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Direito Constitucional
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02arguelhesdossie110p12a33indd 12 100418 1632 DOSSIÊ STF EM DISCUSSÃO NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 13 RESUMO Neste artigo mapeamos como a ação de um ministro do stf pode influenciar o processo político decisório Propomos uma visão ampliada dos mecanismos pelos quais tribunais atuam sobre a dinâmica política mostrando que no stf a alocação desses poderes é individualizada e descentralizada Neste cenário que chamamos de ministrocracia a política constitucional se torna errática criando problemas para a justificação do poder do tribunal em um regime democrático PALAVRASCHAVE Supremo Tribunal Federal processo decisório de senho institucional poderes individuais controle de constitucionalidade Ministrocracy The Individual Supreme Court in Brazilian Democracy ABSTRACT In this paper we map how the behavior of a Supreme Court jud ge can influence the political process We offer an expanded framework of judicial powers to shape the behavior of political actors and demonstrate how the Brazilian Supreme Court allocates these powers in an individualistic and decentralized way In this scenario which we label ministrocracy constitutional politics becomes erratic creating problems for the justification of the courts power in a democratic regime KEYWORDS Brazilian Supreme Court judicial decisionmaking institutional design individual powers constitutional review MINISTROCRACIA O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro1 Diego Werneck Arguelhes Leandro Molhano Ribeiro O Supremo Tribunal Federal stf esteve no centro da crise política nos últimos anos O processo de impeachment de Dilma Rousseff a Operação Lava Jato e suas implicações para garan tias constitucionais as manobras legislativas de Eduardo Cunha as reformas do governo Temertudo foi em algum momento decidi do adiado moldado de alguma forma pelo stf Há quase dez anos em período de estabilidade política já se apontava para a construção de uma supremocracia no Brasil Vieira 2008 Os últimos anos porém deixam transparecer um aspecto diferente do problema Em vários momentos críticos o poder judicial foi exercido individual Escola de Direito do Rio de Janei ro da Fundação Getulio Vargas FGV Direito Rio Rio de Janeiro RJ Brasil Email diegowerneckfgvbr Escola de Direito do Rio de Janei ro da Fundação Getulio Vargas FGV Direito Rio Rio de Janeiro RJ Brasil Email leandroribeirofgvbr 1 Agradecemos a Evandro Süs sekind Luiz Gomes Esteves Marcio Grandchamp Mariana Mota Pra do Mario Brockmann Machado Rogério Arantes Thomaz Pereira e httpdxdoiorg1025091 S01013300201800010003 02arguelhesdossie110p12a33indd 13 100418 1632 14 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro mente por ministros do stf sem participação relevante do plenário da instituição ou até mesmo contra ele Por liminar individual o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff o ministro Luiz Fux suspendeu e mandou reiniciar na Câmara a tra mitação do pacote das 10 medidas contra a corrupção o ministro Marco Aurélio determinou à presidência da Câmara que desse pros seguimento a um pedido de impeachment contra o então presidente interino Michel Temer Tecnicamente como liminares monocráticas essas e outras decisões individuais do período seriam precárias ex cepcionais e dependentes de confirmação do plenário em um futuro próximo Na prática porém ou o plenário sequer chegou a se manifes tar sobre essas e outras liminares monocráticas de grande magnitude política ou quando o fez a decisão individual já havia alterado decisi vamente o status quo A crise política deixou evidente que os ministros têm grandes recursos para evitar emparedar ou mesmo ignorar o ple nário Falcão Arguelhes 2017 Em vários momentos importantes a política nacional foi em boa medida moldada por ações judiciais es tritamente individuais que não chegaram a passar ou não passaram em tempo hábil pelo Supremo como instituição colegiada Liminares individuais são a face mais visível do problema Não esgotam porém os recursos que os ministros do Supremo têm para afetar a política Utilizando seu poder de pedir vista o ministro Gilmar Mendes controlou por vários meses o andamento no Tribunal Supe rior Eleitoral tse do processo de cassação da chapa DilmaTemer enquanto novas revelações da Lava Jato tornavam mais crítica a situa ção de Dilma Rousseff e sua relação com o Congresso Quem é Gil mar Mendes 20172 Durante o processo de impeachment o então presidente do Supremo ministro Lewandowski declarou à imprensa que ainda estava em aberto se o tribunal entraria ou não no mérito da decisão final do Senado M Falcão 2016 Seja controlando a agenda do tribunal seja com simples declarações públicas sobre potenciais decisões futuras a ação individual de ministros dissuadiu encorajou ou até viabilizou algumas estratégias de atores políticos Na conjunção desses dois aspectosatuação judicial sobre a po lítica que é individual independente de manifestações do colegiado e às vezes informal independente até mesmo de decisões judiciais há um fenômeno mais geral a ser explorado Quando analisou o que chamou de supremocracia Vieira 2008 descreveu a concentração de poderes nas mãos do stf como instituição Enfocava decisões colegia das como a unidade de análise do poder de que o tribunal dispunha e da influência política que poderia ter Da mesma forma a literatura existente sobre judicialização da política enfoca decisões coletivas Mesmo quando as unidades de análises são os votos individuais dos aos dois pareceristas anônimos por comentários a uma versão anterior deste trabalho Agradecemos tam bém a Ivar A Hartmann pelos dados inéditos aqui utilizados Algumas das ideias desenvolvidas aqui foram apre sentadas originalmente no encontro de junho de 2017 do Seminario en La tinoamérica de Teoría Constitucional y Política SELA em Quito Equador Gostaríamos de agradecer aos parti cipantes do evento pelos comentá rios em especial Andrea PozasLoyo Conrado Hübner Mendes Eliezer Gomes da Silva e Jamal Greene 2 Redação Terra Quem é Gilmar Mendes dono do voto de minerva que absolveu Temer Terra 09 de ju nho de 2017 Disponível em https wwwterracombrnoticiasbrasil quemegilmarmendesdonodo votodeminervaqueabsolveute mere4597b04d151d58ec815cb76c4f 8712cbns62ewahtml 02arguelhesdossie110p12a33indd 14 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 15 ministros a premissa é que essas posições individuais só poderão afe tar o mundo fora do tribunal após serem agregadas em um processo decisório interno em votos vencidos e vencedores p ex Oliveira 2012a 2012b Contudo o foco nas decisões colegiadas embora necessário não é suficiente para uma compreensão plena e precisa do papel dos juízes na política brasileira Neste artigo mapeamos e discutimos as prin cipais maneiras pelas quais a ação individual pode ser condição sufi ciente para influenciar o processo político decisório ao redor do stf Na primeira parte propomos uma visão ampliada para além das de cisões formais dos mecanismos pelos quais tribunais atuam sobre a dinâmica política identificando de que maneira esses poderes podem ser alocados em instituições judiciais colegiadas tomada de decisão si nalizações públicas e definição de agenda No desenho institucional de um dado tribunal cada um desses poderes pode ser exercido coletivamente i e só pode ser utilizado por meio de uma decisão colegiada eou individualmente i e a atuação de um único ministro é condição su ficiente para utilizar esse poder Alocações individuais por sua vez podem ser centralizadas vinculadas a uma posição institucional fixa conhecida de antemão na arquitetura da instituição e válida para um grande conjunto de casos como a de presidente do tribunal ou descen tralizadas qualquer ministro pode em princípio exercer esse poder Na segunda parte reconstruímos o stf como um caso de dese nho institucional particularmente individualizado e descentralizado Diversos exemplos recentes ilustram como a ação individual dos mi nistros por meio dos poderes discutidos na primeira seção tem sido decisiva para a política constitucional brasileira Não se trata aqui de testar quantitativamente quaisquer hipóteses prévias sobre como são usados os poderes individuais dos ministros do stf mas sim de uti lizar casos qualitativamente importantes para a política nacional para teorizar sobre a capacidade individual dos ministros de influenciar o status quo legislativo Apontamos em especial para a interação entre poderes de agenda e de decisão individual no funcionamento do stf como relatores dos processos combinam o poder de decidir liminares monocráticas e o poder de liberar ou não essas liminares para apre ciação das turmas e do plenário criase um espaço politicamente re levante de decisão individual sem controle coletivo Argumentamos que em alguns casos muito importantes essa combinação tem sido funcionalmente equivalente ao que chamamos de judicial review indi vidual com ministros realizando o controle de constitucionalidade sem qualquer controle efetivo pelo plenário Na terceira parte discutimos implicações desse cenário para o processo democrático A atuação individual descentralizada torna a política constitucional errática ao vinculála às preferências de juízes 02arguelhesdossie110p12a33indd 15 100418 1632 16 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro que não necessariamente refletem a posição institucional do tribu nal como ator coletivo Em qualquer tribunal decisões judiciais são ao menos em parte contingentes às preferências de seus integrantes No entanto tipicamente mecanismos internos de agregação de pre ferências p ex uma votação majoritária entre os juízes tornam o resultado final relativamente previsível para uma dada composição do tribunal No caso do Supremo porém essa relativa estabilidade é constantemente erodida pela ação individual que enfraquece a cor relação esperada entre vitórias eleitorais oportunidade de indicação de ministros e formação da jurisprudência constitucional ao longo do tempo Mais ainda a ação individual no Supremo ilustra na práti ca a possibilidade de um tipo de contramajoritarismo interno dentro do próprio tribunal aumentando o risco de captura desses agentes inde pendentes e gerando problemas para a legitimação da atuação judicial contramajoritária na política de forma mais geral TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO DECISÓRIO DEMOCRÁTICO Que poderes os tribunais têm Assumir que um tribunal constitucional é um ator relevante é con siderar que ele pode se constituir como um ator de veto no processo político decisório cuja concordância é necessária para a alteração ou manutenção do status quo Tsebelis 2002 Brouard Hönnige 20173 Sendo um ator relevante as preferências do tribunal constitucional são levadas em consideração no cálculo político dos demais atores que participam do processo decisório Assim uma ideiachave para compreender a atuação de tribunais constitucionais na política diz respeito ao comportamento estratégico dentro e fora do tribunal No primeiro caso a observação das preferências potenciais do tribunal acarreta um conjunto de considerações estratégicas tanto daqueles atores que fazem parte da maioria que pode ser os que exercem o governo como daqueles na minoria ou que estão na oposição Tribunais constitucionais podem ter um impacto legislativo imedia to direto e formal sobre as decisões legislativas vetandoas totalmente ou invalidandoas parcialmente Essa possibilidade de atuação direta porém abre espaço para efeitos indiretos sobre o comportamento de atores fora do tribunal A ameaça crível de decisão judicial futura gera da pelo comportamento passado do tribunal cria uma espécie de efeito pedagógico e indireto de retroalimentação feedback sobre o próprio processo legislativo Sweet2000 Whittington 2005 Epstein Kni ght 1998 Taylor 20084 conforme atores políticos percebem esses incentivos para adaptar sua produção normativa e estratégias de ação levando em conta as preferências do tribunal Sweet 20005 Por outro lado também é possível haver comportamento estratégico e antecipação 3 Essa é a definição de ator de veto de Tsebelis 2002 Na apli cação dessa definição aos tribunais constitucionais porém Tsebelis os considera absorvidos no espaço de preferência de outros atores do sistema político basicamente devi do aos mecanismos de indicação po lítica de seus juízes Com isso não os encara a princípio como atores com poder de veto Para uma discus são crítica a respeito e uma análise empírica com evidências contrárias à hipótese de absorção ver Brouard e Hönnige 2017 4 Essa ideia está presente em diversos estudos sobre tribunais constitucionais desde estudos so bre judicialização da política Sweet 2000 e regimes políticos Whitting ton 2005 a estudos sobre compor tamento judicial Epstein Knight 1998 Para uma análise do caso bra sileiro ver Taylor 2008 5 A possibilidade de o tribunal ser mais ou menos deferente à maioria dependerá além da distância das preferências dos juízes em relação à maioria do grau de independência para agir em relação aos demais ato res políticos Isso pode levar a um ajuste ou adaptação da atuação do próprio tribunal e sua decisão estaria em algum ponto de interseção entre suas próprias preferências e as dos atores da maioria Ver Sweet 2000 02arguelhesdossie110p12a33indd 16 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 17 dentro do tribunal Por exemplo os juízes podem evitar decisões muito conflitantes com as preferências da maioria governante para evitar reta liação Epstein e Jacobi 2010 Epstein Knight e Martin 2001 Ribeiro Arguelhes 20136 Aqui a variávelchave são os poderes que os políticos têm em princípio para ameaçar os tribunais A direção da decisão judi cial ou das considerações estratégicas dos demais atores dependerá das preferências do tribunal frente ao seu grau de independência dado pelo desenho institucional o que por sua vez dependerá da configura ção institucional do processo decisório interno do tribunal vigente Como se formam fora do tribunal essas percepções sobre a pro babilidade direção e intensidade de decisões judiciais futuras De cisões passadas são um proxy importante das preferências de uma dada composição da corte Sweet 2000 Contudo embora o poder de decidir seja a expressão prototípica do poder judicial decisões ju diciais formais nos dão uma visão incompleta de como tribunais e juízes influenciam a política Se é verdade que a simples ameaça de uma decisão judicial futura pode ser suficiente para moldar o compor tamento de atores fora do tribunal qualquer mecanismo pelo qual um juiz ou tribunal module a percepção desses atores já pode influenciar seu comportamento É preciso levar em conta portanto o poder de sinalizar fornecendo informações sobre o que esperar de decisões futu ras Da mesma forma qualquer mecanismo que torne mais ou menos provável que o tribunal de fato decida uma questão também afetará indiretamente o status quo legislativo e o comportamento dos atores políticos Ou seja é preciso levar em conta o poder de definir a agenda Sinalizações sobre decisões judiciais futuras mudam os custos es perados de determinados cursos de ação alterando cálculos e compor tamentos por diversos meios formais e informais A manifestação mais clara e extrema do poder de sinalização seria uma mensagem oficial pú blica do tribunal antes que um conflito surja já antecipando a posição que tomará se e quando provocado Mas há variações mais sutis A fala de um ministro em uma palestra ou entrevista oficial ou não pode ser interpretada como expressão de simpatia por uma determinada posi ção encorajando ou desencorajando o ajuizamento de certos tipos de ação e o uso de certos tipos de argumento Bulla Aguiar 2016 Gilmar Mendes chama Tribunal Superior do Trabalho de laboratório do pt 2017 Impeachment foi tropeço da democracia diz Lewandowski 20167 O discurso oficial do presidente do tribunal ou mesmo um co mentário lateral feito a jornalistas após uma sessão pode indicar insa tisfação e resistência judicial futura com o desenrolar de algum plano de ação no Congresso Arguelhes Ribeiro 2015 Davis 20118 Essas formas de sinalização têm pesos e alcances distintos mas em alguma medida sempre tomam de empréstimo a autoridade da decisão futura para informar e influenciar hoje os cálculos dos atores políticos 6 Ver Epstein e Jacobi 2010 e Epstein Knight e Martin 2001 Para uma discussão sobre o caso do STF ver Ribeiro e Arguelhes 2013 7 Entre muitos exemplos possí veis em variados contextos ver as reportagens Bulla e Aguiar 2016 Gilmar Mendes chama Tribunal Superior do Trabalho de laboratório do PT 2017 e Impeachment foi tropeço da democracia diz Lewan dowski 2016 8 Em diversos estudos de judicial politics a imprensa é tipicamente vista como uma arena na qual a instituição tem oportunidades para fortalecer sua legitimidade e au mentar os custos de retaliação ou desobediência por parte de outras intituições p ex Staton 2010 Ou seja assumese que a instituição age coletivamente e que seus mem bros compartilham os mesmos obje tivos quando se trata de preservar e aumentar a autoridade do tribunal 02arguelhesdossie110p12a33indd 17 100418 1632 18 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro O poder de definir a agenda envolve escolher quando julgar um dado tema ou caso habilitando ou impedindo decisões judiciais em momentos específicos Epstein Knight Shvetsova 2001 Ginsburg 2003 Fontana 20119 No direito constitucional comparado a dis cussão sobre mecanismos de controle de timing tem enfatizado so bretudo os mecanismos formais pelos quais tribunais escolhem que casos julgar e com isso indiretamente definem quando determinadas questões serão decididas Fontana 201110 Entretanto indepen dentemente desses poderes formais a variável que mais afeta a liber dade de o tribunal formar sua agenda é na prática se o tribunal está ou não obrigado a decidir ou no mínimo a decidir se decide como no caso da Suprema Corte dos eua dentro de um determinado prazo Se essa obrigação não existe ou não vincula o tribunal na prática pos suir ou não o poder formal de rejeitar casos se torna pouco relevante Arguelhes Hartmann 201711 Afinal um tribunal sem prazo sequer para decidir se decide pode simplesmente permanecer em silêncio às vezes durante anossobre uma questão inconveniente mesmo sem poder formalmente dizer que não a decidirá12 Quaisquer que sejam os mecanismos utilizados pelo tribunal para definir o que decidirá modular o timing de uma decisão pode afetar o seu próprio resultado de ao menos três maneiras não excludentes 1 alterando o contexto político de tomada de decisão e com isso a pro babilidade de reação ou retaliação de partes derrotadas 2 interagindo com os mecanismos de indicação para o tribunal fazendo com que uma composição diferente possivelmente com preferências diferen tes venha a decidir a questão 3 por meio do simples silêncio judicial produzindo fatos consumados e aumentando assim os custos de uma decisão judicial futura que contrarie esses fatos Para além dos seus efeitos sobre o conteúdo da decisão futura porém e independente mente dela mecanismos de definição de agenda podem afetar o com portamento de atores políticos Podem sinalizar a falta de disposi ção do tribunal em decidir sobre um determinado assunto mantendo o status quo inalterado apesar dos protestos de uma minoria política É nessa perspectivado seu impacto tanto sobre a substância da deci são futura quanto nos cálculos de atores fora do tribunalque equi paramos o poder de definir a agenda ao poder de decidir Alocação interna efeitos externos Na perspectiva ampliada que propomos portanto os dese nhos institucionais de tribunais diferentes incluirão variados me canismos para decidir sinalizar e definir agenda Também é preciso considerar de forma ampliada porém não apenas o tipo de poder a ser alocado mas a própria forma de alocação dentro do tribunal Tipicamente assumimos que o exercício do poder judicial será 9 Assumimos que assim como políticos e independentemente das muitas diferenças entre o comporta mento desses atores juízes são tam bém atores estratégicos que modula rão sua posição ideal sobre um dado tema a partir de informações sobre o comportamento futuro incluindo retaliações de atores políticos com relação às suas decisões Essa premissa tem implicações também para a for mação da agenda do tribunal e esco lher os casos certos para o momento político certo é decisivo para o desen volvimento e manutenção do poder de tribunais constitucionais Ver Epstein Knight e Shvetsova 2001 Ginsburg 2003 e Fontana 2011 10 Entretanto mesmo tribunais que não possuem controle discri cionário sobre quais casos julgarão docket control tendem a desenvolver algum tipo de mecanismo ou estraté gia indireta para evitar se pronunciar sobre questões difíceis em momentos inconvenientes ou perigosos Ver Co mella 2004 11 Ver Arguelhes e Hartmann 2017 para uma interpretação pos sível do STF como um tribunal desse tipo 12 Nessa completa ausência de prazo para a tomada de decisão sur gem inevitáveis suspeitas e críticas quanto ao reais critérios utilizados pelo tribunal e seus membros para se lecionar quais casos serão de fato de cididos Ver por exemplo Dimoulis e Lunardi 2015 e Arguelhes 2016 02arguelhesdossie110p12a33indd 18 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 19 de alguma forma resultado de uma ação do tribunal formada por algum tipo de mecanismo de agregação que filtrará as posições individuais de cada membro até que se produza a posição da insti tuição ou no mínimo da maioria de seus membros Essa premissa porém não reflete a diversidade de arranjos possíveis na prática como o caso do Brasil ilustra bem Em particular o que ocorre quando poderes de decisão agenda e sinalização são alocados a ministros individuais permitindo que atuem sozinhos no proces so decisório fora do tribunal13 Os poderes de agenda decisão e sinalização podem ser aloca dos de maneiras coletivas individuais centralizadas e individuais des centralizadas Alocações coletivas colocam uma votação majoritária de algum tipo como condição necessária e suficiente para defla grar um dos poderes mencionados acima Alocações individuais em contraste dependem da ação de um único ministro Quando essa ação está restrita a um ministro em uma posição institucio nal específica falamos em uma ação individual centralizada Essa centralização ocorre em torno de funções que apenas um ministro pode ocupar dentro do tribunal de cada vezpor exemplo decano ou presidente do tribunal ou de uma das turmas Por outro lado quando esse poder pode em princípio ser exercido por qualquer ministro falamos em alocação individual descentralizada São des centralizados os poderes disponíveis em princípio aos ministros pela simples condição de ministros ainda que em processos es pecíficos o exercício desse poder seja exclusivo de um ministro como é o caso dos poderes do relator do processo Distinções adicionais poderiam ser feitas mas a diferençachave entre as duas grandes categorias que propomosalocações centralizadas ou descentralizadasé que apenas a primeira se refere a uma posi ção institucional que um ministro ocupa formalmente no tribunal e não apenas para este ou aquele processo14 Essas variações internas podem produzir diferentes efeitos exter nos Em trabalho anterior analisamos algumas situações nas quais no caso do Supremo um único ministro pode atuar carregando e antecipando com efeitos imediatos a autoridade da decisão futura do tribunal Arguelhes Ribeiro 2015 Assim como há variação nos poderes disponíveis aos colegiados do stf dependendo do tipo de questão a ser judicializada p ex quem tem legitimidade ativa para provocar a jurisdição do tribunal ou quais os efeitos da decisão do tribunal ao final do processo é possível que certos poderes sejam alocados de formas diferentes dependendo do tema eou do tipo de processo Para além do processo decisório interno do tribunal a complexidade desses arranjos cria oportunidades para uma ação individual sobre a política No limite como veremos a seguir certas 13 Sem chegar a explorar as manei ras pelas quais esses poderes podem equivaler a decisões Graber 2013 criticou recentemente a pouca ênfase dada à ação ou ao comportamento individual de juízes nas análises so bre cortes supremas mesmo quando esses juízes exercem algum tipo de poder de agenda ou de veto por sua posição institucional por exemplo como presidentes do tribunal 14 Alocações descentralizadas poderiam ser ainda divididas em exclusivas o exercício do poder por um ministro exclui o seu uso por outrospor exemplo no Supre mo só o relator pode exercer certos poderes embora qualquer ministro possa em princípio ser o relator em um dado processoou concomi tantes todos os membros do tribu nal podem em qualquer processo lançar mão desse poder é o caso por exemplo do poder de pedir vista no Supremo Tribunal Federal 02arguelhesdossie110p12a33indd 19 100418 1632 20 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro alocações internas acabam permitindo que as preferências de um único ministro moldem o processo político na prática com o mes mo peso institucional do tribunal SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL UMA SOMA DE INDIVÍDUOS PODEROSOS A Constituição de 1988 desenhou um stf poderoso Com amplos canais de acesso à jurisdição constitucional por parte de uma série de atores políticos e sociais somados a uma longa lista de competências é muito provável que o tribunal tenha a chance de se manifestar talvez até em tempo real sobre qualquer tema recémaprovado ou na ordem do dia no Congresso Além disso generosas garantias de independên cia individuais e institucionais tornam muito alto o custo para reta liar decisões do tribunal Por cima desse desenho original sucessivas gerações de ministros vêm expandindo por interpretações às vezes controversas o alcance desses poderes e dessas garantias Por fim um texto constitucional bastante extenso combinando tanto claúsulas vagas com conteúdo moral e uma série de regulações detalhadas e pontuais de vários aspectos da administração pública e das relações entre cidadão e Estado encoraja a judicialização e dá aos ministros parâmetros bastante ampliados de atuação Esses fatos sobre o stf são bastante conhecidos Arguelhes Ribeiro 201615 Mas como dife rentes recursos para influenciar o comportamento de atores políticos nos termos deste artigo são alocados dentro do Supremo16 Definição de agenda Os poderes de agenda estão fragmentados e distribuídos em níveis individuais distintos Um caso só pode ser de fato julgado por uma das turmas ou levado para o plenário para decisão após o relator ter liberado o caso para julgamento e o presidente do tribunal ter incluído o caso em pauta dentre esses dois mecanismos o primeiro expressa um poder individual descentralizado e o segundo expressa um poder individual centralizado na figura institucional do presidente17 Contudo mesmo após esses dois mecanismos convergirem para iniciar um julgamento cada ministro do Supremo tem na prática um poder de veto sobre a agenda que pode ser acionado a qualquer momento após o voto do relator os pedidos de vista18 Formalmente pedidos de vista ocorrem para que o ministro estude os autos do processo em detalhes e segun do o regimento estão sujeitos a um prazo que já foi de quase um mês e hoje é de cerca de duas semanas Contudo na média os casos ficam mais de um ano com os ministrosalguns chegam a ficar mais de uma década Esses longos atrasos não produzem consequência negativa visível para os ministros Mesmo em casos de grande visibilidade há registros de pedidos de vista usados para adiar uma decisão inclusive 15 Para uma discussão mais deta lhada dessas dimensões ver Argue lhes e Ribeiro 2016 16 Em princípio todas as dimen sões descritas nesse parágrafo po deriam variar também quanto aos ministros individualmente consi derados quem acessa sua jurisdição individual que mecanismos têm para exercer poder e quais garantias pos suem contra retaliação 17 Ver p ex arts 21 X e 128 2º do Regimento Interno do STF RISTF e Dimoulis e Lunardi 2008 18 Ver p ex art 134 do RISTF 02arguelhesdossie110p12a33indd 20 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 21 quando já havia maioria formada contra quem pediu a vista Arguelhes Hartmann 201719 Na prática portanto para que possa haver uma decisão é preciso que 1 o relator libere o caso 2 o presidente inclua o caso em pauta e 3 nenhum dos outros ministros decida pedir vista para impedir a conclusão do julgamento Cada um desses diferentes mecanismos de poder de agenda é na prática ainda que não na teoria discricionário Dimoulis Lunardi 2008 2016 Verissimo 2008 Arguelhes Hart mann 2017 Qualquer um desses atores pode resolver por qualquer motivo impedir que o tribunal tome uma decisão Como ocorre com qualquer outro exercício de poder judicial certas variáveis informais podem limitar o uso desses poderescrenças profissonais interna lizadas sobre o papel dos juízes no colegiado pressão dos pares crí ticas da comunidade profissional ou da imprensa20 Esses possíveis limites ainda não foram sistematicamente estudados Quaisquer que sejam porém não têm sido capazes de limitar o controle individual de agenda em casos de alta repercussão Vale notar ainda que devido ao vasto número de casos que o Supremo recebe e julga a cada ano a comunidade profissional a imprensa e os próprios colegas de tribunal só conseguem acompanhar um conjunto muito limitado de usos de poderes individuais de agenda A ausência de prazos vinculantes para o uso desses poderes de agenda os transforma em eficazes mecanismos individuais de inter ferência no status quo encorajando e viabilizando comportamentos políticos que dependem da manutenção ou alteração desse estado de coisas21 Consideremse por exemplo as ações propostas por Dilma Rousseff durante e depois do seu impeachment contestan do diretamente a constitucionalidade de seu julgamento pelo Senado ms 341932016 ms 343712016 ms 344412016 Rousseff foi oficialmente removida em 31 de agosto de 2016 e no momento de ela boração deste artigo essas ações sequer foram liberadas para pauta por seus respectivos relatores Enquanto isso a política se consolidou so bre o fato do impeachment eleições municipais ocorreram emendas constitucionais de alto impacto foram propostas pelo presidente Te mer e aprovadas pelo Congresso e até um novo ministro do stf foi in dicado e nomeado por um governo que permaneceria em tese sub judice no tribunal Mesmo assumindo realisticamente que seria improvável que uma maioria no Supremo anulasse o julgamento após o Senado ter removido Dilma do cargo o completo silêncio judicial transformou o que era improvável em princípio em impossível na prática O silêncio judicial por controle negativo de agenda poupa os ministros de to mar uma decisão que seria polêmica qualquer que fosse seu conteúdo E no stf o poder de impor esse silêncio está totalmente dissemina do de variadas maneiras pelos onze ministros 19 Para uma análise detalhada dos pedidos de vista como influência in dividual sobre a agenda do STF ver Arguelhes e Hartmann 2017 20 J Falcão 2013 por exemplo narra como o acompanhamento da imprensa influenciou a decisão do relator e do presidente de iniciar o julgamento da Ação Penal nº 470 o Mensalão em 2012 21 Para dados sobre duração média dos processos no Supremo ver Fal cão Hartmann e Chaves 2014 02arguelhesdossie110p12a33indd 21 100418 1632 22 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro Sinalização de preferências A legislação brasileira restringe severamente manifestações pú blicas de juízes sobretudo quanto a casos pendentes de julgamen to pelo tribunal ou críticas a decisões de outros magistrados22 No âmbito do Supremo porém o cenário é outro Vários ministros se pronunciam com frequência sobre casos pendentese alguns criti cam abertamente seus colegas sem que isso acione qualquer limite ou mecanismos de responsabilização23 Em 2013 por exemplo en quanto uma proposta de emenda que limitaria os poderes do Su premo no controle de constitucionalidade pec nº 332011 voltou a tramitar no Congresso quatro ministros se pronunciaram na im prensa sobre o tema Dos três que criticaram diretamente a propos ta dois chegaram a afirmar que uma emenda desse tipo seria incons titucionaluma questão jurídica que esses ministros invariavel mente enfrentariam no futuro se a eventual emenda fosse aprovada Arguelhes Ribeiro 2015 Pereira 201724 A pec nº 332011 logo perdeu fôlego25 A sinalização dos três ministros não é o único fator a explicar esse resultado mas certamente contribuiu para o cálculo dos políticos quanto à probabilidade direção e intensidade de uma intervenção futura do Supremo As sinalizações dos ministros podem ter pesos distintos Alguns ministros têm mais habilidade para escolher os veículos as palavras e o timing adequados para maximizar o efeito de suas palavras Ou tros talvez por uso excessivo de sinalização podem ver diminuída a credibilidade de suas palavrasameaças E ainda outros por sua posição institucionalpor exemplo relatores de processos espe cíficos ou o próprio presidente do tribunalpodem atrair mais atenção do público do que seus colegas O presidente do Supremo por exemplo tem algumas prerrogativas individuais centralizadas de sinalização p ex nos discursos de abertura do ano judiciário e em outras manifestações oficiais além de um capital de atenção pública atrelado ao cargo e um grande poder de agenda para fazer valer suas ameaças Contudo de forma geral é tão frequente e aparentemente pouco custoso para os outros ministros falar na imprensa sobre casos pen dentes que podemos considerar que o poder de sinalização é alocado de forma descentralizada a todos os membros do tribunal Como não houve até hoje qualquer tentativa relevante de disciplinar esse com portamento e tornálo mais centralizado na figura do presidente ou de manifestações colegiadas ocorre algo similar ao que observamos no caso do poder de agenda tratase de um poder discricionário à dispo sição de todos os ministros sujeito basicamente a estilos inclinações estratégias e cautelas ou ousadias individuais Arguelhes Ribeiro 2015 Falcão Arguelhes 201626 22 Art 36 III da Lei Orgânica da Magistratura Loman Lei Comple mentar nº 351979 23 Exploramos em mais detalhes essa questão em outro trabalho Ar guelhes Ribeiro 2015 De lá para cá o fenômeno parece ter se intensifi cado Recentemente por exemplo o ministro Gilmar Mendes fez severas críticas na imprensa a uma liminar do ministro Marco Aurélio e à pró pria pessoa do ministro Cantanhê de 2016 24 Os dois ministros nesse caso foram Marco Aurélio e Gilmar Men des Ver Arguelhes e Ribeiro 2015 e Pereira 2017 25 Nesse exemplo específico essas manifestações e préjulgamentos fora dos autos poderiam talvez ser mais compreensíveis pelo fato de a PEC nº 332011 envolver a autorida de do próprio tribunal Do ponto de vista descritivo porém o caso mostra com clareza a viabilidade e o potencial efeito de manifestações individuais de ministros sobre temas que o tribu nal ainda terá de julgar Além disso essas manifestações vêm ocorrendo para além de discussões envolvendo os poderes ou a autoridade do tribu nal abrangendo conflitos de tercei ros que o tribunal precisaria arbitrar no futuro Devemos a Rogério Aran tes essa observação 26 Mesmo quando não determi nam sozinhas o comportamento de atores políticos sinalizações indi viduais podem fornecer informação decisiva sobre a plausibilidade de certas posições do tribunal na esfera constitucional encorajando e às vezes municiando com argumentos minorias políticas a judicializar ques tões da conjuntura 02arguelhesdossie110p12a33indd 22 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 23 Tomada de decisão Em várias espécies processuais de mandados de segurança a ações diretas de inconstitucionalidade ministros relatores podem decidir liminarmente e monocraticamente certas questões podendo inclusi ve suspender a aplicação de leis atos normativos ou decisões internas do Congresso Nacional27 Essas decisões porém não são geralmente vistas como um verdadeiro poder de atuar individualmente sobre a política por dois motivos 1 não abrangeriam tecnicamente o mérito do caso mas apenas providências provisórias urgentes em hipóteses excepcionais previstas na legislação 2 o seu exercício está limitado pela supervisão do plenário e as partes eventualmente prejudicadas por uma liminar monocrática têm recursos para pedir sua revisão por um colegiado Em trabalho anterior sobre poderes individuais no Supremo endossamos essa visão reducionista das liminares mono cráticas por depender de confirmação pelo colegiado esse poder não criaria um espaço realmente livre para atuação individualao menos não da mesma forma que os pedidos de vista por exemplo Arguelhes Ribeiro 2015 pp 146151 Essa leitura deve ser revista Mais uma vez temos aqui um poder que na prática é bastante diferente do previsto em tese Primeiro a distinção entre decisões liminares e definitivas de mérito não se sus tenta em termos dos seus efeitos sobre o status quo Dados do projeto Supremo em números sobre a duração de decisões liminares no stf mostram que elas haviam permanecido em vigor por em média mais de dois anos até uma decisão finalou seis anos no caso de ações diretas de inconstitucionalidade Quando consideradas apenas as li minares ainda vigentes ao final de 2013 a média passava de seis anos e chegava a treze anos no caso das ADIs Falcão Hartmann Chaves 2014 Nesse cenário perde muita relevância prática a distinção entre decisões liminares e decisões finaisde mérito quanto aos seus efeitos sobre a política28 Segundo o controle pelo plenário não parece ser realmente eficaz para impedir que as decisões individuais se consolidem como status quo O número de decisões liminares monocráticas no Supremo é hoje muito maior do que o número de decisões liminares colegiadas Hartmann Ferreira 201529 Entre 2010 e 2017 foram 20830 deci sões monocráticas referentes a liminares excluídas as do presidente em uma média de 2603 por ano cerca de 260 por ministroano Brasil 2018 Considere em contraste que no mesmo período o ple nário e as duas turmas do tribunal tomaram apenas 177 decisões limi nares Brasil 2018 Isso é verdade inclusive para o controle concen trado de constitucionalidade883 decisões monocráticas liminares incluindo presidência e vicepresidência entre 2012 e 2016 com uma média de oitenta por ministroano Mais ainda na última década mais 27 Ver p ex Lei nº 98681999 art 6º 2º art 9º 3º art 10 1º e art 12 além de RISTF art21 IV art 170 28 Agradecemos a Ivar Hartmann por nos fornecer esses dados 29 Para uma discussão geral de vários indicadores ver Hartmann e Ferreira 2015 02arguelhesdossie110p12a33indd 23 100418 1632 24 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro de 90 de todas as decisões liminares em controle concentrado foram monocráticas30 Nesse grande volume de decisões e considerando o espaço limi tado da pauta do stf não é surpreendente que longos períodos de tempo se passem até que o plenário ou as turmas possam se mani festar sobre liminares monocráticas Entre 2007 e 2016 passaram se em média 1278 dias entre uma decisão liminar monocrática em controle concentrado e a primeira oportunidade de manifestação colegiada no mesmo processo31 Considerandose apenas as deci sões concessivas de liminares a média é de 797 dias Para além do controle concentrado considerando todas as classes processuais no período de 2012 a 2016 passaramse em média 617 dias entre a concessão monocrática de uma medida liminar e a primeira opor tunidade de apreciação por um colegiado No mesmo período nos casos em que a liminar monocrática concessiva foi seguida de uma decisão declarando o julgamento prejudicado o tempo de vigência da referida liminar foi na média de 767 dias No desenho institucional em tese a supervisão pelo plenário se ria a melhor aposta de controle desse poder individual Os ministros individuais seriam agentes do plenário decidindo com urgência de modo a preservar a autoridade futura da decisão colegiada que po deria sempre discordar da liminar e revogála Na prática porém pela interação entre poderes de agenda e poderes de decisão a super visão do plenário acaba se tornando opcional O relator do proces so pode impedir que sua liminar seja liberada para apreciação pelo colegiado Mesmo quando a parte prejudicada recorre da liminar o relator da liminar atacada também controla quando esse recurso estará liberado para decisão do plenárioa quem caberia em tese controlar sua atuação individual32 Ao manter o caso fora da aprecia ção do plenário o relator que deu a liminar individual pode impedir qualquer risco de revogação seja diretamente bloqueando a possi bilidade de decisão evitando o plenário ou indiretamente criando fatos consumados que aumentarão muito os custo de reverter sua liminar emparedando o plenário33 Considere por exemplo a liminar monocrática pela qual o ministro Fux suspendeu e mandou à Câmara dos Deputados em 14 de dezem bro de 2016 o pacote legislativo das 10 medidas contra a corrupção que havia acabado de chegar ao Senado Recorrendo a argumentos inéditos sem precedentes na jurisprudência do stf sobre processo legislativo Fux determinou aos presidentes das casas do Congresso que desconsiderassem a tramitação e as votações que haviam ocorrido até ali para que o processo legislativo pudesse ocorrer desde o início de forma a respeitar a essência da proposta de iniciativa popular Em 16 de fevereiro de 2016 após os dois meses de recesso e de vigência da 30 Os dados referentes ao contro le concentrado no período de 2012 a 2016 foram obtidos junto ao pro jeto Supremo em números com a colaboração de Ivar Hartmann Ver também Falcão Hartmann e Chaves 2014 31 Dados do projeto Supremo em números com a colaboração de Ivar Hartmann 32 Ver p ex RISTF art21 IV e art 315 33 Para uma discussão mais de talhada e mais exemplos Arguelhes e Ribeiro no prelo Vale notar que mesmo que o relator decida liberar o processo para julgamento o plenário do STF tem recursos escassos para dar conta de todas as decisões indi viduais que precisariam ser monito radas Em reportagem recente Felipe Recondo 2018 apurou que no final de 2017 havia oitocentos processos na fila de julgamento do plenário do Supremo sendo que ao longo das 81 sessões daquele ano o tribunal só ha via conseguido julgar 108 casos 02arguelhesdossie110p12a33indd 24 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 25 liminar o presidente do Senado devolveu o projeto de lei à Câmara Pouco tempo depois Fux extinguiu o processo por considerar que o retorno do projeto à Câmara era suficiente para remediar o que havia considerado violações ao processo legislativo previsto na Constitui ção Por liminar monocrática em mandado de segurança portanto um ministro anulou toda a tramitação de um projeto de lei na Câmara e fez o processo recomeçar do zero algo que já seria inédito na jurispru dência constitucional com uma decisão colegiada foi feito sem qualquer participação relevante do plenário Situação semelhante ocorreu com a controversa liminar do minis tro Gilmar Mendes suspendendo a nomeação do expresidente Lula como ministro de Dilma Rousseff Medina e Almeida 201634 Nas três semanas 18 de março a 7 de abril que se passaram até que ele liberasse a questão para julgamento Dilma já havia sido suspensa pro visoriamente do cargo ficando prejudicada a questão Por uma liminar monocrática portanto um ministro anulou a nomeação de um mi nistro de Estado em um momento crítico para o destino do governo Dilma O plenário não se pronunciará sobre questão tão decisiva para os rumos do país e para o direito constitucional brasileirotudo que temos é a decisão liminar de Gilmar Mendes Pereira 2017 Ministro decide individualmente e ministro decide individualmente se e quando poderá haver decisão colegiada sobre sua decisão individual esse loop entre poder de agenda e poder de decisão individual tem sido decisivo para entender a atuação do stf na política brasileira muito além das situações excepcionais previstas na legislação Monocrati camente Marco Aurélio determinou que o presidente da Câmara re considerasse seu arquivamento de um pedido de impeachment contra o então interino presidente Temer35 Monocraticamente Fux deter minou o pagamento de auxíliomoradia para a magistratura brasilei raum incremento salarial de legalidade questionável36 Essas não são questões politicamente menores nem casos em que claramente há um direito individual a sofrer danos irreparáveis O que quer que a legislação diga sobre como esses poderes deveriam ser usados o fato é que os ministros têm conseguido neutralizar os próprios mecanismos de controle pelos quais a maioria do tribunal eventualmente faria valer os critérios legais Assim liminares monocráticasjustificadas em princípio como um mecanismo para garantir a autoridade futura da decisão do plenário podem ser utilizadas no sentido oposto para neutralizar o controle do plenário sobre uma ação estritamente individual que hoje produz efeitos no mundo tomando para si a autoridade da decisão futura que talvez nunca chegue Na prática esse loop permite aos ministros reali zar o que podemos chamar de judicial review individual bloqueando iniciativas políticas ainda que amplamente majoritárias sem que a 34 Ver Medina e Almeida 2016 35 MS 34087 A liminar foi dada em 5 de abril de 2016 e liberada pelo relator para julgamento em 17 de maio Scocuglia 2016 Até o momento da entrega deste artigo o STF ainda não havia se pronunciado sobre essa liminar 36 Desde que Fux tomou sua deci são AO nº 1773 em 2014 cada juiz brasileiro tem recebido um adicional de aproximadamente R 43 mil De acordo com uma estimativa entre a decisão liminar de novembro de 2016 o custo total desses pagamen tos para o orçamento federal chegou a 289 milhões de reais por ano Sco cuglia 2016 Em dezembro de 2017 mais de três anos após sua liminar in dividual Fux liberou o processo para julgamento pelo plenário 02arguelhesdossie110p12a33indd 25 100418 1632 26 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro supervisão do plenário ou mesmo outros limites previstos na legisla ção impeçam essa atuação individual Há diversos exemplos visíveis na última década além dos casos mencionados acima de liminares individuais de grande impacto político que não foram levadas ao ple nário ao longo de meses e anos37 A MINISTROCRACIA E SUAS IMPLICAÇÕES SUPER CONTRAMAJORITARISMO CONTINGÊNCIA E CAPTURA Neste trabalho não temos a pretensão de testar hipóteses empí ricas específicas Nosso objetivo é formular uma interpretação mais geral das formas e mecanismos de atuação do Supremo na política nacional reconstruindoo como um tribunal intensamente poroso à ação individual direta de seus ministros sobre o status quo legislativo Sem dúvida ainda há muito a ser investigado empiricamente sobre o comportamento dos ministros e sua combinação em decisões colegia das no uso desses poderes As evidências disponíveis porém são mais do que suficientes para nossos fins De fato de um lado ministros do Supremo conseguiram decidir individualmente casos da magnitude política dos exemplos dados acima sem qualquer controle ou retalia ção relevante pelo plenário De outro há um grande número de limi nares individuais que permanecem por meses e anos sem apreciação do plenárioo que indica que seu uso parece ser frequente para além dos casos mais visíveis Entre essas duas constatações o ônus da prova deve caber a quem afirma que esse poder decisório individual não seria relevante Se ministros individuais moldaram o status quo legislativo mesmo em casos tão sensíveis politicamente é difícil imaginar que eles estariam mais limitados em sua atuação nas centenas de outras liminares que decidem por ano sobre temas mais distantes da pauta e da atenção nacionais No início de 2017 houve um período de particular visibilidade dessa estrutura profunda do tribunal De janeiro a fevereiro o país ficou às voltas com as implicações políticas da morte do ministro Teori Zavascki A primeira mais específica dizia respeito a como se ria escolhido o novo relator dos processos relativos à Operação Lava Jato posição que Zavascki ocupava A segunda mais geral envolvia quem o presidente Temer indicaria para a vaga no stf A incerteza gerada por esses dois pontos ilustra bem os problemas descritos neste trabalho De um lado parecia que o destino da Operação Lava Jato dependeria em larga medida da definição de quem seria o novo relator do processo De outro a vaga aberta carregava consigo a clara possibilidade de impactos de curto prazo sobre a conjuntura políti ca Pedidos de vista relatorias estratégicas para o governo manifes tações na imprensa em momentoschave para a Lava Jato o perigo 37 Criticando o ativismo arbi trário dos ministros do Supremo Dimoulis e Lunardi 2016 apontam como exemplos a liminar monocráti ca da ministra Cármen Lúcia suspen dendo as novas regras legislativas quanto aos royalties do petróleo em 2013 e a liminar monocrática do mi nistro Joaquim Barbosa então presi dente do STF suspendendo emenda constitucional que criou novos Tribu nais Regionais Federais Ambas as li minares ainda não foram apreciadas pelo plenário do STF 02arguelhesdossie110p12a33indd 26 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 27 da definição do relator é enorme para o governo a utilidade de uma única indicação para o stf é incalculável Embora alguns ministros sejam particularmente agressivos no uso desses mecanismos de ação individual esses problemas não sur gem pelo comportamento excepcional deste ou daquele ministro Ao contrário o desenho e a prática do stf libertam o comportamento individual e ampliam o seu alcance de maneiras que provavelmente continuarão por muito tempo mesmo após mudanças na composi ção atual Alguns meses após ter sido confirmado na vaga de Teori Za vascki o ministro Alexandre de Moraes pediu vista em um processo envolvendo uma reinterpretação restritiva das hipóteses de foro por prerrogativa de função foro privilegiado na Constituição Souza Brígido 2017 O pedido de vista surgiu em um contexto de crescentes avanços da Operação Lava Jato sobre lideranças políticas da maioria no Congresso e integrantes do alto escalão do governo Temer Moraes manteve o processo consigo por cerca de três mesesum período re lativamente curto considerando a duração média de pedidos de vista mas bastante significativo no contexto da crise política atual no Brasil Moraes como qualquer outro ministro possui meios de adiar indivi dualmente uma decisão do tribunal sobre um tema De fato tão logo o plenário voltou a discutir a questão em novembro de 2017 o ministro Toffoli pediu vista suspendendo novamente o julgamento Diante de seus ministros portanto o Supremo não parece tão supremo assim Mostramos que o stf aloca de maneira individual e descentralizada uma série de poderes individuais de agenda de sina lização e mesmo de decisão formal A experiência brasileira recente envolvendo alguns dos mais importantes conflitos políticos que já chegaram ao stf desde a redemocratização sugere que o uso de pode res depende muito mais da virtude individual do que de mecanismos institucionais de controle E enquanto o plenário não se pronuncia sobre essas ações individuais mais ou menos virtuosas ministros so litários mudam o status quo e moldam a política nacional Esse cenário está em conflito direto com algumas das categorias que tipicamente usamos para pensar o papel do stf na democracia brasileira Nesta última seção exploraremos algumas dessas tensões e implicações Tribunais constitucionais são tipicamente justificados a partir de dois grandes argumentos a proteção de minorias contra possíveis ti ranias da maioria atuação contramajoritária e a promoção de esta bilidade das regras do jogo A primeira fundamentação é substantiva o tribunal desempenha um papel específico de interpretar as diver gências a respeito do significado dos direitos fundamentais constitu cionalizados dificultando sua violação por maiorias legislativas e go vernos eleitos A segunda é procedimental o tribunal constitucional aumenta os custos de alteração ad hoc das regras do processo decisório 02arguelhesdossie110p12a33indd 27 100418 1632 28 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro conferindo maior segurança aos atores políticos e sociais Em ambos os casos o tribunal promove esses objetivos de maneira semelhante a outros mecanismos institucionais como bicameralismo vetos presi denciais regras para obstrução do processo legislativo e voto de con fiança impedindo que uma maioria legislativa pura seja suficiente para alterar o status quo Essas duas dimensões normativas vêm geran do há décadas perguntas empíricas Schwartzberg 2013 Pasquino 2014 os tribunais são de fato contramajoritários Em que condições podem de fato tornar mais custosa a ação de maiorias legislativas38 Em análise pioneira da Suprema Corte dos eua Robert Dahl 1957 sustentou que a atuação contramajoritária do tribunal se ria na verdade excepcional na prática Sendo os ministros indica dos pelo presidente e sabatinados no Senado seus posicionamentos sobre diversas questões de justiça não seriam muito diferentes dos posicionamentos da própria elite política Os poucos exemplos de atuação de fato contramajoritária ocorreriam quando a maioria go vernante tivesse insuficientes oportunidades de indicar ministros para o tribunal pois nesse caso haveria menor congruência entre as preferências dos atores políticos atuais e os ministros indica dos por forças políticas do passado Nessa perspectiva o tribunal como instituição não é necessariamente contramajoritário ou ma joritário sua atuação a favor ou contra o que a maioria governante pretende dependerá do grau de congruência entre suas preferências e as preferências dos demais atores O insight fundamental de Dahl para além do caso dos eua é a ideia de que as preferências da composição tribunal constitucional formadas no processo de indicação de seus membros ao longo do tempo são variávelchave para observar seu comportamento na política Esse insi ght informa as análises descritivas sobre a atuação dos tribunais cons titucionais no processo político democrático Além disso também é utilizado como um tipo de antídotoou ao menos calmantepara preocupações excessivas com a dificuldade contramajoritária en quanto presidentes e legisladores eleitos determinarem a composição do tribunal ao longo do tempo grandes descompassos entre deci sões judiciais e preferências majoritárias seriam exceção e não a regra Melo 201339 Contudo em estudos que adotam a perspectiva de Dahl a unidade de análise costuma ser o tribunal como ator coletivo Ministros indi viduais importam apenas como um voto em uma dada composição mas os resultados das decisões judiciais são contingentes às prefe rências majoritárias do próprio tribunal No limite um juiz individual mente é relevante somente se sua posição for decisiva para a formação da maioria interna ao tribunal A palavra do tribunal é contingente por depender do lado para o qual tende o pêndulo da maioria por 38 Ver Schwartzberg 2013 e Pas quino 2014 39 Ver p ex Melo 2013 02arguelhesdossie110p12a33indd 28 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 29 exemplo no caso dos eua mais conservadora ou mais liberal Essa contingência porém é compatível com uma certa estabilidade cada voto tem o mesmo peso cada indicação para a corte só altera um voto e somente uma maioria pode fazer a corte atuar contramajoritariamente Entretanto a possibilidade de ação individual contra uma maioria interna do tribunal gera complicações para essa moldura conceitual De um lado quando um único ministro se torna suficiente para impedir mudanças no status quo político temos na prática um sistema no qual uma única indicação política para o Supremo mesmo que tenha sido feita há décadas pode produzir um ponto de veto permanente dentro do tribunal O relator de um caso pode impedir indefinidamente que o tema vá para discussão no plenário e caso chegue no plenário um único ministro pode pedir vista e bloquear a decisão A alocação indi vidual descentralizada de poderes de definição de agenda é suficiente para impedir um tribunal de agir contra maiorias legislativas even tuais mesmo quando haveria naquele momento uma composição com maioria interna para realizar judicial review Tomando por base as preferências majoritárias do tribunal teríamos um falso negativo no exercício do poder judicial De outro lado quando a ação de um único ministro é suficiente para impedir maiorias legislativas eventuais de aprovar mudanças no status quoseja diretamente no caso de judicial review individual pelo relator seja indiretamente por meio de ameaças e sinalizações na imprensateríamos um falso positivo no exercício do poder judicial Isto é controle de constitucionalidade sem uma maioria de votos dos membros do tribunal Esse cenário pode ser considerado particularmente problemático em termos da teoria constitucional e da teoria democrática convencionais já que a atuação judicial seria aqui duplamente contramajoritáriacontra a maioria legislativa externa e contra a maioria judicial interna Arguelhes Ribeiro 2015 Arguelhes Ribeiro no prelo40 Em ambos os cenários a política constitucional será contingente à preferência do ministro que para cada processo para cada disputa levada ao stf tiver à sua disposição os poderes relevantes para vetar ou implementar mudanças no status quo A contingência seria menor se essas decisões envolvessem casos com respostas consensuais com pouca variância dentro do próprio stf Não parece ser o caso porém nos exemplos examinados ao longo deste trabalho Questões juridi camente controversas e politicamente decisivas podem ter resultados completamente diferentesdesde um completo silêncio judicial a um exercício de judicial review individual dependendo de quem for o ministro relator por exemplo Sem o filtro da maioria a decisão ma joritária ou contramajoritária tornase mais incerta e imprevisível e o poder do controle de constitucionalidade fica mais difícil de justificar 40 Exploramos mais este ponto em uma perspectiva de teoria cons titucional em Arguelhes e Ribeiro 2015 no prelo 02arguelhesdossie110p12a33indd 29 100418 1632 30 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro Por fim em qualquer cenário esse poder individual descontrola do combinado a mecanismos de accountability individual inoperan tes na prática amplifica alguns dos perigos associados a instituições independentes Em especial aumentase o risco de captura da ação de ministros por grupos de interesse ao redor do tribunal Embo ra no Brasil o tema seja discutido de forma sistemática no caso de agências reguladoras e outras instituições independentes o risco de captura não recebe atenção devida quando se trata de tribunais em especial do stf Não há porém nenhuma razão para imaginar que o tribunal está imune Ao contrário a alocação individual des centralizada de poderes característica do stf torna os ministros alvos mais fáceis e mais vantajosos qualquer ministro sozinho tem em suas mãos o poder de veto e o relator é suficiente tanto para o veto quanto com frequência para o próprio exercício de controle de constitucionalidade Por trás do poder do stf sobre outras instituições políticas e ju diciais do país portanto há uma profunda fragmentação interna com graves implicações externas Ao longo da última década consolida se uma literatura crítica sobre o individualismo nas deliberações e decisões do tribunal41 Neste trabalho nosso foco esteve nos efeitos para fora de ações individuais no processo decisóriouma agenda complementar e não substitutiva à literatura já existente sobre in dividualismo nas decisões colegiadas do stf Ministros individuais se quiserem podem moldar resultados na política especialmente se lhes couber a relatoria do caso Há pouco que o tribunal pode fazer que nas condições certas um ministro individual não possa também conseguire até o momento parece haver menos ainda que o tri bunal coletivo possa fazer quando ministros individuais usurpam da maioria a chance de exercer poder Se a supremocracia tem sido medida em termos de concentração de poder e capacidade de resolver conflitos políticos é preciso começar a discutir nossa ministrocracia nos mesmos termos Diego Werneck Arguelhes é doutor em direito pela Universidade Yale e professor pesquisa dor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas fgv Direito Rio Foi Hauser Global Research Fellow na Universidade de Nova York nyu Responsável pelos argumentos prin cipais do artigo e pela redação do mesmo Leandro Molhano Ribeiro é doutor em ciência política pelo IuperjUcam e professor pes quisador da fgv Direito Rio Corresponsável pelos argumentos principais do artigo e pela redação do mesmo 41 Ver p ex Vojvodic Machado e Cardoso 2009 Mendes 2012 2017 Silva 2013 2017 além de estudos empíricos p ex Oliveira 2012b e debates recentes Silva 2015 2016 Almeida Bogossian 2016 sobre o peso do relator nas de liberações no STF Rece bido para publi ca ção em 3 de julho de 2017 Aprovado para publi ca ção em 15 de fevereiro de 2018 NOVOS ESTUDOS CEBRAP 110 janabr 2018 pp 1332 02arguelhesdossie110p12a33indd 30 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 31 REFERÊNCIAS Almeida Danilo dos Santos Bogossian Andre Martins Nos termos do voto do relator considerações acerca da fundamentação coletiva nos acórdãos do STF Revista Estudos Institucionais v 1 n 2 pp 264297 2016 Arguelhes Diego Werneck STF e Cunha quem decide quando quer ouve o que não quer In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Werneck Recondo Felipe Orgs O Supremo em 2015 Rio de Janeiro Ed FGV 2016 Arguelhes Diego Werneck Hartmann Ivar A Timing Control without Docket Control How Individual Justices Shape the Brazilian Supreme Courts Agenda Journal of Law and Courts v 5 n 1 pp 105140 2017 Arguelhes Diego Werneck Ribeiro Leandro Molhano O Supremo individual mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político Direito Estado e Sociedade n 46 p 121155 2015 Criatura eou criador transformações do Supremo Tribunal Federal sob a Constituição de 1988 Direito GV v 12 n 2 pp 405440 2016 The Court It Is I Individual Judicial Review in the Brazilian Supreme Court and Its Implications for Constitutional Theory Global Constitutionalism no prelo Brasil Supremo Tribunal Federal Estatísticas do STF Decisões Supremo Tribunal Federal Disponível em http wwwstfjusbrportalcmsverTextoaspservicoestatisticapaginadecisoesinicio Acesso em 3 mar 2018 Brouard Silvain Hönnige Christoph Constitutional Courts as Veto Players Lessons from the United States France and Germany European Journal of Political Research v 56 pp 529552 2017 Bulla Beatriz Aguiar Gustavo Meu Deus do céu Essa é a nossa alternativa de poder diz ministro do STF sobre PMDB Folha de S Paulo 31 mar 2016 Disponível em httppoliticaestadaocombrnoticiasgeralmeu deusdoceuessaeanossaalternativadepoderdizministrodostfsobrepmdb10000024095 Acesso em 3 mar 2018 Cantanhêde Eliane Gilmar Liminar foi ilegal O Estado de S Paulo 6 dez 2016 Disponível em httppolitica estadaocombrblogselianecantanhedegilmarliminarfoiilegal Acesso em 3 mar 2018 Comella Víctor Ferreres The Consequences of Centralizing Constitutional Review in a Special Court Some Thoughts on Judicial Activism Texas Law Review n 82 pp 17051736 2004 Dahl Robert Alan DecisionMaking in a Democracy The Supreme Court as a National PolicyMaker Journal of Public Law n 6 pp 279295 1957 Davis Richard Justices and Journalists The U S Supreme Court and the Media Nova York Cambridge University Press 2011 Dimoulis Dimitri Lunardi Soraya Regina Gasparetto Definição da pauta no Supremo Tribunal Federal e auto criação do processo objetivo Congresso Nacional do Conpedi 17 2008 Brasília Anais Brasília Conpedi 2008 pp 43574377 A tendência passivista do Supremo In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Werneck Recondo Felipe Orgs O Supremo em 2015 Rio de Janeiro Ed FGV 2016 Epstein Lee Jacobi Tonja The Strategic Analysis of Judicial Decisions Annual Review of Law and Social Science v 6 pp 341358 2010 Epstein Lee Knight Jack The Choices Justices Make Washington DC CQ Press 1998Epstein Lee Knight Jack Martin Andrew D The Supreme Court as a Strategic National Policymaker Emory Law Journal v 50 pp 538611 2001 Epstein Lee Knight Jack Shvetsova Olga The Role of Constitutional Courts in the Establishment and Mainte nance of Democratic Systems of Government Law and Society Review pp 117164 2001 Falcão Joaquim Direito mídia e opinião pública In Org Mensalão diário de um julgamento São Paulo Campus 2013 pp 713 Falcão Joaquim Arguelhes Diego Werneck O invisível Teori Zavascki e a fragmentação do Supremo uma re trospectiva de 2015 In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Werneck Recondo Felipe Orgs O Supremo em 2015 Rio de Janeiro Ed FGV 2016 pp 2129 Onze Supremos todos contra o plenário In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Recondo Felipe Orgs Onze supremos o supremo em 2016 Belo Horizonte Letramento Casa do Direito Supra Jota FGV Rio 2017 pp 2029 Falcão Joaquim Hartmann Ivar Alberto Chaves Vitor P III Relatório Supremo em Números o Supremo e o tempo Rio de Janeiro FGV Direito Rio 2014 Falcão Márcio Lewandowski diz que STF pode julgar mérito do impeachment Folha de S Paulo 9 maio 2016 Disponível em httpwww1folhauolcombrpoder2016051769533lewandowskidizquestfpode julgarmeritodoimpeachmentshtml Acesso em 2 mar 2018 Fontana David Docket Control and the Success of Constitutional Courts In Ginsburg Tom Dixon Rosalind Orgs Comparative Constitutional Law 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Souza André de Brígido Carolina Moraes pede vista em julgamento do STF que discute foro privilegiado O Globo 1 jun 2017 Disponível em httpsogloboglobocombrasilmora espedevistaemjulgamentodostfquediscuteforoprivilegiado21423765 Acesso em 3 mar 2018 Staton Jeffrey K Judicial Power and Strategic Communication in Mexico Cambridge Cambridge University Press 2010 Sweet Alec Stone Governing with Judges Constitutional Politics in Europe Oxford Oxford University Press 2000 Taylor Matthew Judging Policy Courts and Policy Reform in Democratic Brazil Stanford Stanford University Press 2008 Tsebelis George Veto Players How political institutions work Princeton NJ Princeton University Press 2002 Verissimo Marcos Paulo A Constituição de 1988 vinte anos depois Suprema Corte e ativismo judicial à brasi leira Direito GV v 4 n 2 pp 407440 2008 Vieira Oscar Vilhena Supremocracia Direito GV v 4 n 2 pp 441463 2008 Vojvodic Adriana Machado Ana Mara Cardoso Evorah Luci Costa Escrevendo um romance primeiro 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SUPREMOCRACIA SEM CARACTERIZÁLA COMO ALGO NECESSARIAMENTE BOM OU RUIM MAS BUSCANDO COMPREENDER SEU SENTIDO E APONTAR PARA SEUS PERIGOS PALAVRASCHAVE SISTEMA POLÍTICO SEPARAÇÃO DE PODERES REPRESENTAÇÃO STF Oscar Vilhena Vieira SUPREMOCRACIA ABSTRACT THE TEXT SHOWS HOW THE FSC IS LOCATED AT THE HEART OF OUR POLITICAL SYSTEM AND WARNS OF THE DANGERS TO DEMOCRACY INHERENT IN THIS STANCE SUCH A DANGER LIES IN THE FACT THAT THE AFOREMENTIONED COURT IS FULFILLING ALBEIT IN A SUBSIDIARY MANNER THE ROLE OF RULEMAKER ACCUMULATING THE AUTHORITY OF CONSTITUTIONAL INTERPRETER WHILE RETAINING EXERCISE OF LEGISLATIVE POWER WHICH TRADITIONALLY BELONGED TO THE REPRESENTATIVE POWERS THE TEXT ATTEMPTS TO PROVE THAT THE SUPREME COURT HAS CARRIED OUT SUCH FUNCTIONS WITHIN AN ANALYSIS OF SOME OF ITS RECENTLY TRIED CASES IT ALSO SUGGESTS MECHANISMS CAPABLE OF DEALING WITH THE TENSIONS GENERATED BY SUPREMOCRACY WITHOUT CHARACTERIZING THEM AS SOMETHING GOOD OR BAD FOR OUR POLITICAL SYSTEM KEYWORDS POLITICAL SYSTEM SEPARATION OF POWERS REPRESENTATION STF SUPREMOCRACY O Supremo Tribunal Federal está de vela na cúpula do estado Rui Barbosa INTRODUÇÃO Em 1968 Aliomar Baleeiro publicou O Supremo Tribunal Federal esse outro desconheci do O título desta obra clássica de nosso direito constitucional não poderia estar em maior descompasso com a proeminência do Supremo Tribunal Federal no cenário 05REV8p441464OscarVV6março2009 3609 448 PM Page 441 político atual Raros são os dias em que as decisões do Tribunal não se tornam manche te dos principais jornais brasileiros seja no caderno de política economia legislação polícia e como e eventualmente nas páginas de ciências educação e cultura Na academia por sua vez multiplicase o número de trabalhos destinados a ana lisar os diversos aspectos da vida e da atuação do Supremo seja nas faculdades de direito seja nos programas de ciência política sociologia história etc O tema da interpretação constitucional que no passado ocupava um espaço residual na preocu pação dos nossos constitucionalistas passou a ser o principal foco de atenção de uma nova geração de juristas Ponderação de valores princípios ou moralidade torna ramse temas comuns aos estudos de direito constitucional1 Por outro lado a ciência política depois de longo período de desatenção em relação às instituições despertou para a necessidade de compreender melhor o papel do direito e das agên cias responsáveis pela sua aplicação Neste novo amanhecer da ciência política com viés mais institucionalista o Supremo tem se tornado objeto privilegiado de muitos autores2 Até os economistas passaram a analisar as conseqüências não raramente tomadas como externalidades pouco desejáveis das decisões judiciais3 Surpreendente no entanto tem sido a atenção que os não especialistas têm dedi cado ao Tribunal a cada habeas corpus polêmico o Supremo tornase mais presente na vida das pessoas a cada julgamento de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade pelo plenário do Supremo acompanhado por milhões de pessoas pela TV Justiça ou pela internet um maior número de brasileiros vai se acostumando ao fato de que questões cruciais de natureza política moral ou mesmo econômicas são decididas por um tribunal composto por onze pessoas para as quais jamais votaram e a partir de uma linguagem de difícil compreensão para quem não é versado em direito Embora o Supremo tenha desempenhado posição relevante nos regimes consti tucionais anteriores com momentos de enorme fertilidade jurisprudencial e proeminência política como na Primeira República4 ou ainda de grande coragem moral como no início do período militar5 não há como comparar a atual proemi nência do Tribunal com a sua atuação passada A expansão da autoridade do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais em geral não é no entanto um fenômeno estritamente brasileiro Há hoje uma vasta litera tura que busca compreender este fenômeno de avanço do direito em detrimento da política e conseqüente ampliação da esfera de autoridade dos tribunais em detrimen to dos parlamentos6 Para alguns analistas o fortalecimento da autoridade dos tribunais tem sido uma conseqüência imediata da expansão do sistema de mercado em plano global Aos olhos dos investidores os tribunais constituiriam um meio mais confiável para garan tir a segurança jurídica estabilidade e previsibilidade do que legisladores democráticos premidos por demandas populistas e necessariamente pouco eficien tes de uma perspectiva econômica7 SUPREMOCRACIA 442 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 350 PM Page 442 Uma segunda corrente enxerga a ampliação do papel do direito e do judiciário como uma decorrência da retração do sistema representativo e de sua incapacidade de cumprir as promessas de justiça e igualdade inerentes ao ideal democrático e incorporadas nas constituições contemporâneas Neste momento recorrese ao judi ciário como guardião último dos ideais democráticos O que gera evidentemente uma situação paradoxal pois ao buscar suprir as lacunas deixadas pelo sistema representativo o judiciário apenas contribui para a ampliação da própria crise de autoridade da democracia Este é o argumento fundamental do influente livro escri to por Antoine Garapon8 Para muitos constitucionalistas o deslocamento da autoridade do sistema repre sentativo para o judiciário é antes de tudo uma conseqüência do avanço das constituições rígidas dotadas de sistemas de controle de constitucionalidade que tive ram origem nos Estados Unidos Logo não é um processo recente Este processo de expansão da autoridade judicial contudo tornase mais agudo com a adoção de cons tituições cada vez mais ambiciosas Diferentemente das constituições liberais que estabeleciam poucos direitos e privilegiavam o desenho de instituições políticas volta das a permitir que cada geração pudesse fazer as suas próprias escolhas substantivas por intermédio da lei e de políticas públicas muitas constituições contemporâneas são desconfiadas do legislador optando por sobre tudo decidir e deixando ao legis lativo e ao executivo apenas a função de implementação da vontade constituinte enquanto ao judiciário fica entregue a função última de guardião da constituição9 A hiperconstitucionalização da vida contemporânea no entanto é consequência da desconfiança na democracia e não a sua causa Porém uma vez realizada a opção insti tucional de ampliação do escopo das constituições e de reforço do papel do judiciário como guardião dos compromissos constitucionais isto evidentemente contribuirá para o amesquinhamento do sistema representativo Apenas como forma de ilustrar os argumentos acima seria possível afirmar que a expansão da autoridade judicial começou a ser detectada já no início do século pas sado pelos realistas nos Estados Unidos10 a partir de uma série de decisões liberais da Suprema Corte no que se convencionou chamar de era Lochner11 Nesse período a Corte passou a tomar decisões que substituíam a vontade do legislador por inter médio da doutrina do devido processo legal substantivo Por essa doutrina a Corte não apenas se limita a verificar a constitucionalidade formal de um ato normativo mas também a sua razoabilidade face aos princípios da constituição No caso Lochner a Corte invalida legislação de cunho social produzida pelo Estado de Nova York em face de princípios implícitos pretensamente na Constituição Na Europa onde por todo o século XIX a doutrina do judicial review não encon trou eco os tribunais apenas começaram a ocupar uma posição mais proeminente a partir da Segunda Guerra em especial na Alemanha e na Itália Como reação ao nazismo e ao fascismo e uma enorme desconfiança na democracia de massas12 foram OSCAR VILHENA VIEIRA 443 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 353 PM Page 443 estabelecidas substantivas cartas de direitos e potentes tribunais constitucionais rompendo com a velha tradição rousseauniana de soberania popular13 Em alguma medida a reconstitucionalização espanhola no final da década de 1970 e a constitu cionalização de diversos países da Europa oriental após a queda do muro de Berlim seguiram a mesma lógica14 As constituições em geral buscam demarcar as diferenças entre o regime depos to e aquele por ela arquitetado Esta lógica também esteve presente nas transições portuguesa de 1976 brasileira de 1988 sulafricana de 1996 ou mesmo Indiana de 1950 elaborada no contexto do processo de descolonização15 Nestes casos no entan to havia uma ambição constitucional adicional Estas constituições não representam apenas marcos de transição para a democracia mas explicitamente foram incumbidas de liderar o processo de mudança social Talvez o texto da Constituição Indiana e o texto original da Constituição portuguesa de 1976 sejam os mais ambiciosos neste aspecto No caso português era missão constitucional levar a sociedade portuguesa ao socialismoTambém poderia ser inserido nesta onda de constitucionalismo socialmen te transformador o texto colombiano de 1991 Uma das características marcantes destes novos regimes foi a institucionalização de robustas jurisdições constitucionais voltadas a assegurar pactos de transição plasmados em ambiciosos textos constitu cionais16 Só que agora os juízes passariam a ter responsabilidades não apenas de legisladores negativos na formulação de Kelsen mas também por zelar pelo cumpri mento das promessas positivas feitas pela Constituição17 A hipótese fundamental deste texto é de que este perceptível processo de expan são da autoridade dos tribunais ao redor do mundo ganhou no Brasil contornos ainda mais acentuadosA enorme ambição do texto constitucional de 1988 somada à paula tina concentração de poderes na esfera de jurisdição do Supremo Tribunal Federal ocorrida ao longo dos últimos vinte anos aponta para uma mudança no equilíbrio do sistema de separação de poderes no Brasil O Supremo que a partir de 1988 já havia passado a acumular as funções de tribunal constitucional órgão de cúpula do poder judiciário e foro especializado no contexto de uma Constituição normativamente ambiciosa teve o seu papel político ainda mais reforçado pelas emendas de no 393 e no 4505 bem como pelas leis no 986899 e no 988299 tornandose uma ins tituição singular em termos comparativos seja com sua própria história seja com a história de cortes existentes em outras democracias mesmo as mais proeminentes Supremocracia é como denomino de maneira certamente impressionista esta singulari dade do arranjo institucional brasileiro Supremocracia tem aqui um duplo sentido Em um primeiro sentido o termo supremocracia referese à autoridade do Supremo em relação às demais instâncias do judiciário Criado há mais de um sécu lo 1891 o Supremo Tribunal Federal sempre teve uma enorme dificuldade em impor suas decisões tomadas no âmbito do controle difuso de constitucionalidade sobre as instâncias judiciais inferiores A falta de uma doutrina como a do stare decisis SUPREMOCRACIA 444 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 400 PM Page 444 do common law que vinculasse os demais membros do Poder Judiciário às decisões do Supremo gerou uma persistente fragilidade de nossa Corte Suprema Apenas em 2005 com a adoção de da súmula vinculante completouse um ciclo de concentra ção de poderes nas mãos do Supremo voltado a sanar sua incapacidade de enquadrar juízes e tribunais resistentes às suas decisões Assim supremocracia diz respeito em primeiro lugar à autoridade recentemente adquirida pelo Supremo de governar jurisdicionalmente rule o Poder Judiciário no Brasil Neste sentido finalmente o Supremo Tribunal Federal tornouse supremo No caso específico o s minúsculo do adjetivo vale mais que o S maiúsculo que convencionalmente reservamos aos órgãos máximos da República Em um segundo sentido o termo supremocracia referese à expansão da autorida de do Supremo em detrimento dos demais poderesA idéia de colocar uma corte no centro de nosso sistema político não é nova Como lembra Leda Boechat Rodrigues o próprio Pedro II no final de seu reinado indagava se a solução para os impasses institucionais do Império não estaria na substituição do Poder Moderador por uma Corte Suprema como a de Washington A epígrafe deste texto escrita por Rui Barbosa em 1914 também advoga por uma centralidade política do Supremo como um órgão de conciliação entre os poderes A história institucional da República no entanto seguiu rumos mais acidentados O papel de árbitro último dos grandes con flitos institucionais que no Império coube ao Poder Moderador foi exercido sobretudo pelo Exército como reivindica Alfred Stepan e apenas subsidiariamente pelo Supremo como propõem José Reinaldo Lima Lopes e eu mesmo18 Foi apenas com a Constituição de 1988 que o Supremo deslocouse para o centro de nosso arranjo político Esta posição institucional vem sendo paulatinamente ocupada de forma substantiva em face a enorme tarefa de guardar tão extensa constituição A ampliação dos instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado o Supremo não apenas a exercer uma espécie de poder moderador mas também de responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substan tiva ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos outras vezes substituindo as escolhas majoritárias Se esta é uma atribuição comum a outros tribunais constitucionais ao redor do mundo a distinção do Supremo é de escala e de natureza Escala pela quantidade de temas que no Brasil têm natureza constitu cional e são reconhecidas pela doutrina como passíveis de judicialização de natureza pelo fato de não haver qualquer obstáculo para que o Supremo aprecie atos do poder constituinte reformador Neste sentido a Suprema Corte indiana talvez seja a única que partilhe o status supremocrático do Tribunal brasileiro muito embora tenha deixa do para trás uma posição mais ativista No exercício destas funções que lhe vem sendo atribuídas pelos distintos textos constitucionais ao longo da história republicana ousaria dizer emprestando a linguagem de Garapon que nos últimos anos o Supremo não apenas vem exercendo a função de OSCAR VILHENA VIEIRA 445 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 400 PM Page 445 órgão de proteção de regras constitucionais face aos potenciais ataques do sistema político como também vem exercendo ainda que subsidiariamente a função de cria ção de regras 19 logo o Supremo estaria acumulando exercício de autoridade inerente a qualquer interprete constitucional20 com exercício de poder Esta última atribuição dentro de um sistema democrático deveria ficar reservada a órgãos repre sentativos pois quem exerce poder em uma república deve sempre estar submetido a controles de natureza democrática21 Neste sentido é sintomático que um dos mais astutos representantes da classe política brasileira que já exerceu as funções de Presidente da República e Presidente do Senado sobrevivendo a todas as mudanças de nosso sistema político nos últimos cinqüenta anos tenha afirmado recentemente que nenhuma instituição é mais importante e necessária ao Brasil do que o STF22 em uma espécie de substabeleci mento por insuficiência dos poderes inerentes ao sistema político brasileiro para o Supremo Tribunal Federal No mesmo sentido é emblemática a resposta do Presidente Lula que quando indagado sobre a lei de anistia teria dito este é um problema da justiça Nas páginas seguintes pretendo em primeiro lugar discutir as razões de ordem institucional que a meu ver têm favorecido a expansão dos poderes do Supremo no sistema político brasileiro Em seguida buscarei apresentar alguns indícios de que o Supremo vem de fato por intermédio de suas decisões exercendo ativamente as funções que lhe foram atribuídas Por fim a título de conclusão buscarei lançar algu mas idéias práticas que a meu ver poderiam contribuir para a redução das tensões geradas pela supremocracia Desnecessário dizer que este ensaio tem por objetivo essencial provocar o debate 1 A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA SUPREMOCRACIA Múltiplas são as razões de ordem política e histórica que levaram o constituinte de 19878 a optar pela elaboração de uma constituição tão ampla minudente ambiciosa ou ubíqua na precisa definição de Daniel Sarmento23 Irei aqui apenas analisar qual o impacto de algumas destas escolhas institucionais sobre a atuação do Supremo 11 A AMBIÇÃO CONSTITUCIONAL A primeira destas decisões diz respeito ao próprio ethos ambicioso da Constituição de 1988 que segundo Seabra Fagundes corretamente desconfiada do legislador deveria sobre tudo legislarAssim a Constituição transcendeu os temas propriamen te constitucionais e regulamentou pormenorizada e obsessivamente24 um amplo campo das relações sociais econômicas e públicas em uma espécie de compromisso maximizador25 Este processo chamado por muitos colegas de constitucionalização do direito26 liderado pelo Texto de 1988 criou no entanto uma enorme esfera de SUPREMOCRACIA 446 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 431 PM Page 446 tensão constitucional e conseqüentemente gerou uma explosão da litigiosidade consti tucional A equação é simples se tudo é matéria constitucional o campo de liberdade dado ao corpo político é muito pequeno Qualquer movimento mais brusco dos admi nistradores ou dos legisladores gera um incidente de inconstitucionalidade que por regra deságua no Supremo Os dados são eloqüentes Em 1940 o Supremo recebeu 2419 processos este número chegará a 6376 em 1970 Com a adoção da Constituição de 1988 saltamos para 18564 processos recebidos em 1990 105307 em 2000 e 160453 em 2002 ano em que o Supremo recebeu o maior número de processos em toda sua história Em 2007 foram 119324 processos recebidos Este crescimento é resultado imediato da ampliação de temas entrincheirados na Constituição mas tam bém de um defeito congênito do sistema recursal brasileiro que até a Emenda 45 encontravase destituído de mecanismo que conferisse discricionariedade ao Tribunal para escolher os casos que quisesse julgar bem como de mecanismo eficiente pelo qual pudesse impor suas decisões às demais esferas do judiciário 12 COMPETÊNCIAS SUPERLATIVAS A segunda razão que pode nos ajudar a compreender a expansão de autoridade do Supremo referese a sua própria arquitetura institucional A Constituição de 1988 mais uma vez preocupada em preservar a sua obra contra os ataques do corpo políti co conferiu ao Supremo Tribunal Federal amplos poderes de guardião constitucional Ao Supremo Tribunal Federal foram atribuídas funções que na maioria das democra cias contemporâneas estão divididas em pelo menos três tipos de instituições tribunais constitucionais foros judiciais especializados ou simplesmente competên cias difusas pelo sistema judiciário e tribunais de recursos de última instância Na função de tribunal constitucional o Supremo tem por obrigação julgar por via de ação direta a constitucionalidade de leis e atos normativos produzidos tanto em âmbito federal como estadual Devese destacar no caso brasileiro a competência para apreciar a constitucionalidade de emendas à Constituição quando estas amea çarem a integridade do amplo rol de cláusulas pétreas estabelecido por força do artigo 60 4º da Constituição Esta atribuição conferiu ao Supremo a autoridade para emitir a última palavra sobre temas constitucionais em nosso sistema político reduzindo a possibilidade de que o Tribunal venha a ser circundado pelo Congresso Nacional caso este discorde de um dos seus julgados como acontece em muitos paí ses Também foi atribuída ao Tribunal a competência para julgar as omissões inconstitucionais do legislador e do executivo e por meio do mandado de injunção de assegurar imediata e direta implementação de direitos fundamentais A politização desta esfera de jurisdição do Tribunal foi expandida em relação ao período constitucional anterior na medida em que a legitimidade para a proposição de ações diretas foi conferida a novos atores políticos e sociais conforme disposto pelo artigo 103 da Constituição Federal27 superando a fase em que as chaves de OSCAR VILHENA VIEIRA 447 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 431 PM Page 447 acesso ao controle direto de constitucionalidade pelo Supremo só eram conferidas ao Procurador Geral da República Essa abertura do Supremo a outros atores políticos tem transformado o Tribunal em muitas circunstâncias em uma câmara de revisão de decisões majoritárias a partir da reclamação daqueles que foram derrotados na arena representativa Neste aspecto é curioso notar que o partido político que mais trazia casos ao Supremo no período Fernando Henrique Cardoso era o Partido dos Trabalhadores PT e agora na gestão Lula o Partido dos Democratas DEM passou a ocupar a primeira posição entre os usuários do Tribunal seguido de perto pelo Partido da Social Democracia Brasileira PSDB Da mesma forma os governadores de Estado se apresentam de forma extremamente ativa no emprego do Supremo como uma segunda arena política em que buscam bloquear medidas aprovadas pelos seus antecessores bem como pelas respectivas Assembléias Legislativas Estaduais Outro evento de extrema importância na valorização da jurisdição do Tribunal enquanto arena de embate político foi o estabelecimento da possibilidade de que organizações da sociedade civil e outros grupos de interesse pudessem interpor amici curiae em casos de interesses supraindividuais Como bem demonstra Eloísa Machado em sua precisa dissertação de mestrado o legislador ordinário contribuiu para democratizar o acesso ao Supremo28 Com isso novas vozes passaram a ecoar no Tribunal aumentando seu caráter pluralista bem como sua voltagem política enquanto palco de solução de conflitos anteriormente mediados pelo corpo político Somado a isso surgiram as audiências públicas em casos de grande relevância que trazem ao Tribunal especialistas militantes e acadêmicos que não se reportam ao Tribunal em termos necessariamente jurídicos mas sim técnicopolíticos agregan do uma enorme quantidade de argumentos consequencialistas ao processo decisório do Tribunal Os casos das célulastronco e dos anencéfalos são uma demonstração do potencial politizador deste mecanismo Essas novidades certamente ampliaram o acesso ao Tribunal mas também expõem sua autoridade mais diretamente A Constituição de 1988 conferiu também ao Supremo a espinhosa missão de foro especializado Em primeiro lugar cumprelhe julgar criminalmente altas autoridades Em conseqüência da excêntrica taxa de criminalidade no escalão superior de nossa República o Supremo passou a agir como juízo de primeira instância como vimos no caso da recém aceitação da denúncia contra os mensaleiros Só para ter uma dimen são do problema há mais de 250 denúncias contra parlamentares aguardando manifestação do Supremo O Tribunal não está equipado para analisar pormenoriza damente fatos e mesmo que ampliasse sua capacidade institucional para fazêlo seu escasso tempo seria consumido em intermináveis instruções criminais desviandoo de suas responsabilidades mais propriamente constitucionais A segunda pedra no caminho do Supremo é ter que apreciar originariamente atos secundários do parlamento ou do executivo muitas vezes diretamente ligados à governância interna destes dois poderes Pior ocorre quando é instado a resolver tais SUPREMOCRACIA 448 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 434 PM Page 448 contendas em caráter emergencial como no caso da sessão secreta do Senado Federal voltada a apreciar a cassação do mandato do Senador Renan Calheiros29 O Supremo serve nessas circunstâncias como um tribunal de pequenas causas políticas Desconheço outro tribunal supremo do mundo que faça plantão judiciário para solu cionar quizílias que os parlamentares não são capazes de resolver por si mesmos O mesmo acontece em relação à impugnação por via de mandado de segurança de atos muitas vezes banais do Presidente da República como demissão de um servidor público A sua competência de foro especializado tem um enorme custo gerencial bem como pode gerar um desgaste de sua autoridade por excesso de envolvimento em questões que poderiam e deveriam estar sendo resolvidas em outros âmbitos Por outro lado é inadmissível que um tribunal supremo se veja obrigado a julgar origi nariamente processos de extradição homologação de sentenças estrangeira um enorme número de habeas corpus mandados de segurança e outras ações cíveis em face do status do réu Na linguagem da imprensa parte dessas atribuições transfor mou o Supremo em um foro privilegiado Por fim o Supremo Tribunal Federal serve como tribunal de apelação ou última instância judicial revisando centenas de milhares de casos resolvidos pelos tribunais inferiores todos os anos o que se explica pela coexistência de um sistema difuso de controle de constitucionalidade e um sistema concentrado de controle de constitu cionalidade na ausência de uma cultura jurídica que valorize o caráter vinculante das decisões judiciais inclusive aquelas proferidas por tribunais superiores De 1988 para cá foram mais de um milhão de recursos extraordinários e agravos de instrumento apreciados por onze juízes o que significa 9510 dos casos distribuí dos e 9413 dos casos julgados pelo Tribunal30 Isto sem falar nos milhares de habeas corpus muitos deles com arriscada supressão de instâncias pedidos de extra dição e outros processos que chegam ao protocolo do Tribunal todos os dias Além de desumano com os ministros é absolutamente irracional fazer com que milhões de jurisdicionados fiquem aguardando uma decisão do Tribunal enquanto seus devedo res se beneficiam da demora na solução desses casos Desnecessário dizer que o maior beneficiário deste sistema irracional é o próprio Estado brasileiro Importante destacar aqui no entanto que estes números absurdos que normal mente causam certo aperreio cognitivo aos analistas estrangeiros não retratam a verdadeira rotina do Tribunal O fato de que as tabelas encontradas no sitio do Supremo demonstrem que o Tribunal julga mais de cem mil casos por ano em média não significa que a Corte efetivamente aprecie tantos casos Como demons tra Marcos Paulo Veríssimo em refinada análise publicada neste número da Revista DIREITO GV a somatória das decisões tomadas pelas duas turmas mais as decisões proferidas em plenário pouco ultrapassam a 10 do total de casos julgados pelo Supremo sendo que os casos julgados pelo plenário do Tribunal em 2006 consis tem em apenas 05 do total de casos julgados ou seja 565 casos A imensa OSCAR VILHENA VIEIRA 449 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 434 PM Page 449 maioria dos casos portanto referese a decisões monocráticas em que o relator tem poderes conferidos pela lei para julgar o mérito ou as condições de admissibi lidade da ação ou do recurso ordinário ou extraordinário31 O mesmo autor conclui que por trás destas decisões monocráticas pode estar escondida uma espé cie de certiorary informal Isto apenas demonstra que o Tribunal vem utilizando um alto grau de discricionariedade para decidir o que vai para os distintos colegiados e o que pode ser abatido monocraticamente Em política o controle sobre a agenda temática bem como sobre a agenda temporal tem um enorme significado e este poder se encontra nas mãos de cada um dos ministros decidindo monocraticamen te Esse poder e os critérios para a sua utilização como não são expressos fogem a possíveis tentativa de compreensão quanto mais de controles públicos sobre essa atividade Criase assim uma sensação de enorme seletividade em relação aquilo que entra e o que fica de fora da pauta do Tribunal A inclusão da argüição de repercussão geral pela qual o Supremo poderá de iure e não apenas de facto exercer sua discricionariedade barrando a subida de milhares de processos todos os anos e da súmula vinculante que reforça a sua autoridade permitindo a imposição erga omnes de suas decisões foi uma reação à enorme fragmentação de nosso sistema de controle de constitucionalidade Essas ferramentas por sua vez concentraram ainda mais poderes nas mãos do Supremo como já foi possível verificar pela edição de súmula vinculante regulamentando emprego das algemas a partir de uma pequena série de casos individuais entre os quais a exposição pública de banqueiros e políticos algemados antes do julgamen to O risco aqui é o tribunal verse obrigado a se transformar em xerife de suas próprias decisões 2 EXEMPLOS DE ATUAÇÃO SUPREMOCRÁTICAS Tem se avolumado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal os sinais de que o Tribunal respondendo aos incentivos institucionais acima descritos subiu uma nota na escala de poder de nosso sistema político A primeira evidência disso é o impres sionante número de casos de máxima relevância presentes na agenda do Supremo Após uma breve enumeração desses casos concentrarei minha atenção em algumas decisões que podem nos ajudar a compreender de que forma os próprios ministros do Supremo estão metabolizando a ampliação dos poderes do Tribunal Em primei ro lugar será analisado o caso das célulastroncoADI 35100 emblemático da atual etapa de expansão da autoridade do Supremo Tribunal Federal como arena de dis cussão pública de temas de natureza político moral32 Em um segundo momento a partir da análise do caso da fidelidade partidária Mandado de Segurança n 26603DF e dos crimes hediondos Reclamação 43355Acre buscarei demons trar como o Supremo vem expandido sua atividade legiferante com ênfase naquela SUPREMOCRACIA 450 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 438 PM Page 450 de impacto constitucional ou seja passando do campo do exercício da autoridade para o exercício do poder 21 UMA AGENDA DESAFIADORA Muitos poderiam ser os exemplos da expansão da autoridade do Supremo nestes últimos vinte anos Afinal é difícil pensar um tema relevante da vida política con temporânea que não tenha reclamado ou venha a exigir a intervenção do Supremo Tribunal Federal No campo dos direito fundamentais já foram decididas ou encontramse na agen da do Tribunal questões como pesquisa com célulastronco quotas nas universidades desarmamento aborto anencéfalos demarcação de terras indígenas reforma agrá ria distribuição de medicamentos lei de imprensa lei de crimes hediondos poder da polícia de algemar direito de greve etc Na esfera da representação política temas como subrepresentação na Câmara dos Deputados cláusula de barreira fidelidade partidária número de vereadores nas Câmaras Municipais vêm fazendo do Tribunal um coautor do constituinte originá rio na arquitetura da representação política brasileira No âmbito da delimitação de atribuições das demais esferas do Estado vem dis cutindo questões como restrição à atuação das CPIs limitação do poder de edição de medidas provisórias pelo Presidente da República restrição aos poderes de investiga ção do Ministério Público garantia dos direitos das minorias parlamentares em face das mesas da Câmara e do Senado delimitação do campo de autonomia das agências reguladoras aferição da legitimidade da instituição de controle externo da magistra tura a restrição às sessões secretas do Senado entre outras questões quentes Com direto impacto sobre o balanço federativo e também sobre a economia o Tribunal vê na sua agenda assuntos como guerra fiscal Cofins e FGTS além de toda uma linha de decisões relativas aos ajustes econômicos que marcaram a vida brasi leira até o plano real Tudo isto sem falar em milhares de habeas corpus mandados de segurança alguns de altíssima voltagem política e muitos milhares de recursos extraordinários que demandam do Supremo decidir sobre uma infinidade de temas constitucionais mais ou menos relevantes Na esfera políticocriminal por exemplo temos assistido o jul gamento de altas autoridades como o expresidente Collor e os integrantes do escândalo do mensalão O Supremo por outro lado também não viu nenhuma dificuldade em discutir a validade de emendas à Constituição como nas reformas administrativa previdenciá ria e do próprio judiciário chegando sem qualquer hesitação a declarar algumas emendas contrárias às cláusulas pétreas como no caso da extinta CPMF Em resumo tudo no Brasil parece exigir uma última palavra33 do Supremo Tribunal Federal OSCAR VILHENA VIEIRA 451 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 438 PM Page 451 22 A NOVA ÁGORA O EXEMPLO DO DEBATE EM TORNO DA PESQUISA COM CÉLULASTRONCO O julgamento da lei de biossegurança que autoriza a pesquisa com célulastronco embrionárias congeladas é significativo deste novo patamar de visibilidade públi ca que vem sendo alcançado pelo Supremo Para além da própria importância do tema que tinha como pano de fundo a questão sobre a proteção jurídicoconstitu cional das etapas de desenvolvimento da vida34 da vasta cobertura da mídia e da intensa romaria de diversos grupos contrários e favoráveis à liberação da pesquisa com célulastronco para apresentar seus argumentos aos membros do Tribunal quatro fatos parecem indicar que o Supremo passou a ocupar um novo papel no sis tema político brasileiro O primeiro fato a ser destacado aqui se refere à naturalidade com que o Supremo se colocou para avaliar a escolha política substantiva no caso com ampla repercussão moral previamente realizada pelo legislador ordinário Esta questão foi suscitada da tri buna de forma expressa por Luiz Roberto Barroso advogado em um dos amici Para o ilustre professor o Tribunal deveria levar em consideração o fato de que a lei havia sido aprovada por uma esmagadora maioria do Congresso Nacional após um amplo proces so de consultas e debates inclusive com a realização de audiências públicas em que foram ouvidas as diversas posições da sociedade brasileira Não havendo inconstitucio nalidade flagrante mas apenas ponderação legislativa legítima o Tribunal deveria absterse de substituir a decisão do legislador pela sua Antes de iniciar o seu voto a Ministra Carmem Lúcia afastou com veemência este argumento sendo explicitamente acompanhada pelo Ministro Marco Aurélio Logo não se abriu qualquer espaço para uma discussão sobre deferência muito comum em outros tribunais constitucionais ao redor do mundo Entendida por deferência a postura respeitosa que muitos tribunais demonstram em relação ao legislador democraticamente eleito O que não significa omissão mas sim o estabelecimento de claros parâmetros de separação de poderes em que o judiciário sabe que a ele não foi conferido um poder de inovar na ordem jurídi ca Embora o Supremo tenha desde muito cedo em sua história tido uma postura de se permitir substituir decisões do legislador35 especialmente quando estas afrontam direi tos o fato é que não costumava eliminar de forma tão radical argumentos que tomassem em consideração a necessidade de uma conduta deferente O que ficou claro é que o Supremo não se vê apenas como uma instituição que pode vetar decisões parlamentares claramente inconstitucionais mas que pode comparar a qualidade constitucional das decisões parlamentares com as soluções que a própria Corte venha a imaginar substi tuindo as decisões do parlamento caso entenda que as suas são melhores O segundo ponto emblemático que se pode destacar no processo de julgamento da constitucionalidade da lei de biossegurança referese à importância que os amici curiae passaram a ter na condução dos debates no Supremo A presença de organiza ções da sociedade civil expressando a polaridade de opiniões difusas entre os SUPREMOCRACIA 452 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 439 PM Page 452 diversos segmentos da sociedade brasileira definitivamente politizou o debate jurídi co levado a cabo na Corte Mais do que isso a liberalidade na aceitação dos amici por parte dos Ministros indica que o Supremo está voluntariamente se democratizando e conseqüentemente abrindose de forma mais clara para a políticaAo permitir que organizações da sociedade civil possam a um custo organizacional e político muito menor lutar pelos valores que defendem no âmbito do Supremo criase uma nova arena discursiva e de decisão políticojurídica Desta forma o Supremo os atores da sociedade civil e as regras de interpretação constitucional passam a funcionar em algumas situações como substitutos do parlamento dos partidos políticos e da regra da maioria36 Um terceiro aspecto do julgamento que parece relevante referese à convocação da primeira audiência pública a pedido de uma das organizações da sociedade civil para a oitiva de cientistas Por mais técnica que tenha sido a audiência controlada rigorosamente pelo Ministro Carlos Brito relator do processo as audiências públi cas impõem ao Supremo debruçarse sobre argumentos que não são de natureza estritamente jurídicas Um dos reflexos disso durante o julgamento da lei de biosse gurança foi que alguns dos Ministros empenharamse mais em disputar a qualidade dos argumentos científicos e de seus cientistas do que propriamente esgrimar argu mentos de natureza constitucional sobre a vida extrauterina No voto do Ministro Carlos Alberto Direito mais páginas foram utilizadas para discutir filosofia religião e especialmente ciência do que propriamente direito constitucional Esta abertura à sociedade civil bem como uma deliberada exposição a discursos de natureza científica religiosa econômica etc não podem ser vistos como algo necessariamente negativo Ao contrário demonstram a necessidade do Supremo em buscar ampliar a sua base de legitimidade em face dos desafios de tomar decisões com impacto fortemente político como foi exposto pelo próprio Ministro Carlos Aires Brito ao abrir a primeira audiência pública da história do Supremo Este passo no entanto demanda que o Tribunal tenha clareza de seus novos desafios Uma corte ativista com enorme exposição pública e responsabilidade por tomar decisões de grande magnitude fica submetida a distintos padrões de escrutínio que já vêm expondo suas tensões internas e potenciais fragilidades Ao tomar decisões de natu reza política e não apenas exercer a autoridade de preservar regras o Supremo passará a ser cobrado pelas conseqüências de seus atos sem que haja mecanismos ins titucionais para que essas cobranças sejam feitas O último aspecto deste julgamento a ser destacado pode não parecer diretamen te associado à questão da superexposição do Tribunal mas a meu ver está a esta conectada Uma das maiores idiossincrasias deste julgamento foi o fato de que a mino ria no plenário já derrotada por aqueles que entendiam que a lei era constitucional em sua totalidade obstinadamente buscou que fossem incluídas na sentença medi das de caráter legislativo que restringiriam enormemente a eficácia da legislação OSCAR VILHENA VIEIRA 453 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 2409 532 PM Page 453 Conforme proposição dos Ministros Carlos Alberto Direito e Antonio Carlos Peluso invocando a doutrina da interpretação conforme a constituição propunham a criação de mecanismos mais rigorosos para a fiscalização das pesquisas com célulastroncoAs proposições de cunho legislativo que se buscava inserir na decisão barradas energeti camente pelos Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio sugerem duas coisas em primeiro lugar uma óbvia ambição legislativa por parte da minoria em segundo lugar uma exploração da teleaudiência como espaço para realização de um discurso que apenas poderia ter conseqüências políticas posto que a sorte jurídica do caso já se encontrava selada O fato de que o Supremo delibera em público com televisiona mento de suas audiências também diferencia o Tribunal da quase totalidade das cortes constitucionais ao redor do mundoAté o presente momento não surgiu salvo melhor juízo nenhum estudo buscando compreender o impacto da publicidade sobre a atua ção dos Ministros 23 DE LEGISLADOR NEGATIVO A PODER CONSTITUINTE REFORMADOR Além da proeminência do Supremo enquanto arena de deliberação pública é impor tante buscar demonstrar o quanto o Supremo tem se afastado do modelo tradicional de legislador negativo imaginado por Kelsen quando justificou a necessidade de cortes constitucionais no continente europeu nas primeiras décadas do Século XX37 Gostaria de destacar aqui dois casos que demonstram que o Supremo vem não apenas conferindo efeito legiferante a algumas de suas decisões mas que esta atua ção legislativa eventualmente tem hierarquia constitucional Tanto no caso da fidelidade partidária MS 26603DF como no caso da Reclamação 43355Acre referente à constitucionalidade da lei de crimes hediondos o Supremo parece ter dado um passo na direção do exercício do poder constituinte reformador Comecemos pelo caso da fidelidade partidária A ampla liberdade para a formação de partidos conjugada com a representação proporcional que inspira a eleição para a Câmara dos Deputados gerou uma gran de proliferação de partidos políticos no Brasil Atualmente são vinte e nove os partidos devidamente registrados no Tribunal Superior Eleitoral A falta de regras específicas ou de uma cultura política relativa à fidelidade partidária por sua vez permite uma intensa mobilidade de parlamentares que ficam livres para aderir à base de sustentação do governo após terem sido eleitos por partidos de oposição Como reação a essas características do sistema representativo brasileiro muitas vezes responsabilizadas pela fragilização da representação parlamentar o parlamen to e o próprio judiciário vêm tomando decisões voltadas a reorientar o sistema representativo Comentarei abaixo apenas a decisão tomada no MS 26603DF que cuida da questão da perda de mandato por infidelidade partidária deixando para outra ocasião a análise dos casos da verticalização das coligações partidárias e das cláusulas de barreira SUPREMOCRACIA 454 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 441 PM Page 454 O Superior Tribunal Eleitoral respondendo à Consulta 1398 que lhe foi formu lada pelo então Partido da Frente Liberal PFL reconheceu que os partidos e coligações partidárias têm o direito de manter as cadeiras parlamentares que tenham obtido no processo eleitoral decorrente de eleição pelo sistema proporcional quan do o deputado após o pleito decide mudar de agremiação política A decisão do TSE no entanto não foi acatada pela Presidência da Câmara dos Deputados moti vando o acima mencionado mandado de segurança impetrado pelo PSDB A discussão de fundo referese à possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral inter pretar a Constituição de forma a determinar a perda de mandado por parte daquele deputado que injustificadamente muda de partido após o pleito eleitoral devendo a vaga no parlamento ser preenchida por suplente que se encontra na lista do parti do ou coligação de origem Não entrarei aqui no mérito político da decisão Se esta beneficiou ou não a organização do sistema políticopartidário brasileiro Mas apenas destacar o fato jurídico de que a decisão dos tribunais TSE e STF criou uma nova categoria de perda de mandado parlamentar distinta daquelas hipóteses previstas no artigo 55 da Constituição Federal que como o próprio Ministro Celso de Mello reconheceu constituem numerus clausus O fato de se estar estabelecendo mais uma hipótese de perda de mandado parlamentar evidentemente cria um problema institucional sério a decisão tomada pelos dois tribunais é decorrência de um processo de inter pretação constitucional ou tem ela caráter legislativo no caso específico de natureza constitucional O próprio Ministro Celso de Mello enfrentou esta ques tão ao dizer que a Constituição conferiu ao Supremo o monopólio da última palavra em temas de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental o que pode ser interpretado como uma leitura fiel do artigo 102 da Constituição O ministro no entanto foi além ao adotar em seu voto as seguintes palavras de Francisco Campos A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicála Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição funciona igualmente o poder constituinte38 Este certamente é um passo muito grande no sentido de conferir poderes legislativos eventualmente de reforma constitucional ao Tribunal No julgamento da Reclamação 43355Acre relatado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes o Supremo Tribunal Federal deixou mais uma vez claro que no pro cesso de interpretação e aplicação da Constituição o seu conteúdo e eventualmente a sua letra pode sofrer alterações Depois de muitos anos sustentando a constitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos o Supremo Tribunal Federal em decisão relatada pelo Ministro Marco Aurélio no HC 82956 afastou a incidência do artigo que vedava a progressão de regi me aos que houvessem sido condenados pela lei de crimes hediondos por entender que esta regra violava o princípio da dignidade humana e da individualização da pena OSCAR VILHENA VIEIRA 455 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 441 PM Page 455 Com base nesta decisão do Supremo Tribunal Federal inúmeros condenados com base na Lei de Crimes Hediondos solicitaram a progressão de regime O juiz da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco entendeu no entanto que não deveria autorizar a progressão de regime pois o referido HC produziu efeitos apenas inter partes Neste sentido aplicou o disposto no artigo 52 X da Constituição Federal ao determinar que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte de lei declarada inconstitucio nal por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal Logo enquanto o Senado não suspendesse a execução da lei o juiz de primeira instância não estaria obrigado a submeterse a decisão do Supremo Tribunal Federal Fez inclusive que essa infor mação fosse afixada em diversos pontos do Fórum de Rio Branco Contra a denegação do pedido de progressão insurgemse inúmeros condenados vindo o Supremo a apreciar a Reclamação 4335Após uma detalhada e sofisticada argu mentação o Ministro relator buscou demonstrar que o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade vem passando por um longo processo de mutação marcado pela ampliação da importância do sistema de controle concentrado em detrimento do con trole difuso Neste sentido especialmente após a introdução do efeito vinculante em nosso sistema jurídico a regra do artigo 52 X ficou destituída de maior significado prá tico tendo portanto ocorrido uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto39 Esta mutação evidentemente consubstanciase em novo direito constitucional na medida em que é avalizada pelo Supremo Tribunal Federal É evidente aqui que a referida mutação afetou ainda que minimamente a rela ção entre os poderes suprimindo uma competência privativa do Senado Federal e transferindoa para o próprio Supremo Tribunal Federal Não se trata assim de qualquer mudança constitucional mas sim de uma alteração de dispositivo a prin cípio protegido pelo artigo 60 4º inciso III da Constituição Federal Isso evidentemente se levarmos em consideração os precedentes do Supremo Tribunal Federal ao julgar casos de ofensa às cláusulas pétreas Basta lembrar o caso da CPMF em que o Supremo julgou inconstitucional a incidência do imposto sobre Estados e municípios baseado no princípio da imunidade recíproca por entender que era uma parte fundamental do princípio federativo Independentemente de nossa posição sobre o acerto ou erro do Supremo Tribunal Federal no julgamento desses casos o que parece claro é que o Tribunal passou a se enxergar como dotado de poder constituinte reformador ainda que a promoção das mudanças constitucionais não se dê com a alteração explícita do texto da Constituição CONCLUSÃO Difícil julgar se o fenômeno da supremocracia é positivo ou negativo ainda mais quando o discutimos no contexto de inúmeras decisões importantíssimas do Supremo SUPREMOCRACIA 456 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 443 PM Page 456 Busquei neste ensaio concentrar a análise apenas sobre o aspecto institucional des tas decisões não discutindo o mérito das mesmas Em um curto ensaio como este meu objetivo foi apenas chamar atenção para o processo de expansão dos poderes do Supremo O ponto aqui não é portanto avaliar se as decisões tem sido progressistas ou não mas sim verificar a posição que vem ocupando o Supremo em nosso siste ma político Sob esta perspectiva seria adequado afirmar que se por um lado a liberdade com que o Supremo vem resolvendo sobre matérias tão relevantes demonstra a gran de fortaleza que esta instituição adquiriu nas duas últimas décadas contribuindo para o fortalecimento do Estado de Direito e do próprio constitucionalismo por outro é sintoma da fragilidade do sistema representativo em responder as expectativas sobre ele colocadas40 Em um sistema em que os poderes políticos parecem ter per dido a cerimônia com a Constituição41 nada pode parecer mais positivo do que o seu legítimo guardião exercer a sua função precípua de preservála Porém ainda que isso possa a ser visto como desejável sabemos todos que esta é uma tarefa cheia de percalços Não há consenso entre os juristas sobre como melhor interpretar a Constituição nem tampouco em como solucionar as inúmeras colisões entre seus princípios O que não significa que a tarefa não deva ser feita da forma mais racional e controlável possível como nos sugere Hesse42 Há no entanto dificuldades que trans cendem os problemas estritamente hermenêuticos derivados da aplicação de uma Constituição Estas dificuldades referemse à própria dimensão da autoridade que se entende adequada a ser exercida por um tribunal dentro de um regime que se pre tenda democrático Como aponta o próprio Ministro Celso de Mello em uma república nenhuma esfera de poder pode ficar imune a controles Assim há que se lutar pela progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder 43 Evidente que não pretendo aqui propor controle de ordem eleitoral para o Supremo mas sim uma racionalização de sua jurisdição e uma lapidação de seu pro cesso deliberativo de forma a restringir as tensões políticas inerentes ao exercício de uma jurisdição constitucional como a brasileira Entendo que algumas mudanças de natureza institucional são indispensáveis para que possamos reduzir o malestar supremocrático detectado neste texto Em pri meiro lugar seria a redistribuição das competências do Supremo Este não pode continuar atuando como corte constitucional tribunal de última instância e foro especializado Este acúmulo de tarefas que na prática apenas se tornou factível graças à crescente ampliação das decisões monocráticas coloca o Supremo e seus Ministros em uma posição muito vulnerável Falsas denúncias e gravações ilegais são apenas uma demonstração de como a autoridade do tribunal pode ser ameaçada É fundamental que o Supremo seja liberado de um grande número de tarefas secun dárias para exercer a sua função precípua de jurisdição constitucional Isto não significa adotar o modelo europeu de controle de constitucionalidade mas sim dar OSCAR VILHENA VIEIRA 457 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 443 PM Page 457 seguimento a nossa experimentação institucional que compõe o sistema difuso com o concentrado Com a argüição de repercussão geral o efeito vinculante e a súmu la vinculante o Supremo terá condição de redefinir a sua própria agenda e passar a utilizar do sistema difuso como instrumento de construção da integridade do siste ma judiciário e promoção do interesse público44 Definitivamente não é necessário analisar cada recurso extraordinário e muito menos cada agravo de instrumento que chega ao Tribunal todos os dias Ao restringir a sua própria jurisdição ao se autoconter o Supremo estaria ao mesmo tempo reforçando a sua autoridade remanescente e indiretamente fortalecendo as instâncias inferiores que passa riam com o tempo a ser últimas instâncias nas suas respectivas jurisdições É preocupante a posição de subalternidade a que os tribunais de segunda instância foram relegados no Brasil a partir de 1988 quando as suas decisões passaram a ser invariavelmente objeto de reapreciação Com uma agenda bastante mais restrita de casos o Supremo poderia melhorar a qualidade de seu processo deliberativo45 Em primeiríssimo lugar deveriam ser res tringidas ao máximo as competências de natureza monocráticas A autoridade do Tribunal não pode ser exercida de forma fragmentada por cada um de seus Ministros O fato de este ser um tribunal irrecorrível e portanto aquele que corre o risco de errar em último lugar impõe que as suas decisões sejam majoritariamen te de natureza coletiva o que somente será possível se o número de casos julgados cair de mais de cem mil por ano para menos de mil por ano Com a concentração de suas atividades no campo da jurisdição constitucional com forte componente discricionário o Tribunal além de passar a decidir de forma apenas colegiada também pode qualificar melhor o seu processo delibera tivo Hoje o que temos é a somatória de 11 votos que em um grande número de casos já se encontram redigidos antes da discussão em plenário e não uma decisão da Corte decorrente de uma robusta discussão entre os Ministros Isto seria muito importante para que a integridade do Supremo enquanto instituição colegiada fosse mantida Quando nos perguntamos qual a decisão do Supremo no caso das célulastronco fica evidente que há uma multiplicidade de opiniões Mesmo se pegarmos o voto do relator que foi muito além da questio iuris subme tida ao Tribunal o que dali foi aceito pela maioria e o que não foi aceito Quais são os efeitos precisos da decisão Assim as decisões precisam deixar de ser vis tas como uma somatória aritmética de votos díspares Na realidade o que o sistema jurídico necessita são decisões que correspondam a um maior consenso decorrente de um intenso processo de discussão e deliberação da Corte Evidente que sempre deverá haver espaço para votos discordantes e opiniões complemen tares mas a maioria deveria ser capaz de produzir uma decisão acordada um acórdão que representasse a opinião do Tribunal Isto daria mais consistência a decisões judiciais de grande impacto político SUPREMOCRACIA 458 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 446 PM Page 458 Ainda no quesito deliberação talvez fosse positivo que o Tribunal começasse a deli berar em pelo menos três etapas Em um primeiro momento deveriam ser selecionados os casos da jurisdição difusa a serem julgados no ano judiciário os de jurisdição con centrada dariam entrada pela ordem de chegada A transparência na construção da agenda é urgente Em um segundo momento seria aberto espaço seja para as audiên cias públicas seja para as sustentações orais com a presença obrigatória dos Ministros Posteriormente teríamos as sessões de discussão e julgamento Depois de tomada a decisão aquele que liderou a maioria deveria ser incumbido de redigir o acórdão Desnecessário que haja 11 votos apostados muitos deles pouco acrescentando quando não confundindo os jurisdicionados Com um processo de deliberação mais consistente o Supremo poderia ter tempo para o estabelecimento de estândares inter pretativos mais claros o que permitiria estabilizar sua própria jurisprudência bem como a jurisprudência dos tribunais e juízes de primeiro grau Certamente a redução das competências e a qualificação do processo de delibe ração não irão por si resolver as dificuldade contramajoritárias do Supremo mas poderão dar mais integridade às suas decisões reduzindo arestas que em última ins tância vulnerabilizam a própria autoridade do Supremo OSCAR VILHENA VIEIRA 459 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 NOTAS A formulação do argumento que agora apresento neste texto deuse por ocasião da aula inaugural do curso de pósgraduação em Direito do IbemecSP 2008 que honrosamente proferi a convite do Professor e amigo Jairo Saddi também apresentei este trabalho no saboroso Colóquio Vinte Anos da Constituição realizado em Petrópolis entre os dias 14 de 17 de Agosto ao convite dos também queridos amigos Daniel Sarmento Cláudio Pereira Souza Neto e Gustavo Binenbojm Se não fosse o meu atraso este texto deveria constar da publicação resultante daquele colóquioAgradeço por fim à DIREITO GV por ter assegurado as condições para que o presente ensaio pudesse ser realizado Oscar Vilhena Vieira é Professor de Direito Constitucional da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas São Paulo onde coordena o Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento Professor licenciado da Faculdade de Direito da PUCSP diretor jurídico da organização nãogovernamental Conectas Direitos Humanos mestre em direito LLM pela Faculdade de Direito da Universidade de Columbia Nova York doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo tendo realizado seus estudos de PósDoutoramento no Center for Brazilian Studies da Universidade de Oxford onde foi Sergio Vieira de Mello Human Rights Fellow em 2007 1 Barroso 1994 Rothenburg 1999 Vieira 1999 Sarmento 2000 Binenbjom 2001 Barcellos 2002 Ávila 2003 Sarlet 2004 Silva 2004 ARTIGO APROVADO 04112008 RECEBIDO EM 30072008 05REV8p441464OscarVV 21209 446 PM Page 459 2 Vieira 1994a Sadek 1995Vianna 1999 Costa 2001 Almeida 2006 Mendes 2008 3 Arida Bacha LaraResende 2003 Pinheiro 2005 4 Período brilhantemente capturado por Leda Boechat Rodrigues precursora dos estudos sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil publicou entre outros História do Supremo Tribunal Federal em quatro volumes Rio de Janeiro Ed Civilização Brasileira Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano Rio de Janeiro Ed Forense 1958 Direito e Política Rio de Janeiro Ed Civilização Brasileira 1977 5 Ver Vieira 1994a 6 TateVallinder 1995 Shapiro Sweet 2002 7 Esta é a tese central de Hirschal 2004 Cooter 1996 também apresenta o argumento sobre porque a democracia se torna uma ameaça à logica de mercado 8 Garapon 1996 ver também resenha do livro de Garapon realizada por Recoeur 2008 9 Canotilho 2001 10 Frank 1963 11 Ver em especial voto do Justice Holmes em Lochner v New York 1905 pelo qual critica a maioria da corte por tomar uma posição ativista de proteção dos valores do liberalismo econômico 12 Importante notar aqui a forte influência da ocupação americana na reconstitucionalização de países como a Alemanha e o Japão ver Henkin 1994 13 Cappelletti 1993 14 Schwartz 2000 15 Ver Baxi 1980 e Sathe 2007 16 Gargarella 2006 17 Kelsen 2003 18 Lopes 2006 p 30Vieira 1994a conclusão 19 Garapon 1996 20 O Tribunal estaria em algumas circunstâncias indo além do papel construtivo inerente a interpretação de cláusulas abertas do texto constitucional como reconhecido por Doworkin 1985 21 Dahl 1989 pp 65 et seq 22 Sarney 2008 23 Sarmento 2006 24 Empresto a expressão obsessão regulatória do Professor Humberto Ávila que a empregou no Colóquio Vinte anos da Constituição realizado em Petrópolis entre os dias 14 de 17 de Agosto 25 Vieira 1999 26 Ver em especial Virgílio Afonso da Silva e Gustavo Binenbojm SUPREMOCRACIA 460 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 2409 532 PM Page 460 27 Para uma análise pormenorizada das conseqüências da expansão dos atores legitimados a propor ações diretas de inconstitucionalidade ver Vianna et alli 1999 28 Almeida 2006 29 RENAN 2007 30 Veríssimo 2008 31 Idem 32 Os casos do ProUni relativo a ação afirmativa Raposa Serra do Sol referente à demarcação de terras indígenas ou aborto de fetos anencéfalus também se encontram nesta esfera da jurisdição do Supremo que se coloca como arena de discussão pública que se substitui ao parlamentoexecutivo na adoção da última palavra em temas de alta relevância políticomoral 33 Ver Vieira 1994b Para uma contestação da tese da última palavra ver excelente trabalho de Conrado Hubner por ocasião de sua tese de Doutoramento na FFLCHUSP 2008 34 De acordo com o Ministro Celso de Mello este seria o mais importante julgamento da história do Supremo Tribunal Federal 35 Barbosa 1999 p 179 36 Para este câmbio de legitimidade ver Offe Preuss 1990 37 Kelsen 2003 38 MS 26603DF voto do Ministro Celso de Mello p50 agradeço ao meu querido amigo Daniel Sarmento por ter me chamado a atenção para esta passagem 39 Reclamação 43355Acre voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes p 52 40 Neste ponto poderia ser contestado por Figueiredo e Limongi 1999 ao buscarem desmistificar a idéia de que o sistema representativo não tem sido capaz de corresponder às suas atribuições 41 Entrevista a mim concedida por ocasião da reedição de Supremo Tribunal Federal Jurisprudência Política 1997 42 Konrad Hesse Escritos de Derecho Constitucional Centro de Estúdios Constitucionales Madri 1983 43 ADI no 2397600 referente a reedição das medidas provisórias 44 Teria sido mais adequado que a utilização da expressão argüição de relevância pois os casos individuais podem muito bem trazer questões de máxima importância pública 45 Muito do que penso sobre qualificar o processo deliberativo do STF devo a Conrado Hübner que está realizando seu doutorado sobre este tema na Universidade de Edimburgo A ele sou grato pelo longo e frutífero diálogo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA Eloísa Machado de Sociedade civil e democracia a participação da sociedade civil como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal São Paulo 2006 Dissertação mestrado em direito Faculdade de Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo OSCAR VILHENA VIEIRA 461 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 2409 532 PM Page 461 ARIDA Persio BACHA Edmar Lisboa LARARESENDEAndré Credit Interest and Jurisdictional Uncertainty Conjuctures on the Case of Brazil In GIAVAZZI Francesco GOLDFAJN Ilan HERRERA Santiago orgs Inflation Targeting Debt and the Brazilian Experience 1999 to 2003 Cambridge MA MIT Press 2003 pp 193222 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios São Paulo Malheiros 2003 BARBOSA Rui O Supremo Tribunal Federal na Constituição Brasileira In Pensamento e Ação de Rui Barbosa Senado Federal Fundação Casa de Rui Barbosa 1999 BARCELLOS Ana Paula de A Eficácia jurídica dos Princípios Constitucionais Rio de Janeiro Renovar 2002 BARROSO Luiz Roberto Interpretação e Amplicação da Constituição São Paulo Saraiva 1994 BAXI Upendra The Indian Supreme Court and Politics Delhi Eastern Book co 1980 BINENBJOMGustavo A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira Rio de Janeiro Renovar 2001 CANOTILHO José Joaquim Gomes Constituição dirigente e vinculação do legislador contributo para a compreensao das normas constitucionais programaticas Coimbra Coimbra Editora 2001 CAPPELLETTI Mauro Juízes Legisladores Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 1993 COSTA Emília Viotti da O Supremo Tribunal Federal e a Construção da Cidadania São Paulo Instituto de Estudos Juridicos e Econômicos 2001 COOTER Robert DThe Rule of State Law Versus the RuleofLaw State Economic Analysis of the legal Foundations of Development In Word Bank Conference on Development EconomicsWashington DC World Bank 25 de abril de 1996 p 37 DAHL Robert Alan Democracy and its Critics New HavenYale University Press 1989 DOWORKIN Ronald A Matter of Principle Cambridge Mass Harvard University Press 1985 FIGUEIREDO Argelina Cheibub LIMONGI Fernando Executivo e Legislativo na Ordem Constitucional Brasileira Rio de Janeiro Editora FGV 1999 FRANK Jerome Law and the Modern Mind New York Anchor Books Anchor Books Doubleday Co 1963 GARGARELLA Roberto Courts and Social Transformation in New Democracies an institutional voice for the poor London Ashgate 2006 GARAPON Antoine O guardador de Promessas Justiça e Democracia Lisboa Instituto Piaget 1996 HENKIN Louis A New Birth of Constitutionalism Genetic Influences and Genetic defects In ROSENFELD Michel ed Constitutionalism identity difference and Legitimacy theoretical perspectives Durham Duke University Press 1994 HIRSCHAL Ran Towards juristocracy the origins and consequences of the new constitutionalism Cambridge Mass Harvard University Press 2004 KELSEN Hans Jurisdição Constitucional São Paulo Martins Fontes 2003 LOPES José Reinaldo de Lima Direitos Sociais teoria e prática São Paulo Método 2006 MENDES Conrado Hubner Controle de Constitucionalidade e Democracia Rio de Janeiro Campus Jurídico 2008 OFFE Claus PREUSS Ulrich K Democratic Institutions and Moral Resources In HELD David Ed Political Theory Today Polity Press Oxford 1990 HESSE Konrad Escritos de Derecho Constitucional Madri Centro de Estúdios Constitucionales 1983 PINHEIRO Armando Castelar org Reforma do Judiciário planos propostas e perspectivas Rio de Janeiro Booklink Publicações 2005 RECOEUR Paul O Justo São Paulo Martins Fontes 2008 v 2 p 183 RENAN escapa de cassação no plenário do Senado Folha de São Paulo São Paulo 12 de setembro de 2007 Caderno Brasil Disponível em httpwww1folhauolcombrfolhabrasilult96u327862shtml RODRIGUES Lêda Boechat A côrte suprema e o direito constitucional americano Rio de Janeiro Forense 1958 Direito e Política Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1977 História do Supremo Tribunal Federal 4 v Rio de Janeiro Civilização Brasileira sd ROTHENBURG Cláudio Princípios Constitucionais Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1999 SADEK Maria Tereza Uma Introdução ao Estudo dos Juízes São Paulo Sumaré 1995 SARLET Ingo Wolfgang A Eficácia dos Direitos Fundamentais Porto Alegre Livraria do Advogado 2004 SARMENTO Daniel A Ponderação de Interesses na Constituição Federal Rio de Janeiro Lúmen Iuris 2000 Ubiqüidade Constitucional os dois lados da moeda In Revista de Direito do Estado v 2 2006 SARNEY José O Supremo Tribunal Federal Folha de S Paulo São Paulo 7 de setembro de 2008 p A3 SATHE SP Judicial Activism in IndiaTransgressing Borders and Enforcing Limits Delhi Oxford University Press 2007 SCHWARTZ Herman The Struggle for Constituional Justice in PostComunist Europe Chicago Chicago University Press 2000 SHAPIRO Martin M SWEET Alec Stone On Law Politics Judicialization Oxford New York Oxford University Press 2002 SUPREMOCRACIA 462 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 2509 907 PM Page 462 SILVAVirgílio Afonso da A Constitucionalização do Direito Edição do autor 2004 TATE C Neial VALLINDER Torbjörn The Global Expansion of Judicial Power New York New York University Press 1995 VERÍSSIMO Marcos Paulo A Constituição de 1988 vinte anos depois suprema corte e ativismo judicial à brasileira Revista DIREITO GV volume 4 número 2 juldez 2008 VIANNA Luiz Wernek A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil Rio de Janeiro Revan 1999 VIEIRA Oscar Vilhena O Supremo Tribunal Federal Jurisprudência Política São Paulo Revista dos Tribunais 1994 Império da Lei ou da Corte Revista da USP Dossiê Judiciário 21 MarMai 1994b pp 7077 A Constituição e sua Reserva de Justiça São Paulo Malheiros 1999 OSCAR VILHENA VIEIRA 463 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 Rua Rocha 233 11º andar Bela Vista 01330000 São Paulo SP Brasil oscarvilhenafgvbr Oscar Vilhena Vieira PÓSDOUTOR PELO CENTRE FOR BRAZILIAN STUDIES DA UNIVERSIDADE DE OXFORD PROFESSOR E COORDENADOR DO PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO DA DIREITO GV 05REV8p441464OscarVV 21209 447 PM Page 463 REFENÀN CIA AGUEluES Deys Wems LGEino Linee Alallens Miminercea Gio ne V 37O e1332 203 UfYI pulo URENI 200 5 ea rem ilbraoe climseueneslesa alerine Ebem omy Galmer remlo Mels clo Mima imeme Suina ilibra cllerndo colelon Amda ea Amin 3 ali ors zoção de uma política ligada a um grupo de interesses nod pessoais mas também políticos e por vezes aparentes Com a ausência de maiores limitações e crescente concentração de poder individual traz grandes riscos ao Estado democrático especialmente a atuação do legislativo REEERÂN CIA VIÆira Osten Velhene Su ss4 20o ii 18 Dudon USP h999 So lolo mocl Dinety Sucam Orforcl Aua mo ca tilibra Em m 19 goemon Cocnuces do dimmois onp 5 Zeme d ma mohgen monaulolocs de cle 2 tilibra mai abibudoo S7fdencle Vsusa alorameeha cle 3 cilibra dabedos Liis lpu33 trem edeoo loement legsla Zra nosi MS m 26 603DF a e licle moo 4 335SACO rimens saa ime doe dineab Zemames amyZuok moo lorocla amoim t Elecdo Demsrouo cosodos esamendane Nentenslo oubtule Des REFEAFN Cia EXEla Flore le Meams Cus d olnts Lmttuenck 3 dl Gduto 2099
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02arguelhesdossie110p12a33indd 12 100418 1632 DOSSIÊ STF EM DISCUSSÃO NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 13 RESUMO Neste artigo mapeamos como a ação de um ministro do stf pode influenciar o processo político decisório Propomos uma visão ampliada dos mecanismos pelos quais tribunais atuam sobre a dinâmica política mostrando que no stf a alocação desses poderes é individualizada e descentralizada Neste cenário que chamamos de ministrocracia a política constitucional se torna errática criando problemas para a justificação do poder do tribunal em um regime democrático PALAVRASCHAVE Supremo Tribunal Federal processo decisório de senho institucional poderes individuais controle de constitucionalidade Ministrocracy The Individual Supreme Court in Brazilian Democracy ABSTRACT In this paper we map how the behavior of a Supreme Court jud ge can influence the political process We offer an expanded framework of judicial powers to shape the behavior of political actors and demonstrate how the Brazilian Supreme Court allocates these powers in an individualistic and decentralized way In this scenario which we label ministrocracy constitutional politics becomes erratic creating problems for the justification of the courts power in a democratic regime KEYWORDS Brazilian Supreme Court judicial decisionmaking institutional design individual powers constitutional review MINISTROCRACIA O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro1 Diego Werneck Arguelhes Leandro Molhano Ribeiro O Supremo Tribunal Federal stf esteve no centro da crise política nos últimos anos O processo de impeachment de Dilma Rousseff a Operação Lava Jato e suas implicações para garan tias constitucionais as manobras legislativas de Eduardo Cunha as reformas do governo Temertudo foi em algum momento decidi do adiado moldado de alguma forma pelo stf Há quase dez anos em período de estabilidade política já se apontava para a construção de uma supremocracia no Brasil Vieira 2008 Os últimos anos porém deixam transparecer um aspecto diferente do problema Em vários momentos críticos o poder judicial foi exercido individual Escola de Direito do Rio de Janei ro da Fundação Getulio Vargas FGV Direito Rio Rio de Janeiro RJ Brasil Email diegowerneckfgvbr Escola de Direito do Rio de Janei ro da Fundação Getulio Vargas FGV Direito Rio Rio de Janeiro RJ Brasil Email leandroribeirofgvbr 1 Agradecemos a Evandro Süs sekind Luiz Gomes Esteves Marcio Grandchamp Mariana Mota Pra do Mario Brockmann Machado Rogério Arantes Thomaz Pereira e httpdxdoiorg1025091 S01013300201800010003 02arguelhesdossie110p12a33indd 13 100418 1632 14 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro mente por ministros do stf sem participação relevante do plenário da instituição ou até mesmo contra ele Por liminar individual o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff o ministro Luiz Fux suspendeu e mandou reiniciar na Câmara a tra mitação do pacote das 10 medidas contra a corrupção o ministro Marco Aurélio determinou à presidência da Câmara que desse pros seguimento a um pedido de impeachment contra o então presidente interino Michel Temer Tecnicamente como liminares monocráticas essas e outras decisões individuais do período seriam precárias ex cepcionais e dependentes de confirmação do plenário em um futuro próximo Na prática porém ou o plenário sequer chegou a se manifes tar sobre essas e outras liminares monocráticas de grande magnitude política ou quando o fez a decisão individual já havia alterado decisi vamente o status quo A crise política deixou evidente que os ministros têm grandes recursos para evitar emparedar ou mesmo ignorar o ple nário Falcão Arguelhes 2017 Em vários momentos importantes a política nacional foi em boa medida moldada por ações judiciais es tritamente individuais que não chegaram a passar ou não passaram em tempo hábil pelo Supremo como instituição colegiada Liminares individuais são a face mais visível do problema Não esgotam porém os recursos que os ministros do Supremo têm para afetar a política Utilizando seu poder de pedir vista o ministro Gilmar Mendes controlou por vários meses o andamento no Tribunal Supe rior Eleitoral tse do processo de cassação da chapa DilmaTemer enquanto novas revelações da Lava Jato tornavam mais crítica a situa ção de Dilma Rousseff e sua relação com o Congresso Quem é Gil mar Mendes 20172 Durante o processo de impeachment o então presidente do Supremo ministro Lewandowski declarou à imprensa que ainda estava em aberto se o tribunal entraria ou não no mérito da decisão final do Senado M Falcão 2016 Seja controlando a agenda do tribunal seja com simples declarações públicas sobre potenciais decisões futuras a ação individual de ministros dissuadiu encorajou ou até viabilizou algumas estratégias de atores políticos Na conjunção desses dois aspectosatuação judicial sobre a po lítica que é individual independente de manifestações do colegiado e às vezes informal independente até mesmo de decisões judiciais há um fenômeno mais geral a ser explorado Quando analisou o que chamou de supremocracia Vieira 2008 descreveu a concentração de poderes nas mãos do stf como instituição Enfocava decisões colegia das como a unidade de análise do poder de que o tribunal dispunha e da influência política que poderia ter Da mesma forma a literatura existente sobre judicialização da política enfoca decisões coletivas Mesmo quando as unidades de análises são os votos individuais dos aos dois pareceristas anônimos por comentários a uma versão anterior deste trabalho Agradecemos tam bém a Ivar A Hartmann pelos dados inéditos aqui utilizados Algumas das ideias desenvolvidas aqui foram apre sentadas originalmente no encontro de junho de 2017 do Seminario en La tinoamérica de Teoría Constitucional y Política SELA em Quito Equador Gostaríamos de agradecer aos parti cipantes do evento pelos comentá rios em especial Andrea PozasLoyo Conrado Hübner Mendes Eliezer Gomes da Silva e Jamal Greene 2 Redação Terra Quem é Gilmar Mendes dono do voto de minerva que absolveu Temer Terra 09 de ju nho de 2017 Disponível em https wwwterracombrnoticiasbrasil quemegilmarmendesdonodo votodeminervaqueabsolveute mere4597b04d151d58ec815cb76c4f 8712cbns62ewahtml 02arguelhesdossie110p12a33indd 14 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 15 ministros a premissa é que essas posições individuais só poderão afe tar o mundo fora do tribunal após serem agregadas em um processo decisório interno em votos vencidos e vencedores p ex Oliveira 2012a 2012b Contudo o foco nas decisões colegiadas embora necessário não é suficiente para uma compreensão plena e precisa do papel dos juízes na política brasileira Neste artigo mapeamos e discutimos as prin cipais maneiras pelas quais a ação individual pode ser condição sufi ciente para influenciar o processo político decisório ao redor do stf Na primeira parte propomos uma visão ampliada para além das de cisões formais dos mecanismos pelos quais tribunais atuam sobre a dinâmica política identificando de que maneira esses poderes podem ser alocados em instituições judiciais colegiadas tomada de decisão si nalizações públicas e definição de agenda No desenho institucional de um dado tribunal cada um desses poderes pode ser exercido coletivamente i e só pode ser utilizado por meio de uma decisão colegiada eou individualmente i e a atuação de um único ministro é condição su ficiente para utilizar esse poder Alocações individuais por sua vez podem ser centralizadas vinculadas a uma posição institucional fixa conhecida de antemão na arquitetura da instituição e válida para um grande conjunto de casos como a de presidente do tribunal ou descen tralizadas qualquer ministro pode em princípio exercer esse poder Na segunda parte reconstruímos o stf como um caso de dese nho institucional particularmente individualizado e descentralizado Diversos exemplos recentes ilustram como a ação individual dos mi nistros por meio dos poderes discutidos na primeira seção tem sido decisiva para a política constitucional brasileira Não se trata aqui de testar quantitativamente quaisquer hipóteses prévias sobre como são usados os poderes individuais dos ministros do stf mas sim de uti lizar casos qualitativamente importantes para a política nacional para teorizar sobre a capacidade individual dos ministros de influenciar o status quo legislativo Apontamos em especial para a interação entre poderes de agenda e de decisão individual no funcionamento do stf como relatores dos processos combinam o poder de decidir liminares monocráticas e o poder de liberar ou não essas liminares para apre ciação das turmas e do plenário criase um espaço politicamente re levante de decisão individual sem controle coletivo Argumentamos que em alguns casos muito importantes essa combinação tem sido funcionalmente equivalente ao que chamamos de judicial review indi vidual com ministros realizando o controle de constitucionalidade sem qualquer controle efetivo pelo plenário Na terceira parte discutimos implicações desse cenário para o processo democrático A atuação individual descentralizada torna a política constitucional errática ao vinculála às preferências de juízes 02arguelhesdossie110p12a33indd 15 100418 1632 16 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro que não necessariamente refletem a posição institucional do tribu nal como ator coletivo Em qualquer tribunal decisões judiciais são ao menos em parte contingentes às preferências de seus integrantes No entanto tipicamente mecanismos internos de agregação de pre ferências p ex uma votação majoritária entre os juízes tornam o resultado final relativamente previsível para uma dada composição do tribunal No caso do Supremo porém essa relativa estabilidade é constantemente erodida pela ação individual que enfraquece a cor relação esperada entre vitórias eleitorais oportunidade de indicação de ministros e formação da jurisprudência constitucional ao longo do tempo Mais ainda a ação individual no Supremo ilustra na práti ca a possibilidade de um tipo de contramajoritarismo interno dentro do próprio tribunal aumentando o risco de captura desses agentes inde pendentes e gerando problemas para a legitimação da atuação judicial contramajoritária na política de forma mais geral TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO DECISÓRIO DEMOCRÁTICO Que poderes os tribunais têm Assumir que um tribunal constitucional é um ator relevante é con siderar que ele pode se constituir como um ator de veto no processo político decisório cuja concordância é necessária para a alteração ou manutenção do status quo Tsebelis 2002 Brouard Hönnige 20173 Sendo um ator relevante as preferências do tribunal constitucional são levadas em consideração no cálculo político dos demais atores que participam do processo decisório Assim uma ideiachave para compreender a atuação de tribunais constitucionais na política diz respeito ao comportamento estratégico dentro e fora do tribunal No primeiro caso a observação das preferências potenciais do tribunal acarreta um conjunto de considerações estratégicas tanto daqueles atores que fazem parte da maioria que pode ser os que exercem o governo como daqueles na minoria ou que estão na oposição Tribunais constitucionais podem ter um impacto legislativo imedia to direto e formal sobre as decisões legislativas vetandoas totalmente ou invalidandoas parcialmente Essa possibilidade de atuação direta porém abre espaço para efeitos indiretos sobre o comportamento de atores fora do tribunal A ameaça crível de decisão judicial futura gera da pelo comportamento passado do tribunal cria uma espécie de efeito pedagógico e indireto de retroalimentação feedback sobre o próprio processo legislativo Sweet2000 Whittington 2005 Epstein Kni ght 1998 Taylor 20084 conforme atores políticos percebem esses incentivos para adaptar sua produção normativa e estratégias de ação levando em conta as preferências do tribunal Sweet 20005 Por outro lado também é possível haver comportamento estratégico e antecipação 3 Essa é a definição de ator de veto de Tsebelis 2002 Na apli cação dessa definição aos tribunais constitucionais porém Tsebelis os considera absorvidos no espaço de preferência de outros atores do sistema político basicamente devi do aos mecanismos de indicação po lítica de seus juízes Com isso não os encara a princípio como atores com poder de veto Para uma discus são crítica a respeito e uma análise empírica com evidências contrárias à hipótese de absorção ver Brouard e Hönnige 2017 4 Essa ideia está presente em diversos estudos sobre tribunais constitucionais desde estudos so bre judicialização da política Sweet 2000 e regimes políticos Whitting ton 2005 a estudos sobre compor tamento judicial Epstein Knight 1998 Para uma análise do caso bra sileiro ver Taylor 2008 5 A possibilidade de o tribunal ser mais ou menos deferente à maioria dependerá além da distância das preferências dos juízes em relação à maioria do grau de independência para agir em relação aos demais ato res políticos Isso pode levar a um ajuste ou adaptação da atuação do próprio tribunal e sua decisão estaria em algum ponto de interseção entre suas próprias preferências e as dos atores da maioria Ver Sweet 2000 02arguelhesdossie110p12a33indd 16 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 17 dentro do tribunal Por exemplo os juízes podem evitar decisões muito conflitantes com as preferências da maioria governante para evitar reta liação Epstein e Jacobi 2010 Epstein Knight e Martin 2001 Ribeiro Arguelhes 20136 Aqui a variávelchave são os poderes que os políticos têm em princípio para ameaçar os tribunais A direção da decisão judi cial ou das considerações estratégicas dos demais atores dependerá das preferências do tribunal frente ao seu grau de independência dado pelo desenho institucional o que por sua vez dependerá da configura ção institucional do processo decisório interno do tribunal vigente Como se formam fora do tribunal essas percepções sobre a pro babilidade direção e intensidade de decisões judiciais futuras De cisões passadas são um proxy importante das preferências de uma dada composição da corte Sweet 2000 Contudo embora o poder de decidir seja a expressão prototípica do poder judicial decisões ju diciais formais nos dão uma visão incompleta de como tribunais e juízes influenciam a política Se é verdade que a simples ameaça de uma decisão judicial futura pode ser suficiente para moldar o compor tamento de atores fora do tribunal qualquer mecanismo pelo qual um juiz ou tribunal module a percepção desses atores já pode influenciar seu comportamento É preciso levar em conta portanto o poder de sinalizar fornecendo informações sobre o que esperar de decisões futu ras Da mesma forma qualquer mecanismo que torne mais ou menos provável que o tribunal de fato decida uma questão também afetará indiretamente o status quo legislativo e o comportamento dos atores políticos Ou seja é preciso levar em conta o poder de definir a agenda Sinalizações sobre decisões judiciais futuras mudam os custos es perados de determinados cursos de ação alterando cálculos e compor tamentos por diversos meios formais e informais A manifestação mais clara e extrema do poder de sinalização seria uma mensagem oficial pú blica do tribunal antes que um conflito surja já antecipando a posição que tomará se e quando provocado Mas há variações mais sutis A fala de um ministro em uma palestra ou entrevista oficial ou não pode ser interpretada como expressão de simpatia por uma determinada posi ção encorajando ou desencorajando o ajuizamento de certos tipos de ação e o uso de certos tipos de argumento Bulla Aguiar 2016 Gilmar Mendes chama Tribunal Superior do Trabalho de laboratório do pt 2017 Impeachment foi tropeço da democracia diz Lewandowski 20167 O discurso oficial do presidente do tribunal ou mesmo um co mentário lateral feito a jornalistas após uma sessão pode indicar insa tisfação e resistência judicial futura com o desenrolar de algum plano de ação no Congresso Arguelhes Ribeiro 2015 Davis 20118 Essas formas de sinalização têm pesos e alcances distintos mas em alguma medida sempre tomam de empréstimo a autoridade da decisão futura para informar e influenciar hoje os cálculos dos atores políticos 6 Ver Epstein e Jacobi 2010 e Epstein Knight e Martin 2001 Para uma discussão sobre o caso do STF ver Ribeiro e Arguelhes 2013 7 Entre muitos exemplos possí veis em variados contextos ver as reportagens Bulla e Aguiar 2016 Gilmar Mendes chama Tribunal Superior do Trabalho de laboratório do PT 2017 e Impeachment foi tropeço da democracia diz Lewan dowski 2016 8 Em diversos estudos de judicial politics a imprensa é tipicamente vista como uma arena na qual a instituição tem oportunidades para fortalecer sua legitimidade e au mentar os custos de retaliação ou desobediência por parte de outras intituições p ex Staton 2010 Ou seja assumese que a instituição age coletivamente e que seus mem bros compartilham os mesmos obje tivos quando se trata de preservar e aumentar a autoridade do tribunal 02arguelhesdossie110p12a33indd 17 100418 1632 18 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro O poder de definir a agenda envolve escolher quando julgar um dado tema ou caso habilitando ou impedindo decisões judiciais em momentos específicos Epstein Knight Shvetsova 2001 Ginsburg 2003 Fontana 20119 No direito constitucional comparado a dis cussão sobre mecanismos de controle de timing tem enfatizado so bretudo os mecanismos formais pelos quais tribunais escolhem que casos julgar e com isso indiretamente definem quando determinadas questões serão decididas Fontana 201110 Entretanto indepen dentemente desses poderes formais a variável que mais afeta a liber dade de o tribunal formar sua agenda é na prática se o tribunal está ou não obrigado a decidir ou no mínimo a decidir se decide como no caso da Suprema Corte dos eua dentro de um determinado prazo Se essa obrigação não existe ou não vincula o tribunal na prática pos suir ou não o poder formal de rejeitar casos se torna pouco relevante Arguelhes Hartmann 201711 Afinal um tribunal sem prazo sequer para decidir se decide pode simplesmente permanecer em silêncio às vezes durante anossobre uma questão inconveniente mesmo sem poder formalmente dizer que não a decidirá12 Quaisquer que sejam os mecanismos utilizados pelo tribunal para definir o que decidirá modular o timing de uma decisão pode afetar o seu próprio resultado de ao menos três maneiras não excludentes 1 alterando o contexto político de tomada de decisão e com isso a pro babilidade de reação ou retaliação de partes derrotadas 2 interagindo com os mecanismos de indicação para o tribunal fazendo com que uma composição diferente possivelmente com preferências diferen tes venha a decidir a questão 3 por meio do simples silêncio judicial produzindo fatos consumados e aumentando assim os custos de uma decisão judicial futura que contrarie esses fatos Para além dos seus efeitos sobre o conteúdo da decisão futura porém e independente mente dela mecanismos de definição de agenda podem afetar o com portamento de atores políticos Podem sinalizar a falta de disposi ção do tribunal em decidir sobre um determinado assunto mantendo o status quo inalterado apesar dos protestos de uma minoria política É nessa perspectivado seu impacto tanto sobre a substância da deci são futura quanto nos cálculos de atores fora do tribunalque equi paramos o poder de definir a agenda ao poder de decidir Alocação interna efeitos externos Na perspectiva ampliada que propomos portanto os dese nhos institucionais de tribunais diferentes incluirão variados me canismos para decidir sinalizar e definir agenda Também é preciso considerar de forma ampliada porém não apenas o tipo de poder a ser alocado mas a própria forma de alocação dentro do tribunal Tipicamente assumimos que o exercício do poder judicial será 9 Assumimos que assim como políticos e independentemente das muitas diferenças entre o comporta mento desses atores juízes são tam bém atores estratégicos que modula rão sua posição ideal sobre um dado tema a partir de informações sobre o comportamento futuro incluindo retaliações de atores políticos com relação às suas decisões Essa premissa tem implicações também para a for mação da agenda do tribunal e esco lher os casos certos para o momento político certo é decisivo para o desen volvimento e manutenção do poder de tribunais constitucionais Ver Epstein Knight e Shvetsova 2001 Ginsburg 2003 e Fontana 2011 10 Entretanto mesmo tribunais que não possuem controle discri cionário sobre quais casos julgarão docket control tendem a desenvolver algum tipo de mecanismo ou estraté gia indireta para evitar se pronunciar sobre questões difíceis em momentos inconvenientes ou perigosos Ver Co mella 2004 11 Ver Arguelhes e Hartmann 2017 para uma interpretação pos sível do STF como um tribunal desse tipo 12 Nessa completa ausência de prazo para a tomada de decisão sur gem inevitáveis suspeitas e críticas quanto ao reais critérios utilizados pelo tribunal e seus membros para se lecionar quais casos serão de fato de cididos Ver por exemplo Dimoulis e Lunardi 2015 e Arguelhes 2016 02arguelhesdossie110p12a33indd 18 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 19 de alguma forma resultado de uma ação do tribunal formada por algum tipo de mecanismo de agregação que filtrará as posições individuais de cada membro até que se produza a posição da insti tuição ou no mínimo da maioria de seus membros Essa premissa porém não reflete a diversidade de arranjos possíveis na prática como o caso do Brasil ilustra bem Em particular o que ocorre quando poderes de decisão agenda e sinalização são alocados a ministros individuais permitindo que atuem sozinhos no proces so decisório fora do tribunal13 Os poderes de agenda decisão e sinalização podem ser aloca dos de maneiras coletivas individuais centralizadas e individuais des centralizadas Alocações coletivas colocam uma votação majoritária de algum tipo como condição necessária e suficiente para defla grar um dos poderes mencionados acima Alocações individuais em contraste dependem da ação de um único ministro Quando essa ação está restrita a um ministro em uma posição institucio nal específica falamos em uma ação individual centralizada Essa centralização ocorre em torno de funções que apenas um ministro pode ocupar dentro do tribunal de cada vezpor exemplo decano ou presidente do tribunal ou de uma das turmas Por outro lado quando esse poder pode em princípio ser exercido por qualquer ministro falamos em alocação individual descentralizada São des centralizados os poderes disponíveis em princípio aos ministros pela simples condição de ministros ainda que em processos es pecíficos o exercício desse poder seja exclusivo de um ministro como é o caso dos poderes do relator do processo Distinções adicionais poderiam ser feitas mas a diferençachave entre as duas grandes categorias que propomosalocações centralizadas ou descentralizadasé que apenas a primeira se refere a uma posi ção institucional que um ministro ocupa formalmente no tribunal e não apenas para este ou aquele processo14 Essas variações internas podem produzir diferentes efeitos exter nos Em trabalho anterior analisamos algumas situações nas quais no caso do Supremo um único ministro pode atuar carregando e antecipando com efeitos imediatos a autoridade da decisão futura do tribunal Arguelhes Ribeiro 2015 Assim como há variação nos poderes disponíveis aos colegiados do stf dependendo do tipo de questão a ser judicializada p ex quem tem legitimidade ativa para provocar a jurisdição do tribunal ou quais os efeitos da decisão do tribunal ao final do processo é possível que certos poderes sejam alocados de formas diferentes dependendo do tema eou do tipo de processo Para além do processo decisório interno do tribunal a complexidade desses arranjos cria oportunidades para uma ação individual sobre a política No limite como veremos a seguir certas 13 Sem chegar a explorar as manei ras pelas quais esses poderes podem equivaler a decisões Graber 2013 criticou recentemente a pouca ênfase dada à ação ou ao comportamento individual de juízes nas análises so bre cortes supremas mesmo quando esses juízes exercem algum tipo de poder de agenda ou de veto por sua posição institucional por exemplo como presidentes do tribunal 14 Alocações descentralizadas poderiam ser ainda divididas em exclusivas o exercício do poder por um ministro exclui o seu uso por outrospor exemplo no Supre mo só o relator pode exercer certos poderes embora qualquer ministro possa em princípio ser o relator em um dado processoou concomi tantes todos os membros do tribu nal podem em qualquer processo lançar mão desse poder é o caso por exemplo do poder de pedir vista no Supremo Tribunal Federal 02arguelhesdossie110p12a33indd 19 100418 1632 20 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro alocações internas acabam permitindo que as preferências de um único ministro moldem o processo político na prática com o mes mo peso institucional do tribunal SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL UMA SOMA DE INDIVÍDUOS PODEROSOS A Constituição de 1988 desenhou um stf poderoso Com amplos canais de acesso à jurisdição constitucional por parte de uma série de atores políticos e sociais somados a uma longa lista de competências é muito provável que o tribunal tenha a chance de se manifestar talvez até em tempo real sobre qualquer tema recémaprovado ou na ordem do dia no Congresso Além disso generosas garantias de independên cia individuais e institucionais tornam muito alto o custo para reta liar decisões do tribunal Por cima desse desenho original sucessivas gerações de ministros vêm expandindo por interpretações às vezes controversas o alcance desses poderes e dessas garantias Por fim um texto constitucional bastante extenso combinando tanto claúsulas vagas com conteúdo moral e uma série de regulações detalhadas e pontuais de vários aspectos da administração pública e das relações entre cidadão e Estado encoraja a judicialização e dá aos ministros parâmetros bastante ampliados de atuação Esses fatos sobre o stf são bastante conhecidos Arguelhes Ribeiro 201615 Mas como dife rentes recursos para influenciar o comportamento de atores políticos nos termos deste artigo são alocados dentro do Supremo16 Definição de agenda Os poderes de agenda estão fragmentados e distribuídos em níveis individuais distintos Um caso só pode ser de fato julgado por uma das turmas ou levado para o plenário para decisão após o relator ter liberado o caso para julgamento e o presidente do tribunal ter incluído o caso em pauta dentre esses dois mecanismos o primeiro expressa um poder individual descentralizado e o segundo expressa um poder individual centralizado na figura institucional do presidente17 Contudo mesmo após esses dois mecanismos convergirem para iniciar um julgamento cada ministro do Supremo tem na prática um poder de veto sobre a agenda que pode ser acionado a qualquer momento após o voto do relator os pedidos de vista18 Formalmente pedidos de vista ocorrem para que o ministro estude os autos do processo em detalhes e segun do o regimento estão sujeitos a um prazo que já foi de quase um mês e hoje é de cerca de duas semanas Contudo na média os casos ficam mais de um ano com os ministrosalguns chegam a ficar mais de uma década Esses longos atrasos não produzem consequência negativa visível para os ministros Mesmo em casos de grande visibilidade há registros de pedidos de vista usados para adiar uma decisão inclusive 15 Para uma discussão mais deta lhada dessas dimensões ver Argue lhes e Ribeiro 2016 16 Em princípio todas as dimen sões descritas nesse parágrafo po deriam variar também quanto aos ministros individualmente consi derados quem acessa sua jurisdição individual que mecanismos têm para exercer poder e quais garantias pos suem contra retaliação 17 Ver p ex arts 21 X e 128 2º do Regimento Interno do STF RISTF e Dimoulis e Lunardi 2008 18 Ver p ex art 134 do RISTF 02arguelhesdossie110p12a33indd 20 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 21 quando já havia maioria formada contra quem pediu a vista Arguelhes Hartmann 201719 Na prática portanto para que possa haver uma decisão é preciso que 1 o relator libere o caso 2 o presidente inclua o caso em pauta e 3 nenhum dos outros ministros decida pedir vista para impedir a conclusão do julgamento Cada um desses diferentes mecanismos de poder de agenda é na prática ainda que não na teoria discricionário Dimoulis Lunardi 2008 2016 Verissimo 2008 Arguelhes Hart mann 2017 Qualquer um desses atores pode resolver por qualquer motivo impedir que o tribunal tome uma decisão Como ocorre com qualquer outro exercício de poder judicial certas variáveis informais podem limitar o uso desses poderescrenças profissonais interna lizadas sobre o papel dos juízes no colegiado pressão dos pares crí ticas da comunidade profissional ou da imprensa20 Esses possíveis limites ainda não foram sistematicamente estudados Quaisquer que sejam porém não têm sido capazes de limitar o controle individual de agenda em casos de alta repercussão Vale notar ainda que devido ao vasto número de casos que o Supremo recebe e julga a cada ano a comunidade profissional a imprensa e os próprios colegas de tribunal só conseguem acompanhar um conjunto muito limitado de usos de poderes individuais de agenda A ausência de prazos vinculantes para o uso desses poderes de agenda os transforma em eficazes mecanismos individuais de inter ferência no status quo encorajando e viabilizando comportamentos políticos que dependem da manutenção ou alteração desse estado de coisas21 Consideremse por exemplo as ações propostas por Dilma Rousseff durante e depois do seu impeachment contestan do diretamente a constitucionalidade de seu julgamento pelo Senado ms 341932016 ms 343712016 ms 344412016 Rousseff foi oficialmente removida em 31 de agosto de 2016 e no momento de ela boração deste artigo essas ações sequer foram liberadas para pauta por seus respectivos relatores Enquanto isso a política se consolidou so bre o fato do impeachment eleições municipais ocorreram emendas constitucionais de alto impacto foram propostas pelo presidente Te mer e aprovadas pelo Congresso e até um novo ministro do stf foi in dicado e nomeado por um governo que permaneceria em tese sub judice no tribunal Mesmo assumindo realisticamente que seria improvável que uma maioria no Supremo anulasse o julgamento após o Senado ter removido Dilma do cargo o completo silêncio judicial transformou o que era improvável em princípio em impossível na prática O silêncio judicial por controle negativo de agenda poupa os ministros de to mar uma decisão que seria polêmica qualquer que fosse seu conteúdo E no stf o poder de impor esse silêncio está totalmente dissemina do de variadas maneiras pelos onze ministros 19 Para uma análise detalhada dos pedidos de vista como influência in dividual sobre a agenda do STF ver Arguelhes e Hartmann 2017 20 J Falcão 2013 por exemplo narra como o acompanhamento da imprensa influenciou a decisão do relator e do presidente de iniciar o julgamento da Ação Penal nº 470 o Mensalão em 2012 21 Para dados sobre duração média dos processos no Supremo ver Fal cão Hartmann e Chaves 2014 02arguelhesdossie110p12a33indd 21 100418 1632 22 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro Sinalização de preferências A legislação brasileira restringe severamente manifestações pú blicas de juízes sobretudo quanto a casos pendentes de julgamen to pelo tribunal ou críticas a decisões de outros magistrados22 No âmbito do Supremo porém o cenário é outro Vários ministros se pronunciam com frequência sobre casos pendentese alguns criti cam abertamente seus colegas sem que isso acione qualquer limite ou mecanismos de responsabilização23 Em 2013 por exemplo en quanto uma proposta de emenda que limitaria os poderes do Su premo no controle de constitucionalidade pec nº 332011 voltou a tramitar no Congresso quatro ministros se pronunciaram na im prensa sobre o tema Dos três que criticaram diretamente a propos ta dois chegaram a afirmar que uma emenda desse tipo seria incons titucionaluma questão jurídica que esses ministros invariavel mente enfrentariam no futuro se a eventual emenda fosse aprovada Arguelhes Ribeiro 2015 Pereira 201724 A pec nº 332011 logo perdeu fôlego25 A sinalização dos três ministros não é o único fator a explicar esse resultado mas certamente contribuiu para o cálculo dos políticos quanto à probabilidade direção e intensidade de uma intervenção futura do Supremo As sinalizações dos ministros podem ter pesos distintos Alguns ministros têm mais habilidade para escolher os veículos as palavras e o timing adequados para maximizar o efeito de suas palavras Ou tros talvez por uso excessivo de sinalização podem ver diminuída a credibilidade de suas palavrasameaças E ainda outros por sua posição institucionalpor exemplo relatores de processos espe cíficos ou o próprio presidente do tribunalpodem atrair mais atenção do público do que seus colegas O presidente do Supremo por exemplo tem algumas prerrogativas individuais centralizadas de sinalização p ex nos discursos de abertura do ano judiciário e em outras manifestações oficiais além de um capital de atenção pública atrelado ao cargo e um grande poder de agenda para fazer valer suas ameaças Contudo de forma geral é tão frequente e aparentemente pouco custoso para os outros ministros falar na imprensa sobre casos pen dentes que podemos considerar que o poder de sinalização é alocado de forma descentralizada a todos os membros do tribunal Como não houve até hoje qualquer tentativa relevante de disciplinar esse com portamento e tornálo mais centralizado na figura do presidente ou de manifestações colegiadas ocorre algo similar ao que observamos no caso do poder de agenda tratase de um poder discricionário à dispo sição de todos os ministros sujeito basicamente a estilos inclinações estratégias e cautelas ou ousadias individuais Arguelhes Ribeiro 2015 Falcão Arguelhes 201626 22 Art 36 III da Lei Orgânica da Magistratura Loman Lei Comple mentar nº 351979 23 Exploramos em mais detalhes essa questão em outro trabalho Ar guelhes Ribeiro 2015 De lá para cá o fenômeno parece ter se intensifi cado Recentemente por exemplo o ministro Gilmar Mendes fez severas críticas na imprensa a uma liminar do ministro Marco Aurélio e à pró pria pessoa do ministro Cantanhê de 2016 24 Os dois ministros nesse caso foram Marco Aurélio e Gilmar Men des Ver Arguelhes e Ribeiro 2015 e Pereira 2017 25 Nesse exemplo específico essas manifestações e préjulgamentos fora dos autos poderiam talvez ser mais compreensíveis pelo fato de a PEC nº 332011 envolver a autorida de do próprio tribunal Do ponto de vista descritivo porém o caso mostra com clareza a viabilidade e o potencial efeito de manifestações individuais de ministros sobre temas que o tribu nal ainda terá de julgar Além disso essas manifestações vêm ocorrendo para além de discussões envolvendo os poderes ou a autoridade do tribu nal abrangendo conflitos de tercei ros que o tribunal precisaria arbitrar no futuro Devemos a Rogério Aran tes essa observação 26 Mesmo quando não determi nam sozinhas o comportamento de atores políticos sinalizações indi viduais podem fornecer informação decisiva sobre a plausibilidade de certas posições do tribunal na esfera constitucional encorajando e às vezes municiando com argumentos minorias políticas a judicializar ques tões da conjuntura 02arguelhesdossie110p12a33indd 22 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 23 Tomada de decisão Em várias espécies processuais de mandados de segurança a ações diretas de inconstitucionalidade ministros relatores podem decidir liminarmente e monocraticamente certas questões podendo inclusi ve suspender a aplicação de leis atos normativos ou decisões internas do Congresso Nacional27 Essas decisões porém não são geralmente vistas como um verdadeiro poder de atuar individualmente sobre a política por dois motivos 1 não abrangeriam tecnicamente o mérito do caso mas apenas providências provisórias urgentes em hipóteses excepcionais previstas na legislação 2 o seu exercício está limitado pela supervisão do plenário e as partes eventualmente prejudicadas por uma liminar monocrática têm recursos para pedir sua revisão por um colegiado Em trabalho anterior sobre poderes individuais no Supremo endossamos essa visão reducionista das liminares mono cráticas por depender de confirmação pelo colegiado esse poder não criaria um espaço realmente livre para atuação individualao menos não da mesma forma que os pedidos de vista por exemplo Arguelhes Ribeiro 2015 pp 146151 Essa leitura deve ser revista Mais uma vez temos aqui um poder que na prática é bastante diferente do previsto em tese Primeiro a distinção entre decisões liminares e definitivas de mérito não se sus tenta em termos dos seus efeitos sobre o status quo Dados do projeto Supremo em números sobre a duração de decisões liminares no stf mostram que elas haviam permanecido em vigor por em média mais de dois anos até uma decisão finalou seis anos no caso de ações diretas de inconstitucionalidade Quando consideradas apenas as li minares ainda vigentes ao final de 2013 a média passava de seis anos e chegava a treze anos no caso das ADIs Falcão Hartmann Chaves 2014 Nesse cenário perde muita relevância prática a distinção entre decisões liminares e decisões finaisde mérito quanto aos seus efeitos sobre a política28 Segundo o controle pelo plenário não parece ser realmente eficaz para impedir que as decisões individuais se consolidem como status quo O número de decisões liminares monocráticas no Supremo é hoje muito maior do que o número de decisões liminares colegiadas Hartmann Ferreira 201529 Entre 2010 e 2017 foram 20830 deci sões monocráticas referentes a liminares excluídas as do presidente em uma média de 2603 por ano cerca de 260 por ministroano Brasil 2018 Considere em contraste que no mesmo período o ple nário e as duas turmas do tribunal tomaram apenas 177 decisões limi nares Brasil 2018 Isso é verdade inclusive para o controle concen trado de constitucionalidade883 decisões monocráticas liminares incluindo presidência e vicepresidência entre 2012 e 2016 com uma média de oitenta por ministroano Mais ainda na última década mais 27 Ver p ex Lei nº 98681999 art 6º 2º art 9º 3º art 10 1º e art 12 além de RISTF art21 IV art 170 28 Agradecemos a Ivar Hartmann por nos fornecer esses dados 29 Para uma discussão geral de vários indicadores ver Hartmann e Ferreira 2015 02arguelhesdossie110p12a33indd 23 100418 1632 24 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro de 90 de todas as decisões liminares em controle concentrado foram monocráticas30 Nesse grande volume de decisões e considerando o espaço limi tado da pauta do stf não é surpreendente que longos períodos de tempo se passem até que o plenário ou as turmas possam se mani festar sobre liminares monocráticas Entre 2007 e 2016 passaram se em média 1278 dias entre uma decisão liminar monocrática em controle concentrado e a primeira oportunidade de manifestação colegiada no mesmo processo31 Considerandose apenas as deci sões concessivas de liminares a média é de 797 dias Para além do controle concentrado considerando todas as classes processuais no período de 2012 a 2016 passaramse em média 617 dias entre a concessão monocrática de uma medida liminar e a primeira opor tunidade de apreciação por um colegiado No mesmo período nos casos em que a liminar monocrática concessiva foi seguida de uma decisão declarando o julgamento prejudicado o tempo de vigência da referida liminar foi na média de 767 dias No desenho institucional em tese a supervisão pelo plenário se ria a melhor aposta de controle desse poder individual Os ministros individuais seriam agentes do plenário decidindo com urgência de modo a preservar a autoridade futura da decisão colegiada que po deria sempre discordar da liminar e revogála Na prática porém pela interação entre poderes de agenda e poderes de decisão a super visão do plenário acaba se tornando opcional O relator do proces so pode impedir que sua liminar seja liberada para apreciação pelo colegiado Mesmo quando a parte prejudicada recorre da liminar o relator da liminar atacada também controla quando esse recurso estará liberado para decisão do plenárioa quem caberia em tese controlar sua atuação individual32 Ao manter o caso fora da aprecia ção do plenário o relator que deu a liminar individual pode impedir qualquer risco de revogação seja diretamente bloqueando a possi bilidade de decisão evitando o plenário ou indiretamente criando fatos consumados que aumentarão muito os custo de reverter sua liminar emparedando o plenário33 Considere por exemplo a liminar monocrática pela qual o ministro Fux suspendeu e mandou à Câmara dos Deputados em 14 de dezem bro de 2016 o pacote legislativo das 10 medidas contra a corrupção que havia acabado de chegar ao Senado Recorrendo a argumentos inéditos sem precedentes na jurisprudência do stf sobre processo legislativo Fux determinou aos presidentes das casas do Congresso que desconsiderassem a tramitação e as votações que haviam ocorrido até ali para que o processo legislativo pudesse ocorrer desde o início de forma a respeitar a essência da proposta de iniciativa popular Em 16 de fevereiro de 2016 após os dois meses de recesso e de vigência da 30 Os dados referentes ao contro le concentrado no período de 2012 a 2016 foram obtidos junto ao pro jeto Supremo em números com a colaboração de Ivar Hartmann Ver também Falcão Hartmann e Chaves 2014 31 Dados do projeto Supremo em números com a colaboração de Ivar Hartmann 32 Ver p ex RISTF art21 IV e art 315 33 Para uma discussão mais de talhada e mais exemplos Arguelhes e Ribeiro no prelo Vale notar que mesmo que o relator decida liberar o processo para julgamento o plenário do STF tem recursos escassos para dar conta de todas as decisões indi viduais que precisariam ser monito radas Em reportagem recente Felipe Recondo 2018 apurou que no final de 2017 havia oitocentos processos na fila de julgamento do plenário do Supremo sendo que ao longo das 81 sessões daquele ano o tribunal só ha via conseguido julgar 108 casos 02arguelhesdossie110p12a33indd 24 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 25 liminar o presidente do Senado devolveu o projeto de lei à Câmara Pouco tempo depois Fux extinguiu o processo por considerar que o retorno do projeto à Câmara era suficiente para remediar o que havia considerado violações ao processo legislativo previsto na Constitui ção Por liminar monocrática em mandado de segurança portanto um ministro anulou toda a tramitação de um projeto de lei na Câmara e fez o processo recomeçar do zero algo que já seria inédito na jurispru dência constitucional com uma decisão colegiada foi feito sem qualquer participação relevante do plenário Situação semelhante ocorreu com a controversa liminar do minis tro Gilmar Mendes suspendendo a nomeação do expresidente Lula como ministro de Dilma Rousseff Medina e Almeida 201634 Nas três semanas 18 de março a 7 de abril que se passaram até que ele liberasse a questão para julgamento Dilma já havia sido suspensa pro visoriamente do cargo ficando prejudicada a questão Por uma liminar monocrática portanto um ministro anulou a nomeação de um mi nistro de Estado em um momento crítico para o destino do governo Dilma O plenário não se pronunciará sobre questão tão decisiva para os rumos do país e para o direito constitucional brasileirotudo que temos é a decisão liminar de Gilmar Mendes Pereira 2017 Ministro decide individualmente e ministro decide individualmente se e quando poderá haver decisão colegiada sobre sua decisão individual esse loop entre poder de agenda e poder de decisão individual tem sido decisivo para entender a atuação do stf na política brasileira muito além das situações excepcionais previstas na legislação Monocrati camente Marco Aurélio determinou que o presidente da Câmara re considerasse seu arquivamento de um pedido de impeachment contra o então interino presidente Temer35 Monocraticamente Fux deter minou o pagamento de auxíliomoradia para a magistratura brasilei raum incremento salarial de legalidade questionável36 Essas não são questões politicamente menores nem casos em que claramente há um direito individual a sofrer danos irreparáveis O que quer que a legislação diga sobre como esses poderes deveriam ser usados o fato é que os ministros têm conseguido neutralizar os próprios mecanismos de controle pelos quais a maioria do tribunal eventualmente faria valer os critérios legais Assim liminares monocráticasjustificadas em princípio como um mecanismo para garantir a autoridade futura da decisão do plenário podem ser utilizadas no sentido oposto para neutralizar o controle do plenário sobre uma ação estritamente individual que hoje produz efeitos no mundo tomando para si a autoridade da decisão futura que talvez nunca chegue Na prática esse loop permite aos ministros reali zar o que podemos chamar de judicial review individual bloqueando iniciativas políticas ainda que amplamente majoritárias sem que a 34 Ver Medina e Almeida 2016 35 MS 34087 A liminar foi dada em 5 de abril de 2016 e liberada pelo relator para julgamento em 17 de maio Scocuglia 2016 Até o momento da entrega deste artigo o STF ainda não havia se pronunciado sobre essa liminar 36 Desde que Fux tomou sua deci são AO nº 1773 em 2014 cada juiz brasileiro tem recebido um adicional de aproximadamente R 43 mil De acordo com uma estimativa entre a decisão liminar de novembro de 2016 o custo total desses pagamen tos para o orçamento federal chegou a 289 milhões de reais por ano Sco cuglia 2016 Em dezembro de 2017 mais de três anos após sua liminar in dividual Fux liberou o processo para julgamento pelo plenário 02arguelhesdossie110p12a33indd 25 100418 1632 26 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro supervisão do plenário ou mesmo outros limites previstos na legisla ção impeçam essa atuação individual Há diversos exemplos visíveis na última década além dos casos mencionados acima de liminares individuais de grande impacto político que não foram levadas ao ple nário ao longo de meses e anos37 A MINISTROCRACIA E SUAS IMPLICAÇÕES SUPER CONTRAMAJORITARISMO CONTINGÊNCIA E CAPTURA Neste trabalho não temos a pretensão de testar hipóteses empí ricas específicas Nosso objetivo é formular uma interpretação mais geral das formas e mecanismos de atuação do Supremo na política nacional reconstruindoo como um tribunal intensamente poroso à ação individual direta de seus ministros sobre o status quo legislativo Sem dúvida ainda há muito a ser investigado empiricamente sobre o comportamento dos ministros e sua combinação em decisões colegia das no uso desses poderes As evidências disponíveis porém são mais do que suficientes para nossos fins De fato de um lado ministros do Supremo conseguiram decidir individualmente casos da magnitude política dos exemplos dados acima sem qualquer controle ou retalia ção relevante pelo plenário De outro há um grande número de limi nares individuais que permanecem por meses e anos sem apreciação do plenárioo que indica que seu uso parece ser frequente para além dos casos mais visíveis Entre essas duas constatações o ônus da prova deve caber a quem afirma que esse poder decisório individual não seria relevante Se ministros individuais moldaram o status quo legislativo mesmo em casos tão sensíveis politicamente é difícil imaginar que eles estariam mais limitados em sua atuação nas centenas de outras liminares que decidem por ano sobre temas mais distantes da pauta e da atenção nacionais No início de 2017 houve um período de particular visibilidade dessa estrutura profunda do tribunal De janeiro a fevereiro o país ficou às voltas com as implicações políticas da morte do ministro Teori Zavascki A primeira mais específica dizia respeito a como se ria escolhido o novo relator dos processos relativos à Operação Lava Jato posição que Zavascki ocupava A segunda mais geral envolvia quem o presidente Temer indicaria para a vaga no stf A incerteza gerada por esses dois pontos ilustra bem os problemas descritos neste trabalho De um lado parecia que o destino da Operação Lava Jato dependeria em larga medida da definição de quem seria o novo relator do processo De outro a vaga aberta carregava consigo a clara possibilidade de impactos de curto prazo sobre a conjuntura políti ca Pedidos de vista relatorias estratégicas para o governo manifes tações na imprensa em momentoschave para a Lava Jato o perigo 37 Criticando o ativismo arbi trário dos ministros do Supremo Dimoulis e Lunardi 2016 apontam como exemplos a liminar monocráti ca da ministra Cármen Lúcia suspen dendo as novas regras legislativas quanto aos royalties do petróleo em 2013 e a liminar monocrática do mi nistro Joaquim Barbosa então presi dente do STF suspendendo emenda constitucional que criou novos Tribu nais Regionais Federais Ambas as li minares ainda não foram apreciadas pelo plenário do STF 02arguelhesdossie110p12a33indd 26 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 27 da definição do relator é enorme para o governo a utilidade de uma única indicação para o stf é incalculável Embora alguns ministros sejam particularmente agressivos no uso desses mecanismos de ação individual esses problemas não sur gem pelo comportamento excepcional deste ou daquele ministro Ao contrário o desenho e a prática do stf libertam o comportamento individual e ampliam o seu alcance de maneiras que provavelmente continuarão por muito tempo mesmo após mudanças na composi ção atual Alguns meses após ter sido confirmado na vaga de Teori Za vascki o ministro Alexandre de Moraes pediu vista em um processo envolvendo uma reinterpretação restritiva das hipóteses de foro por prerrogativa de função foro privilegiado na Constituição Souza Brígido 2017 O pedido de vista surgiu em um contexto de crescentes avanços da Operação Lava Jato sobre lideranças políticas da maioria no Congresso e integrantes do alto escalão do governo Temer Moraes manteve o processo consigo por cerca de três mesesum período re lativamente curto considerando a duração média de pedidos de vista mas bastante significativo no contexto da crise política atual no Brasil Moraes como qualquer outro ministro possui meios de adiar indivi dualmente uma decisão do tribunal sobre um tema De fato tão logo o plenário voltou a discutir a questão em novembro de 2017 o ministro Toffoli pediu vista suspendendo novamente o julgamento Diante de seus ministros portanto o Supremo não parece tão supremo assim Mostramos que o stf aloca de maneira individual e descentralizada uma série de poderes individuais de agenda de sina lização e mesmo de decisão formal A experiência brasileira recente envolvendo alguns dos mais importantes conflitos políticos que já chegaram ao stf desde a redemocratização sugere que o uso de pode res depende muito mais da virtude individual do que de mecanismos institucionais de controle E enquanto o plenário não se pronuncia sobre essas ações individuais mais ou menos virtuosas ministros so litários mudam o status quo e moldam a política nacional Esse cenário está em conflito direto com algumas das categorias que tipicamente usamos para pensar o papel do stf na democracia brasileira Nesta última seção exploraremos algumas dessas tensões e implicações Tribunais constitucionais são tipicamente justificados a partir de dois grandes argumentos a proteção de minorias contra possíveis ti ranias da maioria atuação contramajoritária e a promoção de esta bilidade das regras do jogo A primeira fundamentação é substantiva o tribunal desempenha um papel específico de interpretar as diver gências a respeito do significado dos direitos fundamentais constitu cionalizados dificultando sua violação por maiorias legislativas e go vernos eleitos A segunda é procedimental o tribunal constitucional aumenta os custos de alteração ad hoc das regras do processo decisório 02arguelhesdossie110p12a33indd 27 100418 1632 28 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro conferindo maior segurança aos atores políticos e sociais Em ambos os casos o tribunal promove esses objetivos de maneira semelhante a outros mecanismos institucionais como bicameralismo vetos presi denciais regras para obstrução do processo legislativo e voto de con fiança impedindo que uma maioria legislativa pura seja suficiente para alterar o status quo Essas duas dimensões normativas vêm geran do há décadas perguntas empíricas Schwartzberg 2013 Pasquino 2014 os tribunais são de fato contramajoritários Em que condições podem de fato tornar mais custosa a ação de maiorias legislativas38 Em análise pioneira da Suprema Corte dos eua Robert Dahl 1957 sustentou que a atuação contramajoritária do tribunal se ria na verdade excepcional na prática Sendo os ministros indica dos pelo presidente e sabatinados no Senado seus posicionamentos sobre diversas questões de justiça não seriam muito diferentes dos posicionamentos da própria elite política Os poucos exemplos de atuação de fato contramajoritária ocorreriam quando a maioria go vernante tivesse insuficientes oportunidades de indicar ministros para o tribunal pois nesse caso haveria menor congruência entre as preferências dos atores políticos atuais e os ministros indica dos por forças políticas do passado Nessa perspectiva o tribunal como instituição não é necessariamente contramajoritário ou ma joritário sua atuação a favor ou contra o que a maioria governante pretende dependerá do grau de congruência entre suas preferências e as preferências dos demais atores O insight fundamental de Dahl para além do caso dos eua é a ideia de que as preferências da composição tribunal constitucional formadas no processo de indicação de seus membros ao longo do tempo são variávelchave para observar seu comportamento na política Esse insi ght informa as análises descritivas sobre a atuação dos tribunais cons titucionais no processo político democrático Além disso também é utilizado como um tipo de antídotoou ao menos calmantepara preocupações excessivas com a dificuldade contramajoritária en quanto presidentes e legisladores eleitos determinarem a composição do tribunal ao longo do tempo grandes descompassos entre deci sões judiciais e preferências majoritárias seriam exceção e não a regra Melo 201339 Contudo em estudos que adotam a perspectiva de Dahl a unidade de análise costuma ser o tribunal como ator coletivo Ministros indi viduais importam apenas como um voto em uma dada composição mas os resultados das decisões judiciais são contingentes às prefe rências majoritárias do próprio tribunal No limite um juiz individual mente é relevante somente se sua posição for decisiva para a formação da maioria interna ao tribunal A palavra do tribunal é contingente por depender do lado para o qual tende o pêndulo da maioria por 38 Ver Schwartzberg 2013 e Pas quino 2014 39 Ver p ex Melo 2013 02arguelhesdossie110p12a33indd 28 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 29 exemplo no caso dos eua mais conservadora ou mais liberal Essa contingência porém é compatível com uma certa estabilidade cada voto tem o mesmo peso cada indicação para a corte só altera um voto e somente uma maioria pode fazer a corte atuar contramajoritariamente Entretanto a possibilidade de ação individual contra uma maioria interna do tribunal gera complicações para essa moldura conceitual De um lado quando um único ministro se torna suficiente para impedir mudanças no status quo político temos na prática um sistema no qual uma única indicação política para o Supremo mesmo que tenha sido feita há décadas pode produzir um ponto de veto permanente dentro do tribunal O relator de um caso pode impedir indefinidamente que o tema vá para discussão no plenário e caso chegue no plenário um único ministro pode pedir vista e bloquear a decisão A alocação indi vidual descentralizada de poderes de definição de agenda é suficiente para impedir um tribunal de agir contra maiorias legislativas even tuais mesmo quando haveria naquele momento uma composição com maioria interna para realizar judicial review Tomando por base as preferências majoritárias do tribunal teríamos um falso negativo no exercício do poder judicial De outro lado quando a ação de um único ministro é suficiente para impedir maiorias legislativas eventuais de aprovar mudanças no status quoseja diretamente no caso de judicial review individual pelo relator seja indiretamente por meio de ameaças e sinalizações na imprensateríamos um falso positivo no exercício do poder judicial Isto é controle de constitucionalidade sem uma maioria de votos dos membros do tribunal Esse cenário pode ser considerado particularmente problemático em termos da teoria constitucional e da teoria democrática convencionais já que a atuação judicial seria aqui duplamente contramajoritáriacontra a maioria legislativa externa e contra a maioria judicial interna Arguelhes Ribeiro 2015 Arguelhes Ribeiro no prelo40 Em ambos os cenários a política constitucional será contingente à preferência do ministro que para cada processo para cada disputa levada ao stf tiver à sua disposição os poderes relevantes para vetar ou implementar mudanças no status quo A contingência seria menor se essas decisões envolvessem casos com respostas consensuais com pouca variância dentro do próprio stf Não parece ser o caso porém nos exemplos examinados ao longo deste trabalho Questões juridi camente controversas e politicamente decisivas podem ter resultados completamente diferentesdesde um completo silêncio judicial a um exercício de judicial review individual dependendo de quem for o ministro relator por exemplo Sem o filtro da maioria a decisão ma joritária ou contramajoritária tornase mais incerta e imprevisível e o poder do controle de constitucionalidade fica mais difícil de justificar 40 Exploramos mais este ponto em uma perspectiva de teoria cons titucional em Arguelhes e Ribeiro 2015 no prelo 02arguelhesdossie110p12a33indd 29 100418 1632 30 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro Por fim em qualquer cenário esse poder individual descontrola do combinado a mecanismos de accountability individual inoperan tes na prática amplifica alguns dos perigos associados a instituições independentes Em especial aumentase o risco de captura da ação de ministros por grupos de interesse ao redor do tribunal Embo ra no Brasil o tema seja discutido de forma sistemática no caso de agências reguladoras e outras instituições independentes o risco de captura não recebe atenção devida quando se trata de tribunais em especial do stf Não há porém nenhuma razão para imaginar que o tribunal está imune Ao contrário a alocação individual des centralizada de poderes característica do stf torna os ministros alvos mais fáceis e mais vantajosos qualquer ministro sozinho tem em suas mãos o poder de veto e o relator é suficiente tanto para o veto quanto com frequência para o próprio exercício de controle de constitucionalidade Por trás do poder do stf sobre outras instituições políticas e ju diciais do país portanto há uma profunda fragmentação interna com graves implicações externas Ao longo da última década consolida se uma literatura crítica sobre o individualismo nas deliberações e decisões do tribunal41 Neste trabalho nosso foco esteve nos efeitos para fora de ações individuais no processo decisóriouma agenda complementar e não substitutiva à literatura já existente sobre in dividualismo nas decisões colegiadas do stf Ministros individuais se quiserem podem moldar resultados na política especialmente se lhes couber a relatoria do caso Há pouco que o tribunal pode fazer que nas condições certas um ministro individual não possa também conseguire até o momento parece haver menos ainda que o tri bunal coletivo possa fazer quando ministros individuais usurpam da maioria a chance de exercer poder Se a supremocracia tem sido medida em termos de concentração de poder e capacidade de resolver conflitos políticos é preciso começar a discutir nossa ministrocracia nos mesmos termos Diego Werneck Arguelhes é doutor em direito pela Universidade Yale e professor pesquisa dor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas fgv Direito Rio Foi Hauser Global Research Fellow na Universidade de Nova York nyu Responsável pelos argumentos prin cipais do artigo e pela redação do mesmo Leandro Molhano Ribeiro é doutor em ciência política pelo IuperjUcam e professor pes quisador da fgv Direito Rio Corresponsável pelos argumentos principais do artigo e pela redação do mesmo 41 Ver p ex Vojvodic Machado e Cardoso 2009 Mendes 2012 2017 Silva 2013 2017 além de estudos empíricos p ex Oliveira 2012b e debates recentes Silva 2015 2016 Almeida Bogossian 2016 sobre o peso do relator nas de liberações no STF Rece bido para publi ca ção em 3 de julho de 2017 Aprovado para publi ca ção em 15 de fevereiro de 2018 NOVOS ESTUDOS CEBRAP 110 janabr 2018 pp 1332 02arguelhesdossie110p12a33indd 30 100418 1632 NOVOS ESTUD SS CEBRAP SS SÃO PAULO SS V37n01 SS 1332 SS JANABR 2018 31 REFERÊNCIAS Almeida Danilo dos Santos Bogossian Andre Martins Nos termos do voto do relator considerações acerca da fundamentação coletiva nos acórdãos do STF Revista Estudos Institucionais v 1 n 2 pp 264297 2016 Arguelhes Diego Werneck STF e Cunha quem decide quando quer ouve o que não quer In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Werneck Recondo Felipe Orgs O Supremo em 2015 Rio de Janeiro Ed FGV 2016 Arguelhes Diego Werneck Hartmann Ivar A Timing Control without Docket Control How Individual Justices Shape the Brazilian Supreme Courts Agenda Journal of Law and Courts v 5 n 1 pp 105140 2017 Arguelhes Diego Werneck Ribeiro Leandro Molhano O Supremo individual mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político Direito Estado e Sociedade n 46 p 121155 2015 Criatura eou criador transformações do Supremo Tribunal Federal sob a Constituição de 1988 Direito GV v 12 n 2 pp 405440 2016 The Court It Is I Individual Judicial Review in the Brazilian Supreme Court and Its Implications for Constitutional Theory Global Constitutionalism no prelo Brasil Supremo Tribunal Federal Estatísticas do STF Decisões Supremo Tribunal Federal Disponível em http wwwstfjusbrportalcmsverTextoaspservicoestatisticapaginadecisoesinicio Acesso em 3 mar 2018 Brouard Silvain Hönnige Christoph Constitutional Courts as Veto Players Lessons from the United States France and Germany European Journal of Political Research v 56 pp 529552 2017 Bulla Beatriz Aguiar Gustavo Meu Deus do céu Essa é a nossa alternativa de poder diz ministro do STF sobre PMDB Folha de S Paulo 31 mar 2016 Disponível em httppoliticaestadaocombrnoticiasgeralmeu deusdoceuessaeanossaalternativadepoderdizministrodostfsobrepmdb10000024095 Acesso em 3 mar 2018 Cantanhêde Eliane Gilmar Liminar foi ilegal O Estado de S Paulo 6 dez 2016 Disponível em httppolitica estadaocombrblogselianecantanhedegilmarliminarfoiilegal Acesso em 3 mar 2018 Comella Víctor Ferreres The Consequences of Centralizing Constitutional Review in a Special Court Some Thoughts on Judicial Activism Texas Law Review n 82 pp 17051736 2004 Dahl Robert Alan DecisionMaking in a Democracy The Supreme Court as a National PolicyMaker Journal of Public Law n 6 pp 279295 1957 Davis Richard Justices and Journalists The U S Supreme Court and the Media Nova York Cambridge University Press 2011 Dimoulis Dimitri Lunardi Soraya Regina Gasparetto Definição da pauta no Supremo Tribunal Federal e auto criação do processo objetivo Congresso Nacional do Conpedi 17 2008 Brasília Anais Brasília Conpedi 2008 pp 43574377 A tendência passivista do Supremo In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Werneck Recondo Felipe Orgs O Supremo em 2015 Rio de Janeiro Ed FGV 2016 Epstein Lee Jacobi Tonja The Strategic Analysis of Judicial Decisions Annual Review of Law and Social Science v 6 pp 341358 2010 Epstein Lee Knight Jack The Choices Justices Make Washington DC CQ Press 1998Epstein Lee Knight Jack Martin Andrew D The Supreme Court as a Strategic National Policymaker Emory Law Journal v 50 pp 538611 2001 Epstein Lee Knight Jack Shvetsova Olga The Role of Constitutional Courts in the Establishment and Mainte nance of Democratic Systems of Government Law and Society Review pp 117164 2001 Falcão Joaquim Direito mídia e opinião pública In Org Mensalão diário de um julgamento São Paulo Campus 2013 pp 713 Falcão Joaquim Arguelhes Diego Werneck O invisível Teori Zavascki e a fragmentação do Supremo uma re trospectiva de 2015 In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Werneck Recondo Felipe Orgs O Supremo em 2015 Rio de Janeiro Ed FGV 2016 pp 2129 Onze Supremos todos contra o plenário In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Recondo Felipe Orgs Onze supremos o supremo em 2016 Belo Horizonte Letramento Casa do Direito Supra Jota FGV Rio 2017 pp 2029 Falcão Joaquim Hartmann Ivar Alberto Chaves Vitor P III Relatório Supremo em Números o Supremo e o tempo Rio de Janeiro FGV Direito Rio 2014 Falcão Márcio Lewandowski diz que STF pode julgar mérito do impeachment Folha de S Paulo 9 maio 2016 Disponível em httpwww1folhauolcombrpoder2016051769533lewandowskidizquestfpode julgarmeritodoimpeachmentshtml Acesso em 2 mar 2018 Fontana David Docket Control and the Success of Constitutional Courts In Ginsburg Tom Dixon Rosalind Orgs Comparative Constitutional Law Londres Edward Elgar 2011 pp 624641 Gilmar Mendes chama Tribunal Superior do Trabalho de laboratório do PT G1 3 abr 2017 Disponível em httpsg1globocomspvaledoparaibaregiaonoticiagilmarmendeschamatribunalsuperiordo trabalhodelaboratoriodoptghtml Acesso em 3 mar 2018 Ginsburg Tom Judicial Review in New Democracies Constitutional Courts in Asian Cases Nova York Cambridge Uni versity Press 2003 Graber Mark The Coming Constitutional YoYo Elite Opinion Polarization and the Direction of Judicial De cision Making Howard Law Journal v 56 n 3 p 661 2013 Hartmann Ivar Alberto Ferreira Lívia da Silva Ao relator tudo o impacto do aumento do poder do ministro relator no Supremo Revista Opinião Jurídica v 13 n 17 pp 268283 2015 02arguelhesdossie110p12a33indd 31 100418 1632 32 MINISTROCRACIA SS Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro Impeachment foi tropeço da democracia diz Lewandowski Folha de S Paulo 29 set 2016 Disponível em httpwww1folhauolcombrpoder2016091817948impeachmentfoitropecodademocra ciadizlewandowskishtml Acesso em 3 mar 2018 Medina Damares Almeida Eloísa A incomum liminar de Gilmar Mendes Nexo 19 mar 2016 Disponível em httpswwwnexojornalcombrensaio2016AincomumdecisC3A3oliminardeGilmarMendes Acesso em 15 jan 2018 Melo Marcus André Mudança constitucional no Brasil dos debates sobre emendamento na constituinte à me gapolítica Novos EstudosCebrap n 97 pp 187206 2013 Mendes Conrado Hübner O projeto de uma corte deliberativa In Vojvodic Adriana et al Orgs Jurisdição constitucional no Brasil São Paulo Malheiros 2012 The Supreme Federal Court of Brazil In Jakab András Dyevre Arthur Itzcovich Giulio Orgs Compa rative Constitutional Reasoning Nova York Cambridge University Press 2017 Oliveira Fabiana Luci Processo decisório no Supremo Tribunal Federal coalizões e panelinhas Revista de Sociologia e Política v 20 n 44 pp 139153 2012a Supremo relator processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula Revista Brasileira de Ciências Sociais v 27 n 80 pp 89254 2012b Pasquino Pasquale Majority Rules in Constitutional Democracies In Novak Stéphanie Elster Jon Orgs Majority Decisions Principles and Practices Cambridge Cambridge University Press 2014 pp 219235 Pereira Thomaz Lula Ministro e o silêncio do Supremo In Falcão Joaquim Arguelhes Diego Recondo Felipe Orgs Onze supremos o supremo em 2016 Belo Horizonte Letramento Casa do Direito Supra Jota FGV Rio 2017 Quem é Gilmar Mendes dono do voto de minerva que absolveu Temer Terra 9 jun 2017 Disponível em httpswwwterracombrnoticiasbrasilquemegilmarmendesdonodovotodeminervaqueabsol veutemere4597b04d151d58ec815cb76c4f8712cbns62ewahtml Acesso em 2 mar 2018 Recondo Felipe Supremo julgou 135 processo por sessão em 2017 Jota 4 jan 2018 Disponível em httpswww jotainfojusticasupremojulgou135processoporsessaoem201704012018 Acesso em 15 jan 2018 Ribeiro Leandro Molhano Arguelhes Diego Werneck Preferências estratégias e motivações pressupostos institucionais de teorias sobre comportamento judicial e sua transposição para o caso brasileiro Direito e Práxis v 4 n 7 pp 85121 2013 Schwartzberg Melissa Counting the Many The Origins and Limits of Supermajority Rule Cambridge Cambridge Uni versity Press 2013 Scocuglia Livia Marco Aurélio libera para julgamento pedido de impeachment de Temer Jota 17 maio 2016 Disponível em httpswwwjotainfojusticamarcoaurelioliberaparajulgamentopedidodeimpea chmentdetemer17052016 Acesso em 3 mar 2018 Silva Virgílio Afonso Deciding without Deliberating International Journal of Constitutional Law v 11 n 3 pp 557 584 2013 Um voto qualquer O papel do ministro relator na deliberação no Supremo Tribunal Federal Revista Estudos Institucionais v 1 n 1 pp 180200 2015 O relator dá voz ao STF Uma réplica a Almeida e Bogossian Revista Estudos Institucionais v 2 n 2 pp 648 669 2016 Do We Deliberate If So How European Journal of Legal Studies v 9 n 2 pp 209240 2017 Souza André de Brígido Carolina Souza André de Brígido Carolina Moraes pede vista em julgamento do STF que discute foro privilegiado O Globo 1 jun 2017 Disponível em httpsogloboglobocombrasilmora espedevistaemjulgamentodostfquediscuteforoprivilegiado21423765 Acesso em 3 mar 2018 Staton Jeffrey K Judicial Power and Strategic Communication in Mexico Cambridge Cambridge University Press 2010 Sweet Alec Stone Governing with Judges Constitutional Politics in Europe Oxford Oxford University Press 2000 Taylor Matthew Judging Policy Courts and Policy Reform in Democratic Brazil Stanford Stanford University Press 2008 Tsebelis George Veto Players How political institutions work Princeton NJ Princeton University Press 2002 Verissimo Marcos Paulo A Constituição de 1988 vinte anos depois Suprema Corte e ativismo judicial à brasi leira Direito GV v 4 n 2 pp 407440 2008 Vieira Oscar Vilhena Supremocracia Direito GV v 4 n 2 pp 441463 2008 Vojvodic Adriana Machado Ana Mara Cardoso Evorah Luci Costa Escrevendo um romance primeiro capítulo processo decisório e precedentes no Supremo Tribunal Federal Direito GV v 5 n 1 pp 2144 2009 Whittington Keith E Interpose Your Friendly Hand Political Supports for the Exercise of Judicial Review by The United States Supreme Court American Political Science Review v 99 n 4 pp 583596 2005 02arguelhesdossie110p12a33indd 32 100418 1632 02arguelhesdossie110p12a33indd 33 100418 1632 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 441 8 RESUMO O STF ESTÁ HOJE NO CENTRO DE NOSSO SISTEMA POLÍTICO FATO QUE DEMONSTRA A FRAGILIDADE DE NOSSO SISTEMA REPRESENTATIVO TAL TRIBUNAL VEM EXERCENDO AINDA QUE SUBSIDIARIAMENTE O PAPEL DE CRIADOR DE REGRAS ACUMULANDO A AUTORIDADE DE INTÉRPRETE DA CONSTITUIÇÃO COM O EXERCÍCIO DE PODER LEGISLATIVO TRADICIONALMENTE EXERCIDO POR PODERES REPRESENTATIVOS ESTE TEXTO MOSTRA COMO O SUPREMO DE FATO TEM EXERCIDO TAIS FUNÇÕES PELA ANÁLISE DE ALGUNS DE SEUS JULGADOS MAIS RECENTES EM SEGUIDA PROPÕE MECANISMOS CAPAZES DE LIDAR COM AS TENSÕES PRODUZIDAS PELA SUPREMOCRACIA SEM CARACTERIZÁLA COMO ALGO NECESSARIAMENTE BOM OU RUIM MAS BUSCANDO COMPREENDER SEU SENTIDO E APONTAR PARA SEUS PERIGOS PALAVRASCHAVE SISTEMA POLÍTICO SEPARAÇÃO DE PODERES REPRESENTAÇÃO STF Oscar Vilhena Vieira SUPREMOCRACIA ABSTRACT THE TEXT SHOWS HOW THE FSC IS LOCATED AT THE HEART OF OUR POLITICAL SYSTEM AND WARNS OF THE DANGERS TO DEMOCRACY INHERENT IN THIS STANCE SUCH A DANGER LIES IN THE FACT THAT THE AFOREMENTIONED COURT IS FULFILLING ALBEIT IN A SUBSIDIARY MANNER THE ROLE OF RULEMAKER ACCUMULATING THE AUTHORITY OF CONSTITUTIONAL INTERPRETER WHILE RETAINING EXERCISE OF LEGISLATIVE POWER WHICH TRADITIONALLY BELONGED TO THE REPRESENTATIVE POWERS THE TEXT ATTEMPTS TO PROVE THAT THE SUPREME COURT HAS CARRIED OUT SUCH FUNCTIONS WITHIN AN ANALYSIS OF SOME OF ITS RECENTLY TRIED CASES IT ALSO SUGGESTS MECHANISMS CAPABLE OF DEALING WITH THE TENSIONS GENERATED BY SUPREMOCRACY WITHOUT CHARACTERIZING THEM AS SOMETHING GOOD OR BAD FOR OUR POLITICAL SYSTEM KEYWORDS POLITICAL SYSTEM SEPARATION OF POWERS REPRESENTATION STF SUPREMOCRACY O Supremo Tribunal Federal está de vela na cúpula do estado Rui Barbosa INTRODUÇÃO Em 1968 Aliomar Baleeiro publicou O Supremo Tribunal Federal esse outro desconheci do O título desta obra clássica de nosso direito constitucional não poderia estar em maior descompasso com a proeminência do Supremo Tribunal Federal no cenário 05REV8p441464OscarVV6março2009 3609 448 PM Page 441 político atual Raros são os dias em que as decisões do Tribunal não se tornam manche te dos principais jornais brasileiros seja no caderno de política economia legislação polícia e como e eventualmente nas páginas de ciências educação e cultura Na academia por sua vez multiplicase o número de trabalhos destinados a ana lisar os diversos aspectos da vida e da atuação do Supremo seja nas faculdades de direito seja nos programas de ciência política sociologia história etc O tema da interpretação constitucional que no passado ocupava um espaço residual na preocu pação dos nossos constitucionalistas passou a ser o principal foco de atenção de uma nova geração de juristas Ponderação de valores princípios ou moralidade torna ramse temas comuns aos estudos de direito constitucional1 Por outro lado a ciência política depois de longo período de desatenção em relação às instituições despertou para a necessidade de compreender melhor o papel do direito e das agên cias responsáveis pela sua aplicação Neste novo amanhecer da ciência política com viés mais institucionalista o Supremo tem se tornado objeto privilegiado de muitos autores2 Até os economistas passaram a analisar as conseqüências não raramente tomadas como externalidades pouco desejáveis das decisões judiciais3 Surpreendente no entanto tem sido a atenção que os não especialistas têm dedi cado ao Tribunal a cada habeas corpus polêmico o Supremo tornase mais presente na vida das pessoas a cada julgamento de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade pelo plenário do Supremo acompanhado por milhões de pessoas pela TV Justiça ou pela internet um maior número de brasileiros vai se acostumando ao fato de que questões cruciais de natureza política moral ou mesmo econômicas são decididas por um tribunal composto por onze pessoas para as quais jamais votaram e a partir de uma linguagem de difícil compreensão para quem não é versado em direito Embora o Supremo tenha desempenhado posição relevante nos regimes consti tucionais anteriores com momentos de enorme fertilidade jurisprudencial e proeminência política como na Primeira República4 ou ainda de grande coragem moral como no início do período militar5 não há como comparar a atual proemi nência do Tribunal com a sua atuação passada A expansão da autoridade do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais em geral não é no entanto um fenômeno estritamente brasileiro Há hoje uma vasta litera tura que busca compreender este fenômeno de avanço do direito em detrimento da política e conseqüente ampliação da esfera de autoridade dos tribunais em detrimen to dos parlamentos6 Para alguns analistas o fortalecimento da autoridade dos tribunais tem sido uma conseqüência imediata da expansão do sistema de mercado em plano global Aos olhos dos investidores os tribunais constituiriam um meio mais confiável para garan tir a segurança jurídica estabilidade e previsibilidade do que legisladores democráticos premidos por demandas populistas e necessariamente pouco eficien tes de uma perspectiva econômica7 SUPREMOCRACIA 442 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 350 PM Page 442 Uma segunda corrente enxerga a ampliação do papel do direito e do judiciário como uma decorrência da retração do sistema representativo e de sua incapacidade de cumprir as promessas de justiça e igualdade inerentes ao ideal democrático e incorporadas nas constituições contemporâneas Neste momento recorrese ao judi ciário como guardião último dos ideais democráticos O que gera evidentemente uma situação paradoxal pois ao buscar suprir as lacunas deixadas pelo sistema representativo o judiciário apenas contribui para a ampliação da própria crise de autoridade da democracia Este é o argumento fundamental do influente livro escri to por Antoine Garapon8 Para muitos constitucionalistas o deslocamento da autoridade do sistema repre sentativo para o judiciário é antes de tudo uma conseqüência do avanço das constituições rígidas dotadas de sistemas de controle de constitucionalidade que tive ram origem nos Estados Unidos Logo não é um processo recente Este processo de expansão da autoridade judicial contudo tornase mais agudo com a adoção de cons tituições cada vez mais ambiciosas Diferentemente das constituições liberais que estabeleciam poucos direitos e privilegiavam o desenho de instituições políticas volta das a permitir que cada geração pudesse fazer as suas próprias escolhas substantivas por intermédio da lei e de políticas públicas muitas constituições contemporâneas são desconfiadas do legislador optando por sobre tudo decidir e deixando ao legis lativo e ao executivo apenas a função de implementação da vontade constituinte enquanto ao judiciário fica entregue a função última de guardião da constituição9 A hiperconstitucionalização da vida contemporânea no entanto é consequência da desconfiança na democracia e não a sua causa Porém uma vez realizada a opção insti tucional de ampliação do escopo das constituições e de reforço do papel do judiciário como guardião dos compromissos constitucionais isto evidentemente contribuirá para o amesquinhamento do sistema representativo Apenas como forma de ilustrar os argumentos acima seria possível afirmar que a expansão da autoridade judicial começou a ser detectada já no início do século pas sado pelos realistas nos Estados Unidos10 a partir de uma série de decisões liberais da Suprema Corte no que se convencionou chamar de era Lochner11 Nesse período a Corte passou a tomar decisões que substituíam a vontade do legislador por inter médio da doutrina do devido processo legal substantivo Por essa doutrina a Corte não apenas se limita a verificar a constitucionalidade formal de um ato normativo mas também a sua razoabilidade face aos princípios da constituição No caso Lochner a Corte invalida legislação de cunho social produzida pelo Estado de Nova York em face de princípios implícitos pretensamente na Constituição Na Europa onde por todo o século XIX a doutrina do judicial review não encon trou eco os tribunais apenas começaram a ocupar uma posição mais proeminente a partir da Segunda Guerra em especial na Alemanha e na Itália Como reação ao nazismo e ao fascismo e uma enorme desconfiança na democracia de massas12 foram OSCAR VILHENA VIEIRA 443 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 353 PM Page 443 estabelecidas substantivas cartas de direitos e potentes tribunais constitucionais rompendo com a velha tradição rousseauniana de soberania popular13 Em alguma medida a reconstitucionalização espanhola no final da década de 1970 e a constitu cionalização de diversos países da Europa oriental após a queda do muro de Berlim seguiram a mesma lógica14 As constituições em geral buscam demarcar as diferenças entre o regime depos to e aquele por ela arquitetado Esta lógica também esteve presente nas transições portuguesa de 1976 brasileira de 1988 sulafricana de 1996 ou mesmo Indiana de 1950 elaborada no contexto do processo de descolonização15 Nestes casos no entan to havia uma ambição constitucional adicional Estas constituições não representam apenas marcos de transição para a democracia mas explicitamente foram incumbidas de liderar o processo de mudança social Talvez o texto da Constituição Indiana e o texto original da Constituição portuguesa de 1976 sejam os mais ambiciosos neste aspecto No caso português era missão constitucional levar a sociedade portuguesa ao socialismoTambém poderia ser inserido nesta onda de constitucionalismo socialmen te transformador o texto colombiano de 1991 Uma das características marcantes destes novos regimes foi a institucionalização de robustas jurisdições constitucionais voltadas a assegurar pactos de transição plasmados em ambiciosos textos constitu cionais16 Só que agora os juízes passariam a ter responsabilidades não apenas de legisladores negativos na formulação de Kelsen mas também por zelar pelo cumpri mento das promessas positivas feitas pela Constituição17 A hipótese fundamental deste texto é de que este perceptível processo de expan são da autoridade dos tribunais ao redor do mundo ganhou no Brasil contornos ainda mais acentuadosA enorme ambição do texto constitucional de 1988 somada à paula tina concentração de poderes na esfera de jurisdição do Supremo Tribunal Federal ocorrida ao longo dos últimos vinte anos aponta para uma mudança no equilíbrio do sistema de separação de poderes no Brasil O Supremo que a partir de 1988 já havia passado a acumular as funções de tribunal constitucional órgão de cúpula do poder judiciário e foro especializado no contexto de uma Constituição normativamente ambiciosa teve o seu papel político ainda mais reforçado pelas emendas de no 393 e no 4505 bem como pelas leis no 986899 e no 988299 tornandose uma ins tituição singular em termos comparativos seja com sua própria história seja com a história de cortes existentes em outras democracias mesmo as mais proeminentes Supremocracia é como denomino de maneira certamente impressionista esta singulari dade do arranjo institucional brasileiro Supremocracia tem aqui um duplo sentido Em um primeiro sentido o termo supremocracia referese à autoridade do Supremo em relação às demais instâncias do judiciário Criado há mais de um sécu lo 1891 o Supremo Tribunal Federal sempre teve uma enorme dificuldade em impor suas decisões tomadas no âmbito do controle difuso de constitucionalidade sobre as instâncias judiciais inferiores A falta de uma doutrina como a do stare decisis SUPREMOCRACIA 444 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 400 PM Page 444 do common law que vinculasse os demais membros do Poder Judiciário às decisões do Supremo gerou uma persistente fragilidade de nossa Corte Suprema Apenas em 2005 com a adoção de da súmula vinculante completouse um ciclo de concentra ção de poderes nas mãos do Supremo voltado a sanar sua incapacidade de enquadrar juízes e tribunais resistentes às suas decisões Assim supremocracia diz respeito em primeiro lugar à autoridade recentemente adquirida pelo Supremo de governar jurisdicionalmente rule o Poder Judiciário no Brasil Neste sentido finalmente o Supremo Tribunal Federal tornouse supremo No caso específico o s minúsculo do adjetivo vale mais que o S maiúsculo que convencionalmente reservamos aos órgãos máximos da República Em um segundo sentido o termo supremocracia referese à expansão da autorida de do Supremo em detrimento dos demais poderesA idéia de colocar uma corte no centro de nosso sistema político não é nova Como lembra Leda Boechat Rodrigues o próprio Pedro II no final de seu reinado indagava se a solução para os impasses institucionais do Império não estaria na substituição do Poder Moderador por uma Corte Suprema como a de Washington A epígrafe deste texto escrita por Rui Barbosa em 1914 também advoga por uma centralidade política do Supremo como um órgão de conciliação entre os poderes A história institucional da República no entanto seguiu rumos mais acidentados O papel de árbitro último dos grandes con flitos institucionais que no Império coube ao Poder Moderador foi exercido sobretudo pelo Exército como reivindica Alfred Stepan e apenas subsidiariamente pelo Supremo como propõem José Reinaldo Lima Lopes e eu mesmo18 Foi apenas com a Constituição de 1988 que o Supremo deslocouse para o centro de nosso arranjo político Esta posição institucional vem sendo paulatinamente ocupada de forma substantiva em face a enorme tarefa de guardar tão extensa constituição A ampliação dos instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado o Supremo não apenas a exercer uma espécie de poder moderador mas também de responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substan tiva ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos outras vezes substituindo as escolhas majoritárias Se esta é uma atribuição comum a outros tribunais constitucionais ao redor do mundo a distinção do Supremo é de escala e de natureza Escala pela quantidade de temas que no Brasil têm natureza constitu cional e são reconhecidas pela doutrina como passíveis de judicialização de natureza pelo fato de não haver qualquer obstáculo para que o Supremo aprecie atos do poder constituinte reformador Neste sentido a Suprema Corte indiana talvez seja a única que partilhe o status supremocrático do Tribunal brasileiro muito embora tenha deixa do para trás uma posição mais ativista No exercício destas funções que lhe vem sendo atribuídas pelos distintos textos constitucionais ao longo da história republicana ousaria dizer emprestando a linguagem de Garapon que nos últimos anos o Supremo não apenas vem exercendo a função de OSCAR VILHENA VIEIRA 445 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 400 PM Page 445 órgão de proteção de regras constitucionais face aos potenciais ataques do sistema político como também vem exercendo ainda que subsidiariamente a função de cria ção de regras 19 logo o Supremo estaria acumulando exercício de autoridade inerente a qualquer interprete constitucional20 com exercício de poder Esta última atribuição dentro de um sistema democrático deveria ficar reservada a órgãos repre sentativos pois quem exerce poder em uma república deve sempre estar submetido a controles de natureza democrática21 Neste sentido é sintomático que um dos mais astutos representantes da classe política brasileira que já exerceu as funções de Presidente da República e Presidente do Senado sobrevivendo a todas as mudanças de nosso sistema político nos últimos cinqüenta anos tenha afirmado recentemente que nenhuma instituição é mais importante e necessária ao Brasil do que o STF22 em uma espécie de substabeleci mento por insuficiência dos poderes inerentes ao sistema político brasileiro para o Supremo Tribunal Federal No mesmo sentido é emblemática a resposta do Presidente Lula que quando indagado sobre a lei de anistia teria dito este é um problema da justiça Nas páginas seguintes pretendo em primeiro lugar discutir as razões de ordem institucional que a meu ver têm favorecido a expansão dos poderes do Supremo no sistema político brasileiro Em seguida buscarei apresentar alguns indícios de que o Supremo vem de fato por intermédio de suas decisões exercendo ativamente as funções que lhe foram atribuídas Por fim a título de conclusão buscarei lançar algu mas idéias práticas que a meu ver poderiam contribuir para a redução das tensões geradas pela supremocracia Desnecessário dizer que este ensaio tem por objetivo essencial provocar o debate 1 A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA SUPREMOCRACIA Múltiplas são as razões de ordem política e histórica que levaram o constituinte de 19878 a optar pela elaboração de uma constituição tão ampla minudente ambiciosa ou ubíqua na precisa definição de Daniel Sarmento23 Irei aqui apenas analisar qual o impacto de algumas destas escolhas institucionais sobre a atuação do Supremo 11 A AMBIÇÃO CONSTITUCIONAL A primeira destas decisões diz respeito ao próprio ethos ambicioso da Constituição de 1988 que segundo Seabra Fagundes corretamente desconfiada do legislador deveria sobre tudo legislarAssim a Constituição transcendeu os temas propriamen te constitucionais e regulamentou pormenorizada e obsessivamente24 um amplo campo das relações sociais econômicas e públicas em uma espécie de compromisso maximizador25 Este processo chamado por muitos colegas de constitucionalização do direito26 liderado pelo Texto de 1988 criou no entanto uma enorme esfera de SUPREMOCRACIA 446 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 431 PM Page 446 tensão constitucional e conseqüentemente gerou uma explosão da litigiosidade consti tucional A equação é simples se tudo é matéria constitucional o campo de liberdade dado ao corpo político é muito pequeno Qualquer movimento mais brusco dos admi nistradores ou dos legisladores gera um incidente de inconstitucionalidade que por regra deságua no Supremo Os dados são eloqüentes Em 1940 o Supremo recebeu 2419 processos este número chegará a 6376 em 1970 Com a adoção da Constituição de 1988 saltamos para 18564 processos recebidos em 1990 105307 em 2000 e 160453 em 2002 ano em que o Supremo recebeu o maior número de processos em toda sua história Em 2007 foram 119324 processos recebidos Este crescimento é resultado imediato da ampliação de temas entrincheirados na Constituição mas tam bém de um defeito congênito do sistema recursal brasileiro que até a Emenda 45 encontravase destituído de mecanismo que conferisse discricionariedade ao Tribunal para escolher os casos que quisesse julgar bem como de mecanismo eficiente pelo qual pudesse impor suas decisões às demais esferas do judiciário 12 COMPETÊNCIAS SUPERLATIVAS A segunda razão que pode nos ajudar a compreender a expansão de autoridade do Supremo referese a sua própria arquitetura institucional A Constituição de 1988 mais uma vez preocupada em preservar a sua obra contra os ataques do corpo políti co conferiu ao Supremo Tribunal Federal amplos poderes de guardião constitucional Ao Supremo Tribunal Federal foram atribuídas funções que na maioria das democra cias contemporâneas estão divididas em pelo menos três tipos de instituições tribunais constitucionais foros judiciais especializados ou simplesmente competên cias difusas pelo sistema judiciário e tribunais de recursos de última instância Na função de tribunal constitucional o Supremo tem por obrigação julgar por via de ação direta a constitucionalidade de leis e atos normativos produzidos tanto em âmbito federal como estadual Devese destacar no caso brasileiro a competência para apreciar a constitucionalidade de emendas à Constituição quando estas amea çarem a integridade do amplo rol de cláusulas pétreas estabelecido por força do artigo 60 4º da Constituição Esta atribuição conferiu ao Supremo a autoridade para emitir a última palavra sobre temas constitucionais em nosso sistema político reduzindo a possibilidade de que o Tribunal venha a ser circundado pelo Congresso Nacional caso este discorde de um dos seus julgados como acontece em muitos paí ses Também foi atribuída ao Tribunal a competência para julgar as omissões inconstitucionais do legislador e do executivo e por meio do mandado de injunção de assegurar imediata e direta implementação de direitos fundamentais A politização desta esfera de jurisdição do Tribunal foi expandida em relação ao período constitucional anterior na medida em que a legitimidade para a proposição de ações diretas foi conferida a novos atores políticos e sociais conforme disposto pelo artigo 103 da Constituição Federal27 superando a fase em que as chaves de OSCAR VILHENA VIEIRA 447 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 431 PM Page 447 acesso ao controle direto de constitucionalidade pelo Supremo só eram conferidas ao Procurador Geral da República Essa abertura do Supremo a outros atores políticos tem transformado o Tribunal em muitas circunstâncias em uma câmara de revisão de decisões majoritárias a partir da reclamação daqueles que foram derrotados na arena representativa Neste aspecto é curioso notar que o partido político que mais trazia casos ao Supremo no período Fernando Henrique Cardoso era o Partido dos Trabalhadores PT e agora na gestão Lula o Partido dos Democratas DEM passou a ocupar a primeira posição entre os usuários do Tribunal seguido de perto pelo Partido da Social Democracia Brasileira PSDB Da mesma forma os governadores de Estado se apresentam de forma extremamente ativa no emprego do Supremo como uma segunda arena política em que buscam bloquear medidas aprovadas pelos seus antecessores bem como pelas respectivas Assembléias Legislativas Estaduais Outro evento de extrema importância na valorização da jurisdição do Tribunal enquanto arena de embate político foi o estabelecimento da possibilidade de que organizações da sociedade civil e outros grupos de interesse pudessem interpor amici curiae em casos de interesses supraindividuais Como bem demonstra Eloísa Machado em sua precisa dissertação de mestrado o legislador ordinário contribuiu para democratizar o acesso ao Supremo28 Com isso novas vozes passaram a ecoar no Tribunal aumentando seu caráter pluralista bem como sua voltagem política enquanto palco de solução de conflitos anteriormente mediados pelo corpo político Somado a isso surgiram as audiências públicas em casos de grande relevância que trazem ao Tribunal especialistas militantes e acadêmicos que não se reportam ao Tribunal em termos necessariamente jurídicos mas sim técnicopolíticos agregan do uma enorme quantidade de argumentos consequencialistas ao processo decisório do Tribunal Os casos das célulastronco e dos anencéfalos são uma demonstração do potencial politizador deste mecanismo Essas novidades certamente ampliaram o acesso ao Tribunal mas também expõem sua autoridade mais diretamente A Constituição de 1988 conferiu também ao Supremo a espinhosa missão de foro especializado Em primeiro lugar cumprelhe julgar criminalmente altas autoridades Em conseqüência da excêntrica taxa de criminalidade no escalão superior de nossa República o Supremo passou a agir como juízo de primeira instância como vimos no caso da recém aceitação da denúncia contra os mensaleiros Só para ter uma dimen são do problema há mais de 250 denúncias contra parlamentares aguardando manifestação do Supremo O Tribunal não está equipado para analisar pormenoriza damente fatos e mesmo que ampliasse sua capacidade institucional para fazêlo seu escasso tempo seria consumido em intermináveis instruções criminais desviandoo de suas responsabilidades mais propriamente constitucionais A segunda pedra no caminho do Supremo é ter que apreciar originariamente atos secundários do parlamento ou do executivo muitas vezes diretamente ligados à governância interna destes dois poderes Pior ocorre quando é instado a resolver tais SUPREMOCRACIA 448 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 434 PM Page 448 contendas em caráter emergencial como no caso da sessão secreta do Senado Federal voltada a apreciar a cassação do mandato do Senador Renan Calheiros29 O Supremo serve nessas circunstâncias como um tribunal de pequenas causas políticas Desconheço outro tribunal supremo do mundo que faça plantão judiciário para solu cionar quizílias que os parlamentares não são capazes de resolver por si mesmos O mesmo acontece em relação à impugnação por via de mandado de segurança de atos muitas vezes banais do Presidente da República como demissão de um servidor público A sua competência de foro especializado tem um enorme custo gerencial bem como pode gerar um desgaste de sua autoridade por excesso de envolvimento em questões que poderiam e deveriam estar sendo resolvidas em outros âmbitos Por outro lado é inadmissível que um tribunal supremo se veja obrigado a julgar origi nariamente processos de extradição homologação de sentenças estrangeira um enorme número de habeas corpus mandados de segurança e outras ações cíveis em face do status do réu Na linguagem da imprensa parte dessas atribuições transfor mou o Supremo em um foro privilegiado Por fim o Supremo Tribunal Federal serve como tribunal de apelação ou última instância judicial revisando centenas de milhares de casos resolvidos pelos tribunais inferiores todos os anos o que se explica pela coexistência de um sistema difuso de controle de constitucionalidade e um sistema concentrado de controle de constitu cionalidade na ausência de uma cultura jurídica que valorize o caráter vinculante das decisões judiciais inclusive aquelas proferidas por tribunais superiores De 1988 para cá foram mais de um milhão de recursos extraordinários e agravos de instrumento apreciados por onze juízes o que significa 9510 dos casos distribuí dos e 9413 dos casos julgados pelo Tribunal30 Isto sem falar nos milhares de habeas corpus muitos deles com arriscada supressão de instâncias pedidos de extra dição e outros processos que chegam ao protocolo do Tribunal todos os dias Além de desumano com os ministros é absolutamente irracional fazer com que milhões de jurisdicionados fiquem aguardando uma decisão do Tribunal enquanto seus devedo res se beneficiam da demora na solução desses casos Desnecessário dizer que o maior beneficiário deste sistema irracional é o próprio Estado brasileiro Importante destacar aqui no entanto que estes números absurdos que normal mente causam certo aperreio cognitivo aos analistas estrangeiros não retratam a verdadeira rotina do Tribunal O fato de que as tabelas encontradas no sitio do Supremo demonstrem que o Tribunal julga mais de cem mil casos por ano em média não significa que a Corte efetivamente aprecie tantos casos Como demons tra Marcos Paulo Veríssimo em refinada análise publicada neste número da Revista DIREITO GV a somatória das decisões tomadas pelas duas turmas mais as decisões proferidas em plenário pouco ultrapassam a 10 do total de casos julgados pelo Supremo sendo que os casos julgados pelo plenário do Tribunal em 2006 consis tem em apenas 05 do total de casos julgados ou seja 565 casos A imensa OSCAR VILHENA VIEIRA 449 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 434 PM Page 449 maioria dos casos portanto referese a decisões monocráticas em que o relator tem poderes conferidos pela lei para julgar o mérito ou as condições de admissibi lidade da ação ou do recurso ordinário ou extraordinário31 O mesmo autor conclui que por trás destas decisões monocráticas pode estar escondida uma espé cie de certiorary informal Isto apenas demonstra que o Tribunal vem utilizando um alto grau de discricionariedade para decidir o que vai para os distintos colegiados e o que pode ser abatido monocraticamente Em política o controle sobre a agenda temática bem como sobre a agenda temporal tem um enorme significado e este poder se encontra nas mãos de cada um dos ministros decidindo monocraticamen te Esse poder e os critérios para a sua utilização como não são expressos fogem a possíveis tentativa de compreensão quanto mais de controles públicos sobre essa atividade Criase assim uma sensação de enorme seletividade em relação aquilo que entra e o que fica de fora da pauta do Tribunal A inclusão da argüição de repercussão geral pela qual o Supremo poderá de iure e não apenas de facto exercer sua discricionariedade barrando a subida de milhares de processos todos os anos e da súmula vinculante que reforça a sua autoridade permitindo a imposição erga omnes de suas decisões foi uma reação à enorme fragmentação de nosso sistema de controle de constitucionalidade Essas ferramentas por sua vez concentraram ainda mais poderes nas mãos do Supremo como já foi possível verificar pela edição de súmula vinculante regulamentando emprego das algemas a partir de uma pequena série de casos individuais entre os quais a exposição pública de banqueiros e políticos algemados antes do julgamen to O risco aqui é o tribunal verse obrigado a se transformar em xerife de suas próprias decisões 2 EXEMPLOS DE ATUAÇÃO SUPREMOCRÁTICAS Tem se avolumado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal os sinais de que o Tribunal respondendo aos incentivos institucionais acima descritos subiu uma nota na escala de poder de nosso sistema político A primeira evidência disso é o impres sionante número de casos de máxima relevância presentes na agenda do Supremo Após uma breve enumeração desses casos concentrarei minha atenção em algumas decisões que podem nos ajudar a compreender de que forma os próprios ministros do Supremo estão metabolizando a ampliação dos poderes do Tribunal Em primei ro lugar será analisado o caso das célulastroncoADI 35100 emblemático da atual etapa de expansão da autoridade do Supremo Tribunal Federal como arena de dis cussão pública de temas de natureza político moral32 Em um segundo momento a partir da análise do caso da fidelidade partidária Mandado de Segurança n 26603DF e dos crimes hediondos Reclamação 43355Acre buscarei demons trar como o Supremo vem expandido sua atividade legiferante com ênfase naquela SUPREMOCRACIA 450 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 438 PM Page 450 de impacto constitucional ou seja passando do campo do exercício da autoridade para o exercício do poder 21 UMA AGENDA DESAFIADORA Muitos poderiam ser os exemplos da expansão da autoridade do Supremo nestes últimos vinte anos Afinal é difícil pensar um tema relevante da vida política con temporânea que não tenha reclamado ou venha a exigir a intervenção do Supremo Tribunal Federal No campo dos direito fundamentais já foram decididas ou encontramse na agen da do Tribunal questões como pesquisa com célulastronco quotas nas universidades desarmamento aborto anencéfalos demarcação de terras indígenas reforma agrá ria distribuição de medicamentos lei de imprensa lei de crimes hediondos poder da polícia de algemar direito de greve etc Na esfera da representação política temas como subrepresentação na Câmara dos Deputados cláusula de barreira fidelidade partidária número de vereadores nas Câmaras Municipais vêm fazendo do Tribunal um coautor do constituinte originá rio na arquitetura da representação política brasileira No âmbito da delimitação de atribuições das demais esferas do Estado vem dis cutindo questões como restrição à atuação das CPIs limitação do poder de edição de medidas provisórias pelo Presidente da República restrição aos poderes de investiga ção do Ministério Público garantia dos direitos das minorias parlamentares em face das mesas da Câmara e do Senado delimitação do campo de autonomia das agências reguladoras aferição da legitimidade da instituição de controle externo da magistra tura a restrição às sessões secretas do Senado entre outras questões quentes Com direto impacto sobre o balanço federativo e também sobre a economia o Tribunal vê na sua agenda assuntos como guerra fiscal Cofins e FGTS além de toda uma linha de decisões relativas aos ajustes econômicos que marcaram a vida brasi leira até o plano real Tudo isto sem falar em milhares de habeas corpus mandados de segurança alguns de altíssima voltagem política e muitos milhares de recursos extraordinários que demandam do Supremo decidir sobre uma infinidade de temas constitucionais mais ou menos relevantes Na esfera políticocriminal por exemplo temos assistido o jul gamento de altas autoridades como o expresidente Collor e os integrantes do escândalo do mensalão O Supremo por outro lado também não viu nenhuma dificuldade em discutir a validade de emendas à Constituição como nas reformas administrativa previdenciá ria e do próprio judiciário chegando sem qualquer hesitação a declarar algumas emendas contrárias às cláusulas pétreas como no caso da extinta CPMF Em resumo tudo no Brasil parece exigir uma última palavra33 do Supremo Tribunal Federal OSCAR VILHENA VIEIRA 451 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 438 PM Page 451 22 A NOVA ÁGORA O EXEMPLO DO DEBATE EM TORNO DA PESQUISA COM CÉLULASTRONCO O julgamento da lei de biossegurança que autoriza a pesquisa com célulastronco embrionárias congeladas é significativo deste novo patamar de visibilidade públi ca que vem sendo alcançado pelo Supremo Para além da própria importância do tema que tinha como pano de fundo a questão sobre a proteção jurídicoconstitu cional das etapas de desenvolvimento da vida34 da vasta cobertura da mídia e da intensa romaria de diversos grupos contrários e favoráveis à liberação da pesquisa com célulastronco para apresentar seus argumentos aos membros do Tribunal quatro fatos parecem indicar que o Supremo passou a ocupar um novo papel no sis tema político brasileiro O primeiro fato a ser destacado aqui se refere à naturalidade com que o Supremo se colocou para avaliar a escolha política substantiva no caso com ampla repercussão moral previamente realizada pelo legislador ordinário Esta questão foi suscitada da tri buna de forma expressa por Luiz Roberto Barroso advogado em um dos amici Para o ilustre professor o Tribunal deveria levar em consideração o fato de que a lei havia sido aprovada por uma esmagadora maioria do Congresso Nacional após um amplo proces so de consultas e debates inclusive com a realização de audiências públicas em que foram ouvidas as diversas posições da sociedade brasileira Não havendo inconstitucio nalidade flagrante mas apenas ponderação legislativa legítima o Tribunal deveria absterse de substituir a decisão do legislador pela sua Antes de iniciar o seu voto a Ministra Carmem Lúcia afastou com veemência este argumento sendo explicitamente acompanhada pelo Ministro Marco Aurélio Logo não se abriu qualquer espaço para uma discussão sobre deferência muito comum em outros tribunais constitucionais ao redor do mundo Entendida por deferência a postura respeitosa que muitos tribunais demonstram em relação ao legislador democraticamente eleito O que não significa omissão mas sim o estabelecimento de claros parâmetros de separação de poderes em que o judiciário sabe que a ele não foi conferido um poder de inovar na ordem jurídi ca Embora o Supremo tenha desde muito cedo em sua história tido uma postura de se permitir substituir decisões do legislador35 especialmente quando estas afrontam direi tos o fato é que não costumava eliminar de forma tão radical argumentos que tomassem em consideração a necessidade de uma conduta deferente O que ficou claro é que o Supremo não se vê apenas como uma instituição que pode vetar decisões parlamentares claramente inconstitucionais mas que pode comparar a qualidade constitucional das decisões parlamentares com as soluções que a própria Corte venha a imaginar substi tuindo as decisões do parlamento caso entenda que as suas são melhores O segundo ponto emblemático que se pode destacar no processo de julgamento da constitucionalidade da lei de biossegurança referese à importância que os amici curiae passaram a ter na condução dos debates no Supremo A presença de organiza ções da sociedade civil expressando a polaridade de opiniões difusas entre os SUPREMOCRACIA 452 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 439 PM Page 452 diversos segmentos da sociedade brasileira definitivamente politizou o debate jurídi co levado a cabo na Corte Mais do que isso a liberalidade na aceitação dos amici por parte dos Ministros indica que o Supremo está voluntariamente se democratizando e conseqüentemente abrindose de forma mais clara para a políticaAo permitir que organizações da sociedade civil possam a um custo organizacional e político muito menor lutar pelos valores que defendem no âmbito do Supremo criase uma nova arena discursiva e de decisão políticojurídica Desta forma o Supremo os atores da sociedade civil e as regras de interpretação constitucional passam a funcionar em algumas situações como substitutos do parlamento dos partidos políticos e da regra da maioria36 Um terceiro aspecto do julgamento que parece relevante referese à convocação da primeira audiência pública a pedido de uma das organizações da sociedade civil para a oitiva de cientistas Por mais técnica que tenha sido a audiência controlada rigorosamente pelo Ministro Carlos Brito relator do processo as audiências públi cas impõem ao Supremo debruçarse sobre argumentos que não são de natureza estritamente jurídicas Um dos reflexos disso durante o julgamento da lei de biosse gurança foi que alguns dos Ministros empenharamse mais em disputar a qualidade dos argumentos científicos e de seus cientistas do que propriamente esgrimar argu mentos de natureza constitucional sobre a vida extrauterina No voto do Ministro Carlos Alberto Direito mais páginas foram utilizadas para discutir filosofia religião e especialmente ciência do que propriamente direito constitucional Esta abertura à sociedade civil bem como uma deliberada exposição a discursos de natureza científica religiosa econômica etc não podem ser vistos como algo necessariamente negativo Ao contrário demonstram a necessidade do Supremo em buscar ampliar a sua base de legitimidade em face dos desafios de tomar decisões com impacto fortemente político como foi exposto pelo próprio Ministro Carlos Aires Brito ao abrir a primeira audiência pública da história do Supremo Este passo no entanto demanda que o Tribunal tenha clareza de seus novos desafios Uma corte ativista com enorme exposição pública e responsabilidade por tomar decisões de grande magnitude fica submetida a distintos padrões de escrutínio que já vêm expondo suas tensões internas e potenciais fragilidades Ao tomar decisões de natu reza política e não apenas exercer a autoridade de preservar regras o Supremo passará a ser cobrado pelas conseqüências de seus atos sem que haja mecanismos ins titucionais para que essas cobranças sejam feitas O último aspecto deste julgamento a ser destacado pode não parecer diretamen te associado à questão da superexposição do Tribunal mas a meu ver está a esta conectada Uma das maiores idiossincrasias deste julgamento foi o fato de que a mino ria no plenário já derrotada por aqueles que entendiam que a lei era constitucional em sua totalidade obstinadamente buscou que fossem incluídas na sentença medi das de caráter legislativo que restringiriam enormemente a eficácia da legislação OSCAR VILHENA VIEIRA 453 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 2409 532 PM Page 453 Conforme proposição dos Ministros Carlos Alberto Direito e Antonio Carlos Peluso invocando a doutrina da interpretação conforme a constituição propunham a criação de mecanismos mais rigorosos para a fiscalização das pesquisas com célulastroncoAs proposições de cunho legislativo que se buscava inserir na decisão barradas energeti camente pelos Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio sugerem duas coisas em primeiro lugar uma óbvia ambição legislativa por parte da minoria em segundo lugar uma exploração da teleaudiência como espaço para realização de um discurso que apenas poderia ter conseqüências políticas posto que a sorte jurídica do caso já se encontrava selada O fato de que o Supremo delibera em público com televisiona mento de suas audiências também diferencia o Tribunal da quase totalidade das cortes constitucionais ao redor do mundoAté o presente momento não surgiu salvo melhor juízo nenhum estudo buscando compreender o impacto da publicidade sobre a atua ção dos Ministros 23 DE LEGISLADOR NEGATIVO A PODER CONSTITUINTE REFORMADOR Além da proeminência do Supremo enquanto arena de deliberação pública é impor tante buscar demonstrar o quanto o Supremo tem se afastado do modelo tradicional de legislador negativo imaginado por Kelsen quando justificou a necessidade de cortes constitucionais no continente europeu nas primeiras décadas do Século XX37 Gostaria de destacar aqui dois casos que demonstram que o Supremo vem não apenas conferindo efeito legiferante a algumas de suas decisões mas que esta atua ção legislativa eventualmente tem hierarquia constitucional Tanto no caso da fidelidade partidária MS 26603DF como no caso da Reclamação 43355Acre referente à constitucionalidade da lei de crimes hediondos o Supremo parece ter dado um passo na direção do exercício do poder constituinte reformador Comecemos pelo caso da fidelidade partidária A ampla liberdade para a formação de partidos conjugada com a representação proporcional que inspira a eleição para a Câmara dos Deputados gerou uma gran de proliferação de partidos políticos no Brasil Atualmente são vinte e nove os partidos devidamente registrados no Tribunal Superior Eleitoral A falta de regras específicas ou de uma cultura política relativa à fidelidade partidária por sua vez permite uma intensa mobilidade de parlamentares que ficam livres para aderir à base de sustentação do governo após terem sido eleitos por partidos de oposição Como reação a essas características do sistema representativo brasileiro muitas vezes responsabilizadas pela fragilização da representação parlamentar o parlamen to e o próprio judiciário vêm tomando decisões voltadas a reorientar o sistema representativo Comentarei abaixo apenas a decisão tomada no MS 26603DF que cuida da questão da perda de mandato por infidelidade partidária deixando para outra ocasião a análise dos casos da verticalização das coligações partidárias e das cláusulas de barreira SUPREMOCRACIA 454 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 441 PM Page 454 O Superior Tribunal Eleitoral respondendo à Consulta 1398 que lhe foi formu lada pelo então Partido da Frente Liberal PFL reconheceu que os partidos e coligações partidárias têm o direito de manter as cadeiras parlamentares que tenham obtido no processo eleitoral decorrente de eleição pelo sistema proporcional quan do o deputado após o pleito decide mudar de agremiação política A decisão do TSE no entanto não foi acatada pela Presidência da Câmara dos Deputados moti vando o acima mencionado mandado de segurança impetrado pelo PSDB A discussão de fundo referese à possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral inter pretar a Constituição de forma a determinar a perda de mandado por parte daquele deputado que injustificadamente muda de partido após o pleito eleitoral devendo a vaga no parlamento ser preenchida por suplente que se encontra na lista do parti do ou coligação de origem Não entrarei aqui no mérito político da decisão Se esta beneficiou ou não a organização do sistema políticopartidário brasileiro Mas apenas destacar o fato jurídico de que a decisão dos tribunais TSE e STF criou uma nova categoria de perda de mandado parlamentar distinta daquelas hipóteses previstas no artigo 55 da Constituição Federal que como o próprio Ministro Celso de Mello reconheceu constituem numerus clausus O fato de se estar estabelecendo mais uma hipótese de perda de mandado parlamentar evidentemente cria um problema institucional sério a decisão tomada pelos dois tribunais é decorrência de um processo de inter pretação constitucional ou tem ela caráter legislativo no caso específico de natureza constitucional O próprio Ministro Celso de Mello enfrentou esta ques tão ao dizer que a Constituição conferiu ao Supremo o monopólio da última palavra em temas de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental o que pode ser interpretado como uma leitura fiel do artigo 102 da Constituição O ministro no entanto foi além ao adotar em seu voto as seguintes palavras de Francisco Campos A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicála Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição funciona igualmente o poder constituinte38 Este certamente é um passo muito grande no sentido de conferir poderes legislativos eventualmente de reforma constitucional ao Tribunal No julgamento da Reclamação 43355Acre relatado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes o Supremo Tribunal Federal deixou mais uma vez claro que no pro cesso de interpretação e aplicação da Constituição o seu conteúdo e eventualmente a sua letra pode sofrer alterações Depois de muitos anos sustentando a constitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos o Supremo Tribunal Federal em decisão relatada pelo Ministro Marco Aurélio no HC 82956 afastou a incidência do artigo que vedava a progressão de regi me aos que houvessem sido condenados pela lei de crimes hediondos por entender que esta regra violava o princípio da dignidade humana e da individualização da pena OSCAR VILHENA VIEIRA 455 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 441 PM Page 455 Com base nesta decisão do Supremo Tribunal Federal inúmeros condenados com base na Lei de Crimes Hediondos solicitaram a progressão de regime O juiz da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco entendeu no entanto que não deveria autorizar a progressão de regime pois o referido HC produziu efeitos apenas inter partes Neste sentido aplicou o disposto no artigo 52 X da Constituição Federal ao determinar que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte de lei declarada inconstitucio nal por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal Logo enquanto o Senado não suspendesse a execução da lei o juiz de primeira instância não estaria obrigado a submeterse a decisão do Supremo Tribunal Federal Fez inclusive que essa infor mação fosse afixada em diversos pontos do Fórum de Rio Branco Contra a denegação do pedido de progressão insurgemse inúmeros condenados vindo o Supremo a apreciar a Reclamação 4335Após uma detalhada e sofisticada argu mentação o Ministro relator buscou demonstrar que o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade vem passando por um longo processo de mutação marcado pela ampliação da importância do sistema de controle concentrado em detrimento do con trole difuso Neste sentido especialmente após a introdução do efeito vinculante em nosso sistema jurídico a regra do artigo 52 X ficou destituída de maior significado prá tico tendo portanto ocorrido uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto39 Esta mutação evidentemente consubstanciase em novo direito constitucional na medida em que é avalizada pelo Supremo Tribunal Federal É evidente aqui que a referida mutação afetou ainda que minimamente a rela ção entre os poderes suprimindo uma competência privativa do Senado Federal e transferindoa para o próprio Supremo Tribunal Federal Não se trata assim de qualquer mudança constitucional mas sim de uma alteração de dispositivo a prin cípio protegido pelo artigo 60 4º inciso III da Constituição Federal Isso evidentemente se levarmos em consideração os precedentes do Supremo Tribunal Federal ao julgar casos de ofensa às cláusulas pétreas Basta lembrar o caso da CPMF em que o Supremo julgou inconstitucional a incidência do imposto sobre Estados e municípios baseado no princípio da imunidade recíproca por entender que era uma parte fundamental do princípio federativo Independentemente de nossa posição sobre o acerto ou erro do Supremo Tribunal Federal no julgamento desses casos o que parece claro é que o Tribunal passou a se enxergar como dotado de poder constituinte reformador ainda que a promoção das mudanças constitucionais não se dê com a alteração explícita do texto da Constituição CONCLUSÃO Difícil julgar se o fenômeno da supremocracia é positivo ou negativo ainda mais quando o discutimos no contexto de inúmeras decisões importantíssimas do Supremo SUPREMOCRACIA 456 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 443 PM Page 456 Busquei neste ensaio concentrar a análise apenas sobre o aspecto institucional des tas decisões não discutindo o mérito das mesmas Em um curto ensaio como este meu objetivo foi apenas chamar atenção para o processo de expansão dos poderes do Supremo O ponto aqui não é portanto avaliar se as decisões tem sido progressistas ou não mas sim verificar a posição que vem ocupando o Supremo em nosso siste ma político Sob esta perspectiva seria adequado afirmar que se por um lado a liberdade com que o Supremo vem resolvendo sobre matérias tão relevantes demonstra a gran de fortaleza que esta instituição adquiriu nas duas últimas décadas contribuindo para o fortalecimento do Estado de Direito e do próprio constitucionalismo por outro é sintoma da fragilidade do sistema representativo em responder as expectativas sobre ele colocadas40 Em um sistema em que os poderes políticos parecem ter per dido a cerimônia com a Constituição41 nada pode parecer mais positivo do que o seu legítimo guardião exercer a sua função precípua de preservála Porém ainda que isso possa a ser visto como desejável sabemos todos que esta é uma tarefa cheia de percalços Não há consenso entre os juristas sobre como melhor interpretar a Constituição nem tampouco em como solucionar as inúmeras colisões entre seus princípios O que não significa que a tarefa não deva ser feita da forma mais racional e controlável possível como nos sugere Hesse42 Há no entanto dificuldades que trans cendem os problemas estritamente hermenêuticos derivados da aplicação de uma Constituição Estas dificuldades referemse à própria dimensão da autoridade que se entende adequada a ser exercida por um tribunal dentro de um regime que se pre tenda democrático Como aponta o próprio Ministro Celso de Mello em uma república nenhuma esfera de poder pode ficar imune a controles Assim há que se lutar pela progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder 43 Evidente que não pretendo aqui propor controle de ordem eleitoral para o Supremo mas sim uma racionalização de sua jurisdição e uma lapidação de seu pro cesso deliberativo de forma a restringir as tensões políticas inerentes ao exercício de uma jurisdição constitucional como a brasileira Entendo que algumas mudanças de natureza institucional são indispensáveis para que possamos reduzir o malestar supremocrático detectado neste texto Em pri meiro lugar seria a redistribuição das competências do Supremo Este não pode continuar atuando como corte constitucional tribunal de última instância e foro especializado Este acúmulo de tarefas que na prática apenas se tornou factível graças à crescente ampliação das decisões monocráticas coloca o Supremo e seus Ministros em uma posição muito vulnerável Falsas denúncias e gravações ilegais são apenas uma demonstração de como a autoridade do tribunal pode ser ameaçada É fundamental que o Supremo seja liberado de um grande número de tarefas secun dárias para exercer a sua função precípua de jurisdição constitucional Isto não significa adotar o modelo europeu de controle de constitucionalidade mas sim dar OSCAR VILHENA VIEIRA 457 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 443 PM Page 457 seguimento a nossa experimentação institucional que compõe o sistema difuso com o concentrado Com a argüição de repercussão geral o efeito vinculante e a súmu la vinculante o Supremo terá condição de redefinir a sua própria agenda e passar a utilizar do sistema difuso como instrumento de construção da integridade do siste ma judiciário e promoção do interesse público44 Definitivamente não é necessário analisar cada recurso extraordinário e muito menos cada agravo de instrumento que chega ao Tribunal todos os dias Ao restringir a sua própria jurisdição ao se autoconter o Supremo estaria ao mesmo tempo reforçando a sua autoridade remanescente e indiretamente fortalecendo as instâncias inferiores que passa riam com o tempo a ser últimas instâncias nas suas respectivas jurisdições É preocupante a posição de subalternidade a que os tribunais de segunda instância foram relegados no Brasil a partir de 1988 quando as suas decisões passaram a ser invariavelmente objeto de reapreciação Com uma agenda bastante mais restrita de casos o Supremo poderia melhorar a qualidade de seu processo deliberativo45 Em primeiríssimo lugar deveriam ser res tringidas ao máximo as competências de natureza monocráticas A autoridade do Tribunal não pode ser exercida de forma fragmentada por cada um de seus Ministros O fato de este ser um tribunal irrecorrível e portanto aquele que corre o risco de errar em último lugar impõe que as suas decisões sejam majoritariamen te de natureza coletiva o que somente será possível se o número de casos julgados cair de mais de cem mil por ano para menos de mil por ano Com a concentração de suas atividades no campo da jurisdição constitucional com forte componente discricionário o Tribunal além de passar a decidir de forma apenas colegiada também pode qualificar melhor o seu processo delibera tivo Hoje o que temos é a somatória de 11 votos que em um grande número de casos já se encontram redigidos antes da discussão em plenário e não uma decisão da Corte decorrente de uma robusta discussão entre os Ministros Isto seria muito importante para que a integridade do Supremo enquanto instituição colegiada fosse mantida Quando nos perguntamos qual a decisão do Supremo no caso das célulastronco fica evidente que há uma multiplicidade de opiniões Mesmo se pegarmos o voto do relator que foi muito além da questio iuris subme tida ao Tribunal o que dali foi aceito pela maioria e o que não foi aceito Quais são os efeitos precisos da decisão Assim as decisões precisam deixar de ser vis tas como uma somatória aritmética de votos díspares Na realidade o que o sistema jurídico necessita são decisões que correspondam a um maior consenso decorrente de um intenso processo de discussão e deliberação da Corte Evidente que sempre deverá haver espaço para votos discordantes e opiniões complemen tares mas a maioria deveria ser capaz de produzir uma decisão acordada um acórdão que representasse a opinião do Tribunal Isto daria mais consistência a decisões judiciais de grande impacto político SUPREMOCRACIA 458 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 21209 446 PM Page 458 Ainda no quesito deliberação talvez fosse positivo que o Tribunal começasse a deli berar em pelo menos três etapas Em um primeiro momento deveriam ser selecionados os casos da jurisdição difusa a serem julgados no ano judiciário os de jurisdição con centrada dariam entrada pela ordem de chegada A transparência na construção da agenda é urgente Em um segundo momento seria aberto espaço seja para as audiên cias públicas seja para as sustentações orais com a presença obrigatória dos Ministros Posteriormente teríamos as sessões de discussão e julgamento Depois de tomada a decisão aquele que liderou a maioria deveria ser incumbido de redigir o acórdão Desnecessário que haja 11 votos apostados muitos deles pouco acrescentando quando não confundindo os jurisdicionados Com um processo de deliberação mais consistente o Supremo poderia ter tempo para o estabelecimento de estândares inter pretativos mais claros o que permitiria estabilizar sua própria jurisprudência bem como a jurisprudência dos tribunais e juízes de primeiro grau Certamente a redução das competências e a qualificação do processo de delibe ração não irão por si resolver as dificuldade contramajoritárias do Supremo mas poderão dar mais integridade às suas decisões reduzindo arestas que em última ins tância vulnerabilizam a própria autoridade do Supremo OSCAR VILHENA VIEIRA 459 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 NOTAS A formulação do argumento que agora apresento neste texto deuse por ocasião da aula inaugural do curso de pósgraduação em Direito do IbemecSP 2008 que honrosamente proferi a convite do Professor e amigo Jairo Saddi também apresentei este trabalho no saboroso Colóquio Vinte Anos da Constituição realizado em Petrópolis entre os dias 14 de 17 de Agosto ao convite dos também queridos amigos Daniel Sarmento Cláudio Pereira Souza Neto e Gustavo Binenbojm Se não fosse o meu atraso este texto deveria constar da publicação resultante daquele colóquioAgradeço por fim à DIREITO GV por ter assegurado as condições para que o presente ensaio pudesse ser realizado Oscar Vilhena Vieira é Professor de Direito Constitucional da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas São Paulo onde coordena o Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento Professor licenciado da Faculdade de Direito da PUCSP diretor jurídico da organização nãogovernamental Conectas Direitos Humanos mestre em direito LLM pela Faculdade de Direito da Universidade de Columbia Nova York doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo tendo realizado seus estudos de PósDoutoramento no Center for Brazilian Studies da Universidade de Oxford onde foi Sergio Vieira de Mello Human Rights Fellow em 2007 1 Barroso 1994 Rothenburg 1999 Vieira 1999 Sarmento 2000 Binenbjom 2001 Barcellos 2002 Ávila 2003 Sarlet 2004 Silva 2004 ARTIGO APROVADO 04112008 RECEBIDO EM 30072008 05REV8p441464OscarVV 21209 446 PM Page 459 2 Vieira 1994a Sadek 1995Vianna 1999 Costa 2001 Almeida 2006 Mendes 2008 3 Arida Bacha LaraResende 2003 Pinheiro 2005 4 Período brilhantemente capturado por Leda Boechat Rodrigues precursora dos estudos sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil publicou entre outros História do Supremo Tribunal Federal em quatro volumes Rio de Janeiro Ed Civilização Brasileira Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano Rio de Janeiro Ed Forense 1958 Direito e Política Rio de Janeiro Ed Civilização Brasileira 1977 5 Ver Vieira 1994a 6 TateVallinder 1995 Shapiro Sweet 2002 7 Esta é a tese central de Hirschal 2004 Cooter 1996 também apresenta o argumento sobre porque a democracia se torna uma ameaça à logica de mercado 8 Garapon 1996 ver também resenha do livro de Garapon realizada por Recoeur 2008 9 Canotilho 2001 10 Frank 1963 11 Ver em especial voto do Justice Holmes em Lochner v New York 1905 pelo qual critica a maioria da corte por tomar uma posição ativista de proteção dos valores do liberalismo econômico 12 Importante notar aqui a forte influência da ocupação americana na reconstitucionalização de países como a Alemanha e o Japão ver Henkin 1994 13 Cappelletti 1993 14 Schwartz 2000 15 Ver Baxi 1980 e Sathe 2007 16 Gargarella 2006 17 Kelsen 2003 18 Lopes 2006 p 30Vieira 1994a conclusão 19 Garapon 1996 20 O Tribunal estaria em algumas circunstâncias indo além do papel construtivo inerente a interpretação de cláusulas abertas do texto constitucional como reconhecido por Doworkin 1985 21 Dahl 1989 pp 65 et seq 22 Sarney 2008 23 Sarmento 2006 24 Empresto a expressão obsessão regulatória do Professor Humberto Ávila que a empregou no Colóquio Vinte anos da Constituição realizado em Petrópolis entre os dias 14 de 17 de Agosto 25 Vieira 1999 26 Ver em especial Virgílio Afonso da Silva e Gustavo Binenbojm SUPREMOCRACIA 460 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 2409 532 PM Page 460 27 Para uma análise pormenorizada das conseqüências da expansão dos atores legitimados a propor ações diretas de inconstitucionalidade ver Vianna et alli 1999 28 Almeida 2006 29 RENAN 2007 30 Veríssimo 2008 31 Idem 32 Os casos do ProUni relativo a ação afirmativa Raposa Serra do Sol referente à demarcação de terras indígenas ou aborto de fetos anencéfalus também se encontram nesta esfera da jurisdição do Supremo que se coloca como arena de discussão pública que se substitui ao parlamentoexecutivo na adoção da última palavra em temas de alta relevância políticomoral 33 Ver Vieira 1994b Para uma contestação da tese da última palavra ver excelente trabalho de Conrado Hubner por ocasião de sua tese de Doutoramento na FFLCHUSP 2008 34 De acordo com o Ministro Celso de Mello este seria o mais importante julgamento da história do Supremo Tribunal Federal 35 Barbosa 1999 p 179 36 Para este câmbio de legitimidade ver Offe Preuss 1990 37 Kelsen 2003 38 MS 26603DF voto do Ministro Celso de Mello p50 agradeço ao meu querido amigo Daniel Sarmento por ter me chamado a atenção para esta passagem 39 Reclamação 43355Acre voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes p 52 40 Neste ponto poderia ser contestado por Figueiredo e Limongi 1999 ao buscarem desmistificar a idéia de que o sistema representativo não tem sido capaz de corresponder às suas atribuições 41 Entrevista a mim concedida por ocasião da reedição de Supremo Tribunal Federal Jurisprudência Política 1997 42 Konrad Hesse Escritos de Derecho Constitucional Centro de Estúdios Constitucionales Madri 1983 43 ADI no 2397600 referente a reedição das medidas provisórias 44 Teria sido mais adequado que a utilização da expressão argüição de relevância pois os casos individuais podem muito bem trazer questões de máxima importância pública 45 Muito do que penso sobre qualificar o processo deliberativo do STF devo a Conrado Hübner que está realizando seu doutorado sobre este tema na Universidade de Edimburgo A ele sou grato pelo longo e frutífero diálogo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA Eloísa Machado de Sociedade civil e democracia a participação da sociedade civil como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal São Paulo 2006 Dissertação mestrado em direito Faculdade de Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo OSCAR VILHENA VIEIRA 461 8 REVISTA DIREITO GV SÃO PAULO 42 P 441464 JULDEZ 2008 05REV8p441464OscarVV 2409 532 PM Page 461 ARIDA Persio BACHA Edmar Lisboa LARARESENDEAndré Credit Interest and Jurisdictional Uncertainty Conjuctures on the Case of Brazil In GIAVAZZI Francesco GOLDFAJN Ilan HERRERA Santiago orgs Inflation Targeting Debt and the Brazilian Experience 1999 to 2003 Cambridge MA MIT Press 2003 pp 193222 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios São Paulo Malheiros 2003 BARBOSA Rui O Supremo Tribunal Federal na Constituição Brasileira In Pensamento e Ação de Rui Barbosa Senado Federal Fundação Casa de Rui Barbosa 1999 BARCELLOS Ana Paula de A Eficácia jurídica dos Princípios Constitucionais Rio de Janeiro Renovar 2002 BARROSO Luiz Roberto Interpretação e Amplicação da Constituição São Paulo Saraiva 1994 BAXI Upendra The Indian Supreme Court and Politics Delhi Eastern Book co 1980 BINENBJOMGustavo A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira Rio de Janeiro Renovar 2001 CANOTILHO José Joaquim Gomes Constituição dirigente e vinculação do legislador contributo para a compreensao das normas constitucionais programaticas Coimbra Coimbra Editora 2001 CAPPELLETTI Mauro Juízes Legisladores Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris 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democrático especialmente a atuação do legislativo REEERÂN CIA VIÆira Osten Velhene Su ss4 20o ii 18 Dudon USP h999 So lolo mocl Dinety Sucam Orforcl Aua mo ca tilibra Em m 19 goemon Cocnuces do dimmois onp 5 Zeme d ma mohgen monaulolocs de cle 2 tilibra mai abibudoo S7fdencle Vsusa alorameeha cle 3 cilibra dabedos Liis lpu33 trem edeoo loement legsla Zra nosi MS m 26 603DF a e licle moo 4 335SACO rimens saa ime doe dineab Zemames amyZuok moo lorocla amoim t Elecdo Demsrouo cosodos esamendane Nentenslo oubtule Des REFEAFN Cia EXEla Flore le Meams Cus d olnts Lmttuenck 3 dl Gduto 2099