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Direito Processual Penal
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Atividade 1
Direito Processual Penal
UMG
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A INSTRUMENTALIDADE GARANTISTA DO PROCESSO PENAL Doutor em Direito Processual pela Universidad Complutense de Madrid; Prof. Direito Processual Penal da Fundação Universidade Federal do Rio Grande e da Pontifícia Universidade Católica do RS. Advogado. E-mail: aury@mikrus.com.br Sumário: I. Introdução; II. A instrumentalidade e o garantismo; A) Exclusividade estatal da pena e do processo; B) A instrumentalidade do processo penal; C) A teoria do garantismo e o processo penal; D) Instrumentalidade garantista e os postulados do Estado de Direito; III. Criticas ao sistema de “justiça negociada”; IV. Conclusões; Bibliografia. I. INTRODUÇÃO O homem é um ser coexistencial, que não pode subsistir por longo tempo independente de qualquer contato; ao oposto, devido à natureza de suas condições existenciais, todas as pessoas dependem do intercâmbio, da colaboração e confiança recíproca1. Ao não alcançar sua plenitude isoladamente, está obrigado a manter contato com outros homens. Inobstante, o homem é um animal insatisfeito, insatisfeito precisamente em relação aos que convivem com ele, e isso arranca uma série de atitudes sociais, de conflitos sociais. Esses conflitos intersubjetivos de interesses devem ser regulados pelo Direito, sob pena de colocar em risco a própria manutenção da vida em sociedade. Tal conflito vem caracterizado como uma colisão de atividades entre os diversos membros da comunidade, ou seja, como uma incompatibilidade exteriorizada entre várias atitudes dinâmicas assumidas pelas partes que dão lugar ao conflito2. Em linhas gerais, o Direito Penal surge como um importante instrumento de manutenção da paz social, e, como resume JESCHECK3, la misión del derecho penal es la protección de la convivencia humana en la comunidad. No mesmo sentido, WESSELS4 explica que a tarefa do Direito Penal é a proteção dos valores elementais da vida comunitária, no âmbito da ordem social, e como garantidor da manutenção da paz jurídica. O injusto típico surge quando falha o Direito Penal em sua função de prevenir infrações jurídicas no futuro5 - função de prevenção - e advém uma conduta humana voluntária, finalisticamente dirigida, que lesiona ou expõe a perigo bens e valores reconhecidos e protegidos pelo ordenamento, gerando uma juízo de desvalor da ação e também de desvalor do resultado. Esse juízo de desvalor, em última análise, exterioriza-se mediante a aplicação de uma pena (ou medida de segurança) e corporifica a função repressiva do Direito Penal. Mas o Direito Penal é despido de coerção direta e, ao contrário do Direito Privado, não tem atuação em realidade concreta fora do processo correspondente. Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista um injusto típico, mas também que exista previamente o devido processo penal. A pena não é o efeito jurídico do delito6, senão que é efeito do processo; mas o processo não é o efeito necessário, sendo da necessidade do impor a pena ao delito por meio do processo. Por isso, mesmo já pendente da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal, posto que o processo termina antes de desenvolver-se completamente (arquivamento, suspensão condicional, etc.) e não se desenvolve de forma válida (nulidade), não pode ser imposta uma pena. Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo que são complementares. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena. 1 JESCHECK, Hans Heinrich. Tratado de Derecho Penal, parte geral, p. 2 e ss. 2 GUARIG, Jaime. La Pretensión Punitiva. In: Estudios Jurídicos, p. 582. 3 Idem, ibidem. 4 Derecho Penal – parte geral, p. 3. 5 JESCHECK, Hans Heinrich. Op.cit, p. 3. 6 Como explica GOMEZ ORBANEJA, Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal. Tomo I. p. 27 e ss. Dentro dessa íntima relação entre o Direito Penal e o processo penal, deve-se apontar que o atual modelo de Direito Penal mínimo, corresponde um processo penal garantista7. Só um processo penal que, em garantia dos direitos do imputado, minimize os espaços impróprios da discricionariedade judicial, pode oferecer um sólido fundamento para a independência da magistratura e ao seu papel de controle da legalidade do poder8. A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a própria evolução da pena, refletindo a estrutura do Estado em um determinado período, ou, como prefere J.GOLDSCHMIDT9, los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general. Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución. Partindo de sua experiência, la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso. A titularidade do poder de penar por parte do Estado surge no momento em que é suprimida a vingança privada e são implantados os critérios de justiça. O Estado, como ente jurídico e político, avoca para si o direito (e também o dever) de proteger a comunidade e inclusive o próprio delinquente, como meio de cumprir sua função de procurar o bem comum, que se veria afetado pela transgressão da ordem jurídico-penal, por causa de uma conduta delitiva10. À medida que o Estado se fortalece, consciente dos perigos que encerra a autodefesa, assumirá o monopólio da justiça, produzindo-se não só a revisão da natureza contratual do processo, senão a proibição expressa para os particulares de tomarem a justiça por suas próprias mãos. Frente à violação de um bem juridicamente protegido, não cabe outra saída11 que não a invocação da defesa estatal – o processo judicial – em que, mediante a atuação de um terceiro imparcial, cuja designação já não corresponde à vontade das partes, senão da imposição da estrutura instituída, será solucionado o conflito e sancionado o autor. O processo, como instituição estatal, é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena. Depois dessa breve introdução, cumpre buscar uma resposta para a proposição de J.GOLDSCHMIDT12. Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo? Se o ius puniendi corresponde ao Estado, que tem o poder soberano sobre seus súditos, que acusa e também julga por meio de distintos órgãos, pergunta-se: por que necessita que prove seu direito em um processo? Para o autor13, a necessidade de proteger os indivíduos contra os abusos do poder estatal é uma “construção técnica artificial” que não convence. Segundo o autor, para compreender essa definição, é necessário analisar a natureza da pena estatal, pois “a pena se impõe mediante um processo porque é uma manifestação da justiça e porque o processo é o caminho necessário, e a jurisdição penal é a continuação da jurisdição civil, porque ambas representam os dois ramos da justiça estabelecida por Aristóteles”, ou seja, da justiça distributiva (civil) e corretiva (penal). A justificação do processo penal está posta na essência mesma da justiça. Entendemos que a fundamentação do autor deve ser vista, na atualidade, não como um ponto final, mas como marco de início do estudo. Os modernos postulados de garantias processuais constitucionais do Estado de Direito nos levam a afirmar que os argumentos do jurista alemão são hoje – insuficientes. Devemos continuar buscando um fundamento que justifique a existência do processo penal, traçando uma lógica interpretativa de acordo com nosso atual momento político-processual. Esse será o objetivo do presente trabalho. 7 Conforme explicamos na nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001. 8 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoría del Garantismo Penal, p.10. 9 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal, p. 67. 10 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Instituciones de Derecho Procesal Penal, p. 7. 11 Seja quais aquelas causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade juridicamente reconhecidas pelo Direito Penal. 12 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal, p. 7. 13 Idem, ibidem, p. 7, 17 e 21. II. A INSTRUMENTALIDADE E O GARANTISMO A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a evolução da pena, que por sua vez é reflexo da estrutura do Estado em um determinado período. O processo surge com o terceiro estágio de desenvolvimento da pena, agora como “pena estatal”, que vem marcada por uma limitação jurídica do poder de perseguir e punir. A pena somente pode ser imposta mediante o processo judicial e pelo Estado. A) EXCLUSIVIDADE ESTATAL DA PENA E DO PROCESSO O primeiro ponto que deve ser esclarecido, sem embargo da inestimável lição de J.GOLDSCHMIDT, é o fato de que o moderno Direito Penal já abandonou as teorias retributivas, pela sua inutilidade para a reinserção social do condenado. Como explica ROXIN14, a Teoria Unitária (mista) é a que melhor explica a atual função da pena. Segundo essa ideia, deve-se atribuir à pena a combinação dos três princípios inspiradores (retribuição, prevenção especial e prevenção geral), conforme o momento em que estiver sendo analisada: momento da previsão legal, momento da determinação judicial e a fase de execução da pena. No primeiro momento, a pena deve ter a função de proteger os bens jurídicos, quando a ideia de prevenção geral por meio intimidação coletiva é utilizada, inibindo as pessoas de cometer delitos. Sem efeito, ela é insuficiente contra o delito. No segundo momento, determinação judicial, o juiz deverá individualizar a pena (dosimetria) conforme as características do delito e do autor. Ao impor a pena, o juiz concretiza a ameaça contida no tipo penal abstrato, atendendo ainda ao fim de prevenção geral. Por fim, na terceira fase (cumprimento/execução da pena), obtêm-se a prevenção especial de presente e a reinserção social e reeducação15 do condenado. Os fins da pena devem ser perseguidos no marco penal estabelecido pela culpabilidade pessoal do sujeito (juízo de desvalor do autor do fato), na medida mais equilibrada possível, podendo variar ainda, em uma ou outra direção, segundo as características do caso concreto (desvalor do fato do autor). No Direito Privado, as normas possuem uma eficácia direta, imediata, pois os particulares detêm o poder de praticar atos jurídicos e negócios jurídicos, de modo que a inadecuación das normas de Direito Material, sejam civis, comerciais, etc, é direta. As partes materiais, em sua vida diária, aplicam o Direito Privado sem qualquer intervenção dos órgãos jurisdicionais, que em regra são chamados apenas para solucionar eventuais conflitos surgidos pelo incumprimento do acordado. Em resumo, não existe o monopólio dos tribunais na aplicação do Direito privado y ni siquiera puede decirse que estadísticamente sean sus aplicaciones más importantes.16 Por outro lado, totalmente distinto é o tratamento do Direito Penal, pois, ainda que os tipos penais tenham uma função de prevenção geral e também de proteção17, sua verdadeira essência está na pena e a pena não pode prescindir do processo penal. Existe um monopólio da aplicação da pena pelo Estado, mediante o processo correspondente. O Estado, diante do perigo de submissão da justiça aos interesses particulares, assume para si as funções estatais de controle da ordem social, retirando dos indivíduos qualquer tentativa de autotutela. 14 Com ARZT e TIEDEMANN, Introducción al Derecho Penal y al Derecho Penal Processal, p. 63 e ss. Também em português, Problemas Básicos de Direito Penal, p. 48 e ss. 15 Se no plano teórico já está superada a ideia de pena como mera retribuição, como aludia Goldschmidt, no plano prático tal conotação está em pleno vigor, pois a reinserção social e a reeducação do condenado são tão inalcansáveis em nosso falido sistema carcerário, levando-nos uma vez mais à insuperável dicotomia entre o ser e o dever ser do direito 16 MONTERO AROCA, Juan. Principios del Proceso Penal, p.15. 17 A tipicidade serve não só para a proteção de bens jurídicos, mas também para proteger os indivíduos contra os abusos do Estado em sua atividade de perseguir e punir. pena por parte dos órgãos jurisdicionais e isso representa um enorme avanço da humanidade. Assim, fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao Direito Penal e à pena, pois o processo é o caminho necessário para a pena . É o que GOMEZ ORBANEJA 18 denomina de princípio de la necesidad del proceso penal, amparado no art. 1º da LECrim 19, pois não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena. O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena e nulla culpa sine iudicio, expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal. São três 20 os monopólios estatais: a) Exclusividade do Direito Penal b) Exclusividade pelos Tribunais c) Exclusividade Processual Como explicamos anteriormente, atualmente a pena é estatal (pública), no sentido de que o Estado substituiu a vingança privada e com isso estabeleceu que a pena é uma reação do Estado contra a vontade individual. Está proibida a autotutela e a “justiça pelas próprias mãos”. A pena deve estar prevista em um tipo penal e cumpre ao Estado definir os tipos penais e suas conseqüentes penas, ficando o tema completamente fora da disposição dos particulares 21. Entendemos que a exclusividade dos tribunais em matéria penal, deve ser analisada em conjunto com a exclusividade processual, pois, ao mesmo tempo que o Estado prevê que só os tribunais podem declarar o delito e impor a pena, também prevê a imprescindibilidade de que essa pena seja imposta por meio de um processo penal válido, e que, em alguns casos juízes e tribunais decidam pela possibilidade de aplicação ou não da pena. Esse é, portanto, o órgão responsável por definir e determinar a pena proporcional aplicável, e essa operação deve necessariamente ocorrer no leito de um processo penal válido e com todas as garantias constitucionalmente estabelecidas para o acusado. Aos demais poderes do Estado, Legislativo e Executivo, está vedada essa atividade. Inobstante, como destaca MONTERO AROCA 22, absurdamente ....se constata dia a dia que las leyes van permitiendo a los órganos administrativos imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud, muchas veces, que ni siquiera pueden ser impuestas por los tribunales como penas. Outra situação que nos parece inaceitável é a aplicação de uma pena sem que tenha antecedido em sua totalidade um processo penal válido, como ocorre, v.g., na transação penal previsto no art. 72 (v) 65 da Lei 9099. Os referidos dispositivos permitem que a pena de multa, aplicada de forma imediata na audiência preliminar, seja convertida em pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, quando não for paga pelo acusado. O resultado final é absurdo: uma pena privativa de liberdade (fruto da conversão), sem culpa e sem que sequer tenha existido o processo penal. É um exemplo de subversão de princípios garantidores básicos do processo penal. Por fim, destacamos que o processo penal constitui uma instância formal de controle do crime 23, e, para a Criminologia, é uma reação formal ao delito e também pode ser considerado como um instrumento de seleção, principalmente nos sistemas jurídicos que adotam princípios como da oportunidade, plea bargaining e outros mecanismos de consenso. B) A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO PENAL 18 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal, tomo I, p. 27. 19 Norma processual penal espanhola - Ley de Enjuiciamiento Criminal. 20 Seguindo MONTERO AROCA, Princípios del Proceso Penal, p. 16 e ss. 21 Inobstante, cumpre destacar que o monopólio estatal de perseguir e punir está sendo questionado a cada dia com mais força, com o implemento de princípios como oportunidade e conveniência da ação penal, aumento do número de delitos de ação penal privada ou pública condicionada e com as possibilidades de transação penal (plea bargaining). 22 Princípios del Proceso Penal, p. 19. 23 Conforme explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE na obra Criminologia, p. 365 e ss. 4 Estabelecido o monopólio da justiça estatal e do processo, trataremos agora da instrumentalidade. Desde logo, não devem existir pudores em afirmar que o processo é um instrumento e que essa é a razão básica de sua existência. Ademais, o Direito Penal careceria por completo de eficácia sem a pena, e a pena sem processo é inconcebível, um verdadeiro retrocesso, de modo que a relação e interação entre Direito e Processo é patente. A strumentalità 24 do processo penal reside no fato de que a norma penal apresenta, quando comparada com outras normas jurídicas, a característica de que o preceito tem como conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo e a sanção tem como destinatário aquele poder do Estado, que é chamado a aplicar a pena. Não é possível a aplicação da reprovação sem o prévio processo, nem mesmo no caso de consentimento do acusado, pois ele não pode submeter-se voluntariamente a pena, senão por meio de um ato judicial (nulla poena sine iudicio). Essa particularidade do processo penal demonstra que seu caráter instrumental é mais destacado que no processo civil. Inobstante, é fundamental compreender que a instrumentalidade do processo não tem uma visão exclusivamente jurídica e tampouco jurídico-processual. Não é um instrumento que tem como única finalidade 25 a satisfação de uma pretensão (acusatória) ou a justa composição da lide (processo civil). É o que BARBOSA MOREIRA 26 denomina problemática essencial da efetividade do processo e que serve de ponto de partida para situar um dos mais graves problemas do processo: o que se entende por instrumentalidade. Explica RANGEL DINAMARCO 27, em sua magistral obra A Instrumentalidade do Processo, que a instrumentalidade pode ser classificada em negativa e positiva 28. A instrumentalidade negativa corresponde à negação do processo como um fim em si mesmo e significa um repúdio aos exageros processualísticos e a excessivo aperfeiçoamento das formas processuais em detrimento das normas relevantes relacionadas ao bem estar de natureza. A instrumentalidade positiva está caracterizada pela preocupação em extrair do processo (como instrumento) o máximo proveito quanto à obtenção dos resultados propostos e confunde-se com a problemática acerca da efetividade do processo, de modo que ele deverá cumprir integralmente toda a função social, política e jurídica. São quatro os aspectos fundamentais da efetividade: a) admissão em juízo; b) modo de ser do processo; c) justiça das decisões; d) utilidade das decisões. A conclusão é que o processo não pode ser considerado como um fim em si mesmo, pois sua razão de existir está no caráter de instrumento-meio para a consecução de um fim. Esse fim não deve ser exclusivamente jurídico, pois a instrumentalidade do sistema processual não está limitada ao mundo jurídico (direito material ou processual). Por esse motivo, o processo deve também atender as finalidades sociais e políticas, configurando assim a finalidade metajurídica 29 da jurisdição e do processo. Com isso, o processo penal deve preocupar-se com a pacificação social, com o bem comum, e possui inclusive um caráter educacional, ou seja, é uma tendência universal, no que se refere aos fins do processo e do exercício da jurisdição, o abandono das fórmulas exclusivamente jurídicas 30. Outra tendência, também apontada por RANGEL DINAMARCO, é a visão liberal da jurisdição, como um meio de tutela do indivíduo frente aos possíveis abusos ou desvios de poder dos agentes 24 Como explica LEONE, Elementi di Diritto e Procedura Penale, p. 189. 25 Finalidade e objeto são coisas distintas, permitindo dizer que as finalidades do processo vão mais além de seu objetivo. Por isso, não existe nenhuma contradição entre pluralidade de funções com o fato de ser a pretensão acusatória o objeto único do processo penal (seguindo a teoria do objeto de James Goldschmidt, especialmente na obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal). 26 “Notas sobre o problema da efetividade do processo”. Revista AURIS, v. 29, Porto Alegre, 1983. 27 São Paulo, Malheiros, 1999. 28 A Instrumentalidade do Processo, p. 456. Sem embargo, como externa o título da monografia, a idéia de autor encontra-se diluída em toda a obra. 29 A Instrumentalidade do Processo, especialmente a parte segunda. 30 RANGEL DINAMARCO, op.cit., p. 219. 5 estatais: é o equilíbrio entre os valores poder e liberdade. Resulta imprescindível visualizar o processo desde seu exterior, para constatar que o sistema não tem valor em si mesmo, senão pelos objetivos que é chamado a cumprir. Em uma perspectiva interna – atos do processo – verifica-se que cada um deles tem funções frente ao Direito Material, à sociedade e ao Estado. Isso não implica, de nenhum modo, desprestigiar o sistema processual ou defender um retrocesso, mas sim reconhecer seu verdadeiro status de instrumento autônomo a serviço do Direito Material, do Estado e da sociedade, e que, por si só, carece de razão de existir. A independência conceitual e metodológica do Direito Processual com relação ao Direito Material foi uma conquista fundamental. Direito e processo constituem dois planos verdadeiramente distintos no sistema jurídico, mas estão relacionados pela unidade de objetivos sociais e políticos, o que conduz a uma relatividade do binômio direito-processo (substance-procedure) 31. Respeitando sua separação institucional e a autonomia de seu tratamento científico, o processo penal está a serviço do Direito Penal, ou, para ser mais exato, da aplicação desta parcela do Direito Objetivo 32. Por esse motivo, não pode descuidar do fiel cumprimento dos objetivos traçados pelo autor, entre os quais está o de proteção do indivíduo. Como explica RANGEL DINAMARCO, a autonomia extrema do processo com relação ao Direito Material foi importante no seu momento, e, sem ela, os processualistas não haveriam podido chegar tão longe na construção do sistema processual. Mas isso já cumpriu com a sua função. A acentuada visão autônoma está em vias de extinção e a instrumentalidade está servindo para relativizar o binômio direito-processo, para a liberação de velhos conceitos e superar os limites que impedem o processo de alcançar outros objetivos, além do limitado campo processual. A essência do processo é assim um ponto de evolução que lhe permite alcançar para trás todos os fins e preocupações do Direito Penal e resolver problemas práticos, cumprindo sua função instrumental sem qualquer menosprezo. O Direito Penal não pode prescindir do processo, pois a pena sem processo perde sua aplicabilidade. Com isso, concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de sua existência, mas com uma especial característica: é um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais. É uma especial conjugação do caráter instrumental e que só se manifesta no processo penal, pois trata-se de instrumentalidade relacionada ao Direito Penal, à pena, às garantias constitucionais e aos fins políticos e sociais do processo. É o que denominamos instrumentalidade garantista. C) A TEORIA DO GARANTISMO E O PROCESSO PENAL Nessa mesma linha de democratização substancial da justiça, atualmente propugna-se com muita propriedade por um modelo de justiça garantista ou garantismo penal, cujo ponto de partida passa necessariamente pela teoria estruturada por FERRAJOLI 33. É importante destacar que o garantismo não tem nenhuma relação com o mero legalismo, formalismo ou mero processualismo. Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais – da vida à liberdade pessoal, das liberdades cívicas e políticas às expectativas sociais de subsistência, dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses, materiais e prepolíticos, que fundam e justificam a existência daqueles artifícios – como chamou Hobbes – que são o Direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democracia 34. Dessa afirmação de FERRAJOLI é possível extrair um imperativo básico: o Direito existe para tutelar os direitos fundamentais. 31 RANGEL DINAMARCO, op. cit. p. 454. 32 OLIVA SANTOS, na obra coletiva Derecho Procesal Penal, p.6. 33 O que segue é uma análise de diversos pontos da obra Derecho y razón - Teoria del Garantismo Penal, de Luigi Ferrajoli. 34 FERRAJOLI, op.cit. p. 28 e 29. 6 Essa grave degeneração do processo permite que se fale em verdadeiras penas processuais, pois confrontam violentamente com o caráter e a função instrumental do processo, configurando uma verdadeira patologia judicial, na qual o processo penal é utilizado como uma punição antecipada, instrumento de perseguição política, intimidação policial, gerador de estigmatização social, inclusive com um degenerado fim de prevenção geral. Exemplo inequivocal nos oferecem as prisões cautelares, verdadeiras penas antecipadas, com um marcado caráter dissuasório e de retribuição imediata. O mais grave é que a pena pública e infamante do Direito Penal pré-moderno foi ressuscitada e adaptada à modernidade, mediante a exibição pública do mero suspeito nas primeiras páginas dos jornais ou nos telejornais. Essa execração ocorre não como consequência da condenação, mas da simples acusação (inclusive quando esta ainda não foi formalizada pela denúncia), quando todavia o indivíduo ainda deveria estar sob o manto protetor da presunção de inocência. De nada serve um sistema formalmente garantista e efetivamente autoritário. Essa falácia garantista45 consiste na ideia de que bastam as razões de um "bom" Direito, dotado de sistemas avançados e alves de garantias constitucionais para conter o poder e pôr os direitos fundamentais a salvo dos desvios e arbitrariedades. Não existem Estados democráticos plenos e, em alguns países, possam ser considerados plenamente garantistas ou antigarantistas, senão que existem sistemas de garantismo e o ponto meramente residual está no distanciamento entre o ser e o dever ser. D) INSTRUMENTALIDADE GARANTISTA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Na definição de J.GOLDSCHMIDT, o processo penal resume-se como um caminho para a aplicação da pena, e a necessidade de proteger os indivíduos contra os abusos do poder estatal é uma "construção técnica artificial" que não é convincente. O processo, como instrumento para a realização do Direito Penal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado. Nesse sentido, o processo penal deve servir como um instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contradição, defesa, etc. Nesse sentido, BATTAGLINI46 afirma que o moderno Direito Penal tem como função principal a garantia da liberdade individual. Ademais, como destaca ARAGONESAS ALONSO47, incluso tiene el Estado el deber de proteger al propio delincuente, pues esto también es una forma de garantizar el libre desarrollo de la personalidad, que es la función de la justicia. Por sua vez, W.GOLDSCHMIDT48 explica que os direitos fundamentais, como tais, dirigem-se contra o Estado, e pertencem, por consequência, àquele ser que tudo afora do amparo do indivíduo contra o Estado. Prova disso é a quantidade de dispositivos que integram as constituições modernas, regulando o processo penal, com a finalidade de garantir a plena eficácia dos direitos fundamentais do acusado enquanto estiver sendo processado. Também não podemos esquecer que o processo penal constitui um ramo do Direito Público, e que a essência do Direito Público é a automatização do Estado. Essa evolução levou o Estado a aceitar no processo penal uma soberania mitigada, pois deve submeter ao debate público sua pretensão acusatória e poder punitivo. Enquanto dura o processo, dura a incerteza, até que se pronuncie a sentença. Por isso, a personalidade do Estado, que aparece monolítica49 dentro do Direito Público interno (constitucional e administrativo), uma vez dentro do processo penal parece dividir- se e modelar-se distintamente, segundo os diferentes papéis que exerce: de juiz, na atividade jurisdicional, e como titular da função punitiva; e de Ministério Público na atividade encaminhada à persecução dos delitos (como titular da pretensão acusatória). Explica BOBBIO50 que atualmente impõe-se uma postura mais liberal, de modo que, nas relações entre indivíduo e Estado, primeiro vem o indivíduo e depois vem o Estado, e o Estado já não é um fim em si mesmo, porque é, e deve ser, somente um meio que tem como fim a tutela do homem, de seus direitos fundamentais de liberdade e segurança coletiva. Ademais, existe um fundamento histórico-político para sustentar a dupla função do moderno processo penal e que foi colocado de relevo por BETTIOL51. A proteção do indivíduo também resulta de uma imposição do Estado Liberal, pois o liberalismo trouxe exigências de que o jurídico tenha uma dimensão jurídica que o Estado ou a coletividade não pode sacrificar ad nutum. O Estado de Direito mesmo em sua origem já representava uma relevante superação das estruturas do Estado de Polícia, que negava ao cidadão toda garantia de liberdade, e isto surgiu na Europa depois de uma época de arbitrariedades que antecedeu a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789. A pena começa precisamente quando termina a vingança e os impulsos que dão razão à vingança, e a imposição da pena corresponde ao juiz, não só desde os tempos do Estado de Direito, mas desde que existe juiz e pena. Juiz e pena se encontram sempre juntos52. Como explica BETTIOL53 la venganza es fruto de un impulso, Y, por tanto, de una emoción no controlada por la razón y de un modo desproporcionado respecto al mal del mal o del daño causado. La pena, por el contrario, sigue siendo en verdad un imperativo categórico, una imposición racional. É por isso que em razão de querer eleger uma importante característica da pena: a proporcionalidade. A democracia é um sistema político-cultural que valoriza o indivíduo frente ao Estado e que se manifesta em todas as esferas da relação Estado-indivíduo. Inequivocamente, leva a uma democratização do processo penal, refletindo essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal. Pode-se afirmar, com toda segurança, que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes, ou seja, o processo penal é um direito protetor dos inocentes. Esse status (inocência) adquire caráter constitucional e deve ser mantido até que exista uma sentença penal condenatória transitada em julgado. O objeto primordial da tutela não será somente a salvaguarda dos interesses da coletividade, mas também a tutela da liberdade processual do imputado, o respeito a sua dignidade como pessoa, como efetiva parte do processo. O significado da democracia é a valorização do homem, em toda la complicacion de re las instituciones procesales que sólo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad: el hombre.54 O processo penal é uma das expressões mais típicas do grau de cultura alcançado por um povo no curso da sua história, e os princípios da política processual de uma nação não são outra coisa que segmento da política estatal em geral. Nas palavras de J.GOLDSCHMIDT55, a estrutura do processo penal de uma nação não está senão o termômetro dos elementos corporativos ou autoritários de sua Constituição. Nessa linha, uma Constituição democrática deve orientar a democratização substancial do processo penal, e isso demonstra a transição do Direito passado ao Direito futuro. Nem Estado Democrático de Direito, não podemos tolerar um processo penal [amar a] autoritário e típico de um Estado-policial, pois o processo deve adequar-se à Constituição e não vice-versa. Como consequência, a estrutura do processo penal deve ser tal que se reduza ao mínimo possível o risco de erro e, em segundo lugar, o sofrimento injusto que dele deriva56. Todos os mecanismos de proteção que busquem amenizar o sofrimento e os riscos que ele encerra são um imperativo de justiça. III. CRÍTICAS AO SISTEMA DE "JUSTIÇA NEGOCIADA" A partir da compreensão do processo como instrumento de proteção e garantia, deve ser rechaçado o sistema de justiça negociada - plea negotiation - pois configura a degeneração do processo e até mesmo uma perigosa alternativa ao processo. A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas "zonas de consenso", com a adoção de diversos instrumentos e a atribuição de inensuráveis poderes ao Ministério Público, está sustentada, em síntese, por três argumentos básicos: estar conformes os princípios do modelo acusatório, resultar da adoção de um "processo de partes" e proporcionar celeridade na administração de justiça. A tese de que as formas de acordo são vizinhas ou têm stimolo lógico do "modelo acusatório" e do "processo de partes" é totalmente ideológica e mistificadora como qualificou FERRAJOLI57, para quem esse sistema é fruto de uma confusão entre o modelo teórico acusatório - que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação, na igualdade entre acusação e defesa, na oralidade e publicidade do juiz - e as características concretas do sistema acusatório americano, algumas das quais, como a discricionariedade da ação penal e o acordo, não têm relação alguma com o modelo teórico postulante. A ausência de depoimentos também exige que o juiz mantenha-se alheio ao trabalho de investigação e se pronuncie no recolhimento das provas tanto da impugnação como da defesa, para isso é necessário reformar completamente o modelo continental, público e com um sistema de maioria. E, com Concisão que como todas as regras exigem prova, vigora o sistema de livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada. A liberdade da parte passiva é a regra, sendo a prisão cautelar uma exceção. O sistema negociado não faz parte do modelo acusatório e, ademais, viola os seis princípios anteriormente apontados, terminando por fulminar o mais importante de todos: o direito a um processo judicial justo. É uma confusão injustificável no plano teórico e explicável no histórico. A discricionariedade da ação penal e os acordos são resquícios históricos da ação penal privada e/ou popular, em que a acusação era disponível. Na atualidade, nos sistemas de acusação pública (inclusive nos Estados Unidos), a justiça negociada é uma construção imprópria do processo de partes e do sistema acusatório. Com isso, surge o equivoco de querer aplicar o sistema negociador, como se estivéssemos tramando no ramo do Direito Privado. Existe, inclusive, os que defendem uma "privatização" do processo penal partindo do Princípio Dispositivo do processo civil, esquecendo que o processo penal constitui un systema con suas categorias jurídicas próprias, como muito bem identificou J.GOLDSCHMIDT, e que tal analogia, além de nociva, é inadequada. As particularidades do processo penal, aliadas ao predomínio interese público - tanto na condenação do culpado como na absolvição do inocente - não permitem esse poder da autonomia de vontade que pretende a plea negotiation. Explica CARNELUTTI58 que existe uma diferença insuperável entre o Direito Civil e o Direito Penal: en penal, con la ley no se juega. Em Civil, as partes têm as mãos livres, em Penal devem-te ás-tais dadas. Aqui, só há lugar para a lei, e, deixar pelo direito já encontrada, não há a possibilidade de, no caso particular, encontrar outro. É uma garantia da própria justiça. O primeiro pillar da função garantista do Direito Penal e Processual é o monopólio legal e jurisdicional da violência repressiva. A negotiation viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco submete-se aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade. É a mais completa desativação do júri contraditório, característica do sistema acusatório, e encaixa melhor com as práticas persuasórias permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo. É transformar o processo penal em uma “negociata”, no seu sentido mais depreciativo. Muitas negociações são realizadas nos despachos do Ministério Público sem publicidade e onde prevalece o poder do mais forte, acentuando a posição de superioridade do parquet. Explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE59 que a plea bargaining nos Estados Unidos é responsável pela solução de 80 a 95% de todos os delitos. Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo Tribunal, que erroneamente limita-se a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor. Não sem razão, a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal. Ademais, as cifras citadas colocam em evidência que em oito ou nove de cada dez casos não existe nenhum contraditório. No mesmo sentido, o Juiz Federal dos Estados Unidos RUBÉN CASTILLO60 afirma que de todos os processos criminais acolhidos, mais de 90% nunca chegam a juízo, pois a defesa acorda com o MP. O que caracteriza o princípio do contraditório é exatamente o confronto claro, público e antagônico entre as partes em igualdade de condições. Essa importante conquista da evolução do Estado de Direito resulta ser a primeira vítima da justiça negociada, que começa por sacrificar o contraditório e acaba por matar a igualdade de armas. Que igualdade pode existir na relação do cidadão suspeito frente à prepotência da acusação, que, ao dispor do poder de negociar, humilha e impõe suas condições e estipula o preço do negócio? O pacto no processo penal é um perverso intercâmbio, transformando a acusação em um instrumento de pressão, capaz de gerar acusações falsas, testemunhas caluniosas ou insegurança jurídica. O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática, em que a parte passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transformar-se em uma complexa e burocrática guerra. Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao “negócio”. O promotor, disposto a constranger e obter a cooperação a qualquer preço, utilizará a acusação forçada como um instrumento de pressão, solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito, ainda que sem o menor fundamento. A tal ponto pode chegar a degeneração do sistema que, de forma clara e inequívoca, o saber e a razão são substituídos pelo poder atribuído ao Ministério Público. O processo, ao final, é transformado num luxo reservado só a quienes estén dispuestos a afrontar sus costes y sus riesgos.61 Tampouco entendemos que o sistema negocial colabore para aumentar a credibilidade da justiça, pois ninguém gosta de negociar sua inocência. Não existe nada mais repugnante que, ante fundados protestos de inocência, ter que decidir entre reconhecer uma culpa inexistente, em troca de uma pena menor, ou correr o risco de submeter-se a um processo que será desde logo desleal. É um poderoso estímulo negativo saber que terá de enfrentar um promotor cuja imparcialidade é imposta por lei e terá entrentada junto com a frustrada negociação, e que acusado de forma desmedida, inclusive obstaculizando a própria defesa. Uma vez mais tem razão GUARNIERI, quando afirma que acreditar na imparcialidade do Ministério Público é incidir no erro de confiar al lobo la mejor defensa del cordero. No plano do Direito Material, as bases do sistema caem por terra. O nexo de causalidade entre o delito e a pena e a proporcionalidade da punição é sacrificada. A pena não dependerá mais da gravidade do delito, mas da habilidade negociadora da defesa e da discricionariedade da acusação. Em síntese, a segurança jurídica dependerá do espírito aventureiro do acusado e de seu poder de barganha. O excessivo poder - sem controle - do Ministério Público e seu maior ou menor interesse no acordo faz com que princípios como os da igualdade, certeza e legalidade penal não passem de ideias historicamente conquistados e sepultados pela degeneração do atual sistema. Tampouco sobrevivem nessas condições a presunção de inocência e o ônus probatório da acusação. O processo penal passa a não ser mais o caminho necessário para a pena, e com isso o status de inocente pode ser perdido muito antes do juízo e da sentença e, principalmente, sem que para isso a acusação tenha que provar seu alegado. A superioridade do promotor, acrescida do poder de transigir, faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal, para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a “segurança” do mal menor de admitir uma culpa, ainda que inexistente. Os acusados que se recusam ao acordo ou a guilty plea são considerados incômodos e nocivos, e sobre eles pesarão acusações mais graves. O panorama é ainda mais assustador quando, ao lado da acusação, está um Juiz pouco disposto a levar o processo até o final, quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com menor trabalho possível. Quando as portas estão fechadas e o sistema passa a valorizar mais o juiz pela sua produção quantitativa que pela qualidade de suas decisões, o processo assume sua face mais nefasta e cruel. Criticando o sistema espanhol (crítica perfeitamente aplicável ao Brasil), FAIREN GUILLEN63 assinala com muita propriedade que “Una paradoja más se halla en el hecho de que un Estado, que por agora sigue un régimen político de enorme intervencionismo en casi todas las esferas de actividad del ciudadano..., funcione en sentido contrario, abandonando un campo de Derecho público, en beneficio del interés particular. (No se venga a decir ahora, al cabo de más de veinte años de experiencia del plea bargain en USA, que el Ministerio Público, al contrariar, está siempre convencido del móvil cívico, público, admirable, del acusado...)”64 Possivelmente, a única vantagem da plea negotiation seja a celeridade com que são realizados os acordos e com isso finalizados os processos (ou sequer iniciados). Sob o ponto de vista do custo administrativo, existe uma considerável economia de tempo e dinheiro. Também para o acusado, a estigmatização é menor, salvo nos casos (não pouco frequentes) em que um inocente admite uma culpa inexistente. De qualquer forma, não há dúvida de que sempre é melhor uma sentença justa, ainda que tardia, que o imediatismo da injustiça. Em síntese, a justiça negociada não faz parte do modelo acusatório e tampouco pode ser considerada como uma exigência do processo penal de partes, e resulta ser uma perigosa medida alternativa ao processo, sepultando as diversas garantias obtidas ao longo de séculos de injustiças. VI. CONCLUSÕES Concluindo, a origem do processo penal está intimamente relacionada com a evolução da pena e, principalmente, do Estado de Direito, por isso, na atualidade, o processo penal deve estar conforme essas exigências do liberalismo. A aplicação da pena, como manifestação da justiça, exige o instrumento “processo” para que possa se concretizar, e a necessidade do processo penal é uma conquista fundamental da humanidade, como efetivo instrumento para a proteção dos indivíduos contra os abusos do poder punitivo estatal. Por esse motivo, o moderno processo penal tem um duplo fundamento que justifica sua existência: instrumentalidade e garantismo. Por meio desses dois postulados, realiza e também dupla função do Direito Penal, em que pese a separação institucional e a autonomia de tratamento científico: de um lado torna viável a realização da justiça corretiva e a aplicação da pena, e de outro, serve como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, protegendo os indivíduos dos atos abusivos do Estado no exercício dos direitos de perseguir e punir. A plea negotiation vai de encontro ao próprio fundamento da existência do processo penal, e culmina por criar uma nefasta alternativa ao processo, uma via secundária, que sepulta a principal garantia: a de ser julgado em um processo penal justo. O processo, como instituição estatal, deve ser a única estrutura legitimada para a imposição da pena, e abrir mão dessa condição, em nome do sistema negocial, é um grave retrocesso, com a diferença de que agora não está sendo o juiz, mas o acordo, que está às portas do tribunal. Felizmente, o sistema brasileiro ainda não chegou a tal ponto de degeneração, mas o perigo existe e é cada dia maior, crescendo na mesma medida com que se instala esse furor negocial. Sem ter a pretensão de esgotar o tema, entendemos que com essas breves considerações é possível justificar que instrumentalidade e garantismo não são fundamentos antagônicos, senão que se complementam, de modo que da fusão de ambos encontramos o verdadeiro fundamento da existência do processo penal: a instrumentalidade garantista. ------------------------ BIBLIOGRAFIA ------------------------ ARAGONESAS ALONSO, Pedro. Instituciones de Derecho Procesal Penal. 5. ed. Madrid, Rubi Artes Gráficas, 1984. __________. Proceso y Derecho Procesal. 2. ed. Madrid, Edersa, 1997. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Notas sobre o problema da efetividade do processo”. In: Revista AJURIS, no 49, novembro de 1983. Porto Alegre, Revista de Jurisprudencia. BETTOLI, Guisepe. Instituciones de Derecho Penal y Procesal. Trad. 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Palestra apresentada no curso Investigar, Acusar, Julgar, promovido pelo Colegio de Abogados de Madrid e a Universidad Complutense, em 16 de julho de 1998. Publicada na Revista OTROSÍ – do Colegio de Abogados de Madrid – nº 141, de setembro de 1998, p. 30 e ss. WESSELS, Johannes. Direito Penal – parte geral. Trad. de Juarez Tavares. Porto Alegre, Sérgio Fabris, 1976.
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A INSTRUMENTALIDADE GARANTISTA DO PROCESSO PENAL Doutor em Direito Processual pela Universidad Complutense de Madrid; Prof. Direito Processual Penal da Fundação Universidade Federal do Rio Grande e da Pontifícia Universidade Católica do RS. Advogado. E-mail: aury@mikrus.com.br Sumário: I. Introdução; II. A instrumentalidade e o garantismo; A) Exclusividade estatal da pena e do processo; B) A instrumentalidade do processo penal; C) A teoria do garantismo e o processo penal; D) Instrumentalidade garantista e os postulados do Estado de Direito; III. Criticas ao sistema de “justiça negociada”; IV. Conclusões; Bibliografia. I. INTRODUÇÃO O homem é um ser coexistencial, que não pode subsistir por longo tempo independente de qualquer contato; ao oposto, devido à natureza de suas condições existenciais, todas as pessoas dependem do intercâmbio, da colaboração e confiança recíproca1. Ao não alcançar sua plenitude isoladamente, está obrigado a manter contato com outros homens. Inobstante, o homem é um animal insatisfeito, insatisfeito precisamente em relação aos que convivem com ele, e isso arranca uma série de atitudes sociais, de conflitos sociais. Esses conflitos intersubjetivos de interesses devem ser regulados pelo Direito, sob pena de colocar em risco a própria manutenção da vida em sociedade. Tal conflito vem caracterizado como uma colisão de atividades entre os diversos membros da comunidade, ou seja, como uma incompatibilidade exteriorizada entre várias atitudes dinâmicas assumidas pelas partes que dão lugar ao conflito2. Em linhas gerais, o Direito Penal surge como um importante instrumento de manutenção da paz social, e, como resume JESCHECK3, la misión del derecho penal es la protección de la convivencia humana en la comunidad. No mesmo sentido, WESSELS4 explica que a tarefa do Direito Penal é a proteção dos valores elementais da vida comunitária, no âmbito da ordem social, e como garantidor da manutenção da paz jurídica. O injusto típico surge quando falha o Direito Penal em sua função de prevenir infrações jurídicas no futuro5 - função de prevenção - e advém uma conduta humana voluntária, finalisticamente dirigida, que lesiona ou expõe a perigo bens e valores reconhecidos e protegidos pelo ordenamento, gerando uma juízo de desvalor da ação e também de desvalor do resultado. Esse juízo de desvalor, em última análise, exterioriza-se mediante a aplicação de uma pena (ou medida de segurança) e corporifica a função repressiva do Direito Penal. Mas o Direito Penal é despido de coerção direta e, ao contrário do Direito Privado, não tem atuação em realidade concreta fora do processo correspondente. Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista um injusto típico, mas também que exista previamente o devido processo penal. A pena não é o efeito jurídico do delito6, senão que é efeito do processo; mas o processo não é o efeito necessário, sendo da necessidade do impor a pena ao delito por meio do processo. Por isso, mesmo já pendente da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal, posto que o processo termina antes de desenvolver-se completamente (arquivamento, suspensão condicional, etc.) e não se desenvolve de forma válida (nulidade), não pode ser imposta uma pena. Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo que são complementares. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena. 1 JESCHECK, Hans Heinrich. Tratado de Derecho Penal, parte geral, p. 2 e ss. 2 GUARIG, Jaime. La Pretensión Punitiva. In: Estudios Jurídicos, p. 582. 3 Idem, ibidem. 4 Derecho Penal – parte geral, p. 3. 5 JESCHECK, Hans Heinrich. Op.cit, p. 3. 6 Como explica GOMEZ ORBANEJA, Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal. Tomo I. p. 27 e ss. Dentro dessa íntima relação entre o Direito Penal e o processo penal, deve-se apontar que o atual modelo de Direito Penal mínimo, corresponde um processo penal garantista7. Só um processo penal que, em garantia dos direitos do imputado, minimize os espaços impróprios da discricionariedade judicial, pode oferecer um sólido fundamento para a independência da magistratura e ao seu papel de controle da legalidade do poder8. A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a própria evolução da pena, refletindo a estrutura do Estado em um determinado período, ou, como prefere J.GOLDSCHMIDT9, los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general. Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución. Partindo de sua experiência, la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso. A titularidade do poder de penar por parte do Estado surge no momento em que é suprimida a vingança privada e são implantados os critérios de justiça. O Estado, como ente jurídico e político, avoca para si o direito (e também o dever) de proteger a comunidade e inclusive o próprio delinquente, como meio de cumprir sua função de procurar o bem comum, que se veria afetado pela transgressão da ordem jurídico-penal, por causa de uma conduta delitiva10. À medida que o Estado se fortalece, consciente dos perigos que encerra a autodefesa, assumirá o monopólio da justiça, produzindo-se não só a revisão da natureza contratual do processo, senão a proibição expressa para os particulares de tomarem a justiça por suas próprias mãos. Frente à violação de um bem juridicamente protegido, não cabe outra saída11 que não a invocação da defesa estatal – o processo judicial – em que, mediante a atuação de um terceiro imparcial, cuja designação já não corresponde à vontade das partes, senão da imposição da estrutura instituída, será solucionado o conflito e sancionado o autor. O processo, como instituição estatal, é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena. Depois dessa breve introdução, cumpre buscar uma resposta para a proposição de J.GOLDSCHMIDT12. Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo? Se o ius puniendi corresponde ao Estado, que tem o poder soberano sobre seus súditos, que acusa e também julga por meio de distintos órgãos, pergunta-se: por que necessita que prove seu direito em um processo? Para o autor13, a necessidade de proteger os indivíduos contra os abusos do poder estatal é uma “construção técnica artificial” que não convence. Segundo o autor, para compreender essa definição, é necessário analisar a natureza da pena estatal, pois “a pena se impõe mediante um processo porque é uma manifestação da justiça e porque o processo é o caminho necessário, e a jurisdição penal é a continuação da jurisdição civil, porque ambas representam os dois ramos da justiça estabelecida por Aristóteles”, ou seja, da justiça distributiva (civil) e corretiva (penal). A justificação do processo penal está posta na essência mesma da justiça. Entendemos que a fundamentação do autor deve ser vista, na atualidade, não como um ponto final, mas como marco de início do estudo. Os modernos postulados de garantias processuais constitucionais do Estado de Direito nos levam a afirmar que os argumentos do jurista alemão são hoje – insuficientes. Devemos continuar buscando um fundamento que justifique a existência do processo penal, traçando uma lógica interpretativa de acordo com nosso atual momento político-processual. Esse será o objetivo do presente trabalho. 7 Conforme explicamos na nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001. 8 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoría del Garantismo Penal, p.10. 9 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal, p. 67. 10 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Instituciones de Derecho Procesal Penal, p. 7. 11 Seja quais aquelas causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade juridicamente reconhecidas pelo Direito Penal. 12 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal, p. 7. 13 Idem, ibidem, p. 7, 17 e 21. II. A INSTRUMENTALIDADE E O GARANTISMO A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a evolução da pena, que por sua vez é reflexo da estrutura do Estado em um determinado período. O processo surge com o terceiro estágio de desenvolvimento da pena, agora como “pena estatal”, que vem marcada por uma limitação jurídica do poder de perseguir e punir. A pena somente pode ser imposta mediante o processo judicial e pelo Estado. A) EXCLUSIVIDADE ESTATAL DA PENA E DO PROCESSO O primeiro ponto que deve ser esclarecido, sem embargo da inestimável lição de J.GOLDSCHMIDT, é o fato de que o moderno Direito Penal já abandonou as teorias retributivas, pela sua inutilidade para a reinserção social do condenado. Como explica ROXIN14, a Teoria Unitária (mista) é a que melhor explica a atual função da pena. Segundo essa ideia, deve-se atribuir à pena a combinação dos três princípios inspiradores (retribuição, prevenção especial e prevenção geral), conforme o momento em que estiver sendo analisada: momento da previsão legal, momento da determinação judicial e a fase de execução da pena. No primeiro momento, a pena deve ter a função de proteger os bens jurídicos, quando a ideia de prevenção geral por meio intimidação coletiva é utilizada, inibindo as pessoas de cometer delitos. Sem efeito, ela é insuficiente contra o delito. No segundo momento, determinação judicial, o juiz deverá individualizar a pena (dosimetria) conforme as características do delito e do autor. Ao impor a pena, o juiz concretiza a ameaça contida no tipo penal abstrato, atendendo ainda ao fim de prevenção geral. Por fim, na terceira fase (cumprimento/execução da pena), obtêm-se a prevenção especial de presente e a reinserção social e reeducação15 do condenado. Os fins da pena devem ser perseguidos no marco penal estabelecido pela culpabilidade pessoal do sujeito (juízo de desvalor do autor do fato), na medida mais equilibrada possível, podendo variar ainda, em uma ou outra direção, segundo as características do caso concreto (desvalor do fato do autor). No Direito Privado, as normas possuem uma eficácia direta, imediata, pois os particulares detêm o poder de praticar atos jurídicos e negócios jurídicos, de modo que a inadecuación das normas de Direito Material, sejam civis, comerciais, etc, é direta. As partes materiais, em sua vida diária, aplicam o Direito Privado sem qualquer intervenção dos órgãos jurisdicionais, que em regra são chamados apenas para solucionar eventuais conflitos surgidos pelo incumprimento do acordado. Em resumo, não existe o monopólio dos tribunais na aplicação do Direito privado y ni siquiera puede decirse que estadísticamente sean sus aplicaciones más importantes.16 Por outro lado, totalmente distinto é o tratamento do Direito Penal, pois, ainda que os tipos penais tenham uma função de prevenção geral e também de proteção17, sua verdadeira essência está na pena e a pena não pode prescindir do processo penal. Existe um monopólio da aplicação da pena pelo Estado, mediante o processo correspondente. O Estado, diante do perigo de submissão da justiça aos interesses particulares, assume para si as funções estatais de controle da ordem social, retirando dos indivíduos qualquer tentativa de autotutela. 14 Com ARZT e TIEDEMANN, Introducción al Derecho Penal y al Derecho Penal Processal, p. 63 e ss. Também em português, Problemas Básicos de Direito Penal, p. 48 e ss. 15 Se no plano teórico já está superada a ideia de pena como mera retribuição, como aludia Goldschmidt, no plano prático tal conotação está em pleno vigor, pois a reinserção social e a reeducação do condenado são tão inalcansáveis em nosso falido sistema carcerário, levando-nos uma vez mais à insuperável dicotomia entre o ser e o dever ser do direito 16 MONTERO AROCA, Juan. Principios del Proceso Penal, p.15. 17 A tipicidade serve não só para a proteção de bens jurídicos, mas também para proteger os indivíduos contra os abusos do Estado em sua atividade de perseguir e punir. pena por parte dos órgãos jurisdicionais e isso representa um enorme avanço da humanidade. Assim, fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao Direito Penal e à pena, pois o processo é o caminho necessário para a pena . É o que GOMEZ ORBANEJA 18 denomina de princípio de la necesidad del proceso penal, amparado no art. 1º da LECrim 19, pois não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena. O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena e nulla culpa sine iudicio, expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal. São três 20 os monopólios estatais: a) Exclusividade do Direito Penal b) Exclusividade pelos Tribunais c) Exclusividade Processual Como explicamos anteriormente, atualmente a pena é estatal (pública), no sentido de que o Estado substituiu a vingança privada e com isso estabeleceu que a pena é uma reação do Estado contra a vontade individual. Está proibida a autotutela e a “justiça pelas próprias mãos”. A pena deve estar prevista em um tipo penal e cumpre ao Estado definir os tipos penais e suas conseqüentes penas, ficando o tema completamente fora da disposição dos particulares 21. Entendemos que a exclusividade dos tribunais em matéria penal, deve ser analisada em conjunto com a exclusividade processual, pois, ao mesmo tempo que o Estado prevê que só os tribunais podem declarar o delito e impor a pena, também prevê a imprescindibilidade de que essa pena seja imposta por meio de um processo penal válido, e que, em alguns casos juízes e tribunais decidam pela possibilidade de aplicação ou não da pena. Esse é, portanto, o órgão responsável por definir e determinar a pena proporcional aplicável, e essa operação deve necessariamente ocorrer no leito de um processo penal válido e com todas as garantias constitucionalmente estabelecidas para o acusado. Aos demais poderes do Estado, Legislativo e Executivo, está vedada essa atividade. Inobstante, como destaca MONTERO AROCA 22, absurdamente ....se constata dia a dia que las leyes van permitiendo a los órganos administrativos imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud, muchas veces, que ni siquiera pueden ser impuestas por los tribunales como penas. Outra situação que nos parece inaceitável é a aplicação de uma pena sem que tenha antecedido em sua totalidade um processo penal válido, como ocorre, v.g., na transação penal previsto no art. 72 (v) 65 da Lei 9099. Os referidos dispositivos permitem que a pena de multa, aplicada de forma imediata na audiência preliminar, seja convertida em pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, quando não for paga pelo acusado. O resultado final é absurdo: uma pena privativa de liberdade (fruto da conversão), sem culpa e sem que sequer tenha existido o processo penal. É um exemplo de subversão de princípios garantidores básicos do processo penal. Por fim, destacamos que o processo penal constitui uma instância formal de controle do crime 23, e, para a Criminologia, é uma reação formal ao delito e também pode ser considerado como um instrumento de seleção, principalmente nos sistemas jurídicos que adotam princípios como da oportunidade, plea bargaining e outros mecanismos de consenso. B) A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO PENAL 18 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal, tomo I, p. 27. 19 Norma processual penal espanhola - Ley de Enjuiciamiento Criminal. 20 Seguindo MONTERO AROCA, Princípios del Proceso Penal, p. 16 e ss. 21 Inobstante, cumpre destacar que o monopólio estatal de perseguir e punir está sendo questionado a cada dia com mais força, com o implemento de princípios como oportunidade e conveniência da ação penal, aumento do número de delitos de ação penal privada ou pública condicionada e com as possibilidades de transação penal (plea bargaining). 22 Princípios del Proceso Penal, p. 19. 23 Conforme explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE na obra Criminologia, p. 365 e ss. 4 Estabelecido o monopólio da justiça estatal e do processo, trataremos agora da instrumentalidade. Desde logo, não devem existir pudores em afirmar que o processo é um instrumento e que essa é a razão básica de sua existência. Ademais, o Direito Penal careceria por completo de eficácia sem a pena, e a pena sem processo é inconcebível, um verdadeiro retrocesso, de modo que a relação e interação entre Direito e Processo é patente. A strumentalità 24 do processo penal reside no fato de que a norma penal apresenta, quando comparada com outras normas jurídicas, a característica de que o preceito tem como conteúdo um determinado comportamento proibido ou imperativo e a sanção tem como destinatário aquele poder do Estado, que é chamado a aplicar a pena. Não é possível a aplicação da reprovação sem o prévio processo, nem mesmo no caso de consentimento do acusado, pois ele não pode submeter-se voluntariamente a pena, senão por meio de um ato judicial (nulla poena sine iudicio). Essa particularidade do processo penal demonstra que seu caráter instrumental é mais destacado que no processo civil. Inobstante, é fundamental compreender que a instrumentalidade do processo não tem uma visão exclusivamente jurídica e tampouco jurídico-processual. Não é um instrumento que tem como única finalidade 25 a satisfação de uma pretensão (acusatória) ou a justa composição da lide (processo civil). É o que BARBOSA MOREIRA 26 denomina problemática essencial da efetividade do processo e que serve de ponto de partida para situar um dos mais graves problemas do processo: o que se entende por instrumentalidade. Explica RANGEL DINAMARCO 27, em sua magistral obra A Instrumentalidade do Processo, que a instrumentalidade pode ser classificada em negativa e positiva 28. A instrumentalidade negativa corresponde à negação do processo como um fim em si mesmo e significa um repúdio aos exageros processualísticos e a excessivo aperfeiçoamento das formas processuais em detrimento das normas relevantes relacionadas ao bem estar de natureza. A instrumentalidade positiva está caracterizada pela preocupação em extrair do processo (como instrumento) o máximo proveito quanto à obtenção dos resultados propostos e confunde-se com a problemática acerca da efetividade do processo, de modo que ele deverá cumprir integralmente toda a função social, política e jurídica. São quatro os aspectos fundamentais da efetividade: a) admissão em juízo; b) modo de ser do processo; c) justiça das decisões; d) utilidade das decisões. A conclusão é que o processo não pode ser considerado como um fim em si mesmo, pois sua razão de existir está no caráter de instrumento-meio para a consecução de um fim. Esse fim não deve ser exclusivamente jurídico, pois a instrumentalidade do sistema processual não está limitada ao mundo jurídico (direito material ou processual). Por esse motivo, o processo deve também atender as finalidades sociais e políticas, configurando assim a finalidade metajurídica 29 da jurisdição e do processo. Com isso, o processo penal deve preocupar-se com a pacificação social, com o bem comum, e possui inclusive um caráter educacional, ou seja, é uma tendência universal, no que se refere aos fins do processo e do exercício da jurisdição, o abandono das fórmulas exclusivamente jurídicas 30. Outra tendência, também apontada por RANGEL DINAMARCO, é a visão liberal da jurisdição, como um meio de tutela do indivíduo frente aos possíveis abusos ou desvios de poder dos agentes 24 Como explica LEONE, Elementi di Diritto e Procedura Penale, p. 189. 25 Finalidade e objeto são coisas distintas, permitindo dizer que as finalidades do processo vão mais além de seu objetivo. Por isso, não existe nenhuma contradição entre pluralidade de funções com o fato de ser a pretensão acusatória o objeto único do processo penal (seguindo a teoria do objeto de James Goldschmidt, especialmente na obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal). 26 “Notas sobre o problema da efetividade do processo”. Revista AURIS, v. 29, Porto Alegre, 1983. 27 São Paulo, Malheiros, 1999. 28 A Instrumentalidade do Processo, p. 456. Sem embargo, como externa o título da monografia, a idéia de autor encontra-se diluída em toda a obra. 29 A Instrumentalidade do Processo, especialmente a parte segunda. 30 RANGEL DINAMARCO, op.cit., p. 219. 5 estatais: é o equilíbrio entre os valores poder e liberdade. Resulta imprescindível visualizar o processo desde seu exterior, para constatar que o sistema não tem valor em si mesmo, senão pelos objetivos que é chamado a cumprir. Em uma perspectiva interna – atos do processo – verifica-se que cada um deles tem funções frente ao Direito Material, à sociedade e ao Estado. Isso não implica, de nenhum modo, desprestigiar o sistema processual ou defender um retrocesso, mas sim reconhecer seu verdadeiro status de instrumento autônomo a serviço do Direito Material, do Estado e da sociedade, e que, por si só, carece de razão de existir. A independência conceitual e metodológica do Direito Processual com relação ao Direito Material foi uma conquista fundamental. Direito e processo constituem dois planos verdadeiramente distintos no sistema jurídico, mas estão relacionados pela unidade de objetivos sociais e políticos, o que conduz a uma relatividade do binômio direito-processo (substance-procedure) 31. Respeitando sua separação institucional e a autonomia de seu tratamento científico, o processo penal está a serviço do Direito Penal, ou, para ser mais exato, da aplicação desta parcela do Direito Objetivo 32. Por esse motivo, não pode descuidar do fiel cumprimento dos objetivos traçados pelo autor, entre os quais está o de proteção do indivíduo. Como explica RANGEL DINAMARCO, a autonomia extrema do processo com relação ao Direito Material foi importante no seu momento, e, sem ela, os processualistas não haveriam podido chegar tão longe na construção do sistema processual. Mas isso já cumpriu com a sua função. A acentuada visão autônoma está em vias de extinção e a instrumentalidade está servindo para relativizar o binômio direito-processo, para a liberação de velhos conceitos e superar os limites que impedem o processo de alcançar outros objetivos, além do limitado campo processual. A essência do processo é assim um ponto de evolução que lhe permite alcançar para trás todos os fins e preocupações do Direito Penal e resolver problemas práticos, cumprindo sua função instrumental sem qualquer menosprezo. O Direito Penal não pode prescindir do processo, pois a pena sem processo perde sua aplicabilidade. Com isso, concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de sua existência, mas com uma especial característica: é um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais. É uma especial conjugação do caráter instrumental e que só se manifesta no processo penal, pois trata-se de instrumentalidade relacionada ao Direito Penal, à pena, às garantias constitucionais e aos fins políticos e sociais do processo. É o que denominamos instrumentalidade garantista. C) A TEORIA DO GARANTISMO E O PROCESSO PENAL Nessa mesma linha de democratização substancial da justiça, atualmente propugna-se com muita propriedade por um modelo de justiça garantista ou garantismo penal, cujo ponto de partida passa necessariamente pela teoria estruturada por FERRAJOLI 33. É importante destacar que o garantismo não tem nenhuma relação com o mero legalismo, formalismo ou mero processualismo. Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais – da vida à liberdade pessoal, das liberdades cívicas e políticas às expectativas sociais de subsistência, dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses, materiais e prepolíticos, que fundam e justificam a existência daqueles artifícios – como chamou Hobbes – que são o Direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democracia 34. Dessa afirmação de FERRAJOLI é possível extrair um imperativo básico: o Direito existe para tutelar os direitos fundamentais. 31 RANGEL DINAMARCO, op. cit. p. 454. 32 OLIVA SANTOS, na obra coletiva Derecho Procesal Penal, p.6. 33 O que segue é uma análise de diversos pontos da obra Derecho y razón - Teoria del Garantismo Penal, de Luigi Ferrajoli. 34 FERRAJOLI, op.cit. p. 28 e 29. 6 Essa grave degeneração do processo permite que se fale em verdadeiras penas processuais, pois confrontam violentamente com o caráter e a função instrumental do processo, configurando uma verdadeira patologia judicial, na qual o processo penal é utilizado como uma punição antecipada, instrumento de perseguição política, intimidação policial, gerador de estigmatização social, inclusive com um degenerado fim de prevenção geral. Exemplo inequivocal nos oferecem as prisões cautelares, verdadeiras penas antecipadas, com um marcado caráter dissuasório e de retribuição imediata. O mais grave é que a pena pública e infamante do Direito Penal pré-moderno foi ressuscitada e adaptada à modernidade, mediante a exibição pública do mero suspeito nas primeiras páginas dos jornais ou nos telejornais. Essa execração ocorre não como consequência da condenação, mas da simples acusação (inclusive quando esta ainda não foi formalizada pela denúncia), quando todavia o indivíduo ainda deveria estar sob o manto protetor da presunção de inocência. De nada serve um sistema formalmente garantista e efetivamente autoritário. Essa falácia garantista45 consiste na ideia de que bastam as razões de um "bom" Direito, dotado de sistemas avançados e alves de garantias constitucionais para conter o poder e pôr os direitos fundamentais a salvo dos desvios e arbitrariedades. Não existem Estados democráticos plenos e, em alguns países, possam ser considerados plenamente garantistas ou antigarantistas, senão que existem sistemas de garantismo e o ponto meramente residual está no distanciamento entre o ser e o dever ser. D) INSTRUMENTALIDADE GARANTISTA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Na definição de J.GOLDSCHMIDT, o processo penal resume-se como um caminho para a aplicação da pena, e a necessidade de proteger os indivíduos contra os abusos do poder estatal é uma "construção técnica artificial" que não é convincente. O processo, como instrumento para a realização do Direito Penal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado. Nesse sentido, o processo penal deve servir como um instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contradição, defesa, etc. Nesse sentido, BATTAGLINI46 afirma que o moderno Direito Penal tem como função principal a garantia da liberdade individual. Ademais, como destaca ARAGONESAS ALONSO47, incluso tiene el Estado el deber de proteger al propio delincuente, pues esto también es una forma de garantizar el libre desarrollo de la personalidad, que es la función de la justicia. Por sua vez, W.GOLDSCHMIDT48 explica que os direitos fundamentais, como tais, dirigem-se contra o Estado, e pertencem, por consequência, àquele ser que tudo afora do amparo do indivíduo contra o Estado. Prova disso é a quantidade de dispositivos que integram as constituições modernas, regulando o processo penal, com a finalidade de garantir a plena eficácia dos direitos fundamentais do acusado enquanto estiver sendo processado. Também não podemos esquecer que o processo penal constitui um ramo do Direito Público, e que a essência do Direito Público é a automatização do Estado. Essa evolução levou o Estado a aceitar no processo penal uma soberania mitigada, pois deve submeter ao debate público sua pretensão acusatória e poder punitivo. Enquanto dura o processo, dura a incerteza, até que se pronuncie a sentença. Por isso, a personalidade do Estado, que aparece monolítica49 dentro do Direito Público interno (constitucional e administrativo), uma vez dentro do processo penal parece dividir- se e modelar-se distintamente, segundo os diferentes papéis que exerce: de juiz, na atividade jurisdicional, e como titular da função punitiva; e de Ministério Público na atividade encaminhada à persecução dos delitos (como titular da pretensão acusatória). Explica BOBBIO50 que atualmente impõe-se uma postura mais liberal, de modo que, nas relações entre indivíduo e Estado, primeiro vem o indivíduo e depois vem o Estado, e o Estado já não é um fim em si mesmo, porque é, e deve ser, somente um meio que tem como fim a tutela do homem, de seus direitos fundamentais de liberdade e segurança coletiva. Ademais, existe um fundamento histórico-político para sustentar a dupla função do moderno processo penal e que foi colocado de relevo por BETTIOL51. A proteção do indivíduo também resulta de uma imposição do Estado Liberal, pois o liberalismo trouxe exigências de que o jurídico tenha uma dimensão jurídica que o Estado ou a coletividade não pode sacrificar ad nutum. O Estado de Direito mesmo em sua origem já representava uma relevante superação das estruturas do Estado de Polícia, que negava ao cidadão toda garantia de liberdade, e isto surgiu na Europa depois de uma época de arbitrariedades que antecedeu a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789. A pena começa precisamente quando termina a vingança e os impulsos que dão razão à vingança, e a imposição da pena corresponde ao juiz, não só desde os tempos do Estado de Direito, mas desde que existe juiz e pena. Juiz e pena se encontram sempre juntos52. Como explica BETTIOL53 la venganza es fruto de un impulso, Y, por tanto, de una emoción no controlada por la razón y de un modo desproporcionado respecto al mal del mal o del daño causado. La pena, por el contrario, sigue siendo en verdad un imperativo categórico, una imposición racional. É por isso que em razão de querer eleger uma importante característica da pena: a proporcionalidade. A democracia é um sistema político-cultural que valoriza o indivíduo frente ao Estado e que se manifesta em todas as esferas da relação Estado-indivíduo. Inequivocamente, leva a uma democratização do processo penal, refletindo essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal. Pode-se afirmar, com toda segurança, que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes, ou seja, o processo penal é um direito protetor dos inocentes. Esse status (inocência) adquire caráter constitucional e deve ser mantido até que exista uma sentença penal condenatória transitada em julgado. O objeto primordial da tutela não será somente a salvaguarda dos interesses da coletividade, mas também a tutela da liberdade processual do imputado, o respeito a sua dignidade como pessoa, como efetiva parte do processo. O significado da democracia é a valorização do homem, em toda la complicacion de re las instituciones procesales que sólo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad: el hombre.54 O processo penal é uma das expressões mais típicas do grau de cultura alcançado por um povo no curso da sua história, e os princípios da política processual de uma nação não são outra coisa que segmento da política estatal em geral. Nas palavras de J.GOLDSCHMIDT55, a estrutura do processo penal de uma nação não está senão o termômetro dos elementos corporativos ou autoritários de sua Constituição. Nessa linha, uma Constituição democrática deve orientar a democratização substancial do processo penal, e isso demonstra a transição do Direito passado ao Direito futuro. Nem Estado Democrático de Direito, não podemos tolerar um processo penal [amar a] autoritário e típico de um Estado-policial, pois o processo deve adequar-se à Constituição e não vice-versa. Como consequência, a estrutura do processo penal deve ser tal que se reduza ao mínimo possível o risco de erro e, em segundo lugar, o sofrimento injusto que dele deriva56. Todos os mecanismos de proteção que busquem amenizar o sofrimento e os riscos que ele encerra são um imperativo de justiça. III. CRÍTICAS AO SISTEMA DE "JUSTIÇA NEGOCIADA" A partir da compreensão do processo como instrumento de proteção e garantia, deve ser rechaçado o sistema de justiça negociada - plea negotiation - pois configura a degeneração do processo e até mesmo uma perigosa alternativa ao processo. A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas "zonas de consenso", com a adoção de diversos instrumentos e a atribuição de inensuráveis poderes ao Ministério Público, está sustentada, em síntese, por três argumentos básicos: estar conformes os princípios do modelo acusatório, resultar da adoção de um "processo de partes" e proporcionar celeridade na administração de justiça. A tese de que as formas de acordo são vizinhas ou têm stimolo lógico do "modelo acusatório" e do "processo de partes" é totalmente ideológica e mistificadora como qualificou FERRAJOLI57, para quem esse sistema é fruto de uma confusão entre o modelo teórico acusatório - que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação, na igualdade entre acusação e defesa, na oralidade e publicidade do juiz - e as características concretas do sistema acusatório americano, algumas das quais, como a discricionariedade da ação penal e o acordo, não têm relação alguma com o modelo teórico postulante. A ausência de depoimentos também exige que o juiz mantenha-se alheio ao trabalho de investigação e se pronuncie no recolhimento das provas tanto da impugnação como da defesa, para isso é necessário reformar completamente o modelo continental, público e com um sistema de maioria. E, com Concisão que como todas as regras exigem prova, vigora o sistema de livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada. A liberdade da parte passiva é a regra, sendo a prisão cautelar uma exceção. O sistema negociado não faz parte do modelo acusatório e, ademais, viola os seis princípios anteriormente apontados, terminando por fulminar o mais importante de todos: o direito a um processo judicial justo. É uma confusão injustificável no plano teórico e explicável no histórico. A discricionariedade da ação penal e os acordos são resquícios históricos da ação penal privada e/ou popular, em que a acusação era disponível. Na atualidade, nos sistemas de acusação pública (inclusive nos Estados Unidos), a justiça negociada é uma construção imprópria do processo de partes e do sistema acusatório. Com isso, surge o equivoco de querer aplicar o sistema negociador, como se estivéssemos tramando no ramo do Direito Privado. Existe, inclusive, os que defendem uma "privatização" do processo penal partindo do Princípio Dispositivo do processo civil, esquecendo que o processo penal constitui un systema con suas categorias jurídicas próprias, como muito bem identificou J.GOLDSCHMIDT, e que tal analogia, além de nociva, é inadequada. As particularidades do processo penal, aliadas ao predomínio interese público - tanto na condenação do culpado como na absolvição do inocente - não permitem esse poder da autonomia de vontade que pretende a plea negotiation. Explica CARNELUTTI58 que existe uma diferença insuperável entre o Direito Civil e o Direito Penal: en penal, con la ley no se juega. Em Civil, as partes têm as mãos livres, em Penal devem-te ás-tais dadas. Aqui, só há lugar para a lei, e, deixar pelo direito já encontrada, não há a possibilidade de, no caso particular, encontrar outro. É uma garantia da própria justiça. O primeiro pillar da função garantista do Direito Penal e Processual é o monopólio legal e jurisdicional da violência repressiva. A negotiation viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco submete-se aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade. É a mais completa desativação do júri contraditório, característica do sistema acusatório, e encaixa melhor com as práticas persuasórias permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo. É transformar o processo penal em uma “negociata”, no seu sentido mais depreciativo. Muitas negociações são realizadas nos despachos do Ministério Público sem publicidade e onde prevalece o poder do mais forte, acentuando a posição de superioridade do parquet. Explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE59 que a plea bargaining nos Estados Unidos é responsável pela solução de 80 a 95% de todos os delitos. Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo Tribunal, que erroneamente limita-se a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor. Não sem razão, a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal. Ademais, as cifras citadas colocam em evidência que em oito ou nove de cada dez casos não existe nenhum contraditório. No mesmo sentido, o Juiz Federal dos Estados Unidos RUBÉN CASTILLO60 afirma que de todos os processos criminais acolhidos, mais de 90% nunca chegam a juízo, pois a defesa acorda com o MP. O que caracteriza o princípio do contraditório é exatamente o confronto claro, público e antagônico entre as partes em igualdade de condições. Essa importante conquista da evolução do Estado de Direito resulta ser a primeira vítima da justiça negociada, que começa por sacrificar o contraditório e acaba por matar a igualdade de armas. Que igualdade pode existir na relação do cidadão suspeito frente à prepotência da acusação, que, ao dispor do poder de negociar, humilha e impõe suas condições e estipula o preço do negócio? O pacto no processo penal é um perverso intercâmbio, transformando a acusação em um instrumento de pressão, capaz de gerar acusações falsas, testemunhas caluniosas ou insegurança jurídica. O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática, em que a parte passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transformar-se em uma complexa e burocrática guerra. Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao “negócio”. O promotor, disposto a constranger e obter a cooperação a qualquer preço, utilizará a acusação forçada como um instrumento de pressão, solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito, ainda que sem o menor fundamento. A tal ponto pode chegar a degeneração do sistema que, de forma clara e inequívoca, o saber e a razão são substituídos pelo poder atribuído ao Ministério Público. O processo, ao final, é transformado num luxo reservado só a quienes estén dispuestos a afrontar sus costes y sus riesgos.61 Tampouco entendemos que o sistema negocial colabore para aumentar a credibilidade da justiça, pois ninguém gosta de negociar sua inocência. Não existe nada mais repugnante que, ante fundados protestos de inocência, ter que decidir entre reconhecer uma culpa inexistente, em troca de uma pena menor, ou correr o risco de submeter-se a um processo que será desde logo desleal. É um poderoso estímulo negativo saber que terá de enfrentar um promotor cuja imparcialidade é imposta por lei e terá entrentada junto com a frustrada negociação, e que acusado de forma desmedida, inclusive obstaculizando a própria defesa. Uma vez mais tem razão GUARNIERI, quando afirma que acreditar na imparcialidade do Ministério Público é incidir no erro de confiar al lobo la mejor defensa del cordero. No plano do Direito Material, as bases do sistema caem por terra. O nexo de causalidade entre o delito e a pena e a proporcionalidade da punição é sacrificada. A pena não dependerá mais da gravidade do delito, mas da habilidade negociadora da defesa e da discricionariedade da acusação. Em síntese, a segurança jurídica dependerá do espírito aventureiro do acusado e de seu poder de barganha. O excessivo poder - sem controle - do Ministério Público e seu maior ou menor interesse no acordo faz com que princípios como os da igualdade, certeza e legalidade penal não passem de ideias historicamente conquistados e sepultados pela degeneração do atual sistema. Tampouco sobrevivem nessas condições a presunção de inocência e o ônus probatório da acusação. O processo penal passa a não ser mais o caminho necessário para a pena, e com isso o status de inocente pode ser perdido muito antes do juízo e da sentença e, principalmente, sem que para isso a acusação tenha que provar seu alegado. A superioridade do promotor, acrescida do poder de transigir, faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal, para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a “segurança” do mal menor de admitir uma culpa, ainda que inexistente. Os acusados que se recusam ao acordo ou a guilty plea são considerados incômodos e nocivos, e sobre eles pesarão acusações mais graves. O panorama é ainda mais assustador quando, ao lado da acusação, está um Juiz pouco disposto a levar o processo até o final, quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com menor trabalho possível. Quando as portas estão fechadas e o sistema passa a valorizar mais o juiz pela sua produção quantitativa que pela qualidade de suas decisões, o processo assume sua face mais nefasta e cruel. Criticando o sistema espanhol (crítica perfeitamente aplicável ao Brasil), FAIREN GUILLEN63 assinala com muita propriedade que “Una paradoja más se halla en el hecho de que un Estado, que por agora sigue un régimen político de enorme intervencionismo en casi todas las esferas de actividad del ciudadano..., funcione en sentido contrario, abandonando un campo de Derecho público, en beneficio del interés particular. (No se venga a decir ahora, al cabo de más de veinte años de experiencia del plea bargain en USA, que el Ministerio Público, al contrariar, está siempre convencido del móvil cívico, público, admirable, del acusado...)”64 Possivelmente, a única vantagem da plea negotiation seja a celeridade com que são realizados os acordos e com isso finalizados os processos (ou sequer iniciados). Sob o ponto de vista do custo administrativo, existe uma considerável economia de tempo e dinheiro. Também para o acusado, a estigmatização é menor, salvo nos casos (não pouco frequentes) em que um inocente admite uma culpa inexistente. De qualquer forma, não há dúvida de que sempre é melhor uma sentença justa, ainda que tardia, que o imediatismo da injustiça. Em síntese, a justiça negociada não faz parte do modelo acusatório e tampouco pode ser considerada como uma exigência do processo penal de partes, e resulta ser uma perigosa medida alternativa ao processo, sepultando as diversas garantias obtidas ao longo de séculos de injustiças. VI. CONCLUSÕES Concluindo, a origem do processo penal está intimamente relacionada com a evolução da pena e, principalmente, do Estado de Direito, por isso, na atualidade, o processo penal deve estar conforme essas exigências do liberalismo. A aplicação da pena, como manifestação da justiça, exige o instrumento “processo” para que possa se concretizar, e a necessidade do processo penal é uma conquista fundamental da humanidade, como efetivo instrumento para a proteção dos indivíduos contra os abusos do poder punitivo estatal. Por esse motivo, o moderno processo penal tem um duplo fundamento que justifica sua existência: instrumentalidade e garantismo. Por meio desses dois postulados, realiza e também dupla função do Direito Penal, em que pese a separação institucional e a autonomia de tratamento científico: de um lado torna viável a realização da justiça corretiva e a aplicação da pena, e de outro, serve como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, protegendo os indivíduos dos atos abusivos do Estado no exercício dos direitos de perseguir e punir. A plea negotiation vai de encontro ao próprio fundamento da existência do processo penal, e culmina por criar uma nefasta alternativa ao processo, uma via secundária, que sepulta a principal garantia: a de ser julgado em um processo penal justo. O processo, como instituição estatal, deve ser a única estrutura legitimada para a imposição da pena, e abrir mão dessa condição, em nome do sistema negocial, é um grave retrocesso, com a diferença de que agora não está sendo o juiz, mas o acordo, que está às portas do tribunal. Felizmente, o sistema brasileiro ainda não chegou a tal ponto de degeneração, mas o perigo existe e é cada dia maior, crescendo na mesma medida com que se instala esse furor negocial. Sem ter a pretensão de esgotar o tema, entendemos que com essas breves considerações é possível justificar que instrumentalidade e garantismo não são fundamentos antagônicos, senão que se complementam, de modo que da fusão de ambos encontramos o verdadeiro fundamento da existência do processo penal: a instrumentalidade garantista. ------------------------ BIBLIOGRAFIA ------------------------ ARAGONESAS ALONSO, Pedro. Instituciones de Derecho Procesal Penal. 5. ed. Madrid, Rubi Artes Gráficas, 1984. __________. Proceso y Derecho Procesal. 2. ed. Madrid, Edersa, 1997. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Notas sobre o problema da efetividade do processo”. In: Revista AJURIS, no 49, novembro de 1983. Porto Alegre, Revista de Jurisprudencia. BETTOLI, Guisepe. Instituciones de Derecho Penal y Procesal. Trad. 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