visão assentada sobre a solidariedade passiva temos uma determinada obrigação em que concorre uma pluralidade de devedores cada um deles obrigado ao pagamento de toda a dívida Nessa responsabilidade solidária há portanto duas ou mais pessoas unidas pelo mesmo débito Na responsabilidade subsidiária por sua vez temos que uma das pessoas tem o débito originário e a outra tem apenas a responsabilidade por este débito Por isso existe uma preferência dada pela lei na fila ordem de excussão execução no mesmo processo primeiro são demandados os bens do devedor porque foi ele quem se vinculou de modo pessoal e originário à dívida não tendo sido encontrados bens do devedor ou não sendo eles suficientes iniciase a excussão de bens do responsável em caráter subsidiário por toda a dívida Vale lembrar que a expressão subsidiária se refere a tudo que vem em reforço de ou em substituição de ou seja não sendo possível executar o efetivo devedor sujeito passivo direto da relação jurídica obrigacional devem ser executados os demais responsáveis pela dívida contraída Obrigação subsidiária traduzse pois como uma verdadeira responsabilidade subsidiária Afinal de contas nem sempre quem tem responsabilidade por um débito se vinculou originariamente a ele por causa de uma relação jurídica principal sendo este justamente o caso do fiador Por isso dispõe ele de um instrumento jurídico eficaz para fazer valer a sua responsabilidade subsidiária o benefício de ordem ou excussão Tratase de uma prerrogativa consistente em um meio de defesa patrimonial pelo qual o fiador demandado pelo credor aponta bens livres e desembargados do devedor para serem excutidos em primeiro lugar Tal é a razão por que como dissemos acima a sua responsabilidade é meramente subsidiária No Código Civil de 2002 confirase o caput do art 827 Art 827 O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir até a contestação da lide que sejam primeiro executados os bens do devedor Notese que o momento processual oportuno para que a defesa seja manejada é a própria contestação em preliminar de mérito por se tratar de uma exceção substancial Não aproveita ao fiador outrossim a indicação genérica impondoselhe a especialização de bens determinados do devedor livres de ônus ou outras garantias reais situados no mesmo município quantos bastem para solver a dívida CC2002 parágrafo único do art 827 Questão interessante diante da evidente subsidiariedade da responsabilidade do fiador é saber como proceder na hipótese de o devedor ter bens livres e desembaraçados mas fora do município Neste caso como a relação contratual é estabelecida diretamente entre fiador e credor entendemos pela aplicação estrita da regra legal que não há benefício de ordem a suscitar E de fato não é sempre que esse benefício pode ser invocado Na forma do art 828 não aproveita este benefício ao fiador a se ele o renunciou expressamente inc I b se se obrigou como principal pagador ou devedor solidário inc II c se o devedor for insolvente ou falido inc III A renúncia é uma declaração de vontade abdicativa de um direito Na hipótese vertente o fiador voluntariamente afasta de si o direito de indicar preferencialmente bens do devedor de maneira que se for demandado primeiro nada poderá alegar É o que também ocorre quando se obriga como principal pagador ou solidariamente vinculase ao cumprimento da obrigação Em ambos os casos é como se estivesse renunciando ao benefício legal 299 Vinculandose solidariamente ao cumprimento da obrigação facultase ao credor demandar diretamente o fiador que poderá ingressar futuramente contra o devedor para haver aquilo que de fato desembolsou Na prática as hipóteses mencionadas dos incisos I e II ocorrem de maneira extremamente comum Em enorme quantidade de contratos verificase que quase como uma cláusula de estilo se promove à renúncia do benefício de ordem figurando o fiador como devedor principal ou principal pagador o que cria a solidariedade entre devedor e fiador Por isso recomendamos a maior cautela possível a todos aqueles que se arvorarem a assumir a posição de fiador de outrem devendo ter o máximo de cuidado ao assinar contratos que registrem tais hipóteses de inaplicabilidade do benefício de ordem A terceira hipótese de impossibilidade de invocação do benefício de ordem é praticamente autoexplicativa Com efeito tal benefício não pode ser alegado se o devedor for insolvente ou falido art 828 III do CC2002 o que significa no final das contas que o devedor não tem mais bens livres e desembargados para solver o débito incidindo portanto na hipótese básica de responsabilidade do fiador 62 Direitos e deveres das partes Em um esforço de sistematização parecenos interessante fazer um breve resumo dos direitos e deveres de cada uma das partes do contrato de fiança que se refere repisese somente ao credor e ao fiador e não ao devedor afiançado A característica de unilateralidade do contrato de fiança por sua vez decorre do fato de a obrigação de garantia do fiador ter alta significação jurídica quase se confundindo com a causa do próprio contrato Todavia ainda assim é possível falar no que diz respeito ao credor de um dever geral de respeitar o benefício de ordem caso seja este aplicável conforme visto no tópico anterior em uma espécie de dever geral de abstenção Da mesma forma o credor só poderá exigir a fiança no termo fixado para a obrigação principal Mas ainda assim entendemos que tais deveres não são tão substanciais a ponto de descaracterizar a unilateralidade do contrato Por outro lado tem o credor o direito de exigir no momento próprio observado portanto o termo da obrigação e se for o caso o mencionado benefício o cumprimento da prestação pelo fiador no caso de descumprimento pelo devedor Ao fiador porém é reservada uma disciplina muito mais minuciosa de deveres A obrigação fundamental do fiador é sem qualquer dúvida responder pela dívida na ausência do devedor Tal obrigação embora estabelecida em função da pessoa do fiador transmitese aos seus herdeiros na forma do art 836 do CC2002 limitandose a responsabilidade até a morte do fiador bem assim cingindose até as forças da herança No que se refere ao quantum entendemos com base no mencionado art 822 que a responsabilidade do fiador se estende aos juros de mora a partir da interpelação e às despesas judiciais a partir da citação Pagando a dívida outrossim por medida de justiça e respeito ao princípio da vedação ao enriquecimento indevido terá o fiador direito de regresso contra o devedor podendo reclamar não somente o valor histórico da dívida mas também todos os acessórios como correção monetária juros despesas com o desembolso e perdas e danos subrogandose nos direitos do credor em aplicação da regra do art 346 III do CC2002 É o que se extrai das previsões dos arts 831 a 833 do CC2002 Art 831 O fiador que pagar integralmente a dívida fica subrogado nos direitos do credor mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota Parágrafo único A parte do fiador insolvente distribuirseá pelos outros Art 832 O devedor responde também perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar e pelos que sofrer em razão da fiança Art 833 O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal e não havendo taxa convencionada aos juros legais da mora Não é demais lembrar neste ponto que o fiador é tipicamente terceiro interessado ou seja titular de um interesse jurídico no cumprimento da obrigação de maneira que pagando subrogase substituise em todos os direitos ações privilégios e garantias do credor originário subrogado art 349 do CC2002 Dessa forma se o credor principal dispunha de garantia real uma hipoteca ou um penhor p ex o fiador passará a detêlas podendo pois tomar as necessárias medidas judiciais para a proteção do seu crédito como se fosse o credor primitivo Nessa linha lembremonos o quanto dispõe o art 350 do CC2002 Art 350 Na subrogação legal o subrogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor senão até a soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor Assim se a dívida vale R 100000 e o terceiro juridicamente interessado fiador obteve desconto e pagou apenas R 80000 com a devida anuência do credor que emitiu quitação plena e irrevogável só poderá exercer os seus direitos e garantias contra o devedor até o limite da soma que efetivamente desembolsou para solver a obrigação R 80000 Não poderá assim cobrar do devedor R 100000 sob pena de caracterizar enriquecimento sem causa ilícito O art 1499 do Código Civil brasileiro de 1916 por sua vez trazia uma interessante regra que não foi prevista na vigente codificação a saber Art 1499 O fiador ainda antes de haver pago pode exigir que o devedor satisfaça a obrigação ou o exonere da fiança desde que a dívida se torne exigível ou tenha decorrido o prazo dentro no qual o devedor se obrigou a desonerálo Embora não haja regra correspondente no CC2002 parecenos razoável propugnar com base na disciplina geral do instituto que pelo menos parte da referida prerrogativa ainda é possível De fato a provocação do fiador ao devedor para satisfazer a obrigação principal é uma consequência lógica do exercício do benefício de ordem O que não é mais aceitável por certo é a parte final do dispositivo quando menciona a possibilidade de o fiador exigir que o devedor o exonere da fiança desde que a dívida se torne exigível ou tenha decorrido o prazo dentro no qual o devedor se obrigou a desonerálo Isso porque como visto a relação contratual da fiança não é mantida entre o fiador e o devedor afiançado mas sim entre o fiador e o credor pelo que somente este último pode desonerálo Baseada porém no mesmo espírito foi mantida a regra de que o fiador detém a prerrogativa de promover o andamento da ação executiva iniciada contra o devedor quando o credor sem justa causa sustar tal andamento ou demorar em sua promoção art 834 do CC2002 No exercício desta prerrogativa passaria o fiador a integrar a lide na condição de terceiro juridicamente interessado Lembrese neste aspecto que a interrupção da prescrição produzida contra o devedor prejudicará o fiador na forma do art 204 3º do CC2002 Finalmente vale destacar a regra do art 837 do CC2002 Art 837 O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor A concepção do dispositivo é muito simples O fiador na defesa de seus interesses está autorizado a opor ao credor não somente aquilo que lhe diz respeito o que é óbvio mas também tudo que se referir à obrigação principal do devedor sejam pessoais ex vícios de consentimento na celebração do contrato principal compensação confusão remissão etc sejam impessoais ex incorreção de valores taxa de juros prescrição etc Excepcionamse da possibilidade de arguição as exceções extintivas da obrigação que decorram de incapacidade pessoal do devedor Nesse caso por exemplo se houver suspeita de que o devedor principal por enfermidade ou deficiência mental não tinha o necessário discernimento para praticar o ato ou então que mesmo por causa transitória não pudesse exprimir sua vontade não poderá o fiador suscitar tais fatos em seu benefício Ressalvase contudo o mútuo feito a pessoa menor pois nessa situação há previsão legal específica de inexigibilidade da prestação seja da obrigação principal seja das acessórias 300 7 FIANÇA CONJUNTA Nada impede que mais de uma pessoa assuma a qualidade de fiador caso em que por expressa determinação legal haverá solidariedade passiva entre elas ressalvada a hipótese de haver previsão contratual em sentido contrário estabelecendo vínculos independentes entre os cofiadores o chamado benefício de divisão 301 Caso seja estipulado tal benefício a teor do parágrafo único do art 829 regente da matéria cada fiador responderá apenas pela parte que lhe couber no pagamento proporcionalmente Assim se três pessoas prestam fiança em face de um débito de R 30000 não havendo estipulado com o credor o benefício de divisão todas responderão solidariamente pela totalidade da dívida No entanto caso figure tal previsão contratual cada um dos cofiadores apenas responderá pela parte que assumiu no contrato de fiança presumindose na situação proposta a terça parte do valor para cada um Nada impede outrossim que assumam proporções desiguais pois dependerá tal providência da autonomia privada das partes envolvidas 302 Mas fique atento o nosso amigo leitor a um importante aspecto A previsão contratual deste benefício de divisão não se confunde com a possibilidade de aplicação do benefício de ordem Tratase de institutos jurídicos distintos Como vimos acima o benefício de ordem ou excussão quando afastado contratualmente dá a qualquer dos cofiadores a prerrogativa de apontar quando demandado bens livres e desembargados do devedor para serem excutidos antes dos seus Finalmente cumprenos lembrar que nos termos do art 831 do CC2002 o fiador que pagar integralmente a dívida ficará subrogado nos direitos do credor mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota Claro está que essa previsão normativa aplicase especificamente para o caso de solidariedade passiva entre os fiadores sendo consequência lógica para evitar o enriquecimento sem causa inclusive que aquele que pagou possa ingressar com ação regressiva dos demais a fim de haver a quota de cada um Tal pretensão nitidamente compensatória manejada no bojo desta actio deverá ser formulada dentro do prazo prescricional de três anos ex vi do disposto no art 206 3º IV do vigente Código Civil Caso todavia qualquer dos fiadores seja insolvente a sua quota será repartida entre os demais parágrafo único do art 831 do CC2002 o que a priori será feito em partes iguais salvo disposição contratual em sentido diverso 8 LIMITAÇÃO TEMPORAL DA FIANÇA Por implicar a constituição de uma garantia a fiança é um contrato essencialmente temporário O fiador não pode ficar eternamente jungido às garras do credor Assim devese respeitar o prazo estabelecido no próprio contrato que em geral corresponde ao prazo estabelecido para o cumprimento da obrigação principal Todavia caso haja sido prestada a fiança sem limitação de tempo poderá o fiador sempre que lhe convier exonerarse da fiança resilição unilateral do contrato remanescendo a sua obrigação durante sessenta dias após a notificação do credor art 835 do CC2002 303 Vale dizer notificado o credor judicial ou extrajudicialmente o fiador ainda garantirá a obrigação do afiançado dentro do prazo legal de sessenta dias tempo este que o legislador considerou suficiente para o credor se for o caso e se assim o entender poder buscar a constituição de nova garantia Nada impede em nosso sentir que seja convencionado prazo maior não estando o fiador obviamente obrigado a aceitálo Importante observação neste particular faz SÍLVIO VENOSA Lembrese de que existe toda uma problemática no direito do inquilinato nesse tema de exoneração do fiador O art 39 da Lei n 824591 dispõe Salvo disposição contratual em contrário qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel Portanto pelo microssistema do inquilinato em interpretação literal não há possibilidade de exoneração do fiador antes da entrega do imóvel locado No entanto notase que o Superior Tribunal de Justiça tem acolhido pretensões nesse sentido aplicando a regra geral da fiança e não a lei especial o que motiva uma reviravolta no sentido da lei locatícia e em princípio coloca em risco esse segmento negocial 304 De fato assistelhe inteira razão consoante concluímos da leitura de um antigo e emblemático julgado que nos remete inclusive à intelecção da Súmula 214 Recurso especial Civil Locação Rescisão contratual Permanência do locatário no imóvel locado Efeitos da fiança Extinção Conhecimento 1 Rescindido o contrato de locação não subsiste o contrato de fiança que lhe é acessório ainda que o locatário permaneça no imóvel 2 Tem prevalecido o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o contrato acessório de fiança deve ser interpretado de forma restritiva vale dizer a responsabilidade do fiador fica delimitada a encargos do pacto locatício originariamente estabelecido A prorrogação do contrato sem a anuência dos fiadores portanto não os vincula Irrelevante acrescentese a existência de cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva entrega das chaves 3 O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu Súmula do STJ Enunciado n 214 4 Recurso conhecido STJ REsp 83566SP DJ 422002 p 576 Rel Min Hamilton Carvalhido julgado em 4102001 6ª Turma Outro importante aspecto a ser considerado ainda neste tópico diz respeito à subsistência da fiança em face de contrato novado Em outras palavras havendo novação a obrigação do fiador permanece Sabemos que o principal efeito da novação é liberatório ou seja a extinção da primitiva obrigação por meio de outra criada para substituíla Em geral realizada a novação extinguemse todos os acessórios e garantias da dívida a exemplo da hipoteca e da fiança sempre que não houver estipulação em contrário art 364 primeira parte do CC2002 Aliás especificamente quanto à fiança o legislador foi mais além ao exigir que o fiador consentisse para que permanecesse obrigado em face da obrigação novada art 366 do CC2002 Quer dizer se o fiador não consentir na novação estará consequentemente liberado Nesse aspecto a regra é coerente e compatível com o já mencionado art 837 do CC2002 uma vez que a novação feita pelo devedor principal poderá ser invocada pelo fiador como uma exceção defesa extintiva da obrigação Da mesma forma vale observar que a ressalva de uma garantia real penhor hipoteca ou anticrese que tenha por objeto bem de terceiro garantidor da dívida só valerá com a anuência expressa deste art 364 segunda parte do CC2002 Ex Caio hipotecou a um banco a sua fazenda em garantia do empréstimo concedido ao seu irmão Tício para a aquisição de uma casa própria Se Tício e a instituição financeira resolverem novar a garantia real hipotecária só persistirá com a expressa anuência de Caio Finalmente no que tange à transmissibilidade da obrigação decorrente da fiança dispõe o art 836 que a obrigação do fiador passa aos seus herdeiros embora a responsabilidade da fiança se limite ao tempo decorrido até a morte do fiador não podendo ultrapassar as forças da herança Relembremos este importante ponto Ainda de acordo com o Código Civil morto o fiador a obrigação que assumiu será transmitida aos seus herdeiros nos limites das forças da herança ou seja caso o montante da dívida ultrapasse o ativo do espólio os sucessores não assumirão o saldo devedor remanescente pois não estão obrigados a responder ultra vires hereditatis Art 1792 O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança incumbelhe porém a prova do excesso salvo se houver inventário que a escuse demonstrando o valor dos bens herdados Em conclusão podemos afirmar que o credor na fiança poderá habilitarse no inventário do fiador para haver o montante da dívida não adimplida pelo devedor principal respeitandose sempre os limites das forças da herança Em sendo pago poderá consequentemente o inventariante na qualidade de representante do espólio e em prol do interesse dos demais herdeiros ingressar com ação regressiva contra o devedor principal 9 FIANÇA E AVAL Parecenos relevante abrir um tópico específico para distinguir a fiança do aval Tratase de uma diferenciação importantíssima pois na prática os institutos são habitualmente confundidos embora tenham disciplina jurídica diferenciada A fiança é como visto uma garantia pessoal contratual de natureza causal É portanto de um pacto acessório com finalidade de garantia do cumprimento da prestação do contrato principal cuja sorte lhe segue Assim nulo o contrato principal nula será a fiança Além disso a responsabilidade na fiança é originalmente subsidiária somente se tornando solidária quando há a hipótese de inaplicabilidade do benefício de ordem Já o aval é uma garantia aposta em título de crédito de natureza abstrata Tem portanto existência autônoma independentemente da sorte do título de crédito avalizado Assim nulo o título de crédito persiste o aval outorgado Nesse sentido observa RUBENS REQUIÃO Se a assinatura da obrigação avalizada for eivada de nulidade e assim declarada persiste o aval concedido ou é ele também nulo Tendo em vista o princípio da independência das assinaturas e da autonomia das relações cambiárias a resposta não pode ser outra senão a de que subsiste o aval que não é atingido pela ineficácia da assinatura que ele garante É o que expressamente dispõe a alínea 2 do art 32 da Lei Uniforme que declara que a obrigação do avalista se mantém mesmo no caso em que a obrigação garantida seja nula por qualquer outra razão que não um vício de forma O aval dado a uma assinatura falsa ou a obrigação assumida por um menor incapaz não é atingida pela nulidade decorrente da falsificação ou da incapacidade do menor 305 Por isso a responsabilidade no aval é equiparada e solidária entre o devedor e o avalista Assim não é adequada a utilização das regras da fiança para o aval 10 FIANÇA E OUTORGA UXÓRIA Importante aspecto envolvendo a fiança encontramos no Direito de Família Exigese para a validade da fiança prestada por fiador casado nos termos do art 1647 do CC2002 outorga uxória autorização conjugal do seu consorte Art 1647 Ressalvado o disposto no art 1648 nenhum dos cônjuges pode sem autorização do outro exceto no regime da separação absoluta I alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis II pleitear como autor ou réu acerca desses bens ou direitos III prestar fiança ou aval IV fazer doação não sendo remuneratória de bens comuns ou dos que possam integrar futura meação Parágrafo único São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada grifos nossos Exceto portanto no regime da separação absoluta exigese a autorização do outro cônjuge caso se pretenda realizar qualquer dos atos elencados neste dispositivo Cumprenos esclarecer que separação absoluta a que se refere o caput do dispositivo sob comento é a separação convencional de bens arts 1687 e 1688 do CC2002 escolhida no pacto antenupcial e não a separação legal ou obrigatória art 1641 do CC2002 pois como se sabe nesta última modalidade de regime admitese a constituição de patrimônio comum nos termos da Súmula 377 do STF 306 não sendo razoável portanto em defesa desta massa de bens adquirida pelo esforço comum dispensarse a outorga No entanto em se tratando de separação convencional em virtude de ambos os cônjuges terem total autonomia patrimonial a vênia conjugal consequentemente é dispensável Nesse sentido com absoluta propriedade NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY Quando a doutrina se refere ao regime da separação absoluta de bens em regra quer referirse ao que foi assim firmado contratualmente por meio de pacto antenupcial A utilização desta terminologia consagrada pela doutrina no texto do CC 1647 caput in fine autoriza o intérprete a dizer que em caso de o casamento terse celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens não incide a exceção à regra No regime da separação obrigatória de bens exigese a autorização do outro cônjuge para a realização dos atos elencados nos incisos que se lhe seguem 307 Outra importante observação para a adequada intelecção da norma diz respeito ao novo regime de participação final nos aquestos Adotado este regime arts 1672 a 1686 do CC2002 dispensase a outorga para a alienação de imóveis a teor do art 1656 do CC2002 caso os cônjuges no pacto antenupcial tenham feito expressa ressalva Art 1656 No pacto antenupcial que adotar o regime de participação final nos aquestos poderseá convencionar a livre disposição dos bens imóveis desde que particulares A exigência da outorga para a fiança no entanto não poderá ser afastada Em síntese temos que apenas se adotado o regime da separação convencional de bens é dispensada a outorga uxória para todos os atos previstos no art 1647 do CC2002 inclusive a fiança Nada impede todavia que o juiz supra a outorga nos termos do art 1648 do CC2002 quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo ou lhe seja impossível concedêla estando hospitalizado p ex A falta de autorização não suprida pelo juiz quando necessária art 1649 do CC2002 tornará anulável o ato praticado podendo o outro cônjuge ou os seus herdeiros art 1650 do CC2002 pleitear lhe a anulação até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal Admitese todavia a ratificação do ato celebrado desde que feita por instrumento público ou particular devidamente autenticado Finalmente cumprenos destacar que o Superior Tribunal de Justiça pacificou acesa polêmica existente no que tange à prestação de fiança sem a devida autorização conjugal Discutiase se a falta da outorga implicaria a invalidade ou ineficácia de todo o ato ou apenas não surtiria efeitos em face do cônjuge prejudicado permitindose assim nesta última hipótese que o credor pudesse excutir a garantia sobre a meação do fiador ou o seu patrimônio pessoal Prevaleceu a primeira corrente no sentido de se invalidar toda a garantia Nesse diapasão consolidando esta linha de entendimento editou o Superior Tribunal de Justiça em 2006 a Súmula 332 com o seguinte enunciado Súmula 332 A anulação de fiança prestada sem outorga uxória implica a ineficácia total da garantia Em nosso sentir claro está que a parte legitimada para arguir a anulação da fiança é o cônjuge que não consentiu e não o fiador pois isso seria arguir em juízo a própria torpeza 11 EXTINÇÃO DA FIANÇA Não há segredos neste tópico A fiança enquanto contrato acessório extinguese em princípio com o pagamento da obrigação principal Além disso podem ser invocadas por óbvio as modalidades extintivas do contrato sejam causas anteriores ou contemporâneas à sua formação ex invalidade sejam supervenientes com a dissolução da obrigação ex por resolução resilição ou rescisão Extinguese também com o advento do seu termo final ou quando como vimos acima houver exoneração da garantia art 835 do CC2002 ou em caso de novação da obrigação principal art 366 do CC2002 Outras situações peculiares foram previstas pelo legislador consoante podemos observar em conclusão a este capítulo no art 838 do CC2002 Art 838 O fiador ainda que solidário ficará desobrigado I se sem consentimento seu o credor conceder moratória ao devedor II se por fato do credor for impossível a subrogação nos seus direitos e preferências III se o credor em pagamento da dívida aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar ainda que depois venha a perdêlo por evicção Tratase de situações bem peculiares de exoneração do fiador Na primeira hipótese inc I concedeuse prazo para o devedor em mora caso em que não seria justo manterse o fiador vinculado além do tempo originariamente previsto e contratado A moratória consiste portanto na concessão de prazo ao devedor afiançado Já no segundo caso inc II tornouse impossível a subrogação legal do fiador por ato imputável ao próprio credor de modo que em tal situação ainda que pagasse o valor devido o fiador não mais poderia gozar das mesmas garantias ou privilégios É o exemplo do credor que deu causa à destruição de um objeto valioso do devedor que lhe fora dado em penhor Ressaltese que consideramos inconveniente a utilização na regra legal da expressão fato do credor o mais técnico seria ato do credor uma vez que se pressupõe uma conduta humana E finalmente na terceira hipótese inc III o credor ao aceitar do devedor objeto diverso daquele originariamente pactuado em nítida configuração da dação em pagamento exonerará o fiador mesmo que venha a perder a coisa por evicção pois não seria razoável exigir do fiador permanecer garantindo dívida cujo objeto fora modificado sem a sua participação Afinal a dação em pagamento é uma forma extintiva da relação jurídica obrigacional que afeta também a obrigação acessória A análise desta terceira hipótese particular de desobrigação da fiança porém traz à baila uma pergunta responde o fiador pelos riscos da evicção na situação de ser o bem evicto justamente o objeto da obrigação principal Notese que é uma situação diferente da anterior pois o que se discutia era o efeito para a fiança da evicção ocorrida com um bem dado como prestação diversa da originalmente pactuada e afiançada em dação em pagamento Aqui perguntase se a relação jurídica contida na fiança se restabelece se após o cumprimento da prestação afiançada entrega de um bem ocorrer a evicção Não há resposta direta no texto legal Para visualizar melhor o tema ora tratado pensemos em um exemplo Fábio afiança com seu patrimônio pessoal a obrigação de Cássio de entregar 10 cabeças de gado a Adelmo Caso Cássio entregue esses bens mas Adelmo seja evicto seria Fábio responsabilizado como fiador Quem entende que não provavelmente se respaldará na regra inscrita no art 819 do CC2002 de que a fiança não admite interpretação extensiva De nossa parte entendemos que operada a evicção a fiança deve ser restabelecida Ancoramos o nosso pensamento no fato de que a evicção posto verificada a posteriori traduz em verdade a perda do bem em face do reconhecimento do direito anterior de outrem Vale dizer o pagamento da dívida operou a transferência de algo que não poderia ser alienado neutralizando completamente os efeitos do suposto adimplemento Teríamos pois aqui uma verdadeira alienação a non domino Assim sendo forçoso convir que o fiador continuará obrigado em face da dívida que não foi tecnicamente paga Por fim ficará exonerado também o fiador art 839 do CC2002 se manejou o benefício de ordem ou excussão e se o devedor retardandose a execução caiu em insolvência cabendo ao fiador provar que os bens por ele indicados eram ao tempo da penhora suficientes para a solução da dívida afiançada Tratase de regra ética que propugna por uma razoável duração do processo postulado erigido pela Emenda Constitucional n 452004 a princípio constitucional 308 pois não é razoável que a insolvência posterior do devedor já em curso a cobrança judicial do crédito venha a prejudicar o fiador que indicou tempestivamente bens livres desembargados e sitos no mesmo município do efetivo sujeito passivo da relação obrigacional XLI TRANSAÇÃO 1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA A transação é um negócio jurídico pelo qual os interessados denominados transigentes previnem ou terminam um litígio mediante concessões mútuas conceito este extraído da própria previsão legal do art 840 do CC2002 que preceitua Art 840 É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas Muita polêmica havia no sistema codificado anterior acerca da natureza jurídica da transação o que justificou inclusive a nota introdutória deste capítulo De fato conforme observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES Divergem os autores sobre a natureza jurídica da transação Entendem uns ter natureza contratual outros porém consideramna meio de extinção de obrigações não podendo ser equiparada a um contrato que tem por fim gerar obrigações Na realidade na sua constituição aproximase do contrato por resultar de um acordo de vontades sobre determinado objeto nos seus efeitos porém tem a natureza de pagamento indireto 309 A polêmica porém está superada com o Código Civil de 2002 que reconhecendo a natureza contratual da transação retiraa do elenco de meios indiretos de pagamento para incluíla no título dedicado às várias espécies de contratos A obrigatoriedade da transação nasce justamente do acordo de vontades cujos sujeitos têm o objetivo de extinguir relações obrigacionais controvertidas anteriores Por isso não se concebe uma retratação unilateral da transação que na forma do art 849 caput do CC2002 só se anula por dolo coação ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa Injustificável porém é a aparente limitação dos vícios de consentimento a ensejar a invalidade da transação uma vez que como negócio jurídico que é deve estar sujeito a todos os princípios da parte geral inclusive a possibilidade de ocorrência v g de simulação fraude contra credores lesão e estado de perigo A importância da manifestação da vontade é tamanha que não se admite discussão sobre eventuais erros de direito a respeito do objeto da transação na forma do parágrafo único do art 849 do CC2002 Todavia a matéria não parece ser de fácil configuração prática sobretudo quando em cada caso concreto o erro de direito mostrase irremediavelmente ligado a uma situação de fato 310 Destaquese que a transação não se confunde com a conciliação De fato conciliar traduz o término do próprio litígio Processualmente quando alcançada pode ser celebrada através de uma transação que passa a ser seu conteúdo 311 Homologada por sentença a transação a ação cabível para sua eventual desconstituição é a ação anulatória e não a ação rescisória exceto quando a sentença aprecia o mérito do negócio jurídico pois aí não seria meramente homologatória 2 ELEMENTOS ANALITICAMENTE CONSIDERADOS Para reconhecer a existência efetiva de uma transação fazse mister a conjunção de quatro elementos constitutivos fundamentais a acordo entre as partes a transação é um negócio jurídico bilateral em que a convergência de vontades é essencial para impor sua força obrigatória Assim sendo é imprescindível o atendimento aos requisitos legais de validade notadamente a capacidade das partes e a legitimação bem como a outorga de poderes especiais quando realizada por mandatário art 661 1º do CC2002 b existência de relações jurídicas controvertidas haver dúvida razoável sobre a relação jurídica que envolve as partes é fundamental para se falar em transação Por isso mesmo é nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado se dela não tinha ciência algum dos transatores ou quando por título ulteriormente descoberto se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação art 850 do CC2002 Como observa SÍLVIO VENOSA qualquer obrigação que possa trazer dúvida aos obrigados pode ser objeto de transação Deve ser elástico o conceito de dubiedade Somente não podem ser objeto de transação em tese as obrigações cuja existência liquidez e valor não são discutidos pelo devedor 312 c animus de extinguir as dúvidas prevenindo ou terminando o litígio através da transação cada uma das partes abre mão de uma parcela de seus direitos justamente para evitar ou extinguir o conflito Essa é a ideia regente do instituto d concessões recíprocas como a relação jurídica é controversa não se sabendo de forma absoluta de quem é a razão as partes para evitar maiores discussões cedem mutuamente Se tal não ocorrer inexistirá transação mas sim renúncia desistência ou doação 3 CARACTERÍSTICAS Fixado o conceito natureza e elementos da transação é preciso enunciar suas principais características da mesma forma que fizemos com todas as demais modalidades contratuais Com o advento do Código Civil de 2002 a transação passou a ser regulada como uma modalidade contratual típica e nominada incluída expressamente no título dedicado às várias espécies de contratos Tratase evidentemente de um contrato bilateral em função das concessões recíprocas comutativo na equivalência das obrigações assumidas e oneroso em que o benefício recebido por um deve corresponder a um sacrifício patrimonial do outro A lógica de uma transação é de que ela seja um contrato paritário tendo as partes iguais condições de negociação para estabelecer livremente as cláusulas contratuais sobretudo no que diz respeito às concessões de cada um A classificação em contratos evolutivos não é adequada para a transação Disso se depreende que dentro das características peculiares da transação está a sua indivisibilidade uma vez que ela deve ser considerada como um todo sem possibilidade de fracionamento pelo que na forma do art 848 caput do CC2002 sendo nula qualquer das cláusulas da transação nula será esta Destaquese porém que o parágrafo único do mesmo artigo ao estabelecer que quando a transação versar sobre diversos direitos contestados independentes entre si o fato de não prevalecer em relação a um não prejudicará os demais acaba admitindo a validade de certas cláusulas da transação quando demonstrada a sua autonomia em relação à invalidada Mutatis mutandis o raciocínio é o mesmo no que diz respeito à equação financeira do contrato pois além da indivisibilidade a interpretação da transação deve ser sempre restritiva na forma do art 843 do CC2002 Art 843 A transação interpretase restritivamente e por ela não se transmitem apenas se declaram ou reconhecem direitos Tal regra inviabiliza a utilização da analogia ou interpretação extensiva uma vez que por envolver concessões recíprocas e por isso renúncias mútuas presumese que a disposição foi feita da forma menos onerosa possível Assim como a transação é de interpretação restritiva não há como a recompor posteriormente sob pena de violação de tal regra e da anterior da indivisibilidade Da análise do dispositivo supratranscrito ainda pode ser registrada como característica da transação a sua natureza declaratória em que apenas se certifica a existência de determinados direitos e situações jurídicas Tal regra todavia não pode ser interpretada isoladamente mas sim em conjunto com o art 845 do CC2002 que admite a renúncia ou a transferência de coisa pertencente a um dos transigentes o que importa porém nos riscos da evicção Confiramos o mencionado dispositivo legal Art 845 Dada a evicção da coisa renunciada por um dos transigentes ou por ele transferida à outra parte não revive a obrigação extinta pela transação mas ao evicto cabe o direito de reclamar perdas e danos Parágrafo único Se um dos transigentes adquirir depois da transação novo direito sobre a coisa renunciada ou transferida a transação feita não o inibirá de exercêlo Assim caso se opere a evicção não se ressuscitará a obrigação original convertendose a obrigação extinta em perdas e danos Exemplificando com a mesma hipótese já enunciada no volume II A transigindo em processo de separação litigiosa transfere determinado bem imóvel do seu patrimônio pessoal à sua esposa B em contrapartida à diminuição do valor da pensão alimentícia Posteriormente um terceiro logra êxito na ação reivindicatória da coisa ajuizada contra a separanda consumando os riscos da evicção Nesse caso não reviverá a obrigação da pensão alimentícia cabendo a B apenas ajuizar ação indenizatória contra A Registrese para a adequada compreensão do parágrafo único do referido art 845 do CC2002 ser preciso ter em mente que a transação não retira do comércio o seu objeto pelo que no exemplo supra se não ocorrer a evicção nada impede que A venha a adquirir algum direito sobre o bem transferido como v g a penhora de rendas de aluguel do imóvel por força de execução fundamentada em título distinto ajuizada contra a sua exesposa A transação é admitida amplamente em relações jurídicas civis e comerciais havendo algumas restrições em função de normas cogentes de interesse público nos contratos trabalhistas consumeristas e administrativos a depender de cada situação Isso porque como veremos da análise do art 841 do CC2002 só se admite a transação quanto a direitos patrimoniais de caráter privado No que diz respeito à forma a depender das obrigações em discussão a transação poderá ser tanto solene quanto não solene conforme os interesses em conflito como se infere do art 842 do CC2002 313 que será aprofundado em tópico posterior O mencionado art 843 do CC2002 que explicita que pela transação não se transmitem mas apenas se declaram direitos já demonstra que se trata de um contrato consensual pois se consuma com a sua celebração ainda que a execução seja diferida Quanto ao número de sujeitos envolvidos a transação pode ser tanto individual referindose a uma estipulação entre pessoas determinadas ainda que em número elevado mas consideradas individualmente quanto coletiva também chamado de contrato normativo alcançando grupos não individualizados reunidos por uma relação jurídica ou de fato Em relação ao tempo a transação é um contrato instantâneo pois seus efeitos são produzidos de uma só vez Admitese obviamente porém que a execução do quanto pactuado possa darse tanto ipso facto à avença como em data posterior à celebração subdividindose assim tal classificação em contratos instantâneos de execução imediata ou de execução diferida Tratase também como a maioria das formas contratuais previstas no Código Civil brasileiro de um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade caso sejam considerados inexistentes ilícitos ou imorais Pela função econômica entendemos que se trata de um contrato de prevenção de riscos pois as partes ao fazerem concessões recíprocas para prevenir ou terminar um litígio assumem obrigações com o intuito de evitar o risco potencial da demanda Por fim tratase de um contrato principal e definitivo uma vez que não depende de qualquer outra avença bem como não é preparatório de nenhum outro negócio jurídico 4 ESPÉCIES A transação pode materializarse em duas espécies de acordo com o momento em que for realizada De fato ocorrendo previamente à instauração de um litígio falase em transação extrajudicial que visa portanto prevenilo Exemplificando se A colide seu carro com o veículo de B causandolhe lesões ficará obrigado a indenizálo Todavia o valor dessa indenização pode variar de acordo com a cotação que se fizer no mercado para reparação das peças danificadas bem como é possível que tenham ocorrido danos materiais e morais ainda não estimados pecuniariamente Convencionando A e B o pagamento da quantia de R 500000 pelo primeiro ao segundo com quitação de todas as obrigações geradas evitarão a ocorrência de uma demanda judicial A transação poderá ser porém judicial se a demanda já tiver sido aforada Exemplificando A ajuíza ação demarcatória em face de B por divergir da exata divisão de seus terrenos Ocorrendo convergência de vontades após esse momento considerarseá judicial a transatio Como observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES a transação será classificada como judicial mesmo se obtida no escritório de um dos advogados e sacramentada em cartório por instrumento público por envolver direitos sobre imóveis 314 5 FORMA Sobre a forma da transação como mencionamos em tópico anterior esta pode variar de acordo com o interesse versado no conflito De fato estabelece o art 842 do CC2002 Art 842 A transação farseá por escritura pública nas obrigações em que a lei o exige ou por instrumento particular nas em que ela o admite se recair sobre direitos contestados em juízo será feita por escritura pública ou por termo nos autos assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz Recomendamos no caso da transação extrajudicial que sejam observados os requisitos dos incisos III ou IV do art 784 do CPC2015 315 de forma a garantir a sua executoriedade no caso de eventual inadimplemento posterior 6 OBJETO Como visto somente podem ser objeto de transação direitos patrimoniais de caráter privado art 841 do CC2002 Dessa forma os direitos indisponíveis os relativos ao estado e à capacidade das pessoas os direitos puros de família e os direitos personalíssimos não podem ser objeto de transação pois esta é direcionada para direitos que estão dentro do comércio jurídico Como critério básico para se verificar se determinados direitos podem ser objeto de transação basta analisar se os mesmos estão no campo da disponibilidade jurídica ou não Assim por exemplo ninguém poderá negociar com um direito personalíssimo Nada impede porém que uma compensação pecuniária por um dano moral sofrido seja objeto de transação Da mesma forma o direito aos alimentos é insuscetível de transação Nada impede porém que haja concessões recíprocas quanto ao valor devido desde que não importe renúncia até mesmo pelo fato de que não há preceito legal estabelecendo qual é o valor mínimo necessário para a contribuição de alguém para o sustento de outrem Por fim vale registrar que como negócio jurídico que é nada impede que no instrumento de transação seja estabelecida uma cláusula penal como autorizado pelo art 847 do CC2002 A previsão legal inclusive é despicienda uma vez que reconhecida a natureza jurídica contratual da transação a ela se aplicam todas as regras pertinentes 7 EFEITOS A transação é limitada aos transatores produzindo entre eles efeito semelhante à da coisa julgada O art 1030 do Código Civil de 1916 todavia trazia menção expressa a tal efeito e mesmo não sendo repetida a disposição na atual codificação civil é certo que tal força decorre muito mais do instituto e da natureza contratual do que de mera referência legal Justamente por isso gera a extinção dos acessórios até mesmo porque a relação obrigacional controvertida foi extinta pela transação a teor do art 844 do Código Civil XLII COMPROMISSO 1 CONCEITO DE COMPROMISSO Compromisso é um negócio jurídico mediante o qual os pactuantes se obrigam a submeter um litígio que os envolveu a uma solução consistente no estabelecimento de uma ou mais obrigações Este é o conceito que se extrai do art 851 do CC2002 Art 851 É admitido compromisso judicial ou extrajudicial para resolver litígios entre pessoas que podem contratar Por outro lado poderíamos conceituar o compromisso de maneira mais restrita como simplesmente um negócio jurídico mediante o qual os pactuantes se obrigam a submeter o litígio que os envolveu a um terceiro Tal conceito todavia limitaria a aplicação do instituto à arbitragem o que se é aceitável do ponto de vista históricopragmático não é possível em uma concepção científica Com efeito o compromisso embora historicamente ligado a um procedimento arbitral não se esgota nele pois em verdade tratase de um pacto em que os sujeitos envolvidos em uma disputa admitem celebrar pela autonomia da vontade um contrato para pôr fim ao conflito Notese ainda a indubitável proximidade do compromisso com a transação Ressaltese contudo que os institutos embora próximos não se confundem pois a transação importa necessariamente em concessões recíprocas o que não necessariamente estará presente no compromisso Assim a renúncia de direitos ou o reconhecimento da procedência das alegações da parte contrária encontra confortável guarida no instituto contratual do compromisso não se enquadrando tecnicamente no conceito de transação Por isso mesmo é que consideramos que o Termo de Ajustamento de Conduta TAC concebido no 6º do art 5º da Lei n 734785 Lei de Ação Civil Pública 316 por força da redação dada pelo Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 pode ser enquadrado sem problemas no conceito doutrinário de compromisso uma vez que não importa em concessões mas sim em verdadeira confissão com a admissão das alegações do parquet e a assunção do dever de adequarse ao comportamento exigido Vale registrar ainda que o TAC não poderia ser enquadrado como transação também pela circunstância de que ao Poder Público somente é possível transigir mediante autorização legal não havendo tal óbice para o compromisso Aliás há outras modalidades que se enquadram perfeitamente no nosso conceito legal de compromisso que não se confundem com o Termo de Ajustamento de Conduta Sobre o tema disserta GEISA DE ASSIS RODRIGUES Na mesma tendência de se admitir a conciliação na tutela de direitos transindividuais foram previstos dois tipos de compromisso na Lei 888494 o compromisso de cessação de atividades e o compromisso de desempenho Como consideramos que o primeiro é uma espécie de ajustamento de conduta o estudaremos mais adiante O compromisso de desempenho todavia tem algumas peculiaridades que o distinguem do ajustamento de conduta A lei permite que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE autorize atos que em tese poderiam prejudicar o direito transindividual da livre concorrência desde que sejam atendidas algumas condições específicas que demonstrem que a conduta empresarial possa ensejar um benefício maior para o sistema do que o eventual comprometimento desse valor A norma expressamente supõe a ponderação de bens e valores de relevo para o ordenamento jurídico Ao que parece há uma amplitude maior de negociação na celebração do compromisso de desempenho do que no ajustamento de conduta Neste último o objetivo é adequar à conduta do agente que violou ou está ameaçando de violar um direito transindividual às prescrições legais sem admitir a consolidação da violação para fim de se proteger outros direitos No compromisso de desempenho todavia é possível a limitação a um direito transindividual o da livre concorrência desde que a não realização da conduta possa ser mais prejudicial a outros interesses igualmente tutelados pelo sistema Por exemplo podese admitir a fusão de duas empresas nacionais ainda que resulte em domínio de parte do mercado para proteger a empresa nacional em face de suas concorrentes internacionais ou para preservar o nível de emprego desde que a empresa se comprometa formalmente a cumprir os objetivos fixados bem como a distribuição equitativa dos benefícios a preservação da concorrência de parte substancial e se observem os limites necessários Ademais o compromisso de desempenho sempre deve levar em conta os direitos dos consumidores Resta demonstrada a característica tão bem evidenciada por Mancuso de conflituosidade objetiva dos direitos transindividuais Ao contrário do ajuste de conduta que pode versar sobre qualquer tipo de matéria o desempenho de conduta é restrito à proteção dos valores da ordem econômica e só pode ser celebrado pelo CADE Somese a isso o fato de o compromisso de desempenho não constituir por si só um título executivo extrajudicial posto que o que a lei dota de eficácia executiva é a decisão do Plenário do CADE que comina multa ou impõe a obrigação de fazer e de não fazer 317 É importante salientar finalmente que somente o compromisso é o instrumento hábil para se dar início à arbitragem como forma de solução dos conflitos patrimoniais em que estão envolvidos os pactuantes elegendose um terceiro não interessado para propor e impor um termo final às controvérsias 2 CARACTERÍSTICAS Fixado o conceito desta modalidade contratual agora positivada como típica e nominada é preciso enunciar como fizemos nos capítulos anteriores suas principais características Quanto à natureza da obrigação o compromisso é a priori bilateral uma vez que implica direitos e obrigações para ambos os contratantes Todavia no caso de renúncia ou reconhecimento da procedência integral das alegações da parte contrária é possível sim falarse em um compromisso unilateral Da mesma forma referindose o compromisso a direitos patrimoniais disponíveis temos que se caracteriza aparentemente como um contrato oneroso correspondendo cada benefício recebido a um sacrifício patrimonial Nada impede porém que por exceção como no mencionado Termo de Ajustamento de Conduta falese em contrato gratuito ou benéfico em que somente uma das partes auferirá benefício a sociedade representada pelo MP enquanto a outra arcará com toda a obrigação Mesmo na situação do compromisso arbitral em que não se pode antecipar o conteúdo da manifestação do árbitro o contrato não deixa de ser comutativo pois não há risco da não ocorrência do resultado mas apenas de que ele lhe seja desfavorável o que definitivamente não o caracteriza como contrato aleatório O compromisso é uma modalidade contratual que pressupõe a manifestação livre de vontade das partes com iguais condições de negociação motivo pelo qual somente conseguimos vislumbrálo na modalidade paritária Confessamos que não vemos com bons olhos a ideia de um compromisso estabelecido em contrato de adesão O conceito de contrato evolutivo não é aplicável ao compromisso uma vez que pressupõe uma equação financeira o que inexiste nesta modalidade contratual O compromisso é um típico contrato civil ou comercial não sendo bemvisto em relações trabalhistas 318 ou consumeristas pelo reconhecimento da desigualdade dos sujeitos envolvidos Nas relações administrativas o campo de dispositividade é menor mas nada impede que seja estabelecido o compromisso do particular em face do Poder Público desde que não importe em concessão pela Fazenda Pública Quanto à forma o compromisso é um contrato não solene e consensual uma vez que não exige formalidade específica para ser validado concretizandose com a simples manifestação de vontade regra geral Quanto à importância da pessoa do contratante para a celebração do contrato o compromisso é a priori realizado intuitu personae ou seja celebrado em função da pessoa do contratante que tem influência decisiva para o consentimento do outro Nessas circunstâncias é razoável afirmar inclusive que a pessoa do contratante tornase um elemento causal do contrato No que diz respeito à produção de efeitos ainda que se admita a transmissão das consequências pecuniárias do compromisso como por exemplo a morte de um dos contratantes isso não retira o seu caráter personalíssimo pois o contrato se perfez com a presença das partes O compromisso quanto ao número de sujeitos envolvidos pode ser individual referindose a uma estipulação entre pessoas determinadas mesmo que em número elevado mas consideradas individualmente ou coletivo alcançando grupos não individualizados reunidos por uma relação jurídica ou de fato No que tange ao tempo o compromisso é um contrato instantâneo já que seus efeitos são produzidos de uma só vez Admitese porém que a execução do quanto pactuado possa darse tanto ipso facto à avença como em data posterior à celebração subdividindose tal classificação em contratos instantâneos de execução imediata ou de execução diferida Cuidase também como a maioria das formas contratuais previstas no Código Civil brasileiro de um contrato causal cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade no caso de serem considerados inexistentes ilícitos ou imorais Pela função econômica entendemos que se trata de um contrato de prevenção de riscos pois as partes estabelecem o compromisso justamente para evitar os riscos potenciais e econômicos do conflito até então existente Finalmente tratase de um contrato principal e definitivo visto que não depende de nenhuma outra avença bem como não é preparatório de nenhum outro negócio jurídico 3 NATUREZA JURÍDICA Para se vislumbrar a natureza jurídica do compromisso é preciso diferenciálo mais uma vez da arbitragem No primeiro temos um negócio jurídico em que pela manifestação da vontade as partes estabelecem que um terceiro irá resolver as suas divergências Assim a natureza jurídica contratual do compromisso é para nós evidente abrangendo todas as situações em que os pactuantes pretendem pôr fim a uma querela pela manifestação conjugada de suas vontades Já a arbitragem em si mesma é um mecanismo de solução de conflitos E tem natureza jurisdicional por dizer o direito aplicável ao caso concreto reconhecendose a possibilidade de quebra do monopólio estatal da jurisdição 319 4 O COMPROMISSO NO PROCEDIMENTO DA ARBITRAGEM Sem qualquer intenção de pormenorizar a Lei n 930796 que disciplina a arbitragem no Brasil por não ser o objeto do presente capítulo acreditamos ser bastante válido destacar alguns aspectos importantes da sua atual disciplina para compreendermos a inserção do compromisso em seu procedimento No que diz respeito aos limites de atuação da arbitragem o art 1º da Lei preceitua que as pessoas capazes de contratar poderão valerse da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis A capacidade mencionada para contratar é a civil na forma dos arts 3º e 4º do CC2002 Nesse aspecto a previsão é visivelmente combinada com a mencionada constante do art 851 do CC2002 A limitação da utilização do instituto é quanto ao tipo de litígio pois ele é inaplicável a dissídios que não tenham natureza patrimonial no que é seguido pela previsão do art 852 do CC2002 que estabelece Art 852 É vedado compromisso para solução de questões de estado de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial Anteriormente ao conflito as partes poderão estabelecer para o caso de seu eventual surgimento que será ele resolvido por arbitragem Tal estabelecimento se dará através da cláusula compromissória cujo conceito está expresso no art 4º da Lei n 930796 nos seguintes termos Art 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometemse a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal contrato Tal estipulação vincula as partes em função da autonomia da vontade e do princípio geral do direito do pacta sunt servanda podendo ser exigido judicialmente o cumprimento do estipulado no caso a submissão do conflito outrora previsto e agora existente ao Juízo arbitral E embora não se adote a expressão o fato é que tal instituto se enquadra como uma luva na previsão do contrato de compromisso Surgindo realmente o conflito os litigantes celebraram compromisso arbitral entendido este como a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas podendo ser judicial ou extrajudicial art 9º O conteúdo deste compromisso está previsto na Lei onde constam elementos obrigatórios art 10 e facultativos art 11 o que deve ser cuidadosamente observado Assim tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral propriamente dito enquadram se como visto na previsão legal de compromisso sendolhes aplicável por óbvio a sua disciplina Notese que os árbitros apesar de naturalmente privados terão características semelhantes impedimentos suspeições etc às do julgador estatal conforme se pode verificar dos arts 13 a 18 da Lei de Arbitragem Os arts 19 a 22 tratam do procedimento arbitral stricto sensu o qual como já dissemos pode ser regulado pelas próprias partes ou na ausência de estipulação expressa ter sua disciplina delegada ao árbitro ou ao tribunal arbitral institucional Já os arts 23 a 33 se referem à sentença arbitral propriamente dita que como verificado no já transcrito art 18 é irrecorrível no mérito não havendo necessidade de homologação pelo Poder Judiciário inovação legal das mais importantes para a consolidação desta forma de solução de conflitos 320 Salientese outrossim que a sentença arbitral cujos requisitos e elementos estão previstos nos arts 24 a 29 tem realmente a força de uma sentença judicial sendo por força de lei título executivo 321 judicial tendo em vista a referência à sentença arbitral no inciso VI do art 515 do CPC2015 Um dado que merece destaque por demonstrar o caráter célere da arbitragem é o fato de que a sentença arbitral tem prazo estipulado para ser proferida sob pena de nulidade o que implicaria a perda dos honorários do árbitro que teria portanto o maior interesse na prolação rápida da decisão Apenas a título de curiosidade ressaltese que a Lei de Arbitragem no seu art 30 traz a previsão de ajuizamento de uma espécie de Embargos Declaratórios para o caso sempre possível de erro material obscuridade dúvida contradição ou omissão na sentença arbitral incs I e II 5 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE COMPROMISSO Não há maior interesse acadêmico em dissertar sobre a extinção do contrato de compromisso Com efeito pela sua natural característica de contrato instantâneo e consensual a sua celebração já consuma o negócio jurídico gerando efeitos imediatamente Mesmo na excepcional situação em que se pactue para o cumprimento do compromisso um pagamento em prestações ou seja parcelas de trato sucessivo ainda assim o negócio jurídico continuará válido tendo apenas a sua execução diferida XLIII ATOS UNILATERAIS 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS No campo dos atos jurídicos negociais como fontes de obrigações ao lado dos contratos encontram se as declarações unilaterais de vontade Entendidas estas como manifestações volitivas unilaterais constituem exceção à regra geral do concurso de vontades para o estabelecimento de obrigações Por isso mesmo embora reconhecidas como fontes de obrigações têm seu rol limitado às previsões legais o que não quer dizer que se adstringem à disciplina específica do Código Civil brasileiro De fato sob o título VII Dos Atos Unilaterais disciplina o CC2002 a promessa de recompensa a gestão de negócios o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa No título seguinte concernente aos títulos de crédito trata do título ao portador do título à ordem e do título nominativo também espécies de declaração unilateral de vontade Anotese por fim que a própria constituição de fundação pode ser considerada decorrência de um ato unilateral de vontade Trataremos das duas mais comuns formas de atos unilaterais a promessa de recompensa e a gestão de negócios Vamos a elas 2 PROMESSA DE RECOMPENSA Prevista expressamente nos arts 854 a 860 do CC2002 entendese tal instituto como a obrigação instituída pelo anúncio público de promessa de gratificação ao preenchimento de condição ou desempenho de serviço conceito extraído do disposto no art 854 do CC2002 Assim se A dono do cachorro Scooby declara publicamente que recompensará com R 1000000 quem encontrar o seu animal de estimação perdido B realizando tal proeza passará a ter o direito subjetivo de exigir a prestação Tal direito nasce inclusive mesmo que o serviço seja realizado ou a condição satisfeita sem o interesse direto ou declarado pela recompensa na forma do art 855 do CC2002 Na precisa observação de CARLOS ROBERTO GONÇALVES se o seu valor não tiver sido estipulado pelo promitente e não houver acordo entre as partes será ele fixado pelo juiz 322 21 Pressupostos de validade Como negócio jurídico que é embora unilateral a promessa de recompensa deve atender aos pressupostos de validade dos negócios jurídicos em geral Para que uma promessa de recompensa se torne obrigatória fazse mister a concorrência de quatro requisitos a Publicidade da Recompensa se a intenção unilateral de gratificar quem realizar tal tarefa se limitar ao âmbito da intimidade do indivíduo não há que se falar em enquadramento na previsão legal Tal requisito traduz a forma adequada para a validade do negócio jurídico Ressaltese porém que a ideia de anúncio público não se resume a editais em jornais ou publicação assemelhada podendo se dar por exemplo pela afirmação em alto e bom som da promessa de gratificação de A em um auditório lotado para quem encontrar o men cionado cãozinho perdido b Objeto Lícito Possível e Determinado ou Determinável como requisito de validade do negócio jurídico em geral não se admitiria por exemplo que A prometesse gratificar quem matasse a pessoa que roubou seu cãozinho de estimação objeto ilícito quem atravessasse a nado o Oceano Atlântico debaixo dágua sem equipamento próprio objeto impossível ou trouxesse uma coisa em que está pensando objeto indeterminável juridicamente c Promessa Emanada de Sujeito Capaz não pode obrigar a promessa feita por menor absolutamente incapaz ou por quem por causa de patologia ou mesmo causa transitória não tiver condições de exprimir a vontade Exemplificando se alguém completamente embriagado ou sem discernimento pelo uso de drogas promete gratificação a quem prestar determinado serviço tal declaração de vontade não pode ser considerada válida d Manifestação de Vontade Livre e de Boafé é inválida por exemplo a promessa de recompensa emanada de quem foi coagido a emiti la ou se a manifestação fora obtida dolosamente 22 Possibilidade de revogação Manifestada a declaração unilateral de vontade na forma de promessa de recompensa pode ser revogada mas somente se o promitente o fizer pela mesma via em que a declarou Assim se A prometeu recompensar alguém por meio de jornal de grande circulação pela tarefa de encontrar seu animal de estimação somente mediante nova publicação na mesma fonte poderá se desobrigar Tal afirmação deve ser temperada com a questão da boafé pois se o serviço já tiver sido realizado ou a condição já tiver sido preenchida por terceiro informado o fato ao promitente parecenos que a revogação não mais será possível Tanto isso é lógico que se o candidato de boafé houver feito despesas para tentar atender à condição ou realizar o serviço terá direito ao reembolso na forma do parágrafo único do art 856 do CC2002 Cumprenos advertir outrossim que por expressa regra legal art 856 caput do CC2002 se o promitente houver assinado prazo à execução da tarefa entenderseá que renuncia o arbítrio de retirar durante ele a oferta 23 Concorrência de interessados Se houver concorrência de interessados é preciso verificar se houve sucessividade ou concomitância Caso o ato tenha sido praticado por mais de um indivíduo terá direito à recompensa aquele que primeiro o praticou art 857 do CC2002 Se a hipótese porém for de concomitância será necessário verificar se a coisa prometida é divisível caso seja como por exemplo na promessa de pagamento de gratificação pecuniária dividirseá a coisa prometida em partes iguais entre os concorrentes sendo indivisível conferirseá por sorteio estabelecendo a parte final do art 858 do CC2002 que o que obtiver a coisa dará ao outro o valor do quinhão 24 Concursos com promessa pública de recompensa É muito comum como forma de estímulo à produção cultural artística literária ou científica a realização de concursos públicos com promessas de recompensa Nesses casos é também condição essencial de validade na forma do art 859 caput do CC2002 a estipulação de um prazo no qual pela regra geral não se poderá admitir revogação Em casos como tais deverá ser nomeada uma pessoa como julgador para avaliar os trabalhos inscritos obrigando sua decisão aos interessados sendo que na falta de designação de tal pessoa na declaração pública p ex no edital de convocação de interessados entenderseá que o promitente se reservou essa função art 859 2º do CC2002 Na hipótese de empate e não havendo regra específica na declaração de vontade devem ser observadas as regras estabelecidas para a concorrência de interessados arts 857 e 858 do CC2002 Destaquese por fim que as obras premiadas em tais concursos somente pertencerão ao promitente se assim for estipulado na publicação da promessa art 860 do CC2002 3 GESTÃO DE NEGÓCIOS O Código Civil de 2002 incluiu no Título destinado aos atos unilaterais a gestão de negócios arts 861 a 875 alterando a diretriz da codificação anterior que incluía o instituto na relação dos contratos nominados Conceitualmente aproveitando a regra positivada do art 861 do CC2002 entendese por gestão de negócios a atuação de um indivíduo sem autorização do interessado na administração de negócio alheio segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono assumindo a responsabilidade civil perante este e as pessoas com que tratar Tal responsabilidade é tamanha que na forma do art 862 do CC2002 se a gestão foi iniciada contra a vontade expressa ou presumível do interessado responderá o gestor até pelos casos fortuitos não provando que teriam sobrevindo de qualquer maneira Nesse caso conforme prevê o art 863 do CC2002 se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito poderá o dono do negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior ou o indenize da diferença Isso tudo demonstra o alto risco ínsito na atividade do gestor A gestão de negócios se dá por exemplo quando alguém desaparece sem dar notícias e um terceiro gestor fica administrando seus bens sem determinação específica nesse sentido antes de ser instituída a curadoria de tal massa patrimonial no processo de declaração de ausência Tratase portanto de instituto muito semelhante ao mandato tácito mas deste se distingue pela inexistência de prévia avença por ser sempre gratuito e depender de ratificação aprovação pelo dono do negócio do comportamento do gestor Esta pode ser expressa ou tácita quando ciente da gestão e podendo desautorizála silencia como observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES 323 Talvez por isso mesmo a ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão e produz todos os efeitos do mandato conforme preceitua o art 873 do CC2002 Além de trazer regras gerais disciplinadoras de gestão de negócios a legislação codificada também traz duas hipóteses que devem ser consideradas a título meramente exemplificativo de tal instituto no caso da pessoa que presta alimentos no lugar de alguém obrigado e que estava ausente bem como de despesas funerárias feitas por terceiro arts 871 e 872 do CC2002 324 31 Obrigações do gestor e do dono do negócio Embora a gestão de negócios tenha sido estabelecida unilateralmente por ato do gestor o fato é que gera obrigações não somente para este mas também para o dono do negócio Em relação ao gestor até mesmo pela semelhança entre os institutos as obrigações são equivalentes às do mandatário destacando a Codificação Civil os seguintes deveres a assim que possível comunicar ao dono do negócio a gestão que assumiu aguardandolhe a resposta se da espera não resultar perigo art 864 do CC2002 b velar pela gestão do negócio enquanto o dono ou seus herdeiros se o titular do negócio falecer não tomarem providências art 865 do CC2002 c responder pelos prejuízos causados por qualquer culpa na gestão do negócio art 866 do CC2002 d responder pelos prejuízos causados por seus eventuais substitutos sem prejuízo das ações que a ele ou ao dono do negócio possam caber art 867 do CC2002 A hipótese é aplicável inclusive para quando houver mais de um gestor sendo solidária a responsabilidade civil na forma do parágrafo único do mesmo artigo Lembrese de que a solidariedade não se presume nunca resultando da lei ou da vontade das próprias partes e responder pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas ainda que o dono costumasse fazêlas ou quando preterir interesse deste em proveito de interesses seus art 868 do CC2002 tal dever demonstra consoante já observamos o alto risco que envolve a atividade do gestor que deverá atuar com redobrada cautela na condução da atividade negocial alheia Se o negócio for considerado utilmente administrado terá o seu dono por sua vez as seguintes obrigações a indenizar o gestor das despesas necessárias e úteis que tiver feito bem como dos prejuízos que houver sofrido arts 868 parágrafo único e 869 do CC2002 b cumprir as obrigações contraídas em seu nome o que é a regra geral do negócio utilmente administrado mas também exigível quando a gestão se proponha a acudir prejuízos iminentes ou redunde em proveito do dono do negócio ou da coisa art 870 do CC2002 Nesses casos porém a indenização devida ao gestor não excederá em importância às vantagens obtidas com a gestão Caso a gestão não tenha sido aprovada regerseá como se iniciada contra a vontade manifesta ou presumida do interessado ressalvada a hipótese de ser uma gestão necessária para acudir a prejuízos iminentes ou de redundar em proveito do dono do negócio ou da coisa consoante já explicitado anteriormente Registrese finalmente que na forma do art 875 do CC2002 se os negócios alheios forem conexos ao do gestor de tal arte que se não possam gerir separadamente haverseá o gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de envolta com os seus mas nesse caso aquele em cujo benefício interveio o gestor só é obrigado na razão das vantagens que lograr Tratase de dispositivo que na prática é de complexa aplicação No caso a atividade do gestor por qualquer razão encontrase vinculada à do terceiro cujo negócio será administrado Por força desse dispositivo de lei considerarseá o gestor sócio desse terceiro cabendo ao magistrado a difícil missão de traçar em caso de eventual litígio os limites da atividade de cada um A intenção do legislador foi boa embora a concretização do comando normativo não temos dúvida nem sempre redunde em fácil solução da lide XLIV ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E PAGAMENTO INDEVIDO 1 ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA Em primeiro lugar é preciso estabelecer o significado jurídico da expressão enriquecimento sem causa Discorrendo sobre o tema ainda sob a égide do Código de 1916 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA afirma que muito embora a literatura jurídica nacional reclame a sistematização do instituto do enriquecimento sem causa que alguns confundem com a ideia de ilícito mas sem razão porque a dispensa verdade é que todas as hipóteses previstas pelos construtores da teoria estão disciplinadas no nosso Direito em ligação com a instituição que mais se lhe avizinha 325 No sistema brasileiro o enriquecimento ilícito traduz a situação em que uma das partes de determinada relação jurídica experimenta injustificado benefício em detrimento da outra que se empobrece inexistindo causa jurídica para tanto É o que ocorre por exemplo quando uma pessoa de boafé beneficia ou constrói em terreno alheio ou bem assim quando paga uma dívida por engano Nesses casos o proprietário do solo e o recebedor da quantia enriqueceramse ilicitamente à custa de terceiro Tal concepção foi albergada pelo atual Código Civil brasileiro que estabeleceu expressamente Art 884 Aquele que sem justa causa se enriquecer à custa de outrem será obrigado a restituir o indevidamente auferido feita a atualização dos valores monetários Parágrafo único Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada quem a recebeu é obrigado a restituíla e se a coisa não mais subsistir a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido O princípio que veda o enriquecimento sem causa inspirase desde o Direito Romano em regras de equidade aplicandose às ações condictiones pelas quais devia aquele que se locupletasse com a coisa alheia restituíla a seu dono iure naturae aequum est neminem cum alterius detrimento et injuria fieri locupletiorem Todas as hipóteses conhecidas eram envolvidas na epígrafe ampla das condictiones sine causa denominação que permitiu aos juristas modernos generalizar dizendo quando alguém recebia indevidamente alguma coisa ou quando cessava a razão justificativa de têla recebido ou quando a aquisição provinha de furto ou de um motivo imoral não tinha o direito de retê la por lhe faltar uma causa Esta porém não era elementar na obligatio que se contraía independentemente de seu conceito porém necessária a que o adquirente conservasse a propriedade ou a posse da coisa recebida 326 Ressaltese inclusive que o instituto se aplica não só quando não tenha havido causa que justificasse o enriquecimento mas também se esta deixou de existir conforme expressamente previsto pelo art 885 do CC2002 Imaginese por exemplo a hipótese do sujeito que durante anos auferiu determinada renda proveniente de usufruto constituído em seu favor Findo o direito real de usufruto que como se sabe é essencialmente temporário não poderá continuar se beneficiando com a renda considerando que a causa que justificava a percepção deixou de existir Em qualquer hipótese segundo a jurisprudência pátria a restituição deve ser integral inclusive com a correção monetária do valor injustificadamente percebido ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA Conceito uma das partes de determinada relação jurídica experimenta injustificado benefício em detrimento da outra que se empobrece inexistindo causa jurídica para tanto Ex uma pessoa de boafé paga uma dívida por engano Nesse caso o recebedor da quantia enriqueceu ilicitamente à custa de terceiro 2 PAGAMENTO INDEVIDO No campo das relações obrigacionais com fulcro na ideia de que não é possível enriquecerse sem uma causa lícita todo pagamento feito sem que seja ainda devido deverá ser restituído É justamente a concepção de pagamento indevido que está estampada no art 876 do CC2002 Art 876 Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição Sobre a dívida condicional é preciso lembrar que a aposição de condição suspensiva subordina não apenas a sua eficácia jurídica exigibilidade mas principalmente os direitos e obrigações decorrentes do negócio Quer dizer se um sujeito celebra um contrato de compra e venda com outro subordinandoo a uma condição suspensiva enquanto esta se não verificar não se terá adquirido o direito a que ele visa art 125 do CC2002 O contrato gerará pois uma obrigação de dar condicionada o que não ocorre quando se tratar de termo pois o devedor pode em regra renunciálo pagando o débito antecipadamente Por força do art 877 do CC2002 quem voluntariamente pagou o indevido deve provar não somente ter realizado o pagamento mas também que o fez por erro pois a ausência de tal comprovação leva a se presumir que se trata de uma liberalidade 327 Vale destacar porém que se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou de não fazer dever de abstenção não haverá mais em princípio como restituir as coisas ao estado anterior pelo que não sendo mais possível aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu na medida do lucro obtido consoante previsto no art 881 do CC2002 21 Espécies de pagamento indevido Duas espécies são reconhecidas pela doutrina e jurisprudência a Pagamento Objetivamente Indevido quando há erro quanto à existência ou extensão da obrigação É o caso v g do pagamento realizado enquanto pendente condição suspensiva débito inexistente ou quando paga quantia superior à efetivamente devida débito inferior ao pagamento realizado Destaquese a propósito que o parágrafo único do art 42 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que a cobrança extrajudicial de dívida de consumo 328 sem justa causa é pagamento indevido devendo ser repetido o indébito por valor igual ao dobro do que pagou em excesso acrescido de correção monetária e juros legais salvo hipótese de engano justificável b Pagamento Subjetivamente Indevido quando realizado por alguém que não é devedor ou feito a alguém que não é credor Embora o brocardo de quem paga mal paga duas vezes seja válido isso não afasta o direito do pagador de reaver a prestação adimplida indevidamente 22 Pagamento indevido e boafé O enriquecimento sem causa e em especial o pagamento indevido são temas jurídicos que tocam de perto a ideia de boafé subjetiva Notese que mesmo tendo recebido o pagamento de forma indevida o suposto credor da prestação adimplida não estará necessariamente de máfé pois as circunstâncias podem leválo a imaginar que o valor era efetivamente devido Ex A deve a B a importância de R 100000 devendo pagála com juros compensatórios e correção trinta dias após a assinatura do contrato Recebendo na data aprazada R 120000 B entende que a diferença se deu por conta dos acréscimos legais e não por erro de A quanto à quantificação do saldo erro esse que obviamente deve ser provado em juízo Aos frutos acessões benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido aplicamse as regras codificadas sobre o possuidor de boafé ou máfé art 878 do CC2002 A boafé é tão importante no caso concreto que tratandose de terceiros pode o titular original do bem não mais reavêlo resolvendose a questão em perdas e danos conforme se extrai de regra própria instituída pelo Código Civil de 2002 art 879 Art 879 Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boafé por título oneroso responde somente pela quantia recebida mas se agiu de máfé além do valor do imóvel responde por perdas e danos Parágrafo único Se o imóvel foi alienado por título gratuito ou se alienado por título oneroso o terceiro adquirente agiu de máfé cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação Da análise desta regra legal extraemse as seguintes consequências a se o bem indevidamente recebido fora transferido a um terceiro de boafé e a título oneroso o alienante ficará obrigado a entregar ao legítimo proprietário a quantia recebida b se o bem indevidamente recebido fora transferido a um terceiro de máfé e a título oneroso o alienante ficará obrigado a entregar ao legítimo proprietário a quantia recebida além de pagar perdas e danos c se o bem fora transferido ao terceiro a título oneroso estando este último de máfé caberá ao que pagou por erro o direito à reivindicação d se o bem fora transferido ao terceiro a título gratuito caberá ao que pagou por erro o direito à reivindicação Ainda em respeito ao princípio da boafé fica isento de restituir pagamento indevido aquele que recebendoo como parte de dívida verdadeira inutilizou o título deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador art 880 do CC2002 Por fim em reconhecimento ao instituto da obrigação natural embora sem mencionar a expressão e em atenção às obrigações ilícitas dispõem os arts 882 e 883 do CC2002 Art 882 Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir obrigação judicialmente inexigível Art 883 Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito imoral ou proibido por lei Parágrafo único No caso deste artigo o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência a critério do juiz Quanto às obrigações naturais cabenos apenas tecer breve consideração acerca da regra insculpida no art 883 referente às obrigações ilícitas Ora por óbvias razões se alguém paga para que se cometa ato ilícito imoral ou proibido por lei imagine a recompensa paga a um matador p ex não poderia o direito albergar tal comportamento admitindo a validade do pedido de restituição ou repetição do indébito Nestes casos sem prejuízo da eventual responsabilização criminal aquele que pagou bem como o recebedor perderá a prestação em prol de entidade de beneficência a critério do juiz Tratase de norma indiscutivelmente justa digna de elogios 23 Ação de in rem verso A ação que objetiva evitar ou desfazer o enriquecimento sem causa denominase actio in rem verso Para o seu cabimento cinco requisitos simultâneos devem se conjugar a Enriquecimento do réu a ideia de enriquecimento envolve não somente o aspecto pecuniário de acréscimo patrimonial mas também qualquer outra vantagem como por exemplo a omissão de despesas Ex a exploração do trabalho escravo 329 traz enriquecimento indevido ao explorador não somente pelo resultado do labor mas também pelo que deixou de pagar a título de retribuição b Empobrecimento do autor é a outra face da moeda em relação ao requisito anterior Pode ser tanto a diminuição efetiva do patrimônio quanto o que razoavelmente se deixou de ganhar c Relação de causalidade deverá haver um nexo de causalidade entre os dois fatos de empobrecimento e enriquecimento Caso no encontro de contas verifiquese discrepância de valores entre o que se ganhou e o que se perdeu a indenização deve se restringir ao limite de tal correspondência sob pena de se causar novo enriquecimento indevido d Inexistência de causa jurídica para o enriquecimento a inexistência de causa a justificar o pagamento é o requisito mais importante dessa ação uma vez que nos negócios jurídicos em geral a existência de lucros ou prejuízos faz parte do jogo O que não pode haver porém é um lucro ou prejuízo sem justificação em uma fonte específica de obrigações válida e atual Mesmo que um pagamento aparentemente injusto seja determinado por decisão judicial não há que se falar em tal tipo de ação pois há causa jurídica a determiná lo devendo a parte interessada querendo se insurgir pelo meio próprio recurso ou ação rescisória a depender se já houve trânsito em julgado e Inexistência de ação específica não caberá todavia a denominada ação actio in rem verso cuja principal espécie é a ação de repetição do indébito concebida para o pagamento indevido se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido art 886 do CC2002 Como bem observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES Embora por exemplo o locador alegue o enriquecimento sem causa à sua custa do locatário que não vem pagando regularmente os aluguéis restalhe ajuizar a ação de despejo por falta de pagamento ou a ação de cobrança dos aluguéis não podendo ajuizar a de in rem verso Se deixou prescrever a pretensão específica também não poderá socorrerse desta última Caso contrário as demais ações seriam absorvidas por ela 330 Observese finalmente que a ação de repetição de indébito é a principal modalidade de actio in rem verso embora não esgote essa categoria Todas as vezes que se identificar um enriquecimento sem causa mesmo na hipótese de não ter havido propriamente pagamento indevido é cabível a ação de in rem verso que em geral contém pretensão indenizatória e se submete às normas legais do procedimento ordinário do Código de Processo Civil Tal é o que ocorre por exemplo quando o credor perde o direito de executar o cheque por força da prescrição e nos termos do art 61 da Lei n 735785 promove ação de in rem verso contra o emitente ou outros obrigados da cártula que se locupletaram com o não pagamento do cheque 331 Portanto concorrendo os requisitos supraelencados e em face da inexistência de outro meio específico de tutela a ação de enriquecimento ilícito in rem verso será sempre uma alternativa à parte prejudicada pelo espúrio enriquecimento da outra 332 RESPONSABILIDADE CIVIL XLV INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE JURÍDICA 1 INTRODUÇÃO De quem é a responsabilidade Esta frase tão proferida no nosso cotidiano demonstra a importância do tema da Responsabilidade Civil no nosso ordenamento jurídico Compreendêla e tentar respondêla é um desafio ao jurista dentro da imensa gama de relações abrangidas pelo tema Todavia antes de adentrarmos a temática propriamente dita ou seja especificamente no campo da reparação civil lato sensu de danos é preciso por rigor metodológico tentar compreender o conceito jurídico de responsabilidade Afinal de contas antes de saber de quem é a responsabilidade é preciso se entender o que é a responsabilidade 2 CONCEITO JURÍDICO DE RESPONSABILIDADE JOSÉ DE AGUIAR DIAS abre o seu Tratado de Responsabilidade Civil obra clássica do Direito Brasileiro observando que Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade 333 De fato toda a atuação do homem invade ou ao menos tangencia o campo da responsabilidade Mas o que é essa responsabilidade A palavra responsabilidade tem sua origem no verbo latino respondere significando a obrigação que alguém tem de assumir com as consequências jurídicas de sua atividade contendo ainda a raiz latina de spondeo fórmula através da qual se vinculava no direito romano o devedor nos contratos verbais 334 A acepção que se faz de responsabilidade portanto está ligada ao surgimento de uma obrigação derivada ou seja um dever jurídico sucessivo 335 em função da ocorrência de um fato jurídico lato sensu O respaldo de tal obrigação no campo jurídico está no princípio fundamental da proibição de ofender ou seja a ideia de que a ninguém se deve lesar a máxima neminem laedere de Ulpiano 336 limite objetivo da liberdade individual em uma sociedade civilizada Como sabemos o direito positivo congrega as regras necessárias para a convivência social punindo todo aquele que infringindoas cause lesão aos interesses jurídicos por si tutelados Tomemos por exemplo o art 186 do Código Civil Se uma pessoa dolosa ou culposamente causar prejuízo a outrem fica obrigada a reparar o dano Ou seja se TÍCIO dirigindo imprudentemente atinge o veículo de CAIO o interesse jurídico patrimonial deste último restou violado por força do ato ilícito cometido pelo primeiro que deverá indenizálo espontânea ou coercitivamente pela via judicial O mesmo ocorre aliás quando uma das partes descumpre uma obrigação imposta por norma contratual A parte credora neste caso poderá exigir a indenização devida por meio de uma ação de resolução cumulada com perdas e danos Da mesma forma porém em outro campo de tutela jurídica a ordem jurídica não se satisfaz com a circunstância de um determinado indivíduo poder causar mal a outro matar alguém por exemplo Neste ponto haverá também uma responsabilidade jurídica porém diferenciada da mencionada nos exemplos anteriores É nesse contexto que surge a ideia de responsabilidade Responsabilidade para o Direito nada mais é portanto que uma obrigação derivada um dever jurídico sucessivo de assumir as consequências jurídicas de um fato consequências essas que podem variar reparação dos danos eou punição pessoal do agente lesionante de acordo com os interesses lesados Sobre o tema inclusive o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas apresenta o seguinte verbete perfeitamente compatível com a tese aqui defendida RESPONSABILIDADE S f Lat de respondere na acep de assegurar afiançar Dir Obr Obrigação por parte de alguém de responder por alguma coisa resultante de negócio jurídico ou de ato ilícito OBS A diferença entre responsabilidade civil e criminal está em que esta impõe o cumprimento da pena estabelecida em lei enquanto aquela acarreta a indenização do dano causado 337 Antes de aprofundarmos a diferença entre esses dois campos de responsabilização jurídica fazse mister tecer algumas considerações sobre a questão da responsabilidade moral 3 RESPONSABILIDADE JURÍDICA RESPONSABILIDADE MORAL Mutatis mutandi até mesmo no âmbito da moral a noção de responsabilidade desponta posto sem a coercitividade característica da responsabilidade decorrente da violação de uma norma jurídica De fato por isso se o católico fervoroso comete um pecado descumprindo um mandamento religioso norma moral será punido apenas no campo psicológico arcando com as consequências do seu ato terá que rezar dez paisnossos por exemplo A respeito desse tema AGUIAR DIAS citando doutrina francesa adverte que Ocorre aqui a primeira distinção entre responsabilidade jurídica e responsabilidade moral Esta se confina explicam Henri et Leon Mazeaud no problema do pecado O homem se sente moralmente responsável perante Deus ou perante a sua consciência conforme seja ou não um crente E arremata Não se cogita pois de saber se houve ou não prejuízo porque um simples pensamento induz essa espécie de responsabilidade terreno que escapa ao campo do Direito destinado a assegurar a harmonia das relações entre os indivíduos objetivo que logicamente não parece atingido por esse lado 338 A diferença mais relevante todavia reside realmente na ausência de coercitividade institucionalizada da norma moral não havendo a utilização da força organizada para exigir o cumprimento uma vez que esta é monopólio do Estado 4 RESPONSABILIDADE CIVIL RESPONSABILIDADE CRIMINAL O raciocínio desenvolvido para a formulação de um conceito de responsabilidade no campo jurídico justamente pela sua generalidade não se restringe ao Direito Civil e portanto à responsabilidade civil aplicandose respeitadas as devidas peculiaridades a todos os outros campos do Direito como nas esferas penal administrativa e tributária Aliás como já tivemos oportunidade de anotar na responsabilidade civil o agente que cometeu o ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado buscando restaurar o status quo ante obrigação esta que se não for mais possível é convertida no pagamento de uma indenização na possibilidade de avaliação pecuniária do dano ou de uma compensação na hipótese de não se poder estimar patrimonialmente este dano enquanto pela responsabilidade penal ou criminal deve o agente sofrer a aplicação de uma cominação legal que pode ser privativa de liberdade ex prisão restritiva de direitos ex perda da carta de habilitação de motorista ou mesmo pecuniária ex multa 339 Tal diferença básica quanto às consequências é decorrente em verdade dos sentimentos sociais e humanos que respaldam e fundamentam a responsabilidade jurídica Nas palavras de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA Como sentimento social a ordem jurídica não se compadece com o fato de que uma pessoa possa causar mal a outra pessoa Vendo no agente um fator de desequilíbrio estende uma rede de punições com que procura atender às exigências do ordenamento jurídico Esta satisfação social gera a responsabilidade criminal Como sentimento humano além de social à mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual O lesado não se contenta com a punição social do ofensor Nasce daí a ideia de reparação como estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido Na responsabilidade civil estará presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo como pedagógica a que não é estranha à ideia de garantia para a vítima e de solidariedade que a sociedade humana lhe deve prestar 340 Ressaltese porém que um mesmo fato pode ensejar as duas responsabilizações não havendo bis in idem em tal circunstância justamente pelo sentido de cada uma delas e das repercussões da violação do bem jurídico tutelado 341 Como observa Carlos Alberto Bittar a reparação representa meio indireto de devolverse o equilíbrio às relações privadas obrigandose o responsável a agir ou a dispor de seu patrimônio para a satisfação dos direitos do prejudicado Já a pena corresponde à submissão pessoal e física do agente para restauração da normalidade social violada com o delito pois o princípio que governa toda essa matéria é o do neminem laedere um dos princípios gerais do direito consoante o qual a ninguém se deve lesar cujos efeitos em concreto se espraiam pelos dois citados planos em função do interesse maior violado de pessoa ou de pessoas de um lado da sociedade ou da coletividade de outro e conforme a técnica própria dos ramos do Direito que a regem a saber a Direito Civil para as violações privadas e b o Direito Penal para a repressão pública 342 É preciso contudo que fique claro que ambos os casos responsabilidade civil e responsabilidade criminal decorrem a priori de um fato juridicamente qualificado como ilícito ou em outras palavras como não desejado pelo Direito pois praticado em ofensa à ordem jurídica 343 Dessa forma conforme aponta Wladimir Valler baseado em Nélson Hungria a ilicitude jurídica é uma só do mesmo modo que um só na sua essência é o dever jurídico Em seus aspectos fundamentais há uma perfeita coincidência entre o ilícito civil e o ilícito penal pois ambos constituem uma violação da ordem jurídica acarretando em consequência um estado de desequilíbrio social Mas enquanto o ilícito penal acarreta uma violação da ordem jurídica quer por sua gravidade ou intensidade a única sanção adequada é a imposição da pena no ilícito civil por ser menor a extensão da perturbação social são suficientes as sanções civis indenização restituição in specie anulação do ato execução forçada etc A diferença entre o ilícito civil e o ilícito penal é assim tão somente de grau ou de quantidade 344 A bem da verdade porém há de se lembrar que esse entendimento da responsabilidade gerada pela prática de um ato ilícito deve ser complementado pela noção de responsabilidade decorrente de imposição legal eou em função do risco da atividade Como se não bastasse tal circunstância legal num caso típico de exceção que só faz confirmar a regra temos o disposto nos arts 188 929 e 930 do Código Civil de 2002 cuja análise sistemática nos faz vislumbrar hipóteses de indenização por ato lícito 345 Estabelecidas essas premissas comparativas conheçamos agora as noções gerais sobre responsabilidade civil XLVI NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL 1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL De tudo o que se disse até aqui concluise que a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que atuando a priori ilicitamente viola uma norma jurídica preexistente legal ou contratual subordinandose dessa forma às consequências do seu ato obrigação de reparar Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado e seguindo essa mesma linha de raciocínio diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular sujeitando assim o infrator ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas Decompõese pois nos seguintes elementos que serão estudados no decorrer desta obra a conduta positiva ou negativa b dano c nexo de causalidade Antes de dissecar cada um desses elementos parecenos necessário porém trazer à baila algumas considerações gerais sobre o instituto da responsabilidade civil decorrentes do aprofundamento das premissas adrede fixadas Se no capítulo anterior buscamos traçar de forma clara as linhas diferenciais entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal tal distinção nem sempre se mostrou precisa Da mesma forma a discussão sobre o elemento culpa passou por profundo desenvolvimento que se confunde com a própria evolução das teorias da responsabilidade civil Entender a evolução de tal pensamento é o objeto do próximo tópico 2 BREVE NOTÍCIA HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL Para a nossa cultura ocidental toda reflexão por mais breve que seja sobre raízes históricas de um instituto acaba encontrando seu ponto de partida no Direito Romano Com a responsabilidade civil esta verdade não é diferente De fato nas primeiras formas organizadas de sociedade bem como nas civilizações préromanas a origem do instituto está calcada na concepção de vingança privada forma por certo rudimentar mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido É dessa visão do delito que parte o próprio Direito Romano que toma tal manifestação natural e espontânea como premissa para regulandoa intervir na sociedade para permitila ou excluíla quando sem justificativa Tratase da pena de Talião da qual se encontram traços na Lei das XII Tábuas 346 Ressaltese porém como se sabe que o Direito Romano não manifestava uma preocupação teórica de sistematização de institutos pois sua elaboração se deu muito mais pelo louvável trabalho dos romanistas numa construção dogmática baseada no desenvolvimento das decisões dos juízes e dos pretores pronunciamentos dos jurisconsultos e constituições imperiais Há porém ainda na própria lei mencionada perspectivas da evolução do instituto ao conceber a possibilidade de composição entre a vítima e o ofensor evitandose a aplicação da pena de Talião Assim em vez de impor que o autor de um dano a um membro do corpo sofra a mesma quebra por força de uma solução transacional a vítima receberia a seu critério e a título de poena uma importância em dinheiro ou outros bens Ainda com o mesmo fundamento normativo como observa ALVINO LIMA a este período sucede o da composição tarifada imposto pela Lei das XII Tábuas que fixava em casos concretos o valor da pena a ser paga pelo ofensor É a reação contra a vingança privada que é assim abolida e substituída pela composição obrigatória Embora subsista o sistema do delito privado notase entretanto a influência da inteligência social compreendendose que a regulamentação dos conflitos não é somente uma questão entre particulares A Lei das XII Tábuas que determinou o quantum para a composição obrigatória regulava casos concretos sem um princípio geral fixador da responsabilidade civil A actio de reputis sarciendi que alguns afirmam que consagrava um princípio de generalização da responsabilidade civil é considerada hoje como não contendo tal preceito Lei das XII Tábuas Tábua VIII Lei 5ª 347 Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá porém com a edição da Lex Aquilia cuja importância foi tão grande que deu nome à nova designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual Constituída de três partes sem haver revogado totalmente a legislação anterior sua grande virtude é propugnar pela substituição das multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado 348 Se seu primeiro capítulo regulava o caso da morte dos escravos ou dos quadrúpedes que pastam em rebanho e o segundo o dano causado por um credor acessório ao principal que abate a dívida com prejuízo do primeiro sua terceira parte se tornou a mais importante para a compreensão da evolução da responsabilidade civil Com efeito regulava ela o damnum injuria datum consistente na destruição ou deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido coisa corpórea ou incorpórea sem justificativa legal Embora sua finalidade original fosse limitada ao proprietário de coisa lesada a influência da jurisprudência e as extensões concedidas pelo pretor fizeram com que se construísse uma efetiva doutrina romana da responsabilidade extracontratual Sintetizando esta visão da Responsabilidade Civil no Direito da Antiguidade ensina o genial ALVINO LIMA Partimos como diz Ihering do período em que o sentimento de paixão predomina no direito a reação violenta perde de vista a culpabilidade para alcançar tão somente a satisfação do dano e infligir um castigo ao autor do ato lesivo Pena e reparação se confundem responsabilidade penal e civil não se distinguem A evolução operouse consequentemente no sentido de se introduzir o elemento subjetivo da culpa e diferençar a responsabilidade civil da penal E muito embora não tivesse conseguido o direito romano libertarse inteiramente da ideia da pena no fixar a responsabilidade aquiliana a verdade é que a ideia de delito privado engendrando uma ação penal viu o domínio da sua aplicação diminuir à vista da admissão cada vez mais crescente de obrigações delituais criando uma ação mista ou simplesmente reipersecutória A função da pena transformouse tendo por fim indenizar como nas ações reipersecutórias embora o modo de calcular a pena ainda fosse inspirado na função primitiva da vingança o caráter penal da ação da lei Aquília no direito clássico não passa de uma sobrevivência 349 Permitindose um salto histórico observese que a inserção da culpa como elemento básico da responsabilidade civil aquiliana contra o objetivismo excessivo do direito primitivo abstraindo a concepção de pena para substituíla paulatinamente pela ideia de reparação do dano sofrido foi incorporada no grande monumento legislativo da idade moderna a saber o Código Civil de Napoleão o que influenciou diversas legislações do mundo inclusive o Código Civil brasileiro de 1916 Todavia tal teoria clássica da culpa não conseguia satisfazer todas as necessidades da vida em comum na imensa gama de casos concretos em que os danos se perpetuavam sem reparação pela impossibilidade de comprovação do elemento anímico Assim num fenômeno dialético praticamente autopoiético dentro do próprio sistema começouse a vislumbrar jurisprudencialmente novas soluções com a ampliação do conceito de culpa e mesmo acolhendo excepcionalmente novas teorias dogmáticas que propugnavam pela reparação do dano decorrente exclusivamente pelo fato ou em virtude do risco criado Tais teorias inclusive passaram posteriormente a ser amparadas nas legislações mais modernas sem desprezo total à teoria tradicional da culpa o que foi adotado mais recentemente até mesmo pelo atual Código Civil brasileiro como veremos em tópicos posteriores Encerramos essas considerações históricas porém lembrando mais uma vez ALVINO LIMA O movimento inovador se levanta contra a obra secular a luta se desencadeia tenazmente e sem tréguas Ripert proclama Saleilles e Josserand os síndicos da massa falida da culpa e a despeito das afirmações de que a teoria do risco desfaleceu no ardor de seu ataque seus defensores persistem na tarefa e as necessidades econômicas e sociais da vida moderna intensa obrigam o legislador a abrir brechas na concepção da teoria clássica da responsabilidade Ambas porém continuarão a subsistir como forças paralelas convergindo para um mesmo fim sem que jamais talvez se possam exterminar ou se confundir fundamentando neste ou naquele caso a imperiosa necessidade de ressarcir o dano na proteção dos direitos lesados 350 3 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE AS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil enquanto fenômeno jurídico decorrente da convivência conflituosa do homem em sociedade é na sua essência um conceito uno incindível Entretanto em função de algumas peculiaridades dogmáticas fazse mister estabelecer uma classificação sistemática tomando por base justamente a questão da culpa e depois disso a natureza da norma jurídica violada Vejamos tais classificações 31 Responsabilidade civil subjetiva responsabilidade civil objetiva A responsabilidade civil subjetiva é a decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo Esta culpa por ter natureza civil se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com violação de um dever jurídico normalmente de cuidado como se verifica nas modalidades de negligência ou imprudência conforme consta do art 186 do Código Civil de 2002 Art 186 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito Do referido dispositivo normativo supratranscrito verificamos que em regra a obrigação de indenizar reparar o dano é a consequência juridicamente lógica do ato ilícito O Código Civil de 2002 de forma técnica não abre mais um título para as obrigações por ato ilícito como constava na Codificação de 1916 351 mas sim de maneira ampla estabelece um título próprio para a responsabilidade civil dividindoo em dois capítulos o primeiro sobre a obrigação de indenizar arts 927943 e o segundo sobre parâmetros da própria indenização arts 944954 A noção básica da responsabilidade civil dentro da doutrina subjetiva é o princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa unuscuique sua culpa nocet Por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória caberá ao autor sempre o ônus da prova de tal culpa do réu Todavia há situações em que o ordenamento jurídico atribui a responsabilidade civil a alguém por dano que não foi causado diretamente por ele mas sim por um terceiro com quem mantém alguma tipo de relação jurídica Nesses casos tratase a priori de uma responsabilidade civil indireta em que o elemento culpa não é desprezado mas sim presumido em função do dever geral de vigilância a que está obrigado o réu352 Como observa Caio Mário da Silva Pereira na tese da presunção de culpa subsiste o conceito genérico de culpa como fundamento da responsabilidade civil Onde se distancia da concepção subjetiva tradicional é no que concerne ao ônus da prova Dentro da teoria clássica da culpa a vítima tem de demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão sobressaindo o comportamento culposo do demandado Ao se encaminhar para a especialização da culpa presumida ocorre uma inversão do onus probandi Em certas circunstâncias presumese o comportamento culposo do causador do dano cabendolhe demonstrar a ausência de culpa para se eximir do dever de indenizar Foi um modo de afirmar a responsabilidade civil sem a necessidade de provar o lesado a conduta culposa do agente mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional Em determinadas circunstâncias é a lei que enuncia a presunção Em outras é a elaboração jurisprudencial que partindo de uma ideia tipicamente assentada na culpa inverte a situação impondo o dever ressarcitório a não ser que o acusado demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria vítima 353 Entretanto hipóteses há em que não é necessário sequer ser caracterizada a culpa Nesses casos estaremos diante do que se convencionou chamar de responsabilidade civil objetiva Segundo tal espécie de responsabilidade o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente haja vista que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar As teorias objetivistas da responsabilidade civil procuram encarála como mera questão de reparação de danos fundada diretamente no risco da atividade exercida pelo agente É de se ressaltar que o movimento objetivista surgiu no final do século XIX quando o Direito Civil passou a receber a influência da Escola Positiva Penal 354 Em verdade é preciso se explicitar que se pode discutir culpa em sede de responsabilidade civil objetiva Todavia isso somente ocorrerá se houver provocação do réu nesse sentido suscitando por exemplo a culpa exclusiva da vítima o que quebraria o nexo causal ou a culpa concorrente que é elemento para fixação da indenização A diferença da responsabilidade civil objetiva para a subjetiva não está portanto na possibilidade de discutir culpa mas sim na circunstância da culpa ser um elemento obrigatório de ônus da prova pois na responsabilidade civil subjetiva seja de culpa provada ou de culpa presumida o julgador tem de se manifestar sobre a culpa o que somente ocorrerá acidentalmente na responsabilidade civil objetiva Historicamente o sistema material civil brasileiro abraçou originalmente a teoria subjetivista conforme se infere de uma simples leitura do art 159 do Código Civil de 1916 correspondente ao art 186 do Código Civil de 2002 que fixava a regra geral da responsabilidade civil As teorias objetivas por sua vez não foram de todo abandonadas havendo diversos disposições esparsas que as contemplam Lembrando Wladimir Valler apesar de o Código Civil de 1916 ter adotado a teoria clássica da culpa a teoria objetiva se estabeleceu em vários setores da atividade através de leis especiais Assim é por exemplo que o Decreto n 2681 de 1912 disciplina a responsabilidade civil das estradas de ferro tendo em vista o risco da atividade exercida Em matéria de acidente do trabalho a Lei 6367 de 19 de outubro de 1976 se fundou no risco profissional e a reparação dos danos causados aos trabalhadores passou a se fazer independentemente da verificação da culpa e em valores prefixados Também o Código Brasileiro do Ar DecretoLei 32 de 18 de novembro de 1966 tendo em conta o risco da atividade explorada estabelece em bases objetivas a responsabilidade civil das empresas aéreas A Lei 6453 de 17 de outubro de 1977 em termos objetivos dispôs sobre a responsabilidade civil por danos nucleares 355 O Código Civil de 2002 inovou porém a matéria ao trazer no parágrafo único do seu art 927 a regra de que haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem Assim a nova concepção que deve reger a matéria no Brasil é de que vige uma regra geral dual de responsabilidade civil em que temos a responsabilidade subjetiva regra geral inquestionável do sistema anterior coexistindo com a responsabilidade objetiva especialmente em função da atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano conceito jurídico indeterminado a ser verificado no caso concreto pela atuação judicial ex vi do disposto no art 927 parágrafo único Todas essas considerações iniciais 356 vêm à baila em decorrência de violação ao preceito fundamental do neminem laedere ou seja de que ninguém deve ser lesado pela conduta alheia Todavia a situação se torna ainda mais grave quando a lesão decorre do descumprimento de uma obrigação espontaneamente assumida pelo infrator em função da celebração de um negócio jurídico Tratase da diferença entre a responsabilidade civil contratual e a aquiliana extracontratual que veremos no próximo tópico 32 Responsabilidade civil contratual responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana Fincados os pressupostos genéricos da responsabilidade civil não há a menor dúvida de que abstraídas as hipóteses de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa ou de responsabilidade objetiva existe uma grande dificuldade na demonstração da culpa do agente ou da antijuridicidade de sua conduta para ensejar a sua responsabilização civil Tal dificuldade é minorada quando a conduta ensejadora do dano é resultante do descumprimento de um dever contratual pois nessa hipótese presumirseia a culpa uma vez que a própria parte se obrigou diretamente à obrigação ora descumprida A depender portanto da natureza da norma jurídica violada pelo agente causador do dano uma subdivisão muito mais didática e legislativa do que propriamente científica pode ser feita subtipificandose a responsabilidade civil em contratual e extracontratual ou aquiliana 357 Assim se o prejuízo decorre diretamente da violação de um mandamento legal por força da atuação ilícita do agente infrator caso do sujeito que bate em meu carro estamos diante da responsabilidade extracontratual a seguir analisada Por outro lado se entre as partes envolvidas já existia norma jurídica contratual que as vinculava e o dano decorre justamente do descumprimento de obrigação fixada nesse contrato estaremos diante de uma situação de responsabilidade contratual Assim teríamos o seguinte quadro RESPONSABILIDADE CIVIL 1 Contratual inadimplemento da obrigação prevista no contrato violação de norma contratual anteriormente fixada pelas partes 2 Extracontratual ou Aquiliana violação direta de uma norma legal Notese ainda que o elemento subjetivo representado pelo conceito amplo de culpa nem sempre será indispensável uma vez que conforme teremos a oportunidade de ver poderá haver responsabilidade civil independentemente da sua aferição em hipóteses especiais previstas expressamente em lei ou quando a sua atividade normalmente desenvolvida pelo causador do dano importar em risco para os direitos de outrem Tradicionalmente o nosso Direito Positivo adotou essa classificação bipartida consagrando regras específicas para as duas espécies de responsabilidade com características próprias Responsabilidade contratual arts 389 e s e 395 e s CC2002 Responsabilidade extracontratual arts 186 a 188 e 927 e s CC2002 Como já visto quem infringe dever jurídico lato sensu fica obrigado a reparar o dano causado Esse dever passível de violação porém pode ter como fonte tanto uma obrigação imposta por um dever geral do Direito ou pela própria lei quanto uma relação negocial preexistente isto é um dever oriundo de um contrato O primeiro caso é conhecido como responsabilidade civil aquiliana 358 enquanto o segundo é a epigrafada responsabilidade civil contratual 359 E quais as diferenças básicas entre essas duas formas de responsabilização Três elementos diferenciadores podem ser destacados a saber a necessária preexistência de um relação jurídica entre lesionado e lesionante o ônus da prova quanto à culpa e a diferença quanto à capacidade Com efeito para caracterizar a responsabilidade civil contratual fazse mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir que constitui justamente o objeto do negócio jurídico ao passo que na culpa aquiliana violase um dever necessariamente negativo ou seja a obrigação de não causar dano a ninguém Justamente por tal circunstância é que na responsabilidade civil aquiliana a culpa deve ser sempre provada pela vítima enquanto na responsabilidade contratual ela é de regra presumida invertendose o ônus da prova cabendo à vítima comprovar apenas que o obrigação não foi cumprida restando ao devedor o onus probandi por exemplo de que não agiu com culpa ou que ocorreu alguma causa excludente do elo de causalidade Como observa o ilustrado Sérgio Cavalieri Filho essa presunção de culpa não resulta do simples fato de estarmos em sede de responsabilidade contratual O que é decisivo é o tipo de obrigação assumida no contrato Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um determinado resultado e não conseguiu haverá culpa presumida ou em alguns casos até responsabilidade objetiva se a obrigação assumida no contrato foi de meio a responsabilidade embora contratual será fundada na culpa provada 360 Por fim vale destacar que em termos de capacidade o menor púbere só se vincula contratualmente quando assistido por seu representante legal e excepcionalmente se maliciosamente declarouse maior art 180 do Código Civil de 2002 4 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL Já expusemos que tanto a responsabilidade civil quanto a responsabilidade penal decorrem a priori da prática de um ato ilícito ou seja de uma violação da ordem jurídica gerando desequilíbrio social ressalvandose como exceção por rigor técnico a possibilidade de a responsabilidade civil decorrer também de uma imposição legal seja em atividades lícitas seja em função do risco da atividade exercida Ora a consequência lógiconormativa de qualquer ato ilícito é uma sanção podendo esta ser definida portanto como a consequência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado nas palavras de Eduardo García Maynez 361 Entretanto conforme lembra Antônio Luís Machado Neto talvez não haja elemento da relação jurídica mais sujeito a descaminhos teoréticos e despropositados deslocamentos conceituais do que esse da sanção 362 Isso acontece porque há uma grande confusão na utilização dos termos sanção e pena que constantemente são tratados como sinônimos quando em verdade tratase de dois institutos que estão em uma relação de gênero e espécie A sanção é a consequência lógicojurídica da prática de um ato ilícito pelo que em função de tudo quanto foi exposto a natureza jurídica da responsabilidade seja civil seja criminal somente pode ser sancionadora No caso da responsabilidade civil originada de imposição legal as indenizações devidas não deixam de ser sanções que decorrem não por força de algum ato ilícito praticado pelo responsabilizado civilmente mas sim por um reconhecimento do direito positivo previsão legal expressa de que os danos causados já eram potencialmente previsíveis em função dos riscos profissionais da atividade exercida por envolverem interesse de terceiros Para encerrar lembramos novamente as sempre precisas colocações de Carlos Alberto Bittar Havendo dano produzido injustamente na esfera alheia surge a necessidade de reparação como imposição natural da vida em sociedade e exatamente para a sua própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente personalizado É que investidas ilícitas ou antijurídicas no circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranquilo das relações sociais exigindo em contraponto as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do equilíbrio rompido Nesse sentido a teoria da responsabilidade civil encontra suas raízes no princípio fundamental do neminem laedere justificandose diante da liberdade e da racionalidade humanas como imposição portanto da própria natureza das coisas Ao escolher as vias pelas quais atua na sociedade o homem assume os ônus correspondentes apresentandose a noção de responsabilidade como corolário de sua condição de ser inteligente e livre Realmente a construção de uma ordem jurídica justa ideal perseguido eternamente pelos grupos sociais repousa em certas pilastras básicas em que avulta a máxima de que a ninguém se deve lesar Mas uma vez assumida determinada atitude pelo agente que vem a causar dano injustamente a outrem cabelhe sofrer os ônus relativos a fim de que se possa recompor a posição do lesado ou mitigarlhe os efeitos do dano ao mesmo tempo em que se faça sentir ao lesante o peso da resposta compatível prevista na ordem jurídica Na satisfação dos interesses lesados é que em última análise reside a linha diretiva da teoria em questão impulsionada ab origine por forte colaboração humanista tendente a propiciar ao lesado a restauração do patrimônio ou a compensação pelos sofrimentos experimentados ou ambos conforme a hipótese cumprindose assim os objetivos próprios 363 Por tais fundamentos concluímos que a natureza jurídica da responsabilidade será sempre sancionadora independentemente de se materializar como pena indenização ou compensação pecuniária 364 Mas no final das contas qual é a função da reparação civil É o que se pretende explicar em seguida 5 FUNÇÃO DA REPARAÇÃO CIVIL Já vimos que a ofensa aos bens jurídicos pode gerar responsabilização em dois graus quando o ordenamento visa à prevençãorepreensão pelo Direito Público Direito Penal ou quando busca uma reparação dos danos causados pelo autor Responsabilidade Civil Em relação a este último campo de atuação jurídica observa Clayton Reis com a habitual precisão que ao gerar dano o ofensor receberá a sanção correspondente consistente na repreensão social tantas vezes quantas forem suas ações ilícitas até conscientizarse da obrigação em respeitar os direitos das pessoas Os espíritos responsáveis possuem uma absoluta consciência do dever social posto que somente fazem aos outros o que querem que seja feito a eles próprios Estas pessoas possuem exata noção de dever social consistente em uma conduta emoldurada na ética e no respeito aos direitos alheios Por seu turno a repreensão contida na norma legal tem como pressuposto conduzir as pessoas a uma compreensão dos fundamentos que regem o equilíbrio social Por isso a lei possui um sentido tríplice reparar punir e educar 365 Assim na vereda de tais ideias três funções podem ser facilmente visualizadas no instituto da reparação civil compensatória do dano à vítima punitiva do ofensor e desmotivação social da conduta lesiva Na primeira função encontrase o objetivo básico e finalidade da reparação civil retornar as coisas ao status quo ante Repõese o bem perdido diretamente ou quando não é mais possível tal circunstância impõese o pagamento de um quantum indenizatório em importância equivalente ao valor do bem material ou compensatório do direito não redutível pecuniariamente Como função secundária em relação à reposição das coisas ao estado em que se encontravam mas igualmente relevante está a ideia de punição do ofensor Embora esta não seja a finalidade básica admitindose inclusive a sua não incidência quando possível a restituição integral à situação jurídica anterior a prestação imposta ao ofensor também gera um efeito punitivo pela ausência de cautela na prática de seus atos persuadindoo a não mais lesionar E essa persuasão não se limita à figura do ofensor acabandose por incidir numa terceira função de cunho socioeducativo que é a de tornar público que condutas semelhantes não serão toleradas Assim alcançase por via indireta a própria sociedade restabelecendose o equilíbrio e a segurança desejados pelo Direito 6 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA RESPONSABILIDADE CIVIL Fixadas todas essas noções gerais sobre a responsabilidade civil parece despiciendo ressaltar a sua importância Todavia para não dizer que não falamos de flores um ponto básico deve ser salientado para a devida compreensão dessa relevância a interdisciplinaridade do instituto Com efeito como já dissemos em outra oportunidade discorrer sobre o tema responsabilidade não é definitivamente atribuição das mais fáceis tendo em vista que se trata de uma matéria de natureza interdisciplinar pois não se refere somente ao Direito Civil mas sim a praticamente todos os outros ramos do Direito 366 Nesse sentido é o posicionamento de Maria Helena Diniz Toda manifestação da atividade que provoca prejuízo traz em seu bojo o problema da responsabilidade que não é fenômeno exclusivo da vida jurídica mas de todos os domínios da vida social Realmente embora alguns autores como Josserand considerem a responsabilidade civil como a grande vedete do direito civil na verdade absorve não só todos os ramos do direito pertencendo à seara da Teoria Geral do Direito sofrendo as naturais adaptações conforme aplicável ao direito público ou privado mas os princípios estruturais o fundamento e o regime jurídico são os mesmos comprovando a tese da unidade jurídica quanto aos institutos basilares uma vez que a diferenciação só se opera no que concerne às matérias objeto de regulamentação legal como também a realidade social o que demonstra o campo ilimitado da responsabilidade civil 367 Por isso a intenção desta obra é fixar toda uma teoria geral da responsabilidade civil e aí sim assentadas as bases para a edificação de um raciocínio jurídico enfrentar parte da casuística do instituto que como se percebe é infindável Observese porém que levada a questão em sentido extremo é possível dizer que a esmagadora maioria das questões levadas ao Judiciário tocam direta ou indiretamente nos temas aqui abordados seja pela violação a deveres contratuais seja por descumprimento a regras gerais de conduta Compreendidas essas noções básicas sobre a responsabilidade civil passaremos a dissecar cada um dos elementos necessários para a sua caracterização XLVII ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL 1 UMA VISÃO GERAL DOS ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Feita a introdução ao apaixonante tema responsabilidade civil cabenos agora apresentar em linhas gerais os seus elementos básicos Desde já advertimos que o propósito deste capítulo é proporcionar um panorama geral destes elementos que serão cuidadosamente desenvolvidos em momento oportuno Conforme veremos o esquema teórico a ser apresentado aplicase tanto à responsabilidade contratual quanto à aquiliana embora haja interesse maior em desenvolver a matéria considerando a natureza desta última espécie de responsabilidade Isso porque a responsabilidade contratual distinguese por características muito peculiares mais afeta à disciplina geral das obrigações e dos contratos Pois bem Ao consultarmos o art 186 do Código Civil base fundamental da responsabilidade civil consagradora do princípio de que a ninguém é dado causar prejuízo a outrem neminem laedere temos que Art 186 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral é obrigado a reparálo Analisando este dispositivo mais preciso do que o correspondente da lei anterior que não fazia expressa menção ao dano moral podemos extrair os seguintes elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil a conduta humana positiva ou negativa b dano ou prejuízo c o nexo de causalidade 2 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O ELEMENTO ACIDENTAL CULPA Embora mencionada no referido dispositivo de lei por meio das expressões ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência a culpa em sentido lato abrangente do dolo não é em nosso entendimento pressuposto geral da responsabilidade civil sobretudo no Código Civil vigente considerando a existência de outra espécie de responsabilidade que prescinde deste elemento subjetivo para a sua configuração a responsabilidade objetiva Ora se nós pretendemos estabelecer os elementos básicos componentes da responsabilidade não poderíamos inserir um pressuposto a que falte a nota de generalidade Essa preocupação aliás de buscar um critério preciso que cunhe generalidade aos pressupostos da responsabilidade civil também é esboçada por CARLOS ALBERTO GHERSI em clássica obra Esta primera fase comprende los elementos comunes a toda situación fáctica que pretenda convertirse en una situación jurídica de reparabilidad Entendemos entonces que es como un filtro o tamiz de análisis científico sociológicoaxiológicoeconómicojurídico que se debe recorrer para poder acceder a la segunda fase Estos elementos básicos o comunes son el hecho humano el daňo y la relación de causalidad 368 Ressaltamos apenas que o Código de 1916 por haver sido redigido em uma época de pouco desenvolvimento tecnológico desconheceu os efeitos das atividades de risco o que culminou com o menosprezo da ideia da responsabilidade sem culpa 369 Ora pelo simples fato de a responsabilidade subjetiva ser a tônica do Código Beviláqua especialmente influenciado pelo Código francês não poderíamos chegar ao ponto de estabelecer a noção de culpa como pressuposto geral da responsabilidade civil Aliás no curso desta obra veremos que o vigente Código refletindo as mudanças sofridas pela sociedade humana especialmente após as duas grandes guerras priorizou muito mais a ideia da responsabilidade calcada na atividade de risco objetiva consoante se pode notar da leitura dos seus arts 927 e seguintes Mais atuais do que nunca portanto as palavras proféticas do grande ALVINO LIMA 370 Estava todavia reservada à teoria clássica da culpa o mais intenso dos ataques doutrinários que talvez se tenha registrado na evolução de um instituto jurídico As necessidades prementes da vida o surgir dos casos concretos cuja solução não era prevista na lei ou não era satisfatoriamente amparada levaram a jurisprudência a ampliar o conceito de culpa e acolher embora excepcionalmente as conclusões de novas tendências doutrinárias 371 A culpa portanto não é um elemento essencial mas sim acidental pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três a conduta humana positiva ou negativa o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade todos eles desenvolvidos cuidadosamente nos próximos capítulos Antes porém de passar a eles é importante tecer algumas rápidas observações sobre a questão da imputabilidade 3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL E IMPUTABILIDADE A título de informação doutrinária vale expor que há quem considere a imputabilidade um elemento autônomo para a caracterização da responsabilidade civil 372 Contudo entendemos que esta noção se encontra englobada na caracterização dos pressupostos já citados além do fato de residir sua importância em verdade na verificação de quem é o sujeito responsável e não se há efetivamente responsabilidade Explicitando essa afirmação com um exemplo clássico temos a hipótese de dano decorrente de ato praticado por menor absolutamente incapaz e por isso inimputável em que a responsabilidade mesmo assim existirá não logicamente do menor mas sim de seu responsável legal 373 Em verdade todas as discussões sobre o tema da imputabilidade podem ser resolvidas com a delimitação da necessidade de culpa ou não para a caracterização da responsabilidade civil Nesse sentido lembrando SAVATIER observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES que quem diz culpa diz imputabilidade E que um dano previsível e evitável para uma pessoa pode não ser para outra sendo iníquo considerar de maneira idêntica a culpabilidade do menino e a do adulto do ignorante e do homem instruído do leigo e do especialista do homem são e do enfermo da pessoa normal e da privada de razão 374 XLVIII A CONDUTA HUMANA 1 A CONDUTA HUMANA PRIMEIRO ELEMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL Como já tivemos oportunidade de ressaltar a responsabilidade civil é a expressão obrigacional mais visível da atividade humana Um fato da natureza diferentemente subsumível em uma categoria maior e mais abrangente de fato jurídico em sentido lato a despeito de poder causar dano não geraria responsabilidade civil por não poder ser atribuído ao homem Apenas o homem portanto por si ou por meio das pessoas jurídicas que forma poderá ser civilmente responsabilizado Nesse contexto fica fácil entender que a ação ou omissão humana voluntária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade civil Tratase em outras palavras da conduta humana positiva ou negativa omissão guiada pela vontade do agente que desemboca no dano ou prejuízo Assim em nosso entendimento até por um imperativo de precedência lógica cuidase do primeiro elemento da responsabilidade civil a ser estudado seguido do dano e do nexo de causalidade O núcleo fundamental portanto da noção de conduta humana é a voluntariedade que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz Por isso não se pode reconhecer o elemento conduta humana pela ausência do elemento volitivo na situação do sujeito que apreciando um raríssimo pergaminho do século III sofre uma microhemorragia nasal e involuntariamente espirra danificando seriamente o manuscrito Seria inadmissível no caso imputar ao agente a prática de um ato voluntário Restará apenas verificarmos se houve negligência da diretoria do museu por não colocar o objeto em um mostruário fechado com a devida segurança ou ainda se o indivíduo violou normas internas caso em que poderá ser responsabilizado pela quebra desse dever e não pelo espirro em si Na mesma linha de raciocínio LUIZ ROLDÃO DE FREITAS GOMES citando o mestre português ANTUNES VARELA lembra que ação voluntária não há por faltar domínio da vontade humana quando o indivíduo age impelido por forças naturais invencíveis pessoa ou veículo irresistivelmente projetados por força do vento da vaga marítima de uma explosão ou descarga elétrica do deslocamento do ar que o arranque do avião provoca na exemplificação do mestre luso 375 Vêse portanto que sem o condão da voluntariedade não há que se falar em ação humana e muito menos em responsabilidade civil Uma observação final entretanto feita por RUI STOCO com fulcro na doutrina de CAIO MÁRIO deve ser lembrada Cumpre todavia assinalar que se não insere no contexto de voluntariedade o propósito ou a consciência do resultado danoso ou seja a deliberação ou a consciência de causar o prejuízo Este é um elemento definidor do dolo A voluntariedade pressuposta na culpa é a da ação em si mesma 376 Em outras palavras a voluntariedade que é pedra de toque da noção de conduta humana ou ação voluntária primeiro elemento da responsabilidade civil não traduz necessariamente a intenção de causar o dano mas sim e tão somente a consciência daquilo que se está fazendo E tal ocorre não apenas quando estamos diante de uma situação de responsabilidade subjetiva calcada na noção de culpa mas também de responsabilidade objetiva calcada na ideia de risco porque em ambas as hipóteses o agente causador do dano deve agir voluntariamente ou seja de acordo com a sua livre capacidade de autodeterminação Nessa consciência entendase o conhecimento dos atos materiais que se está praticando não se exigindo necessariamente a consciência subjetiva da ilicitude do ato Assim em outro exemplo sendo os pais responsáveis pelos danos causados pelo seu filho menor de 16 anos que tenha quebrado uma vidraça ao chutar uma bola a incapacidade absoluta da criança bem como a sua eventual falta de consciência da ilicitude do ato não excluem a responsabilidade civil o que poderia ocorrer todavia se fosse provado que embora estivessem na área a bola teria se deslocado por uma repentina rajada de vento 2 CLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA HUMANA A depender da forma pela qual a ação humana voluntária se manifesta poderemos classificála em a positiva b negativa A primeira delas traduzse pela prática de um comportamento ativo positivo a exemplo do dano causado pelo sujeito que embriagado arremessa o seu veículo contra o muro do vizinho A segunda forma de conduta por sua vez é de intelecção mais sutil Tratase da atuação omissiva ou negativa geradora de dano Se no plano físico a omissão pode ser interpretada como um nada um não fazer uma simples abstenção no plano jurídico este tipo de comportamento pode gerar dano atribuível ao omitente que será responsabilizado por ele Observe aliás que o art 186 impõe a obrigação de indenizar a todo aquele que por ação ou omissão voluntária causar prejuízo a outrem É o caso da enfermeira que violando as suas regras de profissão e o próprio contrato de prestação de serviços que celebrou deixa de ministrar os medicamentos ao seu patrão por dolo ou desídia Entretanto devemos destacar que também na ação omissiva a voluntariedade da conduta se faz presente consoante se lê no mesmo artigo de lei omissão voluntária Isso porque se faltar este requisito haverá ausência de conduta na omissão inviabilizando por conseguinte o reconhecimento da responsabilidade civil Nesse sentido o pensamento de EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIERANGELLI perfeitamente aplicável ao tema sob análise Nas omissões por vezes a pessoa não pratica a ação devida por causa de uma incapacidade de conduta é o caso de quem se acha em meio a uma crise de histeria e não pode gritar para uma pessoa cega que está caminhando para um precipício daquele que fica paralisado em razão de um choque emocional num acidente e não pode prestar socorro às pessoas etc 377 Observese por fim que o Código Civil brasileiro além de disciplinar a responsabilidade civil por ato próprio reconhece também espécies de responsabilidade civil indireta por ato de terceiro ou por fato do animal e da coisa estudadas em momento oportuno Responsabilidade civil por ato de terceiro Art 932 São também responsáveis pela reparação civil I os pais pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia II o tutor e o curador pelos pupilos e curatelados que se acharem nas mesmas condições III o empregador ou comitente por seus empregados serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele IV os donos de hotéis hospedarias casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro mesmo para fins de educação pelos seus hóspedes moradores e educandos V os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime até a concorrente quantia Responsabilidade civil por fato do animal Art 936 O dono ou detentor do animal ressarcirá o dano por este causado se não provar culpa da vítima ou força maior Responsabilidade civil por fato da coisa Art 937 O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína se esta provier de falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta Art 938 Aquele que habitar prédio ou parte dele responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido Nestes casos poderseia argumentar que inexistiria a conduta voluntária do pretenso responsabilizado Ledo engano uma vez que em tais situações ocorreriam omissões ligadas a deveres jurídicos de custódia vigilância ou má eleição de representantes cuja responsabilização é imposta por norma legal 3 A CONDUTA HUMANA E A ILICITUDE Frequentemente a doutrina aponta a ilicitude como aspecto necessário da ação humana voluntária primeiro elemento da responsabilidade civil Nesse sentido SILVIO DE SALVO VENOSA preleciona O ato de vontade contudo no campo da responsabilidade deve revestirse de ilicitude Melhor diremos que na ilicitude há geralmente uma cadeia de atos ilícitos uma conduta culposa Raramente a ilicitude ocorrerá com um único ato O ato ilícito traduzse em um comportamento voluntário que transgride um dever 378 Na mesma linha CAIO MÁRIO preleciona Do conceito de ato ilícito fundamento da reparação do dano tal como enunciado no art 159 do Código Civil e como vem reproduzido no art 186 do Projeto n 634B de 1975 379 podese enunciar a noção fundamental da responsabilidade civil em termos consagrados mutatis mutandis na generalidade dos civilistas obrigação de reparar o dano imposta a todo aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito ou causar dano a outrem 380 De fato uma vez que a responsabilidade civil nos remete à ideia de atribuição das consequências danosas da conduta ao agente infrator é lógico que para a sua configuração ou seja para que haja a imposição do dever de indenizar a referida atuação lesiva deva ser contrária ao direito ilícita ou antijurídica Não é por outro motivo que a sede legal da responsabilidade civil art 186 é precisamente o ato ilícito consoante se lê no Título III Livro III da Parte Geral do Código Civil Por que então ao mencionarmos o primeiro elemento da responsabilidade civil não qualificamos a conduta humana com a palavra ilícita Como já foi dito em atenção ao estrito critério metodológico desta obra preocupamonos em elencar os elementos realmente genéricos ou fundamentais da responsabilidade civil características essas não existentes na característica da ilicitude Sem ignorarmos que a antijuridicidade como regra geral acompanha a ação humana desencadeadora da responsabilidade entendemos que a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente Em outras palavras poderá haver responsabilidade civil sem necessariamente haver antijuridicidade ainda que excepcionalmente por força de norma legal Por isso não se pode dizer que a ilicitude acompanha necessariamente a ação humana danosa ensejadora da responsabilização Para ilustrar o que dizemos tomemos o histórico exemplo que apresentamos anteriormente Ainda no campo dos Direitos Reais também ocorre a obrigação de indenizar em decorrência de um ato lícito na hipótese prevista no art 1313 do CC2002 similar posto não idêntica à prevista no art 587 do CC1916 Art 1313 O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio mediante prévio aviso para I dele temporariamente usar quando indispensável à reparação construção reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório II apoderarse de coisas suas inclusive animais que aí se encontrem casualmente 1º O disposto neste artigo aplicase aos casos de limpeza ou reparação de esgotos goteiras aparelhos higiênicos poços e nascentes e ao aparo de cerca viva 2º Na hipótese do inciso II uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho poderá ser impedida a sua entrada no imóvel 3º Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano terá o prejudicado direito a ressarcimento Excepcionalmente portanto a responsabilidade civil poderá decorrer de um comportamento humano admitido pelo direito 381 grifamos Da mesma forma no caso da passagem forçada o dono do prédio encravado sem acesso à via pública nascente ou porto tem o direito de constranger o vizinho a lhe dar passagem mediante o pagamento de indenização cabal art 1285 do CC2002 Nesse caso verificase que o vizinho constrangido poderá responsabilizar civilmente o beneficiário do caminho exigindo a indenização cabível mediante o ajuizamento de ação ordinária se não houver solução amigável Ao encontro dessas ideias MARTINHO GARCEZ NETO assevera poder haver dano reparável sem ilicitude VON THUR WINDSCHEID DEMOGUE CHIRONI ROSSEL e MENTHA Exemplos de responsabilidade pelos danos resultantes de ato lícito são por motivo de interesse público a indenização devida por expropriação por motivo de interesse privado o ato praticado em estado de necessidade 382 grifamos Notese pois à vista de tais exemplos que o dever de reparar o dano causado nesses casos decorre de uma atuação lícita do infrator que age amparado pelo direito Com isso chegase à óbvia conclusão de que a ilicitude não acompanha sempre a ação humana danosa razão por que não acrescentamos esse qualificativo no elemento sob análise O melhor exemplo no campo da responsabilidade civil está na interpretação conjunta dos arts 188 II e 929 e 930 do vigente Código Civil Art 188 Não constituem atos ilícitos I os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido II a deterioração ou destruição da coisa alheia ou a lesão a pessoa a fim de remover perigo iminente Parágrafo único No caso do inciso II o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo Art 929 Se a pessoa lesada ou o dono da coisa no caso do inciso II do art 188 não forem culpados do perigo assistirlhesá direito à indenização do prejuízo que sofreram Art 930 No caso do inciso II do art 188 se o perigo ocorrer por culpa de terceiro contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado Parágrafo único A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano art 188 inciso I Observese que a lei traz uma excludente de ilicitude ou seja para todos os efeitos o ato é lícito mas reconhece mesmo assim o dever de indenizar Por outro lado não desconhecemos salientese mais uma vez que como regra geral posto não absoluta a antijuridicidade acompanha a ação humana causadora do dano reparável Por isso ressalte se como imperativo de rigor metodológico que por se tratar de uma situação excepcional embora com hipóteses facilmente encontráveis no ordenamento jurídico a responsabilização civil por ato lícito depende sempre de norma legal que a preveja Finalmente cumprenos registrar que alguns autores diferenciam ainda o ato ilícito do ato ilegal Neste último que não repercutiria na responsabilidade civil não haveria propriamente uma violação a um interesse jurídico tutelado mas sim a ausência da realização de condições indispensáveis para a tutela jurídica de um interesse próprio 383 Seria o caso do ato nulo ou anulável carecedores dos requisitos necessários para a sua validade A despeito do interesse teórico do tema a distinção não é tão significativa havendo inclusive diplomas que a ignoram considerando os atos nulos e anuláveis exemplos clássicos de atos ilegais simplesmente atos ilícitos Nesse sentido o art 1056 do Código Civil argentino 1056 Los actos anulados aunque no produzcan los efectos de actos jurídicos producen sin embargo los efectos de los actos ilícitos o de los hechos en general cuyas consecuencias deben ser reparadas grifos nossos XLIX O DANO 1 CONCEITO DE DANO Indispensável a existência de dano ou prejuízo para a configuração da responsabilidade civil Mesmo em se tratando de responsabilidade contratual o comportamento da parte inadimplente que deixa de cumprir a obrigação convencionada carrega em si a presunção de dano 384 Sem a ocorrência deste elemento não haveria o que indenizar e consequentemente responsabilidade Observando a importância deste conceito CIFUENTES observa que para el derecho privado además de antijurídico por haberse contrariado una ley tomada en sentido material cualquier norma emanada de autoridad competente es necesario que haya un daňo causado Sin daňo en derecho privado no hay stricto sensu acto ilícito pues este derecho tiene por finalidad resarcir no reprimir o punir 385 Poderíamos então afirmar que seja qual for a espécie de responsabilidade sob exame contratual ou extracontratual objetiva ou subjetiva o dano é requisito indispensável para a sua configuração qual seja sua pedra de toque SÉRGIO CAVALIERI FILHO salienta a inafastabilidade do dano nos seguintes termos O dano é sem dúvida o grande vilão da responsabilidade civil Não haveria que se falar em indenização nem em ressarcimento se não houvesse o dano Pode haver responsabilidade sem culpa mas não pode haver responsabilidade sem dano Na responsabilidade objetiva qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento risco profissional risco proveito risco criado etc o dano constitui o seu elemento preponderante Tanto é assim que sem dano não haverá o que reparar ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa 386 Nesses termos poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como a lesão a um interesse jurídico tutelado patrimonial ou não causado por ação ou omissão do sujeito infrator Notese neste conceito que a configuração do prejuízo poderá decorrer da agressão a direitos ou interesses personalíssimos extrapatrimoniais a exemplo daqueles representados pelos direitos da personalidade especialmente o dano moral 387 Aliás como acentua CLAYTON REIS a concepção normalmente aceita a respeito do dano envolve uma diminuição do patrimônio de alguém em decorrência da ação lesiva de terceiros A conceituação nesse particular é genérica Não se refere como é notório a qual o patrimônio é suscetível de redução 388 É muito importante pois que nós tenhamos o cuidado de nos despir de determinados conceitos egoisticamente ensinados pela teoria clássica do Direito Civil e fixemos a premissa de que o prejuízo indenizável poderá decorrer não somente da violação do patrimônio economicamente aferível mas também da vulneração de direitos inatos à condição de homem sem expressão pecuniária essencial Precisa a esse respeito é a preleção de LUIZ EDSON FACHIN A pessoa e não o patrimônio é o centro do sistema jurídico de modo que se possibilite a mais ampla tutela da pessoa em uma perspectiva solidarista que se afasta do individualismo que condena o homem à abstração Nessa esteira não há pois direito subjetivo arbitrário mas sempre limitado pela dimensão coexistencial do ser humano O patrimônio conforme se apreende do exposto por Sessarego não só deixa de ser o centro do Direito mas também a propriedade sobre os bens é funcionalizada ao homem em sua dimensão coexistencial 389 Aliás outro mito que se deve destruir é a ideia de que o dano para o Direito Civil toca apenas interesses individuais O Direito Civil não deve ser produto do cego individualismo humano Dizse ademais nessa linha equivocada de raciocínio que somente o dano decorrente de um ilícito penal teria repercussões sociais Nada mais falso Toda a forma de dano mesmo derivado de um ilícito civil e dirigido a um só homem interessa à coletividade Até porque vivemos em sociedade e a violação do patrimônio moral ou material do meu semelhante repercute também na minha esfera pessoal Nesse sentido atuais são as palavras de AGUIAR DIAS do ponto de vista da ordem social consideramos infundada qualquer distinção a propósito da repercussão social ou individual do dano O prejuízo imposto ao particular afeta o equilíbrio social É a nosso ver precisamente nesta preocupação neste imperativo que se deve situar o fundamento da responsabilidade civil Não encontramos razão suficiente para concordar em que à sociedade o ato só atinge em seu aspecto de violação da norma penal enquanto que a repercussão no patrimônio do indivíduo só a este diz respeito Não pode ser exata a distinção se atentarmos em que o indivíduo é parte da sociedade que ele é cada vez mais considerado em função da coletividade que todas as leis estabelecem a igualdade perante a lei fórmula de mostrar que o equilíbrio é interesse capital da sociedade 390 Nos próximos tópicos aprofundaremos ainda mais o estudo desse tema analisando os requisitos necessários para a configuração do dano indenizável 2 REQUISITOS DO DANO INDENIZÁVEL Sendo a reparação do dano como produto da teoria da responsabilidade civil uma sanção imposta ao responsável pelo prejuízo em favor do lesado temos que em regra todos os danos devem ser ressarcíveis pois mesmo impossibilitada a determinação judicial de retorno ao status quo ante sempre se poderá fixar uma importância em pecúnia a título de compensação Todavia para que o dano seja efetivamente reparável indenizável hipótese mais frequente e por isso usada normalmente como gênero ou compensável é necessária a conjugação dos seguintes requisitos mínimos a a violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica obviamente todo dano pressupõe a agressão a um bem tutelado de natureza material ou não pertencente a um sujeito de direito Lembrese de que a Magna Carta de 1988 neste ponto acompanhada expressamente pelo art 186 do Código Civil reconhece a plena reparabilidade do dano moral independentemente do dano patrimonial b certeza do dano somente o dano certo efetivo é indenizável Ninguém poderá ser obrigado a compensar a vítima por um dano abstrato ou hipotético Mesmo em se tratando de bens ou direitos personalíssimos o fato de não se poder apresentar um critério preciso para a sua mensuração econômica não significa que o dano não seja certo Tal ocorre por exemplo quando caluniamos alguém maculando a sua honra A imputação falsa do fato criminoso calúnia gera um dano certo à honra da vítima ainda que não se possa definir em termos precisos quanto vale este sentimento de dignidade MARIA HELENA DINIZ com propriedade citando doutrina estrangeira lembra que a certeza do dano referese à sua existência e não à sua atualidade ou ao seu montante 391 Assim um crime de lesões corporais que culmine com a mutilação da perna de um jogador de futebol é dano certo proveniente de um fato atual que gerará inevitáveis repercussões futuras Ainda analisando o requisito da certeza devemos lembrar que a doutrina controvertese a respeito da reparabilidade do dano decorrente da perda da chance perte dune chance Nessa hipótese temos que analisar se há ou não a certeza do dano Sobre o tema exemplifica SÍLVIO VENOSA Alguém deixa de prestar exame vestibular porque o sistema de transportes não funcionou a contento e o sujeito chegou atrasado não podendo submeterse à prova pode ser responsabilizado o transportador pela impossibilidade de o agente cursar a universidade O advogado deixa de recorrer ou de ingressar com determinada medida judicial pode ser responsabilizado pela perda de um direito eventual de seu cliente 392 Em todos esses casos não poderíamos excluir a reparabilidade do dano desde que a investigação do nexo de causalidade aliada à comprovação da efetividade do prejuízo conduzissem à necessidade de restituição do status quo ante por meio da obrigação de indenizar c subsistência do dano quer dizer se o dano já foi reparado perdese o interesse da responsabilidade civil O dano deve subsistir no momento de sua exigibilidade em juízo o que significa dizer que não há como se falar em indenização se o dano já foi reparado espontaneamente pelo lesante Obviamente se a reparação tiver sido feita a expensas do lesionado a exigibilidade continua Esses três são os requisitos básicos para que se possa atribuir o qualificativo reparável ao dano Todos os outros aventados por respeitável doutrina 393 como a legitimidade do postulante o nexo de causalidade e a ausência de causas excludentes de responsabilidade posto necessários tocam em nosso entendimento mais de perto aspectos extrínsecos ou secundários à consideração do dano em si Por isso seguindo um critério científico mais rígido preferimos elencar apenas esses três atributos inerentes ao dano reparável que consideramos fundamentais para a sua caracterização a a violação de um interesse jurídico patrimonial ou moral b a efetividade ou certeza c subsistência 3 ESPÉCIES DE DANO PATRIMONIAL E MORAL Tradicionalmente a doutrina costuma classificar o dano em patrimonial e moral O dano patrimonial traduz lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do seu titular Assim ocorre quando sofremos um dano em nossa casa ou em nosso veículo Já advertimos outrossim seguindo a moderna tendência de despatrimonialização do direito civil que outros bens personalíssimos também podem ser atingidos gerando assim a responsabilidade civil do infrator Ainda porém no que tange especificamente ao dano patrimonial ou material convém o analisarmos sob dois aspectos 394 a o dano emergente correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima ou seja o que ela perdeu b os lucros cessantes correspondente àquilo que a vítima deixou razoavelmente de lucrar por força do dano ou seja o que ela não ganhou Com referência ao dano emergente sempre presentes são as palavras de AGOSTINHO ALVIM que pondera ser possível estabelecer com precisão o desfalque do nosso patrimônio sem que as indagações se perturbem por penetrar no terreno hipotético Mas com relação ao lucro cessante o mesmo já não se dá E a respeito do lucro cessante assevera com maestria Finalmente e com o intuito de assinalar com a possível precisão o significado do termo razoavelmente empregado no art 1059 do Código diremos que ele não significa que se pagará aquilo que for razoável ideia quantitativa e sim que se pagará se se puder razoavelmente admitir que houve lucro cessante ideia que se prende à existência mesma de prejuízo Ele contém uma restrição que serve para nortear o juiz acerca da prova do prejuízo em sua existência e não em sua quantidade Mesmo porque admitida a existência do prejuízo lucro cessante a indenização não se pautará pelo razoável e sim pelo provado 395 Claro está que o dano emergente e os lucros cessantes devem ser devidamente comprovados na ação indenizatória ajuizada contra o agente causador do dano sendo de bom alvitre exortar os magistrados a impedirem que vítimas menos escrupulosas incentivadoras da famigerada indústria da indenização tenham êxito em pleitos absurdos sem base real formulados com o nítido propósito não de buscar ressarcimento mas de obterem lucro abusivo e escorchante Posto isso seguindo esta linha de raciocínio cumprenos lembrar que a compensação devida à vítima só deverá incluir os danos emergentes e os lucros cessantes diretos e imediatos ou seja só se deverá indenizar o prejuízo que decorra diretamente da conduta ilícita infracional do devedor art 403 do CC2002 396 excluídos os danos remotos Tratase segundo preleção de CARLOS ROBERTO GONÇALVES de aplicação da teoria dos danos diretos e imediatos formulada a propósito da relação de causalidade que deve existir para que se caracterize a responsabilidade do devedor Assim o devedor responde tão só pelos danos que se prendem a seu ato por um vínculo de necessidade não pelos resultantes de causas estranhas ou remotas 397 Até aqui tratamos do dano patrimonial Entretanto conforme dissemos o dano poderá atingir outros bens da vítima de cunho personalíssimo deslocando o seu estudo para a seara do denominado dano moral Tratase em outras palavras do prejuízo ou lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário nem comercialmente redutível a dinheiro como é o caso dos direitos da personalidade a saber o direito à vida à integridade física direito ao corpo vivo ou morto e à voz à integridade psíquica liberdade pensamento criações intelectuais privacidade e segredo e à integridade moral honra imagem e identidade 398 havendo quem entenda como PAULO LUIZ NETTO LÔBO que não há outras hipóteses de danos morais além das violações aos direitos da personalidade 399 Segundo CARLOS ALBERTO BITTAR qualificamse como morais os danos em razão da esfera da subjetividade ou do plano valorativo da pessoa na sociedade em que repercute o fato violador havendose portanto como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana o da intimidade e da consideração pessoal ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua o da reputação ou da consideração social 400 Conforme dissemos o Código Civil de 2002 expressamente em seu art 186 dispôs que a indenização por ato ilícito é devida ainda que o dano seja exclusivamente moral Nada mais fez nesse particular do que explicitar determinações constitucionais que já respaldavam a autonomia jurídica do dano moral 401 Dada a profundidade do tema e principalmente as infindáveis controvérsias que sempre gravitam em torno do dano moral dedicamos todo o próximo capítulo ao seu estudo 4 DANO REFLEXO OU EM RICOCHETE Outra espécie de dano por suas características peculiares merece a nossa especial atenção Tratase do dano reflexo ou em ricochete cujo estudo desenvolveuse largamente no direito francês Conceitualmente consiste no prejuízo que atinge reflexamente pessoa próxima ligada à vítima direta da atuação ilícita É o caso por exemplo do pai de família que vem a perecer por descuido de um segurança de banco inábil em uma troca de tiros Notese que a despeito de o dano haver sido sofrido diretamente pelo sujeito que pereceu os seus filhos alimentandos sofreram os seus reflexos por conta da ausência do sustento paterno Desde que este dano reflexo seja certo de existência comprovada nada impede a sua reparação civil Sintetizando bem o problema CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA observa que Se o problema é complexo na sua apresentação mais ainda o será na sua solução Na falta de um princípio que o defina francamente o que se deve adotar como solução é a certeza do dano Se pela morte ou incapacidade da vítima as pessoas que dela se beneficiavam ficaram privadas de socorro o dano é certo e cabe ação contra o causador Vitimando a pessoa que prestava alimentos a outras pessoas privouas do socorro e causoulhes prejuízo certo É o caso por exemplo da exesposa da vítima que juridicamente recebia dela uma pensão Embora não seja diretamente atingida tem ação de reparação por dano reflexo ou em ricochete porque existe a certeza do prejuízo e portanto está positivado o requisito do dano como elementar da responsabilidade civil 402 Portanto a despeito de não ser de fácil caracterização o dano reflexo ou em ricochete enseja a responsabilidade civil do infrator desde que seja demonstrado o prejuízo à vítima indireta 5 DANOS COLETIVOS DIFUSOS E A INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS A evolução da sociedade com a formação de uma consciência de cidadania leva ao reconhecimento de que a tutela meramente individual não é suficiente para combater as macrolesões passíveis de ocorrência Há por isso toda uma gama de danos coletivos lato sensu que precisa ser tutelada através de um procedimento especial a ação coletiva mais adequado à sua natureza Sobre tais ações RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO consideraas cabíveis quando algum nível do universo coletivo será atingido no momento em que transitar em julgado a decisão que a acolhe espraiando assim seus efeitos 403 De acordo com a natureza dos interesses ou direitos violados três espécies de danos coletivos lato sensu podem ser suscitadas a saber difusos coletivos stricto sensu e individuais homogêneos A definição legal de tais interesses se encontra no Código de Defesa do Consumidor brasileiro que traz norma nesse sentido de natureza geral não se limitando às relações de consumo Assim preceitua o art 81 da Lei n 8078 de 11 de setembro de 1990 Art 81 A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo Parágrafo único A defesa coletiva será exercida quando se tratar de I interesses ou direitos difusos assim entendidos para efeitos deste Código os transindividuais de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato II interesses ou direitos coletivos assim entendidos para efeitos deste Código os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base III interesses ou direitos individuais homogêneos assim entendidos os decorrentes de origem comum Embora a linguagem utilizada pelo Código seja extremamente técnica parecenos relevante explicar cada um desses interesses Como observa ANTONIO GIDI o critério científico para identificar se determinado direito é difuso coletivo individual homogêneo ou individual puro não é a matéria o tema o assunto abstratamente considerados mas o direito subjetivo específico que foi violado 404 Isso porque não é possível setorializar direitos em função de matérias envolvidas como lamentavelmente é muito comum se verificar Assim um dano ao meio ambiente não será necessária e exclusivamente um dano difuso pois pode também ensejar pretensões com outros tipos de tutela jurisdicional Os direitos difusos e coletivos designados por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA como direitos essencialmente coletivos 405 ao revés dos individuais homogêneos que seriam apenas acidentalmente coletivos têm como nota comum o caráter transindividual de natureza indivisível ou seja que transcendem a esfera de um único sujeito individualizado A diferença porém estará na titularidade em que nos primeiros se confunde com pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato enquanto nos segundos se refere a grupo categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base A exemplificação pode facilitar a compreensão Imaginese um vazamento em uma fábrica que tenha poluído um lago na sua proximidade Essa conduta gera danos difusos a toda a sociedade que tem um direito constitucional à defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado 406 e também coletivos por exemplo dos empregados da empresa para exigir o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho ou mesmo da comunidade ribeirinha que mantém relação jurídica de vizinhança com a indústria para exigir a observância das regras legais pertinentes Os direitos individuais homogêneos por sua vez inovação da Lei n 807890 são aqueles ligados por uma origem comum Embora determinados e divisíveis uma situação de fato uniforme em relação a todos os lesados autoriza a utilização dos meios processuais correspondentes para sua defesa Ainda nos valendo do exemplo da poluição do lago há um interesse individual homogêneo dos pescadores da região em função das perdas e danos gerados pela conduta poluidora No campo contratual também é possível verificar a ocorrência de danos individuais homogêneos como por exemplo quando uma empresa vende determinado produto adulterado a várias pessoas espalhadas pelo país pois embora diversos os negócios jurídicos de compra e venda caracterizada estará a igualdade jurídica entre os contratos 407 6 FORMAS DE REPARAÇÃO DE DANOS Sobre as formas de reparação de danos ensina ORLANDO GOMES que há reposição natural quando o bem é restituído ao estado em que se encontrava antes do fato danoso Constitui a mais adequada forma de reparação mas nem sempre é possível e muito pelo contrário Substituise por uma prestação pecuniária de caráter compensatório Se o autor do dano não pode restabelecer o estado efetivo da coisa que danificou paga a quantia correspondente a seu valor É rara a possibilidade da reposição natural Ordinariamente pois a prestação de indenização se apresenta sob a forma de prestação pecuniária e às vezes como objeto de uma dívida de valor Se bem que a reposição natural seja o modo próprio de reparação do dano não pode ser imposta ao titular do direito à indenização Admitese que prefira receber dinheiro Compreendese Uma coisa danificada por mais perfeito que seja o conserto dificilmente voltará ao estado primitivo A indenização pecuniária poderá ser exigida concomitantemente com a reposição natural se esta não satisfizer suficientemente o interesse do credor Se o devedor quer cumprir a obrigação de indenizar mediante reposição o credor não pode exigir a substituição de coisa velha por nova a menos que o reparo não restabeleça efetivamente o estado anterior Por outro lado o devedor não pode ser compelido à restituição in natura se só for possível mediante gasto desproporcional 408 Em função de tais ilações podemos concluir que um critério prático de diferenciação entre o dano patrimonial e o dano moral além daquele referente à esfera jurídica atingida e às consequências geradas de forma direta pelo evento danoso reside certamente na forma de reparação Tal conclusão se dá pelo fato de que no dano patrimonial onde restou atingido um bem físico de valor comensurável monetariamente a reparação pode ser feita através da reposição natural Essa possibilidade já não ocorre no dano moral pois a honra violada jamais pode ser restituída à sua situação anterior porquanto como já disse certo sábio as palavras proferidas são como as flechas lançadas que não voltam atrás A reparação em tais casos reside no pagamento de uma soma pecuniária arbitrada judicialmente com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido atenuando em parte as consequências da lesão O que ora se expõe já era lecionado há muito tempo pelo grande ORLANDO GOMES com o habitual brilhantismo ao afirmar que esse dano não é propriamente indenizável visto como indenização significa eliminação do prejuízo e das consequências o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial Preferese dizer que é compensável Tratase de compensação e não de ressarcimento Entendida nesses termos a obrigação de quem o produziu afastase a objeção de que o dinheiro não pode ser o equivalente da dor porque se reconhece que no caso exerce outra função dupla a de expiação em relação ao culpado e a de satisfação em relação à vítima Contestase porém que tenha caráter de pena impugnandose pois sua função expiatória Dizse que sua finalidade não é acarretar perda ao patrimônio do culpado mas sim proporcionar vantagem ao ofendido Admitese porém sem oposição que o pagamento da soma de dinheiro é um modo de dar satisfação à vítima que recebendoa pode destinála como diz Von Tuhr a procurar as satisfações ideais ou materiais que estime convenientes acalmando o sentimento de vingança inato no homem 409 L O DANO MORAL 1 INTRODUÇÃO Um dos aspectos positivos da atual Codificação Civil brasileira é justamente o reconhecimento formal e expresso da reparabilidade dos danos morais Com efeito dispõe o multicitado art 186 do CC2002 Art 186 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito grifos nossos Embora a questão já estivesse pacificada pelo próprio texto constitucional 410 a atualização legislativa se fazia obrigatória até mesmo por uma questão cultural dada a grande resistência histórica como veremos no decorrer deste capítulo para sua consagração formal Conheçamos melhor a problemática 2 A PREOCUPAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 COM A QUESTÃO DA MORALIDADE Antes de dissecarmos dogmaticamente toda a enorme batalha doutrinária e jurisprudencial para reconhecimento da reparabilidade do dano moral parecenos relevante tecer algumas rápidas considerações sobre a questão da moralidade Sim embora Direito e Moral não se confundam411 há em todo o Código Civil vigente uma evidente preocupação com a eticidade nas relações jurídicas Isso se verifica não somente no acolhimento formal de previsão legal de reparações por danos morais mas também em outros dispositivos legais Senão vejamos No que diz respeito à repetição de indébito estabelece o art 883 Art 883 Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito imoral ou proibido por lei Parágrafo único No caso deste artigo o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência a critério do juiz Isso sem contar o fato de que consideramos que a enumeração expressa dos elementos de validade do negócio jurídico pelo Código Civil é imprecisa justamente porque dentro do sentido da sua disciplina a questão da moralidade é sim um relevante aspecto para o reconhecimento da validade 412 Feitas tais considerações prévias enfrentemos o instituto do dano moral a partir de seu conceito e denominação 3 CONCEITO E DENOMINAÇÃO O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário nem comercialmente redutível a dinheiro Em outras palavras podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa seus direitos da personalidade violando por exemplo sua intimidade vida privada honra e imagem bens jurídicos tutelados constitucionalmente A apreensão deste conceito é fundamental para o prosseguimento do nosso estudo notadamente no que diz respeito ao fato de a lesão se dar em direitos repitase cujo conteúdo não é pecuniário nem comercialmente redutível a dinheiro Repisamos esse aspecto de forma a afastar de nossa análise de uma vez por todas qualquer relação ao efeito patrimonial do dano moral ocorrido pois muitos dos debates sobre a matéria neste caso bastante infrutíferos residem na busca de uma quantificação do dano moral com base nos seus reflexos materiais Ora se há reflexos materiais o que se está indenizando é justamente o dano patrimonial decorrente da lesão à esfera moral do indivíduo e não o dano moral propriamente dito Não é esta definitivamente a nossa proposta pois pretendemos demonstrar a tutela dos direitos da personalidade pelo vigente ordenamento jurídico com a possibilidade de compensações pecuniárias em caso de violações Apesar de já termos proposto um conceito de dano moral fazse mister tecer alguns comentários sobre a denominação utilizada Isso porque adotamos a expressão dano moral somente por esta estar amplamente consagrada na doutrina e na jurisprudência pátrias Todavia reconhecemos que não é tecnicamente adequada para qualificar todas as formas de prejuízo não fixável pecuniariamente Mesmo a expressão danos extrapatrimoniais também de uso comum na linguagem jurídica pode se tornar equívoca principalmente se for comparada com a concepção de patrimônio moral cada vez mais utilizada na doutrina e na jurisprudência que supostamente abrangeria entre outros direitos tutelados pelo ordenamento jurídico a intimidade a vida privada a honra e a imagem da pessoa Melhor seria utilizar o termo dano não material para se referir a lesões do patrimônio imaterial justamente em contraponto ao termo dano material como duas faces da mesma moeda que seria o patrimônio jurídico da pessoa física ou jurídica Entretanto como as expressões dano moral e dano extrapatrimonial encontram ampla receptividade na doutrina brasileira como antônimos de dano material estando portanto consagradas em diversas obras relevantes sobre o tema 413 utilizaremos indistintamente as três expressões dano moral dano extrapatrimonial e dano não material sempre no sentido de contraposição ao dano material 4 DANO MORAL DIRETO E INDIRETO Apenas por uma questão de rigor acadêmico consideramos salutar distinguir o dano moral direto e o dano moral indireto uma vez que se constituem em classificações oriundas do requisito causalidade entre o dano e o fato imprescindível para a configuração do dano indenizável O primeiro se refere a uma lesão específica de um direito extrapatrimonial como os direitos da personalidade Já o dano moral indireto ocorre quando há uma lesão específica a um bem ou interesse de natureza patrimonial mas que de modo reflexo produz um prejuízo na esfera extrapatrimonial como é o caso por exemplo do furto de um bem com valor afetivo ou no âmbito do direito do trabalho o rebaixamento funcional ilícito do empregado que além do prejuízo financeiro traz efeitos morais lesivos ao trabalhador É interessante diferenciar o dano moral indireto do dano moral em ricochete ou dano reflexo No primeiro temse uma violação a um direito da personalidade de um sujeito em função de um dano material por ele mesmo sofrido no segundo temse um dano moral sofrido por um sujeito em função de um dano material ou moral pouco importa de que foi vítima outro indivíduo ligado a ele 5 NATUREZA JURÍDICA DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL No tópico referente às formas de reparação de danos constatamos que a reposição natural não era possível na lesão aos direitos extrapatrimoniais da pessoa pois a honra violada jamais poderia ser restituída ao status quo ante Mas qual a natureza jurídica do pagamento Sancionadora respondemos sendo sanção entendida como a consequência lógiconormativa de um ato ilícito Então esse pagamento seria uma pena Para um segmento hoje minoritário da doutrina 414 que gozou de bastante prestígio em passado não longínquo a reparação do dano moral não constituiria um ressarcimento mas sim uma verdadeira pena civil mediante a qual se reprovaria e reprimiria de maneira exemplar a falta cometida pelo ofensor Esta corrente de pensamento não dirigia suas atenções para a proteção da vítima ou para o prejuízo sofrido com a lesão mas sim para o castigo à conduta dolosa do autor do dano Somente isto justificaria o reconhecimento de uma indenização por dano moral de modo que nas palavras do jurista argentino Jorge J Llambías no quede impune un hecho ilícito que ha mortificado malignamente a la víctima causándole una aflicción en su ánimo 415 Um dos fundamentos dogmáticos para esta construção doutrinária da pena civil estava justamente na suposta imoralidade da compensação do dano moral com dinheiro o chamado pretium doloris o preço da dor objeção esta que já se encontra há muito superada como vimos Por outro lado não se pode afirmar que a reparação da dano moral se dá através de uma pena tendo em vista que este instituto do ponto de vista técnico se presta a sancionar como forma de repressão pública quem lesiona ainda que de forma mediata interesses sociais tutelados pelo Direito Público Direito Criminal Não é este o âmbito de atuação da responsabilidade civil fundamento doutrinário pelo qual estamos estudando essa forma de pagamento pois a reparação do dano moral pela via pecuniária visa a sancionar violações ocorridas na esfera privada de interesses Obviamente não se despreza que o dano moral pode também motivar consequências lógiconormativas na esfera criminal gerando a necessidade de uma repressão social como nos casos de calúnia difamação e injúria previstos respectivamente nos arts 138 139 e 140 do Código Penal E seria tal reparação uma indenização Apesar de ser essa a expressão tradicionalmente utilizada nos pretórios pátrios o rigor técnico impõe que se reconheça que a resposta é negativa haja vista que a noção de indenização também está intimamente relacionada com o ressarcimento de prejuízos causados a uma pessoa por outra ao descumprir obrigação contratual ou praticar ato ilícito significando a eliminação do prejuízo e das consequências o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial A reparação em tais casos reside no pagamento de uma soma pecuniária arbitrada judicialmente com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido atenuando em parte as consequências da lesão Na reparação do dano moral o dinheiro não desempenha função de equivalência como no dano material mas sim função satisfatória Quando a vítima reclama a reparação pecuniária em virtude do dano moral que recai por exemplo em sua honra nome profissional e família não está definitivamente pedindo o chamado pretium doloris mas apenas que se lhe propicie uma forma de atenuar de modo razoável as consequências do prejuízo sofrido ao mesmo tempo em que pretende a punição do lesante Dessa forma resta claro que a natureza jurídica da reparação do dano moral é sancionadora como consequência de um ato ilícito mas não se materializa através de uma pena civil e sim por meio de uma compensação material ao lesado sem prejuízo obviamente das outras funções acessórias da reparação civil Essa nos parece uma advertência necessária para que não continuemos a confundir logicamente o gênero sanção com a espécie pena 416 uma vez que esta última deve corresponder à submissão pessoal e física do agente para restauração da normalidade social violada com o delito enquanto a compensação ou mesmo a indenização pela teoria da responsabilidade civil é sanção aplicável a quem viola interesses privados como é o caso dos danos morais Não faltam contudo as teorias ecléticas que buscam classificar a reparação do dano moral como uma prestação de caráter duplo em que coexistiriam a compensação e a pena civil Esse posicionamento contudo é questionado por alguns doutrinadores notadamente no direito estrangeiro RAMON DANIEL PIZARRO por exemplo questiona expressamente Cómo conciliar la tesis punitiva del daño moral que parte de la base de la antijuridicidad e inmoralidad del resarcimiento del daño moral el precio del dolor con la tesis del resarcimiento que postula como ya vimos una cosmovisión totalmente diferente de la cuestión Cómo conciliar ideas que son fruto de una ponderación individualista del Derecho y de la vida con otras que son resultado de una visión solidarista de la responsabilidad civil obsesionada por la protección de la víctima Como conciliar lo inconciliable 417 Essa discussão contudo tem para nós importância somente acadêmica pois mesmo nos filiando à corrente de pensamento capitaneada pelo ilustre ORLANDO GOMES que entende ser a reparação do dano moral uma sanção materializada através de uma compensação pecuniária entendemos que a utilização do termo indenização não se constitui em uma aberração jurídica mas sim apenas uma atecnia consagrada jurisprudencialmente Talvez pensando justamente nessa possibilidade é que tenha sido concebido o art 944 do Código Civil de 2002 nos seguintes termos Art 944 A indenização medese pela extensão do dano Parágrafo único Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização grifos nossos Isso porque não há qualquer lógica em imaginar que o dano material cuja indenização é fixada justamente pela extensão da lesão perpetrada em uma operação quase aritmética possa ser diminuída uma vez que o prejuízo pecuniário é quase sempre constatado de forma objetiva ao contrário dos danos morais ou mesmo de danos materiais quantificados por arbitramento em que se tem apenas uma expectativa do valor razoável como uma forma de compensação pela lesão extrapatrimonial sofrida 6 DANO MORAL E PESSOA JURÍDICA Havia até bem pouco tempo acesa polêmica acerca da possibilidade de pleito de indenização por danos morais no que diz respeito à pessoa jurídica Por longos anos considerouse que os danos morais se limitavam às dores da alma sentimentos que a pessoa jurídica jamais poderia ter pois esta é uma criação do direito e não um ser orgânico dotado de espírito e emoções Nesse sentido é a compreensão de WILSON MELO DA SILVA pioneiro no estudo da reparabilidade do dano moral no Brasil nos seguintes termos Outro corolário do princípio é que as pessoas jurídicas em si jamais teriam direito à reparação dos danos morais E a razão é óbvia Que as pessoas jurídicas sejam passivamente responsáveis por danos morais compreendese Que porém ativamente possam reclamar indenizações consequentes deles é absurdo 418 Entendia da mesma forma VALDIR FLORINDO apoiado em WAGNER D GIGLIO 419 para quem deve o empregado reparar os prejuízos de ordem moral causados ao empregador Contudo é preciso ficar claro a bem da boa técnica jurídica que o empregador a que nos referimos é o empregador proprietáriopessoa física pois o dano moral é um sofrimento de ordem psíquica não havendo como considerálo a uma pessoa jurídica ainda que por reflexo ela possa ser atingida pelo dano moral lançado 420 Contudo hodiernamente não há mais como se aceitar tais posicionamentos Isso porque a legislação jamais excluiu expressamente as pessoas jurídicas da proteção aos interesses extrapatrimoniais entre os quais se incluem os direitos da personalidade Se é certo que uma pessoa jurídica jamais terá uma vida privada mais evidente ainda é que ela pode e deve zelar pelo seu nome e imagem perante o públicoalvo sob pena de perder largos espaços na acirrada concorrência de mercado Uma propaganda negativa de determinado produto por exemplo pode destruir toda a reputação de uma empresa da mesma forma que informações falsas sobre eventual instabilidade financeira da pessoa jurídica podem acabar por levála a uma indesejável perda de credibilidade com fortes reflexos patrimoniais Nesse ponto cumprenos transcrever o lúcido ensinamento do saudoso Professor JOSAPHAT MARINHO Questão a considerar também é a da extensibilidade dos direitos personalíssimos à pessoa jurídica Não é dado no caso generalizar para que tais direitos não se confundam com os de índole patrimonial É por isso que Santoro Passarelli doutrina que a tutela dos direitos da personalidade se refere não só às pessoas físicas senão também à jurídicas com as limitações derivadas das especial natureza destas últimas 421 A Constituição Federal de 1988 por sua vez ao preceituar em seu art 5º X que são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação não fez qualquer acepção de pessoas não podendo ser o dispositivo constitucional interpretado de forma restritiva notadamente quando se trata de direitos e garantias fundamentais Título II onde se encontra o dispositivo mencionado Da mesma forma ao assegurar o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem art 5º V o texto constitucional não apresentou qualquer restrição devendo o direito abranger a todos indistintamente Comentando tal dispositivo LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO ensina que tanto podem utilizarse do direito de resposta as pessoas físicas quanto as jurídicas entendidas as públicas e as privadas É remédio de uso geral contra o poder indevido da imprensa 422 Sem demérito de reconhecer que a teoria dos direitos da personalidade tenha sido construída a partir de uma concepção antropocêntrica do direito consideramos inadmissível a posição que limita a possibilidade de sua aplicação à pessoa natural Essa tese inclusive já havia sido consagrada jurisprudencialmente por Súmula do Superior Tribunal de Justiça 423 e agora o atual Código Civil põe fim à polêmica estabelecendo expressamente Art 52 Aplicase às pessoas jurídicas no que couber a proteção dos direitos da personalidade 7 DANO MORAL E DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS Um tema tormentoso se refere à possibilidade de configuração de reparação por danos morais na tutela de interesses difusos e coletivos Isso porque partindo da premissa de que os danos morais são lesões à esfera extrapatrimonial de um indivíduo ou seja a seus direitos da personalidade não seria possível se imaginar a priori um dano moral a interesses difusos como por exemplo ao meio ambiente e ao patrimônio históricocultural Todavia a Lei da Ação Civil Pública Lei n 734785 com as modificações impostas pela Lei n 888494 estabeleceu expressamente a possibilidade de reparação por danos morais a direitos difusos ao preceituar in verbis Art 1º Regemse pelas disposições desta Lei sem prejuízo da ação popular as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados I ao meio ambiente II ao consumidor III a bens e direitos de valor artístico estético histórico turístico e paisagístico IV a qualquer outro interesse difuso ou coletivo V por infração da ordem econômica Excluída a ideia tão difundida quanto errônea de que o dano moral é a dor sofrida pela pessoa a dor em verdade é apenas a consequência eventual da lesão à esfera extrapatrimonial o conceito de direitos da personalidade tem que ser ampliado para abarcar a previsão legal tendo em vista inexistir uma personalidade jurídica coletiva difusa 424 Assim sendo o dano moral difuso tutelado pela previsão legal somente pode ser caracterizado como uma lesão ao direito de toda e qualquer pessoa e não de um direito específico da personalidade A título de exemplo poderíamos imaginar uma lesão difusa à integridade corporal de toda uma população com a poluição causada em um acidente ambiental ou violação à integridade psíquica com o cerceio à liberdade de conhecimento e pensamento com a destruição de bens e direitos de valor artístico estético histórico turístico e paisagístico A limitação da legitimidade para ajuizamento de tais pretensões bem como a circunstância de que os valores obtidos reverterão para fundos específicos de defesa de direitos difusos 425 justifica socialmente tal exceção legal ressaltando a importância constitucional por exemplo da defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado 426 Vale destacar ainda que conforme visto adrede a Lei da Ação Civil Pública Lei n 734785 com as modificações impostas pela Lei n 888494 estabeleceu expressamente a possibilidade de reparação por danos morais a direitos difusos Dessa forma nada impede que se configure uma lesão extrapatrimonial difusa nesse sentido em função de atos que afetem um espaço físico convertido em meio ambiente de trabalho Se um ambiente laboral inseguro por si só já pode trazer implicações negativas para a sua população interna a sua poluição pode acarretar falhas humanas ou técnicas geradoras de prejuízos incalculáveis para a comunidade externa Assim a poluição ao meio ambiente operário não produz efeitos restritos ao âmbito coletivo do estabelecimento o que impõe a conclusão de que se trata de um dano potencialmente difuso que como visto é também tutelável juridicamente A preservação de boas condições de trabalho configurase portanto como um interesse de todos de caráter transindividual conformado em um direito indivisível cujo titular é um sujeito indeterminado e indeterminável Em sua tese de doutoramento JÚLIO CÉSAR DE SÁ DA ROCHA registra que apesar de os equipamentos bens maquinários e instalação serem de propriedade privada da empresa o meio ambiente do trabalho constitui bem inapropriável e de caráter difuso na medida em que deve ser entendido como conditio sine qua non em que se desenrola grande parte da vida humana 427 Por tal nova perspectiva o caráter metaindividual do interesse na preservação do espaço ambiental determinase pelo risco que pode vir a representar para as populações externas um habitat laboral poluído e desequilibrado uma vez que lesões à saúde física e mental do trabalhador podem tornarse fatos geradores de falhas humanas e ademais a não observância de normas internas de segurança que se façam necessárias pode vir a causar falhas técnicas no próprio procedimento produtivo com repercussões que muitas vezes ultrapassam a esfera do ambiente de trabalho Além disso vale destacar outro aspecto do interesse social na preservação do equilíbrio do ambiente laboral salientado por RAIMUNDO SIMÃO DE MELO ao lembrar que o meio ambiente de trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador o qual se desrespeitado provoca agressão a toda sociedade que no final das contas é quem custeia a Previdência Social que por inúmeras razões corre o risco de não mais poder oferecer proteção até mesmo aos seus segurados no próximo século 428 portanto a sociedade acaba por arcar com os resultados desta lesão Por tudo isso resta patente a importância de sua proteção como um direito de todos difusamente considerado e não somente da coletividade restrita àquele locus laboral determinado impondo se for o caso a reparação dos eventuais danos morais pelos atos violadores do meio ambiente de trabalho LI NEXO DE CAUSALIDADE 1 INTRODUÇÃO Após passarmos em revista os dois primeiros elementos da responsabilidade civil a conduta humana e o dano abrindo inclusive amplas considerações sobre a questão do dano moral cuidaremos de estudar o último e talvez mais melindroso de todos eles o nexo de causalidade SERPA LOPES já havia notado a complexidade do tema consoante se depreende deste trecho de sua obra Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade Mas se trata de mera aparência porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico além das dificuldades de ordem prática quando os elementos causais os fatores de produção de um prejuízo se multiplicam no tempo e no espaço 429 Assim como no Direito Penal a investigação deste nexo que liga o resultado danoso ao agente infrator é indispensável para que se possa concluir pela responsabilidade jurídica deste último Tratase pois do elo etiológico do liame que une a conduta do agente positiva ou negativa ao dano 430 Por óbvio somente se poderá responsabilizar alguém cujo comportamento houvesse dado causa ao prejuízo Lamentavelmente entretanto esta matéria é muito mal compreendida talvez por ser mal explicada gerando dúvidas e frequentemente levando os tribunais a adotarem posicionamentos confusos em torno do mesmo objeto de investigação o que só acarreta prejuízo à segurança jurídica e descrédito ao Poder Judiciário Vamos então tentar enfrentar cientificamente o problema a fim de que o nosso leitor ao final de sua análise possa sair com um adequado panorama do assunto 2 TEORIAS EXPLICATIVAS DO NEXO DE CAUSALIDADE Fundamentalmente são três as principais teorias que tentam explicar o nexo de causalidade a teoria da equivalência de condições b a teoria da causalidade adequada c a teoria da causalidade direta ou imediata interrupção do nexo causal Para o correto entendimento da matéria cuidaremos de analisálas separadamente concluindo ao final do estudo por qual das teorias o direito brasileiro optou 21 Teoria da equivalência das condições conditio sine qua non Elaborada pelo jurista alemão VON BURI na segunda metade do século XIX esta teoria não diferencia os antecedentes do resultado danoso de forma que tudo aquilo que concorra para o evento será considerado causa Por isso se diz equivalência de condições todos os fatores causais se equivalem caso tenham relação com o resultado CAIO MÁRIO citando o magistral civilista belga DE PAGE observa que esta teoria em sua essência sustenta que em havendo culpa todas as condições de um dano são equivalentes isto é todos os elementos que de uma certa maneira concorreram para a sua realização consideramse como causas sem a necessidade de determinar no encadeamento dos fatos que antecederam o evento danoso qual deles pode ser apontado como o que de modo imediato provocou a efetivação do prejuízo 431 Com isso querse dizer que esta teoria é de espectro amplo considerando elemento causal todo antecedente que haja participado da cadeia de fatos que desembocaram no dano É inclusive a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro segundo a interpretação dada pela doutrina ao seu art 13 Art 13 O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa Considerase a causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido Observe que da última parte do dispositivo podese extrair uma fórmula de eliminação hipotética de Thyrén segundo a qual causa seria todo o antecedente que se eliminado faria com que o resultado desaparecesse Imagine pois um sujeito que arremessa bêbado uma garrafa contra um transeunte causandolhe a morte Se nós abstrairmos a conduta antecedente arremesso da garrafa a morte desaparecerá Ilustrando teríamos Arremesso da garrafa Causa Morte Resultado Esta teoria entretanto apresenta um grave inconveniente Por considerar causa todo o antecedente que contribua para o desfecho danoso a cadeia causal seguindo esta linha de intelecção poderia levar a sua investigação ao infinito Nas palavras de GUSTAVO TEPEDINO em excelente artigo sobre o nexo causal a inconveniência desta teoria logo apontada está na desmesurada ampliação em infinita espiral de concausas do dever de reparar imputado a um semnúmero de agentes Afirmouse com fina ironia que a fórmula tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade 432 Nessa linha se o agente saca a arma e dispara o projétil matando o seu desafeto seria considerado causa não apenas o disparo mas também a compra da arma a sua fabricação a aquisição do ferro e da pólvora pela indústria etc o que envolveria absurdamente um número ilimitado de agentes na situação de ilicitude 433 A despeito de tudo isso grande parte dos penalistas adotoua sustentando que a análise do dolo ou da culpa do infrator poderia limitála vale dizer os agentes que apenas de forma indireta interferiram na cadeia causal por não terem a necessária previsibilidade dolo ou culpa da ocorrência do dano não poderiam ser responsabilizados 434 O fabricante da arma por exemplo ao produzila não poderia imaginar a utilização criminosa do seu produto 435 Em virtude talvez de todos esses inconvenientes e imprecisões a maior parte dos cultores contemporâneos do Direito Civil não abraçou tal teoria 22 Teoria da causalidade adequada Esta teoria desenvolvida a partir das ideias do filósofo alemão VON KRIES posto não seja isenta de críticas é mais refinada do que a anterior por não apresentar algumas de suas inconveniências Para os adeptos desta teoria não se poderia considerar causa toda e qualquer condição que haja contribuído para a efetivação do resultado conforme sustentado pela teoria da equivalência mas sim segundo um juízo de probabilidade apenas o antecedente abstratamente idôneo à produção do efeito danoso ou como quer SERGIO CAVALIERI causa para ela é o antecedente não só necessário mas também adequado à produção do resultado Logo nem todas as condições serão causa mas apenas aquela que for mais apropriada para produzir o evento 436 E ele próprio citando ANTUNES VARELA exemplifica Se alguém retém ilicitamente uma pessoa que se apressava para tomar certo avião e teve afinal de pegar um outro que caiu e provocou a morte de todos os passageiros enquanto o primeiro chegou sem incidente ao aeroporto de destino não se poderá considerar a retenção ilícita do indivíduo como causa jurídica do dano ocorrido porque em abstrato não era adequada a produzir tal efeito embora se possa asseverar que este nas condições em que se verificou não se teria dado se não fora o ilícito A ideia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade adequada entre o fato e o dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida 437 grifos nossos Notese então que para se considerar uma causa adequada esta deverá abstratamente e segundo uma apreciação probabilística ser apta à efetivação do resultado Na hipótese do disparo por arma de fogo mencionada acima a compra da arma e a sua fabricação não seriam causas adequadas para a efetivação do evento morte É a teoria adotada no direito argentino conforme se pode ler na obra de GHERSI Esta teoría fue adoptada por nuestro Código Civil con la reforma de 1968 en el art 906 Su idea central es que todo daňo le es atribuible a una conducta acción u omisión si normal y ordinariamente acaece así en las reglas de la experiencia 438 A adoção da primeira equivalência das condições ou segunda causalidade adequada teoria não é mera opção intelectual uma vez que produz efeitos práticos consoante bem demonstrou CARDOSO GOUVEIA citado por CARLOS GONÇALVES A deu uma pancada ligeira no crânio de B a qual seria insuficiente para causar o menor ferimento num indivíduo normalmente constituído mas que causou a B que tinha uma fraqueza particular dos ossos do crânio uma fratura de que resultou a morte O prejuízo deuse apesar de o fato ilícito praticado por A não ser causa adequada a produzir aquele dano em um homem adulto Segundo a teoria da equivalência das condições a pancada é uma condição sine qua non do prejuízo causado pelo qual o seu autor terá de responder Ao contrário não haveria responsabilidade em face da teoria da causalidade adequada 439 O ponto central para o correto entendimento desta teoria consiste no fato de que somente o antecedente abstratamente apto à determinação do resultado segundo um juízo razoável de probabilidade em que conta a experiência do julgador poderá ser considerado causa Se a teoria anterior peca por excesso admitindo uma ilimitada investigação da cadeia causal esta outra a despeito de mais restrita apresenta o inconveniente de admitir um acentuado grau de discricionariedade do julgador a quem incumbe avaliar no plano abstrato e segundo o curso normal das coisas se o fato ocorrido no caso concreto pode ser considerado realmente causa do resultado danoso Ademais esta abstração característica da investigação do nexo causal segundo a teoria da causalidade adequada pode conduzir a um afastamento absurdo da situação concreta posta ao acertamento judicial Conforme bem advertiu FREITAS GOMES citando DE PAGE a determinação do nexo causal é antes do mais uma quaestio facti incumbindo ao juiz proceder cum arbitrio boni viri sopesando cada caso na balança do equilíbrio e da equidade 440 grifos nossos 23 Teoria da causalidade direta ou imediata Esta última vertente doutrinária também denominada teoria da interrupção do nexo causal ou teoria da causalidade necessária menos radical do que as anteriores foi desenvolvida no Brasil por AGOSTINHO ALVIM em sua clássica obra Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências Causa para esta teoria seria apenas o antecedente fático que ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso determinasse este último como uma consequência sua direta e imediata Discorrendo sobre esta corrente de pensamento pontificava A Escola que melhor explica a teoria do dano direto e imediato é a que se reporta à necessariedade da causa Efetivamente é ela que está mais de acordo com as fontes históricas da teoria do dano como se verá Suposto certo dano considerase causa dele a que lhe é próxima ou remota mas com relação a esta última é mister que ela se ligue ao dano diretamente Assim é indenizável todo dano que se filia a uma causa ainda que remota desde que ela lhe seja causa necessária por não existir outra que explique o mesmo dano Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da execução 441 Tomemos um clássico exemplo doutrinário para o adequado entendimento da matéria Caio é ferido por Tício lesão corporal em uma discussão após a final do campeonato de futebol Caio então é socorrido por seu amigo Pedro que dirige velozmente para o hospital da cidade No trajeto o veículo capota e Caio falece Ora pela morte da vítima apenas poderá responder Pedro se não for reconhecida alguma excludente em seu favor Tício por sua vez não responderia pelo evento fatídico uma vez que o seu comportamento determinou como efeito direto e imediato apenas a lesão corporal Notese portanto que a interrupção do nexo causal por uma causa superveniente ainda que relativamente independente da cadeia dos acontecimentos capotagem do veículo impede que se estabeleça o elo entre o resultado morte e o primeiro agente Tício que não poderá ser responsabilizado Dessa forma concluímos com TEPEDINO que a causa relativamente independente é aquela que em apertada síntese torna remoto o nexo de causalidade anterior importando aqui não a distância temporal entre a causa originária e o efeito mas sim o novo vínculo de necessariedade estabelecido entre a causa superveniente e o resultado danoso A causa anterior deixou de ser considerada menos por ser remota e mais pela interposição de outra causa responsável pela produção do efeito estabelecendose outro nexo de causalidade 442 Uma questão que ainda deve ser tratada à luz desta teoria diz respeito ao dano reflexo ou em ricochete já visto no capítulo passado O fato de só se considerar como atribuível ao antecedente causal o seu efeito direto ou imediato negaria a ocorrência o dano reflexo Entendemos que não O fato de se considerar reflexo ou indireto o dano não significa dizer que não haverá responsabilidade civil Apenas querse com isso caracterizar aquela espécie de dano que tendo existência certa e determinada atinge pessoas próximas à vitima direta Este dano pois para a pessoa que o sofreu reflexamente o alimentando que teve o pai morto por exemplo é efeito direto e imediato do ato ilícito O que não podemos confundir é este dano reflexo consequência inafastável do ilícito com aquele que não se liga diretamente por necessariedade à conduta do agente conforme exemplifica CARLOS GONÇALVES citando doutrina francesa Pothier fornece o exemplo de alguém que vende uma vaca que sabe pestilenta e que contamina o rebanho do adquirente Deve em consequência indenizar o valor do animal vendido e também o daqueles que morreram em virtude do contágio Mas não responde pelos prejuízos decorrentes da impossibilidade do cultivo da terra por terem sido atingidos pela doença também os animais que eram utilizados nesse serviço É que esses danos embora filiados a ato seu achamse do mesmo modo distante 443 Além de mais simples entendemos ser mais adequada esta teoria pois não apresenta o nível de insegurança jurídica e subjetividade apresentados em alto grau pelas teorias anteriores 3 TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Existe certa imprecisão doutrinária quando se cuida de estabelecer qual a teoria adotada pelo Código Civil brasileiro referente ao nexo de causalidade Respeitável parcela da doutrina nacional e estrangeira tende a acolher a teoria da causalidade adequada por se afigurar aos olhos destes juristas a mais satisfatória para a responsabilidade civil Inclusive no direito comparado esta corrente doutrinária é bem acolhida conforme noticia MARTINHO GARCEZ NETO Em relação ao CC francês as normas expressas são os arts 1150 e 1151 que segundo a doutrina e jurisprudência francesas teriam assento na teoria da equivalência das condições que a doutrina moderna com base nos mais acatados civilistas repele pois a jurisprudência agora dominante assenta os seus fundamentos e conclusões na teoria da causalidade adequada como se colhe dos ensinamentos de CARBONNIER Obligations n 91 e de MAZEAUDTUNC 444 grifos nossos No Brasil vozes autorizadas como a de CAVALIERI FILHO são favoráveis a esta teoria 445 Entretanto assim não pensamos Alinhamonos ao lado daqueles que entendem mais acertado o entendimento de que o Código Civil brasileiro adotou a teoria da causalidade direta ou imediata teoria da interrupção do nexo causal na vertente da causalidade necessária E a essa conclusão chegamos ao analisarmos o art 403 do Código Civil de 2002 que dispõe Art 403 Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato sem prejuízo do disposto na lei processual CARLOS ROBERTO GONÇALVES seguindo a mesma linha de pensamento é contundente ao afirmar que das várias teorias sobre o nexo causal o nosso Código adotou indiscutivelmente a do dano direto e imediato como está expresso no art 403 e das várias escolas que explicam o dano direto e imediato a mais autorizada é a que se reporta à consequência necessária 446 O problema é que muitas vezes a jurisprudência e a doutrina sucumbindo talvez ao caráter sedutoramente empírico do tema acabam por confundir ambas as teorias não dispensando entretanto em nenhuma hipótese a investigação da necessariedade da causa Demonstrando tal assertiva TEPEDINO após colacionar jurisprudência do TJRJ em que se lê a identificação das teorias e de acordo com a teoria da causa adequada adotada em sede de responsabilidade civil também chamada de causa direta ou imediata Ac 1995001271 conclui acertadamente Por todas essas circunstâncias podese considerar como prevalentes no direito brasileiro as posições doutrinárias que com base no art 1060 do Código Civil Brasileiro autodenominandose ora de teoria da interrupção do nexo causal Supremo Tribunal Federal ora de teoria da causalidade adequada STJ e TJRJ exigem a causalidade necessária entre a causa e o efeito danoso para o estabelecimento da responsabilidade civil 447 Portanto a despeito de reconhecermos que o nosso Código melhor se amolda à teoria da causalidade direta e imediata somos forçados a reconhecer que por vezes a jurisprudência adota a causalidade adequada no mesmo sentido 4 CAUSAS CONCORRENTES Problema interessante que ainda merece a nossa atenção diz respeito à concorrência de causas Quando a atuação da vítima também favorece a ocorrência do dano somandose ao comportamento causal do agente falase em concorrência de causas ou de culpas caso em que a indenização deverá ser reduzida na proporção da contribuição da vítima Neste caso de culpa concorrente cada um responderá pelo dano na proporção em que concorreu para o evento danoso o que tem de ser pesado pelo órgão julgador quando da fixação da reparação uma vez que somente há condenação pela existência da desproporcionalidade da culpa Assim no caso o dano decorre por causa da atuação de ambos os sujeitos da relação jurídica WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO citado por STOCO manifestase a respeito do tema nos seguintes termos Se houver concorrência de culpas do autor do dano e da vítima a indenização deve ser reduzida Posto não enunciado expressamente esse princípio é irrecusável no sistema do direito pátrio constituindo entre nós jus receptum A jurisprudência consagra com efeito a solução do pagamento pela metade no caso de culpa de ambas as partes 448 Este critério entretanto apresentado pelo culto professor paulista seguido amplamente pela jurisprudência poderá em nosso entendimento ser relativizado pelo julgador uma vez que este pode verificar na apreciação do caso concreto que qualquer das partes contribuiu mais para o desenlace danoso Neste caso a sua participação no quantum indenizatório final deverá aumentar O vigente Código Civil brasileiro em regra sem equivalência na codificação anterior adotou expressamente a culpa concorrente como um critério de quantificação da proporcionalidade da indenização conforme se verifica do seu art 945 in verbis Art 945 Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso a sua indenização será fixada tendose em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano Uma observação final entretanto se impõe No campo do Direito do Consumidor a teoria da concorrência de causas não tem essa mesma amplitude Isso porque nos termos do art 12 3 da Lei n 807890 Código de Defesa do Consumidor somente a culpa exclusiva da vítima tem o condão de interferir na responsabilidade civil do fornecedor excluindoa Em outras palavras a culpa simplesmente concorrente de ambos os sujeitos da relação jurídica por não haver sido prevista pela lei não exime o fornecedor de produto ou serviço de indenizar integralmente o consumidor Nesse sentido escreve ZELMO DENARI A culpa exclusiva da vítima é inconfundível com a culpa concorrente no primeiro caso desaparece a relação de causalidade entre o defeito do produto e o evento danoso dissolvendose a própria relação de responsabilidade no segundo a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa e os aplicadores da norma costumam condenar o agente causador do dano a reparar pela metade o prejuízo cabendo à vítima arcar com a outra metade A doutrina contudo sem vozes discordantes tem sustentado o entendimento de que a lei pode eleger a culpa exclusiva como única excludente de responsabilidade como fez o Código de Defesa do Consumidor nesta passagem Caracterizada portanto a concorrência de culpa subsiste a responsabilidade integral do fabricante e demais fornecedores arrolados no caput pela reparação dos danos 449 5 CONCAUSAS Utilizase a expressão concausa para caracterizar o acontecimento que anterior concomitante ou superveniente ao antecedente que deflagrou a cadeia causal acrescentase a este em direção ao evento danoso Como ensina CAVALIERI tratase de outra causa que juntandose à principal concorre para o resultado Ela não inicia nem interrompe o nexo causal apenas o reforça tal como um rio menor que deságua em outro maior aumentandolhe o caudal 450 A grande questão em torno do tema diz respeito à circunstância de esta concausa interromper ou não o processo naturalístico já iniciado constituindo um novo nexo caso em que o agente da primeira causa não poderia ser responsabilizado pela segunda Se esta segunda causa for absolutamente independente em relação à conduta do agente quer seja preexistente concomitante ou superveniente o nexo causal originário estará rompido e o agente não poderá ser responsabilizado Imagine por exemplo a hipótese de um sujeito ser alvejado por um tiro que o conduziria à morte e antes do seu passamento por esta causa um violento terremoto matouo Por óbvio esta causa superveniente absolutamente independente em face do agente que deflagrou o tiro rompeu o nexo causal O mesmo raciocínio aplicase às causas preexistentes a ingestão de veneno antes do tiro e concomitantes um derrame cerebral fulminante por força de diabetes ao tempo que é atingido pelo projétil Diferentemente em se tratando de uma causa relativamente independente aquela que incide no curso do processo naturalístico causal somandose à conduta do agente urge distinguirmos se é preexistente concomitante ou superveniente Em geral essas concausas quando preexistentes ou concomitantes não excluem o nexo causal e consequentemente a obrigação de indenizar Tomemos os seguintes exemplos Caio portador de deficiência congênita e diabetes é atingido por Tício Em face da sua situação clínica debilitada anterior a lesão é agravada e a vítima vem a falecer No caso o resultado continuará imputável ao sujeito pois a concausa preexistente relativamente independente não interrompeu a cadeia causal O mesmo ocorre se o sujeito em razão do disparo de arma de fogo vem a falecer de susto parada cardíaca e não propriamente do ferimento causado Também nesta hipótese a concausa concomitante relativamente independente não impede que o agente seja responsabilizado pelo que cometeu Entretanto se se tratar de concausa superveniente ainda que relativamente independente em relação à conduta do sujeito o nexo de causalidade poderá ser rompido se esta causa por si só determinar a ocorrência do evento danoso É o clássico exemplo do sujeito que ferido por outrem é levado de ambulância para o hospital e falece no caminho por força do tombamento do veículo Esta concausa embora relativamente independente em face da conduta do agente infrator se este não houvesse ferido a vítima esta não estaria na ambulância e não morreria no acidente determina por si só o evento fatal de forma que o causador do ferimento apenas poderá ser responsabilizado nas searas civil e criminal pela lesão corporal causada Em conclusão temos que apenas se houver determinado por si só o resultado danoso a concausa relativamente independente superveniente haverá rompido o nexo causal excluindo a responsabilidade do sujeito infrator 6 A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E A RESPONSABILIDADE CIVIL A teoria da imputação objetiva do resultado construção doutrinária referente ao nexo de causalidade tem ganhado posição de destaque entre os cultores do Direito Penal Mas será que esta teoria poderia ser aplicada à responsabilidade civil Muitos desconhecem mas KARL LARENZ partindo do pensamento de HEGEL já havia desenvolvido a teoria da imputação objetiva para o Direito Civil visando estabelecer limites entre os fatos próprios e os acontecimentos acidentais 451 Nessa linha de raciocínio se alguém cria ou incrementa uma situação de risco não permitido responderá pelo resultado jurídico causado a exemplo do que ocorre quando alguém dá causa a um acidente de veículo por estar embriagado criação do risco proibido ou quando se nega a prestar auxílio a alguém que se afoga podendo fazêlo caracterizando a omissão de socorro incremento do risco Em todas essas hipóteses o agente poderá ser responsabilizado penalmente e por que não dizer civilmente para aqueles que admitem a incidência da teoria no âmbito do Direito Civil Notese entretanto que se o risco criado é permitido tolerado ou insignificante não haverá imputação objetiva e por conseguinte atribuição causal de resultado Poderíamos pois à vista de todos esses ensinamentos indagar se essa teoria é a que melhor explica o nexo de causalidade E são os próprios penalistas que concluem no sentido de que antes de servir como uma nova teoria a imputação objetiva serve muito mais como mecanismo científico limitador do nexo de causalidade para identificar as situações em que o resultado não poderia ser atribuído ao agente É portanto muito mais uma teoria excludente do nexo causal do que propriamente afirmativa da sua existência E esta última conclusão também serve para o Direito Civil razão por que não a colocamos ao lado das teorias anteriormente desenvolvidas LII CAUSAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL E CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR 1 INTRODUÇÃO Após estudarmos os elementos componentes da responsabilidade civil cuidaremos neste capítulo das suas causas excludentes Tratase de matéria com importantes efeitos práticos uma vez que com frequência é arguida como matéria de defesa pelo réu agente causador do dano no bojo da ação indenizatória proposta pela vítima Cuidaremos pois das seguintes excludentes 1 Estado de necessidade 2 Legítima defesa 3 Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal 4 Caso fortuito e força maior 5 Culpa exclusiva da vítima 6 Fato de terceiro Após analisarmos todas essas excludentes cuidaremos também da cláusula de não indenizar tendo em vista que se trata de uma manifestação de vontade direcionada justamente à exclusão da responsabilidade 2 CAUSAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL Como causas excludentes de responsabilidade civil devem ser entendidas todas as circunstâncias que por atacar um dos elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil rompendo o nexo causal terminam por fulminar qualquer pretensão indenizatória Esse nosso conceito tem por finalidade estabelecer uma regra que sirva para a sistematização de todas as formas de responsabilidade exigindose assim uma característica de generalidade Sem prejuízo do exposto mesmo reconhecendo que a culpa é um elemento acidental para a caracterização da responsabilidade civil vale registrar que quando adotada uma perspectiva subjetivista lembrese que a responsabilidade civil aquiliana de um modo geral ainda exige a comprovação necessária da culpa para incidir tal dado anímico é fulminado também com a ocorrência da causa excludente Compreendamos melhor essa afirmação no conhecimento em espécies das retromencionadas causas 21 Estado de necessidade O estado de necessidade tem assento legal no inciso II do art 188 do CC2002 conforme se vê abaixo Art 188 Não constituem atos ilícitos I os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido II a deterioração ou destruição da coisa alheia ou a lesão a pessoa a fim de remover perigo iminente Parágrafo único No caso do inciso II o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo O estado de necessidade consiste na situação de agressão a um direito alheio de valor jurídico igual ou inferior àquele que se pretende proteger para remover perigo iminente quando as circunstâncias do fato não autorizarem outra forma de atuação Dizse comumente na hipótese haver uma colisão de interesses jurídicos tutelados Percebase que o parágrafo único do referido artigo de lei prevê que o estado de necessidade somente será considerado legítimo quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo Com isso querse dizer que o agente atuando em estado de necessidade não está isento do dever de atuar nos estritos limites de sua necessidade para a remoção da situação de perigo Será responsabilizado pois por qualquer excesso que venha a cometer Diferentemente do que ocorre na legítima defesa o agente não reage a uma situação injusta mas atua para subtrair um direito seu ou de outrem de uma situação de perigo concreto É o caso do sujeito que desvia o seu carro de uma criança para não atropelála e atinge o muro da casa causando danos materiais Atuou neste caso em estado de necessidade Notese entretanto que se o terceiro atingido não for o causador da situação de perigo poderá exigir indenização do agente que houvera atuado em estado de necessidade cabendo a este ação regressiva contra o verdadeiro culpado o pai do bebê que o deixou sozinho por exemplo arts 929 e 930 do CC2002 Esse dever de reparação assentase na ideia de equidade e solidariedade social Analisando essas regras WILSON MELO DA SILVA pondera Mas e se a situação econômica do autor material do evento for de insolvência enquanto que paralelamente a isso portador de fortuna fosse o terceiro por cuja culpa o dano teve lugar Pela lei não parece que a vítima tivesse ação direta contra o terceiro Dos termos da lei claramente se infere que seu direito seria contra o autor material do dano Este sim é que regressivamente poderia voltarse em tese contra o terceiro culpado para dele haver o que houvesse desembolsado em proveito do dono da coisa lesada 452 Notase pois aí conclui o culto autor com inegável razão mais outra incongruência de nossa lei que se revelaria na sua defeituosa e contraditória determinação no que diz respeito ao estado de necessidade 453 22 Legítima defesa Também excludente de responsabilidade civil a legítima defesa tem fundamento no mesmo art 188 do Código Civil inciso I primeira parte Art 188 Não constituem atos ilícitos I os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido II a deterioração ou destruição da coisa alheia ou a lesão a pessoa a fim de remover perigo iminente Parágrafo único No caso do inciso II o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo Diferentemente do estado de necessidade na legítima defesa o indivíduo encontrase diante de uma situação atual ou iminente de injusta agressão dirigida a si ou a terceiro que não é obrigado a suportar Notese que no caso desta excludente de ilicitude a doutrina não recomenda a fuga como a conduta mais razoável a se adotar uma vez que considera legítima a defesa de um interesse juridicamente tutelado desde que o agente não tenha atuado com excesso 454 A legítima defesa real art 188 I primeira parte do CC2002 pressupõe a reação proporcional a uma injusta agressão atual ou iminente utilizandose moderadamente dos meios de defesa postos à disposição do ofendido A desnecessidade ou imoderação dos meios de repulsa poderá caracterizar o excesso proibido pelo Direito Vale lembrar que se o agente exercendo a sua lídima prerrogativa de defesa atinge terceiro inocente terá de indenizálo cabendolhe outrossim ação regressiva contra o verdadeiro agressor Confiramse os arts 929 e 930 do CC2002 Art 929 Se a pessoa lesada ou o dono da coisa no caso do inciso II do art 188 não forem culpados do perigo assistirlhesá direito à indenização do prejuízo que sofreram Art 930 No caso do inciso II do art 188 se o perigo ocorrer por culpa de terceiro contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado Parágrafo único A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano art 188 inciso I Na mesma linha anotese que a legítima defesa putativa não isenta o seu autor da obrigação de indenizar Neste caso mesmo em face do próprio sujeito que suporta a agressão não apenas do terceiro inocente o agente deverá ressarcir o dano pois esta espécie de legítima defesa não exclui o caráter ilícito da conduta interferindo apenas na culpabilidade penal Encontrase em legítima defesa putativa o agente que em face de uma suposta ou imaginária agressão repelea utilizando moderadamente dos meios necessários para a defesa do seu direito ameaçado Exemplo clássico Caio encontra o seu desafeto Tício Este então leva a mão ao bolso para tirar um lenço Caio incontinenti imaginando que o seu inimigo vai sacar uma arma atira primeiro Poderá pois em tese alegar a legítima defesa putativa Neste caso a conduta não deixa de ser considerada ilícita havendo apenas o reconhecimento de uma dirimente penal causa excludente de culpabilidade Dessa forma a despeito de poder esquivarse da reprimenda penal o agente da legítima defesa deverá ressarcir o sujeito atingido 23 Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal Não poderá haver responsabilidade civil se o agente atuar no exercício regular de um direito reconhecido art 188 I segunda parte Isso é muito claro Se alguém atua escudado pelo Direito não poderá estar atuando contra este mesmo Direito Tal ocorre quando recebemos autorização do Poder Público para o desmatamento controlado de determinada área rural para o plantio de cereais Atuase no caso no exercício regular de um direito Da mesma forma quando empreendemos algumas atividades desportivas como o futebol e o boxe podem surgir violações à integridade física de terceiros que são admitidas se não houver excesso 455 Por outro lado se o sujeito extrapola os limites racionais do lídimo exercício do seu direito falase em abuso de direito situação desautorizada pela ordem jurídica que poderá repercutir inclusive na seara criminal excesso punível O abuso de direito é o contraponto do seu exercício regular Esta teoria desenvolveuse a partir do célebre caso de Clement Bayard julgado por um tribunal francês no início do século passado O proprietário de um imóvel sem razão plausível construiu altas hastes pontiagudas para prejudicar o voo de aeronaves no terreno vizinho Cuidavase de nítido abuso do direito de propriedade Durante a vigência do Código anterior não havia norma expressa que consagrasse esta situação de ilicitude sustendo a doutrina que a admissibilidade da teoria defluiria da própria análise do art 160 I segunda parte do Código que ao considerar lícito o exercício regular de um direito reconhecido reputaria ilícito consequentemente o seu exercício irregular ou abusivo O Código Civil atual por sua vez é expresso a respeito do tema disciplinando em seu art 187 o abuso de direito Analisando este dispositivo concluise não ser imprescindível pois para o reconhecimento da teoria do abuso de direito que o agente tenha a intenção de prejudicar terceiro bastando segundo a dicção legal que exceda manifestamente os limites impostos pela finalidade econômica ou social pela boafé ou pelos bons costumes Pronunciandose a respeito do tema pondera SILVIO RODRIGUES Acredito que a teoria atingiu seu pleno desenvolvimento com a concepção de Josserand segundo a qual há abuso de direito quando ele não é exercido de acordo com a finalidade social para a qual foi conferido pois como diz este jurista os direitos são conferidos aos homem para serem usados de uma forma que se acomode ao interesse coletivo obedecendo à sua finalidade segundo o espírito da instituição 456 Adotouse portanto o critério finalístico para a identificação do abuso de direito Em conclusão transcrevemos a precisa observação feita por SÍLVIO VENOSA de referência à expressa consagração da teoria do abuso de direito no Código Civil de 2002 O Projeto de forma elegante e concisa prescinde da noção de culpa no art 187 para adotar o critério objetivofinalístico É válida portanto a afirmação apresentada de que o critério de culpa é acidental e não essencial para a configuração do abuso Adota ainda o Projeto ao assim estabelecer a corrente majoritária em nosso meio 457 Nesse diapasão foi editado o Enunciado n 37 sobre o art 187 do CC2002 na I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal consolidando a ideia de que a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamentase somente no critério objetivofinalístico Umbilicalmente ligado a esta excludente é o estrito cumprimento do dever legal Não o colocamos em tópico autônomo independente do exercício regular do direito pois concordamos com a advertência de FREDERICO MARQUES no sentido de que o próprio cumprimento do dever legal não explícito no art 160 458 nele está contido porquanto atua no exercício regular de um direito reconhecido aquele que pratica um ato no estrito cumprimento do dever legal 459 Assim não há falarse em responsabilidade civil no caso do agente de polícia que arromba uma residência para o cumprimento de uma ordem judicial por exemplo 24 Caso fortuito e força maior Dentre as causas excludentes de responsabilidade civil poucas podem ser elencadas como tão polêmicas quanto a alegação de caso fortuito ou força maior Tal afirmação se respalda até mesmo na profunda cizânia doutrinária para tentar definir a diferença entre os dois institutos havendo quem veja nessa diferença questão meramente acadêmica uma vez que se trataria de sinônimos perfeitos 460 Respaldando de certa forma a inexistência pragmática de diferença o Código Civil de 2002 em regra específica condensou o significado das expressões em conceito único consoante se pode depreender da análise do seu art 393 Art 393 O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força maior se expressamente não se houver por eles responsabilizado Parágrafo único O caso fortuito ou de força maior verificase no fato necessário cujos efeitos não era possível evitar ou impedir No rigor científico que aqui se propugna parecenos desafiante porém tentar distinguir as duas figuras Sem pretender pôr fim à controvérsia uma vez que seria inadmissível a pretensão entendemos como já dissemos alhures que a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade mesmo sendo a sua causa conhecida um terremoto por exemplo que pode ser previsto pelos cientistas ao passo que o caso fortuito por sua vez tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade segundo os parâmetros do homem médio Nesta última hipótese portanto a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta impossibilitando o cumprimento de uma obrigação um atropelamento um roubo 461 Não concordamos ainda com aqueles que seguindo o pensamento do culto ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA visualizam diferença entre ausência de culpa e caso fortuito por entender que a primeira é gênero no qual estaria compreendido o segundo 462 Melhor é a conclusão de SILVIO VENOSA no sentido de não existir interesse prático na distinção dos conceitos inclusive pelo fato de o Código Civil não têlo feito art 393 do CC2002 463 Um dado a se registrar porém até para marcar a nossa discordância sobre o pensamento mencionado é o fato de que o caso fortuito e a força maior como excludentes de responsabilidade atacam justamente o nexo causal do dano perpetrado e não necessariamente o elemento acidental culpa embora o elemento anímico também seja alvejado com a sua ocorrência E o que dizer sobre a incidência de tal excludente nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva A questão é complexa pois o desprezo pelo elemento culpa é irrelevante quando o que se ataca é justamente o imprescindível nexo causal Em primeiro lugar é importante registrar que até mesmo pela análise da parte final do caput do art 393 do CC2002 o devedor à luz do princípio da autonomia da vontade pode expressamente se responsabilizar pelo cumprimento da obrigação mesmo em se configurando o evento fortuito Em exemplo já por nós ventilado se uma determinada empresa celebra um contrato de locação de gerador com um dono de boate nada impede que se responsabilize pela entrega da máquina no dia convencionado mesmo na hipótese de suceder um fato imprevisto ou inevitável que naturalmente a eximiria da obrigação um incêndio que consumiu todos os seus equipamentos Nesse caso assumirá o dever de indenizar o contratante se o gerador que seria locado houver sido destruído pelo fogo antes da efetiva entrega Esta assunção do risco no entanto para ser reputada eficaz deverá constar de cláusula expressa do contrato 464 Enfrentando porém a questão da responsabilidade civil objetiva a assunção de riscos somente poderia afastar a responsabilização no caso de comprovação efetiva pelo sujeito responsabilizado de absoluta ausência dos elementos essenciais da responsabilidade civil conduta humana nexo causal e dano Tratando da responsabilidade civil do Estado SAULO JOSÉ CASALI BAHIA lembra a distinção entre o caso fortuito interno e o caso fortuito externo O caso fortuito interno ocorreria a partir da atividade da própria administração Seria um fato imprevisível mas atrairia responsabilidade civil ao Estado Isto porque devese entender que a atividade estatal criou um risco Se a administração se coloca no mundo físico guiando um carro construindo um edifício fez surgir pelo só fato da sua atividade um risco para os demais Reparará portanto por este risco que criou Pouco importa que a barra de direção do veículo oficial houvesse partido pelo acaso ou o edifício público desabado pela ação das chuvas Como se vê não se exige a presença de culpa A teoria é objetiva risco administrativo Por outro lado haveria casos fortuitos denominados casos fortuitos externos que não adviriam da atividade da administração mas de terceiros ou da natureza Neste caso a administração não deveria reparar ao lesado só a teoria do risco social fará com que o caso fortuito externo não sirva como excludente Num exemplo ninguém poderá reclamar responsabilidade civil do Estado se um raio caiu sobre sua residência e danificou o telhado 465 A tese é sem dúvida atrativa Todavia parecenos que no rigor metodológico muito do que se chama de caso fortuito externo seria simplesmente a ausência de conduta humana comissiva a prática de ato danoso ou omissiva a não observância de deveres legais de conduta imputável ao sujeito responsabilizado no caso à Administração Havendo como identificar a conduta do responsabilizado que assumiu os riscos de sua atividade somente a efetiva quebra do nexo causal poderá ensejar o reconhecimento da excludente mencionada de responsabilidade civil 25 Culpa exclusiva da vítima A exclusiva atuação culposa da vítima tem também o condão de quebrar o nexo de causalidade eximindo o agente da responsabilidade civil Imagine a hipótese do sujeito que guiando o seu veículo segundo as regras de trânsito deparase com alguém que visando suicidarse arremessase sob as suas rodas Neste caso o evento fatídico obviamente não poderá ser atribuído ao motorista agente mas sim e tão somente ao suicida vítima Outro exemplo já no campo da responsabilidade do Estado citado por BANDEIRA DE MELLO merece referência Figurese que um veículo militar esteja estacionado e sobre ele precipite um automóvel particular sofrendo avarias unicamente neste último Sem os dois veículos não haveria a colisão e os danos não se teriam produzido Contudo é de evidência solar que o veículo do Estado não causou o dano Não se deveu a ele a produção do evento lesivo Ou seja inexistiu relação causal que ensejaria a responsabilidade do Estado 466 Não há falarse pois neste caso em responsabilidade civil Discorrendo sobre o tema AGUIAR DIAS com habitual precisão observa Admitese como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de culpa exclusiva da vítima Com isso na realidade se alude a ato ou fato exclusivo da vítima pelo qual fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso 467 Mas notese que somente se houver atuação exclusiva da vítima haverá quebra do nexo causal Como vimos linhas acima havendo concorrência de culpas ou causas a indenização deverá como regra geral ser mitigada na proporção da atuação de cada sujeito 26 Fato de terceiro Nessa mesma linha de raciocínio interessa saber se o comportamento de um terceiro que não seja o agente do dano e a vítima rompe o nexo causal excluindo a responsabilidade civil 468 Segundo SÍLVIO VENOSA a questão é tormentosa na jurisprudência e o juiz por vezes vêse perante uma situação de difícil solução Não temos um texto expresso de lei que nos conduza a um entendimento pacífico Na maioria das vezes os magistrados decidem por equidade embora não o digam 469 Notese que a princípio desde que haja a atuação causal de um terceiro sem que se possa imputar participação do autor do dano o elo de causalidade restaria rompido Todavia a matéria não é pacífica e de todas as excludentes esta é a que maior resistência encontra na jurisprudência pátria Citese por exemplo a Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal A responsabilidade contratual do transportador pelo acidente com passageiro não é ilidida por culpa de terceiro contra o qual tem ação regressiva O fundamento deste entendimento sumulado é claro na medida em que a obrigação do transportador é de resultado compreensiva de inafastável cláusula de segurança mesmo que esta não esteja expressamente prevista no contrato Por isso deverá indenizar a vítima sem prejuízo de eventual direito de regresso Em algumas hipóteses entretanto o fato de terceiro que haja rompido o nexo causal sem que se possa imputar participação ao agente exonera em nosso entendimento completamente a sua responsabilidade devendo a vítima voltarse diretamente contra o terceiro Se por exemplo o sujeito estiver ultrapassando com o seu Fusca pelo lado esquerdo da pista um caminhão e o motorista deste imprudentemente arremessálo para fora da estrada será obrigado o agente que guiava o carro a indenizar o pedestre que atropelou Ou poderia alegar o fortuito para o efeito de se eximir da obrigação de ressarcir Em muitos julgados tendese a reconhecer a responsabilidade do causador do dano a quem caberia ação regressiva contra o terceiro mesmo em caso de abalroamento Não entendemos assim pois em tal situação diferentemente do que ocorre no estado de necessidade em que o sujeito causador do dano atua para livrarse do perigo no abalroamento do Fusca este veículo fora apenas um mero instrumento na cadeia causal dos acontecimentos Daí por que no caso só restaria à vítima acionar o motorista do caminhão Nesse sentido WILSON MELO DA SILVA pondera Se o fato de terceiro referentemente ao que ocasiona um dano envolve uma clara imprevisibilidade necessidade e sobretudo marcada inevitabilidade sem que para tanto intervenha a menor parcela de culpa por parte de quem sofre o impacto substanciado pelo fato de terceiro óbvio é que nenhum motivo haveria para que não se equiparasse ele ao caso fortuito Fora daí não Só pela circunstância de se tratar de um fato de terceiro não se tornaria ele equipolente ao casus ou à vis major 470 Parecenos lógico porém que em situações como essa o ônus da prova é do causador material do dano que deve demonstrar que sua participação no evento danoso foi como mero instrumento da atuação do efetivo responsável A matéria entretanto não é pacífica havendo julgados como vimos no sentido de autorizar que a vítima demande diretamente o causador do dano ressalvado a este o direito de agir regressivamente contra o terceiro por meio da denunciação da lide 3 CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR Obviamente pela natureza mesma do referido pacto esta cláusula somente tem cabida na responsabilidade civil contratual Tratase pois de convenção por meio da qual as partes excluem o dever de indenizar em caso de inadimplemento da obrigação Após advertir que esta cláusula não poderá violar princípios superiores de ordem pública o mestre CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA lembrando que a sua admissibilidade em nosso direito é menos ampla do que no sistema francês 471 observa Os seus efeitos consistem no afastamento da obrigação consequente ao ato danoso Não contém apenas uma inversão do onus probandi Dentro do campo de sua aplicação e nos limites de sua eficácia é uma excludente de responsabilidade 472 Daí por que também é conhecida como cláusula de irresponsabilidade Em verdade esta cláusula não nos agrada muito No Direito Civil ensinado e difundido na primeira metade do século XX imbuído de ideais individualistas e egoísticos esta convenção teria lugar mais apropriado Não nos dias de hoje em que vivemos um repensar do Direito Privado mais vocacionado aos superiores princípios constitucionais e influenciado por valores de solidarismo social Oportunas pois neste ponto as palavras de LUIZ EDSON FACHIN Passando por sobre o sistema tradicional do individualismo cuja força ainda gera uma ação de retaguarda para mantêlo incólume os princípios de justiça distributiva tornaramse dominantes a ponto de serem considerados tendências mundiais da percepção bem concreta dessa coisa que se chama solidariedade social que nas modernas sociedades já penetrou profundamente na área do direito privado 473 Para este novo Direito Civil mais socializado subversivo dos antigos paradigmas a cláusula de não indenizar posto não seja vedada pelo Código Civil é condicionada a alguns parâmetros como a igualdade dos estipulantes e a não infringência de superiores preceitos de ordem pública Não é por outro motivo que o Código de Defesa do Consumidor em seu art 25 veda cláusula que impossibilite exonere ou atenue a responsabilidade civil do fornecedor E o motivo é simples a hipossuficiência do consumidor aconselha a intervenção estatal no domínio da autonomia privada para considerar abusiva a cláusula que beneficie a parte economicamente mais forte Principalmente em se tratando de contratos de adesão em que a manifestação livre de vontade do aderente é mais reprimida Daí por que não consideramos válida a estipulação contratual costumeiramente imposta por empresas de guarda de veículos estacionamentos pagos no sentido de não se responsabilizarem por furtos de objetos ocorridos no interior dos automóveis Desde que não tenha a vítima concorrido exclusivamente para o evento culpa exclusiva da vítima esta cláusula não prevalece por ser abusiva e a indenização há de ser cabal Assim à vista de todo o exposto poderíamos fixar a premissa de que esta cláusula só deve ser admitida quando as partes envolvidas guardarem entre si uma relação de igualdade de forma que a exclusão do direito à reparação não traduza renúncia da parte economicamente mais fraca LIII A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E A NOÇÃO DE CULPA 1 INTRODUÇÃO Talvez o nosso leitor possa ter percebido durante a análise desta obra que subvertendo a sistemática da teoria clássica da responsabilidade civil tivemos o cuidado de analisar a matéria sem o costumeiro vício de nos deixarmos seduzir pela ideia de culpa Durante o desenvolvimento dos elementos da responsabilidade civil cuidouse de adotar um critério metodológico preciso que servisse para as duas principais espécies de responsabilidade a subjetiva com aferição de culpa e a objetiva sem aferição de culpa postas lado a lado pelo Código de 2002 Não preferimos pois uma em detrimento da outra Por isso o tópico objeto do presente capítulo não foi inserido no estudo dos elementos ou requisitos componentes da responsabilidade em virtude de faltarlhe o necessário cunho de generalidade De tal forma reservamos o presente capítulo para a análise da culpa tema dos mais intrincados e que já gozou de maior prestígio entre os cultores da responsabilidade sobretudo logo após a edição do Código Civil francês Em sequência no próximo capítulo deitaremos olhos na responsabilidade civil objetiva com ênfase na atividade de risco 2 BREVE HISTÓRICO E CONCEITO DE CULPA DA GLÓRIA AO DECLÍNIO A exigência da culpa como pressuposto da responsabilidade civil representou inegavelmente um grande avanço na história da civilização na medida em que se abandonou o objetivismo típico das sociedades antigas onde a resposta ao mal causado era difusa passandose a se exigir um elemento subjetivo que pudesse viabilizar a imputação psicológica do dano ao seu agente A despeito da falta de consenso muitos doutrinadores apontam que foi por meio da Lex Aquilia que o conceito de culpa incorporouse definitivamente à responsabilidade extracontratual ou aquiliana do Direito Romano Observando tal aspecto ALVINO LIMA assevera É incontestável entretanto que a evolução do instituto da responsabilidade extracontratual ou aquiliana se operou no direito romano no sentido de se introduzir o elemento culpa contra o objetivismo do direito primitivo expurgandose do direito a ideia de pena para substituí la pela de reparação do dano sofrido 474 Do Direito Romano principal fonte histórica de que dispomos para a modernidade a culpa encontrou no Código Civil francês o seu principal anteparo normativo espraiandose e influenciando todas as legislações modernas A nossa própria legislação codificada de 1916 assenta a responsabilidade civil nesta noção ao estabelecer como norma genérica a responsabilidade civil subjetiva nos termos do seu art 159 Entretanto todo esse prestígio de que gozou a ideia de culpa entendida em sentido lato para compreender também o dolo esbarra em uma incômoda e aparentemente intransponível dificuldade a fixação satisfatória do seu conceito Afinal o que se entende por culpa SAVATIER citado por AGUIAR DIAS após reconhecer na ideia de culpa dois elementos objetivo o dever violado e subjetivo a imputabilidade do agente definea nos seguintes termos A culpa faute é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou ocorre o delito civil ou em matéria de contrato o dolo contratual Se a violação do dever podendo ser conhecida e evitada é involuntária constitui a culpa simples chamada fora da matéria contratual de quasedelito 475 Já os alemães como observa MARTON tornariam mais objetiva a noção de culpa utilizando para tanto o critério justiniano do bonus pater familias 476 Outra definição é mencionada por GHERSI Así es que la culpa implica un juicio de reprochabilidad sobre la conducta de una persona teniéndose en cuenta la prudencia y la diligencia del actuar del sujeto O como enseñam Ripert Y Boulanger incurrir en culpa consiste en no conducirse como se deberia 477 Entre nós a culpa sempre foi considerada pedra de toque da responsabilidade civil preferindose identificar em seu conceito a ideia de violação de uma norma jurídica anterior Nesse sentido CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA A doutrina brasileira reza mais frequentemente no conceito vindo de Marcel Planiol violação de norma preexistente sem embargo de encontrar guarida a ideia de erro de conduta como ocorre em minhas Instituições de Direito Civil vol I n 114 ou com Silvio Rodrigues Direito Civil vol 4 n 53 ou com Alvino Lima quando diz que a culpa é um erro de conduta moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada em iguais circunstâncias 478 Ainda dentro de um esforço conceitual o Professor RUI STOCO preleciona Quando existe intenção deliberada de ofender o direito ou de ocasionar prejuízo a outrem há o dolo isto é o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar Se não houvesse esse intento deliberado proposital mas o prejuízo veio a surgir por imprudência ou negligência existe a culpa stricto sensu 479 Em decorrência da erudição do conceito retroapresentado reconhecemos ser uma tarefa por demais ousada fixar um conceito nosso Tentaremos fazêlo dentro da perspectiva crítica e criadora desta obra embora não pretendamos esgotar a melindrosa noção de culpa em poucas palavras Em nosso entendimento portanto a culpa em sentido amplo deriva da inobservância de um dever de conduta previamente imposto pela ordem jurídica em atenção à paz social Se esta violação é proposital atuou o agente com dolo se decorreu de negligência imprudência ou imperícia a sua atuação é apenas culposa em sentido estrito Pela natural dificuldade de subsunção do caso concreto ao conceito proposto as legislações falharam ao centralizar a responsabilidade civil no impreciso conceito de culpa Ainda mais em uma sociedade tão tumultuada como a nossa em que a globalização das relações econômicas temperadas por frequentes notas de exploração aliada à massificação do consumo e ao incremento do risco torna tão difícil a fixação de um conceito tão subjetivo Por isso lembra MARTINHO GARCEZ NETO que a noção de culpa que parecia tão sólida permitindo a RIPERT La Régle Morale dans les Obligations Civiles 4 ed 1949 n 112 p 206 assinalar que durante todo o século XIX os juristas não ousaram levantar qualquer dúvida sobre esse fundamento da responsabilidade encontrase há cerca de meio século submetido à crítica mais severa de que se tem notícia no mundo contemporâneo E não será por outra razão que se dá a esse movimento o título de crise da responsabilidade civil 480 E o mais interessante de tudo é que foi no próprio direito francês que surgiram as primeiras vozes de crítica à concepção tradicional apegada à ideia de culpa O movimento iniciado pelas doutrinas de JOSSERAND e SALEILLES passaria a dirigir duras críticas à concepção restritiva da culpa que dada a sua imprecisão não poderia resolver os complexos problemas referentes à responsabilidade civil 481 A partir daí surgiria a teoria do risco fundamento da responsabilidade objetiva que admitiria a possibilidade de responsabilização do sujeito que empreendesse atividade perigosa independentemente da análise de sua culpa O Código Civil de 1916 no entanto consoante já anotamos profundamente influenciado pelo direito francês adotaria a culpa como viga de sua responsabilidade consoante se depreende da análise do seu art 159 Art 159 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulamse pelo disposto neste Código arts 1518 a 1532 e 1537 a 1553 Comentando tal dispositivo pondera ORLANDO GOMES O direito pátrio baseia na culpa a responsabilidade delitual Nenhuma dúvida se pode ter com a leitura do art 159 do Cód Civil de que aceitou a teoria subjetivista Contudo alguns escritores sustentam que em certas disposições acolheu a doutrina objetiva como se verá adiante O fato de ter sido consagrado o princípio da responsabilidade baseada na culpa não significa que em nosso direito positivo inexistam regras consagradoras da responsabilidade fundada no risco Leis especiais como dentre outras a de acidente de trabalho adotaram a concepção objetiva 482 O Código Civil de 2002 por sua vez afastandose da orientação da lei revogada consagrou expressamente a teoria do risco e ao lado da responsabilidade subjetiva calcada na culpa admitiu também a responsabilidade objetiva consoante se infere da leitura do seu art 927 Art 927 Aquele que por ato ilícito arts 186 e 187 causar dano a outrem é obrigado a reparálo Parágrafo único Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem grifos nossos Percebese então que ao lado da responsabilidade decorrente do ilícito civil em cujas noções encontrase inserida a ideia de culpa bem como do abuso de direito em que o elemento a ser observado é a violação a um critério objetivofinalístico arts 186 e 187 483 poderá o magistrado também reconhecer a responsabilidade civil do infrator sem indagação de culpa responsabilidade objetiva em duas situações previstas no parágrafo único do art 927 supramencionado a nos casos especificados em lei b quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem Como visto a culpa passou por todo um processo de sedimentação doutrinária com largo período de prestígio e primazia culminando por perder a importância de outrora nos ordenamentos jurídicos contemporâneos inclusive no nosso 3 ELEMENTOS DA CULPA A culpa em sentido amplo compõese segundo a doutrina tradicional dos seguintes elementos a voluntariedade do comportamento do agente ou seja a atuação do sujeito causador do dano deve ser voluntária para que se possa reconhecer a culpabilidade Notese que se houver também vontade direcionada à consecução do resultado proposto a situação revestese de maior gravidade caracterizando o dolo Neste portanto não apenas o agir mas o próprio escopo do agente é voltado à realização de um prejuízo Na culpa em sentido estrito por sua vez sob qualquer das suas três formas de manifestação negligência imprudência ou imperícia o dano resulta da violação de um dever de cuidado sem que o agente tenha a vontade posicionada no sentido da realização do dano b previsibilidade só se pode apontar a culpa se o prejuízo causado vedado pelo direito era previsível Escapandose do campo da previsibilidade ingressamos na seara do fortuito que inclusive pode interferir no nexo de causalidade eximindo o agente da obrigação de indenizar c violação de um dever de cuidado a culpa implica a violação de um dever de cuidado Se esta inobservância é intencional como visto temos o dolo 4 GRAUS E FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA CULPA EM SENTIDO ESTRITO NEGLIGÊNCIA IMPRUDÊNCIA E IMPERÍCIA Tradicionalmente o nosso Código de 1916 abandonou a antiga gradação oriunda do Direito Romano que estabelecia graus de culpa grave leve e levíssima Com fundamento na doutrina de RUI STOCO poderíamos explicar esses três graus da seguinte forma 484 a culpa grave embora não intencional o comportamento do agente demonstra que ele atuou como se tivesse querido o prejuízo causado à vítima o que inspirou o ditado culpa lata dolo aequiparatur b culpa leve é a falta de diligência média que um homem normal observa em sua conduta c culpa levíssima tratase da falta cometida por força de uma conduta que escaparia ao padrão médio mas que um diligentíssimo pater familias especialmente cuidadoso e atento guardaria Diferentemente do que ocorre no Direito Penal em que a culpa é considerada para efeito de fixação da sanção penabase no Direito Civil a sanção não está adstrita ou condicionada ao elemento psicológico da ação mas sim à extensão do dano Para efeito de indenizar portanto não se distingue a priori o dolo da culpa leve por exemplo Aliás como lembra CAVALIERI ainda que levíssima a culpa obriga a indenizar in lege aquilea et levíssima culpa venit 485 Por isso à luz do diploma anterior a doutrina costumava criticar essa distinção apontando a sua pouca utilidade Nesse sentido SILVIO RODRIGUES Tal distinção se apresenta irrelevante em matéria de responsabilidade extracontratual onde a necessidade de reparar advém de culpa do agente de qualquer grau mas onde o elemento predominante é o alcance do prejuízo experimentado pela vítima E arremata considerando ser mais útil a distinção entre a culpa in concreto e a culpa in abstrato 486 A primeira seria examinada no caso sob julgamento considerando as circunstâncias fáticas apresentadas a segunda aquela que contempla o homem médio segundo a noção de bonus pater familias dos romanos Para ele deveria prevalecer em nosso sistema a perquirição da culpa in concreto por ser a mais adequada 487 Entretanto a impressão que temos é de que o Código Civil de 2002 passou a se importar com os graus de culpa para efeito de mensurar a obrigação de indenizar decorrente da responsabilidade civil Ao analisarmos o parágrafo único do art 944 regra sobre a qual nos debruçaremos mais adiante ao estudarmos a indenização constatamos que a extensão do dano deixou de ser o único termômetro de mensuração da reparação civil uma vez que se reconheceu ao juiz poderes para agindo por equidade reduzir o quantum indenizatório se verificar excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano Com isso quernos parecer que o legislador lançando mão da análise dos graus de culpa permitiu o abrandamento da situação do réu facultando ao juiz imporlhe sanção pecuniária menos gravosa se verificar no caso concreto a despeito da extensão do dano que a sua culpa foi leve ou levíssima Comentando este dispositivo PABLO STOLZE GAGLIANO em artigo publicado no Repertório de Jurisprudência IOB observou Acontece que o Código Civil recémaprovado altera profundamente o tratamento da matéria ao permitir em seu parágrafo único do art 944 que o juiz possa por equidade diminuir a indenização devida se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano Ora tal permissivo subvertendo o princípio de que a indenização medese pela extensão do dano permite que o juiz investigue culpa para o efeito de reduzir o quantum debeatur É o caso por exemplo de o magistrado constatar que o infrator não teve intenção de lesionar embora haja causado dano considerável Será que a vetusta classificação romana de culpa leve grave e gravíssima oriunda do Direito Romano ressurgiu das cinzas tal qual Fenix Não sei até onde vai a utilidade da norma que sem sombra de dúvida posto possa se afigurar justa em determinado caso concreto rompe definitivamente com o princípio de ressarcimento integral da vítima Isso sem mencionar que o ilícito praticado pode decorrer do exercício de atividade de risco ou estar previsto em legislação especial como ensejador de responsabilidade objetiva e o juiz para impor a obrigação de indenizar não necessite investigar a culpa do infrator Como então explicar que para o reconhecimento da responsabilidade seja dispensada a indagação da culpa e para a fixação do valor indenizatório a mesma seja invocada para beneficiar o réu 488 A priori a norma embora formalmente não limitada parece ter sido concebida sob medida para as reparações pecuniárias de danos morais tendo em vista a impossibilidade fática e jurídica de se aferir objetivamente um valor exato e inquestionável para o dano perpetrado Outro tema menos polêmico diz respeito às formas pelas quais a culpa entendida em sentido estrito se manifesta Nesse sentido teríamos a negligência é a falta de observância do dever de cuidado por omissão Tal ocorre por exemplo quando o motorista causa grave acidente por não haver consertado a sua lanterna traseira por desídia b imprudência esta se caracteriza quando o agente culpado resolve enfrentar desnecessariamente o perigo O sujeito pois atua contra as regras básicas de cautela Caso do indivíduo que manda o seu filho menor alimentar um cão de guarda expondoo ao perigo c imperícia esta forma de exteriorização da culpa decorre da falta de aptidão ou habilidade específica para a realização de uma atividade técnica ou científica É o que acontece quando há o erro médico em uma cirurgia em que não se empregou corretamente a técnica de incisão ou quando o advogado deixa de interpor recurso que possibilitaria segundo jurisprudência dominante acolhimento da pretensão do seu cliente Interessante notar que pela dicção do art 186 do Código Civil a impressão que se tem é a de que o legislador não previu a ação dolosa e além disso ao tratar da ação culposa apenas considerou a negligência e a imprudência esquecendose da imperícia A omissão do legislador entretanto é apenas aparente Embora não haja primado pela melhor técnica podemos inferir deste dispositivo que ao fazer referência à ação ou omissão voluntária estaria o legislador se referindo à atuação comissiva ou omissiva dolosa A voluntariedade aí portanto estaria dirigida não ao comportamento em si pois na culpa em sentido estrito também há vontade de realizar a ação mas aos fins ou propósitos pretendidos pelo agente Dessa forma se há intenção ou vontade de atingir a finalidade danosa há dolo 489 Na mesma linha a despeito de preferirmos uma redação que explicitasse a imperícia a única interpretação razoável é no sentido de que por ser espécie de negligência técnica ou profissional estaria compreendida nesta última expressão 5 ESPÉCIES DE CULPA Por último vamos enfrentar as espécies de culpa A depender da natureza do dever jurídico violado o agente poderá ter agido com culpa contratual ou culpa extracontratual No primeiro caso violase norma prevista no contrato no segundo a atuação do agente afronta a própria lei a exemplo do que ocorre quando causa um acidente de trânsito embriagado Temos ainda outras modalidades amplamente difundidas pela doutrina classificadas quanto ao modo em que se apresentam a culpa in vigilando é a que decorre da falta de vigilância de fiscalização em face da conduta de terceiro por quem nos responsabilizamos Exemplo clássico é a culpa atribuída ao pai por não vigiar o filho que causa o dano No Código de 2002 entretanto a responsabilidade dos pais por atos dos filhos menores sob sua autoridade e companhia foi consagrada como responsabilidade objetiva ou seja sem culpa nos termos do art 932 I b culpa in eligendo é aquela decorrente da má escolha Tradicionalmente apontase como exemplo a culpa atribuída ao patrão por ato danoso do empregado ou do comitente Tal exemplo também perdeu a importância prática remanescendo somente a título didático considerando que o atual Código Civil firmou o princípio da responsabilidade objetiva nesta hipótese consoante se depreende da análise do art 932 III c culpa in custodiendo assemelhase com a culpa in vigilando embora a expressão seja empregada para caracterizar a culpa na guarda de coisas ou animais sob custódia A mesma crítica anterior pode ser feita Nos termos do Código de 2002 o fato da coisa ou do animal desafia a responsabilidade civil objetiva razão por que esta categoria da mesma forma perdeu importância prática subsistindo mais a título ilustrativo d culpa in comittendo ou culpa in faciendo quando o agente realiza um ato positivo violando um dever jurídico e culpa in omittendo culpa in negligendo ou culpa in non faciendo quando o agente realiza um abstenção culposa negligenciando um dever de cuidado 490 Conforme tivemos a oportunidade de ressaltar considerando que o Código de 2002 alçou a responsabilidade civil objetiva a um posto de maior importância pondoa ao lado da modalidade subjetiva notase que estas espécies de culpa e consequentemente as presunções tradicionalmente reconhecidas pela doutrina perderam a importância de outrora Não temos dúvida de que a culpa é um conceito cada vez mais esquecido nas sociedades contemporâneas caracterizadas pelo incremento do risco e pela imprevisão institucionalizada Importante notar finalmente a existência ainda da denominada culpa in contrahendo aquela em que incorre o agente na fase anterior à elaboração de um contrato fase de pontuação ou de puntuação Trata se pois de modalidade de culpa derivada de comportamento danoso da parte que negandose a celebrar o contrato esperado prejudica o legítimo interesse da outra em detrimento da regra ética de boafé objetiva LIV RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E A ATIVIDADE DE RISCO 1 INTRODUÇÃO Neste capítulo cuidaremos da responsabilidade civil objetiva que ganhou posição de destaque no Código Civil de 2002 refletindo a nova face da sociedade contemporânea em que o risco especialmente decorrente do avanço tecnológico impôs uma mudança dos antigos paradigmas da lei anterior Com absoluta precisão demonstrando a mudança por que passa o tratamento da responsabilidade civil no direito brasileiro conclui GUSTAVO TEPEDINO Com efeito os princípios de solidariedade social e da justiça distributiva capitulados no art 3 incisos I e III da Constituição segundo os quais se constituem em objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre justa e solidária bem como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais não podem deixar de moldar os novos contornos da responsabilidade civil Do ponto de vista legislativo e interpretativo retiram da esfera meramente individual e subjetiva o dever de repartição dos riscos da atividade econômica e da autonomia privada cada vez mais exacerbados na era da tecnologia Impõem como linha de tendência o caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação e do desenvolvimento de novos mecanismos de seguro social 491 E é exatamente sobre essa tendência objetivista da responsabilidade civil que nos debruçaremos a partir de agora 2 A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NA LEGISLAÇÃO ESPECIAL E O RISCO DA ATIVIDADE Por influência do direito francês o Código Civil de 1916 calcou a responsabilidade civil na ideia de culpa consoante se depreende da simples leitura do seu art 159 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano As hipóteses de responsabilidade objetiva por sua vez ficariam relegadas a isolados pontos da lei codificada a exemplo da regra prevista em seu art 1529 que impunha a obrigação de indenizar sem indagação de culpa àquele que habitar uma casa ou parte dela pelas coisas que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido De tal forma a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana conforme concebida pelo codificador exigia para a sua configuração além da ação ilícita do dano e do nexo de causalidade a perquirição do móvel subjetivo que impulsionou o comportamento do agente a sua culpabilidade Entretanto o avanço tecnológico favorecido sobremaneira pelo esforço bélico característico do século XX desenvolveu a denominada teoria do risco que serviria de base à responsabilidade objetiva e cujos reflexos seriam sentidos por grande parte das leis especiais reguladoras da atividade econômica 492 Com notável acuidade CALMON DE PASSOS sintetiza todo esse contexto histórico Os proveitos e vantagens do mundo tecnológico são postos num dos pratos da balança No outro a necessidade de o vitimado em benefício de todos poder responsabilizar alguém em que pese o coletivo da culpa O desafio é como equilibrálos Nessas circunstâncias falase em responsabilidade objetiva e elaborase a teoria do risco dandose ênfase à mera relação de causalidade abstraindose inclusive tanto da ilicitude do ato quanto da existência de culpa 493 Sob a influência dessas ideias inúmeras leis especiais consagraram a nova teoria admitindo a responsabilização do agente causador do dano independentemente da prova de dolo ou culpa Decreto n 2681 de 1912 responsabilidade das estradas de ferro por danos causados aos proprietários marginais a legislação de acidente do trabalho Lei n 531667 Dec n 6178467 Lei n 821391 as Leis n 619474 e 844192 seguro obrigatório de acidentes de veículos DPVAT Lei n 693881 referente a danos causados no meio ambiente além do próprio Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 que também reconhece a responsabilidade objetiva do fornecedor do produto ou serviço por danos causados ao consumidor Isso tudo sem esquecermos da responsabilidade objetiva do Estado nos termos do art 37 6º da Constituição da República O Código Civil por seu turno afastandose da orientação da lei revogada consagrou expressamente a teoria do risco e ao lado da responsabilidade subjetiva calcada na culpa admitiu também a responsabilidade objetiva consoante se infere da leitura do seu art art 927 Art 927 Aquele que por ato ilícito arts 186 e 187 causar dano a outrem é obrigado a reparálo Parágrafo único Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem grifos nossos Percebese então que ao lado da responsabilidade decorrente do ilícito civil ou do abuso de direito em cujas noções encontrase inserida a ideia de culpa arts 186 e 187 poderá o magistrado também reconhecer a responsabilidade civil do infrator sem indagação de culpa responsabilidade objetiva em duas situações previstas no parágrafo único do dispositivo supratranscrito a nos casos especificados em lei b quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem A primeira hipótese é muito clara Como se vê a nova lei mantém naquilo que com ela não for incompatível toda a legislação especial que já reconhecia a responsabilidade sem culpa A segunda situação entretanto não restou bem definida Afinal reconhecendo a responsabilidade objetiva aos agentes empreendedores de atividade de risco estaria o legislador referindose especificamente a que categoria de pessoas Qual seria pois o âmbito de incidência desta norma Quem estaria aí compreendido Apenas o agente transportador de produtos químicos ou especializado em manejo de material nuclear Ou então qualquer pessoa que exerça uma atividade que possa causar dano e por isso com risco a outrem E o que dizer do motorista que guia o seu veículo todos os dias até o trabalho Ninguém poderá negar tratarse de uma atividade cujo risco é imanente Em tal caso se atropelar um transeunte seria obrigado a indenizar mesmo sem a comprovação de sua culpa Essas são apenas algumas indagações que poderão surgir considerandose a natureza fluídica da expressão risco da atividade conceito demasiadamente aberto com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 Notando a porta aberta pelo legislador ao não delimitar o que se entende por atividade de risco CARLOS ROBERTO GONÇALVES pontifica a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que por sua natureza representa risco para os direitos de outrem da forma genérica como está no texto possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável 494 Tratase portanto de um dos dispositivos mais polêmicos do Código Civil vigente que pela sua característica de conceito jurídico indeterminado ampliará consideravelmente os poderes do magistrado Isso porque o conceito de atividade de risco fora da previsão legal específica somente poderá ser balizado jurisprudencialmente com a análise dos casos concretos submetidos à apreciação judicial Observese inclusive que a expressão utilizada pelo texto legal não é propriamente atividade de risco mas sim o de uma atividade que normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem ou seja a ideia de risco da atividade pode ser ainda mais semanticamente aberta do que atividade de risco Na busca pela compreensão do sentido da norma entendemos que é imprescindível compreender o sentido da palavra risco Para MARIA HELENA DINIZ no seu Dicionário Jurídico RISCO Direito civil e direito comercial 1 Possibilidade da ocorrência de um perigo ou sinistro causador de dano ou de prejuízo suscetível de acarretar responsabilidade civil na sua reparação 2 Medida de danos ou prejuízos potenciais expressa em termos de probabilidade estatística de ocorrência e de intensidade ou grandeza das consequências previsíveis 3 Relação existente entre a probabilidade de que uma ameaça de evento adverso ou acidente determinados se concretize com o grau de vulnerabilidade do sistema receptor a seus efeitos 495 Em nosso entendimento ao consignar o advérbio normalmente o legislador quis referirse a todos os agentes que em troca de determinado proveito exerçam com regularidade atividade potencialmente nociva ou danosa aos direitos de terceiros Somente estas pessoas pois empreenderiam a mencionada atividade com possibilidade de risco acentuado apta a justificar a sua responsabilidade objetiva 496 Notese inclusive que não se exige que a conduta lesionante seja ilícita stricto sensu mas sim pelo fato de que seu exercício habitual pode potencialmente gerar danos a outrem não sendo razoável admitirse que a autorização legal para o exercício de uma atividade importe em considerar lícita a lesão a direito de terceiros A respeito da intelecção dessa regra ADALBERTO PASQUALOTO apresentou na Jornada de Direito Civil realizada no STJ em Brasília em setembro de 2001 o seguinte enunciado aprovado à unanimidade A responsabilidade fundada no risco da atividade como prevista na segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil configurase quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar à pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade 497 grifamos Em nosso entendimento o exercício dessa atividade de risco pressupõe ainda a busca de determinado proveito em geral de natureza econômica que surge como decorrência da própria atividade potencialmente danosa riscoproveito Outro não é aliás o entendimento do grande ALVINO LIMA quando preleciona A teoria do risco não se justifica desde que não haja proveito para o agente causador do dano porquanto se o proveito é a razão de ser justificativa de arcar o agente com os riscos na sua ausência deixa de ter fundamento a teoria 498 Isso bastaria em nosso entendimento para isentar da regra sob análise os condutores de veículo uma vez que posto aufiram proveito este não é decorrência de uma atividade previamente aparelhada para a produção deste benefício Além do que o direito à circulação em avenidas e rodovias é imperativo da própria ordem constitucional que nos garante o direito de ir e vir Raciocínio contrário data venia seria a consagração do absurdo uma vez que se estaria dando exegese elástica à norma sob comento A imprecisão de trabalhar com um conceito jurídico indeterminado leva sucessivamente porém à seguinte questão e o motorista de táxi profissional autônomo que exerce sua atividade com finalidade econômica poderia estar enquadrado na concepção de atividade de risco A pergunta não permite uma resposta imediata Com efeito o ato de dirigir não gera por si só um ônus maior do que aos demais membros da coletividade Todavia a sua prática com finalidade lucrativa tem sim um risco embutido que não pode ser transferido para terceiros se eles não concorreram exclusivamente para os danos ocorridos Assim abstraída a ocorrência de alguma excludente de responsabilidade a responsabilização deverá ser objetiva pelos danos causados nesta atividade se o evento danoso era potencialmente esperado em função da probabilidade estatística de sua ocorrência Como se vê a forma como a disciplina veio a ser inovada no sistema brasileiro pode gerar uma inicial insegurança nas relações jurídicas pois transmitirá para a jurisprudência a responsabilidade sem trocadilho da conceituação de atividade de risco no caso concreto 499 Muitas outras intrincadas questões poderão ser suscitadas na discussão sobre o que se caracteriza como atividade de risco a ensejar responsabilização objetiva Ressaltese todavia que como se não bastasse todo esse amplo reconhecimento da responsabilidade objetiva por ato próprio o codificador cuidou ainda de admitila nas situações de responsabilidade civil indireta por ato de terceiro art 932 além daquelas decorrentes da guarda da coisa ou do animal arts 936 937 e 938 conforme estudaremos nos próximos capítulos Assim só para fixarmos um exemplo bem comum se o meu filho menor danificar o carro importado do vizinho estando ele sob a minha autoridade não necessariamente guarda e companhia serei chamado a responder objetivamente sem que a vítima seja obrigada a provar a ocorrência de culpa in vigiando nos termos do art 932 I cc art 933 do Código Civil O mesmo raciocínio aplicase aos tutores curadores patrões e donos de hotéis por atos praticados por seus tutelados curatelados empregados e hóspedes É óbvio porém que tal responsabilidade civil não subsistirá se provada alguma excludente de reponsabilidade Exemplifiquemos para esclarecer melhor a questão se o filho menor danificar o carro importado do vizinho os pais devem responder objetivamente salvo se provarem vg que o dano foi causado por culpa exclusiva da vítima engatou a marcha à ré sem perceber que a bicicleta do menor estava parada em lugar permitido adentrou abruptamente com o carro em lugar proibido etc Caiu por terra portanto a tradicional presunção de culpa uma vez que o legislador optou expressamente nessas hipóteses pela responsabilidade objetiva Por fim vale lembrar que contornando críticas doutrinárias que há décadas se repetiam cuidou a nova lei codificada também de estabelecer em seu art 928 que o incapaz responde pelos prejuízos que causar se as pessoas por ele responsáveis não tiverem a obrigação de fazêlo ou não dispuserem de meios suficientes Assim no clássico exemplo do filho milionário talvez um jogador de futebol ou artista mirim sendo o pai pessoa de parcos recursos o patrimônio do incapaz poderá suportar a condenação desde que não o prive ou os seus dependentes do necessário para a sua mantença art 928 Nesse sentido mesmo antes da vigência do Código Civil de 2002 o excelente SÍLVIO VENOSA já advertia Há no entanto moderna tendência de fazer incidir no patrimônio do amental a reparação do dano por ele causado quando tenha ele bens suficientes e não tenha responsável sob o prisma da proteção social ampla no tocante ao restabelecimento do prejuízo 500 Digna de encômios nesse particular a inovação legal 3 COMO CONCILIAR A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E O ART 944 PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 Feitas todas essas considerações já podemos concluir que o Código Civil de 2002 colocou em posição de destaque a responsabilidade civil objetiva que passou a compreender inúmeras situações frequentemente vivenciadas e para as quais a jurisprudência tradicional insistia em fazer incidir as clássicas regras da responsabilidade subjetiva estabelecendo falaciosas presunções de culpa Pelo amplo espectro de incidência da locução atividade de risco arriscamonos a dizer que a grande maioria das situações de responsabilidade civil posta à apreciação judicial será resolvida sem a análise da culpabilidade do infrator E é exatamente por isso que não compreendemos bem senão com certa perplexidade o quanto disposto no art 944 do Código de 2002 Art 944 A indenização medese pela extensão do dano Parágrafo único Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização Clara é a primeira parte do dispositivo É regra geral de Direito Civil que a indenização medese pela extensão do dano sob pena de caracterizar enriquecimento sem causa 501 Não é pois a intensidade de culpa que altera a mensuração do quantum debeatur Assim se o prejuízo é de 10 compreendendo o dano emergente e o lucro cessante a indenização devida também deverá ser de 10 mesmo que o agente causador da lesão haja atuado com intensa carga de dolo Sempre foi assim no Direito Civil que nesse particular afastase do Direito Penal uma vez que ocorrido um ilícito deste último jaez o juiz criminal ao impor a reprimenda estatal sanção penal graduará a penabase dentre outros critérios de acordo com a culpabilidade do infrator Essa investigação psicológica não é exigida pelo Direito Civil para fixar a indenização devida Como bem demonstrou o caput do art 944 a indenização medese pela extensão do dano Acontece que o Código Civil de 2002 altera profundamente o tratamento da matéria ao permitir parágrafo único do art 944 que o juiz possa por equidade diminuir a indenização devida se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano Ora tal permissivo subvertendo o princípio de que a indenização medese pela extensão do dano permite que o juiz investigue culpa para o efeito de reduzir o quantum debeatur É o caso por exemplo de o magistrado constatar que o infrator não teve intenção de lesionar embora haja causado dano considerável Parecenos consoante vimos no capítulo anterior que a vetusta classificação romana de culpa leve grave e gravíssima oriunda do Direito Romano ressurgiu das cinzas tal qual a mitológica Phoenix É duvidosa inclusive até onde vai a utilidade da norma que sem sombra de dúvida posto possa se afigurar justa em determinado caso concreto acaba rompendo definitivamente com o princípio básico de ressarcimento integral da vítima Isso sem mencionar que o ilícito praticado pode decorrer do exercício de atividade de risco ou estar previsto em legislação especial como ensejador de responsabilidade objetiva e o juiz para impor a obrigação de indenizar não necessite investigar a culpa do infrator Como então explicar que para o reconhecimento da responsabilidade seja dispensada a indagação da culpa e para a fixação do valor indenizatório seja ela invocada para beneficiar o réu Parecenos que o legislador não andou bem nesse ponto estabelecendo regra anacrônica diante do sistema consagrado 502 Essa preocupação também abateu o culto RUI STOCO consoante se depreende da análise do seu pensamento Também o parágrafo único desse artigo segundo nos parece rompe com a teoria da restitutio in integrum ao facultar ao juiz reduzir equitativamente a indenização se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano Ao adotar e fazer retornar os critérios de graus da culpa obrou mal pois o dano material não pode sofrer influência dessa gradação se comprovado que o agente agiu culposamente ou que há nexo de causa e efeito entre a conduta e o resultado danoso nos casos de responsabilidade objetiva ou sem culpa Aliás como conciliar a contradição entre indenizar por inteiro quando se tratar de responsabilidade objetiva e impor indenização reduzida ou parcial porque o agente atuou com culpa leve se na primeira hipótese sequer se exige culpa 503 Finalmente cumprenos lembrar que o antigo Projeto de Lei n 69602002 que pretendia alterar dispositivos do Código Civil de 2002 acrescentava um segundo parágrafo ao art 944 nesse sentido 2 A reparação do dano moral deve constituirse em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante Notese que aqui também haveria uma importantíssima alteração legislativa uma vez que se admitiria expressamente que a indenização por dano moral possa ter cunho sancionatório ou punitivo Comentando este artigo de lei já registramos Este dispositivo digno de encômios se aplicado com a devida cautela autorizará o juiz seguindo posicionamento já assentado em Tribunais da Europa a impor indenizações por dano moral com caráter educativo e sancionador especialmente se o agente causador do dano é reincidente Aliás há muito já defendíamos em salas de aula e em conferências a compensação punitiva por dano moral se o infrator atuasse no mercado de consumo ou conforme dito acima se já houvesse transgredido o ordenamento jurídico anteriormente 504 De todo o exposto podemos concluir que a responsabilidade objetiva mereceu lugar de destaque no Código Civil de 2002 A despeito disso algumas incongruências são encontradas a exemplo da apontada fluidez demasiada dos conceitos de atividade de risco risco da atividade ou atividade com risco acentuado e bem assim a possibilidade de o juiz reduzir a indenização devida se verificar desproporção entre a gravidade da culpa e o dano Todos esses aspectos objetivamente analisados devem ser enfrentados pelo aplicador do Direito desde já para que as questões levadas ao foro possam ser mais rapidamente dirimidas LV RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO DE TERCEIRO 1 INTRODUÇÃO Até aqui cuidamos da responsabilidade civil por ato próprio ou seja decorrente da atividade do próprio sujeito a quem é imposta a obrigação de indenizar No entanto é possível que o sujeito seja chamado a responder civilmente pela atuação de um terceiro ligado a si por algum tipo de vínculo jurídico contratual ou legal Tratase da responsabilidade civil indireta ou por ato de terceiro fato de outrem objeto do presente capítulo 2 TRATAMENTO LEGAL DA MATÉRIA Houve uma sensível mudança no tratamento desta matéria se compararmos as disposições do Código de 1916 com o diploma de 2002 Na sistemática anterior os responsáveis previstos no art 1521 pais tutorcurador patrãoamocomitente donos de hotéishospedarias ou estabelecimentos congêneres diretores de estabelecimentos educacionais com exceção dos que houvessem gratuitamente participado do produto do crime art 1521 V somente responderiam se fosse demonstrada a sua culpa ou negligência nos termos do art 1523 Criticando esta postura do legislador que impôs à própria vítima em uma acintosa inversão dos princípios da responsabilidade civil o ônus de provar a culpa do infrator CLÓVIS BEVILÁQUA asseverava Esta prova deverá incumbir aos responsáveis por isso que há contra eles presunção legal de culpa mas o Código modificando a redação dos projetos impôs o ônus da prova ao prejudicado Essa inversão é devida à redação do Senado 505 De fato afigurasenos absurdo que a própria vítima tenha de provar a culpa do sujeito que deveria ter tido o cuidado de guarda custódia ou vigilância do agente causador do dano Teria eu portanto lesado pela atuação de um menor que atiçou soda cáustica na pintura do meu carro que provar que o seu pai não o vigiou devidamente Ou seria mais justo que já pesasse contra este pai uma presunção de culpa in vigilando cabendo pois a ele mesmo quando demandado o ônus de provar que não atuou com desídia A jurisprudência brasileira entretanto suavizando a rigidez da norma cuidou de estabelecer o critério da presunção de culpa em desfavor dos responsáveis previstos no art 1521 facilitando assim o ressarcimento da vítima Eram hipóteses de presunções relativas na medida em que os responsáveis poderão eximirse da obrigação de indenizar desde que provem não haverem atuado com culpa No caso da responsabilidade por ato do empregado o próprio Supremo Tribunal Federal foi chamado a manifestarse a respeito editando famosa súmula que firmou uma presunção absoluta de culpa 506 do patrão por ato do empregado tornando indiscutível a sua responsabilidade civil Súmula 341 É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto Vale registrar inclusive que todas as formas de responsabilidade civil por ato de terceiro previstas no mencionado artigo decorreriam de uma culpa in vigilando salvo justamente a responsabilidade civil por ato de empregados serviçais e prepostos que se daria justamente por uma culpa in eligendo arcando com o patrão amo ou comitente com os riscos da má eleição Com isso portanto tendeuse a reconhecer perda de eficácia social do defeituoso art 1523 do Código anterior por atuação repitase da própria jurisprudência que passou a considerar presumida a culpa dos responsáveis ali referidos Assim com fundamento no Código anterior teríamos o seguinte quadro 1 pai filho presunção de culpa in vigilando 2 tutor tutelado presunção de culpa in vigilando 3 curador curatelado presunção de culpa in vigilando 4 patrão amo comitente empregados serviçais e prepostos presunção de culpa in eligendo 5 donos de hotéis hospedarias ou estabelecimentos congêneres hóspedes moradores presunção de culpa in vigilando 6 diretores de estabelecimentos educacionais educandos presunção de culpa in vigilando Todo o sistema anterior portanto é calcado na ideia de culpa ainda que reconhecida por meio de presunções para facilitar a postulação da vítima O Código de 2002 por sua vez alterando significativamente este cenário valendose visivelmente da teoria do risco cuidou de acabar de uma vez por todas com as melindrosas presunções de culpa e em uma atitude mais séria e precisa estabeleceu nos termos dos seus arts 932 e 933 que as situações ali mencionadas de responsabilidade civil por ato de terceiro dispensariam a prova de culpa Consagrouse assim a responsabilidade objetiva para aquelas hipóteses que anteriormente vinham tratadas como de responsabilidade subjetiva culposa por presunção A essa conclusão chegamos ao analisarmos os referidos artigos de lei transcritos abaixo in verbis Art 932 São também responsáveis pela reparação civil I os pais pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia II o tutor e o curador pelos pupilos e curatelados que se acharem nas mesmas condições III o empregador ou comitente por seus empregados serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele IV os donos de hotéis hospedarias casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro mesmo para fins de educação pelos seus hóspedes moradores e educandos V os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime até a concorrente quantia Art 933 As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente ainda que não haja culpa de sua parte responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos Tratase de reserva legal de forma que não se poderá estender a situações não previstas Por fim uma última indagação se impõe as pessoas consideradas responsáveis por ato de terceiro enumeradas no art 932 teriam responsabilidade solidária ou simplesmente subsidiária Em nosso entendimento com a utilização do advérbio também no seu caput Art 932 São também responsáveis pela reparação civil a lei estabeleceu uma forma de solidariedade passiva oportunizando à vítima exigir a reparação civil diretamente do responsável legal É essa a linha do parágrafo único do art 942 do CC2002 parágrafo único do art 1518 do CC1916 ao estabelecer que são solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art 932 Cumprida a obrigação caberá ao pagador direito de regresso contra a pessoa por quem se responsabilizou ressalvada a hipótese de ser seu descendente absoluta ou relativamente incapaz art 934 do CC2002 507 Um exemplo irá aclarar a hipótese se o patrão paga a indenização devida à vítima por conta da atuação ilícita do seu empregado poderá posteriormente cobrar deste último aquilo que desembolsou se este tiver agido com dolo ou culpa 508 O mesmo não acontecerá entretanto no caso de o pai pagar o prejuízo causado pelo seu filhinho de 4 anos uma vez que o referido art 934 impede que seja ajuizada demanda regressiva em face de descendente incapaz 3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS FILHOS MENORES Pela ordem natural da vida os pais biológicos socioafetivos ou adotivos pouco importa são responsáveis por toda a atuação danosa atribuída aos seus filhos menores Na sistemática do Código anterior o art 1521 somente admitia esta forma de responsabilidade em face dos filhos menores que estivessem sob o seu poder e companhia Com isso admitiuse que apenas aquele dos pais com quem o menor mantivesse contato direto poderia ser chamado à responsabilidade Assim caso o genitor não detivesse a guarda do menor ficando este por exemplo em companhia da mãe cometido o dano apenas esta última poderia ser responsabilizada ficando de fora a figura paterna Claro está todavia que se o evento ocorresse durante o período do direito de visita o pai poderia ser responsabilizado Notese entretanto que enquanto vigeu o Código de 1916 essa responsabilidade solidária dos pais por atos dos filhos somente se aplicava em se tratando de menores púberes relativamente capazes maiores de 16 e menores de 21 anos Isso porque o art 156 da Lei Civil revogada sem equivalente no Código Civil brasileiro de 2002 equiparava esses menores aos maiores pelos ilícitos que houvessem praticado Vale dizer caso dispusessem de patrimônio seriam responsabilizados conjuntamente com os seus pais pelo dano causado obrigação solidária Em se tratando de absolutamente incapaz menor impúbere por sua vez esta regra não teria incidência em virtude de o legislador o haver considerado inimputável e por consequência apenas sobre os seus pais pesaria a obrigação civil de indenizar Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 a mudança de tratamento legal da matéria foi significativa Primeiramente pela alteração da dicção do próprio inciso I do art 932 que substituiu as expressões poder por autoridade ficando assim redigido Art 932 São também responsáveis pela reparação civil I os pais pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e companhia Melhor assim A expressão poder no Código anterior era anacrônica na medida em que o pai que não tivesse o menor em sua companhia não deixava de ter o pátrio poder sobre ele Mais técnico portanto o Código de 2002 ao chamar a atenção de que somente aquele dos pais que exerce de fato a autoridade sobre o menor fruto da convivência com ele poderia ser responsabilizado pelo dano causado Ademais vale lembrar que não mais se analisa culpa para efeito de responsabilidade ainda que sob a forma de presunção na medida em que o art 933 ressaltou que todas as modalidades de responsabilidade indireta são objetivas E mais uma observação importante se faz necessária Como já observado o Código de 2002 não contém regra semelhante àquela constante no art 156 da lei revogada referente à equiparação do menor púbere ao maior Na verdade o legislador foi além No seu art 928 subvertendo a teoria tradicional que considerava o menor impúbere inimputável a lei civil consagrou a plena responsabilidade jurídica do incapaz em cujo conceito se subsume o menor desde que os seus responsáveis não tivessem a obrigação de indenizar ou não dispusessem de meios suficientes para tanto Art 928 O incapaz responde pelos prejuízos que causar se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazêlo ou não dispuserem de meios suficientes Parágrafo único A indenização prevista neste artigo que deverá ser equitativa não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem grifamos Pouco importando pois que se trate de menor absoluta ou relativamente incapaz se o seu representante não tiver a obrigação de indenizar imagine que o pai esteja em coma e o seu filho órfão de mãe haja ficado em companhia da avó idosa ocasião em que cometeu o dano ou for pobre poderá a vítima demandar o próprio menor objetivando o devido ressarcimento caso haja patrimônio disponível No entanto o parágrafo único do art 928 mitigando a regra anterior ressalva que a indenização prevista neste artigo que deverá ser equitativa não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem Tratase de regra que tenta conciliar o interesse da vítima com a situação de hipossuficiência do incapaz que não poderá ficar à míngua em virtude de sua responsabilização civil 4 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS TUTORES E CURADORES PELOS TUTELADOS E CURATELADOS O tutor como se sabe atua como representante legal do menor cujos pais sejam falecidos declarados ausentes ou destituídos do poder familiar Tratase de um múnus público imposto por lei a determinadas pessoas em atenção ao menor nos termos dos arts 1728 a 1766 do Código Civil Ora como exerce poder de direção sobre o menor deverá nos termos do art 932 I responder pelos danos que haja cometido em face de terceiros O mesmo se diga do curador 509 Atentese por outro lado para o fato de que a curatela não apenas visa à proteção de maiores mas também poderá ser deferida para a salvaguarda de interesses do nascituro art 1779 do CC2002 Caso portanto o curatelado cometa um ato lesivo ao patrimônio ou a direito de terceiro o seu curador pessoa a quem assiste poder de direção poderá ser civilmente responsabilizado Tal regra se levada às últimas consequências afigurasenos por demais injusta No caso da interdição por prodigalidade por exemplo o dever de vigilância imposto ao curador não deveria ir ao ponto de tornálo solidariamente obrigado pelo dano causado pelo pródigo pois sua assistência diz respeito apenas à prática de atos de disposição patrimonial Em todo o mais o indivíduo padecente deste desvio comportamental rege a sua vida sem a ingerência de quem quer que seja Afinal poderíamos considerar iguais as situações do pródigo e do esquizoide Por isso entendemos dever o juiz ter redobrada cautela ao considerar a responsabilidade dessas pessoas analisando na hipótese concreta o grau de participação efetiva do curatelado E a lei anterior gerava ainda outro grave inconveniente Isso porque não existia regra semelhante àquela prevista para o menor púbere relativamente incapaz art 156 que o equiparava ao maior pelo ilícito que houvesse praticado Em outras palavras causado o dano restava à vítima tão somente demandar o curador a quem caberia fazer prova em sentido contrário visando ilidir a presunção de culpa in vigilando E tal situação se agravava se o curador não dispusesse de recursos para arcar com o prejuízo a despeito da riqueza do amental A vítima quedaria irressarcida Irresignada com a injustiça da questão respeitável parcela da doutrina amparandose em princípios de equidade e razoabilidade passou a admitir que em tal caso pudesse a vítima cobrar a indenização devida do próprio incapaz Nesse sentido é o pensamento do professor SILVIO RODRIGUES consoante se depreende deste trecho de sua obra No Brasil onde a legislação é silente sobre a eventual responsabilidade do amental o problema tem preocupado os juristas e embora haja quem opine no sentido de que o legislador não distinguiu entre o amental e a pessoa normal para efeito de responsabilidade a verdade é que a opinião prevalecente é no sentido contrário ou seja no de que o psicopata sendo inimputável não pode responder no campo civil Todavia o mesmo anseio de justiça que orientou os juristas o legislador e os juízes daqueles países acima apontados manifestouse entre nós Realmente de lege ferenda deve o juiz por equidade determinar que o patrimônio do amental responda pelo dano por ele causado a terceiro quando se isso não ocorresse a vítima ficaria irressarcida 510 grifos nossos O Código Civil de 2002 entretanto conforme vimos linhas acima contornou o problema ao admitir a responsabilidade civil do incapaz que disponha de patrimônio respeitado o limite mínimo da renda para a sua mantença nos termos do aqui já transcrito art 928 sem equivalente no CC1916 Assim causado o dano se o curador não tiver a obrigação de ressarcir imagine uma situação em que o louco tenha causado danos antes da designação formal do curador ou não dispuser de condições para fazêlo for pobre o patrimônio do amental poderá ser atingido para a satisfação da vítima preservada uma renda mínima para a sua própria mantença ou das pessoas que de si dependam economicamente sua filhinha por exemplo Finalmente lembrese de que tanto o tutor quanto o curador nos termos do art 933 responderão pelo dano independentemente da existência de culpa responsabilidade civil objetiva resguardado o direito de regresso nos termos do art 934 5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR OU COMITENTE PELOS ATOS DOS SEUS EMPREGADOS SERVIÇAIS OU PREPOSTOS A hipótese versada no inciso III do art 932 do Código Civil brasileiro art 1521 III do CC1916 traz em verdade duas situações assemelhadas que porém não se confundem De fato a responsabilidade civil do empregador ou comitente pelos atos dos seus empregados serviçais ou prepostos se justifica pelo poder diretivo desses sujeitos em relação aos agentes materiais do dano sendo este o seu elemento comum Todavia há uma diferença substancial entre a natureza da relação jurídica mantida entre esses sujeitos Com efeito no primeiro caso exigese a existência de uma relação de trabalho subordinado vínculo empregatício única hipótese em que se pode esperar a presença de um sujeito empregador Já na segunda hipótese em que se menciona a responsabilidade civil de um comitente 511 a relação jurídica base em que se postula a responsabilização pode se dar das mais amplas formas de contratação civil nela incluídas obviamente as avenças comerciais podendo se enquadrar por exemplo os contratos de mandato arts 653685 do CC2002 comissão arts 693709 do CC2002 agência e distribuição arts 710721 do CC2002 corretagem arts 722729 do CC2002 e mesmo a representação comercial autônoma regulada pela Lei n 4886 de 9121965 entre outras formas contratuais Nesse sentido conforme define DE PLÁCIDO E SILVA COMITENTE Denominação que se dá à pessoa que encarrega outra de comprar vender ou praticar qualquer ato sob suas ordens e por sua conta mediante certa remuneração a que se dá o nome de comissão É assim um dos participantes do contrato de comissão que justamente dá poderes ao comissário para que execute o negócio ou pratique o ato a seu mando e sob sua conta obrigandose a pagar ao comissário as despesas e comissões resultantes do contrato e a cumprir as obrigações que da comissão contrato resultarem para ele Embora sob vários aspectos o comitente se assemelhe ao mandante nem sempre ele o é pois a comissão pode resultar de mandato ou simplesmente das ordens para execução de atos comerciais que são feitos sob o nome e responsabilidade do comissário que assim age autonomamente perante os terceiros com quem contrata A responsabilidade do comitente pois relativamente aos atos praticados pela pessoa a quem os incumbiu de praticar decorre das condições em que foram dadas essas ordens se em virtude de contrato de comissão mercantil de mandato ou de preposição comercial pois somente nestes dois últimos casos perfeito mandante é responsável pelos atos de seus mandatários se agirem segundo suas instruções e poderes dados No entanto mesmo na comissão o comitente é responsável pelas obrigações assumidas pelo comissário nos negócios ou operações realizados por determinação dele 512 Como se vê o que nos parece relevante em ambas as situações contidas no inciso III é a existência de um negócio jurídico celebrado entre o sujeito responsabilizado e o autor material do dano praticando este o último a conduta lesiva no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele 513 Injustificável porém é a permanência no Código Civil brasileiro de 2002 da expressão serviçal como sujeito praticante de ato lesivo Isso porque além de não trazer uma correspondência direta com o sujeito responsabilizado se empregador se refere a empregados e comitente a prepostos o que dizer dessa figura de serviçais incrustada entre os dois sujeitos ativos a terminologia utilizada não é mais adequada para a modernidade A expressão serviçal antepondose a amo poderia plenamente se justificar no Código Civil brasileiro de 1916 fruto de um projeto de BEVILÁQUA de 1899 quando ainda engatinhávamos na construção de uma sociedade capitalista Naquela época recémsaídos do regime escravocrata em que não era concebida a profissionalização das relações de trabalho admitir relações de servidão poderia ser algo aceitável socialmente Hoje definitivamente não Por isso soa deveras estranho que a expressão amo tenha sido suprimida mas mantida a ideia de serviçal no dispositivo correspondente Se pretendia o legislador incluir as formas de trabalho voluntário despicienda era a manutenção pois dentro do elástico conceito de preposto poderiam ser incluídos tais sujeitos Se pretendia porém pensar em situações de exploração em que haveria a prestação de serviços sem qualquer retribuição em condição análoga ao trabalho escravo o descumprimento da mínima legislação trabalhista não converteria a natureza jurídica da atividade encaixandose perfeitamente no conceito de empregado Assim preferimos entender que o referido dispositivo foi incluído de forma pleonástica apenas no sentido de reforçar a ideia de responsabilização do tomador de serviços pelos danos causados pelo prestador no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele Conforme já dito anteriormente a redação do art 934 do Código Civil brasileiro de 2002 enseja o direito de regresso daquele que ressarciu o dano causado por outrem No campo das relações de trabalho contudo o dispositivo deve ser interpretado em consonância com o art 462 da Consolidação das Leis do Trabalho que dispõe in verbis Art 462 Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado salvo quando este resultar de adiantamentos de dispositivos de lei ou de contrato coletivo 1º Em caso de dano causado pelo empregado o desconto será lícito desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado Assim para que o empregador possa descontar valores referentes a danos causados culposamente pelo empregado será necessária a pactuação específica o que é dispensável por medida da mais lidima justiça no caso de dolo Por fim vale registrar que essa responsabilização se dá inclusive para a preposição em sede processual respondendo o empregador ou comitente pelos atos de seus empregados ou prepostos No processo trabalhista inclusive preceitua o 1º do art 843 consolidado que é facultado ao empregador fazerse substituir pelo gerente ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato e cujas declarações obrigarão o preponente grifos nossos incorrendo ele em ficta confessio toda vez o prepostoempregado demonstrar não ter conhecimento do fato objeto da lide 6 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS DONOS DE HOTÉIS HOSPEDARIAS E ESTABELECIMENTOS EDUCACIONAIS POR ATO DOS SEUS HÓSPEDES MORADORES E EDUCANDOS Pode até parecer irrelevante mas desde o sistema legal anterior os donos de hotéis hospedarias e outros estabelecimentos onde se albergue por dinheiro albergues motéis etc são solidariamente responsáveis pelos danos causados a terceiros por seus hóspedes ou moradores Claro que se o dano resulta da atuação de preposto do estabelecimento a responsabilidade civil do seu titular é indiscutível O problema entretanto ganha proporções se o dano é causado por outro hóspede caso em que somente a análise do caso concreto com a aferição da atuação causal do dono do hotel poderá autorizar a conclusão por sua responsabilidade Discorrendo a respeito desse tema com inigualável precisão preleciona JOSÉ DE AGUIAR DIAS Tudo estará pois em examinar dado o caso concreto até que ponto interveio a colaboração do dono da casa no fato danoso É indubitável que lhe incumbe mesmo quando hospedador gratuito um dever de segurança em relação ao hóspede pois não se compreende que se albergue para lhe proporcionar ou permitir o dano através de terceiro Em que termos ela se pode considerar como imposta ao dono da casa será questão a resolver tendo em vista as circunstâncias 514 Na mesma linha os diretores de estabelecimentos educacionais são responsáveis pelos danos causados aos seus educandos ou a terceiros Nesse sentido observa SÍLVIO VENOSA Enquanto o aluno se encontra encontra no estabelecimento de ensino e sob sua responsabilidade este é responsável não somente pela incolumidade física do educando como também pelos atos ilícitos praticados por este a terceiros Há um dever de vigilância e incolumidade inerente ao estabelecimento de educação que modernamente decorre da responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor O aluno é consumidor do fornecedor de serviços que é a instituição educacional Se o agente sofre prejuízo físico ou moral decorrente da atividade no interior do estabelecimento ou em razão dele este é responsável Responde portanto a escola se o aluno vem a ser agredido por colega em seu interior ou vem a acidentarse em seu interior Pode até mesmo ser firmada a responsabilidade civil ainda que o educando se encontre fora das dependências do estabelecimento imaginemos a hipótese de danos praticados por aluno em excursão ou visita organizada orientada ou patrocinada pela escola Nesse caso o dever de vigilância dos professores e educadores é ambulatório isto é acompanha os alunos 515 Tal responsabilidade civil como visto poderá decorrer de danos causados a terceiros ou até mesmo aos outros alunos devendose registrar que em se tratando de escola pública a obrigação de indenizar é do Estado Finalmente adverte CARLOS ROBERTO GONÇALVES que em se tratando de educandos maiores nenhuma responsabilidade cabe ao educador ou professor pois é natural pensar que somente ao menor é que se dirige essa responsabilidade porquanto o maior não pode estar sujeito à mesma vigilância que se faz necessária a uma pessoa menor 516 Mais uma vez vale lembrar que o atual Código Civil considera de natureza objetiva a responsabilidade civil de todas aquelas pessoas mencionados em seu art 932 7 RESPONSABILIDADE CIVIL PELO PRODUTO DE CRIME A última previsão legal de responsabilidade do art 932 referese a todas as pessoas que gratuitamente houverem participado do produto do crime até a concorrente quantia Tais pessoas respondem pois solidariamente pelos valores e bens decorrentes da prática do crime Se assim não fosse estarseia admitindo o espúrio enriquecimento dos agentes do crime ou seus beneficiários Citando BARROS MONTEIRO STOCO observa a respeito deste dispositivo que se alguém participou gratuitamente nos produtos de um crime é claro que está obrigado a devolver o produto dessa participação até a concorrente quantia O dispositivo somente consagra um princípio geralmente conhecido que é o da repetição do indevido 517 8 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DE DIREITO PRIVADO As pessoas jurídicas mesmo não tendo a existência ontológica das pessoas naturais respondem com seu patrimônio por todos os atos ilícitos que praticarem através de seus representantes Do ponto de vista da responsabilidade civil inexiste inclusive qualquer distinção efetiva entre os entes de existência física para os de existência ideal Assim independentemente da natureza da pessoa jurídica direito público ou privado estabelecido um negócio jurídico com a observância dos limites determinados pela lei ou estatuto com deliberação do órgão competente eou realização pelo legítimo representante deve ela cumprir o quanto pactuado respondendo com seu patrimônio pelo eventual inadimplemento contratual na forma do art 389 do CC2002 518 No campo da responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual a regra geral do neminem laedere a ninguém se deve lesar é perfeitamente aplicável às pessoas jurídicas estando consagrada nos arts 186 187 e 927 do CC2002 que não fazem acepção de quais pessoas são as destinatárias da norma Em relação à responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado na mesma linha de responsabilização civil objetiva por ato de terceiro importantíssima norma está contida no art 931 do Código Civil brasileiro que preceitua in verbis Art 931 Ressalvados outros casos previstos em lei especial os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação Tal norma se coaduna perfeitamente com as regras de responsabilização objetiva do Código de Defesa do Consumidor Entendemos ademais que melhor do que empresa seria a denominação sociedade empresária mais adequada à dicção do próprio Código Civil LVI RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DA COISA E DO ANIMAL 1 INTRODUÇÃO Vivemos em uma sociedade perigosa em que não apenas os homens mas também as coisas e os animais podem acarretar graves riscos ao nosso patrimônio ou à nossa integridade fisiopsíquica Não é por outra razão que já constatamos vivermos a era do risco especialmente incrementada pelo avanço tecnológico Pois bem Neste capítulo estudaremos a responsabilidade civil decorrente dos danos causados por objetos inanimados e seres irracionais Tratase em outras palavras do estudo da responsabilidade da pessoa que detém o poder de comando das coisas e animais causadores de danos à esfera jurídica de outrem situação de prejuízo esta que obviamente não poderia quedarse irressarcida Imagine apenas a título de ilustração um pit bull solto aquele simpático cãozinho cuja dentada equivale a algumas toneladas de pressão que ataca uma criança causandolhe lesões irreparáveis Pondose de lado a indiscutível investigação criminal que será iniciada não se poderá atribuir responsabilidade civil ao próprio animal desprovido de inteligência e discernimento Na mesma linha imagine o dano causado por um gerador de energia elétrica que explode queimando pessoas A quem se deverá atribuir a obrigação de indenizar Lembranos AGUIAR DIAS que se bem que no direito romano já estivesse fixada a chamada responsabilidade pelo fato da coisa a locomotiva o automóvel o avião ou outros veículos que marcam a trepidação da vida moderna e os inventos da era industrial multiplicaram ao infinito os casos de responsabilidade civil exigindo mais atenção aos estudiosos 519 Obviamente que a denominação responsabilidade pelo fato da coisa ou do animal diz menos do que deveria pois conforme já tivemos oportunidade de frisar a responsabilidade jurídica penal civil ou administrativa é um fenômeno inerente à atuação humana e só interessa quando ligada ao comportamento das pessoas Concordamos assim com a corrente citada por CAVALIERI FILHO que prefere por ser mais técnica a expressão responsabilidade pela guarda das coisas inanimadas Nesse sentido leiase o seguinte trecho de sua obra A vida moderna colocou à nossa disposição um grande número de coisas que nos trazem comodidade conforto e bemestar mas que por serem perigosas são capazes de acarretar danos aos outros Superiores razões de política social impõenos então o dever jurídico de vigilância e cuidado das coisas que usamos sob pena de sermos obrigados a repararmos os danos por elas produzidos É o que se convencionou chamar de responsabilidade pelo fato das coisas ou como preferem outros responsabilidade pela guarda das coisas inanimadas 520 grifos nossos No entanto em respeito à tradição do nosso direito manteremos no título deste capítulo a expressão responsabilidade civil pelo fato da coisa ou do animal A menção inclusive a fato e não a ato já permite visualizar a ideia de que se trata de uma responsabilização por um evento não humano mas que por uma relação jurídica firmada deve o titular da coisa ou animal indenizar os danos causados por esses seus bens 2 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO FRANCÊS Sem sombra de dúvida a doutrina civilista deve muito à nação francesa especialmente no campo da responsabilidade civil Foi a jurisprudência desse Estado que à luz das ideias de PLANIOL RIPERT e BOULANGER interpretando o Código Napoleão chegou à teoria da responsabilidade pelo fato da coisa inanimada Conforme lembra CAIO MÁRIO a subordinação da responsabilidade pelo fato das coisas ao princípio da responsabilidade civil que é enunciado na disposição do art 1382 daquele Código ocorreu através da ideia de presunção de culpa 521 Posteriormente lembra o professor mineiro a doutrina viu nesta teoria uma consagração parcial da teoria do risco no sentido de que ao guardião da coisa que usufrui dos cômodos caberia suportar os incômodos obrigação de indenizar em decorrência dos danos causados por esta mesma coisa A partir do desenvolvimento desta teoria nos Tribunais da França portanto começou a ganhar forma e moldura jurídica na doutrina internacional a responsabilidade pelo fato da coisa e consequentemente do animal 3 A DOUTRINA DA GUARDA DA COISA E DO ANIMAL NO BRASIL Com absoluta precisão CAVALIERI lembra que talvez o primeiro jurista no mundo a tratar do tema mesmo antes dos teóricos franceses haja sido o baiano TEIXEIRA DE FREITAS em seu Esboço de 1865 que pelo avanço de suas ideias restou incompreendido na época em que fora elaborado 522 Nesse ponto vale transcrever na íntegra o art 3690 do Esboço cujo título era Do dano causado por coisas inanimadas Art 3690 Quando de qualquer coisa inanimada resultar dano a alguém seu dono responderá pela indenização a não provar que de sua parte não houve culpa como nos seguintes casos 1 Desmoronamento de edifícios e de construções em geral no todo ou em parte 2 Caída de árvores mal arraigadas ou expostas a cair nos casos de ordinária ocorrência 3 Lançamento de fumo insólito e excessivo de forno forja ou fornalha para as janelas do vizinho 4 Exalação de cheiros infetos de canos cloacas e depósitos para as casas vizinhas por motivo de sua construção sem as precauções necessárias 5 Umidades em paredes alheias por esterqueiras ou estrumeiras contíguas e em geral por causas evitáveis 6 Compressão do rio com valados 7 Obras novas de qualquer espécie ainda que em lugar público com licença em prejuízo de outrem Pela análise deste dispositivo vêse com clareza que o grande jurista já disciplinava a responsabilidade pela guarda das coisas e dos animais causadores de dano fundando a obrigação de indenizar na ideia de presunção de culpa consoante se depreende da análise da parte final do caput do artigo sob comento Entretanto neste ponto uma pergunta se impõe a quem caberia esta responsabilidade É o que enfrentaremos no próximo tópico 4 O RESPONSÁVEL CIVIL PELA GUARDA DA COISA OU DO ANIMAL Em nosso entendimento o responsável pela reparação do dano proveniente da coisa ou do animal é o seu guardião Por guardião entendase não apenas o proprietário guardião presuntivo mas até mesmo o possuidor ou o mero detentor do bem desde que no momento do fato detivesse seu poder de comando ou direção intelectual Assim se a minha bomba dágua mal conservada explode e lesiona um transeunte a obrigação de indenizar será imposta a mim proprietário e guardião da coisa que estava sob a minha custódia e direção Diferentemente se eu contrato um adestrador de cães confiandolhe a guarda do meu buldogue e este durante uma sessão de treinamento desprendese da coleira e causa dano a terceiro obviamente que pela reparação do dano responderá apenas o expert pois no momento do desenlace fatídico detinha o poder de comando do animal que estava sob a sua autoridade Raciocínio contrário aliás esbarraria na própria noção de nexo de causalidade uma vez que no caso o dano não poderia ser atribuído ao proprietário do cão que o havia confiado a um perito O comportamento deste último foi causa direta e imediata do resultado lesivo Fixamos portanto a premissa de que a responsabilidade pelos danos causados pela coisa ou animal há que ser atribuída àquela pessoa que no momento do evento detinha poder de comando sobre ele E notese que esta atribuição de responsabilidade não exige necessariamente perquirição de culpa ou seja a depender do sistema legal consagrado o guardião poderá ser chamado à responsabilidade mesmo que não haja atuado com culpa ou dolo mas pelo simples fato de haver exposto a vítima a uma situação de risco É lógico porém que sendo a coisa ou animal de propriedade da Administração Pública a responsabilidade civil objetiva que esta detém pela conduta de seus agentes a obriga à reparação dos danos independentemente do fato de o responsável direto pelo bem móvel ou semovente ter tido culpa no evento danoso 5 TRATAMENTO LEGAL Nos próximos tópicos verificaremos de forma sistemática como se dá a responsabilização civil pelos danos causados por esses bens móveis coisas ou semoventes animais no nosso ordenamento jurídico positivo 51 Responsabilidade civil pela guarda do animal Infelizmente nos últimos anos deparamonos com um crescente número de incidentes envolvendo animais ferozes por conta da falta de cautela e civilidade dos seus donos ou possuidores Não nos alinhamos junto àqueles que supõem uma ameaça ínsita de raiz genética em determinados animais por pensarmos que a nocividade destes seres decorre principalmente da forma pela qual são tratados ou criados por seus donos ou possuidores A campanha contra a criação dos cães da raça pit bull por exemplo por mais compreensível que se afigure parte em muitos casos do pressuposto de periculosidade inata do animal quando em verdade a falta de bom senso e respeito dos seus donos é a principal razão dos acidentes graves O homem deixou de respeitar a natureza e o instinto dos animais passando a tratálos como se fossem uma extensão de sua pessoa de suas mágoas de seus complexos e de seus sofrimentos E talvez todo esse processo de banalização no tratamento dos animais agravado pelo crescente número de acidentes conduziu o legislador a mudar significativamente o tratamento legal da matéria no Código Civil de 2002 que passou a admitir expressamente a responsabilidade do guardião dono ou mero detentor independentemente da aferição de culpa ou seja de forma objetiva Notese que no art 1527 do Código Civil de 1916 admitiase a isenção de responsabilidade caso o dono ou detentor provasse que guardou e vigiou o animal com o cuidado preciso ou seja que não atuou com culpa in custodiendo ou in vigilando Na lei vigente por sua vez a sua responsabilidade não pode ser ilidida nestes termos uma vez que partindose da teoria do risco o guardião somente se eximirá se provar quebra do nexo causal em decorrência da culpa exclusiva da vítima ou evento de força maior não importando a investigação de sua culpa Interessante notar ainda que se o dano ocorre estando o animal em poder do próprio dono dúvida não há no sentido de ser este o responsável pela reparação pelo fato de ser o seu guardião presuntivo Se entretanto transferiu a posse ou a detenção do animal a um terceiro caso do comodato ou da entrega a amestrador entendemos que o seu dono se exime de responsabilidade por não deter o poder de comando sobre ele consoante vimos acima E se o animal houver sido furtado e estando na posse do ladrão atacar um terceiro A resposta a essa indagação é formulada com absoluta precisão por nosso mestre CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA Em caso de furto ao dono pode ser imputada a culpa in vigilando Se foi por ter o proprietário faltado ao dever de guardar que o furto ocorreu a mesma razão que justifica a reparação pela culpa in custodiendo se impõe ao dono que foi privado da posse do animal Se porém o furto se deu não obstante as cautelas da custódia devida o dono se exonera equiparado que é o furto à força maior Tal como se dá na responsabilidade por fato das coisas em geral e foi visto acima se o dono perde o comando a responsabilidade incumbe a quem o tem ainda que não fundado em direito 523 Tal raciocínio que equipara o furto à força maior para o efeito de eximir o dono de responsabilidade também se aplica nos casos de serem cometidos outros delitos que impliquem na subtração do animal roubo extorsão etc Vale salientar portanto que com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 a discussão de culpa em situações desse jaez restou superada não havendo mais espaço em nosso entendimento para se invocar a noção de responsabilidade subjetiva em caso de acidente envolvendo animal 52 Responsabilidade civil pela ruína de edifício ou construção Ainda dentro deste tema o Código Civil cuida da responsabilidade decorrente da ruína de edifício ou construção O diploma revogado dispunha a respeito em seu art 1528 O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína se esta provier de falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta Comentando este dispositivo ALVINO LIMA sustentava que esta norma não se afastava do princípio da culpa que deveria ser suficientemente provada pela vítima Subordinando a responsabilidade à condição de ter sido a ruína ocasionada pela falta de reparos cuja necessidade era manifesta restringiu o legislador demasiadamente a responsabilidade decorrente dos danos provenientes da ruína de um edifício circunscrevendo a culpa a uma necessidade patente de ausência de reparos 524 Em sentido contrário respeitáveis doutrinadores visualizavam no caso uma excepcional consagração de responsabilidade sem culpa pelo Código de 1916 a exemplo do culto professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO Por sua vez o art 1528 do mesmo Código responsabiliza o dono do edifício ou da construção pelos danos que advierem de sua ruína se esta se causar por falta de reparos indispensáveis à remoção daquele perigo O Código é claro em atribuir ao dono do prédio a responsabilidade pois a ele cabe cuidar do que lhe pertence Não se procura no caso a culpabilidade desse proprietário cuja responsabilidade é objetiva se bem que possa ele após ter indenizado procurar reembolsarse com ação regressiva contra o culpado por exemplo o engenheiro o zelador 525 Adotando posição mais moderada embora desapegada à noção de culpa defendida pelo culto ALVINO LIMA SILVIO RODRIGUES pontifica assistir razão a AGUIAR DIAS quando reconhece na hipótese uma presunção de responsabilidade do dono do prédio dispensandose consequentemente a demonstração cabal da vítima de que houve falta de reparos A simples circunstância de que o edifício ou construção ruiu seria suficiente para a configuração da responsabilidade civil tanto necessitava de reparos que caiu 526 O art 937 do Código de 2002 correspondente ao art 1528 do CC1916 cuja redação é idêntica à da lei revogada mantém a mesma dicção de forma que poderia o leitor imaginar que as dúvidas e discussões a respeito da correta intelecção da norma haverão de continuar Longe de querermos pacificar a questão mas apenas esboçando o nosso pensamento cuidaremos de registrar que em nosso entendimento esta regra consagra indiscutivelmente a responsabilidade civil objetiva do dono do edifício ou construção Observe que falamos o dono e não o simples possuidor ou detentor Se por exemplo a construção do imóvel alugado desmorona óbvio que responderá o seu proprietário podendo assistirlhe uma eventual ação regressiva no caso de culpa do locatário E a vítima para obter a devida compensação não precisará provar a sua culpa na ausência de reparos que causou o desfecho fatídico Vale salientar ainda que a ruína do edifício ou construção pode significar a sua destruição tanto total quanto parcial A jurisprudência aliás tem sido maleável ao interpretar este conceito admitindo a subsunção nesta categoria de hipóteses tais como desprendimento de revestimentos de parede queda de telhas e de vidros soltura de placas de concreto etc 527 Note que o artigo sob comento é peremptório ao dispor que o dono do edifício ou construção responde pelos danos provenientes da falta de reparos necessários não se considerando isenção de responsabilidade a demonstração de haver atuado com a diligência e o cuidado devidos A redação legal de tão contundente é até mesmo um pouco agressiva Se quisesse admitir a responsabilidade fundada na culpa não consignaria o preceito de forma tão categórica Ademais utilizando um critério de interpretação sistemática a tese de que a norma exigiria prova de culpa seria no sistema inaugurado pelo novo diploma completamente anacrônica uma vez que todas as regras até então estudadas inseridas no mesmo capítulo consagraram a responsabilidade sem culpa Admitida portanto a responsabilidade civil objetiva o proprietário somente se eximirá se provar a quebra do nexo causal por uma das excludentes de responsabilidade por exemplo evento fortuito ou de força maior ou ainda culpa exclusiva da vítima Em arremate concordamos com o pensamento do mestre SÍLVIO VENOSA quando sustenta haver o Código atual neste ponto adotado a responsabilidade civil objetiva mormente levandose em consideração ser a construção civil uma atividade de risco potencialmente danosa O novo Código como já referimos nos capítulos anteriores estabelece um dispositivo geral de responsabilidade objetiva portanto independente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem art 927 Caberá à jurisprudência fixar os casos de atividade perigosa ou de risco Certamente a área da construção civil será abrangida por esse entendimento Nesse campo a obrigação de reparar o dano emerge tão só da atividade desempenhada pelo agente Tratase de evolução contemporânea e universal sentida na responsabilidade civil aquiliana 528 53 Responsabilidade civil pelas coisas caídas de edifícios Historicamente a modalidade em epígrafe tem raiz na responsabilidade oriunda da actio de effusis et dejectis do Direito Romano Cuidase da responsabilidade civil decorrente do dano causado pelas coisas caídas ou lançadas de edifícios que atinjam lugares e pessoas indevidamente O Código Civil dispõe a respeito em seu art 938 Art 938 Aquele que habitar prédio ou parte dele responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido Corretamente a Lei de 2002 substituiu a palavra casa constante no artigo superado por prédio tecnicamente mais adequada por abranger habitações que não se subsumiriam no primeiro conceito Salientese que diferentemente do que dispõe o artigo antecedente a responsabilidade pelas coisas caídas ou lançadas não é necessariamente do proprietário da construção mas sim do seu habitante atingindo desta forma também o mero possuidor locador comodatário usufrutuário etc Indiscutivelmente cuidase de responsabilidade civil objetiva pois o agente só se exime provando não haver participado da cadeia causal dos acontecimentos Em outras palavras para efeito de reparação não se discute culpa Interessante notar que se o dano é imputado a condomínio não se podendo identificar a unidade habitacional de onde partiu a coisa a jurisprudência tem adotado o critério de responsabilizar apenas o bloco de apartamentos de onde se poderia segundo a lógica dos fatos partir o objeto Desta maneira os moradores do bloco ou face do prédio oposto ao local do dano não seriam admitidos como parte legítima para responderem na demanda indenizatória Finalmente é bom que se lembre que a responsabilidade decorrente da queda de objetos pode se conjugar com outras modalidades de responsabilidade civil indireta Imagine que o filhinho de Caio por brincadeira de mau gosto arremesse uma garrafa de vidro contendo xixi sobre o carro conversível de Tício Claro está que a vítima poderá buscar o ressarcimento do dano junto ao representante legal do menor independentemente da demonstração de culpa in vigilando LVII PREFERÊNCIAS E PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS 1 ESCLARECIMENTOS TERMINOLÓGICOS Antes de enfrentar as preferências e privilégios creditórios é preciso fazer alguns esclarecimentos de cunho terminológico A expressão garantia como ação ou efeito de garantir tem do ponto de vista jurídico a concepção de reforço ou proteção de caráter pessoal ou real de que se vale o credor acessoriamente para aumentar a possibilidade de cumprimento do negócio jurídico principal 529 Tratase portanto de direito do credor decorrente de um negócio jurídico acessório como ocorre por exemplo nos contratos de fiança garantia pessoal ou fidejussória e nos direitos reais de garantia hipoteca penhor e anticrese Já a noção de privilégio envolve a ideia de um benefício especial ou prerrogativa concedida a alguém ou a alguma relação jurídica como uma exceção em relação às demais pessoas ou relações jurídicas Por fim a ideia de preferência traz consigo a convicção de que algo deve ser feito ou considerado antes de outro pelo que com ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO conceituamos preferência creditícia como o direito conferido ao credor preferencial de ordenar seu crédito de acordo com a categoria deste estabelecida na lei ou no contrato 530 E como se dá essa categorização Justamente isso é o que veremos no próximo tópico 2 CONCURSO DE CREDORES Havendo declaração de insolvência todas as dívidas considerarseão vencidas pelo que devem ser reunidas juntamente com todo o patrimônio do devedor para que seja verificado o que deve ser quitado em primeiro lugar Não havendo título legal à preferência terão os credores igual direito sobre os bens do devedor comum art 957 do CC2002 Caso haja alguma garantia ou privilégio deve o crédito correspondente ser pago em primeiro lugar após o que se passará ao crédito comum Quando concorrerem aos mesmos bens e por título igual dois ou mais credores da mesma classe especialmente privilegiados haverá entre eles rateio proporcional ao valor dos respectivos créditos se o produto não bastar para o pagamento integral de todos art 962 do CC2002 A ideia obviamente é aplicável também aos créditos comuns sem preferência ou garantia também chamados de quirografários aos quais deve ser procedido da mesma forma o rateio proporcional Utilizemos um exemplo para ilustrar melhor a hipótese A tem um patrimônio total de R 10000000 e dívidas iguais de R 5000000 com B C e D totalizando um passivo de R 15000000 Imaginando que B tenha um crédito privilegiado ao contrário de C e D credores quirografários farseá o pagamento primeiramente de B R 5000000 e depois com o saldo encontrado R 5000000 procederseá ao rateio proporcional aos créditos de C e D No caso como têm ambos o mesmo valor receberá cada um a importância de R 2500000 Esses privilégios outorgados porém podem ser de várias ordens o que veremos no próximo tópico 3 CATEGORIAS DAS PREFERÊNCIAS NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Há uma série de garantias e privilégios estabelecidos na legislação codificada civil 531 Em primeiro lugar é preciso lembrar dos direitos reais de garantia por força dos quais pelo direito de sequela a coisa fica vinculada ao cumprimento da obrigação Destaquese ainda que a previsão do art 959 do CC2002 estabelece duas hipóteses de subrogação real em que as garantias ou privilégios persistem no preço do seguro ou da indenização se a coisa se danificar ou for desapropriada Observese porém que se o segurador ou o que tiver de indenizar pagarem o devido sem oposição dos credores privilegiados restarão desobrigados 532 No campo dos créditos de natureza pessoal os privilégios podem ser de duas ordens especial ou geral Como estabelecido no art 963 do CC2002 o privilégio especial só compreende os bens sujeitos por expressa disposição de lei ao pagamento do crédito que ele favorece e o geral todos os bens não sujeitos a crédito real nem a privilégio especial Assim o critério para estabelecimento legal de um privilégio especial é a relação com um bem específico objeto de uma relação jurídica anterior que justificaria a proteção em grau superior Por isso dispõe o art 964 do CC2002 ter privilégio especial I sobre a coisa arrecadada e liquidada o credor de custas e despesas judiciais feitas com a arrecadação e liquidação II sobre a coisa salvada o credor por despesas de salvamento III sobre a coisa beneficiada o credor por benfeitorias necessárias ou úteis IV sobre os prédios rústicos ou urbanos fábricas oficinas ou quaisquer outras construções o credor de materiais dinheiro ou serviços para a sua edificação reconstrução ou melhoramento V sobre os frutos agrícolas o credor por sementes instrumentos e serviços à cultura ou à colheita VI sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico nos prédios rústicos ou urbanos o credor de aluguéis quanto às prestações do ano corrente e do anterior VII sobre os exemplares da obra existente na massa do editor o autor dela ou seus legítimos representantes pelo crédito fundado contra aquele no contrato da edição VIII sobre o produto da colheita para a qual houver concorrido com o seu trabalho e precipuamente a quaisquer outros créditos ainda que reais o trabalhador agrícola quanto à dívida dos seus salários IX sobre os produtos do abate o credor por animais inciso inserido pela Lei n 13176 de 21102015 O privilégio geral somente tem preferência em relação ao crédito quirografário não tendo um bem específico sobre o qual se relaciona a preferência Fazendo a enumeração legal dos créditos com privilégio geral estabelece o art 965 do CC2002 Art 965 Goza de privilégio geral na ordem seguinte sobre os bens do devedor I o crédito por despesa de seu funeral feito segundo a condição do morto e o costume do lugar II o crédito por custas judiciais ou por despesas com a arrecadação e liquidação da massa III o crédito por despesas com o luto do cônjuge sobrevivo e dos filhos do devedor falecido se foram moderadas IV o crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor no semestre anterior à sua morte V o crédito pelos gastos necessários à mantença do devedor falecido e sua família no trimestre anterior ao falecimento VI o crédito pelos impostos devidos à Fazenda Pública no ano corrente e no anterior VII o crédito pelos salários dos empregados do serviço doméstico do devedor nos seus derradeiros 6 seis meses de vida VIII os demais créditos de privilégio geral Essa enumeração não é taxativa podendo outras normas legais como por exemplo a Lei n 111012005 Lei de Falências em seu art 83 estabelecer outras hipóteses de privilégios especiais e gerais como veremos adiante 4 ORDEM PREFERENCIAL NO DIREITO BRASILEIRO Na forma do art 961 do CC2002 o crédito real prefere ao pessoal de qualquer espécie o crédito pessoal privilegiado ao simples e o privilégio especial ao geral Em linguagem direta temos portanto a seguinte ordem de preferência no Código Civil brasileiro a crédito real b crédito pessoal privilegiado especial c crédito pessoal privilegiado geral d crédito pessoal simples quirografário Todavia a ordem de preferência no direito brasileiro não se encerra aí De fato poderá o devedor ter ainda no seu passivo dívidas de natureza jurídica distintas das concebidas pelo Diploma Civil como por exemplo débitos de natureza trabalhista salários e indenizações ou tributária impostos taxas e contribuições fiscais ou parafiscais sendo tais créditos ainda mais preferenciais que os mencionados Com efeito estabelece o art 186 do Código Tributário Nacional Art 186 O crédito tributário prefere a qualquer outro seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho Da mesma forma estabelece o art 449 da Consolidação das Leis do Trabalho Art 449 Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência concordata ou dissolução da empresa 1º Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito 2º Havendo concordata na falência será facultado aos contratantes tornar sem efeito a rescisão do contrato de trabalho e consequente indenização desde que o empregador pague no mínimo a metade dos salários que seriam devidos aos empregados durante o interregno A Lei de Falências e de Recuperação de Empresas Lei n 111012005 por sua vez estabelece a seguinte ordem preferencial no direito brasileiro Art 83 A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem I os créditos derivados da legislação do trabalho limitados a 150 cento e cinquenta salários mínimos por credor e os decorrentes de acidentes de trabalho II créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado III créditos tributários independentemente da sua natureza e tempo de constituição excetuadas as multas tributárias IV créditos com privilégio especial a saber a os previstos no art 964 da Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 b os assim definidos em outras leis civis e comerciais salvo disposição contrária desta Lei c aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia V créditos com privilégio geral a saber a os previstos no art 965 da Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 b os previstos no parágrafo único do art 67 desta Lei c os assim definidos em outras leis civis e comerciais salvo disposição contrária desta Lei VI créditos quirografários a saber a aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo b os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento c os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo VII as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas inclusive as multas tributárias VIII créditos subordinados a saber a os assim previstos em lei ou em contrato b os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício 1º Para os fins do inciso II do caput deste artigo será considerado como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda ou no caso de alienação em bloco o valor de avaliação do bem individualmente considerado 2º Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários Art 84 Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art 83 desta Lei na ordem a seguir os relativos a I remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência II quantias fornecidas à massa pelos credores III despesas com arrecadação administração realização do ativo e distribuição do seu produto bem como custas do processo de falência IV custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida V obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial nos termos do art 67 desta Lei ou após a decretação da falência e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência respeitada a ordem estabelecida no art 83 desta Lei No ensinamento de FÁBIO ULHOA COELHO Essa classificação dos credores da falida resultante de diversos dispositivos da Lei de Falências e de outros diplomas é ordem dirigida ao administrador judicial Quer dizer ao realizar os pagamentos após atender às dívidas da massa e cumprir as restituições em dinheiro deve observar as preferências dessa ordem pagando primeiro os credores trabalhistas e equiparados depois se sobrar dinheiro os titulares de garantia real em seguida havendo mais recursos os fiscais e assim por diante Notese que a ordem de classificação dos credores na falência por ser uma determinação endereçada ao administrador judicial não afasta a possibilidade de certos credores serem atendidos antes dos que o precedem Em razão das exceções ao princípio da universalidade do juízo falimentar ou da referente à suspensão das execuções individuais contra a falida pode ocorrer de um credor ter seu crédito satisfeito sem observância da ordem estabelecida Se a execução fiscal é mais célere que a falência e o bem penhorado naquela é vendido quando ainda tramita a verificação dos créditos no concurso falencial pode ocorrer de o Fisco receber antes dos credores trabalhistas ou titulares de direito real de garantia Nessa hipótese terá o preterido direito creditício contra aquele que recebeu indevidamente no valor do que lhe caberia segundo a natureza de seu crédito e as forças da massa Cabe concluir lembrando que os credores do falido não são os únicos a receber pagamento no processo falimentar Pelo contrário antes deles devem ser integralmente satisfeitos os créditos extraconcursais credores da massa e os titulares de direito à restituição em dinheiro e depois deles o falido ou os sócios da sociedade falida 533 DIREITOS REAIS LVIII NOÇÕES GERAIS SOBRE DIREITOS REAIS 1 DIREITOS REAIS DENOMINAÇÃO E CONCEITO Antes de estudarmos detalhadamente esse importante campo do Direito Civil fazse mister tecer algumas considerações introdutórias sobre sua denominação e conceito No passado por inspiração alemã a expressão preferida na área jurídica tradicionalmente sempre foi Direito das Coisas Sachenrecht Modernamente porém preferese Direitos Reais para denominar o ramo do Direito Civil que regula a relação jurídica real Em nosso sentir a utilização de uma denominação por outra não traduz equívoco Nesse contexto temos que esse ramo específico Direitos Reais ou Direito das Coisas consiste em um conjunto de princípios e normas que disciplina a relação jurídica referente às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem segundo uma finalidade social Por outro lado em sentido mais estrito ao mencionarmos direitos reais propositalmente com o d minúsculo podemos estar fazendo referência àqueles direitos elencados no art 1225 do Código Civil direito real de propriedade direito real de usufruto direito real de servidão etc 2 NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA REAL Real é o direito que traduz o poder jurídico direto de uma pessoa sobre uma coisa submetendoa em todos propriedade ou em alguns de seus aspectos usufruto servidão superfície etc Para o seu exercício portanto prescindese de outro sujeito A esta corrente denominada realista opuseramse defensores da doutrina personalista segundo a qual toda relação jurídica exigiria a convergência de no mínimo duas pessoas de maneira que até mesmo para os direitos reais haveria que corresponder uma obrigação passiva universal imposta a todas as pessoas de se absterem de qualquer ato lesivo ao titular do direito Não concordamos todavia com esse raciocínio A despeito de considerarmos o direito como um fenômeno essencialmente humano o fato é que em meio a tão variados matizes de relações jurídicas algumas há em que a figura do sujeito passivo é despicienda eu exerço as faculdades ínsitas ao direito de propriedade sobre o meu imóvel independentemente da interferência de quem quer que seja A obrigação que se pode considerar como correspondente aos direitos reais assevera TEIXEIRA DE FREITAS geral e negativa não é o objeto imediato desses direitos cuja existência é independente de qualquer obrigação 534 Aliás sustentar a existência de um sujeito passivo universal apenas para não prejudicar a pessoalidade comum mas não absoluta das relações jurídicas e direitos em geral é em nosso ponto de vista um raciocínio equivocado A ideia do dever geral de abstenção que caracterizaria a obrigação passiva universal nas relações jurídicas reais é desprovida de maior significado jurídico considerandose que este dever geral de respeito deve ser observado sempre em toda e qualquer relação jurídica real ou pessoal indistintamente Aliás consoante preleciona ORLANDO GOMES a existência de obrigação passiva universal não basta para caracterizar o direito real porque outros direitos radicalmente distintos como os personalíssimos podem ser identificados pela mesma obrigação negativa e universal 535 Para os direitos reais o sujeito passivo e a sua correspondente obrigação somente surgem quando houver a efetiva violação ou ameaça concreta de lesão ex esbulho de propriedade séria ameaça de invasão Nesses casos surge para o infrator o dever de restabelecer o status quo ante ou não tendo havido efetiva lesão absterse da prática de qualquer ato danoso sob pena de ser civilmente responsabilizado Assim a par de reconhecermos a eficácia erga omnes dos direitos reais que devem ser respeitados por qualquer pessoa entendemos que no aspecto interno da relação jurídica em si o poder jurídico que contém é exercitável diretamente contra os bens e coisas em geral independentemente da participação de um sujeito passivo Nesse diapasão com fundamento na doutrina de ARRUDA ALVIM 536 poderíamos enumerar as seguintes características dos direitos reais para distinguilos dos direitos de natureza pessoal a legalidade ou tipicidade os direitos reais somente existem se a respectiva figura estiver prevista em lei art 1225 do CC2002 b taxatividade a enumeração legal dos direitos reais é taxativa numerus clausus ou seja não admite ampliação pela simples vontade das partes c publicidade primordialmente para os bens imóveis por se submeterem a um sistema formal de registro que lhes imprime essa característica d eficácia erga omnes os direitos reais são oponíveis a todas as pessoas indistintamente Consoante vimos acima essa característica não impede em uma perspectiva mais imediata o reconhecimento da relação jurídica real entre um homem e uma coisa Ressaltese outrossim que essa eficácia erga omnes deve ser entendida com ressalva apenas no aspecto de sua oponibilidade uma vez que o exercício do direito real até mesmo o de propriedade mais abrangente de todos deverá ser sempre condicionado relativizado pela ordem jurídica positiva e pelo interesse social uma vez que não vivemos mais a era da ditadura dos direitos 537 e inerência ou aderência o direito real adere à coisa acompanhandoa em todas as suas mutações Essa característica é nítida nos direitos reais em garantia penhor anticrese hipoteca uma vez que o credor pignoratício anticrético hipotecário gozando de um direito real vinculado aderido à coisa prefere outros credores desprovidos dessa prerrogativa f sequela como consequência da característica anterior o titular de um direito real poderá perseguir a coisa afetada para buscála onde se encontre e em mãos de quem quer que seja É aspecto privativo dos direitos reais não tendo o direito de sequela o titular de direitos pessoais ou obrigacionais Por tudo isso o poder atribuído ao titular de um direito real é juridicamente muito mais expressivo do que aquele conferido ao titular de um direito de natureza pessoal ou obrigacional 3 OBRIGAÇÃO REAL PROPTER REM Pela sua singular natureza híbrida real e obrigacional merece repassarmos em revista aqui as obrigações propter rem também chamada de obrigações in rem ob rem reais ou mistas São efetivamente obrigações em sentido estrito que decorrem de um direito real sobre determinada coisa aderindo a essa e por isso acompanhandoa nas modificações do seu titular Ao contrário das relação jurídicas obrigacionais em geral que se referem pessoalmente ao indivíduo que as contraiu as obrigações propter rem se transmitem automaticamente para o novo titular da coisa a que se relacionam Conforme já mencionamos em capítulo anterior 538 é o caso por exemplo da obrigação do condômino de contribuir para a conservação da coisa comum art 1315 do CC2002 ou a dos vizinhos de proceder à demarcação das divisas de seus prédios art 1297 do CC2002 em que a obrigação decorre do direito real transmitindose com a transferência da titularidade do bem Por fim distingase a obrigação propter rem das obrigações com eficácia real Nestas sem perder seu caráter de direito a uma prestação há a possibilidade de oponibilidade a terceiros quando houver anotação preventiva no registro imobiliário como por exemplo nos casos de locação e compromisso de venda a teor do art 8º da Lei n 824591 539 LIX POSSE 1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA O que é posse Tratase de uma expressão plurissignificativa mesmo no campo do Direito Com efeito conforme observa MARIA HELENA DINIZ árdua é a tarefa de definir a posse devido à ambiguidade desse termo Deveras o vocábulo posse é às vezes empregado em sentido impróprio para designar a A propriedade pois é comum na linguagem popular afirmarse A possui uma casa Nesta frase não se está dizendo que A é possuidor mas sim proprietário Convém esclarecer que não é apenas o leigo que inadvertidamente emprega o termo nessa acepção pois a nossa Constituição de 1891 cuja redação é das mais perfeitas em seu art 69 5º prescrevia São cidadãos brasileiros os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil Isso é assim porque a posse pretende exprimir o conteúdo da propriedade b A condição de aquisição do domínio já que na era romana só se obtinha o domínio com a tradição que consistia na entrega da posse pelo alienante ao adquirente No direito brasileiro o alienante só pode transferir o domínio ao adquirente com a transcrição no Registro de Imóveis e além disso não se adquire res nullius sem ocupação c O domínio político uma vez que no direito internacional público falase em possessão de um país Camões emprega o vocábulo posse nesse sentido em sua obra Os Lusíadas Canto III estrofe 103 ao escrever Para vir possuir a nobre Espanha d O exercício de um direito significado este que está contido em nosso Código Civil no art 1547 concernente à posse do estado de casados para os que passavam ou passam como tais aos olhos do mundo e O compromisso do funcionário público de exercer com honra sua função É nessa acepção de assumir um cargo que em direito administrativo se fala em posse de um funcionário e que a Constituição de 1891 empregava o termo empossar referindose ao Presidente da República no seu art 44 sendo que na Constituição vigente no art 78 figura a expressão tomar posse f O poder sobre uma pessoa pois no direito de família é comum dizer posse dos filhos para designar o poder que o pai tem sobre estes de têlos em sua companhia de reclamálos de quem os detenha 540 No campo dos direitos reais é possível de forma geral identificar a posse com um domínio fático da pessoa sobre a coisa Existe secular controvérsia doutrinária todavia quanto à natureza jurídica da posse Na linha do pensamento de SAVIGNY a posse tem uma natureza híbrida Seria ao mesmo tempo um fato e um direito Considerada em si mesmo a posse seria um fato mas quanto aos efeitos seria um direito Por outro lado IHERING apontava no sentido de que a posse era um direito um interesse juridicamente tutelado Nesse sentido lembremos a imortal doutrina de ORLANDO GOMES Duas teorias de larga repercussão na doutrina e nas legislações originadas do esforço de seus autores para uma interpretação exata dos textos romanos procuraram fixar a noção de posse através da meticulosa análise dos elementos que consideram essenciais à sua conceituação De um lado a teoria subjetiva que se deve a Savigny Do outro a teoria objetiva de autoria de R von Ihering Tão diferentes são as ideias expostas por esses eminentes romanistas que somente após o conhecimento ainda que em síntese apertada das construções doutrinárias que ergueram impreterivelmente é que se poderá esclarecer o essencial a respeito desse fenômeno complexo e controvertido RA O Código Civil de 2002 se mantém nessa linha com a redação dada ao art 1196 Considerase possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade utilizase do conceito de posse do Código de 1916 adotando a teoria objetiva da posse de R von Ihering O tema porém está informado por uma principiologia axiológica de índole constitucional De um lado assumiu a Constituição de 1988 a missão de conferir estatuto elevado à proteção possessória sob a luz das regras e princípios concernentes à função social da propriedade Não pode mais a tutela da posse ser focalizada somente ao abrigo do Código Civil consoante os dispositivos estatuídos a partir do art 1210 Pereceu a disciplina insular O leme que traça essa nova arquitetura navega pelo foro constitucional conjugando Direito Civil e Constituição 541 Em nosso sentir a posse é uma circunstância fática tutelada pelo Direito Vale dizer é um fato do qual derivam efeitos de imensa importância jurídica e social Outro argumento que reforça a tese que não reconhece à posse a natureza de direito real é no sentido de que tais direitos como sabemos são caracterizados pelos legalidade e tipicidade vale dizer todo direito real é sempre regulado e previsto em lei E como se pode notar a posse não é tratada junto aos direitos reais constantes no art 1225 Art 1225 São direitos reais I a propriedade II a superfície III as servidões IV o usufruto V o uso VI a habitação VII o direito do promitente comprador do imóvel VIII o penhor IX a hipoteca X a anticrese XI a concessão de uso especial para fins de moradia XII a concessão de direito real de uso e XIII a laje Tudo isso reforça a linha de pensamento embora não coloque fim à controvérsia 542 segundo a qual a posse não é um direito real mas sim uma situação de fato tutelada pelo Direito 543 2 TEORIAS DA POSSE Por óbvio ao tratarmos de tema tão profundo complexo e tormentoso cuidaremos de respeitar o objetivo deste Manual sem descurarmos do apuro técnico e da objetividade Tradicionalmente temos duas conhecidas teorias a Teoria Subjetiva de SAVIGNY b Teoria Objetiva de IHERING Savigny decompõe a posse em dois elementos animus intenção de ter a coisa e corpus o poder material sobre a coisa Em outras palavras possuidor seria aquele que além ter a intenção de se assenhorar do bem dispõe do poder material sobre ele Existe um certo ponto de convergência entre o pensamento de SAVIGNY e as ideias de IHERING embora as suas linhas de intelecção guardem marcantes diferenças Segundo IHERING a posse em verdade deveria ser compreendida em uma perspectiva objetiva Possuidor seria aquele que mesmo sem dispor do poder material sobre o bem comportase como se fosse o proprietário imprimindolhe destinação econômica Assim o sujeito que após um dia de trabalho em sua lavoura dirigese à cidade para comprar mais sementes está exercendo posse sobre a sua plantação mesmo que não esteja naquele momento presente materialmente exercendo um poder sobre ela A teoria de IHERING nessa linha explicaria com mais facilidade determinados estados de posse como a do locador que embora não esteja direta e materialmente utilizando o apartamento atua como possuidor imprimindo destinação econômica ao bem ao locálo e auferir os respectivos alugueis Notese portanto que a abordagem de IHERING é mais dinâmica e objetiva Por óbvio a marcha da História alteraria este quadro tradicional das teorias da posse O desenvolvimento da doutrina em torno do princípio da função social influenciaria profundamente este panorama teórico Surgiu assim posteriormente a denominada Teoria Sociológica da Posse Nessa perspectiva a posse ultrapassaria as fronteiras do pensamento tradicional individualista das correntes anteriores para ingressar em um plano constitucional superior voltado à função social Vale dizer a posse se explica e se justifica pela sua própria função social e não simplesmente pelo mero viés do interesse pessoal daquele que a exerce Nessa linha funcional dispõe o Enunciado n 492 da V Jornada de Direito Civil A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais econômicos e sociais merecedores de tutela Referindose ao tema observa FLÁVIO TARTUCE Na verdade mesmo sendo exteriorização da propriedade o que também comprova a sua função social a posse com ela não se confunde É cediço que determinada pessoa pode ter a posse sem ser proprietária do bem uma vez que ser proprietário é ter o domínio pleno da coisa A posse pode significar apenas ter a disposição da coisa utilizarse dela ou tirar dela os frutos com fins socioeconômicos Sem prejuízo dessa confrontação como mencionado tendo a propriedade uma função social reconhecida no Texto Maior o mesmo deve ser dito quanto à posse Diante desses argumentos entendemos ser mais correto afirmar atualmente que o nosso Código Civil não adota a tese de Ihering pura e simplesmente mas sim a tese da possesocial como defendem Perozzi Saleilles e Gil Uma mudança de paradigma inegável atingiu também o Direito das Coisas razão pela qual o debate entre Ihering e Savigny encontrase mais do que superado 544 E será que foi isso mesmo que seguiu o vigente Código Civil É o que veremos no próximo tópico 3 TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO CIVIL Em nosso sentir é correto afirmar que o Código Civil brasileiro adotou a Teoria Objetiva de Ihering na perspectiva do princípio constitucional da função social Ora ao dispor em seu art 1196 que possuidor seria todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade o legislador aproximouse inequivocamente do pensamento de Ihering como vimos acima Mesmo que o sujeito não seja o proprietário mas se se comporta como tal por ex plantando construindo morando poderá ser considerado possuidor Sucede que a interpretação desta norma por óbvio não poderá ser feita fora do âmbito de incidência do superior princípio da função social Vale dizer o exercício pleno ou não dos poderes inerentes à propriedade usar gozarfruir dispor reivindicar somente justifica a tutela e a legitimidade da posse se observada a sua função social 545 Finalmente vale acrescentar que a despeito de o codificador não haver adotado a teoria de SAVIGNY como a pedra fundamental do nosso sistema possessório podese sentir em determinados pontos a sua influência como é possível constatar na leitura dos arts 1238 e 1242 que diferenciam as formas extraordinária e ordinária de usucapião a depender da boa ou da máfé ou seja do animus do possuidor 4 DETENÇÃO Segundo o famoso antropólogo e civilista RODOLFO SACCO a distinção entre posse e detenção baseiase na distinção entre propriedade e poder de fato sobre a coisa Aquele sujeito do poder de fato que quer ser considerado proprietário que se comporta como se exercesse uma propriedade é seguramente um possuidor Aquele sujeito do poder de fato que se comporta como um não proprietário depositário é segundo alguns sistemas um não possuidor dir seá que é um detentor 546 É o que se dá em nosso sistema jurídico O detentor não deve ser considerado possuidor na medida em que é apenas um mero servidor ou fâmulo da posse Nesse sentido o art 1198 do Código Civil Art 1198 Considerase detentor aquele que achandose em relação de dependência para com outro conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas É o caso do bibliotecário do motorista particular ou do caseiro Claro está todavia que se deixa de cumprir instruções passando a atuar com liberdade no exercício de poderes inerentes à propriedade usando ou fruindo poderá converter a sua detenção em posse conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça 547 É digno de nota ainda existir entendimento no sentido de que haverá também mera detenção além da previsão contida no art 1198 referente ao fâmulo da posse nas hipóteses previstas no art 1208 do Código Civil Art 1208 Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade Nessa vereda por exemplo se Carmelo invade a minha fazenda durante os dias em que eu envidei esforços para mediante o uso legítimo e proporcional da força defender o meu imóvel ele somente será considerado detentor da parte invadida mas uma vez cessada a violência com a minha retirada Carmelo passa então a ser considerado efetivo possuidor Finalmente merece referência o fato de haver entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a ocupação de bens públicos a depender da sua natureza resulta em mera detenção 548 5 POSSE DE DIREITOS POSSESSIO JURIS Muito interessante é a questão atinente à posse de direitos 549 Em geral a tendência atual em nosso sistema certamente por influência alemã é considerar a posse em face de bens corpóreos ou materiais eu possuo o carro ou a casa Excepcionalmente todavia admitese a denominada posse de direitos Exemplo de aplicação da teoria encontrase no enunciado da Súmula 193 do Superior Tribunal de Justiça O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião 550 A usucapião como se sabe pressupõe a posse de um bem usucapível No caso considerandose que em verdade adquirimos a propriedade por usucapião mediante o exercício de atos possessórios não sobre os cabos ou linhas da empresa de telefonia mas sim em face do direito ao nosso próprio número de telefone é forçoso convir que a prescrição aquisitiva operase em virtude da posse sobre um direito essencialmente abstrato 6 CLASSIFICAÇÃO DA POSSE A posse pode ser classificada de diversas maneiras a Quanto ao exercício e gozo J posse direta J posse indireta b Quanto à existência de vício J posse justa J posse injusta c Quanto à legitimidade do título ou ao elemento subjetivo J posse de boafé J posse de máfé d Quanto ao tempo J posse nova J posse velha e Quanto à proteção J posse ad interdicta J posse ad usucapionem Por amor à didática e à clareza sempre respeitando a boa técnica vamos analisar cada um desses critérios classificatórios separadamente 61 Quanto ao exercício e gozo posse direta e posse indireta Posse direta é aquela exercida mediante o poder material ou contato direto com a coisa a exemplo daquela exercida pelo locatário por outro lado a posse indireta é aquela exercida por via oblíqua a exemplo daquela exercida pelo locador que frui ou goza dos aluguéis sem que esteja direta e pessoalmente exercendo poder físico ou material sobre o imóvel locado No Código Civil Art 1197 A posse direta de pessoa que tem a coisa em seu poder temporariamente em virtude de direito pessoal ou real não anula a indireta de quem aquela foi havida podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto Vale observar que a posse direta que tanto poderá advir de uma relação jurídica pessoal como se dá na locação ou real como se dá no usufruto poderá coexistir com a posse indireta facultandose a qualquer dos possuidores defender a sua posse entre si ou em face de terceiros Confirase nesse ponto julgado do Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL CIVIL LOCAÇÃO AÇÃO DE DESPEJO AJUIZADA POSTERIORMENTE AO ABANDONO DO IMÓVEL PELA LOCATÁRIA POSSIBILIDADE OBJETIVO EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO 1 Celebrado o contrato de locação operase o fenômeno do desdobramento da posse pela qual o locador mantém para si a posse indireta sobre o imóvel transferindo ao locatário a posse direta assim permanecendo até o fim da relação locatícia 2 Enquanto válido o contrato de locação o locatário tem o direito de uso gozo e fruição do imóvel como decorrência de sua posse direta Nessa condição pode o locatário sem comprometimento de seu direito dar ao imóvel a destinação que melhor lhe aprouver não proibida por lei ou pelo contrato podendo inclusive se assim for sua vontade mantêlo vazio e fechado 3 As ações de despejo têm natureza pessoal objetivando a extinção do contrato de locação em razão do fim de seu prazo de vigência por falta de interesse do locador em manter o vínculo porque o locatário inadimpliu qualquer de suas obrigações ou ainda porque é de seu interesse a retomada do imóvel por uma das causas previstas em lei 4 Hipótese em que não existindo nos autos prova de que o contrato de locação foi rescindido deve prevalecer a presunção de sua validade sendo vedado à locadora retomar a posse do imóvel por sua livre e espontânea vontade ainda que a locatária estivesse inadimplente no cumprimento de suas obrigações sob pena de exercer a autotutela O remédio jurídico em tal caso nos termos do art 5º da Lei 824591 é o ajuizamento da necessária ação de despejo 5 Recurso especial conhecido e improvido REsp 588714CE Rel Min Arnaldo Esteves Lima 5ª Turma julgado em 952006 DJ 29 52006 p 286 grifamos Uma vez que a posse direta e a indireta coexistem temos o fenômeno do paralelismo ou desdobramento da posse 62 Quanto à existência de vício posse justa e posse injusta Temos aqui um dos mais importantes critérios classificatórios Nos termos do art 1200 do CC é justa a posse que não for violenta clandestina ou precária Por consequência será considerada injusta quando for violenta clandestina ou precária Para a adequada compreensão desta norma figuremos a seguinte hipótese Salomão Viena com os seus capangas invadiu o imóvel rural de Carmelo Luís no dia 2 de abril de 2016 Durante três dias Carmelo lançando mão de meios legítimos de autodefesa tentou resistir à invasão Infelizmente no dia 5 cessados os atos de violência Salomão consolidou o esbulho expulsando o legítimo possuidor A teor do art 1208 do CC 551 enquanto os atos de violência estavam sendo perpetrados entre os dias 2 e 5 de abril durante o esforço defensivo do esbulhado não haveria posse de Salomão Mas uma vez cessada a violência Salomão passaria a exercer uma posse injusta na medida em que derivada de atos de violência O mesmo raciocínio seria aplicado se em vez de ocorrer uma invasão violenta a ocupação se desse por clandestinidade caso em que Salomão e os seus capangas adentrassem furtivamente o imóvel permanecendo ocultos por alguns dias e revelandose surpreendentemente após impedindo que Carmelo exercesse o seu legítimo direito sobre o bem Na mesma linha a posse de Salomão seria injusta derivada da clandestinidade Por fim merece especial análise a denominada posse precária O referido art 1200 admite a existência desta modalidade de posse considerandoa injusta Este aspecto deve ser adequadamente compreendido Lembranos CLÓVIS BEVILÁQUA que a concessão da posse precária aquela deferida a título de favor é lícita 552 É o que se dá no comodato empréstimo gratuito de coisa infungível Exemplo eu lhe empresto o meu apartamento Esta posse licitamente concedida em seu favor é tipicamente precária O vício da precariedade surge tornando a posse precária injusta quando em violação à cláusula de boafé objetiva o titular do direito exige o bem de volta e o possuidor precário em nítida e reprovável quebra de confiança recusa a sua devolução Operase no caso uma alteração na natureza da posse exercida até então lícita por meio do fenômeno da interversio possessionis interversão da posse Nesse sentido confirase o Enunciado 237 da III Jornada de Direito Civil 237 Art 1203 É cabível a modificação do título da posse interversio possessionis na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto tendo por efeito a caracterização do animus domini Em nosso sentir portanto a concessão de posse precária é lícita de maneira que o vício da precariedade somente surgiria quando houvesse a quebra da confiança do titular do direito com a negativa de devolução da coisa 553 Nesse sentido confirase o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça CIVIL E PROCESSUAL CIVIL REINTEGRAÇÃO DE POSSE ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART 535 II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL OMISSÃO NÃO CONFIGURADA DESCARACTERIZAÇÃO DE COMODATO REEXAME DE PROVA VEDAÇÃO SÚMULA 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECUSA NA ENTREGA DO IMÓVEL POSSE PRECÁRIA ESBULHO QUE JUSTIFICA AÇÃO POSSESSÓRIA I Não viola o art 535 II a decisão nos embargos declaratórios que embora de maneira sucinta se reporte ao acórdão recorrido onde a questão suscitada foi apreciada não estando o julgador obrigado a fazer alusão a todos os argumentos e dispositivos de lei invocados pelas partes senão a enfrentar as questões de fato e de direito que realmente interesse ao julgamento da lide II Inviável é a descaracterização do comodato reconhecido pelo acordão de origem por conta da vedação ao reexame de prova constante na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça III A recusa do comodatário em restituir a coisa após o término do prazo do comodato mormente quando notificado extrajudicialmente para tanto implica em esbulho pacífico decorrente da precariedade da posse podendo o comodante ser reintegrado na mesma através das ações possessórias IV A liberalidade e a autonomia da vontade contratual conferida às partes respeitados os limites da lei e da função social dos contratos permite a formação de negócios jurídicos mistos com formas contratuais típicas e atípicas como o ajuste de cláusula constituti em escritura de dação em pagamento com previsão de retrovenda como condição suspensiva V Recurso Especial não conhecido REsp 302137RJ Rel Min Honildo Amaral de Mello Castro Desembargador Convocado do TJAP 4ª Turma julgado em 1592009 DJe 5102009 grifamos 63 Quanto à legitimidade do título ou ao elemento subjetivo posse de boafé e posse de máfé A distinção entre posse justa e injusta tem caráter objetivo vale dizer leva em conta a existência ou não de vício na posse O presente critério todavia estudado neste tópico tem natureza subjetiva ao levar em conta o estado de ânimo do possuidor 554 Trataremos portanto da denominada boafé subjetiva A boafé subjetiva consiste em uma situação psicológica um estado de ânimo ou de espírito do agente que realiza determinado ato ou vivencia dada situação em estado de inocência Em geral esse estado subjetivo deriva da ignorância a respeito de determinada circunstância como ocorre na hipótese do possuidor de boafé que desconhece o vício que macula a sua posse Nesse caso o próprio legislador cuida de amparálo não fazendo o mesmo outrossim quanto ao possuidor de máfé Distinguese portanto da boafé objetiva a qual tendo natureza de cláusula geral consiste em uma verdadeira regra de comportamento de fundo ético e exigibilidade jurídica Segundo o art 1201 é de boafé a posse se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa como se dá por exemplo na hipótese em que o sujeito desfruta da posse de uma fazenda que lhe fora transmitida por herança após a morte do seu tio ignorando o vício existente no formal de partilha na medida em que o falecido havia falsificado o registro imobiliário sem que de nada soubesse Notese que neste caso dada a existência de um justo título o formal de partilha milita em favor do possuidor segundo o parágrafo único do mesmo dispositivo uma presunção relativa de boafé O possuidor com justo título tem por si a presunção de boafé salvo prova em contrário ou quando a lei expressamente não admite esta presunção Outro exemplo de justo título é a escritura de compra e venda ou de doação que contenha vicio ignorado pelo possuidor Sobre o tema merece referência o Enunciado n 303 da IV Jornada de Direito Civil claramente inspirado pelo princípio da função social Art 1201 Considerase justo título para a presunção relativa da boafé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse esteja ou não materializado em instrumento público ou particular Compreensão na perspectiva da função social da posse Nessa perspectiva socializante e até mesmo sob a influência do princípio da boafé um recibo documento tão comum especialmente nas relações negociais travadas entre pessoas mais humildes em nosso país poderia ser considerado um justo título para efeito de firmar a presunção de boafé Finalmente sobre o momento em que a posse passa a ser de máfé dispõe o art 1202 Art 1202 A posse de boafé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente É o que se dá por exemplo quando o possuidor que até então ignorava o vício na sua posse é citado na ação reivindicatória 64 Quanto ao tempo posse nova e posse velha Posse nova ou de força nova é a que tem menos de ano e dia Posse velha ou de força velha é a que tem mais de ano e dia Esta distinção tem relevância no plano processual na medida em que a teor do art 558 do CPC2015 caso a posse do terceiro seja nova poderá o demandante ao lançar mão do respectivo interdito possessório na defesa do seu direito requerer o provimento liminar previsto no art 562 da Lei Processual Uma vez ultrapassado o prazo de ano e dia posse velha posto a demanda não perca o caráter possessório o deferimento da medida liminar com amparo no referido art 562 não será mais possível podendo todavia o demandante lançar mão da tutela provisória prevista nos arts 294 a 304 e 311 I II e IV do CPC2015 Confirase a Lei Processual Art 558 Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial Parágrafo único Passado o prazo referido no caput será comum o procedimento não perdendo contudo o caráter possessório Art 562 Estando a petição inicial devidamente instruída o juiz deferirá sem ouvir o réu a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração caso contrário determinará que o autor justifique previamente o alegado citandose o réu para comparecer à audiência que for designada 65 Quanto à proteção posse ad interdicta e posse ad usucapionem Posse ad interdicta gera direitos de defesa da posse interditos possessórios mas não conduz à usucapião a exemplo da posse do locatário Posse usucapionem por sua vez é a que tem aptidão de resultar na aquisição da propriedade Sobre o tema leiase o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EXISTÊNCIA DE USUCAPIÃO EM FAVOR DO ADQUIRENTE OCORRÊNCIA DE ERRO ESSENCIAL INDUZIMENTO MALICIOSO DOLO CONFIGURADO ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO 1 O erro é vício do consentimento no qual há uma falsa percepção da realidade pelo agente seja no tocante à pessoa ao objeto ou ao próprio negócio jurídico sendo que para render ensejo à desconstituição de um ato haverá de ser substancial e real 2 É essencial o erro que dada sua magnitude tem o condão de impedir a celebração da avença se dele tivesse conhecimento um dos contratantes desde que relacionado à natureza do negócio ao objeto principal da declaração de vontade a qualidades essenciais do objeto ou pessoa 3 A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade em razão da posse prolongada da coisa preenchidos os demais requisitos legais sendo que aqui como visto não se discute mais sobre o preenchimento desses requisitos para fins de prescrição aquisitiva sendo matéria preclusa De fato preenchidos os requisitos da usucapião há de forma automática o direito à transferência do domínio não sendo a sentença requisito formal à aquisição da propriedade 4 No caso dos autos não parece crível que uma pessoa faria negócio jurídico para fins de adquirir a propriedade de coisa que já é de seu domínio porquanto o comprador já preenchia os requisitos da usucapião quando induzido por corretores da imobiliária ora recorrente e também proprietária assinou contrato de promessa de compra e venda do imóvel que estava em sua posse ad usucapionem Portanto incide o brocardo nemo plus iuris isto é ninguém pode dispor de mais direitos do que possui 5 Ademais verificase do cotejo dos autos uma linha tênue entre o dolo e o erro Isso porque parece ter havido também um induzimento malicioso à prática de ato prejudicial ao autor com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o declarante não tivesse sido ludibriado dolo CC1916 art 92 6 Portanto ao que se depreende seja pelo dolo comissivo de efetuar manobras para fins de obtenção de uma declaração de vontade seja pelo dolo omissivo na ocultação de fato relevante ocorrência da usucapião também por esse motivo há de se anular o negócio jurídico em comento 7 Recurso especial não provido REsp 1163118RS Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma julgado em 2052014 DJe 1362014 rep DJe 582014 grifamos 7 COMPOSSE A composse traduz a ideia de posse em comum Sobre o tema dispõe o art 1199 Art 1199 Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios contanto que não excluam os dos outros compossuidores A composse poderá ser a pro diviso quando os possuidores posto tenham direito à posse de todo o bem delimitam áreas para o seu exercício Ex três irmãos condôminos e compossuidores do mesmo imóvel resolvem delimitar a área de uso de cada um b pro indiviso quando os possuidores indistintamente exercem simultaneamente atos de posse sobre todo o bem Exemplo ilustrativo de composse é a exercida pelos herdeiros durante o inventário em face do acervo DIREITO CIVIL AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE DE IMÓVEL HERDADO RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM E DO DIREITO SUCESSÓRIO DA HERDEIRA PRETERIDA PRÁTICA DE ATOS DE AUTODEFESA DA POSSE TURBAÇÃO CARACTERIZADA ARTIGOS ANALISADOS 488 1572 E 1580 DO CC1916 1 Ação de manutenção de posse distribuída em 21012005 da qual foi extraído o presente recurso especial concluso ao Gabinete em 24092012 2 Discutese a possibilidade de propositura de interditos possessórios entre compossuidores no particular entre coerdeiros e a ocorrência de turbação à posse do bem herdado 3 Aberta a sucessão a transmissão do patrimônio fazse como um todo unitário condomínio hereditário e assim permanece até a partilha em situação de indivisibilidade art 1580 do CC1916 a que a lei atribui natureza imóvel art 44 III do CC1916 independentemente dos bens que o compõem 4 Adquirem os sucessores em consequência a composse pro indiviso do acervo hereditário que confere a cada um deles a legitimidade para em relação a terceiros se valer dos interditos possessórios em defesa da herança como um todo em favor de todos ainda que titular de apenas uma fração ideal De igual modo entre eles quando um ou alguns compossuidores excluem o outro ou os demais do exercício de sua posse sobre determinada área admitese o manejo dos interditos possessórios 5 Essa imissão ipso jure se dá na posse da universalidade e não de um ou outro bem individuado e por isso não confere aos coerdeiros o direito à imediata apreensão material dos bens em si que compõem o acervo o que só ocorrerá com a partilha 6 No particular o reconhecimento do direito sucessório da recorrente não lhe autoriza automaticamente agir como em desforço imediato contra os recorridos que até então exerciam a posse direta e legítima do imóvel 7 Recurso especial conhecido em parte e nessa parte desprovido REsp 1244118SC Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma julgado em 22102013 DJe 28102013 grifamos Observase com efeito que os compossuidores poderão se valer das ações possessórias para a defesa dos seus respectivos direitos 8 MOMENTO DE AQUISIÇÃO DA POSSE Sobre o tema dispõe o art 1204 Art 1204 Adquirese a posse desde o momento em que se torna possível o exercício em nome próprio de qualquer dos poderes inerentes à propriedade Comentário de Beviláqua ao Código de 1916 ainda ilustra com exatidão o momento em que se deve considerar a posse adquirida Se a posse é o estado de fato correspondente ao exercício da propriedade ou de seus desmembramentos sempre que esta situação se definir na relações jurídicas haverá posse 555 Quanto à transmissibilidade da posse dois artigos merecem referência Art 1206 A posse transmitese aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres Art 1207 O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor para os efeitos legais Tratase de dispositivos como se pode notar com especial aplicação no âmbito do Direito Sucessório 9 QUEM PODE ADQUIRIR A POSSE Uma boa pergunta a se fazer é quem pode adquirir a posse de um bem Sobre o tema dispõe o art 1205 do CC2002 Art 1205 A posse pode ser adquirida I pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante II por terceiro sem mandato dependendo de ratificação Tais hipóteses dispensam maior digressão Interessante acrescentar que o Código Civil de 1916 em seu artigo correspondente art 494 previa que a posse poderia também ser adquirida pelo constituo possessório operação jurídica preleciona BEVILÁQUA em virtude da qual aquele que possuía em seu próprio nome passa em seguida a possuir em nome de outrem A cláusula que disciplina esta operação é denominada cláusula constituti É o caso de o proprietário de uma casa efetuar a sua venda permanecendo no imóvel na condição de locatário O contrário do constituto possessório consiste na traditio brevi manu situação em que aquele que possuía em nome alheio passa a possuir em nome próprio Exemplo locatário que compra o imóvel e consolida plenamente a posse Em nosso sentir agiu bem o legislador em retirar o constituto deste artigo na medida em que se trata de um mecanismo de alteração na natureza da posse que previamente já havia sido adquirida 10 MODOS DE PERDA DA POSSE Sobre o tema dispõe o Código Civil Art 1223 Perdese a posse quando cessa embora contra a vontade do possuidor o poder sobre o bem ao qual se refere o art 1196 Art 1224 Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho quando tendo notícia dele se abstém de retornar a coisa ou tentando recuperála é violentamente repelido O primeiro dispositivo estabelece que se opera a perda da posse se se extingue o exercício de fato sobre o bem dos poderes inerentes à propriedade usar gozarfruir dispor reivindicar mesmo contra a vontade do possuidor O segundo prevê a perda da posse para quem não esteve presente quando da prática do esbulho em caso de omissão ou falta de êxito na prática dos atos legítimos de defesa MARIA HELENA DINIZ interpretando o regramento legal enumera como modos de perda da posse abandono da coisa tradição como se dá na venda de um bem perda da própria coisa destruição da coisa etc 556 11 EFEITOS DA POSSE Destacaremos aqui os principais efeitos da posse na perspectiva do Código Civil A usucapião além de ser um desses efeitos também é estudada como forma de aquisição da propriedade de maneira que deixaremos para fazer a sua análise em momento oportuno 111 Percepção dos frutos e produtos Espécies de bens acessórios os frutos podem ser definidos como utilidades que a coisa principal periodicamente produz cuja percepção não diminui a sua substância exs a soja a maçã o bezerro os juros o aluguel Se a percepção da utilidade causar a destruição total ou parcial da coisa principal não há que se falar tecnicamente em frutos Nesse contexto quanto à natureza os frutos podem ser classificados da seguinte forma a naturais são gerados pelo bem principal sem necessidade da intervenção humana direta Decorrem do desenvolvimento orgânico vegetal laranja soja ou animal crias de um rebanho b industriais são decorrentes da atividade industrial humana bens manufaturados c civis são utilidades que a coisa frugífera periodicamente produz viabilizando a percepção de uma renda juros aluguel São também chamados de rendimentos Já quanto à ligação com a coisa principal os frutos podem ser classificados em a colhidos ou percebidos são os frutos já destacados da coisa principal mas ainda existentes b pendentes são aqueles que ainda se encontram ligados à coisa principal não tendo sido portanto destacados c percipiendos são aqueles que deveriam ter sido colhidos mas não o foram d estantes são os frutos já destacados que se encontram estocados e armazenados para a venda e consumidos que não mais existem O possuidor de boafé tem direito enquanto ela durar aos frutos colhidos ou percebidos art 1214 Assim durante o tempo em que imaginou ser o legítimo possuidor da fazenda ignorando o defeito constante na escritura o sujeito fará jus a todos os frutos que colheu Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boafé por sua vez nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo devem ser restituídos depois de deduzidas as despesas da produção e custeio Devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação a exemplo daqueles considerados estantes acondicionados em um celeiro por exemplo Os frutos naturais e industriais a teor do art 1215 reputamse colhidos e percebidos logo que são separados os civis a exemplo dos aluguéis reputamse percebidos dia por dia 557 E o que dizer do possuidor de máfé O possuidor de máfé responde por todos os frutos colhidos e percebidos bem como pelos que por culpa sua deixou de perceber frutos percipiendos ou seja aqueles que deveriam ter sido colhidos e não foram desde o momento em que se constituiu de máfé com direito às despesas da produção e custeio para evitar o enriquecimento sem causa do verdadeiro titular do direito art 1216 Quanto aos efeitos da posse em face dos produtos é preciso destacar que como espécies também de bens acessórios os produtos são utilidades que a coisa principal produz cuja percepção ou extração diminui a sua substância ex pedras e metais que se extraem das minas e das pedreiras A alterabilidade da substância principal é o ponto distintivo entre os frutos e os produtos Nesse ponto uma importante observação deve ser feita Diferentemente dos efeitos em relação aos frutos o Código Civil brasileiro não cuidou de disciplinar satisfatoriamente os efeitos da posse em relação aos produtos Consagrouse apenas a regra geral de que o proprietário do solo principal é salvo preceito jurídico especial de terceiro senhor dos produtos acessórios gerados pela coisa art 1232 do CC2002 Tal omissão normativa poderia causar o seguinte inconveniente imaginese que um sujeito de boafé haja recebido de seu avô por testamento um imóvel em que se encontrava uma pedreira Cinco anos depois já tendo sido registrado o formal de partilha o possuidor é surpreendido por uma ação proposta por terceiro que reivindica e prova o seu domínio sobre aquele imóvel Durante todo esse tempo o possuidor extraiu e vendeu pedras produtos Perguntase considerando que a lei civil apenas garante ao possuidor de boafé direito aos frutos colhidos e percebidos tratandose de produtos que solução será adotada diante da regra do art 1232 do CC2002 Por força do silêncio da lei deverseá compelir o possuidor a indenizar o proprietário da coisa Entendemos que não Obrigar o possuidor de boafé a indenizar o proprietário simplesmente porque a lei reconhece a este último direito sobre os acessórios do solo como regra geral não dando solução para a hipótese de um possuidor inocente perceber os produtos é interpretação excessivamente legalista Melhor razão assiste a CLÓVIS BEVILÁQUA que sugere nesse caso sejam os produtos considerados frutos seguindo o mesmo regramento legal destes últimos porque consistiriam em verdadeiras utilidades provenientes de uma riqueza posta em atividade econômica Vale transcrever a sua lição na expressão frutos compreendemse no caso agora examinado os produtos que são utilidades retiradas da coisa em diminuição da sua quantidade porque não se reproduzem periodicamente como os frutos 558 Mas a diferenciação entre frutos e produtos não é despicienda consoante conclui o mesmo autor A distinção todavia tem interesse jurídico porque somente na relação que acaba de ser considerada o produto se submete aos preceitos estabelecidos para o fruto 559 Em conclusão vale referir que o Código Civil de 2002 dando ênfase à permutabilidade e economicidade dos frutos e produtos admite sejam os mesmos objeto de negócio jurídico mesmo que ainda não destacados da coisa principal art 95 112 Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa Perda da coisa consiste em seu total perecimento a deterioração traduz a ideia de estrago ou dano parcial O possuidor de boafé não responde pela perda ou deterioração da coisa a que não der causa art 1217 Vale dizer somente responderá aquele que atua de boafé se deu causa ao evento danoso Dar causa em nosso sentir significa atuar com dolo ou culpa nos termos do art 186 do Código Civil Imagine por exemplo a hipótese em que o sujeito ignorando o vício que macula a sua posse resolve queimar as ervas daninhas do pasto da fazenda que depois descobre pertencer a outrem causando danos no imóvel O possuidor de máfé por seu turno responde pela perda ou deterioração da coisa ainda que acidentais salvo se provar que de igual modo se teriam dado estando ela na posse do reivindicante art 1218 Figuremos um exemplo Um sujeito possui uma televisão ciente da ilegitimidade deu seu direito deveria ter devolvido a quem lhe emprestou e não o fez Caso o aparelho sofra um curtocircuito o possuidor responderá pelo dano ainda que acidental salvo se provar que a pane ocorreria mesmo que o bem já estivesse em poder do reivindicante 113 Indenização pelas benfeitorias realizadas Podese definir benfeitoria como uma obra realizada pelo homem na estrutura da coisa principal com o propósito de conservála melhorála ou embelezála Classificamse as benfeitorias em três modalidades Considerase necessária a benfeitoria realizada para evitar um estrago iminente ou a deterioração da coisa principal ex reparos realizados em uma viga Benfeitorias úteis são aquelas empreendidas com o escopo de facilitar a utilização da coisa ex a abertura de uma nova entrada que servirá de garagem para a casa E finalmente as benfeitorias voluptuárias são aquelas empreendidas para mero deleite ou prazer sem aumento da utilidade da coisa ex a escultura feita nas rochas de um jardim art 96 do CC2002 Notese que toda benfeitoria é artificial decorrendo de uma atividade humana razão por que não se confunde com os acessórios naturais do solo art 97 do CC2002 A identificação da natureza da benfeitoria não é fácil em função da circunstância de que os bens não têm uma única utilidade intrínseca e absoluta Uma piscina por exemplo pode ser uma benfeitoria voluptuária em uma mansão útil em uma escola ou necessária em uma escola de hidroginástica Não se identificam ainda com as acessões industriais ou artificiais construções e plantações que têm disciplina própria arts 1253 a 1259 do CC2002 e constituem modos de aquisição da propriedade imóvel A acessão traduz união física com aumento de volume e diferentemente das benfeitorias pode também ser natural exs aluvião avulsão formação de ilhas álveo abandonado Apontando a diagnose diferencial entre ambos os institutos preleciona CARLOS ROBERTO GONÇALVES Benfeitorias são obras ou despesas feitas em coisa já existente As acessões industriais são obras que criam coisas novas e têm regime jurídico diverso sendo um dos modos de aquisição da propriedade imóvel 560 Se a estrutura da casa é aproveitada para abrir uma garagem realizarseá uma benfeitoria Todavia se um galpão contíguo é construído para servir de garagem realizase uma acessão artificial Neste último caso houve considerável aumento de volume da coisa principal 561 Não se consideram benfeitorias pelo seu valor econômico a pintura em relação à tela a escultura em relação à matériaprima a escritura e qualquer outro escrito gráfico em relação à matériaprima que os recebe art 62 do CC1916 Embora não exista norma semelhante no Código Civil de 2002 entendemos deva a regra ser jurisprudencialmente mantida pois em verdade estarseá diante do fenômeno da especificação que é uma das formas de aquisição de propriedade móvel disciplinada nos arts 12691271 do CC2002 O possuidor de boafé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis bem como quanto às voluptuárias se não lhe forem pagas a levantálas quando o puder sem detrimento da coisa e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis art 1219 Notese que quanto às necessárias e úteis o possuidor terá o direito de reter a coisa condicionando a sua devolução à indenização correspondente Em nosso sentir esse jus retentionis não tem natureza real atuando em verdade como meio coercitivo para forçar o cumprimento da obrigação As benfeitorias voluptuárias caso o reivindicante não opte por pagar por elas poderão ser levantadas ou removidas jus tollendi desde que não se danifique o bem principal Caso não haja como retirálas sem fratura ou dano ficarão onde estão Ao possuidor de máfé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias não lhe assiste todavia o direito de retenção pela importância destas nem o de levantar as voluptuárias art 1220 Nessa linha é forçoso convir que o possuidor de máfé é duramente sancionado As benfeitorias compensamse com os danos e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ou seja da perda do bem principal para o reivindicante ainda existirem conforme dicção do art 1221 Finalmente à luz do art 1222 o reivindicante obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de máfé tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo ao passo que caso se trate de possuidor de boafé indenizará pelo valor atual A justificativa pondera CARLOS ROBERTO GONÇALVES assentase na máxima equidade que não permite que se enriqueça alguém à custa alheia Só faria sentido porém se os níveis de custo fossem estáveis dado que o valor atual e o do custo geralmente se equivaleriam mas não em períodos de inflação elevada e crônica pelos quais passou o país Daí ter o Supremo Tribunal Federal na vigência do Código Civil de 1916 mandado aplicar a correção monetária ao preço de custo das benfeitorias reconhecendo nos caso a existência de uma dívida de valor 562 Por fim a título de complementação merece referência a Súmula 335 do STJ Nos contratos de locação é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção 563 Assevera CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que no Direito Administrativo em havendo desapropriação nos termos do art 26 do DecretoLei n 3365 de 21 junho de 1941 as benfeitorias necessárias são sempre indenizáveis as benfeitorias voluptuárias não o serão nunca e as benfeitorias úteis serão indenizadas desde que hajam sido autorizadas pelo poder competente 564 114 Proteção possessória Quando se fala do tema da proteção possessória é necessário distinguir as possibilidades de tutela no direito material para o direito processual Vejamos 1141 De direito material O Código Civil prevê duas formas de autotutela da posse que deverão ser exercidas com prudência e proporcionalidade a legítima defesa e o desforço incontinenti ou imediato Art 1210 O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação restituído no de esbulho e segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado Em caso de turbação perturbação ou embaraço da sua posse poderá atuar em legítima defesa e em caso de esbulho privação da posse poderá empreender desforço incontinenti contanto que o faça logo observado o princípio da proporcionalidade a teor do 1º do mesmo dispositivo O possuidor turbado ou esbulhado poderá manterse ou restituirse por sua própria força contanto que o faça logo os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse E arremata o 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa Vale observar que a reação deverá ser concomitante ou imediatamente posterior à agressão à posse Como delimitação do marco cronológico da resposta defensiva o legislador utilizou a expressão contanto que o faça logo a qual deverá ser interpretada com razoabilidade Nessa linha se o sujeito se encontra em outra cidade e imediatamente após tomar ciência de que o seu imóvel foi invadido deslocase para o local do esbulho ainda poderá praticar atos de desforço pois diante das circunstâncias reagiu com a esperada brevidade 1142 De direito processual A proteção da posse é matéria que diz respeito em especial ao Processo Civil o que escapa por óbvio dos objetivos deste Manual Mas cuidaremos de traçar para o nosso leitor um panorama processual geral a respeito do assunto Fundamentalmente temos três demandas possessórias mais frequentes 565 a a ação de reintegração de posse em caso de esbulho privação ou perda da posse b a ação de manutenção de posse em caso de turbação embaraço ou perturbação da posse c o interdito proibitório em caso de ameaça à posse Tais demandas são caracterizadas pela fungibilidade nos termos do art 554 do CPC2015 Art 554 A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados JORGE NUNES e GUILHERME DA NÓBREGA assim se posicionam Por outro lado e ingressando no exame mesmo dos procedimentos possessórios o art 560 do novo Código de Processo de 2015 repete a proteção do velho Código de 1973 manutenção no caso de turbação e reintegração no caso de esbulho A compreensão clara dos dois remédios fungíveis entre si é importante embora na prática a fungibilidade decorra exatamente do fato de que nem sempre é possível perceber as zonas de discrímen quando se está diante do caso concreto Dizse que ocorre o esbulho a ofensa digamos assim mais pesada quando o possuidor é afastado do exercício da posse que até então exercia não esqueçamos que a posse é uma situação ou estado de fato um poder de fato a turbação menos pesada não subtrai do possuidor a totalidade do exercício da posse mas impede esse exercício na sua integralidade diminui limita o exercício da posse A terceira e menos grave das ofensas a ser tratada mais adiante é a ameaça da posse Ainda que menos grave do conjunto de gestos e palavras o possuidor deve poder perceber que a turbação ou esbulho de sua posse é iminente 566 Outro aspecto interessante quanto às possessórias diz respeito à possibilidade de cumulação de pedidos e ao seu caráter dúplice situação em que o próprio demandado em sua resposta alega violação de direito e pugna pela proteção da sua posse Nesse diapasão estabelece o Código de Processo Civil de 2015 Art 555 É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de I condenação em perdas e danos II indenização dos frutos Parágrafo único Pode o autor requerer ainda imposição de medida necessária e adequada para I evitar nova turbação ou esbulho II cumprirse a tutela provisória ou final Art 556 É lícito ao réu na contestação alegando que foi o ofendido em sua posse demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor Notase com isso que o legislador pretendeu consagrar um sistema normativo dotado de eficiência e efetividade visando a recompor no bojo do mesmo procedimento o direito daquele que de fato teve a sua posse agredida Nesse contexto indagamos o que se entende por exceção de domínio A doutrina e a legislação ensina CARLOS ROBERTO GONÇALVES têm buscado ao longo dos anos a separação entre o possessório e o petitório A teor dessa concepção no juízo possessório não adianta alegar o domínio porque só se discute posse Por outro lado no juízo petitório a discussão versa sobre o domínio sendo secundária a questão daquela Atualmente o art 557 do Código de Processo Civil de 2015 tem a seguinte redação Na pendência de ação possessória é vedado tanto ao autor quanto ao réu propor ação de reconhecimento do domínio exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa Explicita o legislador na parte final do dispositivo que a vedação só prevalece se houver identidade de partes nas duas ações não portanto se a ação de reconhecimento do domínio for intentada em face de terceira pessoa Com o advento do Código Civil de 2002 ficou evidenciada de modo irrefragável a extinção da exceção do domínio em nosso sistema pois esse diploma não contempla a possibilidade de se arguir a exceptio proprietatis limitandose a proclamar no art 1210 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa 567 O ilustre autor todavia complementa que visando a evitar abusos excepcionalmente se admite a exceção de domínio quando a posse é disputada com base no próprio título de propriedade Nessa linha confirase julgado que embora seja anterior ao CPC2015 ilustra a hipótese PROCESSO CIVIL ART 535 I E II E 555 DO CPC CONTRARIEDADE IMPROCEDÊNCIA DA ARGUIÇÃO REEXAME DE PROVA SÚMULA N 7 DO STJ REINTEGRAÇÃO DE POSSE SOBREPOSIÇÃO DE TÍTULOS DISPUTA DE ÁREA DISCUSSÃO DA POSSE PELOS LITIGANTES COM BASE NO DOMÍNIO SÚMULA N 487 DO STF QUESTÕES FÁTICO PROBATÓRIAS REEXAME SÚMULA N 7 DO STJ DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL SÚMULA N 83 DO STJ DECISÃO AGRAVADA MANTIDA 1 Improcede a arguição de ofensa aos arts 535 I e II e 555 do CPC quando o Tribunal a quo se pronuncia de forma motivada e suficiente sobre os pontos relevantes e necessários ao deslinde do litígio propiciando completa inteligibilidade do julgamento embargado com a integração do acórdão proferido nos aclaratórios e devida prestação jurisdicional 2 Embora na pendência de processo possessório não se deve intentar ação de reconhecimento do domínio art 923 do CPC constatada a sobreposição de documentos registrais sob perícia de que os autores têm menos área que prevê seu título de propriedade em confronto com o título apresentado pelos réus é plenamente cabível a exceção de domínio se com base neste ambos os litigantes discutem a posse 3 Incidência no caso da Súmula n 487 do STF assim expressa Será deferida a posse a quem evidentemente tiver o domínio se com base neste for disputada 4 Assentada a orientação do Tribunal a quo com base em extenso debate de questões fáticoprobatórias circunscritas em matéria pericial acerca da sobreposição de títulos de propriedade o reexame da causa sob o enfoque da ocorrência de esbulho e atendimento aos requisitos necessários à proteção possessória esbarra no óbice da Súmula n 7 do STJ 5 Não se conhece do recurso especial pela divergência quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida Súmula n 83 do STJ 6 Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos 7 Agravo regimental desprovido STJ AgRg no REsp 906392MT Rel Min João Otávio de Noronha 4ª Turma julgado em 1832010 DJe 2642010 grifamos Avançando em nossa análise constatamos que se a demanda é de força nova ação ajuizada no prazo de ano e dia o deferimento liminar tende a ser menos dificultoso segundo o art 562 do CPC2015 Art 562 Estando a petição inicial devidamente instruída o juiz deferirá sem ouvir o réu a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração caso contrário determinará que o autor justifique previamente o alegado citandose o réu para comparecer à audiência que for designada Por outro lado se a ação é de força velha ajuizada após o prazo de ano e dia afigurase possível a concessão da tutela prevista no art 300 do CPC2015 Art 300 A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo 1º Para a concessão da tutela de urgência o juiz pode conforme o caso exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecêla 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão Assim em termos processuais afirma MISAEL MONTENEGRO FILHO não há qualquer obstáculo que impeça a concessão de tutela provisória nas ações possessórias de força velha desde que os requisitos legais sejam preenchidos constantes do art 300 do CPC 568 como tais a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo 569 O interdito proibitório por sua vez poderá ser manejado quando o possuidor direto ou indireto tenha justo receio de ser molestado na posse caso em que poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito art 567 do CPC2015 Aplicamselhe as normas procedimentais da reintegração e da manutenção de posse Finalmente merece referência importante julgado do Superior Tribunal de Justiça em que se determinou com amparo no princípio da função social da posse e da propriedade a conversão de uma ordem reintegratória em perdas e danos RECURSO ESPECIAL DIREITO CIVIL VIOLAÇÃO AO ART 535 DO CPC1973 NÃO OCORRÊNCIA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE REQUISITOS DO ART 927 DO CPC1973 E 561 DO NOVO CPC REALIDADE FÁTICA DO IMÓVEL MODIFICADA IMÓVEL QUE SE TRANSFORMOU EM BAIRRO URBANO POPULOSO IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAÇÃO DA NOVA REALIDADE NA SOLUÇÃO DA CONTENDA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA POSSE DIREITO À MORADIA E MÍNIMO EXISTENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA PONDERAÇÃO DE VALORES NEGATIVA DA REINTEGRAÇÃO POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PRESTAÇÃO ORIGINÁRIA EM ALTERNATIVA ART 461A DO CPC1973 RECURSO NÃO PROVIDO 1 Havendo no acórdão declaração expressa quanto aos fatos e fundamentos que embasaram suas conclusões não há como vislumbrar se ofensa aos arts 458 e 535 CPC por negarse o Colegiado em embargos declaratórios a explicitar as razões pelas quais preferiu apoiarse em certas provas em detrimento de outras O princípio do livre convencimento motivado é um dos postulados do nosso sistema processual REsp 50936SP DJ 1991994 2 O art 927 do CPC1973 reproduzido no art 561 do novo diploma previa competir ao autor da ação possessória de reintegração a comprovação dos seguintes requisitos a posse a turbação ou esbulho pela parte ré a data da turbação ou do esbulho e a perda da posse 3 Ainda que verificados os requisitos dispostos no item antecedente o julgador diante do caso concreto não poderá se furtar da análise de todas as implicações a que estará sujeita a realidade na subsunção insensível da norma É que a evolução do direito não permite mais conceber a proteção do direito à propriedade e posse no interesse exclusivo do particular uma vez que os princípios da dignidade humana e da função social esperam proteção mais efetiva 4 O Supremo Tribunal Federal orienta que tendo em vista a impossibilidade de haver antinomia entre normas constitucionais sem a exclusão de quaisquer dos direitos em causa deve prevalecer no caso concreto o valor que se apresenta consentâneo com uma solução razoável e prudente expandindose o raio de ação do direito prevalente mantendose contudo o núcleo essencial do outro Para esse desiderato recomendase a aplicação de três máximas norteadoras da proporcionalidade a adequação a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito 5 No caso dos autos o imóvel originalmente reivindicado na verdade não existe mais O bairro hoje no lugar do terreno antes objeto de comodato tem vida própria dotado de infraestrutura urbana onde serviços são prestados levandose à conclusão de que o cumprimento da ordem judicial de reintegração na posse com satisfação do interesse da empresa de empreendimentos imobiliários será à custa de graves danos à esfera privada de muitas famílias que há anos construíram suas vidas naquela localidade fazendo dela uma comunidade irmanada por idêntica herança cultural e histórica razão pela qual não é adequada a ordem de reintegração 6 Recurso especial a que se nega provimento REsp 1302736MG Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma julgado em 1242016 DJe 2352016 Percebese pois com clareza o relevante viés socializante da interpretação empregada na análise da questão possessória LX PROPRIEDADE 1 CONCEITO Nos termos do art 5º XXII da Constituição Federal a propriedade é tratada como um direito fundamental Logo em seguida o inciso XXIII dispõe que a propriedade atenderá a sua função social Nessa linha é forçoso convir que o conceito deste importantíssimo direito real na coisa própria deverá necessariamente levar em conta sempre o seu aspecto funcional Isso porque nos dias de hoje a propriedade não é mais considerada um direito ilimitado como no passado Por tais razões o Código Civil de 2002 ao tratar da propriedade cuidou de manter uma linha harmônica com a Lei Fundamental conforme podemos constatar Art 1228 O proprietário tem a faculdade de usar gozar e dispor da coisa e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados de conformidade com o estabelecido em lei especial a flora a fauna as belezas naturais o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico bem como evitada a poluição do ar e das águas Em termos conceituais portanto o direito de propriedade consiste no direito real de usar gozar ou fruir dispor e reivindicar a coisa nos limites da sua função social Quando o proprietário reúne todas essas faculdades ou poderes dizse que tem propriedade plena 570 Notese por fim que o 2º do referido art 1228 proíbe os denominados atos emulativos ou seja aqueles que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem Em outras palavras esta norma veda o abuso do direito de propriedade A redação do texto normativo em nosso sentir começa bem e termina mal Ao vedar atos praticados pelo proprietário que não tragam benefício ou sejam inúteis agiu bem o legislador Mas ao exigir que para a configuração desses atos reste demonstrada a intenção de prejudicar outrem falhou Além de se tratar de um elemento subjetivo de difícil caracterização a cláusula geral do abuso de direito prevista no art 187 do CC2002 571 dispensa a análise de dolo específico ou culpa adotando corretamente um paradigma de ilicitude objetiva baseado em critério finalístico ou teleológico Vale dizer de acordo com a regra constante na Parte Geral o abuso de um direito há de se configurar quando houver um desvirtuamento da finalidade do direito exercido independentemente do dolo ou da culpa do seu titular Entendemos que também para o direito de propriedade este deve ser o critério utilizado segundo uma interpretação sistemática 2 CARACTERÍSTICAS O direito de propriedade é 572 a complexo pois é formado por um conjunto de poderes ou faculdades b absoluto não no sentido de que se possa fazer dele o que bem entender mas porque a oponibilidade é erga omnes c perpétuo não se extingue simplesmente pelo não uso podendo ser transmitido por gerações d exclusivo ressalvadas certas situações a exemplo do condomínio o poder dominial de alguém exclui o de outrem concomitantemente sobre a mesma coisa e elástico pode ser distendida ou contraída na formação de outros direitos reais sem perder sua essência Esta última característica merece explicação mais detida para que não remanesça dúvida em nosso amigo leitor A propriedade é elástica porquanto certos poderes ou faculdades que lhe são inerentes poderão ser destacados para que sejam formados outros direitos sem que isso implique sua destruição Exemplo mediante ajuste de vontades e o devido registro destaco as faculdades de usar e fruir um imóvel em favor do usufrutuário permanecendo com um direito limitado de propriedade nua propriedade Uma vez extinto o usufruto aquelas faculdades retornam consolidando o meu direito pleno de propriedade Ainda no âmbito da sua caracterização merece menção a diferença existente entre propriedade resolúvel ad tempus e fiduciária Nesse sentido observa ORLANDO GOMES A perpetuidade é um dos caracteres do direito de propriedade Daí se dizer que a propriedade é irrevogável Semel dominus semper dominus Normalmente a propriedade tem duração ilimitada É perpétua Por exceção admitese propriedade revogável que se configure quando no próprio título de sua constituição por sua própria natureza ou pela vontade do agente ou das partes se contém condição resolutiva Dizse então que a propriedade é resolúvel como acontece no fideicomisso com a propriedade do fiduciário e na retrovenda com a propriedade do comprador Não são casos de propriedade resolúvel aqueles nos quais a revogação se funda em causa superveniente à aquisição RA Restou aberto dos arts 1361 a 1368 573 capítulo especial no CCB de 2002 para tratar da propriedade fiduciária hipótese de propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor transfere ao credor com escopo de garantia RA 574 3 EXTENSÃO DA PROPRIEDADE A propriedade do solo a teor do art 1229 abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes em altura e profundidade úteis ao seu exercício não podendo o proprietário oporse a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais que não tenha ele interesse legítimo em impedilas Comentando o dispositivo preleciona MARIA HELENA DINIZ referindose ao proprietário Não pode impedir que um avião passe por sobre sua casa ou a colocação de cabos aéreos de energia elétrica ou ainda que perfurem o subsolo para a instalação de condutos subterrâneos de serviço de utilidade pública CC art 1286 ou de metrô pois não tem nenhum interesse em impugnar a realização de trabalhos que se efetuem a uma certa altura e a profundidade tal que não acarrete risco para a sua segurança 575 Vale destacar uma interessante aplicação do art 1229 realizada no seguinte Recurso Especial DIREITO CIVIL DIREITO DE PROPRIEDADE DE SUBSOLO No caso em que o subsolo de imóvel tenha sido invadido por tirantes pinos de concreto provenientes de obra de sustentação do imóvel vizinho o proprietário do imóvel invadido não terá legítimo interesse para requerer com base no art 1229 do CC a remoção dos tirantes nem indenização por perdas e danos desde que fique constatado que a invasão não acarretou prejuízos comprovados a ele tampouco impossibilitou o perfeito uso gozo e fruição do seu imóvel Dispõe o art 1229 do CC que a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes em altura e profundidade úteis ao seu exercício não podendo o proprietário oporse a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais que não tenha ele interesse legítimo em impedilas Ou seja o normativo legal ao regular o direito de propriedade amparase especificamente no critério de utilidade da coisa por seu titular Por essa razão o direito à extensão das faculdades do proprietário é exercido contra terceiro tão somente em face de ocorrência de conduta invasora e lesiva que lhe traga dano ou incômodo ou que lhe proíba de utilizar normalmente o bem imóvel considerando suas características físicas normais Como se verifica a pretensão de retirada dos tirantes não está amparada em possíveis prejuízos devidamente comprovados ou mesmo no fato de os tirantes terem impossibilitado ou estarem impossibilitando o perfeito uso gozo ou fruição do imóvel Também inexistem possíveis obstáculos a futuras obras que venham a ser idealizadas no local até porque caso e quando se queira referidos tirantes podem ser removidos sem nenhum prejuízo para quaisquer dos imóveis vizinhos De fato ao proprietário compete a titularidade do imóvel abrangendo solo subsolo e o espaço aéreo correspondentes Entretanto referida titularidade não é plena estando satisfeita e completa apenas em relação ao espaço físico sobre o qual emprega efetivo exercício sobre a coisa Dessa forma não tem o proprietário do imóvel o legítimo interesse em impedir a utilização do subsolo onde estão localizados os tirantes que se pretende remover pois sobre o referido espaço não exerce ou demonstra quaisquer utilidades Precedente citado REsp 1233852 RS 3ª Turma DJe de 1º22012 REsp 1256825SP Rel Min João Otávio de Noronha julgado em 532015 DJe 1632015 A propriedade do solo por sua vez a teor do art 1230 não abrange as jazidas minas e demais recursos minerais os potenciais de energia hidráulica os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais 576 O proprietário do solo todavia tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil desde que não submetidos a transformação industrial obedecido o disposto em lei especial 4 AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL Nos próximos subtópicos analisaremos as diversas modalidades de aquisição de propriedade imóvel no Código Civil brasileiro de 2002 Vamos a elas 41 Usucapião A usucapião é a primeira modalidade aqui tratada de aquisição de propriedade 411 Conceito e pressupostos A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade mediante o exercício da posse pacífica e contínua durante certo período de tempo previsto em lei Tratase de uma forma de prescrição aquisitiva razão por que estendese ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam suspendem ou interrompem a prescrição art 1244 Os fundamentos da usucapião são a necessidade de segurança jurídica e a função social Para que se configure é necessária a conjugação de três pressupostos a posse 577 b tempo c animus domini É possível haver soma de posses para efeito de reconhecimento da usucapião É a denominada acessio possessionis ver art 1243 do CC Sobre o tema confirase AÇÃO DE USUCAPIÃO PERÍODO AQUISITIVO SOMA DE POSSES REQUISITOS AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTO À POSSE ANTERIOR Havendo soma de posses é dever do prescribente demonstrar que a posse anterior a ser somada possuía os mesmos requisitos que a lei exige e que ele diz ter quais sejam posse mansa pacífica e com ânimo de dono Preliminar rejeitada apelação provida Apelação Cível 70040237299 19ª Câmara Cível TJRS Guinther Spode julgado em 1462011 Vale acrescentar ainda que nem todo bem é passível de ser usucapido a exemplo daqueles que representam valores personalíssimos e inestimáveis como o nome ou a honra Em geral bens com expressão econômica podem ser usucapidos 578 mas há exceções 579 412 Principais espécies Respeitada a finalidade deste Manual visando sempre à clareza e objetividade sem descurar nunca em respeito ao nosso leitor da boa técnica passaremos em revista as principais espécies de usucapião 4121 Usucapião extraordinária art 1238 do CC Aquele que por quinze anos sem interrupção nem oposição possuir como seu um imóvel adquirelhe a propriedade independentemente de título e boafé por meio da usucapião extraordinária Em tal caso o prescribente possuidor requererá ao juiz que assim o declare por sentença a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis Notese que para esta forma de prescrição aquisitiva pouco importa a intenção do sujeito se atuou de boa ou de máfé O prazo estabelecido no referido art 1238 reduzirseá a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo caracterizando a denominada possetrabalho 580 4122 Usucapião ordinária art 1242 do CC Adquire também a propriedade do imóvel aquele que contínua e incontestadamente com justo título e boafé o possuir por dez anos Tratase da forma ordinária de prescrição aquisitiva prevista no Código Civil Será de cinco anos o prazo se o imóvel houver sido adquirido onerosamente com base no registro constante do respectivo cartório cancelado posteriormente desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia ou realizado investimentos de interesse social e econômico possetrabalho É o caso por exemplo de o sujeito comprar um imóvel ignorando o vício que inquina a sua escritura Comentando o dispositivo escreve FLÁVIO TARTUCE A norma apresenta sério problema Isso porque traz um requisito ao lado da possetrabalho qual seja a existência de um documento hábil que foi registrado e cancelado posteriormente caso de um compromisso de compra e venda Tal requisito gera o que se convencionou chamar usucapião tabular especialmente entre os juristas da área de registros públicos 581 Sobre esta modalidade de usucapião tabular ou de livro merece referência julgado do STJ CIVIL USUCAPIÃO TABULAR REQUISITOS MERO BLOQUEIO DE MATRÍCULA APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DO INSS INAUTÊNTICA PELOS VENDEDORES LONGA INATIVIDADE POR PARTE DO ÓRGÃO AUSÊNCIA DE TENTATIVAS DE ANULAÇÃO DO ATO OU RECEBIMENTO DO CRÉDITO DECURSO DE TEMPO CABIMENTO DA USUCAPIÃO 1 A usucapião normalmente coloca em confronto particulares que litigam em torno da propriedade de um bem móvel 2 Na hipótese dos autos a constatação de que os vendedores do imóvel apresentaram certidão negativa de tributos previdenciários inautêntica levou o juízo da Vara de Registros Públicos em processo administrativo a determinar o bloqueio da matrícula do bem 3 O bloqueio da matrícula não colocou vendedores e compradores em litígio em torno da propriedade de um bem imóvel Apenas promoveu uma séria restrição ao direito de propriedade dos adquirentes para a proteção do crédito financeiro do INSS 4 Pelas disposições da Lei de Registros Públicos o bloqueio da matrícula é ato de natureza provisória a ser tomado no âmbito de um procedimento maior no qual se discuta a nulidade do registro público A lavratura de escritura de compra e venda sem a apresentação de certidão previdenciária é nula pelas disposições do art 47 da Lei 821291 Assim o bloqueio seria razoável no âmbito de uma discussão acerca dessa nulidade 5 Do ponto de vista prático o bloqueio produz efeitos em grande parte equivalentes ao do cancelamento da matrícula uma vez que torna impossível ao proprietário de imóvel com matrícula bloqueada tomar qualquer ato inerente a seu direito de propriedade como o de alienar ou de gravar o bem 6 Se o INSS ou qualquer outro legitimado não toma a iniciativa de requerer o reconhecimento ou a declaração da nulidade da escritura o bloqueio da matrícula por si só não pode prevalecer indefinidamente Na hipótese em que mesmo sem tal providência o bloqueio acaba por permanecer produzindo efeitos de restrição ao direito de propriedade dos adquirentes do bem a inatividade do INSS deve produzir alguma consequência jurídica 7 Num processo de usucapião tradicional o prazo de prescrição aquisitiva só é interrompido pela atitude do proprietário que torne inequívoca sua intenção de retomar o bem Se por uma peculiaridade do direito brasileiro é possível promover a restrição do direito de propriedade do adquirente para a proteção de um crédito a prescrição aquisitiva que beneficia esse adquirente somente pode ser interrompida por um ato que inequivocamente indique a intenção do credor de realizar esse crédito 8 Se após dez anos a partir do bloqueio da matrícula o INSS não requer a declaração de nulidade da compra e venda não executa o crédito previdenciário que mantém perante o vendedor do imóvel não requer o reconhecimento de fraude à execução não penhora o bem controvertido enfim não toma providência alguma é possível reconhecer ao menos em status assertionis a ocorrência de usucapião tabular de modo que o indeferimento da petição inicial da ação que a requer é providência exagerada 9 Recurso especial conhecido e provido reformandose a decisão que indeferiu a petição inicial do processo e determinandose seu prosseguimento com a citação dos interessados nos termos da lei REsp 1133451SP Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma julgado em 2732012 DJe 1842012 4123 Usucapião constitucional ou especial rural ou pro labore art 191 da CF art 1239 do CC Segundo o art 1239 do Código Civil aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano possua como sua por cinco anos ininterruptos sem oposição área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares tornandoa produtiva por seu trabalho ou de sua família tendo nela sua moradia adquirirlheá a propriedade 582 Tratase de regra que reproduz o comando constitucional contido no art 191 O procedimento para o reconhecimento desta forma de usucapião estava traçado pela Lei n 6969 de 10 de dezembro de 1981 Essa lei faz menção a procedimento sumaríssimo Art 5º Adotarseá na ação de usucapião especial o procedimento sumaríssimo assegurada a preferência à sua instrução e julgamento Sucede que dada a extinção deste procedimento entendemos aplicável o art 1049 do CPC2015 Art 1049 Sempre que a lei remeter a procedimento previsto na lei processual sem especificálo será observado o procedimento comum previsto neste Código Parágrafo único Na hipótese de a lei remeter ao procedimento sumário será observado o procedimento comum previsto neste Código com as modificações previstas na própria lei especial se houver 583 4124 Usucapião constitucional ou especial urbana ou pro misero art 183 da CF art 1240 do CC art 9º do Estatuto da Cidade Esta forma de usucapião assim como a anterior tem matriz constitucional Dispõe o art 183 da Constituição Art 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados 584 por cinco anos ininterruptamente e sem oposição utilizandoa para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher ou a ambos independentemente do estado civil 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião Os arts 1240 do CC e 9º do Estatuto da Cidade Lei n 102572001 585 reproduzem a norma constitucional O Supremo Tribunal Federal já proclamou que eventual exigência do Plano Diretor Municipal não impede o reconhecimento desta forma de usucapião RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPERCUSSÃO GERAL USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA INTERESSADOS QUE PREENCHEM TODOS OS REQUISITOS EXIGIDOS PELO ART 183 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PEDIDO INDEFERIDO COM FUNDAMENTO EM EXIGÊNCIA SUPOSTAMENTE IMPOSTA PELO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO EM QUE LOCALIZADO O IMÓVEL IMPOSSIBILIDADE A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA TEM RAIZ CONSTITUCIONAL E SEU IMPLEMENTO NÃO PODE SER OBSTADO COM FUNDAMENTO EM NORMA HIERARQUICAMENTE INFERIOR OU EM INTERPRETAÇÃO QUE AFASTE A EFICÁCIA DO DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO RECURSO PROVIDO 1 Módulo mínimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2 Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2 destacada de um todo maior dividida em composse 2 Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal 3 Tese aprovada preenchidos os requisitos do art 183 da Constituição Federal o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel dimensão do lote 4 Recurso extraordinário provido RE 422349 Rel Min Dias Toffoli Tribunal Pleno julgado em 2942015 DJe 153 de 482015 publ 582015 Esta forma de usucapião poderá ser útil em caso de exercício de posse ad usucapionem de apartamento O Enunciado n 85 da I Jornada de Direito Civil vale acrescentar reforçaria esta tese Enunciado n 85 Art 1240 Para efeitos do art 1240 caput do novo Código Civil entendese por área urbana o imóvel edificado ou não inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios Quanto ao procedimento o art 14 do Estatuto da Cidade estabelece que deve ser observado o rito sumário Nessa linha já decidiu o Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA LEI N 102572001 ESTATUTO DA CIDADE CITAÇÃO DOS CONFINANTES NECESSIDADE DISCUSSÃO ANALISADA SOB A ÓTICA DO CPC DE 1973 MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO DESATENDIMENTO À DETERMINAÇÃO DE EMENDA À PETIÇÃO INICIAL RECURSO NÃO PROVIDO 1 O art 14 Lei n 102572001 determina que a ação de usucapião especial urbana deve observar o rito sumário 2 Não há incompatibilidade entre o rito sumário com a citação do titular da propriedade e de todos os confinantes e confrontantes do imóvel usucapiendo admitindose inclusive a comunicação via edital 3 Em regra seja qual for o procedimento a ser adotado na ação de usucapião ordinário sumário ou especial é de extrema relevância a citação do titular do registro assim como dos confinantes e confrontantes do imóvel usucapiendo 4 A questão acerca de a propriedade usucapienda ser um apartamento não foi objeto do recurso especial tampouco restou debatida nas instâncias ordinárias Tema não apreciado pelo órgão colegiado 5 Recurso especial não provido REsp 1275559ES Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma julgado em 762016 DJe 1682016 Com o fim do rito sumário deve ser aplicado em nosso sentir o art 1049 do CPC2015 cuja análise fizemos no tópico anterior 4125 Usucapião especial urbana coletiva art 10 do Estatuto da Cidade O Estatuto da Cidade disciplina uma interessante forma de usucapião decorrente da posse coletiva em área urbana Art 10 As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados ocupadas por população de baixa renda para sua moradia por cinco anos ininterruptamente e sem oposição onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural 1º O possuidor pode para o fim de contar o prazo exigido por este artigo acrescentar sua posse à de seu antecessor contanto que ambas sejam contínuas 2º A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz mediante sentença a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis 3º Na sentença o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos estabelecendo frações ideais diferenciadas 4º O condomínio especial constituído é indivisível não sendo passível de extinção salvo deliberação favorável tomada por no mínimo dois terços dos condôminos no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio 5º As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes obrigando também os demais discordantes ou ausentes O dispositivo sob comento não apenas consagra o direito de propriedade derivado da prescrição aquisitiva de imóvel urbano com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados mas também prevê a criação por ato judicial de um condomínio Visa a contemplar a população de baixa renda podendose utilizar talvez para a aferição dos beneficiários os critérios utilizados pelo Programa Bolsa Família ou outro programa governamental congênere embora o preenchimento deste conceito aberto dependa do juiz em face do caso concreto Comentando o dispositivo pondera SÍLVIO VENOSA No usucapião coletivo instituído pelo Estatuto da Cidade a lei determina que o juiz atribuirá igual fração ideal do terreno a cada possuidor independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos estabelecendo frações ideais diferenciadas artigo 10 3º Essa modalidade de aquisição da propriedade é dirigida à população de baixa renda como menciona a lei embora esta não defina o que se entende por baixa renda A definição ficará por conta do juiz no caso concreto O estatuto menciona também que pode haver soma de posses para o prazo ser atingido desde que ambas as posses sejam contínuas artigo 10 1º 586 Esta modalidade de usucapião assemelhase posto não se identifique com o controvertido instituto previsto nos 4º e 5º do art 1228 do Código Civil analisado em seguida 4126 Usucapião rural coletiva art 1228 4º e 5º do CC 587 O 4º do art 1228 do Código Civil dispõe que o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área na posse ininterrupta e de boafé por mais de cinco anos de considerável número de pessoas e estas nela houverem realizado em conjunto ou separadamente obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante Tratase de instituto jurídico muito peculiar e que se analisado com bastante atenção poderá causar nos uma sensação de desconforto provocada por contundentes indagações E tal inquietude ganha fôlego em face dos desencontros doutrinários que se seguiram à entrada em vigor do referido dispositivo Afinal o codificador teria criado uma nova forma de desapropriação ou estaríamos diante de uma modalidade peculiar de usucapião especial ou coletivo De fato argumentos há apontando para ambas as direções Sob o prisma topográfico e seguindo um critério de interpretação sistemática temse a impressão de que se consagrou uma nova modalidade expropriatória uma espécie de desapropriação judicial Isso porque no parágrafo antecedente o legislador a teor do art 5º XXIV da Constituição Federal regulou expressamente as hipóteses de desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social para em seguida dispor no dispositivo sob comento que o proprietário também poderia ser privado da coisa em função da posse exercida por terceiro mediante pagamento de indenização 5º Ora ao utilizar a palavra também e fazer referência à indenização a ser paga ao expropriado transparece que fora acrescentada mais uma modalidade de desapropriação ao rol elencado no parágrafo anterior Defendendo a natureza expropriatória do instituto MONICA AGUIAR da Universidade Federal da Bahia em excelente artigo observa Essa desapropriação realizada diretamente pelo Poder Judiciário sem intervenção prévia de outros Poderes é figura nova em nosso sistema positivo Em um mesmo artigo 4º do art 1228 o legislador faz uso de vários conceitos jurídicos indeterminados considerável para qualificar o número de pessoas de interesse social e econômico para adjetivar as obras e serviços e extensa para identificar a área Abrese então um aparente leque de possibilidades para o preenchimento do conteúdo jurídico desses conceitos pelo Magistrado que conforme relatado será o artífice dessa desapropriação 588 Entretanto outros autores também de inegável valor sustentam tratarse de modalidade nova de usucapião a exemplo de TEORI ZAVASCKI na obra A Reconstrução do Direito Privado 589 Nesse mesmo diapasão EDUARDO CAMBI respeitado jurista após mencionar que se cuida de usucapião coletiva pondera Tratase de instituto jurídico novo e autônomo cuja diferença essencial em relação aos imóveis urbanos está no tamanho por extrapolar os 250 m duzentos e cinquenta metros quadrados previsto no art 183 da CF para a usucapião especial Além disso o novo Código Civil vai além da Lei n 102572001 pois estende o instituto aos imóveis rurais não contemplados no Estatuto da Cidade 590 Nessa linha de raciocínio uma vez que a perda da propriedade se dá pela posse exercida por uma coletividade de pessoas dentro de um lapso de tempo previsto em lei 5 anos não há em nosso sentir como negar a nota característica da prescrição aquisitiva razão por que a tese da usucapião nos pareceria mais atrativa Ademais valorizando a posse chegaríamos à conclusão de que o legislador pretendeu criar por meio desse instituto um instrumento de socialização da terra previsto para aquelas situações em que o descaso do proprietário justificaria a perda do seu imóvel em favor dos efetivos possuidores da área Notase ademais a utilização de inúmeros conceitos abertos ou indeterminados como extensa área de terra boafé interesse social e econômico que deverão ser devidamente preenchidos pelo magistrado no caso concreto com cautela e diligência a fim de se evitar a indesejável insegurança jurídica Encarando o instituto como modalidade de usucapião não se deixaria de atender também ao princípio constitucional da função social da posse e da propriedade compensando aqueles que dão destinação útil ao imóvel e minimizandose ao menos no plano legal os conflitos possessórios coletivos 591 Mas ainda que se cuide de um novo tipo de usucapião oneroso uma pergunta surge imediatamente em nossa mente quem arcaria com essa indenização O Código Civil não é claro Art 1228 5º No caso do parágrafo antecedente o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário pago o preço valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores Segundo a Professora MONICA AGUIAR no mencionado artigo a indenização deveria ser arcada pela União ou pelo Município caso se trate de expropriação rural ou urbana Para os imóveis rurais não resta dúvida que essa indenização deve ser arcada pela União quer por força do comando dos arts 184 a 186 da Constituição Federal quer por observância dos critérios estabelecidos pela Lei 8629 de 25293 com a redação que lhe foi conferida pela Lei 10279 de 12092001 e Lei Complementar 76 de 6793 Ocorre que o instituto em que pese não haver qualquer limitação expressa na legislação foi concebido tendo em vista especialmente os imóveis localizados em área urbana Nessa hipótese inadmissível a aplicação direta dos mencionados dispositivos Percebase outrossim que não é exigida como ocorre com a usucapião o exercício da posse com animus domini Parece que o ônus será do Município em que localizada a área haja vista que o comando do plano diretor da cidade é de competência exclusivamente municipal Há uma corresponsabilidade na tolerância da ocupação de terrenos com a criação de verdadeiras favelas nascidas de invasões pelos que não têm moradia 592 TEORI ZAVASCKI e EDUARDO CAMBI por sua vez entendem que o pagamento seria feito pelos próprios possuidores prescribentes da referida área Em outro plano CARLOS ALBERTO DABUS MALUF diante da falta de previsibilidade legal reputa o referido artigo inconstitucional Tal forma de usucapião aniquila o direito de propriedade previsto na Lei Maior configurando um verdadeiro confisco pois como já dissemos incentiva a invasão de terras urbanas subtrai a propriedade do seu titular sem ter ele direito a qualquer indenização 593 De fato embora não enfrentemos o problema sob o viés exclusivo do proprietário a impressão que se tem é de que o dispositivo está fadado à ineficácia social Atribuir a obrigação indenizatória a uma das entidades federativas sem previsão legal a respeito afigurase em nosso sentir inviável mormente em se tratando dos Municípios brasileiros que já se encontram em situação econômica desesperadora não havendo ademais previsão constitucional específica em face desse novo instituto Impor a mesma obrigação aos ocupantes da terra posição que vem ganhando força na doutrina data venia também não nos pareceria adequado por uma constatação imediata em geral os possuidores são desprovidos de recursos financeiros e não teriam como arcar com esse pagamento Assim sendo concluímos que o referido dispositivo carece de sustentação estando condenado à ineficácia social por manifesta inviabilidade De um lado prejudicase o proprietário por não haverem sido regulados os mecanismos efetivos de pagamento da indenização prevista de outro imputandose o dever ao ocupante da terra posição que parece ser majoritária estarseia impedindo o plano nacional de política agrária e de construção de uma sociedade mais justa nos termos da nossa Lei Maior Diante de tudo isso notamos que o legislador teve grande fôlego e coragem para iniciar a redação do artigo de lei mas acabou perdendose no final omitindo aspectos relevantes para a sua plena aplicabilidade Melhor seria que por meio de alteração legislativa se adotasse uma forma típica de usucapião coletiva semelhante àquela prevista no art 10 do Estatuto da Cidade vista linhas acima sem referência alguma ao pagamento de indenização e desde que os requisitos gerais fossem devidamente observados posseanimustempo 4127 Usucapião familiar art 1240A do CC Nos termos do art 1240A do Código Civil aquele que exercer por 2 dois anos ininterruptamente e sem oposição posse direta com exclusividade sobre imóvel urbano de até 250m² duzentos e cinquenta metros quadrados cuja propriedade divida com excônjuge ou excompanheiro que abandonou o lar utilizandoo para sua moradia ou de sua família adquirirlheá o domínio integral desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural Tratase de dispositivo incluído pela Lei n 124242011 consagrador da denominada usucapião familiar prófamília ou por abandono de lar conjugal cujo respectivo direito somente poderá ser reconhecido ao possuidor uma única vez Todas os standards de família são contemplados pela norma inclusive os núcleos homoafetivos 594 Com acerto o Enunciado n 501 da V Jornada de Direito Civil dispõe que as expressões excônjuge e excompanheiro contidas no art 1240A do Código Civil correspondem à situação fática da separação independentemente de divórcio Como se pode notar o prazo para se operar a prescrição aquisitiva é reduzido 2 anos 595 se compararmos com as outras formas de usucapião Com efeito se o abandono do lar não é mais fundamento jurídico para o divórcio na medida em que este direito é essencialmente potestativo e dispensa causa específica declarada por outro lado poderá resultar no reconhecimento da usucapião em favor do cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel do casal exercendo posse mansa pacífica e com animus domini 596 Comentando o dispositivo escreve ELPÍDIO DONIZETTI A concretude auxilia na compreensão Marido e mulher possuem um imóvel de morada casa ou apartamento na cidade de até 250 m² pouco importa se adquirido com economia de ambos ou se o condomínio se formou em decorrência de união estável ou do regime de bens do casamento O marido se engraçou por uma moçoila e foi viver esse novo amor nas ilhas Maldívias ficando mais de dois anos sem querer saber notícias do mundo muito menos da ex Resultado da aventura se a mulher continuou a morar na casa e não era proprietária de outro imóvel urbano ou rural adquire a totalidade do bem por usucapião Para ver o seu direito reconhecido basta ingressar na justiça e provar os requisitos legais O que não vai faltar é testemunha com dor de cotovelos para dizer que o marido era um crápula 597 Por óbvio esta forma de usucapião por se tratar de modo originário de aquisição da propriedade prevalece em face do próprio direito decorrente da meação Questão interessante diz respeito à saída compulsória de um dos cônjuges em virtude de ordem judicial a exemplo do que se dá nas medidas de natureza acautelatórias emanadas da Lei Maria da Penha Neste caso é forçoso convir não se poderá reconhecer a prescrição aquisitiva contra quem fora compelido a se retirar da residência mesmo que houvesse dado causa à medida por conta do seu mau comportamento 598 Na mesma linha se o abandono resulta de consenso ou ajuste entre os cônjuges ou companheiros a usucapião não se concretiza Cuidase de agravo art 544 do CPC73 interposto em face de decisão denegatória de seguimento ao recurso especial O apelo extremo fundamentado no artigo 105 inciso III alínea a da Constituição Federal desafia acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado fls 230231 eSTJ 4 O reconhecimento da usucapião por abandono do lar prevista no artigo 1240A do Código Civil usucapião familiar ou prófamília ensejando que imóvel comum passe ao domínio exclusivo de um dos cônjuges à margem do regime de bens que norteara o casamento tem como premissa o animus abandonandi do cônjuge que deixa o imóvel no qual estava estabelecido o lar conjugal determinando que o consorte que nele permanecera assumisse os encargos gerados pela coisa e pela família não satisfazendo essa premissa a separação de fato realizada de comum acordo conquanto tenha resultado na saída do varão do lar conjugal e a permanência da cônjuge virago no imóvel comum 1 Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo Da análise do recurso especial constatase a relevância das razões deduzidas o que autoriza a reautuação dos autos nos termos do artigo 253 inciso II alínea d do RISTJ sem prejuízo do ulterior juízo definitivo de admissibilidade acerca do apelo extremo 2 Do exposto conheço do agravo para determinar a reautuação dos autos como recurso especial para melhor exame da controvérsia Publiquese Intimemse Brasília DF 10 de junho de 2016 Ministro Marco Buzzi Relator STJ A REsp 638670DF 201402866600 Portanto o abandono deverá resultar de comportamento voluntário e unilateral para que se possa configurar esta especial modalidade de usucapião 4128 Usucapião indígena art 1228 4º e 5º do CC O instituto da usucapião indígena é previsto no Estatuto do Índio Lei n 6001 de 1973 Art 33 O índio integrado ou não que ocupe como próprio por dez anos consecutivos trecho de terra inferior a cinquenta hectares adquirirlheá a propriedade plena Parágrafo único O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União ocupadas por grupos tribais às áreas reservadas de que trata esta Lei nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal Tratase de modalidade pouco conhecida de usucapião mas que merece referência A título de complementação observamos que se prefere hoje a expressão indígena conforme se pode notar na recente alteração determinada pela Lei n 13146 de 2015 realizada no parágrafo único do art 4º do Código Civil 4129 Usucapião administrativa art 1071 do CPC O art 1071 do Código Civil alterou a Lei de Registros Públicos Lei n 6015 de 1973 para fazer constar a disciplina de uma forma extrajudicial ou administrativa de usucapião Vale dizer este instituto escapa da regra geral da reserva de jurisdição na medida em que a prescrição aquisitiva é oficialmente reconhecida por meio de ato de natureza não jurisdicional O dispositivo merece transcrição Art 1071 O Capítulo III do Título V da Lei n 6015 de 31 de dezembro de 1973 Lei de Registros Públicos passa a vigorar acrescido do seguinte art 216A Art 216A Sem prejuízo da via jurisdicional é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo a requerimento do interessado representado por advogado instruído com I ata notarial lavrada pelo tabelião atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores conforme o caso e suas circunstâncias II planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes III certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente IV justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem a continuidade a natureza e o tempo da posse tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel 1º O pedido será autuado pelo registrador prorrogandose o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes esse será notificado pelo registrador competente pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento para manifestar seu consentimento expresso em 15 quinze dias interpretado o seu silêncio como discordância 3º O oficial de registro de imóveis dará ciência à União ao Estado ao Distrito Federal e ao Município pessoalmente por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos ou pelo correio com aviso de recebimento para que se manifestem em 15 quinze dias sobre o pedido 4º O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação onde houver para a ciência de terceiros eventualmente interessados que poderão se manifestar em 15 quinze dias 5º Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis 6º Transcorrido o prazo de que trata o 4º deste artigo sem pendência de diligências na forma do 5º deste artigo e achandose em ordem a documentação com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas sendo permitida a abertura de matrícula se for o caso 7º Em qualquer caso é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida nos termos desta Lei 8º Ao final das diligências se a documentação não estiver em ordem o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido 9º A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião 10 Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequála ao procedimento comum Comentando o instituto anota ROBERTO PAULINO DE ALBUQUERQUE JÚNIOR O novo Código de Processo Civil Lei 1310515 regula em seu artigo 1071 um procedimento administrativo extrajudicial para o usucapião de bens imóveis O dispositivo não cria o usucapião administrativo pois o artigo 60 da Lei 1197909 Lei do Programa Minha Casa Minha Vida já previa uma figura similar para detentores de título de legitimação de posse O que há de novo contudo é a generalização do procedimento a qualquer suporte fático de usucapião em que haja consenso ampliando sensivelmente o âmbito de aplicação do instituto Com base no artigo 1071 a Lei de Registros Públicos Lei 601573 passa a ser acrescida do artigo 216A que regula o procedimento do usucapião a ser requerido perante o oficial de registro de imóveis 599 E em outro ponto do texto o autor destaca Vale ressaltar um ponto importante da regulamentação normativa se o confinante ou titular de direitos reais não se manifestar não se presume sua anuência A solução adotada é oposta à vigente na retificação extrajudicial em que o silêncio do confinante notificado implica concordância tácita Lei de Registros Públicos artigo 213 5º Com a cautela legislativa a segurança jurídica foi privilegiada em detrimento da efetividade Um estudo estatístico que analise o número de retificações administrativas em comparação com o de contestações judiciais posteriores pode servir para confirmar a solução do novo artigo 216A ou para indicar a necessidade de sua reforma posterior Prevê o legislador ainda que o registrador poderá realizar diligências in loco para elucidar dúvidas que tenham restado da análise da documentação Esta faculdade do delegatário deve ser exercida com a necessária cautela pois ordinariamente o oficial não tem formação técnica em engenharia e a inspeção deve se proceder dentro do que é possível verificar sem essa habilitação específica neste sentido CENEVIVA Walter Lei dos Registros Públicos comentada 19 ed São Paulo Saraiva 2009 p 494 Se qualquer das partes interessadas apresentar impugnação o registrador remeterá os autos ao juízo competente para apreciação Nesse caso cabe a emenda da inicial para ajustála às exigências do processo judicial Se a documentação é insuficiente e o requerente não se conformou com as exigências formuladas pode requerer a suscitação de dúvida Lei de Registros Públicos artigo 198 para que o juiz decida no âmbito administrativo 600 Por fim destacamos o 9º do art 216A acima transcrito que expressamente dispõe não haver óbice ao ajuizamento da ação de usucapião caso rejeitado o pedido administrativo Tal regra é forçoso convir emana do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição 42 Registro imobiliário O Código Civil ainda prevê a aquisição da propriedade imobiliária por meio do registro do título Esta matéria é estudada no âmbito do Direito Registral e Notarial especialmente em face das disposições das Leis n 6015 de 1973 Lei de Registros Públicos 601 e 8935 de 1994 Embora não seja o objetivo desta obra ingressar nesta seara não nos furtamos de tecer algumas breves e relevantes considerações a respeito do tema para enriquecer o estudo e aprimorar o conhecimento do nosso amigo leitor antes de ingressarmos nas disposições específicas do Código Civil acerca da aquisição da propriedade imobiliária que mais de perto por óbvio nos interessam Com efeito cuidaremos inicialmente de diferenciar três expressões muito utilizadas e por vezes confundidas matrícula registro e averbação A matrícula em linguagem figurada é o número de batismo do imóvel em outras palavras a matrícula é efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência da Lei de Registros Públicos art 228 Observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES Se parte de um imóvel for alienada caracterizando um desmembramento constituirá ela um novo imóvel que deverá então ser matriculado recebendo número próprio Pode darse também o fenômeno inverso que é a fusão ou seja a unificação de matrículas de imóveis pertencentes ao mesmo titular do direito real Admitese com efeito a fusão de dois ou mais imóveis contíguos pertencentes ao mesmo proprietário em uma só matrícula de novo número encerrandose as primitivas art 234 LRP 602 A cada nova alienação por sua vez haverá um novo número de registro mantendose a matrícula Por fim averbação é qualquer anotação feita à margem de um registro para indicar as alterações ocorridas no imóvel seja quanto à sua situação física edificação de uma casa mudança de nome de rua seja quanto à situação jurídica do seu proprietário mudança de solteiro para casado p ex 603 Voltando os olhos para o Código Civil o seu art 1245 dispõe que se transfere entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis Daí decorre o famoso ditado popular quem não registra não é dono Este ditado contém uma meia verdade Isso porque se o sujeito adquire o apartamento ou a casa mas não cuida de efetivar o registro do título contrato no Cartório de Registro Imobiliário formalmente ainda não deve ser considerado dono Todavia lembre que a propriedade poderá ser adquirida por outros meios a exemplo da usucapião Então haverá situações em que mesmo não havendo o registro o sujeito será proprietário Sucede que no âmbito das relações negociais de fato somente o registro do título tem o condão de operar a transferência do domínio 604 Isso porque no direito brasileiro exigese além do título uma solenidade o registro no caso dos bens imóveis e a tradição no caso dos bens móveis Aliás a teor do 1º do mesmo dispositivo enquanto não se registrar o título translativo o alienante continua a ser havido como dono do imóvel No Superior Tribunal de Justiça confiramse RECURSO ESPECIAL CIVIL AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO PENHORA BEM IMÓVEL OBJETO DE CESSÃO DE DIREITO À MEAÇÃO AUSÊNCIA DE REGISTRO NA FORMA EXIGIDA PELO ART 1245 DO CÓDIGO CIVIL PROPRIEDADE NÃO TRANSFERIDA POSSIBILIDADE DA CONSTRIÇÃO I Os Embargos de Declaração são corretamente rejeitados se não há omissão contradição ou obscuridade no acórdão embargado tendo a lide sido dirimida com a devida e suficiente fundamentação II A transferência da propriedade do bem imóvel entre vivos dáse mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis permanecendo o alienante na condição de proprietário do bem enquanto não for efetuado o registro III No caso muito embora a cessão de direitos tenha sido celebrada em cartório por meio de Escritura Pública de Cessão de Direitos de Meação tratase de negócio jurídico de natureza obrigacional e que portanto só produz efeito entre as partes que o celebraram não sendo oponível erga omnes antes de efetuado o registro do título translativo no Registro de Imóveis de modo que mantida a penhora realizada contra aquele em cujo nome foi transcrito o imóvel IV Recurso Especial conhecido e provido REsp 788258RS Rel Min Sidnei Beneti 3ª Turma julgado em 1122009 DJe 1012 2009 RECURSO ESPECIAL COTAS CONDOMINIAIS PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESPONSABILIDADE 1 Alienada a propriedade por compromisso de compra e venda enquanto não se registrar o título translativo o alienante continua a ser havido como dono do imóvel art 1245 1º do novo Código Civil 2 Se não há elemento seguro a indicar que o promitente comprador exerceu posse direta sobre o imóvel a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais é do promitente vendedor REsp 722501SP Rel Min Castro Filho Rel p Acórdão Min Humberto Gomes de Barros 3ª Turma julgado em 2722007 DJ 2852007 p 326 Aspecto importante e digno de nota consiste na presunção relativa de veracidade do registro Vale dizer o ato constante no registro admite impugnação por invalidade ou ainda retificação conforme se pode concluir da leitura do 2º do art 1245 e do art 1247 Art 1245 2º Enquanto não se promover por meio de ação própria a decretação de invalidade do registro e o respectivo cancelamento o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel Art 1247 Se o teor do registro não exprimir a verdade poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule Parágrafo único Cancelado o registro poderá o proprietário reivindicar o imóvel independentemente da boafé ou do título do terceiro adquirente Comentando este aspecto FLÁVIO TARTUCE observa que após longo debate optouse por adotar o sistema causal ou seja aquele que permite afastar o registro quando a sua causa não for verdadeira Clóvis do Couto e Silva diferentemente do sistema abstrato defendido por PONTES DE MIRANDA pelo qual o registro bastava por si mesmo 605 Escapa desta regra de presunção relativa de veracidade o denominado Registro Torrens disciplinado nos arts 277 a 288 da Lei de Registros Públicos uma vez que observado o devido procedimento legal para a sua formalização haverá presunção absoluta em favor do proprietário Nesse sentido o Enunciado 503 da V Jornada de Direito Civil É relativa a presunção de propriedade decorrente do registro imobiliário ressalvado o sistema Torrens Sobre o Registro Torrens preleciona EDUARDO SOUZA O sistema foi idealizado pelo irlandês Robert Richard Torrens que lhe deu o nome É adotado na Austrália e em algumas partes dos EUA os sistemas registrais norteamericanos variam de acordo com a legislação de cada Estado Foi introduzido no Brasil em 1890 por influência de Rui Barbosa Decreto 451B regulamentado pelo Decreto 955A e compreendia inicialmente imóveis urbanos e rurais A legislação atual o regula nos arts 277 a 288 da Lei 6015 restringindoo aos imóveis rurais Os imóveis urbanos submetidos ao sistema na legislação anterior assim o permanecem Atualmente o Registro Torrens tem pouquíssimo uso no Brasil pelo desconhecimento pelos custos e sistemática complexa há notícia de uso no Rio Grande do Sul Goiás Mato Grosso e Pará Para a submissão de um imóvel rural ao sistema Torrens exigese requerimento instruído com prova do domínio do requerente prova de atos que modifiquem ou limitem a propriedade memorial com encargos do imóvel nome dos ocupantes confrontantes e quaisquer interessados planta com memorial georreferenciada publicação de edital oitiva do Ministério Público e decisão judicial processo expurgativo Há como se vê todo um procedimento que permite conferir à publicidade presunção absoluta Coexistem no sistema registral brasileiro a presunção relativa que é a regra e a presunção absoluta decorrente do Registro Torrens e referente na legislação vigente apenas a imóveis rurais submetidos ao sistema 606 Tratase portanto de sistema que embora resulte em segurança jurídica para o proprietário é de pouca aplicação prática talvez pela rigidez das condições exigidas para a sua formalização 43 Acessão Abordemos agora a acessão como modalidade de aquisição da propriedade imobiliária 431 Conceito A acessão é meio pelo qual se adquire propriedade imobiliária Implica aumento de volume da coisa principal mediante união física A teor do art 1248 a acessão pode se dar a por formação de ilhas b por aluvião c por avulsão d por abandono de álveo e por plantações e construções As quatro primeiras modalidades alíneas a a d traduzem formas naturais de acessão A última delas alínea e consiste em acessão artificial 432 Distinção entre acessão e benfeitoria Não é incomum haver confusão entre as duas expressões Mas por amor à boa técnica precisamos diferenciálas Benfeitoria é bem acessório tratado na Parte Geral do Código Civil Ademais sempre é artificial ou seja realizada pelo homem e é realizada na própria estrutura da coisa principal sem que haja necessariamente aumento do seu volume A acessão por sua vez poderá ser natural ou artificial e além disso implica por natureza aumento de volume da coisa razão por que é regulada na Parte Especial do Código Civil como modo de aquisição de propriedade imobiliária arts 1248 a 1259 Nessa linha uma reforma da parede de uma casa é sem dúvida uma benfeitoria ao passo que a construção de mais um andar ou um brasileiríssimo puxadinho é uma acessão artificial 433 Acessão natural formação de ilhas O surgimento de uma ilha implicará naturalmente aumento da propriedade dos proprietários ribeirinhos fronteiros nos termos do art 1249 observadas as regras seguintes a as que se formarem no meio do rio consideramse acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens na proporção de suas testadas até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais b as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideramse acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado c as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram 434 Acessão natural aluvião A aluvião consiste no aumento lento e paulatino da margem do terreno mediante acúmulo natural de detritos e sedimentos Confirase o Código Civil Art 1250 Os acréscimos formados sucessiva e imperceptivelmente por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes ou pelo desvio das águas destas pertencem aos donos dos terrenos marginais sem indenização Parágrafo único O terreno aluvial que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes dividirseá entre eles na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem Esta é a forma convencional de aluvião Mas há ainda a denominada aluvião imprópria que se dá mediante a retração das águas a exemplo da lagoa que perde volume de água resultando em aumento da margem da fazenda que a tangencia 435 Acessão natural avulsão Enquanto a aluvião se processa lentamente a avulsão é repentina Quando por força natural violenta uma porção de terra se destacar de um imóvel e se juntar a outro o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo se indenizar o dono do primeiro ou sem indenização se em um ano ninguém houver reclamado art 1251 É o caso de uma enchente que destaca bruscamente parte de um imóvel rural agregandoa com a força das águas em outra propriedade Vale salientar que o dono do prédio prejudicado terá o prazo decadencial de um ano para exercer o direito potestativo de reivindicar a parte perdida Neste caso o dono do imóvel beneficiado poderá optar por indenizar ou recusandose ao pagamento de indenização deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida o que nem sempre na prática será fácil de realizar 436 Acessão natural álveo abandonado O álveo abandonado em linguagem clara e objetiva consiste no leito seco do rio Com efeito à luz do art 1252 o álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso entendendose que os imóveis marginais se estendem até o meio do álveo 437 Acessão artificial construções e plantações Toda construção ou plantação existente em um terreno presumese feita pelo proprietário e à sua custa até que se prove o contrário art 1253 Tratase como visto de uma presunção relativa pois as circunstâncias podem conduzir a solução diversa Aquele que semeia planta ou edifica em terreno próprio com sementes plantas ou materiais alheios adquire a propriedade destes mas fica obrigado a pagarlhes o valor além de responder por perdas e danos se agiu de máfé art 1254 O pagamento das perdas de danos tem além do natural aspecto compensatório um viés também punitivo pois visa a sancionar a máfé E o que dizer se a plantação ou construção for em terreno alheio Nesse caso a teor do art 1255 aquele que semeia planta ou edifica em terreno alheio perde em proveito do proprietário as sementes plantas e construções se procedeu de boafé terá direito a indenização Até então nesses artigos iniciais o codificador consagrou a clássica regra da vis atractiva do solo ou seja o dono do solo se torna dono da acessão Sucede que o Código de 2002 inovou ao admitir a denominada acessão inversa ou invertida ou seja a possibilidade de o dono da construção ou plantação tornarse dono do solo Nessa linha o parágrafo único do art 1255 Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno aquele que de boafé plantou ou edificou adquirirá a propriedade do solo mediante pagamento da indenização fixada judicialmente se não houver acordo Note a expressão que encerra um conceito aberto ou indeterminado exceder consideravelmente Assim caberá ao juiz à luz do princípio da operabilidade um dos princípios norteadores do Código Civil juntamente com o da socialidade e o da eticidade preencher o intencional vazio normativo segundo as características e circunstâncias do caso concreto Em seguida o art 1256 dispõe que se de ambas as partes houve máfé adquirirá o proprietário as sementes plantas e construções devendo ressarcir o valor das acessões presumindose a máfé no proprietário quando o trabalho de construção ou lavoura se fez em sua presença e sem impugnação sua 607 Especial cuidado merece a situação em que a construção invade parcialmente o solo alheio Art 1258 Se a construção feita parcialmente em solo próprio invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste adquire o construtor de boafé a propriedade da parte do solo invadido se o valor da construção exceder o dessa parte e responde por indenização que represente também o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente Surpreendente é a previsão constante no parágrafo único do mesmo dispositivo Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo o construtor de máfé adquire a propriedade da parte do solo que invadiu se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção grifamos Vemos com certa preocupação esta norma Ao admitir que o construtor malintencionado adquira a propriedade da área invadida mesmo pagando o décuplo das perdas e danos abrese espaço para abusos do poder econômico no âmbito de uma nociva especulação imobiliária Aliás não iria de encontro ao princípio da eticidade admitirse o reconhecimento de direito derivado da máfé É apenas uma reflexão Por fim estabelece o art 1259 que se o construtor estiver de boafé e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste adquire a propriedade da parte do solo invadido e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente por outro lado se estiver de máfé é obrigado a demolir o que nele construiu pagando as perdas e danos apurados que serão devidos em dobro 5 AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MOBILIÁRIA Embora as formas de aquisição da propriedade móvel não desfrutem da mesma importância dispensada aos imóveis elas merecem a nossa atenção 51 Usucapião Na perspectiva do princípio constitucional da função social o Código Civil admite as formas ordinária e extraordinária de usucapião de bens móveis 608 Aquele que possuir coisa móvel como sua contínua e incontestadamente durante três anos com justo título e boafé adquirirlheá a propriedade art 1260 Tratase da forma ordinária de usucapião como se dá na situação em que o sujeito adquire um veículo mas ignora um defeito existente no ato de transferência devidamente documentado Poderá usucapir o automóvel em três anos Ainda há outrossim a forma extraordinária de usucapião da propriedade mobiliária caso em que o justo título ou a boafé não importam Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos produzirá usucapião independentemente de título ou boafé conforme previsão contida no art 1261 Nesse contexto mesmo um bem roubado ou furtado pode ser usucapido porquanto a usucapião extraordinária dispensa o elemento subjetivo ou psicológico da boafé 609 52 Ocupação Também adquirirá a propriedade mobiliária aquele que se assenhorear de coisa sem dono não sendo essa ocupação defesa por lei Em outras palavras denominase ocupação o ato de assenhoreamento de um bem móvel sem dono res nullius ou coisa abandonada res derelictae Tratase de um ato jurídico em sentido estrito ou não negocial uma vez que o efeito jurídico decorrente do simples comportamento de se apoderar do bem a aquisição da propriedade deriva automaticamente da lei 610 Por óbvio não se poderá pretender adquirir a propriedade de uma coisa perdida res desperdicta pois neste caso uma vez que o seu dono ainda a procura ainda há um liame entre si e a coisa Quanto à coisa perdida dispõem os arts 1233 a 1237 do Código Civil Da Descoberta Art 1233 Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituíla ao dono ou legítimo possuidor Parágrafo único Não o conhecendo o descobridor fará por encontrálo e se não o encontrar entregará a coisa achada à autoridade competente Art 1234 Aquele que restituir a coisa achada nos termos do artigo antecedente terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa se o dono não preferir abandonála Parágrafo único Na determinação do montante da recompensa considerarseá o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono ou o legítimo possuidor as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos Art 1235 O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo quando tiver procedido com dolo Art 1236 A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de informação somente expedindo editais se o seu valor os comportar Art 1237 Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa ou do edital não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa será esta vendida em hasta pública e deduzidas do preço as despesas mais a recompensa do descobridor pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido Parágrafo único Sendo de diminuto valor poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou Portanto que aquele que acha coisa perdida tem o dever legal derivado da própria cláusula geral de boafé objetiva de efetuar a sua devolução fazendo jus a uma recompensa denominada achádego Assim tratandose de coisa perdida é forçoso convir não ser adequado o ditado popular achado não é roubado pode até não ser caso de tipificar o fato como roubo mas certamente crime de apropriação indébita de coisa achada será art 169 II do Código Penal 53 Achado de tesouro O achado de um tesouro também pode determinar a aquisição da propriedade mobiliária 611 Tratase da algo difícil de ocorrer em nossas vidas mas não é impossível E se ocorrer qual é o tratamento jurídico dado pelo legislador Confirase o Código Civil Art 1264 O depósito antigo de coisas preciosas oculto e de cujo dono não haja memória será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente Art 1265 O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio se for achado por ele ou em pesquisa que ordenou ou por terceiro não autorizado Art 1266 Achandose em terreno aforado o tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o enfiteuta 612 ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor 54 Tradição No direito brasileiro a aquisição da propriedade não deriva apenas do título exigindose ainda uma solenidade Por tal razão se o sujeito assina o instrumento contratual de compra e venda para a aquisição de um veículo à vista por exemplo ele somente será considerado proprietário quando a tradição do bem se operar 613 Isso porque no caso dos bens móveis a solenidade exigida é a tradição transferência ou entrega da coisa ao adquirente ao passo que conforme já vimos em tópico anterior no caso dos bens imóveis é o registro A tradição poderá ser a real quando a coisa é efetivamente entregue ao adquirente como se dá no exemplo da compra de uma camisa no shopping center b ficta aqui não há uma transferência efetiva mas apenas fictícia como se dá no constituto possessório situação em que o sujeito já possuía a coisa 614 c simbólica quando a transferência do bem se opera por meio de um símbolo ou sinal a exemplo da entrega das chaves do apartamento Outro importante aspecto diz respeito à vedação da alienação a non domino O Código expressamente prevê a impossibilidade de a tradição operar a transferência da propriedade se a alienação for feita por quem não seja o dono Mas a regra comporta exceção Art 1268 Feita por quem não seja proprietário a tradição não aliena a propriedade exceto se a coisa oferecida ao público em leilão ou estabelecimento comercial for transferida em circunstâncias tais que ao adquirente de boafé como a qualquer pessoa o alienante se afigurar dono 1º Se o adquirente estiver de boafé e o alienante adquirir depois a propriedade considerase realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição 2º Não transfere a propriedade a tradição quando tiver por título um negócio jurídico nulo Esse artigo contempla com amparo na teoria da aparência a cláusula geral de boafé objetiva Notese que a validade da alienação neste caso pressupõe além da boafé do adquirente a posterior aquisição da propriedade por parte daquele que se apresentava como dono da coisa Caso não seja posteriormente adquirida a propriedade para efeito de legitimar a alienação realizada pensamos que a coisa deverá retornar ao seu real titular fazendo jus o adquirente prejudicado às respectivas perdas e danos 55 Especificação A especificação é modo de aquisição da propriedade mobiliária por meio da transformação da matériaprima em obra final Em geral tem natureza de ato jurídico em sentido estrito ou seja consiste em um comportamento humano voluntário e consciente cujo efeito jurídico está previamente determinado em lei a aquisição da propriedade 615 Imagine a título de exemplo que Sônia artesã premiada utiliza sem perceber a argila da colega Márcia para realizar uma obra Dispõe o Código Civil Art 1269 Aquele que trabalhando em matériaprima em parte alheia obtiver espécie nova desta será proprietário se não se puder restituir à forma anterior Art 1270 Se toda a matéria for alheia e não se puder reduzir à forma precedente será do especificador de boafé a espécie nova 1º Sendo praticável a redução ou quando impraticável se a espécie nova se obteve de máfé pertencerá ao dono da matériaprima 2º Em qualquer caso inclusive o da pintura em relação à tela da escultura escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à matériaprima a espécie nova será do especificador se o seu valor exceder consideravelmente o da matériaprima Art 1271 Aos prejudicados nas hipóteses dos arts 1269 e 1270 se ressarcirá o dano que sofrerem menos ao especificador de máfé no caso do 1º do artigo antecedente quando irredutível a especificação Notese que como regra geral a lei contempla o especificador estabelecendo um critério de compensação para o dono da matériaprima De certa forma há aí em nosso pensar um certo grau de influência da possetrabalho em favor daquele que de boafé realiza o serviço artístico 56 Confusão comistão e adjunção Finalmente temos três formas pouco comuns de aquisição da propriedade mobiliária Antes de iniciarmos a sua análise registramos que a referência feita pelo codificador à palavra comissão é equivocada resultando de erro material uma vez que a terminologia correta é comistão Outra observação importante diz respeito à diferença existente entre a confusão aqui tratada modo de aquisição de bens móveis com a confusão estudada no Direito das Obrigações art 381 do CC2002 616 Quanto a esta última ocorre ela quando as qualidades de credor e devedor são reunidas em uma mesma pessoa extinguindose consequentemente a relação jurídica obrigacional Tratase de uma situação em que os sujeitos se confundem seja causa mortis ex quando um sujeito é devedor de um parente e por força do falecimento deste adquire por sucessão a sua herança ou por ato inter vivos ex se o indivíduo subscreve um título de crédito obrigandose a pagar o valor descrito no documento e a cártula após circular chega às suas próprias mãos por endosso Já confusão prevista nos arts 1272 a 1274 do CC2002 se refere à aquisição da propriedade móvel de coisas líquidas que se misturam Pois bem Traçadas essas importantes premissas vamos agora compreender as figuras Confusão é a mistura de líquidos água e vinho por exemplo Comistão é a mistura de sólidos areia e sal mineral por exemplo Adjunção é a justaposição de uma coisa à outra uma peça de metal fundida é acoplada em uma placa de cobre por exemplo Em tais casos se as coisas pertencerem a proprietários distintos o que fazer Vejamos o que preceitua o Código Civil de 2002 Art 1272 As coisas pertencentes a diversos donos confundidas misturadas ou adjuntadas sem o consentimento deles continuam a pertencerlhes sendo possível separálas sem deterioração 1º Não sendo possível a separação das coisas ou exigindo dispêndio excessivo subsiste indiviso o todo cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado 2º Se uma das coisas puder considerarse principal o dono sêloá do todo indenizando os outros Art 1273 Se a confusão comissão ou adjunção se operou de máfé à outra parte caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo pagando o que não for seu abatida a indenização que lhe for devida ou renunciar ao que lhe pertencer caso em que será indenizado Art 1274 Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie nova à confusão comissão ou adjunção aplicamse as normas dos arts 1272 e 1273 Notese mais uma vez que o legislador utiliza como parâmetro para a definição de direitos a boa ou a máfé do agente na perspectiva do princípio maior da eticidade 6 PERDA DA PROPRIEDADE Sobre a perda da propriedade móvel ou imóvel dispõe o Código Civil Art 1275 Além das causas consideradas neste Código perdese a propriedade I por alienação II pela renúncia III por abandono IV por perecimento da coisa V por desapropriação Parágrafo único Nos casos dos incisos I e II os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis A expressão além das causas consideradas neste Código não pode ser ignorada na medida em que indica tratarse de rol não exaustivo A usucapião por exemplo embora não esteja prevista neste dispositivo também opera a perda da propriedade por parte de quem sofre a ação da posse ad usucapionem Alienação traduz transferência de propriedade a exemplo do que se dá como efeito da tradição decorrente da compra e venda O vendedor por óbvio perde a sua propriedade em favor do adquirente Renúncia por sua vez consiste em um ato formal de abdicação da coisa como ocorre no ato renunciativo de um imóvel lavrado e registrado em cartório Diferentemente o abandono é informal ou seja é a mera deixação material da coisa independente de escrituração ou registro cartorário O perecimento também opera o fim da propriedade na medida em que consiste na destruição do próprio bem como na situação em que uma peça de ferro é completamente arruinada pela força da maresia Finalmente a desapropriação tema estudado no âmbito do Direito Administrativo também resultará na extinção da propriedade 617 O abandono de imóvel mereceu referência também no artigo seguinte Art 1276 O imóvel urbano que o proprietário abandonar com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio e que se não encontrar na posse de outrem poderá ser arrecadado como bem vago e passar três anos depois à propriedade do Município ou à do Distrito Federal se se achar nas respectivas circunscrições 618 1º O imóvel situado na zona rural abandonado nas mesmas circunstâncias poderá ser arrecadado como bem vago e passar três anos depois à propriedade da União onde quer que ele se localize 2º Presumirseá de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo quando cessados os atos de posse deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais Passível de justas críticas é o 2º acima mencionado porquanto uma presunção absoluta do animus abandonandi poderia configurar indevido e inconstitucional confisco Nesse sentido com absoluta propriedade preceitua o Enunciado n 243 da III Jornada de Direito Civil Enunciado n 243 Art 1276 A presunção de que trata o 2º do art 1276 não pode ser interpretada de modo a contrariar a norma princípio do art 150 IV da Constituição da República 619 Tratase de posicionamento que se harmoniza sem dúvida com o Texto Constitucional LXI DIREITOS DE VIZINHANÇA 1 CONCEITO Os direitos de vizinhança traduzem um conjunto de normas e princípios que disciplina a convivência pacífica e harmoniosa entre vizinhos Em essência consistem em poderes positivos e negativos ações ou omissões legalmente impostos aos proprietários e possuidores que compartilham a mesma vizinhança Não se confundem com a servidão direito real na coisa alheia nem com as limitações públicas ou o poder de polícia emanados do Direito Administrativo a exemplo das restrições impostas pelo Plano Diretor do Município Os direitos de vizinhança lembra CARLOS ROBERTO GONÇALVES são obrigações propter rem porque vinculam os confinantes acompanhando a coisa 1 Os direitos de vizinhança encontram justificativa no próprio princípio da função social e na vedação ao abuso de direito 2 2 USO ANORMAL DA PROPRIEDADE ARTS 1277 A 1281 O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança ao sossego e à saúde dos que o habitam provocadas pela utilização de propriedade vizinha nos termos do art 1277 3 Notese que esta obrigação não é imposta apenas ao titular da propriedade mas também a quem exerce apenas a posse a exemplo do locatário ou do comodatário Proíbemse as interferências segundo o parágrafo único do mesmo dispositivo considerandose a natureza da utilização a localização do prédio atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança Ou seja devese levar em conta critérios objetivos aliados à finalidade social e não necessariamente a precedência do direito de um proprietário ou possuidor em face do outro teoria da préocupação Vale dizer se um clube em uma zona predominantemente residencial costuma realizar festas barulhentas que se prolongam pela madrugada o proprietário do imóvel vizinho que pode ser um hospital a título de exemplo poderá exigir que o uso nocivo do direito cesse mesmo que a construção do clube seja anterior à do hospital Sobre o tema observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES em princípio não teria razão para reclamar quem construísse nas proximidades de estabelecimentos barulhentos ou perigosos É o que sustenta a teoria da préocupação Por ela aquele que primeiramente se instala em determinado local acaba de certo modo estabelecendo a sua destinação Tal teoria não pode entretanto ser aceita em todos os casos e sem reservas 4 Vale acrescentar que o proprietário ou possuidor prejudicado poderá intentar demanda individual na Vara Cível ou Juizado Especial a depender do caso No entanto se o uso nocivo atinge um grupo ou um número indeterminado de pessoas poderá ser ajuizada demanda coletiva pelo próprio Ministério Público Interessante é a previsão do art 1280 do Código Civil O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição ou a reparação deste quando ameace ruína bem como que lhe preste caução pelo dano iminente Este dispositivo consagra a antiga ação de dano infecto em favor do proprietário ou do possuidor Sobre esta ação discorre BEVILÁQUA 5 Este direito traduzse pela ação de dano infecto na qual se pede que o vizinho dê caução do dano iminente cautio damni infecti ou pela responsabilidade do autor do dano se este se realiza Acrescenta ainda o mesmo autor que o proprietário pode manejar a ação ainda que não habite o imóvel Nessa mesma linha dispõe o art 1281 que o proprietário ou o possuidor de um prédio em que alguém tenha direito de fazer obras pode no caso de dano iminente exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual Finalmente confirase o seguinte julgado do STJ que faz menção a possível dano infecto proveniente de instalação de uma estação de rádio AGRAVO REGIMENTAL RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL CIVIL AÇÃO DE DANO INFECTO INSTALAÇÃO DE ESTAÇÃO RADIO BASE ERB EXIGÊNCIAS AMBIENTAIS E DE POSTURA URBANA ACÓRDÃO FUNDAMENTADO NA LEGISLAÇÃO LOCAL CONFLITO COM LEI FEDERAL E COM A CONSTITUIÇÃO MATÉRIA DA COMPETÊNCIA DO STF 1 Controvérsia acerca do dano infecto decorrente de estação radio base ERB em relação aos imóveis vizinhos 2 Existência de lei municipal disciplinando a matéria 3 Competência do Supremo Tribunal Federal para analisar o conflito da lei municipal com a legislação federal 4 AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO AgRg no REsp 1377898MG Rel Min Paulo De Tarso Sanseverino 3ª Turma julgado em 2842015 DJe 752015 3 ÁRVORES LIMÍTROFES ARTS 1282 A 1284 A árvore cujo tronco estiver na linha divisória presumese pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes nos termos do art 1282 Por outro lado as raízes e os ramos de árvore que ultrapassarem a estrema do prédio poderão ser cortados até o plano vertical divisório pelo proprietário do terreno invadido art 1283 Vale dizer se o ramo da árvore do vizinho ultrapassa o limite da cerca divisória invadindo o meu terreno eu terei o direito de fazer a poda Por fim os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram se este for de propriedade particular conforme previsão contida no art 1284 Aqui está uma das poucas exceções à regra de que o acessório segue o principal princípio da gravitação jurídica 6 Por óbvio esta última hipótese não se confunde com a prática de se utilizar dolosamente varas ou apetrechos com rede para subtrair frutos de árvores pendentes ou caídas no terreno vizinho 4 PASSAGEM FORÇADA ART 1285 Para a adequada compreensão deste instituto fazse necessário traçar inicialmente uma importante diagnose diferencial Passagem forçada diferentemente do que o senso comum pode sugerir não se confunde com servidão A primeira ora estudada é direito de vizinhança emanado diretamente da lei com necessário pagamento de indenização a segunda é direito real na coisa alheia sem caráter obrigatório e com pagamento facultativo de verba compensatória 7 Nos termos do art 1285 o dono do imóvel que não tiver acesso a via pública nascente ou porto pode mediante pagamento de indenização cabal constranger o vizinho a lhe dar passagem forçada cujo rumo será judicialmente fixado se necessário Esta noção de encravamento em nosso sentir deve ser compreendida com cautela e equilíbrio na perspectiva do princípio da função social Nessa linha estabelece o Enunciado n 88 da I Jornada de Direito Civil Art 1285 O direito de passagem forçada previsto no art 1285 do CC também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado consideradas inclusive as necessidades de exploração econômica Segundo MARIA HELENA DINIZ esse direito à passagem forçada fundase no princípio da solidariedade social que preside as relações de vizinhança e no fato de ter a propriedade uma função econômicosocial que interessa à coletividade Logo é preciso proporcionar ao prédio encravado uma via de acesso pois do contrário ele se tornaria improdutivo já que seu dono ficaria impossibilitado de lhe dar utilização econômica 8 Neste ponto uma pergunta se impõe qual dos proprietários vizinhos deverá suportar a passagem Respondenos o 1º do mesmo dispositivo sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem Todavia se ocorrer alienação parcial do prédio de modo que uma das partes perca o acesso à via pública nascente ou porto o proprietário da outra deve tolerar a passagem 2º Traduzindo se o meu imóvel ficou preso ou encravado sem acesso à via pública fonte ou porto após eu haver alienado parte dele o próprio adquirente para quem efetuei a venda suportará a passagem9 5 PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES ARTS 1286 E 1287 Sobre este tipo de passagem dispõe o Código Civil Art 1286 Mediante recebimento de indenização que atenda também à desvalorização da área remanescente o proprietário é obrigado a tolerar a passagem através de seu imóvel de cabos tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública em proveito de proprietários vizinhos quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa Parágrafo único O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado bem como depois seja removida à sua custa para outro local do imóvel Art 1287 Se as instalações oferecerem grave risco será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a realização de obras de segurança Na mesma linha das normas anteriormente estudadas o princípio da função social justifica o reconhecimento deste direito de passagem Na jurisprudência do Tribunal do Rio Grande do Sul confirase APELAÇÃO CÍVEL DIREITO DE VIZINHANÇA PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES ATRAVÉS DE UM IMÓVEL PARA ATINGIR OUTRO POSSIBILIDADE EXEGESE DO ART 1286 DO CC Verificado que o prédio localizado nos fundos de imóvel utilizado em condomínio pródiviso não possui saída para a via pública impõese permitir que os cabos e tubulações necessários à execução de rede de água e de energia elétrica sejam instalados nesse imóvel a partir do terreno vizinho Exegese do art 1286 do CC APELO PROVIDO UNÂNIME Apelação Cível n 70066868365 Vigésima Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS Relator Dilso Domingos Pereira julgado em 11112015 Notese o caráter coercitivo do direito de vizinhança ora analisado em face da expressão utilizada no julgado impõese permitir reforçando o aspecto funcional do instituto 6 DAS ÁGUAS ARTS 1286 E 1287 Os arts 1286 e 1287 cuidam fundamentalmente do escoamento das águas 10 O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior art 1288 Tratase de uma regra de grande importância para a boa convivência entre os vizinhos especialmente quando as moradias são edificadas em locais geograficamente acidentados ou em áreas mais elevadas Como se pode notar o escoamento das águas deve se dar respeitando o seu fluxo natural sendo vedada a realização de obras que agravem a situação do prédio inferior Por outro lado quando as águas artificialmente levadas ao prédio superior por aquedutos por exemplo ou aí colhidas águas pluviais captadas por exemplo correrem dele para o inferior poderá o dono deste reclamar que se desviem ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer nos termos do art 1289 Da indenização fixada será deduzido o valor do eventual benefício obtido Outra importante regra está prevista no art 1290 O proprietário de nascente ou do solo onde caem águas pluviais satisfeitas as necessidades de seu consumo não pode impedir ou desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores Este dispositivo em verdade veda o abuso do direito de propriedade na medida em que não se afiguraria justo que o proprietário satisfeitas as suas necessidades de consumo atuasse para obstar o compartilhamento de tão precioso bem que a Natureza nos proporciona 11 Em nosso sentir esta proibição também se aplica ao possuidor na perspectiva do princípio da função social Outras normas ainda merecem referência Art 1292 O proprietário tem direito de construir barragens açudes ou outras obras para represamento de água em seu prédio se as águas represadas invadirem prédio alheio será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido deduzido o valor do benefício obtido Art 1293 É permitido a quem quer que seja mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados construir canais através de prédios alheios para receber as águas a que tenha direito indispensáveis às primeiras necessidades da vida e desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas ou a drenagem de terrenos 1º Ao proprietário prejudicado em tal caso também assiste direito a ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas bem como da deterioração das obras destinadas a canalizálas 2º O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas pátios hortas jardins ou quintais 3º O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos e a expensas do seu dono a quem incumbem também as despesas de conservação O Código pretende conforme se pode constatar da leitura desses dispositivos conciliar o direito ao uso das águas em uma perspectiva socioeconômica e o direito à justa compensação devida aos proprietários eventualmente prejudicados Na jurisprudência APELAÇÃO CÍVEL POSSE BENS IMÓVEIS AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE SERVIDÃO DE PASSAGEM AQUEDUTO A instalação de aqueduto da forma menos gravosa possibilitando ao possuidor o direito de canalizar águas em terreno de outrem deve observar o dever de indenizar previamente aquele que for prejudicado por danos decorrentes da construção Circunstâncias dos autos em que não houve qualquer indenização prévia ao proprietário do imóvel serviente e se impõe a manutenção da sentença RECURSO DESPROVIDO Apelação Cível n 70067124511 Décima Oitava Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS Rel João Moreno Pomar julgado em 1032016 Da leitura do julgado podemos concluir que um aqueduto pode estar vinculado a uma servidão de passagem a depender das circunstâncias O aqueduto vale acrescentar não impedirá que os proprietários cerquem os imóveis e construam sobre ele sem prejuízo para a sua segurança e conservação os proprietários dos imóveis poderão usar das águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida art 1295 12 7 LIMITES ENTRE PRÉDIOS E DO DIREITO DE TAPAGEM ARTS 1297 E 1298 Esses dois dispositivos fundamentalmente consagram o direito de demarcar limitar e consequentemente proteger a propriedade Nesse ponto invocamos as palavras de RODOLFO SACCO No que se refere à propriedade imobiliária a proibição de se intrometer no espaço sobrestante tem como ponto de referência direto mais um espaço um lugar do que uma coisa 13 Com efeito o estabelecimento de limites visa em ultima ratio à proteção do espaço da propriedade privada Nos termos do art 1297 o proprietário tem direito a cercar murar valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio urbano ou rural e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados repartindose proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas Os seus parágrafos pormenorizam outras regras 1º Os intervalos muros cercas e os tapumes divisórios tais como sebes vivas cercas de arame ou de madeira valas ou banquetas presumemse até prova em contrário pertencer a ambos os proprietários confinantes sendo estes obrigados de conformidade com os costumes da localidade a concorrer em partes iguais para as despesas de sua construção e conservação 2º As sebes vivas as árvores ou plantas quaisquer que servem de marco divisório só podem ser cortadas ou arrancadas de comum acordo entre proprietários 3º A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte ou para outro fim pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles pelo proprietário que não está obrigado a concorrer para as despesas Confirase a respeito do tema o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Paraná que tratando das normas de direito de vizinhança aqui analisadas indica a necessidade de os proprietários vizinhos repartirem a despesa do muro divisório DIREITO DE VIZINHANÇA CONSTRUÇÃO DE MURO DIVISÓRIO DIREITO DE TAPAGEM PRETENSÃO À MEAÇÃO DAS DESPESAS AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO AJUSTE IRRELEVÂNCIA PRESUNÇÃO LEGAL IURIS TANTUM DE CONDOMÍNIO ART 1297 1º CC VALOR NÃO IMPUGNADO DE MODO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRAÇÃO DE FATOS EXTINTIVOS MODIFICATIVOS OU IMPEDITIVOS DO DIREITO DO AUTOR ART 333 II CPC SENTENÇA MANTIDA 1 O direito de o titular obrigar o vizinho a contribuir com parte das despesas para a construção do tapume não está subordinado a prévio ajuste entre as partes ou em sua falta a sentença judicial 2 O próprio réu admitiu em seu depoimento pessoal que ajudou a retirar a cerca para a construção do muro daí se inferindo que a construção se deu na divisa e não no terreno do autor Outrossim a testemunha por ele mesmo arrolada afirmou que construiu o muro metade na propriedade do autor e metade na propriedade do réu 3 Tendo em vista que a construção e o custeio do muro pelo autor são fatos admitidos pelo réu cabia a ele trazer aos autos outros elementos objetivos como orçamentos para demonstrar o excesso que alegou fornecendo subsídios para o seu arbitramento o que não fez Descumpriu assim o ônus que lhe competia a teor do art 333 II do Código de Processo Civil de demonstrar fatos extintivos modificativos ou impeditivos do direito do autor 4 Recurso improvido TJSP APL 00007813520128260185SP 0000781 3520128260185 Rel Artur Marques julgamento 2392013 35ª Câmara de Direito Privado publicação 2392013 Em sequência dispõe o art 1298 que sendo confusos os limites em falta de outro meio se determinarão de conformidade com a posse justa e não se achando ela provada o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios ou não sendo possível a divisão cômoda se adjudicará a um deles mediante indenização ao outro Tratase de uma regra de supletiva e ainda eventualmente necessária em um país como o nosso de dimensões continentais embora o desenvolvimento da tecnologia do georreferenciamento nos últimos anos tenha contribuído para aperfeiçoar as técnicas de demarcação Finalmente no plano processual vale a pena conferir os arts 574 a 587 do CPC2015 que disciplinam a demanda demarcatória 14 8 DIREITO DE CONSTRUIR ARTS 1297 E 1298 Encerrando o capítulo dedicado aos Direitos de Vizinhança o codificador tratou de um importante aspecto das relações entre vizinhos o direito de construir Regra geral o proprietário poderá levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver ressalvado o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos art 1299 Notese pois que se trata de um direito que encontra naturais limitações no legítimo interesse dos proprietários vizinhos e nas normas administrativas sempre na perspectiva do superior princípio constitucional da função social Nesse diapasão o proprietário construirá de maneira que o seu prédio não despeje águas diretamente sobre o prédio vizinho dispõe o art 1300 a exemplo do que se dá quando o fluxo da calha de um telhado destinada ao escoamento da água da chuva desemboca em terreno alheio 15 Merece especial atenção o art 1301 Art 1301 É defeso abrir janelas ou fazer eirado 16 terraço ou varanda a menos de metro e meio do terreno vizinho 17 1º As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória bem como as perpendiculares não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros 2º As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso Visando a resguardar direitos personalíssimos intimidade e vida privada o Código estabelece uma distância mínima para a abertura de janelas eirados terraços ou varandas 15 m do terreno vizinho Proíbemse portanto construções desta natureza a menos de metro e meio Por outro lado em caso de janelas que não sejam dispostas frontalmente em face do terreno vizinho ou seja que permitam não uma visão direta mas oblíqua a exemplo daquelas construídas perpendicularmente ao solo no telhado da casa a distância mínima é menor a teor do referido 1º setenta e cinco centímetros Reputamos muito pouco mas foi a opção do legislador Dada a expressa previsão legal em se tratando de janelas com visão indireta pensamos que a Súmula 414 do STF com cujo enunciado concordamos restou infelizmente prejudicada Não se distingue a visão direta da oblíqua na proibição de abrir janela ou fazer terraço eirado ou varanda a menos de metro e meio do prédio de outrem Tais proibições conforme prevê o 2º do mesmo dispositivo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso Ou seja as aberturas para luz e ventilação a exemplo dos basculantes respeitada a dimensão de 10 x 20 cm acima mencionada poderão ser feitas aquém da distância mínima legal Por óbvio o mesmo raciocínio deve se aplicar a portas e às paredes construídas com vidro translúcido pois neste caso a privacidade alheia é preservada Súmula 120 do STF Parede de tijolos de vidro translúcido pode ser levantada a menos de metro e meio do prédio vizinho não importando servidão sobre ele Confirase também AGRAVO REGIMENTAL DECISÃO MONOCRÁTICA EM RECURSO DE APELAÇÃO DIREITO DE VIZINHANÇA AÇÃO DEMOLITÓRIA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL MANTIDA CONSTRUÇÃO IRREGULAR DE MURO DIVISÓRIO A MENOS DE UM METRO E MEIO DO IMÓVEL DO VIZINHO COM O ESTANQUE DE QUATRO JANELAS DA SUA RESIDÊNCIA E A OBSTRUÇÃO DO FLUXO REGULAR DAS ÁGUAS PLUVIAIS PROVOCANDO ALAGAMENTOS E INFILTRAÇÕES VEDAÇÃO ABERTURAS PARA VENTILAÇÃO E ILUMINAÇÃO COLOCAÇÃO DE TIJOLOS DE VIDRO TRANSLÚCIDO POSSIBILIDADE ENUNCIADO 120 DO STF PAREDE DE TIJOLOS DE VIDRO TRANSLÚCIDO PODE SER LEVANTADA A MENOS DE METRO E MEIO DO PRÉDIO VIZINHO NÃO IMPORTANDO SERVIDÃO SOBRE ELE DEVER DO RECORRENTE DE PROCEDER ÀS ALTERAÇÕES DE MODO A SANAR AS IRREGULARIDADES E POSSIBILITAR O ESCOAMENTO DAS ÁGUAS DAS CHUVAS BEM COMO DE INDENIZAR PELOS DANOS CAUSADOS AO RECORRIDO NA FORMA IMPOSTA PELA SENTENÇA RESPONSABILIDADE OBJETIVA INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 1299 A 1301 DO CÓDIGO CIVIL RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO 3 O Juízo de Planície baseado no conjunto probatório carreado aos autos especialmente no Laudo da Inspeção Judicial realizada por dois Oficiais de Justiça fl 59 julgou parcialmente procedente o pleito autoralrecorrido condenando o apelante a substituir os tijolos comuns da edificação por tijolos de vidro translúcido ou equivalente na área das janelas do recorrido adotar procedimentos para proceder ao escoamento das águas pluviais tudo sob pena da multa diária de R 10000 cem reais bem como à indenização por dano moral no importe de R 400000 quatro mil reais 4 O recorrente interpôs o Recurso de Apelação o qual foi julgado monocraticamente pelo relator que me antecedeu mantendo incólume a sentença recorrida decorrendo o Regimental ora em apreço 5 De acordo com o artigo 1301 do Código Civil é defeso abrir janelas ou fazer eirado terraço ou varanda a menos de metro e meio do terreno vizinho Nesse caso permitese como alternativa a colocação de parede de vidros translúcidos que impeçam a visão direta e a invasão de privacidade do terreno vizinho em observância ao disposto no Enunciado n 120 do Supremo Tribunal Federal Parede de tijolos de vidro translúcido pode ser levantada a menos de metro e meio do prédio vizinho não importando servidão sobre ele 9 Recurso conhecido e improvido ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará por unanimidade em conhecer do recurso para negarlhe provimento mantendo inalterada a decisão recorrida tudo de conformidade com o voto da e Relatora TJCE AGV 00017496820118060149CE 00017496820118060149 Rel Maria de Fátima de Melo Loureiro 5ª Câmara Cível data de publicação 1282015 E o que fazer em caso de construção janela eirado terraço ou varanda que desrespeite a distância mínima legal Art 1302 O proprietário pode no lapso de ano e dia após a conclusão da obra exigir que se desfaça janela sacada terraço ou goteira sobre o seu prédio escoado o prazo não poderá por sua vez edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente nem impedir ou dificultar o escoamento das águas da goteira com prejuízo para o prédio vizinho Parágrafo único Em se tratando de vãos ou aberturas para luz seja qual for a quantidade altura e disposição o vizinho poderá a todo tempo levantar a sua edificação ou contramuro ainda que lhes vede a claridade grifamos Na vigência do CPC73 enquanto a obra irregular estava sendo realizada o proprietário prejudicado poderia embargála mediante ação de nunciação de obra nova arts 934 a 940 do CPC73 mas uma vez concluída a obra deveria ajuizar ação demolitória cujo prazo a teor do art 1302 do Código Civil era de ano e dia após a conclusão da obra O Código de Processo Civil de 2015 não regulou mais a demanda de nunciação de obra nova de forma que o pedido de embargo que não mais poderá se dar extrajudicialmente tramitará segundo as regras do procedimento comum Permanece na mesma linha a possibilidade de se pleitear a demolição da obra irregular desde que seja observado o prazo de ano e dia após a conclusão da obra observandose também as normas do procedimento comum Uma vez ultrapassado o prazo o proprietário não poderá mais exigir o desfazimento e se pretender construir deverá respeitar a distância mínima prevista em lei Nesse ponto um interessante julgado do STJ em nosso pensar merece menção DIREITO DE VIZINHANÇA Terraço Ação demolitória Contra a construção do terraço a menos de metro e meio do terreno vizinho art 573 do CC cabia ação de nunciação de obra nova até o momento de sua conclusão entendendose como tal aquela a que faltem apenas trabalhos secundários Uma vez concluída a obra faltava apenas a pintura cabível a ação demolitória com prazo decadencial de ano e dia art 576 do CCivil que se iniciou a partir da conclusão e não se interrompeu com a notificação administrativa Recurso conhecido e provido REsp 311507AL Rel Min Ruy Rosado de Aguiar 4ª Turma julgado em 1192001 DJ 5112001 p 118 18 De fato concordamos que faltando apenas a pintura ou detalhes de acabamento a obra deve ser considerada concluída O Código cuida ainda nos arts 1304 a 1307 do direito de travejamento ou madeiramento parede meia Com razão CARLOS R GONÇALVES observa O Código Civil trata das questões referentes a paredes divisórias nos arts 1304 a 1307 A denominada paredemeia é hoje de reduzida importância Paredes divisórias são as que integram a estrutura do edifício na linha de divisa Distinguemse dos muros divisórios que são regidos pelas disposições concernentes aos tapumes Muro é elemento de vedação enquanto parede é elemento de sustentação e vedação 19 De fato não são regras de frequente aplicação Mas é importante que existam pois visam a dirimir conflitos possessórios localizados envolvendo vizinhos Confiramse portanto as seguintes regras 20 Art 1304 Nas cidades vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento o dono de um terreno pode nele edificar madeirando na parede divisória do prédio contíguo se ela suportar a nova construção mas terá de embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do chão correspondentes Art 1305 O confinante que primeiro construir pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o vizinho a travejar caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce Parágrafo único Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro não poderá este fazerlhe alicerce ao pé sem prestar caução àquele pelo risco a que expõe a construção anterior Art 1306 O condômino da paredemeia pode utilizála até ao meio da espessura não pondo em risco a segurança ou a separação dos dois prédios e avisando previamente o outro condômino das obras que ali tenciona fazer não pode sem consentimento do outro fazer na paredemeia armários ou obras semelhantes correspondendo a outras da mesma natureza já feitas do lado oposto Art 1307 Qualquer dos confinantes pode altear a parede divisória se necessário reconstruindoa para suportar o alteamento arcará com todas as despesas inclusive de conservação ou com metade se o vizinho adquirir meação também na parte aumentada Em sequência o legislador estabelece expressas vedações para permitir o adequado uso da parede meia ou de outras construções no imóvel vizinho arts 1308 a 1311 a Não é lícito encostar à parede divisória chaminés fogões fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho ressalvadas as chaminés ordinárias e os fogões de cozinha neste último caso por óbvio os aparelhos mesmo permitidos não poderão obviamente por conta de utilização indevida resultar em prejuízo ao vizinho sob pena de responsabilidade b São proibidas construções capazes de poluir ou inutilizar para uso ordinário a água do poço ou nascente alheia a elas preexistentes esta disposição ganha maior força por conta do inegável valor jurídico que tem a água na perspectiva da função social c Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais pela mesma razão acima mencionada o caráter essencial da água justifica a proibição d Não é permitida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra ou que comprometa a segurança do prédio vizinho senão após haverem sido feitas as obras acautelatórias além disso nesse contexto é necessária a devida anuência do Poder Público mediante a concessão de alvará de construção para a realização da obra pretendida 21 Finalmente o legislador estabelece uma regra colaborativa art 1313 ao estabelecer que o proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio mediante prévio aviso para I dele temporariamente usar quando indispensável à reparação construção reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório II apoderarse de coisas suas inclusive animais que aí se encontrem casualmente 22 É digno de nota que o dever de informação emanado da boafé objetiva projetase na relação jurídica ao determinar que o proprietário ou ocupante seja previamente avisado acerca da entrada em seu imóvel Ao mencionar ocupante o legislador abarcou não apenas o titular da propriedade mas o possuidor ou até mesmo em nosso sentir o detentor a exemplo de um caseiro pois é justo que antes de exercer o direito de adentrar o imóvel alheio não estando presente o seu titular aquele que atua em seu nome seja comunicado Por óbvio ao utilizar o conceito aberto ou indeterminado prévio aviso o legislador com amparo no princípio da operabilidade 23 concedeu um espaço de razoabilidade interpretativa para que segundo as circunstâncias do caso o proprietário ou ocupante disponha de um tempo mínimo adequado entre o comunicado e o efetivo ingresso do terceiro em seu imóvel LXII CONDOMÍNIO 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O Código Civil dedica dezenas de artigos ao tratamento jurídico do condomínio 24 Em seu Capítulo VI Condomínio Geral trata do Condomínio Voluntário e do Necessário e no Capítulo VII cuida do Condomínio Edilício Seguiremos esta sequência apresentando os principais pontos em nosso sentir para a adequada compreensão do tema 2 CONDOMÍNIO VOLUNTÁRIO Segundo MARIA HELENA DINIZ no condomínio concedese a cada consorte uma quota ideal qualitativamente igual da coisa e não uma parcela material desta por conseguinte todos os condôminos têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade do bem sofrendo limitação na proporção quantitativa em que concorre com os outros companheiros na titularidade sobre o conjunto 25 Em outras palavras o condomínio é uma forma de propriedade conjunta ou copropriedade E poderá resultar de um ajuste de vontades caracterizando o condomínio voluntário ou convencional A sua administração é regulada pelos arts 1323 a 1324 Art 1323 Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum escolherá o administrador que poderá ser estranho ao condomínio resolvendo alugála preferirseá em condições iguais o condômino ao que não o é Art 1324 O condômino que administrar sem oposição dos outros presumese representante comum Art 1325 A maioria será calculada pelo valor dos quinhões 1º As deliberações serão obrigatórias sendo tomadas por maioria absoluta 2º Não sendo possível alcançar maioria absoluta decidirá o juiz a requerimento de qualquer condômino ouvidos os outros 3º Havendo dúvida quanto ao valor do quinhão será este avaliado judicialmente Art 1326 Os frutos da coisa comum não havendo em contrário estipulação ou disposição de última vontade serão partilhados na proporção dos quinhões São regras autoexplicativas mas que merecem reflexão É digno de nota que o exercício ostensivo e continuado de atos de gerenciamento sem oposição poderá resultar no reconhecimento da condição de representante comum ao condômino encarregado Isso impõe cuidado e atenção não só ao administrador como aos administrados Ademais outro aspecto relevante é no sentido de que a expressão econômica dos quinhões é o critério legal utilizado para se determinar o quórum de maioria São direitos e deveres dos condôminos arts 1314 a 1322 a cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão reivindicá la de terceiro defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal ou gravála notese que tais poderes são imanentes ao próprio direito de propriedade b nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum nem dar posse uso ou gozo dela a estranhos sem o consenso dos outros ora se se trata de uma propriedade conjunta a regra se justifica para que a vontade de um não prevaleça arbitrariamente sobre a dos outros c o condômino é obrigado na proporção de sua parte a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa e a suportar os ônus a que estiver sujeita presumindose iguais as partes ideais dos condôminos admitese que uma associação pessoa jurídica de direito privado seja criada para administrar a coisa comum 26 d pode o condômino eximirse do pagamento das despesas e dívidas renunciando à parte ideal em tal hipótese uma vez operada a renúncia que como vimos é forma de extinção da propriedade o codificador consagrou ainda duas regras supletivas se os demais condôminos assumem as despesas e as dívidas a renúncia lhes aproveita adquirindo a parte ideal de quem renunciou na proporção dos pagamentos que fizerem por outro lado se não há condômino que faça os pagamentos a coisa comum será dividida e quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos sem se discriminar a parte de cada um na obrigação nem se estipular solidariedade entendese que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum esta norma cria uma regra de compartilhamento de responsabilidade sem afastar a norma fundamental constante no art 265 do Código Civil segundo a qual a solidariedade não se presume f as dívidas contraídas por um dos condôminos em proveito da comunhão e durante ela obrigam o contratante mas terá este ação regressiva contra os demais visando a evitar o enriquecimento sem causa dos demais condôminos ou comunheiros aquele que se obrigou perante terceiro credor terá ação regressiva contra os demais g cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou na mesma linha a presente regra visa a evitar que um dos condôminos se beneficie ou se prejudique às custas dos demais Especialmente no caso da percepção dos frutos poderá ser ajustado com amparo no princípio da autonomia privada que haja condômino com mais direitos do que outros h a todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão 27 o codificador complemente o dispositivo com três importantes regras a podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de cinco anos suscetível de prorrogação ulterior b não poderá exceder de cinco anos a indivisão estabelecida pelo doador ou pelo testador c a requerimento de qualquer interessado e se graves razões o aconselharem pode o juiz determinar a divisão da coisa comum antes do prazo o regramento processual da ação de divisão para obrigar os demais consortes a estremar os quinhões encontrase nos arts 569 a 573 e 588 a 598 do CPC2015 Destaquese na disciplina processual a possibilidade de a divisão poder ser feita por escritura pública Anota sobre o tema GISELE LEITE Na ação de divisão e demarcação de terras particulares se registram poucas mudanças E em atenção às tendências de simplificação celeridade e valorização do consenso desjudicialização o legislador infraconstitucional destacou que a demarcação e a divisão de terras particulares poderão ser realizadas por escritura pública desde que entre pessoas maiores capazes e concordes 28 Finalmente o art 1322 tratando de condomínio de coisa indivisível estabelece Quando a coisa for indivisível e os consortes não quiserem adjudicála a um só indenizando os outros será vendida e repartido o apurado preferindose na venda em condições iguais de oferta o condômino ao estranho e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas e não as havendo o de quinhão maior E acrescenta o parágrafo único Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais realizarseá licitação entre estranhos e antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço procederseá à licitação entre os condôminos a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço preferindo em condições iguais o condômino ao estranho Vale observar que este dispositivo está conectado à previsão constante no art 504 do Código Civil Art 504 Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos se outro consorte a quiser tanto por tanto O condômino a quem não se der conhecimento da venda poderá depositando o preço haver para si a parte vendida a estranhos se o requerer no prazo de cento e oitenta dias sob pena de decadência Parágrafo único Sendo muitos os condôminos preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e na falta de benfeitorias o de quinhão maior Se as partes forem iguais haverão a parte vendida os comproprietários que a quiserem depositando previamente o preço Tratase de norma referente apenas ao condomínio de coisa indivisível condicionante da faculdade de alienação por determinar ao condôminoalienante a necessidade de conferir ao seu consorte direito de preferência em face da fração alienada ou seja o direito de prevalecer o seu interesse em adquirir o bem se sua proposta estiver em iguais condições às dos demais interessados Por definição o condomínio traduz a coexistência de vários proprietários que detêm direito real sobre a mesma coisa havendo entre si a divisão ideal segundo suas respectivas frações Notese que esse direito de preferência que tem eficácia real deverá ser exercido pelo condômino interessado em pé de igualdade com os terceiros que pretendam adquirir a referida quota Como não houve especificação do modo pelo qual se deva dar ciência aos demais consortes entendemos que tal comunicação poderá se operar por meio de notificação judicial ou extrajudicial assinandose prazo de manifestação sob pena de o silêncio do notificado ser interpretado como recusa Vale observar outrossim que a violação deste direito de preferência diferentemente do que se opera com a cláusula especial do contrato de compra e venda arts 513520 gera eficácia real e consequentemente oponibilidade erga omnes na mesma linha dos arts 27 a 34 da Lei n 8245 de 18 101991 Lei do Inquilinato 29 consoante se pode observar na segunda parte do art 504 O condômino a quem não se der conhecimento da venda poderá depositando o preço haver para si a parte vendida a estranhos se o requerer no prazo de cento e oitenta dias sob pena de decadência destaques nossos Tratase de um preceito bastante adequado dada a peculiaridade da indivisibilidade da coisa tendo o propósito de evitar o ingresso na comunhão de pessoas estranhas o que pode gerar constrangimentos evitáveis com o simples exercício do direito de preferência Caso concorram mais de um condômino interessado as seguintes regras deverão ser observadas a preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor b na falta de benfeitorias o condômino de quinhão maior c se as partes forem iguais terão direito à parte vendida os comproprietários que a quiserem depositando previamente o preço 3 CONDOMÍNIO NECESSÁRIO No item anterior estudamos uma forma de condomínio que resulta de uma ajuste de vontades à luz da autonomia privada das próprias partes Sucede que ainda há uma especial forma de copropriedade decorrente não da manifestação volitiva dos envolvidos mas da própria lei o condomínio necessário arts 1327 a 1330 Tratase de uma modalidade forçada ou compulsória de compartilhamento da propriedade que tem por objeto a meação de paredes cercas muros e valas aos quais se aplicam as normas dos arts 1297 e 1298 e 1304 a 1307 todos do Código Civil Nessa linha o proprietário que tiver direito de delimitar um imóvel com paredes cercas muros valas ou valados têloá igualmente a adquirir meação na parede muro valado ou cerca do vizinho embolsandolhe metade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado art 1297 Para evitar o prolongamento de um eventual litígio não convindo os dois no preço da obra será este arbitrado por peritos a expensas de ambos os confinantes art 1329 Dispõe ainda o art 1330 que qualquer que seja o valor da meação enquanto aquele que pretender a divisão não o pagar ou depositar nenhum uso poderá fazer na parede muro vala cerca ou qualquer outra obra divisória Complementa ainda MARIA HELENA DINIZ que com base nos arts 1307 e 1314 temse entendido que o condômino de muro divisório pode alteálo como quiser sem anuência do outro consorte ou até contra a vontade deste mesmo se for necessário reconstruilo para suportar o alheamento arcando com todas as despesas inclusive de conservação Arcará com metade das despesas se o vizinho vier a adquirir a meação também na parte aumentada 30 Finalmente especial situação de condomínio necessário operase em face da herança 31 enquanto não ultimada a partilha uma vez que os herdeiros são considerados por força de lei titulares de uma fração ideal do montemor Sobre o tema já decidiu o Superior Tribunal de Justiça DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL RECURSO ESPECIAL OMISSÃO CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE INEXISTÊNCIA COBRANÇA DE DÍVIDA DIVISÍVEL DO AUTOR DA HERANÇA EXECUÇÃO MANEJADA APÓS A PARTILHA ULTIMADA A PARTILHA CADA HERDEIRO RESPONDE PELAS DÍVIDAS DO FALECIDO NA PROPORÇÃO DA PARTE QUE LHE COUBE NA HERANÇA E NÃO NECESSARIAMENTE NO LIMITE DE SEU QUINHÃO HEREDITÁRIO ADOÇÃO DE CONDUTA CONTRADITÓRIA PELA PARTE INADMISSIBILIDADE 1 Com a abertura da sucessão há a formação de um condomínio necessário que somente é dissolvido com a partilha estabelecendo o quinhão hereditário de cada beneficiário no tocante ao acervo transmitido 2 A herança é constituída pelo acervo patrimonial e dívidas obrigações deixadas por seu autor Aos credores do autor da herança é facultada antes da partilha dos bens transmitidos a habilitação de seus créditos no juízo do inventário ou o ajuizamento de ação em face do espólio 3 Ultimada a partilha o acervo outrora indiviso constituído pelos bens que pertenciam ao de cujus transmitidos com o seu falecimento estará discriminado e especificado de modo que só caberá ação em face dos beneficiários da herança que em todo caso responderão até o limite de seus quinhões 4 A teor do art 1997 caput do CC cc o art 597 do CPC correspondente ao art 796 do novo CPC feita a partilha cada herdeiro responde pelas dívidas do falecido dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube e não necessariamente no limite de seu quinhão hereditário Dessarte após a partilha não há cogitar em solidariedade entre os herdeiros de dívidas divisíveis por isso caberá ao credor executar os herdeiros pro rata observando a proporção da parte que coube quinhão no tocante ao acervo partilhado 5 Recurso especial não provido REsp 1367942SP Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma julgado em 2152015 DJe 1162015 4 CONDOMÍNIO EDILÍCIO CAMILO COLANI apresenta o conceito de condomínio edilício condomínio em edificações ou condomínio horizontal cuidando de diferenciálo do condomínio comum É comum serem confundidos os institutos do condomínio geral e do condomínio edilício Podese dizer de maneira simples que um condomínio edilício é espécie do outro condomínio geral Condomínio geral se caracteriza pelo fato de existir simultaneamente dois ou mais direitos de propriedade incidindo sobre um mesmo bem móvel ou imóvel Como forma de ilustração basta dar o seguinte exemplo 2 irmãos não tendo dinheiro para comprar 2 veículos um para cada se cotizam e adquirem um só para ambos Ou seja ambos são condôminos do carro e não como muitos pensam sócios de um carro Condomínio não é sociedade condôminos não são sócios O primeiro instituto condomínio é próprio dos direitos reais previsto nos artigos 1314 a 1330 do Código Civil já o segundo sociedade é típico do direito empresarial ver arts 981 e segs do Código Civil O condomínio edilício por sua vez referese exclusivamente aos imóveis onde coexistem partes comuns e partes exclusivas por exemplo num edifício residencial o apartamento é propriedade exclusiva e partes como elevadores piscinas portaria etc são partes comuns sendo que cada condômino é dono de seu apartamento mais uma fração ideal nas partes comuns 32 Nessa linha dispõe o Código Civil 33 Art 1331 Pode haver em edificações partes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos 1º As partes suscetíveis de utilização independente tais como apartamentos escritórios salas lojas e sobrelojas com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns sujeitamse a propriedade exclusiva podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários exceto os abrigos para veículos que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio salvo autorização expressa na convenção de condomínio 2º O solo a estrutura do prédio o telhado a rede geral de distribuição de água esgoto gás e eletricidade a calefação e refrigeração centrais e as demais partes comuns inclusive o acesso ao logradouro público são utilizados em comum pelos condôminos não podendo ser alienados separadamente ou divididos 3º A cada unidade imobiliária caberá como parte inseparável uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio 4º Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público 5º O terraço de cobertura é parte comum salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio É forçoso convir portanto que o condomínio edilício é instituto socialmente bastante difundido no Brasil por conta dos inúmeros edifícios de apartamentos existentes Em nosso sentir tem natureza de ente despersonificado embora haja entendimento contrário 34 E como se dá a sua criação Instituise o condomínio edilício segundo o art 1332 por ato entre vivos ou testamento registrado no Cartório de Registro de Imóveis devendo constar daquele ato além do disposto em lei especial a a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva estremadas uma das outras e das partes comuns b a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade relativamente ao terreno e partes comuns c o fim a que as unidades se destinam Neste ponto surge uma importante figura jurídica a convenção do condomínio No que concerne à convenção de condomínio observa FLÁVIO TARTUCE essa constitui o estatuto coletivo que regula o interesse das partes havendo um típico negócio jurídico decorrente do exercício da autonomia privada 35 Cuidase pois de um ato normativo estruturante de grande relevância 36 Neste ponto importante passar em revista dois dispositivos do Código Art 1333 A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de no mínimo dois terços das frações ideais e tornase desde logo obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção Parágrafo único Para ser oponível contra terceiros a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis Art 1334 Além das cláusulas referidas no art 1332 e das que os interessados houverem por bem estipular a convenção determinará I a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio II sua forma de administração III a competência das assembleias forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações IV as sanções a que estão sujeitos os condôminos ou possuidores V o regimento interno 1º A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular 2º São equiparados aos proprietários para os fins deste artigo salvo disposição em contrário os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas No que toca à eficácia em face de terceiros oponibilidade erga omnes o parágrafo único do art 1333 exige o registro no Cartório de Imóveis Todavia os efeitos jurídicos da convenção entre os próprios condôminos dispensa o registro de acordo com o entendimento sumulado do STJ A convenção de condomínio aprovada ainda que sem registro é eficaz para regular as relações entre os condôminos 37 Nesse ponto merece transcrição a lição de SÍLVIO VENOSA em que é feita a distinção necessária entre a convenção e o regimento do condomínio A convenção do condomínio funciona como regra fundamental da vida condominial Um dos problemas que mais afetam a vida em comunhão é o comportamento anormal ou inconveniente do condômino ou possuidor da unidade autônoma Tendo em vista o rumo que as questões condominiais têm tomado bem como o sistema de penalidades trazido pelo novo código é importante que na convenção sejam estabelecidas as sanções a que estarão sujeitos os transgressores das regras condominiais bem como o procedimento para sua imposição este mais apropriadamente constante do regulamento Há um microuniverso em um condomínio que toma o vulto de uma aglomeração urbana Tudo o que não é essencial à constituição e funcionamento do condomínio mas de cunho circunstancial e mutável deve ser relegado para o regimento ou regulamento interno Por isso é conveniente que esse regimento seja estabelecido à parte e não juntamente com a convenção O regimento está para a convenção como o regulamento administrativo está para a lei Deve completar a convenção regulamentála sem com ela conflitar Ocorrendo conflito deve prevalecer a convenção Ao regulamento é conveniente que se releguem normas disciplinadoras de uso e funcionamento do edifício Lembrese de que o regulamento também é fruto de deliberação coletiva sendo igualmente ato normativo 38 Nesse contexto é fácil concluir que no condomínio edilício os seus partícipes têm direitos e deveres que deverão ser devidamente observados para a boa e harmônica convivência social Segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA A cada apartamento ou unidade autônoma deve corresponder uma fração ideal no condomínio sobre o terreno e partes comuns do edifício Isto é fundamental no regime da propriedade horizontal já que resulta esta da fusão indissociável da propriedade exclusiva do apartamento com o condomínio daquelas coisas Entretanto não fica aí o interesse nesta apuração É de lei que cada um dos comunheiros deve concorrer nas despesas de condomínio deve participar no rateio do prêmio do seguro deve contribuir com sua quotaparte no orçamento das repartições do prédio e em caso de desapropriação do edifício ou de sua destruição por incêndio ou outro risco segurado compartilhará do quantum em que a coisa fica subrogada 39 Passemos pois em revista os principais direitos e deveres à luz dos arts 1335 e 1336 do CC 40 São direitos do condômino I usar fruir e livremente dispor das suas unidades II usar das partes comuns conforme a sua destinação e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores 41 III votar nas deliberações da assembleia e delas participar estando quite São deveres do condômino I contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais salvo disposição em contrário na convenção II não realizar obras que comprometam a segurança da edificação III não alterar a forma e a cor da fachada das partes e esquadrias externas 42 IV dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego salubridade e segurança dos possuidores ou aos bons costumes 43 Aspecto digno de nota é no sentido de que embora em primeiro plano o próprio condomínio responda por suas dívidas eventualmente a responsabilidade poderá recair sobre os próprios condôminos segundo já entendeu o STJ RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO CONTRA CONDOMÍNIO EDILÍCIO REDIRECIONAMENTO CONTRA OS CONDÔMINOS POSSIBILIDADE EM TESE DOUTRINA PRECEDENTE CASO CONCRETO PENHORA DE CRÉDITOS OPÇÃO PELA MEDIDA MENOS GRAVOSA 1 Controvérsia acerca da possibilidade de redirecionamento contra os condôminos de uma execução ajuizada por credor do condomínio horizontal 2 Distinção entre condomínio horizontal e pessoa jurídica Voto divergente no tópico de um dos integrantes da Terceira Turma 3 Desnecessidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica aos condomínios 4 Possibilidade de redirecionamento da execução em relação aos condôminos após esgotadas as tentativas de constrição de bens do condomínio em respeito ao princípio da menor onerosidade para o devedor 5 Hipótese em que houve penhora de créditos mas não se esgotaram as possibilidades de realização desses créditos em favor do exequente 6 Redirecionamento da execução descabido no caso concreto 7 RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO REsp 1486478PR Rel Min Paulo de Tarso Sanseverino 3ª Turma julgado em 542016 DJe 2842016 Posto isso merece a nossa atenção a obrigação econômica que cada condômino tem em face do condomínio Observese que o pagamento da taxa condominial que tem natureza jurídica de obrigação propter rem é de grande importância pois visa a garantir a continuidade da própria relação condominial 44 Por isso o seu inadimplemento poderá resultar na própria penhora do imóvel residencial não se afigurando possível invocar a proteção do bem de família 45 Importante ainda acrescentar que o Código Civil previu a imposição de multa que comportará aumento gradual em caso de reincidência para o condômino com comportamento antissocial Não se trata de cláusula penal ou pena convencional Tem natureza de sanção com caráter essencialmente punitivo e pedagógico sem prejuízo das eventuais perdas e danos que venham a ser apuradas em favor do condomínio eou do condômino prejudicado Dispõe o Código Civil Art 1337 O condômino ou possuidor que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá por deliberação de três quartos dos condôminos restantes ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais conforme a gravidade das faltas e a reiteração independentemente das perdas e danos que se apurem Parágrafo único O condômino ou possuidor que por seu reiterado comportamento antissocial gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais até ulterior deliberação da assembleia grifamos A parte final deste dispositivo até ulterior deliberação da assembleia tem rendido intensas reflexões Isso porque há entendimento no sentido de que a previsão de uma assembleia posterior em caso de a multa já aplicada em seu patamar máximo não surtir o efeito desejado em face do condômino transgressor renderia ensejo para sua expulsão Com efeito em situações graves excepcionais e justificadas há respeitável posicionamento em doutrina que sustenta a possibilidade de exclusão do condômino antissocial Nesse sentido o Enunciado n 508 da V Jornada de Direito Civil Enunciado n 508 V Jornada de Direito Civil Verificandose que a sanção pecuniária mostrouse ineficaz a garantia fundamental da função social da propriedade arts 5º XXIII da CRFB e 1228 1º do CC e a vedação ao abuso do direito arts 187 e 1228 2º do CC justificam a exclusão do condômino antissocial desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art 1337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal De fato há situações de extrema gravidade em que a sanção pecuniária poderá não surtir o efeito esperado justificandose como última medida a expulsão daquele que tem transformado a vida dos demais vizinhos em um calvário Confirase a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Paraná APELAÇÃO CÍVEL CONDOMÍNIO EDILÍCIO VERTICAL PRELIMINAR INTEMPESTIVIDADE INOCORRÊNCIA APELO INTERPOSTO ANTES DA DECISÃO DOS EMBARGOS RATIFICAÇÃO DESNECESSIDADE EXCLUSÃO DE CONDÔMINO NOCIVO LIMITAÇÃO DO DIREITO DE USOHABITAÇÃO TÃO SOMENTE POSSIBILIDADE APÓS ESGOTADA A VIA ADMINISTRATIVA REALIZADA OPORTUNIZAÇÃO QUORUM MÍNIMO RESPEITADO 34 DOS CON DÔMI NOS MULTA REFERENTE AO DÉCUPLO DO VALOR DO CONDOMÍNIO MEDIDA INSUFICIENTE CONDUTA ANTISSOCIAL CONTUMAZ REITERADA GRAVES INDÍCIOS DE CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO Condômino que aliciava candidatas a emprego de domésticas com salários acima do mercado mantendoas presas e incomunicáveis na unidade condominial Alta rotatividade de funcionárias que invariavelmente saíam do emprego noticiando maustratos agressões físicas e verbais além de assédios sexuais entre outras acusações Retenção de documentos Escândalos reiterados dentro e fora do condomínio Práticas que evoluíram para investida em moradora menor do condomínio conduta antissocial inadmissível que impõe provimento jurisdicional efetivo Cabimento Cláusula geral Função social da propriedade Mitigação do direito de usohabitação Dano moral Não conhecimento Matéria não deduzida e tampouco apreciada Honorários sucumbenciais fixados em R 600000 Seis mil reais Mantença Peculiaridades do caso concreto Sentença mantida Recurso desprovido AC 9577431 22ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Por óbvio o condômino não será expropriado de sua unidade residencial particular Não é isso O que se busca é uma ordem judicial condenatória impositiva de uma obrigação negativa ou de não fazer qual seja não morar naquele ambiente condominial Poderá assim o condômino expulso alugar emprestar enfim ceder o seu apartamento mas não residir Não vislumbramos nisso violação constitucional pois assim como o direito de propriedade é albergado a própria Lei Fundamental consagra a sua inafastável função social A administração do condomínio 46 ficará a cargo do síndico escolhido pela Assembleia que é a sua instância máxima com poderes inclusive para destituir o administrador Segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA A Assembleia Geral é o órgão deliberativo dos condôminos e pode ser Ordinária ou Extraordinária Suas deliberações têm força obrigatória para os condôminos até sua anulação judicial ou por deliberação tomada em outra Assembleia 47 Destacamos alguns dispositivos pertinentes à atuação da assembleia de condôminos Art 1350 Convocará o síndico anualmente reunião da assembleia dos condôminos na forma prevista na convenção a fim de aprovar o orçamento das despesas as contribuições dos condôminos e a prestação de contas e eventualmente elegerlhe o substituto e alterar o regimento interno 1º Se o síndico não convocar a assembleia um quarto dos condôminos poderá fazêlo 2º Se a assembleia não se reunir o juiz decidirá a requerimento de qualquer condômino Art 1351 Depende da aprovação de 23 dois terços dos votos dos condôminos a alteração da convenção a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos Art 1352 Salvo quando exigido quorum especial as deliberações da assembleia serão tomadas em primeira convocação por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais Parágrafo único Os votos serão proporcionais às frações ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes a cada condômino salvo disposição diversa da convenção de constituição do condomínio Art 1353 Em segunda convocação a assembleia poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes salvo quando exigido quorum especial Art 1354 A assembleia não poderá deliberar se todos os condôminos não forem convocados para a reunião Art 1355 Assembleias extraordinárias poderão ser convocadas pelo síndico ou por um quarto dos condôminos Delicado aspecto diz respeito às obras realizadas no condomínio cuja realização depende art 1341 48 a se voluptuárias de voto de dois terços dos condôminos b se úteis de voto da maioria dos condôminos O legislador ainda acrescenta que a realização de obras em partes comuns em acréscimo às já existentes a fim de lhes facilitar ou aumentar a utilização depende da aprovação de dois terços dos votos dos condôminos não sendo permitidas construções nas partes comuns suscetíveis de prejudicar a utilização por qualquer dos condôminos das partes próprias ou comuns art 1342 Merece destaque o dispositivo seguinte pois faz expressa menção à construção que como já vimos tem natureza jurídica não de benfeitoria mas de acessão artificial Art 1343 A construção de outro pavimento ou no solo comum de outro edifício destinado a conter novas unidades imobiliárias depende da aprovação da unanimidade dos condôminos É forçoso convir portanto que em caso de acessões desta natureza afigurase imprescindível a anuência de todos os interessados Em arremate destacamos a importante previsão constante no art 1346 no sentido de ser obrigatório o seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição total ou parcial Com isso preservase a incolumidade não apenas dos condôminos mas de terceiros Finalmente o codificador encerra a disciplina do condomínio edilício tratando da sua extinção Art 1357 Se a edificação for total ou consideravelmente destruída ou ameace ruína os condôminos deliberarão em assembleia sobre a reconstrução ou venda por votos que representem metade mais uma das frações ideais 1º Deliberada a reconstrução poderá o condômino eximirse do pagamento das despesas respectivas alienando os seus direitos a outros condôminos mediante avaliação judicial 2º Realizada a venda em que se preferirá em condições iguais de oferta o condômino ao estranho será repartido o apurado entre os condôminos proporcionalmente ao valor das suas unidades imobiliárias Art 1358 Se ocorrer desapropriação a indenização será repartida na proporção a que se refere o 2º do artigo antecedente Tratase de regras de pouca aplicação prática mas que não são despiciendas na medida em que solucionam graves questões que podem surgir a partir da destruição total ou parcial da edificação condominial 5 MULTIPROPRIEDADE OU TIME SHARING Reputamos importante destacar em tópico separado este instituto jurídico O sistema time sharing ou multipropriedade imobiliária segundo MARIA HELENA DINIZ é uma espécie condominial relativa aos locais de lazer pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel casa chalé apartamento repartido como ensina GUSTAVO TEPEDINO em unidades fixas de tempo assegurando a cada cotitular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual mensal quinzenal ou semanal Possibilita o uso de imóvel casa apartamento flat chalé em certos períodos ou temporadas variando o preço conforme o tempo de sua utilização e temporada baixa média ou alta Tratase de uma multipropriedade periódica muito útil para desenvolvimento de turismo em hotéis clubes e em navios 49 Temse portanto o exercício temporal fracionado posto exclusivo do direito de propriedade sobre o bem o que incentiva a economia pois permite a pessoas de classes menos abastadas a realização de investimento com menor custo e o turismo porquanto tem especial aplicação em empreendimentos como flats e hotéis A vantagem é puramente econômica segundo AFONSO REZENDE permitindo ao adquirente usufruir de um imóvel para seu descanso de cada ano sem suportar gastos astronômicos bem como isentarse do possível sofrimento e mesmo desagrado das reservas de hotéis ou mesmo possibilidade de nada encontrar para o merecido repouso enfim com dificuldades para um alojamento cômodo e saudável A outra vantagem do sistema é que este tipo de copropriedade também está localizado em cidades praianas montanhas estâncias hidrominerais ou termais vindo assim cumprir parcialmente o preceito constitucional quanto à função social da propriedade pois se utiliza de maneira completa de um bem satisfazendo o interesse de uma multiplicidade de sujeitos 50 A ausência de uma regulamentação específica tem gerado debates Mas em nosso sentir não se pode negar a vigência do instituto aplicandoselhe no que couber as regras do condomínio edilício 51 Por fim transcrevemos importante noticiário do Superior Tribunal de Justiça que reconhece o caráter de direito real à multipropriedade 52 DECISÃO 21092016 Terceira Turma reconhece multipropriedade como direito real e afasta penhora A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça STJ decidiu por maioria que a multipropriedade imobiliária tem natureza jurídica de direito real e no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento time sharing o coproprietário pode se valer de embargos de terceiro para proteger sua fração ideal Com esse entendimento a turma reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo TJSP que havia admitido a penhora de uma casa no condomínio Praia das Caravelas no município de Búzios RJ O imóvel registrado em nome de uma incorporadora executada em ação judicial é dividido em 52 cotas de propriedade no sistema time sharing as quais dão a seus titulares o direito de utilização em semanas específicas Após a penhora uma das coproprietárias titular de 252 do imóvel interpôs embargos de terceiro para que fosse afastada a constrição judicial de sua fração O TJSP negou o pedido sob o fundamento de que a cessão de direitos referente aos 252 da casa não corresponderia a direito real de propriedade mas a direito obrigacional uma vez que o imóvel foi registrado em nome da devedora que figurou como centralizadora do contrato e organizadora da utilização periódica do bem Para o tribunal paulista no caso de multipropriedade nada impede a penhora da totalidade do imóvel que consta no registro imobiliário em nome da devedora a qual seria sua efetiva proprietária Direito pessoal No STJ o relator do recurso da coproprietária Ministro Villas Bôas Cueva reconheceu que o regime da multipropriedade apresenta características de direito real e de direito obrigacional o que dificulta seu enquadramento em uma das categorias O relator no entanto ao ponderar que o ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio de que os direitos reais são apenas aqueles previstos expressamente em lei votou no sentido de que o contrato de time sharing não garante direito real mas mero direito pessoal razão pela qual considerou possível a penhora do imóvel sobre o qual incide a multipropriedade como decidiu o TJSP Voto vencedor O Ministro João Otávio de Noronha apresentou entendimento divergente e foi acompanhado pela maioria da turma Segundo ele a natureza jurídica da multipropriedade imobiliária que detém as faculdades de uso gozo e disposição sobre fração ideal do bem ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo é mais compatível com a de um direito real Além disso assinalou o ministro o Código Civil não traz nenhuma vedação nem faz qualquer referência à inviabilidade de se consagrarem novos direitos reais A questão sobre ser possível ou não a criação de novo instituto de direitos reais levandose em conta a tipicidade e o sistema de numerus clausus rol taxativo em circunstâncias como a dos autos nas quais se verifica a superação da legislação em vigor pelos fatos sociais não pode inibir o julgador de adequando sua interpretação a recentes e mutantes relações jurídicas prestar a requerida tutela jurisdicional a que a parte interessada faz jus disse Noronha O colegiado reconheceu procedentes os embargos de terceiro e declarou insubsistente a penhora sobre a totalidade do imóvel Esta notícia referese aos processos REsp 1546165 São os novos tempos LXIII DIREITOS REAIS NA COISA ALHEIA 1 INTRODUÇÃO Respeitando o propósito de apresentar a você amigo leitor neste Manual um direito civil objetivo sistematizado e preciso sem descuidarmos da necessária pesquisa científica traçaremos a partir de agora um painel geral dos direitos reais na coisa alheia conceituando cada um deles separadamente e desenvolvendo os seus aspectos mais importantes e fundamentais 53 Os direitos reais na coisa alheia jus in re aliena em face do Código Civil podem ser subdivididos em a direitos de gozo ou fruição superfície servidão usufruto uso habitação concessão de uso especial para moradia concessão de direito real de uso e laje 54 b direitos de garantia penhor anticrese e hipoteca 55 c direito à coisa promessa de compra e venda 2 DIREITOS REAIS DE GOZO OU FRUIÇÃO Vejamos nos próximos subtópicos cada um dos direitos reais de gozo ou fruição 21 Superfície O direito de superfície substituiu a antiga enfiteuse 56 O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno por tempo determinado mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis segundo o art 1369 Tratase do direito real de superfície o qual não autoriza obra no subsolo salvo se for inerente ao objeto da concessão 57 Algumas características devem ser destacadas 58 a o direito real de superfície concede ao seu titular o direito de construir ou plantar em terreno alheio sem descaracterizar ou prejudicar a substância da coisa principal b é sempre pactuado em caráter temporário diferentemente pois da enfiteuse que era perpétua c a sua constituição somente se dará por escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis d não se admite a realização de obra no subsolo ressalvada a hipótese de haver previsão contratual expressa neste sentido A concessão da superfície será gratuita ou onerosa se onerosa estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez ou parceladamente a teor o art 1370 Ainda sobre o instituto preleciona PABLO STOLZE GAGLIANO Por meio desse direito real o proprietário do solo confere a outrem superficiário gratuita ou onerosamente a prerrogativa de realizar obras e explorar o imóvel devolvendoo com os seus acréscimos ao final do prazo pactuado Sendo temporário portanto é útil às duas partes Advertimos entretanto que dado o vulto das plantações ou construções realizadas talvez seja interessante ao superficiário propor o estabelecimento de um prazo mais ou menos longo a fim de que possa cobrir os custos do seu investimento Quanto à forma observe se que a lei expressamente exige a instituição por meio de escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro Imobiliário Não basta pois a inscrição no Cartório de Notas A escritura pode até ser lavrada neste último mas o seu registro há que ser feito invariavelmente no Cartório Imobiliário Somente a partir daí o direito real estará devidamente constituído Sua utilidade em nosso entendimento vai além da seara do Direito Privado 59 A respeito da sua transmissibilidade dispõe o art 1372 que o direito de superfície pode transferirse a terceiros e por morte do superficiário aos seus herdeiros não podendo ser estipulado pelo concedente a nenhum título qualquer pagamento pela transferência Há entendimento na jurisprudência no sentido de que a transmissibilidade do direito pressupõe a sua constituição regular PROCESSO CIVIL AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE INVENTÁRIO E PARTILHA DIREITO DE SUPERFÍCIE TRANSMISSIBILIDADE CÓDIGO CIVIL E ESTATUTO DA CIDADE ART 21 COMPROVAÇÃO ESCRITURA PÚBLICA 1 Agravo de instrumento tirado contra interlocutória proferida em sede de inventário e partilha que determinou a exclusão de bem denominado Chácara Menino Jesus 123 Setor P Norte CeilândiaDF diante da informação prestada pela Terracap quanto à impossibilidade da escrituração do imóvel em nome do espólio de Odilon Alves haja vista não ter sido firmado contrato de concessão de uso junto à extinta Fundação Zoobotânica do Distrito Federal 2 Destarte uma das principais marcas do direito de superfície é sua transmissibilidade por ato inter vivos oneroso ou gratuito ou causa mortis 21 Todavia apesar de o direito de superfície entendido como sendo direito real de ter construção ou plantação em solo alheio ser passível de transmissão aos herdeiros por morte do superficiário art 1372 do CCB a forma legal de instituição do referido instituto é por meio de escritura pública arts 21 do Estatuto da Cidade e 1369 do CC2002 22 No mesmo sentido o art 21 da Lei 102572001 Estatuto da Cidade prescreve que o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno por tempo determinado ou indeterminado mediante escritura pública registrada no Cartório de Registro de Imóveis 3 Inviável cogitarse de transmissibilidade aos herdeiros de direito de superfície não instituído regularmente por meio de instrumento público em razão de o imóvel ser objeto de parcelamento irregular 4 Agravo improvido TJDF AgI 20130020274956DF 00284381620138070000 Rel João Egmont julgamento 2342014 5ª Turma Cível DJE 2942014 p 152 Alguns enunciados das Jornadas de Direito Civil a respeito do direito real de superfície merecem a nossa atenção J I JDC Enunciado 93 Art 1369 As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície não revogam as relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade Lei n 102572001 60 por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano J I JDC Enunciado 94 Art 1371 As partes têm plena liberdade para deliberar no contrato respectivo sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da concessão do direito de superfície J III JDC Enunciado 249 Art 1369 A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos reais de gozo e garantia cujo prazo não exceda a duração da concessão da superfície não se lhe aplicando o art 1474 J VI JDC Enunciado 568 O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno na forma estabelecida no contrato admitindose o direito de sobrelevação atendida a legislação urbanística Finalmente vale acrescentar que no caso de extinção do direito de superfície em consequência de desapropriação a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário no valor correspondente ao direito real de cada um art 1376 do CC 22 Servidão O termo servidão tem origem na palavra latina servitudo de servus reportandonos a um sentido de subserviência de submissão O direito real de servidão proporciona utilidade para o prédio dominante e grava o prédio serviente que pertence a diverso dono e constituise mediante declaração expressa dos proprietários ou por testamento e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis a teor do art 1378 Poderá também em determinadas situações ser constituída por usucapião desde que a servidão seja aparente ou seja ostensiva visível segundo entendimento consolidado em nossa jurisprudência Súmula 415 do STF Servidão de trânsito não titulada mas tornada permanente sobretudo pela natureza das obras realizadas considerase aparente conferindo direito à proteção possessória APELAÇÃO CÍVEL USUCAPIÃO BENS IMÓVEIS AÇÃO DE USUCAPIÃO PRETENSÃO COM LASTRO NO ART 1379 DO CÓDIGO CIVIL REQUISITOS AUSENTES INEXISTÊNCIA DE SERVIDÃO APARENTE AUSÊNCIA DE OBRAS VISÍVEIS E PERMANENTES REALIZADAS NO PRÉDIO SERVIENTE PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE PASSAGEM SERVIDÃO NÃO APARENTE NÃO AUTORIZA A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE POR USUCAPIÃO NEGARAM PROVIMENTO UNÂNIME Apelação Cível n 70053527966 Décima Oitava Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS Relator Pedro Celso Dal Pra Julgado em 2542013 TJRS AC 70053527966 RS Rel Pedro Celso Dal Pra julgamento 2542013 Décima Oitava Câmara Cível DJ 252013 PABLO STOLZE GAGLIANO sobre o direito de servidão conceitua e exemplifica Tratase de um direito real peculiar na medida em que grava um imóvel em proveito de outro independentemente de quem seja o seu proprietário Vale dizer diferentemente do que ocorre com o usufruto que é direcionado a determinado beneficiário a servidão favorecerá a todo e qualquer adquirente do prédio dominante Exemplo CLEONICE e ANTONIA SIRLENE celebraram contrato devidamente registrado no Cartório de Imóveis por meio do qual o imóvel da primeira serviente suportaria uma servidão de passagem em benefício do prédio da segunda dominante Pois bem Caso SIRLENE aliene o seu imóvel a SINVAL o gravame no prédio serviente passará a favorecer o novo dono e assim subsequentemente em todas as outras alienações até que o ônus seja cancelado No dizer do nosso insuperável mestre ORLANDO GOMES O encargo pode consistir na obrigação de o possuidor do prédio serviente de tolerar que o possuidor do prédio dominante o utilize para certo fim ou na obrigação de não praticar determinado ato de utilização do seu bem in patiendo e in non faciendo Nesse diapasão os seguintes elementos podem ser extraídos do conceito do direito de servidão 1 um ônus ou gravame incidente sobre um prédio serviente 2 um beneficio experimentado pelo prédio dominante por força do referido gravame 3 a titularidade diversa dos referidos prédios pertencentes a donos distintos 4 a necessidade do registro no Cartório de Imóveis para a sua constituição 61 Não se deve confundir a servidão de passagem modalidade bastante comum de servidão que tem natureza de direito real na coisa alheia com o direito de passagem forçada art 1285 que tem natureza de direito de vizinhança 62 Podem ter a mesma finalidade mas são institutos diversos RECURSO ESPECIAL AÇÃO POSSESSÓRIA INTERDITO PROIBITÓRIO PASSAGEM FORÇADA SERVIDÃO DE PASSAGEM DISTINÇÕES E SEMELHANÇAS NÃO CARACTERIZAÇÃO NO CASO SERVIDÃO NÃO SE PRESUME E DEVE SER INTERPRETADA RESTRITIVAMENTE 1 Apesar de apresentarem naturezas jurídicas distintas tanto a passagem forçada regulada pelos direitos de vizinhança quanto a servidão de passagem direito real originamse em razão da necessidadeutilidade de trânsito de acesso 2 Não identificada no caso dos autos hipótese de passagem forçada ou servidão de passagem inviável a proteção possessória pleiteada com base no alegado direito 3 A servidão por constituir forma de limitação do direito de propriedade não se presume devendo ser interpretada restritivamente 4 Recurso especial provido STJ REsp 316045SP Rel Min Ricardo Villas Bôas Cueva 3ª Turma julgado em 23102012 DJe 29 102012 Importante destacar a teor do art 1379 que o exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente por dez anos nos termos do art 1242 autoriza o interessado a registrála em seu nome no Registro de Imóveis valendolhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião Se o possuidor não tiver título o prazo da usucapião será de vinte anos Quanto ao exercício do direito de servidão algumas normas merecem destaque 63 a O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso e se a servidão pertencer a mais de um imóvel serão as despesas rateadas entre os respectivos proprietários Tais obras devem ser feitas pelo dono do prédio dominante se o contrário não dispuser expressamente o título a exemplo do contrato que serviu de base para a constituição da servidão b Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente este poderá exonerarse abandonando total ou parcialmente a propriedade ao dono do dominante Se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber a propriedade do serviente ou parte dela caberlheá custear as obras c O dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o exercício legítimo da servidão sob pena de suportar as eventuais medidas possessórias contra si manejadas d A servidão pode ser removida de um local para outro pelo dono do prédio serviente e à sua custa se em nada diminuir as vantagens do prédio dominante ou pelo dono deste e à sua custa se houver considerável incremento da utilidade e não prejudicar o prédio serviente imaginese por exemplo uma servidão consistente em uma estrutura para a passagem de canaletas para irrigação Uma vez que a servidão impõe uma limitação ao direito do titular do prédio serviente o seu exercício deverá ter por consequência caráter restritivo Art 1385 Restringirseá o exercício da servidão às necessidades do prédio dominante evitandose quanto possível agravar o encargo ao prédio serviente 1º Constituída para certo fim a servidão não se pode ampliar a outro 2º Nas servidões de trânsito a de maior inclui a de menor ônus e a menor exclui a mais onerosa 3º Se as necessidades da cultura ou da indústria do prédio dominante impuserem à servidão maior largueza o dono do serviente é obrigado a sofrêla mas tem direito a ser indenizado pelo excesso O último parágrafo deste dispositivo nitidamente leva em conta o princípio da função social especialmente em uma perspectiva econômica Por fim quanto à extinção da servidão dispõe o Código Civil Art 1387 Salvo nas desapropriações a servidão uma vez registrada só se extingue com respeito a terceiros quando cancelada Parágrafo único Se o prédio dominante estiver hipotecado e a servidão se mencionar no título hipotecário será também preciso para a cancelar o consentimento do credor Art 1388 O dono do prédio serviente tem direito pelos meios judiciais ao cancelamento do registro embora o dono do prédio dominante lho impugne I quando o titular houver renunciado a sua servidão II quando tiver cessado para o prédio dominante a utilidade ou a comodidade que determinou a constituição da servidão III quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão Art 1389 Também se extingue a servidão ficando ao dono do prédio serviente a faculdade de fazêla cancelar mediante a prova da extinção I pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa II pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato ou de outro título expresso III pelo não uso durante dez anos contínuos Comentando o inciso I do art 1389 MARIA HELENA DINIZ afirma que se opera uma confusão uma vez que se reúnem os dois imóveis no domínio da mesma pessoa 64 Chama a nossa atenção ainda nesse conjunto de normas a previsão constante no inciso III do art 1369 Operase na hipótese a extinção do direito pela inação do seu titular no prazo de dez anos o que reforça a ideia de que em se tratando de um instituto limitativo da propriedade a frustação de sua funcionalidade poderá conduzir ao seu próprio desaparecimento Em conclusão lembramos que se denomina ação negatória a que tem por objeto a declaração de inexistência de servidão e ação confessória aquela que por outro lado visa ao reconhecimento do direito de servidão 23 Usufruto O direito real de usufruto pode recair em um ou mais bens móveis ou imóveis 65 em um patrimônio inteiro ou parte deste abrangendolhe no todo ou em parte os frutos e utilidades art 1390 De um lado temos o titular do bem que se despoja das faculdades reais de uso e gozo tornando a sua propriedade limitada nuproprietário de outro o beneficiário usufrutuário que poderá exercer a defesa do seu direito inclusive em face de quem o constituiu RECURSO ESPECIAL AÇÃO PETITÓRIA AÇÃO REIVINDICATÓRIA USUFRUTO DIREITO REAL LIMITADO USUFRUTUÁRIO LEGITIMIDADE E INTERESSE 1 Cuidase que ação denominada petitóriareivindicatória proposta por usufrutuário na qual busca garantir o seu direito de usufruto vitalício sobre o imóvel 2 Cingese a controvérsia a definir se o usufrutuário tem legitimidadeinteresse para propor ação petitóriareivindicatória para fazer prevalecer o seu direito de usufruto sobre o bem 3 O usufrutuário na condição de possuidor direto do bem pode valerse das ações possessórias contra o possuidor indireto nu proprietário e na condição de titular de um direito real limitado usufruto também tem legitimidadeinteresse para a propositura de ações de caráter petitório tal como a reivindicatória contra o nuproprietário ou contra terceiros 4 Recurso especial provido STJ REsp 1202843PR Rel Min Ricardo Villas Bôas Cueva 3ª Turma julgado em 21102014 DJe 28 102014 PABLO STOLZE GAGLIANO nos Comentários ao Código Civil discorre sobre o instituto O direito real de usufruto poderá se constituir das seguintes formas a por negócio jurídico gratuito ou oneroso b por testamento c por usucapião d por força de lei Na primeira hipótese temos um contrato firmado entre duas partes visando à constituição do usufruto Em tal hipótese qual seria a forma a ser adotada pelos contraentes Tratandose de constituição de usufruto sobre bem imóvel caso o valor do mesmo exceda trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país a escritura pública é essencial para a validade do ato Se o usufruto incidir sobre bem móvel entretanto tal solenidade é dispensável Este modo de constituição sem dúvida é o mais comum e tanto pode se operar a título gratuito como também em caráter oneroso No primeiro caso o nuproprietário beneficia o usufrutuário conferindolhe a faculdade real de desfrutar de algo que lhe pertence independentemente de contraprestação É o caso do filho que institui o usufruto em prol de seu velho pai até o fim de seus dias Neste caso o seu genitor gozará gratuitamente do direito concedido Em outra hipótese poderia um sujeito conferir o usufruto por contrato em benefício de outrem mediante o pagamento de um preço Aqui estaríamos diante de uma forma onerosa de constituição Também por testamento se constitui o usufruto Nada impede outrossim que se constitua o usufruto por meio do usucapião Finalmente o usufruto pode derivar da própria lei a exemplo do usufruto resultante do direito de família Nesse sentido o art 1689 do Código Civil dispõe que Art 1689 O pai e a mãe enquanto no exercício do poder familiar I são usufrutuários dos bens dos filhos 66 Vale lembrar que o usufruto de imóveis quando não resulte de usucapião constituirseá mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis art 1391 Caso tenho por objeto bens fungíveis substituíveis ou consumíveis é denominado usufruto impróprio ou quase usufruto ex usufruto incidente sobre valores pecuniários aplicados Finalmente merece atenção a disposição constante no art 1393 segundo a qual não se pode transferir o usufruto por alienação mas o seu exercício pode cederse por título gratuito ou oneroso 67 Nesse diapasão vamos passar em revista alguns importantes direitos e deveres do usufrutuário 68 Direitos do usufrutuário a O usufrutuário tem direito à posse uso administração e percepção dos frutos b Quando o usufruto recai em títulos de crédito o usufrutuário tem direito a perceber os frutos e a cobrar as respectivas dívidas Cobradas as dívidas o usufrutuário aplicará de imediato a importância em títulos da mesma natureza ou em títulos da dívida pública federal com cláusula de atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos c Salvo direito adquirido por outrem o usufrutuário faz seus os frutos naturais pendentes ao começar o usufruto sem encargo de pagar as despesas de produção Os frutos naturais pendentes ao tempo em que cessa o usufruto pertencem ao dono também sem compensação das despesas d As crias dos animais pertencem ao usufrutuário deduzidas quantas bastem para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto e Os frutos civis vencidos na data inicial do usufruto pertencem ao proprietário e ao usufrutuário os vencidos na data em que cessa o usufruto f O usufrutuário pode usufruir em pessoa ou mediante arrendamento o prédio mas não mudarlhe a destinação econômica sem expressa autorização do proprietário Deveres do usufrutuário a O usufrutuário antes de assumir o usufruto inventariará à sua custa os bens que receber determinando o estado em que se acham e dará caução fidejussória ou real se lha exigir o dono de velarlhes pela conservação e entregálos findo o usufruto Não é obrigado à caução o doador que se reservar o usufruto da coisa doada esta última situação é bastante comum o pai doa o imóvel ao filho permanecendo como usufrutuário b O usufrutuário que não quiser ou não puder dar caução suficiente perderá o direito de administrar o usufruto e neste caso os bens serão administrados pelo proprietário que ficará obrigado mediante caução a entregar ao usufrutuário o rendimento deles deduzidas as despesas de administração entre as quais se incluirá a quantia fixada pelo juiz como remuneração do administrador c O usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto d Incumbem ao usufrutuário as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu bem como as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída 69 e Se o usufruto recair num patrimônio ou parte deste será o usufrutuário obrigado aos juros da dívida que onerar o patrimônio ou a parte dele f O usufrutuário é obrigado a dar ciência ao dono de qualquer lesão produzida contra a posse da coisa ou os direitos deste Vale acrescentar que a nua propriedade vale dizer a propriedade limitada daquele que suporta o direito de usufruto de outrem poderá ser objeto de penhora sem que o usufruto seja prejudicado segundo já entendeu o Superior Tribunal de Justiça AGRAVO REGIMENTAL AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL EMBARGOS DE TERCEIRO NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AUSÊNCIA ARTS 649 I DO CPC E 1191 DO CC02 PREQUESTIONAMENTO FALTA IMÓVEL GRAVADO COM USUFRUTO PENHORA DA NUAPROPRIEDADE POSSIBILIDADE SÚMULA 83STJ AGRAVO NÃO PROVIDO 1 De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não há ofensa ao art 535 do CPC quando o Tribunal de origem se manifesta de modo suficiente sobre todas as questões levadas a julgamento não sendo possível atribuir qualquer vício ao acórdão somente porque decidira em sentido contrário à pretensão do recorrente 2 A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados apesar de opostos embargos de declaração impede o conhecimento do recurso especial 3 A nuapropriedade pode ser objeto de penhora e alienação em hasta pública ficando ressalvado o direito real de usufruto inclusive após a arrematação ou a adjudicação até que haja sua extinção Precedentes 4 A harmonia de entendimento entre o acórdão recorrido e a jurisprudência desta Corte Superior atrai a aplicação do enunciado sumular n 83STJ que abrange os recursos especiais interpostos com base em ambas as alíneas a e c do art 105 III da CF88 5 Agravo regimental a que se nega provimento AgRg no AREsp 544094RS Rel Min Maria Isabel Gallotti 4ª Turma julgado em 21 52015 DJe 2952015 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também nos traz exemplo de aplicação do instituto no âmbito de relações internacionais CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL E JUSTIÇA ESTADUAL PORTO DE PARANAGUÁ TERMINAL PORTUÁRIO CESSÃO DE ESPAÇO POR AGÊNCIA OFICIAL DE FOMENTO ÀS EXPORTAÇÕES DO PARAGUAI PARA ENTIDADE DAQUELE PAÍS MEDIANTE USUFRUTO ONEROSO INTERDITO POSSESSÓRIO PEDIDO E CAUSA DE PEDIR QUE NÃO SE CORRELACIONAM COM DISPOSIÇÕES DE ACORDO INTERNACIONAL ENTRE BRASIL E PARAGUAI COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL 1 A lide discute contrato de usufruto oneroso de terminal portuário brasileiro em zona franca de exportações paraguaias no Porto de Paranaguá firmado entre agência oficial de fomento de exportações do Paraguai e entidade daquele país estando o pedido e a causa de pedir afetos às normas de direito civil brasileiro 2 A causa de pedir relacionase com a escritura pública de instituição de usufruto lavrada no Livro 124 folhas 178181 do 21º Tabelionato de Notas de CuritibaPR nem sequer tangenciando disposições contidas em tratado ou acordo internacional entre o Brasil e Estado estrangeiro ou organismo internacional de maneira a atrair a competência da Justiça Federal prevista no art 109 III da Constituição Federal 3 Estando o pedido e a causa de pedir relacionados exclusivamente às normas de direito real de usufruto previstas no Código Civil Brasileiro e não no acordo realizado entre o Brasil e o Paraguai em 1957 conhecese do conflito para declarar competente a Justiça Comum Estadual CComp 121252PR Rel Min Raul Araújo Segunda Seção julgado em 1262013 DJe 1762013 Em conclusão o codificador trata da extinção do usufruto Art 1410 O usufruto extinguese cancelandose o registro no Cartório de Registro de Imóveis I pela renúncia ou morte do usufrutuário II pelo termo de sua duração III pela extinção da pessoa jurídica em favor de quem o usufruto foi constituído ou se ela perdurar pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer IV pela cessação do motivo de que se origina V pela destruição da coisa guardadas as disposições dos arts 1407 1408 2ª parte e 1409 VI pela consolidação VII por culpa do usufrutuário quando aliena deteriora ou deixa arruinar os bens não lhes acudindo com os reparos de conservação ou quando no usufruto de títulos de crédito não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art 1395 VIII pelo não uso ou não fruição da coisa em que o usufruto recai arts 1390 e 1399 A maioria dessas normas é de clareza meridiana Mas algumas merecem alguns esclarecimentos O termo de sua duração se dá porque o usufruto poderá ser temporário Poderá ainda findar pela cessão do motivo de que se origina pois o usufruto poderá ter sido constituído para certa finalidade por exemplo alimentar e uma vez exaurido este fim o direito não mais se justificaria A consolidação acima mencionada inc VI ocorre quando o proprietário retoma as faculdades de uso e fruição consolidando a sua propriedade plena O Enunciado n 252 da III Jornada de Direito Civil por sua vez firmou entendimento no sentido de que a extinção do usufruto pelo não uso de que trata o art 1410 VIII independe do prazo previsto no art 1389 inc III que trata da extinção de servidão pelo desuso durante dez anos contínuos Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas conforme o art 1411 extinguirseá a parte em relação a cada uma das que falecerem salvo se por estipulação expressa o quinhão desses couber ao sobrevivente É forçoso convir portanto que a regra geral é no sentido de se beneficiar o nuproprietário não havendo estipulação em sentido contrário 24 Uso O uso é um direito real de menor expressão Um usufruto de pequena monta Art 1412 O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família 1º Avaliarseão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver 2º As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico Art 1413 São aplicáveis ao uso no que não for contrário à sua natureza as disposições relativas ao usufruto Em realidade anota CARLOS ROBERTO GONÇALVES o uso nada mais é do que um usufruto limitado Destinase a assegurar ao beneficiário a utilização imediata de coisa alheia limitada às necessidades do usuário e de sua família Por isso a tendência de se reduzir a um conceito único Ao usufrutuário correspondem o jus utendi e o jus fruendi ao usuário apenas o jus utendi isto é o direito de usar a coisa alheia sem percepção de seus frutos Ao contrário do usufruto é indivisível não podendo ser constituído por partes em uma mesma coisa bem como incessível Nem seu exercício pode cederse 70 Tratase portanto de um direito sem grande expressão socioeconômica diferentemente do que se dá com o usufruto 25 Habitação O conceito do direito real de habitação deflui da expressa dicção do art 1414 do Código Civil Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia o titular deste direito não a pode alugar nem emprestar mas simplesmente ocupála com sua família Tratase pois do direito real de morar gratuitamente em casa alheia Figura como seu beneficiário o habitador Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra ou às outras mas não as pode inibir de exercerem querendo o direito que também lhes compete de habitála art 1415 São aplicáveis à habitação no que não for contrário à sua natureza as disposições relativas ao usufruto art 1416 Especial aplicação tem o direito ora estudado no âmbito das relações de família 71 O novo Código por sua vez afirma PABLO STOLZE 72 além de considerar oa viúvoa herdeiroa necessárioa com direito concorrente à legítima manteve também o benefício da habitação consoante se depreende da leitura do seu art 1831 Ao cônjuge sobrevivente qualquer que seja o regime de bens será assegurado sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família desde que seja o único dessa natureza a inventariar Notese ademais que o novo diploma incrementando ainda mais o amparo à pessoa casada admitiu que esse direito fosse conferido independentemente do regime de bens vigorante durante o casamento A mesma situação favorável todavia não é reconhecida ao companheiroa Em nosso sentir concordamos com a corrente doutrinária que aponta no sentido da mantença do direito de habitação referido na Lei n 927896 considerandose não ter havido em nosso pensamento revogação tácita ou expressa Ademais a negação deste direito afigurase grave na medida em que a difícil situação sucessória do companheiro deve ser atenuada segundo uma interpretação constitucional e em atenção ao superior princípio da vedação ao retrocesso 73 Em nosso sentir com a manifestação da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal no sentido da inconstitucionalidade do art 1790 do CC RE 878694 que disciplina o direito sucessório dao companheirao a fim de que haja uma equiparação com o direito do cônjuge sobrevivente a extensão do direito de habitação em favor de quem viveu em união estável com o falecido ou falecida ganha mais força 74 26 Direito do promitente comprador O contrato de compra e venda é o negócio jurídico principal pelo qual uma das partes vendedora se obriga a transferir a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel à outra compradora mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro preço Já o contrato de promessa ou compromisso de compra e venda é um contrato preliminar que tem como objeto um negócio futuro de venda e compra Por meio dele o vendedor continua titular do domínio que somente será transferido após a quitação integral do preço constituindo excelente garantia para o alienante Tratase como dito de um contrato preliminar especial que outrora regulado somente em legislação especial passou a ser previsto expressamente pelo Código Civil de 2002 através de seus arts 1417 e 1418 Art 1417 Mediante promessa de compra e venda em que se não pactuou arrependimento celebrada por instrumento público ou particular e registrada no Cartório de Registro de Imóveis adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel Art 1418 O promitente comprador titular de direito real pode exigir do promitente vendedor ou de terceiros a quem os direitos deste forem cedidos a outorga da escritura definitiva de compra e venda conforme o disposto no instrumento preliminar e se houver recusa requerer ao juiz a adjudicação do imóvel Na precisa observação de ORLANDO GOMES 75 não se trata por certo de um contrato preliminar comum mas sim de uma verdadeira promessa bilateral sui generis na medida em que potencialmente gera um direito real à aquisição da coisa e comporta execução específica 76 Isso porque ao celebrálo as partes envolvidas promitente ou compromissário vendedor e promitente ou compromissário comprador assumem a obrigação de fazer o contrato definitivo de compra e venda mediante a outorga de escritura de venda do imóvel compromissado após o adimplemento das obrigações financeiras assumidas Claro está porém que na hipótese de o promitente comprador não cumprir as obrigações financeiras que lhe foram impostas poderá ele após ser devidamente constituído em mora vir a perder a posse do bem por meio da resolução do contrato A forma deste contrato como se pode perceber da simples leitura do art 1417 poderá ser pública ou particular cabendonos advertir que este artigo é de aplicação específica em face do art 108 que exige a escritura pública nos atos de alienação ou constituição de direitos reais imobiliários que superem o teto de 30 trinta salários mínimos Tratase em verdade de uma grande vantagem da promessa de compra e venda pois possibilita sua formalização sem os rigores do instrumento público o que de certa forma evita a ocorrência de nulidades formais Fazse mister registrar que a outorga da escritura definitiva afigurase para o compromissário vendedor que teve todas as parcelas devidamente adimplidas como sendo um ato devido Nesse sentido conclui com inegável precisão ORLANDO GOMES ao discorrer sobre a promessa Considerandose esse contrato um novum genus a escritura definitiva não é o instrumento de outro negócio jurídico mas a forma de um ato devido que apenas documenta o cumprimento de obrigação oriunda de contrato no qual o intento negocial das partes foi definido e a atribuição patrimonial determinada 77 Ilustrando imaginemos a hipótese de o promitente comprador solteiro pactuar uma promessa e após a quitação das suas prestações mas antes da outorga de escritura casarse em regime de comunhão parcial de bens Poderia a sua esposa em uma eventual divórcio exigir a meação do imóvel compromissado argumentando que o mesmo somente se integrou ao patrimônio do seu marido após o casamento Vale indagar outorgandose a escritura definitiva somente após o casamento do compromissário comprador a sua esposa teria direito a 50 do bem Entendemos que não Primeiramente pela circunstância já mencionada de que a outorga da escritura definitiva de compra e venda apenas concretiza exaure finaliza um negócio jurídico anterior perfeito e acabado e que não poderia ser alterado por fatos ocorridos posteriormente à sua celebração Finalmente ao encontro desse pensamento lembremonos de que o art 1661 do Código Civil reconhece serem incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento como na hipótese sob análise Entretanto caso o compromissário comprador casese no curso da execução do contrato as parcelas pagas firmarão uma presunção de esforço comum possibilitando portanto que a esposa por consequência lógica tenha sobre o imóvel direito correspondente à meação das prestações adimplidas no curso do casamento Assim por exemplo se o adquirente pagou 10 das 15 parcelas antes do seu matrimônio a sua esposa terá direito por metade ao valor correspondente às 5 parcelas pagas no curso do casamento O exemplo figurado tratou do casamento embora o mesmo raciocínio possa ser aplicado à união estável art 1725 do CC 27 Penhor hipoteca e anticrese O Código Civil regula o penhor a anticrese e a hipoteca nos arts 1419 a 1510 Tratase de uma regulamentação exaustiva em grande parte autoexplicativa que nem sempre tem grande aplicação social a exemplo do que se dá com a anticrese Algumas regras básicas e gerais aplicáveis aos três institutos merecem referência Art 1419 Nas dívidas garantidas por penhor anticrese ou hipoteca o bem dado em garantia fica sujeito por vínculo real ao cumprimento da obrigação Art 1420 Só aquele que pode alienar poderá empenhar hipotecar ou dar em anticrese só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor anticrese ou hipoteca 1º A propriedade superveniente torna eficaz desde o registro as garantias reais estabelecidas por quem não era dono 2º A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real na sua totalidade sem o consentimento de todos mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver Art 1421 O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia ainda que esta compreenda vários bens salvo disposição expressa no título ou na quitação Art 1422 O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada e preferir no pagamento a outros credores observada quanto à hipoteca a prioridade no registro Parágrafo único Excetuamse da regra estabelecida neste artigo as dívidas que em virtude de outras leis devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos Excutir é empregado no sentido de executar coisa empenhada significa objeto de penhor O contrato que constitui o penhor a anticrese e a hipoteca sob pena de ineficácia deverão declarar art 1424 a o valor do crédito sua estimação ou valor máximo b o prazo fixado para pagamento c a taxa dos juros se houver d o bem dado em garantia com as suas especificações Outro aspecto digno de nota é a vedação ao pacto comissório apropriação da coisa dada em garantia Art 1428 É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia se a dívida não for paga no vencimento Parágrafo único Após o vencimento poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida Feitas tais considerações voltemos os nossos olhos para o penhor Como primeiro direito real de garantia sobre coisa alheia afirma FLÁVIO TARTUCE o penhor é constituído sobre bens móveis em regra ocorrendo a transferência efetiva da posse do bem do devedor ao credor também em regra Dizse duplamente em regra pois no penhor rural industrial mercantil e de veículos as coisas empenhadas continuam em poder do devedor que as deve guardar e conservar Ademais nem sempre o penhor recairá sobre coisa móvel nos termos do que consta do art 1431 do CC 78 No Código Civil Art 1431 Constituise o penhor pela transferência efetiva da posse que em garantia do débito ao credor ou a quem o represente faz o devedor ou alguém por ele de uma coisa móvel suscetível de alienação Parágrafo único No penhor rural 79 industrial mercantil 80 e de veículos as coisas empenhadas 81 continuam em poder do devedor que as deve guardar e conservar São direitos do credor pignoratício art 1433 a direito à posse da coisa empenhada b direito à retenção dela até que o indenizem das despesas devidamente justificadas que tiver feito não sendo ocasionadas por culpa sua c direito ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa empenhada d direito a promover a execução judicial ou a venda amigável se lhe permitir expressamente o contrato ou lhe autorizar o devedor mediante procuração e direito a apropriarse dos frutos da coisa empenhada que se encontra em seu poder f direito a promover a venda antecipada mediante prévia autorização judicial sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore devendo o preço ser depositado O dono da coisa empenhada pode impedir a venda antecipada substituindoa ou oferecendo outra garantia real idônea 82 São deveres do credor pignoratício art 1435 a a custódia da coisa como depositário e ressarcir ao dono a perda ou deterioração de que for culpado podendo ser compensada na dívida até a concorrente quantia a importância da responsabilidade b a defesa da posse da coisa empenhada e a dar ciência ao dono dela das circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação possessória c a imputar o valor dos frutos de que se apropriar art 1433 inciso V nas despesas de guarda e conservação nos juros e no capital da obrigação garantida sucessivamente d a restituíla com os respectivos frutos e acessões uma vez paga a dívida e a entregar o que sobeje do preço quando a dívida for paga no caso do inciso IV do art 1433 Merece especial destaque o penhor de veículos inovação consagrada no Código Civil de 2002 Art 1461 Podem ser objeto de penhor os veículos empregados em qualquer espécie de transporte ou condução Art 1462 Constituise o penhor a que se refere o artigo antecedente mediante instrumento público ou particular registrado no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor e anotado no certificado de propriedade Parágrafo único Prometendo pagar em dinheiro a dívida garantida com o penhor poderá o devedor emitir cédula de crédito na forma e para os fins que a lei especial determinar Art 1463 Não se fará o penhor de veículos sem que estejam previamente segurados contra furto avaria perecimento e danos causados a terceiros Art 1464 Tem o credor direito a verificar o estado do veículo empenhado inspecionandoo onde se achar por si ou por pessoa que credenciar Art 1465 A alienação ou a mudança do veículo empenhado sem prévia comunicação ao credor importa no vencimento antecipado do crédito pignoratício Art 1466 O penhor de veículos só se pode convencionar pelo prazo máximo de dois anos prorrogável até o limite de igual tempo averbada a prorrogação à margem do registro respectivo Notese haver uma limitação temporal para esta modalidade de penhor dois anos admitindose prorrogação que deverá ser averbada à margem do registro Embora se trate de um instituto bastante interessante a sua aplicação prática e difusão social em nosso sentir ainda não são tão frequentes Outra especial modalidade é o penhor legal Como a expressão sugere este penhor independe de contrato derivando diretamente da própria lei Nessa linha são considerados por força de lei credores pignoratícios art 1647 a os hospedeiros ou fornecedores de pousada ou alimento sobre as bagagens móveis joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito 83 b o dono do prédio rústico ou urbano sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio pelos aluguéis ou rendas Na primeira hipótese alínea a devese levar em conta a aparente colisão com a normatização protetiva do Direito do Consumidor Por isso a efetivação da garantia deve ocorrer de forma não abusiva e proporcional o que na prática nem sempre será fácil Os credores poderão tomar em garantia um ou mais objetos até o valor da dívida art 1469 Na mesma linha podem fazer efetivo o penhor antes de recorrerem à autoridade judiciária sempre que haja perigo na demora dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem art 1470 84 Finalmente lembremonos de que pode o locatário impedir a constituição do penhor mediante caução idônea art 1472 Na jurisprudência AGRAVO DE INSTRUMENTO LOCAÇÃO RESOLUÇÃO CONTRATUAL PENHOR LEGAL POSSIBILIDADE DEFERIMENTO LIMINAR EM PARTE PARA PERMITIR À LOCATÁRIA RETIRAR OS MÓVEIS E EQUIPAMENTOS OBJETO DO PENHOR LEGAL PARA UTILIZÁLOS NO NOVO EMPREENDIMENTO QUE POSSUI DESDE QUE SEUS SÓCIOS ASSUMAM O ENCARGO DE DEPOSITÁRIOS FIÉIS RECURSO PROVIDO EM PARTE Agravo de Instrumento n 70068075332 Décima Sexta Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS Relator Ana Maria Nedel Scalzilli Julgado em 2612016 TJRS AgI 70068075332 RS Rel Ana Maria Nedel Scalzilli julgamento 2612016 Décima Sexta Câmara Cível DJ 2712016 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO MEDIDA CAUTELAR PREVENTIVA DE NATUREZA SATISFATIVA DE EFETIVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL INTERESSE DE AGIR AUSÊNCIA PENHOR LEGAL NÃO SE CONFUNDE COM MEDIDA CAUTELAR OMISSÃO VERIFICADA SUPRIMENTO EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITOS MODIFICATIVOS 1 O interesse de agir está escoimado no binômio necessidade e adequação 2 A necessidade ocorre quando imprescindível para que o sujeito obtenha o bem desejado a adequação diz respeito à escolha do meio processual adequado 3 Penhor legal é uma garantia real não se justifica a determinação judicial da efetivação do penhor com posterior homologação se não houver certeza da inexistência de outras garantias 4 Nos contratos de locação inaplicabilidade do penhor legal diante da existência de outra garantia inteligência do art 37 da Lei 824591 TJPR EMBDECCV 619204901 PR 0619204901 Rel Rafael Augusto Cassetari julgamento 3132010 12ª Câmara Cível DJ 371 Finalmente extinguese o penhor 85 art 1436 a extinguindose a obrigação b perecendo a coisa c renunciando o credor 86 d confundindose na mesma pessoa as qualidades de credor e de dono da coisa confusão 87 e dandose a adjudicação judicial a remissão ou a venda da coisa empenhada feita pelo credor ou por ele autorizada Outro importante direito real de garantia é a hipoteca Hipoteca escreve CARLOS ROBERTO GONÇALVES na linha de SILVIO RODRIGUES é o direito real de garantia que tem por objeto bens imóveis navio ou avião pertencentes ao devedor ou a terceiro e que embora não entregues ao credor asseguramlhe preferencialmente o recebimento do seu crédito 88 Podem ser objeto de hipoteca art 1473 a os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles b o domínio direto c o domínio útil d as estradas de ferro 89 e os recursos naturais a que se refere o art 1230 independentemente do solo onde se acham f os navios 90 g as aeronaves h o direito de uso especial para fins de moradia i o direito real de uso j a propriedade superficiária O seu registro é disciplinado nos arts 1492 a 1498 do Código Civil valendo destacar a regra geral segundo a qual as hipotecas serão registradas no cartório do lugar do imóvel ou no de cada um deles se o título se referir a mais de um Quanto ao alcance a hipoteca abrange todas as acessões melhoramentos ou construções do imóvel subsistindo os ônus reais constituídos e registrados anteriormente à hipoteca sobre o mesmo imóvel art 1474 Importante ressaltar que a hipoteca não impede a alienação do imóvel Caso seja alienado o gravame o acompanhará Art 1475 É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado Parágrafo único Pode convencionarse que vencerá o crédito hipotecário se o imóvel for alienado Admitese ainda que sobre o mesmo bem incida mais de uma hipoteca Art 1476 O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele mediante novo título em favor do mesmo ou de outro credor A segunda hipoteca sobre o mesmo imóvel recebe a denominação de subhipoteca 91 Sobre o tema destacamos julgado do Supremo Tribunal Federal AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL LIQUIDAÇÃO SENTENÇA CÁLCULOS LAUDO PERICIAL CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL BEM HIPOTECADO IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO E DE ANÁLISE PRÉVIA DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL SÚMULA N 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA LIMITES DA COISA JULGADA AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO Relatório 1 Agravo nos autos principais contra decisão que não admitiu recurso extraordinário interposto com base no art 102 inc III alínea a da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça da Paraíba PROCESSO E CIVIL PRELIMINAR NÃO CONHECIMENTO RECURSO ADEQUADO REJEIÇÃO MÉRITO LIQUIDAÇÃO SENTENÇA LAUDO PERICIAL QUESITOS COMPLEMENTARES IMPERTINÊNCIA EXCESSO DE GARANTIA CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL HIPOTECA EM SEGUNDO GRAU VALOR GARANTIDO REMANESCENTE DA PRIMEIRA HIPOTECA DANOS MATERIAIS NECESSIDADE DE CÁLCULO PROVIMENTO PARCIAL DO AGRAVO DE INSTRUMENTO Na hipoteca em segundo grau ou subhipoteca o valor dado em garantia corresponde ao remanescente da primeira garantia ou seja somente à parcela do valor do imóvel onerado que restaria após o pagamento da primeira hipoteca Não se pode confundir os danos emergentes do excesso de garantia com o próprio valor que não deveria ter sido onerado pois os danos carecem ser provados podendo ser superiores ou inferiores à quantia que deveria ter sido liberada do excesso de garantia ou excepcionalmente até mesmo inexistentes Necessário portanto o cálculo para se apurar o valor do dano material emergente no caso e não simples e indevida equiparação ao valor irregularmente em garantia Os embargos de declaração opostos pelo Agravante foram rejeitados 8 Pelo exposto nego seguimento ao agravo art 544 4º inc II alínea a do Código de Processo Civil e arts 21 1º e 327 1º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal Publiquese Brasília 13 de dezembro de 2013 Ministra Cármen Lúcia Relatora STF ARE 788114PB Rel Min Cármen Lúcia julgamento 13122013 DJe250 17122013 publicação 18122013 grifamos Previsão importante está contida no art 1488 concernente ao loteamento ou à constituição de condomínio no imóvel hipotecado Art 1488 Se o imóvel dado em garantia hipotecária vier a ser loteado ou se nele se constituir condomínio edilício poderá o ônus ser dividido gravando cada lote ou unidade autônoma se o requererem ao juiz o credor o devedor ou os donos obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito 1º O credor só poderá se opor ao pedido de desmembramento do ônus provando que o mesmo importa em diminuição de sua garantia 2º Salvo convenção em contrário todas as despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento do ônus correm por conta de quem o requerer 3º O desmembramento do ônus não exonera o devedor originário da responsabilidade a que se refere o art 1430 salvo anuência do credor Nesse ponto uma pergunta se impõe o que se entende por hipoteca legal Além da hipoteca convencional mais comum constituída por convenção ou ajuste de vontades temos ainda a hipoteca judicial 92 prevista no art 824 do CC1916 e não mais contemplada no CC2002 e a hipoteca legal que deriva da lei para beneficiar pessoas determinadas Art 1489 A lei confere hipoteca 93 I às pessoas de direito público interno art 41 sobre os imóveis pertencentes aos encarregados da cobrança guarda ou administração dos respectivos fundos e rendas II aos filhos sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias antes de fazer o inventário do casal anterior III ao ofendido ou aos seus herdeiros sobre os imóveis do delinquente para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais IV ao coerdeiro para garantia do seu quinhão ou torna da partilha sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente V ao credor sobre o imóvel arrematado para garantia do pagamento do restante do preço da arrematação E como se opera o fim da hipoteca A hipoteca extinguese art 1499 94 a pela extinção da obrigação principal b pelo perecimento da coisa c pela resolução da propriedade d pela renúncia do credor e pela remição 95 f pela arrematação ou adjudicação Extinguese ainda a hipoteca com a averbação no Registro de Imóveis do cancelamento do registro à vista da respectiva prova art 1500 Em conclusão temos a anticrese Tratase de instituto obsoleto e sem grande utilidade prática Por meio da anticrese pode o devedor ou outrem por ele com a entrega do imóvel ao credor ceder lhe o direito de perceber em compensação da dívida os frutos e rendimentos art 1506 96 A dinâmica deste direito é simples o devedor anticrético transfere a posse do imóvel ao seu respectivo credor para que este aufira os seus respectivos frutos 97 A teor do art 1507 o credor anticrético pode administrar os bens dados em anticrese e fruir seus frutos e utilidades mas deverá apresentar anualmente balanço exato e fiel de sua administração 98 Em arremate o art 1510 admite o resgate da anticrese antes do vencimento da dívida pagando a sua totalidade à data do pedido de remição e se imitindo se for o caso na posse do bem 28 Laje O Direito não pode estar alheio à realidade social que o justifica Nesse contexto embora tardia merece especial destaque a regulamentação normativa do brasileiríssimo direito real de laje levado a cabo pela Medida Provisória n 759 de 22 de dezembro de 2016 que alterou o Código Civil 99 Situação bastante frequente especialmente nos grandes centros urbanos a sobreposição de moradias já exigia historicamente um justo enfrentamento por parte do legislador que até então condenava esse fenômeno urbanístico ao cadafalso da invisibilidade Segundo PABLO STOLZE tratase de situação muito comum especialmente nos grandes centros urbanos em que o proprietário do andar térreo cede o direito de uso e moradia para que um terceiro construa a sua casa no andar de cima É o popular puxadinho Assim passam a coexistir unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área O reconhecimento desse direito embora claro exija a nossa cuidadosa interpretação no caso concreto reverencia a função social 100 Diferentemente de outros direitos reais na coisa alheia o direito de laje tem em seu conteúdo um singular animus equiparável ao de domínio embora não se caracterize pela sua estrutura peculiar como direito real na coisa própria propriedade na medida em que derivando de mera cessão de uso gratuita ou onerosa da superfície do imóvel que lhe é inferior resulta na coexistência de unidades autônomas em uma mesma área Em síntese o sujeito a quem a laje se vincula não deve ser considerado proprietário da unidade construída mas sim titular do direito real de laje sobre ela o que lhe concederá faculdades amplas similares àquelas derivadas do domínio Nos termos do art 1510A do Código Civil o direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo 101 Destacamos o elemento mais importante em nosso sentir para o reconhecimento desse direito real de laje a coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área Com efeito nos termos das normas vigentes operouse o reconhecimento de um novo direito real em favor de quem imprime destinação socioeconômica sobre a unidade imobiliária superior situada em plano vertical quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos Esse direito todavia não se projeta mediante fração ideal sobre o solo ou outras áreas anteriormente edificadas 102 Por óbvio o direito real de laje não é aplicável na hipótese de o direito dos envolvidos se enquadrar no regramento da propriedade condominial edilícia 103 ou em casos de mera locação ou comodato da unidade superior Devem ser abertos números de matrícula distintos para cada uma das unidades imobiliárias que deverão ter isolamento funcional e acesso independente a exemplo de escadas distintas para cada imóvel o que reforça a autonomia dos direitos dos envolvidos 104 inclusive porque o titular da laje responderá pelos seus encargos e tributos respectivos Interessante notar também que o legislador instituiu uma limitação ao direito do futuro adquirente da unidade da laje 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas observadas as posturas previstas em legislação local grifamos Poderá por exemplo o adquirente observadas as limitações administrativas e os direitos de vizinhança elevar sua própria unidade ou realizar obras em seu telhado sendolhe vedado realizar novas construções sobrelevadas novas lajes ou puxadinhos para uso funcional distinto Vale lembrar que os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje 8º Finalmente anotamos que por sugestão de um dos coautores desta obra foi aprovado pelos Juízes das Varas de Família da Comarca de Salvador em encontro promovido pela CorregedoriaGeral do Tribunal de Justiça da Bahia o Enunciado n 18 que já fazia menção ao direito de laje ENUNCIADO N 18 Nos termos do regime de bens aplicável admitese em nível obrigacional a comunicabilidade do direito sobre a construção realizada no curso do casamento ou da união estável acessão artificial socialmente conhecida como direito sobre a laje subordinandose todavia a eficácia real da partilha ao regular registro no Cartório de Imóveis a cargo das próprias partes mediante recolhimento das taxas ou emolumentos e tributos devidos 105 Notese que nesse caso não se projetam as regras de Direito Real ora analisadas uma vez que a laje objeto da meação é pertencente aos próprios envolvidos como uma extensão da propriedade térrea ou inferior já existente Por outro lado se o casal cedeu o uso da superfície do seu imóvel a um terceiro que construiu unidade autônoma com independência funcional aplicamse sem dúvida as novas regras atinentes ao direito real de laje à luz do superior princípio da função social DIREITO DE FAMÍLIA LXIV INTRODUÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA 1 CONCEITO DE FAMÍLIA OU CONCEITOS DE FAMÍLIAS A família é sem sombra de dúvida o elemento propulsor de nossas maiores felicidades e ao mesmo tempo é na sua ambiência em que vivenciamos as nossas maiores angústias frustrações traumas e medos Muitos dos nossos atuais problemas têm raiz no passado justamente em nossa formação familiar o que condiciona inclusive as nossas futuras tessituras afetivas Somos e estamos umbilicalmente unidos à nossa família O conceito de família revestese de alta significação psicológica jurídica e social impondonos um cuidado redobrado em sua delimitação teórica a fim de não corrermos o risco de cair no lugarcomum da retórica vazia ou no exacerbado tecnicismo desprovido de aplicabilidade prática Nesse ponto perguntamonos se seria possível delimitar um conceito único de família E essa dificuldade está presente na obra de respeitáveis autores Como bem observou RODRIGO DA CUNHA PEREIRA A partir do momento em que a família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor surgiram novas e várias representações sociais para ela 106 Tal tendência também foi observada por CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA em uma de suas últimas obras Numa definição sociológica podese dizer com Zannoni que a família compreende uma determinada categoria de relações sociais reconhecidas e portanto institucionais Dentro deste conceito a família não deve necessariamente coincidir com uma definição estritamente jurídica E arremata Quem pretende focalizar os aspectos eticossociais da família não pode perder de vista que a multiplicidade e variedade de fatores não consentem fixar um modelo social uniforme 107 Não por outra razão o Projeto de Lei n 2285 de 2007 é intitulado Estatuto das Famílias pois como bem acentuou a sua comissão elaboradora A denominação utilizada Estatuto das Famílias contempla melhor a opção constitucional de proteção das variadas entidades familiares No passado apenas a família constituída pelo casamento portanto única era objeto do direito de família 108 Nessa ordem de ideias portanto chegamos até mesmo por honestidade intelectual a uma primeira e importante conclusão não é possível apresentar um conceito único e absoluto de Família apto a aprioristicamente delimitar a complexa e multifária gama de relações socioafetivas que vinculam as pessoas tipificando modelos e estabelecendo categorias Qualquer tentativa nesse sentido restaria infrutífera e desgarrada da nossa realidade A par disso registramos que em nossas obras preferimos utilizar a expressão Direito de Família em vez de Direito das Famílias não por um apego estéril à tradição legislativa ou adoção da equivocada ideia unívoca do signo família mas sim pelo reconhecimento de que a expressão família é gênero que comporta diversas modalidades de constituição devendo todas ser objeto da proteção do Direito Assim como não precisamos pluralizar o amor por sua intrínseca plenitude o mesmo se dá em nosso sentir com a noção de família Mas a despeito dessa dificuldade conceitual apresentada compreensível por conta da natureza especial do núcleo familiar cuidaremos de sem pretender esgotar todas as formas e todos os arranjos familiares constituídos no seio de nossa sociedade apresentar um conceito geral de família tomando por parâmetro o superior princípio da dignidade da pessoa humana Antes porém fazse necessário tecer algumas considerações acerca da normatização constitucional O art 226 caput da Constituição Federal estabelece ser a família a base da sociedade gozando de especial proteção do Estado Notese a importância dada à família considerada como fundamento de toda a sociedade brasileira Tal previsão de per si já justificaria a necessidade imperiosa e obrigação constitucional de os governos em suas três esferas federal estadual e municipal cuidarem de prioritariamente estabelecer como metas inafastáveis sérias políticas públicas de apoio aos membros da família especialmente a criança o adolescente e o idoso 109 Logo em seguida mais especificamente nos 1º a 4º do referido art 226 a Constituição cuida de explicitamente fazer referência a três categorias de família o casamento a união estável e o núcleo monoparental Art 226 A família base da sociedade tem especial proteção do Estado 1º O casamento é civil e gratuita a celebração 2º O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei 3º Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar devendo a lei facilitar sua conversão em casamento 4º Entendese também como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes Nesse ponto devemos reconhecer o grande avanço que se operou Isso porque até então a ordem jurídica brasileira apenas reconhecia como forma legítima de família aquela decorrente do casamento de maneira que qualquer outro arranjo familiar era considerado marginal a exemplo do concubinato Vale dizer o Estado e a Igreja deixaram de ser necessárias instâncias legitimadoras da família para que se pudesse então valorizar a liberdade afetiva do casal na formação do seu núcleo familiar circunstância esta verificada inclusive na Europa conforme anota GUILHERME DE OLIVEIRA Desde então tem se tornado mais nítida a perda do valor do Estado e da Igreja como instância legitimadora da comunhão de vida e nota se uma crescente rejeição das tabelas de valores e dos deveres conjugais predeterminados por qualquer entidade externa aos conviventes 110 Na mesma linha acompanhando a mudança de valores e especialmente o avanço científico das técnicas de reprodução humana assistida cuidouse também de imprimir dignidade constitucional aos denominados núcleos monoparentais formados por qualquer dos pais e sua prole Mas teria esse sistema constitucional esgotado todas as formas de família Tratase pois de um sistema normativo fechado ou ao contrário a ordem constitucional apenas lançou as bases das categorias familiares mais comuns sem pretender exaurilas Especialmente por considerarmos consoante afirmamos acima que o conceito de família não tem matiz único temos a convicção de que a ordem constitucional vigente consagrou uma estrutura paradigmática aberta calcada no princípio da afetividade visando a permitir ainda que de forma implícita o reconhecimento de outros ninhos ou arranjos familiares socialmente construídos Nesse sentido PAULO LÔBO Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art 226 da Constituição são meramente exemplificativos sem embargo de serem os mais comuns por isso mesmo merecendo referência expressa As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput Como todo conceito indeterminado depende de concretização dos tipos na experiência da vida conduzindo à tipicidade aberta dotada de ductilidade e adaptabilidade 111 Posto isso é forçoso convir que nenhuma definição nessa seara pode ser considerada absoluta ou infalível uma vez que a família enquanto núcleo de organização social é sem dúvida a mais personalizada forma de agregação intersubjetiva não podendo por conseguinte ser aprioristicamente encerrada em um único standard doutrinário No entanto por conta do desafio que assumimos ao iniciar esta obra e registrando a pluralidade de matizes que envolvem este conceito arriscamonos a afirmar que família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes segundo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana Nessa linha é possível sistematizar o nosso conceito da seguinte maneira a núcleo existencial composto por mais de uma pessoa a ideia óbvia é que para ser família é requisito fundamental a presença de no mínimo duas pessoas 112 b vínculo socioafetivo é a afetividade que forma e justifica o vínculo entre os membros da família constituindoa A família é um fato social que produz efeitos jurídicos 113 c vocação para a realização pessoal de seus integrantes seja qual for a intenção para a constituição de uma família dos mais puros sentimentos de amor e paixão passando pela emancipação e conveniência social ou até mesmo ao extremo mesquinho dos interesses puramente econômicos formar uma família tem sempre a finalidade de concretizar as aspirações dos indivíduos na perspectiva da função social É preciso compreender que a família hoje não é um fim em si mesmo mas o meio para a busca da felicidade ou seja da realização pessoal de cada indivíduo ainda que existam e infelizmente existem arranjos familiares constituídos sem amor O que não se pode prescindir nesse contexto é o seu intrínseco elemento teleológico consistente na formação de um núcleo existencial que tenha por finalidade proporcionar uma tessitura emocional e afetiva que permita a realização da família como comunidade e dos seus membros como indivíduos E isso não seria possível sem uma ampla visão do instituto seja na sua compreensão conceitual seja em um bosquejo histórico o que será objeto do próximo tópico 2 PRINCÍPIOS PECULIARES DO DIREITO DE FAMÍLIA Nos próximos itens dissecaremos normas de otimização específicas do Direito de Família brasileiro 21 Princípio da afetividade Todo o moderno Direito de Família gira em torno do princípio da afetividade Não nos propomos com isso a tentar definir o amor pois tal tarefa afigurarseia impossível a qualquer estudioso filósofo ou cientista Mas daí não se conclua inexistir aquilo que não pode ser racionalmente delineado Isso seria um lamentável erro O fato é que o amor a afetividade tem muitas faces e aspectos e nessa multifária complexidade temos apenas a certeza de que se trata de uma força elementar propulsora de todas as nossas relações de vida Nesse contexto fica fácil concluir que a sua presença mais do que em qualquer outro ramo do Direito se faz especialmente forte nas relações de família Aliás como já dissemos antes o próprio conceito de família elementochave de nossa investigação científica deriva e encontra a sua raiz ôntica da própria afetividade Vale dizer a comunidade de existência formada pelos membros de uma família é moldada pelo liame socioafetivo que os vincula sem aniquilar as suas individualidades E como decorrência da aplicação desse princípio uma inafastável conclusão é justamente no sentido de o Direito Constitucional de Família brasileiro para além da tríade casamento união estável 114 núcleo monoparental reconhecer também outras formas de arranjos familiares a exemplo da união entre pessoas do mesmo sexo ou mesmo da união poliafetiva Daí inclusive a opção pela expressão união homoafetiva preferida pela maioria dos autores modernos e não união homossexual pois as pessoas que formam esse núcleo estão jungidas pelo afeto e não apenas pela sexualidade Ao encontro de tal entendimento MARIA BERENICE DIAS De forma cômoda o Judiciário busca subterfúgios no campo do Direito das Obrigações identificando como uma sociedade de fato o que nada mais é do que uma sociedade de afeto A exclusão de tais relacionamentos da órbita do Direito de Família acaba impedindo a concessão dos direitos que defluem das relações familiares tais como meação herança usufruto habitação alimentos benefícios previdenciários entre tantos outros E ainda Indispensável que se reconheça que os vínculos homoafetivos muito mais do que relações homossexuais configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito Está na hora de o Estado que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana reconhecer que todos os cidadãos dispõem do direito individual à liberdade do direito social de escolha e do direito humano à felicidade 115 Com efeito temos que ao legislador incumbe apenas o reconhecimento do ente familiar mas não a sua conceituação técnica delimitativa excludente de outros agrupamentos não estandardizados pois se assim o fosse estarseia consagrando uma odiosa discriminação normativa em franco desrespeito à superior principiologia constitucional Nesse mesmo diapasão descortinase hoje na vereda da afetividade o importante reconhecimento das relações filiais desbiologizadas mitigandose 116 assim com justiça o entendimento até então dogmático da supremacia genética decorrente do laudo de exame de DNA podendo inclusive gerar a consequente obrigação alimentar conforme entendimento do Enunciado n 341 da IV Jornada de Direito Civil 117 Ainda com base na afetividade sem pretendermos claro esgotar o seu âmbito de aplicação podemos citar as normas protetivas da criança e do adolescente que em inúmeras passagens toma por base o afeto como vetor de orientação comportamental dos pais ou representantes inclusive no que tange à inserção em família substituta como podemos verificar da leitura dos considerandos da Convenção de Cooperação Internacional e Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional Reconhecendo que para o desenvolvimento harmonioso de sua personalidade a criança deve crescer em meio familiar em clima de felicidade de amor e de compreensão Recordando que cada país deveria tomar com caráter prioritário medidas adequadas para permitir a manutenção da criança em sua família de origem Reconhecendo que a adoção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma família permanente à criança para quem não se possa encontrar uma família adequada em seu país de origem Convencidos da necessidade de prever medidas para garantir que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais assim como para prevenir o sequestro a venda ou o tráfico de crianças e Desejando estabelecer para esse fim disposições comuns que levem em consideração os princípios reconhecidos por instrumentos internacionais em particular a Convenção das Nações Unidas sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Aplicáveis à Proteção e ao Bem estar das Crianças com Especial Referência às Práticas em Matéria de Adoção e de Colocação Familiar nos Planos Nacional e Internacional Resolução da Assembleia Geral 4185 de 3 de dezembro de 1986 Na mesma linha o Estatuto da Criança e do Adolescente Art 28 A colocação em família substituta farseá mediante guarda tutela ou adoção independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente nos termos desta Lei 1º Sempre que possível a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada 2º Na apreciação do pedido levarseá em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida grifamos Também na guarda de filhos é perceptível a aplicação do princípio consoante se deflui da simples leitura do Código Civil Art 1584 Decretada a separação judicial ou o divórcio sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercêla Parágrafo único Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade de acordo com o disposto na lei específica grifamos Nítida aliás nesse ponto é a evolução legislativa por conta do abandono do princípio da culpa e a substituição pela afetividade segundo o interesse dos filhos Tantas são as aplicações desse princípio que nos seria impossível esgotálas nesta obra Mas o fato incontestável e isso deve ficar claro ao nosso amigo leitor é que toda a investigação científica do Direito de Família submetese à força do princípio da afetividade delineador dos standards legais típicos e atípicos de todos os institutos familiaristas E isso restou claro na doutrina de GUILHERME DE OLIVEIRA quando acertadamente considera o amor assunto do casal e não do Estado Conscientemente ou não a primeira batalha travada com êxito contra a legitimação externa tradicional foi a da não discriminação dos filhos ilegítimos com o álibi perfeito da inocência dos filhos relativamente aos pecados dos pais Aqui terá começado a mostrarse aquela tendência Desde então temse tornado mais nítida a perda do valor do Estado e da Igreja como instância legitimadora da comunhão de vida e nota se uma crescente rejeição da tabela de valores e dos deveres conjugais predeterminados por qualquer entidade externa aos próprios conviventes A família autopoiética pode receber estímulos do exterior mas todas as informações recebidas serão reelaboradas de acordo com as modalidades internas de comunicação Neste sentido pode dizerse que o casal e a família acompanham o movimento para a criação de sistemas internamente referenciais característico da sociedade moderna e assim dentro do casal a lei é a ausência de lei o amor tornase um assunto exclusivo dos amantes e o casal tornouse seu próprio legislador 118 Finalmente em conclusão a este tópico gostaríamos de compartilhar uma importante reflexão Notese que para uma adequada investigação da relação familiar à luz desse princípio matricial afigurase imperativo que os juízes tenham sempre presente a necessidade de não apenas estudar atentamente o caso concreto ouvindo sempre as partes e os advogados mas também julgar sem a parcialidade indesejável de dogmáticas convicções pessoais em uma interpretação para além de simplesmente racional e lógica mais compreensiva solidária e sensível Nesse sentido lembremos MAURO CAPPELLETTI Em realidade interpretação significa penetrar os pensamentos inspirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreendêlos e no caso do juiz não menos que no do musicista por exemplo reproduzilos aplicálos e realizálos em novo e diverso contexto de tempo e lugar 119 De fato interpretar o Direito de Família nesse panorama de observância do princípio da afetividade significa em especial mais do que aplicar ao caso concreto uma interpretação simplesmente racional discursiva compreender as partes envolvidas no cenário posto sob o crivo judicial respeitando as diferenças e valorizando acima de tudo os laços de afeto que unem os seus membros Afinal nessa dialética harmoniosa nenhuma família é igual a outra e todas merecem igualmente ser respeitadas 22 Princípio da solidariedade familiar Outro princípio peculiar do Direito de Família de fundamental importância é o princípio da solidariedade familiar Esse princípio não apenas traduz a afetividade necessária que une os membros da família mas especialmente concretiza uma especial forma de responsabilidade social aplicada à relação familiar A seu respeito escreveu FLÁVIO TARTUCE A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo art 3º inc I da Constituição Federal de 1988 no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre justa e solidária Por razões óbvias esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais Isso justifica entre outros o pagamento dos alimentos no caso de sua necessidade nos termos do art 1694 do atual Código Civil A título de exemplo o Superior Tribunal de Justiça aplicou o princípio em questão considerando o dever de prestar alimentos mesmo nos casos de união estável constituída antes de entrar em vigor a Lei n 897194 o que veio a tutelar os direitos da companheira Reconheceuse nesse sentido que a norma que prevê os alimentos aos companheiros é de ordem pública o que justificaria a sua retroatividade 120 A solidariedade portanto culmina por determinar o amparo a assistência material e moral recíproca entre todos os familiares em respeito ao princípio maior da dignidade da pessoa humana É ela por exemplo que justifica a obrigação alimentar entre parentes cônjuges ou companheiros ou na mesma linha que serve de base ao poder familiar exercido em face dos filhos menores Uma observação importante porém se faz necessária Embora a ideia de solidariedade remonte aos mais puros e nobres sentimentos humanos a repercussão patrimonial no sistema normativo brasileiro parece evidente É o comentário crítico de PAULO LÔBO O Código Civil de 2002 apesar da apregoada mudança de paradigma do individualismo para a solidariedade social manteve forte presença dos interesses patrimoniais sobre os pessoais em variados institutos do Livro IV no Título I destinado ao direito pessoal Assim as causas suspensivas do casamento referidas no art 1523 são quase todas voltadas aos interesses patrimoniais principalmente em relação à partilha de bens Da forma como permanece no Código a autorização do pai tutor ou curador para que se casem os que lhe estão sujeitos não se volta à tutela da pessoa mas ao patrimônio dos que desejam casar a razão de a viúva estar impedida de casar antes de dez meses depois da gravidez não é a proteção da pessoa humana do nascitura ou a da certeza da paternidade mas a proteção de seus eventuais direitos sucessórios o tutor o curador o juiz o escrivão estão impedidos de casar com as pessoas sujeitas a sua autoridade porque aqueles segundo a presunção da lei seriam movidos por interesses econômicos No capítulo destinado à dissolução da sociedade conjugal e do casamento ressaltam os interesses patrimoniais sublimados nos processos judiciais agravados com o fortalecimento do papel da culpa na separação judicial na contramão da evolução do direito de família Contrariando a orientação jurisprudencial dominante o art 1575 enuncia que a sentença de separação importa partilha dos bens A confusa redação dos preceitos relativos à filiação principalmente a imprescritibilidade prevista no art 1601 estimula que a impugnação ou o reconhecimento judicial da paternidade tenham como móvel interesse econômico principalmente herança ainda que ao custo da negação da história de vida construída na convivência familiar Quando cuida dos regimes de bens entre os cônjuges o Código art 1641 impõe com natureza de sanção o regime de separação de bens aos que contraírem casamento com inobservância das causas suspensivas e ao maior de 60 anos regra esta de discutível constitucionalidade pois agressiva da dignidade da pessoa humana cuja afetividade é desconsiderada em favor de interesses de futuros herdeiros As normas destinadas à tutela e à curatela estão muito mais voltadas ao patrimônio do que às pessoas dos tutelados e curatelados Na curatela do pródigo a proteção patrimonial chega ao clímax pois a prodigalidade é negada e a avareza premiada 121 Essa crítica observação embora demonstre a evidente importância dos interesses patrimoniais na sociedade moderna não deslustra a relevância do princípio da solidariedade social que acaba influenciando inclusive outros princípios peculiares das relações de família como por exemplo o Princípio da Proteção ao Idoso tema do próximo subtópico 23 Princípio da proteção ao idoso Um tratamento respeitoso e preferencial aos idosos é sem dúvida um verdadeiro dogma na disciplina atual das relações de família A devida reverência a todos aqueles que sobreviveram às batalhas da vida e agora encontram menos vigor em seus corpos físicos é um imperativo de justiça e uma decorrência necessária do princípio geral da proteção à dignidade da pessoa humana bem como em especial do princípio da solidariedade social Nesse ponto importa observar que a mudança no tratamento ao idoso em nosso País afigurouse imperiosa premente e necessária Em poucas décadas as famílias brasileiras tornarseão mais longevas consoante demonstrou elucidativa pesquisa do IBGE que merece a nossa atenção IBGE lança o Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios A população de idosos representa um contingente de quase 15 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade 86 da população brasileira As mulheres são maioria 89 milhões 624 dos idosos são responsáveis pelos domicílios e têm em média 69 anos de idade e 34 anos de estudo Com um rendimento médio de R 65700 o idoso ocupa cada vez mais um papel de destaque na sociedade brasileira Os resultados estão na nova publicação do IBGE que traz números sobre a situação no Brasil nas Grandes Regiões nas Unidades da Federação e é acompanhado por um CDROM com informações dos 5507 municípios do País A maioria dos 14536029 de idosos vive nas grandes cidades Nos próximos 20 anos a população idosa do Brasil poderá ultrapassar os 30 milhões de pessoas e deverá representar quase 13 da população ao final deste período Em 2000 segundo o Censo a população de 60 anos ou mais de idade era de 14536029 de pessoas contra 10722705 em 1991 O peso relativo da população idosa no início da década representava 73 enquanto em 2000 essa proporção atingia 86 A proporção de idosos vem crescendo mais rapidamente que a proporção de crianças Em 1980 existiam cerca de 16 idosos para cada 100 crianças em 2000 essa relação praticamente dobrou passando para quase 30 idosos por 100 crianças A queda da taxa de fecundidade ainda é a principal responsável pela redução do número de crianças mas a longevidade vem contribuindo progressivamente para o aumento de idosos na população Um exemplo é o grupo das pessoas de 75 anos ou mais de idade que teve o maior crescimento relativo 493 nos últimos dez anos em relação ao total da população idosa No Brasil em média as mulheres vivem oito anos a mais que os homens As diferenças de expectativa de vida entre os sexos mostram em 1991 as mulheres correspondiam a 54 da população de idosos em 2000 passaram para 551 Portanto em 2000 para cada 100 mulheres idosas havia 816 homens idosos Outra conclusão residir na cidade pode beneficiar a idosa especialmente aquela que é viúva por causa da proximidade com seus filhos dos serviços especializados de saúde e de outros facilitadores do cotidiano Assim o grau de urbanização da população idosa também acompanha a tendência da população total ficando em torno de 81 em 2000 A proporção de idosos residentes nas áreas rurais caiu de 233 em 1991 para 186 em 2000 122 Antecipando esse contexto e verificando a compreensível vulnerabilidade dos nossos parentes idosos a Lei n 10741 de 2003 Estatuto do Idoso informada pelo princípio da solidariedade familiar cuidou de estabelecer em favor do credor alimentando maior de sessenta anos uma solidariedade passiva entre os parentes obrigados ao pagamento da pensão alimentícia Art 11 Os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil Art 12 A obrigação alimentar é solidária podendo o idoso optar entre os prestadores grifamos Assim poderá o alimentando idoso demandar qualquer dos legitimados passivos exigindo o pagamento da integral pensão devida Exemplifiquemos Caso a vovó necessite de alimentos poderá demandar diretamente o seu filho seu neto ou seu bisneto pois todos estão legal e solidariamente vinculados ao cumprimento da obrigação Ou seja não existe ordem de preferência entre eles Tudo por conta desse princípio da solidariedade familiar que nesse caso é de percepção mais sensível valendo lembrar ainda que tal responsabilidade pode inclusive ser estendida ao Poder Público na forma do art 14 do referido Estatuto que assim preceitua Art 14 Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento impõese ao Poder Público esse provimento no âmbito da assistência social Nesse sentido aliás já decidiu o STJ em interessante acórdão da lavra da Ministra NANCY ANDRIGHI Direito civil e processo civil Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em face de um dos filhos Chamamento da outra filha para integrar a lide Definição da natureza solidária da obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso A doutrina é uníssona sob o prisma do Código Civil em afirmar que o dever de prestar alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza solidária porque é conjunta A Lei 107412003 atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os credores forem idosos que por força da sua natureza especial prevalece sobre as disposições específicas do Código Civil O Estatuto do Idoso cumprindo política pública art 3º assegura celeridade no processo impedindo intervenção de outros eventuais devedores de alimentos A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a opção entre os prestadores art 12 Recurso especial não conhecido REsp 775565SP Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma julgado em 1362006 grifamos Parecenos sem dúvida o melhor entendimento sobre a matéria homenageando o princípio mencionado 24 Princípio da função social da família Também nas relações familiares o princípio da função social se faz presente No entanto a família perdeu outras diferentes funções que exerceu ao longo da história como anotam os professores da Faculdade de Direito de Coimbra FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA Perdeu a função política que tinha no Direito Romano quando se estruturava sobre o parentesco agnatício assente na ideia de subordinação ou sujeição ao paterfamilias de todos os seus membros Perdeu a função econômica de unidade de produção embora continue a ser normalmente uma unidade de consumo As funções educativa de assistência e de segurança que tradicionalmente pertenciam à família tendem hoje a ser assumidas pela própria sociedade Por último a família deixou de ser fundamentalmente o suporte de um patrimônio de que se pretenda assegurar a conservação e transmissão à morte do respectivo titular 123 Reconhecem no entanto os autores o importante papel sociocultural exercido pela família pois em seu seio operase o segundo nascimento do homem ou seja o seu nascimento como personalidade sociocultural depois do seu primeiro nascimento como indivíduo físico 124 Numa perspectiva constitucional a funcionalização social da família significa o respeito ao seu caráter eudemonista enquanto ambiência para a realização do projeto de vida e de felicidade de seus membros respeitandose com isso a dimensão existencial de cada um E isso não é simples argumento de retórica Como consectário desse princípio uma plêiade de efeitos pode ser observada a exemplo da necessidade de respeito à igualdade entre os cônjuges e companheiros a importância da inserção de crianças e adolescentes no seio de suas famílias naturais ou substitutas o respeito à diferença em arranjos familiares não standardizados como a união homoafetiva pois em todos esses casos buscase a concretização da finalidade social da família MIGUEL REALE por sua vez antevendo a consagração doutrinária desse princípio na seara familiar aponta outras situações de sua aplicação Em virtude dessa função social da família que a Constituição considera base da sociedade cabe ao juiz o poderdever de verificar se os filhos devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe atribuindo a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade de acordo com o disposto na lei específica ou seja o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 8069 de 13 de julho de 1990 Tão forte é a compreensão social da família que o juiz atendendo a pedido de algum parente ou do Ministério Público poderá suspender o poder familiar se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade faltando aos deveres a ele inerentes ou arruinando os bens dos filhos e adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres 125 De fato a principal função da família é a sua característica de meio para a realização de nossos anseios e pretensões Não é mais a família um fim em si mesmo conforme já afirmamos mas sim o meio social para a busca de nossa felicidade na relação com o outro 25 Princípio da plena proteção das crianças e adolescentes Os filhos menores crianças e adolescentes gozam no seio da família por determinação constitucional art 227 da CF de plena proteção e prioridade absoluta em seu tratamento Isso significa que em respeito à própria função social desempenhada pela família todos os integrantes do núcleo familiar especialmente os pais e mães devem propiciar o acesso aos adequados meios de promoção moral material e espiritual das crianças e dos adolescentes viventes em seu meio Educação saúde lazer alimentação vestuário enfim todas as diretrizes constantes na Política Nacional da Infância e Juventude devem ser observadas rigorosamente A inobservância de tais mandamentos sem prejuízo de eventual responsabilização criminal e civil pode inclusive resultar no caso dos pais na destituição do poder familiar 126 Aliás ao lado do que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente o próprio Código Civil em diversas passagens concretiza esse princípio tutelar como se vê por exemplo na disciplina jurídica do revogado ou tendente ao desuso instituto da separação consensual Art 1574 Darseá a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz sendo por ele devidamente homologada a convenção Parágrafo único O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges grifos nossos Na mesma linha o Código estabelece como dever conjugal também observável na união estável a guarda sustento e educação dos filhos menores Art 1566 São deveres de ambos os cônjuges I fidelidade recíproca II vida em comum no domicílio conjugal III mútua assistência IV sustento guarda e educação dos filhos V respeito e consideração mútuos Art 1724 As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade respeito e assistência e de guarda sustento e educação dos filhos grifos nossos Até mesmo no tratamento do casamento putativo ressalva Art 1561 Embora anulável ou mesmo nulo se contraído de boafé por ambos os cônjuges o casamento em relação a estes como aos filhos produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória 1º Se um dos cônjuges estava de boafé ao celebrar o casamento os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão 2º Se ambos os cônjuges estavam de máfé ao celebrar o casamento os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão grifos nossos Notese por conseguinte que a proteção plena das crianças e adolescentes integrantes do seio familiar não apenas os filhos mas também netos sobrinhos etc traduz um intransponível fundamento do moderno Direito de Família No Estatuto das Famílias Projeto de Lei n 22852007 cuidouse de nessa mesma linha de pensamento preservar o melhor interesse existencial dos filhos conforme podemos verificar na leitura dos seguintes artigos Art 96 Não havendo acordo entre os pais deve o juiz decidir preferencialmente pela guarda compartilhada salvo se o melhor interesse do filho recomendar a guarda exclusiva assegurado o direito à convivência do não guardião Parágrafo único Antes de decidir pela guarda compartilhada sempre que possível deve ser ouvida equipe multidisciplinar e utilizada mediação familiar Art 103 Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe o juiz deve deferir a guarda a quem revele compatibilidade com a natureza da medida de preferência levando em conta o grau de parentesco e a relação de afetividade Parágrafo único Nesta hipótese deve ser assegurado aos pais o direito à convivência familiar salvo se não atender ao melhor interesse existencial da criança Na doutrina lembramnos a respeito do tema FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ SIMÃO que o art 3º do próprio ECA prevê que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana sem prejuízo da proteção integral assegurandolhes por lei ou por outros meios todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico mental moral espiritual e social em condições de liberdade e de dignidade E mais adiante Na ótica civil essa proteção integral pode ser percebida pelo princípio de melhor interesse da criança ou best interest of the child conforme reconhecido pela Convenção Internacional de Haia que trata da proteção dos interesses das crianças 127 Em especial no caso dos filhos logicamente quer sejam crianças ou já adolescentes 128 a incidência desse princípio se faz ainda mais presente 26 Princípio da convivência familiar Pais e filhos por princípio devem permanecer juntos O afastamento definitivo dos filhos da sua família natural é medida de exceção apenas recomendável em situações justificadas por interesse superior a exemplo da adoção do reconhecimento da paternidade socioafetiva ou da destituição do poder familiar por descumprimento de dever legal No direito português anotam FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA que é princípio da Constituição da República em seu art 36 n 5 a inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial 129 Em nosso sistema o Estatuto da Criança e do Adolescente a par de regular a inserção em família substituta arts 28 a 32 não admite que os filhos sejam separados de seus pais por simples motivo de ordem econômica Art 23 A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder Parágrafo único Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio Tratase de uma importante norma de cunho garantista Ao prever que a falta de recursos materiais não autoriza a perda ou a suspensão do poder familiar a norma estatutária está assegurando especialmente a famílias de baixa renda a convivência familiar com a sua prole impedindo que o poder econômico seja utilizado como vetor de determinação da guarda ou de qualquer outra medida em face de suas crianças e adolescentes Entretanto de nada adiantará o permissivo assecuratório se não forem efetivamente implementadas sérias políticas públicas de auxílio e reingresso social tarefa desempenhada hoje principalmente pelos Conselhos Municipais da Infância e Juventude e Secretarias Estaduais e Municipais em todo o País E essa discussão de natureza interdisciplinar é muito séria pois frequentemente questões familiares são levadas às portas da Justiça tendo como raiz de fundo a falta de orientação social e psicológica dos atores envolvidos num cenário familiar de dor e sofrimento E tal aspecto foi muito bem observado por MARIA REGINA FAY DE AZAMBUJA Nos dias atuais muitas demandas que são levadas ao Poder Judiciário decorrem da carência de investimentos nas políticas sociais básicas de atendimento à criança e à família em que pesem as disposições constitucionais e infraconstitucionais existentes Passa o Judiciário por vezes a ser o depositário das crises e dos conflitos pessoais e interpessoais bem como da falência do próprio Estado sobrecarregando as Varas de Família e da Infância e Juventude com problemas que fogem às suas alçadas de atuação e de resolução ao menos em curto prazo 130 Por tais razões estamos convictos de que o princípio da convivência familiar necessita para se consolidar não apenas do amparo jurídico normativo mas principalmente de uma estrutura multidisciplinar associada que permita a sua plena realização social Mas vamos avançar um pouquinho mais na aplicação desse princípio Pensamos que tal direito à convivência deve se estender também a outros integrantes da família como os avós tios e irmãos com os quais a criança ou o adolescente mantém vínculos de afetividade Elogiável nesse particular é o Projeto de Lei n 22852007 quando ressaltando o princípio dispõe Art 98 Os filhos não podem ser privados da convivência familiar com ambos os pais quando estes constituírem nova entidade familiar Art 100 O direito à convivência pode ser estendido a qualquer pessoa com quem a criança ou o adolescente mantenha vínculo de afetividade A despeito no entanto de inexistência de normas correlatas no atual Código é perfeitamente defensável a tese de lege lata no sentido da extensão do direito à convivência familiar com base no princípio aqui defendido nos termos do direito projetado 27 Princípio da intervenção mínima do Estado no Direito de Família Embora se reconheça o caráter muitas vezes publicístico das normas de Direito de Família não se deve concluir no entanto que o Estado deva interferir na ambiência familiar como bem acentuou RODRIGO DA CUNHA PEREIRA O Estado abandonou a sua figura de protetorrepressor para assumir postura de Estado protetorprovedorassistencialista cuja tônica não é de uma total ingerência mas em algumas vezes até mesmo de substituição à eventual lacuna deixada pela própria família como por exemplo no que concerne à educação e saúde dos filhos cf art 227 da Constituição Federal A intervenção do Estado deve apenas e tão somente ter o condão de tutelar a família e darlhe garantias inclusive de ampla manifestação de vontade e de que seus membros vivam em condições propícias à manutenção do núcleo afetivo Essa tendência vemse acentuando cada vez mais e tem como marco histórico a Declaração Universal dos Direitos do Homem votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948 quando estabeleceu em seu art 163 A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado 131 Não cabe portanto ao Estado intervir na estrutura familiar da mesma maneira como justificada e compreensivelmente interfere nas relações contratuais o âmbito de dirigismo estatal aqui encontra contenção no próprio princípio da afetividade negador desse tipo de agressão estatal Nesse diapasão ao encontro do que dissemos acima não se poderia admitir por exemplo que somente o Estado Legislador pudesse moldar e reconhecer em standards apriorísticos os núcleos familiares De maneira alguma Ao Estado não cabe intervir no âmbito do Direito de Família ao ponto de aniquilar a sua base socioafetiva O seu papel sim como bem anotou RODRIGO DA CUNHA PEREIRA traduz um modelo de apoio e assistência e não de interferência agressiva tal como se dá na previsão do planejamento familiar que é de livre decisão do casal art 1565 2º do CC ou na adoção de políticas de incentivo à colocação de crianças e adolescentes no seio de famílias substitutas como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente Andou bem pois o codificador de 2002 quando consciente desse princípio da intervenção mínima prescreveu Art 1513 É defeso a qualquer pessoa de direito público ou privado interferir na comunhão de vida instituída pela família Não se conclua no entanto partindose desse princípio que os órgãos públicos especialmente os vinculados direta ou indiretamente à estrutura do Poder Judiciário não possam ser chamados a intervir quando houver ameaça ou lesão a interesse jurídico de qualquer dos integrantes da estrutura familiar ou até mesmo da família considerada com um todo E um exemplo do que se diz é a atuação do Juiz da Infância e da Juventude ou do próprio Juiz da Vara de Família quando regula aspectos de guarda e direito de visitas ou ainda quando adota uma urgente providência acautelatória de saída de um dos cônjuges do lar conjugal LXV NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O CASAMENTO 1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA Por que iniciarmos o estudo das entidades familiares com o casamento e não com a união estável Tal indagação seria perfeitamente compreensível por parte do nosso estimado leitor tendo em vista a simplicidade da união estável em face da complexidade formal do matrimônio bem como pelo fato de que as uniões livres são naturalmente mais antigas Em verdade não se trata de um imperativo de precedência temporal ou de importância nem também de determinação de ordem religiosa Não é isso definitivamente Como já dissemos todas as manifestações de família ou seja todos os arranjos de afeto são válidos devendo ser socialmente respeitados mormente por conta do sistema aberto e inclusivo consagrado pela nossa Constituição Federal em seu art 226 Nessa mesma linha é o pensamento de MARIA CLÁUDIA CRESPO BRAUNER Com efeito o reconhecimento da pluralidade de formas de constituição de família é uma realidade que tende a se expandir pelo amplo processo de transformação global repercutindo na forma de tratamento das relações interindividuais A reivindicação e o reconhecimento de direitos de igualdade respeito à liberdade e à intimidade de homens e mulheres assegura a toda pessoa o direito de constituir vínculos familiares e de manter relações afetivas sem qualquer discriminação 132 Em verdade a primazia de tratamento aqui conferida ao casamento resulta de uma tradição histórica inegável que não podemos ignorar mas que não traduz logicamente o estabelecimento de uma hierarquia Ademais considerando que os primeiros dispositivos do Código Civil brasileiro tratam justamente das disposições gerais do casamento parecenos lógico adotar tal metodologia O casamento como instituição por sua vez deriva efetivamente de um sistema organizado socialmente com o estabelecimento de regras formais de fundo espiritual ou laico Lembranos a doutrina portuguesa que em geral as legislações no mundo não têm se preocupado em definir o casamento Poucas legislações definem o casamento P ex nem no Código francês nem no espanhol nem no italiano nem no alemão encontramos uma definição do acto matrimonial E a verdade é que esta omissão não costuma ser censurada pela doutrina As características do casamento dizse são de tal modo conhecidas que não será possível confundilo com uma união de fato 133 Pensamos aliás não ser tarefa do legislador estabelecer essa definição mas sim da doutrina especializada Em nosso Direito luminosa é a constelação de autores que se esforçaram em definir o ato matrimonial em diversas oportunidades refletindose em cada uma das definições os valores predominantes na época em que tais conceitos foram elaborados LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA clássico do nosso Direito escreveu O casamento é o ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre sob a promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida 134 MARIA HELENA DINIZ por sua vez conceitua o casamento como sendo O vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa ao auxílio mútuo material e espiritual de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família 135 PAULO LÔBO com habitual precisão preleciona O casamento é um ato jurídico negocial solene público e complexo mediante o qual um homem e uma mulher constituem família pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado 136 De nossa parte pensamos que para cunhar um conceito satisfatório de casamento sem descurarmos da principiologia constitucional mister se faz que analisemos antes a sua natureza jurídica Sob esse aspecto observa RUGGIERO que o casamento é um instituto não só jurídico mas ético social e político e é tal a sua importância que a própria estrutura do organismo social depende de sua regulamentação Impera nele não só o direito mas também o costume e a religião todos os três grupos de normas se contêm no seu domínio e como se verá uma das características mais salientes da história do instituto é a luta travada entre o Estado e a Igreja para obter a competência exclusiva para o regular Nesse diapasão indagase qual seria a natureza do casamento Em que categoria do Direito enquadrase esse ente Quais as suas teorias explicativas Inicialmente cumprenos fixar que discussão houve quanto ao enquadramento enciclopédico do casamento ou seja se se trataria de instituto de Direito Público ou de Direito Privado Ora a participação de um servidor do Estado juiz não autoriza o entendimento de que se trataria de um instituto de Direito Público não havendo na mesma linha razão alguma para enquadrálo como ato administrativo Assim encarandoo como instituto de Direito Privado resta saber se a sua natureza seria contratual ou não Na linha não contratualista respeitáveis vozes se levantaram com diferentes argumentos o casamento seria um atocondição ou seja uma manifestação de vontade que quando emitida consolida uma situação jurídica impessoal 137 o casamento seria um negócio jurídico complexo pois haveria a participação de um terceiro o juiz em seu ciclo formativo 138 o casamento seria simplesmente um acordo de vontades 139 e finalmente houve quem sustentasse que o casamento seria uma instituição 140 ou seja um estatuto de normas Sem menoscabarmos o quilate intelectual desses autores não concordamos com essa corrente de pensamento e os seus argumentos expendidos por termos firme a ideia de que o casamento é um contrato especial de Direito de Família Claro está que ao afirmarmos a sua natureza contratual não estamos com isso equiparando o casamento às demais formas negociais como a compra e venda a locação o leasing ou a alienação fiduciária Seria aliás esdrúxulo tal paralelismo por nos conduzir a conclusões absurdas como a possibilidade de se exigir uma obrigação matrimonial mediante o estabelecimento de multa cominatória ou caso a vida a dois não ande bem uma simples rescisão de contrato de casamento De maneira alguma Quando se entende o casamento como uma forma contratual considerase que o ato matrimonial como todo e qualquer contrato tem o seu núcleo existencial no consentimento sem se olvidar por óbvio o seu especial regramento e consequentes peculiaridades Aliás no momento da realização do casamento a autoridade celebrante apenas participa do ato declarando oficialmente a união uma vez que no plano jurídicoexistencial a sua constituição decorreu das manifestações de vontades dos próprios nubentes no tão esperado instante do sim A participação da autoridade portanto é meramente declaratória e não constitutiva do ato matrimonial 141 Nesse diapasão reafirmando a natureza contratual do casamento CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA pontifica O que se deve entender ao assegurar a natureza do matrimônio é que se trata de um contrato especial dotado de consequências peculiares mais profundas e extensas do que as convenções de efeitos puramente econômicos ou contrato de Direito de Família em razão das relações específicas por ele criadas 142 Conclui na mesma direção CAMILO COLANI BARBOSA Em outras palavras o casamento devido à liberdade conferida aos nubentes inclusive no que concerne à sua dissolução pela separação e divórcio possui hoje características que o aproximam mais de negócio jurídico do que de instituição 143 Por fim há ainda uma terceira vertente doutrinária que sustenta a natureza mista ou híbrida do casamento contrato na sua formação e instituição em sua existência e efeitos 144 Em nosso pensar no entanto o casamento com base nos argumentos supraapresentados afigurase como uma especial modalidade de contrato qualificada pelo Direito de Família Assim fixada a sua natureza jurídica podemos então com maior segurança definir o casamento como um contrato especial de Direito de Família por meio do qual os cônjuges formam uma comunidade de afeto e existência mediante a instituição de direitos e deveres recíprocos e em face dos filhos permitindo assim a realização dos seus projetos de vida Frisamos o elemento teleológico do casamento a realização dos anseios e planos pessoais de cada cônjuge sempre em atenção ao bemestar dos filhos pois no passado em detrimento da individualidade dos integrantes da família priorizavase a todo custo e muitas vezes sob um manto de hipocrisia a estabilidade do casamento Mesmo que isso custasse a felicidade da esposa ou do filho essa estabilidade era não apenas garantida mas imposta sob a ameaça da exclusão social em face daqueles que contra ela ousassem se rebelar Mas esses são tempos idos Hoje o casamento assim como as outras formas de arranjos familiares não é um fim em si mesmo mas tão somente o locus de realização e busca da felicidade dos seus integrantes Esta aliás é a verdadeira função social da família O Código Civil de 2002 por seu turno ao abrir o seu Livro IV Do Direito de Família realçou no art 1511 a estrutura comunitária existencial do casamento em um panorama de respeito à isonomia constitucional entre homem e mulher em norma sem correspondência direta no Código Civil brasileiro de 1916 Art 1511 O casamento estabelece comunhão plena de vida com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges Tratase em nosso sentir de dispositivo socialmente importante na medida em que consideramos o lamentável histórico de desrespeito e humilhação vivenciado pelas esposas brasileiras ao longo das últimas décadas que esperamos seja completamente superado neste século E para isso a observância da principiologia constitucional notadamente o respeito à dignidade da pessoa humana exercerá papel de fundamental importância 2 A PROMESSA DE CASAMENTO RESPONSABILIDADE CIVIL POR RUPTURA DO NOIVADO Ultrapassando os umbrais do simples namoro o noivado importante e necessariamente refletido passo na vida das pessoas traduz maior seriedade no vínculo afetivo uma vez que por meio dele homem e mulher firmam a promessa recíproca de uniremse por meio do casamento formando uma comunhão familiar de vida Servem pois os esponsais ou simplesmente noivado lembranos ANTÔNIO CHAVES como um meio pelo qual os noivos ou nubentes podem aquilatar as suas afinidades e gostos 145 firmando de maneira séria e inequívoca um compromisso de casamento Interessante questão porém diz respeito à ruptura do noivado Não pensemos que o desfazimento dos esponsais operase sempre como um simples fim de namoro em que os envolvidos simplesmente resolvem não se ver mais com a consequente e já tradicional devolução das cartas de amor e até mesmo de alguns presentes ou recordações ou decidem consolidar a partir dali uma bela amizade A ruptura injustificada do noivado pode sim acarretar em situações especiais dano moral ou material indenizável Não o simples fim da afetividade mas a ruptura inesperada e sem fundamento pode determinar a responsabilidade civil extracontratual do ofensor pelos prejuízos efetivamente sofridos excluídos por óbvio os lucros cessantes 146 Entendemos ser extracontratual a responsabilidade daí decorrente com base no art 186 do Código Civil definidor do ato ilícito sem esquecermos de que no passado essa forma de responsabilidade já fora considerada contratual conforme nos lembra o clássico LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA No domínio do Direito antigo embora pouco usado era ele preliminar ao casamento sendo então exigidas certas formalidades e regras às quais já o Decreto n 181 do Governo Provisório deixou em abandono Prevaleciam no período anterior a 1889 e ficaram inteiramente revogadas depois da proclamação da República cujo governo a 24 de janeiro de 1890 expedira aquele Decreto n 181 regulando o casamento civil sem a menor alusão aos esponsais 147 Hodiernamente no entanto não se nos afigura adequado considerarmos o noivado um contrato diferentemente do que se dá com o casamento O matrimônio sim tem natureza jurídica de contrato especial de Direito de Família A ausência da tessitura contratual entretanto não impede a configuração do ilícito quando o noivo desistente violando a legítima expectativa de casamento impõe ao outro prejuízo material ou moral É o caso por exemplo do noivo que deixa a sua pretendente humilhada no altar sem razão ou aviso ou a desistência operada pouco tempo antes do casamento tendo a outra parte arcado com todas as despesas de bufê enxoval e aprestos na firme crença do matrimônio não realizado na mesma linha e não menos grave o anúncio constrangedor do fim da relação em plena festa de noivado ou chá de cozinha por vingança e finalmente exemplo extraído de parte da doutrina brasileira temos a hipótese da noiva que deixa o emprego para casar e com a posterior recusa do prometido fica sem o trabalho e o marido 148 Não se imagine no entanto com tudo que dissemos que por havermos noivado somos obrigados a casar Não é isso Temos todo o direito de desistir até porque se assim não fosse não teria a autoridade celebrante a obrigação de perguntar se aceitamos ou não o nosso consorte Ocorre que a depender das circunstâncias da desistência conforme vimos nos exemplos acima a negativa pode traduzir um sério dano à outra parte não sendo justo ignorarmos esse fato e seguirmos em frente como se nada houvesse acontecido 149 O que o direito pretende evitar é o exercício abusivo desse direito 150 Raciocínio contrário aliás a par de incrementar o enriquecimento sem causa poderia configurar inclusive dada a mencionada natureza do ato matrimonial quebra de boafé objetiva précontratual Vale dizer afronta o princípio da eticidade o desfazimento injustificado do compromisso assumido lesando a legítima expectativa nutrida pelo outro no sentido da realização do ato matrimonial Nesse sentido a jurisprudência brasileira tem reconhecido em determinadas situações a responsabilidade civil pelo fim do noivado 151 Na dúvida portanto é melhor cuidarmos de encontrar a melhor maneira de desistir do casamento atuando segundo o princípio da eticidade no sentido de evitar ou minorar os efeitos danosos decorrentes da ruptura sob pena de incidir em responsabilidade civil 3 FORMAS ESPECIAIS DE CASAMENTO Neste tópico cuidaremos de analisar as formas especiais de casamento 31 Casamento por procuração Alguns atos jurídicos têm a nota da pessoalidade não admitindo representação a exemplo do testamento da adoção ou do exercício do direito de voto O casamento no entanto escapa a essa regra Pode nos parecer esquisito à primeira vista mas o nosso ordenamento jurídico admite o casamento por procuração Razões de variada ordem podem justificar o fato de um ou ambos os noivos não poderem se fazer presentes no dia da convolação de núpcias exigindo a constituição de um procurador como se dá quando um deles está em país distante impossibilitado de retornar ao Brasil 152 A esse respeito veja esta interessante notícia vindo do Mato Grosso do Sul Casamentos por procuração estão se tornando uma prática comum nas celebrações em Campo GrandeMS feitas por juízes de paz Em virtude do grande número de pessoas que vão tentar a vida fora do País dos 2311 casamentos feitos nos dois cartórios de Campo Grande 31 foram por procuração segundo dados dos 2º e 9º Serviços Notariais e de Registros Civis de Pessoas Naturais 153 Tamanha é a importância dessa figura que o nosso ConsuladoGeral em Lisboa informa o Ministério das Relações Exteriores cuida de orientar A legislação brasileira permite casamento por procuração Neste caso o cidadão português deverá lavrar a procuração em Notário Público e autenticála no ConsuladoGeral No texto deste instrumento particular constará igualmente o nome e a qualificação da pessoa com quem pretende casar o regime de bens e o nome que passará a adotar noiva ou noivo após o casamento 154 Tratase em verdade de uma forma de casamento realizado por meio de mandato ou seja de contrato de representação voluntária configurando a procuração apenas como o instrumento delimitador dos poderes do procurador ou mandatário Mas notese que dada a importância do ato o legislador cuidou de imprimir maior segurança jurídica exigindolhe a forma pública e poderes especiais Art 1542 O casamento pode celebrarse mediante procuração por instrumento público com poderes especiais 1º A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário mas celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação responderá o mandante por perdas e danos 2º O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazerse representar no casamento nuncupativo 3º A eficácia do mandato não ultrapassará noventa dias 4º Só por instrumento público se poderá revogar o mandato grifos nossos 155 Situação semelhante aliás ocorre com a doação por procuração em que também se exigem poderes especiais e a depender do bem doado imóvel por exemplo a forma pública A procuração para casar portanto não pode ser genérica devendo conter poderes especiais observando a forma pública ou seja lavrada em Livro de Notas de Tabelião com prazo máximo de noventa dias 3º Nada impede nessa linha de intelecção que haja dois procuradores investidos ou o que se nos afigura mais factível um procurador acompanhando o outro noivo O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazerse representar no casamento nuncupativo 2º Intrigante questão diz respeito à possibilidade de o procurador no exercício dos poderes que lhe foram outorgados recusar o consentimento na solenidade matrimonial Enfrentando essa questão CAMILO COLANI citando LAMARTINE CORREIA e FERREIRA MUNIZ afirma com propriedade que o outorgado somente poderá recusar em circunstância devidamente justificável caso em que o próprio mandante se ali estivesse também o faria a exemplo da descoberta de doença psíquica grave do outro nubente 156 Aliás se assim não fosse não estaríamos diante de um contrato de mandato mas sim de uma mera transmissão de vontade atividade encarregada aos núncios 157 simples portadores de consentimento e não aos procuradores Finalmente o que dizer da revogação do mandato Na hipótese em tela casamento pensamos não ser possível se considerar inafastável ou absoluta uma cláusula de irrevogabilidade pois se trata da prática de um ato que toca a dimensão existencial do declarante podendo pois haver manifestação em contrário desde que justificável Nessa linha ainda que consignada a referida cláusula poderá o mandante justificadamente revogar o mandato Mas o exercício abusivo dessa faculdade resilitória de desistência poderá em nosso sentir gerar a responsabilidade civil por danos materiais ou morais do infrator na forma do art 683 do CC2002 158 Vale observar que somente por instrumento público se poderá revogar o mandato 4º e como outro importante aspecto a revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário mas celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação poderá responder o mandante por perdas e danos 1º o que se coaduna com a regra já apontada acima de disciplina jurídica das consequências da revogação do mandato quando existente cláusula restritiva de resilição Tratase em nosso pensar de uma situação de responsabilidade civil objetiva por descumprimento do dever de informação consectário do princípio da boafé objetiva nos termos do Enunciado n 24 da I Jornada de Direito Civil 159 Em conclusão cumpre ainda anotar que o art 1550 V do CC2002 160 estabelece a anulabilidade do casamento caso realizado pelo mandatário sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges Vale dizer quedase inválido o matrimônio quando o mandato tiver sido revogado sem a ciência dos envolvidos pessoalmente no ato desde que não sobrevenha a coabitação entre os cônjuges De maneira pouco ortodoxa e até meio esquisita é como se o encontro sexual convalidasse o ato anulável Também inconformada com esse dispositivo MARIA BERENICE DIAS preleciona com razão Pelo que se pode perceber é o contato sexual entre os noivos que concretiza e empresta validade ao casamento Tal disposição legal parece que está a referendar a falsa crença de que o matrimônio se consuma na noite de núpcias A justificativa doutrinária é pouco convincente evitar o uso malicioso desse expediente e com isso conseguir favores sexuais do cônjuge 161 Apenas não concordamos com a querida professora quando criticando a norma afirma que em verdade um casamento celebrado nessas circunstâncias revogação do mandato deveria ser considerado nulo nulidade absoluta 162 pois uma vez revogado o mandato não haveria que se falar mais em vontade do mandante caso em que deveria ser reconhecida a sua inexistência e não a simples invalidade 32 Casamento nuncupativo O casamento nuncupativo também denominado in extremis vitae momentis ou in articulo mortis é aquele contraído de viva voz por nubente que se encontre moribundo na presença de pelo menos seis testemunhas independentemente da presença da autoridade competente ou do seu substituto Tratase pois de uma modalidade excepcional de matrimônio em que qualquer dos nubentes detentor de saúde mental posto no limiar da vida resolve contrair núpcias fazendo valer pois a sua derradeira vontade de receber o seu parceiro na condição de consorte Respeitase com isso o afeto nos instantes finais de sua vida Por outro lado nada impede em nosso sentir embora se afigure improvável que ambos os nubentes estejam em iminente risco de morte e resolvam contrair casamento nuncupativo não havendo tempo para habilitação e realização do ato perante a autoridade Também neste caso observadas as formalidades legais e desde que demonstrem higidez mental as suas vontades devem ser respeitadas Disciplinando o instituto o Código Civil dispõe Art 1540 Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato nem a de seu substituto poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta ou na colateral até segundo grau Notese a exigência do número mínimo de seis testemunhas que não sejam parentes dos noivos em linha reta ou na colateral até o segundo grau Como a lei não ressalvou forçoso convir que este parentesco é o natural o civil ou até mesmo o travado por afinidade Assim filho neto enteado pai mãe padrasto madrasta irmão irmã não poderão figurar como testemunhas do ato tendo em vista a necessidade de se imprimir maior segurança jurídica a esta solenidade a qual por sua própria natureza dada a ausência de habilitação ou de autoridade celebrante é por demais informal E essa informalidade deve ser mitigada pela exigência de maior rigor na sua celebração Realizado o casamento dispõe o art 1541 e parágrafos 163 que as testemunhas deverão comparecer perante a autoridade judicial mais próxima em dez dias o art 77 da Lei n 6015 de 1973 Lei de Registros Públicos 164 neste ponto revogada estabelecia um prazo de cinco dias na forma de dispositivo equivalente da codificação revogada de 1916 pedindo que lhes tome por termo a declaração de que foram convocadas por parte do enfermo este parecia em perigo de vida mas em seu juízo em sua presença declararam os contraentes livre e espontaneamente receberse por marido e mulher Instaurase assim procedimento de jurisdição voluntária com participação do Ministério Público no bojo do qual o juiz após verificar se os interessados poderiam ter se habilitado ouvirá eventuais interessados e concluindo haverem sido observadas as formalidades legais e não ter havido fraude decidirá determinando por mandado o registro do ato A ausência desse registro implicará a nulidade absoluta do matrimônio contraído uma vez que por ser ato jurídico de formação complexa exige a observância de todas as formalidades legais sob pena de invalidade a teor do art 166 V do CC2002 165 Notese ainda a redobrada cautela a ser observada pelo magistrado por conta da necessidade de evitar gananciosas empreitadas de golpistas que podem ver no matrimônio nuncupativo um inescrupuloso meio de captar dolosamente a vontade do moribundo solapandolhe a herança Por isso em havendo depoimentos contraditórios ou dissonantes deve o juiz negar o registro Caso no entanto estejam observados os pressupostos de lei o assento será lavrado e retrotrairá os efeitos do casamento quanto ao estado dos cônjuges à data da celebração ou em outras palavras a sentença surtirá efeitos ex tunc Finalmente serão dispensadas as formalidades de lei se o enfermo convalescer e puder ratificar o casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro Em conclusão vamos tratar de uma intrigante questão de quem será a competência para a condução desse procedimento Claro está que em juízo de vara única este será o competente cabendo ressaltar haver o legislador determinado que se buscasse a autoridade mais próxima Mas e se nesse mesmo juízo houvesse varas de família e de registros públicos em qual das duas tramitaria o pedido de registro Em uma primeira análise poderíamos concluir ser competente a Vara de Registros Públicos Entretanto estudando mais a fundo a questão poderemos constatar que o registro pretendido terá o condão de modificar o status civil familiar do indivíduo com impacto inclusive na seara patrimonial em face da incidência das normas do regime de bens aplicável e também com inafastáveis reflexos sucessórios Por conta disso entendemos que assim como se dá no caso da alteração do regime de bens no curso do casamento a autoridade competente para o registro do casamento nuncupativo é o Juiz da Vara de Família e não de Registros Públicos 166 Esse para nós é o melhor entendimento posto cada Estado por sua Lei de Organização Judiciária tenha liberdade para disciplinar em sentido diverso 33 Casamento em caso de moléstia grave Não confunda amigo leitor o casamento nuncupativo com o matrimônio em caso de moléstia grave No primeiro caso o nubente encontrase no leito de morte não tendo havido tempo para habilitarse nem solicitar a presença da autoridade celebrante ou seu substituto na segunda hipótese a habilitação foi feita mas por conta de grave doença tornouse impossível o comparecimento à solenidade matrimonial Em virtude pois da moléstia que o acomete o nubente não pode deslocarse ao salão de casamentos solicitando assim que a própria autoridade celebrante vá ao seu encontro É o que preceitua o art 1539 do vigente Código Civil brasileiro Art 1539 No caso de moléstia grave de um dos nubentes o presidente do ato irá celebrálo onde se encontrar o impedido sendo urgente ainda que à noite perante duas testemunhas que saibam ler e escrever 1º A falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o casamento suprirseá por qualquer dos seus substitutos legais e a do oficial do Registro Civil por outro ad hoc nomeado pelo presidente do ato 2º O termo avulso lavrado pelo oficial ad hoc será registrado no respectivo registro dentro em cinco dias perante duas testemunhas ficando arquivado Vale observar que dada a presença da autoridade os rigores exigidos são menores se compararmos esse matrimônio com o nuncupativo a exemplo do número reduzido de testemunhas a saber apenas duas Mesmo na sistemática codificada anterior o número era menor quatro do que no casamento in extremis vitae momentis ou in articulo mortis A falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o casamento suprirseá por qualquer dos seus substitutos legais e a do oficial do Registro Civil por outro ad hoc nomeado pelo presidente do ato 1º O termo avulso lavrado pelo oficial ad hoc será registrado no cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais dentro em cinco dias perante duas testemunhas ficando arquivado 2º 34 Casamento celebrado fora do País perante autoridade diplomática brasileira Estando oa brasileiroa 167 fora do território nacional pode elea eventualmente decidir contrair núpcias37 Neste caso 168 tem ele a possibilidade de celebrar o matrimônio segundo as leis brasileiras perante autoridade diplomática brasileira na forma do art 18 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Decretolei n 4657 de 4 de setembro de 1942 169 Assim deve observar todos os requisitos legais de validade para que produza seus efeitos também em território nacional segundo a legislação brasileira Todavia há ainda um requisito a ser observado É que nos termos do art 1544 do Código Civil de 2002 o casamento de brasileiro celebrado no estrangeiro perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros deverá ser registrado em 180 cento e oitenta dias a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil no cartório do respectivo domicílio ou em sua falta no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir Tratase de prazo decadencial cuja inobservância gerará a impossibilidade de produção dos efeitos jurídicos pretendidos não se considerando tais pessoas como casadas pela lei brasileira Considerase como dies a quo para a contagem de tal prazo na forma do texto legal a volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil O que se entende por volta Sobre o tema observa PAULO LÔBO O art 1544 do Código Civil alude a volta do cônjuge ao Brasil mas deve ser entendido como de ingresso no sentido amplo pois o cônjuge estrangeiro que nunca viveu no território brasileiro se vier em primeiro lugar não volta esse artigo referese de modo amplo a cônjuge seja ele brasileiro ou não Outra hipótese em que não há volta ou retorno é a do nascido no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira que estejam a serviço da República Federativa do Brasil e que nunca tenha vivido no Brasil ao tocar no solo brasileiro pela primeira vez haverá ingresso e não volta 170 Indo além da discussão se a expressão volta seria mais adequada ou não parecenos que o sentido da norma é de prestigiar uma regra de soberania nacional com a finalidade de disciplinar as relações jurídicas entre aqueles que pretendem residir em seu território Por isso compreendemos a expressão volta como ingresso com animus de permanência Isso porque não nos parece razoável que alguém que tenha casado fora do Brasil ainda que perante a autoridade diplomática mas tenha domicílio efetivo no estrangeiro tenha que diligenciar esse registro em tempo recorde somente porque passou alguns dias sem intenção de retornar a residir na sua pátria de origem Exemplifiquemos para melhor compreensão Imaginese que Ricardo brasileiro residente fora do País se case com Sandra brasileira também ali residente perante autoridade diplomática No estrangeiro constituem família e mantêm relações jurídicas Caso resolvam passar férias no Brasil por dez dias teriam eles de providenciar o registro Parecenos que não É do efetivo retorno ao Brasil que se conta o prazo decadencial mencionado E o que dizer de quem se casou fora do País perante autoridade estrangeira segundo as regras próprias de cada país É o tema do próximo e derradeiro tópico deste capítulo 35 Casamento celebrado fora do País perante autoridade estrangeira No que diz respeito à aplicação das regras de direito de família notadamente o casamento estabelece o art 7º da vigente Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Decretolei n 4657 de 4 de setembro de 1942 Art 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade o nome a capacidade e os direitos de família 1º Realizandose o casamento no Brasil será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrarse perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes Redação dada pela Lei n 3238 de 1º81957 3º Tendo os nubentes domicílio diverso regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal 4º O regime de bens legal ou convencional obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio e se este for diverso a do primeiro domicílio conjugal 5º O estrangeiro casado que se naturalizar brasileiro pode mediante expressa anuência de seu cônjuge requerer ao juiz no ato de entrega do decreto de naturalização se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens respeitados os direitos de terceiros e dada essa adoção ao competente registro Redação dada pela Lei n 6515 de 26121977 6º O divórcio realizado no estrangeiro se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros só será reconhecido no Brasil depois de 1 um ano da data da sentença salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo caso em que a homologação produzirá efeito imediato obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país O Superior Tribunal de Justiça na forma de seu regimento interno poderá reexaminar a requerimento do interessado decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais Redação dada pela Lei n 12036 de 2009 7º Salvo o caso de abandono o domicílio do chefe da família estendese ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda 8º Quando a pessoa não tiver domicílio considerarseá domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre Assim é o local do domicílio do casal que determinará as regras de existência e validade do casamento Deve a lei estrangeira portanto nesse caso reger o casamento em todos os seus três planos existência validade e eficácia até mesmo no regime de bens adotado Por isso em países que reconhecem validade jurídica ao casamento polígamo respeitase a normatização estrangeira com a consagração da figura do estatuto pessoal situação jurídica em que a norma de um Estado acompanha seu nacional para regular seus interesses em outro país 171 Assim não haveria qualquer ilicitude civil ou criminal por parte do cônjuge de um matrimônio estrangeiro polígamo já que a extraterritorialidade da lei é limitada pois atos sentenças e leis de países alienígenas não serão aceitos no Brasil quando ofenderem a soberania nacional a ordem pública e os bons costumes na forma do art 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Decretolei n 4657 de 4 de setembro de 1942 172 Isso se aplica tanto ao casamento do cidadão estrangeiro quanto do brasileiro que contrai núpcias fora do País independentemente de ser ali domiciliado ou não seja casandose com outro brasileiro seja com um estrangeiro Tratandose de brasileiro porém entendemos que também se deve realizar o necessário registro nos termos do art 32 da Lei de Registros Públicos Art 32 Os assentos de nascimento óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos nos termos da lei do lugar em que forem feitos legalizadas as certidões pelos cônsules ou quando por estes tomados nos termos do regulamento consular 1º Os assentos de que trata este artigo serão porém transladados nos cartórios de 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal em falta de domicílio conhecido quando tiverem de produzir efeito no País ou antes por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações Exteriores grifo nosso Por fim refletindo sobre o tema registra PAULO LÔBO Na hipótese de casamento de brasileiros ou de brasileiroa com estrangeirao celebrado perante autoridade estrangeira o termo respectivo deverá ser autenticado em Consulado brasileiro e posteriormente traduzido por tradutor juramentado ou tradutor ad hoc designado pelo juiz para que possa ser registrado no Brasil O registro poderá ser negado se o documento contiver obrigações e direitos incompatíveis com os princípios enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem Resolução n 84354 da ONU da qual o Brasil é signatário e na Constituição brasileira 173 Em conclusão pensamos que o ministro religioso em outro país equiparase à autoridade estrangeira se a respectiva legislação estrangeira reconhecer validade civil a uma determinada cerimônia religiosa Assim celebrado casamento religioso em Estado estrangeiro para que possa produzir os efeitos civis correspondentes no território brasileiro deve oa brasileiroa proceder às mesmas providências aqui mencionadas como se se tratasse de um matrimônio civil realizado no estrangeiro LXVI CAPACIDADE HABILITAÇÃO E CELEBRAÇÃO MATRIMONIAL 1 CAPACIDADE PARA O CASAMENTO Determinados conceitos e noções marcadamente propedêuticos em Direito Civil oriundos de sua Teoria Geral apresentam notas distintivas no Direito de Família É o que se dá com a capacidade Como sabemos a maioridade civil é atingida aos 18 anos de idade completos marco etário em que concorrendo a saúde mental a pessoa está habilitada para a prática de todos os atos da vida civil conjugando a capacidade de direito e de fato capacidade plena No âmbito matrimonial a capacidade núbil ou para casar é atingida seja homem ou mulher aos 16 anos completos consoante dispõe o art 1517 do Código Civil Art 1517 O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar exigindose autorização de ambos os pais ou de seus representantes legais enquanto não atingida a maioridade civil 174 Parágrafo único Se houver divergência entre os pais aplicase o disposto no parágrafo único do art 1631 Notase a incidência do princípio constitucional da isonomia 175 tendo em vista a equiparação dos limites etários Observese ainda na forma do art 6º I do Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 13146 de 6 de julho de 2015 que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa inclusive para I casarse e constituir união estável 11 Autorização para o casamento do menor de 18 anos Quando ainda estão na faixa da incapacidade relativa entre 16 anos completos e 18 anos incompletos os nubentes necessitam da autorização dos seus representantes legais ou se for o caso do próprio Juiz de Direito para casar A autorização parental é conjunta ou seja dada pelos pais ou por um deles na falta do outro se um dos genitores é falecido por exemplo Já a autorização judicial poderá ser necessária se houver divergência entre os pais a teor do já transcrito parágrafo único do art 1517 Caso um deles ou ambos deneguem a autorização nada impede a teor do art 1519 do CC2002 176 o recurso à via judicial para o suprimento do consentimento havendo justificativa razoável podendo o procedimento ser instaurado em nosso sentir pelo próprio Ministério Público a pedido dos nubentes incapazes que não teriam capacidade processual para iniciar sozinhos a postulação Importante aspecto a ser considerado ainda é que a teor do art 1518 do CC2002 177 até a celebração do casamento podem os pais tutores ou curadores revogar a autorização dada Cuidase pois de um direito potestativo cujo exercício encontra o seu termo final no momento da formalização do ato Vale também registrar que na forma do art 1537 do CC2002 o instrumento da autorização para casar transcreverseá integralmente na escritura antenupcial preceito legal que mantém a diretriz do sistema anterior A partir dos 18 anos finalmente por haver sido atingida a maioridade não se exige mais por óbvio autorização alguma 12 Antecipação da idade núbil É possível a antecipação da capacidade núbil em duas hipóteses especiais previstas no art 1520 Art 1520 Excepcionalmente será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil art 1517 para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez Não é à toa que a norma inicia a sua dicção com o emprego de um forte advérbio excepcionalmente Isso porque as duas situações ali definidas não comportam presunção devendo estar devidamente comprovadas no procedimento especialmente instaurado para a obtenção da autorização ou do suprimento judicial A primeira hipótese é de clareza meridiana estando a noiva grávida e sendo menor de 16 anos o juiz poderá à vista da prova documental ou pericial autorizar o casamento uma vez que a maternidade próxima justificaria o projeto matrimonial Observese não haver na lei idade mínima para essa autorização judicial de maneira que caberá ao magistrado analisando cuidadosamente o caso concreto autorizar ou não o casamento devendose registrar que uma vez permitido o ato o Código Civil de 2002 não reproduziu regra da lei revogada parágrafo único do art 214 do CC1916 no sentido de outorgar a prerrogativa ao juiz de ordenar a separação de corpos dos cônjuges até que atingissem a maioridade De fato tal previsão carecia de toda lógica Se o ato sexual já se consumou e os nubentes pretendem convolar núpcias aguardando a iminente chegada do rebento sentido não há em mantêlos em casas separadas A não ser que se quisesse incentivar a esdrúxula situação de encontros furtivos entre pessoas já casadas Outro interessante aspecto que se deve considerar é a hipótese de o noivo e não a noiva grávida ser menor de idade Figurese por exemplo a hipótese de um adolescente de 15 anos engravidar uma jovem de 18 Nesse caso pelas mesmas razões acima apontadas poderá o juiz caso se convença da viabilidade da medida especialmente considerando o grau de discernimento dos envolvidos autorizar o casamento Por que não Pensamento contrário em nosso sentir violaria o princípio da igualdade demonstrando um apego indevido a uma concepção cultural ideologicamente masculinizada em que homem seria sempre o predador e a mulher a eterna subjugada Se tal visão foi uma regra histórica a aceitação da pluralidade pósmoderna importa no reconhecimento da multiplicidade de situações fáticas e no afastamento de arquétipos absolutamente inflexíveis Também se justifica o casamento abaixo da idade núbil para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal O Código Penal brasileiro até bem pouco tempo estabelecia que o casamento da vítima poderia extinguir a punibilidade do acusado evitando assim a imposição ou o cumprimento da pena criminal por crimes sexuais 178 Nessa linha caso por exemplo uma adolescente de 13 anos mantivesse voluntária relação sexual com o seu namorado de 18 configurando em tese para este último a prática do crime de estupro com violência presumida 179 o seu matrimônio com o acusado judicialmente autorizado operaria a extinção da punibilidade Ocorre que os incisos VII e VIII do art 107 que previam a mencionada extinção da punibilidade pelo casamento foram revogados pela Lei n 11106 de 2005 bem como foi revogada pela Lei n 12015 de 2009 a previsão legal de violência presumida estabelecendose um novo tipo penal qual seja o estupro de vulnerável agora previsto no art 217A do vigente Código Penal 180 Perguntase pois por conta da mencionada revogação o casamento teria deixado de ser em toda e qualquer circunstância causa extintiva de punibilidade O art 1520 do Código Civil nesse ponto teria perdido eficácia Em verdade sob esse prisma o dispositivo quedouse profundamente esvaziado Em regra pois haverá a prática de um grave delito que se processa mediante ação penal pública incondicionada afigurandose incabível a autorização para o casamento E assim deve ser para se coibir especialmente a nefasta prática da pedofilia Entretanto as especificidades do caso concreto poderão determinar solução diversa Verificando o juiz ter havido namoro sério numa ambiência psicológica de maturidade inequívoca das partes envolvidas especialmente a incapaz e isso não é incomum nos dias de hoje e concorrendo ainda a anuência dos pais poderseia em tese reconhecer a atipicidade do fato criminoso o que justificaria por consequência a autorização para casar Faltaria nessa linha de intelecção justa causa para a própria ação penal passível portanto de trancamento Vale anotar ainda que por princípio a lei revogadora não poderá atingir casamentos consumados antes da sua vigência por conta do princípio proibitivo da novatio legis in pejus Nesse diapasão o que dizer da união estável entre o réu maior e a vítima menor Teria o condão de impedir a persecução criminal nas condições excepcionais acima descritas Em uma perspectiva constitucional e coerente com o nosso pensamento exposto ao longo de toda esta obra no sentido da abertura socioafetiva do conceito de família forçoso convir que a resposta é positiva desde que repitase constatada a profundidade e maturidade do relacionamento estável existente Nesse sentido aliás já apontava a anterior jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça realçando que a união estável somente seria possível logicamente se a idade da vítima assim o permitisse CRIMINAL RECURSO ESPECIAL ESTUPRO VÍTIMA MENOR UNIÃO ESTÁVEL ENTRE RÉU E VÍTIMA IRRELEVÂNCIA MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ DE CONTRAIR MATRIMÔNIO RECURSO PROVIDO I Não obstante o Código Penal prever como forma de extinção da punibilidade nos crimes contra os costumes o casamento civil da vítima com terceiro devese admitir para o mesmo efeito a figura jurídica da união estável Precedentes do STF e desta Corte II Hipótese na qual a constituição de união estável não milita em favor do réu para fins de extinção da punibilidade em virtude da idade da vítima à época dos fatos 10 a 15 anos absolutamente incapaz para contrair o matrimônio de acordo com os termos do Código Civil que estabelece a idade mínima de 16 anos para o casamento ainda assim condicionado ao consentimento dos pais ou representantes legais III Inexistência nos autos de qualquer autorização legal para convivência marital entre vítima e réu apta a isentálo do cumprimento da sanção penal conforme prevê o art 1520 do Código Civil IV Recurso provido para cassandose o acórdão recorrido restabelecerse a sentença condenatória de primeiro grau de jurisdição REsp 823003RS 5ª Turma Rel Min Gilson Dipp julgado em 1262006 DJ 1º82006 p 538 HABEAS CORPUS ESTUPRO VIOLÊNCIA PRESUMIDA NATUREZA ABSOLUTA EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL E DE MAIS DE UMA RELAÇÃO SEXUAL INVIABILIDADE DA ANÁLISE NA VIA ELEITA CONFISSÃO ESPONTÂNEA IMPOSSIBILIDADE DE ESTIPULAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL SÚMULA 231STJ REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA DELITO PRATICADO ANTES DA LEI N 1146407 ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA 1 A presunção de violência prevista no art 224 a do Código Penal tem natureza absoluta entendendose por conseguinte que o consentimento da vítima é irrelevante para a caracterização do delito tendo em conta a incapacidade volitiva da pessoa menor de catorze anos de consentir na prática do ato sexual Precedentes 2 O habeas corpus via de cognição sumária e rito célere não comporta análise da existência de união estável entre o autor e a vítima Pela mesma razão não é a via adequada para a demonstração de que houve apenas uma relação sexual de modo a afastar a estipulação de crime continuado 3 Sendo a vítima menor de 16 anos não há falar em extinção da punibilidade pela união estável ante o fato de ser a vítima absolutamente incapaz para tal já que não atingiu a idade núbil 16 anos conforme previsto no Código Civil 4 Estipulada a penabase no mínimo legal não há como aplicar a redução decorrente da confissão espontânea nos termos da Súmula 231STJ segundo a qual a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal 5 Reconhecida a inconstitucionalidade do regime integral fechado as balizas para a fixação do regime prisional nos casos de crimes hediondos e a eles equiparados cometidos antes do advento da Lei n 1146407 foram remetidas para o art 33 do Código Penal 6 Na hipótese em exame praticado o delito em 1996 portanto antes do advento da Lei n 1146407 não havendo notícia de reincidência e tendo a penabase sido fixada no mínimo legal ou seja em 6 anos de reclusão justamente por força do reconhecimento das circunstâncias judiciais do art 59 do Código Penal como totalmente favoráveis a ele impõese a fixação do regime semiaberto para o início do cumprimento da pena aplicada 7 anos de reclusão em observância ao disposto no art 33 2º letra b do referido diploma legal 7 Ordem parcialmente concedida apenas para estipular o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena aplicada STJ HC 77018SC 200700315750 Rel Min Arnaldo Esteves Lima impetrado Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina j 1742008 No Supremo Tribunal Federal PENAL RECURSO EXTRAORDINÁRIO ESTUPRO POSTERIOR CONVIVÊNCIA ENTRE AUTOR E VÍTIMA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE COM BASE NO ART 107 VII DO CÓDIGO PENAL INOCORRÊNCIA NO CASO CONCRETO ABSOLUTA INCAPACIDADE DE AUTODETERMINAÇÃO DA VÍTIMA RECURSO DESPROVIDO O crime foi praticado contra criança de nove anos de idade absolutamente incapaz de se autodeterminar e de expressar vontade livre e autônoma Portanto inviável a extinção da punibilidade em razão do posterior convívio da vítima a menor impúbere violentada com o autor do estupro Convívio que não pode ser caracterizado como união estável nem mesmo para os fins do art 226 3º da Constituição Republicana que não protege a relação marital de uma criança com seu opressor sendo clara a inexistência de um consentimento válido neste caso Solução que vai ao encontro da inovação legislativa promovida pela Lei n 111062005 embora esta seja inaplicável ao caso por ser lei posterior aos fatos mas que dela prescinde pois não considera validamente existente a relação marital exigida pelo art 107 VII do Código Penal Recurso extraordinário conhecido mas desprovido RE 418376MS Rel Min Marco Aurélio Rel p acórdão Min Joaquim Barbosa julgado em 922006 Tribunal Pleno Mas repitase por conta das recentes reformas penais a não responsabilização do réu somente se justificaria em situações excepcionais Finalmente vale acrescentar um importante aspecto atinente à capacidade civil o casamento nos termos do parágrafo único II do art 5º do Código Civil é causa de emancipação legal Recebendose em matrimônio portanto os cônjuges ainda menores de idade antecipam a plena capacidade jurídica Não faria sentido permanecerem sob o poder familiar expressão consagrada em substituição a pátrio poder se passam a formar um novo núcleo familiar A responsabilidade decorrente do casamento justifica essa hipótese legal de emancipação Caso no entanto venham a convolar núpcias antes da idade núbil 16 anos como vimos acima por conta de gravidez na forma do já mencionado art 1520 do CC2002 entendemos que o juiz à luz do princípio da proteção integral poderia atento às circunstâncias do caso concreto negar os efeitos emancipatórios previstos em lei visando a proteger a própria criança ou adolescente Imaginese por exemplo uma adolescente de 13 anos grávida a quem se autorizou o casamento a despeito da sua pouca idade para evitar maiores danos sociais e psicológicos demonstrados em laudo técnico trazido ao processo Dado o reconhecimento da sua imaturidade nada impediria que o magistrado em respeito às peculiaridades do caso concreto e amparado na principiologia constitucional do Direito da Criança e do Adolescente negasse excepcional e fundamentadamente os efeitos decorrentes da emancipação Tudo dependerá da criteriosa análise da delicada situação trazida aos autos Interessante ainda notar que mesmo havendo a dissolução do casamento o emancipado não retorna à anterior situação de incapacidade civil uma vez que os efeitos da medida dissolutória operamse para o futuro A emancipação pois adquirida no ato de celebração matrimonial não pode ser simplesmente desfeita ou prejudicada por uma causa superveniente com efeitos ex nunc Em caso de nulidade ou anulação hipóteses de invalidade do casamento entendemos que a emancipação em regra estará prejudicada retornando o cônjuge à situação anterior de incapacidade uma vez que a sentença que invalida o matrimônio tem efeitos retroativos ex tunc Não importa assim se estamos diante de casamento nulo ou anulável lembra MARIA BERENICE DIAS pois a diferença quanto à natureza das ações não se reflete nos efeitos da sentença 181 que serão sempre retroativos por conta inclusive da necessidade de cancelamento do registro do ato matrimonial 182 Por isso aliás é que anulado ou declarado nulo o casamento os cônjuges voltam a ser solteiros Excepciona entretanto essa regra geral de perda da eficácia da emancipação por conta da invalidade do casamento a situação em que o juiz reconhece com base na teoria da aparência a putatividade do matrimônio uma vez que em tal circunstância os efeitos matrimoniais são mantidos em favor do cônjuge de boafé 2 HABILITAÇÃO PARA O CASAMENTO A habilitação para o casamento consiste em um procedimento administrativo disciplinado pelo Código Civil e pela Lei de Registros Públicos por meio do qual o Oficial do Registro Civil afere a concorrência dos pressupostos de existência e validade do ato matrimonial expedindo ao fim a habilitação necessária à concretização do enlace Vale destacar a propósito que a Resolução n 1752013 do CNJ veda às autoridades competentes a recusa de habilitação celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo 183 Lembremonos neste ponto de que a habilitação para o casamento o registro e a primeira certidão serão isentos de selos emolumentos e custas para as pessoas cuja pobreza for declarada sob as penas da lei nos termos do parágrafo único do art 1512 do CC2002 184 norma sem equivalente no Código Civil brasileiro anterior Tratase de importante regra legal que democratizando o acesso ao casamento permite que pessoas de baixa renda possam se unir sem o pagamento de taxas 21 Requerimento da habilitação O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes art 1525 do CC2002 de próprio punho ou a pedido por procurador e deve ser instruído com os seguintes documentos a certidão de nascimento ou documento equivalente b autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem ou ato judicial que a supra c declaração de duas testemunhas maiores parentes ou não que atestem conhecêlos e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar d declaração do estado civil do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais se forem conhecidos e certidão de óbito do cônjuge falecido de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento transitada em julgado ou do registro da sentença de divórcio O pedido deverá ser dirigido ao oficial da comarca de residência de um dos nubentes nos termos do art 67 da Lei de Registros Públicos Art 67 Na habilitação para o casamento os interessados apresentando os documentos exigidos pela lei civil requererão ao oficial do registro do distrito de residência de um dos nubentes que lhes expeça certidão de que se acham habilitados para se casarem Registrese que não há mais necessidade de homologação da habilitação pelo juiz processandose direta e pessoalmente perante o oficial do Registro Civil na forma da nova redação do art 1526 do CC2002 dada pela Lei n 12133 de 17 de dezembro de 2009 185 É importante que o pedido seja feito no local de residência ou domicílio de um ou ambos os nubentes pois deve ser dada a máxima publicidade ao ato especialmente perante a sociedade a que os noivos pertencem Aliás com isso dáse mais oportunidade de haver a oposição de impedimentos por qualquer pessoa ou a depender do seu fundamento pelo legítimo interessado Tramitando o procedimento outrossim em local diverso da residência ou domicílio de ambos os nubentes não havendo impedimento oposto ou prejuízo aferido operase em nosso sentir o convalescimento do defeito mormente pelo fato de não se tratar de vício grave de competência mas sim de mera irregularidade administrativa Preparada a habilitação os autos são remetidos ao Ministério Público nos termos da referida Lei n 12133 de 2009 186 retornando depois ao Oficial de Registro 22 Edital de proclamas Estando em ordem a documentação o oficial extrairá o edital de proclamas que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes se residirem como vimos acima em locais diversos e obrigatoriamente se publicará na imprensa local se houver art 1527 do CC2002 Conceitualmente o edital de proclamas é o ato administrativo expedido pelo Oficial do Cartório de Registro Civil em que tramita a habilitação por meio do qual os nubentes são qualificados e é anunciado o casamento para a sociedade Ausente a imprensa local fazse a afixação no átrio mural do próprio Fórum A autoridade competente dispõe o parágrafo único do art 1527 do CC2002 havendo urgência poderá dispensar a publicação a exemplo da hipótese em que um dos nubentes por conta de grave enfermidade apresenta iminente risco de morte Lembremos ainda que caso figure incapaz no procedimento deverá ser juntado o termo de autorização de seus pais ou representantes legais ou se for o caso a certidão de trânsito em julgado da sentença de suprimento ou autorização judicial 23 Oposição à habilitação É importante mencionar que o momento adequado e menos traumático para a apresentação dos impedimentos ao casamento ou das causas suspensivas de sua eficácia é justamente o da habilitação matrimonial embora não haja preclusão até o momento da celebração na forma do art 1522 do CC2002 187 Considerandose a seriedade das consequências do seu eventual acolhimento exigese forma escrita para sua apresentação como se verifica do art 1529 do CC2002 Art 1529 Tanto os impedimentos quanto as causas suspensivas serão opostos em declaração escrita e assinada instruída com as provas do fato alegado ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas Por óbvio é garantido aos nubentes o devido processo legal com a formação do contraditório e da ampla produção de prova para uma adequada resolução do conflito instaurado tudo na forma do art 1530 do CC2002 188 Registrese inclusive que a vigente norma não estabelece especificamente qual seria o prazo para a comprovação da falta de veracidade dos fatos alegados remetendo a um juízo de razoabilidade Tal conceito aberto é extremamente pertinente uma vez que havendo o animus de casar são os próprios nubentes os mais interessados na demonstração de sua idoneidade para a celebração do matrimônio não havendo qualquer prejuízo no reconhecimento de um prazo flexível já que a cerimônia somente poderá ser realizada se houver a prévia habilitação 24 Certificação da habilitação Atendidas todas as formalidades legais e não verificado nenhum fato obstativo art 1531 do CC2002 o Oficial de Registro extrairá a Certidão de Habilitação com prazo de noventa dias art 1532 do CC2002 Interessante previsão consta no art 1528 do Código Civil de 2002 sem correspondente na codificação anterior no sentido de que o Oficial do Registro deverá por dever funcional esclarecer aos nubentes a respeito dos fatos que possam ocasionar a invalidade do casamento bem como sobre os diversos regimes de bens Com isso tentamse evitar futuras alegações de nulidade absoluta ou relativa do casamento e bem assim implementase uma recomendável política legislativa de esclarecimento patrimonial permitindo que os nubentes possam optar pelo regime que melhor atenda as suas necessidades A título de exemplo o Oficial deverá esclarecer acerca dos impedimentos legais calcados no parentesco ou na idade mínima para o ato matrimonial bem como explanar em breves e precisas linhas quais são os regimes de bens existentes as suas vantagens desvantagens e sobretudo as hipóteses de separação legal obrigatória Caso o oficial não cumpra esse mandamento legal pensamos não haver causa razoável para a invalidação do matrimônio podendo todavia a depender das circunstâncias resultar em advertência ou outra medida administrativa compatível 3 CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO Historicamente na medida em que a disciplina social passou a exigir um rito para a formação da família as cerimônias tornaramse mais complexas de acordo com os costumes a religião e o Direito Nesse sentido observa CLÓVIS BEVILÁQUA A ficção da captura quando ela já não mais uma realidade é sem dúvida o mais antigo cerimonial dos casamentos Os chineses os romanos os gregos e vários outros povos usaramna como é geralmente sabido Depois vão aparecendo outras ideias mais complexas simbolismos religiosos de purificação indicações de natureza e fins de casamento Entre essas cerimônias é notável por sua generalização o banquete em comum ou um simples bolo que os esposos têm de comer conjuntamente Não foram somente os romanos e os helenos que usaram dele na celebração do casamento muitos outros povos procediam do mesmo modo como sejam os macedônios entre os antigos e os iroqueses em tempos recentes Na Índia a noiva prepara uma bebida especial para o seu casamento Na ocasião da solenidade nupcial sentase ao colo do noivo empunha uma taça em que derramou porção do licor preparado por ela bebe a metade e entrega o restante ao noivo que avidamente o sorve até a última gota É simples mas é expressivo 189 Na sociedade contemporânea ao menos no plano da família casamentária o ritualismo ainda se faz presente Com efeito revestese de enorme importância a solenidade de realização do matrimônio O tão esperado dia em que os noivos juram promessa de amor eterno reunindo em um só pensamento de solidariedade e respeito amigos conhecidos e principalmente familiares Ocorre que dada a grande importância de que se reveste o ato a celebração do casamento deve ser realizada em estrita observância das normas legais sob pena a depender da situação concreta de inafastável nulidade Primeiramente lembremonos de que o ato deverá ser presidido pelo juiz de direito pelo juiz de paz ou no matrimônio religioso com efeitos civis pela autoridade religiosa 190 Faltando competência legal para o ato deverá ser considerado inexistente O casamento será celebrado no dia hora e lugar previamente designados pela autoridade que houver de presidir o ato mediante petição dos contraentes que se mostrem habilitados com a certidão de habilitação expedida pelo Cartório de Registro Civil responsável pela publicação dos proclamas art 1533 do CC2002 Importante previsão nessa linha consta no art 1534 do Código Civil de 2002 firmando a necessária publicidade de que deve necessariamente se revestir o ato exigindose a presença de testemunhas e a observância das portas abertas Art 1534 A solenidade realizarseá na sede do cartório com toda publicidade a portas abertas presentes pelo menos duas testemunhas parentes ou não dos contraentes ou querendo as partes e consentindo a autoridade celebrante noutro edifício público ou particular 1º Quando o casamento for em edifício particular ficará este de portas abertas durante o ato 2º Serão quatro as testemunhas na hipótese do parágrafo anterior e se algum dos contraentes não souber ou não puder escrever Deverão comparecer ao ato duas testemunhas pelo menos no caso de ambos os nubentes serem alfabetizados e estarem aptos a escrever aumentandose este número mínimo para quatro se forem analfabetos ou estiverem impossibilitados de firmar o termo de casamento imaginese por exemplo a hipótese do noivo destro estar com o braço direito engessado quedandose pois impedido de assinar o termo de celebração do ato matrimonial Nada impede outrossim que haja um número maior de testemunhas padrinhos de casamento desde que seja respeitado o mínimo legal previsto E outra importante formalidade também fora prevista a obrigatoriedade de o salão de casamento ou outro local onde esteja sendo celebrado o ato estar de portas abertas Isso porque a publicidade do matrimônio é característica irremovível facultandose inclusive que um terceiro possa no momento da celebração opor um impedimento matrimonial Art 1522 Os impedimentos podem ser opostos até o momento da celebração do casamento por qualquer pessoa capaz Parágrafo único Se o juiz ou o oficial de registro tiver conhecimento da existência de algum impedimento será obrigado a declarálo Claro está todavia que se antes da concretização do ato um dos presentes à solenidade apresenta oposição alegando por exemplo que um dos noivos é casado terá de comprovar devidamente a grave alegação feita sob pena de responsabilização civil e até mesmo criminal por calúnia eis que estaria perpetrando uma imputação falsa de fato criminoso no caso o crime de bigamia previsto no art 235 do Código Penal brasileiro 191 E ainda ressaltando a importância de as portas estarem abertas vale observar que por vezes deparamonos na televisão ou nos jornais com os casamentos de famosos ocorridos em ilhas clubes ou praias privativas Mesmo nessas situações no instante da formalização matrimonial a equipe de segurança não pode impedir completamente o acesso do cidadão comum porquanto posto a festa seja particular o ato matrimonial é público Por isso aliás é que as igrejas sempre mantêm as suas portas abertas durante o ato matrimonial Claro que nesse aspecto como em qualquer outro não é nossa intenção fugir da realidade Por isso observamos que a norma tem sido constantemente violada na prática sob a alegação de segurança restringindose o acesso o que é de legalidade duvidosa Isso porque ninguém deve estar acima da lei A inobservância de qualquer dessas formalidades pode em nosso sentir gerar a nulidade absoluta do casamento ato de natureza negocial desde que claro verificado prejuízo a teor do art 166 V CC2002 Art 166 É nulo o negócio jurídico quando V for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade Presentes os contraentes consoante o art 1535 do CC2002 em pessoa ou por procurador especial no caso do matrimônio por procuração juntamente com as testemunhas o presidente do ato ouvida dos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade declarará efetuado o casamento nestes termos De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim de vos receberdes por marido e mulher eu em nome da lei vos declaro casados Sobre essa formalidade sacramental pondera CAMILO COLANI Questionase o porquê de tal minúcia do legislador contudo queremos crer tratarse de uma oportunidade de dimensionar o ato valorandoo para o casal e pessoas presentes além de consistir em uma fórmula de uniformizar o ato 192 E após essas palavras oficiais a autoridade deve ouvir em alto e bom som a manifestação positiva dos nubentes Aliás é bom frisar que a concretização do ato matrimonial decorre do consentimento dos noivos quando manifestam a vontade de se receberem reciprocamente e não da chancela oficial do presidente de ato de natureza simplesmente declaratória Expliquemos Ao consentirem recebendose um ao outro como marido e mulher os nubentes passam à condição de cônjuges de maneira que a fórmula oficial dita pela autoridade celebrante declarandoos casados na forma da lei não tem uma finalidade integrativa ou constitutiva do ato mas tão somente declaratória da união conjugal firmada exclusivamente pela vontade manifestada dos noivos na forma do art 1514 do Código Civil 193 Em outras palavras o casamento decorre da declaração recíproca de afeto entre os noivos traduzida no livre e espontâneo sim que é dito e não das palavras da autoridade simplesmente confirmatórias das vontades manifestadas Obviamente não é a ouvida da palavra sim que garante a celebração do casamento mas em verdade a manifestação livre da vontade pois em havendo deficiência na fala o que se busca preservar é o consentimento exteriorizado pelo nubente Por conseguinte ao assinarem eles o termo de casamento deve o cônjuge que acresceu ao seu o nome do outro firmar o patronímico de casado Nesse diapasão precisamos ainda ressaltar que expressões como não sei não tenho certeza estou em dúvida ou mais grave ainda um inesperado não impõem à autoridade celebrante a imediata suspensão da solenidade que não poderá ser reiniciada naquele dia lavrandose de tudo um detalhado termo Nesse sentido dispõe o art 1538 do vigente Código Civil Art 1538 A celebração do casamento será imediatamente suspensa se algum dos contraentes I recusar a solene afirmação da sua vontade II declarar que esta não é livre e espontânea III manifestarse arrependido Parágrafo único O nubente que por algum dos fatos mencionados neste artigo der causa à suspensão do ato não será admitido a retratarse no mesmo dia Na mesma linha um doloroso e gélido silêncio também determinará a frustração da solenidade Uma vez que o matrimônio exige declaração expressa de vontade o silêncio não traduz aquiescência impondo a suspensão do ato e se for o caso a sua ulterior repetição Aliás também em outros sistemas no mundo a ausência da manifestação positiva inequívoca também resulta na suspensão do ato 194 Realizado o casamento dispõe o art 1536 do CC2002 lavrarseá o assento no livro de registro No assento assinado pelo presidente do ato pelos cônjuges testemunhas e Oficial do Registro serão exarados I os prenomes sobrenomes datas de nascimento profissão domicílio e residência atual dos cônjuges II os prenomes sobrenomes datas de nascimento ou de morte domicílio e residência atual dos pais III o prenome e sobrenome do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior IV a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento V a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro VI o prenome sobrenome profissão domicílio e residência atual das testemunhas VII o regime do casamento com a declaração da data e do cartório em cujas notas foi lavrada a escritura antenupcial quando o regime não for o da comunhão parcial ou o obrigatoriamente estabelecido Esse artigo do Código Civil de 2002 aperfeiçoou o nosso sistema se o compararmos com o correspondente e derrogado art 70 da Lei de Registros Públicos Lei n 6015 de 1973 195 especialmente no que tange à antiga previsão no sentido de se consignar no termo o nome que passa a ter a mulher em virtude do casamento Não é que tal situação afigurese impossível de ocorrer Pelo contrário É muito comum quando da convolação das núpcias que a mulher passe a adotar o nome do marido Todavia em respeito ao princípio constitucional da igualdade o inverso também poderá suceder o marido acrescer ao seu o patronímico da sua esposa consoante disposto no Código Civil de 2002 sem equivalente na codificação anterior Art 1565 Pelo casamento homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes companheiros e responsáveis pelos encargos da família 1º Qualquer dos nubentes querendo poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro grifamos Em uma sociedade que se propõe a ser mais justa e igualitária não há mais espaço para discriminações odiosas calcadas em um machismo jurássico e anacrônico violador do princípio maior da dignidade da pessoa humana Finalmente é bom frisar que o registro do casamento religioso com efeitos civis operase de forma muito semelhante ao casamento civil diferenciandose especialmente pela circunstância de que a autoridade celebrante responsável por colher a manifestação de assentimento recíproca e posterior encaminhamento do instrumento formal para o Cartório respectivo não é o juiz de direito ou de paz mas sim o ministro ou representante da religião seguida ou escolhida pelos nubentes 196 Nesse contexto chama a nossa atenção o já referido art 74 da Lei de Registros Públicos que admite a habilitação posterior ao casamento religioso em caráter excepcional e desde que atendidas as formalidades previstas na norma Não atendendo por óbvio aos requisitos legais de validade o registro deverá ser negado prejudicando a eficácia civil do ato matrimonial garantindose outrossim em respeito ao devido processo constitucional e ao princípio da inafastabilidade da jurisdição recurso ao Juiz de Direito competente que no caso por se tratar apenas de negativa de inscrição cartorária deverá ser quando existente tal especialização na comarca o da Vara de Registros Públicos LXVII PLANO DE EXISTÊNCIA DO CASAMENTO 1 INTRODUÇÃO Como se sabe o Código de 1916 por haver derivado de um anteprojeto de 1899 não cuidou de consagrar expressamente a figura do negócio jurídico doutrina desenvolvida um pouco mais tarde e muito menos de traçar a diagnose diferencial entre o ato negocial negócio jurídico e o ato não negocial ato jurídico em sentido estrito Pontifica o autor da Parte Geral do Anteprojeto MOREIRA ALVES Atento a essa circunstância o Projeto de Código Civil Brasileiro no Livro III da sua Parte Geral substitui a expressão genérica ato jurídico que se encontra no Código em vigor pela designação específica de negócio jurídico pois é a este e não necessariamente àquele que se aplicam todos os preceitos ali constantes 197 Para uma efetiva compreensão da matéria não nos parece suficiente a simples interpretação articulada dos dispositivos legais atinentes à disciplina do negócio jurídico Com efeito para apreender sistematicamente o tema e não simplesmente reproduzir regras positivadas fazse mister analisálo sob os três planos 198 em que pode ser visualizado a existência um negócio jurídico não surge do nada exigindose para que seja considerado como tal o atendimento a certos requisitos mínimos b validade o fato de um negócio jurídico ser considerado existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito ou seja com aptidão legal para produzir efeitos c eficácia ainda que um negócio jurídico existente seja considerado válido ou seja perfeito para o sistema que o concebeu isso não importa em produção imediata de efeitos pois esses podem estar limitados por elementos acidentais da declaração Muito bem Reconhecendo ao casamento natureza negocial afigurase perfeitamente possível e até didaticamente recomendável estudarmos o ato matrimonial também na tríplice perspectiva de existência validade e eficácia realizando por óbvio as necessárias adaptações metodológicas quando necessário Assim por imperativo de precedência lógica cuidaremos neste capítulo de tratar do plano existencial do casamento Primeiramente no entanto passaremos em revista algumas noções gerais da matéria para em seguida cuidarmos especificamente da sua estrutura Vamos então 2 NOÇÕES GERAIS DO PLANO DE EXISTÊNCIA DO CASAMENTO COMO NEGÓCIO JURÍDICO Preferimos a expressão elementos constitutivos para caracterizar os fatores existenciais do negócio jurídico sem que haja erro técnico na adoção de outra corrente doutrinária Aplicandose essa teoria ao casamento teríamos como seus elementos existenciais a a manifestação recíproca de vontade consentimento b celebração por autoridade materialmente competente Considerando a evolução jurisprudencial sobre a matéria não reputamos mais a diversidade de sexos um requisito existencial do casamento A falta de qualquer desses requisitos resultaria pois não na simples invalidade nulidade ou anulabilidade do casamento mas sim em sua inexistência Passemos pois à análise de cada um desses requisitos 21 Manifestação de vontade consentimento A manifestação ou declaração de vontade 199 em geral poderá ser expressa através da palavra escrita ou falada gestos ou sinais ou tácita aquela que resulta de um comportamento do agente 200 Há exteriorizações de vontade que para surtirem efeitos necessitam chegar à esfera de conhecimento da outra parte Falase pois em declarações receptícias de vontade Notese que o emprego de meios que neutralizem a manifestação volitiva como a violência física vis absoluta estupefacientes ou até mesmo a hipnose tornam inexistente o negócio jurídico Nesse ponto interessa relembrarmos a interessante questão atinente ao silêncio O Direito Romano repleto de formalidades e fórmulas sacramentais em diversos momentos atribuía ao silêncio sentido jurídico Adverte CAIO MÁRIO Normalmente o silêncio é nada e significa a abstenção de pronunciamento da pessoa em face de uma solicitação ambiente Via de regra o silêncio é a ausência de manifestação de vontade e como tal não produz efeitos 201 A par desse correto entendimento há situações em que a abstenção do agente ganha juridicidade No caso do mandato por exemplo o silêncio implicará aceitação quando o negócio é daqueles que diz respeito à profissão do mandatário resultando do começo de execução art 659 do CC2002 Também na doação pura o silêncio no prazo fixado significa aceitação art 539 do CC2002 O vigente Código Civil empresta maior valor jurídico ao silêncio quando em seu art 111 elaborado à luz de dispositivos semelhantes dos Projetos de Código de Obrigações de 1941 e 1965 dispõe Art 111 O silêncio importa anuência quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa Aproximandose da intelecção dessa regra SERPA LOPES em obra específica sobre o tema do silêncio como manifestação de vontade já aconselhava corretamente que em cada caso deverá o juiz examinar as circunstâncias do silêncio é preciso tomarse em conta a convicção inspirada na outra parte de que a ação negativa do silente foi no sentido de ter querido seriamente obrigarse 202 Também no plano da validade do negócio jurídico o silêncio tem relevância caracterizando omissão dolosa causa de anulabilidade do negócio jurídico quando nos atos bilaterais for intencionalmente empregado para prejudicar a outra parte que se soubesse da real intenção do agente não haveria celebrado a avença Nesse sentido é a diretriz do art 147 do vigente Código Civil brasileiro Art 147 Nos negócios jurídicos bilaterais o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado constitui omissão dolosa provado que sem ela o negócio não se teria celebrado No casamento todavia a manifestação de vontade deverá ser sempre expressa além claro de recíproca ou seja bilateral traduzindo o conhecido consentimento dos noivos 203 No direito português aliás não é muito diferente Vejase o Código Civil de Portugal Art 1628º É juridicamente inexistente c O casamento em cuja celebração tenha faltado a declaração da vontade de um ou ambos os nubentes ou do procurador de um deles A doutrina lusitana aqui representada por FRANCISCO COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA também é assente sobre o tema Já sabemos que o casamento é um contrato verbal mas solene O consentimento dos nubentes exprimese em palavras e a lei vai ao ponto de dizer em que palavras deve ele exprimirse Palavras que os nubentes deverão pronunciar na cerimônia de celebração Outras formas de manifestação da vontade outros meios de expressão como vg uma carta um telegrama ou telefonema um fax ou email não são pois admitidos 204 A doutrina de JEANJAQUES LEMOULAND por seu turno também deixa claro a essencialidade do consentimento dos noivos no direito francês Le consentement des futurs époux est un élément essentiel dans la formation du mariage Pour la plupart des auteurs léchange des consentements constitue le véritable fondement du lien matrimonial 205 É correto assim afirmar que o consentimento livre expressamente manifestado 206 é condição essencial à existência do matrimônio não havendo espaço para se considerar o silêncio como aquiescência Pelo contrário O silêncio traduz ao menos naquele momento recusa ao casamento devendo a autoridade suspender imediatamente o ato nos termos do já mencionado art 1538 I do Código Civil de 2002 Finalmente é forçoso convir que a completa aniquilação da vontade por coação física ou hipnose por exemplo resultará a depender da circunstância do caso concreto no imperioso reconhecimento da inexistência do ato matrimonial Outra hipótese de inexistência faticamente pouco provável mas teoricamente possível é a atuação de procurador cujo instrumento de mandato aparentemente normal não contenha a assinatura do noivo representado nesse caso não há falarse ter havido manifestação de vontade nem consequentemente casamento 22 Celebração por autoridade materialmente competente O que se entende por autoridade celebrante O Código Civil não define esse conceito Assim considerandose que o casamento pode ser civil ou religioso com efeitos civis poderão figurar como autoridades celebrantes o juiz de direito o juiz de paz segundo a Lei de Organização Judiciária de cada Estado ou a autoridade religiosa No que tange outrossim a esta última figura não havendo requisitos prévios regulados em lei e levando em conta o fato de o Brasil ser um Estado laico vale dizer que não tem religião oficial é forçoso convir que um padre um pastor um líder de Umbanda ou Candomblé um líder espírita kardecista enfim qualquer representante de crença ou credo religioso reconhecido poderá desde que observadas as formalidades legais do ato celebrar o matrimônio Pensamento contrário em nosso sentir afigurarseia flagrantemente inconstitucional Neste diapasão o jurista DALMO DE ABREU DALLARI Examinando as disposições constitucionais e legais aplicáveis ao caso devese ressaltar desde logo que desde a primeira Constituição republicana brasileira de 1891 o Brasil é um Estado leigo não se admitindo religião oficial A par disso é princípio fundamental a igualdade de todos perante a lei o que significa desde logo que nenhuma religião poderá gozar de privilégios em relação às demais O que for permitido ou proibido a uma deverá aplicarse igualmente a todas Outro ponto importante que deve ser considerado é que a Constituição assegura expressamente a liberdade religiosa incluindose aí o direito de escolher uma religião e de participar dos cultos religiosos Reforçando a consagração da liberdade de crença e de realização de cultos a Constituição proíbe expressamente qualquer discriminação baseada em motivo de crença religiosa E acrescenta no mesmo texto Considerando agora a questão do ponto de vista legal o ponto de partida é o fato de que o Código Civil Brasileiro fixando as normas legais sobre o casamento dispõe sobre os requisitos para a validade do casamento e estabelece a exigência de um processo prévio de habilitação perante a autoridade pública dispondo que após a celebração deverá ser feito o registro na repartição pública competente No artigo 1515 do Código Civil encontrase a seguinte disposição o casamento religioso que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil equiparase a este desde que registrado no registro próprio produzindo efeitos a partir da data de sua celebração Note se que a expressão da lei é casamento religioso sem especificar religiões e sem estabelecer requisitos quanto a estas A expressão é genérica o que significa que verificando o atendimento dos requisitos que seriam necessários para a validade do casamento realizado perante a autoridade pública o casamento celebrado perante autoridade religiosa produzirá os mesmos efeitos O próprio artigo 1515 prevê o registro do casamento religioso no registro próprio o que significa que a autoridade encarregada dos registros de casamento deverá registrar também o casamento religioso 207 Assim fixamos a premissa de que prestigiandose a liberdade religiosa garantida constitucionalmente e nos termos das Leis de Organização Judiciária de cada Estado o celebrante tanto poderá ser o juiz de direito como o juiz de paz ou a autoridade religiosa não havendo nesse último caso requisitos específicos previstos em lei de maneira que representante de toda e qualquer religião socialmente reconhecida poderá em princípio realizar o ato Isso é democracia Bem posto isso reputamos metodologicamente interessante que constatemos em que medida a celebração por autoridade competente integra a estrutura existencial do próprio casamento Do ponto de vista da doutrina processual tradicional há quem defenda que a decisão fora dos limites constitucionais equivale a uma decisão por alguém sem jurisdição Nesse sentido é o pensamento de CALMON DE PASSOS O poder de julgar do magistrado tem suas raízes na Constituição Por isso mesmo se diz que ela é fonte do poder jurisdicional Só nos limites nela fixados está o juiz investido do poder de julgar Constitucionalmente o poder de julgar foi repartido entre as chamadas jurisdições especiais e a comum remanescente A investidura dos órgãos dessas jurisdições já lhes confere poder de julgar limitado constitucionalmente de sorte que o exercício de suas atividades fora dos limites traçados na Carta importa mais que um defeito de competência em defeito de jurisdição O que façam ou realizem fora dos limites constitucionais é em tudo e por tudo semelhante à atividade do não juiz consequentemente ato inexistente juridicamente do ponto de vista processual 208 Criticando tal posicionamento observa FREDIE DIDIER JR A tese é sedutora indiscutivelmente mas o caso não é de falta de jurisdição tratase realmente de incompetência Há o poder de criar normas jurídicas concretas jurisdição que foi distribuído pela Constituição em parcelas para cada órgão jurisdicional Quando um órgão jurisdicional extrapola a fração de poder que lhe foi outorgada dáse a falta de competência e não de jurisdição Pensar de outro modo levaria a ter de admitirse que existem cinco jurisdições e não apenas uma eleitoral trabalhista estadual federal e militar E há mais de acordo com o princípio da Kompetenzkompetenz o juiz tem sempre competência para examinar a sua competência o magistrado incompetente constitucionalmente tem no mínimo a competência de reconhecer a sua incompetência o que já revela a existência de ao menos uma parcela de jurisdição Portanto não se poderia equiparar a sentença de um não juiz com a sentença de um juiz que não tenha competência ainda que constitucional 209 Trazendo tais ponderações para o nosso estudo e em linguagem exemplificativa um casamento celebrado por quem não é autoridade reconhecida para o ato matrimonial equivaleria a uma dramatização do ato uma verdadeira peça ou pantomima que jamais poderia produzir qualquer efeito jurídico E isso serviria mesmo que se tratasse de um agente público pois a solenidade da celebração matrimonial exige para o reconhecimento da sua própria existência como elemento ontológico a presença da autoridade reconhecidamente competente Em linhas gerais diante do exposto concluímos caso a autoridade celebrante careça de jurisdição ou de competência material o matrimônio celebrado será considerado inexistente no entanto se for dotada de jurisdição ou de competência legal e faltarlhe mera competência relativa o ato será considerado simplesmente anulável Vejamos o porquê No primeiro caso imaginese um delegado de polícia ou um oficial das Forças Armadas pessoas que posto gozem de autoridade não são dotadas de jurisdição ou de competência material realizando um casamento Em qualquer dos casos o ato é com clareza meridiana juridicamente inexistente não havendo espaço para se cogitar de nulidade absoluta ou relativa No direito argentino de linha semelhante outro exemplo é apontado por GUILLERMO BORDA Si dos personas declaran solemnemente ante un escribano público que se tomam por marido y mujer suscribiendo la correspondiente escritura tal manifestación no tiene ningún valor legal simplemente no existe porque el oficial público es incompetente Por ello mismo se ha declarado inexistente el matrimonio celebrado en nuestro país ante el cónsul del Ecuador entre dos personas domiciliadas aquí 210 Entretanto se for o caso de uma autoridade judicial com competência material mas sem competência territorial por exemplo um juiz da comarca A celebrando o ato na comarca B estaríamos diante de uma situação indiscutivelmente menos gravosa com reflexos no plano da validade e não no da existência Vale dizer teríamos nesse caso uma situação de simples incompetência territorial ou ratione loci de maneira que o casamento seria considerado existente embora simplesmente anulável 211 nos termos do art 1550 VI do CC2002 Art 1550 É anulável o casamento VI por incompetência da autoridade celebrante Em outras palavras se um juiz de direito materialmente competente para a celebração matrimonial por equívoco presidir o ato em comarca que esteja fora da sua atuação funcional a hipótese é de simples anulabilidade Cuidase pois de nulidade relativa por mera incompetência em razão do local Poderseia no entanto argumentar que por haver a norma codificada feito apenas referência à incompetência da autoridade celebrante em qualquer situação quer na falta de competência material quer na falta da relativa o casamento seria sempre anulável Não tem sentido todavia esse entendimento Toda atividade hermenêutica pressupõe parâmetros de razoabilidade e nesse caso a interpretação reducionista ou meramente literal não é a mais recomendável Como se reputar existente um casamento celebrado por um tabelião ou um delegado de polícia Como anular aquilo que não existe Afinal o plano de existência por imperativo lógico não precederia o de validade Indiscutivelmente em situações como essas portadoras de distorção grave a conclusão inafastável é a de flagrante inexistência pela ausência de jurisdição ou falta de competência material para a realização do ato E não se diga que tal entendimento poderá coroar injustiças prejudicando nubentes de boafé que houvessem acreditado na investidura da autoridade celebrante uma vez que o art 1554 lastreado na teoria da aparência é em nosso sentir perfeitamente aplicável à espécie Art 1554 Subsiste o casamento celebrado por aquele que sem possuir a competência exigida na lei exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e nessa qualidade tiver registrado o ato no Registro Civil Em outras palavras posto o ato seja inexistente a boafé do administrado com fundamento na citada teoria da aparência justificaria o seu reconhecimento oficial O que se observa pois é uma situação de eficácia constitutiva de direitos decorrente da atuação normativa da cláusula geral da boafé 212 LXVIII PLANO DE VALIDADE DO CASAMENTO IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS 1 CONCEITO E TRATAMENTO LEGAL A sistematização dessa matéria foi consideravelmente modificada no Código Civil de 2002 Os antigos impedimentos absolutamente dirimentes com algumas alterações de fundo ainda determinantes da nulidade absoluta do casamento passaram a ser considerados simplesmente impedimentos a teor do art 1521 do CC2002 Os impedimentos relativamente dirimentes por seu turno passaram a ser tratados separadamente também com certas modificações como causas de anulação do casamento nos termos do art 1550 do CC2002 Finalmente os antigos impedimentos proibitivos foram tratados em dispositivo autônomo art 1523 do CC2002 como causas suspensivas do casamento resultando também na imposição de sanção de ordem patrimonial aos nubentes infratores Teríamos então no Código Civil em vigor Impedimentos Art 1521 CASAMENTO NULO Causas de anulação do casamento Art 1550 CASAMENTO ANULÁVEL Causas suspensivas do casamento Art 1523 CASAMENTO IRREGULAR imposição de sanção de natureza patrimonial estritamente no plano da eficácia Muito bem Uma vez que neste capítulo inserido no Plano de Validade dedicamonos como já dito especificamente aos impedimentos art 1521 do CC passaremos então a estudálos em seguida minuciosamente No próximo capítulo ainda no mesmo Plano debruçarnosemos na análise da invalidade do matrimônio investigando por consequência as causas de nulidade absoluta ou relativa anulabilidade oportunidade em que enfrentaremos os arts 1550 e seguintes do Código Civil Depois de esgotado o plano de validade inclusive com a reflexão sobre os efeitos do casamento putativo passaremos em revista finalmente seguindo uma linha lógica as causas suspensivas do casamento art 1523 já no Plano da Eficácia em capítulo próprio Enfrentemos essa missão 2 ANÁLISE DO ART 1521 DO CÓDIGO CIVIL IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS Inicialmente façamos uma importante observação terminológica Embora o codificador simplesmente os denomine de impedimentos erro não há em nosso sentir em se utilizar a expressão impedimentos matrimoniais Devese evitar entretanto a referência ao caráter absoluto ou de ordem pública uma vez que com a nova sistematização os antigos impedimentos relativos ou privados foram deslocados para dispositivo autônomo não havendo mais por consequência necessidade técnica de diferenciálos mediante tais terminologias No Código de 2002 portanto consagrouse tratamento peculiar os impedimentos traduzem tão somente as circunstâncias previstas no art 1521 não se confundindo com as causas de anulação previstas adiante no art 1550 Nesse diapasão afinal perguntamos quais seriam esses impedimentos matrimoniais Disciplinaos o Código Civil Art 1521 Não podem casar I os ascendentes com os descendentes seja o parentesco natural ou civil II os afins em linha reta III o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante IV os irmãos unilaterais ou bilaterais e demais colaterais até o terceiro grau inclusive V o adotado com o filho do adotante VI as pessoas casadas VII o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte Observese desde já a forma verbal utilizada pelo legislador não podem casar Tratase pois de uma locução imperativa que não deixa margem a dúvida quanto à antijuridicidade do ato que se quer evitar levandose em conta os superiores interesses que se pretende tutelar especialmente o parentesco o próprio casamento e o sagrado direito à vida Compreendamos agora separadamente cada uma dessas hipóteses 21 Casamento entre parentes em linha reta Nos termos do inciso I não podem casar os ascendentes com os descendentes seja o parentesco natural ou civil O fundamento dessa proibição é de imediata compreensão A natureza é dotada de uma inegável ordem lógica e uniões desse jaez agridemna frontalmente não escapando incólume de consequências graves muitas vezes trágicas como a transmissão de doenças hereditárias de caráter recessivo A razão pela qual a consanguinidade numa população ou numa família conduz a um aumento na frequência de condições genéticas deriva do facto dos indivíduos consanguíneos partilharem genes que foram herdados de um antepassado comum Se um gene herdado de um antepassado comum tem uma mutação então os familiares biologicamente relacionados terão um risco mais elevado de possuírem uma cópia do gene mutado O impacto genético da consanguinidade aparece como uma consequência da homozigotia aumentada presente num indivíduo resultante do acasalamento dentro da população 213 Não importa destacou o legislador a natureza do parentesco natural ou civil o casamento contraído por essas pessoas viola o primeiro dos impedimentos matrimoniais acarretando a nulidade absoluta do casamento Parentesco natural é aquele travado entre pessoas que mantêm vínculo consanguíneo ou biológico ao passo que o parentesco civil baseiase apenas no vínculo socioafetivo a exemplo daquele constituído entre adotante e adotado Ora a partir do momento em que a nossa Constituição orientandose pelo superior e matricial princípio da dignidade humana estabeleceu a efetiva isonomia entre parentes em linha reta especialmente os filhos é forçoso convir que a expressão contida na norma seja o parentesco natural ou civil é nitidamente desnecessária Bastava dizer que não poderiam casar ascendentes com descendentes restando subentendida a extensão proibitiva com alcance em toda e qualquer forma de parentesco não importando a sua causa 22 Casamento entre afins em linha reta O parentesco por afinidade é aquele travado entre o cônjuge ou companheiroa e os parentes do outro tanto na linha reta sogra e genro sogro e nora padrasto ou madrasta e enteado como na linha colateral cunhado Na linha reta proíbe pois o legislador que parentes por afinidade casem entre si Assim não poderão casar sogra e genro sogro e nora padrastomadrasta e enteadoa incluindo os demais parentes em linha ascendente ou descendente o pai do sogro e a nora por exemplo Se o casamento nessas circunstâncias ainda assim se consumar estará consoante já dissemos eivado de nulidade absoluta E notese que essa proibição é mantida mesmo que o casamento ou a união estável do pretendente já esteja dissolvido Art 1595 2º Na linha reta a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável Isso significa que jamais poderemos nos casar com a nossa sogra 214 O fundamento dessa restrição é a preservação dos valores familiares bem como o equilíbrio e a preservação da própria tessitura psicológica dos membros da família segundo o papel exercido por cada um especialmente pelo fato de os afins em linha reta ocuparem posições próximas às de pai ou mãe de filho ou filha Observamos que o grande avanço inaugurado pelo Código de 2002 foi em respeito à perspectiva constitucional de não hierarquização das formas de família haver reconhecido que o parentesco por afinidade decorre não apenas do casamento mas também da união estável de maneira que apenas a título de exemplo haverá impedimento de casar com a nossa sogra quer seja essa mãe da nossa esposa ou da nossa companheira 23 Casamento entre o adotante com quem foi cônjuge do adotado e do adotado com quem o foi do adotante Proíbe também o nosso Código Civil que se casem o adotante com quem foi esposa ou marido do adotado ou na mesma linha o adotado com o exconsorte do adotante Tratase em essência de uma proibição análoga àquela imposta aos parentes por afinidade em linha reta De fato não seria aconselhável do ponto de vista moral ou psicológico que por exemplo o adotado pudesse se casar com a exmulher do seu pai ou que este viesse a convolar núpcias com a exesposa do seu filho Tal como se dá na proibição decorrente do parentesco por afinidade na linha reta presente mesmo após o descasamento como vimos acima art 1595 2º do CC2002 tais uniões matrimoniais não seriam possíveis Anotamos finalmente que o codificador perdeu a oportunidade de em atenção à perspectiva constitucional estender o comando proibitivo à união estável Vale dizer pela mesma razão não deveria ser permitido o casamento entre o adotante com quem foi companheiro do adotado e do adotado com quem o foi do adotante Posto a união estável não gere estado civil nem muito menos permita comprovação mediante simples certidão como se dá no casamento tais circunstâncias não justificam a omissão legislativa pois como vimos acima também é vedado o casamento entre parentes por afinidade quando esse vínculo decorrer da relação de companheirismo Falhou pois em nosso sentir nesse ponto o legislador 24 Casamento entre colaterais Veremos oportunamente que parentes colaterais são aqueles que não descendem uns dos outros derivando porém de um mesmo tronco comum Assim o seu irmão vinculase a você por meio da sua mãe eou do seu pai sendo pois seu parente na linha colateral ou transversal em segundo grau contase um grau de você para o ascendente comum e outro grau deste para o seu irmão totalizando consequentemente dois graus de parentesco Muito bem Proíbe o comando normativo sob análise o casamento entre os irmãos unilaterais ou bilaterais e demais colaterais até o terceiro grau inclusive Quanto aos irmãos a vedação é de compreensão imediata Afronta a ética familiar e aquilo que se convencionou chamar de leis da natureza a admissibilidade de casamento ou de qualquer outra união sexual entre dois irmãos sejam germanos ou bilaterais por parte de pai e mãe sejam unilaterais somente por parte de pai ou de mãe Tratase de um vínculo incestuoso naturalmente danoso moralmente reprovável e psicologicamente traumático Tal proibição no dizer de MARIA BERENICE DIAS justificarseia pela lei do incesto 215 observando ainda nesse diapasão MADALENO que a proibição entre tais parentes de segundo grau teria caráter absoluto 216 A união deve ser tratada e de fato reprimida pelas normas do próprio Direito Civil por se tratar essencialmente de situação atinente às relações de família não se justificando a persecução criminal Não esqueçamos por fim que posto essa união seja civilmente coibida os filhos eventualmente havidos têm por força da isonomia constitucional e da superior perspectiva de valorização da dignidade humana todos os seus direitos assegurados 217 Especial situação por seu turno é a do casamento contraído entre colaterais de terceiro grau tioa e sobrinhao Notese que o Código Civil a eles estendeu a proibição ao utilizar a expressão até o terceiro grau inclusive Tal restrição visa especialmente à preservação da integridade física e mental da prole em face do surgimento de possíveis doenças recessivas decorrentes da proximidade parental É de se observar todavia nesse particular que por se tratar de norma especial permanece em vigor o DecretoLei n 3200 de 19 de abril de 1941 que em situação especialmente justificada admite o matrimônio entre parentes de terceiro grau se houver parecer médico favorável Art 2º Os colaterais do terceiro grau que pretendam casarse ou seus representantes legais se forem menores requererão ao juiz competente para a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade isentos de suspensão para examinálos e atestarlhes a sanidade afirmando não haver inconveniente sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole na realização do matrimônio 1º Se os dois médicos divergirem quanto à conveniência do matrimônio poderão os nubentes conjuntamente requerer ao juiz que nomeie terceiro como desempatador 2º Sempre que a critério do juiz não for possível a nomeação de dois médicos idôneos poderá ele incumbir do exame um só médico cujo parecer será conclusivo 3º O exame médico será feito extrajudicialmente sem qualquer formalidade mediante simples apresentação do requerimento despachado pelo juiz 4º Poderá o exame médico concluir não apenas pela declaração da possibilidade ou da irrestrita inconveniência do casamento mas ainda pelo reconhecimento de sua viabilidade em época ulterior uma vez feito por um dos nubentes ou por ambos o necessário tratamento de saúde Nessa última hipótese provando a realização do tratamento poderão os interessados pedir ao juiz que determine novo exame médico na forma do presente artigo Ao encontro dessas normas foi aprovado o Enunciado 98 da I Jornada de Direito Civil Enunciado n 98 Art 1521 IV do novo Código Civil o inciso IV do art 1521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do DecretoLei n 320041 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de terceiro grau Parecenos a melhor diretriz tendo em vista que tutela a higidez física e mental da prole eventualmente advinda desse casal integrado por pessoas que não guardam relação de parentesco tão próxima como a existente entre irmãos 25 Casamento entre o adotado e o filho do adotante Em sequência traz o Código Civil outra proibição ao casamento que se afigura de imediata compreensão Não se permite sob pena de invalidade a união entre o adotado e o filho do adotante pois na perspectiva constitucional do vínculo adotivo esse casamento estaria sendo contraído entre irmãos Espaço não há mais em nosso sentir para interpretação restritiva da adoção de maneira que o adotado inserese como filho na família do adotante para todos os efeitos de direito não se podendo com isso admitir que venha a convolar núpcias com oa filhoa do seu pai ou da sua mãe vale dizer com o seu irmão ou irmã Tal vedação portanto dispensa maiores comentários dada a sua justificável existência Em verdade poderseia defender inclusive que a previsão seria despicienda estando já abrangida pela restrição do casamento entre irmãos contida no inciso IV do art 1521 do CC2002 já que o tratamento diferenciado no sistema anterior art 183 IV e V do CC1916 justificavase apenas no período anterior à Constituição Federal de 1988 que promoveu a mais ampla isonomia de tratamento entre filhos e consequentemente entre irmãos na forma do 6º do seu art 227 218 26 Casamento entre as pessoas casadas Severo é o tratamento jurídico dispensado no Brasil à bigamia consoante podemos observar na leitura do nosso Código Penal 219 Bigamia Art 235 Contrair alguém sendo casado novo casamento Pena reclusão de dois a seis anos 1º Aquele que não sendo casado contrai casamento com pessoa casada conhecendo essa circunstância é punido com reclusão ou detenção de um a três anos 2º Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento ou o outro por motivo que não a bigamia considerase inexistente o crime Nessa linha proíbese sob pena de nulidade absoluta o casamento de quem ainda não teve dissolvido pelo divórcio ou pela morte do seu consorte o vínculo matrimonial anterior Isso porque consoante já anotamos posto a monogamia não tenha condão absoluto nem possa ser imposta coercitivamente pelo Estado ainda é um valor juridicamente tutelado Tratase de um impedimento de vínculo sobre o qual advertem na doutrina portuguesa FRANCISCO COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA Visou a lei com este impedimento evitar a bigamia assegurando protecção no plano civil ao bem da unidade matrimonial que constitui como vimos um dos caracteres essenciais do casamento como estado 220 Com efeito tratase de um impedimento amplamente reconhecido na maior parte dos ordenamentos jurídicos de ideologia ocidental Posto o nosso Código Civil apenas consagre como impedimento o novo casamento de quem ainda é tecnicamente casado silenciando quanto à união estável claro está todavia que aquele que mantiver relação de companheirismo para contrair núpcias deverá desfazêla por conta da impossibilidade de se manter ao menos em linha de princípio duas relações paralelas de afeto Na eventual hipótese de o cônjuge imaginar por equívoco desfeito o seu primeiro casamento caso venha a convolar novo matrimônio em seu favor poderão incidir à luz do princípio da boafé as normas pertinentes ao casamento putativo 27 Casamento entre o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte Proíbese finalmente o casamento entre o cônjuge sobrevivente e o condenado por homicídio consumado ou tentado contra o seu consorte Tratase de regra justa necessária e de clareza meridiana aplicável aos crimes dolosos de homicídio em quaisquer de suas modalidades consumada ou tentada Imaginese por exemplo que Alzira casada com Joaquim mantém relação adulterina com o seu amante Richard Muito bem Resolvem então os amantes assassinar Joaquim Ora quer o grave delito haja se consumado ou não claro está que não poderão contrair núpcias sob pena de satisfazerem o seu desiderato nefasto Por outro lado uma vez que o legislador se referiu apenas à condenação dos agentes do crime poderseia concluir no sentido da dispensa do trânsito em julgado da sentença penal condenatória o que em nosso pensar nesse caso não é a melhor solução porquanto a independência dos juízos cível e criminal é relativa de maneira que eventual sentença absolutória a depender do seu fundamento repercutiria no âmbito privado Por tal razão é mais acertado o entendimento no sentido de que a simples condenação não gera o impedimento matrimonial mas sim o efetivo trânsito em julgado da sentença penal condenatória Nesse sentido TARTUCE e SIMÃO Concordamos com a parcela da doutrina que considera existir o impedimento somente nos casos de crime doloso e trânsito em julgado da sentença penal condenatória 221 Afastamonos todavia do pensamento desses dois brilhantes autores quando asseveram permanecer válido o casamento mesmo no caso de sentença penal transitada em julgado superveniente ou seja posterior ao matrimônio 222 Ora o trânsito em julgado da decisão condenatória por consequência firmaria o impedimento projetandose retroativamente para permitir o reconhecimento da nulidade absoluta do casamento afastadas inclusive as regras do casamento putativo por conta de os cônjuges não haverem atuado de boafé 223 E se assim não o fosse como se sabe um processo em que se apura a prática de crime doloso contra a vida dada a sua complexidade em geral não comporta desfecho célere o que resultaria por permitir em flagrante burla legislativa a imediata realização do casamento e a concretização do funesto desiderato criminoso Registrese por fim que o impedimento se limita à hipótese do homicídio doloso não se aplicando ao homicídio culposo Da mesma forma considerandose a ratio da norma soa estranha a omissão ao homicídio doa companheiroa para casamento com ao convivente sobrevivente Havendo trânsito em julgado da condenação por esse homicídio doloso parecenos que o dispositivo possa ser invocado como causa de nulidade absoluta do matrimônio dada a gravidade da situação 28 Casamento entre adúlteros A matemática não nos deixa mentir o brasileiro em geral conhece muito bem a infidelidade Com isso não é desarrazoado imaginar a provável existência de inúmeras realidades paralelas ao casamento ou à união estável em nosso país E tal aspecto sociológico certamente orientou o legislador a descriminalizar o adultério o que ocorreu por meio da aprovação da Lei n 11106 de 2005 que alterou o Código Penal brasileiro Antes mesmo porém dessa mudança legislativa o Código Civil já havia banido antiga regra que proibia o casamento entre os corréus condenados pelo crime de adultério O atual Código Civil pois posto não considere o adultério lícito eis que continua sendo uma quebra do dever de fidelidade constituindose na prática em causa extremamente comum para a dissolução do casamento ou da união estável não mais impede que os adúlteros uma vez livres da relação que os vinculava possam contrair entre si matrimônio 3 OPOSIÇÃO DOS IMPEDIMENTOS Os impedimentos nos termos do art 1522 podem ser opostos até o momento da celebração do casamento por qualquer pessoa capaz Por isso aliás é que o local de celebração do matrimônio deve ser aberto ao público não se permitindo solenidade de portas fechadas Se o juiz ou o oficial de registro por seu turno tiver conhecimento da existência de algum impedimento será obrigado a declarálo parágrafo único do art 1522 do CC2002 por se tratar de matéria de ordem pública É de se observar ainda que se a oposição se der no bojo do procedimento de habilitação a teor do art 1529 do CC2002 que também se aplica às causas suspensivas deverá ser documentada por meio de declaração escrita e assinada instruída com as provas do fato alegado ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas Nessa linha deverá o oficial do registro dar aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição indicando os fundamentos as provas e o nome de quem a ofereceu concedendolhes prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados e promover as ações civis e criminais contra o oponente de má fé art 1530 do CC2002 4 EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO NULO Grave é a consequência decorrente da violação dos impedimentos previstos no art 1521 do Código Civil Considerando a superior natureza dos interesses que tutela a infringência de qualquer desses impedimentos desemboca na nulidade do matrimônio celebrado Nesse diapasão dispõe o Código Civil em seu art 1548 com a redação dada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência que o casamento será considerado nulo por infringência de impedimento não mais remanescendo a ultrapassada restrição ao matrimônio do enfermo mental Art 1548 É nulo o casamento contraído I Revogado pela Lei n 13146 de 2015 II por infringência de impedimento Observese que o Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 13146 de 6 de julho de 2015 inseriu um 2º no transcrito art 1548 salientando que a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbil poderá contrair matrimônio expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador o que mantém a essência da diretriz que busca em verdade prestigiar o livrearbítrio das partes Em verdade tratase de dispositivo interessante mas que deve ser aplicado com cautela para evitar situações de abuso mediante a captação dolosa da vontade do nubente com deficiência Fique atento o nosso estimado leitor todavia para o fato de que a teoria da invalidade aplicada à Parte Geral do Código Civil sofre no Direito de Família especiais adaptações de maneira que nem todas as regras gerais incidentes nos atos nulos podem ser aplicadas ao casamento Assim por exemplo sabemos que a nulidade do ato jurídico em geral pode ser arguida por qualquer interessado ou pelo Ministério Público quando lhe couber intervir no processo podendo ser inclusive declarada de ofício pelo juiz art 168 do CC No entanto na hipótese do casamento não poderá o juiz declarar ex officio a nulidade exigindose para tanto a propositura de ação direta de nulidade nos termos do art 1549 do CC2002 Art 1549 A decretação de nulidade de casamento pelos motivos previstos no artigo antecedente pode ser promovida mediante ação direta por qualquer interessado ou pelo Ministério Público Observese portanto não haver sido prevista a possibilidade de pronunciamento espontâneo do magistrado como bem notou SÍLVIO VENOSA Como destacamos nenhuma nulidade em matéria de casamento pode ser declarada de ofício Há necessidade de ação que será a de rito mais amplo permitindo plenitude probatória 224 E não subsiste mais vale lembrar por falta de previsibilidade legal e em virtude de sua quase completa inutilidade prática a figura do curador do vínculo prevista apenas no art 222 do revogado Código Civil de 1916 pessoa especialmente designada pelo juiz para no bojo da ação de nulidade defender a validade do casamento Por conta da natureza declaratória do provimento jurisdicional pretendido essa ação é imprescritível e os efeitos da sentença proferida têm naturalmente eficácia retroativa ex tunc Art 1563 A sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data da sua celebração sem prejudicar a aquisição de direitos a título oneroso por terceiros de boafé nem a resultante de sentença transitada em julgado A retroatividade desses efeitos como visto não poderá prejudicar a aquisição de direitos a título oneroso por terceiros de boafé como na hipótese em que os cônjuges conjuntamente na constância do matrimônio ainda não impugnado resolvem vender determinado bem do patrimônio comum Por outro lado caso a alienação seja gratuita uma doação por exemplo ou o terceiro esteja de máfé a regra conduznos à conclusão de que o ato praticado perderia eficácia retornando ao status quo ante Pensamos que a ressalva verificada a boafé do terceiro não se afigura tão necessária por decorrer das próprias garantias constitucionais do ato jurídico perfeito e da coisa julgada Nessa mesma linha uma sentença transitada em julgado que houvesse por exemplo acatado o pedido formulado pela esposa em ação de embargos de terceiro para livrar bem de seu patrimônio pessoal de eventual penhora requerida pelos credores do seu marido não seria considerada ineficaz ainda que se invalidasse posteriormente o seu matrimônio tendo em vista os limites objetivos da coisa julgada Portanto a grande questão é a verificação no caso concreto da boafé do adquirente LXIX PLANO DE VALIDADE DO CASAMENTO CAUSAS DE ANULAÇÃO 1 CAUSAS DE ANULABILIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 Dispõe o art 1550 do CC2002 ser anulável o casamento I de quem não completou a idade mínima para casar II do menor em idade núbil quando não autorizado por seu representante legal III por vício da vontade nos termos dos arts 1556 a 1558 IV do incapaz de consentir ou manifestar de modo inequívoco o consentimento V realizado pelo mandatário sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges VI por incompetência da autoridade celebrante 1º Equiparase à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada 2º A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador Parágrafo inserido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 13146 de 6 de julho de 2015 Enfrentemos pois cada uma dessas hipóteses de nulidade relativa do matrimônio 11 Nubente que não completou a idade mínima para casar Nos termos do analisado art 1517 do Código Civil a capacidade núbil com a ressalva já vista do art 1520 advém aos 16 anos completos tanto para o homem como para a mulher Estabeleceu pois o Código de 2002 um critério isonômico diferentemente da normatização de 1916 que estabelecia a idade mínima para a mulher aos 16 e para o homem aos 18 anos talvez por considerar o amadurecimento masculino mais lento que o feminino Não há pois no atual sistema mais espaço para diferença de limite mínimo etário os 16 anos completos valem para nubentes de ambos os sexos Caso no entanto não tenham atingido essa idade e ainda assim convolado núpcias abstraída obviamente a autorização judicial decorrente da exceção do art 1520 do CC2002 o matrimônio por conseguinte é anulável 12 Nubente em idade núbil sem autorização para o casamento Como sabemos ainda que atingida a idade mínima para o casamento até os 18 anos maioridade civil o nubente necessita da autorização dos pais ou dos seus representantes legais tutor ou curador A falta dessa autorização não suprida pelo juiz também é causa de anulabilidade do casamento Relembremonos de que a autorização concedida pelos pais e tutores poderá ser revogada até o dia da celebração do casamento a teor do art 1518 do Código Civil de 2002 Tratase em essência do exercício de um direito potestativo Os direitos potestativos nas palavras de FRANCISCO AMARAL conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem por ato unilateral sem que haja dever correspondente apenas uma sujeição 225 É o que se dá com o direito conferido ao representante legal de revogar a autorização dada ao nubente de 16 ou 17 anos até a celebração do matrimônio 13 Vícios de vontade Na forma do art 1550 III também será anulável o casamento quando ocorrer vício de vontade na sua celebração Tratase em verdade do reconhecimento de que para a validade do casamento a vontade dos nubentes deve ser livre e de boafé aliás como deve ser a manifestação da vontade em qualquer negócio jurídico Analisemos por seu turno as peculiaridades da disciplina legal dos vícios de vontade no reconhecimento da anulabilidade do casamento o que será objeto dos próximos subtópicos 131 Da omissão legal de referência a outros vícios de consentimento Na forma do art 1550 III cc os arts 15561558 do CC2002 será anulável o casamento quando houver erro essencial sobre a pessoa de um dos cônjuges ou coação Da leitura atenta da previsão legal constatase de forma evidente que houve omissão injustificada em nosso sentir do dolo como causa invalidante SÍLVIO VENOSA observa que o dolo como causa de anulação colocaria sob instabilidade desnecessária o casamento permitindo que defeitos sobrepujáveis na vida doméstica fossem trazidos à baila em um processo Entretanto o culto civilista reconhece que há legislações que admitem o dolo para anular o casamento como a alemã a argentina e a suíça tendo a doutrina mais recente apoiado essa solução colocando em dúvida os argumentos mais repetidos contra esse vício como causa de anulação 226 De fato levando em conta a essência do dolo erro provocado por terceiro a sua admissibilidade no âmbito matrimonial longe de caracterizar mera instabilidade do casamento consistiria em nosso pensar no necessário reconhecimento de que situações há na vida real em que o nubente atua com o inequívoco propósito de enganar o outro De qualquer maneira a ausência da previsão normativa não acarreta grave prejuízo ao sistema uma vez que possíveis condutas dolosas encontram guarida nas próprias regras reguladoras do erro essencial Quanto aos outros defeitos do negócio a peculiar natureza jurídica de cada um deles não permitiria útil aplicação ao casamento com exceção da simulação caso em que teríamos uma situação especial de nulidade regulada na própria Parte Geral do Código Civil a teor de seu art 167 132 Do erro essencial sobre a pessoa de um dos cônjuges No que toca especialmente ao Direito de Família merece especial referência o erro sobre pessoa previsto no inciso II do referido art 139 do Código Civil de 2002 Tratase de uma falsa percepção da realidade invalidante do ato que se pratica incidente nas características pessoais ou no comportamento de um dos declarantes consoante prevê o nosso Código Art 1556 O casamento pode ser anulado por vício da vontade se houve por parte de um dos nubentes ao consentir erro essencial quanto à pessoa do outro Pensamos que esse erro deverá ser de tal impacto que torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado uma vez que não sendo assim prejuízo não haveria e como se sabe ausente o dano inexistente é a nulidade Incumbe outrossim ao cônjuge prejudicado provar suficientemente o equívoco impondose ao juiz redobrada cautela na apreciação do fato porquanto como se sabe os caminhos do coração levamnos muitas vezes por mágoa ou paixão não correspondida a encobrir a frustração vivida com o erro da nossa própria escolha Nessa linha a codificação civil brasileira elenca expressamente as situações consideradas de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge conforme se verifica no art 1557 do CC2002 já com a redação estabelecida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência Art 1557 Considerase erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge I o que diz respeito à sua identidade sua honra e boa fama sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado II a ignorância de crime anterior ao casamento que por sua natureza torne insuportável a vida conjugal III a ignorância anterior ao casamento de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível pelo contágio ou herança capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência 227 Tratase de hipóteses com limites objetivos para garantir a segurança e a estabilidade do casamento mas abertas o suficiente para abranger situações fáticas não pensadas originalmente pelo legislador que as concebeu Afinal são standards jurídicos e como tais exigem detida e cautelosa atividade hermenêutica Vamos então amigo leitor estudar agora essas situações caracterizadoras do erro essencial no casamento 1321 Quanto à identidade honra e boa fama Na primeira hipótese o erro diz respeito à identidade honra e boa fama de um dos cônjuges sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado A primeira circunstância descrita poderia ser exemplificada no caso do marido que se apresenta com nome e identidade falsos comportandose durante o noivado e até a descoberta da sua farsa como se fosse outra pessoa Conquista a sua noiva apresentandose como João da Silva empresário mas em verdade tratase de Marcos Bomfino professor Incute pois no outro declarante a falsa perspectiva de sua identidade civil Tratase é bem verdade de situação pouco provável mas não de impossível ocorrência Uma outra hipótese possível para enquadramento no standard é a do cônjuge que se submeteu à cirurgia para redesignação de sexo e não informou ao outro nubente Na mesma linha trata a previsão legal dos conceitos vagos ou abertos de honra e boa fama que conferem ao julgador uma margem regrada claro de discricionariedade para a aferição do comportamento não revelado e por conta disso reputado legalmente espúrio e prejudicial Ao referir esses atributos morais pensamos que o legislador levou em conta a dimensão individual e social do eu de cada nubente na interface com a esfera de existência do outro com o qual se uniu pelo matrimônio Segundo WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO Honra é a dignidade da pessoa que vive honestamente que pauta seu proceder pelos ditames da moral é o conjunto dos atributos morais e cívicos que torna a pessoa apreciada pelos concidadãos Boa fama é a estima social de que a pessoa goza visto conduzirse segundo os bons costumes 228 Assim o comportamento pessoal e social do cônjuge anterior ao casamento descoberto pelo seu parceiro poderá a depender da sua gravidade resultar na invalidade matrimonial É o caso da noiva que descobre alcoolismo do seu esposo habitual e anterior ao casamento E sem pretendermos esgotar o infinito rol de possibilidades dada a abertura eficacial da norma apontamos outros exemplos indicados por MARIA HELENA DINIZ má vida ou prostituição da mulher anterior ao ato nupcial vício de tóxicos vida desregrada do cônjuge chegando mesmo a manter relações sexuais com a própria mãe etc 229 Fique claro todavia que a atividade hermenêutica de preenchimento desses vagos conceitos de honra e boa fama deve ser empreendida com bom senso e sensibilidade evitando o intérprete adotar posições discriminatórias violadoras do superior princípio da dignidade humana como bem anotou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ANULAÇÃO DE CASAMENTO ERRO ESSENCIAL HONRA E BOA FAMA NÃO CARACTERIZAÇÃO É anulável o casamento por vício de vontade nos termos do art 1550 III do CC02 em casos de coação e erro essencial quanto à pessoa do cônjuge arts 1556 e 1557 do CC02 Pretende o autor imputar conduta desonrosa alegando que a ré sempre manteve relações com outros homens desde a época do namoro bem como após as núpcias e após o casamento estaria envolvendose com outra pessoa que inclusive frequentava a casa do autor e era seu amigo Com a evolução da sociedade caracterizações como honra e boa fama devem ser interpretadas cum grano salis evitandose assim práticas discriminatórias e atentatórias à dignidade da pessoa humana em evidente contrariedade ao ordenamento jurídico Não há motivo para anulação de casamento mas sim para eventual pedido de separação judicial nos termos da legislação em vigor Desprovimento do recurso TJRJ Ap 200700149973 9ª Câm Cív Rel Des Roberto de Abreu e Silva julgado em 18122007 Em julgado seguinte do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul outrossim admitiuse o reconhecimento do erro APELAÇÃO ANULAÇÃO DE CASAMENTO ERRO ESSENCIAL EM RELAÇÃO À PESSOA DO CÔNJUGE OCORRÊNCIA A existência de relacionamento sexual entre cônjuges é normal no casamento É o esperado o previsível O sexo dentro do casamento faz parte dos usos e costumes tradicionais em nossa sociedade Quem casa tem uma lícita legítima e justa expectativa de que após o casamento manterá conjunção carnal com o cônjuge Quando o outro cônjuge não tem e nunca teve intenção de manter conjunção carnal após o casamento mas não informa e nem exterioriza essa intenção antes da celebração do matrimônio ocorre uma desarrazoada frustração de uma legítima expectativa O fato de que o cônjuge desconhecia completamente que após o casamento não obteria do outro cônjuge anuência para realização de conjunção carnal demonstra a ocorrência de erro essencial E isso autoriza a anulação do casamento DERAM PROVIMENTO SEGREDO DE JUSTIÇA TJRS AC 70016807315 8ª Câm Cív Rel Rui Portanova julgado em 23112006 Em sentido contrário outras argumentações como o curto tempo de namoro ou erro sobre comportamento de parente sogra não têm sido reconhecidas como justificadoras da anulação do casamento Confiramse a título demonstração os seguintes julgados FAMÍLIA ANULAÇÃO DE CASAMENTO ERRO ESSENCIAL SOBRE A PESSOA CASAMENTO AGENCIADO Não se pode invocar erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge quando o casamento é celebrado em curto espaço de tempo entre o namoro e a sua celebração Assume o risco de se equivocar quanto à pessoa quem aceita casar sem manter um período razoável de conhecimento mútuo Insuficiência probatória Anulação improcedente Separação judicial vida conjugal insuportável Acolhimento do pleito reconvencional Apelação desprovida Segredo de justiça TJRS AC 70015420599 8ª Câm Cív Rel Luiz Ari Azambuja Ramos julgado em 10082006 CIVIL ANULAÇÃO DE CASAMENTO ERRO ESSENCIAL QUANTO À PESSOA DO OUTRO CÔNJUGE INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM ARTIGOS 218 E 219 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 I O erro que justifica a anulação do casamento se refere à pessoa do outro nubente sendo irrelevante para tanto o erro sobre a sua genitora sogra II Negouse provimento ao recurso Unânime TJDFT AC 20010110299278 Rel José Divino de Oliveira julgado em 1682006 DJ 711 2006 p 101 1ª Turma Cível Tudo dependerá pois da cautelosa análise do caso concreto a fim de que se possa efetivamente aferir se houve o alegado equívoco por parte do cônjuge supostamente prejudicado 1322 Quanto à existência de cometimento de crime Na mesma linha também poderá ser anulado o casamento por erro essencial em virtude da ignorância de crime anterior ao casamento que por sua natureza torne insuportável a vida conjugal Eis aqui a segunda hipótese de anulação por erro nos termos do art 1557 O conhecimento ulterior ao matrimônio de crime grave cometido pelo consorte poderá resultar na invalidade do matrimônio em face da insuportabilidade da vida em comum É de notar que a gravidade do crime não deve ser aferida segundo um padrão objetivo mas sim na medida do sofrimento experimentado pelo cônjuge enganado Assim a descoberta do cometimento de um estupro anterior ao casamento ou até mesmo de um simples furto poderá a despeito da discrepante gravidade de repercussão jurídica entre esses fatos típicos resultar na invalidação do matrimônio em se comprovando a impossibilidade de mantença do vínculo por parte do cônjuge inocente O referencial de análise pois para a aferição da invalidade é a repercussão do ato na vítima e não na sociedade Nesse sentido ROLF MADALENO preleciona O atual codificador inovou ao deixar de medir a gravidade do crime para que o cônjuge passe doravante a decidir sobre sua vida e o seu casamento sendo dele a decisão de promover a ação de anulação de seu matrimônio sempre que no seu sentir o posterior cometimento de crime praticado por seu parceiro conjugal antes do casamento por sua natureza e pela sua revelação até então ignorada tornou a sua vida conjugal insuportável indiferente à extensão da apenação e da sua repercussão social pois o que importa é a repercussão causada ao cônjuge que desconhecia o fato de tal sorte que se ele soubesse talvez não tivesse casado 230 O atual Código Civil não se referiu à necessidade de o crime ser inafiançável nem ao trânsito em julgado da sentença condenatória de maneira que em nosso sentir coerente com a posição acima esposada no sentido da repercussão pessoal do fato como critério de análise da norma basta o cometimento do ato criminoso para se deslocar ao juízo cível a análise da causa de invalidade 1323 Quanto à existência de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou patologia transmissível Avançando em nosso estudo também haverá invalidade em decorrência da ignorância anterior ao casamento de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível pelo contágio ou herança capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência Por defeito físico irremediável entendase uma incapacidade física grave que inabilite o seu portador a realizar atos fundamentais da vida civil com reflexos prejudiciais na esfera do casamento É o caso do marido portador de impotência coeundi ulteriormente descoberta por sua esposa Restando comprovada a irreversível inaptidão física para a relação sexual o casamento poderá ser anulado não se podendo confundir frisese essa anomalia com a incapacidade para gerar filhos impotência generandi pois essa de per si é inidônea para justificar a invalidade do matrimônio Também resultará em invalidade a descoberta de moléstia grave e transmissível por contágio ou herança capaz de pôr em risco o outro cônjuge ou a sua prole como se dá no caso da sífilis ou do vírus HIV Ressaltese outrossim que a pessoa portadora da doença merece a nossa atenção e o nosso respeito não estando na perspectiva constitucional de promoção da pessoa humana impedida de casar Não é isso Ela poderá sim unirse a outra pessoa realizando o seu projeto pessoal de vida mas o seu cônjuge deverá tomar prévia ciência do seu estado de saúde sob pena de a ulterior descoberta resultar na invalidade do matrimônio Salientese que o defeito físico irremediável autorizador da anulação do casamento não pode caracterizarse como deficiência na forma propugnada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 13146 de 6 de julho de 2015 1324 Hipóteses não mais caracterizadoras de erro essencial Vale registrar que o texto original do Código Civil brasileiro de 2002 previa no inciso IV do art 1557 hipótese de anulação do casamento por erro sobre pessoa a ignorância anterior ao casamento de doença mental grave que por sua natureza torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado Assim entendiase por exemplo que a esquizofrenia de que já era portador um dos cônjuges manifestada após o casamento e que tornasse insuportável a vida em comum poderia desembocar na invalidade matrimonial Tal hipótese não mais remanesce no nosso ordenamento jurídico por força do Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 13146 de 6 de julho de 2015 que o revogou expressamente Da mesma forma a abominável regra presente no Código Civil de 1916 art 219 IV no sentido de permitir ao marido a anulação do casamento pela descoberta do defloramento da sua esposa desapareceu Aliás a dignidade conferida ao princípio da igualdade pela nossa Constituição de 1988 impediria já há duas décadas interpretação que conduzisse à exigibilidade da virgindade feminina por não se exigir semelhante condição do marido Situação inusitada aliás ocorreu na Itália levada à Corte Suprema daquele país sem precedente ou paralelo no direito brasileiro Justiça italiana decidiu que fazer sexo com preservativo é motivo para anular o casamento A Justiça da Itália decidiu que fazer sexo com preservativo camisinha pode ser utilizado como motivo para anular o casamento de acordo com reportagem do jornal italiano Il Messaggero A Suprema Corte de Justiça do país ratificou uma decisão do Vaticano que em 2005 anulou o casamento de um casal identificado como Fabio N e Elizabeth T porque eles fizeram sexo seguro A Suprema Corte negou provimento ao recurso de Elizabeth que contestava a anulação de seu casamento com Fabio Segundo a mulher eles tinham feito sexo protegido para evitar que o marido que sofre da Síndrome de Reite transmitisse a doença para um futuro filho Mas para a Igreja as práticas que excluem a procriação podem invalidar o casamento religioso Mas para Elizabeth esse ponto de vista contrasta com a proteção da saúde tanto da mulher quanto da criança 231 Comentando essa decisão é preciso entender que há dois campos distintos um é o da submissão às regras religiosas da instituição em que se confia a sua fé outro é o da disciplina normativa civil correspondente Assim a anulação de casamento religioso pela comunidade celebrante não pode ter o condão de anular os seus efeitos civis Bem pensamos que com isso ficanos uma lição não poderá o intérprete conferir interpretação extensiva às hipóteses legais de invalidade nem muito menos empreender uma hermenêutica que viole o bom senso ou os superiores valores consagrados em nossa Constituição Federal Injustificável pois nessa linha a solução italiana Uma última observação porém deve ser feita ao nosso leitor Todas as causas aqui estudadas de anulação de casamento vigentes ou não devem sempre provir de um fato anterior ao matrimônio uma vez que se lhe fossem posteriores renderiam ensejo apenas ao desfazimento da relação conjugal Tudo o que dissemos até aqui se refere ao erro essencial Entretanto como vimos no início deste tópico também a coação pode determinar a anulação do casamento É o tema do próximo subtópico 133 Da coação Sobre o tema dispõe o art 1558 do CC2002 Art 1558 É anulável o casamento em virtude de coação quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida a saúde e a honra sua ou de seus familiares Figurese o exemplo do sujeito que é ameaçado de sofrer um mal físico se não contrair o matrimônio com determinada pessoa Embora se lhe reconheça a opção de aceitar ou não se o fizer não se poderá dizer que externou livremente a sua vontade Poderá pois anular o casamento 232 Na Parte Geral do Código Civil o art 151 dispõe Art 151 A coação para viciar a declaração de vontade há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa à sua família ou ao seus bens Interessante que a nova Lei Codificada cuidou de admitir o reconhecimento da coação quando a ameaça dirigirse à pessoa não pertencente à família do paciente um amigo por exemplo cabendo ao juiz avaliar as circunstâncias do caso e decidir a respeito da invalidade do negócio art 151 parágrafo único do CC2002 233 Cotejando pois esse dispositivo com a regra do art 1558 notamse poucas diferenças Nessa ordem de ideias podemse apontar os seguintes requisitos para a caracterização da coação no casamento a violência psicológica sofrida pelo cônjuge b declaração de vontade viciada c receio sério e fundado de grave dano à pessoa à família ou aos bens do paciente Afastandose um pouco da regra geral que toma como referência a figura do homem médio na análise dos defeitos do negócio jurídico no apreciar a coação deve o juiz atentar para as circunstâncias do fato e condições pessoais da vítima Nesse sentido o art 152 do CC aplicável à invalidade do casamento Art 152 No apreciar a coação terseão em conta o sexo a idade a condição a saúde o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela Não se considera coação outrossim a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial Se a ordem jurídica reconhece o legítimo e regular exercício de um direito não se poderá considerar abusiva a ameaça de seu exercício Exemplo o pai da noiva ameaça executar um crédito existente e válido de que dispõe contra o futuro genro caso este não cumpra a promessa de noivado Da mesma forma não caracteriza violência psicológica apta a anular o negócio o simples temor reverencial O respeito pela autoridade não deve ser em princípio justificativa para se anular o ato praticado O argumento eu me casei porque tinha medo do pai da noiva de per si nada vale Entretanto se essa força moral se fizer acompanhar de ameaça ou intimidação o vício poderá se configurar 14 Nubente incapaz de consentir ou de manifestar o seu consentimento Também haverá anulabilidade no matrimônio do incapaz de consentir ou de manifestar com clareza o seu entendimento Fique claro que embora omisso o Código Civil tais circunstâncias deverão se verificar no momento da celebração consoante inclusive deixa claro o Estatuto das Famílias Projeto de Lei n 2285 de 2007 em seu art 30 IV234 Uma pessoa por exemplo que haja sido induzida quimicamente a manifestar concordância não poderá participar da celebração matrimonial por conta da sua inaptidão para declarar de forma totalmente livre a sua vontade Também é o caso daquele que posto goze de discernimento esteja com as suas faculdades cognitivas embaraçadas no momento do ato como nas hipóteses de embriaguez e toxicomania Imaginese por exemplo alguém que chega à cerimônia visivelmente bêbado Se isso é comum com certos convidados é inaceitável com os noivos 15 Revogação do mandato no casamento por procuração Vimos que o casamento por procuração previsto no art 1542 do CC2002 concretizase por meio de um mandato especial lavrado em instrumento público por meio do qual o nubente outorga poderes de representação voluntária ao seu mandatário procurador para que receba o seu consorte Sucede que nos termos do art 1550 V do Código Civil ora analisado o casamento por procuração poderá ser anulado caso o mandato haja sido revogado sem o conhecimento do procurador ou do outro cônjuge não sobrevindo coabitação entre os consortes Vale dizer outorgada a procuração por exemplo por um dos nubentes esse resolveu posteriormente revogar o mandato Não cuidou todavia de dar ciência dessa revogação ao seu procurador ou à outra parte O casamento então se realiza não tendo sobrevindo coabitação entre os referidos cônjuges Nesse caso dispõe o Código Civil que tal matrimônio é passível de anulação Tratase em verdade de uma aplicação do princípio da eticidade no Direito de Família porquanto o nubente que ao revogar o mandato omitese em comunicar atua inequivocamente em franco desrespeito ao dever anexo de informação decorrente da cláusula geral de boafé objetiva Uma importante reflexão no entanto compartilhamos com o nosso leitor referente a essa anulação decorrente da revogação do mandato não comunicada Pensamos haver incorrido em impropriedade técnica o legislador uma vez que se o mandato é revogado quedarseia ausente a manifestação de vontade do cônjuge outorgante de maneira que o casamento celebrado deveria ser considerado inexistente e não simplesmente inválido Isso porque por óbvio ausente a manifestação de vontade de um dos cônjuges prejudicase o consentimento e assim não há que se falar em casamento No entanto a opção do legislador convertida em norma vigente foi no sentido do reconhecimento da invalidade anulabilidade matrimonial regra essa que até que seja modificada deverá ser cumprida Nessa linha importa ainda salientar para que a anulabilidade subsista é necessário que a despeito da revogação não tenha havido coabitação entre os cônjuges pois em tendo havido prejuízo não haverá e por consequência invalidade também não Notese por fim a teor do 1º do art 1550 235 que se equipara à revogação a invalidade do mandato judicialmente reconhecida ou decretada Vale dizer admitindo o juiz que o mandato celebrado contém nulidade absoluta ou relativa o efeito daí decorrente será o mesmo que estudamos até aqui qual seja a anulabilidade do matrimônio celebrado 16 Incompetência da autoridade celebrante Já tivemos oportunidade de observar que a interpretação mais razoável desse dispositivo aponta no sentido de considerarmos que apenas a incompetência territorial ou relativa resulta na anulabilidade do casamento celebrado porquanto em se tratando de incompetência absoluta da autoridade celebrante o matrimônio deverá ser considerado inexistente e não simplesmente inválido Essa interpretação guarda coerência com a teoria da inexistência do ato jurídico e impede a conclusão absurda de que o matrimônio celebrado por agente desprovido de competência material ou até mesmo jurisdição como um sargento da polícia militar ou um bombeiro seja considerado existente e simplesmente anulável Convidamos pois o nosso leitor a revisar o tópico acima mencionado em que enfrentamos a matéria 2 PRAZO E LEGITIMAÇÃO PARA ANULAÇÃO DO CASAMENTO Vale recordar nesse ponto ao nosso amigo leitor que os prazos para a propositura da ação anulatória de casamento são decadenciais e não prescricionais 236 Fique atento a esse aspecto amigo leitor Esse é um erro muito frequente nas academias e foros do país e que deve ser firmemente evitado por conta de existir distância continental separando a prescrição incidente na pretensão oriunda de uma prestação inadimplida da decadência incidente no direito potestativo com prazo de exercício Considerandose não ser este o momento adequado para aprofundarmos essa diagnose diferencial é útil lembrarmos que no Código Civil de 2002 os prazos prescricionais encontramse disciplinados em dois únicos artigos 205 e 206 de maneira que todos os outros são decadenciais Retornando ao nosso tema passemos em revista no Código Civil os prazos decadenciais para o exercício do direito potestativo de anular o casamento Art 1560 O prazo para ser intentada a ação de anulação do casamento a contar da data da celebração é de I cento e oitenta dias no caso do inciso IV do art 1550 II dois anos se incompetente a autoridade celebrante III três anos nos casos dos incisos I a IV do art 1557 237 IV quatro anos se houver coação 1º Extinguese em cento e oitenta dias o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade e da data do casamento para seus representantes legais ou ascendentes 2º Na hipótese do inciso V do art 1550 o prazo para anulação do casamento é de cento e oitenta dias a partir da data em que o mandante tiver conhecimento da celebração Vale observar ainda guardando coerência com a menor gravidade jurídica atribuída ao casamento anulável que diferentemente do nulo em que a ação poderá ser promovida por qualquer interessado ou pelo Ministério Público art 1549 do CC2002 apenas alguns legitimados previamente definidos em lei além do próprio cônjuge poderão manejar a ação anulatória correspondente É a previsão do art 1552 do CC2002 Art 1552 A anulação do casamento dos menores de dezesseis anos será requerida I pelo próprio cônjuge menor II por seus representantes legais III por seus ascendentes Legitimidade específica outrossim operase no caso de vício de vontade erro ou coação conforme estabelece o art 1559 do CC2002 Art 1559 Somente o cônjuge que incidiu em erro ou sofreu coação pode demandar a anulação do casamento mas a coabitação havendo ciência do vício valida o ato ressalvadas as hipóteses dos incisos III e IV do art 1557 A coabitação portanto atua como fator validante do matrimônio anulável por erro essencial salvo na hipótese de o erro decorrer da ignorância de moléstia perigosa e transmissível de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de doença mental grave anteriores ao casamento Vale destacar que antes de mover a ação de invalidade de casamento é possível a parte requerer uma tutela preventiva de separação de corpos na forma do art 1562 do CC2002 Nada impede outrossim que a medida seja incidental ou seja proposta no curso do próprio processo 3 EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO ANULÁVEL A anulação do casamento gera importantes efeitos jurídicos merecedores da nossa atenção Primeiramente é bom relembrar que a anulabilidade nulidade relativa de determinado ato considerada em uma escala de gravidade jurídica e impacto eficacial afigurase mais branda do que a hipótese de nulidade absoluta Ao se referir à teoria geral das nulidades pontifica SILVIO RODRIGUES Nesta hipótese procura o legislador proteger um interesse particular quer de pessoa que não atingiu ainda o pleno desenvolvimento mental como o menor púbere ou o silvícola quer de pessoa que tenha concordado em virtude de um vício de vontade quer ainda de indivíduo que tenha sido ludibriado pela simulação ou pela fraude Aqui o interesse social é mediato de maneira que o ordenamento jurídico conferindo ação ao prejudicado não toma qualquer iniciativa e se dispõe a validar o ato se o interessado não promover a sua anulação 238 Também no casamento com as devidas e necessárias adaptações ao seu peculiar sistema a anulabilidade apresentase menos severa mormente quando consideramos que o próprio legislador cuidou de estabelecer expressamente especiais situações de aproveitamento do ato maculado É o que veremos a seguir 31 Convalescimento do casamento anulável A busca da preservação e conservação do negócio jurídico encontra guarida também em matéria matrimonial Com efeito o art 1551 do CC2002 impede a anulação do casamento por motivo de idade caso haja resultado gravidez Isso porque consumada a concepção essa jovem ainda menor pretendendo levar adiante a gravidez independentemente de se discutir o acerto da criminalização do aborto no Brasil salientese por exemplo a autorização legal para interrupção da gravidez no caso de estupro 239 assumirá as responsabilidades da maternidade junto daquele com quem se casou ainda que não tivesse a idade exigida por lei Contemplouse ainda uma especial forma de confirmação do casamento inválido consoante se pode verificar na leitura do art 1553 do CC2002 Art 1553 O menor que não atingiu a idade núbil poderá depois de completála confirmar seu casamento com a autorização de seus representantes legais se necessária ou com suprimento judicial Tratase pois de típicas medidas sanatórias de aproveitamento do matrimônio anulável Nessa mesma linha afastandose do sistema da nulidade absoluta previu ainda o legislador o convalescimento do matrimônio anulável do menor em idade núbil quando não autorizado pelo seu representante legal caso a ação anulatória não seja proposta no prazo decadencial de 180 dias bem como se ficar comprovado que os representantes legais do nubente assistiram à celebração ou por qualquer modo manifestaram a sua aprovação Art 1555 O casamento do menor em idade núbil quando não autorizado por seu representante legal só poderá ser anulado se a ação for proposta em cento e oitenta dias por iniciativa do incapaz ao deixar de sêlo de seus representantes legais ou de seus herdeiros necessários 1º O prazo estabelecido neste artigo será contado do dia em que cessou a incapacidade no primeiro caso a partir do casamento no segundo e no terceiro da morte do incapaz 2º Não se anulará o casamento quando à sua celebração houverem assistido os representantes legais do incapaz ou tiverem por qualquer modo manifestado sua aprovação Nitidamente pois observamos que o codificador consciente da menor severidade resultante da nulidade relativa consagrou importantes mecanismos de conservação do ato matrimonial anulável 32 Natureza jurídica da sentença anulatória do casamento Partindose da premissa assentada na doutrina processual civil de que a sentença constitutiva positiva ou negativa não tem eficácia retrooperante mas sim possui efeitos para o futuro ex nunc podese chegar à falsa conclusão de que isso também ocorre na sentença anulatória de ato jurídico De fato as sentenças desconstitutivas em geral possuem efeitos para o futuro ex nunc a exemplo da que decreta o divórcio de um casal dissolvendo o vínculo matrimonial conforme veremos oportunamente Ocorre que a ilicitude do ato anulável a despeito de desafiar sentença desconstitutiva exige que a eficácia sentencial seja retroativa ex tunc sob pena de se coroarem flagrantes injustiças No âmbito da teoria geral dos contratos figuremos a seguinte hipótese um indivíduo vítima de lesão vício invalidante do negócio foi levado por necessidade a celebrar um contrato cujas prestações eram consideravelmente desproporcionais Por força da avença viciada o lesado fora induzido a prestar um sinal arras confirmatórias no valor de quinze mil reais Posteriormente cuidou de anular o ato viciado pleiteando inclusive o que indevidamente pagou Ora tal situação demonstra claramente que a maior virtude da anulabilidade do ato é exatamente restituir as partes ao estado anterior em que se encontravam em todos os seus termos E obviamente tal propósito só é possível se forem reconhecidos à sentença anulatória efeitos retrooperantes O mesmo raciocínio aplicase ao casamento Anulado o matrimônio a sentença que o invalida retrotrai os seus efeitos para atingilo ab initio cancelando inclusive o seu registro razão por que os cônjuges retornam ao estado civil de solteiro 240 33 Consequências jurídicas da anulação do casamento Finalmente estabelece o art 1564 do CC2002 que quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges este incorrerá na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente e na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial Deveria o legislador nesse particular ter evitado a utilização da palavra culpa de tão difícil senão impossível mensuração na vida afetiva que se desconstrói optando por referir apenas que o cônjuge que desse causa à invalidade poderia suportar no caso concreto tais efeitos sancionatórios Isso se mostra ainda mais evidente na contemporaneidade em que há um evidente declínio de importância da culpa no âmbito da responsabilidade civil e especialmente das relações de família O Estatuto das Famílias PL n 228507 talvez por conta da dificuldade na fixação da culpa optou por não regular as consequências patrimoniais advindas da anulação do casamento Analisando no contexto geral da dissolução do casamento a falência da culpa no Direito de Família escreve RODRIGO DA CUNHA PEREIRA com habitual sagacidade Com o fim da culpa na dissolução do casamento esvaziamse os longos e tenebrosos processos judiciais de separação Casamento acaba porque acaba O amor acaba 241 Teçamos no próximo capítulo mas ainda no plano de validade do casamento algumas importantes considerações acerca do tema do casamento putativo LXX PLANO DE VALIDADE DO CASAMENTO CASAMENTO PUTATIVO 1 CONCEITO E TRATAMENTO LEGAL Na perspectiva histórica lembranos DÉBORA BRANDÃO O casamento putativo existe desde o remoto direito romano e exigia a conjugação de três requisitos boafé escusabilidade do erro e celebração do casamento Mas parecenos que a origem do casamento putativo é mesmo canônica Assim preconiza a maioria dos monografistas que noticiam sua consagração entre o século XI e o XV Como o casamento passou a sacramento a Igreja não podia deixar desprotegida a pessoa que o convolasse de boafé Diante desta situação surge a teoria do casamento putativo para solucionar o infortúnio dos casados debaixo de impedimento que naquela época eram mais numerosos 242 Chegando aos nossos dias e respeitada sobretudo a sua dimensão ética podemos conceituar o casamento putativo como o matrimônio que contraído de boafé por um ou ambos os consortes posto padeça de nulidade absoluta ou relativa tem os seus efeitos jurídicos resguardados em favor do cônjuge inocente A tutela dos seus efeitos em face dos filhos outrossim dispensa maior consideração pois pouco importando se o casamento é aparente ou não os direitos da prole sempre e em qualquer circunstância serão resguardados como garantidos pelo 6º do art 227 da Constituição Federal de 1988 243 A sua disciplina no Código Civil é feita pelo art 1561 que merece integral transcrição Art 1561 Embora anulável ou mesmo nulo se contraído de boafé por ambos os cônjuges o casamento em relação a estes como aos filhos produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória 1º Se um dos cônjuges estava de boafé ao celebrar o casamento os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão 2º Se ambos os cônjuges estavam de máfé ao celebrar o casamento os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão Notese pois que esse instituto no direito positivo brasileiro encontrase adstrito à teoria da invalidade e não à da inexistência Em síntese casamento putativo é aquele nulo ou anulável contraído de boafé e que tem os seus efeitos preservados em face de quem atuou segundo o princípio da confiança Tomese por exemplo a situação em que um cidadão casado em Salvador em uma das suas muitas viagens conhece uma linda moça em Belo Horizonte e ocultando o seu estado civil contrai novo matrimônio sem que a segunda mulher de nada saiba Além da prática do crime de bigamia esse casamento é inequivocamente nulo por violação de impedimento art 1521 VI CC2002 embora por haver sido contraído de boafé pela inocente esposa terá os seus efeitos resguardados em face dela como se válida fosse a união Pode também ocorrer nessa mesma linha que nenhum dos cônjuges tenha ciência da causa invalidante como na hipótese em que duas pessoas maiores capazes apaixonamse convolam núpcias sem sequer imaginar que são irmãos Nesse caso dada a boafé de ambos os efeitos do matrimônio são preservados em favor tanto do marido quanto da mulher Sem pretendermos esgotar a casuística pois diversas são as situações de invalidade salientamos a hipótese especialmente tratada na doutrina de casamento putativo decorrente da coação Poderseia argumentar que em favor do coacto o noivo que fora seriamente ameaçado para casar não militaria a preservação dos efeitos matrimoniais porquanto a sua boafé subjetiva não restaria plenamente configurada por ter sido moralmente coagido tem ciência do vício que inquina o ato de maneira que não se poderia alegar inocência Todavia essa conclusão é equivocada A violência psicológica sofrida pelo paciente oprimindo a sua liberdade de escolha e obstaculizando sua capacidade de reação e defesa poderá traduzir sim justificativa juridicamente razoável para preservação dos efeitos decorrentes da putatividade E não se diga estar prejudicada a aferição do seu estado de inocência uma vez que conforme dissemos acima o aspecto subjetivo da boafé não pode ser analisado isoladamente mas sim em conexão com a sua face objetiva determinante de um padrão ético esperado e exigido em toda e qualquer relação jurídica de Direito Privado Ao coacto pois vítima de circunstâncias de violência vedadas pelo sistema jurídico devem ser preservados os efeitos jurídicos do casamento como decorrência do princípio da eticidade para favorecêlo 2 RECONHECIMENTO DA PUTATIVIDADE Entendemos que dada a dimensão éticosocial do instituto sob análise o juiz no bojo de um processo de nulidade ou anulação de casamento não depende de provocação da parte interessada para o reconhecimento da putatividade Pode pois fazêlo de ofício preservando os efeitos do matrimônio inválido Assim no dispositivo da sentença poderá acolhendo o pedido declarar nulo ou anular o casamento impugnado preservando os seus efeitos em favor do cônjuges inocentes independentemente de requerimento específico nesse sentido O provimento jurisdicional no que tange ao reconhecimento da putatividade é quanto à sua natureza jurídica eminentemente declaratório O Direito Civil hoje sob o influxo da principiologia constitucional abandona o seu estado de dormência justificado por uma exacerbada proteção da autonomia privada e se reconstrói segundo uma perspectiva social e ética que sem menoscabar a livreiniciativa garante valores essenciais à preservação do equilíbrio entre o público e o privado Essa é a razão pela qual o juiz ao aplicar o moderno Direito Privado não precisa mais aguardar inerte em toda e qualquer circunstância a provocação do interessado uma vez que o próprio interesse social poderá justificar a sua atuação 244 3 EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO PUTATIVO Como dissemos ao longo deste capítulo o reconhecimento da putatividade resulta na preservação dos efeitos jurídicos do casamento segundo a boafé de cada cônjuge De logo reputamos dispensável a previsão do 2º do art 1561 do CC2002 no sentido de que se ambos os cônjuges estavam de máfé somente aos filhos os efeitos do casamento aproveitarão Ora como temos constantemente afirmado pouco importando se atuaram de boa ou máfé os efeitos do casamento sempre e em qualquer circunstância deverão beneficiar os filhos Tratase pois de referência desnecessária No entanto no que tange aos consortes a situação é diversa pois essa preservação eficacial dependerá da demonstração no bojo do processo de invalidade da sua correção e probidade Nessa linha para facilitar o entendimento estudaremos em separado as duas situações possíveis 245 a se ambos os cônjuges atuaram de boafé b se apenas um dos cônjuges atuou de boafé Vamos lá então 31 Casamento inválido putativo contraído de boafé por ambos os cônjuges Invalidado o matrimônio os direitos e deveres conjugais como fidelidade recíproca e coabitação deverão cessar para os dois consortes No que tange aos alimentos outrossim por princípio de solidariedade aliado à eticidade imanente ao casamento contraído é justo que sejam fixados segundo a necessidade dos cônjuges observado o critério da proporcionalidade mesmo após a sentença que invalida o matrimônio O direito à herança por sua vez quedarseá extinto a partir da prolação da sentença de nulidade ou anulação porquanto a par da boafé presente na situação concreta direitos de outros herdeiros entram em linha de colidência com o interesse da viúva ou viúvo que teve desfeito o casamento com o autor da herança No entanto se a morte ocorre quando ainda em curso a ação de invalidade o direito sucessório do cônjuge sobrevivente é mantido No que se refere aos bens afora a situação sucessória a solução afigurasenos bastante simples Considerandose a boafé de ambos os cônjuges a partilha deverá ser feita segundo o regime de bens escolhido como se o juiz estivesse conduzindo um simples divórcio Com isso adotase uma solução justa segundo a projeção que os próprios cônjuges fizeram antes de convolarem o matrimônio inválido evitandose ainda o enriquecimento sem causa de qualquer dos dois Ainda no âmbito patrimonial as doações feitas em contemplação de casamento futuro 246 merecem a nossa atenção Dispondo sobre essa espécie o já analisado art 546 do Código Civil é extremamente claro e elucidativo Art 546 A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa quer pelos nubentes entre si quer por terceiro a um deles a ambos ou aos filhos que de futuro houverem um do outro não pode ser impugnada por falta de aceitação e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar Ora no casamento putativo em que os dois consortes figurem de boafé entendemos que a doação deve ser mantida pois a sua eficácia deriva e se justifica pela eticidade intrínseca ao comportamento de ambos segundo a projeção de vontade do próprio doador Quanto ao nome pensamos que em regra por conta da invalidade declarada o cônjuge que adotara o sobrenome do outro deverá perdêlo salvo excepcional e justificada situação de grave dano pessoal aferida pelo juiz no caso concreto Finalmente no que tange à emancipação havida por conta do casamento deverá a mesma ser preservada em virtude da boafé dos cônjuges não havendo pois retorno à situação de incapacidade 32 Casamento inválido putativo contraído de boafé por um dos cônjuges Na mesma linha exposta anteriormente anulado ou declarado nulo o matrimônio os deveres conjugais em regra geral deverão cessar Persiste no entanto o dever de alimentar em favor tão somente do cônjuge de boafé Vale dizer ainda que o outro necessite da pensão essa não será devida uma vez que tinha ciência da impossibilidade jurídica na celebração do matrimônio Raciocínio contrário sem sombra de dúvida coroaria a malícia o que não se pode admitir O direito à herança por sua vez também restará extinto a partir da prolação da sentença de nulidade ou anulação e se a morte ocorrer quando ainda em curso a ação de invalidade o direito sucessório do cônjuge de boafé sobrevivente é mantido Questão delicadíssima na seara sucessória verificase quando há conflito de direitos entre o cônjuge inocente favorecido pelos efeitos da putatividade e o primeiro cônjuge do bígamo Como ficará pois a concorrência dos direitos sucessórios entre a primeiro e o segundo cônjuge Por imperativo de equidade recomendase a divisão do patrimônio deixado por ele herança resguardandose por óbvio o direito próprio de meação de cada cônjuge em face dos bens amealhados em conjunto com o falecido A herança no entanto deixada por ele como dito deverá ser dividida Este é o pensamento do Professor YUSSEF SAID CAHALI em sua clássica obra O Casamento Putativo marco no estudo da matéria no direito brasileiro Falecendo o bígamo tendo estado de boafé o segundo cônjuge em relação ao qual portanto decorrem efeitos civis de casamento válido e não havendo ascendentes ou descendentes sucessíveis instaurase conflito entre o direito dos cônjuges supérstites na sucessão do cônjuge comum falecido Se o bígamo faleceu depois de anulado o segundo casamento o conflito se exclui desde logo pois a condição de cônjuge do segundo não mais existe falho assim requisito essencial para este concorrer à sucessão Porém instaurada a sucessão antes da sentença anulatória existirá o direito sucessório do cônjuge legítimo cuja condição jurídica não se prejudica pelo ato ilícito de seu cônjuge mas não se nega o direito sucessório do cônjuge putativo daí a dúvida Omisso o Código a doutrina tenta solução Para a maioria dos autores a herança no caso se dividirá em partes iguais entre o cônjuge legítimo e o cônjuge ou cônjuges putativo fundam se no fato de que a primeira mulher não pode alegar direito exclusivo à totalidade da herança porque só tinha ela uma expectativa a qual quando aberta a sucessão encontroua diminuída por efeito da boafé da segunda mulher apresentam assim os cônjuges sobrevivos a mesma condição que lhes assegura o direito sucessório 247 Ainda quanto aos bens afora a situação sucessória já vista o consorte inocente terá o direito de haver de volta tudo o que concorreu para a formação do patrimônio comum inclusive as doações feitas ao outro podendo inclusive segundo o escolhido regime de bens fazer jus à meação do patrimônio trazido pelo culpado No que tange todavia especificamente aos bens adquiridos pelo esforço comum deverão ser partilhados segundo o princípio que veda o enriquecimento sem causa 248 Já quanto às doações feitas em contemplação a casamento futuro observa SÍLVIO VENOSA que caducam com relação ao culpado porque há que se entender não ter havido o implemento da condição imposta qual seja a realização do casamento O cônjuge inocente porém deverá beneficiarse da doação como consequência da putatividade 249 Quanto ao nome o cônjuge culpado perderá o direito de usálo podendo o inocente em nosso pensar mantêlo apenas se houver fundada justificativa a exemplo de grave risco de lesão a direito da personalidade Em conclusão no que toca aos efeitos da emancipação decorrente do casamento deverão eles ser mantidos apenas em favor do cônjuge inocente O culpado outrossim em tendo alcançado a capacidade plena por força do matrimônio com a invalidação deste retornará à situação de incapacidade Finalmente vale lembrar que o cônjuge de boafé ainda poderá segundo as regras gerais da responsabilidade civil pleitear reparação por danos morais em virtude de haver sido induzido ou coagido a contrair um casamento que imaginava ser perfeitamente válido e eficaz mas que padecia de indesejável vício invalidante 250 sem prejuízo da indenização pelos danos materiais também verificados LXXI PLANO DE EFICÁCIA DO CASAMENTO DEVERES MATRIMONIAIS E CAUSAS SUSPENSIVAS DO CASAMENTO 1 EFICÁCIA JURÍDICA DO CASAMENTO DEVERES MATRIMONIAIS Se deitarmos os nossos olhos no Direito Romano veremos que a concepção dos deveres e direitos matrimoniais não se pautava pela igualdade mas sim por uma proeminência vertical e por que não dizer hierárquica do pater no seio da família MAX KASER observa Como todo o poder doméstico romano o poder marital do pater familias é um poder pleno Engloba o direito de vida e de morte jus vitae necisque e o direito de castigar e de repudiar a mulher Mas na época primitiva o Direito Sacral e durante a República o Censor ao velar pelos bons costumes vedaram ao pater familias quaisquer abusos deste pleno poder e cominaram sanções semelhantes às dos abusos da patria potestas vd infra 60 I 2 Na época clássica desapareceu quase completamente o poder de correcção do marido sobre a mulher 251 E ainda no plano dos efeitos do matrimônio complementa o ilustre autor O matrimônio romano como facto social e independentemente da conventio in manum teve como efeitos primeiro que a mulher obtinha o honor matrimonii e com ele o reconhecimento da posição social da própria mulher casada segundo que os filhos nascidos do matrimônio podiam continuar a família paternal como descendentes legítimos 252 Por óbvio a história mais recente do Direito aponta no sentido da horizontalização dos deveres e direitos matrimoniais numa perspectiva de igualdade com a consequente cristalização da posição da mulher não mais como subordinada mas sim como colaboradora e corresponsável pela condução da vida matrimonial A mais inspirada e bela criação de Deus a mulher não poderia vir ao mundo em posição que jurídica ou socialmente a degradasse Por isso afigurasenos de fundamental importância que tenhamos em mente nesta introdução a inegável incidência do princípio constitucional da isonomia no âmbito dos efeitos obrigacionais do casamento Neste sentido aliás a nossa Constituição é clara Art 226 A família base da sociedade tem especial proteção do Estado 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher grifamos Houve portanto tendo em vista o desvio de perspectiva do direito anterior marcado pela indiferença aos valores fundamentais da pessoa humana uma significativa mudança de paradigma considerandose a inserção da mulher no centro do sistema de direitos e deveres conjugais ao lado e não mais abaixo do marido Tratase em verdade de uma manifestação do princípio solar da dignidade da pessoa humana Comentando essa temática sob o prisma civilconstitucional pontifica PAULO LÔBO O plano da eficácia do casamento sofreu profunda transformação em decorrência da radical mudança de paradigmas da família e do casamento consumada na Constituição de 1988 principalmente com a imposição de igualdade total de direitos e deveres entre o homem e a mulher na sociedade conjugal art 226 5º Na legislação anterior as relações entre os cônjuges eram configuradas na chefia da sociedade conjugal atribuída ao marido em torno da qual gravitava a ordenação dos direitos e deveres 253 Parecenos sem dúvida a melhor diretriz sobre o assunto 2 OS DEVERES MATRIMONIAIS NO CÓDIGO CIVIL Na forma do art 1566 do Código Civil são deveres de ambos os cônjuges I fidelidade recíproca II vida em comum no domicílio conjugal III mútua assistência IV sustento guarda e educação dos filhos V respeito e consideração mútuos Não existe nesse dispositivo uma necessária ordem de prevalência lógica nem muito menos uma escala hierárquica de valores feita pelo legislador Não podemos também simplesmente dizer que se trata de um rol exaustivo pois ainda que o afirmássemos iríamos nos deparar com a largueza hermenêutica dos conceitos vagos aí consagrados a exemplo do respeito e consideração mútuos cujo espectro de alcance é inalcançável aprioristicamente De qualquer maneira seguiremos essa sistematização em nosso presente estudo 21 Fidelidade recíproca A rigor pensamos que a fidelidade traduz desdobramento da noção maior de lealdade embora com ela não se confunda A lealdade qualidade de caráter implica um comprometimento mais profundo não apenas físico mas também moral e espiritual entre os parceiros na busca da preservação da verdade intersubjetiva ao passo que a fidelidade por sua vez possui dimensão restrita à exclusividade da relação afetiva e sexual É possível visualizar uma situação de autonomia das características Se um cônjuge homem ou mulher trai o outro há violação do dever de fidelidade mas se não esconde tal fato não se está no campo da mentira própria da deslealdade Todavia é certo que na maior parte das situações a fidelidade está umbilicalmente conectada ao conceito de lealdade de maneira que a fidelidade exigida normalmente também obriga à lealdade e viceversa 254 Talvez fosse melhor para evitar maiores digressões na análise dos deveres nas diferentes modalidades familiares que o legislador utilizasse também para os cônjuges a dicção normativa consagrada para a união estável art 1724 em que se exigiu o dever recíproco de lealdade tecnicamente mais amplo como visto Mas preferiu consagrar como primeiro dever conjugal a correlata noção de fidelidade recíproca mesmo Tanto para o homem quanto para a mulher a fidelidade é exigida não havendo mais espaço em nosso sentir para se traçar uma diagnose diferencial da dor de ser traído como o fez em outra época WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO Entretanto do ponto de vista puramente psicológico tornase sem dúvida mais grave o adultério da mulher Quase sempre a infidelidade no homem é fruto de capricho passageiro ou de um desejo momentâneo Seu deslize não afeta de modo algum o amor pela mulher O adultério desta ao revés vem demonstrar que se acham definitivamente rotos os laços afetivos que a prendiam ao marido e irremediavelmente comprometida a estabilidade do lar Para o homem escreve SOMERSET MAUGHAM uma ligação passageira não tem significação sentimental ao passo que para a mulher tem 255 A sociedade mudou muito e esse pensamento não se justifica mais Nos dias de hoje ainda que a infidelidade masculina seja muito mais frequente todos nós homens e mulheres em pé de igualdade estamos sujeitos a desvios e tropeços de conduta na relação a dois afigurandose arriscado estabelecer em nosso sentir ainda que em nível psicológico uma escala de gravidade Pensamos portanto nessa linha que a fidelidade é e jamais deixará de ser um valor juridicamente tutelado e tanto o é que fora erigido como dever legal decorrente do casamento A violação desse dever poderá independentemente da dissolução da sociedade conjugal ou da relação de companheirismo gerar consequências jurídicas inclusive indenizatórias 256 Sinceramente embora se compreenda pelas razões da moralidade média assentada na sociedade ocidental a elevação da fidelidade recíproca como um dever do casamento soanos estranho que o Estado em confronto com o princípio da intervenção mínima no Direito de Família queira impor a todos os casais a sua estrita observância Isso porque a ninguém muito menos ao Estado deve ser dado o direito de se imiscuir na relação sentimental alheia em que a autoestima o excesso ou a falta de desejo sexual e o perdão interessam apenas aos envolvidos Acreditamos que a atuação estatal não poderia invadir essa esfera de intimidade pois em caso contrário jamais compreenderia o que se dá na relação de poliamor teoria psicológica que começa a descortinarse para o Direito e admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros em uma relação múltipla e aberta Ademais o perdão como o mais divino dos sentimentos humanos cabe somente aos envolvidos e não a um aparato estatal que insiste em se imiscuir na aceitação da conduta de um pelo outro Nessa linha temos então que a fidelidade posto não traduza um dogma absoluto é um valor juridicamente tutelado 22 Vida em comum no domicílio conjugal dever de coabitação Observa ORLANDO GOMES que a coabitação representa mais do que a simples convivência sob o mesmo teto traduzindo sobretudo a união carnal 257 Refletindo sobre esse aspecto pensamos que a própria noção de convivência sob o mesmo teto é relativa pois diversas razões inclusive a autonomia da vontade do casal na perspectiva do princípio da intervenção mínima do Direito de Família poderão determinar residência em casas separadas Não é incomum aliás que por motivo de trabalho 258 os cônjuges residam em casas cidades ou até Estados diferentes e quem sabe países sem que isso traduza violação a um dever jurídico que os obrigue a viver na mesma casa Esse não é o espírito da norma O que o legislador pretende em nosso sentir é preservando a necessária comunhão de vida pedra de toque do casamento vedar que um cônjuge abandone a esfera de convivência com o outro passando a residir em local diverso sem motivo justificado e contra a vontade do seu consorte Neste caso o abandono por traduzir descumprimento de dever conjugal e ruptura fática poderá resultar não somente na ação judicial de divórcio mas também até mesmo de responsabilização civil Nessa linha vale lembrar ainda que em havendo motivos graves como violência física ameaça tortura maustratos como medida cautelar preparatória ou incidental ao processo de divórcio é possível ao cônjuge prejudicado intentar pedido de separação de corpos visando a obter ordem judicial que determine a saída do seu consorte do domicílio conjugal ou a autorização oficial para a saída do próprio requerente a depender das circunstâncias do caso 23 Mútua assistência A mútua assistência ultrapassa a simples noção de amparo recíproco de cunho material para integrar se à ideia maior de apoio mútuo moral e espiritual Certamente um dos móveis psicológicos da união conjugal é a busca de um parceiro de vida que para além da simples perspectiva carnal traduza um suporte emocional seguro para o compartilhamento das vicissitudes da vida de maneira a permitir que dividindo cada um dos consortes cresça como indivíduo como ser humano em toda a sua potencialidade Nessa perspectiva temos que a mútua assistência desdobrase em dois planos a assistência material b assistência moral Diferentemente do que pensa ORLANDO GOMES 259 entendemos que a assistência material engloba não apenas prestações de fazer mas também em sentido mais estrito o dever de socorro materializado na obrigação alimentar Nessa ordem de ideias deverá o cônjuge assistir materialmente o outro cumprindo o dever de alimentos derivado do princípio maior da solidariedade familiar Lembremonos inclusive de que os alimentos em sua acepção jurídicolegal anota ANA LOUZADA podem significar não só o montante indispensável à sobrevivência do alimentando mas também o valor que importa na mantença do seu padrão de vida subsidiando inclusive o seu lazer 260 Mais profunda é a assistência moral Ao uniremse em matrimônio marido e mulher por determinação da lei brasileira e independentemente da religião que professem assumem mutuamente a condição de companheiros de vida consolidando a obrigação recíproca de apoio moral psicológico e espiritual Vale anotar nesse ponto a íntima conexão entre esse dever de assistência moral recíproca e o dever de respeito que será analisado a seguir Com isso temos como vedado o histórico e chauvinista comportamento do homem que involuindo para a simples condição de macho imagina estar cumprindo com a sua obrigação assistencial de marido simplesmente porque atende às necessidades materiais da sua família Não basta isso Com efeito primeiramente a obrigação de sustento da família não é definitivamente uma obrigação exclusiva do homem mas sim de ambos os cônjuges o que é explicitado inclusive no art 1568 do CC2002 nos seguintes termos Art 1568 Os cônjuges são obrigados a concorrer na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho para o sustento da família e a educação dos filhos qualquer que seja o regime patrimonial Assim superada está qualquer visão decorrente da concepção machista da codificação anterior que visivelmente elegia o marido como o provedor principal da família 261 Ademais a união matrimonial implica auxilio mútuo não apenas na seara econômica ou material uma vez que a condenação da esposa ao desprezo constante ou ao próprio abandono ainda que sem a existência de violência física poderá estar moldando um cenário abjeto de desrespeito ao dever de assistência moral permitindo com isso a dissolução do casamento e até mesmo se for o caso o reconhecimento da responsabilidade civil do infrator De que adianta a assistência material de que o corpo necessita sem a imprescindível assistência de espírito exigida pelo coração da pessoa a quem nos unimos em matrimônio 24 Sustento guarda e educação dos filhos Pensamos que esse aludido dever de sustento guarda e educação dos filhos assentado entre os deveres matrimoniais sofre de uma inequívoca crise de localização por conta de a sua raiz genética a sua origem não derivar da condição de casados mas sim da condição de pais Vale dizer o dever de sustentar guardar e educar os filhos impõese sempre a todo pai a toda mãe não importando se são casados companheiros separados divorciados solteiros ou viúvos Esse dever é pois decorrência do próprio poder familiar e não do casamento Nesse ponto com total razão prelecionam CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD In fine temse o dever de guarda sustento e educação dos filhos Não nos parece porém cuidar essa hipótese de um efeito tipicamente matrimonial Efetivamente a guarda sustento e educação da prole parece estar mais razoavelmente ligada aos deveres decorrentes da paternidade ou maternidade que por lógico independem da existência ou não de um casamento 262 Com isso concluímos que a sua permanência no Código Civil de 2002 entre os deveres matrimoniais não deve ser entendida como uma previsão adstrita à específica zona matrimonial mas sim como a simples reverberação de um importante dever de matriz muito mais genérica advinda do próprio vínculo paterno ou maternofilial 25 Dever de respeito e consideração mútuos Esse último dever em nosso sentir aglutina em suas bases conceituais de dificílima descrição todas as outras obrigações decorrentes do matrimônio Respeitar o outro imperativo que extravasa a própria dimensão do jurídico é decorrência do próprio afeto essência maior e elemento de sustentação da própria comunidade de existência formada pelo casamento Nesse particular interessa notar que tal dever já havia sido consagrado na Lei n 9278 de 1996 art 2º I que disciplinou os efeitos jurídicos da união estável e agora com a edição do Código Civil de 2002 também mereceu referência expressa em face das pessoas casadas Mesmo que um dia o amor termine pois a chama é eterna apenas enquanto durar o respeito e a consideração recíprocas jamais poderão cessar 3 CAUSAS SUSPENSIVAS DO CASAMENTO Neste tópico final cuidaremos de enfrentar as causas suspensivas do casamento outrora denominadas pela doutrina impedimentos impedientes ou proibitivos do matrimônio Antes de enfrentálas uma a uma fazse necessário tecer algumas considerações gerais sobre o instituto 31 Noções gerais Primeiramente é preciso explicarmos a própria terminologia empregada A expressão causa suspensiva traduz a ideia de que a subsunção do comportamento do nubente em um dos seus dispositivos resulta na imposição do regime de separação obrigatória de bens razão por que se diz restar suspensa a prerrogativa de escolha do estatuto patrimonial Notese pois que nesse contexto estamos na seara da eficácia patrimonial do casamento motivo pelo qual o tópico fora inserido no presente capítulo Em outras palavras sua verificação não gera qualquer mácula no campo da validade do matrimônio mas sim no plano da eficácia especificamente no que diz respeito ao regime patrimonial do casamento tornandose obrigatória a separação de bens na forma do art 1641 I CC2002 263 Tais causas em verdade são hipóteses estabelecidas no interesse da prole preexistente ou eventual ou de relacionamentos anteriores evitando a confusão de patrimônios bem como para preservar a idoneidade da manifestação de vontade no caso de matrimônio de pessoas que se achem sob a autoridade umas das outras A matéria é tratada nos incisos do art 1523 do CC2002 a saber Art 1523 Não devem casar I o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros II a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado até dez meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal III o divorciado enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal IV o tutor ou o curador e os seus descendentes ascendentes irmãos cunhados ou sobrinhos com a pessoa tutelada ou curatelada enquanto não cessar a tutela ou curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas Ressaltamos outrossim a previsão do parágrafo único que prevê a não aplicação da sanção patrimonial imposição do regime de separação obrigatória de bens Parágrafo único É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I III e IV deste artigo provandose a inexistência de prejuízo respectivamente para o herdeiro para o excônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada no caso do inciso II a nubente deverá provar nascimento de filho ou inexistência de gravidez na fluência do prazo Compreendamos portanto cada uma das causas suspensivas previstas no Código Civil brasileiro de 2002 32 Casamento doa viúvoa com filhos do falecido pendentes inventário e partilha A causa suspensiva em epígrafe tem por finalidade preservar os interesses patrimoniais do filho do cônjuge falecido A concepção é muito simples Pendentes inventário e partilha a massa patrimonial não está individualizada pelo que ainda não se sabe exatamente quais bens serão destinados ao patrimônio pessoal dos filhos e quais serão doa viúvoa Imagine a seguinte hipótese Josefa viúva mãe de três filhos concebidos com o falecido Jotapê Caso pretenda convolar novas núpcias não tendo sido feito o inventário e partilha referente ao patrimônio anterior incorrerá na causa suspensiva analisada impondoselhe o regime de separação obrigatória de bens E a razão é simples Imagine a confusão que não se instalaria se a viúva se casasse com o seu novo amor em comunhão de bens Como saber o que seria patrimônio anterior de interesse dos seus filhos e patrimônio novo a ser comunicado ao atual consorte A regra pretende evitar portanto uma confusão de patrimônios Todavia nem sempre é necessário fazer inventário e partilha pois na prática muitas vezes não há patrimônio a transferir Em hipóteses como tais recomendase a realização do inventário negativo que inclusive pode ser realizado extrajudicialmente se atendidos os requisitos do 1º do art 610 do CPC2015 Vale destacar que além de caracterizar uma causa suspensiva a situação fática em epígrafe importa em hipoteca legal sobre os bens do ascendente que estiver se casando conforme art 1489 II do Código Civil brasileiro de 2002 264 33 Casamento da viúva ou de mulher cujo casamento tenha sido nulo ou anulado antes do decurso de dez meses A segunda causa suspensiva tem por finalidade evitar a confusão na delimitação da ascendência genética e reconhecimento da paternidade conhecida como confusio sanguinis ou turbatio sanguinis De fato o texto legal afirma que não devem casar a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado até dez meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal A menção apenas à mulher e não a ambos os cônjuges como na causa anterior decorre de circunstâncias óbvias Isso porque o próprio texto codificado estabelece como hipóteses de presunção de paternidade art 1597 tanto os filhos nascidos 180 cento e oitenta dias depois de estabelecida a convivência conjugal quanto nos 300 trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade matrimonial seja por morte nulidade e anulabilidade do casamento seja no texto da lei pela antiga separação judicial e acrescentamos nós pelo divórcio na sua nova disciplina constitucional Não se recomenda o casamento em tais circunstâncias justamente para evitar conflitos no que diz respeito ao reconhecimento da paternidade É conveniente discutir se tal causa suspensiva ainda é razoável diante dos avanços da medicina e da investigação de DNA em que os interessados poderiam facilmente obter a informação desejada sobre a paternidade ou origem genética Todavia cumprenos reconhecer que além das dificuldades técnicas que se tem nos mais distantes rincões deste país continental a questão de preservação dos interesses da prole eventual pode ser garantida com um simples exame de gravidez Ressaltese por fim que essa é uma causa suspensiva em que a sanção legal regime da separação obrigatória dos bens prevista no já mencionado art 1641 I do CC2002 atende apenas parcialmente aos interesses que se pretende preservar pois se garante o aspecto patrimonial nada trata quanto à questão da paternidade 34 Casamento doa divorciadoa pendente a partilha dos bens do casal Tal como na primeira hipótese o Código Civil brasileiro considera causa suspensiva do casamento não recomendando a sua celebração a hipótese em que o divorciado querendo casarse novamente não haja homologado ou decidido a partilha de bens da sua relação anterior Tratase de uma situação em que aí sim a sanção legal do regime de separação obrigatória de bens preserva integralmente os interesses do antigo cônjuge Obviamente demonstrada a ausência de qualquer prejuízo como por exemplo na ausência de bens a partilhar o segundo casamento pode ser normalmente celebrado com a autorização judicial correspondente 35 Casamento doa tutora curadora ou seus parentes com a pessoa tutelada ou curatelada Por derradeiro considerase na forma do inciso IV também causa suspensiva o casamento do tutor ou o curador e os seus descendentes ascendentes irmãos cunhados ou sobrinhos com a pessoa tutelada ou curatelada enquanto não cessar a tutela ou curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas Tratase de uma hipótese de preservação do patrimônio e da efetiva manifestação de vontade da pessoa tutelada ou curatelada Obviamente cessada a tutela ou curatela com a devida prestação de contas extinguese a causa suspensiva 36 Arguição das causas suspensivas A legitimidade para arguição das causas suspensivas é dos diretamente interessados do ponto de vista jurídico na relação patrimonial constituída com o matrimônio É o que deflui da regra do art 1524 do CC2002 Art 1524 As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser arguidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes sejam consanguíneos ou afins e pelos colaterais em segundo grau sejam também consanguíneos ou afins Publicado o edital de proclamas a impugnação deverá ser documentada em petição escrita e assinada com a indicação das provas sobre os fatos alegados na forma dos arts 1527 e 1529 do CC2002 Garantido o contraditório como preceitua o sistema constitucional brasileiro e especificamente o art 1530 poderá ser a depender do caso acolhida a arguição com a instituição do regime da separação obrigatória para a celebração do casamento No caso de rejeição da arguição o casamento será celebrado no regime escolhido pelos nubentes sem prejuízo das ações civis e criminais contra o oponente de máfé Ademais neste momento de arguição podem os nubentes solicitar a autorização judicial para a celebração do casamento mesmo presentes as causas suspensivas com a efetiva demonstração de inexistência de prejuízo como já diversas vezes aqui afirmado 37 Consequências jurídicas da verificação de causas suspensivas Neste derradeiro subtópico parecenos importante explicitar as consequências jurídicas da verificação no caso concreto de uma das situações fáticas ensejadoras das causas suspensivas Se como já dito anteriormente a oposição na fase de habilitação suspende a celebração do casamento enquanto não superada a causa ou adotado o regime de separação de bens o que dizer de um matrimônio que tenha sido realizado sem qualquer manifestação sobre tais causas se for constatada posteriormente a sua ocorrência A questão é importantíssima De fato as causas suspensivas não afetam como reiteradamente aqui afirmado o plano da validade do casamento Todavia a causa que limita a eficácia se realizou no plano concreto Por isso parecenos razoável admitir que com a verificação a posteriori da causa suspensiva o regime de separação obrigatória de bens passa a vigorar retroativamente para ambos os cônjuges Observam CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD Muito embora o ideal é que sejam alegadas quando da habilitação para o casamento até o decurso do prazo de quinze dias dos proclamas não há dúvida de que podem ser suscitadas em momento posterior ao próprio casamento através de ação autônoma ou incidentalmente em alguma ação já em curso para a discussão de outra matéria e g em ação de separação ou inventário uma vez que implicam independentemente da vontade das partes a imposição do regime de separação compulsória CC art 1641 265 Contudo o problema não termina aí O que dizer sobre os interesses de terceiros que diante do registro matrimonial celebram negócios jurídicos com um ou ambos os cônjuges sem ter conhecimento da sanção legal Tal situação nos leva a afirmar que a aplicação automática do regime de separação obrigatória de bens somente afetaria aos cônjuges pois foram eles que deram causa à omissão da informação que impôs a sanção Vale dizer em relação a terceiros de boafé que com os cônjuges travaram relações jurídicas baseadas no regime adotado credores por exemplo não poderá haver incidência prejudicial do sistema legal de separação Tratase em verdade da incidência do princípio da boafé objetiva verdadeiro vetor estruturante do Direito Civil brasileiro Por fim apenas como complementação vale registrar depois de tudo o quanto aqui exposto que o plano da eficácia do casamento não admite o estabelecimento pela autonomia da vontade de condição termo ou encargo LXXII REGIME DE BENS DO CASAMENTO NOÇÕES INTRODUTÓRIAS FUNDAMENTAIS 1 CONCEITO E PRINCIPIOLOGIA Por regime de bens entendase o conjunto de normas que disciplina a relação jurídicopatrimonial entre os cônjuges ou simplesmente o estatuto patrimonial do casamento Nessa seara três princípios fundamentais informam o sistema o princípio da liberdade de escolha o princípio da variabilidade e o princípio da mutabilidade O primeiro afirma que em regra os nubentes podem de acordo com a sua autonomia privada e liberdade de opção escolher o regime que bem lhes aprouver Não deve o Estado salvo quando houver relevante motivo amparado em norma específica intervir coativamente na relação matrimonial impondo este ou aquele regime Já o princípio da variabilidade traduz a ideia de que a ordem jurídica não admite um regime único mas sim uma multiplicidade de tipos permitindo assim aos noivos no ato de escolha optar por qualquer deles Finalmente com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 a liberdade patrimonial dos cônjuges ganhou novos ares acertadamente em nosso sentir Até então não era dado aos consortes modificarem no curso do casamento o regime de bens adotado Com o Código Civil de 2002 essa realidade mudou uma vez que conforme veremos em momento oportuno admitiuse o direito a essa mudança a qualquer tempo desde que observados os requisitos da lei Por tais razões o terceiro princípio informativo do regime patrimonial passou a ser o da mutabilidade Esses três princípios encontramse presentes logo na abertura do Direito Patrimonial de Família do Código Civil de 2002 consoante podemos depreender da leitura do seu art 1639 que ainda será objeto de futuras ponderações nossas no decorrer deste capítulo Art 1639 É lícito aos nubentes antes de celebrado o casamento estipular quanto aos seus bens o que lhes aprouver 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento 2º É admissível alteração do regime de bens mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros Nessa linha de intelecção é preciso pontuar que a escolha do regime de bens operase por meio da celebração de um negócio jurídico especial e solene denominado pacto antenupcial 2 PACTO ANTENUPCIAL Primeiramente para exata compreensão da matéria é preciso investigarmos a natureza jurídica do pacto antenupcial Tratase de um negócio jurídico solene condicionado ao casamento por meio do qual as partes escolhem o regime de bens que lhes aprouver segundo o princípio da autonomia privada Como já dissemos em outra oportunidade os negócios jurídicos formais ou solenes são aqueles que exigem para a sua validade a observância da forma prevista em lei como é o caso da venda de imóvel de valor superior ao limite legal e especificamente do casamento Admitese ainda nessa mesma linha que os nubentes conciliem regras de regimes diversos de maneira a adotar um estatuto patrimonial híbrido Vale dizer podem por exemplo no pacto conjugar regras da separação convencional com dispositivos aplicáveis ao regime de participação final nos aquestos Embora a adoção de um regime misto 266 não seja comum tal situação é perfeitamente possível consoante inclusive restou assentado no Enunciado 331 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal nos seguintes termos Art 1639 O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil art 1639 e parágrafo único do art 1640 e para efeito de fiel observância do disposto no art 1528 do Código Civil cumpre certificação a respeito nos autos do processo de habilitação matrimonial Anotamos entretanto nesse ponto que esse tipo de regime conjugado exige por parte do julgador maior atenção pois nos termos do art 1829 I do Código Civil de 2002 267 o tipo de regime de bens adotado interfere no direito sucessório do cônjuge quando concorrer com descendentes Em tal situação pois para que possa atingir o resultado jurídico adequado deverá o intérprete verificar que regime prevaleceu no pacto que adotou o sistema misto de normas Assim no exemplo dado acima se houve prevalência das normas da separação convencional com incidência apenas tópica de algumas regras da participação final deverá para efeito sucessório ser considerado adotado o regime de separação E essa tarefa como podemos perceber não é simples Mas de qualquer maneira quando as partes optam por celebrar o pacto antenupcial é muito mais frequente que tão somente elejam determinado e único regime o que facilita imensamente a delicada tarefa interpretativa Muito bem Passemos pois em revista as regras do Código Civil que cuidam desse especial contrato de escolha do regime de bens consagrado pela conhecida expressão pacto antenupcial Como dissemos acima o pacto antenupcial consiste em um negócio jurídico formal lavrado em escritura pública condicionado ao casamento nos termos do art 1653 do Código Civil de 2002 Art 1653 É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública e ineficaz se não lhe seguir o casamento É interessante notar nos termos dessa norma que a forma pública é essencial para a validade do negócio o qual como apontamos tem a sua eficácia jurídica subordinada ao casamento que no caso consiste em uma condição suspensiva Se essa condição não se verifica o pacto portanto não surte efeitos E ainda no plano eficacial acrescentamos que para gerar efeitos em face de terceiros erga omnes o pacto deverá ser registrado em livro próprio no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges na forma preceituada pelo art 1657 do CC2002 A eficácia do pacto antenupcial a teor do art 1654 do CC2002 realizado por menor fica condicionada à aprovação de seu representante legal salvo as hipóteses de regime obrigatório de separação de bens Nessa linha vale lembrar que o já explicado art 1537 do CC2002 estabelece que o instrumento da autorização para casar transcreverseá integralmente na escritura antenupcial Nesse caso a vontade dos representantes legais é integrativa da vontade do menor nubente ressalvada a hipótese de imposição do regime de separação legal pois nesse caso não há escolha Sobre esse aspecto observa PAULO LÔBO Os pais devem ser intervenientes na escritura pública cuja manifestação será acolhida pelo notário ou devem expressar sua aprovação em documento escrito com firma reconhecida Menor para fins de celebração do pacto antenupcial não é apenas o que esteja em idade núbil maior de 16 e menor de 18 anos Também pode ser parte do pacto antenupcial o menor de 16 anos se de seu relacionamento amoroso resultou gravidez ou necessite se casar para não responder a processo penal 268 Outro ponto a ser considerado é a previsão constante no art 1655 do CC2002 no sentido de ser nulo o pacto ou cláusula dele que contravenha disposição absoluta de lei Não que essa regra contenha uma grande novidade Como todo negócio jurídico caso haja violação a disposição normativa cogente ou de ordem pública a consequência é a sua nulidade absoluta nos termos do art 166 VII do Código Civil de 2002 a exemplo do pacto que preveja renúncia de direito hereditário 269 Por fim ressaltamos um importante aspecto dessa matéria Veremos no próximo tópico que à luz do art 1647 do CC2002 determinados atos somente poderão ser praticados pelo cônjuge com a anuência do outro outorga uxória ou autorização marital a exemplo da alienação de um imóvel ressalvada a hipótese de estarem casados em regime de separação absoluta de bens Sucede que além dessa exceção relativa ao regime de separação de bens caso os nubentes hajam optado no pacto pelo regime de participação final nos aquestos poderão a teor do art 1656 do CC2002 convencionar a livre disposição dos bens imóveis desde que particulares dispensando dessa forma a vênia conjugal Tratase pois de uma norma aparentemente irrelevante mas que se reveste de grande significado para aqueles que hajam optado pelo regime de participação final com o intuito de preservar autonomia na disposição do seu próprio patrimônio 3 AUTORIZAÇÃO CONJUGAL OUTORGA UXÓRIA E OUTORGA MARITAL Neste tópico cabe tecermos algumas considerações sobre a autorização conjugal para a prática de determinados atos jurídicos Tal tema era conhecido tradicionalmente nos manuais de Direito de Família como o instituto da outorga uxória Tratase de figura jurídica de longa tradição que originalmente tinha por finalidade preservar o patrimônio do casal de potenciais riscos assumidos somente pelo marido na concepção histórica deste como chefe da família Assim para que o marido pudesse praticar específicas condutas relacionadas aos bens do casal exigiase o consentimento expresso da mulher daí a expressão outorga uxória pois a palavra uxória do ponto de vista etimológico deriva do latim uxoriu referente à mulher casada 270 assim como a expressão marital decorrente do latim maritale referese tanto ao marido quanto ao matrimônio 271 Com o advento do princípio da igualdade entre homens e mulheres e consequentemente no campo específico das relações familiares entre cônjuges parecenos que a expressão embora consagrada pelo uso tradicional não deva ser mais tão prestigiada Notese a propósito que o vigente Código Civil brasileiro em nenhum momento sequer utiliza a expressão outorga uxória o que reforça a ideia de superação do conceito Assim da mesma forma como o conhecido pátrio poder passou a ser denominado e compreendido de maneira mais abrangente como poder familiar a expressão outorga uxória deve ser atualizada para autorização conjugal que é muito mais ilustrativa e técnica Além disso a expressão autorização conjugal é também mais precisa do que por exemplo autorização marital ou outorga marital pois embora como dito a palavra marital também tenha a conotação de conjugal seu conteúdo plurissignificativo também remonta a situações revogadas no vigente Código Civil brasileiro mas presentes na antiga codificação em que determinados atos jurídicos somente poderiam ser praticados pela mulher com autorização do marido 272 Assim a autorização conjugal pode ser conceituada como a manifestação de consentimento de um dos cônjuges ao outro para a prática de determinados atos sob pena de invalidade A matéria está atualmente disciplinada nos arts 1647 a 1650 do vigente Código Civil brasileiro Dispõe o mencionado art 1647 do CC2002 Art 1647 Ressalvado o disposto no art 1648 nenhum dos cônjuges pode sem autorização do outro exceto no regime da separação absoluta I alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis II pleitear como autor ou réu acerca desses bens ou direitos III prestar fiança ou aval IV fazer doação não sendo remuneratória de bens comuns ou dos que possam integrar futura meação Parágrafo único São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada Todas as hipóteses legais se referem a situações em que o patrimônio do casal é potencialmente afetado motivo pelo qual se exige a autorização Da leitura do caput do dispositivo observamos de logo que a necessidade da autorização conjugal é dispensável para aqueles casados no regime de separação absoluta Nesse ponto poderia o legislador ter facilitado o trabalho do intérprete evitando a confusa expressão separação absoluta Isso porque em nosso sistema como se sabe convivem dois tipos de separação a legal ou obrigatória e a convencional Afinal ao mencionar separação absoluta a qual das duas estaria o codificador se referindo Em nosso sentir a dita expressão caracteriza a separação convencional de bens aquela livremente pactuada pelo casal e não a separação obrigatória pela simples razão de que nessa última hipótese existe a possibilidade de comunhão de bens a teor da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal Ora se existe a possibilidade de meação na separação obrigatória é porque logicamente não poderemos reputála absoluta havendo portanto razão e interesse na manutenção da autorização do outro cônjuge Em suma somente os cônjuges casados sob o regime de separação convencional absoluta de bens estão dispensados da necessidade da autorização conjugal para a prática dos atos previstos no art 1647 do Código Civil Nesse mesmo sentido observa RICARDO KOLLET Assim entendemos que o único regime em que não existe possibilidade de comunicação entre os bens é o da separação expressamente convencionada mediante pacto antenupcial o que nos leva a concluir que o legislador a qualifica como absoluta No que diz respeito à separação obrigatória legal entendese aplicável ainda a súmula referida havendo assim possibilidade de comunicação entre os bens adquiridos durante o casamento razão pela qual ela se desqualifica como absoluta O que permite concluir que em relação ao primeiro problema formulado neste estudo a outorga uxória ou marital somente é dispensada nos casos arrolados nos incisos do artigo 1647 quando o regime de bens for o da separação convencional Com mais propriedade ainda podese ratificar o que já foi dito baseado no que dispõe o artigo 1687 do Código Civil que possibilita a cada um dos cônjuges alienar ou gravar livremente os bens quando for estipulada a separação de bens 273 Acrescentese a essa exceção a ressalva prevista no art 1656 segundo a qual no pacto antenupcial que adotar o regime de participação final nos aquestos podem os cônjuges convencionar a livre disposição dos bens imóveis desde que particulares Mas vale salientar que nesse último caso a dispensa somente se refere à disposição de bens imóveis de maneira que se qualquer dos consortes pretender praticar qualquer dos atos previstos no art 1647 precisará da anuência do outro E é bom ainda ressaltar amigo leitor que a dispensa da autorização em favor das pessoas casadas em regime de separação convencional ou participação final nos termos do art 1656 fora dessas situações excepcionais mencionadas não se estenderá a outros regimes ainda que se pretenda alienar bens do próprio patrimônio pessoal Um exemplo tornará claro o nosso raciocínio Ainda que João casado com Maria em comunhão parcial pretenda vender ou doar um bem exclusivamente seu necessitará da anuência da sua esposa uma vez que a ressalva legal para a dispensa do consentimento tomou por conta o tipo de regime adotado e não a origem do bem Ora se casados estão em comunhão parcial em face da potencial repercussão na estabilidade econômica do casal que qualquer dos atos previstos no art 1647 pode ocasionar a alienação deste bem demandará a necessária aquiescência do outro Isso porque repitase o legislador apenas dispensou a outorga para pessoas casadas em regime de separação convencional ou participação final nos termos do art 1656 independentemente da origem do bem274 Posto isso passemos em revista as hipóteses elencadas para as quais se exige a autorização conjugal Primeiramente estabeleceuse a necessidade para a prática de atos de alienação ou estipulação de ônus reais sobre imóveis inciso I Assim se o marido por exemplo pretende vender um imóvel ou hipotecálo precisará da anuência da sua esposa Todavia vale anotar que para a aquisição de um bem imobiliário um apartamento por exemplo a autorização não é exigida pela norma legal Na mesma linha o inciso II de impacto mais profundamente processual exige a autorização conjugal para se pleitear como autor ou réu acerca de bens imóveis ou dos direitos a eles relacionados O inciso III por sua vez exige a anuência do outro consorte para prestar fiança ou aval A novidade é a exigência para a estipulação do aval garantia tipicamente cambiária que não estava prevista no Código Civil de 1916 Com isso a título ilustrativo se a esposa pretender prestar uma fiança ou um aval necessitará colher a aquiescência do seu marido sob pena de invalidade conforme veremos abaixo Por isso o credor em favor de quem se presta a garantia pessoal deverá ter o cuidado de exigir essa intervenção para que não tenha a sua expectativa frustrada Finalmente o inciso IV de dicção simples também exige a anuência para se fazer doação não sendo remuneratória de bens comuns ou dos que possam integrar futura meação 275 Cumpre lembrar ainda a teor do parágrafo único serem válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada Duas fundamentais indagações nesse ponto deverão ser feitas Qual a solução para o caso de o cônjuge injustamente negar a sua anuência Qual seria a consequência jurídica decorrente da prática de qualquer dos atos capitulados no art 1647 sem a necessária autorização conjugal À primeira pergunta respondenos o art 1648 do CC2002 Art 1648 Cabe ao juiz nos casos do artigo antecedente suprir a outorga quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo ou lhe seja impossível concedêla Caso o cônjuge não possa dar a autorização por estar doente por exemplo o suprimento em tal caso desafiará um simples procedimento de jurisdição voluntária instaurado pelo interessado nos termos dos arts 719 e seguintes do CPC2015 Mas se não quiser autorizar diante da resistência apresentada e da lide configurada deverá o interessado consequentemente deduzir a sua pretensão em juízo propondo efetivamente uma demanda contra o seu consorte Nesse ponto uma reflexão de cunho eminentemente processual merece ser feita Vimos que à luz do inciso II do art 1647 a anuência do outro cônjuge em regra é imperiosa para se pleitear como autor ou réu acerca de bens imóveis ou dos direitos a eles relacionados Se no polo passivo a presença do outro cônjuge como litisconsorte necessário resolve qualquer dúvida de adequação procedimental nas demandas que versem sobre direitos imobiliários questionável é a exigência de participação dos dois cônjuges no polo ativo como autores Afinal se um dos cônjuges não puder ou não quiser propor a demanda Como se sabe não existe litisconsórcio ativo necessário Em nosso sentir caso esteja impedido de participar da propositura da demanda deverá o outro cônjuge via procedimento de jurisdição voluntária como dito acima buscar o necessário suprimento judicial mas em caso de recusa haverá indiscutível lide de maneira que diante da resistência operada impõese seja efetivamente citado a fim de que tolere os efeitos do provimento jurisdicional que pretendeu impedir com o seu comportamento recalcitrante Muito bem No que toca ao segundo questionamento consequência da ausência da autorização conjugal de repercussão mais profunda a sua solução encontrase logo no dispositivo seguinte que merece transcrição Art 1649 A falta de autorização não suprida pelo juiz quando necessária art 1647 tornará anulável o ato praticado podendo o outro cônjuge pleitearlhe a anulação até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal Parágrafo único A aprovação torna válido o ato desde que feita por instrumento público ou particular autenticado Pela dicção legal a ausência da autorização do outro cônjuge para a prática dos atos capitulados no art 1647 resulta na sua anulabilidade que poderá ser arguida no prazo decadencial de até dois anos após o fim da sociedade conjugal Notese que o após o biênio contado a partir da extinção da sociedade conjugal não poderá mais ser pleiteada a invalidade do ato praticado Acrescentese ainda a previsão de convalescimento do ato inválido constante no parágrafo único do referido artigo mediante a confirmação do outro cônjuge por instrumento público ou particular desde que devidamente autenticado E no que tange à legitimidade para a propositura da ação anulatória o art 1650 admite que em caso de morte do cônjuge prejudicado a demanda poderá ser proposta pelos seus herdeiros supostamente prejudicados pela prática do ato Finalmente cumpre fazermos especial referência ao aval e à fiança prestados sem a autorização conjugal inciso III O Enunciado n 114 da I Jornada de Direito Civil sugere que a despeito do que dispõe o art 1649 o aval não possa ser anulado por falta de vênia conjugal pois apenas caracterizaria a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu Vale dizer se a minha esposa não anuiu no aval que eu prestei o credor poderá executar a garantia mas não poderá atingir o patrimônio dela recaindo a execução apenas no meu Tratase de uma ideia interessante mas que vai de encontro à norma legal a qual claramente refere a invalidade do próprio ato art 1649 o que resultaria na sua consequente e total ineficácia Nessa mesma linha no caso da fiança prestada sem a necessária autorização conjugal o STJ sumulou A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia 276 Por tudo isso entendemos não ser fácil no atual estágio do nosso Direito reconhecerse a ineficácia meramente parcial da garantia fidejussória pessoal prestada sem a autorização do outro cônjuge 4 REGIMES DE BENS NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO A entrada em vigor do Código Civil de 2002 operou significativa mudança no sistema jurídico vigente na medida em que suprimiu o antigo e superado regime dotal acrescentando um novo regime participação final nos aquestos Lembranos SÍLVIO VENOSA Dote no sentido técnico consiste em um bem ou conjunto de bens que a mulher ou um terceiro por ela transfere ao marido para que este tire de seus rendimentos os recursos necessários para atender aos encargos do lar 277 De acordo com as suas regras a mulher poderia conservar sob a sua exclusiva propriedade determinados bens incomunicáveis denominados bens parafernais Esse regime que há décadas já não era socialmente acolhido a sua presença em nossas vidas limitavase basicamente às nuances históricas das novelas de época não fora adotado no Código de 2002 de maneira que desapareceu do nosso ordenamento jurídico Ressalvamos apenas a pouco crível mas possível situação de pessoas que convolaram núpcias no sistema anterior sob esse regime permanecendo pois para elas eficazes as suas normas quando da dissolução do casamento No entanto a par da saída do regime dotal seguiuse uma inovação a consagração do confuso regime de participação final nos aquestos sistema nascido na Costa Rica que contém características da separação de bens e da comunhão parcial guardando outrossim autonomia e estrutura própria Nessa linha portanto temos hoje os seguintes regimes vigorando no direito brasileiro Antes porém de estudarmos cuidadosa e atentamente cada um deles precisamos analisar ainda em introdução dessa matéria três importantes temas o regime legal supletivo o regime legal obrigatório e a possibilidade de mudança de regime de bens 5 REGIME LEGAL SUPLETIVO Até a entrada em vigor da conhecida Lei do Divórcio Lei n 6515 em 1977 o regime supletivo era o de comunhão universal de bens A partir desse diploma o regime subsidiário passou a ser corretamente em nosso sentir o de comunhão parcial opção legislativa esta mantida no Código Civil de 2002 Art 1640 Não havendo convenção ou sendo ela nula ou ineficaz vigorará quanto aos bens entre os cônjuges o regime da comunhão parcial A dicção normativa é de extrema clareza Não havendo o pacto antenupcial ou na mesma linha caso seja inválido nulo ou anulável ou ineficaz aplicamse na esfera patrimonial dos cônjuges as regras do regime de comunhão parcial de bens E o parágrafo único destaca Poderão os nubentes no processo de habilitação optar por qualquer dos regimes que este Código regula Quanto à forma reduzirseá a termo a opção pela comunhão parcial fazendose o pacto antenupcial por escritura pública nas demais escolhas Com isso observamos que a grande maioria dos casais no Brasil acaba por optar ou permitir que a lei escolha por eles pelo regime de comunhão parcial E é melhor que seja assim Esse regime guarda mais congruência e equilíbrio com a perspectiva patrimonial dos consortes na medida em que estabelece uma separação patrimonial entre os bens amealhados no passado e uma fusão dos bens futuros adquiridos onerosamente por um ou ambos os cônjuges Com isso em caso de extinção da sociedade conjugal afigurase menos complexo delinear a divisão patrimonial A comunhão universal por seu turno ao estabelecer a matriz normativa de fusão ampla de patrimônio conjugando bens passados e futuros culmina por estabelecer uma junção patrimonial exagerada e desnecessária de solução judicial mais dificultosa quando da dissolução matrimonial Por tudo isso reputamos adequada a solução legal que adota a comunhão parcial como regime supletivo É interessante aliás sob o prisma da psicologia destacar que em geral quando ainda noivos os futuros cônjuges evitam entabular o desagradabilíssimo diálogo sobre o regime de bens a ser adotado É uma conversa péssima Quando essa espinhosa questão é aventada é comum o olhar de reprovação ou a seca advertência em resposta Você acha que eu quero alguma coisa sua Por isso muitos noivos preferem nada dizer permitindo assim que a própria lei faça a escolha por eles 6 REGIME LEGAL OBRIGATÓRIO Há situações em que a lei impõe o regime de separação de bens Tratase do denominado regime de separação legal ou separação obrigatória de bens instituído nos termos do art 1641 que por traduzir restrição à autonomia privada não comporta interpretação extensiva ampliativa ou analógica Aliás com fundamento nessa comezinha diretriz hermenêutica concluímos firmemente no sentido da completa impossibilidade de se pretender estender esse regime restritivo à união estável dada a inequívoca ausência de previsão legal nesse sentido O regime de separação obrigatória portanto em nosso sentir fora previsto e regulado para o casamento e não para a união estável Vejamos pois quais são as suas hipóteses de aplicação no Código Civil de 2002 já com a redação dada pela Lei n 12344 de 9 de dezembro de 2010 Art 1641 É obrigatório o regime da separação de bens no casamento I das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento II da pessoa maior de 70 setenta anos III de todos os que dependerem para casar de suprimento judicial Este artigo em nosso sentir desafia o jurista a tentar realizar uma interpretação constitucional especialmente na perspectiva do superior princípio da isonomia Aliás vamos além esse dispositivo posto informado por uma suposta boa intenção legislativa culmina na prática por chancelar situações de inegável injustiça e constitucionalidade duvidosa A primeira hipótese prevista é de mais simples entendimento e aceitação Impõese o regime de separação obrigatória para as pessoas que contraírem o matrimônio em violação das causas suspensivas art 1523 Consoante já anotado alhures a infringência de alguma causa suspensiva não acarreta a invalidade do matrimônio mas sim a sua mera irregularidade com a imposição de sanção de cunho patrimonial que no caso é a separação legal de bens A segunda situação prevista na norma é absurda e no nosso entender de constitucionalidade duvidosa A alegação de que a separação patrimonial entre pessoas que convolarem núpcias acima de determinado patamar etário teria o intuito de proteger o idoso das investidas de quem pretenda aplicar o golpe do baú não convence E se assim o fosse essa risível justificativa resguardaria em uma elitista perspectiva legal uma pequena parcela de pessoas abastadas apenando em contrapartida um número muito maior de brasileiros Não podemos extrair dessa norma uma interpretação conforme à Constituição Muito pelo contrário O que notamos é uma violência escancarada ao princípio da isonomia por conta do estabelecimento de uma velada forma de interdição parcial do idoso Avançada idade por si só como se sabe não é causa de incapacidade Se existe receio de o idoso ser vítima de um golpe por conta de uma vulnerabilidade explicada por enfermidade ou deficiência mental que seja instaurado procedimento próprio de interdição mas disso não se conclua em favor de uma inadmissível restrição de direitos simplesmente por conta da sua idade Aliás com 60 anos como era o limite original do dispositivo 70 anos na atual redação ou mais idade ainda a pessoa pode presidir a República Pode integrar a Câmara de Deputados O Senado Federal Poderia ainda no limite etário original de 60 anos compor a mais alta Corte brasileira na condição de ministro E não poderia escolher livremente o seu regime de bens Não podemos tentar encontrar razão onde ela simplesmente não existe Nessa linha concluímos pela completa inconstitucionalidade do dispositivo sob comento art 1641 II ainda não pronunciada em controle abstrato infelizmente pelo Supremo Tribunal Federal Nesse sentido CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD Ora promovendo a exegese da referida intervenção estatal na esfera de interesses privados é fácil concluir que a partir da valorização da pessoa humana e de suas garantias constitucionais a regra legal se põe em rota direta de colisão com os princípios da igualdade substancial da liberdade e da própria dignidade humana 278 Finalmente dispõe o referido artigo que também será aplicado o regime de separação legal em face daqueles que para casar dependeram de suprimento judicial Assim em situações específicas relativas a menores em que se exige pronunciamento judicial como em caso de divergência entre os pais ou de não alcance da idade núbil é vedado aos nubentes a livre escolha do regime de bens Querse com isso dada a situação de vulnerabilidade dos noivos e em virtude de não caber ao juiz fazer uma escolha dessa natureza por eles protegerlhes o patrimônio pessoal Todavia tal restrição pode criar outro sério problema Seria justo que após atingirem a maioridade e a plena capacidade civil ficassem agrilhoados ao regime legal de separação por toda a vida sem que pudessem manifestar a sua liberdade de escolha O legislador fora omisso quanto a esse aspecto gerando uma indesejável inconveniência normativa Por isso para contornála defendemos conforme veremos ao longo deste capítulo em hipóteses como a aventada em que o fato ensejador da regra se modifica com o tempo a possibilidade de futura mudança do regime de bens posto se trate de separação obrigatória por se afigurar a solução indiscutivelmente mais justa De todo o exposto até aqui podemos concluir que o regime de separação obrigatória de bens previsto no art 1641 ora estudado a par de em tese haver derivado de uma boa intenção legislativa acarreta efeitos potencialmente gravosos quando não inconstitucionais Além disso ao longo da vida do casal o estabelecimento de uma separação patrimonial em caráter absoluto pode gerar a delicada e muito provável situação de constituição de um patrimônio comum derivado do esforço de ambos os cônjuges que por princípio de equidade e até mesmo para evitar enriquecimento sem causa de qualquer deles autorizaria uma partilha Por conta disso mitigando a aridez deste art 1641 e especialmente visando a evitar enriquecimento sem causa por parte do marido ou da mulher o Supremo Tribunal Federal editou a conhecida Súmula 377 ainda eficaz no sistema jurídico brasileiro que dispõe No regime de separação legal comunicam se os adquiridos na constância do casamento À primeira vista pode nos parecer um contrassenso o estabelecimento para o regime de separação legal da comunicabilidade dos aquestos Mas não é Muito pelo contrário O que se quer com a súmula é exatamente o inverso evitar a insensatez de se impedir a comunicabilidade dos bens amealhados pelo esforço comum sob pena de se permitir ou até mesmo incentivar o enriquecimento sem causa de uma das partes Não se diga contudo que a aplicação desse enunciado resultaria em uma conversão jurisprudencial forçada do regime de separação em comunhão parcial de bens Posto a característica da comunicabilidade de aquestos de fato seja típica do regime de comunhão parcial esse tem regras próprias específicas inaplicáveis às pessoas casadas sob o regime de separação legal Um ponto de intersecção entre os regimes não os torna idênticos Comentando essa importante súmula observa ROLF MADALENO A Súmula n 377 do STF já havia afastado do sistema legal brasileiro o regime coercitivo da completa separação de bens cujo único efeito era o de desamparar o consorte que não teve a fortuna de amealhar em seu nome as riquezas materiais da sociedade conjugal não obstante tivesse prestado contribuição integral para a formação moral e espiritual e para o crescimento econômicofinanceiro de seu parceiro de instituição familiar 279 Aproveitando a parte final dessa importante afirmação de MADALENO entendemos que a contribuição do cônjuge para efeito da partilha do patrimônio comum não é necessariamente o auxílio direto ou de ordem econômica podendo em nosso sentir traduzir ainda o não menos significativo apoio moral e espiritual dedicado ao longo do matrimônio Por isso a dona de casa demonstrada a sua contribuição indireta psicológica ou afetiva que não guarda posição de inferioridade com a colaboração direta ou pecuniária também fará jus à partilha dos aquestos Raciocínio inverso menoscabaria o sentido de apoio recíproco imanente ao casamento Embora em um primeiro momento a jurisprudência houvesse apontado no sentido da demonstração do esforço econômico recíproco 280 posteriormente refinou o seu entendimento para admitir uma presunção de esforço comum a partir de uma contribuição indireta ou psicológica entre os consortes 281 Nesse diapasão podemos concluir firmemente no sentido da possibilidade de aplicação do Enunciado n 377 mesmo após o advento do Código de 2002 não assistindo razão alguma à corrente doutrinária contrária que nega a sua aplicabilidade sob o argumento de o teor do art 259 do Código revogado 282 não mais subsistir A ambiência que justifica a incidência da súmula não mudou especialmente sob o pálio do princípio que veda o enriquecimento sem causa De todo o exposto observamos que o estabelecimento de um regime obrigatório de separação de bens a despeito da mitigação operada pelo Enunciado n 377 da Súmula do STF culmina por acarretar efeitos mais danosos do que propriamente protetivos Certamente por isso melhor é o tratamento dado pelo Projeto de Lei n 228507 Estatuto das Famílias que considerando o caráter discriminatório e atentatório da dignidade dos cônjuges 283 suprimiu esse indesejável regime de bens uma vez que a única efetiva utilidade da separação obrigatória residiria na prevenção da confusão patrimonial art 1523 do CC2002 o que poderia ser resolvido de outra forma em previsão normativa específica e de cunho excepcional sem limitar genericamente a manifestação da vontade de nubentes que se encontrassem em situação diversa a exemplo dos idosos ou daqueles que necessitassem de autorização judicial para casar 7 MUDANÇA DE REGIME DE BENS DO CASAMENTO A possibilidade de mudança de regime de bens no curso do casamento representa sem sombra de dúvida a mais significativa inovação experimentada pelo Direito Patrimonial de Família brasileiro A partir da sua consagração o direito brasileiro passa a figurar ao lado de outros sistemas no mundo que também seguem essa orientação conforme anotou ANTUNES VARELA Diferente é a orientação perfilhada noutras legislações europeias designadamente a alemã e a espanhola e americanas com o fundamento de que só a livre modificação das convenções permite a correcção do erro que os contraentes tenham cometido na escolha do seu regime de bens ou a adaptação do regime inicial às circunstâncias tantas vezes imprevisíveis posteriores à celebração do casamento 284 Observamos ainda que ORLANDO GOMES mesmo antes da entrada em vigor do Código de 2002 já tecia críticas à dogmática e tradicional imutabilidade do regime vigente em sua época O Direito de Família aplicado isto é o que disciplina as relações patrimoniais entre os cônjuges não tem o cunho institucional do Direito de Família puro Tais relações se estabelecem mediante pacto pelo qual têm os nubentes a liberdade de estipular o que lhes aprouver A própria lei põe à sua escolha diversos regimes matrimoniais e não impede que combinem disposições próprias de cada qual Por que proibir que modifiquem cláusulas do contrato que celebraram mesmo quando o acordo de vontades é presumido pela lei Que mal há na decisão de cônjuges casados pelo regime da separação de substituíremno pelo da comunhão 285 Seguindo pois essa convincente linha de pensamento o codificador brasileiro resolveu romper com o sistema tradicional para admitir a mudança de regime de bens no curso do matrimônio a teor do art 1639 2º do Código Civil Art 1639 É lícito aos nubentes antes de celebrado o casamento estipular quanto aos seus bens o que lhes aprouver 2º É admissível alteração do regime de bens mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros Analisando detidamente esse dispositivo chegamos a algumas importantes conclusões a a alteração do regime não pode se dar pela via administrativa em cartório exigindo pois a instauração de procedimento judicial b esse procedimento judicial será de jurisdição voluntária uma vez que sendo o pedido conjunto não há lide afigurandose assim juridicamente impossível um pedido de mudança formulado em ação judicial proposta por um dos cônjuges em face do outro c o pedido conjunto deverá ser motivado a fim de que a autoridade judiciária possa analisar a razoabilidade do pleito e dos fundamentos invocados d a mudança do regime de bens que se dará por sentença não poderá afrontar direitos de terceiros razão por que é recomendável que o juiz determine a publicação de edital imprimindo assim a mais ampla publicidade 286 e o juízo competente em nosso sentir não deverá ser o da Vara de Registros Públicos mas sim aquele com competência em Direito de Família uma vez que a mudança fundamentase na situação matrimonial dos interessados Um aspecto digno de nota consiste no fato de um dos interessados ou ambos ser empresário Nesse caso é de todo recomendável que a sentença de mudança além das comunicações de praxe aos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais e de Imóveis para a devida averbação seja ainda levada ao Registro Público de Empresa Junta Comercial para as anotações necessárias Escreveu a esse respeito PABLO STOLZE GAGLIANO Tratandose de cônjuge empresário titular de firma individual o seu regime de bens interfere indubitavelmente nas relações negociais que venha a travar com terceiros uma vez que estes têm no seu patrimônio a garantia geral das eventuais dívidas contraídas Se tiver havido uma alteração do regime sem a devida referência no Registro de Empresas eventuais credores inscientes do fato poderão vir a ser prejudicados E tanto isso é verdade que o art 968 exige para a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Junta Comercial que o requerimento contenha I o seu nome nacionalidade domicílio estado civil e se casado o regime de bens Nota se portanto a obrigatoriedade de o empresário casado informar o seu regime de bens sob pena de lhe ser negado o reconhecimento oficial de sua atividade Ora e se assim o é é lógica a conclusão de que a eventual alteração do regime de bens deve ser averbada no mesmo Registro Público sob pena de não gerar efeitos erga omnes devendo os Juízes das Varas de Família ficar atentos para esse aspecto 287 Anotamos ainda que no que se refere aos efeitos da sentença que altera o regime de bens posto a doutrina não adote posição única e em uníssono 288 entendemos que a sua eficácia é retroativa E por uma razão muito simples Quando os cônjuges pretendem modificar o seu regime o patrimônio atingido que sofrerá a incidência do novo regramento é por óbvio aquele existente até a data da sentença de mudança Ora com isso é forçoso convir que os bens e valores amealhados em conjunto ou separadamente pelos consortes até o momento da mudança serão atingidos pelo pronunciamento judicial submetendo se pois a novo regramento Sob esse aspecto a sentença pois necessariamente incide no patrimônio anterior Daí por que a sua eficácia é ex tunc Um exemplo irá aclarar a hipótese Imagine que um casal esteja pretendendo alterar o seu regime de separação para o regime de comunhão parcial A sentença que autorizar a mudança atingirá retroativamente o patrimônio exclusivo de cada um que passará a integrar a massa de bens não comunicável no novo regime de comunhão parcial Aliás em qualquer outra situação de mudança de regime é nítida essa retroação de efeitos E nesse diapasão não se diga que seria ex nunc pelo simples fato de a partir da sentença as relações patrimoniais estarem sujeitas a novas regras pois isso é consequência natural do próprio pedido de mudança Em reforço a nossa linha de pensamento invocamos preleção de LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS O Código não explicita se os efeitos da alteração serão ex tunc ou ex nunc entre os cônjuges porque com relação a terceiros que já sejam portadores de direitos perante o casal é certo que serão sempre ex nunc uma vez que se encontram ressalvados os direitos destes No particular considero que se houver opção por qualquer dos regimes que o Código regula a retroatividade é decorrência lógica pois p ex se o novo regime for o da comunhão universal ela só será UNIVERSAL se implicar comunicação de todos os bens Impossível seria pensar em comunhão universal que implicasse comunicação apenas dos bens adquiridos a partir da modificação Do mesmo modo se o novo regime for o da separação absoluta necessariamente será retroativa a mudança ou a separação não será absoluta E mais se o escolhido agora for o da separação absoluta imperiosa será a partilha dos bens adquiridos até então a ser realizada de forma concomitante à mudança de regime repito sem eficácia essa partilha com relação a terceiros Assim por igual quanto ao regime de comunhão parcial e até de participação final nos aquestos Entretanto face ao princípio da livre estipulação art 1639 caput sendo possível estipular regime não regrado no Código a mudança poderá a critério dos cônjuges operarse a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória caso em que teríamos a criação de um regime não regrado no CC 289 Finalmente lembramos que está se consolidando em nosso Direito a correta tese segundo a qual a possibilidade de mudança de regime de bens prevista no art 1639 2º do Código Civil aplicase a casamentos anteriores 290 Sobre esse tema escreveu PABLO STOLZE GAGLIANO Entretanto feitas tais ponderações uma indagação se impõe terão direito à alteração de regime as pessoas casadas antes do Código de 2002 Essa indagação revestese ainda de maior importância quando consideramos o princípio da irretroatividade das leis e sobretudo o fato de o próprio Código Novo estabelecer em seu art 2039 que o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior Lei n 3071 de 1º de janeiro de 1916 é por ele estabelecido grifos nossos Uma primeira interpretação nos conduziria à conclusão de que os matrimônios contraídos na vigência do Código de 1916 não admitiriam a incidência da lei nova razão por que esses consortes não poderiam pleitear a modificação do regime Não concordamos todavia com este entendimento No momento em que o legislador determinou a mantença da disciplina do Código revogado para os regimes de bens de matrimônios constituídos antes da sua vigência quis apenas estabelecer que as regras patrimoniais para a aferição do patrimônio comum e pessoal de cada cônjuge seriam as estabelecidas em lei anterior Ou seja não se poderia no bojo de uma separação judicial de pessoas casadas sob o regime antigo de comunhão parcial arts 269 a 275 do CC1916 aplicar os dispositivos correspondentes da lei nova arts 1658 a 1666 do CC2002 Isso entretanto não quer dizer que para os casamentos celebrados antes da lei nova fosse vedada a possibilidade de mudança do regime na forma da legislação atual Em nosso entendimento o regime de bens consiste em uma instituição patrimonial de eficácia continuada gerando efeitos durante todo o tempo de subsistência da sociedade conjugal ou até a sua dissolução 291 Escoimando dúvidas o Superior Tribunal de Justiça corretamente em nosso sentir já firmou a possibilidade de mudança para casamentos anteriores CIVIL CASAMENTO CÓDIGO CIVIL DE 1916 COMUNHÃO PARCIAL DE BENS ALTERAÇÃO DE REGIME COMUNHÃO UNIVERSAL POSSIBILIDADE JURÍDICA I Ambas as Turmas de Direito Privado desta Corte assentaram que o art 2039 do Código Civil não impede o pleito de autorização judicial para mudança de regime de bens no casamento celebrado na vigência do Código de 1916 conforme a previsão do art 1639 2º do Código de 2002 respeitados os direitos de terceiros II Recurso especial não conhecido REsp 812012RS Rel Min Aldir Passarinho Junior j 2122008 DJe 222009 4ª Turma CIVIL REGIME MATRIMONIAL DE BENS ALTERAÇÃO JUDICIAL CASAMENTO OCORRIDO SOB A ÉGIDE DO CC1916 LEI N 3071 POSSIBILIDADE ART 2039 DO CC2002 LEI N 10406 CORRENTES DOUTRINÁRIAS ART 1639 2º CC ART 2035 DO CC2002 NORMA GERAL DE APLICAÇÃO IMEDIATA 1 Apresentase razoável in casu não considerar o art 2039 do CC2002 como óbice à aplicação de norma geral constante do art 1639 2º do CC2002 concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do CC1916 desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido não havendo que se falar em retroatividade legal vedada nos termos do art 5º XXXVI da CF88 mas ao revés nos termos do art 2035 do CC2002 em aplicação de norma geral com efeitos imediatos 2 Recurso conhecido e provido pela alínea a para admitindose a possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob o pálio do CC1916 determinar o retorno dos autos às instâncias ordinárias a fim de que procedam à análise do pedido nos termos do art 1639 2º do CC2002 REsp 730546MG Rel Min Jorge Scartezzini 4ª Turma julgado em 2382005 DJ 3102005 p 279 E mesmo para pessoas casadas sob o regime da separação obrigatória de bens respeitadas as circunstâncias do caso concreto e as condições legais da mudança tal pleito afigurase possível consoante este julgado relatado pela ilustre Ministra NANCY ANDRIGHI DIREITO CIVIL FAMÍLIA CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CC16 ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS POSSIBILIDADE A interpretação conjugada dos arts 1639 2º 2035 e 2039 do CC02 admite a alteração do regime de bens adotado por ocasião do matrimônio desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido Assim se o Tribunal Estadual analisou os requisitos autorizadores da alteração do regime de bens e concluiu pela sua viabilidade tendo os cônjuges invocado como razões da mudança a cessação da incapacidade civil interligada à causa suspensiva da celebração do casamento a exigir a adoção do regime de separação obrigatória além da necessária ressalva quanto a direitos de terceiros a alteração para o regime de comunhão parcial é permitida Por elementar questão de razoabilidade e justiça o desaparecimento da causa suspensiva durante o casamento e a ausência de qualquer prejuízo ao cônjuge ou a terceiro permite a alteração do regime de bens antes obrigatório para o eleito pelo casal notadamente porque cessada a causa que exigia regime específico Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime anterior permanecem sob a regência da lei antiga Os fatos posteriores todavia serão regulados pelo CC02 isto é a partir da alteração do regime de bens passa o CC02 a reger a nova relação do casal Por isso não há se falar em retroatividade da lei vedada pelo art 5º inc XXXVI da CF88 e sim em aplicação de norma geral com efeitos imediatos Recurso especial não conhecido REsp 821807PR Rel Min Nancy Andrighi julgado em 19102006 DJ 13112006 p 261 3ª Turma Com isso não nos resta dúvida de que as pessoas casadas sob a vigência do Código anterior têm o direito de pleitear a mudança do seu regime de bens observados os requisitos de lei por imperativo de inegável justiça e respeito à isonomia constitucional 8 ADMINISTRAÇÃO DOS BENS NO CASAMENTO Por fim passaremos em revista alguns artigos sobre a administração patrimonial do casamento Com efeito estabelecem os arts 1642 e 1643 do CC2002 uma série de atos em que os cônjuges podem atuar livremente Senão vejamos Art 1642 Qualquer que seja o regime de bens tanto o marido quanto a mulher podem livremente I praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão com as limitações estabelecidas no inciso I do art 1647 II administrar os bens próprios III desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial IV demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação ou a invalidação do aval realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do art 1647 V reivindicar os bens comuns móveis ou imóveis doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos VI praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente Art 1643 Podem os cônjuges independentemente de autorização um do outro I comprar ainda a crédito as coisas necessárias à economia doméstica II obter por empréstimo as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir No que diz respeito porém à responsabilidade patrimonial pelas dívidas contraídas o art 1644 do CC2002 estabelece a solidariedade entre os cônjuges Complementando o regramento material importantes regras processuais são estabelecidas nos arts 1645 e 1646 do CC2002 Art 1645 As ações fundadas nos incisos III IV e V do art 1642 competem ao cônjuge prejudicado e a seus herdeiros Art 1646 No caso dos incisos III e IV do art 1642 o terceiro prejudicado com a sentença favorável ao autor terá direito regressivo contra o cônjuge que realizou o negócio jurídico ou seus herdeiros Nesse contexto consideramos pertinente expor sobre a situação de impossibilidade de administração por um dos cônjuges Em tal caso estabelece o art 1651 do CC2002 Art 1651 Quando um dos cônjuges não puder exercer a administração dos bens que lhe incumbe segundo o regime de bens caberá ao outro I gerir os bens comuns e os do consorte II alienar os bens móveis comuns III alienar os imóveis comuns e os móveis ou imóveis do consorte mediante autorização judicial Registrese porém que em termos de responsabilidade na forma do art 1652 do CC2002 o cônjuge que estiver na posse dos bens particulares do outro será para com este e seus herdeiros responsável I como usufrutuário se o rendimento for comum II como procurador se tiver mandato expresso ou tácito para os administrar III como depositário se não for usufrutuário nem administrador A regra soa como bastante razoável de forma a preservar os interesses do cônjuge impossibilitado de administrar dispensando longas digressões Registrese por fim que a obrigação do cônjuge que conserva a posse dos bens do casal permanece inclusive no período entre a dissolução da sociedade conjugal e a partilha devendo prestar contas ao outro LXXIII REGIME DE BENS DO CASAMENTO COMUNHÃO PARCIAL DE BENS 1 INTRODUÇÃO E SUPLETIVIDADE Começaremos o nosso estudo dos regimes de bens em espécie pela comunhão parcial não por uma mera coincidência mas sim pelo fato de ser o mais difundido e por isso mesmo o socialmente mais importante regime matrimonial em nosso país A esmagadora maioria dos casais quando da celebração do matrimônio não cuida de estabelecer por meio de pacto regime de bens especial Isso talvez por conta da quase sempre constrangedora situação de em meio ao doce encantamento do noivado terem de entabular conversa desagradável a respeito de divisão patrimonial Tal diálogo culmina por afigurarse acentuadamente desagradável quase anacrônico diante da expectativa de eternidade que sempre acompanha o projeto de vida dos noivos Ou quem sabe talvez não cuidem de estabelecer o referido pacto antenupcial simplesmente por não terem ainda patrimônio com o que se preocupar O fato é que em geral no Brasil as pessoas não cuidam de fazer opção de regime mediante contrato antenupcial de maneira que incidirá o regime legal supletivo previsto em lei conforme já anunciamos no capítulo anterior Até a entrada em vigor da conhecida Lei do Divórcio Lei n 6515 em 1977 o regime supletivo era o de comunhão universal de bens É interessante observar seguindo preleção de ANTUNES VARELA que durante muitos séculos porém o regime supletivo foi o da comunhão geral de bens à qual na legislação brasileira se dá o nome ainda mais expressivo de comunhão universal de bens Foi esse o regime que como tal se estendeu a todo o país a partir do reinado de D Manuel I depois de ter vigorado nas províncias do sul desde os primeiros tempos da nacionalidade 292 E em seguida o autor anota que também no direito português o regime universal fora substituído pelo parcial Entre nós foi o Código Civil de 1966 art 1717º que substituiu a comunhão geral como regime supletivo pelo regime da comunhão de adquiridos E arremata o culto jurista lusitano Limitando assim o núcleo do patrimônio comum aos bens cuja aquisição assenta numa real cooperação dos cônjuges a comunhão de adquiridos inspirase em princípios mais sãos e mais realistas do que a comunhão geral em face das concepções de justiça comutativa aceites no mundo contemporâneo 293 Nessa mesma linha o nosso Direito a partir da edição da Lei do Divórcio consagrou como regime subsidiário o da comunhão parcial de bens o que passou a constar no caput do art 258 do Código Civil brasileiro de 1916 294 opção legislativa esta ainda presente no Código de 2002 Art 1640 Não havendo convenção ou sendo ela nula ou ineficaz vigorará quanto aos bens entre os cônjuges o regime da comunhão parcial E o parágrafo único destaca Poderão os nubentes no processo de habilitação optar por qualquer dos regimes que este Código regula Quanto à forma reduzirseá a termo a opção pela comunhão parcial fazendose o pacto antenupcial por escritura pública nas demais escolhas Assim temos que a comunhão parcial seja pela vontade expressa dos cônjuges seja pela supletividade prevista em lei acaba por se tornar o mais abrangente e disseminado regime de bens Não é estranho por isso que também para a união estável tal regime seja eleito como o supletivo 295 2 CONCEITO E DISCIPLINA LEGAL Podemos definir o regime de comunhão parcial de bens como aquele em que há em regra a comunicabilidade dos bens adquiridos a título oneroso na constância do matrimônio por um ou ambos os cônjuges preservandose assim como patrimônio pessoal e exclusivo de cada um os bens adquiridos por causa anterior ou recebidos a título gratuito a qualquer tempo Genericamente é como se houvesse uma separação do passado e uma comunhão do futuro em face daquilo que o casal por seu esforço conjunto ajudou a amealhar Tratase pois em nosso sentir de um regime conveniente justo e equilibrado A nossa definição proposta tem raiz no art 1658 do Código Civil de 2002 Art 1658 No regime de comunhão parcial comunicamse os bens que sobrevierem ao casal na constância do casamento com as exceções dos artigos seguintes Notese que a comunicabilidade característica desse regime a comunicabilidade dos bens aquestos não é absoluta sofrendo o temperamento dos arts 1659 a 1662 do CC2002 Para facilitar o seu entendimento cuidaremos então de analisar detidamente as regras que delimitam a comunicabilidade dos aquestos ou seja dos bens adquiridos no curso do casamento 3 BENS EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO Os arts 1659 e 1661 do CC2002 especificam Art 1659 Excluemse da comunhão I os bens que cada cônjuge possuir ao casar e os que lhe sobrevierem na constância do casamento por doação ou sucessão e os sub rogados em seu lugar II os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em subrogação dos bens particulares III as obrigações anteriores ao casamento IV as obrigações provenientes de atos ilícitos salvo reversão em proveito do casal V os bens de uso pessoal os livros e instrumentos de profissão VI os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge VII as pensões meiossoldos montepios e outras rendas semelhantes Art 1661 São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento 4 BENS INCLUÍDOS NA COMUNHÃO Da mesma forma que no tópico anterior o legislador considerou razoável dada a abrangência e importância do tema explicitar a natureza dos bens que necessariamente devem ser considerados parte da comunhão Posto isso esclarece o art 1660 do CC2002 Art 1660 Entram na comunhão I os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso ainda que só em nome de um dos cônjuges II os bens adquiridos por fato eventual com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior III os bens adquiridos por doação herança ou legado em favor de ambos os cônjuges IV as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge V os frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão 5 ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO NO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges art 1663 do CC2002 por incidência do princípio da isonomia o que já fulminava as retrógradas regras anteriores do Código Civil brasileiro de 1916 296 As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra e os do outro na razão do proveito que houver auferido 1º Frisese ainda que a anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos a título gratuito que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns 2º Em caso de malversação dos bens o juiz poderá atribuir a administração a apenas um dos cônjuges 3º em decisão fundamentada garantindose o contraditório em respeito ao devido processo civil constitucional À luz do art 1664 do CC2002 sem correspondência na codificação anterior de fácil intelecção os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal Temos ainda que nos termos do art 1665 do CC2002 também sem correspondência na codificação anterior por incidência do princípio da autonomia privada a administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário salvo convenção diversa em pacto antenupcial Na ausência de estipulação expressa na convenção a administração do bem tocará apenas ao seu titular Dispõe ainda o art 1666 do CC2002 que as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes não obrigam os bens comuns o que aperfeiçoa o sistema anterior calcado no vetusto e machista art 274 do CC1916 já transcrito Por fim vale registrar que a separação de fato extinguiria a comunhão ou seja a comunicação de bens por conta da falência da afetividade É a costumeira hipótese do casamento somente no papel LXXIV REGIME DE BENS DO CASAMENTOCOMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS 1 CONCEITO O regime de comunhão universal de bens tende à unicidade patrimonial Vale dizer o seu princípio básico determina salvo as exceções legais uma fusão do patrimônio anterior dos cônjuges e bem assim a comunicabilidade dos bens havidos a título gratuito ou oneroso no curso do casamento incluindose as obrigações assumidas Art 1667 O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas com as exceções do artigo seguinte Entretanto conforme veremos essa comunicabilidade não é absoluta 2 BENS EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO Com efeito há determinados bens que a própria lei estabelece devam ser considerados excluídos da comunhão O art 1668 do Código Civil brasileiro aponta tais bens nos seguintes termos Art 1668 São excluídos da comunhão I os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os subrogados em seu lugar II os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário antes de realizada a condição suspensiva III as dívidas anteriores ao casamento salvo se provierem de despesas com seus aprestos ou reverterem em proveito comum IV as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade V os bens referidos nos incisos V a VII do art 1659 3 TRATAMENTO JURÍDICO DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS No que tange à administração dos bens art 1670 aplicase ao regime da comunhão universal o disposto no capítulo antecedente do Código Civil dedicado ao regime da comunhão parcial ou seja os arts 1663 a 1666 do Código Civil brasileiro referentes ao regime da comunhão parcial serão aplicados mutatis mutandis ao regime da comunhão universal 4 EXTINÇÃO DA COMUNHÃO Especifica o art 1671 do vigente Código Civil brasileiro Art 1671 Extinta a comunhão e efetuada a divisão do ativo e do passivo cessará a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro Tratase de uma regra de clareza evidente uma vez que separandose os patrimônios cada indivíduo é responsável única e exclusivamente pelas suas próprias obrigações Ressaltese que essa cessação da comunhão não se dá apenas com a extinção do casamento pelo divórcio mas também pela alteração posterior do regime na forma autorizada pelo 2º do art 1639 do Código Civil brasileiro de 2002 297 sem equivalente na codificação revogada Obviamente essa extinção da comunhão com a consequente divisão de responsabilidades não pode se dar em prejuízo de terceiros que tenham celebrado anteriores negócios jurídicos tendo o patrimônio comum dos cônjuges como a garantia das dívidas contraídas LXXV REGIME DE BENS DO CASAMENTO SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS 1 INTRODUÇÃO O regime de separação convencional de bens é de simples compreensão e guarda íntima conexão com o princípio da autonomia privada Em campo diametralmente oposto ao da comunhão universal de bens com tal regime os cônjuges pretendem por meio da vontade manifestada no pacto antenupcial resguardar a exclusividade e a administração do seu patrimônio pessoal anterior ou posterior ao matrimônio conforme veremos em seguida O pensamento segundo o qual amor não se confunde com patrimônio encontra aqui o seu amparo jurídico É o exercício da autonomia da vontade que permite no caso haver total divisão dos bens de cada cônjuge sem prejuízo do reconhecimento da formação de uma família 2 CONCEITO Este regime tem como premissa a incomunicabilidade dos bens dos cônjuges anteriores e posteriores ao casamento É a previsão do art 1687 do CC2002 Art 1687 Estipulada a separação de bens estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real Tratase de regime que exige expressa manifestação das partes não se confundindo com o da separação legal ou obrigatória Estipulado o regime de separação de bens cada cônjuge mantém o seu patrimônio próprio compreensivo dos bens anteriores e posteriores ao casamento podendo como visto livremente aliená los administrálos ou graválos de ônus real Notese pois que neste regime existirá uma inequívoca independência patrimonial não havendo espaço para futura meação Admitimos todavia em situações excepcionais a possibilidade de um dos cônjuges demonstrando colaboração econômica direta na aquisição de determinado bem a compra da casa de praia do casal por exemplo obter direito à correspondente indenização ou até mesmo à divisão proporcional não com amparo no regime em si mas com fulcro no princípio proibitivo do enriquecimento sem causa 298 Nessa linha reconhecendo a excepcionalidade da hipótese preleciona PAULO LÔBO Malgrado sua natureza temse como compatível com o regime de separação a eventualidade de condomínio dos cônjuges sobre determinados bens que tenham sido adquiridos com a participação efetiva de ambos nos limites e proporção correspondentes ou em decorrência de doações ou legados conjuntos Essa circunstância dado o seu caráter de excepcionalidade não desfigura o regime pois os bens assim adquiridos submetemse à incidência das regras do condomínio voluntário arts 1314 a 1326 sem interferência das regras aplicáveis aos demais regimes matrimoniais de bens 299 O STJ inclusive já decidiu nesta linha de pensamento CIVIL E PROCESSUAL INVENTÁRIO PARTILHA DE BENS REGIME VOLUNTÁRIO DE CASAMENTO SEPARAÇÃO DE BENS PACTO ANTENUPCIAL IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DO DE CUJUS ADQUIRIDO MEDIANTE PERMUTA DE PATRIMÔNIO CABEÇAS DE GADO FORMADO PELO ESFORÇO COMUM DO CASAL SOCIEDADE DE FATO SOBRE O BEM DIREITO À MEAÇÃO RECONHECIDO PROVA REEXAME IMPOSSIBILIDADE SÚMULA N 7 STJ I O regime jurídico da separação de bens voluntariamente estabelecido é imutável e deve ser observado admitindose todavia excepcionalmente a participação patrimonial de um cônjuge sobre bem do outro se efetivamente demonstrada de modo concreto a aquisição patrimonial pelo esforço comum caso dos autos em que uma das fazendas foi comprada mediante permuta com cabeças de gado que pertenciam ao casal II Impossibilidade de revisão fática ante o óbice da Súmula n 7 do STJ III Recurso especial não conhecido REsp 286514SP Rel Min Aldir Passarinho Junior julgado em 282007 DJ 22102007 4ª Turma p 276 O suporte fático que autoriza o reconhecimento da situação excepcional é justamente a demonstração no caso concreto do esforço comum dos cônjuges para a aquisição do bem em discussão Ressaltese todavia que em tais circunstâncias não se despreza a autonomia da vontade na disciplina geral do regime de bens adotado mas sim excepcionamse determinados bens de tal separação patrimonial pelo reconhecimento de uma sociedade de fato para a sua específica aquisição 3 ADMINISTRAÇÃO DAS DESPESAS DO CASAL NA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL O fato de haver uma separação total dos bens dos cônjuges não lhes retira as obrigações pecuniárias decorrentes das relações jurídicas estabelecidas em benefício da família Com efeito cada cônjuge deverá arcar com as obrigações que contraiu ressalvadas as despesas que reverteram em proveito do casal as quais em regra devem ser assumidas por ambos os consortes É a regra do art 1688 do vigente Código Civil brasileiro Art 1688 Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial 300 Por fim conforme já anotamos ao analisarmos o regime legal obrigatório de separação de bens deve se advertir que a Súmula 377 do STF 301 não se aplica à separação convencional de bens uma vez que a opção da independência patrimonial neste último caso derivou da livre estipulação de vontade do casal afastando assim a impositiva comunicabilidade derivada do enunciado jurisprudencial abstraída a já analisada hipótese de demonstração no caso concreto do esforço comum dos cônjuges para a específica aquisição de determinados bemns Enaltecendo o regime pontifica ROLF MADALENO Em razão da igualdade jurídica do homem e da mulher a separação de bens sinalizase como o regime das futuras uniões conjugais ou estáveis por permitir a cada um dos cônjuges ou conviventes concorrer com suas economias pessoais no atendimento dos encargos da vida afetiva mantendo intactos os seus bens ou as suas fortunas no caso de separação Especialmente quando se habilitam para um novo casamento quando paira um temor de arcarem com novos prejuízos não desejando repetir a custosa partilha da experiência vivida na anterior separação e que já lhes tomou significativa parcela dos bens 302 Sem discordarmos frontalmente pensamos que a adoção do regime de separação convencional posto seja recomendável e de boa cautela para resguardar futuras contendas patrimoniais afigurase em verdade menos importante do que a consciente escolha da pessoa com a qual iremos dividir a nossa vida Afinal independentemente de qual seja o regime adotado a falta de respeito entre os cônjuges pode se manifestar agressivamente por meio de qualquer dos regimes escolhidos meio este infelizmente utilizado com frequência por muitas pessoas que buscam transformar o processo judicial em um instrumento covarde de vingança ou de exteriorização de suas mágoas e rancores LXXVI REGIME DE BENS DO CASAMENTO PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS 1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS E CONCEITO A legislação de Costa Rica é antiga referência histórica desse regime como anota ROLF MADALENO O Código Civil da Costa Rica entrou em vigor em 1º de janeiro de 1888 teria sido um dos primeiros diplomas civis a adotar o regime matrimonial denominado de participação diferida dos bens gananciais equivalente ao regime do Direito de Família brasileiro de participação final nos aquestos Outros Estados no mundo adotaram esse regime guardadas as suas peculiaridades locais como a Alemanha e a França Observamos também na Espanha a previsão desse regime definido pelo magistrado do Tribunal Supremo PEDRO POVEDA na substanciosa obra Tratado de Derecho de Família nos seguintes termos Es un sistema mixto entre el de la comunidad y el de separación de bienes Durante el matrimonio cada cónyuge tiene la administración y disposición de sus bienes al disolverse el matrimonio opera como un régimen de comunidad y cada esposo ostenta un derecho de participación en una determinada categoría de bienes y en la totalidad de ellos ya en las ganancias solamente o en los bienes muebles y en las gananciais 303 Nessa mesma linha analisandoo já em nosso sistema não obstante seja dotado de autonomia jurídica podemos reconhecer a participação final nos aquestos como um regime híbrido com características de separação e de comunhão parcial de bens Por esse regime durante o casamento cada cônjuge possui patrimônio próprio e administração exclusiva dos seus bens cabendolhes no entanto à época da dissolução da sociedade conjugal direito de meação sobre os bens aquestos onerosamente adquiridos pelo próprio casal Isso explica a própria denominação do regime uma vez que a título de compensação pelos esforços envidados em conjunto partilhamse ao final os bens adquiridos com a participação onerosa de ambos os cônjuges Nesse diapasão o art 1672 do Código Civil Art 1672 No regime de participação final nos aquestos cada cônjuge possui patrimônio próprio consoante disposto no artigo seguinte e lhe cabe à época da dissolução da sociedade conjugal direito à metade dos bens adquiridos pelo casal a título oneroso na constância do casamento 2 DIFERENCIAÇÃO PARA OS REGIMES DA COMUNHÃO PARCIAL E DA SEPARAÇÃO DE BENS Uma leitura equivocada das previsões legais do regime poderia conduzir o intérprete a confundilo inicialmente com a comunhão parcial de bens Mas esse erro não deve ser cometido Na comunhão parcial comunicamse em regra geral os bens que sobrevierem ao casamento adquiridos por um ou ambos os cônjuges a título oneroso Já na participação final a comunicabilidade referese apenas ao patrimônio adquirido onerosamente pelo próprio casal ex a casa de praia adquirida pelo esforço econômico conjunto do marido e da esposa Não é por outra razão aliás que o art 1673 do CC2002 304 dispõe que na participação final integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos a qualquer título na constância do casamento Fica claro pois que a comunicabilidade no regime ora estudado toca apenas ao patrimônio adquirido em conjunto 305 pelos próprios consortes Outra diferença consiste na incidência de regras próprias para cada regime a saber a comunhão parcial está disciplinada nos arts 1658 a 1666 do CC2002 enquanto a participação final nos aquestos é regida pelos arts 1672 a 1686 do CC2002 Por conta disso não se pode fazer incidir regra de um regime em outro ou viceversa A título de exemplo entram na comunhão parcial os bens adquiridos por fato eventual com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior do cônjuge art 1660 II não se podendo aplicar tal norma à participação final Na esfera sucessória a diagnose diferencial ganha realce A teor do art 1829 do Código Civil o cônjuge sobrevivente concorrerá com o descendente do autor da herança se foi casado no regime de participação final nos aquestos O mesmo direito concorrencial só existirá se o regime foi o da comunhão parcial se o falecido houver deixado bens particulares Vale dizer nesse caso o legislador consagrou uma explícita delimitação ao direito dao viúvao não prevista para aqueles que foram casados em participação final Sobre esse tema preleciona GISELDA HIRONAKA O primeiro destes pressupostos exigidos pela lei é o do regime matrimonial de bens Bem por isso o inc I do art 1829 anteriormente reproduzido faz depender a vocação do cônjuge supérstite do regime de bens escolhido pelo casal quando de sua união uma vez que o legislador enxerga nessa escolha uma demonstração prévia dos cônjuges no sentido de permitir ou não a confusão patrimonial e em que profundidade querem ver operada tal confusão Assim não será chamado a herdar o cônjuge sobrevivo se casado com o falecido pelo regime da comunhão universal de bens arts 1667 a 1671 do atual Código Civil ou pelo regime da separação obrigatória de bens arts 1687 e 1688 combinado com o art 1641 Por fim aqueles casais que tendo silenciado quando do momento da celebração do casamento optaram de forma implícita pelo regime da comunhão parcial de bens fazem jus à meação dos bens comuns da família como se de comunhão universal se tratasse mas passam agora a participar da sucessão do cônjuge falecido na porção dos bens particulares deste 306 Outro equívoco que deve ser evitado diz respeito à similitude mas não à identidade que há entre o regime de participação final nos aquestos e a aplicação da Súmula 377 ao regime de separação obrigatória de bens Já vimos que por conta dessa súmula no regime de separação legal obrigatório de bens comunicam se os adquiridos na constância do casamento O que se pretendeu com a súmula foi evitar a insensatez de impedir a comunicabilidade dos bens amealhados pelo esforço comum sob pena de se permitir ou até mesmo incentivar o enriquecimento sem causa de uma das partes Mas com isso não se diga ter havido uma identificação forçada ao regime de participação final pelo simples fato de se permitir a partilha do patrimônio comum Isso porque no regime que ora estudamos existem regras próprias e específicas de cálculo dessa massa patrimonial partilhável arts 1674 e s não aplicáveis às pessoas casadas segundo o regime de separação obrigatória de bens Tratase pois de regimes juridicamente autônomos e estruturalmente distintos Outro ponto digno de nota diz respeito à exigência da autorização conjugal para a prática de determinados atos Conforme visto anteriormente o art 1647 do Código Civil dispensa a outorga uxória ou a autorização marital para pessoas casadas no regime de separação absoluta de bens 307 Ora uma vez que o regime de participação final como já dissemos guarda características da separação de bens dúvida poderia ocorrer no que tange à possibilidade de dispensa da vênia conjugal Note entretanto amigo leitor que a norma do art 1647 apenas libera da exigência de outorga as pessoas casadas sob o regime de separação de bens de maneira que consequentemente os cônjuges sujeitos ao regime de participação final estão obrigados a priori a colher a anuência do outro para a prática de qualquer dos atos referidos no aludido dispositivo Advertimos entretanto que se no pacto antenupcial que adotou o regime de participação final nos aquestos fora convencionada a livre disposição dos bens imóveis desde que particulares a outorga é dispensada a teor do art 1656 do Código Civil Art 1656 No pacto antenupcial que adotar o regime de participação final nos aquestos poderseá convencionar a livre disposição dos bens imóveis desde que particulares Tal permissivo que não pode ser interpretado extensivamente aplicase tão somente à alienação de imóveis de forma que para a prática de qualquer dos outros atos previstos no art 1647 a concessão de uma fiança por exemplo a outorga afigurase imprescindível 3 AS DÍVIDAS NO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS É interessante para melhor entendimento da matéria destacarmos em tópico autônomo a questão das dívidas no regime matrimonial estudado Vimos que não integrarão os aquestos o patrimônio divisível conforme o art 1674 os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se substituíram os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade bem como as dívidas relativas a esses bens Assim a título exemplificativo imaginemos que um dos cônjuges houvesse trazido para o casamento um imóvel exclusivamente seu por exemplo um apartamento adquirido anos antes de convolar núpcias enquanto ainda era solteiro Muito bem Não só esse imóvel estará excluído de eventual meação como também possível dívida incidente sobre ele IPTU p ex não se comunicará Já pelas dívidas posteriores ao casamento art 1677 do CC2002 contraídas por um dos cônjuges somente este responderá salvo prova de terem revertido parcial ou totalmente em benefício do outro Entretanto se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do seu próprio patrimônio o valor do pagamento deverá ser atualizado e imputado na data da dissolução à meação do outro cônjuge art 1678 do CC2002 Mais uma vez da leitura desse dispositivo fica claro o sistema de compensação típico do regime de participação final Se a esposa por exemplo no curso do matrimônio com valor exclusivamente seu pagou dívida do marido poderá ao tempo da dissolução da sociedade conjugal abater do direito de meação do seu consorte o montante atualizado que despendeu para solver uma dívida que não era sua Não muito clara por sua vez é a regra do art 1680 As coisas móveis em face de terceiros presumemse do domínio do cônjuge devedor salvo se o bem for de uso pessoal do outro Para entender essa regra é preciso ter em mente a vetusta orientação hermenêutica segundo a qual na lei não há palavras inúteis E de fato a locução em face de terceiros que não está aí à toa exerce importante função normativa Caso um terceiro seja credor de um dos cônjuges eventuais bens móveis atingidos por ato de constrição judicial por uma penhora por exemplo são considerados por presunção pertencentes ao devedor Caberá pois ao outro consorte em sede própria embargos de terceiro provar a titularidade do bem para excluílo da demanda liberando o bem Por fim anotamos que segundo o art 1686 do CC2002 se a dívida de um dos cônjuges for superior à sua meação não obrigará ao outro ou a seus herdeiros Tratase de uma regra simples e de clareza meridiana que impede o atingimento do patrimônio de outrem quando esgotado o do devedor 308 4 A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E O REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS O matrimônio opera a formação da denominada sociedade conjugal consistente em um verdadeiro plexo de direitos e obrigações recíprocos de observância necessária entre os cônjuges Dissolvida a sociedade conjugal certos efeitos desde já desaparecem como a fidelidade recíproca a coabitação facultandose inclusive a imediata divisão patrimonial O falecimento de um dos cônjuges nessa linha bem como a decretação do divórcio têm impacto profundo porquanto além de dissolverem a sociedade conjugal operam o próprio fim do vínculo casamentário permitindo assim novas núpcias Nesse contexto voltando a nossa atenção especificamente para a matéria ora estudada temos que à luz do art 1683 na dissolução do regime de participação final seja na antiga separação judicial seja na nova disciplina do divórcio verificarseá o montante dos aquestos na data em que cessou a convivência Vale dizer o termo final a ser considerado para efeito de se aferir o patrimônio amealhado em conjunto não é o da obtenção de sentença que haja dissolvido o vínculo conjugal mas sim a data em que a convivência entre os cônjuges findou Falida a afetividade portanto e ocorrida a separação de fato mesmo que ainda estejam oficialmente unidos ou como coloquialmente se diz casados no papel não se levará em conta o conjunto de bens adquiridos após a ruptura fática para efeito de meação Vamos mais além Interpretamos a palavra convivência não apenas em sentido corpóreo mas também espiritual Em função da realidade econômica de muitos casais brasileiros a falta de condições materiais nem sempre permite que antes da dissolução oficial do casamento ou até mesmo depois os consortes habitem em casas diferentes Com isso permanecem na mesma casa porém em cômodos diferentes o marido morando na sala a esposa no quarto embora esteja completamente cessada a convivência sentimental Também nessa hipótese a partir da cessação de convivência estará efetivamente rompida a comunicabilidade de aquestos Já na dissolução da sociedade conjugal por morte como prevê o art 1685 do CC2002 verificarseá a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos referidos ao longo deste capítulo deferindose a herança aos herdeiros na forma prevista pela lei sucessória Em caso de nulidade ou anulação do casamento hipóteses de dissolução da sociedade conjugal previstas no art 1571 do CC2002 309 perdese em grande parte o interesse em se discutir a dissolução do regime matrimonial uma vez que operada a retroatividade dos efeitos da sentença de invalidação os cônjuges retornarão ao status quo ante como se casados nunca houvessem sido Todavia em caso de reconhecimento da putatividade do matrimônio o contexto jurídico sob análise muda de maneira que deverão ser aplicadas as normas acima referidas arts 1683 e 1685 em favor dos cônjuges de boafé LXXVII BEM DE FAMÍLIA 1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA Na busca do estabelecimento de um conceito para ilustrar o instituto podemos compreender o bem de família como o bem jurídico cuja titularidade se protege em benefício do devedor por si ou como integrante de um núcleo existencial visando à preservação do mínimo patrimonial para uma vida digna A proteção tem por base em primeiro plano o direito constitucional à moradia tutelando nessa linha também a própria família Todavia como se verá a proteção não se limita ao imóvel isoladamente mas também a outros bens considerados acessórios para a finalidade garantista declarada No sistema brasileiro o bem de família se classifica em duas modalidades a saber o bem de família voluntário e o bem de família legal O primeiro é o originalmente previsto desde a codificação anterior Com efeito nos termos do art 70 do Código Civil de 1916 bem de família é o prédio destinado pelos chefes de família ao exclusivo domicílio desta mediante especialização no Registro Imobiliário consagrandolhe uma impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa Tratase do bem de família voluntário uma vez que a sua instituição decorre de ato de vontade dos cônjuges ou da entidade familiar observandose o procedimento previsto nos arts 260 a 265 da Lei n 601573 Lei de Registros Públicos O vigente Código Civil brasileiro manteve o instituto trazendo um conceito legal expresso em seu art 1712 nos seguintes termos Art 1712 O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural com suas pertenças e acessórios destinandose em ambos os casos a domicílio familiar e poderá abranger valores mobiliários cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família Paralelo a essa previsão há o instituto do bem de família legal previsto na Lei n 800990 que independe da manifestação de vontade dos cônjuges ou da entidade familiar Nos próximos tópicos faremos uma análise de cada uma dessas modalidades de bem de família Todavia antes disso parecenos relevante tecer algumas considerações sobre a fundamentação normativa de ambas as formas Isso porque sendo espécies de um mesmo gênero parecenos uma premissa lógica compreender o que une os institutos antes de dissecar as suas diferenças 2 DISCIPLINA JURÍDICA DO BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO A modalidade tradicional de bem de família é a decorrente da autonomia da vontade É o chamado bem de família voluntário por conta de ser instituído por ato de vontade do próprio casal ou da entidade familiar mediante registro Sobre ele cumpre salientar que somente poderá instituir o bem de família aquele que tenha patrimônio suficiente para a garantia de débitos anteriores solvente sob pena de invalidade Aliás poderá caracterizar fraude contra credores a situação em que o devedor para livrar de futura execução ou arresto bem imóvel do seu patrimônio destinao à função de domicílio familiar bem de família tendo em vista que é justamente o patrimônio do devedor a garantia comum dos seus credores somente sendo aceitável a validade de tal instituição para as dívidas constituídas posteriormente Devidamente instituído o bem de família voluntário tem por efeito determinar a a impenhorabilidade limitada do imóvel residencial isentandoo de dívidas futuras salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio IPTU ITR vg ou de despesas de condomínio art 1715 do CC2002 310 b inalienabilidade relativa do imóvel residencial uma vez que após instituído não poderá ter outro destino ou ser alienado senão com o expresso consentimento dos interessados e seus representantes legais mediante alvará judicial ouvido o Ministério Público havendo participação de incapazes art 1717 do CC2002 311 Tais características aplicarseão mutatis mutandis à modalidade legal de bem de família conforme se verá em tópico próprio deste capítulo O legislador autorizou ainda a instituição do bem de família não apenas pelo casal mas também pela entidade familiar união estável família monoparental e por terceiro este por testamento ou doação poderá instituir o bem de família dependendo a eficácia da cláusula da aceitação expressa de ambos os cônjuges ou da entidade familiar beneficiada Tal instituição na forma do art 1714 do CC2002 312 deve se dar pelo registro do título no Registro de Imóveis Notese que o Código Civil de 2002 criou uma limitação objetiva ao proibir que a instituição do bem de família voluntário consistente em prédio urbano ou rural com suas pertenças e acessórios destinandose a domicilio familiar podendo abranger valores mobiliários cuja renda deve ser aplicada na conservação do imóvel e sustento da família conforme visto no já transcrito art 1712 ultrapasse um terço do patrimônio líquido do casal ou da entidade instituidora 313 Neste caso deverão os instituidores declarar ao Oficial de Registro sob as penas da lei civil e criminal não haver sido desrespeitado o limite legal sob pena inclusive de invalidade do ato Em relação aos valores mobiliários rendimentos que mantenham ou ajudem a conservar o imóvel declarados como bem de família preceitua o art 1713 do CC2002 sem equivalente na codificação anterior Art 1713 Os valores mobiliários destinados aos fins previstos no artigo antecedente não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família à época de sua instituição 1º Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família 2º Se se tratar de títulos nominativos a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro 3º O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito Quanto aos seus efeitos já mencionados acima consagraramse uma impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa É impenhorável pois se exclui o bem de família da execução por dívidas posteriores à sua instituição ressalvadas as que provierem de tributos ou despesas condominiais relativas ao mesmo prédio Em caso de execução por tais dívidas tributárias ou condominiais o saldo existente será aplicado em outro prédio como bem de família ou em títulos da dívida pública para sustento familiar salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução a critério do juiz art 1715 do CC2002 Tal isenção durará enquanto viverem os cônjuges ou até que os filhos completem a maioridade art 1716 do CC2002 314 É também inalienável destinandose exclusivamente ao domicílio e sustento familiar só podendo em caráter excepcional judicialmente comprovada a necessidade ser alienado com o consentimento dos interessados e seus representantes legais ouvido o Ministério Público a teor do art 1717 do CC2002 Vale referir que o art 1719 do CC2002 315 muito mais atento à dignidade da pessoa humana do que amarrado a regras formalísticas autoriza a extinção ou subrogação do bem instituído por outro se a requerimento do interessado o juiz concluir que tal medida é necessária à mantença da família A administração do bem de família competirá a ambos os cônjuges casamento aos companheiros união estável ou ao pai ou à mãe cabeça da prole família monoparental 316 Seguindo a ordem legal na falta de quaisquer destes a administração tocará ao filho mais velho se for maior e se não for ao tutor art 1720 do CC2002 317 A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família ressalvada a hipótese de morte de um dos cônjuges eis que nesse caso poderá o sobrevivente requerer a extinção do bem de família se for o único bem do casal art 1721 do CC2002 Vale destacar que na forma do art 1718 do CC2002 qualquer forma de liquidação da entidade administradora a que se refere o 3º do art 1713 não atingirá os valores a ela confiados ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante obedecendose no caso de falência ao disposto sobre pedido de restituição Finalmente extinguese em caráter definitivo se sobrevier a morte de ambos os cônjuges dos companheiros ou do cabeça da família monoparental e os filhos atingirem a maioridade desde que não estejam sob curatela art 1722 do CC2002 Por tudo o que se disse pesa reconhecer que essa forma voluntária de instituição do bem de família bem pondera SILVIO RODRIGUES não alcançou maior sucesso entre nós 318 Talvez pelo fato como afirma ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO de o Estado por força do Código Civil haver transferido para o particular encargo de tamanho realce 319 qual seja a proteção do imóvel residencial onde a família reside Essas as razões pelas quais ao lado da instituição voluntária do bem de família convive amparado pela Lei n 8009 de 29 de março de 1990 resultado da conversão da Medida Provisória n 14390 o denominado bem de família legal É o tema do próximo tópico 3 DISCIPLINA JURÍDICA DO BEM DE FAMÍLIA LEGAL Essa espécie legal traduz a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar isentandoo de dívida civil comercial fiscal previdenciária ou de qualquer natureza contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam ressalvadas as hipóteses previstas em lei 320 Tal isenção compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção as plantações as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos inclusive os de uso profissional ou móveis que guarneçam a casa desde que quitados art 1º parágrafo único da Lei n 8009 de 1990 321 Adotando a mesma diretriz do Código Civil vigente a lei protege além do próprio devedor solteiro não só a família casamentária mas também as entidades familiares Essa impenhorabilidade note que a lei não trata da inalienabilidade do bem compreende como dito além do imóvel em si as construções plantações benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos inclusive os de uso profissional ou móveis que guarnecem a casa ressalvados nesse último caso os veículos de transporte obras de arte e adornos suntuosos arts 1º e 2º 322 E diferentemente do voluntário estudado linhas acima a proteção do bem de família legal é imediata ou seja deriva diretamente da própria lei independentemente de instituição em cartório e registro 323 Não ficam fora do seu amparo legal o locatário que terá impenhorável não o imóvel que não lhe pertence mas os seus bens móveis que guarnecem a residência desde que quitados art 2º Aliás interpretando extensivamente a norma a doutrina estende a proteção legal ao comodatário ao usufrutário e ao promitente comprador que estejam em situação semelhante à do inquilino 324 Amplo debate jurisprudencial gira em torno da extensão da norma protetiva aos bens móveis Que bens estariam ao amparo da lei Quais estariam fora A geladeira o computador o forno de microondas estariam protegidos de uma penhora determinada no curso da execução judicial Têm sido considerados impenhoráveis por força da Lei n 800990 os seguintes bens a garagem do apartamento residencial 325 o freezer máquinas de lavar e secar roupas o teclado musical 326 o computador 327 o televisor o videocassete o arcondicionado e até mesmo a antena parabólica 328 O norte para a interpretação sobre a qualificação como bem de família não deve se limitar apenas ao indispensável para a subsistência mas sim ao necessário para uma vida familiar digna sem luxo o que tem encontrado amparo na jurisprudência pátria LXXVIII UNIÃO ESTÁVEL E OUTRAS MODALIDADES DE ENTIDADES FAMILIARES 1 CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL Para chegarmos ao moderno conceito de união estável é necessário antes traçarmos uma importante diagnose diferencial No passado a união não matrimonializada entre homem e mulher denominavase simplesmente concubinato Essa palavra com forte carga pejorativa derivada da expressão latina concubere significava dividir o leito dormir com ou conforme jargão popular caracterizaria a situação da mulher teúda e manteúda tida e mantida por um homem sua amante amásia amigada Toda essa carga de preconceito refletia sem sombra de dúvidas a mentalidade de uma época Não queremos com isso dizer que não mais exista o preconceito hoje Sabemos perfeitamente que ainda existe Mas em escala infinitamente menor do que no passado O último século apontou mormente em sua segunda metade uma nítida mudança de mentalidade a partir de uma necessária abertura cultural e da justa conquista de um necessário espaço social pela mulher Todo esse processo reconstrutivo por que passou a família concubinária resultou paulatinamente na ascensão da concubina do árido vácuo da indiferença e do preconceito ao justo patamar de integrante de uma entidade familiar constitucionalmente reconhecida E neste contexto com alta carga de simbolismo etimológico o Direito Brasileiro preferiu consagrar as expressões companheirismo e união estável para caracterizar a união informal entre homem e mulher com o objetivo de constituição de família em lugar da vetusta e desgastada noção de concubinato Hoje em dia o concubinato relação entre amantes sob o prisma eminentemente técnico não pode ser confundido com a união estável uma vez que a teor do art 1727 329 do Código Civil posto que possa gerar determinados efeitos jurídicos não consubstancia em geral um paradigma ou standard familiar traduzindo simplesmente uma relação não eventual entre o homem e a mulher impedidos de casar A união estável por seu turno não se coaduna com a mera eventualidade na relação e por conta disso ombreiase ao casamento em termos de reconhecimento jurídico firmandose como forma de família inclusive com expressa menção constitucional CF 3º do art 226 Nesse contexto feitas tais considerações e salientadas importantes diferenças podemos conceituar a união estável como uma relação afetiva de convivência pública e duradoura entre duas pessoas do mesmo sexo ou não com o objetivo imediato de constituição de família Sistematizando nosso conceito podem ser apontados os seguintes elementos caracterizadores essenciais da união estável na sociedade brasileira contemporânea a publicidade convivência pública em detrimento do segredo o que diferencia a união estável de uma relação clandestina b continuidade convivência contínua no sentido do animus de permanência e definitividade o que diferencia a união estável de um namoro c estabilidade convivência duradoura o que diferencia uma união estável de uma ficada 330 d objetivo de constituição de família que é a essência do instituto no novo sistema constitucionalizado diferenciando uma união estável de uma relação meramente obrigacional Esses requisitos serão analisados minudentemente ainda neste capítulo Todavia à vista desse conceito o nosso estimado leitor poderá estar se perguntando ora se a Constituição expressamente mencionou ao caracterizar a união estável a diversidade de sexos homem e mulher por que o conceito jurídico apresentado alargou a dicção normativa para admitir o reconhecimento da união estável homoafetiva Essa importante pergunta merece desde já detida atenção Diferentemente do casamento entidade familiar essencialmente formal e geradora de estado civil em que a diversidade de sexos atua como pressuposto existencial 331 a união estável é desprovida de solenidade para a sua constituição razão por que conforme veremos em momento oportuno o casal frequentemente nem bem sabe quando o namoro deixou de ser um simples namoro e passou a configurar uma relação de companheirismo Esse caráter fático e informal da união estável portanto conduznos à inafastável conclusão de que por ser uma simples união de fato não se condicionaria ao ditame formal impositivo da diversidade sexual típico do casamento permitindo com isso o reconhecimento da relação familiar entre companheiros sejam eles do mesmo sexo sejam de sexo diverso Pensamento diverso em nosso sentir afigurarseia flagrantemente inconstitucional No dizer de LUÍS ROBERTO BARROSO Todas as pessoas a despeito de sua origem e de suas características pessoais têm o direito de desfrutar da proteção jurídica que estes princípios lhes outorgam Vale dizer de serem livres e iguais de desenvolver a plenitude de sua personalidade e de estabelecerem relações pessoais com um regime jurídico definido e justo E o Estado por sua vez tem o dever jurídico de promover esses valores não apenas como uma satisfação dos interesses legítimos dos beneficiários diretos como também para assegurar a toda a sociedade reflexamente um patamar de elevação política ética e social Por essas razões a Constituição não comporta uma leitura homofóbica deslegitimadora das relações de afeto e de compromisso que se estabelecem entre indivíduos do mesmo sexo A exclusão dos homossexuais do regime de união estável significaria declarar que eles não são merecedores de igual respeito que seu universo afetivo e jurídico é de menosvalia menos importante menos correto menos digno É certo por outro lado que a referência a homem e mulher não traduz uma vedação da extensão do mesmo regime às relações homoafetivas Nem o teor do preceito nem o sistema constitucional como um todo contêm indicação nessa direção Extrair desse preceito tal consequência seria desvirtuar a sua natureza a de uma norma de inclusão De fato ela foi introduzida na Constituição para superar a discriminação que historicamente incidira sobre as relações entre homem e mulher que não decorressem do casamento Não se deve interpretar uma regra constitucional contrariando os princípios constitucionais e os fins que a justificaram 332 Nessa mesma linha isonômica de tratamento o direito português segundo a doutrina do professor da Universidade de Lisboa JORGE PINHEIRO admite a união estável entre pessoas de sexo diverso ou não A união de facto realidade que a lei não define é por vezes identificada com a convivência de duas pessoas em condições análogas às dos cônjuges noção que para ser adoptada exige que se abstraia do requisito da diversidade de sexo que é condição da existência de um casamento Por este motivo é preferível reconduzir a união de facto a uma coabitação na tripla vertente de comunhão de leito mesa e habitação 333 Portanto na tentativa de definir juridicamente a união estável é imperiosa em nosso sentir a necessidade de se admitir a sua intrínseca duplicidade tipológica dada a prescindibilidade do gênero sexual dos integrantes deste núcleo informal de afeto 334 2 ELEMENTOS CARACTERIZADORES Em primeiro plano cuidou o legislador de definir o que se entende por união estável no art 1723 norma de natureza tipicamente explicativa Art 1723 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher configurada na convivência pública contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família Enfrentemos cada um dos elementos caracterizadores que se podem extrair deste conceito começando porém com a discussão sobre a imprescindibilidade da dualidade de sexos 21 Reflexão sobre o tema da dualidade de sexos Inicialmente é colocada sob nossa análise a delicada questão da dualidade de sexos como pressuposto da união estável No sistema aberto inclusivo e não discriminatório inaugurado a partir da Constituição de 1988 espaço não há para uma interpretação fechada e restritiva que pretenda concluir pela literalidade da norma constitucional art 226 3º da CF 335 ou até mesmo da legislação ordinária art 1723 do CC com o propósito de somente admitir a união estável heterossexual Tal linha de raciocínio a par de injusta seria até mesmo pretensiosa pois partiria da falsa premissa de que o legislador deteria o místico poder de prever todas as multifárias formas de família que pululam em uma sociedade a fim de consagrar determinadas entidades e proibir outras também merecedoras de tutela pela simples ausência de menção expressa Com propriedade a respeito desse tema prelecionam CRISTIANO CHAVES e NELSON Rosenvald Efetivamente a união entre pessoas homossexuais poderá estar acobertada pelas mesmas características de uma entidade heterossexual fundada basicamente no afeto e na solidariedade Sem dúvida não é a diversidade de sexos que garantirá a caracterização de um modelo familiar pois a afetividade poderá estar presente mesmo nas relações homoafetivas 336 Muito bem Firmado o caráter relativo do requisito dualidade de sexos enfrentemos outros elementos que permitam caracterizar uma união estável 22 Elementos caracterizadores essenciais Da redação do já transcrito art 1723 do CC2002 que se refere a uma convivência pública contínua e duradoura bem como de tudo quanto aqui exposto é possível sintetizar quatro elementos caracterizadores essenciais da união estável a saber a publicidade b continuidade c estabilidade d objetivo de constituição de família Vejamos cada um deles separadamente 221 Publicidade O primeiro elemento caracterizador essencial da união estável é a publicidade da convivência 337 Com efeito não é razoável imaginar que um relacionamento que se trava de maneira furtiva possa ser considerado um núcleo familiar A ideia de o casal ser reconhecido socialmente como uma família em uma convivência pública é fundamental para a demonstração eventualmente judicial da existência de uma união estável Atenta contra tal ideia a concepção de um relacionamento clandestino Esse elemento permite diferenciar a união estável por exemplo de um caso relacionamento amoroso com interesse predominantemente sexual sem intenção de constituição de família 222 Continuidade Outro importante elemento caracterizador da união estável é o seu caráter contínuo Relacionamentos fugazes sem animus de permanência e definitividade por mais intensos que sejam e há paixões arrebatadoras que não duram mais do que uma noite ou um carnaval não têm o condão de se converter em uma modalidade familiar Este é um elemento que permite diferenciar à primeira vista a união estável de mero namoro ainda que se reconheça que há certos namoros que de tão longos são conhecidos jocosamente como casamentos por usucapião o que obviamente não se reconhece como fato que origine efeitos jurídicos salvo na hipótese de uma legítima e inquestionável expectativa de constituição de família 338 A união estável não se coaduna com a eventualidade pressupondo a convivência contínua sendo justamente por isso equiparada ao casamento em termos de reconhecimento jurídico 223 Estabilidade O terceiro elemento essencial para a caracterização da união estável é a convivência duradoura entre os sujeitos A exigibilidade dessa circunstância é intuída até mesmo do adjetivo estável que qualifica essa relação Este elemento permite também diferenciar a união estável do fenômeno moderno da ficada que já foi objeto de nossas reflexões em tópico anterior 339 224 Objetivo de constituição de família O principal e inafastável elemento para o reconhecimento da união estável sem sombra de dúvidas é o teleológico ou finalístico o objetivo de constituição de família Este seguramente não poderá faltar Isso porque o casal que vive uma relação de companheirismo diferentemente da instabilidade do simples namoro realiza a imediata finalidade de constituir uma família como se casados fossem Essa aparência de casamento essa finalidade de constituição de um núcleo estável familiar é que deverá ser investigada em primeiro lugar pelo intérprete ao analisar uma relação apontada como de união estável Tratase da essência do instituto no novo sistema constitucionalizado diferenciando uma união estável de uma relação meramente obrigacional Ausente essa finalidade imediata de constituição de família portanto a tessitura do núcleo se desfaz resultando na instabilidade típica de um simples namoro como sabiamente inclusive já assentou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul APELAÇÃO CÍVEL UNIÃO ESTÁVEL REQUISITOS INSUFICIÊNCIA DE PROVAS Para a caracterização da união estável é imprescindível a existência de convivência pública contínua duradoura e estabelecida com objetivo de constituir família No caso dos autos o relacionamento ostentou contornos de um namoro inexistindo portanto o objetivo de constituição de família Sentença de improcedência mantida Recurso improvido TJRS Apelação Cível 70034815902 Rel Claudir Fidelis Faccenda julgado em 1832010 8ª Câm Cív Percebese portanto a tênue e sutil fronteira existente entre um simples namoro relação instável sem potencial repercussão jurídica e uma relação de companheirismo relação estável de família com potencial repercussão jurídica E precisamente por conta do receio de caírem na malha jurídica da união estável muitos casais brasileiros convencionaram celebrar em Livro de Notas de Tabelião o denominado contrato de namoro negócio jurídico firmado com o nítido propósito de afastar o regramento do Direito de Família Mas conforme já observado ao longo deste capítulo a união estável é um fato da vida e como tal se configurada não será uma simples declaração negocial de vontade instrumento hábil para afastar o regramento de ordem pública que rege este tipo de entidade familiar Pensamos com isso que o inusitado contrato de namoro poderá até servir para auxiliar o juiz a investigar o animus das partes envolvidas mas não é correto considerálo numa perspectiva hermética e absoluta uma espécie de salvoconduto dos namorados E essa aferição deverá ser feita com prudência pelo julgador no caso concreto Compreendidos os elementos essenciais para a caracterização da união estável passemos a enfrentar no próximo subtópico alguns outros elementos que embora acidentais auxiliam em sua caracterização 23 Elementos acidentais Chamamos de elementos acidentais as circunstâncias de fato que embora não sejam essenciais para a caracterização da união estável facilitam a sua demonstração judicial reforçando imensamente a tese da sua existência É o caso do tempo de convivência a existência de prole ou a exigência de coabitação Notese de logo no vigente sistema codificado civil não haverem sido consagrados critérios objetivos para o reconhecimento do vínculo diferentemente do que fizera a Lei n 8971 de 1994 a qual como vimos acima exigiu um tempo mínimo de convivência mais de 5 anos 340 ou a existência de prole comum A configuração da união estável portanto no Código Civil de 2002 na mesma vereda da Lei n 9278 de 1996 poderá se dar qualquer que seja o tempo de união do casal e bem assim quer existam ou não filhos comuns Se por um lado levantase o argumento crítico no sentido da insegurança gerada pela ausência de um critério temporal por outro afirmase que a exigência de um lapso mínimo desembocaria em situações de inequívoca injustiça a exemplo do casal que não teve a união estável reconhecida por terem desfeito o vínculo dias antes de atingirem o limite mínimo de tempo E nesse contexto cumprenos acrescentar ainda que a coabitação entendida como a convivência sob o mesmo teto também não se afigura indispensável posição já consolidada há muito no próprio Supremo Tribunal Federal SÚMULA 382 A vida em comum sob o mesmo teto more uxorio não é indispensável à caracterização do concubinato Na linha de entendimento desta súmula concluise que mesmo vivendo em casas separadas o casal pode haver constituído a união estável Ora uma pergunta nesse ponto pode ser feita se não existe tempo mínimo exigido para a caracterização do vínculo se a prole comum não se faz indispensável se a coabitação também se afigura despicienda como afinal poderemos reconhecer com segurança a caracterização da união estável Logicamente que tais elementos tempo de convivência prole e coabitação quando existentes ou concorrentes poderão reforçar o reconhecimento da tese mas somente a análise de cada detalhe do caso concreto pode ensejar uma resposta 3 IMPEDIMENTOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL O legislador brasileiro é categórico ao afirmar que a união estável não se constituirá caso concorram qualquer dos impedimentos constantes no art 1521 341 Art 1723 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher configurada na convivência pública contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art 1521 não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente grifos nossos Assim uma relação entre dois irmãos ou qualquer outra forma incestuosa impedidos portanto de casar não se subsumiria no conceito de união estável desembocando na árida regulamentação do simples concubinato Notese que de acordo com a ressalva constante na parte final do dispositivo não configurará óbice ao reconhecimento da união estável o fato de um dos companheiros ainda estar oficialmente casado desde que esteja separado de fato ou judicialmente Querse com isso dizer que pessoas casadas uma vez separadas de fato ou mediante sentença judicial embora ainda impedidas de convolar novas núpcias já podem constituir união estável Aliás quantos milhares de casais no Brasil encontramse nesta situação um dos companheiros ainda oficialmente casado com terceiro mas já integrante de um núcleo estável afetivo há vários anos Claro está que tal dispositivo quanto a separação judicial a partir da aprovação da Emenda do Divórcio Emenda Constitucional n 662010 só terá utilidade em face de pessoas que já estavam separadas ao tempo da sua vigência uma vez que conforme escreveu PABLO STOLZE GAGLIANO ainda na fase de discussão da PEC 282009 tais pessoas não se converteriam em divorciadas por um simples passe de mágica É iminente a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional n 28 de 2009 numeração no Senado a usualmente denominada PEC do Divórcio que pretende modificar o art 226 6º da CF O texto de sua redação original era o seguinte 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso na forma da lei Suprimiuse posteriormente a expressão na forma da lei constante na parte final do dispositivo sugerido Esta supressão aparentemente desimportante revestiuse de grande significado jurídico Caso fosse aprovada em sua redação original correríamos o sério risco de minimizar a mudança pretendida ou o que é pior tornála sem efeito pelo demasiado espaço de liberdade legislativa que a jurisprudência poderia reconhecer estar contida na suprimida expressão Vale dizer aprovar uma emenda simplificadora do divórcio com o adendo na forma da lei poderia resultar em um indevido espaço de liberdade normativa infraconstitucional permitindo interpretações equivocadas e retrógradas justamente o que a proposta quer impedir Melhor portanto a sintética redação atual O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio Da sua leitura constatamos duas modificações de impacto acabase com a separação judicial de forma que a única medida juridicamente possível para o descasamento seria o divórcio e extinguese também o prazo de separação de fato para o divórcio direto eis que não há mais referência à separação de fato do casal há mais de dois anos Nesse contexto instigante questionamento que certamente assolará os Tribunais do País diz respeito à situação das pessoas judicialmente separadas ao tempo da promulgação da Emenda Ora com o desaparecimento do instituto da separação qual será o seu estado civil Não temos dúvida de que as pessoas já separadas ao tempo da promulgação da Emenda não podem ser consideradas automaticamente divorciadas Não haveria sentido algum Aliás este entendimento a par de gerar grave insegurança jurídica resultaria no desagradável equívoco de se pretender modificar uma situação jurídica consolidada segundo as normas vigentes à época da sua constituição sem que tivesse havido manifestação de qualquer das partes envolvidas Ademais é de bom alvitre lembrar que uma modificação assim pretendida caída do céu culminaria por transformar o próprio estado civil da pessoa até então separada Como ficariam por exemplo as relações jurídicas travadas com terceiros pela pessoa até então judicialmente separada Além disso a alteração da norma constitucional não teria o condão de modificar uma situação jurídica perfeitamente consolidada segundo as regras vigentes ao tempo de sua constituição sob pena de se gerar como dito perigosa e indesejável insegurança jurídica Em síntese a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional as pessoas judicialmente separadas por meio de sentença proferida 342 ou escritura pública lavrada 343 não se tornariam imediatamente divorciadas exigindoselhes o necessário pedido de decretação do divórcio para o que por óbvio não haveria mais a necessidade de cômputo de qualquer prazo Respeitase portanto com isso o próprio ato jurídico perfeito 344 Frisese ainda que a teor do 2º do art 1723 as causas suspensivas do art 1523 não impedirão a caracterização da união estável Conforme já estudamos configurada qualquer dessas causas 345 impõese ao casal a adoção necessária do regime de separação obrigatória de bens Nesse diapasão como dito para aqueles que convivam em união estável essa normatização impositiva não se lhes aplicaria 4 EFEITOS PESSOAIS DA UNIÃO ESTÁVEL DIREITOS E DEVERES DOS COMPANHEIROS Assim como ocorre no casamento os partícipes da união estável devem observar direitos e deveres recíprocos em suas relações pessoais É o que dispõe o art 1724 Art 1724 As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade respeito e assistência e de guarda sustento e educação dos filhos Decompondoo para melhor compreensão da matéria teríamos a dever de lealdade b dever de respeito c dever de assistência d dever de guarda sustento e educação dos filhos Sob o prisma ontológico ou essencial diferença não há entre esses deveres e os decorrentes do casamento Da mesma forma para cada dever corresponderá um direito equivalente de exigibilidade de conduta compatível O dever de lealdade compreensivo do compromisso de fidelidade sexual e afetiva remetenos à ideia de que a sua violação aliada à insuportabilidade de vida em comum poderá resultar na dissolução da relação de companheirismo Com isso no entanto conforme já vimos não se conclua que posto que a monogamia seja uma nota característica do nosso sistema 346 a fidelidade traduza um padrão valorativo absoluto visto que poderá ser flexibilizada por decisão do casal a exemplo do que se dá nas situações de poliamorismo 347 O dever de respeito fala por si só e dada a sua grandeza é difícil de ser aprendido por meio de standards jurídicos tradicionais O fato é que em toda e qualquer relação inclusive na de união estável o respeito recíproco é pressuposto da própria afetividade justificando a existência do próprio vínculo Nesse particular frisese interessa notar que tal dever já havia sido consagrado na Lei n 9278 de 1996 art 2º I que disciplinou os efeitos jurídicos da união estável e agora com a edição do Código Civil de 2002 também mereceu referência expressa em face das pessoas casadas O dever de assistência por sua vez pode ser traduzido não apenas na mutualidade material de apoio alimentar mas também sob prisma mais profundo no auxílio espiritual e moral necessariamente existente entre os companheiros ao longo de toda a união Finalmente o dever de guarda sustento e educação dos filhos vale relembrar assim como se dá no casamento é decorrência do próprio poder familiar como bem observam CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD In fine temse o dever de guarda sustento e educação dos filhos Não nos parece porém cuidar essa hipótese de um efeito tipicamente matrimonial Efetivamente a guarda sustento e educação da prole parece estar mais razoavelmente ligada aos deveres decorrentes da paternidade ou maternidade que por lógico independem da existência ou não de um casamento 348 Com isso concluímos que a sua permanência no Código Civil de 2002 entre os deveres decorrentes da união estável tal como no matrimônio não deve ser entendida como uma previsão adstrita especificamente à relação entre companheiros mas sim como a simples reverberação de um importante dever de matriz muito mais genérica advinda do próprio vínculo paterno ou maternofilial Frisese por fim que o rol de deveres decorrentes da união estável diferentemente do quanto disposto para o casamento art 1566 não faz menção ao dever de coabitação Com isso concluímos consoante já afirmado ao longo deste capítulo que o dever de convivência sob o mesmo teto é dispensável à luz da já estudada Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal ainda vigente 349 5 EFEITOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL REGIME DE BENS Vimos acima que um dos desdobramentos do dever de assistência é a obrigação de amparar materialmente o companheiro a qual compreenderia o dever de prestar alimentos Tal obrigação tem também inequívoco conteúdo patrimonial por derivar de um dever puro de família ou seja da própria condição pessoal de companheiro Assim neste tópico cuidaremos de analisar um aspecto patrimonial específico e sobremaneira importante decorrente da união estável o regime de bens entre os companheiros Esta matéria amigo leitor passou por três fases distintas na história do nosso Direito Em um primeiro momento nos primórdios da evolução do instituto não havia espaço para se falar em disciplina patrimonial de bens pelo simples fato de que a união estável então denominada concubinato vagava no limbo da invisibilidade jurídica ofuscada pela primazia absoluta do casamento Com o passar dos anos ao longo do século XX em virtude dos diversos fatores estudados no tópico supra dedicado ao escorço histórico do tema 350 a concubina em um lento processo de reconhecimento jurídico começa a dar os primeiros passos para fora dos bastidores do esquecimento e passa a gozar de alguma proteção ainda que no campo do Direito Previdenciário Na seara do Direito Civil outrossim mesmo que houvesse constituído um inegável núcleo estável de afeto ao longo dos anos a companheira era relegada covardemente ao segundo plano situação esta que somente experimentaria mudança quando os Tribunais do País sem reconhecêla ainda como partícipe de um núcleo familiar passaram a admitir o direito à indenização por serviços prestados Tal direito não se amparava em norma de natureza familiarista até porque não tinha índole alimentar e somente era reconhecido para evitar o enriquecimento sem causa de seu companheiro que ao longo dos anos de convivência direta ou indiretamente houvera se beneficiado pela realização dos serviços domésticos que a sua companheira prestou Confirase no STJ Concubinato Serviços prestados Indenização São indenizáveis os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro ainda que decorrentes da própria convivência Precedentes Recurso especial conhecido em parte e provido REsp 88524SP Rel Min Barros Monteiro julgado em 1761999 DJ 2791999 p 99 4ª Turma Tratavase pois em essência de uma ação indenizatória de serviços domésticos prestados não sexuais para evitar o locupletamento ilícito em outras palavras típica actio de in rem verso cujo prazo prescricional da pretensão reparatória à época seria de 20 anos Ora não existia mormente no regramento do época ação específica nenhuma que tutelasse a companheira sob o prisma patrimonial Todas as vezes que se identificar um enriquecimento sem causa mesmo na hipótese de não ter havido propriamente pagamento indevido é cabível a ação de in rem verso que em geral contém pretensão indenizatória e se submete às normas legais do procedimento ordinário do Código de Processo Civil Portanto concorrendo os requisitos supraelencados e em face da inexistência de outro meio específico de tutela a ação de enriquecimento ilícito in rem verso era uma alternativa à parte prejudicada pelo espúrio enriquecimento da outra Durante muitos anos pois a ação indenizatória por serviços domésticos prestados típica actio de in rem verso para evitar enriquecimento sem causa fora o único instrumento de amparo material reconhecido à companheira necessitada atuando em verdade na prática como uma alternativa à ação de alimentos que o sistema jurídico injustamente não lhe reconhecia Mas a jurisprudência evoluiria em um segundo momento para admitir o reconhecimento de uma sociedade de fato entre os companheiros de maneira que a companheira deixasse de ser mera prestadora de serviços com direito a simples indenização para assumir a posição de sócia na relação concubinária com direito a parcela do patrimônio comum na proporção do que houvesse contribuído Segundo ARNOLDO WALD É necessário lembrar que a jurisprudência sobre a sociedade de fato surgiu no direito brasileiro pela primeira vez para favorecer os casais de imigrantes estrangeiros que tinham convolado núpcias especialmente na Itália sob o regime da separação de bens e que constituíram um patrimônio comum no Brasil sentindo os Tribunais a injustiça de não se atribuir à mulher parte do patrimônio comum embora estivesse o mesmo em nome do marido 351 Nessa linha o Supremo Tribunal Federal que já havia editado súmula admitindo o direito da companheira à indenização por acidente de trabalho ou transporte do seu companheiro se não houvesse impedimento para o matrimônio Súmula 35 avançaria mais ainda para reconhecer na Súmula 380 direito à partilha do patrimônio comum Relembremos tal marco jurisprudencial Súmula 380 Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum A contribuição da companheira que em nosso sentir tanto poderia ser direta econômica como em uma visão mais avançada indireta psicológica 352 justificaria pois a demanda voltada à divisão proporcional do patrimônio cujo trâmite seria feito em sede do Juízo Cível como já mencionado haja vista que até então a relação entre os companheiros não era admitida como uma forma de família Veja a aplicação da referida Súmula na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça REsp Processo civil Civil Princípio da identidade física do juiz Concubinato impuro Súmula 380 do STF Súmula 7 do STJ 1 O afastamento por qualquer motivo do Juiz responsável pela colheita da prova oral em audiência autoriza a teor da letra do art 132 do Código de Processo Civil seja a sentença proferida pelo seu sucessor que decidirá acerca da necessidade ou não da repetição do ato Atenuação legal do princípio da imediação 2 Admite o entendimento pretoriano a possibilidade da dissolução de sociedade de fato ainda que um dos concubinos seja casado situação aliás não impeditiva da aplicabilidade da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal que no entanto reclama haja o patrimônio cuja partilha se busca tenha sido adquirido pelo esforço comum 3 A negativa pelas instâncias ordinárias da existência deste esforço comum inclusive quanto à prestação de serviços domésticos inviabiliza o trânsito do especial pela necessidade de investigação probatória com incidência da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça 4 Recurso especial não conhecido REsp 257115RJ Rel Min Fernando Gonçalves julgado em 2962004 DJ 4102004 p 302 4ª Turma Processo Civil Recurso Extraordinário convertido em especial Decisão do Supremo Tribunal Federal restringindo o exame da admissibilidade a divergência quanto a matéria infraconstitucional Adstrição no julgamento Direito Civil Concubinato Sociedade de fato Partilha de bens Necessidade da participação na formação do acervo patrimonial Enunciado n 380 da SúmulaSTF Dissídio inocorrente Enunciado n 7 SúmulaSTJ I Recebidos os autos de Recurso Extraordinário convertido em especial com decisão do Supremo Tribunal Federal limitando seu exame a alegada divergência jurisprudencial quanto a matéria infraconstitucional somente sobre esse tema incide o julgamento II A simples convivência more uxorio não gera a sociedade de fato e o consequente direito a partilha de bens pela sua dissolução indispensável a participação ainda que indireta na formação do acervo patrimonial pela conjugação de esforços eou recursos financeiros III Se o acórdão nega que tenha a recorrente colaborado com dinheiro ou com esforços na aquisição do patrimônio cuja partilha pleiteia tendo por incomprovada a sociedade de fato entre os concubinos não se configura a divergência com o enunciado n 380 da SúmulaSTF e com os paradigmas que admitem a participação indireta da mulher como caracterizadora daquela sociedade IV O entendimento do tribunal de origem calcado no exame dos fatos da causa não desafia desconstituição em sede de recurso especial por incidência do verbete n 7 da Súmula desta corte REsp 11660SP Rel Min Sálvio de Figueiredo Teixeira julgado em 1º3 1994 DJ 2831994 p 6324 4ª Turma Note a mudança caro leitor a companheira deixaria de ser tratada como mera prestadora de serviços com direito à indenização pelos serviços domésticos prestados para ser tratada como sócia com direito a parcela do patrimônio comum que ajudou a amealhar ao longo da subsistência da sociedade de fato O que não se poderia admitir por óbvio seria uma cumulação aditiva de pedidos indenização por serviços prestados e parcela do patrimônio comum Os pedidos eram excludentes de maneira que a companheira formularia um pedido ou outro mormente por conta de não serem compatíveis no caso as condições de prestadora de serviços e de sócia A nossa Constituição Federal todavia conforme vimos detidamente em todo este capítulo modificaria profundamente esse cenário retirando o até então chamado concubinato puro entre pessoas desimpedidas ou separadas de fato da zona do Direito das Obrigações para reconhecerlhe dignidade constitucional alçandoo ao patamar de instituto do Direito de Família consoante se depreende da leitura do já multicitado 3º Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento do art 226 da nossa Carta Magna Seguindo pois esse referido mandamento constitucional duas importantes e já citadas leis foram editadas a Lei n 8971 de 1994 que regulou os direitos dos companheiros aos alimentos e à sucessão e a Lei n 9278 de 1996 que revogou parcialmente o diploma anterior ampliando o âmbito de tutela dos companheiros Ora e o que teria ocorrido a partir da edição desses diplomas no âmbito da disciplina patrimonial da união estável A Súmula 380 teria sido revogada Consagrouse um novo regime de bens Em verdade a Lei n 9278 de 1996 cuidaria de em seu art 5º estabelecer não propriamente um regime de bens típico mas sim uma disciplina patrimonial própria para a união estável o que até então somente era feito pela jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal Súmula 380 Art 5º Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes na constância da união estável e a título oneroso são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum passando a pertencer a ambos em condomínio e em partes iguais salvo estipulação contrária em contrato escrito 1º Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união 2º A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos salvo estipulação contrária em contrato escrito grifo nosso Notese que na linha da referida súmula estabeleceuse uma presunção de esforço comum em face dos bens móveis ou imóveis adquiridos em conjunto ou separadamente no curso da união a título oneroso E a divisão seria equânime como em um regime de condomínio cada companheiro teria direito à metade desses bens excluindose aqueles adquiridos a título gratuito ou por causa anterior à união O único meio conforme referido na parte final do caput do dispositivo analisado de se evitar a incidência da norma seria a celebração de um contrato escrito em sentido contrário juridicamente denominado contrato de convivência Por meio desse contrato portanto pactuado segundo o princípio da autonomia privada as partes poderiam disciplinar diversamente os efeitos patrimoniais derivados da sua união Entretanto é de bom alvitre observar que essa presunção legal de esforço comum base do direito à meação somente seria aplicável aos bens adquiridos sob a vigência da Lei n 9278 de 1996 uma vez que como se sabe a lei civil não poderia ter retroatividade para alcançar situações findas anteriormente à sua entrada em vigor O próprio Superior Tribunal de Justiça já havia inclusive assentado essa ideia Civil União estável Dissolução ocorrida antes da Lei n 9278 de 1996 Partilha levada a efeito na proporção do esforço de cada companheiro Recurso especial não conhecido REsp 301705MG Rel Min Ari Pargendler julgado em 26112001 DJ 1822002 p 415 3ª Turma Assim efeitos patrimoniais anteriores à entrada em vigor da Lei de 1996 continuariam obviamente a ser regidos pela Súmula 380 do STF segundo a prova da contribuição direta ou indireta de cada companheiro Finalmente com a entrada da aprovação do Código Civil de 2002 a matéria experimentaria nova reviravolta Isso porque o art 1725 do vigente Código Civil pondo por terra o art 5º da Lei n 9278 de 1996 353 passaria a explicitamente adotar o regime da comunhão parcial de bens para disciplinar os efeitos patrimoniais decorrentes da união estável Art 1725 Na união estável salvo contrato escrito entre os companheiros aplicase às relações patrimoniais no que couber o regime da comunhão parcial de bens Assim tal como no casamento os companheiros seriam regidos pela comunhão parcial dos bens de maneira que mutatis mutandis todas as normas reguladoras deste regime estudadas aqui em capítulo anterior passariam a ter incidência na relação estável ressalvada a hipótese de as partes haverem firmado um contrato de convivência em sentido contrário Só é correto portanto dizer que sob o prisma eminentemente técnico os companheiros passaram a ter regime legal de bens a partir da edição do nosso Código Civil Caso entretanto pretendam afastar o regime da comunhão precisarão como dito firmar por escrito negócio jurídico em sentido contrário Em outras palavras o denominado contrato de convivência traduz verdadeiro pacto firmado entre os companheiros por meio do qual são disciplinados os efeitos patrimoniais da união a exemplo da adoção de regime de bens diverso daquele estabelecido por lei Nesse caso o vínculo não é negado Muito pelo contrário É voluntariamente reconhecido e amigavelmente disciplinado Mas vale lembrar com FRANCISCO CAHALI em clássica e pioneira obra do Direito brasileiro que O contrato de convivência não tem força para criar a união estável e assim tem sua eficácia condicionada à caracterização pelas circunstâncias fáticas da entidade familiar em razão do comportamento das partes Vale dizer a união estável apresentase como conditio juris ao pacto de tal sorte que se aquela inexistir a convenção não produz os efeitos nela projetados 354 Também abordando o contrato de convivência pontifica com propriedade ROLF MADALENO É a festejada autonomia da vontade com tratamento diferenciado na união estável particularmente diante da redação colhida do art 1725 do Código Civil que manda aplicar à união estável a comunicação dos bens exclusivamente adquiridos de forma onerosa afastando da mancomunhão presumida os bens havidos a título gratuito ou por fato eventual E esta presunção que em princípio só se faz absoluta sobre os aquestos adquiridos de modo oneroso pode ser livremente relativizada por contrato escrito dos conviventes cogitando em estabelecer em pacto escrito tanto para o futuro quanto para o passado fração diversa da metade ou regime de separação de bens 355 Por todo o exposto concluímos que atualmente salvo contrato escrito em sentido diverso consubstanciado no contrato de convivência o regime de bens aplicável à união estável no Brasil é o da comunhão parcial E mais Em nosso pensar mesmo que um dos companheiros conte com mais de 70 anos registrese que a Lei n 12344 de 9122010 aumentou de 60 sessenta para 70 setenta anos a idade a partir da qual se torna obrigatório o regime da separação de bens no casamento ainda assim não seria razoável aplicarselhe o regime legal da separação obrigatória a despeito da polêmica em torno do tema 356 não apenas pela potencial inconstitucionalidade de tal interpretação mas também pelo fato de as situações previstas no art 1641 de separação legal de bens no casamento por seu inequívoco caráter restritivo de direito não comportarem interpretação extensiva ou analógica 6 CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO Na vereda aberta pelo art 8º da Lei n 927896 na conformidade da regra constitucional correspondente 3º do art 226 da CF88 dispõe o art 1726 do nosso Código Civil que a união estável poderá converterse em casamento mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil Tal dispositivo deixa claro em primeiro plano reiterando nossa afirmação anterior que união estável posto que ombreada ao casamento com ele não se confunde uma vez que não se poderia converter aquilo que fosse igual O fato é que para pessoas que já vivam em união estável a convolação das núpcias é facilitada dispensandose a formalidade da celebração do ato A título exemplificativo confirase o Provimento n 190 de 2009 da Corregedoria de Justiça do Tribunal de Minas Gerais GABINETE DO CORREGEDORGERAL DE JUSTIÇA PROVIMENTO N 190CGJ2009 Regulamenta a conversão da união estável em casamento e dá outras providências O CorregedorGeral de Justiça do Estado de Minas Gerais no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I e XIV do art 16 da Resolução n 420 de 1º de agosto de 2003 com a redação dada pela Resolução n 530 de 5 de março de 2007 e pela Resolução n 563 de 4 de agosto de 2008 e Resolução n 602 de 15 de junho de 2009 da Corte Superior do Tribunal de Justiça que dispõe sobre o Regimento Interno do Tribunal de Justiça e Considerando a necessidade de adequação da normatização desta Casa Corregedora que regulamenta a conversão da união estável em casamento à norma do art 1726 do Código Civil às normas constantes dos arts 8º e seguintes da Lei n 9278 de 10 de maio de 1996 e à norma do 3º do art 226 da Constituição da República PROVÊ Art 1º Para simples conversão da união estável em casamento devese cumprir o ditame constitucional garantindose o procedimento mais simplificado possível Art 2º Nos termos do art 8º da Lei n 927896 o requerimento da conversão da união estável em casamento deve ser feito junto ao Oficial do Registro Civil Art 3º Para verificar a superação dos impedimentos nos termos do art 1521 do Código Civil e o regime de bens a ser adotado no casamento o Oficial do Registro Civil iniciará processo de habilitação o qual deve ser submetido à homologação do Juiz de Direito na mesma forma do previsto no art 1526 do Código Civil e publicará edital de proclamas Art 4º Uma vez habilitados os requerentes devese registrar a conversão de união estável em casamento prescindindose da celebração e das solenidades previstas nos arts 1533 a 1535 do Código Civil Parágrafo único Do assento não deve constar data de início da união estável não servindo este como prova da existência e da duração da união estável em período anterior à conversão Art 5º Para conversão em casamento com reconhecimento da data de início da união estável deve o pedido ser direcionado ao Juiz de Direito que apurará o fato de forma análoga à justificação prevista nos arts 861 e seguintes do Código de Processo Civil Parágrafo único Reconhecida a união estável o Juiz fará expedir mandado ao Oficial do Registro Civil para que lavre o assento da conversão da união estável em casamento do qual deve constar a data de início de tal união apurada no procedimento de justificação Art 6º Ficam revogados o Provimento n 133CGJ2005 o Provimento n 138CGJ2005 e o Provimento n 184CGJ2008 Art 7º Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação Belo Horizonte 11 de agosto de 2009 a Desembargador Célio César Paduani CorregedorGeral de Justiça Fonte Assessoria de Imprensa Data de publicação 1682009 Nitidamente pois por conta da uma situação de afeto e de vida já consolidada a conversão em casamento para os companheiros operase de forma muito menos burocrática 7 FAMÍLIA MONOPARENTAL Consiste a denominada família monoparental na entidade familiar composta por qualquer dos pais e sua prole A expressão aqui utilizada mono umúnico parental relativo a pais está consagrada pelo uso embora não esteja prevista expressamente no texto da Constituição Federal Sobre o instituto é a lição de EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE Na realidade a monoparentalidade sempre existiu assim como o concubinato se levarmos em consideração a ocorrência de mães solteiras mulheres e crianças abandonadas Mas o fenômeno não era percebido como uma categoria específica o que explica a sua marginalidade no mundo jurídico O primeiro país a enfrentar corajosamente a questão foi a Inglaterra 1960 que impressionada com a pobreza decorrente da ruptura do vínculo matrimonial e com as consequências daí advindas passou a se referir às oneparent families ou loneparent families nos seus levantamentos estatísticos Dos países anglosaxões a expressão ganhou a Europa continental através da França que em 1981 empregou o termo pela primeira vez em um estudo feito pelo Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos INSEE O INSEE francês empregou o termo para distinguir as uniões constituídas por um casal dos lares compostos por um progenitor solteiro separado divorciado ou viúvo Daí a noção se espalhou por toda a Europa e hoje é conhecida e aceita no mundo ocidental como a comunidade formada por quaisquer dos pais homem ou mulher e seus filhos 357 E a casuística do instituto é ampla Por isso no que diz respeito ao momento da sua constituição pode ser ela classificada em originária ou superveniente Na primeira espécie em que a família já se constitui monoparental temse como exemplo mais comum a situação da mãe solteira Salientese que tal situação pode decorrer de múltiplos fatores desde a gravidez decorrente de uma relação casual passando pelo relacionamento amoroso estável que não subsiste ao advento do estado gravídico pelo abandono ou irresponsabilidade do parceiro ou mesmo pelo consenso até inclusive a conhecida produção independente Nessa família monoparental originária devese incluir logicamente a entidade familiar constituída pela adoção em que um indivíduo solteiro independentemente de sexo adota uma criança constituindo um núcleo familiar Já a família monoparental superveniente é aquela que se origina da fragmentação de um núcleo parental originalmente composto por duas pessoas mas que sofre os efeitos da morte viuvez separação de fato ou divórcio Independentemente da espécie ou origem os efeitos jurídicos da família monoparental serão sempre os mesmos notadamente no que diz respeito ao poder familiar e ao estado de filiação Em que pese a existência da previsão constitucional expressa da família monoparental o fato é que ela não dispõe ainda de um diploma normativo regulador próprio com um detalhamento da sua disciplina jurídica como existe nas famílias decorrentes do casamento e da união estável 358 Obviamente reconhecida a sua condição de entidade familiar todas as regras de Direito de Família lhe são aplicáveis não sendo possível se fazer qualquer discriminação ou tratamento diferenciado Assim nas relações parentais incidem todas as regras também aplicáveis ao casamento e à união estável notadamente as referentes ao parentesco e ao exercício do poder familiar Dessa forma não é pelo fato de haver somente um ascendente pai ou mãe que haverá qualquer capitis diminutio do poder familiar o qual será plenamente exercido sem qualquer limitação Destaque especial merece porém o tratamento do Bem de Família na família monoparental A tutela jurídica do bem de família na forma da Súmula 364 do Superior Tribunal de Justiça 359 estendese ao imóvel cuja titularidade é de pessoas solteiras separadas ou viúvas Tratase na nossa visão de uma homenagem ao direito constitucional à moradia explicitado no art 6º da Constituição Federal 360 Nessa linha é evidente que está garantida também a proteção ao imóvel residencial da família monoparental tanto pelo fundamento da ratio da tutela jurídica do bem de família como por óbvio por ser a família monoparental uma entidade familiar protegida constitucionalmente No caso de morte doa genitora ou de todos os filhos da família monoparental irmãos que sobrevivem ao falecimento dos pais operase a sua extinção como núcleo familiar específico Ainda que seja designado tutor pessoa responsável pelos filhos menores tecnicamente não há que se falar em família monoparental ainda que se possa classificar o núcleo subsistente como outra modalidade de entidade familiar Também desaparece a família monoparental quando os filhos constituem novos núcleos familiares permanecendo sozinho o ascendente sem constituir nova família Da mesma forma extinguese a família monoparental obviamente quando o ascendente solitário constitui novo relacionamento ocupando oa novoa cônjuge ou companheiroa o papel vago na bilateralidade parental 8 FAMÍLIA HOMOAFETIVA Qualquer investigação científica que se faça na seara do Direito de Família para bem cumprir o seu desiderato deverá ser desprovida de prévias concepções morais e religiosas Com isso não estamos dizendo que o Direito não dialogue com outras fontes De forma alguma Aliás ao longo de toda esta obra demonstramos sempre a nossa preocupação em expor a matéria à luz de um necessário intercâmbio interdisciplinar com outros campos do conhecimento humano O que estamos a dizer em verdade é que o reconhecimento do núcleo familiar como objeto científico da nossa disciplina não poderia estar sujeito a posições pessoais acerca da forma supostamente mais adequada ou moralmente mais recomendável de se viver pois tal perspectiva a par de ser eminentemente individual careceria da objetividade necessária à correta interpretação jurídica Assim ao analisarmos o fato social da família devemos fazêlo em uma perspectiva imparcial que tome por referência não dogmas religiosos mas sim os princípios jurídicos reguladores da matéria para o bom entendimento da questão Ora se a premissa de todo o nosso raciocínio ao longo deste trabalho fora o caráter socioafetivo e eudemonista do conceito de família seria um indesejável contrassenso agora negarmos o reconhecimento do núcleo formado por pessoas do mesmo sexo Se em nossa concepção jurídica a família é um núcleo moldado pela afetividade vinculativa dos seus membros socioafetiva e além disso traduz a ambiência necessária para que realizem os seus projetos pessoais de felicidade eudemonista como negar aquele arranjo formado por pessoas do mesmo sexo se também aqui essas fundamentais características estariam presentes Afinal se o sistema constitucional de família CF art 226 é aberto inclusivo e não discriminatório como negar este fato da vida sem afronta ao princípio da isonomia Aliás acompanhando tendência verificada em quase todos os países europeus e em boa parte da América é chegada a hora de a legislação brasileira tão avançada em muitos pontos adotar uma postura progressista e por que não dizer justa e finalmente reconhecer a diferença pois assim o fazendo estará reconhecendo a própria vida com todas as suas nuances todos os seus matizes Inicialmente cumprenos frisar que a expressão homossexualismo deve ser evitada porquanto ao simbolizar a superada ideia de doença 361 caracterizada pela utilização do sufixo ismo culminaria por gerar uma indesejável insegurança não apenas terminológica senão também jurídica Na mesma linha também não reputamos adequada a palavra homoerotismo 362 ao menos na perspectiva de um enfrentamento jurídico do tema uma vez que é o vínculo de afeto e não a esfera de sexualidade o referencial maior a ser tomado em consideração pelo jurista para a análise do núcleo familiar Nesse diapasão uma difícil pergunta há de ser feita o que se entende por homossexualidade Nenhuma resposta nesse campo é definitiva Sabemos pelo menos o que a homossexualidade não representa Não é doença nem é perversão devendo qualquer tentativa de enquadramento jurídico nesse sentido ser encarada como uma afronta escancarada ao princípio da dignidade da pessoa humana Tratase em nosso sentir de um modo de ser de interagir mediante afeto eou contato sexual com um parceiro do mesmo sexo não decorrente de uma mera orientação ou opção mas sim derivado de um determinismo cuja causa não se poderia apontar Com isso evitamos a expressão opção sexual pois da mesma forma que o heterossexual não escolhe este modo de vida o homossexual também não Não há um tipo de processo pelo qual as pessoas tornamse homossexuais assim como não existe um único tipo de processo psíquico pelos quais as pessoas tornamse heterossexuais É equivalente ao processo que torna alguém jogador de futebol ou músico Querer encontrar a homossexualidade comum a todos os homossexuais é uma tarefa tão vã quanto querer procurar a politicidade comum a todos os políticos 363 Aliás essa infindável empreitada de se tentar buscar uma causa para a homossexualidade que remonta à própria concepção do pecado em diversas religiões deveria ser substituída por um processo mais humano e solidário de aceitação da diferença Diante de tudo isso temos que longe ainda de se encontrar um padrão comum que justifique e explique a sexualidade humana impõese à sociedade moderna mais do que nunca a aceitação do outro tal como ele é pois somente assim conseguiremos compreender que o ideal de igualdade só é atingido quando se tem a grandeza de se reconhecer a diferença e combater o preconceito 364 Finalmente prefere o Direito nos dias de hoje utilizar a expressão mais precisa e profunda homoafetividade para caracterizar o vínculo que une e justifica a concepção de família derivada do núcleo formado entre pessoas do mesmo sexo Ao sair do limbo da invisibilidade para o qual juntamente com outras formas de família não casamentárias fora condenada a união entre pessoas do mesmo sexo passou a ser enfrentada pela doutrina brasileira com mais frequência Nesse primeiro momento talvez como reflexo do próprio período de ostracismo a que estava submetido esse instituto jurídico experimentou um marcante processo de afirmação terminológica De união homoerótica expressão que consideramos inadequada na perspectiva jurídica passando por união homossexual firmouse finalmente com mais propriedade e razão a terminologia união homoafetiva E é melhor que assim o seja pois as pessoas que integram esse núcleo não estão unidas apenas pelo sexo mas sim e principalmente pelo afeto Nesse contexto podemos então conceituar a união homoafetiva como o núcleo estável formado por duas pessoas do mesmo sexo com o objetivo de constituição de uma família Notese e não se trata de mera coincidência que esse conceito é muito próximo da própria noção de união estável visto que a essência de ambos é a mesma a relação estável afetiva não matrimonializada com uma única diferença a diversidade de sexos Se conforme diz o vetusto e notório adágio onde há a mesma razão deve haver o mesmo direito nesse ponto mais do que nunca o reconhecimento da união estável homoafetiva encontraria sem sombra de dúvidas o mesmo fundamento lógico para a sua admissibilidade jurídica Lamentavelmente o legislador brasileiro não cuidou ainda de regulamentar o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo a despeito de todo avanço normativo experimentado pelo Direito estrangeiro conforme vimos no tópico anterior É bem verdade que a jurisprudência cumprindo o seu papel passou a admitir em favor dos companheiros do mesmo sexo a aplicação das regras da união estável o que ganhou reconhecimento com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4277 Com efeito depois de diversas decisões em todo o país a matéria chegou para apreciação do Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 132 ajuizada pela ProcuradoriaGeral da República PGR e pelo governo do Rio de Janeiro em que se discutiu especificamente se seria possível equiparar a união entre pessoas do mesmo sexo à entidade familiar prevista no art 1723 do Código Civil brasileiro Na histórica sessão do dia 5 de março de 2011 os ministros do STF reconheceram definitivamente a união homoafetiva como uma entidade familiar O julgamento relatado pelo Ministro Ayres Britto foi no sentido de dar ao art 1723 do referido Código interpretação conforme a Constituição Federal e para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar entendida esta como sinônimo perfeito de família 365 Essa é a atual diretriz com a qual concordamos do Supremo Tribunal Federal Todavia ainda há muito a compreender sobre o tema De fato no próprio Supremo Tribunal Federal houve divergência sobre a natureza da união homoafetiva tratarseia de um núcleo existencial subsumível ao conceito vigente de união estável ou de uma outra modalidade de ente familiar 366 Bem nesse profundo contexto pensamos que pouco importa reconhecerse a união homoafetiva como uma união estável ou como uma nova modalidade familiar pois a premissa intransponível e mais relevante é que se trata efetivamente de uma família merecedora de respeito e dado o seu reconhecimento constitucional na perspectiva da dignidade humana também de tutela jurídica com a aplicação analógica das regras atinentes à relação de companheirismo heterossexual com os direitos e deveres daí decorrentes Com isso preservase a dignidade da pessoa humana homenageandose o Estado Democrático de Direito Da mesma forma em que pese a ausência de previsão legal específica o que no nosso entendimento seria o recomendável o casamento homoafetivo tem sido aceito por força da atuação dos Tribunais superando a tradicional exigência da diversidade de sexos como pressuposto de existência o que ganhou especial reforço com a edição da Resolução n 1752013 do CNJ que veda às autoridades competentes a recusa de habilitação celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo 367 De qualquer maneira o que temos nos dias de hoje a despeito do avanço pretoriano revelado inclusive em pioneiras normas regulamentares internas dos Tribunais de Justiça 368 é uma incômoda situação de fluidez ou insegurança jurídica diante da omissão reprovável do legislador em disciplinar esse tipo de união Projetos de lei de fato existem a exemplo do envelhecido PL 1551 de 1995 369 mas ainda permanecem paralisados nas teias burocráticas do nosso parlamento aumentando ainda mais esse preocupante vazio normativo como bem observa MARIA BERENICE DIAS pioneira no enfrentamento do tema Apesar da resistência do legislador o Superior Tribunal de Justiça já garantiu às uniões de pessoas do mesmo sexo acesso à justiça ao afastar a extinção do processo sob o fundamento da impossibilidade jurídica do pedido Quer fazendo analogia com a união estável quer invocando os princípios constitucionais que asseguram o direito à igualdade e o respeito à dignidade o fato é que os avanços vêm se consolidando O Poder Judiciário ainda que vagarosamente tem garantido direitos no âmbito do direito das famílias assistencial e sucessório Inclusive em sede administrativa é deferido por exemplo direito previdenciário por morte bem como visto de permanência ao parceiro estrangeiro quando comprovada a existência do vínculo afetivo com brasileiro Tudo isso no entanto não supre o direito à segurança jurídica que só a norma legal confere Daí a necessidade de buscar a inserção das uniões homoafetivas no sistema jurídico O silêncio é a forma mais perversa de exclusão pois impõe constrangedora invisibilidade que afronta um dos mais elementares direitos que é o direito à cidadania base de um estado que se quer democrático de direito Como não mais cabe continuar tentando a aprovação do projeto da parceria civil registrada com sua redação original lúcida a solução proposta por consenso pelas mais representativas entidades do movimento LBGT Durante o V Seminário Nacional realizado no dia 27 de novembro de 2008 no Senado Federal foi apresentado substitutivo que acrescenta um artigo ao Código Civil Art 1727A São aplicáveis os artigos anteriores do presente Título com exceção do artigo 1726 às relações entre pessoas do mesmo sexo garantidos os direitos e deveres decorrentes 370 Não existe portanto no Brasil ainda lei em sentido estrito que expressamente regule a união homoafetiva de maneira que sempre defendemos em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana a aplicação analógica das regras que disciplinam a união estável Tratase em nosso sentir de uma solução hermenêutica que além de necessária e justa respeita o fato jurídico da união estável em si uma vez que por se afigurar como um fenômeno social eminentemente informal fruto da simples convivência fática e independente de solenidades sacramentais típicas do casamento não se subordina a uma formal observância de diversidade sexual com pressuposto da sua própria existência Em conclusão temos que certamente tende a se consolidar no Brasil a tese segundo a qual é juridicamente possível a aplicação das regras da união estável ao núcleo homoafetivo bem como na esteira da pioneira decisão do STJ REsp 1183378RS relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão a sua conversão em casamento e mais a própria celebração do ato matrimonial não se exigindo a diversidade de sexos como requisito existencial o que ganhou especial reforço com a edição da já mencionada Resolução n 1752013 do CNJ que veda às autoridades competentes a recusa de habilitação celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo 371 Uma disciplina legal explícita da união estável e do casamento homoafetivo pondo uma pá de cal na resistência social ainda existente seria a melhor forma de o Congresso Nacional brasileiro mostrar que também se encontra afinado com a sintonia constitucional reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal 9 FAMÍLIA POLIAFETIVA O poliamorismo ou poliamor admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas em que os seus partícipes conhecemse e aceitamse uns aos outros em uma relação múltipla e aberta Segundo a psicóloga NOELY MONTES MORAES professora da PUCSP a etologia estudo do comportamento animal a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante nas espécies incluindo a humana E apesar de não ser uma realidade bem recebida por grande parte da sociedade ocidental as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo 372 Tratase de uma realidade existente que já é objeto de reflexão da doutrina especializada 373 e que culmina por mitigar pela atuação da vontade dos próprios atores da vida o dever de fidelidade pelo menos na concepção tradicional que a identifica com a exclusividade Há inclusive notícia de jurisprudência nesse sentido A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu que um cidadão viveu duas uniões afetivas com a sua esposa e com uma companheira Assim decidiram repartir 50 do patrimônio imóvel adquirido no período do concubinato entre as duas A outra metade ficará dentro da normalidade com os filhos A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da análise das especificidades do caso Para o Desembargador Portanova a experiência tem demonstrado que os casos de concubinato apresentam uma série infindável de peculiaridades possíveis Avaliou que se pode estar diante da situação em que o trio de concubino esteja perfeitamente de acordo com a vida a três No caso houve uma relação não eventual contínua e pública que durou 28 anos inclusive com prole observou Tal era o elo entre a companheira e o falecido que a esposa e o filho do casamento sequer negam os fatos pelo contrário confirmam é quase um concubinato consentido O Desembargador José Ataides Siqueira Trindade acompanhou as conclusões do relator ressaltando a singularidade do caso concreto Não resta a menor dúvida que é um caso que foge completamente daqueles parâmetros de normalidade e apresenta particularidades específicas que deve merecer do julgador tratamento especial 374 Na mesma linha decisão da Justiça de Rondônia A coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas nas quais as pessoas se aceitem mutuamente motiva a partilha dos bens em três partes iguais segundo decisão inédita dada por um juiz de Rondônia Em uma Ação Declaratória de União Estável o juiz Adolfo Naujorks da 4ª Vara de Família da Comarca de Porto Velho determinou a divisão dos bens de um homem entre ele a esposa com quem era legalmente casado e a companheira com quem teve filhos e conviveu durante quase trinta anos Segundo o juiz a sentença se baseou na doutrina e em precedente da jurisprudência que admite a triação meação que subdivide o patrimônio em partes iguais O juiz ainda fundamentou sua decisão em entendimento da psicologia que chama essa relação triangular pacífica de poliamorismo 375 Assim podemos concluir que posto a fidelidade seja consagrada como um valor juridicamente tutelado não se trata de um aspecto comportamental absoluto e inalterável pela vontade das partes 376 havendo espaço para o reconhecimento jurídico da união poliafetiva377 o que já vem sendo admitido até mesmo extrajudicialmente378 POLIAMORISMO Conceito situação em que uma pessoa mantém simultaneamente relações de afeto paralelas com dois ou mais indivíduos todos cientes da circunstância coexistencial vivenciando pois uma relação sobremaneira aberta LXXIX DIVÓRCIO 1 CONCEITO DE DIVÓRCIO E TRATAMENTO JURÍDICO ATUAL O divórcio é a medida dissolutória do vínculo matrimonial válido importando por consequência a extinção de deveres conjugais Tratase no vigente ordenamento jurídico brasileiro de uma forma voluntária de extinção da relação conjugal sem causa específica decorrente de simples manifestação de vontade de um ou ambos os cônjuges apta a permitir por consequência a constituição de novos vínculos matrimoniais Nesse diapasão portanto detectado o fim do afeto que unia o casal não há qualquer sentido em se tentar forçar uma relação que não se sustentaria mais Numa perspectiva crítica sempre defendemos que caberia à lei somente estabelecer condições ou requisitos necessários para a disciplina das relações afetadas pelo fim do casamento guarda de filhos uso do nome alimentos divisão patrimonial etc pois apenas aos cônjuges e a ninguém mais é dada a decisão do término do vínculo conjugal Por isso tanto para o divórcio quanto para o instituto da separação para os que o defendem a tendência deve ser sempre a sua facilitação e não o contrário E quando nos referimos a uma facilitação não estamos querendo dizer com isso que somos entusiastas do fim do casamento Não é isso O que estamos a defender é que o ordenamento jurídico numa perspectiva de promoção da dignidade da pessoa humana garanta meios diretos eficazes e não burocráticos para que diante da derrocada emocional do matrimônio os seus partícipes possam se libertar do vínculo falido partindo para outros projetos pessoais de felicidade e de vida Um primeiro passo já havia sido dado por meio da aprovação da Lei n 11441 de 2007 que regulou a separação e o divórcio administrativos extrajudiciais em nosso país permitindo que os casais sem filhos menores ou incapazes pudessem consensualmente lavrar escritura pública de separação ou divórcio em qualquer Tabelionato de Notas do País Outro significativo passo veio a ser dado justamente com a promulgação da Emenda Constitucional n 662010 Projeto de Emenda Constitucional n 28 de 2009 a usualmente denominada PEC do Divórcio modificando o 6º do art 226 da CF e determinando uma verdadeira revolução na disciplina do divórcio no Brasil A referida proposta de emenda resultou de iniciativa de juristas do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM abraçada pelo deputado Antônio Carlos Biscaia PEC 41305 e reapresentada posteriormente pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro PEC 3307 O texto de sua redação original era o seguinte 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso na forma da lei Isso porque o divórcio diretamente concedido atende com recomendável imediatidade e plena eficiência aos anseios de quem pretende se livrar de uma relação afetiva falida Se uma crise de valores existe na sociedade moderna e não ousamos discordar diante de tantos exemplos de violação aos mais básicos princípios de convivência social essa malfadada crise do século XXI deve ser atribuída ao ser humano e à sua eterna vocação antropofágica e não ao casamento ou ao divórcio Ao facilitar o divórcio não se está com isso banalizando o instituto do casamento Pelo contrário O que se busca em verdade é a dissolução menos gravosa e burocrática do mau casamento para que os integrantes da relação possam de fato ser felizes ao lado de outras pessoas No Senado Federal já sob o número 28 de 2009 a PEC recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça com pronunciamento favorável do senador Demóstenes Torres Neste ponto um importante aspecto caro leitor deve ser considerado O Projeto aprovado no Senado suprimiu a expressão na forma da lei constante na parte final do dispositivo sugerido passando assim a apresentar a seguinte redação O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio Tal supressão aparentemente desimportante revestese de grande significado jurídico Caso fosse aprovada em sua redação original correríamos o sério risco de minimizar a mudança pretendida ou o que é pior tornála sem efeito pelo demasiado espaço de liberdade legislativa que a jurisprudência poderia reconhecer estar contida na suprimida expressão Vale dizer aprovar uma emenda simplificadora do divórcio com o adendo na forma da lei poderia resultar em um indevido espaço de liberdade normativa infraconstitucional permitindo interpretações equivocadas e retrógradas justamente o que a Emenda quer impedir E isso já aconteceu na história recente do nosso Direito Um erro que não pode ser repetido Quando a anterior Constituição Federal 1967 vedou a prisão civil por dívida ressalvando apenas a decorrente do débito de alimentos e a do depositário infiel manteve a referida expressão na forma da lei o que fez com que respeitável parcela da nossa doutrina e jurisprudência admitisse a possibilidade de a legislação infraconstitucional ampliar as hipóteses de segregação civil justificando assim a prisão do devedor fiduciante 379 hoje já declarada reconhecidamente inconstitucional Por isso reputamos corretíssima a providência de supressão da mencionada frase para que fossem evitados desvios de interpretação da Emenda Aprovada a Emenda Constitucional n 662010 pretendeu fundamentalmente facilitar a implementação do divórcio no Brasil com a apresentação de dois pontos fundamentais a extinção da separação judicial b extinção da exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo matrimonial Em que pese o posicionamento aqui adotado do qual temos plena convicção também respaldado por diversos pensadores brasileiros de escol vários deles aqui citados e por prestigiadas instituições nacionais como o IBDFAM a matéria ainda encontra resistência em parte da doutrina Nesse sentido por amor à dialética vale destacar que a V Jornada de Direito Civil realizada de 8 a 11 de novembro de 2011 no Conselho da Justiça Federal aprovou enunciado com a seguinte redação A EC 662010 não extinguiu a separação judicial e extrajudicial o que foi reforçado pela manutenção da expressão no Código de Processo Civil de 2015 Mas amigo leitor uma certeza temos se no futuro não for efetivamente banida de nosso sistema pelos Tribunais superiores a separação judicial estará fadada ao desuso pelo próprio desinteresse social dada a sua inutilidade Outro aspecto deve ainda ser observado a título de complementação O Conselho Nacional de Justiça reorientou os cartórios sobre o tema acerca da emissão das escrituras públicas de separação e divórcio consensuais Com efeito por meio da Resolução n 1202010 foi revogado o art 53 da Resolução n 352007 que regulava o lapso temporal de dois anos de separação de fato para a realização do divórcio A outra alteração ocorreu no art 52 compreendendose que a emenda permitiu aos cônjuges separados judicialmente converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio diretamente no cartório Tal medida se fez necessária tendo em vista que o CNJ considerou fundamental escoimar dúvidas sobre a alteração constitucional prestigiando ainda o princípio da celeridade o que mereceu aplausos 2 O DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL A modalidade judicial de divórcio é tradicional em nosso Direito porquanto desde a sua consagração na Lei de 1977 sempre se exigiu a instauração de um procedimento litigioso ou amigável perante o Poder Judiciário para a obtenção da dissolução do vínculo Se em décadas passadas essa necessária judicialização do divórcio teve razão de ser em grande parte explicada por conta de uma cultura essencialmente sacramental do matrimônio a sociedade moderna sobretudo após a virada do século resultou por rechaçála Em uma sociedade acentuadamente marcada pela complexidade das relações sociais a inafastável exigência de um processo para a dissolução do vínculo com todas as dificuldades imanentes ao nosso sistema judicial é em nosso sentir uma forma de imposição de sofrimento àqueles que já se encontram possivelmente pelas próprias circunstâncias da vida suficientemente punidos E esse sofrimento falase aqui em strepitus fori prolongase quando a solução judicial em virtude de diversos fatores alheios à vontade do casal não se apresenta com a celeridade devida Para se ter uma ideia no sistema brasileiro usual do divórcio basta que um dos cônjuges resida em outra comarca exigindo a expedição de carta precatória para que a sentença por circunstâncias imprevistas de variada ordem não possa ser proferida no tempo esperado Isso sem mencionar o gigantesco número de processos que a despeito do incessante trabalho de juízes e servidores abarrotam o Poder Judiciário muitos deles aguardando apenas um pronunciamento simples que reconheça o fim do afeto permitindo assim aos cônjuges seguirem as suas novas trilhas de vida Contextualizando o que foi dito e para se ter uma ideia da inegável utilidade do incentivo a um meio alternativo de descasamento concordamos com PAULO LÔBO que um verdadeiro reclamo da sociedade brasileira fora finalmente atendido quando da aprovação do divórcio administrativo 380 Atendendo ao reclamo da comunidade jurídica brasileira e da própria sociedade para desjudicialização das separações conjugais quando não houvesse litígio a Lei n 114412007 introduziu a possibilidade de o divórcio ou a separação consensuais serem feitos pela via administrativa mediante escritura pública 381 E as suas vantagens práticas são inegáveis Um ano e meio após ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Lei n 11441 que leva aos estabelecimentos notariais e registrais os casos consensuais de divórcio inventário e partilhas de bens desde que não envolvam o interesse de menores já é uma realidade A nova legislação trouxe agilidade e economia aos paranaenses facilitando o procedimento o tempo médio para a execução da escritura pública em cartório é de 15 dias dependendo do número de bens envolvidos na questão Os preços também estão mais acessíveis comparados ao procedimento judicial custando até 90 menos ao bolso do cidadão Antes da Lei n 11441 separações e divórcios só podiam ser realizados por juízes nas Varas de Família e Sucessão e o processo era mais demorado Uma separação amigável levava em média dois meses Já com a nova lei pode ser feita no mesmo dia Em casos de inventários sem bens envolvidos o procedimento que levava meses passou a ser feito em cinco dias Em inventários em que existem bens o procedimento é realizado em até 40 dias contra meses pelo modelo anterior Ou seja além de trazer vantagens à população a legislação é uma contribuição ao Judiciário brasileiro que pode concentrar esforços apenas aos casos em que realmente a figura mediadora do juiz se faz necessária para a resolução de conflitos ou respaldar o direito de menores e incapazes 382 Por tudo isso pensamos que o divórcio judicial analisado em seguida deva ser em verdade uma via de exceção reservado a situações especiais para que com isso se possa incentivar o acesso mais simples rápido e direto à forma administrativa de dissolução do vínculo 383 Melhor para a sociedade melhor para o próprio Judiciário Atendendo ao clamor da sociedade na busca da desburocratização de procedimentos foi editada a Lei n 11441 de 4 de janeiro de 2007 estabelecendo normas disciplinadoras da separação divórcio e inventário por escritura pública Indubitavelmente consiste a referida lei em um marco na busca de soluções extrajudiciais para a prática de atos jurídicos onde não há litigiosidade Sua iniciativa se deu através do Projeto de Lei n 155 de 2004 de autoria do senador baiano César Borges A proposta original inclusive se limitava à autorização do inventário extrajudicial mas na tramitação foi modificado na Câmara dos Deputados convertendose no Projeto Substitutivo n 6416 de 2005 incluindo a disciplina da separação e do divórcio extrajudicial quando não houvesse filhos menores e incapazes A Lei n 114412007 em síntese alterou dispositivos do Código de Processo Civil de 1973 possibilitando a realização de inventário partilha separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa nos seguintes termos Art 1º Os arts 982 e 983 da Lei n 5869 de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil passam a vigorar com a seguinte redação Art 982 Havendo testamento ou interessado incapaz procederseá ao inventário judicial se todos forem capazes e concordes poderá fazerse o inventário e a partilha por escritura pública a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário Parágrafo único O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial Art 983 O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 sessenta dias a contar da abertura da sucessão ultimandose nos 12 doze meses subsequentes podendo o juiz prorrogar tais prazos de ofício ou a requerimento de parte Parágrafo único Revogado Art 2º O art 1031 da Lei n 5869 de 1973 Código de Processo Civil passa a vigorar com a seguinte redação Art 1031 A partilha amigável celebrada entre partes capazes nos termos do art 2015 da Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil será homologada de plano pelo juiz mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas com observância dos arts 1032 a 1035 desta Lei Art 3º A Lei n 5869 de 1973 Código de Processo Civil passa a vigorar acrescida do seguinte art 1124A Art 1124A A separação consensual e o divórcio consensual não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos poderão ser realizados por escritura pública da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e ainda ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei Limitandonos ao corte epistemológico adotado bastanos a interpretação do tema do divórcio extrajudicial já que o estudo do inventário e da partilha ultrapassa a proposta deste livro A primeira observação a ser feita é de que entendemos ter havido uma revogação parcial ou de parcial inconstitucionalidade superveniente a depender da teoria adotada do novo dispositivo em virtude de Emenda do Divórcio De fato extinta a figura da separação em qualquer modalidade seja litigiosa ou consensual não há falar mais também em separação extrajudicial A norma portanto agora somente deve tratar do divórcio Ressalvado nosso posicionamento acerca da inconstitucionalidade da manutenção de uma disciplina processual da separação pois não há que haver procedimento do que não é válido constitucionalmente se outro entendimento for adotado pelo Supremo Tribunal Federal será possível aplicar analogicamente as regras do divórcio administrativo para a separação administrativa Mas sempre consensual por óbvio Isso porque a autorização do divórcio extrajudicial tem como primeira premissa a livre autonomia da vontade dos cônjuges divorciandos em respeito às suas individualidades e preferências É um avanço de cidadania no reconhecimento de que pelo menos para se divorciar os sujeitos não precisam mais da fiscalização estatal sendo efetivos protagonistas de suas vidas e patrimônios Nesse campo o consenso não se limita ao desejo de se divorciar Com efeito a intenção da norma é que a consciência dos outrora cônjuges seja de tal forma que possam especificar desde já como deve se dar a partilha dos bens comuns e a pensão alimentícia 384 Da mesma forma é a sua liberdade que estabelecerá se haverá retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou a manutenção do nome adotado quando se deu o casamento não devendo o Estado intervir também em tão íntima questão Não há que se falar mais também em observados os requisitos legais quanto aos prazos uma vez que não há mais prazos a serem cumpridos para a aquisição do direito de se divorciar Notese que além do consenso o segundo requisito para o exercício do divórcio extrajudicial ou administrativo segundo a letra da lei é a inexistência de filhos menores ou incapazes do casal Registrese todavia que o Código de Processo Civil de 2015 alterou a matéria neste aspecto De fato na forma do seu art 733 o divórcio consensual a separação consensual e a extinção consensual de união estável não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais poderão ser realizados por escritura pública Conforme se observa inseriuse referência à possibilidade de haver nascituro 385 como impeditiva da realização do procedimento administrativo Assim havendo nascituros eou filhos incapazes o procedimento extrajudicial não é autorizado devendo a postulação ser deduzida judicialmente inclusive com a manifestação do Ministério Público 386 Dessa forma parecenos que se omitida a gravidez ou mesmo a existência de filhos incapazes a escritura pública padecerá de nulidade absoluta Vale destacar ainda que a nova norma processual estendeu o procedimento para a extinção consensual de união estável o que é louvável dada a ampla ocorrência dessa modalidade de entidade familiar E quais seriam os requisitos da petição de homologação do divórcio da extinção consensual de união estável ou partindo da ideia da eventual aplicabilidade e utilização do instituto da separação consensual Sobre o tema estabelece o art 731 do Código de Processo Civil de 2015 Art 731 A homologação do divórcio ou da separação consensuais observados os requisitos legais poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges da qual constarão I as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns II as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges III o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas e IV o valor da contribuição para criar e educar os filhos Parágrafo único Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens farseá esta depois de homologado o divórcio na forma estabelecida nos arts 647 a 658 387 Essa possibilidade de fracionamento da postulação com a efetivação do divórcio antes da partilha reflete bem a concepção do divórcio como o exercício de um direito potestativo o que já se antevia pela revogação do art 43 da Lei n 651577 com o advento do vigente Código Civil brasileiro Todavia é importante lembrar que para a celebração de uma nova relação conjugal o agora divorciado enquanto pendente a partilha dos bens do seu casamento anterior terá de se submeter à sanção legal do regime de separação obrigatória de bens na forma do art 1641 I cc o art 1523 do vigente Código Civil brasileiro 388 Tratase realmente de um esforço para a desjudicialização de procedimentos desafogando o Poder Judiciário Tanto isto é verdade que o 1º do mencionado art 733 do Código de Processo Civil de 2015 estabelece expressamente que a escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras o que desburocratiza a vida de quem está buscando reconstruir o seu caminho após o desfazimento da sociedade conjugal Por fim registrese que na forma do 2º do mesmo art 733 do CPC2015 389 a assistência de advogados ou defensor público é obrigatória para a lavratura da escritura pública o que se entende como medida de proteção da livre autonomia da vontade das partes interessadas Salientese que esta disciplina processual veio em boa hora uma vez que considerando a falta de uniformidade na interpretação das regras da Lei n 114412007 tanto no divórcio extrajudicial ou administrativo quanto na revogada separação consensual e no inventáriopartilha o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n 35 de 24 de abril de 2007 que disciplina a aplicação do novo diploma pelos serviços notariais e de registro o que consideramos medida salutar para a busca de uma efetiva segurança e estabilidade das relações jurídicas Posto isso passemos a analisar no próximo tópico o divórcio judicial 3 O DIVÓRCIO JUDICIAL Diversos Estados no mundo senão a maioria consagram a modalidade judicial de divórcio No Brasil o tratamento jurídico tradicional do divórcio exigia o manejo de ação judicial o que deixou de ser exclusivo E como se dava essa modalidade judicial Primeiramente para o adequado entendimento do nosso direito cumprenos lembrar que o divórcio judicial litigioso ou consensual comportava no sistema anterior à Emenda Constitucional n 662010 duas modalidades distintas De fato poderia ser ele direto modalidade mais importante e difundida que exigia apenas a separação de fato do casal ou indireto modalidade menos usual decorrente da conversão de anterior sentença de separação transitada em julgado Tal classificação perdeu o sentido na atualidade pois como dito com a extinção prática do instituto jurídico da separação cujas normas processuais revividas pelo CPC2015 são apenas o réquiem de seu desuetudo todo divórcio se tornou direto devendo ser chamado simplesmente de divórcio sem adjetivo Uma pergunta relevante é com o reconhecimento do divórcio como o exercício de um direito potestativo ainda faz sentido falarse em divórcio judicial litigioso Se não há mais a necessidade de causas objetivas ou subjetivas para o ato de se divorciar qual seria a resistência oponível pelo outro cônjuge a ponto de constituir em uma lide A questão porém se responde de forma simples A atuação judicial em divórcio litigioso será para as hipóteses em que os divorciandos não se acertam quanto aos efeitos jurídicos da separação como a título exemplificativo a guarda dos filhos alimentos uso do nome e divisão do patrimônio familiar É claro que realizando audiência o juiz também terá a oportunidade de certificar a manifestação da vontade das partes valendose também da ideia de conservação da família para verificar se não há a possibilidade de reconciliação Fora tais questões qualquer outra discussão sobre culpa no término da relação conjugal está fora dos limites da lide 4 USO DO NOME PÓSDIVÓRCIO O que dizer quanto ao uso do nome pósdivórcio O art 1578 do Código Civil dispõe Art 1578 O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar I evidente prejuízo para a sua identificação II manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida III dano grave reconhecido na decisão judicial 1º O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar a qualquer momento ao direito de usar o sobrenome do outro 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado Ora com o fim da própria separação judicial e o banimento da culpa em definitivo dos processos de divórcio entendemos que em regra retomase o nome de solteiro A par de não se tratar de posição pacífica uma pesquisa de campo na realidade social e forense demonstrará certamente que o retorno ao nome de solteiro é a diretriz mais adotada Oa divorciandoa anseia por isso Mas nada impede que se mantenha o nome de casado em havendo justificativa razoável na perspectiva da preservação do patrimônio moral e da teoria dos direitos da personalidade Assim concorrendo situações como as que eram previstas no art 1578 do Código Civil como o prejuízo de identificação ou a distinção em face dos nomes dos filhos poderá logicamente ser mantido o nome de casado Tal entendimento respeita em nosso sentir a dimensão existencial de cada cônjuge e o seu direito fundamental ao nome e à identidade 390 O dispositivo codificado que cuida do uso do nome no âmbito do divórcio encontrase em nosso sentir fora de contexto Topograficamente mal localizado Em vez de figurar como um dos parágrafos do art 1580 encontrase inserido no art 1571 que traz regras gerais acerca da dissolução da sociedade conjugal 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão o cônjuge poderá manter o nome de casado salvo no segundo caso dispondo em contrário a sentença de separação judicial A par desta sutil atecnia precisamos compreender a norma em cotejo com outros dispositivos do próprio Código Com o fim da separação judicial e o banimento da culpa em definitivo dos processos de divórcio logicamente que a mantença ou não do nome de casado passará a observar a regra geral no sentido do retorno ao nome de solteiro mantendose o patronímico de casado como dissemos acima por exceção se qualquer das hipóteses previstas nos incisos I a III do art 1578 tomado como referência se configurar I evidente prejuízo para a sua identificação II manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida III dano grave reconhecido na decisão judicial O 1º do referido artigo por seu turno ao dispor que o cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar a qualquer momento ao direito de usar o sobrenome do outro deverá ser interpretado adequadamente extirpandose por tudo o que já dissemos ao longo desta obra o qualificativo inocente Assim independentemente de quem haja sido o responsável pelo fim do matrimônio pois não há que se perquirir a culpa ou a inocência de nenhum dos consortes qualquer das partes poderá a todo tempo optar por retornar ao nome de solteiro mediante procedimento judicial de modificação de nome civil a ser conduzido pelo juízo de direito competente para apreciar questões atinentes a alterações em Registros Públicos A partir da Emenda portanto o uso do nome em nosso sentir no divórcio deverá observar as seguintes regras a se o divórcio é consensual judicial ou administrativo o acordo firmado deverá regular o respectivo direito b se o divórcio é litigioso a regra é no sentido da perda do nome de casado mantendose todavia o patronímico se alguma das hipóteses do art 1578 se configurar Em quaisquer dos casos a culpa não deverá ser critério preponderante na regulação judicial deste direito podendo qualquer dos cônjuges mediante procedimento judicial a todo tempo retomar o seu nome de solteiro LXXX PODER FAMILIAR E GUARDA DE FILHOS 1 CONCEITO DE PODER FAMILIAR O Código Civil de 1916 dispunha em seu art 379 que os filhos legítimos ou legitimados os legalmente reconhecidos e os adotivos estariam sujeitos ao pátrio poder enquanto menores O Código de 2002 aperfeiçoando a matéria rompeu com a tradição machista arraigada na dicção anterior para consagrar a expressão poder familiar Claro está todavia que de nada adiantaria um aprimoramento terminológico desacompanhado da necessária evolução cultural Por isso mais importante do que o aperfeiçoamento linguístico é a real percepção imposta aos pais e mães deste país no sentido da importância jurídica moral e espiritual que a sua autoridade parental ostenta em face dos seus filhos enquanto menores Em conclusão podemos conceituar o poder familiar como o plexo de direitos e obrigações reconhecidos aos pais em razão e nos limites da autoridade parental que exercem em face dos seus filhos enquanto menores e incapazes Notese desde já que essa profunda forma de autoridade familiar somente é exercida enquanto os filhos ainda forem menores e não atingirem a plena capacidade civil 391 2 EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR Durante o casamento e a união estável a teor do que dispõe o caput do art 1631 do CC2002 compete o poder familiar aos pais na falta ou impedimento de um deles o outro o exercerá com exclusividade Por óbvio em outras formas de arranjo familiar havendo filhos o poder familiar também se fará presente nessa mesma linha de intelecção Vale ainda observar na perspectiva constitucional do princípio da isonomia não haver superioridade ou prevalência do homem em detrimento da mulher não importando também o estado civil de quem exerce a autoridade parental 392 E segundo o mesmo dispositivo divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo à luz da regra maior da inafastabilidade da jurisdição 393 Neste ponto anotamos que o Código Civil cuidou de disciplinar o conteúdo dos poderes conferidos aos pais no exercício dessa autoridade parental conforme se verifica do art 1634 do CC2002 Art 1634 Compete aos pais quanto à pessoa dos filhos menores I dirigirlhes a criação e educação II têlos em sua companhia e guarda III concederlhes ou negarlhes consentimento para casarem IV nomearlhes tutor por testamento ou documento autêntico se o outro dos pais não lhe sobreviver ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar V representálos até aos dezesseis anos nos atos da vida civil e assistilos após essa idade nos atos em que forem partes suprindo lhes o consentimento VI reclamálos de quem ilegalmente os detenha VII exigir que lhes prestem obediência respeito e os serviços próprios de sua idade e condição Os seis primeiros incisos são de fácil intelecção e reforçam a linha de entendimento segundo a qual posto o poder familiar traduza uma prerrogativa dos pais a sua existência somente é justificada sob a ótica de proteção do interesse existencial do próprio menor No que tange outrossim ao inciso VII pondera com o equilíbrio de sempre PAULO LÔBO Tenho por incompatível com a Constituição principalmente em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana arts 1º III e 227 a exploração da vulnerabilidade dos filhos menores para submetêlos a serviços próprios de sua idade e condição além de consistir em abuso art 227 4º Essa regra surgiu em contexto histórico diferente no qual a família era considerada também unidade produtiva e era tolerada pela sociedade a utilização dos filhos menores em trabalhos não remunerados com fins econômicos A interpretação em conformidade com a Constituição apenas autoriza aplicála em situações de colaboração nos serviços domésticos sem fins econômicos e desde que não prejudique a formação e educação dos filhos 394 De fato a parte final do dispositivo tal como redigida subverte a lógica do sistema que espera do menor não um potencial imediato de exercício de capacidade laborativa mas sim e principalmente exercício de tarefas compatíveis com o seu estágio de desenvolvimento especialmente no âmbito da sua educação Nesse sentido o art 32 da Convenção sobre os Direitos da Criança Art 32 1 Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico mental espiritual moral ou social 2 Os Estados Partes adotarão medidas legislativas sociais e educacionais com vistas a assegurar a aplicação do presente artigo Com tal propósito e levando em consideração as disposições pertinentes de outros instrumentos internacionais os Estados Partes deverão em particular a estabelecer uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão em emprego b estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego c estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do presente artigo À vista do exposto a exigência de serviços além dos limites do razoável poderá caracterizar a exploração da mão de obra infantil e do adolescente com a aplicação das sanções criminais e civis correspondentes 3 USUFRUTO E ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DE FILHOS MENORES O exercício do poder familiar importa no reconhecimento de prerrogativas aos pais Com efeito enquanto no pleno exercício de tal poder ambos os pais na forma do art 1689 do CC2002 I são usufrutuários dos bens dos filhos II têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade Desse usufruto legal e administração porém alguns bens ficam excluídos na forma do art 1693 do CC2002 I os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento antes do reconhecimento II os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos III os bens deixados ou doados ao filho sob a condição de não serem usufruídos ou administrados pelos pais IV os bens que aos filhos couberem na herança quando os pais forem excluídos da sucessão A representação legal dos filhos menores pelos pais é uma forma de suprimento da sua manifestação de vontade reconhecida em lei que tem por finalidade a preservação dos interesses dos incapazes Assim na forma do caput do art 1690 do CC2002 compete aos pais e na falta de um deles ao outro com exclusividade representar os filhos menores de dezesseis anos bem como assistilos até completarem a maioridade ou serem emancipados Essa representação deve sempre buscar a melhor tutela dos interesses dos menores motivo pelo qual havendo qualquer divergência insanável ou colisão de interesses deverá o Poder Judiciário ser acionado para apresentar a solução como se infere do parágrafo único do referido art 1690 do CC2002 395 bem como da regra cogente do art 1692 do CC2002 396 E nesse campo de conflito de interesses aspectos patrimoniais comumente vêm à tona Talvez por isso estabeleceu o art 1691 do CC2002 Art 1691 Não podem os pais alienar ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos nem contrair em nome deles obrigações que ultrapassem os limites da simples administração salvo por necessidade ou evidente interesse da prole mediante prévia autorização do juiz Parágrafo único Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo I os filhos II os herdeiros III o representante legal Essa limitação da autonomia da vontade dos pais na administração dos bens se justifica exatamente pela busca da preservação dos interesses dos menores Se os bens não são de titularidade dos pais mas sim dos próprios menores a responsabilidade pela eventual dilapidação desse patrimônio sem motivo razoável justificaria a intervenção judicial Vale dizer nas hipóteses previstas no dispositivo supra a autorização judicial prévia é formalidade indispensável para a realização do ato que é portanto na sua omissão nulo de pleno direito o que autorizaria em nosso entender também a legitimidade do próprio Ministério Público 4 EXTINÇÃO SUSPENSÃO E DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR A extinção do poder familiar pode se dar por causa não imputável voluntariamente a qualquer dos pais art 1635 do CC2002 a pela morte dos pais ou do filho b pela emancipação nos termos do art 5º parágrafo único c pela maioridade d pela adoção Verificada qualquer dessas hipóteses o poder familiar sobre o filho deixa de existir No entanto pode ocorrer que em virtude de comportamentos culposos ou dolosos graves o juiz por decisão fundamentada no bojo de procedimento em que se garanta o contraditório 397 determine a destituição do poder familiar na forma do art 1638 do CC2002 Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que a castigar imoderadamente o filho b deixar o filho em abandono c praticar atos contrários à moral e aos bons costumes d incidir reiteradamente em faltas autorizadoras da suspensão do poder familiar Tratase em tais casos de uma verdadeira sanção civil grave e de consequências profundas A forma como foi redigida a previsão do art 1638 remetendo ao inciso IV do art 1637 do CC2002 é uma inovação do vigente Código Civil brasileiro referindose à possibilidade de perda do poder familiar na reiteração de suspensão do poder familiar caso em que o juiz no exercício do poder geral de cautela sem alijar o pai ou a mãe em definitivo da sua autoridade parental obsta o seu exercício Art 1637 Se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos cabe ao juiz requerendo algum parente ou o Ministério Público adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres até suspendendo o poder familiar quando convenha Parágrafo único Suspendese igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão 398 Tratase de uma medida excepcional que visa acautelar a situação dos menores diante do reprovável comportamento dos seus pais 5 GUARDA DE FILHOS Inicialmente frisese que a guarda de que vamos tratar no presente capítulo respeitando os limites metodológicos desta obra não é a medida de colocação em família substituta prevista no ECA 399 mas sim o instituto derivado da própria autoridade parental exercida pelos pais Como vimos a culpa deixou de ser um elemento relevante para o reconhecimento do divórcio 400 Isso também gera repercussões nos efeitos colaterais do término do vínculo conjugal Assim entendemos que a culpa deixou de ser referência também no âmbito da fixação da guarda de filhos Aliás após a promulgação da Constituição de 1988 essa linha de raciocínio já vinha sendo adotada No que toca aos filhos sentido nenhum há em determinar a guarda em favor de um suposto inocente no fim do enlace conjugal Mesmo aqueles que perfilhavam a linha de pensamento de relevância da culpa no desenlace conjugal reconheciam o total descabimento da análise da culpa com o propósito de se determinar a guarda de filhos ou a partilha dos bens Isso porque no primeiro caso interessa tão somente a busca do interesse existencial da criança ou do adolescente pouco importando quem fora o culpado na separação ou no divórcio e no segundo porque a divisão patrimonial operase mediante a aplicação das normas do regime adotado independentemente de quem haja sido o responsável pelo fim da união Vale dizer se não há razão fundada no resguardo do interesse existencial da criança ou do adolescente o cônjuge que apresentar melhores condições morais e psicológicas poderá deter a sua guarda independentemente da aferição da culpa no fim da relação conjugal Claro está todavia que o deferimento dessa guarda unilateral só será possível depois de esgotada a tentativa de implementação da guarda compartilhada Num caso ou noutro vale lembrar o elemento culpa não é vetor determinante para o deferimento da guarda O tema da disciplina legal da guarda dos filhos passou por modificações supervenientes à edição do Código Civil de 2002 Com efeito primeiro foi editada a Lei n 11698 de 13 de junho de 2008 instituindo e disciplinando a guarda compartilhada como uma das modalidades possíveis a ser deferida Posteriormente surgiu a Lei n 13058 de 22 de dezembro de 2014 buscando estabelecer o conceito legal de guarda compartilhada e dispondo sobre sua aplicação tornandoa regra geral no ordenamento jurídico brasileiro Antes de explicar cada modalidade de guarda no nosso sistema vejamos como ficou a atual redação do art 1583 do Código Civil que trata sobre o tema Art 1583 A guarda será unilateral ou compartilhada Redação dada pela Lei n 11698 de 2008 1º Compreendese por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua art 1584 5º e por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto concernentes ao poder familiar dos filhos comuns Incluído pela Lei n 11698 de 2008 2º Na guarda compartilhada o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos Redação dada pela Lei n 13058 de 2014 3º Na guarda compartilhada a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos Redação dada pela Lei n 13058 de 2014 4º VETADO 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos e para possibilitar tal supervisão qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações eou prestação de contas objetivas ou subjetivas em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos Incluído pela Lei n 13058 de 2014 Já cuidamos de mencionar que para efeito da fixação da guarda de filhos há de se levar em conta o interesse existencial da prole e não a suposta responsabilidade daquele que teria dado causa ao fim do casamento Assim imaginese que o sujeito não haja sido um bom marido Enamorouse de outra no curso do matrimônio Mas sempre se comportou como um pai exemplar não permitindo que os seus filhos experimentassem influência perniciosa Ora se no curso do processo judicial em que se discute a guarda dos filhos e isso claro pode ser analisado sim em procedimento de divórcio desde que haja sido cumulado pedido nesse sentido ficar demonstrado que o genitor tem melhores condições para o exercício da guarda poderá obter o deferimento desta No divórcio administrativo como sabemos não há espaço para esse tipo de discussão pois em havendo filhos menores ou incapazes tornase obrigatório o processo judicial com a imprescindível intervenção do Ministério Público 401 Assim volvendo a nossa atenção para os processos judiciais não é demais lembrar que em petições de divórcio a alegação de culpa para efeito de fixação de guarda somente tem sentido se o comportamento atacado interferir na esfera existencial dos filhos Dessa forma se a referida alegação repercutir apenas na esfera jurídica do cônjuge supostamente inocente em nada deverá interferir na decisão do juiz Esse é o melhor entendimento Em geral do ponto de vista teórico temos quatro modalidades de guarda a guarda unilateral ou exclusiva é a modalidade em que um dos pais detém exclusivamente a guarda cabendo ao outro direito de visitas O filho passa a morar no mesmo domicílio do seu guardião b guarda alternada modalidade comumente confundida com a compartilhada 402 mas que tem características próprias Quando fixada o pai e a mãe revezam períodos exclusivos de guarda cabendo ao outro direito de visitas Exemplo de 1º de janeiro a 30 de abril a mãe exercerá com exclusividade a guarda cabendo ao pai direito de visitas incluindo o de ter o filho em finais de semanas alternados de 1º de maio a 31 de agosto invertese e assim segue sucessivamente Notese que há uma alternância na exclusividade da guarda e o tempo de seu exercício dependerá da decisão judicial Não é uma boa modalidade na prática sob o prisma do interesse dos filhos c nidação ou aninhamento espécie pouco comum em nossa jurisprudência mas ocorrente em países europeus Para evitar que a criança fique indo de uma casa para outra da casa do pai para a casa da mãe segundo o regime de visitas ela permanece no mesmo domicílio em que vivia o casal enquanto casados e os pais se revezam na companhia desta Vale dizer o pai e a mãe já separados moram em casas diferentes mas a criança permanece no mesmo lar revezandose os pais em sua companhia segundo a decisão judicial Tipo de guarda pouco comum sobretudo porque os envolvidos devem ser ricos ou financeiramente fortes Afinal precisarão manter além das suas residências aquela em que os filhos moram Haja disposição econômica para tanto d guarda compartilhada ou conjunta modalidade preferível em nosso sistema de inegáveis vantagens mormente sob o prisma da repercussão psicológica na prole se comparada a qualquer das outras Nesse tipo de guarda não há exclusividade em seu exercício Tanto o pai quanto a mãe detêmna e são corresponsáveis pela condução da vida dos filhos 403 O próprio legislador a diferencia da modalidade unilateral Art 1583 1º Compreendese por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua art 1584 5º e por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto concernentes ao poder familiar dos filhos comuns 404 É digno de nota que a partir da Lei n 11698 de 2008 a guarda compartilhada ou conjunta passou a ser a modalidade preferível em nosso sistema passando com a Lei n 13058 de 2014 a ser o regime prioritário salvo manifestação de recusa expressa É a conclusão que se tira da leitura da atual redação do 2º do art 584 do Código Civil brasileiro Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho encontrandose ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar será aplicada a guarda compartilhada salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor Tratase de um avanço na busca de pacificação de conflitos referentes à guarda bem como um estímulo à paternidade responsável Isso porque as suas vantagens como já ficou claro acima são manifestas mormente em se levando em conta não existir a danosa exclusividade típica da guarda unilateral com resultado positivo na dimensão psíquica da criança ou do adolescente que passa a sofrer em menor escala o devastador efeito do fim da relação de afeto que unia os seus genitores Aliás quantos milhares de casais no Brasil antes mesmo da aprovação da Lei da Guarda Compartilhada na prática por força do bom relacionamento mantido já aplicavam o instituto Esse é o ideal em uma solução civilizada e consciente sobre a responsabilidade parental Preocupanos no entanto um aspecto delicado atinente ao tema Na esmagadora maioria dos casos quando não se afigura possível a celebração de um acordo ou seja uma solução madura e negociada soa temerária a imposição estatal de um compartilhamento da guarda pelo simples fato de que o mau relacionamento do casal por si só poderá colocar em risco a integridade dos filhos Por isso caso o juiz não verifique maturidade e respeito no tratamento recíproco dispensado pelos pais é recomendável que somente imponha a medida mediante um acompanhamento interdisciplinar notadamente de ordem psicológica 405 haja vista que um relacionamento profundamente corroído do casal pode gerar um contrassenso no compartilhamento de um direito tão sensível Ou em última ratio não poderá impor a modalidade de guarda conjunta pela absoluta impossibilidade prática LEONARDO MOREIRA ALVES discorre sobre esse tipo de guarda observando as suas vantagens Como é cediço inúmeros são os efeitos traumáticos provocados pela dissolução do casamentounião estável no desenvolvimento psíquico dos filhos menores e um deles notadamente é a perda de contato frequente com um dos seus genitores Nesse sentido verificase que a guarda compartilhada pretende evitar esse indesejado distanciamento incentivando ao máximo a manutenção dos laços afetivos entre os envolvidos acima referidos afinal de contas pai gênero não perde essa condição após o fim do relacionamento amoroso mantido com o outro genitor gênero do seu filho nos termos do art 1632 do Código Civil Nesse contexto impende esclarecer que a guarda compartilhada não pode jamais ser confundida com a chamada guarda alternada esta não recomendável eis que tutela apenas os interesses dos pais implica em exercício unilateral do poder familiar por período determinado promovendo uma verdadeira divisão do menor que convive por exemplo 15 quinze dias unicamente com o pai e outros 15 quinze dias unicamente com a mãe aquela por sua vez altamente recomendável eis que tutela os interesses do menor consiste no exercício simultâneo do poder familiar incentivando a manutenção do vínculo afetivo do menor com o genitor com quem ele não reside Sobre a minoração dos efeitos da dissolução do casamentounião estável dos pais com a maior participação dos mesmos na vida dos seus filhos através da guarda compartilhada assevera Paulo Lôbo A guarda compartilhada é caracterizada pela manutenção responsável e solidária dos direitosdeveres inerentes ao poder familiar minimizandose os efeitos da separação dos pais Assim preferencialmente os pais permanecem com as mesmas divisões de tarefas que mantinham quando conviviam acompanhando conjuntamente a formação e o desenvolvimento do filho Nesse sentido na medida das possibilidades de cada um devem participar das atividades de estudos de esporte e de lazer do filho O ponto mais importante é a convivência compartilhada pois o filho deve sentirse em casa tanto na residência de um quanto na do outro Em algumas experiências bemsucedidas de guarda compartilhada mantêmse quartos e objetos pessoais do filho em ambas as residências ainda quando seus pais tenham constituído novas famílias LÔBO 2008 p 176 De outro lado a guarda compartilhada também possui o importante efeito de impedir a ocorrência do Fenômeno da Alienação Parental e a consequente Síndrome da Alienação Parental capítulo 1 já que em sendo o poder familiar exercido conjuntamente não há que se falar em utilização do menor por um dos genitores como instrumento de chantagem e vingança contra o genitor que não convive com o mesmo situação típica da guarda unilateral ou exclusiva Com efeito essas são justamente as duas grandes vantagens da guarda compartilhada o incremento da convivência do menor com ambos os genitores não obstante o fim do relacionamento amoroso entre aqueles e a diminuição dos riscos de ocorrência da Alienação Parental Desse modo constatase que em verdade a guarda compartilhada tem como objetivo final a concretização do princípio do melhor interesse do menor princípio garantidor da efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente tratandose de uma franca materialização da teoria da proteção integral art 227 da Constituição Federal e art 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente pois é medida que deve ser aplicada sempre e exclusivamente em benefício do filho menor 406 Não temos dúvida de que a guarda compartilhada é o melhor modelo de custódia filial na perspectiva do princípio maior da dignidade da pessoa humana Todavia como já advertimos desde edições anteriores há casais que infelizmente dividem apenas ódio e ressentimento não partilhando uma única palavra entre si Como então nessas situações compartilhar a guarda de uma criança O resultado disso poderá ser o agravamento do dano psicológico e existencial experimentado pelo menor que já sofre pela desconstrução do seu núcleo familiar Por isso invocando os princípios da proteção integral e da dignidade da pessoa humana temos que uma interpretação conforme a Constituição conduznos à firme conclusão de que o juiz não está adstrito cegamente à imposição do compartilhamento quando verificar provável dano à esfera existencial da criança ou do adolescente 407 Raciocínio contrário aliás resultaria arriscamos dizer em uma excessiva judicialização de questões mínimas na medida em que pela manifesta ausência de diálogo o casal submetido a um modelo obrigatório de guarda conjunta com potencial dano ao próprio filho submeteria ao juiz a decisão da cor do sapato da criança Ademais a leitura da justificativa do Projeto do qual se originou a lei sugere que em verdade o legislador posto estivesse cuidando da guarda compartilhada pretendeu tratar da guarda alternada modelo diverso de custódia em que os pais revezam períodos exclusivos em companhia do menor Nesse sentido observa JOSÉ FERNANDO SIMÃO Convívio com ambos os pais algo saudável e necessário ao menor não significa como faz crer o dispositivo que o menor passa a ter duas casas dormindo às segundas e quartas na casa do pai e terças e quintas na casa da mãe Essa orientação é de guarda alternada e não compartilhada A criança sofre nessa hipótese o drama do duplo referencial criando desordem em sua vida Não se pode imaginar que compartilhar a guarda significa que nas duas primeiras semanas do mês a criança dorme na casa paterna e nas duas últimas dorme na casa materna Compartilhar a guarda significa exclusivamente que a criança terá convívio mais intenso com seu pai que normalmente fica sem a guarda unilateral e não apenas nas visitas ocorridas a cada 15 dias nos fins de semana Assim o pai deverá levar seu filho à escola durante a semana poderá com ele almoçar ou jantar em dias específicos poderá estar com ele em certas manhãs ou tardes para acompanhar seus deveres escolares Notese que há por trás da norma projetada uma grande confusão Não é pelo fato de a guarda ser unilateral que as decisões referentes aos filhos passam a ser exclusivas daquele que detém a guarda Decisão sobre escola em que estuda o filho religião tratamento médico entre outras é e sempre foi uma decisão conjunta de ambos os pais pois decorre do poder familiar Não é a guarda compartilhada que resolve essa questão que aliás nenhuma relação tem com a posse física e a companhia dos filhos 408 Esta é mais uma razão para sustentarmos a ideia de que o juiz não está adstrito a impor necessariamente um compartilhamento obrigatório quando se convencer de que não é a melhor solução segundo o melhor interesse existencial da criança ou do adolescente Assim propondo uma sistematização final sobre o tema reconhecemos que a guarda compartilhada é a regra geral e deve ser o regime fixado normalmente pelo juiz até mesmo em guarda provisória 409 mas pode ser excepcionado não somente quando um dos pais recusar expressamente a guarda hipótese prevista expressamente no texto codificado mas também quando verificar que pode haver algum dano à criança ou ao adolescente Finalmente é bom que se diga que não importando se o divórcio fora judicial ou administrativo litigioso ou consensual permanece em vigor sem sombra de dúvidas mesmo após a promulgação da Emenda o quanto dispõe o art 1579 do Código Civil equivalente ao art 27 da Lei n 651577 Lei do Divórcio Art 1579 O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos 410 Parágrafo único Novo casamento de qualquer dos pais ou de ambos não poderá importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo Isso porque como lembram CRISTIANO CHAVES NELSON ROSENVALD e FERNANDA LEÃO BARRETO A nova tábua axiológica de valores inaugurada pela atual Constituição consagra a filiação como um direito de todos os filhos independentemente do modo de concepção ou da natureza da relação que os vincula aos pais CF art 227 e que se desatrela indelevelmente da permanência ou durabilidade do núcleo familiar 411 Aliás a relevância jurídica e a carga cogente dos direitos das crianças e dos adolescentes já havia sido observada por LUIZ EDSON FACHIN A vida jurídica da família saiu do âmbito privado os direitos das crianças e dos adolescentes por exemplo passaram a ser lei exigível mesmo contra a vontade dos pais que ainda têm dificuldade em reconhecer que na educação dos filhos eles também diariamente têm muito a aprender Além disso à liberdade conquistada falta muitas vezes o senso da responsabilidade e do limite 412 Parecenos sem dúvida a melhor compreensão sobre o tema 6 ALIENAÇÃO PARENTAL A expressão síndrome da alienação parental SAP foi cunhada por Richard Gardner Professor do Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de Colúmbia em Nova York EUA em 1985 A Síndrome de Alienação Parental SAP é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação Resulta da combinação das instruções de um genitor o que faz a lavagem cerebral programação doutrinação e contribuições da própria criança para caluniar o genitoralvo Quando o abuso eou a negligência parentais verdadeiros estão presentes a animosidade da criança pode ser justificada e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável 413 Tratase como dito de um distúrbio que assola crianças e adolescentes vítimas da interferência psicológica indevida realizada por um dos pais com o propósito de fazer com que repudie o outro genitor Infelizmente não compreendem esses pais que a utilização do filho como instrumento de catarse emocional ou extravasamento de mágoa além de traduzir detestável covardia acarreta profundas feridas na alma do menor vítima dessa devastadora síndrome PRISCILA FONSECA em estudo sobre o tema afirma com precisão A síndrome da alienação parental não se confunde portanto com a mera alienação parental Aquela geralmente é decorrente desta ou seja a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores provocado pelo outro via de regra o titular da custódia A síndrome da alienação parental por seu turno diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento Assim enquanto a síndrome referese à conduta do filho que se recusa terminante e obstinadamente a ter contato com um dos progenitores que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento a alienação parental relacionase com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho 414 Frequentemente nas disputas de custódia especialmente quando não existe a adoção consensual do sistema de guarda compartilhada essa nefasta síndrome se faz presente marcando um verdadeiro fosso de afastamento e frieza entre o filho vítima da captação dolosa de vontade do alienador e o seu outro genitor Tais cicatrizes se não cuidadas a tempo poderão se tornar profundas e perenes No dizer de JUSSARA MEIRELLES Assim se o filho é manipulado por um dos pais para odiar o outro aos poucos suavemente se infiltrando nas suas ideias uma concepção errônea da realidade essa alienação pode atingir pontos tão críticos que a vítima do ódio já em desvantagem não consegue revertê la 415 E a doutrina especializada cuida ainda de traçar a diagnose diferencial entre a síndrome da alienação parental e o ambiente familiar hostil conforme preleciona MARCO ANTONIO GARCIA DE PINHO A doutrina estrangeira também menciona a chamada HAP Hostile Aggressive Parenting que aqui passo a tratar por AFH Ambiente Familiar Hostil situação muitas vezes tida como sinônimo da Alienação Parental ou Síndrome do Pai Adversário mas que com esta não se confunde vez que a Alienação está ligada a situações envolvendo a guarda de filhos ou caso análogo por pais divorciados ou em processo de separação litigiosa ao passo que o AFH Ambiente Familiar Hostil seria mais abrangente fazendose presente em quaisquer situações em que duas ou mais pessoas ligadas à criança ou ao adolescente estejam divergindo sobre educação valores religião sobre como a mesma deva ser criada etc Ademais a situação de Ambiente Familiar Hostil pode ocorrer até mesmo com casais vivendo juntos expondo a criança e o adolescente a um ambiente deletério ou mesmo em clássica situação onde o processo é alimentado pelos tios e avós que também passam a minar a representação paterna com atitudes e comentários desairosos agindo como catalisadores deste injusto ardil humilhante e destrutivo da figura do pai ou na visão do Ambiente Hostil sempre divergindo sobre o que seria melhor para a criança expondo esta a um lar em constante desarmonia ocasionando sérios danos psicológicos à mesma e também ao pai Na doutrina internacional uma das principais diferenças elencadas entre a Alienação Parental e o Ambiente Familiar Hostil reside no fato que o AFH estaria ligado às atitudes e comportamentos às ações e decisões concretas que afetam as crianças e adolescentes ao passo que a Síndrome da Alienação Parental se veria relacionada às questões ligadas à mente ao fator psicológico 416 Nesse contexto psicológico de devastadores efeitos na seara das relações familiares não poderia o legislador manter uma postura abstencionista 417 Por tudo isso em 26 de agosto de 2010 fora aprovada a Lei n 12318 que dispôs sobre a alienação parental no Brasil 418 Art 2º Considerase ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este Art 3º A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda E o próprio diploma exemplifica as condutas que podem caracterizar a alienação parental praticadas diretamente ou com auxílio de terceiros e sem prejuízo de outros comportamentos não expressamente delineados em lei reconhecidos pelo juiz ou pela própria perícia a realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade b dificultar o exercício da autoridade parental c dificultar contato de criança ou adolescente com genitor d dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar e omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente inclusive escolares médicas e alterações de endereço 419 f apresentar falsa denúncia contra genitor contra familiares deste ou contra avós para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente g mudar o domicílio para local distante sem justificativa visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor com familiares deste ou com avós E em nível processual é digno de nota que para o fim de aplicar as sanções legais ao alienador contentouse o legislador não com uma prova suficiente da ocorrência do ilícito mas sim com meros indícios do ato de alienação parental Art 4º Declarado indício de ato de alienação parental a requerimento ou de ofício em qualquer momento processual em ação autônoma ou incidentalmente o processo terá tramitação prioritária e o juiz determinará com urgência ouvido o Ministério Público as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos se for o caso Parágrafo único Assegurarseá à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas Em uma primeira análise poderseia até argumentar que tal previsão meramente indiciária afrontaria o sistema constitucional de ampla defesa mas em verdade tal raciocínio não procede pois o que se tem em mira é em primeiro plano a perspectiva de defesa da própria criança ou adolescente vítima indefesa dessa grave forma de programação mental em um contexto familiar que em geral dificulta sobremaneira a reconstrução fática da prova em juízo 420 Finalmente cuidou ainda a nova lei de estabelecer as sanções impostas ao alienador sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal pertinente Art 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor em ação autônoma ou incidental o juiz poderá cumulativamente ou não sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos segundo a gravidade do caso I declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador II ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado III estipular multa ao alienador IV determinar acompanhamento psicológico eou biopsicossocial V determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão 421 VI determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente 422 VII declarar a suspensão da autoridade parental Parágrafo único Caracterizado mudança abusiva de endereço inviabilização ou obstrução à convivência familiar o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar Existe pois uma gradação sancionatória que parte de uma medida mais branda advertência podendo culminar com uma imposição muito mais grave suspensão do poder familiar garantindo se em qualquer circunstância o contraditório e a ampla defesa sob pena de flagrante nulidade processual Notese não haver um prazo mínimo de suspensão do poder familiar o que nos leva a crer que tal medida enquanto se afigurar necessária poderá subsistir ou até que os filhos atinjam a plena capacidade civil caso em que como se sabe extinguese o próprio poder familiar Quanto à estipulação da multa ao alienador algumas considerações merecem ser feitas Não somos favoráveis à imposição de medida pecuniária com o fito de impor uma obrigação de fazer quando se trata de situação em que o querer estar junto seja o pressuposto do próprio comportamento que se espera seja realizado Vale dizer estabelecer uma multa para que um pai visite o seu filho passeie com o seu filho vá ao parque ou ao shopping com ele em nosso pensar não surte o efeito social que se espera Ora a previsão da multa na Lei da Alienação Parental não tem o escopo que ora criticamos O que se pretende com o estabelecimento de sanção pecuniária é impor uma medida punitiva de cunho econômico em face da prática do ato de alienação para que o seu agente deixe de realizar esse comportamento nocivo Em última ratio o que se pretende é impor a abstenção de um comportamento indevido e espúrio de alienação mental da criança ou do adolescente o que em tese pode se afigurar juridicamente cabível se outra medida não se afigurar mais adequada No plano pretoriano a jurisprudência brasileira ainda é tímida quanto ao reconhecimento da alienação parental valendo citar dois importantes julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Agravo de Instrumento Ação de execução de fazer Imposição à mãeguardiã de conduzir o filho à visitação paterna como acordado sob pena de multa diária Indícios de síndrome de alienação parental por parte da guardiã que respalda a pena imposta Recurso conhecido em parte e desprovido Ao que transparece dos elementos anexados ao instrumento fortes são os indícios de que a guardiã do menor sofre da síndrome da alienação parental hipótese que recomenda a imediata realização de perícia oficial psicológica junto ao DMJ com o casal envolvido e o menor se ainda não determinada pelo Juízo esta perícia AgI 70023276330 Comarca de Santa MariaRS Rel Des Ricardo Raupp Ruschel em 1862008 Guarda Superior interesse da criança Síndrome da alienação parental Havendo na postura da genitora indícios da presença da síndrome da alienação parental o que pode comprometer a integridade psicológica da filha atende melhor ao interesse da infante mantê la sob a guarda provisória da avó paterna Negado provimento ao agravo Verificase que a conduta da genitora mostra indícios do que a moderna doutrina nomina de síndrome de alienação parental ou implantação de falsas memórias o que segundo os estudos do psiquiatra americano Richard Gardner tratase de verdadeira campanha desmoralizadora do genitor utilizando a prole como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro Com isso a criança é levada a rejeitar o genitor que a ama e que ela também ama o que gera contradição de sentimentos e a destruição do vínculo entre ambos O filho acaba passando por uma crise de lealdade pois a lealdade para com um dos pais implica deslealdade para com o outro tudo isso somado ao medo do abandono Neste jogo de manipulações todas as armas são válidas para levar ao descrédito do genitor inclusive a assertiva de ter sido o filho vítima de abuso sexual AgI 70014814479 Comarca de Santa Vitória do PalmarRS Rel Des Maria Berenice Dias em 762006 O que esperamos é que a partir desta nova lei o direito brasileiro passe a coibir com mais firmeza esses graves atos de alienação psicológica os quais além de acarretarem um grave dano social ferem indelevelmente as almas das nossas crianças e adolescentes Mais profunda do que a responsabilidade jurídica existente é a responsabilidade espiritual que jamais poderá ser desprezada LXXXI FILIAÇÃO 1 INTRODUÇÃO Um dos temas no ramo do Direito de Família que mais sofreram influência dos valores consagrados pela Constituição Federal de 1988 foi indubitavelmente o da filiação que consiste em síntese conceitual na situação de descendência direta em primeiro grau Com efeito antes deste marco histórico o ordenamento jurídico brasileiro consagrava diferenciais de tratamento entre filhos legítimos e ilegítimos que hoje não são mais aceitos 2 A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA FILIAÇÃO E O PRINCÍPIO ESPECÍFICO DA VERACIDADE DA FILIAÇÃO Um dos mais importantes princípios da Constituição Federal de 1988 é o da igualdade 423 que ganha especiais e específicos contornos na seara das relações de família Com efeito neste assunto a premissa básica de qualquer discussão como referencial que deve nortear nosso estudo é o princípio da igualdade dos filhos contemplado no art 227 6º da CF88 nos seguintes termos Art 227 É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária além de colocálos a salvo de toda forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão 6º Os filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação Não há pois mais espaço para a distinção entre família legítima e ilegítima existente na codificação anterior ou qualquer outra expressão que deprecie ou estabeleça tratamento diferenciado entre os membros da família Isso porque a filiação é um fato da vida Ser filho de alguém independe de vínculo conjugal válido 424 união estável concubinato ou mesmo relacionamento amoroso adulterino devendo todos os filhos ser tratados da mesma forma Nessa linha estabelece o art 1596 do CC2002 Art 1596 Os filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação O reconhecimento da igualdade dos filhos independentemente da forma como concebidos culmina por se desdobrar na importante noção de veracidade da filiação regra principiológica fundamental E em que consiste tal princípio Na ideia de que o ordenamento não deve criar óbices para se reconhecer a verdadeira vinculação entre pais e filhos Tal princípio pode ser extraído por exemplo da previsão do art 1601 do CC2002 Art 1601 Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher sendo tal ação imprescritível Parágrafo único Contestada a filiação os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação Registrese inclusive que a vigente codificação civil modificou a diretriz positivada anterior que previa na aplicação combinada dos arts 344 e 178 3º e 4º um prazo decadencial de 2 dois ou 3 três meses para contestação da legitimidade do filho 425 A regra atual é no sentido de se permitir a discussão da paternidade ou da maternidade de quem quer que seja o que também importa no direito ao conhecimento da origem genética sem se descuidar da perspectiva da socioafetividade como veremos oportunamente Compreendidas portanto tais premissas passemos agora a conhecer a disciplina jurídica do reconhecimento da filiação que pode ser voluntário ou mediante provocação judicial Comecemos pelo reconhecimento espontâneo nas relações jurídicas de direito material 3 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO O reconhecimento voluntário ou espontâneo da filiação perfilhação se dá em geral extrajudicialmente As formas de reconhecimento voluntário aplicamse especialmente aos filhos havidos fora do casamento 426 eis que os matrimoniais são presumidamente filhos do cônjuge conforme estabelecem as regras do art 1597 do CC2002 Art 1597 Presumemse concebidos na constância do casamento os filhos I nascidos cento e oitenta dias pelo menos depois de estabelecida a convivência conjugal II nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte separação judicial nulidade e anulação do casamento III havidos por fecundação artificial homóloga mesmo que falecido o marido IV havidos a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga V havidos por inseminação artificial heteróloga desde que tenha prévia autorização do marido 427 Expliquemos rapidamente cada uma das hipóteses O prazo do inciso I justificase pelo tempo natural de gestação após o estabelecimento da sociedade conjugal com o marido levandose em conta que a noiva já poderia ter casado grávida Por outro lado estabelecese um prazo mais dilatado no inciso II para abranger todo o lapso temporal de uma gestação pois pode acontecer que a concepção tenha ocorrido justamente no último dia antes da dissolução da sociedade conjugal Registrese que a menção à separação judicial em nosso pensar deve ser atualizada para o divórcio tendo em vista os efeitos da Emenda Constitucional n 662010 Os três últimos incisos são novidades na legislação codificada sem equivalente no Código Civil brasileiro de 1916 Entendase por concepção artificial homóloga aquela realizada com material genético de ambos os cônjuges e por inseminação artificial heteróloga aquela realizada com material genético de terceiro ou seja alguém alheio à relação conjugal Assim havidos por fecundação artificial homóloga o falecimento posterior do marido não afasta a presunção tendo em vista que se trata de uma situação consolidada Da mesma forma se tal fecundação se deu com embriões excedentários 428 decorrentes de concepção artificial homóloga inc IV a presunção também persiste uma vez que o material genético foi obtido com a participação de ambos os cônjuges Por fim ocorrendo uma inseminação artificial heteróloga com prévia autorização do marido inc V temse que esse tem consciência plena do procedimento adotado e mesmo não sendo dele o material genético utilizado é considerado o pai devendo ser superada a velha compreensão de identificar a paternidade com a ascendência genética Observese que a presunção de paternidade no casamento é tão prestigiada que permanece mesmo após o falecimento do marido ou do fim da união conjugal Por isso estabelece o art 1598 do CC2002 Art 1598 Salvo prova em contrário se antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art 1523 a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho este se presume do primeiro marido se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e do segundo se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art 1597 Mas vale salientar tratase de uma presunção relativa É o que se extrai inclusive dos arts 1599 a 1602 do CC2002 nos seguintes termos Art 1599 A prova da impotência do cônjuge para gerar à época da concepção ilide a presunção da paternidade Art 1600 Não basta o adultério da mulher ainda que confessado para ilidir a presunção legal da paternidade Art 1601 Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher sendo tal ação imprescritível Parágrafo único Contestada a filiação os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação Art 1602 Não basta a confissão materna para excluir a paternidade Notese a seriedade da previsão legal não é qualquer prova que autoriza o afastamento da presunção de paternidade não se admitindo tal contestação com base em alegações circunstanciais decorrentes do adultério feminino ou mesmo na confissão expressa da mulher de que o filho supostamente não seria do marido Não incidindo essa presunção decorrente do casamento o reconhecimento voluntário na forma do art 1609 do CC2002 pode se dar das seguintes formas Art 1609 O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito I no registro do nascimento II por escritura pública ou escrito particular a ser arquivado em cartório III por testamento ainda que incidentalmente manifestado IV por manifestação direta e expressa perante o juiz ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém Parágrafo único O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento se ele deixar descendentes O reconhecimento voluntário é ato formal de livre vontade irretratável 429 incondicional 430 e personalíssimo 431 praticado ordinariamente pelo pai 432 Questão tormentosa diz respeito ao reconhecimento feito por incapaz Se o menor for absolutamente incapaz entendemos ser necessária a instauração de um procedimento de jurisdição voluntária na forma da Lei de Registros Públicos 433 com a participação do Ministério Público para que o registro seja lavrado por segurança jurídica 434 Se o menor for relativamente incapaz dispensase assistência no ato de reconhecimento eis que não está a celebrar ato negocial mas tão somente reconhecendo um fato poderseia até mesmo falar na prática de um ato jurídico em sentido estrito de conteúdo não negocial O nascituro também poderá ser reconhecido o sujeito feliz da vida com a gravidez da namorada vai ao Tabelionato e mesmo antes do nascimento da criança faz o seu reconhecimento por escritura pública por exemplo Tal ato é perfeitamente possível a teor da primeira parte do parágrafo único do art 1609 Admitese ainda o reconhecimento de filhos já falecidos segunda parte do parágrafo único do art 1609 desde que hajam deixado descendentes para evitar reconhecimento por mero interesse econômico Uma importante advertência neste ponto deve ser feita Filhos maiores devem consentir no reconhecimento e os menores poderão impugnálo a teor do art 1614 do CC2002 Art 1614 O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento e o menor pode impugnar o reconhecimento nos quatro anos que se seguirem à maioridade 435 ou à emancipação Ainda no caso de reconhecimento de filhos havidos fora do casamento o Código Civil brasileiro traz uma peculiar regra no art 1611 do CC2002 Art 1611 O filho havido fora do casamento reconhecido por um dos cônjuges não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro Tratase de uma regra que deve ser interpretada modus in rebus ou seja em justa e ponderada medida dentro de parâmetros de razoabilidade De fato pode ocorrer que tendo um dos cônjuges reconhecido a existência de um filho havido fora do casamento tal circunstância abale a relação conjugal a depender da natureza dos corações envolvidos Todavia mais importante do que a própria manutenção do vínculo conjugal é a preservação dos interesses de um menor E se o pai ou a mãe do menor fora da relação conjugal tiver falecido E se o pai ou a mãe do menor fora da relação conjugal não tiver condições físicas morais ou psicológicas de manter a criança Não se discute o aspecto patrimonial pois o pagamento de alimentos em tese supriria isso A preocupação maior é com o próprio menor na existência de um referencial paterno ou materno que possibilite uma adequada formação para a convivência social Por isso a obtenção do consentimento do outro inclusive no caso de um filho maior reconhecido é exigência que deve ser vista com cautela não dispensando eventual controle judicial Mais afinado com tal diretriz é o dispositivo seguinte a saber o art 1612 do CC2002 in verbis Art 1612 O filho reconhecido enquanto menor ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu e se ambos o reconheceram e não houver acordo sob a de quem melhor atender aos interesses do menor Comparese o referido dispositivo com a previsão legal anterior 436 para se constatar a adequação ao ordenamento constitucional e à disciplina de proteção do menor uma vez que foi abolida a machista regra anterior que atribuía o poder leiase hoje a guarda ao pai no caso de ambos reconhecerem o filho 4 RECONHECIMENTO JUDICIAL No presente tópico pretendemos tecer considerações não somente sobre o reconhecimento judicial da paternidade biológica mas também acerca de questões polêmicas muitas vezes não codificadas como a paternidade socioafetiva 41 Noções gerais O reconhecimento judicial do vínculo de paternidade ou maternidade dáse especialmente por meio de ação investigatória Mais frequente é a ação investigatória de paternidade posto também seja possível a investigatória de maternidade como no caso da troca de bebês em um hospital ou clínica incidindo neste caso o art 1608 do CC2002 437 Por isso a presunção de que a maternidade é sempre certa afigurase por óbvio relativa O que dissermos portanto sobre a ação investigatória de paternidade aplicase à de maternidade no que couber 42 Ação de investigação de paternidade Em linha de princípio frisese tratarse de uma postulação imprescritível art 27 da Lei n 8069 de 13 de julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente 438 Têm legitimidade ativa para a propositura desta ação o alegado filho investigante 439 ou o Ministério Público que atua como legitimado extraordinário Muito se discutiu a respeito da legitimidade do Ministério Público argumentandose que não poderia intervir em uma seara íntima e atinente a um interesse eminentemente particular Nunca concordamos com essa crítica na medida em que é de interesse social a busca da verdade da filiação exercendo portanto as Promotorias de Justiça um relevantíssimo serviço a toda sociedade brasileira A legitimidade passiva como é cediço é do pai ou dos seus herdeiros se a investigatória for post mortem Um peculiar aspecto deve ser ressaltado O STJ a despeito do que dispõe o art 1606 no sentido de os herdeiros do investigante poderem continuar a demanda já instaurada admitiu em julgado inovador que netos pudessem investigar diretamente a relação com o avô relação avoenga CIVIL E PROCESSUAL AÇÃO RESCISÓRIA CARÊNCIA AFASTADA DIREITO DE FAMÍLIA AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO AVOENGA E PETIÇÃO DE HERANÇA POSSIBILIDADE JURÍDICA CC DE 1916 ART 363 I Preliminar de carência da ação afastada por maioria II Legítima a pretensão dos netos em obter mediante ação declaratória o reconhecimento de relação avoenga e petição de herança se já então falecido seu pai que em vida não vindicara a investigação sobre a sua origem paterna III Inexistência por conseguinte de literal ofensa ao art 363 do Código Civil anterior por maioria IV Ação rescisória improcedente STJ AR 336RS Rel Min Aldir Passarinho Junior julgado em 2482005 DJ 2442006 p 343 2ª Seção RECURSO ESPECIAL FAMÍLIA RELAÇÃO AVOENGA RECONHECIMENTO JUDICIAL POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO É juridicamente possível o pedido dos netos formulado contra o avô ou dos herdeiros deste visando reconhecimento judicial da relação avoenga Nenhuma interpretação pode levar o texto legal ao absurdo STJ REsp 604154RS Rel Min Humberto Gomes de Barros julgado em 1662005 DJ 1º72005 p 518 3ª Turma 440 Nesse diapasão é bom lembrar ainda que o documento básico para comprovação da filiação é a certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil art 1603 do CC2002 a famosa certidão de nascimento 441 Sobre a contestação no procedimento investigatório dispõe o art 1615 do CC2002 Art 1615 Qualquer pessoa que justo interesse tenha pode contestar a ação de investigação de paternidade ou maternidade A defesa mais comum do suposto pai é a alegação de que a genitora na época da concepção manteve relação com outro homem defesa classicamente conhecida como exceptio plurium concubentium alegação que deve ser aduzida com cuidado sob pena de em havendo litigância de máfé justificar a responsabilidade do réu por dano moral No que tange à instrução probatória sem nenhuma sombra de dúvida posto não haja hierarquia entre os meios de prova o exame científico de DNA é o mais importante E um dos julgados mais interessantes didático até de que temos conhecimento sopesou o exame de DNA com outras provas no processo DIREITO CIVIL RECURSO ESPECIAL AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE EXAME PERICIAL TESTE DE DNA EM CONFRONTO COM AS DEMAIS PROVAS PRODUZIDAS CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA Diante do grau de precisão alcançado pelos métodos científicos de investigação de paternidade com fulcro na análise do DNA a valoração da prova pericial com os demais meios de prova admitidos em direito deve observar os seguintes critérios a se o exame de DNA contradiz as demais provas produzidas não se deve afastar a conclusão do laudo mas converter o julgamento em diligência a fim de que novo teste de DNA seja produzido em laboratório diverso com o fito de assim minimizar a possibilidade de erro resultante seja da técnica em si seja da falibilidade humana na coleta e manuseio do material necessário ao exame b se o segundo teste de DNA corroborar a conclusão do primeiro devem ser afastadas as demais provas produzidas a fim de se acolher a direção indicada nos laudos periciais e c se o segundo teste de DNA contradiz o primeiro laudo deve o pedido ser apreciado em atenção às demais provas produzidas Recurso especial provido STJ REsp 397013MG Rel Min Nancy Andrighi julgado em 11112003 DJ 9122003 p 279 3ª Turma Vale lembrar ainda não se admitir a condução coercitiva do investigado Súmula 301 Em ação investigatória a recusa do suposto pai a submeterse ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade Em abono desse entendimento também já previam os arts 231 e 232 do CC2002 Art 231 Aquele que se nega a submeterse a exame médico necessário não poderá aproveitarse de sua recusa Art 232 A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame Finalmente é bom lembrar que a disposição sumulada a posteriori tornouse objeto de lei específica De fato a Lei n 12004 de 29 de julho de 2009 alterou a Lei n 8560 de 29 de dezembro de 1992 que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento para estabelecer a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeterse ao exame de código genético DNA A partir desse momento foi inserido na referida Lei n 856092 o art 2ºA com o seguinte teor Art 2ºA Na ação de investigação de paternidade todos os meios legais bem como os moralmente legítimos serão hábeis para provar a verdade dos fatos Parágrafo único A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético DNA gerará a presunção da paternidade a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório Obviamente tratase de uma presunção relativa como se infere da menção no texto legal da sua apreciação em conjunto com o contexto probatório Acrescentese nesse ponto haver o Presidente da República vetado o Projeto de Lei da Câmara n 31 de 2007 que previa admissão tácita de paternidade no caso em que o homem se recusasse a fazer o teste de DNA 442 Quanto à causa de pedir na investigatória consistirá simplesmente na relação sexual O foro competente para a investigatória é o do domicílio do réu Entretanto caso haja cumulação com pedido de alimentos deslocase para o domicílio do autor a teor da Súmula 1 do STJ Na sentença reconhecida a paternidade produzemse os mesmos efeitos do reconhecimento voluntário conforme preceitua o art 1616 do CC2002 443 Art 1616 A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade A referida determinação tem por fundamento sempre preservar o melhor interesse do menor no caso notadamente a proteção da sua integridade emocional no convívio com pais que não reconheciam originalmente sua condição de filhos Por fim posto não seja objeto desta obra análise de questões processuais específicas entendemos que ausente o exame de DNA a sentença de procedência ou improcedência por ausência de provas não transitaria materialmente em julgado admitindo a sua rediscussão Na doutrina afirmam com precisão CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD Vejase inclusive que não se faz necessário justificar a propositura de qualquer ação rescisória com vistas ao rejulgamento da ação filiatória eis que a decisão judicial que não exaurir os meios de prova não passa em julgado afastandose do manto sagrado da coisa julgada 444 Tudo isso bem demonstra a importância do exame de DNA Lamentamos todavia que esse exame ainda não seja gratuito em todas as comarcas do País para os reconhecidamente pobres razão por que muitas vezes o próprio juiz deve exortar as partes a um entendimento no sentido do rateio dos custos ressaltando que a solução da dúvida interessa a ambos os contendores 43 Paternidade socioafetiva e posse do estado de filho Não vivemos mais na época em que o legislador estabelecia presunções quase intransponíveis de presunção de filiação calcadas no matrimônio Na primeira metade do século XX vigente o Código de 1916 e ainda incipientes as técnicas científicas de investigação filial a figura do pai quase que se confundia com a do marido Nos dias de hoje as presunções resultantes do casamento vistas quando estudamos o art 1597 afiguramse obviamente relativas admitindo o controle judicial à luz do princípio da veracidade da filiação Com o surgimento do exame de DNA a análise científica do código genético dos pais passou a ser o fator determinante do reconhecimento da filiação Mas nesse ponto sem menoscabarmos a importância desse exame uma pergunta deve ser feita ser genitor é o mesmo que ser pai ou mãe Pensamos que não na medida em que a condição paterna ou materna vai muito mais além do que a simples situação de gerador biológico com um significado espiritual profundo ausente nessa última expressão E fazendo justiça ao primeiro autor brasileiro a se preocupar com a desbiologização do Direito de Família lembramos o grande JOÃO BATISTA VILLELA 445 O que vivemos hoje no moderno Direito Civil é o reconhecimento da importância da paternidade ou maternidade biológica mas sem fazer prevalecer a verdade genética sobre a afetiva ou seja situações há em que a filiação é ao longo do tempo construída com base na socioafetividade independentemente do vínculo genético prevalecendo em face da própria verdade biológica Estamos pois a tratar da paternidade ou maternidade socioafetiva que reputamos a face mais encantadora do nosso atual Direito de Família com reflexos na própria jurisprudência do STJ Filiação Anulação ou reforma de registro Filhos havidos antes do casamento registrados pelo pai como se fossem de sua mulher Situação de fato consolidada há mais de quarenta anos com o assentimento tácito do cônjuge falecido que sempre os tratou como filhos e dos irmãos Fundamento de fato constante do acórdão suficiente por si só a justificar a manutenção do julgado Acórdão que a par de reputar existente no caso uma adoção simulada reportase à situação de fato ocorrente na família e na sociedade consolidada há mais de quarenta anos Status de filhos Fundamento de fato por si só suficiente a justificar a manutenção do julgado Recurso especial não conhecido STJ REsp 119346GO 4ª Turma Rel Min Barros Monteiro julgado em 1º42003 DJ 2362003 p 371 Cuidou o julgado supra da figura da adoção à brasileira 446 tida como ato ilícito mas mesmo assim ensejando o reconhecimento da filiação pela socioafetividade o que já tem sido enfrentado como dito pela jurisprudência pátria 447 Da mesma forma também já se reconheceu a maternidade socioafetiva 448 Por tudo isso já se fala nos dias de hoje para situações consolidadas no afeto e ao longo do tempo na possibilidade de se ajuizar ação de investigação de paternidade socioafetiva no dizer do erudito TEIXEIRA GIORGIS Contudo é absolutamente razoável e sustentável o ajuizamento de ação declaratória de paternidade socioafetiva com amplitude contraditória que mesmo desprovida de prova técnica seja apta em obter veredicto que afirme a filiação com todas suas consequências direito a alimentos sucessão e outras garantias O que se fará em respeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa solidariedade humana e maior interesse da criança e do adolescente 449 A ideia já está consagrada há algum tempo na sabedoria popular na afirmação tantas vezes ouvida de que pai é quem cria E é isso mesmo PAI ou MÃE em sentido próprio é quem não vê outra forma de vida senão amando o seu filho Independentemente do vínculo sanguíneo o vínculo do coração é reconhecido pelo Estado com a consagração jurídica da paternidade socioafetiva E nessa linha é possível do ponto de vista fático e por que não dizer jurídico o reconhecimento de uma pluralidade de laços afetivos com a eventual admissão de uma multiparentalidade Mas notese que na hipótese em que a família biológica seja impedida de manter o vínculo de afeto como no caso do sequestro de uma criança a teoria da filiação socioafetiva não deve ser reconhecida em favor daquele que subtraiu o menor da sua família natural Destaquese por fim que o Enunciado n 341 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal expressamente reconheceu o instituto nos seguintes termos ENUNCIADO N 341 Para os fins do art 1696 a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar O outro lado da moeda da paternidade socioafetiva é a figura da posse do estado de filho em que exteriorizandose a convivência familiar e a afetividade admitese o reconhecimento da filiação Tratase do mesmo fenômeno visto na perspectiva do filho É o famoso filho de criação cuja adoção não foi formalizada mas o comportamento na família integrao como se filho biológico fosse Isso porque no Direito de Família a consolidação de uma situação de afeto justifica a presunção de sua existência para efeito de prova em juízo como se dá também no âmbito da filiação consoante observa PAULO LÔBO A posse do estado de filiação constituise quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais tendo ou não entre si vínculos biológicos A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade segundo as características adiante expostas devendo ser contínua 450 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul inclusive já se pronunciou expressamente sobre o reconhecimento desta figura APELAÇÃO CÍVEL INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE INTELIGÊNCIA DO ART 1614 DO CÓDIGO CIVIL ANTIGO ART 362 DO CC16 DECADÊNCIA RECONHECIDA Na investigatória de paternidade eou maternidade em que o autor não possui pais registrais não há falar em prescrição ou decadência Todavia nos casos de prévia existência de uma relação jurídica de parentalidade certificada pelo registro de nascimento incide o prazo decadencial de quatro anos Esta restrição de direito se impõe em face do princípio de igualdade de direitos dos filhos posto no 6º do art 227 da CF sejam eles havidos ou não da relação de casamento pois se entendermos que o filho extramatrimonial pode a qualquer tempo vindicar estado distinto daquele que resulta de seu assento de nascimento igualmente teremos que assegurar esta possibilidade aos filhos havidos na vigência do casamento o que se pode antever dá oportunidade à total insegurança no seio familiar Na atualidade se confrontadas a verdade que emana das informações registrais com a verdade biológicaconsanguínea e a verdade social e afetiva onde houve coincidência entre a verdade registral e a posse de estado de filho fica mantida a relação de parentesco já constituída em detrimento da identidade genética De ofício reconheceram a decadência extinguindo o processo com julgamento de mérito por maioria TJRS Apelação Cível 70015469091 Rel Luiz Felipe Brasil Santos julgado em 1392006 7ª Câm Cív segredo de justiça É o reconhecimento de novas modalidades de constituição de família e consequentemente de filiação que se descortina em um Direito de Família mais humano e solidário 44 Multiparentalidade Como derradeiro subtópico da questão do reconhecimento judicial da paternidade consideramos relevante tecer algumas reflexões sobre o tema da multiparentalidade A visão tradicional sobre a filiação é no sentido de que o seu reconhecimento resultaria em uma dual perspectiva de parentalidade em primeiro grau oos filhoos vinculamse a um pai e a uma mãe Todavia seria isto uma verdade absoluta Definitivamente este posicionamento quase um dogma é algo que deve ser mais bem analisado diante da multiplicidade de situações da vida De fato será que com o advento de uma visão mais aberta das relações de família com admissão de novas formas de composição familiar não seria hora de rever este aparente dogma Não que ele esteja equivocado Mas ele responderia com justiça a todas as exigências da vida Com o prestígio que se dá hodiernamente à parentalidade socioafetiva não haveria sido descortinado novo horizonte para o reconhecimento da possibilidade jurídica da multiparentalidade Ou seja será que não é o momento de se amparar juridicamente a situação muitas vezes ocorrente de um filho possuir dois pais ou duas mães Se não existe hierarquia entre os parâmetros de filiação por que forçar a exclusão de alguém que é visto como pai ou mãe de uma criança Respondendo a esta pergunta vem a lume o tema da multiparentalidade qual seja uma situação em que um indivíduo tem mais de um pai eou mais de uma mãe simultaneamente produzindose efeitos jurídicos em relação a todos eles Exemplos vivos de suporte fático para tal instituto pululam em todos os cantos do mundo E a jurisprudência brasileira não tem fechado os olhos para isso Confirase a propósito decisão vanguardista da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconhecendo a multiparentalidade o que conta com nossa simpatia dentro da ideia de família contemporânea plural em que se determinou a inclusão da madrasta mãe socioafetiva no registro civil mantendose também a mãe biológica falecida o que em resumo fez com que o filho pudesse afirmar ter juridicamente duas mães MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica falecida em decorrência do parto e de sua família Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art 1593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho fruto de longa e estável convivência aliado ao afeto e considerações mútuos e sua manifestação pública de forma a não deixar dúvida a quem não conhece de que se trata de parentes A formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido TJSP 1ª Câmara de Direito Privado Registro 20120000400337 Apelação Cível 00064222620118260286 Comarca de Itu Rel Des Alcides Leopoldo e Silva Júnior Destaquese ainda decisão da ilustre Juíza de Direito de Ariquemes Rondônia Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz que em 13 de março de 2012 proferiu sentença reconhecendo a multiparentalidade em demanda de investigação de paternidade cumulada com anulatória de registro 451 Em setembro de 2016 por fim o Supremo Tribunal Federal na oportunidade do julgamento do RE 898060 firmou o seu entendimento com repercussão geral 452 acerca da matéria Discutiase acerca da eventual prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica Sucede que a decisão culminou por enfrentar também a própria multiparentalidade firmando todavia uma tese com traços peculiares um pouco distante da linha de fundamentação até então adotada De acordo com o voto do relator Ministro Luiz Fux caberá ao filho de acordo com o seu próprio interesse decidir se mantém em seu registro apenas o pai socioafetivo ou ambos o socioafetivo e o biológico Com efeito mesmo que não tenha construído com o genitor pai biológico vínculo de afetividade algum terá o direito de fazer constar o nome dele em seu registro ainda que seja para fim meramente econômico a exemplo de fazer jus à sua herança Aliás poderá ter direito a duas heranças caso também seja feito o registro do pai socioafetivo Na mesma linha a fixação da pensão alimentícia observado por óbvio o princípio da proporcionalidade e o binômio necessidade x capacidade poderá levar em conta dois legitimados passivos 453 Esta multiplicidade de direitos não era novidade no estudo da multiparentalidade O que há de novo em nosso sentir é a decisão do Supremo admitir esta parentalidade plúrima de acordo com o exclusivo interesse do filho mesmo não havendo sido construída história de vida alguma com o pai biológico 454 A tese extraída do julgamento com repercussão geral ficou assim fixada A paternidade socioafetiva declarada ou não em registro público não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica com os efeitos jurídicos próprios Destacamos trecho do voto do relator Ministro Luiz Fux O conceito de pluriparentalidade não é novidade no Direito Comparado Nos Estados Unidos onde os Estados têm competência legislativa em matéria de Direito de Família a Suprema Corte de Louisiana ostenta jurisprudência consolidada quanto ao reconhecimento da dupla paternidade dual paternity No caso Smith v Cole 553 So2d 847 848 de 1989 o Tribunal aplicou o conceito para estabelecer que a criança nascida durante o casamento de sua mãe com um homem diverso do seu pai biológico pode ter a paternidade reconhecida com relação aos dois contornando o rigorismo do art 184 do Código Civil daquele Estado que consagra a regra pater ist est quem nuptiae demonstrant Nas palavras da Corte a aceitação pelo pai presumido intencionalmente ou não das responsabilidades paternais não garante um benefício para o pai biológico O pai biológico não escapa de suas obrigações de manutenção do filho meramente pelo fato de que outros podem compartilhar com ele da responsabilidade The presumed fathers acceptance of paternal responsibilities either by intent or default does not ensure to the benefit of the biological father The biological father does not escape his support obligations merely because others may share with him the responsibility Em idêntico sentido o mesmo Tribunal assentou no caso TD wife of MMM v MMM de 1999 730 So 2d 873 o direito do pai biológico à declaração do vínculo de filiação em relação ao seu filho ainda que resulte em uma dupla paternidade Ressalvouse contudo que o genitor biológico perde o direito à declaração da paternidade mantendo as obrigações de sustento quando não atender ao melhor interesse da criança notadamente nos casos de demora desarrazoada em buscar o reconhecimento do status de pai a biological father who cannot meet the bestinterestofthechild standard retains his obligation of support but cannot claim the privilege of parental rights A consolidação jurisprudencial levou à revisão do Código Civil estadual de Louisiana que a partir de 2005 passou a reconhecer a dupla paternidade nos seus artigos 197 e 198 PALMER Vernon Valentine Mixed Jurisdictions Worldwide The Third Legal Family 2 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 Louisiana se tornou com isso o primeiro Estado norteamericano a permitir legalmente que um filho tenha dois pais atribuindose a ambos as obrigações inerentes à parentalidade McGINNIS Sarah You Are Not The Father How State Paternity Laws Protect And Fail To Protect the Best Interests of Children In Journal of Gender Social Policy the Law v 16 issue 2 2008 pp 311334 A omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade É imperioso o reconhecimento para todos os fins de direito dos vínculos parentais de origem afetiva e biológica a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos Na doutrina brasileira encontra se a valiosa conclusão de Maria Berenice Dias in verbis não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe Agora é possível que pessoas tenham vários pais Identificada a pluriparentalidade é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos Não só no âmbito do direito das famílias mas também em sede sucessória Tanto é este o caminho que já há a possibilidade da inclusão do sobrenome do padrasto no registro do enteado Manual de Direito das Famílias 6 ed São Paulo RT 2010 p 370 Tem se com isso a solução necessária ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana art 1º III e da paternidade responsável art 226 7º Diversas indagações certamente a partir deste histórico julgamento ainda virão Em nosso sentir apenas ilustrando pensamos não ser possível a aplicação da tese em caso de adoção por expressa disposição de lei 455 nem aos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga 456 Embora tenham o direito constitucional à busca da origem biológica não será possível extraírem efeitos outros porquanto são situações distintas da paternidade socioafetiva construída simplesmente pela ação do tempo A comunidade jurídica nacional certamente ainda debaterá intensamente acerca dos desdobramentos deste importantíssimo julgado LXXXII PARENTESCO 1 CONCEITO JURÍDICO DE PARENTESCO Entendese por parentesco a relação jurídica calcada na afetividade e reconhecida pelo Direito entre pessoas integrantes do mesmo grupo familiar seja pela ascendência descendência ou colateralidade independentemente da natureza natural civil ou por afinidade O conceito de parentesco não se identifica com a noção de família pois os cônjuges ou os companheiros por exemplo embora constituam uma família não são parentes entre si Nesse sentido observa Paulo Lôbo Para o direito o parentesco não se confunde com família ainda que seja nela que radique suas principais interferências pois delimita a aquisição o exercício e o impedimento de direitos variados inclusive no campo do direito público 457 Feita a distinção conceitual de parentesco para família passemos a compreendêlo em uma perspectiva classificatória 2 VISÃO CLASSIFICATÓRIA DO PARENTESCO O parentesco comporta diversas classificações De fato no que diz respeito à natureza o parentesco poderá ser natural decorrente de vínculo consanguíneo civil decorrente de vínculo jurídico ou por afinidade travado entre um dos cônjuges ou companheiros e os parentes do outro Para uma melhor sistematização o parentesco organizase ainda por linhas reta ascendente ou descendente e colateral e em graus admitindo assim novas classificações O grau consiste no nível de distância em cada linha contado a partir de cada pessoa em relação ao seu parente mais próximo Expliquemos essa visão com mais vagar iniciando como parece lógico com a natureza do parentesco 21 Classificação do parentesco quanto à natureza O texto vigente de forma conservadora e por isso criticável reconhece expressamente apenas o parentesco natural ou civil É a regra do art 1593 do vigente Código Civil brasileiro Art 1593 O parentesco é natural ou civil conforme resulte de consanguinidade ou outra origem Nada menciona sobre a socioafetividade base do vínculo parental embora a menção a ou outra origem permita de lege lata uma interpretação ampliativa do dispositivo Bem mais completa é a previsão na espécie do denominado Estatuto das Famílias que estabelece em seu art 10 que o parentesco resulta da consanguinidade da socioafetividade ou da afinidade Sobre o tema já comentamos adrede O Estatuto das Famílias trata da matéria no seu artigo 10 caput Neste há efetivamente uma distinção do tratamento legal ora vigente pois inseriu expressamente a socioafetividade como uma das causas do parentesco Assim evitouse a utilização do conceito aberto ou outra origem constante do art 1593 do Código Civil brasileiro explicitandose as três origens fundamentais do parentesco consanguinidade socioafetividade ou afinidade Resta a dúvida de relevância apenas teórica sobre qual é a natureza do parentesco adotivo ou da fecundação heteróloga Parece claro em nosso pensar que tudo aquilo que não decorrer da cognação ou da afinidade deva ser considerado originado na socioafetividade pois é o princípio básico das relações familiares 458 Posto isso avancemos no estudo do tema 211 Parentesco natural Tradicionalmente os vínculos de consanguinidade geram o que se convencionou chamar de parentesco natural No dizer de BEVILÁQUA o parentesco criado pela natureza é sempre a cognação ou consanguinidade porque é a união produzida pelo mesmo sangue O vínculo do parentesco estabelecese por linhas Linha é a série de pessoas provindas por filiação de um antepassado É a irradiação das relações consanguíneas 459 Entretanto ainda que tradicionalmente o parentesco natural toque a consanguinidade a relação parental em linha reta pode perfeitamente se aplicar ao vínculo familiar parental não consanguíneo como se dá no caso da filiação adotiva Afinal alguém negaria que o pai do adotado é seu parente em linha reta em primeiro grau Esse portanto é à luz do princípio da afetividade matriz do conceito de família o melhor entendimento porquanto não hierarquiza os vínculos de família no mero pressuposto da consanguinidade Assim o parentesco decorrente da adoção embora não seja o natural tem o mesmo tratamento deste ainda que denominado de parentesco civil conforme veremos em seguida 212 Parentesco civil Tradicionalmente é considerado parentesco civil aquele resultante da adoção Todavia parecenos que esta ideia deve ser ampliada na contemporaneidade Como observa Maria Berenice Dias o desenvolvimento das modernas técnicas de reprodução assistida ensejou a desbiologização da parentalidade impondo o reconhecimento de outros vínculos de parentesco Assim parentesco civil é o que resulta de qualquer outra origem que não seja a biológica Não há como deixar de reconhecer que a concepção decorrente de fecundação heteróloga 1597 V gera parentesco civil 460 O moderno Direito Civil não se harmoniza com entendimentos discriminatórios e reducionistas do conceito de família Nessa linha é preciso admitir uma paridade harmônica e não uma verticalidade opressora entre as formas de parentesco natural e civil Se o parentesco natural decorre da cognação ou seja do vínculo da consanguinidade o denominado parentesco civil resulta da socioafetividade pura como se dá no vínculo da filiação adotiva no reconhecimento da paternidade ou maternidade não biológica calcada no afeto na filiação oriunda da reprodução humana assistida em face do pai ou da mãe não biológicos enfim em todas as outras situações em que o reconhecimento do vínculo familiar prescindiu da conexão do sangue No dizer de PIETRO PERLINGERI o sangue e os afetos são razões autônomas de justificação para o momento constitutivo da família mas o perfil consensual e a affectio constante e espontânea exercem cada vez mais o papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue mas sobretudo àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida 461 Assim a título de resumido arremate devese compreender que o parentesco civil é uma modalidade de parentesco que se define por exclusão ou seja entendese por parentesco civil toda modalidade de parentesco não fundada na reprodução biológica ou na relação de afinidade 213 Parentesco por afinidade O parentesco por afinidade por sua vez é estabelecido como consequência lógica de uma relação de afeto Assim o núcleo familiar do cônjuge ou companheiro é agregado ao núcleo próprio de seusua parceiroa de vida Vale registrar que o vigente Código Civil brasileiro equiparou como já deveria ter sido feito há tempos a união estável ao casamento também para o efeito do parentesco por afinidade o que inexistia no sistema codificado anterior Com isso observadas as normas pertinentes somos parentes dos parentes da nossa esposa do nosso marido ou da nossa companheira do nosso companheiro É o caso da relação em linha colateral que travamos como o nosso cunhado ou em linha reta com a nossa sogra ou o nosso enteado Percebam nesse diapasão que em tais casos a relação parental por afinidade pressupõe um anterior vínculo matrimonial ou de união estável O vigente Código Civil brasileiro estabeleceu no 1º do art 1595 uma peculiar limitação do parentesco por afinidade Com efeito tal modalidade de parentesco se limita aos ascendentes aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro Assim os concunhados 462 não são tecnicamente parentes embora o cotidiano dos lares brasileiros pelo afeto os considere membros da família Em outras palavras juridicamente não existe relação de parentesco entre os próprios parentes por afinidade Observese que a equivalência não importa em igualdade de tratamento como observa PAULO LÔBO Os parentes afins não são iguais ou equiparados aos parentes consanguíneos são equivalentes mas diferentes Assim o enteado não é igual ao filho jamais nascendo para o primeiro em virtude de tal situação direitos e deveres que são próprios do estado de filiação O parentesco afim tem por fito muito mais o estabelecimento de uma situação jurídica de impedimentos e deveres por razões morais O parentesco afim é normalmente considerado pelo legislador e pela administração da justiça para impedir a aquisição de algum direito ou situação de vantagem em virtude da aproximação afetiva que termina por ocorrer entre os parentes afins e suas respectivas famílias Assim ocorre além do direito civil no direito eleitoral no direito administrativo no direito processual principalmente em hipóteses que presumivelmente ocorreria conflito de interesses Não há entre parentes afins obrigação de alimentos no direito brasileiro 463 Dessa forma a concepção de parentesco por afinidade tem por finalidade a preservação de interesses de fundo moral bem como evitar o favorecimento em determinadas relações jurídicas em função da intimidade entre as famílias Vejamos agora outras modalidades classificatórias 22 Classificação do parentesco quanto a linhas A classificação do parentesco com base na noção de linha é tradicional no nosso ordenamento jurídico Tratase de uma decorrência da concepção histórica de linhagem expressão cuja sinonímia remete a casa casta cepa estema estirpe família genealogia geração provinco sendo também utilizada na genética 464 Assim um núcleo familiar básico é tomado como referencial o que se denomina de tronco comum a partir do qual vão se ligando os demais parentes através de linhas ascendentes ou descendentes A ideia de linhas familiares ou de parentesco também se subclassifica em duas modalidades o parentesco por linha reta e o parentesco por linha colateral 221 Parentesco em linha reta O parentesco em linha reta está previsto expressamente no art 1591 do CC2002 Art 1591 São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes Verticalmente parentes consanguíneos em linha reta descendem uns dos outros sem limitação de graus netofilhopaiavô etc Assim cada linha é subdividida como veremos em graus de maneira que dada a proximidade o pai 1º grau é parente mais próximo do que o avô 2º grau Subindo ou descendo não importa os indivíduos serão considerados parentes em linha reta ad infinitum Nesse sentido invoquemos novamente o magistério de PAULO LÔBO O parentesco em linha reta é infinito nos limites que a natureza impõe a sobrevivência dos seres humanos A linha reta é a que procede sucessivamente de cada filho para os genitores e deste para os progenitores e de cada pessoa para os seus filhos netos bisnetos etc Assim promanam da pessoa uma linha reta ascendente e uma linha reta descendente 465 Por equiparação constitucional pensamos que esse mesmo raciocínio poderá ser aplicado ao parentesco civil decorrente como dito não do liame genético mas do reconhecimento jurídico como se dá entre pai adotante e filho adotado parentes em linha reta de primeiro grau E nesse mesmo diapasão também no parentesco por afinidade afigurase possível tal análise como na hipótese da sogra em relação ao genro ou do padrasto em relação à enteada parentes por afinidade em linha reta Neste último caso dadas as suas especificidades é forçoso convir que embora aceitável não há tanta utilidade na contagem de graus 222 Parentesco em linha colateral Consideramse parentes em linha colateral na forma do dispositivo legal 466 aquelas pessoas provenientes do mesmo tronco sem descenderem umas das outras Horizontalmente parentes consanguíneos em linha colateral são aqueles que sem descenderem uns dos outros derivam de um mesmo tronco comum como irmãos colaterais de segundo grau ou tiossobrinhos colaterais de terceiro grau O parentesco civil por sua vez por inserir a pessoa no contexto familiar como se descendência genética houvesse amoldase a essa perspectiva de análise ex o meu irmão é parente colateral de segundo grau não importando se foi adotado ou não Finalmente no parentesco por afinidade a linha colateral restringese à relação de cunhado cunhado é parente por afinidade na linha colateral A única modificação substancial do Código Civil de 2002 em relação à disciplina normativa anterior foi precisamente a redução do limite legal do parentesco por colateralidade que passou do sexto grau para o quarto grau civil Tratase de um critério que acompanha a tradicional regra do direito à herança 467 Por fim vale acrescentar ainda que para fins de obrigação alimentar o parentesco colateral se limita ao segundo grau art 1697 do CC2002 e quanto à restrição ao casamento estendese ao terceiro grau colateral art 1521 IV do CC2002 com os temperamentos do DecretoLei n 3200 de 1941 23 Classificação do parentesco quanto a graus Sendo uma criação do Direito a própria codificação procura delimitar um critério legal para a fixação dos graus de parentesco 468 Assim o critério fundamental é o número de gerações tanto no parentesco em linha reta quanto no colateral sendo que nesse último é preciso subir até o ascendente comum e descer até encontrar o outro parente eis que como já dito os parentes colaterais não descendem uns dos outros ex seu irmão é seu parente de segundo grau pois para chegar a ele contase um grau até seu paimãe e outro grau até ele 3 PERSISTÊNCIA DO PARENTESCO POR AFINIDADE NA LINHA RETA APÓS A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL Uma questão interessante sobre o tema diz respeito aos efeitos do parentesco por afinidade após a eventual dissolução do núcleo familiar derivado do casamento ou da união estável que o gerou Isso porque o parentesco por afinidade na linha reta persiste mesmo com a dissolução da relação afetiva que o constituiu É essa a regra do 2º do art 1595 do vigente Código Civil brasileiro 2º Na linha reta a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável A regra se justifica puramente por um fundamento moral dado o potencial repúdio social à formação de uma nova relação afetiva entre exparentes afins na linha reta sogro e nora sogra e genro padrasto e enteada madrasta e enteado Ainda sobre o tema vale destacar que o denominado Estatuto das Famílias trata da matéria no seu art 14 com a seguinte redação Art 14 Cada cônjuge ou convivente é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade 1º O parentesco por afinidade limitase aos ascendentes aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou convivente 2º A afinidade se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável exceto para fins de impedimento à formação de entidade familiar Notese que não há uma exata correspondência com a norma em vigor De fato além de utilizar a expressão genérica convivente em lugar de companheiro apresentou uma mudança terminológica na disciplina do parentesco por afinidade pósdissolução do casamento ou união estável marcando a ideia de extinção do parentesco por afinidade mas mantendo o impedimento à formação de nova entidade familiar Na linha do sistema atual manteve a restrição à livre constituição de novas famílias tema que merece talvez no futuro reflexão mais profunda 4 RESTRIÇÕES LEGAIS DECORRENTES DO PARENTESCO Se o reconhecimento de uma relação de parentesco gera a alegria e a satisfação social de se fazer parte de um mesmo núcleo familiar também acarreta algumas restrições no ordenamento jurídico brasileiro todas sempre com o intuito de evitar favorecimentos pessoais decorrentes da intimidade entre os parentes Observese que os parentes em linha reta sofrem algumas restrições no direito brasileiro a exemplo da proibição de o ascendente adotar o descendente art 42 1º do ECA ou da vedação ao casamento entre si art 1521 I do CC Da mesma forma a Consolidação das Leis do Trabalho arts 801 c e 829 respectivamente e o Código de Processo Civil de 2015 arts 144 III e IV e 457 estabelecem restrições em função do grau de parentesco à atuação no processo como magistrado ou testemunha O próprio Código Civil brasileiro restringe na compra e venda relação jurídiconegocial entre ascendente e descendente considerandoa anulável nos termos do art 496 Observamse da mesma maneira que no parentesco em linha reta restrições ao exercício de direitos e prerrogativas em função do parentesco em linha colateral Nesse contexto não podem adotar os irmãos do adotando art 42 1º do ECA havendo vedação matrimonial também para casamento entre colaterais art 1521 IV do CC Tais limitações normalmente podem ser encontradas nos mesmos dispositivos que se referem ao parentesco em linha reta como por exemplo as mencionadas restrições em função do grau de parentesco à atuação no processo como magistrado ou testemunha existentes na Consolidação das Leis do Trabalho arts 801 c e 829 respectivamente e no Código de Processo Civil de 2015 arts 144 III e IV e 457 Apenas a título de arremate vale destacar que em nosso entendimento não haveria que se falar de qualquer tratamento diferenciado entre as modalidades de parentesco pela natureza 469 Assim sendo mesmo reconhecendo que o parentesco por afinidade não gera necessariamente as mesmas obrigações que o parentesco natural ou o parentesco civil pensamos que as restrições válidas para essas duas últimas modalidades também deveriam ser aplicáveis à primeira Isso porque o fundamento das restrições estaria na preservação de interesses de terceiros que estabelecem relações jurídicas tanto de direito material quanto processual com um dos parentes como uma garantia de moralidade e impessoalidade evitandose favorecimentos indevidos calcados na intimidade e conhecimento pessoal 470 Parecenos sem dúvida uma boa diretriz a ser seguida 5 ADOÇÃO Posto a adoção seja instituto tratado pelo Direito da Criança e do Adolescente dadas as suas implicações profundas no âmbito da filiação não poderíamos deixar de analisálo ainda que rapidamente na presente obra Em verdade a evolução experimentada pela filiação adotiva guindada por justiça a um âmbito de dignidade constitucional confundese com a evolução do próprio Direito de Família brasileiro Grande passo uma sociedade dá quando verifica que a relação paternofilial é muito mais profunda do que o vínculo de sangue ou a mera marca da genética Com isso não estamos menoscabando a paternidade ou a maternidade biológica Não é isso O fato é que ser pai ou mãe não é simplesmente gerar procriar mas sim indiscutivelmente criar cuidar dedicar amor Nesse contexto temos que a filiação adotiva não apenas por um imperativo constitucional 471 mas por um ditame moral e afetivo equiparase de direito e de fato à filiação biológica não havendo o mínimo espaço para o estabelecimento de regras discriminatórias Delicada questão diz respeito à natureza jurídica da adoção Segundo ANTUNES VARELA é muito controvertida entre os autores a natureza jurídica da adopção Enquanto adopção constitui assunto de foro particular das pessoas interessadas a doutrina inclinouse abertamente para o carácter negocial do acto A adopção tinha como elemento fundamental a declaração de vontade do adoptante sendo os seus efeitos determinados por lei de acordo com o fim essencial que o declarante se propunha alcançar Logo porém que os sistemas jurídicos modernos passaram a exigir a intervenção dos tribunais não para homologarem mas para concederem a adopção a requerimento do adoptante quando entendessem pela apreciação das circunstâncias concretas do caso que o vínculo requerido serviam capazmente o interesse da criação e educação do adoptando a concepção dominante na doutrina quanto à natureza jurídica do acto mudou de sinal Passou a verse de preferência na adopção um acto de natureza publicística um acto judicial ou um acto complexo de natureza mista sic 472 De nossa parte entendemos que a adoção mais se aproximaria do conceito de ato jurídico em sentido estrito Como se sabe 473 o ato jurídico em sentido estrito ou não negocial caracterizase por ser um comportamento humano cujos efeitos estão legalmente previstos Vale dizer não existe aqui liberdade na escolha das consequências jurídicas pretendidas Ora a partir do momento em que a adoção passou a ser oficializada e disciplinada por meio de normas de natureza cogente e de ordem pública concluímos que a subsunção do conceito de adoção à categoria de ato em sentido estrito seria mais adequada do que à do negócio jurídico Mas advertimos que a par do nosso esforço científico e classificatório o ato de adotar apresenta tantas peculiaridades que se o qualificarmos também como complexo erro técnico não haveria Apenas não compartilhamos o entendimento no sentido da sua natureza negocial uma vez que neste último existe uma margem de autonomia privada na escolha dos efeitos jurídicos pretendidos o que não se afiguraria possível na adoção Finalmente podemos conceituar a adoção como um ato jurídico em sentido estrito de natureza complexa excepcional irrevogável 474 e personalíssimo 475 que firma a relação paterno ou materno filial com o adotando em perspectiva constitucional isonômica em face da filiação biológica 476 LXXXIII ALIMENTOS 1 TERMINOLOGIA E CONCEITO Quando cotidianamente utilizase a expressão alimentos é extremamente comum se fazer uma correspondência com a noção de alimentação no sentido dos nutrientes fornecidos pela comida Todavia a acepção jurídica do termo é muito mais ampla De fato juridicamente os alimentos significam o conjunto das prestações necessárias para a vida digna do indivíduo Esse conceito é extraído da própria previsão contida no art 1694 do CC2002 Art 1694 Podem os parentes os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social inclusive para atender às necessidades de sua educação 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia O fundamento da prestação alimentar encontra assento nos princípios da dignidade da pessoa humana vetor básico do ordenamento jurídico como um todo e especialmente no da solidariedade familiar 477 Como observam FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO Diante dessa proteção máxima da pessoa humana precursora da personalização do Direito Civil e em uma perspectiva civil constitucional entendemos que o art 6º da CF1988 serve como uma luva para preencher o conceito atual dos alimentos Esse dispositivo do Texto Maior traz como conteúdo os direitos sociais que devem ser oferecidos pelo Estado a saber a educação a saúde a alimentação o trabalho a moradia o lazer a segurança a previdência social a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados Anotese que a menção à alimentação foi incluída pela Emenda Constitucional 64 de 4 de fevereiro de 2010 o que tem relação direta com o tema aqui estudado Ademais destaquese que conforme a doutrina contemporânea constitucionalista os direitos sociais também devem ser tidos como direitos fundamentais tendo aplicação imediata nas relações privadas SARMENTO Daniel Direitos Fundamentais 2004 p 331350 478 Nessa linha consideramse compreendidas no conceito de alimentos todas as prestações necessárias para a vida e a afirmação da dignidade do indivíduo Essa característica da necessidade porém não é a única conforme veremos oportunamente 2 PRESSUPOSTOS E CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO Tradicionalmente um binômio é tomado como pressuposto fundamental para a fixação de alimentos necessidadepossibilidade É a conclusão lógica da interpretação do art 1695 do CC2002 Art 1695 São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes nem pode prover pelo seu trabalho à própria mantença e aquele de quem se reclamam pode fornecêlos sem desfalque do necessário ao seu sustento Todavia a doutrina mais moderna permitese ir além da mera remissão legal considerando que o respaldo fático da fixação estará calcado em verdade em um trinômio 479 E qual seria o terceiro pressuposto Exatamente a justa medida entre estas duas circunstâncias fáticas a razoabilidade ou proporcionalidade Vale dizer importa não somente a necessidade do credor ou a capacidade econômica do devedor mas sim a conjunção dessas medidas de maneira adequada A fixação de alimentos não é um bilhete premiado de loteria para o alimentando credor nem uma punição para o alimentante devedor mas sim uma justa composição entre a necessidade de quem pede e o recurso de quem paga Nesse diapasão registrese inexistir qualquer determinação legal de percentagem ou valor mínimo ou máximo Assim o critério de fixação de alimentos pode ser determinado tanto em valores fixos quanto variáveis bem como em prestação in natura 480 de acordo com o apurado no caso concreto Da mesma forma podem incidir sobre valores de retribuição salarial ou de qualquer outra prestação econômica reversível em benefício do alimentando 481 O importante frisese é garantir sempre uma prestação que permita realizar cada um dos pressupostos aqui fixados motivo pelo qual deve ser assegurada a conservação do seu valor aquisitivo na forma do art 1710 do CC2002 482 Nesse ponto uma consideração relevante deve ser feita Não vemos óbice a despeito de existir alguma resistência na doutrina em se fixar o percentual de pensão devido com base em salário mínimo Isso porque posto regra geral não possa a remuneração salarial ser usada como índice de correção a natureza especial da verba alimentar justificaria a sua utilização como bem observa MARIA BERENICE DIAS Ainda que a Constituição Federal art 7º inc IV vede a vinculação do salário mínimo para qualquer fim e o Código Civil determine a atualização das prestações alimentícias segundo índice oficial art 1710 não se revela inconstitucional a indexação das prestações alimentícias pelo salário mínimo Há longa data o Supremo Tribunal Federal de forma pacífica permite a sua utilização como base de cálculo de pensões alimentícias RE 170203 Ministro Relator Ilmar Galvão julgado em 30111993 Esta posição mantémse até os dias de hoje RE 274897 Ministra Relatora Ellen Gracie julgado em 2092005 A legitimidade de tal indexação está cristalizada na Súmula 490 A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustarseá às variações ulteriores Ademais a utilização do salário mínimo como base de cálculo dos alimentos foi recentemente confirmada pelo legislador por meio da Lei n 1123205 que incluindo no Código de Processo Civil o art 475Q 4º determinou a aplicação do salário mínimo para fixação dos alimentos oriundos de indenização por ato ilícito 483 Ademais exigir do cidadão comum o conhecimento necessário para fazer anualmente a atualização da prestação devida pelo IGPM é em nosso sentir exigência descabida que culminaria em coroar indesejável insegurança jurídica 3 LEGITIMAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR Quem pode exigir alimentos E quem está obrigado a prestálos Em outras palavras quem está legitimado para demandar e ser demandado por alimentos Na forma do já transcrito art 1694 do CC2002 a obrigação alimentar em Direito de Família 484 é decorrente do parentesco ou da formação de uma família matrimonial ou união estável no que não vislumbramos qualquer impedimento para incluir outras modalidades de família como a união homoafetiva família monoparental ou família poliafetiva 485 No âmbito do parentesco destaca o art 1696 do CC2002 Art 1696 O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes recaindo a obrigação nos mais próximos em grau uns em falta de outros Assim já é possível afirmar a característica da reciprocidade nos alimentos pois todo aquele que potencialmente tem direito a recebêlos da mesma forma pode vir a juízo exigilos para si se incidir em situação de necessidade Notese que na mesma linha de parentesco entre ascendentes e descendentes não há limites de grau para a fixação de tal obrigação podendo ser estendidos a avós bisavós e outros indefinidamente enquanto houver atendimento aos pressupostos de necessidadepossibilidade à luz de um critério de razoabilidade A obrigação alimentar vale acrescentar também é sucessiva entendida tal característica na circunstância de que na ausência de ascendentes passaria para os descendentes e na ausência destes últimos aos irmãos assim germanos ou seja irmãos dos mesmo pai e mãe quanto unilaterais na forma do art 1697 do CC2002 486 Registrese que a norma legal não autoriza a extensão da responsabilidade pela obrigação alimentar a outros colaterais como tios sobrinhos e primos e por ser regra impositiva de um dever não deve ser interpretada extensivamente Uma das inovações porém da atual codificação civil brasileira é a possibilidade de extensão da obrigação alimentar a parentes de grau imediato sem exoneração do devedor originário tudo para que se possa garantir a satisfação da necessidade do alimentando É a regra do art 1698 do CC2002 Art 1698 Se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não estiver em condições de suportar totalmente o encargo serão chamados a concorrer os de grau imediato sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos e intentada ação contra uma delas poderão as demais ser chamadas a integrar a lide Tratase de uma importante novidade pois realiza de forma plena o princípio da solidariedade familiar tão caro ao Direito de Família Discutese porém se a hipótese é de solidariedade ou de subsidiariedade que como já afirmamos em outra oportunidade nada mais é do que a solidariedade com preferência de pagamento A teor do Código Civil brasileiro concluímos que se trata de uma ordem lógica consagrandose a subsidiariedade das pessoas referidas 487 ao contrário da disposição equivalente no Estatuto do Idoso que estabelece expressamente a solidariedade 488 nos termos do seu art 12 A obrigação alimentar é solidária podendo o idoso optar entre os prestadores Mas logicamente se um dos devedores não tem condição de adimplir integralmente a obrigação devida outro sujeito segundo a sequência legal poderá ser chamado a complementar a verba Outra importante característica da obrigação alimentar é a sua transmissibilidade na forma do art 1700 do CC2002 Art 1700 A obrigação de prestar alimentos transmitese aos herdeiros do devedor na forma do art 1694 Registrese que tal dispositivo consistiu em uma mudança de diretriz teórica pois no sistema codificado anterior era vedada expressamente a transmissão da obrigação de prestar alimentos 489 Em nosso sentir o sentido jurídico da transmissibilidade é o seguinte Se o sujeito já condenado a pagar pensão alimentícia deixou saldo devedor em aberto poderá o credor alimentando sem prejuízo de eventual direito sucessório desde que não ocorrida a prescrição habilitar o seu crédito no inventário podendo exigilo até as forças da herança ou seja os outros herdeiros suportarão essa obrigação na medida em que a herança que lhes foi transferida é atingida para saldar o débito inadimplido Mas se não houver bens suficientes não poderá o sucessor ressalvada a hipótese de um dos herdeiros também ser legitimado passivo para o pagamento da pensão irmão do credor por exemplo o que desafiaria ação de alimentos própria ter o seu patrimônio pessoal atingido pela dívida deixada pelo falecido Uma outra importante característica dos alimentos é a sua irrepetibilidade ou seja a impossibilidade jurídica de sua restituição caso sejam considerados indevidos a posteriori 490 Tratase de uma regra calcada na ideia de necessidade e solidariedade social bem como na estabilidade das relações jurídicas Todavia já se admite hoje alguma flexibilidade em tal característica de forma a repelir a litigância de máfé Neste sentido observa RODRIGO DA CUNHA PEREIRA Uma tradicional característica dos alimentos é a proibição de que os alimentos sejam repetidos ou seja restituídos caso se constate posteriormente que eles não eram devidos Os casos mais comuns em que se busca a restituição é nas ações exoneratórias ou revisionais de alimentos Por esta razão e pelo princípio que veda o enriquecimento ilícito a doutrina vem repensando esta característica pois o credor dela se vale para protelar cada vez mais o processo judicial e por conseguinte prolongar o tempo em que o alimentando faz jus às prestações alimentícias postergando uma sentença de mérito A ilicitude do enriquecimento repudiada pelo Direito advém do recebimento da prestação alimentícia quando inexiste necessidade desta isto é quando o credor tem condições de arcar com o próprio sustento 491 Ainda como característica do direito a alimentos podemos elencar a sua imprescritibilidade que se limita porém ao direito em si de receber alimentos e não às parcelas vencidas e inadimplidas que prescrevem normalmente Em outras palavras o direito aos alimentos enquanto o seu fundamento existir poderá ser exercido a qualquer tempo mas se houver parcelas inadimplidas essas comportarão prazo prescricional de exigibilidade Nesse sentido o vigente Código Civil brasileiro estabeleceu no art 206 2º o prazo de 2 dois anos a partir da data em que vencerem substituindo o prazo quinquenal constante do art 178 10 do Código Civil de 1916 Por fim o art 1707 do CC2002 explicita outras importantes características da obrigação alimentar Art 1707 Pode o credor não exercer porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão compensação ou penhora grifos nossos Ou seja de tal regra legal extraemse quatro características básicas do direito a alimentos a saber a Irrenunciabilidade não se confunde a falta de exercício do direito com a renúncia aos alimentos regra que já existia desde a codificação civil anterior 492 Assim mesmo que durante algum tempo o indivíduo não tenha exercitado tal direito nada impede que ele venha a juízo a posteriori reclamar tal prestação não se configurando renúncia tácita o silêncio por algum tempo Se esses alimentos decorrentes de parentesco são sem dúvida absolutamente irrenunciáveis registrese que há porém posicionamento jurisprudencial mais recente que admite a validade da renúncia no caso de cônjuges notadamente em acordo judicial 493 b Vedação à cessão o direito a alimentos é pessoal motivo pelo qual não pode ser objeto de cessão c Vedação à compensação o crédito de alimentos por se referir à mantença do indivíduo não pode obviamente ser objeto de compensação pois mesmo que o alimentando seja devedor do alimentante em dívida de outra natureza a garantia do mínimo existencial impõe o reconhecimento ao menos em regra 494 da impossibilidade de compensação Esta vedação é objeto inclusive de outra previsão legal específica no art 373 II do CC2002 d Impenhorabilidade para que um crédito seja considerado penhorável é imprescindível que ele possa ser objeto de uma relação passível de transferência o que definitivamente não é o caso da pensão alimentícia Observese que a regra hoje codificada melhora a disciplina do instituto explicitando a impossibilidade de cessão compensação ou penhora o que favorece a segurança jurídica 4 CLASSIFICAÇÕES Apenas a título de sistematização teórica vale a pena expor algumas classificações doutrinárias dos alimentos Registramos porém que toda classificação doutrinária dependerá da concepção metodológica do autor que a expõe 495 motivo pelo qual nossa classificação não necessariamente coincidirá com a de outros autores nacionais sobre o tema No que diz respeito às fontes normativas ou seja quanto às causas jurídicas que os originaram classificamse os alimentos em a Legais derivados do Direito de Família são aqueles decorrentes de relações de parentesco ou do casamentounião estável sendo objeto de estudo neste capítulo Somente esses autorizam a prisão civil que deve ser sempre interpretada restritivamente b Convencionais ou voluntários derivados da autonomia privada os alimentos convencionais por sua vez decorrem da autonomia da vontade assumindose uma obrigação de prestar alimentos mesmo não tendo a obrigação legal para tal mister Podem decorrer de uma relação contratual ou de um ato jurídico causa mortis como o legado 496 c Legais derivados do Direito Obrigacional os alimentos indenizatórios são decorrentes do reconhecimento da responsabilidade civil do devedor em função de situação específica que tenha impossibilitado a subsistência do credor Como observam FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO são aqueles devidos em virtude da prática de um ato ilícito como por exemplo o homicídio hipótese em que as pessoas que do morto dependiam podem pleiteálos Estão previstos no art 948 II do CC tendo fundamento a responsabilidade civil e lucros cessantes conforme exposto no volume 2 da presente Coleção TARTUCE Flávio Direito civil 2010 Também não cabe prisão civil pela falta de pagamento desses alimentos STJ HC 92100DF Rel Min Ari Pargendler 3ª Turma julgado em 13112007 DJ 1º22008 p 1 STJ Responsabilidade 93948SP Rel Min Eduardo Ribeiro 3ª Turma j 241998 DJ 1º61998 p 79 497 Quanto à natureza ou abrangência podem ser a Civis ou côngruos alimentos civis são aqueles que não se limitam à subsistência mas também abrangem os gastos necessários para a manutenção da condição social art 1694 caput CC2002 b Naturais alimentos naturais são os estritamente necessários para a subsistência mantença da vida na forma do já transcrito 2º do art 1694 do CC2002 sem correspondência na codificação anterior Quanto ao tempo momento em que são exigidos 498 a Pretéritos ou vencidos seriam aqueles anteriores ao próprio ajuizamento da ação de alimentos Tais alimentos não têm sido admitidos no sistema brasileiro não sendo considerados devidos sob a argumentação de que se o alimentante conseguiu sobreviver até o ajuizamento da ação não se poderia postular pagamentos referentes a fatos passados b Presentes ou atuais alimentos postulados a partir do ajuizamento da demanda c Futuros ou vincendos alimentos devidos somente a partir da sentença Quanto à forma de pagamento a Próprios juridicamente os alimentos devem atender às necessidades básicas do indivíduo para viver de modo compatível com a sua condição social inclusive para atender às necessidades de sua educação art 1694 caput do CC2002 Por isso entendese por alimentos próprios aqueles prestados in natura abrangendo as necessidades do alimentando na forma inclusive do já mencionado art 1701 do CC2002 b Impróprios mesmo tachados de impróprios os pagamentos de natureza pecuniária em dinheiro são a forma mais comum de prestação de alimentos Quanto à finalidade a Definitivos em geral os alimentos definitivos são aqueles fixados por sentença ou decisão judicial comportando revisão eis que não são cobertos pelo manto definitivo da coisa julgada material b Provisórios são aqueles fixados liminarmente na ação de alimentos segundo o rito especial da Lei 5478 de 1968 ou nos termos gerais do CPC2015 Compreendidas as modalidades de alimentos passemos agora a enfrentar um dos mais importantes pontos deste tema qual seja a discussão sobre a influência da culpa na fixação de alimentos CLASSIFICAÇÃO DOS ALIMENTOS Civis ou côngruos Tratase da verba alimentar que visa manter o alimentando em toda a sua dimensão existencial abrangendo não apenas o alimento em si mas educação lazer saúde etc Naturais ou necessários Tratase dos alimentos básicos circunscritos à subsistência do alimentado Provisórios São fixados liminarmente no bojo do procedimento especial da Lei de Alimentos ou nos termos gerais do CPC2015 Definitivos São fixados na sentença da ação de alimentos e dada a natureza da prestação poderão ser revistos 5 A CULPA EM SEDE DE ALIMENTOS 499 Tema tormentoso é a discussão acerca do elemento culpa no que diz respeito à fixação dos alimentos Com efeito a codificação civil de 2002 trouxe dois dispositivos arts 1702 e 1704 que fazem referência ao elemento culpa na extinção do vínculo conjugal 500 Com o advento da Emenda Constitucional n 662010 entendemos que se a culpa deixou de ser referência para o reconhecimento do divórcio tendo extinguido o instituto da separação judicial bem como no âmbito da fixação da guarda de filhos também tende a desaparecer por completo na seara do direito aos alimentos Com efeito no que tange aos alimentos significativa mudança deverá se operar Ora com o fim da separação judicial se não existe mais fundamento para a discussão da culpa em sede de divórcio as regras do Código Civil atinentes ao pagamento de pensão alimentícia que levem em conta esse elemento subjetivo deverão sofrer o impacto da Emenda Afinal qual é o sentido em determinar e mensurar o pagamento da pensão alimentícia com base na culpa Para que você tenha uma ideia amigo leitor vejamos o conteúdo dos mencionados arts 1702 e 1704 do Código Civil brasileiro Art 1702 Na separação judicial litigiosa sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos prestarlheá o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar obedecidos os critérios estabelecidos no art 1694 Art 1704 Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos será o outro obrigado a prestálos mediante pensão a ser fixada pelo juiz caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial Parágrafo único Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos e não tiver parentes em condições de prestálos nem aptidão para o trabalho o outro cônjuge será obrigado a assegurálos fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência Da sua simples leitura constatamos não ser preciso muito esforço hermenêutico para se chegar à conclusão de que com o fim da aferição da culpa na seara do descasamento a fixação dos alimentos devidos deverá ser feita com amparo na necessidade ou vulnerabilidade do credor na justa medida proporcionalidaderazoabilidade das condições econômicas do devedor Apenas isso Para a determinação dos alimentos portanto não há mais que se perquirir culpa alguma Ideia semelhante já era defendida pela doutrina consoante podemos ler no Enunciado 133 da I Jornada de Direito Civil 133 Proposição sobre o art 1702 Proposta Alterar o dispositivo para Na separação judicial sendo um dos cônjuges desprovido de recursos prestarlheá o outro pensão alimentícia nos termos do que houverem acordado ou do que vier a ser fixado judicialmente obedecidos os critérios do art 1694 Na jurisprudência o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul merece referência AGRAVO DE INSTRUMENTO SEPARAÇÃO JUDICIAL PEDIDO DE EXONERAÇÃO DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS FIXADOS EM FAVOR DA EXMULHER QUE RECEBE AUXÍLIODOENÇA PREVIDENCIÁRIO POSSIBILIDADE INEXISTÊNCIA DE NECESSIDADE A obrigação alimentária vinculase à cláusula rebus sic stantibus podendo ser revisada sempre que ocorre alteração no binômio possibilidade e necessidade sendo possível o pleito de redução majoração ou exoneração de alimentos A fixação dos alimentos não está embasada na culpa mas sim na comprovação da dependência econômica daquele que pede Comprovado que a exmulher ao contrário do que declarado na inicial recebe auxíliodoença previdenciário com valor correspondente a 16 salários mínimos valor superior ao pensionamento pleiteado cabível a revogação da liminar que fixou o encargo alimentar restando a questão submetida à dilação probatória na ação principal Agravo de Instrumento provido TJRS Agravo de Instrumento 70029099629 Rel André Luiz Planella Villarinho julgado em 1062009 7ª Câm Cív grifo nosso APELAÇÃO CÍVEL FAMÍLIA SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA PRELIMINAR DE DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA SUSCITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO AFASTAMENTO CULPA NA SEPARAÇÃO DISCUSSÃO INÓCUA SEM EFEITO PRÁTICO TÉRMINO DA SOCIEDADE CONJUGAL NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DA DATA PARTILHA DE BENS Impossibilidade de realização nestes autos ante a ausência de prova efetiva sobre o rol de bens e a data de aquisição Alimentos em favor da filha do casal Manutenção do quantum já estabelecido Alimentos em favor da exesposa Ausência de comprovação acerca da necessidade Recurso de apelação desprovido e recurso adesivo parcialmente provido TJRS Apelação Cível 70023977481 Rel Ricardo Raupp Ruschel julgado em 1542009 7ª Câm Cív segredo de justiça grifo nosso SEPARAÇÃO JUDICIAL RECONVENÇÃO CERCEAMENTO DE DEFESA ALIMENTOS CULPA NA SEPARAÇÃO NOME DE CASADA HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS 1 Sendo a separanda mulher jovem saudável capaz apta ao trabalho e empregada descabe fixar alimentos em favor dela pois não necessita do amparo do varão para manterse valendo gizar que a lei contempla o dever de mútua assistência e não o direito de um cônjuge de ser sustentado pelo outro 2 Não havendo necessidade da esposa de receber alimentos descabe promover diligência tendente a verificar a capacidade econômica do cônjuge 3 A falência do casamento pela perda do afeto justifica plenamente a ruptura não havendo motivo para se perquirir a culpa nada justificando manter incólume o casamento quando ele já terminou de forma inequívoca 4 O nome é direito da personalidade e a mulher tem o direito de mantêlo salvo quando for culpada pela separação quando houver pedido expresso do autor e mesmo assim quando não lhe causar prejuízo para a própria identificação é descabido cogitar da perda do nome quando sequer houve pedido nesse sentido na peça exordial 5 Fica mantida a verba sucumbencial quando a verba de honorários é fixada com moderação segundo apreciação equitativa do julgador já que não houve condenação tratandose de ação de estado Recursos desprovidos TJRS Apelação Cível 70024987299 Rel Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves julgado em 2812009 7ª Câm Cív grifo nosso Conforme já ressaltamos 501 se não existe mais fundamento para a discussão da culpa em sede de separação e divórcio as regras do Código Civil atinentes ao pagamento de pensão alimentícia que levem em conta esse elemento subjetivo deverão sofrer o impacto da Emenda Não é recomendável pois que se fundamente o pleito de alimentos na conduta desonrosa do outro cônjuge ou em qualquer outro ato culposo que traduza violação de deveres conjugais Se existe comportamento culposo violador de direitos da personalidade a reparação material e ou moral devida desafia ação própria de ressarcimento no âmbito da responsabilidade civil nas relações de família 502 O moderno Direito de Família com o reforço da nova Emenda aponta no sentido de admitir como único fundamento para a fixação dos alimentos a necessidade do cônjuge credor na justa medida da capacidade econômica do seu consorte devedor Assim ao pretender obter o divórcio 503 as partes ou os interessados deverão observar as seguintes regras a se o divórcio é consensual administrativo o próprio acordo poderá definir os alimentos devidos ao cônjuge necessitado Lembrese de que nos termos do art 733 do CPC2015 não poderá a escritura pública dispor acerca dos alimentos em favor de filhos menores ou incapazes por se afigurar obrigatória nesse tipo de situação a via do divórcio judicial b se o divórcio é consensual judicial na mesma linha o acordo definirá os alimentos devidos ao cônjuge necessitado e bem assim se for o caso aos filhos menores ou incapazes Nesse último caso a intervenção do Ministério Público é obrigatória c se o divórcio é litigioso e obviamente judicial o juiz poderá fixar os alimentos devidos no bojo do próprio processo desde que haja pedido nesse sentido Lembrese de que para efeito de dissolução do vínculo é suficiente a formulação do pedido de divórcio eis que prazo para tanto não há mais Entretanto caso também haja sido cumulado o pedido de alimentos a sua fixação será feita por decisão judicial levandose em conta apenas como já dito o trinômio necessidadecapacidade econômicaproporcionalidade sem aferição de culpa de qualquer das partes no fim do casamento É digno de nota que seja qual for a modalidade do divórcio judicial os alimentos devidos aos filhos são cláusula fundamental de natureza cogente e matiz de ordem pública E é isso que no final das contas pretende dizer o art 1703 do CC2002 equivalente ao art 20 da Lei de Divórcio Art 1703 Para a manutenção dos filhos os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos A única ressalva que se faz ao referido dispositivo é justamente que por força da Emenda Constitucional n 662010 em nosso sentir a referência deve ser aos cônjuges divorciados em vez de cônjuges separados judicialmente A única culpa porém que parece continuar relevante em matéria de alimentos é a que se refere à situação em que se encontrou na forma do já transcrito 2º do art 1694 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia A norma tem um evidente conteúdo ético na ideia de que não se deve prestigiar demais aquele que perdulariamente desfezse irresponsavelmente do seu patrimônio Em verdade existe um aspecto pedagógico relevante nessa previsão Mas mesmo assim haverá a obrigação alimentar básica sem jamais abrir mão do mínimo existencial 6 A PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS O descumprimento voluntário e inescusável da obrigação legal de pagamento de alimentos enseja a prisão civil do devedor Tratase da única forma de prisão civil admitida em nosso sistema e de grande utilidade prática e social Registrese de plano que somente o descumprimento dessa modalidade de alimentos autoriza a medida extrema não sendo aplicável a alimentos voluntários ou indenizatórios legais derivados do Direito Obrigacional A prisão civil decorrente de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar em face da importância do interesse em tela subsistência do alimentando é em nosso entendimento medida das mais salutares pois a experiência nos mostra que boa parte dos réus só cumpre a sua obrigação quando ameaçada pela ordem de prisão Analisando o procedimento de execução de prestação alimentícia previsto no art 733 do CPC73 correspondente ao art 911 do CPC2015 o ilustrado BARBOSA MOREIRA pontifica A imposição da medida coercitiva pressupõe que o devedor citado deixe escoar o prazo de três dias sem pagar nem provar que já o fez ou que está impossibilitado de fazêlo art 733 caput Omisso o executado em efetuar o pagamento ou em oferecer escusa que pareça justa ao órgão judicial este sem necessidade de requerimento do credor decretará a prisão do devedor por tempo não inferior a um nem superior a três meses art 733 1º derrogado aqui o art 19 caput in fine da Lei n 5478 Como não se trata de punição mas de providência destinada a atuar no âmbito do executado a fim de que realize a prestação é natural que se ele pagar o que deve determine o juiz a suspensão da prisão art 733 3º quer já tenha começado a ser cumprida quer no caso contrário 504 Entendemos ainda quanto à prisão civil aplicada à cobrança de débito alimentar que a regra consolidada pela jurisprudência 505 no sentido de que a medida só poderá ser ordenada em face das três últimas parcelas em atraso e as vencidas no curso do processo aplicandose o procedimento comum de execução por quantia certa para as demais parcelas vencidas merece reflexão Afinal por que apenas para as três últimas O juiz atuando com a devida cautela poderia no caso concreto decretar a prisão civil em face de mais de três prestações em atraso respeitado é claro o limite máximo da prescrição da pretensão condenatória da dívida alimentar uma vez que o recurso à execução por quantia certa citese para pagar em 24 horas sob pena de penhora é na prática moroso e sujeito a manobras processuais não se justificando o limite das três parcelas em atraso o qual é prejudicial ao imediato interesse alimentar do alimentando hipossuficiente na relação jurídica Não foi esse porém o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que no particular editou a Súmula 309 que preceitua O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo Claro que reconhecemos a importância deste norte jurisprudencial mas ao menos doutrinariamente fazemos esta respeitosa reflexão atentos ao caráter social relevantíssimo da prestação alimentar Acerca do regime de cumprimento da prisão civil de alimentos parecenos relevante defender a possibilidade de em determinadas situações como pode ocorrer com o idoso o devedor cumprir a prisão civil em regime semiaberto ou aberto 506 Sem prejuízo da prisão o novo Código de Processo Civil segundo uma interpretação sistemática do 1º do art 528 e 3º do art 782 permite a inscrição do nome do devedor de alimentos em cadastro restritivo como inclusive admitiu o STJ mesmo antes da entrada em vigor da nova Lei Processual 507 7 ALIMENTOS GRAVÍDICOS Consideramos pertinente abrir um tópico próprio para o tema dos alimentos gravídicos Tratase de um instituto inserido pela Lei n 11804 de 5 de novembro de 2008 consistente no direito de alimentos da mulher gestante que compreendem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes da concepção ao parto inclusive as referentes à alimentação especial assistência médica e psicológica exames complementares internações parto medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis a juízo do médico além de outras que o juiz considere pertinentes referindose à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai considerandose a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida na proporção dos recursos de ambos tudo na forma dos seus arts 1º e 2º A referida norma pacifica questão que já vinha sendo há muito reconhecida na jurisprudência 508 e na doutrina especializada 509 da possibilidade de outorga de alimentos ao nascituro como forma de garantir um regular desenvolvimento da gestação e adequado parto Criticando porém a terminologia consagrada pelos comentadores da referida norma observa SILMARA JUNY CHINELLATO A recente Lei n 11804 de 5 de novembro de 2008 que trata dos impropriamente denominados alimentos gravídicos desnecessário e inaceitável neologismo pois alimentos são fixados para uma pessoa e não para um estado biológico da mulher desconhece que o titular do direito a alimentos é o nascituro e não a mãe partindo da premissa errada o que repercute no teor da lei 510 Concordamos com a ilustre professora da USP sendo muito mais técnico se reconhecer a lei como dos alimentos do nascituro Convencido da existência de indícios da paternidade a teor do art 6º da Lei o juiz fixará os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré Após o nascimento com vida os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão Notese que para efeito de fixação da verba são suficientes indícios da paternidade não se exigindo prova cabal préconstituída Por óbvio se a paternidade posteriormente for oficialmente negada poderá o suposto pai voltarse em sede de ação de regresso contra o verdadeiro genitor para evitar o seu enriquecimento sem causa 8 REVISÃO EXONERAÇÃO E EXTINÇÃO DOS ALIMENTOS Não há uma limitação temporal objetiva delineada em lei para obrigação alimentar Havendo fundamento a obrigação persiste enquanto estiverem presentes os pressupostos de necessidade possibilidade e razoabilidade Por isso merece reflexão a regra do art 1701 do CC2002 Art 1701 A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando ou darlhe hospedagem e sustento sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação quando menor Parágrafo único Compete ao juiz se as circunstâncias o exigirem fixar a forma do cumprimento da prestação grifo nosso A referência a quando menor em nosso entendimento não deve ser compreendida como um prazo máximo de exigibilidade da obrigação alimentar mas sim como uma reafirmação do dever de prestar educação aos menores Isto porque demonstrada a necessidade e a continuidade de estudos em nível superior ou técnico pode ser uma causa razoável é perfeitamente aceitável a manutenção da obrigação alimentar após o atingimento da maioridade Por isso quanto aos filhos costumeiramente se diz que a obrigação persiste até a conclusão dos estudos não havendo cancelamento automático do dever alimentar com o alcance da maioridade civil 511 PENSÃO ALIMENTÍCIA MAIORIDADE FILHO Tratase de remessa pela Terceira Turma de recurso em ação revisional de alimentos em que a controvérsia cingese em saber se atingida a maioridade cessa automaticamente ou não o dever de alimentar do pai em relação ao filho Prosseguindo o julgamento a Seção por maioria proveu o recurso entendendo que com a maioridade do filho a pensão alimentícia não pode cessar automaticamente O pai terá de fazer o procedimento judicial para exonerarse ou não da obrigação de dar pensão ao filho Explicitouse que completar a maioridade de 18 anos não significa que o filho não irá depender do pai Precedentes citados REsp 347010SP DJ 1022003 e REsp 306791SP DJ 2682002 REsp 442502SP Rel originário Min Castro Filho Rel para acórdão Min Antônio de Pádua Ribeiro julgado em 6122004 ALIMENTOS MAIORIDADE DO ALIMENTANDO EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA DA PENSÃO INADMISSIBILIDADE Com a maioridade extinguese o poder familiar mas não cessa desde logo o dever de prestar alimentos fundado a partir de então no parentesco É vedada a exoneração automática do alimentante sem possibilitar ao alimentando a oportunidade de manifestarse e comprovar se for o caso a impossibilidade de prover a própria subsistência Precedentes do STJ Recurso especial não conhecido REsp 739004DF Rel Min Barros Monteiro julgado em 1592005 DJ 24102005 p 346 4ª Turma HABEAS CORPUS PRISÃO CIVIL ALIMENTOS A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidouse no sentido de que a maioridade dos filhos não acarreta a exoneração automática da obrigação de prestar alimentos Ordem denegada HC 55065SP Rel Min Ari Pargendler julgado em 10102006 DJ 27112006 p 271 3ª Turma HABEAS CORPUS PRISÃO CIVIL EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PRECEDENTES DA CORTE 1 O habeas corpus na linha da jurisprudência da Corte não constitui via adequada para o exame aprofundado de provas indispensáveis à verificação da capacidade financeira do paciente para pagar os alimentos no montante fixado 2 A maioridade do credor dos alimentos não exonera por si só a obrigação do devedor 3 A propositura de ação revisional de alimentos não impede a prisão civil do devedor de alimentos 4 O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo Súmula 309STJ atual redação aprovada em 22306 pela Segunda Seção 5 Ordem concedida em parte HC 55606SP Rel Min Carlos Alberto Menezes Direito julgado em 592006 DJ 13112006 p 240 3ª Turma Finalmente coroando essa linha de entendimento a Súmula 358 do STJ O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial mediante contraditório ainda que nos próprios autos O que autoriza revisão da obrigação alimentar inclusive a sua exoneração como várias vezes aqui se deixou claro é a presença do trinômio de pressupostos Tal afirmação é extraída do art 1699 do CC2002 que preceitua in verbis Art 1699 Se fixados os alimentos sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre ou na de quem os recebe poderá o interessado reclamar ao juiz conforme as circunstâncias exoneração redução ou majoração do encargo Ou seja a modificação da situação econômica de quem presta os alimentos ou de quem os recebe pode ensejar a revisão do seu valor seja com a diminuição aumento ou mesmo afastamento da obrigação exoneração dos alimentos A exoneração é portanto ato de reconhecimento da cessação da obrigação alimentar Assim se o credor não mais necessita ou o devedor não tem mais condições a hipótese é de aplicação do mencionado instituto A exoneração não se confunde porém com a extinção do dever de alimentos cuja regra encontrase assentada no seguinte dispositivo Art 1708 Com o casamento a união estável ou o concubinato do credor cessa o dever de prestar alimentos 512 Parágrafo único Com relação ao credor cessa também o direito a alimentos se tiver procedimento indigno em relação ao devedor A razão do dispositivo é muito simples Se o indivíduo credor de alimentos resolve formar novo núcleo familiar partese do pressuposto de que irá assumir as suas obrigações de forma autônoma Da mesma forma o parágrafo único estabelece como causa extintiva dos alimentos o procedimento indigno do credor em relação ao devedor O termo é genérico Se é certo imaginar que uma tentativa de homicídio do credor em face do devedor seja um procedimento indigno a expressão pode ensejar várias outras contextualizações o que deve ser objeto do prudente e fundamentado arbítrio do julgador Registrese por outro lado que na forma do art 1709 do CC2002 equivalente ao art 30 da Lei do Divórcio o novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio Isso porque sendo personalíssima a obrigação ela persistirá de forma autônoma para o devedor mesmo constituindo nova relação conjugal ou acrescentamos nós união estável devendo administrar bem seus gastos para não incidir nas terríveis sanções legais correspondentes como a prisão civil LXXXIV TUTELA CURATELA E TOMADA DE DECISÃO APOIADA 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O último Título Título IV do Livro IV reservado ao Direito de Família do vigente Código Civil brasileiro é destinado à disciplina jurídica da Tutela e da Curatela É o locus do que se convencionou chamar de Direito Assistencial no estudo das relações familiares E é com base na própria solidariedade social que é tão cara ao Direito de Família a ponto de constituir um princípio próprio o princípio da solidariedade familiar 513 que se constrói e se respalda a normatização na espécie Como observa PAULO LÔBO O fundamento comum da tutela e da curatela é o dever de solidariedade que se atribui ao Estado à sociedade e aos parentes Ao Estado para que regule as respectivas garantias e assegure a prestação jurisdicional À sociedade pois qualquer pessoa que preencha os requisitos legais poderá ser investida pelo Judiciário desse múnus Aos parentes porque são os primeiros a serem convocados salvo se legalmente dispensados 514 Mas quais são as diferenças conceituais essenciais entre os dois institutos É o que veremos no próximo tópico deixando para apreciar ao final o instituto da Tomada de Decisão Apoiada inovação legislativa trazida com o Estatuto da Pessoa com Deficiência 2 DISTINÇÃO CONCEITUAL DE TUTELA E CURATELA A tutela e a curatela são institutos autônomos mas com uma finalidade comum qual seja propiciar a representação legal e a administração de sujeitos incapazes de praticar atos jurídicos Tratase de uma proteção jurídica aos interesses daqueles que se encontram em situação de incapacidade na gestão de sua vida A diferença fundamental no campo conceitual entre as duas formas de suprimento de capacidade para a prática de atos de gestão diz respeito a seus pressupostos enquanto a tutela se refere à menoridade legal a curatela se relaciona com situações de deficiência total ou parcial ou em hipótese mais peculiar visa a preservar interesses do nascituro Notese porém que em ambas as hipóteses haverá a responsabilidade do representante legal tutor ou curador pelos atos de seus pupilos ou curatelados que estiverem sob sua autoridade em sua companhia na forma do art 932 II do CC2002 515 Passemos então a analisar específica e separadamente tais institutos iniciando na ordem de disposição no Código Civil brasileiro pela tutela 3 TUTELA Conceituase a tutela como a representação legal de um menor relativa ou absolutamente incapaz cujos pais tenham sido declarados ausentes falecido ou hajam decaído do poder familiar A tutela está umbilicalmente ligada ao Direito de Família uma vez que tem por finalidade suprir a falta dos pais São causas da sua instituição conforme se extrai do conceito o falecimento de ambos os pais a ausência e até mesmo a perda ou suspensão do poder familiar em relação à criança ou ao adolescente É a previsão específica do art 1728 do CC2002 que abre a disciplina legal do instituto Art 1728 Os filhos menores são postos em tutela I com o falecimento dos pais ou sendo estes julgados ausentes II em caso de os pais decaírem do poder familiar Complementando esse regramento o art 36 do ECA com redação dada pela Lei n 12010 de 2009 Art 36 A tutela será deferida nos termos da lei civil à pessoa de até 18 dezoito anos incompletos Parágrafo único O deferimento da tutela pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar e implica necessariamente o dever de guarda grifamos Vale relembrar que a tutela na forma da Seção III Da Família Substituta que abrange os arts 28 a 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 8069 de 13 de julho de 1990 constituise em geral na segunda etapa de inserção da criança ou adolescente em família substituta sendo a primeira a guarda 516 e a última a adoção 517 Todavia é preciso ressaltar que o instituto não se limita a tais situações servindo genericamente para qualquer hipótese de proteção dos interesses de menores na falta dos pais obedecidas as condições da lei civil 31 Sujeitos da tutela Quem pode ser tutor Essa é uma pergunta importante pois se trata da pessoa que irá se responsabilizar pela formação e pela administração do patrimônio de menores cujos pais não se encontram presentes Por isso mesmo é que na forma do art 1729 do CC2002 o direito de nomear tutor compete aos pais em conjunto sendo que tal nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico na forma do seu parágrafo único Obviamente o meio mais comum é um testamento instrumento adequado para manifestações com efeito post mortem mas também se admite outra forma de documento autêntico instrumento público ou particular Vale destacar que na forma do 1º do art 1733 do CC2002 havendo nomeação de mais de um tutor por disposição testamentária sem indicação de precedência entendese que a tutela foi cometida ao primeiro e que os outros lhe sucederão pela ordem de nomeação se ocorrer morte incapacidade escusa ou qualquer outro impedimento Registrese inclusive que a nomeação conjunta dos pais não pressupõe a existência de vínculo de parentesco não sendo raras as situações em que os pais têm mais confiança em amigos íntimos do que em parentes para o exercício de tal múnus Tais tutores são conhecidos como tutores testamentários ou tutores documentais a depender de qual instrumento os indicou 518 Ausente a nomeação feita pelos pais a vigente norma legal art 1731 do CC2002 suprimiu a previsão machista do art 409 do CC1916 que atribuía preferência aos ascendentes masculinos avô paterno e sucessivamente avô materno conforme veremos linhas abaixo Obviamente a manifestação dos pais pressupõe o exercício do poder familiar sendo nula de pleno direito a nomeação de tutor por quem não o detinha no momento de sua morte ou desaparecimento na forma do art 1730 do CC2002 Soaria inclusive absurdo imaginar que alguém destituído do poder familiar pudesse indicar o tutor que cuidaria de seus filhos em seu lugar Se não teve idoneidade para manter o poder familiar muito menos terá para indicar quem quer que seja Na ausência de nomeação válida dos pais como dito estabelece o art 1731 do CC2002 519 uma ordem de preferência de indicação de tutores aí sim com a exigência da condição de parentes consanguíneos do menor a saber I aos ascendentes preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto II aos colaterais até o terceiro grau preferindo os mais próximos aos mais remotos e no mesmo grau os mais velhos aos mais moços Salientese que em qualquer dos casos o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor não se tratando de um rol preferencial absoluto ou inflexível segundo já decidiu o Superior Tribunal de Justiça CIVIL RECURSO ESPECIAL ORDEM DE NOMEAÇÃO DE TUTOR ART 409 DO CC1916 ART 1731 DO CC2002 TUTELA EM BENEFÍCIO DO MENOR A ordem de nomeação de tutor prevista no art 409 do CC1916 art 1731 do CC2002 não inflexível podendo ser alterada no interesse do menor Na falta de tutor nomeado pelos pais podem os tios serem nomeados tutores do menor se forem os mais aptos a exercer a tutela em benefício desse Recurso especial não conhecido REsp 710204AL Rel Min Nancy Andrighi julgado em 1782006 DJ 492006 p 263 3ª Turma Tais tutores escolhidos pelo magistrado observando a preferência legal são chamados de tutores legítimos E o que fazer na falta de tutores testamentários ou documentais e tutores legítimos Ou seja ausentes ambos os pais sem designação de quem deve exercer a tutela bem como não havendo parentes consanguíneos como será feita a nomeação do tutor Supletivamente então estabelece o art 1732 do CC2002 Art 1732 O juiz nomeará tutor idôneo e residente no domicílio do menor I na falta de tutor testamentário ou legítimo II quando estes forem excluídos ou escusados da tutela III quando removidos por não idôneos o tutor legítimo e o testamentário Conheçamos porém o outro sujeito dessa relação jurídica o tutelado Como já se explicitou estão sujeitos à tutela os menores de 18 anos Nesse sentido estabelece expressamente o Estatuto da Criança e do Adolescente com a redação dada pela Lei n 12010 de 2009 Art 36 A tutela será deferida nos termos da lei civil a pessoa de até 18 dezoito anos incompletos Os menores sujeitos passivos da tutela serão chamados de pupilos ou tutelados permanecendo nessa condição até a cessação dessa forma de proteção pessoal e patrimonial Vale destacar que na forma estabelecida no caput do art 1733 do CC2002 na hipótese de serem irmãos órfãos procurarseá dar sempre um mesmo e único tutor É claro que a norma deve ser aplicada com olhos no caso concreto e no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente pois muitas vezes não é possível se ter um único tutor até pela dificuldade inerente à assunção desse encargo Mas sempre que possível tendo em vista o interesse existencial dos menores deverá tal regra ser observada Uma curiosidade que mostra a proximidade da tutela com a curatela é que por disposição testamentária alguém pode nomear um menor que normalmente é o destinatário da tutela como seu herdeiro ou legatário e também instituir uma curatela específica desses bens deixados sem prejuízo de um terceiro ser o tutor desse menor É a regra do 2º do art 1733 do CC2002 que estabelece que quem institui um menor herdeiro ou legatário seu poderá nomearlhe curador especial para os bens deixados ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar ou tutela Por fim vale destacar que na forma do art 1734 do CC2002 as crianças e os adolescentes cujos pais forem desconhecidos falecidos ou que tiverem sido suspensos ou destituídos do poder familiar terão tutores nomeados pelo juiz ou serão incluídos em programa de colocação familiar na forma prevista pela Lei n 8069 de 13 de julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente conforme redação dada pela Lei n 12010 de 2009 Não é qualquer pessoa que pode ser tutor Com efeito tratase de um múnus público de grande responsabilidade em que não é simplesmente a capacidade civil que autoriza o seu exercício sendo necessária uma legitimidade específica capacidade especial 520 Assim segundo a linha do art 1735 do CC2002 não podem ser tutores e serão exonerados da tutela caso a exerçam I aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens II aqueles que no momento de lhes ser deferida a tutela se acharem constituídos em obrigação para com o menor ou tiverem que fazer valer direitos contra este e aqueles cujos pais filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor III os inimigos do menor ou de seus pais ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela IV os condenados por crime de furto roubo estelionato falsidade contra a família ou os costumes tenham ou não cumprido pena V as pessoas de mau procedimento ou falhas em probidade e as culpadas de abuso em tutorias anteriores VI aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela Observese que em todas as situações descritas pela norma o que se busca preservar é a idoneidade do tutor e o patrimônio do tutelado afastandose situações objetivas ou subjetivas que possam pôr em risco tais bens jurídicos Vale registrar que há determinados atos que o tutor não poderá praticar de forma alguma ainda que fosse eventualmente autorizado judicialmente Neste sentido confirase o art 1749 do CC2002 Art 1749 Ainda com a autorização judicial não pode o tutor sob pena de nulidade I adquirir por si ou por interposta pessoa mediante contrato particular bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor II dispor dos bens do menor a título gratuito III constituirse cessionário de crédito ou de direito contra o menor Embora prevista na Seção IV referente ao exercício da tutela a matéria tem maior afinidade temática com o tema da capacidade pois em final análise consiste em uma situação peculiar de ilegitimidade que traduz impedimento para a prática de específicos atos jurídicos Tratase de hipótese de nulidade absoluta que pode ser reconhecida a qualquer tempo inclusive de ofício pelo juiz 521 É preciso compreender que a natureza da condição de tutor é de um múnus público que a priori não pode ser recusado notadamente por quem seja parente do menor Todavia tal dever é flexibilizado em determinadas situações objetivas que por sua própria natureza podem atrapalhar a regular administração dos bens do tutelado com confusão de interesses Nesse sentido o art 1736 do CC2002 admite que podem se escusar da tutela I mulheres casadas II maiores de sessenta anos III aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos IV os impossibilitados por enfermidade V aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela VI aqueles que já exercerem tutela ou curatela VII militares em serviço É preciso registrar que a previsão legal se refere à possibilidade de escusa ou seja as pessoas ali listadas terão uma justificativa normativa para não exercer a tutela caso não seja do seu interesse podendo todavia exercêla normalmente independentemente de se enquadrarem na hipótese fática Assim para evitar um assoberbamento de atividades ou um ônus maior têm as pessoas listadas o direito subjetivo de recusa A priori quem é parente do menor não tem o direito subjetivo de recusar o múnus se não estiver enquadrado em uma das situações supra Todavia não mantendo grau de parentesco com o menor há a possibilidade de recusa se houver no lugar parente idôneo consanguíneo ou afim em condições de exercêla na forma do art 1737 do CC2002 O procedimento para manifestação da escusa se dá por simples petição ao magistrado ajuizada nos mesmos autos que designou a tutela devendo ser apresentada no apresentada sob pena de entenderse renunciado o direito de alegála Se todavia o motivo escusatório ocorrer depois de aceita a tutela o prazo será contado do dia em que ele sobrevier 522 art 1738 do CC2002 o que mutatis mutandi é uma aplicação do princípio da actio nata Vale registrar que o prazo originário para tal manifestação era de 10 dez dias como constava no Código Civil mas houve modificação superveniente para 5 cinco dias com o advento do art 760 do Código de Processo Civil de 2015 É importantíssimo registrar que se o juiz não admitir a escusa exercerá o nomeado a tutela enquanto o recurso interposto não tiver provimento e responderá desde logo pelas perdas e danos que o menor venha a sofrer art 1739 do CC2002 o que demonstra o caráter público relevante do exercício da tutela 32 Objeto da tutela Em uma leitura apressada do art 1741 do CC2002 523 poderseia imaginar que o exercício da tutela se limitaria à administração do patrimônio do menor Todavia a condição de tutor é muito mais relevante do que a de um simples administrador patrimonial uma vez que se torna em verdade o representante legal do menor suprindo ainda que parcialmente a ausência das figuras parentais E não há mesmo como ser encarada como mera administração de bens até mesmo pela circunstância evidente de que o menor pode nem sequer ter qualquer bem em seu patrimônio Neste exercício da tutela uma série de atos deve ser praticada alguns sem controle judicial prévio outros com a necessária autorização do magistrado Em uma linha mais abrangente dispõe o art 1740 do CC2002 Art 1740 Incumbe ao tutor quanto à pessoa do menor I dirigirlhe a educação defendêlo e prestarlhe alimentos conforme os seus haveres e condição II reclamar do juiz que providencie como houver por bem quando o menor haja mister correção III adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais ouvida a opinião do menor se este já contar doze anos de idade Notese que a ênfase do dispositivo se dá na proteção da pessoa do menor com a preocupação com sua educação defesa e sustento Tudo isso é feito diretamente pelo tutor como efetivo representante do menor sem precisar se valer da autoridade do juiz Em uma busca democrática pelo melhor interesse do menor é salutar inclusive ouvirse a sua opinião posto claro caiba ao tutor dar a decisão final acerca de aspectos de sua vida sem prejuízo de eventual controle judicial Assim cabem ao tutor em síntese as atribuições que seriam naturais dos pais do menor Todavia o tutor não é pai ou mãe E por isso a diferença evidente de prerrogativas está no fato de que não tem ele poder de correção sobre o menor É óbvio que o tutor na condição de representante legal pode exigir do tutelado respeito e obediência Contudo não tem ele a possibilidade de disciplinar o menor como se pai fosse Para isso é necessária a atuação judicial já que o tutor não exerce o poder familiar e a tutela é estabelecida para sua proteção não para os desígnios e desejos do tutor motivo pelo qual se justificaria o controle judicial Discutível porém é a condição fática do magistrado de escolher a medida mais adequada para correção do pupilo sem a atuação do próprio tutor uma vez que não partilha da mesma forma de sua convivência Comentando o dispositivo observa PATRÍCIA DINIZ GONÇALVES MOREIRA ALVES Poderá o tutor exigir do tutelado respeito e obediência a fim de fazer valer a sua autoridade No entanto diante de eventual resistência do tutelado à observância de suas orientações não poderá o tutor exercer sobre ele o poder de correção devendo requerer ao juiz que determine a providência cabível à espécie Solicitada a medida o Juiz poderá de acordo com Paulo Nader limitarse a aconselhamento ou efetivarse medida de acompanhamento por assistente social psicólogo pedagogo ou por outro profissional NADER 2006 p 637 Em pertinente crítica ao inciso II Maria Berenice Dias afirma que a redação de tal dispositivo já evidencia sua absoluta inadequação Pelo jeito é delegada ao juiz a função de pai Talvez este seja o traço diferenciador entre poder familiar e tutela o poder familiar não pode ser delegado mas o tutor pode socorrerse do juiz DIAS 2006 p 478479 De fato sem a convivência com o menor e o conhecimento acerca das peculiaridades do seu comportamento ao juiz é mais dificultoso saber qual a medida mais adequada à correção do tutelado Ademais sabedor da impossibilidade do tutor de se utilizar do poder de correção poderá o tutelado tornarse ainda mais resistente ao cumprimento de suas determinações dificultando o exercício de sua autoridade Deveria o juiz sim fiscalizar os limites dessa correção à luz do ordenamento jurídico a fim de evitar eventuais excessos por parte do tutor ao exercer o seu poder corretivo não sendo recomendável no entanto a transferência desse poder ao órgão jurisdicional 524 Ressaltese portanto que ressalvada a mencionada situação do inciso II de razoabilidade discutível todos os deveres elencados no dispositivo susomencionado são exercidos diretamente pelo tutor sendo o controle judicial uma etapa a posteriori Da mesma forma estabelece o art 1747 do CC2002 outras prerrogativas do tutor sem controle judicial prévio a saber Art 1747 Compete mais ao tutor I representar o menor até os dezesseis anos nos atos da vida civil e assistilo após essa idade nos atos em que for parte II receber as rendas e pensões do menor e as quantias a ele devidas III fazerlhe as despesas de subsistência e educação bem como as de administração conservação e melhoramentos de seus bens IV alienar os bens do menor destinados à venda V promoverlhe mediante preço conveniente o arrendamento de bens de raiz Outros atos porém exigem obrigatoriamente prévia atuação judicial Demonstrando preocupação com o patrimônio do menor a codificação civil estabelece que alguns atos jurídicos praticados pelo tutor no exercício da tutela exigem um controle judicial maior É o que preceitua o art 1748 do CC2002 Art 1748 Compete também ao tutor com autorização do juiz I pagar as dívidas do menor II aceitar por ele heranças legados ou doações ainda que com encargos III transigir IV venderlhe os bens móveis cuja conservação não convier e os imóveis nos casos em que for permitido V propor em juízo as ações ou nelas assistir o menor e promover todas as diligências a bem deste assim como defendêlo nos pleitos contra ele movidos Parágrafo único No caso de falta de autorização a eficácia de ato do tutor depende da aprovação ulterior do juiz Observese cuidadosamente a ressalva do parágrafo único como uma situação excepcional pois em regra o controle judicial deve ser prévio Da mesma forma os imóveis pertencentes aos menores sob tutela somente podem ser vendidos quando houver manifesta vantagem mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz como prevê o art 1750 do CC2002 A constituição de uma relação jurídica de tutela é um dos mais sérios procedimentos judiciais de que se tem notícia Essa afirmação se respalda por exemplo no fato de que há até mesmo previsão legal específica de responsabilidade civil do magistrado em tal procedimento É a previsão do art 1744 do CC2002 Art 1744 A responsabilidade do juiz será I direta e pessoal quando não tiver nomeado o tutor ou não o houver feito oportunamente II subsidiária quando não tiver exigido garantia legal do tutor nem o removido tanto que se tornou suspeito Claro está todavia que essa responsabilização pressupõe uma desídia comprovada na medida em que diversas circunstâncias podem impedir a nomeação célere do tutor a exemplo da frequente dificuldade enfrentada na escolha de pessoa idônea Afinal não se trata de nomear um depositário de uma coisa mas sim de instituir a representação legal de uma criança ou de um adolescente o que exige redobrada cautela Quanto à exigência da garantia legal pela própria condição econômica do tutor não é incomum afigurarse impossível prestála tendo sido inclusive banida do art 37 do ECA a referência que havia à instituição de uma hipoteca legal Também há a previsão de responsabilidade do próprio tutor Assim antes de assumir a tutela o tutor declarará tudo o que o menor lhe deva sob pena de não lhe poder cobrar enquanto exerça a tutoria salvo provando que não conhecia o débito quando a assumiu na forma do art 1751 do CC2002 Nessa linha estabelece o art 1752 do CC2002 Art 1752 O tutor responde pelos prejuízos que por culpa ou dolo causar ao tutelado mas tem direito a ser pago pelo que realmente despender no exercício da tutela salvo no caso do art 1734 e a perceber remuneração proporcional à importância dos bens administrados 1º Ao protutor será arbitrada uma gratificação módica pela fiscalização efetuada 2º São solidariamente responsáveis pelos prejuízos as pessoas às quais competia fiscalizar a atividade do tutor e as que concorreram para o dano O rigor na fiscalização da atividade do tutor é tamanho que na forma do art 1742 do CC2002 pode o juiz nomear um protutor que é em verdade um tutor do tutor Tratase de uma peculiaridade do nosso direito positivo atuando o protutor como um monitor das atividades do tutor seja na administração patrimonial seja na relação com o pupilo nos cuidados de educação e assistência Uma outra singularidade do Código Civil de 2002 foi a autorização legal para a delegação parcial do exercício da tutela no caso de existirem bens e interesses administrativos que exijam conhecimentos técnicos de que o tutor não disponha ou sejam de alta complexidade ou que devam ser realizados em lugares distantes de forma que não tenha o tutor condições de realizálos razoavelmente 525 Parecenos lógico que ao indicar um segundo tutor que exercerá conjuntamente a atividade com ele atrai o tutor original responsabilidade civil in eligendo na eventual hipótese de danos cometidos pelo tutor delegado Vale destacar que essa tutela parcial ou delegada não se confunde com a já trabalhada protutela Com efeito na primeira os dois tutores atuam paralelamente cada um na atividade para o qual foi designado enquanto na segunda o protutor apenas monitora a atividade do tutor que realiza individualmente suas funções Ademais observese que o protutor é designado pelo magistrado enquanto o tutor parcial é indicado pelo próprio tutor originário com a aprovação judicial Embora a tutela não seja somente patrimonial como já afirmamos neste capítulo é evidente que o texto codificado teve uma grande preocupação com a proteção dos bens do menor Por isso estabelece o art 1745 do CC2002 Art 1745 Os bens do menor serão entregues ao tutor mediante termo especificado deles e seus valores ainda que os pais o tenham dispensado Parágrafo único Se o patrimônio do menor for de valor considerável poderá o juiz condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante podendo dispensála se o tutor for de reconhecida idoneidade Isso revela no nosso entender um marcante traço ideológico ainda mais acentuado na codificação anterior de maior interesse na proteção do órfão rico do que do órfão pobre É o que justifica o art 1746 do CC2002 nos seguintes termos Art 1746 Se o menor possuir bens será sustentado e educado a expensas deles arbitrando o juiz para tal fim as quantias que lhe pareçam necessárias considerado o rendimento da fortuna do pupilo quando o pai ou a mãe não as houver fixado A lógica da regra é garantir o uso adequado do patrimônio do menor já potencialmente protegido pela caução mencionada no dispositivo anterior evitando o abuso por parte do tutor Talvez por isso foi aberta a Seção V no Capítulo sobre a Tutela no vigente Código Civil Brasileiro seguinte diretriz da codificação anterior com a finalidade de estabelecer uma disciplina sobre a utilização dos bens do tutelado É o que se verifica nos arts 1753 e 1754 do CC2002 nos seguintes termos Art 1753 Os tutores não podem conservar em seu poder dinheiro dos tutelados além do necessário para as despesas ordinárias com o seu sustento a sua educação e a administração de seus bens 1º Se houver necessidade os objetos de ouro e prata pedras preciosas e móveis serão avaliados por pessoa idônea e após autorização judicial alienados e o seu produto convertido em títulos obrigações e letras de responsabilidade direta ou indireta da União ou dos Estados atendendose preferentemente à rentabilidade e recolhidos ao estabelecimento bancário oficial ou aplicado na aquisição de imóveis conforme for determinado pelo juiz 2º O mesmo destino previsto no parágrafo antecedente terá o dinheiro proveniente de qualquer outra procedência 3º Os tutores respondem pela demora na aplicação dos valores acima referidos pagando os juros legais desde o dia em que deveriam dar esse destino o que não os exime da obrigação que o juiz fará efetiva da referida aplicação Art 1754 Os valores que existirem em estabelecimento bancário oficial na forma do artigo antecedente não se poderão retirar senão mediante ordem do juiz e somente I para as despesas com o sustento e educação do tutelado ou a administração de seus bens II para se comprarem bens imóveis e títulos obrigações ou letras nas condições previstas no 1º do artigo antecedente III para se empregarem em conformidade com o disposto por quem os houver doado ou deixado IV para se entregarem aos órfãos quando emancipados ou maiores ou mortos eles aos seus herdeiros Dessa limitação se mostra quão relevante é a questão da prestação de contas da atividade desenvolvida pelo tutor tema que será abordado no próximo subtópico Dada a enorme importância dessa relação jurídica a prestação de contas pelo tutor é obrigatória não sendo possível sequer aos pais eventualmente instituidores da tutela autorizar a sua dispensa 526 A prestação de contas em regra será feita de dois em dois anos o que não impede que seja feita anteriormente por determinação judicial ou por eventual afastamento do exercício da tutela É a regra do art 1757 do CC2002 Art 1757 Os tutores prestarão contas de dois em dois anos e também quando por qualquer motivo deixarem o exercício da tutela ou toda vez que o juiz achar conveniente Parágrafo único As contas serão prestadas em juízo e julgadas depois da audiência dos interessados recolhendo o tutor imediatamente a estabelecimento bancário oficial os saldos ou adquirindo bens imóveis ou títulos obrigações ou letras na forma do 1º do art 1753 Tudo isso sem prejuízo de no fim de cada ano os tutores submeterem o balanço respectivo ao magistrado na forma do art 1756 do CC2002 A aprovação judicial das contas é fundamental para que possa o tutor se desonerar das sérias atribuições que assumiu motivo pelo qual mesmo cessada a tutela pela emancipação ou maioridade a quitação do menor não produzirá efeito antes de aprovadas as contas pelo juiz subsistindo inteira até então a responsabilidade do tutor como dispõe o art 1758 do CC2002 Assim nos casos de morte ausência ou interdição do tutor as contas serão prestadas por seus herdeiros ou representantes art 1759 do CC2002 Vale destacar que todas as despesas justificadas e reconhecidamente proveitosas ao menor serão consideradas como crédito do tutor sendo que as despesas com a prestação das contas serão pagas pelo tutelado tudo na forma dos arts 1760 e 1761 do CC2002 Isso demonstra que nessa prestação de contas pode sim o tutor ter crédito a receber do tutelado quando tenha realizado despesas em seu favor sem o devido ressarcimento É pensando em hipóteses assim que prevê o art 1762 do CC2002 Art 1762 O alcance do tutor bem como o saldo contra o tutelado são dívidas de valor e vencem juros desde o julgamento definitivo das contas Essa é uma ideia importante para que não se imagine que a atividade do tutor seja a de uma condição análoga à de um servo com evidente prejuízo a seu patrimônio quando o menor disponha de bens suficientes para cobrir suas despesas pessoais Obviamente o reconhecimento de crédito do tutor em face do tutelado depende da demonstração específica e detalhada das despesas realizadas E o que dizer do menor que não tenha qualquer patrimônio pessoal A hipótese para nós é de reconhecimento da existência da dívida mas em uma potencial execução vazia tendente a ver a pretensão se perder pelo decurso do tempo e reconhecimento da prescrição Na hipótese contrária qual seja a de o tutor ser condenado a pagar saldo ao tutelado não sendo realizado tal pagamento no prazo fixado deve o juiz destituílo mandando sequestrar os bens do tutelado sob sua administração e suprimir o pagamento da remuneração a que eventualmente tenha direito 33 Cessação da tutela A tutela é uma relação jurídica temporária por sua própria essência uma vez que se refere necessariamente a menores cuja incapacidade o decurso do tempo naturalmente fará cessar Assim na forma do art 1763 do CC2002 extinguese a condição de tutelado tanto com a maioridade ou a emancipação do menor bem como nos casos de reconhecimento ou adoção 527 Da mesma maneira como dispõe o art 1764 do CC2002 cessam as funções do tutor I ao expirar o termo em que era obrigado a servir II ao sobrevir escusa legítima e III ao ser removido A regra geral de tempo para o exercício da função de tutor é de dois anos É o que se extrai do art 1765 do CC2002 Art 1765 O tutor é obrigado a servir por espaço de dois anos Parágrafo único Pode o tutor continuar no exercício da tutela além do prazo previsto neste artigo se o quiser e o juiz julgar conveniente ao menor Obviamente diante de toda a fiscalização sofrida a tutela também pode cessar em relação ao tutor na hipótese de negligência prevaricação ou incapacidade superveniente na forma do art 1766 do CC2002 Por fim obviamente cessa a tutela no falecimento de qualquer dos sujeitos dessa relação jurídica de direito material quais sejam o tutor e o tutelado ou pupilo 4 CURATELA A previsão genérica da curatela ou curadoria no livro de Direito de Família se justifica pela base comum que compartilha com a tutela a ponto inclusive de lhe serem aplicáveis as suas regras gerais e de exercício na forma dos arts 1774 e 1781 do CC2002 com as devidas adaptações 528 Todavia a curatela em sua figura básica visa a proteger a pessoa maior padecente de alguma incapacidade ou de certa circunstância que impeça a sua livre e consciente manifestação de vontade resguardandose com isso também o seu patrimônio como se dá na mesma linha na curadoria curatela dos bens do ausente disciplinada nos arts 22 a 25 do CC2002 Conheçamos agora quem está sujeito a esse instituto protetivo e assistencial 41 Sujeitos da curatela São sujeitos da curatela o curador pessoa necessariamente idônea e capaz e o curatelado o destinatário da proteção jurídica Para ser curador de quem quer que seja o requisito fundamental é sem sombra de dúvida gozar de capacidade plena para os atos da vida civil Atendido esse requisito mínimo qualquer cidadão em tese pode ser designado como curador de outrem Todavia não é razoável imaginar que qualquer indivíduo aleatoriamente seja nomeado para tão importante mister Por isso o lógico é que tal função seja exercida por alguém que além de apresentar comportamento probo e idôneo mantenha relações de parentesco ou de amizade com o sujeito que teve sua incapacidade total ou relativa reconhecida Nesse diapasão o art 1775 do CC2002 estabelece uma ordem preferencial de escolha Art 1775 O cônjuge ou companheiro não separado judicialmente ou de fato é de direito curador do outro quando interdito 1º Na falta do cônjuge ou companheiro é curador legítimo o pai ou a mãe na falta destes o descendente que se demonstrar mais apto 2º Entre os descendentes os mais próximos precedem aos mais remotos 3º Na falta das pessoas mencionadas neste artigo compete ao juiz a escolha do curador Tratase de regra indubitavelmente razoável reservandose a livre escolha ao magistrado somente na hipótese de completa ausência de cônjugecompanheiro ascendentes ou descendentes Claro está todavia que esse rol não é vinculativo de maneira que o juiz fará a escolha sempre em prol do melhor interesse do curatelado Vale salientar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência acrescentou o art 1775A para admitir em boa hora a denominada curatela compartilhada em favor da pessoa com deficiência Art 1775A Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa Com isso passa a ser possível a designação de mais de um curador simultaneamente o que em verdade oficializará situações fáticas corriqueiras na medida em que em muitas famílias é comum mais de um parente dispensar ao mesmo tempo cuidado auxílio e atenção em favor do beneficiário da curatela Tradicionalmente a curatela era reservada a sujeitos incapazes absoluta ou relativamente com exceção dos menores para os quais o instituto aplicável seria a tutela Sucede que a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência a curatela em face dos sujeitos alcançados por este microssistema passaria a ter uma nova estrutura e configuração Nos termos do seu art 85 observase que a curatela do deficiente é medida extraordinária e voltada tão somente à prática de atos de natureza patrimonial e negocial 529 Vale dizer conforme já havia observado CELIA BARBOSA ABREU a curatela experimentaria um fenômeno de flexibilização passando a ser uma medida protetiva personalizada adequada às reais necessidades 530 do beneficiário Desaparece a partir do Estatuto a figura do curador com superpoderes na medida em que a sua atuação é limitada à atividade negocial do curatelado Nessa linha o art 1767 do Código Civil sofreu modificação passando a ter a seguinte redação Art 1767 Estão sujeitos a curatela I aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade II revogado III os ébrios habituais e os viciados em tóxico IV revogado V os pródigos 531 De acordo com o Código de Processo Civil de 1973 a curatela era determinada no bojo de um procedimento de interdição arts 1177 a 1186 A nova Lei Processual por seu turno disciplina este procedimento em seus arts 747 a 758 Ocorre que a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência causaria impacto neste sistema de normas o que deve ser compreendido com cuidado Há necessidade de se interpretar adequadamente ambos os diplomas para se tentar amenizar os efeitos de um verdadeiro choque normativo E a tarefa também não será fácil na medida em que o CPC2015 surge com muitos dispositivos atingidos pelo Estatuto Damos como exemplo o dispositivo do Código Civil que tratava da legitimidade para promover a ação de interdição art 1768 revogado pelo art 747 do CPC2015 O Estatuto da Pessoa com Deficiência por seu turno ignorando a revogação do dispositivo pelo CPC2015 observou FREDIE DIDIER JR acrescentoulhe um novo inciso art 1768 IV do CC para permitir que a própria pessoa instaure o procedimento de curatela Certamente a conclusão a se chegar é no sentido de que o art 747 do CPC vigorará com este novo inciso Será um intenso exercício de hermenêutica que deverá ser guiado sempre pelo bom senso Inovou o Código Civil ao consagrar formas especiais de curatela em favor do nascituro e do portador de deficiência física A curatela do nascituro tem por finalidade a preservação de seus direitos futuros sem prejuízo de lhe serem reconhecidos direitos presentes como os chamados alimentos gravídicos quando a mãe não detiver o poder familiar e não houver pai Sobre o tema estabelece o art 1779 do CC2002 Art 1779 Darseá curador ao nascituro se o pai falecer estando grávida a mulher e não tendo o poder familiar Parágrafo único Se a mulher estiver interdita seu curador será o do nascituro Falecido o pai a hipótese de a mulher não ter o poder familiar pode ser exemplificada quando esta é menor situação de tutela ou se enquadra em qualquer das hipóteses de incapacidade absoluta ou relativa que impõem a curatela Entendemos que o texto legal no particular é limitado pois há outras situações fáticas em que se deve determinar a curadoria de nascituro mesmo não provado o falecimento do genitor por exemplo abandono e a própria incapacidade do pai Observese que tal curatela durará apenas até o nascimento da criança pois a partir daí se não houver quem exerça o poder familiar sobre ele devem ser aplicadas as regras da tutela 42 Alguns aspectos processuais da curatela O art 755 3º do Código de Processo Civil de 2015 estabelece que a sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça onde permanecerá por 6 seis meses na imprensa local 1 uma vez e no órgão oficial por 3 três vezes com intervalo de 10 dez dias constando do edital os nomes do interdito e do curador a causa da interdição os limites da curatela e não sendo total a interdição os atos que o interdito poderá praticar autonomamente Notese que a parte final do texto normativo em que se lê e não sendo total a interdição na perspectiva do Estatuto da Pessoa com Deficiência está prejudicada porquanto não mais existe designação de curador com poderes gerais Logo em seguida o art 756 prevê o levantamento da curatela quando cessar a causa que a determinou 532 Neste ponto a matéria merece reflexão Como sabemos a Lei n 131462015 Estatuto da Pessoa com Deficiência nos seus arts 6º e 84 passou a considerar legalmente capaz a pessoa com deficiência ainda que para atuar no cenário social precise se valer de instituto assistencial a exemplo da curatela Com efeito a partir da entrada em vigor do Estatuto surgiu a questão atinente ao levantamento das interdições já decretadas Vale dizer na medida em que o novo diploma considera a pessoa deficiente legalmente capaz a curatela que haja sido instituída em seu favor cairia automaticamente Por óbvio mesmo que um procedimento de interdição hoje melhor denominado como procedimento de curatela haja sido concluído o curatelado passou a ser reputado legalmente capaz a partir da vigência do novo Estatuto O que não tem sentido inclusive pela insegurança jurídica que geraria é a conclusão de que as curatelas designadas cairiam automaticamente Algumas razões além da já mencionada necessidade de segurança nas relações sociais militam em favor desta linha de intelecção A curatela ainda que considerada extraordinária não deixou de existir Assim sem prejuízo de o interessado requerer o levantamento nos termos das normas processuais os termos de curatela já existentes devem ser interpretados na perspectiva do Estatuto considerandose o âmbito limitado de atuação do curador quanto à prática de atos de natureza patrimonial Em suma não se deve considerar que as curatelas já designadas quedarseiam a partir do Estatuto como em um passe de mágica 5 TOMADA DE DECISÃO APOIADA Inovou o Estatuto da Pessoa com Deficiência ao consagrar a Tomada de Decisão Apoiada Tratase de instituto preferencial à curatela previsto no art 1783A do Código Civil acrescentado pelo referido Estatuto Em essência cuidase de um processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendolhes os elementos e as informações necessários para que possa exercer sua capacidade A própria pessoa com deficiência tem legitimidade exclusiva para requerer o procedimento de TDA Para formular o pedido a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar Este termo é um documento indispensável ao processamento do pedido Antes de se pronunciar sobre a TDA o juiz assistido por equipe multidisciplinar após a oitiva do Ministério Público ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio Podemos observar que este procedimento especial é vantajoso pois resguarda a autonomia da pessoa com deficiência que não terá a necessidade de se valer de um curador Por óbvio este instituto pressupõe um grau de discernimento necessário que permita o exercício do livre direito de escolha e da capacidade de autodeterminação da pessoa apoiada Em termos didáticos salientamos que o pedido no procedimento de TDA deve ser de homologação do acordo pelo qual são eleitos dois apoiadores para prestar apoio à pessoa com deficiência na tomada de decisão sobre determinados atos da vida civil Por se tratar de um instituto até então desconhecido reputamos aconselhável a transcrição das normas consagradas pelo Estatuto Art 1783A A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 duas pessoas idôneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendolhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade 1º Para formular pedido de tomada de decisão apoiada a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo 3º Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada o juiz assistido por equipe multidisciplinar após oitiva do Ministério Público ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio 4º A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros sem restrições desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado 5º Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contraassinem o contrato ou acordo especificando por escrito sua função em relação ao apoiado 6º Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores deverá o juiz ouvido o Ministério Público decidir sobre a questão 7º Se o apoiador agir com negligência exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz 8º Se procedente a denúncia o juiz destituirá o apoiador e nomeará ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse outra pessoa para prestação de apoio 9º A pessoa apoiada pode a qualquer tempo solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada 10 O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria 11 Aplicamse à tomada de decisão apoiada no que couber as disposições referentes à prestação de contas na curatela SUCESSÕES LXXXV NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DO DIREITO DAS SUCESSÕES 1 A MORTE COMO FATO JURÍDICO O brasileiro em geral não costuma falar da morte Muitos dizem que isso traz mau agouro ou pode até mesmo propiciar a sua chegada mais precoce o que ninguém quer Mas o fato é que a morte faz parte da vida sendo a única certeza de toda a nossa trajetória independentemente de credo ou filosofia Encerrando o ciclo existencial da jornada humana a morte desafia há séculos a curiosidade de diversos pensadores em vários ramos do conhecimento desde a antiga Alquimia chegando à moderna Física Quântica singrando os mares da Biologia e atracando no próprio Direito Sob o prisma eminentemente jurídico temos que a morte em sentido amplo é um fato jurídico ou seja um acontecimento apto a gerar efeitos na órbita do Direito No entanto a depender da circunstância o enquadramento deste fato poderá em nível subtipológico variar a morte natural de uma pessoa de avançada idade é nessa linha um fato jurídico em sentido estrito ao passo que um homicídio traduz um ato ilícito 533 Outro interessante aspecto atinente à morte é no Plano de Eficácia do Negócio Jurídico quando se estudam os seus elementos acidentais especialmente o termo e a condição 534 A morte em princípio não é considerada condição o indivíduo nasce e tem a certeza de que um dia irá morrer mesmo que não saiba quando acontecimento certus an e incertus quando Tratase de um termo com data incerta Imaginese a hipótese de uma doação condicionada ao falecimento de um parente moribundo obrigome a transferir a terceiro a minha fazenda quando o meu idoso tio que lá se encontra falecer A doutrina por outro lado costuma lembrar a hipótese de a morte vir a ser considerada condição Se a doação figurada linhas acima for subordinada à morte de meu tio dentro de um prazo prefixado doarei a fazenda se o meu tio moribundo falecer até o dia 5 o acontecimento subsumese direta e especificamente à categoria de condição uma vez que neste caso haverá incerteza quanto à própria ocorrência do fato dentro do prazo que se fixou No estudo dos direitos da personalidade o tema adquire marcantes tonalidades e matizes relativizando o antigo adágio segundo o qual a morte tudo apaga mors omnia solvit uma vez que mesmo com o perecimento da pessoa física importantes aspectos da sua personalidade são preservados a exemplo da tutela jurídica da sua memória e do seu corpo morto Aliás até mesmo o natimorto ou seja o nascido morto para a moderna doutrina merece amparo jurídico e proteção como aliás foi registrado no Enunciado n 1 da I Jornada de Direito Civil Enunciado n 1 Art 2º a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade tais como nome imagem e sepultura Da mesma forma no campo do Biodireito e da Bioética diversos estudos vêm sendo desenvolvidos acerca do fenômeno da morte inclusive na reflexão quanto à eventual existência de um direito de morrer no debate sobre a eutanásia Enfim sob diversos prismas a morte repercute na seara jurídica não se afigurando possível respeitandose os limites desta obra esgotarmos todos eles Atendonos à proposta metodológica deste volume importa observar que a morte marca o fim da pessoa física ou natural art 6º do CC2002 A morte real deverá ser atestada por profissional da Medicina à vista do corpo morto ressalvada a possibilidade de duas testemunhas o fazerem se faltar o especialista sendo o fato levado a registro nos termos dos arts 77 a 88 da Lei de Registros Públicos Lei n 6015 de 31 de dezembro de 1973 Vale anotar que além da morte real o Código Civil admite ainda a denominada morte presumida em duas situações a em caso de ausência segunda parte do art 6º e arts 22 a 39 do Código Civil b nas situações previstas no art 7º do vigente Código Civil sem equivalente na codificação civil anterior A ausência traduz a situação em que o sujeito simplesmente desaparece do seu domicílio sem deixar notícia representante ou procurador caso em que o juiz nomeará curador para administrarlhe os bens 535 A sentença de ausência é registrada em livro próprio no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais e o seu procedimento observa regras especiais que não se confundem com as normas de direito hereditário visando à transmissibilidade do patrimônio deixado nos termos dos já lembrados arts 22 a 39 do atual Código Civil Diferentemente nas situações de morte presumida do art 7º 536 concorrem fundados indícios da morte real razão por que com a declaração judicial do falecimento cuja sentença é registrada no próprio Livro de Óbitos o procedimento a partir daí a ser observado em havendo necessidade será regulado pelas próprias normas sucessórias atinentes ao inventário ou arrolamento e partilha a serem aqui estudadas oportunamente Em resumo somente no caso de morte real declarada à vista do corpo morto ou nas situações de morte presumida constantes no art 7º as normas sucessórias devem ser diretamente aplicadas visto que na hipótese de ausência regras próprias terão incidência Nesse ponto tecidas essas importantes considerações voltemos a nossa atenção para o específico âmbito da nossa obra para indagarmos o que se entende por Direito das Sucessões Qual o objeto de investigação científica deste especial ramo do Direito Civil É o que veremos em seguida 2 COMPREENSÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICOIDEOLÓGICA Compreendese por Direito das Sucessões o conjunto de normas que disciplina a transferência patrimonial de uma pessoa em função de sua morte É justamente a modificação da titularidade de bens que é o objeto de investigação deste especial ramo do Direito Civil Sua vinculação ao Direito de Propriedade é evidente embora também esteja ligado potencialmente a aspectos de Direito de Família motivo pelo qual a sua efetiva compreensão exige alguma reflexão sobre seus fundamentos ideológicos No testemunho autorizado de CLÓVIS BEVILÁQUA Juristas e filósofos há para os quais o direito hereditário é uma criação obnóxia 537 da lei que deve quanto antes ser eliminada MONTESQUIEU achava que a lei natural ordenava aos pais que alimentassem os seus filhos mas não os obrigava a fazêlos herdeiros AUGUSTO COMTE julgando imoral a sucessão legítima dizia por seu turno que no estado normal da civilização os filhos depois de receberem uma educação completa não deviam esperar dos pais qualquer que fosse a sua fortuna senão o auxílio indispensável para a honrosa inauguração da carreira que escolhessem A origem da riqueza sendo social em proveito da sociedade deveria ela reverter com o falecimento dos indivíduos que a detinham STUART MILL ao passo que justifica a sucessão testamentária e contratual opõese tenazmente à sucessão intestada principalmente quando esta vai beneficiar parentes colaterais Outros escritores têm insistido nas mesmas ideias depreciativas do direito hereditário preparando assim o terreno para a propaganda dos socialistas de todos os matizes que por seu lado quebram lanças pela abolição da sucessão causa mortis em proveito dos indivíduos 538 Ainda na perspectiva histórica é possível afirmar que o pensamento socialista partia de uma premissa contrária ao Direito Sucessório na firme crença de que a transmissibilidade da herança iria de encontro aos fundamentos do Estado que pretendiam implementar Em outras palavras do ponto de vista ideológico entendiase que a supressão do Direito Sucessório implicaria a negação da própria propriedade privada na medida em que se trata de institutos umbilicalmente conectados senão simbióticos Nesse contexto o esfacelamento dos ideais comunistas mais radicais mormente na segunda metade do século XX culminaria com o banimento desta ideia supressiva e aniquiladora do Direito Hereditário e inegavelmente com uma aproximação ainda maior da propriedade privada É então forçoso convir que os sistemas jurídicos que consagram a propriedade privada como um fundamento acabam por via oblíqua justificando a existência do direito hereditário como projeção post mortem do próprio instituto jurídico tutelado 539 Não é à toa aliás que a nossa Constituição Federal no mesmo artigo disciplina e alberga como direitos fundamentais a propriedade privada na perspectiva da sua função social e pouco depois o direito à herança art 5º XXII XXIII e XXX 540 o que mostra o respaldo constitucional ao Direito das Sucessões Por isso entendemos que somente se pode falar em Direito das Sucessões quando a sociedade admite a propriedade individual não havendo como se conceber a herança em situações de titularidade coletiva Em conclusão temos que o reconhecimento do direito hereditário encontra a sua razão existencial na projeção jurídica post mortem do próprio direito de propriedade privada constitucionalmente garantido segundo o princípio da intervenção mínima do Estado nas relações privadas É a própria manifestação da autonomia privada do indivíduo direcionada ao âmbito das relações jurídicas constituídas ou derivadas do seu falecimento 3 SUCESSÃO HEREDITÁRIA CONCEITO E ESPÉCIES Primeiramente fazse necessário fixar o exato sentido da palavra sucessão Considerandose que um patrimônio jamais poderá remanescer sem titular segundo a própria perspectiva da função social observamos que os atos de disposição inter vivos como uma venda ou uma doação implicam a transmissibilidade de determinado bem operando uma consequente sucessão substituição de pessoas em sua titularidade Assim é correto dizer que em uma primeira acepção pode a sucessão se dar no âmbito das relações negociais inter vivos quando determinado bem é transferido de uma pessoa a outra operandose uma substituição entre elas 541 Ocorre que a morte também determina essa substituição de pessoas na medida em que como dito patrimônio algum poderá permanecer acéfalo Dáse pois a sucessão hereditária ou mortis causa quando em virtude do falecimento de alguém sucedido ou autor da herança 542 o seu patrimônio é transferido a determinadas pessoas legitimadas a recebêlo sucessores as quais assim substituemno na titularidade desses bens ou direitos Conheçamos agora a primeira classificação das espécies de sucessão hereditária 31 Classificação da sucessão hereditária pela matriz normativa A depender da sua matriz normativa a sucessão hereditária pode assim ser dividida a Sucessão Hereditária Legítima arts 1829 a 1856 do CC b Sucessão Hereditária Testamentária arts 1857 a 1990 do CC A sucessão testamentária é aquela em que a transmissibilidade da herança é disciplinada por um ato jurídico negocial especial e solene denominado testamento Observase pois aqui um espaço de incidência do princípio da autonomia privada na medida em que o testador respeitados determinados parâmetros normativos de ordem pública tem a liberdade de escolher dentre os seus sucessores aqueles a quem beneficiar e ainda de determinar quanto do seu patrimônio será transferido após a sua morte Ocorre que como anotamos linhas acima em geral não é típica da cultura brasileira a preocupação com o destino do nosso patrimônio após a morte como se dá em países europeus Soa irônico o fato de a sucessão testamentária ser regulada de forma tão abrangente e exaustiva no Código Civil consagrando inclusive várias espécies de testamento a despeito da sua menor aplicação prática Até mesmo porque em geral o brasileiro não tem tanto patrimônio com que se preocupar Quando morre em regra o que deixa não é propriamente uma herança mas sim na melhor das hipóteses um saldo remanescente de PIS ou PASEP de FGTS crédito salarial enfim meros resíduos sucessórios 543 que desafiam conforme veremos ainda um simples procedimento de alvará judicial para levantamento de tais valores dispensandose o inventário ou o arrolamento Por tudo isso desde já afirmamos a sucessão testamentária a despeito das dezenas de artigos a ela dispensada pelo Código Civil não teve não tem e nunca terá a aceitação social e o significado jurídico da sucessão legítima Já por sucessão legal ou legítima entendase aquela em que a transmissibilidade da herança é regrada não pelas normas do testamento mas sim pela própria lei Vale dizer são as regras do Código Civil que cuidam de disciplinar a ordem de chamamento dos sucessores também denominada ordem de vocação legal Assim se o autor da herança morre sem fazer testamento ab intestato ou sendo este inválido nulo ou anulável é a própria lei que atuando supletivamente cuida de dispor a respeito da sucessão hereditária O mesmo se dá vale observar quando a despeito de existir testamento válido este não cuida de todos os bens do falecido de maneira que no que toca à parcela da herança não tratada incidirão também as regras da sucessão legal 544 Em conclusão antecipamos que as duas regras fundamentais atinentes à sucessão legal ou legítima encontramse nos arts 1790 e 1829 do Código Civil que serão cuidadosamente analisadas em capítulo próprio 32 Classificação da sucessão hereditária pelo conjunto de bens transmitidos Passadas em revista as noções gerais da sucessão legítima e testamentária é importante consignar que a sucessão hereditária ainda comporta uma outra classificação a sucessão hereditária universal arts 1829 a 1856 do CC b sucessão hereditária singular arts 1912 a 1940 do CC Sucede a título universal o herdeiro pois a ele é deferida uma fração quotaparte ou toda a herança por outro lado sucede a título singular o legatário pois a ele é deferido bem ou direito determinado Em outras palavras temos dois tipos de sucessores o herdeiro que sucede em caráter universal a totalidade da herança ou uma fração dela e o legatário que sucede em bem ou direito individualizado 4 PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO DIREITO SUCESSÓRIO Falaremos neste tópico de princípios específicos do Direito Sucessório ou seja diretrizes teóricas próprias da sua disciplina jurídica Comecemos com aquele que consideramos o mais importante princípio específico do Direito das Sucessões no ordenamento jurídico pátrio o Princípio da Saisine ou Droit de Saisine 41 Princípio da saisine Consiste o droit de saisine no reconhecimento ainda que por ficção jurídica da transmissão imediata e automática do domínio e posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários no instante da abertura da sucessão Antes de compreendermos historicamente o chamado Princípio da Saisine parecenos relevante fazer algumas breves considerações de natureza etimológica A palavra francesa saisine é plurissignificativa Derivada do verbo saisir também com conteúdo plúrimo uma vez que significa colher apreender confiscar agarrar capturar apoderarse entre outros sentidos saisine juridicamente pode ser utilizada em vários contextos 545 O que interessa porém para o corte epistemológico deste livro é a sua utilização no campo do Direito Sucessório em que é traduzida no sentido de posse para significar a posse imediata dos bens daquele que faleceu Como observa LUÍS CAMARGO PINTO DE CARVALHO em didático texto com o trecho a seguir transcrito inclusive com as bemcolocadas referências Etimologicamente saisir vem da palavra latina sacire contida em leis bárbaras que por sua vez resultaria de duas palavras francas sakjan com o sentido de reivindicar e satjan com o sentido de pôr colocar apossarse tendo sido empregada pela primeira vez no ano de 1138 546 O Petit Larousse atribuilhe significado estritamente jurídico Droit à la prise de possession de biens dun défunt à linstant même du décès et sans autorization préalable de justice Ce droit est conféré par la loi aux héritiers ab intestat ou par le défunt à son exécuteur testamentaire 547 Pontes de Miranda a aportuguesa para a palavra saisina Tratado v 55 p 16 5587 registrada apenas pelo recémpublicado Dicionário Houaiss 548 que lhe atribui o sentido técnicojurídico direito de possuir por imperativo da lei ou posse que o direito dá de forma diversa do ato de possuir Expressão do direito feudal do s XII 549 O reconhecimento de tal princípio é evidente na constante utilização da máxima le mort saisit le vif que pode ser traduzida também como o morto dá posse ao vivo Compreendido o sentido da expressão designadora tenhamos agora algumas noções históricas para contextualizar a Saisine como um princípio próprio do Direito das Sucessões O droit de saisine tem sua origem no Direito Medieval Sobre este período histórico expõe CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA Na Idade Média instituise a praxe de ser devolvida a posse dos bens por morte do servo ao seu senhor que exigia dos herdeiros dele um pagamento para autorizar a sua imissão No propósito de defendêlo dessa imposição a jurisprudência no velho direito costumeiro francês especialmente no Costume de Paris veio a consagrar a transferência imediata dos haveres do servo aos seus herdeiros assentada a fórmula Le serf mort saisit le vif son hoir de plus proche 550 Daí ter a doutrina fixado por volta do século XIII diversamente do sistema romano o chamado droit de saisine que traduz precisamente este imediatismo da transmissão dos bens cuja propriedade e posse passam diretamente da pessoa do morto aos seus herdeiros le serf mort saisit le vif Com efeito no século XIII a saisine era referida num Aviso do Parlament de Paris como instituição vigente e os établissements de St Louis lhe apontam a origem nos Costumes de Orleans Não foi porém uma peculiaridade do antigo direito francês Sua origem germânica é proclamada ou ao menos admitida pois que fórmula idêntica era ali enunciada com a mesma finalidade Der Tote erbt den Lebenden 551552 É importante destacar o reconhecimento do droit de saisine como um princípio que caracteriza uma resistência a eventuais abusos para a aquisição da propriedade ou posse pela herança E o sistema lusobrasileiro que originalmente adotava uma sistemática romana com fracionamento de momentos de aquisição da propriedade pelos herdeiros não necessários 553 aprovou expressamente o princípio ainda no século XVIII Como observa MÁRIO FIGUEIREDO BARBOSA Foi através do Alvará de 9XI1754 segundo do Assento de 1021786 que o droit de saisine ingressou no Direito lusobrasileiro A partir daí admitiuse a transformação automática dos direitos que compõem o patrimônio da herança aos sucessores legítimos ou não com toda a propriedade a posse os direitos reais e pessoais O que era propriedade e posse do de cujus passam a ser propriedade e posse do sucessor a causa de morte ou dos sucessores e em partes ideais ou conforme a discriminação testamentária Dáse o mesmo com os créditos transferíveis e as dívidas as propriedades as obrigações e as ações 554 Aberta a sucessão o droit de saisine evita que se possa dar ao acervo hereditário a natureza de res derelicta coisa abandonada ou de res nullius coisa de ninguém 555 Nessa linha observa ROBERTO DE RUGGIERO A exigência sentida por qualquer sociedade juridicamente organizada de que com a morte de uma pessoa as suas relações jurídicas não se extingam mas que outras pessoas nelas entrem tomando lugar do defunto encontra satisfação no mundo da herança Em qualquer outro campo por ser verdade o mors omnia solvit menos no direito onde exigências não só morais e de espírito mais sociais políticas e sobretudo econômicas impõem que para segurança do crédito para conservação e incremento da riqueza as relações de uma pessoa continuam mesmo depois de sua morte que no seu patrimônio substitua um novo titular o qual representa como que o continuador da personalidade do defunto 556 Tal substituição se dá como visto de forma imediata e desde o momento da abertura da sucessão independentemente da prática de qualquer ato ou manifestação de vontade do herdeiro que pode inclusive desconhecer o fato O princípio da saisine portanto à luz de todo o exposto pode ser definido como a regra fundamental do Direito Sucessório pela qual a morte opera a imediata transferência da herança aos seus sucessores legítimos e testamentários Tratase em verdade de uma ficção jurídica que pretende impedir que o patrimônio deixado fique sem titular enquanto se aguarda a transferência definitiva dos bens aos sucessores do falecido Respaldase no dispositivo que abre o Livro das Sucessões no vigente Código Civil brasileiro a saber o art 1784 Art 1784 Aberta a sucessão a herança transmitese desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários Por isso com a abertura da sucessão morte os herdeiros já são imediatamente considerados condôminos e copossuidores dos bens deixados em virtude da incidência do presente princípio o que não significa por óbvio que exercem direito exclusivo sobre bem individualmente considerado Todavia uma afirmação já feita merece ser realçada O princípio da saisine não dá ao sucessor herdeiro ou legatário direito imediato a bem exclusivo da herança Com a abertura da sucessão os herdeiros como dito acima passarão a ter um direito meramente abstrato calculado em fração do patrimônio transferível e mesmo que seja herdeiro único o exercerá em face da universalidade de bens deixados não sendo permitido a nenhum dos sucessores portanto sem a devida autorização judicial enquanto não concluído o procedimento de arrolamento ou inventário alienar bem exclusivo da herança Quanto aos legatários é bom lembrar que eles somente terão a posse dos bens deixados quando assim lhe for concedido pelo herdeiro art 1923 1º do CC2002 Por tudo isso sentido nenhum há na conduta de determinados sucessores que antes mesmo de se findar a partilha já se sentem donos de determinados bens integrantes do monte mor partível agredindo em muitos casos iguais direitos dos outros coerdeiros Ninguém pode se sentir dono de bem exclusivo do inventário ou do arrolamento antes do seu fim não apenas pelas razões acima expostas mas inclusive pelo fato de que em havendo dívidas deixadas pelo de cujus poderá não sobrar nada mais para dividir Nesse diapasão para evitar a aplicação deturpada e gananciosa do princípio da saisine o Superior Tribunal de Justiça em admirável acórdão da lavra da Ministra NANCY ANDRIGHI já entendeu que o herdeiro que exerça posse exclusiva de bem da herança terá de pagar aluguel aos demais DIREITO CIVIL RECURSO ESPECIAL COBRANÇA DE ALUGUEL HERDEIROS UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DO IMÓVEL OPOSIÇÃO NECESSÁRIA TERMO INICIAL Aquele que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva Nesta hipótese o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com a efetiva oposição judicial ou extrajudicial dos demais herdeiros Recurso especial parcialmente conhecido e provido REsp 570723RJ Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma j 2732007 DJ 2082007 p 268 Tal aresto vai ao encontro do que dissemos na medida em que reafirma a ideia básica segundo a qual o princípio ora estudado a par de transmitir a imediata posse e propriedade da herança o faz como um todo enquanto universalidade de bens e direitos não permitindo o exercício imediato de direito exclusivo sobre bem determinado 42 Princípio non ultra vires hereditatis A expressão ultra vires hereditatis significa além do conteúdo da herança A ideia que ela representa é a possibilidade de que o herdeiro com a aceitação pura e simples da herança possa ser obrigado a pagar suas dívidas e obrigações não só com os bens do patrimônio do de cujus mas também com os seus próprios bens Tratase de situação que não deve ser ordinariamente aceita por coroar injustiça A regra foi positivada de forma expressa Art 1792 O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança incumbelhe porém a prova do excesso salvo se houver inventário que a escuse demonstrando o valor dos bens herdados Vale destacar que em antiquíssima legislação não havia esta regra protetiva do herdeiro de maneira que se ele não aceitasse a herança sob benefício de inventário os bens dele ficavam submetidos à execução de dívidas do falecido Com efeito no Direito Romano e no Direito brasileiro précodificado o herdeiro respondia ultra vires hereditatis Assim se por acaso o passivo hereditário superasse o ativo ficava o herdeiro obrigado a pagar com seus próprios bens as dívidas deixadas pelo falecido Tratavase da figura da hereditas damnosa herança danosa também conhecida como herança maldita que poderia levar o herdeiro eventualmente à ruína Com o fito de evitar tal constrangedora consequência o herdeiro aceitava a benefício de inventário o que acabou se tornando uma cláusula usual Com isso ele se resguardava já que dessa forma os encargos da herança seriam pagos somente pelas próprias forças do acervo hereditário Remonta tal cláusula denominada beneficium inventarii à Antiguidade Como ensina SÍLVIO DE SALVO VENOSA No Direito Romano como consequência da aquisição universal da herança com aceitação havia uma confusão automática de patrimônios Confundiase o patrimônio do herdeiro com o patrimônio da herança Como decorrência o herdeiro respondia ultra vires hereditas além das forças da herança já que assumia a condição de devedor a título próprio Zannoni 1974245 Assim uma herança poderia trazer prejuízo ao herdeiro A ideia da separação de patrimônios foi a que permitiu ao herdeiro não responder por dívidas que não fossem suas próprias Note que mesmo com a separação de patrimônios a herança não perde sua unidade apenas que o monte devese bastar para satisfazer às obrigações do de cujus Há inclusive obrigações do falecido que são intransmissíveis que terminam com a morte Em razão desta problemática é que avultava de importância em Roma o direito de deliberar do herdeiro chamado Já na antiguidade para evitar tais inconveniências admitiuse a aceitação da herança sob benefício do inventário Itabaiana de Oliveira 198758 lembra da primeira aplicação do princípio por Adriano em benefício de um particular Na definição do autor benefício de inventário é um privilégio concedido pela lei ao herdeiro e que consiste em admitilo à herança do de cujus sem obrigálo aos encargos além das forças da mesma herança 557 Destaquese que foi o Código Civil de 1916 que alterou o panorama consagrando o que aqui chamamos de Princípio Non Ultra Vires Hereditatis Assim por preceito legal tornouse desnecessária a manifestação expressa da aceitação a benefício de inventário diretriz que foi mantida na atual codificação brasileira 558 Na contemporaneidade portanto devese considerar por força de lei que as dívidas do falecido de fato devem ser pagas somente com seu próprio patrimônio não ultrapassando as forças da herança Por isso esse dogma traduz uma regra que proíbe o alcance do patrimônio pessoal do herdeiro por dívida do falecido razão por que preferimos denominálo Non Ultra Vires Hereditatis Como já vimos no plano ideal por força do princípio da saisine a herança é transmitida automática e imediatamente com o advento da morte Mas somente após o inventário ou arrolamento poderseá efetivamente apurar se após o cumprimento das obrigações deixadas pelo falecido ainda há patrimônio remanescente Em síntese no Direito brasileiro o herdeiro só responde intra vires hereditatis dentro das forças da herança não mais se confundindo o patrimônio do falecido com o patrimônio do herdeiro bonorum separatio Por fim uma observação relevante sobre a transmissibilidade da obrigação alimentar merece a nossa atenção Dispõe o art 1700 do Código Civil Art 1700 A obrigação de prestar alimentos transmitese aos herdeiros do devedor na forma do art 1694 A regra do sistema anterior propugnava pela absoluta intransmissibilidade da obrigação alimentar aos herdeiros cedendo espaço à previsão legal de sua transmissão como encargo da herança art 23 da Lei n 651577 com subsequente redefinição pelo mencionado artigo da vigente codificação art 1700 do CC2002 Justamente por considerarmos que a responsabilidade patrimonial do herdeiro pelas obrigações do falecido ela será sempre Non Ultra Vires Hereditatis erigindo tal regra a princípio para preservação do patrimônio pessoal do herdeiro não devendo a herança se constituir em uma armadilha para aquele que a recebe 43 Princípio da função social da herança Outro princípio próprio do Direito das Sucessões é o da Função Social da Herança Posto em menor medida do que no exercício do direito de propriedade também a herança possui uma função social porquanto permite uma redistribuição da riqueza do de cujus transmitida aos seus herdeiros Observese ademais que certos institutos como o direito de representação têm um fundamento moral respaldado no princípio da isonomia e da função social na medida em que visam a dar um tratamento equânime a herdeiros do autor da herança poupandolhes da dupla tristeza da perda de seu ascendente imediatamente direto e também de benefícios potenciais que lhe seriam garantidos se não tivesse ocorrido o falecimento daquele 44 Princípio da territorialidade Na forma do art 1785 do CC2002 a sucessão abrese no lugar do último domicílio do falecido Tratase do Princípio da Territorialidade regra de Direito Material que gera evidentes reflexos no campo processual notadamente para delimitação da competência territorial referente às questões sucessórias Sobre o tema ensina GISELDA HIRONAKA Entendeu o legislador processual que não bastava indicar o local da abertura do inventário pelo último domicílio do falecido porque este poderia apresentarse de forma incerta poderia o falecido não possuir domicílio algum ou ainda possuir mais de um domicílio Por esses motivos especificou a regra no que concerne ao local da abertura do inventário fazendoo incidir no local da situação dos bens sempre que o domicílio fosse incerto art 96 I do CPC Mas outro problema seria criado quando os bens que compusessem a herança se situassem em locais diversos Entendendo o legislador não ser possível a multiplicidade de inventários referentes a uma mesma herança bem imóvel indivisível por determinação legal deslocou a competência jurisdicional para o local do óbito do de cujus art 96 II do CPC Por fim para a hipótese de pluralidade domiciliar permitiu a abertura do inventário em qualquer foro correspondente a um dos domicílios do finado art 94 1º 559 Vale destacar no particular que a vigente Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro o novo e adequado nome dado à antiga Lei de Introdução ao Código Civil expressamente estabelece Art 10 A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido qualquer que seja a natureza e a situação dos bens 1º A sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros ou de quem os represente sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder Consiste tal preceito em uma regra de Direito Internacional Privado de invocação obrigatória que continua em perfeita consonância com o sistema positivado de regras civis Embora se extrapolem os limites desta obra vale destacar que diversas podem ser as questões daí suscitadas especialmente quanto à determinação da lei material cabível quando esta envolver algum elemento estrangeiro domicílio do de cujus ou dos herdeiros fora do país testamento elaborado fora do Brasil etc 45 Princípio da temporariedade Outro importante princípio próprio do Direito das Sucessões é o da Temporariedade Consiste ele no postulado insculpido no art 1787 do CC2002 de que regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela Tratase de regra consagrada no sistema codificado nacional O fundamento da regra está calcado na segurança das relações jurídicas consolidadas no momento da abertura da sucessão até mesmo pelo já explicado princípio do Droit de Saisine Tal temática encontra respaldo constitucional na previsão contida no art 5º XXXVI da CF de que a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada É preciso ter em mente que a lógica do sistema é de que toda a transferência patrimonial se deu ipso facto da morte regra básica de direito material Assim eventual demora no ajuizamento com a modificação da disciplina jurídica a posteriori não teria o condão de modificar tais situações com aplicação retroativa Seguindo essa linha de raciocínio regras hoje criticáveis mas vigentes ao tempo da morte poderiam ser aplicadas como por exemplo o tratamento diferenciado de filhos ilegítimos adotivos etc ou dao companheirao em face do cônjuge Nesse diapasão o próprio Código Civil de 2002 estabeleceu expressamente tal premissa na parte referente às suas regras de transição conforme se verifica do art 2041 a saber Art 2041 As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária arts 1829 a 1844 não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência prevalecendo o disposto na lei anterior Lei n 3071 de 1º de janeiro de 1916 Como se vê o dispositivo afirma peremptoriamente o princípio aqui discutido admitindo a ultratividade das normas do Código Civil brasileiro de 1916 com aplicação posterior à sua revogação visto que vinculadas a fatos ocorridos ainda quando de sua vigência 46 Princípio do respeito à vontade manifestada Por fim colacionamos como último elemento da principiologia própria do Direito das Sucessões o princípio do respeito à vontade manifestada do falecido conhecido como favor testamenti Tratase de um dos mais importantes princípios neste campo Com efeito o sentido de admitir a produção de efeitos post mortem em relação a determinado patrimônio está justamente no respeito à manifestação da declaração de vontade do seu titular originário Percebese que a própria lógica da disciplina do Direito Sucessório é em sede de testamento a regulação de efeitos para quando o titular dos direitos não estiver mais presente Tal princípio deve prevalecer inclusive no caso de simples irregularidades testamentárias formais ou de modificações supervenientes de situação de fato se for possível verificar inequivocamente qual era a intenção do testador LXXXVI ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA 1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O Capítulo II do Título I Da Sucessão em Geral do Livro V reservado ao Direito das Sucessões foi nomeado no vigente Código Civil brasileiro como Da Herança e de sua Administração Tratase de uma parte da nossa legislação que poderia ter sido mais bem sistematizada na medida em que reúne no mesmo capítulo regras específicas de administração da herança arts 1791 1792 e 1797 do CC2002 com a disciplina da sua cessão arts 1793 a 1795 do CC2002 sem correspondência na codificação anterior e bem assim regras procedimentais próprias relacionadas ao inventário art 1796 do CC2002 No esforço de sistematização teórica que aqui propugnamos cuidaremos neste capítulo da administração propriamente dita da herança bem como teceremos comentários acerca da sucessão em bens de estrangeiros localizados no território pátrio matéria evidentemente relacionada ao tema aqui proposto Os demais dispositivos do mencionado capítulo do Código Civil brasileiro por sua vez serão apreciados no momento próprio dos temas correspondentes 2 ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA Falecendo o autor da herança formase em abstrato uma massa patrimonial cuja titularidade do ponto de vista ideal por força do Princípio da Saisine passa aos herdeiros ainda que não se conheça quem eles sejam e nem mesmo eles saibam que são os sucessores Assim preceitua o art 1791 do CC2002 Art 1791 A herança deferese como um todo unitário ainda que vários sejam os herdeiros Parágrafo único Até a partilha o direito dos coerdeiros quanto à propriedade e posse da herança será indivisível e regularseá pelas normas relativas ao condomínio Dessa forma com a abertura da sucessão temse a transferência automática da titularidade da massa patrimonial na expressão codificada como um todo unitário independentemente da manifestação de aceitação ou eventual renúncia desses novos titulares Mas a quem cabe administrar o conjunto de bens Se é certo que a titularidade é de todos os herdeiros que recebem a herança como um direito indivisível em regime regulado pelas regras do condomínio também é lógico que a alguém deve ser atribuída a responsabilidade pela direção do patrimônio até a sua final individualização por cada um dos herdeiros Assim deve o magistrado no processo de inventário que deve ser instaurado no prazo de trinta dias da abertura da sucessão na forma do art 1796 do CC2002 1 designar inventariante para a administração do espólio responsável pela sorte de toda a massa patrimonial com seus créditos e débitos até sua entrega definitiva para o herdeiro correspondente 2 Tal função é de extrema importância pois lamentavelmente por razões diversas não se pode fechar os olhos para a realidade em que se constatam processos de inventário e partilha que duram indefinidamente E é justamente com os olhos na realidade que não se pode deixar de enaltecer a previsão do art 1797 do CC2002 Art 1797 Até o compromisso do inventariante a administração da herança caberá sucessivamente I ao cônjuge ou companheiro se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão II ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens e se houver mais de um nessas condições ao mais velho III ao testamenteiro IV a pessoa de confiança do juiz na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz O sentido do dispositivo legal é prestigiar aquele que em tese estará de fato na efetiva administração dos bens da herança no núcleo familiar Daí a precedência do cônjuge ou companheiro sucedido pelo herdeiro que estiver na posse e administração dos bens sendo o critério de maior idade neste último caso utilizado para a escolha de um único administrador caso haja mais de um herdeiro nessas condições Somente na ausência destes é que se pensa em delegar a administração ao testamenteiro ou na forma da previsão do inciso IV à pessoa de confiança do juiz na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz Claro que a referência do texto legal deveria ser quase acadêmica pois se provocado o Poder Judiciário a designação mais natural é logo de um inventariante e não de um administrador provisório inominado Entretanto dificuldades de ordem prática na investigação de quem será o inventariante poderiam aconselhar tal providência excepcional Observese nesse contexto que a previsão legal é específica para a administração provisória do espólio até a designação do inventariante a teor do art 617 do Código de Processo Civil de 2015 Art 617 O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem I o cônjuge ou companheiro sobrevivente desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste II o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados III qualquer herdeiro quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio IV o herdeiro menor por seu representante legal V o testamenteiro se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados VI o cessionário do herdeiro ou do legatário VII o inventariante judicial se houver VIII pessoa estranha idônea quando não houver inventariante judicial Parágrafo único O inventariante intimado da nomeação prestará dentro de 5 cinco dias o compromisso de bem e fielmente desempenhar a função E independentemente das atribuições do inventariante previstas nos arts 618 e 619 do Código de Processo Civil de 2015 3 o fato é que tanto o administrador provisório quanto o inventariante devem responder juridicamente pelo espólio bem como pela prática de atos que possam gerar danos à massa patrimonial Mas qual seria a natureza de tal responsabilidade É o que enfrentaremos no próximo tópico 3 RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR DA HERANÇA E DO INVENTARIANTE Da abertura da sucessão óbito do autor da herança até a definitiva partilha dos bens têm os herdeiros o que se convencionou chamar de direito à sucessão aberta O patrimônio do falecido considerado uma massa patrimonial indivisível de titularidade conjunta de todos os herdeiros passa a ser chamado de espólio especialmente para fins processuais O espólio não possui personalidade jurídica mas tem reconhecida a sua capacidade postulatória na forma consagrada pelo art 75 do Código de Processo Civil de 2015 4 Assim poderá o espólio por meio de seu representante provisório na forma do mencionado art 1797 ou definitivo no caso do inventariante nomeado judicialmente propor ação em juízo bem como também ser réu Assim por exemplo se um imóvel que era de titularidade do falecido tiver sido invadido cabe ao espólio por seu administrador provisório ou inventariante ajuizar a ação possessória correspondente A nomeação do inventariante somente se dá após a abertura do inventário com a verificação pelo magistrado da legitimidade da pessoa que se propôs a assumir o ônus múnus público que deve ser exercido com denodo não podendo ser imotivadamente renunciado Como vimos antes da nomeação formal do inventariante a administração dos bens do espólio cabe aos sujeitos indicados no já transcrito art 1797 do CC2002 Não havendo inventário o referido administrador provisório terá o dever de administração dos bens do espólio e consequentemente de prestar contas aos interessados Mas após a sua assunção o inventariante assumirá todos os deveres correspondentes 5 Ambos têm portanto a obrigação de administrar o patrimônio do falecido e ainda o dever de promover todo e qualquer ato na defesa do espólio sob pena de ser responsabilizado civilmente Qualquer dos herdeiros pode exigir que lhe sejam prestadas contas da administração que faz do espólio o que poderá gerar contra o inventariante eventual responsabilidade civil E qual seria a natureza dessa responsabilidade Entendemos que a hipótese é de responsabilidade civil subjetiva devendo ser demonstrada a culpa do administrador provisório ou do inventariante pelos danos causados ao espólio Isso porque a responsabilidade patrimonial pessoal deve ser interpretada de acordo com a culpa do agente a teor do art 186 do Código Civil que define o ato ilícito Assim nos casos em que o administrador ou o inventariante não administre de forma satisfatória os bens ou direitos deixados pelo falecido estará sujeito na medida em que violar deveres jurídicos preexistentes a duras sanções no âmbito civil desde a remoção da função até o pagamento de indenização Da mesma forma dependendo da situação fática poderá ainda responder penalmente por seus atos valendo destacar a título ilustrativo que no tipo penal de apropriação indébita a condição de inventariante é hipótese de aumento de pena a teor do art 168 1º II do vigente Código Penal brasileiro 6 4 SUCESSÃO EM BENS DE ESTRANGEIROS A título de arremate parecenos fundamental tecer algumas considerações acerca da disciplina jurídica da sucessão de bens pertencentes a estrangeiros que estejam localizados em território nacional O tema é tratado na vigente Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro novo nome da antiga Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro a saber o DecretoLei n 4657 de 4 de setembro de 1942 7 Estabelece o seu art 10 notadamente o 1º com a redação dada pela Lei n 9047 de 1995 Art 10 A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido qualquer que seja a natureza e a situação dos bens 1º A sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros ou de quem os represente sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder O dispositivo legal reproduz a previsão constitucional contida no inciso XXXI do art 5º da Constituição Federal de 1988 a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus Tratase de uma regra protetiva dos interesses dos cidadãos brasileiros determinandose a aplicação da norma mais benéfica aos nacionais Verifiquese que a priori temse aqui uma exceção à regra geral do critério determinante do regime patrimonial de bens que é a aplicação estrita da lei do domicílio do sujeito art 7º da LINDB Somente o magistrado do local da situação dos bens imóveis poderá processar a partilha Todavia o direito material aplicável não será como visto necessariamente o da localização dos bens mas sim aquele que for mais favorável aos interesses do cônjuge ou filhos brasileiros Assim admitirseá por exceção a aplicação de direito material estrangeiro no Brasil na hipótese de melhor conformação dos interesses do cônjuge sobrevivente leiase também do convivente supérstite e dos filhos brasileiros Claro que por se tratar de norma estrangeira poderá exigir dilação probatória em juízo nos termos do art 376 do CPC2015 8 com a apresentação de tradução juramentada No próximo capítulo trataremos finalmente da aceitação e renúncia da herança tema em que a administração da massa patrimonial aqui tratada configurase como premissa Somente depois de compreendida a administração da herança bem como a possibilidade de sua aceitação é que se abordará a possibilidade de sua cessão matéria que reservamos para o capítulo subsequente Tudo isso para facilitar a melhor compreensão da matéria LXXXVII ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA 1 INTRODUÇÃO Vimos que à luz do Princípio da Saisine com a abertura da sucessão decorrente da morte a herança é transmitida imediatamente para os herdeiros legítimos e testamentários 9 Com isso vale salientar não se diga que o herdeiro já possa pretender dispor de bem determinado da herança porquanto a transmissibilidade calcada em uma ficção jurídica opera uma transferência meramente ideal para evitar que o patrimônio deixado remanesça sem titular Aliás não é outra a razão por que antes de ultimado o arrolamento ou o inventário não pode o sucessor salvo mediante autorização judicial fundamentada pretender dispor de bem determinado componente do acervo hereditário Somente com a efetiva partilha em havendo mais de um sucessor ou com a adjudicação em havendo sucessor único observadas as normas legais poderá o herdeiro efetivamente considerarse dono do bem que lhe fora deixado exercitando todas as prerrogativas inerentes ao direito de propriedade Sucede que a par de a transmissibilidade patrimonial operarse automaticamente por aplicação da Saisine como já vimos o Direito das Sucessões cuida ainda de regular as formas pelas quais o herdeiro confirma o recebimento por meio do conhecido instituto da aceitação da herança É bem verdade que no atual estágio do nosso Direito esta figura carece da importância de outrora especialmente se considerarmos que a transmissibilidade é imediata e ainda pela circunstância de os herdeiros não responderem por dívidas além das forças da herança Por outro lado avulta a importância de outro instituto a renúncia da herança Isso porque por se tratar de um ato abdicativo de direito a lei o cerca de formalidades que devem necessariamente ser conhecidas pelo profissional do direito sob pena de não se atingirem os efeitos jurídicos pretendidos Aprofundemos então os temas aceitação e renúncia da herança 2 ACEITAÇÃO DA HERANÇA A aceitação ou adição da herança aditio é o ato jurídico pelo qual o herdeiro manifesta de forma expressa tácita ou presumida a sua intenção de receber a herança que lhe é transmitida Manifestase aqui o princípio da autonomia privada 10 na medida em que a ninguém pode ser imposta a obrigação de receber uma herança Nesse sentido explicita o art 1804 do CC2002 sem correspondente direto na codificação anterior Art 1804 Aceita a herança tornase definitiva a sua transmissão ao herdeiro desde a abertura da sucessão Parágrafo único A transmissão temse por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança É importante fixarmos esse aspecto na medida em que o senso comum nos remete à falsa impressão de que esse princípio apenas tem aplicação nas relações contratuais Em outras esferas das relações particulares a autonomia privada se manifesta como na decisão de convolar núpcias ou quando no caso ora estudado o herdeiro atua no sentido de aceitar a herança que lhe fora deixada Até mesmo em microssistemas jurídicos em que o dirigismo estatal é acentuado como nas relações trabalhistas e consumeristas sempre há espaço para se discutir a aplicação das regras da autonomia da vontade cujo respeito é um princípio geral do direito calcado na liberdade humana de buscar livremente a realização das suas pretensões de vida 21 Distinção entre aceitação e delação da herança Parecenos relevante distinguir a aceitação da herança da figura conhecida como delação da herança Com efeito não se devem confundir os institutos De fato a denominada delação da herança é expressão que caracteriza a situação em que após a morte a herança é colocada à disposição dos herdeiros que assim poderão aceitála ou não Com efeito a confusão é injustificável Uma situação traduz a oportunidade para a manifestação de vontade delação da herança outra é a própria manifestação aceitação ou em sentido contrário como se verá mais à frente renúncia da herança 11 22 Classificação A aceitação da herança comporta uma classificação amplamente difundida Pode ser ela expressa tácita ou presumida Compreendamos cada uma delas 221 Aceitação expressa A aceitação expressa é aquela que se opera por meio de uma explícita declaração do sucessor reduzida a escrito público ou particular ou a termo nos autos Vale salientar nesse ponto que a teor do art 1805 1ª parte do CC2002 a declaração meramente verbal não terá eficácia jurídica Tratase de uma restrição calcada na segurança jurídica e que poderia ser objeto de reflexão na medida em que conforme veremos em seguida admitese a modalidade tácita de aceitação 222 Aceitação tácita A aceitação tácita é aquela que decorre da atitude do próprio herdeiro que embora não tenha declarado expressamente aceitar comportase nesse sentido art 1805 2ª parte habilitandose por exemplo no procedimento de inventário ou de arrolamento É a forma mais comum de aceitação pois é pouco usual o herdeiro darse ao trabalho de expressamente declarar que aceitou a herança porquanto os atos por ele realizados já traduzem aceitação Frisese finalmente nos termos dos 1º e 2º do referido artigo que não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos como o funeral do finado os meramente conservatórios ou os de administração e guarda provisória bem como não importa igualmente aceitação a cessão gratuita pura e simples da herança aos demais coerdeiros No primeiro caso a prática dos atos ali descritos podem caracterizar apreço ou respeito pela memória do falecido não significando por si sós a necessária aceitação da herança Já no segundo caso temos tecnicamente a prática de um ato abdicativo da herança a ser estudado em seguida quando voltarmos a nossa atenção para a interessante figura jurídica da renúncia 223 Aceitação presumida Por fim a aceitação presumida é aquela que resulta de uma situação fática de omissão Com efeito esta última categoria deriva do reconhecimento legal da eficácia jurídica do silêncio Já tivemos oportunidade de anotar no volume 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil que o silêncio em geral nada traduz É uma abstenção juridicamente irrelevante Todavia situações há em que a lei atribui valor legal ao silêncio conforme podemos notar da leitura do art 111 do nosso Código Civil o silêncio importa anuência quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa Mantendo coerência com esse dispositivo o art 1807 do CC2002 dispõe que o interessado em que o herdeiro declare se aceita ou não a herança poderá vinte dias após aberta a sucessão requerer ao juiz prazo razoável não maior que trinta dias para nele se pronunciar o herdeiro sob pena de se haver a herança por aceita Notese que no caso se o herdeiro instado a se manifestar quedarse silente ao fim do prazo significará que aceitou Observese que a rigor não se trata de uma aceitação derivada de atos próprios do herdeiro indicativos de aquiescência como se dá na aceitação tácita mas sim decorrente de uma postura inerte de completa abstenção caso em que a própria lei firma presunção de que aceitou Essas são as razões pelas quais tecnicamente em nosso sentir não se deve confundir a aceitação tácita com a aceitação presumida 23 Efeitos A aceitação em qualquer das suas modalidades quando manifestada retroage à data da abertura da sucessão uma vez que confirma a transmissibilidade abstrata operada por força do Princípio da Saisine Registrese ainda que se trata de um ato puro não admitindo condição ou termo nem eficácia parcial na forma do caput do art 1808 da vigente codificação civil que estabelece expressamente que não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte sob condição ou a termo Não posso por exemplo aceitar uma herança sob a condição de após a apuração das dívidas verificarse que o saldo líquido é superior a 100000 reais assim como não posso subordinar a minha aceitação a uma data termo nem muito menos aceitar parte da herança e recusar o restante que também me tocaria pelo mesmo título Algumas peculiaridades entretanto derivam da própria lei Nada impede nessa linha que o herdeiro a quem se testarem legados possa aceitálos renunciando à herança ou aceitandoa repudiálos art 1808 1º do CC2002 pois em tais casos repudiando a quota ou o bem aceitará o outro por inteiro Da mesma forma o herdeiro chamado na mesma sucessão a mais de um quinhão hereditário sob títulos sucessórios diversos pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia art 1808 2º do CC2002 Tratase de regra que aparentemente conflita com a ideia de que uma herança não possa ser aceita em parte tornandose todavia mais compreensível quando invocamos o exemplo dado pela doutrina Nada obsta havendo dupla sucessão a legítima e a testamentária que o herdeiro renuncie inteiramente a sucessão legítima conservando a outra ao aceitar a herança advinda de testamento só se lhe proíbe a aceitação parcial da herança 12 Ou seja permitindonos um jogo de palavras a regra legal deve ser interpretada com a devida compreensão de que não se trata de aceitação parcial da herança mas sim de aceitação total de apenas uma ou algumas das partes que lhe cabem 24 Revogação da aceitação Outro importante aspecto a ser considerado é no sentido de não se admitir a revogação do ato de aceitar Algumas considerações nesse ponto devem ser tecidas em atenção à boa técnica A revogação traduz o exercício de um direito potestativo pelo qual o seu titular manifesta vontade contrária à que fora externada antes negandolhe os seus efeitos jurídicos É o que acontece por exemplo quando o mandante revoga o ato que conferiu poderes ao seu mandatário procurador Não se confunde com a invalidação do ato jurídico uma vez que neste caso atacase a vontade manifestada no plano da validade mediante o reconhecimento da nulidade absoluta ou relativa decorrente do vício que o inquina Pois bem Na hipótese sob análise à luz do art 1812 do Código Civil a aceitação válida não poderá ser revogada o que logicamente não impede o herdeiro de renunciar à quota hereditária que aceitou desde que não haja prejuízo aos seus credores conforme veremos em momento oportuno 13 25 Transmissibilidade do direito de aceitação da herança Finalmente é bom lembrar que falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança o poder de aceitar passa aos seus sucessores a menos que se trate de vocação adstrita a uma condição suspensiva ainda não verificada a teor do art 1809 do Código Civil de 2002 Note que a transmissibilidade do direito de aceitar que se dá quando um herdeiro vivo ao tempo da morte do autor da herança falece logo após sem que tivesse tido tempo de aceitar não se confunde com o direito de representação que como será visto posteriormente pressupõe que o herdeiro seja pré morto em relação ao autor da herança caso em que os seus sucessores o representarão como se vivo estivesse para evitar injustiças na divisão patrimonial Passemos agora a estudar o outro lado da moeda a saber a renúncia da herança 3 RENÚNCIA DA HERANÇA Tecnicamente a renúncia da herança consiste na prática de um ato jurídico abdicativo do direito hereditário conferido com efeitos retroativos que excluem o sujeito da cadeia sucessória como se herdeiro nunca houvesse sido Em outras palavras ao renunciar a uma herança o sucessor é banido do panorama sucessório por manifestação da sua própria vontade razão por que também aqui é sentido o princípio da autonomia privada fazendo com que o bem a si transferido retorne ao montemor partilhável 14 Em nosso sentir não se trata de mero ato jurídico em sentido estrito aquele que traduz um simples comportamento humano com efeitos jurídicos impostos ou determinados pelo próprio ordenamento jurídico Diferentemente da simples aceitação da herança vista no tópico anterior que ao ser emitida apenas confirma o efeito jurídico da transmissibilidade já conferido por força do Princípio da Saisine o que facilitaria o seu enquadramento na categoria que se quer afastar a renúncia da herança é impregnada de autonomia privada na medida em que por ser fruto da livre manifestação de vontade afasta do seu titular um direito patrimonial que tem como já vimos índole constitucional 15 Por isso preferimos reconhecer no ato de renúncia natureza negocial na medida em que como sabemos os atos portadores de tais características têm por principal marca a liberdade de escolha dos efeitos produzidos E no ato de renúncia existe indiscutivelmente esse traço exatamente por não poder ser imposta ao titular do direito que como vimos tem magnitude constitucional Conforme já dito em outra oportunidade a renúncia se caracteriza por ser um negócio jurídico unilateral que somente terá eficácia em se tratando de bens imóveis se observada a forma ou a solenidade estabelecida por lei 16 Nesse sentido ensina ORLANDO GOMES Renúncia é o negócio jurídico unilateral pelo qual o herdeiro declara não aceitar a herança A renúncia não depende do assentimento de quem quer que seja Não se presume Há de resultar de expressa declaração Tal como a aceitação é negócio puro não prevalecendo se feita sob condição ou a termo Inadmissível também a renúncia parcial A renúncia é negócio formal Deve constar necessariamente de escritura pública ou termo judicial A forma sendo da substância do ato sua inobservância importa nulidade O termo lavrase nos próprios autos do inventário Não pode ser feita antes da abertura da sucessão pois implicaria pacto sucessório legalmente proibido Deve manifestarse antes da aceitação isto é da prática de qualquer ato que a induza 17 Superado tal aspecto é importante pontuarmos ainda que a renúncia é ato solene uma vez que a teor do art 1806 do Código Civil de 2002 18 deverá ser sempre expressa lavrada em instrumento público no Tabelionato de Notas ou por termo nos próprios autos do processo não tendo portanto validade jurídica a renúncia feita em mero instrumento particular Claro que tal providência é salutar decorrendo do próprio princípio da segurança jurídica porquanto como dito ao renunciar à herança o sujeito é tratado como se herdeiro nunca houvesse sido 19 Aliás reafirmando a seriedade do ato vale lembrar que à luz do art 1811 do CC2002 ninguém poderá suceder representando herdeiro renunciante Se porém ele for o único legítimo da sua classe ou se todos os outros da mesma classe renunciarem à herança poderão os filhos vir à sucessão por direito próprio e por cabeça Vale dizer se por exemplo eu renuncio à herança do meu pai os meus filhos não poderão pretender habilitarse no inventário do avô por direito de representação Todavia se todos os herdeiros da minha classe renunciarem logicamente os netos poderão herdar por direito próprio e por cabeça em igualdade de direitos como inclusive já decidiu o STJ RENÚNCIA À HERANÇA INEXISTÊNCIA DE DOAÇÃO OU ALIENAÇÃO ITBI FATO GERADOR AUSÊNCIA DE IMPLEMENTO A renúncia de todos os herdeiros da mesma classe em favor do monte não impede seus filhos de sucederem por direito próprio ou por cabeça Homologada a renúncia a herança não passa à viúva e sim aos herdeiros remanescentes Esta renúncia não configura doação ou alienação à viúva não caracterizando o fato gerador do ITBI que é a transmissão da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis Recurso provido STJ REsp 36076MG Rel Min Garcia Vieira 1ª Turma j 3121998 DJ 2931999 p 76 Sobre o tema interessante observação é feita por VANESSA SCURO Nesse particular cabe destacar um equívoco que muitas vezes se verifica em casos onde ocorre renúncia à herança Não é raro que com o falecimento do pai os filhos resolvam renunciar em favor da mãe que era casada com o falecido pelo regime da comunhão universal de bens Assim os filhos renunciam pura e simplesmente ou seja em favor do montemor pensando beneficiar a mãe Porém como neste caso ela não é herdeira somente meeira dos bens do falecido em virtude do regime de bens o ato em verdade beneficia os filhos dos renunciantes netos do falecido e seus descendentes em segundo grau e só na falta deles a cônjuge sobrevivente em concorrência com os ascendentes se existirem 20 Podese afigurar injusta esta regra que impede aos sucessores do renunciante exercer o direito de representação mas se analisada detidamente ela guarda coerência com a eficácia retroativa da renúncia a qual como dissemos exclui o renunciante da cadeia sucessória ab initio É bom lembrarmos ainda que a renúncia não admite condição termo nem eficácia parcial e bem assim é irrevogável nos termos dos arts 1808 e 1812 do Código já comentados linhas acima Em conclusão importante aspecto a ser enfrentado diz respeito à possibilidade jurídica de os credores do renunciante pleitearem a suspensão judicial dos efeitos da renúncia a fim de que se paguem nos limites dos seus respectivos créditos Art 1813 Quando o herdeiro prejudicar os seus credores renunciando à herança poderão eles com autorização do juiz aceitála em nome do renunciante 1º A habilitação dos credores se fará no prazo de trinta dias seguintes ao conhecimento do fato 2º Pagas as dívidas do renunciante prevalece a renúncia quanto ao remanescente que será devolvido aos demais herdeiros A rigor em nosso sentir não é adequado a despeito da dicção normativa e da aceitação jurisprudencial falarse em aceitação da herança pelos eventuais credores do renunciante uma vez que eles não são herdeiros Não se pode conferir legitimidade sucessória para quem efetivamente não a tem O que sucede no caso é a suspensão dos efeitos da renúncia para evitar prejuízo a crédito legitimamente constituído 21 em franco desrespeito à própria lealdade negocial Cassio deve 10000 a Pedro e sem dinheiro para pagar resolve por birra ou qualquer outra razão renunciar a uma herança de 20000 havida do seu tio Francisco Em tal caso o credor Pedro intentará medida judicial para obter a suspensão dos efeitos da renúncia no limite do crédito constituído para se pagar prevalecendo o ato de renúncia quanto ao remanescente Feitas tais considerações colacionamos interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça quanto ao momento de exercício do direito por parte dos credores CIVIL E PROCESSUAL CIVIL RENÚNCIA DE HERANÇA HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA TRÂNSITO EM JULGADO REQUERIMENTO DE ACEITAÇÃO DA HERANÇA POR CREDOR PREJUDICADO E PEDIDO DE PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DO ARROLAMENTO IMPOSSIBILIDADE 1 A falta de prequestionamento em relação a diversos dispositivos impede o conhecimento do recurso especial Incidência da súmula 211STJ 2 O recorrente não indica de que forma os arts 655 X e 659 do CPC foram malferidos motivo pelo qual deficiente a fundamentação Incidência da súmula 284STF 3 O pedido de aceitação da herança realizado pelo credor do executadorenunciante nos autos do arrolamento de bens do falecido pai deste somente pode ser formulado até o momento imediatamente anterior ao da sentença de homologação da partilha Após a divisão do patrimônio do de cujus acolhida a renúncia por parte do executado os bens passaram a integrar o patrimônio dos demais herdeiros 4 Inexistindo recurso de terceiro prejudicado e transitada em julgado a sentença que homologou a partilha resta ao credor se for o caso e se preenchidos os demais requisitos legais arguir em ação própria a anulação da partilha homologada 5 Para a configuração do dissídio jurisprudencial fazse necessária a indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entre o aresto recorrido e o paradigma nos termos do parágrafo único do art 541 do Código de Processo Civil e dos parágrafos do art 255 do Regimento Interno do STJ 6 Recurso especial não conhecido REsp 754468PR Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma j 27102009 DJe 16112009 grifamos Finalmente uma advertência salutar deve ser feita Não é incomum encontrarmos na prática judiciária a inusitada figura da renúncia translativa caso em que o renunciante direciona a quota renunciada não para o monte mas sim para determinado herdeiro Um exemplo tornará clara a ideia João morre e deixa a viúva Leila e três filhos Huguinho Zezinho e Luisinho O herdeiro Luisinho então resolve renunciar à sua quota hereditária em favor de sua mãe Leila Ora no caso tecnicamente renúncia não houve na medida em que ele direcionou o benefício ou seja ele aceitou o direito e o cedeu para a sua mãe Renúncia de fato não ocorreu na medida em que se tivesse havido a sua quota beneficiaria a todos os outros herdeiros e não a um em especial pois ao abdicar do seu direito como vimos a exclusão é total e retroativa como se sucessor nunca houvesse sido Ao aceitar e direcionar a sua quota o que houve em verdade foi uma cessão de direitos hereditários tema que pela sua importância e profundidade mereceu tratamento no próximo capítulo LXXXVIII CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS 1 INTRODUÇÃO Conforme vimos no capítulo anterior a renúncia da herança tecnicamente opera a abdicação plena do direito hereditário excluindo o sujeito da relação sucessória como se herdeiro nunca houvesse sido Por isso também ressaltamos que o exercício desse direito tem eficácia retroativa Sucede que por vezes a prática forense nos indica existir ainda figura aparentemente análoga costumeiramente denominada renúncia translativa Um exemplo certamente tornará clara a hipótese Imagine que tratamos do inventário de José José o autor da herança deixou além da esposa Joana viúva três filhos Jorge Jonatas e Jomilio Se por ventura este último exercer o seu direito de renúncia a quota hereditária a que faria jus retornará ao monte partível beneficiando a todos os demais herdeiros na forma do art 1810 do CC2002 A rigor então teríamos aqui a renúncia da herança tratada no capítulo anterior Por outro lado suponha que Jomilio no curso do inventário ou do arrolamento resolva renunciar à sua quota hereditária em favor da sua mãe Joana Teríamos aqui então um direcionamento da quota abdicada que no caso favoreceria não todos mas apenas um dos herdeiros Muito bem No segundo caso surgiria então a figura da renúncia translativa ou in favorem frequente na prática forense e costumeiramente enfrentada pelos Tribunais conforme se pode verificar dos seguintes acórdãos DIREITOS CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ARROLAMENTO COMPOSIÇÃO DA VIÚVAMEEIRA E DOS HERDEIROS RENÚNCIA TRANSLATIVA INSTITUIÇÃO DE USUFRUTO POSSIBILIDADE TERMO NOS AUTOS CC ART 1581 PARTILHA HOMOLOGADA PRECEDENTES DOUTRINA RECURSO PROVIDO Não há vedação jurídica em se efetivar renúncia in favorem e em se instituir usufruto nos autos de arrolamento o que se justifica até mesmo para evitar as quase infindáveis discussões que surgem na partilha de bens STJ REsp 88681SP Rel Min Sálvio de Figueiredo Teixeira 4ª Turma j 3041998 DJ 2261998 p 81 AGRAVO DE INSTRUMENTO INVENTÁRIO CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS NOS AUTOS POSSIBILIDADE É cabível segundo doutrina e jurisprudência moderna a cessão de direitos hereditários ou a renúncia translativa por termo nos autos Precedentes doutrinário e jurisprudencial Agravo de Instrumento provido TJRS AI 70014017958 8ª Câmara Cível Rel José Ataídes Siqueira Trindade j 932006 Não nos agrada todavia a denominação renúncia translativa É o que veremos em seguida 2 COMPREENDENDO A NATUREZA DA CHAMADA RENÚNCIA TRANSLATIVA Como dissemos no tópico anterior não nos parece ideal a expressão renúncia translativa Com isso não estamos a dizer se afigurar erro o seu uso na medida em que a própria jurisprudência dos Tribunais Estaduais e do próprio STJ acolhe o seu emprego Pensamos por outro lado ser mais seguro e preciso utilizarse a expressão cessão de direitos hereditários quando exista o direcionamento da quota abdicada na medida em que com isso não se afronta a ideia fundamental do ato de renúncia que como vimos faz retornar o direito a todo o monte partível e não a um herdeiro em especial Assim se um dos herdeiros pretende abdicar do direito hereditário a si conferido em favor de determinadas pessoas e não de todos os demais herdeiros estará em verdade operando uma cessão de direito hereditário Evitese também afirmar que se trata de uma doação A doação tem por objeto coisas ou seja bens materializados corpóreos passíveis de alienação ao passo que a cessão versa sobre direitos 22 Não se deve pois utilizar o verbo alienar para caracterizar a cessão gratuita ou onerosa de direitos uma vez que para a boa técnica direitos não são vendidos nem doados mas sim cedidos Em outras palavras reputamos mais apropriada a utilização da palavra alienação para caracterizar a transferência de coisas de um titular para outro reservando a expressão cessão para os direitos em geral 23 Feitas tais considerações que revelam a verdadeira natureza do instituto passemos a compreender a sua delimitação conceitual 3 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS Explicitada a natureza do instituto aqui trabalhado definida como a cessão de direitos hereditários é possível enfrentar o seu conceito A cessão de direitos hereditários consiste em um ato jurídico negocial pelo qual o herdeiro cedente por escritura pública ou termo nos autos transfere gratuita ou onerosamente a sua quota hereditária a um terceiro cessionário Tratase inequivocamente de um ato negocial de natureza aleatória na medida em que o cessionário assume o risco de nada vir a receber caso se apure a existência de dívidas deixadas pelo falecido que possam vir a esgotar as forças da herança Por isso em geral quando onerosa a cessão o preço recebido pela quota transferida costuma ser mais baixo exatamente para cobrir o risco de o cessionário não receber ao cabo do inventário ou do arrolamento o justo valor pela quota por que pagou O tema tem sido objeto de reflexão da doutrina e jurisprudência há bastante tempo embora no texto positivado a sua menção sem explicitar a expressão aqui utilizada seja feita no capítulo referente à administração da herança Conheçamos portanto a sua disciplina jurídica codificada 4 DISCIPLINA JURÍDICA Não havia previsão específica do tema na codificação civil de 1916 Já no Código Civil de 2002 a matéria é tratada a partir do art 1793 que preceitua em seu caput que o direito à sucessão aberta bem como o quinhão de que disponha o coerdeiro pode ser objeto de cessão por escritura pública A primeira parte da norma deixa claro que tanto poderá ser cedida toda a herança representada aqui pela expressão o direito à sucessão aberta como também o quinhão de que disponha o herdeiro ou seja a quota que lhe caiba por conta da morte do sucedido Notese igualmente que o ato de cessão é formal deverá ser lavrado por escritura pública não se admitindo seja documentado em mero instrumento particular Por outro lado a despeito da literalidade do dispositivo comentado a jurisprudência tem admitido que se possa ceder o direito hereditário também por termo nos autos AGRAVO DE INSTRUMENTO INVENTÁRIO CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS NOS AUTOS POSSIBILIDADE É cabível segundo doutrina e jurisprudência moderna a cessão de direitos hereditários ou a renúncia translativa por termo nos autos Precedentes doutrinário e jurisprudencial Agravo de Instrumento provido TJRS AI 70014017958 8ª Câmara Cível Rel José Ataídes Siqueira Trindade j 932006 INVENTÁRIO RENÚNCIA TRANSLATIVA E ABDICATIVA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS TERMO NOS AUTOS VIÚVA QUE CEDE DIREITO DE MEAÇÃO IMPRESCINDIBILIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA 1 O art 1806 do Código Civil a exemplo do art 1581 do Código Civil de 1916 contempla a possibilidade da renúncia da herança ser feita tanto através de termo nos autos como pela via do instrumento público 2 Essa disposição legal contempla tanto a renúncia abdicativa quanto a renúncia translativa denominação doutrinária esta que se refere em verdade à cessão de direitos hereditários 3 Se a viúva pretende doar a sua meação é imprescindível que o faça através de escritura pública Recurso desprovido TJRS AI 70012673190 7ª Câmara Cível Rel Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves j 19102005 Vale dizer a cessão de direitos hereditários para ter validade e eficácia jurídicas exige ser lavrada por escritura pública no Tabelionato de Notas ou por termo nos próprios autos do inventário ou arrolamento Claro está todavia que se o inventário ou arrolamento for administrativo 24 a cessão poderá ser lavrada na mesma oportunidade em que se formaliza a própria escritura pública de partilha ou de adjudicação não havendo que se falar em termo nos autos porquanto nesse caso processo judicial não existe Nesse sentido inclusive vale transcrever o art 16 da Resolução n 35 de 24 de abril de 2007 do Conselho Nacional de Justiça Art 16 É possível a promoção de inventário extrajudicial por cessionário de direitos hereditários mesmo na hipótese de cessão de parte do acervo desde que todos os herdeiros estejam presentes e concordes Aspecto importante a ser realçado é o constante no 1º do referido art 1793 1º Os direitos conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer presumemse não abrangidos pela cessão feita anteriormente Oportunamente enfrentaremos a temática referente à substituição testamentária 25 e ao direito de acrescer 26 mas de logo anunciamos a ideia constante neste dispositivo caso um herdeiro haja cedido a terceiro direito hereditário que a si competia em tendo sido posteriormente beneficiado em virtude de substituição chamado a substituir outro sucessor ou em decorrência de acréscimo de quinhão este novo direito ou valor agregado não estará compreendido na cessão anterior Em outras palavras a cessão de direito hereditário não abrange direito posteriormente incorporado a título diverso substituição testamentária ou direito de acrescer Em nosso sentir tratase de regra de intelecção clara na medida em que a cessão de um direito não deve comportar interpretação extensiva sob pena de se cunhar um benefício não previsto pelo cedente Outro ponto deve ainda ser considerado Mormente nos inventários e arrolamentos judiciais os quais por diversas razões especialmente a ausência do devido registro imobiliário de certos bens componentes do acervo frequentemente tramitam por longo tempo é comum determinado herdeiro pretender ceder em geral onerosamente bem individualizado integrante da herança ainda não partilhada É o caso do herdeiro que pretende ceder mediante recebimento de preço o direito sobre o carro ou a casa integrante do monte partível por entender que fará jus ao referido bem ao cabo do procedimento Ora ainda que este bem toque a este sucessor o 2º do mesmo dispositivo é claro ao dispor 2º É ineficaz a cessão pelo coerdeiro de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente E a razão é muito simples Até que se ultime o procedimento de inventário ou arrolamento o mesmo se diga para o ato lavrado administrativamente não poderá nenhum dos herdeiros considerarse dono de bem determinado do acervo na medida em que somente após serem apuradas e saldadas as respectivas dívidas do falecido poderseá efetiva e legitimamente conferir a cada um o que por direito lhe pertença Claro está todavia que se houver a justa necessidade da cessão de certo direito ou da alienação de bem determinado em benefício de todo o espólio como na hipótese de se ter de pagar um tributo ou para evitar a deterioração do próprio bem caso em que o valor correspondente deverá permanecer depositado em conta judicial poderá o juiz incidentalmente autorizar o ato em caráter excepcional Esta última ideia inclusive deflui da leitura do parágrafo seguinte do mesmo dispositivo 3º Ineficaz é a disposição sem prévia autorização do juiz da sucessão por qualquer herdeiro de bem componente do acervo hereditário pendente a indivisibilidade O pedido poderá ser feito nos próprios autos do inventário ou arrolamento e caso o ato esteja sendo lavrado administrativamente hipótese em que processo judicial não há deverá ser formulado perante o Juízo competente instaurandose com isso um procedimento de jurisdição voluntária para a obtenção do necessário alvará judicial Outra previsão legal em especial também não pode ser esquecida O art 1794 do Código Civil de 2002 sem qualquer correspondente na codificação anterior consagra ao coerdeiro direito de preferência sobre a quota hereditária Vale dizer antes de oferecêla a terceiro o outro herdeiro tem o direito de adquirila se logicamente atender aos termos da proposta do cedente Isso porque conforme já vimos enquanto não ultimada a partilha os coerdeiros atuam como se titulares fossem de frações ideais da herança em situação análoga à do condomínio de coisa indivisível Se por exemplo João pretender ceder a sua quota na herança do seu pai a um terceiro mediante o recebimento da quantia de R 1000000 precisará antes comunicar aos seus dois irmãos coerdeiros para que eles no prazo que lhes for assinado manifestem interesse em adquirila nas mesmas condições O ato de comunicação poderá em nosso sentir consistir em uma notificação judicial ou extrajudicial sem prejuízo de estando já em curso o procedimento judicial de inventário ou arrolamento o cedente solicitar que o próprio juiz intime os demais herdeiros para querendo se manifestarem no prazo assinado Em tal caso deixando transcorrer o prazo in albis o silêncio deve ser entendido como ato de aquiescência à cessão feita ao terceiro Mas se o coerdeiro for alijado do seu direito de preferência por não lhe ter sido dado conhecimento da cessão poderá a teor do art 1795 do Código Civil após depositar o preço haver para si a quota cedida a estranho se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão É interessante ressaltar que mesmo na codificação anterior em que não havia previsão legal específica do direito de preferência do coerdeiro na cessão de créditos hereditários a jurisprudência já admitia o exercício de um direito de preferência justamente pela aplicação analógica das regras do condomínio ao qual se equiparava a herança espólio Não se deduza outrossim com isso que o direito de preferência tenha natureza real Tratase em verdade de um direito potestativo 27 com prazo decadencial de cento e oitenta dias para ser exercido sob pena de decadência E se houver mais de um sucessor interessado em exercer o direito de preferência Nesse caso atendidos os termos da proposta de cessão entre eles será distribuído o quinhão na proporção das suas respectivas quotas hereditárias conforme estabelecido no parágrafo único do art 1795 do CC2002 Sendo vários os coerdeiros a exercer a preferência entre eles se distribuirá o quinhão cedido na proporção das respectivas quotas hereditárias Tratase de uma regra bastante razoável que prestigia indistintamente os herdeiros evitandose discussões sobre quem exerceu primeiramente o direito de preferência 5 NECESSIDADE DA AUTORIZAÇÃO CONJUGAL A autorização conjugal pode ser conceituada como a manifestação de consentimento de um dos cônjuges ao outro para a prática de determinados atos sob pena de invalidade 28 A matéria está atualmente disciplinada nos arts 1647 a 1650 do vigente Código Civil brasileiro Dispõe o mencionado art 1647 do CC2002 Art 1647 Ressalvado o disposto no art 1648 nenhum dos cônjuges pode sem autorização do outro exceto no regime da separação absoluta I alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis II pleitear como autor ou réu acerca desses bens ou direitos III prestar fiança ou aval IV fazer doação não sendo remuneratória de bens comuns ou dos que possam integrar futura meação Parágrafo único São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada Todas as hipóteses legais se referem a situações em que o patrimônio do casal é potencialmente afetado motivo pelo qual se exige a autorização Da leitura do caput do dispositivo observamos de logo que a necessidade da autorização conjugal é dispensável para aqueles casados no regime de separação absoluta que em nosso sentir equivale a dizer separação convencional 29 Ora o inciso I dispõe que a alienação de bens imóveis exige como regra a autorização conjugal a outorga uxória ou a autorização marital pelo que uma pergunta se impõe considerandose que o direito à sucessão aberta direito à herança tem por força de lei art 80 II do CC 30 natureza real imobiliária a cessão do referido direito também exigiria se casado fosse o cedente a autorização do seu cônjuge No caso da renúncia propriamente dita abdicativa entendemos ser dispensável tal exigência porquanto dado o seu efeito retroativo o renunciante é considerado como se herdeiro nunca houvesse sido Mas no caso da cessão de direito ou renúncia translativa como se costuma dizer a questão se reveste de maior complexidade pois como anotamos o cedente aceita a sua quota e em seguida transmitea a terceiro Respeitável corrente de pensamento argumenta que além da capacidade jurídica exigese para a validade do ato a autorização do cônjuge do cedente sob o argumento de que se trata de situação semelhante à da alienação de direito imobiliário para a qual a lei exige outorga uxória ou autorização marital Nesse sentido FRANCISCO CAHALI e GISELDA HIRONAKA prelecionam que Tratando a sucessão aberta como imóvel CC1916 art 44 III 31 a renúncia à herança depende do consentimento do cônjuge independentemente do regime de bens adotado CC1916 arts 235 242 I e II Considerase que a ausência do consentimento torna o ato anulável uma vez passível de ratificação RT 675102 32 Ressaltamos que em nosso pensar tal formalidade só é necessária em se tratando da chamada renúncia translativa hipótese em que o herdeiro renuncia em favor de determinada pessoa praticando com o seu comportamento verdadeiro ato de cessão de direitos Cumpre por fim registrar que a matéria não é pacífica na medida em que há também entendimento no sentido de não ser exigível a referida autorização do outro cônjuge para a renúncia de direitos hereditários A pessoa casada entendemos pode aceitar ou renunciar à herança ou legado independentemente de prévio consentimento do cônjuge apesar de o direito à sucessão aberta ser considerado imóvel para efeitos legais por ser ela a herdeira do de cujus 33 Não é todavia o nosso pensamento que encontra guarida na jurisprudência desde a codificação anterior 34 Obviamente acrescentese se a negativa à autorização é injusta poderá o juiz suprila por haver lesão de direito do renunciante à luz do princípio da inafastabilidade da jurisdição LXXXIX VOCAÇÃO HEREDITÁRIA 1 INTRODUÇÃO Neste capítulo abordaremos a vocação hereditária tratada no Capítulo III do Título I Da Sucessão em Geral do Livro V Do Direito das Sucessões do Código Civil Se é certo que trataremos de todos os dispositivos legais do referido capítulo codificado o fato é que não nos limitaremos a eles permitindonos tecer considerações sobre o tema em geral de forma a possibilitar ao nosso amigo leitor a mais ampla e abrangente visão sobre a matéria 2 LEGITIMADOS PARA A SUCESSÃO HEREDITÁRIA EM GERAL O art 1798 do Código Civil brasileiro de 2002 consagra a regra geral sucessória aplicável tanto à Sucessão Legítima como à Testamentária segundo a qual têm legitimidade para suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão Assim se o sucessor beneficiário da herança já é falecido ao tempo da morte do autor da herança por óbvio nada herdará bem como nesta mesma linha pessoas ainda não concebidas em regra também não herdarão E por óbvio tem aplicação tanto na Sucessão Legítima como na Testamentária Percebase que essa é uma legitimidade assentada no direito material para que o sucessor possa receber a herança Não se confunde pois com a legitimidade processual de que é titular o espólio para atuar na persecução ou na defesa dos interesses atinentes ao patrimônio deixado pelo falecido como se vê nas hipóteses abaixo referidas CIVIL INDENIZAÇÃO PLANO DE SAÚDE CIRURGIA AUTORIZAÇÃO AUSÊNCIA LEGITIMIDADE ESPÓLIO DANOS MORAIS CONFIGURAÇÃO QUANTUM DISSÍDIO AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO E COMPROVAÇÃO 1 O espólio detém legitimidade para suceder o autor em ação de indenização por danos morais REsp 648191RS Rel Min Jorge Scartezzini DJ 06122004 2 É possível a reparação moral quando como no caso presente os danos não decorrem de simples inadimplemento contratual mas da própria situação de abalo psicológico em que se encontra o doente ao ter negada injustamente a cobertura do plano de saúde que contratou 3 A análise dos motivos ensejadores da aplicação da multa por litigância de máfé passa necessariamente no caso dos autos pela interpretação de cláusulas contratuais e revolvimento de fatos e provas constantes dos autos incidindo pois os vetos constantes das súmulas 05 e 07 desta Corte Precedentes 4 Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial há necessidade diante das normas legais regentes da matéria art 541 parágrafo único do Código de Processo Civil cc o art 255 do RISTJ de confronto que não se satisfaz com a simples transcrição de ementas entre excertos do acórdão recorrido e trechos das decisões apontadas como dissidentes mencionandose as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados Ausente a demonstração analítica do dissenso há flagrante deficiência nas razões recursais com incidência do verbete sumular n 284STF 5 Agravo regimental desprovido STJ AgRg no Ag 797325SC Rel Min Fernando Gonçalves 4ª Turma j 492008 DJe 1592008 PROCESSUAL CIVIL RECURSO ESPECIAL AÇÃO INDENIZATÓRIA DANOS MORAIS LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO REVISÃO PROBATÓRIA INADMISSIBILIDADE SÚMULA 7STJ Na linha da jurisprudência deste Tribunal o espólio detém legitimidade para suceder o autor na ação de indenização por danos morais No entanto levando em consideração as singularidades dos fatos e as partes envolvidas não há como anular o acórdão sem o reexame do quadro fático no qual se baseou o Tribunal local Súmula 7STJ Recurso especial não conhecido REsp 602016SP Rel Min Castro Filho 3ª Turma j 2962004 DJ 3082004 p 284 Em síntese o art 1798 do Código Civil contém uma regra material para a sucessão hereditária em geral que legitima as pessoas nascidas ou os nascituros aqueles seres humanos já concebidos embora não nascidos 35 ao tempo da morte do autor da herança para receber parte ou todo o patrimônio deixado pelo falecido Todavia situações peculiares também foram previstas No âmbito da Sucessão Testamentária podem ainda ser chamados a suceder a teor do art 1799 a os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador desde que vivas estas ao abrirse a sucessão b as pessoas jurídicas c as pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação Cada uma dessas hipóteses merecerá detida consideração conforme veremos abaixo 3 LEGITIMIDADE ESPECIAL NA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA Neste tópico analisaremos cada uma das hipóteses de legitimidade especial previstas no mencionado art 1799 do Código Civil aplicáveis à Sucessão Testamentária 31 Filhos ainda não concebidos de pessoa indicada pelo testador prole eventual O Código Civil autoriza em seu art 1799 I que o autor da herança mediante testamento beneficie filho ainda não concebido de pessoa indicada pelo testador A conhecida categoria da prole eventual caracteriza tais filhos ainda não concebidos valendo frisar que por óbvio oa genitora indicadoa deverá ser pessoa existente ao tempo da abertura da sucessão quando se verificarão as circunstâncias da declaração de vontade Note a diferença manifesta caro leitor entre nascituro e prole eventual O nascituro que como visto também pode ser beneficiário da herança art 1798 consiste naquele ente já concebido posto não nascido e com vida intrauterina diferentemente a prole eventual caracteriza aqueles que nem concebidos ainda foram Neste último caso como dito acima poderão ter especial legitimidade sucessória se por meio de testamento o autor da herança indicálos como beneficiários e desde que o seu genitor esteja vivo ao tempo da morte do autor da herança Os bens da herança em tal hipótese nos termos do art 1800 serão confiados após a liquidação ou partilha a um curador nomeado pelo juiz que será salvo disposição testamentária em contrário na forma do 1º do referido dispositivo a própria pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro e sucessivamente as pessoas indicadas no art 1775 do Código Civil 36 Os poderes deveres e responsabilidades do curador regerseão no que couber pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes na forma do 2º do referido art 1800 do Código Civil 37 Finalmente nascendo com vida o herdeiro esperado serlheá deferida a herança com os frutos e rendimentos relativos à deixa a partir da morte do testador 38 Em outras palavras com o seu nascimento o direito sucessório se consolida cabendo logicamente a partir daí ao seu representante legal o encargo de gerir o interesse do incapaz até que atinja a capacidade civil plena momento em que poderá pessoalmente assumir a administração do seu próprio patrimônio Notese portanto que a sucessão da prole eventual é como a própria expressão infere condicionada à sua concepção E como fica a questão da segurança jurídica diante dessa possibilidade sem a certeza da concreção Em outras palavras uma pergunta se impõe e se a prole eventual beneficiária do testamento não for concebida Nesse aspecto o próprio texto legal estabeleceu um termo final para o período de incerteza do destinatário dos bens da herança Tratase do 4º do referido art 1800 que preceitua in verbis 4º Se decorridos dois anos após a abertura da sucessão não for concebido o herdeiro esperado os bens reservados salvo disposição em contrário do testador caberão aos herdeiros legítimos Tratase de um prazo à primeira vista bastante razoável considerando o período de uma gestação para a consolidação de um patrimônio cuja sucessão ficou pendente de condição a concepção e o posterior nascimento com vida do beneficiário Todavia ampliando os horizontes talvez tal prazo não seja tão elástico assim uma vez que não contemplaria por exemplo situações de destinação testamentária de bens para filhos de pessoas ainda longe da idade de ter condições para procriar Também refletindo sobre o prazo observa o amigo CARLOS ROBERTO GONÇALVES A estipulação do chamado prazo de espera supre omissão do Código de 1916 que possibilitava a perpetuação da situação de espera do herdeiro aguardado O período fixado limita porém a instituição que jamais será feita em favor da prole eventual de pessoa que não possa gerar ou conceber no prazo de dois anos contados da data da morte do testador sendo este pessoa idosa e aquela de tenra idade por exemplo 39 Em nosso entender porém tal prazo não comporta flexibilização pela autonomia da vontade por imperativo de segurança jurídica A menção no texto legal supratranscrito à ressalva salvo disposição em contrário do testador se refere ao destinatário dos bens componentes do acervo e não à possibilidade de alteração do prazo peremptório previsto em lei O termo inicial do prazo é como visto a data da abertura da sucessão da morte do autor da herança e frisese por se tratar de um prazo decadencial para o exercício de um direito potestativo não se aplicam em regra as normas que impedem suspendem ou interrompem o lapso temporal como ocorre na prescrição conforme preceitua o art 207 do CC2002 40 Outra observação que se faz importante e que normalmente é olvidada diz respeito à literalidade da expressão utilizada no preceito legal aqui interpretado não for concebido o herdeiro esperado Concepção é diferente de nascimento Logo o herdeiro esperado não precisa ter nascido no prazo de dois anos fixado na lei mas sim apenas ter sido concebido Após o seu nascimento com vida consolidará o seu direito herdando os bens reservados conforme já analisado Não vindo a nascer vivo natimorto a hipótese é de entrega dos bens reservados ao monte partilhável 41 É como leciona GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA Pode ser entretanto que o rebento imaginado pelo testador tenha efetivamente sido concebido mas não tenha vindo ao mundo com vida Dessa derradeira hipótese não tratou expressamente o legislador mas sua solução é facilmente encontrada no sistema Se concebido adquire o feto a propriedade e a posse indireta dos bens como se de nascituro se tratasse operando a lei a ficção de que tal aquisição se deu no exato momento do falecimento do testador e se a lei põe a salvo os direitos do nascituro condicionando o efetivo exercício desses direitos à aquisição da personalidade o que ocorre com o nascimento com vida e se enfim o nascituro sucumbe antes de respirar autonomamente entende a lei que os direitos que ela própria vinha resguardando em seu benefício resolvemse ex tunc ou seja desde o momento em que lhes emprestou resguardo 42 É no atual estágio do nosso direito a solução que se impõe Por fim aspecto interessante e que merece referência por imprimir uma interpretação mais ampla e justa à norma codificada é no sentido de que a prole eventual poderá derivar não apenas do vínculo biológico mas também civil socioafetivo como se dá na adoção Nesse sentido em pesquisa sobre o tema anotam RUSSI e FONTANELLA O instituto da prole eventual caracterizase pela possibilidade de ter capacidade testamentária passiva os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador desde que vivas estas no momento da morte do mesmo A princípio esta possibilidade seria permitida apenas aos filhos designados naturais frutos do vínculo biológico com o terceiro citado em testamento porém a partir da CRFB88 que consagrou o princípio da igualdade entre todos os filhos independente de sua origem inicia se a discussão a respeito da possibilidade da ampliação do termo concebidos para garantir que a filiação adotiva fosse contemplada pelo instituto Para tanto a concepção citada no artigo 1799 I do CC seria o momento em que a parentalidade é estabelecida com o terceiro designado já que com relação à filiação existe total isonomia A alteração do modelo de Estado liberal para Estado social a partir da CRFB88 trouxe mudanças significativas com relação à visão dos institutos do Direito fator determinante para o estabelecimento de novos critérios relacionados com a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas A concepção de constituição como ordem de valores que irradia efeitos a todas as esferas da vida social passou a influenciar além do direito público o direito privado Várias teorias foram formuladas a respeito de como se daria a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas sendo adotada pela maioria dos doutrinadores a da eficácia diretaimediata dos mesmos nas relações privadas Apesar dos particulares estarem vinculados aos direitos fundamentais não podendo desrespeitálos a forma de vinculação destes direitos entre estes não é a mesma que afeta aos poderes estatais Os particulares também são titulares de direitos fundamentais possuindo uma esfera de autonomia privada que é constitucionalmente protegida Desta forma ao colidirem dois direitos fundamentais fazse necessária a ponderação de interesses baseada em parâmetros prefixados para que no caso concreto possa se avaliar qual o bem jurídico deve ser tutelado As divergências doutrinárias a respeito do tema proposto fundamentamse na incidência direta ou indireta dos direitos fundamentais nas relações entre privados onde prevalece o princípio da autonomia privada Por ser o testamento a manifestação da liberdade individual do testador tanto no seu aspecto negocial quanto existencial o presente artigo se coaduna com a posição defendida por Sílvio de Salvo Venosa que garante a incidência do direito fundamental à igualdade na relação privada porém preserva o direito à autonomia privada do testador Sendo assim se o testador ao fazer a liberalidade deixando herança ou legado à prole eventual de terceira pessoa especificamente vedar a possibilidade da adoção sua vontade deve ser respeitada garantindo assim sua autonomia existencial sua liberdade de escolha porém no caso de omissão nada declarando o testador a respeito o princípio constitucional da igualdade entre os filhos independente de sua origem incide diretamente na norma estabelecida permitindo a adoção 43 Na mesma linha de entendimento SÍLVIO VENOSA com habitual precisão O testador não fazendo referência e sua vontade deve ser respeitada não se faz distinção quanto à filiação recebem os filhos legítimos ou ilegítimos isto é na nova sistemática filhos provenientes ou não de união com casamento Afirmavase que os adotivos não se incluíam nessa possibilidade a menos que houvesse referência expressa do testador Wald ob cit 94 Contudo entendemos que a evolução da situação sucessória do adotivo não permite mais essa afirmação peremptória Lembrese de que houve sucessivas alterações de direito sucessório em favor do filho adotivo A intenção do legislador foi sem dúvida possibilitar a contemplação dos filhos de sangue A pessoa indicada poderia adotar exclusivamente para conseguir o benefício testamentário Contudo já a legitimação adotiva e a adoção plena das leis revogadas não mais permitiam diferença entre a filiação natural e a filiação civil Cremos que na atual legislação incumbe ao testador excluir expressamente os filhos adotivos se não desejar incluílos por força do art 41 da Lei n 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente a adoção atribui a condição de filho ao adotado com os mesmos direitos e deveres inclusive acessórios desligandoo de qualquer vínculo com pais e parentes salvo os impedimentos matrimoniais Com a mesma conotação apresentase a adoção no atual Código Civil Desse modo o filho adotivo conforme nosso ordenamento se insere no conceito de prole aliás atendendo ao que a atual Constituição pretendia 44 De fato em nosso sentir nada impede que à categoria da prole eventual tanto possam se subsumir os filhos biológicos da pessoa indicada pelo testador como também os havidos por adoção ou até mesmo em virtude de reconhecimento direto de filiação socioafetiva E o que dizer da legitimidade sucessória do embrião Seria possível É o que enfrentaremos em seguida 311 Discussão sobre o enquadramento do embrião como prole eventual Questão extremamente polêmica porém diz respeito à possibilidade de reconhecimento de capacidade sucessória ao embrião Sim ao embrião propriamente dito ainda não implantado no útero quando da abertura da sucessão não sendo portanto tecnicamente um nascituro Isso porque o Direito não pode fechar os olhos para os avanços da ciência Se é certo que o vigente Código Civil brasileiro não tratou detalhadamente da matéria é uma injustiça dizer que a desconheceu por completo Com efeito importantes diretrizes há nos três últimos incisos do art 1597 do nosso Código Art 1597 Presumemse concebidos na constância do casamento os filhos I nascidos cento e oitenta dias pelo menos depois de estabelecida a convivência conjugal II nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte separação judicial nulidade e anulação do casamento III havidos por fecundação artificial homóloga mesmo que falecido o marido IV havidos a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga V havidos por inseminação artificial heteróloga desde que tenha prévia autorização do marido Ora o que fazer diante das situações decorrentes de inseminação artificial homóloga com material fecundante do próprio casal ou heteróloga com material fecundante de terceiro realizadas depois do falecimento do autor da herança Poderia por exemplo a deixa testamentária beneficiar os futuros filhos de alguém prole eventual e no prazo de dois anos ocorrer uma concepção mediante uma técnica científica de reprodução assistida e consequente implantação no útero materno Não temos dúvida de que neste caso o embrião concebido em laboratório e posteriormente implantado no útero materno como nascituro adquirirá o direito sucessório correspondente Claro que há um inconveniente manifesto decorrente da exigência legal do referido prazo de dois anos Se a concepção e a implantação se derem dentro do prazo de dois anos o ente assim formado será considerado filho e herdeiro do autor da herança Por outro lado se a concepção ocorrer após o prazo de dois anos indiscutivelmente a criança será considerada filha do falecido que autorizou previamente a fecundação mas não poderá ser considerada herdeira pois a concepção se deu fora do biênio E uma pergunta ainda mais complexa se imporia a deixa testamentária poderia beneficiar o embrião ainda não implantado no útero materno Seria possível reconhecer ao embrião uma vocação hereditária autônoma É o que enfrentaremos no próximo subtópico 312 Discussão sobre a possibilidade de reconhecimento de vocação hereditária autônoma ao embrião Tratase a questão ora em debate sem dúvida de uma situação de alta complexidade O embrião preservado em laboratório concebido antes da morte do testador ou durante o prazo de dois anos a contar da abertura da sucessão uma vez que o falecido poderia autorizar a utilização de material fecundante seu não implantado no útero materno poderia ser beneficiado pela deixa testamentária Note o problema ele fora concebido mas não fora implantado no útero materno A questão revestese de alta complexidade MÔNICA AGUIAR por exemplo argumenta no sentido da inconveniência do projeto parental post mortem Ao examinar a questão ressalta JOÃO ÁLVARO DIAS os prejuízos de ordem inclusive psicológica para a criança de ser concebida quando já é órfã de um dos pais situação que não pode ser justificada com as mesmas razões lançadas para as hipóteses em que por vicissitudes impossíveis de serem afastadas pela vontade a criança nasce sem um dos genitores 45 A procriação resultante de um desejo unilateral foge à bilateralidade que caracteriza o autêntico projeto parental e pois não pode provocar efeitos em relação a quem não se manifestou ao tempo da inseminação artificial pela assunção desse desiderato À realização da inseminação precede a regular emissão de vontade de ambos os cônjuges e companheiros Formam eles entretanto uma única parte em relação à qual cada uma das declarações singulares de vontade não tem autonomia para gerar a filiação relativamente ao outro e somente assume relevância jurídica quando unidas as duas em uma manifestação única Pela teoria da vontade procriacional há que se concluir ser possível reconhecer apenas a filiação a matre afastada de plano a presunção prevista no inciso referido por se tratar de norma inconstitucional uma vez que violadora do comando expresso no art 5º I da Constituição Federal embora seja de lamentar a opção por uma orfandade arbitrariamente provocada 46 Nessa mesma linha já prelecionava JOSÉ ROBERTO MOREIRA FILHO Quanto à inseminação post mortem ou seja a que se faz quando o sêmen ou o óvulo do de cujus é fertilizado após a sua morte o direito sucessório fica vedado ao futuro nascituro por ter sido a concepção efetivada após a morte do de cujus não havendo portanto que se falar em direitos sucessórios ao ser nascido tendo em vista que pela atual legislação somente são legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão 47 Esta primeira corrente de pensamento pois nos levaria a concluir pela inadmissibilidade do reconhecimento de legitimidade sucessória ao embrião por razão sobretudo de segurança jurídica Outros autores todavia seguiram outra tendência Há quem defenda a impossibilidade jurídica de reconhecimento da legitimidade sucessória do embrião apenas para participação na Sucessão Legítima admitindose porém o cabimento na Sucessão Testamentária Em nosso sentir esta seria a linha de reflexão da querida Professora MARIA HELENA DINIZ Filho póstumo não possui legitimação para suceder visto que foi concebido após o óbito de seu pai genético e por isso é afastado da sucessão legítima ou ab intestato Poderia ser herdeiro por via testamentária se inequívoca a vontade do doador do sêmen de transmitir herança ao filho ainda não concebido manifestada em testamento Abrirseia a sucessão à prole eventual do próprio testador advinda de inseminação artificial homóloga post mortem LICC arts 4º e 5º 48 Percebase que não se reconheceria de fato uma legitimidade sucessória autônoma mas sim uma aplicação analógica das regras da prole eventual aqui já trabalhadas Tratase de uma linha de pensamento convincente muito embora não afaste a inconveniência de o ente concebido poder permanecer congelado em laboratório por longos anos Afinal o 4º do art 1800 parte sem dúvida da premissa de que haveria a implantação no útero materno no prazo legal com a perspectiva de nascimento para os próximos nove meses Ora e se a concepção já se deu por meio artificial mantendose o embrião congelado em laboratório a deixa testamentária aguardaria a implantação no útero materno indefinidamente E o inventário em tal caso permaneceria paralisado Em nosso sentir ao menos enquanto não houver uma regulamentação legal específica que leve em conta os avanços da tecnologia a segurança jurídica recomenda que nos limites da sucessão testamentária o embrião somente poderá figurar como beneficiário se a implantação no útero materno ocorrer dentro do prazo de dois anos na linha do 4º do art 1800 do Código Civil Após esse prazo não deixará de ser considerado filho do falecido mas não terá direito sucessório Sem dúvida não se afigura como a melhor solução mas em nosso atual sistema é a mais adequada mormente em se considerando que a indefinição de um prazo para a implantação geraria o grave inconveniente de prejudicar por meses ou anos o desfecho do procedimento de inventário ou arrolamento em detrimento do direito dos demais herdeiros legítimos ou testamentários 32 Pessoas jurídicas Também têm legitimidade para figurar como beneficiárias de testamento as pessoas jurídicas em geral Nada impede pois que o testador deixe parte da sua herança ou toda ela caso não tenha herdeiros necessários para uma associação de apoio a crianças carentes ou para uma igreja É muito comum por exemplo que professores deixem suas bibliotecas particulares para instituições de ensino a que se dedicaram Registrese porém que em nosso pensar sociedades irregulares ou de fato despersonificadas carecem do atributo necessário para figurar como sucessoras testamentárias dado o vício da sua constituição assim como não poderão ser beneficiários os entes que pois dotados de capacidade processual carecem de personalidade jurídica como o condomínio a herança jacente ou a massa falida 33 Fundações Para compreendermos a peculiar legitimidade sucessória das fundações parecenos recomendável passar antes em revista algumas noções gerais Primeiramente lembramos que a fundação aqui tratada é a de direito privado pois nos termos do art 1799 III somente estas podem ser organizadas segundo a vontade do testador e não por óbvio as fundações públicas que são criadas por lei Diferentemente das associações e das sociedades as fundações resultam não da união de indivíduos mas da afetação de um patrimônio por testamento ou escritura pública que faz o seu instituidor especificando o fim para o qual se destina 49 Segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA o que se encontra aqui é a atribuição de personalidade jurídica a um patrimônio que a vontade humana destina a uma finalidade social 50 O art 62 do vigente Código Civil dispõe que Art 62 Para criar uma fundação o seu instituidor fará por escritura pública ou testamento dotação especial de bens livres especificando o fim a que se destina e declarando se quiser a maneira de administrála Cumprenos observar que o legislador cuidou de inserir parágrafo único ao referido art 62 do vigente Código Civil consagrando o elemento finalístico da fundação que somente poderá constituirse para fins religiosos morais culturais ou de assistência Escapa pois do permissivo legal a entidade supostamente fundacional que empreenda atividade econômica com escopo lucrativo Não se admite por outro lado sobretudo por sua precípua finalidade social que a diretoria ou o conselho deliberativo da fundação desvirtuando inclusive a vontade do instituidor aliene injustificadamente bens componentes de seu acervo patrimonial 4 IMPEDIMENTOS LEGAIS SUCESSÓRIOS Algumas pessoas estão impedidas de ser nomeadas herdeiras ou legatárias nos expressos termos do art 1801 do Código Civil As hipóteses são portanto de ausência de legitimidade sucessória passiva Estão pois proibidas de ser beneficiadas por testamento 1 a pessoa que a rogo escreveu o testamento nem o seu cônjuge ou companheiro ou os seus ascendentes e irmãos para evitar indevida interferência na manifestação de vontade do testador ou até mesmo a captação dolosa da sua vontade não poderão ser beneficiados a pessoa que escreveu digitou ou datilografou o testamento a pedido do testador nem o seu cônjuge companheiro ascendente e irmão O autor da herança por exemplo não poderá deixar parte da sua herança para a enfermeira que escreveu a seu rogo o testamento nem ao filho ou marido dela Tudo isso como dito para preservar incólume a real intenção do testador quando da manifestação da sua última vontade 2 as testemunhas do testamento pela mesma razão acima exposta não poderão as pessoas chamadas a testemunhar a elaboração do testamento ser beneficiadas nesse mesmo ato em respeito à preservação da autonomia da vontade do testador 3 oa concubinoa doa testadora casadoa salvo se este sem culpa sua estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos primeiramente recordemonos de que a palavra concubinoa em nosso direito positivo significa amante ou seja a pessoa que é partícipe de uma relação paralela afetiva espúria com alguém impedido 51 Pois bem O que o dispositivo pretende é impedir que o testador ou testadora claro pois os direitos são iguais casado beneficie por meio do seu testamento ao suaseu amante Note se nesse ponto que óbice algum há no que toca à deixa testamentária que beneficie ao companheiraa integrante de uma união estável com o testador pois como sabemos neste caso estamos diante de uma entidade familiar constitucionalmente protegida Afinal concubinao e companheirao são figuras que não se confundem A proibição portanto atinge um homem por exemplo que sendo casado e que mantém ainda a sociedade conjugal pretenda deixar parte da sua herança para a mulher com quem mantém um relacionamento clandestino há alguns anos A vedação é expressa Todavia o dispositivo na parte final ressalva que a disposição testamentária será possível se o testador estiver separado de fato do seu cônjuge há mais de cinco anos Não andou bem o legislador no estabelecimento desse prazo Ora se o testador já estiver separado de fato do seu marido ou da sua esposa poderá testar em nosso sentir respeitada a legítima dos herdeiros necessários para quem quiser pois não há que se falar mais em traição infidelidade ou seja em relação clandestina ou concubinato Até porque mesmo antes de completar o referido prazo quinquenal já pode estar vivendo uma história de amor com outra pessoa em união estável além do fato de que tendo em vista a Emenda Constitucional n 662010 o divórcio se tornou um direito potestativo sem exigibilidade de prazo mínimo para sua manifestação judicial ou administrativa 52 4 o tabelião civil ou militar ou o comandante ou escrivão perante quem se fizer assim como o que fizer ou aprovar o testamento pelo mesmo princípio de isenção o oficial que elaborar ou aprovar o testamento não poderá ao mesmo tempo ser por meio dele beneficiado E como o sistema normativo atua para evitar manobras fraudulentas o art 1802 acertadamente prescreve a nulidade absoluta da disposição testamentária que beneficie indiretamente qualquer dessas pessoas acima referidas Art 1802 São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso ou feitas mediante interposta pessoa Parágrafo único Presumemse pessoas interpostas os ascendentes os descendentes os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder A lógica do parágrafo único é evidente Se João testador casado não pode testar em favor de Geralda sua concubina também não poderá fazêlo por via oblíqua em inequívoca simulação relativa beneficiando indiretamente o irmão dela Da mesma forma não poderá simular uma compra e venda ato oneroso com ela para mascarar a doação Todavia por óbvio tomando ainda o mesmo exemplo como referência se João teve um filho com Geralda poderá beneficiálo respeitada claro a legítima dos eventuais herdeiros necessários visto que a vedação não poderia agredir direito de filho algum sob pena de inconstitucionalidade É o que dispõe o art 1803 do Código Civil Art 1803 É lícita a deixa ao filho do concubino quando também o for do testador Tal dispositivo sem equivalente na codificação anterior incorpora ao direito positivo brasileiro o anterior entendimento da Súmula 447 do Supremo Tribunal Federal 53 XC EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO 1 INTRODUÇÃO O Capítulo V do Título I Da Sucessão em Geral do Livro V Direito das Sucessões do nosso Código Civil é genericamente intitulado Dos Excluídos da Sucessão e ao longo do seu corpo de normas cuida de disciplinar o instituto jurídico da exclusão por indignidade Ocorre que no âmbito da sucessão testamentária Capítulo X do Título III do Livro V por óbvio também integra a noção maior de sucessão em geral outro importante instituto é disciplinado o qual também objetiva o afastamento compulsório de um sucessor a deserdação Ou seja o legislador embora pretenda na parte geral do Direito Sucessório tratar dos sucessores excluídos inadvertidamente deixa de inserir ou ao menos referir instituto correlato e dotado de uma inequívoca paridade funcional Por isso em respeito à lógica e à precisão das ideias cuidaremos de analisar neste mesmo capítulo tanto a exclusão por indignidade como a deserdação não obstante sejam tratados em distintas partes da mesma codificação De logo anotamos porém que tais institutos por objetivarem o afastamento punitivo de um dos sucessores em nada se confundem com as hipóteses de impedimento legal para a sucessão previstas no art 1801 pois neste último caso o que há como vimos é a simples ausência de legitimidade testamentária passiva 2 EXCLUSÃO POR INDIGNIDADE Primeiramente trataremos da exclusão por indignidade cujas causas estão taxativamente enumeradas no art 1814 do Código Civil de 2002 e que tanto pode se aplicar à Sucessão Legítima como à Testamentária Tratase pois de um instituto de amplo alcance cuja natureza é essencialmente punitiva na medida em que visa a afastar da relação sucessória aquele que haja cometido ato grave socialmente reprovável em detrimento da integridade física psicológica ou moral ou até mesmo contra a própria vida do autor da herança Afinal não é justo nem digno que em tais circunstâncias o sucessor experimente um benefício econômico decorrente do patrimônio deixado pela pessoa que agrediu O algoz não deve herdar da vítima Nesse contexto é forçoso convir que por se tratar de medida sancionatória as causas da exclusão sucessória não comportariam interpretação extensiva ou analógica razão pela qual devem ser cuidadosamente interpretadas Tratase pois de um instituto penal pois comina uma sanção ou pena de caráter civil e que traduz uma consequência lógiconormativa pela prática de um ato ilícito instituto previsto no art 186 do Código Civil de 2002 dado o seu caráter antijurídico e desvalioso Sucede que diferentemente dos ilícitos civis em geral que quando perpetrados implicam a obrigação de indenizar os atos de indignidade cometidos contra o falecido resultam em uma sanção específica a exclusão do indigno da cadeia sucessória subtraindolhe o direito de haver qualquer bem da herança como se herdeiro nunca houvesse sido Previsão de sanção semelhante há no âmbito do contrato de doação na revogação da liberalidade por ato de ingratidão Claro está no entanto que embora exista certa semelhança com a revogação da doação por ingratidão a exclusão por indignidade instituto tipicamente sucessório tem os seus próprios fundamentos e regramento peculiar conforme veremos abaixo 21 Causas de exclusão por indignidade Inicialmente observamos que as hipóteses autorizadoras da exclusão estão taxativamente previstas em lei não admitindo como já afirmado interpretação extensiva ou analógica dado o seu caráter punitivo Por tradição também é firme o entendimento no sentido de que o direito de demandar a exclusão por envolver interesse patrimonial caberia a outro herdeiro ou legatário 54 Esse direito acrescentese ainda deverá ser exercido no prazo decadencial de quatro anos a contar da data da abertura da sucessão da morte do autor da herança 55 E quais seriam os fundamentos da exclusão sucessória Nos termos do art 1814 do Código Civil são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários a que houverem sido autores coautores ou partícipes de homicídio doloso ou tentativa deste contra a pessoa de cuja sucessão se tratar seu cônjuge companheiro ascendente ou descendente b que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra ou de seu cônjuge ou companheiro c que por violência ou meios fraudulentos inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade Notese que poderão incorrer nas situações acima tanto o herdeiro sucessor universal que recebe toda a herança ou uma fração dela como o legatário sucessor singular que recebe bem ou direito determinado componente da herança Analisemos pois cada uma dessas hipóteses separadamente para melhor compreensão da matéria 211 Autoria coautoria ou participação em homicídio doloso tentado ou consumado Afigurase inconcebível atentatório mesmo contra a moral a possibilidade de o autor coautor ou partícipe de crime de homicídio tentado ou consumado contra o autor da herança haver para si bens ou direitos deixados pelo falecido A agressão ao bem jurídico mais caro e valioso a vida não poderia render ensejo a um locupletamento que além de ilícito repugnaria os mais comezinhos princípios éticos de convivência social Notese que a norma sucessória não se refere à necessidade de condenação criminal de maneira que tal como redigida a mera comprovação no juízo cível da cooperação ou autoria delitivas poderia ensejar a aplicação da pena sucessória Sucede que o raciocínio posto academicamente defensável não se afigura tão simples assim Como sabemos existe uma relativa independência entre os juízos cível e criminal de maneira que caso o magistrado encarregado de examinar a exclusão sucessória tenha fundada dúvida acerca da autoria e participação ou da materialidade do fato deverá em nosso sentir reconhecer a prejudicialidade para aguardar o desfecho da lide na esfera penal 56 Mas não havendo robusta dúvida sobre esse aspecto ou não tendo sido tempestivamente proposta a ação penal correspondente poderá e deverá o juiz apreciar imediatamente o pedido formulado no juízo cível Se todavia posteriormente a sentença penal absolutória que haja negado a autoria ou a materialidade do fato passar em julgado o sucessor excluído infelizmente não terá em seu favor um amparo legal específico entre os fundamentos contidos no dispositivo que regula a ação rescisória art 966 do CPC2015 57 o que por óbvio acarreta indesejável insegurança jurídica Tratase de uma decorrência da postura que propugna pela mais ampla segurança jurídica na preservação da coisa julgada protegida constitucionalmente art 5º XXXVI CF88 58 o que porém gera um sentimento de injustiça e insatisfação na evidente contradição entre as mencionadas manifestações autônomas e independentes dos juízos cível e criminal A matéria é evidentemente de reserva legal quiçá constitucional para se admitir uma relativização da coisa julgada Todavia sem querer distorcer a dogmática por conta de um sentimento pessoal de injustiça talvez seja possível defender uma solução intermediária pelo menos no prazo da ação rescisória com uma releitura do art 966 do Código de Processo Civil de 2015 que elenca as hipóteses de ação rescisória tese porém que embora acolhida eventualmente pela jurisprudência notadamente em questões relacionadas aos exames de DNA 59 encontra ainda resistência prevalecendo quase como um dogma a tese de que para valer como causa hábil para desconstituir a coisa julgada um documento novo em rescisória deve ser preexistente 212 Delitos contra a honra Não apenas a vida mas também a imagem e a honra integram o patrimônio moral de cada indivíduo merecedor da mais justa tutela constitucional Tratase pois de valores atinentes ao âmbito de proteção e amparo dos direitos da personalidade na superior perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana Nessa linha de intelecção o art 1814 II do Código Civil de 2002 também prescreve como ato de indignidade o cometimento de delitos contra a honra calúnia injúria ou difamação 60 e que por extensão também vulneram a imagem do ofendido e que poderá resultar na imposição de pena de exclusão sucessória Em nosso sentir a expressão acusação caluniosa também contempla a denunciação prevista no art 339 do Código Penal delito de gravidade mais acentuada pois além de vulnerar o patrimônio moral do ofendido também atenta contra a própria Administração Pública na medida em que o ofensor dá causa à instauração de investigação policial de processo judicial instauração de investigação administrativa inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra o autor da herança imputandolhe crime de que o sabe inocente Notese que neste caso mais do que uma imputação falsa de fato criminoso calúnia o ofensor movimenta indevidamente o aparato estatal na busca de uma persecução criminal que se sabe infundada E o fato de também contemplarse o delito em tela denunciação caluniosa não significa estarse utilizando o método de interpretação extensiva inaplicável por tratarse de norma sancionatória mas sim tão somente que se busca alcançar o âmbito de previsão normativa nos limites da sua própria dicção e segundo uma perspectiva lógica e de bom senso 213 Violência ou fraude Finalmente encerra o rol de causas de exclusão a prática de violência ou fraude contra o autor da herança apta a inibir ou obstar a livre manifestação de vontade do falecido De fato considerandose que a autonomia privada também se faz presente no âmbito do Direito Sucessório mormente na preservação da livre manifestação de vontade do autor da herança o que pode ser considerado da essência da principiologia do Direito das Sucessões quaisquer atos que impeçam o seu exercício deverão ser por óbvio firmemente rechaçados Assim caso um dos sucessores haja cometido atos de violência física ou moral para se beneficiar ou impedir a plena exteriorização do ato de última vontade deverá por medida de justiça ser excluído da relação sucessória Em qualquer das hipóteses quer tenha havido coação física ou moral contra o autor da herança vale dizer a prática de atos de violência capaz de inibir ou obstar a sua livre manifestação de vontade impõese a aplicação a título punitivo da medida de exclusão da herança por indignidade Também a fraude poderá resultar na imposição de mesma medida Em nosso sentir quando o inciso III do art 1814 utiliza a expressão meios fraudulentos o faz no sentido de abarcar toda situação em que o autor da herança haja sido dolosamente enganado ou ludibriado pelo ofensor com o escopo de impedir a sua manifestação livre de vontade Vale dizer o conceito de fraude aí empregado encontrase umbilicalmente conectado à noção de dolo pois o que o legislador em verdade pretendeu fora coibir o desiderato espúrio daquele que envenenado pela máfé induziu o titular da herança a praticar ato em falso contexto fático captando assim dolosamente a sua vontade É o caso da enfermeira que ao longo dos últimos meses de vida do testador o induz a crer que o seu filho houvesse morrido para que ela mesma figurasse como beneficiária da herança Outra hipótese é aquela em que um dos herdeiros subtrai e destrói o testamento ou ainda altera ou falsifica o documento para que assim receba parcela maior da herança Em alguns casos porém não se poderá dar a exclusão do herdeiro quando por exemplo destrói testamento nulo 61 Tratase de uma posição doutrinária compreensível Não sob o prisma psicológico da máfé do agente mas sim sob a perspectiva eficacial do próprio ato jurídico na medida em que a conduta reprovável não geraria repercussão jurídica alguma tal como se dá em termos semelhantes no Direito Penal no denominado crime impossível 62 22 Efeitos da exclusão por indignidade Por se tratar de uma sanção são pessoais os efeitos da exclusão por indignidade de maneira que os descendentes do herdeiro excluído sucedem como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão art 1816 do CC E a razão é simples Como dito acima a exclusão por indignidade é uma pena ainda que de natureza civil E como tal não pode passar da pessoa do ofensor Um detalhe no entanto merece ser ressaltado O legislador foi atento inclusive desde a codificação anterior pois o excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança nem à sucessão eventual desses bens parágrafo único do art 1816 do CC2002 Ou seja os bens que foram negados ao excluído não poderão favorecêlo nem na condição de representante legal dos beneficiários nem a ele retornar por nova relação sucessória por expressa disposição de lei Tratase de norma que mantém a lógica do instituto punitivo ora estudado 3 TEORIA DO HERDEIRO APARENTE No caso do herdeiro aparente avulta sem sombra de dúvida o aspecto subjetivo da boafé Nesse sentido confirase o art 1817 caput e parágrafo único do vigente Código Civil brasileiro Art 1817 São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boafé e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro antes da sentença de exclusão mas aos herdeiros subsiste quando prejudicados o direito de demandarlhe perdas e danos Parágrafo único O excluído da sucessão é obrigado a restituir os frutos e rendimentos que dos bens da herança houver percebido mas tem direito a ser indenizado das despesas com a conservação deles O terceiro inocente que por exemplo celebra com o herdeiro indigno contrato de prestação de serviços para a conservação de bens da herança faz jus à remuneração contratada Da mesma forma se mediante autorização judicial determinado bem componente do acervo hereditário é vendido pelo herdeiro e inventariante indigno a um terceiro de boafé a alienação é válida Em outras palavras na perspectiva do princípio da boafé e da própria teoria da aparência não podem ser prejudicados aqueles que amparados na legítima expectativa da qualidade de herdeiro firmam com este uma relação negocial juridicamente possível Por fim notese que uma vez excluído da relação sucessória o herdeiro indigno é obrigado a restituir os frutos e rendimentos dos bens da herança que houver percebido embora tenha o direito de ser indenizado pelas despesas de conservação na perspectiva da regra que veda o enriquecimento sem causa 4 PERDÃO DO INDIGNO A teor do art 1818 do Código Civil aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento ou em outro ato autêntico Admitese com isso o perdão do herdeiro indigno desde que o autor da herança o faça expressamente mediante declaração no testamento ou por meio de qualquer outro instrumento público ou particular Poderá assim perdoar o filho que o caluniou por meio da lavratura de uma escritura pública ou mediante a confecção de um simples documento por exemplo uma carta ou um email ou mesmo uma gravação digital de áudio ou vídeo desde que não haja dúvida fundada quanto a sua autenticidade Por isso as declarações feitas pela via eletrônica posto sejam uma realidade inafastável da nossa contemporaneidade exigem redobrada cautela dada a vulnerabilidade notória a fraudes de variada ordem Caso não tenha havido reabilitação expressa o indigno poderá em nosso sentir suceder no limite da disposição testamentária se o testador ao testar já conhecia a causa da indignidade tratase do chamado perdão tácito Por óbvio o perdão do ofendido quer seja expresso ou tácito deverá ser livre isento de vícios como a coação e o dolo sob pena de ser invalidado segundo as regras gerais de invalidade do ato jurídico 5 DESERDAÇÃO No esforço de sistematização teórica parecenos evidente como já dito que em um capítulo que trata da exclusão da sucessão sejam abordados conjuntamente os temas da indignidade e da deserdação mesmo sendo esta última situação aplicável estritamente à Sucessão Testamentária Tratase de matéria disciplinada pelos arts 1961 a 1964 da vigente codificação que aqui será analisada Vamos a ela 51 Conceito Podemos conceituar a deserdação como uma medida sancionatória e excludente da relação sucessória imposta pelo testador ao herdeiro necessário que haja cometido qualquer dos atos de indignidade capitulados nos arts 1962 que remete ao art 1814 e 1963 do Código Civil No ensinamento de ORLANDO GOMES Deserdação é a privação por disposição testamentária da legítima do herdeiro necessário Sua exclusão por esse modo é autorizada em nosso Direito mas outras legislações em maioria aboliramna o instituto não apenas por odiosa mas também por inútil em face das regras relativas à indignidade Entretanto não se confundem A deserdação regulase na sucessão testamentária por isso que só em testamento pode ser ordenada A indignidade é o instituto da sucessão legítima A indignidade pode ser motivada em fatos posteriores à morte do autor da herança ao passo que a deserdação só em fato ocorrido durante a vida do testador Mais extenso é o campo da aplicação daquele pois podem ser declarados indignos os herdeiros legítimos sem exceção isto é os descendentes ascendentes cônjuge e parentes colaterais enquanto a deserdação se restringe aos herdeiros legitimários isto é aos descendentes ascendentes e ao cônjuge Contemplamse ademais casos de deserdação que não se incluem entre os de indignidade Por tais motivos julgam alguns ser conveniente tratar separadamente as duas espécies Outros porém consideram desnecessária a duplicidade não somente porque a deserdação pertence em essência à sucessão legítima mas sobretudo porque conforme procedente observação de Clóvis Beviláqua os efeitos legais da indignidade bastam para excluir da herança os que realmente não a merecem Certo é que o instituto da deserdação não teve aplicação prática justificandose sua ablação do Código 63 Entendemos pois nesse contexto que em sentido lato também as hipóteses previstas nos arts 1962 e 1963 podem ser qualificadas como atos de indignidade Conheçamos portanto as hipóteses legais justificadoras da deserdação 52 Hipóteses legais de deserdação Por se tratar de situações referidas em um testamento parecenos óbvio salientar de início que somente se pode falar de deserdação referente a fatos ocorridos anteriormente à sua celebração 64 Sobre as hipóteses legais de deserdação dispõe o nosso Código Art 1961 Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima ou deserdados em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão Art 1962 Além das causas mencionadas no art 1814 autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes I ofensa física II injúria grave III relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto IV desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade Art 1963 Além das causas enumeradas no art 1814 autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes I ofensa física II injúria grave III relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta IV desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade As hipóteses aí descritas em geral dispensariam explicação mais detida dada a sua fácil intelecção Vale registrar porém que o vigente Código Civil brasileiro excluiu do rol das causas de deserdação dos descendentes a desonestidade da filha que vive na casa paterna prevista no art 1744 III do CC1916 dispositivo incompatível com a igualdade entre os sexos e de tratamento entre filhos propugnada pela Constituição Federal de 1988 É de observar todavia que o art 1962 cuidou dos atos perpetrados pelos descendentes contra os ascendentes ao passo que o artigo seguinte por sua vez analisou a situação inversa Poderia talvez o legislador haver ordenado todas essas situações em um dispositivo único esclarecendo em parágrafos que os atos atentatórios admitiriam reciprocidade ou mesmo referindo no próprio caput que as hipóteses aplicarseiam à deserdação tanto de ascendentes como de descendentes o que não seria de difícil compreensão Mas assim não o fez optando por uma normatização mais extensa Nesse contexto temos que as ofensas físicas as injúrias graves as relações amorosas ou sexuais espúrias e o desamparo da pessoa doente podem justificar a aplicação da pena de deserdação Atenção especial merece a hipótese do desamparo que poderá ser do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade art 1962 IV ou do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade art 1963 IV Chama a nossa atenção o fato de no segundo caso haver o legislador perdido a oportunidade de utilizar a expressão descendente preferindo se limitar à categoria dos filhos e à dos netos talvez pela constatação fática da pouca ocorrência de convivência entre bisavós e bisnetos o que merece ser repensado diante do avanço da medicina e do aumento da expectativa média de vida Outro aspecto de relevo é a menção à expressão deficiência mental no art 1963 IV em descompasso com o dispositivo anterior que preferiu alienação mental Se a distinção foi intencional pensamos que em vez de salutar primou por incrementar o lamentável risco da insegurança jurídica pela injustificada ausência de uniformidade no tratamento de situações equiparadas Analisando o dispositivo por outra ótica observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES em sua bela obra E o inciso IV ganhou redação aperfeiçoada mais condizente com a moderna psiquiatria usando a expressão deficiência mental no lugar de alienação mental Sem dúvida o desamparo diante da deficiência mental ou grave enfermidade de um descendente cometida pelo ascendente em geral possuidor de maiores recursos financeiros revelase mais grave e repulsivo do que a idêntica conduta omissiva do descendente 65 Poderia talvez o legislador optando por uma expressão aperfeiçoada uniformizar a dicção legal Por fim temos que a noção de desamparo tanto do ascendente como do descendente enfermo também pode se subsumir na noção maior de abandono afetivo Este tema aliás tem despertado nos últimos anos a atenção dos civilistas como já tivemos a oportunidade de escrever Um dos primeiros juristas a tratar do assunto foi o talentoso RODRIGO DA CUNHA PEREIRA que analisando o primeiro caso a chegar em uma Corte Superior brasileira asseverou Será que há alguma razãojustificativa para um pai deixar de dar assistência moral e afetiva a um filho A ausência de prestação de uma assistência material seria até compreensível se se tratasse de um pai totalmente desprovido de recursos Mas deixar de dar amor e afeto a um filho não há razão nenhuma capaz de explicar tal falta O referido litígio cuidou fundamentalmente da seguinte discussão se o afeto se constituiria em um dever jurídico de forma que a negativa injustificada e desarrazoada caracterizaria um ato ilícito Os partidários da tese defendem a ideia de uma paternidadematernidade responsável em que a negativa de afeto gerando diversas sequelas psicológicas caracterizaria um ato contrário ao ordenamento jurídico e por isso sancionável no campo da responsabilidade civil Já aqueles que se contrapõem à tese sustentam em síntese que a sua adoção importaria em uma indevida monetarização do afeto com o desvirtuamento da sua essência bem como a impossibilidade de se aferir quantidade e qualidade do amor dedicado por alguém a outrem que deve ser sempre algo natural e espontâneo e não uma obrigação jurídica sob controle estatal 66 Ora se no campo da responsabilidade civil a matéria ainda desperta acesa polêmica pensamos que aqui na seara sucessória não há dúvida no sentido de se poder considerar o abandono afetivo do ascendente ou descendente doente causa de deserdação uma vez que a situação fática descrita enquadra se perfeitamente no conceito aberto codificado 53 Procedimento Por se tratar de uma sanção civil a deserdação não admite dicção genérica ou expressão abstrata Isso porque somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em testamento art 1964 do CC Claro que não se exige do testador conhecimento técnico especializado que lhe permita apontar os artigos do Código Civil que amparam a sua declaração Mas é indispensável que da interpretação do testamento reste clara e livre de dúvidas a situação que justificou a exclusão sucessória subsumível em um dos retromencionados dispositivos do Código Civil Assim não há como falar em deserdação implícita Aberta a relação sucessória com a morte do testador será necessário ainda que o herdeiro instituído ou beneficiário mediante ação própria que deverá tramitar no próprio juízo do inventário ou arrolamento prove a veracidade da causa alegada pelo testador art 1965 do CC O prazo para o exercício do direito potestativo é decadencial de quatro anos a contar da abertura do testamento coincidindo com o mesmo prazo para a ação de exclusão de herdeiro ou legatário por indignidade parágrafo único do art 1815 do CC2002 o que ressalta a proximidade dos institutos Findo o prazo ou julgado improcedente o pedido restará sem efeito a deserdação imposta no testamento 54 Efeitos de deserdação e direito de representação Os efeitos da exclusão do herdeiro por indignidade são pessoais na forma do art 1816 do CC E o que dizer da deserdação Há divergência na doutrina Com efeito o texto codificado nada menciona acerca dos efeitos da deserdação Seria tal omissão proposital A resposta é fundamental para abordar o importante tema dos efeitos da deserdação para o exercício de eventual direito de representação 67 E de fato a doutrina diverge se é ou não possível ao sucessor do deserdado herdar por direito de representação Optando por uma visão restritiva temse o posicionamento de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO No tocante ao deserdado porém diversifica a situação Não só é ele excluído como também o são seus descendentes O direito pré codificado realmente excluía da sucessão os herdeiros do deserdado e assim também o Código Civil de 1916 A essa conclusão se chegava ante a consideração de que o Código Civil de 1916 não fazia referência quanto à deserdação a efeito previsto da indignidade que excluía da herança os sucessores do indigno Ademais a lei revogada ao excluir o usufruto bem como da administração dos pais certos bens pertencentes aos filhos menores só se reportava à indignidade sem qualquer referência à deserdação Ora crucial não seria que o deserdado pudesse exercer aqueles atributos do pátrio poder com relação aos bens da herança de que havia sido excluído A falta de referência à deserdação ao contrário do que sucedia com a indignidade indicava positivamente que naquele caso não recolhiam a herança os herdeiros do deserdado Reconheçase todavia que a opinião prevalecente era em sentido contrário 68 Em sentido diametralmente oposto é o ensinamento de ORLANDO GOMES Entendemse pessoais os efeitos da deserdação Consideramna pena inferindo deste caráter que não pode alcançar os descendentes do herdeiro culpado nullum patris delictum innocenti filio poena est Realmente não devem os filhos ser punidos pela culpa dos pais Contudo não é pacífico entre nós esse entendimento Argumentase que não contendo a lei no capítulo da deserdação disposição que atribua aos descendentes do herdeiro excluído o direito de sucessão como se ele morto fosse não podem recolher a herança do deserdado Passaria aos demais herdeiros do testador Predomina no entanto a opinião diversa Aplicase por analogia a regra instituída para o caso de exclusão por indignidade Tem inteiro cabimento tal recurso de interpretação porque os dois títulos se assemelham e colimam o mesmo fim conquanto diversos os processos de exclusão do herdeiro Atenta ademais à circunstância de que se tem a deserdação como uma pena civil justificase por um princípio geral de direito limitar seus efeitos à pessoa do deserdado RA Perdeu o legislador a oportunidade de pôr fim à polêmica existente causada por uma omissão no texto revogado fartamente criticada pela doutrina e jurisprudência e que certamente poderia ter sido reparada no novo texto RA 69 Diante da divergência doutrinária cabenos expor nosso posicionamento E ele sem dúvida é no sentido de limitar os efeitos da deserdação à pessoa do deserdado reconhecendose aos seus sucessores o direito de representação tal como se dá na exclusão por indignidade art 1816 Com efeito parecenos exagerado ampliar os efeitos da deserdação aos seus herdeiros pois se por um lado reconhecemos a gravidade da conduta dele por outro não consideramos possível se estender os efeitos da responsabilidade a ele imputada Observese que se em vez de deserdado tivesse ele morrido poderiam os seus herdeiros habilitarse normalmente no exercício do direito de representação que como visto será estudado mais adiante Ora não é razoável imaginar que para alguém fosse melhor que um parente seu tivesse morrido do que permanecesse vivo A limitação dos efeitos além de se mostrar mais justa e adequada ao posicionamento majoritário da doutrina 70 demonstra a proximidade aqui diversas vezes já salientada entre os institutos da exclusão por indignidade e da deserdação XCI HERANÇA JACENTE 1 CONCEITO Segundo o dicionarista AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA temse o seguinte conceito do termo jacente Jacente Do lat jacente Adj 2 g 1 Que jaz que está situado 2 Imóvel estacionário F paral us nessas acepç jazente V estátua e herança S m 3 Viga longitudinal das pontes sobre a qual se fixam as travessas do tabuleiro V jacentes 71 A compreensão do referido adjetivo quando se junta ao substantivo herança tem por finalidade abranger a situação de uma herança estabelecida mas ainda sem um destinatário conhecido Sobre tal situação nomeada justamente de herança jacente estabelece o art 1819 do CC Art 1819 Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido os bens da herança depois de arrecadados ficarão sob a guarda e administração de um curador até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância Assim podese conceituar herança jacente como aquela em que o falecido não deixou testamento ou herdeiros notoriamente conhecidos A herança literalmente jaz enquanto não se apresentam herdeiros para reclamála ignorandose quem seja do ponto de vista ideal o novo titular do patrimônio deixado E qual é a natureza jurídica desse instituto É o que veremos no próximo tópico 2 NATUREZA A herança jacente é de fato uma massa patrimonial Não tem ela personalidade jurídica sendo resultado de uma arrecadação de bens para se evitar que fique sem titular indefinidamente Tratase em outras palavras de um ente despersonalizado 72 ao qual juntamente com a herança vacante a legislação processual civil brasileira reconhece legitimação ativa e passiva para demandar judicialmente na forma do art 75 VI do Código de Processo Civil de 2015 73 Sobre a natureza da herança jacente observa CARLOS ROBERTO GONÇALVES Releva salientar que a herança jacente distinguese do espólio malgrado tenham em comum a ausência de personalidade No espólio os herdeiros legítimos ou testamentários são conhecidos Compreende os bens deixados pelo falecido desde a abertura da sucessão até a partilha Pode aumentar com os rendimentos que produza ou diminuir em razão de ônus ou deteriorações A noção de herança jacente todavia é a de uma sucessão sem dono atual É o estado da herança que não se sabe se será adida ou repudiada 74 Realmente a distinção é importante uma vez que o espólio abrange toda a massa patrimonial deixada partindose do pressuposto de conhecimento ainda que não individualizado de seus potenciais titulares 3 ARRECADAÇÃO Ocorrendo a situação do falecimento de alguém sem a existência de testamento ou herdeiros temse a situação fática autorizadora do reconhecimento da herança jacente O Estado com a finalidade de evitar o perecimento do valor representado pelos bens cujo titular se ignora determina a sua arrecadação com o fito de entregar a referida massa patrimonial aos herdeiros que eventualmente demonstrem tal condição E enquanto não surgem herdeiros o curador dado à herança jacente deve providenciar a regularização de ativos e passivos da massa patrimonial Nesse sentido confirase o art 1821 do CC sem equivalente na codificação anterior Art 1821 É assegurado aos credores o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas nos limites das forças da herança E se não aparecerem quaisquer herdeiros É o momento da conversão da herança jacente em vacante conforme preceitua o art 1820 do CC2002 Art 1820 Praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário serão expedidos editais na forma da lei processual e decorrido um ano de sua primeira publicação sem que haja herdeiro habilitado ou penda habilitação será a herança declarada vacante E quais são as consequências de tal conversão Em que consiste efetivamente a herança vacante É o que veremos em seguida 4 HERANÇA VACANTE O conceito de herança vacante tradicionalmente é visto como um sucedâneo da noção de herança jacente De fato considerase vacante a herança que não teve qualquer habilitação de herdeiro seja por ser desconhecido seja porque aqueles de que se têm notícias a ela renunciaram Assim a lógica era somente considerar vacante a herança após o reconhecimento da sua jacência Todavia o vigente Código Civil brasileiro por sua vez inovou a matéria ao estabelecer em seu art 1823 Art 1823 Quando todos os chamados a suceder renunciarem à herança será esta desde logo declarada vacante A inovação é bemvinda A ideia é literalmente economizar tempo Todavia a questão pode se tornar um pouco mais complexa caso venham a surgir outros herdeiros posteriormente à renúncia de todos aqueles conhecidos originalmente É por isso que os conceitos de herança jacente e de herança vacante no sistema brasileiro sempre foram normalmente encarados como fases de uma sequência temporal Vale dizer a vacância somente é reconhecida quando não houve qualquer habilitação de herdeiros para a herança sendo a jacência um estado meramente provisório Decorrido o mencionado interstício um ano na forma do já transcrito art 1820 do CC para o reconhecimento da vacância da herança ou ocorrendo a mencionada situação de reconhecimento imediato da herança vacante art 1821 do CC2002 quais são as consequências para a massa patrimonial sem titular conhecido A matéria está disciplinada no art 1822 do CC Art 1822 A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem mas decorridos cinco anos da abertura da sucessão os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal se localizados nas respectivas circunscrições incorporandose ao domínio da União quando situados em território federal Parágrafo único Não se habilitando até a declaração de vacância os colaterais ficarão excluídos da sucessão Observese que não há uma incorporação imediata dos bens pelo Estado após a declaração de vacância dada a previsão de um lapso temporal de cinco anos a partir da abertura da sucessão para que o domínio público efetivamente se consolide em virtude da ausência de herdeiros conhecidos e habilitados RECURSO ESPECIAL AÇÃO POPULAR ANULAÇÃO DE TESTAMENTO INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA AFASTAMENTO DA MULTA IMPOSTA SÚMULA N 98 1 O art 9º do Regimento Interno do STJ dispõe que a competência das Seções e Turmas é fixada em função da natureza da relação litigiosa No caso não obstante tratarse de ação popular o fato é que a relação em litígio é eminentemente de ordem privada pois litiga se a nulidade de um testamento O interesse da Administração Pública é reflexo em razão da possível conversão da herança em vacante 2 Para que o ato seja sindicável mediante ação popular deve ele ser a um só tempo nulo ou anulável e lesivo ao patrimônio público no qual se incluem os bens e direitos de valor econômico artístico estético histórico ou turístico Com efeito mostrase inviável deduzir em ação popular pretensão com finalidade de mera desconstituição de ato por nulidade ou anulabilidade sendo indispensável a asserção de lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público 3 No caso pretendese a anulação de testamento por suposta fraude sendo que alegadamente a herança tornarseia jacente Daí não decorre todavia nem mesmo em tese uma lesão aos interesses diretos da Administração Isso porque ainda que se prosperasse a alegação de fraude na lavratura do testamento não se teria por si só uma lesão ao patrimônio público porquanto tal provimento apenas teria o condão de propiciar a arrecadação dos bens do falecido com subsequente procedimento de publicações de editais 4 A jacência ao reverso do que pretende demonstrar o recorrente pressupõe a incerteza de herdeiros não percorrendo necessariamente o caminho rumo à vacância tendo em vista que após publicados os editais de convocação podem eventuais herdeiros se apresentarem dandose início ao inventário nos termos dos arts 1819 a 1823 do Código Civil 5 Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório Súmula n 98 6 Recurso especial parcialmente conhecido e na extensão provido STJ REsp 445653RS Recurso Especial 200200705976 Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma j 15102009 DJe 26102009 grifamos Não há notese prejuízo necessário aos herdeiros enquanto não se dá tal incorporação uma vez que ainda podem se habilitar para receber a herança salvo os colaterais que não são herdeiros necessários que ficam na forma do mencionado parágrafo único do art 1822 excluídos da sucessão XCII DA PETIÇÃO DE HERANÇA 1 CONCEITO Por meio da ação de petição de herança o herdeiro pode demandar o reconhecimento do seu status sucessório visando a obter a restituição de toda a herança ou de parte dela contra quem indevidamente a possua Art 1824 O herdeiro pode em ação de petição de herança demandar o reconhecimento de seu direito sucessório para obter a restituição da herança ou de parte dela contra quem na qualidade de herdeiro ou mesmo sem título a possua Acrescentese ainda a teor do art 1825 do CC 75 que a ação de petição de herança petitio hereditatis ainda que exercida por um só dos herdeiros poderá compreender todos os bens hereditários A petição de herança é portanto conceitualmente o meio pelo qual alguém demanda o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro bem como pleiteia a restituição da herança total ou parcialmente em face de quem a possua A expressão qualidade de herdeiro utilizada pelo texto legal deve ser compreendida como todo aquele a quem couber de fato a herança seja herdeiro legítimo testamentário ou mesmo o Estado como sucessor anômalo E qual é a natureza deste instituto É o que veremos no próximo tópico 2 NATUREZA JURÍDICA E OBJETIVOS É preciso compreender bem a natureza jurídica da petição de herança Primeiramente fazse necessário esclarecer que ela não se confunde com a ação de reivindicação Nesse sentido observa ORLANDO GOMES Diferenciamse segundo A Cicu porque a a reivindicatória tem por objeto o reconhecimento do direito de propriedade sobre determinada coisa enquanto a ação de petição de herança visa ao reconhecimento da qualidade de herdeiro da qual pode derivar o reconhecimento de um direito de propriedade de outro direito real de um direito de crédito ou de outro direito pessoal b enquanto na rei vindicatio deve o autor provar não somente que adquiriu a propriedade mas que a houve de quem era proprietário na petitio hereditatis deve o herdeiro provar unicamente seu título de aquisição 76 Não é simples portanto fixar a sua natureza jurídica Isso porque de tudo que já foi dito resta claro em nosso sentir que a petição de herança tem duas finalidades precípuas a o reconhecimento da qualidade do herdeiro demandante b o pedido de restituição da herança Ora se em face do primeiro aspecto é fácil concluir tratarse de um pedido declaratório manejado mediante o exercício de um simples direito potestativo por outro lado a restituição dos bens pressupõe a formulação de uma pretensão mediante a apresentação de um pedido condenatório 77 Ou seja há na petição de herança duas postulações de naturezas distintas que não se confundem embora intimamente ligadas uma de natureza declaratória e outra de natureza condenatória Enquanto a questão não é definitivamente solucionada é possível o pedido de reserva de bens no inventário ou arrolamento para se assegurar o resultado útil da demanda desde que os pressupostos da tutela estejam configurados AGRAVO DE INSTRUMENTO INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA PEDIDO DE RESERVA DE BENS 1 Embora seja possível o pedido de reserva de bens de caráter cautelar ou em sede de antecipação de tutela nos autos de ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança não há elementos que indiquem a verossimilhança das alegações a ponto de autorizar o deferimento da liminar antes mesmo da citação da sucessão 2 Nada impede contudo que a agravante noticie o ajuizamento da investigatória nos autos do inventário postulando o que entender pertinente NEGARAM PROVIMENTO UNÂNIME TJRS AI 70047241260 8ª Câmara Cível Rel Luiz Felipe Brasil Santos j 1942012 3 PRAZO PARA EXERCÍCIO Qual é o prazo para o exercício do direito à petição de herança Esta é uma pergunta extremamente delicada Com efeito a resposta vai depender de qual das finalidades da petição de herança se está falando De fato quando se diz que a petição de herança tem prazo prescricional para o seu exercício estáse referindo em verdade ao seu mais relevante aspecto condenatório de restituição de bens na medida em que por óbvio o mero reconhecimento do status de herdeiro pode ocorrer a qualquer tempo independentemente de prazo Aliás vale a pena relembrar que somente as pretensões próprias de postulações de natureza condenatória prescrevem E nesse contexto concluímos que a teor do que dispõe o art 205 do Código Civil é de dez anos o prazo prescricional para se formular a pretensão de restituição de bens da herança a contar da abertura da sucessão 78 E onde está previsto este prazo De fato é possível em tese sustentar a imprescritibilidade ante a falta de previsão legal específica dada a peculiaridade de objetivo da petição de herança 79 Todavia como visto tendo em vista a postulação de natureza condenatória precípua finalidade da demanda a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade somente seria admissível se houvesse previsão legal específica nesse sentido Assim sendo a hipótese é de aplicação da previsão geral do art 205 do Código Civil equivalente na codificação anterior ao art 177 80 que estabelece que a prescrição ocorre em dez anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor Todavia há ainda uma peculiaridade a ser destacada De fato muitas vezes quando da abertura da herança leiase do falecimento do seu autor os pretensos herdeiros podem ainda ser nascituros exemplificando o indivíduo morre tendo deixado uma mulher grávida ou menores de idade E como se sabe por força do art 198 I do CC contra os absolutamente incapazes não corre prescrição Assim mesmo reconhecendo a existência de um prazo legal para a dedução em juízo da pretensão de petição de herança é preciso ter em mente que o dies a quo poderá ser protraído em face da situação pessoal do pretenso herdeiro Pensamos pois que este prazo começaria a correr quando o herdeiro menor chegasse aos 16 anos completos na medida em que deixaria de ser tecnicamente absolutamente incapaz Nesse sentido comenta com propriedade ADRIANO GODINHO Já quanto ao prazo de prescrição duas são as discussões levadas aos autos a qual o prazo de prescrição aplicável se o do Código de 1916 ou o do diploma atual b a data do início da contagem do prazo b para identificar o termo inicial do prazo prescricional devese verificar em primeiro lugar que o art 198 I do Código Civil de 2002 estabelece que não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes Assim enquanto o menor não completa 16 anos de idade tornandose relativamente incapaz não tem início o decurso do prazo No caso dos autos a herdeira excluída ilegitimamente da herança tornouse relativamente incapaz somente em 2003 sendo esta a data inaugural da contagem do prazo de prescrição Por isso tendo sido a ação de petição de herança manejada em 2008 não se pode mesmo falar em prescrição cabendo à herdeira reivindicar os bens que lhe tocam contra os terceiros que indevidamente os possuem conforme preveem os arts 1824 a 1828 do Código Civil 81 4 LEGITIMIDADE Quem pode ajuizar a petição de herança A resposta em nosso sentir é simples todo potencial herdeiro que se considerar excluído do seu direito sucessório Assim incluemse por exemplo filhos não reconhecidos herdeiros testamentários excluídos da sucessão ou parentes do de cujus excluídos por outros titulares Nesse contexto à luz do princípio da boafé objetiva consideramos um dever do inventariante informar ao juízo acerca da possível existência de outros herdeiros habilitáveis 5 A PETIÇÃO DE HERANÇA E A BOAFÉ O tema ora estudado está intimamente relacionado com a questão da boafé De fato estabelece o art 1826 do CC Art 1826 O possuidor da herança está obrigado à restituição dos bens do acervo fixandoselhe a responsabilidade segundo a sua posse observado o disposto nos arts 1214 a 1222 Parágrafo único A partir da citação a responsabilidade do possuidor se há de aferir pelas regras concernentes à posse de máfé e à mora Antes da propositura de uma ação de petição de herança a presunção juris tantum é de que o possuidor dos bens da herança esteja de boafé A presunção como dito é relativa uma vez que por exemplo poderia este possuidor saber da existência de herdeiro não abrangido pela herança e nada ter informado ao juízo do inventário Por isso aplicarseão a ele as regras da responsabilidade pela posse de boa ou de máfé previstas nos arts 1214 a 1222 do CC A partir da citação porém tal presunção cai por terra devendo o possuidor responder de acordo com as regras referentes à posse de máfé e à mora Na demonstração da importância da boafé nessa situação avulta a figura do herdeiro aparente Tratase de aplicação da teoria da aparência no Direito Sucessório Como vimos o herdeiro aparente é aquele que por ser detentor de bens hereditários faz supor a terceiros que seja o seu legítimo titular quando na verdade não o é Em outras palavras na perspectiva do princípio da boafé e da própria teoria da aparência não podem ser prejudicados aqueles que amparados na legítima expectativa da qualidade de herdeiro firmam com este uma relação negocial juridicamente possível Protegese pois o terceiro de boafé Nesse sentido os arts 1827 e 1828 do Código Civil Art 1827 O herdeiro pode demandar os bens da herança mesmo em poder de terceiros sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos bens alienados Parágrafo único São eficazes as alienações feitas a título oneroso pelo herdeiro aparente a terceiro de boafé Art 1828 O herdeiro aparente que de boafé houver pago um legado não está obrigado a prestar o equivalente ao verdadeiro sucessor ressalvado a este o direito de proceder contra quem o recebeu grifos nossos Notese pois que o terceiro que com o possuidor dos bens hereditários houver travado uma relação jurídica de boafé não poderá ser prejudicado cabendo ao real herdeiro prejudicado exigir do sucessor aparente a eventual compensação devida XCIII SUCESSÃO LEGÍTIMA 1 NOÇÕES CONCEITUAIS A denominada Sucessão Legítima traduz o conjunto de regras que disciplina a transferência patrimonial post mortem sem a incidência de um testamento válido Nos termos do Código Civil morrendo a pessoa sem testamento transmite a herança aos herdeiros legítimos o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar ou for julgado nulo art 1788 do CC 2 DISCIPLINA JURÍDICA POSITIVADA DA SUCESSÃO LEGÍTIMA Antes de adentrarmos no núcleo desta apaixonante temática algumas outras considerações porém devem ser feitas para a sua completa e abrangente compreensão 21 Considerações gerais e regras fundamentais Se as regras da Sucessão Legítima existem para a preservação da parte indisponível da herança prestigiandose alguns dos herdeiros não se pode negar que o estabelecimento de uma ordem de vocação hereditária tem por finalidade também permitir a transmissibilidade do patrimônio do falecido especialmente para os casos em que ele não manifestou de forma prévia a sua vontade sobre o sentido do direcionamento daqueles bens Por isso a própria lei cuida de imprimir destinação ao patrimônio segundo uma suposta vontade presumível do autor da herança Nesse contexto é muito importante frisarmos que é característica básica do sistema a regra segundo a qual o sucessor mais próximo exclui o mais remoto Ainda a título introdutório é importante frisar a mudança por que passou o sistema quando da revogação do Código de 1916 e consequente entrada em vigor da Lei de 2002 Até então o sistema de Sucessão Legítima a par de bastante simplificado conferia uma tutela tênue ao cônjuge sobrevivente Vale dizer com a morte do autor da herança a transmissibilidade dos bens era linear sem a existência de eventual direito concorrencial na seguinte ordem a descendente b ascendente c cônjuge d colateral Destaquese que ao companheirao sobrevivente por sua vez também foi contempladao na terceira classe de sucessores a partir da vigência da Lei n 8971 de 1994 Em suma a ordem de transmissibilidade patrimonial era de simples intelecção com prioridade do descendente Ao cônjuge e à companheira ou companheiro reservarase a terceira classe sucessória a par de lhe haverem sido conferidos certos direitos sucessórios indiretos ou paralelos a exemplo do usufruto vidual e do direito real de habitação que serão analisados em subtópicos posteriores Críticas eram feitas a esse sistema desde a primeira codificação brasileira sob o argumento de que o direito do cônjuge não estaria suficientemente preservado impondose uma reforma que melhor contemplasse a sua situação e aperfeiçoasse a sua tutela Nesse sentido vejase o testemunho histórico de CLÓVIS BEVILÁQUA Entre marido e mulher não existe parentesco que sirva de base a um direito hereditário recíproco Um elo mais forte porém os une em sociedade tão íntima pela comunhão de afetos de interesses de esforços de preocupações em vista da prole engendrada por ambos que se não pode recusar a necessidade de lhes ser garantido um direito sucessório somente equiparável ao dos filhos e ao dos pais Ou se tenha em atenção para determinar o direito hereditário ab intestato o amor presumido do de cujus ou a solidariedade da família a situação do cônjuge supérstite apresentase sob aspectos dos mais vantajosos E relembrando que a fortuna do marido encontra na sábia economia da mulher um poderoso elemento de conservação e desenvolvimento que é muitas vezes para cercar uma esposa amada de conforto e de gozos que o homem luta e vence no conflito vital e ainda que a equidade seria gravemente golpeada em muitas circunstâncias se o cônjuge fosse preferido por um parente longínquo os legisladores modernos têm procurado reagir contra o sistema ilógico e injusto da exclusão total ou quase total do cônjuge sobrevivo em face da herança do cônjuge prémorto 82 E coube ao codificador de 2002 atender a esses reclamos Isso porque o tratamento jurídico sucessório do cônjuge supérstite fora vigorosamente ampliado reconhecendose no texto codificado a sua condição de herdeiro necessário e concorrente com os descendentes e ascendentes O mesmo elogio à atual codificação todavia não pode ser dito em relação ao tratamento sucessório dao companheirao que conforme veremos em momento oportuno sofreu um inegável maltrato legislativo Com efeito o casamento passou a conferir um status sucessório até então inexistente Àao viúvao outrora casadao não apenas se manteve um importante direito sucessório paralelo direito real de habitação como também a par de ser erigidao à categoria de herdeiro necessário passou a concorrer com os sucessores das classes anteriores ascendentes e descendentes em uma clara mitigação da tradicional regra acima mencionada segundo a qual o herdeiro mais próximo excluiria o mais remoto Uma verdadeira revolução em nosso sistema Por outro lado conforme ainda veremos o direito conferido ao cônjuge de concorrer com os descendentes dependerá da prévia análise do regime de bens que fora adotado Ou seja ao analisarmos o inventário ou o arrolamento em que haja cônjuge sobrevivente viúva ou viúvo a concorrer com descendentes comuns ou exclusivos do de cujus afigurase indispensável a análise do regime de bens adotado 22 Sucessão pelo descendente A sucessão pelo descendente no Código Civil de 1916 era extremamente simplificada na medida em que o seu art 1603 com dicção direta deferia a herança à primeira classe de herdeiros sem que houvesse direito concorrencial de nenhum outro sucessor 83 Ocorre que como anunciado linhas acima o codificador de 2002 alterou sobremaneira a matéria ao deferir ao cônjuge sobrevivente a depender do regime de bens adotado direito de concorrer com o descendente na herança do falecido Em outras palavras posto o descendente permaneça na primeira classe sucessória ao viúvao sobrevivente poderá com ele concorrer nos termos do ainda polêmico inciso I do art 1829 do Código Civil Art 1829 A sucessão legítima deferese na ordem seguinte I aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória de bens art 1640 parágrafo único ou se no regime da comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares Da sua leitura podemos concluir o seguinte Falecido o autor da herança esta será deferida aos seus descendentes primeira classe sucessória 84 respeitada a regra segundo a qual o parente mais próximo exclui o mais remoto4 A questão porém não é mais tão simples como outrora pois é preciso verificar se haverá a concorrência doa cônjuge em relação ao descendente nos termos do referido inciso I do art 1829 85 Nos termos desse dispositivo legal havendo cônjuge sobrevivente viúva ou viúvo este NÃO terá direito de concorrer com o descendente se o regime de bens adotado foi de a comunhão universal b separação obrigatória 86 ou c comunhão parcial se o autor da herança NÃO deixou bens particulares Por outro lado haverá SIM direito de concorrer com o descendente se o regime de bens adotado foi de a participação final nos aquestos b separação convencional ou c comunhão parcial se o autor da herança deixou bens particulares A proibição da concorrência sucessória quando o regime de bens adotado houvesse sido o da comunhão universal ou da separação obrigatória é facilmente explicada No primeiro caso entendeu o legislador que a opção pela comunhão total já conferiria ao sobrevivente o amparo material necessário em virtude das regras atinentes ao próprio direito de meação 87 No segundo caso a contrario sensu uma vez que a própria lei instituiu uma forçada separação patrimonial sentido não haveria em se deferir uma comunhão de bens após a morte No caso da comunhão parcial todavia a compreensão da proibição concorrencial não é tão simples assim Por isso mesmo a matéria enseja uma explicação mais minuciosa o que será feito no próximo subtópico 221 Correntes explicativas da concorrência do descendente com o cônjuge sobrevivente no regime da comunhão parcial A norma legal proíbe que o cônjuge sobrevivente que fora casado sob o regime de comunhão parcial de bens concorra com os descendentes na herança caso o falecido NÃO haja deixado bens particulares Tratase da regra do duplo não se NÃO deixou bens particulares concorrência NÃO haverá Em outras palavras sem prejuízo do seu direito próprio de meação ao viúvao terá direito concorrencial em face dos descendentes quanto aos bens particulares deixados pelo falecido quando o regime adotado houver sido o da comunhão parcial de bens Nesse sentido GISELDA HIRONAKA ensina O primeiro destes pressupostos exigidos pela lei é o do regime matrimonial de bens Bem por isso o inc I do art 1829 anteriormente reproduzido faz depender a vocação do cônjuge supérstite do regime de bens escolhido pelo casal quando de sua união uma vez que o legislador enxerga nessa escolha uma demonstração prévia dos cônjuges no sentido de permitir ou não a confusão patrimonial e em que profundidade querem ver operada tal confusão Assim não será chamado a herdar o cônjuge sobrevivo se casado com o falecido pelo regime da comunhão universal de bens arts 1667 a 1671 do atual Código Civil ou pelo regime da separação obrigatória de bens arts 1687 e 1688 combinado com o art 1641 Por fim aqueles casais que tendo silenciado quando do momento da celebração do casamento optaram de forma implícita pelo regime da comunhão parcial de bens fazem jus à meação dos bens comuns da família como se de comunhão universal se tratasse mas passam agora a participar da sucessão do cônjuge falecido na porção dos bens particulares deste 88 De acordo com a lógica linha de raciocínio a teor do critério escolhido pelo legislador no sentido de que cônjuge sobrevivente que fora casado em regime de comunhão parcial somente terá direito concorrencial quando o falecido houver deixado bens particulares é forçoso convir que tal direito incidirá apenas sobre essa parcela de bens Mesmo que mantenhamos certa reserva crítica quanto à opção legislativa na medida em que em geral os casais constroem seu patrimônio conjuntamente somente após a união conjugal resultando muito pouco na categoria de bens particulares o fato é que a interpretação da norma sob comento tal como redigida conduznos à conclusão de que o direito concorrencial reconhecido ao cônjuge sobrevivente limitase de fato ao âmbito dos bens exclusivos do falecido Mas a matéria não é pacífica como anota ZENO VELOSO Mas não é pacífico nem unânime o parecer de que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime da comunhão parcial só irá concorrer com os descendentes quanto aos bens particulares alertese de passagem que poucos temas são tranquilos no direito sucessório dos cônjuges Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 22 ed São Paulo Saraiva v 6 p 122 adverte que se trata de uma questão polêmica e enuncia que na concorrência com descendente se o regime de bens foi o da comunhão parcial não se devem considerar apenas os bens particulares do falecido mas todo o acervo hereditário porque a lei não diz que a herança do cônjuge só recai sobre os bens particulares do de cujus e para atender ao princípio da operabilidade tornando mais fácil o cálculo para a partilha da parte cabível a cada herdeiro Além disso acrescenta a herança é indivisível deferindose como um todo unitário ainda que vários sejam os herdeiros CC art 1791 e parágrafo único Entendem igualmente que nesse caso a concorrência do cônjuge com os descendentes envolve os bens particulares e os comuns Guilherme Calmon Nogueira da Gama Inácio de Carvalho Neto Luiz Paulo Vieira de Carvalho e Mario Roberto Carvalho de Faria segundo levantamento feito por Francisco José Cahali Direito das Sucessões 3 ed com Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka São Paulo Revista dos Tribunais 2007 n 94 p 189 89 Em um primeiro momento de fato seguíamos a linha de pensamento segundo a qual ao cônjuge sobrevivente assistiria o direito de concorrer com os descendentes em face de toda a herança E como dito acima ponderáveis argumentos há nesse sentido Dentre eles destacamos o fato de a restrição aos bens particulares poder esvaziar completamente a norma na medida em que na maioria das vezes os casais brasileiros somente amealham patrimônio ao longo da própria união conjugal formando uma massa comum de bens Além disso não se pode desprezar a circunstância de que tal limitação não existe nem em face dao companheirao viúvao a teor do tão criticado art 1790 do Código Civil de 2002 Entretanto após detida ponderação concluímos que mais acertada é a interpretação limitativa do direito sucessório do cônjuge O legislador não poderia fazer uma inócua referência à expressão bens particulares se não pretendesse em verdade com isso limitar o direito concorrencial do cônjuge a essa categoria de bens Tratase de uma interpretação lógica e razoável Ademais o direito próprio de meação em face do patrimônio comum já garantiria justo amparo à viúva em face dos bens construídos ou havidos conjuntamente ao longo do matrimônio Por isso posicionamonos junto aos autores 90 que entendem haver direito concorrencial dao viúvao que fora casadao em regime de comunhão parcial de bens somente quanto aos bens particulares deixados pelo falecido O Enunciado n 270 da III Jornada de Direito Civil postulado de doutrina aponta na mesma direção ao dispor que O art 1829 inc I só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos o falecido possuísse bens particulares hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens devendo os bens comuns meação ser partilhados exclusivamente entre os descendentes Filiamonos nesse contexto à linha de pensamento segundo a qual o direito concorrencial do cônjuge sobrevivente que fora casado em regime de comunhão parcial de bens limitase aos bens particulares deixados pelo autor da herança Tratase de posicionamento que se consolidou no Superior Tribunal de Justiça Seção uniformiza entendimento sobre sucessão em regime de comunhão parcial de bens O cônjuge sobrevivente casado sob o regime da comunhão parcial de bens concorre com os descendentes na sucessão do falecido apenas quanto aos bens particulares que este houver deixado se existirem Esse é o entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça STJ em julgamento de recurso que discutiu a interpretação da parte final do inciso I do artigo 1829 do Código Civil CC de 2002 A decisão confirma o Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil organizada pelo Conselho da Justiça Federal CJF e pacifica o entendimento entre a Terceira e a Quarta Turma que julgam matéria dessa natureza O enunciado afirma que o artigo 1829 I do CC02 só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos o falecido possuísse bens particulares hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens devendo os bens comuns meação serem partilhados exclusivamente entre os descendentes Segundo o ministro Raul Araújo que ficou responsável por lavrar o acórdão o CC2002 modificou a ordem de vocação hereditária incluindo o cônjuge como herdeiro necessário passando a concorrer em igualdade de condições com os descendentes do falecido Embora haja essa prerrogativa a melhor interpretação da parte final desse artigo segundo o ministro no que tange ao regime de comunhão parcial de bens não pode resultar em situação de descompasso com a que teria o mesmo cônjuge sobrevivente na ausência de bens particulares do falecido 91 Nesse contexto afinal uma pergunta se impõe o que se deve entender por bens particulares É o que enfrentaremos no próximo subtópico 222 Compreensão da expressão bens particulares para efeito de concorrência do cônjuge sobrevivente com o descendente Afinal o que significa a expressão bens particulares para efeito de concorrência do cônjuge sobrevivente que fora casado no regime de comunhão parcial de bens A sua definição em nosso sentir não é revestida de grande complexidade Ao menos em teoria Reputamse particulares os bens integrantes do patrimônio exclusivo de cada cônjuge tais como os bens que cada cônjuge possuir ao casar e os que lhe sobrevierem na constância do casamento por doação ou sucessão e os subrogados em seu lugar os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em subrogação dos bens particulares as obrigações anteriores ao casamento as obrigações provenientes de atos ilícitos salvo reversão em proveito do casal os bens de uso pessoal os livros e instrumentos de profissão os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge as pensões meiossoldos montepios e outras rendas semelhantes e ainda todos os bens cuja aquisição tiver por título causa anterior ao casamento arts 1659 e 1661 do CC Mas na prática não é tão simples assim Tomemos como exemplo a previsão legal segundo a qual os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge art 1659 VI não entram na comunhão parcial ou seja são bens exclusivos Por provento entendase toda e qualquer retribuição devida por conta do trabalho pessoal do marido ou da mulher Ao estabelecer a incomunicabilidade dos proventos o legislador firma a regra segundo a qual o direito que cada cônjuge tem ao seu salário ou à retribuição em geral integra o seu patrimônio pessoal e exclusivo Nessa linha de intelecção dissolvido o casamento por exemplo o direito que o marido tem de perceber mês a mês o salário pago pelo seu empregador não integrará o acordo de partilha Tratase de direito pessoal e exclusivo E notese que o eventual pagamento de pensão alimentícia incidente no salário amparase em outras bases nada tendo que ver com exercício de direito de meação Direito ao salário portanto ou a qualquer outra retribuição não integra divisão de bens Advertimos todavia que os bens comprados com esses valores por seu turno são partilháveis por conta da regra geral que determina na comunhão parcial a divisão dos bens adquiridos onerosamente por um ou ambos os cônjuges o salário que recebo da empresa em que trabalho é meu todavia o carro que eu compro com ele no curso do casamento pertencerá por metade à minha esposa É assim que opera o regime de comunhão parcial de bens E caso o valor do salário ou da retribuição seja aplicado em poupança previdência privada ações ou outro fundo de investimento os rendimentos ou dividendos a partir daí gerados são consequentemente comunicáveis Importante ponto da matéria todavia merece ser destacado A despeito de a regra ser clara quanto à incomunicabilidade dos proventos pessoais de cada cônjuge existe entendimento no Superior Tribunal de Justiça de matiz contra legem no sentido de admitir tanto na comunhão parcial como na universal a divisão de crédito trabalhista Na letra fria da lei tal julgado como vimos não encontraria respaldo Todavia partindo de uma concepção ampla do conceito de patrimônio comum o ilustre Ministro Relator RUY ROSADO DE AGUIAR entendeu ao julgar o REsp 421801RS que para a maioria dos casais brasileiros os bens se resumem à renda mensal familiar Se tais rendas forem tiradas da comunhão esse regime praticamente desaparece Cuidase de entendimento polêmico reafirmado em mais de uma oportunidade pelo egrégio Tribunal Verba decorrente de reclamação trabalhista Integração na comunhão Regime da comunhão parcial Disciplina do Código Civil anterior 1 Já decidiu a Segunda Seção que integra a comunhão a indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos durante o tempo de casamento sob o regime da comunhão universal EREsp n 421801RS Relator para acórdão o Ministro Cesar Asfor Rocha DJ de 171204 Não há motivo para excepcionar o regime da comunhão parcial considerando o disposto no art 271 do Código Civil anterior 2 Recurso especial conhecido e provido REsp 810708RS Rel Min Carlos Alberto Menezes Direito 3ª Turma j 1532007 DJ 24 2007 p 268 E ainda Direito civil e família Recurso especial Ação de divórcio Partilha dos direitos trabalhistas Regime de comunhão parcial de bens Possibilidade Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens é devida a meação das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente durante a constância do casamento As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só devem ser excluídas da comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido pleiteado após a separação do casal Recurso especial conhecido e provido REsp 646529SP Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma j 2162005 DJ 2282005 p 266 Créditos trabalhistas depositados em conta em nome do falecido portanto segundo a letra da lei integrariam patrimônio exclusivo sobre o qual incidiria eventual direito sucessório do cônjuge sobrevivente casado em comunhão parcial de bens a teor do art 1829 I Todavia seguindose o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça pelo qual tais valores consistiriam em patrimônio comum a despeito do direito à meação não assistiria direito sucessório algum Tudo dependeria portanto da premissa da qual se parta Além disso revestese de grande dificuldade a apuração dos bens móveis exclusivos do falecido na medida em que por serem em geral desprovidos de registro diferentemente dos imóveis podem gerar dúvida quanto à sua titularidade quando desacompanhados de documentos comprobatórios da sua propriedade E toda a análise precisará ser feita no bojo do inventário ou do arrolamento na medida em que o direito sucessório do cônjuge sobrevivente que fora casado no regime da comunhão parcial deve limitarse aos bens exclusivos deixados pelo falecido 223 Concorrência do descendente com o cônjuge sobrevivente no regime da separação convencional de bens Outro delicado problema diz respeito ao direito concorrencial quando os cônjuges houverem sido casados pelo regime da separação convencional de bens Conforme mencionamos nos termos do inciso I do art 1829 direito concorrencial do cônjuge sobrevivente também haverá se fora casado no regime de separação convencional de bens Note a peculiaridade amigo leitor o descendente herdará menos se ao viúvao do seu falecido pai ou mãe que não necessariamente será também sua genitora ou genitor houver sido casado em separação convencional de bens Vale dizer se João e Maria optaram por se unir matrimonialmente segundo o regime de separação convencional com a morte de qualquer deles os filhos do falecido suportarão a concorrência da viúva ou viúvo que conforme dito não necessariamente é o seu pai ou a sua mãe E isso soa muito estranho pois se optaram por uma completa separação patrimonial durante toda a vida não teria sentido estabelecer uma comunhão forçada com os herdeiros do falecido após a morte E se os sucessores forem descendentes exclusivos do falecido a situação ganha contornos mais absurdos ainda Se já é difícil para nós bacharéis em Direito compreendermos essa situação violadora do bom senso imaginese para o brasileiro que não detenha conhecimento técnicojurídico Sentido algum há no direito concorrencial do cônjuge supérstite quando foi adotado ao longo de toda uma vida em comum o regime de separação convencional de bens 92 É bem verdade que nesse ponto o Superior Tribunal de Justiça tentou contornar o absurdo da concorrência de direito sucessório da viúvao que fora casadao em separação convencional sob o argumento de que o regime da separação obrigatória seria um gênero que abrangeria também o da separação convencional e que por isso dada a exclusão do direito daquele casado no regime obrigatório a mesma ressalva incidiria em face daqueles que optaram mediante pacto antenupcial pelo regime convencional Direito civil Família e Sucessões Recurso especial Inventário e partilha Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública Interpretação do art 1829 I do CC2002 Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido Não ocorrência Impositiva a análise do art 1829 I do CC2002 dentro do contexto do sistema jurídico interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma marcadamente a dignidade da pessoa humana que se espraia no plano da livre manifestação da vontade humana por meio da autonomia da vontade da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade bem como da confiança legítima da qual brota a boafé a eticidade por fim vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica Até o advento da Lei n 651577 Lei do Divórcio vigeu no Direito brasileiro como regime legal de bens o da comunhão universal no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal a partir da vigência da Lei do Divórcio contudo o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial o que foi referendado pelo art 1640 do CC2002 Preservase o regime da comunhão parcial de bens de acordo com o postulado da autodeterminação ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação além da concorrência hereditária sobre os bens comuns mesmo que haja bens particulares os quais em qualquer hipótese são partilhados unicamente entre os descendentes O regime de separação obrigatória de bens previsto no art 1829 inc I do CC2002 é gênero que congrega duas espécies i separação legal ii separação convencional Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes e ambas obrigam os cônjuges uma vez estipulado o regime de separação de bens à sua observância Não remanesce para o cônjuge casado mediante separação de bens direito à meação tampouco à concorrência sucessória respeitandose o regime de bens estipulado que obriga as partes na vida e na morte Nos dois casos portanto o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário Entendimento em sentido diverso suscitaria clara antinomia entre os arts 1829 inc I e 1687 do CC2002 o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada e provocaria a morte do regime de separação de bens Por isso deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos No processo analisado a situação fática vivenciada pelo casal declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal é a seguinte i não houve longa convivência mas um casamento que durou meses mais especificamente 10 meses ii quando desse segundo casamento o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante iii os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação convencional optando por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento inclusive frutos e rendimentos A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens prevista pelo Direito Patrimonial de Família não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões porque o fenômeno sucessório traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida Tratase pois de um ato de liberdade conjuntamente exercido ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e se não requereu a alteração do regime estipulado não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente quando seria livre e lícita qualquer dessas providências não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário concorrendo com os descendentes sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado Haveria induvidosamente em tais situações a alteração do regime matrimonial de bens post mortem ou seja com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança patrimônio ao qual recusou quando do pacto antenupcial por vontade própria Por fim cumpre invocar a boafé objetiva como exigência de lealdade e honestidade na conduta das partes no sentido de que o cônjuge sobrevivente após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade não pode dela se esquivar e por conseguinte arvorarse em direito do qual solenemente declinou ao estipular no processo de habilitação para o casamento conjuntamente com o autor da herança o regime de separação convencional de bens em pacto antenupcial por escritura pública O princípio da exclusividade que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar robustece a única interpretação viável do art 1829 inc I do CC2002 em consonância com o art 1687 do mesmo código que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade Recurso especial provido Pedido cautelar incidental julgado prejudicado STJ 3ª Turma REsp 992749MS Rel Min Nancy Andrighi j 1º122009 DJe 52 2010 grifos nossos Tratase de uma argumentação bemintencionada que busca sanar a incoerência legislativa mas que data venia não se afigura a mais adequada Com efeito não há sentido em considerar obrigatório o regime da separação convencional aquele em que a separação de bens é livremente escolhida pelo simples fato de se tratar de um regime de bens previsto por lei O fato de a separação convencional obrigar os cônjuges após a sua adoção não retira a sua natureza negocial traduzida no pacto pela óbvia circunstância de que todo negócio jurídico deverá vincular as partes pactuantes Isso é consequência imediata do princípio do pacta sunt servanda Confundir portanto a separação obrigatória prevista em caso de incidência de uma das hipóteses previstas no art 1641 a exemplo do descumprimento de causa suspensiva do casamento com a separação convencional subverte por completo a lógica do sistema Em síntese a separação convencional é sem sombra de dúvida um regime de bens completamente diferente do da separação obrigatória e com este não pode ser confundido Aliás pelo simples fato de ser escolhido livremente pelas próprias partes por meio do pacto antenupcial jamais poderia ser intitulado de obrigatório É como se rotulássemos igualmente recipientes com conteúdos completamente distintos Ora se a norma contida no inciso I do art 1829 é infeliz dada a contradição acima apontada busquemos outros caminhos hermenêuticos para permitir a sua aplicação possível mas não utilizemos um argumento desse teor por conta da sua completa impossibilidade jurídica Com isso não deixamos de louvar a bela intenção do julgado que pretende contornar o absurdo legislativo de se permitir concorrência sucessória em favor de quem ao longo de toda uma vida optou por uma completa separação patrimonial 93 Mas por outro lado isso não nos conduz a aceitar linha argumentativa exposta que categoriza como legal um regime livremente convencionado mediante a celebração de um negócio jurídico Em nosso sentir o afastamento da norma poderia se dar na perspectiva da sua própria inconstitucionalidade O art 5º XXX da Constituição Federal erige à categoria de direito fundamental o direito à herança Tratase portanto de um direito inserido no rol de cláusulas pétreas revestido de uma juridicidade superior Esse argumento por si só já serviria para afastar a validade jurídica de uma norma infraconstitucional que pretendesse em grave afronta ao postulado da razoabilidade e à própria vontade presumível do falecido adstringir o direito conferido aos seus sucessores Não poderia pois o legislador a ferro e fogo aniquilar a autonomia privada manifestada pelo falecido ao longo de toda uma vida Em outras palavras afigurase como um duro golpe ao princípio da vedação ao retrocesso norma posterior que admita uma atípica comunhão patrimonial post mortem em franco desrespeito ao direito constitucional à herança Compreendida a sucessão pelo descendente e todas as intrincadas repercussões acarretadas pela nova disciplina codificada passemos a dissertar sobre o tema da sucessão pelo ascendente 23 Sucessão pelo ascendente Bem mais simples é o regramento da sucessão pelo ascendente o segundo na ordem de vocação hereditária Vale a pena nesse ponto passarmos em revista algumas noções acerca do parentesco em linha reta para o adequado entendimento da norma prevista no inciso II do art 1829 do Código Civil ora estudada Tradicionalmente os vínculos de consanguinidade geram o que se convencionou chamar de parentesco natural No dizer de BEVILÁQUA O parentesco criado pela natureza é sempre a cognação ou consanguinidade porque é a união produzida pelo mesmo sangue O vínculo do parentesco estabelecese por linhas Linha é a série de pessoas provindas por filiação de um antepassado É a irradiação das relações consanguíneas 94 Entretanto ainda que tradicionalmente o parentesco natural toque a consanguinidade a relação parental em linha reta pode perfeitamente aplicarse ao vínculo familiar parental não consanguíneo como se dá no caso da filiação adotiva Afinal alguém negaria que o pai do adotado é seu parente em linha reta em 1º grau Este portanto é à luz do princípio da afetividade matriz do conceito de família o melhor entendimento porquanto não hierarquiza os vínculos de família no mero pressuposto da consanguinidade O parentesco em linha reta está previsto expressamente no art 1591 do CC Art 1591 São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes Verticalmente parentes consanguíneos em linha reta descendem uns dos outros sem limitação de graus netofilhopaiavô etc Assim cada linha é subdividida em graus de maneira que dada a proximidade o pai 1º grau é parente mais próximo do que o avô 2º grau Subindo ou descendo não importa os indivíduos serão considerados parentes em linha reta ad infinitum Estudamos anteriormente o direito sucessório dos descendentes do falecido filhos netos bisnetos etc e agora cuidaremos dos seus ascendentes pais avós bisavós etc Nesse contexto partimos da premissa de que não existindo descendentes 1ª classe sucessória a herança será deferida aos ascendentes independentemente do grau de parentesco que o sucedido mantinha com esse parente na linha reta respeitada a regra de que o parente mais próximo o pai por exemplo exclui o mais remoto o avô Art 1836 Na falta de descendentes são chamados à sucessão os ascendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente 1º Na classe dos ascendentes o grau mais próximo exclui o mais remoto sem distinção de linhas Assim por exemplo se Joaquim falece não deixando descendentes a sua herança segundo as regras da sucessão legítima deverá ser deferida aos seus ascendentes vivos preferindose o pai vivo ao avô haja vista que o parente mais próximo como dito exclui o mais remoto 95 Vale lembrar nesse ponto que na linha ascendente contrariamente ao que ocorre na descendente não existe direito de representação Por fim devemos salientar que o cônjuge sobrevivente a viúva ou viúvo concorrerá com o herdeiro ascendente independentemente do regime de bens adotado diferentemente do que ocorre como vimos acima quando a concorrência se dá em face de descendentes do de cujus Em tal caso concorrendo com ascendente em primeiro grau o pai ou a mãe do falecido ao cônjuge tocará um terço da herança 13 caberlheá a metade 12 desta todavia se houver um só ascendente vivo ou se maior for aquele grau concorrendo com os avós por exemplo Tal regra positivada no art 1837 96 do Código Civil é na sua parte inicial de clara obviedade se a intenção foi dar uma equanimidade aritmética uma vez que concorrendo com um ou dois ascendentes a divisão por dois ou três lhe garantirá exatamente o percentual definido O diferencial está apenas quando concorrer com ascendentes de grau superior pois aí sim ficará garantida metade da herança dividindose o remanescente entre os demais imaginese por exemplo que haja quatro avós sobreviventes Neste caso o cônjuge ficará com metade cabendo aos avós partilharem o restante Entendida a sucessão pelo ascendente passemos a enfrentar a sucessão pelo cônjuge 24 Sucessão pelo cônjuge O Código Civil de 1916 não atribuía ao cônjuge viúvo o status que a vigente lei lhe confere No regramento anterior pois o consorte sobrevivente não era considerado herdeiro necessário nem muito menos era detentor de direito concorrencial em face de ascendentes ou descendentes como se dá na vigente normatização conforme vimos nos tópicos anteriores Talvez por isso como forma de compensar a pouca amplitude da sua tutela a legislação pretérita houvesse consagrado em favor dao viúvao direitos sucessórios paralelos o usufruto vidual e o direito real de habitação Por isso mesmo antes de enfrentar a compreensão da efetiva disciplina da sucessão pelo cônjuge parecenos fundamental compreender cada um desses direitos Vamos a eles 241 O usufruto vidual O usufruto vidual 97 foi consagrado pela Lei n 4121 de 1962 Estatuto da Mulher Casada mediante alteração do art 1611 do Código de 1916 que passou a ter a seguinte redação 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal terá direito enquanto durar a viuvez ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido se houver filho deste ou do casal e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus Tratavase pois de um usufruto concedido ao cônjuge sobrevivente que houvesse sido casado sob regime que não fosse o de comunhão universal enquanto durasse a sua viuvez incidente sobre 25 dos bens do falecido se houvesse prole comum ou exclusiva ou sobre 50 da herança se não houvesse filhos ainda que existissem ascendentes 98 A par de se fundamentar na relação matrimonial que unia o cônjuge ao falecido tratavase em essência de um direito real na coisa alheia que deveria pois observar as suas pertinentes prescrições legais conforme inclusive já decidido pelo STJ CIVIL E COMERCIAL RECURSO ESPECIAL SOCIEDADE ANÔNIMA AÇÕES USUFRUTO VIDUAL EXTENSÃO DIREITO DE VOTO 1 Os embargos declaratórios têm como objetivo sanar eventual obscuridade contradição ou omissão existente na decisão recorrida Inexiste ofensa ao art 535 do CPC quando o Tribunal de origem pronunciase de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos assentandose em fundamentos suficientes para embasar a decisão como ocorrido na espécie 2 O instituto do usufruto vidual tem como finalidade precípua a proteção ao cônjuge supérstite 3 Não obstante suas finalidades específicas e sua origem legal direito de família em contraposição ao usufruto convencional o usufruto vidual é direito real e deve observar a disciplina geral do instituto tratada nos arts 713 e seguintes do CC16 bem como as demais disposições legais que a ele fazem referência 4 O nuproprietário permanece acionista inobstante o usufruto e sofre os efeitos das decisões tomadas nas assembleias em que o direito de voto é exercido 5 Ao usufrutuário também compete a administração das ações e a fiscalização das atividades da empresa mas essas atividades podem ser exercidas sem que obrigatoriamente exista o direito de voto até porque o direito de voto sequer está inserido no rol de direitos essenciais do acionista tratados no art 109 da Lei 640476 6 O art 114 da Lei 640476 não faz nenhuma distinção entre o usufruto de origem legal e aquele de origem convencional quando exige o consenso entre as partes nuproprietário e usufrutuário para o exercício do direito de voto 7 Recurso especial desprovido REsp 1169202SP Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma j 2092011 DJe 2792011 Por incidir em uma fração da herança concluíase facilmente tratarse de instituto de aplicação tormentosa Mormente nas situações em que não houvesse bom e cordial relacionamento entre a viúva ou viúvo e os demais herdeiros a apuração dos bens que seriam objeto desse direito real não se afigurava como tarefa fácil 99 Em atitude louvável o codificador de 2002 extinguiu o usufruto vidual certamente por levar em conta a dificuldade de sua aplicação e também a ampliação do âmbito de tutela do cônjuge sobrevivente mantendo apenas o direito real de habitação Nesse sentido preleciona ROLF MADALENO Não é preciso muito esforço para detectar a fileira de problemas causados pela concessão judicial indistinta do usufruto vidual Começa que bloqueia a livre disposição dos bens herdados que ficam presos pelo usufruto que se estende sobre a generalidade dos bens deixados de herança Sempre foi muito discutido o caráter alimentar do usufruto vidual permitindo sua dispensa quando o viúvo recebesse bens considerados suficientes para garantir a sua subsistência pessoal Discutiuse a possibilidade de concentração do usufruto num único ou em bens certos previamente definidos de modo a não causar o usual embaraço dos herdeiros que veem seus bens hereditários vitaliciamente vinculados ao cônjuge credor do usufruto vidual E principalmente discutiuse a completa irracionalidade de estender o usufruto vidual a bens que não tivessem a sua aquisição ligada ao casamento ou à união estável gerando imensuráveis prejuízos e incontáveis injustiças criadas de breve relações de concubinato de poucas luas e poucos bens mas que conferiam à companheira viúva o usufruto sobre toda a herança do falecido incidindo sobre bens que não foram adquiridos na constância da união Têm sido causados constrangimentos para os descendentes que devem por lei garantir o usufruto para o cônjuge ou concubino sobrevivente muito embora os bens tivessem sido adquiridos antes da união talvez pela primeira esposa do sucedido e talvez genitora dos herdeiros descendentes constrangidos a garantirem o usufruto da segunda mulher de seu pai Para tranquilidade dos operadores do direito sucessório o novo Código Civil acertadamente mantém apenas o direito real de habitação e extirpa o usufruto vidual que se compensa com a inclusão do supérstite na ordem necessária de vocação hereditária 100 E em que consiste o direito real de habitação É o que veremos em seguida 242 Direito real de habitação O direito real de habitação previsto originalmente no 2º do art 1611 do Código Civil brasileiro de 1916 101 permaneceu consagrado como dito em nosso novo sistema codificado Em verdade vale registrar que a Lei n 9278 de 1996 ao disciplinar importantes aspectos da união estável também previu o instituto mais precisamente no parágrafo único do seu art 7º Art 7º Dissolvida a união estável por rescisão a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar a título de alimentos Parágrafo único Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes o sobrevivente terá direito real de habitação enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento relativamente ao imóvel destinado à residência da família Nessa vereda o art 1831 do vigente Código Civil assegura ao cônjuge sobrevivente qualquer que seja o regime de bens sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família desde que seja o único daquela natureza a inventariar A norma é bemintencionada Pretendese com isso na perspectiva do direito constitucional à moradia art 6º da CF impedir que a viúva ou viúvo mormente aquele de idade mais avançada seja alijado do único imóvel integrante do monte partível em que residiu durante toda uma vida com o falecido Se o direito sucessório paralelo não existisse havendo outros herdeiros o bem seria partilhado e certamente salvo acordo entre os próprios interessados culminaria por ser alienado repartindose a receita gerada e por consequência desalojandose a viúva ou viúvo que lá residia Diferença fundamental há entre a vigente norma do Código Civil e a sua correspondente regra na lei revogada Isso porque no Código de 1916 o direito real posto existisse conforme se lê no referido 2º do art 1611 sofria uma limitação legal na medida em que a viúva ou viúvo somente poderia exercêlo se fosse casadao sob o regime da comunhão universal Corretamente em nosso sentir o codificador de 2002 suprimiu a referência ao regime da comunhão universal para consagrar o benefício a todo cônjuge sobrevivente nos termos do referido art 1831 qualquer que fosse o regime de bens Ora se o fundamento da norma é a garantia maior de índole constitucional de resguardo do próprio direito à moradia sentido não haveria em condicionálo a determinado regime de bens 102 E por óbvio dispensa maior digressão o fato de a norma constante no referido artigo não ter retroatividade DIREITO DAS SUCESSÕES RECURSO ESPECIAL SUCESSÃO ABERTA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 CÔNJUGE SOBREVIVENTE DIREITO DE USUFRUTO PARCIAL ART 1611 1º DIREITO REAL DE HABITAÇÃO ART 1831 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 INAPLICABILIDADE VEDAÇÃO EXPRESSA DO ART 2041 DO NOVO DIPLOMA ALUGUÉIS DEVIDOS PELA VIÚVA À HERDEIRA RELATIVAMENTE A 34 DO IMÓVEL 1 Em sucessões abertas na vigência do Código Civil de 1916 a viúva que fora casada no regime de separação de bens com o de cujus tem direito ao usufruto da quarta parte dos bens deixados em havendo filhos art 1611 1º do CC16 O direito real de habitação conferido pelo Código Civil de 2002 à viúva sobrevivente qualquer que seja o regime de bens do casamento art 1831 do CC2002 não alcança as sucessões abertas na vigência da legislação revogada art 2041 do CC2002 2 No caso não sendo extensível à viúva o direito real de habitação previsto no art 1831 do atual Código Civil os aluguéis fixados pela sentença até 10 de janeiro de 2003 data em que entrou em vigor o Estatuto Civil devem ser ampliados a período posterior 3 Recurso especial provido REsp 1204347DF Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma j 1242012 DJe 252012 grifamos Mas nesse ponto uma indagação instigante merece ser feita Esse direito real de habitação durará até quando Logicamente é um direito temporário Extinguese pela morte ou pelo término do estado de viuvez do sobrevivente 103 Concluise pois que se a viúva ou viúvo morrer ou casarse novamente o direito que lhe fora conferido desaparecerá consolidandose a propriedade em poder dos demais herdeiros Por outro lado temos que em caso de concubinato ou união estável posto configuraremse como situações não modificativas do estado civil o direito real de habitação dado o seu caráter assistencial também se extinguirá Sobre a diferença entre concubinato e união estável já tivemos a oportunidade de anotar no volume do Novo Curso de Direito Civil dedicado ao Direito de Família Hoje porém como se depreende de uma simples leitura do já transcrito art 226 da Constituição Federal a expressão consagrada é união estável Tecnicamente porém não é mais aceitável considerar a sinonímia e a partir deste momento será evitada a sua utilização neste capítulo já que superada a análise histórica com a expressão concubinato pois esta na forma do art 1727 do CC2002 constitui uma modalidade específica para designar relações não eventuais entre homem e mulher impedidos de casar A união estável nesse diapasão traduz uma constitucional forma de família motivo pelo qual nem sequer recomendamos as expressões consagradas pelo uso de concubinato puro como sinônimo de união estável e concubinato impuro para significar a relação paralela ao casamento ou mesmo à união estável pela evidente confusão terminológica 104 Em síntese enquanto durar a viuvez ou não se constituir nova relação de companheirismo ou concubinato o direito real de habitação deverá ser preservado Assim uma relação de simples namoro da viúva ou viúvo não deve conduzir à extinção do direito como se dá analogamente no caso da percepção de pensão alimentícia DIREITO DE FAMÍLIA CIVIL ALIMENTOS EXCÔNJUGE EXONERAÇÃO NAMORO APÓS A SEPARAÇÃO CONSENSUAL DEVER DE FIDELIDADE PRECEDENTE RECURSO PROVIDO I Não autoriza exoneração da obrigação de prestar alimentos à exmulher o só fato desta namorar terceiro após a separação II A separação judicial põe termo ao dever de fidelidade recíproca As relações sexuais eventualmente mantidas com terceiros após a dissolução da sociedade conjugal desde que não se comprove desregramento de conduta não têm o condão de ensejar a exoneração da obrigação alimentar dado que não estão os excônjuges impedidos de estabelecer novas relações e buscar em novos parceiros afinidades e sentimentos capazes de possibilitarlhes um futuro convívio afetivo e feliz III Em linha de princípio a exoneração de prestação alimentar estipulada quando da separação consensual somente se mostra possível em uma das seguintes situações a convolação de novas núpcias ou estabelecimento de relação concubinária pelo excônjuge pensionado não se caracterizando como tal o simples envolvimento afetivo mesmo abrangendo relações sexuais b adoção de comportamento indigno c alteração das condições econômicas dos excônjuges em relação às existentes ao tempo da dissolução da sociedade conjugal STJ REsp 111476MG Rel Min Sálvio de Figueiredo Teixeira 4ª Turma j 2531999 DJ 1051999 p 177 É sem dúvida a melhor diretriz sobre o tema 243 Disciplina efetiva da sucessão do cônjuge Em que pese a importância da matéria tratada nos subtópicos anteriores não há como negar que a grande revolução por que passou o direito sucessório do cônjuge a partir do Código de 2002 decorreu não da preservação do direito real de habitação ou da extinção do usufruto vidual mas sim da sua elevação ao status de herdeiro necessário e ainda do direito concorrencial conferido em face dos descendentes e ascendentes conforme já mencionado linhas atrás Mas para que lhe seja reconhecida legitimidade sucessória uma importante regra deve ser observada Art 1830 Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se ao tempo da morte do outro não estavam separados judicialmente nem separados de fato há mais de dois anos salvo prova neste caso de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente Em outras palavras falida a afetividade não há reclamar direito sucessório Louvamos aliás a referência à separação de fato porquanto ainda que formalmente existente a sociedade conjugal sentido algum haveria em se admitir direito sucessório em favor de quem nada mais representava na vida do falecido Discordamos outrossim da menção ao prazo mínimo de dois anos Na medida em que como se sabe a união estável pode configurarse a qualquer tempo não é razoável estabelecerse um lapso mínimo de separação de fato como conditio sine qua para a legitimidade sucessória se antes mesmo da consumação do biênio a parte já pode ter formado outro núcleo familiar Vale dizer Carmela está separada de fato de seu marido Alisson há um ano e já constitui nova família com o seu companheiro Jordão Se Alisson antes do prazo bienal morre por óbvio já não teria sentido algum conferirse direito a Carmela integrante de outro núcleo familiar Mas inadequadamente a norma somente veda a legitimidade sucessória após o prazo de dois anos de separação de fato Por outro lado a separação judicial que em nosso sentir a partir da Emenda n 662010 desapareceu 105 assim como logicamente o divórcio opera perda da legitimidade sucessória do cônjuge sobrevivente Finalmente ainda no âmbito da sucessão do cônjuge um delicado problema nos é colocado pelo art 1832 que dispõe Art 1832 Em concorrência com os descendentes art 1829 inciso I caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança se for ascendente dos herdeiros com que concorrer A sua dicção é aparentemente simples Ao dizer que o cônjuge sobrevivente herda por cabeça quis o legislador conferirlhe tratamento isonômico em face dos demais herdeiros Exemplo Joaquim casado com Alicia morre Além da viúva ele deixou dois filhos comuns ou seja do próprio casal José e João e ainda dois netos Poli e Manu filhos do seu falecido filho Policarpo prémorto em relação a Joaquim Caso Alicia concorra com os descendentes herdará por cabeça ou seja por igual cabendolhe 14 da herança José e João também herdarão 14 cada um e finalmente Poli e Manu herdeiros por estirpe dividirão a fração de 14 que caberia ao seu falecido pai Policarpo Mas a norma foi além ao dispor que o cônjuge sobrevivente terá direito a no mínimo 25 da herança se concorrer com filhos comuns do casal Em outras palavras se o cônjuge supérstite concorrer com um filho herdará metade com dois filhos herdará 13 com quatro filhos 14 da herança mas se concorrer com cinco ou mais terá garantido um percentual mínimo de 14 cabendo aos demais sucessores dividir o restante No exemplo dado acima se Alicia concorresse com dez filhos comuns teria direito a 25 da herança cabendo aos demais herdeiros o que sobrasse Note pois amigo leitor que no Código de 2002 não é incorreto afirmar que o cônjuge pode ter mais direito do que o próprio filho o que é uma incoerência com a circunstância de precedência dos descendentes em relação aos cônjuges na ordem de vocação hereditária Por outro lado concorrendo com descendentes exclusivos do falecido não haverá direito a esse percentual mínimo de maneira que herdará simplesmente por cabeça Tudo estaria bem se o legislador não houvesse olvidado um aspecto muito importante E se o cônjuge sobrevivente concorrer com filiação híbrida ou seja descendentes comuns do casal e exclusivos do falecido Haveria direito ao mínimo de 25 ou não O legislador inadvertidamente silenciou gerando com isso complexa questão a ser enfrentada pela doutrina e jurisprudência Sobre o tema confiramse os ensinamentos de GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA Questão mais tormentosa de se buscar solucionar relativamente a essa concorrência prevista pelo dispositivo em comento é aquela que vai desenhar uma hipótese em que são chamados a herdar os descendentes comuns ao cônjuge falecido e ao cônjuge sobrevivo e os descendentes exclusivos do autor da herança todos em concorrência com o cônjuge sobrevivo O legislador do Código Civil de 2002 embora inovador na construção legislativa de hipótese de concorrência do cônjuge com herdeiros de convocação anterior à sua própria infelizmente não fez a previsão da hipótese agora em apreço chamada de descendentes dos dois grupos quer dizer os descendentes comuns e os descendentes exclusivos E é bastante curioso até observar essa lacuna deixada pela nova Lei Civil uma vez que em nosso país a situação descrita é comuníssima envolvendo famílias constituídas por pessoas que já foram unidas a outras anteriormente por casamento ou não resultando dessas uniões filhos descendentes enfim de origens diversas 106 Infelizmente a norma é defeituosa Ao deixar de fazer referência ao problema da concorrência com a filiação híbrida o legislador abriu espaço à indesejável insegurança jurídica dada a ausência de um critério legal único e homogêneo gerando acesa polêmica doutrinária 107 Em nosso sentir invocando a lógica do razoável de RECASÉNS SICHES 108 considerando que o espírito da norma é a garantia da concorrência do cônjuge com os descendentes bem como que a literalidade do preceito legal é evidente entendemos que o dispositivo preserva o percentual mínimo de 25 da herança apenas na hipótese de a viúva ou viúvo concorrer somente com filhos comuns Posto a norma não seja clara neste ponto razão não haveria em nosso sentir para se beneficiar o cônjuge sobrevivente quando concorresse com algum filho exclusivo do falecido Ademais a norma por restringir direitos dos descendentes primeira classe de sucessores deve ser interpretada restritivamente impedindose com isso que o benefício ao cônjuge sobrevivente se converta em injusto privilégio Com isso estaria prestigiado o princípio constitucional da igualdade especificamente no plano horizontal para um tratamento isonômico dos filhos Finalmente não havendo descendentes caso concorra com ascendente em primeiro grau ao cônjuge tocará um terço da herança caberlheá a metade desta se houver um só ascendente ou se maior for aquele grau a teor do já mencionado art 1837 do vigente Código Civil Exemplifiquemos João morre Deixa a saudosa viúva Luisa Não há descendentes Luisa concorrerá com os pais vivos de João cabendolhe 13 da herança Se todavia João tiver apenas um dos pais vivos ou caso falecidos houver deixado avós paternos eou maternos ou ascendentes em grau superior a viúva terá garantida a metade da herança Tratase definitivamente de regra de intelecção imediata Por fim na forma do art 1838 em falta de descendentes e ascendentes será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente Internalizada a dificultosa disciplina da sucessão do cônjuge enfrentemos agora o criticado regime de sucessão pelao companheirao no vigente Código Civil brasileiro 25 Sucessão pelao companheirao Causa estranheza a péssima localização das regras constantes no art 1790 do Código Civil O legislador inadvertidamente resolveu inserir o regramento específico da sucessão legítima pelao companheirao viúvao entre as regras gerais e os princípios do Direito Sucessório Notese que a matéria em verdade é típica da regulamentação da Sucessão Legítima e não da parte introdutória das Sucessões o que talvez infira um preconceito subreptício em face da relação de companheirismo E se não bastasse a sua desastrada topografia o seu conteúdo não é dos melhores recebendo por parte da doutrina duríssimas críticas Sobre o referido artigo desabafa ALDEMIRO REZENDE Pensamos que o artigo 1790 do Código Civil deve ser destinado à lata do lixo sendo declarado inconstitucional e a partir daí simplesmente ignorado a não ser para fins de estudo histórico da evolução do direito Tal artigo num futuro não muito distante poderá ser apontado como exemplo dos estertores de uma época em que o legislador discriminava a família que se formava a partir da união estável tratandoa como se fosse família de segunda categoria 109 Adiantese porém que o reconhecimento da possibilidade de sucessão peloa companheiroa não é uma inovação do Código Civil brasileiro de 2002 De fato anteriormente ao texto constitucional de 1988 quando a influência de determinada ideologia acabava por restringir uma tutela jurídica positivada de relações afetivas não matrimonializadas foi a jurisprudência 110 em atitude praeter legem que foi garantindo paulatinamente direitos aos conviventes inclusive com base na Lei n 685880 111 a condição de dependente pelo menos para créditos de natureza previdenciária bem como para bens de menor monta Coube à Constituição Federal de 1988 porém imprimir novo significado à relação de companheirismo reconhecendoa como modalidade familiar o que passou a influenciar a legislação infraconstitucional posterior Nessa esteira no campo sucessório a partir da década de 1990 passou a ter oa companheiroa uma proteção legal nos planos do Direito de Família e Sucessório até então inexistente A Lei n 8971 de 29 de dezembro de 1994 nesse tema garantiu ao convivente a meação dos bens comuns para os quais tenha contribuído para a aquisição de forma direta ou indireta ainda que em nome exclusivo do falecido art 3º bem como estabeleceu o direito ao usufruto de parte dos bens do falecido além de incluir o companheiro sobrevivente na terceira ordem da vocação hereditária art 2º Já a Lei n 927896 em seu art 7º parágrafo único garantiu o direito real de habitação ao convivente sobrevivente enquanto vivesse ou não constituísse nova união ou casamento em relação ao imóvel destinado à residência familiar Assim o que se esperaria da nova codificação civil era que ela viesse finalmente igualar o tratamento entre cônjuges e companheiros evitando qualquer alegação de tratamento discriminatório Ledo engano Com efeito o texto original do projeto do Código Civil brasileiro nada previa sobre o tema Até mesmo pela necessidade de uma suposta adequação ao novo texto constitucional foi acrescido ao Capítulo I do Título I do Livro V quando da aprovação do projeto pelo Senado Federal um artigo que não constava do Projeto de 1975 por força da Emenda 358 O projeto finalmente aprovado modificou o texto original gerando o que consideramos um verdadeiro desconserto jurídico o art 1790 que teve a seguinte redação final Art 1790 A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável nas condições seguintes I se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho II se concorrer com descendentes só do autor da herança tocarlheá a metade do que couber a cada um daqueles III se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a um terço da herança IV não havendo parentes sucessíveis terá direito à totalidade da herança 112 Sobre o tema confirase o depoimento abalizado de GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA O Anteprojeto de Código Civil elaborado em 1972 e o Projeto apresentado para discussão em 1975 e aprovado na Câmara dos Deputados em 1984 não previam qualquer regra relativamente à sucessão de pessoas ligadas entre si apenas pelos laços do afeto Foi o Senador Nélson Carneiro em sua incessante luta pela modernização das relações familiares brasileiras quem apresentou aquela Emenda 358 antes referida no sentido de garantir direitos sucessórios aos conviventes Como lembra Zeno Veloso 113 a emenda foi claramente inspirada no Projeto de Código Civil elaborado por Orlando Gomes nos idos da década de 60 do século XX antes portanto da igualdade constitucionalmente garantida Bem por isso o artigo em que resultou este de número 1790 é de cariz retrógrado referentemente à legislação anteriormente sumariada da década de 1990 do século XX 114 Em vez de buscar uma equiparação que respeitasse a dinâmica constitucional uma vez que diferença não deve haver entre a viuvez de uma esposa ou de um marido e a de uma companheira ou companheiro pois ambas mantinham com o falecido um núcleo de afeto o legislador em franca violação do princípio constitucional da vedação ao retrocesso 115 minimizou e sob certos aspectos aniquilou o direito hereditário da companheirao viúvao O mal localizado pessimamente redigido e em nosso entender inconstitucional art 1790 do vigente Código Civil brasileiro confere à companheirao viúvao em total dissonância com o tratamento dispensado ao cônjuge um direito sucessório limitado aos bens adquiridos onerosamente 116 no curso da união o que poderia resultar na aquisição da herança pelo próprio Município além de colocálao em situação inferior aos colaterais do morto um tio ou um primo por exemplo De fato tratase de tratamento demeritório da união estável em face do matrimônio com uma disciplina que a desprestigia como forma de relação afetiva Ademais o dispositivo é muito mal pensado uma vez que não prevê a situação cada vez mais corriqueira de haver tanto filhos comuns quanto filhos de um só dos membros da união estável Em ocorrendo tal situação e levando em ponta de faca a previsão codificada poderseia chegar novamente a uma situação de tratamento diferenciado de filhos para efeitos do quinhão hereditário que lhes seria cabível o que é vedado constitucionalmente e por nós intensamente combatido em diversos tópicos desta obra Em outras palavras na interpretação literal do dispositivo se a viúva ou viúvo concorrer com filhos comuns filhos do casal herda por igual ou seja terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho mas se concorrer com descendentes só do autor da herança filhos ou netos por exemplo exclusivos dele tocarlheá a metade do que couber a cada um daqueles Mas e se concorrer com filiação híbrida filhos comuns do casal e exclusivos apenas do falecido O legislador mais uma vez não apresenta solução Diante disso a doutrina se esforçou para tentar buscar uma resposta como bem anota FLÁVIO TARTUCE inclusive com referência a uma complexa fórmula matemática Situação não descrita na norma referese à sucessão híbrida ou seja caso em que o companheiro concorre ao mesmo tempo com descendentes comuns e exclusivos do autor da herança Não se olvide que a expressão sucessão híbrida foi cunhada por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka professora titular da Universidade de São Paulo Sobre tal problemática existem três correntes fundamentais bem definidas 1ª Corrente Em casos de sucessão híbrida devese aplicar o inciso I do art 1790 tratandose todos os descendentes como se fossem comuns já que filhos comuns estão presentes Esse entendimento é o majoritário na tabela doutrinária de Cahali Caio Mário da Silva Pereira Christiano Cassettari Francisco Cahali Inácio de Carvalho Neto Jorge Fujita José Fernando Simão Luiz Paulo Vieira de Carvalho Maria Berenice Dias Maria Helena Daneluzzi Mário Delgado Rodrigo da Cunha Pereira Rolf Madaleno e Sílvio de Salvo Venosa 2ª Corrente Presente a sucessão híbrida subsumese o inciso II do art 1790 tratandose todos os descendentes como se fossem exclusivos só do autor da herança Este autor está filiado a tal corrente assim como Gustavo René Nicolau Maria Helena Diniz Sebastião Amorim Euclides de Oliveira e Zeno Veloso Ora como a sucessão é do falecido em havendo dúvida por omissão legislativa os descendentes devem ser tratados como sendo dele do falecido Anotese que julgado do TJSP adotou essa corrente concluindo que entender de forma contrária violaria a razoabilidade INVENTÁRIO PARTILHA JUDICIAL PARTICIPAÇÃO DA COMPANHEIRA NA SUCESSÃO DO DE CUJUS EM RELAÇÃO AOS BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL CONCORRÊNCIA DA COMPANHEIRA COM DESCENDENTES COMUNS E EXCLUSIVOS DO FALECIDO HIPÓTESE NÃO PREVISTA EM LEI ATRIBUIÇÃO DE COTAS IGUAIS A TODOS DESCABIMENTO CRITÉRIO QUE PREJUDICA O DIREITO HEREDITÁRIO DOS DESCENDENTES EXCLUSIVOS AFRONTANDO A NORMA CONSTITUCIONAL DE IGUALDADE ENTRE OS FILHOS ART 227 6º DA CF APLICAÇÃO POR ANALOGIA DO ART 1790 II DO CÓDIGO CIVIL POSSIBILIDADE Solução mais razoável que preserva a igualdade de quinhões entre os filhos atribuindo à companheira além de sua meação a metade do que couber a cada um deles Decisão reformada Recurso provido TJSP Agravo de Instrumento n 994081387000 Acórdão n 4395653 São Paulo Sétima Câmara de Direito Privado Rel Des Álvaro Passos julgado em 2432010 DJESP 1542010 No mesmo sentido TJSP Agravo de instrumento n 65250540 Acórdão n 4068323 São Paulo Quinta Câmara de Direito Privado Rel Des Roberto Nussinkis Mac Cracken julgado em 992009 DJESP 5102009 3ª Corrente Na sucessão híbrida devese aplicar fórmula matemática de ponderação para solucionar o problema Entre tantas fórmulas destacase a Fórmula Tusa elaborada por Gabriele Tusa com o auxílio do economista Fernando Curi Peres A fórmula é a seguinte Nesse contexto de grande divergência doutrinária é firme o nosso pensamento no sentido da inconstitucionalidade do art 1790 na medida em que afronta o princípio da vedação ao retrocesso CANOTILHO ao menoscabar a dignidade conferida à união estável como núcleo afetivo familiar pelo art 226 3º da Constituição Federal 117 Atacando o dispositivo dispara ZENO VELOSO Haverá alguma pessoa neste país jurista ou leigo que assegure que tal solução é boa e justa Por que privilegiar a esse extremo vínculos biológicos ainda que remotos em prejuízo dos laços do amor da afetividade Por que os membros da família parental em grau tão longínquo devem ter preferência sobre a família afetiva que em tudo é comparável à família conjugal do hereditando 118 Sempre sustentamos nesse diapasão a ineficácia desse dispositivo devendose aplicar portanto em favor da companheira ou companheiro viúvao o regramento do cônjuge sobrevivente com exceção da regra que confere a este último a condição de herdeiro necessário art 1845 na medida em que por se tratar de norma restritiva da liberdade testamentária do falecido não comportaria interpretação extensiva Esta inclusive foi a orientação adotada pelos Juízes das Varas de Família de Salvador na I Jornada de Direito de Família promovida pela CorregedoriaGeral de Justiça do TJBA sob a coordenação de um dos coautores desta obra Enunciado n 13 O art 1790 do Código Civil viola o superior princípio da vedação ao retrocesso e desrespeita a condição jurídica dao companheirao como integrante de um núcleo familiar equiparado àquele formado pelo casamento razão por que padece de absoluta inconstitucionalidade Enunciado n 14 Em virtude da inconstitucionalidade do art 1790 do Código Civil devemse aplicar àao companheirao viúvao as mesmas regras que disciplinam a sucessão do cônjuge com exceção da norma que considera este último herdeiro necessário art 1845 porquanto dada a sua natureza restritiva de direito do autor da herança não comportaria interpretação extensiva ou analógica 119 É em nosso entender a melhor diretriz E para a nossa alegria o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 878694 firmou entendimento no sentido da inconstitucionalidade do tratamento sucessório diferenciado do cônjuge e do companheiro Destacamos excerto do voto do eminente Min Luís Roberto Barroso DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPER CUSSÃO GERAL INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS 1 A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima além da que resulta do casamento Nesse rol incluemse as famílias formadas mediante união estável 2 Não é legítimo desequiparar para fins sucessórios os cônjuges e os companheiros isto é a família formada pelo casamento e a formada por união estável Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição 3 Assim sendo o art 1790 do Código Civil ao revogar as Leis n 897194 e 927896 e discriminar a companheira ou companheiro dandolhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa ou ao marido entra em contraste com os princípios da igualdade da dignidade humana da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso 4 Com a finalidade de preservar a segurança jurídica o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública 5 Provimento do recurso extraordinário Afirmação em repercussão geral da seguinte tese No sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no art 1829 do CC2002 Em outro trecho o Ministro afirma Fica claro portanto que o art 1790 do CC2002 é incompatível com a Constituição Federal Além da afronta à igualdade de hierarquia entre entidades familiares extraída do art 226 da Carta de 1988 violou outros três princípios constitucionais i o da dignidade da pessoa humana ii o da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e iii o da vedação ao retrocesso Aguardemos então a partir da conclusão do julgamento a jurisprudência que será formada a partir dessa nova e mais justa perspectiva 120 26 Sucessão pelo colateral Consideramse parentes em linha colateral na forma do art 1592 do Código Civil 121 aquelas pessoas provenientes do mesmo tronco sem descenderem umas das outras Horizontalmente parentes consanguíneos em linha colateral são aqueles que sem descenderem uns dos outros derivam de um mesmo tronco comum a exemplo dos irmãos colaterais de segundo grau tiossobrinhos colaterais de terceiro grau ou primos entre si colaterais de quarto grau O parentesco civil por sua vez por inserir a pessoa no contexto familiar como se descendência genética houvesse amoldase a essa perspectiva de análise ex o meu irmão é parente colateral de segundo grau não importando se fora adotado ou não A única modificação substancial do vigente Código Civil brasileiro em relação à disciplina normativa anterior foi precisamente a redução do limite legal do parentesco por colateralidade que passou do sexto grau para o quarto grau civil Tratase de um critério que acompanha a tradicional regra do direito à herança Art 1839 Se não houver cônjuge sobrevivente nas condições estabelecidas no art 1830 serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau Vale ainda acrescentar que segundo o art 1840 na classe dos colaterais os mais próximos excluem os mais remotos salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos 122 Ponto importante a ser considerado é a diferença de tratamento jurídico entre irmãos unilaterais apenas por parte do pai ou da mãe e bilaterais germanos a teor dos arts 1841 e 1842 do CC Art 1841 Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar Art 1842 Não concorrendo à herança irmão bilateral herdarão em partes iguais os unilaterais Em didático exemplo ensina MARIA HELENA DINIZ Para efeito de herança de colateral o art 1841 do Código Civil distingue o irmão bilateral ou germano filho do mesmo pai e da mesma mãe do irmão unilateral consanguíneo ou uterino aquele em que só um dos genitores é o mesmo estabelecendo Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar Hipótese em que a sucessão se opera por direito próprio partilhandose o quinhão hereditário por cabeça atendendose porém ao privilégio de que gozam os irmãos germanos A esse respeito esclarecedor é o exemplo dado por Clóvis Beviláqua a saber o de cujus deixa uma herança de R 24000000 a dois irmãos bilaterais e a dois irmãos unilaterais Os unilaterais receberão duas porções simples e os bilaterais duas porções dobradas ao todo seis porções As simples serão do valor de R 4000000 R 24000000 6 R 4000000 e as dobradas de R 8000000 R 4000000 2 de forma que R 8000000 2 R 4000000 2 R 24000000 Essa partilha submetese à seguinte regra que é infalível qualquer que seja o número de irmãos unilaterais ou bilaterais Cada irmão bilateral é representado pelo algarismo 2 e cada irmão unilateral pelo 1 dividese a herança pela soma destes algarismos o quociente encontrado multiplicado pelos respectivos algarismos representativos dos bilaterais e unilaterais será a quota hereditária de cada um 123 CLÁUDIO GRANDE JR pondera a respeito da eventual inconstitucionalidade do tratamento diferenciado entre irmãos Ora os irmãos unilaterais são tão irmãos como os bilaterais e os adotivos Um exemplo demonstra claramente a inconstitucionalidade da regra Suponhamos que uma pessoa faleça sem deixar descendentes Não tendo mais ascendentes e sendo solteiro e descompromissado são chamados à sucessão seus colaterais CC art 1839 Os mais próximos são seus irmãos um bilateral outro unilateral e um terceiro adotivo Ao pé da letra o unilateral receberia metade do que coubesse ao germano Mas e o adotivo Receberia igual ao bilateral em franca discriminação em desfavor do unilateral Ou o mesmo tanto que este sendo discriminado em face do bilateral Não há solução para o problema utilizandose das prefaladas regras do Código Civil porque elas são simplesmente inconstitucionais Feito todo esse raciocínio a Constituição se apresenta bem mais clara todos os filhos terão os mesmos direitos oponíveis contra todos inclusive os próprios irmãos Os artigos 1841 e 1843 de nosso principal diploma civil criaram no âmbito do parentesco consanguíneo uma distinção inconciliável com a equiparação constitucional da filiação Como igualar a filiação civil com a filiação consanguínea se até mesmo esta comporta desníveis internos Qualquer solução à luz dos mencionados artigos implicaria em odiosa segregação Se o adotivo herdar à semelhança do irmão germano estarseia discriminando o unilateral e por conseguinte a filiação consanguínea Por outro lado recebendo como o unilateral discriminar seia a filiação adotiva o que é constitucionalmente intolerável A respeito do assunto a jurisprudência é escassa e a doutrina assustadoramente silenciosa A maioria dos autores tacitamente aceita a constitucionalidade dos artigos Dentre as poucas exceções Rubiane de Lima admite expressamente a constitucionalidade da lei pois se a herança vem por parte de pai e de mãe o parentesco é duplo Se todos têm os mesmos pais recebem igualmente e se o parentesco advier de um só herdase somente por parte daquele Manual de direito das sucessões Curitiba Juruá 2003 p 92 Com a devida vênia o argumento não prospera eis que pode perfeitamente acontecer de o irmão não ter recebido herança nenhuma dos pais e angariado todo seu patrimônio por esforço próprio Além disso o anterior exemplo envolvendo o irmão adotivo elucida convincentemente que a Constituição ao equiparar os filhos havidos ou não no casamento e os adotivos implicitamente também findou por equiparar todos os irmãos consanguíneos entre si e de modo geral o parentesco resultante da filiação Se fez o mais logicamente o menos foi feito de modo subentendido Desse modo a derradeira conclusão é a de que os arts 1614 e 1617 2º e 3º do antigo Código Civil foram revogados pela Constituição Federal enquanto os recentes arts 1841 e 1843 2º e 3º do diploma em vigor são inconstitucionais 124 Tratase de uma interessante reflexão posto ainda não exista ao menos desconhecemos pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal nesse sentido Enquanto isso fica o convite à reflexão Em conclusão vale acrescentar ainda que embora tio e sobrinho sejam ambos parentes em terceiro grau caso concorram entre si a herança será deferida ao sobrinho por expressa determinação legal Art 1843 Na falta de irmãos herdarão os filhos destes e não os havendo os tios E os parágrafos do mesmo dispositivo ao tratar da concorrência entre sobrinhos mantém a mesma ideia já mencionada no sentido de beneficiar filhos de irmãos bilaterais 1º Se concorrerem à herança somente filhos de irmãos falecidos herdarão por cabeça 2º Se concorrem filhos de irmãos bilaterais com filhos de irmãos unilaterais cada um destes herdará a metade do que herdar cada um daqueles 3º Se todos forem filhos de irmãos bilaterais ou todos de irmãos unilaterais herdarão por igual E um importante aspecto não pode ser olvidado por serem sucessores meramente facultativos para excluir os herdeiros colaterais da sucessão basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar art 1850 do CC o que não poderá darse com os descendentes ascendentes ou o cônjuge herdeiros necessários por conta do seu inafastável direito à legítima art 1845 do CC Por fim não sobrevivendo cônjuge ou companheiro nem parente algum sucessível ou tendo eles renunciado à herança poderá o patrimônio deixado beneficiar o próprio ente estatal 27 Sucessão pelo ente público Não é admissível em regra haver um patrimônio sem um titular Assim aberta a sucessão com o falecimento do autor da herança é preciso verificar quem será o novo senhor da massa patrimonial Na forma do art 1844 do CC2002 Art 1844 Não sobrevivendo cônjuge ou companheiro nem parente algum sucessível ou tendo eles renunciado a herança esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal se localizada nas respectivas circunscrições ou à União quando situada em território federal Ou seja não havendo quem se habilite como legítimo sucessor da herança o Estado nas entidades federativas do Município ou Distrito Federal quando os bens estejam localizados nas respectivas circunscrições ou da União quando situada em território federal assumirá a titularidade de tal patrimônio XCIV DIREITO DE REPRESENTAÇÃO 1 CONCEITO Conceitualmente no âmbito sucessório a representação traduz um direito conferido aos sucessores do herdeiro prémorto ou excluído da sucessão para que possam receber a parte que caberia ao próprio representado Contornase com isso uma oblíqua violação ao princípio da isonomia como veremos abaixo Em nosso direito positivo dispõe o art 1851 do Código Civil Art 1851 Dáse o direito de representação quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos em que ele sucederia se vivo fosse Exemplifiquemos para melhor compreensão do instituto Imagine que o autor da herança José tenha dois filhos Josué e Jodascil Quando do falecimento de José seu filho Josué já havia falecido porém deixara dois filhos Calisto e Carmelo ou seja netos do de cujus Pelo instituto do direito de representação Calisto e Carmelo herdarão o quinhão que caberia ao seu pai Josué repartido igualmente entre eles art 1855 do CC2002 quinhão este que terá o mesmo valor do que o recebido por Jodascil Ou seja Calisto e Carmelo representarão o seu pai Josué prémorto incorporando aquilo que a ele caberia se vivo fosse Em termos numéricos se o valor da herança equivaler a R 10000000 em vez de Jodascil recebêla integralmente já que Josué era prémorto receberá apenas R 5000000 percebendo Calisto e Carmelo cada um o valor de R 2500000 Observe que se Jodascil também fosse préfalecido deixando um filho Jodascil Jr os três netos do autor da herança por estarem na mesma classe receberiam cada um deles a quotaparte da herança de R 10000000 qual seja a parcela de R 3333333 2 CARACTERÍSTICAS Alguns aspectos do instituto para melhor caracterização merecem ser explicitados O primeiro soa óbvio é preciso que a pessoa representada esteja impossibilitada de receber a herança A representação nesse contexto aplicase quando o representado é prémorto em face do autor da herança ou ainda quando haja sido excluído por indignidade uma vez que esta considera o sucessor afastado da sucessão como se herdeiro nunca houvesse sido art 1816 do CC regra já aplicada há muito no ordenamento jurídico brasileiro 125 O segundo aspecto diz respeito à linha sucessória em que o direito é exercido De fato na forma do art 1852 do CC o direito de representação dáse na linha reta descendente mas nunca na ascendente A representação na linha descendente prevista na primeira parte do dispositivo é de fácil intelecção e já fora explicitada no início deste capítulo Já a segunda parte da norma que prevê a impossibilidade de representação na linha reta ascendente merece ser ilustrada para escoimar dúvidas Imagine que estamos a tratar do inventário de João autor da herança Ele não deixou descendentes Apenas estão vivos a sua mãe e a sua avó paterna a mãe do seu pai falecido antes dele Ora nesse caso a avó paterna mãe do pai de João não herdará por direito de representação Toda a herança irá para a mãe de João Situação diversa ocorre na linha transversal ou colateral uma vez que o direito de representação é apenas reconhecido em favor dos filhos do irmão prémorto 126 É o preceito do art 1853 do CC Art 1853 Na linha transversal somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido quando com irmãos deste concorrerem Ou seja apenas os sobrinhos filhos do irmão prémorto tem direito de representação Figuremos mais um exemplo Huguinho morre deixando um irmão vivo Zezinho e os filhos do seu irmão prémorto Luisinho Em tal hipótese metade da herança irá para Zezinho irmão sobrevivente e a outra metade para os seus sobrinhos que herdarão representando o pai Luisinho Mas note que na linha colateral o direito de representação limitase aos sobrinhos Vale dizer filhos de sobrinhos aqueles a quem o costume nominou de sobrinhosnetos não poderão herdar por direito de representação Finalmente ainda tratando do direito de representação algumas circunstâncias se revestem de acesa polêmica em face da legitimação para herdar Nesse ponto vale transcrever trechos da lição de CARLOS ROBERTO GONÇALVES com ampla visão doutrinária e legislativa Predomina na doutrina no entanto o entendimento de que a legitimação para herdar é aferida em relação ao sucedido e não ao representado como sustenta WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO Na mesma esteira a lição de PONTES DE MIRANDA Quem foi deserdado por alguém ou julgado indigno para lhe suceder pode representar tal pessoa porque a deserdação ou indignidade somente concerne à herança de quem deserdou ou para a qual foi julgado indigno Basta que possa herdar da terceira pessoa Para se herdar basta que o de cujo não tenha deserdado o interessado nem tenha esse sido julgado indigno Desse modo obtempera SILVIO RODRIGUES o filho que renunciou a herança de seu pai ou que seja indigno de recebêla pode não obstante representando o pai recolher a herança do avô a não ser que com relação a este ascendente mais afastado o avô seja também indigno de suceder Nesse sentido dispõem expressamente os Códigos Civis italiano art 468 al 2 e português art 2043 afirmando este último Os descendentes representam o seu ascendente mesmo que tenham repudiado a sucessão deste ou sejam incapazes em relação a ele 127 Parecenos o melhor entendimento tendo em vista tudo que já se afirmou anteriormente sobre o tema da indignidade 3 FUNDAMENTO E FINALIDADE Há indubitavelmente uma fundamentação moral que respalda o instituto Nesse sentido observa SÍLVIO DE SALVO VENOSA A representação foi criada já no Direito Romano para reparar parte do mal sofrido pela morte prematura dos pais 128 Assim tem o direito de representação um fundamento moral pois visa dar um tratamento equânime a herdeiros do autor da herança poupandolhes da infelicidade dupla da perda de seu ascendente imediatamente direto e também de benefícios potenciais que lhes seriam garantidos se não tivesse ocorrido o falecimento daquele Note que há uma busca para equilibrar a distribuição da herança entre os legitimados a suceder todos ligados afetivamente de forma presumida ao de cujus 4 EFEITOS O efeito básico da representação sucessória é o reconhecimento do direito à herança aos sucessores do prémorto ou daquele excluído da sucessão Se houver um único representante receberá este exatamente o mesmo valor a que faria jus o representado herdará por cabeça Havendo mais de um dividirseá a quotaparte em tantas frações quanto for o número de representantes herdarão por estirpe 129 É esta a linha dos arts 1854 e 1855 do CC Art 1854 Os representantes só podem herdar como tais o que herdaria o representado se vivo fosse Art 1855 O quinhão do representado partirseá por igual entre os representantes Parecenos sem dúvida a melhor disciplina Vale destacar ainda que na forma do art 2009 do Código Civil quando os netos representando os seus pais sucederem aos avós serão obrigados a trazer à colação ainda que não o hajam herdado o que os pais teriam de conferir 130 Tratase de regra que se justifica na medida em que visa impedir violação da legítima dos herdeiros necessários Por fim vale tecer algumas importantes considerações acerca do tema ora analisado Registrese que não se admite a representação na renúncia da herança conforme se verifica do art 1811 do CC 131 Em outras palavras o renunciante é considerado como se herdeiro nunca houvesse sido razão por que os seus descendentes não poderão representálo Por outro lado nada impede que o renunciante da herança de uma pessoa a represente em outra É o que estabelece o art 1856 Art 1856 O renunciante à herança de uma pessoa poderá representála na sucessão de outra Dessa forma mesmo que o filho tenha renunciado à herança do pai nada o impede de atuar como representante do seu ascendente direto na herança do avô Outra importante observação finalmente é feita por SÍLVIO VENOSA Como a quota do prémorto é distribuída por estirpe se algum herdeiro dessa estirpe renuncia à herança a parte renunciada só acresce à parte dos herdeiros do mesmo ramo isto é três netos representam o pai Um dos netos renuncia A quota desta estirpe fica dividida entre os outros dois netos que não renunciaram Não se acresce com essa renúncia o montemor geral isto é a parte desse renunciante não vai para os que recebem por direito próprio nem para a representação de outro herdeiro prémorto Como o representante é sucessor do autor da herança existe uma única transmissão patrimonial Há um único imposto devido 132 Vale dizer Aldo Bruno e Clemente representam o pai Francisco prémorto na herança do avô Eles concorrem com os tios Rufino e Celino Se por exemplo Aldo renunciar a sua quota acrescerá às dos seus outros dois irmãos Bruno e Clemente e não às quotas dos tios Em resumo Rufino herdará 13 Celino 13 e o outro 13 será dividido entre Bruno e Clemente representando o seu pai Francisco É a solução apresentada pelo nosso Direito XCV SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA 1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O TESTAMENTO No presente tópico analisaremos o conceito de testamento bem como a sua natureza jurídica e classificação permitindo uma ampla visão sobre o tema Todavia antes disso parecenos relevante tecer algumas considerações preliminares acerca do Poder de testar 11 Sobre o poder de testar A ideia de testar é de dispor por meio de um instrumento formal chamado testamento de seus bens de forma total ou parcial após o advento da morte Essa concepção se extrai do próprio caput do art 1857 do vigente Código Civil brasileiro 133 A fundamentação do Poder de testar está justamente na autonomia da vontade e no exercício do direito de propriedade uma vez que se o testador poderia dispor dos bens em vida por que não autorizar atendendo à sua vontade o seu direcionamento post mortem Contudo tal disposição de bens por vezes não poderá ser total quando houver a necessidade de preservação da legítima na forma do 1º do mencionado dispositivo 134 A disposição portanto somente se dará de forma total quando inexistirem herdeiros necessários descendentes ascendentes ou cônjuge Vale destacar porém que o testamento também é o meio hábil para manifestações de vontade de conteúdo não econômico conforme estabelece o 2º do mencionado dispositivo normativo 2º São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial ainda que o testador somente a elas se tenha limitado tudo em observância ao princípio do respeito à vontade manifestada Assim em testamento não há falar somente em transferência de bens do patrimônio próprio para o de outra pessoa mas também em diversas outras diligências desde uma manifestação autobiográfica sobre o testador e sua visão de vida até a determinação de preceitos que somente de forma indireta poderiam apresentar efeito econômico Dentre tais disposições sem uma específica natureza econômica e patrimonial a título meramente exemplificativo 135 podemos lembrar porque previstas no próprio texto codificado a a disposição gratuita do próprio corpo art 14 caput 136 b a criação de uma fundação art 62 caput 137 c a substituição de terceiro designado em contrato art 438 parágrafo único 138 d a substituição de beneficiário em seguro de vida art 791 caput 139 e a instituição de condomínio edilício art 1332 caput f o reconhecimento de filhos art 1609 III 140 g a nomeação de tutor art 1634 IV e art 1729 parágrafo único 141 h a instituição de bem de família art 1711 caput 142 i a reabilitação do indigno art 1818 caput j o estabelecimento de cláusulas restritivas art 1848 caput k a deserdação art 1964 caput l a revogação de testamento anterior art 1969 caput m a nomeação do testamenteiro art 1976 143 n despesas de sufrágios pela alma do falecido art 1998 o a dispensa de colação art 2006 A determinação de tais diligências como visto pode ser feita pela via testamentária Mas afinal de contas o que é um testamento É o que se enfrentará no próximo subtópico 12 Conceito e natureza jurídica O que é um testamento Se a religião cristã o compreende como uma forma de aliança e a poesia permite visualizálo como uma tentativa de controle póstumo da destinação do que deixamos juridicamente o conceito é bem mais simples O Código Civil brasileiro de 1916 em seu art 1626 apresentava um conceito legal de testamento Estabelecia o referido dispositivo normativo Art 1626 Considerase testamento o ato revogável pelo qual alguém de conformidade com a lei dispõe no todo ou em parte do seu patrimônio para depois da sua morte Se é certo que não é papel da lei estabelecer conceitos o que foi observado pelo vigente Código Civil brasileiro o fato é que o antigo conceito legal não era de todo ruim Na verdade as imperfeições técnicas da antiga definição podiam ser resumidas em duas A primeira é a ausência de menção à possibilidade de utilização do testamento para finalidades distintas da disposição patrimonial como já vimos A segunda imprecisão consiste em definir o testamento como um ato jurídico o que poderia remeter à confusão conceitual com o ato em sentido estrito 144 e não em respeito à sua própria natureza como um negócio jurídico unilateral Sim a natureza jurídica do testamento é a de um negócio jurídico unilateral 145 Em nosso sentir o negócio jurídico traduz uma declaração de vontade emitida em obediência aos seus pressupostos de existência validade e eficácia com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente 146 Um testamento portanto nada mais é do que um negócio jurídico pelo qual alguém unilateralmente declara a sua vontade segundo pressupostos de existência validade e eficácia com o propósito de dispor no todo ou em parte dos seus bens bem como de determinar diligências de caráter não patrimonial para depois da sua morte Eis o nosso conceito intimamente relacionado à natureza jurídica do instituto Vejamos agora as características essenciais do testamento 13 Características essenciais Para a compreensão das características essenciais do testamento parecenos relevante destacar que quando em nosso esforço de sistematização afirmamos o que é um testamento revelando a sua natureza jurídica talvez seja importante também registrar o que ele não é É importante ressaltar que embora seja um negócio jurídico não é o testamento um contrato uma vez que lhe falta a bilateralidade peculiar à caracterização de uma figura contratual Com efeito conforme já conceituamos alhures um contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes limitadas pelos princípios da função social e da boafé objetiva autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir segundo a autonomia das suas próprias vontades 147 Inexiste portanto no testamento essa participação de outros sujeitos na manifestação da vontade ou em outras palavras o núcleo básico de todo o contrato o consentimento das partes contratantes indispensável em sua conformação nuclear Daí a primeira característica essencial do testamento qual seja a sua unilateralidade seguindose o seu evidente caráter personalíssimo a teor do art 1858 o testamento é ato personalíssimo podendo ser mudado a qualquer tempo Por isso há a vedação ao chamado testamento conjuntivo qual seja aquele elaborado por mais de um sujeito no mesmo documento O mesmo dispositivo supratranscrito apresenta ainda outra importante característica do testamento a sua revogabilidade Com efeito não se poderia negar ao testador por força do próprio postulado da autonomia privada a prerrogativa de reescrever os termos da sua vontade declarada quantas vezes o achasse conveniente 148 Da mesma forma é o testamento um negócio jurídico solene em que a forma a ser adotada de acordo com a intenção do testador é imposta por lei sob pena de nulidade A solenidade é sem dúvida uma das características mais evidentes do testamento em que a preocupação com a forma é levada a grau extremo o que se observa também em outros sistemas normativos estrangeiros 149 Sobre o tema observa o insuperável PONTES DE MIRANDA que o Estado ao proteger a disposição de última vontade cercaa de formas que a livrem de insídias e maquinações Continua ao explicar que a exigência de forma testamentária evita que o testador apressadamente manifeste a vontade e de certo modo mostralhe que é de grande relevância o ato que vai praticar Por outro lado diminui as possibilidades de pressões de violências de erros e de atendimentos a pedidos e promessas Além disso a presença de testemunhas concorre para que se contenha pondere e se precate o testador Todo intervalo entre a deliberação de testar e a feitura do testamento fortalece a meditação do disponente Quanto a terceiros as formalidades testamentárias põem o testador a salvo de falsificações e de falsidades bem como de violências Muito se sabe sobre os males que resultavam das cartas de consciência Herdeiros legítimos eram lesados pelas coações de estranhos que o testador beneficiava e das preterições momentaneamente causadas Pessoas estranhas e não só parentes eram postas de lado por circunstâncias de intranquilidade do testador Não só herdeiros legítimos Daí não bastar o escrito por mais perfeito e verdadeiro que seja para que se repute feito o testamento O rigor formal protege o testador e os que seriam por ele declarados herdeiros ou legatários Tratase de ato de última vontade razão por que a técnica legislativa também há de cogitar de formalidades que assegurem a conservação do negócio jurídico Com os pressupostos de forma o que se tem por fito é maior segurança na expressão da vontade e na conservação do instrumento Se o testamento não satisfaz as exigências formais ou algumas delas testamento não há Se a satisfação é que foi insuficiente há nulidade Ser incompleta a observância ou ser irregular faz nulo o testamento Não ter havido cumprimento de qualquer dos pressupostos qualquer que seja não é infração da lei é omissão de requisito para a existência de testamento 150 Por isso observa ROLF MADALENO Este conjunto de formalidades que dá uma ritualização essencial e necessariamente formal à facção testamentária própria e inerente a esse ato jurídico unilateral que conta seus efeitos para quando seu autor já não mais estiver presente para defendêlo disso importando cada passo do seu ritual e das pessoas que conjuntamente participam do testamento sempre com o intuito de assegurar a liberdade do testador e a veracidade de suas disposições 151 Por fim como última característica essencial do testamento precisamos lembrarnos da sua gratuidade na medida em que ao beneficiário de um testamento não se impõe uma contraprestação como se dá por exemplo no contrato de compra e venda Na mesma linha o herdeiro jamais poderá comprar uma quota ou todo o patrimônio de um testador ainda vivo sob pena de configurar um ato expressamente vedado pelo nosso ordenamento jurídico e altamente reprovável sob o ponto de vista moral o chamado pacta corvina 152 Não confunda porém o caráter gratuito da disposição testamentária com a possibilidade de estabelecimento de um ônus modo ou encargo que não constitui tecnicamente uma contraprestação o que é perfeitamente aceitável na perspectiva do plano de eficácia do negócio jurídico 153 Posto isso passemos agora a tecer algumas considerações classificatórias acerca do testamento 14 Modalidades classificatórias do testamento Toda classificação assim como toda conceituação depende muito da visão metodológica de quem a escolhe ou apresenta No que diz respeito ao testamento o próprio texto codificado se encarregou de estabelecer as duas formas possíveis de classificação em função das circunstâncias de sua elaboração A forma ordinária de testamento é aquela elaborada em uma conjuntura de normalidade de acordo com a preferência do testador Já a forma extraordinária ou especial de testamento é aquela realizada em função de circunstâncias peculiares ou de dificuldades fáticas da vida do testador Quando alguém fala porém em espécies de testamento está se referindo a subdivisões dessa classificação primária a saber em relação à forma ordinária os testamentos público cerrado e particular e sob a forma especial os testamentos marítimo aeronáutico e militar Cada uma dessas espécies será por nós analisada em momento próprio a eles acrescentando a compreensão da figura jurídica do codicilo que é uma disposição de última vontade de menor monta Façamos agora algumas importantes observações de cunho histórico a respeito do testamento 2 ASPECTOS RELEVANTES DO PLANO DA VALIDADE APLICÁVEL AO TESTAMENTO Identificado o testamento como um ato de natureza negocial fazse necessário visualizálo sob a perspectiva do plano de validade do negócio jurídico respeitadas as suas peculiaridades Poderíamos tratar essa questão sob a ótica dos três planos do negócio jurídico a saber existência validade e eficácia Todavia como o plano de validade já pressupõe o de existência um testamento sem efetiva manifestação da vontade por exemplo seria considerado inexistente juridicamente e como o plano de eficácia é consequencial parecenos que a visão dos aspectos relevantes do testamento como negócio jurídico deverá abranger a manifestação de vontade livre e de boafé b capacidade do agente c possibilidade licitude e determinabilidade do objeto d forma adequada in casu prescrita em lei Tudo isso para melhor permitir o adequado entendimento da matéria Frisese outrossim mais uma vez que o enfrentamento de tais pressupostos na perspectiva da validade negocial respeitará a tessitura própria e peculiar do testamento Vamos a eles 21 Manifestação de vontade livre e de boafé Do ponto de vista existencial para que haja um negócio jurídico é imprescindível haver uma manifestação de vontade Tal declaração volitiva por sua vez para que seja considerada válida deve ser emanada de forma livre e de boafé O mesmo naturalmente se dá com o testamento Por isso mesmo qualquer um dos defeitos que invalidam o negócio jurídico pode ser invocado em ação própria para impugnar o testamento 22 Capacidade de testar Para que um negócio jurídico seja considerado válido é preciso que o agente emissor da vontade tenha capacidade para a sua realização No que diz respeito ao tema da capacidade em matéria sucessória a capacidade testamentária passiva já foi por nós tratada quando enfrentamos o tema da vocação hereditária Como negócio jurídico outrossim a realização de um testamento pressupõe uma capacidade jurídica ativa Sobre o tema estabelece o art 1860 do CC Art 1860 Além dos incapazes não podem testar os que no ato de fazêlo não tiverem pleno discernimento Parágrafo único Podem testar os maiores de dezesseis anos O caput do dispositivo é em nossa opinião de clareza meridiana A incapacidade civil bem como a ausência de pleno discernimento afiguramse logicamente como óbices para a prática pessoal de um ato jurídico Todavia o parágrafo único do referido dispositivo excepciona a regra em favor dos menores púberes o que merece algumas considerações Sobre essa questão observa SÍLVIO VENOSA Quanto ao fato de se permitir que maiores de 16 anos se utilizem de testamento em ambos os diplomas o interesse é como regra teórico pois nessa idade dificilmente alguém pensará em ato de última vontade mas a possibilidade existe e é isso que importa As legislações comparadas também trazem idades mínimas aproximadas ou igual a nossa Assim o relativamente capaz tem plena capacidade de testar Tratase pois de uma capacidade mais ampla do que a capacidade geral Importa pensar que para fazer testamento a lei procura reconhecer no sujeito um certo grau de discernimento Acertadamente a lei entende que o maior de 16 anos tem esse discernimento para manifestar a vontade testamentária Caso não fosse a lei expressa necessitaria da assistência do pai ou responsável tal o impossibilitaria de testar dado o personalismo do ato já aqui estudado A origem dessa capacidade vem do Direito Romano quando se adquiria a capacidade em geral com a puberdade não havendo em princípio uma idade predeterminada 154 Salientese que o reconhecimento legal da capacidade de testar do maior de 16 anos implica sem dúvida a desnecessidade da assistência para sua realização já que juridicamente isso seria um contrassenso dado o caráter personalíssimo do testamento Observese que o fato de reconhecer capacidade para testar não significa dizer que o menor púbere haja sido emancipado Será ele ainda menor e incapaz para todos os demais atos da vida civil mas estará autorizado pela lei de forma excepcional a fazer o testamento Se por acaso o menor for emancipado por outros meios que a lei permita pelo casamento por exemplo isso ainda não o autorizaria a fazer testamento dada a especificidade da capacidade sucessória para testar 155 Registrese por fim que a capacidade naturalmente é aferida no momento da realização do negócio jurídico testamentário não importando a situação fática anterior ou posterior uma vez que a incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento nem o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade conforme prevê o art 1861 do CC 23 Objeto do testamento Seguindo o rigor metodológico aqui exposto lembremos que também do ponto de vista existencial para haver um negócio jurídico é imprescindível a existência de um objeto específico Vale salientar que o objeto não precisa ter conteúdo necessariamente patrimonial uma vez que o testamento também é meio hábil como visto para a determinação de disposições de caráter não econômico E como consequência lógica da perspectiva existencial para que o negócio tenha validade o objeto deve ser lícito possível e determinado ou ao menos determinável Careceria de validade por exemplo um testamento que tivesse por objeto a transmissibilidade de uma fazenda adquirida de forma criminosa Por fim apenas para efeito didático frisamos que o tema das Disposições Testamentárias disciplinado nos arts 1897 a 1911 do vigente Código Civil brasileiro será objeto de apreciação em capítulo próprio posterior 24 Forma prescrita em lei Para que um negócio jurídico exista é preciso haver uma forma ou seja um meio pelo qual a vontade se manifeste Para que tenha validade a forma ou será livre art 107 do CC ou prescrita em lei E isso é sobremaneira importante para o testamento Tratase como visto de um negócio jurídico solene em que a norma legal impõe determinado revestimento para o ato traduzido em uma forma especial para a sua validade É o que se chama de negócio ad solemnitatem No caso do testamento negócio jurídico unilateral a lei impõe determinada forma ordinária ou extraordinária não reconhecendo liberdade ao testador para elaborálo de acordo com a sua vontade o que pode ser objeto de ação específica para o reconhecimento de nulidade Arriscamos dizer inclusive que talvez o testamento seja dentre todos os atos negociais existentes ao lado do casamento o de maior rigor formal para efeito de reconhecimento de sua validade 25 Prazo das ações de invalidade de testamento O descumprimento de qualquer dos requisitos de validade do testamento gera por consequência a possibilidade de sua impugnação judicial O vigente Código Civil brasileiro trouxe expressa previsão de prazo para tal postulação Com efeito estabelece o art 1859 do CC Art 1859 Extinguese em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento contado o prazo da data do seu registro Observese que se trata de um prazo decadencial peculiar Justamente por ser norma especial tal prazo prevalece inclusive em face de eventuais causas de nulidade absoluta do negócio jurídico a exemplo da incapacidade absoluta do agente ou da impossibilidade do seu objeto as quais em regra nos termos do art 169 não comportariam prazo para a sua impugnação Nesse sentido observa SÍLVIO VENOSA Lembremos que o novo Código fixou em cinco anos o prazo decadencial para impugnar a validade do testamento contado o prazo da data de seu registro art 1859 Ao mencionar impugnação o novo diploma se refere tanto aos casos de nulidade como de anulabilidade Com isso derroga a regra geral do art 169 segundo o qual o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação nem convalidação pelo decurso do tempo A natureza do testamento e as dificuldades que a regra geral da imprescritibilidade ocasionaria forçou essa tomada de posição pelo legislador Essa exceção ao princípio geral vem demonstrar que não é conveniente essa regral geral de não extinguibilidade com relação aos negócios nulos Melhor seria que se abraçasse a corrente doutrinária anterior que entendia que os atos nulos prescrevem no prazo máximo estabelecido no ordenamento Nesse campo de nulidades porém há que se atentar para as hipóteses de inexistência de testamento quando qualquer prazo extintivo se mostra inaplicável para sua declaração como ocorre por exemplo na hipótese de perfeita ausência de vontade do testador 156 Da forma como está redigido o dispositivo há que se interpretar que ocorre o prazo decadencial de cinco anos para a impugnação do testamento no que diz respeito a qualquer requisito de validade menos em relação aos vícios de consentimento 157 E por que não aplicar o prazo também para a anulabilidade decorrente de vícios de consentimento Porque em face de tais causas há outro prazo aplicável É o prazo de quatro anos previsto no art 1909 do CC 158 Enfrentemos agora como se deve dar a execução do testamento Para isso compreendamos uma importante figura para o efetivo cumprimento da disposição de última vontade o testamenteiro 3 O TESTAMENTEIRO Aberta a sucessão com o falecimento do autor da herança não há como adivinhar se existe ou não um testamento Levando em consideração a inexistência de uma tradição cultural brasileira de confecção do testamento aí mesmo é que não se pode presumir que haja sido feito tal negócio jurídico Nesse contexto surge a figura do testamenteiro A disciplina jurídica da atuação desse sujeito está prevista nos arts 1976 a 1990 do vigente Código Civil brasileiro Embora inserido como dito na parte final codificada da disciplina testamentária parecenos importantíssimo falar dessa figura jurídica neste momento em que chegamos ao final das noções gerais sobre o testamento Testamenteiro é o sujeito designado pelo testador ou nomeado pelo juiz para fazer cumprir as disposições de última vontade Como um testamenteiro pode ser escolhido As formas de designação de um testamenteiro acabam por delimitar as formas de testamentaria A primeira forma é o chamado testamenteiro testamentário ou seja aquele que é nomeado pelo próprio testador É dessa modalidade que trata o art 1976 do CC Art 1976 O testador pode nomear um ou mais testamenteiros conjuntos ou separados para lhe darem cumprimento às disposições de última vontade Chamase testamenteiro legítimo o cônjuge a quem cabe a execução testamentária na falta de nomeação pelo testador Por fim temse também o chamado testamenteiro dativo que é aquele nomeado subsidiariamente pelo magistrado na ausência de designação pelo testador e de cônjuge sobrevivente As duas outras modalidades estão previstas no mesmo dispositivo legal a saber o art 1984 do CC que preceitua Art 1984 Na falta de testamenteiro nomeado pelo testador a execução testamentária compete a um dos cônjuges e em falta destes ao herdeiro nomeado pelo juiz Vale registrar a ausência de menção ao companheiro entre os testamenteiros legítimos o que somente se pode explicar pelo fato de o Código Civil brasileiro de 2002 não incluir o companheiro entre os herdeiros necessários Observese finalmente que é possível a nomeação de mais de um testamenteiro Quem pode exercer o ofício de testamenteiro A princípio qualquer sujeito capaz pode ser designado como testamenteiro Não há qualquer impedimento de que seja um herdeiro ou legatário mas também não há óbice em nomear alguém estranho à legitimação hereditária passiva Observese porém que a testamentaria é uma atividade personalíssima que não pode ser delegada embora se admita a representação por meio de mandato Tal afirmação é depreendida do próprio texto do art 1985 do CC Art 1985 O encargo da testamentaria não se transmite aos herdeiros do testamenteiro nem é delegável mas o testamenteiro pode fazerse representar em juízo e fora dele mediante mandatário com poderes especiais Não há falar porém em exercício compulsório da testamentaria sendo imprescindível a aceitação do testamenteiro em qualquer das suas três formas testamentário legítimo ou dativo A recusa todavia deve ser justificada Tal aceitação pode ser tácita simplesmente pelo silêncio quando da nomeação ou pelo exercício efetivo das diligências necessárias para o cumprimento das disposições de última vontade A importância da aceitação se justifica pelas inúmeras atribuições do testamenteiro com repercussão de grande responsabilidade patrimonial O ofício privado de testamenteiro é de grande responsabilidade Com efeito não havendo cônjuge ou herdeiros necessários o testador tem a prerrogativa de conceder ao testamenteiro a posse e a administração da herança ou de parte dela podendo qualquer herdeiro requerer partilha imediata ou devolução da herança habilitando o testamenteiro com os meios necessários para o cumprimento dos legados ou dando caução de prestálos conforme estabelecido legalmente 159 Por isso mesmo na forma do art 1978 do CC tendo o testamenteiro a posse e a administração dos bens incumbelhe requerer inventário e cumprir o testamento E essa é sem dúvida a atribuição primordial do testamenteiro fazer cumprir o testamento Por tal razão o testamenteiro nomeado ou qualquer parte interessada pode requerer assim como o juiz pode ordenar de ofício ao detentor do testamento que o leve a registro conforme autoriza o art 1979 do CC É importante destacar que a priori o testamenteiro é o sujeito que em tese mais tem interesse em defender as disposições de última vontade seja pela confiança que lhe foi demonstrada pelo testador ao nomeálo seja por ser potencialmente um dos beneficiários da herança como cônjuge ou outro herdeiro Assim assume ele o papel de maior defensor das disposições testamentárias devendo ser necessariamente ouvido em qualquer discussão sobre sua validade e eficácia na busca do efetivo cumprimento da vontade do testador Tal dever decorre inclusive de previsão legal específica a saber o art 1981 do CC que preceitua Art 1981 Compete ao testamenteiro com ou sem o concurso do inventariante e dos herdeiros instituídos defender a validade do testamento É claro que as atribuições aqui mencionadas não são taxativas e exaustivas uma vez que sendo o cumprimento do testamento a missão primordial do testamenteiro muitas outras diligências podem ser determinadas pelo próprio testador observados obviamente os limites legais 160 Por fim vale destacar na forma do art 1990 do CC que se o testador tiver distribuído toda a herança em legados exercerá o testamenteiro as funções de inventariante As funções do testamenteiro presumemse gratuitas quando for ele herdeiro ou legatário Todavia não sendo a testamentaria exercida por herdeiro ou legatário mas sim por terceiro nomeado pelo testador haverá em regra a necessidade de remunerar o indivíduo que desempenhará tão importante ofício Afinal todo trabalho é digno e deve gerar uma retribuição A única exceção à regra básica de retribuição é a própria vontade do testador que pode estabelecer a existência de um testamenteiro sem uma paga correspondente Mas por óbvio também por isso pode o testamenteiro nomeado recusar o ofício atribuído Não sendo portanto vedada a retribuição no testamento qual seria o valor dessa justa retribuição Tal importância deverá ser fixada judicialmente havendo parâmetros legais com faixas para a sua delimitação É a previsão constante no art 1987 Art 1987 Salvo disposição testamentária em contrário o testamenteiro que não seja herdeiro ou legatário terá direito a um prêmio que se o testador não o houver fixado será de um a cinco por cento arbitrado pelo juiz sobre a herança líquida conforme a importância dela e maior ou menor dificuldade na execução do testamento Parágrafo único O prêmio arbitrado será pago à conta da parte disponível quando houver herdeiro necessário Notese que há uma margem de discricionariedade para o magistrado fixar o valor devendo variar a priori entre 1 e 5 sobre o valor da herança líquida Tratase de uma verba paga pelo trabalho prestado e pela administração da herança que deve ser considerada uma despesa judicial do inventário Vintena ou prêmio é o nome que se dá à retribuição que se outorga ao testamenteiro pelo serviço por ele prestado Percebase que não se trata de uma liberalidade mas sim de uma gratificação pro labore remuneratória da testamentaria A expressão vintena é utilizada justamente porque o máximo de 5 corresponde a 120 da herança líquida que deve ser entendida como o saldo depois de pagas as dívidas preexistentes à abertura da sucessão bem como as despesas religiosas e funerárias além do custeio do inventário 161 Observese que a nossa codificação civil estipula um parâmetro mínimo para a fixação do prêmio ou vintena no caso do regular desempenho do ofício de testamenteiro o que inexiste na legislação processual civil correspondente 162 E se o trabalho do testamenteiro embora cumprido tenha sido feito de forma pouco eficiente A jurisprudência tem admitido uma ponderação do magistrado nesse aspecto desde que fundamentada 163 Vale destacar que em coerência com a natureza remuneratória do prêmio ou vintena caso venha a falecer o testamenteiro no curso da execução do testamento caberá aos seus herdeiros a parte do prêmio proporcional ao trabalho desempenhado conforme arbitrar o magistrado observandose obviamente os limites legais aqui mencionados Como o testamenteiro também pode ser herdeiro ou legatário a lei faculta a ele a possibilidade de preferir o prêmio à herança ou ao legado art 1988 do CC Daí se conclui que o prêmio ou vintena não se cumulam com a herança ou legado outorgados Sobre o tema observava CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA Conforme visto acima o testamenteiro que for legatário ou herdeiro não faz jus à vintena Mas aqui se trata do herdeiro testamentário não do herdeiro legítimo que recebendo seu quinhão ope legis não se confunde a sua vocação sucessória que é independente da existência do testamento com a função testamentária peculiar à sucessão em face de vontade do defunto Nas mesmas condições acha se o herdeiro necessário E por extensão o raciocínio compreende a esposa do herdeiro se o casamento for em regime de comunhão de bens seja para excluíla do prêmio se for o seu marido herdeiro instituído seja para se lhe reconhecer direito em caso contrário Mas acima de tudo prevalecendo a vontade do testador perceberá a vintena o herdeiro instituído se o testador assim dispuser com extensão ao seu cônjuge sobrevivente e meeiro 164 Exemplificando se Carmelo institui por testamento Frisbi como seu herdeiro ou legatário nomeando o também como testamenteiro pode Frisbi optar pelo valor do prêmio ou vintena em vez da herança ou legado Isso por outro lado não ocorreria com Carmelo Jr filho de Carmelo e herdeiro necessário Parecenos que a lógica da interpretação sistematizada do dispositivo em conjunto com o já transcrito art 1987 do CC é a fixação do prêmio ou vintena em valor pecuniário abrindose a exceção apenas para quando o testamenteiro for meeiro Por fim caso venha a ser anulado o testamento não há falar em prêmio ou vintena uma vez que inexistiria causa válida a respaldar tal pagamento 165 Existe prazo para cumprimento das diligências pelo testamenteiro Há parâmetro legal ainda que flexível sobre essa questão É o que preceitua o art 1983 Art 1983 Não concedendo o testador prazo maior cumprirá o testamenteiro o testamento e prestará contas em cento e oitenta dias contados da aceitação da testamentaria Parágrafo único Pode esse prazo ser prorrogado se houver motivo suficiente É possível a prorrogação do prazo a critério do juiz em havendo motivo suficiente Não nos agrada o uso da palavra motivo no referido conceito aberto pois essa noção é carregada de subjetivismo por remeter o intérprete a uma circunstância interna de natureza psicológica todo motivo está encerrado na mente do agente Mais adequado seria o legislador utilizar uma expressão objetiva a exemplo de justificativa justa causa ou ainda fundamento suficiente Qual é a responsabilidade jurídica do testamenteiro A pergunta parece muito simples mas merece algumas reflexões De fato estabelece o art 1980 do nosso Código Civil Art 1980 O testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições testamentárias no prazo marcado pelo testador e a dar contas do que recebeu e despendeu subsistindo sua responsabilidade enquanto durar a execução do testamento Ou seja há por força dessa responsabilidade uma obrigação legal do testamenteiro de prestar contas E se houver mais de um testamenteiro A questão é respondida pelo art 1986 do CC2002 Art 1986 Havendo simultaneamente mais de um testamenteiro que tenha aceitado o cargo poderá cada qual exercêlo em falta dos outros mas todos ficam solidariamente obrigados a dar conta dos bens que lhes forem confiados salvo se cada um tiver pelo testamento funções distintas e a elas se limitar Tratase de uma solidariedade passiva prevista em lei que somente será afastada se houver como visto especificação de atribuições distintas e estanques perfeitamente delimitadas de cada testamenteiro Como se deve extinguir regularmente a testamentaria Ou em outras palavras como deve ser considerada cumprida a missão do testamenteiro A resposta é óbvia Com o regular cumprimento das disposições testamentárias e a consequente prestação de contas no juízo correspondente Parecenos lógico que tal cumprimento somente pode ser certificado judicialmente depois de realizadas todas as diligências determinadas pelo magistrado para a formação de seu convencimento Todavia pode ocorrer uma extinção extraordinária da testamentaria Além do término natural com o seu devido cumprimento são possíveis outras formas de extinção da testamentaria A primeira é pela destituição também chamada de remoção do testamenteiro afastamento decorrente do infiel cumprimento da missão da testamentaria E o que fazer com o prêmio ou vintena A resposta também parece lógica a sua perda É o que dispõe o art 1989 do Código Civil Art 1989 Reverterá à herança o prêmio que o testamenteiro perder por ser removido ou por não ter cumprido o testamento É óbvio que para haver a remoção do testamenteiro devese observar o devido processo legal com a garantia do contraditório Sobre o tema observa SÍLVIO VENOSA Sempre há que se conceder direito de defesa ao testamenteiro Situações haverá contudo em que a suspensão imediata do cargo se faz necessária dependendo da gravidade da situação enfrentada Pode o juiz usar do poder geral de cautela conferido pelo CPC Se infundada a remoção sujeitarseão os interessados que lhe deram causa a uma indenização Sempre que há gestão de interesses alheios não há necessidade de que a lei o diga mas a má gestão autoriza a remoção Isto se apurará no caso concreto O pedido de remoção processase no juízo do inventário em apartado Se não há lide tratandose de decisão sumária fica aberto às partes o recurso às vias ordinárias A remoção pode ocorrer de ofício ou por iniciativa do Ministério Público ou de qualquer interessado Pode cessar também a testamentaria com pedido de exoneração do próprio testamenteiro Só que para a demissão do encargo ao contrário da aceitação como vimos deve haver uma justificativa deve o testamenteiro alegar uma causa legítima para a escusa art 1141 do CPC em virtude das implicações atinentes à gestão de interesses alheios 166 Por fim admitese como segunda forma de extinção da testamentaria a demissão por parte do testamenteiro o que nos parece o exercício de um direito potestativo apenas condicionado à devida prestação de contas até a efetiva liberação A ouvida dos interessados e do Ministério Público é diligência indispensável em nossa visão especialmente para permitir a correta prestação de contas até o momento do efetivo afastamento do testamenteiro Até que seja tomada a decisão do juiz sobre o pedido de afastamento com a eventual substituição do testamenteiro originário sua permanência no encargo será exigida juridicamente 4 REGÊNCIA TEMPORAL DA LEI REGULADORA DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA Para arrematar este capítulo parecenos relevante tecer algumas considerações acerca da lei reguladora da sucessão testamentária matéria que merece melhor sistematização teórica Isso porque conforme ensinava ORLANDO GOMES A sucessão testamentária regese diferentemente conforme o momento que se considere Cumpre distinguir com efeito o momento da feitura do testamento do da abertura da sucessão o testamenti factio activa do testamenti factio passiva 167 A lei vigente na data do testamento regula a capacidade do testador e a forma extrínseca do testamento De fato conforme já vimos a incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento nem o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade art 1861 do CC No mesmo sentido a supremacia constitucional do ato jurídico perfeito exige o respeito à lei regente no momento da elaboração do testamento aplicandose o tradicional princípio romano tempus regit actum Tudo isso porque o testamento como negócio jurídico deve ser regido pela norma do momento da sua elaboração Por outro lado a efetiva sucessão testamentária o direito à herança deve ser regida pela lei do momento da abertura da sucessão com o falecimento do testador Em outras palavras no que diz respeito à lei vigente no momento da abertura da sucessão na data da morte esta regerá a vocação hereditária o direito à herança e a eficácia jurídica das disposições testamentárias Exemplifiquemos Salomão redige um testamento respeitando a lei vigente na época da sua elaboração no sentido de comparecerem duas testemunhas ao ato Ainda que lei posterior aumente esse número para três o testamento é válido e eficaz pois a lei que rege o testamento é a da época da sua feitura Por outro lado caso ele deixe parte da sua herança para um gato circunstância hipoteticamente permitida na data da elaboração do testamento se ao tempo da morte a lei vigente negar esse direito a deixa perderá eficácia pois a lei que rege o direito à herança é a do tempo da abertura da sucessão Sobre o tema observou ORLANDO GOMES Preceito legal que viesse proibir a sucessão testamentária dos médicos do testador aplicarseia imediatamente atingindo os contemplados em testamento anterior Disposição que viesse a permitir o legado per relationem validaria a deixa desse teor constante do testamento anteriormente feito Em se tratando porém de disposição testamentária que subordine o direito do herdeiro instituído a uma condição suspensiva aplicase a lei vigente ao tempo em que se verifica o evento uma vez que a condição suspende a aquisição do direito o qual somente se transmite com o seu implemento 168 Finalizando este tópico vale registrar que o Livro Complementar das Disposições Finais e Transitórias do Código Civil brasileiro de 2002 trouxe duas regras específicas sobre a sucessão testamentária A primeira delas se encontra em evidente consonância com a visão aqui proposta Tratase do art 2041 que preceitua in verbis Art 2041 As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária arts 1829 a 1844 não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência prevalecendo o disposto na lei anterior Lei n 3071 de 1º de janeiro de 1916 Como parece lógico se a sucessão foi aberta antes da vigência do atual Código Civil brasileiro é a lei revogada que disciplinará a sua aplicação O art 2042 por sua vez dispõe Art 2042 Aplicase o disposto no caput do art 1848 quando aberta a sucessão no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior Lei n 3071 de 1º de janeiro de 1916 se no prazo o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima não subsistirá a restrição A matéria se refere ao estabelecimento de cláusulas de inalienabilidade impenhorabilidade ou incomunicabilidade No vigente Código Civil brasileiro tais cláusulas se tornaram excepcionais dependendo de fundamentação em justa causa Assim a sua aplicação para sucessões abertas na vigente codificação mesmo quando previstas em testamento elaborado anteriormente somente será aceitável se houver aditamento para a declaração da justa causa e ainda respeitado o prazo de um ano da entrada em vigor do Código Civil brasileiro de 2002 Aberta a sucessão após um ano de tal marco temporal a cláusula não será considerada válida reconhecendose insubsistente XCVI FORMAS ORDINÁRIAS DE TESTAMENTO 1 INTRODUÇÃO Como já foi visto a forma é essencial para o testamento E é justamente sobre forma que versa este capítulo bem como o subsequente De fato na diretriz estabelecida pelo art 1862 do CC há três modalidades ordinárias de testamento o público o cerrado e o particular Tratase de três espécies distintas de manifestação testamentária que se diferenciam justamente pelo aspecto da forma A ela se agregam três outras formas do negócio jurídico testamentário tidas como extraordinárias excepcionais ou especiais pois admitidas pelo legislador para casos muito restritos a saber os testamentos militar marítimo e aeronáutico 169 Fora dessas modalidades ordinárias ou extraordinárias ou mesmo se houver descumprimento dos ritos para elas previstos a consequência lógiconormativa é a declaração de nulidade não alcançando os efeitos planejados pelo testador 2 FORMAS PROIBIDAS DE TESTAMENTO Estabelece o art 1863 que é proibido o testamento conjuntivo seja simultâneo recíproco ou correspectivo Entendese por testamento conjuntivo de mão comum ou mancomunado aquele elaborado por mais de um sujeito no mesmo documento Conforme observam os amigos FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO O testamento conjuntivo ou de mão comum é aquele feito por mais de uma pessoa no mesmo instrumento Na realidade a proibição desse tipo de testamento não tem relação com a forma mas sim com o fato de o legislador entender que o testamento é ato personalíssimo e que não pode ser feito por duas pessoas sob pena de assumir caráter contratual repudiado pelo ordenamento e lhe retirar uma de suas principais características a pessoalidade e a revogabilidade a qualquer tempo 170 A ideia de tal restrição tem por finalidade garantir a idoneidade da manifestação de vontade do testador que deve praticar um ato pessoal e individualizado sem influência direta de quem quer que seja Sobre as modalidades de testamento conjuntivo temos a simultâneo aquele em que os sujeitos testam ao mesmo tempo em benefício de terceiro Exemplo Luiza e Beatriz fazem testamento único designando Fernanda como sua única herdeira da parte disponível b recíproco quando os sujeitos instituem um ao outro como herdeiros de forma que o testador sobrevivente receba a herança do outro Exemplo Luiza e Beatriz fazem testamento único em que Luiza designa Beatriz como sua herdeira da parte disponível e viceversa c correspectivo quando a benesse estabelecida por um dos sujeitos ao outro tem uma correspondência equivalente Exemplo Luiza e Beatriz fazem testamento único em que Luiza designa Beatriz como herdeira de determinado bem imóvel e Beatriz designa Luiza como herdeira de outro bem imóvel havendo uma potencial troca de benefícios entre as testadoras Claro que nada impede que duas pessoas em testamentos separados ainda que realizados na mesma data e local façam disposições de seu patrimônio elegendo uma à outra como destinatárias de sua herança O que é vedado pelo sistema legal brasileiro é apenas a realização de instrumento único que presumiria jure et de jure uma violação da livre manifestação de vontade Por fim vale destacar que o chamado testamento nuncupativo ou in extremis também não é válido em regra no ordenamento jurídico brasileiro Tratase da modalidade testamentária em que o testador narra verbalmente suas declarações de última vontade para testemunhas o que no vigente ordenamento jurídico somente é admissível para os feridos de guerra na forma do art 1896 do CC 3 TESTAMENTO PÚBLICO Entendese por testamento público aquele elaborado por tabelião ou por seu substituto legal devidamente registrado em cartório na perspectiva do princípio da publicidade Tratase de um negócio jurídico solene para o qual a lei expressamente estabelece requisitos formais de validade cujo descumprimento deve importar a nulidade da cláusula correspondente ou até mesmo de todo o ato O testamento como negócio jurídico que é submetese aos seus Planos de Existência Validade e Eficácia Especificamente no campo da validade para os negócios solenes ad solemnitatem um dos requisitos ou pressupostos é a forma prescrita em lei A codificação civil determina por isso todo um rito para a celebração dessa modalidade testamentária em uma verdadeira liturgia que tem por finalidade obviamente a garantia e o respeito à vontade manifestada do testador relevante aspecto que no final das contas se quer por princípio prestigiar Tradicionalmente para a elaboração de um testamento público exigiase que fosse manuscrito tomando o oficial tabelião ou seu substituto ou equivalente legal por termo as declarações do testador Essas declarações verbais devidamente convertidas em texto escrito deveriam ser lidas publicamente em voz alta pelo tabelião ou pelo próprio testador na presença um do outro e também na época de cinco testemunhas Tais testemunhas ditas instrumentárias ou instrumentais firmavam a validade do ato subscrevendo o documento juntamente com o testador e o tabelião Uma assinatura posterior não poderia ser considerada válida em razão do postulado da segurança jurídica Atualmente a respeito do testamento público dispõe o art 1864 do Código Civil Art 1864 São requisitos essenciais do testamento público I ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas de acordo com as declarações do testador podendo este servirse de minuta notas ou apontamentos II lavrado o instrumento ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas a um só tempo ou pelo testador se o quiser na presença destas e do oficial III ser o instrumento em seguida à leitura assinado pelo testador pelas testemunhas e pelo tabelião Parágrafo único O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas desde que rubricadas todas as páginas pelo testador se mais de uma Do texto legal transcrito vêse que a ideia tradicional continua basicamente a mesma havendo uma flexibilização no que diz respeito à razoável possibilidade de o testador levar escritos para estimular sua memória como minutas notas ou apontamentos Não se dispensa porém a leitura em voz alta diante das testemunhas duas na vigente codificação enquanto na codificação anterior eram cinco na forma do art 1632 I do CC1916 do testador e do tabelião pois isso faz parte da publicização do ato com o registro de tal fato no livro próprio bem como a assinatura dos envolvidos de forma a garantir a devida ciência de todas as suas cláusulas Questão interessante seria discutir se um testamento firmado na vigência do CC1916 com apenas duas testemunhas poderia ser considerado válido se a morte ocorresse a partir da vigência do Código de 2002 Em linha de princípio concluiríamos pela nulidade do ato na medida em que como visto no capítulo antecedente os requisitos de validade do testamento deveriam ser aferidos no momento da sua celebração Todavia levando em conta que toda aferição de invalidade deve ter em perspectiva a existência de um potencial prejuízo sob pena de a justa forma ceder lugar ao formalismo leviano outra linha de pensamento afigurase mais razoável Ora se o próprio legislador cuidou de reduzir o número de testemunhas exigidas para a lavratura de um ato que por natureza já é praticado na presença do tabelião justificativa não haveria para recusar a validade desse testamento pelo simples fato de ter sido subscrito somente pelo número de testemunhas que a lei mais nova passou a exigir Se o próprio legislador considerou excessivo o quantitativo anterior por que desconsiderar a vontade do testador com base em um argumento insustentável Ainda sobre a feitura do documento é claro que a expressão livro de notas constante do texto legal art 1864 I não deve ser interpretada de forma tão estrita admitindose a lavratura em livro de folhas soltas Claro que mesmo assim é indispensável a rubrica pelo testador de todas as páginas de modo a certificar a sua veracidade Com isso não descartamos a possibilidade de se utilizarem meios eletrônicos para o registro e arquivamento do ato o que não poderá por óbvio implicar o afastamento das regras básicas de solenidade mas apenas uma adaptação aos novos tempos respeitadas nesse particular as normas administrativas expedidas pelas Corregedorias dos Tribunais Vale destacar também que embora não haja mais regra equivalente àquela contida no parágrafo único do art 1632 do CC1916 é forçoso convir que as declarações do testador devem ser feitas em língua nacional Caso algum dos presentes não saiba se manifestar na linguagem pátria será necessário um tradutor juramentado público para servir de intérprete uma vez que não se pode exigir que o tabelião ou seu substituto legal se expressem em língua estrangeira bem como tenham as testemunhas domínio sobre o referido idioma Mas instigandose a dialética perguntase e se todos dominarem o idioma estrangeiro ainda assim será necessária a tradução juramentada Entendemos que a manifestação em língua nacional é imprescindível no caso concreto justamente pela circunstância de se tratar de um testamento público Observese inclusive a contrario sensu que no testamento cerrado há autorização expressa no art 1871 171 para sua redação em idioma estrangeiro Há situações em que podem ocorrer dificuldades para a manifestação da vontade do testador É o caso por exemplo do indivíduo analfabeto ou que por alguma limitação física temporária ex braços engessados ou permanente ex braços amputados não tenha condições de firmar o testamento Nesse caso invocase o art 1865 do CC Art 1865 Se o testador não souber ou não puder assinar o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará assinando neste caso pelo testador e a seu rogo uma das testemunhas instrumentárias E se a limitação física for surdez ou cegueira Para tais hipóteses estabelecem os arts 1866 e 1867 do Código Civil Art 1866 O indivíduo inteiramente surdo sabendo ler lerá o seu testamento e se não o souber designará quem o leia em seu lugar presentes as testemunhas Art 1867 Ao cego só se permite o testamento público que lhe será lido em voz alta duas vezes uma pelo tabelião ou por seu substituto legal e a outra por uma das testemunhas designada pelo testador fazendose de tudo circunstanciada menção no testamento Observese que não há qualquer vedação o que seria de constitucionalidade duvidosa às pessoas com tais necessidades especiais para testar apenas se buscando maior segurança na sua manifestação de vontade 4 TESTAMENTO CERRADO A segunda forma ordinária de testamento prevista no vigente Código Civil brasileiro é o testamento cerrado também conhecido como testamento secreto testamento místico ou nuncupação implícita 172 Tratase de uma peculiar modalidade testamentária escrita pelo próprio autor ou por alguém a seu pedido e por ele assinada com conteúdo absolutamente sigiloso O registro cartorário apenas certifica a sua existência não alcançado o seu conteúdo secreto A palavra cerrado é utilizada aqui justamente no sentido de que se trata de uma disposição testamentária fechada ou seja de conhecimento extremamente limitado restrito apenas ao testador Daí decorre também a referência a segredo ou misticismo em algumas das denominações pelas quais essa modalidade testamentária é conhecida A vantagem de tal forma reside justamente na circunstância de que a manifestação de vontade do testador poderá ser mantida em sigilo inclusive do tabelião ou seu substituto legal e das testemunhas que somente presenciarão como dito a existência do testamento Sobre as vantagens de tal forma testamentária ensina CARLOS ROBERTO GONÇALVES lembrando também lições dos imortais CARLOS MAXIMILIANO e PONTES DE MIRANDA A vantagem que tal modalidade testamentária apresenta consiste no fato de manter em segredo a declaração de vontade do testador pois em regra só este conhece o seu teor Nem o oficial nem as testemunhas tomam conhecimento das disposições que em geral só vêm a ser conhecidas quando o instrumento é aberto após o falecimento do testador Se o testador permitir o oficial público poderá lêlo e verificar se está de acordo com as formalidades exigidas Mas isso é exceção O testador tem direito a esse segredo que não lhe pode ser negado por aquele a pretexto de que para o aprovar precisa lêlo Pode ser como pondera PONTES DE MIRANDA que o disponente só pelo segredo tenha escolhido tal forma testamentária que evita ódios e discórdias entre herdeiros legítimos ou parentes e estranhos esperançosos de heranças e legados 173 Por isso embora não seja tão frequente como o testamento público é a forma preferida para evitar o espetáculo dos ódios e dissensões que deflagram no seio das famílias e amarguram os últimos dias do disponente quando se sabem com antecedência os nomes dos preteridos e dos melhor aquinhoados 174 No testamento cerrado diz PONTES DE MIRANDA há oportunidade discreta para a deserdação ou perdão a indigno clausulação de inalienabilidade ou de incomunicabilidade dos bens ab intestato ou intestato nomeação de tutor ou curador reconhecimento de filhos medidas sobre funerais esmolas e recomendações mais ou menos veladas 175 176 É realmente a vantagem dessa modalidade testamentária pouco difundida no País A Seção III Do Testamento Cerrado do Capítulo III Das Formas Ordinárias do Testamento estabelece em seu art 1868 algumas formalidades para a validade dessa forma testamentária Se não vejamos Art 1868 O testamento escrito pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo e por aquele assinado será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal observadas as seguintes formalidades I que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas II que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado III que o tabelião lavre desde logo o auto de aprovação na presença de duas testemunhas e o leia em seguida ao testador e testemunhas IV que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião pelas testemunhas e pelo testador Parágrafo único O testamento cerrado pode ser escrito mecanicamente desde que seu subscritor numere e autentique com a sua assinatura todas as páginas Com efeito a intenção é a de que o testamento seja feito pelo próprio testador embora se admita que seja feito por terceiro a seu pedido manuscrito aceitandose a forma mecânica datilografada ou digitada desde que numerada e autenticada pelo próprio subscritor Notese que não há menção no texto legal à leitura do conteúdo do testamento Ou seja deve ele ser apresentado sem que o oficial de registro o leia inteiramente determinando a norma legal apenas que o tabelião comece o auto de aprovação imediatamente depois da última palavra do testador declarando sob sua fé que o testador lhe entregou para ser aprovado na presença das testemunhas passando a cerrar e coser o instrumento aprovado E se não houver mais espaço livre A solução é dada pelo parágrafo único do mesmo dispositivo ao explicitar que se não houver espaço na última folha do testamento para início da aprovação o tabelião aporá nele o seu sinal público mencionando a circunstância no auto Observese ainda que as testemunhas também presenciam apenas a existência do testamento e o seu registro pelo tabelião e não o seu conteúdo Lavrado o auto de aprovação o testamento poderá ser efetivamente cerrado e costurado Costurado Sim a menção a coser no transcrito texto legal referese literalmente a costurar Claro que nos dias atuais em nosso entender outras formas de fechamento podem ser utilizadas pelo tabelião a exemplo do uso da cola e do selo não havendo razão para ficar adstrito à utilização de linha agulha ou cera de vela derretida Em outras palavras não vislumbramos nulidade se o testamento houver sido efetivamente lacrado pois o mais importante é não ter ele sido violado respeitandose a vontade do testador Inicialmente lembremonos de importante regra jurídica de conteúdo inegavelmente ético também aplicável ao testamento cerrado Art 1801 Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários I a pessoa que a rogo escreveu o testamento nem o seu cônjuge ou companheiro ou os seus ascendentes e irmãos II as testemunhas do testamento III o concubino do testador casado salvo se este sem culpa sua estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos IV o tabelião civil ou militar ou o comandante ou escrivão perante quem se fizer assim como o que fizer ou aprovar o testamento Assim qualquer um que esteja envolvido na confecção do testamento não poderá ser herdeiro ou legatário Ainda quanto ao tabelião norma específica constante no art 1870 dispõe que se ele houver escrito o testamento a rogo do testador poderá não obstante aproválo Registrese finalmente que como não há ciência do conteúdo do testamento pode ser ele a teor do art 1871 do CC escrito em língua nacional ou estrangeira pelo próprio testador ou por outrem a seu rogo lembrando sempre da importância da assinatura do testador Justamente por tal circunstância é que na diretriz do dispositivo seguinte art 1872 não poderá dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler pois assim não haveria como firmar pessoalmente o instrumento testamentário Por fim estabelece o art 1874 do CC Art 1874 Depois de aprovado e cerrado será o testamento entregue ao testador e o tabelião lançará no seu livro nota do lugar dia mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue Perceba amigo leitor que o cartório apenas registra o testamento cerrado que não ficará em sua guarda mas sim do próprio testador mantido pois o absoluto sigilo do seu conteúdo Assim como ocorre no testamento público a disciplina legal do testamento cerrado estabelece algumas peculiaridades em função de características pessoais do testador De fato além da já mencionada restrição imposta ao analfabeto 177 estabelece o art 1873 Art 1873 Pode fazer testamento cerrado o surdomudo contanto que o escreva todo e o assine de sua mão e que ao entregálo ao oficial público ante as duas testemunhas escreva na face externa do papel ou do envoltório que aquele é o seu testamento cuja aprovação lhe pede Observese que a disciplina mais rígida nesse aspecto relacionase com a própria proteção da pessoa com necessidade especial buscandose de toda forma preservar a idoneidade de sua manifestação volitiva No que diz respeito ao procedimento para conhecimento abertura registro e cumprimento do testamento cerrado a matéria é regida tanto pelo Código Civil brasileiro quanto pela legislação processual arts 735 a 737 do CPC2015 Com efeito falecido o testador o testamento deve ser apresentado ao juiz Na forma do caput do art 735 do CPC2015 o magistrado ao ser provocado com a apresentação de um testamento cerrado verificará primeiramente se este se encontra intacto Constatando a inexistência de violações ou seja a integridade do testamento cerrado o juiz pessoalmente o abrirá e determinará que o escrivão o leia na presença de quem o entregou lavrandose em seguida um auto de abertura do qual constarão o nome do apresentante e como ele obteve o testamento a data e o lugar do falecimento do testador com as respectivas provas e qualquer circunstância digna de nota A lógica do referido detalhamento previsto no 1º do art 735 do CPC2015 é ser o mais circunstanciado possível para não deixar escapar nada que possa ser considerado relevante para a realização da vontade manifestada pelo testador Feita a abertura será realizado o registro do testamento rumo aos passos iniciais para seu cumprimento conforme estabelecem os demais parágrafos do art 735 do CPC2015 in verbis 2º Depois de ouvido o Ministério Público não havendo dúvidas a serem esclarecidas o juiz mandará registrar arquivar e cumprir o testamento 3º Feito o registro será intimado o testamenteiro para assinar o termo da testamentária 4º Se não houver testamenteiro nomeado ou se ele estiver ausente ou não aceitar o encargo o juiz nomeará testamenteiro dativo observandose a preferência legal 5º O testamenteiro deverá cumprir as disposições testamentárias e prestar contas em juízo do que recebeu e despendeu observandose o disposto em lei A ideia como visto é buscar de todas as formas possíveis a realização da vontade do falecido o que justifica a iniciativa judicial na espécie 5 TESTAMENTO PARTICULAR Por fim como última forma ordinária de testamento devemos conhecer o particular O testamento particular é aquele escrito pelo próprio testador sem a participação de tabelião e com a dispensa do seu registro 178 Por essa característica é também denominado testamento hológrafo Pode ele na forma do art 1876 ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico como datilografia digitação ou qualquer outro meio equivalente Se for escrito de próprio punho consideramse requisitos essenciais à sua validade a ser lido e assinado por quem o escreveu b a leitura e assinatura devem ser testemunhadas por pelo menos três pessoas que também devem subscrever o testamento Caso seja elaborado por processo mecânico não pode conter rasuras ou espaços em branco devendo ser assinado pelo testador depois de têlo lido na presença também de pelo menos três testemunhas que subscreverão da mesma forma tal documento Tais testemunhas instrumentárias ou instrumentais são indispensáveis para a validade do negócio jurídico visto que deverá haver a sua confirmação em juízo Vale destacar que na codificação anterior o número exigido de testemunhas era cinco na forma do art 1645 II do CC1916 tendo se operado pois uma redução na vigente codificação Sobre a elaboração do testamento particular no Brasil é importante destacar que não se exige que seja escrito em português podendo como autorizado pelo art 1880 ser escrito em língua estrangeira contanto que as testemunhas o compreendam Tal qual o testamento cerrado a disciplina acerca do conhecimento registro e cumprimento do testamento particular está dividida entre as regras do vigente Código Civil brasileiro e as normas procedimentais do Código de Processo Civil Falecido o testador estabelece o art 1877 do Código Civil que deve ser publicado em juízo o testamento com a citação dos herdeiros legítimos E a quem cabe requerer tal publicação Atribuise legitimidade ao herdeiro ao legatário ou ao testamenteiro para requerer em juízo a publicação do testamento particular bem como ao terceiro detentor do testamento se impossibilitado de entregálo a algum dos outros legitimados para requerêla na forma do art 737 do Código de Processo Civil de 2015 Esse requerimento obviamente deve vir acompanhado do próprio instrumento testamentário De acordo com a regra insculpida no 1º do art 737 do Código de Processo Civil de 2015 serão intimados os herdeiros que não tiverem requerido a publicação do testamento Vale destacar que as pessoas que não forem encontradas na comarca serão intimadas por edital É forçoso convir que a finalidade da oitiva das testemunhas é a confirmação da vontade do testador e do conteúdo da cédula o que se afigura especialmente relevante na perspectiva do princípio da segurança jurídica se levarmos em conta a ausência de registro do testamento Nesse sentido o caput do art 1878 é claro ao estabelecer que se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição ou ao menos sobre a sua leitura perante elas e se reconhecerem as próprias assinaturas assim como a do testador o testamento será confirmado Um aspecto digno de nota é que não há necessidade de todas as testemunhas confirmarem No Código Civil anterior em que o número de testemunhas exigido era como visto de cinco o art 1648 admitia que faltando até duas testemunhas poderia ser ele confirmado conjuntamente pelas três remanescentes Tal panorama por óbvio efetivamente mudou a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002 que passou a exigir um mínimo de três testemunhas para a validade do testamento particular Ora se não bastasse a alteração do número legalmente previsto para a validade do testamento o parágrafo único do art 1878 do Código Civil ressalva expressamente que se faltarem testemunhas por morte ou ausência e se pelo menos uma delas o reconhecer o testamento poderá ser confirmado se a critério do juiz houver prova suficiente de sua veracidade Ou seja não é necessário um quórum de maioria absoluta para reconhecer a validade do testamento particular Na verdade todos os meios de prova podem servir para formar o convencimento do magistrado admitindose inclusive que excepcionalmente possa este reconhecer a veracidade do testamento particular ainda que sem testemunhas presentes buscando a realização efetiva da vontade manifestada do testador É a previsão do art 1879 do CC sem correspondente na codificação anterior Art 1879 Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador sem testemunhas poderá ser confirmado a critério do juiz Seria por exemplo o caso de uma declaração de vontade do testador reconhecida de forma incontroversa como de sua lavra em que ele dispõe de seus bens e afirma que por motivos alheios à sua vontade não pôde valerse de testemunhas por estar em uma situação de risco em um retiro espiritual longínquo ou até mesmo prestes a cometer suicídio Logicamente tratase de uma situação excepcionalíssima que deve ser tratada com cuidado de ourives pela insegurança que pode proporcionar XCVII FORMAS EXTRAORDINÁRIAS DE TESTAMENTO 1 TESTAMENTO MARÍTIMO E AERONÁUTICO A primeira modalidade de testamento extraordinário é o testamento marítimo Tratase da possibilidade de uma pessoa viajando em navio nacional e portanto longe de autoridades administrativas como um tabelião para redigir um testamento público ou receber um testamento cerrado testar na presença de duas testemunhas Agregouse a ele por força da codificação civil vigente a figura do testamento aeronáutico que se diferencia somente pelo locus onde é realizado aeronave em vez de navio A previsão de um testamento aeronáutico talvez se afigure excessiva e desnecessária Se a intenção do legislador era abarcar outras formas de meio de transporte em que pessoas estivessem isoladas e impossibilitadas de testar de forma ordinária melhor seria disciplinar a matéria genericamente Isso evitaria possíveis inconvenientes no futuro no sentido de reclamarem a existência de outras formas especiais de testamento para submarinos ou foguetes por exemplo Sem levar em conta ser pouco crível em termos práticos a utilidade dessa modalidade aeronáutica de testamento Crítica semelhante é feita pelo amigo SÍLVIO VENOSA É muito difícil que se elabore testamento a bordo de aeronave Se a aeronave está em perigo certamente o comandante e a tripulação não terão tempo de preocuparse com um testamento Se o voo é normal não haverá o menor interesse de se fazer um testamento a bordo Talvez o legislador já estivesse prevendo as viagens interplanetárias fadadas a durar meses e anos Se ocorrer pouso de emergência e o disponente encontrarse em local ermo a situação estará mais provavelmente para o testamento descrito no art 1879 pois estarão caracterizadas as circunstâncias excepcionais descritas na lei 179 Claro que a premência para fazer o testamento não decorre necessariamente de uma emergência coletiva mas talvez muito mais provavelmente de uma vontade individual o que não torna usual ou frequente essa modalidade testamentária apta a justificar uma normatização específica Com efeito muito melhor seria agregar as duas modalidades em instituto único o qual genericamente regularia declarações de última vontade em situações emergenciais ocorridas em veículos de transporte de qualquer natureza Isso porque a ideia básica que rege tal espécie é justamente a impossibilidade material de realizar as formalidades indispensáveis e haver uma autoridade perante a qual se possa apresentar a disposição de última vontade O mais importante porém é como já aqui destacado a existência de um comandante reconhecido como autoridade no meio de transporte e que possa dar um cunho de solenidade funcionando como oficial público nos atos praticados por mais simplificados que sejam Vencidas tais questões prévias compreendamos as formas e o procedimento de elaboração dos nossos testamentos marítimo e aeronáutico Dispõe o art 1888 sobre o testamento marítimo Art 1888 Quem estiver em viagem a bordo de navio nacional de guerra ou mercante pode testar perante o comandante em presença de duas testemunhas por forma que corresponda ao testamento público ou ao cerrado Parágrafo único O registro do testamento será feito no diário de bordo A primeira observação a fazer é que embora configure como forma extraordinária de testamento corresponderá de fato ao formato dos testamentos público ou cerrado de acordo com o interesse e a vontade do testador Ou seja mesmo sendo uma modalidade especial ela é apenas uma simplificação procedimental das duas mencionadas formas ordinárias em função das circunstâncias peculiares em que é feita a disposição de última vontade Salientese a propósito a exigência de duas testemunhas para a validade dessa espécie de testamento tal qual se exige também no testamento público art 1864 II e no cerrado art 1868 I do vigente Código Civil brasileiro É óbvio que não há falar nessa modalidade em testamento particular tendo em vista as peculiaridades informais dessa espécie testamentária Registrese ainda que no testamento marítimo exigese expressamente que o navio seja nacional para se reconhecer a sua validade Isso porque o comandante equivalerá a uma autoridade brasileira para a celebração do negócio jurídico unilateral o que não seria possível em uma embarcação estrangeira Entendemos pelos mesmos motivos que o raciocínio deveria ser aplicado também ao testamento aeronáutico modalidade que estudaremos a seguir Ainda sobre o navio entendemos que ele pode ter qualquer natureza ao mencionar o dispositivo legal a expressão de guerra ou mercante devendo o adjetivo mercante ser interpretado de forma ampla para abarcar qualquer navio comercial inclusive aqueles destinados a cruzeiros marítimos de passeio Quanto ao testamento aeronáutico dispõe o Código Civil em dispositivo semelhante ao que rege a modalidade marítima Art 1889 Quem estiver em viagem a bordo de aeronave militar ou comercial pode testar perante pessoa designada pelo comandante observado o disposto no artigo antecedente Percebase que o supratranscrito dispositivo usa o adjetivo comercial em vez de mercante o que atende muito mais ao sentido da norma Elaborado o documento o testamento marítimo ou aeronáutico na forma do art 1890 ficará sob a guarda do comandante que o entregará às autoridades administrativas do primeiro porto ou aeroporto nacional contra recibo averbado no diário de bordo As formas extraordinárias de testamento são decorrentes de autorização legal para simplificação do procedimento de elaboração testamentária em decorrência de circunstâncias peculiares Nas hipóteses dos testamentos marítimo e aeronáutico a circunstância diferencial que fornece o suporte fático para a sua utilização é estar o testador em viagem sem possibilidade de comparecimento pessoal ao mundo exterior Se o avanço tecnológico dos meios de comunicação permitem o contato fora do ambiente da embarcação navio ou aeronave o fato é que ainda não é possível teletransportar o indivíduo para praticar as solenidades necessárias para a elaboração de um testamento público ou um testamento cerrado Daí se justifica a utilização dessas formas especiais Assim conforme preceitua o art 1892 não terá validade o testamento marítimo ainda que feito no curso de uma viagem se ao tempo em que se fez o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar e testar na forma ordinária E a razão é óbvia Se o testador tinha a possibilidade de fazer sua disposição de última vontade pela forma ordinária não se justificaria a via excepcional Só na impossibilidade de acesso à terra firme com condições de testar na forma ordinária é que se aceita a via extraordinária Notese que a previsão é limitada ao testamento marítimo já que no caso do testamento aeronáutico como as viagens de avião são mais curtas é dispensável a previsão uma vez que ele só acaba por ser feito de forma emergencial Nessa mesma linha perderá eficácia o testamento marítimo assim como o aeronáutico se o testador não morrer na viagem nem nos noventa dias após o desembarque onde pudesse testar pela forma ordinária Ocorrerá pois a caducidade do testamento É a previsão do art 1891 do Código Civil Art 1891 Caducará o testamento marítimo ou aeronáutico se o testador não morrer na viagem nem nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque em terra onde possa fazer na forma ordinária outro testamento Passemos agora pois à última espécie autônoma de testamento extraordinário 2 TESTAMENTO MILITAR O testamento militar é aquele feito por militar ou por outra pessoa a serviço das Forças Armadas em campanha dentro do País ou fora dele assim como em praça sitiada ou que esteja de comunicações interrompidas na presença de testemunhas Tal conceito decorre diretamente do caput do art 1893 do Código Civil Art 1893 O testamento dos militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas em campanha dentro do País ou fora dele assim como em praça sitiada ou que esteja de comunicações interrompidas poderá fazerse não havendo tabelião ou seu substituto legal ante duas ou três testemunhas se o testador não puder ou não souber assinar caso em que assinará por ele uma delas A justificativa para essa modalidade extraordinária também é evidente inserido o sujeito no esforço militar de guerra com potencial risco de vir a sucumbir não é razoável imaginar que teria de correr a um tabelião para fazer um testamento A situação excepcional autoriza o modelo simplificado que possui também um iter procedimental próprio para sua elaboração Assim como as demais modalidades especiais já vistas testamentos marítimo e aeronáutico certas regras peculiares lhe são aplicadas considerandose a ausência do rito comum de lavratura ou registro do ato perante um tabelião O diferencial básico é que a autoridade administrativa não será obviamente um oficial de registro mas sim como nas modalidades anteriores um comandante oficial chefe ou autoridade administrativa correspondente Aliás pela própria hierarquia militar poderá variar a patente grau ou posto do oficial ou autoridade que acompanhará a feitura do ato De fato se o testador pertencer a corpo ou seção de corpo destacado o testamento será escrito pelo respectivo comandante ainda que de graduação ou posto inferior conforme preceitua o 1º do art 1893 Por outro lado na forma determinada pelo 2º do mesmo dispositivo se o testador estiver em tratamento em hospital o testamento será escrito pelo respectivo oficial de saúde ou pelo diretor do estabelecimento A lógica portanto é a observância da disciplina militar reconhecendose competência sempre que possível ao oficial em comando na unidade correspondente E se o testador for justamente o militar mais graduado Nessa situação observandose a hierarquia estabelece o 3º que o testamento será escrito por aquele que substituir o oficial de maior patente Percebase que a norma autoriza que o testamento seja escrito por terceiro o que é plenamente razoável na situação em tela principalmente levando em consideração a possibilidade de o testador estar ferido em combate Podese abrir mão da assinatura A lógica é que a assinatura do testador certifique a autenticidade do documento mas obviamente dadas as circunstâncias poderá haver uma assinatura a rogo ou seja por terceiro na hipótese de o testador não ter condições de assinar ou não saber fazêlo Nesse caso o número de testemunhas que ordinariamente é de duas passa a ser de três caso em que o documento será assinado por uma delas Tudo em prol da segurança jurídica Todavia podendo o testador escrever poderá apresentar o testamento aberto ou cerrado a teor do art 1894 do Código Civil Art 1894 Se o testador souber escrever poderá fazer o testamento de seu punho contanto que o date e assine por extenso e o apresente aberto ou cerrado na presença de duas testemunhas ao auditor ou ao oficial de patente que lhe faça as vezes neste mister Parágrafo único O auditor ou o oficial a quem o testamento se apresente notará em qualquer parte dele lugar dia mês e ano em que lhe for apresentado nota esta que será assinada por ele e pelas testemunhas A possibilidade de entregálo cerrado é um meio de garantir o sigilo do conteúdo da sua disposição de última vontade Assim como ocorre nos testamentos marítimo e aeronáutico o testamento militar também pode caducar Vejamos o que dispõe o art 1895 do CC2002 Art 1895 Caduca o testamento militar desde que depois dele o testador esteja noventa dias seguidos em lugar onde possa testar na forma ordinária salvo se esse testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo antecedente Ou seja decorrendo o prazo de noventa dias seguidos em que o testador esteja em lugar onde possa testar na forma ordinária fazse presumir a cessação dos efeitos do testamento O referido dispositivo todavia ressalva a circunstância de ter havido o registro efetivo do testamento perante o auditor ou oficial com a assinatura do testador e das testemunhas Nesse caso a sua revogação somente se dará de forma expressa inexistindo a possibilidade de caducidade Por óbvio se ocorrer a abertura da sucessão com o falecimento do testador durante a campanha ou até noventa dias depois da sua baixa haverá a produção total de efeitos do testamento militar Por fim cabe observar que os termos nuncupação substantivo e nuncupativo adjetivo têm como significado uma designação oral 180 Na vigente codificação civil brasileira a nomenclatura não é expressamente utilizada pelo menos no que diz respeito à sucessão hereditária diferentemente do que se dá no Direito de Família 181 A doutrina especializada em Direito das Sucessões todavia usa a expressão para caracterizar o testamento militar feito pela forma oral Tratase de uma especial modalidade testamentária em que o testador narra verbalmente suas declarações de última vontade para testemunhas o que no vigente ordenamento jurídico somente é admissível para as pessoas empenhadas em combate ou feridas de guerra na forma do art 1896 Art 1896 As pessoas designadas no art 1893 estando empenhadas em combate ou feridas podem testar oralmente confiando a sua última vontade a duas testemunhas Parágrafo único Não terá efeito o testamento se o testador não morrer na guerra ou convalescer do ferimento Tratase portanto do chamado testamento nuncupativo ou in extremis Observese que tal forma também caducará caso não ocorra a abertura da sucessão leiase o falecimento do testador A menção a convalescer do ferimento se interpretada literalmente é desnecessária se não ilógica pois se ferido mas estando vivo não há falar em sucessão A única forma de interpretar a referência nesse aspecto é imaginar que o testador teria sobrevivido à guerra mas permanecido sem condições de se comunicar durante algum tempo até o advento de sua morte Isso porque realizado o testamento oral e sobrevivendo o testador com plena capacidade para testar a posteriori perderá ele os seus efeitos ainda que venha a falecer posteriormente XCVIII CODICILO 1 CONCEITO E DENOMINAÇÃO Conceitualmente o codicilo é um negócio jurídico unilateral de última vontade pelo qual o autor da herança pode dispor sobre o seu enterro e valores de pequena monta O termo codicilo é derivado do latim codicillus sinônimo de codiculus diminutivo de codex Significava originariamente tabuinhas para escrever passando a designar escrito ou prómemória 182 Tratase portanto de um texto escrito datado e assinado por alguém183 Mas qual é a particularidade dessa declaração de vontade que mereceu tratamento próprio por parte do legislador É que por meio dele seu autor poderá expressar certas manifestações de vontade a respeito de providências menores que quer ver atendidas após a sua partida do plano terreno Todavia o codicilo não se presta para qualquer finalidade de disposição patrimonial póstuma conforme veremos em seguida 2 FINALIDADE E OBJETO DO INSTITUTO Como dito não é qualquer disposição de última vontade que pode ser objeto de um codicilo A finalidade do codicilo é bem restrita Na forma do art 1881 do Código Civil Art 1881 Toda pessoa capaz de testar poderá mediante escrito particular seu datado e assinado fazer disposições especiais sobre o seu enterro sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas ou indeterminadamente aos pobres de certo lugar assim como legar móveis roupas ou joias de pouco valor de seu uso pessoal Como se vê do texto legal a finalidade do codicilo é uma disposição patrimonial post mortem de menor monta seja referente ao próprio passamento de seu autor por exemplo se pretende ser sepultado ou cremado bem como se pretende seguir algum ritual religioso específico seja para dispor de bens dinheiro móveis roupas ou joias de pouco valor Assim temse que o objeto do codicilo significa normalmente uma despesa de menor potencial econômico 184 Mas o que pode ser considerado uma despesa de menor potencial econômico O conceito é subjetivo 185 e deve ser interpretado de acordo com o universo patrimonial do autor do codicilo chamado codicilante uma vez que determinado bem considerado de pequeno valor financeiro pode ser efetivamente parte significativa do espólio 186 Sobre sufrágios por intenção da alma do falecido vale destacar que o art 1998 estabelece que as despesas funerárias haja ou não herdeiros legítimos sairão do monte da herança mas as de sufrágios por alma do falecido só obrigarão a herança quando ordenadas em testamento ou codicilo 187 Uma disposição de maior repercussão que é a nomeação ou substituição de testamenteiro por sua vez pode ser feita através de codicilo na forma do art 1883 do Código Civil 188 Da mesma forma consideramos perfeitamente razoável a utilização de um codicilo para o fim de manifestar perdão ao indigno tendo em vista a menção à expressão ou em outro ato autêntico no caput do art 1818 Tema interessante é saber se por meio de um codicilo poderseia operar o reconhecimento de filiação por traduzir um escrito particular a teor do art 1609 II do vigente Código Civil 189 Não havendo dúvida quanto à autenticidade da declaração o codicilo em nosso sentir poderá indiscutivelmente servir como meio idôneo ao reconhecimento voluntário de filho 190 à luz do princípio da veracidade da filiação caso em que neste ponto deve ser considerado irrevogável 3 FORMA Diferentemente do testamento o codicilo tem forma simplificada bastando que o seu autor o qual obviamente deve ter capacidade de testar redija um escrito particular datandoo e assinandoo sem necessidade expressa de testemunhas ou de qualquer outra formalidade Se a forma é aparentemente livre não se pode deixar de salientar a imprescindibilidade do registro da data e assinatura como elemento essencial para o reconhecimento da validade da manifestação de vontade 191 E como observa MARIA HELENA DINIZ Devido à sua pouca projeção não se subordina aos requisitos testamentários formais Apesar de não estar sujeito a requisito de forma o codicilo deverá se estiver fechado ser aberto do mesmo modo que o testamento cerrado CC art 1885 exigindose necessariamente a intervenção do juiz competente ou seja o juiz da provedoria com a observância do Código de Processo Civil art 1125 192 Uma pergunta importante é saber se o codicilo precisa ser redigido de próprio punho A compreensão histórica do instituto aponta no sentido de que o codicilo tenha realmente de ser hológrafo ou seja escrito pelo próprio autor Na verdade embora justificável do ponto de vista histórico acreditamos que seja perfeitamente possível flexibilizar essa interpretação partindose do pressuposto de que o princípio da boafé também disciplinador do Direito das Sucessões justificaria o ato lavrado por meios mecânicos ou eletrônicos mais condizentes com o estágio tecnológico dos nossos dias Assim a exigência inexistente no vigente texto legal de que o codicilo seja manuscrito embora presente de forma muito comum no passado já tende a ser superada Sobre o tema e na mesma vereda observam FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO A única ressalva a ser feita é que assim como ocorre com testamento particular se o codicilo for feito mecanicamente todas as páginas deverão estar assinadas pelo autor do codicilo Nesse sentido o Projeto 2762007 antigo PL 69602002 corrige o equívoco do atual Código Civil e acrescenta um parágrafo único nos seguintes termos O escrito particular pode ser redigido ou digitado mecanicamente desde que seu autor numere e autentique com a sua assinatura todas as páginas 193 Ainda a respeito da forma parecenos interessante discutir se a manifestação codicilar deve ser feita de maneira exclusiva A questão é compreender se por exemplo em uma carta sobre a vida ou mesmo em um poema poderia o declarante estabelecer um codicilo mesmo não sendo tal documento feito única e exclusivamente para tal finalidade Entendemos que a resposta é positiva desde que seja possível aferir a seriedade e a autenticidade da manifestação realizada de forma a atender ao objetivo do codicilo Finalmente é preciso destacar a regra do art 1885 de que se estiver fechado o codicilo abrirseá do mesmo modo que o testamento cerrado Assim deve o juiz verificar se o codicilo está intacto abrindoo e determinando que o escrivão o leia na presença de quem o entregou com a posterior lavratura de auto de abertura na forma do 1º do art 735 do atual Código de Processo Civil Vale registrar porém que o 3º do art 737 do CPC2015 manda aplicar ao codicilo bem como aos testamentos marítimo aeronáutico militar e nuncupativo as regras do testamento particular o que soa um tanto inadequado uma vez que não há necessariamente testemunhas no codicilo não sendo a sua presença a priori um requisito indispensável para sua validade Também criticando dispositivo análogo da legislação anterior observava ORLANDO GOMES Fazse por escrito particular datado e assinado sem estar sujeito pela insignificância do seu conteúdo às solenidades do testamento mas se estiver fechado abrese do mesmo modo que o testamento cerrado Ignorando esse mandamento prescreveu o Código de Processo Civil que sua execução deve obedecer às regras prescritas para a confirmação do testamento particular Necessário passou a ser em consequência o requerimento para publicação em juízo do codicilo e a inquisição de testemunhas se houver para a confirmação Esse tratamento dado ao codicilo é inspirado no equívoco de supor que ainda é aquele pequeno testamento quando até o Código Civil há mais de sessenta anos já abandonara tal figuração 194 Realmente é uma contradição evidente 4 RELAÇÃO DO CODICILO COM O TESTAMENTO O codicilo convive sem nenhuma incompatibilidade com o testamento Nesse sentido observese o art 1882 do Código Civil Art 1882 Os atos a que se refere o artigo antecedente salvo direito de terceiro valerão como codicilos deixe ou não testamento o autor E isso vale para qualquer modalidade de testamento seja ordinária ou especial Registrese inclusive que uma declaração de última vontade supostamente feita como codicilo caso atenda às solenidades testamentárias pertinentes poderá valer como um testamento sendo assim considerado Mas poderia um codicilo revogar um testamento A resposta é negativa em virtude especialmente da maior formalidade de que se reveste o testamento 5 REVOGAÇÃO O codicilo como em regra qualquer manifestação de vontade pode ser revogado A revogação consiste em uma modalidade de desfazimento de determinados negócios jurídicos mediante declaração de vontade contrária àquela anteriormente emitida Nesse sentido dispõe o art 1884 do Código Civil Art 1884 Os atos previstos nos artigos antecedentes revogamse por atos iguais e consideramse revogados se havendo testamento posterior de qualquer natureza este os não confirmar ou modificar Um codicilo portanto revogase por outro codicilo ou ainda mediante a feitura de testamento posterior ordinário ou especial se este não o modificar ou confirmar A norma pois conduznos à ideia de que a elaboração de um testamento que não faça menção ao codicilo confirmandoo ou modificandoo tornáloá sem efeito Finalmente uma observação feita por SÍLVIO VENOSA chama a nossa atenção Lembra o ilustre jurista não haver espaço no Direito brasileiro para a chamada cláusula conciliar pela qual o testador dizia que se seu ato não valesse como testamento que servisse como codicilo 195 Pensamos que em certas e justificadas situações a teor do princípio da conservação do negócio jurídico uma declaração testamentária pode ser aproveitada como codicilo a exemplo da hipótese em que um testamento inválido por violação da legítima também dispôs a respeito de rituais fúnebres ou pagamento de pequenas despesas com solenidades religiosas É o caso de se aproveitar excepcionalmente parte do ato de última vontade como codicilo XCIX DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS 1 CONCEITO DE DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA Tecnicamente o que é uma disposição testamentária Tratase de uma manifestação da vontade ordinariamente reduzida a termo constituindo parte integrante de um testamento O pronunciamento da vontade ao ser positivado ganha normalmente o formato de uma cláusula como um tópico entre diversos outros de um conjunto de deliberações Observese que a menção à cláusula testamentária todavia não deve limitarse ao registro escrito e organizado da disposição mas deve ser compreendida como a própria exteriorização da vontade Assim não é porque não está sistematizada ou em linguagem técnica que deve ser desconsiderada pois o mais importante é que demonstre a vontade inequívoca do testador observandose os requisitos de validade da declaração 2 MODALIDADES Uma cláusula testamentária pode ter natureza patrimonial e conter uma disposição de última vontade sem conteúdo patrimonializado Também quanto ao seu formato pode ela conforme dispõe o art 1897 do Código Civil 196 ser elaborada com um teor simples e direto sem limitações no plano da eficácia ou estar submetida a uma condição cláusula condicional ou a um encargo ônus ou modo cláusula modal bem como atrelada a um certo motivo Entendese por nomeação pura e simples a disposição testamentária enunciada sem qualquer limitação produzindo seus efeitos imediatamente Nessa linha transmitemse incontinenti a propriedade e a posse da herança ao herdeiro e a propriedade ao legatário já que no caso deste último não se pode imitir na posse por autoridade própria arts 1784 e 1923 1º do CC Compreendase como nomeação condicional sob condição a disposição testamentária submetida a um evento futuro e incerto Interpretese nomeação modal para certo fim ou modo como a disposição testamentária a que seja imposta uma restrição da liberalidade Não se trata de uma contraprestação mas sim de um ônus Na tipologia da nomeação de cláusulas testamentárias hão de se incluir também por força da utilização da expressão por certo motivo as nomeações causais que devem ser entendidas como aquelas relacionadas a determinada justificativa expressa no testamento É o caso por exemplo de Fulano deixar um bem para Sicrano por ter sido ele quem lhe prestou socorro em um acidente Se quem prestou socorro foi Beltrano é para este que o bem deve ser direcionado se efetivamente for possível identificar a pessoa que o testador pretendia favorecer tendo em vista que foi explicitada a causa da liberalidade 197 Parecenos razoável defender inclusive que se trata de aplicação semelhante àquela propugnada pela teoria dos motivos determinantes tão prestigiada no Direito Administrativo Não se admitem porém cláusulas submetidas a termo conforme se pode verificar do art 1898 do CC Art 1898 A designação do tempo em que deva começar ou cessar o direito do herdeiro salvo nas disposições fideicomissárias terseá por não escrita Ressalvamse de tal vedação porém as substituições fideicomissárias que serão apreciadas no tópico 4 Substituição Fideicomissária Fideicomisso do Capítulo CII Substituições deste Manual 3 INTERPRETAÇÃO Relevante tecer algumas considerações sobre a interpretação do testamento compreendido como sabemos como um negócio jurídico unilateral de disposição de última vontade Em sua Parte Geral o Código Civil brasileiro estabelece Art 114 Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretamse estritamente Se essa é a regra geral de interpretação de disposição em negócios jurídicos benéficos a exemplo de uma doação há regra própria e específica para o testamento Está ela prevista no art 1899 do Código Civil que também merece ser transcrito Art 1899 Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador Tal regra é a prova inequívoca da consagração positivada do Princípio do Respeito à Vontade Manifestada Tomando como base essa regra fundamental de interpretação testamentária 198 passemos a compreender a disciplina codificada da nomeação de herdeiros pelo testamento 4 SOBRE A NOMEAÇÃO DE HERDEIROS E A DISTRIBUIÇÃO DE QUINHÕES OU BENS INDIVIDUALMENTE CONSIDERADOS Respeitada a legítima quando há herdeiros necessários tem o testador toda a parte disponível do seu patrimônio para dispor por meio do testamento Se não há legítima a preservar poderá o testador dispor de todo o seu patrimônio da forma como lhe aprouver Afinal uma das faculdades do direito de propriedade é justamente o poder de dispor Sendo válida a disposição testamentária qualquer sujeito com capacidade sucessória passiva poderá ser destinatário do patrimônio do falecido inclusive os necessitados em geral Sobre tal possibilidade preceitua o art 1902 do Código Civil Art 1902 A disposição geral em favor dos pobres dos estabelecimentos particulares de caridade ou dos de assistência pública entenderseá relativa aos pobres do lugar do domicílio do testador ao tempo de sua morte ou dos estabelecimentos aí sitos salvo se manifestamente constar que tinha em mente beneficiar os de outra localidade Parágrafo único Nos casos deste artigo as instituições particulares preferirão sempre às públicas A diretriz primordial como dito é preservar sempre a vontade do testador buscando compatibilizála quando houver imprecisões que a priori impediriam a sua efetivação Assim se no meu testamento eu testo todo ou parte do meu patrimônio aos pobres sem indicálos a interpretação a ser dada à disposição é no sentido de restringila aos pobres do local do meu próprio domicílio salvo disposição expressa em sentido contrário Notese que as instituições particulares nos termos do parágrafo único acima mencionado preferirão às públicas Isso porque o legislador certamente parte do pressuposto de os estabelecimentos particulares geridos por membros da própria sociedade civil dependerem mais de recursos alheios na medida em que não têm o permanente apoio do próprio Estado Ainda sobre a nomeação de herdeiros um aspecto deve ser salientado o que fazer se houver algum erro na designação da pessoa do herdeiro A questão é respondida pelo já mencionado art 1903 Art 1903 O erro na designação da pessoa do herdeiro do legatário ou da coisa legada anula a disposição salvo se pelo contexto do testamento por outros documentos ou por fatos inequívocos se puder identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria referirse É o caso já visto de alguém dispor em testamento em benefício de determinada pessoa por ela lhe ter salvado a vida mas ser apurado posteriormente que quem lhe prestou o socorro efetivamente foi outrem Tal regra decorre do próprio princípio da conservação do negócio jurídico 199 em que se busca preserválo em situações de vícios sanáveis evitandose assim um indesejável reconhecimento de invalidade que desprezaria a vontade manifestada do testador Observese que na forma do art 1904 se o testamento nomear dois ou mais herdeiros sem discriminar a parte de cada um partilharseá por igual entre todos a porção disponível do testador Parecenos sem dúvida uma regra bastante razoável pois para preservar justamente a inteireza da vontade do testador não se devem fazer ilações sobre porcentagens ou divisões entre herdeiros igualmente nomeados Mas e se tal nomeação não for absolutamente isonômica E se o testador nomear individualmente alguns herdeiros ex Fulano Beltrano e Sicrano e coletivamente outros ex os membros da Banda Crooners in Concert o que fazer A resposta é trazida em dicção clara pelo art 1905 Art 1905 Se o testador nomear certos herdeiros individualmente e outros coletivamente a herança será dividida em tantas quotas quantos forem os indivíduos e os grupos designados No entanto e se propositalmente ou mesmo por um erro de conta o testador determinar quotas para cada herdeiro não absorvendo toda a herança disponível Mais uma vez o codificador se preocupou com tal questão prática estabelecendo em seu art 1906 justamente que se forem determinadas as quotas de cada herdeiro e não absorverem toda a herança o remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos segundo a ordem da vocação hereditária o que em uma interpretação lógica parecenos de fato a melhor solução E por fim se forem determinados os quinhões de uns e não os de outros herdeiros o que fazer A resposta parece óbvia Outorgar primeiro as porções hereditárias dos herdeiros com quinhão predeterminado distribuindo somente após isso o que restar por igual aos demais herdeiros tendo sido tal conclusão estabelecida expressamente no texto codificado 200 Em conclusão vale destacar que em respeito ao poder de disposição do testador da mesma forma como ele observada a legítima pode designar um herdeiro ou legatário como destinatário específico de um bem também pode estabelecer restrições a que bens específicos sejam atribuídos a quem quer que seja É a regra prevista no art 1908 Art 1908 Dispondo o testador que não caiba ao herdeiro instituído certo e determinado objeto dentre os da herança tocará ele aos herdeiros legítimos Tal restrição porém como parece lógico também deve observar as regras da sucessão legítima pois caso o herdeiro instituído seja coincidentemente o único remanescente a limitação não poderá produzir efeitos 5 VALIDADE DAS CLÁUSULAS TESTAMENTÁRIAS O testamento é um negócio jurídico unilateral por emanar de uma única manifestação de vontade e formal pois deve observar rigorosos pressupostos de validade Por isso além das regras gerais de invalidade dos negócios jurídicos perfeitamente aplicáveis mutatis mutandis aos testamentos também no que diz respeito às cláusulas testamentárias preocupouse o codificador com o estabelecimento de regras específicas de nulidade Art 1900 É nula a disposição I que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este disponha também por testamento em benefício do testador ou de terceiro II que se refira a pessoa incerta cuja identidade não se possa averiguar III que favoreça a pessoa incerta cometendo a determinação de sua identidade a terceiro IV que deixe a arbítrio do herdeiro ou de outrem fixar o valor do legado V que favoreça as pessoas a que se referem os arts 1801 e 1802 A primeira hipótese caracteriza modalidade específica de estipulação testamentária vedada a saber aquela que imponha ao beneficiário uma disposição equivalente em favor do próprio testador ou de terceiro o que muito se assemelha à hipótese já vista de testamento proibido Sobre o tema ensinam FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO A condição captatória é aquela em que a vontade do morto não é externada livremente quer seja porque houve dolo quer porque decorreu de pacto sucessório BEVILÁQUA Clóvis Código Civil 1955 v VI p 103 Entretanto explica Silvio Rodrigues que não se trata da proibição genérica da captação dolosa da vontade em que a cláusula testamentária é anulável com base no art 171 II do Código Civil em virtude da existência de um vício da vontade ou seja o dolo mas de uma nulidade absoluta inspirada na mesma ideia de interesse geral que veda os pactos sucessórios Direito civil 2002 v 7 p 185 O que se percebe é que o tratamento legislativo é diverso daquele constante da Parte Geral do Código Civil Em verdade estamos diante de regra que decorre do art 426 do CC daquela notória divisão entre institutos contratuais e sucessórios pelo qual é nulo o contrato que tenha por objeto herança de pessoa viva pacta corvina Sendo assim também é nula a cláusula testamentária em que há uma troca de favores pela qual o testador declara que nomeia certa pessoa herdeira sob a condição de ela nomear um terceiro como herdeiro Como exemplo deixo meus bens a Pablo se ele deixar todos os seus bens a Rodolfo 201 grifamos Notese pois que da mesma forma que se proíbe testamento que vise a uma troca de favores uma cláusula testamentária de mesma natureza também é proibida É perfeitamente possível estabelecer uma nomeação condicional de herdeiros O que não é admissível é o condicionamento a uma disposição testamentária em benefício próprio ou de terceiro em verdadeira e lamentável manifestação quid pro quo 202 como se o testamento fosse uma via adequada para o estabelecimento de barganhas A segunda e a terceira hipóteses específicas de nulidade de disposição testamentária se referem ao sujeito por ela beneficiado Ao contrário do que se possa imaginar em uma primeira leitura não há impedimento legal a se estabelecer disposição testamentária a pessoa incerta Podese sim dispor bens a uma pessoa sem individualizála Mas essa pessoa indeterminada precisa ser no mínimo determinável de acordo com a manifestação da vontade do próprio testador Assim é possível estabelecer disposições como visto para pessoas que realizaram determinadas condutas por exemplo dispor em benefício de quem realizou uma boa ação específica mesmo quando o testador não as conheça individual e pessoalmente O que não se pode é estabelecer genericamente alguém sem um mínimo de determinabilidade Por isso não se pode testar em benefício de alguém cuja identidade não se possa averiguar inciso II ou delegar a determinação de sua identidade a terceiro inciso III pois isso faria com que a vontade do testador ficasse dependente da manifestação da vontade de outrem Um exemplo ilustrará a última hipótese deixo 13 da minha herança para a pessoa que Salomão indicar Haveria pois no caso uma inaceitável interferência de terceiro na manifestação de vontade do testador Da mesma forma como não se pode delegar a terceiro a designação do herdeiro também não se pode cometer a outrem o valor do legado inciso IV Comentando o dispositivo observam FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO Novamente a razão da nulidade é óbvia pois se o testador deixasse a terceiros a fixação do legado estaria transferindo o próprio direito de testar que é personalíssimo O objeto do legado deve ser determinado ou determinável de acordo com os elementos contidos no próprio testamento para que a efetiva vontade do morto e não a do herdeiro ou legatário seja respeitada Aliás todas as condições de certo negócio deixadas ao arbítrio de certa pessoa são nulas por aplicação analógica da regra que proíbe a condição puramente potestativa art 122 do CC Como exceção ao dispositivo valerá a disposição em remuneração de serviços prestados ao testador por ocasião da moléstia de que faleceu ainda que fique ao arbítrio do herdeiro ou de outrem determinar o valor do legado art 1901 II do CC Tratase de uma sucessão onerosa pois a deixa não constitui verdadeira liberalidade já que o beneficiário prestou serviços ao falecido O instituto traz situação que se assemelha à doação remuneratória que é feita para agradecer a um serviço prestado por uma pessoa que não se torna credora em razão deste bem como em agradecimento por determinada atitude do donatário Como dispõe o art 540 do atual Código não se trata de um ato de liberalidade em si mas somente na parte que exceder o serviço prestado Vale dizer contudo que a diferença entre os institutos é que na doação o disponente celebra contrato que produz efeitos em vida Já na disposição testamentária esta só produz efeitos após sua morte 203 Tal ato é personalíssimo e por isso indelegável sendo nula de pleno direito qualquer disposição nesse sentido Por fim é forçoso convir que serão nulas as disposições testamentárias dirigidas a pessoas com impedimentos legais sucessórios inciso V por carecerem de vocação hereditária específica Por outro lado estabeleceu o codificador previamente o reconhecimento da validade de disposições testamentárias pouco ortodoxas Falamos nesse caso do art 1901 do Código Civil Art 1901 Valerá a disposição I em favor de pessoa incerta que deva ser determinada por terceiro dentre duas ou mais pessoas mencionadas pelo testador ou pertencentes a uma família ou a um corpo coletivo ou a um estabelecimento por ele designado II em remuneração de serviços prestados ao testador por ocasião da moléstia de que faleceu ainda que fique ao arbítrio do herdeiro ou de outrem determinar o valor do legado A primeira situação é uma exceção aparente à regra de nulidade de disposição que remeta para terceiro a escolha de pessoa incerta Isso porque a menção a pessoa incerta diz respeito a uma coletividade específica em que o âmbito de escolha já está delimitado pelo testador apenas autorizando que o terceiro escolha o beneficiário dentre algumas pessoas determinadas A exemplificação ajuda a compreender melhor a questão Seria absolutamente nula uma cláusula que dispusesse em favor de quem Fulano escolhesse Por outro lado seria perfeitamente aceitável a disposição para Beltrano ou Sicrano remetendo a escolha a Fulano A segunda hipótese prevista no dispositivo é a da estipulação de remuneração por serviços prestados ao testador por ocasião da moléstia de que faleceu A razoabilidade da autorização legal parecenos evidente De fato nem sempre o falecimento vem a ocorrer quando o indivíduo ainda está plenamente capaz de manifestar a sua vontade Imaginese por exemplo que o testador depois de estabelecer a cláusula venha a entrar em coma ou padecer longo tempo sem condições de expressar seu consentimento Somente um dom de profecia poderia prever quem especificamente se encarregaria de cuidar do paciente e quanto tempo ou dedicação seriam despendidos Assim uma disposição geral para que o patrimônio do testador remunerasse serviços prestados por ocasião da moléstia que lhe tirou do plano de existência pode ter sem problemas tal âmbito de amplitude remetendo a herdeiro ou a outrem a determinação do valor razoável para a remuneração de tão nobre labor 6 PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO O caput do art 1909 do Código Civil traz uma disposição absolutamente desnecessária Com efeito ao afirmar que são anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro dolo ou coação nada acrescenta ao direito positivo regente da matéria uma vez que é regra assente na parte geral do Código Civil brasileiro que os negócios jurídicos celebrados com tais vícios de consentimento são anuláveis Em seu parágrafo único estabelece ainda o prazo decadencial de quatro anos para se exercer o direito potestativo de anular a disposição por vício de vontade contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício Tal prazo se coaduna com a regra geral do art 178 do Código Civil para a anulação dos negócios jurídicos que é também de quatro anos 204 Todavia não se pode deixar de registrar que para outras hipóteses de impugnação da validade do testamento fora previsto o prazo específico e diferenciado de cinco anos conforme se lê no art 1859 contados da data do registro dicotomia prazal que poderia ter sido evitada 205 O prazo quinquenal prevaleceria inclusive em face de eventuais causas de nulidade absoluta do negócio jurídico a exemplo da incapacidade absoluta do agente ou da impossibilidade do seu objeto as quais em regra nos termos do art 169 do Código Civil não comportariam prazo para a sua impugnação Nesse sentido relembremos a lição de SÍLVIO VENOSA Lembremos que o novo Código fixou em cinco anos o prazo decadencial para impugnar a validade do testamento contado o prazo da data de seu registro art 1859 Ao mencionar impugnação o novo diploma se refere tanto aos casos de nulidade como de anulabilidade Com isso derroga a regra geral do art 169 segundo o qual o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação nem convalidação pelo decurso do tempo A natureza do testamento e as dificuldades que a regra geral da imprescritibilidade ocasionaria forçou essa tomada de posição pelo legislador Essa exceção ao princípio geral vem demonstrar que não é conveniente essa regral geral de não extinguibilidade com relação aos negócios nulos Melhor seria que se abraçasse a corrente doutrinária anterior que entendia que os atos nulos prescrevem no prazo máximo estabelecido no ordenamento Nesse campo de nulidades porém há que se atentar para as hipóteses de inexistência de testamento quando qualquer prazo extintivo se mostra inaplicável para sua declaração como ocorre por exemplo na hipótese de perfeita ausência de vontade do testador 206 Podemos então concluir que nos termos do referido art 1859 o prazo decadencial de cinco anos para impugnação do testamento diz respeito a qualquer defeito de validade com exceção dos vícios de consentimento referidos no art 1909 Tratase de matéria que sem dúvida poderia ter sido mais bem tratada pelo legislador 7 LIMITAÇÕES DE EFICÁCIA Ainda na disciplina das disposições testamentárias estabelece o art 1910 Art 1910 A ineficácia de uma disposição testamentária importa a das outras que sem aquela não teriam sido determinadas pelo testador Parecenos que o referido dispositivo explicita o óbvio De fato por uma lógica regra de causalidade não podem ser consideradas eficazes disposições que se fundamentam em outras que tenham sido declaradas ineficazes Explicando o dispositivo sintetizam DIMAS MESSIAS DE CARVALHO e DIMAS DANIEL DE CARVALHO A nulidade pode ser do próprio instrumento testamento ou apenas de qualquer uma de suas cláusulas Na última hipótese a ideia dominante em face do princípio da defesa do testamento é que a nulidade de uma cláusula não deverá prejudicar o resto do instrumento devendo as lícitas serem mantidas Entretanto se as cláusulas lícitas foram entrosadas ou decorrentes das nulas e sem estas não seriam determinadas também são ineficazes art 1910 do CC 207 Assim inspirandonos na vetusta ideia segundo a qual o acessório segue a mesma sorte do principal se há uma relação evidente entre duas disposições a ponto de se concluir que sem uma a outra não produziria efeitos não há como subsistir tal relação E como derradeiro tópico deste capítulo tratemos da relevantíssima questão das cláusulas restritivas de propriedade 8 CLÁUSULAS DE RESTRIÇÃO DE PROPRIEDADE Entre o enorme plexo de cláusulas testamentárias possíveis a lei autoriza que o testador em sua disposição de última vontade estipule restrições ao legado ou à herança impondolhes os gravames de inalienabilidade incomunicabilidade ou impenhorabilidade É a regra do art 1911 do Código Civil Art 1911 A cláusula de inalienabilidade imposta aos bens por ato de liberalidade implica impenhorabilidade e incomunicabilidade Parágrafo único No caso de desapropriação de bens clausulados ou de sua alienação por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro mediante autorização judicial o produto da venda converterseá em outros bens sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros Entendase por inalienabilidade a restrição à transferência do bem a terceiros seja a título gratuito ou oneroso Por impenhorabilidade por sua vez compreendase a restrição da possibilidade de constrição judicial Já por incomunicabilidade depreendase a restrição à transferência de fração ideal do bem ao cônjuge ou companheiro quando da formação de um núcleo familiar restrição esta feita com a finalidade de proteção próprio beneficiário do testamento 208 Vale destacar que a regra do caput de que a inalienabilidade implica automaticamente tanto a impenhorabilidade quanto a incomunicabilidade acaba por acolher em sede legal antiga diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal 209 o que nos parece a priori muito razoável De fato se tal não ocorresse seria fácil escapulir da regra legal de inalienabilidade Bastaria por exemplo o herdeiro assumir dívidas até o valor do bem e a posteriori indicálo na execução para penhora ou então casarse em regime de comunhão universal para em seguida divorciarse partilhando o patrimônio recebido Claro que por vezes em função de peculiaridades da situação concreta tal impenhorabilidade não deve ser considerada de forma absoluta o que também se vislumbra na prática judiciária RECURSO ESPECIAL SUCESSÃO DÍVIDAS DO MORTO TESTAMENTO QUE GRAVA OS IMÓVEIS DEIXADOS COM CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE POSSIBILIDADE DE PENHORA EM EXECUÇÃO MOVIDA POR CREDOR DO DE CUJUS 1 Os bens deixados em herança ainda que gravados com cláusula de inalienabilidade ou de impenhorabilidade respondem pelas dívidas do morto 2 Por força do Art 1676 do Código Civil de 1916 as dívidas dos herdeiros não serão pagas com os bens que lhes foram transmitidos em herança quando gravados com cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade por disposição de última vontade Tais bens respondem entretanto pelas dívidas contraídas pelo autor da herança 3 A cláusula testamentária de inalienabilidade não impede a penhora em execução contra o espólio STJ REsp 998031SP Recurso Especial 200500722904 Rel Min Humberto Gomes de Barros j 11122007 DJ 19122007 p 1230 LexSTJ v 223 p 267 RT v 871 p 207 Observese finalmente que a vigente codificação civil de forma inovadora abrandou o rigor da cláusula para permitir na forma do parágrafo único supratranscrito por conveniência econômica do beneficiário e mediante autorização judicial a alienação dos bens gravados convertendose o valor apurado em outros bens sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros Além disso reforçando o caráter relativo da inalienabilidade a conversão também é aplicável para hipóteses de desapropriação caso em que o valor da indenização converterseá em outros bens sobre os quais continuarão a incidir os gravames O referido parágrafo único em nosso sentir não foi plenamente técnico ao mencionar que o produto da venda converterseá em outros bens porquanto embora se possa falar em venda no caso de alienação por conveniência econômica do herdeiro a mesma expressão não pode ser empregada para o caso da expropriação Além disso note amigo leitor que também há a menção ao donatário apesar de estarmos a tratar do estudo de uma cláusula atinente ao testamento e não ao contrato de doação Pondo de lado esses aspectos terminológicos o sentido da norma é claro o valor apurado quer seja no caso da venda quer seja no da desapropriação converterseá em outros bemns os qualis passaráão a ser objeto dos gravames Finalmente parecenos plenamente razoável defender em situações excepcionais a eventual possibilidade da revogação de tais cláusulas com a finalidade de imprimir função social à propriedade e de preservar a dignidade da pessoa do proprietário o que tem encontrado guarida na jurisprudência pátria 210 É o caso por exemplo de o beneficiário precisar vender o imóvel recebido para empregar todo o valor apurado no custeio de uma complexa cirurgia A título de conclusão vale acrescentar ainda a par da polêmica a respeito do tema haver entendimento jurisprudencial no sentido de se admitir a usucapião do bem clausulado 211 Por fim registrese que o Código Civil brasileiro de 1916 admitia a possibilidade de o testador também clausular a legítima o que fora restringido pela vigente codificação que condicionou o gravame à ocorrência de justa causa C LEGADOS 1 NOÇÕES CONCEITUAIS Legado em linhas gerais é um bem certo e determinado ou excepcionalmente determinável deixado pelo autor da herança a alguém denominado legatário por manifestação expressa em testamento ou codicilo A ideia parece muito simples se o herdeiro sempre recebe a título universal isto é a totalidade ou fração ideal metade um terço um quinto do patrimônio o legatário recebe bem destacado singularizado extraído da universalidade por exemplo uma casa ou um veículo especificado pelo autor da herança em testamento No ordenamento jurídico brasileiro é da essência do legado ser uma liberalidade mortis causa a título singular constituindose uma atecnia falarse em legados universais 212 Isso não impede por si só que toda a herança seja objeto de legados desde que todos os bens componentes do espólio tenham sido individualmente designados no testamento ou codicilo o que obviamente somente ocorrerá se não houver necessidade de respeito à legítima ou seja na hipótese de inexistirem herdeiros necessários 213 Sobre o tema registra CARLOS ROBERTO GONÇALVES Pouco importa o nome que no testamento se dê à liberalidade ou seja se o disponente designa o herdeiro com o nome de legatário ou se viceversa chama o legado de herança Não há palavras sacramentais O que conta é a essência da declaração pela qual se qualifica a vontade testamentária relativamente a uma pessoa ou a uma coisa Toda vez que se deixa certo objeto não o acervo ou parte alíquota do mesmo toda vez que a sucessão se verifica a título particular é de legado que se trata 214 A observação parecenos bastante relevante De fato é preciso compreender o legado como uma manifestação direcionada no sentido de se atribuir a titularidade de determinado bem ou eventualmente um direito a alguém como decorrência do respeito ao princípio da vontade manifestada 2 SUJEITOS São sujeitos indispensáveis do legado o autor da herança legante e o beneficiário do legado legatário Todavia o instituto comporta eventualmente a presença de outros sujeitos Nesse sentido ensina CARLOS ROBERTO GONÇALVES Quando o legado é atribuído a herdeiro legítimo que passa a cumular as qualidades de herdeiro e legatário denominase prelegado praelegatum ou legado precípuo praecipuum Pode haver portanto como sujeito além do testador e do legatário a figura do prelegatário ou legatário precípuo que recebe o legado e também os bens que integram o seu quinhão na herança O herdeiro encarregado de cumprir o legado é chamado de onerado Onerado ou gravado é pois o que deve pagar o legado legatário ou honrado o que recebe a dádiva ou liberalidade Se o mesmo objeto cabe a vários beneficiados eles se denominam colegatários Se a um legatário é imposta a entrega de outro legado de sua propriedade a este se denomina sublegado e sublegatário à pessoa a que o bem se destina Por conseguinte o onerado tanto pode ser um herdeiro como um legatário 215 Conhecidas essas expressões subjetivas teçamos algumas considerações acerca do objeto do legado 3 OBJETO O que pode ser objeto de um legado Em regra qualquer bem passível de individualização e que integre a esfera de titularidade jurídico patrimonial do autor da herança Daí a afirmação lógica constante do art 1912 do vigente Código Civil brasileiro de que é ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão Isso não quer dizer que no momento da estipulação do legado o instituidor tenha necessariamente de já possuir o bem legado mas sim de que tal situação deverá ser verificada no momento da abertura da sucessão ou seja com a morte do autor da disposição de última vontade Essa afirmação implica por outro lado que se era titular quando da estipulação do legado mas deixou de ser quando da abertura da sucessão a disposição testamentária quedarseá ineficaz Nesse aspecto foi muito mais técnico o novel codificador se comparado ao legislador de 1916 na medida em que este último comina a nulidade do ato quando em verdade como dito acima é caso de reconhecer a sua ineficácia 216 Também aplaudindo a nova redação comenta PAULO LÔBO O legado de coisa alheia previsto na legislação anterior foi suprimido pelo Código Civil Não há mais portanto referência legal a esse anômalo legado porque a eficácia de qualquer legado depende de sua precisa existência na data da abertura da sucessão Se nessa data inexistir a coisa o legado é simplesmente ineficaz superandose a imputação de nulidade aludida na legislação anterior O plano da validade não é afetado pois decorre da declaração válida da vontade do testador Mas a inexistência da coisa no momento de sua morte atinge o plano da eficácia tornando a disposição testamentária ineficaz Não há impedimento legal contudo de o testador estabelecêlo no âmbito de sua autonomia privada mas será ineficaz se a coisa não estiver em sua titularidade no momento da abertura da sucessão A crítica de Pontes de Miranda 1973 v 57 5762 à nulidade de tal legado fixada no art 1678 do anterior código influenciou a correta alusão do novo Código à ineficácia Também repercutiu sua crítica ao momento a ser considerado que não poderia ser o da data do testamento como se a aquisição posterior operasse a retroeficácia ou o que é pior a convalescença mas sim o da data da morte do testador No direito atual apenas se leva em conta o que está na titularidade do testador na data da sua morte para que o legado possa ser considerado eficaz 217 Seguindo tal diretriz estabelece o art 1916 do CC2002 Art 1916 Se o testador legar coisa sua singularizandoa só terá eficácia o legado se ao tempo do seu falecimento ela se achava entre os bens da herança se a coisa legada existir entre os bens do testador mas em quantidade inferior à do legado este será eficaz apenas quanto à existente Isso quer dizer que é absolutamente ineficaz qualquer legado sobre bem de que o autor da herança não seja titular de forma plena total e incondicionada na abertura da sucessão Não amigo leitor Desconfie sempre de afirmações peremptórias sobre regras aparentemente absolutas Excepcionalmente admitese um legado sobre bem que não pertença ao autor da herança Tudo dependerá obviamente dos termos da manifestação declarada Nessa linha estabelecem os arts 1913 e 1914 do Código Civil Art 1913 Se o testador ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem não o cumprindo ele entender seá que renunciou à herança ou ao legado Art 1914 Se tão somente em parte a coisa legada pertencer ao testador ou no caso do artigo antecedente ao herdeiro ou ao legatário só quanto a essa parte valerá o legado Na ideia propugnada no primeiro dispositivo temse que é possível e potencialmente eficaz estabelecer um legado em que o bem transferido não é de propriedade do autor da herança mas sim de um terceiro que também é herdeiro ou legatário A hipótese é efetivamente de uma condição suspensiva da eficácia do legado em que a inércia do herdeiro ou legatário será interpretada jure et de jure como uma renúncia à herança ou legado revertendo os bens correspondentes para a legítima Da mesma forma observandose o segundo dispositivo transcrito adaptarseá a disposição para o caso de titularidade parcial do bem legado Nesse mesmo diapasão mesmo que o bem não esteja presente no patrimônio do testador mas possa ser adquirido por ser coisa genérica a disposição é válida e eficaz E tal registro deve ser feito pois excepcionalmente admitese também o legado de coisa incerta Nesse sentido confirase o art 1915 Art 1915 Se o legado for de coisa que se determine pelo gênero será o mesmo cumprido ainda que tal coisa não exista entre os bens deixados pelo testador E a quem cabe cumprir tal determinação Em nosso sentir caso haja testamenteiro naturalmente será dele a atribuição se estabelecida nas disposições testamentárias uma vez que é ele o responsável determinado pelo autor da herança para cumprimento do testamento Inexistindo porém pessoa especificamente designada para o mister de cumprimento do legado 218 a incumbência será dos herdeiros e não os havendo aos legatários na proporção do que herdaram na forma do art 1934 219 Observese que tal atribuição segue a disciplina geral das obrigações de dar coisa incerta na perspectiva da regra segundo a qual o gênero não perece Registrese por fim na forma do art 1917 que o legado de coisa que deva encontrarse em determinado lugar só terá eficácia se nele for achada salvo se removida a título transitório A inteligência do dispositivo segue a lógica do instituto só é possível legar bens que possam ser individualizados e efetivamente transferidos no momento da sucessão Ora se o bem não está no lugar que foi indicado pelo autor da herança sendo tal indicação do local parte da declaração de última vontade não há a priori como distinguilo de outros bens iguais que estejam em outro lugar ressalvada a remoção transitória conforme consta no texto legal transcrito Individualizado o objeto do legado é este que deve ser entregue na forma como se encontrava ao falecer o testador que declarou sua intenção de vêlo passar à titularidade de alguém específico transferindolhe esse bem na sua integralidade com todas as suas características 220 Feitas tais considerações genéricas sobre o objeto dos legados façamos um pequeno esforço classificatório dos modos pelos quais se manifesta o instituto 4 TIPOLOGIA O vigente Código Civil seguindo a mesma linha do sistema codificado anterior contemplou em sua parte introdutória da disciplina dos legados diversas modalidades A pluralidade de legados é portanto a regra no Direito Sucessório brasileiro Desnecessária porém parecenos a preocupação de trazer tantas espécies de legados uma vez que a matéria não é de taxatividade normativa devendo ser tais menções consideradas meramente exemplificativas 221 Todavia como estão elas efetivamente mencionadas na codificação apresentaremos uma rápida sistematização das modalidades mencionadas no texto legal Já conhecidas as regras codificadas sobre legado de coisa certa bem como a situação excepcional de legado de coisa incerta vale registrar que também pode haver legado de direitos pessoais ou reais como direitos de crédito ou usufruto incluindose até mesmo obrigações de fazer como a de prestar alimentos No que diz respeito ao legado de crédito estabelece o vigente Código Civil brasileiro Art 1918 O legado de crédito ou de quitação de dívida terá eficácia 222 somente até a importância desta ou daquele ao tempo da morte do testador 1º Cumprese o legado entregando o herdeiro ao legatário o título respectivo 2º Este legado não compreende as dívidas posteriores à data do testamento Observadas as regras de vocação hereditária qualquer pessoa pode ser beneficiária de legados inclusive um credor não havendo necessariamente compensação de dívida por tal disposição de vontade na forma do caput do art 1919 do CC 223 A contrario sensu pode o testador também valerse dessa disposição para efetivar uma compensação de créditos A ratio da norma é garantir efetivamente o cumprimento do legado devendo eventual crédito do legatário em face do patrimônio do testador ser cobrado em face do espólio não sendo compensável salvo vontade manifesta do seu autor Dispositivo de intelecção menos imediata é o parágrafo único da referida regra legal De fato ao se afirmar que subsistirá integralmente o legado se a dívida lhe foi posterior e o testador a solveu antes de morrer parece que quis o legislador permitanos a expressão coloquial chover no molhado uma vez que se a dívida é posterior e já foi solvida é óbvio que não há o que cogitar compensar Contudo o sentido da norma é o mesmo preservar o legado e a vontade do testador não se admitindo interpretações que o vinculem a uma causalidade não expressa Os direitos reais obviamente também podem ser objeto de legado Afinal de contas a propriedade é uma das bases do Direito das Sucessões Por isso no âmbito do legado de direitos reais bens móveis e imóveis objeto de propriedade do testador bem como certos direitos reais na coisa alheia podem ser legados Na parte geral sobre legados duas regras específicas de direitos reais devem ser mencionadas A primeira diz respeito ao legado de usufruto em que por força do art 1921 quando este for estipulado sem limitação temporal entendese deixado ao legatário por toda a sua vida Tratase de um usufruto vitalício mas obviamente não perpétuo extinguindose com a morte do legatário A segunda regra se encontra insculpida no art 1922 Art 1922 Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições estas ainda que contíguas não se compreendem no legado salvo expressa declaração em contrário do testador Parágrafo único Não se aplica o disposto neste artigo às benfeitorias necessárias úteis ou voluptuárias feitas no prédio legado Tratase de regra de evidente clareza O legado como qualquer disposição testamentária deve ser interpretado restritivamente Assim qualquer aquisição posterior ao estabelecimento do legado ainda que vizinha não o amplia salvo manifestação específica do testador Isso não se confunde com benfeitorias uma vez que acompanham a própria coisa principal e se destinam à preservação aperfeiçoamento ou embelezamento do mesmo bem no caso o objeto do legado 224 devendo ser aplicada a tradicional regra de que o acessório segue a sorte do principal Por fim registrese que também se admite o estabelecimento de legado de alimentos os quais não sendo especificados em seu valor deverão ser interpretados na forma do art 1920 como abrangendo o sustento a cura o vestuário e a casa enquanto o legatário viver além da educação se ele for menor Ressaltamos por fim mais uma vez que a tipologia apresentada não é exaustiva O único ponto comum de todas essas modalidades classificatórias nos parece porém o caráter patrimonial ou econômico da disposição na perspectiva do princípio da autonomia privada aplicado a esse tipo de relação jurídica Estudemos agora os efeitos do legado 5 EFEITOS Conforme já estudamos a transmissão dos bens da herança se dá ipso facto do evento mortis por força do Princípio da Saisine O mesmo se dá em relação ao legado conforme se verifica do art 1923 do Código Civil Art 1923 Desde a abertura da sucessão pertence ao legatário a coisa certa existente no acervo salvo se o legado estiver sob condição suspensiva 1º Não se defere de imediato a posse da coisa nem nela pode o legatário entrar por autoridade própria 2º O legado de coisa certa existente na herança transfere também ao legatário os frutos que produzir desde a morte do testador exceto se dependente de condição suspensiva ou de termo inicial Observese todavia com cuidado a técnica legislativa O que se transmite imediatamente com a morte é a propriedade não a posse do bem legado A regra do 2º por sua vez nada mais diz do que a aplicação da disciplina legal dos frutos que como bens acessórios seguem a mesma sorte do principal A ressalva final por sua vez afigurase desnecessária pois se houve estabelecimento de condição suspensiva ou termo inicial pelo testador somente com a sua implementação é que poderá produzir efeitos o que é próprio do plano da eficácia do ato negocial Justamente por isso é que preceitua o art 1924 Art 1924 O direito de pedir o legado não se exercerá enquanto se litigue sobre a validade do testamento e nos legados condicionais ou a prazo enquanto esteja pendente a condição ou o prazo não se vença Reconhecida a validade do negócio jurídico testamentário e não havendo qualquer elemento acidental que retire sua eficácia deve produzir efeitos imediatamente Pode o legado por sua vez constituirse em uma transferência patrimonial monetária a qual obviamente precisará ser realizada por alguém Nesse caso o Código Civil brasileiro estabelece algumas importantes regras O legado em dinheiro nessa linha só vence juros desde o dia em que se constituir em mora a pessoa obrigada a prestálo conforme estabelecido pelo art 1925 Tal se dá pela necessidade de interpelar a pessoa obrigada a prestar tal legado que muitas vezes pode nem ter sido cientificada ainda Nesse caso não seria razoável imputar juros quando não se tem fixado um termo inequívoco para caracterização da mora à luz do dever de informação emanado da cláusula geral de boafé objetiva 225 Tratandose de pagamento único em valor fixo a questão fica bem simples realmente Mas e se a hipótese for de pagamentos sucessivos Sobre o tema estabelecem os arts 1927 e 1928 do nosso Código Civil Art 1927 Se o legado for de quantidades certas em prestações periódicas datará da morte do testador o primeiro período e o legatário terá direito a cada prestação uma vez encetado cada um dos períodos sucessivos ainda que venha a falecer antes do termo dele Art 1928 Sendo periódicas as prestações só no termo de cada período se poderão exigir Parágrafo único Se as prestações forem deixadas a título de alimentos pagarseão no começo de cada período sempre que outra coisa não tenha disposto o testador Registrese porém que no caso de o legado consistir em renda vitalícia ou pensão periódica esta ou aquela correrá da morte do testador como estabelecido pelo art 1926 E se o legado for de dar uma coisa incerta Na situação de legado genérico há uma natural adaptação das regras do Direito das Obrigações conforme já mencionamos linhas acima Isso porque seguindo a tradição do nosso Direito o art 244 do CC2002 226 estabelece que nas obrigações de dar coisa incerta a escolha pertence ao devedor Adaptandose essa ideia ao Direito Sucessório atribuiuse o direito de escolha ao herdeiro que em geral é o onerado para o cumprimento do legado Art 1929 Se o legado consiste em coisa determinada pelo gênero ao herdeiro tocará escolhêla guardando o meiotermo entre as congêneres da melhor e pior qualidade Por outro lado quando a escolha for deixada a arbítrio de terceiro e se este não a quiser ou não a puder exercer ao juiz competirá fazêla guardado o disposto na última parte do artigo antecedente como estabelecido pelo art 1930 Quebrando a lógica da escolha pela média o sistema codificado amplia a liberdade do legatário quando o testador atribui a ele o direito de escolha Nesse sentido estabelece o art 1931 Art 1931 Se a opção foi deixada ao legatário este poderá escolher do gênero determinado a melhor coisa que houver na herança e se nesta não existir coisa de tal gênero darlheá de outra congênere o herdeiro observada a disposição na última parte do art 1929 E a quebra de lógica é perfeitamente defensável De fato se o testador expressamente autorizou a escolha pelo legatário o que não estava obrigado a fazer atribuiu a ele com efeito uma prerrogativa diferenciada facultandolhe a escolha da melhor coisa Tratandose não de legado de coisa incerta mas sim de legado alternativo obrigação única com pluralidade de objetos e dever de escolha de apenas um deles a adaptação do Direito das Obrigações à disciplina das Sucessões é fielmente seguida presumindose deixada ao herdeiro a opção art 1932 Por fim salientese que independentemente de quem seja o titular do direito de escolha herdeiro ou legatário o sistema codificado reconhece a sua transmissibilidade causa mortis 227 6 PAGAMENTO A Seção II do Capítulo VII Dos Legados do Livro V Do Direito das Sucessões do vigente Código Civil brasileiro é intitulada Dos Efeitos do Legado e do Seu Pagamento Fazse necessário tecer algumas considerações acerca da acepção da palavra pagamento Está ela utilizada em seu sentido técnicojurídico que a identifica com o cumprimento de obrigação jurídica e não com o sentido coloquial de entrega de dinheiro 228 Por isso amigo leitor esclarecemos que quando falamos em pagamento do legado entendase cumprimento da disposição testamentária Feito esse esclarecimento a pergunta é a quem cabe o cumprimento ou pagamento do legado A resposta se encontra expressa no art 1934 do vigente Código Civil brasileiro Art 1934 No silêncio do testamento o cumprimento dos legados incumbe aos herdeiros e não os havendo aos legatários na proporção do que herdaram Parágrafo único O encargo estabelecido neste artigo não havendo disposição testamentária em contrário caberá ao herdeiro ou legatário incumbido pelo testador da execução do legado quando indicados mais de um os onerados dividirão entre si o ônus na proporção do que recebam da herança Obviamente não se pode olvidar a figura do testamenteiro que caso tenha sido designado para tal mister será em nosso pensar a pessoa responsável pela tarefa aplicandose o supramencionado dispositivo de forma subsidiária no caso de não haver sido indicado tal sujeito O que se deve fazer porém quando se tratar de um sublegado ou seja na hipótese de o legado consistir em coisa pertencente a herdeiro ou legatário Nessa situação o herdeiro ou legatário onerado encarregado de cumprir o legado será única e exclusivamente o titular desse bem229 tendo na forma do art 1935 direito de regresso em face dos demais coerdeiros pela quota de cada um salvo se o contrário expressamente dispôs o testador É preciso explicar melhor a possibilidade de ação regressiva contra os coerdeiros De fato a regra como visto no art 1934 é o cumprimento dos legados pelos herdeiros e não os havendo aos legatários na proporção do que herdaram Isso é fácil de visualizar quando se estabelece o legado de determinada importância R 1000000 por exemplo Se apenas um é encarregado de pagar o legado fará isso exclusivamente Se mais de um herdeiro ou legatário forem encarregados farão cada um segundo o quinhão hereditário que lhes foi reservado Todavia o transcrito art 1935 trata de uma situação diferenciada o legado não é de bem da parte disponível da herança mas sim da propriedade de um herdeiro ou legatário designado Justamente por isso só ele pode cumprir Mas não está obrigado a priori a cumprir Tratase de um ônus cujo bônus é precisamente a aceitação da herança ou do legado Caso o herdeiro ou legatário designado não cumpra efetivamente o legado entendese que renunciou à herança ou ao legado na forma do art 1913 do Código Civil Cumprindoo porém com a consequente diminuição imediata do seu patrimônio pessoal para a realização de tal mister garante o dispositivo um ressarcimento parcial consistente no regresso em face dos coerdeiros observada a proporção da quotaparte de cada um Nessa situação recomendase ao herdeiro ou legatário designado que verifique na ponta do lápis se é economicamente razoável a aceitação da deixa em face da correspondente obrigação assumida Até mesmo porque nada impede que o testador vede a possibilidade do direito de regresso conforme consta da parte final do dispositivo aqui comentado E mais Na forma do art 1936 as despesas e os riscos da entrega do legado correm à conta do legatário se não dispuser diversamente o testador Definitivamente pode não valer a pena Por fim nos legados com encargo aplicase ao legatário a mesma disciplina das doações de igual natureza art 1938 do CC quais sejam as doações com encargo a que se refere o art 553 do nosso Código 230 Arrematando este capítulo enfrentemos a caducidade do legado 7 CADUCIDADE O legado decorre de uma disposição testamentária Logo como cláusula de um negócio jurídico ainda que unilateral está submetida aos planos de existência validade e eficácia Existente a cláusula ela por certo pode ser declarada nula ou anulável caso viole alguma regra de validade Considerada válida seu destino é o cumprimento o que tratamos no tópico anterior Pode por outro lado o testador a qualquer tempo revogála excluindoa do testamento Abstraídas porém as situações de invalidade e revogação um legado poderá sofrer os efeitos da caducidade E o que significa isso Simplesmente a perda da eficácia decorrente de circunstância posterior à sua estipulação Essa ineficácia superveniente pode ser total ou parcial a depender do alcance do fato limitador eou do número de legados estabelecidos Nesse sentido estabelece o art 1940 Art 1940 Se o legado for de duas ou mais coisas alternativamente e algumas delas perecerem subsistirá quanto às restantes perecendo parte de uma valerá quanto ao seu remanescente o legado E que causas seriam essas que retirariam a eficácia dos legados A matéria é disciplinada pelo art 1939 da vigente codificação civil brasileira30 que manteve mutatis mutandis as razões outrora previstas no art 1708 do Código Civil brasileiro de 1916 231 As hipóteses todas elencadas no referido dispositivo podem ter natureza objetiva na medida em que se refiram ao objeto do legado ou índole subjetiva quando se relacionarem à figura do legatário As causas objetivas são a Modificação de forma da coisa se depois do testamento o testador modificar a coisa legada ao ponto de já não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía inciso I Nessa situação o que se tem é a impossibilidade de individualização da coisa na forma como estabelecida na disposição legatária Em interessante observação lembram os amigos FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO Para Eduardo de Oliveira Leite a hipótese se aplica quando a coisa legada sofrer especificação hipótese de ouro em barras que é transformado em anéis ou seja de alteração da coisa por um trabalho humano confusão quando duas coisas líquidas ou gasosas se misturam tais como vinho e água comistão quando duas coisas sólidas se misturam tais como o sal e o açúcar ou quando ocorre adjunção sobreposição de coisas tal como a tinta que é aplicada sobre a tela formando um todo Direito civil 2004 v 6 p 249 É importante destacar que a caducidade só ocorre quando a transformação da coisa é feita pelo testador ou à sua ordem Na hipótese de alteração provocada por terceiro ou de caso fortuito o legado subsistirá 232 Registramos que em sua parte final a ratio da previsão normativa é efetivamente a perda da forma da coisa pela atuação do testador Talvez valha a pena porém ponderar mesmo sem previsão legal específica se o dispositivo não poderia ser aplicável também para situações em que a transformação ocorra por circunstância distinta uma vez que se o bem chegou ao ponto de não merecer sequer a denominação que possuía potencialmente perderia sentido o legado b Alienação total ou parcial da coisa se o testador por qualquer título alienar no todo ou em parte a coisa legada caducará o legado até onde a coisa deixou de pertencer ao testador inciso II Conforme já vimos o normalmente esperado é que o bem legado integre o patrimônio do testador embora haja a previsão da situação excepcional de legado de coisa alheia art 1913 Nesse contexto se vier a alienar o bem vender ou doar por exemplo o legado quedarseá ineficaz nos limites do patrimônio de que se dispôs c Perecimento ou evicção 233 da coisa se a coisa perecer ou for evicta perda pelo reconhecimento judicial ou administrativo do direito anterior de terceiro sobre o bem vivo ou morto o testador sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento inciso III A hipótese é autoexplicativa haja vista que é lógico que a perda do objeto constitui situação de ineficácia do legado Já as causas subjetivas por sua vez são a Exclusão da sucessão se o legatário for excluído da sucessão nos termos do art 1815 inciso IV O tema da exclusão da sucessão já foi tratado por nós em capítulo anterior E a ideia é simples se o indivíduo foi excluído da sucessão nos termos do art 1815 perderá a condição de legatário Assim a previsão do legado embora existente e válida tornase ineficaz por falta de beneficiário legitimado b Premoriência se o legatário falecer antes do testador inciso V O falecimento do legatário por óbvio faz cessar a sua personalidade jurídica Se esta ocorrer antes da abertura da sucessão qualquer disposição testamentária que a ele se referir será absolutamente ineficaz Em sentido contrário se vier a falecer posteriormente à abertura da sucessão já terá adquirido o direito ao legado e por consequência os seus herdeiros habilitarseão para receber a coisa legada 234 Compreendida a disciplina jurídica dos legados convidamos você amigo leitor a seguir conosco no interessante estudo do direito de acrescer e da redução das disposições testamentárias CI DIREITO DE ACRESCER E REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS 1 INTRODUÇÃO Neste capítulo cuidaremos de tratar de dois temas bastante significativos para a sucessão testamentária o direito de acrescer e a redução das disposições testamentárias Tratase de matérias que posto despertem a atenção da doutrina encontramse detalhadamente positivadas em nosso Código Civil 2 DIREITO DE ACRESCER Segundo ARMANDO GONÇALVES COIMBRA inúmeras teorias tentaram fundamentar juridicamente o direito de acrescer 235 Para a teoria da unidade do objeto defendida por BRUNNETTI o instituto sob comento justificarse ia no fato de os sucessores serem chamados a receber um objeto inteiro de maneira que faltando um desses beneficiados os outros teriam o direito de receber a porção faltosa que seria acrescida à sua Tratase de teoria falível segundo o jurista português citando PIRES DE LIMA pois a própria herança é considerada uma universalidade um todo único até que se ultime a partilha Segundo a teoria da unidade de designação defendida por NICOLÓ o direito de acrescer seria baseado no fato de os sucessores serem designados unitariamente ou seja na mesma oportunidade ou no mesmo ato o que justificaria que o quinhão de um acrescesse ao do outro Também não convence pois aos herdeiros podem ser expressamente atribuídas quotas diferentes Para a teoria da vontade da lei o direito de acrescer ampararseia na norma legal e não na vontade do de cujus Tal ideia não se sustenta na medida em que o próprio direito de acrescer poderá ser afastado pelo querer previamente manifestado pelo falecido Finalmente temos a teoria da vontade presumida do testador adotada em Portugal de acordo com GONÇALVES COIMBRA e também no Brasil segundo a qual o direito de acrescer fundase na vontade presumida do autor da herança Verificados os pressupostos do acrescer não estabelecendo o testador uma substituição e não resultando do testamento uma diversa vontade do de cujus aplicase o direito de acrescer pois não é possível outra alternativa 236 Em nosso direito positivo o direito de acrescer regulado a partir do art 1941 do Código Civil é conferido quando vários herdeiros pela mesma disposição testamentária forem conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados e qualquer deles não puder ou não quiser aceitála Nesse caso a sua parte acrescerá à dos coerdeiros ressalvado o eventual direito do substituto 237 Assim uma disposição testamentária que contemple Nathália Carol e Luíza sem especificar o quinhão de cada uma poderá admitir a incidência do direito de acrescer em favor das demais coerdeiras remanescentes se Nathália renunciar à herança e desde que não tenha sido previsto um substituto Na mesma linha a teor do art 1942 o direito de acrescer competirá aos colegatários quando nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa determinada e certa ou quando o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização 238 Notase portanto que o direito de acrescer é aplicado quando os sucessores são conjuntamente chamados a suceder em quinhões não determinados E essa conjunção de sucessores segundo ORLANDO GOMES pode se dar de três formas a Re tantum conjunção real os sucessores são chamados sem distribuição de partes em diversas disposições testamentárias Exemplo em uma cláusula do testamento diz deixo o meu imóvel na praia para Pedro e em outra cláusula afirma deixo também o meu imóvel na praia para Francisco b Verbis tantum conjunção verbal os instituídos são designados na mesma disposição testamentária com indicação da parte que cabe a cada um como se dá quando o testador na mesma cláusula do testamento deixa o imóvel a Pedro e a Francisco especificando que a cada um tocará a metade 50 do bem c Re et verbis conjunção mista neste caso o testador designa na mesma disposição testamentária vários herdeiros ou legatários sem distribuir ou indicar entre eles as partes que cabem a cada um É a hipótese já figurada em que uma disposição testamentária contempla Huguinho Zezinho e Luisinho sem especificar o quinhão de cada um Dizse mista conclui o jurista baiano porque é re visto haver distribuição de partes a verbis porque não há várias disposições se não uma só 239 A partir do esforço classificatório amparado na doutrina desse grande civilista é forçoso convir que o direito de acrescer ocorrerá na conjunção real e na mista porquanto os quinhões dos herdeiros não foram especificados Vale dizer se tais quinhões forem indicados a admissibilidade do direito afrontaria o princípio de resguardo à vontade do testador na medida em que o sucessor seria beneficiado além do limite estipulado pelo próprio autor de herança Com isso até mesmo o postulado da autonomia privada cairia por terra Assim uma óbvia conclusão se impõe Caso não se efetue o direito de acrescer transmitese por consequência segundo a ordem de vocação hereditária aos herdeiros legítimos a quota vaga do nomeado 240 E uma peculiar regra é consagrada pelo art 1945 do Código Civil Art 1945 Não pode o beneficiário do acréscimo repudiálo separadamente da herança ou legado que lhe caiba salvo se o acréscimo comportar encargos especiais impostos pelo testador nesse caso uma vez repudiado reverte o acréscimo para a pessoa a favor de quem os encargos foram instituídos Vale dizer o repúdio à parte acrescida poderá a depender da circunstância resultar na perda da própria deixa ressalvada a hipótese de a parte acrescida comportar encargos especiais impostos pelo testador caso em que poderá ser separadamente repudiada Por encargos especiais entendamse aqueles ônus especificamente vinculados à parte que se acresceu e que se referiam ao sucessor original Notese contudo que se o sucessor repudiar o acréscimo onerado a norma dispõe que a parte acrescida tocará ao beneficiário do referido encargo Todavia adverte SÍLVIO VENOSA não será de fácil deslinde na prática o caso concreto Não se podendo identificar o beneficiário do encargo ou não podendo ou não querendo receber o acréscimo este deve ser atribuído ao monte hereditário distribuindose aos coerdeiros 241 Finalmente quanto ao legado de usufruto caso este seja instituído conjuntamente a duas ou mais pessoas a parte da que faltar acresce aos colegatários a teor do art 1946 E se não houver conjunção entre os colegatários ou se apesar de conjuntos só lhes foi legada certa parte do usufruto consolidarseão na propriedade as quotas dos que faltarem à medida que eles forem faltando Vale dizer o titular da nua propriedade 242 consolidará proporcionalmente as respectivas quotas 3 REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS Inicialmente é digno de nota que o vocábulo redução poderá ter significado próprio na Teoria Geral do Direito Civil Com efeito conforme vimos em outra obra Redução é a operação pela qual retiramse partes inválidas de um determinado negócio preservandose as demais Cuidase de uma medida sanatória do negócio jurídico 243 Em Direito das Sucessões redução tem outro sentido Conforme vimos ao longo de nossa obra o Direito brasileiro preserva a legítima dos herdeiros necessários Nesse sentido com habitual precisão FRANCISCO JOSÉ CAHALI Por sua vez a Sucessão no direito brasileiro obedece ao sistema da divisão necessária pelo qual a vontade do autor da herança não pode afastar certos herdeiros herdeiros necessários entre os quais deve ser partilhada no mínimo metade da herança em quotas ideais CC arts 1789 1845 e 1846 Herdeiro necessário assim é o parente com direito a uma parcela mínima de 50 do acervo da qual não pode ser privado por disposição de última vontade representando a sua existência uma limitação à liberdade de testar Esta classe é composta pelo cônjuge descendentes e ascendentes do de cujus CC 1845 sem limitação de graus quanto aos dois últimos filhos netos bisnetos etc e pais avós bisavós etc São os sucessores que não podem ser excluídos da herança por vontade do testador salvo em casos específicos de deserdação previstos em lei Se não for este o caso o herdeiro necessário terá resguardada sua parcela caso o autor da herança decida fazer testamento restringindose desta forma a extensão da parte disponível para transmissão de apenas metade do patrimônio do de cujus 244 Ora diante de tais ensinamentos concluímos com facilidade que o remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos quando o testador só em parte dispuser da quota hereditária disponível art 1966 Por outro lado as disposições que excederem a parte disponível tanto para o herdeiro como para o legatário a teor do art 1967 reduzirseão aos limites dela de conformidade com as seguintes regras a em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção disponível serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituídos até onde baste e não bastando também os legados na proporção do seu valor b se o testador prevenindo o caso dispuser que se inteirem de preferência certos herdeiros e legatários a redução farseá nos outros quinhões ou legados observandose a seu respeito a ordem estabelecida no parágrafo antecedente A redução da disposição testamentária visa portanto a recompor a legítima em atenção ao direito dos herdeiros necessários 245 A título de ilustração tomemos alguns exemplos numéricos no âmbito dos legados ensinados pela querida Professora MARIA HELENA DINIZ Se o legado sujeito à redução consistir em prédio divisível farseá a redução dividindoo proporcionalmente CC art 1968 Separase a parcela do imóvel que for necessária para preencher a legítima desfalcada Se for impossível porém sua divisão por se tratar de prédio indivisível e o excesso do legado montar a mais de um quarto do valor do prédio o legatário não ficará com ele deixandoo em poder do espólio tendo apenas o direito de pedir aos herdeiros o valor que lhe couber na metade disponível Se o apartamento objeto do legado valer R 10000000 acusandose excesso de R 4000000 sobre a legítima equivalente a mais de 14 do valor do prédio o imóvel permanecerá no espólio e o legatário receberá em dinheiro R 6000000 dos herdeiros Se o seu excesso não for mais de um quarto do valor do prédio o legatário o guardará repondo aos herdeiros em dinheiro a parte excedente CC art 1968 1º Se o imóvel indivisível objeto do legado valer R 10000000 apontandose um excesso de R 2000000 sobre a legítima portanto em quantum inferior a um quarto do valor do imóvel o legatário com ele ficará mas reporá aos herdeiros a importância de R 2000000 Todavia se o legatário for ao mesmo tempo herdeiro necessário poderá inteirar sua legítima no mesmo imóvel de preferência aos outros sempre que ela e a parte subsistente do legado lhe absorverem o valor CC art 1968 2º Bastante elucidativo é o exemplo dado por Washington de Barros Monteiro o prédio vale R 100000000 a redução deve montar a R 40000000 e a legítima do herdeiro é de R 60000000 Somando esse último valor com a parte subsistente do legado R 60000000 R 60000000 R 120000000 absorvido fica o valor de todo o prédio O interessado receberá assim o imóvel de preferência aos demais herdeiros repondo apenas o excesso R 120000000 R 100000000 R 20000000 246 Vale lembrar que o mecanismo de proteção à legítima não se esgota com a possibilidade de redução das disposições testamentárias incidente quando da colação e conferência dos respectivos quinhões mas também se opera por meio da ação de nulidade de doação inoficiosa Tudo a demonstrar portanto que o sistema jurídico brasileiro ainda tem como pedra fundamental a preservação da legítima dos herdeiros necessários CII SUBSTITUIÇÕES 1 INTRODUÇÃO Situação possível de ocorrer é a disposição testamentária quedarse ineficaz caso o sucessor nomeado não receba a herança Discorrendo a esse respeito em clássica obra CLÓVIS BEVILÁQUA prelecionava Prevendo a hipótese de falhar a instituição de herdeiro por uma circunstância qualquer e não querendo morrer sem sucessores que lhes continuassem a personalidade e perpetuassem o culto doméstico imaginaram os romanos dar aos herdeiros nomeados substitutos que adissem à herança se porventura não a recolhessem os primeiros Substituição hereditária é pois uma instituição subordinada à outra 247 Afastada a ideia pouco útil e anacrônica de que a substituição testamentária serviria para a perpetuação do culto doméstico da figura do pater temos que de fato como já acentuavam os antigos cuidase de uma importante disposição de vontade por meio da qual é previsto um substituto para o sucessor nomeado a fim de preservar em última ratio a derradeira manifestação de vontade do testador E como estamos a tratar da sucessão testamentária essa figura ganha ainda mais importância na medida em que não seria aplicável o direito de representação 248 Notese que se o testador nomeia Marcos seu herdeiro e este não quer ou não pode aceitar por haver falecido antes do primeiro por exemplo a ausência de previsão de um substituto resultaria no retorno da deixa para o monte partível em favor dos sucessores legítimos Mas por meio da substituição testamentária como dito poderá ser previamente designado outro beneficiário para adir à herança Ainda invocando a clássica lição de CLÓVIS BEVILÁQUA vale mencionar que no atual estágio do nosso Direito algumas formas de substituição relevantes no passado perderam importância e espaço nos dias de hoje a exemplo da substituição pupilar aquela em que o pai nomeava herdeiro a seu filho para o caso de ele falecer impúbere e da substituição exemplar ou quase pupilar a feita pelo ascendente a seus descendentes impedidos de testar por enfermidade mental por exemplo 249 Mais recentemente discorrendo sobre o tema observa o Professor SÍLVIO VENOSA O direito antigo também conheceu a substituição pupilar Nessa disposição o pater familias designa um herdeiro ao filho impúbere incapaz sob seu pátrio poder para que em caso de morte também do filho sem testamento não ficasse ele sem herdeiro uma vez que a ordem de vocação legítima poderia não ser a ele satisfatória No tempo de Justiniano também era conhecida a substituição quase pupilar dedicada aos insanos de mente O pai poderia instituir um herdeiro ao filho mentalmente incapaz Essas formas não foram admitidas no direito atual 250 Remanescem portanto em nosso sistema as seguintes formas de substituição testamentária a substituição vulgar ordinária b substituição recíproca c substituição fideicomissária Vamos então compreendêlas 2 SUBSTITUIÇÃO VULGAR OU ORDINÁRIA Essa modalidade de substituição é a mais simples e básica caracterizandose pelo fato de o próprio testador indicar o substituto ao herdeiro ou legatário 251 A seu respeito dispõe o art 1947 do Código Civil Art 1947 O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado presumindose que a substituição foi determinada para as duas alternativas ainda que o testador só a uma se refira Exemplificam nesse contexto os brilhantes TARTUCE e SIMÃO utilizando personagens com nomes bastante sugestivos Vislumbrando um caso prático ocorre substituição vulgar quando o testador nomeia Pablo seu herdeiro sendo que caso ele não queira ou não possa receber a herança esta será de Rodolfo 252 É digno de nota ainda que o substituto fica sujeito à condição ou encargo imposto ao substituído quando não for diversa a intenção manifestada pelo testador ou não resultar outra coisa da natureza da condição ou do encargo a teor do art 1949 Vale dizer uma condição estipulada acontecimento futuro e incerto que subordina a eficácia da disposição de vontade ou um encargo imposto um ônus poderá recair no substituto salvo manifestação em contrário do próprio testador ou se o peculiar aspecto do elemento acidental previsto impedir a sua aplicação em face de outrem um encargo personalíssimo que somente o substituído poderia realizar por exemplo Conforme difundida classificação na doutrina 253 a substituição vulgar ou ordinária poderá ser a Singular ou simples caso em que o testador indica apenas um substituto ao seu sucessor nomeio Tarta meu herdeiro mas caso ele não queira ou não possa aceitar a herança tocará a Joaquim Notese que o testador direciona a sua vontade para apenas um substituto previamente indicado b Plural ou plúrima caso em que o testador indica duas ou mais pessoas para simultaneamente substituírem o herdeiro ou legatário Essa forma de substituição está prevista na primeira parte do art 1948 do vigente Código Civil brasileiro que dispõe também é lícito ao testador substituir muitas pessoas por uma só ou viceversa Ao admitir a contrario sensu que muitas pessoas possam substituir uma só reconhece pois a substituição plúrima Exemplo nomeio Tarta meu herdeiro e caso ele não queira ou não possa aceitar a herança tocará a Marcos Maurício e Marcelo Nada impede inclusive com base no respeito à vontade manifestada que sejam estabelecidos percentuais mínimos ou máximos para cada um dos substitutos Compreendida a substituição vulgar nas suas modalidades simples singular ou plúrima plural conheçamos no próximo tópico a figura da substituição recíproca 3 SUBSTITUIÇÃO RECÍPROCA A par dessas duas formas de substituição vulgar ou ordinária temos ainda a recíproca Preferimos metodologicamente para melhor compreensão do tema estudálo não no bojo da substituição vulgar mas ao seu lado tal como disposto pelo Código Civil na Seção I do Capítulo IX do Título II do Livro do Direito das Sucessões ora estudado Tratase de opção metodológica que pode variar na doutrina ORLANDO GOMES por exemplo afirma que a substituição recíproca não constitui modalidade independente se não elemento acidental em qualquer das espécies de substituição 254 Entendemos que de fato a essência é a mesma mas não se pode negar certa especificidade à substituição recíproca o que justificaria o seu tratamento autônomo Nessa linha aponta SÍLVIO VENOSA Ao lado dessa substituição vulgar e no mesmo nível colocase a substituição recíproca aquela pela qual o testador instituindo vários herdeiros ou legatários os declara substitutos uns dos outros 255 grifamos Ora nessa linha de pensamento o que está ao lado e no mesmo nível de certo instituto não está por consequência nele contido Tratase com efeito de modalidade de substituição direta que guarda a essência da vulgar mas que se notabiliza pelo fato de os próprios sucessores atuarem uns em face dos outros como os seus próprios substitutos Sobre o tema a parte final do já citado art 1948 dispõe Art 1948 Também é lícito ao testador substituir muitas pessoas por uma só ou viceversa e ainda substituir com reciprocidade ou sem ela grifamos Notese que a teor do art 1950 se entre muitos coerdeiros ou legatários de partes desiguais for estabelecida substituição recíproca a proporção dos quinhões fixada na primeira disposição entender seá mantida na segunda se com as outras anteriormente nomeadas for incluída mais alguma pessoa na substituição o quinhão vago pertencerá em partes iguais aos substitutos Exemplifiquemos O testador deixou 15 da herança para Alisson 35 para Saló e 15 para Kalline nomeandoos como substitutos recíprocos Caso Alisson não queira ou não possa aceitar a sua parte será dividida entre Saló e Kalline respeitadas as proporções de 35 e 15 respectivamente Convertendo em números teríamos o seguinte em face de uma herança representada por 1000 o testador deixou 200 para Alisson 600 para Saló e 200 para Kalline Caso Alisson não queira ou não possa aceitar a sua parte 200 será dividida entre Saló e Kalline ficando 150 para Saló e 50 para Kalline Caso seja incluído outro substituto invocando a mesma hipótese a solução é mais simples O testador deixou 15 da herança para Alisson 35 para Saló e 15 para Kalline Nomeouos reciprocamente substitutos juntamente com Tiago Caso Alisson não queira ou não possa aceitar a sua parte será dividida igualmente entre Saló Kalline e Tiago 4 SUBSTITUIÇÃO FIDEICOMISSÁRIA FIDEICOMISSO ITABAIANA DE OLIVEIRA em clássica obra assim conceituava o fideicomisso A substituição fideicomissária é a instituição de herdeiros ou legatários feita pelo testador impondo a um deles o gravado ou fiduciário a obrigação de por sua morte a certo tempo ou sob certa condição transmitir a outro que se qualifica de fideicomissário a herança ou o legado por exemplo instituo por meu herdeiro ou legatário Pedro e por sua morte ou findo tal prazo ou verificada tal condição seja herdeiro ou legatário Paulo 256 Da tradicional noção já se pode concluir que o fideicomisso consiste em uma forma indireta ou derivada de substituição testamentária que visa a beneficiar em sequência mais de um sucessor Vale dizer a teor do art 1951 poderá o testador instituir herdeiros ou legatários estabelecendo que por ocasião de sua morte a herança ou o legado se transmita ao fiduciário 1º substituto resolvendose o direito deste por sua morte a certo tempo ou sob certa condição em favor de outrem que se qualifica de fideicomissário 2º substituto 257 Lembram TARTUCE e SIMÃO que há três espécies de substituição fideicomissária 258 a Substituição fideicomissária por morte do fiduciário caso nada diga o testador a transmissão dos bens do fiduciário ao fideicomissário ocorre com a morte do primeiro fideicomisso quum morietur 259 b Substituição fideicomissária sob certa condição é aquela relacionada com um evento futuro e incerto A título de exemplo JOSÉ deixa os bens ao fiduciário JOÃO que os transmitirá ao primeiro filho de seu sobrinho PEDRO se este for homem Caso seja menina a filha de PEDRO não haverá transmissão ao fideicomissário Mesmo que se possa reconhecer o machismo da condição ela é válida em respeito à vontade manifestada por quem poderia dispor livremente de seu patrimônio c Substituição fideicomissária a termo está relacionada com um evento futuro e certo Exemplo JOSÉ deixa os bens ao fiduciário JOÃO pelo prazo de 10 anos após o que este então os transmitirá ao primeiro filho de seu sobrinho PEDRO Há um prazo determinado para que os bens sejam transmitidos ao fideicomissário Três atores portanto participam da dinâmica do instituto a o testador denominado fideicomitente b o 1º sucessor denominado fiduciário c o 2º sucessor denominado fideicomissário Como lembra ORLANDO GOMES o fideicomisso caracterizase subjetivamente pela duplicidade da posição jurídica dos destinatários Ocupam posições diversas mas conexas Uma de titularidade temporária outra definitiva para concluir em seguida referindose ao fiduciário e ao fideicomissário As duas posições assumemse logicamente no mesmo momento com a abertura da sucessão adquirindo o fideicomissário a titularidade de um direito eventual diferido Convertese esse direito em adquirido e atual num segundo momento cronologicamente posterior o da resolução do direito do fiduciário Coincidem e se identificam no mesmo instante a perda do direito para um e a aquisição pelo outro 260 Sem ofuscar o brilho dessas ideias reputamos um tanto vaga a expressão direito eventual diferido relativo ao fideicomissário mas de fato na ausência de melhor expressão é útil para traduzir a potencialidade de um direito que não se concretizou que tanto poderá ser condicional como sujeito a um termo É digno de nota que o fiduciário tem a propriedade da herança ou legado mas restrita e resolúvel ou seja temporária cabendolhe proceder ao inventário dos bens gravados e prestar caução de restituílos se o exigir o fideicomissário art 1953 do CC Nesse ponto salientamos não haver óbice em nosso pensar a que o fiduciário possa alienar o bem fideicomitido posto o gravame o acompanhe o que implicará risco de perda por parte do adquirente 261 Situação peculiar por seu turno é a do fideicomisso residual aquele que recai apenas sobre os bens remanescentes não alienados pelo fiduciário 262 Em outras palavras o testador poderá à luz do princípio da autonomia privada autorizar que o fiduciário aliene livremente parte dos bens recaindo o fideicomisso apenas no que sobejar E caso o fiduciário renuncie à herança ou ao legado salvo disposição em contrário do testador deferese ao fideicomissário o poder de aceitar art 1954 do CC afastandose por óbvio qualquer pretensão dos eventuais sucessores legítimos Por outro lado se o próprio fideicomissário renunciar à herança ou ao legado o fideicomisso caducará deixando de ser resolúvel a propriedade do fiduciário se não houver disposição contrária do autor da herança art 1955 O mesmo raciocínio é aplicável para a situação de falecimento anterior do fideicomissário 263 Caso aceite terá o fideicomissário direito à parte que ao fiduciário em qualquer tempo acrescer respondendo pelos encargos remanescentes da herança nos termos dos arts 1956 e 1957 do Código Civil 264 Um importante aspecto deve ainda ser enfrentado O Código Civil de 2002 fora explícito no sentido de que a substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador art 1952 Tratase de uma construção inovadora ausente no diploma anterior E que no plano fático aniquilou o instituto Aliás é bem verdade que na prática o fideicomisso já era de pouca utilidade social dada a complexidade da sua dinâmica operacional Nos dias de hoje com a limitação imposta pelo Código de 2002 no sentido de que a substituição somente será permitida em favor da prole não concebida ao tempo da morte do testador vedação inexistente no diploma anterior é forçoso convir que a sua aplicação se torne muito mais frequente nos abstratos exercícios acadêmicos do que na realidade da vida Não há o menor sentido em limitar um instituto já limitado por sua própria natureza e sem uma razoável justificativa social ou de ordem pública Por outro lado e se ao tempo da morte do testador já houver nascido o fideicomissário Em tal caso consoante o parágrafo único do referido art 1952 do Código Civil sem equivalente na codificação anterior o fideicomissário adquirirá a propriedade dos bens fideicomitidos convertendose em usufruto o direito do fiduciário Tratase de uma solução confusa E que piora ainda mais o contexto de decrepitude social do instituto Vale dizer se ao tempo da morte do testador o fideicomissário 2º substituto já houver nascido a propriedade resolúvel dos bens fideicomitidos não tocará ao fiduciário 1º substituto mas tão somente o direito real de usufruto Significa que o fiduciário exercerá as faculdades reais de gozo uso e fruição do bem265 tocando ao fideicomissário apenas a nua propriedade Como a lei não estabeleceu o período do usufruto poderá em tese ser vitalício caso não haja manifestação do testador em sentido contrário É interessante notar que por tradição a doutrina brasileira sempre se esforçou por diferenciar o fideicomisso do usufruto na medida em que por vezes o testador não é suficientemente claro o que dá margem a dúvidas Não importa o rótulo dado pelo testador mas sua verdadeira intenção Se o testador determinou na disposição que os bens passem a outra pessoa estaremos geralmente diante de fideicomisso Monteiro 1977 v 6234 Se a instituição do beneficio é simultânea haverá usufruto Na dúvida a melhor solução é entender que houve usufruto porque já se atribuem direitos imediatos a ambos os nomeados porque os direitos do fideicomissário são falíveis o que não ocorre com o nuproprietário No usufruto não se pode beneficiar prole eventual de uma pessoa Isso só ocorrerá por fideicomisso 266 Com efeito posto a diagnose diferencial ainda possa ter eventual utilidade na interpretação de uma cláusula testamentária caso o fideicomissário já haja nascido ao tempo da morte do testador os institutos sob análise fideicomisso e usufruto acabam em tal hipótese por se confundir Finalmente cumprenos observar que eventual nulidade da substituição fideicomissária reputada ilegal não prejudicará a teor do art 1960 a instituição que valerá sem o encargo resolutório É o caso por exemplo de o testador fideicomitente instituir como fideicomissário um animal de estimação que não tem vocação sucessória caso em que a instituição valerá em favor do fiduciário consolidandose a propriedade do bem transmitido 5 SUBSTITUIÇÃO COMPENDIOSA A título de complementação deste capítulo vale a pena tecer algumas considerações acerca do instituto da substituição compendiosa Existe controvérsia inclusive a respeito da sua delimitação conceitual ITABAIANA DE OLIVEIRA identificaa com a própria substituição fideicomissária Esta substituição também se denomina de indireta porque é concedida em termos oblíquos ou depreciativos E é a mesma substituição compendiosa das Ordenações livro 4 tít 87 12 267 Outra linha de pensamento é a de CLÓVIS BEVILÁQUA no sentido de que a compendiosa seria aquela que incluísse em uma só a substituição vulgar e a fideicomissária 268 Tomese como exemplo o testador que indica substituto para o caso de o fiduciário ou o fideicomissário não poder ou não querer aceitar a instituição O testador estipula que a herança irá para Pedro fiduciário e caso ele não queira tocará a José transferindose após determinado período de tempo a Joaquim fideicomissário o qual poderá ser substituído por Francisco se não vier a aceitar a deixa Notese que não há violação da regra proibitiva do fideicomisso além do segundo grau art 1959 pois a substituição se opera verticalmente em face dos dois sucessores originariamente indicados Em nosso sentir a segunda linha de pensamento é mais convincente e melhor justifica a autonomia da própria categoria estudada É a substituição compendiosa portanto em nosso entender uma substituição mista em que o testador dá potencial substituto tanto ao fiduciário quanto ao fideicomissário buscando antever situações em que um ou outro não queira ou não possa aceitar a herança ou o legado CIII EXTINÇÃO DO TESTAMENTO INVALIDADE CADUCIDADE REVOGAÇÃO E ROMPIMENTO 1 INVALIDADE DO TESTAMENTO Reconhecido o testamento como um negócio jurídico unilateral será nulo ou anulável a depender do vício que o acometa seguindo as regras dos arts 166 a 184 do vigente Código Civil brasileiro 269 Assim seguindo a regra geral das nulidades absolutas podemos afirmar que será nulo o testamento quando a celebrado por absolutamente incapaz aplicação do art 166 I do CC imaginese um testamento feito por uma criança de 10 anos de idade A ideia de incapacidade deve ser compreendida também sob a ótica da vocação hereditária sendo nula a disposição para quem não tem capacidade para adquirir por testamento por exemplo animais e coisas b for ilícito impossível ou indeterminável seu objeto aplicação do art 166 II do CC é o caso respectivamente de testamentos que transfiram a titularidade de drogas proibidas objeto ilícito bens públicos impossível juridicamente ou simplesmente alguma coisa sem nominála objeto indeterminável c o motivo determinante foi ilícito aplicação do art 166 III do CC embora a norma se refira a motivo determinante comum a ambas as partes não podemos conceber seja considerado válido um testamento cuja finalidade ou motivo determinante causa afigurese contrário ao ordenamento jurídico Vale dizer a par de sua natureza unilateral uma causa desvirtuada poderia sem dúvida contaminar o próprio ato E não se diga ser o testamento um ato negocial não causal uma vez que assim como na doação objetivase deferir um benefício patrimonial a um terceiro Ainda que se trate de negócios com características distintas ambos são dotados de uma razão causal determinante Na perspectiva do antigo ditado aliás onde há a mesma razão deve haver o mesmo direito 270 d não revestir a forma prescrita em lei ou for preterida solenidade que a lei considere essencial aplicação das hipóteses dos incisos IV e V do art 166 do CC nesse aspecto é fundamental ressaltar a importância que é dada à forma no testamento que pode ser considerado juntamente com o casamento um dos negócios jurídicos mais solenes do ordenamento brasileiro 271 e tiver por objetivo fraudar lei imperativa aplicação do art 166 VI do CC tratase de hipótese pouco frequente na prática visto que teoricamente possível É o caso do sujeito que se vale de um testamento para instituir fundação com o objetivo de realizar lavagem de dinheiro e sonegação fiscal f a lei taxativamente o declarar nulo ou proibirlhe a prática sem cominar sanção aplicação do art 166 VII do CC é o caso das formas proibidas de testamento a exemplo do conjuntivo g simular outro negócio jurídico aplicação do art 167 do CC diferentemente do dolo a simulação tal como tratada em nosso sistema pressupõe um acordo de vontades Vale dizer as partes criam um negócio jurídico aparentemente normal destinado a não gerar efeito algum simulação absoluta ou a encobrir outro negócio cujos efeitos são proibidos por lei simulação relativa Ora considerando que o testamento é geneticamente unilateral reconhecemos certa dificuldade em subsumilo na presente categoria negócio simulado na medida em que não há convergência de vontades em sua formação o que não impedirá por óbvio a eventual existência de outros vícios conforme já mencionado Mas em um supremo esforço acadêmico figuramos a possibilidade de tentar encobrir uma doação mortis causa vedada em nosso sistema por meio de um testamento conferindose de logo o bem doado ao donatário Haveria uma possível simulação relativa dados os efeitos imediatos proibidos que se pretendeu produzir Vale destacar por fim que as hipóteses de nulidade não se limitam às regras gerais do negócio jurídico havendo previsão específica de nulidade de disposições testamentárias conforme se constata na leitura do art 1900 272 Na mesma linha também lhes são aplicáveis no que for possível as regras de nulidade relativa dos negócios jurídicos previstas no art 171 notadamente no que diz respeito aos vícios de consentimento Todavia há uma pergunta que não quer calar Há prazo para o ajuizamento das ações de invalidade de testamento Qual seria ele É o que enfrentaremos no próximo subtópico 11 Prazo das ações de invalidade de testamento Diante da regra positivada no art 169 do CC sem correspondência na codificação anterior de que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação nem convalesce pelo decurso do tempo seria possível falar em prazo para o exercício de uma ação de invalidade de testamento nulo Isso porque sendo o testamento um negócio jurídico deveria tal regra em tese ser também aplicável a ele ou seja não deveria haver prazo para o exercício de tal postulação em se tratando de nulidade absoluta Todavia no caso do testamento há regra específica De fato fundamentado na ideia de segurança das relações jurídicas o vigente Código Civil brasileiro estabeleceu no seu art 1859 Art 1859 Extinguese em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento contado o prazo da data do seu registro Tratase de prazo decadencial uma vez que se trata do exercício de um direito potestativo Em nossa linha de pensamento entendemos ser tal prazo aplicável tanto para as nulidades absolutas quanto para as relativas por se tratar de regra específica da disciplina testamentária o que tem encontrado respaldo na doutrina majoritária Todavia a questão não é tão simples o que não chega a surpreender em um ramo do Direito tão marcado por dissensões doutrinárias especialmente em sua perspectiva sistemática 273 Nesse contexto reconhecemos como dito a existência do prazo de natureza decadencial para a desconstituição do negócio jurídico testamentário em função de eventual nulidade absoluta ou relativa Contudo se o prazo genérico para tal fim é o quinquenal previsto no mencionado art 1859 o prazo será outro se a nulidade neste caso relativa for decorrente de vícios de consentimento erro dolo ou coação compatíveis com a natureza jurídica do testamento Com efeito um prazo quadrienal é estabelecido pelo art 1909 do CC nos seguintes termos Art 1909 São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro dolo ou coação Parágrafo único Extinguese em quatro anos o direito de anular a disposição contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício Assim sistematizando a matéria temos que os prazos decadenciais para a ação de invalidade de testamento serão os seguintes a cinco anos ação de invalidade de testamento por nulidade absoluta ou relativa b quatro anos ação anulatória de testamento nulidade relativa em caso de erro dolo ou coação Dessa conclusão preliminar podese extrair uma segunda como consequência lógica o prazo quadrienal para os vícios de consentimento coadunase com a regra do art 178 do CC para os negócios jurídicos em geral Mas uma vez que o testamento é um negócio jurídico poderia ser ele submetido ao fenômeno da conversão 12 Conversão do testamento nulo ou anulável Uma das mais aplaudidas inovações do Código Civil brasileiro de 2002 foi o acolhimento da teoria da conversão do negócio jurídico Com efeito preceitua o art 170 Art 170 Se porém o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido se houvessem previsto a nulidade Tratase portanto de medida sanatória por meio da qual se aproveitam os elementos materiais de um negócio jurídico nulo ou anulável convertendoo juridicamente e de acordo com a vontade das partes em outro negócio válido e de fins lícitos Retirase portanto o ato negocial da categoria em que seria considerado inválido inserindoo em outra na qual a nulidade absoluta ou relativa que o inquina será considerada sanada à luz do princípio da conservação No campo das sucessões sem menoscabarmos a importância da forma para o negócio jurídico testamentário parecenos bastante razoável aplicar a teoria em situações justificadas por exemplo na hipótese de uma doação mortis causa inválida que se converteria em estipulação testamentária de um legado desde que respeitadas as normas da sucessão testamentária sem a ocorrência de simulação ou outro vício e observando a vontade do falecido No mesmo sentido um testamento que trate de objeto de pequeno valor celebrado sem a assinatura de testemunhas poderia ser convertido em codicilo Também trazendo variados exemplos ensinam TARTUCE e SIMÃO Primeiramente um testamento cujo objeto seja um bem de pequeno valor que foi feito sem assinatura de testemunhas pode converterse em codicilo conversão substancial A jurisprudência nacional vem admitindo essa forma de conversão RT 327277 Vale dizer que o Código Civil italiano traz exemplo clássico de conversão formal de testamento O diploma determina em seu art 607 que o testamento cerrado uma vez que não tenha as características preenchidas terá efeito como testamento hológrafo contanto que preencha os requisitos deste Il testamento segreto che manca di qualche requisito suo proprio ha effetto como testamento olografo qualora di questo abbia i requisiti Imaginese um testamento público que conta com a assinatura de quatro testemunhas apesar de a lei só exigir duas que por um lapso deixa de ser assinado pelo Tabelião Como instrumento público o testamento é nulo mas convertese em testamento particular que só exige a presença de três testemunhas ocorrendo a conversão formal pois a forma pública nula convertese em forma particular válida Notese que o negócio jurídico original é um testamento e o convertido também o é Por outro lado uma doação mortis causa pode se converter em legado se presentes os requisitos formais de validade Sobre o tema explica Wania do Carmo de Carvalho Triginelli que no sistema jurídico brasileiro não é pacífica a admissão da figura da doação mortis causa embora pareça ser possível aceitála até pelo fato não só de o art 314 do Código Civil de 1916 a ela se referir expressamente apesar de a referência encontrarse no tópico destinado à doação propter nuptias Admitida a figura no sistema jurídico brasileiro o caso referido seria típico de conversão do negócio jurídico Conversão 2003 p 166 Em conclusão com a expressa disposição do art 170 do CC de 2002 a conversão do testamento nulo não só se torna possível afastando qualquer debate que exista sob a égide do revogado Código Civil como também desejável pois dá efetividade à vontade do morto preservando a sua autonomia privada e conservando o negócio jurídico celebrado 274 Tratase sem dúvida de uma teoria bastante útil para a observância efetiva do respeito à vontade manifestada do testador o que deve ser levado em consideração na interpretação do testamento como princípio básico inclusive em sede de discussão de eventual invalidade 275 Não sendo possível por outro lado a conversão do testamento impõese o reconhecimento da nulidade caso tenha sido manejada tempestivamente a ação própria passandose a produzir os efeitos da sucessão legítima 2 INEXECUÇÃO DO TESTAMENTO Pelo termo inexecução do testamento costumamos abranger situações em que o negócio jurídico testamentário mesmo estando apto do ponto de vista da sua validade não poderá mais produzir efeitos No esforço sistematizador que empreendemos ao longo da obra parecenos relevante classificar tais situações todas no plano da eficácia em três modalidades a caducidade a revogação e o rompimento do testamento Vamos conhecêlas 21 Caducidade Consiste a caducidade de um testamento na perda de sua eficácia por circunstância superveniente ao momento da sua celebração Tratase de uma hipótese que não foi mencionada de forma expressa em capítulo próprio na codificação civil mas que se encontra mencionada de forma difusa em diversos dispositivos normativos do texto legal inclusive na disciplina dos legados Em louvável trabalho classificatório sintetiza MARIA HELENA DINIZ as hipóteses de caducidade O testamento caducará 1º Se o herdeiro instituído premorrer ao testador ou simultaneamente a ele CC arts 8º e 1943 2º Se o nomeado falecer antes do implemento da condição da qual dependia a herança ou legado 3º Se a condição suspensiva imposta pelo disponente não puder ser realizada CC arts 125 1809 e 1943 4º Se o herdeiro instituído ou o legatário renunciar à herança ou ao legado for incapaz de herdar ou for excluído da sucessão CC arts 1943 1798 1799 1801 e 1971 5º Se houver modificação substancial ou perecimento de coisa legada por caso fortuito pois se a destruição se der por culpa do herdeiro o legatário terá direito a perdas e danos e se ocorrer o fato por ato culposo do próprio legatário nenhum direito lhe assiste 6º Se nas hipóteses de testamento especial marítimo aeronáutico ou militar o testador não finar na sua viagem ou em campanha ou não promover as medidas legais para convalescer seu ato de última vontade CC arts 1891 e 1895 Havendo caducidade da cédula testamentária por qualquer uma dessas causas a sucessão testamentária transformarseá em legítima como se não houvesse qualquer testamento CC art 1788 Entretanto a vocação dos sucessores legítimos deixará de ocorrer nos casos em que houver admissibilidade do direito de acrescer CC arts 1941 a 1943 ou então se o testador nomeou substituto ao herdeiro ou legatário que recolherá a herança ou o legado CC arts 1943 1947 e 1951 276 Tomando como premissas as hipóteses sistematizadas pela ilustre Professora citada entendemos que ocorrendo a caducidade duas consequências poderão advir de acordo com as regras do nosso Direito vigente a se a ineficácia abranger todos os herdeiros ou legatários e eles não tiverem substitutos toda a herança por óbvio passa a ser regulada pelas normas da sucessão legítima b se não abranger todos os herdeiros ou legatários e não tendo eles substitutos em havendo o direito de acrescer entre eles a transmissão da herança poderá continuar a ser regida pela sucessão testamentária Compreendida a caducidade passemos a tratar da revogação do testamento 22 Revogação A revogação consiste em uma modalidade de desfazimento de determinados negócios jurídicos por iniciativa de uma das partes isoladamente É o exemplo clássico da resilição unilateralmente feita nos contratos de mandato arts 682 a 687 do CC e doação arts 555 a 564 do CC Embora não seja um contrato mas sim um negócio jurídico unilateral também em face do testamento é utilizado o vocábulo revogação no sentido aqui tratado o que é objeto de previsão legal expressa arts 1969 a 1972 do CC2002 Como modalidade extintiva específica do testamento a revogação deve se dar do mesmo modo e forma com que fora feito o negócio jurídico que se quer revogar 277 Tal revogação na forma do caput do art 1970 do Código Civil poderá ser total ou parcial Registrese porém que se a revogação for parcial ou se o testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa o negócio jurídico unilateral anterior subsiste em tudo que não for contrário às novas disposições testamentárias Regra lógica é estabelecida pelo art 1971 do Código Civil Art 1971 A revogação produzirá seus efeitos ainda quando o testamento que a encerra vier a caducar por exclusão incapacidade ou renúncia do herdeiro nele nomeado não valerá se o testamento revogatório for anulado por omissão ou infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos A produção de efeitos do testamento revogador dependerá portanto das suas próprias circunstâncias Com efeito é forçoso convir que se o testamento revogatório for anulado significa dizer que ele foi rechaçado no plano da validade não podendo naturalmente produzir efeitos Por fim traz o art 1972 do Código Civil uma presunção de revogação quando o testamento cerrado for aberto ou dilacerado pelo testador ou mesmo por terceiro com o seu consentimento Isso porque é da essência do testamento cerrado a preservação do seu sigilo Ora uma vez tendo sido quebrada a verdadeira garantia de segurança pelo próprio testador ou por terceiro seguindo a sua vontade o testamento perderá a finalidade e portanto a sua eficácia Ocorrendo a revogação duas consequências lógicas podem advir a se a revogação for total toda a herança passa a ser regulada pela sucessão legítima caso não haja nova estipulação testamentária b se a revogação for parcial isso significa que ainda há disposição testamentária válida e eficaz a herança continuará regida pela sucessão testamentária obviamente na parte disponível do patrimônio deixado pelo de cujus segundo a sua vontade manifestada Sobre a revogação do testamento revogatório observa ORLANDO GOMES Em princípio o primeiro testamento revogado não recobra sua força com a revogação do testamento que o tornou insubsistente Produz se em suma o efeito da revogação tenha sido expressa ou tácita Pela circunstância de ter sido por sua vez revogado o testamento que o revogara o anterior não readquire eficácia Nada impede todavia que ao revogar o testamento revogatório declare o testador a vontade de que reviva o testamento primitivamente revogado ou algumas de suas disposições É lícito ao testador com efeito fazer reviver disposições testamentárias já revogadas necessário sendo porém que manifeste sua intenção desenganadamente Dessa exigência resulta a inadmissibilidade de tácita revogação de revogação Disputouse acerca da necessidade de repetir o testador as disposições testamentárias as quais quer revigorar entendendo numerosos doutores que a ressurreição dependia da reprodução no terceiro testamento de tais cláusulas Correto no entanto é o entendimento contrário Basta que o testador confirme as declarações do primeiro testamento até porque trazendoas para o outro não estará a rigor revigorando cláusulas insubsistentes senão renovandoas em outro testamento por tal modo que não cogitar do que fora revogado pelo revogatório Seria afinal novo testamento na forma e no conteúdo O problema deixaria de existir O risco de incerteza invocado pelos que temem a simples confirmação pode ser afastado por interpretação cuidadosa da vontade do testador 278 Compreendida a temática da revogação do testamento conheçamos a sua última modalidade extintiva o rompimento do testamento Vamos a ela 23 Rompimento O rompimento ou ruptura é modalidade extintiva especificamente aplicável ao testamento De fato todas as demais modalidades aqui tratadas decorrem direta ou indiretamente da disciplina geral do negócio jurídico Com o rompimento não Tratase de uma forma muito peculiar em que o surgimento de um descendente sucessível ou outro herdeiro necessário que o testador não tinha ou desconhecia quando testou faz cessar os efeitos do testamento Nesse sentido confiramse os arts 1973 e 1974 do Código Civil Art 1973 Sobrevindo descendente sucessível ao testador que não o tinha ou não o conhecia quando testou rompese o testamento em todas as suas disposições se esse descendente sobreviver ao testador Art 1974 Rompese também o testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários O sentido da norma é muito simples Se quando celebrou o testamento o testador desconhecia a existência de herdeiro sucessível não haveria por consequência como lhe direcionar o patrimônio em franca violação ao princípio da autonomia privada O mesmo raciocínio seria aplicável se ainda não existisse o referido herdeiro ao tempo da feitura do testamento Se o testador porém já tinha herdeiros necessários e mesmo assim fez a disposição testamentária não o contemplando ou o excluindo não há falar em rompimento pois a legítima foi preservada24 Nesta linha é a previsão do art 1975 Art 1975 Não se rompe o testamento se o testador dispuser da sua metade não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba ou quando os exclua dessa parte Sobre o tema ensinou ORLANDO GOMES Não se rompe o testamento se o testador previu a existência ou superveniência de herdeiros necessários A previsão presumese quando ele dispõe apenas da metade da herança Não se rompe outrossim se não contemplar na parte disponível os herdeiros necessários de cuja existência saiba Obrigado não estando a favorecêlos dispensado se acha de mencionar as razões por que preferiu deixála a estranhos Não há que falar neste caso em deserdação Importa é que ignore a existência de tais herdeiros ao testar Na dúvida pode tomar a cautela de declarar que se aparecerem se tenha como eficaz o testamento sem ofensa à legítima Do mesmo modo em relação à possível superveniência 279 Interessante por fim mencionar que uma posterior sentença que acolha pedido de investigação de paternidade não opera necessariamente o rompimento do testamento na medida em que havendo contestado o pedido o investigado passaria a ter ciência da possível existência do herdeiro necessário como já decidiu o TJSP ROMPIMENTO DE TESTAMENTO Parte disponível deixada à viúva Testador que já tinha outros descendentes Posterior sentença proferida em ação de investigação de paternidade que não provoca a revogação presumida do testamento Testador que tinha conhecimento prévio da existência do filho pois contestou a ação antes da lavratura do testamento Não incidência de revogação presumida do artigo 1973 do Código Civil Decisão que determinou o registro e o cumprimento do testamento que se mantém Recurso não provido TJSP Ap Cív 4498944800SP Rel Francisco Loureiro j 9102008 4ª Câmara de Direito Privado publicado em 22102008 Antigo julgado do Supremo Tribunal Federal aliás aparentemente apontava na mesma direção AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE TESTAMENTO CÓDIGO CIVIL ART 1750 A procedência da ação de investigação de paternidade não importa no rompimento do testamento deixado pelo investigado se este não ignorava que o investigante era seu filho tese razoável à vista do art 1750 do Código Civil FALTA DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA RELATIVA AOS ARTS 515 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E 82 E 86 DO CÓDIGO CIVIL SÚMULAS 282 E 356 DISSÍDIO DE JURISPRUDÊNCIA SUPERADO SÚMULA 286 RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO RE 105538 Rel Min Francisco Rezek 2ª Turma j 391985 DJ 4101985 p 17209 Todavia de tudo não se conclua que a legítima do herdeiro restaria prejudicada visto que como sabemos a sua proteção jurídica deriva de normas de ordem pública CIV INVENTÁRIO 1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL E CLASSIFICAÇÃO O que é um inventário O inventário pode ser conceituado como uma descrição detalhada do patrimônio do autor da herança atividade esta destinada à posterior partilha ou adjudicação dos bens Sob o prisma processual outrossim o inventário pode ser entendido como uma sequência ordenada de atos tendentes a um fim específico Não é mais nos dias de hoje porém exclusivamente um procedimento judicial 280 De fato classificase contemporaneamente o inventário em administrativo extrajudicial ou judicial O inventário será extrajudicial mediante lavratura de escritura pública em tabelionato de notas quando não houver divergências entre as partes interessadas sendo todas elas capazes encontrandose devidamente assistidas por advogado Se porém a sucessão envolver interesse de incapazes ou for hipótese de disposição de última vontade testamento o inventário terá de ser necessariamente judicial 2 INVENTÁRIO E ESPÓLIO Somente se pode falar em inventário a partir do momento em que este é formalizado seja pela via extrajudicial seja por meio do procedimento judicial adequado E outra noção nesse contexto deve também ser ressaltada a de espólio Observese que tal qual a expressão inventário também o termo espólio é plurissignificativo 281 O significado que interessa no campo das Sucessões é efetivamente o de um conjunto de bens deixado pelo de cujus e que passa a ser considerado um ente desprovido de personalidade mas com capacidade processual representado pelo inventariante Logo não há confundir espólio com inventário O primeiro é simplesmente a massa patrimonial com capacidade processual O segundo é a descrição detalhada do patrimônio do autor da herança expressão que identifica também sob o aspecto dinâmico o procedimento administrativo ou judicial tendente à partilha previsto nos arts 610 a 646 do Código de Processo Civil de 2015 3 ADMINISTRAÇÃO PROVISÓRIA DA HERANÇA Na forma do art 1991 do vigente Código Civil brasileiro desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha a administração da herança será exercida pelo inventariante Se a administração da herança e a realização do inventário cabe ao inventariante a pergunta que não quer calar é quem será o responsável até que o inventariante seja formalmente designado O administrador provisório nós respondemos Nesse sentido os arts 613 e 614 do CPC2015 Art 613 Até que o inventariante preste o compromisso continuará o espólio na posse do administrador provisório Art 614 O administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que por dolo ou culpa der causa E quem poderá ser designado administrador provisório A resposta se encontra no art 1797 do vigente Código Civil brasileiro Art 1797 Até o compromisso do inventariante a administração da herança caberá sucessivamente I ao cônjuge ou companheiro se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão II ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens e se houver mais de um nessas condições ao mais velho III ao testamenteiro IV a pessoa de confiança do juiz na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz Observese que o dispositivo legal estabelece uma ordem para o reconhecimento da legitimidade para atuar como administrador provisório da herança 282 figura das mais importantes pelo menos até o advento da assunção do compromisso do inventariante 4 O INVENTARIANTE O inventariante é o representante oficial do espólio na forma do art 75 VII do Código de Processo Civil de 2015 Com efeito o espólio é representado em juízo ativa e passivamente pelo inventariante sucedendo o administrador provisório que como o próprio nome infere é um sujeito com uma função potencialmente temporária cabendolhe a zelosa administração dos bens e a prudente condução do inventário A atuação processual do inventariante em nome do espólio é relevantíssima uma vez que o espólio pode ser inclusive autor ou réu em ações próprias mesmo não tendo personalidade jurídica 283 Registrese inclusive que na forma do art 110 do Código de Processo Civil de 2015 ocorrendo a morte de qualquer das partes darseá a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores observado o disposto no art 313 do mesmo diploma legal O inventariante deve cumprir a sua função com cautela evitando excessos e violação de direitos dos outros herdeiros que não perdem a prerrogativa de também defender os bens do espólio uns contra os outros ou em face de terceiros na medida em que como sabemos são titulares de uma fração ideal do acervo até que se ultime a respectiva partilha 284 5 INÍCIO E PRAZO DO INVENTÁRIO Dispõe o art 1796 do Código Civil brasileiro Art 1796 No prazo de trinta dias a contar da abertura da sucessão instaurarseá inventário do patrimônio hereditário perante o juízo competente no lugar da sucessão para fins de liquidação e quando for o caso de partilha da herança O prazo de trinta dias previsto na legislação de direito material foi derrogado por norma posterior a saber a Lei n 11441 de 2007 que ao tratar do inventário administrativo extrajudicial também modificou regras do Código de Processo Civil referentes à modalidade judicial estabelecendo o prazo de sessenta dias 285 Todavia com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 o prazo passou a ser de 2 dois meses conforme estabelecido em seu art 611 in verbis Art 611 O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 dois meses a contar da abertura da sucessão ultimandose nos 12 doze meses subsequentes podendo o juiz prorrogar esses prazos de ofício ou a requerimento de parte O início do inventário inaugura uma espécie de juízo universal em que se pretende resolver em um único processo entendido como conjunto de atos tendentes a um fim todas as questões atinentes à formalização da transferência da herança salvo quando absolutamente inviável É a regra do art 612 do Código de Processo Civil de 2015 que preceitua literalmente Art 612 O juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas O art 1771 do Código Civil de 1916 expressamente previa que no inventário serão descritos com individuação e clareza todos os bens da herança assim como os alheios nela encontrados A vigente codificação não trouxe dispositivo equivalente mas até mesmo pela compreensão do que seja o instituto do inventário tal providência deverá ser tomada pelo inventariante para poder cumprir bem e fielmente os seus misteres 6 LIQUIDAÇÃO DA HERANÇA O trabalho fundamental durante o processo de inventário é sem dúvida fazer a devida apuração dos haveres da herança com o conhecimento do patrimônio bruto e líquido verificando os ativos e os passivos Para isso será necessária a efetiva constatação de cada um dos bens constantes do patrimônio do falecido o que muitas vezes pode não encontrar a devida colaboração de todos os envolvidos E o que se deve fazer nessa situação 61 Sonegados A lógica do inventário é definitivamente a elaboração de uma relação completa dos bens do falecido Assim qualquer ato atentatório a tal finalidade deve ser juridicamente rechaçado É o caso da sonegação de informações sobre bens E isso não passou in albis no texto codificado Com efeito na forma do art 1992 do Código Civil o herdeiro que sonegar bens da herança não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder ou com o seu conhecimento no de outra pessoa ou que os omitir na colação a que os deva levar ou que deixar de restituílos deverá perder o direito que sobre eles lhe cabia A ideia é lógica quem não foi fiel com a verdade violando o dever de informar que deriva do superior princípio da boafé objetiva não pode passar incólume E isso também se aplica ao inventariante Com efeito se o sonegador for o inventariante além de tal sanção deve ser removido conforme preceitua o art 1993 do vigente Código Civil sempre com a garantia do contraditório e da ampla defesa Vale destacar que só se pode acusar o inventariante de sonegação depois de encerrada a descrição dos bens com a declaração por ele feita de não existirem outros por inventariar e partir e só se pode imputar tal conduta ao herdeiro depois de declararse no inventário que não os possui tudo como determinado pelo vigente art 1996 da codificação civil brasileira E como se apura tal alegação de sonegação Estabelece o art 1994 do Código Civil Art 1994 A pena de sonegados só se pode requerer e impor em ação movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança Parágrafo único A sentença que se proferir na ação de sonegados movida por qualquer dos herdeiros ou credores aproveita aos demais interessados Caso os bens já não estejam em poder do sonegador a teor do art 1995 deverá pagar o equivalente além das perdas e danos correspondentes Todavia ousando ir além do texto codificado neste ponto consideramos plenamente razoável a busca e apreensão dos bens caso ainda existentes e em posse de terceiro de máfé 62 Colações A colação é temática fascinante Por premissa todos os descendentes devem ser igualmente tratados Por isso estabelece o art 2002 do Código Civil brasileiro que os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados justamente para igualar as legítimas a conferir o valor das doações que dele em vida receberam sob pena de sonegação O prazo para tal informação é comum de quinze dias contado da conclusão das citações por aplicação combinada dos arts 627 e 639 do Código de Processo Civil de 2015 Claro que para cálculo da legítima o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível sem aumentar a disponível na forma do parágrafo único do mencionado dispositivo do Código Civil art 2002 A tal processo de conferência de valores para igualação da legítima é dado o nome de colação Sobre sua finalidade estabelece o art 2003 do vigente Código Civil Art 2003 A colação tem por fim igualar na proporção estabelecida neste Código as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente obrigando também os donatários que ao tempo do falecimento do doador já não possuírem os bens doados Parágrafo único Se computados os valores das doações feitas em adiantamento de legítima não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge os bens assim doados serão conferidos em espécie ou quando deles já não disponha o donatário pelo seu valor ao tempo da liberalidade Sobre o valor de colação dos bens doados estabelece o art 2004 do vigente Código Civil Art 2004 O valor de colação dos bens doados será aquele certo ou estimativo que lhes atribuir o ato de liberalidade 1º Se do ato de doação não constar valor certo nem houver estimação feita naquela época os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular valessem ao tempo da liberalidade 2º Só o valor dos bens doados entrará em colação não assim o das benfeitorias acrescidas as quais pertencerão ao herdeiro donatário correndo também à conta deste os rendimentos ou lucros assim como os danos e perdas que eles sofrerem Mas quais são os bens submetidos à colação Respondendo a tal questão determina o art 2007 Art 2007 São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor no momento da liberalidade 1º O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham no momento da liberalidade 2º A redução da liberalidade farseá pela restituição ao monte do excesso assim apurado a restituição será em espécie ou se não mais existir o bem em poder do donatário em dinheiro segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão observadas no que forem aplicáveis as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias 3º Sujeitase a redução nos termos do parágrafo antecedente a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível 4º Sendo várias as doações a herdeiros necessários feitas em diferentes datas serão elas reduzidas a partir da última até a eliminação do excesso E há bens dispensados da colação Sim O texto codificado traz diversas lógicas exceções de bens que não se submetem à colação 286 Todas as hipóteses porém se fundamentam em situações fáticas em que a legítima é preservada É o caso por exemplo da previsão do art 2005 Art 2005 São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível contanto que não a excedam computado o seu valor ao tempo da doação Parágrafo único Presumese imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que ao tempo do ato não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário Obviamente também dentro da parte disponível pode o próprio doador autor da herança dispensar a colação no respectivo título em que realizou a doação ou mesmo em testamento 287 Da mesma forma o instituto não se presta a estimular a falta de cuidado dos pais com os filhos motivo pelo qual na forma do art 2010 não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com o descendente enquanto menor na sua educação estudos sustento vestuário tratamento nas enfermidades enxoval assim como as despesas de casamento ou as feitas no interesse de sua defesa em processo crime Por fim ainda quanto a bens excluídos da colação registrese que as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas a colação art 2011 o que é perfeitamente aceitável já que não há um caráter necessário de liberalidade pura Regra interessante é estabelecida no art 2008 Art 2008 Aquele que renunciou a herança ou dela foi excluído deve não obstante conferir as doações recebidas para o fim de repor o que exceder o disponível A obrigação de efetivar a conferência para colação inclusive não é personalíssima transferindose aos netos na forma do art 2009 Art 2009 Quando os netos representando os seus pais sucederem aos avós serão obrigados a trazer à colação ainda que não o hajam herdado o que os pais teriam de conferir Parecenos inclusive que a melhor técnica recomendaria a utilização da expressão descendentes em vez de netos pois não faz sentido limitar a obrigação ao segundo grau descendente podendo haver situação de representação com bisnetos tataranetos etc No caso de doação feita por ambos os cônjuges no inventário de cada um se conferirá por metade conforme estabelece o art 2012 do Código Civil E se o herdeiro negar a ocorrência do recebimento dos bens ou mesmo o ato de conferência Nesse caso estabelece o art 641 do Código de Processo Civil de 2015 um procedimento incidental para verificação do fato nos seguintes termos Art 641 Se o herdeiro negar o recebimento dos bens ou a obrigação de os conferir o juiz ouvidas as partes no prazo comum de 15 quinze dias decidirá à vista das alegações e das provas produzidas 1º Declarada improcedente a oposição se o herdeiro no prazo improrrogável de 15 quinze dias não proceder à conferência o juiz mandará sequestrarlhe para serem inventariados e partilhados os bens sujeitos à colação ou imputar ao seu quinhão hereditário o valor deles se já não os possuir 2º Se a matéria exigir dilação probatória diversa da documental o juiz remeterá as partes às vias ordinárias não podendo o herdeiro receber o seu quinhão hereditário enquanto pender a demanda sem prestar caução correspondente ao valor dos bens sobre os quais versar a conferência Tratase de medida salutar de nítida natureza acautelatória 63 Pagamento das dívidas O inventário somente conduzirá a eventual partilha ou adjudicação dos bens se as dívidas do falecido houverem sido pagas Nesse sentido dispõe o art 642 do Código de Processo Civil de 2015 Art 642 Antes da partilha poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis 1º A petição acompanhada de prova literal da dívida será distribuída por dependência e autuada em apenso aos autos do processo de inventário 2º Concordando as partes com o pedido o juiz ao declarar habilitado o credor mandará que se faça a separação de dinheiro ou em sua falta de bens suficientes para o pagamento 3º Separados os bens tantos quantos forem necessários para o pagamento dos credores habilitados o juiz mandará alienálos observandose as disposições deste Código relativas à expropriação 4º Se o credor requerer que em vez de dinheiro lhe sejam adjudicados para o seu pagamento os bens já reservados o juiz deferirlheá o pedido concordando todas as partes 5º Os donatários serão chamados a pronunciarse sobre a aprovação das dívidas sempre que haja possibilidade de resultar delas a redução das liberalidades É importantíssimo destacar que o 1º do art 1997 do vigente Código Civil brasileiro estabelece que tendo sido requerido no inventário antes da partilha o pagamento de dívidas constantes de documentos revestidos de formalidades legais constituindo prova bastante da obrigação e houver impugnação que não se funde na alegação de pagamento acompanhada de prova valiosa o juiz mandará reservar em poder do inventariante bens suficientes para solução do débito sobre os quais venha a recair oportunamente a execução Nessa mesma linha aliás estabelece o art 643 do Código de Processo Civil de 2015 Art 643 Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor será o pedido remetido às vias ordinárias Parágrafo único O juiz mandará porém reservar em poder do inventariante bens suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação Tratase de solução bastante razoável para preservar os interesses dos credores e dos herdeiros mas sem descurar da duração razoável do processo já que se trata de questão a ser discutida em juízo próprio e autônomo em relação ao inventário Nesse caso porém é estabelecido o prazo de trinta dias no 2º do referido art 1997 para que o credor dê início à ação de cobrança sob pena de se tornar de nenhum efeito a providência indicada Percebase que tal prazo não impede o ajuizamento da ação de cobrança tornando sem efeito apenas a garantia propugnada pelo texto legal Vale destacar por fim o que dispõe o art 644 do CPC2015 Art 644 O credor de dívida líquida e certa ainda não vencida pode requerer habilitação no inventário Parágrafo único Concordando as partes com o pedido referido no caput o juiz ao julgar habilitado o crédito mandará que se faça separação de bens para o futuro pagamento Observese a peculiaridade da situação mencionada A referida dívida obrigação transmissível embora líquida e certa ainda não está vencida mesmo tendo ocorrido o falecimento do devedor razão por que há expressa menção à concordância das partes Vale ainda acrescentar que se o herdeiro for devedor ao espólio sua dívida será partilhada igualmente entre todos salvo se a maioria consentir que o débito seja imputado inteiramente no quinhão do devedor como preceitua o art 2001 Na mesma linha permite o art 646 do Código de Processo Civil brasileiro de 2015 sem prejuízo do disposto no art 860 do mesmo diploma que os herdeiros ao separarem bens para o pagamento de dívidas autorizem que o inventariante os nomeie à penhora no processo em que o espólio for executado Isso facilita o pagamento das dívidas e diminui as disputas quando da partilha dos bens na perspectiva do princípio da autonomia privada Observese que na linha do art 1998 da codificação civil as despesas funerárias haja ou não herdeiros legítimos sairão sempre do monte da herança mas as de sufrágios por alma do falecido só obrigarão a herança quando ordenadas em testamento ou codicilo locus ideal para tal determinação do autor da herança Na hipótese de haver ações regressivas entre os herdeiros caso um deles seja insolvente sua cota será dividida proporcionalmente entre os demais observandose o seu quinhão hereditário 288 Não se tratando de questões de alta indagação o juízo do inventário deve atrair o julgamento das questões pecuniárias entre os herdeiros 289 E se como é muito comum o herdeiro for devedor de terceiros Podem os credores desse herdeiro se habilitar na herança Sobre o tema disciplina o art 2000 do texto codificado Art 2000 Os legatários e credores da herança podem exigir que do patrimônio do falecido se discrimine o do herdeiro e em concurso com os credores deste serlhesão preferidos no pagamento Ainda em relação às dívidas do espólio registrese que o legatário também pode ser considerado parte legítima para se manifestar sobre elas É a previsão do art 645 do Código de Processo Civil de 2015 in verbis Art 645 O legatário é parte legítima para manifestarse sobre as dívidas do espólio I quando toda a herança for dividida em legados II quando o reconhecimento das dívidas importar redução dos legados O dispositivo é lógico quando o interesse do legatário puder ser atingido deve ele se manifestar a respeito da questão que lhe toca 64 Avaliação e cálculo do imposto O Código de Processo Civil de 2015 reserva a Seção V Da Avaliação e do Cálculo do Imposto somente para tal fase 290 Como se trata de um iter detalhadamente descrito em lei caracterizado por normas de dicção objetiva e eminentemente procedimentais cuidamos de transcrever os novos dispositivos inaugurados a partir da Lei Processual de 2015 Art 630 Findo o prazo previsto no art 627 sem impugnação ou decidida a impugnação que houver sido oposta o juiz nomeará se for o caso perito para avaliar os bens do espólio se não houver na comarca avaliador judicial Parágrafo único Na hipótese prevista no art 620 1º o juiz nomeará perito para avaliação das quotas sociais ou apuração dos haveres Art 631 Ao avaliar os bens do espólio o perito observará no que for aplicável o disposto nos arts 872 e 873 Art 632 Não se expedirá carta precatória para a avaliação de bens situados fora da comarca onde corre o inventário se eles forem de pequeno valor ou perfeitamente conhecidos do perito nomeado Art 633 Sendo capazes todas as partes não se procederá à avaliação se a Fazenda Pública intimada pessoalmente concordar de forma expressa com o valor atribuído nas primeiras declarações aos bens do espólio Art 634 Se os herdeiros concordarem com o valor dos bens declarados pela Fazenda Pública a avaliação cingirseá aos demais Art 635 Entregue o laudo de avaliação o juiz mandará que as partes se manifestem no prazo de 15 quinze dias que correrá em cartório 1º Versando a impugnação sobre o valor dado pelo perito o juiz a decidirá de plano à vista do que constar dos autos 2º Julgando procedente a impugnação o juiz determinará que o perito retifique a avaliação observando os fundamentos da decisão Art 636 Aceito o laudo ou resolvidas as impugnações suscitadas a seu respeito lavrarseá em seguida o termo de últimas declarações no qual o inventariante poderá emendar aditar ou completar as primeiras Art 637 Ouvidas as partes sobre as últimas declarações no prazo comum de 15 quinze dias procederseá ao cálculo do tributo Art 638 Feito o cálculo sobre ele serão ouvidas todas as partes no prazo comum de 5 cinco dias que correrá em cartório e em seguida a Fazenda Pública 1º Se acolher eventual impugnação o juiz ordenará nova remessa dos autos ao contabilista determinando as alterações que devam ser feitas no cálculo 2º Cumprido o despacho o juiz julgará o cálculo do tributo Tudo isso parte do pressuposto de que existem efetivamente haveres a partilhar E se nada existir para partilhar É o tema do inventário negativo a ser abordado no próximo tópico 7 INVENTÁRIO NEGATIVO Não havendo bens a partilhar o consequente pensamento é no sentido da desnecessidade do inventário Parece uma conclusão lógica Mas não é tão simples assim No âmbito jurídico muitas vezes a necessidade de estabilidade e segurança faz com que o reconhecimento oficial de uma situação de inexistência seja exigida Na precisa lição de MARIA HELENA DINIZ Segundo Itabaiana de Oliveira o inventário negativo é o modo judicial de se provar para determinado fim a inexistência de bens do extinto casal Deveras conforme o Código Civil art 1641 I combinado com o art 1523 I é obrigatório o regime de separação de bens no casamento do viúvo ou da viúva que tenha filhos do cônjuge falecido exceto se fez inventário e deu partilha aos herdeiros Se o extinto casal não possuía haveres nada impede a comunhão pretendida que vigorará nas segundas núpcias a não ser que haja pacto antenupcial em contrário Apesar de a lei não exigir a realização do inventário negativo promovido pelo viúvo ou viúva para evidenciar a inexistência de bens do casal por inventariar e partilhar aos herdeiros a doutrina e a jurisprudência o consideram necessário RF 7431 130303 102292 rt 268300 48897 para que o cônjuge viúvo fique isento da penalidade e do impedimento acima mencionado Assim o consorte viúvo segundo a praxe apresentará ao magistrado um requerimento dentro do prazo legal do art 1796 do Código Civil porém se ultrapassar de muito esse prazo qualquer interessado poderá exigir que prove suas alegações por meio de testemunhas instruído com a certidão de óbito mencionado o nome do inventariado dia e lugar do falecimento os nomes as idades o estado civil e a residência dos herdeiros declarando a inexistência de bens por inventariar e partilhar O magistrado mandará o viúvo afirmar a verdade do conteúdo de sua petição mediante o respectivo termo e dar vista dos autos em curto prazo aos herdeiros aos representantes da Fazenda Pública e aos curadores e órfãos e ausentes se houver herdeiro menor interdito ou ausente Ouvidos os interessados estando todos de acordo o juiz proferirá sentença proclamando a negatividade de inventário Essa decisão será trasladada mediante certidão aos autos de habilitação matrimonial 291 Tratase portanto de uma forma útil e recomendável de resguardo de eventuais direitos do interessado 8 INVENTÁRIO ADMINISTRATIVO A Lei n 11441 de 4 de janeiro de 2007 deu nova redação ao art 982 do Código de Processo Civil de 1973 e inovou ao admitir o inventário extrajudicial lavrado por escritura pública consensualmente no tabelionato de notas se todas as partes interessadas forem capazes estiverem assistidas por advogado e concordes e não houver testamento Confirase o mencionado dispositivo legal da codificação anterior Art 982 Havendo testamento ou interessado incapaz procederseá ao inventário judicial se todos forem capazes e concordes poderá fazerse o inventário e a partilha por escritura pública a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial Renumerado do parágrafo único com nova redação pela Lei n 11965 de 2009 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei Incluído pela Lei n 11965 de 2009 Não apenas o inventário tradicional mas também o arrolamento ou até mesmo a adjudicação poderão se dar pela forma administrativa desde que atendidas as exigências legais Sobre o tema é importante mencionar a Resolução n 35 de 24 de abril de 2007 do CNJ alterada pelas Resoluções n 120 e 179 de 2010 e 2013 respectivamente cujo trecho a seguir destacamos Art 11 É obrigatória a nomeação de interessado na escritura pública de inventário e partilha para representar o espólio com poderes de inventariante no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes sem necessidade de seguir a ordem prevista no art 990 do Código de Processo Civil Art 12 Admitemse inventário e partilha extrajudiciais com viúvoa ou herdeiros capazes inclusive por emancipação representados por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais excluído pela Resolução n 179 de 3102013 Notese que se passou a admitir que um mesmo advogado pudesse atuar como procurador e assistente técnico do seu constituinte O Conselho Nacional de Justiça CNJ decidiu em sua 175ª Sessão Ordinária realizada na segundafeira 239 alterar parcialmente a redação do artigo 12 da Resolução CNJ n 35 de 2007 para permitir que um mesmo advogado exerça a função de procurador e assessor de seus clientes em processos de escritura de inventário extrajudicial A nova redação ficou assim Art 12 Admitemse inventário e partilha extrajudiciais com viúvoa ou herdeiros capazes inclusive por emancipação representados por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais O pedido de alteração foi apresentado pela Associação dos Advogados de São Paulo e endossada pela Ordem dos Advogados do Brasil OAB no processo 00002276320132000000 relatado pelo conselheiro Guilherme Calmon As duas entidades alegaram que o dispositivo proibia o advogado em escrituras de inventário extrajudicial de participar como procurador e assessor de seus clientes criando ao largo da lei indevidas restrições ao exercício da advocacia De acordo com a associação além de criar evidente entrave à atuação profissional o normativo do CNJ criava um ônus adicional aos próprios interessados que são forçados a contratar novo advogado para participar do ato de registro no cartório de notas Na prática o advogado que representa os herdeiros residentes no exterior fora da comarca ou que por qualquer motivo não possam participar pessoalmente do ato notarial está impedido de sozinho lavrar a escritura e o inventário extrajudicial pois não poderá simultaneamente representar os herdeiros ausentes e participar do ato como assistente tendo em vista que terá de se valer do concurso de outro profissional não raras vezes com atuação meramente formal argumentaram as entidades segundo o relatório do conselheiro Guilherme Calmon A exigência na avaliação da entidade dos advogados não tem respaldo na Lei n 114412007 fere o Estatuto do Advogado e também aumenta o custo do inventário extrajudicial estimulando as partes a recorrer ao inventário judicial Isso contraria a própria lei cujo objetivo é retirar do Judiciário o processamento de causas não contenciosas O relator Guilherme Calmon reconheceu que a presença de mais de um advogado na realização da escritura pública tal como prevista na parte final do artigo 12 da Resolução n 35 do Conselho Nacional de Justiça não se revela medida que esteja em sintonia com o espírito da Lei n 114412007 O objetivo da lei explicou o conselheiro é a desjudicialização dos atos e negócios disponíveis em relação à separação ao divórcio ao inventário e à partilha amigáveis No processo judicial lembrou o conselheiro um único advogado pratica todos os atos até a conclusão do inventário O Plenário do CNJ acompanhou o voto do relator e aprovou a nova redação do artigo 12 da Resolução CNJ n 35 Gilson Luiz Euzébio Agência CNJ de Notícias 292 Tratase de providência que de fato desburocratiza o ato razão pela qual mereceu a nossa referência e atenção Recentemente a matéria passou a ser tratada pelo CPC de 2015 que em seu art 610 dispõe Art 610 Havendo testamento ou interessado incapaz procederseá ao inventário judicial 1º Se todos forem capazes e concordes o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial 9 INVENTÁRIO JUDICIAL O modelo tradicional e até 2007 único de inventário é o judicial Como observam DIMAS MESSIAS DE CARVALHO e DIMAS DANIEL DE CARVALHO referindo se ao CPC de 1973 O inventário judicial possibilita três ritos distintos em razão da presença dos interessados acordo entre eles valor dos bens ou incapacidade das partes O inventário comum ou tradicional arts 982 a 1013 CPC com fase distinta de partilha o inventário na forma de arrolamento sumário arts 1031 a 1035 CPC quando todas as partes forem capazes e concordes qualquer que seja o valor dos bens e o inventário na forma de arrolamento comum art 1036 CPC quando mesmo existindo partes incapazes o valor dos bens for de pequeno valor 2000 ORTNs O inventário comum ou tradicional é utilizado quando incabíveis as outras formas em razão de suas diversas fases e morosidade O requerimento para abertura do processo de inventário deve ocorrer no prazo de sessenta dias a contar da morte no último domicílio do autor da herança arts 96 e 983 CPC por quem se encontre na posse e administração do espólio cônjuge sobrevivente herdeiro legatário testamenteiro cessionário do herdeiro ou do legatário credor síndico da falência de qualquer interessado pelo Ministério Público se houver incapazes Fazenda Pública ou de ofício pelo Juiz arts 987 a 989 CPC instruindoo com a certidão de óbito art 987 parágrafo único CPC O inventário judicial deve ser concluído no prazo de doze meses subsequentes à sua abertura podendo o prazo ser prorrogado pelo juiz de ofício ou a requerimento das partes 293 10 ALVARÁ JUDICIAL A expedição de alvará judicial é uma técnica bastante difundida no campo das sucessões Sua utilização não se limita aos resíduos sucessórios mas também se destina à concessão de autorização judicial para a prática de atos que o inventariante não pode realizar de forma autônoma por exemplo alienar bens do espólio ou efetivar transações e pagamentos de dívidas e despesas para conservação e manutenção dos bens art 619 do CPC2015 Sobre espécies de alvarás observam DIMAS MESSIAS DE CARVALHO e DIMAS DANIEL DE CARVALHO Lecionam Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira que no campo dos inventários e arrolamentos várias são as espécies de alvarás classificáveis em incidentais O alvará incidental é o requerido pelo inventariante herdeiro ou sucessor no curso do inventário e juntado nos autos independentemente de distribuição ensejando decisão interlocutória Efetuado o pedido deve ser aberta oportunidade para manifestação das partes do fisco e do Ministério Público quando obrigatória a intervenção As hipóteses mais comuns são o levantamento de depósitos para pagamento de dívidas despesas de funerais custas processuais impostos de transmissão e honorários de advogado alienação de bens que não interessam a manutenção para pagamento de dívidas e despesas do espólio para recebimento ou permuta de bens para emissão de recibos de veículos vendidos pelo falecido para outorga de escrituras para aplicação de numerários para o recebimento de verbas trabalhistas e saques do FGTS e PISPASEP quando existem outros bens a inventariar Nesses casos a prestação de contas é efetuada normalmente nos autos do inventário e no prazo de trinta dias O alvará em apenso é o requerido por terceiros desde que apresente matéria conexa com o processo principal O pedido deve ser devidamente instruído como documentos e procuração e será autuado separadamente sujeitandose às custas e apensado aos autos principais intimandose para manifestar os interessados a Fazenda e o Ministério Público se necessário a sua intervenção O juiz pode ordenar diligências antes de decidir e decidirá observando os interesses do espólio se concorde o inventariante e a providência for necessária observando as normas da conveniência e oportunidade ainda que nem todos os herdeiros tenham aquiescido Existem julgados entretanto indeferindo o alvará judicial para a outorga de escritura quando há recusa à sua concessão pelos herdeiros posto que enquanto mero procedimento de jurisdição voluntária não se destina ao suprimento de vontade privada cabendo ao interessado valerse dos meios próprios como a adjudicação compulsória A hipótese mais comum é o alvará para autorizar a outorga de escritura referente a imóvel compromissado à venda pelo falecido e já quitado O alvará independente é o que dá efetividade à Lei n 68581980 que dispõe sobre os bens dispensados de arrolamento e inventário como os valores devidos pelo contrato de trabalho FGTS PISPASEP restituições do imposto de renda saldos bancários e de cadernetas de poupança e fundos de investimentos já abordados Existindo outros bens deve ser requerido alvará nos próprios autos do inventário sendo incabível alvará autônomo O levantamento dos valores só depende de alvará judicial se não houver dependentes habilitados perante a Previdência Social entretanto a histórica resistência dos estabelecimentos bancários em não efetuar o pagamento sem determinação da justiça acaba por obrigar os interessados mesmo que habilitados a requerer o alvará judicial 294 Compreendidas todas as principais questões acerca do tormentoso tema do inventário enfrentemos no próximo e derradeiro capítulo desta obra a partilha CV PARTILHA 1 NOÇÕES CONCEITUAIS O que é uma partilha Tal qual fizemos no capítulo anterior comecemos com a definição proposta pelo dicionarista Partilha sm 11881230 cf JM 1 operação que consiste em dividir em partes repartição p dos lucros p de uma colheita 2 pmet qualquer quota individual nesta operação quinhão lote 3 pmet característica própria de algo ou de alguém apanágio atributo a fama é a p do sucesso 4 EST ato de repartir os elementos de uma amostra estratificada de modo que cada parte contenha elementos provenientes de um único extrato 5 JUR ato pelo qual o partidor procede à divisão de um patrimônio entre os interessados ger em inventário de pessoa morta e a ser homologado pelo juiz 6 pext JUR ato escrito pelo partidor para efeito de partilha nos inventários conforme a decisão do juiz homologatória do acordo entre as partes ou que resolve sobre a formação dos quinhões respectivos ETIM lat partícula ae parte pequena dim de pars tis parte f divg vulg de partícula ver part f hist 11881230 partilla sXV partilha SINVAR ver sinonímia de quinhão HOM partilha fl partilhar 295 Partilha portanto importa na ideia de divisão de bens e direitos atribuindo a cada um dos interessados uma fração ideal O termo além de plurissignificativo não é privativo do Direito das Sucessões Com efeito podese falar também em partilha de bens quando há a extinção de um núcleo familiar por meio do divórcio ou da dissolução de união estável por exemplo Da mesma forma não estaria equivocada a utilização do termo em uma extinção de pessoa jurídica com a atribuição de seus bens remanescentes a cada um dos seus exsócios No Direito Sucessório porém a partilha é a divisão do patrimônio líquido do autor da herança entre os seus sucessores Esse patrimônio é denominado monte partilhável ou monte partível A teor dos arts 647 a 658 do Código de Processo Civil de 2015 tratase da fase final do inventário caso não se trate de um arrolamento ou de uma adjudicação caso em que há herdeiro único 2 ESPÉCIES DE PARTILHA Tal qual o inventário também a partilha pode se apresentar nas modalidades administrativa extrajudicial e judicial A partilha extrajudicial é aquela realizada em cartório por instrumento público no bojo de um inventário administrativo Vale destacar que na forma do art 610 do Código de Processo Civil o tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial Observese ainda que a expressão partilha amigável não é privativa da modalidade extrajudicial mas sim de toda forma de partilha em que não haja controvérsia Com efeito dispõe o art 2015 do Código Civil Art 2015 Se os herdeiros forem capazes poderão fazer partilha amigável por escritura pública termo nos autos do inventário ou escrito particular homologado pelo juiz Notese pois que pode haver uma partilha amigável judicial ou seja ocorrida consensualmente no curso de um processo por isso judicial Já a partilha por ato judicial é aquela realizada quando os herdeiros divergirem ou se qualquer deles for incapaz na forma do art 2016 do Código Civil 296 pois nesse caso existe um pronunciamento decisório do juiz a respeito da divisão dos bens 3 LEGITIMIDADE PARA REQUERIMENTO DA PARTILHA Qualquer sujeito com interesse jurídico no patrimônio do autor da herança tem legitimidade para requerer a partilha Notese que se trata de uma prerrogativa que não pode ser negada nem mesmo pelo autor da herança em disposição de última vontade Tal afirmação se extrai da literalidade do art 2013 do Código Civil brasileiro Art 2013 O herdeiro pode sempre requerer a partilha ainda que o testador o proíba cabendo igual faculdade aos seus cessionários e credores Isso não quer dizer que o testador não possa influir na partilha Ao contrário A restrição é apenas quanto a eventual tentativa de limitação do requerimento Isso porque é possível sim que o autor da herança por meio de testamento indique quais bens e valores comporão os quinhões hereditários obviamente sempre respeitando a legítima É o que se infere do art 2014 da vigente codificação civil Art 2014 Pode o testador indicar os bens e valores que devem compor os quinhões hereditários deliberando ele próprio a partilha que prevalecerá salvo se o valor dos bens não corresponder às quotas estabelecidas A divisão prévia em testamento pode facilitar muito a operação de partilha observandose o multilembrado Princípio do Respeito à Vontade Manifestada do autor da herança A vontade manifestada do autor da herança é naturalmente tão relevante que o ordenamento jurídico positivo admite inclusive a chamada partilha em vida 4 PARTILHA EM VIDA Excepcionalmente a partilha pode ser realizada em vida É a previsão do art 2018 do vigente Código Civil brasileiro Art 2018 É válida a partilha feita por ascendente por ato entre vivos ou de última vontade contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários A questão é lógica Em vida pode o proprietário dispor de seu patrimônio desde que não abra mão do seu mínimo existencial 297 Todavia tratandose de um planejamento sucessório não pode o autor deixar de observar as regras da sucessão legítima de caráter imperativo 5 ISONOMIA NA PARTILHA Para que a partilha seja efetivamente equânime é fundamental que todos os bens inclusive acessórios do falecido sejam inventariados com a informação correspondente da sua existência ao juiz da causa Nessa linha dispõe o art 2020 Art 2020 Os herdeiros em posse dos bens da herança o cônjuge sobrevivente e o inventariante são obrigados a trazer ao acervo os frutos que perceberam desde a abertura da sucessão têm direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fizeram e respondem pelo dano a que por dolo ou culpa deram causa No partilhar os bens observarseá quanto ao seu valor natureza e qualidade a maior igualdade possível conforme preceitua o art 2017 do Código Civil brasileiro A ideia é buscar garantir quotas equivalentes a todos os herdeiros o que naturalmente nem sempre é fácil principalmente quando se trata de patrimônio composto de bens com valores diferentes 6 ALIENAÇÃO JUDICIAL Se não for possível acomodar cada bem do espólio nas quotas atribuíveis à meação do eventual cônjuge ou companheiro sobrevivente e ao quinhão de cada herdeiro será necessário alienálo judicialmente É o que determina o art 2019 Art 2019 Os bens insuscetíveis de divisão cômoda que não couberem na meação do cônjuge sobrevivente ou no quinhão de um só herdeiro serão vendidos judicialmente partilhandose o valor apurado a não ser que haja acordo para serem adjudicados a todos 1º Não se fará a venda judicial se o cônjuge sobrevivente ou um ou mais herdeiros requererem lhes seja adjudicado o bem repondo aos outros em dinheiro a diferença após avaliação atualizada 2º Se a adjudicação for requerida por mais de um herdeiro observarseá o processo da licitação A lógica é a da conversão em pecúnia do bem que não se consegue partilhar Dáse preferência obviamente a que o bem fique no patrimônio de um dos herdeiros observandose sempre a preservação do interesses de todos os envolvidos 7 HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA Na fase final do procedimento as partes deverão a teor do art 647 do Código de Processo Civil formular os respectivos pedidos de quinhão Verificados os pedidos das partes deve o juiz proferir decisão de deliberação da partilha que consistirá na apreciação das postulações das partes acolhendoas ou não para individualizar o quinhão de cada herdeiro e legatário Há porém uma ordem legal de pagamentos a serem realizados quando da partilha É a previsão do art 651 do Código de Processo Civil Art 651 O partidor organizará o esboço da partilha de acordo com a decisão judicial observando nos pagamentos a seguinte ordem I dívidas atendidas II meação do cônjuge III meação disponível IV quinhões hereditários a começar pelo coerdeiro mais velho Registrese que a menção do inciso IV ao coerdeiro mais velho significa apenas um critério de ordem de pagamento nunca de tratamento diferenciado inclusive quanto às cotas entre irmãos ou herdeiros de mesmo grau Feito o esboço terão as partes o prazo comum de quinze dias para se manifestar Decididas as eventuais impugnações poderá a partilha ser lançada nos autos O Código de Processo Civil estabelece em seu art 653 os requisitos formais da partilha nos seguintes termos Art 653 A partilha constará I de auto de orçamento que mencionará a os nomes do autor da herança do inventariante do cônjuge ou companheiro supérstite dos herdeiros dos legatários e dos credores admitidos b o ativo o passivo e o líquido partível com as necessárias especificações c o valor de cada quinhão II de folha de pagamento para cada parte declarando a quota a pagarlhe a razão do pagamento e a relação dos bens que lhe compõem o quinhão as características que os individualizam e os ônus que os gravam Parágrafo único O auto e cada uma das folhas serão assinados pelo juiz e pelo escrivão Pago o imposto de transmissão mortis causa juntandose aos autos certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pública o juiz julgará por sentença a partilha nos termos do art 654 do CPC2015 Tal sentença gerará um documento que é o título hábil da efetivação formal da partilha Confirase a propósito o art 655 do Código de Processo Civil Art 655 Transitada em julgado a sentença mencionada no art 654 receberá o herdeiro os bens que lhe tocarem e um formal de partilha do qual constarão as seguintes peças I termo de inventariante e título de herdeiros II avaliação dos bens que constituíram o quinhão do herdeiro III pagamento do quinhão hereditário IV quitação dos impostos V sentença Parágrafo único O formal de partilha poderá ser substituído por certidão de pagamento do quinhão hereditário quando esse não exceder a 5 cinco vezes o salário mínimo caso em que se transcreverá nela a sentença de partilha transitada em julgado Por fim vale registrar que na forma do art 656 do Código de Processo Civil de 2015 mesmo após o trânsito em julgado da sentença correspondente pode a partilha ser emendada nos mesmos autos do inventário convindo todas as partes quando tenha havido erro de fato na descrição dos bens Além disso o magistrado de ofício ou a requerimento da parte poderá a qualquer tempo corrigir inexatidões meramente materiais 8 DA GARANTIA DOS QUINHÕES HEREDITÁRIOS Julgada a partilha consumada estará a divisão patrimonial da herança motivo pelo qual o direito de cada um dos herdeiros circunscreverseá aos bens do seu quinhão Todavia na forma dos arts 2024 e 2025 do Código Civil os coerdeiros continuarão reciprocamente obrigados a indenizarse no caso de evicção 298 dos bens aquinhoados cessando tal obrigação pela autonomia da vontade convenção em sentido contrário ou no caso de a evicção ter se dado por culpa do evicto ou por fato posterior à partilha Por fim destaquese a regra do art 2026 Art 2026 O evicto será indenizado pelos coerdeiros na proporção de suas quotas hereditárias mas se algum deles se achar insolvente responderão os demais na mesma proporção pela parte desse menos a quota que corresponderia ao indenizado Tratase de regra que resguarda aquele evicto que fora privado do seu direito pelo reconhecimento do direito anterior de outrem evictor 9 DA INVALIDADE DE PARTILHA AÇÃO ANULATÓRIA ANULAÇÃO DA PARTILHA E AÇÃO RESCISÓRIA Transitada em julgado a sentença homologatória de partilha amigável admite a legislação codificada o possível reconhecimento de sua invalidade Isso porque a partilha amigável tem natureza essencialmente negocial Art 2027 A partilha uma vez feita e julgada só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam em geral os negócios jurídicos Interessante destacar outrossim que foi estabelecido um prazo decadencial diferenciado para tal anulação da partilha um ano na forma do parágrafo único do referido dispositivo Tal prazo já era existente no ordenamento jurídico brasileiro anterior à atual codificação civil conforme se verifica do art 1029 do Código de Processo Civil de 1973 in verbis Art 1029 A partilha amigável lavrada em instrumento público reduzida a termo nos autos do inventário ou constante de escrito particular homologado pelo juiz pode ser anulada por dolo coação erro essencial ou intervenção de incapaz Redação dada pela Lei n 5925 de 1º101973 Parágrafo único O direito de propor ação anulatória de partilha amigável prescreve em 1 um ano contado este prazo Redação dada pela Lei n 5925 de 1º101973 I no caso de coação do dia em que ela cessou Redação dada pela Lei n 5925 de 1º101973 II no de erro ou dolo do dia em que se realizou o ato Redação dada pela Lei n 5925 de 1º101973 III quanto ao incapaz do dia em que cessar a incapacidade Redação dada pela Lei n 5925 de 1º101973 Não se podia deixar de observar contudo a atecnia da legislação processual que utilizou a expressão prescreve para um prazo visivelmente decadencial uma vez que se trata de postulação de natureza constitutiva negativa 299 O CPC2015 corrigiu essa distorção a teor do seu art 657 parágrafo único que mais adequadamente refere que o direito à anulação extinguirseia no prazo de um ano evitando com isso a menção indevida à prescrição Se não vejamos Art 657 A partilha amigável lavrada em instrumento público reduzida a termo nos autos do inventário ou constante de escrito particular homologado pelo juiz pode ser anulada por dolo coação erro essencial ou intervenção de incapaz observado o disposto no 4º do art 966 Parágrafo único O direito à anulação de partilha amigável extinguese em 1 um ano contado esse prazo I no caso de coação do dia em que ela cessou II no caso de erro ou dolo do dia em que se realizou o ato III quanto ao incapaz do dia em que cessar a incapacidade Não sendo hipótese de partilha amigável mas sim judicialmente estabelecida por sentença esta como provimento jurisdicional definitivo pode ser objeto de ação rescisória conforme estabelece o art 658 do Código de Processo Civil de 2015 10 SOBREPARTILHA Como último tema deste livro fazse mister tecer algumas considerações acerca da sobrepartilha Tratase em verdade de uma partilha fracionada e posterior como decorrência de situações fáticas específicas que impossibilitaram a sua realização oportuna Sobre o tema estabelecem os arts 2021 e 2022 do Código Civil Art 2021 Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do inventário litigiosos ou de liquidação morosa ou difícil poderá procederse no prazo legal à partilha dos outros reservandose aqueles para uma ou mais sobrepartilhas sob a guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante e consentimento da maioria dos herdeiros Art 2022 Ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após a partilha Na mesma linha preveem os arts 669 e 670 do Código de Processo Civil Art 669 São sujeitos à sobrepartilha os bens I sonegados II da herança descobertos após a partilha III litigiosos assim como os de liquidação difícil ou morosa IV situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário Parágrafo único Os bens mencionados nos incisos III e IV serão reservados à sobrepartilha sob a guarda e a administração do mesmo ou de diverso inventariante a consentimento da maioria dos herdeiros Art 670 Na sobrepartilha dos bens observarseá o processo de inventário e de partilha Parágrafo único A sobrepartilha correrá nos autos do inventário do autor da herança Como ensina CARLOS ROBERTO GONÇALVES A existência de bens nas situações descritas pode comprometer o bom andamento e finalização da partilha Procedese então no prazo legal à partilha dos outros bens reservandose aqueles para uma ou mais partilhas adiandose a divisão dos bens que por diversos motivos apresentam liquidação complicada ficando estes sob a guarda e administração do mesmo ou diverso inventariante conforme o aprazamento da maioria dos herdeiros 300 Preservamse com isso de um lado os interesses dos herdeiros e de outro o princípio da duração razoável do processo REFERÊNCIAS ABREU Célia Barbosa Primeiras Linhas sobre a Interdição após o Novo Código de Processo Civil Curitiba Editora CRV 2015 ABREU FILHO José O Negócio Jurídico e sua Teoria Geral 3ed São Paulo Saraiva 1995 ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS JURÍDICAS Dicionário Jurídico 3 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 1995 AGUIAR JR Ruy Rosado de Projeto do Código Civil as Obrigações e os Contratos Palestra proferida no Congresso Internacional sobre o Projeto do Código Civil Brasileiro Porto Alegre Faculdade de Direito da UFRGS Conselho da Justiça Federal 30 de abril de 1999 Disponível em httpwwwstjgovbrwebstjMinistrosdiscursointernetaspMinis0001102 Acesso em 31 mar 2007 AGUIAR Mônica Direito à Filiação e Bioética Rio de Janeiro Forense 2005 ALBUQUERQUE FILHO Carlos Cavalcanti Famílias 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As Garantias do Cidadão na Justiça São Paulo Saraiva 1993 WELTER Belmiro Pedro Igualdade entre as Filiações Biológica e Socioafetiva São Paulo RT 2003 ZAFFARONI Eugenio Raúl PIERANGELI José Henrique Manual de Direito Penal Brasileiro Parte Geral São Paulo RT 1997 ZAVASCKI Teori A Tutela da Posse na Constituição e no Projeto do Novo Código Civil In A Reconstrução do Direito Privado São Paulo RT 2002 1 Vale destacar que o relatório do Senador Josaphat Marinho consagrava a expressão ser humano no mencionado primeiro dispositivo termo que foi modificado na Câmara dos Deputados como visto para pessoa Embora a uniformização linear seja aceitável o fato é que ela acaba gerando impropriedades vernaculares agressivas ao ouvido como a aliteração do art 2º A personalidade civil da pessoa 2 Esse exame é baseado na diferença de peso específico entre o pulmão que respirou e o que não respirou mergulhados na água O primeiro por se achar com os alvéolos dilatados e impregnados de ar sobrenada ao passo que o segundo compacto e vazio com as paredes alveolares colabadas e por conseguinte mais denso vai ao fundo Na eventual impossibilidade de utilização desse método principal de investigação se por acaso o pulmão do neonato já vier impregnado de líquido outras técnicas são aplicáveis como a docimasia pulmonar histológica verificação dos alvéolos pulmonares pois se houve respiração apresentarão dilatação uniforme e caso contrário as paredes alveolares estarão coladas docimasia óptica de Icard exame microscópico de fragmento do pulmão esmagado em uma lâmina quando ao observar pequenas bolhas de ar na película esmagada deduzse a respiração docimasia química de Icard passagem rápida de fragmento do pulmão em álcool absoluto a seguir mergulhado em solução alcoólica de potássio cáustico a 30 que dissolve o estroma pulmonar liberando bolhas de ar no pulmão que respirou docimasia radiográfica de Bordas exame radiográfico dos pulmões que se mostrarão opacos se não respiraram ou transparentes se receberam oxigênio docimasia epimicroscópica pneumoarquitetônica exame da superfície externa dos pulmões e as docimasias respiratórias indiretas verificação de outros órgãos como estômago intestinos fígado e ouvidos trompas de Eustáquio conjuntamente com os pulmões para tentar constatar se houve ar circulando no corpo do nascituro como nos informa Sérgio Abdalla Semião Os Direitos do Nascituro p 1589 3 Apesar das longas discussões da doutrina pontifica Walter Ceneviva no Brasil há nascimento e há parto quando a criança deixando o útero materno respira É na respiração cientificamente comprovável que se completa conformação fática do nascimento Sem ela temse o parto de natimorto que sendo expulso do ventre materno ao termo da gestação com duração mínima normal mas sem vida não é sujeito de direito Lei dos Registros Públicos Comentada 13 ed p 111 4 Nesse sentido Vicente Ráo Silvio Rodrigues Eduardo Espínola Sílvio Venosa Este último autor com propriedade adverte que O Código brasileiro poderia ter seguido a orientação do Código francês que estabelece começar a personalidade com a concepção Em nosso Código contudo predominou a teoria do nascimento com vida para ter início a personalidade Direito Civil Parte Geral p 142 5 Arnoldo Wald Curso de Direito Civil Brasileiro Introdução e Parte Geral 8 ed p 120 6 Maria Helena Diniz Código Civil Anotado 5 ed p 9 7 Vale citar o seguinte julgado DIREITO CIVIL DANOS MORAIS MORTE ATROPELAMENTO COMPOSIÇÃO FÉRREA AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO PRESCRIÇÃO INEXISTENTE INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM PRECEDENTES DA TURMA NASCITURO DIREITO AOS DANOS MORAIS DOUTRINA ATENUAÇÃO FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA POSSIBILIDADE RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO I Nos termos da orientação da Turma o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo desde que não transcorrido o lapso prescricional mas é fato a ser considerado na fixação do quantum II O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai mas a circunstância de não tê lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum III Recomendase que o valor do dano moral seja fixado desde logo inclusive nesta instância buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional STJ 4ª T REsp 399028SP REsp 200101473190 Min Sálvio de Figueiredo Teixeira j 2622002 DJ 1542002 p 232 8 Este duelo entre as duas teorias natalista x concepcionista é antigo e está longe de acabar CLÓVIS BEVILÁQUA em seus Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil 1975 p 178 após elogiar abertamente a teoria concepcionista ressaltando os seus excelentes argumentos conclui ter adotado a natalista por parecer mais prática No entanto o próprio autor nessa mesma obra não resiste ao apelo concepcionista ao destacar situações em que o nascituro se apresenta como pessoa 9 A doutrina trabalhista é pródiga em exemplos de atos obstativos que podem ser objeto de sanção judicial como por exemplo a despedida obstativa da aquisição de estabilidade decenal art 499 3º da Consolidação das Leis do Trabalho Sobre a matéria confirase o verbete Despedida Obstativa in José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho Repertório de Conceitos Trabalhistas p 1868 10 O art 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso em condições dignas de existência 11 Confirase nesse ponto o polêmico julgado do Supremo Tribunal Federal no caso Glória Trevis Rcl 2040 Questão de Ordem na Reclamação Rel Min Néri da Silveira j 2122002 órgão julgador Tribunal Pleno DJ 2762003 p 31 12 Lei n 11804 de 5 de novembro de 2008 Art 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes da concepção ao parto inclusive as referentes a alimentação especial assistência médica e psicológica exames complementares internações parto medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis a juízo do médico além de outras que o juiz considere pertinentes Parágrafo único Os alimentos de que trata este artigo referemse à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai considerandose a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida na proporção dos recursos de ambos 13 Enunciado n 1 Art 2º A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade tais como nome imagem e sepultura 14 CC2002 Art 1799 Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder I os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador desde que vivas estas ao abrirse a sucessão II as pessoas jurídicas III as pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação Art 1800 No caso do inciso I do artigo antecedente os bens da herança serão confiados após a liquidação ou partilha a curador nomeado pelo juiz 1º Salvo disposição testamentária em contrário a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro e sucessivamente às pessoas indicadas no art 1775 2º Os poderes deveres e responsabilidades do curador assim nomeado regemse pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes no que couber 3º Nascendo com vida o herdeiro esperado serlheá deferida a sucessão com os frutos e rendimentos relativos à deixa a partir da morte do testador 4º Se decorridos dois anos após a abertura da sucessão não for concebido o herdeiro esperado os bens reservados salvo disposição em contrário do testador caberão aos herdeiros legítimos 15 Marcos Bernardes de Mello Achegas para uma Teoria das Capacidades em Direito Revista de Direito Privado p 17 16 Orlando Gomes ob cit p 172 17 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 139 A referência é ao CC1916 Confira o art 496 do CC2002 18 Conforme observado por um dos autores em sua página do Facebook Pablo Stolze Editorial 41 O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Sistema Jurídico Brasileiro de Incapacidade Civil Esta Lei nos termos do parágrafo único do seu art 1º tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 186 de 9 de julho de 2008 em conformidade com o procedimento previsto no 3º do art 5º da Constituição da República Federativa do Brasil em vigor para o Brasil no plano jurídico externo desde 31 de agosto de 2008 e promulgados pelo Decreto n 6949 de 25 de agosto de 2009 data de início de sua vigência no plano interno Em verdade este importante Estatuto pela amplitude do alcance de suas normas traduz uma verdadeira conquista social Tratase indiscutivelmente de um sistema normativo inclusivo que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis 19 Vale destacar que o parágrafo único do mesmo dispositivo legal estabelece que a indenização prevista neste artigo que deverá ser equitativa não terá lugar se ela privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam o que justifica a menção à expressão absoluta em nossa afirmação 20 Pablo Stolze O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o sistema jurídico brasileiro de incapacidade civil Editorial 41 Revista Jus Navigandi Teresina ano 20 n 4411 30 jul 2015 Disponível em httpjuscombrartigos41381 Acesso em 7 set 2015 21 Art 2º Considerase pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física mental intelectual ou sensorial o qual em interação com uma ou mais barreiras pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas 22 Notese que o emprego da expressão inclusive é proposital para afastar qualquer dúvida acerca da capacidade da pessoa com deficiência até mesmo para a prática dos atos mencionados nesses incisos 23 Certamente inúmeros problemas de adaptação do Estatuto ao tradicional sistema normativo brasileiro vão se apresentar como bem observou JOSÉ FERNANDO SIMÃO Estatuto da Pessoa com Deficiência Causa Perplexidade Parte 1 Disponível em httpwwwconjurcombr2015ago06josesimaoestatutopessoadeficienciacausaperplexidade Acesso em 7 set 2015 A título exemplificativo tomemos a previsão da invalidade do ato jurídico praticado pelo incapaz sem o seu representante É preciso cautela e cuidado no labor interpretativo a partir do novo diploma diante desta e outras situações que se revelarão sob pena de o avanço esperado converterse em prejuízo Ao longo desta obra enfrentaremos várias dessas situações 24 Tratase de instituto consagrado pelo Estatuto Sempre que possível deve ser a primeira opção assistencial antes de se pretender a sujeição à curatela TÍTULO IV Da Tutela da Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada Art 116 O Título IV do Livro IV da Parte Especial da Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo III CAPÍTULO III Da Tomada de Decisão Apoiada Art 1783A A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 duas pessoas idôneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendolhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade 1º Para formular pedido de tomada de decisão apoiada a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo 3º Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada o juiz assistido por equipe multidisciplinar após oitiva do Ministério Público ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio 4º A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros sem restrições desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado 5º Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contraassinem o contrato ou acordo especificando por escrito sua função em relação ao apoiado 6º Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores deverá o juiz ouvido o Ministério Público decidir sobre a questão 7º Se o apoiador agir com negligência exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz 8º Se procedente a denúncia o juiz destituirá o apoiador e nomeará ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse outra pessoa para prestação de apoio 9º A pessoa apoiada pode a qualquer tempo solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada 10 O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria 11 Aplicamse à tomada de decisão apoiada no que couber as disposições referentes à prestação de contas na curatela 25 A Lei não diz que a curatela será uma medida especial mas sim extraordinária o que reforça o seu aspecto acentuadamente excepcional Sobre a mantença ou não da interdição após a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência cf STOLZE Pablo É o fim da interdição Revista Jus Navigandi Teresina ano 21 n 4605 9 fev 2016 Disponível em httpsjuscombrartigos46409 Acesso em 11 fev 2016 26 Pablo Stolze Editorial 41 O Estatuto da Pessoa com Deficiência e o sistema jurídico brasileiro de incapacidade civil citado 27 Art 2º do ECA Considerase criança para os efeitos desta Lei a pessoa até 12 doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 doze e 18 dezoito anos de idade 28 Constituição Federal Art 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social XXXIII proibição de trabalho noturno perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos salvo na condição de aprendiz a partir de quatorze anos grifos nossos 29 Nesse sentido decidiu o STJ Novo Código Civil Menoridade Atenuante O fato de o art 5º do Novo Código Civil afirmar que a menoridade cessa aos dezoito anos em nada influi na aplicação da atenuante relativa ao agente menor de vinte e um anos art 65 I do CP Para efeito de incidência daquela atenuante não há que se cogitar a respeito de capacidade civil pois se cuida sim de mero critério etário adotado pela legislação penal Resta então que não há que se falar em revogação implícita HC 40041MS Rel Min Nilson Naves j 173 2005 30 José Carlos Moreira Alves A Parte Geral do Projeto do Código Civil Disponível em wwwcjfgovbrrevistanumero9artigo1htm site do Conselho da Justiça Federal 31 Nesse sentido preceitua o Enunciado n 3 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de setembro2002 Art 5º A redução do limite etário para definição da capacidade civil aos 18 anos não altera o disposto no art 16 inc I da Lei n 821391 que regula específica situação de dependência econômica para fins previdenciários e outras situações similares de proteção previstas em legislação especial 32 Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli Manual de Direito Penal Brasileiro Parte Geral p 534 33 Art 482 Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador f embriaguez habitual ou em serviço 34 José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho Repertório de Conceitos Trabalhistas p 2278 35 Nesse sentido o art 27 do Decretolei n 891 de 25 de novembro de 1938 Art 27 A toxicomania ou a intoxicação habitual por substâncias entorpecentes é considerada doença de notificação compulsória em caráter reservado à autoridade sanitária local 36 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 180 Não esqueçamos também da menção à prodigalidade nos ensinamentos de Jesus Cristo na conhecida parábola do filho pródigo relatada em Lucas 15 1132 37 Vide arts 1768 e 1769 do CC2002 38 Em sentido contrário confirase Fredie Didier Jr Regras Processuais no Novo Código Civil p 1304 39 Nesse sentido confiramse por exemplo os arts 1691 e 1692 do CC2002 Art 1691 Não podem os pais alienar ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos nem contrair em nome deles obrigações que ultrapassem os limites da simples administração salvo por necessidade ou evidente interesse da prole mediante prévia autorização do juiz Parágrafo único Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo I os filhos II os herdeiros III o representante legal Art 1692 Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial 40 Art 119 É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou Parágrafo único É de cento e oitenta dias a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade o prazo de decadência para pleitearse a anulação prevista neste artigo O prazo neste caso foi evidentemente diminuído como se pode verificar da redação do antigo art 178 6º III do CC1916 41 Washington de Barros Monteiro ob cit p 66 Vale lembrar a modificação do limite etário para dezoito anos empreendida pelo vigente Código Civil brasileiro 42 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 183 43 Registrese que não se enquadra no conceito de emancipação judicial a realizada no caso de impossibilidade de um dos pais motivo de saúde por exemplo em que o juiz é chamado a intervir pois neste caso atua no exercício da sua própria função jurisdicional 44 Reduziuse a capacidade núbil do homem que no CC1916 só era adquirida aos dezoito anos 45 José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho Repertório de Conceitos Trabalhistas p 4745 46 Maria Sylvia Zanella di Pietro Direito Administrativo 9 ed p 355 47 Vide o já transcrito art 7º XXXIII da Constituição Federal de 1988 48 Uma das hipóteses mais comuns desta cada vez mais rara modalidade de emancipação legal nos foi lembrada em sala de aula nas nossas palestras pelo País qual seja a assunção do cargo público de aluno oficial nas Academias de Polícia Militar em que o candidato ao concurso de admissão pode ter menos de 18 dezoito anos e nesse caso precisa para a inscrição da autorização leiase assistência dos seus responsáveis legais 49 Washington de Barros Monteiro ob cit p 69 50 Referimonos especificamente às limitações à manifestação de vontade parecendonos a subsistência das normas protetivas sobre condições de trabalho uma vez que elas estão calcadas em preceitos de medicina do trabalho dada a higidez física média dos menores trabalhadores em especial sua própria condição de estar em fase de crescimento 51 Referimonos ao art 439 da CLT que dispõe in verbis Art 439 É lícito ao menor firmar recibo pelo pagamento dos salários Tratando se porém de rescisão do contrato de trabalho é vedado ao menor de 18 dezoito anos dar sem assistência dos seus responsáveis legais quitação ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida Nessa linha o Secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria n 1 de 2552006 aprovando diversas ementas com orientações que devem ser adotadas pelos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Emprego em seus procedimentos internos e no atendimento ao público estabelecendo precisamente na Ementa n 1 o seguinte HOMOLOGAÇÃO EMPREGADO EMANCIPADO Não é necessária a assistência por responsável legal na homologação da rescisão contratual ao empregado adolescente que comprove ter sido emancipado Ref art 439 da CLT e art 5º do Código Civil 52 Consolidação das Leis do Trabalho Art 793 A reclamação trabalhista do menor de 18 anos será feita por seus representantes legais e na falta destes pela Procuradoria da Justiça do Trabalho pelo sindicato pelo Ministério Público estadual ou curador nomeado em juízo 53 STJ Súmula 227 A pessoa jurídica pode sofrer dano moral A referência a ser uma consagração indireta se dá pelo seguinte silogismo se o dano moral é um direito da personalidade e as pessoas jurídicas podem sofrer danos morais logo as pessoas jurídicas também são titulares de direitos da personalidade 54 Art 11 Com exceção dos casos previstos em lei os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária 55 Nesse sentido cf Francisco Amaral Direito Civil Introdução 3 ed p 248 56 Para um eventual aprofundamento do tema recomendamos a leitura do Capítulo específico sobre Direitos da Personalidade do Volume I Parte Geral da nossa coleção Novo Curso de Direito Civil 57 Carlos Alberto Bittar Os Direitos da Personalidade 3 ed p 67 58 Elimar Szaniawski Direitos de Personalidade e sua Tutela p 303 59 Nesse ponto discordamos do multimencionado Carlos Alberto Bittar que entende que esses aspectos não são isolados se considerados em um plano científico ao reverso esses direitos integramse unemse completamse Na integração desses direitos é que se acha a unidade da categoria assim como facetas de uma mesma realidade são por natureza incindíveis pois se combinam em um sistema binário de correlação e de interferência recíproca imprimindo caráter especial aos direitos intelectuais Os Direitos da Personalidade 3 ed p 140 60 Cf Bittar Os Direitos da Personalidade 3 ed p 107 61 Paulo José da Costa Júnior O Direito de Estar Só Tutela Penal da Intimidade p 73 62 CF88 art 5º XII é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal 63 CF88 art 5º XI a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial 64 Foi este o posicionamento também a que chegaram os ilustres juristas da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de setembro2002 editando o Enunciado n 5 com o seguinte conteúdo Arts 12 e 20 1 As disposições do art 12 têm caráter geral e aplicamse inclusive às situações previstas no art 20 excepcionados os casos expressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabelecidas 2 As disposições do art 20 do novo Código Civil têm a finalidade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nas situações nele enumeradas Com exceção dos casos expressos de legitimação que se conformem com a tipificação preconizada nessa norma a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídas no art 12 65 Maria Helena Diniz observa que a noção comum de morte tem sido a ocorrência de parada cardíaca prolongada e a ausência de respiração ou seja a cessação total e permanente das funções vitais mas para efeito de transplante tem a lei considerado a morte encefálica mesmo que os demais órgãos estejam em pleno funcionamento ainda que ativados por drogas O Estado Atual do Biodireito p 2667 66 Nesse sentido Elimar Szaniawski A personalidade termina com a morte da pessoa natural segundo expressão do pensamento universal mors omnia solvit Consequentemente deixaria de existir sobre o cadáver qualquer direito como emanação da personalidade humana Mas o Direito tem se ocupado em proteger o corpo humano após a morte no sentido de lhe dar um destino onde se mantenha sua dignidade Direitos de Personalidade e sua Tutela p 303 Também Carlos Alberto Bittar Não obstante as várias posições doutrinárias nem sempre convergentes entendemos tranquila a inserção da matéria dentro da teoria em análise como prolongamento do direito ao corpo vivo Daí a possibilidade de disposição pelo interessado em declaração que produzirá efeitos post mortem conforme se tem assentado na doutrina Os Direitos da Personalidade 3 ed p 87 67 Nesse sentido estabelece o art 744 do Código de Processo Civil de 2015 Art 744 Declarada a ausência nos casos previstos em lei o juiz mandará arrecadar os bens do ausente e nomearlhesá curador na forma estabelecida na Seção VI observandose o disposto em lei 68 Esta segunda hipótese se limita à previsão do art 23 do CC2002 Também se declarará a ausência e se nomeará curador quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato ou se os seus poderes forem insuficientes 69 Nesse sentido estabelece o caput do art 745 do Código de Processo Civil de 2015 Art 745 Feita a arrecadação o juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores no sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça onde permanecerá por 1 um ano ou não havendo sítio no órgão oficial e na imprensa da comarca durante 1 um ano reproduzida de 2 dois em 2 dois meses anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens 70 Nesse sentido estabelece o 1º do art 745 do CPC2015 1º Findo o prazo previsto no edital poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória observandose o disposto em lei 71 Ressalvese todavia que o art 34 do CC2002 admite que o excluído segundo o art 30 da posse provisória poderá justificando falta de meios requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do quinhão que lhe tocaria Em nossa opinião a norma pode ser interpretada ampliativamente para que sejam entregues também os frutos em geral e não somente os rendimentos frutos civis 72 Art 27 Para o efeito previsto no artigo anterior somente se consideram interessados I o cônjuge não separado judicialmente II os herdeiros presumidos legítimos ou testamentários III os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte IV os credores de obrigações vencidas e não pagas 73 Código de Processo Civil de 2015 Art 689 Procederseá à habilitação nos autos do processo principal na instância em que estiver suspendendose a partir de então o processo Art 690 Recebida a petição o juiz ordenará a citação dos requeridos para se pronunciarem no prazo de 5 cinco dias Parágrafo único A citação será pessoal se a parte não tiver procurador constituído nos autos Art 691 O juiz decidirá o pedido de habilitação imediatamente salvo se este for impugnado e houver necessidade de dilação probatória diversa da documental caso em que determinará que o pedido seja autuado em apartado e disporá sobre a instrução Art 692 Transitada em julgado a sentença de habilitação o processo principal retomará o seu curso e cópia da sentença será juntada aos autos respectivos 74 A título de complementação vale destacar a Súmula 331 do Supremo Tribunal Federal que preceitua que é legítima a incidência do imposto de transmissão causa mortis no inventário por morte presumida 75 Cf Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 149 76 Vide tópico 4 Desconsideração da Personalidade Jurídica deste mesmo Capítulo 77 CF88 art 17 78 Art 8º É livre a associação profissional ou sindical observado o seguinte I a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato ressalvado o registro no órgão competente vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical II é vedada a criação de mais de uma organização sindical em qualquer grau representativa de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados não podendo ser inferior à área de um Município Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal ao interpretar o art 8º I firmou entendimento de que o registro sindical no Ministério do Trabalho constitui ato vinculado subordinado apenas à verificação de pressupostos legais e não de autorização ou de reconhecimento discricionários MI144SP Tribunal Pleno ADIMC1121RS Tribunal Pleno sendo ato meramente cadastral com o fito de tornar pública a existência da entidade e servir como fonte unificada de dados a que os interessados poderão recorrer como elemento documental para dirimir suas controvérsias por si mesmas ou junto ao Poder Judiciário RE 358752SP MS 1045DF Considerando ainda que a reiterada jurisprudência do STJ orientase no sentido de que o princípio da unicidade não significa exigir apenas um sindicato representativo de categoria profissional com base territorial delimitada mas de impedir que mais de um sindicato represente o mesmo grupo profissional sendo vedado ao Estado intervir sobre a conveniência ou oportunidade do desmembramento ou desfiliação RE 74986SP RE40267SP RE38726RJ MS1703DF o Ministério do Trabalho editou a Instrução Normativa n 1 de 17 de julho 1997 para dispor sobre o procedimento a ser adotado no Registro Sindical previsão normativa esta revogada e substituída pela Portaria n 343 de 4 de maio de 2000 depois com a redação modificada pela Portaria n 376 de 23 de maio de 2000 e pela Portaria n 144 de 5 de abril de 2004 Atualmente a matéria é regida pela Portaria n 3262015 disponível em httpwwwtrtspjusbrgeraltribunal2ORGAOSMTEPortariaP32613html valendo destacar o teor da Súmula 677 do Supremo Tribunal Federal Até que lei venha a dispor a respeito incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade Para aprofundamento específico da matéria inclusive sobre o tema da unicidade sindical no Brasil confiramse José Augusto Rodrigues Pinto Reflexões em Torno do Registro Sindical in Georgenor de Sousa Franco Filho coord Curso de Direito Coletivo do Trabalho Estudos em Homenagem ao Ministro Orlando Teixeira da Costa São Paulo LTr 1998 e Rodolfo Pamplona Filho Pluralidade Sindical e Democracia São Paulo LTr 1997 79 A respeito da Santa Sé observa Francisco Rezek A Santa Sé é a cúpula governativa da Igreja Católica instalada na cidade de Roma e mais adiante conclui de todo modo é amplo o reconhecimento de que a Santa Sé sem embargo de não se identificar com os Estados comuns possui por legado histórico personalidade jurídica de direito internacional Direito Internacional Público Curso Elementar 5 ed São Paulo Saraiva 1995 p 248 80 O CC1916 em seu art 14 apresentava enumeração incompleta e pouco afinada com o moderno Direito Administrativo brasileiro Art 14 São pessoas jurídicas de direito público interno I a União II cada um dos seus Estados e o Distrito Federal III cada um dos Municípios legalmente constituídos 81 Decretolei n 200 de 1967 Art 4º A Administração Federal compreende I A Administração Direta que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios II A Administração Indireta que compreende as seguintes categorias de entidades dotadas de personalidade jurídica própria a Autarquias b Empresas Públicas c Sociedades de Economia Mista d Fundações Públicas incluída pela Lei n 7596 de 1987 82 Celso Antônio Bandeira de Mello Curso de Direito Administrativo 11 ed São Paulo Malheiros 1999 p 102 83 Vale observar que as autarquias e fundações podem constituir as denominadas agências executivas nos termos do art 51 da Lei n 9649 de 27 de maio de 1998 Art 51 O Poder Executivo poderá qualificar como Agência Executiva a autarquia ou fundação que tenha cumprido os seguintes requisitos I ter um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento II ter celebrado Contrato de Gestão com o respectivo Ministério supervisor 1º A qualificação como Agência Executiva será feita em ato do Presidente da República 2º O Poder Executivo editará medidas de organização administrativa específicas para as Agências Executivas visando assegurar a sua autonomia de gestão bem como a disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros para o cumprimento dos objetivos e metas definidos nos Contratos de Gestão 84 Odete Medauar Direito Administrativo Moderno 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 89 85 Sobre o tema na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de novembro2004 foi proposto o seguinte Enunciado 141 Art 41 A remissão do art 41 parágrafo único do CC às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado diz respeito às fundações públicas e aos entes de fiscalização do exercício profissional 86 Nesse ponto adverte Caio Mário da Silva Pereira O Código Civil porém deixou de se ater à distinção e se mais adequado é utilizarse a designação associações para as pessoas jurídicas de fins não econômicos nenhuma obrigatoriedade existe nesse sentido admitidas as expressões como sinônimas no Código de 1916 Introdução ao Direito Civil Parte Geral 19 ed Rio de Janeiro Forense 2001 v 1 p 215 87 A propósito na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de novembro2004 foi proposto o seguinte Enunciado 144 Art 44 A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art 44 incisos I a V do Código Civil não é exaustiva 88 Art 1º Esta Lei define as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado desobrigandoos de alterar seus estatutos no prazo previsto pelo art 2031 da Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil Inferese tal afirmação ainda do fato de que além da estranha criação de novas espécies de agrupamentos humanos foi inserido um parágrafo único no art 2031 justamente para garantir que as regras de adaptação não seriam invocadas com a seguinte redação Parágrafo único O disposto neste artigo não se aplica às organizações religiosas nem aos partidos políticos 89 Sobre esta regra transitória de obrigatoriedade de adaptação das associações sociedades e fundações constituídas nas formas das leis anteriores às novas disposições do Código sem prejuízo de sua duvidosa constitucionalidade por força dos institutos do direito adquirido e ato jurídico perfeito o fato é que cada vez mais a mesma tem sido desprestigiada Com efeito primeiramente a Lei n 10838 de 3012004 modificou após vencido o prazo original a redação do art 2031 que passou a ser a seguinte Art 2031 As associações sociedades e fundações constituídas na forma das leis anteriores terão o prazo de 2 dois anos para se adaptar às disposições deste Código a partir de sua vigência igual prazo é concedido aos empresários Depois nos estertores da nova vacatio legis foi editada a Medida Provisória n 234 de 1012005 modificando novamente o dispositivo que passou a ter o seguinte conteúdo Art 2031 As associações sociedades e fundações constituídas na forma das leis anteriores bem assim os empresários deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2006 Em mais um capítulo desta novela quase uma tragicomédia a Lei n 11127 de 28 de junho de 2005 trouxe mais uma vez uma nova redação ao dispositivo prorrogando o prazo até 11 de janeiro de 2007 Art 2031 As associações sociedades e fundações constituídas na forma das leis anteriores bem como os empresários deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007 Assim com novo fôlego para respirar tiveram as mencionadas pessoas jurídicas de Direito Privado novo prazo para adaptação Melhor seria em nossa opinião que o dispositivo fosse de logo revogado pois caiu em descrédito perante a comunidade jurídica bem como seriam evitadas diversas batalhas judiciais pela discussão da sua constitucionalidade 90 Temos a convicção de que as normas do Código Civil são perfeitamente aplicáveis aos sindicatos bem como para as Centrais Sindicais apenas incorporadas ao sistema formal de representação profissional por meio da Lei n 116482008 devendo por isso adaptar também os seus estatutos na forma do art 2031 do CC2002 Nesse diapasão na III Jornada de Direito Civil realizada em novembro2004 no Superior Tribunal de Justiça foi aprovado o Enunciado n 142 proposto pelo Juiz Federal Erik Frederico Gramstrup concluindo Art 44 Os partidos políticos os sindicatos e as associações religiosas possuem natureza associativa aplicandoselhes o Código Civil 91 Foi a já mencionada Lei n 10825 de 22122003 que estabeleceu um tratamento diferenciado como pessoas jurídicas de Direito Privado às organizações religiosas e aos partidos políticos pois na essência conceitual em verdade não há como deixar de reconhecêlas como verdadeiras associações ainda que com características especiais Resultou ela do Projeto de Lei n 6342003 de autoria original do Deputado Paulo Gouvêa PLRS que foi submetido a uma emenda substitutiva global assinada por vários partidos a qual definiu as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado desobrigandoos de alterar seus estatutos Segundo noticiado pela própria Agência Câmara o fato de que os estatutos das associações em geral devem obedecer a diversas normas sob pena de nulidade de seus atos bem como a regra de presença para alterações nos estatutos de um terço dos associados para deliberação nas convocações encontrou grande resistência nas organizações religiosas No abalizado depoimento do relator da matéria Deputado João Alfredo PTCE essa exigência embaraçaria o funcionamento das entidades religiosas afrontando a Constituição Federal 92 Tal norma resultou da aprovação de emenda apresentada no Senado assim também os arts 54 55 57 58 59 60 e 61 do Capítulo II 93 Maria Helena Diniz Código Civil Anotado 5 ed São Paulo Saraiva 1999 p 47 94 Orlando Gomes ob cit p 197 95 Como elementos específicos caracterizadores das sociedades comerciais ensina Fran Martins requerse a cooperação efetiva entre os sócios a que se denominou como affectio societatis ou seja o desejo de estarem os sócios juntos para a realização do objeto social a contribuição dos sócios para o capital social e a participação dos mesmos nos lucros e nas perdas Curso de Direito Comercial 24 ed Rio de Janeiro Forense 1999 p 139 96 CC2002 Art 968 A inscrição do empresário farseá mediante requerimento que contenha I o seu nome nacionalidade domicílio estado civil e se casado o regime de bens II a firma com a respectiva assinatura autógrafa III o capital IV o objeto e a sede da empresa 1º Com as indicações estabelecidas neste artigo a inscrição será tomada por termo no livro próprio do Registro Público de Empresas Mercantis e obedecerá a número de ordem contínuo para todos os empresários inscritos 2º À margem da inscrição e com as mesmas formalidades serão averbadas quaisquer modificações nela ocorrentes 3º Caso venha a admitir sócios o empresário individual poderá solicitar ao Registro Público de Empresas Mercantis a transformação de seu registro de empresário para registro de sociedade empresária observado no que couber o disposto nos arts 1113 a 1115 deste Código Incluído pela Lei Complementar n 128 de 2008 Art 969 O empresário que instituir sucursal filial ou agência em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis neste deverá também inscrevêla com a prova da inscrição originária Parágrafo único Em qualquer caso a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede 97 Se não vejamos Art 998 Nos trinta dias subsequentes à sua constituição a sociedade deve requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede Art 1000 A sociedade simples que instituir sucursal filial ou agência na circunscrição de outro Registro Civil das Pessoas Jurídicas neste deverá também inscrevêla com a prova da inscrição originária Parágrafo único Em qualquer caso a constituição da sucursal filial ou agência deverá ser averbada no Registro Civil da respectiva sede 98 Com efeito prevê o 1º do art 2º da Lei n 6404 de 15 de dezembro de 1976 Lei das Sociedades por Ações que qualquer que seja o objeto a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio 99 Este Capítulo Da Sociedade Simples é dividido da seguinte forma Seção I Do contrato social Seção II Dos direitos e obrigações dos sócios Seção III Da administração Seção IV Das relações com terceiros Seção V Da resolução da sociedade em relação a um sócio Seção VI Da dissolução 100 A respeito das cooperativas cumprenos transcrever a nota ao art 114 da Lei de Registros Públicos de autoria do ilustrado Theotonio Negrão o registro das sociedades cooperativas que são sociedades civis v Lei 5764 de 161271 art 4º no tít Sociedades Civis fazse por exceção na Junta Comercial art 32IIa da Lei 8934 de 181194 em Lex 19941471 Just 168175 Código Civil e Legislação Civil em Vigor 16 ed atualizada até 5 de janeiro de 1997 São Paulo Saraiva 1997 p 770 Por expressa disposição do Código Civil de 2002 outrossim as cooperativas são consideradas sociedades simples art 982 parágrafo único razão por que entendemos a despeito de existirem controvérsias como a mencionada que o registro do seu ato constitutivo deve ser feito atualmente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas CRPJ tendose operado a revogação tácita do art 32 II a da Lei n 893494 na parte referente à cooperativa Aprofundando o tema das cooperativas em especial as de trabalho confirase o artigo Cooperativismo e Direito do Trabalho in Pamplona Filho Questões Controvertidas de Direito do Trabalho Belo Horizonte Nova Alvorada 1999 101 A fundação pública instituída pela União Estado ou Município na forma da lei regese por preceitos próprios de Direito Administrativo escapando portanto da perspectiva desta obra 102 Nosso posicionamento coincide com a visão defendida na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal que editou dois enunciados sobre a matéria a saber os Enunciados 8 A constituição de fundação para fins científicos educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no CC art 62 parágrafo único e 9 O art 62 parágrafo único deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações de fins lucrativos 103 Art 4º A alínea a do 2º do art 12 da Lei n 9532 de 10 de dezembro de 1997 passa a vigorar com a seguinte redação Art 12 2º a não remunerar por qualquer forma seus dirigentes pelos serviços prestados exceto no caso de associações assistenciais ou fundações sem fins lucrativos cujos dirigentes poderão ser remunerados desde que atuem efetivamente na gestão executiva respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade registrado em ata com comunicação ao Ministério Público no caso das fundações NR Art 5º A alínea c do art 1º da Lei n 91 de 28 de agosto de 1935 passa a vigorar com a seguinte redação Art 1º c que os cargos de sua diretoria conselhos fiscais deliberativos ou consultivos não são remunerados exceto no caso de associações assistenciais ou fundações sem fins lucrativos cujos dirigentes poderão ser remunerados desde que atuem efetivamente na gestão executiva respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade registrado em ata com comunicação ao Ministério Público no caso das fundações NR Art 6º O inciso I do art 29 da Lei n 12101 de 27 de novembro de 2009 passa a vigorar com a seguinte redação Art 29 I não percebam seus diretores conselheiros sócios instituidores ou benfeitores remuneração vantagens ou benefícios direta ou indiretamente por qualquer forma ou título em razão das competências funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos exceto no caso de associações assistenciais ou fundações sem fins lucrativos cujos dirigentes poderão ser remunerados desde que atuem efetivamente na gestão executiva respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade registrado em ata com comunicação ao Ministério Público no caso das fundações 104 Com a aprovação do CPC2015 não há mais a esdrúxula possibilidade de o Juiz aprovar o Estatuto elaborado pelo MP art 1202 CPC1973 O regulamento atual é mais técnico e preciso Art 764 O juiz decidirá sobre a aprovação do estatuto das fundações e de suas alterações sempre que o requeira o interessado quando I ela for negada previamente pelo Ministério Público ou por este forem exigidas modificações com as quais o interessado não concorde II o interessado discordar do estatuto elaborado pelo Ministério Público 1º O estatuto das fundações deve observar o disposto na Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil 2º Antes de suprir a aprovação o juiz poderá mandar fazer no estatuto modificações a fim de adaptálo ao objetivo do instituidor 105 Sobre o tema já estabelecia o Enunciado n 10 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal Art 66 1º Em face do princípio da especialidade o art 66 1º deve ser interpretado em sintonia com os arts 70 e 178 da LC n 7593 Os mencionados dispositivos da Lei Orgânica do Ministério Público da União estabelecem Art 70 Os Procuradores da República serão designados para oficiar junto aos Juízes Federais e junto aos Tribunais Regionais Eleitorais onde não tiver sede a Procuradoria Regional da República Parágrafo único A designação de Procurador da República para oficiar em órgãos jurisdicionais diferentes dos previstos para a categoria dependerá de autorização do Conselho Superior Art 178 Os Promotores de Justiça serão designados para oficiar junto às Varas da Justiça do Distrito Federal e Territórios Parágrafo único Os Promotores de Justiça serão lotados nos ofícios previstos para as Promotorias de Justiça Nessa linha foi aprovado o Enunciado n 147 proposto pelo Desembargador Federal Marcelo Navarro Ribeiro Dantas na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de novembro2004 com o seguinte conteúdo Art 66 A expressão por mais de um Estado contida no 2º do art 66 não exclui o Distrito Federal e os Territórios A atribuição de velar pelas fundações prevista no art 66 e seus parágrafos para o MP local isto é dos Estados DF e Territórios onde situadas não exclui a necessidade de fiscalização de tais pessoas jurídicas pelo MPF quando se tratar de fundações instituídas ou mantidas pela União autarquia ou empresa pública federal ou que destas recebam verbas nos termos da Constituição da LC n 7593 e da Lei de Improbidade 106 Enunciado n 147 III Jornada de Direito Civil Art 66 A expressão por mais de um Estado contida no 2º do art 66 não exclui o Distrito Federal e os Territórios A atribuição de velar pelas fundações prevista no art 66 e seus parágrafos ao MP local isto é dos Estados DF e Territórios onde situadas não exclui a necessidade de fiscalização de tais pessoas jurídicas pelo MPF quando se tratar de fundações instituídas ou mantidas pela União autarquia ou empresa pública federal ou que destas recebam verbas nos termos da Constituição da LC n 7593 e da Lei de Improbidade 107 Compare essa regra com a norma do art 28 do CC1916 Art 28 Para se poderem alterar os estatutos da fundação é mister I que a reforma seja deliberada pela maioria absoluta dos competentes para gerir e representar a fundação II que não contrarie o fim desta III que seja aprovada pela autoridade competente Registrese que o estabelecimento de prazo ao Ministério Público para apreciação da alteração estatutária foi inserido na legislação de Direito Material pela Lei n 13151 de 28 de julho de 2015 108 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Parte Geral São Paulo Atlas 2001 p 240 109 No CC1916 art 30 Verificado ser nociva ou impossível a mantença de uma fundação ou vencido o prazo de sua existência o patrimônio salvo disposição em contrário no ato constitutivo ou nos estatutos será incorporado em outras fundações que se proponham a fins iguais ou semelhantes Parágrafo único Esta verificação poderá ser promovida judicialmente pela minoria de que trata o art 29 ou pelo Ministério Público 110 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro 18 ed São Paulo Saraiva 2002 v 1 p 2223 111 Nesse sentido observa Frederico Garcia Pinheiro A EIRELI não tem natureza jurídica de sociedade empresária ao contrário do que muitos podem imaginar mas tratase de uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado que também se destina ao exercício da empresa Tanto que a Lei 124412011 incluiu as empresas individuais de responsabilidade limitada no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art 44 do Código Civil inc VI Frederico Garcia Pinheiro Empresa Individual de Responsabilidade Limitada Disponível em httppablostolzeningcompageartigos2 Acesso em 10 ago 2011 p 7 112 CC2002 Art 1113 O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converterse Art 1114 A transformação depende do consentimento de todos os sócios salvo se prevista no ato constitutivo caso em que o dissidente poderá retirarse da sociedade aplicandose no silêncio do estatuto ou do contrato social o disposto no art 1031 Art 1115 A transformação não modificará nem prejudicará em qualquer caso os direitos dos credores 113 CPC2015 2º Aplicase o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica 114 O CC1916 a par de não consagrar a teoria da desconsideração previa em artigo específico a responsabilidade civil autônoma da pessoa jurídica em seu art 20 ao dispor que as pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros 115 Além do Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 citemse como curiosidade histórica as Leis n 888494 Antitruste e 960598 Meio Ambiente 116 Ada Pellegrini Grinover e outros Código Brasileiro de Defesa do Consumidor 5 ed Rio de Janeiro Forense 1998 p 195 117 No STJ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL CIVIL CIVIL DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA REDISCUSSÃO IMPOSSIBILIDADE SÚMULA 7STJ PRECEDENTES AGRAVO NÃO PROVIDO 1 O legislador pátrio no art 50 do CC de 2002 adotou a teoria maior da desconsideração que exige a demonstração da ocorrência de elemento objetivo relativo a qualquer um dos requisitos previstos na norma caracterizadores de abuso da personalidade jurídica como excesso de mandato demonstração do desvio de finalidade ou a demonstração de confusão patrimonial 2 A Corte a quo concluiu pela inexistência dos requisitos necessários para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica e desse modo não há como na via estreita do recurso especial reverter o que foi decidido pelo Tribunal estadual afastando tais conclusões porquanto seria necessário o revolvimento do contexto fáticoprobatório dos autos o que encontra óbice na Súmula 7STJ 3 Agravo regimental a que se nega provimento AgRg no AREsp 651421RS Rel Ministro Raul Araújo Quarta Turma j 2582015 DJe 1692015 118 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA TEORIA MENOR É amplamente aceita no Processo do Trabalho a chamada Teoria Menor da Desconsideração da Pessoa Jurídica segundo a qual se podem incluir incidentalmente na relação processual executiva os sócios do devedor estampado no título exequendo desde que frustrados os meios executórios em relação a ele sem necessidade de processo de conhecimento nisso não se vislumbrando qualquer afronta à garantia do devido processo legal Constituição art 5º inc LIV TRT1 AGVPET 10297820105010003 RJ Rel Dalva Amelia de Oliveira j 462012 Terceira Turma DJ 1962012 SÓCIOS RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA Os sócios respondem subsidiariamente pelos débitos trabalhistas da empresa com base na teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica TRT5 RecOrd 00007759620135050421 BA 00007759620135050421 Rel Maria Adna Aguiar Quinta Turma DJ 2682014 119 Nesse sentido também é o posicionamento do ilustre amigo Mário Luiz Delgado O artigo transcrito portanto permite a desconsideração necessariamente por decisão judicial sempre que houver abuso da personalidade jurídica A fórmula sugerida extensão dos efeitos obrigacionais aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica visa a superar a discussão sobre se esta responde ou não conjuntamente com os sócios ou administradores além de esclarecer que também o administrador não sócio poderá ser chamado a responder pessoalmente Mário Luiz Delgado A responsabilidade civil do administrador não sócio In Questões Controvertidas no Novo Código Civil Série Grandes Temas de Direito Privado Coord Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves São Paulo Método 2004 v 2 p 315 120 A referida regra vetada dispunha que somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente Nesse diapasão comenta Frederico Garcia Pinheiro Logo verificados os pressupostos do art 50 do Código Civil ou de outros permissivos legais a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada à EIRELI e eventualmente responsabilizar e atingir o patrimônio pessoal de seu administrador ou criador mormente porque Aplicamse à empresa individual de responsabilidade limitada no que couber as regras previstas para as sociedades limitadas 6º do art 980A do Código Civil Frederico Garcia Pinheiro Empresa Individual de Responsabilidade Limitada Disponível em httppablostolzeningcompageartigos2 Acesso em 10 ago 2011 p 11 121 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 2201 122 Sobre o tema estabelece o 3º do art 1046 do Código de Processo Civil de 2015 que os processos mencionados no art 1218 da Lei n 5869 de 11 de janeiro de 1973 cujo procedimento ainda não tenha sido incorporado por lei submetemse ao procedimento comum previsto neste Código 123 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil v 1 p 501 124 Na língua portuguesa é recomendável porém a utilização da expressão estada em vez do termo estadia tendo em vista o seu conteúdo plurissignificativo Nesse sentido define o dicionarista estadia Do lat stativa S f 1 Mar Merc Prazo concedido para carga e descarga do navio surto em um porto estalia 2 Estada permanência Muitos condenam o uso frequentíssimo da palavra nesta última acepção Cf estádia Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 ed p 713 125 Art 43 Determinase a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta 126 Orlando Gomes ao tratar da matéria prefere classificar o domicílio necessário em legal e de origem observando que os menores e interditos têm a última espécie de domicílio Mas o próprio Mestre adverte que a distinção é destituída de maior importância prática A distinção carece aliás de valor porque o domicílio de origem também é legal mas em todo caso não é desinteressante porque no de origem a pessoa não tem domicílio próprio mas sim o do representante legal ob cit p 190 127 De referência ao Código de 1916 O vocábulo bem utilizado pelo legislador como rubrica do Livro II da Parte Geral do Código Civil tem significado amplo e é utilizado pela doutrina e pelo próprio legislador em diferentes acepções Na Parte Especial quando trata da propriedade e seus desdobramentos fala em coisa deixando de utilizarse do termo bem como feito na Parte Geral Conceituar o vocábulo bem não é tarefa fácil A doutrina nem sempre está acorde sobre se o conceito de bem corresponde ao de coisa se é mais ou menos amplo do que esse Rui Geraldo de Camargo Viana e Rosa Maria de Andrade Nery in Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal p 63 128 Em relação à usucapião já se admitiu porém a posse de linhas telefônicas em verdade o objeto da posse seria o direito de uso incorpóreo e não a linha em si e consequentemente o uso dos interditos possessórios na sua defesa Sobre o tema o STJ por sua 3ª Turma no REsp 416116RS j 2541994 já admitiu usucapião para aquisição de direitos sobre linha telefônica RSTJ 67437 e no REsp 7196RJ a respeito de propriedade industrial decidiu que independentemente de se tratar de bem imaterial a tutela pode ser exercida através de ações possessórias DJU 581991 p 9997 129 Há polêmica sobre a permanência no Direito Positivo da utilidade desta categoria Durante a Jornada de Direito Civil realizada pelo Superior Tribunal de Justiça e Conselho da Justiça Federal em Brasília no período de 11 a 13 de setembro de 2002 foi defendido tal entendimento perante a Comissão da Parte Geral tendo sido aprovado o seguinte enunciado Não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens imóveis por acessão intelectual não obstante a expressão tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente constante da parte final do art 79 do Código Civil de 2002 130 Ada Pellegrini Grinover e outros Código Brasileiro de Defesa do Consumidor 5 ed p 186 131 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil p 412 132 Orlando Gomes ob cit p 234 133 Orlando Gomes ob cit p 235 134 Orlando Gomes ob cit p 235 135 As referências às partes integrantes são sempre indiretas como no art 93 do CC2002 São pertenças os bens que não constituindo partes integrantes se destinam de modo duradouro ao uso ao serviço ou ao aformoseamento de outro 136 Odete Medauar Direito Administrativo Moderno 3 ed p 266 137 Art 20 São bens da União I os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos II as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras das fortificações e construções militares das vias federais de comunicação e à preservação ambiental definidas em lei III os lagos rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhem mais de um Estado sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham bem como os terrenos marginais e as praias fluviais IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países as praias marítimas as ilhas oceânicas e as costeiras excluídas destas as que contenham a sede de Municípios exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as referidas no art 26 II Redação dada pela Emenda Constitucional n 46 de 2005 V os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva VI o mar territorial VII os terrenos de marinha e seus acrescidos VIII os potenciais de energia hidráulica IX os recursos minerais inclusive os do subsolo X as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e préhistóricos XI as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios 1º É assegurada nos termos da lei aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios bem como a órgãos da administração direta da União participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território plataforma continental mar territorial ou zona econômica exclusiva ou compensação financeira por essa exploração 2º A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura ao longo das fronteiras terrestres designada como faixa de fronteira é considerada fundamental para defesa do território nacional e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei 138 Art 26 Incluemse entre os bens dos Estados I as águas superficiais ou subterrâneas fluentes emergentes e em depósito ressalvadas neste caso na forma da lei as decorrentes de obras da União II as áreas nas ilhas oceânicas e costeiras que estiverem no seu domínio excluídas aquelas sob domínio da União Municípios ou terceiros III as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União IV as terras devolutas não compreendidas entre as da União 139 Vale conferir a excelente obra de Antônio Luis Machado Neto Compêndio de Introdução à Ciência do Direito 6 ed 1988 140 O tema da escusabilidade do erro como elemento indispensável para invalidação do negócio por sua vez comporta controvérsias haja vista que ao interpretar o art 138 do CC2002 na I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi defendida a ideia no Enunciado n 12 de que na sistemática do art 138 é irrelevante ser ou não escusável o erro porque o dispositivo adota o princípio da confiança 141 DIREITO CIVIL VÍCIO DE CONSENTIMENTO ERRO VÍCIO REDIBITÓRIO DISTINÇÃO VENDA CONJUNTA DE COISAS ART 1138 DO CC1916 ART 503 DO CC2002 INTERPRETAÇÃO TEMPERAMENTO DA REGRA O equívoco inerente ao vício redibitório não se confunde com o erro substancial vício de consentimento previsto na Parte Geral do Código Civil tido como defeito dos atos negociais O legislador tratou o vício redibitório de forma especial projetando inclusive efeitos diferentes daqueles previstos para o erro substancial O vício redibitório da forma como sistematizado pelo CC1916 cujas regras foram mantidas pelo CC2002 atinge a própria coisa objetivamente considerada e não a psique do agente O erro substancial por sua vez alcança a vontade do contratante operando subjetivamente em sua esfera mental O art 1138 do CC1916 cuja redação foi integralmente mantida pelo art 503 do CC02 deve ser interpretado com temperamento sempre tendo em vista a necessidade de se verificar o reflexo que o defeito verificado em uma ou mais coisas singulares tem no negócio envolvendo a venda de coisas compostas coletivas ou de universalidades de fato Recurso especial a que se nega provimento STJ REsp 991317MG Rel Min Nancy Andrighi 3ª T j 3122009 DJe 18122009 142 No CC1916 art 95 Pode também ser anulado o ato por dolo de terceiro se uma das partes o soube 143 Apud J M Carvalho Santos ob cit p 351 144 Esta regra reproduz com algumas modificações o art 98 do CC1916 A coação para viciar a manifestação da vontade há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano à sua pessoa à sua família ou a seus bens iminente e igual pelo menos ao receável do ato extorquido 145 Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente o juiz com base nas circunstâncias decidirá se houve coação 146 Partilhando dessa nossa visão defendida desde a primeira edição do livro foi aprovado por unanimidade na III Jornada de Direito Civil novembro2004 no Superior Tribunal de Justiça o Enunciado n 150 Art 157 A lesão de que trata o art 157 do Código Civil não exige dolo de aproveitamento 147 Nesse espírito de busca de aproveitamento de atos jurídicos em sentido amplo na III Jornada de Direito Civil realizada em novembro2004 no Superior Tribunal de Justiça foi aprovado o Enunciado n 149 propugnando que Art 157 Em atenção ao princípio da conservação dos contratos a verificação da lesão deverá conduzir sempre que possível à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art 157 2º do Código Civil de 2002 148 CP Art 23 Não há crime quando o agente pratica o fato I em estado de necessidade II em legítima defesa III em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito Parágrafo único O agente em qualquer das hipóteses deste artigo responderá pelo excesso doloso ou culposo Art 24 Considerase em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade nem podia de outro modo evitar direito próprio ou alheio cujo sacrifício nas circunstâncias não era razoável exigir se 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo 2º Embora seja razoável exigirse o sacrifício do direito ameaçado a pena poderá ser reduzida de um a dois terços 149 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v I p 338 150 Encontramos interessante acórdão que adota esse nosso posicionamento a saber Estado de perigo Cheque Emissão em caução para assegurar internação hospitalar de parente em grave estado de saúde Ação anulatória cumulada com pedido de indenização por danos morais Improcedência decretada em primeiro grau Decisão reformada em parte Não é válida obrigação assumida em estado de perigo Aplicação dos princípios que regem situação de coação Inexigibilidade reconhecida 2 Dano moral resultante da apresentação e devolução do cheque Não configuração Ausência de reflexos extrapatrimoniais pois o título não foi protestado nem foi intentada ação de cobrança 3 Recurso da autora provido em parte 1ª TACSP 12ª Câm Apelação n 8333557 da Comarca de São Paulo Rel Campos Mello j 193 2004 151 Nesse sentido confirase o art 135A do Código Penal brasileiro com a redação inserida pela Lei n 126532012 Condicionamento de atendimento médicohospitalar emergencial Art 135A Exigir chequecaução nota promissória ou qualquer garantia bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos como condição para o atendimento médicohospitalar emergencial Pena detenção de 3 três meses a 1 um ano e multa Parágrafo único A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave e até o triplo se resulta a morte 152 Clóvis Beviláqua ob cit p 294 153 Art 102 Haverá simulação nos atos jurídicos em geral I quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem realmente se conferem ou transmitem II quando contiverem declaração confissão condição ou cláusula não verdadeira III quando os instrumentos particulares forem antedatados ou pósdatados 154 Art 103 A simulação não se considerará defeito em qualquer dos casos do artigo antecedente quando não houver intenção de prejudicar a terceiros ou de violar disposição de lei 155 Art 105 Poderão demandar a nulidade dos atos simulados os terceiros lesados pela simulação ou os representantes do poder público a bem da lei ou da Fazenda 156 Sobre o tema na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de novembro2004 foi proposto o Enunciado n 152 Art 167 Toda simulação inclusive a inocente é invalidante 157 Sobre o tema na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de novembro2004 foi proposto o Enunciado n 153 Art 167 Na simulação relativa o negócio simulado aparente é nulo mas o dissimulado será válido se não ofender a lei nem causar prejuízos a terceiros 158 Claro está todavia que se a parte insciente da reserva mental não se mancomuna com o outro declarante poderá anular o negócio jurídico invocando o dolo 159 Na redação final art 110 160 José Carlos Moreira Alves ob cit p 102 161 É preciso lembrar sempre que na vigência do CC1916 a hipótese era de anulabilidade 162 Em Roma o devedor respondia com a sua liberdade seu corpo e a sua própria vida ante o descumprimento obrigacional A Lei das XII Tábuas era severa albergando nesse particular em suas normas humilhação castigo moral privação da vida e da liberdade IV Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é condenado terá 30 dias para pagar V Esgotados os 30 dias e não tendo pago que seja agarrado e levado à presença do magistrado VI Se não paga e ninguém se apresenta como fiador que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até o máximo de 15 libras ou menos se assim o quiser o credor VII O devedor preso viverá à sua custa se quiser se não quiser o credor que o mantém preso darlheá por dia uma libra de pão ou mais a seu critério VIII Se não há conciliação que o devedor fique preso por 60 dias durante os quais será conduzido em 3 dias de feira ao comitium onde se proclamará em altas vozes o valor da dívida IX Se são muitos os credores é permitido depois do terceiro dia de feira dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores não importando cortar mais ou menos se os credores preferirem poderão vender o devedor a um estrangeiro além do Tibre Com o surgimento da Lex Poetelia Papiria em 326 aC resultante de uma sangrenta revolta popular contra o maltrato físico de um jovem devedor plebeu o não pagamento do débito passou a ensejar não mais a execução pessoal mas a do patrimônio do devedor Essa lei pois marca a consagração no Direito Romano do princípio segundo o qual o patrimônio do devedor é a garantia do credor No Direito brasileiro o Código Civil é expresso ao dispor que Art 391 Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor grifos nossos 163 Sobre o tema na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de novembro2004 foi proposto o Enunciado n 151 Art 158 O ajuizamento da ação pauliana pelo credor com garantia real art 158 1º prescinde de prévio reconhecimento judicial da insuficiência da garantia Acrescentese ainda no que tange ao polo ativo da pauliana que já há decisão admitindo o nascituro como passível de proteção por meio dessa actio Ação Pauliana Crédito alimentar Investigação de paternidade Alienação feita para irmãos durante a gravidez Bens que retornam à esposa Direitos do nascituro Pressupostos de fraude contra credores Ônus probatório Presunção que deriva do negócio com familiar Ineficácia e não nulidade da alienação 1 A ação pauliana com sede nos direitos privado e material tem seu fundamento na insolvabilidade do devedor para satisfazer direitos dos credores e não exige demanda judicial que a preceda São suficientes a anterioridade do crédito à alienação ou oneração o conflito fraudatório entre os negociantes e que o terceiro tenha consciência do prejuízo a causar ou possa prever o dano 2 Os direitos do nascituro são assegurados desde a concepção o que transforma suas expectativas em direitos subjetivos como ocorre com os alimentos que têm concreção neste estágio 3 Ao credor cumpre informar sobre a insolvência e suas consequências tocando ao devedor a prova de inexistência daquela situação e aos terceiros que não tinham ciência de tal fraude e do prejuízo 4 Os atos fraudulentos não são nulos mas ineficazes não havendo retorno do bem à propriedade do alienante preservandose a possibilidade de sua sujeição ao credor A sentença com carga declaratória não anula a alienaçãooneração mas pronuncia sua ineficácia perante o credor que pode manejar a ferramenta instrumental para constranger o patrimônio registrado em nome de terceiro Apelação provida em parte 9 fls Segredo de justiça TJRS Apelação Cível 70003920634 7ª Câm Cív Rel José Carlos Teixeira Giorgis j 1262002 164 J M Carvalho Santos ob cit p 440 165 Clóvis Beviláqua ob cit p 2978 166 Yussef Said Cahali Fraude Contra Credores 2 ed p 386 167 Yussef Said Cahali Fraude Contra Credores 2 ed p 385 168 Art 162 do CC2002 169 Súmula 195 Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico por fraude contra credores 170 M de Carvalho Santos Código Civil Brasileiro Interpretado v III p 225 171 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro 8 ed v 1 p 284 172 Vale conferir a excelente obra Teoria Geral do Processo de Ada Pellegrini Grinover Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco 15 ed 1999 p 339 onde os autores falam em negação de eficácia jurídica como forma de defesa do ordenamento jurídico 173 Sobre o assunto cf Martinho Garcez Neto Temas Atuais de Direito Civil p 2756 174 Denominase redução a operação pela qual retiramse partes inválidas de um determinado negócio preservandose as demais Cuidase de uma medida sanatória do negócio jurídico Nesse sentido preleciona Carlos Alberto Bittar Dáse a redução de negócios inválidos quando a causa de nulidade ou de anulabilidade reside em elemento não essencial de seu contexto Nessa hipótese temse por válido o negócio aplicandose o princípio da conservação à luz da vontade hipotética ou conjectural das partes Assim na análise da situação concreta se se concluir que os interessados o teriam realizado na parte não atingida pela invalidade prospera o negócio extirpada a disposição afetada ob cit p 170 175 Sobre o tema a Consolidação das Leis do Trabalho em seu art 9º estabelece de forma taxativa que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação o que é um instrumental poderoso à disposição do magistrado para a efetivação dos direitos trabalhistas 176 A doutrina não se entende neste ponto O Código Civil de 1916 utilizava o termo ratificação duramente criticado por alguns juristas que entendem que o suprimento do ato viciado encontra melhor significado na palavra confirmação Para Caio Mário muitos escritores e especialmente a doutrina francesa costumam dizer que o ato nulo é insuscetível de confirmação que tomam como traduzindo ratificação Entendemos serem diversas estas ideias e por isso dizemos que o negócio jurídico não pode ser ratificado mas lícito será confirmálo se revestir a confirmação todos os requisitos de fato e de direito necessários à sua eficácia e isto mesmo quando for possível sem afronta à mesma proibição que tornou nulo o primitivo A nosso ver portanto confirmação importa na repetição do ato escoimandoo da falha ob cit p 406 Orlando Gomes por sua vez entende diferentemente e afirma ser a nulidade incurável porque as partes não podem sanálo mediante confirmação nem ao juiz é lícito suprila ob cit p 488 Sílvio Venosa com a costumeira precisão adotou posição intermediária sustentando que ratificar ou confirmar é dar validade a ato que poderia ser desfeito por decisão judicial ob cit p 475 O Código Civil de 2002 pôs fim à controvérsia e consagrou o termo confirmação para significar o suprimento da invalidade do ato por força da vontade das próprias partes equivalendo à ideia tradicional de ratificação cf arts 169 172 a 175 177 Marcos Bernardes de Mello ob cit p 38 178 No CC1916 vide art 158 179 Silvio Rodrigues Direito civil Parte Geral 12 ed v 1 p 296 180 Tomese o seguinte exemplo de anulabilidade prevista fora da regra geral Art 496 É anulável a venda de ascendente a descendente salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido 181 Raquel Campani Schmiedel apud José Abreu Filho O Negócio Jurídico e sua Teoria Geral p 354 182 Na vigência do CC1916 erro dolo coação simulação e fraude contra credores 183 Nulidade de ato jurídico praticado por incapaz antes da sentença de interdição Reconhecimento da incapacidade e da ausência de notoriedade Proteção do adquirente de boafé Precedentes da Corte 1 A decretação da nulidade do ato jurídico praticado pelo incapaz não depende da sentença de interdição Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência da incapacidade impõese a decretação da nulidade protegendose o adquirente de boafé com a retenção do imóvel até a devolução do preço pago devidamente corrigido e a indenização das benfeitorias na forma de precedente da Corte 2 Recurso especial conhecido e provido STJ 3ª T REsp 296895PR Rel Min Carlos Alberto Menezes Direito DJ 2162004 p 214 184 Humberto Theodoro Júnior Curso de Direito Processual Civil 18 ed v I p 519 185 Ovídio Baptista da Silva Curso de Processo Civil Processo de Conhecimento 4 ed v 1 p 192 186 Marcos Bernardes de Mello ob cit p 209 187 Karl Larenz Derecho Civil Parte General p 643 188 Nesse sentido é o Enunciado 13 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal Art 170 O aspecto objetivo da conversão requer a existência do suporte fático no negócio a converterse 189 Exemplo de conversão legal combatido por Pontes de Miranda é encontrado no art 1083 do CC1916 a aceitação fora do prazo com adições restrições ou modificações importará nova proposta De fato assiste razão ao mestre alagoano uma vez que a conversão da aceitação em proposta por simples determinação legal e sem concorrência da vontade das partes não pode ser igualada à figura de que se está tratando cf Marcos Bernardes de Mello ob cit p 214 190 STJ 4ª Turma REsp 147959SP Rel Min Sálvio de Figueiredo Teixeira 191 STJ 4ª Turma REsp 238573SE Rel Min Sálvio de Figueiredo Teixeira 192 Antônio Junqueira de Azevedo ob cit p 48 193 É o casamento nulo ou anulável contraído de boafé por um ou ambos os cônjuges art 1561 do CC2002 art 221 do CC1916 194 É a hipótese de um menor de sete anos utilizar um dinheiro que recebeu do avô para comprar um refrigerante no boteco da esquina Com amparo na doutrina tradicional concluise que o ato negocial de compra do refresco que o menor realiza sozinho sem a devida representação dos seus pais embora nulo é socialmente aceito sendo indiscutivelmente eficaz Aliás não se poderia invocar o sistema das nulidades na hipótese em se considerando não ter havido prejuízo ao incapaz Na nossa visão melhor seria enquadrar essa ação humana na categoria do atofato jurídico 195 Sílvio Venosa ob cit p 469 196 Clóvis Beviláqua ob cit p 303 197 Spencer Vampré apud Washington de Barros Monteiro ob cit p 235 198 CC1916 Art 114 Considerase condição a cláusula que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto 199 Art 121 na redação final do Novo Código Civil brasileiro 200 José Carlos Moreira Alves ob cit p 107 201 O dispositivo comporta apenas aparente antinomia com o 2º do art 6º da LINDB 2º Consideramse adquiridos assim os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer como aqueles cujo começo do exercício tenha termo préfixo ou condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem De fato quando a LINDB menciona condição preestabelecida inalterável está justamente se referindo a uma hipótese de impossibilidade jurídica de modificação dessa condição ainda que por manifestação posterior de vontade Já a previsão do art 125 do CC2002 por outro lado referese justamente a situações em que não houve a realização de uma condição suspensiva em que aí sim não é possível falar em direito adquirido ao contrário da situação anterior 202 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v II p 190 203 Nesse sentido o art 126 do CC2002 Art 126 Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva e pendente esta fizer quanto àquela novas disposições estas não terão valor realizada a condição se com ela forem incompatíveis 204 Roberto de Ruggiero ob cit p 369 205 Nesse sentido Washington de Barros Monteiro Mas essa cláusula oferece outros aspectos Só quando absoluta é ela ilícita se relativa cumpre admitirlhe a licitude Por exemplo instituo Maria por herdeira se ela não se casar com Pedro meu inimigo ou com Paulo de condição social inferior Em ambos os casos a liberdade não é afetada porque à pessoa a quem se dirige a estipulação resta ainda vasto campo de ação ob cit p 239 206 Arnoldo Wald ob cit p 177 207 Coerente com esse ponto de vista abeberada na melhor doutrina vem a jurisprudência admitindo a validade das seguintes estipulações a pagarei a coisa adquirida quando revender b da cláusula que subordina à conveniência do locatário prorrogação do contrato de locação ao seu término pelo mesmo prazo e aluguel c não se pode considerar potestativa cláusula que em compromisso de compra e venda estabelece o direito de arrependimento e sujeita o promitentevendedor à devolução em dobro do preço recebido d a cláusula pagarei quando estiver ao meu alcance ou quando vender o meu estabelecimento equiparase a termo incerto e não à condição potestativa e não é potestativa a cláusula quando puder ou quando possível não se vislumbra aí o merum arbitrium mas o arbitrium boni viri Washington de Barros Monteiro ob cit p 238 208 Cf arts 509 a 512 do CC2002 No CC1916 o art 1144 era bastante claro A venda a contento reputarseá feita sob condição suspensiva se no contrato não se lhe tiver dado expressamente o caráter de condição resolutiva Parágrafo único Nesta espécie de venda se classifica a dos gêneros que se costumam provar medir pesar ou experimentar antes de aceitos 209 Clóvis Beviláqua ob cit p 306 210 Exemplo apresentado pela Professora Maria Helena Diniz Darlheei dois mil reais se você campeão de futebol jogar no próximo torneio Essa condição potestativa passará a ser promíscua se o jogador vier a machucar sua perna Curso de Direito Civil Brasileiro 15 ed v 1 p 335 211 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 389 212 Aliás a correspondência não semelhança entre a disciplina das condições e termos é reconhecida pelo próprio CC2002 ao dispor em seu art 135 que ao termo inicial e final aplicamse no que couber as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva 213 Luiz Rodrigues Wambier Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini Curso Avançado de Processo Civil 2 ed p 182 214 Se porventura houver prazo para a entrega de um legado haverá presunção de que tal prazo foi fixado em favor do herdeiro obrigado a pagálo e não do legatário Maria Helena Diniz Código Civil Anotado 5 ed p 141 215 Por isso que o devedor pode renunciar ao prazo e antecipar o pagamento sem se configurar enriquecimento sem causa da parte adversa 216 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Parte Geral p 440 217 Roberto de Ruggiero ob cit p 386 218 Art 137 Considerase não escrito o encargo ilícito ou impossível salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade caso em que se invalida o negócio jurídico 219 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 22 220 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v 1 p 416 221 Na medida em que o art 160 I parte final do CC1916 mencionava não constituir ato ilícito o exercício regular de um direito reconhecido a doutrina admitia interpretando a norma a contrario sensu que o exercício irregular de um direito reconhecido seria considerado ato ilícito e abusivo Situavase aqui portanto a consagração implícita da teoria do abuso de direito 222 Hodiernamente a teoria do abuso de direito ganhou inegável importância conforme doutrina especializada Daniel Boulos O Abuso de Direito no Novo Código Civil 2006 A sua relevância aliás fez com que outros institutos correlatos também chamassem a atenção dos juristas a exemplo da supressio situação indicativa de abuso que se caracteriza quando o titular de um direito não o tendo exercido oportunamente pretende fazêlo não mais podendo por quebra da boafé objetiva não confundir com a surrectio hipótese em que o exercício continuado de uma dada situação ou a prática de determinado comportamento contrário à ordem jurídica culmina por constituir um direito em favor do agente ex utilização de área comum em condomínio conforme ilustra a doutrina em geral 223 Nesse sentido é também o Enunciado n 37 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal Art 187 A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamentase somente no critério objetivofinalístico 224 CC2002 Art 189 Violado o direito nasce para o titular a pretensão a qual se extingue pela prescrição nos prazos a que se referem os arts 205 e 206 225 Sérgio Carlos Covello A Obrigação Natural Elementos para uma Possível Teoria p 712 226 É a ideia de Beviláqua Espínola Carpenter Camara Leal Carvalho Santos cf O Gomes ob cit p 518 Também Silvio Rodrigues O que perece portanto através da prescrição extintiva não é o direito Este pode como ensina Beviláqua permanecer por longo tempo inativo sem perder a sua eficácia O que se extingue é a ação que o defende Direito Civil Parte Geral 28 ed v I p 318 227 Essa era a interpretação que se dava ao art 75 do Código de 1916 A todo o direito corresponde uma ação que o assegura 228 A regra é de clareza meridiana ao dispor que a pretensão surge quando o direito à prestação é violado Sucede que a jurisprudência conferindo nova roupagem a uma clássica ideia algumas vezes tem firmado a noção de que esse prazo somente começaria a correr quando o titular do direito tomasse ciência do fato danoso e das suas consequências doutrina ou teoria da actio nata É o caso por exemplo do paciente que sofre um erro médico caso em que o prazo prescricional somente teria início quando tomasse efetiva ciência da lesão 229 Miguel Reale O Projeto do Novo Código Civil 2 ed p 68 230 Esse dispositivo foi assim justificado pelo Relatório da Comissão Revisora ao examinar uma proposta de emenda supressora Este artigo do Projeto ele foi incluído justamente para atender a críticas que se fizeram ao Anteprojeto visa a suprir uma lacuna do Código Civil e que tem dado problema na prática saber se a exceção prescreve havendo quem sustente que qualquer exceção é imprescritível já que o Código Civil é omisso e em caso afirmativo dentro de que prazo Ambas as questões são solucionadas pelo artigo 188 do Projeto que data venia não encerra qualquer deformação terminológica os termos técnicos nele usados são do domínio comum da ciência do direito nem distanciamento da melhor doutrina pois o que se quer evitar é que prescrita a pretensão o direito com pretensão prescrita possa ser utilizado perpetuamente a título de exceção como defesa Notese esta observação de Hélio Tornaghi Instituições de Processo Penal Rio de Janeiro Forense 1959 v I p 353 1959 Quando a exceção se funda em um direito do réu por ex a compensação se baseia no crédito do réu contra o autor prescrito este não há mais como excepcionálo Se a exceção não prescrevesse perduraria ad infinitum José Carlos Moreira Alves A Parte Geral do Projeto do Código Civil Brasileiro p 1523 231 Francisco Amaral ob cit p 563 232 Exemplos bastante difundidos e naturalmente já superados de prazos decadenciais foram previstos no art 178 3º e 4º I do CC1916 Tratase dos prazos para o exercício do direito de contestação de paternidade ação negatória limitados a dois meses contados do nascimento se o marido estava presente ou três meses se o marido se achava ausente ou lhe ocultaram o nascimento contados do dia de sua volta à casa conjugal ou da data do conhecimento do fato respectivamente Do nascimento da criança do retorno do ausente ou da data do conhecimento do fato portanto surgia o direito potestativo de contestação da paternidade exercitável pelo marido Tais hipóteses serviriam perfeitamente para ilustrar os prazos de caducidade se o Código Civil vigente não houvesse estabelecido diretriz diversa acolhendo firme orientação jurisprudencial já existente em seu art 1601 Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher sendo tal ação imprescritível Assim a partir da vigência do Código Civil de 2002 o direito potestativo de contestação da paternidade não se submeterá a prazo algum de forma que tais exemplos outrora divulgados pela doutrina servem agora apenas como informação histórica Essa modificação da disciplina legal inclusive coadunase tanto com a natureza declaratória das ações de verificação investigação e contestação de paternidade que atrai a imprescritibilidade quanto com a regra do art 27 da Lei n 8069 de 1371990 Estatuto da Criança e do Adolescente que estabelece que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo indisponível e imprescritível podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros sem qualquer restrição observado o segredo de Justiça 233 Art 445 do CC2002 art 178 2º e 5º IV do CC1916 na vigência desta lei os prazos eram de quinze dias ou seis meses 234 Como ensinava Moacyr Amaral Santos a preclusão pode ser temporal lógica ou consumativa Interessanos por ora a preclusão temporal Esta consiste na perda de uma faculdade ou direito processual por não ter sido exercido em tempo e momento oportunos Assim a contestação deverá ser apresentada dentro de quinze dias a contar da entrada em cartório do mandado de citação devidamente cumprido Cód Proc Civil art 297 Não apresentando a contestação no prazo não mais o réu poderá oferecêla isto é estará precluso o seu direito de apresentála O tempo útil está precluso encerrado e com isso perdeu o réu o direito de realizar o respectivo ato Primeiras Linhas de Direito Processual Civil 6 ed v 1 p 255 235 Perempção 1 Direito processual civil Caducidade ou extinção de processo sem julgamento do mérito quando o autor por não promover atos e diligências que lhe competiam abandonar a causa por mais de trinta dias ou melhor quando o autor der causa por três vezes à extinção do processo por não ter promovido as diligências não poderá intentar a repropositura da quarta ação contra o réu com o mesmo objeto É a perda do direito de demandar sobre o mesmo objeto É o modo extintivo da relação processual fundado na desídia e inação do autor 2 Direito processual penal Forma extintiva da punibilidade em caso de ação penal privada resultante da inércia do querelante no que atina à movimentação processual ou seja por deixar de promover o andamento do processo durante trinta dias seguidos ou não comparecer sem motivo justificado a qualquer ato processual a que deva estar presente ou não formular o pedido de condenação nas alegações finais ou pelo não comparecimento em juízo dentro de sessenta dias em caso de morte ou incapacidade do querelante de pessoa habilitada a fazêlo ou ainda pela extinção da pessoa jurídica querelante sem deixar sucessor Maria Helena Diniz Dicionário Jurídico v 3 p 570 236 A propósito confirase o Enunciado n 14 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal Art 189 1 o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão que decorre da exigibilidade do direito subjetivo 2 o art 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou de obrigação de não fazer 237 No projeto primitivo organizado por Clóvis Beviláqua os prazos de decadência se achavam dispersos pelo Código nos lugares apropriados e assim foram mantidos pela comissão revisora extraparlamentar pela Comissão dos XXI da Câmara dos Deputados e pela própria Câmara nas três discussões regimentais Na redação final entretanto a respectiva comissão supondo melhorar o projeto metodizandoo transferiu para a Parte Geral todos os prazos de decadência colocandoos ao lado dos prazos prescricionais propriamente ditos E isso passou despercebido não foi objeto de debate resultando daí ao invés do planejado melhoramento um erro manifesto de classificação Agnelo Amorim Filho Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar as Ações Imprescritíveis RT v 300 out 1960 p 7 reproduzido em RT v 711 out 1997 p 726 238 CC2002 Art 191 A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita e só valerá sendo feita sem prejuízo de terceiro depois que a prescrição se consumar tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado incompatíveis com a prescrição No mesmo sentido art 161 do Código de 1916 239 Mais tecnicamente o Código Civil vigente substitui a expressão herdeiro espécie de sucessor universal mortis causa pelo designativo genérico sucessor muito mais abrangente 240 Sobre o tema na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal de novembro2004 foi proposto o Enunciado n 156 Art 198 Desde o termo inicial do desaparecimento declarado em sentença não corre a prescrição contra o ausente 241 Apud Sílvio Venosa ob cit p 519 242 Nesse ponto vale referir o art 935 do CC2002 A responsabilidade civil é independente da criminal não se podendo questionar mais sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal 243 Ainda sobre a ação civil relacionada com a ação criminal preceitua o vigente Código de Processo Penal em seus arts 63 a 68 in verbis Art 63 Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promoverlhe a execução no juízo cível para o efeito da reparação do dano o ofendido seu representante legal ou seus herdeiros Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido Art 64 Sem prejuízo do disposto no artigo anterior a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível contra o autor do crime e se for caso contra o responsável civil Parágrafo único Intentada a ação penal o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta até o julgamento definitivo daquela Art 65 Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade em legítima defesa em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito Art 66 Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato Art 67 Não impedirão igualmente a propositura da ação civil I o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação II a decisão que julgar extinta a punibilidade III a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime Art 68 Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre art 32 1º e 2º a execução da sentença condenatória art 63 ou a ação civil art 64 será promovida a seu requerimento pelo Ministério Público 244 Havendo solidariedade ativa cada um dos credores tem o direito de cobrar a dívida parcial ou totalmente com a consequente obrigação neste último caso de repassar as quotaspartes dos demais 245 Art 202 A interrupção da prescrição que somente poderá ocorrer uma vez darseá 246 Lembrese de que considerase proposta a ação quando a petição inicial for protocolada todavia a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art 240 depois que for validamente citado art 312 do CPC2015 247 Considerase realizada a citação válida na data da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido 248 José Carlos Barbosa Moreira O Novo Processo Civil Brasileiro 19 ed p 33 249 CPC2015 Art 240 A citação válida ainda quando ordenada por juízo incompetente induz litispendência torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor ressalvado o disposto nos arts 397 e 398 da Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil 1º A interrupção da prescrição operada pelo despacho que ordena a citação ainda que proferido por juízo incompetente retroagirá à data de propositura da ação 2º Incumbe ao autor adotar no prazo de 10 dez dias as providências necessárias para viabilizar a citação sob pena de não se aplicar o disposto no 1º 3º A parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário 4º O efeito retroativo a que se refere o 1º aplicase à decadência e aos demais prazos extintivos previstos em lei Art 802 Na execução o despacho que ordena a citação desde que realizada em observância ao disposto no 2º do art 240 interrompe a prescrição ainda que proferido por juízo incompetente Parágrafo único A interrupção da prescrição retroagirá à data de propositura da ação 250 Seção II Da Notificação e da Interpelação Art 726 Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para darlhes ciência de seu propósito 1º Se a pretensão for a de dar conhecimento geral ao público mediante edital o juiz só a deferirá se a tiver por fundada e necessária ao resguardo de direito 2º Aplicase o disposto nesta Seção no que couber ao protesto judicial Art 727 Também poderá o interessado interpelar o requerido no caso do art 726 para que faça ou deixe de fazer o que o requerente entenda ser de seu direito Art 728 O requerido será previamente ouvido antes do deferimento da notificação ou do respectivo edital I se houver suspeita de que o requerente por meio da notificação ou do edital pretende alcançar fim ilícito II se tiver sido requerida a averbação da notificação em registro público Art 729 Deferida e realizada a notificação ou interpelação os autos serão entregues ao requerente grifamos 251 Humberto Theodoro Júnior Curso de Direito Processual Civil 21 ed v 2 p 518 252 Semelhante regra é encontrada no art 5º XXXVI da Constituição Federal de 1988 253 O CC2002 por exemplo trouxe regras para solução de tais problemas com a sua entrada em vigor conforme se verifica dos arts 2028 a 2030 in verbis Art 2028 Serão os da lei anterior os prazos quando reduzidos por este Código e se na data de sua entrada em vigor já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada Art 2029 Até dois anos após a entrada em vigor deste Código os prazos estabelecidos no parágrafo único do art 1238 e no parágrafo único do art 1242 serão acrescidos de dois anos qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior Lei n 3071 de 1º de janeiro de 1916 Art 2030 O acréscimo de que trata o artigo antecedente será feito nos casos a que se refere o 4º do art 1228 Finalmente devemos advertir que caso tenha havido redução de prazo pela lei nova imagine a pretensão de reparação civil que se reduziu de 20 para 3 anos art 206 3º V tendo transcorrido menos da metade do prazo pela lei anterior ao aplicar a lei nova art 2028 esse novo prazo obviamente começará a correr da data da entrada em vigor do atual Código Civil Imaginemos pois ainda considerando a pretensão de reparação civil que tenham transcorridos 7 anos da data do ilícito À luz do referido art 2028 incidirá o prazo menor de 3 a partir de 11 de janeiro de 2003 consoante a lição de BATALHA supracitada Ademais se se imaginar que o prazo novo começaria a correr da data da consumação do ilícito chegarseia à absurda conclusão de que o Código Civil de 2002 estava em vigor quando o ilícito foi cometido Isso sem mencionar o direito da vítima que quedaria completamente aniquilado 254 Wilson de Souza Campos Batalha Lei de Introdução ao Código Civil v 1 t 1 p 229 e s 255 Justamente sobre este tema instalouse polêmica no Direito do Trabalho brasileiro haja vista que a Emenda Constitucional n 28 dando nova redação ao art 7º XXIX da CF88 uniformizou os prazos prescricionais de trabalhadores urbanos e rurais para cinco anos até o limite de dois da extinção do contrato de trabalho Como no regime anterior o prazo prescricional para o trabalhador rural somente começava a fluir no lapso temporal de dois anos com o termo final do contrato de trabalho sendo consideradas imprescritíveis as parcelas devidas durante a constância da relação de emprego instaurouse controvérsia sobre como aplicar a nova norma Na nossa opinião não há a menor dúvida de que o critério proposto por Wilson Batalha é o mais adequado inclusive por compatibilidade às regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro no que diz respeito à aplicação imediata mas não retroativa da nova lei Assim sendo em relação a esse caso específico a prescrição parcial quinquenal somente poderá começar a fluir para o trabalhador rural a partir de cinco anos da vigência da nova regra constitucional o que garante o pleno respeito às situações jurídicas consolidadas bem como ao sentido da norma Nessa linha decidiu o Supremo Tribunal Federal EMENTA 1 Prescrição trabalhista trabalhador rural CF art 7º XXIX pretensão inadmissível de impor redução do prazo prescricional à ação iniciada antes da promulgação da Emenda Constitucional 282000 a norma constitucional ainda quando o possa ser não se presume retroativa só alcança situações anteriores de direito ou de fato se o dispuser expressamente precedentes 2 Recurso extraordinário descabimento questão relativa à aplicação da multa prevista no art 557 2º do C Pr Civil restrita ao âmbito infraconstitucional alegada ofensa indireta à Constituição Federal incidência mutatis mutandis da Súmula 636 STF 1ª T AgRgRE 423575 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 17122004 Algo semelhante inclusive ocorria com o trabalhador menor uma vez que por força do art 440 da CLT contra ele não corria qualquer prescrição somente começando a fluir a partir do advento de sua maioridade Se o vínculo perdurar por um período maior depois desse fato verificarseá que a prescrição parcial somente poderá ser contada cinco anos após sua maioridade estando antes disso completamente resguardados todos os direitos referentes ao período da menoridade 1 Orlando Gomes Direito das Obrigações 2000 p 3 2 Lafayette Rodrigues Pereira apud Orlando Gomes Introdução ao Direito Civil 10 ed p 120 3 Art 8º Se o imóvel for alienado durante a locação o adquirente poderá denunciar o contrato com o prazo de noventa dias para a desocupação salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel 1º Idêntico direito terá o promissário comprador e o promissário cessionário em caráter irrevogável com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo 2º A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados do registro da venda ou do compromisso presumindose após esse prazo a concordância na manutenção da locação 4 Washington de Barros Monteiro Curso de Direito Civil Direito das Obrigações 30 ed v 4 p 8 5 João de Matos Antunes Varela ob cit p 18 6 Conceitos consagrados e difundidos por Antunes Varela ob cit p 5561 7 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 8 ed p 34 8 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 19 9 João de Matos Antunes Varela Das Obrigações em Geral 9 ed v 1 p 80 10 Orlando Gomes ob cit p 21 11 Orlando Gomes ob cit p 21 12 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria Geral das Obrigações 16 ed v 2 p 39 13 Tal observação não quer dizer que em caso de violação aos direitos da personalidade o dano não seja indenizável Havendo lesão o direito por falta de instrumento mais eficaz autoriza ao prejudicado a responsabilizar civilmente o infrator impondoselhe o dever de indenizar sem prejuízo de outras sanções Todavia devese observar que a incidência das regras referentes à responsabilidade civil obrigacionais e o próprio vínculo jurídico entre o credor e o devedor da indenização só surgem após o dano A patrimonialidade portanto é do prejuízo causado à vítima e não do seu direito personalíssimo em si que é inestimável 14 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 39 15 Paulo Luiz Netto Lôbo Direito das Obrigações p 167 16 João de Matos Antunes Varela ob cit p 81 17 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil v 3 p 61 18 Orlando Gomes ob cit p 43 19 Nesse sentido Orlando Gomes ob cit p 42 20 Cf Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil v 1 cap I p 929 21 Orlando Gomes ob cit p 312 22 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral das Obrigações v 2 23 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 65 24 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos p 745 25 Tal regra embora não positivada no CC2002 bem como no CC1916 Art 59 Salvo disposição especial em contrário a coisa acessória segue a principal obviamente continua aplicável por se constituir em um princípio geral do Direito 26 Essa regra cuja raiz assentase no Código de Hamurabi significa que em caso de perda ou deterioração da coisa por caso fortuito ou força maior suportará o prejuízo o seu proprietário 27 A palavra tradição aqui significa restituição entrega e não propriamente transferência da propriedade 28 Nesse sentido estabelece o Enunciado n 15 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal Art 240 As disposições do art 236 do novo Código Civil também são aplicáveis à hipótese do art 240 in fine 29 Imagine a hipótese de o próprio devedor dolosamente dar causa ao acréscimo ou melhoramento apenas para obter a indenização devida supervalorizandoa 30 Tradicionalmente a doutrina costuma caracterizar a obrigação de dar coisa incerta como aquela indicada ao menos pelo gênero e quantidade Álvaro Villaça todavia pondera que melhor seria entretanto que tivesse dito o legislador espécie e quantidade Não gênero e quantidade pois a palavra gênero tem sentido muito mais amplo Considerando a terminologia do Código por exemplo o cereal é gênero e o feijão é espécie Se entretanto alguém se obrigasse a entregar uma saca de cereal quantidade uma saca gênero cereal essa obrigação seria impossível de cumprirse pois não se poderia saber qual dos cereais deveria ser o objeto da prestação jurídica Teoria Geral das Obrigações 9 ed p 66 Com fulcro nesse entendimento contrário ao clássico entendimento dos doutos o antigo Projeto de Lei n 69602002 depois renumerado para 2762007 pretendia alterar o art 243 substituindo a expressão gênero por espécie nos seguintes termos Art 243 A coisa incerta será indicada ao menos pela espécie e pela quantidade Todavia a ordem jurídica vigente ainda segue o pensamento clássico não havendo efetiva perspectiva de mudança próxima do preceito normativo mencionado 31 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v 2 p 38 32 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Teoria Geral das Obrigações v 2 p 43 33 Assim o art 327 do CC2002 seguindo diretriz do Código de 1916 art 950 prefere o credor quando houverem sido designados dois ou mais lugares para a realização do pagamento Essa situação todavia é excepcional 34 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 97 35 Pecúnia deriva etimologicamente de pecus gado uma vez que nas sociedades antigas os animais eram considerados moeda de troca 36 No CC2002 art 315 37 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 9 ed p 132 38 Na III Jornada de Direito Civil realizada em novembro de 2004 no Superior Tribunal de Justiça foi aprovado o Enunciado n 160 proposto pela Juíza Federal Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues registrando que a obrigação de creditar dinheiro em conta vinculada de FGTS é obrigação de dar obrigação pecuniária não afetando a natureza da obrigação a circunstância de a disponibilidade do dinheiro depender da ocorrência de uma das hipóteses previstas no art 20 da Lei 803690 39 Arnoldo Wald O Novo Direito Monetário Os Planos Econômicos os Contratos o FGTS e a Justiça 2 ed p 1912 40 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Geral v 5 p 62 41 Essa distinção já gozou de maior importância uma vez que a Lei n 689981 generalizou a correção monetária para as dívidas de dinheiro em geral por força da referida lei nesse sentido Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 92 42 Álvaro Villaça Azevedo ob cit p 132 43 Álvaro Villaça Azevedo ob cit p 1356 Sobre a evolução histórica do tema no Brasil índices econômicos e critérios de atualização monetária recomendamos a excelente obra de Villaça já referida e a do Professor Arnoldo Wald Obrigações e Contratos 12 ed cujos subsídios foram indispensáveis para a elaboração deste tópico 44 No Código Civil de 1916 a regra não era tão abrangente Art 881 Se o fato puder ser executado por terceiro será livre ao credor mandá lo executar à custa do devedor havendo recusa ou mora deste ou pedir indenização por perdas e danos 45 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 102 46 Cândido Rangel Dinamarco A Reforma do Código de Processo Civil 4 ed p 152 47 Como observa Fredie Didier Jr Imaginavase de um lado que toda espécie de obrigação poderia ser convertida em dinheiro acaso descumprida A par do manifesto equívoco deste pensamento que olvidava os hoje inquestionáveis direitos não patrimoniais como os personalíssimos e os transindividuais estes últimos de avaliação pecuniária bastante difícil exatamente em razão do caráter difuso dos seus elementos e caracteres a tese ainda padecia de terrível enfermidade autorizava simplesmente o descumprimento contratual privilegiando a parte mais rica da relação apta que estaria a arcar com perdas e danos existentes se existentes pois danos não se presumem Fredie Didier Jr Tutela Específica do Adimplemento Contratual Revista Jurídica dos Formandos em Direito da UFBA p 322 também acessável na Revista Eletrônica do Curso de Direito da UNIFACS no site wwwunifacsbrrevistajuridica edição de julho2002 seção Corpo Docente 48 Fredie Didier Jr ob cit p 325 49 Fredie Didier Jr ob cit p 326 50 Luiz Guilherme Marinoni Tutela específica p 212 51 Essa obrigação poderá adquirir natureza real com o registro do título no Cartório de Registro Imobiliário passando a constituir a partir daí uma servidão 52 Luiz Guilherme Marinoni Tutela específica p 183 53 Cândido Rangel Dinamarco A Reforma do Código de Processo Civil p 149 54 A tese pluralista ora exposta não é tranquila Para alguns há unidade de obrigação e de prestação para outros unidade na origem e fracionamento posterior Prevalece no entanto a doutrina de que constituem diversas obrigações conexas entre si Tal doutrina nega porém a pluralidade de sujeitos nas obrigações parciais ao admitir que haverá tantas quantos os devedores Se é assim cada obrigação parcial tem apenas um sujeito seja do lado ativo seja do lado passivo não se justificando por conseguinte a sua inclusão entre as formas jurídicas de pluralidade de credores ou de devedores Orlando Gomes Obrigações 15 ed p 58 55 É preciso ter em mente sempre a regra geral de que a solidariedade não se presume resulta da lei ou da vontade das partes art 265 do CC2002 56 Lei n 2757 de 2341956 Art 3º Os condôminos responderão proporcionalmente pelas obrigações previstas nas leis trabalhistas inclusive as judiciais e extrajudiciais 57 Essa regra é perfeitamente compatível com as diretrizes gerais da codificação civil uma vez que o art 1317 do CC2002 art 626 do CC1916 estabelece expressamente que quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos sem se discriminar a parte de cada um na obrigação nem se estipular solidariedade entendese que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na coisa comum 58 Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível esta presumese dividida em tantas obrigações iguais ou distintas quantos os credores ou devedores art 257 do CC2002 59 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 72 60 Orlando Gomes ob cit p 5960 61 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 130 62 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil v 3 p 115 63 Orlando Gomes ob cit p 70 64 Nesse sentido Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Geral p 34 65 Essa matéria é muito bem tratada por Sílvio Venosa que inclusive cita excelente exemplo de Guillermo Borda Suponhamos um caso de incêndio de uma propriedade segurada causada por culpa de um terceiro Tanto a seguradora como o autor do incêndio devem à vítima a indenização pelo prejuízo a seguradora no limite do contrato e o agente pela totalidade A vítima pode reclamar a indenização de qualquer um deles indistintamente e o pagamento efetuado por um libera o outro devedor Contudo não existe solidariedade entre os devedores porque não existe uma causa comum uma origem comum na obrigação ob cit p 130 66 João de Matos Antunes Varela ob cit p 778 67 A jurisprudência reconheceu a existência de solidariedade ativa entre titulares de conta bancária conjunta que possam movimentála livremente Vale dizer tais pessoas são consideradas credoras solidárias da linha de crédito perante o banco STJ REsp 13680 Rel Min Athos Gusmão Carneiro DJ 16111992 p 21144 Nesse sentido vale também conferir a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça Penhora online Conta corrente conjunta A Turma entendeu que é possível a penhora online do saldo total de conta corrente conjunta para garantir a execução fiscal ainda que apenas um dos correntistas seja o responsável pelo pagamento do tributo Salientouse que os titulares da conta são credores solidários dos valores nela depositados solidariedade estabelecida pela própria vontade deles no momento em que optam por essa modalidade de depósito Com essas considerações negouse provimento ao recurso especial do exmarido da devedora com quem ela mantinha a conta corrente Precedente citado do TST AIRR 2291408420085020018 DJe 322011 REsp 1229329SP Rel Min Humberto Martins j 1732011 Vejase um trecho do voto No caso de conta conjunta cada um dos correntistas é credor de todo o saldo depositado de forma solidária Se o valor pertence somente a um deles não deveria estar nesse tipo de conta pois nela a importância perde o caráter de exclusividade Assim mantendo dinheiro conjunto com a devedora exesposa o terceiro admite tacitamente que tal importância responda pela execução fiscal irrestritamente A solidariedade nesse caso se estabelece pela própria vontade das partes no instante em que optam por essa modalidade de depósito bancário Registrando o nosso respeito pelo erudito voto pensamos academicamente de maneira diversa Em nosso sentir a responsabilidade tributária não atingiria o outro correntista na medida em que o contrato de abertura de conta corrente conjunta justificaria a incidência das regras da solidariedade ativa em face do crédito e não passiva em face do débito 68 Nesse sentido confirase Fredie Didier Jr Regras Processuais no Código Civil 3 ed 2008 69 Daí a extrema importância do profissional do Direito na elaboração de contratos ou outras fontes de obrigações em que haja uma pluralidade de sujeitos no polo passivo Se o credor não exigir a inclusão da previsão de solidariedade passiva fatalmente terá sérios problemas em uma eventual execução da avença realizada 70 Processualmente esta última afirmação é relativizada pela figura do Chamamento ao Processo prevista nos arts 130 a 132 do CPC2015 que admite a integração forçada à lide dos demais devedores solidários quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum inciso III do art 130 do CPC2015 71 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 145 72 Se a renúncia for total a solidariedade desaparece e a obrigação se divide em tantas outras quantos forem os devedores presumindose igual o quinhão de cada um No caso volta a militar a regra concursu partes fiunt cuja incidência ficara sustada por efeito da solidariedade Se a renúncia for parcial por haver o credor exonerado da solidariedade apenas um dos devedores a relação jurídica se biparte A primeira se transforma em obrigação simples em que figura como sujeito passivo o devedor favorecido na segunda prendendo os demais devedores persiste a solidariedade Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral das Obrigações 30 ed v 2 p 75 73 Não mais se terá solidariedade passiva se houver renúncia total do credor pois cada coobrigado passará a dever pro rata contudo se parcial for essa renúncia em benefício de um ou de alguns dos codevedores o credor somente poderá acionar os demais abatendo da dívida a parte cabível ao que foi favorecido CC art 282 parágrafo único Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria Geral das Obrigações 16 ed v 2 p 173 74 Em sentido contrário preceitua o Enunciado n 349 da IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal Art 282 Com a renúncia à solidariedade quanto a apenas um dos devedores solidários o credor só poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida permanecendo a solidariedade quanto aos demais devedores abatida do débito a parte correspondente aos beneficiados pela renúncia 75 Em sentido diverso preceitua o Enunciado n 350 da IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal Art 284 A renúncia à solidariedade diferenciase da remissão em que o devedor fica inteiramente liberado do vínculo obrigacional inclusive no que tange ao rateio da quota do eventual codevedor insolvente nos termos do art 284 76 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral das Obrigações 30 ed v 2 p 656 77 IV O inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial 78 Art 794 O fiador quando executado tem o direito de exigir que primeiro sejam executados os bens do devedor situados na mesma comarca livres e desembargados indicandoos pormenorizadamente à penhora 1º Os bens do fiador ficarão sujeitos à execução se os do devedor situados na mesma comarca que os seus forem insuficientes à satisfação do direito do credor 2º O fiador que pagar a dívida poderá executar o afiançado nos autos do mesmo processo 3º O disposto no caput não se aplica se o fiador houver renunciado ao benefício de ordem Art 795 Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei 1º O sócio réu quando responsável pelo pagamento da dívida da sociedade tem o direito de exigir que primeiro sejam excutidos os bens da sociedade 2º Incumbe ao sócio que alegar o benefício do 1º nomear quantos bens da sociedade situados na mesma comarca livres e desembargados bastem para pagar o débito 3º O sócio que pagar a dívida poderá executar a sociedade nos autos do mesmo processo 4º Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código 79 A interpretação do dispositivo insculpido no art 455 consolidado levanos a crer que restou estabelecida a solidariedade do empreiteiro principal no que tange às obrigações inadimplidas pelo subempreiteiro solidariedade esta qualificada pelo benefício da ordem de excussão dos bens do devedor principal o subempreiteiro É como se a subsidiariedade surgisse na fase de execução onde a constrição atingiria inicialmente os bens do devedor principal findos os quais poderiam ser excutidos bens daquele que subsidiariamente garante a execução Luciano Dórea Martinez Carreiro e Rodolfo Pamplona Filho Repensando a exegese do art 455 da CLT Revista Ciência Jurídica do Trabalho 1998 80 Orlando Gomes ob cit p 87 81 Vimos que a operação por meio da qual a obrigação genérica se converte em específica denominase concentração do débito 82 João de Matos Antunes Varela ob cit p 859 83 João de Matos Antunes Varela ob cit p 86970 84 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 118 85 Orlando Gomes ob cit p 94 86 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 110 87 Embora sem a mesma importância teórica alguns autores apontam a existência de indivisibilidade judicial que seria aquela proclamada pelos tribunais a exemplo da obrigação de indenizar nos acidentes de trabalho Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria Geral das Obrigações 16 ed v 2 p 145 88 Cf o Estatuto da Terra Lei n 4504 de 30111964 89 Outro exemplo de indivisibilidade legal ou jurídica é dado por Sílvio Venosa normalmente todo o imóvel pode ser dividido mas por restrições de zoneamento a lei pode proibir que um imóvel seja fracionado abaixo de determinada área Está aí portanto a indivisibilidade por força de lei ob cit p 122 90 Confirase o Capítulo XI item 25 Algumas palavras sobre a causa nos negócios jurídicos do nosso Novo Curso de Direito Civil v 1 Parte Geral p 333 e s 91 Manoel Antônio Teixeira Filho Execução no Processo do Trabalho 4 ed p 286 92 Maria Helena Diniz ob cit p 1345 93 Sobre a atuação do advogado recomendamos a leitura do pioneiro livro de Sérgio Novais Dias Responsabilidade Civil do Advogado pela Perda de uma Chance 1999 94 Neri Tadeu Camara Souza Responsabilidade Civil do Médico Jornal Síntese p 22 95 Georges Ripert A Regra Moral nas Obrigações Civis p 363 96 Miguel Maria de Serpa Lopes Curso de Direito Civil v 2 p 46 97 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Parte Geral v 1 p 78 98 Sílvio Venosa ob cit p 45 99 A melhor doutrina está sem dúvida com os que vislumbram efeitos secundários nas obrigações naturais quando a lei não os vede É regra de hermenêutica que onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir Ora o Código Civil só restringe os efeitos das dívidas de jogo e aposta proibindo no parágrafo único do art 1477 que essas obrigações naturais sejam reconhecidas novadas caucionadas ou tomadas por objeto de negócio jurídico que as disfarce com o objetivo de tornálas civis Aplicase esta disposição diz o Código referindo se à regra de que as dívidas de jogo e aposta não podem ser exigidas caput a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento novação ou fiança de dívida de jogo mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boafé Quisesse o legislador estender essa proibição a todas as obrigações naturais teria ditado preceito genérico Mas tendose referido apenas às dívidas de jogo e aposta é curial concluir que as outras obrigações naturais não estão compreendidas na proibição O mencionado dispositivo constitui norma excepcional e pois deve ser interpretado restritivamente só as dívidas de jogo e aposta têm como efeito exclusivo o pagamento sendo obrigações naturais limitadas Sérgio Carlos Covello ob cit p 144 100 Há ordenamentos jurídicos que se referem só incidentalmente como o brasileiro às obrigações naturais como é o caso dos Códigos Civis francês alemão e suíço Outros são inteiramente omissos quanto à matéria como o espanhol Há porém outros que não apenas a consagram expressamente como a disciplinam de forma específica como é o caso das legislações portuguesa chilena argentina e libanesa Covello ob cit p 2356 101 Várias expressões podem ser utilizadas para caracterizar o cumprimento voluntário da obrigação adimplemento solução cumprimento execução mas pagamento sem dúvida é a mais difundida 102 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 137 103 Realmente o sujeito ativo do pagamento o pagador é o sujeito passivo da obrigação o devedor sendo que o sujeito passivo do pagamento o recebedor é o sujeito ativo da relação obrigacional o credor Isto porque o direito e o dever são correlatos como certamente consignou o adágio latino ius et obligatio sunt correlata É correta a expressão porque quando o devedor sujeito passivo da obrigação dá início à execução obrigacional dá mostras de querer pagar ele passa de sujeito passivo dessa obrigação a ativo do pagamento iniciando o exercício de um direito o de pagar Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 9 ed p 108 104 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil v 3 p 1401 105 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v 2 p 107 106 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 9 ed p 113 107 Nesse sentido confirase acórdão do STJ Ação de consignação em pagamento Legitimidade Quem deve pagar 1 Qualquer interessado pode pagar a dívida Cód Civil art 930 Pode também o terceiro requerer a consignação CPC art 890 2 Em caso de compromisso de compra e venda verificada a morte de um dos contratantes é lícito ao descendentesucessor valerse da ação de consignação em pagamento É portanto parte legítima 3 Recurso especial conhecido e provido REsp 85551PB 199600015040 3ª T Rel Min Nilson Naves j 20101998 DJ 831999 v 118 p 227 108 Sílvio Venosa porém discorda dessa regra afirmando que a questão de saber se o pagamento ocorreu por mera filantropia ou não deslocase para as circunstâncias do caso Entendemos que sempre haverá possibilidade de ação de enriquecimento sem causa no caso de pagamento desinteressado a não ser que o terceiro expressamente abra mão deste último remédio Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 5 ed p 210 109 Vale destacar a título de curiosidade histórica que o Projeto de Lei n 69602002 depois renumerado para n 2762007 pretendia alterar também a redação desse artigo conservando porém a mesma ideia geral Art 306 O pagamento feito por terceiro com desconhecimento ou oposição do devedor não obriga a reembolsar aquele que pagou se o devedor tinha meios para ilidir a ação do credor na cobrança do débito grifos nossos 110 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 2 ed v 2 p 183 111 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 185 112 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 112 113 Mais técnico nesse ponto o Projeto de Lei n 69602002 depois renumerado para n 2762007 infelizmente arquivado dispunha que o pagamento feito de boafé a credor putativo é eficaz ainda provado depois que não era credor art 309 114 Uma situação excepcional em que o ordenamento autoriza o fracionamento está prevista na legislação processual com o fito de garantir o cumprimento da dívida sem afetar a capacidade econômica do devedor Tratase do art 916 do CPC2015 que preceitua in verbis Art 916 No prazo para embargos reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução acrescido de custas e de honorários de advogado o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 seis parcelas mensais acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês 1º O exequente será intimado para manifestarse sobre o preenchimento dos pressupostos do caput e o juiz decidirá o requerimento em 5 cinco dias 2º Enquanto não apreciado o requerimento o executado terá de depositar as parcelas vincendas facultado ao exequente seu levantamento 3º Deferida a proposta o exequente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos 4º Indeferida a proposta seguirseão os atos executivos mantido o depósito que será convertido em penhora 5º O não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente I o vencimento das prestações subsequentes e o prosseguimento do processo com o imediato reinício dos atos executivos II a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas 6º A opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa renúncia ao direito de opor embargos 7º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença 115 Art 477 É assegurado a todo empregado não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato e quando não haja ele dado motivo para cessação das relações de trabalho o direito de haver do empregador uma indenização paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa 1º O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho firmado por empregado com mais de 1 um ano de serviço só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho 2º O instrumento de rescisão ou recibo de quitação qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor sendo válida a quitação apenas relativamente às mesmas parcelas 3º Quando não existir na localidade nenhum dos órgãos previstos neste artigo a assistência será prestada pelo representante do Ministério Público ou onde houver pelo Defensor Público e na falta ou impedimento destes pelo Juiz de Paz 4º O pagamento a que fizer jus o empregado será efetuado no ato da homologação da rescisão do contrato de trabalho em dinheiro ou em cheque visado conforme acordem as partes salvo se o empregado for analfabeto quando o pagamento somente poderá ser feito em dinheiro 5º Qualquer compensação no pagamento de que trata o parágrafo anterior não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado 6º O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos a até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato ou b até o décimo dia contado da data da notificação da demissão quando da ausência do aviso prévio indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento 7º O ato da assistência na rescisão contratual 1º e 2º será sem ônus para o trabalhador e empregador 8º A inobservância do disposto no 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN por trabalhador bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado em valor equivalente ao seu salário devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN salvo quando comprovadamente o trabalhador der causa à mora 116 Álvaro Villaça Azevedo ob cit p 121 117 Carlos Roberto Gonçalves Direito das obrigações Parte geral v 5 p 65 118 CPC2015 Art 46 A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta em regra no foro de domicílio do réu 1º Tendo mais de um domicílio o réu será demandado no foro de qualquer deles 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu ele poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro de domicílio do autor 3º Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil a ação será proposta no foro de domicílio do autor e se este também residir fora do Brasil a ação será proposta em qualquer foro 4º Havendo 2 dois ou mais réus com diferentes domicílios serão demandados no foro de qualquer deles à escolha do autor 5º A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado 119 Para um aprofundamento sobre o tema confirase o Capítulo V BoaFé Objetiva em Matéria Contratual do v 4 Contratos t I Teoria Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 120 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 1201 121 Art 334 Considerase pagamento e extingue a obrigação o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida nos casos e forma legais 122 Antonio Carlos Marcato Ação de Consignação em Pagamento 5 ed p 16 123 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Geral v 5 p 69 124 Maria Helena Diniz Código Civil Anotado 6 ed p 728 125 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos p 269 126 Art 341 Se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmo lugar onde está poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebêla sob pena de ser depositada Art 342 Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor será ele citado para esse fim sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher feita a escolha pelo devedor proceder seá como no artigo antecedente 127 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 71 128 A hipótese não é cerebrina pois pode ocorrer arrependimento da consignação por motivos vários como por exemplo a constatação de insuficiência de capital para adimplir outra obrigação com alguma garantia real em que a execução pode trazer consequências mais graves ao devedor 129 Nesse sentido afirma Maria Helena Diniz que o levantamento do depósito somente pode ocorrer após a sentença que julgou procedente a ação de consignação se o credor consentir de acordo com os outros devedores e fiadores CC art 339 a fim de que se resguardem seus direitos Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria Geral das Obrigações 16 ed v 2 p 248 130 Nesse sentido ensina Clóvis Beviláqua se a coisa estiver em lugar diferente daquele em que tenha de ser entregue correm por conta do devedor as despesas de transporte Somente depois de acharse a coisa no lugar em que se há de entregar é que se fará a intimação ou a consignação Código Civil Comentado 10 ed v 4 p 113 131 Criticando a expressão utilizada pelos diplomas civis preleciona o Mestre Álvaro Villaça Azevedo Inicialmente é de ressaltarse a erronia terminológica do Código no que se refere a coisa indeterminada Vimos já quando do estudo dos elementos da obrigação que o objeto desta deve ser lícito possível determinado ou pelo menos determinável daí não se pode cogitar da categoria coisa indeterminada A coisa indeterminada não pode figurar no esquema obrigacional porque é inaproveitável tornando impossível fisicamente o cumprimento da obrigação Imaginem que o devedor prometesse entregar ao credor uma coisa sem determinála sendo também impossível sua determinação futura por exemplo uma saca um quilo sem que se mencionasse a espécie saca de quê de café de milho Na realidade quis o Código referirse à coisa incerta indefinida não à indeterminada Assim a coisa incerta é perfeitamente aproveitável no mundo jurídico pois que lhe falta tão somente a qualidade devendo pelo menos indicarse sua espécie e quantidade Teoria Geral das Obrigações p 156 132 Sobre a ação de consignação de aluguel e acessórios da locação estabelece expressamente a Lei n 8245 de 18101991 Lei de Locação de Imóveis Urbanos que na petição inicial o pedido envolverá a quitação das obrigações que vencerem durante a tramitação do feito e até ser prolatada a sentença de primeira instância devendo o autor promover os depósitos nos respectivos vencimentos art 67 III Tratase de regra específica notadamente quanto à data do vencimento que se sobrepõe por critério hermenêutico à regra geral do art 541 do Código de Processo Civil de 2015 133 CPC2015 Art 323 Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas essas serão consideradas incluídas no pedido independentemente de declaração expressa do autor e serão incluídas na condenação enquanto durar a obrigação se o devedor no curso do processo deixar de pagálas ou de consignálas 134 Esta é também a observação de Sérgio Bermudes Tratase de inovação destinada a aliviar o Judiciário de carga desnecessária de processos e a facilitar a exoneração de quem encontra resistência do credor em receber o que lhe é devido O singelo procedimento disciplinado nos parágrafos que agora aparecem dispensa a ação judicial com os ônus apreensões e delongas que ela tantas vezes acarreta A Reforma do Código de Processo Civil 2 ed p 1567 135 Confirase nesse sentido o testemunho de Cândido Rangel Dinamarco A sistemática agora adotada constitui reflexo de bem conhecidos modelos europeus já praticados há muitas décadas Na Itália vige algo muito semelhante com o sedizente obrigado depositando o valor na Banca dItalia e indo a juízo depois em pleito meramente declaratório procurar sentença que reconheça a extinção do débito se o credor tiver recusado o depósito cc arts 107 ss Essa matéria nem está inscrita no Código de Processo Civil mas no Código Civil capítulo do adimplemento das obrigações Havendo recusa temse a crise de certeza que constitui o fundamento geral de todas as ações declaratórias ou dúvida objetiva nada mais precisando dizer a lei para que tenha o sedizente obrigado interesse processual à mera declaração A Reforma do Código de Processo Civil 3 ed p 2689 136 J J Calmon de Passos Inovações no Código de Processo Civil 2 ed p 79 137 Nesse sentido é também a visão de Calmon de Passos ob cit p 82 Em entendimento contrário vejase Sérgio Bermudes ob cit p 158 Arriscamos na época inclusive desde a primeira edição deste volume dedicado ao estudo das Obrigações concluir que provavelmente deveria ter havido algum erro de digitação na publicação da Lei n 895194 pois haveria mais sentido se a vírgula registrada após a palavra oficial tivesse sido colocada após a expressão estabelecimento bancário lendose o dispositivo originário da seguinte forma Tratandose de obrigação em dinheiro poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida em estabelecimento bancário oficial onde houver situado no lugar do pagamento em conta com correção monetária cientificandose o credor por carta com aviso de recepção assinado o prazo de 10 dez dias para a manifestação de recusa grifos nossos 138 Sérgio Bermudes ob cit p 159 139 Cândido Rangel Dinamarco ob cit p 270 Observese que a referência é à previsão do CPC1973 em que o prazo era de 30 dias e não de um mês 140 Antonio Carlos Marcato Procedimentos Especiais 9 ed p 53 Novamente salientese que a referência é à previsão do CPC1973 em que o prazo era de 30 dias e não de um mês como no Código de Processo Civil de 2015 141 Na sua acepção legal foro representa a delimitação territorial para o exercício do poder jurisdicional e corresponde à comarca da Justiça dos Estados Por outras palavras a competência de foro leva em conta a distribuição das causas a determinados órgãos territorialmente delimitados comarcas servindo como elementos de determinação do foro competente ora o local do domicílio de uma das partes v g CPC arts 94 caput 99 100 I a III ora o local do cumprimento da obrigação v g CPC art 891 ora o local da prática do ato ilícito v g CPC art 100 V a entre outros Antonio Carlos Marcato Procedimentos Especiais 9 ed 2001 p 56 142 A lei não diz mas nela está implícito que a não realização do depósito acarretará a pura e simples extinção do processo sem julgamento do mérito CPC art 267 IV não se impondo ao autor todavia qualquer condenação até porque o réu sequer foi citado Antonio Carlos Marcato ob cit p 59 143 Art 321 O juiz ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito determinará que o autor no prazo de 15 quinze dias a emende ou a complete indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado 144 José Augusto Rodrigues Pinto ob cit p 326 145 Humberto Theodoro Júnior Curso de Direito Processual Civil Procedimentos Especiais 8 ed v 3 p 43 146 Claro está também que a prestação só será eventualmente imprestável quando tenha por objeto a entrega ou restituição de coisa CC arts 956 e 957 tratandose de prestação pecuniária obrigação de dar dinheiro ela sempre será útil para o credor Antonio Carlos Marcato ob cit p 62 147 Caldas Aulete Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa v 5 p 4780 148 Henry de Page Traité III segunda parte n 513 citado por Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v 2 p 131 149 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 140 150 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 9 ed p 163 151 Sílvio de Salvo Venosa Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 2 ed p 279 152 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações p 168 153 Art 352 A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza a um só credor tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento se todos forem líquidos e vencidos 154 Art 354 Havendo capital e juros o pagamento imputarseá primeiro nos juros vencidos e depois no capital salvo estipulação em contrário ou se o credor passar a quitação por conta do capital grifos nossos 155 Art 355 Se o devedor não fizer a indicação do art 352 e a quitação for omissa quanto à imputação esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo a imputação farseá na mais onerosa 156 Exemplo de dívida mais onerosa é a que tem taxa de juros mais gravosa 157 Álvaro Villaça Azevedo ob cit p 169 158 José Cretella Jr Curso de Direito Romano 20 ed p 340 159 João de Matos Antunes Varela Das Obrigações em Geral 7 ed v 2 p 171 160 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v 2 p 1412 161 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 143 162 Pela mesma razão a entrega de um cheque pelo devedor ou a expedição de uma ordem de pagamento não constitui uma datio pro soluto porém um meio de pagamento Caio Mário referindo De Page Planiol Ripert e Boulanger ob cit p 142 163 João de Matos Antunes Varela ob cit p 174 164 José Cretella Jr Curso de Direito Romano 20 ed p 344 165 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil v 3 p 263 166 Roberto de Ruggiero ob cit p 263 167 João de Matos Antunes Varela Das Obrigações em Geral 7 ed p 230 nota de rodapé 168 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 163 169 Excepcionando essa regra o caput do art 59 da Lei n 111012005 Lei de Falências preceitua que O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos sem prejuízo das garantias observado o disposto no 1º do art 50 desta Lei Cuidase em nosso sentir de uma forma atípica de novação 170 Robert Joseph Pothier Tratado das Obrigações p 526 171 Considerase em estado de insolvência o devedor cujo montante de dívidas supere a importância de seus bens Tratase de uma definição prevista no art 748 do CPC1973 sem correspondência direta no Código de Processo Civil de 2015 172 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Geral v 5 p 106 173 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 2 ed p 295 174 Doutrinariamente poderia se falar em compensação judicial ou processual como uma terceira modalidade Seria ela aquela realizada em juízo por autorização de norma processual independentemente de provocação expressa das partes nesse sentido O exemplo constantemente invocado era a previsão do art 21 do CPC1973 quanto à compensação de honorários e despesas processuais quando cada litigante for vencedor e vencido simultaneamente Outra hipótese seria a cobrança de créditos recíprocos por meio da via reconvencional ou em função do fenômeno processual da conexão em que há reunião dos processos para julgamento único Todavia parecenos que hoje após a edição do CPC2015 tratase de mera compensação legal realizada no ambiente processual 175 Art 375 Não haverá compensação quando as partes por mútuo acordo a excluírem ou no caso de renúncia prévia de uma delas 176 Art 371 O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado 177 É o que dispõe o art 377 do CC2002 Art 377 O devedor que notificado nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos não pode opor ao cessionário a compensação que antes da cessão teria podido opor ao cedente se porém a cessão lhe não tiver sido notificada poderá opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente 178 CC1916 Art 1020 O devedor solidário só pode compensar com o credor o que este deve ao seu coobrigado até ao equivalente da parte deste na dívida comum Exemplificando se A e B devem solidariamente R 100000 a C e este último deve R 60000 a B vindo C a cobrar toda a dívida de A este oporá a compensação do crédito de B junto a C sem prejudicálo ou seja sem obrigálo a pagar importância além da devida que sem pactuação interna diversa é de R 50000 valor que será objeto da pretendida compensação 179 CC1916 Art 1012 Não são compensáveis as prestações de coisas incertas quando a escolha pertence aos dois credores ou a um deles como devedor de uma das obrigações e credor da outra 180 Art 369 do CC2002 Art 369 A compensação efetuase entre dívidas líquidas vencidas e de coisas fungíveis 181 Registrese como dado histórico que o Projeto de Lei n 69602002 posteriormente renumerado para 2762007 e arquivado de iniciativa do Deputado Ricardo Fiuza pretendia modificar a redação desse dispositivo para admitir a compensação também de obrigação a se vencer vincendas passando a ter o seguinte enunciado Art 369 A compensação efetuase entre dívidas líquidas vencidas ou vincendas e de coisas fungíveis 182 Art 372 do CC2002 Art 372 Os prazos de favor embora consagrados pelo uso geral não obstam a compensação 183 Art 370 do CC2002 Art 370 Embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis objeto das duas prestações não se compensarão verificandose que diferem na qualidade quando especificada no contrato 184 Tratase do contrato de mútuo com a pactuação de juros 185 Art 379 Sendo a mesma pessoa obrigada por várias dívidas compensáveis serão observadas no compensálas as regras estabelecidas quanto à imputação do pagamento 186 João de Matos Antunes Varela Das Obrigações em Geral 7 ed v 2 p 270 187 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 9 ed p 2245 188 Art 385 A remissão da dívida aceita pelo devedor extingue a obrigação mas sem prejuízo de terceiro Notese por exemplo que a remissão de dívida se o devedor já era insolvente pode caracterizar fraude contra credores na forma prevista no art 158 do CC2002 189 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos p 325 190 CPC1973 Art 651 Antes de adjudicados ou alienados os bens pode o executado a todo tempo remir a execução pagando ou consignando a importância atualizada da dívida mais juros custas e honorários advocatícios 191 Registrese a propósito que no processo do trabalho por força do art 13 da Lei 558470 somente era aplicável a remição da dívida e não dos bens 192 3º No caso de penhora de bem hipotecado o executado poderá remilo até a assinatura do auto de adjudicação oferecendo preço igual ao da avaliação se não tiver havido licitantes ou ao do maior lance oferecido 193 Art 902 No caso de leilão de bem hipotecado o executado poderá remilo até a assinatura do auto de arrematação oferecendo preço igual ao do maior lance oferecido Parágrafo único No caso de falência ou insolvência do devedor hipotecário o direito de remição previsto no caput deferese à massa ou aos credores em concurso não podendo o exequente recusar o preço da avaliação do imóvel 194 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 150 195 Tratase do objeto de um contrato de penhor 196 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil v 3 p 225 197 João de Matos Antunes Varela Das Obrigações em Geral 7 ed v 2 p 287 198 Sem equivalente no CC de 2002 a existência da cessão judicial e legal era admitida pelo art 1068 do CC de 1916 Art 1068 A disposição do artigo antecedente parte primeira não se aplica à transferência de créditos operada por lei ou sentença 199 João de Matos Antunes Varela ob cit p 294 200 O antigo Projeto de Lei n 69602002 depois renumerado para 2762007 e após arquivado reformulava esse artigo que passaria a dispor que O credor pode ceder o seu crédito inclusive o compensável com dívidas fiscais e parafiscais art 374 se a isso não se opuser a natureza da obrigação a lei ou a convenção com o devedor a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boafé se não constar do instrumento da obrigação Sobre a compensação tributária preleciona Paulo Roberto Lyrio Pimenta em sua excelente e indispensável obra Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade em Direito Tributário 2002 p 139 que se trata de um mecanismo que visa possibilitar a restituição do tributo indevido sem que para isso o contribuinte tenha que se submeter aos procedimentos administrativo ou jurisdicional previstos para a repetição do indébito Simultaneamente é uma forma de extinção da obrigação tributária e da obrigação de devolver a cargo do Fisco Lembrese por fim que dívidas parafiscais traduzem um dever jurídico de contribuir perante entidades autárquicas contribuições sociais a exemplo da anuidade a ser paga à OAB ao CREA bem como as contribuições para a seguridade social devidas INSS dentre outras Nesses casos o Fisco delega para essas entidades a capacidade tributária ativa 201 Lembrese de que a proibição é da cessão do direito em si não obstante seja possível em algumas espécies de direitos a cessão contratual de uso a exemplo do direito à imagem O que se proíbe pois é que o cedente seja despojado do seu direito 202 O direito de preferência ou preempção pode vir previsto em cláusula especial de um contrato de compra e venda e impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender ou dar em pagamento para que este use de seu direito de prelação preferência na compra tanto por tanto art 513 do CC2002 grifamos 203 Cf arts 127 I e 129 9º da Lei de Registros Públicos Lei n 6015 de 31121973 204 CC2002 arts 289 e 1793 205 Cristoph Fabian O Dever de Informar no Direito Civil p 64 206 Cf art 292 do CC2002 Dispõese ainda que se houver várias cessões do mesmo crédito o devedor se desobriga pagando ao cessionário que lhe apresentar o título da obrigação cedida Da mesma forma quando o crédito constar de escritura pública havendo mais de um credor nada impede que a cessão seja fracionada terá direito de preferência aquele que notificou o devedor em primeiro lugar 207 Essa expressão é utilizada pelo Código Civil e não havendo critério objetivo para se definila entendemos que o prazo para a apresentação das exceções defesas do devedor deverá ser apreciado em cada caso concreto pelo magistrado 208 CC1916 Art 1076 Quando a transferência do crédito se opera por força de lei o credor originário não responde pela realidade da dívida nem pela solvência do devedor 209 Observese que o antigo Projeto de Lei n 69602002 pretendia reestruturar esse dispositivo legal nos seguintes termos Art 299 É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor podendo a assunção verificarse I Por contrato com o credor independentemente do assentimento do devedor II Por contrato com o devedor com o consentimento expresso do credor 1º Em qualquer das hipóteses referidas neste artigo a assunção só exonera o devedor primitivo se houver declaração expressa do credor Do contrário o novo devedor responderá solidariamente com o antigo 2º Mesmo havendo declaração expressa do credor temse como insubsistente a exoneração do primitivo devedor sempre que o novo devedor ao tempo da assunção era insolvente e o credor o ignorava salvo previsão em contrário no instrumento contratual 3º Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida interpretandose o seu silêncio como recusa 4º Enquanto não for ratificado pelo credor podem as partes livremente distratar o contrato a que se refere o inciso II deste artigo Notese da análise dessa proposta de norma que o legislador priorizaria o consentimento do credor protegendoo de cessões de débito danosas ao seu direito 210 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 2 ed p 342 211 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 260 212 Cf Orlando Gomes ob cit p 26970 213 O antigo Projeto de Lei n 69602002 pretendia alterar essa regra ao dispor que com a assunção de dívida transmitemse ao novo devedor todas as garantias e acessórios do débito com exceção das garantias especiais originariamente dadas ao credor primitivo e inseparáveis da pessoa deste grifamos 214 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 346 215 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral das Obrigações 30 ed v 2 p 116 216 Nesse sentido também Arnoldo Wald Direito das Coisas 9 ed p 230 217 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria Geral das Obrigações 16 ed v 2 p 3467 218 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral das Obrigações 30 ed v 2 p 239 219 Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 9 ed p 270 220 Na III Jornada de Direito Civil realizada em novembro de 2004 no Superior Tribunal de Justiça foi aprovado Enunciado proposto pelo Juiz Federal Guilherme Couto de Castro registrando que os honorários advocatícios previstos nos arts 389 e 404 do Código Civil apenas têm cabimento quando ocorre a efetiva atuação profissional do advogado 221 A velha fórmula das perdas e danos não deve ser remédio para tudo Aliás a falta de concretude das normas jurídicas no Brasil aliada ao infindável número de recursos e instrumentos protelatórios albergados pelas leis processuais brasileiras além de incrementar o descrédito do Poder Judiciário incentiva alguns devedores a descumprir a prestação convencionada preferindo optar pelas perdas e danos Esse tipo de comportamento difundiuse entre especuladores do mercado imobiliário que diante da supervalorização do imóvel que prometeram alienar ao promitente comprador em um compromisso irretratável e totalmente quitado optavam por indenizar a parte adversa cientes de que poderiam vender o imóvel por valor muito superior à indenização paga Isso se não preferissem o litígio judicial por confiarem na morosidade oxigenada pela lei brasileira Essa situação só fora solucionada com a edição do Decretolei n 58 de 1937 que permitiu para as promessas irretratáveis de compra e venda registradas integralmente quitadas em caso de recusa da outorga da escritura pelo promitente vendedor a adjudicação compulsória do bem por meio de ação específica A moderna legislação processual civil seguiu a mesma tendência qual seja não dimensionar exageradamente as perdas e danos quando existirem meios específicos e mais satisfatórios de tutela permitindo a execução específica mesmo no caso de a promessa não estar registrada 222 Onde se realiza a maior revolução nos conceitos jusromanísticos em termos de responsabilidade civil é com a Lex Aquilia de data incerta mas que se prende aos tempos da República Leonardo Colombo Culpa Aquiliana p 107 Tão grande revolução que a ela se prende a denominação de aquiliana para designarse a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual Foi um marco tão acen tuado que a ela se atribui a origem do elemento culpa como fundamental na reparação do dano Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 3 223 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed 3 tir p 1979 224 Como regra especial registrese a previsão do art 392 do CC2002 pela qual nos contratos benéficos responde por simples culpa o contratante a quem o contrato aproveite e por dolo aquele a quem não favoreça nos contratos onerosos responde cada uma das partes por culpa salvo as exceções previstas em lei 225 Sérgio Cavalieri Filho ob cit p 198 226 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 9 ed p 239 227 Em geral havendo inadimplemento relativo a parte morosa compensa a outra pagando os juros da mora não havendo óbice de que as partes pactuem ainda uma cláusula penal moratória 228 Agostinho Alvim Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências 2 ed p 206 229 Esse artigo tem a seguinte redação Art 403 Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato sem prejuízo do disposto na lei processual A referência à lei processual significa que a condenação no ônus da sucumbência custas processuais honorários de advogado tem tratamento autônomo na legislação adjetiva 230 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Geral v 5 p 140 231 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 43 232 Arnoldo Wald Obrigações e Contratos 12 ed p 131 233 O literal teor da Súmula é A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12 ao ano por si só não indica abusividade 234 Arnoldo Wald Obrigações e Contratos p 132 235 Gustavo Tepedino Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes coords Código Civil interpretado conforme a Constituição da República p 7378 Sobre o tema confirase ainda o excelente texto do Min Franciulli Netto sobre a ilegalidade da Taxa Selic para fins tributários trabalho publicado na Revista Dialética de Direito Tributário p 730 Revista Tributária e de Finanças Públicas n 33 p 5989 Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça n 14 p 1548 e Revista de Direito Renovar n 22 236 Enunciado n 20 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal realizada de 11 a 1392002 sob a orientação geral do Min Milton Luiz Pereira e a orientação científica do Min Ruy Rosado de Aguiar Disponível em wwwcjfgovbrrevistaenunciadosenunciadosasp 237 Cf a respeito excelente artigo de Pio Giovani Dresch Os Juros Legais no Novo Código Civil e a Inaplicabilidade de Taxa Selic Cidadania e Justiça p 153 e s 238 Na III Jornada de Direito Civil realizada em novembro de 2004 no Superior Tribunal de Justiça foi aprovado Enunciado registrando que a regra do art 405 do novo Código Civil aplicase somente à responsabilidade contratual e não aos juros moratórios na responsabilidade extracontratual em face do disposto no art 398 do novo CC não afastando pois o disposto na súmula 54 do STJ A mencionada súmula estabelece que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso de responsabilidade extracontratual 239 Nesse sentido é o Enunciado da III Jornada de Direito Civil proposto pelo Juiz Federal Rafael Castegnaro Trevisan Tendo a mora do devedor início ainda na vigência do Código Civil de 1916 são devidos juros de mora de 6 ao ano até 10 de janeiro de 2003 a partir de 11 de janeiro de 2003 data de entrada em vigor do novo Código Civil passa a incidir o art 406 do Código Civil de 2002 240 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v 2 p 196 241 Art 390 Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster 242 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 152 243 Em algumas situações mesmo havendo termo ou prazo certo a lei ou até mesmo o contrato podem exigir a interpelação judicial para constituir o devedor em mora Nesse particular duas importantes súmulas merecem ser citadas Súmula 72 STJ A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente e Súmula 76 STJ A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir o devedor em mora 244 No Código Civil de 2002 Art 397 O inadimplemento da obrigação positiva e líquida no seu termo constitui de pleno direito em mora o devedor Parágrafo único Não havendo termo a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial 245 J M Arruda Alvim Manual de Direito Processual Civil Processo de Conhecimento 7 ed v 2 p 266 Os dispositivos mencionados referemse ao Código de Processo Civil de 1973 246 Purgação 1 Na linguagem comum designa a purificação b evacuação provocada por medicamento apropriado para constipação intestinal c gonorreia 2 Direito civil a Emenda de uma obrigação com o escopo de extinguila b correção da falta contratual cometida Maria Helena Diniz Dicionário Jurídico v 4 p 867 247 A esse respeito lembra Sílvio de Salvo Venosa em excelente monografia sobre o assunto que por outro lado não podendo o locatário purgar a mora não pode também o fiador ou qualquer terceiro sob pena de ocorrer fraude à lei JTACSP 89395 Lei do Inquilinato Comentada 5 ed p 279 Sobre a Lei do Inquilinato recomendamos também a clássica obra de Sylvio Capanema de Souza A Nova Lei do Inquilinato Comentada 1992 248 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 203204 249 Na III Jornada de Direito Civil realizada em novembro de 2004 no Superior Tribunal de Justiça foi aprovado Enunciado registrando que a inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente consoante o princípio da boafé e a manutenção do sinalagma e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor 250 A esse respeito demonstrando que o devedor poderá provar não haver atuado culposamente para o atraso visando ilidir a sua responsabilidade civil anotam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery Em suma este artigo quando trata da isenção de culpa do devedor para liberálo da responsabilidade pela perpetuação da obrigação na verdade se dirige a permitir a quebra da provisória presunção de culpa ensejadora da presumida mora Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados p 175 251 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral das Obrigações 30 ed v 2 p 246 252 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil v 3 p 181 253 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 199 254 João de Matos Antunes Varela Das Obrigações em Geral 7 ed v 3 p 163 255 No curso do capítulo já referimos algumas leis que admitem a emenda ou purgação da mora merecendo a nossa referência as seguintes normas legais art 3º 1º do Decretolei n 91169 alienação fiduciária art 62 III e parágrafo único da Lei n 8245 de 18 de outubro de 1991 locação art 14 do Decretolei n 5837 promessa irretratável de compra e venda etc 256 Sobre purgação da mora confiramse ainda no Supremo Tribunal Federal as Súmulas 122 O enfiteuta pode purgar a mora enquanto não decretado o comisso por sentença e 123 Sendo a locação regida pelo Decreto n 24150 de 2041934 o locatário não tem direito à purgação da mora prevista na Lei n 1300 de 28121950 257 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos p 247 258 Clóvis Beviláqua Theoria Geral do Direito Civil p 104 259 Clóvis Beviláqua Código Civil Comentado 10 ed v 4 p 70 260 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral das Obrigações 30 ed v 2 p 271 261 Art 846 Aberta a audiência o juiz ou presidente proporá a conciliação 1º Se houver acordo lavrarseá termo assinado pelo presidente e demais litigantes consignandose o prazo e demais condições para seu cumprimento 2º Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada sem prejuízo do cumprimento do acordo 262 CC1916 Art 922 A nulidade da obrigação importa a da cláusula penal 263 CC2002 art 92 Principal é o bem que existe sobre si abstrata ou concretamente acessório aquele cuja existência supõe a do principal 264 Clóvis Beviláqua ob cit p 1078 265 Nesse sentido Sílvio Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 2 ed p 174 266 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 10 ed v 3 p 57 267 Clóvis Beviláqua Theoria Geral do Direito Civil p 239 268 Art 1097 do CC1916 Se o que deu arras der causa a se impossibilitar a prestação ou a se rescindir o contrato perdêlasá em benefício do outro 269 Silvio Rodrigues Direito Civil Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade 25 ed v 3 p 92 270 Em sentido contrário na III Jornada de Direito Civil realizada em novembro de 2004 no Superior Tribunal de Justiça foi aprovado Enunciado afirmando que em caso de penalidade aplicase a regra do art 413 ao sinal sejam as arras confirmatórias ou penitenciais 271 João Hora Neto O Princípio da Função Social do Contrato no Código Civil de 2002 Revista de Direito Privado 2002 272 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 211 273 Nelson Nery Jr Contratos no Código Civil in Estudo em Homenagem ao Prof Miguel Reale p 421 274 Para o aprofundamento deste tópico confirase o nosso Novo Curso de Direito Civil Parte Geral v 1 com amplas referências sobre o tema 275 Orlando Gomes ob cit p 48 276 Willis Santiago Guerra Filho A Filosofia do Direito Aplicada ao Direito Processual e à Teoria da Constituição 2 ed p 92 277 Luiz Edson Fachin Teoria Crítica do Direito Civil p 328 278 J Manoel de Arruda Alvim Netto A Função Social dos Contratos no Novo Código Civil texto gentilmente cedido por via eletrônica a Pablo Stolze Gagliano em 2962004 publicado na RT v 815 e na Revista Forense n 371 279 Arnoldo Wald Obrigações e Contratos 12 ed p 162 280 Autores há como o mestre baiano Orlando Gomes que fazem a distinção entre o princípio da autonomia da vontade e o princípio do consensualismo Contratos 24 ed Rio de Janeiro Forense 2001 p 2236 Para efeitos didáticos porém acreditamos ser mais útil na modernidade o reconhecimento pragmático de sua sinonímia sob a ideia geral da liberdade de contratar 281 René David citado por Humberto Theodoro Jr O Contrato e Seus Princípios p 13 282 Fernando Noronha O Direito dos Contratos e Seus Princípios Fundamentais Autonomia Privada BoaFé Justiça Contratual p 122 283 Luis DíezPicazo e Antonio Gullón apud Joelma Ticianelli Limites Objetivos e Subjetivos do Negócio Jurídico na Constituição Federal de 1988 in Direito Civil Constitucional Caderno 1 org por Renan Lotufo p 41 Ver também o nosso Novo Curso de Direito Civil v 1 Parte Geral Cap X 284 Eduardo Takemi Kataoka Declínio do Individualismo e Propriedade in Gustavo Tepedino Problemas de Direito Civil Constitucional p 459 285 Orlando Gomes ob cit p 36 286 Otávio Luiz Rodrigues Junior Revisão Judicial dos Contratos p 125 287 Os princípios sociais do contrato não eliminam os princípios individuais do contrato a saber o princípio da autonomia privada ou da liberdade contratual em seu tríplice aspecto como liberdades de escolher o tipo contratual de escolher o outro contratante e de escolher o conteúdo do contrato o princípio de pacta sunt servanda ou da obrigatoriedade gerada por manifestações de vontades livres reconhecida e atribuída pelo direito e o princípio da eficácia relativa apenas às partes do contrato ou da relatividade subjetiva mas limitaram profundamente seu alcance e seu conteúdo Princípios Contratuais in Paulo Luiz Netto Lôbo e Eduardo Messias Gonçalves de Lyra Júnior coordenadores A Teoria do Contrato e o Novo Código Civil p 14 288 Giselda Maria F Novaes Hironaka Direito Civil Estudos p 105 289 CF88 ver art 5º XXII e XXIII 290 Humberto Theodoro Jr O Contrato e Sua Função Social 2003 p 43 291 Confirase sua excelente obra Paulo Roberto Nalin Do Contrato Conceito Pósmoderno Em Busca de Sua Formulação na Perspectiva CivilConstitucional 2001 292 Eduardo Sens Santos O Novo Código Civil e as Cláusulas Gerais Exame da Função Social do Contrato Revista Brasileira de Direito Privado n 10 p 29 293 José Reinaldo de Lima Lopes O Direito na História Lições Introdutórias p 400 294 Exemplo de lei que traduz essa nova mentalidade socializante é o Código de Defesa do Consumidor Lei n 8078 de 1990 295 J J Gomes Canotilho Direito Constitucional e Teoria da Constituição 2 ed p 3223 296 Clóvis Beviláqua Filosofia Geral p 112 297 Paulo Nalin ob cit p 221 298 Sobre a lesão e o estado de perigo confiramse os subtópicos específicos do Capítulo V Fato Jurídico deste Manual 299 Paulo Luiz Netto Lôbo Princípios Sociais dos Contratos no CDC e no Novo Código Civil Jus Navigandi Teresina ano 6 n 55 mar 2002 disponível em httpwww1jus combrdoutrinatextoaspid2796 Acesso em 7 dez 2003 300 Paulo Luiz Netto Lôbo e Eduardo Messias Gonçalves de Lyra Júnior coords A Teoria do Contrato e o Novo Código Civil p 189 301 Nesse sentido Max Kaser Direito Privado Romano Römisches Privatrecht p 154 item 3 302 Bruno Lewicki Panorama da Boafé Objetiva in Problemas de Direito Civil Constitucional coord Gustavo Tepedino p 58 303 Judith MartinsCosta A Boafé no Direito Privado p 124 304 Judith MartinsCosta ob cit p 129 305 Paulo Roberto Nalin Ética e Boafé no Adimplemento Contratual coord Luiz Edson Fachin p 188 306 Bruno Lewicki ob cit p 56 Referese o autor aqui ao Código de 1916 307 Entre os deveres com tais características encontramse exemplificativamente a os deveres de cuidado previdência e segurança como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito b os deveres de aviso e esclarecimento como o do advogado de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação de seu desideratum o do consultor financeiro de avisar a contraparte sobre os riscos que corre ou o do médico de esclarecer ao paciente sobre a relação custobenefício do tratamento escolhido ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado ou ainda na fase précontratual o do sujeito que entra em negociações de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial c os deveres de informação de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo seja por expressa disposição legal CDC arts 12 in fine 14 18 20 30 e 31 entre outros seja em atenção ao mandamento da boafé objetiva d o dever de prestar contas que incumbe aos gestores e mandatários em sentido amplo e os deveres de colaboração e cooperação como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal ao qual se liga pela negativa o de não dificultar o pagamento por parte do devedor f os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte v g o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio a fim de diminuir os riscos de acidentes g os deveres de omissão e de segredo como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociação preliminares pagamento por parte do devedor etc Judith MartinsCosta A BoaFé no Direito Privado p 439 308 Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro Da Boafé Objetiva no Direito Civil p 646 309 Miguel Reale Estudos Preliminares do Código Civil p 757 310 Clóvis V do Couto e Silva A Obrigação como Processo p 334 311 Paulo Roberto Nalin Ética e Boafé no Adimplemento Contratual in Repensando os Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo coord Luiz Edson Fachin p 198 312 Carlos Ghersi Derecho e Información Revista de Direito Privado n 14 p 55 313 Cristoph Fabian O Dever de Informar no Direito Civil p 62 314 Antônio Junqueira de Azevedo Projeto do Código Civil O Princípio da Boafé nos Contratos artigo disponível no site do Conselho da Justiça Federal httpwwwcjfgovbrrevistanumero9artigo7htm Acesso em 30 jul 2004 315 Antônio Junqueira de Azevedo artigo citado 316 Mauricio Jorge Pereira da Mota A PósEficácia das Obrigações in Problemas de Direito Civil Constitucional p 238 317 Clóvis V do Couto e Silva ob cit p 119 Exemplo também citado por Mauricio Jorge Mota no trabalho citado p 203 318 Luciano de Camargo Penteado Figuras Parcelares da BoaFé Objetiva e Venire Contra Factum Proprium Disponível em httpwwwflaviotartuceadvbrsecoesartigoscLucianoveniredoc Acessado em 20 jul 2008 319 A função reativa é a utilização da boafé objetiva como exceção ou seja como defesa em caso de ataque do outro contratante Tratase da possibilidade de defesa que a boafé objetiva possibilita em caso de ação judicial injustamente proposta por um dos contratantes José Fernando Simão A BoaFé e o Novo Código Civil Parte III Disponível em httpwwwprofessorsimaocombrartigossimaoa boafe03htm Acesso em 20 jul 2008 320 Logicamente que também está abrangido neste estudo dada a sua íntima conexão com a cláusula geral da eticidade o princípio da confiança nas relações jurídicas 321 Em português perda 322 Luciano de Camargo Penteado Figuras Parcelares da BoaFé Objetiva e Venire contra Factum Proprium Disponível em httpwwwflaviotartuceadvbrsecoesartigoscLucianoveniredoc Acesso em 20 jul 2008 323 Art 276 Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa 324 Art 796 A nulidade não será pronunciada b quando arguida por quem lhe tiver dado causa 325 As duas formas parecem ser corretas sendo utilizadas pela doutrina Preferindo Cláusula de Estoppel confiramse as excelentes obras de Ian Brownlie Principles of public international Law 7 ed 2008 Malcolm Shaw International Law 5 ed 2003 e Valério Mazzuoli Curso de direito internacional público 7 ed 2013 326 Rodrigo Murad do Prado A Jurisdição Internacional os Novos Endereços Jurisdicionais o Direito Processual Civil Internacional e as Cortes Internacionais de Justiça Disponível em httpwwwujcombrpublicacoesdoutrinasdefaultasp actiondoutrinaiddoutrina4753 Acesso em 20 jul 2008 327 Excepcionam essa regra os contratos plurilaterais em que há a conjugação de duas ou mais declarações de vontade partes paralelas a exemplo do contrato de sociedade 328 Devese evitar a expressão mútuo consentimento por ser considerada redundante porque no termo consentimento está contida a ideia que a palavra mútuo exprime Orlando Gomes Contratos 14 ed p 48 329 Veja nesse particular a primeira parte do art 1262 do Código Civil espanhol El consentimiento se manifiesta por el concurso de la oferta y de la aceptación sobre la cosa y la causa que han de constituir o contracto 330 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 225 331 Guillermo A Borda Manual de Contractos 19 ed p 33 332 Carlyle Popp Responsabilidade Civil PréNegocial O Rompimento das Tratativas p 230 333 É importante frisar também que muitos dos tratos negociais iniciamse com a realização de uma proposta sendo que a chamada contraproposta na verdade nova proposta instaura um procedimento negociatório Esta sistemática propostacontraproposta mediante adições restrições ou modificações são negociações preliminares Mais usual contudo é que o início ocorra mediante um convite a negociar ou invitation à pourpalers como diriam os franceses A distinção concreta entre oferta firme e oferta de negociações não é facilmente perceptível ainda que o intérprete esteja atento aos fatos mas é de grande relevância jurídica Isto porque dependendo como elas se iniciam os efeitos jurídicos sobretudo os vinculatórios serão diversos Carlyle Popp obra e páginas citadas 334 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial Contratos 6 ed v 6 t I p 16 335 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 21 336 Nesse sentido Caio Mário ob cit p 23 contra as doutrinas francesa e italiana pois sustentam que a superveniência da morte ou da incapacidade destrói a vontade e impossibilita o acordo essencial à formação do contrato Darcy Bessone ob cit p 130 337 Darcy Bessone ob cit p 132 338 Norma muito semelhante vem prevista no Código Civil argentino Art 1152 Cualquiera modificación que se hiciere en la oferta al aceptarla importará la propuesta de un nuevo contrato 339 Cf Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 25 e Silvio Rodrigues Direito Civil Dos Contratos e Declarações Unilaterais de Vontade 25 ed v 3 340 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 238 341 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial Contratos Sinopses Jurídicas 6 ed t I p 201 342 Sobre o Direito do Consumidor indicamos a obra de Arruda Alvim Código do Consumidor Comentado 2 ed 1995 343 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto Ada Pellegrini Grinover e outros 5 ed p 215 344 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 10 ed v III p 65 345 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos p 105 346 Ob cit p 1078 347 Orlando Gomes Contratos ob cit p 1667 348 Jones Figueirêdo Alves Novo Código Civil Comentado coord Ricardo Fiuza p 415 349 Sílvio Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 3 ed p 491 350 Mesmo não registrado o contrato preliminar promessa de compra e venda poderá ser judicialmente exigido consoante anotou Pablo Stolze Gagliano Em verdade firmada uma promessa de compra e venda ainda que não registrado o seu instrumento preliminar o contrato terá gerado efeitos entre as próprias partes contratantes caso em que posto não se afigure constituído o esperado direito real a parte prejudicada pelo inadimplemento da outra poderá lançar mão dos meios comuns de execução específica da obrigação de fazer para o fim de satisfazer o seu direito Código Civil Comentado v XIII p 241 351 Orlando Gomes Contratos 24 ed p 135 352 Essa classificação toma por base a doutrina consagrada de Orlando Gomes Contratos 24 ed p 138 embora não coincida in totum com os critérios propostos pelo sempre citado mestre baiano 353 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil 3 ed v II p 424 354 A matéria passou a ser regida inclusive pelo Código Civil de 2002 conforme se verifica de uma simples leitura dos seus arts 1417 e 1418 Art 1417 Mediante promessa de compra e venda em que se não pactuou arrependimento celebrada por instrumento público ou particular e registrada no Cartório de Registro de Imóveis adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel Art 1418 O promitente comprador titular de direito real pode exigir do promitente vendedor ou de terceiros a quem os direitos deste forem cedidos a outorga da escritura definitiva de compra e venda conforme o disposto no instrumento preliminar e se houver recusa requerer ao juiz a adjudicação do imóvel 355 Obra e página citadas 356 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 10 ed v III p 71 357 José Manoel de Arruda Alvim Manual de Direito Processual Civil Parte Geral 8 ed v I p 479 358 Jones Figueirêdo Alves Novo Código Civil Comentado coord Ricardo Fiuza p 3978 359 Almeno de Sá Relação Bancária Cláusulas Contratuais Gerais e o Novo Código Civil Brasileiro Revista Brasileira de Direito Comparado p 171 360 José Fernando Simão Vícios do Produto no Novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor Responsabilidade Civil p 88 361 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos 3 ed v II p 5545 362 Nesse sentido confirase o art 18 do CDC 363 Sílvio Venosa ob cit p 565 364 Hermano Flávio Montanini de Castro e Danilo Flávio Montanini de Castro Evicção no Novo Código Civil Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil n 25 p 142 365 Fredie Didier Jr Regras Processuais no Novo Código Civil p 78 366 Araken de Assis Manual do Processo de Execução 8 ed p 741 O autor cita os posicionamentos de Frederico Marques Amaral Santos Carlos Alberto Alvaro de Oliveira Humberto Theodoro Jr Paulo Barbosa de Campos Filho Manuel de Almeida e Souza Pereira e Souza e Paulo Furtado 367 Araken de Assis Manual do Processo de Execução 8 ed p 742 368 Orlando Gomes ob cit p 97 369 Clóvis Beviláqua ob cit p 241 370 Sílvio Venosa ob cit p 566 371 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos p 102 372 Nesse ponto discordamos de nosso estimado Sílvio Venosa que propugna pela utilização somente da expressão desfazimento por entender que o termo extinção apresenta noção mais clara para os contratos que tiveram vida normal e por qualquer razão vieram a ser extintos seja porque o contrato foi cumprido seja porque o vínculo extinguiuse a meio caminho de seu cumprimento Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos 3 ed v II p 498 373 A anulabilidade diversamente da nulidade não pode ser arguida por ambas as partes da relação contratual nem declarada ex officio pelo juiz Legitimado a pleitear a anulação está somente o contraente em cujo interesse foi estabelecida a regra CC art 177 Tratandose apenas de proteger o interesse do incapaz do lesado do enganado ou do ameaçado só a estes e nos casos de incapacidade devidamente assistidos por seu representante legal cabe decidir se pedem ou não a anulação Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 156 374 CDC Art 49 O consumidor pode desistir do contrato no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial especialmente por telefone ou a domicílio Parágrafo único Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo os valores eventualmente pagos a qualquer título durante o prazo de reflexão serão devolvidos de imediato monetariamente atualizados 375 CC2002 Art 473 A resilição unilateral nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita opera mediante denúncia notificada à outra parte 376 Art 108 Não dispondo a lei em contrário a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição transferência modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País 377 Art 819 A fiança darseá por escrito e não admite interpretação extensiva 378 Art 320 A quitação que sempre poderá ser dada por instrumento particular designará o valor e a espécie da dívida quitada o nome do devedor ou quem por este pagou o tempo e o lugar do pagamento com a assinatura do credor ou do seu representante Parágrafo único Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida grifos nossos 379 Em geral deve anteceder a resilição unilateral a existência de um aviso prévio ou préaviso o qual quando descumprido sujeitará o infrator ao pagamento das perdas e danos devidos 380 Embora não seja tecnicamente um contrato também no testamento é utilizado o vocábulo revogação no sentido aqui expresso conforme se constata da redação dos arts 1969 a 1972 do CC2002 381 CC2002 Art 684 Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário a revogação do mandato será ineficaz 382 Orlando Gomes Contratos 24 ed p 187 383 CC2002 Art 688 A renúncia do mandato será comunicada ao mandante que se for prejudicado pela sua inoportunidade ou pela falta de tempo a fim de prover à substituição do procurador será indenizado pelo mandatário salvo se este provar que não podia continuar no mandato sem prejuízo considerável e que não lhe era dado substabelecer 384 Orlando Gomes Contratos 24 ed p 188 385 Pablo Stolze Gagliano Código Civil Comentado XIII Direito das Coisas Superfície Servidões Usufruto Uso Habitação Direito do Promitente Comprador p 21 386 Nesse sentido confiramse Orlando Gomes Contratos 24 ed p 188 e Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 181 387 Confiramse a propósito os arts 769 2º 770 796 parágrafo único 1031 e 1032 1359 e 1360 e 1499 III do CC2002 388 Esta expressão posto houvesse recebido assento em dispositivo específico do Código anterior art 1163 como pacto acessório ao contrato de compra e venda não mereceu por parte do legislador a consagração de dispositivo correspondente no Código novo Fica entretanto a sua subsistência em nível doutrinário Atente o nosso leitor entretanto que tal expressão também serve para caracterizar instituto distinto regulado pelas normas de Direitos Reais a teor do art 1428 da nova Lei Codificada Neste último sentido proíbese pois o pacto comissório que dê ao credor poderes para ficar com a propriedade da coisa dada em garantia real pelo devedor 389 Ressalvese que embora o texto legal tenha adotado o adjetivo resolutiva preferimos nos valer do adjetivo resolutória justamente para diferenciar da aposição de uma condição ao negócio jurídico que deve ser em regra expressa Nessa linha utilizamos a expressão consagrada na legislação consumerista v g no seu art 54 2º ao explicitar que nos contratos de adesão admitese cláusula resolutória desde que alternativa cabendo a escolha ao consumidor ressalvandose o disposto no 2º do artigo anterior 390 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 1579 391 Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa p 2436 392 Francesco Messineo Doctrina General del Contrato trad de R Fontanarossa Sentis Melendo e M Volterra t II p 210 393 Nesse sentido confiramse a título exemplificativo Orlando Gomes Contratos 24 ed p 1889 e Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial Tomo I Contratos Sinopses Jurídicas 6 ed p 183 394 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos 3 ed v II p 499 395 Confiramse a propósito os arts 455 tratando de evicção 607 tratando da extinção do contrato de prestação de serviços mediante aviso prévio o que caracteriza verdadeira resilição 609 tratando de hipótese onde não se caracterizaria a priori a extinção do contrato de prestação de serviços por alteração do titular de prédio agrícola onde é realizado 810 referindose ao contrato de constituição de renda como sanção pela perda das garantias do cumprimento de prestações futuras 1642 IV autorizando extinção de contratos de fiança e doação de um cônjuge estabelecidos sem autorização do outro 396 Miguel Maria de Serpa Lopes Curso de Direito Civil Fontes das Obrigações Contratos 6 ed v III p 201 397 Orlando Gomes Contratos 24 ed p 189 398 É o caso por exemplo do tratamento dado na extinção do mandato pelo art 682 II do CC2002 que menciona justamente a morte ou interdição de uma das partes Outro exemplo é dado pelo dinâmico Professor Antônio Carlos Mathias Coltro quando refere a extinção do contrato de mediação por força do falecimento do comitente pois nesse caso não teria como o corretor prosseguir no seu trabalho Contrato de Corretagem Imobiliária Doutrina e Jurisprudência p 129 399 É o caso por exemplo do contrato de prestação de serviço sobre o qual na previsão do art 607 do CC2002 se estabelece Art 607 O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes Termina ainda pelo escoamento do prazo pela conclusão da obra pela rescisão do contrato mediante aviso prévio por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato motivada por força maior grifos nossos 400 O Código Civil de 2002 inovou no particular pois relativizou a vetusta regra ao permitir que a prescrição quando beneficie incapaz possa ser conhecida de ofício pelo magistrado art 194 do CC2002 401 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado 4 ed t 6 p 101 402 A exceção é direito negativo mas no negar não nega a existência nem a validade nem desfaz nem coelimina atos de realização da pretensão só encobre a eficácia do direito Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado 4 ed t 6 p 101 Ao contrário de negar o direito em vias de exercício a exceção supõe esse direito mas supõe também um outro que toca ao excipiente Humberto Theodoro Jr Comentários ao Código Civil v III t II p 183 403 Resolveu o legislador do Código Civil de 2002 questão assaz tormentosa pois não havia no CC1916 disposição semelhante o que gerava muitas dúvidas sobre a incidência dos prazos prescricionais para a exceção Sobre a prescritibilidade das exceções Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado 4 ed t 6 p 245 404 Fredie Didier Jr Da exceção o direito de defesa e as defesas Revista Eletrônica do Curso de Direito da UNIFACS no site wwwunifacsbrrevistajuridica edição de ago 2004 seção Corpo Docente 405 Silvio Rodrigues Direito Civil Dos Contratos e Declarações Unilaterais de Vontade 25 ed v 3 p 77 406 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial Contratos Sinopses Jurídicas 6 ed t I p 25 407 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 167 408 Maria Sylvia Zanella Di Pietro Direito Administrativo 10 ed p 232 409 Art 78 Constituem motivo para rescisão do contrato XV o atraso superior a 90 noventa dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras serviços ou fornecimento ou parcelas destes já recebidos ou executados salvo em caso de calamidade pública grave perturbação da ordem interna ou guerra assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação XVI a não liberação por parte da Administração de área local ou objeto para execução de obra serviço ou fornecimento nos prazos contratuais bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto 410 Maria Sylvia Zanella Di Pietro Direito Administrativo 10 ed p 236 411 J Bonnecasse faz uma ampla diversificação entre o fortuito ou a força maior e a teoria da imprevisão ao considerar que a força maior fortuito pressupõe a impossibilidade absoluta a imprevisão a impossibilidade relativa na força maior fortuito encarase o evento que a determinou circunstância objetiva já na imprevisão encarase o animus das partes ao momento da conclusão do ato jurídico circunstância subjetiva a força maior ou o fortuito tem latitude ampla e abrange todo o direito das obrigações assim as que nascem do contrato como do delito do quase contrato e do quase delito a imprevisão tem esfera restrita aos atos jurídicos finalmente a força maior ou o fortuito justifica a inexecução total da obrigação enquanto que a imprevisão justifica só um atenuamento no seu rigor Anísio José de Oliveira A Teoria da Imprevisão nos Contratos 3 ed p 63 412 José de Oliveira Ascensão Alteração das Circunstâncias e Justiça Contratual no Novo Código Civil in Questões Controvertidas Série Grandes Temas de Direito Privado v II p 188 413 Neste caso não entendemos que o juiz estaria criando novas prestações mas apenas corrigindo o equilíbrio do contrato celebrado 414 Enunciado n 367 Art 479 Em observância ao princípio da conservação do contrato nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade pode o juiz modificálo equitativamente desde que ouvida a parte autora respeitada a sua vontade e observado o contraditório 415 Lembrese entretanto que toda autonomia da vontade conforme já mencionamos no decorrer de nossa obra deverá ser devidamente mensurada segundo os ditames constitucionais de valorização da pessoa humana e de solidarismo social Não há pois mais espaço para a liberdade absoluta na manifestação de vontade sob pena de esta liberdade converterse em tirania Nesse sentido Massimo Bianca em excelente obra preleciona Lautonomia privata rappresenta ancora um aspetto ineliminabile della libertà della persona e cioè la libertà negoziale Ma lidea secondo la quale solo ed esclusivamente lindividuo può essere giudice dei suoi interessi non há più riscontro nella società del nostro tempo Il riconoscimento della libertà del singolo sinserisce ormai in uma concezione dellordinamento Che sispira al prevalente valore della solidarietà sociale quale valore di fondo della nostra Costituzione Diritto Civile Il Contrato v III p 33 416 Ebert Chamoun Instituições de Direito Privado 6 ed p 385 417 Situação interessante é a do contrato de leasing Posto exista lei que o regule em seus aspectos tributários Lei n 609974 existe divergência no pensamento jurídico nacional a respeito do seu enquadramento entre os contratos típicos ou entre os atípicos Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery por exemplo em seu Código Civil Anotado e Legislação Extravagante São Paulo Revista dos Tribunais 2002 citamno como figura atinente próxima aos negócios atípicos consoante se pode concluir da análise da farta casuística elencada nas p 1824 de sua obra Rodolfo de Camargo Mancuso por sua vez ao caracterizálo cita jurisprudência do STJ no sentido de que Contrato misto em sua origem o leasing tornouse entre nós um negócio típico nominado e autônomo a locação mercantil definida e regida pela Lei 609974 REsp 72340SP 1ª T Rel Humberto Gomes de Barros j 2461992 DJU 1781992 Em nosso pensar a despeito de sua inegável autonomia e importância jurídica o leasing continua sendo contrato atípico por falta de previsão legal específica e pelo fato de a lei existente ter por objeto aspectos eminentemente fiscais do referido negócio 418 Sílvio Venosa em sua obra Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 3 ed apresenta um rol exemplificativo de contratos atípicos p 411 hospedagem garagem publicidade excursão turística espetáculos artísticos feiras e exposições serviços de gala e nojo serviços de bufê em geral mudança claque teatral garantia fornecimento manutenção de equipamentos bem como vários contratos bancários entre outros 419 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Direito Civil Estudos p 138 420 Paulo Nalin Do Contrato Conceito PósModerno Em Busca de Sua Formulação na Perspectiva CivilConstitucional p 174 1778 421 Gustavo Tepedino A Nova Propriedade o seu conteúdo mínimo entre o Código Civil a legislação ordinária e a Constituição Revista Forense v 306 p 75 e s apud Giselda M F N Hironaka Conferência de encerramento proferida em 21901 no Seminário Internacional de Direito Civil promovido pelo NAP Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito da PUCMG Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI SC em 25102002 gentilmente cedida a Pablo Stolze Gagliano 422 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos p 132 423 Orlando Gomes Contratos 15 ed p 102 e s 424 A doutrina entretanto não é pacífica consoante se pode notar da análise da obra de Álvaro Villaça que adota critério um pouco diferenciado Sem qualquer pretensão de inovar ou de criar polêmica já em 1965 em minha citada tese sobre a matéria a par de demonstrar a necessidade de regulamentação dos contratos atípicos elaborei a sua classificação segundo critério que nos pareceu racional Assim classifiquei em sentido amplo os contratos atípicos em duas categorias os singulares e os mistos Os contratos atípicos singulares são figuras atípicas consideradas individualmente Os contratos atípicos mistos apresentamse a com contratos ou elementos somente típicos b com contratos ou elementos somente atípicos e c com contratos ou elementos típicos e atípicos ob cit p 1389 Nesse ponto preferimos seguir a classificação de Orlando Gomes simples e precisa desenvolvida a partir do pensamento de Enneccerus muito embora isso em nada diminua o brilho do pensamento do Professor Villaça uma das maiores autoridades brasileiras no assunto 425 Orlando Gomes ob cit p 1068 426 Orlando Gomes ob cit p 106 427 Pedro Pais de Vasconcelos Contratos Atípicos Coimbra Almedina 1995 p 3756 428 Flávio Tartuce A Revisão do Contrato pelo Novo Código Civil Crítica e Proposta de Alteração do art 317 da Lei n 1040602 in Novo Código Civil Questões Controvertidas coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves v I p 126 429 Jones Figueirêdo Alves Novo Código Civil Comentado p 3789 430 Tal parecer foi apresentado em 322004 e pode ser encontrado em http200219 1324silegintegras196514htm Acesso em 31 jul 2004 431 A advertência do autor referese aos atípicos que são em geral inominados consoante vimos acima 432 Francesco Messineo Il Contratto in Genere t I p 693 433 Francesco Messineo ob cit p 720 434 Nesse sentido cf Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial 2 ed v 6 p 37 435 Orlando Gomes Contratos p 1045 436 Orlando Gomes ob cit p 104 437 Caio Mário da Silva Pereira Anteprojeto do Código de Obrigações Rio de Janeiro 1964 material disponível na biblioteca da PUCSP 438 Cf a esse respeito as obras de Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes já citadas p 105 e 222 respectivamente 439 Sobre as modalidades classificatórias aqui adotadas confirase o Capítulo VIII Classificação dos Contratos do v 4 Contratos t I Teoria Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 440 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Contratos em Espécie 3 ed v III p 29 441 Confiramse os arts 458 a 461 do CC2002 442 Vale lembrar que sendo a venda a crédito o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço art 491 do CC2002 443 CC2002 Art 482 A compra e venda quando pura considerarseá obrigatória e perfeita desde que as partes acordarem no objeto e no preço 444 Pablo Stolze Gagliano Código Civil Comentado Direito das Coisas Superfície Servidões Usufruto Uso Habitação Direito do Promitente Comprador v XIII p 232 445 Ibidem p 38 446 CC2002 Art 483 A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura Neste caso ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório 447 A título de revisão já anotamos no subtópico 313 Contratos comutativos ou aleatórios do Capítulo VIII Classificação dos Contratos do v 4 Contratos t I Teoria Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil que o contrato aleatório ou de esperança diferentemente do comutativo é aquele em que as partes não têm plena segurança a respeito da ocorrência de uma das prestações Poderá ser pactuado tanto para a hipótese de a coisa não vir a existir emptio spei como para a situação de a prestação ter de ocorrer em quantidade mínima para que o negócio seja reputado eficaz emptio rei speratae Nesse sentido o Código Civil Art 458 Se o contrato for aleatório por dizer respeito a coisas ou fatos futuros cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa ainda que nada do avençado venha a existir Art 459 Se for aleatório por serem objeto dele coisas futuras tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade terá também direito o alienante a todo o preço desde que de sua parte não tiver concorrido culpa ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada Parágrafo único Mas se da coisa nada vier a existir alienação não haverá e o alienante restituirá o preço recebido 448 Miguel Reale Estudos Preliminares do Código Civil p 36 449 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto 5 ed p 235 450 Para evitar essa situação a lei prevê em caráter subsidiário que se aplique o preço corrente nas vendas habituais do vendedor art 488 451 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie v III p 34 452 Cf no CC2002 Art 487 É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros desde que suscetíveis de objetiva determinação 453 Norberto Bobbio O Positivismo Jurídico Lições de Filosofia do Direito p 164 454 CC2002 Art 122 São lícitas em geral todas as condições não contrárias à lei à ordem pública ou aos bons costumes entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes 455 CC2002 Art 476 Nos contratos bilaterais nenhum dos contratantes antes de cumprida a sua obrigação pode exigir o implemento da do outro 456 CC2002 Art 400 A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservála e sujeitao a recebêla pela estimação mais favorável ao devedor se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação 457 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 10 ed v III p 120 458 Tratase de uma aplicação específica da regra do art 477 do CC2002 Art 477 Se depois de concluído o contrato sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou pode a outra recusarse à prestação que lhe incumbe até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazêla 459 Para maiores digressões sobre o tema legitimidade confirase o tópico 2 Capacidade de direito e de fato e legitimidade do Capítulo IV Pessoa Natural do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 460 CC1916 Art 145 É nulo o ato jurídico V quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito Art 1132 Os ascendentes não podem vender aos descendentes sem que os outros descendentes expressamente consintam 461 Arnoldo Wald Obrigações e Contratos 12 ed p 256 462 CC2002 Art 169 O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação nem convalesce pelo decurso do tempo 463 É importante registrar a título de curiosidade histórica que o dispositivo mencionava originalmente duas situações de anulabilidade a saber a venda de ascendente a descendente e o inverso ou seja venda de descendente a ascendente hipótese esta que foi retirada posteriormente sem que se adaptasse o parágrafo único Esclarecendo a questão porém estabeleceu o Enunciado n 177 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal Art 496 Por erro de tramitação que retirou a segunda hipótese de anulação de venda entre parentes venda de descendente para ascendente deve ser desconsiderada a expressão em ambos os casos no parágrafo único do art 496 464 Sobre o tema confirase o tópico 4 Nulidade relativa anulabilidade do Capítulo XIV Invalidade do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 465 Nesse sentido também foi o entendimento explicitado na IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal realizada de 25 a 27 de outubro de 2006 em que foi aprovado o Enunciado n 368 com a seguinte redação Art 496 O prazo para anular venda de ascendente para descendente é decadencial de dois anos art 179 do Código Civil 466 O próprio STF já havia contornado a impropriedade da lei anterior ao editar a Súmula 165 A venda realizada diretamente pelo mandante ao mandatário não é atingida pela nulidade do art 1133 II do Código Civil 467 Nesse sentido Venosa Contratos em Espécie p 49 468 Lei n 8245 de 18101991 Art 27 No caso de venda promessa de venda cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado em igualdade de condições com terceiros devendo o locador darlhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca Parágrafo único A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e em especial o preço a forma de pagamento a existência de ônus reais bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente Art 28 O direito de preferência do locatário caducará se não manifestada de maneira inequívoca sua aceitação integral à proposta no prazo de trinta dias Art 29 Ocorrendo aceitação da proposta pelo locatário a posterior desistência do negócio pelo locador acarreta a este responsabilidade pelos prejuízos ocasionados inclusive lucros cessantes Art 30 Estando o imóvel sublocado em sua totalidade caberá a preferência ao sublocatário e em seguida ao locatário Se forem vários os sublocatários a preferência caberá a todos em comum ou a qualquer deles se um só for o interessado Parágrafo único Havendo pluralidade de pretendentes caberá a preferência ao locatário mais antigo e se da mesma data ao mais idoso Art 31 Em se tratando de alienação de mais de uma unidade imobiliária o direito de preferência incidirá sobre a totalidade dos bens objeto da alienação Art 32 O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial permuta doação integralização de capital cisão fusão e incorporação Parágrafo único Nos contratos firmados a partir de 1º de outubro de 2001 o direito de preferência de que trata este artigo não alcançará também os casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia inclusive mediante leilão extrajudicial devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica destacandose das demais por sua apresentação gráfica Incluído pela Lei n 10931 de 2004 Art 33 O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou depositando o preço e demais despesas do ato de transferência haver para si o imóvel locado se o requerer no prazo de seis meses a contar do registro do ato no cartório de imóveis desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel Parágrafo único A averbação farseá à vista de qualquer das vias do contrato de locação desde que subscrito também por duas testemunhas Art 34 Havendo condomínio no imóvel a preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário 469 Corresponde ao art 1139 do CC1916 o presente art 504 Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados p 2045 470 CC2002 Art 977 Facultase aos cônjuges contratar sociedade entre si ou com terceiros desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória Sobre o tema cf Pablo Stolze Gagliano Regime de Bens no Casamento no NCC disponível no site httpwwwnovodireitocivilcombr acessado em 2 maio 2004 Não é demais lembrar que o Departamento Nacional do Registro do Comércio DNRC por um de seus órgãos emitiu parecer no sentido de que o Código Civil vigente art 2031 não atinge sociedades anteriores Parecer Jurídico n 12503 471 CC2002 Art 1725 Na união estável salvo contrato escrito entre os companheiros aplicase às relações patrimoniais no que couber o regime da comunhão parcial de bens 472 Orlando Gomes Contratos 15 ed p 235 473 CC2002 Art 501 Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano a contar do registro do título Parágrafo único Se houver atraso na imissão de posse no imóvel atribuível ao alienante a partir dela fluirá o prazo de decadência 474 CC2002 Art 505 O vendedor de coisa imóvel pode reservarse o direito de recobrála no prazo máximo de decadência de três anos restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador inclusive as que durante o período de resgate se efetuaram com a sua autorização escrita ou para a realização de benfeitorias necessárias 475 Venosa Contratos em Espécie p 76 476 O novo Código é expresso proibindo a cessão desse direito por ato entre vivos e autorizando apenas no direito sucessório para herdeiros e legatários art 507 Atendese ao que reclamava a doutrina anterior melhor conclusão seria sem dúvida tratarse de direito personalíssimo portanto intransmissível por ato entre vivos como sustentava Washington de Barros Monteiro 1980 101 A possibilidade de cessão entre vivos do direito de retrato abre sem dúvida mais uma possibilidade de fraude entre todas aquelas a que já dá margem o instituto No entanto todos os argumentos contrários à possibilidade de cessão do direito de retrovenda eram subjetivos porque a lei de 1916 não o proibia Se fosse intenção do legislador vedálo têloia feito como fez expressamente com o direito de preferência art 1157 novo art 520 Agora o novo Código é expresso nessa restrição No sistema anterior tratandose de direito pessoal nada estava a determinar na lei que o direito à retrovenda fosse personalíssimo Venosa Contratos em Espécie p 78 477 CC2002 Art 509 A venda feita a contento do comprador entendese realizada sob condição suspensiva ainda que a coisa lhe tenha sido entregue e não se reputará perfeita enquanto o adquirente não manifestar seu agrado 478 CC2002 Art 510 Também a venda sujeita a prova presumese feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina 479 CDC Art 49 O consumidor pode desistir do contrato no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial especialmente por telefone ou a domicílio Parágrafo único Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo os valores eventualmente pagos a qualquer título durante o prazo de reflexão serão devolvidos de imediato monetariamente atualizados 480 CC2002 Art 511 Em ambos os casos as obrigações do comprador que recebeu sob condição suspensiva a coisa comprada são as de mero comodatário enquanto não manifeste aceitála 481 CC2002 Art 512 Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador o vendedor terá direito de intimálo judicial ou extrajudicialmente para que o faça em prazo improrrogável 482 CC2002 Art 513 A preempção ou preferência impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender ou dar em pagamento para que este use de seu direito de prelação na compra tanto por tanto 483 CC2002 Art 514 O vendedor pode também exercer o seu direito de prelação intimando o comprador quando lhe constar que este vai vender a coisa 484 CC2002 Art 516 Inexistindo prazo estipulado o direito de preempção caducará se a coisa for móvel não se exercendo nos três dias e se for imóvel não se exercendo nos sessenta dias subsequentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor 485 CC1916 Art 1153 O direito de preempção caducará se a coisa for móvel não se exercendo nos 3 três dias e se for imóvel não se exercendo nos 30 trinta subsequentes àquele em que o comprador tiver afrontado o vendedor 486 Ressalvamos o nosso posicionamento pessoal acadêmico de admitir a possibilidade também de fixação da cláusula de retrovenda para bens móveis em decorrência da autonomia da vontade dos contraentes conforme defendido no subtópico 81 Retrovenda deste capítulo 487 CC2002 Art 521 Na venda de coisa móvel pode o vendedor reservar para si a propriedade até que o preço esteja integralmente pago 488 É interessante registrar que sobre o tema na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi aprovado o Enunciado n 178 que explicita ainda mais esta ideia ao afirmar Art 528 Na interpretação do art 528 devem ser levadas em conta após a expressão a benefício de as palavras seu crédito excluída a concorrência de que foram omitidas por manifesto erro material 489 CC2002 Art 522 A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros 490 CC2002 Art 523 Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita para estremá la de outras congêneres Na dúvida decidese a favor do terceiro adquirente de boafé 491 CC2002 Art 525 O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora mediante protesto do título ou interpelação judicial 492 CC2002 Art 526 Verificada a mora do comprador poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido ou poderá recuperar a posse da coisa vendida 493 Arnoldo Wald Obrigações e Contratos 12 ed p 270 494 Sobre o tema confirase o nosso Novo Curso de Direito Civil v 4 t I Teoria Geral Cap XII Vícios Redibitórios 495 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 2434 496 Vale lembrar que a regra geral sobre o tema na forma do art 490 do CC2002 é que Salvo cláusula em contrário ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador e a cargo do vendedor as da tradição 497 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie p 99100 498 Permuta sf câmbio comutação escambo mutuação mútuo permutação troca Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa SC Ltda Dicionário Houaiss de sinônimos e antônimos da língua portuguesa p 509 499 Eduardo Espínola Dos Contratos Nominados no Direito Civil Brasileiro atualizado por Ricardo Rodrigues Gama p 21921 500 O antigo Código Civil português 1867 estabelecia expressamente em seu art 1545 que Se o preço da coisa consistir parte em dinheiro e parte em outra o contrato será de venda quando a parte em dinheiro for a maior das duas e será de troca ou escambo quando essa parte em dinheiro for a de menor valor É este ainda o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves Quando um dos contraentes faz a reposição parcial em dinheiro a troca não se transmuda em compra e venda salvo se representar mais da metade do pagamento Assim se um contratante recebe coisa que vale R 10000 e entrega outra que vale R 3000 fazendo a reposição da diferença R 7000 em dinheiro terá havido compra e venda Direito Civil Brasileiro v III p 248 501 Referiase o autor ao Código Civil português de 1867 que previa o contrato de permuta nos arts 15451592 A codificação civil portuguesa hoje regulada pelo Decretolei n 47344 de 25111966 não reserva mais regras específicas sobre a troca ou permuta aplicando selhe no aspecto deste tópico o art 939 referente a outros contratos onerosos que preceitua que as normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas 502 É a linha também dos Códigos Civis italiano Art 1555 Le norme stabilite per la vendita se applicano alla permuta in quanto siano con questa compatibili e francês Art 1707 Toutes les autres règles prescrites pour le contrat de vente sappliquent dailleurs à léchange 503 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 249 504 Waldirio Bulgarelli Contratos Mercantis 9 ed p 263 505 Nos textos de Ulpiano concernentes ao direito romano ao menos em duas passagens Digesto Livro 19 tít III fr 1 e tít V fr 13 são encontradas alusões à consignação para venda na qual o tradens entregava ao accipiens uma coisa com valor previamente estimado para que este a vendesse com a obrigação de pagar o preço ou de a restituir aut igitur ipsam rem debebit incorruptam reddere aut estimationem de qua convenir Carlos Roberto Gonçalves ob cit v III p 2501 506 Esta é a expressão utilizada pelo art 705 do Código Civil de 2002 Se o comissário for despedido sem justa causa terá direito a ser remunerado pelos trabalhos prestados bem como a ser ressarcido pelas perdas e danos resultantes de sua dispensa grifos nossos 507 Referência ao enunciado feita por Jones F Alves in Novo Código Civil Comentado coord Ricardo Fiuza p 482 e também disponível no site httpwwwcjfgovbr 508 Nesse mesmo sentido Sílvio Venosa Contratos em Espécie v III p 538 509 Esta faculdade revocatória prevista no art 562 do CC2002 operase em nosso sentir como uma sanção legalmente prevista para o donatário ingrato 510 Sílvio Venosa Contratos em Espécie v III p 114 511 CC2002 Parágrafo único A doação verbal será válida se versando sobre bens móveis e de pequeno valor se lhe seguir incontinenti a tradição 512 Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho A Renúncia Abdicativa no Direito Civil Boletim da Faculdade de Direito Stvdia Ivridica 8 p 14 513 É interessante ressaltar que neste aspecto o texto codificado anterior era mais preciso pois o art 1165 do CC1916 equivalente ao vigente art 538 do CC2002 mencionava expressamente a aceitação do donatário no conceito legal de doação nos seguintes termos Art 1165 Considerase doação o contrato em que uma pessoa por liberalidade transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra que os aceita grifos nossos 514 Darcy Bessone Do Contrato Teoria Geral p 1189 515 CC2002 Art 550 A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge ou por seus herdeiros necessários até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal 516 E ainda que se adote a teoria natalista não se poderia negar os benefícios inclusive patrimoniais previstos pela lei Aliás mesmo em outros Estados do mundo vêse a preocupação da doutrina no sentido de subministrar meios de efetiva tutela do nascituro sem prejuízo do desenvolvimento científico Leiase neste ponto interessante trecho do pensamento de Jaime Vidal Martínez comentando aspectos referentes ao nascituro no Direito Espanhol A nuestro entender el ser humano concebido y no nacido al que se refiere nuestro Código Civil es evidentemente un ser que vive para nacer Sin olvidar que el nacimiento determina la personalidad hay que incluir esa posibilidad de nacer entre lo favorable aludido en el texto legal como un presupuesto lógico y ontológico Y todo ello conviene tener presente este punto a los efectos civiles lo qual no excluye posibles consecuencias en otros campos como el penal o del derecho administrativo Las Nuevas Formas de Reproducción Humana Estudio Desde la Perspectiva del Derecho Civil Espanhol p 164 517 Sobre a curatela do nascituro dispõe o art 1779 do Código Civil de 2002 Art 1779 Darseá curador ao nascituro se o pai falecer estando grávida a mulher e não tendo o poder familiar Parágrafo único Se a mulher estiver interdita seu curador será o do nascituro 518 Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery Código Civil Anotado p 211 519 Poderá entretanto conter cláusula irrevogável a exemplo da que opera o reconhecimento da filiação 520 Vale observar que a tradicional doação propter nuptias desapareceu do nosso sistema legal uma vez que o novo diploma civil não repetiu a dicção do art 314 do Código anterior que lhe dava sustentação Art 314 As doações estipuladas nos contratos antenupciais para depois da morte do doador aproveitarão aos filhos do donatário ainda que este faleça antes daquele Parágrafo único No caso porém de sobreviver o doador a todos os filhos do donatário caducará a doação Pelas razões supramencionadas entendemos que tal figura jurídica não é mais passível de ocorrência 521 No atual Código Civil são herdeiros necessários os descendentes os ascendentes e o cônjuge art 1845 do CC2002 aos quais se reconhece direito à metade dos bens da herança a denominada parte legítima art 1846 do CC2002 522 Com a devida vênia não poderíamos deixar de observar que em se tratando de ação anulatória referente a exercício de um direito potestativo melhor seria falar em prazo decadencial 523 Aliás desde a primeira edição de nosso volume 1 Parte Geral já havíamos feito observação semelhante 1 ed p 4067 Confirase a propósito o Capítulo XIV Invalidade do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 524 J J Gomes Canotilho Direito Constitucional e Teoria da Constituição p 219 525 Sobre o tema recomendamos a leitura da obra de Luiz Edson Fachin Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo 2001 526 Sobre o contrato preliminar de promessa de compra e venda e o direito real do promitente comprador confirase a obra de Pablo Stolze Gagliano Código Civil Comentado v XIII p 224236 527 Caio Mário Pereira Introdução v III p 1601 528 Ana Prata O Contrato Promessa e o seu Regime Civil p 307 529 Ibidem p 315 530 Sílvio Venosa Contratos em Espécie v III p 132 531 Confirase para um aprofundamento sobre o tema o v 3 Responsabilidade Civil do nosso Novo Curso de Direito Civil 532 Sobre os fatores eficaciais confirase o Capítulo XV Plano de Eficácia do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 533 Paulo Luiz Netto Lôbo Código Civil Comentado Direito de Família Relações de Parentesco Direito Patrimonial Artigos 1591 a 1693 coord Álvaro Villaça Azevedo v XVI 534 Rodrigo da Cunha Pereira Direito de Família e o Novo Código Civil coords Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias p 2267 535 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie v III p 115 536 Guillermo Borda Manual de Contratos 19 ed p 572 537 O fideicomisso é um instituto jurídico estudado no âmbito do Direito das Sucessões Tratase de uma modalidade especial de substituição testamentária por meio da qual o testador fideicomitente beneficia sucessivamente dois herdeiros ou legatários o fiduciário sucessor de 1º grau e o fideicomissário sucessor de 2º grau No Código Civil a sua disciplina é feita a partir do art 1951 Pode o testador instituir herdeiros ou legatários estabelecendo que por ocasião de sua morte a herança ou o legado se transmita ao fiduciário resolvendose o direito deste por sua morte a certo tempo ou sob certa condição em favor de outrem que se qualifica de fideicomissário 538 Sobre a causa dos negócios jurídicos confirase o subtópico 25 Algumas palavras sobre a causa nos negócios jurídicos do Capítulo XI Plano de Existência do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 539 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Contratos e Atos Unilaterais v III p 264 540 Manuel Inácio Carvalho de Mendonça Contratos no Direito Civil Brasileiro 4 ed t I p 82 541 Sobre o tema confirase o Capítulo XIV Invalidade do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 542 M I Carvalho de Mendonça ob cit p 656 543 Araken de Assis Resolução do Contrato por Inadimplemento 3 ed p 80 544 Interessante mencionar neste ponto que Orlando Gomes prefere não utilizar a expressão propriedade resolúvel para caracterizar a hipótese pois para o ilustre autor baiano se assim o fosse no próprio título constitutivo da liberalidade já estaria prevista a causa de sua extinção Terseia portanto uma espécie de propriedade temporária sem que fosse considerada tecnicamente resolúvel Contratos 14 ed p 219 e Direitos Reais 18 ed p 2357 545 Embora se trate de prazo prescricional lembremonos de que em verdade cuidase do exercício de um direito potestativo revogação que tecnicamente submeterseia a prazo decadencial Estaríamos então caso mantido o posicionamento do STJ diante de uma situação peculiar em que o prazo aplicado à espécie seria o geral da prescrição extintiva 546 Caldas Aulete Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa v III p 2738 547 Dispositivo semelhante pode ser encontrado no Anteprojeto do Código de Obrigações de autoria do Professor Caio Mário da Silva Pereira já citado Art 442 É privativo do doador o direito de revogar a doação salvo se morrer ele em consequência de ofensa física praticada pelo donatário caso em que a revogação poderá ser promovida por seus herdeiros Proposta a ação contra o donatário poderá em qualquer caso continuar contra os seus herdeiros bem como com os herdeiros do autor 548 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Contratos e Atos Unilaterais v III p 281 549 CC2002 Art 1360 Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente o possuidor que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução será considerado proprietário perfeito restando à pessoa em cujo benefício houve a resolução ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor 550 Silvio Luis Ferreira da Rocha Curso Avançado de Direito Civil v 3 p 185 551 Ibidem 552 Clóvis Beviláqua Código Civil dos Estados Unidos do Brasil 9 ed v IV p 3501 553 Sobre a interpretação normativa confirase o subtópico 31 Interpretação de normas do Capítulo III Lei de Introdução ao Código Civil do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 554 Orlando de Almeida Secco Introdução ao Estudo do Direito 4 ed p 199200 555 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 10 ed v III p 167 556 Sobre a execução da obrigação alimentar e a prisão civil confirase o Capítulo XXIV Prisão Civil do v 2 Obrigações do nosso Novo Curso de Direito Civil 557 Art 227 É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária além de colocálos a salvo de toda forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão 6º Os filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação 558 CC2002 Art 559 A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar e de ter sido o donatário o seu autor 559 Clóvis Beviláqua Código Civil dos Estados Unidos do Brasil p 349 560 Pressupõese pois que a demanda já tenha sido iniciada 561 Art 563 A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida mas sujeitao a pagar os posteriores e quando não possa restituir em espécie as coisas doadas a indenizá la pelo meio termo do seu valor 562 A respeito da diferença entre frutos e produtos confirase o subtópico 421 Classificação dos bens acessórios do Capítulo VIII Bens Jurídicos do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 563 Correspondente ao art 546 do CC2002 564 Sem artigo correspondente no CC2002 565 J M Carvalho Santos Código Civil Brasileiro Interpretado Direito das Obrigações 13 ed v XVI p 4623 566 Caio Mário da Silva Pereira Anteprojeto do Código de Obrigações já citado 1 Confirase o Capítulo IX Contrato de Emprego do t II Contratos em Espécie do v 4 Contratos do nosso Novo Curso de Direito Civil 2 CC2002 Art 565 Na locação de coisas uma das partes se obriga a ceder à outra por tempo determinado ou não o uso e gozo de coisa não fungível mediante certa retribuição 3 Sobre o estudo específico da Lei n 8245 de 18101991 recomendamos Sílvio de Salvo Venosa Lei do Inquilinato Comentada Doutrina e Prática 5 ed 2001 e Sylvio Capanema de Souza Da Locação do Imóvel Urbano 2002 4 Com efeito estabelece o art 79 da Lei n 824591 Art 79 No que for omissa esta Lei aplicamse as normas do Código Civil e do Código de Processo Civil 5 Código Civil de 2002 Art 1216 O possuidor de máfé responde por todos os frutos colhidos e percebidos bem como pelos que por culpa sua deixou de perceber desde o momento em que se constituiu de máfé tem direito às despesas da produção e custeio Art 1217 O possuidor de boafé não responde pela perda ou deterioração da coisa a que não der causa Art 1218 O possuidor de máfé responde pela perda ou deterioração da coisa ainda que acidentais salvo se provar que de igual modo se teriam dado estando ela na posse do reivindicante Art 1219 O possuidor de boafé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis bem como quanto às voluptuárias se não lhe forem pagas a levantálas quando o puder sem detrimento da coisa e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis Art 1220 Ao possuidor de máfé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas nem o de levantar as voluptuárias 6 Tratase a priori de uma manifestação específica de surrectio para o locatário e supressio para o locador 7 CC2002 Art 397 O inadimplemento da obrigação positiva e líquida no seu termo constitui de pleno direito em mora o devedor Parágrafo único Não havendo termo a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial 8 CF1988 Art 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social XXI aviso prévio proporcional ao tempo de serviço sendo no mínimo de trinta dias nos termos da lei 9 CC2002 Art 575 Se notificado o locatário não restituir a coisa pagará enquanto a tiver em seu poder o aluguel que o locador arbitrar e responderá pelo dano que ela venha a sofrer embora proveniente de caso fortuito Parágrafo único Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo poderá o juiz reduzilo mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade 10 CC2002 Art 399 O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior se estes ocorrerem durante o atraso salvo se provar isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada 11 Lei n 824591 Art 3º O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo dependendo de vênia conjugal se igual ou superior a dez anos Parágrafo único Ausente a vênia conjugal o cônjuge não estará obrigado a observar o prazo excedente 12 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 286 13 Luiz da Cunha Gonçalves Dos Contratos em Especial Lisboa Ática 1953 p 300 apud Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 289 14 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 287 15 Nesse sentido vale registrar que na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi aprovado o Enunciado n 180 com a seguinte redação Arts 575 e 582 A regra do parágrafo único do art 575 do novo CC que autoriza a limitação pelo juiz do aluguelpena arbitrado pelo locador aplicase também ao aluguel arbitrado pelo comodante autorizado pelo art 582 2ª parte do novo CC O referido dispositivo preceitua Art 582 O comodatário é obrigado a conservar como se sua própria fora a coisa emprestada não podendo usála senão de acordo com o contrato ou a natureza dela sob pena de responder por perdas e danos O comodatário constituído em mora além de por ela responder pagará até restituíla o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante 16 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 288 17 Art 577 Morrendo o locador ou o locatário transferese aos seus herdeiros a locação por tempo determinado 18 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Contratos em Espécie 3 ed v III p 147 19 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie v III p 147 20 Lei n 824591 Art 22 O locador é obrigado a I entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina II garantir durante o tempo da locação o uso pacífico do imóvel locado III manter durante a locação a forma e o destino do imóvel IV responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação V fornecer ao locatário caso este solicite descrição minuciosa do estado do imóvel quando de sua entrega com expressa referência aos eventuais defeitos existentes VI fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas vedada a quitação genérica VII pagar as taxas de administração imobiliária se houver e de intermediações nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador VIII pagar os impostos e taxas e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel salvo disposição expressa em contrário no contrato IX exibir ao locatário quando solicitado os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas X pagar as despesas extraordinárias de condomínio Parágrafo único Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício especialmente a obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel b pintura das fachadas empenas poços de aeração e iluminação bem como das esquadrias externas c obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício d indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados ocorridas em data anterior ao início da locação e instalação de equipamento de segurança e de incêndio de telefonia de intercomunicação de esporte e de lazer f despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum g constituição de fundo de reserva 21 Como respaldo normativo no vigente Código Civil brasileiro confirase a redação do art 413 Art 413 A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo tendose em vista a natureza e a finalidade do negócio 22 Nesse sentido estabelece o caput e inciso I do art 62 da Lei n 824591 Art 62 Nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação observarseá o seguinte I o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação devendo ser apresentado com a inicial cálculo discriminado do valor do débito 23 Arnoldo Wald Curso de Direito Civil Brasileiro Obrigações e Contratos 12 ed v II p 2012 24 Lei n 824591 Art 23 O locatário é obrigado a I pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação legal ou contratualmente exigíveis no prazo estipulado ou em sua falta até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido no imóvel locado quando outro local não tiver sido indicado no contrato II servirse do imóvel para o uso convencionado ou presumido compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina devendo tratálo com o mesmo cuidado como se fosse seu III restituir o imóvel finda a locação no estado em que o recebeu salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal IV levar imediatamente ao conhecimento do locador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este incumba bem como as eventuais turbações de terceiros V realizar a imediata reparação dos danos verificados no imóvel ou nas suas instalações provocadas por si seus dependentes familiares visitantes ou prepostos VI não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador VII entregar imediatamente ao locador os documentos de cobrança de tributos e encargos condominiais bem como qualquer intimação multa ou exigência de autoridade pública ainda que dirigida a ele locatário VIII pagar as despesas de telefone e de consumo de força luz e gás água e esgoto IX permitir a vistoria do imóvel pelo locador ou por seu mandatário mediante combinação prévia de dia e hora bem como admitir que seja o mesmo visitado e examinado por terceiros na hipótese prevista no art 27 X cumprir integralmente a convenção de condomínio e os regulamentos internos XI pagar o prêmio do seguro de fiança XII pagar as despesas ordinárias de condomínio 1º Por despesas ordinárias de condomínio se entendem as necessárias à administração respectiva especialmente a salários encargos trabalhistas contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio b consumo de água e esgoto gás luz e força das áreas de uso comum c limpeza conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum d manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos elétricos mecânicos e de segurança de uso comum e manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum destinados à prática de esportes e lazer f manutenção e conservação de elevadores porteiro eletrônico e antenas coletivas g pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum h rateios de saldo devedor salvo se referentes a período anterior ao início da locação i reposição do fundo de reserva total ou parcialmente utilizado no custeio ou complementação das despesas referidas nas alíneas anteriores salvo se referentes a período anterior ao início da locação 2º O locatário fica obrigado ao pagamento das despesas referidas no parágrafo anterior desde que comprovadas a previsão orçamentária e o rateio mensal podendo exigir a qualquer tempo a comprovação das mesmas 3º No edifício constituído por unidades imobiliárias autônomas de propriedade da mesma pessoa os locatários ficam obrigados ao pagamento das despesas referidas no 1º deste artigo desde que comprovadas 25 Art 20 Salvo as hipóteses do art 42 e da locação para temporada o locador não poderá exigir o pagamento antecipado do aluguel 26 Art 42 Não estando a locação garantida por qualquer das modalidades o locador poderá exigir do locatário o pagamento do aluguel e encargos até o sexto dia útil do mês vincendo 27 Art 49 O locador poderá receber de uma só vez e antecipadamente os aluguéis e encargos bem como exigir qualquer das modalidades de garantia previstas no art 37 para atender as demais obrigações do contrato 28 Na Lei do Inquilinato a norma equivalente se encontra nos arts 35 e 36 que rezam Art 35 Salvo expressa disposição contratual em contrário as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário ainda que não autorizadas pelo locador bem como as úteis desde que autorizadas serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção Art 36 As benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis podendo ser levantadas pelo locatário finda a locação desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel 29 CC2002 Art 571 Havendo prazo estipulado à duração do contrato antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultantes nem o locatário devolvêla ao locador senão pagando proporcionalmente a multa prevista no contrato Parágrafo único O locatário gozará do direito de retenção enquanto não for ressarcido 30 Lei n 824591 Art 10 Morrendo o locador a locação transmitese aos herdeiros Art 11 Morrendo o locatário ficarão subrogados nos seus direitos e obrigações I nas locações com finalidade residencial o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e sucessivamente os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência econômica do de cujus desde que residentes no imóvel II nas locações com finalidade não residencial o espólio e se for o caso seu sucessor no negócio 31 Apenas porém para que não deixemos de mencionar uma única regra processual da Lei n 824591 observese que o seu art 5º estabelece Art 5º Seja qual for o fundamento do término da locação a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo Parágrafo único O disposto neste artigo não se aplica se a locação termina em decorrência de desapropriação com a imissão do expropriante na posse do imóvel 32 Sílvio de Salvo Venosa Lei do Inquilinato Comentada p 70 33 Manuel Inácio Carvalho de Mendonça Contratos no Direito Civil Brasileiro t 1 p 99100 34 Christine Oliveira Peter da Silva A Disciplina do Contrato de Empréstimo no Novo Código Civil Novas Perspectivas do Contrato de Mútuo Feneratício e a Questão da Limitação da Taxa de Juros in O Novo Código Civil Estudos em Homenagem a Miguel Reale coords Domingos Franciulli Netto Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho p 5189 35 Washington de Barros Monteiro Curso de Direito Civil Direito das Obrigações 2ª Parte 34 ed p 197 36 Clóvis Beviláqua Direito das Coisas 4 ed v I p 46 37 Orlando Gomes Contratos 14 ed p 316 38 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira 1 ed 11 reimpr p 221 39 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie p 232 40 Competência Comodato Relação trabalhista Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar a controvérsia sobre a reintegração do empregador na posse de imóvel dado em comodato ao empregado para sua moradia durante o contrato de trabalho Isso se deve às alterações promovidas pela EC n 452004 no art 114 VI da CF1988 STJ CC 57524PR Rel Min Carlos Alberto Menezes Direito j 2792006 41 Nelson Nery Jr Contratos no Novo Código Civil Apontamentos Gerais in O Novo Código Civil Estudos em Homenagem a Miguel Reale p 434 42 O usufruto e o direito de superfície são espécies de direitos reais na coisa alheia disciplinados no Código Civil a partir do art 1369 sobre este tema cf Pablo Stolze Gagliano Código Civil Comentado v 3 43 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações 8 ed p 200 44 Washington de Barros Monteiro Curso de Direito Civil Direito das Obrigações 2ª Parte 34 ed p 205 45 Sobre o tema na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi aprovado o Enunciado n 180 com a seguinte redação Arts 575 e 582 A regra do parágrafo único do art 575 do novo CC que autoriza a limitação pelo juiz do aluguelpena arbitrado pelo locador aplicase também ao aluguel arbitrado pelo comodante autorizado pelo art 582 2ª parte do novo CC O mencionado dispositivo preceitua o seguinte Art 575 Se notificado o locatário não restituir a coisa pagará enquanto a tiver em seu poder o aluguel que o locador arbitrar e responderá pelo dano que ela venha a sofrer embora proveniente de caso fortuito Parágrafo único Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo poderá o juiz reduzilo mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade 46 Washington de Barros Monteiro Curso de Direito Civil Direito das Obrigações 2ª Parte 34 ed p 205 No mesmo sentido Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 321 e Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 231 Contra no sentido de que o empréstimo estaria convertido em locação Orlando Gomes Contratos p 316 Sem tomar partido neste embate doutrinário mas reconhecendo que a jurisprudência tem admitido que se trata de um parâmetro de correspondência às perdas e danos cf Maria Helena Diniz Tratado Teórico e Prático dos Contratos 5 ed v I p 295 47 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil v III p 217 48 Sobre o tema confirase o Capítulo IV Invalidade do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 49 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 323 50 Miguel Maria de Lopes Curso de Direito Civil Fontes das Obrigações Contratos 5 ed v IV p 394 51 Silvio Luis Ferreira Rocha ob cit p 2701 52 É a conclusão de Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 204 53 Lembremonos que um determinado contrato é considerado gratuito quando uma das partes apenas se beneficia e oneroso quando ao benefício experimentado corresponde um sacrifício patrimonial 54 Orlando Gomes Contratos p 318 55 Notese que a prática do adiantamento salarial não pode ser considerada uma relação contratual de mútuo uma vez que em verdade constituise em uma antecipação da prestação devida pelo empregador no pacto de trato sucessivo 56 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais 20 ed v 3 p 319 57 Silvio Rodrigues Direito Civil Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade 30 ed v 3 p 2656 58 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 328 59 CF88 Art 7º XXXIII proibição de trabalho noturno perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos salvo na condição de aprendiz a partir de quatorze anos Redação dada pela Emenda Constitucional n 20 de 15121998 60 Silvio Rodrigues ob cit p 267 61 Código de Processo Civil de 2015 Art 833 São impenhoráveis I os bens inalienáveis e os declarados por ato voluntário não sujeitos à execução II os móveis os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida III os vestuários bem como os pertences de uso pessoal do executado salvo se de elevado valor IV os vencimentos os subsídios os soldos os salários as remunerações os proventos de aposentadoria as pensões os pecúlios e os montepios bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal ressalvado o 2º V os livros as máquinas as ferramentas os utensílios os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado VI o seguro de vida VII os materiais necessários para obras em andamento salvo se essas forem penhoradas VIII a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família IX os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação saúde ou assistência social X a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 quarenta salários mínimos XI os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político nos termos da lei XII os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias sob regime de incorporação imobiliária vinculados à execução da obra 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem inclusive àquela contraída para sua aquisição 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia independentemente de sua origem bem como às importâncias excedentes a 50 cinquenta salários mínimos mensais devendo a constrição observar o disposto no art 528 8º e no art 529 3º 3º Incluemse na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar trabalhista ou previdenciária grifos nossos 62 Luís Roberto Barroso Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro PósModernidade Teoria Crítica e PósPositivismo in A Nova Interpretação Constitucional Ponderação Direitos Fundamentais e Relações Privadas obra coletiva Rio de Janeiro Renovar 2003 p 378 Na mesma linha sugerimos a leitura da excelente obra Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo Renovar 2001 de autoria de Luiz Edson Fachin em que o renomado autor defende em uma perspectiva civilconstitucional a garantia de um patrimônio mínimo para cada pessoa a fim de que tenha uma existência efetivamente digna 63 Maria Helena Diniz Direito Civil Brasileiro v 3 p 321 64 Silvio Luis Ferreira da Rocha ob cit p 276 65 CC2002 Art 594 Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito material ou imaterial pode ser contratada mediante retribuição 66 Esta nota distintiva é muito visível no Código Civil português que conceitua Contrato de Trabalho embora remetendo sua disciplina à legislação especial da seguinte forma Art 1152º Noção Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga mediante retribuição a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa sob a autoridade e direcção desta Art 1153º Regime O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial grifos nossos 67 Quando da primeira votação do texto pela Câmara dos Deputados em 1984 houve uma proposta apresentada pelo Deputado Tancredo Neves de supressão de todo o Capítulo VII ao argumento de que as hipóteses de prestação de serviço ou seriam regidas pelas leis trabalhistas ou pelas normas que regem a empreitada nada assim lhe restando de próprio A emenda veio a ser rejeitada pelo então relator geral o Deputado Ernani Sátyro que assim justificou Entre as atividades exercidas e caracterizadas pelo vínculo empregatício às quais correspondem salários e as atividades executadas em razão de empreitada ainda resta um vasto campo de atividades autônomas irredutíveis àquelas duas Não se pode sequer afirmar categoricamente que esse resto estaria coberto pelas leis especiais dada a multiplicidade dos tipos de atividade que compõem o instituto da prestação de serviços Quando mais não seja por uma razão de prudência é aconselhável se mantenham as disposições do Código Civil pertinentes à prestação de serviços a qual se distingue pela ausência de vínculo de subordinação trabalhista e pressupõe atividade autônoma retribuída ou não no mais das vezes de breve duração caracterizadas pela autonomia de quem presta o serviço e livremente convenciona a sua retribuição sem ficar adstrito às normas cogentes do Direito do Trabalho como as relativas aos contratos coletivos Tratase além do mais de um domínio em que prevalece o princípio da autonomia da vontade a salvo de restrições como as que por motivos de ordem pública vigoram no Direito do Trabalho De outro lado não nos parece que dada a especificidade da matéria se possa sujeitar todas as hipóteses de prestação de serviço ao contrato de empreitada como pretende o ilustre autor da emenda que para tal fim também oferece a Emenda n 443 a qual importa no reconhecimento da distinção Não se pode pensamos nós afirmar que a disciplina autônoma da prestação de serviços deva ser considerada superada pela nossa época Ao contrário crescem dia a dia ao lado dos contratos de trabalho e de empreitada novas exigências de serviços autônomos dos quais o Código não pode fazer abstração Não tem sentido data vênia afirmarse que a supressão dos contratos de prestação de serviços seja uma exigência dos novos tempos Para demonstrar a improcedência dessa tese bastará lembrar que o Código Civil italiano que é de 1943 apesar de nele se conter toda a legislação do trabalho reserva título especial Tít III do Livro 5º ao trabalho autônomo abrangendo a prestação de trabalhos intelectuais arts 2222 usque 2238 A mesma distinção se encontra no recentíssimo Código Civil português que é de novembro de 1966 havendo nele o Capítulo VIII do Título II Dos contratos em especial destinado ao Contrato de trabalho e o Capítulo IX para a prestação de serviços uma de cujas modalidades seria a empreitada cfr artigo 1155º O que se deve considerar em desuso é apenas a expressão locação de serviços substituída no Projeto por prestação de serviço Jones Figueirêdo Alves Novo Código Civil Comentado coord Ricardo Fiuza p 5312 68 Confirase o Capítulo IX Contrato de Emprego do t II Contratos em Espécie do v 4 Contratos do nosso Novo Curso de Direito Civil 69 Com efeito estabelece o art 1154º do Código Civil português Art 1154º Noção Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual com ou sem retribuição grifos nossos 70 Sobre o tema confirase a Lei n 9608 de 1821998 que dispõe sobre o serviço voluntário e dá outras providências 71 Terceirização é a transferência de segmento ou segmentos do processo de produção da empresa para outras de menor envergadura porém de maior especialização na atividade transferida A terceirização vocábulo não dicionarizado neologismo bem formado portanto aceitável construído a partir de terciário forma erudita equivalente à popular terceiro Arion Sayão Romita A terceirização e o direito do trabalho in Rev LTr 5668273 pode ser considerada junto com a globalização subproduto natural da Revolução Tecnológica nos campos econômico e organizacional da empresa Entretanto sublinha Rodrigues Pinto o neologismo embora tenha sido aceito com foros de irreversível não expressa por via de nenhuma das derivações a ideia do que pretende passar ou porque a empresa prestadora não é terceiro e sim parceiro no sentido de contratante direto com a tomadora nem os empregados de cada uma são terceiros perante elas ou porque a atividade de apoio não é obrigatoriamente terciária podendo ser secundária ou até mesmo primária O que se está tratando sob essa nova denominação é apenas de um contrato de prestação de serviço de apoio empresarial que exprimirá decerto com mais eloquência e precisão seu conteúdo e sua finalidade com o batismo de contrato de apoio empresarial ou igualmente contrato de atividade de apoio José Augusto Rodrigues Pinto Curso de Direito Individual do Trabalho 3 ed p 144145 São Paulo LTr 1997 destaques do Autor José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho Repertório de Conceitos Trabalhistas p 500 72 A expressão soldadas não mais usada na vigente codificação era mencionada no art 1234 do CC1916 dispositivo sem equivalente no CC2002 nos seguintes termos Art 1234 Embora outra coisa haja estipulado não poderá o locatário cobrar ao locador juros sobre as soldadas que lhe adiantar nem pelo tempo do contrato sobre dívida alguma que o locador esteja pagando com serviços 73 Salário é toda retribuição diretamente devida pelo empregador como contraprestação da energia pessoal posta pelo empregado à sua disposição por força do contrato individual de emprego José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho Repertório de Conceitos Trabalhistas p 461 74 CC2002 Art 596 Não se tendo estipulado nem chegado a acordo as partes fixarseá por arbitramento a retribuição segundo o costume do lugar o tempo de serviço e sua qualidade no CC1916 art 1218 75 Confirase o subtópico 71 Direito ao Aviso Prévio 76 Consolidação das Leis do Trabalho Art 818 A prova das alegações incumbe à parte que as fizer 77 Código de Processo Civil de 2015 Art 373 O ônus da prova incumbe I ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito II ao réu quanto à existência de fato impeditivo modificativo ou extintivo do direito do autor 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso desde que o faça por decisão fundamentada caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído 2º A decisão prevista no 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes salvo quando I recair sobre direito indisponível da parte II tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito 4º A convenção de que trata o 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo 78 Aviso prévio no Direito Individual do Trabalho é a comunicação a que está obrigado qualquer dos sujeitos do contrato individual de emprego com duração indeterminada de sua intenção de resililo sem motivo legalmente justificável após o decurso de um lapso mínimo de tempo do recebimento pelo destinatário Há duas tendências instintivas porém errôneas do iniciante no estudo do Direito do Trabalho considerálo um instituto de natureza trabalhista e um efeito da ruptura do contrato individual Entretanto sua origem é tão antiga pelo menos quanto o Deuteronômio Suzanne Magnan Le délai congé apud José Martins Catharino Compêndio de Direito do Trabalho vol 2 p 338 Saraiva São Paulo 1981 Ele foi usado sem nenhuma dúvida entre as regras das corporações de ofício na Idade Média e insinuou se através do Direito Comum na sociedade pósRevolução Industrial Quanto a considerálo efeito da extinção notese que ele a precede e anuncia não podendo obviamente ser consequência dela No Brasil antes da legislação trabalhista já estava previsto no Código Comercial de 1850 art 81 para pôr fim à relação entre o comerciante e seus agentes sendo repetido no Código Civil de 1916 art 1221 para extinguir o contrato de prestação de serviço ambos avizinhados do contrato individual de emprego Mas como norma trabalhista típica só apareceu em 1923 na primeira disciplina do emprego doméstico Quando se generalizou no Direito do Trabalho através da Lei n 62 de 561935 trouxe uma curiosa inversão de protecionismo o obrigado a dálo foi apenas o empregado Com o Capítulo VI Título IV da CLT em 1943 o aviso prévio adquiriu status definitivo de instituto jurídico trabalhista sendo guindado à nobreza de garantia constitucional do trabalhador direito social com a Constituição de 1988 art 7º XXI José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho Repertório de Conceitos Trabalhistas p 945 79 CC1916 Art 1233 O contrato de locação de serviços acaba com a morte do locador 80 Confirase o Capítulo IX Contrato de Emprego do t II Contratos em Espécie do v 4 Contratos do nosso Novo Curso de Direito Civil 81 Confirase o tópico 4 Modalidades deste capítulo e seus subtópicos 82 Registrese a título exemplificativo que a Lei n 866693 estabelece em seu art 72 que o contratado na execução do contrato sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais poderá subcontratar partes da obra serviço ou fornecimento até o limite admitido em cada caso pela Administração prevendo no art 78 VI como motivo para rescisão do contrato a subcontratação total ou parcial do seu objeto a associação do contratado com outrem a cessão ou transferência total ou parcial bem como a fusão cisão ou incorporação não admitidas no edital e no contrato 83 CC2002 Art 612 Se o empreiteiro só forneceu mão de obra todos os riscos em que não tiver culpa correrão por conta do dono 84 CDC Art 6º São direitos básicos do consumidor VIII a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor no processo civil quando a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiências grifos nossos 85 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Contratos em Espécie v III p 210 86 CC2002 Art 445 O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel e de um ano se for imóvel contado da entrega efetiva se já estava na posse o prazo contase da alienação reduzido à metade 1º Quando o vício por sua natureza só puder ser conhecido mais tarde o prazo contarseá do momento em que dele tiver ciência até o prazo máximo de cento e oitenta dias em se tratando de bens móveis e de um ano para os imóveis 2º Tratandose de venda de animais os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial ou na falta desta pelos usos locais aplicandose o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria 87 Confirase o Capítulo XVIII Responsabilidade Civil do Empreiteiro Construtor e Incorporador do v 3 Responsabilidade Civil do nosso Novo Curso de Direito Civil 88 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Parte Geral v 3 p 317 89 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 354 90 Confirase o Capítulo XIV Extinção do Contrato do v 4 Contratos t I Teoria Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 91 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 214 92 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil v III p 234 93 CPC2015 Art 301 A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto sequestro arrolamento de bens registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito 94 De fato tal modalidade contratual guarda muita semelhança com o contrato de depósito mas também tem aspectos do contrato de prestação de serviço estando em nosso entender submetido também à disciplina das regras protetivas de consumo Nesse sentido já observava há muito Caio Mário ao afirmar que o direito moderno conhece várias figuras de negócios jurídicos de natureza contratual que não se enquadram perfeitamente nos tipos clássicos dos contratos tradicionais como ex gr a guarda de mercadorias nos armazénsgerais de títulos ou valores nos bancos de objetos em câmara frigorífica de automóveis em garagem São modalidades assemelhadas ao depósito com autêntica atração do regime jurídico deste mas que melhor se definem sob a designação especial de contrato de guarda nas quais se associam ao típico depósito outras obrigações ou prestações de atividades como é o caso da guarda de animal aliada ao dever de alimentálo a guarda de automóvel e dever de limpálo e movimentar o motor Instituições de Direito Civil 3 ed v III p 250 Ressaltamos porém que a principiologia aplicável é a mesma notadamente no que diz respeito à responsabilidade civil pelos danos causados ao bem No mesmo sentido preleciona Orlando Gomes Modalidade interessante é também a do depósito de automóveis em garagens a que se aplicam os mesmos princípios embora quase sempre outras obrigações assumidas pelo depositário transformem o depósito em contrato misto Contratos 24 ed p 346 95 STJ Súmula 130 A empresa responde perante o cliente pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento 96 Orlando Gomes Contratos p 339 97 Orlando Gomes Contratos cit p 338 Washington de Barros Monteiro Direito das Obrigações 2ª Parte citado p 242 98 Maria Helena Diniz Teoria Geral das Obrigações Contratuais e Extracontratuais p 331 99 Clóvis Beviláqua Direito das Obrigações p 215 100 O Projeto de Lei n 6960 de 2002 renumerado para n 2762007 antes de seu arquivamento definitivo visava a aperfeiçoar a redação do dispositivo esclarecendo as obrigações do herdeiro do depositário a depender da sua boa ou máfé nos seguintes termos Art 637 O herdeiro do depositário que de boafé vendeu a coisa depositada é obrigado a restituir ao comprador o pagamento recebido sempre que este sofrer os efeitos da evicção Parágrafo único Se tiver agido de máfé responderá o herdeiro pelas perdas e danos tanto do depositante como do comprador 101 CC2002 Art 1233 Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituíla ao dono ou legítimo possuidor Parágrafo único Não o conhecendo o descobridor fará por encontrálo e se não o encontrar entregará a coisa achada à autoridade competente Art 1234 Aquele que restituir a coisa achada nos termos do artigo antecedente terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa se o dono não preferir abandonála Parágrafo único Na determinação do montante da recompensa considerarseá o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono ou o legítimo possuidor as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos Art 1235 O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo quando tiver procedido com dolo Art 1236 A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de informação somente expedindo editais se o seu valor os comportar Art 1237 Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa ou do edital não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa será esta vendida em hasta pública e deduzidas do preço as despesas mais a recompensa do descobridor pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido Parágrafo único Sendo de diminuto valor poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou 102 Washington de Barros Monteiro Direito das Obrigações 2ª Parte p 254 103 Carlos Alberto Bittar Contratos Civis 2 ed p 103 104 CF88 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios I soberania nacional II propriedade privada III função social da propriedade IV livre concorrência V defesa do consumidor VI defesa do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação Redação dada pela Emenda Constitucional n 42 de 19122003 VII redução das desigualdades regionais e sociais VIII busca do pleno emprego IX tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País Redação dada pela Emenda Constitucional n 6 de 1581995 Parágrafo único É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos salvo nos casos previstos em lei grifos nossos 105 A referência é ao Código Civil brasileiro de 1916 no CC2002 confirase o art 188 106 Citado por Carlos R Gonçalves in Responsabilidade Civil 7 ed p 712 107 Silvio Rodrigues Direito Civil Dos Contratos p 279 108 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 263 109 Eduardo Espínola Dos Contratos Nominados no Direito Civil Brasileiro atual por Ricardo Rodrigues Gama p 496 110 Orlando Gomes Contratos 24 ed p 3478 111 A Ferrer Correia A Procuração na Teoria da Representação Voluntária in Estudos de Direito Civil Comercial e Criminal 2 ed p 312 112 A doutrina tradicionalmente exemplifica o contrato de comissão como um mandato sem representação Todavia evitaremos utilizar tal exemplo posto devamos fazer o seu registro pela circunstância de que o Código Civil brasileiro de 2002 previu tal modalidade contratual como uma forma típica autônoma e distinta ainda que admita a aplicação supletiva no que couber das regras do mandato dados os seus pontos de aproximação 113 Em posicionamento ligeiramente distinto do aqui adotado divergindo basicamente na terminologia utilizada observa Carlos Roberto Gonçalves A denominação deriva de manu datum porque as partes se davam as mãos simbolizando a aceitação do encargo e a promessa de fidelidade no cumprimento da incumbência O vocábulo mandato designa ora o poder conferido pelo mandante ora o contrato celebrado ora o título deste contrato de que é sinônimo a procuração A pessoa que confere os poderes chamase mandante e é o representado a que os aceita dizse mandatário e é representante daquela Mandato não se confunde com mandado que é uma ordem judicial Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 384 114 Leonardo Mattietto A Representação Voluntária e o Negócio Jurídico de Procuração Revista Trimestral de Direito Civil v 4 p 645 115 Para um aprofundamento sobre a matéria confiramse Leonardo Mattietto A Representação Voluntária e o Negócio Jurídico de Procuração cit p 5571 Emilio Betti Teoria Geral do Negócio Jurídico t III José Paulo Cavalcanti Direito Civil Escritos Diversos 1983 A Ferrer Correia A Procuração na Teoria da Representação Voluntária cit e Renan Lotufo Questões relativas a mandato representação e procuração 2001 116 Uma vez que nos contratos unilaterais somente uma das partes se obriga é impossível conceber qualquer espécie de dependência mas em alguns surge no curso da execução determinada obrigação para a parte que tinha apenas direitos Nesse caso dizse que o contrato é bilateral imperfeito Seria uma categoria intermediária A melhor doutrina repelea mas pode ser mantida por sua utilidade prática especialmente para o direito de retenção O contrato bilateral imperfeito não deixa de ser unilateral pois no momento de sua conclusão gera obrigações somente para um dos contratantes Em verdade a obrigação esporádica não nasce do contrato mas acidentalmente de fato posterior à sua formação O contrato bilateral imperfeito subordinase com efeito ao regime dos contratos unilaterais Orlando Gomes Contratos p 72 117 CC2002 Art 1542 O casamento pode celebrarse mediante procuração por instrumento público com poderes especiais 1º A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário mas celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação responderá o mandante por perdas e danos 2º O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazerse representar no casamento nuncupativo 3º A eficácia do mandato não ultrapassará noventa dias 4º Só por instrumento público se poderá revogar o mandato 118 É o que se infere da redação do 2º do art 654 2º O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida em confronto com a regra anterior do 3º do art 1289 do CC1916 3º O reconhecimento da firma no instrumento particular é condição essencial à sua validade em relação a terceiros 119 Vale registrar que o art 26 da Lei n 890694 Estatuto da OAB estabelece que o advogado substabelecido com reserva de poderes não pode cobrar honorários sem a intervenção daquele que lhe conferiu o substabelecimento 120 Orlando Gomes Contratos p 349 121 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 386 122 CC2002 Art 660 O mandato pode ser especial a um ou mais negócios determinadamente ou geral a todos os do mandante 123 Tal entendimento foi explicitado inclusive na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal que aprovou o Enunciado n 183 com a seguinte redação Arts 660 e 661 Para os casos em que o parágrafo primeiro do art 661 exige poderes especiais a procuração deve conter a identificação do objeto 124 É tão amplo o objeto do mandato que atualmente já é possível em nosso pensar inclusive a realização do divórcio administrativo consensual por meio de procurador 125 Caio Mário da Silva Pereira Anteprojeto do Código de Obrigações já citado 126 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados p 211 127 Pablo Stolze Gagliano O Contrato de Doação Análise Crítica do Atual Sistema Jurídico e os seus Efeitos no Direito de Família e das Sucessões p 180 128 CC2002 Art 692 O mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito constantes da legislação processual e supletivamente às estabelecidas neste Código 129 Vale registrar nesse ponto que sendo o mandante a parte absoluta ou relativamente incapaz o mandato outorgado a advogado mandato judicial pode ser lavrado por instrumento particular Para a prática de atos negociais em geral mandato ad negotia como a venda de um imóvel no entanto devemse observar as regras gerais de validade do negócio jurídico e bem assim as normas especiais analisadas neste capítulo para se poder definir a natureza do instrumento se público ou particular 130 No mesmo sentido estabelece o 1º do art 5º da Lei n 890694 O advogado afirmando urgência pode atuar sem procuração obrigandose a apresentála no prazo de quinze dias prorrogável por igual período 131 No mesmo sentido estabelece o 2º do art 5º da Lei n 890694 A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais em qualquer juízo ou instância salvo os que exijam poderes especiais 132 Sobre o tema estabelece o art 76 do Código de Processo Civil de 2015 Art 76 Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício 1º Descumprida a determinação caso o processo esteja na instância originária I o processo será extinto se a providência couber ao autor II o réu será considerado revel se a providência lhe couber III o terceiro será considerado revel ou excluído do processo dependendo do polo em que se encontre 2º Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça tribunal regional federal ou tribunal superior o relator I não conhecerá do recurso se a providência couber ao recorrente II determinará o desentranhamento das contrarrazões se a providência couber ao recorrido 133 No mesmo sentido estabelece o 3º do art 5º da Lei n 890694 O advogado que renunciar ao mandato continuará durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia a representar o mandante salvo se for substituído antes do término desse prazo 134 2º do art 22 da Lei n 890694 Na falta de estipulação ou de acordo os honorários são fixados por arbitramento judicial em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB 135 O referido prazo foi reafirmado pelo art 206 5º II do vigente Código Civil brasileiro que estabeleceu o prazo de cinco anos para a prescrição da pretensão dos profissionais liberais em geral procuradores judiciais curadores e professores pelos seus honorários contado o prazo da conclusão dos serviços da cessação dos respectivos contratos ou mandato 136 CC2002 Art 663 Sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome do mandante será este o único responsável ficará porém o mandatário pessoalmente obrigado se agir no seu próprio nome ainda que o negócio seja de conta do mandante 137 Sobre o tema confirase o Capítulo VIII Classificação dos Contratos do v 4 Contratos t I Teoria Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 138 Jones Figueirêdo Alves Novo Código Civil Comentado coord Ricardo Fiuza p 611 139 CC2002 Art 674 Embora ciente da morte interdição ou mudança de estado do mandante deve o mandatário concluir o negócio já começado se houver perigo na demora 140 Orlando Gomes Contratos p 352 141 De Plácido e Silva Vocabulário Jurídico 15 ed p 184 142 Clóvis Beviláqua ob cit p 317 143 Débito permanente é o que consiste em uma prestação tal que não é possível conceber sua satisfação em um só momento mas do contrário tem de ser cumprida durante certo período de tempo continuadamente A determinação de sua duração resulta da vontade das partes mediante cláusula contratual em que subordinam os efeitos do negócio a um acontecimento futuro e certo ou da declaração de vontade de um dos contratantes pondo termo à relação denúncia São por consequência por tempo determinado ou indeterminado Orlando Gomes Contratos p 79 144 Sobre o tema confirase o tópico 3 Fontes do direito notadamente o subtópico 322 Costume do Capítulo I Noções Elementares de Direito do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 145 Sobre o tema confirase o subtópico 24 Caso fortuito e força maior do Capítulo VIII Causas Excludentes de Responsabilidade Civil e Cláusula de Não Indenizar do v 3 Responsabilidade Civil do nosso Novo Curso de Direito Civil 146 CC2002 Art 699 Presumese o comissário autorizado a conceder dilação do prazo para pagamento na conformidade dos usos do lugar onde se realizar o negócio se não houver instruções diversas do comitente 147 Descartes Drummond de Magalhães Curso de Direito Comercial v II p 221 148 No Direito italiano art 1736 Il commissionario che in virtù di patto o di uso è tenuto allo star del credere risponde nei confronti del committente per lesecuzione dellaffare In tal caso ha diritto oltre che alla provvigione a un compenso o a una maggiore provvigione la quale in mancanza di patto si determina secondo gli usi del luogo in cui è compiuto laffare In mancanza di usi provvede il giudice secondo equità 149 Descartes Drummond de Magalhães ob cit p 257 150 Waldemar Ferreira Instituições do Direito Comercial Os Contratos Mercantis e os Títulos de Crédito 2 ed v II p 382 151 Humberto Theodoro Jr ob cit p 106 disponível também no Juris Síntese IOB 152 Humberto Theodoro Jr Do Contrato de Agência e Distribuição no Novo Código Civil Disponível em http wwwmundojuridicoadvbr Acesso em 14 jul 2006 153 Hélio Capel Filho Diferenciando contrato de agência e contrato de distribuição no novo Código Civil Jus Navigandi Teresina ano 9 n 586 13 fev 2005 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrina textoaspid6316 Acesso em 16 jul 2006 154 José Maria Trepat Cases Código Civil Comentado Arts 693 a 817 v VIII p 67 155 Na sua manifestação mais simples a distribuição se exterioriza como contrato de fornecimento o produtor se obriga a fornecer certo volume de determinado produto e o revendedor se obriga a adquirilo periodicamente Não há uma remuneração direta entre fornecedor e revendedor Este se remunera com o lucro que a revenda dos produtos lhe proporciona O fornecedor por sua vez não exerce interferência alguma na gestão do negócio do revendedor Humberto Theodoro Jr Do Contrato de Agência e Distribuição no Novo Código Civil 156 Antônio Félix de Araújo Cintra e Ricardo Berger É Hora de Definir Agência e Distribuição no Novo Código Civil Jus Navigandi Teresina ano 7 n 66 jun 2003 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid4148 Acesso em 16 jul 2006 157 Esposa posicionamento contrário ao nosso Sílvio de Salvo Venosa O agente podese dedicar a uma infinidade de negócios Modernamente destacamse agentes que promovem negócios de turismo teatro atletas profissionais espetáculos esportivos publicidade e propaganda política transportes mercado financeiro etc Contratos em Espécie p 630 158 CC2002 Art 711 Salvo ajuste o proponente não pode constituir ao mesmo tempo mais de um agente na mesma zona com idêntica incumbência nem pode o agente assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero à conta de outros proponentes 159 Art 712 O agente no desempenho que lhe foi cometido deve agir com toda diligência atendose às instruções recebidas do proponente 160 Art 713 Salvo estipulação diversa todas as despesas com a agência ou distribuição correm a cargo do agente ou distribuidor 161 Por certo é que o novo Código Civil adotou o princípio da eticidade valorizando as condutas guiadas pela boafé principalmente no campo obrigacional Flávio Tartuce A Função Social dos Contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil p 1645 162 Art 714 Salvo ajuste o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspondente aos negócios concluídos dentro de sua zona ainda que sem a sua interferência 163 José Maria Trepat Cases ob cit p 78 164 Sobre o droit de saisine pontifica Francisco José Cahali O que ocorre em verdade é uma ficção jurídica a transmissão da herança se faz ipso jure para dar a necessária continuidade na titularidade das relações jurídicas deixadas pelo falecido que não podem ficar acéfalas Com a definitiva partilha e adjudicação da herança aos herdeiros quando se desfaz a comunhão forçada consolidando em seu patrimônio o quinhão herdado a titularidade do acervo operase retroativamente desde a data do falecimento Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka ob cit v 6 p 43 165 Francesco Messineo Doctrina General del Contrato t II p 210 166 O art 720 utiliza a expressão resolvêlo mas o sentido técnico correto é de resilição e não de resolução como vimos acima 167 No caso de divergência entre as partes o juiz decidirá a razoabilidade do prazo e do valor devido CC2002 parágrafo único do art 720 168 Legislação especial é expressão que traduz especialmente as normas referentes à representação comercial muito embora devamos registrar que supletivamente aplicamse também à agência e distribuição as normas regentes dos contratos de mandato e comissão no que couber art 721 do CC2002 169 CC2002 Art 722 Pelo contrato de corretagem uma pessoa não ligada a outra em virtude de mandato de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência obrigase a obter para a segunda um ou mais negócios conforme as instruções recebidas 170 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 444 171 Confiramse a título meramente histórico exemplificativo as Leis n 214653 e 560170 revogada pelo art 83 da Lei n 906995 que tratam da corretagem oficial de fundos públicos Decretolei n 8061951 art 27 Decretolei n 5765166 art 50 revogado pelo Dec n 180096 Lei n 893494 e Resolução n 164589 do Banco Central todas sobre corretagem de mercadorias Decreto n 1900929 art 3º Decreto n 5209063 arts 3º e 17 Decreto n 5765166 art 51 e Decreto n 5495664 art 4º revogado por Decreto sn de 15021991 sobre corretagem de navios Circular n 153389 do Banco Central Resolução BACEN n 220295 e Lei n 560170 revogada pelo art 83 da Lei n 906995 sobre corretagem de operações de câmbio Lei n 459464 art 1º Decreto n 5690065 Decreto n 5690365 Decretolei n 7366 Decreto n 6045967 e Lei n 794489 que tratam da corretagem de seguros e finalmente sobre a corretagem de valores as Leis n 472865 638576 640476 791389 794089 817891 e 888094 reguladas por diversas resoluções de Banco Central Ministério da Fazenda e CVM referências legais constantes na obra da ilustre Profa Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais 17 ed v III 172 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais 17 ed v III p 402 173 É a regra do art 727 do CC2002 Art 727 Se por não haver prazo determinado o dono do negócio dispensar o corretor e o negócio se realizar posteriormente como fruto da sua mediação a corretagem lhe será devida igual solução se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo contratual mas por efeito dos trabalhos do corretor 174 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 449 175 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v 3 p 452 176 Nesse sentido também foi o entendimento explicitado na IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal realizada de 25 a 27 de outubro de 2006 em que foi aprovado o Enunciado n 369 com a seguinte redação Enunciado n 369 Diante do preceito constante no art 732 do Código Civil teleologicamente e em uma visão constitucional de unidade do sistema quando o contrato de transporte constituir uma relação de consumo aplicamse as normas do Código de Defesa do Consumidor que forem mais benéficas a este 177 Humberto Theodoro Jr Do Transporte de Pessoas no Novo Código Civil Disponível em Site Acesso em 8 ago 2006 178 CC2002 Art 736 Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente por amizade ou cortesia Parágrafo único Não se considera gratuito o transporte quando embora feito sem remuneração o transportador auferir vantagens indiretas 179 CC2002 Art 731 O transporte exercido em virtude de autorização permissão ou concessão regese pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos sem prejuízo do disposto neste Código 180 Se as partes em vez de contratarem uma assessoria jurídica especializada resolverem celebrar contratos com formulários comprados na esquina o que evidentemente não se recomenda apesar da evidente e lamentável uniformidade não há que se falar em contrato de adesão tendo em vista que ambos os contratantes optaram por tal conteúdo contratual 181 CC2002 Art 423 Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias deverseá adotar a interpretação mais favorável ao aderente Art 424 Nos contratos de adesão são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio 182 Zeno Veloso Novo Código Civil Comentado p 663 183 Art 756 No caso de transporte cumulativo todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles de modo que o ressarcimento recaia por inteiro ou proporcionalmente naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano 184 CC2002 Art 732 Aos contratos de transporte em geral são aplicáveis quando couber desde que não contrariem as disposições deste Código os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais Sobre os Tratados e Atos internacionais além da famosa Convenção de Varsóvia promulgada pelo Decreto 20704 de 24 de novembro de 1931 consulte os seguintes endereços eletrônicos do Ministério das Relações Exteriores httpwww2mregovbrdaibifluvihtm httpwww2mregovbrdaitranspthtm httpwww2mregovbrdaiturismohtm 185 CC2002 Art 749 O transportador conduzirá a coisa ao seu destino tomando todas as cautelas necessárias para mantêla em bom estado e entregála no prazo ajustado ou previsto No Código Comercial de 1850 havia uma regra análoga no art 99 que preceituava que os barqueiros tropeiros e quaisquer outros condutores de gêneros ou comissários que do seu transporte se encarregarem mediante uma comissão frete ou aluguel devem efetuar a sua entrega fielmente no tempo e no lugar do ajuste e empregar toda a diligência e meios praticados pelas pessoas exatas no cumprimento dos seus deveres em casos semelhantes para que os mesmos gêneros se não deteriorem fazendo para esse fim por conta de quem pertencer as despesas necessárias e são responsáveis as partes pelas perdas e danos que por malversação ou omissão sua ou dos seus feitores caixeiros ou outros quaisquer agentes resultarem 186 CC2002 Art 744 Ao receber a coisa o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem obedecido o disposto em lei especial Parágrafo único O transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue devidamente assinada a relação discriminada das coisas a serem transportadas em duas vias uma das quais por ele devidamente autenticada ficará fazendo parte integrante do conhecimento 187 Zeno Veloso ob cit p 6712 188 Além disso o conhecimento firma a legitimidade de terceiro desde que o apresente endossado visando à retirada da coisa Art 754 do CC2002 As mercadorias devem ser entregues ao destinatário ou a quem apresentar o conhecimento endossado devendo aquele que as receber conferilas e apresentar as reclamações que tiver sob pena de decadência dos direitos Parágrafo único No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista o destinatário conserva a sua ação contra o transportador desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega Ressaltese que no Código Comercial de 1850 a regra era mais leonina Art 109 Não terá lugar reclamação alguma por diminuição ou avaria dos gêneros transportados depois de se ter passado recibo da sua entrega sem declaração de diminuição ou avaria 189 CC2002 Art 942 Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado e se a ofensa tiver mais de um autor todos responderão solidariamente pela reparação 190 Cf a respeito a obra de Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Contratos em Espécie cap 23 já citada 191 CC2002 Art 748 Até a entrega da coisa pode o remetente desistir do transporte e pedila de volta ou ordenar seja entregue a outro destinatário pagando em ambos os casos os acréscimos de despesa decorrentes da contraordem mais as perdas e danos que houver 192 CC2002 Art 752 Desembarcadas as mercadorias o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário se assim não foi convencionado dependendo também de ajuste a entrega a domicílio e devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de entrega a domicílio 193 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie p 487 194 Sobre a responsabilidade do transportador de mercadorias e os seus desdobramentos na jurisprudência convidamos o nosso leitor a consultar o Cap XVII Responsabilidade Civil do Transportador do nosso Novo Curso de Direito Civil v 3 dedicado ao estudo da Responsabilidade Civil 195 Aguiar Dias ob cit v I p 185 196 Carlos Roberto Gonçalves Responsabilidade Civil p 282 197 Carlos Roberto Gonçalves Responsabilidade Civil p 286 198 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 210 199 CC2002 Art 1467 São credores pignoratícios independentemente de convenção I os hospedeiros ou fornecedores de pousada ou alimento sobre as bagagens móveis joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito II o dono do prédio rústico ou urbano sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio pelos aluguéis ou rendas 200 CC2002 Art 777 O disposto no presente Capítulo aplicase no que couber aos seguros regidos por leis próprias Entre esses seguros regidos por leis próprias podemos destacar a Lei n 6194 de 19121974 que dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre ou por sua carga a pessoas transportadas ou não bem como a Lei n 6704 de 26101979 que dispõe sobre o seguro de crédito à exportação e dá outras providências a Lei n 6317 de 22121975 que dispõe sobre a contratação de seguros sem exigências e restrições previstas na Lei n 4594 de 29121964 e a Lei n 8374 de 30121991 que dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por embarcações ou por sua carga e dá outras providências 201 François Ewald Risco Sociedade e Justiça II Fórum de Direito do Seguro p 2742 202 Confirase o tópico 7 A BoaFé e o Contrato de Seguro deste capítulo 203 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie v III p 377 204 Confirase o tópico 10 Prêmio deste capítulo 205 CC2002 Art 458 Se o contrato for aleatório por dizer respeito a coisas ou fatos futuros cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa ainda que nada do avençado venha a existir 206 Sobre o tema estabelece o art 64 da Circular 302 da SUSEP Superintendência de Seguros Privados Art 64 Deverão ser especificados nas condições gerais os procedimentos para renovação da apólice quando for o caso 1º A renovação automática do seguro só poderá ser feita uma única vez devendo as renovações posteriores serem feitas obrigatoriamente de forma expressa 2º Caso a sociedade seguradora não tenha interesse em renovar a apólice deverá comunicar aos segurados e ao estipulante mediante aviso prévio de no mínimo sessenta dias que antecedam o final de vigência da apólice Disponível em httpwwwsusepgovbrtextoscirc302pdf 207 Lei n 807890 Código de Defesa do Consumidor Art 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final Parágrafo único Equiparase a consumidor a coletividade de pessoas ainda que indetermináveis que haja intervindo nas relações de consumo 208 É a previsão expressa do parágrafo único do art 757 do vigente Código Civil brasileiro sem correspondência específica no CC1916 Parágrafo único Somente pode ser parte no contrato de seguro como segurador entidade para tal fim legalmente autorizada 209 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie v III p 377 210 Mesmo considerando a existência de modalidades especiais de seguros regidas por princípios particulares alinhamos o nosso pensamento com a doutrina de CAIO MÁRIO no sentido de que não obstante a variedade de espécies predomina o conceito unitário de seguro que se multiplica em vários ramos ou subespécies Instituições de Direito Civil Fontes das Obrigações p 303 211 Pedro Alvim O Contrato de Seguro p 2056 212 Registrese que o Instituto de Resseguros do Brasil IRB foi privatizado a partir de 1º102013 213 httpwwwsusepgovbrprincipalasp Acesso em 10 maio 2007 214 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie p 405 215 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Minidicionário Rio de Janeiro Nova Fronteira 1977 p 422 216 J J Calmon de Passos O Imoral nas Indenizações por Dano Moral Jus Navigandi Teresina n 57 ano 6 jul 2002 Disponível no site httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid2989 Acesso em 22 fev 2007 217 No dizer de Caio Mário da Silva Pereira o objeto do contrato de seguro é o risco que pode incidir em todo bem jurídico Instituições de Direito Civil Fontes das Obrigações v III p 303 o que permite uma ampla gama de tipos de seguros privados 218 O contrato de seguro por desempenhar nos dias atuais dentro da sociedade tal como configurada o relevante papel de socialização dos riscos dos danos e do dever de indenizar não pode definitivamente arredarse dessa diretriz estando condicionado ao integral cumprimento da função social que tem a realizar Lucas Abreu Barroso O Contrato de Seguro e o Direito das Relações de Consumo Disponível em httpwwwintelligentiajuridicacombrv3artigovisualizarphpid1042 219 CC2002 Art 762 Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado do beneficiário ou de representante de um ou de outro 220 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie p 381 221 CC2002 Art 758 O contrato de seguro provase com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro e na falta deles por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio 222 José Maria Trepat Cases Código Civil Comentado Arts 693 a 817 v VIII p 219 223 A referência por óbvio é ao Código Civil brasileiro de 1916 224 Pedro Alvim ob cit p 15960 225 CC2002 Art 760 A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos à ordem ou ao portador e mencionarão os riscos assumidos o início e o fim de sua validade o limite da garantia e o prêmio devido e quando for o caso o nome do segurado e o do beneficiário Parágrafo único No seguro de pessoas a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador 226 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Contratos e Atos Unilaterais v III p 476 227 CC2002 Art 772 A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos sem prejuízo dos juros moratórios 228 CC2002 Art 769 O segurado é obrigado a comunicar ao segurador logo que saiba todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto sob pena de perder o direito à garantia se provar que silenciou de máfé 1º O segurador desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado poderá darlhe ciência por escrito de sua decisão de resolver o contrato 2º A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio 229 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie p 390 230 José Maria Trepat Cases Código Civil Comentado p 245 231 Ruy Rosado de Aguiar Jr Projeto do Código Civil as Obrigações e os Contratos Palestra proferida no Congresso Internacional sobre o Projeto do Código Civil Brasileiro Porto Alegre Faculdade de Direito da UFRGS Conselho da Justiça Federal 30 de abril de 1999 disponível no site httpwwwstjgovbrwebstjMinistrosdiscursointernetaspMinis0001102 Acesso em 31 mar 2007 232 Elissane Leila Omairi A Doutrina do Adimplemento Substancial e a sua Recepção pelo Direito Brasileiro disponível no site httpwwwdireitonetcombrartigosx20642064 Acesso em 31 mar 2007 233 Marco Antonio Scarpassa O Contrato de Seguro e a Mora do Segurado Relativa ao Pagamento do Prêmio Jus Navigandi Teresina n 1204 ano 10 18 out 2006 disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid9057 acessado em 242007 234 STJ Súmula 257 A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres DPVAT não é motivo para a recusa do pagamento da indenização 235 CC2002 Art 766 Se o segurado por si ou por seu representante fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio perderá o direito à garantia além de ficar obrigado ao prêmio vencido Parágrafo único Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de máfé do segurado o segurador terá direito a resolver o contrato ou a cobrar mesmo após o sinistro a diferença do prêmio 236 Código Penal Estelionato Art 171 Obter para si ou para outrem vantagem ilícita em prejuízo alheio induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício ardil ou qualquer outro meio fraudulento Pena reclusão de um a cinco anos e multa 1º Se o criminoso é primário e é de pequeno valor o prejuízo o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art 155 2º 2º Nas mesmas penas incorre quem Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro V destrói total ou parcialmente ou oculta coisa própria ou lesa o próprio corpo ou a saúde ou agrava as consequências da lesão ou doença com o intuito de haver indenização ou valor de seguro 237 CC2002 Art 781 A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro e em hipótese alguma o limite máximo da garantia fixado na apólice salvo em caso de mora do segurador 238 CC2002 Art 782 O segurado que na vigência do contrato pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse e contra o mesmo risco junto a outro segurador deve previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro indicando a soma por que pretende segurarse a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art 778 239 José Maria Trepat Cases ob cit p 259 240 CC2002 Art 779 O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro minorar o dano ou salvar a coisa 241 CDC Art 25 É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores 1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores 2º Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço são responsáveis solidários seu fabricante construtor ou importador e o que realizou a incorporação Art 50 A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito Parágrafo único O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer de maneira adequada em que consiste a mesma garantia bem como a forma o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor devendo serlhe entregue devidamente preenchido pelo fornecedor no ato do fornecimento acompanhado de manual de instrução de instalação e uso do produto em linguagem didática com ilustrações Art 54 Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo 1º A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato 2º Nos contratos de adesão admitese cláusula resolutória desde que a alternativa cabendo a escolha ao consumidor ressalvandose o disposto no 2º do artigo anterior 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque permitindo sua imediata e fácil compreensão 242 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil v III p 71 243 Humberto Theodoro Jr Do Transporte de Pessoas no Novo Código Civil disponível no site Site Acesso em 8 ago 2006 244 CC2002 Art 785 Salvo disposição em contrário admitese a transferência do contrato a terceiro com a alienação ou cessão do interesse segurado 1º Se o instrumento contratual é nominativo a transferência só produz efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário 2º A apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em preto datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário 245 Jones Figueirêdo Alves Novo Código Civil Comentado coord Ricardo Fiuza p 70910 246 CC2002 Art 786 Paga a indenização o segurador subrogase nos limites do valor respectivo nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano 1º Salvo dolo a subrogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado seus descendentes ou ascendentes consanguíneos ou afins 2º É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga em prejuízo do segurador os direitos a que se refere este artigo 247 A razão de ser desse preceito legal segundo o Min Eduardo Ribeiro prendese por certo à garantia que o segurador prometeu de fazer indene à dívida o contraente Vencido na ação em que se pleiteie seja condenado a indenizar o segurado haverá de ressarcirse junto ao segurador caso esse não preste a garantia efetuando diretamente o pagamento Eduardo Ribeiro de Oliveira Contrato de Seguro Alguns Tópicos in O Novo Código Civil Estudos em Homenagem a Miguel Reale p 740 248 Arruda Alvim Manual de Direito Processual Civil Processo de Conhecimento 9 ed v II p 180 249 Fredie Didier Jr Direito Processual Civil Tutela Jurisdicional Individual e Coletiva 5 ed p 319 250 Jones Figueirêdo Alves Novo Código Civil Comentado p 7134 251 CC2002 Art 800 Nos seguros de pessoas o segurador não pode subrogarse nos direitos e ações do segurado ou do beneficiário contra o causador do sinistro 252 CC2002 Art 795 É nula no seguro de pessoa qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado 253 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 4901 254 Georges Ripert e Jean Boulanger Tratado de Derecho Civil Según el Tratado de Planiol Contratos Civiles t VIII p 582 255 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil p 65 256 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 310 257 CC2002 Art 793 É válida a instituição do companheiro como beneficiário se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente ou já se encontrava separado de fato 258 CC2002 Art 791 Se o segurado não renunciar à faculdade ou se o seguro não tiver como causa declarada a garantia de alguma obrigação é lícita a substituição do beneficiário por ato entre vivos ou de última vontade Parágrafo único O segurador que não for cientificado oportunamente da substituição desobrigarseá pagando o capital segurado ao antigo beneficiário 259 Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie p 387 260 Por isso mesmo parecenos pertinente referir a III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal que ao editar o Enunciado n 187 fixou Enunciado n 187 Art 798 No contrato de seguro de vida presumese de forma relativa ser premeditado o suicídio cometido nos dois primeiros anos de vigência da cobertura ressalvado ao beneficiário o ônus de demonstrar a ocorrência do chamado suicídio involuntário Assim a presunção é apenas relativa embora convenhamos não seja fácil demonstrar a ocorrência de um suicídio involuntário leia se suicídio não premeditado para pagamento do seguro 261 Arruda Alvim J M Direito Privado v II p 109 262 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 313 263 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 500 264 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Contratos v 4 p 232 e s 265 CC2002 Art 805 Sendo o contrato a título oneroso pode o credor ao contratar exigir que o rendeiro lhe preste garantia real ou fidejussória 266 Silvio Rodrigues Direito Civil Dos Contratos e Das Declarações Unilaterais de Vontade 30 ed v III p 335 267 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 511 268 Serpa Lopes apud Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 370 269 Nesse sentido Silvio Rodrigues ob cit p 3356 e Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 510 270 CC2002 Art 166 É nulo o negócio jurídico quando III o motivo determinante comum a ambas as partes for ilícito 271 Sílvio Venosa ob cit p 372 272 Apenas para avivar a memória lembremos que a irrepetibilidade é a característica de impossibilidade de devolução da prestação havida o que é próprio de uma relação obrigacional efetivamente devida como o são as obrigações naturais 273 Norma equivalente é encontrada por exemplo no Código Civil italiano que preceitua em seu art 1933 1933 Mancanza di azione I Non compete azione per il pagamento di un debito di giuoco o di scommessa anche se si tratta di giuoco o di scommessa non proibiti 718 cp II Il perdente tuttavia non può ripetere quanto abbia spontaneamente pagato dopo lesito di un giuoco o di uma scommessa in cui non vi sia stata alcuna frode 2034 La ripetizione è ammessa in ogni caso se il perdente è un incapace 274 Bem mais técnico em nossa opinião é o Código Civil português ao preceituar em seu art 1245º que o jogo e a aposta não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações civis porém quando lícitos são fonte de obrigações naturais excepto se neles concorrer qualquer outro motivo de nulidade ou anulabilidade nos termos gerais de direito ou se houver fraude do credor em sua execução 275 Silvio Rodrigues Direito Civil Dos Contratos e Declarações Unilaterais de Vontade 25 ed v 3 p 363 276 A Lei do Jogo portuguesa DecLei n 422 de 2121989 define em seu art 1º que jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte 277 Isso reflete até mesmo nas relações trabalhistas não se podendo reconhecer validade aos contratos de emprego estabelecidos especificamente para a prática de tais condutas É o caso por exemplo do jogo do bicho prática que embora ilícita encontra grande aceitação social sobre o qual o Tribunal Superior do Trabalho através da sua Seção de Dissídios IndividuaisI editou desde 8112000 a Orientação jurisprudencial 199 com o seguinte teor Orientação jurisprudencial 199 Jogo do bicho Contrato de trabalho Nulidade Objeto ilícito Arts 82 e 145 do Código Civil 278 Quanto ao jogo do bicho o fato é que já há hoje uma larga aceitação social da sua prática o que poderia sobretudo em termos penais permitir uma reflexão acerca da sua ilicitude essencial 279 Orlando Gomes Contratos 24 ed p 42930 280 Tudo pois que não é ilícito é lícito e viceversa o que não deixa margem à possibilidade de lacunas do direito Todavia embora o princípio lógico acima enunciado tudo que não é lícito é ilícito seja como uma proposição logicamente conversível realmente não se pode proceder à conversão do princípio paralelo ou equivalente tudo que não está proibido está juridicamente facultado A conversão deste princípio embora tivesse o mesmo resultado lógico de completar a ordem jurídica conferindolhe uma plenitude hermética não seria compatível com a liberdade em que a vida e a conduta essencialmente consistem se tudo o que não é permitido é juridicamente proibido simplesmente a vida não é possível pois para cada contração muscular que executo para escrever este livro teria de haver uma expressa permissão por parte da ordem jurídica A L Machado Neto Compêndio de Introdução à Ciência do Direito 3 ed p 152 281 Destaquese por exemplo a Lei n 5768 de 20121971 que trata da legislação sobre distribuição gratuita de prêmios mediante sorteio valebrinde ou concurso a título de propaganda estabelece normas de proteção à poupança popular e dá outras providências bem como seu Decreto regulamentador a saber o Decreto n 70951 de 981972 282 CC2002 Art 815 Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta no ato de apostar ou jogar 283 Orlando Gomes Contratos 24 ed p 433 284 CC1916 Art 1479 São equiparados ao jogo submetendose como tais ao disposto nos artigos antecedentes os contratos sobre títulos de bolsa mercadorias ou valores em que se estipule a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste 285 Jones Figueirêdo Alves Novo Código Civil Comentado p 7378 286 CC2002 Art 858 Sendo simultânea a execução a cada um tocará quinhão igual na recompensa se esta não for divisível conferirseá por sorteio e o que obtiver a coisa dará ao outro o valor de seu quinhão 287 CC2002 Art 114 Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretamse estritamente Sobre a interpretação dos contratos confirase o Capítulo XI Interpretação dos Contratos do t I Teoria Geral do v 4 do nosso Novo Curso de Direito Civil 288 Silvio Rodrigues Direito Civil Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade 30 ed v III p 359 289 CC2002 Art 107 A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial senão quando a lei expressamente a exigir 290 Orlando Gomes Contratos 24 ed p 439 291 Manuel Inácio Carvalho de Mendonça Contratos no Direito Civil Brasileiro 4 ed v III t 2 p 411 292 Caio Mário da Silva Pereira ob cit v III p 328 293 Esse é o pensamento de Sérgio André Rocha Gomes da Silva em seu excelente artigo Da inconstitucionalidade da penhorabilidade do bem de família por obrigação decorrente de fiança em contrato de locação publicado na Revista de Direito Privado v 2 abrjun 2000 294 A fiança quando se encontrava em vigor o Código de 1916 classificavase ainda em civil CC arts 1481 a 1504 e mercantil CCom arts 256 a 264 O Código Civil de 2002 revogou todavia toda a parte primeira deste último diploma inclusive os dispositivos concernentes à fiança Desse modo ela é hoje sempre civil podendo ser chamada de empresária quando destinada a garantir o exercício da atividade própria de empresário Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro v III p 529 295 Para um aprofundamento sobre o tema confirase o excelente artigo de Oliveiros Guanais Filho Fiança Criminal Real Alcance publicado na Revista Jurídica dos Formandos em Direito da UFBA ano II v II p 46377 296 Júlio Fabbrini Mirabete Processo Penal p 408 297 Também o art 121 do Código de Águas Decreto n 24643 de 1071934 estabelece Art 121 Os donos dos prédios servientes têm também direito a indenização dos prejuízos que de futuro vierem a resultar da infiltração ou irrupção das águas ou deterioração das obras feitas para a condução destas Para garantia deste direito eles poderão desde logo exigir que se lhes preste caução 298 CAUÇÃO Consoante sua própria origem do latim cautio ação de se acautelar precaução de modo geral quer expressar precisamente a cautela que se tem ou se toma em virtude da qual certa pessoa oferece a outrem a garantia ou segurança para o cumprimento de alguma obrigação Como se vê é tomado em sentido genérico para indicar as várias modalidades de garantias que possam ser dadas pelo devedor ou exigidas pelo credor para fiel cumprimento da obrigação assumida em virtude de contrato decorrente de algum ato a praticar ou que tenha sido já praticado por quem está obrigado a ela E como garantia que é prestada a caução em regra pode ser consequente do oferecimento de penhor de hipoteca etc como pode decorrer de fiança pessoal E nestes dois aspectos se diz caução real quando a garantia se efetiva sobre coisas móveis ou imóveis ou se diz fidejussória quando se trata da garantia pessoal A função jurídica da caução é precipuamente a de assegurar a solvabilidade do devedor E sob o ponto de vista obrigacional apresentase como o contrato ou obrigação acessória de modo que em regra se firma na existência de contrato ou de obrigação principal Por esta razão não devem os encargos que dela decorrem exceder a responsabilidade da obrigação principal nem suas condições devem ser mais onerosas que as estipuladas para a dívida ou obrigação principal De Plácido e Silva Vocabulário Jurídico 15 ed p 1601 299 Importante observação é feita neste ponto por Flávio Tartuce Como se pode aduzir as hipóteses dos incisos I e II são casos em que o fiador abre mão por força de previsão no contrato do direito de alegar um benefício que a lei lhe faculta Justamente porque o fiador está renunciando a um direito que lhe é inerente é que defendemos na IV Jornada de Direito Civil que essa renúncia não valerá se o contrato de fiança for de adesão por força da aplicação direta do art 424 do CC Essa tese já foi por nós defendida em nosso livro Função social dos contratos p 254 e também no presente sendo aplicação direta da eficácia interna desse princípio que busca a justiça contratual Assim foi aprovado o Enunciado n 364 CJF pelo qual No contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão Direito Civil v 3 Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie Série Concursos Públicos 2 ed São Paulo Método 2007 300 CC2002 Art 588 O mútuo feito a pessoa menor sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver não pode ser reavido nem do mutuário nem de seus fiadores 301 CC2002 Art 829 A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão Parágrafo único Estipulado este benefício cada fiador responde unicamente pela parte que em proporção lhe couber no pagamento 302 Aliás vale lembrar que cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua responsabilidade caso em que não será por mais obrigado art 830 do CC2002 303 CC2002 Art 835 O fiador poderá exonerarse da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo sempre que lhe convier ficando obrigado por todos os efeitos da fiança durante sessenta dias após a notificação do credor 304 Sílvio Venosa Contratos em Espécie p 433 305 Rubens Requião Curso de Direito Comercial 20 ed v 2 p 345 306 STF Súmula 377 No regime de separação legal de bens comunicamse os adquiridos na constância do casamento 307 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados p 557 308 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes LXXVIII a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação incluído pela EC n 45 de 2004 309 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial Contratos 6 ed t 1 p 158 310 No mesmo sentido Sílvio de Salvo Venosa Contratos em Espécie p 314 311 Embora seja a forma mais comum a conciliação não precisa ser necessariamente uma transação uma vez que através dela também poderia ocorrer o reconhecimento da procedência do pedido ou a renúncia do direito em que se funda a pretensão caso disponíveis 312 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos p 306 313 CC2002 Art 842 A transação farseá por escritura pública nas obrigações em que a lei o exige ou por instrumento particular nas em que ela o admite se recair sobre direitos contestados em juízo será feita por escritura pública ou por termo nos autos assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz 314 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações p 159 315 CPC2015 Art 784 São títulos executivos extrajudiciais I a letra de câmbio a nota promissória a duplicata a debênture e o cheque II a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor III o documento particular assinado pelo devedor e por 2 duas testemunhas IV o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público pela Defensoria Pública pela Advocacia Pública pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal V o contrato garantido por hipoteca penhor anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução VI o contrato de seguro de vida em caso de morte VII o crédito decorrente de foro e laudêmio VIII o crédito documentalmente comprovado decorrente de aluguel de imóvel bem como de encargos acessórios tais como taxas e despesas de condomínio IX a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios correspondente aos créditos inscritos na forma da lei X o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral desde que documentalmente comprovadas XI a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados fixados nas tabelas estabelecidas em lei XII todos os demais títulos aos quais por disposição expressa a lei atribuir força executiva 1º A propositura de qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promoverlhe a execução 2º Os títulos executivos extrajudiciais oriundos de país estrangeiro não dependem de homologação para serem executados 3º O título estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação 316 Lei de Ação Civil Pública Art 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público pela União pelos Estados e Municípios Poderão também ser propostas por autarquia empresa pública fundação sociedade de economia mista ou por associação que I esteja constituída há pelo menos um ano nos termos da lei civil II inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente ao consumidor à ordem econômica à livre concorrência ou ao patrimônio artístico estético histórico turístico e paisagístico 1º O Ministério Público se não intervier no processo como parte atuará obrigatoriamente como fiscal da lei 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitarse como litisconsortes de qualquer das partes 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa Redação dada pela Lei n 8078 de 1990 4º O requisito da préconstituição poderá ser dispensado pelo juiz quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido Incluído pela Lei n 8078 de 11 91990 5º Admitirseá o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei Incluído pela Lei n 8078 de 1191990 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais mediante cominações que terá eficácia de título executivo extrajudicial 317 Geisa de Assis Rodrigues Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta p 1134 318 Sobre o tema confirase o tópico 12 Incidência da arbitragem na legislação trabalhista brasileira do Capítulo XVII Compromisso Arbitragem do v 2 Obrigações do nosso Novo Curso de Direito Civil 319 Sobre o tema confirase o tópico 9 Arbitragem Poder Judiciário do Capítulo XVII Compromisso Arbitragem do v 2 Obrigações do nosso Novo Curso de Direito Civil 320 A sentença arbitral em termos gerais também não necessita de homologação pelo Poder Judiciário Finalmente reconheceuse a natureza jurisdicional da arbitragem propondose assim uma reavaliação do entendimento clássico de jurisdição Deram ao laudo a mesma importância e vigor da sentença emanada do juiz togado estabelecendose que a sentença dos árbitros tem os mesmos efeitos da sentença estatal Em suma ao dispensar a homologação conferiuse força executória à sentença arbitral equiparandoa à sentença judicial transitada em julgado porque o que se levou em conta foi a natureza de contrato da arbitragem por que as partes livremente e de comum acordo instituem o juízo arbitral não podendo romper o que foi pactuado Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos Lei da Arbitragem Comentada p 72 321 Art 31 A sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e sendo condenatória constitui título executivo 322 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial v 6 t 1 Contratos p 175 323 Ob cit p 177 324 Art 871 Quando alguém na ausência do indivíduo obrigado a alimentos por ele os prestar a quem se devem poderlhesá reaver do devedor a importância ainda que este não ratifique o ato Art 872 Nas despesas do enterro proporcionadas aos usos locais e à condição do falecido feitas por terceiro podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de alimentar a que veio a falecer ainda mesmo que esta não tenha deixado bens Parágrafo único Cessa o disposto neste artigo e no antecedente em se provando que o gestor fez essas despesas com o simples intento de bemfazer 325 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 2 ed v 2 p 206 326 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 2 ed v 2 p 203 327 A jurisprudência tem dispensado a prova do erro e deferido a restituição ao solvens quando se trata de pagamento de impostos contentandose com a prova de sua ilegalidade ou inconstitucionalidade Também tem proclamado que a correção monetária é devida a partir do indevido pagamento e não apenas a contar do ajuizamento da ação de repetição de indébito Entretanto o Código Tributário Nacional estabelece que os juros só são devidos desde o trânsito em julgado da sentença art 167 parágrafo único Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial v 6 t 1 Contratos p 179 328 Quanto à cobrança judicial sem justa causa de dívida cf art 940 do CC2002 329 Sobre o tema confirase a excelente dissertação de Jairo Lins de Albuquerque SentoSé Trabalho Escravo no Brasil 2000 330 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 185 331 Nesse sentido Dylson Doria Curso de Direito Comercial 6 ed v 2 p 102 332 Segundo o art 206 3º IV do Código Civil prescreve em três anos a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa 333 José de Aguiar Dias Da Responsabilidade Civil v I p 1 334 No Direito Romano para se fixar a stipulatio faziase mister o pronunciamento dos termos dare mihi spondes Spondeo era o que devia responder aquele que se responsabilizava pela obrigação vide Maria Helena Diniz ob cit p 29 Sobre a matéria vale a pena conferir o excelente Direito Romano de José Carlos Moreira Alves v II 6 ed p 139140 335 Embora não seja comum nos autores é importante distinguir a obrigação da responsabilidade Obrigação é sempre um dever jurídico originário responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem assume uma obrigação um dever jurídico originário Se não cumprir a obrigação deixar de prestar os serviços violará o dever jurídico originário surgindo daí a responsabilidade o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação Em síntese em toda obrigação há um dever jurídico originário enquanto que na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo E sendo a responsabilidade uma espécie de sombra da obrigação a imagem é de Larenz sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos de observar a quem a lei imputou a obrigação ou dever originário Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 20 336 O jurisconsulto romano Ulpiano proclamou três preceitos como princípios fundamentais do direito honeste vivere viver honestamente neminem laedere não lesar outrem e suum cuique tribuere dar a cada um o que é seu 337 Academia Brasileira de Letras Jurídicas Dicionário Jurídico 3 ed p 679 338 José de Aguiar Dias ob cit p 4 339 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil 2 ed v I p 462 340 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 11 341 Por exemplo o homicídio além de demandar a persecução criminal pode fazer surgir a pretensão reparatória dos herdeiros do falecido que perderam a pessoa responsável pela sua subsistência 342 Carlos Alberto Bittar Responsabilidade Civil Teoria Prática 2 ed p 3 343 No mesmo diapasão encontrase Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil v I 3 ed p 452453 Nesta análise cabe toda espécie de ilícito seja civil seja criminal Não se aponta em verdade uma diferença ontológica entre um e outro Há em ambos o mesmo fundamento ético a infração de um dever preexistente e a imputação do resultado à consciência do agente Assinalase porém uma diversificação que se reflete no tratamento deste quer em função da natureza do bem jurídico ofendido quer em razão dos efeitos do ato Para o direito penal o delito é um fator de desequilíbrio social que justifica a repressão como meio de restabelecimento para o direito civil o ilícito é um atentado contra o interesse privado de outrem e a reparação do dano sofrido é a forma indireta de restauração do equilíbrio rompido Em sentido contrário a título de curiosidade confirase André Luiz Batista Neves Da Independência Ontológica entre a Ilicitude Penal e a Civil In O Trabalho Doutrina fascículo 21 p 503504 344 Wladimir Valler A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro 3 ed p 17 345 Dispõem os artigos mencionados Art 188 Não constituem atos ilícitos I os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido II a deterioração ou destruição da coisa alheia ou a lesão a pessoa a fim de remover perigo iminente Parágrafo único No caso do inciso II o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo Art 929 Se a pessoa lesada ou o dono da coisa no caso do inciso II do art 188 não forem culpados do perigo assistirlhesá direito à indenização do prejuízo que sofreram Art 930 No caso do inciso II do art 188 se o perigo ocorrer por culpa de terceiro contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado Parágrafo único A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano art 188 inciso I 346 Remontando à Lex XII Tabularum lá se encontram vestígios da vingança privada marcada todavia pela intervenção do poder público no propósito de disciplinála de uma certa forma Tabula VIII lei 2ª onde se lê si membrum rupsit ni cum eo pacit talio est Girard Textes de Droit Romain p 17 Nesta fase de vindicta não se podia cogitar da ideia de culpa dada a relevância do fato mesmo de vingar Alvino Lima ob cit p 21 Nesta fase nenhuma diferença existe entre responsabilidade civil e responsabilidade penal Malaurie e Aynès loc cit Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 2 347 Alvino Lima Culpa e Risco 2 ed p 21 348 A lei Aquília não se limitou a especificar melhor os atos ilícitos mas substituiu as penas fixas editadas por certas leis anteriores pela reparação pecuniária do dano causado tendo em vista o valor da coisa durante os 30 dias anteriores ao delito e atendendo a princípio ao valor venal mais tarde estendeuse o dano ao valor relativo por influência da jurisprudência de sorte que a reparação podia ser superior ao dano realmente sofrido se a coisa diminuísse de valor no caso prefixado Alvino Lima ob cit p 2223 349 Alvino Lima ob cit p 2627 350 Alvino Lima ob cit p 41 351 Arts 1518 a 1532 do Código Civil de 1916 constante de seu Título VII Das Obrigações por Atos Ilícitos 352 Este raciocínio continua válido do ponto de vista da teoria geral da responsabilidade civil embora como veremos em capítulo próprio a responsabilidade civil por ato de terceiros por força do art 933 do CC2002 migrou de uma hipótese de responsabilidade civil subjetiva para um exemplo de responsabilidade civil objetiva 353 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 265266 354 Sobre a responsabilidade penal objetiva confiramse as lições de Damásio E de Jesus Direito Penal 12 ed v 1 p 397 Dáse o nome de responsabilidade penal objetiva à sujeição de alguém à imposição de pena sem que tenha agido com dolo ou culpa ou sem que tenha ficado demonstrada sua culpabilidade com fundamento no simples nexo de causalidade material 355 Wladimir Valler ob cit p 24 356 Enfrentadas com minúcias nos Capítulos LIII A Responsabilidade Civil Subjetiva e a Noção de Culpa e LIV Responsabilidade Civil Objetiva e a Atividade de Risco deste livro 357 Discorrendo sobre o tema pondera Carlos Roberto Gonçalves Há quem critique essa dualidade de tratamento São os adeptos da tese unitária ou monista que entendem pouco importar os aspectos sob os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico pois uniformes são os seus efeitos De fato basicamente as soluções são idênticas para os dois aspectos Tanto em um como em outro caso o que em essência se requer para a configuração da responsabilidade são estas três condições o dano o ato ilícito e a causalidade isto é o nexo de causalidade Responsabilidade Civil 7 ed p 2627 358 Onde se realiza a maior revolução nos conceitos jusromanísticos em termos de responsabilidade civil é com a Lex Aquilia de data incerta mas que se prende aos tempos da República Leonardo Colombo Culpa Aquiliana p 107 Tão grande revolução que a ela se prende a denominação de aquiliana para designarse a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual Foi um marco tão acentuado que a ela se atribui a origem do elemento culpa como fundamental na reparação do dano Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 3 359 Sobre a perspectiva constitucional do contrato seu conceito contemporâneo e efeitos jurídicos cf a excelente obra Do Contrato Conceito PósModerno do Professor Doutor Paulo Roberto Nalin da PUCPR 360 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 198 361 Eduardo García Maynez Introducción al Estudio del Derecho 4 ed p 284 362 A L Machado Neto Compêndio de Introdução à Ciência do Direito 3 ed p 190 363 Carlos Alberto Bittar Reparação Civil por Danos Morais 1 ed p 16 364 Elucidativa é a seguinte explanação de Maria Helena Diniz ob cit p 7 A sanção é nas palavras de Goffredo Telles Jr uma medida legal que poderá vir a ser imposta por quem foi lesado pela violação da norma jurídica a fim de fazer cumprir a norma violada de fazer reparar o dano causado ou de infundir respeito à ordem jurídica A sanção é a consequência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado A responsabilidade civil constitui uma sanção civil por decorrer de infração de norma de direito privado cujo objetivo é o interesse particular e em sua natureza é compensatória por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito contratual ou extracontratual e por ato lícito 365 Clayton Reis Avaliação do Dano Moral 3 ed p 7879 366 Rodolfo Pamplona Filho O Dano Moral na Relação de Emprego 3 ed p 25 367 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil 10 ed v 7 p 34 368 Carlos Alberto Ghersi Teoría General de la Reparación de Daños 2 ed p 55 369 Apenas em pouquíssimos dispositivos isolados a doutrina reconhecia a responsabilidade sem culpa no Código Civil Brasileiro de 1916 a exemplo das regras referentes à responsabilidade pelo fato da coisa estudadas posteriormente 370 Alvino Lima sergipano nascido em Rosário do Catete em 1888 é considerado por muitos o pioneiro no estudo da responsabilidade objetiva no Direito Brasileiro A sua tese de cátedra aprovada gloriosamente em concurso prestado na Faculdade de Direito de São Paulo no qual obteve o primeiro lugar é uma referência na bibliografia nacional especializada no estudo da Responsabilidade Civil 371 Alvino Lima Culpa e Risco 2 ed p 3940 372 René Savatier Traité de la responsabilité civile en droit français 2 ed v 1 p 5 205 e s 285 e 291 e s 373 Ressaltese porém mais uma vez que o Código Civil de 2002 em seu art 928 estabelece nova disciplina para a matéria admitindo a responsabilidade patrimonial do incapaz nos seguintes termos Art 928 O incapaz responde pelos prejuízos que causar se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazêlo ou não dispuserem de meios suficientes Parágrafo único A indenização prevista neste artigo que deverá ser equitativa não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem 374 Carlos Roberto Gonçalves Responsabilidade Civil 8 ed p 1112 375 Luiz Roldão de Freitas Gomes Elementos de Responsabilidade Civil p 5051 376 Rui Stoco Tratado de Responsabilidade Civil 5 ed p 95 377 Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli Manual de Direito Penal Brasileiro Parte Geral p 441 378 Sílvio de Salvo Venosa Responsabilidade Civil 3 ed p 22 379 Tratase do Projeto que se converteu no Código Civil de 2002 380 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 35 381 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil 2 ed v I p 471 382 Martinho Garcez Neto Responsabilidade Civil no Direito Comparado p 142 383 Martinho Garcez Neto Responsabilidade Civil no Direito Comparado p 141 384 A estipulação de uma cláusula penal para o caso de inadimplemento é inclusive uma forma de prétarifar as perdas e danos 385 Santos Cifuentes Elementos de Derecho Civil Parte Geral 4 ed p 261 386 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 70 387 Gramaticalmente o termo dano segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira tem as seguintes acepções DANO Do lat damnu S m 1 Mal ou ofensa pessoal prejuízo moral Grande dano lhe fizeram as calúnias 2 Prejuízo material causado a alguém pela deterioração ou inutilização de bens seus 3 Estrago deterioração danificação Com o fogo o prédio sofreu enormes danos Dano emergente Jur Prejuízo efetivo concreto provado Cf lucro cessante Dano infecto Jur Prejuízo possível eventual iminente Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 ed p 519 388 Clayton Reis Dano Moral 4 ed p 1 389 Luiz Edson Fachin Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo p 51 390 José de Aguiar Dias Da Responsabilidade Civil 9 ed v I p 78 391 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Responsabilidade Civil 16 ed p 60 392 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Responsabilidade Civil 3 ed p 28 Ainda sobre este interessante tema Sérgio Novais Dias em excelente obra pondera que Nas ações de responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance inúmeras questões podem ser suscitadas como a não contratação do advogado o não cabimento da providência a inexistência do nexo de causalidade a extensão do dano a concordância do cliente as quais terão de ser examinadas de acordo com as peculiaridades das diversas situações que as pendências judiciais apresentam Responsabilidade Civil do Advogado Perda de Uma Chance p 91 393 Cf a respeitável obra de Maria Helena Diniz citada e importante fonte de pesquisa p 6061 394 No Código Civil de 2002 confirase o art 402 Salvo as exceções expressamente previstas em lei as perdas e danos devidos ao credor abrangem além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar 395 Agostinho Alvim Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências 2 ed p 206 396 Este artigo tem a seguinte redação Art 403 Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato sem prejuízo do disposto na lei processual A referência à lei processual significa que a condenação no ônus da sucumbência custas processuais honorários de advogado tem tratamento autônomo na legislação adjetiva 397 Carlos Roberto Gonçalves Sinopses Jurídicas Direito das Obrigações Parte Geral v 5 p 140 398 Rodolfo Pamplona Filho O Dano Moral na Relação de Emprego 3 ed p 40 399 A rica casuística que tem desembocado nos tribunais permite o reenvio de todos os casos de danos morais aos tipos de direitos da personalidade A referência frequente à dor moral ou psicológica não é adequada e deixa o julgador sem parâmetros seguros de verificação da ocorrência de dano moral A dor é uma consequência não é o direito violado O que concerne à esfera psíquica ou íntima da pessoa seus sentimentos sua consciência suas afeições sua dor correspondem a dos aspectos essenciais da honra da reputação da integridade psíquica ou de outros direitos da personalidade O dano moral remete à violação do dever de abstenção a direito absoluto de natureza não patrimonial Direito absoluto significa aquele que é oponível a todos gerando pretensão à obrigação passiva universal E direitos absolutos de natureza não patrimonial no âmbito civil para fins dos danos morais são exclusivamente os direitos da personalidade Fora dos direitos da personalidade são apenas cogitáveis os danos materiais Paulo Luiz Netto Lôbo Danos Morais e Direitos da Personalidade In Eduardo de Oliveira Leite coordenador Grandes Temas da Atualidade Dano Moral Aspectos Constitucionais Civis Penais e Trabalhistas p 364365 400 Carlos Alberto Bittar Reparação Civil por Danos Morais 1 ed p 41 401 Nesse sentido o art 5 inciso V é assegurado do direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem e o inciso X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação da CF 402 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 44 403 Rodolfo de Camargo Mancuso Ação Popular p 25 Kazuo Watanabe chega a afirmar que a natureza verdadeiramente coletiva da demanda depende não somente da legitimação ativa para a ação e da natureza dos interesses ou direitos nela vinculados como também da causa de pedir invocada e do tipo e abrangência do provimento jurisdicional postulado e ainda da relação de adequação entre esses elementos objetivos da ação e a legitimação ad causam passiva Demandas coletivas e os problemas emergentes da práxis forense In As Garantias do Cidadão na Justiça p 195 404 Antonio Gidi Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas p 21 405 José Carlos Barbosa Moreira Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos ou Difusos In Temas de Direito Processual terceira série p 195196 406 CF88 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 407 Esclarece Antônio Gidi em exemplo idêntico como a homogeneidade decorre tão só e exclusivamente da origem comum dos direitos estes não precisam ser iguais quantitativa ou qualitativamente Assim da mesma forma que o quantum de cada prejuízo individual é algo peculiar e irrelevante para a caracterização da homogeneidade de tais direitos esses prejuízos individualmente sofridos podem ser das mais variadas espécies patrimoniais morais lucros cessantes danos emergentes etc sem comprometimento à referida homogeneidade Afinal o homogêneo aqui não se refere a identidade ou igualdade matemática entre os direitos mas a um núcleo comum que permita um tratamento universal e globalizante para todos os casos ob cit p 32 408 Orlando Gomes Obrigações 9 ed p 51 409 Orlando Gomes ob cit p 272 410 Constituição Federal de 1988 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação 411 Sobre o tema confirase o Capítulo I Noções Gerais de Direito do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 412 Nessa esteira é a crítica também de Marcos Bernardes de Mello Essa enumeração legal como se vê é insuficiente incompleta porque não menciona todas as causas de invalidade deixandose de referirse explicitamente à possibilidade do objeto e sua compatibilidade com a moral cuja falta implica nulidade Código Civil art 145 II como também à inexistência de deficiência de negócios jurídicos dentre os quais se incluem os vícios que afetam a manifestação da vontade e outros que comprometem a perfeição e causam a invalidade por anulabilidade do ato jurídico Código Civil art 147 além a anuência de outras pessoas que em certas situações é exigida Teoria do Fato Jurídico Plano da Validade 2 ed p 17 413 A título meramente exemplificativo confirase Carlos Alberto Bittar Reparação Civil por Danos Morais 1993 Wilson Melo da Silva O Dano Moral e sua Reparação 3 ed 1983 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil 3 ed v 7 Sérgio Severo Os Danos Extrapatrimoniais 1996 Augusto Zenun Dano Moral e sua Reparação 4 ed 1996 Clayton Reis Dano Moral 4 ed 1995 Fabrício Zamprogna Matielo Dano Moral Dano Material e Reparação 2 ed 1995 Christino Almeida do Valle Dano Moral 1 ed 1994 Rodolfo Pamplona Filho O Dano Moral na Relação de Emprego 3 ed 2002 entre outros 414 Georges Ripert A Regra Moral nas Obrigações Civis tradução portuguesa de O de Oliveira p 345 René Demogue Traité des obligations en géneral t IV n 406 Savatier Traité de la responsabilité civile en droit français 2 ed v 1 t II n 525 p 102 e n 528 ainda que este último admitisse em certos casos que a reparação pudesse assumir caráter satisfatório ou compensatório 415 Jorge J Llambías Tratado de derecho civil Obligaciones t I n 270 p 352353 416 Preocupamonos em estabelecer esta diagnose diferencial científica mesmo sabendo que por vezes na doutrina e na jurisprudência tais expressões podem ser encontradas com sentido idêntico 417 Ramon Daniel Pizarro Daño moral PrevenciónReparaciónPunición p 114 418 Wilson Melo da Silva ob cit p 650 419 Wagner D Giglio Justa Causa 3 ed p 251 420 Valdir Florindo O Dano Moral e o Direito do Trabalho 2 ed p 4748 421 Josaphat Marinho Os Direitos da Personalidade no Projeto de Novo Código Civil Brasileiro Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra p 257 422 Luiz Alberto David Araújo A Proteção Constitucional da Própria Imagem p 113 423 STJ Súmula 227 A pessoa jurídica pode sofrer dano moral 424 Em sentido contrário confirase Paula Sarno Braga A Reparação do Dano Moral no Meio Ambiente do Trabalho Disponível em wwwunifacsbrrevistajuridica edição de fevereiro2002 425 Lei n 734785 Art 13 Havendo condenação em dinheiro a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados Salientese a propósito que o referido fundo já foi devidamente regulamentado pelo Decreto n 40791 426 CF88 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 427 Júlio César de Sá da Rocha Direito Ambiental do Trabalho mudança de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador p 195 428 Raimundo Simão de Melo Meio Ambiente do Trabalho prevenção de reparação Juízo Competente Trabalho e doutrina p 164 429 Miguel Maria de Serpa Lopes Curso de Direito Civil Fontes Acontratuais das Obrigações e Responsabilidade Civil v 5 p 218 430 Não se deve confundir o nexo causal com a imputabilidade Clássica nesse sentido é a advertência do mencionado professor Serpa Lopes A primeira como já se disse se relaciona com os elementos objetivos externos consistentes na atividade ou inatividade do sujeito atentatória do direito alheio ao qual vulnera produzindo um dano material ou moral enquanto a segunda a imputabilidade diz respeito pura e simplesmente a um elemento subjetivo interno relativo tão só ao sujeito ob cit p 219 431 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 78 432 Gustavo Tepedino Notas sobre o Nexo de Causalidade Revista Trimestral de Direito Civil p 319 433 É clássico o exemplo de Binding também lembrado por Tepedino segundo o qual se a teoria da equivalência das condições fosse adotada em toda a sua extensão talvez também fosse responsabilizado como partícipe do adultério o próprio marceneiro que fabricou o leito no qual se deitou o casal amoroso cf Wilson Melo da Silva Responsabilidade Sem Culpa p 117 citado por Gustavo Tepedino ob cit p 6 434 Julio Fabbrini Mirabete a esse respeito observa Mas evidentemente não basta a relação causal para que se possa imputar a prática do ilícito a um agente que no campo material colaborou para o resultado É indispensável que a conduta tenha sido praticada com dolo ou culpa para que se possa falar em fato típico Em rigor a adoção do princípio da conditio sine qua non tem mais relevância para excluir quem não praticou o fato do que para incluir quem o cometeu Código Penal Interpretado p 136 435 A análise deste tema profundamente ligado à seara penal não poderia parar por aqui Entretanto desbordaria da proposta desta obra continuar a investigação e pesquisa do assunto na doutrina especializada e nos sistemas penais do mundo Advertimos entretanto em especial aos nossos leitores que gostam do Direito Penal que a teoria da equivalência das condições a despeito de ser tradicionalmente adotada no direito brasileiro tem sofrido duras críticas nas últimas décadas especialmente a partir dos ensinamentos de Claus Roxin 436 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 51 437 Sérgio Cavalieri Filho ob e loc cits 438 Carlos Alberto Ghersi Teoría General de la Reparación de Daños 2 ed p 90 439 Carlos Roberto Gonçalves Responsabilidade Civil 7 ed p 522523 440 Luiz Roldão de Freitas Elementos de Responsabilidade Civil p 74 441 Agostinho Alvim Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências 4 ed p 356 442 Gustavo Tepedino ob cit p 10 443 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 525 444 Martinho Garcez Neto Responsabilidade Civil no Direito Comparado p 212 445 Sérgio Cavalieri Filho ob cit p 53 446 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 524 447 Gustavo Tepedino ob cit p 14 448 Washington de Barros Monteiro Curso de Direito Civil 1971 citado por Rui Stoco Tratado de Responsabilidade Civil 5 ed p 99 449 Zelmo Denari et al Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto 5 ed p 153 450 Sérgio Cavalieri Filho ob cit p 62 451 Esta observação é do Professor Antonio Luís Chaves Camargo que acrescenta A imputação objetiva na teoria de Larenz se refere ao problema crucial da ação ponto de relevância no Direito Penal inclusive na atualidade Estabelece Larenz nesse sentido que se não há imputação do fato ao sujeito este não pode ser considerado como uma causação de resultado e portanto não existe a própria ação pois tudo é produto de um acidente Imputação Objetiva e Direito Penal Brasileiro p 62 452 Wilson Melo da Silva Da Responsabilidade Civil Automobilística p 90 453 Wilson Melo da Silva ob e loc cits 454 Interessante é a interferência entre o juízo cível e o criminal A independência de ambos como se sabe é relativa Como é cediço o art 65 do CPP dispõe fazer coisa julgada no cível a sentença penal que haja reconhecido o estado de necessidade a legítima defesa o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito Nesse sentido aliás cf RSTJ 93195 455 O princípio da adequação social também escuda esses comportamentos não os considerando ilícitos já que são admitidos pela coletividade 456 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral 28 ed v 1 p 314 457 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Parte Geral p 499 458 A referência diz respeito ao art 187 do Projeto do novo Código Civil que foi renumerado para o atual art 188 do CC2002 459 Citado por Carlos Roberto Gonçalves Responsabilidade Civil 7 ed p 712 460 Arnoldo Wald Curso de Direito Civil Brasileiro Obrigações e Contratos 9 ed v II p 111 461 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil v II Obrigações p 291 462 Arnoldo Medeiros da Fonseca Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão 3 ed 1958 463 Silvio Venosa Direito Civil Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos 2 ed p 254 No mesmo sentido reconhecendo que o caso fortuitoforça maior e a ausência de culpa são definições que se identificam Orlando Gomes citando Barassi pontifica O conceito de caso fortuito resulta assim de determinação negativa Caso segundo BARASSI é conceito antitético de culpa Orlando Gomes ob cit 8 ed p 179 464 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ob cit p 292293 465 Saulo José Casali Bahia Responsabilidade Civil do Estado p 71 466 Celso Antônio Bandeira de Mello Curso de Direito Administrativo 10 ed p 634 467 José de Aguiar Dias Da Responsabilidade Civil 9 ed v II p 693 468 Ainda que de forma indireta o Código Civil reconhece esta causa excludente nos arts 929 e 930 469 Sílvio de Salvo Venosa Responsabilidade Civil 3 ed p 48 470 Wilson Melo da Silva Da Responsabilidade Civil Automobilística p 70 471 A Súmula 161 do STF veda expressamente esta cláusula nos contratos de transporte Em contrato de transporte é inoperante a cláusula de não indenizar 472 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 305 473 Luiz Edson Fachin Teoria Crítica do Direito Civil p 217 474 Alvino Lima Culpa e Risco 2 ed p 26 475 José de Aguiar Dias Da Responsabilidade Civil 9 ed v I p 110 476 José de Aguiar Dias ob cit p 111 BONUS PATER FAMILIAS Expressão latina Bom pai de família Tratase de um conceito padrão utilizado juridicamente como ponto de referência da diligência que se exige no comportamento e da avaliação da culpa in abstracto Assim sendo o bom pai de família seria o protótipo do cidadão médio prudente normal atento dotado de ordinária inteligência hábil empenhado e dedicado Seria o paradigma do homem abstratamente diligente que cumpre seus deveres legais ou convencionais sem que se considerem sua cultura aptidão instrução Maria Helena Diniz Dicionário Jurídico v 1 p 432433 477 Carlos Alberto Ghersi Teoria General de la Reparación de Daños 2 ed p 122 478 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 69 479 Rui Stoco Tratado de Responsabilidade Civil p 97 480 Martinho Garcez Neto Responsabilidade Civil no Direito Comparado p 86 481 Alvino Lima ob cit p 40 482 Orlando Gomes Obrigações 8 ed p 344 483 Art 186 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito Art 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercêlo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes 484 Rui Stoco ob cit p 101 485 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 42 486 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral 28 ed v I p 306 487 Silvio Rodrigues ob e loc cits 488 Pablo Stolze Gagliano A Responsabilidade Extracontratual no Novo Código Civil e o Surpreendente Tratamento da Atividade de Risco Repertório de Jurisprudência IOB Texto 319551 p 529 489 Nesse sentido ensina Carlos Roberto Gonçalves Ao se referir à ação ou omissão voluntária o art 159 do Código Civil art 186 do CC2002 cogitou do dolo Em seguida referiuse à culpa em sentido estrito ao mencionar a negligência e à imprudência grifos nossos Direitos das Obrigações Parte Especial Responsabilidade Civil v 6 t II p 14 490 CULPA IN NON FACIENDO Direito civil Resulta da circunstância de ter o agente deixado de fazer certo ato cuja comissão evitaria o dano Por exemplo um professor de natação que por estar distraído não acode seu aluno que morre afogado responde por culpa in non faciendo Entretanto a omissão só poderá ser considerada causa jurídica do dano se houver existência do dever de praticar o ato não cumprido e certeza ou grande probabilidade de o fato omitido ter impedido a produção do evento danoso Maria Helena Diniz Dicionário Jurídico v 1 p 964 491 Gustavo Tepedino Temas de Direito Civil 2 ed p 175176 492 Exemplo de responsabilidade objetiva fundada na atividade de risco temos neste recente acórdão do STJ Recurso Especial Ação indenizatória Transporte Aéreo Atraso em voo cc adiamento de viagem Responsabilidade Civil Hipóteses de Exclusão Caso Fortuito ou Força Maior Pássaros Sucção pela turbina de avião A responsabilização do transportador aéreo pelos danos causados a passageiros por atraso em voo e adiamento da viagem programada ainda que considerada objetiva não é infensa às excludentes de responsabilidade civil As avarias provocadas em turbinas de aviões pelo tragamento de urubus constituemse em fato corriqueiro no Brasil ao qual não se pode atribuir a nota de imprevisibilidade marcante do caso fortuito É dever de toda companhia aérea não só transportar o passageiro como leválo incólume ao destino Se a aeronave é avariada pela sucção de grandes pássaros impõe a cautela seja o maquinário revisto e os passageiros remanejados para voos alternos em outras companhias O atraso por si só decorrente desta operação impõe a responsabilização da empresa aérea nos termos da atividade de risco que oferece REsp 401397SP rel Min Nancy Andrighi DJ 992002 493 José Joaquim Calmon de Passos O Imoral nas Indenizações por Dano Moral Disponível no site jurídico do Jusnavigandi agosto2002 wwwjuscombr 494 Carlos Roberto Gonçalves Responsabilidade Civil 7 ed p 25 495 Maria Helena Diniz Dicionário Jurídico v 4 p 215 496 Nesse sentido também é o entendimento de Sílvio Venosa Em casos excepcionais levando em conta os aspectos da nova lei o juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina No entanto advirtase o dispositivo questionado explicita que somente pode ser definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este decorrer de atividade normalmente desenvolvida por ele O juiz deve avaliar no caso concreto a atividade costumeira do ofensor e não uma atividade esporádica ou eventual qual seja aquela que por um momento ou por uma circunstância possa ser um ato de risco Não sendo levado em conta esse aspecto poderseá transformar em regra o que o legislador colocou como exceção Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil 3 ed v III Responsabilidade Civil p 15 497 Proposição sobre o art 927 da Jornada de Direito Civil Brasília 11 a 13 de setembro de 2002 publicada na Tribuna da Magistratura Associação Paulista de Magistrados Caderno Especial Jurídico setembro de 2002 ano XIV n 122 p 9 498 Alvino Lima Culpa e Risco 2 ed p 198 499 Talvez por isso Sílvio Venosa desabafa em seu livro Essa norma da lei nova transfere para a jurisprudência a conceituação de atividade de risco no caso concreto o que talvez signifique perigoso alargamento da responsabilidade sem culpa É discutível a conveniência de uma norma genérica neste sentido Melhor seria que se mantivesse nas rédeas do legislador a definição das situações de aplicação da teoria do risco Direito Civil 3 ed p 15 500 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Contratos em Espécie e Responsabilidade Civil v III p 532533 501 Sobre o enriquecimento sem causa já tivemos oportunidade de observar No sistema brasileiro o enriquecimento ilícito traduz a situação em que uma das partes de determinada relação jurídica experimenta injustificado benefício em detrimento da outra que se empobrece inexistindo causa jurídica para tanto É o que ocorre por exemplo quando uma pessoa de boafé beneficia ou constrói em terreno alheio ou bem assim quando paga uma dívida por engano Nesses casos o proprietário do solo e o recebedor da quantia enriqueceramse ilicitamente às custas de terceiro Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Obrigações v II 2002 502 Na I Jornada de Direito Civil tentouse contornar esse inconveniente com aprovação de enunciado com o seguinte teor 46 A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente estabelecida pelo parágrafo único do art 944 do novo Código Civil deve ser interpretada restritivamente por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva grifos nossos Analisando esse entendimento a primeira impressão é de que não haveria outra solução senão admitir essa faculdade de redução apenas nas hipóteses de responsabilidade subjetiva culposa o que poderia ser considerada uma regra um tanto anacrônica pois inserida em um sistema que privilegia as hipóteses de responsabilidade calcadas na atividade de risco Todavia posteriormente a IV Jornada considerou por bem atribuir nova redação ao referido Enunciado n 46 da I Jornada de Direito Civil com a supressão da parte final não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva o que levanta novas reflexões sobre o tema Poderseia então imaginar que em verdade o fato de se não analisar a culpa em uma demanda que verse sobre responsabilidade objetiva não significaria que ela não concorresse no caso concreto Nessa linha poderia então o elemento subjetivo ser analisado apenas para efeito de redução Em nosso sentir posto respeitável este entendimento no plano práticoprocessual não se afigura tão simples dispensar a análise da culpa para efeito de responsabilizar e invocála apenas para quantificar por meio de um critério legal redutor A tese merece pois uma reflexão mais detida por parte da jurisprudência brasileira 503 Rui Stoco Tratado de Responsabilidade Civil Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial 5 ed p 13 504 Pablo Stolze Gagliano A Responsabilidade Extracontratual no Novo Código Civil e o Surpreendente Tratamento da Atividade de Risco Repertório de Jurisprudência IOB Texto 319551 505 Citado por Carlos Roberto Gonçalves Responsabilidade Civil 7 ed p 127128 506 Nesse sentido Arnoldo Wald A atitude de nossos tribunais é de fato no sentido de não admitir qualquer prova de que não houve culpa do patrão uma vez provada a do preposto A alegada presunção juris tantum se transforma assim numa presunção jure et de jure já que o patrão não se pode exonerar de sua responsabilidade alegando que escolheu preposto devidamente habilitado para o exercício da função Curso de Direito Civil Brasileiro Obrigações e Contratos 12 ed v II p 518 507 Art 934 Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou salvo se o causador do dano for descendente seu absoluta ou relativamente incapaz No CC1916 art 1524 508 Confirase o tópico 5 Responsabilidade Civil do Empregador ou Comitente pelos Atos dos Seus Empregados Serviçais ou Prepostos deste capítulo 509 A doutrina tradicional costuma aconselhar o magistrado a tratar com maior benevolência o tutor ou curador pois se o compararmos ao pai apenas este último deteria uma responsabilidade natural em face do menor 510 Silvio Rodrigues Direito Civil Responsabilidade Civil 17 ed v 4 p 2425 511 Comitente Adj2gs2g 1836 cfSC 1 JUR que ou aquele que incumbe alguém mediante o pagamento de uma comissão de executar certos atos em seu nome e sob sua direção e responsabilidade civil 2 COM que ou aquele que por sua conta consigna mercadorias a outrem ETIM lat commitens entis part pres de commitère confiar ver met fhist 1836 commitente a datação é para o subst ANT comissionado Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa p 771 512 De Plácido e Silva Vocabulário Jurídico 15 ed p 184 513 Se por um lado a noção de empregado é perfeitamente definida não o é a de preposição Nesse termo inseremse todas as figuras intermediárias nas quais surge nebulosa a ideia de poder diretivo Nessas hipóteses o vínculo de subordinação é mais tênue Não é necessário que essa relação tenha caráter oneroso aquele que dirige veículo a pedido de outrem ainda que de favor tipifica a noção de preposto Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil v III Responsabilidade Civil 3 ed p 69 514 José de Aguiar Dias Da Responsabilidade Civil 9 ed p 530 515 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil v III Responsabilidade Civil 3 ed p 71 516 Carlos Roberto Gonçalves Direito das Obrigações Parte Especial Responsabilidade Civil v 6 t II p 28 517 Rui Stoco Tratado de Responsabilidade Civil 5 ed p 724 518 Vale destacar inclusive que o Código de Defesa do Consumidor em seus arts 1225 impõe não somente a responsabilização patrimonial objetiva das pessoas jurídicas pelo fato e por vício do produto e do serviço como também a responsabilidade subjetiva para garantir a incolumidade econômica do consumidor ante os incidentes de consumo que podem diminuir seu patrimônio por força de vício de quantidade e de qualidade por inadequação 519 José de Aguiar Dias Da Responsabilidade Civil 9 ed v II p 389 520 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 123 521 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 102 522 Sérgio Cavalieri Filho Programa de Responsabilidade Civil 2 ed p 124 523 Caio Mário da Silva Pereira Responsabilidade Civil 9 ed p 110 524 Alvino Lima Culpa e Risco 2 ed p 297 525 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações 8 ed p 291 526 Silvio Rodrigues Direito Civil Responsabilidade Civil 17 ed p 127 527 Nesse sentido Cavalieri Filho ob cit p 138 528 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Responsabilidade Civil 3 ed p 82 529 Cf Maria Helena Diniz Dicionário Jurídico v 2 p 643 530 Álvaro Villaça Azevedo Teoria Geral das Obrigações p 316 531 Art 958 do CC2002 Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais 532 Art 959 Conservam seus respectivos direitos os credores hipotecários ou privilegiados I sobre o preço do seguro da coisa gravada com hipoteca ou privilégio ou sobre a indenização devida havendo responsável pela perda ou danificação da coisa II sobre o valor da indenização se a coisa obrigada a hipoteca ou privilégio for desapropriada Art 960 Nos casos a que se refere o artigo antecedente o devedor do seguro ou da indenização exonerase pagando sem oposição dos credores hipotecários ou privilegiados 533 Fábio Ulhoa Coelho Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas Lei n 11101 de 922005 p 214 215 534 Augusto Teixeira de Freitas Código Civil Esboço comentário ao art 868 Brasília MJ Departamento de Imprensa Nacional e UnB 1983 edição conjunta v 1 p 205 535 Orlando Gomes ob cit p 121 536 Arruda Alvim Confronto entre Situação de Direito Real e de Direito Obrigacional Prevalência da Primeira Prévia e Legitimamente Constituída Salvo Lei Expressa em Contrário parecer publicado na Revista de Direito Privado v 1 p 103106 537 Nesse sentido já advertia Duguit A propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário é a função social do detentor da riqueza Léon Duguit Las Transformaciones Generales del Derecho Privado p 37 538 Confirase o tópico 3 Figuras Híbridas entre Direitos Pessoais e Reais do Capítulo VII Introdução ao Direito das Obrigações do presente Manual 539 Art 8º Se o imóvel for alienado durante a locação o adquirente poderá denunciar o contrato com o prazo de noventa dias para a desocupação salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel 1º Idêntico direito terá o promissário comprador e o promissário cessionário em caráter irrevogável com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo 2º A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados do registro da venda ou do compromisso presumindose após esse prazo a concordância na manutenção da locação 540 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro v 4 Direito das coisas 29 ed p 4748 541 Orlando Gomes Direitos Reais 19 ed p 29 542 Como dissemos a matéria não é pacífica em doutrina O Enunciado 492 da V Jornada de Direito Civil por exemplo aparentemente enquadra ao posse como direito A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais econômicos e sociais merecedores de tutela 543 Se a posse é um direito como o reconhece hoje a maioria dos juristas é preciso saber se tem a natureza de um direito real ou pessoal A circunstância de ceder a um direito superior como o de propriedade não significa que seja um direito pessoal Tratase de uma limitação que não é incompatível com o direito real O que importa para caracterizar a este é o fato de se exercer sem intermediário Na posse a sujeição da coisa à pessoa é direta e imediata Não há um sujeito passivo determinado O direito do possuidor se exerce erga omnes Todos são obrigados a respeitálo Só os direitos reais têm esse virtude Verdade é que os interditos se apresentam com certas qualidades de ação pessoal mas nem por isso influem sobre a natureza real do jus possessionis Destinados à defesa de um direito real hão de ser qualificados como ações reais ainda que de tipo sui generis Orlando Gomes Direitos Reais 19 ed p 4243 544 Flávio Tartuce Direito Civil v 4 Direito das Coisas 8 ed p 3435 545 Nesse ponto invocamos trecho da preleção do nosso muito querido amigo Flávio Tartuce Desse modo é mais correto afirmar que o CC2002 não adota a tese de Ihering pura e simplesmente mas sim a tese da possesocial sustentada por Perozzi Saleilles e Hernandez Gil Manual de Direito Civil volume único 5 ed p 861 546 Rodolfo Sacco Antropologia Jurídica Contribuição para Uma MacroHistória do Direito p 339 547 DIREITOS REAIS RECURSO ESPECIAL REINTEGRAÇÃO DE POSSE IGREJA TEMPLO PASTOR QUE SE DESFILIA DOS QUADROS DE OBREIROS DA RELIGIÃO TRANSMUDAÇÃO DA DETENÇÃO EM POSSE LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA ESBULHO EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE COMODATO SÚM 7STJ USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA INOCORRÊNCIA 1 Considerase detentor aquele que achandose em relação de dependência para com outro conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas Código Civil art 1198 2 Na hipótese o réu foi ordenado e designado para atuar na Comunidade Evangélica de Cachoerinha na condição de pastor da IECLB e justamente nessa qualidade é que se vinculava ao patrimônio da Igreja isto é exercia o controle sobre o imóvel em nome de outrem a quem estava subordinado caracterizandose como fâmulo da posse 3 A partir do momento em que pleiteou o seu desligamento do quadro de pastores continuando nas dependências do templo deixando de seguir as ordens do legítimo possuidor houve a transmudação de sua detenção em posse justamente em razão da modificação nas circunstâncias de fato que vinculavam a sua pessoa à coisa Assim perdendo a condição de detentor e deixando de restituir o bem exercendo a posse de forma contrária aos ditames do proprietário e possuidor originário passou a cometer o ilícito possessório do esbulho sobretudo ao priválo do poder de fato sobre o imóvel 4 Desde quando se desligou da instituição recorrida rompendo sua subordinação e convertendo a sua detenção em posse fezse possível em tese a contagem do prazo para fins da usucapião diante da mudança da natureza jurídica de sua apreensão Precedente 5 Compulsando os autos verificase que o recorrente solicitou o seu desligamento do quadro geral de obreiros da IECLB em 15 de julho de 2005 ficando afastada por completo qualquer pretensão de reconhecimento da usucapião extraordinária CC art 1238 como requerido em seu especial haja vista a exigência do prazo mínimo de 15 quinze anos para tanto 6 Recurso especial desprovido REsp 1188937RS Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma julgado em 1132014 DJe 242014 548 RECURSO ESPECIAL DIREITO DAS COISAS PROCESSUAL CIVIL AÇÃO POSSESSÓRIA ESBULHO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OMISSÃO CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NÃO OCORRÊNCIA REGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR REEXAME DE FATOS E PROVAS INADMISSIBILIDADE POSSIBILIDADE DO PEDIDO E LEGITIMIDADE AD CAUSAM CONDIÇÕES DA AÇÃO TEORIA DA ASSERÇÃO POSSE DE BEM PÚBLICO DE USO COMUM DESPROVIMENTO 1 Ação ajuizada em 20102010 Recurso especial interposto em 09052011 Conclusão ao gabinete em 25082016 2 Tratase de afirmar se i teria ocorrido negativa de prestação jurisdicional ii a representação processual das recorridas estaria regular e se competiria ao recorrente a prova da irregularidade iii particulares podem requerer a proteção possessória de bens públicos de uso comum e iv estariam presentes os requisitos necessários ao deferimento da liminar de reintegração de posse 3 Ausentes os vícios do art 535 do CPC rejeitamse os embargos de declaração 4 O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível 5 As condições da ação devem ser averiguadas segundo a teoria da asserção sendo definidas da narrativa formulada inicial e não da análise do mérito da demanda 6 O Código Civil de 2002 adotou o conceito de posse de Ihering segundo o qual a posse e a detenção distinguemse em razão da proteção jurídica conferida à primeira e expressamente excluída para a segunda 7 Diferentemente do que ocorre com a situação de fato existente sobre bens públicos dominicais sobre os quais o exercício de determinados poderes ocorre a pretexto de mera detenção é possível a posse de particulares sobre bens públicos de uso comum a qual inclusive é exercida coletivamente como composse 8 Estando presentes a possibilidade de configuração de posse sobre bens públicos de uso comum e a possibilidade de as autoras serem titulares desse direito deve ser reconhecido o preenchimento das condições da ação 9 Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte desprovido REsp 1582176MG Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma julgado em 2092016 DJe 3092016 549 Sobre o tema recomendamos o belíssimo v XI dos Comentários ao Código Civil arts 1196 a 1276 de autoria de Arruda Alvim Mônica Couto Victor Velasquez e Fábio Araújo Rio de Janeiro 2008 GENForense 550 Súmula 193 2ª Seção julgado em 2561997 DJ 681997 p 35334 551 Art 1208 Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade 552 Posse precária é a que se origina do abuso de confiança por parte daquele que recebera a coisa para restituir e se recusa a fazêlo O vício naturalmente não está na precariedade da posse É perfeitamente lícita a concessão da posse de uma coisa a título precário isto é para ser restituída quando o proprietário a reclamar O vício está na recusa da restituição a que se obrigara o possuidor Clóvis Beviláqua Direito das Coisas 5 ed v 1 p 46 553 Notese que é a partir desse momento que se inicia a contagem do prazo da usucapião da propriedade pois o possuidor passaria a atuar com animus domini ânimo de proprietário 554 Os critérios classificatórios não se confundem Uma posse pode ser injusta mas de boafé como no caso da compra de um bem roubado sem que se saiba da prática do crime na mesma linha poderá ser justa posto de máfé como na hipótese em que o locatário pretende adquirir o bem por usucapião na vigência da locação Flávio Tartuce Manual de direito civil p 49 555 Clóvis Beviláqua Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil p 976 556 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Coisas 26 ed p 95 557 Nessa linha se o possuidor que locava o imóvel esteve de boafé até o dia 15 fará jus a 15 dias do aluguel ou seja à metade do valor mensal da locação 558 Clóvis Beviláqua Direito das Coisas 4 ed p 8283 559 Clóvis Beviláqua Theoria Geral do Direito Civil p 250 560 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 81 561 Conforme já se disse voltaremos ao tema acessão quando tratarmos dos modos de aquisição da propriedade imobiliária 562 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito das Coisas 11 ed v 5 p 212 563 Súmula 335 3ª Seção julgado em 2542007 DJ 752007 p 456 Confirase ainda o Enunciado n 433 da V Jornada de Direito Civil Art 424 A cláusula de renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de adesão 564 Celso Antônio Bandeira de Mello Curso de Direito Administrativo 11 ed p 588 565 Outras ações guardam correlação com o tema a exemplo dos embargos de terceiro arts 674 a 681 do CPC2015 e da imissão na posse estudadas no campo do Direito Processual Civil Quanto à demanda de imissão o seu ajuizamento se dá quando o autor pretende entrar na posse de um determinado bem Vale dizer não o estava possuindo no momento anterior à imissão pretendida a exemplo da situação em que o comprador de uma casa cumprida a sua obrigação pecuniária pretende adentrála a despeito da injusta resistência do vendedor No CPC2015 a ação de imissão observa o procedimento comum o DecretoLei n 7066 em seu art 37 2º prevê uma hipótese de procedimento especial para a concessão da imissão na posse nos casos relativos a Sistema Financeiro de Habitação 566 Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega Da Manutenção e da Reintegração de Posse Disponível em httpwwwmigalhascombrProcessoeProcedimento106MI23445021048Dama nutencaoedareintegracaodeposse Acesso em 18 out 2016 567 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 142 568 A tutela provisória aqui referida pelo ilustre autor é a de urgência Anotese que em tese também será possível a tutela provisória da evidência art 311 do CPC2015 569 Misael Montenegro Filho Ações Possessórias no Novo CPC 3 ed p 130 570 Art 1231 do CC A propriedade presumese plena e exclusiva até prova em contrário 571 Art 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercêlo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes 572 Orlando Gomes Direitos Reais 21 ed 2012 573 Quanto aos arts 1361 a 1368B que cuidam da propriedade fiduciária temos que o tema da alienação fiduciária escapa da proposta do presente Manual Assim trataremos com mais profundidade e detalhes no v 5 Direitos Reais da nossa coleção Novo Curso de Direito Civil ao qual remetemos o leitor 574 Orlando Gomes Direitos Reais 19 ed p 114115 575 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Coisas 26 ed v 4 p 132 576 Cf o art 176 da CF 577 Vale lembrar a teor do art 1203 que salvo prova em contrário entendese manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida 578 USUCAPIÃO HERDEIRO POSSE EXCLUSIVA A Turma deu provimento ao recurso especial para dentre outras questões reconhecer a legitimidade dos recorrentes para a propositura em nome próprio de ação de usucapião relativamente a imóvel de cujo adquirente um dos autores é herdeiro Consoante acentuado pelo Min Relator a jurisprudência entende pela possibilidade de o condômino usucapir bem sobre o qual exerça a posse exclusiva desde que haja efetivo animus domini e estejam preenchidos os requisitos impostos pela lei sem oposição dos demais herdeiros Precedente citado AgRg no Ag 731971MS DJe 20102008 REsp 668131PR Rel Min Luis Felipe Salomão julgado em 1982010 579 CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO PROCESSUAL CIVIL AÇÃO CIVIL PÚBLICA FAIXA DE FRONTEIRA BEM PERTENCENTE À UNIÃO NULIDADE DO REGISTRO IMOBILIÁRIO EM NOME DE PARTICULARES CONFLITO FEDERATIVO COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACÓRDÃO AMPARADO EM FUNDAMENTAÇÃO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL MATÉRIA QUE EXTRAPOLA A ESTREITA VIA DO RECURSO ESPECIAL LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL SÚMULA 329STJ IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO PRECEDENTES 1 Ao afastar a existência de conflito federativo apto a ensejar a competência originária do STF para julgar a presente demanda o Tribunal a quo amparouse em fundamento eminentemente constitucional escapando sua revisão à competência desta Corte no âmbito do recurso especial 2 Nos termos do Enunciado 329 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público cuja acepção compreende as áreas situadas em faixa de fronteira pertencentes à União e de modo indireto a toda a sociedade o que revela o interesse difuso da coletividade AgRg no REsp 1174124SC Rel Ministro Arnaldo Esteves Lima 1ª Turma DJe 1782012 3 Não há prescrição para os bens públicos Nos termos do art 183 3º da Constituição ações dessa natureza têm caráter imprescritível e não estão sujeitas a usucapião Súmula 340STF art 200 do DL 97601946 e art 2º do CC Construção feita também com base na imprescritibilidade de atos nulos de ações destinadas ao ressarcimento do Erário e de ações de declaração de inexistência de relação jurídica querela nullitatis insanabilis REsp 1227965SC Rel Ministro Herman Benjamin Segunda Turma DJe 1562011 4 Agravo regimental a que se nega provimento AgRg no REsp 1268965SC Rel Min Sérgio Kukina 1ª Turma julgado em 2432015 DJe 642015 TRIBUTÁRIO IPTU TLP POSSE AD USUCAPIONEM O BEM PÚBLICO NÃO PODE SER ADQUIRIDO POR USUCAPIÃO O QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DO IPTU COM BASE NA POSSE PRECEDENTES Nos termos da jurisprudência desta Corte o cessionário do direito de uso não é o contribuinte do IPTU e da TLP haja vista que é possuidor por relação de direito pessoal não exercendo animus domini sendo possuidor do imóvel como simples detentor de coisa alheia Agravo regimental improvido AgRg no AREsp 600366DF Rel Min Humberto Martins 2ª Turma julgado em 25112014 DJe 5122014 580 Em virtude do princípio de socialidade surgiu também um novo conceito de posse a possetrabalho ou posse pro labore em virtude da qual o prazo de usucapião de um imóvel é reduzido conforme o caso se os possuidores nele houverem estabelecido a sua morada ou realizado investimentos de interesse social e econômico Miguel Reale Visão Geral do Projeto de Código Civil Disponível em httpwwwmiguelrealecombrartigosvgpcchtm Acesso em 19 set 2016 581 Flávio Tartuce Manual de Direito Civil p 932 582 Merecem referência dois enunciados da IV Jornada de Direito Civil Enunciado 312 Art 1239 Observado o teto constitucional a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada Enunciado 313 Arts 1239 e 1240 Quando a posse ocorrer sobre área superior aos limites legais não é possível a aquisição pela via da usucapião especial ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir Este último como se pode observar também se aplica à usucapião especial urbana 583 Ressalvese o disposto no art 1046 1º As disposições da Lei n 5869 de 11 de janeiro de 1973 relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadas aplicarseão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código 584 Em se tratando de condomínios confirase o Enunciado n 314 da IV Jornada de Direito Civil Art 1240 Para os efeitos do art 1240 não se deve computar para fins de limite de metragem máxima a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum 585 Observe a peculiaridade do 3º do art 9º do Estatuto da Cidade 3º Para os efeitos deste artigo o herdeiro legítimo continua de pleno direito a posse de seu antecessor desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão 586 Sílvio de Salvo Venosa Usucapião Coletivo no Novo Código Civil Disponível em httpwwwmigalhascombrdePeso16MI94431047 UsucapiaocoletivononovoCodigoCivil Acesso em 20 set 2016 587 Tópico elaborado com base em artigo publicado em abrilmaio de 2006 por um dos coautores desta obra Pablo Stolze Controvérsias Constitucionais Acerca do Usucapião Coletivo Revista Jus Navigandi Teresina ano 11 n 1063 30 maio 2006 Disponível em httpsjuscombrartigos8318 Acesso em 20 set 2016 588 Mônica Aguiar texto gentilmente cedido pela autora quando da elaboração do artigo que serviu de base para este tópico acima citado 589 Teori Zavascki A Tutela da Posse na Constituição e no Projeto do Novo Código Civil In A Reconstrução do Direito Privado p 843 861 590 Eduardo Cambi Aspectos Inovadores da Propriedade no Novo Código Civil Revista Trimestral de Direito Civil p 38 591 A discussão acerca da natureza do instituto em doutrina é longa Numa terceira linha de entendimento quanto à natureza jurídica do instituto previsto no artigo 1228 4º e 5º Pablo Rentería de forma isolada na doutrina sustenta o cabimento da natureza de acessão invertida social Gustavo Tepedino mudando de opinião sobre o tema defende em obra recente que o instituto em análise não seria modalidade de usucapião nem mesmo modalidade de desapropriação seria sim um instituto aplicável como matéria de defesa em ações reivindicatórias de forma a se substituir a obrigação de restituir a coisa pelo pagamento da respectiva indenização Fernanda Valeriano Alves Questões Polêmicas Acerca do Artigo 1228 4 e 5 do Código Civil de 2002 Disponível em httpwwwemerjtjrjjusbrpaginastrabalhosconclusao1semestre2011trabalhos12011FernandaValerianoAlvespdf Acesso em 21 set 2016 592 Mônica Aguiar texto citado 593 Carlos Alberto Dabus Maluf Novo Código Civil Comentado p 1099 594 Enunciado n 500 da V Jornada de Direito Civil A modalidade de usucapião prevista no art 1240A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares inclusive homoafetivas 595 Enunciado n 498 da V Jornada de Direito Civil A fluência do prazo de 2 dois anos previsto pelo art 1240A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei n 124242011 596 Enunciado n 499 da V Jornada de Direito Civil A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art 1240A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio O requisito abandono do lar deve ser interpretado de maneira cautelosa mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais tais como assistência material e sustento do lar onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião O enunciado tenta preencher o conceito vago ou indeterminado de abandono do lar Claro está todavia que dependerá sobretudo à luz do princípio da operabilidade das circunstâncias do caso concreto 597 Elpídio Donizetti Usucapião do Lar Serve de Consolo para o Abandonado Disponível em httpwwwconjurcombr2011set 20consoloabandonadousucapiaolardesfeito Acesso em 22 set 2016 598 Tratase pois de um abandono voluntário Confirase o Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil O requisito abandono do lar deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável Revogado o Enunciado 499 599 Roberto Paulino de Albuquerque Júnior O Usucapião Extrajudicial no Novo Código de Processo Civil Disponível em httpwwwconjurcombr2015mai18direitocivilatualusucapiaoextrajudicialcodigoprocessocivil Acesso em 22 set 2016 600 Roberto Paulino de Albuquerque Júnior O Usucapião Extrajudicial no Novo Código de Processo Civil cit 601 O site do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe apresenta um quadro esquemático contendo os princípios fundamentais do Registro Público Destacamos trecho PUBLICIDADE Através da publicidade o imóvel suas características os direitos reais que nele incidirem bem como o nome do proprietário serão de conhecimento de todos pois qualquer pessoa pode requerer uma certidão no ofício imobiliário Visa a proteção dos interesses de terceiros dando a estes a segurança de que as informações constantes dos registros públicos correspondem à realidade presente quanto às pessoas interessadas e ao bem a que se refere Assim este princípio torna público todos os atos relativos a imóveis sejam de constituição transferência ou modificação dos direitos reais indicando a situação física e jurídica do imóvel tornando ditos direitos oponíveis contra terceiros conferindo ao titular o direito de reaver o imóvel de quem injustamente o detenha ou possua LEGALIDADE Tem como objetivo impedir que sejam registrados títulos inválidos ineficazes ou imperfeitos Quando um título é apresentado para ser registrado este é examinado à luz da legislação em vigor ou da época de sua firmação e havendo exigência a ser cumprida o oficial as indicará por escrito conforme preceitua o artigo 198 da Lei Federal n 601573 Então a validade do registro de um título diz respeito à validade do negócio jurídico causal Nulo o negócio nulo será o registro Anulado o negócio anulado será o registro ESPECIALIDADE Consiste na determinação precisa do conteúdo do direito que se procura assegurar e da individualidade do imóvel que dele é objeto A Lei Federal n 6015 de 31 de dezembro de 1973 em seus artigos 225 e 176 1º inciso II item 3 esmerouse no sentido de individualizar cada imóvel tornandoo inconfundível com qualquer outro exigindo a plena e perfeita identificação deste nos títulos apresentados devendo haver correspondência exata entre o imóvel objeto do título e o imóvel constante do álbum imobiliário para que o registro seja levado a efeito CONTINUIDADE Somente será viável o registro de título contendo informações perfeitamente coincidentes com aquelas constantes da respectiva matrícula sobre as pessoas e bem nela mencionados Identificase a obediência a este princípio nos artigos 195 222 e 237 da Lei Federal n 601573 determinando o imprescindível encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e as pessoas neles constantes formando uma continuidade ininterrupta das titularidades jurídicas de um imóvel Baseado neste princípio não poderá vender ou gravar de ônus quem não figurar como proprietário no registro imobiliário Para a leitura completa do texto e análise dos demais princípios cf httpwwwtjsejusbrportalservicosjudiciaiscartoriosprincipiosnorteadoresdosregistrospublicos Acessado em 24 set 2016 602 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito das Coisas v 5 p 308 603 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 309 604 Art 1246 do CC O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo 605 Flávio Tartuce Manual de direito civil p 949 606 Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza Georreferenciamento e Registro Torrens Disponível em httpwwwiriborgbrboletinsdetalhes1615 Acesso em 24 set 2016 607 Art 1257 O disposto no artigo antecedente aplicase ao caso de não pertencerem as sementes plantas ou materiais a quem de boafé os empregou em solo alheio Parágrafo único O proprietário das sementes plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida quando não puder havêla do plantador ou construtor 608 Art 1262 do CC Aplicase à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts 1243 e 1244 609 Raul Chaves A Usucapião e o Crime 1981 610 Poderá todavia ter natureza em nosso sentir de um atofato a exemplo do que se dá quando este apoderamento decorre da atuação de uma criança 611 Quanto à natureza jurídica do ato cf os comentários feitos acima acerca do ato jurídico em sentido estrito 612 A referência feita aqui é à enfiteuse direito real na coisa alheia que não fora mais tratado pelo Código de 2002 remanescendo todavia aquelas já existentes Art 2038 Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses subordinandose as existentes até sua extinção às disposições do Código Civil anterior Lei n 3071 de 1º de janeiro de 1916 e leis posteriores 1º Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso I cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado sobre o valor das construções ou plantações II constituir subenfiteuse 2º A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regulase por lei especial 613 Art 1267 do CC A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição 614 Art 1267 parágrafo único do CC Subentendese a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa que se encontra em poder de terceiro ou quando o adquirente já está na posse da coisa por ocasião do negócio jurídico 615 Mais uma vez mantendo a coerência lógica do nosso raciocínio registramos que poderá ter a natureza de um atofato quando o comportamento for desprovido do aspecto volitivo intencional em face do resultado projetado a exemplo da especificação realizada por uma pessoa com grave enfermidade mental 616 Art 381 Extinguese a obrigação desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor 617 Cf art 1228 3º do Código Civil 618 Enunciado n 242 da III Jornada de Direito Civil Art 1276 A aplicação do art 1276 depende do devido processo legal em que seja assegurado ao interessado demonstrar a não cessação da posse confirase também o Enunciado 316 da IV JDC 619 Art 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte é vedado à União aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios IV utilizar tributo com efeito de confisco 1 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 349 2 STJ aplica normas do direito de vizinhança para satisfação de interesses de proprietários em conflito Noticiário Especial STJ 1722013 Quem nunca foi incomodado por algum vizinho É bastante comum que a relação entre pessoas que moram em propriedades próximas não necessariamente contíguas passe por momentos conflitantes Isso porque muitas vezes a satisfação do direito de um morador pode provocar restrições e até mesmo violação dos direitos do seu vizinho Para o Ministro Sidnei Beneti da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça STJ a casa é em princípio lugar de sossego e descanso se o seu dono assim o desejar Apesar disso interferências sempre haverá Algumas dessas interferências precisam ser toleradas para que o convívio entre vizinhos não vire uma guerra Entretanto nem todos têm a noção de que para viver bem em comunidade é necessário agir pensando no coletivo De acordo com a Ministra Nancy Andrighi também da Terceira Turma nosso ordenamento coíbe o abuso de direito ou seja o desvio no exercício do direito de modo a causar dano a outrem Disponível em httpwwwstjjusbrsitesSTJdefaultptBRComunicaçãoÚltimasnotC3ADciasSTJaplicanormasdodireitode vizinhançaparasatisfaçãodeinteressesdeproprietáriosemconflito Acesso em 4 out 2016 3 Art 1278 do CC2002 O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece quando as interferências forem justificadas por interesse público caso em que o proprietário ou o possuidor causador delas pagará ao vizinho indenização cabal É o caso por exemplo de o proprietário ser notificado pela Prefeitura para realizar uma determinada obra ou construção que de alguma forma causará dano ao vizinho Neste caso deverá cumprir a determinação estatal indenizando por consequência o prejudicado 4 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 353 5 Clóvis Beviláqua Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil cit p 1037 6 Flávio Tartuce Manual de Direito Civil p 970 7 Podem até ter origens comuns mas têm natureza diversa conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL AÇÃO POSSESSÓRIA INTERDITO PROIBITÓRIO PASSAGEM FORÇADA SERVIDÃO DE PASSAGEM DISTINÇÕES E SEMELHANÇAS NÃO CARACTERIZAÇÃO NO CASO SERVIDÃO NÃO SE PRESUME E DEVE SER INTERPRETADA RESTRITIVAMENTE 1 Apesar de apresentarem naturezas jurídicas distintas tanto a passagem forçada regulada pelos direitos de vizinhança quanto a servidão de passagem direito real originamse em razão da necessidadeutilidade de trânsito de acesso 2 Não identificada no caso dos autos hipótese de passagem forçada ou servidão de passagem inviável a proteção possessória pleiteada com base no alegado direito 3 A servidão por constituir forma de limitação do direito de propriedade não se presume devendo ser interpretada restritivamente 4 Recurso especial provido REsp 316045SP Rel Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva 3ª Turma julgado em 23102012 DJe 29102012 8 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro cit p 318 9 3º Aplicase o disposto no parágrafo antecedente ainda quando antes da alienação existia passagem através de imóvel vizinho não estando o proprietário deste constrangido depois a dar uma outra 10 Assim como ocorre com as árvores as águas constituem partes integrantes do Bem Ambiental art 225 da CF88 e sendo assim merecem ampla proteção para atender à função socioambiental da propriedade Flávio Tartuce Manual de Direito Civil p 975976 11 Na mesma vereda o art 1291 dispõe que o possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores as demais que poluir deverá recuperar ressarcindo os danos que estes sofrerem se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas Por óbvio esta norma merece crítica ao utilizar a expressão as demais que poluir porquanto não se afiguraria possível em um Estado Democrático de Direito um permissivo desta natureza sob pena de manifesta inconstitucionalidade 12 Art 1296 do CC Havendo no aqueduto águas supérfluas outros poderão canalizálas para os fins previstos no art 1293 mediante pagamento de indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto de importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para a condução das águas até o ponto de derivação Parágrafo único Têm preferência os proprietários dos imóveis atravessados pelo aqueduto 13 Rodolfo Sacco Antropologia Jurídica Contribuição para uma MacroHistória do Direito p 320 14 Destacamos o art 574 Na petição inicial instruída com os títulos da propriedade designarseá o imóvel pela situação e pela denominação descreverseão os limites por constituir aviventar ou renovar e nomearseão todos os confinantes da linha demarcanda 15 Falase quanto a este fluxo pluvial que se derrama pelo telhado em estilicídio Confirase nesse ponto o Código Civil de Portugal Artigo 1365º Estilicídio 1 O proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira se de outro modo não puder evitálo 2 Constituída por qualquer título a servidão de estilicídio o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio sem prejuízo para o prédio dominante 16 O eirado é um tipo de terraço 17 Na zona rural a proibição legal é mais severa Art 1303 Na zona rural não será permitido levantar edificações a menos de três metros do terreno vizinho 18 Embora as referências sejam feitas ao CC1916 o julgado da lavra do notável Min Ruy Rosado de Aguiar merece referência pois trata com acerto do início do prazo decadencial para o exercício do direito de exigir o desfazimento da obra 19 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 376 20 Segundo doutrina este direito de travejamento também é conhecido como servidão de meter trave de tigni immittendi Cf Washington de Barros Monteiro citado por Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 377 Na jurisprudência também se encontra o uso da expressão APELAÇÃO CÍVEL N 2924958 02022000 SANTOS DUMONT EMENTA CIVIL E PROCESSO CIVIL SENTENÇA NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PERITO EM AÇÃO CAUTELAR SUA AUDIÊNCIA COMO TESTEMUNHA NO PROCESSO PRINCIPAL MURO DIVISÓRIO PAREDEMEIA CONCEITUAÇÃO COMO SERVIDÃO LEGAL DE TIGNI IMMITENDI INTELIGÊNCIA DO ART 579 DO C CIVIL DANOS MORAIS PELOS INCÔMODOS CAUSADOS PELA DEMORA DA DEMANDA INEXISTÊNCIA TJMG 200000029249580001MG 200000029249580001 Rel Wander Marotta julgamento 222000 data de publicação 432000 21 O proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer não obstante haverem sido realizadas as obras acautelatórias art 1311 parágrafo único 22 1º O disposto neste artigo aplicase aos casos de limpeza ou reparação de esgotos goteiras aparelhos higiênicos poços e nascentes e ao aparo de cerca viva 2º Na hipótese do inciso II uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho poderá ser impedida a sua entrada no imóvel 3º Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano terá o prejudicado direito a ressarcimento art 1313 23 Lembremonos da lição do Professor Miguel Reale O terceiro princípio que norteou a feitura deste nosso Projeto e vamos nos limitar a apenas três não por um vício de amar o trino mas porque não há tempo para tratar de outros que estão de certa maneira implícitos nos que estou analisando o terceiro princípio é o princípio da operabilidade Ou seja toda vez que tivemos de examinar uma norma jurídica e havia divergência de caráter teórico sobre a natureza dessa norma ou sobre a convivência de ser enunciada de uma forma ou de outra pensamos no ensinamento de Jhering que diz que é da essência do Direito a sua realizabilidade o Direito é feito para ser executado Direito que não se executa já dizia Jhering na sua imaginação criadora é como chama que não aquece luz que não ilumina O Direito é feito para ser realizado é para ser operado Porque no fundo o que é que nós somos nós advogados Somos operadores do Direito operamos o Código e as leis para fazer uma petição inicial e levamos o resultado de nossa operação ao juiz que verifica a legitimidade a certeza a procedência ou não da nossa operação o juiz também é um operador do Direito e a sentença é uma renovação da operação do advogado segundo o critério de quem julga Então é indispensável que a norma tenha operabilidade a fim de evitar uma série de equívocos e de dificuldades que hoje entravam a vida do Código Civil Miguel Reale Visão Geral do Projeto de Código Civil Disponível em httpwwwmiguelrealecombrartigosvgpcchtm Acesso em 8 out 2016 24 Para uma visão pormenorizada dessas regras cf o nosso Volume 5 Direitos Reais Novo Curso de Direito Civil ainda inédito 25 Maria Helena Diniz ob cit p 235 26 Ação de cobrança Legitimidade ativa Associação Despesas de condomínio voluntário Inscrição indevida Dano moral 1 No condomínio voluntário a associação criada pela maioria dos condôminos para administrar a coisa comum CC art 1323 tem legitimidade para cobrar as despesas condominiais respectivas 2 Não sendo no entanto administradora do condomínio e extinta por deliberação dos associados em assembleia geral extraordinária não pode ela exigir desses o pagamento das despesas condominiais e cobrálas em juízo 3 Não há dano moral se a inscrição do nome em cadastro de inadimplentes embora feita por quem não tinha legitimidade para tanto fora com base em débito existente 3 Apelação provida em parte TJDF APC 20140710244500 Rel Jair Soares julgamento 4112015 6ª Turma Cível DJE 10112015 p 325 27 Art 1321 do CC Aplicamse à divisão do condomínio no que couber as regras de partilha de herança arts 2013 a 2022 28 Gisele Leite Os Procedimentos Especiais em Face do CPC2015 Disponível em httpgiseleleite2jusbrasilcombrartigos315054766os procedimentosespeciaisemfacedocpc2015 Acesso em 9 out 2016 29 Art 27 No caso de venda promessa de venda cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado em igualdade de condições com terceiros devendo o locador darlhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca Parágrafo único A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e em especial o preço a forma de pagamento a existência de ônus reais bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente Art 28 O direito de preferência do locatário caducará se não manifestada de maneira inequívoca sua aceitação integral à proposta no prazo de trinta dias Art 29 Ocorrendo aceitação da proposta pelo locatário a posterior desistência do negócio pelo locador acarreta a este responsabilidade pelos prejuízos ocasionados inclusive lucros cessantes Art 30 Estando o imóvel sublocado em sua totalidade caberá a preferência ao sublocatário e em seguida ao locatário Se forem vários os sublocatários a preferência caberá a todos em comum ou a qualquer deles se um só for o interessado Parágrafo único Havendo pluralidade de pretendentes caberá a preferência ao locatário mais antigo e se da mesma data ao mais idoso Art 31 Em se tratando de alienação de mais de uma unidade imobiliária o direito de preferência incidirá sobre a totalidade dos bens objeto da alienação Art 32 O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial permuta doação integralização de capital cisão fusão e incorporação Parágrafo único Nos contratos firmados a partir de 1º de outubro de 2001 o direito de preferência de que trata este artigo não alcançará também os casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia inclusive mediante leilão extrajudicial devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica destacandose das demais por sua apresentação gráfica Incluído pela Lei n 10931 de 2004 Art 33 O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou depositando o preço e demais despesas do ato de transferência haver para si o imóvel locado se o requerer no prazo de seis meses a contar do registro do ato no cartório de imóveis desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel Parágrafo único A averbação farseá à vista de qualquer das vias do contrato de locação desde que subscrito também por duas testemunhas Art 34 Havendo condomínio no imóvel a preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário 30 Maria Helena Diniz ob cit p 251 31 Art 1791 do CC A herança deferese como um todo unitário ainda que vários sejam os herdeiros Parágrafo único Até a partilha o direito dos coerdeiros quanto à propriedade e posse da herança será indivisível e regularseá pelas normas relativas ao condomínio 32 Camilo Colani Condomínio Geral e Condomínio Edilício Disponível em httpcamilocolanijusbrasilcombrartigos218041919condominio geralecondominioedilicio Acesso em 12 out 2016 33 Merece referência a Lei n 4591 de 1964 que disciplinou o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias Como sabemos o Código Civil abarcou o tratamento jurídico desses condomínios de maneira que o interesse maior neste diploma toca às incorporações No dizer de SÍLVIO VENOSA O novo Código Civil passa a disciplinar integralmente o condomínio edilício revogando essa matéria na Lei n 459164 a qual trata também das incorporações cujos dispositivos continuarão em vigor O Condomínio Edilício no Novo Código Civil Disponível em httpwwwmigalhascombrdePeso16MI912101048OcondominioediliciononovoCodigoCivil Acesso em 12 out 2016 34 Em nossa visão acadêmica condomínio não é pessoa jurídica Se cotejarmos os arts 44 e 45 do Código constataremos que a sua natureza é própria e peculiar não sendo viável colocálo no mesmo plano de uma sociedade ou de uma associação A existência de Projeto de Lei que não vingou PL 802011 para lhe conferir personalidade reforça a tese de que se trata de um ente despersonificado Mas a matéria é polêmica cf En 246 da III Jornada de Direito Civil Em conclusão colacionamos julgado do STJ que reafirma a natureza despersonificada do condomínio apenas considerado pessoa jurídica por ficção para efeitos tributários TRIBUTÁRIO CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS PERSONALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO REFIS POSSIBILIDADE 1 Cingese a controvérsia em saber se condomínio edilício é considerado pessoa jurídica para fins de adesão ao REFIS 2 Consoante o art 11 da Instrução Normativa RFB 5682005 os condomínios estão obrigados a inscreverse no CNPJ A seu turno a Instrução Normativa RFB 971 de 13 de novembro de 2009 prevê em seu art 3º 4º III que os condomínios são considerados empresas para fins de cumprimento de obrigações previdenciárias 3 Se os condomínios são considerados pessoas jurídicas para fins tributários não há como negarlhes o direito de aderir ao programa de parcelamento instituído pela Receita Federal 4 Embora o Código Civil de 2002 não atribua ao condomínio a forma de pessoa jurídica a jurisprudência do STJ temlhe imputado referida personalidade jurídica para fins tributários Essa conclusão encontra apoio em ambas as Turmas de Direito Público REsp 411832RS Rel Min Francisco Falcão Primeira Turma julgado em 18102005 DJ 19 122005 REsp 1064455SP Rel Min Castro Meira Segunda Turma julgado 19082008 DJe 1192008 Recurso especial improvido REsp 1256912AL Rel Min Humberto Martins 2ª Turma julgado em 722012 DJe 1322012 35 Flávio Tartuce Manual de direito civil p 996 36 Observe o quórum para alteração de uma convenção Art 1351 Depende da aprovação de 23 dois terços dos votos dos condôminos a alteração da convenção a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos 37 Súmula 260 STJ Segunda Seção julgado em 28112001 DJ 622002 p 189 38 Sílvio Venosa O Condomínio Edilício no Novo Código Civil Disponível em httpwwwmigalhascombrdePeso16MI912101048 OcondominioediliciononovoCodigoCivil Acesso em 12 out 2016 39 Caio Mário Pereira Condomínio e Incorporações 12 ed p 69 40 Complementando esse plexo de direitos de deveres confiramse os arts 1338 a 1340 do Código Civil 41 A laje de cobertura do último pavimento é o teto do edifício da mesma forma que o muro lateral não é uma parede do apartamento mas do próprio prédio e como tal constitui e deve constituir sempre uma parte comum a todos os consortes Não é possível dissociar o último andar do conjunto do prédio pois este constitui um todo uno e indivisível Não pode haver prédio sem teto que portanto serve ao edifício inteiro e não ao pavimento que lhe está imediatamente sotoposto Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 123 42 STJ RECURSO ESPECIAL CIVIL CONDOMÍNIO EDILÍCIO ALTERAÇÃO DE FACHADA ESQUADRIAS EXTERNAS COR DIVERSA DA ORIGINAL ART 1336 III DO CÓDIGO CIVIL ART 10 DA LEI N 45911964 VIOLAÇÃO CARACTERIZADA ANUÊNCIA DA INTEGRALIDADE DOS CONDÔMINOS REQUISITO NÃO CUMPRIDO DESFAZIMENTO DA OBRA 1 Cuidase de ação ajuizada contra condômino para desfazimento de obra que alterou a fachada de edifício residencial modificando as cores originais das esquadrias de preto para branco 2 A instância ordinária admitiu a modificação da fachada pelo fato de ser pouco perceptível a partir da vista da rua e por não acarretar prejuízo direto no valor dos demais imóveis do condomínio 3 Os arts 1336 III do Código Civil e 10 da Lei n 45911964 traçam critérios objetivos bastante claros a respeito de alterações na fachada de condomínios edilícios os quais devem ser observados por todos os condôminos indistintamente 4 É possível a modificação de fachada desde que autorizada pela unanimidade dos condôminos art 10 2º da Lei n 45911946 Requisito não cumprido na hipótese 5 Fachada não é somente aquilo que pode ser visualizado do térreo mas compreende todas as faces de um imóvel frontal ou principal voltada para rua laterais e posterior 6 Admitir que apenas as alterações visíveis do térreo possam caracterizar alteração da fachada passível de desfazimento poderia firmar o entendimento de que em arranhacéus os moradores dos andares superiores quase que invisíveis da rua não estariam sujeitos ao regramento em análise 7 A mudança na cor original das esquadrias externas fora do padrão arquitetônico do edifício e não autorizada pela unanimidade dos condôminos caracteriza alteração de fachada passível de desfazimento por ofensa aos arts 1336 III do Código Civil e 10 da Lei n 45911964 8 Recurso especial provido REsp 1483733RJ Rel Min Ricardo Villas Bôas Cueva 3ª Turma julgado em 2582015 DJe 1º92015 43 Art 1336 2º O condômino que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais independentemente das perdas e danos que se apurarem não havendo disposição expressa caberá à assembleia geral por dois terços no mínimo dos condôminos restantes deliberar sobre a cobrança da multa 44 Art 1336 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou não sendo previstos os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito 45 PROCESSUAL CIVIL AGRAVO REGIMENTAL MEDIDA CAUTELAR PRETENSÃO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL PENDENTE DE ADMISSIBILIDADE NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA APLICAÇÃO POR ANALOGIA DAS SÚMULAS 634 E 635 AMBAS DO STF PENHORA SOBRE BEM DE FAMÍLIA QUANTUM EXECUTADO ORIUNDO DE DÍVIDA DE CONDOMÍNIO EXCEÇÃO PREVISTA NO ART 3º IV DA LEI N 800990 AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO 1 Conforme dispõem as Súmulas n 634 e 635 do STF aplicadas por analogia compete ao Presidente do Tribunal de origem a análise e julgamento de medida cautelar para concessão de efeito suspensivo a recurso especial pendente de admissibilidade na instância ordinária Excepcionalmente o STJ afasta a incidência dessas Súmulas na hipótese de manifesta ilegalidade do acórdão estadual o que inexiste no caso em liça 2 Não se infere manifesta ilegalidade em acórdão estadual que com fundamento no art 3º IV da Lei n 800990 confirma penhora sobre bem de família uma vez que o quantum executado é oriundo de dívida de condomínio 3 Agravo regimental a que se nega provimento STJ AgRg na MC 20621SP 201300503480 Rel Min Raul Araújo julgamento 1142013 4ª Turma DJe 2342013 46 Ver arts 1347 a 1356 do Código Civil 47 Caio Mário da Silva Pereira ob cit p 148 48 1º As obras ou reparações necessárias podem ser realizadas independentemente de autorização pelo síndico ou em caso de omissão ou impedimento deste por qualquer condômino 2º Se as obras ou reparos necessários forem urgentes e importarem em despesas excessivas determinada sua realização o síndico ou o condômino que tomou a iniciativa delas dará ciência à assembleia que deverá ser convocada imediatamente 3º Não sendo urgentes as obras ou reparos necessários que importarem em despesas excessivas somente poderão ser efetuadas após autorização da assembleia especialmente convocada pelo síndico ou em caso de omissão ou impedimento deste por qualquer dos condôminos 4º O condômino que realizar obras ou reparos necessários será reembolsado das despesas que efetuar não tendo direito à restituição das que fizer com obras ou reparos de outra natureza embora de interesse comum 49 Maria Helena Diniz ob cit p 267 A mesma autora reconhece quatro tipos de multipropriedade a acionária ou societária b do direito real de habitação periódica c imobiliária ou de complexo de lazer d hoteleira p 267268 50 Afonso Celso F Rezende Multipropriedade Imobiliária Disponível em httpwwwescritorioonlinecomwebnewsnoticiaphp idnoticia1308 Acesso em 12 out 2016 51 Nas palavras de Nelson Kojranski cotejandose a instituição de um condomínio edilício puro com o da multipropriedade é inegável a meu ver que a legislação daquele abrange esta não havendo motivo para a recusa Condomínio Edilício Aspectos Jurídicos Relevantes 2 ed São Paulo Malheiros 2015 p 64 Na mesma linha o talentoso Roberto Figueiredo Tendo em vista a lacuna legislativa sobre o tema no Brasil a doutrina por analogia propugna a aplicação das regras relacionadas ao condomínio na forma do Enunciado 89 do Conselho da Justiça Federal citase o disposto nos arts 1331 a 1358 do novo Código Civil aplicase no que couber aos condomínios assemelhados tais como loteamentos fechados multipropriedade imobiliária e clubes de campo Roberto Figueiredo O Time Sharing ou a Multipropriedade Imobiliária Disponível em httpswwwcerscombrnoticiaseblogsnoticiaotimesharingouamultipropriedade imobiliariajsessionidek4wKnNQLUjAaga0uIpcSdy4sptucsonprod10 Acesso em 12 out 2016 52 Disponível em httpwwwstjjusbrsitesSTJdefaultptBRComunicaçãoNotC3ADciasNotC3ADciasTerceiraTurma reconhecemultipropriedadecomodireitorealeafastapenhora Acesso em 12 out 2016 53 Para análise detalhada sobre o tema recomendamos a leitura do nosso volume 5 Novo Curso de Direito Civil Direitos Reais inédito 54 A concessão de direito real de uso para fins de moradia e a concessão de direito real de uso são tratadas por legislação especial Leis n 114812007 102572001 963998 e são institutos com reflexos no Direito Administrativo 55 Pode ser inserida aqui também a alienação fiduciária em garantia regulada em legislação especial destacamos as Leis n 472865 alterada pelo Decreto n 91169 109312004 951497 56 Código Civil de 1916 Art 678 Dáse a enfiteuse aforamento ou emprazamento quando por ato entre vivos ou de última vontade o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel pagando a pessoa que o adquire e assim se constitui enfiteuta ao senhorio direto uma pensão ou foro anual certo e invariável Código Civil de 2002 Art 2038 Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses subordinandose as existentes até sua extinção às disposições do Código Civil anterior Lei n 3071 de 1º de janeiro de 1916 e leis posteriores 1º Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso I cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado sobre o valor das construções ou plantações II constituir subenfiteuse 2º A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regulase por lei especial 57 Ao ler o primeiro artigo que trata do direito de superfície no Código Civil afirma ÉLCIO REZENDE constatamos que a principal obrigação do superficiário é construir ou plantar no terreno do concedente Isto posto surge uma questão é possível constituir uma superfície incidente em um imóvel já construído A resposta me parece positiva Élcio Nacur Rezende Direito de Superfície Belo Horizonte Del Rey 2010 p 6465 Tratase do denominado direito de superfície por cisão tema debatido e polêmico em doutrina tendo sido objeto do Enunciado n 250 da III Jornada de Direito Civil Em nosso sentir é possível a figura da cisão na medida em que o superficiário poderá realizar obras e explorar o prédio imprimindolhe destinação econômica 58 Pablo Stolze Gagliano Código Civil Comentado Arts 1369 a 1418 v XIII p 22 recomendamos ao nosso amigo leitor esta coleção de comentários ao CC coordenada pelo grande Professor Álvaro Villaça Azevedo 59 Pablo Stolze Gagliano ob cit p 2324 60 No Estatuto da Cidade cf os arts 21 a 24 61 Pablo Stolze Gagliano ob cit p 58 62 APELAÇÃO CÍVEL SERVIDÃO DE TRÂNSITO PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA NÃO COMPROVADA A CARACTERIZAÇÃO DA SERVIDÃO AO TEOR DOS ARTS 1378 E 1379 DO CÓDIGO CIVIL PARA FINS DE PROTEÇÃO POSSESSÓRIA SENTENÇA MANTIDA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA rejeitada eis que dispondo o Julgador de prova documental a alicerçar a sua apreciação e o seu livre convencimento exercendo de forma adequada a prestação jurisdicional o julgamento da questão posta sob seu crivo se demonstrou em perfeito compasso com a realidade tida nos autos e com os ditames da Lei não se vislumbrando pois qualquer mácula passível de declaração de nulidade NO MÉRITO A servidão de passagem é um direito real sobre coisa alheia instituído para dar utilidade do prédio dominante de modo que apesar de prescindir ao encravamento do imóvel está condicionado ao acordo das partes ao usucapião ou à determinação de Lei institutos não configurados no caso em tela Assim quando não caracterizada quaisquer das situações fáticas descritas em Lei não há motivação para legitimar a declaração de constituição de servidão APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA TJBA Ap 00001612820048050269BA 00001612820048050269 Rel Gesivaldo Nascimento Britto julgamento 782012 2ª Câmara Cível publicação 17112012 63 Cf arts 1380 a 1386 do CC 64 Maria Helena Diniz ob cit p 439 65 Art 1392 do CC Salvo disposição em contrário o usufruto estendese aos acessórios da coisa e seus acrescidos 1º Se entre os acessórios e os acrescidos houver coisas consumíveis terá o usufrutuário o dever de restituir findo o usufruto as que ainda houver e das outras o equivalente em gênero qualidade e quantidade ou não sendo possível o seu valor estimado ao tempo da restituição 2º Se há no prédio em que recai o usufruto florestas ou os recursos minerais a que se refere o art 1230 devem o dono e o usufrutuário prefixarlhe a extensão do gozo e a maneira de exploração 3º Se o usufruto recai sobre universalidade ou quotaparte de bens o usufrutuário tem direito à parte do tesouro achado por outrem e ao preço pago pelo vizinho do prédio usufruído para obter meação em parede cerca muro vala ou valado 66 Pablo Stolze Gagliano ob cit p 122125 67 Interessante exemplo é dado por Pablo Stolze na obra acima citada p 134 O que a lei proíbe é a cessão erroneamente denominada alienação do direito em si Ou seja não pode o usufrutuário em caráter gratuito ou oneroso pretender transferir o seu direito a um terceiro que passaria a figurar como novo usufrutuário Tal não é possível pois atenta contra a própria essência deste direito que detém nítido caráter alimentar e matiz personalíssimo Nada impede todavia que o usufrutuário sem despojarse do seu direito possa ceder a título gratuito ou oneroso o seu exercício Figurese o seguinte exemplo BOMFIM constituiu em beneficio do seu sobrinho GERALDO o usufruto de uma fazenda para que perceba seus frutos até que conclua os seus estudos na Faculdade de Artes Plásticas Nada impede pois desde que não haja proibição no título constitutivo do direito que GERALDO demonstrando pouca aptidão no trato com a atividade rural arrende o bem a um terceiro que lhe pagará uma renda mensal suficiente para o custeio dos seus estudos Com isso GERALDO permanece como usufrutuário desfrutando das utilidades da fazenda sem desvirtuar a finalidade para que fora o direito constituído 68 Cf arts 1394 a 1409 do CC 69 Art 1404 Incumbem ao dono nuproprietário as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico mas o usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que forem necessárias à conservação ou aumentarem o rendimento da coisa usufruída 1º Não se consideram módicas as despesas superiores a dois terços do líquido rendimento em um ano 2º Se o dono não fizer as reparações a que está obrigado e que são indispensáveis à conservação da coisa o usufrutuário pode realizálas cobrando daquele a importância despendida 70 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 510511 71 RECURSO ESPECIAL AÇÃO REIVINDICATÓRIA SUCESSÕES CÓDIGO CIVIL DE 1916 ANTECIPAÇÃO DA LEGÍTIMA DOAÇÃO COM CLÁUSULA DE USUFRUTO CÔNJUGE SOBREVIVENTE QUE CONTINUOU NA POSSE IMÓVEL COLAÇÃO DO PRÓPRIO BEM EM SUBSTÂNCIA DIREITO REAL DE HABITAÇÃO INOCORRÊNCIA 1 A colação é obrigação imposta aos descendentes que concorrem à sucessão comum por exigência legal para acertamento das legítimas na proporção estabelecida em lei sob pena de sonegados e consequentemente da perda do direito sobre os bens não colacionados voltando esses ao montemor para serem sobrepartilhados 2 A doação é tida como inoficiosa caso exceda a parte a qual pode ser disposta sendo nula a liberalidade deste excedente podendo haver ação de anulação ou de redução Da mesma forma a redução será do bem em espécie e se esse não mais existir em poder do donatário se dará em dinheiro CC art 2007 2º 3 É possível a arguição de direito real de habitação ao cônjuge supérstite em imóvel que fora doado em antecipação de legítima com reserva de usufruto 4 Existem situações em que o imóvel poderá ser devolvido ao acervo volvendo ao seu status anterior retornando ao patrimônio do cônjuge falecido para fins de partilha abrindo a depender do caso em concreto a possibilidade de reconhecimento do direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente 5 Na hipótese a partilha dos bens fora homologada em 1851993 não havendo alegação de nulidade da partilha ou de resolução da doação além de se ter constatado que o imóvel objeto de reivindicação não era o único bem daquela natureza a inventariar 6 Recurso especial não provido STJ REsp 1315606SP Rel Min Luis Felipe Salomão 4ª Turma julgado em 2382016 DJe 2892016 72 Pablo Stolze Gagliano ob cit p 217218 73 Nas Jornadas de Direito Civil confiramse I JDC Enunciado n 117 Art 1831 O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n 927896 seja em razão da interpretação analógica do art 1831 informado pelo art 6º caput da CF88 III JDC Enunciado n 271 Art 1831 O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação nos autos do inventário ou por escritura pública sem prejuízo de sua participação na herança 74 Quando elaboramos este tópico o julgamento não havia sido finalizado mas a maioria dos Ministros já se havia pronunciado pela inconstitucionalidade do tratamento desigual e prejudicial à companheira viúva 75 Orlando Gomes Direitos Reais 19 ed p 324325 76 I Jornada de Direito Civil Enunciado 95 O direito à adjudicação compulsória art 1418 do novo Código Civil quando exercido em face do promitente vendedor não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário Súmula 239 do STJ No Código de Processo Civil de 2015 confiramse em especial os arts 497 501 536 e 537 77 Orlando Gomes Contratos p 334 78 Flávio Tartuce ob cit p 1060 79 Penhor Rural Constituise o penhor rural mediante instrumento público ou particular registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas Na esfera de alcance desta modalidade temos o penhor agrícola e o penhor pecuário cf arts 1438 a 1446 do CC 80 Penhor Industrial e Mercantil Podem ser objeto de penhor máquinas aparelhos materiais instrumentos instalados e em funcionamento com os acessórios ou sem eles animais utilizados na indústria sal e bens destinados à exploração das salinas produtos de suinocultura animais destinados à industrialização de carnes e derivados matériasprimas e produtos industrializados cf arts 1447 a 1450 81 Embora o dispositivo legal mencione coisas empenhadas poderá admitese o Penhor de Direitos e Títulos de Crédito cf arts 1451 a 1460 82 Art 1434 O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada ou uma parte dela antes de ser integralmente pago podendo o juiz a requerimento do proprietário determinar que seja vendida apenas uma das coisas ou parte da coisa empenhada suficiente para o pagamento do credor 83 A conta das dívidas será extraída conforme a tabela impressa prévia e ostensivamente exposta na casa dos preços de hospedagem da pensão ou dos gêneros fornecidos sob pena de nulidade do penhor art 1468 84 Art 1471 do CC Tomado o penhor requererá o credor ato contínuo a sua homologação judicial 85 Art 1437 do CC Produz efeitos a extinção do penhor depois de averbado o cancelamento do registro à vista da respectiva prova 86 1º Presumese a renúncia do credor quando consentir na venda particular do penhor sem reserva de preço quando restituir a sua posse ao devedor ou quando anuir à sua substituição por outra garantia 87 2º Operandose a confusão tão somente quanto a parte da dívida pignoratícia subsistirá inteiro o penhor quanto ao resto 88 Carlos Roberto Gonçalves ob cit p 595 89 Cf arts 1502 a 1505 do CC 90 1º A hipoteca dos navios e das aeronaves regerseá pelo disposto em lei especial cf Leis n 765288 e 756586 91 A hipoteca poderá ainda servir de base para a emissão de cédula hipotecária Art 1486 Podem o credor e o devedor no ato constitutivo da hipoteca autorizar a emissão da correspondente cédula hipotecária na forma e para os fins previstos em lei especial 92 O CPC2015 traz uma profunda inovação ao tratar da hipoteca judiciária Art 495 A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária 1º A decisão produz a hipoteca judiciária I embora a condenação seja genérica II ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor III mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo 2º A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário independentemente de ordem judicial de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência 3º No prazo de até 15 quinze dias da data de realização da hipoteca a parte informálaá ao juízo da causa que determinará a intimação da outra parte para que tome ciência do ato 4º A hipoteca judiciária uma vez constituída implicará para o credor hipotecário o direito de preferência quanto ao pagamento em relação a outros credores observada a prioridade no registro 5º Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o pagamento de quantia a parte responderá independentemente de culpa pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da constituição da garantia devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios autos 93 Código Civil Art 1490 O credor da hipoteca legal ou quem o represente poderá provando a insuficiência dos imóveis especializados exigir do devedor que seja reforçado com outros Art 1491 A hipoteca legal pode ser substituída por caução de títulos da dívida pública federal ou estadual recebidos pelo valor de sua cotação mínima no ano corrente ou por outra garantia a critério do juiz a requerimento do devedor 94 Art 1501 Não extinguirá a hipoteca devidamente registrada a arrematação ou adjudicação sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários que não forem de qualquer modo partes na execução 95 A remição é a liberação ou resgate do imóvel hipotecado mediante o pagamento ao credor da dívida que visa garantir Carlos R Gonçalves ob cit p 626 No Código Civil cf art 1481 96 Art 1506 1º É permitido estipular que os frutos e rendimentos do imóvel sejam percebidos pelo credor à conta de juros mas se o seu valor ultrapassar a taxa máxima permitida em lei para as operações financeiras o remanescente será imputado ao capital 2º Quando a anticrese recair sobre bem imóvel este poderá ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético ou a terceiros assim como o imóvel hipotecado poderá ser dado em anticrese 97 Art 1508 O credor anticrético responde pelas deteriorações que por culpa sua o imóvel vier a sofrer e pelos frutos e rendimentos que por sua negligência deixar de perceber Art 1509 O credor anticrético pode vindicar os seus direitos contra o adquirente dos bens os credores quirografários e os hipotecários posteriores ao registro da anticrese 1º Se executar os bens por falta de pagamento da dívida ou permitir que outro credor o execute sem opor o seu direito de retenção ao exequente não terá preferência sobre o preço 2º O credor anticrético não terá preferência sobre a indenização do seguro quando o prédio seja destruído nem se forem desapropriados os bens com relação à desapropriação 98 Art 1507 1º Se o devedor anticrético não concordar com o que se contém no balanço por ser inexato ou ruinosa a administração poderá impugnálo e se o quiser requerer a transformação em arrendamento fixando o juiz o valor mensal do aluguel o qual poderá ser corrigido anualmente 2º O credor anticrético pode salvo pacto em sentido contrário arrendar os bens dados em anticrese a terceiro mantendo até ser pago direito de retenção do imóvel embora o aluguel desse arrendamento não seja vinculativo para o devedor 99 O art 1225 do Código Civil recebeu um novo inciso XIII para constar o direito real de laje 100 Postagem na página eletrônica do coautor datada de 22 de dezembro de 2016 httpswwwfacebookcompablostolze acessado em 22 de dezembro de 2016 101 Art 1510A 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados tomados em projeção vertical como unidade imobiliária autônoma não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original 102 Art 1510A 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas 103 Art 1510A 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações de um ou mais pavimentos construídos sob a forma de unidades isoladas entre si destinadas a fins residenciais ou não nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios 104 Art 1510A 3º Consideramse unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso independente qualquer que seja o seu uso devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades 105 Enunciado sugerido por Pablo Stolze Disponível em httpwww5tjbajusbrimagespdfenunciadosporassuntopdf Acesso em 22 dez 2016 106 Rodrigo da Cunha Pereira Direito de Família e o Novo Código Civil p 226227 107 Caio Mário da Silva Pereira Direito Civil alguns aspectos da sua evolução p 170 108 Íntegra do Projeto disponível em wwwibdfamcombr 109 Vejamse os arts 227 a 230 da Constituição Federal Art 227 É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária além de colocálos a salvo de toda forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos I aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência maternoinfantil II criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física sensorial ou mental bem como de integração social do adolescente portador de deficiência mediante o treinamento para o trabalho e a convivência e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos I idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho observado o disposto no art 7º XXXIII II garantia de direitos previdenciários e trabalhistas III garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola IV garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado segundo dispuser a legislação tutelar específica V obediência aos princípios de brevidade excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade VI estímulo do Poder Público através de assistência jurídica incentivos fiscais e subsídios nos termos da lei ao acolhimento sob a forma de guarda de criança ou adolescente órfão ou abandonado VII programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins 4º A lei punirá severamente o abuso a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente 5º A adoção será assistida pelo Poder Público na forma da lei que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros 6º Os filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levarseá em consideração o disposto no art 204 Art 228 São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos sujeitos às normas da legislação especial Art 229 Os pais têm o dever de assistir criar e educar os filhos menores e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice carência ou enfermidade Art 230 A família a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas assegurando sua participação na comunidade defendendo sua dignidade e bemestar e garantindolhes o direito à vida 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos 110 Guilherme de Oliveira Temas de Direito da Família 2 ed p 336 111 Paulo Luiz Netto Lôbo Entidades Familiares Constitucionalizadas para além do numerus clausus Jus Navigandi Teresina ano 6 n 53 jan 2002 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid2552 Acesso em 26 jun 2006 112 Embora a proteção do chamado bem de família tenha sido estendida ao devedor solteiro isto se dá mais pela identificação do direito à habitação como uma garantia ao mínimo existencial do que pelo eventual reconhecimento de uma família unipessoal 113 Nessa linha observa Paulo Lôbo A família é sempre socioafetiva em razão de ser grupo social considerado base da sociedade e unida na convivência afetiva A afetividade como categoria jurídica resulta da transeficácia de parte dos fatos psicossociais que a converte em fato jurídico gerador de efeitos jurídicos Direito Civil Famílias 2 ed p 14 114 E o reconhecimento da união estável outrora denominada simplesmente concubinato não foi simples resultando também sem dúvida do reconhecimento deste princípio O ingresso do concubinato no direito de família caracterizaria com efeito uma nova e importante fase na qual o legislador especial e paulatinamente a jurisprudência passariam a considerálo não só do ponto de vista das relações obrigacionais interpostas tendose ao contrário em conta as relações de afeto e de solidariedade levadas a cabo pelos companheiros Gustavo Tepedino Temas de Direito Civil 2 ed p 333 115 Maria Berenice Dias União Homossexual O Preconceito e a Justiça 2 ed p 1023 116 No dizer de Belmiro Pedro Welter Estabelecida constitucionalmente a família afetiva não há motivo de os juristas biologistas oporem resistência à filiação sociológica visto que lembra Luiz Edson Fachin é tempo de encontrar na tese biologista e na socioafetiva espaço de convivência isso porque a sociedade não tem o interesse de decretar o fim da biologização Igualdade entre as Filiações Biológica e Socioafetiva p 147 117 Enunciado 341 Art 1696 Para os fins do art 1696 a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar 118 Guilherme de Oliveira Temas de Direito de Família 2 ed p 3367 119 Mauro Cappelletti Juízes Legisladores p 21 120 Flávio Tartuce Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro Jus Navigandi Teresina ano 10 n 1069 5 jun 2006 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid8468 Acesso em 20 dez 2007 121 Paulo Lôbo Famílias 2 ed p 9 O autor se refere ao texto original do art 1641 anterior à Lei n 12344 de 9 de dezembro de 2010 que aumentou para 70 setenta anos a idade a partir da qual se torna obrigatório o regime da separação de bens no casamento 122 Informação obtida no site do IBGE Disponível em httpwwwibgegovbrhomepresidencianoticias25072002pidososhtm Acesso em 19 fev 2010 123 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira Curso de Direito de Família Introdução Direito Matrimonial 4 ed v I p 100 124 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira ob cit p 101 125 Miguel Reale Função Social da Família Disponível em httpwwwmiguelrealecombrartigosfunsochtm 126 No Código Civil de 2002 Art 1637 Se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos cabe ao juiz requerendo algum parente ou o Ministério Público adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres até suspendendo o poder familiar quando convenha Parágrafo único Suspendese igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão Art 1638 Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que I castigar imoderadamente o filho II deixar o filho em abandono III praticar atos contrários à moral e aos bons costumes IV incidir reiteradamente nas faltas previstas no artigo antecedente No ECA Art 22 Aos pais incumbe o dever de sustento guarda e educação dos filhos menores cabendolhes ainda no interesse destes a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais Art 24 A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente em procedimento contraditório nos casos previstos na legislação civil bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art 22 127 Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil Direito de Família 2 ed v 5 p 3738 128 ECA Art 2º Considerase criança para os efeitos desta Lei a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade Parágrafo único Nos casos expressos em lei aplicase excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade 129 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira Curso de Direito de Família Introdução Direito Matrimonial 2 ed v I p 149 130 Maria Regina Fay de Azambuja A Criança no Novo Direito de Família in Direitos Fundamentais do Direito de Família coord Belmiro Welter e Rolf Madaleno p 284 131 Rodrigo da Cunha Pereira Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família p 157 132 Maria Cláudia Crespo Brauner O Pluralismo no Direito de Família Brasileiro Realidade Social e Reinvenção da Família in Direitos Fundamentais do Direito de Família Belmiro Pedro Welter e Rolf Madaleno coords p 259 133 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira Curso de Direito de Família Introdução Direito Matrimonial 2 ed v I p 184 134 Lafayette Rodrigues Pereira Direitos de Família 1956 p 34 135 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito de Família 22 ed p 35 136 Paulo Luiz Netto Lôbo Direito Civil Famílias p 76 137 Duguit chama atocondição àquela declaração de vontade que tem por objeto colocar um indivíduo numa situação jurídica impessoal Nesse sentido o casamento representa um atocondição pois mediante a manifestação de vontade feita solenemente os nubentes se submetem a um regime jurídico minuciosamente regulamentado sujeitos a sofrer todas as consequências e a usufruir de todas as vantagens decorrentes da posição que assumem dentro da instituição Silvio Rodrigues Direito Civil Direito de Família 28 ed v 6 p 21 138 Abandonando portanto a concepção contratual resta apenas considerar o casamento como um negócio jurídico complexo formado pelo consenso da vontade dos particulares e da vontade do Estado Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil v II p 112113 139 Outros veem no casamento um acordo ou seja um negócio jurídico que se distingue no contrato pelo modo de constituição No contrato os interesses das partes contrapõemse ou ao menos divergem no acordo são convergentes Neste há uma soma de vontades naquele uma síntese Qualificandose o casamento desse modo também não se dá solução satisfatória ao problema embora se possibilite seu enquadramento em categoria jurídica que afasta a ideia de contrato na acepção restrita do termo A figura do acordo ainda não está todavia precisamente configurada no campo do direito privado e ao ver de alguns escritores é inútil pela sua redutibilidade ao contrato Seria ademais uma categoria heterogênea que não comporta unificação sequer em se definindoa pela função dos atos que compreenderia Inconveniente em consequência a qualificação conquanto previna o intérprete contra a aplicação dos princípios que regem os contratos stricto sensu os quais pressupõem divergência de interesses Orlando Gomes Direito de Família 14 ed p 5859 140 Corrente defendida pela Professora Maria Helena Diniz ver Curso de Direito Civil Brasileiro Direito de Família 22 ed p 39 lembrando ainda os autores institucionalistas Cicu Bonnecase Carbonnier e Salvat 141 Nesse sentido estabelece o art 1514 do Código Civil brasileiro de 2002 que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam perante o juiz a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal e o juiz os declara casados 142 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil Direito de Família 11 ed v 1 p 36 143 Camilo de Lelis Colani Barbosa Direito de Família Manual de Direitos do Casamento p 19 144 Baseandose no pensamento de Rouast afirma Washington de Barros Monteiro sobre esta corrente eclética que o matrimônio é ao mesmo tempo contrato e instituição Curso de Direito Civil Direito de Família 35 ed v II p 13 145 Antônio Chaves apud Maria Helena Diniz ob cit p 4546 146 Nessa mesma linha Maria Berenice Dias ob cit p 119 147 Lafayette Rodrigues Pereira Direitos de Família p 33 148 Ver Maria Helena Diniz ob cit p 49 149 Exemplo clássico é dado por Moura Bitencourt citado por Maria Helena Diniz ob cit p 49 ocorrido em León Espanha um rapaz ao ser interrogado se era de sua livre e espontânea vontade receber a noiva como a sua legítima esposa disse Bem para ser franco não Assim respondeu e retirouse da igreja deixando a moça desmaiada e atônita a alta sociedade que se comprimia no templo Essa noiva veio a sofrer além da perda do noivo a humilhação pública De fato por que desistir daquela maneira fria dura e inescrupulosa 150 Lo que se conoce como abuso del derecho y que corresponde al abuso del interés supone siempre la existencia de um perjuicio al interés ajeno siendo este por lo mismo um elemento esencial del acto abusivo y fuente de responsabilidad civil Pablo Rodríguez Grez El Abuso del Derecho y el Abuso Circunstancial p 342343 151 Apelação cível Responsabilidade civil Dano moral Promessa de casamento Ruptura injustificada de noivado às vésperas da realização da cerimônia Ausência de motivo justo Lesão às honras objetiva e subjetiva configuradas Responsabilidade Culpa do réu pelo rompimento Imprudência verificada Dano moral configurado Desrespeito ao princípio da boafé Valor da indenização fixado exageradamente Necessidade de readequação Agravo retido não conhecido e apelo parcialmente provido Em que pese a possibilidade de rompimento de noivado até o momento da celebração das núpcias existindo evidente promessa de casamento e ruptura injustificada do compromisso que acarreta dano às honras objetiva e subjetiva da noiva certa é a incidência do instituto da responsabilidade civil com a consequente imposição de indenização 18ª Câmara Cível do TJPR Por maioria Acórdão n 4417 Processo 02824695 Apelação Cível Rel Luiz Sérgio Neiva de L Vieira julgamento em 1682006 Responsabilidade civil Casamento Cerimônia não realizada por iniciativa exclusiva do noivo às vésperas do enlace Conduta que infringiu o princípio da boafé ocasionando despesas nos autos comprovadas pela noiva as quais devem ser ressarcidas Dano moral configurado pela atitude vexatória por que passou a nubente com o casamento marcado Indenização que se justifica segundo alguns pela teoria da culpa in contrahendo pela teoria do abuso do direito segundo outros Embora as tratativas não possuam força vinculante o prejuízo material ou moral decorrente de seu abrupto rompimento e violador das regras da boafé dá ensejo à pretensão indenizatória Confirmação em apelação da sentença que assim decidiu TJRJ 5ª Câm Cível AC 200100117643RJ Rel Des Humberto de Mendonça Manes j 17 102001 vu O nosso ordenamento ainda admite a concessão de indenização à mulher que sofre prejuízo com o descumprimento da promessa de casamento Art 1548 III do CC Falta dos pressupostos de fato para o reconhecimento do direito ao dote e à partilha de bens Recurso não conhecido STJ REsp 251689 Rel Min Ruy Rosado de Aguiar 4ª Turma DJU 30102000 p 162 Sobre o tema noticiou o Boletim do Instituto Brasileiro de Direito de Família que em Goiânia o Juízo de Direito da 5ª Vara de Família Sucessões e Cível condenou um homem a indenizar em 2 mil por danos morais sua exnoiva por ter rompido o noivado sem motivo aparente Na mesma decisão restou fixado também que ele pagaria a quantia de R 341543 por danos materiais uma vez que logo após o término do compromisso a autora descobriu que estava grávida e teve que arcar sozinha com todas as despesas decorrentes do período de gestação Boletim do IBDFAM marçoabril de 2008 fl 11 152 Em situação bastante interessante aliando a aplicação do instituto com as novas ferramentas tecnológicas noticiouse a realização de um casamento pela internet pelo qual se permitiu que os noivos em países distintos acompanhassem pela internet em tempo real a celebração do matrimônio Tal hipótese em nosso sentir somente se afigura juridicamente possível estando presentes os seus representantes procuradores com poderes especiais para casar o que certamente deve ter ocorrido Disponível em httpvideoglobocomVideosPlayerNoticias0GIM8211937823NOIVOSDIZEMSIMVIAWEB00html Acesso em 30 set 2009 153 Fonte Correio do Estado endereço dessa notícia httpwwwoverbocombrmodulesnewsarticlephpstoryid644 Acesso em 22 jun 2008 154 ConsuladoGeral em Lisboa disponível no site do Ministério das Relações Exteriores httpwwwabemregovbrclientesportalconsularportalconsularmundoeuroparepublicaportuguesalisboa 155 A matéria também foi objeto de preocupação do codificador civil de 1916 que estabeleceu em seu art 201 O casamento pode celebrar se mediante procuração que outorgue poderes especiais ao mandatário para receber em nome do outorgante o outro contraente Parágrafo único Pode casar por procuração o preso ou o condenado quando lhe não permita comparecer em pessoa a autoridade sob cuja guarda estiver 156 Camilo de Lelis Colani Barbosa Casamento p 96 157 É de se mencionar nessa quadra que na doutrina brasileira consoante advertimos em nosso v II dedicado ao Direito das Obrigações 11 ed p 55 há quem de fato equipare a atividade do procurador à do núncio cf Sílvio de Salvo Venosa Direito de Família p 96 Entretanto sem querer pôr fim à controvérsia entendemos que uma análise mais profunda resultará na conclusão de se tratar da atuação de um procurador mandatário especialmente por conta de se lhe reconhecer a faculdade mencionada acima de recusar em determinadas situações os poderes de representação a si outorgados 158 Art 683 Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante o revogar pagará perdas e danos 159 Enunciado n 24 Em virtude do princípio da boafé positivado no art 422 do novo Código Civil a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento independentemente de culpa 160 Art 1550 É anulável o casamento V realizado pelo mandatário sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges sem equivalente direto no CC1916 161 Maria Berenice Dias Manual de Direito das Famílias p 148 162 Maria Berenice Dias ob e loc cits 163 Art 1541 Realizado o casamento devem as testemunhas comparecer perante a autoridade judicial mais próxima dentro em dez dias pedindo que lhes tome por termo a declaração de I que foram convocadas por parte do enfermo II que este parecia em perigo de vida mas em seu juízo III que em sua presença declararam os contraentes livre e espontaneamente receberse por marido e mulher 1º Autuado o pedido e tomadas as declarações o juiz procederá às diligências necessárias para verificar se os contraentes podiam terse habilitado na forma ordinária ouvidos os interessados que o requererem dentro em quinze dias 2º Verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento assim o decidirá a autoridade competente com recurso voluntário às partes 3º Se da decisão não se tiver recorrido ou se ela passar em julgado apesar dos recursos interpostos o juiz mandará registrála no livro do Registro dos Casamentos 4º O assento assim lavrado retrotrairá os efeitos do casamento quanto ao estado dos cônjuges à data da celebração 5º Serão dispensadas as formalidades deste e do artigo antecedente se o enfermo convalescer e puder ratificar o casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro 164 Art 77 Nos casamentos celebrados em iminente risco de vida sem a presença da autoridade competente as testemunhas comparecerão dentro em cinco 5 dias perante a autoridade judicial mais próxima a fim de que sejam reduzidas a termo as suas declarações 1º Não comparecendo as testemunhas espontaneamente poderá qualquer interessado requerer a sua intimação 2º Autuadas as declarações e encaminhadas à autoridade judiciária competente se outra for a que as tomou por termo será ouvido o órgão do Ministério Público e se realizarão as diligências necessárias para verificar a inexistência de impedimento para o casamento 3º Ouvidos dentro em 5 cinco dias os interessados que o requerem e o órgão do Ministério Público o Juiz decidirá em igual prazo 4º Da decisão caberá apelação com ambos os efeitos 5º Transitada em julgado a sentença o Juiz mandará registrála no Livro de Casamento 165 Art 166 É nulo o negócio jurídico quando V for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade 166 Essa é também a linha de pensamento de Washington de Barros Monteiro e Maria Helena Diniz confirase por todos Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito de Família 22 ed p 108 167 Na forma do art 12 da Constituição Federal São brasileiros I natos a os nascidos na República Federativa do Brasil ainda que de pais estrangeiros desde que estes não estejam a serviço de seu país b os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil c os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo pela nacionalidade brasileira Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n 3 de 1994 II naturalizados a os que na forma da lei adquiram a nacionalidade brasileira exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral b os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal desde que requeiram a nacionalidade brasileira Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n 3 de 1994 1º Aos portugueses com residência permanente no País se houver reciprocidade em favor de brasileiros serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro salvo os casos previstos nesta Constituição Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n 3 de 1994 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados salvo nos casos previstos nesta Constituição 3º São privativos de brasileiro nato os cargos I de Presidente e Vice presidente da República II de Presidente da Câmara dos Deputados III de Presidente do Senado Federal IV de Ministro do Supremo Tribunal Federal V da carreira diplomática VI de oficial das Forças Armadas VII de Ministro de Estado da Defesa Incluído pela Emenda Constitucional n 23 de 1999 4º Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que I tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional II adquirir outra nacionalidade salvo no casos Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n 3 de 1994 a de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n 3 de 1994 b de imposição de naturalização pela norma estrangeira ao brasileiro residente em estado estrangeiro como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n 3 de 1994 168 Observa porém Paulo Lôbo que o funcionário da carreira da diplomacia só poderá casar com estrangeira mediante licença do ministro de Estado Essa restrição ao direito de constituir família de discutível recepção pela Constituição de 1988 está determinada pela Lei n 154252 Cabe ao chefe da missão diplomática atestar favoravelmente as qualidades morais da noiva e quando houver impossibilidade da indagação fidedigna fará uma declaração nesse sentido e a licença será negada Paulo Lôbo Direito Civil Famílias 2 ed p 98 169 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Decretolei n 4657 de 4 de setembro de 1942 Art 18 Tratandose de brasileiros são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado Redação dada pela Lei n 3238 de 1º81957 170 Paulo Lôbo Direito Civil Famílias 2 ed p 97 171 Sobre o tema confirase o Capítulo III Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 172 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Decretolei n 4657 de 4 de setembro de 1942 Art 17 As leis atos e sentenças de outro país bem como quaisquer declarações de vontade não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional a ordem pública e os bons costumes Claro está todavia que o alcance dessa norma depende dos valores consagrados e vigentes na sociedade em cada época Não são critérios pois imutáveis considerandose a natureza eminentemente aberta da norma sob análise 173 Paulo Lôbo Direito Civil Famílias 2 ed p 98 174 No Código Civil alemão quanto à capacidade núbil um casamento não deve ser realizado antes da maioridade 1303 Ehemündigkeit 1 Eine Ehe soll nicht vor Eintritt der Volljährigkeit eingegangen werden No entanto a própria Justiça Tribunal de Família poderá autorizar o matrimônio se o requerente tiver 16 anos completos e o seu futuro cônjuge for maior 2 Das Familiengericht kann auf Antrag von dieser Vorschrift Befreiung erteilen wenn der Antragsteller das 16 Lebensjahr vollendet hat und sein künftiger Ehegatte volljährig ist Tradução livre de Pablo Stolze Gagliano 175 O Código de 1916 em seu art 183 XII considerava que a mulher talvez por amadurecer mais precocemente estaria preparada para casar mais cedo aos 16 anos diferentemente do homem que só alcançaria a idade núbil aos 18 A idade núbil diferenciada pode porém ser explicada pelo prestígio maior e consequentemente proteção mais efetiva que se dava ao homem e seu patrimônio em uma sociedade visivelmente machista e patrimonialista em que a mulher muitas vezes sequer adquiria capacidade plena em toda sua vida 176 Art 1519 A denegação do consentimento quando injusta pode ser suprida pelo juiz 177 Art 1518 Até a celebração do casamento podem os pais tutores ou curadores revogar a autorização 178 No texto original do Código Penal DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 havia previsão no art 108 VII da extinção da punibilidade pelo casamento do agente com a ofendida tendo a Lei n 6416 de 1977 acrescido a hipótese do casamento da ofendida com terceiro Com a redação dada pela Lei n 7209 de 1171984 a previsão passou para o art 107 VII e VIII nos seguintes termos VII pelo casamento do agente com a vítima nos crimes contra os costumes definidos nos Capítulos I II e III do Título VI da Parte Especial deste Código VIII pelo casamento da ofendida com terceiro nos crimes referidos no inciso anterior salvo se cometidos com violência ou grave ameaça e se ela não requerer o prosseguimento da ação penal no prazo de sessenta dias a contar da celebração 179 Presunção de violência Art 224 Presumese a violência se a vítima a não é maior de catorze anos b é alienada ou débil mental e o agente conhecia esta circunstância c não pode por qualquer outra causa oferecer resistência 180 Estupro de vulnerável Incluído pela Lei n 12015 de 2009 Art 217A Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 catorze anos Pena reclusão de 8 oito a 15 quinze anos 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência 2º VETADO 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave Pena reclusão de 10 dez a 20 vinte anos 4º Se da conduta resulta morte Pena reclusão de 12 doze a 30 trinta anos 181 Maria Berenice Dias ob cit p 274 182 Desde Clóvis Beviláqua é firme a tese da retroatividade dos efeitos da sentença anulatória Anullado o casamento volvem as cousas ao estado anterior como se o acto não se tivesse realizado Código Civil dos Estados Unidos do Brasil edição histórica v I p 568 posto exista respeitável corrente contrária defendo a eficácia ex nunc Maria Helena Diniz ob cit v V p 258 com a qual com todo o respeito não concordamos 183 Disponível em httpwwwcnjjusbratosadministrativosatosdapresidenciaresolucoespresidencia24675resolucaon175de14de maiode2013 184 Art 1512 O casamento é civil e gratuita a sua celebração Parágrafo único A habilitação para o casamento o registro e a primeira certidão serão isentos de selos emolumentos e custas para as pessoas cuja pobreza for declarada sob as penas da lei 185 Art 1526 A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil com a audiência do Ministério Público Parágrafo único Caso haja impugnação do oficial do Ministério Público ou de terceiro a habilitação será submetida ao juiz 186 Antes da vigência desse diploma em alguns Estados brasileiros as Procuradorias Gerais de Justiça baixaram atos restringindo a atuação do Ministério Público para quando houvesse a participação de incapazes na habilitação como por exemplo no casamento de menores Sucede que a nova redação do art 1526 do Código Civil torna expressamente necessária a audiência do Ministério Público para o fim de opor eventual impugnação Talvez valha a pena de fato repensarse a norma legal na hipótese de não haver participação de incapaz 187 Art 1522 Os impedimentos podem ser opostos até o momento da celebração do casamento por qualquer pessoa capaz Parágrafo único Se o juiz ou o oficial de registro tiver conhecimento da existência de algum impedimento será obrigado a declarálo 188 Art 1530 O oficial do registro dará aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição indicando os fundamentos as provas e o nome de quem a ofereceu Parágrafo único Podem os nubentes requerer prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados e promover as ações civis e criminais contra o oponente de máfé 189 Clóvis Beviláqua Direito de Família 9 ed p 4546 190 O Conselho Nacional de Justiça CNJ aprovou Recomendação aos Tribunais de Justiça dos Estados para que promovam a regulamentação da função de juiz de paz que deve ser escolhido por eleições diretas Os tribunais têm prazo de um ano para encaminhar projeto de lei às Assembleias Legislativas que trate das eleições e da remuneração do cargo O artigo 98 da Constituição Federal estabelece que o juiz de paz que celebra casamentos nos cartórios deve ser eleito por voto direto universal e secreto com mandato de quatro anos A decisão de editar uma Recomendação do CNJ teve origem na aprovação nesta terçafeira 246 em sessão plenária do Conselho do Pedido de Providências 200810000000110 no qual foram solicitadas eleições para a função no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul onde as nomeações são feitas pelo próprio tribunal Sem regulamentação Após levantamento nos Tribunais de Justiça de todo o país Andréa Pachá constatou que a maioria não regulamentou a matéria e mantém a indicação e nomeação dos juízes de paz em cada tribunal Ela disse ainda que não existem regras comuns em todos os Estados e também não existe uniformidade quanto à remuneração Em seu voto a conselheira relaciona a situação por Estado segundo informações dos tribunais A proposta de lei estadual deverá incluir as normas para a atuação dos juízes de paz como conciliadores e nas varas de família A conselheira Andréa Pachá relatora do Pedido de Providências lembrou que a atividade conciliatória também está prevista na Constituição como atribuição da Justiça de Paz Ela ressaltou a importância da conciliação na atualidade para o Judiciário brasileiro principalmente diante da morosidade da justiça do número grandioso de causas à espera de julgamento e do número insuficiente de magistrados para a análise dessas causas Segundo a conselheira a regulamentação da Justiça de Paz possibilitará aos tribunais a melhoria dos projetos de conciliação Histórico Pesquisa feita por Andréa Pachá revelou que a Justiça de Paz é originária da Inglaterra no século XII De acordo com o voto da conselheira a Justiça de Paz é uma das instituições mais antigas do Judiciário brasileiro e foi instituída formalmente 324 anos após o descobrimento do Brasil Já era prevista na Constituição do Império em 1824 quando foi implantada por Dom Pedro I Em 1827 foi regulamentada por lei que concedia aos juízes de paz amplos poderes inclusive jurisdicionais e estabelecia eleição em cada freguesia Em 1890 o casamento passou a ser celebrado por uma autoridade leiga e na Constituição de 1891 não houve previsão de Justiça de Paz Na Constituição de 1946 a Justiça de Paz passou a ser eletiva e temporária fixandose a competência para habilitar e celebrar casamentos A Lei Complementar 3579 Lei Orgânica da Magistratura ainda em vigor previu a Justiça de Paz temporária criada por lei estadual e com competência para celebrar casamentos Finalmente veio a Constituição de 1988 em que surge a Justiça de Paz remunerada SRMG Disponível em httpwwwcnjjusbrindexphpoptioncomcontentviewarticleid4267cnjrecomendaelei diretaparajuizdepazemtodoopacatid1notasItemid675 Acesso em 26 fev 2010 191 Bigamia Art 235 Contrair alguém sendo casado novo casamento Pena reclusão de dois a seis anos 1º Aquele que não sendo casado contrai casamento com pessoa casada conhecendo essa circunstância é punido com reclusão ou detenção de um a três anos 2º Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento ou o outro por motivo que não a bigamia considerase inexistente o crime 192 Camilo de Lelis Colani Barbosa Direito de Família Manual de Direitos do Casamento p 38 193 Art 1514 O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam perante o juiz a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal e o juiz os declara casados 194 Nesse sentido confirase a seguinte notícia proveniente da Áustria Noiva diz não de brincadeira e suspende casamento Nem sempre piadas de casamento são engraçadas Uma noiva austríaca resolveu dizer não em vez de sim ao ser perguntada se aceitava seu futuro marido A brincadeira não agradou ao juiz de paz que imediatamente interrompeu a cerimônia Nem apelos da noiva conseguiram reverter a decisão e o casal teve que esperar dois meses e meio para poder voltar ao altar e formalizar a união segundo o jornal austríaco Oberoesterreichischen Nachrichten Autoridades do escritório de Steyr onde ocorreu a confusão se recusaram a comentar o incidente mas disseram que o fato é incomum Disponível em httpnoticiasterracombrpopularinterna0OI1332528EI114100html notícia de 5 de janeiro de 2007 195 Art 70 Do matrimônio logo depois de celebrado será lavrado assento assinado pelo presidente do ato os cônjuges as testemunhas e o oficial sendo exarados Renumerado do art 71 pela Lei n 6216 de 1975 1º os nomes prenomes nacionalidade data e lugar do nascimento profissão domicílio e residência atual dos cônjuges 2º os nomes prenomes nacionalidade data de nascimento ou de morte domicílio e residência atual dos pais 3º os nomes e prenomes do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior quando for o caso 4º a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento 5º a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro 6º os nomes prenomes nacionalidade profissão domicílio e residência atual das testemunhas 7º o regime de casamento com declaração da data e do cartório em cujas notas foi tomada a escritura antenupcial quando o regime não for o da comunhão ou o legal que sendo conhecido será declarado expressamente 8º o nome que passa a ter a mulher em virtude do casamento 9º os nomes e as idades dos filhos havidos de matrimônio anterior ou legitimados pelo casamento 10º à margem do termo a impressão digital do contraente que não souber assinar o nome Incluído pela Lei n 6216 de 1975 Parágrafo único As testemunhas serão pelo menos duas não dispondo a lei de modo diverso 196 Na Lei de Registros Públicos conferir arts 71 a 75 Art 71 Os nubentes habilitados para o casamento poderão pedir ao oficial que lhe forneça a respectiva certidão para se casarem perante autoridade ou ministro religioso nela mencionando o prazo legal de validade da habilitação Renumerado do art 72 pela Lei n 6216 de 1975 Art 72 O termo ou assento do casamento religioso subscrito pela autoridade ou ministro que o celebrar pelos nubentes e por duas testemunhas conterá os requisitos do art 71 exceto o 5º Renumerado do art 73 pela Lei n 6216 de 1975 Art 73 No prazo de trinta dias a contar da realização o celebrante ou qualquer interessado poderá apresentando o assento ou termo do casamento religioso requererlhe o registro ao oficial do cartório que expediu a certidão Renumerado do art 74 pela Lei n 6216 de 1975 1º O assento ou termo conterá a data da celebração o lugar o culto religioso o nome do celebrante sua qualidade o cartório que expediu a habilitação sua data os nomes profissões residências nacionalidades das testemunhas que o assinarem e os nomes dos contraentes Redação dada pela Lei n 6216 de 1975 2º Anotada a entrada do requerimento o oficial fará o registro no prazo de 24 vinte e quatro horas Redação dada pela Lei n 6216 de 1975 3º A autoridade ou ministro celebrante arquivará a certidão de habilitação que lhe foi apresentada devendo nela anotar a data da celebração do casamento Art 74 O casamento religioso celebrado sem a prévia habilitação perante o oficial de registro público poderá ser registrado desde que apresentados pelos nubentes com o requerimento de registro a prova do ato religioso e os documentos exigidos pelo Código Civil suprindo eles eventual falta de requisitos nos termos da celebração Renumerado do art 75 pela Lei n 6216 de 1975 Parágrafo único Processada a habilitação com a publicação dos editais e certificada a inexistência de impedimentos o oficial fará o registro do casamento religioso de acordo com a prova do ato e os dados constantes do processo observado o disposto no art 70 Art 75 O registro produzirá efeitos jurídicos a contar da celebração do casamento Renumerado do art 76 pela Lei n 6216 de 1975 197 José Carlos Moreira Alves A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro p 98 198 Devese especialmente a Pontes de Miranda o desenvolvimento deste esquema teórico Sobre o tema vale a pena consultar não somente a sua imortal obra mas também os excelentes textos daquele que é o maior conhecedor brasileiro de seu pensamento o Professor Marcos Bernardes de Mello notadamente os seus livros dedicados ao estudo da Teoria do Fato Jurídico todos editados pela Saraiva 199 Vale lembrar com amparo na doutrina de Orlando Gomes que a declaração de vontade da pessoa é pressuposto de todo negócio jurídico Nos contratos toma o nome de consentimento ou consenso consciente Introdução ao Direito Civil p 381 200 Nesse sentido vale lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho define o contrato individual de trabalho no art 442 como o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego grifo nosso 201 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed p 308 202 Miguel Maria de Serpa Lopes O Silêncio como Manifestação de Vontade 3 ed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1961 p 165 apud Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Parte Geral p 331 203 Devese evitar a expressão mútuo consentimento por ser considerada redundante porque no termo consentimento está contida a ideia de que a palavra mútuo exprime Orlando Gomes Contratos 14 ed p 48 204 Francisco P Coelho e Guilherme de Oliveira ob cit p 237 205 JeanJaques Lemouland in Droit de la Famille org Pierre Murat 4 ed p 43 Em tradução livre dos autores O consentimento dos futuros esposos é um elemento essencial na formação do casamento Para a maior parte dos autores o intercâmbio de consentimento constitui o verdadeiro fundamento do laço matrimonial 206 E tal consentimento não poderá estar subordinado a elementos de eficácia conforme preleciona Ignacio Sierra Gil de la Cuesta estudando o direito espanhol El consentimiento es la concordancia de las dos declaraciones de ambos contrayentes de querer contraer matrimonio entendiendo el mismo como negocio jurídico Nuestro Código Civil establece en su art 45 que no puede haber matrimonio sin consentimiento matrimonial O sea que lo estima como un requisito sine qua non para la existencia del mismo Ahora bien dicho consentimiento no admite ni condición ni término o modo y así lo expresa el párrafo segundo del mencionado art 45 añadiendo que dichos elementos accesorios a todo negocio jurídico se tendrán por no puestos Tratado de Derecho de Família Aspectos Sustantivos e Procesales coord Pilar Gonzálvez Vicente e Pedro González Poveda p 55 207 Disponível em httpjus2uolcombrpecastextoaspid659 Acesso em 27 out 2008 208 J J Calmon de Passos Comentários ao Código de Processo Civil 8 ed v 3 p 291 209 Fredie Didier Jr Curso de Direito Processual Civil 9 ed v 1 p 110 210 Guillermo Borda Manual de Derecho de Família 12 ed p 92 211 Tratamos minuciosamente do casamento anulável no Capítulo X Plano de Validade do Casamento Causas de Anulação do Casamento O Casamento Anulável do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 212 Sobre o tema do Princípio da boafé confirase o Capítulo V BoaFé Objetiva em Matéria Contratual do t I Teoria Geral do v 4 Contratos de nosso Novo Curso de Direito Civil 213 O Genoma Humano Perspectivas para a Saúde Pública O Projecto em 2001 trecho de notícia extraído do site Ciência Viva Agência Nacional para Cultura Científica e Tecnológica Disponível em httpwwwcienciavivaptprojectosconcluidosgenomahumanoartigosindexasplangptaccaoshowTexto2projecto22 Acesso em 13 nov 2008 214 No plano da afinidade a restrição porém se limita ao parentesco em linha reta não havendo impedimento legal de casamento entre afins na linha colateral ou seja não há impedimento para se casar com ao cunhadao somente por tal condição ainda que tal fato possa gerar algum abalo ou crise familiar ver o subtópico 24 deste capítulo 215 Maria Berenice Dias ob cit p 153 216 Rolf Madaleno ob cit p 83 217 Em uma perspectiva inclusiva da união incestuosa como entidade familiar vale a pena conferir o minucioso estudo de Ana Cecília Rosário Ribeiro O Reconhecimento da Relação Incestuosa como Entidade Familiar Disponível em httpwwwfacsbrrevistajuridicaedicaoagosto2005 discentedisc01posdoc Acesso em 5 mar 2010 218 6º Os filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação 219 No passado lembranos José Carlos Teixeira Giorgis o rigor de tratamento era ainda maior O Código do Império brasileiro mirandose no Código Napoleônico impunha a pena de trabalhos forçados até seis anos depois em 1890 sob o título de poligamia o ordenamento penal definia o crime entre os cometidos contra a segurança do estado civil com pena de prisão celular até seis anos levando a imprecisão do termo a supor que a infração apenas ocorreria depois do segundo casamento polígamo defeito que foi corrigido na atual versão do artigo 235 CP A Bigamia Disponível em httpwwwibdfamorgbrartigosartigo194 Acesso em 19 dez 2008 220 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira ob cit p 270 221 Flávio Tartuce e José Fernando Simão ob cit p 63 222 Flávio Tartuce e José Fernando Simão ob cit p 63 223 De fato como bem anota Clóvis Beviláqua a imoralidade do casamento decorreria não apenas da codelinquência coautoria ou participação mas da simples conivência no crime praticado contra o seu consorte Poderá ser ausência de sentimentos de piedade para com o morto ou de estima para consigo mesmo mas em grau tão subido que se a cumplicidade não existiu houve aprovação do crime igualmente imoral Código Civil dos Estados Unidos do Brasil p 498 224 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito de Família 6 ed p 113 225 Francisco Amaral Direito Civil Introdução 3 ed p 563 226 Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 128 227 Observese que o inciso IV do art 1557 do CC2002 IV a ignorância anterior ao casamento de doença mental grave que por sua natureza torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado foi revogado pela Lei n 13146 de 6 de julho de 2015 Estatuto da Pessoa com Deficiência 228 Washington de Barros Monteiro ob cit p 9596 229 Maria Helena Diniz ob cit p 268 230 Rolf Madaleno ob cit p 112 231 Disponível em httpg1globocomNoticiasPlanetaBizarro0MUL965793609100 ITALIADECIDEQUESEXOCOMCAMISINHAEMOTIVOPARAANULAROCASAMENTOhtml Acesso em 22 jan 2009 232 Alegoricamente é o exemplo popular do casamento caipira encenado nas festas de São João em que o noivo manifestase favorável na celebração sob a mira de um trabuco 233 Art 151 Parágrafo único Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente o juiz com base nas circunstâncias decidirá se houve coação 234 PROJETO DE LEI N 2285 DE 2007 Estatuto das Famílias Art 30 É anulável o casamento I dos relativamente incapazes II por erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge anterior ao casamento III em virtude de coação IV do incapaz de consentir ou manifestar de modo inequívoco o consentimento no momento da celebração V por incompetência da autoridade celebrante salvo se tiver havido registro do casamento 235 O texto originalmente era do parágrafo único do referido art 1550 tendo se tornado 1º pela inserção de um novo parágrafo pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência 236 O vigente Código Civil brasileiro inclusive pôs uma pá de cal em qualquer discussão sobre esse tema em relação à ação anulatória do casamento do menor não incidindo no erro técnico aqui específico existente no art 178 5º III do CC1916 que estabelecia Art 178 Prescreve 5º Em seis meses III a ação para anular o casamento da menor de 16 dezesseis e do menor de 18 dezoito anos contado o prazo do dia em que o menor perfez essa idade se a ação for por ele movida e da data do matrimônio quando o for por seus representantes legais arts 213 e 216 ou pelos parentes designados no art 190 237 Observese que o inciso IV do art 1557 do Código Civil de 2002 foi revogado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência 238 Silvio Rodrigues Direito Civil Parte Geral 12 ed v 1 p 296 239 Código Penal brasileiro Art 128 Não se pune o aborto praticado por médico I se não há outro meio de salvar a vida da gestante II se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou quando incapaz de seu representante legal 240 A favor desta tese Flávio Tartuce Fernando Simão Zeno Veloso Tartuce e Simão Direito de Família ob cit p 98 contra defendendo que os efeitos se projetam para o futuro Maria Helena Diniz ob cit p 278 e Orlando Gomes ob cit p 124 241 Rodrigo da Cunha Pereira Disponível em httpwwwconjurcombr2007nov 22estatutofamilialegitimanovasformacoesfamiliares Acesso em 29 jan 2009 242 Débora Vanessa Caús Brandão Casamento Putativo um Estudo Baseado no Novo Código Civil Jus Navigandi Teresina ano 8 n 190 12 jan 2004 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid4693 Acesso em 21 fev 2009 243 6º Os filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação 244 Em sentido diverso Sílvio Venosa ob cit p 136 245 Sistematização baseada na obra de Guillermo Borda ob cit p 106 e s 246 Sobre o tema conferir Pablo Stolze Gagliano O Contrato de Doação Análise Crítica do Atual Sistema Jurídico e os seus Efeitos no Direito de Família e das Sucessões 2 ed 2008 247 Yussef Said Cahali O Casamento Putativo 2 ed p 139 248 Nesse sentido também Sílvio de Salvo Venosa ob cit p 134 249 Sílvio de Salvo Venosa ob e loc cits 250 Outras considerações correlatas sobre o tema podem ser encontradas no Capítulo XXX Responsabilidade Civil nas Relações Familiares do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 251 Max Kaser Direito Privado Romano p 319 252 Max Kaser ob cit p 326 253 Paulo Lôbo Famílias 2 ed p 113 254 Nas situações de poliamorismo com múltiplas relações afetivas abertas é possível visualizar mais evidentemente a existência de lealdade sem se falar em uma fidelidade estrita pelo menos na visão tradicional deste dever Todavia tais situações ainda são tidas como excepcionais e de pouca ocorrência social Sobre o tema confirase o Capítulo XX Concubinato e Direitos doa Amante do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 255 Washington de Barros Monteiro Curso de Direito Civil Direito de Família 35 ed v 2 p 117 256 Sobre o tema confirase o Capítulo XXX Responsabilidade Civil nas Relações Familiares do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 257 Orlando Gomes ob cit p 134 258 Nesse sentido estabelece o art 1569 do CC2002 Art 1569 O domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges mas um e outro podem ausentarse do domicílio conjugal para atender a encargos públicos ao exercício de sua profissão ou a interesses particulares relevantes No Código Civil brasileiro de 1916 estabelecia o art 233 III que competia ao marido o direito de fixar o domicílio da família ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao juiz no caso de deliberação que a prejudique 259 Orlando Gomes Direito de Família p 138 260 Ana Maria Gonçalves Louzada Alimentos Doutrina e Jurisprudência p 12 261 Nesse sentido confiramse os seguintes dispositivos do Código Civil brasileiro de 1916 Art 233 O marido é o chefe da sociedade conjugal função que exerce com a colaboração da mulher no interesse comum do casal e dos filhos arts 240 247 e 251 Competelhe IV prover a manutenção da família guardada as disposições dos arts 275 e 277 Art 277 A mulher é obrigada a contribuir para as despesas do casal com os rendimentos de seus bens na proporção de seu valor relativamente ao do marido salvo estipulação em contrário no contrato antenupcial arts 256 e 312 262 Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Direito das Famílias p 194 263 Art 1641 É obrigatório o regime da separação de bens no casamento I das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento 264 Art 1489 A lei confere hipoteca II aos filhos sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias antes de fazer o inventário do casal anterior 265 Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald ob cit p 128 266 O que não se afigura possível por absoluta incongruência e incompatibilidade lógica é a adoção de dois regimes diversos no mesmo pacto um por cada cônjuge 267 Art 1829 A sucessão legítima deferese na ordem seguinte I aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória de bens art 1640 parágrafo único ou se no regime da comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares 268 Paulo Lôbo ob cit p 313 269 É vedado como se sabe estabelecerse convenção que tenha por objeto herança de pessoa viva o denominado pacta corvina a teor do art 426 do CC2002 art 1089 do CC1916 270 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 ed p 1746 271 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira ob cit p 1095 272 São exemplos desta machista outorga marital no Código Civil brasileiro de 1916 Art 242 A mulher não pode sem autorização do marido art 251 I praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher art 235 II alienar ou gravar de ônus real os imóveis de seu domínio particular qualquer que seja o regime dos bens arts 263 II III e VIII 269 275 e 310 III alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem IV contrair obrigações que possam importar em alheação de bens do casal Art 243 A autorização do marido pode ser geral ou especial mas deve constar de instrumento público ou particular previamente autenticado Art 244 Esta autorização é revogável a todo o tempo respeitados os direitos de terceiros e os efeitos necessários dos atos iniciados Art 245 A autorização marital pode suprirse judicialmente I nos casos do art 242 I a V II nos casos do art 242 VII e VIII se o marido não ministrar os meios de subsistência à mulher e aos filhos Parágrafo único O suprimento judicial da autorização valida os atos da mulher mas não obriga os bens próprios do marido Art 247 Presumese a mulher autorizada pelo marido I para a compra ainda a crédito das coisas necessárias à economia doméstica II para obter por empréstimo as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir III para contrair as obrigações concernentes à indústria ou profissão que exercer com autorização do marido ou suprimento do juiz Parágrafo único Considerar seá sempre autorizada pelo marido a mulher que ocupar cargo público ou por mais de 6 seis meses se entregar a profissão exercida fora do lar conjugal Art 266 Na constância da sociedade conjugal a propriedade e posse dos bens é comum Parágrafo único A mulher porém só os administrará por autorização do marido ou nos casos do art 248 V e art 251 Art 274 A administração dos bens do casal compete ao marido e as dívidas por este contraídas obrigam não só os bens comuns senão ainda em falta destes os particulares de um e outro cônjuge na razão do proveito que cada qual houver lucrado Art 275 É aplicável a disposição do artigo antecedente às dívidas contraídas pela mulher no caso em que os seus atos são autorizados pelo marido se presumem sêlo ou escusam autorização arts 242 a 244 247 248 e 233 IV Art 1299 A mulher casada não pode aceitar mandato sem autorização do marido 273 Ricardo Kollet A Outorga Conjugal nos Atos de Alienação ou Oneração de Bens Imóveis Disponível em httpwwwiriborgbrbiblioboletimel722aasp Acesso em 2 jun 2010 274 E não permita nesse diapasão que o art 1665 conduzao a uma conclusão diversa e equivocada O referido dispositivo ao mencionar que a administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário salvo convenção diversa em pacto antenupcial como bem adverte José Fernando Simão é norma que merece total censura por aparentemente colidir com o sistema do art 1647 razão pela qual deve ser lida à luz do sistema com a seguinte ressalva desde que não sejam imóveis pois nessa hipótese aplicamse as disposições do art 1647 I Outra possível solução para conciliar as disposições é que as regras sejam lidas como se dissessem o cônjuge proprietário pode dispor de seus bens imóveis particulares havendo autorização do outro ou suprimento judicial Por essa razão diante do evidente conflito de normas o Projeto 27607 pretende suprimir a palavra disposição do artigo em questão Código das Famílias Comentado p 414 275 Doação remuneratória observa Pablo Stolze Gagliano é aquela feita em retribuição a serviços prestados pelo donatário É o caso do médico da família que serviu ao doador com dedicação durante toda a vida sem cobrar nada por isso Claro está entretanto que essa doação não consiste tecnicamente em pagamento mas sim tão somente em um justo reconhecimento do doador pelos favores recebidos O Contrato de Doação 3 ed p 120 276 Reforçando o que dissemos no início deste tópico a respeito da impropriedade atual do termo outorga uxória vale conferir a título ilustrativo a notícia do STJ a respeito da aprovação da Súmula 332 A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça alterou na sessão desta quartafeira 5 o texto da Súmula 332 segundo a qual a fiança prestada por um dos cônjuges sem a assinatura do outro invalida o ato por inteiro O novo texto da Súmula 332 tem a seguinte redação A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia A súmula foi aprovada em novembro de 2006 com o seguinte texto A anulação de fiança prestada sem outorga uxória implica a ineficácia total da garantia Mas a redação teve de ser alterada porque o termo uxória se refere exclusivamente à mulher casada O homem acabou sendo excluído e por isso a súmula não foi publicada A tese é pacificada no sentido de que a fiança sem a outorga de um dos cônjuges em contrato de locação é nula de pleno direito Código Civil artigo 235 III invalidando inclusive a penhora efetivada sobre a meação marital A edição da súmula consolida jurisprudência adotada em diversos julgamentos no STJ Entre eles o do REsp 860795 relatado pela ministra Laurita Vaz Por unanimidade a Quinta Turma considerou que um dos cônjuges não pode ser fiador em contrato de locação sem a autorização do outro sob pena de nulidade da obrigação do casal Também são precedentes os Recursos Especiais 525765 94094 111877 e outros Disponível em httpwwwstjjusbrportalstjobjetotextoimpressaowsp tmpestilotmparea398tmptexto86683 Acesso em 2 jun 2010 277 Sílvio Venosa ob cit p 367 278 Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Direito das Famílias p 221 279 Rolf Madaleno ob cit p 550 280 Merece referência o acórdão proferido em junho de 1992 pela Egrégia 4ª Turma do STJ tendo como relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira ao reconhecer que em se tratando de regime de separação obrigatória Código Civil art 258 comunicamse os bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum O Enunciado n 377 da Súmula do STF deve restringirse aos aquestos resultantes da conjugação de esforços do casal em exegese que se afeiçoa à evolução do pensamento jurídico e repudia o enriquecimento sem causa REsp 9938SP Instituições de Direito Civil v V Direito de Família Caio Mário da Silva Pereira obra imortal atualizada com brilho pela Profa Tania Pereira p 200 281 REsp 736627PR 282 Art 259 Embora o regime não seja o da comunhão de bens prevalecerão no silêncio do contrato os princípios dela quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento sem equivalente direto no CC2002 283 Fonte do Estatuto e Sua Justificativa Disponível em httpwwwibdfamorgbrartigosartigo338 Acesso em 5 jul 2009 284 Antunes Varela Direito de Família 5 ed v 1 p 432 285 Orlando Gomes ob cit p 174 286 Enunciado n 113 da I Jornada de Direito Civil Art 1639 é admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges quando então o pedido devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges será objeto de autorização judicial com ressalva dos direitos de terceiros inclusive dos entes públicos após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza exigida ampla publicidade 287 Pablo Stolze Gagliano Alguns Efeitos do Direito de Família na Atividade Empresarial Disponível em http7412547132search qcacheNAOuPXlqhJgJwwwfacsbrrevistajuridicaedicaomarco2004docentedoc01docpablostolzeeregimedebensejuntacomercialcd4hlpt BRctclnkglbr Acesso em 12 jul 2009 288 Maria Berenice Dias por exemplo sustenta que a mudança poderá ter efeitos ex tunc ou ex nunc a depender da vontade dos cônjuges ob cit p 219 289 Luiz Felipe Brasil Santos A Mutabilidade do Regime de Bens Disponível em httpwwwibdfamorgbrartigosartigo97 Acesso em 12 jul 2009 290 Esta posição já era defendida pelo coautor Pablo Stolze Gagliano quando da publicação do seu artigo O Impacto do Novo Código Civil no Regime de Bens do Casamento em 2002 Jornal A Tarde de 14 de dezembro do referido ano 291 Pablo Stolze Gagliano Comentários ao Código Civil Brasileiro v XVII obra coordenada pelos Profs Drs Arruda Alvim e Thereza Alvim participando ainda do tomo comentando outros dispositivos os Profs Henrique de Mello e Maria Isabel do Prado Comentário ao art 2039 p 617618 292 Antunes Varela ob cit p 450451 293 Antunes Varela ob cit p 453 294 Art 258 Não havendo convenção ou sendo nula vigorará quanto aos bens entre os cônjuges o regime de comunhão parcial 295 Art 1725 Na união estável salvo contrato escrito entre os companheiros aplicase às relações patrimoniais no que couber o regime da comunhão parcial de bens 296 Art 274 A administração dos bens do casal compete ao marido e as dívidas por este contraídas obrigam não só os bens comuns senão ainda em falta destes os particulares de um e outro cônjuge na razão do proveito que cada qual houver lucrado Art 275 É aplicável a disposição do artigo antecedente às dívidas contraídas pela mulher no caso em que os seus atos são autorizados pelo marido se presumem sê lo ou escusam autorização arts 242 a 244 247 248 e 233 IV 2971 2º É admissível alteração do regime de bens mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros 298 Sobre o tema confirase o Capítulo XXVIII Enriquecimento Sem Causa e Pagamento Indevido do v 2 Obrigações de nosso Novo Curso de Direito Civil 299 Paulo Lôbo ob cit p 332 300 No sistema codificado anterior pensado para uma sociedade marcadamente machista o dispositivo equivalente era o art 277 que refletia uma concepção depreciativa do papel da mulher Art 277 A mulher é obrigada a contribuir para as despesas do casal com os rendimentos de seus bens na proporção de seu valor relativamente aos do marido salvo estipulação em contrário no contrato antenupcial 301 Súmula 377 do STF No regime de separação legal de bens comunicamse os adquiridos na constância do casamento 302 Rolf Madaleno ob cit p 606 303 Pedro González Poveda Regímenes Económico Matrimoniales Liquidación In Tratado de Derecho de Familia Aspectos Sustantivos y Procesales p 445 304 Art 1673 Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos a qualquer título na constância do casamento Parágrafo único A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge que os poderá livremente alienar se forem móveis 305 E esse direito de meação incidente no patrimônio comum onerosamente adquirido pelo casal é tão importante que a teor do art 1682 não é renunciável cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial Tratase inequivocamente de uma norma de ordem pública inalterável pela vontade das partes 306 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Concorrência do Cônjuge e do Companheiro na Sucessão dos Descendentes Disponível em httpwwwflaviotartuceadvbrsecoesartigoscasp Acesso em 17 set 2009 307 Art 1647 Ressalvado o disposto no art 1648 nenhum dos cônjuges pode sem autorização do outro exceto no regime da separação absoluta I alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis II pleitear como autor ou réu acerca desses bens ou direitos III prestar fiança ou aval IV fazer doação não sendo remuneratória de bens comuns ou dos que possam integrar futura meação Parágrafo único São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada 308 Esta regra também se faz presente no Direito das Sucessões para impedir que dívidas do falecido atinjam o patrimônio pessoal de qualquer dos sucessores Proíbese com isso que tais débitos projetemse ultra vires hereditatis Art 1792 O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança incumbelhe porém a prova do excesso salvo se houver inventário que a escuse demostrando o valor dos bens herdados 309 Art 1571 A sociedade conjugal termina I pela morte de um dos cônjuges II pela nulidade ou anulação do casamento III pela separação judicial IV pelo divórcio 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio aplicandose a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão o cônjuge poderá manter o nome de casado salvo no segundo caso dispondo em contrário a sentença de separação judicial 310 Art 1715 O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio ou de despesas de condomínio Parágrafo único No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo o saldo existente será aplicado em outro prédio como bem de família ou em títulos da dívida pública para sustento familiar salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução a critério do juiz 311 Art 1717 O prédio e os valores mobiliários constituídos como bem da família não podem ter destino diverso do previsto no art 1712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais ouvido o Ministério Público 312 Art 1714 O bem de família quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro constituise pelo registro de seu título no Registro de Imóveis 313 Art 1711 Podem os cônjuges ou a entidade familiar mediante escritura pública ou testamento destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial Parágrafo único O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada Claro está todavia caro leitor que essa limitação de valor deve se aplicar ao bem de família voluntário instituído a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002 em respeito ao ato jurídico perfeito 314 Art 1716 A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges ou na falta destes até que os filhos completem a maioridade 315 Art 1719 Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído poderá o juiz a requerimento dos interessados extinguilo ou autorizar a subrogação dos bens que o constituem em outros ouvidos o instituidor e o Ministério Público 316 Embora a lei não seja expressa a esse respeito entendemos que ao autorizar a instituição do bem de família à entidade familiar estendeu o benefício não apenas à união estável mas também à família monoparental cuja definição é traçada no art 226 parágrafo quarto da Magna Carta Entendese também como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos Sobre o tema confirase o Capítulo XXII Família Monoparental do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 317 Art 1720 Salvo disposição em contrário do ato de instituição a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges resolvendo o juiz em caso de divergência Parágrafo único Com o falecimento de ambos os cônjuges a administração passará ao filho mais velho se for maior e do contrário a seu tutor 318 Silvio Rodrigues ob cit p 154 319 Álvaro Villaça Azevedo ob cit p 95 320 Caso o imóvel residencial esteja locado a renda gerada aluguel indispensável para o sustento do devedor e de sua família merece amparo legal segundo o STJ Bem de família Imóvel locado Impenhorabilidade Interpretação teleológica da Lei n 800990 O fato de o único imóvel residencial vir a ser alugado não o desnatura como bem de família quando comprovado que a renda auferida destinase à subsistência da família Recurso especial provido REsp 439920SP Rel Min Castro Filho julgado em 11112003 DJ 9122003 p 280 3ª Turma Processual civil Execução por título extrajudicial Bem de família Imóvel locado Penhora Jurisprudência do STJ Impossibilidade Provimento I A orientação predominante nesta Corte é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei n 800990 se estende ao único imóvel do devedor ainda que este se ache locado a terceiros por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em outro bem alugado ou utilizar o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar II Recurso especial conhecido e provido REsp 714515SP Rel Min Aldir Passarinho Junior julgado em 10112009 4ª Turma DJe 7122009 321 O STJ tem relativizado esta regra para em situações especiais admitir o desmembramento do imóvel para efeito de penhora A impenhorabilidade da residência prevista em lei não se presta para proteger área de lazer da casa Por isso um devedor da Caixa Econômica Federal CEF terá penhorados os lotes em que foram construídas a piscina e a churrasqueira ao lado da casa A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça STJ baseada em voto do Ministro Humberto Gomes de Barros O proprietário do imóvel que fica na cidade de Timbó SC contestou judicialmente a penhora da CEF A dívida à época da contestação em 1996 estava em R 145 mil Ele sustentou que os cinco lotes em que reside constituiriam um todo com benfeitorias e construções onde mora com a família Daí a alegação de que os 27135 m² estariam protegidos da penhora conforme a Lei n 80091990 que protege o bem de família Além da casa propriamente dita a área comporta sem separação de muros piscina churrasqueira horta quadra de vôlei e pomar O executado obteve sucesso na primeira instância e a execução foi suspensa A CEF apelou ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF4 mas o posicionamento foi mantido Para o TRF4 o padrão do imóvel não exerceria qualquer influência sobre sua impenhorabilidade já que a lei que trata do tema não fez distinção entre residências grandes ou pequenas luxuosas ou modestas exigindo apenas que sejam utilizadas como moradia permanente da entidade familiar O banco recorreu então ao STJ onde o processo foi relatado pelo Ministro Gomes de Barros A CEF argumentou que a residência ocupa mais de um lote e em dois deles estariam localizadas a piscina e a churrasqueira construções que se enquadrariam em exceções previstas na lei e passíveis de penhora O relator acolheu a argumentação O Ministro Gomes de Barros destacou que a lei não tem o propósito de permitir que o devedor se locuplete injustamente do benefício da impenhorabilidade sendo que tal benefício deve ser temperado No caso os lotes embora contíguos constituiriam imóveis distintos sendo possível o desmembramento e a penhora disponível em httpwwwstjgovbrportalstjpublicacaoenginewsp tmparea398tmptexto84149tmpareaanterior44tmpargumentopesquisabem20de20família Acesso em 14 fev 2009 322 Sobre a garagem tem decidido o STJ Agravo regimental Bem de família Vaga autônoma de garagem Penhorabilidade 1 Está consolidado nesta Corte o entendimento de que a vaga de garagem desde que com matrícula e registro próprios pode ser objeto de constrição não se lhe aplicando a impenhorabilidade da Lei n 800990 2 Agravo regimental desprovido AgRg no Ag 1058070RS Rel Min Fernando Gonçalves 4ª Turma julgado em 16122008 DJe 222009 323 Isso sem mencionar que sobre o bem de família legal não pesa o limite imposto pelo art 1711 à modalidade voluntária no sentido de não se poder ultrapassar o teto de 13 do patrimônio líquido dos instituidores Inegáveis pois as suas vantagens Com isso todavia não se conclua inexistir por completo interesse na instituição voluntária do bem de família eis que o parágrafo único do art 5º da própria Lei n 8009 de 1990 preceitua Na hipótese de o casal ou entidade familiar ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor salvo se outro tiver sido registrado para esse fim no Registro de Imóveis grifo nosso 324 Álvaro Villaça de Azevedo ob cit p 174 325 STJ REsp 222012SP 326 Aqui em belíssimo voto o Ministro Sálvio de Figueiredo pontifica Pareceme mais razoável que em uma sociedade marcadamente violenta como a atual seja valorizada a conduta dos que se dedicam aos instrumentos musicais sobretudo sem o objetivo de lucro por tudo que a música representa notadamente em um lar e na formação dos filhos a dispensar maiores considerações Ademais não seria um mero teclado musical que iria contribuir para o equilíbrio das finanças de um banco STJ 218882SP 327 STJ Recurso Especial n 150021MG 328 STJ Recurso Especial n 126479MS 329 Art 1727 As relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar constituem concubinato 330 A ficada é conceituada no STJ pela Ministra Nancy Andrighi Direito civil Recurso especial Ação de investigação de paternidade Exame pericial teste de DNA Recusa Inversão do ônus da prova Relacionamento amoroso e relacionamento casual Paternidade reconhecida A recusa do investigado em se submeter ao teste de DNA implica a inversão do ônus da prova e consequente presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor Verificada a recusa o reconhecimento da paternidade decorrerá de outras provas estas suficientes a demonstrar ou a existência de relacionamento amoroso à época da concepção ou ao menos a existência de relacionamento casual hábito hodierno que parte do simples ficar relação fugaz de apenas um encontro mas que pode garantir a concepção dada a forte dissolução que opera entre o envolvimento amoroso e o contato sexual Recurso especial provido REsp 557365RO Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma julgado em 742005 DJ 3102005 p 242 331 Confirase o subtópico 22 Diversidade de Sexos do Capítulo VIII Plano de Existência do Casamento do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 332 Luís Roberto Barroso Diferentes Mas Iguais O Reconhecimento Jurídico das Relações Homoafetivas no Brasil colaboradores Cláudio Souza Neto Eduardo Mendonça e Nelson Diz Disponível em httppfdcpgrmpfgovbrgruposdetrabalhodirsexuais reprodutivosdocsatuacaoParecerBarroso20uniao20homossexuaispdf Acesso em 6 fev 2010 333 Jorge Pinheiro ob cit p 641 334 Neste ponto observamos que muito bem andou o direito alemão quando ao consagrar a expressão Lebenspartnerschaft parcerias de vida para caracterizar as uniões de fato entre pessoas do mesmo sexo deu mais importância ao sentido da palavra vida do que à dureza do vocábulo fato 335 Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar devendo a lei facilitar sua conversão em casamento 336 Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald ob cit p 394395 337 A união estável deve ser pública notória Mas não é lembramos formal como o casamento afigurandose como um fato da vida razão por que não gera estado civil Esta informalidade não significa por outro lado uma completa omissão do Estado no estabelecimento de regras administrativas que colaborem com os seus partícipes Nesse contexto recomendamos a leitura do Provimento n 37 do CNJ de 7 de julho de 2014 que dispõe sobre o registro facultativo da união estável e dá outras providências 338 Sobre o tema confirase o Capítulo IV A Promessa de Casamento do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 339 Confirase o tópico 1 Introdução Ficada Namoro e Noivado do Capítulo IV A Promessa de Casamento Esponsais do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 340 O projeto original do Código Civil previa tempo mínimo para a configuração da união estável posteriormente dispensado como anotou o relator na Câmara Deputado Ricardo Fiúza Mostravase inconstitucional o dispositivo originalmente constante do projeto ao limitar a união estável à convivência superior a cinco anos quando a própria Constituição Federal não define qualquer prazo Seria interpretação restritiva e inconcebível vir a lei infraconstitucional reguladora do instituto impor prazo mínimo para o reconhecimento dessa entidade familiar Na verdade o conceito estável inserido no pergaminho constitucional não está a depender de prazo certo mas de elementos outros que o caracterizem como os constantes do art 1º da Lei n 972896 O Novo Código Civil e a União Estável Jus Navigandi Teresina ano 6 n 54 fev 2002 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid2721 Acesso em 21 abr 2010 341 Art 1521 Não podem casar I os ascendentes com os descendentes seja o parentesco natural ou civil II os afins em linha reta III o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante IV os irmãos unilaterais ou bilaterais e demais colaterais até o terceiro grau inclusive V o adotado com o filho do adotante VI as pessoas casadas VII o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte 342 Independentemente do seu trânsito em julgado pois com a prolação da sentença esgotase o ofício jurisdicional nos limites do pedido e do thema decidendum 343 Neste último caso nos termos da Lei n 11441 de 2007 separação consensual administrativa 344 Pablo Stolze Gagliano A Nova Emenda do Divórcio e as Pessoas Judicialmente Separadas artigo publicado no periódico Carta Forense abril de 2010 e também disponível no Editorial 1 do site wwwpablostolzecombr 345 Art 1523 Não devem casar I o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros II a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado até dez meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal III o divorciado enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal IV o tutor ou o curador e os seus descendentes ascendentes irmãos cunhados ou sobrinhos com a pessoa tutelada ou curatelada enquanto não cessar a tutela ou curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas Parágrafo único É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I III e IV deste artigo provandose a inexistência de prejuízo respectivamente para o herdeiro para o excônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada no caso do inciso II a nubente deverá provar nascimento de filho ou inexistência de gravidez na fluência do prazo 346 Parte da doutrina vai mais além erigindo a monogamia como um princípio O princípio da monogamia embora funcione como um ponto chave das conexões morais não é uma regra moral nem moralista É um princípio jurídico organizador das relações conjugais Rodrigo da Cunha Pereira Uma Principiologia para o Direito de Família Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família p 8489 Sobre o tema verifiquese o Capítulo II Perspectiva Principiológica do Direito de Família do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil mais especificamente o subtópico 48 Seria a Monogamia um Princípio 347 Confirase o tópico 3 O Poliamorismo e a Fidelidade do Capítulo XX Concubinato e Direitos doa Amante do v 6 de nosso Novo Curso de Direito Civil 348 Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Direito das Famílias p 194 349 Súmula 382 do STF A vida em comum sob o mesmo teto more uxorio não é indispensável à caracterização do concubinato É bem verdade todavia que não havendo impedimento de ordem médica ou decisão conjunta do casal a convivência sexual entre os companheiros é decorrência natural da própria relação ainda que morem em casas separadas 350 Confirase o tópico 2 A Saga da União Estável no Brasil do Concubinato Proibido à Valorização Constitucional do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 351 Arnoldo Wald Curso de Direito Civil Brasileiro Direito de Família 11 ed p 195 352 Para efeito de partilha do patrimônio comum entendemos que a contribuição dao companheirao tanto poderia ser direta mediante gasto econômico pessoalmente despendido ou indireta mediante apoio psicológico E assim pensamos pois muitas companheiras eram e são donas de casa afigurandosenos inafastável a conclusão de que também neste último caso inegável auxílio haveria para o efeito de se permitir a partilha de bens A jurisprudência todavia nesse ponto não é uniforme Processual Civil e Civil Recurso Especial Concubinato Reconhecimento e dissolução Art 6º 1º da LICC Ausência de prequestionamento Súmula n 7 do STJ Inaplicabilidade Partilha de bens Contribuição indireta Lei n 927896 Não incidência Percentual compatível Princípios da razoabilidade e proporcionalidade Precedentes do STJ 1 É inviável o conhecimento de suposta ofensa a norma infraconstitucional se não houve prequestionamento nem a oposição de embargos declaratórios para provocar o seu exame pelo Tribunal de origem 2 Afastase o óbice da Súmula n 7 do STJ quando não se está a perquirir as circunstâncias fáticas do feito mas tão somente saber se a maternidade criação e formação dos filhos pela concubina bem como a dedicação por ela proporcionada ao réu para o exercício de suas atividades como reconhecidamente albergado no aresto de origem mostramse aptas bastantes por si sós para embasar a meação dos bens arrolados na peça preambular 3 Demonstrado no acórdão recorrido de forma inconteste que a contribuição da concubinaautora para formação do patrimônio comum dos conviventes ocorreu de forma indireta impõese o afastamento da meação por sucumbir frente à prevalência da partilha dos bens que a par das circunstâncias dos autos não há que ser em partes iguais 4 Inaplicabilidade ainda que por analogia das disposições prescritas na Lei n 927896 5 Incidência de normas legais e orientações jurisprudenciais que versam sobre concubinato especialmente a Lei n 897194 e a Súmula n 380 do Supremo Tribunal Federal delimitando que a atribuição à companheira ou ao companheiro de metade do patrimônio vinculase diretamente ao esforço comum consagrado na contribuição direta para o acréscimo ou a aquisição de bens mediante o aporte de recursos ou força de trabalho 6 Levandose em conta a moderação e o bom senso recomendados para a hipótese em apreço o arbitramento no percentual de 40 quarenta por cento sobre o valor dos bens adquiridos na constância do concubinato e apurados na instância ordinária apresentase compatível com o caso em apreço por encontrar amparo nos sempre requeridos critérios de razoabilidade e proporcionalidade 7 Recurso especial conhecido e parcialmente provido REsp 914811SP Rel Min Nancy Andrighi Rel p Acórdão Min João Otávio de Noronha 2ª Seção julgado em 27 82008 DJe 21112008 Civil e Processual Dissolução de sociedade de fato ocorrida antes da Lei n 92781996 Contribuição da mulher para a consolidação do patrimônio comum Comprovação Matéria de fato Súmulas n 380STF e 7STJ Aplicação Partilha de bens Violação ao art 535CPC Inexistência I Comprovada a participação direta e indireta da mulher na consolidação do patrimônio do casal enquanto perdurou a união estável cujo término ocorreu antes da vigência da Lei n 92781996 faz jus à partilha dos bens adquiridos durante a vida em comum nos termos da Súmula n 380 do STF II Aplicação da Súmula n 7STJ ao delineamento fático estabelecido na instância ordinária III Não se anula o julgado que aborda as questões objeto do especial apenas porque dissentiu do interesse da parte IV Recurso especial não conhecido REsp 623566RO Rel Min Aldir Passarinho Junior 4ª Turma julgado em 2092005 DJ 10102005 p 377 353 Lei esta que conforme dito acima por óbvio continuaria aplicável em face dos bens adquiridos sob a sua vigência em respeito ao ato jurídico perfeito e pelo fato de a lei civil não retroagir 354 Francisco José Cahali Contrato de Convivência na União Estável p 306 355 Rolf Madaleno A Retroatividade Restritiva do Contrato de Convivência Revista Brasileira de Direito de Família n 33 p 153 356 União estável Dissolução Partilha do patrimônio Regime da separação obrigatória Súmula n 377 do Supremo Tribunal Federal Precedentes da Corte 1 Não há violação do art 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal local expressamente em duas oportunidades no acórdão da apelação e no dos declaratórios afirma que o autor não comprovou a existência de bens da mulher a partilhar 2 As Turmas que compõem a Seção de Direito Privado desta Corte assentaram que para os efeitos da Súmula n 377 do Supremo Tribunal Federal não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio adquirido na constância da união Na verdade para a evolução jurisprudencial e legal já agora com o art 1725 do Código Civil de 2002 o que vale é a vida em comum não sendo significativo avaliar a contribuição financeira mas sim a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal medida pela comunhão da vida na presença em todos os momentos da convivência base da família fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros 3 Não sendo comprovada a existência de bens em nome da mulher examinada no acórdão não há como deferir a partilha coberta a matéria da prova pela Súmula n 7 da Corte 4 Recurso especial não conhecido REsp 736627PR Rel Min Carlos Alberto Menezes Direito 3ª Turma julgado em 1142006 DJ 1º82006 p 436 Notícia do site do STJ de 23 de junho de 2010 indica julgado que aplicou o regime de separação obrigatória na união estável analisando academicamente o tema ver Editorial 05 Separação Obrigatória de Bens e União Estável de autoria de Pablo Stolze Gagliano Disponível em httpapiningcomfilesVIJPO7I2pwKNSo9VWb6blQNqTWzB4qkaHKKCQH ULTA6mE2IwEDzMwVX2N7kiiqV5dojU24w8vUUTHtqzZ4DcIxd6zGc0mOEditorial05pdf Acesso em 2 set 2010 357 Eduardo de Oliveira Leite Famílias Monoparentais 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2003 p 2122 358 Em alguns Estados no mundo a proteção à família monoparental é mais ampla Vejamos o caso da França por exemplo destacado por Jonábio Barbosa dos Santos e Morgana da Costa Santos Um exemplo de auxílio estatal é o da França que possui dois tipos de assistência às famílias monoparentais O Abono de Sustento Familiar ASF e o Abono de Genitor Só API O primeiro abono beneficia crianças órfãs de um ou dos dois pais crianças não reconhecidas legalmente e as cujo genitor devedor de pensão não pode arcar com tal despesa Existem duas situações neste sistema 1 Caso haja fixação de pensão alimentar tal abono é doado como adiantamento que irá ser cobrado do genitor devedor 2 Caso não haja pensão fixada o abono não poderá ser recuperado Tal sistema é garantido pela Caixa Nacional de Abonos familiares CNAF que também é responsável pela cobrança Já o segundo abono se dirige ao genitor só e à mulher grávida O benefício favorece crianças até a idade de 17 dezessete anos caso não trabalhem e até 20 vinte anos caso sejam aprendizes estudantes ou enfermas Sua ideia principal é que toda família necessita de uma renda mínima para sobreviver Assim este compreende a diferença entre o montante de recursos da família e a renda mínima sendo esta fixada pelo governo Família Monoparental Brasileira Revista Jurídica Brasília v 10 n 92 out2008 a jan2009 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03revistarevistajuridicaArtigosPDFJonabioBarbosaRev92pdf Acesso em 2 jun 2010 359 STJ Súmula 364 O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras separadas e viúvas 360 Art 6º São direitos sociais a educação a saúde o trabalho a moradia o lazer a segurança a previdência social a proteção à maternidade e à infância a assistência aos desamparados na forma desta Constituição Vale registrar que essa redação foi dada pela Emenda Constitucional n 26 de 2000 apenas para inserir a moradia no texto constitucional como um direito social 361 Na década de 1970 a Organização Mundial de Saúde baniu do catálogo internacional de doenças o homossexualismo 362 A expressão homoerotismo criada por F KarshHaack em 1911 fora introduzida no Brasil pelo renomado psicanalista Jurandir Freire Costa que em entrevista ao Jornal do Comércio comentou Retomei o termo homoerotismo criado por F KarshHaack em 1911 e utilizado neste mesmo ano por Sandor Ferenczi um grande psicanalista em um trabalho sobre o tema Não pretendi de forma alguma e isto fica bem claro no texto do livro simplesmente rebatizar moralmente a chamada homossexualidade Ferenczi com o termo teve justamente a intenção de criticar o saber psicanalítico da época fenômeno e percebido como atração pelo mesmo sexo Freud em seu Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade de 1920 avalizou o emprego do termo Disponível em httpjfreirecostasitesuolcombrentrevistascomoautorhomossexualismohtml Acesso em 1º ago 2010 363 Jurandir Freire Costa entrevista ao Jornal do Comércio citada acima 364 Sobre o tema de combate ao preconceito objeto de nossas preocupações há mais de uma década confirase Rodolfo Pamplona Filho Orientação Sexual e Discriminação no Emprego Revista de Direito do Trabalho p 7084 ERGON ano XLV v XLV 2000 p 193209 e O Trabalho encarte de doutrina da Revista Trabalho em Revista fascículo 43 p 10131020 365 Nas palavras do ilustrado ministro disponíveis no site do STF Dando por suficiente a presente análise da Constituição julgo em caráter preliminar parcialmente prejudicada a ADPF n 132RJ e na parte remanescente dela conheço como ação direta de inconstitucionalidade No mérito julgo procedentes as duas ações em causa Pelo que dou ao art 1723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar entendida esta como sinônimo perfeito de família Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva 366 Foi nesse sentido em nosso pensar o voto do Ministro Ricardo Lewandowski também disponível no site do STF Isso posto pelo meu voto julgo procedente as presentes ações diretas de inconstitucionalidade para que sejam aplicadas às uniões homoafetivas caracterizadas como entidades familiares as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício até que sobrevenham disposições normativas específicas que regulem tais relações 367 Disponível em httpwwwcnjjusbratosadministrativosatosdapresidenciaresolucoespresidencia24675resolucaon175de14de maiode2013 368 Confirase a vanguardista norma do Tribunal de Justiça do Bahia Disponível em httpwww5tjbajusbrcorregedoriaimagespdfprovimentoconjunto122012pdf 369 No Estatuto das Famílias art 164 É facultado aos conviventes e aos parceiros de comum acordo requerer em juízo o reconhecimento de sua união estável ou da união homoafetiva 370 Maria Berenice Dias União Homoafetiva e a Consagração Legal da Diferença Disponível em httpwwwibdfamorgbr artigosartigo471 Acesso em 24 jun 2010 371 Disponível em httpwwwcnjjusbratosadministrativosatosdapresidenciaresolucoespresidencia24675resolucaon175de14de maiode2013 372 O Fim da Monogamia reportagem da Revista Galileu publicação da Editora Globo outubro de 2007 p 41 Outras regras do poliamor apresentadas na mesma matéria A filosofia do poliamor nada mais é do que a aceitação direta e a celebração da realidade da natureza humana O amor é um recurso infinito Ninguém duvida de que você possa amar mais de um filho Isso também se aplica aos amigos O ciúme não é inato inevitável e impossível de superar Mas é possível lidar muito bem com o sentimento Os poliamoristas criaram um novo termo oposto a ele compersion algo como comprazer em português Tratase do contentamento que sentimos ao sabermos que uma pessoa querida é amada por mais alguém Segundo suas crenças eles representam os verdadeiros valores familiares Têm a coragem de viver um estilo de vida alternativo que embora condenado por parte da sociedade é satisfatório e recompensador Crianças com muitos pais e mães têm mais chances de serem bem cuidadas e menos risco de se sentirem abandonadas se alguém deixa a família por alguma razão fl 44 373 Sobre o tema recomendamos a leitura de Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk Famílias Simultâneas da Unidade Codificada à Pluralidade Constitucional 2005 e de Carlos Cavalcanti Albuquerque Filho Famílias Simultâneas e Concubinato Adulterino in Rodrigo da Cunha Pereira coord Família e Cidadania o novo CCB e a vacatio legis Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família p 143161 374 Disponível em httpswww3tjrsgovbrsitephpnoticiasmostranoticiaphpassunto1categoria1item9734 Acesso em 13 jul 2008 375 Notícia disponível no site do Consultor Jurídico httpwwwconjurcombr2008nov 17juizreconheceuniaoestavelcasamentomesmotempoimprimir1 Acesso em 3 jan 2010 376 Cartório reconhece união estável entre três pessoas Um homem e duas mulheres que já viviam juntos na mesma casa há três anos em Tupã SP resolveram regularizar a situação Eles procuraram o Cartório de Registro Civil e fizeram uma escritura pública de união poliafetiva As informações são do portal G1 De acordo com a tabeliã que fez o registro Cláudia do Nascimento Domingues a escritura foi feita há três meses mas somente na quartafeira 228 foi publicada no Diário Oficial A declaração é uma forma de garantir os direitos de família entre eles disse Como não são casados mas vivem juntos existe uma união estável onde são estabelecidas regras para estrutura familiar destaca O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Marília Tayon Berlanga explicou que o documento funciona como uma sociedade patrimonial Ele dá direito ao trio no que diz respeito à divisão de bens em caso de separação e morte disse No entanto segundo Berlanga a escritura não garante os mesmos direitos que uma família tem como receber pensão por morte ou conseguir um financiamento no banco para a compra da casa própria Também não permite a inscrição de dependente em planos de saúde e desconto na declaração do imposto de renda Revista Consultor Jurídico 23 de agosto de 2012 Disponível em httpwwwconjurcombr2012ago23cartoriotupaspreconheceuniaoestavel entretrespessoas Acessado em 5 nov 2012 377 Sobre o tema confirase o artigo de Paulo Roberto Iotti Vecchiatti União Estável Poliafetiva Breves considerações Acerca de Sua Constitucionalidade Disponível em httpjuscombrrevistatexto22830 Acesso em 5 nov 2012 378 Relação poliafetiva Cartório reconhece união estável entre três pessoas Um homem e duas mulheres que já viviam juntos na mesma casa há três anos em Tupã SP resolveram regularizar a situação Eles procuraram o Cartório de Registro Civil e fizeram uma escritura pública de união poliafetiva As informações são do portal G1 De acordo com a tabeliã que fez o registro Cláudia do Nascimento Domingues a escritura foi feita há três meses mas somente na quartafeira 228 foi publicada no Diário Oficial A declaração é uma forma de garantir os direitos de família entre eles disse Como não são casados mas vivem juntos existe uma união estável onde são estabelecidas regras para estrutura familiar destaca O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Marília Tayon Berlanga explicou que o documento funciona como uma sociedade patrimonial Ele dá direito ao trio no que diz respeito à divisão de bens em caso de separação e morte disse No entanto segundo Berlanga a escritura não garante os mesmos direitos que uma família tem como receber pensão por morte ou conseguir um financiamento no banco para a compra da casa própria Também não permite a inscrição de dependente em planos de saúde e desconto na declaração do imposto de renda Revista Consultor Jurídico 23 de agosto de 2012 Disponível em httpwwwconjurcombr2012ago 23cartoriotupaspreconheceuniaoestavelentretrespessoas acesso em 11 nov 2014 379 Sobre esse tema ver Adriana Alves Alienação Fiduciária Prisão Civil do Devedor Admissibilidade Revista de Direito Privado v 1 p 175 380 Outros Estados no mundo admitem a modalidade administrativa de divórcio como se dá no direito português a respeito do qual escrevem Francisco Coelho e Guilherme de Oliveira O processo de divórcio por mútuo consentimento administrativo decidido em conservatória do registro civil está regulado nos arts 271274 CRegCiv e mais adiante complementam A decisão do conservador que tenha decretado o divórcio é notificada aos requerentes e dela cabe recurso ao Tribunal de Relação Curso de Direito de Família Introdução Direito Matrimonial 2 ed v I p 604605 381 Paulo Luiz Netto Lôbo Divórcio e Separação Consensuais Extrajudiciais Disponível em httpwwwibdfamorgbr artigosartigo299 Acesso em 14 nov 2009 382 José Augusto Alves Pinto Paraná quer Aumentar Número de Divórcios em Cartório no Interior notícia publicada no site Consultor Jurídico Disponível em httpwwwconjurcombr2008jun24cartoriosprbuscamampliacaolei11441imprimir1 Acesso em 14 nov 2009 383 Já se fala inclusive na modalidade de divórcio online pela internet A respeito do tema veja notícia veiculada pelo site do Consultor Jurídico A Comissão de Constituição e Justiça aprovou nesta quartafeira 29 em decisão terminativa o projeto de lei que permite que pedidos de separação e divórcio sejam feitos pela internet O projeto segue agora para a Câmara dos Deputados As informações são da Agência Senado O projeto que altera texto do Código de Processo Civil prevê que podem ser requeridos por via eletrônica pedidos de separação consensual e o divórcio consensual não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos Na petição devem constar informações sobre a partilha dos bens comuns pensão alimentícia e possível alteração de nomes Em sua justificativa a senadora Patricia Saboya PDTCE afirmou que o projeto de lei se utiliza das tecnologias atuais somadas as leis recentes e ferramentas disponibilizadas pelo Conselho Nacional de Justiça Disponível em httpwwwconjurcombr2009set02ccjsenadoaprova pedidoseparacaodivorciointernet Acesso em 29 nov 2009 Tratase do Projeto de Lei do Senado 464 de 2008 que dispõe Art 1º A Lei n 5869 de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil passa a vigorar acrescido do seguinte artigo Art 1124B A separação consensual e o divórcio consensual não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos poderão ser requeridos ao juízo competente por via eletrônica conforme disposições da Lei n 11419 de 19 de dezembro de 2006 que dispõe sobre a informatização do processo judicial Parágrafo único Da petição constarão as disposições relativas à descrição e partilha dos bens comuns à pensão alimentícia e aos nomes se tiverem sido alterados com o casamento Art 2º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação Pensamos que a proposta é bemintencionada mas a sua implementação não é simples mormente em se considerando a inexistência no Brasil de diretivas e normas de regulação das relações eletrônicas indispensáveis para a formalização segura desse tipo de medida Ademais a ausência do advogado é aspecto delicado que já tem gerado contundentes críticas à proposta legislativa Parece que a senadora assim como a Comissão de Constituição e Justiça do Senado não leram a lei que instituiu o processamento de ações judiciais por meio digital E se o fizeram não entenderam Isso porque a Lei n 11419 já autoriza uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais aplicandose indistintamente aos processos civil penal trabalhista e aos juizados especiais em qualquer grau de jurisdição Pergunta se então onde se localiza a conclamada inovação da medida uma vez que também as ações de divórcio e separação se encontram abrangidas pela Lei n 11419 Registrese ainda que inexiste a obrigatoriedade da implantação de sistema de processamento de autos digitais O diploma legal instituiu o critério de adesão voluntária aos órgãos do Poder Judiciário que desejem desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos digitais cabendo aos quais a regulamentação no âmbito de suas respectivas competências Sendo assim caso o órgão jurisdicional não disponha de recursos tecnológicos que proporcionem a tramitação processual por meio eletrônico os autos não poderão tramitar por tal sistemática Em relação à pretendida dispensa de advogados no divórcio online cumpre informar a senadora que seu desejo não encontra qualquer respaldo legal A Lei n 114412007 que possibilitou a realização de inventário partilha separação consensual e divórcio consensual por via administrativa em nenhum momento dispensa a presença do advogado Ao contrário prevê expressamente que a escritura somente será lavrada pelo tabelião caso haja assistência de advogado Ana Amélia Ferreira e Luiz Octávio Neves Projeto de Lei sobre Divórcio online é Inútil Disponível em httpwwwconjurcombr2009set23projetoleipretende instituirdivorcioonlineinutil Acesso em 29 nov 2009 A matéria pelo visto é polêmica e certamente ainda será motivo de acesas controvérsias e acaloradas discussões em nosso País 384 Claro que em aplicação analógica à Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens previsão jurisprudencial hoje respaldada no art 1581 do CC2002 a partilha de bens não deve ser considerada um requisito indispensável para a lavratura da escritura de divórcio extrajudicial Nesse sentido também é o posicionamento de Christiano Cassettari Entendemos que a partilha de bens pode ser feita e não que deva ser realizada quando a escritura for lavrada O argumento para tal afirmação é que o art 1581 do Código Civil estabelece que o divórcio pode ser concedido sem prévia partilha de bens Em razão disso se o divórcio pode a separação também poderá ser concedida sem prévia partilha de bens ou seja o art 1575 do referido diploma legal é interpretado no sentido de que forma um condomínio nos bens comuns do casal que se separa e não faz partilha já que tal condomínio poderia se formar tendo qualquer pessoa como coproprietário inclusive os excônjuges Não é recomendado que os cônjuges em regra deixem a partilha de bens para momento posterior à separação eou divórcio Todavia não se pode proibir que isto ocorra por inexistência de empecilho legal expresso Não podemos esquecer que muitos cônjuges não formalizam a separação e o divórcio em razão da complexidade que a divisão de certos patrimônios envolve Assim a escritura que realiza a separação e o divórcio deve conter cláusula expressa que indique que a partilha de bens será feita em outro momento judicialmente ou por escritura pública devendo somente se for possível descrever os bens que estão em condomínio Ressaltese que essa frase não gera uma proibição para que essa partilha venha a ser realizada no futuro por escritura pública desde que haja consenso entre as partes Christiano Cassettari Separação Divórcio e Inventário por Escritura Pública Teoria e Prática 3 ed p 7677 385 Sobre o tema do nascituro confirase o tópico 13 O nascituro do Capítulo IV Pessoa Natural do v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 386 Fundamentando tal afirmação estabelece o art 698 do novo CPC que nas ações de família o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo 387 Os arts 647 a 658 do novo Código de Processo Civil tratam do procedimento especial da partilha 388 Sobre o tema confirase o Capítulo XII Plano de Eficácia do Casamento Deveres Matrimoniais e Causas Suspensivas do Casamento do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil notadamente o tópico 54 Casamento doa divorciadoa pendente a partilha dos bens do casal 389 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial 390 A título de aprofundamento é digno de nota aludir à reforma experimentada pelo Código Civil alemão por força da Lei de 6 de fevereiro de 2005 no que toca ao uso do nome Essa importante lei fora editada por conta de decisão de 18 de fevereiro de 2004 da Suprema Corte Bundesverfassungsgericht que entendeu ser inconstitucional o 1355 Abs 2 do Código Alemão Com a mudança podem os cônjuges ou companheiros adotar não apenas o nome de solteiro mas também o nome de casado do outro Mit dem Gesetz zur Äne rung des Eheund Lebenspartnerschaftsnamensrechts können Ehegatten auch einen Namen als Ehenamen führen den einer von beiden aus einer früheren Ehe mitgebracht hat Mit dem Gesetz wird das Urteil des Bundesverfassungsgerichts vom 18 Februar 2004 umgesetzt Die Gesetzesänderung bringt einen entscheidenden Vorteil für diejenigen Menschen die nach einer beendeten Ehe wieder heiraten Denn sie können den Namen den sie oft jahrzehntelang getragen haben als neuen gemeinsamen Ehenamen weiterführen Bislang konnten Ehe und Lebenspartner nur den Geburtsnamen eines der Partner zum Ehe oder Lebenspartnerschaftsnamen bestimmen Jetzt können sie sich auch für einen erheirateten Namen entscheiden Tradução livre de Pablo Stolze Gagliano Com a lei para a mudança do direito ao nome do casal ou companheiros podem os cônjuges também adotar um nome de família de solteiro ou de casado do outro Com a lei a decisão de 1822004 da Corte Constitucional foi efetivada A mudança legal trouxe uma decisiva vantagem para aquelas pessoas que após encerrar um casamento pretendam novamente se casar pois poderão manter o nome que carregaram durante décadas como o novo nome de família Até o momento podia o casal e companheiros somente receber o nome de solteiro de nascimento do outro Agora ele também pode decidir adotar o nome de casado do outro Gesetz zur Änderung des Ehe und Lebenspartnerschaftsnamensrechts Lei para a mudança do direito ao nome dos cônjuges e companheiros Disponível em httpwwwbmjbunddeenid33dd20480451c29319b1ef26ef5aea4bbd5208305f7472636964092d0932363235FamilienrechtNamensrechts3html Acesso em 24 maio 2009 Um exemplo irá ilustrar a hipótese João Canário casouse com Maria Silva que adotou o nome dele Maria Silva Canário Com o divórcio segundo a lei alemã Maria pode permanecer com o sobrenome Canário podendo futuramente se vier a convolar novas núpcias transmitilo para o seu segundo marido No Brasil como vimos posto a regra geral não seja esta tal circunstância poderá ocorrer pois a teor do art 1578 do CC o cônjuge mesmo após a separação e o divórcio poderá permanecer com o nome anterior de casado que se incorpora ao seu patrimônio moral 391 Art 1630 Os filhos estão sujeitos ao poder familiar enquanto menores 392 Art 1636 O pai ou a mãe que contrai novas núpcias ou estabelece união estável não perde quanto aos filhos do relacionamento anterior os direitos ao poder familiar exercendoos sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro Parágrafo único Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplicase ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável 393 Art 1632 A separação judicial o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito que aos primeiros cabe de terem em sua companhia os segundos Art 1633 O filho não reconhecido pelo pai fica sob poder familiar exclusivo da mãe se a mãe não for conhecida ou capaz de exercêlo darseá tutor ao menor 394 Paulo Luiz Netto Lôbo Do poder familiar Jus Navigandi n 1057 24 maio 2006 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid8371 Acesso em 11 set 2010 395 Parágrafo único Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens havendo divergência poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária 396 Art 1692 Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial 397 O procedimento para a suspensão ou perda destituição do poder familiar poderá ser intentado pelo Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse nos termos dos arts 155 a 163 do ECA 398 No Código Penal Art 92 São também efeitos da condenação Redação dada pela Lei n 7209 de 1171984 I a perda de cargo função pública ou mandato eletivo Redação dada pela Lei n 9268 de 1º41996 a quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública Incluído pela Lei n 9268 de 1º41996 b quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 quatro anos nos demais casos Incluído pela Lei n 9268 de 1º41996 II a incapacidade para o exercício do pátrio poder tutela ou curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra filho tutelado ou curatelado Redação dada pela Lei n 7209 de 117 1984 III a inabilitação para dirigir veículo quando utilizado como meio para a prática de crime doloso Redação dada pela Lei n 7209 de 1171984 Parágrafo único Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos devendo ser motivadamente declarados na sentença Redação dada pela Lei n 7209 de 1171984 399 Lei n 8069 de 13 de julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente Art 28 A colocação em família substituta farseá mediante guarda tutela ou adoção independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente nos termos desta Lei Art 33 A guarda obriga a prestação de assistência material moral e educacional à criança ou adolescente conferindo a seu detentor o direito de oporse a terceiros inclusive aos pais Vide Lei n 12010 de 2009 1º A guarda destinase a regularizar a posse de fato podendo ser deferida liminar ou incidentalmente nos procedimentos de tutela e adoção exceto no de adoção por estrangeiros 2º Excepcionalmente deferirseá a guarda fora dos casos de tutela e adoção para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente para todos os fins e efeitos de direito inclusive previdenciários 4º Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário da autoridade judiciária competente ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais assim como o dever de prestar alimentos que serão objeto de regulamentação específica a pedido do interessado ou do Ministério Público Incluído pela Lei n 12010 de 2009 Art 34 O poder público estimulará por meio de assistência jurídica incentivos fiscais e subsídios o acolhimento sob a forma de guarda de criança ou adolescente afastado do convívio familiar Redação dada pela Lei n 12010 de 2009 1º A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional observado em qualquer caso o caráter temporário e excepcional da medida nos termos desta Lei Incluído pela Lei n 12010 de 2009 2º Na hipótese do 1º deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda observado o disposto nos arts 28 a 33 desta Lei Incluído pela Lei n 12010 de 2009 Art 35 A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo mediante ato judicial fundamentado ouvido o Ministério Público 400 Sobre o tema confirase o Capítulo XXIII O Divórcio como Forma de Extinção do Vínculo Conjugal do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 401 Em verdade se os direitos do filho menor ou incapaz já se encontram resguardados por meio de anterior sentença que regulou guarda e alimentos p ex e o casal em cartório pretende apenas a decretação do divórcio consensual é discutível essa vedação 402 A leitura do já transcrito 2º do art 583 do vigente Código Civil permite constatar tal confusão ao preceituar que na guarda compartilhada o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos Divisão predeterminada de tempo é próprio de guarda dividida ou alternada Na guarda compartilhada não deve haver divisão mas coexistência 403 No próprio termo de guarda compartilhada é recomendável fazerse menção à pensão alimentícia devida aos filhos para que dúvida não exista a posteriori quanto à extensão desse direito uma vez que sendo compartilhada a guarda e consequentemente as despesas há possibilidade de não haver necessariamente a concessão de uma pensão alimentícia propriamente dita 404 Ao menos em tese essa modalidade de guarda sem dúvida é a que mais atende à perspectiva de pleno desenvolvimento dos filhos Mediante uma responsabilidade conjunta dos pais as potencialidades dos filhos serão sempre mais bem desenvolvidas Nesse ponto invocamos Giselda Hironaka A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos consiste principalmente em ajudálos na construção da própria liberdade Tratase de uma inversão total portanto da ideia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder Aqui a compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Responsabilidade civil na relação paternofilial Jus Navigandi n 66 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid4192 Acesso em 12 jan 2010 405 Art 1584 3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada o juiz de ofício ou a requerimento do Ministério Público poderá basearse em orientação técnicoprofissional ou de equipe interdisciplinar que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe 406 Leonardo Barreto Moreira Alves A Guarda Compartilhada e a Lei n 1169808 Jus Navigandi n 2106 7 abr 2009 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid12592 Acesso em 27 dez 2009 407 Confiramse a propósito os 4º e 5º do art 1584 do Código Civil brasileiro na sua atual redação 4º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida considerados de preferência o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade 408 José Fernando Simão Guarda Compartilhada Obrigatória Mito ou Realidade O que muda com a aprovação do PL 1172013 Disponível em httpwwwprofessorsimaocombrartigosartigoaspx tiGuarda20compartilhada20obrigatC3B3ria20Mito20ou20realidade 20O20que20muda20com20a20aprovaC3A7C3A3o20do20PL201172013id312 Acesso em 15 dez 2014 409 Confirase o art 1585 do Código Civil brasileiro na sua atual redação Art 1585 Em sede de medida cautelar de separação de corpos em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda a decisão sobre guarda de filhos mesmo que provisória será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte aplicandose as disposições do art 1584 410 No plano dos direitos dos menores questão mais delicada diz respeito à possibilidade de a guarda quando não decorrente diretamente do poder familiar dos pais mas sim configurando medida protetiva do ECA poder ser usada ou não para fins previdenciários Tratase de uma tese que em nosso sentir merece reflexão razão por que não a afastamos de plano Mas o assunto é polêmico INSTITUTO DA GUARDA NÃO PODE SER USADO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso negou recurso interposto por um avô que pretendia a guarda do neto com finalidade de proporcionarlhe benefício previdenciário A câmara julgadora considerou que o instituto da guarda deve proporcionar ao menor uma família substituta e apenas seria deferido fora dos casos de tutela ou adoção para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável o que não seria o caso em questão Do contrário a jurisprudência e o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA consideram que haveria desvirtuamento do instituto da guarda e ainda a possibilidade de provocar a falência do setor previdenciário O recurso pretendia reformar sentença proferida pelo Juízo da Terceira Vara de Família e Sucessões da Comarca de Várzea Grande que nos autos de uma ação de homologação de acordo referente à guarda de um menor julgoua improcedente No recurso foi sustentado que a situação seria de extrema importância pois o futuro do menor dependeria da ajuda recebida de seu avô materno que já se encontraria com a guarda de fato do neto pretendendo apenas a regularização inclusive para fins previdenciários Alegou que a pretensão encontraria respaldo dos pais do menor Ao final foi solicitada reforma da decisão de Primeira Instância A câmara julgadora composta pelo relator juiz convocado Paulo Sérgio Carreira de Souza e pelos desembargadores Jurandir Florêncio de Castilho revisor e Juracy Persiani vogal convocado considerou a apelação contrária à legislação pois a assistência financeira deve ser consequência e não causa e fundamento para o requerimento da guarda Os magistrados salientaram que a criança vive em companhia da mãe e que o pai constituiu nova família residindo na mesma comarca Em seu voto o juiz relator destacou que o instituto da guarda regulado pela Lei n 80691990 é responsável por colocar o menor em família substituta e apenas deferido fora dos casos de tutela ou adoção para atender a situações peculiares ou suprir a falta dos pais ou responsável artigo 33 2º Ou seja não evidenciando qualquer das citações no caso em questão o magistrado afirmou que nada impede que o avô continue auxiliando o menor de forma material e moralmente No entanto o indeferimento do pedido se faz necessário para preservação do instituto da guarda e manutenção do sistema previdenciário TJMT Disponível em httpwwwjusbrasilcombrnoticias2131286institutodaguardanaopodeserusadoparafinsprevidenciarios Acesso em 13 set 2010 411 Cristiano Chaves Nelson Rosenvald e Fernanda Carvalho Leão Barreto Código das Famílias Comentado Leonardo Barreto Moreira Alves coord Comentário ao art 1579 p 181 412 Luiz Edson Fachin A Família Fora de Lugar Disponível em httpwwwibdfamorgbrartigos artigo487 Acesso em 12 jan 2010 413 Richard A Gardner O DSMIV Tem Equivalente para o Diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental SAP Disponível em httpwwwmediacaoparentalorg Acesso em 16 ago 2010 414 Priscila Maria Pereira Corrêa da Fonseca Síndrome da Alienação Parental Disponível em httpwwwpediatriasaopaulouspbruploadpdf1174pdf Acesso em 12 set 2010 415 Jussara Maria Leal de Meirelles Reestruturando afetos no ambiente familiar a guarda dos filhos e a síndrome da alienação parental In Maria Berenice Dias Eliene Ferreira Bastos Naime Márcio Martins Moraes coords Afeto e estruturas familiares p 265 416 Marco Antonio Garcia de Pinho Nova Lei 1231810 Alienação Parental Disponível em httpwwwjuriswayorgbrv2dhallasp iddh3329 Acesso em 12 set 2010 417 O embaraço ao direito de visitas anotam Filipe Garbelotto Kalline Assunção e Nicia Abreu nos Estados Unidos é considerado crime No Brasil não é considerado crime a oposição ao exercício do direito de visitas Mas não é assim em todo o mundo Nos Estados Unidos por exemplo essa questão é tratada pela legislação vigente como o Código Penal da Califórnia que dispõe Toda pessoa que guarda aloja detém suprime ou esconde uma criança e impede com a intenção maliciosa o genitor possuidor da guarda legal de exercer este direito ou impede uma pessoa do direito de visita será castigado com prisão máxima de um ano de uma multa máxima de US 100000 ou dos dois GARDNERADDENDUM2 13 Abuso de Direito nas Relações Familiares A Ineficácia das Sanções Pecuniárias na Alienação Parental pesquisa apresentada no curso de PósGraduação em Direito Civil da Unifacs em SalvadorBA em setembro de 2010 ainda inédita 418 É digno de nota haver o Presidente vetado dois dispositivos da nova lei os arts 9º e 10 Este último vale mencionar visava a tipificar como crime quem apresenta relato falso ao agente indicado no caput ou à autoridade policial cujo teor possa ensejar restrição à convivência de criança ou adolescente com genitor Segundo a justificativa presidencial que merece a nossa atenção pretendeuse com o referido veto evitar prejuízo à própria criança ou adolescente Ponderamos que o tipo penal que se pretendia consagrar talvez inibisse a apresentação de notitia criminis para a apuração de abusos e violação de direitos dos menores De qualquer forma lembramos que a despeito do veto a depender do caso concreto a denunciação caluniosa poderá se configurar art 339 CP Sugerimos a importante leitura da mensagem de veto Pablo Stolze Gagliano comentário postado no blog jurídico do site wwwpablostolzecombr Disponível em httppablostolzeningcomprofilesblogsnovaleidaalienacaoparental Acesso em 12 set 2010 419 Para situações como essa é aplicável o 6º do art 1584 do Código Civil brasileiro na sua nova redação 6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes sob pena de multa de R 20000 duzentos reais a R 50000 quinhentos reais por dia pelo não atendimento da solicitação 420 Importante é o papel da prova pericial para o fim de fornecer ao juiz os elementos necessários para o reconhecimento do ato de alienação parental Art 5º Havendo indício da prática de ato de alienação parental em ação autônoma ou incidental o juiz se necessário determinará perícia psicológica ou biopsicossocial 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial conforme o caso compreendendo inclusive entrevista pessoal com as partes exame de documentos dos autos histórico do relacionamento do casal e da separação cronologia de incidentes avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados exigido em qualquer caso aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 noventa dias para apresentação do laudo prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada 421 Cf o art 7º A atribuição ou alteração da guarda darseá por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada 422 Cf o art 8º A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial 423 Confirase o subtópico 32 Princípio da igualdade do Capítulo II Perspectiva Principiológica do Direito de Família do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 424 Nesse sentido estabelece o art 1617 do CC2002 que a filiação materna ou paterna pode resultar de casamento declarado nulo ainda mesmo sem as condições do putativo 425 Confiramse os referidos dispositivos do Código Civil brasileiro de 1916 Art 178 Prescreve 3º Em 2 dois meses contados do nascimento se era presente o marido a ação para este contestar a legitimidade do filho de sua mulher arts 338 e 344 4º Em 3 três meses I a mesma ação do parágrafo anterior se o marido se achava ausente ou lhe ocultaram o nascimento contado o prazo do dia de sua volta à casa conjugal no primeiro caso e da data do conhecimento do fato no segundo Art 344 Cabe privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher art 178 3º 426 Art 1607 O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais conjunta ou separadamente 427 Juiz concede registro de criança nascida por inseminação artificial heteróloga em SC O TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina reconheceu na sextafeira 13 a paternidade e a maternidade de uma criança nascida por inseminação artificial heteróloga Ela foi gerada com o sêmen do pai e o óvulo de uma doadora anônima Além disso a irmã do pai cedeu sua barriga para a gestação da criança Como a documentação do hospital indicava a tia como sendo a mãe o juiz Gerson Cherem II da Vara de Sucessões e Registros Públicos da Capital determinou a realização de exame de DNA para que fosse comprovado que a criança era filha deles Segundo o juiz a cessão de útero foi realizada de modo altruístico e gratuito pela irmã do pai que sempre teve ciência de que os pais biológicos e de direito da criança gerada temporariamente em seu útero seriam e são seu irmão e sua esposa e que ela não poderia ter nenhum direito relativo à maternidade da sobrinha No entanto como a criança era fruto da inseminação artificial heteróloga não era possível determinar a maternidade Para resolver a questão o magistrado utilizou o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no Código Civil em que presumemse concebidos na constância do casamento os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga desde que tenha prévia autorização do marido De acordo com o juiz o Código não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida mas apenas constata a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade Toda essa matéria que é cada vez mais ampla e complexa deve ser regulada por lei específica por um estatuto ou microssistema disse Cherem II também se baseou no princípio da igualdade entre homens e mulheres Como há reconhecimento da paternidade na inseminação heteróloga também deve haver o reconhecimento da maternidade Disponível em httpwww1folhauolcombrcotidiano783371juizconcederegistrodecriancanascidaporinseminacaoartificialheterologaemscshtml n41 Acesso em 18 set 2010 428 Sobre o tema do excedente embrionário na fertilização in vitro confirase Ana Thereza Meirelles Araújo Disciplina Jurídica do Embrião Extracorpóreo Disponível em wwwfacsbrrevistajuridicaedicaojulho2007discentedis3doc Acesso em 14 set 2010 429 Art 1610 O reconhecimento não pode ser revogado nem mesmo quando feito em testamento 430 Art 1613 São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho 431 Admitese o reconhecimento por procurador Mas notese que a característica da pessoalidade é mantida na medida em que o ato é praticado em nome do representado Art 59 Quando se tratar de filho ilegítimo não será declarado o nome do pai sem que este expressamente o autorize e compareça por si ou por procurador especial para reconhecendoo assinar ou não sabendo ou não podendo mandar assinar a seu rogo o respectivo assento com duas testemunhas Renumerado do art 60 pela Lei n 6216 de 1975 432 Quando a mãe for registrar a criança sem que o pai haja comparecido para a realização do ato poderá indicar o suposto genitor instaurando procedimento na forma da Lei n 8560 de 1992 O que não se permite é a própria mãe registrar o nome do pai no lugar dele por conta de o ato ser personalíssimo Confirase a referida lei Art 2 Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome profissão identidade e residência do suposto pai a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação 1 O juiz sempre que possível ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e mandará em qualquer caso notificar o suposto pai independente de seu estado civil para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída 2 O juiz quando entender necessário determinará que a diligência seja realizada em segredo de justiça 3 No caso do suposto pai confirmar expressamente a paternidade será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do registro para a devida averbação 4 Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias a notificação judicial ou negar a alegada paternidade o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente havendo elementos suficientes a ação de investigação de paternidade 5º Nas hipóteses previstas no 4º deste artigo é dispensável o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério Público se após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída a criança for encaminhada para adoção Redação dada pela Lei n 12010 de 2009 6º A iniciativa conferida ao Ministério Público não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade Incluído pela Lei n 12010 de 2009 433 Art 109 Quem pretender que se restaure supra ou retifique assentamento no Registro Civil requererá em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas que o Juiz o ordene ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados no prazo de cinco dias que correrá em cartório Renumerado do art 110 pela Lei n 6216 de 1975 1 Se qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público impugnar o pedido o Juiz determinará a produção da prova dentro do prazo de dez dias e ouvidos sucessivamente em três dias os interessados e o órgão do Ministério Público decidirá em cinco dias 2 Se não houver impugnação ou necessidade de mais provas o Juiz decidirá no prazo de cinco dias 3º Da decisão do Juiz caberá o recurso de apelação com ambos os efeitos 4º Julgado procedente o pedido o Juiz ordenará que se expeça mandado para que seja lavrado restaurado e retificado o assentamento indicando com precisão os fatos ou circunstâncias que devam ser retificados e em que sentido ou os que devam ser objeto do novo assentamento 5º Se houver de ser cumprido em jurisdição diversa o mandado será remetido por ofício ao Juiz sob cuja jurisdição estiver o cartório do Registro Civil e com o seu cumprase executarseá 6º As retificações serão feitas à margem do registro com as indicações necessárias ou quando for o caso com a trasladação do mandado que ficará arquivado Se não houver espaço farseá o transporte do assento com as remissões à margem do registro original 434 Maria Berenice Dias Manual de Direito das Famílias p 351 435 No STJ há posição dissonante entendendo não ser cabível o prazo para se impugnar a filiação Direito Civil Investigação de paternidade Prescrição Arts 178 9º VI e 362 do Código Civil Orientação da 2ª Seção É imprescritível o direito de o filho mesmo já tendo atingido a maioridade investigar a paternidade e pleitear a alteração do registro não se aplicando no caso o prazo de quatro anos sendo pois desinfluentes as regras dos artigos 178 9º VI e 362 do Código Civil então vigente Precedentes Recurso especial provido STJ REsp 601997RS Rel Min Castro Filho 3ª Turma julgado em 1462004 DJ 1º72004 p 194 436 CC1916 Art 360 O filho reconhecido enquanto menor ficará sob poder do progenitor que o reconheceu e se ambos o reconheceram sob o do pai 437 Art 1608 Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho a mãe só poderá contestála provando a falsidade do termo ou das declarações nele contidas 438 Art 27 O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo indisponível e imprescritível podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros sem qualquer restrição observado o segredo de justiça 439 Peculiar situação é a do filho adotado a quem se permite a investigação da sua origem genética Agravo Regimental Adotado Investigação de paternidade Possibilidade A pessoa adotada não é impedida de exercer ação de investigação de paternidade para conhecer sua verdade biológica Inadmissível recurso especial que não ataca os fundamentos do acórdão recorrido Não há ofensa ao art 535 do CPC se embora rejeitando os embargos de declaração o acórdão recorrido examinou todas as questões pertinentes STJ AgRg no Ag 942352SP Rel Min Humberto Gomes de Barros 3ª Turma julgado em 19122007 DJ 822008 p 1 440 Netos podem ajuizar ação declaratória de parentesco com o avô cumulada com pedido de herança A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça STJ proferiu uma decisão inovadora para o direito de família Por maioria dos votos os ministros entenderam que os netos podem ajuizar ação declaratória de relação avoenga parentesco com avô Prevaleceu a tese de que embora a investigação de paternidade seja um direito personalíssimo só pode ser exercido pelo titular admitese a ação declaratória para que o Judiciário diga se existe ou não relação material de parentesco com o suposto avô A decisão do STJ reforma acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que extinguiu o processo sem julgamento de mérito por acolher a tese de carência de ação Os desembargadores decidiram pela impossibilidade jurídica do pedido de investigação de paternidade contra o avô que não foi investigado pelo filho Para eles faltaria aos netos legitimidade para propor a ação pois eles não poderiam pleitear direito alheio em nome próprio A maioria dos ministros da Segunda Seção do STJ acompanhou o entendimento da relatora ministra Nancy Andrighi rejeitando a tese do tribunal fluminense Sob a ótica da moderna concepção do direito de família não se mostra adequado recusar aos netos o direito de buscarem por meio de ação declaratória a origem desconhecida acentuou a relatora no voto Se o pai não propôs ação investigatória em vida a via do processo encontrase aberta aos seus filhos a possibilitar o reconhecimento da relação de parentesco pleiteada concluiu a ministra destacando que as provas devem ser produzidas ao longo do processo Após buscar referências na jurisprudência alemã além de citar julgados do próprio STJ a relatora destacou que o direito ao nome à identidade e à origem genética está intimamente ligado ao conceito de dignidade da pessoa humana assinalando que o direito à busca da ancestralidade é personalíssimo e possui tutela jurídica integral e especial nos moldes dos arts 5º e 226 da CF88 Dessa forma os netos assim como os filhos possuem direito de agir próprio e personalíssimo de pleitear declaratória de parentesco em face do avô ou dos herdeiros quando o avô for falecido Nancy Andrighi concluiu que é possível qualquer investigação sobre parentesco na linha reta que é infinita e também na linha colateral limitado ao quarto grau ressaltando que a obtenção de efeitos patrimoniais dessa declaração de parentesco será limitada às hipóteses em que não estiver prescrita a pretensão sucessória Constou ainda do voto da ministra que a preservação da memória dos mortos não pode se sobrepor à tutela dos vivos que ao se depararem com inusitado vácuo no tronco ancestral paterno vêm perante o Poder Judiciário deduzir pleito para que a linha ascendente lacunosa seja devidamente preenchida A ministra Nancy Andrighi acompanhada pelos ministros João Otávio de Noronha Luis Felipe Salomão e o desembargador convocado Honildo Amaral deu provimento ao recurso especial para anular o acórdão do tribunal local e determinar o prosseguimento da ação Ficaram vencidos o ministro Sidnei Beneti e o desembargador convocado Vasco Della Giustina Caso peculiar O caso julgado pela Seção é emblemático por conter uma série de peculiaridades Ao saber da gravidez a família do suposto pai de renome na sociedade carioca o enviou para o exterior Há informações nos autos de que embora a criança não tenha sido reconhecida pelo pai o avô o reconhecia como neto e prestoulhe toda assistência material Mesmo após a morte do suposto avô e fim do auxílio o filho não reconhecido nunca moveu ação de investigação de paternidade O suposto pai faleceu em 1997 e o filho em 1999 Somente após o falecimento de ambos a viúva e os descendentes do filho não reconhecido ingressaram com ação declaratória de relação avoenga Para tanto solicitaram exame de DNA a ser realizado por meio da exumação dos restos mortais do pai e do suposto avô Com a determinação pelo STJ de prosseguimento da ação as provas deverão ser produzidas Processos REsp 807849 Disponível em httpwwwstjjusbrportalstjobjetotextoimpressaowsptmpestilotmparea398tmptexto96563 Acesso em 9 abr 2010 441 Por isso estabelecem os arts 1604 e 1605 do CC2002 Art 1604 Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento salvo provandose erro ou falsidade do registro Art 1605 Na falta ou defeito do termo de nascimento poderá provarse a filiação por qualquer modo admissível em direito I quando houver começo de prova por escrito proveniente dos pais conjunta ou separadamente II quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos 442 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente nesta quartafeira o projeto de lei que previa a admissão presumida de paternidade nos casos em que o homem se negasse a realizar teste de DNA desde que houvesse outras provas informou a Presidência da República De acordo com assessoria do Planalto Lula vetou o projeto porque já existe uma lei anterior sobre o assunto A decisão deve ser publicada no Diário Oficial desta quintafeira O próprio relator no Senado Antonio Carlos Junior DEMBA disse que o projeto que previa a alteração na Lei n 856092 apenas reforçava a admissão de paternidade e pouco diferia do que já versa a Lei n 1200409 que inseriu no ordenamento jurídico o conceito da paternidade presumida no caso de o suposto pai se recusar a fazer o exame de DNA Com informações da Agência Senado Redação Terra Disponível em httpnoticiasterracombrbrasilnoticias0OI4655614EI789600Lulavetaprojeto deleiquepreviapaternidadetacitahtml Acesso em 18 set 2010 443 Os alimentos fixados na sentença têm seu termo inicial de exigibilidade na citação a teor da Súmula 277 do STJ 444 Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald Direitos das Famílias p 575 445 João Baptista Villela Desbiologização da Paternidade Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte n 21 maio 1979 p 401419 446 Confirase o Capítulo XXVII Adoção do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 447 Adoção à brasileira não pode ser desconstituída após vínculo de socioafetividade 1472009 Em se tratando de adoção à brasileira em que se assume paternidade sem o devido processo legal a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça STJ que seguindo o voto do relator ministro Massami Uyeda rejeitou o recurso de uma mulher que pedia a declaração de nulidade do registro civil de sua exenteada A mulher ajuizou ação declaratória de nulidade de registro civil argumentando que seu exmarido declarou falsamente a paternidade da exenteada sendo portanto de rigor o reconhecimento da nulidade do ato Em primeira instância o pedido foi julgado improcedente O Tribunal de Justiça da Paraíba TJPB manteve a sentença ao fundamento de inexistência de provas acerca da vontade do exmarido em proceder à desconstituição da adoção Para o TJ o reconhecimento espontâneo da paternidade daquele que mesmo sabendo não ser o pai biológico registra como seu filho de outrem tipifica verdadeira adoção irrevogável descabendo portanto posteriormente a pretensão de anular o registro de nascimento Inconformada a mulher recorreu ao STJ sustentando que o registro civil de nascimento de sua exenteada é nulo pois foi levado a efeito mediante declaração falsa de paternidade fato este que o impede de ser convalidado pelo transcurso de tempo Argumentou ainda que seu exmarido manifestou ainda em vida a vontade de desconstituir a adoção em tese ilegalmente efetuada Em sua decisão o ministro Massami Uyeda destacou que quem adota à moda brasileira não labora em equívoco ao contrário tem pleno conhecimento das circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e ainda assim ultima o ato Para ele nessas circunstâncias nem mesmo o pai por arrependimento posterior pode valerse de eventual ação anulatória postulando descobrir o registro afinal a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito De um lado há de considerar que a adoção à brasileira é reputada pelo ordenamento jurídico como ilegal e eventualmente até mesmo criminosa Por outro lado não se pode ignorar o fato de que este ato gera efeitos decisivos na vida da criança adotada como a futura formação da paternidade socioafetiva acrescentou Por fim o ministro Massami Uyeda ressaltou que após firmado o vínculo socioafetivo não poderá o pai adotante desconstituir a posse do estado de filho que já foi confirmada pelo véu da paternidade socioafetiva Disponível em httpwwwstjgovbrportalstjobjetotextoimpressaowsp tmpestilotmparea398tmptexto92848 Acesso em 25 jul 2008 STJ não permite anulação de registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica 19112009 A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça STJ julgou improcedente a ação proposta por uma inventariante e a filha do falecido objetivando anular um registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica No caso o reconhecimento da paternidade foi baseado no caráter socioafetivo da convivência entre o falecido e o filho de sua companheira LVAA por meio de escritura pública lavrada em 1261989 reconheceu a paternidade de LGAA aos oito anos de idade como se filho fosse tendo em vista a convivência com sua mãe em união estável e motivado pela estima que tinha pelo menor dando ensejo na mesma data ao registro do nascimento Com o falecimento do pai registral em 16111995 e diante da habilitação do filho na qualidade de herdeiro em processo de inventário a inventariante e a filha legítima do falecido ingressaram com uma ação de negativa de paternidade objetivando anular o registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica O juízo de direito da 2ª Vara de Família de Campo Grande MS julgou procedente a ação determinando a retificação do registro de nascimento de LGAA para que se efetivasse a exclusão dos termos de filiação paterna e de avós paternos O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul confirmou a sentença entendendo que havendo prova robusta de falsidade feita por quem não é verdadeiramente o pai o registro de nascimento deve ser retificado a fim de se manter a segurança e eficácia dos atos jurídicos No STJ o relator ministro João Otávio de Noronha destacou que reconhecida espontaneamente a paternidade por aquele que mesmo sabendo não ser o pai biológico admite como seu filho de sua companheira é totalmente descabida a pretensão anulatória do registro de nascimento já transcorridos mais de seis anos de tal ato quando não apresentados elementos suficientes para legitimar a desconstituição do assentamento público e não se tratar de nenhum vício de vontade Em casos como o presente o termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva sob autêntica posse de estado de filho com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo por denotar uma verdadeira filiação registral portanto jurídica conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação dar ensejo a sua revogação por força do que dispõem os artigos 1609 e 1610 do Código Civil de 2002 afirmou o ministro Disponível em httpwwwstjjusbrportalstjobjetotextoimpressaowsptmpestilotmparea398tmp texto94711 Acesso em 12 dez 2009 448 Maternidade socioafetiva é reconhecida em julgamento inédito no STJ A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça STJ decidiu que a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida mesmo no caso em que a mãe tenha registrado filha de outra pessoa como sua Não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que um dia declarou perante a sociedade ser mãe da criança valendose da verdade socialmente construída com base no afeto afirmou em seu voto a ministra Nancy Andrighi relatora do caso A história começou em São Paulo em 1980 quando uma imigrante austríaca de 56 anos que já tinha um casal de filhos resolveu pegar uma menina recémnascida para criar e registroua como sua sem seguir os procedimentos legais da adoção a chamada adoção à brasileira A mulher morreu nove anos depois e em testamento deixou 66 de seus bens para a menina então com nove anos Inconformada a irmã mais velha iniciou um processo judicial na tentativa de anular o registro de nascimento da criança sustentando ser um caso de falsidade ideológica cometida pela própria mãe Para ela o registro seria um ato jurídico nulo por ter objeto ilícito e não se revestir da forma prescrita em lei correspondendo a uma declaração falsa de maternidade O Tribunal de Justiça de São Paulo foi contrário à anulação do registro e a irmã mais velha recorreu ao STJ Segundo a ministra Nancy Andrighi se a atitude da mãe foi uma manifestação livre de vontade sem vício de consentimento e não havendo prova de máfé a filiação socioafetiva ainda que em descompasso com a verdade biológica deve prevalecer como mais uma forma de proteção integral à criança Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea com base no afeto deve ter guarida no Direito de Família como os demais vínculos de filiação Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança hoje pessoa adulta tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade E a identidade dessa pessoa resgatada pelo afeto não pode ficar à deriva em face das incertezas instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares disse a ministra em seu voto acompanhado pelos demais integrantes da Terceira Turma Disponível em httpwwwstjjusbrportalstjpublicacaoenginewsptmparea398tmptexto97469 449 José Carlos Teixeira Giorgis A Investigação da Paternidade Socioafetiva Disponível em httpwwwambito juridicocombrsiteindexphpnlinkrevistaartigosleituraartigoid6105 Acesso em 18 set 2010 450 Referência extraída do site oficial da Câmara dos Deputados httpwww2camaragovbrhomeagenciamateriashtmlpk20113435 Acesso em 27 out 2008 451 Juíza garante dupla paternidade em certidão de criança A Justiça de Rondônia garantiu a uma criança o registro em certidão de nascimento de dupla filiação paterna biológica e socioafetiva No caso a criança reconhece os dois homens como pais e deles recebe concomitantemente assistência emocional e alimentar De acordo com os autos o homem que registrou a criança o fez sabendo que ela não era sua filha Anos depois a criança descobriu sua ascendência biológica e passou a ter contato com o pai mantendo contudo o mesmo vínculo afetivo e estado de posse de filha com o pai afetivo A situação foi demonstrada em investigação social e psicológica realizada pela equipe multiprofissional Como a criança declara expressamente que reconhece e possui os dois pais a promotora de justiça Priscila Matzenbacher Tibes Machado se manifestou contrária ao deferimento da exclusão de paternidade requerendo a manutenção do pai atual e a inclusão do biológico Para a juíza Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz ficou evidente que a pretensão da declaração de inexistência do vínculo parental entre a criança e o pai afetivo partiu de sua mãe que na tentativa de corrigir erros do passado pretendia ver reconhecida a verdade biológica sem se atentar para o melhor interesse da própria filha Ela destacou ainda que o pai afetivo não manifestou interesse em negar a paternidade tanto que em contato com a criança disse que mesmo sem ausência de vínculo de sangue a considera sua filha Com informações da Assessoria de Imprensa do MPRO Disponível em httpwwwconjurcombr2012mar28justicagarantedupla paternidadecertidaonascimentocrianca Acesso em 12 nov 2012 452 A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional n 45 conhecida como a Reforma do Judiciário O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar de acordo com critérios de relevância jurídica política social ou econômica O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte Uma vez constatada a existência de repercussão geral o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores em casos idênticos A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF através de um sistema informatizado com votação eletrônica ou seja sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos caso contrário o tema deverá ser julgado pela Corte Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema os demais ministros têm 20 dias para votar As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria Disponível em httpwwwstfjusbrportalglossarioverVerbeteaspletraRid451 Acesso em 19 out 2016 453 Com isso acabaramse as discussões acerca da denominada paternidade alimentar tese que tentava justificar a possibilidade de o filho socioafetivo pedir alimentos ao biológico cf texto do talentoso Rolf Madaleno Revista Brasileira de Direito de Família n 37 2006 p 148 454 Segundo Ricardo Calderón inegável que houve significativo progresso com a referida decisão conforme também entendem Flávio Tartuce e Rodrigo da Cunha Pereira Não se nega que alguns pontos não restaram acolhidos como a distinção entre o papel de genitor e pai bem destacado no voto divergente do Min Edson Fachin ao deliberar sobre o caso concreto mas que não teve aprovação do plenário Esta é uma questão que seguirá em pauta para ser melhor esclarecida sendo que caberá a doutrina digerir o resultado do julgamento a partir de então Merecem ouvidos os alertas de José Fernando Simão a respeito do risco de se abrir a porta para demandas frívolas que visem puramente o patrimônio contra os pais biológicos Essa possibilidade deverá merecer atenção especial por parte dos operadores do Direito mas não parece alarmante e muito menos intransponível Reflexos da Decisão do STF de Acolher Socioafetividade e Multiparentalidade Disponível em httpwwwconjurcombr2016set25processofamiliarreflexosdecisaostfacolhersocioafetividademultiparentalidade Acesso em 19 out 2016 455 ECA art 41 A adoção atribui a condição de filho ao adotado com os mesmos direitos e deveres inclusive sucessórios desligandoo de qualquer vínculo com pais e parentes salvo os impedimentos matrimoniais grifamos 456 Também me preocupa a aplicação da tese para a reprodução assistida heteróloga o que poderá fazer com que tal técnica tornese inviável pelo temor dos doadores de material genético Flávio Tartuce Breves e Iniciais Reflexões sobre o Julgamento do STF sobre Parentalidade Socioafetiva Disponível em httpflaviotartucejusbrasilcombrnoticias387075289breveseiniciaisreflexoessobreo julgamentodostfsobreparentalidadesocioafetiva Acesso em 19 out 2016 457 Paulo Luiz Netto Lôbo Direito Civil Famílias 2 ed p 184 458 Conforme nossa colaboração na obra coletiva coordenada pelo ilustrado professor e amigo Leonardo Barreto Moreira Alves Código das Famílias Comentado de acordo com o Estatuto das Famílias PLN n 228507 p 219220 459 Clóvis Beviláqua Código Civil dos Estados Unidos do Brasil p 769 460 Maria Berenice Dias Manual de Direitos das Famílias 3 ed rev p 317 461 Pietro Perlingieri Perfis do Direito Civil Introdução ao Direito Civil Constitucional 2 ed p 244 462 Entendase aqui pela popular expressão concunhado a relação travada entre os próprios cunhados 463 Paulo Luiz Netto Lôbo Direito Civil Famílias 2 ed p 192 464 Linhagem sf 1 série de gerações linha de parentesco genealogia estirpe 2 fig classe condição social 3 GEN população homogênea de organismos com características definidas criada para fins experimentais ETIM frant lignage 1050 id de ligne linha do lat linea Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa p 1766 465 Paulo Luiz Netto Lôbo Direito Civil Famílias 2 ed p 186 466 Art 1592 São parentes em linha colateral ou transversal até o quarto grau as pessoas provenientes de um só tronco sem descenderem uma da outra 467 Art 1839 Se não houver cônjuge sobrevivente nas condições estabelecidas no art 1830 serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau 468 Art 1594 Contamse na linha reta os graus de parentesco pelo número de gerações e na colateral também pelo número delas subindo de um dos parentes até ao ascendente comum e descendo até encontrar o outro parente 469 Civil Processual Locação Retomada para uso pela sogra Despejo Recurso 1 Sogra é parente sim por afinidade em primeiro grau em linha reta 2 A Lei n 664979 art 52 III alcança para proteger não só ascendentes e descendentes consanguíneos mas igualmente aos afins 3 Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentença de primeiro grau REsp 36365MG Rel Min Edson Vidigal 5ª Turma julgado em 1881993 DJ 2091993 p 19192 470 Mas a análise do caso concreto exige bom senso conforme podemos verificar neste julgado Recurso extraordinário Eleitoral Registro de candidatura ao cargo de prefeito Eleições de 2004 Art 14 7º da CF Candidato separado de fato da filha do então prefeito Sentença de divórcio proferida no curso do mandato do exsogro Reconhecimento judicial da separação de fato antes do período vedado Interpretação teleológica da regra de inelegibilidade 1 A regra estabelecida no art 14 7º da CF iluminada pelos mais basilares princípios republicanos visa obstar o monopólio do poder político por grupos hegemônicos ligados por laços familiares Precedente 2 Havendo a sentença reconhecido a ocorrência da separação de fato em momento anterior ao início do mandato do exsogro do recorrente não há falar em perenização no poder da mesma família Consulta n 964DF ResTSE n 21775 de minha relatoria 3 Recurso extraordinário provido para restabelecer o registro de candidatura RE 446999 Rel Min Ellen Gracie 2ª Turma julgado em 2862005 DJ 992005 p 4964 471 CF art 227 6º Os filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação 472 Antunes Varela Direito de Família p 146147 473 Sobre o ato jurídico em sentido estrito escrevemos no v 1 Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil a saber no tópico 7 Ato Jurídico em Sentido Estrito Capítulo IX Fato Jurídico em Sentido Amplo 474 ECA art 39 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa na forma do parágrafo único do art 25 desta Lei 475 O art 39 1º do ECA veda a adoção por procuração 476 Também na linha do ato em sentido estrito o brilhante Paulo Lôbo ob cit p 251 477 Confirase o Capítulo II Perspectiva Principiológica do Direito de Família do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 478 Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil Direito de Família 5 ed v 5 p 414 479 Nesse sentido a título meramente exemplificativo apenas com variações do nome do terceiro pressuposto confiramse Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito civil Direito de Família 5 ed 2010 Maria Berenice Dias Manual de Direito das Famílias 2005 Paulo Lôbo Direito Civil Famílias 2 ed 2009 480 Nesse sentido confirase a regra do art 1701 do CC2002 Art 1701 A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando ou darlhe hospedagem e sustento sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação quando menor Parágrafo único Compete ao juiz se as circunstâncias o exigirem fixar a forma do cumprimento da prestação 481 Confirase esta notícia divulgada no site do Superior Tribunal de Justiça FGTS PODE SER PENHORADO PARA QUITAR DÉBITOS DE PENSÃO ALIMENTÍCIA O Fundo do Garantia por Tempo de Serviço FGTS pode ser penhorado para quitar parcelas de pensões alimentícias atrasadas Esse foi o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça STJ em processo relatado pelo ministro Massami Uyeda Após uma ação de investigação de paternidade a mãe de um menor entrou com ação para receber as pensões entre a data da investigação e o início dos pagamentos Após a penhora dos bens do pai constatouse que esses não seriam o bastante para quitar o débito A mãe pediu então a penhora do valor remanescente da conta do FGTS O pedido foi negado em primeira instância e a mãe recorreu O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJRS acabou por confirmar a sentença afirmando que as hipóteses para levantar o FGTS listadas no artigo 20 da Lei n 8036 de 1990 seriam taxativas e não preveem o pagamento de pensão alimentícia No recurso ao STJ a defesa alegou que as hipóteses do artigo 20 seriam exemplificativas e não taxativas Apontouse também a grande relevância do pagamento da verba alimentar e dissídio jurisprudencial julgados com diferentes conclusões sobre o mesmo tema No seu voto o relator ministro Massami Uyeda considerou que o objetivo do FGTS é proteger o trabalhador de demissão sem justa causa e também na aposentadoria Também prevê a proteção dos dependentes do trabalhador Para o ministro seria claro que as situações elencadas na Lei n 8036 têm caráter exemplificativo e não esgotariam as hipóteses para o levantamento do Fundo pois não seria possível para a lei prever todas as necessidades e urgências do trabalhador O ministro também considerou que o pagamento da pensão alimentar estaria de acordo com o princípio da Dignidade da Pessoa Humana A prestação dos alimentos por envolver a própria subsistência dos dependentes do trabalhador deve ser necessariamente atendida mesmo que para tanto penhorese o FGTS concluiu o ministro REsp 1083061 482 Art 1710 As prestações alimentícias de qualquer natureza serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido equivalente ao art 22 da Lei n 651577 Lei do Divórcio Confirase o tópico 8 Revisão Exoneração e Extinção dos Alimentos deste capítulo 483 Maria Berenice Dias Obrigação Alimentar e o Descabimento de sua Atualização pelo IGPM Disponível em httpwwwibdfamorgbrartigosartigo247 Acesso em 17 set 2010 484 Por óbvio não estamos tratando aqui da pensão alimentícia decorrente de ato ilícito de natureza indenizatória matéria relativa ao Direito Obrigacional 485 A respeito do casamento como base dos alimentos cf especialmente os arts 1702 e 1704 e na união estável o art 1724 especialmente sob aspecto do direito à assistência 486 Art 1697 Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes guardada a ordem de sucessão e faltando estes aos irmãos assim germanos como unilaterais 487 Civil Alimentos Responsabilidade dos avós Obrigação complementar e sucessiva Litisconsórcio Solidariedade Ausência 1 A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade no sentido que sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos 2 O demandado no entanto terá direito de chamar ao processo os corresponsáveis da obrigação alimentar caso não consiga suportar sozinho o encargo para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras 3 Neste contexto à luz do novo Código Civil frustrada a obrigação alimentar principal de responsabilidade dos pais a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga mas sim por quem recebe representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no polo passivo da demanda 4 Recurso especial conhecido e provido STJ Recurso Especial 658139RS 200400638760 Rel Min Fernando Gonçalves 488 Direito civil e processo civil Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em face de um dos filhos Chamamento da outra filha para integrar a lide Definição da natureza solidária da obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso A doutrina é uníssona sob o prisma do Código Civil em afirmar que o dever de prestar alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza solidária porque é conjunta A Lei n 107412003 atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os credores forem idosos que por força da sua natureza especial prevalece sobre as disposições específicas do Código Civil O Estatuto do Idoso cumprindo política pública art 3º assegura celeridade no processo impedindo intervenção de outros eventuais devedores de alimentos A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a opção entre os prestadores art 12 Recurso especial não conhecido STJ Recurso Especial 775565SP 200501387679 Rel Min Nancy Andrighi 489 Direito Civil Ação de alimentos Espólio Transmissão do dever jurídico de alimentar Impossibilidade 1 Inexistindo condenação prévia do autor da herança não há por que falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos em razão do seu caráter personalíssimo e portanto intransmissível 2 Recurso especial provido STJ Recurso Especial 775180MT 200501378049 Rel Min João Otávio de Noronha 490 Responsabilidade civil Dano moral Marido enganado Alimentos Restituição A mulher não está obrigada a restituir ao marido os alimentos por ele pagos em favor da criança que depois se soube era filha de outro homem A intervenção do Tribunal para rever o valor da indenização pelo dano moral somente ocorre quando evidente o equívoco o que não acontece no caso dos autos Recurso não conhecido STJ Recurso Especial 412684SP 200200032640 Rel Min Ruy Rosado de Aguiar 491 Rodrigo da Cunha Pereira Teoria Geral dos alimentos In Francisco José Cahali Rodrigo da Cunha Pereira coords Alimentos no Código Civil p 12 492 No STF ver o enunciado da antiga Súmula 379 que ainda fazia referência ao desquite No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos que poderão ser pleiteados ulteriormente verificados os pressupostos legais 493 Civil Família Separação consensual Conversão Divórcio Alimentos Dispensa mútua Postulação posterior Excônjuge Impossibilidade 1 Se há dispensa mútua entre os cônjuges quanto à prestação alimentícia e na conversão da separação consensual em divórcio não se faz nenhuma ressalva quanto a essa parcela não pode um dos excônjuges posteriormente postular alimentos dado que já definitivamente dissolvido qualquer vínculo existente entre eles Precedentes iterativos desta Corte 2 Recurso especial não conhecido STJ Recurso Especial 199427SP 199800978925 Rel Min Fernando Gonçalves Direito civil e processual civil Família Recurso especial Separação judicial Acordo homologado Cláusula de renúncia a alimentos Posterior ajuizamento de ação de alimentos por excônjuge Carência de ação Ilegitimidade ativa A cláusula de renúncia a alimentos constante em acordo de separação devidamente homologado é válida e eficaz não permitindo ao excônjuge que renunciou a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo Deve ser reconhecida a carência da ação por ilegitimidade ativa do excônjuge para postular em juízo o que anteriormente renunciara expressamente Recurso especial conhecido e provido STJ Recurso Especial 701902SP 200401609089 Rel Min Nancy Andrighi Processual civil Embargos declaratórios Recebimento como agravo regimental Renúncia Alimentos decorrentes do casamento Validade Partilha Possibilidade de procrastinação na entrega de bens Participação na renda obtida Requerimento pela via própria 1 Admitemse como agravo regimental embargos de declaração opostos a decisão monocrática proferida pelo relator do feito no Tribunal em nome dos princípios da economia processual e da fungibilidade 2 A renúncia aos alimentos decorrentes do matrimônio é válida e eficaz não sendo permitido que o excônjuge volte a pleitear o encargo uma vez que a prestação alimentícia assentase na obrigação de mútua assistência encerrada com a separação ou o divórcio 3 A fixação de prestação alimentícia não serve para coibir eventual possibilidade de procrastinação da entrega de bens devendo a parte pleitear pelos meios adequados a participação na renda auferida com a exploração de seu patrimônio 4 Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento STJ EDcl no Recurso Especial 832902RS 200600497669 Rel Min João Otávio de Noronha 494 Recurso especial Execução de prestação alimentícia Sob o rito do art 733 do CPC Limites da matéria de defesa do executado e liquidez dos créditos deste Prequestionamento Ausência Compensação de dívida alimentícia Possibilidade apenas em situações excepcionais como in casu Recurso Especial não conhecido 1 É inviável em sede de recurso especial o exame de matéria não prequestionada conforme Súmulas ns 282 e 356 do STF 2 Vigora em nossa legislação civil o princípio da não compensação dos valores referentes à pensão alimentícia como forma de evitar a frustração da finalidade primordial desses créditos a subsistência dos alimentários 3 Todavia em situações excepcionalíssimas essa regra deve ser flexibilizada mormente em casos de flagrante enriquecimento sem causa dos alimentandos como na espécie 4 Recurso especial não conhecido STJ Recurso Especial 982857RJ 200702043354 Rel Min Massami Uyeda 495 Em geral os autores seguem uma diretriz classificatória comum cf por exemplo os excelentes Tartuce e Simão já citados tópico 73 da 2 ed do volume Direito de Família 496 Nesse sentido estabelece o art 1920 do CC2002 Art 1920 O legado de alimentos abrange o sustento a cura o vestuário e a casa enquanto o legatário viver além da educação se ele for menor 497 Flávio Tartuce José Fernando Simão Direito Civil Direito de Família 5 ed v 5 p 435 498 Como bem observa Carlos Roberto Gonçalves Essa classificação não se amolda perfeitamente ao direito brasileiro uma vez que os alimentos futuros alimenta futura independem do trânsito em julgado da decisão que os concedem sendo devidos a partir da citação ou do acordo E na prática os alimentos pretéritos alimenta praeterita têm sido confundidos com prestações pretéritas que são as fixadas na sentença ou no acordo estando há muito vencidas e não cobradas a ponto de não se poder têlas mais por indispensáveis à própria sobrevivência do alimentado não significando mais que um crédito como outro qualquer a ser cobrado pela forma de execução por quantia certa com supedâneo no art 732 do Código de Processo Civil Direito Civil Brasileiro Direito de Família v 6 p 446 499 Tópico construído com base nas reflexões por nós apresentadas em Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho O Novo Divórcio 2010 ao qual remetemos o leitor para um eventual aprofundamento 500 Isso sem contar com o 2º do art 1694 que se refere também à culpa mas não na extinção do vínculo e sim na situação de necessidade 501 Confirase o Capítulo XXIII O Divórcio como Forma de Extinção do Vínculo Conjugal do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 502 Ver Capítulo XXX Responsabilidade Civil nas Relações Familiares do v 6 Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 503 Mutatis mutandis o mesmo se aplica à dissolução da união estável 504 José Carlos Barbosa Moreira O Novo Processo Civil Brasileiro 19 ed p 261 505 Superior Tribunal de Justiça Súmula 309 O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo Nesse sentido confiramse as seguintes decisões do STJ Habeas corpus Alimentos Se o credor por alimentos tarda em executálos a prisão civil só pode ser decretada se as prestações dos últimos três meses deixarem de ser pagas Situação diferente no entanto é a das prestações que vencem após o início da execução Nesse caso o pagamento das três últimas prestações não livra o devedor da prisão civil A não ser assim a duração do processo faria por beneficiálo que seria maior ou menor conforme os obstáculos e incidentes criados Recurso ordinário provido em parte STJ Rel Min Ari Pargendler 3ª Turma 2852002 DJ 1762002 p 253 Execução Alimentos Débito atual Caráter alimentar Prisão civil do alimentante mantida Tratandose de dívida atual correspondente às três últimas prestações anteriores ao ajuizamento da execução acrescidas de mais duas vincendas admissível é a prisão civil do devedor art 733 do CPC Habeas corpus denegado STJ HC 17785RS 200100935839 Rel Min Barros Monteiro 4ª Turma julgado em 1112 2001 DJ 2052002 p 141 Processual civil Execução de alimentos Cobrança das três últimas prestações Rito do art 733 do CPC Débito anterior Adequação aos lindes do art 732 da lei instrumental I A execução de alimentos com a possibilidade de aplicação da pena de prisão por dívida alimentar tem como pressuposto a atualidade do débito art 733 do CPC II A determinação do juízo para adequação da inicial quanto à cobrança das prestações inadimplidas há mais de três meses ao rito do art 732 do CPC encontra respaldo na lei e na jurisprudência desta Corte III Recurso conhecido e desprovido STJ REsp 402518SP 200101320155 4ª Turma Rel Min Aldir Passarinho Junior julgado em 213 2002 DJ 2942002 p 256 Recurso de habeas corpus Prisão civil Alimentos 1 Enfrentada e decidida fundamentadamente a questão da prisão civil pelo Tribunal a quo não há falar em nulidade do Acórdão denegatório da ordem 2 O habeas corpus não é via adequada para o exame aprofundado de provas e a verificação das justificativas fáticas apresentadas em relação à inadimplência do devedor dos alimentos 3 A jurisprudência da 2ª Seção firmouse no sentido de que o devedor de alimentos para livrarse da prisão civil deve pagar as três últimas prestações vencidas à data do mandado de citação e as vincendas durante o processo 4 Recurso ordinário desprovido STJ ROHC 11840RS 200101130237 Rel Min Carlos Alberto Menezes Direito 3ª Turma julgado em 2102001 DJ 422002 p 342 Prisão civil Devedor de alimentos Execução na forma do artigo 733 do Código de Processo Civil Alegações que remetem a fatos dependentes de ampla investigação probatória incompatível com o rito do habeas corpus Na execução de alimentos prevista pelo artigo 733 do Código de Processo Civil ilegítima se afigura a prisão civil do devedor fundada no inadimplemento de prestações pretéritas assim consideradas as anteriores às três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da execução Alegações de fatos controvertidos dependentes de investigação probatória não se prestam à concessão do habeas corpus A exoneração ou diminuição do valor fixado judicialmente a título de alimentos tem sede processual própria e distinta da via do habeas corpus Recurso provido em parte apenas para restringir o fundamento da prisão ao não pagamento das diferenças verificadas nas três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as vencidas no curso desta STJ ROHC 11717SP 200100960110 Rel Min Cesar Asfor Rocha 4ª Turma julgado em 2092001 DJ 19112001 p 274 506 Este entendimento já fora aplicado pelo TJRS EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PRISÃO CIVIL CABIMENTO CUMPRIMENTO EM REGIME ABERTO 1 Sendo a dívida alimentar líquida certa e exigível e restando indemonstrada a impossibilidade absoluta de pagar os alimentos devidos é cabível a prisão civil 2 A prisão civil do devedor de alimentos não constitui medida de exceção senão providência idônea e prevista na lei para a ação de execução de alimentos que tramita sob a forma procedimental do art 733 do CPC 3 A prisão civil decorrente de dívida alimentar deve ser cumprida em regime aberto podendo o devedor sair para exercer sua atividade laboral independentemente do estabelecimento carcerário onde se encontrar recolhido Recomendação da Circular n 2193 da CorregedoriaGeral da Justiça 4 O devedor deve se recolher à prisão sendolhe facultado sair durante o dia para exercer o seu labor caso esteja trabalhando ainda que sem relação formal de emprego Recurso parcialmente provido TJRS Rel Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves j em 342012 7ª Câmara Cível Na mesma linha defende um regime prisional diferenciado para o menor emancipado quando este for devedor de alimentos Otávio Almeida Matos de Oliveira Pinto A Prisão Civil do Menor Emancipado Devedor de Alimentos Dilema entre Direitos Fundamentais Pará de Minas Ed VirtualBooks 2013 507 Disponível em httpwww1folhauolcombrcotidiano2015111707756paiquedevepensaopodepararnospcdecidestjshtml 508 Ver no TJRS AgI 70006429096 Rel Des Sérgio Chaves 509 Defendíamos tal tese desde a 1ª edição do v 1 de nosso Novo Curso de Direito Civil que data do início do ano de 2002 510 Silmara Juny Chinellato coord Código Civil Interpretado Artigo por Artigo Parágrafo por Parágrafo 2 ed p 29 511 PROCESSUAL CIVIL CIVIL RECURSO ESPECIAL AÇÃO DE ALIMENTOS CURSO SUPERIOR CONCLUÍDO NECESSIDADE REALIZAÇÃO DE PÓSGRADUAÇÃO POSSIBILIDADE 1 O advento da maioridade não extingue de forma automática o direito à percepção de alimentos mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco em que se exige a prova da necessidade do alimentado 2 É presumível no entanto presunção iuris tantum a necessidade dos filhos de continuarem a receber alimentos após a maioridade quando frequentam curso universitário ou técnico por força do entendimento de que a obrigação parental de cuidar dos filhos inclui a outorga de adequada formação profissional 3 Porém o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco que tem por objetivo tão só preservar as condições mínimas de sobrevida do alimentado 4 Em rigor a formação profissional se completa com a graduação que de regra permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou independentemente de posterior especialização podendo assim em tese prover o próprio sustento circunstância que afasta por si só a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante 5 Persistem a partir de então as relações de parentesco que ainda possibilitam a percepção de alimentos tanto de descendentes quanto de ascendentes porém desde que haja prova de efetiva necessidade do alimentado 6 Recurso especial provido STJ 3ª Turma REsp 1218510SP 201001846617 Rel Min Nancy Andrighi julgado em 2792011 512 Já havia entendimento no STJ no sentido de que o credor da pensão alimentícia pode namorar Direito de família Civil Alimentos Excônjuge Exoneração Namoro após a separação consensual Dever de fidelidade Precedente Recurso provido I Não autoriza exoneração da obrigação de prestar alimentos à exmulher o só fato dessa namorar terceiro após a separação II A separação judicial põe termo ao dever de fidelidade recíproca As relações sexuais eventualmente mantidas com terceiros após a dissolução da sociedade conjugal desde que não se comprove desregramento de conduta não têm o condão de ensejar a exoneração da obrigação alimentar dado que não estão os excônjuges impedidos de estabelecer novas relações e buscar em novos parceiros afinidades e sentimentos capazes de possibilitarlhes um futuro convívio afetivo e feliz III Em linha de princípio a exoneração de prestação alimentar estipulada quando da separação consensual somente se mostra possível em uma das seguintes situações a convolação de novas núpcias ou estabelecimento de relação concubinária pelo excônjuge pensionado não se caracterizando como tal o simples envolvimento afetivo mesmo abrangendo relações sexuais b adoção de comportamento indigno c alteração das condições econômicas dos excônjuges em relação às existentes ao tempo da dissolução da sociedade conjugal REsp 111476MG Rel Min Sálvio de Figueiredo Teixeira 4ª Turma julgado em 2531999 DJ 1051999 p 177 513 Confirase sobre o tema o subtópico 42 Princípio da solidariedade familiar do Capítulo II Perspectiva Principiológica do Direito de Família do volume VI Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 514 Paulo Lôbo Direito Civil Famílias 2 ed p 388 515 Sobre o tema confirase o tópico 4 Responsabilidade civil dos tutores e curadores pelos tutelados e curatelados do Capítulo XI Responsabilidade Civil por Ato de Terceiro do volume III Responsabilidade Civil de nosso Novo Curso de Direito Civil 516 Confirase o Capítulo XXIV Guarda de Filhos do volume VI Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 517 Confirase o Capítulo XXVII Adoção do volume VI Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 518 Sobre o tema preceitua atualmente o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 8069 de 13 de julho de 1990 com a redação dada pela Lei n 12010 de 2009 Art 37 O tutor nomeado por testamento ou qualquer documento autêntico conforme previsto no parágrafo único do art 1729 da Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil deverá no prazo de 30 trinta dias após a abertura da sucessão ingressar com pedido destinado ao controle judicial do ato observando o procedimento previsto nos arts 165 a 170 desta Lei Parágrafo único Na apreciação do pedido serão observados os requisitos previstos nos arts 28 e 29 desta Lei somente sendo deferida a tutela à pessoa indicada na disposição de última vontade se restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e que não existe outra pessoa em melhores condições de assumila 519 O art 409 é o dispositivo equivalente no CC1916 mas estabelecia ordem distinta a saber Art 409 Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor por esta ordem I ao avô paterno depois ao materno e na falta deste à avô paterna ou materna II aos irmãos preferindo os bilaterais aos unilaterais o do sexo masculino ao do feminino o mais velho ao mais moço III aos tios sendo preferido o do sexo masculino ao do feminino o mais velho ao mais moço 520 Sobre o tema confirase o tópico 2 Capacidade de direito e de fato e legitimidade do Capítulo IV Pessoa Natural do volume I Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 521 Sobre o tema da nulidade absoluta confirase o Capítulo XIV Invalidade do Negócio Jurídico do volume I Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 522 Essa expressão contida no art 1738 referese à superveniência do motivo escusatório 523 Art 1741 Incumbe ao tutor sob a inspeção do juiz administrar os bens do tutelado em proveito deste cumprindo seus deveres com zelo e boafé 524 Leonardo Barreto Moreira Alves coord Código das Famílias Comentado de acordo com o Estatuto das Famílias PLN n 228507 p 611 525 Art 1743 Se os bens e interesses administrativos exigirem conhecimentos técnicos forem complexos ou realizados em lugares distantes do domicílio do tutor poderá este mediante aprovação judicial delegar a outras pessoas físicas ou jurídicas o exercício parcial da tutela 526 Art 1755 Os tutores embora o contrário tivessem disposto os pais dos tutelados são obrigados a prestar contas da sua administração 527 Confiramse os Capítulos XXV Filiação e XXVII Adoção do volume VI Direito de Família do nosso Novo Curso de Direito Civil 528 Art 1774 Aplicamse à curatela as disposições concernentes à tutela com as modificações dos artigos seguintes Art 1781 As regras a respeito do exercício da tutela aplicamse ao da curatela com a restrição do art 1772 e as desta Seção 529 Paulo Lôbo em excelente artigo sustenta que a partir da entrada em vigor do Estatuto não há que se falar mais de interdição que em nosso direito sempre teve por finalidade vedar o exercício pela pessoa com deficiência mental ou intelectual de todos os atos da vida civil impondose a mediação de seu curador Cuidarseá apenas de curatela específica para determinados atos Com avanços legais pessoas com deficiência mental não são mais incapazes Disponível em httpwwwconjurcombr2015ago16processofamiliaravancos pessoasdeficienciamentalnaosaoincapazes Acesso em 18 dez 2015 Na medida em que o Estatuto é expresso ao afirmar que a curatela é extraordinária e restrita a atos de conteúdo patrimonial ou econômico desaparece a figura da interdição completa e do curador todopoderoso e com poderes ilimitados 530 Célia Barbosa Abreu Primeiras Linhas sobre a Interdição após o Novo Código de Processo Civil p 22 531 A curatela do pródigo é peculiar já tendo sido tratada em nosso volume dedicado ao estudo da Parte Geral Segundo a legislação em vigor a curatela do pródigo somente o privará de sem curador emprestar transigir dar quitação alienar hipotecar demandar ou ser demandado e praticar em geral atos que não sejam de mera administração art 1782 NCC e art 459 CC16 Não suporta restrição pois a prática de atos pessoais uma vez que a sua incapacidade justificadora da curatela referese apenas a atos que possam diminuir o seu patrimônio Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Parte Geral 12 ed v I p 143 Para casar por exemplo não necessita da anuência do seu curador quanto ao acerto ou desacerto na escolha da pessoa amada mas quanto ao regime de bens a ser adotado deverá o curador se pronunciar 532 Art 756 Levantarseá a curatela quando cessar a causa que a determinou 1º O pedido de levantamento da curatela poderá ser feito pelo interdito pelo curador ou pelo Ministério Público e será apensado aos autos da interdição 2º O juiz nomeará perito ou equipe multidisciplinar para proceder ao exame do interdito e designará audiência de instrução e julgamento após a apresentação do laudo 3º Acolhido o pedido o juiz decretará o levantamento da interdição e determinará a publicação da sentença após o trânsito em julgado na forma do art 755 3º ou não sendo possível na imprensa local e no órgão oficial por 3 três vezes com intervalo de 10 dez dias seguindose a averbação no registro de pessoas naturais 4º A interdição poderá ser levantada parcialmente quando demonstrada a capacidade do interdito para praticar alguns atos da vida civil 533 Sobre o tema Fato Jurídico e a sua classificação confirase o Capítulo IX Fato Jurídico em Sentido Amplo do volume I Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 534 Relembrando a condição é um acontecimento futuro e incerto que subordina a eficácia jurídica do negócio ao passo que o termo é um acontecimento futuro e certo Sobre o tema confirase também o Capítulo XV Plano de Eficácia do Negócio Jurídico do volume I Parte Geral do nosso Novo Curso de Direito Civil 535 Sobre a ausência confirase o subtópico 721 Ausência do Capítulo IV Pessoa Natural do volume I Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 536 CC2002 Art 7º Pode ser declarada a morte presumida sem decretação de ausência I se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida II se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro não for encontrado até dois anos após o término da guerra Parágrafo único A declaração da morte presumida nesses casos somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações devendo a sentença fixar a data provável do falecimento 537 Obnóxio cs adj 1619 cf Quad 1 que se submete servilmente à punição 2 que não tem vontade própria escravo dependente 3 nefasto funesto nefando ofensivo nocivo 4 vulgar corriqueiro baixo vil 5 esquisito estranho ETIM lat obnoxiusaum responsável perante a lei culpado de submetido colérico que não tem vontade própria indigno exposto a perigoso arriscado nocivo ver noc SINVAR ver sinonímia de canalha e antonímia de favorável ANT altivo benéfico ver tb sinonímia de elevado favorável e insigne Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa p 2042 538 Clóvis Beviláqua Direito das Sucessões 4 ed p 1415 539 É preciso ter a vista perturbada por algum preconceito para não reconhecer no direito sucessório um fator poderoso para aumento da riqueza pública um meio de distribuíla do modo mais apropriado à sua conservação e ao bemestar dos indivíduos um vínculo para a consolidação da família se a lei lhe garante o gozo dos bens de seus membros desaparecidos na voragem da morte e um estímulo para sentimentos altruísticos porque traduz sempre um afeto quer quando é a vontade que o faz moverse quer quando a providência parte da lei Clóvis Beviláqua Direito das Sucessões 4 ed p 16 540 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes XXII é garantido o direito de propriedade XXIII a propriedade atenderá a sua função social XXX é garantido o direito de herança 541 Vale destacar neste aspecto a chamada sucessão trabalhista prevista nos arts 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho Sobre o tema confirase o tópico 4 A natureza dos interesses objeto de sucessão hereditária do Capítulo III Disposições Gerais sobre a Sucessão do volume VII Sucessões do nosso Novo Curso de Direito Civil 542 Outra expressão amplamente utilizada para caracterizar o autor da herança o falecido é de cujus Tratase de palavra que não admite nenhum tipo de conjugação ou alteração de gênero e que em verdade consiste em trecho de uma expressão latina de cujus sucessione agitur usada para se referir à pessoa de cuja sucessão se trata Na prática jurídica acabou se tornando um sinônimo de pessoa falecida em um eufemismo para amenizar a dureza de expressões como defunto ou morto 543 Confirase o Capítulo XXV Resíduos Sucessórios do volume VII Sucessões do nosso Novo Curso de Direito Civil 544 Art 1829 A sucessão legítima deferese na ordem seguinte I aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória de bens art 1640 parágrafo único ou se no regime da comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares II aos ascendentes em concorrência com o cônjuge III ao cônjuge sobrevivente IV aos colaterais 545 Saisine Cont const 1 Opération consistant à déférer um texte juridique loi votée traité international devant le juge constitutionnel et ayant pour effet principal de déclencher le controle de constitutionnalité 2 Lettre adressée par lês requérants au juge constitutionnel mentionnant parfois lês griefs opposés à lencontre dune loi et publiée au Journal Officiel de la République française em annexe de la décision constitutionnelle CABRILLAC Rémy direction Dictionnaire du Vocabulaire Juridique p 342 Em tradução livre de Rodolfo Pamplona Filho Saisine Cont const 1 Procedimento consistente em submeter um texto legal lei aprovada tratado internacional ao Tribunal Constitucional e com o principal efeito de provocar o controle de constitucionalidade 2 Petição dirigida pelos requerentes ao Tribunal Constitucional declarando as alegações eventualmente opostas em face de uma lei e publicada no Diário Oficial da República Francesa no anexo da jurisdição constitucional 546 Albert Dauzat Jean Dubois e Henri Mitterand Nouveau Dictionnaire Étimologique et Historique 1971 547 Edição de 1968 verb Saisine p 832 548 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa publicado pelo Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia Rio de Janeiro 2001 Observo que nenhum outro léxico dentre os consultados registra o vocábulo saisina Caldas Aulete Laudelino Freire Silveira Bueno Antenor Nascentes Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Nem o recentíssimo dicionário da Academia de Ciências de Lisboa 549 Luís Camargo Pinto de Carvalho Saisine e Astreinte Disponível em httpwwwirineupedrotticombracordaosmodulesnewsarticlephpstoryid3171 Acesso em 15 abr 2011 550 Em tradução livre de Rodolfo Pamplona Filho O servo morto dá posse ao vivo seu herdeiro mais próximo 551 Sobre esse brocardo e sua tradução confirase Pablo Stolze Der Tote erbt den Lebenden e o estrangeirismo indesejável Jus Navigandi Teresina ano 17 n 3274 18 jun 2012 Disponível em httpjuscombrartigos22040 Acesso em 6 jun 2014 552 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil Sucessões 17 ed v VI p 15 553 Com a morte a sucessão ficava aberta delata e somente com o fato da aceitação acquisitio se integrava na titularidade do herdeiro entre a abertura delatio e a aceitação acquisitio permanecia a herança em estado de jacência hereditas iacens Nesta fase intermediária a herança tinha representante e ação o que levou a reconhecerlhe personalidade A proposição não é todavia unânime encontrando contradita séria em Savigny Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil p 15 554 Mário Figueiredo Barbosa Ainda Questões Jurídicas p 1314 555 Sobre o tema da classificação dos bens confirase o Capítulo VIII Bens Jurídicos do volume I Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 556 Roberto de Ruggiero Instituições de Direito Civil Direito das Obrigações e Direito Hereditário v 3 p 395 557 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões 3 ed v 7 p 38 558 O instituto de que trata o artigo justificase pela adoção do sistema de aceitação a benefício de inventário por disposição legal operada pelo Código de 1916 Como lembra Caio Mário da Silva Pereira a aceitação da herança nesse sentido entrou nos costumes e passou para o direito positivo A aceitação a benefício de inventário consistia em uma opção posta à disposição do herdeiro para que este aceitasse apenas o ativo da herança desobrigandose quanto à totalidade do passivo Apondo tal cláusula o herdeiro quando chamado a deliberar aceitava a herança desde que não lhe causasse nenhum prejuízo decorrente da verificação feita no inventário de que o ativo superava o passivo Caso contrário quando o passivo superava o ativo o aceitante a benefício de inventário era tido como um aceitante condicional limitado à responsabilização das dívidas do de cujus até o montante que houvesse herdado Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil Parte Especial do Direito das Sucessões arts 1784 a 1856 coord Antônio Junqueira de Azevedo 2 ed v 20 p 75 559 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil Parte Especial do Direito das Sucessões arts 1784 a 1856 coord Antônio Junqueira de Azevedo 2 ed v 20 p 2829 1 Art 1796 No prazo de trinta dias a contar da abertura da sucessão instaurarseá inventário do patrimônio hereditário perante o juízo competente no lugar da sucessão para fins de liquidação e quando for o caso de partilha da herança 2 Sempre lembrando do Princípio Non Ultra Vires Hereditatis insculpido no art 1792 do CC2002 in verbis Art 1792 O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança incumbelhe porém a prova do excesso salvo se houver inventário que a escuse demonstrando o valor dos bens herdados 3 Art 618 Incumbe ao inventariante I representar o espólio ativa e passivamente em juízo ou fora dele observandose quanto ao dativo o disposto no art 75 1º II administrar o espólio velandolhe os bens com a mesma diligência que teria se seus fossem III prestar as primeiras e as últimas declarações pessoalmente ou por procurador com poderes especiais IV exibir em cartório a qualquer tempo para exame das partes os documentos relativos ao espólio V juntar aos autos certidão do testamento se houver VI trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente renunciante ou excluído VII prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz lhe determinar VIII requerer a declaração de insolvência Art 619 Incumbe ainda ao inventariante ouvidos os interessados e com autorização do juiz I alienar bens de qualquer espécie II transigir em juízo ou fora dele III pagar dívidas do espólio IV fazer as despesas necessárias para a conservação e o melhoramento dos bens do espólio 4 Art 75 Serão representados em juízo ativa e passivamente I a União pela AdvocaciaGeral da União diretamente ou mediante órgão vinculado II o Estado e o Distrito Federal por seus procuradores III o Município por seu prefeito ou procurador IV a autarquia e a fundação de direito público por quem a lei do ente federado designar V a massa falida pelo administrador judicial VI a herança jacente ou vacante por seu curador VII o espólio pelo inventariante VIII a pessoa jurídica por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou não havendo essa designação por seus diretores IX a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica pela pessoa a quem couber a administração de seus bens X a pessoa jurídica estrangeira pelo gerente representante ou administrador de sua filial agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil XI o condomínio pelo administrador ou síndico 1º Quando o inventariante for dativo os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio seja parte 2º A sociedade ou associação sem personalidade jurídica não poderá opor a irregularidade de sua constituição quando demandada 3º O gerente de filial ou agência presumese autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação para qualquer processo 4º Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias 5 Lembramos que também no regramento do arrolamento há previsão de nomeação de um inventariante conforme art 660 I do Código de Processo Civil de 2015 Art 660 Na petição de inventário que se processará na forma de arrolamento sumário independentemente da lavratura de termos de qualquer espécie os herdeiros I requererão ao juiz a nomeação do inventariante que designarem 6 Código Penal Apropriação indébita Art 168 Apropriarse de coisa alheia móvel de que tem a posse ou a detenção Pena reclusão de um a quatro anos e multa Aumento de pena 1º A pena é aumentada de um terço quando o agente recebeu a coisa I em depósito necessário II na qualidade de tutor curador síndico liquidatário inventariante testamenteiro ou depositário judicial III em razão de ofício emprego ou profissão 7 Sobre o tema confirase o Capítulo III Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 8 Código de Processo Civil de 2015 Art 376 A parte que alegar direito municipal estadual estrangeiro ou consuetudinário provarlheá o teor e a vigência se assim o juiz determinar 9 Tratase não é demais relembrar de princípio inspirado no Direito francês na mesma linha ver Thiago Felipe Vargas Simões na inovadora obra A Filiação Socioafetiva e seus Reflexos no Direito Sucessório p 75 10 Confirase o subtópico 35 Autonomia da Vontade do Capítulo II Principiologia do Direito das Sucessões do v 7 Sucessões do nosso Novo Curso de Direito Civil 11 Confirase o tópico 3 Renúncia da Herança deste capítulo 12 Maria Helena Diniz ob cit p 72 13 Confirase o tópico 3 Renúncia da Herança deste Capítulo 14 Art 1810 Na sucessão legítima a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e sendo ele o único desta devolvese aos da subsequente 15 Constituição Federal de 1988 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes XXX é garantido o direito de herança 16 Pablo Stolze Gagliano Código Civil Comentado Direito Das Coisas Superfície Servidões Usufruto Uso Habitação Direito do Promitente Comprador artigos 1369 a 1418 coord Álvaro Villaça Azevedo v XIII p 97 17 Orlando Gomes Sucessões 12 ed p 25 18 Art 1806 A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial 19 Note inclusive que o próprio parágrafo único do art 1804 dispõe que a transmissão patrimonial temse por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança 20 Vanessa Scuro Aceitação e Renúncia de Herança Disponível em httpwwwmigalhascombrmostranoticiaarticuladasaspx cod110905 Acesso em 29 jun 2011 21 Talvez por isso com propriedade observa Sílvio Venosa que esta regra protetiva do crédito é aplicação específica do princípio da fraude contra credores Direito Civil Direito das Sucessões 4 ed v 7 p 37 22 Sobre o tema cf Pablo Stolze Gagliano O Contrato de Doação 3 ed 2010 23 Pablo Stolze Gagliano Código Civil Comentado Direito das Coisas Superfície Servidões Usufruto Uso Habitação Direito do Promitente Comprador Obra escrita em homenagem ao Prof Dr José Manoel de Arruda Alvim Netto v XIII p 38 24 A teor da Lei n 11441 de 4 de janeiro de 2007 o inventário ou o arrolamento não havendo herdeiros incapazes nem testamento poderá ser lavrado consensualmente no Tabelionato de Notas dispensando processo judicial Tratase do inventário ou arrolamento administrativo caso em que a partilha entre os herdeiros ou a adjudicação quando houver um herdeiro só dispensa logicamente processo judicial 25 Art 1947 O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado presumindose que a substituição foi determinada para as duas alternativas ainda que o testador só a uma se refira 26 Art 1941 Quando vários herdeiros pela mesma disposição testamentária forem conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados e qualquer deles não puder ou não quiser aceitála a sua parte acrescerá à dos coerdeiros salvo o direito do substituto 27 Como sabemos direito potestativo é aquele que sem ter conteúdo prestacional ao ser exercido interfere na esfera jurídica alheia sem que esta pessoa nada possa fazer 28 Sobre o tema ver o nosso v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil mais especificamente no tópico 4 Autorização Conjugal Outorga Uxória e Outorga Marital do Capítulo XIII Regime de Bens do Casamento Noções Introdutórias Fundamentais 29 Confirase o Capítulo XVI Regime de Bens do Casamento Separação Convencional de Bens do v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil 30 Sobre o tema confirase o tópico a5 Considerações sobre a natureza imobiliária do direito à sucessão aberta do Capítulo VIII Bens Jurídicos do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 31 No CC2002 art 80 II 32 Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Curso Avançado de Direito Civil v 6 p 102 33 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 21 ed v 6 p 75 34 Ementa COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS No regime da comunhão universal marido e mulher são verdadeiros condôminos em todos os bens exceto os incomunicáveis estejam os bens onde estiverem e têm neles a metade ideal dissolvida a sociedade conjugal o patrimônio comum é igualmente repartido entre os cônjuges ou entre o sobrevivente e os herdeiros do outro ACEITAÇÃO DA HERANÇA É negócio jurídico irrevogável semel heres semper heres e não pode ser parcial a aceitação dos bens situados no estrangeiro bem como a inventariança dos bens situados no Brasil confirmou no herdeirofilho a transmissão efetuada ex vi legis RENÚNCIA TRANSLATIVA DO QUINHÃO HEREDITÁRIO PODE SER FEITA POR TERMO NOS AUTOS O marido para renunciar à herança precisa da outorga uxória DIREITO DA MULHER DE IMPUGNAR O ATO PRATICADO SEM SUA ANUÊNCIA A concordância da mulher com a partilha realizada no desquite não implica em tácita abdicação de sua pretensão a haver novos bens mediante a anulação da renúncia translativa anteriormente praticada pelo cônjuge varão BENS SITUADOS NO BRASIL E NA REPÚBLICA DO URUGUAI PROBLEMA DA UNIDADE E DA PLURALIDADE DE JUÍZOS SUCESSÓRIOS APRESENTAÇÃO HISTÓRICA DO TEMA DIREITO COMPARADO E PROTEÇÃO AOS NACIONAIS QUANDO LHES FOR MAIS FAVORÁVEL A LEI DO PAÍS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO ART 89 II COMPETÊNCIA INTERNACIONAL EXCLUSIVA DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DO URUGUAI ONDE SE PROCESSOU O INVENTÁRIO DOS BENS NAQUELE PAÍS SITUADOS PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE PREVALÊNCIA PARA O JUIZ BRASILEIRO DA LEI MATERIAL BRASILEIRA Impende ao juiz brasileiro resguardar na medida do possível a eficácia e a aplicação da lei material brasileira no caso concreto a prevalência das normas relativas à comunhão universal de bens postergadas no inventário realizado no Uruguai Direito da autora anulada a renúncia a haver seu quinhão nos bens deixados pelo progenitor do exmarido considerados tanto os bens situados no Brasil como no Uruguai Pagamento a ser feito com bens situados em nosso país Provimento parcial da apelação para cancelar determinados itens do decisum por importarem condenações dúplices Manutenção no essencial da sentença TJRS AC 500297163RS Ap Cível 1ª Câmara Cível Rel Athos Gusmão Carneiro j 1061980 Herança Renúncia pelo marido Outorga uxória Necessidade Ausência na espécie Ineficácia consequente do negócio jurídico dispositivo Aplicação dos arts 44 III e 235 I do Código Civil Qualquer que seja o regime de bens não pode o cônjuge renunciar a herança sem consentimento do consorte TJSP Ap Civ 2498281 Rel Des Cezar Peluso j 2781996 v u 35 Sobre o tema confirase o subtópico 13 O Nascituro do Capítulo IV Pessoa Natural do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 36 Código Civil Art 1775 O cônjuge ou companheiro não separado judicialmente ou de fato é de direito curador do outro quando interdito 1º Na falta do cônjuge ou companheiro é curador legítimo o pai ou a mãe na falta destes o descendente que se demonstrar mais apto 2º Entre os descendentes os mais próximos precedem aos mais remotos 3º Na falta das pessoas mencionadas neste artigo compete ao juiz a escolha do curador 37 2º Os poderes deveres e responsabilidades do curador assim nomeado regemse pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes no que couber 38 3º Nascendo com vida o herdeiro esperado serlheá deferida a sucessão com os frutos e rendimentos relativos à deixa a partir da morte do testador 39 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro 7 ed v 7 p 74 40 Art 207 Salvo disposição legal em contrário não se aplicam à decadência as normas que impedem suspendem ou interrompem a prescrição 41 Diferente por óbvio é a hipótese de nascer com vida e falecer instantes após caso em que consolidará os direitos sucessórios transmitindoos aos seus próprios sucessores 42 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil Parte Especial Do Direito das Sucessões Arts 1784 a 1856 coord Antônio Junqueira de Azevedo 2 ed v 20 p 109110 43 Patrícia Russi e Patrícia Fontanella A Possibilidade da Adoção da Prole Eventual diante da Incidência dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas Disponível em wwwflaviotartuceadvbrartigoscadocprolefontdoc Acesso em 16 out 2011 44 Sílvio Venosa Capacidade de Testar e Capacidade de Adquirir por Testamento Disponível em httpsilviovenosacombrartigocapacidadedetestarecapacidadedeadquirirportestamento Acesso em 19 out 2011 45 João Álvaro Dias Procriação Assistida e Responsabilidade Médica p 40 46 Rafael Junquera de Estéfani Reproducción Asistida Filosofía Ética y Filosofía Jurídica p 69 apud Mônica Aguiar Direito à Filiação e Bioética p 119 47 José Roberto Moreira Filho Os Novos Contornos da Filiação e dos Direitos Sucessórios em Face da Reprodução Humana Assistida Disponível em httpwwwabmporgbrtextos2556htm Acesso em 18 fev 2012 48 Maria Helena Diniz O Estado Atual do Biodireito 3 ed p 480 49 A fundação pública instituída pela União Estado ou Município na forma da lei regese por preceitos próprios de direito administrativo escapando portanto como dissemos acima da perspectiva desta obra 50 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 19 ed v I p 223 51 Sobre o tema confirase o Capítulo XX Concubinato e Direitos dao Amante do v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil 52 Sobre o tema confirase o nosso O Novo Divórcio São Paulo Saraiva bem como o Capítulo XXIII O Divórcio como Forma de Extinção do Vínculo Conjugal do v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil 53 Súmula 447 do Supremo Tribunal Federal É válida a disposição testamentária em favor de filho adulterino do testador com sua concubina 54 Nesse sentido observa Orlando Gomes A indignidade tem de ser declarada por sentença judicial Pressupõe assim ação que a suscite A ação pode ser intentada pelo interessado em obter a declaração de indignidade no prazo de quatro anos a contar da abertura da sucessão Podem propôla somente os que tenham interesse na sucessão A lei não comporta a interpretação que restringisse os interessados às pessoas que seriam convocadas para substituir o indigno Do contrário limitaria a legitimação ativa aos descendentes do herdeiro excluído na sucessão legítima e ao substituto na sucessão testamentária Orlando Gomes Sucessões 12 ed p 36 55 Código Civil Art 1815 A exclusão do herdeiro ou legatário em qualquer desses casos de indignidade será declarada por sentença Parágrafo único O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extinguese em quatro anos contados da abertura da sucessão 56 Código de Processo Civil de 2015 Art 315 Se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal 1º Se a ação penal não for proposta no prazo de 3 três meses contado da intimação do ato de suspensão cessará o efeito desse incumbindo ao juiz cível examinar incidentemente a questão prévia 2º Proposta a ação penal o processo ficará suspenso pelo prazo máximo de 1 um ano ao final do qual aplicarseá o disposto na parte final do 1º 57 Código de Processo Civil de 2015 Art 966 A decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando I se verificar que foi proferida por força de prevaricação concussão ou corrupção do juiz II for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente III resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou ainda de simulação ou colusão entre as partes a fim de fraudar a lei IV ofender a coisa julgada V violar manifestamente norma jurídica VI for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória VII obtiver o autor posteriormente ao trânsito em julgado prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso capaz por si só de lhe assegurar pronunciamento favorável VIII for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido sendo indispensável em ambos os casos que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput será rescindível a decisão transitada em julgado que embora não seja de mérito impeça I nova propositura da demanda ou II admissibilidade do recurso correspondente 3º A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 um capítulo da decisão 4º Os atos de disposição de direitos praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução estão sujeitos à anulação nos termos da lei 58 Constituição Federal Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes XXXVI a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada 59 AÇÃO RESCISÓRIA INVESTIGAÇÃO PATERNIDADE EXAME DNA Este Superior Tribunal reiterou o entendimento de que o laudo do exame de DNA mesmo realizado após a confirmação pelo juízo ad quem da sentença que julgou procedente a ação de investigação de paternidade é considerado documento novo para o fim de ensejar a ação rescisória art 485 VII CPC Precedentes citados REsp 189306MG DJ 2582003 REsp 255077MG DJ 352004 e REsp 300084GO DJ 692004 STJ REsp 653942MG Rel Min Honildo Amaral de Mello Castro desembargador convocado do TJAP j 1592009 AÇÃO RESCISÓRIA DOCUMENTO NOVO CONCEITO EFEITO O documento novo a que se refere o inc VII do art 485 do CPC em feliz inovação introduzida em nosso direito é EM PRINCÍPIO o já existente quando da decisão rescindenda ignorado pelo interessado ou de impossível obtenção à época da utilização no processo apresentandose bastante para alterar o resultado da causa Tendo o documento tais características habilitase a pretensão rescisória a ter acolhida favorável STJ REsp 150070RJ Rel Min Sálvio de Figueiredo ac un DJ 17121992 Moacyr Ribeiro Galvão e outro vs Cia Docas do Rio de Janeiro Advs Fernando Neves da Silva e José Geraldo Grossi ADCOAS 139540 60 Código Penal Calúnia Art 138 Caluniar alguém imputandolhe falsamente fato definido como crime Pena detenção de seis meses a dois anos e multa 1º Na mesma pena incorre quem sabendo falsa a imputação a propala ou divulga 2º É punível a calúnia contra os mortos Exceção da verdade 3º Admitese a prova da verdade salvo I se constituindo o fato imputado crime de ação privada o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível II se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no n I do art 141 III se do crime imputado embora de ação pública o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível Difamação Art 139 Difamar alguém imputandolhe fato ofensivo à sua reputação Pena detenção de três meses a um ano e multa Exceção da verdade Parágrafo único A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções Injúria Art 140 Injuriar alguém ofendendolhe a dignidade ou o decoro Pena detenção de um a seis meses ou multa 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena I quando o ofendido de forma reprovável provocou diretamente a injúria II no caso de retorsão imediata que consista em outra injúria 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato que por sua natureza ou pelo meio empregado se considerem aviltantes Pena detenção de três meses a um ano e multa além da pena correspondente à violência 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça cor etnia religião origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência Redação dada pela Lei n 10741 de 2003 Pena reclusão de um a três anos e multa Incluído pela Lei n 9459 de 1997 61 Ver sobre o tema em comento Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro v 6 p 5556 62 Relembremonos a título de ilustração o conceito de crime impossível nas palavras de Damásio de Jesus Nos termos do art 17 do Código Penal não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto é impossível consumarse o crime Em certas hipóteses verificase expost que o autor jamais poderia atingir a consumação quer pela inidoneidade absoluta do meio executório quer pela absoluta impropriedade do objeto material pessoa ou coisa O instituto corresponde ao que se denomina crime impossível1 apresentando três espécies2 1ª delito impossível por ineficácia absoluta do meio 2ª delito impossível por impropriedade absoluta do objeto material 3ª crime impossível por obra de agente provocador Ocorre o primeiro caso quando o meio executório empregado pelo insciente pseudoautor pela sua natureza é absolutamente incapaz de causar o resultado ausência de potencialidade lesiva Ex o sujeito por erro desejando matar a vítima mediante veneno coloca açúcar em sua alimentação pensando tratar se de arsênico3 Incluise nessa hipótese a chamada tentativa irreal ou supersticiosa como é o exemplo de o sujeito desejar matar a vítima mediante ato de magia ou bruxaria Na segunda espécie inexiste o objeto material sobre o qual deveria incidir o comportamento ou pela sua situação ou condição tornase absolutamente impossível a produção do resultado visado4 circunstâncias desconhecidas pelo agente Ex A pensando que seu desafeto está dormindo golpeia um cadáver5 A terceira hipótese de crime impossível corresponde ao denominado crime putativo por obra de agente provocador6 Ex alguém vítima ou terceiro de forma insidiosa provoca o sujeito a cometer um crime ao mesmo tempo que toma providências para que não atinja a consumação A ineficácia e a impropriedade não recaem sobre o meio executório nem sobre o objeto material A impossibilidade absoluta de o delito vir a alcançar o momento consumativo decorre do conjunto das medidas preventivas tomadas pelo provocador Por isso ao lado da ineficácia absoluta do meio e da impropriedade absoluta do objeto o art 17 pode ser ampliado por analogia estendendose a um terceiro caso o do agente provocador em que o conjunto de circunstâncias por ele dispostas exclui a possibilidade de consumação do crime7 Crime Impossível e Imputação Objetiva Disponível em httpjusvicomartigos1308 Acesso em 15 jan 2012 63 Orlando Gomes Sucessões p 225226 64 AÇÃO DE DESERDAÇÃO EM CUMPRIMENTO A DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA 1 Exceto em relação aos arts 1742 e 1744 do Código Civil de 1916 os demais dispositivos legais invocados no recurso especial não foram prequestionados incidindo os verbetes sumulares 282 e 356 do STF 2 Acertada a interpretação do Tribunal de origem quanto ao mencionado art 1744 do CC1916 ao estabelecer que a causa invocada para justificar a deserdação constante de testamento deve preexistir ao momento de sua celebração não podendo contemplar situações futuras e incertas 3 É vedada a reapreciação do conjunto probatório quanto ao momento da suposta prática dos atos que ensejaram a deserdação nos termos da súmula 07 do STJ Recurso não conhecido STJ Processo REsp 124313SP Recurso Especial 199700192644 Rel Min Luis Felipe Salomão 1140 4ª Turma j 1642009 DJe 862009 65 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 7 ed v 7 p 433 66 Para aprofundar o estudo do tema cf Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Direito de Família 2 ed v 6 p 740 67 O tema do Direito de Representação será objeto de capítulo próprio ao qual remetemos o nosso amigo leitor 68 Washington de Barros Monteiro Curso de Direito Civil Direito das Sucessões 38 ed v 6 p 268269 69 Orlando Gomes Sucessões p 230 A expressão RA significa Revisão do Atualizador haja vista que o falecimento de Orlando Gomes se deu em 1988 70 Como informação de lege ferenda há de se registrar que o Projeto de Lei n 2762007 antigo Projeto de Lei n 69602002 pretendia como aperfeiçoamento da codificação brasileira inserir um 2º ao art 1965 do CC2002 com a seguinte redação 2º São pessoais os efeitos da deserdação os descendentes do herdeiro deserdado sucedem como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão Mas o deserdado não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança nem à sucessão eventual desses bens 71 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 ed p 979 72 Sobre o tema confirase o subtópico 52 Grupos Despersonalizados do Capítulo VI Pessoa Jurídica do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 73 Código de Processo Civil de 2015 Art 75 Serão representados em juízo ativa e passivamente VI a herança jacente ou vacante por seu curador 74 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 7 ed v VII p 135 75 Art 1825 A ação de petição de herança ainda que exercida por um só dos herdeiros poderá compreender todos os bens hereditários 76 Orlando Gomes Sucessões p 238 77 Este mesmo fundamento inspira a Súmula 149 do STF É imprescritível a ação de investigação de paternidade mas não o é a de petição de herança 78 Nesse sentido Sílvio Venosa Direito Civil Direito das Sucessões 4 ed v 7 p 361 79 Nesse sentido confirase Adriane Medianeira Toaldo e Clênio Denardini Pereira A Possibilidade de Imprescritibilidade da Ação de Petição de Herança em Face da Ausência de Prazo Prescricional na Legislação Vigente Disponível em httpwwwambito juridicocombrsiteindexphpnlinkrevistaartigosleituraartigoid5904 Acesso em 20 fev 2012 80 EMENTA Ação de petição de herança Inventário Herdeira excluída indevidamente da partilha Nulidade absoluta Prescrição Prazo ordinário de 20 vinte anos Artigo 177 do Código Civil de 1916 Ocorrência Extinção do processo Recurso improvido TJMG Ap Cív 10702062846408001 Comarca de Uberlândia Apelantes Iraci Vieira de Araújo Apeladoas Geralda Vieira Borba Rel Exmo Sr Des Nepomuceno Silva j 2732008 publicado em 2942008 81 Sobre o tema confirase o interessante comentário do Professor Adriano Godinho em seu blog Disponível em httpwwwadrianogodinhocombr201003peticaodeherancadireitohtml Acesso em 20 fev 2012 82 Clóvis Beviláqua Direito das Sucessões 4 ed p 143144 83 Código Civil Brasileiro de 1916 Art 1603 A sucessão legítima deferese na ordem seguinte I aos descendentes II aos ascendentes III ao cônjuge sobrevivente IV aos colaterais V aos Municípios ao Distrito Federal ou à União 84 Ressalvada a hipótese de um testamento haver dado destinação diversa à metade disponível toda a herança tocará o descendente 85 Código Civil art 1833 Entre os descendentes os em grau mais próximo excluem os mais remotos salvo o direito de representação dispositivo sem equivalente direto no CC1916 Neste último caso herdando por direito de representação sucederão por estirpe art 1835 do CC2002 art 1604 do CC1916 conforme será visto em capítulo próprio ao qual remetemos o amigo leitor E nesse contexto vale observar ainda que os descendentes de uma mesma classe filhos do falecido por exemplo têm por óbvio os mesmos direitos à sucessão do seu ascendente na perspectiva do princípio da isonomia e a teor do art 1834 do Código Civil de 2002 que baniu a anacrônica regra evidentemente não recepcionada pela ordem constitucional do art 1610 do CC1916 86 No inciso I do art 1829 o legislador errou ao fazer remissão ao art 1640 pois a referência correta deve ser ao art 1641 87 CIVIL RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA SUCESSÃO LEGÍTIMA ART 1829 I CC2002 CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE COM OS DESCENDENTES CASAMENTO NO REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS EXCLUSÃO DO CÔNJUGE DA CONDIÇÃO DE HERDEIRO CONCORRENTE ATO DO JUIZ DETERMINANDO A JUNTADA AOS AUTOS DA HABILITAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DOS HERDEIROS DESCENDENTES NATUREZA DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE FUNDAMENTAÇÃO DESNECESSIDADE A nova ordem de sucessão legítima estabelecida no CC2002 incluiu o cônjuge na condição de herdeiro necessário e conforme o regime matrimonial de bens concorrente com os descendentes Quando casado no regime da comunhão universal de bens considerando que metade do patrimônio já pertence ao cônjuge sobrevivente meação este não terá o direito de herança posto que a exceção do art 1829 I o exclui da condição de herdeiro concorrente com os descendentes O ato do juiz que determina a juntada aos autos da habilitação e representação dos herdeiros descendentes tem natureza de despacho de mero expediente dispensando fundamentação visto que não se qualificam em regra como atos de conteúdo decisório Precedentes Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento STJ RMS 22684RJ Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma j 752007 DJ 2852007 p 319 88 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Direito das Sucessões brasileiro disposições gerais e sucessão legítima Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídica à face da previsão contida no novo Código Civil Jus Navigandi ano 8 Disponível em httpjuscombrrevistatexto4093 Acesso em 13 ago 2012 89 Zeno Veloso Direito Hereditário do Cônjuge e do Companheiro p 46 90 Nesse sentido o próprio Zeno Veloso ob cit p 46 Posição peculiar é a de Maria Berenice Dias segundo a qual diante da pontuação do referido inciso a sucessão do cônjuge ficaria excluída na hipótese de o falecido ter deixado bens particulares Tratase de uma posição minoritária e que merece a nossa respeitosa referência Maria Berenice Dias Ponto final Art 1829 inciso I do novo Código Civil Jus Navigandi n 168 2003 Disponível em httpjuscombrrevistatexto4634 Acesso em 22 ago 2012 91 Disponível em httpwwwstjjusbrsitesSTJdefaultptBRComunicaçãonoticiasNotC3ADciasSeçãouniformizaentendimento sobresucessãoemregimedecomunhãoparcialdebens Acesso em 12 nov 2016 92 Há entendimento todavia no sentido da literalidade da regra com o qual como dito definitivamente não concordamos Ementa AÇÃO RESCISÓRIA AÇÃO ORDINÁRIA DE DECLARAÇÃO DA CONDIÇÃO DE NÃO HERDEIRA CÔNJUGE SOBREVIVENTE CASADA COM O FALECIDO SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS MEDIANTE PACTO CONCORRÊNCIA COM AS DESCENDENTES ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI NO ACÓRDÃO ART 1829 I CC2002 IMPROCEDÊNCIA TEMPESTIVIDADE DA AÇÃO Observado o prazo previsto no art 495 do CPC na propositura da ação rescisória impõese admitila como tempestiva Rejeitada a preliminar de intempestividade deduzida na contestação IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO Há possibilidade jurídica no pedido rescisório cujo objeto visa desconstituir coisa julgada formal na própria decisão rescindenda ao alegar que o julgado na decisão inquinada teria manifestado interpretação violando literalmente disposição de lei Preliminar rejeitada por maioria IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO Descabe ser rescindido o acórdão que não desconsidera ou não afronta dispositivos legais mas apenas dá interpretação razoável embora literal à matéria controvertida O acórdão rescindendo ao deliberar que o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação convencional de bens por pacto antenupcial concorre à herança com as descendentes do falecido deu interpretação literal ao precitado art 1829 I CC2002 não violando qualquer dispositivo legal Aplicação da Súmula 343 do STF Preliminar de intempestividade rejeitada por unanimidade e preliminar de impossibilidade jurídica do pedido afastada por maioria vencido o Relator No mérito ação julgada improcedente por unanimidade Segredo de Justiça TJRS AR 70038425567 4º Grupo de Câmaras Cíveis Rel André Luiz Planella Villarinho j 1062011 93 O STJ todavia aparentemente tem trilhado caminho no sentido de consolidar a interpretação literal do dispositivo legal AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL DIREITO DAS SUCESSÕES CÔNJUGE REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS HERDEIRO NECESSÁRIO CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES POSSIBILIDADE ART 1829 I DO CÓDIGO CIVIL PRECEDENTES SÚMULA N 83 DO STJ AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO 1 Admitese ao cônjuge casado sob o regime de separação convencional de bens a condição de herdeiro necessário possibilitando a concorrência com os descendentes do falecido Precedentes Incidência da Súmula n 83 do STJ 2 Agravo regimental a que se nega provimento AgRg no REsp 1334340MG Rel Min Marco Aurélio Bellizze 3ª Turma j 1792015 DJe 8102015 PROCESSUAL CIVIL AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL CIVIL DIREITO DAS SUCESSÕES CÔNJUGE HERDEIRO NECESSÁRIO ART 1845 DO CC2002 REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE POSSIBILIDADE ART 1829 I DO CC SÚMULA N 168STJ 1 A atual jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido a teor do que dispõe o art 1829 I do CC2002 e de que a exceção recai somente na hipótese de separação legal de bens fundada no art 1641 do CC2002 2 Tal circunstância atrai no caso concreto a incidência do Enunciado n 168 da Súmula do STJ 3 Agravo regimental desprovido AgRg nos EREsp 1472945RJ Rel Min Antonio Carlos Ferreira 2ª Seção j 2462015 DJe 2962015 94 Clóvis Beviláqua Código Civil dos Estados Unidos do Brasil p 769 95 Mas havendo igualdade em grau e diversidade em linha os ascendentes da linha paterna herdam a metade cabendo a outra aos da linha materna 2 do art 1836 do CC Vale dizer João morre sem descendentes deixando apenas o avô paterno e a avó materna vivos Eles dividirão a herança pois há igualdade em grau avós e diversidade em linha paterna x materna 96 Art 1837 Concorrendo com ascendente em primeiro grau ao cônjuge tocará um terço da herança caberlheá a metade desta se houver um só ascendente ou se maior for aquele grau 97 Vidual Do lat viduale Adj 2 g Referente à viuvez ou a pessoa viúva Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 ed p 1776 98 STJ AGRAVO REGIMENTAL CIVIL USUFRUTO VIDUAL O usufruto vidual independe da situação financeira do cônjuge sobrevivente O fato de o viúvo ser beneficiário de testamento do cônjuge falecido não elide o usufruto vidual AgRg no REsp 844953MG Rel Min Humberto Gomes de Barros 3ª Turma j 11122007 DJ 19122007 p 1223 99 As dificuldades na aplicação do instituto eram muitas Por vezes os bens componentes do acervo haviam sido alienados caso em que deverseia apurar a indenização devida à viúva pelo usufruto não gozado conforme decidiu o STJ AGRAVO REGIMENTAL RECURSO ESPECIAL CIVIL SUCESSÃO USUFRUTO VIDUAL PARTILHA DE BENS INOCORRÊNCIA DE TRANSAÇÃO SOBRE O DIREITO DE FRUIR DA ESPOSA SOBREVIVA COISA JULGADA INOCORRÊNCIA RECURSO DESPROVIDO 1 O usufruto vidual art 1611 1º do CC1916 é instituto de direito sucessório independente da situação financeira do cônjuge sobrevivente e não se restringe à sucessão legítima Os únicos requisitos são o regime do casamento diferente da comunhão universal e o estado de viuvez REsp 648072RJ Rel Min Ari Pargendler DJ 2342007 2 O reconhecimento do direito de fruição da viúva não é obstado se apesar de existir partilha o usufruto vidual não foi nela transacionado ou se não ocorreu eventual compensação por esse direito ou ainda se não existiu sua renúncia que não pode ser presumida Isso porque usufruto vidual e domínio são institutos diversos sendo um temporário e o outro de caráter definitivo o que torna desnecessária a prévia rescisão ou anulação da partilha já que não se alterará a propriedade dos bens partilhados 3 Se impossível se tornar o usufruto da esposa sobreviva pela alienação dos bens inventariados deverá ela ser indenizada 4 Agravo regimental a que se nega provimento AgRg no REsp 472465SP Rel Min Vasco Della Giustina Desembargador Convocado do TJRS 3ª Turma j 862010 DJe 2462010 grifamos 100 Rolf Madaleno O Novo Direito Sucessório Brasileiro Disponível em httpwwwrolfmadalenocombrrsindexphp optioncomcontenttaskviewid39 Acesso em 14 set 2012 101 Código Civil de 1916 Art 1611 À falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se ao tempo da morte do outro não estava dissolvida a sociedade conjugal 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal terá direito enquanto durar a viuvez ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido se houver filhos deste ou do casal e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus 2º Ao cônjuge sobrevivente casado sob regime de comunhão universal enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar 102 Por outro lado lamentamos que o codificador de 2002 haja suprimido o direito real de habitação em favor do filho com necessidade especial na falta do pai ou da mãe conforme previa o 3º do art 1611 do Código revogado incluído pela Lei n 10050 de 2000 Tratavase de louvável e valorosa regra que merece ser reeditada pelo legislador brasileiro 103 Sílvio Venosa Direito Civil Direito das Sucessões p 112 104 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Direito de Família As Famílias em Perspectiva Constitucional 2 ed v 6 p 422 105 Sobre o tema confirase Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho O Novo Divórcio 2010 106 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil Parte Especial do Direito das Sucessões arts 1784 a 1856 coord Antônio Junqueira de Azevedo 2 ed v 20 p 235 107 E se o falecido possuía filhos com o cônjuge sobrevivente mas os tinha também com outra pessoa Quid juris É hipótese que o CC não resolveu expressamente e que a doutrina e jurisprudência deverão esclarecer Zeno Veloso Direito Hereditário do Cônjuge e do Companheiro p 51 108 En el tratamiento y en la solución de los problemas humanos y entre ellos de los problemas jurídicos no se puede conseguir nunca una exactitud ni una evidencia inequívoca Esto es imposible precisamente por virtud del hecho de la enorme y complicadísima multitud de componentes heterogéneos que intervienen en la conducta humana y muy especialmente en los problemas suscitados en las interrelaciones humanas Por eso es difícilmente practicable el poder abarcar mentalmente todos esos factores y todas las recíprocas influencias entre dichos factores Luis Recaséns Siches Introducción al Estudio del Derecho 7 ed p 255 Em tradução livre de Rodolfo Pamplona Filho No tratamento e na solução de problemas humanos e entre eles os problemas jurídicos nunca se pode conseguir uma exatidão nem uma evidência inequívoca Isso é impossível justamente em virtude do fato de a enorme e complicadíssima multidão de componentes heterogêneos que intervêm na conduta humana e especialmente nos problemas suscitados nas interrelações humanas Por isso é dificilmente praticável poder abarcar mentalmente todos esses fatores e todas as recíprocas influências entre esses fatores 109 Aldemiro Rezende Dantas Jr Concorrência sucessória do companheiro sobrevivo Revista Brasileira de Direito de Família n 29 p 128143 110 Sobre o tema da União Estável em geral confirase o Capítulo XIX União Estável do v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil 111 Lei n 685880 Art 1º Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PISPASEP não recebidos em vida pelos respectivos titulares serão pagos em quotas iguais aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares e na sua falta aos sucessores previstos na lei civil indicados em alvará judicial independentemente de inventário ou arrolamento 112 Não há equivalente específico na codificação anterior A norma correspondente no antigo sistema é o art 2º da Lei n 897194 que estabeleceu Art 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão doa companheiroa nas seguintes condições I oa companheiroa sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos se houver filhos ou comuns II oa companheiroa sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união ao usufruto da metade dos bens do de cujus se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes III na falta de descendentes e de ascendentes oa companheiroa sobrevivente terá direito à totalidade da herança 113 Zeno Veloso Direito Sucessório dos Companheiros in Direito de Família e o Novo Código Civil p 233 114 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil Parte Especial do Direito das Sucessões arts 1784 a 1856 coord Antônio Junqueira de Azevedo 2 ed v 20 p 5556 115 Desenvolvido por J J Gomes Canotilho esse superior princípio traduz a ideia de que uma lei inferior não pode neutralizar ou minimizar um direito ou uma garantia constitucionalmente consagrado ver a sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição 1998 em que enfoca especialmente a seara dos direitos sociais p 321 116 Esse infeliz advérbio de modo no caput do dispositivo é um verdadeiro desastre pois como dito limita indevidamente o direito sucessório no âmbito da união estável 117 Flávio Tartuce Da sucessão do companheiro o polêmico art 1790 do CC e suas controvérsias principais Jus Navigandi n 2681 Disponível em httpjuscombrrevistatexto17751 Acesso em 17 out 2012 118 Zeno Veloso Direito Hereditário do Cônjuge e do Companheiro p 181 119 Disponível em httpapiningcomfiles2HQavao77x965y7eYLx lkyL8Tw4qabFg2b82UtrVd1CIgETdVMedgoVEk3PeqW7atUGj5llpVhXq4brAH38XViU9p60qEditorial29pdf evento coordenado por Pablo Stolze Gagliano 120 Amigoa leitora quando elaboramos este tópico embora a maioria dos Ministros já houvesse se pronunciado pela inconstitucionalidade do tratamento sucessório diferenciado o julgamento não havia sido ainda concluído em virtude de pedido de vista do Min Dias Toffoli 121 Art 1592 São parentes em linha colateral ou transversal até o quarto grau as pessoas provenientes de um só tronco sem descenderem uma da outra 122 Art 1853 Na linha transversal somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido quando com irmãos deste concorrerem 123 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 25 ed v 6 p 180 124 Cláudio Grande Júnior A Inconstitucional Discriminação entre Irmãos Germanos e Unilaterais na Sucessão dos Colaterais Jus Navigandi n 194 Disponível em httpjuscombrrevistatexto4757 Acesso em 15 out 2012 125 EXCLUSÃO E DESERDAÇÃO SÃO PESSOAIS OS EFEITOS DE UMA E DE OUTRA OS QUAIS ASSIM NÃO SE ESTENDEM AOS DESCENDENTES DO EXCLUÍDO OU DO DESERDADO PREVALECE O DIREITO DE REPRESENTAÇÃO E OS DESCENDENTES DO HERDEIRO EXCLUÍDO OU DO DESERDADO SUCEDEM COMO SE ELE MORTO FOSSE A ACUSAÇÃO CALUNIOSA QUE FAZ PERDER O DIREITO HEREDITÁRIO E A QUE SE FORMULA EM JUÍZO CRIMINAL A HERDEIRO A QUEM APROVEITA A DESERDAÇÃO INCUMBE PROVAR A VERACIDADE DA CAUSA ALEGADA PELO TESTADOR O PROVEITO SÓ PODE SER O ECONÔMICO NÃO HAVENDO LUGAR PARA O INTERESSE PURAMENTE MORAL STF RE 16845 Rel Min Luiz Gallotti 1ª Turma j 1071950 DJ 441952 p 2015 DJ 20101950 p 3490 DJ 1781950 p 7495 126 EMENTA SUCESSÃO HEREDITÁRIA COLATERAIS DIREITO DE REPRESENTAÇÃO Na sucessão dos colaterais a lei substantiva ressalvou o direito de representação que é concedido estritamente aos filhos de irmão prémorto assegurandolhes a sucessão por estirpe quando concorrerem com irmãos do falecido arts 1613 e 1622 CC 1916 e 1840 e 1853 CC 2002 TJMG Ag 10430065000084001 Comarca de Monte Belo Rel Des Wander Marotta j 1332007 publicado em 452007 127 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito da Sucessões 2 ed v 7 p 198199 128 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões 3 ed v 7 p 101 129 Ementa CIVIL AGRAVO DE INSTRUMENTO INVENTÁRIO TESTAMENTO CONDIÇÃO INEXISTÊNCIA CONDITIO IURIS DISPOSIÇÃO PURA E SIMPLES CONSOLIDAÇÃO DE HERDEIROS TESTAMENTÁRIOS NA ABERTURA DA SUCESSÃO POSTERIOR FALECIMENTO DE HERDEIRO TESTAMENTÁRIO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO APLICAÇÃO CONFIGURAÇÃO DA SUCESSÃO LEGÍTIMA FILHO PRÉMORTO NETOS HERDEIROS POR ESTIRPE IMPROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO INTELIGÊNCIA DOS ARTS 121 1851 A 1856 TODOS DO CÓDIGO CIVIL Na sucessão testamentária como na legítima a disposição pura e simples torna o herdeiro como tal na abertura da sucessão portanto inexistindo condição para que a herdeira testamentária sucedesse com a morte da testadora operouse a aludida sucessão Se depois de aberta a sucessão testamentária vem a falecer a herdeira é por força da sucessão legítima dos patrimônios daquela de cujus que os herdeiros por estirpe herdam os direitos recebidos in casu pela falecida avó paterna por força do disposto no testamento TJMG Ag 107010511876180011 Uberaba Rel Des Dorival Guimarães Pereira j 1812007 publicado em 222007 130 Os herdeiros devem trazer à colação as liberalidades que hajam recebido nos termos dos arts 2002 e 2012 do Código Civil Sobre o tema ver Pablo Stolze Gagliano O Contrato de Doação 3 ed 2010 131 Art 1811 Ninguém pode suceder representando herdeiro renunciante Se porém ele for o único legítimo da sua classe ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança poderão os filhos vir à sucessão por direito próprio e por cabeça 132 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões 3 ed v 7 p 102 133 Art 1857 Toda pessoa capaz pode dispor por testamento da totalidade dos seus bens ou de parte deles para depois de sua morte 134 1º A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento 135 Vários autores fazem o apanhado de disposições de natureza não patrimonial com pequenas diferenças entre si Confiramse nesse aspecto as seguintes obras Zeno Veloso Testamentos Noções Gerais Formas Ordinárias Codicilo Formas Especiais in Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Rodrigo da Cunha Pereira Coords Direito das Sucessões e o Novo Código Civil p 125126 Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho Direito das Sucessões 3 ed p 105106 Maria Berenice Dias Manual das Sucessões p 332333 Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil 5 ed v 6 p 289 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 17 ed v 6 p 180 entre outros 136 Confirase o item b Direito ao corpo morto cadáver do subtópico 721 Direito ao corpo humano do Capítulo V Direitos da Personalidade do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 137 Confirase o subtópico 723 As fundações do Capítulo VI Pessoa Jurídica do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 138 Confirase o Capítulo VII Das Estipulações Contratuais em Relação a Terceiros do v 4 Contratos t I Teoria Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 139 Confirase o Capítulo XVI Seguro do v 4 Contratos t II Contratos em Espécie de nosso Novo Curso de Direito Civil 140 Confirase o tópico 3 Reconhecimento Voluntário do Capítulo XXV Filiação do v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil 141 Confirase o tópico 3 Tutela do Capítulo XXIX Tutela e Curatela do v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil 142 Confirase o Capítulo XVIII Bem de Família do v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil 143 Confirase o tópico 3 O Testamenteiro deste capítulo 144 Essa imperfeição é facilmente compreendida pela circunstância de que o Código Civil brasileiro de 1916 não havia expressamente incorporado a teoria do negócio jurídico o que foi sanado pela vigente codificação Para maiores esclarecimentos sobre o tema confiramse os Capítulos IX Fato Jurídico em Sentido Amplo e X Negócio Jurídico Noções Gerais do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 145 Quanto ao número de declarantes os negócios jurídicos poderão ser a unilaterais quando concorre apenas uma manifestação de vontade o testamento a renúncia p ex b bilaterais quando concorrem as manifestações de vontades de duas partes formadoras do consenso os contratos de compra e venda locação prestação de serviços p ex c plurilaterais quando se conjugam no mínimo duas vontades paralelas admitindose número superior todas direcionadas para a mesma finalidade o contrato de sociedade p ex Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Parte Geral v 1 p 363 146 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Parte Geral v 1 p 361 147 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Contratos Teoria Geral 9 ed v 4 t I p 49 148 Ressalvese a hipótese de reconhecimento de filho Art 1610 O reconhecimento não pode ser revogado nem mesmo quando feito em testamento 149 1 Tendo o testamento sido outorgado por um cidadão português no estrangeiro é a lei portuguesa que rege quanto à sua validade e efeitos 2 Se na pendência do inventário se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente não devam ser incidentalmente decididas o juiz deverá determinar a suspensão da instância nos termos e para os efeitos do disposto no n 1 do art 1335º do CPC confirase o inteiro teor deste acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em httpwwwdgsiptjtrcnsf8fe0e606d8f56b22802576c0005637dcf7f740a31bb16ceb8025797c0038792aOpenDocument Acesso em 15 fev 2013 150 Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado Rio de Janeiro Borsoi 1955 t LVIII p 279 apud Rolf Madaleno Testamento Testemunhas e Testamenteiro uma Brecha para a Fraude Disponível em httpwwwrolfmadalenocombrrsindexphp optioncomcontenttaskviewid44ftn32 Acesso em 15 fev 2013 151 Rolf Madaleno ob cit 152 Art 426 do Código Civil Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva 153 Sobre o tema confirase o Capítulo XV Plano da Eficácia do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 154 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões p 140 155 Como o ordenamento estabeleceu regras próprias para a capacidade testamentária ativa mesmo que o menor atinja plena capacidade civil pelos outros meios que a lei permite pelo casamento por exemplo com suplementação judicial de idade tal não concede legitimação para o ato de última vontade Portanto a capacidade para testar é independente da emancipação Cicu 1954 152 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões p 141 156 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões p 144 157 Vale registrar que o antigo Projeto de Lei n 69602002 já arquivado que pretendia reformar o Código Civil de 2002 propunha uma nova redação para o mencionado art 1859 Extinguese em cinco anos o direito de requerer a declaração de nulidade do testamento ou de disposição testamentária e em quatro anos o de pleitear a anulação do testamento ou de disposição testamentária 158 Art 1909 São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro dolo ou coação Parágrafo único Extinguese em quatro anos o direito de anular a disposição contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício 159 Art 1977 O testador pode conceder ao testamenteiro a posse e a administração da herança ou de parte dela não havendo cônjuge ou herdeiros necessários Parágrafo único Qualquer herdeiro pode requerer partilha imediata ou devolução da herança habilitando o testamenteiro com os meios necessários para o cumprimento dos legados ou dando caução de prestálos 160 Art 1982 Além das atribuições exaradas nos artigos antecedentes terá o testamenteiro as que lhe conferir o testador nos limites da lei 161 O prêmio é calculado sobre toda a herança líquida e denominase vintena porque o máximo de cinco por cento corresponde a um vigésimo do valor básico Deduzirseá porém da meação disponível quando houver herdeiros necessários cujas legítimas não deverão suportar redução a esse título novo Código Civil art 1987 e seu parágrafo único Por herança líquida compreendese o saldo depois de pagas as dívidas do de cujus as despesas com funeral e cerimônias religiosas e custeio do inventário Se for somente testamentária a sucessão aplicase sobre este remanescente o percentual fixado ou arbitrado Mas se o autor da herança houver falecido partim testatus et partim intestatus a porção hereditária que constitui a sucessão legítima não pode ser computada para efeito do encargo porque sobre ela não atuou a vontade do defunto porém a da lei Neste caso então o valor atingido é o da herança testamentária Quer pois dizer havendo herdeiros necessários o prêmio se imputará sobre a parte da herança de que dispôs o testador deduzida portanto da meação disponível tão somente Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 17 ed v 6 p 296 162 Art 1138 O testamenteiro tem direito a um prêmio que se o testador não o houver fixado o juiz arbitrará levando em conta o valor da herança e o trabalho de execução do testamento 1º O prêmio que não excederá 5 cinco por cento será calculado sobre a herança líquida e deduzido somente da metade disponível quando houver herdeiros necessários e de todo o acervo líquido nos demais casos 2º Sendo o testamenteiro casado sob o regime de comunhão de bens com herdeiro ou legatário do testador não terá direito ao prêmio serlheá lícito porém preferir o prêmio à herança ou legado 163 CIVIL SUCESSÕES TESTAMENTO VINTENA IRREGULAR E NEGLIGENTE EXECUÇÃO DO TESTAMENTO Se é lícito ao Juiz remover o testamenteiro ou determinar a perda do prêmio por não cumprir as disposições testamentárias CPC Art 1140 élhe possível arbitrar um valor compatível para remunerar o trabalho irregular e negligente na execução do testamento STJ REsp 418931PR Recurso Especial 200200250200 Rel Min Humberto Gomes de Barros 3ª Turma j 2542006 DJ 1º82006 p 430 164 Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 17 ed p 297 165 Confirase o Capítulo XXVIII Enriquecimento sem Causa e Pagamento Indevido do v 2 Obrigações do nosso Novo Curso de Direito Civil 166 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões p 321 167 Orlando Gomes Sucessões p 87 168 Orlando Gomes Sucessões p 87 169 Essas modalidades testamentárias serão objeto de análise específica no Capítulo XCVII Formas Extraordinárias de Testamento deste Manual 170 Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil 4 ed v 6 p 315 171 Art 1871 O testamento pode ser escrito em língua nacional ou estrangeira pelo próprio testador ou por outrem a seu rogo 172 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 5 ed v 7 p 269 173 Tratado dos Testamentos v 2 n 282 p 132 174 Carlos Maximiliano Direito das Sucessões v 1 n 411 p 469 175 Tratado de Direito Privado v 59 5875 p 77 176 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 5 ed v 7 p 270 177 Releiase o art 1872 do CC 178 Vale destacar que de tempos em tempos têm sido apresentados projetos de lei que buscam exigir o registro do testamento particular Sobre o tema confirase a seguinte notícia A Câmara analisa o Projeto de Lei 20411 do deputado Sandes Júnior PPGO que determina que o testamento particular só terá validade se for registrado até 20 dias após sua elaboração em cartório de registro de títulos e documentos A proposta altera o Código Civil Lei 1040602 O projeto é idêntico ao PL 474809 do exdeputado Celso Russomanno que foi arquivado ao final da legislatura passada Pela lei atual para ter validade o testamento particular precisa apenas ser lido e assinado na presença de três testemunhas Os outros dois tipos de testamentos previstos no Código Civil público e cerrado já são obrigatoriamente registrados em cartório Segundo o autor um dos motivos para o testamento particular ser pouco usado no Brasil é a facilidade com que ele pode ser ocultado destruído ou perdido Registrado o testamento no cartório estará acessível aos herdeiros e interessados qualquer tipo de pesquisa futura e até a obtenção de uma certidão com o mesmo valor jurídico do original argumenta Disponível em httpwwwanoregorgbrindexphp optioncomcontentviewarticleid16584propostaobrigaregistrodetestamentoparticularemcartoriocatid5parlamentarItemid9 Acesso em 4 fev 2013 179 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões 3 ed v 7 p 182 180 Nuncupação Do lat nuncupatione S f Jur Designação ou instituição de herdeiro feita de viva voz Nuncupativo Do lat nuncupatu part pass de nuncupare pronunciar em alta voz ivo Adj V casamento e testamento Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 ed p 1205 181 O vigente Código Civil brasileiro utiliza o adjetivo nuncupativo apenas no que diz respeito ao casamento por procuração conforme se verifica do seu art 1542 Art 1542 O casamento pode celebrarse mediante procuração por instrumento público com poderes especiais 1º A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário mas celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação responderá o mandante por perdas e danos 2º O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazerse representar no casamento nuncupativo 182 De Plácido e Silva Vocabulário Jurídico 15 ed p 176 183 Informa Orlando Gomes que o codicilo era um pequeno testamento que se tornou obsoleto Manteveo o Código Civil sob forma hológrafa e conteúdo restrito Não é necessário que o de cujus tenha deixado testamento Orlando Gomes Sucessões 12 ed p 96 184 Apelação cível Ação declaratória de existência de codicilo Caso em que os escritos deixados pelo autor da herança não contêm características de um codicilo senão de um rascunho de testamento Bens de valor elevado que não podem ser objeto de codicilo Negaram provimento TJRS 8ª Câmara Cível Ap Cív 70040971335 Rel Des Rui Portanova 185 Contém disposições especiais sobre o próprio enterro esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas ou indeterminadamente aos pobres de certo lugar legar móveis roupas ou joias de pouco valor de uso pessoal do codicilante CC art 1881 O critério para apuração do valor é relativo devendose considerar o estado social e econômico do codicilante para tanto o juiz examinará prudentemente cada caso concreto considerando o valor da deixa relativamente ao montante dos bens do espólio Observa Washington de Barros Monteiro que há uma tendência de se fixar determinada porcentagem havendose como de pequeno valor a liberalidade que não ultrapassar 10 do valor do monte podendo por isso ser objeto de codicilo RT 164287 97424 303272 327240 AJ 101184 sufrágios por intenção da alma do codicilante CC art 1998 nomeação e substituição de testamenteiro CC art 1883 perdão de indigno CC art 1818 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões v 6 25 ed p 337 186 SUCESSÕES AÇÃO DE COBRANÇA VALIDADE E EFICÁCIA DE DISPOSIÇÕES DE ÚLTIMA VONTADE CODICILO Ainda que admitido na forma datilografada o codicilo em que há substanciais disposições sobre cerca de metade dos bens deixados é imprestável para fins de equiparação a testamento particular Ausência de requisitos legais e inaplicabilidade do art 85 do CCB1916 Zelo na observância das formas para não se deturpar a verdadeira vontade do disponente Impossibilidade legal e tópica de equiparação a uma cessão de direitos Informalidade admitida que impede disposições de maior expressão financeira ainda que se discuta o valor pecuniário atribuído Embargos infringentes desacolhidos por maioria TJRS Processo 70014509715 Rel Maria Berenice Dias data do acórdão 1472006 187 A expressão sufrágio é plurissignificativa Confirase Sufrágio Do lat suffragiu S m 1 Voto votação Homens e mulheres têm direito ao sufrágio 2 Apoio adesão As medidas propostas obtiveram o sufrágio de todos 3 Ato pio ou oração pelos mortos Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 ed p 1626 188 Art 1883 Pelo modo estabelecido no art 1881 poderseão nomear ou substituir testamenteiros 189 Sobre o tema confirase o Capítulo XXV Filiação do v 6 Direito de Família de nosso Novo Curso de Direito Civil 190 Nesse mesmo sentido Sílvio Venosa Direito Civil Direito das Sucessões p 195 191 EMBARGOS INFRINGENTES SUCESSÕES NÃO RECONHECIMENTO DA VALIDADE DO CODICILO PREVALÊNCIA DO TESTAMENTO CERRADO Uma simples anotação em papel sem data ou assinatura da de cujus não pode ser aceita como codicilo por desobediência ao artigo 1881 do Código Civil devendo prevalecer o válido e regular testamento firmado Embargos infringentes acolhidos por maioria TJRS EI 70034580472 4º Grupo de Câmaras Cíveis Rel Claudir Fidelis Faccenda j 1232010 192 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 25 ed v 6 p 338339 193 Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil 4 ed v 6 p 346 194 Orlando Gomes Sucessões 12 ed p 9697 195 Sílvio Venosa ob cit p 195 196 Art 1897 A nomeação de herdeiro ou legatário pode fazerse pura e simplesmente sob condição para certo fim ou modo ou por certo motivo 197 Nesse sentido confirase o art 1903 Art 1903 O erro na designação da pessoa do herdeiro do legatário ou da coisa legada anula a disposição salvo se pelo contexto do testamento por outros documentos ou por fatos inequívocos se puder identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria referirse 198 DIREITO CIVIL E SUCESSÓRIO APLICAÇÃO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO TESTAMENTO VALIDADE PARENTES DE LEGATÁRIO QUE FIGURARAM COMO TESTEMUNHAS DO ATO DE DISPOSIÇÃO INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1650 DO CÓDIGO CIVIL 1 Na hipótese não há se falar em interpretação da lei mas sim em integração mediante analogia que conforme ensina Vicente Ráo consiste na aplicação dos princípios extraídos da norma existente a casos outros que não os expressamente contemplados mas cuja diferença em relação a estes não seja essencial O Direito e a vida dos direitos 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1991 p 458460 2 O testamento é um negócio jurídico unilateral personalíssimo solene revogável que possibilita à pessoa dispor de seus bens para depois de sua morte Justamente por essas características tanto se faz necessário observar o preenchimento de todos os seus requisitos legais para concederlhe validade 3 A enumeração contida no artigo 1650 nos incisos I II e III referese aos incapazes e nos incisos IV e V àqueles que são beneficiários diretos ou indiretos do testamento O legislador busca proteger a higidez e a validade da disposição testamentária vedando como testemunhas os incapazes e os que têm interesse no ato 4 A liberdade de testar encontra restrições estabelecidas na lei porém esta não distingue quanto às consequências jurídicas a sucessão testamentária em relação aos legatários e herdeiros necessários 5 Há o mesmo fundamento para a restrição de figurarem como testemunhas no ato do testamento os parentes do herdeiro instituído e do legatário qual seja o interesse direto ou indireto do beneficiário em relação ao ato de disposição de vontade Inexiste diferença em relação às consequências para o herdeiro instituído e o legatário por isso que a conclusão dedutiva é de que ao inciso V do artigo 1650 do Código Civil de 1916 deve se aplicar a mesma essência do inciso IV do dispositivo 6 Nas palavras de Clóvis Beviláqua seria atribuir à lei a feia mácula de uma grosseira inconsequência supor que somente o cônjuge ou descendente o ascendente e o irmão do herdeiro estão impedidos de ser testemunhas em testamento O impedimento prevalece em relação ao cônjuge e aos mencionados parentes do legatário Código Civil do EUB 6 tir Rio de Janeiro Editora Rio v II p 848 7 Recurso especial não conhecido STJ REsp 176473SP Recurso Especial 199800400966 Rel Min Luis Felipe Salomão j 2182008 DJe 1º92008 LexSTJ v 230 p 88 RT v 878 p 157 199 Para um aprofundamento sobre o tema confiramse os Capítulos X Negócio Jurídico Noções Gerais e XIV Invalidade do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 200 Art 1907 Se forem determinados os quinhões de uns e não os de outros herdeiros distribuirseá por igual a estes últimos o que restar depois de completas as porções hereditárias dos primeiros 201 Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil 5 ed v 6 p 333 202 Em latim literalmente isto por aquilo 203 Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil cit p 334335 204 Art 178 É de quatro anos o prazo de decadência para pleitearse a anulação do negócio jurídico contado I no caso de coação do dia em que ela cessar II no de erro dolo fraude contra credores estado de perigo ou lesão do dia em que se realizou o negócio jurídico III no de atos de incapazes do dia em que cessar a incapacidade 205 Salientese que o antigo Projeto de Lei n 69602002 já arquivado propunha uma nova redação ao mencionado art 1859 condensando em uma única regra os dois prazos mencionados com a seguinte redação Extinguese em cinco anos o direito de requerer a declaração de nulidade do testamento ou de disposição testamentária e em quatro anos o de pleitear a anulação do testamento ou de disposição testamentária 206 Sílvio de Salvo Venosa Direito Civil Direito das Sucessões 3 ed v 7 p 144 207 Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho Direito das Sucessões Inventário e Partilha 3 ed p 147148 208 CIVIL ACÓRDÃO ESTADUAL NULIDADE NÃO CONFIGURADA INVENTÁRIO TESTAMENTO QUINHÃO DE FILHA GRAVADO COM CLÁUSULA RESTRITIVA DE INCOMUNICABILIDADE HABILITAÇÃO DE SOBRINHOS E NETOS DISCUSSÃO SOBRE A SUA EXTINÇÃO EM FACE DA CLÁUSULA PELO ÓBITO ANTERIOR DA HERDEIRA A BENEFICIAR O CÔNJUGE SUPÉRSTITE PREVALÊNCIA DA DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA CC ARTS 1676 E 1666 I A interpretação da cláusula testamentária deve o quanto possível harmonizarse com a real vontade do testador em consonância com o art 1666 do Código Civil anterior II Estabelecida pelo testador cláusula restritiva sobre o quinhão da herdeira de incomunicabilidade inalienabilidade e impenhorabilidade o falecimento dela não afasta a eficácia da disposição testamentária de sorte que procede o pedido de habilitação no inventário em questão dos sobrinhos da de cujus III Recurso especial conhecido e provido STJ REsp 246693SP Recurso Especial 200000078115 Rel Min Ruy Rosado de Aguiar 4ª Turma j 4122001 DJ 1752004 p 228 209 Súmula n 49 13121963 Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal Anexo ao Regimento Interno Edição Imprensa Nacional 1964 p 49 Cláusula de Inalienabilidade Comunicabilidade dos Bens A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens 210 DIREITO DAS SUCESSÕES REVOGAÇÃO DE CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE IMPOSTAS POR TESTAMENTO FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DE NECESSIDADE FINANCEIRA FLEXIBILIZAÇÃO DA VEDAÇÃO CONTIDA NO ART 1676 DO CC16 POSSIBILIDADE 1 Se a alienação do imóvel gravado permite uma melhor adequação do patrimônio à sua função social e possibilita ao herdeiro sua sobrevivência e bemestar a comercialização do bem vai ao encontro do propósito do testador que era em princípio o de amparar adequadamente o beneficiário das cláusulas de inalienabilidade impenhorabilidade e incomunicabilidade 2 A vedação contida no art 1676 do CC16 poderá ser amenizada sempre que for verificada a presença de situação excepcional de necessidade financeira apta a recomendar a liberação das restrições instituídas pelo testador 3 Recurso especial a que se nega provimento STJ REsp 1158679MG Recurso Especial 200901930605 Rel Min Nancy Andrighi j 742011 DJe 1542011 RBDFS v 22 p 130 211 USUCAPIÃO Bem com cláusula de inalienabilidade Testamento Art 1676 do CCivil O bem objeto de legado com cláusula de inalienabilidade pode ser usucapido Peculiaridade do caso STJ REsp 418945SP Recurso Especial 200200269363 Rel Min Ruy Rosado de Aguiar j 1582002 DJ 3092002 p 268 RMP v 19 p 466 RSTJ v 166 p 442 212 Em nosso direito não há legados universais como no direito francês e consequentemente não há legatários universais No direito pátrio todo legado constitui liberalidade mortis causa a título singular Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 5 ed v 7 p 359 213 A instituição de legados de toda a herança somente é possível se não houver herdeiros necessários mas qualquer parte remanescente da herança não alcançada por eles continua sob a titularidade dos herdeiros legítimos que a adquiriram por força da saisine inclusive a Fazenda Pública Paulo Lôbo Direito Civil Sucessões p 255256 214 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro 5 ed v 7 p 360361 215 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro p 361 216 Confirase a propósito o art 1678 do Código Civil brasileiro de 1916 Art 1678 É nulo o legado de coisa alheia Mas se a coisa legada não pertencendo ao testador quando testou se houver depois tornado sua por qualquer título terá efeito a disposição como se sua fosse a coisa ao tempo em que ele fez o testamento 217 Paulo Lôbo Direito Civil Sucessões p 255 218 Inexistindo a indicação de quem deve dar cumprimento ao legado cabe aos herdeiros a execução Maria Berenice Dias Manual das Sucessões 3 ed p 405 219 Art 1934 No silêncio do testamento o cumprimento dos legados incumbe aos herdeiros e não os havendo aos legatários na proporção do que herdaram Parágrafo único O encargo estabelecido neste artigo não havendo disposição testamentária em contrário caberá ao herdeiro ou legatário incumbido pelo testador da execução do legado quando indicados mais de um os onerados dividirão entre si o ônus na proporção do que recebam da herança 220 Art 1937 A coisa legada entregarseá com seus acessórios no lugar e estado em que se achava ao falecer o testador passando ao legatário com todos os encargos que a onerarem 221 No mesmo sentido observa Paulo Lôbo Há legados de coisas de direitos reais de direitos pessoais de ações de prestações de fazer de crédito de dívida de bens alternativos de alimentos A pluralidade de modos de legados continua como regra no direito atual mas as referências contidas na lei consideramse como exemplificativas O Código Civil poderia ter avançado e suprimido as referências a esses modos regulandoos de modo genérico e deixando ao testador a discricionariedade para tal salvo as situações vedadas Direito Civil Sucessões p 255 222 O vigente texto legal é de maior apuro técnico do que o revogado pois a norma correspondente art 1685 do CC1916 afirmava que o legado de crédito ou de quitação da dívida valerá tão somente e não como no transcrito art 1918 terá eficácia somente ambos os grifos são nossos De fato a questão se compreende no plano da eficácia do negócio jurídico e não no plano da validade 223 Art 1919 Não o declarando expressamente o testador não se reputará compensação da sua dívida o legado que ele faça ao credor Sobre a possibilidade da autonomia da vontade restringir a compensação de créditos confirase o tópico 4 Hipóteses de Impossibilidade de Compensação do Capítulo XV Compensação do v 2 Obrigações de nosso Novo Curso de Direito Civil 224 Sobre benfeitorias confirase a alínea e As Benfeitorias do subtópico 421 Classificação dos Bens Acessórios do Capítulo VIII Bens Jurídicos do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 225 Sobre o tema dos juros confirase o tópico 3 Juros do Capítulo XXIII Perdas e Danos do v 2 Obrigações de nosso Novo Curso de Direito Civil 226 Art 244 Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade a escolha pertence ao devedor se o contrário não resultar do título da obrigação mas não poderá dar a coisa pior nem será obrigado a prestar a melhor 227 Código Civil Art 1933 Se o herdeiro ou legatário a quem couber a opção falecer antes de exercêla passará este poder aos seus herdeiros 228 Sobre o tema confirase o tópico 1 Sentido da Expressão Pagamento e seus Elementos Fundamentais do Capítulo VIII Teoria do Pagamento Condições Subjetivas e Objetivas do v 2 Obrigações de nosso Novo Curso de Direito Civil 229 Quem cumpre o legado é o herdeiro ao qual cometa o testador o encargo Se incumbiu alguns designadamente devem o cumprimento como em Direito Romano já se estabelecia hereditas eos obrigat respondendo na proporção dos respectivos quinhões O princípio sobrevive no moderno numa espécie de revivescência da antiga cautio muciana assentando ainda que se não for feita a designação dos obrigados todos os herdeiros instituídos responderão por ele proporcionalmente ao que herdarem novo Código Civil art 1934 Equivalendo o legado a um direito de crédito do legatário há um sujeito passivo contra o qual se exerce e que varia conforme à natureza do objeto exigível de um só herdeiro do testamenteiro de outro legatário de vários herdeiros ou de todos conforme se trate da entrega de uma coisa ou da prestação de um fato oponível a um ou a outro ou a todos Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil 17 ed v 6 p 260 261 230 Art 553 O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação caso forem a benefício do doador de terceiro ou do interesse geral Parágrafo único Se desta última espécie for o encargo o Ministério Público poderá exigir sua execução depois da morte do doador se este não tiver feito Sobre o tema confirase o subtópico 92 Doação Contemplativa x Doação Remuneratória do Capítulo IV Doação do t II Contratos em Espécie do v 4 Contratos de nosso Novo Curso de Direito Civil 231 Art 1939 Caducará o legado I se depois do testamento o testador modificar a coisa legada ao ponto de já não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía II se o testador por qualquer título alienar no todo ou em parte a coisa legada nesse caso caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador III se a coisa perecer ou for evicta vivo ou morto o testador sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento IV se o legatário for excluído da sucessão nos termos do art 1815 V se o legatário falecer antes do testador 232 Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil 5 ed v 6 p 372 233 Sobre o tema confirase o Capítulo XIII Evicção do tomo I Teoria Geral do v 4 Contratos de nosso Novo Curso de Direito Civil 234 Ação de Abertura Registro e Cumprimento de Testamento Premoriência da legatária Caducidade do legado Não cabe direito de representação na sucessão testamentária Inteligência do art 1939 V do Código Civil Recurso improvido TJSP APL 276749520108260100SP 00276749520108260100 Rel Luiz Antonio Costa j 3102012 7ª Câmara de Direito Privado publicação 510 2012 Agravo de instrumento Inventário Declaração e caducidade de cláusulas do testamento Pretensão do agravante em ver declarada válida a revogação parcial do testamento Declarações de vontade posteriores da testadora Doação de bem elencado no testamento e posterior transmissão a terceiro Impossibilidade de meação ou partilha desse bem imóvel Demonstração de vontade de que sua pensão fosse recebida por outros familiares ante o falecimento de seu irmão Apenas com relação à cláusula 4ª é que merece ser mantida a declaração de caducidade ante a ausência de comprovação de nova intenção posterior ao testamento e a premoriência do favorecido Recurso parcialmente provido TJSP Ag 994080462346SP Rel Fábio Quadros j 1352010 4ª Câmara de Direito Privado publicado em 1952010 235 Armando de Freitas Ribeiro Gonçalves Coimbra O Direito de Acrescer no Novo Código Civil p 4143 236 Armando de Freitas Ribeiro Gonçalves Coimbra ob cit p 43 237 O direito de acrescer também poderá ser encontrado em outros campos do Direito Civil conforme podemos notar a partir da leitura dos seguintes dispositivos referentes à doação e ao usufruto respectivamente Art 551 Salvo declaração em contrário a doação em comum a mais de uma pessoa entendese distribuída entre elas por igual Parágrafo único Se os donatários em tal caso forem marido e mulher subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo Art 1411 Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas extinguirseá a parte em relação a cada uma das que falecerem salvo se por estipulação expressa o quinhão desses couber ao sobrevivente grifamos 238 Código Civil Art 1943 Se um dos coerdeiros ou colegatários nas condições do artigo antecedente morrer antes do testador se renunciar a herança ou legado ou destes for excluído e se a condição sob a qual foi instituído não se verificar acrescerá o seu quinhão salvo o direito do substituto à parte dos coerdeiros ou colegatários conjuntos Parágrafo único Os coerdeiros ou colegatários aos quais acresceu o quinhão daquele que não quis ou não pôde suceder ficam sujeitos às obrigações ou encargos que o oneravam Esta regra segue a mesma inspiração constante nas normas anteriores segundo a qual o direito de acrescer será invocado quando não especificado o quinhão ou o direito de cada sucessor instituído 239 Orlando Gomes Sucessões 12 ed p 149 240 Art 1944 Quando não se efetua o direito de acrescer transmitese aos herdeiros legítimos a quota vaga do nomeado Parágrafo único Não existindo o direito de acrescer entre os colegatários a quota do que faltar acresce ao herdeiro ou ao legatário incumbido de satisfazer esse legado ou a todos os herdeiros na proporção dos seus quinhões se o legado se deduziu da herança 241 Sílvio Venosa Direito Civil Direito das Sucessões 3 ed v 7 p 262 242 Denominase nuproprietário o titular do direito real de propriedade que suporta o usufruto instituído Exemplo deixo a minha casa para Pedro e o legado do usufruto da casa para José José é usufrutuário e Pedro nuproprietário 243 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho Novo Curso de Direito Civil Parte Geral 15 ed v 1 p 430 Nesse sentido preleciona CARLOS ALBERTO BITTAR dáse a redução de negócios inválidos quando a causa de nulidade ou de anulabilidade reside em elemento não essencial de seu contexto Nessa hipótese temse por válido o negócio aplicandose o princípio da conservação à luz da vontade hipotética ou conjectural das partes Assim na análise da situação concreta se se concluir que os interessados o teriam realizado na parte não atingida pela invalidade prospera o negócio extirpada a disposição afetada Curso de Direito Civil v 1 p 170 244 Francisco Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Curso Avançado de Direito Civil Direito das Sucessões 2 ed v 6 p 57 245 Art 1968 Quando consistir em prédio divisível o legado sujeito a redução farseá esta dividindoo proporcionalmente 1º Se não for possível a divisão e o excesso do legado montar a mais de um quarto do valor do prédio o legatário deixará inteiro na herança o imóvel legado ficando com o direito de pedir aos herdeiros o valor que couber na parte disponível se o excesso não for de mais de um quarto aos herdeiros fará tornar em dinheiro o legatário que ficará com o prédio 2º Se o legatário for ao mesmo tempo herdeiro necessário poderá inteirar sua legítima no mesmo imóvel de preferência aos outros sempre que ela e a parte subsistente do legado lhe absorverem o valor 246 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 25 ed v 6 p 293294 247 Clóvis Beviláqua Direito das Sucessões 4 ed p 323 248 Também nesse sentido os amigos Tartuce e Simão Direito Civil 5 ed p 380 v 6 249 Clóvis Beviláqua ob cit p 324 250 Sílvio Venosa Direito Civil Direito das Sucessões 3 ed v 7 p 278 251 Relembrando conforme lição de Marcelo Truzzi Otero o herdeiro sempre receberá a título universal isto é a totalidade do patrimônio ou fração ideal dele metade um terço um quinto O legatário recebe bem destacado singularizado extraído da universalidade como por exemplo uma casa ou um veículo especificado pelo autor da herança em testamento Justa Causa Testamentária Inalienabilidade Impenhorabilidade e Incomunicabilidade sobre a Legítima do Herdeiro Necessário p 2122 252 Flávio Tartuce e Fernando Simão ob cit p 382 253 Orlando Gomes sobre o tema afirmava O número de substituídos e de substitutos consente as seguintes combinações a singuli singulis b unus in locum plurium c pluris in locum unius d pluris in docum plurium esclarecendo em seguida quando respectivamente uma pessoa substitui outra substitui várias vários a substituem ou uma pluralidade substitui outra pluralidade Sucessões 12 ed p 186187 254 Orlando Gomes ob cit p 190 255 Sílvio Venosa ob cit p 278 256 Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira Curso de Direito das Sucessões 2 ed p 192 257 Art 1959 São nulos os fideicomissos além do segundo grau 258 Flávio Tartuce e José Fernando Simão ob cit p 388 259 Por outro lado conforme dispõe o art 1958 caducará o fideicomisso se o fideicomissário morrer antes do fiduciário ou antes de realizar se a condição resolutória do direito deste último nesse caso a propriedade consolidase no fiduciário nos termos do art 1955 regra também existente na codificação anterior art 1738 do CC1916 260 Orlando Gomes ob cit p 195196 Nesse ponto da sua obra o brilhante civilista passa em revista as teorias explicativas dessa forma de substituição testamentária sucessiva teorias da titularidade temporária da relação modal e da transmissão diferida cuja leitura aqui recomendamos 261 O fideicomisso deve inclusive ser averbado no Registro Imobiliário à luz da Lei n 6015 de 1973 Lei de Registros Públicos cujo art 167 dispõe No Registro de Imóveis além da matrícula serão feitos Renumerado do art 168 com nova redação pela Lei n 6216 de 1975 II a averbação Redação dada pela Lei n 6216 de 1975 11 das cláusulas de inalienabilidade impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas a imóveis bem como da constituição de fideicomisso 262 Robson de Alvarenga Fideicomisso Disponível em httpwwwiriborgbrhtmlboletimboletimiframephpbe1194 Acesso em 30 jul 2013 263 Direito processual e civil Sucessões Recurso especial Disposição testamentária de última vontade Substituição fideicomissária Morte do fideicomissário Caducidade do fideicomisso Obediência aos critérios da sucessão legal Transmissão da herança aos herdeiros legítimos inexistentes os necessários Não se conhece do recurso especial quanto à questão em que a orientação do STJ se firmou no mesmo sentido em que decidido pelo Tribunal de origem A substituição fideicomissária caduca se o fideicomissário morrer antes dos fiduciários caso em que a propriedade destes consolidase deixando assim de ser restrita e resolúvel arts 1955 e 1958 do CC2002 Afastada a hipótese de sucessão por disposição de última vontade oriunda do extinto fideicomisso e por consequência consolidandose a propriedade nas mãos dos fiduciários o falecimento de um destes sem deixar testamento impõe estrita obediência aos critérios da sucessão legal transmitindose a herança desde logo aos herdeiros legítimos inexistindo herdeiros necessários Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido STJ REsp 820814SP Recurso Especial 200600314039 Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma j 9102007 DJ 25102007 p 168 264 Art 1956 Se o fideicomissário aceitar a herança ou o legado terá direito à parte que ao fiduciário em qualquer tempo acrescer Art 1957 Ao sobrevir a sucessão o fideicomissário responde pelos encargos da herança que ainda restarem 265 Código Civil art 1394 O usufrutuário tem direito à posse uso administração e percepção dos frutos 266 Sílvio Venosa ob cit p 291292 267 Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira ob cit p 192 268 Clóvis Beviláqua ob cit p 325 269 Confirase o Capítulo IV Invalidade do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 270 Confirase a propósito o subtópico 25 Algumas Palavras sobre a Causa nos Negócios Jurídicos do Capítulo XI Plano de Existência do Negócio Jurídico do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 271 Testamento Nulidade Testemunhas que não presenciaram a manifestação de vontade do testador Ação rescisóría Precedentes da Corte 1 Não presenciando algumas das testemunhas a manifestação de vontade do testador assinando posteriormente o testamento está presente a violação ao art 1632 I e II do Código Civil procedente portanto a ação de nulidade do testamento 2 Recurso especial conhecido e provido STJ REsp 294691PR Recurso Especial 200001377540 Rel Min Carlos Alberto Menezes Direito 3ª Turma j 133 2001 DJ 752001 p 140 JBCC v 191 p 197 LexSTJ v 144 p 221 RDJTJDFT v 66 p 138 RSTJ v 150 p 311 272 Art 1900 É nula a disposição I que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este disponha também por testamento em benefício do testador ou de terceiro II que se refira a pessoa incerta cuja identidade não se possa averiguar III que favoreça a pessoa incerta cometendo a determinação de sua identidade a terceiro IV que deixe a arbítrio do herdeiro ou de outrem fixar o valor do legado V que favoreça as pessoas a que se referem os arts 1801 e 1802 273 Em posicionamento assumidamente minoritário defendem Flávio Tartuce e José Fernando Simão De início cabe uma observação eis que o prazo em questão é realmente de natureza decadencial já que trata de desconstituição de negócio jurídico nos termos da lição de Agnelo Amorim Filho Porém causa perplexidade ao estudioso imaginar que o testamento apesar de ser um negócio jurídico não segue a máxima milenar de Paulo pela qual quod initium vitiosum est non potest tractus temporis convalescere ou seja que a nulidade absoluta não convalesce com o tempo Por isso é que entendemos que o dispositivo somente se aplica à nulidade relativa No caso de nulidade absoluta do testamento a ação correspondente é imprescritível O nosso entendimento digase de passagem é minoritário na doutrina Flávio Tartuce e José Fernando Simão Direito Civil 5 ed v 6 p 392393 274 Flávio Tartuce e José Fernando Simão ob cit p 400401 275 RECURSO ESPECIAL DIREITO CIVIL AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO PÚBLICO FORMALIDADES LEGAIS PREVALÊNCIA DA VONTADE DO TESTADOR REEXAME DE PROVA IMPOSSIBILIDADE SÚMULA 7STJ OFENSA AO ART 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MODIFICAÇÃO EM RAZÃO DA REFORMA DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA POSSIBILIDADE AUSÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS 460 E 515 DO CPC 1 Em matéria testamentária a interpretação deve ser voltada no sentido da prevalência da manifestação de vontade do testador orientando inclusive o magistrado quanto à aplicação do sistema de nulidades que apenas não poderá ser mitigado diante da existência de fato concreto passível de ensejar dúvida acerca da própria faculdade que tem o testador de livremente dispor acerca de seus bens o que não se faz presente nos autos 2 A verificação da nulidade do testamento pela não observância dos requisitos legais de validade exige o revolvimento do suporte fático probatório da demanda o que é vedado pela Súmula 07STJ 3 Inocorrência de violação ao princípio da unidade do ato notarial art 1632 do CC16 4 Recurso especial desprovido STJ REsp 753261SP Recurso Especial 200500853610 Rel Min Paulo de Tarso Sanseverino 3ª Turma j 23112010 DJe 542011 LexSTJ v 261 p 101 276 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 25 ed v 6 p 307308 277 Art 1969 O testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma como pode ser feito 278 Orlando Gomes Sucessões p 236 279 Orlando Gomes ob cit p 246247 280 Inventário no sentido estrito é a relação de bens existentes de uma pessoa casal ou empresa no direito das sucessões é o processo judicial de levantamento e apuração de bens pertencentes ao falecido visando repartir o patrimônio entre seus herdeiros realizando o ativo e o pagamento do passivo O inventário era sempre judicial na redação original do art 982 do Código de Processo Civil ainda que todas as partes fossem capazes e concordes A Lei n 11441 de 4 de janeiro de 2007 deu nova redação ao art 982 do CPC e inovou ao admitir o inventário extrajudicial lavrado por escritura pública no tabelionato de notas se todas as partes interessadas forem capazes estiverem assistidas por advogado e concordes Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho Direito das Sucessões Inventário e Partilha 3 ed p 215 281 Espólio sm 1508 CDP I 222 1 conjunto de coisas que são tomadas ao inimigo numa guerra despojo 2 produto de um roubo de uma pilhagem de uma espoliação 3 conjunto dos bens que são deixados por alguém ao morrer 4 JUR conjunto de bens que formam o patrimônio do morto a ser partilhado no inventário entre os herdeiros e os legatários herança ETIM lat spolliumu despojo de um animal pele couro despojo tomado na guerra despojos presa tomadia este último sentido de despojos de um inimigo ver espoli fhist 1508 espolio 1539 espollio 1539 espolyo SINVAR ver sinonímia de presa PAR espolio flespoliar Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar ob cit p 1235 282 RECURSO ESPECIAL AÇÃO DE COBRANÇA PROMOVIDA EM FACE DO ESPÓLIO DO DE CUJUS EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS EM FACE DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM REFORMA NECESSIDADE ESPÓLIO LEGITIMIDADE AD CAUSAM PARA DEMANDAR E SER DEMANDADO EM TODAS AQUELAS AÇÕES EM QUE O DE CUJUS INTEGRARIA O POLO ATIVO OU PASSIVO DA DEMANDA SE VIVO FOSSE SALVO EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL EM CONTRÁRIO PRECEDENTE RECURSO ESPECIAL PROVIDO I Em observância ao Princípio da Saisine corolário da premissa de que inexiste direito sem o respectivo titular a herança compreendida como sendo o acervo de bens obrigações e direitos transmitese como um todo imediata e indistintamente aos herdeiros Ressaltese contudo que os herdeiros neste primeiro momento imiscuirseão apenas na posse indireta dos bens transmitidos A posse direta conforme se demonstrará ficará a cargo de quem detém a posse de fato dos bens deixados pelo de cujus ou do inventariante a depender da existência ou não de inventário aberto II De todo modo enquanto não há individualização da quota pertencente a cada herdeiro o que se efetivará somente com a consecução da partilha é a herança nos termos do artigo supracitado que responde por eventual obrigação deixada pelo de cujus Nessa perspectiva o espólio que também pode ser conceituado como a universalidade de bens deixada pelo de cujus assume por expressa determinação legal o viés jurídicoformal que lhe confere legitimidade ad causam para demandar e ser demandado em todas aquelas ações em que o de cujus integraria o polo ativo ou passivo da demanda se vivo fosse III Podese concluir que o fato de inexistir até o momento da prolação do acórdão recorrido inventário aberto e portanto inventariante nomeado não faz dos herdeiros individualmente considerados partes legítimas para responder pela obrigação objeto da ação de cobrança pois como assinalado enquanto não há partilha é a herança que responde por eventual obrigação deixada pelo de cujus e é o espólio como parte formal que detém legitimidade passiva ad causam para integrar a lide IV Na espécie por tudo o que se expôs revelase absolutamente correta a promoção da ação de cobrança em face do espólio representado pela cônjuge supérstite que nessa qualidade detém preferencialmente a administração de fato dos bens do de cujus conforme dispõe o artigo 1797 do Código Civil V Recurso Especial provido STJ REsp 1125510RS 200901315880 Rel Min Massami Uyeda j 6102011 283 Sobre a competência territorial nas ações em que o espólio for réu estabelece o art 48 do Código de Processo Civil de 2015 Art 48 O foro de domicílio do autor da herança no Brasil é o competente para o inventário a partilha a arrecadação o cumprimento de disposições de última vontade a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro Parágrafo único Se o autor da herança não possuía domicílio certo é competente I o foro de situação dos bens imóveis II havendo bens imóveis em foros diferentes qualquer destes III não havendo bens imóveis o foro do local de qualquer dos bens do espólio 284 Direito civil Recurso especial Cobrança de aluguel Herdeiros Utilização exclusiva do imóvel Oposição necessária Termo inicial Aquele que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva Nesta hipótese o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com a efetiva oposição judicial ou extrajudicial dos demais herdeiros Recurso especial parcialmente conhecido e provido REsp 570723RJ Rel Min Nancy Andrighi 3ª Turma j 2732007 DJ 2082007 p 268 285 Sobre tal prazo ensina PAULO LÔBO A Lei n 114412007 que derrogou o art 1796 do Código Civil nesse ponto estipula o prazo máximo de sessenta dias a contar da abertura da sucessão para que seja instaurado o inventário do patrimônio hereditário prazo esse que se estende até o compromisso do inventariante Também se entende que esse prazo deva ser observado para o início da lavratura da escritura pública de inventário e partilha amigável quando os herdeiros e legatários forem capazes O prazo total da administração da herança na realidade da vida é frequentemente alongado porque os herdeiros retardam a instauração do inventário às vezes por vários anos ou quando a instauração tem a iniciativa de credores inclusive tributários Por tais razões o art 31 da Resolução n 352007 do Conselho Nacional de Justiça estabelece que a escritura pública de inventário e partilha pode ser lavrada a qualquer tempo cabendo ao notário fiscalizar o recolhimento de eventual multa conforme previsão da legislação estadual específica A norma sobre o tempo é sem sanção para o descumprimento ao contrário do que estabelecia a legislação anterior Contudo de acordo com a Súmula 542 do Supremo Tribunal Federal Não é inconstitucional a multa instituída pelo Estadomembro como sanção pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário As questões de alta indagação ou que envolverem produção controvertida de provas devem ser remetidas pelo juiz do inventário para as vias ordinárias ainda que se for o caso se faça reserva de bens para acautelar interesses verossímeis Por exemplo se a herança envolver a participação do de cujus em sociedade empresária não havendo previsão contratual de continuidade com seus sucessores a apuração dos haveres revela controvérsia de difícil resolução por envolver levantamentos balancetes especiais pareceres contábeis Paulo Lôbo Direito Civil Sucessões p 271 286 Não se trata de uma regra absoluta na medida em que poderá haver dúvida fundada acerca da preservação da legítima Já cuidamos também de observar que o valor dos bens deverá ser aferido no momento da doação e não quando da morte do doador Na realidade fática contudo alguns problemas poderão surgir a exemplo da insegurança gerada para as partes especialmente o donatário por não ter certeza se o bem recebido violou a legítima E de fato essa preocupação só será definitivamente afastada no inventário após terem sido realizadas a colação e a conferência dos bens doados Um especial cuidado porém pode ter o doador fazer constar do instrumento da doação a advertência de que o referido bem está saindo de sua parte disponível da herança Tal providência a despeito de não evitar a colação para eventual reposição da legítima poderá evitar que o bem transferido seja computado na parte conferida aos herdeiros legitimários Expliquemos exemplificativamente se o doador beneficiou um dos seus filhos com um apartamento tendo registrado que este imóvel sai da sua parte disponível caso existam outras doações sem a mesma ressalva deverão estas servir para a recomposição do acervo reservado mantendose o apartamento como integrante da parte disponível desde que é claro não corresponda a mais de 50 de todo o patrimônio Pablo Stolze Gagliano O Contrato de Doação p 75 287 Art 2006 A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento ou no próprio título de liberalidade 288 Art 1999 Sempre que houver ação regressiva de uns contra outros herdeiros a parte do coerdeiro insolvente dividirseá em proporção entre os demais 289 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL INVENTÁRIO JUÍZO UNIVERSAL ART 984 CPC AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUEL POR UM HERDEIRO CONTRA OUTRO FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL INVENTÁRIO EM TRAMITAÇÃO RECURSO DESACOLHIDO I As questões de fato e de direito atinentes à herança devem ser resolvidas pelo juízo do inventário salvo as exceções previstas em lei como as matérias de alta indagação referidas no art 984 CPC e as ações reais imobiliárias ou as em que o espólio for autor Com essas ressalvas o foro sucessório assume caráter universal tal como o juízo falimentar devendo nele ser solucionadas as pendências entre os herdeiros II O ajuizamento de ação de rito ordinário por um herdeiro contra o outro cobrando o aluguel pelo tempo de ocupação de um dos bens deixados em testamento pelo falecido contraria o princípio da universalidade do juízo do inventário afirmada no art 984 do Código de Processo Civil uma vez não se tratar de questão a demandar alta indagação ou a depender de outras provas mas de matéria típica do inventário que como cediço é o procedimento apropriado para proceder se à relação descrição e avaliação dos bens deixados pelo falecido III Eventual crédito da herdeira pelo uso privativo da propriedade comum deve ser aventado nos autos do inventário para compensarse na posterior partilha do patrimônio líquido do espólio O ajuizamento de ação autônoma para esse fim não tem necessidade para o autor que se vê assim sem interesse de agir uma das condições da ação que se perfaz com a conjugação da utilidade e da necessidade IV Sem prequestionamento não se instaura a via do recurso especial STJ REsp 190436SP Recurso Especial 199800728414 Rel Min Sálvio de Figueiredo Teixeira 4ª Turma j 2162001 DJ 1092001 p 392 RDR v 22 p 318 RSTJ v 169 p 378 290 Sem prejuízo de obrigações tributárias de natureza diversa a exemplo da incidência do imposto de transmissão inter vivos em caso de cessão onerosa de direito hereditário ou da exigibilidade do imposto de renda quando configurado o seu respectivo fato gerador o tributo mais peculiar ao procedimento sucessório é o imposto causa mortis preferimos dizer mortis causa pois ele deriva do fato do óbito de competência estadual conhecido pela sigla ITCMD por se aplicar também às doações O imposto causa mortis afirmam os cultos Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira tem essa denominação por incidir sobre a transmissão do domínio e da posse dos bens em razão da morte ou seja pela abertura da sucessão aos herdeiros legítimos e testamentários Dáse pois com o óbito do autor da herança aplicandose o imposto pela alíquota vigente e conforme o valor atribuído aos bens nessa ocasião Antigo selo de herança Alvará de 1809 depois chamado de imposto de herança e legados tem aplicação específica ao direito sucessório com previsão de cálculo e recolhimento no processo de inventário arts 1012 e 1013 do CPC Inventários e Partilhas Direito das Sucessões Teoria e Prática 21 ed p 416 Os autores se referem ao CPC de 1973 291 Maria Helena Diniz Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 25 ed v 6 p 428429 292 Notícia extraída do site do CNJ Disponível em httpwwwcnjjusbrnoticiascnj26436cnjalteradispositivodaresolucao35 Acesso em 3 jan 2014 293 Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho ob cit p 216 294 Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho ob cit p 277278 295 Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa p 2140 296 Art 2016 Será sempre judicial a partilha se os herdeiros divergirem assim como se algum deles for incapaz 297 Sobre o tema confirase Luiz Edson Fachin Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo 2001 298 A evicção traduz a perda do bem em virtude do reconhecimento judicial ou administrativo do direito anterior de outrem sobre o tema ver o item 1 Capítulo XIII do v 4 t I do nosso Novo Curso de Direito Civil dedicado ao estudo da Teoria Geral dos Contratos 299 Sobre o tema confirase o Capítulo XVIII Prescrição e Decadência do v 1 Parte Geral de nosso Novo Curso de Direito Civil 300 Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Direito das Sucessões 5 ed v 7 p 562