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SEÇÃO I FONTES PRIMÁRIAS 1 Introdução O problema das fontes do Direito Internacional Público não é novo e continua a despertar a atenção dos internacionalistas principalmente após o aparecimento de novos atores na sociedade internacional que passaram a ampliar os meios tradicionais pelos quais o Direito Internacional opera1 A questão que aqui se coloca agora que já se tem uma visão aproximada das situações por tal direito regidas pode ser formulada nos seguintes termos do que é composto ou formado o Direito Internacional Público A resposta encontrase no estudo de suas fontes Tais fontes constituem ao lado do Direito dos Tratados o objeto fundamental de estudo do Direito Internacional Público na medida em que representam os elementos básicos do regime jurídico internacional2 Muita coisa mudou relativamente às fontes do Direito Internacional Público desde o aparecimento das primeiras organizações internacionais intergovernamentais no nosso planeta O fenômeno atual portanto é o da descentralização das fontes do direito das gentes É dizer atualmente se verifica uma reavaliação das fontes do Direito Internacional Público com o consequente aggiornamento dessas mesmas fontes que estão em processo de constante interação na doutrina e jurisprudência internacionais3 Tal se deu notadamente após as grandes mudanças ocorridas no cenário mundial desde o final da Segunda Guerra as quais se estendem até os dias atuais Assim deve se já ter bem fixada a ideia de que as fontes do Direito Internacional não se apresentam de maneira homogênea Um ato comissivo como a ocupação de um território ou uma manifestação unilateral de vontade ou omissivo que aceita pacificamente a ação de outro Estado e obviamente a conclusão de atos formalmente internacionais como a celebração de um tratado internacional sua denúncia etc têm igual aptidão para criar e ser fontes do Direito Internacional Público Por esse motivo dividiuse este Capítulo em duas seções uma ligada às fontes primárias do Direito Internacional e outra relativa aos chamados meios auxiliares e às ditas novas fontes da disciplina Estas últimas serão estudadas à luz das transformações ocorridas no plano internacional relativas ao aparecimento de novos atores do direito das gentes e de novos meios de produção das normas jurídicas internacionais É preciso sempre não perder de vista que tais transformações pelas quais vem passando o mundo com inúmeros progressos é certo mas igualmente com imensas desigualdades sociais são determinantes para uma reavaliação do estudo das fontes do Direito Internacional Público atualmente 2 Fontes materiais e formais Dividemse as fontes do Direito Internacional Público em materiais e formais4 As fontes materiais não pertencem ao universo da Ciência do Direito propriamente mas sim à Política do Direito porquanto como leciona Miguel Reale se referem ao exame do conjunto de fatores sociológicos econômicos ecológicos psicológicos e culturais que condiciona a decisão do poder no ato de edição e formalização das diversas fontes do Direito5 São as fontes que determinam a elaboração de certa norma jurídica bem assim o seu sentido ou alcance fazendo prova da existência dessa norma No plano do Direito interno têmse as necessidades sociais de elaboração de determinada regra de conduta ao passo que no plano do Direito Internacional têmse as necessidades que decorrem das relações dos Estados e das organizações internacionais de regulamentarem suas relações recíprocas6 Tais fontes determinam então o conteúdo a matéria a substância da norma jurídica podendo ter origens em necessidades sociais econômicas políticas morais culturais religiosas etc Para alguns autores a grande fonte material ou de produção das normas internacionais é o substrato econômico Assim entende JeanMarie Lambert para quem o gerenciamento da opinião pública mundial aponta claramente para o motor econômico e político da atividade normativa internacional7 Por outro lado consideramse fontes formais do Direito os métodos ou processos de criação das normas jurídicas as diversas técnicas que permitem considerar uma norma como pertencente ao mundo jurídico vinculando os atores para os quais se destinam8 No plano do Direito interno têmse a Constituição as leis do Estado devidamente elaboradas por processo legislativo os costumes os princípios gerais de direito bem como as reiteradas decisões dos tribunais jurisprudência naqueles países em que prevalece a doutrina do stare decisis precedente judicial de caráter obrigatório9 Denominamse formais pelo fato de indicarem as formas pelas quais o Direito especialmente o Direito positivo pode desenvolverse para atuar e se impor disciplinando as relações jurídicas Emanam sempre de uma autoridade que subordina a vontade dos súditos às suas deliberações ou seus comandos Tais fontes podem ser primárias substanciais ou de produção como a Constituição do Estado e secundárias formais ou de conhecimento como a lei fonte formal ou de conhecimento imediata os costumes e os princípios gerais de direito fontes formais ou de conhecimento mediatas No plano internacional contudo a situação tornase bem mais complexa Tal complexidade nasce do fato de não existir no âmbito externo ao contrário do que sucede com o Direito interno nenhum tipo de autoridade superior vġ uma Constituição que subordine os Estados à sua vontade de modo a tornar efetivas suas decisões No plano internacional tudo o que se faz ou se deixa de fazer é consequência da vontade organizada dos Estados para que isso aconteça Por isso qualquer comparação que se pretenda fazer com a dinâmica de produção normativa do Direito interno só pode levar ao fracasso do estudo das fontes do Direito Internacional Público Em última análise a validade de uma determinada norma como fonte de Direito Internacional está a depender da forma por meio da qual referida norma é elaborada por Estados ou organismos internacionais e de como a mesma se converte em obrigatória no plano jurídico externo Daí a afirmação de Ian Brownlie de que no contexto das relações internacionais a utilização da expressão fonte formal é inadequada e enganadora uma vez que o leitor é levado a pensar no mecanismo constitucional de elaboração das leis existente a nível interno o qual não existe para a criação de normas de Direito Internacional10 A maioria dos autores entretanto aceita a distinção entre fontes materiais e formais no Direito Internacional Público11 Num estudo clássico sobre o tema Max Sørensen também não deixou de distinguir as fontes formais do Direito Internacional das suas fontes materiais que compreendem nas suas palavras os elementos e as influências que determinam o conteúdo da regulamentação jurídica que são os interesses e necessidades práticas dos Estados ou as exigências ideais que decorrem em um certo momento da consciência social e das ideologias prevalentes na comunidade internacional12 Contudo interessanos mais o estudo das fontes formais ou se preferir como entende Brownlie o estudo dos meios como o consentimento geral dos Estados cria normas de aplicação geral13 do Direito Internacional que a análise das necessidades sociais econômicas políticas morais ou religiosas que fomentam a elaboração de determinada regra de conduta 3 Rol originário das fontes do Direito Internacional Público A Convenção da Haia de 18 de outubro de 1907 que criou o Tribunal Internacional de Presas foi o primeiro texto internacional a estabelecer um rol de fontes do Direito Internacional Público tendo sido estabelecido no seu art 7º o seguinte Se a questão de direito a resolver estiver prevista por uma convenção em vigor entre o beligerante captor e a Potência que for parte do litígio ou cujo nacional for parte dele o Tribunal decidirá conforme as estipulações da mencionada convenção Na falta dessas estipulações o Tribunal aplicará as regras do Direito Internacional Se não existirem regras internacionalmente reconhecidas o Tribunal decidirá de acordo com os princípios gerais do direito e da equidade Anos mais tarde entretanto apareceria aquele que viria a ser considerado o rol mais autorizado das fontes do Direito Internacional Público o qual atualmente é considerado apenas parte do rol das fontes formais do direito das gentes como se verá adiante Tratase do art 38 do Estatuto da CIJ que assim estabelece 1 A Corte cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas aplicará a as convenções internacionais quer gerais quer especiais que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes b o costume internacional como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito c os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas d sob ressalva da disposição do art 59 verbis A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações como meio auxiliar para a determinação das regras de direito 2 A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono se as partes com isto concordarem O art 38 do ECIJ como se vê não diz em nenhum momento ser um elenco de fontes do Direito Internacional disciplinando tão somente quais os instrumentos e meios que a Corte deverá aplicar numa controvérsia concreta entre Estados à sua jurisdição submetida Mas a doutrina tradicional tem apontado que as fontes do Direito Internacional correspondem perfeitamente àquilo que se estipulou no citado dispositivo sendo elas os tratados internacionais o costume internacional e os princípios gerais de direito Há entretanto que se ter como certo que o art 38 do referido Estatuto jamais pretendeu ser um rol taxativo das fontes do Direito Internacional Público mas apenas um roteiro para a própria Corte relativamente à aplicação do Direito Internacional num caso concreto14 Tratados costumes e princípios gerais de direito são as fontes primárias do Direito Internacional de sorte que qualquer regra que pretenda ser considerada norma de direito das gentes não pode derivar de outro lugar senão de uma delas Mas o Estatuto também faz referência às decisões judiciárias e à doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações consideradas meios auxiliares na busca da comprovação da existência de determinada regra de direito Assim as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas a que o artigo faz referência esclareçase não são fontes de direito como tal constituindose validamente entretanto como meios de auxílio a definir o direito aplicável v infra O art 38 do ECIJ não se pronuncia se existe algum tipo de grau hierárquico entre as disposições que enumera particularmente entre os tratados e os costumes internacionais A doutrina soviética nesse sentido opõese a qualquer critério rigidamente hierárquico entre as normas do Direito Internacional não obstante considere ser algumas regras ou princípios mais importantes que outros Segundo esta concepção não há hierarquia entre os tratados e as demais fontes do Direito Internacional Público mesmo porque a validade das normas convencionais depende da regra consuetudinária pacta sunt servanda15 Poderseia pensar com esta última afirmação que dependendo a validade das normas convencionais da norma hoje costumeira mas nascida de princípios pacta sunt servanda os costumes seriam hierarquicamente superiores aos tratados caso em que não poderiam estes últimos revogar costumes Tal não pode ser verdade Ora se os Estados concluíram um tratado e ali deliberaram algo diferente do que costumeiramente praticam é porque pretenderam modificar o costume até então vigente Daí porque na prática os tribunais internacionais dão preferência às disposições específicas de caráter obrigatório dos tratados internacionais vigentes entre as partes sobre as normas internacionais costumeiras e sobre os princípios gerais de direito Mas essa prática só pode ser aceita obviamente se a norma costumeira não for uma norma imperativa de Direito Internacional geral chamada de jus cogens16 que não pode ser derrogada por nenhum tratado entre Estados17 A maior utilização prática dos tratados em detrimento dos costumes porém não é reveladora de diferença hierárquica formal entre essas mesmas fontes18 Assim frisese a regra é a de que não há hierarquia entre as fontes formais do Direito Internacional Público à exceção do art 103 da Carta das Nações Unidas que atribui primazia à Carta sobre todos os demais compromissos internacionais concluídos por quaisquer de seus membros e das normas de jus cogens que prevalecem sobre todas as demais regras ou obrigações internacionais19 Além dessas expressões do Direito Internacional vigente podem vir a existir outras a exemplo dos atos unilaterais estatais e das decisões das organizações internacionais além de certas regras de conteúdo bastante recente como é o caso para alguns autores da chamada soft law20 Portanto antes de se começar a estudar as fontes primárias e os meios auxiliares de interpretação do Direito Internacional é mister apontar o caráter relativo e não taxativo do art 38 do ECIJ o qual elenca um rol mínimo de normas aplicáveis em direito das gentes mas sem pretensão de esgotamento Daí o motivo pelo qual novas fontes e novos meios auxiliares de interpretação poderão surgir com o passar do tempo ampliando o núcleo mínimo tão somente declaratório do art 38 e permitindo à Corte utilizarse dessas novas regras independentemente de previsão expressa em tratado ou outra norma internacional Destaquese que andou melhor que o art 38 do ECIJ o art 21 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional pois não obstante se basear nas mesmas premissas de enumeração das fontes que o tribunal deverá utilizar no julgamento de casos concretos sanou inconsistências da normativa anterior ao assim estabelecer 1 O Tribunal aplicará a Em primeiro lugar o presente Estatuto os Elementos Constitutivos do Crime e o Regulamento Processual b Em segundo lugar se for o caso os tratados e os princípios e normas de direito internacional aplicáveis incluindo os princípios estabelecidos no direito internacional dos conflitos armados c Na falta destes os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes incluindo se for o caso o direito interno dos Estados que exerceriam normalmente a sua jurisdição relativamente ao crime sempre que esses princípios não sejam incompatíveis com o presente Estatuto com o direito internacional nem com as normas e padrões internacionalmente reconhecidos 2 O Tribunal poderá aplicar princípios e normas de direito tal como já tenham sido por si interpretados em decisões anteriores 3 A aplicação e interpretação do direito nos termos do presente artigo deverá ser compatível com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos sem discriminação alguma baseada em motivos tais como o gênero definido no parágrafo 3º do artigo 7º a idade a raça a cor a religião ou o credo a opinião política ou outra a origem nacional étnica ou social a situação econômica o nascimento ou outra condição O dispositivo como se nota traça um parâmetro e uma escala de aplicação do direito em etapas sem o que não poderá o tribunal levar a cabo qualquer julgamento Deliberadamente foram deixados de lado os métodos de auxílio na determinação das regras de direito tais como a jurisprudência e a doutrina Verdade porém é que a disposição somente se aplica aos julgamentos perante o TPI não espraiando efeitos para além do plano estritamente criminal Daí volverse o estudo das fontes primárias novamente para a regra que resta na regulação do problema qual seja o art 38 do ECIJ 4 Os tratados internacionais Os tratados internacionais são incontestavelmente a principal e mais concreta fonte do Direito Internacional Público na atualidade não apenas em relação à segurança e estabilidade que trazem nas relações internacionais mas também porque tornam o direito das gentes mais representativo e autêntico na medida em que se consubstanciam na vontade livre e conjugada dos Estados e das organizações internacionais sem a qual não subsistiriam Além de serem elaborados com a participação direta dos Estados de forma democrática os tratados internacionais trazem consigo a especial força normativa de regularem matérias das mais variadas e das mais importantes Além disso os tratados internacionais dão maior segurança aos Estados no que respeita à existência e interpretação da norma jurídica internacional ou seja são a fonte do Direito Internacional mais direta clara e fácil de comprovar21 Daí a afirmação de Charles Calvo nos idos de 1884 de que os tratados são incontestavelmente a fonte mais importante e mais irrecusável do direito internacional22 tendo sido seguido por Joseph Nisot que atestou serem os tratados a fonte mais certa do direito internacional23 O assombroso crescimento apenas da United Nations Treaty Series já demonstra esse fato atestando o relevante papel que têm os tratados na prática internacional contemporânea24 Como fontes do Direito Internacional geral merecem destaque os tratados multilaterais concluídos por grande número de Estados para 1 declarar o seu entendimento sobre determinado Direito vigente 2 regulamentar pro futuro e de maneira nova sua conduta ou ainda 3 com o fim de criar uma organização internacional25 Os tratados internacionais são superiores às leis internas eles revogam as normas domésticas anteriores que lhes sejam contrárias e devem ser observados pelas que lhes sobrevenham Todas as leis posteriores diz claramente Accioly não devem estar em contradição com as regras ou princípios estabelecidos pelos tratados e finalmente qualquer lei interna que com eles se relacionem deve ser interpretada tanto quanto possível de acordo com o direito convencional anterior26 Tal reconhecimento da primazia do direito convencional sobre o Direito interno já foi consagrado como se viu Capítulo II item nº 6 desta Parte I por inúmeras Constituições contemporâneas e pela prática internacional Alguns tratados podem constituirse em normas de Direito Internacional geral ou ser uma fonte desse direito O Restatement of the Law Third 1987 1023 abre essa possibilidade ao estabelecer que os acordos internacionais criam direito internacional geral quando estão abertos à adesão dos Estados em geral e de fato quando contam com uma ampla aceitação27 Nesse caso os tratados passam a desempenhar função semelhante àquela que tem a legislação nos ordenamentos internos dos Estados Cuidase do que o Direito dos Tratados classifica como tratadosleis ou tratadosnormativos que criam normatividade geral de Direito Internacional Público vġ a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 além de vários outros tratados concluídos sob os auspícios das Nações Unidas Isto se dá por conta da lentidão do direito costumeiro de fazer frente às necessidades prementes da sociedade internacional relativamente à adoção de novas normas jurídicas28 Ao estudo da teoria dos tratados dáse o nome de Direito dos Tratados que em linhas gerais regula a a forma como negociam os Estados ou as organizações internacionais b quais os órgãos encarregados de tal negociação c como se adota o texto convencional d qual a forma de assegurar a autenticidade do texto e como os contratantes expressam seu consentimento em obrigarse pelo acordo f como se dá a entrada em vigor ou aplicação provisória de um tratado g como se incorpora ao direito local o tratado h quais os vícios capazes de anular o consentimento ou nulificar um tratado i quais os efeitos que o compromisso produz sobre as partes ou sobre terceiros e j como se extinguem os atos internacionais O Direito dos Tratados será detalhadamente estudado durante todo o Capítulo V desta Parte I 5 O costume internacional A segunda grande fonte formal historicamente porém a mais antiga do Direito Internacional Público é o costume internacional29 Sua importância advém do fato de não existir ainda no campo do Direito Internacional um centro integrado de produção de normas jurídicas não obstante a atual tendência de codificação das normas internacionais de origem consuetudinária A codificação do costume em documentos escritos demonstra nitidamente o seu caráter de fonte formal do Direito Internacional eis que uma série de institutos relativos vġ aos espaços marítimos ao comércio à guerra e às relações diplomáticas nasceram temporalmente muito antes que qualquer tratado sobre a matéria e inclusive antes da formação dos próprios Estados De fato é o costume internacional enquanto modo de elaboração do direito uma fonte formal por se tratar de um processo regido pelo Direito Internacional e autônomo em relação a outros modos como confirma o próprio art 38 do ECIJ ao falar de prova de uma prática geral aceita como sendo o direito30 O costume internacional não obstante a proliferação dos tratados especialmente dos que codificam costumes precedentes tem ainda um papel de grande relevância na formação e desenvolvimento do Direito Internacional Público primeiro por estabelecer um corpo de regras universalmente aplicáveis em vários domínios do direito das gentes e segundo por permitir a criação de regras gerais que são as regrasfundamentos da constituição da sociedade internacional Assim diferentemente dos tratados que têm o seu âmbito de aplicação reduzido aos Estados que os ratificaram os costumes proliferamse para a generalidade dos sujeitos internacionais mesmo para os reticentes Daí continuar sendo o costume mesmo com a ascensão numérica dos tratados internacionais um valioso elemento de determinação das regras do Direito Internacional Público31 Exemplifiquese com o tema da responsabilidade internacional por atos ilícitos que não contava com qualquer projeto da CDI antes de 2001 até o momento ainda não aprovado pela ONU e exigia portanto continuassem os costumes relativos ao tema sendo aplicados à generalidade dos Estados Historicamente o costume internacional consuetudo est servanda foi a primeira fonte do Direito Internacional a aparecer e a ganhar vida tendo reinado incontrastável até o século XVII a partir de quando após os Tratados de Westfália que puseram termo à Guerra dos Trinta Anos as convenções internacionais passaram a ganhar especial relevo no cenário internacional notadamente por consolidarem a igualdade entre os Estados e visarem a segurança e a estabilidade das relações internacionais À exceção dos princípios gerais do direito internacional não se conhecia regra alguma de Direito Internacional aplicável à sociedade internacional que não fosse costumeira E ainda hoje o fato é que nenhum tratado multilateral logrou a ratificação da totalidade dos Estados componentes da sociedade internacional32 o que faz sobrar aos costumes a regulação de várias matérias no âmbito do direito das gentes33 Assim a necessidade da sociedade internacional em buscar novos meios de regulação de suas atividades como pelos tratados e pelas regras das organizações internacionais não retirou dos costumes a condição de fontebase e anterior de todo o Direito Internacional Público mesmo porque se sabe que a positivação dos costumes em normas convencionais não os extingue34 Pelo contrário o costume mesmo positivado em tratado continua a existir para aqueles Estados que desse tratado não são partes ou ainda para aqueles Estados que se retiraram desse mesmo instrumento pela denúncia unilateral a Conceito de costume internacional Segundo o art 38 1º alínea b do ECIJ os costumes constituemse numa prática geral aceita como sendo o direito O Restatement of the Law Third 1987 1022 traz uma definição mais sólida ao assinalar que o direito internacional costumeiro resulta de uma prática geral e consistente por parte dos Estados seguida por eles como consequência de entendêla como uma obrigação legal35 É dizer o costume internacional resulta da prática geral e consistente para além de uniforme dos atores da sociedade internacional em reconhecer como válida e juridicamente exigível determinada obrigação Ou nas palavras de Virally surge quando os Estados adquirem o hábito de adotar no que tange a uma certa situação e sempre que a mesma se repita uma atividade determinada à qual se atribui significado jurídico36 Aí está a diferença do costume para o uso uma vez que nesse último ao contrário do que sucede com o primeiro não existe a crença por parte dos atores da sociedade internacional de obrigatoriedade daquilo que se está a praticar não há pois no uso mais do que mera liberalidade dos Estados que agem de forma repetitiva por simples solicitude São exemplos de usos dentre outros as saudações de cortesia no mar salva de canhões entre navios e o hábito de isentar veículos diplomáticos de proibições de estacionamentos37 práticas que jamais se entendeu serem dotadas da crença de obrigatoriedade Diz ainda o ECIJ ser o costume a prova de uma prática geral A expressão em destaque deve ser em parte criticada por não ser o costume a prova de uma prática mas a própria prática internacional colocada em movimento Ou seja o costume não é só a prova de uma prática como quer o ECIJ senão também o seu resultado38 É dizer o costume resulta da prática geral consistente contínua e uniforme dos Estados que reconhecem como válida e juridicamente exigível determinada obrigação Denominamse por isso as regras costumeiras geralmente aceitas entre os países de Direito Internacional universal Do oposto a parte dessas regras obrigatórias somente para dois ou mais Estados é o que se denomina Direito Internacional particular não obstante alguns autores não considerarem o direito internacional particular como sendo propriamente Direito Internacional b Elementos formadores do costume Dois são os elementos necessários à formação do costume internacional sem os quais não se pode determinar e provar a sua existência o material e o psicológico também chamados respectivamente de elementos objetivo e subjetivo Nenhuma outra condição de existência além desses dois elementos de integração é necessária para que a norma costumeira se constitua enquanto tal O importante a ser frisado é que tanto o elemento material ou objetivo como o elemento psicológico ou subjetivo podem ser vislumbrados da própria redação do 1º alínea b do art 38 do ECIJ segundo o qual o costume internacional consiste na prova de uma prática geral elemento material ou objetivo aceita como sendo o direito elemento psicológico ou subjetivo Em suma o que esse dispositivo do ECIJ fez foi consagrar a fórmula seguinte elemento material elemento psicológico norma costumeira39 Vejamos separadamente cada um desses elementos b1 Elemento material ou objetivo A repetição generalizada reiterada e uniforme de certos atos praticados pelos sujeitos do Direito Internacional exceto os particulares ante a um quadro fático é o elemento material do costume inveterata consuetudo40 Consiste para falar como o ECIJ na prova de uma prática geral Essa prática é sempre adotada em virtude da multiplicação dos precedentes costumeiros seguidos pelos atores da sociedade internacional Por precedentes se entendem os casos aplicados pelos Estados ou organizações internacionais de forma reiterada e uniforme quando da repetição de fatos semelhantes Daí se entender que a formação do costume opera pela imitação ou repetição progressiva e espontânea de fatos de variada natureza que ocorrem na ordem jurídica interna ou internacional objetivando a afirmação de um princípio de Direito Internacional Público Tais precedentes normalmente realizados pelos órgãos dos Estados nas relações internacionais devem demonstrar não a existência de uma prática passageira ou fugaz mas uma prática reiterada constante e uniforme desses mesmos atos41 Em razão disso para uma regra ser considerada norma de Direito Internacional deve ser ela geralmente aceita tácita ou expressamente pelos Estados ou organizações internacionais sendo certo que estas últimas ao contrário do que se pensava há algumas décadas também participam do processo de formação do costume42 Essa repetição de atos estatais ou organizacionais que é condição da consolidação da prática dá origem a um hábito por parte de seus atores que não necessita ser obrigatoriamente imemorial e tampouco comissivo podendo perfeitamente constituirse em uma abstenção ou num não fazer perante determinado quadro de fato Não se exige ademais uma repetição de atos obrigatoriamente idênticos devendo apenas estar relacionados a uma mesma matéria ou a uma mesma questão de fato Tanto os atos dos Estados praticados normalmente por meio dos seus órgãos nas relações internacionais como os chefes de Estado os Ministros de Relações Exteriores ou os Agentes Diplomáticos quanto os das organizações internacionais manifestados em decisões diretrizes declarações recomendações resoluções ou outras espécies congêneres são aptos para criar a repetição necessária à formação da chamada inveterata consuetudo que se traduz no elemento material do costume Mas frisese que a prática convencional levada a efeito pelos Estados ou organizações internacionais também serve para criar norma costumeira à medida que vão se repetindo em tratados diversos certas cláusulastipo a exemplo da cláusula standard da não ofensa à ordem pública e aos bons costumes entre outras43 Em suma o elemento material do costume consubstanciase na repetição generalizada e habitual de certos atos praticados pelos Estados ou organizações internacionais capaz de criar uma prática entre eles Mas frise se porém ser impossível estabelecer critérios exaustivos para prever as condutas que pela sua repetição podem ser capazes de criar uma prática nas relações entre Estados ou organizações internacionais não obstante já ter havido alguma tentativa nesse sentido44 Nesse campo tudo estará a depender das circunstâncias do caso e da natureza da prática em questão b2 Elemento psicológico ou subjetivo O elemento material entretanto não estaria apto para formar a norma costumeira se a repetição de determinada prática fosse determinada apenas por mero hábito destituído de qualquer obrigatoriedade jurídica Por esse motivo é que para a formação concreta do costume além da prática geral é também necessária a convicção de que aquilo que se pratica deve ser realmente juridicamente cumprido Daí ter estabelecido o ECIJ que essa prática geral deve ser aceita como sendo o direito Assim para que o costume sobreviva como tal é necessário que a prática reiterada de atos estatais ou organizacionais seja comandada pela chamada opinio juris que é o elemento psicológico subjetivo ou espiritual da formação do costume opinio juris sive necessitatis45 A opinio juris convicção do direito não é apenas um acordo tácito ou abstrato de vontades como pretendem os voluntaristas mas sim a crença prematura dos atores da sociedade internacional criadores daqueles precedentes já referidos de que aquilo que se pratica reiteradamente se estima obrigatório pelo fato de ser justo e pertencente ao universo do Direito Mas conota também uma convicção positiva comum dos atores internacionais em agir levando em conta aquilo que os fatores históricos e sociais do contexto internacional impuseram Temse então a convicção de que a prática que se segue é obrigatória por ser regra jurídica Essa crença que os atores da sociedade internacional têm em relação à obrigatoriedade de certa prática pode ser verificada com base em inúmeros indícios como a ratificação de tratados atos diplomáticos estatais expressos ou tácitos manifestações unilaterais constantes dos sucessivos governos num mesmo sentido decisões reiteradas de organizações internacionais etc Sem embargo de muitos autores não aceitarem o elemento psicológico como requisito para a formação do costume46 cremos junto a Ian Brownlie que opinio juris é de fato um ingrediente necessário uma vez que a convicção de obrigatoriedade que se contrapõe às normas de cortesia justiça ou moralidade é suficientemente palpável reconhecendo a prática dos Estados a diferença entre obrigação e uso47 Em suma para a caracterização do costume internacional deve haver para além dos citados precedentes elementos de conscientização capazes de transformar a prática generalizada de um ato internacional em regra jurídica vinculante sem os quais o hábito estatal ou organizacional relativo à determinada questão de fato não passará de mera cortesia ou simples uso sem qualquer obrigatoriedade dentro do universo do Direito48 Em outras palavras os Estados ou as organizações internacionais em causa devem estar persuadidos por meio da expressão da opinio juris de que estão aplicando uma norma cujo conteúdo é jurídico e portanto passível de sanção em caso de descumprimento c Processos clássico e contemporâneo de formação do costume Segundo Clóvis Bevilaqua o processo clássico de formação do costume opera em quatro momentos distintos 1 num primeiro momento surge uma relação nova ou ainda não disciplinada entre os Estados 2 esta relação passa então a ser regulada segundo os princípios gerais de direito ou de acordo com o sentimento de justiça vigente 3 tal solução consistente na aplicação de princípios gerais de direito àquela nova situação até então não disciplinada internacionalmente repercute satisfatoriamente no ordenamento jurídico internacional ou na consciência dos indivíduos adquirindo a tendência evolutiva à repetição 4 com o passar do tempo casos idênticos se apresentam e o mesmo disciplinamento lhes é aplicado passando tal prática a ser aceita pela sociedade internacional como se fosse Direito Findo esse iter procedimental temse a formação de um novo costume no seio da sociedade internacional49 Frisese porém que para além desse modo clássico de formação do costume há também métodos contemporâneos de sua formação Estes se verificam atualmente na prática das organizações internacionais quando adotam certas diretrizes e resoluções fruto de longas discussões e consensos obtidos nas votações de suas assembleias gerais Tais normativas não são e não materializam o costume propriamente dito elas são o início do processo de formação contemporâneo de um novo costume no seio da organização e consequentemente no dos Estados que dela participam A característica que tem essa nova maneira de formação da norma costumeira é a de ser mais consciente que aquela que vê na sua formação o requisito da espontaneidade Segundo entendemos o costume internacional é formado por atos de consenso entre Estados ou organizações internacionais e não propriamente de maneira espontânea50 E a vantagem desse elemento mais atual na formação do costume é o de adaptálo à prática cada vez mais inconstante da sociedade internacional atual De qualquer forma podese dizer que ambos os processos de formação o clássico e o contemporâneo do costume ainda coexistem e não está à vista a substituição total do segundo pelo primeiro d Extensão geográfica do costume chamada prática generalizada de atos pode darse em contexto universal regional ou até mesmo local Tal demonstra que para existir um costume internacional não se exige que todos os Estados ou organizações internacionais do mundo aceitem certa prática como sendo juridicamente obrigatória v infra item i Ou seja a expressão prática geral não requer o aceite universal de uma regra por todos os sujeitos do Direito Internacional Público para só então caracterizarse verdadeiro costume 51 Assim podese desdobrar o costume em 1 costume internacional universal e 2 costume internacional particular Este último por sua vez se subdivide em a costume internacional regional e b costume internacional local O costume internacional universal é aquele que atinge todos os sujeitos da sociedade internacional independentemente de terem ou não participado de sua formação o costume internacional particular é o que atinge apenas certo número de sujeitos podendo dizer respeito a um grupo determinado de Estados ou organizações internacionais num contexto regional costume internacional regional ou apenas a dois únicos Estados ou organizações internacionais costume internacional local52 Isto porque não são todos os sujeitos do direito das gentes que participam ou têm a possibilidade de participar da formação de um costume internacional devendo então ser possível a particularização de sua formação Por exemplo não são todos os Estados que dispõem de mar territorial sendo ainda em menor número aqueles que desempenham um papel ativo na formação do costume relativo ao espaço extraatmosférico53 Tal fato demonstra que a formação de um costume não depende obrigatoriamente da vontade de todos os Estados a exemplo do que ficou estabelecido pela CIJ no caso Haya de la Torre 54 O caso do asilo diplomático bem ilustra esse exemplo por ser prática eminentemente latinoamericana e que sem embargo disso tornouse costume entre os países da região55 e Hierarquia entre costumes e tratados internacionais Não há diferença hierárquica entre os costumes e os tratados internacionais O tratado em vigor é apto para derrogar entre as partes que o concluem certa norma costumeira anterior na mesma proporção que o costume superveniente pode derrogar norma proveniente de tratado caso em que normalmente se fala que o tratado caiu em desuso por não ser mais observado ou por não mais satisfazer às necessidades correntes Assim se é certo que tanto os tratados como os costumes têm uma posição proeminente sobre as demais fontes do Direito Internacional Público não é menos certo que ambos tratados e costumes desfrutam de idêntica autoridade nas ordens interna e internacional56 Podem aqui ser aplicados igualmente os métodos tradicionais de solução de conflitos de normas sucessivas sobre a mesma matéria o critério da especialidade lex specialis derogat legi generali e o critério cronológico lex posterior derogat priori Tais critérios de resolução de antinomias podem também ser utilizados no caso dos conflitos entre costumes capazes de ocorrer entre dois costumes gerais dois costumes regionais ou entre um costume geral e um costume regional57 Nos dois primeiros casos o costume posterior lex posterior prevalece sobre o anterior e no terceiro o costume regional lex specialis prevalece sobre o geral Mas de volta ao caso da hierarquia entre tratados e costumes como já se noticiou na prática os tribunais internacionais têm dado preferência às disposições específicas de caráter obrigatório dos tratados internacionais vigentes entre as partes sobre as normas costumeiras internacionais pelo fato de oferecer o tratado mais segurança e estabilidade às relações internacionais propriedades dificilmente encontradas no direito costumeiro Esse o motivo talvez pelo qual as convenções internacionais quer gerais quer especiais que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes precedem o costume internacional no ECIJ o que não significa existir qualquer hierarquia técnica entre tais normas O caso da prevalência do costume sobre a norma convencional que se poderia citar a título de exceção diz respeito à hipótese em que o costume é verdadeira norma de jus cogens caso em que prevalece hierarquicamente sobre quaisquer normas internacionais sejam tratados ou mesmo costumes de outra natureza tal como estabelecem os arts 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 196958 f Prova do costume Outra questão relevante atinente ao costume diz respeito à sua prova Nos termos do art 38 1º alínea b do ECIJ a parte que alega um costume geral tem que provar que o mesmo é oponível à parte contrária o que é certamente muito mais oneroso que provar a existência de norma convencional em vigor uma vez que esta última tem data certa no calendário de quando foi celebrada e quando começou a vigorar ao passo que a existência e a validade daquele têm de ser auferidas levandose em conta outras circunstâncias normalmente atos diplomáticos estatais Por outro lado também não se pode entender impossível a prova do costume Os vários precedentes sobre determinado assunto a troca de correspondência diplomática as declarações conjuntas os atos unilaterais dos Estados como a sua legislação interna os comunicados de imprensa etc as atividades diárias de milhares de funcionários em departamentos governamentais bem assim as decisões de tribunais internacionais e as resoluções de organizações internacionais são sempre fortes indícios de uma determinada opinio juris59 Como observa Malcolm Shaw o caminho óbvio para descobrir como os países se comportam consiste em ler os jornais consultar os registros históricos ouvir o que as autoridades do governo dizem e folhear as muitas publicações oficiais além de resgatar as memórias escritas por líderes do passado manuais oficiais sobre questões de direito comunicações diplomáticas e os pareceres dos consultores jurídicos do país60 Seja como for no contencioso internacional a parte requerente que alega em sua defesa um costume internacional quer universal regional ou local tem a obrigação de proválo61 Não é por outra razão que em muitas sentenças de tribunais internacionais judiciários ou arbitrais os costumes já vêm expressamente declarados e são confirmados pela doutrina internacionalista62 Mas não são as meras pretensões dos Estados ou das organizações internacionais capazes de provar um costume internacional sendo necessário verificar qual a verdadeira prática inclusive logicamente a omissiva desses mesmos atores relativamente à questão que se pretende inconteste63 No caso dos costumes regionais sua alegação deve ser feita de modo a provar que o mesmo está estabelecido de tal maneira que se tornou vinculativo para a outra parte como já decidiu a CIJ no Caso Lotus64 O lapso temporal de formação e solidificação do costume influencia sobremaneira em sua prova Se porém em outros tempos a formação do costume durava séculos atualmente já se reconhece possa tal processo abreviarse com os avanços tecnológicos e o desenvolvimento acelerado da ciência é fato que o costume internacional pode formarse em tempo notadamente menor Assim o entendimento atual vejase o que decidiu a CIJ no caso Plataforma Continental do Mar do Norte de 1969 é no sentido de que a brevidade de tempo não constitui necessariamente impedimento à formação de nova regra costumeira internacional65 Nesse sentido podese dizer ter havido certa facilitação nos dias presentes para a prova de determinados costumes Destaquese por fim que atualmente também se tem admitido a flexibilização da prova do costume em determinados casos como vġ no que tange aos novos Estados que não dispõem como não poderia deixar de ser de bagagem diplomática substanciosa a comprovar a sua prática relativamente à questão debatida g Interpretação do costume seus dois elementos constitutivos implica também interpretar a conduta dos sujeitos envolvidos Estados ou organizações internacionais no que tange à valoração que seu comportamento generalizado e aceito como sendo o Direito tem relativamente a esses mesmos sujeitos É dizer cada sujeito do Direito Internacional que aceita um mesmo costume como prática constante uniforme e vinculativa o aceita de maneira diferente com valorações e pesos diferentes cada qual ao seu modo Por ser a aceitação de um princípio não escrito a interpretação do costume se torna mais onerosa que a interpretação de um tratado por depender justamente da determinação do grau de aceitação da norma no seio da sociedade internacional o que pode variar no tempo e de Estado para Estado Quais são os atores dessa interpretação São eles os próprios Estados as organizações internacionais os tribunais internos e internacionais e a doutrina lato sensu obras dos autores mais consagrados bem assim os trabalhos preparatórios de tratados os relatórios e os pareceres emitidos no seio de organizações internacionais etc Modernamente a interpretação do costume tem se tornado relativamente mais fácil à medida que o direito internacional costumeiro vem sendo ao longo dos anos cristalizado em inúmeros tratados internacionais66 A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados é exemplo concreto desse fenômeno tendo nela sido codificadas várias regras costumeiras relativas à prática dos Estados no que tange aos tratados além de outras regras tidas como universais das quais são exemplos o jus cogens e o princípio pacta sunt servanda A vantagem desse processo é deixar assente o real significado do costume impedindo uma imediata negação de sua existência O que se poderia objetar é que os tratados que cristalizam certos costumes dependem da ratificação dos Estados para que no seio destes possam ter aplicação jurídica Ocorre que a positivação de um costume em um tratado não faz que o costume desapareça do cenário internacional enquanto costume mesmo A positivação é tão somente um facilitador da verificação da concretude do costume em nada modificando sua existência e validade enquanto norma costumeira per se que continuará a aplicarse independentemente de sua escritura em documento convencional E assim mesmo não tendo ratificado o tratado positivador o Estado em causa ainda está comprometido com a regra costumeira em vigor De fato a CIJ reiteradamente já entendeu vġ nos casos da Plataforma Continental do Mar do Norte de 1969 das Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua de 1986 das Consequências Jurídicas da Construção de um Muro no Território Palestino Ocupado de 2004 dentre outros que uma norma convencional pode ter efeito declaratório cristalizador ou até mesmo gerador de normas costumeiras e que produzindo um desses efeitos o tratado obriga como costume independentemente de sua entrada em vigor e em relação a Estados não partes Atualmente porém parece cada vez menos produtivo verificar a existência de costumes já consolidados e transcritos em tratados internacionais e muito mais importante identificar o nascimento de novos costumes à medida que estes vão sendo criados O fato de os costumes internacionais estarem cada vez mais impregnados nos tratados internacionais modernos nunca impediu e talvez nunca impeça o seu andar lado a lado com as normas convencionais uma vez que estas apesar de serem escritas e trazerem mais segurança e estabilidade para as relações internacionais nem sempre conseguem esgotar o leque de possibilidades que o assunto nelas próprio versado apresenta Daí o motivo de alguns tratados internacionais como as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares de 1961 e 1963 respectivamente disporem nos seus preâmbulos que as normas de Direito Internacional consuetudinário devem continuar regendo as questões que não tenham sido expressamente reguladas nas disposições da presente Convenção grifo nosso Os costumes internacionais esclareçase têm sido reconhecidos por diversos tribunais internacionais dentre os quais a CIJ Foi ademais com base no costume internacional que o Tribunal de Nuremberg instituído para processar e julgar os crimes cometidos na Segunda Guerra pelos nazistas responsabilizou a Alemanha no âmbito internacional pelo que ocorrera dentro de seu território O Tribunal alegou a violação do direito costumeiro internacional que proíbe os crimes contra a humanidade Foi a primeira vez na história que um Estado se viu responsabilizado por atos cometidos dentro do seu próprio território h O problema dos novos Estados Uma dificuldade clássica relativa à aplicação do costume surge em relação aos chamados novos Estados ou seja aqueles que adquiriram sua independência em momento posterior ao costume já formado e por isso não puderam participar do seu processo de formação67 A pergunta que se coloca é estão os novos Estados obrigados juridicamente para com as regras costumeiras preexistentes ao seu nascimento Inicialmente esclareçase que os novos Estados certamente encontrarão resistência por parte dos demais atores da sociedade internacional caso pretendam deter a prerrogativa de aceitar ou não o costume já anteriormente reconhecido ou seja já formado e em vigor no plano internacional Certa parte da doutrina chega até mesmo a negarlhes essa faculdade de escolha68 Segundo esse entendimento quando um novo Estado adquire sua independência passa ele a ingressar na sociedade internacional com todos os direitos e obrigações que o Direito Internacional geral já anteriormente estabelecera O comentário d do Restatement of the Law Third 1987 102 entende dessa maneira A state that enters the international system after a practice has ripened into a rule of international law is bound by that rule e é aplaudido pela doutrina69 Contudo não é menos certo que juridicamente tais novos Estados têm o direito de afastar em relação a si expressa ou tacitamente a aplicação de determinado costume internacional incompatível com as suas convicções ou interesses não obstante estar cada vez mais em voga a ideia de um Direito Internacional geral aplicável até mesmo àqueles Estados que jamais participaram de sua formação quer pela falta da prática reiterada de atos exigida para a formação do costume elemento material quer pela falta de convicção de sua juridicidade elemento psicológico De qualquer sorte o assunto ainda é polêmico e pouco pacífico Para nós parece viável e também justo atribuir aos novos Estados o direito de escolha sobre o cumprimento de um costume já formado quando este atenta contra os seus ideais mais caros ou quando o costume em causa não se encontra totalmente nítido a não ser obviamente em relação àquelas normas imperativas de Direito Internacional geral que compõem o universo do chamado jus cogens70 i A impossibilidade jurídica da teoria do objetor persistente Por fim cumpre noticiar a existência da chamada teoria do objetor persistente persistent objector segundo a qual um Estado poderia se subtrair à aplicação de um costume internacional em vigor caso prove que persistentemente e inequivocamente se opôs ao seu conteúdo desde a sua formação71 Nesse sentido no Caso da Pesca entre GrãBretanha e Noruega a CIJ afirmou que a regra das dez milhas não seria oponível à Noruega dada sua sistemática oposição contra toda tentativa de aplicála nas costas norueguesas72 Como se vê essa doutrina de cunho voluntarista pretende fundamentarse no princípio de que o Direito Internacional depende essencialmente do consenso dos Estados73 Atualmente porém é evidentemente que tal doutrina que se baseia numa ideia equivocada e já superada sobre a formação do costume não tem mais qualquer razão de ser uma vez que o entendimento atual é no sentido de não necessitar o costume para a sua formação do consentimento unânime dos Estadosmembros da sociedade internacional o que se requer é que um certo comportamento esteja difuso entre a ampla maioria dos sujeitos internacionais entendendo estes últimos que tal comportamento os obriga juridicamente74 Seria até mesmo impossível atualmente lograr o aceite de todos os Estados para que determinado costume internacional fosse consolidado notadamente em razão de diferenças culturais econômicas sociais etc em tudo díspares entre eles capazes de impossibilitar de facto qualquer margem de aceite universal de determinada prática Daí a CIJ ter estabelecido no caso Plataforma Continental do Mar do Norte que uma prática estatal com participação muito ampla e representativa seria suficiente para a formação de um costume internacional desde que entre os Estados participantes de tal prática estejam aqueles cujos interesses foram afetados75 Além do mais a teoria do objetor persistente desaguaria na injustiça de não exigir dos velhos Estados o acatamento do costume objetado persistentemente ao mesmo tempo que obriga os novos Estados a respeitar in totum esse mesmo costume de cuja formação não participaram nesse sentido não seria coerente admitir que um Estado velho se subtraia à aplicação da norma consuetudinária estabelecida com a sua oposição e sustentar sua obrigatoriedade para os novos Estados que precisamente por serem novos não puderam participar de sua elaboração nem oporse a ela76 Ora se para haver a objeção persistente deve ela a objeção operarse desde a formação do costume em causa claro está que não se aplica aos novos Estados que nasceram depois do costume já formado O que podem fazer os novos Estados e somente eles é em casos excepcionais exercer o direito de escolha sobre o cumprimento de um costume já formado quando este atenta contra os seus ideais ou quando o costume não se encontra totalmente nítido v supra Salvo tais únicas exceções o certo é que o costume já formado há de valer por igual para todos os sujeitos do Direito Internacional Público inclusive para aqueles que se opuseram ao seu conteúdo ou que de sua formação não participaram com o seu próprio comportamento77 j Aplicação direta do costume internacional na ordem interna O costume internacional já se viu resulta de uma prática geral e consistente dos atores da sociedade internacional em reconhecer como válida e juridicamente exigível determinada obrigação sendo inconteste a sua aplicação direta no âmbito do direito internacional vġ pelos tribunais internacionais Sendo porém o costume internacional uma prática aceita e reconhecida como norma jurídica pela sociedade internacional é certo que os Estados que desta participam devem também reconhecêlo como diretamente aplicável em suas ordens internas por coerência ao reconhecimento exterior de sua força jurídica Tal significa que o costume internacional é assim como na órbita externa diretamente aplicável também na ordem doméstica não necessitando de qualquer ato de internalização para que ali produza efeitos78 Em outras palavras o costume internacional há de ser reconhecido e aplicado pelo Poder Judiciário de um determinado Estado sem que seja transformado em direito interno por qualquer meio É evidente que há maior dificuldade em se aplicar um costume internacional diretamente na ordem interna quando se compara à aplicação de um tratado De fato é mais cômodo para o Poder Judiciário aplicar uma norma escrita e formalmente internalizada cujo conteúdo vem estampado na imprensa oficial que uma norma cujo núcleo obrigacional há de ser colhido mediante exercício investigativo sobejamente mais complexo Tal não há de obstar contudo que os juízes e tribunais nacionais apliquem na falta de norma escrita o costume internacional de maneira direta até mesmo em respeito à norma geral segundo a qual quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia os costumes e os princípios gerais de direito LINDB art 4º Exemplo interessante de aplicação direta do costume internacional no caso o costume internacional relativo à imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade na ordem jurídica brasileira foi a aceitação pela Justiça Federal em 13 de maio de 2014 da denúncia do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro contra seis pessoas por envolvimento no atentado a bomba no Riocentro em Jacarepaguá em 30 de abril de 1981 durante a realização de um espetáculo para comemorar o Dia do Trabalhador Nesse caso a Justiça considerou que os crimes denunciados configuram em tese crimes contra a humanidade e por isso são imprescritíveis para todos os Estados nos termos do Direito Internacional Público Na decisão de recebimento da denúncia ficou assente entre outros que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade é um princípio geral de Direito Internacional amplamente aceito pelos Estados e portanto incorporado aos costumes internacionais para além de configurar verdadeiro jus cogens que não pode ser ignorado pelos Estados79 6 Os princípios gerais de direito Outra fonte que emana diretamente do ECIJ são os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas80 A locução derradeira nações civilizadas inserida no texto da alínea c do art 38 1º do ECIJ tem sido criticada pela doutrina por revelar uma potencial discriminação dos então redatores do Estatuto vinda do século XIX em relação aos Estados não pertencentes ao eixo Europeu não obstante nunca ter sido pacífico esse entendimento Ademais o termo ali utilizado é anacrônico por refletir uma tendência anterior à Primeira Guerra Mundial que não mais pode ser aceita no Direito Internacional contemporâneo estando ainda em total desacordo com a jurisprudência atual da CIJ81 Como bem leciona JeanMarie Lambert a expressão nações civilizadas esbarra lamentavelmente em uma ideologia que o espírito anticolonialista do imediato pósGuerra não conseguiu afastar ecoando uma época imperialista em que algumas poucas nações imbuídas de um profundo complexo de superioridade achavamse incumbidas de uma missão civilizadora sobre os povos da terra E continua A fórmula está marcada de arrogância e para adquirir verdadeira operacionalidade seria necessário uma faxina Essa embaraçosa locução continua intacta e é no mínimo deplorável Soa como insulto para os que não faziam parte do pequeno círculo de eleitos e provoca desconfiança na imparcialidade da Corte Admitindose que todo mundo é civilizado não se entende o que a expressão está fazendo no meio de uma redação por outros aspectos tão nobre82 Hoje se deve entender que a expressão princípios gerais de direito empregada pelo Estatuto da Corte diz respeito ao reconhecimento de tais princípios por parte da sociedade dos Estados em seu conjunto como formas legítimas de expressão do Direito Internacional Público Daí não se poder apoiar as ideias de alguns juristas como a do soviético Grigory Tunkin baseadas em questões ideológicas segundo as quais não podem coexistir princípios idênticos em sistemas normativos opostos como o capitalista e o socialista83 O que a prática internacional demonstra é que esses princípios são frequentemente empregados em diversos contextos e sob as mais variadas formas quando se trata de identificar uma regra de Direito Internacional não expressa em tratado e não reconhecida pelo costume Vários sistemas normativos opostos ou não podem utilizarse e efetivamente utilizamse desses princípios notadamente sob a forma de resoluções ou declarações quer comuns ou individuais Tais princípios apesar de ainda dificilmente identificáveis a priori e não obstante as vivas controvérsias que sobre eles ainda recaem são fontes autônomas do Direito Internacional Público e têm um papel fundamental em toda a sua evolução Dentro dessa categoria também se incluem como já dissemos algumas regras universais de justiça diretamente derivadas do Direito Natural O Direito Internacional moderno entretanto passa a depender cada vez menos de tais princípios tendo em vista que o grande número de normas deles derivadas já se encontram codificadas em tratados internacionais ou fazendo parte do direito internacional costumeiro Daí tais princípios que já foram considerados por juristas do porte de Accioly como fonte real do Direito Internacional Público por ser a verdadeira ou fundamental e a que pode fornecer elementos para a interpretação do direito positivo84 serem modernamente entendidos como não mais do que fontes secundárias do direito das gentes85 De qualquer forma ainda prevalece a posição de que os princípios gerais de direito são aqueles aceitos por todos os ordenamentos jurídicos a exemplo dos princípios da boafé86 da proteção da confiança do respeito à coisa julgada do direito adquirido da responsabilidade do Estado por ações ou omissões que infrinjam os direitos fundamentais do ex injuria jus non oritur87 além do pacta sunt servanda88 Percebase que o Estatuto faz referência aos princípios gerais de direito e não aos princípios gerais do direito Aqueles nascem de uma convicção jurídica generalizada quase universal contida nos principais sistemas jurídicos das diversas nações ao passo que estes últimos provêm direta e originariamente da própria prática internacional vġ dos tratados dos costumes etc pertencendo com exclusividade à ordem jurídica internacional89 Como costumamos dizer os princípios gerais de direito provêm de baixo da ordem estatal e ascendem à ordem superior internacional quando de sua aplicação pela CIJ num caso concreto ao passo que os segundos os princípios gerais do direito já nascem da ordem de cima da ordem internacional e são diretamente aplicados por ela Relativamente aos primeiros é necessário atentar para o testemunho de Phillimore à época que já indicava ser a ideia da expressão princípios gerais de direito caracterizar aqueles princípios aceitos por todas as nações in foro domestico ou seja nos seus respectivos direitos internos a exemplo dos princípios da boafé do respeito à coisa julgada do non bis in idem etc90 O próprio ECIJ já sugere essa interpretação no sentido de serem tais princípios gerais de direito os princípios presentes no âmbito interno dos Estados quando diz serem eles aqueles reconhecidos pelas nações Assim o fenômeno que aqui se constata é o da transposição do princípio reconhecido in foro domestico que com o tempo ascende ao plano internacional e desse plano vaise tornando parte a fim de preencher as lacunas que ali eventualmente se façam presentes91 Nem todos os princípios comuns às ordens domésticas portanto são aplicáveis à ordem internacional impondo se para tanto a citada transposição92 Em todos os ramos do Direito civil penal processual comercial constitucional etc podem ser encontrados princípios que pouco a pouco vão transpondose para o plano internacional até a sua efetiva aplicação dentro do quadro das fontes do Direito Internacional Público Daqueles últimos princípios gerais do direito são exemplos os princípios da não intervenção da não ingerência em assuntos particulares dos Estados da obrigação de cooperação dos Estados entre si primazia dos tratados sobre as leis internas prévio esgotamento dos recursos internos proibição do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado solução pacífica de controvérsias igualdade soberana entre os Estados o direito de passagem inocente para navios mercantes em tempo de paz a liberdade dos mares a autodeterminação dos povos a boafé o respeito universal e efetivo dos direitos humanos as normas de jus cogens entre outros todos os quais não teriam sentido existir no ordenamento jurídico interno de determinado Estado concebido como um sistema fechado93 A não referência pelo art 38 do ECIJ aos princípios gerais do direito nos parece óbvia como tais princípios nascem diretamente da ordem internacional sua aplicação pela CIJ deve ser imediata não havendo que se discutir sobre sua juridicidade e sobre o seu caráter de fonte do Direito Internacional Público Daí a preocupação do ECIJ em esclarecer esse caráter de fonte do direito das gentes apenas àqueles outros os princípios gerais de direito Existindo dúvida sobre ser determinado princípio um princípio geral de direito deve o intérprete verificar se o mesmo está positivado na generalidade dos ordenamentos internos estatais ou se é comum aos grandes sistemas de Direito contemporâneos é dizer o sistema romanogermânico o sistema da common law o sistema dos países socialistas os sistemas de raiz religiosa como dos países islâmicos e budistas etc e por fim se é ele aplicável à ordem internacional isto é transponível para a sociedade internacional94 Parece claro que se a generalidade dos Estados ou dos sistemas de Direito atuais não necessariamente todos eles contempla um tal princípio em sua ordenação é porque deve ele ser tido como possível de ser aplicado ao plano do Direito Internacional Público Ora se é o Direito Internacional Público que rege a conduta dos Estados no plano internacional na medida em que tais Estados em sua grande maioria reconhecem determinados princípios em seus respectivos direitos internos ou na medida em que os mesmos são reconhecidos pelos sistemas de Direito que esses mesmos Estados criaram é evidente que eles passam a ser também aplicados ao âmbito do direito das gentes Portanto os princípios gerais de direito que a CIJ também deve aplicar segundo o comando do art 38 1º alínea c do seu Estatuto são os princípios consagrados nos sistemas jurídicos dos Estados ainda que não sejam aceitos por todos os sistemas jurídicos estatais bastando que um número suficiente de Estados os consagrem Daí a opinião de Guido Soares no sentido de que a leitura correta do disposto no art 38 1º alínea c do Estatuto da Corte deve ser princípios gerais de direito reconhecidos pelos Estados no seu ordenamento interno95 Entretanto não obstante poderse deduzir os princípios gerais de Direito de sua consagração pelos ordenamentos jurídicos internos estatais não se pode confundilos com os princípios gerais de Direito interno stricto sensu que podem variar de um sistema jurídico a outro e assim não encontrarem a generalidade necessária a transformálos em princípios aplicáveis ao âmbito internacional Isto não impede porém que se abstraiam os princípios gerais de direito internacional dos ordenamentos jurídicos internos na falta de clareza do Direito Internacional Público para determinálos em face de um caso concreto Enfim o art 38 1º alínea c do ECIJ atribui à Corte o dever de também aplicar esses princípios gerais de direito reconhecidos pelas diversas nações nas controvérsias que lhe forem submetidas para além evidentemente daqueles princípios gerais do direito provenientes diretamente da prática internacional dos tratados e dos costumes internacionais Também não é menos certo que tais princípios gerais de direito têm um papel supletivo no Direito Internacional Público devendo o juiz a eles recorrer para suprir as lacunas encontradas nas regras convencionais ou costumeiras ou ainda a fim de interpretálas segundo as mudanças que o ritmo histórico exigir Os princípios jurídicos da boafé do respeito à coisa julgada do non bis in idem do direito adquirido e o de que a ninguém é lícito alegar o seu próprio erro vġ CIJ caso Fábrica de Chorzow 1927 p 31 são alguns daqueles princípios gerais de direito que podem ser citados a título de exemplo Além dessas fontes primárias do Direito Internacional estudadas nos tópicos anteriores o ECIJ também acrescenta as decisões judiciárias e as doutrinas dos publicistas de maior competência entre as distintas nações como meios auxiliares na determinação das regras de direito e num parágrafo conclusivo autoriza a Corte decidir uma questão ex aequo et bono se as partes com isto concordarem Tratase dos chamados instrumentos de interpretação e compreensão do Direito Internacional que serão estudados na Seção seguinte Tendo ficado o art 38 do ECIJ com sua redação incompleta uma vez que como já dissemos não contempla sequer os atos de organizações internacionais fazse necessária a análise na Seção II seguinte dos chamados meios auxiliares e das novas fontes do Direito Internacional Público SEÇÃO II MEIOS AUXILIARES E NOVAS FONTES Direito Internacional A partir do texto indicado contendo obrigatoriamente os seguintes elementos 1 Nome completo turma e RA 2 Resumo das principais ideias do autor com suas palavras mínimo de 15 linhas 3 Comentário crítico pessoal relacionando o conteúdo com outros temas estudados ou com situações da atualidade mínimo de 15 linhas 4 Fonte Times New Roman 12 alinhamento justificado espaçamento de 15 5 Mínimo de 10 páginas de fichamento O fichamento deverá ser digitado e entregue até 28 de abril via Classroom Será avaliado com base na clareza organização fidelidade ao texto original e capacidade crítica FICHAMENTO Tópico 1 Introdução ao Estudo das Fontes do Direito Internacional Autor Valério de Oliveira Mazzuoli Obra Curso de Direito Internacional Público Fontes do Direito RESUMO O estudo das fontes do Direito Internacional Público revela o modo como as normas que regulam a convivência internacional são formadas e reconhecidas Valério de Oliveira Mazzuoli destaca que essas fontes não são homogêneas e que sua compreensão exige uma análise dinâmica considerando a evolução histórica e a realidade contemporânea Inicialmente ele diferencia fontes materiais ligadas às necessidades sociais econômicas e políticas das fontes formais responsáveis pela validade jurídica das normas O rol originário das fontes ainda baseado no art 38 do Estatuto da CIJ inclui tratados costumes e princípios gerais de direito além dos meios auxiliares jurisprudência e doutrina para interpretar as regras Mazzuoli ressalta a centralidade dos tratados internacionais na atualidade sem desprezar o papel vital dos costumes e princípios gerais como instrumentos de integração e justiça no Direito Internacional Ele também aborda o uso da equidade como mecanismo para temperar a aplicação das normas respeitando sempre a vontade dos Estados e a segurança jurídica No panorama geral o autor propõe que o Direito Internacional embora marcado pela ausência de uma autoridade central se sustenta na conjugação da prática estatal da racionalidade jurídica e da busca pela justiça nas relações internacionais COMENTÁRIO CRÍTICO A abordagem de Valério de Oliveira Mazzuoli sobre as fontes do Direito Internacional Público é sólida e apresenta uma leitura moderna e realista da evolução normativa internacional O autor demonstra sensibilidade ao tratar da descentralização das fontes e da necessidade de interpretar o Direito Internacional como um sistema em constante transformação Sua distinção entre fontes materiais e formais é didática mas ao mesmo tempo alerta para a complexidade das relações entre vontade estatal prática social e exigência jurídica Ainda que Mazzuoli valorize o artigo 38 do Estatuto da CIJ ele reconhece seus limites abrindo espaço para a reflexão sobre novas formas de produção normativa como a soft law e os atos unilaterais Esse olhar crítico é um dos pontos fortes da obra pois evita um apego excessivo ao formalismo clássico No entanto uma crítica possível seria a de que o autor poderia ter aprofundado mais o impacto das novas tecnologias e da globalização sobre a formação dos costumes contemporâneos Em síntese Mazzuoli oferece uma análise equilibrada e comprometida com a realidade do Direito Internacional respeitando a tradição mas sem fechar os olhos para as mudanças que moldam o direito entre os povos na atualidade 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL O estudo das fontes do Direito Internacional Público é um dos temas centrais e mais antigos da disciplina A discussão sobre sua natureza e composição ainda desperta o interesse da doutrina especialmente após o surgimento de novos atores no cenário internacional que passaram a influenciar os modos tradicionais pelos quais o direito das gentes é produzido e aplicado A pergunta fundamental que orienta esse estudo é do que é composto o Direito Internacional Público A resposta de acordo com Mazzuoli está no exame das suas fontes que representam os elementos estruturantes do regime jurídico internacional São elas que revelam os caminhos normativos pelos quais o Direito Internacional se manifesta regula comportamentos e impõe obrigações Desde o surgimento das primeiras organizações internacionais intergovernamentais as fontes do Direito Internacional vêm se transformando Essa transformação é marcada por um fenômeno que o autor denomina descentralização das fontes ou seja um processo contínuo de ampliação interação e atualização das formas jurídicas reconhecidas pela comunidade internacional Esse fenômeno é notório especialmente após a Segunda Guerra Mundial e se estende até os dias atuais É necessário compreender que as fontes do Direito Internacional não são homogêneas Isso significa que tanto atos comissivos como a ocupação de um território ou a celebração de tratados quanto atos omissivos como a aceitação tácita da conduta de outro Estado bem como manifestações unilaterais de vontade podem gerar efeitos jurídicos internacionais Todos esses comportamentos têm a aptidão de produzir normas e por isso são analisados sob a perspectiva das fontes 2 FONTES MATERIAIS E FORMAIS Ao tratar das fontes do Direito Internacional Público Mazzuoli inicia diferenciandoas em duas categorias fundamentais fontes materiais e fontes formais Essa distinção permite compreender não apenas o conteúdo das normas jurídicas mas também o processo pelo qual elas surgem ganham forma e autoridade no plano internacional Fontes materiais o conteúdo das normas As fontes materiais não pertencem propriamente à esfera da Ciência do Direito mas se situam na Política do Direito Elas dizem respeito ao conjunto de fatores sociológicos econômicos culturais psicológicos ecológicos e históricos que influenciam o conteúdo e a necessidade de edição de determinada norma jurídica Esses elementos refletem as necessidades concretas da sociedade internacional ou seja as razões pelas quais uma norma é criada os valores que ela representa e os objetivos que se pretende alcançar com sua aplicação Mazzuoli se vale da doutrina de Miguel Reale para esclarecer que as fontes materiais estão relacionadas ao processo de decisão do poder normativo sendo elas responsáveis por orientar o sentido o alcance e a razão de ser de uma norma Assim no plano interno as fontes materiais correspondem às necessidades sociais que justificam a criação de regras de conduta Já no plano internacional dizem respeito à vontade dos Estados e das organizações internacionais de regular as suas relações recíprocas geralmente a partir de demandas comuns desafios globais ou interesses coletivos As fontes materiais são portanto o substrato que antecede a norma jurídica Para alguns autores como JeanMarie Lambert a grande força material do Direito Internacional é o motor econômico e político que impulsiona a atividade normativa muitas vezes guiado pela gestão da opinião pública mundial e pelas forças do mercado global Fontes formais o processo de validação das normas Em contraposição as fontes formais representam os métodos processos ou técnicas jurídicas por meio dos quais determinada norma é reconhecida como integrante do ordenamento jurídico internacional São os instrumentos que conferem validade vigência e obrigatoriedade às normas perante os sujeitos internacionais Essas fontes formais expressam a forma como o Direito se organiza e se impõe disciplinando juridicamente as relações entre os Estados e os demais entes do Direito Internacional No plano interno as fontes formais são facilmente identificáveis incluem a Constituição as leis aprovadas pelo legislativo os costumes os princípios gerais do direito e a jurisprudência especialmente nos sistemas jurídicos que adotam a doutrina do stare decisis como é o caso do common law Essas fontes são chamadas de formais justamente porque indicam as formas reconhecidas e legítimas de manifestação do Direito positivo Emanam de autoridades com competência normativa cujas deliberações vinculam os destinatários das normas o que no caso interno é possível devido à existência de um sistema jurídico centralizado e hierarquizado No plano internacional no entanto a realidade é distinta O Direito Internacional não conta com uma autoridade central superior aos Estados como ocorre no ordenamento interno com o Estado e sua Constituição Aqui não há um legislador global Tudo decorre da vontade soberana dos Estados que se vinculam voluntariamente por meio de acordos tratados práticas e princípios mutuamente reconhecidos Assim diferentemente do Direito interno a validade de uma norma internacional depende do consentimento dos Estados ou de organismos internacionais Por isso qualquer tentativa de aplicar ao Direito Internacional os mesmos moldes do sistema jurídico interno levará a uma compreensão equivocada e limitada das suas fontes Inclusive Mazzuoli cita Ian Brownlie que critica o uso da expressão fonte formal no contexto internacional por induzir à ideia de um mecanismo legislativo organizado e hierárquico que de fato não existe no plano externo Segundo Brownlie seria mais adequado falar em meios pelos quais os Estados expressam seu consentimento pois é esse consentimento que legitima e torna obrigatória uma norma Apesar dessas críticas a maioria da doutrina ainda adota a distinção entre fontes materiais e fontes formais pois ela permite entender de maneira didática tanto os fundamentos sociais e políticos das normas quanto os processos jurídicos que lhes conferem validade 3 ROL ORIGINÁRIO DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Para compreender o que é reconhecido como fonte formal do Direito Internacional Mazzuoli resgata a origem normativa mais clara que se tem em termos de positivação o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça ECIJ Esse dispositivo é amplamente aceito pela doutrina como a principal referência na definição das fontes formais aplicáveis pelo Direito Internacional Público embora ele próprio não afirme ser um rol taxativo Antes da promulgação do ECIJ a Convenção da Haia de 1907 que criou o Tribunal Internacional de Presas já havia delineado um modelo primitivo de enumeração de fontes Segundo o art 7º daquela convenção se houvesse convenção em vigor entre as partes beligerantes ela deveria ser aplicada Caso contrário aplicavamse as regras gerais do Direito Internacional Na ausência destas o tribunal decidia com base em princípios gerais do direito e da equidade No entanto foi com o art 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça de 1945 que surgiu o modelo mais aceito e duradouro O artigo dispõe que a Corte deverá aplicar nas controvérsias que lhe forem submetidas a os tratados internacionais convenções gerais ou especiais b o costume internacional como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito c os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas d a jurisprudência e a doutrina como meios auxiliares para determinação das regras de direito ressalvada a limitação do artigo 59 que declara que a decisão da Corte só vincula as partes envolvidas no caso Além disso o parágrafo 2º do artigo 38 autoriza a Corte a decidir uma causa ex aequo et bono ou seja conforme a equidade desde que as partes assim concordem expressamente Mazzuoli ressalta que o artigo 38 não se refere explicitamente às fontes do Direito Internacional mas apenas aos meios de decisão que a Corte pode utilizar Contudo a doutrina tradicional passou a interpretálo como um roteiro de fontes formais dada a força prática e simbólica desse artigo na jurisprudência e nos estudos acadêmicos Assim o autor destaca que o rol consagrado no artigo 38 do ECIJ não é fechado nem definitivo Ele representa um núcleo mínimo de fontes que ao longo do tempo vem sendo complementado por outras formas de manifestação normativa que embora não estejam previstas literalmente no texto vêm ganhando espaço na prática internacional como os atos unilaterais dos Estados as decisões das organizações internacionais e a chamada soft law Ausência de hierarquia rígida entre as fontes Mazzuoli também observa que o artigo 38 não estabelece nenhuma hierarquia formal entre os tratados os costumes e os princípios gerais de direito Na prática os tribunais internacionais tendem a dar preferência aos tratados por oferecerem maior segurança e clareza mas isso não significa que os costumes e os princípios ocupem posição inferior Entretanto há exceções importantes a essa regra geral É o caso por exemplo do artigo 103 da Carta das Nações Unidas que confere primazia às obrigações da Carta sobre quaisquer outros tratados internacionais firmados por seus membros Também merece destaque a existência das normas imperativas de Direito Internacional geral conhecidas como jus cogens que não podem ser derrogadas por nenhum tratado ou costume A contribuição do Estatuto de Roma Mazzuoli elogia o art 21 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional TPI que ao dispor sobre as fontes aplicáveis pelo tribunal apresenta uma estrutura mais clara e organizada que o art 38 do ECIJ O art 21 define uma ordem de aplicação das fontes separando em três níveis 1 O Estatuto e os elementos constitutivos do crime 2 Os tratados e normas aplicáveis do Direito Internacional 3 Os princípios gerais de direito extraídos dos sistemas jurídicos nacionais O dispositivo também exige que a interpretação das normas esteja em conformidade com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos vedando qualquer forma de discriminação Contudo Mazzuoli observa que essa norma se aplica exclusivamente ao âmbito do TPI sem influenciar de forma direta a sistemática geral das fontes do Direito Internacional Público Portanto o art 38 do ECIJ continua sendo o marco normativo de referência mesmo com seus limites e lacunas 4 OS TRATADOS INTERNACIONAIS Para Mazzuoli os tratados internacionais representam na atualidade a mais importante e concreta fonte do Direito Internacional Público Essa primazia decorre não apenas de sua função reguladora nas relações entre os Estados mas também da segurança previsibilidade e autenticidade que eles proporcionam no processo de normatização internacional Os tratados são acordos formalmente estabelecidos entre sujeitos de Direito Internacional como Estados soberanos e organizações internacionais com o objetivo de produzir efeitos jurídicos obrigatórios Sua importância reside no fato de que se baseiam na livre manifestação de vontade das partes refletindo a autonomia e soberania dos Estados na criação de normas que irão reger suas condutas mútuas Além de expressarem o consenso entre os sujeitos internacionais os tratados regulam as mais diversas e importantes matérias desde comércio segurança e meio ambiente até direitos humanos e paz internacional São instrumentos que dão voz à vontade coletiva e que por isso reforçam a legitimidade do Direito Internacional Mazzuoli destaca que os tratados se impõem como fonte preferencial por serem Mais fáceis de comprovar e identificar Mais claros e objetivos em sua redação Dotados de maior estabilidade jurídica E sobretudo expressivos da vontade direta dos Estados Essa percepção já era defendida por juristas do século XIX como Charles Calvo que afirmava que os tratados eram a fonte mais importante e mais irrecusável do direito internacional e por Joseph Nisot que os reconhecia como a fonte mais certa do direito das gentes Tipos e funções dos tratados Mazzuoli dá especial destaque aos tratados multilaterais que possuem vocação universal ou geral São celebrados por um número expressivo de Estados e têm por objetivo 1 Declarar um entendimento comum sobre normas já existentes no Direito Internacional 2 Estabelecer novas regras para disciplinar condutas futuras 3 Fundar ou organizar entidades de direito internacional como organizações intergovernamentais Muitos desses tratados multilaterais têm caráter normativo e se assemelham em sua função às leis nos ordenamentos internos Nesse sentido podem ser considerados tratados leis ou tratadosnormativos como a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados 1969 a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas 1961 e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares 1963 Esses instrumentos foram elaborados com o objetivo de consolidar práticas e costumes já existentes oferecendolhes uma forma escrita e codificada mais clara e segura para todos os membros da sociedade internacional Relação entre os tratados e o Direito interno Mazzuoli observa que os tratados ocupam posição de superioridade em relação às normas internas dos Estados Ao serem ratificados eles revogam as leis anteriores que lhes forem contrárias e devem ser respeitados pelas normas posteriores Assim o Direito interno não pode contrariar o que foi pactuado em tratados internacionais válidos e vigentes O autor reforça que esse princípio da primazia dos tratados sobre o direito interno é aceito tanto na prática internacional quanto em diversas Constituições contemporâneas A recomendação inclusive é que as leis nacionais sejam interpretadas em conformidade com os tratados já em vigor garantindo a harmonia entre os dois sistemas Quando o tratado se torna fonte de Direito Internacional geral Mazzuoli também trata de uma situação especial a dos tratados que por sua natureza e aceitação ampla se tornam fontes do Direito Internacional geral Essa possibilidade é reconhecida pelo Restatement of the Law Third 1987 que admite que acordos internacionais podem criar normas gerais quando São abertos à adesão de todos os Estados E de fato recebem ampla aceitação Nesses casos os tratados adquirem função análoga à de uma lei geral internacional ampliando sua eficácia para além das partes contratantes e tornandose marcos normativos de referência universal 5 O COSTUME INTERNACIONAL O costume internacional é ao lado dos tratados uma das principais fontes formais do Direito Internacional Público Ainda que atualmente os tratados tenham assumido grande protagonismo normativo o costume é a fonte mais antiga e continua exercendo papel vital na formação e na aplicação das normas internacionais especialmente em áreas onde não há convenções específicas Sua relevância reside no fato de que mesmo sem um centro legislador internacional os Estados podem por meio de suas condutas reiteradas e aceitas como obrigatórias criar normas jurídicas válidas e vinculantes É essa prática generalizada constante e acompanhada da convicção de obrigatoriedade que dá origem ao costume como fonte do Direito Mazzuoli destaca que muitos dos institutos hoje positivados em tratados nasceram primeiro como práticas consuetudinárias como as normas relativas a espaços marítimos relações diplomáticas comércio internacional e responsabilidade estatal por atos ilícitos Essas práticas mesmo depois de codificadas em tratados continuam existindo enquanto normas costumeiras para os Estados que não ratificaram tais instrumentos ou que vierem a denunciálos Conceito de costume internacional O costume internacional conforme definido pelo art 38 1º alínea b do Estatuto da CIJ é uma prática geral aceita como sendo o direito Já o Restatement of the Law Third 1987 o define como o resultado de uma prática geral e consistente por parte dos Estados seguida por eles com o entendimento de que constitui uma obrigação jurídica Isso significa que o costume internacional nasce de uma prática reiterada coerente e aceita pelos Estados como juridicamente obrigatória O autor diferencia o costume de meros usos ou práticas de cortesia internacional pois estas embora possam ser comuns não são dotadas da opinio juris ou seja da convicção de obrigatoriedade jurídica Exemplos de usos não obrigatórios são saudações cerimoniais entre navios de guerra ou certas gentilezas diplomáticas que não impõem dever legal mas apenas expressam cordialidade Elementos constitutivos do costume material e psicológico Mazzuoli explica que o costume internacional só se forma quando estão presentes dois elementos essenciais Elemento material ou objetivo é a prática reiterada constante e uniforme dos Estados em relação a determinada conduta realizada de maneira generalizada e pública Elemento psicológico ou subjetivo é a chamada opinio juris sive necessitatis ou seja a convicção dos Estados de que essa prática é obrigatória do ponto de vista jurídico e não apenas conveniente ou habitual Ambos os elementos são necessários A repetição de uma prática por si só não cria um costume se não estiver acompanhada da percepção de que tal conduta é exigida pelo Direito Formação clássica e contemporânea do costume Historicamente o processo clássico de formação do costume ocorre em quatro etapas segundo Clóvis Beviláqua 1 Surgimento de uma nova situação não regulamentada 2 Solução baseada em princípios gerais de direito ou justiça 3 Repetição dessa solução com aceitação social 4 Transformação dessa prática em norma costumeira reconhecida Contudo Mazzuoli destaca que também existem métodos contemporâneos de formação do costume mais rápidos e conscientes especialmente no âmbito das organizações internacionais Quando resoluções declarações ou diretrizes são adotadas com ampla aceitação mesmo que sem força vinculante imediata elas podem representar o início do processo de formação de um novo costume Assim a prática costumeira moderna pode ser menos espontânea e mais influenciada por mecanismos institucionais de produção normativa como os debates e consensos obtidos em fóruns multilaterais Extensão geográfica do costume O autor esclarece que nem todo costume precisa ser universal Existem três tipos 1 Costume internacional universal aceito por toda a sociedade internacional 2 Costume internacional regional aceito por um grupo de Estados localizados em determinada região 3 Costume internacional local praticado entre dois ou poucos Estados Exemplos clássicos envolvem práticas como o asilo diplomático na América Latina reconhecido regionalmente como norma consuetudinária embora não seja aceito em escala universal Mazzuoli ressalta que a formação do costume não exige a participação de todos os Estados mas tão somente daqueles diretamente relacionados com a prática ou afetados por ela Hierarquia entre costumes e tratados Segundo o autor não há hierarquia técnica entre tratados e costumes internacionais Ambos gozam de autoridade e podem coexistir ou até mesmo revogarse mutuamente Um tratado posterior pode revogar um costume anterior entre as partes contratantes e um costume novo pode tornar obsoleta uma regra convencional não mais observada No entanto quando se trata de normas jus cogens imperativas e inderrogáveis o costume prevalece sobre qualquer tratado que tente contrariálo É o caso por exemplo de normas internacionais que proíbem genocídio escravidão ou tortura reconhecidas como absolutas e não sujeitas a derrogação 6 OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO Os princípios gerais de direito ocupam posição peculiar entre as fontes formais do Direito Internacional Público Segundo o artigo 38 alínea c do Estatuto da Corte Internacional de Justiça CIJ são reconhecidos como fontes formais as regras gerais de direito reconhecidas pelas nações civilizadas Essa previsão aponta para a aplicação desses princípios como forma de preencher lacunas normativas e de assegurar a coerência jurídica em casos nos quais tratados ou costumes não oferecem resposta Mazzuoli inicia esse tópico explicando que os princípios gerais não são exclusivos do Direito Internacional Eles derivam na verdade dos sistemas jurídicos internos dos Estados especialmente dos fundamentos que estruturam o funcionamento do direito como ciência normativa Por essa razão os princípios gerais são muitas vezes considerados expressões universais da racionalidade jurídica compartilhados ainda que em graus diferentes por diversas tradições jurídicas ao redor do mundo Conceito e função Os princípios gerais de direito são entendidos como normas fundamentais que orientam a criação a interpretação e a aplicação das demais normas Sua principal função no Direito Internacional é complementar os tratados e os costumes e em certos casos suprir a ausência de normas positivas específicas São portanto normas subsidiárias mas dotadas de alta relevância prática Além disso possuem caráter integrador fornecendo coerência e unidade ao sistema internacional especialmente em momentos de incerteza ou controvérsia normativa Quando não há norma convencional ou costumeira aplicável é comum que os tribunais internacionais recorram a esses princípios como fundamento para suas decisões Princípios extraídos do direito interno De acordo com Mazzuoli os princípios gerais de direito não se confundem com os princípios específicos do Direito Internacional como os princípios da não intervenção da igualdade soberana ou da autodeterminação dos povos Esses últimos derivam de tratados costumes ou resoluções internacionais Os princípios gerais mencionados no artigo 38 c são aqueles reconhecidos nas ordens jurídicas internas dos Estados como por exemplo A boafé O nemo auditur propriam turpitudinem allegans ninguém pode alegar em seu favor a própria torpeza O pacta sunt servanda os pactos devem ser cumpridos O rebus sic stantibus as obrigações se mantêm enquanto não houver mudança fundamental das circunstâncias Esses princípios são identificados a partir da análise comparada das legislações nacionais e são elevados à categoria de normas internacionais quando reconhecidos de forma ampla pela comunidade dos Estados
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SEÇÃO I FONTES PRIMÁRIAS 1 Introdução O problema das fontes do Direito Internacional Público não é novo e continua a despertar a atenção dos internacionalistas principalmente após o aparecimento de novos atores na sociedade internacional que passaram a ampliar os meios tradicionais pelos quais o Direito Internacional opera1 A questão que aqui se coloca agora que já se tem uma visão aproximada das situações por tal direito regidas pode ser formulada nos seguintes termos do que é composto ou formado o Direito Internacional Público A resposta encontrase no estudo de suas fontes Tais fontes constituem ao lado do Direito dos Tratados o objeto fundamental de estudo do Direito Internacional Público na medida em que representam os elementos básicos do regime jurídico internacional2 Muita coisa mudou relativamente às fontes do Direito Internacional Público desde o aparecimento das primeiras organizações internacionais intergovernamentais no nosso planeta O fenômeno atual portanto é o da descentralização das fontes do direito das gentes É dizer atualmente se verifica uma reavaliação das fontes do Direito Internacional Público com o consequente aggiornamento dessas mesmas fontes que estão em processo de constante interação na doutrina e jurisprudência internacionais3 Tal se deu notadamente após as grandes mudanças ocorridas no cenário mundial desde o final da Segunda Guerra as quais se estendem até os dias atuais Assim deve se já ter bem fixada a ideia de que as fontes do Direito Internacional não se apresentam de maneira homogênea Um ato comissivo como a ocupação de um território ou uma manifestação unilateral de vontade ou omissivo que aceita pacificamente a ação de outro Estado e obviamente a conclusão de atos formalmente internacionais como a celebração de um tratado internacional sua denúncia etc têm igual aptidão para criar e ser fontes do Direito Internacional Público Por esse motivo dividiuse este Capítulo em duas seções uma ligada às fontes primárias do Direito Internacional e outra relativa aos chamados meios auxiliares e às ditas novas fontes da disciplina Estas últimas serão estudadas à luz das transformações ocorridas no plano internacional relativas ao aparecimento de novos atores do direito das gentes e de novos meios de produção das normas jurídicas internacionais É preciso sempre não perder de vista que tais transformações pelas quais vem passando o mundo com inúmeros progressos é certo mas igualmente com imensas desigualdades sociais são determinantes para uma reavaliação do estudo das fontes do Direito Internacional Público atualmente 2 Fontes materiais e formais Dividemse as fontes do Direito Internacional Público em materiais e formais4 As fontes materiais não pertencem ao universo da Ciência do Direito propriamente mas sim à Política do Direito porquanto como leciona Miguel Reale se referem ao exame do conjunto de fatores sociológicos econômicos ecológicos psicológicos e culturais que condiciona a decisão do poder no ato de edição e formalização das diversas fontes do Direito5 São as fontes que determinam a elaboração de certa norma jurídica bem assim o seu sentido ou alcance fazendo prova da existência dessa norma No plano do Direito interno têmse as necessidades sociais de elaboração de determinada regra de conduta ao passo que no plano do Direito Internacional têmse as necessidades que decorrem das relações dos Estados e das organizações internacionais de regulamentarem suas relações recíprocas6 Tais fontes determinam então o conteúdo a matéria a substância da norma jurídica podendo ter origens em necessidades sociais econômicas políticas morais culturais religiosas etc Para alguns autores a grande fonte material ou de produção das normas internacionais é o substrato econômico Assim entende JeanMarie Lambert para quem o gerenciamento da opinião pública mundial aponta claramente para o motor econômico e político da atividade normativa internacional7 Por outro lado consideramse fontes formais do Direito os métodos ou processos de criação das normas jurídicas as diversas técnicas que permitem considerar uma norma como pertencente ao mundo jurídico vinculando os atores para os quais se destinam8 No plano do Direito interno têmse a Constituição as leis do Estado devidamente elaboradas por processo legislativo os costumes os princípios gerais de direito bem como as reiteradas decisões dos tribunais jurisprudência naqueles países em que prevalece a doutrina do stare decisis precedente judicial de caráter obrigatório9 Denominamse formais pelo fato de indicarem as formas pelas quais o Direito especialmente o Direito positivo pode desenvolverse para atuar e se impor disciplinando as relações jurídicas Emanam sempre de uma autoridade que subordina a vontade dos súditos às suas deliberações ou seus comandos Tais fontes podem ser primárias substanciais ou de produção como a Constituição do Estado e secundárias formais ou de conhecimento como a lei fonte formal ou de conhecimento imediata os costumes e os princípios gerais de direito fontes formais ou de conhecimento mediatas No plano internacional contudo a situação tornase bem mais complexa Tal complexidade nasce do fato de não existir no âmbito externo ao contrário do que sucede com o Direito interno nenhum tipo de autoridade superior vġ uma Constituição que subordine os Estados à sua vontade de modo a tornar efetivas suas decisões No plano internacional tudo o que se faz ou se deixa de fazer é consequência da vontade organizada dos Estados para que isso aconteça Por isso qualquer comparação que se pretenda fazer com a dinâmica de produção normativa do Direito interno só pode levar ao fracasso do estudo das fontes do Direito Internacional Público Em última análise a validade de uma determinada norma como fonte de Direito Internacional está a depender da forma por meio da qual referida norma é elaborada por Estados ou organismos internacionais e de como a mesma se converte em obrigatória no plano jurídico externo Daí a afirmação de Ian Brownlie de que no contexto das relações internacionais a utilização da expressão fonte formal é inadequada e enganadora uma vez que o leitor é levado a pensar no mecanismo constitucional de elaboração das leis existente a nível interno o qual não existe para a criação de normas de Direito Internacional10 A maioria dos autores entretanto aceita a distinção entre fontes materiais e formais no Direito Internacional Público11 Num estudo clássico sobre o tema Max Sørensen também não deixou de distinguir as fontes formais do Direito Internacional das suas fontes materiais que compreendem nas suas palavras os elementos e as influências que determinam o conteúdo da regulamentação jurídica que são os interesses e necessidades práticas dos Estados ou as exigências ideais que decorrem em um certo momento da consciência social e das ideologias prevalentes na comunidade internacional12 Contudo interessanos mais o estudo das fontes formais ou se preferir como entende Brownlie o estudo dos meios como o consentimento geral dos Estados cria normas de aplicação geral13 do Direito Internacional que a análise das necessidades sociais econômicas políticas morais ou religiosas que fomentam a elaboração de determinada regra de conduta 3 Rol originário das fontes do Direito Internacional Público A Convenção da Haia de 18 de outubro de 1907 que criou o Tribunal Internacional de Presas foi o primeiro texto internacional a estabelecer um rol de fontes do Direito Internacional Público tendo sido estabelecido no seu art 7º o seguinte Se a questão de direito a resolver estiver prevista por uma convenção em vigor entre o beligerante captor e a Potência que for parte do litígio ou cujo nacional for parte dele o Tribunal decidirá conforme as estipulações da mencionada convenção Na falta dessas estipulações o Tribunal aplicará as regras do Direito Internacional Se não existirem regras internacionalmente reconhecidas o Tribunal decidirá de acordo com os princípios gerais do direito e da equidade Anos mais tarde entretanto apareceria aquele que viria a ser considerado o rol mais autorizado das fontes do Direito Internacional Público o qual atualmente é considerado apenas parte do rol das fontes formais do direito das gentes como se verá adiante Tratase do art 38 do Estatuto da CIJ que assim estabelece 1 A Corte cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas aplicará a as convenções internacionais quer gerais quer especiais que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes b o costume internacional como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito c os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas d sob ressalva da disposição do art 59 verbis A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações como meio auxiliar para a determinação das regras de direito 2 A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono se as partes com isto concordarem O art 38 do ECIJ como se vê não diz em nenhum momento ser um elenco de fontes do Direito Internacional disciplinando tão somente quais os instrumentos e meios que a Corte deverá aplicar numa controvérsia concreta entre Estados à sua jurisdição submetida Mas a doutrina tradicional tem apontado que as fontes do Direito Internacional correspondem perfeitamente àquilo que se estipulou no citado dispositivo sendo elas os tratados internacionais o costume internacional e os princípios gerais de direito Há entretanto que se ter como certo que o art 38 do referido Estatuto jamais pretendeu ser um rol taxativo das fontes do Direito Internacional Público mas apenas um roteiro para a própria Corte relativamente à aplicação do Direito Internacional num caso concreto14 Tratados costumes e princípios gerais de direito são as fontes primárias do Direito Internacional de sorte que qualquer regra que pretenda ser considerada norma de direito das gentes não pode derivar de outro lugar senão de uma delas Mas o Estatuto também faz referência às decisões judiciárias e à doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações consideradas meios auxiliares na busca da comprovação da existência de determinada regra de direito Assim as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas a que o artigo faz referência esclareçase não são fontes de direito como tal constituindose validamente entretanto como meios de auxílio a definir o direito aplicável v infra O art 38 do ECIJ não se pronuncia se existe algum tipo de grau hierárquico entre as disposições que enumera particularmente entre os tratados e os costumes internacionais A doutrina soviética nesse sentido opõese a qualquer critério rigidamente hierárquico entre as normas do Direito Internacional não obstante considere ser algumas regras ou princípios mais importantes que outros Segundo esta concepção não há hierarquia entre os tratados e as demais fontes do Direito Internacional Público mesmo porque a validade das normas convencionais depende da regra consuetudinária pacta sunt servanda15 Poderseia pensar com esta última afirmação que dependendo a validade das normas convencionais da norma hoje costumeira mas nascida de princípios pacta sunt servanda os costumes seriam hierarquicamente superiores aos tratados caso em que não poderiam estes últimos revogar costumes Tal não pode ser verdade Ora se os Estados concluíram um tratado e ali deliberaram algo diferente do que costumeiramente praticam é porque pretenderam modificar o costume até então vigente Daí porque na prática os tribunais internacionais dão preferência às disposições específicas de caráter obrigatório dos tratados internacionais vigentes entre as partes sobre as normas internacionais costumeiras e sobre os princípios gerais de direito Mas essa prática só pode ser aceita obviamente se a norma costumeira não for uma norma imperativa de Direito Internacional geral chamada de jus cogens16 que não pode ser derrogada por nenhum tratado entre Estados17 A maior utilização prática dos tratados em detrimento dos costumes porém não é reveladora de diferença hierárquica formal entre essas mesmas fontes18 Assim frisese a regra é a de que não há hierarquia entre as fontes formais do Direito Internacional Público à exceção do art 103 da Carta das Nações Unidas que atribui primazia à Carta sobre todos os demais compromissos internacionais concluídos por quaisquer de seus membros e das normas de jus cogens que prevalecem sobre todas as demais regras ou obrigações internacionais19 Além dessas expressões do Direito Internacional vigente podem vir a existir outras a exemplo dos atos unilaterais estatais e das decisões das organizações internacionais além de certas regras de conteúdo bastante recente como é o caso para alguns autores da chamada soft law20 Portanto antes de se começar a estudar as fontes primárias e os meios auxiliares de interpretação do Direito Internacional é mister apontar o caráter relativo e não taxativo do art 38 do ECIJ o qual elenca um rol mínimo de normas aplicáveis em direito das gentes mas sem pretensão de esgotamento Daí o motivo pelo qual novas fontes e novos meios auxiliares de interpretação poderão surgir com o passar do tempo ampliando o núcleo mínimo tão somente declaratório do art 38 e permitindo à Corte utilizarse dessas novas regras independentemente de previsão expressa em tratado ou outra norma internacional Destaquese que andou melhor que o art 38 do ECIJ o art 21 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional pois não obstante se basear nas mesmas premissas de enumeração das fontes que o tribunal deverá utilizar no julgamento de casos concretos sanou inconsistências da normativa anterior ao assim estabelecer 1 O Tribunal aplicará a Em primeiro lugar o presente Estatuto os Elementos Constitutivos do Crime e o Regulamento Processual b Em segundo lugar se for o caso os tratados e os princípios e normas de direito internacional aplicáveis incluindo os princípios estabelecidos no direito internacional dos conflitos armados c Na falta destes os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes incluindo se for o caso o direito interno dos Estados que exerceriam normalmente a sua jurisdição relativamente ao crime sempre que esses princípios não sejam incompatíveis com o presente Estatuto com o direito internacional nem com as normas e padrões internacionalmente reconhecidos 2 O Tribunal poderá aplicar princípios e normas de direito tal como já tenham sido por si interpretados em decisões anteriores 3 A aplicação e interpretação do direito nos termos do presente artigo deverá ser compatível com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos sem discriminação alguma baseada em motivos tais como o gênero definido no parágrafo 3º do artigo 7º a idade a raça a cor a religião ou o credo a opinião política ou outra a origem nacional étnica ou social a situação econômica o nascimento ou outra condição O dispositivo como se nota traça um parâmetro e uma escala de aplicação do direito em etapas sem o que não poderá o tribunal levar a cabo qualquer julgamento Deliberadamente foram deixados de lado os métodos de auxílio na determinação das regras de direito tais como a jurisprudência e a doutrina Verdade porém é que a disposição somente se aplica aos julgamentos perante o TPI não espraiando efeitos para além do plano estritamente criminal Daí volverse o estudo das fontes primárias novamente para a regra que resta na regulação do problema qual seja o art 38 do ECIJ 4 Os tratados internacionais Os tratados internacionais são incontestavelmente a principal e mais concreta fonte do Direito Internacional Público na atualidade não apenas em relação à segurança e estabilidade que trazem nas relações internacionais mas também porque tornam o direito das gentes mais representativo e autêntico na medida em que se consubstanciam na vontade livre e conjugada dos Estados e das organizações internacionais sem a qual não subsistiriam Além de serem elaborados com a participação direta dos Estados de forma democrática os tratados internacionais trazem consigo a especial força normativa de regularem matérias das mais variadas e das mais importantes Além disso os tratados internacionais dão maior segurança aos Estados no que respeita à existência e interpretação da norma jurídica internacional ou seja são a fonte do Direito Internacional mais direta clara e fácil de comprovar21 Daí a afirmação de Charles Calvo nos idos de 1884 de que os tratados são incontestavelmente a fonte mais importante e mais irrecusável do direito internacional22 tendo sido seguido por Joseph Nisot que atestou serem os tratados a fonte mais certa do direito internacional23 O assombroso crescimento apenas da United Nations Treaty Series já demonstra esse fato atestando o relevante papel que têm os tratados na prática internacional contemporânea24 Como fontes do Direito Internacional geral merecem destaque os tratados multilaterais concluídos por grande número de Estados para 1 declarar o seu entendimento sobre determinado Direito vigente 2 regulamentar pro futuro e de maneira nova sua conduta ou ainda 3 com o fim de criar uma organização internacional25 Os tratados internacionais são superiores às leis internas eles revogam as normas domésticas anteriores que lhes sejam contrárias e devem ser observados pelas que lhes sobrevenham Todas as leis posteriores diz claramente Accioly não devem estar em contradição com as regras ou princípios estabelecidos pelos tratados e finalmente qualquer lei interna que com eles se relacionem deve ser interpretada tanto quanto possível de acordo com o direito convencional anterior26 Tal reconhecimento da primazia do direito convencional sobre o Direito interno já foi consagrado como se viu Capítulo II item nº 6 desta Parte I por inúmeras Constituições contemporâneas e pela prática internacional Alguns tratados podem constituirse em normas de Direito Internacional geral ou ser uma fonte desse direito O Restatement of the Law Third 1987 1023 abre essa possibilidade ao estabelecer que os acordos internacionais criam direito internacional geral quando estão abertos à adesão dos Estados em geral e de fato quando contam com uma ampla aceitação27 Nesse caso os tratados passam a desempenhar função semelhante àquela que tem a legislação nos ordenamentos internos dos Estados Cuidase do que o Direito dos Tratados classifica como tratadosleis ou tratadosnormativos que criam normatividade geral de Direito Internacional Público vġ a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 além de vários outros tratados concluídos sob os auspícios das Nações Unidas Isto se dá por conta da lentidão do direito costumeiro de fazer frente às necessidades prementes da sociedade internacional relativamente à adoção de novas normas jurídicas28 Ao estudo da teoria dos tratados dáse o nome de Direito dos Tratados que em linhas gerais regula a a forma como negociam os Estados ou as organizações internacionais b quais os órgãos encarregados de tal negociação c como se adota o texto convencional d qual a forma de assegurar a autenticidade do texto e como os contratantes expressam seu consentimento em obrigarse pelo acordo f como se dá a entrada em vigor ou aplicação provisória de um tratado g como se incorpora ao direito local o tratado h quais os vícios capazes de anular o consentimento ou nulificar um tratado i quais os efeitos que o compromisso produz sobre as partes ou sobre terceiros e j como se extinguem os atos internacionais O Direito dos Tratados será detalhadamente estudado durante todo o Capítulo V desta Parte I 5 O costume internacional A segunda grande fonte formal historicamente porém a mais antiga do Direito Internacional Público é o costume internacional29 Sua importância advém do fato de não existir ainda no campo do Direito Internacional um centro integrado de produção de normas jurídicas não obstante a atual tendência de codificação das normas internacionais de origem consuetudinária A codificação do costume em documentos escritos demonstra nitidamente o seu caráter de fonte formal do Direito Internacional eis que uma série de institutos relativos vġ aos espaços marítimos ao comércio à guerra e às relações diplomáticas nasceram temporalmente muito antes que qualquer tratado sobre a matéria e inclusive antes da formação dos próprios Estados De fato é o costume internacional enquanto modo de elaboração do direito uma fonte formal por se tratar de um processo regido pelo Direito Internacional e autônomo em relação a outros modos como confirma o próprio art 38 do ECIJ ao falar de prova de uma prática geral aceita como sendo o direito30 O costume internacional não obstante a proliferação dos tratados especialmente dos que codificam costumes precedentes tem ainda um papel de grande relevância na formação e desenvolvimento do Direito Internacional Público primeiro por estabelecer um corpo de regras universalmente aplicáveis em vários domínios do direito das gentes e segundo por permitir a criação de regras gerais que são as regrasfundamentos da constituição da sociedade internacional Assim diferentemente dos tratados que têm o seu âmbito de aplicação reduzido aos Estados que os ratificaram os costumes proliferamse para a generalidade dos sujeitos internacionais mesmo para os reticentes Daí continuar sendo o costume mesmo com a ascensão numérica dos tratados internacionais um valioso elemento de determinação das regras do Direito Internacional Público31 Exemplifiquese com o tema da responsabilidade internacional por atos ilícitos que não contava com qualquer projeto da CDI antes de 2001 até o momento ainda não aprovado pela ONU e exigia portanto continuassem os costumes relativos ao tema sendo aplicados à generalidade dos Estados Historicamente o costume internacional consuetudo est servanda foi a primeira fonte do Direito Internacional a aparecer e a ganhar vida tendo reinado incontrastável até o século XVII a partir de quando após os Tratados de Westfália que puseram termo à Guerra dos Trinta Anos as convenções internacionais passaram a ganhar especial relevo no cenário internacional notadamente por consolidarem a igualdade entre os Estados e visarem a segurança e a estabilidade das relações internacionais À exceção dos princípios gerais do direito internacional não se conhecia regra alguma de Direito Internacional aplicável à sociedade internacional que não fosse costumeira E ainda hoje o fato é que nenhum tratado multilateral logrou a ratificação da totalidade dos Estados componentes da sociedade internacional32 o que faz sobrar aos costumes a regulação de várias matérias no âmbito do direito das gentes33 Assim a necessidade da sociedade internacional em buscar novos meios de regulação de suas atividades como pelos tratados e pelas regras das organizações internacionais não retirou dos costumes a condição de fontebase e anterior de todo o Direito Internacional Público mesmo porque se sabe que a positivação dos costumes em normas convencionais não os extingue34 Pelo contrário o costume mesmo positivado em tratado continua a existir para aqueles Estados que desse tratado não são partes ou ainda para aqueles Estados que se retiraram desse mesmo instrumento pela denúncia unilateral a Conceito de costume internacional Segundo o art 38 1º alínea b do ECIJ os costumes constituemse numa prática geral aceita como sendo o direito O Restatement of the Law Third 1987 1022 traz uma definição mais sólida ao assinalar que o direito internacional costumeiro resulta de uma prática geral e consistente por parte dos Estados seguida por eles como consequência de entendêla como uma obrigação legal35 É dizer o costume internacional resulta da prática geral e consistente para além de uniforme dos atores da sociedade internacional em reconhecer como válida e juridicamente exigível determinada obrigação Ou nas palavras de Virally surge quando os Estados adquirem o hábito de adotar no que tange a uma certa situação e sempre que a mesma se repita uma atividade determinada à qual se atribui significado jurídico36 Aí está a diferença do costume para o uso uma vez que nesse último ao contrário do que sucede com o primeiro não existe a crença por parte dos atores da sociedade internacional de obrigatoriedade daquilo que se está a praticar não há pois no uso mais do que mera liberalidade dos Estados que agem de forma repetitiva por simples solicitude São exemplos de usos dentre outros as saudações de cortesia no mar salva de canhões entre navios e o hábito de isentar veículos diplomáticos de proibições de estacionamentos37 práticas que jamais se entendeu serem dotadas da crença de obrigatoriedade Diz ainda o ECIJ ser o costume a prova de uma prática geral A expressão em destaque deve ser em parte criticada por não ser o costume a prova de uma prática mas a própria prática internacional colocada em movimento Ou seja o costume não é só a prova de uma prática como quer o ECIJ senão também o seu resultado38 É dizer o costume resulta da prática geral consistente contínua e uniforme dos Estados que reconhecem como válida e juridicamente exigível determinada obrigação Denominamse por isso as regras costumeiras geralmente aceitas entre os países de Direito Internacional universal Do oposto a parte dessas regras obrigatórias somente para dois ou mais Estados é o que se denomina Direito Internacional particular não obstante alguns autores não considerarem o direito internacional particular como sendo propriamente Direito Internacional b Elementos formadores do costume Dois são os elementos necessários à formação do costume internacional sem os quais não se pode determinar e provar a sua existência o material e o psicológico também chamados respectivamente de elementos objetivo e subjetivo Nenhuma outra condição de existência além desses dois elementos de integração é necessária para que a norma costumeira se constitua enquanto tal O importante a ser frisado é que tanto o elemento material ou objetivo como o elemento psicológico ou subjetivo podem ser vislumbrados da própria redação do 1º alínea b do art 38 do ECIJ segundo o qual o costume internacional consiste na prova de uma prática geral elemento material ou objetivo aceita como sendo o direito elemento psicológico ou subjetivo Em suma o que esse dispositivo do ECIJ fez foi consagrar a fórmula seguinte elemento material elemento psicológico norma costumeira39 Vejamos separadamente cada um desses elementos b1 Elemento material ou objetivo A repetição generalizada reiterada e uniforme de certos atos praticados pelos sujeitos do Direito Internacional exceto os particulares ante a um quadro fático é o elemento material do costume inveterata consuetudo40 Consiste para falar como o ECIJ na prova de uma prática geral Essa prática é sempre adotada em virtude da multiplicação dos precedentes costumeiros seguidos pelos atores da sociedade internacional Por precedentes se entendem os casos aplicados pelos Estados ou organizações internacionais de forma reiterada e uniforme quando da repetição de fatos semelhantes Daí se entender que a formação do costume opera pela imitação ou repetição progressiva e espontânea de fatos de variada natureza que ocorrem na ordem jurídica interna ou internacional objetivando a afirmação de um princípio de Direito Internacional Público Tais precedentes normalmente realizados pelos órgãos dos Estados nas relações internacionais devem demonstrar não a existência de uma prática passageira ou fugaz mas uma prática reiterada constante e uniforme desses mesmos atos41 Em razão disso para uma regra ser considerada norma de Direito Internacional deve ser ela geralmente aceita tácita ou expressamente pelos Estados ou organizações internacionais sendo certo que estas últimas ao contrário do que se pensava há algumas décadas também participam do processo de formação do costume42 Essa repetição de atos estatais ou organizacionais que é condição da consolidação da prática dá origem a um hábito por parte de seus atores que não necessita ser obrigatoriamente imemorial e tampouco comissivo podendo perfeitamente constituirse em uma abstenção ou num não fazer perante determinado quadro de fato Não se exige ademais uma repetição de atos obrigatoriamente idênticos devendo apenas estar relacionados a uma mesma matéria ou a uma mesma questão de fato Tanto os atos dos Estados praticados normalmente por meio dos seus órgãos nas relações internacionais como os chefes de Estado os Ministros de Relações Exteriores ou os Agentes Diplomáticos quanto os das organizações internacionais manifestados em decisões diretrizes declarações recomendações resoluções ou outras espécies congêneres são aptos para criar a repetição necessária à formação da chamada inveterata consuetudo que se traduz no elemento material do costume Mas frisese que a prática convencional levada a efeito pelos Estados ou organizações internacionais também serve para criar norma costumeira à medida que vão se repetindo em tratados diversos certas cláusulastipo a exemplo da cláusula standard da não ofensa à ordem pública e aos bons costumes entre outras43 Em suma o elemento material do costume consubstanciase na repetição generalizada e habitual de certos atos praticados pelos Estados ou organizações internacionais capaz de criar uma prática entre eles Mas frise se porém ser impossível estabelecer critérios exaustivos para prever as condutas que pela sua repetição podem ser capazes de criar uma prática nas relações entre Estados ou organizações internacionais não obstante já ter havido alguma tentativa nesse sentido44 Nesse campo tudo estará a depender das circunstâncias do caso e da natureza da prática em questão b2 Elemento psicológico ou subjetivo O elemento material entretanto não estaria apto para formar a norma costumeira se a repetição de determinada prática fosse determinada apenas por mero hábito destituído de qualquer obrigatoriedade jurídica Por esse motivo é que para a formação concreta do costume além da prática geral é também necessária a convicção de que aquilo que se pratica deve ser realmente juridicamente cumprido Daí ter estabelecido o ECIJ que essa prática geral deve ser aceita como sendo o direito Assim para que o costume sobreviva como tal é necessário que a prática reiterada de atos estatais ou organizacionais seja comandada pela chamada opinio juris que é o elemento psicológico subjetivo ou espiritual da formação do costume opinio juris sive necessitatis45 A opinio juris convicção do direito não é apenas um acordo tácito ou abstrato de vontades como pretendem os voluntaristas mas sim a crença prematura dos atores da sociedade internacional criadores daqueles precedentes já referidos de que aquilo que se pratica reiteradamente se estima obrigatório pelo fato de ser justo e pertencente ao universo do Direito Mas conota também uma convicção positiva comum dos atores internacionais em agir levando em conta aquilo que os fatores históricos e sociais do contexto internacional impuseram Temse então a convicção de que a prática que se segue é obrigatória por ser regra jurídica Essa crença que os atores da sociedade internacional têm em relação à obrigatoriedade de certa prática pode ser verificada com base em inúmeros indícios como a ratificação de tratados atos diplomáticos estatais expressos ou tácitos manifestações unilaterais constantes dos sucessivos governos num mesmo sentido decisões reiteradas de organizações internacionais etc Sem embargo de muitos autores não aceitarem o elemento psicológico como requisito para a formação do costume46 cremos junto a Ian Brownlie que opinio juris é de fato um ingrediente necessário uma vez que a convicção de obrigatoriedade que se contrapõe às normas de cortesia justiça ou moralidade é suficientemente palpável reconhecendo a prática dos Estados a diferença entre obrigação e uso47 Em suma para a caracterização do costume internacional deve haver para além dos citados precedentes elementos de conscientização capazes de transformar a prática generalizada de um ato internacional em regra jurídica vinculante sem os quais o hábito estatal ou organizacional relativo à determinada questão de fato não passará de mera cortesia ou simples uso sem qualquer obrigatoriedade dentro do universo do Direito48 Em outras palavras os Estados ou as organizações internacionais em causa devem estar persuadidos por meio da expressão da opinio juris de que estão aplicando uma norma cujo conteúdo é jurídico e portanto passível de sanção em caso de descumprimento c Processos clássico e contemporâneo de formação do costume Segundo Clóvis Bevilaqua o processo clássico de formação do costume opera em quatro momentos distintos 1 num primeiro momento surge uma relação nova ou ainda não disciplinada entre os Estados 2 esta relação passa então a ser regulada segundo os princípios gerais de direito ou de acordo com o sentimento de justiça vigente 3 tal solução consistente na aplicação de princípios gerais de direito àquela nova situação até então não disciplinada internacionalmente repercute satisfatoriamente no ordenamento jurídico internacional ou na consciência dos indivíduos adquirindo a tendência evolutiva à repetição 4 com o passar do tempo casos idênticos se apresentam e o mesmo disciplinamento lhes é aplicado passando tal prática a ser aceita pela sociedade internacional como se fosse Direito Findo esse iter procedimental temse a formação de um novo costume no seio da sociedade internacional49 Frisese porém que para além desse modo clássico de formação do costume há também métodos contemporâneos de sua formação Estes se verificam atualmente na prática das organizações internacionais quando adotam certas diretrizes e resoluções fruto de longas discussões e consensos obtidos nas votações de suas assembleias gerais Tais normativas não são e não materializam o costume propriamente dito elas são o início do processo de formação contemporâneo de um novo costume no seio da organização e consequentemente no dos Estados que dela participam A característica que tem essa nova maneira de formação da norma costumeira é a de ser mais consciente que aquela que vê na sua formação o requisito da espontaneidade Segundo entendemos o costume internacional é formado por atos de consenso entre Estados ou organizações internacionais e não propriamente de maneira espontânea50 E a vantagem desse elemento mais atual na formação do costume é o de adaptálo à prática cada vez mais inconstante da sociedade internacional atual De qualquer forma podese dizer que ambos os processos de formação o clássico e o contemporâneo do costume ainda coexistem e não está à vista a substituição total do segundo pelo primeiro d Extensão geográfica do costume chamada prática generalizada de atos pode darse em contexto universal regional ou até mesmo local Tal demonstra que para existir um costume internacional não se exige que todos os Estados ou organizações internacionais do mundo aceitem certa prática como sendo juridicamente obrigatória v infra item i Ou seja a expressão prática geral não requer o aceite universal de uma regra por todos os sujeitos do Direito Internacional Público para só então caracterizarse verdadeiro costume 51 Assim podese desdobrar o costume em 1 costume internacional universal e 2 costume internacional particular Este último por sua vez se subdivide em a costume internacional regional e b costume internacional local O costume internacional universal é aquele que atinge todos os sujeitos da sociedade internacional independentemente de terem ou não participado de sua formação o costume internacional particular é o que atinge apenas certo número de sujeitos podendo dizer respeito a um grupo determinado de Estados ou organizações internacionais num contexto regional costume internacional regional ou apenas a dois únicos Estados ou organizações internacionais costume internacional local52 Isto porque não são todos os sujeitos do direito das gentes que participam ou têm a possibilidade de participar da formação de um costume internacional devendo então ser possível a particularização de sua formação Por exemplo não são todos os Estados que dispõem de mar territorial sendo ainda em menor número aqueles que desempenham um papel ativo na formação do costume relativo ao espaço extraatmosférico53 Tal fato demonstra que a formação de um costume não depende obrigatoriamente da vontade de todos os Estados a exemplo do que ficou estabelecido pela CIJ no caso Haya de la Torre 54 O caso do asilo diplomático bem ilustra esse exemplo por ser prática eminentemente latinoamericana e que sem embargo disso tornouse costume entre os países da região55 e Hierarquia entre costumes e tratados internacionais Não há diferença hierárquica entre os costumes e os tratados internacionais O tratado em vigor é apto para derrogar entre as partes que o concluem certa norma costumeira anterior na mesma proporção que o costume superveniente pode derrogar norma proveniente de tratado caso em que normalmente se fala que o tratado caiu em desuso por não ser mais observado ou por não mais satisfazer às necessidades correntes Assim se é certo que tanto os tratados como os costumes têm uma posição proeminente sobre as demais fontes do Direito Internacional Público não é menos certo que ambos tratados e costumes desfrutam de idêntica autoridade nas ordens interna e internacional56 Podem aqui ser aplicados igualmente os métodos tradicionais de solução de conflitos de normas sucessivas sobre a mesma matéria o critério da especialidade lex specialis derogat legi generali e o critério cronológico lex posterior derogat priori Tais critérios de resolução de antinomias podem também ser utilizados no caso dos conflitos entre costumes capazes de ocorrer entre dois costumes gerais dois costumes regionais ou entre um costume geral e um costume regional57 Nos dois primeiros casos o costume posterior lex posterior prevalece sobre o anterior e no terceiro o costume regional lex specialis prevalece sobre o geral Mas de volta ao caso da hierarquia entre tratados e costumes como já se noticiou na prática os tribunais internacionais têm dado preferência às disposições específicas de caráter obrigatório dos tratados internacionais vigentes entre as partes sobre as normas costumeiras internacionais pelo fato de oferecer o tratado mais segurança e estabilidade às relações internacionais propriedades dificilmente encontradas no direito costumeiro Esse o motivo talvez pelo qual as convenções internacionais quer gerais quer especiais que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes precedem o costume internacional no ECIJ o que não significa existir qualquer hierarquia técnica entre tais normas O caso da prevalência do costume sobre a norma convencional que se poderia citar a título de exceção diz respeito à hipótese em que o costume é verdadeira norma de jus cogens caso em que prevalece hierarquicamente sobre quaisquer normas internacionais sejam tratados ou mesmo costumes de outra natureza tal como estabelecem os arts 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 196958 f Prova do costume Outra questão relevante atinente ao costume diz respeito à sua prova Nos termos do art 38 1º alínea b do ECIJ a parte que alega um costume geral tem que provar que o mesmo é oponível à parte contrária o que é certamente muito mais oneroso que provar a existência de norma convencional em vigor uma vez que esta última tem data certa no calendário de quando foi celebrada e quando começou a vigorar ao passo que a existência e a validade daquele têm de ser auferidas levandose em conta outras circunstâncias normalmente atos diplomáticos estatais Por outro lado também não se pode entender impossível a prova do costume Os vários precedentes sobre determinado assunto a troca de correspondência diplomática as declarações conjuntas os atos unilaterais dos Estados como a sua legislação interna os comunicados de imprensa etc as atividades diárias de milhares de funcionários em departamentos governamentais bem assim as decisões de tribunais internacionais e as resoluções de organizações internacionais são sempre fortes indícios de uma determinada opinio juris59 Como observa Malcolm Shaw o caminho óbvio para descobrir como os países se comportam consiste em ler os jornais consultar os registros históricos ouvir o que as autoridades do governo dizem e folhear as muitas publicações oficiais além de resgatar as memórias escritas por líderes do passado manuais oficiais sobre questões de direito comunicações diplomáticas e os pareceres dos consultores jurídicos do país60 Seja como for no contencioso internacional a parte requerente que alega em sua defesa um costume internacional quer universal regional ou local tem a obrigação de proválo61 Não é por outra razão que em muitas sentenças de tribunais internacionais judiciários ou arbitrais os costumes já vêm expressamente declarados e são confirmados pela doutrina internacionalista62 Mas não são as meras pretensões dos Estados ou das organizações internacionais capazes de provar um costume internacional sendo necessário verificar qual a verdadeira prática inclusive logicamente a omissiva desses mesmos atores relativamente à questão que se pretende inconteste63 No caso dos costumes regionais sua alegação deve ser feita de modo a provar que o mesmo está estabelecido de tal maneira que se tornou vinculativo para a outra parte como já decidiu a CIJ no Caso Lotus64 O lapso temporal de formação e solidificação do costume influencia sobremaneira em sua prova Se porém em outros tempos a formação do costume durava séculos atualmente já se reconhece possa tal processo abreviarse com os avanços tecnológicos e o desenvolvimento acelerado da ciência é fato que o costume internacional pode formarse em tempo notadamente menor Assim o entendimento atual vejase o que decidiu a CIJ no caso Plataforma Continental do Mar do Norte de 1969 é no sentido de que a brevidade de tempo não constitui necessariamente impedimento à formação de nova regra costumeira internacional65 Nesse sentido podese dizer ter havido certa facilitação nos dias presentes para a prova de determinados costumes Destaquese por fim que atualmente também se tem admitido a flexibilização da prova do costume em determinados casos como vġ no que tange aos novos Estados que não dispõem como não poderia deixar de ser de bagagem diplomática substanciosa a comprovar a sua prática relativamente à questão debatida g Interpretação do costume seus dois elementos constitutivos implica também interpretar a conduta dos sujeitos envolvidos Estados ou organizações internacionais no que tange à valoração que seu comportamento generalizado e aceito como sendo o Direito tem relativamente a esses mesmos sujeitos É dizer cada sujeito do Direito Internacional que aceita um mesmo costume como prática constante uniforme e vinculativa o aceita de maneira diferente com valorações e pesos diferentes cada qual ao seu modo Por ser a aceitação de um princípio não escrito a interpretação do costume se torna mais onerosa que a interpretação de um tratado por depender justamente da determinação do grau de aceitação da norma no seio da sociedade internacional o que pode variar no tempo e de Estado para Estado Quais são os atores dessa interpretação São eles os próprios Estados as organizações internacionais os tribunais internos e internacionais e a doutrina lato sensu obras dos autores mais consagrados bem assim os trabalhos preparatórios de tratados os relatórios e os pareceres emitidos no seio de organizações internacionais etc Modernamente a interpretação do costume tem se tornado relativamente mais fácil à medida que o direito internacional costumeiro vem sendo ao longo dos anos cristalizado em inúmeros tratados internacionais66 A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados é exemplo concreto desse fenômeno tendo nela sido codificadas várias regras costumeiras relativas à prática dos Estados no que tange aos tratados além de outras regras tidas como universais das quais são exemplos o jus cogens e o princípio pacta sunt servanda A vantagem desse processo é deixar assente o real significado do costume impedindo uma imediata negação de sua existência O que se poderia objetar é que os tratados que cristalizam certos costumes dependem da ratificação dos Estados para que no seio destes possam ter aplicação jurídica Ocorre que a positivação de um costume em um tratado não faz que o costume desapareça do cenário internacional enquanto costume mesmo A positivação é tão somente um facilitador da verificação da concretude do costume em nada modificando sua existência e validade enquanto norma costumeira per se que continuará a aplicarse independentemente de sua escritura em documento convencional E assim mesmo não tendo ratificado o tratado positivador o Estado em causa ainda está comprometido com a regra costumeira em vigor De fato a CIJ reiteradamente já entendeu vġ nos casos da Plataforma Continental do Mar do Norte de 1969 das Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua de 1986 das Consequências Jurídicas da Construção de um Muro no Território Palestino Ocupado de 2004 dentre outros que uma norma convencional pode ter efeito declaratório cristalizador ou até mesmo gerador de normas costumeiras e que produzindo um desses efeitos o tratado obriga como costume independentemente de sua entrada em vigor e em relação a Estados não partes Atualmente porém parece cada vez menos produtivo verificar a existência de costumes já consolidados e transcritos em tratados internacionais e muito mais importante identificar o nascimento de novos costumes à medida que estes vão sendo criados O fato de os costumes internacionais estarem cada vez mais impregnados nos tratados internacionais modernos nunca impediu e talvez nunca impeça o seu andar lado a lado com as normas convencionais uma vez que estas apesar de serem escritas e trazerem mais segurança e estabilidade para as relações internacionais nem sempre conseguem esgotar o leque de possibilidades que o assunto nelas próprio versado apresenta Daí o motivo de alguns tratados internacionais como as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares de 1961 e 1963 respectivamente disporem nos seus preâmbulos que as normas de Direito Internacional consuetudinário devem continuar regendo as questões que não tenham sido expressamente reguladas nas disposições da presente Convenção grifo nosso Os costumes internacionais esclareçase têm sido reconhecidos por diversos tribunais internacionais dentre os quais a CIJ Foi ademais com base no costume internacional que o Tribunal de Nuremberg instituído para processar e julgar os crimes cometidos na Segunda Guerra pelos nazistas responsabilizou a Alemanha no âmbito internacional pelo que ocorrera dentro de seu território O Tribunal alegou a violação do direito costumeiro internacional que proíbe os crimes contra a humanidade Foi a primeira vez na história que um Estado se viu responsabilizado por atos cometidos dentro do seu próprio território h O problema dos novos Estados Uma dificuldade clássica relativa à aplicação do costume surge em relação aos chamados novos Estados ou seja aqueles que adquiriram sua independência em momento posterior ao costume já formado e por isso não puderam participar do seu processo de formação67 A pergunta que se coloca é estão os novos Estados obrigados juridicamente para com as regras costumeiras preexistentes ao seu nascimento Inicialmente esclareçase que os novos Estados certamente encontrarão resistência por parte dos demais atores da sociedade internacional caso pretendam deter a prerrogativa de aceitar ou não o costume já anteriormente reconhecido ou seja já formado e em vigor no plano internacional Certa parte da doutrina chega até mesmo a negarlhes essa faculdade de escolha68 Segundo esse entendimento quando um novo Estado adquire sua independência passa ele a ingressar na sociedade internacional com todos os direitos e obrigações que o Direito Internacional geral já anteriormente estabelecera O comentário d do Restatement of the Law Third 1987 102 entende dessa maneira A state that enters the international system after a practice has ripened into a rule of international law is bound by that rule e é aplaudido pela doutrina69 Contudo não é menos certo que juridicamente tais novos Estados têm o direito de afastar em relação a si expressa ou tacitamente a aplicação de determinado costume internacional incompatível com as suas convicções ou interesses não obstante estar cada vez mais em voga a ideia de um Direito Internacional geral aplicável até mesmo àqueles Estados que jamais participaram de sua formação quer pela falta da prática reiterada de atos exigida para a formação do costume elemento material quer pela falta de convicção de sua juridicidade elemento psicológico De qualquer sorte o assunto ainda é polêmico e pouco pacífico Para nós parece viável e também justo atribuir aos novos Estados o direito de escolha sobre o cumprimento de um costume já formado quando este atenta contra os seus ideais mais caros ou quando o costume em causa não se encontra totalmente nítido a não ser obviamente em relação àquelas normas imperativas de Direito Internacional geral que compõem o universo do chamado jus cogens70 i A impossibilidade jurídica da teoria do objetor persistente Por fim cumpre noticiar a existência da chamada teoria do objetor persistente persistent objector segundo a qual um Estado poderia se subtrair à aplicação de um costume internacional em vigor caso prove que persistentemente e inequivocamente se opôs ao seu conteúdo desde a sua formação71 Nesse sentido no Caso da Pesca entre GrãBretanha e Noruega a CIJ afirmou que a regra das dez milhas não seria oponível à Noruega dada sua sistemática oposição contra toda tentativa de aplicála nas costas norueguesas72 Como se vê essa doutrina de cunho voluntarista pretende fundamentarse no princípio de que o Direito Internacional depende essencialmente do consenso dos Estados73 Atualmente porém é evidentemente que tal doutrina que se baseia numa ideia equivocada e já superada sobre a formação do costume não tem mais qualquer razão de ser uma vez que o entendimento atual é no sentido de não necessitar o costume para a sua formação do consentimento unânime dos Estadosmembros da sociedade internacional o que se requer é que um certo comportamento esteja difuso entre a ampla maioria dos sujeitos internacionais entendendo estes últimos que tal comportamento os obriga juridicamente74 Seria até mesmo impossível atualmente lograr o aceite de todos os Estados para que determinado costume internacional fosse consolidado notadamente em razão de diferenças culturais econômicas sociais etc em tudo díspares entre eles capazes de impossibilitar de facto qualquer margem de aceite universal de determinada prática Daí a CIJ ter estabelecido no caso Plataforma Continental do Mar do Norte que uma prática estatal com participação muito ampla e representativa seria suficiente para a formação de um costume internacional desde que entre os Estados participantes de tal prática estejam aqueles cujos interesses foram afetados75 Além do mais a teoria do objetor persistente desaguaria na injustiça de não exigir dos velhos Estados o acatamento do costume objetado persistentemente ao mesmo tempo que obriga os novos Estados a respeitar in totum esse mesmo costume de cuja formação não participaram nesse sentido não seria coerente admitir que um Estado velho se subtraia à aplicação da norma consuetudinária estabelecida com a sua oposição e sustentar sua obrigatoriedade para os novos Estados que precisamente por serem novos não puderam participar de sua elaboração nem oporse a ela76 Ora se para haver a objeção persistente deve ela a objeção operarse desde a formação do costume em causa claro está que não se aplica aos novos Estados que nasceram depois do costume já formado O que podem fazer os novos Estados e somente eles é em casos excepcionais exercer o direito de escolha sobre o cumprimento de um costume já formado quando este atenta contra os seus ideais ou quando o costume não se encontra totalmente nítido v supra Salvo tais únicas exceções o certo é que o costume já formado há de valer por igual para todos os sujeitos do Direito Internacional Público inclusive para aqueles que se opuseram ao seu conteúdo ou que de sua formação não participaram com o seu próprio comportamento77 j Aplicação direta do costume internacional na ordem interna O costume internacional já se viu resulta de uma prática geral e consistente dos atores da sociedade internacional em reconhecer como válida e juridicamente exigível determinada obrigação sendo inconteste a sua aplicação direta no âmbito do direito internacional vġ pelos tribunais internacionais Sendo porém o costume internacional uma prática aceita e reconhecida como norma jurídica pela sociedade internacional é certo que os Estados que desta participam devem também reconhecêlo como diretamente aplicável em suas ordens internas por coerência ao reconhecimento exterior de sua força jurídica Tal significa que o costume internacional é assim como na órbita externa diretamente aplicável também na ordem doméstica não necessitando de qualquer ato de internalização para que ali produza efeitos78 Em outras palavras o costume internacional há de ser reconhecido e aplicado pelo Poder Judiciário de um determinado Estado sem que seja transformado em direito interno por qualquer meio É evidente que há maior dificuldade em se aplicar um costume internacional diretamente na ordem interna quando se compara à aplicação de um tratado De fato é mais cômodo para o Poder Judiciário aplicar uma norma escrita e formalmente internalizada cujo conteúdo vem estampado na imprensa oficial que uma norma cujo núcleo obrigacional há de ser colhido mediante exercício investigativo sobejamente mais complexo Tal não há de obstar contudo que os juízes e tribunais nacionais apliquem na falta de norma escrita o costume internacional de maneira direta até mesmo em respeito à norma geral segundo a qual quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia os costumes e os princípios gerais de direito LINDB art 4º Exemplo interessante de aplicação direta do costume internacional no caso o costume internacional relativo à imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade na ordem jurídica brasileira foi a aceitação pela Justiça Federal em 13 de maio de 2014 da denúncia do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro contra seis pessoas por envolvimento no atentado a bomba no Riocentro em Jacarepaguá em 30 de abril de 1981 durante a realização de um espetáculo para comemorar o Dia do Trabalhador Nesse caso a Justiça considerou que os crimes denunciados configuram em tese crimes contra a humanidade e por isso são imprescritíveis para todos os Estados nos termos do Direito Internacional Público Na decisão de recebimento da denúncia ficou assente entre outros que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade é um princípio geral de Direito Internacional amplamente aceito pelos Estados e portanto incorporado aos costumes internacionais para além de configurar verdadeiro jus cogens que não pode ser ignorado pelos Estados79 6 Os princípios gerais de direito Outra fonte que emana diretamente do ECIJ são os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas80 A locução derradeira nações civilizadas inserida no texto da alínea c do art 38 1º do ECIJ tem sido criticada pela doutrina por revelar uma potencial discriminação dos então redatores do Estatuto vinda do século XIX em relação aos Estados não pertencentes ao eixo Europeu não obstante nunca ter sido pacífico esse entendimento Ademais o termo ali utilizado é anacrônico por refletir uma tendência anterior à Primeira Guerra Mundial que não mais pode ser aceita no Direito Internacional contemporâneo estando ainda em total desacordo com a jurisprudência atual da CIJ81 Como bem leciona JeanMarie Lambert a expressão nações civilizadas esbarra lamentavelmente em uma ideologia que o espírito anticolonialista do imediato pósGuerra não conseguiu afastar ecoando uma época imperialista em que algumas poucas nações imbuídas de um profundo complexo de superioridade achavamse incumbidas de uma missão civilizadora sobre os povos da terra E continua A fórmula está marcada de arrogância e para adquirir verdadeira operacionalidade seria necessário uma faxina Essa embaraçosa locução continua intacta e é no mínimo deplorável Soa como insulto para os que não faziam parte do pequeno círculo de eleitos e provoca desconfiança na imparcialidade da Corte Admitindose que todo mundo é civilizado não se entende o que a expressão está fazendo no meio de uma redação por outros aspectos tão nobre82 Hoje se deve entender que a expressão princípios gerais de direito empregada pelo Estatuto da Corte diz respeito ao reconhecimento de tais princípios por parte da sociedade dos Estados em seu conjunto como formas legítimas de expressão do Direito Internacional Público Daí não se poder apoiar as ideias de alguns juristas como a do soviético Grigory Tunkin baseadas em questões ideológicas segundo as quais não podem coexistir princípios idênticos em sistemas normativos opostos como o capitalista e o socialista83 O que a prática internacional demonstra é que esses princípios são frequentemente empregados em diversos contextos e sob as mais variadas formas quando se trata de identificar uma regra de Direito Internacional não expressa em tratado e não reconhecida pelo costume Vários sistemas normativos opostos ou não podem utilizarse e efetivamente utilizamse desses princípios notadamente sob a forma de resoluções ou declarações quer comuns ou individuais Tais princípios apesar de ainda dificilmente identificáveis a priori e não obstante as vivas controvérsias que sobre eles ainda recaem são fontes autônomas do Direito Internacional Público e têm um papel fundamental em toda a sua evolução Dentro dessa categoria também se incluem como já dissemos algumas regras universais de justiça diretamente derivadas do Direito Natural O Direito Internacional moderno entretanto passa a depender cada vez menos de tais princípios tendo em vista que o grande número de normas deles derivadas já se encontram codificadas em tratados internacionais ou fazendo parte do direito internacional costumeiro Daí tais princípios que já foram considerados por juristas do porte de Accioly como fonte real do Direito Internacional Público por ser a verdadeira ou fundamental e a que pode fornecer elementos para a interpretação do direito positivo84 serem modernamente entendidos como não mais do que fontes secundárias do direito das gentes85 De qualquer forma ainda prevalece a posição de que os princípios gerais de direito são aqueles aceitos por todos os ordenamentos jurídicos a exemplo dos princípios da boafé86 da proteção da confiança do respeito à coisa julgada do direito adquirido da responsabilidade do Estado por ações ou omissões que infrinjam os direitos fundamentais do ex injuria jus non oritur87 além do pacta sunt servanda88 Percebase que o Estatuto faz referência aos princípios gerais de direito e não aos princípios gerais do direito Aqueles nascem de uma convicção jurídica generalizada quase universal contida nos principais sistemas jurídicos das diversas nações ao passo que estes últimos provêm direta e originariamente da própria prática internacional vġ dos tratados dos costumes etc pertencendo com exclusividade à ordem jurídica internacional89 Como costumamos dizer os princípios gerais de direito provêm de baixo da ordem estatal e ascendem à ordem superior internacional quando de sua aplicação pela CIJ num caso concreto ao passo que os segundos os princípios gerais do direito já nascem da ordem de cima da ordem internacional e são diretamente aplicados por ela Relativamente aos primeiros é necessário atentar para o testemunho de Phillimore à época que já indicava ser a ideia da expressão princípios gerais de direito caracterizar aqueles princípios aceitos por todas as nações in foro domestico ou seja nos seus respectivos direitos internos a exemplo dos princípios da boafé do respeito à coisa julgada do non bis in idem etc90 O próprio ECIJ já sugere essa interpretação no sentido de serem tais princípios gerais de direito os princípios presentes no âmbito interno dos Estados quando diz serem eles aqueles reconhecidos pelas nações Assim o fenômeno que aqui se constata é o da transposição do princípio reconhecido in foro domestico que com o tempo ascende ao plano internacional e desse plano vaise tornando parte a fim de preencher as lacunas que ali eventualmente se façam presentes91 Nem todos os princípios comuns às ordens domésticas portanto são aplicáveis à ordem internacional impondo se para tanto a citada transposição92 Em todos os ramos do Direito civil penal processual comercial constitucional etc podem ser encontrados princípios que pouco a pouco vão transpondose para o plano internacional até a sua efetiva aplicação dentro do quadro das fontes do Direito Internacional Público Daqueles últimos princípios gerais do direito são exemplos os princípios da não intervenção da não ingerência em assuntos particulares dos Estados da obrigação de cooperação dos Estados entre si primazia dos tratados sobre as leis internas prévio esgotamento dos recursos internos proibição do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado solução pacífica de controvérsias igualdade soberana entre os Estados o direito de passagem inocente para navios mercantes em tempo de paz a liberdade dos mares a autodeterminação dos povos a boafé o respeito universal e efetivo dos direitos humanos as normas de jus cogens entre outros todos os quais não teriam sentido existir no ordenamento jurídico interno de determinado Estado concebido como um sistema fechado93 A não referência pelo art 38 do ECIJ aos princípios gerais do direito nos parece óbvia como tais princípios nascem diretamente da ordem internacional sua aplicação pela CIJ deve ser imediata não havendo que se discutir sobre sua juridicidade e sobre o seu caráter de fonte do Direito Internacional Público Daí a preocupação do ECIJ em esclarecer esse caráter de fonte do direito das gentes apenas àqueles outros os princípios gerais de direito Existindo dúvida sobre ser determinado princípio um princípio geral de direito deve o intérprete verificar se o mesmo está positivado na generalidade dos ordenamentos internos estatais ou se é comum aos grandes sistemas de Direito contemporâneos é dizer o sistema romanogermânico o sistema da common law o sistema dos países socialistas os sistemas de raiz religiosa como dos países islâmicos e budistas etc e por fim se é ele aplicável à ordem internacional isto é transponível para a sociedade internacional94 Parece claro que se a generalidade dos Estados ou dos sistemas de Direito atuais não necessariamente todos eles contempla um tal princípio em sua ordenação é porque deve ele ser tido como possível de ser aplicado ao plano do Direito Internacional Público Ora se é o Direito Internacional Público que rege a conduta dos Estados no plano internacional na medida em que tais Estados em sua grande maioria reconhecem determinados princípios em seus respectivos direitos internos ou na medida em que os mesmos são reconhecidos pelos sistemas de Direito que esses mesmos Estados criaram é evidente que eles passam a ser também aplicados ao âmbito do direito das gentes Portanto os princípios gerais de direito que a CIJ também deve aplicar segundo o comando do art 38 1º alínea c do seu Estatuto são os princípios consagrados nos sistemas jurídicos dos Estados ainda que não sejam aceitos por todos os sistemas jurídicos estatais bastando que um número suficiente de Estados os consagrem Daí a opinião de Guido Soares no sentido de que a leitura correta do disposto no art 38 1º alínea c do Estatuto da Corte deve ser princípios gerais de direito reconhecidos pelos Estados no seu ordenamento interno95 Entretanto não obstante poderse deduzir os princípios gerais de Direito de sua consagração pelos ordenamentos jurídicos internos estatais não se pode confundilos com os princípios gerais de Direito interno stricto sensu que podem variar de um sistema jurídico a outro e assim não encontrarem a generalidade necessária a transformálos em princípios aplicáveis ao âmbito internacional Isto não impede porém que se abstraiam os princípios gerais de direito internacional dos ordenamentos jurídicos internos na falta de clareza do Direito Internacional Público para determinálos em face de um caso concreto Enfim o art 38 1º alínea c do ECIJ atribui à Corte o dever de também aplicar esses princípios gerais de direito reconhecidos pelas diversas nações nas controvérsias que lhe forem submetidas para além evidentemente daqueles princípios gerais do direito provenientes diretamente da prática internacional dos tratados e dos costumes internacionais Também não é menos certo que tais princípios gerais de direito têm um papel supletivo no Direito Internacional Público devendo o juiz a eles recorrer para suprir as lacunas encontradas nas regras convencionais ou costumeiras ou ainda a fim de interpretálas segundo as mudanças que o ritmo histórico exigir Os princípios jurídicos da boafé do respeito à coisa julgada do non bis in idem do direito adquirido e o de que a ninguém é lícito alegar o seu próprio erro vġ CIJ caso Fábrica de Chorzow 1927 p 31 são alguns daqueles princípios gerais de direito que podem ser citados a título de exemplo Além dessas fontes primárias do Direito Internacional estudadas nos tópicos anteriores o ECIJ também acrescenta as decisões judiciárias e as doutrinas dos publicistas de maior competência entre as distintas nações como meios auxiliares na determinação das regras de direito e num parágrafo conclusivo autoriza a Corte decidir uma questão ex aequo et bono se as partes com isto concordarem Tratase dos chamados instrumentos de interpretação e compreensão do Direito Internacional que serão estudados na Seção seguinte Tendo ficado o art 38 do ECIJ com sua redação incompleta uma vez que como já dissemos não contempla sequer os atos de organizações internacionais fazse necessária a análise na Seção II seguinte dos chamados meios auxiliares e das novas fontes do Direito Internacional Público SEÇÃO II MEIOS AUXILIARES E NOVAS FONTES Direito Internacional A partir do texto indicado contendo obrigatoriamente os seguintes elementos 1 Nome completo turma e RA 2 Resumo das principais ideias do autor com suas palavras mínimo de 15 linhas 3 Comentário crítico pessoal relacionando o conteúdo com outros temas estudados ou com situações da atualidade mínimo de 15 linhas 4 Fonte Times New Roman 12 alinhamento justificado espaçamento de 15 5 Mínimo de 10 páginas de fichamento O fichamento deverá ser digitado e entregue até 28 de abril via Classroom Será avaliado com base na clareza organização fidelidade ao texto original e capacidade crítica FICHAMENTO Tópico 1 Introdução ao Estudo das Fontes do Direito Internacional Autor Valério de Oliveira Mazzuoli Obra Curso de Direito Internacional Público Fontes do Direito RESUMO O estudo das fontes do Direito Internacional Público revela o modo como as normas que regulam a convivência internacional são formadas e reconhecidas Valério de Oliveira Mazzuoli destaca que essas fontes não são homogêneas e que sua compreensão exige uma análise dinâmica considerando a evolução histórica e a realidade contemporânea Inicialmente ele diferencia fontes materiais ligadas às necessidades sociais econômicas e políticas das fontes formais responsáveis pela validade jurídica das normas O rol originário das fontes ainda baseado no art 38 do Estatuto da CIJ inclui tratados costumes e princípios gerais de direito além dos meios auxiliares jurisprudência e doutrina para interpretar as regras Mazzuoli ressalta a centralidade dos tratados internacionais na atualidade sem desprezar o papel vital dos costumes e princípios gerais como instrumentos de integração e justiça no Direito Internacional Ele também aborda o uso da equidade como mecanismo para temperar a aplicação das normas respeitando sempre a vontade dos Estados e a segurança jurídica No panorama geral o autor propõe que o Direito Internacional embora marcado pela ausência de uma autoridade central se sustenta na conjugação da prática estatal da racionalidade jurídica e da busca pela justiça nas relações internacionais COMENTÁRIO CRÍTICO A abordagem de Valério de Oliveira Mazzuoli sobre as fontes do Direito Internacional Público é sólida e apresenta uma leitura moderna e realista da evolução normativa internacional O autor demonstra sensibilidade ao tratar da descentralização das fontes e da necessidade de interpretar o Direito Internacional como um sistema em constante transformação Sua distinção entre fontes materiais e formais é didática mas ao mesmo tempo alerta para a complexidade das relações entre vontade estatal prática social e exigência jurídica Ainda que Mazzuoli valorize o artigo 38 do Estatuto da CIJ ele reconhece seus limites abrindo espaço para a reflexão sobre novas formas de produção normativa como a soft law e os atos unilaterais Esse olhar crítico é um dos pontos fortes da obra pois evita um apego excessivo ao formalismo clássico No entanto uma crítica possível seria a de que o autor poderia ter aprofundado mais o impacto das novas tecnologias e da globalização sobre a formação dos costumes contemporâneos Em síntese Mazzuoli oferece uma análise equilibrada e comprometida com a realidade do Direito Internacional respeitando a tradição mas sem fechar os olhos para as mudanças que moldam o direito entre os povos na atualidade 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL O estudo das fontes do Direito Internacional Público é um dos temas centrais e mais antigos da disciplina A discussão sobre sua natureza e composição ainda desperta o interesse da doutrina especialmente após o surgimento de novos atores no cenário internacional que passaram a influenciar os modos tradicionais pelos quais o direito das gentes é produzido e aplicado A pergunta fundamental que orienta esse estudo é do que é composto o Direito Internacional Público A resposta de acordo com Mazzuoli está no exame das suas fontes que representam os elementos estruturantes do regime jurídico internacional São elas que revelam os caminhos normativos pelos quais o Direito Internacional se manifesta regula comportamentos e impõe obrigações Desde o surgimento das primeiras organizações internacionais intergovernamentais as fontes do Direito Internacional vêm se transformando Essa transformação é marcada por um fenômeno que o autor denomina descentralização das fontes ou seja um processo contínuo de ampliação interação e atualização das formas jurídicas reconhecidas pela comunidade internacional Esse fenômeno é notório especialmente após a Segunda Guerra Mundial e se estende até os dias atuais É necessário compreender que as fontes do Direito Internacional não são homogêneas Isso significa que tanto atos comissivos como a ocupação de um território ou a celebração de tratados quanto atos omissivos como a aceitação tácita da conduta de outro Estado bem como manifestações unilaterais de vontade podem gerar efeitos jurídicos internacionais Todos esses comportamentos têm a aptidão de produzir normas e por isso são analisados sob a perspectiva das fontes 2 FONTES MATERIAIS E FORMAIS Ao tratar das fontes do Direito Internacional Público Mazzuoli inicia diferenciandoas em duas categorias fundamentais fontes materiais e fontes formais Essa distinção permite compreender não apenas o conteúdo das normas jurídicas mas também o processo pelo qual elas surgem ganham forma e autoridade no plano internacional Fontes materiais o conteúdo das normas As fontes materiais não pertencem propriamente à esfera da Ciência do Direito mas se situam na Política do Direito Elas dizem respeito ao conjunto de fatores sociológicos econômicos culturais psicológicos ecológicos e históricos que influenciam o conteúdo e a necessidade de edição de determinada norma jurídica Esses elementos refletem as necessidades concretas da sociedade internacional ou seja as razões pelas quais uma norma é criada os valores que ela representa e os objetivos que se pretende alcançar com sua aplicação Mazzuoli se vale da doutrina de Miguel Reale para esclarecer que as fontes materiais estão relacionadas ao processo de decisão do poder normativo sendo elas responsáveis por orientar o sentido o alcance e a razão de ser de uma norma Assim no plano interno as fontes materiais correspondem às necessidades sociais que justificam a criação de regras de conduta Já no plano internacional dizem respeito à vontade dos Estados e das organizações internacionais de regular as suas relações recíprocas geralmente a partir de demandas comuns desafios globais ou interesses coletivos As fontes materiais são portanto o substrato que antecede a norma jurídica Para alguns autores como JeanMarie Lambert a grande força material do Direito Internacional é o motor econômico e político que impulsiona a atividade normativa muitas vezes guiado pela gestão da opinião pública mundial e pelas forças do mercado global Fontes formais o processo de validação das normas Em contraposição as fontes formais representam os métodos processos ou técnicas jurídicas por meio dos quais determinada norma é reconhecida como integrante do ordenamento jurídico internacional São os instrumentos que conferem validade vigência e obrigatoriedade às normas perante os sujeitos internacionais Essas fontes formais expressam a forma como o Direito se organiza e se impõe disciplinando juridicamente as relações entre os Estados e os demais entes do Direito Internacional No plano interno as fontes formais são facilmente identificáveis incluem a Constituição as leis aprovadas pelo legislativo os costumes os princípios gerais do direito e a jurisprudência especialmente nos sistemas jurídicos que adotam a doutrina do stare decisis como é o caso do common law Essas fontes são chamadas de formais justamente porque indicam as formas reconhecidas e legítimas de manifestação do Direito positivo Emanam de autoridades com competência normativa cujas deliberações vinculam os destinatários das normas o que no caso interno é possível devido à existência de um sistema jurídico centralizado e hierarquizado No plano internacional no entanto a realidade é distinta O Direito Internacional não conta com uma autoridade central superior aos Estados como ocorre no ordenamento interno com o Estado e sua Constituição Aqui não há um legislador global Tudo decorre da vontade soberana dos Estados que se vinculam voluntariamente por meio de acordos tratados práticas e princípios mutuamente reconhecidos Assim diferentemente do Direito interno a validade de uma norma internacional depende do consentimento dos Estados ou de organismos internacionais Por isso qualquer tentativa de aplicar ao Direito Internacional os mesmos moldes do sistema jurídico interno levará a uma compreensão equivocada e limitada das suas fontes Inclusive Mazzuoli cita Ian Brownlie que critica o uso da expressão fonte formal no contexto internacional por induzir à ideia de um mecanismo legislativo organizado e hierárquico que de fato não existe no plano externo Segundo Brownlie seria mais adequado falar em meios pelos quais os Estados expressam seu consentimento pois é esse consentimento que legitima e torna obrigatória uma norma Apesar dessas críticas a maioria da doutrina ainda adota a distinção entre fontes materiais e fontes formais pois ela permite entender de maneira didática tanto os fundamentos sociais e políticos das normas quanto os processos jurídicos que lhes conferem validade 3 ROL ORIGINÁRIO DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Para compreender o que é reconhecido como fonte formal do Direito Internacional Mazzuoli resgata a origem normativa mais clara que se tem em termos de positivação o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça ECIJ Esse dispositivo é amplamente aceito pela doutrina como a principal referência na definição das fontes formais aplicáveis pelo Direito Internacional Público embora ele próprio não afirme ser um rol taxativo Antes da promulgação do ECIJ a Convenção da Haia de 1907 que criou o Tribunal Internacional de Presas já havia delineado um modelo primitivo de enumeração de fontes Segundo o art 7º daquela convenção se houvesse convenção em vigor entre as partes beligerantes ela deveria ser aplicada Caso contrário aplicavamse as regras gerais do Direito Internacional Na ausência destas o tribunal decidia com base em princípios gerais do direito e da equidade No entanto foi com o art 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça de 1945 que surgiu o modelo mais aceito e duradouro O artigo dispõe que a Corte deverá aplicar nas controvérsias que lhe forem submetidas a os tratados internacionais convenções gerais ou especiais b o costume internacional como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito c os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas d a jurisprudência e a doutrina como meios auxiliares para determinação das regras de direito ressalvada a limitação do artigo 59 que declara que a decisão da Corte só vincula as partes envolvidas no caso Além disso o parágrafo 2º do artigo 38 autoriza a Corte a decidir uma causa ex aequo et bono ou seja conforme a equidade desde que as partes assim concordem expressamente Mazzuoli ressalta que o artigo 38 não se refere explicitamente às fontes do Direito Internacional mas apenas aos meios de decisão que a Corte pode utilizar Contudo a doutrina tradicional passou a interpretálo como um roteiro de fontes formais dada a força prática e simbólica desse artigo na jurisprudência e nos estudos acadêmicos Assim o autor destaca que o rol consagrado no artigo 38 do ECIJ não é fechado nem definitivo Ele representa um núcleo mínimo de fontes que ao longo do tempo vem sendo complementado por outras formas de manifestação normativa que embora não estejam previstas literalmente no texto vêm ganhando espaço na prática internacional como os atos unilaterais dos Estados as decisões das organizações internacionais e a chamada soft law Ausência de hierarquia rígida entre as fontes Mazzuoli também observa que o artigo 38 não estabelece nenhuma hierarquia formal entre os tratados os costumes e os princípios gerais de direito Na prática os tribunais internacionais tendem a dar preferência aos tratados por oferecerem maior segurança e clareza mas isso não significa que os costumes e os princípios ocupem posição inferior Entretanto há exceções importantes a essa regra geral É o caso por exemplo do artigo 103 da Carta das Nações Unidas que confere primazia às obrigações da Carta sobre quaisquer outros tratados internacionais firmados por seus membros Também merece destaque a existência das normas imperativas de Direito Internacional geral conhecidas como jus cogens que não podem ser derrogadas por nenhum tratado ou costume A contribuição do Estatuto de Roma Mazzuoli elogia o art 21 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional TPI que ao dispor sobre as fontes aplicáveis pelo tribunal apresenta uma estrutura mais clara e organizada que o art 38 do ECIJ O art 21 define uma ordem de aplicação das fontes separando em três níveis 1 O Estatuto e os elementos constitutivos do crime 2 Os tratados e normas aplicáveis do Direito Internacional 3 Os princípios gerais de direito extraídos dos sistemas jurídicos nacionais O dispositivo também exige que a interpretação das normas esteja em conformidade com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos vedando qualquer forma de discriminação Contudo Mazzuoli observa que essa norma se aplica exclusivamente ao âmbito do TPI sem influenciar de forma direta a sistemática geral das fontes do Direito Internacional Público Portanto o art 38 do ECIJ continua sendo o marco normativo de referência mesmo com seus limites e lacunas 4 OS TRATADOS INTERNACIONAIS Para Mazzuoli os tratados internacionais representam na atualidade a mais importante e concreta fonte do Direito Internacional Público Essa primazia decorre não apenas de sua função reguladora nas relações entre os Estados mas também da segurança previsibilidade e autenticidade que eles proporcionam no processo de normatização internacional Os tratados são acordos formalmente estabelecidos entre sujeitos de Direito Internacional como Estados soberanos e organizações internacionais com o objetivo de produzir efeitos jurídicos obrigatórios Sua importância reside no fato de que se baseiam na livre manifestação de vontade das partes refletindo a autonomia e soberania dos Estados na criação de normas que irão reger suas condutas mútuas Além de expressarem o consenso entre os sujeitos internacionais os tratados regulam as mais diversas e importantes matérias desde comércio segurança e meio ambiente até direitos humanos e paz internacional São instrumentos que dão voz à vontade coletiva e que por isso reforçam a legitimidade do Direito Internacional Mazzuoli destaca que os tratados se impõem como fonte preferencial por serem Mais fáceis de comprovar e identificar Mais claros e objetivos em sua redação Dotados de maior estabilidade jurídica E sobretudo expressivos da vontade direta dos Estados Essa percepção já era defendida por juristas do século XIX como Charles Calvo que afirmava que os tratados eram a fonte mais importante e mais irrecusável do direito internacional e por Joseph Nisot que os reconhecia como a fonte mais certa do direito das gentes Tipos e funções dos tratados Mazzuoli dá especial destaque aos tratados multilaterais que possuem vocação universal ou geral São celebrados por um número expressivo de Estados e têm por objetivo 1 Declarar um entendimento comum sobre normas já existentes no Direito Internacional 2 Estabelecer novas regras para disciplinar condutas futuras 3 Fundar ou organizar entidades de direito internacional como organizações intergovernamentais Muitos desses tratados multilaterais têm caráter normativo e se assemelham em sua função às leis nos ordenamentos internos Nesse sentido podem ser considerados tratados leis ou tratadosnormativos como a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados 1969 a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas 1961 e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares 1963 Esses instrumentos foram elaborados com o objetivo de consolidar práticas e costumes já existentes oferecendolhes uma forma escrita e codificada mais clara e segura para todos os membros da sociedade internacional Relação entre os tratados e o Direito interno Mazzuoli observa que os tratados ocupam posição de superioridade em relação às normas internas dos Estados Ao serem ratificados eles revogam as leis anteriores que lhes forem contrárias e devem ser respeitados pelas normas posteriores Assim o Direito interno não pode contrariar o que foi pactuado em tratados internacionais válidos e vigentes O autor reforça que esse princípio da primazia dos tratados sobre o direito interno é aceito tanto na prática internacional quanto em diversas Constituições contemporâneas A recomendação inclusive é que as leis nacionais sejam interpretadas em conformidade com os tratados já em vigor garantindo a harmonia entre os dois sistemas Quando o tratado se torna fonte de Direito Internacional geral Mazzuoli também trata de uma situação especial a dos tratados que por sua natureza e aceitação ampla se tornam fontes do Direito Internacional geral Essa possibilidade é reconhecida pelo Restatement of the Law Third 1987 que admite que acordos internacionais podem criar normas gerais quando São abertos à adesão de todos os Estados E de fato recebem ampla aceitação Nesses casos os tratados adquirem função análoga à de uma lei geral internacional ampliando sua eficácia para além das partes contratantes e tornandose marcos normativos de referência universal 5 O COSTUME INTERNACIONAL O costume internacional é ao lado dos tratados uma das principais fontes formais do Direito Internacional Público Ainda que atualmente os tratados tenham assumido grande protagonismo normativo o costume é a fonte mais antiga e continua exercendo papel vital na formação e na aplicação das normas internacionais especialmente em áreas onde não há convenções específicas Sua relevância reside no fato de que mesmo sem um centro legislador internacional os Estados podem por meio de suas condutas reiteradas e aceitas como obrigatórias criar normas jurídicas válidas e vinculantes É essa prática generalizada constante e acompanhada da convicção de obrigatoriedade que dá origem ao costume como fonte do Direito Mazzuoli destaca que muitos dos institutos hoje positivados em tratados nasceram primeiro como práticas consuetudinárias como as normas relativas a espaços marítimos relações diplomáticas comércio internacional e responsabilidade estatal por atos ilícitos Essas práticas mesmo depois de codificadas em tratados continuam existindo enquanto normas costumeiras para os Estados que não ratificaram tais instrumentos ou que vierem a denunciálos Conceito de costume internacional O costume internacional conforme definido pelo art 38 1º alínea b do Estatuto da CIJ é uma prática geral aceita como sendo o direito Já o Restatement of the Law Third 1987 o define como o resultado de uma prática geral e consistente por parte dos Estados seguida por eles com o entendimento de que constitui uma obrigação jurídica Isso significa que o costume internacional nasce de uma prática reiterada coerente e aceita pelos Estados como juridicamente obrigatória O autor diferencia o costume de meros usos ou práticas de cortesia internacional pois estas embora possam ser comuns não são dotadas da opinio juris ou seja da convicção de obrigatoriedade jurídica Exemplos de usos não obrigatórios são saudações cerimoniais entre navios de guerra ou certas gentilezas diplomáticas que não impõem dever legal mas apenas expressam cordialidade Elementos constitutivos do costume material e psicológico Mazzuoli explica que o costume internacional só se forma quando estão presentes dois elementos essenciais Elemento material ou objetivo é a prática reiterada constante e uniforme dos Estados em relação a determinada conduta realizada de maneira generalizada e pública Elemento psicológico ou subjetivo é a chamada opinio juris sive necessitatis ou seja a convicção dos Estados de que essa prática é obrigatória do ponto de vista jurídico e não apenas conveniente ou habitual Ambos os elementos são necessários A repetição de uma prática por si só não cria um costume se não estiver acompanhada da percepção de que tal conduta é exigida pelo Direito Formação clássica e contemporânea do costume Historicamente o processo clássico de formação do costume ocorre em quatro etapas segundo Clóvis Beviláqua 1 Surgimento de uma nova situação não regulamentada 2 Solução baseada em princípios gerais de direito ou justiça 3 Repetição dessa solução com aceitação social 4 Transformação dessa prática em norma costumeira reconhecida Contudo Mazzuoli destaca que também existem métodos contemporâneos de formação do costume mais rápidos e conscientes especialmente no âmbito das organizações internacionais Quando resoluções declarações ou diretrizes são adotadas com ampla aceitação mesmo que sem força vinculante imediata elas podem representar o início do processo de formação de um novo costume Assim a prática costumeira moderna pode ser menos espontânea e mais influenciada por mecanismos institucionais de produção normativa como os debates e consensos obtidos em fóruns multilaterais Extensão geográfica do costume O autor esclarece que nem todo costume precisa ser universal Existem três tipos 1 Costume internacional universal aceito por toda a sociedade internacional 2 Costume internacional regional aceito por um grupo de Estados localizados em determinada região 3 Costume internacional local praticado entre dois ou poucos Estados Exemplos clássicos envolvem práticas como o asilo diplomático na América Latina reconhecido regionalmente como norma consuetudinária embora não seja aceito em escala universal Mazzuoli ressalta que a formação do costume não exige a participação de todos os Estados mas tão somente daqueles diretamente relacionados com a prática ou afetados por ela Hierarquia entre costumes e tratados Segundo o autor não há hierarquia técnica entre tratados e costumes internacionais Ambos gozam de autoridade e podem coexistir ou até mesmo revogarse mutuamente Um tratado posterior pode revogar um costume anterior entre as partes contratantes e um costume novo pode tornar obsoleta uma regra convencional não mais observada No entanto quando se trata de normas jus cogens imperativas e inderrogáveis o costume prevalece sobre qualquer tratado que tente contrariálo É o caso por exemplo de normas internacionais que proíbem genocídio escravidão ou tortura reconhecidas como absolutas e não sujeitas a derrogação 6 OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO Os princípios gerais de direito ocupam posição peculiar entre as fontes formais do Direito Internacional Público Segundo o artigo 38 alínea c do Estatuto da Corte Internacional de Justiça CIJ são reconhecidos como fontes formais as regras gerais de direito reconhecidas pelas nações civilizadas Essa previsão aponta para a aplicação desses princípios como forma de preencher lacunas normativas e de assegurar a coerência jurídica em casos nos quais tratados ou costumes não oferecem resposta Mazzuoli inicia esse tópico explicando que os princípios gerais não são exclusivos do Direito Internacional Eles derivam na verdade dos sistemas jurídicos internos dos Estados especialmente dos fundamentos que estruturam o funcionamento do direito como ciência normativa Por essa razão os princípios gerais são muitas vezes considerados expressões universais da racionalidade jurídica compartilhados ainda que em graus diferentes por diversas tradições jurídicas ao redor do mundo Conceito e função Os princípios gerais de direito são entendidos como normas fundamentais que orientam a criação a interpretação e a aplicação das demais normas Sua principal função no Direito Internacional é complementar os tratados e os costumes e em certos casos suprir a ausência de normas positivas específicas São portanto normas subsidiárias mas dotadas de alta relevância prática Além disso possuem caráter integrador fornecendo coerência e unidade ao sistema internacional especialmente em momentos de incerteza ou controvérsia normativa Quando não há norma convencional ou costumeira aplicável é comum que os tribunais internacionais recorram a esses princípios como fundamento para suas decisões Princípios extraídos do direito interno De acordo com Mazzuoli os princípios gerais de direito não se confundem com os princípios específicos do Direito Internacional como os princípios da não intervenção da igualdade soberana ou da autodeterminação dos povos Esses últimos derivam de tratados costumes ou resoluções internacionais Os princípios gerais mencionados no artigo 38 c são aqueles reconhecidos nas ordens jurídicas internas dos Estados como por exemplo A boafé O nemo auditur propriam turpitudinem allegans ninguém pode alegar em seu favor a própria torpeza O pacta sunt servanda os pactos devem ser cumpridos O rebus sic stantibus as obrigações se mantêm enquanto não houver mudança fundamental das circunstâncias Esses princípios são identificados a partir da análise comparada das legislações nacionais e são elevados à categoria de normas internacionais quando reconhecidos de forma ampla pela comunidade dos Estados