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Direito ·

Sociologia do Direito

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Ano 6 2020 nº 6 661685 RELIGIÃO SEM DEUS DEUS SEM RELIGIÃO Jeronymo Pedro Villas Boas1 1 INTRODUÇÃO s duas proposições enunciadas no título deste es crito apresentamse paradoxais contudo são pas síveis de serem identificadas nos aspectos de uma sociedade que ao tempo que se globaliza se torna multicultural evidenciando uma diversidade an tes inimaginável de crenças A religião sem Deus e Deus sem a religião fluem da atual discussão que transcende o âmbito daquilo que se conhece como espaço privado das confissões religiosas e ao ultrapassarem esse âmbito apontam para a compreensão do que se trata na moder nidade como religião A primeira dessas proposições foi discutida por Ronald Dworkin nos seus últimos textos discursivos quando preparava uma série de conferências sobre o pensamento religioso de Al bert Einstein publicados no livro Religion without god posteri ormente à sua morte A segunda tem como ponto de partida a concepção de Ludwig Feuerbach sobre a concepção teológica da religião 1848 por ele apresentada como falsa que trabalha as possíveis incongruências entre o que Deus é e aquilo que imaginamos que Ele seja e por conseguinte o erro das religiões que tentam apri sionar o conceito de Deus Embora o tema transpasse outras investigações possí veis tentarei me conter no aparente paradoxo de que Deus não seja o único centro do sentimento chamado religioso que 1 Juiz de Direito no estado de Goiás especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás especialista e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa 662RJLB Ano 6 2020 nº 6 permitiria segundo Dworkin ampliar a compreensão e a prote ção das liberdades religiosas considerando a hipótese de que o culto prescinda da Igreja ou de Deus para assim entender quais funções restariam às religiões na sociedade moderna Recentemente o Professor Boaventura publicou um li vro transcultural em que propôs a hipótese de Deus ser um ati vista dos Direitos Humanos reintroduzindo a discussão sobre a autonomia individual no contexto sociológico para polemizar as dificuldades e as contradições enfrentadas pelos apologistas dos direitos humanos ao serem confrontados com movimentos que reivindicam a presença da religião na esfera pública pro pondo uma concepção não hegemônica Nesse estudo Boaven tura parece localizar as religiões no âmbito de um círculo cultu ral que as tornam refratárias ao alargamento de certos direitos fundamentais Tomarei em conta também o malestar desse círculo transcultural com a interlocução de Martin Buber2 em seu es crito Eclipse de Deus que provocou uma resposta de Carl Jung sobre seu rótulo agnóstico devido à interiorização de Deus na sua teoria do inconsciente coletivo como um arquetípico Sob o ponto de vista dessa interiorização psicanalítica margeio no texto os pensamentos de Freud e de Lacan Esses retalhos do pensamento moderno nos permitem in troduzir a discussão que segue como um tema necessário não apenas pela ocupação crescente da esfera pública pelas religiões naquilo que Kepel identificou como A revanche de Deus mas pelo significado que o reconhecimento da religião secular tem assumido no mundo globalizado que disfarça condutas funda mentalistas antiteístas ao subtrair Deus como o centro do culto religioso Na margem desse malestar gerado por combates antir religiosos que em si apresentam elementos de uma prática 2 BUBER Martin Eclipse de Deus Considerações sobre a relação entre reli gião e filosofia Tradução de Carlos Almeida Pereira Campinas Verus 2007 RJLB Ano 6 2020 nº 6663 ateia surgem diversas outras questões não menos importantes para o contexto atual diante da incerteza do amanhã quando a pandemia de 2020 diluiu convicções de rotas materialistas tra çadas para evitar os temas teológicos O reconhecimento de que exista um ateísmo religioso como enfatizou Dworkin ilustrando essa hipótese com o julga mento da Corte Americana no caso United States vs Seeger 380 U S 1965 e a possibilidade agnóstica de que indivíduos creiam em Deus mas não na religião ampliam o conceito jurí dico de Religião Essa a pergunta central instiga a abordagem que carrega a ideia de que a religião possa prescindir de Deus e da estrutura religiosa que congrega uma coletividade de crentes para incluir uma multidão de pessoas que negam a existência de Deus e o valor da religião e apresenta nonsensos que permitem interpre tações subjetivas sobre o alcance da religião no atual estado de coisas Por fim rejeitada a possibilidade de que a religião exista sem Deus ou que a relação com Deus prescinda da religião qual seria a atual função da religião O que seria da religião depois de Deus 2 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA A ideia de um vazio existencial a ser preenchido não é estranha ao pensamento antigo Noções ontológicas de incapa cidade ou incompletude do ser são relatadas nos primeiros escri tos filosóficos da humanidade3 como se pode observar no Livro 3 Uma tradição que remonta aos filósofos judaicos de Alexandria século I aC afirma que a filosofia grega derivou do Oriente Os princípios filosóficos da Grécia teriam extraído da doutrina hebraica egípcia babilônica e indiana não somente as descobertas científicas mas também as concepções mais pessoais Esta opinião divulgouse progressivamente nos séculos seguintes culminou na opinião do neopi tagórico Numério que chegou a chamar a Platão de um Moisés ateicizante e passou dele aos escritos cristãos ABBAGNANO Nicola História da Filosofia v 1 Tra dução de Antônio Borges Coelho Franco de Sousa e Manuel Patrício Lisboa 664RJLB Ano 6 2020 nº 6 de Jó que se tornou acessível ainda na Antiguidade a toda a cul tura ocidental com a tradução alexandrina para o grego4 A análise da Resposta de Jó por Carl Jung no contexto de sua pesquisa sobre o inconsciente e a especulação de que Deus seria uma espécie de arquetípico projeta a imagem da vi vência do personagem bíblico na experiência pessoal que transi tou entre a convicção de sua fé e a angústia de não encontrar explicação racional para a tragédia levandoo ao inusitado diá logo como Deus que Jung percebe como capaz de produzir uma transformação da consciência de Deus sintetizada pelo psica nalista na frase Deus quer tornarse homem5 A aproximação do pensamento hindu de que Deus não possui uma forma natural que caminhou junto com as percep ções de Heráclito sobre o nãoser resultou na possibilidade de que a percepção do sentimento numinoso descrita por Freud no artigo sobre o Malestar na civilização6 como um sentimento oceânico sugere que a sensação espiritual não dependa da rela ção direta com Deus Mais ainda que se apresenta como um sen timento aberto para outras situações de transcendência capazes de desligar o sofrimento Ronald Dworkin insiste nessa possibilidade ao discutir a existência de um ateísmo religioso postulando que a religião seja mais profunda que Deus ao dissecar a assertiva de Einstein de que seria ateu mas devoto religioso7 Voltemos entretanto à Editorial Presença 1976 p 17 4 Como é bem conhecido nos círculos acadêmicos a Septuaginta LXX é uma versão grega do Antigo Testamento elaborada por estudiosos judeus no contexto helenizado alexandrino por volta do século III aC ZIMMER Rudi Apresentação In Antigo Testamento Poliglota hebraico grego português inglês São Paulo Vida Nova Sociedade Bíblica do Brasil 2003 p 1 5 JUNG Carl Resposta a Jó Tradução do Pe Dom Mateus Ramalho Rocha Petrópolis Vozes 2011 p 130 6 FREUD Sigmund O malestar na civilização In Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud v XXI Tradução de Jayme Salomão Rio de Janeiro Imago 1974 p 90 Edição Standard Brasileira 7 Albert Einstein disse que embora fosse ateu era um homem profunda mente religiosos Saber que aquilo que para nós é impenetrável realmente existe e se RJLB Ano 6 2020 nº 6665 percepção do nãoser de Heráclito dessa hipótese não se mos trar maior que o ser o que torna palpável à possibilidade das formas materiais percebidas pelo homem não se mostrarem es senciais para a existência do divino A grande descoberta de Heráclito do uno como resultante dos contrários8 permite a superação das conclusões parciais mais tarde compreendidas como o movimento dialético de flui dificação dos conceitos Quando aplicada ao ser em contraposi ção ao nãoser essa forma de raciocínio dialético daria margem a uma modelagem do ser pelo que ele nãoé o que pode estar na raiz das compreensões modernas da religião sem um deus A inquietante hipótese de Heráclito do nãoser vista na astrofísica moderna na concepção da antimatéria condicionaria a existência ou mesmo a forma que a matéria existe no tempo e lugar onde está posta imagem que o filósofo antigo oferece na representação do fogo como elemento eterno na imagem de sa ída do fogo e retorno ao fogo Pontilhados esses dois fragmentos a concepção de He ráclito do Logos como lei da alma pode ser vista como o ele mento de ligação de todos os seres humanos apresentada ao mesmo tempo como lei universal que faz todos os indivíduos estarem interligados como um só corpo e como elemento co mum à humanidade presentes em cada indivíduo O logos de Heráclito funcionaria assim com os mesmos mecanismos dos símbolos junguianos9 Nesse raciocínio o nãoser se aproxima do conceito de vacuidade do budismo10 que permite a subtração do ser interior manifesta como a mais elevada sabedoria e a mais radiante beleza que nossas obtusas faculdades só conseguem compreender em suas formas mais primitivas esse conhe cimento esse sentimento está no âmago da verdadeira religiosidade Neste sentido e nesse sentido somente integro as fileiras dos homens devotos e religiosos DWOR KIN Ronald Religião sem Deus Harvard Harvard University Press 2013 p 45 8 ABAGGIANO op cit p 35 9 JUNG Carl O homem e seus símbolos Tradução de Maria Lúcia Pinho Rio de Janeiro Nova Fronteira 2008 p 83103 10 Surgido na Índia nos séculos VI e V aC o budismo inspirase no 666RJLB Ano 6 2020 nº 6 pela meditação que abdica da relação com o Ser transcendente Não podemos deixar de notar que o budismo não se trata pura mente de uma corrente filosófica posicionase como Religião embora não apresente no seu elemento constitutivo central a fi gura de um deus senão de um estado de iluminação que se de nomina de Buda बदध buddha É esse gancho da religião sem Deus que Dworkin toma para discutir a possibilidade de a Religião se tratar de uma cos movisão profunda e abrangente que necessariamente não tem no seu centro Deus como elemento pois a crença em um deus é apenas uma manifestação ou consequência possível dessa cos movisão11 Situase nessa perspectiva a possibilidade de que os ate ístas12 compartilhem alguns dos sentimentos religiosos dos teís tas que segundo Dworkin constituiriam elementos de uma fé comum Esse sentimento seria permissivo da infusão de valores ou normas éticas que levam os ateus a viverem bem e a experi mentarem as mesmas experiências espirituais que os religiosos O tema por demais é recorrente em Lacan nos seus seminários precisamente quando trata da morte de Deus para situar essa percepção no âmbito dos sentimentos que diz terem raiz sexual onde considera o vácuo vazio do órgão sexual feminino como representação da ausência divina na relação Ao comentar sobre o livro Moisés e o monoteísmo de ensinamento de Buda O tripitaka coleção tríplice cânone das Escrituras budistas contém as regras disciplinares dos monges os sermões de Buda e os fundamentos filosóficos e psicológicos O budismo afirma que todos os seres são sujeitos a um ciclo de reencarnação sucessivas O buda buddha é aquele que consegue livrarse desse ciclo para alcançar o nirvana o estado de libertação definitiva O budismo ignora a existência de um Deus único e não admite a noção de alma REEBER Michel Re ligiões Mais de 400 termos conceitos e idéias Tradução de Luiz Cavalcante Guerra Rio de Janeiro Ediouro 2002 p 56 11 DWORKIN op cit p 3 12 Milhões de pessoas que se consideram ateias têm convicções e experiên cias semelhantes às que os crentes entendem ser religiosas e tão profundas como es sas DWORKIN op cit p 4 RJLB Ano 6 2020 nº 6667 Freud13 escrito da sua fase final quando as reminiscências da crença judaicas de seus pais lhe tomaram a atenção Lacan se permite interpretar essa análise freudiana para situar Moisés numa atmosfera pagã onde o numinoso emerge em cada canto em cada passo e deixa um rastro ou faz surgir um memorial de modo a não ser preciso muito para se edificar o templo como local de culto Considera Lacan que o numinoso pupula e age por toda parte na existência humana tão abundante aliás que algo de dominação deve finalmente manifestarse por meio do homem que não se deixe transbordar14 A impressão freudiana de que em Moisés se encontra o trânsito da religião egípcia de Akhenaton do sol como centro da energia que se espalha pelo mundo e a centralização do Deus dos hebreus indica para Lacan que o fracasso da tentativa de unifi cação religiosa dos egípcios faria de Moisés o guardião da tocha dessa visão unificadora15 Por outro lado a visão de Moisés da sarça ardente quando o peregrino experimenta o momento numinoso adquire relevância pela forma de o Ser Supremo se identificar para o homem nascido das águas como Eu Sou o Que Sou Isso leva o psicanalista a fazer um percurso entre o Deus de Moisés e o Cristo na Cruz identificandoo com o percurso final do mono teísmo O numinoso seria uma experiência espiritual comum e teria para certo número de ateus quantificados por Dworkin como milhares de pessoas a mesma essência encontrada no ma ravilhamento ou contemplação de uma beleza natural que traria em si o sentimento presente na relação do teísta com o seu Deus 13 FREUD Sigmund Moisés e o monoteísmo In Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud Tradução de Jayme Salomão Rio de Janeiro Imago 1975 p 1971 Edição Standard Brasileira 14 LACAN Jacques O seminário A ética da psicanálise Livro 7 Texto esta belecido por JacquesAlaun Miller Tradução de Antônio Quinet Rio de Janeiro Zahar 2008 p 207 15 Idem p 208 668RJLB Ano 6 2020 nº 6 Nesse aspecto da experiência se poderia identificar um elo entre os nãocrentes e os crentes elemento que facilitaria o diálogo social dos dois grupos Entretanto a presente hipótese de com partilhamento exige a redução de Deus a um aspecto do senti mento pessoal do indivíduo religioso ou de seu grupo no culto coletivo como faz o ateu ao se extasiar com a beleza natural A identificação desse elemento transcendental ou trans natural que a psicanálise tentou reduzir a uma espécie de senti mento vulgar é apresentado como algo importante para a possi bilidade de ampliação do conceito de religião Dworkin chama a atenção para isso quando relata o julgamento da Suprema Corte americana no caso Torcaso vs Watkins 367 US 488 Nesse caso a Corte considera que os Estados Unidos da Amé rica reconhecera como religião diversas coletividades que não possuem a crença na existência de Deus incluindo no rol nos exemplos o humanismo secular16 Não sendo da essência da religião o reconhecimento da existência de Deus como exposto por Dworkin sob a autoridade de julgados de um tribunal constitucional o conceito de religião adentra naquele grupo de conceitos polissêmicos ou que ao me nos permitem o seu preenchimento com diversas concepções do mesmo fenômeno Esses conceitos polivalentes que o Direito parece coleci onar para fluidificar suas conclusões argumentativas uma vez que um argumento admite outro argumento e estes necessitam para se firmarem no contexto jurídico de ao menos um elemento comum que na multivisão de Dworkin aparece como referido na possibilidade de comunhão entre crentes teístas e crentes ateístas em torno da experiência profunda de manifestação do sentimento oceânico ou numinista que dissipa o vazio A experiência suprarracional que Dworkin apresenta como possível a um grupo significativo de ateus serviria como elemento amplificador do conceito de religião e não mais a 16 DWORKIN op cit p 6 RJLB Ano 6 2020 nº 6669 partir da base significante do termo religião na sua raiz judaico cristã17 Contudo essa amplificação do conceito que visa criar uma comunicação entre a liberdade de pensamento e de crença demanda cuidados que não se resolvem no senso prático de jul gamento de questões constitucionais porquanto não nos coloca diante de uma evidência algo que realmente fundamente essa forma de decidir Por outro lado é altamente questionável que o mesmo sentimento religioso esteja presente na experiência do ateu que ao observar uma beleza natural percebe em si a transcendência ou mesmo o preenchimento momentâneo de seu vazio interior Nesse aspecto a mera similaridade de sentimentos ou percep ções da consciência de uma realidade externa ao ser não indicam uma base sólida de identificação da experiência religiosa 3 A REALIDADE DA RELIGIÃO A percepção de Deus aparece para Paul Tillich na sua sistematização teológica na relação entre o ser finito e o ser 17 Não se pode deixar porém de apontar para a complexidade histórica que envolve o surgimento e a evolução do termo religio Embora tenhamos dito no pará grafo anterior que os antigos pensadores romanos ou gregos não disponham de uma noção ou conceito para exprimir a vivência que nas línguas modernas designase pelo termo religião não podemos esquecer que no caso dos gregos seu vocabulário dispunha de três termos muito marcantes cuja função era exprimir experiências não distantes do sentido moderno Na verdade havia um conjunto razoavelmente grande de termos religiosos derivados da raiz theo o deus o divino Mas três deles mere cem destaque 1 o primeiro é eusébeia que em Ésquilo por exemplo significa a disposição interior da piedade e o amor pelos deuses ou mesmo o amor filial 2 o segundo é threskéia no sentido mais exterior da prática religiosa o respeito pela di vindade por meio da observância externa 3 por fim theosóbeia que além de signi ficar a piedade no sentido da disposição interior de respeito pelo divino também sig nificava a pessoa religiosa ou a característica distintiva do religioso No caso dos ro manos tampouco seria justificável esquecer que é no sentido dado por Cícero à pa lavra religio na obra A natureza dos deuses II 28 que será retomado por autores cris tãos como Santo Agostinho 354430 e Lactâncio É também Cícero que distingue religio e superstitio superstição SAVIAN FILHO Juvenal Religião São Paulo Martins Fontes 2012 p 2627 670RJLB Ano 6 2020 nº 6 infinito que ele apresenta em dimensões que subsistem a do sentido de Deus e a da realidade de Deus A primeira niti damente apresenta um conteúdo fenomenológico e a segunda importa na compreensão de Deus como seremsi Tanto a teologia como a filosofia têm dificuldades de fa lar de Deus como realidade eis que nesse ponto de intersecção o ser de Deus predica algo além da sua essência e existência18 Identificar Deus com a essência universal panteísmo ou quali ficar sua existência como a de um Ser Supremo deísmo resulta no erro de eliminar sua transcendência em prol de uma experi ência existencial Na tentativa de sustentar que Deus está além de sua es sência ou existência Tomás de Aquino acaba por distinguir os dois tipos de existência uma que é igual à essência e a que não é unindo duas tradições do pensamento antigo É sobre essa base que Tillich procura entender Deus como ser com a de monstração de que Deus é um seremsi não um ser com apa rência exterior Deus transcende todo ser e a totalidade dos seres o mundo19 Adentrando ao âmago desse realismo Tillich passa a apresentar Deus como o fundamento do serhumano que não o sujeita ou conforma e que não muda a consciência de Deus Em suas palavras Deus não está sujeito a essa estrutura a estrutura se fundamenta nele Ele é essa estrutura É preciso apreender Deus cognitiva mente através dos elementos estruturais do seremsi Estes elementos o tornam um Deus vivo um Deus que pode ser a preocupação concreta do ser humano Eles nos capacitam a usar símbolos dos quais sabemos que apontam para o funda mento da realidade20 Com essa inferência a concepção de Deus se apresenta como um seremsi ao revelálo como uma realidade concreta 18 TILLICH Paul Teologia sistemática Tradução de Getúlio Bartelli e Ge raldo Korndörfer São Leopoldo Sinodal 2005 p 243 19 TILLICH op cit p 243 20 TILLICH op cit p 245 RJLB Ano 6 2020 nº 6671 com a qual o ser finito pode debulhar as suas últimas preocupa ções e que permite observar as verdadeiras características da época em que vivemos ao nos depararmos com a existência em si de uma realidade com a qual nos relacionamos porém com uma percepção superficial ou imperfeita dessa realidade21 Tratandose Deus de um seremsi uma realidade que in clui o serinfinito e a totalidade de todos os seres o fenômeno que se desenha a partir das relações com essa realidade passa a se denominar de religioso no sentido de religare o que predica alguns aspectos do culto religioso e suas liturgias Isso pode ser visto no esforço humano de se relacionar com Deus compreen dida essa relação como uma espécie de exercício e não como projeção subjetiva do ser finito Com isso emerge a discussão da ausência de provas da existência de Deus ou seja não sendo possível comprovar sua existência como seremsi essa hipótese não passaria de uma especulação ou probabilidade Todavia a negação de Deus que corresponde a classificar Deus como um nãoser incapaz de constituir a realidade concreta reduz o argumento da impossibi lidade de comprovação de sua existência a um solipsismo que não reconhece outra realidade senão o próprio eu Do mesmo modo não pode comprovar que Deus não exista o que sobreleva os limites do conhecimento humano22 Sendo Deus uma realidade a relação que o homem esta belece como Ele passa a ser notada como uma atitude religiosa e não propriamente como um objeto de uma investigação cientí fica Somente nesse aspecto Deus pode ser a preocupação úl tima que não depende do sentimento interior daquele que o 21 BUBER Martin Op Cit p 16 22 Na Modernidade e no Iluminismo dado a influência de novos fatores e as novas racionalidades empiristas e racionalistas houve uma mudança na antropologia filosófica pois então os filósofos puseram em destaque os limites e as possibilidades do conhecimento humano Operouse com isso outra inversão não são mais as coisas que determinam aquilo que o ser humano pode conhecer mas é o sujeito do conheci mento que delimita o seu campo de investigação SAVIAN FILHO op cit p 41 672RJLB Ano 6 2020 nº 6 cultua da emanação ou não de uma emoção do êxtase da ado ração ou de qualquer outra subjetividade nem mesmo de sua to tal compreensão demanda apenas a crença A relação religiosa portanto tem aspectos racionais de uma relação consciente com aquilo em que se crê real e por tanto torna necessária certa percepção da realidade exterior É um tipo de relação que Buber qualifica de Eu e Tu e que possi bilita o encontro mas que prefiro entender como de Tu e Eu pois o eu não se apresenta como o centro dessa relação23 A religião como lugar de encontro como o espaço do entre o Tu e o Eu possui podemos assim dizer sua própria essência algo que se comunica com todas as possibilidades de religião mesmo aquelas que não tenham presente na sua centra lidade Deus Essa essência é aquilo que se comunica objetivamente e portanto não pode ser um sentimento interior de elevação espi ritual ou mesmo a elaboração de um conceito racional ou esté tico nem mesmo uma mera percepção da consciência indivi dual É nesse ponto que aparenta controversa a afirmação de que possam existir ateus religiosos24 considerando que a negação da existência de um deus de um espírito ou mesmo de uma es sência os afastam da religião tornandoo essencialmente antir religioso 4 O OBJETO DA LIBERDADE RELIGIOSA Ronald Dworkin ao apresentar a questão como um 23 BUBER Martin Eu e tu Tradução de Newton Aquiles von Zubem São Paulo Centauro 2001 p 2734 24 O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta se mos tra como algo absolutamente diferente do profano A fim de indicarmos o ato da ma nifestação do sagrado propusemos o termo hierofania Este termo é cômodo pois não implica nenhuma precisão suplementar exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico a saber algo de sagrado se nos revela MIRCEA Eliade O sagrado e o profano A essência das religiões Tradução de Rogério Fernandes São Paulo Martins Fontes 2012 p 17 RJLB Ano 6 2020 nº 6673 desafio constitucional tendo como ignição a possibilidade de expansão do sentido de religião indaga se Deus é o único tema da liberdade religiosa e se essa liberdade é tão ampla que não possui controle As questões tidas por ele como essenciais para a aborda gem da liberdade religiosa são precisamente colocadas após ex planar sobre a presença da liberdade em documentos internacio nais a partir das Declarações de Direitos Humanos e nas Consti tuições modernas indagando 1 Será que para esses documen tos religião significa apenas opiniões sobre a existência ou na tureza de um deus 2 Ou será que inclui todas as convicções religiosas inclusive aquelas que caso eu tenha razão um ateu pode sustentar O autor angloamericano aponta a possibilidade de supe ração do direito fundamental que chama de especial proteção da liberdade religiosa propondo que essa abordagem se dê no âmbito da proteção ética geral de uma independência ética que na Constituição brasileira aparece na disposição de que ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão por força de lei Resume sua proposta do seguinte modo Os problemas que encontramos para definir a liberdade re ligiosa decorrem da tentativa de conservar esse direito como direito especial e ao mesmo tempo fazer uma separação da religião da ideia de deus Talvez devamos considerar a possi bilidade de abandonar a ideia de um direito especial à liberdade religiosa com o alto grau de proteção oferecido por ele e a con sequente necessidade cogente de que tenha limites rigorosos e cuidadosamente definidos Devemos em vez disso tentar apli car à matéria tradicional desse suposto direito somente o direito mais geral à independência ética A diferença entre as duas abordagens é importante O direito especial fixa nossa atenção no tema em questão ou seja o direito especial à liberdade re ligiosa declara que o Estado não deve coibir de maneira ne nhuma o exercício da religião exceto em caso extraordinário de emergência O direito geral à independência ética pelo con trário chama a nossa atenção para a relação entre o Estado e 674RJLB Ano 6 2020 nº 6 os cidadãos limita as razões que o governo pode oferecer para coibir de qualquer forma que seja a liberdade do cidadão num sentido geral25 A partir dessa abordagem Dworkin não descuidando que a liberdade religiosa se constitui um direito à parte que ao ser alargado poderia incluir a religiosidade ateia propõese a abordar a questão sob o ponto de vista da moral política Advoga uma supressão da proteção especial da liberdade religiosa por considerar que o tema religioso serviria para obstaculizar outros direitos de igual liberdade dos cidadãos ateus que contribuem através de seus impostos para o funcionamento do Estado Com outro olhar o tema surge também em Boaventura Santos26 na constatação de que no início do século XXI as re ligiões e a teologia estão de volta mas cético de que Deus tam bém esteja de retorno embora pense possível o diálogo das teo logias progressistas com os direitos humanos As indagações que perfilham uma igual liberdade de to dos podem ser colocadas de outro modo considerando aqui a possibilidade de que o observador esteja em outro ponto da linha de passagem da locomotiva e de seus vagões27 No malestar com a proteção especial da liberdade religiosa que na ótica jusfilosófica diferenciaria indivíduos do mesmo estrado social Dworkin busca na verdade retirar os conteúdos religiosos de debates como os da descriminalização da prática do aborto e ou tros temas que tocam essa margem que em último grau perfi lham a exclusão do ambiente público das opiniões religiosas e ao fim e ao cabo das próprias organizações religiosas Mas no momento o ponto central que pretendo realçar se encontra na relação entre a sociedadepovo como a totalidade 25 DWORKIN opcit p 112113 26 SANTOS Boaventura Souza Se Deus fosse um activista dos direitos hu manos Coimbra Almedina 2017 p 104 27 Trattner escrevendo sobre a teoria da relatividade de Einstein afirma que a diferença depende do objeto que se toma para ponto de referência TRATTNER Ernest B Arquiteto de ideias As grandes teorias da humanidade Tradução de Leonel Vallandro Rio de Janeiro Editora Globo 1954 p 351 RJLB Ano 6 2020 nº 6675 dos indivíduos que constituem o Estado como o promotor da igual liberdade que exige segundo o próprio Dworkin boas ra zões para restringir direitos Existindo nesse âmbito do Estado constituído um núcleo moral que se expressa na independên cia ética seria possível expungir os conteúdos de sua formação para se estabelecer novos parâmetros de proteção de direitos fun damentais No caso de não existir esse núcleo moral a lei como instrumento do Estado é que estabeleceria os parâmetros da in dependência ética Por fim o Estado no exercício dos seus li mitados poderes constitucionais pode suprimir do núcleo moral da Constituição o especial direito de liberdade religiosa Pois bem Uma coisa é alargar o âmbito de proteção de um direito para alcançar outras situações que aparentemente se amoldariam ao conceito de religião como fez a Corte americana ao dizer que ateuspacifistas poderiam se escusar da convocação militar de igual modo que os religiosos com fundamento na sua crença outra hipótese é suprimir a liberdade religiosa pelos sim ples fato de que eventuais conteúdos morais das religiões majo ritárias possam interferir na igual liberdade de todos com a pro ibição do aborto por exemplo No Brasil em caso recente quando se discutiu a pesquisa com célulastronco e o descarte de embriões ADI 35100DF as opiniões religiosas não impediram o Supremo Tribunal Fede ral de dizer que a utilização de material genético não viola o di reito à vida28 particularmente nesse caso adotando uma 28 A exministra Ellen Gracie na sua declaração de voto assim se expressou mesmo que não adotada a concepção acima comentada que demonstra a distin ção entre a condição do préembrião massa indiferenciada de células da qual um ser humano pode ou não emergir e do embrião propriamente dito unidade biológica detentora de vida humana individualizada destaco a plena aplicabilidade no presente caso do princípio utilitarista segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o mínimo de sacrifício possível O aproveitamento nas pesquisas cientí ficas com célulastronco dos embriões gerados no procedimento de reprodução hu mana assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos Voto na ADI 3510 disponível em httpswwwstfjusbrarquivocmsnoticiaNotici aStfanexoadi3510EGpdf 676RJLB Ano 6 2020 nº 6 interpretação religiosa do fenômeno da vida em contraposição à atitude religiosa daqueles que defendiam a existência da vida a partir da concepção embrionária mesmo in vitro criando a es tranha figura jurídica do quaseembrião Situações paradoxais como essa demonstram que o argu mento em favor da revogação do direito especial da liberdade religiosa na verdade se constitui na tentativa de exclusão da par ticipação do indivíduo religioso da esfera pública o que indica a possibilidade da própria supressão da liberdade o que leva Dworkin a fazer uma prece final no artigo que trata sobre as novas guerras religiosas em favor dessa hipótese O contraste exposto nos permite nessa quadra conside rar qual é o objeto de proteção da liberdade religiosa que sabi damente se espraia para diversos espaços do direito constitucio nal da liberdade ou em termos mais consentâneos ao momento que vivemos de indagar qual é a função da religião no sistema constitucional29 com breve incursão na teoria funcional O funcionalismo com seus possíveis desdobramentos não exclui outras abordagens sobre a utilidade das religiões A função é apenas uma das formas de abordar a questão sob o ponto de vista do observador o que nos leva a indagar quem é de fato o observador e sob qual ângulo ele observa e perquire sobre o objeto de sua preocupação Na visão de um observador interno essa função se apresenta sob certa perspectiva contudo em se tratando de um observador externo essa atividade pode levar a uma diversidade de funções aparentemente corretas Não é por menos que tentar delimitar a função da religião no sistema constitucional oferece tantas dificuldades como pro curar por um conceito ou definição jurídica de religião30 embora 29 LUHMANN Niklas La religión de la sociedad Tradução de Luciano Eli zaincín Madrid Editorial Trotta 2007 30 Refletindo sobre a posição das religiões no mundo pósmoderno Cupitt ex põe que não obstante as pessoas alegam ser possível preservar algo de nossa fé e dos nossos valores tradicionais nestas novas estranhas condições A religião nos prometeram pode e deve sobreviver 1 na forma de valores ou 2 nos ambientes RJLB Ano 6 2020 nº 6677 para essa última operação se possa dualizar a resposta predi cando um conceito restrito e outro ampliativo como procedeu Dworkin ao incluir na definição o ateísmo como uma religião o que definitivamente não é Como ressalta Luhmann31 a concepção apresentada por Durkheim de que a religião teria como escopo possibilitar a cri ação da solidariedade ou fraternidade de integração moral ou mesmo a pacificação social aparenta não ser conciliável com seu conteúdo potencialmente conflitivo32 Porém essa dificuldade não encaminha a análise para o ponto de identificação comum de todas as religiões e mesmo da queles grupos ou movimentos que não sejam propriamente con siderados religiosos como faz Dworkin advogando o senti mento numinoso como elo dessas experiências uma vez que não consegue dividir bem a atitude religiosa daquela que denomina não religiosa acabando no paradoxo de não considerar a crença em Deus como uma atitude religiosa Esse pretendido ponto de ligação que Eliade aborda a partir da concepção de Otto Rudolf aponta para uma total im potência ou sujeição do humano em relação ao divino A isso privados ou domésticos ou 3 dento da subjetividade individual ou 4 em último recurso como uma contracultura CUPITT Don Depois de Deus O futuro da reli gião Tradução de Talita M Rodrigues Rio de Janeiro Rocco 1999 p 910 31 Para Luhmann a interpretação na teoria dos sistemas parte do conceito de comunicação e está sempre ligada a uma teoria da ação A análise sistêmica parte do pressuposto de que a sociedade apresenta as características de um sistema permi tido a compreensão dos fenômenos sociais através dos laços de interdependência que os unem e os constituem numa totalidade ROCHA Leonel S LUHMANN Niklas 19271998 In BARRETO Vicente de Paula coord Dicionário de Filosofia do Di reito Rio de Janeiro Renovar 2009 p 550551 32 Con este presupuesto se tienen posibilidades restringidas de elección La tesis de Durkheim de que la religión posee una función de creación de solidaridad de integración moral apenas si es defendida hoy en día La religión pertenece por lo contrario a las fuentes de conflicto primarias y esto no solamente en la sociedad mo derna Quizás la tesis sea sostenible exclusivamente para sociedades tribales que re primen el conflicto pero entonces la especificación funcional con su típica potencia ción de la experiencia y comunicación religiosa sabotearía esta función de la religión LUHMANN op cit p 106 678RJLB Ano 6 2020 nº 6 Rudolf caracterizou como uma experiência de temor ou em suas palavras um sentimento de pavor o que teria levado o homem antigo a viver o mais próximo possível do sagrado am biente que via como a fonte do poder de participar da realidade33 O sentimento de pertencimento ou inclusão no poder que emana do sagrado na experiência numinosa entretanto não pode ser visto como o conteúdo do direito da liberdade religiosa nem mesmo no significado dado a ela como um direito especial de liberdade Fosse apenas esse o conteúdo de tal liberdade bas taria ao Estado se abster de interferir em qualquer setor religioso da sociedade para garantir a efetividade desse direito ou mesmo de optar por uma religião e erradicar as demais Todavia quanto à primeira hipótese de total neutrali dade devemos considerar que o Estado Moderno se encontra em transição num movimento de afastamento do seu núcleo sa grado distanciandose daquele ponto inicial em que as duas for mas de poder se confundiam onde Estado e Religião eram uma só coisa onde o soberano era deus ou enviado dos deuses ou ungido de Deus Assim podese identificar uma função possível das reli giões nesse processo de afastamento do Estado de seu núcleo sagrado que modernamente se apresenta como laicismo função que se mostra justamente como a de as religiões servirem de antítese à atitude antirreligiosa do Estado o que resulta de um contrassenso como aquele expresso por Lefort que a pretexto de erradicar os temas religiosos da filosofia acaba defendendo a religião como fonte de valores culturais e éticos34 Não havendo como negar esse papel das religiões no es paço público a sua presença na conformação do Estado por mais que se tente dessacralizar seus conteúdos tornam os pres supostos da moral religiosa uma fronteira de limite à laicização 33 ELIADE Mirceia O sagrado e o profano A essência das religiões Tradu ção de Rogério Fernandes São Paulo Martins Fontes 2012 p 1516 34 SAVIAN FILHO op cit p 53 RJLB Ano 6 2020 nº 6679 que impede o exercício absoluto do poder racional contra os pressupostos culturais e éticos da sociedade que o constitui Joseph Ratzinger no seu debate com Habermas sobre a Dialética da Secularização chama a atenção para o fato de que existe uma hybris da razão que não é mais perigosa por causa de sua eficiência poten cial é até mais ameaçadora pois produz a bomba atômica e enxerga o ser humano como um mero produto Por isso se faz necessário que a razão também seja levada a reconhecer seus limites e a aprender com as grandes tradições religiosas da hu manidade35 A proteção especial da liberdade religiosa nesse con texto decorre da necessidade de o próprio Estado preservar seu núcleo moral mínimo provindo do fundamento religioso majo ritário na sociedade o que limita a possibilidade de que se adote políticas ou atos não justificados racionalmente mesmo que esse núcleo moral compreensivamente esteja interiorizado nas nor mas como pretendera Hart o que parece não ser a visão de Dworkin 5 A FUNÇÃO DELIMITADORA DAS RELIGIÕES Comecei esse texto transitando entre questões religiosas e não religiosas que aparecem como pano de fundo da estrutu ração do pensamento de que a religião pode existir sem Deus e Deus sem a religião o que para setores do pensamento jurídico permitiria uma elasticidade do conceito de religião do âmbito de proteção do direito de liberdade religiosa para abarcar tam bém os ateus protegendo a não crença com os mesmos direitos de liberdade dos religiosos Evidente que em alguns aspectos essa proteção é inegá vel como por exemplo quanto à impossibilidade de diminuição 35 RATZINGER Joseph O que mantém o mundo unido Fundamentos morais prépolíticos de um Estado Liberal In HABERMAS Jüngen RATZINGER Joseph Dialética da Secularização Sobre razão e religião Tradução de Algredo Keller Apa recida Ideias e Letras 2007 p 88 680RJLB Ano 6 2020 nº 6 do valor social do indivíduo que não crê em Deus a uma subca tegoria de pessoas o que promove um dever de tolerância Con tudo essa proteção não se situa propriamente no âmbito da li berdade religiosa subjetiva antes se encontra posta no direito à igualdade substancial e à liberdade de consciência que se alarga para incluir a liberdade de não crer A proteção da liberdade religiosa nas constituições mo dernas como uma liberdade especial tem uma distinção clara e marcante da liberdade de consciência que emana no direito de livre expressão de ideias ou opiniões Nesse ponto a moderni dade transigiu com elementos medievais no aspecto tratado por Scheler de virtudes que se apresentam como força de uma ética guerreira ou na construção de Zigmund Baumer que permite essa distinção localizada na solidez de um direito antípoda da quele montado na modernidade líquida O Estado necessita da preservação desse núcleo virtuoso para se legitimar diante da sociedade que o constitui o que ex plica a existência de Estados sem constituição escrita como forma de existir anterior ao surgimento desses documentos de que a Constituição dos Estados Unidos da América se tornou pi oneira Esse núcleo essencial virtuoso é visto com estranha mento na atualidade A virtude se apresenta no imaginário con temporâneo como a velha solteirona sem dentes com a pele em palidecida pelo tempo A sua essência entretanto não tem nada de ultrapassada ou superada a falência do positivismo jurídico puro denotou essa essencialidade com todo o vigor de uma nova juventude Mesmo naquele pensado sistema admitirseia a possibi lidade de lacunas no ordenamento positivo a que caberia ao apli cadorintérprete da norma resolver com recursos regulados para somente como última possibilidade recorrer aos chamados princípios gerais do direito que redundou na indagação do Gi orgio del Vechio sobre a interioridade ou exterioridade desses RJLB Ano 6 2020 nº 6681 princípios36 A existência de um núcleo de valores préconstituintes ou que existam independentemente das normas positivadas e sua função jurídica coloca em posições antagônicas correntes do pensamento jurídico da modernidade Contudo nas suas sínteses possíveis essas questões trazem uma dialética que antepõe a possibilidade de transformar a sociedade através de leis produ toras de conteúdos éticos e da ética religiosa existente na soci edade condicionar a produção dessas leis costumes Em ambas as possibilidades o núcleo moral se encontra presente seja na pretensão de ser alterado pela produção de leis que não se conformam com sua prevalência como no caso de aprovação de uma lei que descriminalize a prática do aborto e contraponha a crença da maioria social na sacralidade da vida intrauterina seja também quando esse mesmo núcleo moral im pede que tal lei seja aprovada Considerese aqui a demonstração de Habermas de que a legalidade pode receber sua legitimidade de procedimento de grande valor moral em que argumentos morais são instituciona lizados através de instrumentos jurídicos37 como na própria Constituição Tal fato se encontra na raiz do argumento do dever ético de preservar a vida a liberdade e outros valores consentâ neos que fundamentam a existência do Estado Como argumenta Habermas essa ética quando o Estado toma a si o poder de le gislar desconectase do seu fundamento religioso e se torna uma ética profana pósmetafisica e desligada da imagem do mundo38 Esse reflexo permite a percepção de que o afastamento do sagrado gerou uma alteração da consciência moral nas socie dades modernas em que as religiões se afastaram do núcleo de 36 DEL VECHIO Giorgio Los principios generales del Derecho Traducción por Juan Ossorio Morales Barcelona Bosch 1978 p 4149 37 HABERMAS Jüngen Direito e Moral Tradução de Sandra Lippert Lis boa Piaget 1999 p 15 38 HABERMAS op cit p 102103 682RJLB Ano 6 2020 nº 6 poder estatal A moral empobrecida que passou a se insular nas leis tornando o aparato legal um instrumento de limitação dos elementos sólidos da moral religiosa ou dito de outro modo a permitir condutas que não se mostram compatíveis com a moral religiosa resulta da atividade legislativa do Estado ou do con trole judicial de constitucionalidade dessas mesmas normas O fato é que a opção por uma moral dúctil relativa aco moda algumas possibilidades daqueles que não praticam qual quer religião assentirem com a dominação de suas liberdades pelo Estado sob o ponto de vista de sua função como regulador da ética social Sem embargo coloca em conflito a atitude reli giosa com essas possibilidades areligiosas Não se discute que a sociedade como a totalidade de seus indivíduos não é uma realidade homogênea nela se situa a pluralidade de pessoas que individualmente possuem suas pró prias concepções morais ou mesmo as que não as possuem A relação entre essas concepções individuais no entanto é perce bida no âmbito da formação de maiorias em torno de ideias que se tornam comuns consensos o que as religiões permitem em maior medida que outras instituições sociais Desse modo a questão não mais se encontra entre o sagrado e o profano des locase para o embate entre maiorias e minorias nas novas guer ras religiosas elementos que fomentam a desconstrução do cha mado controle contramajoritário pelos tribunais constitucionais Deixando ao lado a discussão do dever do Estado de pro mover certa proteção aos direitos das minorias sobre o que exis tem alguns consensos a questão que se apresenta na janela de Overton é dos limites dessa atividade antidemocrática princi palmente quando se recorre à optimização de princípios que não são extraídos prima facie do texto das normas constitucionais positivadas A tese substancialista de Dworkin de supressão da prote ção especial da liberdade religiosa das normas constitucionais dos Estados Modernos tem justamente em voga essa questão RJLB Ano 6 2020 nº 6683 central ou seja a possibilidade de que em nome da igualdade substancial se altere os comportamentos morais da maioria atra vés de leis ou decisões contramajoritárias na busca de uma ce dência ou concordância com as atitudes ou práticas minoritárias e em último grau de uma celebração dessas práticas Nesse modo de abordar a questão a insistente presença das fontes morais da religião no espaço de debate público funci ona queiram ou não os que as desconsideram como delimita doras da efetivação de direitos que pretensamente promovem a igualdade entre desiguais o que prenuncia o retorno teológico para o debate político Essa é uma das muitas funções que as religiões apresentam no atual sistema constitucional a de prover a contenção de atividades contramajoritárias e impedir o totali tarismo racional REFERÊNCIAS ABBAGNANO Nicola História da Filosofia v 1 Tradução de Antônio Borges Coelho Franco de Sousa e Manuel Patrício Lisboa Editorial Presença 1976 BUBER Martin Eu e tu Tradução de Newton Aquiles von Zu bem São Paulo Centauro 2001 BUBER Martin Eclipse de Deus Considerações sobre a rela ção entre religião e filosofia Tradução de Carlos Al meida Pereira Campinas Verus 2007 CUPITT Don Depois de Deus O futuro da religião Tradução de Talita M Rodrigues Rio de Janeiro Rocco 1999 DEL VECHIO Giorgio Los principios generales del Derecho Traducción por Juan Ossorio Morales Barcelona Bosch 1978 DWORKIN Ronald Religião sem Deus Harvard Harvard 684RJLB Ano 6 2020 nº 6 University Press 2013 ELIADE Mirceia O sagrado e o profano A essência das reli giões Tradução de Rogério Fernandes São Paulo Mar tins Fontes 2012 FREUD Sigmund Moisés e o monoteísmo In Obras psicoló gicas completas de Sigmund Freud Tradução de Jayme Salomão Rio de Janeiro Imago 1975 p 1971 FREUD Sigmund O malestar na civilização In Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud v XXI Tradução de Jayme Salomão Rio de Janeiro Imago 1974 p 90 Edição Standard Brasileira HABERMAS Jüngen Direito e moral Tradução de Sandra Li ppert Lisboa Piaget 1999 JUNG Carl O homem e seus símbolos Tradução de Maria Lú cia Pinho Rio de Janeiro Nova Fronteira 2008 JUNG Carl Resposta a Jó Tradução do Pe Dom Mateus Ra malho Rocha Petrópolis Vozes 2011 KEPEL Gilles A revanche de Deus Tradução de Smith Caldas São Paulo Siciliano 1991 LACAN Jacques O seminário A ética da psicanálise Livro 7 Texto estabelecido por JacquesAlaun Miller Tradução de Antônio Quinet Rio de Janeiro Zahar 2008 LUHMANN Niklas La religión de la sociedad Tradução de Luciano Elizaincín Madrid Editorial Trotta 2007 MIRCEA Eliade O sagrado e o profano A essência das religi ões Tradução de Rogério Fernandes São Paulo Martins Fontes 2012 RATZINGER Joseph O que mantém o mundo unido Funda mentos morais prépolíticos de um Estado Liberal In HABERMAS Jüngen RATZINGER Joseph Dialética da Secularização Sobre razão e religião Tradução de Algredo Keller Aparecida Ideias e Letras 2007 p 59 87 REEBER Michel Religiões Mais de 400 termos conceitos e RJLB Ano 6 2020 nº 6685 idéias Tradução de Luiz Cavalcante Guerra Rio de Ja neiro Ediouro 2002 ROCHA Leonel S LUHMANN Niklas 19271998 In BAR RETO Vicente de Paula coord Dicionário de Filoso fia do Direito Rio de Janeiro Renovar 2009 SANTOS Boaventura Souza Se Deus fosse um activista dos di reitos humanos Coimbra Almedina 2017 SAVIAN FILHO Juvenal Religião São Paulo Martins Fontes 2012 TILLICH Paul Teologia sistemática Tradução de Getúlio Bar telli e Geraldo Korndörfer São Leopoldo Sinodal 2005 TRATTNER Ernest B Arquiteto de ideias As grandes teorias da humanidade Tradução de Leonel Vallandro Rio de Janeiro Editora Globo 1954 ZIMMER Rudi Apresentação In Antigo Testamento poli glota hebraico grego português inglês São Paulo Vida Nova Sociedade Bíblica do Brasil 2003 RELIGIÃO SEM DEUS DEUS SEM RELIGIÃO Referência Bibliográfica BOAS Jeronymo Pedro Villas Religião sem Deus Deus sem Religião In RJLB v 6 n 6 pag 661685 2020 RESEHA DESCRITIVA INTRODUÇÃO O artigo Religião sem Deus Deus sem religião de Jeronymo Pedro Villas Boas é uma análise crítica da evolução das noções de religião e divindade em uma geração marcada pela globalização e multiculturalismo desafiando a visão tradicional de que a religiosidade implica crença em um deus Através do diálogo com pensadores como Dworkin Feuerbach e Boaventura o texto propõe uma compreensão expandida da religião que inclui o ateísmo religioso explorando o papel das religiões na promoção da liberdade religiosa proteção dos direitos humanos e sua influência na esfera pública Villas Boas convida à reflexão sobre a experiência religiosa e o papel das religiões na sociedade contemporânea oferecendo uma perspectiva inovadora sobre a secularização e a coexistência em uma sociedade plural I A EXPERIENCIA RELIGIOSA O tópico A Experiência Religiosa do texto de Jeronymo Pedro Villas Boas aborda a complexidade e profundidade da vivência religiosa humana destacando a busca incessante por um sentido maior de existência e a tentativa de preencher um vazio existencial intrínseco ao ser humano Esta busca por completude e sentido é apresentada como um tema recorrente e essencial nas tradições filosóficas e religiosas ao longo da história ilustrada pela análise da figura bíblica de Jó e a interpretação de Carl Jung sobre a experiência de Jó como um diálogo transformador com o divino que Jung entende como um arquétipo necessário na psique humana O texto avança na discussão sobre a natureza da experiência religiosa questionando a necessidade de uma relação direta com um Deus personificado para que essa experiência seja considerada genuína Neste contexto Ronald Dworkin é citado por sua ideia de ateísmo religioso sugerindo que a essência da religiosidade pode transcender a crença em um Deus específico conforme ilustrado pela afirmação de Einstein sobre sua própria religiosidade desvinculada da crença em um deus pessoal Essa perspectiva abre caminho para uma compreensão da religiosidade como uma abertura para experiências de transcendência e maravilhamento diante do universo que não se limitam à adoração de uma entidade divina O tópico também explora a intersecção entre religião e psicanálise com referências a Freud e Lacan para discutir como a religião e a espiritualidade podem ser interpretadas através da lente da psicanálise A análise foca na interiorização da fé e seu impacto na construção da identidade pessoal bem como na forma como a religião pode atuar como um mecanismo para lidar com angústias existenciais e proporcionar um sentido de ordem e propósito na vida Além disso o autor reflete sobre o papel social e cultural da religião destacando como ela pode conectar indivíduos a uma comunidade mais ampla de crentes oferecendo um senso de pertencimento e propósito compartilhado Essa capacidade de unir pessoas em torno de valores e crenças comuns é enfatizada como um dos aspectos mais poderosos e significativos da experiência religiosa Em síntese o tópico A Experiência Religiosa propõe uma reflexão profunda sobre a natureza da religiosidade argumentando que a experiência religiosa vai além da crença em uma divindade específica e se enraíza em questões fundamentais de existência identidade e a busca por conexão com o transcendente Ao fazer isso o texto desafia concepções tradicionais de religião e espiritualidade sugerindo uma visão mais ampla e inclusiva da experiência religiosa humana II A REALIDADE DA RELIGIAO No segundo tópico A Realidade da Religião o autor aborda a complexa questão da essência e da existência de Deus explorando como diferentes tradições filosóficas e teológicas tentam compreender e comunicar a realidade divina A discussão começa com a distinção entre o sentido de Deus e a realidade de Deus sugerindo que enquanto o primeiro pode ser abordado fenomenologicamente o segundo desafia a compreensão humana situando Deus além da essência e da existência como as conhecemos O texto destaca as dificuldades enfrentadas tanto pela teologia quanto pela filosofia ao tentar falar de Deus como uma realidade concreta apontando para o risco de reduzir a transcendência divina a conceitos humanos limitados como o panteísmo ou o deísmo A discussão avança para a contribuição de Tomás de Aquino que tentou superar essa dicotomia ao distinguir entre tipos de existência e a visão de Paul Tillich para quem Deus é o serem si fundamentando e transcendendo toda a realidade O autor argumenta que embora Deus possa ser entendido como um seremsi que não está sujeito às limitações humanas essa compreensão exige uma abordagem simbólica que reconheça os limites da linguagem e do pensamento humano Isso leva à ideia de que a relação religiosa não é meramente subjetiva ou emocional mas baseiase na crença em uma realidade que transcende a compreensão humana A discussão se aprofunda na questão da impossibilidade de provar a existência de Deus sugerindo que tanto a afirmação quanto a negação da existência divina enfrentam limites epistemológicos O texto sugere que apesar dessas limitações a experiência e a crença religiosa desempenham um papel fundamental na vida humana oferecendo uma forma de engajamento com a realidade última que vai além da racionalidade e da evidência empírica Em resumo o tópico A Realidade da Religião explora a tensão entre a busca humana por compreender a realidade divina e os limites inerentes a essa busca Ao fazêlo o autor convida os leitores a refletir sobre a natureza da fé e da experiência religiosa sugerindo que a religião oferece uma forma única de acesso a uma realidade que transcende a compreensão humana ordinária fundamentandose na crença em um seremsi que é ao mesmo tempo imanente e transcendente III O OBJETO DA LIBERDADE RELIGIOSA O texto aborda a complexa questão da liberdade religiosa sob a perspectiva de Ronald Dworkin que questiona se a definição de religião nos documentos internacionais e constituições modernas se limita apenas a crenças sobre a existência ou natureza de um deus ou se abrange também convicções que até um ateu poderia sustentar Dworkin propõe a ideia de que talvez seja necessário reconsiderar a noção de um direito especial à liberdade religiosa sugerindo que a questão deveria ser tratada dentro do contexto mais amplo da independência ética um conceito presente por exemplo na Constituição brasileira Ele argumenta que a tentativa de manter a liberdade religiosa como um direito especial ao mesmo tempo tentando separar religião da ideia de deus gera problemas na definição desse direito Dworkin sugere que em vez de manter um direito especial à liberdade religiosa com todas as proteções e limites rigorosos que isso implica poderia ser mais produtivo aplicar o conceito de independência ética à questão focando na relação entre o Estado e os cidadãos e limitando as razões pelas quais o governo pode restringir a liberdade dos cidadãos de forma geral O texto também menciona Boaventura Santos e sua observação de que no início do século XXI as religiões e a teologia estão retornando à proeminência embora ele seja cético quanto ao retorno de Deus Este ponto de vista abre um diálogo entre teologias progressistas e direitos humanos Além disso o texto discute a tensão entre a proteção especial da liberdade religiosa e a igualdade de liberdade para todos os cidadãos incluindo ateus Dworkin argumenta que a proteção especial da liberdade religiosa pode em alguns casos obstruir outros direitos como no debate sobre a descriminalização do aborto sugerindo que a presença de conteúdos religiosos em debates públicos pode levar à exclusão das opiniões e organizações religiosas do espaço público Finalmente o texto questiona qual deveria ser o objeto de proteção da liberdade religiosa e qual a função da religião no sistema constitucional Aborda a possibilidade de que as religiões atuem como uma antítese à atitude antirreligiosa do Estado preservando um núcleo ético mínimo na sociedade que limita a secularização e a racionalização absolutas do Estado Joseph Ratzinger é citado destacando a necessidade de a razão reconhecer seus limites e aprender com as tradições religiosas da humanidade sugerindo que a proteção especial da liberdade religiosa serve para preservar o núcleo moral essencial da sociedade IV A FUNÇÃO DELIMITADORA DAS RELIGIOES O texto discute a complexa relação entre religião ateísmo e liberdade religiosa no contexto jurídico e social contemporâneo O autor começa refletindo sobre como o conceito de religião pode ser expandido para incluir não apenas os crentes em Deus mas também os ateus oferecendo a estes últimos proteção sob o direito de liberdade religiosa Essa abordagem sugere uma elasticidade do conceito de religião que transcende a crença em uma divindade abarcando a liberdade de não crer como parte da liberdade de consciência e igualdade substancial O texto argumenta que apesar da proteção inegável à liberdade de não crer a liberdade religiosa como concebida nas constituições modernas é distinta da liberdade de consciência Esta distinção é contextualizada na transição da modernidade que carrega elementos medievais de uma ética guerreira e enfrenta o desafio de preservar um núcleo de virtudes essenciais para a legitimidade do Estado A falência do positivismo jurídico puro e a necessidade de recorrer a princípios gerais do direito são discutidas como evidência da existência de um núcleo de valores pré constituintes que influenciam a produção de leis e a ética social O texto destaca a dialética entre a capacidade das leis de transformar a sociedade e a influência da ética religiosa existente na sociedade na conformação dessas leis A discussão avança para o papel das religiões na sociedade moderna onde se afastaram do núcleo de poder estatal gerando uma moral empobrecida que se reflete nas leis e na atividade legislativa do Estado Isso cria um conflito entre atitudes religiosas e possibilidades areligiosas especialmente quando se trata de legislação que contradiz a moral religiosa predominante como na questão do aborto O texto conclui refletindo sobre a função das religiões no sistema constitucional atual argumentando que elas servem como um contraponto ao totalitarismo racional e à atividade contramajoritária dos tribunais constitucionais As religiões portanto desempenham um papel crucial na delimitação dos direitos e na promoção da igualdade agindo como guardiãs de valores morais e éticos na esfera pública e no debate político CONCLUSÃO O texto Religião sem Deus Deus sem religião apresenta uma análise profunda sobre a complexidade das experiências religiosas e espirituais na sociedade contemporânea desafiando as noções tradicionais de religião e divindade Explorando conceitos filosóficos teológicos e jurídicos o autor argumenta que a religiosidade pode transcender a crença em um Deus específico ou a adesão a instituições religiosas refletindo sobre como a espiritualidade se manifesta de forma diversa na vida das pessoas Além disso discute a importância da liberdade religiosa e do papel das religiões na formação do núcleo moral e ético da sociedade mesmo em um contexto de crescente secularização Em resumo o texto convida a uma reflexão sobre a pluralidade da experiência religiosa e a necessidade de reconhecer e respeitar essa diversidade no âmbito social e jurídico RELIGIÃO SEM DEUS DEUS SEM RELIGIÃO Referência Bibliográfica BOAS Jeronymo Pedro Villas Religião sem Deus Deus sem Religião In RJLB v 6 n 6 pag 661685 2020 RESEHA DESCRITIVA INTRODUÇÃO O artigo Religião sem Deus Deus sem religião de Jeronymo Pedro Villas Boas é uma análise crítica da evolução das noções de religião e divindade em uma geração marcada pela globalização e multiculturalismo desafiando a visão tradicional de que a religiosidade implica crença em um deus Através do diálogo com pensadores como Dworkin Feuerbach e Boaventura o texto propõe uma compreensão expandida da religião que inclui o ateísmo religioso explorando o papel das religiões na promoção da liberdade religiosa proteção dos direitos humanos e sua influência na esfera pública Villas Boas convida à reflexão sobre a experiência religiosa e o papel das religiões na sociedade contemporânea oferecendo uma perspectiva inovadora sobre a secularização e a coexistência em uma sociedade plural I A EXPERIENCIA RELIGIOSA O tópico A Experiência Religiosa do texto de Jeronymo Pedro Villas Boas aborda a complexidade e profundidade da vivência religiosa humana destacando a busca incessante por um sentido maior de existência e a tentativa de preencher um vazio existencial intrínseco ao ser humano Esta busca por completude e sentido é apresentada como um tema recorrente e essencial nas tradições filosóficas e religiosas ao longo da história ilustrada pela análise da figura bíblica de Jó e a interpretação de Carl Jung sobre a experiência de Jó como um diálogo transformador com o divino que Jung entende como um arquétipo necessário na psique humana O texto avança na discussão sobre a natureza da experiência religiosa questionando a necessidade de uma relação direta com um Deus personificado para que essa experiência seja considerada genuína Neste contexto Ronald Dworkin é citado por sua ideia de ateísmo religioso sugerindo que a essência da religiosidade pode transcender a crença em um Deus específico conforme ilustrado pela afirmação de Einstein sobre sua própria religiosidade desvinculada da crença em um deus pessoal Essa perspectiva abre caminho para uma compreensão da religiosidade como uma abertura para experiências de transcendência e maravilhamento diante do universo que não se limitam à adoração de uma entidade divina O tópico também explora a intersecção entre religião e psicanálise com referências a Freud e Lacan para discutir como a religião e a espiritualidade podem ser interpretadas através da lente da psicanálise A análise foca na interiorização da fé e seu impacto na construção da identidade pessoal bem como na forma como a religião pode atuar como um mecanismo para lidar com angústias existenciais e proporcionar um sentido de ordem e propósito na vida Além disso o autor reflete sobre o papel social e cultural da religião destacando como ela pode conectar indivíduos a uma comunidade mais ampla de crentes oferecendo um senso de pertencimento e propósito compartilhado Essa capacidade de unir pessoas em torno de valores e crenças comuns é enfatizada como um dos aspectos mais poderosos e significativos da experiência religiosa Em síntese o tópico A Experiência Religiosa propõe uma reflexão profunda sobre a natureza da religiosidade argumentando que a experiência religiosa vai além da crença em uma divindade específica e se enraíza em questões fundamentais de existência identidade e a busca por conexão com o transcendente Ao fazer isso o texto desafia concepções tradicionais de religião e espiritualidade sugerindo uma visão mais ampla e inclusiva da experiência religiosa humana II A REALIDADE DA RELIGIAO No segundo tópico A Realidade da Religião o autor aborda a complexa questão da essência e da existência de Deus explorando como diferentes tradições filosóficas e teológicas tentam compreender e comunicar a realidade divina A discussão começa com a distinção entre o sentido de Deus e a realidade de Deus sugerindo que enquanto o primeiro pode ser abordado fenomenologicamente o segundo desafia a compreensão humana situando Deus além da essência e da existência como as conhecemos O texto destaca as dificuldades enfrentadas tanto pela teologia quanto pela filosofia ao tentar falar de Deus como uma realidade concreta apontando para o risco de reduzir a transcendência divina a conceitos humanos limitados como o panteísmo ou o deísmo A discussão avança para a contribuição de Tomás de Aquino que tentou superar essa dicotomia ao distinguir entre tipos de existência e a visão de Paul Tillich para quem Deus é o serem si fundamentando e transcendendo toda a realidade O autor argumenta que embora Deus possa ser entendido como um seremsi que não está sujeito às limitações humanas essa compreensão exige uma abordagem simbólica que reconheça os limites da linguagem e do pensamento humano Isso leva à ideia de que a relação religiosa não é meramente subjetiva ou emocional mas baseiase na crença em uma realidade que transcende a compreensão humana A discussão se aprofunda na questão da impossibilidade de provar a existência de Deus sugerindo que tanto a afirmação quanto a negação da existência divina enfrentam limites epistemológicos O texto sugere que apesar dessas limitações a experiência e a crença religiosa desempenham um papel fundamental na vida humana oferecendo uma forma de engajamento com a realidade última que vai além da racionalidade e da evidência empírica Em resumo o tópico A Realidade da Religião explora a tensão entre a busca humana por compreender a realidade divina e os limites inerentes a essa busca Ao fazêlo o autor convida os leitores a refletir sobre a natureza da fé e da experiência religiosa sugerindo que a religião oferece uma forma única de acesso a uma realidade que transcende a compreensão humana ordinária fundamentandose na crença em um seremsi que é ao mesmo tempo imanente e transcendente III O OBJETO DA LIBERDADE RELIGIOSA O texto aborda a complexa questão da liberdade religiosa sob a perspectiva de Ronald Dworkin que questiona se a definição de religião nos documentos internacionais e constituições modernas se limita apenas a crenças sobre a existência ou natureza de um deus ou se abrange também convicções que até um ateu poderia sustentar Dworkin propõe a ideia de que talvez seja necessário reconsiderar a noção de um direito especial à liberdade religiosa sugerindo que a questão deveria ser tratada dentro do contexto mais amplo da independência ética um conceito presente por exemplo na Constituição brasileira Ele argumenta que a tentativa de manter a liberdade religiosa como um direito especial ao mesmo tempo tentando separar religião da ideia de deus gera problemas na definição desse direito Dworkin sugere que em vez de manter um direito especial à liberdade religiosa com todas as proteções e limites rigorosos que isso implica poderia ser mais produtivo aplicar o conceito de independência ética à questão focando na relação entre o Estado e os cidadãos e limitando as razões pelas quais o governo pode restringir a liberdade dos cidadãos de forma geral O texto também menciona Boaventura Santos e sua observação de que no início do século XXI as religiões e a teologia estão retornando à proeminência embora ele seja cético quanto ao retorno de Deus Este ponto de vista abre um diálogo entre teologias progressistas e direitos humanos Além disso o texto discute a tensão entre a proteção especial da liberdade religiosa e a igualdade de liberdade para todos os cidadãos incluindo ateus Dworkin argumenta que a proteção especial da liberdade religiosa pode em alguns casos obstruir outros direitos como no debate sobre a descriminalização do aborto sugerindo que a presença de conteúdos religiosos em debates públicos pode levar à exclusão das opiniões e organizações religiosas do espaço público Finalmente o texto questiona qual deveria ser o objeto de proteção da liberdade religiosa e qual a função da religião no sistema constitucional Aborda a possibilidade de que as religiões atuem como uma antítese à atitude antirreligiosa do Estado preservando um núcleo ético mínimo na sociedade que limita a secularização e a racionalização absolutas do Estado Joseph Ratzinger é citado destacando a necessidade de a razão reconhecer seus limites e aprender com as tradições religiosas da humanidade sugerindo que a proteção especial da liberdade religiosa serve para preservar o núcleo moral essencial da sociedade IV A FUNÇÃO DELIMITADORA DAS RELIGIOES O texto discute a complexa relação entre religião ateísmo e liberdade religiosa no contexto jurídico e social contemporâneo O autor começa refletindo sobre como o conceito de religião pode ser expandido para incluir não apenas os crentes em Deus mas também os ateus oferecendo a estes últimos proteção sob o direito de liberdade religiosa Essa abordagem sugere uma elasticidade do conceito de religião que transcende a crença em uma divindade abarcando a liberdade de não crer como parte da liberdade de consciência e igualdade substancial O texto argumenta que apesar da proteção inegável à liberdade de não crer a liberdade religiosa como concebida nas constituições modernas é distinta da liberdade de consciência Esta distinção é contextualizada na transição da modernidade que carrega elementos medievais de uma ética guerreira e enfrenta o desafio de preservar um núcleo de virtudes essenciais para a legitimidade do Estado A falência do positivismo jurídico puro e a necessidade de recorrer a princípios gerais do direito são discutidas como evidência da existência de um núcleo de valores pré constituintes que influenciam a produção de leis e a ética social O texto destaca a dialética entre a capacidade das leis de transformar a sociedade e a influência da ética religiosa existente na sociedade na conformação dessas leis A discussão avança para o papel das religiões na sociedade moderna onde se afastaram do núcleo de poder estatal gerando uma moral empobrecida que se reflete nas leis e na atividade legislativa do Estado Isso cria um conflito entre atitudes religiosas e possibilidades areligiosas especialmente quando se trata de legislação que contradiz a moral religiosa predominante como na questão do aborto O texto conclui refletindo sobre a função das religiões no sistema constitucional atual argumentando que elas servem como um contraponto ao totalitarismo racional e à atividade contramajoritária dos tribunais constitucionais As religiões portanto desempenham um papel crucial na delimitação dos direitos e na promoção da igualdade agindo como guardiãs de valores morais e éticos na esfera pública e no debate político CONCLUSÃO O texto Religião sem Deus Deus sem religião apresenta uma análise profunda sobre a complexidade das experiências religiosas e espirituais na sociedade contemporânea desafiando as noções tradicionais de religião e divindade Explorando conceitos filosóficos teológicos e jurídicos o autor argumenta que a religiosidade pode transcender a crença em um Deus específico ou a adesão a instituições religiosas refletindo sobre como a espiritualidade se manifesta de forma diversa na vida das pessoas Além disso discute a importância da liberdade religiosa e do papel das religiões na formação do núcleo moral e ético da sociedade mesmo em um contexto de crescente secularização Em resumo o texto convida a uma reflexão sobre a pluralidade da experiência religiosa e a necessidade de reconhecer e respeitar essa diversidade no âmbito social e jurídico