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108 l A depressão em Freud umA Análise do conceito A pArtir dA teoriA FreudiAnA dA libido Alberto Antunes Medeiros Roberto Calazans resumo O artigo propõe uma análise do conceito de depressão à luz da teoria freudiana da libido Para essa empreitada realizamos primeiramente uma imersão nos textos freudianos a fim de rastrear o uso do conceito Essa direção nos mostra uma associação precisa entre a depressão e a inibição enquanto resposta do sujeito frente à angústia Posteriormente o dispositivo libidinal surge como a ferramenta que permite operar um diagnóstico diferencial entre uma depressão que pode ser definida como neurótica se apresentando sob a forma de inibição e uma depressão melancólica que se apresenta a partir de um apagamento do sujeito em função de uma identificação com um objeto perdido Por fim é possível constatar que a psicanálise se mostra como uma alternativa para pensarmos os estados depressivos presentes na clínica na medida em que os considera a partir da noção de desejo Nesse contexto a depressão assume a perspectiva de uma resposta do sujeito podendo ser pensada além das desordens neurobiológicas e dos tratamentos medicamentosos Palavraschave depressão psicanálise luto melancolia libido Psicólogo Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de São João delRei UFSJ Psicanalista Doutor em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Professor Associado IV do Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal de São João del Rei Membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Psicanálise PósDoutorando no Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFMG Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 issn 01014838 l 109 depression in Freud An AnAlysis oF the concept From the FreudiAn theory oF libido AbstrAct The article proposes an analysis of the concept of depression in the light of the Freudian theory of libido For this endeavor we first performed an immersion in the Freudian texts in order to trace the use of the concept This direction shows us a precise association between depression and inhibition as the subjects response to distress Subsequently the libidinal device appears as the tool that allows to operate a differential diagnosis between a depression that can be defined as neurotic presenting in the form of inhibition and a melancholic depression which presents from a deletion of the subject as a function of an identification with a lost object Finally it is possible to observe that psychoanalysis presents itself as an alternative to think about the depressive states that present themselves in the clinic insofar as it considers them from the notion of desire In this context depression assumes the perspective of a response of the subject and can be thought beyond neurobiological disorders and drug treatments Keywords depression psychoanalysis mourning melancholia libido lA depresión en Freud un Análisis del concepto A pArtir de lA teoríA FreudiAnA de lA libido resumen El artículo propone un análisis del concepto de depresión a la luz de la teoría freudiana de la libido Para esa tarea realizamos primero una inmersión en los textos freudianos a fin de rastrear el uso del concepto Esta dirección nos muestra una asociación precisa entre la depresión y la inhibición como respuesta del sujeto frente a la angustia Posteriormente el dispositivo libidinal surge como la herramienta que permite operar un diagnóstico diferencial entre una depresión que puede ser definida como neurótica presentándose bajo la forma de inhibición y una depresión melancólica que se presenta a partir de un borrado del sujeto en función de una identificación con un objeto perdido Por último es posible constatar que el psicoanálisis se presenta como una alternativa para pensar los estados depresivos que se presentan en la clínica en la medida en que los considera a partir de la noción de deseo En ese contexto la depresión asume la perspectiva de una respuesta del sujeto pudiendo ser pensada más allá de los desórdenes neurobiológicos y de los tratamientos medicamentosos Palabras clave depresión psicoanálisis luto melancolía libido Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 Alberto Antunes Medeiros roberto CAlAzAns 110 l introdução Atualmente a depressão se tornou um assunto sempre presente no cotidiano sendo um tema extremamente difundido na sociedade contemporânea É raro encontrarmos com algum cidadão do mundo nos dias de hoje que não esteja a par da temática da depressão Nessa direção Peres 2003 nos afirma que a presença da depressão no cotidiano é algo alarmante e nos aponta algumas questões sobre sua incidência Segundo a autora em 1970 havia cerca de cem milhões de pessoas diagnosticadas com depressão no mundo 30 anos depois esse número somava a quantidade de um bilhão de pessoas A depressão ainda figura como problema de saúde pública A Organização Mundial de Saúde estima que em 2020 seja a segunda maior patologia em termos de incapacitação só perdendo para os problemas cardiovasculares Em países emergentes provavelmente será a primeira OMS 2002 Sobre sua incidência na França Peres 2003 ainda nos mostra um aumento de 60 dos casos em 10 anos 19801991 no caso em questão tratase do aumento de um milhão de diagnósticos Os Estados Unidos por sua vez registraram no período entre 1980 e 1989 algo entre 25 e 47 milhões de consultas e prescrições de antidepressivos Num sentido parecido Santos 2014 afirma que foram vendidas em 2007 232 milhões de cápsulas de fluoxetina um antidepressivo comum atualmente sendo que em 2011 foram vendidas 346 milhões de cápsulas o que mostra um aumento de quase 50 em quatro anos Nesse sentido podemos afirmar que embora tenhamos várias concepções acerca da depressão a perspectiva que impera hoje é a biomédica Como ilustração podemos tomar as diretrizes para o tratamento da depressão disponibilizadas pela Associação Médica Brasileira No referido documento é possível perceber como os tratamentos só podem ser administrados por médicos na medida em que eles se dão quase que exclusivamente por via medicamentosa Outros tratamentos como a psicoterapia acabam se tornando secundários na medida em que os antidepressivos são efetivos no tratamento agudo das depressões moderadas e graves Fleck et al 2009 p 9 e tratamentos psicológicos específicos para episódio depressivo são efetivos com Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 A depressão eM Freud l 111 maiores evidências para depressões leves a moderadas Fleck et al 2009 p 9 Ora o que temos então é um cenário onde os casos mais graves de depressão são tratados pela medicina e os casos mais brandos pela psicologia com o aval da primeira Nesse sentido Rodrigues 2000 nos afirma que a depressão enquanto problema médico acaba se tornando um objeto da psiquiatria sendo o psiquiatra o profissional responsável por um saber sobre aquele fenômeno Uma afirmação dessa ordem retira a possibilidade de diálogo com outras áreas do saber psicopatológico A contribuição da psicanálise para pensarmos a depressão difere das outras teorias que pretendem se posicionar como hegemônicas no campo psicopatológico a saber as que reduzem todo e qualquer fenômeno clínico a um epifenômeno de uma disfunção cerebral ou a um déficit cognitivo Ainda sobre sua abordagem Freud em Inibição sintoma e angústia é muito preciso e atual ao nos afirmar que não é a favor da fabricação de visões do mundo Isso deve ser deixado para os filósofos que confessadamente acham inexequível a jornada da existência sem um guia de viagem como esse que informa sobre tudo Aceitemos humildemente o desprezo com que eles nos olham do alto de sua sublime carência Mas como também não podemos negar nosso orgulho narcísico acharemos consolo na reflexão de que todos esses guias de existência envelhecem rapidamente de que é justamente nosso trabalho miúdo estreito e míope que torna necessárias novas edições deles e de que inclusive os mais modernos desses guias são tentativas de achar substituto para o velho catecismo tão cômodo e tão completo Sabemos que até agora a ciência pôde lançar muito pouca luz sobre os enigmas deste mundo o barulho dos filósofos nada mudará isso apenas a paciente continuação do trabalho que tudo subordina à exigência de certeza pode gradualmente produzir mudança Ao cantar na escuridão o andarilho nega seu medo mas nem por isso enxerga mais claro Freud 19262010 p 26 Além disso a psicanálise como nos diz Phillipe Julien 2004 não é voltada à idiotia no sentido de que está sempre à disposição para manter um diálogo com outras práticas Assim muitos temas e termos são tomados da psiquiatria clássica e retomados a partir da noção de sujeito do inconsciente como nos apontam Alvarez Esteban e Sauvagnat Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 Alberto Antunes Medeiros roberto CAlAzAns 112 l 2004 Desse modo ao pensarmos a depressão a partir da psicanálise nos deparamos com a questão da singularidade do sofrimento e da impossibilidade de generalização o que não significa impossibilidade de construção e transmissão de um saber Tratar da singularidade é reportar a um campo específico de problemas que só podem ser tratados pelos modos com que o sujeito lida pela linguagem das dificuldades com eventos de ordem pulsional que afetam diretamente o seu corpo A depressão se encontra diretamente ligada a essa dimensão Seguindo nessa direção Quinet 2013 nos afirma que a depressão não é uma entidade clínica ou um sintoma mas um estado do sujeito que se caracteriza por dor tristeza e falta de vontade Desse modo consideramos que a depressão a partir da psicanálise é um tratamento subjetivo do afeto Pinheiro Quintella e Vertzman 2010 2010 p 155 assinalam que a depressão configurase como um estado que pode se manifestar em várias organizações psíquicas Rodrigues 2000 por sua vez nos mostra como Freud utiliza o termo melancolia para tratar de um quadro psicótico bastante preciso enquanto os fenômenos depressivos se faziam presentes em diversas categorias nosográficas concebendoos como próprios do existir humano Diante disso acreditamos que para pensarmos essas proposições à luz dos conceitos freudianos é necessário realizar um trajeto em sua obra a fim de investigarmos o que está em questão para o sujeito nesse momento o conceito de depressão nA obrA FreudiAnA Embora Freud nunca tenha apresentado um caso clínico de depressão um breve percurso por sua obra pode nos mostrar que o termo se faz presente desde os seus primórdios Encontramos o termo nos textos ditos prépsicanalíticos de Freud como é o caso de Histeria Freud 18881996 em que ele designa um estado Através desse percurso podemos ver como o termo é utilizado em situações distintas O que podemos dizer de maneira bem generalista sobre o termo é o fato de ele ser quase que em todos os casos empregados para falar de estados do sujeito Um primeiro estado que se caracterizaria por completa apatia como nos mostra Freud Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 A depressão eM Freud l 113 no Rascunho F Freud 1894b1996 Poderíamos entender ainda através de outras passagens como a depressão era designada para tratar de um estado oposto à excitação e bemestar Em Psicologia das massas e análise do eu Freud afirma que sabese que existem pessoas cuja disposição geral de humor oscila periodicamente de um abatimento excessivo a uma elevada sensação de bemestar Freud 19212011 p 75 Por fim o antagonismo de sua posição em relação à excitação pode ser evidenciado em outros momentos como na Conferência XXVIII em que Freud fala de um caso de depressão cíclica Freud 1917b2010 No entanto é ao constatar a inibição estado oposto à excitação do sujeito como algo sempre presente no que se chama de depressão que podemos começar a nos orientar no tema Em Inibição sintoma e angústia Freud 19262010 traça uma distinção sobre esses três fenômenos a partir da psicanálise Essa referência é importante na medida em que Freud nos afirma que a partir daí deve ser possível encontrar uma via para compreender a inibição geral que caracteriza os estados de depressão incluindo o mais grave deles a melancolia Freud 19262010 p 19 Desse modo podemos ver como a inibição é característica específica dos estados de depressão e como pode se fazer presente em diversos quadros clínicos Desse modo nossos interesses se voltam para a questão da inibição É nesse sentido também que dois pontos na obra freudiana nos interessam por serem contribuições para pensar o tema da depressão A primeira referência é o texto Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina 19202011 em que Freud brevemente nos fala de casos de mulheres em estado de grave depressão que ao serem interrogadas sobre a possível causa de sua condição nos dizem que realmente tiveram um ligeiro sentimento por determinada pessoa mas que não fora nada profundo logo superando o sentimento quando tiveram de abandoná la No entanto foi essa renúncia aparentemente tão bem suportada que se tornou a causa do grave distúrbio mental Encontramos ainda homens que passaram por casos amorosos ocasionais e só pelos efeitos subsequentes compreendem que estiveram apaixonadamente amorosos da pessoa a quem aparentemente consideraram levianamente Ficase também estupefato com os resultados inesperados que se podem seguir a um aborto artificial à morte de um filho não nascido decidido sem remorso e sem hesitação Temse de admitir que os poetas estão certos em Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 Alberto Antunes Medeiros roberto CAlAzAns 114 l gostar de retratar pessoas que estão enamoradas sem sabêlo ou incertas se amam ou que pensam que odeiam quando na realidade amam Pareceria que as informações recebidas por nossa consciência acerca de nossa vida erótica são especialmente passíveis de serem incompletas cheias de lacunas ou falsificadas Freud 19202011 p 109110 No entanto como podemos pensar o que está em questão para o sujeito nesse momento Acreditamos que a dinâmica libidinal é um caminho possível para pensarmos essa questão O dispositivo libidinal que nos é apresentado na teoria do narcisismo proposta por Freud 19142010 pode contribuir com nossas investigações a partir da inibição enquanto resposta Retomando Inibição sintoma e angústia Freud 19262010 temos uma definição da inibição que pode nos ajudar nessa tarefa Trata se de toda e qualquer restrição funcional do Eu sendo uma limitação funcional do Eu que pode ter causas muito diversas Freud 19262010 p 17 Sendo algo de causas diversas tomemos como ponto de partida o fato de a inibição apresentar íntima conexão com a função Esta por sua vez se encontra relacionada à motilidade que é delegada ao Eu Freud 19232011 Se o diagnóstico psiquiátrico de depressão pode ser pensado através de sintomas como perda de prazer e prejuízo na produtividade laboralsocial APA 2013 acreditamos que a questão da motilidade na inibição do Eu pode apresentar relações com o desejo do sujeito que podem nos orientar quanto a uma perspectiva freudiana da depressão Freud ainda nos afirma que existem também tipos de inibições que podem ser facilmente explicadas É o caso de quando o Eu é solicitado a uma tarefa difícil como por exemplo um trabalho de luto em que tem de realizar um grande dispêndio de energia reduzindo assim suas funções Na sua análise sobre a inibição Freud 19262010 investiga as funções do Eu em especial a função sexual a nutrição a locomoção e a função laboral para uma maior compreensão de sua manifestação O que se pode notar a partir dessa análise é que em todos esses pontos os investimentos libidinais nos objetos se voltam para o Eu Podemos ver um afastamento da libido que segundo Freud 19262010 provoca uma inibição pura a piora no cumprimento da função e a dificuldade na função graças ao desvio para outras metas Como consequência o que temos é a falta de desejo Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 A depressão eM Freud l 115 Falta desejo sexual falta vontade de se locomover e falta vontade de se alimentar Sobre a função laboral Freud faz uma consideração interessante Se no começo do texto ele nos afirma que a psicanálise permite uma distinção clínica entre inibição e sintoma ele nos aponta o que pode ser entendido como um equívoco da medicina da época ao tratar a inibição do trabalho como sintoma isolado Tratase de um quadro que apresenta prazer diminuído pior execução ou manifestações como fadiga quando o indivíduo não tem alternativa que não trabalhar Tomando as outras funções por analogia o que podemos ver então na função laboral é uma espécie de ausência dos investimentos libidinais no próprio trabalho em si A íntima relação com a motilidade nos é evidenciada na medida em que a inibição se apresenta no momento em que os investimentos libidinais externos cessam Desse modo os investimentos libidinais externos figuram agora como norteadores para o problema apresentado Esse movimento de retração libidinal não deve ser visto segundo Freud 19152010 como algo necessariamente patogênico Tratase de algo normal que acontece também nos estados de sono por exemplo Nesses casos o sujeito retira o investimento libidinal do mundo externo e os envia para o Eu mais precisamente para a vontade de dormir Em sua conferência sobre A teoria da libido e o narcisismo Freud 1917a2010 nos fornece uma explicação metapsicológica precisa a fim de esclarecer o que se emprega em termos libidinais nesses casos Segundo Freud 1917a2010 p 446 A libido que encontramos apegada aos objetos e que é expressão do anseio de neles conquistar satisfação pode também deixálos substituindoos pelo próprio Eu uma concepção que gradualmente se desenvolveu de forma cada vez mais coerente O nome para essa alocação de libido narcisismo tomamos emprestado a uma perversão descrita por Paul Nâcke na qual o indivíduo trata o próprio corpo com todas as carícias normalmente dedicadas a um objeto sexual externo Freud ainda fala sobre essa capacidade da libido de eleger o Eu como meta em outros momentos Em Introdução ao narcisismo 19142010 ele nos afirma que essa conduta enquanto alocação de libido pode se dar de maneira bem intensa reivindicando um lugar no desenvolvimento sexual regular do sujeito Para a fundamentação do fenômeno isso é a Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 Alberto Antunes Medeiros roberto CAlAzAns 116 l plasticidade da libido Freud postula uma oposição entre libido narcísica e libido do objeto Uma é inversamente proporcional à outra em termos de emprego Quanto mais uma se faz presente mais a outra se ausenta Podemos ver isso no estado de enamoramento no qual temos um abandono da própria personalidade em função do investimento objetal Outro exemplo da plasticidade libidinal citada por Freud 19142010 19152010 se dá quando um indivíduo sofre intensamente de dor orgânica Este acaba abandonando o interesse pelo mundo externo em função do seu sofrimento Só isso lhe interessa O sujeito retira os investimentos libidinais externos e só os reenvia para fora novamente depois de curado Em relação à transformação da libido objetal em libido narcísica Freud 19152010 nos chama a atenção para um fato importante De acordo com o autor o narcisismo seria um estado original que havia antes da estabilização das pulsões do Eu da unidade deste e até mesmo dos investimentos libidinais em objetos externos Inicialmente muitas pulsões se satisfaziam no próprio corpo Desse modo o desenvolvimento da libido tem como possibilidade não apenas o apoio em um objeto externo mas pode se desenvolver também de maneira narcisista Um quadro em que o Eu é tomado como objeto O que podemos ver é que embora Freud nos apresente a ausência dos investimentos libidinais como fator de influência da inibição que ocorre sobre o Eu a inibição não se reduz a isso Logo a questão libidinal não adquire um aspecto etiológico direto mas nos dá mais pistas para a compreensão do fenômeno e principalmente de sua complexidade É precisamente em Além do princípio do prazer que Freud 19202010 nos mostra como a libido do objeto é na verdade libido sexual estando a serviço desse princípio do prazer Essa libido tem como meta a satisfação através da ligação objetal Em contrapartida a esta temos a libido narcísica ou libido do Eu Ela surge também como fator responsável para explicar um fenômeno interessante que nos auxilia na compreensão da inibição ao mesmo tempo que ditou os rumos da clínica psicanalítica Freud 19202010 p 131 diz Tornouse cada vez mais claro porém que a meta proposta de tornar consciente o que era inconsciente também não era inteiramente exequível por esse caminho O doente não pode lembrarse de tudo o que nele Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 A depressão eM Freud l 117 está reprimido talvez precisamente do essencial não se convencendo da justeza da construção que lhe é informada Ele é antes levado a repetir o reprimido como vivência atual Através dessa relação estabelecida entre a libido do Eu e a compulsão à repetição Freud 19232011 atribui às pulsões certo caráter conservador e teoriza a existência de uma pulsão que tem como meta a morte É isso que está para além do princípio do prazer Essa pulsão de morte Freud 19232011 visa restabelecer um estado anterior à introdução do sujeito na cena do triângulo edípico Uma situação que existia antes do sujeito enquanto tal Segundo Freud Seria contrário à natureza conservadora dos instintos que o objetivo da vida fosse um estado nunca antes alcançado Terá de ser isto sim um velho estado inicial que o vivente abandonou certa vez e ao qual ele se esforça por voltar através de todos os rodeios de seu desenvolvimento Se é lícito aceitarmos como experiência que não tem exceção que todo ser vivo morre por razões internas retorna ao estado inorgânico então só podemos dizer que o objetivo de toda vida é a morte e retrospectivamente que o inanimado existia antes que o vivente Freud 19232011 p 149 Há ainda uma questão chave para a compreensão da inibição Freud nos demonstra como essa pulsão de morte guarda um caráter de precedência em relação a Eros e visa restaurar um estado anterior à vida O que atrapalha esse estado segundo Freud 19232011 é a libido objetal Eros Têmse agora plenas condições de estabelecer ligações externas despertando o organismo para sua condição de sujeito na medida em que essa ligação acontece sempre de maneira incompleta Se a pulsão de morte pode de certo modo nos explicar a questão da inibição Eros enquanto seu oposto também nos auxilia nessa questão Ao se posicionar como uma pulsão que surge após aquela que visa à restauração inorgânica Eros surge também como aquilo que pode vir a tirar o Eu da inibição aliada à falta de desejo Agora podemos entender especificamente o motivo pelo qual os investimentos libidinais são influentes na questão da inibição Ao se ausentar Eros que visa à ligação permite que a pulsão de morte tome conta Freud 19202010 ainda nos afirma que é exatamente a ligação como meta ou seja a libido objetal que faz com que o indivíduo saia da sua condição de organismo podendo Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 Alberto Antunes Medeiros roberto CAlAzAns 118 l emergir enquanto sujeito É como se Eros o perturbasse clamando por uma ligação ao objeto Todas essas questões nos mostram que a partir de Freud a depressão assume um aspecto de resposta do sujeito Essas questões também são trabalhadas em outro texto muito importante para o problema aqui apresentado Tratase de Luto e melancolia 19152010 em que Freud apresenta a noção de perda como fator comum aos dois quadros No entanto a abordagem freudiana nos permite pensar o dispositivo libidinal como a ferramenta que permite operar um diagnóstico diferencial desses quadros Tratase de uma questão importante para o problema aqui proposto na medida em que orienta o analista em relação a uma diferenciação operacional dos diversos afetos depressivos que um sujeito pode apresentar na clínica luto e melAncoliA e A dinâmicA libidinAl Luto e melancolia 19152010 figura como um texto importante pois surge como um norteador preciso para pensarmos uma diferença teóricoclínica entre os estados depressivos do sujeito inviabilizando a redução de um quadro ao outro e impossibilitando uma clínica pautada unicamente na fenomenologia dos sintomas Freud aborda o luto e a melancolia a partir de uma distinção tênue entre os dois quadros que têm como fator comum a perda Segundo Freud A melancolia se caracteriza em termos psíquicos por um abatimento doloroso uma cessação do interesse pelo mundo exterior perda da capacidade de amar inibição de toda atividade e diminuição da autoestima que se expressa em recriminações e ofensas à própria pessoa e pode chegar a uma delirante expectativa de punição Freud 19152010 p 128 O luto se apresenta de maneira parecida O desânimo o cessar de interesse pelo mundo externo e perda de capacidade de amar enfim a inibição do sujeito se fazem presentes Podemos ver que a semelhança entre os dois quadros se justifica quando Freud 18951996 nos afirma no Rascunho G que o luto é o afeto correspondente à melancolia Essa semelhança pode inclusive nos ajudar a pensar a redução da melancolia à depressão na medida em que a psiquiatria opera até hoje através da classificação de sintomas Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 A depressão eM Freud l 119 Há então uma convergência dos dois quadros na teoria freudiana Freud 19152010 nos demonstra como a perda objetal se apresenta como ponto de amarração Paradoxalmente é exatamente essa convergência nas relações objetais que nos permite uma explicação metapsicológica para o luto e os estados depressivos que com ele se relacionam e para a melancolia marcando assim a distinção entre os quadros A partir de sua metapsicologia Freud 19152010 nos demonstra que no luto há um cenário em que o sujeito ao perder um objeto amado percebe através de um exame de realidade que o objeto amado não mais existe e então exige que toda libido seja retirada de suas conexões com esse objeto Freud 19152010 p 129 Todo o abatimento e inibição característicos do luto são portanto uma consequência do próprio trabalho deixando o eu ocupado demais para se relacionar com o mundo externo Ainda de acordo com Freud Isso desperta uma compreensível oposição observase geralmente que o ser humano não gosta de abandonar uma posição libidinal mesmo quando um substituto já se anuncia Essa oposição pode ser tão intensa que se produz um afastamento da realidade e um apego ao objeto mediante uma psicose de desejo alucinatória ver o ensaio anterior O normal é que vença o respeito à realidade Mas a solicitação desta não pode ser atendida imediatamente É cumprida aos poucos com grande aplicação de tempo e energia de investimento e enquanto isso a existência do objeto perdido se prolonga na psique Cada uma das lembranças e expectativas em que a libido se achava ligada ao objeto é enfocada e superinvestida e em cada uma sucede o desligamento da libido Não é fácil fundamentar economicamente por que é tão dolorosa essa operação de compromisso em que o mandamento da realidade pouco a pouco se efetiva É curioso que esse doloroso desprazer nos pareça natural Mas o fato é que após a consumação do trabalho do luto o Eu fica novamente livre e desimpedido Freud 19152010 p 129130 Considerando então que o luto é o afeto correspondente à melancolia Freud 18951996 podemos concluir então que a melancolia assim como o luto diz respeito a uma perda objetal Mas como podemos pensar o que está em questão para o sujeito em cada um desses quadros Essa questão é importante pois se os dois quadros são semelhantes o psicanalista precisa de uma orientação que lhe permita diferenciálos para Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 Alberto Antunes Medeiros roberto CAlAzAns 120 l definir uma direção possível de tratamento Vejamos então como essa questão se apresenta Freud nos afirma que há um traço clínico distintivo no quadro melancólico Esse traço é importante na medida em que o diagnóstico psicanalítico de melancolia se orienta por ele permitindo a distinção teóricoclínica entre os dois quadros Tratase das autocríticas que o sujeito profere Estas são por excelência características do quadro melancólico O sujeito sempre se apresenta como alguém indigno Freud diz que O melancólico ainda nos apresenta uma coisa que falta no luto um extraordinário rebaixamento da autoestima um enorme empobrecimento do Eu No luto é o mundo que se torna pobre e vazio na melancolia é o próprio Eu O doente nos descreve seu Eu como indigno incapaz e desprezível recrimina e insulta a si mesmo espera rejeição e castigo Degradase diante dos outros tem pena de seus familiares por serem ligados a alguém tão indigno Não julga que lhe sucedeu uma mudança e estende sua autocrítica ao passado afirma que jamais foi melhor O quadro desse delírio de pequenez predominantemente moral é completado com insônia recusa de alimentação e uma psicologicamente notável superação do instinto que faz todo vivente se apegar à vida Freud 19152010 p 130 No entanto algo específico no campo do sujeito acontece É exatamente isso que nos explica a existência do quadro clínico que permite a distinção entre os dois quadros Tal como no luto houve uma perda objetal mas devido a uma condição específica a libido ao invés de ser retirada para um novo objeto após o fim do luto teve outro destino No lugar de ter um novo objeto ela toma como alvo o ego O que temos então é um quadro em que a sombra do objeto caiu sobre o Eu Freud 19152010 p 133 Há a partir disso uma identificação do sujeito com o objeto perdido A parte do ego que se identifica com o objeto é vítima agora de uma violência sádica que nos remete à ambivalência característica da perda Freud 19152010 ainda nos chama a atenção para o fato de que se escutarmos com atenção as queixas melancólicas podemos constatar que não se adequam ao sujeito que as profere mas sim a alguém que lhe é ou foi próximo A identificação com o objeto perdido tem implicações libidinais que podem nos ajudar a compreender os estados Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 A depressão eM Freud l 121 depressivos do sujeito Se no luto temos um trabalho de remanejo da libido na melancolia temos algo diferente Freud 18951996 nos fala de como na melancolia há uma espécie de hemorragia interna uma espécie de sucção da excitação Em outros momentos como no Rascunho B 18931996 e no Rascunho E 1894a1996 Freud ainda nos afirma a existência de uma espécie de anestesia sexual psíquica Ao fornecer um operador que permite o diagnóstico diferencial desses dois fenômenos Freud nos mostra que na verdade os estados de depressão que se abatem sobre o sujeito embora semelhantes podem ter uma etiologia diferente Assim podemos dividilos em dois grupos sendo que o primeiro corresponde aos estados depressivos neuróticos ou à depressão neurótica Tratase de uma situação em que ocorre um desinvestimento nos objetos libidinais tendo uma íntima relação com a inibição e com o luto O segundo grupo agruparia os estados depressivos psicóticos ou a depressão melancólica que representaria um quadro psicótico específico em que ocorreria um apagamento do desejo do sujeito e um discurso autodestrutivo que tem sua raiz em uma identificação do sujeito para com o objeto perdido Tratase especificamente de um luto que não pode ser elaborado considerAções A psicanálise propõe outro caminho em relação à depressão Ao invés de pensar o problema como uma desordem Freud pensa os estados depressivos como uma resposta muito específica do sujeito que ele chama de Inibição O dispositivo libidinal da psicanálise nos mostra que essa resposta se dá na medida em que o sujeito rompe ou não realiza os investimentos libidinais em objetos que podem lhe conferir alguma satisfação Em Luto e melancolia Freud faz uma contribuição definitiva para o tema na medida em que se propõe a pensar a etiologia desses afetos Nesse trabalho Freud situa o luto como fator etiológico por trás dos estados depressivos Tratase de uma perda objetal sofrida pelo sujeito e todo o sofrimento e abatimento que caracterizariam esse quadro podem ser explicados a partir de um trabalho de remanejamento da libido a ser feito Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 Alberto Antunes Medeiros roberto CAlAzAns 122 l A melancolia por sua vez diria respeito a um quadro clínico muito específico de psicose Segundo Freud o sujeito melancólico também sofre por uma perda no entanto a psicanálise nos mostra que há aí uma diferença estrutural que nos remete às questões íntimas do sujeito Trata se de um apagamento do sujeito em função de uma identificação deste com o objeto que foi perdido Essa situação faz com que o desejo se apresente às avessas o que conduz o sujeito para o apagamento Nesse contexto a dinâmica libidinal surge como o operador que nos permite entender o que está em questão tanto na depressão neurótica quanto na depressão melancólica A partir dessa noção temos ferramentas suficientes para pensarmos como se estrutura o desejo e quais suas possíveis relações com os estados depressivos Além disso ao situar os estados depressivos como resposta dos sujeitos a psicanálise nos permite pensar o fenômeno a partir de uma perspectiva que vai além dos manuais diagnósticos e das desordens neurobiológicas situando o fenômeno como algo que é intrínseco à condição de sujeito Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 A depressão eM Freud l 123 reFerênciAs Alvarez J M Esteban R Sauvagnat F 2004 Fundamentos de psicopatologia psicoanalítica Madrid Editorial Sintesis American Psychiatric Association 2013 Diagnostic and statistical manual of mental disorders fifth edition DSMV Arlington American Psychiatric Association Fleck M P Berlim M T Lafer B Sougey E B Porto J A D Brasil M A Juruena M F Hetem L A 2009 Revisão das diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão versão integral Revista Brasileira de Psiquiatria 311 717 doi httpdxdoiorg101590S151644462009000500003 Freud S 1996 Histeria In Freud S Autor Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud v I Rio de Janeiro Imago Original publicado em 1888 Freud S 1996 Rascunho B a etiologia das neuroses In Freud S Autor Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud v I Rio de Janeiro Imago Original publicado em 1893 Freud S 1996 Rascunho E como se origina a angústia In Freud S Autor Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud v I Rio de Janeiro Imago Original publicado em 1894a Freud S 1996 Rascunho F coleção III In Freud S Autor Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud v I Rio de Janeiro Imago Original publicado em 1894b Freud S 1996 Rascunho G melancolia In Freud S Autor Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud v I Rio de Janeiro Imago Original publicado em 1895 Freud S 2010 Introdução ao narcisismo In Freud S Autor Obras completas Introdução ao narcisismo ensaios de metapsicologia e outros textos v 12 São Paulo Companhia das Letras Original publicado em 1914 Freud S 2010 Luto e melancolia In Freud S Autor Obras completas Introdução ao narcisismo ensaios de metapsicologia e outros textos v 12 São Paulo Companhia das Letras Original publicado em 1915 Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro v 531 p 108125 2021 Alberto Antunes Medeiros roberto CAlAzAns 124 l Freud S 2010 Conferência 26 A teoria da libido e o narcisismo In Freud S Autor Obras completas Conferências introdutórias à psicanálise v 13 São Paulo Companhia das Letras Original publicado em 1917a Freud S 2010 Conferência 28 A terapia analítica In Freud S Autor Obras completas Conferências introdutórias à psicanálise v 13 São Paulo Companhia das Letras Original publicado em 1917b Freud S 2010 Além do princípio do prazer In Freud S Autor Obras completas História de uma neurose infantil Além do princípio do prazer e outros textos v 14 São Paulo Companhia das Letras Original publicado em 1920 Freud S 2010 Inibição sintoma e angústia In Freud S Autor Obras completas Inibição sintoma e angústia O futuro de uma ilusão e outros textos v 17 São Paulo Cia das Letras Original publicado em 1926 Freud S 2011 Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina In Freud S Autor Obras completas Psicologia das massas e análise do eu e outros textos v 15 São Paulo Companhia das Letras Original publicado em 1920 Freud S 2011 Psicologia das massas e análise do eu In Freud S Autor Obras completas Psicologia das massas e análise do eu e outros textos v 15 São Paulo Companhia das Letras Original publicado em 1921 Freud S 2011c O eu e o id In Freud S Autor Obras completas O eu e o id autobiografia e outros textos v 16 São Paulo Companhia das Letras Original publicado em 1923 Julien P 2004 Psicose perversão neurose a leitura de Jacques Lacan Rio de Janeiro 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Medeiros roberto CAlAzAns