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Farmácia ·
Toxicologia Ambiental
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Texto de pré-visualização
Autores Profa Daniela Martins da Silva Prof Humberto Vieira Frias Profa Ivana Barbosa Suffredini Prof Wilson Roberto Malfará Colaboradores Prof Flávio Buratti Gonçalves Prof Juliano Rodrigo Guerreiro Prof Luiz Henrique Cruz de Mello Toxicologia e Análises Toxicológicas Professores conteudistas Daniela Martins da Silva Humberto Vieira Frias Ivana Barbosa Suffredini Wilson Roberto Malfará Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP S586t Silva Daniela Martins da Toxicologia e Análises Toxicológicas Daniela Martins da Silva Humberto Vieira Frias Ivana Barbosa Suffredini Wilson Roberto Malfará São Paulo Editora Sol 2021 520 p il Nota este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP Série Didática ISSN 15179230 1 Toxicidade 2 Diagnóstico 3 Tratamento I Silva Daniela Martins da II Frias Humberto Vieira III Suffredini Ivana Barbosa IV Malfará Wilson Roberto V Título CDU 6159 U51061 21 Daniela Martins da Silva É graduada em Farmácia e Bioquímica pela Unisantos especialista em Acupuntura pelo Instituto Brasileiro de Estudos Homeopáticos IBEHE mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade São Francisco USF e doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo Unifesp Professora titular na Universidade Paulista UNIP em Santos atua nos cursos de Farmácia e Biomedicina É supervisora de estágio e orientadora de trabalho de conclusão de curso e iniciação científica Também é responsável pela elaboração de materiais didáticos Humberto Vieira Frias É graduado em Farmácia pela Faculdade Oswaldo Cruz FOC de São Paulo e habilitado em FarmáciaBioquímica pela Universidade Paulista UNIP também de São Paulo É mestre em Toxicologia e Análises Toxicológicas pelo Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo USP Conceito Capes 5 e doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela UNIP Conceito Capes 5 Atuou na área de atenção e assistência farmacêutica como sócioproprietário da Pro Pharmacy em São Paulo Atualmente é professor orientador de estágio no curso de Farmácia semipresencial Sepi na Coordenadoria de Estágio Bacharelado CEB da UNIP professor titular nos cursos de graduação de Farmácia e Biomedicina e coordenador do curso de Farmácia da mesma instituição no campus Marquês de São Vicente Ivana Barbosa Suffredini Possui mestrado e doutorado em Fármaco e Medicamento pela Universidade de São Paulo USP e pósdoutorado em Toxicologia pela Universidade Paulista UNIP Atualmente é professora titular da UNIP docente permanente nos programas de pósgraduação em Patologia Ambiental e Experimental Conceito Capes 5 e em Odontologia Conceito Capes 4 e responsável pelo Núcleo de Pesquisas Biodiversidade NPBio da UNIP É membro da Comissão de Ética no Uso de Animais CeuaUNIP Atua nas áreas de farmacognosia farmacologia e toxicologia de plantas medicinais e microbiologia e aborda os seguintes temas avaliação de atividade antitumoral antimicrobiana e antioxidante toxicidade geral e alterações comportamentais de extratos vegetais e óleos essenciais com interesse voltado à aplicação em medicina veterinária e humana e em odontologia É uma das pesquisadoras principais do Projeto Rio Negro líder dos Grupos de Pesquisa Atividades Biológicas Farmacológicas e Toxicológicas de Produtos Naturais e Terapêutica Medicamentosa aplicada às Ciências da Saúde assim como pesquisadora dos Grupos de Pesquisa de Neuropsicofarmacologia Experimental e Ambiental Esquemas Terapêuticos e Curativos Propostos e Preconizados no Tratamento das Doenças Bucais e Bioprospecção e Produção de Metabólitos Secundários Vegetais Wilson Roberto Malfará Doutor pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto USP mestre em Fármacos e Medicamentos pela mesma universidade especialista em Toxicologia Analítica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP e farmacêuticobioquímico formado pela Fundação Hermínio Ometto FHOUniararas Tem inserção na área acadêmica desde o término do mestrado e atua como docente em disciplinas de diferentes cursos como Medicina Farmácia Medicina Veterinária Biomedicina Educação Física e Fisioterapia Além da atuação na docência também tem inserções na pesquisa voltada às mesmas linhas mencionadas Participa da redação de vários materiais para o ensino a distância EaD Prof Dr João Carlos Di Genio Reitor Prof Fábio Romeu de Carvalho ViceReitor de Planejamento Administração e Finanças Profa Melânia Dalla Torre ViceReitora de Unidades Universitárias Profa Dra Marília AnconaLopez ViceReitora de PósGraduação e Pesquisa Profa Dra Marília AnconaLopez ViceReitora de Graduação Unip Interativa EaD Profa Elisabete Brihy Prof Marcello Vannini Prof Dr Luiz Felipe Scabar Prof Ivan Daliberto Frugoli Material Didático EaD Comissão editorial Dra Angélica L Carlini UNIP Dr Ivan Dias da Motta CESUMAR Dra Kátia Mosorov Alonso UFMT Apoio Profa Cláudia Regina Baptista EaD Profa Deise Alcantara Carreiro Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico Prof Alexandre Ponzetto Revisão Bruna Baldez Jaci de Paula Lucas Ricardi Vera Saad Sumário Toxicologia e Análises Toxicológicas APRESENTAÇÃO 11 INTRODUÇÃO 12 Unidade I 1 PRINCÍPIOS DA TOXICOLOGIA 13 11 História da toxicologia 13 12 Introdução à toxicologia 16 121 Classificação dos agentes tóxicos 20 122 Fases da intoxicação 20 123 Interações químicas 28 124 Tolerância 33 125 Doseresposta 33 126 Índice terapêutico 35 127 Toxicocinética 36 128 Toxicodinâmica 69 2 AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE 75 21 Informações preliminares 77 22 Teste de toxicidade aguda 77 23 Teste de toxicidade de dose repetida 77 24 Teste de toxicidade crônica 78 25 Teste de toxicidade na reprodução de uma geração e de duas gerações 78 26 Estudo toxicocinético 78 27 Estudos de neurotoxicidade em roedores 79 28 Estudos de embriotoxicidade e toxicidade no desenvolvimento 79 29 Teste de toxicidade genética 79 210 Teste de mutagenicidade 79 211 Teste de carcinogenicidade 79 212 Mutagênese e genotoxicidade 80 2121 Ácidos nucleicos uma breve história 81 2122 Conceitos de mutagenicidade genotoxicidade e carcinogenicidade 90 213 Avaliação do risco 112 2131 Identificação do perigo 114 2132 Avaliação doseresposta114 2133 Avaliação da exposição 115 2134 Caracterização do risco 115 3 TOXICOLOGIA AMBIENTAL 115 31 Introdução 116 32 Poluição atmosférica 116 321 Classificação dos poluentes da atmosfera119 322 Padrões de qualidade do ar 123 323 Material particulado suspenso 124 324 Óxidos de enxofre 126 325 Óxidos de nitrogênio 126 326 Ozônio 132 327 Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos 134 328 Monóxido de carbono 135 33 Poluição das águas 137 331 Introdução 138 332 Cianobactérias 138 333 Cianotoxinas 141 334 Toxinas irritantes 151 335 Toxinas frequentemente presentes em águas marinhas 152 336 Outros compostos bioativos 158 4 PLANTAS TÓXICAS ANIMAIS PEÇONHENTOS E DOMISSANITÁRIOS 159 41 Introdução 159 411 Plantas tóxicas 161 412 Plantas tóxicas significativas para o Brasil 163 413 Algumas plantas tóxicas de relevância veterinária 176 414 Plantas tóxicas classificadas segundo seus efeitos tóxicos e medidas emergenciais a serem tomadas 178 42 Animais peçonhentos e venenosos 181 421 Acidentes com animais peçonhentos e venenosos no Brasil 182 422 Principais animais peçonhentos e venenosos do Brasil 186 43 Domissanitários 202 431 Sabões e detergentes 202 432 Produtos que contêm compostos alifáticos derivados de petróleo 204 433 Produtos que contêm ou liberam cloro 204 434 Produtos que contêm substâncias com base em amônia 205 435 Produtos que contêm óleos essenciais de origem vegetal ou sintética 206 436 Produtos que contêm compostos fenólicos 206 437 Produtos que contêm formaldeído 206 438 Produtos que contêm ácidos 206 439 Produtos que contêm álcalis 207 4310 Produtos que contêm piretroides 208 4311 Produtos que contêm organofosforados 208 4312 Produtos que contêm carbamatos 208 4313 Produtos raticidas 208 4314 Outros produtos químicos encontrados em locais de usoconvivência comum 209 Unidade II 5 TOXICOLOGIA OCUPACIONAL E DE MEDICAMENTOS 218 51 Toxicologia ocupacional 218 511 Introdução 218 512 Monitorização ambiental 223 513 Monitorização biológica 230 514 Programa de controle médico de saúde ocupacional PCMSO 239 515 Vantagens e desvantangens da monitorização biológica 240 52 Toxicologia de medicamentos 240 521 Intoxicações por medicamentos 240 522 Síndromes tóxicas 266 523 Toxicologia de emergência intoxicações agudas 268 524 Toxicologia clínica 275 6 TOXICOLOGIA SOCIAL 283 61 Farmacodependência 285 611 Papel dos fármacos ou drogas como reforçadores 287 612 Sistema de recompensa cerebral 290 613 Avaliação do potencial de abuso 292 614 Drogas estimulantes do SNC 293 615 Drogas depressoras 299 616 Drogas despersonalizantes e alucinógenas 301 62 Toxicologia forense e analítica308 621 Introdução à toxicologia forense e à toxicologia analítica 308 622 Características das amostras 311 623 Urgências no atendimento a paciente vivo com suspeita de intoxicação 313 624 Procedimento nas análises postmortem 313 625 Clínica médica legal 315 626 Métodos de análise 315 627 Análise de drogas no cabelo 319 628 Testes rápidos para identificação de drogas de abuso 320 63 Dopagem no esporte 322 631 Histórico 322 632 Substâncias proibidas nas competições e fora delas 324 633 Métodos de dopagem 326 634 Outras substâncias proibidas 327 635 Controle antidopagem e métodos analíticos 328 Unidade III 7 TOXICOLOGIA DOS ALIMENTOS E DOS METAIS 336 71 Toxicologia dos alimentos 336 711 Classificação dos agentes tóxicos presentes nos alimentos 336 712 Segurança dos alimentos 337 713 Agentes tóxicos naturalmente presentes nos alimentos 338 714 Contaminantes diretos de alimentos 352 715 Contaminantes indiretos de alimentos 393 716 Alimentos transgênicos 394 72 Praguicidas 394 721 Uma breve retrospectiva histórica dos praguicidas 394 722 Epidemiologia 397 723 Classificação dos praguicidas 399 724 Inseticidas organoclorados 402 725 Inseticidas organofosforados 405 726 Piretrinas e piretroides 414 727 Carbamatos 420 728 Paraquat 425 8 TOXICOLOGIA DOS METAIS 426 81 Alumínio 426 811 Propriedades físicoquímicas 426 812 Usos e fontes de exposição 426 813 Toxicocinética 427 814 Efeitos tóxicos em humanos 428 815 Carcinogenicidade 429 816 Manejo e tratamento da intoxicação 429 817 Fosfina 430 818 Manejo e tratamento 433 82 Arsênio 433 821 Introdução 433 822 Propriedades físicoquímicas 434 823 Usos e fontes de exposição 434 824 Toxicidade 435 825 Toxicocinética 436 826 Toxicodinâmica 437 827 Intoxicação aguda 437 828 Intoxicação crônica 438 829 Diagnóstico 439 8210 Manejo e tratamento da intoxicação 440 8211 Gás arsina 441 83 Cádmio 441 831 Usos e fontes 441 832 Toxicocinética 442 833 Efeitos tóxicos 442 834 Carcinogenicidade 444 835 Diagnóstico 444 836 Tratamento 444 84 Chumbo 445 841 Usos e fontes 445 842 Toxicocinética 446 843 Toxicodinâmica 447 844 Toxicidade 447 845 Sinais e sintomas da intoxicação 449 846 Diagnóstico 451 847 Tratamento 452 848 Prevenção da exposição 452 849 Carcinogenicidade 453 85 Mercúrio 453 851 Propriedades físicoquímicas 453 852 Usos e fontes de exposição 453 853 Toxicocinética 454 854 Minamata 458 855 Mecanismo de ação 458 856 Toxicidade 458 857 Carcinogenicidade 462 858 Diagnóstico 462 859 Manejo da intoxicação 463 86 Níquel 465 861 Introdução 465 862 Propriedades físicoquímicas 465 863 Usos e fontes de exposição 465 864 Toxicocinética 466 865 Biomarcadores de exposição 467 866 Toxicodinâmica 468 867 Toxicidade 469 868 Efeitos carcinogênicos 471 869 Manejo e tratamento da intoxicação 471 11 APRESENTAÇÃO Este livrotexto apresentará a você os princípios teóricos necessários para que se compreendam os mecanismos de intoxicação que se iniciam com a exposição do organismo a uma ou mais substâncias potencialmente tóxicas até as consequências dessa interação que pode ser a intoxicação ou mesmo a morte do referencial biológico O material lhe trará elementos para que você tenha a oportunidade de concluir como a toxicologia além de ciência é uma arte e das mais antigas Levaremos você a uma linha do tempo que demonstrará que desde os primórdios há casos de intoxicação a animais e humanos e que o conhecimento dessa ciência é fundamental para a sobrevivência humana Além disso esta obra contemplará os princípios teóricos que norteiam a compreensão dos mecanismos de prevenção diagnóstico e tratamento das intoxicações Ela irá trazer elementos que lhe darão sustentação teórica para compreender como e por que a mesma substância química pode levar benefícios ou trazer prejuízos intoxicação a organismos vivos Em uma visão geral o estudo da toxicologia e análises toxicológicas como ciência tem como pilares de sustentação trazer elementos para que compreendamos como prevenir diagnosticar e tratar os casos de intoxicação acidentais ou intencionais Entretanto para lograr êxito nesses objetivos fazse necessário que estejamos sustentados em um diverso conjunto de informações associadas às condições de exposição e às fases da intoxicação que nos serão paulatinamente expostas Os seres humanos podem se expor a diversos agentes tóxicos e se intoxicar de várias maneiras Por esse motivo nosso material irá abordar plantas tóxicas animais peçonhentos e domissanitários assim como apresentar ecléticas áreas de estudo da toxicologia como a toxicologia dos alimentos dos medicamentos clínica social ambiental ocupacional dos metais dos praguicidas e forense Em vários momentos serão apresentadas técnicas específicas e inespecíficas de diagnóstico da intoxicação como também serão demonstradas técnicas de manejo da intoxicação com antídotos específicos ou inespecíficos utilizados no tratamento da intoxicação de humanos e animais Nosso objetivo é elevar você a um plano superior de informação e de conhecimento na disciplina Você não apenas será apresentado aos princípios da toxicologia de forma clara atualizada e contextualizada como constatará que humanos e animais estão continuamente expostos a agentes tóxicos e que intoxicações acidentais ou intencionais são muito mais comuns do que se imagina Também identificará que a depender de algumas perspectivas uma mesma substância química pode ser benéfica ou pode causar danos ao homem e acredite talvez você não tenha a dimensão de como estamos expostos a substâncias químicas que podem causar danos ao organismo 12 INTRODUÇÃO O estudo e a aplicação dos conceitos da toxicologia e análises toxicológicas são fundamentais para a sobrevivência do homem bem como para sua qualidade de vida O conhecimento dessa ciência pode ser utilizado em muitas e diferentes áreas como na prevenção da intoxicação no ambiente de trabalho no cálculo da quantidade dos praguicidas que podem ser utilizados na lavoura no desenvolvimento de técnicas de manejo para que os trabalhadores não se intoxiquem e no desenvolvimento de fármacos e medicamentos uma vez que o medicamento deve ser eficaz mas também fazse necessário garantir a sua segurança A toxicologia estuda como as substâncias químicas liberadas ou presentes naturalmente presentes na atmosfera podem causar danos ao organismo auxilia na compreensão de como e por que ocorre o uso abusivo de substâncias químicas e ainda demonstra como identificálas em matrizes biológicas ou caracterizar os riscos envolvendo crianças e animais que se expõem a plantas ornamentais que causam importantes danos ao organismo É por meio desse conhecimento específico que se realizam as análises toxicológicas nos institutos de criminalísticas nos centros de controle de intoxicações em hospitais e laboratórios de análises clínicas e toxicológicas e nas indústrias farmacêutica farmoquímica e de cosméticos Elaboramos para você um histórico da toxicologia bastante robusto para que desde o início você consiga contemplar como esta disciplina é abrangente e ancestral 13 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Unidade I 1 PRINCÍPIOS DA TOXICOLOGIA A toxicologia é uma ciência pluridisciplinar que envolve medicina farmácia química bioquímica biologia ecologia epidemiologia estatística psicologia enfermagem medicina veterinária entre outras especialidades Ela estuda os tóxicosvenenos em todos seus aspectos e a relação com essas especialidades Etimologicamente a palavra toxicologia advém do latim toxicum veneno e do grego toxik o τoξikóν veneno de flexas veneno logí a λoyíα estudar Essa origem se justifica pelo fato de que as pontas das flechas eram preparadas com material biologicamente contaminado como pedaços de cadáveres ou venenos vegetais com o intuito de acelerar a morte dos animais durante a caça Serviam para isso as plantas que levavam à paralisia de músculos importantes como o coração e o diafragma Logos em grego significava inicialmente a palavra escrita ou falada o verbo No entanto a partir das ideias de filósofos gregos como Heráclito passou a ter um significado mais amplo sendo então um conceito filosófico traduzido como razão tanto como a capacidade de racionalização individual quanto como um princípio cósmico da ordem e da beleza Logos era definida por Sócrates como palavra conversa e no sentido filosófico passou a significar a razão que se dá a algo ou mais propriamente conceito O que se diz para definir algo é a logos dessa coisa a razão dada a ela Em consequência definiuse logos como o estudo de determinado assunto Já a palavra inglesa poison vem do latim potionem que chegou a nós através do francês poison e significava bebida poção Com o tempo la poison tornouse ainda na França sinônimo de veneno e mais tarde os dois significados se separaram dando le poison o veneno e la boisson a bebida Serviu ao sentido de veneno o fato de muitos tipos de tóxico serem administrados na forma de bebidas e assim serem mais fáceis de manipular e dar às vítimas A toxicologia é pois o estudo dos efeitos nocivos causados por matérias químicas sobre organismos vivos A seguir apresentaremos brevemente algumas situações envolvendo a toxicologia ao longo da história 11 História da toxicologia A história da toxicologia é tão antiga quanto a humanidade A sobrevivência exigiu que o ser humano se expusesse a alimentos que tivessem ao seu alcance o que fez com que adquirisse experiência com os alimentos que saciaram sua fome e o nutriram mas também experimentasse aqueles cujos efeitos eram mortais SANTOS et al 2004 14 Unidade I Foram encontradas flechas e lanças do período paleolítico impregnadas com substâncias tóxicas de origem vegetal e animal utilizadas para a caça Entre as substâncias químicas tóxicas encontradas nas flechas e lanças estavam a taxina Taxus baccata e o heléboro Helleborus niger H foetidus e H viridis que apresentam propriedades relativas à tetania na musculatura estriada concomitante a bradicardia e hipotensão cardíaca Durante a Idade do Bronze já se utilizava o fruto da papoula Papaver somniferum Antigos textos da medicina chinesa de cerca de 3000 anos aC descreveram que o imperador Shen Nung conhecido como o pai da medicina chinesa catalogou 365 ervas medicinais e substâncias tóxicas FRANÇA et al 2008 O imperador possuía um jardim botânico contendo plantas tóxicas e medicinais SANTOS et al 2004 Morreu possivelmente por conta de intoxicação por essas ervas ainda que tenha elaborado um tratado sobre essas plantas No Antigo Egito quem possuía e conhecia os venenos era a casta sacerdotal Papiros egípcios datados de 1700 aC faziam referências à intoxicação por chumbo e ao uso de Cannabis indicus e Papaver somniferum Descoberto pelo egiptólogo alemão Georg Ebers o papiro de Ebers 1500 aC descreve o ópio o acônito a ioscina o heléboro o ópio o cânhamo indiano além do chumbo e do cobre No papiro de Saqqara há a descrição sobre os efeitos e doses letais da amêndoa amarga Posteriormente foi descoberta a presença de glicosídeos cianogênicos nas amêndoas amargas Na Grécia Antiga o Estado utilizava veneno como arma de execução A cicuta Conium maculatum era o veneno oficial e beber de seu suco era uma das mais temidas consequências para o cidadão grego que transgredisse a lei Sócrates 470399 aC filósofo grego foi condenado a beber o suco de cicuta Cleópatra 6930 aC última rainha do Egito morreu pela picada de uma cobra Naja haje Andrómaco de Creta médico do imperador Nero incorporou 64 substâncias químicas à sua obra De antidotis Estrabão 6220 aC historiador grego e geógrafo observou que em alguns peixes substâncias químicas eram bioquimicamente bioativadas e davam origem a substâncias tóxicas capazes de realizar ligações covalentes em macromoléculas nucleofílicas SCARLATO 2006 Além de ter revolucionado o pensamento da época a obra de Pedro de Abanos Pietro DAbano 12501316 De remedius venenorum dividiu os agentes tóxicos nas categorias animal mineral e vegetal assim como Dioscórides com o seu livro De materia medica havia feito 1200 anos BARLY et al 2014 Seu discípulo Arnaldo de Villanova 12351313 revelou em De venenis et de arte e cognoscendi que quando se queima o carvão ocorre a liberação de substâncias tóxicas sem saber havia descoberto o monóxido de carbono No século XIII Nicolás de Salerno publicou a obra Antidotarius magnus seu universalis com 115 receitas antidotais ESCOBAR 2015 A história da toxicologia reúne o nome de famosas mulheres envenenadoras como madame Toffana Catarina de Medici e Lucrezia Borgia Madame Toffana era uma viúva siciliana que fez fortuna ao elaborar uma receita de veneno O produto elaborado por ela foi chamado de acqua Toffana ou água de Toffana à base de hidreto de arsênio e cantáridas Lytta vesicatoria inseto coleóptero polífago que produz a 15 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS cantaridina produto tóxico considerado afrodisíaco diurético e vesicante SANTOS et al 2004 Além de intoxicar seu esposo madame Toffana vendia a acqua Toffana para mulheres com dificuldade no casamento O produto vinha inclusive com instruções de uso era insípido incolor e miscível com água e álcool de forma que podia ser misturado com vinho ou água sendo facilmente servido com refeições Toffana confessou a morte de 600 pessoas após ser presa e foi executada em 1659 em Roma Segundo Philippus Theophrastus Aureolus Bombastus von Hohenheim 14931541 mais conhecido como Paracelsus veja a figura a seguir e referido inúmeras vezes como o pai da toxicologia todas as coisas são venenosas e nada é sem veneno é a dose que determina se algo é ou não veneno Seu principal ditado publicado em alemão era O que há que não é veneno GRANDJEAN 2016 Figura 1 Paracelsus O médico italiano Bernardo Rammazzini 16331714 considerado o pai da medicina do trabalho realizou descrições com admirável precisão das manifestações clínicas das doenças dos trabalhadores válidas ainda hoje Nos últimos cem anos a toxicologia como ciência se desenvolveu intensamente Entretanto seu crescimento exponencial data do pósSegunda Guerra Mundial a partir da produção de moléculas orgânicas utilizadas para uso industrial princípios ativos para medicamentos e pesticidas para uso militar período no qual vários laboratórios toxicológicos foram criados como o da Universidade de Chicago e o de Kansas Estados Unidos para estudo dos efeitos dos gases sarin soman e tabun chamados gases dos nervos STRAIF et al 2017 Na América Latina destacase o médico argentino Emílio Astolfi 19301995 considerado o pai da toxicologia no continente De escola francesa foi pioneiro na área de toxicologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires Também foi importante Waldemar Ferreira de Almeida 16 Unidade I 19181996 médico brasileiro pioneiro na toxicologia no Brasil e coordenador do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz Ele desenvolveu pesquisas em toxicologia dos praguicidas e foi consultor sobre praguicidas em comitês de especialistas organizados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura Food and Agriculture Organization FAO e pela Organização Mundial da Saúde OMS VASCONCELLOS et al 1998 12 Introdução à toxicologia Como você teve a oportunidade de observar a toxicologia esteve presente em toda a história da humanidade Mas nesse momento poderíamos nos perguntar o que efetivamente significa o termo toxicologia Um dos conceitos que nos parece mais adequado é que a toxicologia é a ciência que estuda os danos causados por um ou mais agentes químicos quando interagem com um referencial biológico humano ou animal sob certas condições de exposição OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Acompanhe conosco o raciocínio no inverno quando alguém se aquece pelo calor gerado pela queima do carvão essa pessoa pode apresentar uma leve cefaleia tontura confusão mental ou até mesmo pode morrer por causa da exposição ao monóxido de carbono CO caso esteja em um ambiente confinado como um dormitório com as portas fechadas ou apenas entreabertas dependendo do tempo que a pessoa fica exposta ao CO produzido pela queima desse carvão da quantidade dessa substância presente no local e de outras circunstâncias como a condição de saúde da pessoa se é adulto ou criança entre outros Por outro lado outras pessoas podem não apresentar qualquer sinal ou sintoma de intoxicação nas mesmas condições de exposição Dessa forma toda substância pode ser considerada um agente tóxico dependendo das condições de exposição A toxicologia é portanto uma ciência que tem por objetivo o estudo dos efeitos tóxicos causados por substâncias químicas para sabermos como as intoxicações devam ser diagnosticadas e tratadas e principalmente para propor mecanismos de prevenção da intoxicação Agora que você já teve o primeiro contato com a disciplina daremos oportunidade para que se familiarize com alguns conceitos amplamente utilizados na matéria Os danos causados pelo contato da substância química com o organismo isto é pela interação físicoquímica entre a substância química e membranas internas ou externas do organismo também podem ser chamados de efeitos tóxicos Esses efeitos tóxicos efeitos nocivos ou danos ocorrem quando se rompe a homeostase do organismo ou seja quando as substâncias químicas às quais o referencial biológico se expõe ultrapassam a capacidade de resposta fisiológica morfológica ou bioquímica do organismo Nesse caso rompese a homeostasia e ocorre o dano Agente tóxico ou toxicante são termos que representam substâncias químicas capazes de romper a homeostase de um organismo alterar seriamente uma ou mais funções ou até mesmo leválo à morte dependendo das condições de exposição 17 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação Na verdade não são apenas as substâncias químicas que podem causar danos ao organismo pois agentes físicos também podem A exposição excessiva à radiação ultravioleta UV pode levar ao câncer de pele A radiação UV é eletromagnética não ionizante e emitida na forma de energia pelo sol e pode variar de intensidade dependendo da proximidade em que a pessoa ou animal estiver da linha do equador da altura do sol do horário de maior exposição que ocorre entre as dez horas da manhã e as quatro horas da tarde da elevada altitude e da quantidade de ozônio na troposfera capaz de filtrar a radiação solar Entretanto a radiação UV não é uma substância química mas um agente físico e campos magnéticos podem afetar processos biológicos Há evidências de que quando um organismo se expõe de forma crônica à radiação não ionizante de baixa frequência há aumento do risco de câncer em adultos e em crianças A conclusão que obtivemos dessa contextualização é que dependendo das condições de exposição não apenas a agentes químicos mas também a agentes físicos como a radiação UV pode ocorrer o rompimento da homeostase de um organismo causando danos a ele O conceito do termo xenobiótico é obtido a partir dos vocábulos gregos xenos traduzido como estranho e bios vinculado à vida A palavra xenobiótico portanto designa uma substância química encontrada no organismo mas que não é naturalmente produzida por ele ou que não se espera que esteja presente no organismo Vamos contextualizar essa informação À medida que uma pessoa está doente e é medicada o medicamento ao qual a pessoa se expôs não faz parte do organismo mas está presente nele Assim esse medicamento é considerado um xenobiótico Ficou clara a informação Observação Xenobiótico toxicante e agente tóxico são sinônimos amplamente utilizados na disciplina de toxicologia O termo toxina está relacionado a uma substância química produzida por um sistema biológico como um animal planta bactéria ou fungo O Clostridium botulinum por exemplo é uma bactéria capaz de produzir a toxina botulínica que pode causar intoxicação a humanos e a animais Dessa forma a toxina botulínica é uma toxina e não um xenobiótico OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Gostaríamos agora de fazer um questionamento para que você tenha a dimensão de como está sua compreensão da disciplina Para isso daremos mais uma informação e em seguida faremos uma pergunta para você Está preparado para mais esse desafio Dependendo da temperatura de queima dos átomos de cloro pode haver a formação de um conjunto de substâncias químicas denominadas de dioxinas que podem causar importantes danos a humanos 18 Unidade I ou a animais Gostaríamos que você refletisse um pouco sobre essa colocação Agora nos permita questionar as dioxinas podem ser consideradas toxinas O que você acha Para responder a essa pergunta você precisa inicialmente verificar quem é o organismo produtor da substância No caso das dioxinas não são organismos vivos propriamente ditos que as produzem Observação As dioxinas se originam da queima do cloro e podem aparecer espontaneamente na natureza ou por conta da ação humana Dessa forma por não serem produzidas por bactérias fungos e algas mas por serem formadas de forma natural ou antropogênica pela ação humana as dioxinas são consideradas xenobióticos e não toxinas Ficou clara a diferença entre um agente tóxico e uma toxina O termo veneno é reservado para ser utilizado quando a substância química advém de animais que o utilizam para fins de defesa ou predação como no caso de veneno de escorpião aranha abelha ou cobra Também é um termo popularmente consagrado para designar substâncias químicas ou misturas dessas que com baixas doses sejam capazes de provocar intoxicação ou morte OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Outro termo amplamente utilizado nessa disciplina é droga que é toda substância capaz de modificar ou explorar o sistema fisiológico ou estado patológico utilizada com ou sem intenção de benefício do organismo receptor ainda que o termo droga também seja utilizado popularmente para se referir a agentes tóxicos matériasprimas de medicamentos medicamentos alucinógenos ou fármacos O termo fármaco referese a toda substância de estrutura química definida capaz de modificar ou explorar o sistema fisiológico ou estado patológico em benefício do organismo receptor Dentro desse contexto o Δ9tetrahidrocanabinol THC é considerado um fármaco e a planta que o contém a maconha Cannabis sativa é uma droga O termo ação tóxica é amplamente utilizado na toxicologia e se refere à forma pela qual um xenobiótico atua sobre um referencial biológico sob a perspectiva bioquímica e molecular Observação Você lerá em artigos livros ou materiais acadêmicos o termo toxicodinâmica como sinônimo de ação tóxica Tratase de um termo amplamente utilizado Voltemos ao exemplo da toxina botulínica As vesículas sinápticas que armazenam acetilcolina ACh reguladas por Ca2 liberam esse neurotransmissor quando há a fusão das membranas de vesículas de armazenamento com a membrana plasmática de neurônios présinápticos A toxina botulínica por meio 19 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS de ligações específicas impede a fusão dessas membranas e consequentemente a exocitose liberação da ACh nas junções nervosas localizadas no sistema nervoso periférico levando ao relaxamento da musculatura Pode ter ação terapêutica ou tóxica dependendo das condições de exposição É assim que age a toxina botulínica no organismo humano ou de animais ou seja essa é a ação tóxica ou toxicodinâmica dessa toxina Você concorda conosco que se uma pessoa está intoxicada para tratar essa intoxicação utilizase de um antídoto É exatamente isso o que acontece Os antídotos são substâncias químicas capazes de antagonizar ou reduzir os efeitos tóxicos de um xenobiótico ou seja se contrapõem aos efeitos nocivos causados ao referencial biológico por outra substância OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Observação Não há antídotos específicos ou até mesmo inespecíficos para todas as substâncias potencialmente tóxicas Como já vimos no inverno aumentam os casos de intoxicação pela exposição ao CO uma vez que algumas pessoas se aquecem em ambientes internos pelo calor liberado pela queima do carvão e também pode haver a liberação desse gás por vazamento de aquecedores internos Como o CO é um gás inodoro e incolor quem se expõe a ele não consegue perceber que está havendo essa exposição Após a exposição o organismo pode sentir inicialmente uma ligeira cefaleia que tende a aumentar se a pessoa continuar se expondo ao gás Também pode haver confusão mental visão turva e fraqueza generalizada Não é incomum haver exposições fatais dentro desse cenário Assim o antídoto utilizado para o tratamento da exposição aguda ao CO é o oxigênio Ficou claro para você o que é um antídoto Um outro termo da mais alta relevância utilizado na disciplina é o conceito de toxicidade que é a capacidade potencial e inerente que uma substância química tem de romper a homeostase causar dano e até mesmo levar o organismo à morte dependendo das condições de exposição Dessa forma uma substância química de elevada toxicidade é aquela que com baixas doses é capaz de causar dano ao referencial biológico Um dos parâmetros mais importantes na toxicologia para comparar a toxicidade de substâncias químicas é a DL50 que se refere à dose de uma substância química capaz de levar à morte metade dos animais que foram expostos a ela É um parâmetro utilizado na avaliação da toxicidade aguda ou seja em exposições que caracterizem altas doses a curto prazo em exposição única ou múltipla em 24 horas cujo dano é a morte do animal OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 O risco de intoxicação é calculado comparando a DL50 com as condições de exposição Podemos concordar então que uma substância química pode apresentar alto risco de intoxicação ainda que tenha elevada DL50 ou seja baixa toxicidade se a exposição for acentuada O termo risco está associado à probabilidade matemática derivada de dados estatísticos da ocorrência do dano dependendo das condições de exposição Matematicamente o risco é obtido quando se relaciona a toxicidade de uma 20 Unidade I substância DL50 com as condições de exposição OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Por essa equação uma substância química de baixa toxicidade pode apresentar alto risco de intoxicação se sua exposição for intensa Estudaremos adiante outras aplicações da DL50 Dependendo das condições de exposição em que o organismo se expõe a um toxicante pode haver rompimento do equilíbrio desse organismo Mesmo que ele tente se defender por meio de alterações bioquímicas morfológicas e fisiológicas quando a homeostase é rompida ou seja caso seja ultrapassada a capacidade do organismo de reagir a essa variação externa ou interna instaurase a intoxicação que é a manifestação dos efeitos tóxicos evidenciada pelo aparecimento de sinais e sintomas ou por meio da exames laboratoriais 121 Classificação dos agentes tóxicos O agente tóxico pode ser classificado de diferentes formas em função das demandas e dos interesses de quem os classifica Pode ser classificado assim segundo seu órgãoalvo usos fontes de liberação ou exposição estado físico estabilidadereatividade toxicidade ou até mesmo pelo seu mecanismo de ação 122 Fases da intoxicação Uma vez que a homeostasia é ultrapassada ou seja a capacidade que o organismo tem de reagir às variações externas ou internas por meio de alterações morfológicas bioquímica ou moleculares é esgotada as células reduzem suas respectivas ações específicas no organismo e passam a realizar funções basais relacionadas à função ancestral de sobrevivência Além da alteração da função celular dependendo das condições de exposição pode haver a instalação da lesão da célula A ação do xenobiótico e consequentes efeitos no organismo são muito dinâmicos Quando o organismo se expõe ao xenobiótico dependendo das condições de exposição essa substância pode ser absorvida rapidamente em alguns segundos atuar em diferentes órgãos e exercer seu efeito tóxico ou deletério Em breve teremos a oportunidade de estudar com bastante riqueza de detalhes os eventos que ocorrem no organismo para que a homeostasia seja rompida e se manifestem os sinais e sintomas de intoxicação Nesse momento é importante saber que os mecanismos gerais que levam à intoxicação são muito dinâmicos ou seja o organismo se expõe ao xenobiótico que é absorvido e distribuído age no organismo e leva à intoxicação Entretanto para estudarmos com mais clareza esses fenômenos e para que também possamos propor como prevenir diagnosticar e tratar as intoxicações subdividiremos a intoxicação em quatro fases intoxicação toxicocinética toxicodinâmica e clínica OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 conforme visto na figura a seguir 21 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Fases da intoxicação Exposição Dose ou concentração Absorção Tempo ou frequência Biotransformação Via de administração Distribuição Suscetibilidade individual Armazenamento Propriedades físicoquímicas Excreção Toxicocinética Toxicodinâmica Clínica Figura 2 Fases da intoxicação 1221 Fase da exposição Você se recorda do conceito do termo toxicante Se sim ótimo Como vimos anteriormente toxicante ou xenobiótico é toda e qualquer substância química que ao interagir com um referencial biológico é capaz de romper a homeostase causar dano ao organismo e até mesmo leválo à morte dependendo das condições de exposição Você observou a última frase desse conceito A última frase do conceito de toxicante termina em dependendo das condições de exposição Por que essa frase é tão emblemática nesta disciplina Porque dependendo das condições de exposição pode ou não haver dano ao referencial biológico A partir de agora você será levado às situações que norteiam as condições de exposição tão mencionadas anteriormente neste material Para que compreendamos as condições de exposição será necessário você entender melhor o conceito de exposição Pare por um instante e tente responder à seguinte pergunta o que significa exposição Alguns respondem que exposição é o tempo em que o organismo fica exposto enquanto outros têm dificuldade de responder a essa pergunta Observe que faz sentido essa dúvida não paramos para refletir sobre os significados de alguns conceitos rotineiros e o conceito de exposição é um deles Um dos conceitos que nos parece mais adequado a essa demanda é que a exposição é o contato da substância com o organismo Simples não é Alguns autores expressam esse conceito de uma forma 22 Unidade I mais rebuscada para eles o termo exposição está associado às interações físicoquímicas entre o xenobiótico e membranas internas ou externas do referencial biológico Observe que é o mesmo conceito que concluímos mas com outras palavras Assim quando você ler que o organismo se expôs ao agente tóxico você deve imediatamente pensar que houve o contato dessa substância com o organismo Observação Se não tem contato não tem exposição Sem exposição não há intoxicação Imagine o seguinte cenário há uma ampola hermeticamente fechada contendo uma substância altamente tóxica Se a ampola está fechada existe o contato dessa substância com quem está manuseando a ampola Não existe contato Se não há contato não há exposição Você compreendeu esse princípio Mais uma pergunta se não há exposição há risco de intoxicação Se não há exposição não há contato da substância química com pele olhos mucosa oral ou outra parte do organismo humano ou do animal Assim se não há contato não há risco de intoxicação Mas e se essa ampola for aberta há risco de intoxicação Se a ampola for aberta significa que pode haver contato do xenobiótico com membranas internas ou externas do organismo e dentro desse contexto pode sim haver intoxicação É esse o raciocínio toxicológico Ficou mais claro para você Dose ou concentração A dose à qual o organismo se expõe é uma das mais relevantes informações envolvendo a toxicologia e está associada à quantidade de uma substância à qual o organismo se expõe e que na maior parte das vezes é caracterizada por unidade de peso corpóreo A concentração é um termo associado à quantidade da substância presente na água ou no ar em que o organismo está exposto Dessa forma não se fala que o organismo se expôs a elevadas doses de poluentes presentes no ar mas sim que o organismo se expôs a uma elevada concentração do toxicante que se encontra na atmosfera KLAASSEN WATKINS 2009 Mais um exemplo para que você compreenda e se aproprie inequivocamente desses conceitos imagine que haja dez peixes Paulistinha o Danio rerio em um aquário e desejamos saber qual é a quantidade de uma determinada substância que leva à morte metade desses peixes Nesse experimento obtemos um parâmetro muito importante e extensivamente utilizado na toxicologia e em outras ciências como na farmacologia denominado de CL50 a concentração de uma substância química presente no ar ou na água capaz de levar à morte metade dos animais que foram expostos a ela em condições laboratoriais definidas Assim na contextualização de uma substância que será transferida à água do aquário em que estão os peixes como você se referiria a ela dose à qual os peixes foram expostos ou concentração à qual os peixes foram expostos Se você escolheu a segunda opção parabéns Você está indo muito bem Essa 23 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS substância não está sendo administrada aos peixes mas sendo colocada na água e os peixes irão se expor à substância química presente na água Assim é concentração Não é interessante Observação Para que sejam realizados experimentos com animais deve ser submetido um projeto sob supervisão de profissionais experientes para aprovação da Comissão de Ética no Uso de Animais de Laboratório Ceua A disciplina de toxicologia leva em consideração a relação doseefeito ou seja quanto maior a dose ou concentração a que o organismo se expõe maior será o dano causado pela substância no organismo Esse raciocínio é facilmente extrapolado quando se pensa em termos de medicamentos um comprimido é responsável pelo seu efeito terapêutico Se o mesmo medicamento é administrado ao mesmo organismo pela mesma via de exposição mas em grande quantidade ou seja vários comprimidos ao mesmo tempo com a mesma dosagem possivelmente o organismo apresentará intoxicação É interessante observar que há uma recorrente frase em livros de toxicologia Toxicologia é muitas vezes considerada a ciência dos venenos ou envenenamento Dessa vez vamos reportar à história para entender essa frase Paracelsus foi o responsável por fazer a primeira distinção entre veneno e remédio Segundo Paracelsus todas as coisas são venenosas e nada é sem veneno Compreendemos assim que é a dose que determina se algo é ou não veneno Conforme já dissemos seu mantra publicado em alemão era o que há que não é veneno Ele realizou importantes estudos sobre dosagem Foi o pioneiro no emprego do termo dose sob o aspecto quantitativo e a desenvolver trabalhos envolvendo o éter Em seus escritos divulgou que dependendo da dose alguns venenos poderiam agir como remédio Foi Paracelsus que enunciou que deve haver experimentação animal para dimensionar a resposta do organismo ao se expor a substâncias tóxicas e que a dose de uma substância química é fundamental para manifestar efeitos tóxicos sendo que a mesma substância química pode apresentar propriedades terapêuticas ou tóxicas dependendo da dose à qual o organismo se expôs Tempo ou frequência de exposição Quanto maior é o tempo a que um organismo se expõe ao toxicante maior é o risco de intoxicação A frequência de exposição segue o mesmo raciocínio quanto maior a frequência de exposição maior é o risco de intoxicação OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Para que a informação seja contextualizada imaginemos que haja uma situação de incêndio e uma pessoa ou animal fique por alguns segundos exposto à fumaça tóxica Dependendo da natureza e da concentração dos toxicantes dessa fumaça tóxica a exposição por poucos segundos pode levar esse organismo a algum dano reversível ou irreversível Entretanto imagine que essa pessoa ou animal fique exposto por vários minutos ininterruptamente à essa fumaça tóxica O risco de intoxicação aumenta uma vez que quanto maior o tempo de exposição maior é o risco de intoxicação 24 Unidade I Atentese à reportagem do jornal O Estado de São Paulo AZEVEDO 2016 no dia em que o incêndio da Boate Kiss completa três anos uma série de homenagens às vítimas ocorre em Santa Maria na região central do Rio Grande do Sul palco da tragédia que deixou 242 pessoas mortas e feriu mais de 600 Em reportagem à Revista Veja Donini 2013 expôs a informação afirmando que espuma transformou a Boate Kiss em câmara de gás e que delegado apresenta pedaços do revestimento acústico da casa noturna e afirma que substâncias tóxicas foram responsáveis pelas mortes dos jovens Como você pode observar a exposição a substâncias químicas mesmo por períodos curtos pode causar danos irreversíveis e levar inclusive à morte Observação Espumas flexíveis são constituídas de substâncias químicas como cloreto de metileno poliol e tolueno diisocianato TDI Quando submetido a elevadas temperaturas como ocorre em um incêndio por exemplo o TDI libera cianeto no ambiente Voltemos ao contexto de tempo e frequência de exposição pois foi o que aconteceu na Boate Kiss A espuma utilizada como isolante acústico tinha em sua composição o TDI e liberou cianeto para o ambiente e as pessoas que se encontravam na boate se expuseram à substância química Mesmo os que se expuseram por pouco tempo aos gases liberados se intoxicaram Via de administração O organismo pode se expor aos toxicantes por diferentes vias como oral endovenosa pele trato respiratório e olhos Dependendo da via pela qual o organismo se expõe a um xenobiótico os efeitos podem mudar significativamente ainda que a quantidade da substância à qual o organismo se expôs seja a mesma Para que contextualizemos essa informação pensemos no ar Um humano adulto respira centenas de litros de ar por dia Entretanto uma administração endovenosa do mesmo ar que respiramos ainda que seja em pequeno volume pode ser fatal para esse organismo Você consegue compreender melhor que a exposição ao ar pode levar a diferentes efeitos no organismo caso haja alteração da via de exposição ou de administração Observação O ar não é uma substância química mas uma mistura homogênea de gases que contêm oxigênio Outro exemplo que trazemos à luz para a contextualização de como a via de administração pode influenciar diretamente os efeitos de uma substância no organismo é o curare nome que se dá ao preparo que os índios fazem para caçar constituído de uma mistura de plantas nativas da América do Sul como Chondrodendron tomentosum e Strychnos toxifera 25 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS O questionamento que se faz é por que o animal morre quando leva uma flechada quando a ponta da flecha está contaminada com o curare e o índio que se expõe à carne do animal que morreu com aquela substância não morre ainda que seja exposto à mesma substância que levou o animal à morte Você conseguiu compreender a problemática Vamos entender agora o que está acontecendo para que ocorram diferentes efeitos no organismo dependendo da via pela qual o organismo se expôs à substância Uma das justificativas está associada exatamente à via de exposição quando o animal é interceptado a flecha rompe tecidos inclusive vasos sanguíneos e libera o curare próximo aos vasos rompidos facilitando sua absorção Quando o índio ingere a carne do animal que foi morto pelo curare está havendo uma alteração da via de exposição ou seja o índio está sendo exposto ao curare pelo trato digestório Mas ainda falta uma informação relevante para a compreensão desse processo o principal componente do curare é a dtubocurarina Esse fármaco possui nitrogênio com estrutura de amônio quaternário veja a figura a seguir que o torna bastante hidrossolúvel O O OH OH OCH3 H3CO H3C H3C CH3 H N N H H Figura 3 Fórmula estrutural da dtubocurarina com nitrogênio no estado quaternário Consequentemente quando a exposição ao curare acontece pelo trato digestório sua absorção será lenta e não necessariamente plena por conta da elevada hidrossolubilidade da substância diferentemente do animal que se expõe à mesma substância pela flechada Assim quando um organismo se expõe à mesma quantidade da dtubocurarina por via endovenosa e pelo trato digestório seus efeitos são diferentes Saiba mais Sugerimos que você se familiarize ainda mais com as propriedades do curare Para isso leia a matéria CARVALHO J E Como os indígenas colocaram o ovo em pé Unicamp 21 mar 2019 Disponível em httpswwwunicampbrunicampnoticias2019 0321comoosindigenascolocaramoovoempe Acesso em 13 nov 2020 26 Unidade I Suscetibilidade individual Você concorda conosco que nem sempre organismos diferentes apresentam a mesma reação quando se expõem às mesmas substâncias Isso acontece porque cada pessoa ou animal reage de forma diferente levando à nossa quarta condição de exposição que está associada à suscetibilidade individual ou seja cada organismo pode reagir de uma forma diferente quando exposto à mesma substância nas mesmas condições de exposição Uma pessoa pode ser mais sensível em relação à outra e consequentemente apresentar uma reação mais intensa do que a outra quando se expõe à mesma quantidade de uma substância nas mesmas condições de exposição Uma das justificativas que levam à suscetibilidade individual parece estar relacionada à idiossincrasia que é o fenômeno em que ocorre uma reação exacerbada quando o organismo se expõe a uma pequena quantidade de substância química Essa reação é determinada geneticamente Como exemplo destacase classicamente a exposição à succinilcolina um bloqueador neuromuscular despolarizante com início de ação ultracurto que confere um bom relaxamento neuromuscular para a intubação Quando o organismo se expõe à succinilcolina e produz constitutivamente baixos teores de butirilcolinesterase enzima que a hidrolisa pode haver um prolongamento excessivo dos efeitos do bloqueador neuromuscular no organismo DA SILVA et al 2016 Poderíamos questionar por que isso ocorre Concordamos que esse efeito prolongado no organismo ocorre porque o organismo produz baixa quantidade de enzimas que hidrolisam a succinilcolina e essa baixa produção enzimática é determinada geneticamente Dessa forma dizemos que está havendo uma reação idiossincrática ou seja uma reação exacerbada período extenso de relaxamento neuromuscular causada por uma pequena dose da substância à qual o organismo se expôs que ocorre pela característica genética de cada organismo Saiba mais Convidamos você a ampliar seu conhecimento associado à idiossincrasia e à succinilcolina DA SILVA A H G et al Succinilcolina vs rocurônio para indução em sequência rápida Revista Médica de Minas Gerais v 26 supl 1 p S82S87 2016 Propriedades físicoquímicas Sugerimos que toda vez que você estudar a toxicidade de um xenobiótico inicie pelo conhecimento e compreensão das propriedades físicoquímicas da substância a partir de sua estrutura química 27 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A estrutura química de um xenobiótico traz elementos importantes que permitem estimar o comportamento da substância no organismo e no meio ambiente KLAASSEN WATKINS 2012 Um exemplo é o chumbo esse metal pode estar presente na natureza na forma elementar Pb0 na forma inorgânica PbS sulfeto de chumbo e na forma orgânica C8H20Pb chumbo tetraetila Ao comparar a absorção cutânea do chumbo inorgânico com o orgânico fica evidente como as propriedades físicoquímicas interferem diretamente na toxicidade do toxicante o chumbo tetraetila é facilmente absorvido não apenas pela pele mas também pelos pulmões e trato digestório diferentemente do chumbo elementar que apresenta insignificante absorção pela pele e pelo trato digestório SCHIFER BOGUSZ JUNIOR MONTANO 2005 Observação No Brasil o chumbo tetraetila já foi utilizado na gasolina como agente antidetonante Atualmente seu uso com essa função é proibido 1222 Fase da toxicocinética Vamos nos recordar de quais são as fases da intoxicação São as fases de exposição toxicocinética toxicodinâmica e clínica No tópico anterior fizemos a contextualização das fases da exposição Agora veremos a próxima fase da intoxicação a toxicocinética Talvez um dos conceitos que nos parece mais adequado para o termo toxicocinética é que ele representa o estudo da relação entre a disponibilidade química de um toxicante e sua biodisponibilidade levandose em consideração os parâmetros de absorção biotransformação distribuição armazenamento e excreção em função do tempo OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Que conceito extenso e complexo você não acha Talvez um pouco extenso mas não é tão complexo assim Posteriormente teremos a oportunidade de pormenorizar esse conceito juntamente com os parâmetros toxicocinéticos apresentados a você além de sua aplicação nessa ciência 1223 Fase da toxicodinâmica A próxima fase da intoxicação é a toxicodinâmica que é a forma pela qual o toxicante age no organismo do ponto de vista bioquímico e molecular e exerce seu efeito deletério Nessa fase são estudados os mecanismos específicos ou inespecíficos de interação entre os sítios de ação e o toxicante que pode levar ao rompimento do equilíbrio homeostático OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 1224 Fase clínica A fase clínica é aquela em que se evidenciam sinais e sintomas de intoxicação ou seja é o momento em que se identifica que houve o rompimento da homeostasia o organismo não mais se encontra em 28 Unidade I estado de equilíbrio e consequentemente ocorre a intoxicação propriamente dita com a manifestação dos efeitos tóxicos OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Observação Os sinais e sintomas da intoxicação fazem parte da fase clínica e não da fase da toxicodinâmica 123 Interações químicas As pessoas podem se expor a milhares de substâncias químicas ao longo do dia uma vez que os toxicantes podem estar presentes no alimento na água no local de lazer no ambiente de trabalho ou no ar que respiramos Essas substâncias podem agir de formas completamente diferentes umas das outras ou seja por mecanismos diferentes como ligação proteica biotransformação excreção e alteração do perfil de absorção e quando diferentes substâncias atuam no mesmo organismo ao mesmo tempo podem gerar diferentes respostas Neste ponto teremos a oportunidade de conhecer os principais tipos de interações químicas O estudo dessas interações é importante uma vez que frequentemente nos leva a uma melhor compreensão dos mecanismos de resposta individual 1231 Efeito aditivo Um dos mais clássicos exemplos de resposta do organismo às interações químicas é o efeito aditivo Esse efeito ocorre quando duas ou mais substâncias químicas atuam ao mesmo tempo no mesmo organismo e o somatório de seus efeitos é igual à soma dos efeitos das substâncias químicas caso agissem independentemente uma das outras Achou difícil o conceito Tranquilizese permitanos contextualizar a informação para que você compreenda melhor o conceito Imaginemos que um organismo se exponha a dois diferentes praguicidas organofosforados ao mesmo tempo no ambiente de trabalho Observe que ainda que sejam substâncias diferentes causam o mesmo efeito no organismo ou seja inibem a enzima acetilcolinesterase AChE Em um exemplo numérico hipotético imaginemos que o inseticida organofosforado diazinon cause a inibição da acetilcolinesterase em uma intensidade que quantifiquemos como sendo igual a 1 um fator fictício de inibição enzimática e o outro inseticida organofosforado o fention cause o dobro da inibição da acetilcolinesterase ou seja cause uma inibição enzimática com um fator de intensidade igual a 2 À medida que o organismo se expõe a essas duas substâncias químicas ao mesmo tempo qual será a intensidade total de inibição da acetilcolinesterase Você arriscaria um número Exatamente 3 Você compreendeu o conceito de efeito aditivo A maioria dos efeitos que ocorrem no organismo de humanos e de animais é o efeito aditivo KLAASSEN WATKINS 2012 29 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação A intensidade numérica de inibição enzimática que acabamos de expor é fictícia e serve apenas para a compreensão do conceito Vamos ver outro tipo de interação química 1232 Efeito sinérgico Nesse tipo de interação química a intensidade dos efeitos quando o organismo se expõe a duas ou mais substâncias químicas ao mesmo tempo é superior à soma dos efeitos que ocorreriam caso as duas ou mais substâncias químicas agissem independentemente Algumas vezes o conceito por si só parece não ser tão claro assim você não acha Então vamos contextualizar para que você compreenda inequivocamente a informação imaginemos que um trabalhador se exponha ao mesmo tempo ao etanol e ao tetracloreto de carbono Ambas as substâncias podem causar dano hepático ou seja são hepatotóxicas Caso agissem isoladamente no organismo humano causariam um dano que hipoteticamente daremos uma intensidade de efeito igual a 2 KLAASSEN WATKINS 2012 Assim o etanol causaria um dano hepático em uma intensidade igual a 2 bem como o tetracloreto de carbono Agora vamos ver como você está de matemática se o etanol causa um dano hepático em uma intensidade igual a 2 e o tetracloreto de carbono também causa uma intensidade de dano hepático igual a 2 caso o organismo se exponha ao mesmo tempo a essas duas substâncias químicas a intensidade de dano hepático total será igual a quanto Vamos juntos à resposta Caso você tenha respondido que o dano seja igual a 4 você não foi muito feliz Se a resposta fosse 4 esse efeito seria aditivo e não sinérgico Você se lembra do efeito sinérgico Ocorre quando duas ou mais substâncias químicas atuam no mesmo organismo ao mesmo tempo mas provocam um dano superior no organismo que causariam caso agissem independentemente Assim em um exemplo hipotético no efeito sinérgico para o dano hepático 2 2 20 KLAASSEN WATKINS 2012 Observação Não existe uma fórmula para calcular cada uma das interações químicas sob a ótica toxicológica Poderíamos ser submetidos ao seguinte questionamento como vou saber qual conta fazer para obter a resposta Esses resultados são obtidos pela análise estatística de dados epidemiológicos Assim é necessário que você compreenda os resultados os exemplos citados e os mecanismos envolvidos Dessa 30 Unidade I forma se você encontrar uma conta em toxicologia na qual 4 5 9 esse efeito é aditivo Se nessa mesma conta 4 5 o resultado for 10 essa interação química é sinérgica Ficou mais claro para você Observação Não tente criar fórmulas matemáticas para essas contas Elas não existem Você precisa compreender o que está acontecendo sob a ótica toxicológica nesses organismos com esses perfis de exposição E as interações químicas não param por aí Continue acompanhando o raciocínio e vamos evoluir um pouco mais nesse universo toxicológico de interações químicas 1233 Efeito de potenciação ou potencialização Uma pessoa se expõe a duas substâncias químicas diferentes ao mesmo tempo Uma das substâncias químicas é inócua ao organismo humano naquela condição de exposição ou seja não é prejudicial enquanto a outra substância química causa dano no organismo Vamos padronizar que esse dano seja igual a 2 em um exemplo hipotético Se o organismo for exposto a essas duas substâncias químicas ao mesmo tempo podemos ter como resposta de uma expressão matemática 0 2 10 Você poderia arriscar qual tipo de efeito é esse Se você respondeu que é um efeito sinérgico temos que te informar que infelizmente não acertou Sabe por quê Para que seja um efeito sinérgico as duas substâncias químicas às quais o organismo se expõe devem causar algum dano no organismo humano e nesse caso a primeira substância não causa dano algum Dentro dessa perspectiva em uma interação química em que o organismo se exponha a duas diferentes substâncias químicas ao mesmo tempo uma das substâncias químicas é inócua ao organismo humano enquanto a outra substância efetivamente causa algum dano a esse organismo Caso o efeito final seja superior ao dano causado por essa última substância temos um efeito denominado de potenciação ou potencialização Vamos dar exemplos numéricos para que você continue compreendendo a informação Nesse exemplo matematicamente 0 2 3 ou seja qualquer número igual ou superior a 3 caracteriza um efeito de potenciação uma vez que uma das substâncias químicas não causa dano ao organismo mas aumenta o dano causado pela segunda substância Entendeu a diferença entre um efeito sinérgico e um efeito de potenciação ou potencialização Os resultados são obtidos quando se analisam pessoas que se expuseram a substâncias químicas tanto isolada quanto concomitantemente e chegase a um resultado estatístico epidemiológico 31 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Ainda que sejam conceitos com os quais você provavelmente não tinha tido contato ainda acreditamos que você esteja gradualmente adquirindo um repertório de informações que será bastante útil em seu ambiente profissional e até mesmo no seu dia a dia 1234 Efeito antagônico Vamos a mais uma situação envolvendo interações químicas Para explicar a próxima interação química lançaremos a você um desafio responda à questão a seguir Exemplo de aplicação Um mesmo organismo está sendo exposto ao mesmo tempo a duas diferentes substâncias químicas e o efeito dessa interação química é representado matematicamente como 4 6 2 Que tipo de interação química está acontecendo nesse organismo A Efeito aditivo B Efeito sinérgico C Efeito de potenciação D NDA A resposta certa é a D O resultado dessa conta não aponta para nenhum dos efeitos anteriormente estudados Você se depara nesse momento com o efeito denominado antagônico ou antagonismo ou seja quando o organismo se expõe a duas ou mais substâncias químicas ao mesmo tempo e uma das substâncias reduz o efeito da outra consequentemente o resultado dessa interação é inferior ao somatório das duas substâncias caso agissem independentemente Interações que sejam expressas em exemplos matemáticos hipotéticos como 5 7 6 7 9 4 ou 3 5 0 são exemplos de antagonismo e representam a interação em que duas ou mais substâncias químicas atuam ao mesmo tempo no mesmo organismo e uma delas interfere na outra reduzindo seu efeito Observação A aplicação dos antídotos no tratamento das intoxicações se fundamenta nas interações químicas antagônicas 32 Unidade I Antagonismo funcional Agora que você se apropriou dos conceitos envolvendo as interações químicas vamos evoluir um pouco mais quanto aos diferentes tipos de interações químicas com efeito antagônico O antagonismo funcional é caracterizado pela produção de efeitos contrários um ao outro para a mesma função fisiológica OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Para contextualizarmos a informação e para que você compreenda melhor essa interação imagine a situação em que uma pessoa tenha sido exposta a uma dose tóxica de um barbitúrico com consequente redução intensa da pressão arterial A administração de um agente vasoconstritor como a epinefrina fará com que haja um contrabalanço do efeito do barbitúrico e aumentará consequentemente a pressão arterial Você compreendeu como o funcionamento do organismo foi alterado por uma segunda substância que agiu no organismo e alterou o efeito da primeira substância Antagonismo químico ou inativação O efeito de inativação ou antagonismo químico é caracterizado pela interação direta de uma substância química sobre outra produzindo um efeito menos tóxico ao organismo A substância química dimercaprol também conhecida pelo acrônimo de BAL Britsh AntiLewisite atua diretamente sobre metais como o chumbo o mercúrio e o arsênio e consequentemente forma um complexo que reduz a toxicidade dessas substâncias químicas KLAASSEN WATKINS 2012 Antagonismo disposicional O antagonismo disposicional ocorre quando uma substância química interfere nos parâmetros toxicocinéticos de uma segunda substância ou seja na absorção biotransformação armazenamento distribuição ou excreção do xenobiótico de forma que a concentração ou a duração dos efeitos da substância seja reduzida O carvão vegetal e a ipeca podem reduzir a absorção da alguns xenobióticos enquanto provocam o aumento da excreção de outros com consequente redução do tempo da exposição Observe que essas substâncias químicas alteram os perfis toxicocinéticos para que haja menor exposição ao toxicante uma vez que quanto menor o tempo de exposição menor também será o risco de intoxicação KLAASSEN WATKINS 2012 Antagonismo nos receptores O antagonismo nos receptores também chamado de bloqueadores ocorrem quando duas substâncias químicas diferentes se ligam ao mesmo receptor mas quando ambas atuam ao mesmo tempo no organismo uma substância impede a ligação da outra nesse receptor comum reduzindo a intensidade de seus efeitos Não são incomuns intoxicações fatais pela exposição a opiáceos e opioides KLAASSEN WATKINS 2012 33 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Para que compreendamos como utilizar esse conceito na prática expomos o exemplo da intoxicação pela morfina Esse opiáceo quando em grande quantidade no organismo humano pode reduzir significativamente a frequência respiratória e o organismo pode morrer por parada respiratória Uma das estratégias utilizadas para o tratamento da intoxicação aguda pela morfina é a administração do naloxona que atuará sobre o mesmo receptor opiáceo mas que não leva a uma bradipneia redução da frequência respiratória Outro exemplo clássico de antagonismo nos receptores é a administração da atropina quando há intoxicação por inseticidas organofosforados A atropina bloqueia os receptores colinérgicos muscarínicos que estarão sendo estimulados pela acetilcolina acumulada pela inibição da acetilcolinesterase 124 Tolerância A tolerância é um conceito associado à redução da capacidade de resposta do organismo perante um xenobiótico resultado de uma exposição prévia à substância química ou a substâncias químicas estruturalmente relacionadas KLAASSEN WATKINS 2012 A tolerância disposicional ocorre quando há redução da quantidade de uma substância química que chega no órgãoalvo ou no sítio de ação e a tolerância toxicodinâmica também ocorre quando há a mesma quantidade da substância no órgãoalvo ou sítio de ação mas a intensidade de resposta é inferior a uma exposição anterior Vamos juntos à contextualização a tolerância disposicional ao cádmio ocorre pela indução da produção da metalotioneína no organismo ou seja quando a exposição ao cádmio é persistente o organismo passa a produzir maiores teores de metalotioneína e consequentemente para a mesma quantidade de cádmio à qual o organismo se expôs anteriormente essa proteína de baixo peso molecular produzida pelo organismo se liga ao metal complexase com ele e reduz os efeitos tóxicos que poderiam ser causados ao organismo 125 Doseresposta A toxicologia é uma disciplina caracterizada pela doseresposta ou seja assumese que quanto maior é a quantidade de uma substância química à qual o organismo se expõe maior será a intensidade de resposta desse organismo com consequente rompimento da homeostasia e aparecimentos dos efeitos tóxicos Há duas clássicas relações doseresposta a relação doseresposta individual a qual descreve a resposta do organismo a diferentes doses de um xenobiótico à qual esse organismo está exposto e a relação doseresposta quantal caracterizada pela distribuição de resposta a diferentes doses de um xenobiótico a que uma população é exposta KLAASSEN WATKINS 2012 Na relação doseresposta individual quanto maior a quantidade da substância química à qual o organismo se expõe maior é a severidade da resposta do organismo o que resulta na alteração de processos bioquímicos específicos Vamos então compreender uma aplicação do estudo da relação doseresposta individual 34 Unidade I Podese avaliar por exemplo a extensão das inibições da acetilconilesterase e da carboxiesterase no encéfalo causada pela exposição ao inseticida organofosforado clorpirifós Concluímos nesse caso que a intensidade de inibição encefálica da acetilcolinesterase é muito mais clara que a da carboxiesterase e os sinais clínicos e os sintomas da exposição ao clorpirifós corresponderão à relação doseresposta semelhante à da colinesterase encefálica Na relação doseresposta quantal a resposta passa a ser do tipo tudo ou nada na população ou seja para uma determinada dose da substância verificase se haverá ou não resposta no organismo veja a figura a seguir 70 60 50 40 30 2 5 10 20 30 40 50 60 70 80 90 95 98 10 20 50 100 Dose mgkg Mortalidade unidade Mortalidade 200 800 Figura 4 Relação doseresposta quantal A relação doseresposta quantal é extensivamente utilizada na toxicologia e é nesse ensaio em que se determina a DL50 que é derivada de cálculos estatísticos e caracteriza a quantidade de uma substância química capaz de levar à morte 50 dos animais testados em condições laboratoriais definidas A DL50 é um dos parâmetros mais importantes utilizados na toxicologia Vamos juntos observar a tabela a seguir A DL50 e a toxicidade da substância são grandezas inversamente proporcionais ou seja quanto maior é a DL50 da substância menor é o dano causado por ela nos organismos Opostamente quanto menor é a DL50 do xenobiótico maior será sua toxicidade Tabela 1 DL50 de algumas substâncias químicas Substância química DL50 ratos via oral mgkg Álcool etílico 10000 Cloreto de sódio 4000 Sulfato ferroso 1500 Fenobarbital sódico 150 Picrotoxina 5 35 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Substância química DL50 ratos via oral mgkg Sulfato de estricnina 2 Nicotina 1 dtubocurarina 05 Tetrodotoxina 01 Dioxina TCDD 0001 Toxina botulínica 000001 Adaptada de Klaassen et al 2001 Você tem ideia do motivo dessa relação inversamente proporcional Vamos entender então por que isso acontece Imaginemos que tenhamos duas substâncias químicas a nicotina DL50 1 mgkg ratos machos VO e o álcool etílico DL50 10000 mgkg ratos machos VO Qual delas apresenta maior toxicidade Por quê Sugerimos que você pare por um instante e reflita sobre os conceitos aprendidos anteriormente para poder responder a essa pergunta Depois de você ter raciocinado concluiu que a substância que apresenta maior toxicidade é a nicotina Concluímos juntos anteriormente que quanto menor a DL50 maior será a sua toxicidade E você conseguiu concluir por quê Observe caso um grupo teste com 10 animais se exponha à nicotina pelo conceito de DL50 para que metade dos animais morra ou seja 5 animais cada um deles tem que se expor a 1 mg da substância por quilo de peso corpóreo No caso do álcool etílico para que metade dos animais morra ou seja 5 animais seriam necessárias 10000 mg da substância química por quilo de peso corpóreo Assim a substância que leva à morte o mesmo número de animais 5 com uma menor dose é a nicotina A informação ficou clara 126 Índice terapêutico O conceito de índice terapêutico foi introduzido em 1913 por Paul Erlich e está associado à quantidade da substância localizada entre a necessária para produzir um efeito terapêutico e a de manifestar um efeito tóxico sendo que uma substância ou fármaco de baixo índice terapêutico é aquele cuja concentração necessária para manifestar um efeito terapêutico é próxima do nível tóxico O índice terapêutico pode ser calculado da seguinte forma IT DL50DE50 KLAASSEN WATKINS 2012 Sendo que IT índice terapêutico DL50 dose capaz de levar à morte metade dos animais em condições laboratoriais definidas DE50 dose efetiva 36 Unidade I O conceito de índice terapêutico é importante na disciplina uma vez que há classes de fármacos que apresentam baixo índice terapêutico ou seja os níveis plasmáticos efetivos ficam próximo ao nível plasmático tóxico 127 Toxicocinética Teremos a oportunidade agora de vislumbrar novos horizontes toxicológicos Você já percebeu que quando compreendemos a informação o conceito fica muito mais fácil não é Para que contextualizemos o conceito de toxicocinética para sua melhor compreensão tomemos o etanol como toxicante hipotético Imagine o seguinte cenário duas pessoas de mesmo sexo e pesos aproximados se expõem à mesma quantidade de etanol Caso uma delas não tenha se alimentado antes da exposição o que você acha que vai acontecer O etanol vai demorar para agir ou vai agir rapidamente no sistema nervoso central SNC Exatamente você entendeu o significado de toxicocinética O etanol vai agir mais rapidamente no organismo que se expos à mesma quantidade de etanol mas que não tenha se alimentado anteriormente Já ouviu isso alguma vez Popularmente se diz que o álcool sobe mais rapidamente quando a pessoa não se alimenta antes de se expor à substância Então o efeito do etanol é mais rápido uma vez que em pouco tempo após a ingestão o etanol é absorvido atinge a circulação sanguínea e chega até o encéfalo quando age Se a pessoa se alimenta antes da exposição ao etanol o alimento presente no trato digestório faz com que a substância seja absorvida mais lentamente ou seja chegará à circulação sanguínea aos poucos e consequentemente também chegará e agirá no encéfalo mais lentamente Quando se diz que a toxicocinética é o estudo da relação entre a disponibilidade química e a biodisponibilidade significa que para a mesma quantidade da substância que o organismo se expõe em alguns casos a quantidade da substância no sangue é maior em uma pessoa em relação à outra na mesma unidade de tempo Assim para a mesma disponibilidade química quantidade da substância à qual o organismo se expôs pode haver diferente biodisponibilidade quantidade da substância no sangue em um mesmo intervalo de tempo Se a quantidade da substância é diferente no sangue entre duas diferentes pessoas significa então que a intensidade de seus efeitos também será diferente Lembrete A toxicologia é dosedependente quanto maior a dose do toxicante ao qual o organismo se expõe maior será a intensidade de seu efeito Como vimos anteriormente a toxicocinética envolve os parâmetros de absorção biotransformação distribuição armazenamento e excreção e todos esses parâmetros fazem com que o xenobiótico permaneça por maior ou menor tempo no organismo 37 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Lembrete À medida que se expõe à uma substância química desconhecida o organismo tenta eliminála o mais rapidamente possível para que deixe de se expor a ela 1271 Absorção Didaticamente o primeiro parâmetro toxicocinética que se estuda é a absorção Parecenos consenso que absorção é o termo utilizado quando ocorre a passagem da substância do local de contato para a circulação sanguínea Assim se uma substância química foi absorvida significa que ela interagiu com membranas internas ou externas do organismo atravessou barreiras biológicas e chegou até a circulação sanguínea Quando presente em alguns órgãos como bexiga urinária intestino ou até mesmo os pulmões o xenobiótico pode ser reabsorvido ou seja está praticamente sendo excretado do organismo e voltando para a circulação sanguínea A consequência toxicológica de uma substância química ser reabsorvida é que quanto mais a substância química permanece no organismo maior é o tempo de exposição do organismo a ela e quanto maior o tempo de exposição a um xenobiótico maior é o risco de intoxicação Esse raciocínio é utilizado quando se trabalha no tratamento específico ou inespecífico de uma intoxicação em que é possível aumentar a excreção de uma substância ou reduzir sua absorção para que se reduza o tempo de exposição ao xenobiótico Como vimos anteriormente para que haja a absorção deve haver a interação físicoquímica entre o xenobiótico e membranas internas ou externas do organismo ou seja para ser absorvida após a exposição a substância química deve atravessar membranas biológicas por meio de diferentes mecanismos de transporte através dessas membranas Entretanto poderíamos perguntar que membranas são essas Para responder a essa pergunta pautamos nosso raciocínio nos conceitos da biologia que nos traz que para chegar na circulação sanguínea a substância primeiro atravessa o vaso sanguíneo e seu respectivo endotélio vascular o qual em última instância é um tecido constituído de células Ficou claro para você que quando se lê que o xenobiótico atravessa membranas biológicas significa que o toxicante consegue transpor as células que compõem o tecido e consequentemente transpõe a membrana celular das células constituintes do endotélio vascular Essas membranas são constituídas de uma dupla camada fosfolipídica e três mecanismos são fundamentalmente utilizados para o transporte de uma substância química do meio extracelular para o meio intracelular como veremos agora 38 Unidade I Mecanismo de transporte através das membranas Dependendo de suas propriedades físicoquímicas o toxicante pode atravessar membranas biológicas por diferentes mecanismos Caso o xenobiótico seja lipossolúvel como o benzeno ou esteja na forma lipossolúvel como é o caso de ácidos fracos ou bases fracas quando se encontram em sua forma molecular atravessam membranas biológicas com facilidade pelo transporte passivo mecanismo de transporte através das membranas também conhecido por difusão simples ou seja são absorvidos quando está a favor do gradiente de concentração através da dupla camada fosfolipídica da membrana celular sempre do meio mais concentrado para o meio menos concentrado e não há gasto de energia Na difusão facilitada o transporte também ocorre a favor do gradiente de concentração mas são utilizados carregadores Por essa perspectiva quando se abastece um veículo automotor com gasolina o frentista se expõe a vapores de solventes orgânicos como o benzeno e o tolueno que são hidrocarbonetos aromáticos lipossolúveis liberados a partir desse combustível Essa característica físicoquímica de elevada lipossolubilidade do benzeno e tolueno tem como consequência o fato de que quando estão nos pulmões em maior quantidade do que no sangue estão mais concentrados no meio externo que no meio interno e serão continuamente absorvidos até atingir o equilíbrio de concentração entre os meios interno e externo ou seja apenas deixarão de ser absorvidos por difusão simples que é aquele mecanismo de transporte que ocorre sem gasto de energia e a favor do gradiente de concentração quando a concentração no meio interno for igual ou inferior ao meio externo É por este motivo que os trabalhadores são periodicamente avaliados pelo médico do trabalho para se estimar se as exposições no ambiente de trabalho estão levando riscos de intoxicação ao trabalhador A equação de HendersonHasselbach é utilizada para estimar a quantidade do ácido fraco ou base fraca que está na forma molecular ou iônica Se estiver na forma molecular significa que está na forma lipossolúvel e atravessa membranas biológicas por difusão simples até que se obtenha o equilíbrio entre a concentração da substância no meio externo e o interno Poderia surgir uma dúvida e se a substância química estiver em sua maior parte na forma iônica o que acontece com ela Ela será absorvida mais lentamente e menos intensamente pelo transporte ativo A equação de HendersonHasselbach é a dada mas devemos observar que ela muda dependendo da característica química da substância KLAASSEN WATKINS 2012 Caso a substância química tenha caráter ácido a equação é pKa pH log moléculas íons Caso a substância química tenha caráter básico a equação é pKa pH log íons moléculas 39 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Diferentemente do transporte passivo o transporte ativo ocorre quando o xenobiótico é absorvido contra o gradiente de concentração com gasto de energia e é passivo de saturação uma vez que envolve proteínas transportadoras transmembrânicas para a realização do transporte Esse tipo de transporte através das membranas biológicas acontece para substâncias químicas polares ou seja hidrossolúveis A pinocitose é um mecanismo que lembra à distância a fagocitose mas transportam substâncias líquidas através das membranas biológicas enquanto a fagocitose transporta para o ambiente intracelular substâncias sólidas como material particulado e nanopartículas Exemplo de aplicação Reflita e tente imaginar como poderíamos aplicar o conhecimento desses mecanismos de transporte através das membranas para o tratamento da intoxicação É a partir do conhecimento que envolve o transporte de substâncias químicas através de membranas biológicas que são propostos mecanismos de tratamento das intoxicações Quando se controla o balanço das substâncias no organismo ou seja quando se mantém um medicamento que é um ácido fraco ou base fraca em sua forma iônica esse medicamento será pouco absorvido sua absorção será lenta e apresentará uma tendência de rápida excreção A toxicologia utiliza esses conceitos físicoquímicos e biológicos para propor mecanismos de descontaminação ou tratamento da intoxicação quando há uma sobreexposição a xenobióticos Caso o organismo se exponha a um ácido fraco ou base fraca uma das formas de aumentar sua excreção é deslocar o equilíbrio iônico deixálo mais na forma iônica do que molecular e reduzir assim sua reabsorção o tempo de exposição com o organismo e o risco de intoxicação De uma forma geral pode se considerar que quando um xenobiótico possui caráter ácido é excretado mais rapidamente quando se alcaliniza o compartimento urinário com bicarbonato de sódio via intravenosa IV uma vez que toxicante de caráter ácido em um meio alcalino permanece em sua maior parte na forma iônica que é hidrossolúvel Quando o organismo se expõe a um toxicante de caráter alcalino acidificase o compartimento urinário por administração de ácido ascórbico IV para que o xenobiótico fique na forma iônica ao menos em seu maior percentual e consequentemente é menos intensamente reabsorvido Essa técnica de redução de reabsorção e aumento de excreção urinária de fármacos de caráter ácido fraco ou base orgânica fraca não ocorre para todas as substâncias mas é bastante utilizada no tratamento de intoxicação aguda Absorção pelo trato digestório O trato digestório é uma das vias de exposição mais importantes para humanos e a mais importante para animais Essa é primeira via de exposição de escolha quando uma pessoa pensa em cometer 40 Unidade I suicídio e a principal via de exposição quando há a exposição a medicamentos intoxicação em crianças e exposição por humanos e animais à água ou alimento contaminados Você concorda conosco que há medicamentos que não podem ser tomados com o leite Isso mesmo há situações ou fatores que interferem na absorção de uma substância química quando nos expomos pelo trato digestório Vamos ver alguns desses fatores Segundo Oga Camargo e Batistuzzo 2014 há algumas situações bastante conhecidas que aumentam ou reduzem a absorção de uma substância química no organismo Veículo ou excipiente o veículo ou excipiente de um medicamento pode interferir na liberação mais lenta ou mais rápida do princípio ativo e levar a consequências para quem se expõe a ele Caso o princípio ativo seja liberado muito lentamente possivelmente não atingirá uma quantidade suficiente no sangue em uma unidade de tempo para que exerça seu efeito terapêutico ou seja não haverá a biodisponibilidade necessária para que exerça seu efeito no organismo humano Opostamente caso o excipiente ou veículo libere rapidamente o princípio ativo pode haver uma elevada biodisponibilidade em curto tempo que consequentemente pode levar o organismo a um quadro de intoxicação Vamos compreender como na prática esses conceitos impactam na sociedade em uma perspectiva toxicológica Na Austrália na década de 1960 foram produzidos medicamentos genéricos para o tratamento da convulsão cujo princípio ativo era a fenitoína Foi utilizada a mesma quantidade do princípio ativo do medicamento inovador para a produção do medicamento genérico Entretanto muitos pacientes se intoxicaram após a exposição ao medicamento genérico Você sabe o motivo da intoxicação Verificouse que o excipiente utilizado na produção desse medicamento genérico liberava muito rapidamente o princípio ativo levando a uma biodisponibilidade elevada em pouco tempo o que consequentemente intoxicava os pacientes Ficou claro como os excipientes podem interferir na biodisponibilidade e esta por sua vez na intoxicação Estado de plenitude gástrica a absorção do toxicante pode ser aumentada ou reduzida quando o organismo se expõe pelo trato digestório em função da quantidade de alimento e líquido presentes no estômago O estado de plenitude gástrica popularmente conhecido como estômago cheio e o estado de vacuidade gástrica estômago vazio interferem diretamente na absorção do toxicante Como você deve se lembrar a presença de alimento no conteúdo gástrico reduz a velocidade de absorção do etanol Efeito de primeira passagem à medida que o organismo tenha sido exposto por via oral o xenobiótico percorrerá o trato digestório até chegar ao fígado órgão que poderá biotransformálo A biotransformação altera as propriedades toxicocinéticas e pode alterar também a propriedade toxicodinâmica do toxicante de forma que antes mesmo da substância agir em seus órgãosalvo poderá haver alteração em sua estrutura química para conferir aumento 41 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS de sua hidrossolubilidade alteração toxicocinética e poderá também haver alteração de sua toxicidade alteração toxicodinâmica ou seja a toxicidade do xenobiótico poderá ser aumentada ou reduzida Poderíamos perguntar por que efeito de primeira passagem Esse nome é dado porque o toxicante passa por uma biotransformação hepática antes de chegar ao órgãoalvo Ciclo enterohepático ao longo do intestino enterobactérias são capazes de realizar uma redução química do xenobiótico Durante a biotransformação grupos funcionais são introduzidos ou expostos na estrutura química do xenobiótico ou substâncias endógenas são adicionadas a ele para que haja aumento de sua hidrossolubilidade e consequentemente seja excretado mais rapidamente Entretanto bactérias intestinais enterobactérias podem realizar reações químicas em sentido oposto elas reduzem quimicamente a substância que foi oxidada anteriormente e aumentam sua lipossolubilidade Por causa dessa alteração a substância química é reabsorvida com consequente aumento do tempo de exposição do organismo ao toxicante e maior risco de intoxicação Lembrete Quanto maior o tempo de exposição maior será o risco de intoxicação Grau de ionização como vimos anteriormente fármacos são ácidos fracos ou bases orgânicas fracas Dependendo do pKa da substância e do pH do meio em que essa substância se encontra pode haver maior ou menor grau de ionização do xenobiótico ou seja esse fármaco poderá estar mais na forma hidrossolúvel ou lipossolúvel Quanto mais ionizado estiver um toxicante maior será sua hidrossolubidade e consequentemente maior será a intensidade de sua excreção uma vez que a substância será pouco reabsorvida pelo organismo Opostamente caso o toxicante fique preponderantemente em sua forma molecular em função de seu pKa e do pH do meio em que se encontra será mais intensamente absorvido ou reabsorvido uma vez que está em sua maior parte na forma molecular ou seja está na forma lipossolúvel e atravessa membranas biológicas por transporte passivo com facilidade É possível estimar o percentual do xenobiótico que está na forma iônica ou molecular utilizandose a equação de HendersonHasselbach Por ela utilizandose o pKa da substância e o pH do meio calculase o percentual de ionização do xenobiótico como vimos anteriormente Observação O pH do meio e o pKa da substância são importantes parâmetros para estimar o percentual da substância que poderá ser absorvida 42 Unidade I Absorção pelo trato respiratório As trocas gasosas que ocorrem nos pulmões de humanos e de animais podem levar diariamente à exposição a milhares de substâncias químicas presentes no ar Acreditamos que você compreenda com facilidade que com esse amplo espectro de substâncias químicas presentes no ar algumas potencialmente tóxicas estão interagindo continuamente com o trato respiratório inferior pulmão e podem causar danos ao referencial biológico dependendo das condições de exposição Quando a substância química está presente no ar atmosférico avaliase o risco de intoxicação analisando a natureza física do xenobiótico ou seja se é sólido líquido ou gásvapor Partículas sólidas ou líquidas presentes no ar atmosférico são denominadas de material particulado suspenso MPS Nesse caso para avaliar o risco de intoxicação você deve saber o tamanho dessas partículas sólidas ou líquidas Há uma relação inversa entre o tamanho de uma partícula e sua absorção quanto maior o tamanho de uma partícula menor será sua intensidade de absorção Observação Quanto maior o tamanho do material particulado suspenso menor é a probabilidade de sua absorção Para contextualizarmos essa informação convidamos você a realizar um simples experimento nesse momento ou a imaginar o seguinte cenário caso tenha acesso a um apagador de giz de lousa bata esse apagador na lousa aproximadamente na altura de seus olhos e conte quantos segundos esse pó de giz que sai do apagador ao bater na lousa demora para se depositar no chão Em seguida pegue um pequeno pedaço de giz leveo até a altura de seus olhos solteo e conte quanto tempo ele demora para chegar até o chão Finalizado esse experimento ou mesmo se você visualizou essas cenas agora vamos ao desafio o que demorou mais para cair no chão o pó de giz ou o pedaço de giz Isso mesmo você acertou se disse que foi o pedaço de giz O que se entende por isso sob a perspectiva toxicológica Podemos concluir com esse simples experimento que quanto menor o tamanho da partícula maior é o tempo que leva para se depositar no solo Quanto maior o tempo que fica no ar maior é o tempo de exposição do organismo a essa substância Dependendo do tamanho do material particulado suspenso é possível estimar a região em que será impactado ou depositado ou seja onde interage com a mucosa do trato respiratório e fica retido e como é expulso do organismo veja o quadro a seguir 43 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Quadro 1 Relação entre diâmetro aerodinâmico local de retenção e forma de eliminação do material particulado Tamanho da partícula µm Local de retenção Forma de eliminação Acima de 5 Nasofaríngea Eliminação pela limpeza de nariz espirro ou assopro De 2 a 5 Traqueobronquiolar Remoção por movimentos ciliares retrógrados e fagocitose Abaixo de 1 Alvéolos pulmonares Absorção fagocitose e remoção por movimentos ciliares retrógrados Adaptado de Oga Camargo e Batistuzzo 2014 Lembrete Quanto maior o tempo de exposição maior é o risco de intoxicação O ambiente de trabalho é um dos locais mais importantes em que ocorrem as exposições a substâncias potencialmente tóxicas pelo trato respiratório sob a perspectiva toxicológica Processos industriais e laboratoriais como exemplos são fontes de liberação de gases vapores líquidos e sólidos que podem estar no ar e aos quais o trabalhador se expõe durante a jornada A exposição crônica ou aguda a eles pode levar a danos por vezes irreversíveis ao trabalhador Observação A partícula que possui pequeno diâmetro aerodinâmico além de permanecer por mais tempo no ar também apresenta maior probabilidade de ser absorvida nos alvéolos pulmonares Observe a seguir como é importante termos esses conceitos bastante consolidados o asbesto ou amianto é um mineral constituído de fibras de silicatos fibrosos de diferentes famílias como a dos anfibólios e da crisotila Essa fibra foi amplamente utilizada na produção de telhas e de caixasdágua há alguns anos no Brasil A inalação dessas fibras no ambiente de trabalho pode levar a fibrose intersticial pulmonar com reação inflamatória e formação de granuloma lesão pulmonar que ocorre por conta do estresse oxidativo gerado pela formação de espécies reativas de oxigênio Dependendo das condições de exposição pode levar a pneumoconiose doença que acomete a pessoa quando há o acúmulo de poeira do asbesto nos pulmões podendo causar uma doença pulmonar ocupacional restritiva ou um mesotelioma Poderíamos questionar na prática realmente esses danos acontecem nos trabalhadores Para responder a esse questionamento vamos nos reportar à década de 1980 No município de Osasco estado de São Paulo operavam fábricas de telhas e caixasdágua produzidas com amianto e trabalhadores se expuseram a essas fibras 44 Unidade I Para você ter dimensão da importância e repercussão dos casos de intoxicação no ambiente de trabalho pela exposição ao asbesto observe a frase a seguir Sr Aquilino foi um dos primeiros membros da Abrea Sociedade Brasileira dos Expostos ao Amianto e faleceu em 1995 ano da fundação da associação vítima de um câncer extremamente agressivo causado pelo amianto que o aniquilou em menos de 6 meses Em sua homenagem a praça em frente à sua casa eternizou com seu nome a causa que ele e tantos outros bravos guerreiros defenderam a erradicação da fibra mortal ABREA sd Saiba mais O Instituto Nacional de Câncer Inca nos dá mais informações sobre o amianto em INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER Amianto Brasília 2018a Disponível em httpswwwincagovbrexposicaonotrabalhoenoambienteamianto Acesso em 16 nov 2020 Ficou claro para você de que o tamanho do material particulado suspenso é importante do ponto de vista de avaliação de risco Agora caso a substância química seja gás ou vapor para realizar uma avaliação de risco se avalia sua solubilidade e não seu diâmetro aerodinâmico Exemplo de aplicação Reflita sobre estes questionamentos você acha interessante quando há bandeira vermelha na sua conta de luz Como chegou a essa conclusão Permitanos agora trabalhar sua resposta Imaginamos que sua resposta seja não Sabe por quê Por dois motivos o primeiro é que a conta de luz com bandeira vermelha fica mais cara Não foi isso que você respondeu Mas também significa que a energia elétrica utilizada por nós será obtida não apenas por hidrelétricas mas também por usinas térmicas que utilizam o carvão Assim além da obtenção da energia a queima do carvão libera toneladas de substâncias potencialmente tóxicas na atmosfera como o dióxido de enxofre SO2 que são gases hidrossolúveis Quando o dióxido de enxofre presente na atmosfera interage com a água presente na mucosa do trato respiratório superior de humanos formase ácido sulfúrico H2SO4 diluído É isso mesmo que você leu ácido sulfúrico ainda que diluído 45 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS É por isso que quando uma pessoa se expõe a esse gás os olhos e a mucosa do nariz ardem está sendo formado ácido nas mucosas e esse ácido formado atua como irritante local Podemos concluir assim que quando o organismo se expõe a gases ou vapores hidrossolúveis formamse substâncias irritantes que atuam no trato respiratório superior e nos olhos como irritante local Observação Dependendo das condições de exposição esses gases também podem atingir os pulmões mas apenas quando a exposição for intensa Você também concorda conosco que a queima de combustíveis leva à liberação de centenas de toxicantes diferentes na atmosfera Um desses é o dióxido de nitrogênio NO2 que é um gás lipossolúvel Dessa forma responda à seguinte pergunta se é lipossolúvel o gás vai se solubilizar no filme aquoso na água presente nas mucosas do trato respiratório superior ou nos olhos Exatamente não Você deve se lembrar de que se o gás ou vapor for hidrossolúvel irá se solubilizar nos olhos e no trato respiratório superior Entretanto caso o gás ou vapor seja lipossolúvel não haverá essa solubilização não agirá no local de contato e consequentemente atingirá o trato respiratório inferior ou seja o pulmão podendo levar a danos nos alvéolos pulmonares dependendo das condições de exposição Agora continuemos juntos no raciocínio Já sabemos a informação agora vamos correlacionála Observe como a via de administração pode interferir diretamente na absorção de um xenobiótico A maconha Cannabis sativa é constituída de centenas de substâncias químicas dentre as quais destacase o Δ9tetrahidrocanabinol Δ9THC fitocanabinoide com propriedade psicoativa OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Há duas formas básicas de exposição a essa droga pelo trato respiratório fumada ou pelo trato digestório ingerida Quando se fuma Cannabis sativa em questão de segundos o Δ9THC é identificado na circulação sanguínea e a concentração plasmática máxima é alcançada entre 3 a 10 minutos após o início da exposição com biodisponibilidade de 8 a 24 Quando ingerida sua absorção é lenta errática não segue um padrão uniforme de absorção ao longo do tempo e sua concentração plasmática máxima ocorre entre 1 a 2 horas com biodisponibilidade de 4 a 12 Esses números mostram de forma inequívoca que quando se muda a via de administração ocorre a alteração dos parâmetros cinéticos como a velocidade e extensão da absorção Absorção pela pele A pele é o maior órgão do corpo humano e representa cerca de 15 do peso corporal Dependendo da substância química à qual o organismo se expõe os danos causados na pele podem ocorrer por meio da corrosão irritação sensibilização ou até mesmo por mutações gênicas Considerase ainda que o xenobiótico que atua sobre esse órgão pode levar a um efeito local ou sistêmico ou seja o toxicante pode ser absorvido pela pele distribuído para órgãosalvo e ao atuar sobre eles exercer 46 Unidade I seu efeito deletério Há fatores que alteram a absorção de um xenobiótico como os associados ao toxicante ou ao ambiente em que organismo se encontra A seguir veremos fatores relacionados ao toxicante que podem alterar a absorção pela pele também segundo Oga Camargo e Batistuzzo 2014 Solubilidade como você se recorda a membrana celular é constituída de uma dupla camada fosfolipídica Essa característica bioquímica da membrana permite que substâncias lipossolúveis sejam absorvidas com mais facilidade em relação às hidrossolúveis Quanto maior a lipossolubilidade de um xenobiótico maior será sua velocidade e extensão de absorção através das membranas biológicas Opostamente se uma substância é hidrossolúvel será menos intensamente absorvida pelo organismo As propriedades físicoquímicas são fatores que condicionam a extensão da absorção de um toxicante pela pele Substâncias químicas lipossolúveis por difusão lipídica são capazes de atravessar membranas biológicas com facilidade e são distribuídas a diferentes órgãos O chumbo tetraetila por exemplo é um solvente orgânico lipossolúvel que pode ser absorvido com muita facilidade pela pele e exercer seus efeitos tóxicos em órgãos remotos ou seja distantes do local de onde houve o contato com a pele de uma pessoa Observação O chumbo inorgânico possui uma absorção praticamente desprezível pela pele opostamente ao chumbo tetraetila que pode ser extensamente absorvido por essa via de exposição Volatilidade quanto mais volátil é a substância química maior será sua facilidade de passar do estado líquido para o gasoso ou de vapor Ressaltase a importância toxicológica dessa grandeza físicoquímica uma vez que caso haja substâncias que se volatilizem com pouca facilidade no ambiente de trabalho e o trabalhador se expõe a substância pela pele o tempo de exposição do organismo à substância aumentará e consequentemente será maior o risco de intoxicação Caso o xenobiótico seja muito volátil a exposição pela pele perde parte de sua importância mas esses vapores podem ser absorvidos pelo trato respiratório Viscosidade caso essa substância química apresente elevada viscosidade ficará em contato com a pele por muito tempo e durante esse tempo haverá interações físicoquímicas com consequentes efeitos ao referencial biológico Pelos princípios da toxicologia quanto maior o tempo de exposição maior será o risco de intoxicação Podemos concluir assim que caso haja exposição do organismo humano ou animal e esse xenobiótico que apresenta muita viscosidade maior será o tempo de interação entre o toxicante e a pele e consequentemente maior será o risco de intoxicação 47 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 1272 Biotransformação Quando se expõe a uma substância exógena o organismo humano ou animal não consegue identificar se essa substância química pode trazer algum benefício ao organismo exposto como um efeito terapêutico no caso de um medicamento ou um efeito tóxico em que também podemos tomar como exemplo o mesmo medicamento Dentro dessa perspectiva o organismo tende a eliminar essa substância com a maior velocidade possível uma vez que quanto maior o tempo em que essa substância permaneça no organismo maior será a interação entre eles e consequentemente maior o risco de intoxicação Mas a pergunta que poderíamos fazer é como o organismo humano ou animal faz para eliminar com rapidez as substâncias químicas às quais se expõem Para responder a essa pergunta fazse necessário relembrar como visto nos mecanismos de transporte de substâncias químicas através das membranas que quanto maior a lipossolubilidade do xenobiótico maior será sua absorção consequentemente também será maior sua reabsorção a qual é importante sob a perspectiva toxicológica Para que contextualizemos essa informação imagine que haja um toxicante que esteja sendo filtrado pelos rins Caso ainda esteja muito lipossolúvel parte dele não será excretado Opostamente a maior parte dessa substância será reabsorvida e continuará agindo no organismo ou seja haverá o aumento do tempo de exposição dessa substância nesse organismo Como você sabe quanto maior o tempo de exposição maior é o risco de intoxicação Na perspectiva de que o xenobiótico seja hidrossolúvel ou esteja fundamentalmente em sua forma polar durante o processo de filtração renal será pouco reabsorvido Consequentemente sua maior parte será excretada Lembrete O transporte ativo também atua no processo de reabsorção ou seja parte da substância hidrossolúvel também será reabsorvida A partir desse momento em que conseguimos compreender melhor o comportamento da substância no organismo também fazse necessário compreender como que o organismo reage a essas substâncias Observação Alguns autores utilizam o termo detoxificar mas utilizaremos o termo biotransformar um xenobiótico Para que um xenobiótico lipossolúvel seja excretado mais rapidamente o organismo interage com ele e por meio de reações químicas catalisadas enzimaticamente introduz ou expõe grupamentos funcionais ou interage com substâncias endógenas para que haja o aumento de sua hidrossolubilidade consequentemente o xenobiótico é excretado mais rapidamente 48 Unidade I O fenômeno em que ocorre a alteração da estrutura química do toxicante presente no organismo por meio de reações químicas catalisadas enzimaticamente para tornálo mais polar é denominado de biotransformação As enzimas que catalisam as reações de biotransformação são amplamente distribuídas ao longo do organismo e estão presentes em subcompartimentos celulares Além do fígado as enzimas de biotransformação podem estar presentes em outros órgãos como na mucosa nasal pele pulmão olhos trato gastrintestinal baço rim pâncreas glândula adrenal coração testículos ovários coração encéfalo placenta em células como eritrócitos e linfócitos no plasma e na aorta O fígado é o principal órgão relacionado à biotransformação no sentido qualitativo e quantitativo Pelo seu tamanho o fígado é um órgão que produz uma grande quantidade de enzimas de biotransformação e também é responsável pela variabilidade enzimática ou seja é capaz de produzir um amplo repertório enzimático Observe que a biotransformação hepática é responsável pela limitação da biodisponibilidade sistêmica caso o organismo tenha sido exposto ao xenobiótico pela via oral em um mecanismo denominado de eliminação de primeira passagem ou efeito de primeira passagem Nem toda exposição por via oral leva a uma biotransformação exclusivamente no fígado a oxidação do etanol a acetaldeído por exemplo ocorre na mucosa gástrica e limita a biodisponibilidade sistêmica ou seja reduz o teor do etanol no sangue circulante Observação Não há efeito de primeira passagem se a exposição é intravenosa IV Exemplo de aplicação Você sabe por que o efeito de primeira passagem é importante Reflita sobre essa pergunta e avance na leitura para que você compreenda ainda melhor essa informação As enzimas encontradas no fígado são denominadas de enzimas hepáticas e podem estar localizadas no retículo endoplasmático ou microssomos dos hepatócitos e são denominadas de enzimas microssomais Há aquelas denominadas enzimas citosólicas uma vez que são encontradas na fração solúvel do citoplasma hepático Uma menor parte pode ser encontrada nos lisossomos núcleo e mitocôndrias As que estão presentes no retículo endoplasmático estão relacionadas à biotransformação de xenobióticos que demandem biotransformação com excreção biliar ou urinária Você deve ficar atento ao fato de que se por um lado a biotransformação reduz a lipossolubilidade de xenobiótico e reduz sua permanência no organismo esse parâmetro toxicocinético também é responsável por importantes implicações toxicológicas no que se refere ao órgãoalvo afetado 49 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Você se recorda das interações químicas envolvendo o tetracloreto de carbono Lembra qual é o órgãoalvo afetado quando o organismo humano se intoxica com essa substância Exatamente o fígado Sabe por quê Porque o fígado é o principal órgão que biotransforma toxicantes e quando o tetracloreto de carbono é biotransformado no fígado dá origem a metabólitos tóxicos levando a danos hepáticos Na maioria das reações de biotrasformação o xenobiótico é excretado mais rapidamente do organismo e há redução de sua toxicidade Em algumas vezes a biotransformação forma metabólitos que apresentam toxicidade ainda maior que a substância química que os deu origem o que é chamado de bioativação Assim bioativação é o fenômeno em que o produto de biotransformação apresenta toxicidade superior ao seu precursor substância que foi biotransformada As reações de biotransformação são classificadas em reações de fase I e de fase II As reações de fase I são aquelas em que grupamentos funcionais são introduzidos ou expostos na molécula do toxicante Esses grupamentos funcionais são hidroxila OH carboxila COOH amina NH2 e sulfidrila SH e como resultado o xenobiótico apresenta um pequeno aumento de sua hidrossolubilidade Os grupamentos funcionais expostos ou introduzidos na fase I são sítios de ligação para as reações de fase II Observação Nem todas as substâncias químicas são biotransformadas Para que ocorra essa reação do organismo o toxicante deve ter uma estrutura que lhe confira condições físicoquímicas com características de lipossolubilidade 12721 Reações de fase I As principais reações de biotransformação de fase I são as de hidrólise redução e oxidação Reações de hidrólise Os mamíferos possuem enzimas que catalisam reações de hidrólise entre elas as carboxilesterases organofosfatases e colinesterares são capazes de hidrolisar xenobióticos que contenham grupamentos funcionais como o éster do ácido carboxílico amida tioéster e éster do ácido fosfórico A hidrólise de ésteres de ácido carboxílico amidas e tioéster são amplamente catalisadas pelas carboxilesterases localizadas em vários tecidos e no plasma e por duas esterases localizadas no sangue a acetilcolinesterase verdadeira localizada nas membranas dos eritrócitos e a pseudocolinesterase também conhecida por butirilcolinesterase localizada no soro Ésteres de ácido fosfórico são hidrolisados pela paraoxonase ou organofosfatase enzima presente no soro conhecida por sua capacidade de hidrolisar organofosfatos também chamados de inseticidas organofosforados como o paraoxon 50 Unidade I Exemplo de aplicação Se a cocaína é um estimulante do SNC e o etanol é um depressor desse mesmo órgão qual é a justificativa para que uma pessoa se exponha à cocaína e ao etanol ao mesmo tempo Essa pessoa quer que haja estímulo ou depressão do SNC Permitanos auxiliar nessa resposta mas concentrese na perspectiva de como os conceitos teóricos que você está adquirindo o torna mais preparado para responder às questões da sociedade Quando compreendemos como aplicamos na prática a teoria se torna muito prazerosa Na presença de um álcool carboxilesterases podem catalisar a transesterificação de toxicantes que é o que acontece com a cocaína Acompanhe o raciocínio à medida que a cocaína que quimicamente é o metil éster de benzoilmetilecgonina é biotransformada há uma redução de seus efeitos no organismo Entretanto na presença de um álcool carboxilesterases podem catalisar a transesterificação de toxicantes que é o que acontece com a cocaína na presença do etanol Na presença do etanol a cocaína dá origem ao cocaetileno que é um etil éster de benzoilmetilecgonina bioativo ou seja quando a cocaína é biotransformada e começa a haver uma redução de seus efeitos e há etanol no organismo formase o cocaetileno como metabólito bioativo que faz com que os efeitos no organismo humano sejam prolongados ou seja quando a cocaína começa a ter redução de seus efeitos os mesmos efeitos são obtidos pela presença do cocaetileno formado Agora ficou mais claro como é importante conhecermos os mecanismos de biotransformação no estudo da toxicologia Ao conhecer a toxicologia compreendemos o comportamento humano Exemplo de aplicação Reflita como as diferenças enzimáticas no organismo podem afetar o uso de medicamentos Para essa reflexão vamos sustentar algumas informações a presença de carboxilesterases no soro e nos tecidos determina a duração do efeito sistêmico ou local de certas substâncias Para contextualizar essa informação daremos o exemplo envolvendo a aplicação terapêutica da procaína e da procainamida relacionando suas características de biotransformação A procaína é um ácido carboxílico rapidamente hidrolisado razão pela qual é utilizada principalmente como anestésico local Opostamente a procainamida amida análoga à procaína é hidrolisada muito mais lentamente Portanto concluise que a procainamida alcança a circulação sistêmica onde é útil no tratamento de arritmia cardíaca e que não faria sentido utilizar a procaína para uso sistêmico uma vez que seria rapidamente biotransformada e praticamente não exerceria seu efeito em órgãosalvo Ficou mais claro para você como é importante conhecermos como quando e onde as enzimas agem para catalisar as reações de biotransformação 51 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Lembrete As reações de biotransformação ocorrem no organismo e sempre são catalisadas enzimaticamente Falaremos agora das peptidases Com o advento da tecnologia do DNA recombinante peptídeos humanos têm sido produzidos em grande escala na produção de hormônios fatores de crescimento medicamentos citocinas e anticorpo monoclonal utilizados terapeuticamente Prevalece a administração parenteral dessas substâncias uma vez que caso houvesse a administração pelo trato gastrintestinal haveria possivelmente além da precipitação ácida uma degradação proteolítica Entretanto ressaltase que uma ampla gama de peptidases também hidrolisa os peptídeos no sangue e tecidos por meio das aminopeptidases e carboxipeptidases Já a respeito do epóxido hidrolase quando isoenzimas do citocromo P450 CYP450 catalisam a oxidação de xenobióticos aromáticos ou alifáticos insaturados são produzidos intermediários tóxicos como epóxidos e arenoóxidos com significativa afinidade com macromoléculas nucleofílicas de DNA e proteínas Esses metabólitos potencialmente tóxicos podem ser biotransformados pelas epóxidohidrolases O que você achou dessa informação Além da complexidade da informação você sentiu que ficou muito no plano teórico sem compreender como que aplica essa informação Continue conosco e acompanhe como essa informação deve ser analisada do ponto de vista prático e você a compreenderá melhor o benzoapireno é um hidrocarboneto aromático policíclico biotransformado pelo CYP450 e gera a partir da reação de fase I compostos arenoóxidos que se ligam covalentemente ao DNA com elevada atividade mutagênica a bactérias Entretanto um dos mais importantes arenoóxidos formados é o 45óxido altamente mutagênico para bactérias mas fracamente para células de mamíferos Após você ter tido contato com esse repertório de informação você tem ideia de por que esse metabólito é altamente tóxico para bactérias mas fracamente para mamíferos Releia o parágrafo anterior e reflita Isso mesmo mamíferos biotransformam o 45óxidos e reduzem assim sua toxicidade Essa discrepância de resposta reflete a rápida biotransformação do benzoapireno 45óxido pela epóxidohidrolase nas células de mamíferos mas não de bactérias Mas preste atenção Não é apenas o benzoapireno 45óxido que é formado como compostos arenoóxidos potencialmente tóxicos após a biotransformação do benzoapireno mas também se forma o benzoapireno 78diidrodiol910óxido e esse metabólito não é substrato de epóxidohidrolases Sabe qual é a consequência Esse metabólito é altamente mutagênico para células de mamíferos e é considerado mais potente que o próprio benzoapireno para mutagenicidade para pulmões de camundongos 52 Unidade I O quadro a seguir traz relação de algumas reações químicas enzimas que participam do processo e localização de suas respectivas enzimas para você se localizar melhor nesse universo de reações de biotransformação Quadro 2 Vias de biotransformação dos xenobióticos e suas principais localizações subcelulares Reação Enzima Localização Reação de fase I Hidrólise Esterase Microssomos citosol lisossomos e sangue Peptidase Sangue e lisossomos Epóxido hidrolase Microssomos e citosol Redução Azo e nitrorredução Microbiota microssomos e citosol Redução de carbonila Citosol sangue e microssomos Redução de dissulfeto Citosol Redução de sulfóxido Citosol Redução de quinona Citosol e microssomos Desalogenação redutiva Microssomos Oxidação Álcool desidrogenase Citosol Aldeído desidrogenase Mitocôndria e citosol Aldeído oxidase Citosol Xantina oxidase Citosol Monoaminoxidase Mitocôndria Diamino oxidase Citosol Prostaglandina H sintase Microssomos Flavinamonoxigenase Microssomos Citocromo P450 Microssomos Reação de fase II Conjugação com glicuronídeo Microssomos Conjugação com sulfato Citosol Conjugação com glutationa Citosol microssomos Conjugação com aminoácido Mitocôndria microssomos Acilação Citosol microssomos Metilação Citosol microssomos sangue Adaptado de Klaassen e Watkins 2012 Redução Durante a reação de redução a dupla ligação associada ao nitrogênio é sequencialmente reduzida e clivada para produzir duas aminas primárias As reações de nitrorredução e azorredução são catalisadas pela microbiota e por duas enzimas hepáticas CYP450 e NADPHquinona oxidorredutase sendo que uma terceira enzima pode participar do processo a aldeído desidrogenase KLAASSEN WATKINS 2012 53 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação Quando se expõe ao cloranfenicol o organismo realiza reações de biotransformação envolvendo nitrorredução A álcool desidrogenase é uma das famílias de redutases da carbonila que conduz a redução de alguns aldeídos a álcoois primários e de cetonas a álcoois secundários O haloperidol é biotransformado a um álcool produzido pela ação das carbonila redutase no sangue e no fígado Outros fármacos como a varfarina e a pentoxifilina também são reduzidas por essas enzimas Alguns dissulfetos são reduzidos e clivados a seus componentes sulfidrílicos e essa reação de redução pode ser catalisada pela glutationa Enzimas presentes no fígado e nos rins podem catalisar a redução de sulfóxidos e as quinonas podem ser reduzidas a hidroquinonas catalisadas pela NADPHquinona oxidorredutase que é uma flavoproteína citosólica A dehalogenação pode acontecer no organismo humano por um processo denominado de dehalogenação redutiva em que ocorre a substituição de um halogênio como flúor cloro bromo ou iodo por um átomo de hidrogênio Oxidação Ao avaliar a biotransformação você deve ter em mente que o objetivo desse conjunto de reações químicas que está ocorrendo no referencial biológico é aumentar a hidrossolubilidade do xenobiótico para reduzir sua meiavida biológica e assim eliminálo mais rapidamente Uma das formas que o organismo humano ou animal utiliza para eliminar mais rapidamente o xenobiótico ao qual se expôs é realizando reações de oxidação que é uma das reações de fase I A álcool desidrogenase aldeído desidrogenase carbonil redutase diidrodiol desidrogenase e enzimas que contêm molibdênio podem oxidar ou reduzir álcoois aldeídos e cetonas O metanol e o etanol que são considerados álcoois simples são oxidados a formaldeído e acetaldeído pela álcool desidrogenase Esses aldeídos são posteriormente oxidados a ácidos carboxílicos como os ácidos fórmico e acético pela aldeído desidrogenase tendo o NAD como cofator veja a figura a seguir R CH2OH ADH ALDH NAD NAD H2O Álcool Aldeído Ácido NADH H NADH H R R C C O O H OH Figura 5 Representação da biotransformação do álcool a aldeído via álcool desidrogenase ADH e do aldeído a ácido carboxílico via aldeído desidrogenase ALDH 54 Unidade I A xantina oxidase e a xantina desidrogenase diferemse entre si apenas pelo aceptor de elétrons utilizado no início da reação de biotransformação A xantina oxidase tem como aceptor final de elétrons o oxigênio enquanto a xantina desidrogenase tem como aceptor final de elétrons o NAD Aminas de ocorrência natural como a 5hidroxitriptamina diaminas e histaminas são biotransformadas por reações que envolvem a monoaminoxidase MAO diaminoxidase DAO e poliamoxidase PAO Existe uma via de biotransformação denominada cooxidação dependente de peroxidase Nessa reação de biotransformação hidroperóxidos lipídicos e peróxido de hidrogênio são acoplados a outras substâncias ou substratos Exemplo de aplicação A reação por cooxidação dependende de peroxidase está associada à biotransformação da aflatoxina B1 Poderíamos perguntar por que a aflatoxina B1 apresenta um papel tão relevante sob a ótica toxicológica Por que a maior parte dos livros artigos ou mesmo reportagens envolvendo alimentos ricos em amido como o amendoim associa a aflatoxina B1 a danos hepáticos A resposta está aqui pela consequência da biotransformação dessa toxina A biotransformação da aflatoxina B1 veja a figura a seguir pela citocromo P450 peroxidase leva à formação da aflatoxina B1 89epóxido que para muitos autores é considerada uma das substâncias de maior potencial hepatotumoral que se conhece podendo levar a tumor hepático e ao carcinoma papilar renal por conta de uma ligação irreversível desse metabólito com macromoléculas nucleofílicas O O O O O OCH3 Aflatoxina B1 Citocromo P450 FeO3 Peroxidase ou radical peroxila O O H H O O O O OCH3 Aflatoxina B1 89epóxido Inativação pela conjugação com a glutamina Ligação com DNA Tumor hepático e neoplasia renal papilar Figura 6 Biotransformação da aflatoxina B1 55 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Lembrete O produto de biotransformação da aflatoxina B1 leva à formação do composto 89epóxido cuja toxicidade é superior ao seu precursor que é a aflatoxina B1 A pele e o intestino delgado também conduzem reações de biotransformação por meio da oxidação do xenobiótico mas parece que apenas uma pequena variabilidade de enzimas atua nesse órgão demonstrando que o fígado é o principal órgão de biotransformação por encerrar uma ampla variedade de enzimas e grande quantidade de cada uma delas Atenção para uma das mais importantes enzimas e sistemas enzimáticos encontrados no organismo humano e de vários outros animais o citocromo P450 CYP450 O CYP450 é encontrado virtualmente em todos os tecidos mas é encontrado em grande quantidade no retículo endoplasmático do fígado e apresenta uma incrível versatilidade catalítica que consequentemente apresenta capacidade de biotransformar uma significativa quantidade de xenobióticos Dependendo do material acadêmico que você esteja lendo possivelmente o autor utilizará o termo enzima microssomal para se referir ao CYP450 que embora não seja a única enzima presente nos microssomos é a principal do ponto de vista enzimático que pode catalisar reações de biotransformação Para que tenhamos ainda mais familiaridade permitanos expor mais alguns detalhes sobre o CYP450 Nos vertebrados o fígado é o órgão que possui maiores teores do citocromo P450 CYP450 ativo na monooxigenação de xenobióticos Além do fígado pode ser encontrado na pele mucosa nasal pulmão trato gastrintestinal rins adrenal placenta testículos ovários aorta e sistema nervoso Sua presença no trato gastrintestinal muito provavelmente reflete a evolução do sistema de defesa do organismo humano Observação Ainda que o CYP450 esteja presente em grande número de órgãos não exerce necessariamente o mesmo mecanismo de ação em cada um deles No fígado por exemplo o CYP450 oxida xenobióticos e esteroides endógenos Entretanto em outro órgão como no pulmão também está associado com a oxidação de xenobióticos embora o espectro dos substratos seja mais limitado que a do fígado 56 Unidade I Observação Embora o CYP450 seja citado como uma enzima é um sistema enzimático Você lerá neste livrotexto e na literatura que o CYP450 é uma enzima é uma abordagem da informação Entretanto deve ficar claro para você que o CYP450 não é uma enzima mas um sistema enzimático constituído por uma família de hemoproteínas denominadas de citocromos P450 da NADPHcitocromo p450 redutase via que recebe elétron procedente de NADPH e de citocromo b5 responsável pelo transporte eletrônico veja a figura a seguir Fe3O RH Fe2 RH Fe2O2 RH Fe3 RH Fe3 Fe2OOH RH Fe3 RH G B NADPHcitocromo P450 redutase Citocromo bs E A H e e H H2O D F C O2 Substrato RH Produto ROH Figura 7 Ciclo de óxidoredução do CYP450 O citocromo P450 é formado por isoenzimas ou isozimas que embora apresentem diferenças na sequência de aminoácidos catalisam as mesmas reações químicas O termo CYP associase à representação das isoenzimas do citocromo P450 sendo que o algarismo que o acompanha representa a família a letra representa a subfamília e o algarismo subsequente indica o gene que o decodifica Assim o termo CYP2A6 significa que a isoenzima exemplificada pertence à família 2 da subfamília A e que tem 57 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS uma determinada sequência de aminoácidos representada pelo número 6 O CYP2A6 propriamente dito é expresso no fígado pulmões traqueia e mucosa nasal Esse sistema enzimático possui ferro e está no estado de oxidação Fe3 e quando esse Fe3 se reduz a Fe2 o CYP450 adquire a capacidade de se ligar a outras substâncias como o monóxido de carbono CO e o oxigênio molecular O2 Observação Quando o CYP450 se liga ao CO o comprimento de absorção máxima em espectrofotometria de ultravioleta visível UVVIS ocorre a 450 nm número do qual deriva seu nome CYP450 O CYP450 catalisa reações de oxidação que incluem a epoxidação de dupla ligação oxigenação de heteroátomos S e N e I e Nhidroxilações dealquilação de heteroátomos O S N e Si transferência de grupos oxidativos dehidrogenação clivagem de ésteres e hidroxilação de carbono alifático ou aromático 12722 Reações de fase II Chamamos sua atenção para ver que as reações de biotransformação de fase I levam a um pequeno aumento da polaridade do xebonótico mas nem sempre é suficiente para excretálo rapidamente Quando isso acontece ocorre uma complementação da reação de biotransformação denominada de fase II Lembrete As reações de biotransformação de fase I levam ao pequeno aumento da hidrossolubilidade do toxicante As de fase II elevam significativamente sua hidrossolubilidade Na maioria das reações de biotransformação as primeiras que ocorrem são as de fase I e posteriormente as de fase II Nas reações de fase II o xebobiótico interagirá com substâncias endógenas e conferirá um grande aumento da hidrossolubilidade do toxicante aumentando a velocidade de sua excreção As reações de fase II também são catalisadas enzimaticamente Poderíamos ser questionados as reações de fase I já não aumentam a hidrossolubilidade do xenobiótico A resposta é sim aumentam Entretanto muitas vezes o aumento da hidrossolubilidade adquirida pelo xenobiótico ainda é insuficiente para que o organismo o excrete rapidamente Dentro desse contexto as reações de fase II também conhecidas como reações de conjugação ou síntese aumentam de forma significativa a hidrossolubilidade do toxicante fazendo com que o organismo o excrete mais rapidamente e consequentemente reduzem sua meiavida biológica tempo de permanência do toxicante no organismo 58 Unidade I Lembrete Nas reações de biotransformação de fase I grupamentos funcionais são expostos ou introduzidos na estrutura química do xenobiótico As reações de biotransformação de fase II ocorrem no grupamento funcional que foi introduzido ou exposto na estrutura química do toxicante pela reação de fase I por meio das reações químicas resumidas no quadro a seguir Quadro 3 Reações químicas cofatores e exemplo de reações de fase II Reação química Cofatores Exemplo Acetilação Acetil coenzima A Sulfametoxazol NAT1 Nacetiltransferase 1 Dapsona NAT2 Nacetiltransferase 2 Conjugação com aminoácidos Glicina taurina ou glutamina Ácido benzoico glicinaácido hipúrico BenzoilCoAácido hipúrico Conjugação com glutationa Glutationa Nacetilpbenzoquinonaiminamercapturato Glicuronidação Ácido uridino5difosfoαD glicorônico UDPGA Amitriptilina imipramina Metilação Sadenosilmetionina SAM LDopa 3OmetilLdopa Ometilação Sulfatação ou sulfonação 3fosfoadenosina5 fosfosultato PAPS 1hidroxisafrol1sulfoxisafrol Adaptado de Klaassen et al 2001 Consequências das reações de biotransformação Após a biostransformação em que ocorre uma alteração química na estrutura do xenobiótico pode haver alteração de sua toxicidade Coincidentemente a maioria das reações de biotransformação leva a uma redução da toxicidade Como visto há situações pelas quais o produto de biotransformação apresenta uma toxicidade superior ao seu precursor Como você também se recorda dependendo das condições de exposição a mesma substância química pode causar diferentes danos ao organismo humano A figura a seguir retrata essa situação na qual a exposição aguda do benzeno pode levar à depressão do sistema nervoso central enquanto a exposição crônica à mesma substância química pode levar à leucemia 59 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Exposição aguda Benzeno Depressão do SNC Exposição crônica Leucemia Figura 8 Esquema que expressa como a condição de exposição altera o dano que a mesma substância química pode causar no organismo Vamos nos reportar a um dos mais importantes princípios da toxicologia toda substância pode ser considerada um agente tóxico dependendo das condições de exposição Esse raciocínio é válido para os trabalhadores que se expõem ao benzeno Após a exposição o benzeno é absorvido com muita facilidade pelos alvéolos pulmonares e chegam em segundos na circulação sanguínea onde é distribuído para os tecidos Agora vamos compreender ainda melhor como a reação de biotransformação está associada à toxicidade do benzeno Por ser muito lipossolúvel após a absorção o benzeno se difundirá amplamente nos órgãos que tenham gordura como a medula óssea Nesse local passará por biotransformação para que seja excretado com facilidade A biotransformação ocorre inicialmente através de enzimas microssomais citocromo P450 e forma vários produtos de biotransformação com destaque para o benzeno epóxido e o benzeno ocepina veja a figura a seguir OH OH OH OH OH OH O O O O O O O O O O O O S S NH NH γglu gly GSH GST EH CYP2E1 CYP2E1 CYP2E1 DHDH DHDH NQO1 NQO1 Hidroquinona pbenzoquinona obenzoquinona Catecol Oxepino Fenol Epóxibenzenodiol Ácido ttmucônico HMA ttmuconaldeído Benzeno Ácido Sfenilmercaptúrico SPMA Óxido de benzeno 1 24trihidroxibenzeno MPO MPO EH H2O H2O O O O O O O O OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH Legenda CYP2E1 Citocromo P450 2E1 DHDH Diidrodiol desidrogenase EH Hidrolase GSH Glutationa MPO Mieloperoxidase NQO1 NADPH quinona oxidorredutase1 Figura 9 Biotransformação do benzeno 60 Unidade I Como você pode observar a biotransformação do benzeno leva à formação do benzeno epóxido e benzeno oxepina Esses metabólitos são bastantes instáveis e reativos ou seja apresentam muita afinidade com macromoléculas nucleofílicas como o DNA das células dos órgãos onde está havendo a biotransformação Ambos benzeno epóxido e benzeno oxepina são capazes de se ligar covalentemente com o DNA da medula óssea Essa ligação covalente estável que ocorrerá no material genético da célula é chamada de aduto de DNA que leva à leucemia mieloide aguda Observação A exposição crônica ao benzeno pode levar à leucemia mieloide aguda Dentro desse contexto parecenos adequado concluir que caso o benzeno não seja biotransformado não há a formação do benzenoepóxido e do benzeno ocepina e sem a presença desses não haveria interferências sobre macromoléculas nucleofílicas e não haveria o câncer É um caso clássico de bioativação em que o produto de biotransformação possui toxicidade superior ao seu precursor benzeno Exemplo de aplicação Seria interessante utilizar todo o repertório de informações adquirido por você até o momento e refletir toda substância à qual o organismo se expõe é biotransformada Gostaríamos de compartilhar com você uma linha de raciocínio que nos auxiliará no exemplo de aplicação anterior Caso a substância tenha uma estrutura química que lhe condicione uma significativa hidrossolubilidade para que biotransformar Não há necessidade Dentro desse contexto você sabia que a sacarina tem em sua estrutura química grupamentos funcionais que já lhe conferem hidrossolubilidade suficiente para que seja excretada sem ser biotransformada Assim caso uma pessoa que se exponha à sacarina tenha sua urina coletada nas 48 horas subsequentes à exposição toda a quantidade da sacarina à qual o organismo se expõe será encontrada inalterada na urina Não é interessante e importante essa informação Outra perspectiva da mais alta relevância toxicológica é que é possível determinar a exposição a determinados xenobióticos por meio da identificação de seus respectivos produtos de biotransformação encontrados em matrizes biológicas O tolueno é um hidrocarboneto aromático utilizado na fabricação de resinas tintas borrachas cola de sapateiro e esmalte de unha e presente na fumaça do cigarro Para se estimar a intensidade de exposição e consequentemente o risco de intoxicação de uma pessoa que trabalha na fábrica de tintas e que também utilize o tolueno como insumo coletase a urina desse trabalhador e verificase a presença e o teor da substância presente no organismo 61 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Mas qual substância química é procurada no organismo para estimar essa exposição o próprio tolueno A resposta é não O tolueno é um solvente orgânico lipossolúvel e quando há a exposição enzimas atuam sobre sua estrutura química e catalisam reações de biotransformação de fases I e II para que haja o aumento de sua hidrossolubilidade e consequentemente da velocidade de sua excreção Portanto um dos produtos de biotransformação do tolueno e que também é o biondicador de exposição a essa substância é o ácido hipúrico Essa informação demonstra a importância do conhecimento dos mecanismos de biotransformação que ocorrem com as substâncias estimar se houve a exposição a elas e a quantidade presente na matriz biológica e consequentemente no organismo Exemplo de aplicação Após se apropriar das informações associadas à biotransformação você poderia nos propor como a polícia científica poderia constatar se uma pessoa se expôs à Cannabis sativa maconha A qual conclusão você chegou Vamos acompanhálo nesse raciocínio Lembrete Cannabis sativa é uma droga e Δ9tetrahidrocanabinol Δ9THC é o principal fitocanabinoide presente na Cannabis sativa O Δ9THC é biotransformado por enzimas microssomais pela subfamília de isoenzimas da CYP2C principalmente no fígado mas outros órgãos também podem biotransformálo Para saber se houve exposição à droga determinamse os teores de um de seus produtos de biotransformação na urina a 11nor9carboxiΔ9tetrahidrocanabinol também conhecida por 11nor9carboxiΔ9THC ou THCCOOH A THCCOOH é o bioindicador de exposição à Cannabis sativa Assim caso haja a presença da THCCOOH na urina significa que essa pessoa se expôs à droga OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Ficou claro por que devemos conhecer bem os mecanismos envolvidos na biotransformação das substâncias químicas Oga Camargo e Batistuzzo 2014 expõem que a biotransformação pode ser modificada por fatores que dependem do próprio organismo denominados de fatores internos como o gênero a idade a espécie ou raça e os estados de saúde e nutricional ou aqueles que independem do organismo denominados de fatores externos como a indução e inibição enzimáticas 62 Unidade I Fator interno raça ou espécie A aldeído desidrogenase é uma enzima envolvida na biotransformação do aldeído formado na biotransformação do etanol Lembrete Álcoois são biotransformados a aldeídos e estes são biotransformados a ácido acético e água O etanol é biotransformado a acetaldeído pela álcool desidrogenase e o acetaldeído formado é biotransformado a ácido acético e água pela aldeído desidrogenase Exemplo de aplicação Você já observou que a maioria das pessoas de origem oriental quando se expõem a uma quantidade intermediária de etanol normalmente ficam rubefascientes rosto avermelhado com cefaleia ou até mesmo apresentam náusea e vômitos Gostaríamos que você continuasse raciocinando conosco e nos respondesse por que o oriental apresenta esses sinais e sintomas de intoxicação ao se expor a uma maior quantidade do etanol Está claro que para todo conceito toxicológico apresentado a você é possível contextualizálo e vislumbrarmos uma aplicação em nosso dia a dia ou no cotidiano da sociedade Após esse momento de resgate das informações relacionadas aos conceitos dos princípios da toxicologia em que você estabeleceu correlação entre as informações e o questionamento vamos evoluir no raciocínio e compreender qual é a associação entre os orientais e os fatores internos condicionados à raça De uma forma geral as pessoas de origem oriental produzem constitutivamente baixos teores da enzima aldeído desidrogenase Quando essa pessoa se expõe a uma pequena quantidade de etanol consegue biotransformálo Entretanto caso se exponha a uma quantidade maior o etanol é biotransformado a aldeído mas nem todo aldeído é biotransformado em ácido acético e água uma vez que o próprio organismo não produz a quantidade suficiente de aldeído desidrogenase para biotransformar uma maior quantidade de aldeído A consequência dessa pequena quantidade da enzima de aldeído desidrogenase produzida faz com que haja o acúmulo de aldeído no organismo e essa substância leva a efeitos desagradáveis uma vez que o aldeído é rubefaciente e pode levar a uma marcante vermelhidão no rosto além de poder causar náusea vômito intenso suor sudorese e cefaleia como exposto anteriormente 63 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Você está conseguindo associar a teoria da disciplina com o cotidiano Esse é um dos grandes objetivos do estudo da toxicologia conhecer como as substâncias agem no organismo humano e animal para que possamos prevenir as intoxicações Observação A disciplina de toxicologia é acumulativa ou seja precisamos nos apropriar inequivocamente dos conceitos e aplicações estudadas para que possamos compreender e aplicar novos conceitos e aplicações Fator interno gênero Você se recorda de que ao ser biotransformado o benzeno dá origem a vários produtos de biotransformação incluindo o benzenoepóxido e o benzeno ocepina que são mielotóxicos Essas substâncias são produtos de biotransformação quando o benzeno é biotransformado pelo CYP450 Observe agora atentamente como um fator interno constitucional como o gênero pode alterar a biotransformação e consequentemente os efeitos de uma substância no organismo ratos produzem maior quantidade de CYP450 em comparação com ratas Por essa perspectiva quanto mais CYP450 se produz maior será a intensidade de biotransformação e quanto mais se biotransforma maiores serão os teores de benzenoepóxido e benzeno ocepina formados Lembrete Ratos produzem quantidade de CYP450 cerca de 40 superior em comparação com ratas Agora consegue imaginar qual é a consequência da exposição ao benzeno dependendo do gênero do rato Para ratos que produzem elevadas quantidades de CYP450 haverá grande formação de adutos de DNA com consequente mielotoxicidade Parecenos aceitável assumir que ratos possuem maior risco de intoxicação ao benzeno em comparação a ratas Fator interno idade Quando humanos atingem a senilidade há uma tendência de o organismo produzir menor quantidade de enzimas de biotransformação 64 Unidade I Exemplo de aplicação Não é verdade que os avós precisam se expor a uma menor quantidade de antiinflamatórios para obter a mesma analgesia em comparação com um jovem Você consegue seguir uma linha de raciocínio que justificaria essa situação Continuemos interagindo e vamos entender por que idosos precisam de menor quantidade de medicamento para atingir o mesmo efeito em comparação ao jovem ou adulto Isso ocorre porque com a senilidade se produz menor quantidade de enzimas de biotransformação Como há menor intensidade de biotransformação o medicamento permanece inalterado no organismo por um tempo maior Consequentemente age por mais tempo no organismo e maior é o tempo de exposição Fator interno estado nutricional Imagine que uma criança esteja com febre e sua mãe administre um dos agentes antitérmicos de venda livre mais utilizados o paracetamol Após a exposição o medicamento será absorvido ou seja chegará até a circulação sanguínea Como vimos quando o organismo se expõe a uma ou mais substâncias diferentes independentemente de essa substância apresentar efeito benéfico medicamento por exemplo ou deletério o organismo atuará sobre essa substância para expulsála com a maior brevidade ou seja tentará excretar essa substância o mais rapidamente possível e é nesse momento que ocorre a biotransformação do paracetamol Também chamado de acetaminofeno o paracetamol é biotransformado pela isoenzima CYP2E1 e dá origem ao metabólito denominado de Nacetilpbenzoquinonaimina NAPQI A NAPQI é biotransformada por reação de fase II pela glutationa reduzida GSH reação catalisada pela glutationaStransferase GST e se obtém a formação de mercapturatos que são produtos de biotransformação de elevada hidrossolubilidade Caso o organismo não se exponha a alimentos proteicos como carne leite queijo ou ovos durante o tratamento medicamentoso haverá redução da disponibilização de substratos para a produção das enzimas necessárias para a biotransformação da NAPQI Gostaríamos que você se atentasse que nessa situação a NAPQI é pouco biotransformada ou pode até mesmo não ser biotransformada pela diminuição ou ausência de enzimas de biotransformação Lembrete As reações de biotransformação são catalisadas enzimaticamente e enzimas são proteínas específicas produzidas a partir da ingesta de proteínas que disponibilizam aminoácidos para o organismo 65 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A NAPQI acumulada age principalmente no fígado local de biotransformação do paracetamol atua nos hepatócitos e pode causar danos hepáticos por lipoperoxidação ou peroxidação lipídica Vamos ver os sinais e os sintomas de intoxicação pelo paracetamol Observação Diferentes autores utilizam os termos paracetamol e acetaminofeno como sinônimos Quando uma pessoa está intoxicada pelo paracetamol nas primeiras 24 horas o organismo praticamente não se manifesta e o paciente apresenta um quadro assintomático Pode por vezes apresentar um quadro de palidez náuseas vômitos e dor epigástrica na boca do estômago Nas 48 horas seguintes pode haver dor no hipocôndrio direito região acima da cintura abaixo do tórax e do lado direito e as transaminases hepáticas são aumentadas Após esse período ocorre a hepatotoxicidade em sua expressão máxima que pode evoluir para a falência hepática aguda e até mesmo à morte Para que você tenha uma ideia sobre a importância do paracetamol na intoxicação aguda segundo Farias 2016 o paracetamol foi responsável por 629 dos casos de intoxicação por antiinflamatório não esteroidal n201 associados à tentativa de autoextermínio n151 intoxicação acidental n35 eventos adversos n10 e automedicação n5 em 2015 em hospital especializado em urgência no estado de Minas Gerais Fator interno estado de saúde Como você sabe o principal órgão de biotransformação é o fígado Em situações em que o indivíduo apresente doenças hepáticas como cirrose hepatite ou carcinoma possivelmente haverá redução na produção das enzimas de biotransformação uma vez que nessas condições as células passam a desempenhar funções primordiais de sobrevivência e deixam de realizar funções específicas como a produção enzimática Fator externo indução enzimática A exposição crônica a xenobióticos pode levar ao que se chama de tolerância metabólica ou disposicional Nessa tolerância as células sobretudo a dos hepatócitos têm o volume e o número do retículo endoplasmático granular REG aumentados e consequentemente passam a produzir maiores teores de enzimas Essa maior produção enzimática tem efeito direto caso o toxicante ao qual o organismo se expôs seja biotransformado pelas enzimas que estão sendo mais intensamente produzidas esse toxicante será biotransformado mais rapidamente 66 Unidade I Exemplo de aplicação Permitanos trazer um pouco de nossa experiência profissional presenciamos pacientes que convulsionaram e questionamos se esses pacientes se expuseram corretamente ao medicamento Sabe qual foi a resposta Que sim que naquela semana e naquele dia haviam tomado o medicamento anticonvulsivante no horário certo na dose certa pela via de administração prescrita e na forma farmacêutica adequada Uma das possíveis justificativas para que o paciente se exponha corretamente ao medicamento mas que não haja efeito terapêutico é que pode estar havendo o fenômeno de tolerância disposicional em que o organismo se expõe às mesmas quantidades do medicamento que já não produzem mais o efeito terapêutico Caso ainda não esteja entendendo muito bem o conceito gostaríamos que você nos permitisse utilizar uma frase popular já ouviu alguém falar que o organismo se acostumou com o medicamento Sim sabemos que já ouviu O que significa isso Que o medicamento tomado na mesma dose já não faz mais efeito no organismo Mas por que a mesma quantidade do medicamento não age mais no organismo Uma das possíveis explicações é que ao longo do tempo o organismo foi induzindo à produção de maiores quantidades de enzimas que consequentemente aumentam a intensidade de biotransformação do fármaco Esse acostumou é um termo popular que expõe sabiamente o fenômeno de tolerância metabólica ou disposicional Por trás da simplicidade da população há uma incrível sabedoria Assim com a simplicidade dos exemplos disponibilizados por aqueles que nesse momento interagem com você ficou mais claro como a indução enzimática pode interferir no organismo humano ou animais O benzoapireno a fenitoína o fenobarbital a predinisona a rifampicina e o etanol em exposição crônica são exemplos de indutores enzimáticos ou seja são substâncias que com o tempo poderão induzir a biotransformação de outras substâncias químicas ou até mesmo delas mesmas Observação O benzoapireno é uma das 4720 substâncias químicas geradas pelo tabaco e também é um indutor enzimático Dependendo do medicamento de que o organismo faz uso pode acontecer de o benzopireno inalado da fumaça do cigarro induzir à tolerância metabólica Com essa indução enzimática o medicamento é biotransformado mais rapidamente deixa de fazer o efeito desejado e há a necessidade do aumento da dose para corrigir a situação 67 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Mas há limites para o aumento da dose há situações que o aumento da dose faz com que a substância atinja níveis plasmáticos tóxicos Fator externo inibição enzimática Praguicidas organofosforados são utilizados amplamente na agricultura e protegem a plantação contra pragas que danificam a produção agrícola Entretanto essas mesmas substâncias que são utilizadas para que se garanta alimento para toda a população são utilizadas por grupos terroristas que preparam e utilizam os gases dos nervos como o VX o tabun e o sarin como arma de destruição em massa Esse grupo de substâncias químicas são inibidores enzimáticos ou seja inibem a acetilcolinesterase enzima que hidrolisa a acetilcolina A inibição da acetilcolinesterase leva a uma hiperestimulação colinérgica com danos que podem ser irreversíveis Nem sempre a inibição da acetilcolinesterase é considerada um problema Há situações em que é interessante que ocorra uma maior atividade muscarínica em alguns órgãos como a bexiga ou o intestino e nesse caso administrase a neostigmina inibidor da acetilcolinesterase que gerará um efeito terapêutico Assim a mesma substância química ou diferentes substâncias com os mesmos mecanismos de ação podem levar a danos no organismo humano ou de animais ou ser utilizadas como medicamentos Observação Segundo Paracelsus a diferença entre remédio e veneno é a dose Como outros exemplos de inibidores enzimáticos citamse a fluoxetina dissulfiram eritromicina cetoconazol cimetidina e omeprazol que inibem a CYP450 a tranilcipromina que é inibidora da monoaminoxidase e o metronidazol que inibe a aldeído desidrogenase 1273 Distribuição Uma vez na circulação sanguínea o xenobiótico é distribuído ou seja é transportado pelo sangue e pela linfa para diversos tecidos O transporte ocorre quando o toxicante está na forma livre conjugado com proteínas plasmáticas ou com as hemácias A albumina é a principal proteína sérica que distribui o xenobiótico mas não é a única A cocaína por exemplo é distribuída ligada à α1glicoproteína ácida e o Δ9THC é distribuído 97 a 99 ligado a lipoproteínas Fatores como os fluxos linfático e sanguíneo nos órgãosalvo propriedades físicoquímicas da substância como o coeficiente de partição óleoágua e o pH do meio interferem diretamente na distribuição da substância química Para que o toxicante presente no sangue do organismo exerça o efeito deletério fazse necessário que saia do leito vascular atravesse membranas biológicas e chegue assim no sítio de ação Para que 68 Unidade I isso ocorra o xenobiótico deverá estar na forma livre não conjugada a proteínas séricas para que atravesse as barreiras biológicas Para que se tenha dimensão da quantidade da substância química que é distribuída utilizase o parâmetro denominado de volume de distribuição Vd que é o parâmetro toxicocinético que sinaliza a extensão da distribuição do toxicante Caso a substância apresente elevado volume de distribuição Vd 3045 l homem 75 kg significa que a substância estará em pequena porção no leito vascular e em grande parte terá sido distribuído para órgãos e tecidos Opostamente xenobiótico de baixo volume de distribuição significa que a maior parte da substância permanece no plasma e apenas uma pequena fração está agindo nos tecidos 1274 Armazenamento Uma vez distribuída a substância química pode ser armazenada e esse armazenamento pode causar efeito deletério local ou ser inócuo ou seja pode não causar dano no local onde está armazenado O estrôncio causa dano no local de armazenamento Ao se depositar no tecido ósseo e dependendo das condições de exposição pode levar ao tumor ósseo O depósito de flúor nos dentes pode levar à fluorose Observação Uma substância química que esteja armazenada em grande quantidade em um órgão não significa necessariamente que levará a um dano no órgão que armazena o toxicante Pode acontecer de a substância ser acumulada em um tecido ou órgão mas não causar dano a ele É o que ocorre com o acúmulo de chumbo no tecido ósseo por exemplo O chumbo é armazenado no tecido ósseo na forma de trifosfato de chumbo e não manifesta efeito tóxico enquanto estiver temporariamente armazenado nesse tecido Entretanto quando o chumbo é redistribuído pode atuar sobre outro tecido e exercer seu efeito tóxico Observação A meiavida biológica T12 do chumbo no tecido ósseo é de 27 anos 1275 Excreção A excreção é a forma pela qual o toxicante é expulso do organismo Para que haja a excreção a substância deve estar na forma hidrossolúvel O toxicante pode ser excretado por várias vias como a fecal a urinária ou a pulmonar mas também pode haver excreção por outras vias O etanol pode 69 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS excretado pelos pulmões e urina o chumbo pelo suor lágrima e saliva além da excreção renal e fecal o Δ9THC pelo leite materno e a cocaína pelo sêmen A excreção renal se destaca uma vez que é no momento da filtração glomerular que ocorrem os mecanismos de reabsorção filtração e secreção tubulares e dentro desse contexto pode haver a alteração dos percentuais da fração em que a substância química está na forma molecular ou ionizada Entretanto você não acha que cabe um questionamento nessa parte Sim poderíamos nos questionar qual é o significado toxicológico da filtração glomerular A importância do domínio dessas informações está na possibilidade de alterar o percentual da fração iônica e molecular do toxicante Essa modulação é utilizada no tratamento das intoxicações à medida que quando o xenobiótico está na forma molecular lipossolúvel pode ser reabsorvido e ter o aumento de tempo de ação no organismo Opostamente caso o toxicante esteja na forma iônica sua reabsorção nos néfrons é pequena consequentemente sua maior parte é filtrada transportada para a bexiga e em um segundo momento excretada pela urina Assim a alcalinização ou acidificação do compartimento urinário altera de forma significativa a reabsorção de um toxicante Lembrete Ao manter um medicamento que é um ácido fraco ou base fraca em sua forma iônica esse medicamento será pouco reabsorvido e rapidamente excretado 128 Toxicodinâmica Estamos seguros de que você se recorda que a toxicodinâmica tem o mesmo significado que ação tóxica e é a forma pela qual o toxicante age no organismo do ponto de vista bioquímico e molecular Exemplo de aplicação Reflita sobre qual é a real importância de conhecer como as substâncias químicas agem no organismo de humanos e animais Um dos motivos que justificam o conhecimento do mecanismo de ação das substâncias é poder propor formas de tratamento como a utilização de antídotos para reduzir ou eliminar completamente os efeitos de uma substância química Você se recorda dos exemplos que trabalhamos até o momento envolvendo o CO Caso você não se recorde das informações associadas ao CO permitanos relembrar algumas e agregar outras 70 Unidade I O oxigênio é carreado no organismo humano ligado ao grupamento heme da hemoglobina Dessa forma a hemoglobina se liga ao oxigênio O2 e o distribui para tecidos remotos ou seja tecidos distantes do local onde o oxigênio foi absorvido pulmão Nos tecidos esse oxigênio é liberado e absorvido pelas células que realizam a respiração celular mitocondrial Caso haja alguma dificuldade no transporte do oxigênio na circulação sanguínea o aporte de oxigênio aos tecidos remotos pode ser reduzido hipóxia que pode levar à cianose coloração azul violácea da pele e até mesmo à necrose tecidual ou à morte do organismo Lembrete Cianose necrose ou até mesmo a morte do organismo não são ações tóxicas ou toxicodinâmicas são sinais de intoxicação O CO presente na circulação sanguínea impede que o O2 se ligue ao grupamento heme da hemoglobina Você já ouviu que o CO se liga irreversivelmente à hemoglobina não é Provavelmente sim Sentimos muito mas nos parece que não é bem assim Vamos entender melhor essa informação Então continue concentrado raciocine conosco e preste atenção no número dado na sequência A ligação entre a hemoglobina e o CO é cerca de 220 vezes mais estável que a ligação entre a hemoglobina e o O2 Dessa forma demorase muito tempo para que a hemoglobina que esteja ligada ao CO se desacople da hemoglobina e fique livre para se ligar ao O2 O antídoto utilizado para o tratamento da intoxicação pelo CO é O2 e o utilizamos porque sabemos o mecanismo de ação do CO do ponto vista bioquímico e molecular Em uma situação de incêndio por exemplo em que o organismo se expõe a grandes volumes de CO2 o tratamento consiste na oxigenoterapia em que se administra oxigênio puro Assim o tratamento e a prevenção da intoxicação utilizam informações associadas ao mecanismo de ação das substâncias químicas Ficou melhor agora Você compreendeu a importância de nos apropriarmos do conhecimento envolvendo a toxicodinâmica Lembrete Toxicodinâmica e ação tóxica são sinônimos 71 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 1281 Seletividade de ação Na perspectiva toxicodinâmica o xenobiótico pode agir de forma específica como os inseticidas organofosforados que inibem especificamente a enzima acetilcolinesterase ou podem agir inespecificamente como os ácidos e álcalis conforme a figura a seguir OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Figura 10 Queimadura por álcali após 12 horas da chegada no pronto socorro A visão frontal B visão anterolateral Ácidos ou bases fortes quando interagem com membranas externas ou internas do organismo agem inespecificamente Como se observa na figura anterior a soda cáustica causou queimaduras na pele mucosa nasal e oral e cartilagens da orelha e nariz ou seja a substância química levou ao mesmo dano em diferentes tecidos pelo mesmo mecanismo de ação Ficou claro para você que quando não há especificidade de ação ao interagir com membranas externas ou internas do organismo humano ou de animais as substâncias agem sem distinção de órgãoalvo específico tecidos células e moléculas e pode levar a um processo inflamatório de irritação corrosão e queimadura ou seja atuam inespecificamente sobre o local de contato Você está acompanhando muito bem o raciocínio toxicológico Sob a perspectiva de ação de xenobióticos a especificidade de ação pode estar condicionada a diferenças entre as características fisiológicas e bioquímicas entre diferentes espécies Acompanhe o raciocínio células de mamíferos não possuem parede celular diferentemente de células de bactérias Por esse contexto nos parece consenso que se uma substância química é capaz de atuar sobre a parede celular atuaria apenas sobre células bacterianas e não de animais Ficou claro como se compreende a seletividade de ação de substâncias químicas 72 Unidade I 1282 Interação com receptores Como visto no início deste livrotexto o curare é preparado por índios na América do Sul e constituído por uma mistura de plantas nativas dessa região com efeito paralisante utilizado nas pontas de dardos lançados por zarabatanas ou de flechas para a caça É fabricado pelos curandeiros das tribos que se utilizam de diferentes tipos de raízes e lianas para sua preparação Exploradores que chegaram à região do Amazonas e Orinoco nos séculos XVI e XVII registraram a utilização do curare pela primeira vez No século XIX conseguiram assistir a sua preparação e verificaram que era preparado com plantas que os indígenas denominavam uirari usadas em maior quantidade e icu usada em menor quantidade como as espécies Strychnos castelneana e Anomospermum grandifolium Eichler SÁ et al 2012 Você deve se recordar de que estudamos juntos que o risco de intoxicação pelo curare depende muito da via de exposição e você também já sabe que ele tem como principal princípio ativo o alcaloide dtubocurarina Esse fármaco atua na junção neuromuscular como antagonista competitivo de receptores nicotínicos da placa terminal mas não é capaz de desencadear o processo de despolarização Após a exposição ao curare ocorre inicialmente a flacidez da musculatura estriada dos músculos mais frágeis como os da face evoluindo para os mais potentes Imaginemos juntos o que ocorre com o animal ou humano que é intoxicado pelo curare Durante a intoxicação o homem ou animal permanece consciente e com percepção da dor uma vez que a dtubocurarina não é capaz de atingir o SNC e também não é capaz de interferir no limiar da dor e sob a ótica toxicodinâmica levandose em consideração a interação com receptores a dtubocurarina compete com a acetilcolina Ach pelos receptores nicotínicos Entretanto ao se ligar nesses receptores não consegue realizar a despolarização celular e por consequência afeta a musculatura respiratória A morte decorre por paralisia da musculatura diafragmática Observação Toxicodinâmica é o mecanismo envolvido no processo de ação do toxicante no organismo Os danos são os efeitos dessa ação 1283 Interferência nas membranas excitáveis Possivelmente você já deve ter visto em reportagens documentários ou filmes um peixe que infla quando se estressa ou seja quando submetido a situações que interprete como perigosas aumenta seu volume para se proteger ao inibir ou impedir que outros peixes o engulam Ele é o baiacu peixe venenoso presente na costa brasileira A tetrodotoxina neurotoxina resistente a elevadas temperaturas é encontrada em alguns órgãos do baiacu ou no fugu peixe de mesma espécie comum na gastronomia oriental 73 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS O funcionário que trabalha em um restaurante que tenha o fugu em seu cardápio deve ser treinado e licenciado para que prepare adequadamente o peixe e fazse necessário retirar os principais órgãos de armazenamento da neutoroxina veja a figura a seguir A exposição aos peixes da família do baiacu normalmente leva a consequências da mais relevante gravidade em que casos fatais não são incomuns NETO et al 2010 Figura 11 Vísceras de baiacupintado Poderíamos pensar nesse momento é por isso que cozinho asso ou frito os peixes que como Não é bem assim Essa neurotoxina é estável a elevadas temperaturas de forma que não adianta o alimento ser submetido ao cozimento ou fritura porque esses procedimentos não são suficientes para retirar ou minimizar os efeitos dessa potente neurotoxina presente no baiacu A tetrodotoxina age sobre a membrana celular e impede o influxo de sódio Na Esse bloqueio de canais de Na faz com que não haja trocas iônicas e como consequência não há a liberação e ação da ACh A significativa redução ou ausência desse neurotransmissor na fenda sináptica não gera potencial de ação e a musculatura tornase flácida tanto nos músculos menos importantes do ponto de vista fisiológico como os da face quanto nas musculaturas primordiais para a vida como a diafragmática Morrese assim por parada respiratória Observação A toxicodinâmica da neurotoxina tetrodotoxina está associada à inibição dos canais iônicos das membranas excitáveis A paralisia da musculatura respiratória é consequência da toxicodinâmica Phyllobates aurotaenia é uma espécie de rã que apresenta abdome preto com pontos verdes ou azuis e o dorso negro com listas dorsolaterais em verde amarelo laranja ou ouroacastanhado Essas espécies selvagens são capazes de armazenar em suas glândulas da pele uma toxina denominada de batrocotoxina e 100 µg dessa toxina pode ser fatal para humanos Essa elevada toxicidade é explorada por povos nativos americanos da Colômbia para a caça A produção armazenamento e liberação da batrocotoxina por P aurotaenia faz com que essa espécie seja considerada uma das mais letais quando comparada com os demais anfíbios venenosos A 74 Unidade I batrocotoxina é um alcaloide esteroidal que atua em mamíferos se ligando irreversivelmente a canais iônicos e abrindo permanentemente os canais de sódio dos neurônios e células musculares A entrada excessiva de sódio impede a repolarização da membrana celular e bloqueia a sinalização adicional Seu resultado além de extrassístoles pode ser a paralisia e morte do organismo que se expôs à toxina por contração muscular excessiva e permanente 1284 Inibição da fosforilação oxidativa O cianeto ficou mundialmente famoso a partir de seu uso na Segunda Guerra Mundial nas câmaras de gás mas é uma substância que está mais próxima de nós do que você possa imaginar Lembrete O ácido cianídrido pode ser gerado a partir do tolueno diisocianato TDI presente em alguns tipos de espumas Uma das formas pelas quais o organismo humano se expõe ao cianeto é por alimentos ricos em glicosídeos cianogênicos como a mandiocaamarga ou mandiocabrava Em situações específicas de hidrólise esses alimentos liberam o cianeto em sua forma molecular e podem intoxicar gravemente quem se expõe a ele Observação Para causar dano o cianeto deve estar na forma molecular O correto seria falarmos ácido cianídrico para nos referirmos à forma tóxica mas popularmente a substância é conhecida por cianeto ou cianureto O ácido cianídrico em sua forma molecular HCN inibe a citocromo oxidase também conhecida por citocromo a3 presente na cadeia respiratória e consequentemente impede a transferência de elétrons na mitocôndria O oxigênio aceptor final de elétrons no processo de fosforilação oxidativa não recebe elétron por causa dessa inibição enzimática e não há a produção da adenosina trifosfato ATP O organismo em última instância entra em colapso uma vez que o processo de transferência eletrônica mitocondrial está bloqueada e não há formação de energia pela mitocôndria 1285 Complexação com enzimas O chumbo é um metal que pode interferir na biossíntese do grupamento heme que dá origem à hemoglobina Há uma sequência de eventos catalisados enzimaticamente que ocorrem na medula óssea e dependendo das condições de exposição o chumbo pode inibir uma ou mais enzimas durante a biossíntese do heme por inibição de grupamentos sulfidrílicos SH proteicos O cádmio o mercúrio e o arsênio têm a mesma toxicodinâmica que o chumbo 75 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 1286 Complexação com proteínas Como as proteínas poderiam estar associadas a algum mecanismo de toxicidade Para responder a esse questionamento sugerimos que você se reporte às informações que vimos juntos associadas à intoxicação pelo paracetamol Em situações de saturação enzimática ou da depleção de substâncias endógenas pode haver dano celular Em situações em que haja a saturação da glutationaStransferase GST a Nacetilp benzoquinonaimina NAPQI não é biotransformada e esse metabólito tóxico se acumula e pode causar danos no organismo O mesmo raciocínio pode ser extrapolado para a aflatoxina B1 ou seja caso haja algum prejuízo da ligação dos compostos 89epóxidos com a glutationa via glutationaStransferase GST pode haver danos em macromoléculas nucleofílicas como o DNA 1287 Interação com lipídios e ácidos nucleicos Conseguimos vislumbrar como evoluímos qualitativa e quantitativamente na disciplina Por exemplo ainda sobre o exemplo do paracetamol à medida que o metabólito formado por reação de biotransformação de fase I não seja biotransformado por reação de fase II acumulase a NAPQI E você se recorda de como que esse metabólito atua sobre o organismo A NAPQI causa dano celular por meio da lipoperoxidação ou seja dano celular que envolve os lipídios Quando nos reportamos à biotransformação da aflatoxina B1 o composto 89epóxido atua sobre macromoléculas nucleofílicas e formam adutos de DNA ligação covalente sobre o N7 da guanina do DNA dos hepatócitos levando à carcinogênese ou seja está havendo danos no ácido nucleico da célula 1288 Perturbação da homeostase cálcica O cálcio é um mensageiro importante na regulação de funções celulares e alteração de sua função pode levar a danos celulares Lembremos que o cálcio é responsável pelo equilíbrio do citoesqueleto Alterações dos níveis de cálcio podem determinar danos celulares por perturbação da organização celular envolvendo o citoesqueleto 2 AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE Imaginemos que uma pessoa esteja em um restaurante e peça um sanduíche com uma porção de batata frita Quando a refeição chega observase que a batata veio completamente sem sal Sobre a mesa há sachês de cloreto de sódio sal de cozinha na quantidade de 1 g por sachê Qual é o risco de essa pessoa morrer após ingerir a batata frita com o conteúdo de um desses sachês de cloreto de sódio na batata Risco praticamente nulo não é verdade Continue raciocinando conosco e se um desses sachês não tivesse 1 g de cloreto de sódio mas 1 g de cianeto Haveria algum risco de intoxicação ao comer essa bata frita com 1 g de cianeto Sim há risco iminente de intoxicação aguda dessa pessoa 76 Unidade I Assim concluímos que nas mesmas condições de exposição ou seja a mesma pessoa pela mesma via de exposição e a mesma quantidade da substância a probabilidade de morte pela exposição ao cianeto de sódio é muito maior que em comparação com o cloreto de sódio Temos essa informação porque sempre ouvimos que o cianeto é veneno diferentemente do cloreto de sódio Entretanto vamos imaginar esse outro cenário e se a indústria farmacêutica acaba de produzir um novo agente antihipertensivo Você permitiria que seu avô ou avó se expusessem a esse medicamento por toda a vida sem saber exatamente quais danos poderiam acontecer a eles ao longo do tempo em termos por exemplo de mutagenicidade e carcinogenicidade Não não permitiríamos Esse medicamento para ser comercializado precisa passar por um conjunto de ensaios toxicológicos in vitro e in vivo para que se garanta sua segurança E é exatamente sobre isso que vamos falar agora Além do potencial farmacêutico de um fármaco para que seja lançado no mercado a Food and Drug Administration FDA bem como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa exigem que sejam realizadas avaliações que identifiquem o potencial tóxico da substância e que esses testes sejam realizados em animais são os ensaios de avaliação de toxicidade préclínicos Lembrese que demos o exemplo de um princípio ativo mas o que vamos descrever adiante serve para substâncias químicas adicionadas no solo água e ar drogas de abuso produtos de uso na agricultura praguicidas aditivos alimentares cosméticos toxinas vegetais entre outros PARASURAMAN 2011 Imagine se vamos adquirir uma loção para a pele e ao longo do tempo as substâncias químicas presentes nessa loção são carcinogênicas ou possam causar algum tipo de corrosão na pele É nesses ensaios que obtemos informações importantes sobre parâmetros toxicológicos como a DL50 nível de efeito não observado ou no observed effect level Noel e ingestão diária aceitável IDA Vimos anteriormente que Paracelsus é considerado o pai da toxicologia por ter identificado respostas benéficas e tóxicas da mesma substância química mas em diferentes condições de exposição ao organismo e com isso deu um grande passo no estudo dessa ciência que é a relação doseresposta Mathieu Orfila por sua vez foi considerado o pai da toxicologia moderna quando caracterizou a relação direta entre os danos causados em um órgão específico pela exposição a substâncias químicas e suas propriedades biológicas Ao longo do tempo sobretudo no século XX houve um grande desenvolvimento do que se chama de análises toxicológicas J W Trevan propôs em 1920 que para se determinar a dose de uma substância que seja capaz de levar à morte um organismo seria necessário realizar um teste de toxicidade aguda John Draize pesquisador da FDA desenvolveu uma técnica utilizada amplamente para testar os efeitos das substâncias químicas na pele e olhos ao utilizar coelhos nos experimentos Posteriormente a esses dois avanços toxicológicos o Instituto Nacional de Câncer estadunidense inferiu que seria possível estimar se uma substância química é carcinogênica ao realizar testes com dosagens diárias em animais como camundongos e ratos por dois anos Nesse contexto no início dos anos 1960 houve o maior desastre médico causado pelo homem quando a talidomida foi prescrita para tratar da náusea matinal de gestantes O que se viu foi cerca de 10000 crianças nascerem com graves malformações fetais VARGESSON 2015 77 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Após essa trágica situação os perfis toxicológicos dos medicamentos passaram a ser exigidos por todas as agências reguladoras e pouco antes do início da década de 1990 a Conferência Internacional de Harmonização ICH e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE apresentaram diretrizes para a realização dos testes de toxicidade das substâncias químicas de uso farmacêutico para evitar que acidentes toxicológicos como o da talidomida ocorressem novamente PARASURAMAN 2011 Esses testes deveriam conter as características expostas a seguir 21 Informações preliminares Uma das primeiras informações necessárias para a avaliação de toxicidade está relacionada às informações preliminares ou seja devese conhecer melhor a substância em questão do ponto de vista de estrutura química e propriedades físicoquímicas É necessário também conhecer as impurezas presentes bem como seus teores Ao realizar um ensaio de avaliação de toxicidade devese assegurar que a resposta obtida ou seja o efeito tóxico será causado pela substância em estudo e não pelas impurezas presentes O conhecimento da substância química nos dá elementos para compreender como a substância poderá se comportar no meio ambiente e consequentemente propor como será sua dinâmica quanto à mobilidade em solo ar e água OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 22 Teste de toxicidade aguda O teste de toxicidade aguda é utilizado para determinar o efeito ao organismo após a exposição de uma dose única do xenobiótico Nesse teste recomendase que sejam utilizadas duas diferentes espécies de animais sendo que uma delas deve ser roedora e a outra não roedora Após exposição única mas de diferentes doses o efeito é obervado por 14 dias Como é um teste que envolve grande número de animais foram propostas atualizações desse teste como o de dose fixa método para cima e para baixo e método da categoria tóxica aguda PARASURAMAN 2011 No teste de dose fixa são administradas doses fixas de 5 50 500 e 2000 mgkg de peso corporal O método da categoria tóxica aguda é o teste toxicológico mais recomendado pelas agências reguladoras uma vez que utiliza menor número de animais nos experimentos Nesse teste as fêmeas são preferíveis aos machos Ele é um método de triagem que envolve a dosagem de animais em forma sequencial em intervalo de 48 horas Caso o animal sobreviva administrase uma dose maior duas vezes superior à dose inicial caso não sobreviva realizase o teste com dose mais baixa em outro animal limitado a doses de até 2000 mgkg São realizados testes de toxicidade aguda pela exposição pela pele e pelo ar PARASURAMAN 2011 23 Teste de toxicidade de dose repetida No teste de toxicidade de dose repetida a substância química é administrada diariamente a um roedor de qualquer sexo e idade entre 5 a 6 semanas com período mínimo de 28 dias por via oral Eventualmente a exposição pode ser parenteral Os tecidos da maioria dos órgãos do animal são 78 Unidade I removidos e registramse as alterações histológicas e se possível também avalia os efeitos da substância no sistema imunológico A principal diferença entre os ensaios de dose repetida e os estudos de toxicidade subcrônica é que o primeiro é realizado por um período de 28 dias e o segundo durante 90 dias 24 Teste de toxicidade crônica O teste de toxicidade crônica fornece respostas quanto aos efeitos a longo prazo de um xenobiótico e é utilizado para realizar a extrapolação de dados para a segurança para humanos Utiliza no mínimo uma espécie de roedor e uma de não roedor A substânciateste é administrada por no mínimo 90 dias Nesse teste são avaliadas as variações comportamentais fisiológicas e dos parâmetros bioquímicos do animal Durante o período de estudo os animais são observados em relação às funções fisiológicas variações comportamentais e alterações na bioquímica No final do estudo os tecidos são coletados de todas as partes do animal e submetidos a análises histológicas 25 Teste de toxicidade na reprodução de uma geração e de duas gerações Nesses testes a substânca teste é administrada nos animais de ambos os sexos para a duração de um ciclo espermatogênico completo e por dois ciclos estrais completos para machos e fêmeas respectivamente e os roedores são os animais de eleição para esses testes Coletamse e observamse a motilidade e a morfologia do esperma Administrado durante o período de gravidez e amamentação nas fêmeas os animais são observados durante todo o período do teste quanto aos sinais de toxicidade e são realizados registros do parto e sexagem da ninhada Os filhotes são submetidos à eutanásia e são realizados exames histopatológicos No estudo de toxicidade na reprodução de duas gerações a substânciateste é administrada continuamente a fêmeas grávidas e observase se houve mortalidade e outros sinais de toxicidade Após o parto os animais são expostos à substância que está sendo avaliada durante a amamentação e são colocados para cruzar sendo observados os parâmetros toxicológicos da ninhada da geração 2 F2 inclusive sobre a fertilidade do animal 26 Estudo toxicocinético Também são realizados ensaios que avaliam a toxicocinética ou seja modelos experimentais que auxiliam na compreensão do metabolismo e excreção da substância tóxica e permitem extrapolar parâmetros fisiológicos a partir dos parâmetros farmacocinéticos auferidos 79 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 27 Estudos de neurotoxicidade em roedores Um dos caminhos utilizados para avaliar os efeitos da substância química no sistema nervoso central e periférico em roedores é a realização dos estudos de neurotoxicidade em que se avaliam fatores comportamentais específicos e histopatológicos por exemplo lesões neuropatológicas e disfunções neurológicas como déficit cognitivo dificuldade de aprendizado perda de memória e prejuízos sensoriais A partir de 1998 após o desenvolvimento de testes in vitro várias agências reguladoras preconizaram que esse tipo de teste seja utilizado em detrimento aos realizados in vivo 28 Estudos de embriotoxicidade e toxicidade no desenvolvimento O teste de embriotoxicidade é realizado entre os dias 8 GD8 e 14 GD14 da gravidez mas também podem ser realizados testes in vitro No dia 21 da gravidez GD21 realizase a cesariana e observamse parâmetros como malformação dos membros bolhas hemorrágicas fenda palatina exencefalia deformidade da cauda abertura de pálpebras e número de natimortos e nascidos vivos O teste in vitro de célulastronco embrionárias pode ser realizado como estudo da embriotoxicidade 29 Teste de toxicidade genética Várias espécies de plantas e de animais células de mamíferos e microrganismos são utilizados para realizar o teste de toxicidade genética São realizados alguns testes como o de troca de cromátides irmãs de translocação herdável e do micronúcleo 210 Teste de mutagenicidade O teste de mutagenicidade avalia alterações na sequência de base aberrações cromossômicas e estruturas do DNA como inserções duplicações translocações e inversões A essencialidade desse teste reside no fato de que algumas mutações resultam em carcinogênese Duas ou três diferentes bactérias são utilizadas no teste in vitro como a Salmonella typhimurium teste de Ames e células de mamíferos 211 Teste de carcinogenicidade Esse ensaio é realizado durante a maior parte da vida do animal e são observados sinais de toxicidade relacionados ao desenvolvimento de tumores Em 18 meses de acompanhamento caso não sejam identificadas evidências do desenvolvimento de tumor o teste pode ser encerrado no caso de testes realizados em hamsteres e camundongos Em ratos o teste pode ser encerrado após 24 meses A seguir iremos enriquecer seus conhecimentos com informações e aprofundar os estudos de mutagenicidade e carcinogenicidade 80 Unidade I 212 Mutagênese e genotoxicidade Ao estudar toxicologia aprendemos como os toxicantes a radiação e as partículas virais podem causar alterações na homeostase dos organismos Agora iremos estudar como esses agentes podem interferir nas estruturas ligadas ao processo de duplicação celular e de reprodução Alterações causadas em células germinativas como o óvulo e o espermatozoide podem ser transmitidas à geração filial bem como alterações em células somáticas podem desencadear o aparecimento de células cujo padrão de funcionamento ocorre em tempo em quantidade ou na velocidade diferente daquela normal para o tipo de célula Em ambas as situações pode ocorrer o aparecimento de malformações ou de doenças Ao lermos os termos mutagênese e genotoxicidade imaginamos intuitivamente seus significados Mas o que realmente significam essas palavras Vamos a elas Mutagênese vem do latim mutare que significa mudança e do grego genesis que significa origem formação então entendemos que é o aparecimento de mudanças Já o termo genotoxicidade é formado pelo radical grego génos que também significa origem e do grego toksikón este de mais fácil compreensão Iremos nos aprofundar no significado dessas palavras no decorrer de nosso estudo Mas podemos já imaginar que este tópico trata de mudanças ou mutações nos genes das células Mutações nas células de fato ocorrem o tempo todo Para termos uma noção estimase que ocorram de 75000 a 100000 danos ao ácido desoxirribonucleico o DNA de uma célula por dia RAO 2009 É impressionante não é mesmo Mas os organismos de porte de um sistema bioquímico de reparação muito bem desenvolvido acabam por anular os efeitos deletérios das alterações Alterações chamadas de espontâneas ocorrem naturalmente nas populações sem que haja a exposição a algum tipo de agente XIAO SAMSON 1993 Já as mutações induzidas dependem de um agente A quantidade de mutações acumuladas sejam elas espontâneas ou induzidas pode definir se um organismo irá desenvolver uma doença como o câncer ou não bem como a capacidade de consertar os erros que o organismo apresenta Se a taxa de mutações for elevada ou seja se for maior do que a velocidade que o organismo tenha de reparar esses erros a probabilidade de se desenvolver doenças como o câncer é maior Por isso a determinação das taxas de mutação é importante para se compreender como o desenvolvimento de tumores pode estar associado ao tratamento do câncer com agentes citotóxicos por exemplo SZIKRISZT PÓTI PIPEK 2016 como cisplatina etoposídeo vincristina vimblastina irinotecano entre outros ALMEIDA et al 2005 bem como é muito relevante a capacidade de reparo bioquímico que as células possuem XIAO SAMSON 1993 Agora iremos abordar como agentes químicos físicos e biológicos podem causar essas mutações que podem ocorrer nas células somáticas ou nas células germinativas Para que possamos abordar esse tema é necessário fazer um resgate de alguns conceitos 81 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação Células somáticas são aquelas que compõem os tecidos de nosso organismo que se replicam pelo processo de mitose e que apresentam 46 cromossomos Células germinativas ou gametas são aquelas envolvidas diretamente no processo de reprodução da espécie que no caso dos mamíferos são os óvulos e os espermatozoides Os gametas são gerados pelo processo de meiose e por isso apresentam 23 cromossomos Quando o óvulo e o espermatozoide se fundem formam o embrião cuja célula terá 46 cromossomos Desse modo parte das características genéticas vem da mãe e parte vem do pai Saiba mais Acesse o site a seguir para mais informações sobre quimioterapia antineoplásica INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER Quimioterapia antineoplásica Brasília 2018b Disponível em httpswwwincagovbrexposicaono trabalhoenoambientemedicamentosquimioterapiaantineoplasica Acesso em 18 nov 2020 Figura 12 Logotipo do Instituto Nacional de Câncer 2121 Ácidos nucleicos uma breve história Uma das moléculas orgânicas mais fantásticas encontradas na natureza é o ácido desoxirribonucleico A molécula de DNA que é a sua abreviação originada do termo em inglês doxoxyribonucleic acid teve sua estrutura de duplahélice elucidada em 1953 mas pesquisadores anteriores a James Watson Francis Crick e Maurice Wilkins já tinham dado os primeiros passos para decifrarem sua estrutura Na década de 1860 um pesquisador alemão chamado Friedrich Miescher conseguiu extrair e isolar uma grande quantidade de uma substância presente no núcleo das células Ele descobriu que tal substância continha carbono hidrogênio oxigênio nitrogênio e fósforo e conseguiu também elucidar as quantidades relativas de cada um desses componentes DAHM 2008 82 Unidade I Essa substância recebeu o nome de nucleína e o relato científico dessa descoberta foi efetivado somente muito tempo depois porque a comunidade científica à época duvidava da existência dessa molécula Mais tarde outro pesquisador também conseguiu isolar essa molécula e percebeu seu caráter ácido A partir disso sugeriu que a nucleína passasse a se chamar ácido nucleico GRIBBIN 2019 Depois a presença das bases nitrogenadas que compõem sua estrutura bem como a da pentose um açúcar de cinco átomos de carbono também foi descoberta Isso gerou o primeiro Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina ligado a essa fantástica molécula em 1910 Mais tarde descobriuse que esse açúcar era uma desoxirribose por conter um oxigênio a menos do que a molécula de ribose Assim temos os ácidos ribonucleicos os RNAs e os ácidos desoxirribonucleicos os DNAs A estrutura molecular do DNA foi elucidada por uma cientista britânica judia a Dra Rosalind Franklin que conseguiu identificar a estrutura de duplahélice do DNA através de imagens de difração de raiosX juntamente com Maurice Wilkins MADDOX 2003 Mas o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1962 foi entregue a Watson Crick e Wilkins uma vez que por conta de desavenças com a colega britânica Wilkins acabou se unido a Watson e Crick e Franklin foi trabalhar em outro lugar quando veio a morrer pouco tempo depois perdendo a chance de que os avaliadores do Prêmio Nobel pudessem recompensála por essa importante descoberta Mas o que são os ácidos nucleicos mesmo Qual sua função nas células Ácidos nucleicos veja a figura a seguir são longas cadeias orgânicas compostas por nucleotídeos que são conhecidas pelos nomes de ácido desoxirribinucleico ou DNA da sigla em inglês a partir de deoxyribonucleic acid e ácido ribonucleico ou RNA da sigla em inglês a partir de ribonucleic acid Vamos começar pelo DNA O DNA é uma molécula formada por duas cadeias de nucleotídeos ligadas entre si Essas duas cadeias de nucleotídeos lembram duas fitas que quando ligadas parecem uma escada em caracol Figura 13 Ácido desoxirribonucleico o DNA 83 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Vamos entender agora como é a estrutura molecular do DNA veja a figura a seguir Cada uma das duas cadeias do DNA é composta por vários nucleotídeos que são unidades monoméricas que se polimerizam para formar a molécula de DNA a qual é um polímero de nucleotídeos FELSENFELD 1985 Cada nucleotídeo é formado por uma molécula de açúcar ligada a um grupo fosfato e completando o nucleotídeo encontrase uma das quatro bases nitrogenadas ligadas ao açúcar Esse nucleotídeo é ligado aos outros por ligações do tipo fosfodiéster que ocorrem entre o fosfato do primeiro nucleotídeo ao açúcar do segundo nucleotídeo e assim por diante Desse modo uma das fitas é formada A outra fita se forma do mesmo modo que essa primeira HO HO HO HO OH OH OH OH 3 OH 3 OH OH 3 Ácido desoxirribonucleico OH 3 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 5 Ph 5 Ph Ph 5 Ph 5 O O O O O O O O Adenina Timina Citosina Guanina Figura 14 Estrutura do DNA 84 Unidade I Agora vamos ver com mais detalhes como se dá a ligação entre as bases nitrogenadas no DNA Para isso precisamos olhar mais de perto sua estrutura química As bases nitrogenadas são divididas em bases purínicas como a adenina representada pela letra A e a guanina representada pela letra G e em bases pirimidínicas como a citosina representada pela letra C e a timina representada pela letra T veja a figura a seguir N N O N NH NH2 N N Adenina Citosina Guanina Timina N N N HN O O O N N H N N H H H H Figura 15 Bases nitrogenadas encontradas no DNA Como vimos a estrutura do DNA é formada por duas fitas que se ligam através das bases nitrogenadas para formar a estrutura de duplahélice característica A ligação entre as fitas veja a figura a seguir se dá entre uma base purínica e uma base pirimidínica ou seja A se liga com T através de duas ligações de hidrogênio AT ou TA e C se liga com G através de três ligações de hidrogênio CG ou GC N N N N N N N N H N N N N N H N O O O O H H H H H H H H Timina Adenina Citosina Guanina Figura 16 Ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas do DNA Para que o DNA seja capaz de exercer as suas funções bioquímicas é preciso que haja um trabalho conjunto entre ele e um outro ácido nucleico chamado de ácido ribonucleico ou RNA veja a figura a seguir sobre o qual falamos anteriormente O nome ácido ribonucleico foi dado em função da pentose hidroxilada na posição 2 o que faz com que essa estrutura seja diferente do DNA cuja pentose é um ácido desoxirribonucleico ou seja no DNA a hidroxila ligada ao carbono 2 se perde 85 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS OH OH OH OH 3 OH OH 3 Ácido ribonucleico OH 3 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 5 Ph 5 Ph Ph 5 O O O O Adenina Timina Citosina Guanina Uracila Figura 17 Estrutura do ácido ribonucleico o RNA O RNA é composto por apenas uma fita de nucleotídeos Em vez de o RNA ter seu nucleotídeo formado pela base nitrogenada timina esta é trocada pela uracila representada pela letra U BRENNER JACOB MESELSON 1961 veja a figura a seguir N N O N NH NH2 N N Adenina Citosina Guanina Uracila N N N HN O O O N N H N N H H H H Figura 18 Bases nitrogenadas encontradas no RNA Então a uracila irá se ligar à adenina quando cumprir sua função bioquímica ou seja ligação por duas ligações de hidrogênio como AU ou UA veja a figura a seguir 86 Unidade I N N N N N N N O O H H H H H Citosina Guanina N H N N N N N H N O O H H H Uracila Adenina Figura 19 Ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas do RNA durante as fases de transcrição Enquanto a estrutura de duplahélice do DNA é semelhante a uma escada em caracol o RNA se apresenta como uma fita simples que nos faz lembrar de uma de nossas festas populares mais importantes a festa junina veja a figura a seguir Figura 20 Ácido ribonucleico o RNA A molécula de DNA é muito grande e pode chagar a dois metros Você consegue imaginar uma molécula de dois metros de tamanho dentro do núcleo da célula Impressionante não Para que caiba dentro do núcleo o DNA tem que se condensar muito Para isso o DNA está associado a muitas proteínas entre as quais as histonas que o auxiliam a se apresentarem de modo mais compacto para caberem dentro do núcleo da célula Lembrese que a espécie humana tem 23 pares de cromossomos e todos devem dividir o espaço dentro do núcleo 87 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A depender do momento da divisão celular em que a célula se encontra o DNA pode se apresentar como cromatina ou como cromossomo Quando a célula está na interfase ou seja entre um processo de divisão mitótica e outra está sob atividade metabólica intensa uma vez que a interfase reúne as fases do primeiro intervalo G1 de síntese S e do segundo intervalo G2 que precedem a fase de mitose M ALMEIDA et al 2005 Nesse momento o DNA não está condensado e se encontra dentro da estrutura nuclear Nessa fase o DNA se apresenta como cromatina Quando a célula entra em sua fase M iniciase o processo de divisão Para que esse processo se realize o DNA deve se apresentar em sua forma condensada quando passa a se chamar cromossomo e momento no qual a membrana nuclear começa a desaparecer veja a figura a seguir S Síntese M Mitose G1 Primeira parada G2 Segunda parada Citosinese Telófase Anáfase Metáfase Prometáfase Prófase Figura 21 Ciclo celular Os cromossomos são macromoléculas muito condensadas e por isso visíveis ao microscópio durante a mitose Na mitose se observa o cromossomo formado pelas duas cromátides irmãs A visualização microscópica dos cromossomos pode ser feita após as células receberem tratamento com corantes que apresentam afinidade por adenina e timina Os cromossomos após esse tratamento apresentamse mais corados nas regiões que concentram maior quantidade de A e de T formando verdadeiras faixas de tonalidades diferentes chamadas de bandas G que acabam sendo características de cada um dos cromossomos BRICKMORE SUMNER 1989 veja a figura a seguir 88 Unidade I Cromossomos DNA Gene 5 Ph Ph 5 3 OH OH 3 Cromátides irmãs Figura 22 Diferenças entre cromossomos cromátides irmãs DNA e gene Lembrete Histonas são proteínas sobre as quais o DNA se enrola e auxiliam o DNA a se compactar para que caiba no núcleo celular A espécie humana contém 46 cromossomos em suas células diploides ou somáticas e 23 cromossomos em suas células haploides ou células sexuais ou gametas TAN et al 2018 A esse conjunto de cromossomos damos o nome de cariótipo veja a figura a seguir O cariótipo é que vai determinar quais serão as características do indivíduo 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 23 18 11 12 4 5 Figura 23 Cariótipo masculino humano 89 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Sabemos que os cromossomos carregam e transmitem as informações genéticas através das gerações a partir de estruturas denominadas de genes Os genes na verdade são um trecho específico do cromossomo que guarda a informação que irá ser transmitida de pai para filho Essa informação que irá ser expressa no organismo é o que conhecemos como características genéticas É quando o filho se parece com o pai mas tem os olhos da mãe Lembrou de algum filme É o que acontece com Harry Potter por exemplo Genes são trechos específicos do DNA que têm como função controlar uma característica hereditária através da expressão de proteínas Para que isso ocorra a sequência de nucleotídeos que compõem esse gene irá servir de base de leitura para a transcrição de um RNA que vai ser responsável pela codificação de uma proteína ou de um polipeptídeo que por sua vez irá exercer seu papel na fisiologia ou na bioquímica do organismo GERICKE HAGBERG 2006 O mecanismo bioquímico envolvido na divisão celular na reprodução na produção de proteínas e em muitos outros processos que dependem da informação genética é perfeito além de ser muito preciso é altamente eficaz e contribui para que os seres vivos consigam se defender se alimentar e se reproduzir Alguns seres vivos adotam artifícios químicos e morfológicos para conseguir sobreviver ao ambiente já outros contam com o privilégio de ter um sistema nervoso desenvolvido Lembrete Conforme abordamos plantas tóxicas e animais peçonhentos possuem características de defesa que seus organismos desenvolveram por milhares de anos para se defenderem em seu meio ambiente Imagine você se em algum momento parte desse cromossomo ou mesmo desse gene viesse a sofrer algum tipo de modificação em sua estrutura causada por agentes biológicos como os vírus ou produtos químicos toxicantes ou físicos como os raios ionizantes O que aconteceria então Algumas coisas poderiam acontecer então vamos falar de uma ruim e de uma boa Comecemos pela ruim Nesses nossos exemplos deixaremos de lado a possibilidade de que a morte celular ocorra por conta desta alteração embora saibamos que de fato ocorre na maioria das vezes Vamos imaginar que essa célula que sofreu uma alteração tenha sobrevivido As alterações cromossômicas mais significantemente sérias são aquelas cujas consequências são o aparecimento de perda de função normal da célula ou do maquinário bioquímico e que é transmitida às célulasfilhas Como consequência pode haver o aparecimento de doenças ou de mudanças no funcionamento normal de um tecido ou órgão Imagine uma situação na qual uma mulher trabalhe como técnica de raioX em um laboratório Ela está exposta a uma quantidade de radiação ionizante como o raioX maior do que uma pessoa normal A longo prazo essa exposição pode comprometer a integridade de seus óvulos O raioX pode alterar parte dos cromossomos assim caso ela venha a engravidar pode haver o comprometimento da integridade do feto e caso ele venha a nascer pode apresentar malformações Esse é o tipo de interferência ruim Passemos ao exemplo relativo à coisa boa de uma alteração genética A natureza impõe a necessidade de que os seres vivos se adaptem ao seu meio para que dele consigam retirar sua alimentação se proteger 90 Unidade I de seus inimigos e se reproduzir Essas adaptações ocorrem ao longo do tempo a partir de alterações nos cromossomos ou nos genes de indivíduos Caso essa alteração favoreça esse indivíduo de algum modo otimizando suas habilidades de sobrevivência ele estará mais apto a resistir ao que a natureza reservou para sua espécie do que os outros indivíduos que não tiveram a mesma alteração no gene Assim aqueles mais adaptados irão conseguir sobreviver e se procriar e irão passar essa característica adquirida aos seus filhos que também estarão mais aptos e adaptados àquele ambiente Esse é um exemplo de que as interferências sobre os genes ou sobre os cromossomos não foram ruins mas necessárias não é mesmo Uma vez que o principal enfoque está nas alterações químicas físicas ou biológicas que são deletérias ou seja que causam algum tipo de mudança das funções homeostáticas do organismo e que podem resultar em uma doença precisamos introduzir alguns outros conceitos Você nos acompanha 2122 Conceitos de mutagenicidade genotoxicidade e carcinogenicidade Neste tópico serão abordados os conceitos de mutagênese e de genotoxicidade Iremos ver em detalhes como o ambiente ou mesmo o próprio organismo pode levar à ocorrência de alterações não desejadas no nosso mecanismo bioquímico Agora vamos a mais definições para que nossa linguagem fique clara e padronizada Vamos começar pela definição de mutagênese então Mutagênese é a capacidade que um agente físico químico ou biológico tem de gerar uma mutação em um gene MUTAGENESIS sd Já mutação pode ser definida como uma alteração na estrutura do cromossomo ou no material genético que é transmitida para a geração seguinte em células somáticas ou em células germinativas Dependendo em qual tipo de célula essa mutação aconteça ela vai ser transmitida para as células filhas caso ocorra nas células somáticas ou passará para a futura geração caso ocorra nas células germinativas Tudo bem até aqui Que ótimo Então vamos prosseguir Genotoxicidade é um processo no qual esses mesmos agentes químicos físicos e biológicos têm potencial para causar as mesmas alterações mas essas alterações não necessariamente chegam a causar as mutações e o aparecimento do câncer ou de outra doença porque os mecanismos bioquímicos de correção podem agir antes que o erro no gene desencadeie seu efeito deletério Veja que temos aqui uma sutil diferença de conceitos entre mutagênese e genotoxicidade Um composto pode ser genotóxico mas se o organismo conseguir corrigir tudo a tempo não vamos ter mutações ou o aparecimento de câncer ou de outra doença Uma substância genotóxica é potencialmente mutagênica Para que um agente genotóxico se torne um agente mutagênico é necessário que ele induza a alteração no gene que essa alteração seja fixada no gene e que seja transmitida às célulasfilhas SASAKI et al 2000 Podemos dizer que todos os agentes mutagênicos são genotóxicos mas nem todo agente genotóxico é mutagênico Deu para entender Mais difícil essa não Mas não impossível Introduzimos agora mais um termo carcinogênese Em outros tempos câncer era uma palavra que mal era mencionada e gerava muito medo pois era praticamente sinônimo de morte Hoje não é bem assim Muitas pesquisas relacionadas ao entendimento das diversas patologias englobadas no mesmo balaio chamado câncer são feitas e a compreensão dos mecanismos patogênicos e dos tratamentos tem ajudado os profissionais da saúde a contornarem de modo muito eficaz diversos tipos de câncer 91 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Para que ocorra o desenvolvimento de um câncer são necessárias três etapas conhecidas como iniciação promoção e progressão INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER 2019 Na etapa de iniciação uma mutação ocorre e sensibiliza a célula a se tornar cancerígena por promover alterações em genes denominados de protooncogenes Quando estimulados pela mutação passam a ser chamados de oncogenes Na segunda etapa de promoção uma segunda mutação ocorre pelo contato longo e constante com o agente mutagênico Na etapa de progressão as células que estão alteradas começam a se dividir descontrolada e irreversivelmente quando surgem as primeiras manifestações da doença O fumo é um agente que atua nas três etapas do processo de carcinogênese Como agravante dessa situação sabemos que essas células cancerígenas são geneticamente muito instáveis por conta das mutações e a chance de elas apresentarem mutações subsequentes durante o processo de divisão celular é muito grande Existem tipos de tumores cuja caracterização das células é muito dificultada pela falta de semelhança destas com as que deram origem a elas Isso não é um bom prognóstico para o tratamento do câncer e agora entendemos o porquê Em resumo para que ocorra a carcinogênese ou seja o aparecimento do câncer é necessário que haja a ação de um composto genotóxico potencialmente mutagênico acrescido de uma sequência de fatores externos e internos em um organismo Em outras palavras é necessário que ocorra ao mesmo tempo ou em sequência uma série de mutações de alterações genéticas hormonais como também é necessário que haja influência de agentes ambientais na célula para se desenvolver um tumor TOMASETTI LI VOGELSTEIN 2017 A consequência biológica das mutações que ocorreram nas células e que não foram reparadas pela máquina bioquímica é a alteração no processo de divisão dessa célula levandoa a se reproduzir demasiadamente fora de seu ritmo adequado o que faz surgir o câncer Agentes mutagênicos frequentemente podem levar ao aparecimento de câncer com maior ou menor potencial a depender do tipo de agente que se considera Estamos de posse de todos os conceitos que precisamos para compreender a ação deletéria que os agentes químicos físicos e biológicos podem causar Agora vamos detalhar quais são os tipos de alterações e o que podemos esperar quando elas ocorrem 21221 Mutações As mutações que ocorrem em um gene são denominadas de mutações genéticas e quando ocorrem em um cromossomo são chamadas de mutações cromossômicas 212211 Mutações genéticas Para entendermos as mutações genéticas ou gênicas vamos retomar por um momento o conceito de gene Como descrevemos antes genes são um trecho específico do cromossomo que é responsável pela codificação de proteínas A codificação de proteínas pelos genes se dá através dos processos de transcrição e tradução Nesse processo as sequências de bases purínicas e pirimidínicas que são a linguagem dos genes devem ser transcritas e traduzidas para a linguagem das proteínas que são os aminoácidos Vamos ver como se dá esse processo 92 Unidade I O processo de transcrição veja a figura a seguir se inicia a partir de um trecho de uma das fitas de DNA que é relativo ao gene a ser lido Para isso as duas fitas do DNA são separadas entre si por ação enzimática Apenas um dos lados do DNA é usado para o processo de transcrição e a partir dessa fita o RNA mensageiro ou RNAm é formado O RNAm é formado de acordo com uma sequência de bases nitrogenadas do gene Depois que o RNAm é formado ele vai do cromossomo para o ribossomo atravessando a membrana nuclear para exercer a sua função de carregar consigo a sequência de bases para os ribossomos que é o local onde será feita a proteína Como observação lembramos que o RNAm é formado de acordo com a sequência de bases do gene seguindo a regra das ligações CG GC e TA No caso de a sequência de bases do gene apresentar uma adenina o RNAm será ligado a uma uracila que é uma base nitrogenada característica e exclusiva dos RNAs Feito isso a linguagem se modificou para aquela que os RNAs entendem RNA transcrito RNA polimerase DNA Figura 24 Processo de transcrição A cadeia de nucleotídeos do RNAt é formada pelo processo de transcrição a partir do cromossomo Sua estrutura se apresenta em forma de trevo Na ponta do trevo encontrase ligado um aminoácido e na extremidade oposta existe uma região que se chama anticódon formada por três bases nitrogenadas O anticódon do RNAt irá interagir com a sequência determinada pelos códons do RNAm que estão nos ribossomos Para cada códon do RNAm haverá um RNAt com o anticódon correspondente sendo recrutado na sequência expressa no RNAm Conforme o RNAt é recrutado ele conduz o aminoácido para que seja ligado ao próximo aminoácido através de uma ligação peptídica Com esse processo a cadeia de aminoácidos se forma e a proteína que foi codificada no gene é produzida Ao sair do núcleo o RNAm irá em direção ao ribossomo no citoplasma No ribossomo existe uma quantidade significativamente grande de RNA ribossômico que junto com outras proteínas é responsável por coordenar a montagem da proteína atuando na administração bioquímica do posicionamento correto dos aminoácidos na sequência prevista para a proteína O RNAr também é formado no núcleo da célula O RNA transportador ou RNAt se aproxima dos ribossomos carregando consigo o aminoácido a ser usado na produção da proteína Cada RNAt carrega um aminoácido 93 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Códon de iniciação Códon de finalização Ribossomo Subunidade menor Subunidade maior Peptídeoproteína Aminoácido RNA transportador RNA mensageiro Códons Aminoácidos correspondentes ao códon do RNAm Anticódon a combinar com o códon do RNAm Figura 25 Codificação de proteínas Lembrete A codificação de proteínas depende do trabalho dos ácidos ribonucleicos RNAs que se dividem em RNA mensageiro RNAm RNA ribossômico RNAr e RNA transportador RNAt Para termos uma ideia de qual aminoácido veja a figura a seguir está sendo carregado pelo RNAt e qual é o anticódon que esse RNAt possui veja o quadro Quadro 4 Anticódons UUU Fenilalanina Phe UAU Tirosina Tyr CAU Histidina His CGU Arginina Arg UUC Fenilalanina UAC Tirosina CAC Histidina CGC Arginina UUA Leucina Leu UAA terminação CAA Glutamina Glu CGA Arginina UUG Leucina UAG terminação CAG Glutamina CGG Arginina CUU Leucina CCU Prolina Pro AAU Asparagina Asn AGA Arginina CUC Leucina CCC Prolina AAC Asparagina AGG Arginina CUA Leucina CCA Prolina AAA Lisina Lys GGU Glicina Gly CUG Leucina iniciação CCG Prolina AAG Lisina GGC Glicina AUU Isoleucina iniciação Ile ACU Treonina Thr GAU Ácido aspártico Asp GGA Glicina AUC Isoleucina ACC Treonina GAC Ácido aspártico GGG Glicina AUA Isoleucina ACA Treonina GAA Ácido glutâmico Glu AGU Serina Ser AUG Metionina iniciação Met ACG Treonina GAG Ácido glutâmico AGC Serina GUU Valina Val GCU Alanina Ala UGU Cisteína Cys UCU Serina GUC Valina GCC Alanina UGC Cisteína UCC Serina GUA Valina GCA Alanina UGA terminação Trp UCA Serina GUG Valina iniciação GCG Alanina UGG Triptofano UCG Serina 94 Unidade I O O HS O O O O S O O O O O O N O O O O O O O O O O HO HO HO HO HO O O OH OH NH NH NH NH HN OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 H2N H2N NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 H2N H3C H3C H3C H3C H3C CH3 CH3 CH3 CH3 AlaninaAlaA CisteínaCysC GlicinaGlyG IsoleucinaIleI LeucinaLeuL MetioninaMetM FenilalaninaPheF ArgininaArgR AsparaginaAsnN GlutaminaGlnQ Ácido aspárticoAspD Ácido glutâmicoGluE TreoninaThrT TirosinaTyrY SerinaSerS LisinaLysK HistidinaHisH TriptofanoTrpT ValinaValV ProlinaProP Figura 26 Aminoácidos envolvidos na síntese de proteínas Para guiar o processo de tradução existem códons que indicam o início e o final do processo de tradução veja a figura a seguir Enquanto a metionina indica o início do processo de tradução os códons ATT ATC e ACT indicam o final Veja os anticódons correspondentes no quadro que acabamos de apresentar A A A A A A A A A A A A A C C C C C C C C C C C C C C A A A A A T U U U U U U U T T T T T T G G G G G G G G G G G G G G G G G Lys Gly Ile Glu Cys Met Phe Ser Arg Pro Phe Ser Arg Pro Asp Lys Gly Ile Glu Cys Stop Sequência para codificação do proteína Tradução é iniciada por um metionina anticódon UAC que se liga à sequência AUG do RNAm e finalizada por um anticódon de finalização ou stop Figura 27 Indicação do início e do fim do processo de tradução 95 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Uma vez que entendemos como o processo de codificação proteica ocorre podemos agora compreender a mutação gênica ou mutação genética É algum tipo de alteração que ocorre em alguma etapa desse processo Veja como o processo é complexo Qualquer alteração pode resultar em uma proteína defeituosa que é obtida em maior ou em menor quantidade ou que é produzida fora de hora A partir dessa visão mais detalhada do processo como um todo podemos dividir as mutações gênicas em Mutações pontuais Muitas doenças genéticas são causadas por mutações pontuais que são aquelas que afetam um único par de bases Esse tipo de mutação pode ocorrer por três vias substituições perdas ou adições de bases Mutação pontual por substituição de bases nitrogenadas É quando uma base nitrogenada é substituída por outra A substituição pode se dar por transição ou por transversão Por transição veja a figura a seguir ocorre quando uma base purínica é substituída por outra base purínica ou quando uma base pirimidínica é substituída por outra base pirimidínica Pode ser causada por raiosX ou UV A A A C C C C C C C A A A A A T T T T T T T G G G G G G G G Lys Pro Tyr Leu Thr Phe Arg Ala Gly Leu A A A C C C C C C C A A A A A A T T T T T T T G G G G G G G Lys Pro Tyr Leu Thr Phe Arg Thr Gly Leu A A A C C C C C C A A A A A T T T T T T T T G G G G G G G G Lys Pro Tyr Leu Thr Phe Arg Ala Gly Leu Mutação pontual por substituição do tipo transição entre bases purínicas Mutação pontual por substituição do tipo transição entre bases pirimidínicas Sequência normal 1 Figura 28 Mutação pontual por substituição do tipo transição Já por transversão veja a figura a seguir se dá quando uma base purínica é substituída por uma base pirimidínica ou uma base pirimidínica é substituída por uma base purínica Pode ocorrer espontaneamente ou ser causada por radiação ionizante e por agentes alquilantes Você já ouviu falar em um tipo de anemia que se chama anemia falciforme na qual as hemácias apresentamse com a forma de uma foice e perdem a capacidade de transporte de oxigênio É a doença genética mais 96 Unidade I prevalente no Brasil GUIMARÃES COELHO 2010 e ocorre por conta da troca de uma adenina por uma timina ou seja o códon GAA ou o GAG passa a ser GTA ou GTG no sexto códon do gene responsável pela codificação da cadeia β da hemoglobina Com a substituição o aminoácido ácido glutâmico é substituído pelo aminoácido valina Com essa mudança toda a hemoglobina passa a se apresentar com forma de foice ou falciforme e passa a ser chamada de hemoglobina S NUZZO FONSECA 2004 A A A A A A A A A A A A A C C C C C C C C C C C C T T T T T T T T T T T T T T T T T G G G G G G G G G G G G G G G G G G Met Met His His Thr Thr Glu Val Anemia falciforme Lys Lys Val Val Leu Leu Pro Pro Glu Glu Thr Thr Mutação pontual por substituição do tipo transversão Sequência normal 2 Figura 29 Mutação pontual por substituição do tipo transversão Mutação pontual por perdas ou por deleção de bases nitrogenadas A mutação por perda ou deleção veja a figura a seguir ocorre quando há a perda de uma ou mais bases nitrogenadas que vai alterar a sequência de leitura dos códons e consequentemente irá modificar a sequência dos aminoácidos que irão compor os peptídeos Já ouviu falar em fibrose cística É uma terrível doença que leva pessoas a ficarem com o funcionamento de vários órgãos muito comprometido podendo leválas à morte SANTANA et al 2020 Essa doença acontece quando há a perda de um códon relacionado ao aminoácido fenilalanina Com a perda desse códon e consequentemente com a falta da fenilalanina em sua posição dentro da sequência de aminoácidos a proteína que se chama CFTR do inglês cystic fibrosis transmembrane regulator responsável pelo transporte de íons cloreto através da membrana celular fica inoperante Tudo isso por conta da falta de apenas um aminoácido A A A A A A A A A A A A A A C C C C C C C C C C C C T T T T T T T T T T T T T T T T G G G G G G G G G G G G G G G G G G Met Met His His Thr Thr Glu Arg Lys Ser Val Val Leu Leu Pro Leu Glu Arg Thr Leu Mutação pontual por perda ou deleção Sequência normal 2 Figura 30 Mutação pontual por deleção 97 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Mutação pontual por adição ou inserção de bases nitrogenadas Esse tipo de mutação ocorre pelo aumento de uma base nitrogenada à sequência original Por conta disso a leitura dos códons fica alterada e a inserção de aminoácidos também comprometendo a integridade do peptídeo veja a figura a seguir A A A A A A A A A A A A A A C C C C C C C C C C C C T T T T T T T T T T T T T T T T G G G G G G G G G G G G G G G G G G Met Met His His Thr Thr Glu Trp Lys Glu Val Val Leu Leu Pro Leu Glu Gly Thr Val Mutação pontual por adição ou inserção Sequência normal 2 Figura 31 Mutação pontual por adição Mutações induzidas São originadas a partir da ação de agentes físicos ou químicos que irão provocar alterações na estrutura química das bases nitrogenadas e impedir a replicação Cada agente é avaliado pela sua capacidade de causar essa mutação e sua capacidade de causar mutação é medida As mutações podem ser induzidas por Agentes físicos São causados pela exposição aos raios ionizantes como os raiosX veja a figura a seguir raios gama e provenientes de partículas atômicas como a partícula alfa e a partícula beta e de nêutrons Os raios ultravioleta UV que se apresentam na faixa entre 250 e 400 nm também causam alterações no DNA e são chamados de raios UVA 320 nm UVA 400 nm UVB 280 nm UVB 320 nm e UVC 280 nm conforme o comprimento de ondas A exposição aos raiosX e gama pode causar a formação de átomos moléculas e radicais altamente reativos que podem vir a provocar mutações pontuais ou até a quebra da cadeia do DNA Conforme a quantidade de radiação recebida um organismo estará mais predisposto a sofrer mutações em seus genes A radiação UV pode vir a ser absorvida pelas bases nitrogenadas que compõem o DNA e provocar o aparecimento de transições eletrônicas que acabam por provocar a dimerização entre bases nitrogenadas pirimidínicas que encontramse lado a lado como em CC CT ou TT criando uma ligação denominada dimerização entre essas bases Esse efeito ocorre com maior frequência entre as bases TT Em um organismo não muito carregado de mutações o sistema de reparo do DNA que existe exatamente para corrigir esses erros eventuais consegue corrigir o erro 98 Unidade I A A A A A A A A A A C C C C C C C T T T T T T T T T T T T G G G G G G G G G G G Met His Thr Glu Lys Val Leu Leu Glu Thr Sequência normal 3 A A A A C C T T G G Raios UV Figura 32 Exposição a raios ionizantes A queratose actínica é um tipo de neoplasia benigna que acomete as áreas mais expostas ao sol em geral em indivíduos mais idosos com pele e olhos claros e imunossuprimidos em qualquer idade A intensa exposição aos raios UVA que vimos ser deletéria é acumulativa e portanto prejudicial ao longo dos anos para os queratinócitos expostos Essa alteração dérmica pode evoluir para um tipo de câncer denominado de carcinoma de células escamosas ou carcinoma espinocelular cuja mutação ocorre no cromossomo 9 COSTA et al 2015 Agentes químicos São moléculas que se assemelham quimicamente às bases nitrogenadas que vão enganar o sistema bioquímico de replicação ou são compostos muito reativos que irão alterar diretamente a estrutura química das bases nitrogenadas Vamos a eles Análogos de base existe um quimioterápico que se chama 5bromouracila 5BU conforme a figura a seguir usado como quimioterápico antineoplásico para tratamento paliativo de vários tipos de tumores malignos como de mama cólon reto estômago ou pâncreas Esse medicamento tem a estrutura química muito semelhante à da timina e à da uracila bases pirimidínicas que já conhecemos Quando esse medicamento é administrado ele será absorvido e entrará nas células Lá será usado como se fosse uma timina por exemplo Como na verdade quem foi usado foi a 5BU durante o processo de replicação não será possível ler o códon correto porque a timina foi trocada pela 5BU Desse modo um par TA passará a ser um par 5BUA Por conta de alterações nas propriedades físicoquímicas da 5BU por conta da presença de flúor um elemento altamente eletronegativo o par 5BUA passa a ser um par 5BUG e depois pareiase com um par CG muito diferente do par AT que originalmente seria o correto Timina N HN O O 5bromouracila N HN Br O O Uracila N HN O O Figura 33 As bases nitrogenadas e o análogo de base 5bromouracila 99 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Agentes reativos sobre adenina guanina e citosina alguns compostos provocam alterações diretas sobre as bases purínicas adenina e guanina ou da base pirimidínica citosina porque podem causar a desaminação da adenina citosina ou guanina onde o grupo amino é substituído por um oxigênio fazendo com que uma adenina se transforme em hipoxantina ou uma citosina se transforme em uracila por exemplo veja a figura a seguir Esse tipo de ação mutagênica pode resultar em mutações de transição ou transversão como aquelas que comentamos anteriormente N O NH N Hipoxantina N N N N Adenina N N H H HNO2 Citosina N N O N H H Uracila N HN O O HNO2 Figura 34 Agentes reativos sobre adenina guanina e citosina Agentes alquilantes são agentes que possibilitam a adição de grupos alquila como metila e etila nas bases nitrogenadas veja a figura a seguir O que produtos agrícolas e seu uniforme de ginástica extremamente confortável e elástico possui em comum com o combustível utilizado para propulsão de satélites artificiais Acertou se você pensou que esses produtos têm em comum é o fato de serem feitos a partir de hidrazina A hidrazina N2H4 é altamente reativa e compostos derivados usados na fabricação desses produtos também o são A toxicidade se dá pela capacidade de esses produtos inserirem grupos alquila na estrutura da guanina por exemplo que irá enfraquecer a ligação com a desoxirribose fazendo com que a base nitrogenada alquilada seja perdida causando uma despirimidinação ou despurinação o que leva a uma falha onde antes havia uma guanina Por conta dessa perda da base qualquer uma das quatro bases pode ocupar esse espaço causando a mutação que pode ser uma transição ou uma transversão 100 Unidade I Mostardas nitrogenadas Agentes aniquilantes Clorambucil Busulfano Carmulsina NH NH N P N N N N CI CI CI CI CI CI CI CI CI O O O O O O O O O O O S S Ciclofosfamida Figura 35 Alguns agentes alquilantes Agentes intercalantes são compostos químicos que em geral possuem elementos altamente reativos com as bases nitrogenadas veja a figura a seguir A reação se dá no interior da duplahélice do DNA onde os agentes intercalantes reagem com bases nitrogenadas vicinais fazendo com que o espaço entre elas seja alterado Nesse caso pode haver a inserção de uma base para completar o espaço gerado Eventualmente pode ocorrer de uma base não ser adicionada por conta da presença do agente intercalante quando o DNA estiver sendo replicado por exemplo O brometo de etídio composto usado como revelador de alguns tipos de ensaios em biologia molecular assim como o benzopireno composto presente na fumaça dos cigarros são agentes intercalantes Os índices de câncer de pulmão são elevados tanto em homens quanto em mulheres e essa doença é considerada por muitos uma epidemia juntamente com outras doenças degenerativas associadas ao tabaco DE FLORA DAGOSTINI BALANSKY 2003 NH2 H2N Br Benzopireno Agentes intercalantes Brometo de etídio N N Figura 36 Alguns agentes intercalantes Agentes oxidantes o oxigênio diatômico abundante em nossa atmosfera é uma molécula imprescindível para os seres vivos aeróbicos que o usam para otimização de geração de energia através dos processos bioquímicos Durante o processo bioquímico o oxigênio é reduzido de modo a formar água pela cadeia respiratória Porém uma pequena porcentagem do oxigênio diatômico recebe um elétron por vez formando as espécies reativas de oxigênio ou EROs que são compostos altamente reativos Entre as EROs temos por exemplo os radicais livres chamados de peróxido de hidrogênio ou água oxigenada o ânion superóxido e o radical hidroxila veja a figura a seguir 101 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Oxigênio O2 Peróxido 2O 2 Peróxido de hidrogênio H2O2 Superóxido O 2 Íon hidroxila HO Radical hidroxila HO Figura 37 Espécies reativas de oxigênio EROs Radical livre é uma espécie química que possui um átomo que pode ser O S N ou C que apresenta um elétron desemparelhado em sua órbita externa o que faz com que seja muito instável e tenha uma vida muito curta da ordem de nanosegundos O átomo a formar radicais livres que apresenta mais importância para os animais é o oxigênio Os radicais livres por serem muito instáveis têm necessidade de captar um elétron presente em uma outra molécula para se estabilizar sendo portanto chamados agentes oxidantes Em sistemas biológicos esses agentes altamente oxidantes podem reagir com açúcares lipídeos proteínas e com o DNA provocando o que se conhece por dano oxidativo HALLIWELL GUTTERIDGE 2015 No organismo a sequência de formação dos radicais livres se inicia a partir do oxigênio que durante o processo de respiração é reduzido a água Parte desse oxigênio é reduzido a ânion superóxido nas mitocôndrias Esse ânion depois irá formar o peróxido de hidrogênio que por sua vez formará o radical hidroxila Radicais hidroxila portanto apresentam uma relevância bastante significativa nos danos oxidativos ao DNA DIZDAROGLU et al 2002 são formados a partir da reação de Fentom e agem em localidades próximas de onde foram formados CADET WAGNER 2013 Podem reagir com as bases nitrogenadas CADET WAGNER 2013 e a desoxirribose DIZDAROGLU et al 2002 veja a figura a seguir Reação de redução do oxigênio a água nos organismos e e 2 H e e 2 H O2 O2 H2O2 2 HO 2 H2O Reação de HaberWeiss O2 H2O2 HO OH O2 Em sistemas in vitro a reação de HaberWeiss ocorre lentamente o que indica que in vivo essa reação deva ser mediada por Fe ou por outros metais de transição através da reação de Fenton Fe2 ligante H2O2 Fe3 OH OH Figura 38 Sequência de formação dos radicais livres oxidantes a partir do oxigênio 102 Unidade I Os radicais livres são responsáveis por provocarem mutações que podem levar a doenças como a pneumonia e a obstrução recorrente das vias aéreas ORVA de equinos O excesso de radicais livres formados nos tecidos das vias aéreas superiores desses animais estimula os genes que regulam as citocinas próinflamatórias locais de modo aumentado anormal desencadeando o processo inflamatório mais severo e constante SILVA GONÇALVES 2010 que acarreta a doença Uma vez que os radicais livres podem ser formados a partir das reações bioquímicas dos organismos e externamente ao organismo frequentemente estão envolvidos no desencadeamento de várias doenças conjuntamente a outros fatores endógenos e exógenos KRYSTON et al 2011 Um exemplo de fatores endógenos e radicais livres a se envolverem conjuntamente em uma doença é o que ocorre na leucemia mieloide crônica Essa doença surge a partir de uma mutação do tipo translocação entre os genes 9 e 22 cujo resultado é o gene mutante chamado de BCRABL1 Esse gene mutante favorece a produção de EROs cujos níveis elevados estimulam o progresso da doença tornandoa fatal O excesso de EROs favorece uma automutação no gene BCRABL1 ANTOSZEWSKASMITH PAWLOWSKA BLASIAK 2017 Agentes biológicos Alguns vírus ao se inserirem no genoma da célula hospedeira podem provocar alterações no comportamento do gene dessa célula O papilomavírus humano HPV pertence a uma família que contém mais de 100 tipos de vírus que se diferenciam entre si e que apresentam diferentes potenciais carcinogênicos A replicação do HPV após a infecção das células basais de células hospedeiras se dá em função do processo de diferenciação celular Quando a replicação genômica viral acontece com o DNA viral inserido no gene do hospedeiro há a probabilidade de se desenvolver câncer por exemplo no colo do útero LETO et al 2011 Consequência das mutações na expressão gênica Até agora vimos como e o que pode causar as mutações genéticas Agora quais seriam as consequências para o gene e consecutivamente para a produção de uma determinada proteína depois que essa mutação ocorreu Vamos ver Compreendemos que uma vez que ocorreu uma mutação e essa mutação não tenha sido corrigida pode ocorrer defeitos na expressão genética ou seja na formação das proteínas Esses erros são decorrentes de alterações nos códons que estão relacionados aos aminoácidos Vimos que muitas são as possibilidades de mutações nos códons e o quanto eles são diversos Se pensarmos agora no gene como um todo devemos imaginar que a sequência de bases nitrogenadas irá determinar se a proteína vai ser produzida adequadamente ou se ela vai ser produzida com erros na sequência de aminoácidos A substituição deleção ou adição de bases na região responsável por codificar os aminoácidos através dos códons pode determinar três tipos de mutações a saber 103 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Mutação com troca de sentido ou missense Nesse tipo de mutação ocorre a troca de uma das bases nitrogenadas que compõem um determinado códon veja a figura a seguir Como consequência esse códon vai codificar um aminoácido errado Com esse aminoácido errado na sequência de aminoácidos que formarão a proteína a função da proteína será alterada em maior ou em menor grau e também vai depender do local da proteína que esse aminoácido trocado irá permanecer Na anemia falciforme como vimos anteriormente acontece exatamente a mudança do ácido glutâmico pela valina e temos como consequência a incapacidade da hemácia afetada de transportar oxigênio de modo adequado A A A A A A A C C C C C C T T T T T T T T G G G G G G G G G Met His Thr Glu Lys Val Leu Pro Glu Thr Codificação correta de βhemoglobina transporte adequado de oxigênio Sequência normal Figura 39 Mutação com troca de sentido ou do tipo missense Mutação sem sentido ou nonsense Nesse tipo de mutação o códon alterado passa a ter a função de códon que sinaliza a finalização da transcrição fazendo com que a proteína formada tenha um tamanho inferior ao original Isso vai comprometer a função dessa proteína veja a figura a seguir Caso a interrupção da transcrição da proteína tenha sido precoce a proteína formada será muito pequena e não terá função Às vezes a interrupção é mais ao final do processo de transcrição e permite que parte da função da proteína seja preservada Na doença que se chama distrofia muscular de Duchenne alguns medicamentos como o atalureno ANVISA 2020b por exemplo são usados para que esse códon que sinaliza a interrupção da transcrição seja pulado durante a transcrição e a proteína possa ser transcrita Esse fármaco é usado para que o gene da distrofina DMDmn seja possibilitado de produzila e assim melhorar as condições do indivíduo que apresenta esta doença rara TINSLEY et al 1994 A distrofina é uma proteína envolvida na ligação do citoesqueleto das fibras musculares à matriz extracelular envolvida no correto funcionamento da musculatura esquelética A A A A A A A C C C C C C T T T T T T T T G G G G G G G G G Met His Thr Glu Lys Val Leu Pro Glu Thr Codificação completa da proteína Sequência normal Figura 40 Mutação sem troca de sentido ou do tipo nonsense Outra doença que está relacionada à mutação do tipo nonsense é a atrofia girata da retina e de coroide que é uma perda de visão progressiva por causa da degeneração coriorretinal MASHIMA MURAKAMI WELEBER 1992 A degeneração é causada por um defeito em uma enzima que se chama 104 Unidade I ornitina aminotransferase OAT a qual degrada a ornitina um aminoácido gerado no ciclo da ureia que não está envolvido na constituição de proteínas mas que atua como intermediário na obtenção de arginina FICICIOGLU YUDKOF 2013 Essa doença é notada pelo aparecimento de miopia e perda de visão periférica com eventual perda de visão noturna que ocorre ainda na primeira década de vida juntamente ao acúmulo de ornitina veja a figura a seguir nos fluidos corpóreos NH2 OrnitinaOrn OH O H2N Figura 41 Ornitina um aminoácido que não participa da constituição de proteínas Mutação silenciosa ou isossemântica Às vezes a mutação que ocorre em um determinado códon não causa um efeito sobre o peptídeo ou proteína codificado Vamos relembrar um ponto importante cada aminoácido é codificado por um conjunto de códons e caso haja uma mutação que ainda permita a codificação do mesmo aminoácido a proteína ou peptídeo a ser obtido ainda será o mesmo Imagine que por exemplo a mutação ocorrida seja a substituição de UUU por UUC então a fenilalanina ainda será recrutada ou AGA por AGG em que o aminoácido recrutado ainda será a arginina Nesse caso não se percebe consequências como o aparecimento de doenças Mutações cromossômicas ou aberrações Agora vamos pensar na estrutura do cromossomo como um todo Existem tipos de mutações que ocorrem no DNA e podem ser observadas ao microscópio pois afetam a própria estrutura do cromossomo Essas alterações podem envolver poucas bases ou até grandes porções do cromossomo muitas vezes comprometendo mais do que um gene Esse tipo de mutação ocorre durante as fases de divisão celular ou na mitose ou na meiose É portanto de ocorrência comum nas células germinativas por exemplo óvulos e espermatozoides e por isso podem ser observadas inclusive nas células somáticas do organismo Algumas anomalias ocorrem após a fecundação fazendo com que algumas células apresentem a anomalia e outras não e resulta no que se chama de mosaicismo Algumas alterações podem causar anomalias que irão resultar na expressão de proteínas alteradas e causar o aparecimento de câncer Observação Não é somente nos organismos que apresentam óvulos e espermatozoides que as mutações cromossômicas ocorrem Podemos observar esses tipos de mutação em outros organismos como nas plantas por exemplo 105 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Entre as alterações cromossômicas podemos ter as alterações estruturais e as alterações numéricas As alterações estruturais afetam o número ou a disposição dos genes nos cromossomos Podem ser classificadas como deficiência ou deleção amplificação duplicação inversão e translocação As alterações numéricas implicam na alteração do número total de cromossomos na célula que normalmente é 2n46 Nas alterações numéricas é possível se classificar a ocorrência do número de cromossomos no cariótipo em aneuploidia e euploidia Alterações estruturais esse tipo de alteração envolve mudanças na morfologia dos cromossomos observadas ao microscópio Deficiência ou deleção ocorre quando uma parte do cromossomo se perde ou está ausente Duplicação ocorre quando uma parte do cromossomo é duplicada Amplificação ocorre quando há a inserção da mesma porção de cromossomo por mais de uma vez em geral enfileirado ou em tandem Inversão ocorre quando uma parte do cromossomo é excluída se vira e é reinserida no cromossomo só que invertida Inserção ocorre quando há a inserção de parte de um outro cromossomo que se perdeu por deleção veja a figura a seguir Cromossomo A Cromossomo A que sofreu deleção Alteração estrutural por inserção Trecho do cromossomo A inserido no cromossomo B Figura 42 Alterações estruturais nos cromossomos do tipo inserção Formação de anéis ocorre quando os telômeros que são as porções terminais dos cromossomos que impedem que se liguem entre si são perdidos e passam a permitir que o cromossomo se ligue por suas pontas formando um círculo Translocação ocorre quando há a quebra de trechos de dois cromossomos não homólogos e esses trechos são inseridos nos cromossomos de forma trocada Algumas doenças podem ser causadas por esse tipo de alteração como leucemia mieloide crônica que vimos anteriormente leucemia linfoblástica aguda ou eventualmente leucemia mieloide aguda causada pela geração do cromossomo Filadélfia que é uma translocação recíproca ente os braços longos dos cromossomos 9 e 22 veja a figura a seguir 106 Unidade I Cromossomo 9 Cromossomo 22 Cromossomo Filadélfia Translocação recíproca abl abl bcr bcr Figura 43 Alterações estruturais nos cromossomos do tipo translocação Transposição é o ato de trechos de DNA conhecidos como transposons se introduzirem em uma região aleatória do cromossomo geralmente distantes das que foram originados Embora sejam geralmente gerados no próprio cromossomo há alguns retrovírus que podem ser considerados retrotransposons Algumas das alterações estruturais cromossômicas podem ser vistas na figura a seguir Cromossomo normal Cromossomo normal Alteração por formação de anel Telômeros Perda de telômeros Trecho original Trecho original Trecho duplicado Trecho que sofreu a inversão Mutações cromossômicas que causam alterações estruturais Trecho em tandem Alteração estrutural por deficiência ou deleção Cromossomo que sofreu deleção Alteração estrutural por inversão Alteração estrutural por amplificação Alteração estrutural por duplicação Figura 44 Alterações estruturais nos cromossomos 107 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Alterações numéricas nesse tipo de alteração há um número de cromossomos homólogos maior do que o normal para a espécie Aneuploidia são alterações que apresentam número maior dissomia trissomia polissomia ou menor monossomia de um cromossomo específico Várias síndromes humanas apresentam cariótipos que são o perfil genômico observado ao microscópio com cromossomos em números maiores do que o normal Vejamos por exemplo que o cariótipo de indivíduos que têm a síndrome de Turner apresenta um total de 2n1 cromossomos sendo ausente o par do cromossomo sexual X veja a figura a seguir 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 45 Cariótipo de um indivíduo com síndrome de Turner no qual há a ausência do cromossomo Y Indivíduos que apresentam a síndrome de Kelinefelter possuem cariótipo do tipo 2n1 que resulta em uma dissomia chamada de dissomia do X veja a figura a seguir 108 Unidade I 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 46 Cariótipo de um indivíduo com síndrome de Kelinefelter ou síndrome da dissomia do X No caso dessa síndrome o indivíduo irá apresentar 47 cromossomos em vez dos 46 usuais sendo o cromossomo X o que está a mais e forma uma tríade XXY portanto ocorre nos homens Na síndrome de Jacobs observamos a mesma coisa só que com o cromossomo Y veja a figura a seguir 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 47 Cariótipo de um indivíduo com síndrome de Jacobs ou síndrome da dissomia do Y 109 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Outras trissomias conhecidas são a síndrome de Patau no cromossomo 13 a síndrome de Edwards no cromossomo 18 e a síndrome de Down no cromossomo 21 veja as figuras a seguir 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 48 Cariótipo que representa a síndrome de Patau a trissomia do 13 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 49 Cariótipo de um homem que apresenta síndrome de Edwards a trissomia do 18 110 Unidade I 1 2 3 4 5 6 7 8 9 18 17 16 15 14 13 12 11 10 19 20 21 22 X Y X X ou Figura 50 Cariótipo de uma mulher que apresenta síndrome de Down a trissomia do 21 Euploidia são alterações que apresentam número de cromossomos totais múltiplos do número haploide ou normal de uma espécie Em outras palavras essas alterações atingem todo o conjunto de cromossomos do indivíduo Em animais essa condição normalmente causa aborto mas em plantas é um processo adaptativo ou evolutivo comum e encontrado por exemplo no morango Pode se expressar como diploidia triploidia poliploidia Veja na figura a seguir como alguns organismos poliploides são deliciosos A C Trigo hexaploide 6n 42 Banana triploide 3n 33 Canadeaçúcar octaploide 8n 80 Batata tetraploide 4n 48 B D Figura 51 Espécies vegetais que apresentam poliploidia 111 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 21222 Mecanismos de reparo do DNA Como vimos para que haja o aparecimento de um tumor é necessária a ocorrência de pelo menos duas mutações em uma mesma célula Pois bem Em um organismo vivo viável e saudável a taxa de mutações diárias é maior do que podemos imaginar Essas taxas variam com a idade a genética a exposição a agentes deletérios o tipo de organismo por exemplo Mas o fato muito interessante é que os organismos apresentam mecanismos bioquímicos para consertarem as mutações que sofrem e caso não consigam consertar induzem a célula mutante à morte programada ou apoptose ou à senescência O câncer só acontece quando esses mecanismos falham e há um grau de instabilidade genômica muito elevado Como vimos anteriormente as mutações podem ocorrer nos genes ou nos cromossomos Para os reparos de mutações genéticas há dois tipos específicos os reparos por reversão direta e os reparos por excisão Já para as mutações cromossômicas existe o reparo por ligação e o reparo por recombinação homóloga Reparos de mutações genéticas são aquelas que ocorrem nas bases nitrogenadas que sofreram mutações em um gene Reparo por reversão direta esse tipo de reparo é feito em uma etapa apenas Ocorre mais em organismos procariotos e em organismos eucariotos menos complexos e raramente ocorre nos organismos mais complexos Esse reparo pode ocorrer por exemplo nas bactérias que sofrem a formação de dímeros de bases pela ação dos raios UV Nesses casos enzimas quebram as ligações que causaram a dimerização de bases iguais vicinais restaurando a capacidade de transcrição do gene Pode ocorrer também quando há alquilação das bases Nesse caso as enzimas irão retirar o grupo alquila intruso ligado às bases Reparos por excisão são mais complexos e implicam na abertura da duplahélice na cisão de um trecho comprometido e na síntese de um trecho corrigido É o tipo de reparo mais comum nos organismos Reparo por excisão de nucleotídeos do inglês base excision repair BER esse sistema de correção ocorre quando há algumas bases que apresentam mutações como alquilações desaminações desidratações e oxidações em um trecho da fita do DNA Um sistema enzimático complexo irá utilizar a fita não comprometida como molde Para isso há a necessidade de romper a fita comprometida depois usar a maquinaria de replicação para sintetizar o trecho comprometido Depois o trecho sintetizado é reintroduzido no local correto da fita que é fechada e desse modo o DNA é restaurado Várias enzimas fazem parte desse processo Por esse sistema geralmente de 5 a 8 bases são envolvidas no processo sendo que não necessariamente as mutações tenham ocorrido em todas as bases Reparo por excisão de bases do inglês nucleotide excision repair NER através desse sistema é possível a retirada de um trecho maior de DNA que chega a ter de 25 a 32 oligômeros Mutações causadas por raios UV inserção de adutos de grande volume 112 Unidade I desaminações despurinações e quebra simples de fita podem ser corrigidas por esse sistema Existe uma doença hereditária que se chama xeroderma pigmentosa que provoca uma hipersensibilidade a raios solares que ocorre por conta desse sistema de reparo ser falho Esse sistema envolve duas dezenas de enzimas e praticamente elabora o mesmo mecanismo de correção de forma geral Reparo de pareamento incorreto ou reparo do tipo mismatch esse tipo de reparo consegue corrigir pareamento incorreto de bases inserções e deleções A via de excisão ocorre em oito bases ao redor da lesão Ocorre em todos os organismos Reparos de mutações cromossômicas por vezes o cromossomo perde um trecho inteiro de sua duplahélice Para que a célula consiga consertar esse erro é necessário que o cromossomo homólogo ou seja de outra célula ajude com a informação correta Reparo por ligação ocorre nas extremidades dos trechos expostos e acontece à revelia de processos mais detalhados baseados na sequência de bases Isso faz com que o reparo possa resultar em macrolesões Reparo por ligação homóloga esse tipo de reparo acontece quando há a quebra de um trecho do DNA composto pelas duashélices Para que ela ocorra um elevado número de enzimas é utilizado Embora o mecanismo bioquímico completo seja descrito ele precisa ser mais conhecido Estudos demonstram que pode haver a troca de regiões distintas do gene entre cromátides irmãs processo conhecido como crossingover A falha desse mecanismo de reparo pode levar a doenças como o câncer de mama quando envolvem os genes BCRA1 e BCRA2 que codificam proteínas envolvidas nesse mecanismo de reparo em humanos A International Agency for Research on Cancer Iarc classifica o potencial carcinogênico das substâncias segundo o quadro a seguir Quadro 5 Classificação do potencial carcinogênico segundo a Iarc Grupo 1 Carcinogênico para humanos Grupo 2A Provavelmente carcinogênico para humanos Grupo 2B Possivelmente carcinogênico para humanos Grupo 3 Não classificável como carcinogênico para humanos Adaptado de Iarc sd 213 Avaliação do risco Alguns conceitos são bastante utilizados na avaliação de risco toxicológico Um desses conceitos está associado ao perigo 113 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Exemplo de aplicação Gostaríamos que você parasse um pouco e refletisse o que significa o termo perigo Acreditamos que você tenha tido um pouco de dificuldade para responder a essa pergunta Por isso vamos fazer uma analogia Imagine que você esteja em um carro em alta velocidade na estrada e observa que há uma placa de trânsito indicando que à frente há uma curva perigosa e pedindo a sua atenção O que você faria nessa situação Manteria seu veículo em alta velocidade ou reduziria a velocidade Perfeito Por prudência para evitar risco de algum acidente automobilístico como a derrapagem ou capotagem do veículo reduziria a velocidade e consequentemente reduziria a possibilidade de ocorrer um acidente de trânsito Continue acompanhando o raciocínio E se você entra nessa curva perigosa mantendo a alta velocidade em que você estava anteriormente poderia acontecer algum acidente Exatamente Sim ao entrar em uma curva perigosa em alta velocidade a probabilidade de ocorrer um acidente é bem maior Com essa analogia observamos que tínhamos duas variáveis a curva perigosa e a alta velocidade Assim para a mesma curva você consegue observar que os riscos variam dependendo da velocidade do veículo Na toxicologia essa analogia se acomoda muito bem ou seja a partir do momento que haja uma substância química perigosa dependendo da forma pela qual ocorre a exposição a essa substância haverá menor ou maior risco de intoxicação Ante o exposto concluímos que o termo perigo está associado a uma propriedade ou característica de toxicidade intrínseca à substância química curva perigosa ou não perigosa substância química de elevada toxicidade ou de baixa toxicidade Acreditamos que nesse momento consigamos compreender com bastante facilidade que o risco está associado à probabilidade de ocorrer um efeito tóxico no organismo humano ou animal resultante das condições de exposição a essa substância perigosa Permitanos reportar novamente à curva caso fôssemos questionados sobre as características da curva poderíamos dizer que é uma curva fechada e em declive Do ponto de vista toxicológico ao descrever o potencial tóxico do xenobiótico essa descrição é denominada identificação do perigo Entretanto quando efetivamente um xenobiótico rompe a homeostase e causa danos Vamos entender melhor como responder a essa pergunta Há um parâmetro toxicológico denominado de nível de efeito não observado Noel ou noobservableeffect level Esse parâmetro representa a maior quantidade do xenobiótico ao qual o organismo se expôs e em que ainda assim não ocorre o rompimento da homeostase que está associada à resposta do organismo para que não se rompa o equilíbrio do organismo ou seja para que não haja dano E você se recorda de como o organismo mantém seu equilíbrio 114 Unidade I Vamos contextualizar a informação para sua melhor compreensão Ao se expor ao cádmio o organismo identifica essa exposição e produz maior quantidade de uma proteína de baixo peso molecular denominado metalotioneína Essa proteína se liga ao metal forma um complexo metalotioneínametal e impede que sejam manifestos efeitos tóxicos do cádmio no organismo O dano ocorre quando a quantidade do metal ao qual o organismo se expôs é superior à capacidade de produção dessa proteína pelo organismo É nesse momento que nos referimos ao Noel A nefrotoxicidade causada pelo cádmio ocorre quando o organismo não mais consegue responder às variações externas que são a exposição ao metal consequentemente o Noel é ultrapassado Entendese assim que a resposta do organismo depende de alguns fatores por nós denominados de condições de exposição como via de exposição tempo e frequência de exposição toxicocinética suscetibilidade individual e relação doseresposta Para caracterizar o risco toxicológico de substâncias químicas alguns parâmetros são avaliados como veremos a seguir 2131 Identificação do perigo A identificação do perigo está associada à descrição do potencial tóxico do xenobiótico DIETRICH WEISS 2020 Para compreendermos melhor a informação vamos fazer algumas considerações sobre a dioxina 2378tetraclorodibenzodioxina TCDD É uma substância química que mesmo após exposição única em altas doses pode resultar em efeitos de longa duração por conta do tempo de armazenamento desse xenobiótico no organismo uma vez que possui caráter lipofílico e pouco biotransformado Para termos ideia do que essas informações representam a dioxina possui meiavida biológica de 8 anos A informação não para por aí em animais de laboratório e em humanos a dioxina induz o aparecimento de tumores em vários órgãos A partir do momento em que você é detentor dessas informações e que conhece bem o potencial tóxico da dioxina por ter identificado o perigo você acha que a exposição a esse toxicante pode ser intensa e contínua ou é melhor que haja a menor exposição possível a ela Isso mesmo A exposição deve ser a menor possível O ideal seria que não houvesse a exposição Ficou mais claro para você a importância da identificação do perigo 2132 Avaliação doseresposta A absorção de um toxicante pode variar significativamente dependendo das vias de exposição O cádmio por exemplo é cinco vezes mais absorvido quando a exposição ocorre pelo trato respiratório como na inalação do metal presente no ar atmosférico ou na fumaça que sai do cigarro em relação à exposição pelo trato digestório Assim alguns fatores que condicionarão o aparecimento do dano no organismo são a quantidade do metal que atinge as célulasalvo e o tempo que levará para que isso ocorra Assim quanto maior a quantidade de toxicante nas célulasalvo maior será a intensidade de seus efeitos dano Os efeitos tóxicos não serão observados caso a quantidade de cádmio no organismo esteja abaixo do Noel 115 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS De uma forma geral a relação doseresposta é expressa na forma de uma curva sigmoidal em que na abcissa do gráfico consta a dose em escala logarítmica e na ordenada a intensidade dos efeitos Alguns autores entendem que a relação doseresposta também possa ser interpretada como a caracterização do perigo DIETRICH WEISS 2020 2133 Avaliação da exposição Compreendemos que o efeito tóxico é dosedependente ou seja quanto maior é a quantidade do toxicante a que o organismo se expõe também será maior a concentração dessa substância no órgãoalvo e consequentemente maior será a intensidade do efeito tóxico no organismo DIETRICH WEISS 2020 Uma das maiores preocupações dos toxicologistas está associada à prevenção da intoxicação e para que se proponha modelos de redução da exposição devese inicialmente compreender os mecanismos pelos quais o organismo se expõe ao xenobiótico Entretanto avaliar a exposição não é uma tarefa simples Monitorar a exposição ocupacional em um ambiente com um padrão definido de trabalho já é complexo Imagine então monitorar as pessoas com relação às substâncias químicas presentes nas casas ou no ar que respiram ao longo do dia E o que você acha de monitorar a exposição que ocorre com as crianças é de fácil realização Não não é Efetivamente uma forma confiável de estimar a exposição humana é por meio do biomonitoramento de toxicantes ou seja determinar a presença dos toxicantes no organismo uma vez que foi absorvido ou de seus produtos de biotransformação Mas destacase que a doseresposta correlaciona os efeitos da substância no organismo e a dose externa tornando um grande desafio na avaliação de risco Destacase ainda como já visto neste material que a interação de substâncias no organismo pode gerar efeitos sinérgicos aditivos e de potenciação o que dificulta anda mais a avaliação da exposição DIETRICH WEISS 2020 2134 Caracterização do risco Uma vez que o risco é identificado sua doseresposta é conhecida e se realiza a avaliação da exposição essas informações são integradas e se apresenta uma conclusão um resumo sobre os riscos decorrentes da exposição a uma substância química É por meio desse desfecho ou seja das conclusões obtidas que serão propostas medidas que serão delineadas para que os gestores da saúde pública por exemplo adotem medidas de prevenção de intoxicação aos cidadãos 3 TOXICOLOGIA AMBIENTAL Nessa parte da matéria teremos a oportunidade de compreender melhor como as substâncias presentes no meio ambiente podem interagir com o referencial biológico e causar danos 116 Unidade I 31 Introdução Os toxicantes presentes no meio ambiente podem causar danos a humanos e animais dependendo das condições de exposição Os xenobióticos podem estar presentes no ar na água ou no solo Nesse primeiro momento vamos estudar os toxicantes presentes no ar 32 Poluição atmosférica Os incêndios florestais de origem natural ou causados pela atividade humana antropogênico a queima de combustíveis fósseis e as substâncias químicas utilizadas ou obtidas em processos industriais são importantes fontes de poluição do ar inclusive com a liberação de toxicantes potencialmente carcinogênicos STRAIF et al 2017 Esses poluentes atmosféricos podem agir sobre humanos e animais de forma independente e dependendo das condições de exposição podem causar danos Como visto as interações entre diferentes substâncias químicas podem intensificar os efeitos à saúde desses organismos Estimativas atuais sugerem que é significativo o número de doenças causadas pela poluição do ar Para que você tenha dimensão da importância da emissão de poluentes atmosféricos sob a perspectiva toxicológica a exposição a partículas com diâmetro aerodinâmico igual ou inferior a 25 µm PM 25 ou seja partículas finas foram responsáveis por mais de 32 milhões de mortes prematuras no ano de 2010 no mundo Exemplo de aplicação A partir desse dado convidamos você a fazer uma reflexão você consegue ter uma ideia de como a poluição atmosférica pode contribuir para os casos de morte prematura Pois bem vamos colaborar com você e lhe apresentar os seguintes dados os poluentes atmosféricos contribuem em grande parte no acometimento ou intensificação das doenças cardiovasculares além de ser responsável direto por 223000 mortes de câncer de pulmão dentre as 32 milhões de mortes anuais prematuras Mas não para por aí Exemplo de aplicação O que você acha de trabalharmos um pouco o conceito da interdisciplinaridade Então responda qual é o país que tem apresentado aumento do produto interno bruto PIB de forma significativa nos últimos anos Acertou se respondeu que é a China 117 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Além do vigoroso aumento do PIB gostaríamos que você observasse que a China e os países denominados de Tigres Asiáticos também nos apresentam alguns importantes números associados à toxicologia ambiental ou seja à poluição atmosférica e levamos a você mais uma dessas situações Anteriormente lhe trouxemos o número de mortes por câncer de pulmão decorrentes da poluição atmosférica se lembra Pois bem metade dessas mortes ocorreu na China e nos países asiáticos e é atribuída às partículas finas PM 25 presentes no ar como contaminantes atmosféricos Com esses dados conseguimos unir os pontos da toxicologia ou seja concluímos que o acelerado desenvolvimento da China bem como dos países asiáticos tem contaminado a atmosfera e levado danos à população exposta Para que você tenha dimensão da importância dos toxicantes atmosféricos a Iarc recomendou uma série de monografias relacionadas aos poluentes do ar para que possamos compreender melhor por que e como essas substâncias podem causar ao organismo humano e identificar lacunas críticas de pesquisa para propor medidas de prevenção diagnóstico e tratamento dessas doenças Com a presença de milhares de substâncias químicas presentes no ar mesmo os toxicantes que estão em pequenas quantidades podem causar danos ao organismo E você sabe o que atualmente tem chamado muito a atenção dos pesquisadores A qualidade do ar em ambientes internos Em apartamentos ou escritórios localizados em grandes centros urbanos ou industriais pode haver a presença e acúmulo dos xenobióticos no ar de ambientes internos inclusive substâncias carcinogênicas Substâncias químicas carcinogênicas transportadas pelo ar contribuem para o número total de casos de câncer em escala global sobretudo do pulmão exatamente o órgão que recebe a maior quantidade dessas substâncias presentes no ar Observação Em 24 horas um adulto respira milhares de vezes e chega a inalar 10000 litros de ar Imagine a quantidade de toxicantes presentes nesse volume de ar inalado Uma das maiores dificuldades para se estimar o risco de intoxicação por substâncias químicas presentes no ar é identificar e quantificar os poluentes presentes nele que variam de região para região As informações disponíveis que caracterizam as interações químicas são bastante limitadas sobretudo quando se trata de efeitos aditivos sinérgicos e de potenciação Ainda que a monitorização de algumas substâncias químicas seja realizada rotineiramente nem sempre o resultado dessa monitorização é facilmente disponibilizada além de haver substâncias químicas presentes no ar que nem imaginamos que possam existir Consegue agora perceber como a avaliação de risco é complexa para ser realizada 118 Unidade I Para que você tenha dimensão da importância dos poluentes atmosféricos recentes evidências científicas sugerem que na América do Norte e Europa a poluição do ar seja responsável por 5 da mortalidade atribuível aos cânceres de pulmão brônquios e traqueia O monitoramento dos contaminantes atmosféricos ocorre na maior parte das vezes pela estrutura governamental mesmo quando se trata de monitoramento na União Europeia e na América do Norte Os poluentes atmosféricos monitorados com maior frequência na maioria dos países são o dióxido de nitrogênio NO2 dióxido de enxofre SO2 monóxido de carbono CO ozônio O3 além dos indicadores de material particulado suspenso MPS com partícula de pequeno diâmetro aerodinâmico PM10 e PM25 e da fumaça preta Observe como a prevenção da intoxicação bem como a avaliação de risco não são de fácil execução poluentes podem estar presentes em maior quantidade em uma determinada região da cidade quando comparados a outras e essa maior concentração do poluente pode ainda estar relacionada com a estação do ano Como exposto anteriormente também há limitações quanto às informações disponíveis principalmente quando se trata de interações químicas que podem causar o câncer e não é incomum haver mais informações em regiões onde as concentrações dos poluentes não são tão elevadas e menos informações onde a exposição é mais severa Outra informação que nos chama a atenção é que nem sempre os maiores danos ocorrem onde a concentração de poluentes atmosféricos é mais alta mas ocorrem de fato onde há maior interação contaminantepopulação Esses estudos de exposição de curto prazo nem sempre demonstram características de exposição que envolva as interações entre os poluentes que geram os efeitos de complexa identificação Acreditamos que você consiga compreender com facilidade que a atmosfera não é estática ou em outras palavras que está em constante movimento Essa mistura de gases vapores e MPS presentes na atmosfera é dinâmica e provoca interações constantes e intensas entre esses compostos As reações químicas que ocorrem na atmosfera transformam substâncias orgânicas em compostos mais oxidados e consequentemente mais hidrossolúveis Para que você tenha dimensão ácidos alcanos alcenos aldeídos cetonas peróxidos orgânicos e epóxidos podem ser formados na atmosfera por oxidação fotoquímica ou seja ocorrem na presença da radiação solar Grande parte das substâncias formadas durante a combustão é formada por moléculas orgânicas algumas delas bastante simples como o formaldeído HCHO e outras de nível de complexidade superior como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos HAP e as dioxinas A emissão de substâncias químicas inorgânicas contempla os ácidos como o sulfúrico H2SO4 e o clorídrico HCl bem como os óxidos de nitrogênio NOx e de enxofre SOx A OMS constatou que a queima de combustíveis e a presença de MPS no ar são as principais causas de mortalidade precoce causadas pela exposição ambiental 119 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 321 Classificação dos poluentes da atmosfera Fontes naturais ou antropogênicas as geradas pela atividade humana como a atividade industrial e o tráfego de veículos automotores emitem poluentes para a atmosfera Dependendo do material acadêmico ou científico que consultemos obtemos várias classificações dos poluentes atmosféricos Uma das classificações associadas a esses poluentes pode estar relacionada à natureza da fonte de emissão e caracteriza se são lançados diretamente na atmosfera ou se são formados nela Um dos conceitos que se faz necessário que nos seja apresentado é o de poluente ou contaminante atmosférico Para parte dos autores da área de toxicologia um contaminante ou poluente atmosférico é uma substância química que não faça parte da atmosfera constitutivamente mas que esteja presente nela ou que faça parte da atmosfera mas que esteja em grandes quantidades Outros autores referem a poluição atmosférica como toda substância química ou mistura de substâncias presentes na atmosfera cuja concentração exceda os níveis estabelecidos pela legislação e que podem causar algum dano ao organismo humano CETESB sdb Vamos compreender melhor esses conceitos A tabela a seguir elenca alguns gases constituintes da atmosfera Tabela 2 Gases constituintes da atmosfera em percentual decrescente em volume Gás Percentagem em volume Nitrogênio 7808 Oxigênio 2095 Argônio 0934 Dióxido de carbono CO2 0036 Neônio 1818103 Hélio 524104 Metano 16104 Criptônio 114104 Óxido nitroso 30105 Monóxido de carbono CO 12105 Xenônio 87106 Amônia 108 107 Fonte Schirmer e Lisboa 2008 p 37 O ácido sulfúrico H2SO4 é um constituinte natural da atmosfera 120 Unidade I Acertou se respondeu que não é um constituinte natural da atmosfera Mas também vimos anteriormente que essa substância pode ser formada na atmosfera O H2SO4 pode ser formado na atmosfera e como sabemos é uma das principais substâncias que constituem a chuva ácida Após a exposição a esse repertório de informações você está apto para selar o aprendizado sobre toxicologia dos contaminantes do ar Se o H2SO4 não é um constituinte natural da atmosfera mas está presente nela podemos denominálo um poluente atmosférico Você compreendeu exatamente o conceito exposto anteriormente observamos que não há a presença do H2SO4 como constituinte natural da atmosfera Assim se a substância química não faz parte da atmosfera mas está presente nela é denominada de poluente ou contaminante atmosférico Consegue visualizar que à medida que temos contato com a informação e vamos paulatinamente compreendendo os conceitos por mais complexo que seja conseguimos não apenas compreender o contexto como também perceber que fica mais fácil propormos aplicações aos conceitos auferidos Assim dando continuidade ao conceito de contaminantes e poluentes propomos mais um questionamento se uma substância química faz parte constitutivamente da atmosfera pode também ser considerada um contaminante ou poluente Vamos auxiliálo nesse processo de reflexão em vigor Para isso utilize a tabela anterior para responder mais algumas perguntas Vamos à pergunta o metano e o dióxido de carbono CO2 são constituintes naturais da atmosfera Você se reportou à tabela anterior e identificou que o metano e o dióxido de carbono são constituintes naturais da atmosfera Próxima pergunta qual é a importância do metano e do dióxido de carbono na atmosfera para a vida humana Caso tenha alguma dificuldade pode utilizar outra fonte de informação para responder Aliás seria saudável fazer isso Agora sugerimos que você consulte rapidamente uma fonte de informação e nos traga a importância do metano e do CO2 para a vida humana no planeta 121 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Saiba mais Para que você tenha acesso a mais informações sobre o efeito estufa sugerimos que leia o artigo CARVALHO J L N et al Potencial de sequestro de carbono em diferentes biomas do Brasil Revista Brasileira de Ciência do Solo v 34 n 2 p 277290 2010 Estamos seguros de que você tem a resposta de que o metano e o CO2 estão entre as substâncias responsáveis pelo efeito estufa não é Agora essas duas substâncias químicas são os vilões ou os mocinhos da história Nesse momento precisamos ser cautelosos para responder Possivelmente você respondeu que é o vilão não é Vamos compreender melhor essa situação O calor do sol que atinge a terra é irradiado e essa energia irradiada não é dispersa para a atmosfera porque o vapordágua o CO2 o NO2 o ozônio O3 os clorofluorcarbonos CFCs e o metano impedem ou reduzem essa dispersão de energia sendo os responsáveis pelo efeito estufa veja a figura a seguir Radiação solar refletida pela Terra e pela atmosfera albedo Radiação que atravesa diretamente a atmosfera Radiação absorvida e reemitida em todas as direções pelos gases de efeito estufa e pelas nuvens CO2 Radiação infravermelha emitida pela Terra Radiação solar absorvida pela superficie terrestre Figura 52 Efeito estufa na Terra 122 Unidade I A barreira formada por essas substâncias na atmosfera é fundamental para a vida humana de animais e de plantas uma vez que caso essa energia não seja retida não há condição de manter a temperatura adequada para a manutenção da vida na Terra Assim opostamente ao que alguns possam imaginar o efeito estufa não é apenas importante mas fundamental para a manutenção da vida em nosso planeta O CO2 e o metano como exemplos fazem parte da camada de gases da atmosfera Reportese à tabela anterior Nessa perspectiva podemos concluir juntos que os constituintes da atmosfera são fundamentais para a vida humana animal e marinha no planeta Sem eles não haveria vida uma vez que são capazes de reter o calor necessário para condições ideais de reprodução e manutenção da vida Porém caso o metano por exemplo seja lançado na atmosfera pelas atividades antropogênicas em grande quantidade e aumente suas concentrações na atmosfera de forma significativa pode haver um desequilíbrio nessa barreira protetora da atmosfera e a temperatura não mais ficaria em uma quantidade adequada para a manutenção da vida no planeta Dentro desse contexto caso haja liberação de grande quantidade de metano na atmosfera também há maior retenção da energia irradiada e como consequência o planeta ficaria mais aquecido do que deveria É nesse momento que o efeito estufa é lembrado como o vilão da história Após essa extensa explicação começaremos a juntar os pontos do conhecimento caso uma substância química seja um constituinte da atmosfera mas esteja presente em quantidade suficientemente capaz de levar a um desequilíbrio como no caso do efeito estufa essa substância além de constituir a camada de gases que compõem a atmosfera também é caracterizada como poluente ou contaminante Há outras classificações referente aos poluentes atmosféricos Alguns autores sugerem que caso as substâncias químicas sejam lançadas diretamente na atmosfera por uma fonte identificável podem ser classificadas como contaminante primário Vamos compreender melhor esse conceito Imaginemos o seguinte cenário quando o caminhão distribuidor de combustível chega no posto a transferência desse combustível para os reservatórios dos postos de combustíveis pode liberar vapores de gasolina para o ambiente e esse combustível caso seja a gasolina contém em sua composição benzeno tolueno xileno entre outros compostos orgânicos Dessa forma quando se transfere gasolina para o tanque do posto de gasolina ou quando se abastece um veículo automotor com esse combustível há em maior ou menor quantidade a liberação de substâncias químicas que não são constituintes naturais da atmosfera Assim o benzeno por exemplo é considerado um poluente ou contaminante primário porque está sendo liberado diretamente na atmosfera por uma fonte identificável mas não faz parte da atmosfera 123 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Entretanto existem situações em que a substância é produzida pela interação de um constituinte natural da atmosfera e um contaminante primário Vamos entender melhor esse processo Acompanhe conosco o seguinte raciocínio como você já sabe ao queimar o carvão são liberados contaminantes para a atmosfera dentre o quais os óxido de enxofre SOx OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Como esse gás é liberado diretamente na atmosfera por uma fonte identificável que no caso é a queima do carvão os óxidos de enxofre são considerados contaminantes primários Ficou claro para você Mas o raciocínio não termina por aqui Como esse gás SOx é hidrossolúvel é capaz de interagir com a água em sua forma de vapor que é um constituinte natural da atmosfera O produto da interação entre eles leva à formação do H2SO4 na atmosfera Concluímos assim que o H2SO4 formado na atmosfera é um contaminante secundário uma vez que é produto da interação entre um contaminante primário SOx e a água que é um constituinte natural da atmosfera A informação ficou clara para você Consegue agora distinguir um contaminante primário de um secundário Ficamos felizes por isso 322 Padrões de qualidade do ar Nas regiões centrais de algumas metrópoles encontramos relógios que além de apresentar o horário propriamente dito também informam a qualidade do ar Entretanto em algum momento você parou para pensar como se determina a qualidade do ar de sua cidade A qualidade do ar nas grandes cidades é obtida por meio da quantificação de substâncias químicas presentes no ar atmosférico e é possível estabelecer uma relação entre a qualidade do ar e os efeitos à saúde Assim a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo Cetesb resume a relação causaefeito ou seja dependendo da qualidade do ar identificada se estabelece um índice de qualidade do ar com significado em termos de efeitos na população exposta Segundo a Resolução n 491 de 19 de novembro de 2018 que dispõe sobre os padrões de qualidade do ar veja a tabela a seguir o padrão de qualidade do ar é um dos instrumentos de gestão da qualidade do ar determinado como valor de concentração de um poluente específico na atmosfera associado a um intervalo de tempo de exposição para que o meio ambiente e a saúde da população sejam preservados em relação aos riscos de danos causados pela poluição atmosférica BRASIL 2018c 124 Unidade I Tabela 3 Padrões de qualidade do ar Poluente atmosférico Sigla Período de referência PI1 PI2 PI3 PF ppm µgm3 µgm3 µgm3 µgm3 Material particulado MP10 24 horas 120 100 75 50 Anual1 40 35 30 20 Material particulado MP25 24 horas 60 50 37 25 Anual1 20 17 15 10 Dióxido de enxofre SO2 24 horas 125 50 30 20 Anual1 40 30 20 Dióxido de nitrogênio NO2 1 hora2 260 240 220 200 Anual1 60 50 45 40 Partículas totais e suspensão PTS 24 horas 240 Anual4 80 Fumaça 24 horas 120 100 75 50 Anual1 40 35 30 20 Ozônio O3 8horas3 140 130 120 100 Monóxido de carbono CO 8 horas3 9 Chumbo Pb5 Anual1 05 Legenda 1 Média aritmética anual 2 Média horária 3 Máxima média móvel obtida no dia 4 Média geométrica anual 5 Medido nas partículas totais em suspensão ppm Partes por milhão Fonte Brasil 2018c Saiba mais Para saber mais sobre o assunto leia a resolução a seguir BRASIL Resolução n 491 de 19 de novembro de 2018 Diário Oficial da União Brasília 2018c 323 Material particulado suspenso No início deste livrotexto vimos juntos que para avaliarmos o risco de intoxicação de uma substância química presente na atmosfera devemos verificar inicialmente seu estado físico Se a substância química presente no ar atmosférico estiver na forma sólida ou líquida nas CNTP chamamos de material particulado suspenso MPS e na avaliação de risco verificamos seu diâmetro aerodinâmico Caso a substância esteja no estado gasoso ou de vapor também nas CNTP verificamos sua natureza química ou seja se é hidrossolúvel ou lipossolúvel 125 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS As partículas presentes na atmosfera e que apresentam diâmetro aerodinâmico inferior a 10 µm são denominadas de partículas inaláveis MP10 e as que apresentam diâmetro aerodinâmico inferior a 25 µm são conhecidas por partículas inaláveis finas MP25 Como visto anteriormente quanto menor o tamanho da partícula menor é a probabilidade dessa partícula ser impactada ao longo do trato respiratório ou seja tem pequena tendência de ficar retida no trato respiratório superior e consequentemente atingir o parênquima pulmonar e causar danos MPS com maior diâmetro aerodinâmico possuem tendência de se depositarem rapidamente enquanto as de menor diâmetro aerodinâmico se depositam no solo mais lentamente Dessa forma acreditamos que de uma forma geral as partículas com menor diâmetro aerodinâmico apresentam maior risco de intoxicação em relação às de maior diâmetro uma vez que permanecem por mais tempo na atmosfera veja a tabela a seguir Tabela 4 Relação entre o diâmetro da partícula e o tempo para deposição Diâmetro aerodinâmico µm Tempo para deposição 002 228 anos 01 36 anos 1 328 dias 10 36 dias 100 11 hora 1000 4 minutos 5000 18 minutos A uma altitude de 1 km Adaptado de Brito e Almeida 2018 Lembrete O diâmetro aerodinâmico apresenta uma relação inversamente proporcional ao risco de intoxicação ou seja quanto menor o tamanho das partículas maior é a probabilidade de a substância química chegar aos alvéolos pulmonares e causar danos Observação Observemos a seguinte informação partículas grandes também podem causar significativos danos ao organismo humano O asbesto é constituído de substâncias de uma família de silicatos fibrosos que podem chegar ao mesotelioma 126 Unidade I 324 Óxidos de enxofre Segundo Oga Camargo e Batistuzzo 2014 o SO2 é produto da queima de fontes de energia como o carvão a gasolina e o óleo diesel É um gás hidrossolúvel que pode interagir com a água presente nas mucosas do trato respiratório superior e no meio ambiente Vimos anteriormente que o SO2 é um gás hidrossolúvel capaz de interagir com a água presente na atmosfera quando se forma os ácidos sulfúrico e sulfídrico constituintes da chuva ácida segundo as equações a seguir SO2 g ½ O2 g SO3 g SO3 g H2O l H2SO4 aq A visibilidade atmosférica também pode ser prejudicada pelo SO2 Sabe por quê Esse gás hidrossolúvel pode reagir com sulfatos que são lançados na atmosfera e formam partículas dispersas que reduzem a visibilidade Como vimos a toxicologia é fundamentada em doseefeito e essa relação foi bastante estudada em alguns momentos importantes Em Londres entre 1948 e 1952 após um inverno rigoroso milhares de pessoas se intoxicaram e morreram pela exposição a substâncias químicas liberadas pela queima do carvão utilizado para que as pessoas se aquecessem 325 Óxidos de nitrogênio Permitanos trazer uma de nossas experiências certa vez assistindo a um documentário o repórter mostrou uma pesquisa que demonstrava que estava havendo acúmulo de ozônio O3 no interior das casas apartamentos e escritórios localizados em grandes centros urbanos no Brasil A informação não parou por aí o repórter complementou que caso fechássemos as cortinas dos escritórios casas e apartamentos a quantidade de ozônio reduziria no interior desses imóveis Nesse momento ficamos bastante surpresos é a primeira vez que havíamos ouvido que havia um gás elegante ou seja caso a cortina estivesse aberta ele entrava caso estivesse fechada ficava do lado de fora Você consegue entender como o ambiente acadêmico e de pesquisa nos envolve e passamos a visualizar as informações de forma diferente É possível você vislumbrar que falta alguma informação nessa reportagem ou seja como um gás se acumula no interior da casa se a cortina está aberta e opostamente se a cortina está fechada o gás fica para fora Exemplo de aplicação Vamos lhe fazer um desafio Faz sentido essa pesquisa ou seja é mesmo possível que ao fechar a cortina limitemos a quantidade de um gás em um ambiente interno ou houve algum equívoco científico Em que você fundamenta sua resposta 127 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Teremos ainda que lhe prover informações que sustentarão o resultado dessa análise para concluirmos essa pesquisa teve um desfecho coerente Óxido de nitrogênio NOx é um termo utilizado para designar um grupo de substâncias constituído por NO2 óxido nitroso N2O NO2 e pentóxido de dinitrogênio N2O5 São compostos muito ativos cujo principal órgãoalvo é o pulmão PUBCHEM sd Incêndios ou processos químicos dão origem a esses óxidos Além das emissões antropogênicas também há a emissão natural óxido nítrico e dióxido de nitrogênio podem ser produzidos naturalmente por ação bacteriana pela atividade vulcânica e por raios As mais significativas fontes de emissão antropogênica são a combustão de combustíveis fósseis de fontes estacionárias as que não se deslocam ao longo do tempo e as de veículos automotores A produção de explosivos fumo ácido nítrico aparelhos a gás e fogões a óleo também são fontes de emissão dos NOx O descarte de lixos em grandes cidades é um grande problema Há cidades cujos aterros sanitários não comportam mais descartes e a queima de lixo urbano libera gases potencialmente tóxicos para a atmosfera A queima de nitrocelulose esmaltes e material plástico bem como procedimentos envolvendo soldagem também são capazes de produzir óxidos de nitrogênio O NO2 possui um odor irritante e é altamente tóxico Permanece em equilíbrio com o tetróxido de nitrogênio N2O4 pode gerar ácido nitroso HNO2 e ácido nítrico HNO3 em contato com a água e é mais pesado que o ar Após a exposição aos NOx pode haver uma discreta irritação do trato respiratório superior dor de garganta tosse dificuldade respiratória conjuntivite vertigem dor de cabeça e sensação de aperto no peito PUBCHEM sd E aqui vai mais um questionamento os NOx são gases hidrossolúveis ou lipossolúveis Vimos essa informação anteriormente são gases lipossolúveis Por causa dessa condição físicoquímica como extensivamente estudada por nós anteriormente não se solubilizam no filme aquoso do trato respiratório superior e tendem a atuar sobre o trato respiratório inferior Continue com essa leitura crítica e tente unir os pontos entre as seguintes frases i o principal órgãoalvo dos óxidos de nitrogênio é o pulmão e ii os NOx atuam sobre o trato respiratório inferior Você consegue identificar onde se encontra a convergência da informação das duas frases Como os NOx são gases lipossolúveis tendem a atuar sobre o parênquima pulmonar ou seja no trato respiratório inferior diferentemente de gases hidrossolúveis que tendem a agir sobre o trato respiratório superior Mas por que é mesmo que os NOx têm como principal órgãoalvo o pulmão 128 Unidade I Porque são lipossolúveis não se solubilizam no filme aquoso que reveste as membranas do trato respiratório superior e consequentemente chegam aos pulmões onde agem Recordase de que pedimos a você atentarse aos adjetivos Para que possamos discutir essa situação envolvendo a aplicação da língua portuguesa aplicação dos adjetivos vamos nos reportar a um parágrafo anterior a exposição aos NOx pode levar a uma discreta irritação do trato respiratório superior Sabemos que constantemente solicitamos sua reflexão mas é uma forma de você ser desafiado e conseguir compreender melhor as informações Exemplo de aplicação Após esse breve comentário trazemos a você mais um desafio reflexão e questionamento por que foi utilizado o termo discreta irritação do trato respiratório superior e não apenas irritação do trato respiratório superior Lembrete As propriedades físicoquímicas são uma das condições de exposição e podem alterar a toxicidade de um xenobiótico Como visto anteriormente gases e vapores lipossolúveis não se solubilizam no filme aquoso que revestem a mucosa do trato respiratório superior mas também não significa que são inócuos ao organismo ou seja também podem causar danos ao referencial biológico dependendo das condições de exposição Assim os NOx atuam em maior intensidade no parênquima pulmonar mas também podem levar a uma ligeira irritação do trato respiratório superior Conseguiu compreender melhor o motivo da utilização de adjetivos nesta disciplina Mas espere um pouco no início do tópico sobre os NOx trouxemos a você o documentário sobre o O3 e a cortina Está lembrado Mas ainda não é possível unir os pontos Persevere na leitura e acompanhe o raciocínio Após a exposição inicial aos NOx há um período que varia de 3 a 30 horas denominado de período latente em que pode haver sinais e sintomas de intoxicação mais pronunciados que a discreta irritação do trato respiratório superior O organismo pode apresentar dispneia dificuldade respiratória inflamação dos pulmões e edema pulmonar como consequência da insuficiência respiratória grave com cianose 129 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Consegue identificar a severidade dos efeitos da exposição aos NOx no trato respiratório inferior Mas esses danos não param por aí dependendo das condições de exposição em algumas semanas os bronquíolos podem apresentar uma redução de seu volume o que chamamos de bronquiolite obliterante dificultando ainda mais a respiração do organismo Para realizar o diagnóstico clínico e laboratorial devese verificar o histórico de exposição aos NOx ou seja se a pessoa trabalha ou mora próximo a fontes de emissão desses compostos ou se houve uma exposição aguda ou crônica a esses gases assim como verificar a presença de sinais e sintomas que possam se relacionar ao sistema respiratório como a presença de hipóxia pela gasometria arterial a presença de grande quantidade de dióxido de carbono no sangue hipercapnia e acidose Um dos achados durante o diagnóstico é que o organismo demonstre respostas obstrutivas restritivas e de prejuízo na difusão Em casos em que há a exposição aguda aos NOx o intoxicado deve ser retirado da fonte de exposição imediatamente Observação Atenção até mesmo retirar o intoxicado do local pode ser perigoso A admissão no hospital deve ser imediata e caso se identifique dificuldade respiratória ou baixa saturação de oxigênio devese administrar oxigênio e a ventilação deve ser assistida se necessária Proceder com a remoção de secreções e o tratamento com broncodilatadores são procedimentos necessários caso haja broncoespasmo Caso os sintomas respiratórios sejam moderados ou se identifique que esteja havendo edema pulmonar devese administrar corticosteroide e manter o paciente sob observação E a reportagem sobre o O3 o gás elegante Ainda precisamos de mais elementos que lhe deem sustentação para responder à questão do O3 O NO2 ao ser liberado na atmosfera é submetido à radiação ultravioleta UV proveniente da radiação solar Essa radiação UV é responsável pela clivagem quebra do NO2 e há a consequente formação do monóxido de nitrogênio NO e do oxigênio monoatômico reativo O Esse último de acordo com sua própria nomenclatura é bastante reativo interage com o oxigênio molecular O2 presente na atmosfera Por consequência reduz a quantidade de O2 presente na atmosfera e aumenta a quantidade de O3 a baixas altitudes OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Entretanto o O3 também é uma substância oxidante e bastante reativa e interage com NO que foi formado anteriormente produto da clivagem do NO2 pela radiação UV A consequência dessa reação é a restauração do NO2 que foi clivado no início da reação química como também recompõe o O2 que foi depletado anteriormente da atmosfera segundo as reações OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 130 Unidade I NO2 UV NO O O O2 O3 O3 NO NO2 O2 Você começa a vislumbrar que existe uma relação direta entre o NO2 e o O3 a baixas altitudes não consegue Esse é o primeiro tijolo que você precisa ter para começar a construir o conhecimento envolvendo o acúmulo de O3 a baixas altitudes Mas não temos ainda toda a matériaprima necessária para entendermos esse mecanismo Vamos juntos pegar o tijolo dessa informação e construir o alicerce do conhecimento toxicológico Percebemos com facilidade que somos submetidos a frequentes momentos para reflexão e desafios Eles nos são importantes para que resgatemos as informações adquiridas ao longo dos capítulos desse material para que possamos realizar conjecturas com outros conceitos e para que possamos concluir juntos Não diferente de outros momentos convidamos você gentilmente a ser submetido a mais uma reflexão e desafio você é capaz de lembrar o ciclo fotolítico do nitrogênio Isso faça esse esforço e desenhe em uma folha o esquema desse ciclo Desenhou Você conseguiu lembrar bem desse ciclo que é relevante Podemos lhe afirmar que finalmente estamos próximos de concluir se aquela reportagem que vimos anteriormente faz ou não sentido Volte ao esquema desenhado por você O ciclo fotolítico do nitrogênio sob a influência dos hidrocarbonetos se inicia exatamente como nesse ciclo ou seja a radiação UV cliva o NO2 e se formam o NO2 e o O Esse último interage com o O2 e forma o O3 Observação Ainda que possamos pensar que a informação seja repetida o início da explicação realmente é a mesma associada à clivagem do NO2 mas há uma diferença no final Agora respondamos quando o O3 é formado a baixas altitudes com qual substância que ele reage Sim o O3 interage com o NO Preste atenção quando combustíveis fósseis são queimados imagine que os carros que estão passando na rua de sua casa nesse momento foram abastecidos com gasolina ou diesel são liberados hidrocarbonetos poliinsaturados e reativos Na presença desses a substância que reage com o NO não é mais o O3 mas sim esses hidrocarbonetos Sabe qual é a consequência Formamse outros poluentes atmosféricos como o nitrato de peroxiacetila e aldeídos substâncias químicas irritantes para o trato respiratório e o ozônio O3 131 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS que anteriormente reagia com o NO mas que agora não reage mais Assim o O3 se acumula a baixas altitudes segundo as reações químicas a seguir NO2 UV NO O O O2 O3 O3 NO ROO Nitratos de peroxiacetila Aldeídos O3 Lembrete O ozônio protege a vida humana e animal quando presente na estratosfera Elevados teores de ozônio a baixas altitudes podem levar a danos pulmonares Observamos que depois de tanta informação chegamos a duas macroconclusões primeiro que o acúmulo de ozônio a baixas altitudes é prejudicial à saúde e está associado ao ciclo fotolítico do nitrogênio sob a influência da radiação UV A segunda conclusão é que ainda não chegamos à resposta sobre a cortina Você se lembra dela Ocorre que comentamos que em uma reportagem foi dito que ao fechar a cortina de casas escritórios ou apartamentos em centros urbanos os teores de ozônio em ambientes internos são reduzidos Nesse momento já lhe trouxemos informações que fornecem subsídios necessários para responder a essa pergunta Exemplo de aplicação Ao fechar a cortina de casas escritórios ou apartamentos em centros urbanos os teores de O3 em ambientes internos são reduzidos ou o O3 não entra em ambientes internos por que é um gás elegante Bem agora é com você Observe quando incide a radiação UV sobre o NO2 presente na atmosfera há toda a sequência do ciclo fotolítico do nitrogênio sob a influência dos hidrocarbonetos Essas reações químicas ocorrem dentro e fora dos ambientes Caso fechemos as cortinas não há a incidência do sol sobre os gases presentes no ambiente interno Se não tem sol no ambiente interior não há radiação UV sem essa radiação não há a clivagem do NO2 e sem a clivagem desse gás não há a formação do O3 Se o O3 não se forma como ele vai se acumular Compreendeu melhor como ocorre o processo de construção do conhecimento Precisamos de vários elementos que são as informações nossos tijolos para que possamos ter como produto uma construção do conhecimento bem consolidada Agora convidamos você a avaliar se é possível haver chuva ácida na floresta Amazônica 132 Unidade I Vasconcellos et al 1998 avaliaram a presença de compostos orgânicos inorgânicos e MPS presentes na floresta Amazônica e concluíram que elevadas concentrações de HNO2 são formadas na atmosfera quando contaminantes atmosféricos primários são lançados no ar Verificaram que uma vez que em uma atmosfera que apresente baixas concentrações de O3 o NO2 é oxidado a NO3 e estes quando interagem com a água presente na atmosfera geram uma reação heterogênea com a subsequente formação de HNO2 e HNO3 Esse último um dos responsáveis diretos pela chuva ácida juntamente ao H2SO4 pode causar prejuízos em ambientes urbanos ou mesmo em florestas como a Amazônica O termo chuva ácida está associado à precipitação pluviométrica ainda mais ácida que a chuva natural que é ligeiramente ácida por conta da presença de substâncias presentes na atmosfera como CO2 H2SO4 e HNO3 326 Ozônio No hemisfério sul a chance de maior incidência de radiação UV ocorre no verão ou no inverno Quantas perguntas ao mesmo tempo não é mesmo Para que compreendamos melhor o objetivo dessas aplicações vamos relembrar alguns conceitos na estratosfera que compreende a camada de gases que se localizam entre 19 e 30 km acima da superfície da Terra ocorre uma contínua síntese e degradação de O3 um processo que normalmente está em equilíbrio de forma que não ocorre o acúmulo ou a perda desse gás naturalmente Poderíamos assim perguntar mas o que leva à destruição dessa importante camada de O3 localizada tão distante da superfície da Terra Até o final da década de 1970 acreditavase que esse balanço entre a síntese e perda de O3 na estratosfera seria bastante estável Entretanto a partir desse período verificouse que estava havendo um declínio dos níveis desse gás nessa região da atmosfera e que essa perda estava relacionada à presença de substâncias químicas artificiais produzidas pelo homem como os clorofluorcarbonos CFCs veja a figura a seguir substâncias constituídas de cloro e também as de bromo que podem causar o mesmo tipo de dano na atmosfera Radiação UV remove o átomo de cloro da molécula de CFCs Produz oxigênio e libera radical de cloro Radical de cloro quebra a ligação da molécula de ozônio Formando monóxido de cloro e oxigênio CFC UVB CI CI CI CI O2 O2 O3 O O O Quebra ligação da molécula de monóxido de cloro Átomo de oxigênio na atmosfera Molécula de oxigênio é liberada na atmosfera Figura 53 Mecanismo de destruição da camada de O3 pelo CFC 133 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Sabe outra informação que foi constatada Que no hemisfério sul durante a primavera havia uma perda ainda mais pronunciada da camada de ozônio na região da Antártica com a formação dos buracos na camada de ozônio que é a significativa redução dos teores de ozônio naquela região Observação Os CFCs não são mais produzidos em países industrializados mas foram anteriormente utilizados por décadas Quando liberados podem permacer na atmosfera por até um século Os diferentes tipos de radiação UV apresentam comportamentos físicos distintos ao interagirem com a camada de O3 O UVA não é absorvido por essa camada o UVB é parcialmente absorvido pela mesma camada e é profundamente afetado pelas variações de concentração de O3 na atmosfera e o UVC é quase que totalmente absorvido mesmo antes de atingir a superfície da Terra Dentro desse contexto pela pequena redução da filtração de UVB pela camada de ozônio pode haver significativo aumento da probabilidade de danos à saúde A intensidade de radiação recebida na superfície da Terra depende da distância dela em relação ao Sol da dispersão dos gases atmosféricos e da intensidade de radiação do Sol denominada irradiância Em 1985 vários países se reuniram na Áustria e formalizaram a Convenção de Viena em que foram propostas medidas de proteção da camada de O3 Em 1987 24 países assinaram o que foi conhecido como o tratado de maior sucesso na história da ONU o Protocolo de Montreal Esse protocolo inicialmente reduziu e em um segundo momento proibiu a utilização de algumas substâncias químicas que tivessem o cloro e o bromo com destaque para o CFC Observação Mesmo com a proibição da utilização dos CFCs e bromo você sabe por quantas vezes um átomo de cloro pode destruir moléculas do O3 Até 100000 vezes O O3 presente na atmosfera filtra a radiação ultravioleta UV que atinge a Terra Em humanos a exposição excessiva à radiação UV pode ocasionar queimadura solar da pele e caso a exposição seja crônica danos à visão como a ocorrência da catarata ou até mesmo de cegueira dependendo das condições de exposição câncer de pele e supressão do sistema imunológico Também pode levar ao prejuízo à vida selvagem ao plâncton à agricultura à cultura de arroz a animais e aos bens materiais como os danos causados em pinturas e tecidos Mas afinal o O3 na troposfera é bom ou é ruim para os humanos Chamamos sua atenção para possivelmente uma das frases mais lidas por você neste material toda substância pode ser considerada um agente tóxico dependendo das condições de exposição Se por 134 Unidade I um lado o O3 é muito importante na estratosfera por outro elevadas quantidades presentes a baixas altitudes troposfera podem gerar danos ao organismo O O3 é uma substância oxidante Convém observarmos que diferentemente dos gases hidrossolúveis que atuam sobre o filme aquoso que revestem as membranas da mucosa nasal oral e olhos o O3 em função de sua lipossolubilidade não se solubiliza nesses órgãos mas atua nos pulmões e por se tratar de um gás oxidante pode causar danos nesse órgão e também gerar dores torácicas asma hiperreatividade das vias aéreas redução da função pulmonar e dificuldade respiratória OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 327 Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos HAPs são substâncias químicas formadas pela queima incompleta de carvão gás madeira petróleo cigarro substâncias orgânicas lixo e até mesmo da carne grelhada Podem ser encontrados na água no solo e no ar e podem estar ligados a partículas de poeira Os HAPs são ubíquos ou seja são contaminantes onipresentes no ar atmosférico A produção de energia a incineração de lixo o aquecimento residencial o tráfego de veículos automotores e os processos industriais intensificaram a emissão dessa classe de contaminantes atmosféricos nos últimos séculos STRAIF et al 2017 Em termos químicos os HAPs são constituídos de dois ou mais anéis aromáticos que podem apresentar inúmeras configurações Do ponto de vista de volatilidade os HAPs variaram desde pouco voláteis até aqueles que possuem elevado ponto de ebulição o que faz com que sejam encontrados tanto na forma de material particulado quanto na forma de gás ou até mesmo em ambas as fases no ar atmosférico Mais de 500 diferentes HAPs foram identificados na atmosfera mas o benzoapireno é principal componente desse grupo A Iarc reavaliou os HAPs presentes no ar em comparação com o potencial carcinogênico e em 2010 ascendeu o benzoapireno para o grupo de HAPs com potencial carcinogênico humano ou seja para o grupo 1 na classificação de potencial carcinogênico STRAIF et al 2017 Como vimos anteriormente inalamos centenas de litros de ar ao longo do dia e dependendo da presença e quantidade de carcinogênicas há risco de humanos desenvolverem o câncer sobretudo de pulmão Dentro desse contexto a agência de proteção ambiental americana EPA monitora 16 HAPs veja o quadro a seguir presentes no ar denominados de prioritários por conta dos riscos associados à saúde humana Quadro 6 Principais hidrocarbonetos aromáticos policíclicos de importância toxicológica Acenafteno Acenaftileno Antraceno Benzo a antraceno Benzo a pireno Benzo b fluoranteno Benzo g h i perileno Benzo k fluoranteno Criseno Dibenzo a h antraceno Fluoranteno Fluoreno Indeno 123cd pireno Fenantreno Naftaleno Pireno Adaptado de Straif et al 2017 135 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS São emitidas mais de 520000 toneladas desses 16 HAPs por ano diretamente na atmosfera E você sabe qual é a principal fonte de emissão Antropogênica Atualmente vislumbramos alguns calorosos debates sobre poluição ambiental sem termos importantes dados em mãos Permitanos lhe trazer à luz algumas informações importantes sobre a liberação desse importante grupo de substâncias químicas os HAPs Em meados de 2010 foi realizado um levantamento e concluiuse que os países asiáticos foram responsáveis por 55 das emissões de HAPs para a atmosfera seguidos da Índia com 17 União Europeia UE com 95 e Estados Unidos com 65 das emissões de HAPs Todos os demais países do mundo liberaram juntos cerca de 12 de HAPs para a atmosfera STRAIF et al 2017 Além dos riscos a que a população local está exposta também há riscos inerentes a humanos e animais que estão distantes da fonte de emissão uma vez que os HAPs podem ser dispersos regionalmente e pode haver inclusive uma dispersão intercontinental através da atmosfera Observe a seguinte contextualização os HAPs emitidos no leste da Ásia são transportados pela atmosfera e atingem a costa oeste dos Estados Unidos e os HAPs emitidos pela Rússia chegam a influenciar sua concentração no Ártico Os HAPs são pouco reativos Para que exerçam sua atividade carcinogênica no organismo humano precisam ser bioativados Acompanhe o raciocínio vamos nos permitir utilizar o benzoapireno para contextualizar Uma das três vias de bioativação ocorre pela biotransformação do benzoapireno pelo citocromo P450 ou outra peroxidase A peroxidase leva à formação de um radical livre altamente reativo e instável no átomo C6 que pode reagir com a C8guanina e formar aductos de DNA Em animais de laboratório os HAPs como o benzoapireno benzaantraceno dibenzahantraceno e criseno podem levar ao tumor pela exposição pelo trato respiratório ou pela pele STRAIF et al 2017 328 Monóxido de carbono O monóxido de carbono CO é um gás que dificilmente a pessoa consegue perceber se está se expondo a ele Como poderíamos saber se estamos nos expondo a um gás que é incolor e inodoro Você concorda que quando a pessoa se expõe a esse gás não é uma tarefa muito fácil saber se efetivamente está se expondo a ele E tem outras situações os sinais e sintomas da intoxicação pela exposição ao CO são incrivelmente inespecíficos e por isso nem sempre são facilmente identificados pela equipe médica que trata o paciente intoxicado A consequência dessa dificuldade de diagnóstico é uma elevada morbimortalidade nos departamentos de emergência em todo mundo 136 Unidade I Observação De acordo com Kumarihamy et al 2019 ocorrem cerca de 50000 internações por ano por causa de intoxicação pelo CO apenas nos Estados Unidos com 1200 óbitos Em alguns casos o paciente que se recupera da intoxicação aguda ao monóxido de carbono pode desenvolver sequelas associadas ao atraso neuropsiquiátrico caracterizados por distúrbios afetivos e déficit neurológico KUMARIHAMY et al 2019 Abordaremos com mais profundidade o CO pois agora estudaremos a intoxicação aguda acidental ou intencional Segundo Bordoni e Bordoni 2017 o suicídio utilizando o CO é raro no Brasil mas comum em outros países como nos EUA e a principal causa de morte quando envolve o autoextermínio É preciso prestar muita atenção nas características que serão descritas agora vamos trazer a você um caso real exposto pelos autores supracitados na Revista Brasileira de Criminalística Um jovem de 21 anos de idade foi recebido no Instituto Médico Legal IML Na casa em que o corpo foi encontrado havia indícios de que a porta do banheiro no qual o jovem foi encontrado tinha sido vedada com fitas adesivas O corpo apresentava intenso rigor cadavérico e parte do corpo possuía coloração vermelho carmim ou vermelho cereja veja a figura a seguir A B C Figura 54 Áreas intensamente avermelhadas na face A mão B e dorso C A coloração vermelho carmim encontrada no corpo é a mesma encontrada no fígado veja a figura a seguir coração e sangue e o teor de HbCO foi de 80 137 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A B C Figura 55 Intensa coloração avermelhada encontrada nos pulmões de vítima fatal da exposição ao CO Você se recorda de que vimos que os sinais e os sintomas da intoxicação por CO são incrivelmente inespecíficos Os peritos passam também por essa dificuldade para realizar o diagnóstico da causa da morte BORDONI BORDONI 2017 Intoxicações cuja concentração de HbCO é de até 10 são assintomáticas Acima desse valor a pessoa pode sentir ligeira cefaleia fadiga muscular confusão mental náusea arritmia cardíaca e coma Uma das dificuldades encontradas no diagnóstico é que os equipamentos que são utilizados para medir a oximetria não conseguem diferenciar a HbO2 da HbCO ainda que o paciente apresente baixo débito cardíaco e patentes sinais de hipóxia sistêmica As mortes pela intoxicação por CO podem ocorrer a partir de 50 de HbCO sendo muito prováveis a 70 e fatais quando se atinge 80 BORDONI L BORDONI P 2017 Uma das principais características de uma investigação criminal é exatamente identificar a substância que causa dano no organismo humano INÁCIO BRANDÃO 2016 O estudo da toxicologia do CO proporciona avanços do conhecimento em relação às temáticas da saúde do trabalhador e ciências ambientais e indica que a HbCO pode ser um indicador de exposição aos poluentes ambientais para quem trabalha a céu aberto Um dos desafios atuais é estabelecer uma correlação entre os teores de CO no ambiente e acidentes de trabalho 33 Poluição das águas Vamos juntos adquirir um pouco mais de informação sobre as substâncias químicas presentes na água que podem causar danos a animais e humanos 138 Unidade I 331 Introdução Acompanhe atentamente o que aconteceu em Caruaru PE em fevereiro de 1996 pacientes que faziam hemodiálise em um hospital começaram a apresentar um quadro de náusea vômito distúrbios visuais e fraqueza muscular após diálise de rotina Esse conjunto de sinais e sintomas ficou conhecido como a síndrome de Caruaru e afetou mais de cem pessoas as quais apresentaram danos hepáticos agudos sendo que 52 delas morreram DANGLADA et al 2015 Em 1988 em apenas 42 dias nas comunidades do entorno da represa de Paulo Afonso BA houve 2000 casos de distúrbios gastristestinais graves com 88 mortes Chegou a alguma conclusão sobre o motivo de terem acontecido esses casos graves de intoxicação e de morte de dezenas de pessoas Você tem alguma ideia 332 Cianobactérias Trabalharemos o conhecimento de forma paulatina para que consigamos compreender melhor por que esses fatos lamentáveis aconteceram no Brasil As cianobactérias são os seres mais antigos a realizarem a fotossíntese estando ativas há mais de 21 bilhões de anos STAL CRETOIU 2016 Hoje são classificadas como bactérias mas no passado eram classificadas como algas e eram conhecidas como algasazuis ou algas azuisesverdeadas por conta de terem a capacidade de realizar a fotossíntese atividade bioquímica exclusiva de plantas seres eucariontes e providos de organelas conhecidas como cloroplastos Com o avanço das técnicas de identificação taxonômica verificouse que na verdade esses seres se tratavam de bactérias e não de plantas aquáticas como antes se pensava Ocorre que o nome alga acabou ficando embora parte dos cientistas não concorde com isso Em 1878 George Francis relatou que havia em um lago australiano venenoso uma grossa camada parecida com tinta ou óleo verde e que intoxicava cavalos porcos cães e ovelhas que se expunham a essa água Análises atuais evidenciam que há aproximadamente 150000 anos mamíferos já se intoxicaram com essas toxinas PATOCKA GUPTA KUCA 2011 As cianobactérias cianofíceas se adaptaram às alterações geoquímicas climáticas e antropogênicas ao longo de sua longínqua história evolutiva Sobrevivem em um amplo espectro de temperaturas desde temperaturas altas até as extremamente baixas e são capazes de colonizar a água salobra ou salgada ainda que sejam encontradas principalmente em corpos de água doce SANSEVERINO et al 2017 Exemplo de aplicação Você se recorda de qual a importância das algas para o meio ambiente 139 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS As cianobactérias são fundamentais para o equilíbrio ambiental e biodiversidade de microrganismos e dos organismo superiores uma vez que são responsáveis por converter as formas inorgânicas como o nitrato o amônio e o nitrogênio presentes na atmosfera para que algas e plantas aquáticas utilizem esse nitrogênio para seu desenvolvimento SANSEVERINO et al 2017 Permitanos realizarmos juntos um pequena reflexão uma das situações que muito nos chama a atenção é a sabedoria agregada na natureza que nos é transmitida à medida que nos aprofundamos nos módulos específicos da nossa disciplina e um desses fatos é o equilíbrio Vamos compreender melhor o significado desse equilíbrio Como visto nos parágrafos anteriores o nitrogênio presente na atmosfera é transformado a nitrato ou amônio e os organismos aquáticos os utilizam intensamente Entretanto caso haja uma quantidade excessiva de nitrogênio em corpos dágua gerase uma importante situação de saúde pública Continue navegando conosco nessa corrente do conhecimento e em breve conseguiremos lhe substancializar de informações necessárias No momento certo os pontos irão se unir Para você ter dimensão do problema segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE 2020 em 2019 apenas 274 dos domicílios da região Norte do país tinham acesso ao esgoto sanitário ou fossa Exemplo de aplicação Sem entrar no escopo de doenças parasitárias e infectocontagiosas gostaríamos que você parasse por um instante e tentasse fazer uma associação entre esgoto e cianobactérias Imaginamos que talvez possa ter encontrado um pouco de dificuldade para concluir mas propomos a você desafios de complexidade crescente seguros que de posse do repertório de informação adquirido ao longo da matéria e de seu conhecimento geral você tem ampla capacidade de nos dar uma devolutiva coerente Assim vamos auxiliálo nesse caso específico envolvendo a relação entre cianobactérias e saneamento básico Vamos continuar com algumas reflexões Do que é constituído o esgoto doméstico Isso mesmo fezes e urina principalmente As fezes podem conter grande quantidade de P e a urina de N Esses dois elementos atuam como substratos para o desenvolvimento das cianobactérias e quando a oferta é elevada em corpos dágua as cianobactérias possuem fartura dos elementos utilizados por elas para seu desenvolvimento Destacase que esse aumento da oferta de nutrientes ocorre quando o esgoto é lançado sem tratamento algum diretamente nos rios lagos lagoas mares ou reservatórios de água Você está entendendo o que está acontecendo O que é esgoto para humanos é nutriente para as cianobactérias Dizse nesse momento que a água está eutrofizada ou seja enriquecida de nutrientes que podem ser utilizados pelas algas 140 Unidade I Dentro desse contexto com a elevada oferta de nutrientes pela eutrofização do corpo dágua as algas se proliferam exacerbadamente em um processo denominado de bloom ou floração algal A variação abrupta do pH do meio a disponibilidade de nutrientes sobretudo o nitrogênio e o fósforo a baixa turbulência da água e as elevadas temperaturas são condições ambientais que proporcionam a rápida e intensa proliferação algal BUTLER et al 2009 Vamos visualizar esse processo Seguramente você já viu um lago ou lagoa com uma espécie de tapete verde veja a figura a seguir sobre sua superfície não é verdade Esse tapete verde sinaliza que há proliferação exacerbada das algas por conta da grande oferta de nutrientes N e P provenientes do esgoto Quando isso ocorre pode haver o comprometimento da qualidade da água para recreação ou até mesmo da potável SANSEVERINO et al 2017 Figura 56 Corpo dágua eutrofizado Nesse momento com a intensa atividade de proliferação das algas pode ocorrer também a produção de produtos secundários decorrentes do metabolismo das cianobactérias com consequente produção de cianotoxinas Começamos agora a vislumbrar o início de um grande problema de saúde pública Exemplo de aplicação Vamos tentar unir esses pontos Qual é a conclusão a que você chegou entre saneamento básico e cianobactérias Atentese a essa leitura o lançamento de esgoto sem tratamento em corpos dágua incrementa o aporte de nutrientes para as cianobactérias eutrofização Esses nutrientes N e P são utilizados pelas algas cianobactérias que se multiplicam intensamente floração algal e durante o processo de proliferação exacerbada podem produzir e liberar toxinas para a água denominadas de cianotoxinas 141 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 333 Cianotoxinas Contextualizaremos para que saiamos do aspecto teórico e saibamos exatamente como podemos ser impactados pelas cianotoxinas em nosso dia a dia sob a perspectiva toxicológica Você sabia que o Brasil é o país responsável por uma significativa alteração de comportamento da ciência e das autoridades de todo mundo no que se refere à qualidade das águas Vamos agora com muito pesar lhe falar por quê Aqui estamos nós novamente para unir os pontos entre o conhecimento acadêmico e o cotidiano das pessoas Agora você tem condição de imaginar por que aconteceu aquela tragédia de Caruarú e em Paulo Afonso Esses tristes acontecimentos estão relacionados ao fato de que a água do hospital em Caruaru que era utilizada nos equipamentos de hemodiálise foi adquirida de uma cidade próxima cujo corpo dágua estava eutrofizado e consequentemente apresentava cianotoxinas como as microcistinas na água desse resevatório Além disso essa água não foi adequadamente tratada filtrada ou clorada Cilindrospermopsinas como cianotoxina também foram encontradas nessa água DANGLADA et al 2015 Quanto à represa de Paulo Afonso os resultados da análise constataram que a água da represa também estava contaminada com cianobactérias responsáveis pelos milhares de casos de intoxicação Se há cianobactérias também pode haver as cianotoxinas que são toxinas naturais de origem aquática produzidas pelas cianobactérias As cianotoxinas causam mais danos para mamíferos terrestres do que sobre a biota aquática MANTOVANI MOSER FAVERO 2011 Exemplo de aplicação Gostaríamos que você resgatasse o conceito de toxina Agora resgatado esse conceito vamos analisar juntos a informação a seguir As cianobactérias são capazes de produzir metabólitos incomuns na natureza A função desses metabólitos sobre as cianobactérias não é bem conhecida mas é capaz de causar efeitos deletérios sobre outros organismos Conseguimos agora unir os pontos ou seja anteriormente vimos o conceito de toxina e ao termos contato com o universo das cianotoxinas conseguimos compreender como que esse conceito ocorre na prática Observação Se por um lado as cianotoxinas são toxinas por outro lado a ciência também está avaliando a possibilidade de utilizálas com fins terapêuticos 142 Unidade I O mecanismo de ação das cianobactérias é bastante eclético e o espectro de seus efeitos varia desde efeitos dermatológicos neurotóxico e hepatotóxicos até aqueles associados à inibição da síntese proteica Anteriormente assumimos que quando se estuda a toxicidade de uma substância química a primeira ação que precisa ser realizada é a de avaliar a estrutura química da substância para que possamos ter uma dimensão de sua natureza físicoquímica Olha só que interessante novamente o tempo une os pontos Chegamos a um momento na disciplina em que aqueles conceitos teóricos do início do material servem de sustentação para as práticas toxicológicas Para que possamos avaliar os riscos específicos da exposição às cianotoxinas fazse necessário que saibamos e compreendamos suas propriedades físicas e químicas sua ocorrência em corpos dágua a regulamentação e o destino final no meio ambiente SIVONEN JONES 1999 O quadro a seguir correlaciona a estrutura química das toxinas as espécies produtoras e o órgãoalvo afetado Quadro 7 Relação entre cianotoxinas gêneros de cianobactérias produtoras das cianotoxinas e órgãoalvo Cianotoxinas Gêneros de cianobactéria Órgãoalvo Microcistinas Microcystis Anabaena Planktothrix Nostoc Hapalosiphon Anabaenopsis Fígado Nodularinas Nodularia Fígado Anatoxinaa Anabaena Planktothrix Aphanizomenon Sistema nervoso Anatoxinaa S Anabaena Sistema nervoso Cilindrospermopsina Cylindrospermopsis Aphanizomenon Umezakia Lyngbya Fígado Lingbiatoxinaa Lyngbya Pele trato gastrintestinal Saxitoxina Anabaena Aphanizomenon Lyngbya Cylindrospermopsis Sistema nervoso Lipopolissacarídeos LPS Todos Afeta todos os tecidos expostos Aplisiatoxinas Lyngbya Schizothrix Planktothrix Pele BMAA Todos Sistema nervoso βMetilaminoLAlanina Adaptado de Ilieva et al 2019 A seguir veremos toxinas produzidas por algas encontradas em água salgada ou doce e os possíveis danos ao interagirem com o referencial biológico 143 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Microcistinas Vamos nos aprofundar nos parâmetros toxicológicos dessa cianotoxina Apenas no início dos anos 1980 houve a identificação das primeiras estruturas químicas das cianotoxinas peptídicas cíclicas e durante os anos 1990 aumentaram os números de variantes caracterizadas dessas toxinas Do ponto de vista químicoestrutural as primeiras toxinas identificadas produzidas por cianobactérias provenientes de água doce foram as microcistinas MC constituídas por sete aminoácidos ligados ciclicamente ou seja são heptapeptídeos cíclicos constituídos de ciclo Dalanina1X2DMeAsp3Z4Adda5Dglutamato6Mdha7 em que X e Z são aminoácidos L variáveis DMeAsp3 é Deritroβmetilaspártico ácido e Mdha é Nmetildehidroalanina veja a figura a seguir SIVONEN JONES 1999 Destacase que o resíduo Adda ácido 2S 3S 8S 9S 3amino9metoxi268 trimetil10fenildeca46dienoico é um aminoácio incomum na natureza e está presente nesse grupo de cianotoxinas constituídas de peptídeos cíclicos FRIAS et al 2006 O O O HO O O O X Z N N H H N O O OH NH HN 5Adda 1DAla 3DAsp 6DGlu 7Mdha Figura 57 Estrutura geral das MC cicloDAla1X2DMeAsp3Z4Adda5DGlu6Mdha7 onde os resíduos representados por X e Z podem ser substituídos por qualquer aminoácido Esses compostos foram isolados pela primeira vez a partir da cianobactéria Microcystis aeruginosa e essa é a origem da palavra microcistinas Quimicamente observamse alterações estruturais em praticamente todos os aminoácidos das MC ou seja dependendo dos substratos disponibilizados no ambiente todos os grupamentos que constituem esse grupo de toxinas podem ser alterados Todavia a mais frequente variação ocorre com a substituição de Laminoácidos nas posições 2 e 4 e a desmetilação dos aminoácidos nas posições 3 e 7 da estrutura química das microcistinas Substituições nos resíduos 2 R1 e 4 R3 são as principais variações estruturais nas MCs e responsáveis pela alteração da toxicidade de suas variantes Substituições desses resíduos levam à formação de diferentes MCs indicadas por um sufixo com duas letras representando respectivamente os aminoácidos substituintes em R1 e R3 e a mais importante é a microcistina LR MCLR da estrutura geral das microcistinas em que o resíduo de aminoácido R1 foi substituído pela leucina L e o resíduo R3 pela arginina R BUTLER et al 2009 144 Unidade I A MCLR lisinaarginina veja a figura a seguir é a cianotoxina mais extensivamente investigada por conta de sua elevada frequência nas florações algais em rios e lagos QUESADA SANCHIS CARRASCO 2004 CH3 CH3 NH O O O OH OH NH2 HN O O O O O O O N N N N N N N H H H H H H CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH2 CH3 H3C Figura 58 Estrutura química da microcistina LR Como exposto anteriormente as MCs apresentam organotropismo hepático Quando ratos são expostos à microcistina LR diretamente na cavidade abdominal rapidamente manifestam aumento do peso hepático veja a figura a seguir e essa condição é capaz de leválo à morte em poucas horas Cerca de 20 minutos após a exposição a doses letais da mesma cianotoxina é possível observar microscopicamente lesão e morte hepática DANGLADA et al 2015 Figura 59 Inchaço abdominal causado pela exposição à microcistina LR Em uma hora após a exposição os hepatócitos perdem a adesão entre si rompese a arquitetura normal dessas células e há a morte dos hepatócitos Exposições orais a camundongos com doses de 168 a 20 mgkg levam à morte em apenas 25 horas Por meio das contextualizações e aplicações expostas ficou ainda mais claro como a via de administração é um importante fator que altera a toxicidade de uma substância química e que as cianotoxinas são efetivamente um problema relevante sob a perspectiva de saúde pública 145 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Em exposições in vivo ou in vitro as microcistinas levam a alterações funcionais e morfológicas nos hepatócitos e uma exposição EV aguda induz ao desarranjo do arcabouço hepatocelular SANSEVERINO et al 2017 Em uma exposição crônica por via oral as MC inibem a atividades das fosfatases particularmente as do tipo 1 PP1 e 2A PP2A e como consequência dessa inibição enzimática ocorre intensa proliferação celular intensificação da apoptose e morte celular BUTLER et al 2009 A exposição às microcistinas pode levar à prostração veja a figura a seguir e ao inchaço abdominal de camundongos além de danos renais SANSEVERINO et al 2017 Figura 60 Camundongos apresentando prostração após exposição à MC Lembrete A via de administração é uma das condições de exposição que podem alterar a toxicidade de um xenobiótico Reportemonos ao princípio da toxicologia Vimos extensivamente neste material que toda substância pode causar dano ao organismo dependendo da condição de exposição e que a via de administração é uma dessas condições Vamos ver agora na prática como isso acontece Observemos juntos e atentamente as informações a seguir A DL50 da microcistina LR MCLR em camundongos machos IP é de aproximadamente 50 µgkg PC Agora observe como ao mudar a via de exposição ocorre significativa alteração da toxicidade a DL50 da mesma microcistina em camundongos machos VO é de aproximadamente 5000 µgkg PC Você conseguiu acompanhar o raciocínio A única variável foi a via de administração que anteriormente era intraperitoneal e passou a ser oral E você atentou à alteração da DL50 Passou de 50 µgkg PC para 5000 µgkg PC ou seja uma variação de 100 vezes SANSEVERINO et al 2017 Lembrete Quanto maior a DL50 menor é a toxicidade do xenobiótico 146 Unidade I Nodularinas As nodularinas NODs possuem estrutura química e mecanismo de ação bastante parecidos com os das microcistinas Foram denominadas de NODs veja a figura a seguir uma vez que foram identificadas incialmente quando produzidas por Nodularia spumigena Quimicamente as nodularinas são constituídas de um anel pentapeptídeo cíclico DMeAsp1Larginina2Adda3Dglutamato4 Mdhb5 e assim como as MCs apresentam variantes SIVONEN JONES 1999 NH HN O O O O O O O O OH OH NH2 N N N N N H H H H CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 H3C Figura 61 Estrutura química da nodularina Resgatemos agora informações da química Exemplo de aplicação Reflita a ligação covalente é uma ligação instável ou estável Acertou se você respondeu rápida e corretamente que é uma ligação estável Prossiga com a leitura e você compreenderá onde essa informação se acomodará Com toxicodinâmica semelhante às MCs a ação das nodularinas também está associada ao grupamento Addaglutamato da estrutura química da cianotoxina ou seja a interação entre a cianotoxina e as fosfatases I e 2A estão associadas à presença desse grupamento Adda atípico na natureza mas comum nas MCs e NODs Entretanto a interação entre as fosfatases e o grupamento Adda das MCs ocorre por ligação covalente enquanto a ligação entre as fosfatoases e o grupamento Adda das NODs ocorre por interação não covalente SIVONEN JONES 1999 Caso seja questionado se as MCs e nodularinas possuem elevada toxicidade você conclui que a DL50 dessas cianotoxinas são elevadas ou baixas Se sim você está conseguindo aplicar os conceitos básicos da disciplina com a profundidade de informação inerente à matéria Assim para contextualizar a informação lhe trazemos mais algumas informações 147 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Você também se recorda de que dependendo dos grupamentos substituintes da estrutura química as MCs e nodularinas formamse cianotoxinas diferentes A maioria das variantes estruturais das microcistinas e nodularinas possui elevada toxicidade ou seja baixa DL50 com toxicidade comparativamente estreita para camundongos que foram expostos pela via intraperitoneal IP que variam entre 50 a 300 µgkg PC Anatoxinaa homoanatoxinaa e anatoxinaaS Atentese aos números que serão expostos a você agora Ocorrências maçiças de cianobactérias neurotóxicas foram relatadas na Austrália Europa e América do Norte onde houve intoxicações a animais Quando se realizam ensaios em camundongos com essas cianotoxinas neurotóxicas a morte por parada respiratória ocorre rapidamente entre 2 a 30 minutos após a exposição Observação A partir de 2 minutos após a exposição às cianotoxinas neurotóxicas pode haver a morte do animal Pela literatura disponível concluimos que há três grupos de cianotoxinas associadas à neurotoxicidade a anatoxinaa e a homoanatoxinaa capazes de mimetizar o efeito da ACh a anatoxinaas potente inibidora da AChE e as saxitoxinas capazes de bloquear os canais de sódio presentes nas células nervosas SIVONEN JONES 1999 Ainda que saibamos que você domina bem as características dos alcaloides faremos uma breve retrospectiva sobre esse grupo de substâncias químicas Os alcaloides de uma forma geral são compostos que contêm nitrogênio heterocíclico ou seja possuem estruturas em anel com ao menos uma ligação carbononitrogênio e geralmente possuem baixo peso molecular Plantas e algumas bactérias os produzem eles são invariavelmente bioativos e frequentemente tóxicos Lembrouse dessas informações Agora evoluamos juntos na especificidade da informação As anatoxinas e saxitoxinas são neurotoxinas alcaloídicas produzidas por cianobactérias de água doce Cabe ressaltar que os alcaloides possuem estabilidades químicas bastante distintas entre si e que podem ser submetidas a transformações em metabólitos que podem ter maior ou menor toxicidade Esse parágrafo faz você lembrar de algum conceito visto anteriormente Mais um detalhe sobre os alcaloides e consequentemente as neurocianotoxinas a incidência direta de luz pode induzir à degradação fotolítica direta A anatoxinaa é produzida por um amplo espectro de gêneros de cianobactérias como Cuspidothrix Chrysosporum Dolichospermum Cylindrospermum Cylindrospermopsis Microcystis Planktothrixis Oscillatoria Anabaena Woronichinia Tychonema e Phormidopsis DANGLADA et al 2015 148 Unidade I Quimicamente a anatoxinaa veja a figura a seguir é um alcaloide bicíclico relacionado ao núcleo do tropano e o grupamento metil CH adicional localizado no carbono 11 C11 é o que faz a diferenciação entre a anatoxinaa e a homoanatoxinaa seu análogo As propriedades toxicológicas de ambas são praticamente idênticas HN HN HO N N N N O P O O H H O O Anatoxinaa Homoanatoxinaa AnatoxinaaS Figura 62 Estrutura química da anatoxinaa homoanatoxinaa e anatoxinaaS A anatoxinaa é um alcaloide de baixo peso molecular contendo uma amina secundária com DL50 que varia de 200250 μgkg PC rato IP SIVONEN JONES 1999 É instável em pH superior a 10 e sob a exposição da luz solar SANSEVERINO et al 2017 Os estudos mais aprofundados das cianotoxinas são tão recentes que para que tenhamos dimensão em junho de 2015 a EPA publicou apenas que após múltiplas exposições a anatoxinaa pode levar a manifestações neurotóxicas e a efeitos sistêmicos DANGLADA et al 2015 O pouco que se sabe até o momento no que se refere à toxicocinética é que após a ingestão a anatoxinaa e a homoanatoxinaa são rapidamente absorvidas pelo trato digestório e distribuídas para vários tecidos do organismo inclusive o encéfalo SANSEVERINO et al 2017 Sob a ótica da toxicodinâmica ambos os compostos apresentam as mesmas propriedades toxicológicas e são considerados potentes bloqueadores neuromusculares A anatoxinaa em particular atua sobre os receptores na mesma posição que a ACh e afeta a junção neuromuscular causando contrações musculares incoordenadas paralisia e disfunções respiratórias A anatoxinaa S é produzida por Anamaena flosaque NRC 52517 e quimicamente é um éster fosfato de uma Nhidroxiguanina cíclica que não possui variantes com uma DL50 de 20 μgkg PC rato IP Lembrete Compostos organosfosforados veja a figura a seguir ésteres do ácido fosfórico são substâncias químicas inibidoras de acetilcolinesterase e atuam no SN 149 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS P X O S R2 R1 Figura 63 Estrutura comum dos compostos organofosforados Quimicamente os compostos organofosforados ativos contêm enxofre ou oxigênio duas cadeias laterais que podem ser semelhantes ou diferentes entre si ligadas ao átomo de fósforo e uma substância orgânica ou resíduo de um ácido inorgânico X sendo que os radicais R1 e R2 apresentam quase que infinitas combinações podendo ser constituídas por fenóis amidas tióis alquil ou aril ligados diretamente ao fósforo PATOCKA GUPTA KUCA 2011 O grupamento substituinte X pode ser cianeto tiocianeto halogênio ou outro átomo Quando o grupamento S é substituído pelo O a inibição da ACh é ainda mais intensa A anatoxinaa S veja a figura a seguir é um organofosforado de origem natural comumente encontrada em águas estadunidenses e europeias N N N O O P HO H2N CH3 CH3 CH3O Figura 64 Estrutura química da anatoxinaaS Exemplo de aplicação Compare atentamente as duas últimas figuras deste material O que elas possuem em comum Ambas as estruturas apresentam um grupamento organosfosforado Sabe qual é a consequência dessa similaridade entre as estruturas químicas Similaridade de mecanismo de ação ambas são inibidoras de AChE Ao compararmos a estrutura química de substâncias químicas diferentes já conseguimos concluir o mecanismo de ação do toxicante A anatoxinaa S é potente inibidor irreversível da atividade da AChE ou seja impede que haja a hidrólise da ACh A letra S que sucede o termo anatoxina se associa a um dos principais efeitos no organismo que se expõe a um agente inibidor de AChE a sialorreia começa com a letra S DANGLADA et al 2015 150 Unidade I O termo sialorreia se refere à salivação exuberante em vertebrados Em situações em que a ACh não é hidrolisada ocorre o estímulo contínuo da acetilcolina nos receptores o que resulta em contínua estimulação muscular Assim a inibição da AChE causada pela anatoxinaas ou por outra substância inibidora da AChE pode levar à morte por hipóxia encefálica e insuficiência respiratória Cilindrospermopsinas A cilindrospermopsina é um alcaloide cíclico da guanidina com massa molecular de 415 produzida por Aphanizomenon ovalisporum Umezakia natans e Cylindrospermopsis raciborskii Para você ter dimensão da importância dessas neurotoxinas e como podem impactar a saúde pública na Austrália essa neurotoxina causou sérios problemas no abastecimento de água potável UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 2015 A cilindrospermopsina possui uma DL50 em camundongos IP de 21 mgkg PC em 24 horas e apresenta organotropismo hepático para ratos VO e também foram identificados danos no baço timo coração e rins A cilindrospermopsina veja a figura a seguir é uma cianotoxina alcaloídica tricíclica e pode ser produzida por cianobactérias incluindo Lyaba spp Rhaphidopsis mediterranea Umezakia natans Aphanizomenon ovalisporum Aphanizomenon flosaquae Aphanizomenon gracile Cylindrospermopsis raciborskii Anabaena bergii e Anabaena plancida S S N H H H H 7 O O OH NH NH NH H3C O3SO HN S R R R Figura 65 Estrutura química das cilindrospermopsinas Estudos realizados em animais demonstram que a cilindrospermopsina é absorvida pelo trato digestório com organotropismo hepático Entretanto após exposição intraperitonial a distribuição da cianotoxina ocorre também para os rins e baço UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 2015 Enzimas microssomais hepáticas são responsáveis pela biotransformação da toxina havendo maior manifestação tóxica na área do fígado responsável pelo substancial metabolismo de xenobióticos mediado pelo CYP450 por essa cianotoxina a região periacinar hepática e nos parece ser nessa região hepática que ocorre a ligação entre as proteínas hepáticas com metabólitos da cilindrospermopsina Com considerável variabilidade de resposta entre os animais de experimentação há uma contínua eliminação da cilindrospermopsina pelas fezes e urina após administração intraperitoneal em que a 151 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS excreção fecal foi responsável por 85 e a urinária por 684 da excreção do total da toxina durante um período de 24 horas de monitoramento A inativação do sistema microssomal nos dá como resposta uma parcial proteção contra a toxicidade da cilindrospermopsina Também se observa metabolicamente que a depleção da glutationa nos hepatócitos dos animais expostos a essa cianotoxina indica que os metabólitos contribuem para a toxicidade da cilindrospermopsinas Observação Bioativação é o processo pelo qual o produto de biotransformação apresenta toxicidade superior a seu precursor Apenas após a biotransformação da cilindrospermopsina ocorre o dano em hepatócitos de animais experimentalmente expostos à toxina Animais silvestres e domésticos também podem ser expostos à cilindrospermopsina A Austrália é um país que possivelmente apresenta o maior número de casos de animais que se expuseram e intoxicaram por essa cianotoxina No norte de Queensland havia uma barragem com marcante floração algal e após a exposição a essa água uma vaca e três bezerros morreram e outros animais foram encontrados mortos próximos à região alguns dias depois Ao analisar essa água foi constatada a presença de cepas de C raciborskii Também se verificou uma alternativa bastante interessante para minimizar a floração algal e consequentemente a produção de cianotoxinas foi demonstrado que ao adicionar palha de cevada na água se reduz o número de C raciborskii e consequentemente se reduz a probabilidade de produção dessa cianotoxina A cilindrospermopsina exerce seu principal mecanismo de ação por meio da inibição da síntese proteica mecanismo que pode levar à morte celular Após a biotivação pela ativade das enzimas do citocromo P450 a cilindrospermopsina pode apresentar atividade clastrogênica aneugênica e genotóxica Experimentos in vivo demonstram que a cilindrospermopsina pode levar à indução do micronúcleo iniciação tumoral quebra do ácido desoxirribonucleico DNA lesão cromossômica e toxicidade fetal SANSEVERINO et al 2017 334 Toxinas irritantes Lipopolissacarídeos As cianobactérias são capazes de formar complexos com fosfolipídeos e proteínas e produzir os LPS Como o próprio nome indica os LPS são produtos condensados de açúcares que normalmente são uma hexose e um lipídio geralmente um ácido graxo hidroxi C14C18 SIVONEN JONES 1999 152 Unidade I Observação Nos anos de 1970 Weise et al isolaram o LPS de Anacystis nidulanos Geralmente os LPS são encontrados na membrana externa da parede celular de bactérias gramnegativas Todavia mesmo que haja uma composição dos LPS relativamente constante o LPS que advém de bactérias gramnegativas é consideravelmente mais potente que os de cianobactérias A resposta imunológica associada ao LPS se relaciona com a liberação de citocinas e a ativação de monócitos e macrófagos à medida que ocorre a ligação entre o lipopolissacarídeo e o receptor tipo toll 4 presente na superfície de muitas células imunes Estudos sugerem também que o lipopolissacarídeo pode causar doenças respiratórias alergia e danos à pele SANSEVERINO et al 2017 335 Toxinas frequentemente presentes em águas marinhas Ácido domoico Moluscos têm a capacidade de acumular toxinas que podem causar graves intoxicações a humanos ou animais As mais clássicas síndromes causadas pela exposição a toxinas presentes em moluscos são o envenenamento paralítico por moluscos paralytic shellfish poisoning PSP intoxicação diarreica por moluscos diarrhetic shellfish poisoning DSP envenenamento amnésico por moluscos amnesic shellfish poisoning ASP e intoxicação neurotóxica por moluscos neurotoxic shellfish poisoning NSP e essas toxinas presentes nos mariscos estão normalmente relacionadas à presença da proliferação de algas NGUYEN SMITH SWOBODA 2019 O ácido domoico é produzido pela diatomácea Pseudonitzschia e quimicamente deriva da Lprolina É uma neurotoxina responsável por intoxicações conhecidas pela capacidade amnésica quando o organismo se expõe a frutos do mar ASP PUBCHEM sd A floração algal que ocorre nas áreas costeiras são responsáveis pelo aumento do número de casos de intoxicação por frutos do mar e atualmente tem havido aumento do número de casos de intoxicação dessa natureza O ácido domoico é capaz de ativar os receptores AMPA e cainato dos neurônios por consequência dos danos causados ao hipocampo e à amígdala O influxo exacerbado de cálcio produzido por essa neurotoxina induz à degeneração celular e danifica os neurônios Destacase que os danos renais causados pelo ácido domoico ocorrem em doses muito inferiores às necessárias para causar os danos neurológicos Após a exposição a essa toxina pode haver perda de memória convulsão coma arritmia cardíaca e significativa instabilidade hemodinâmica Mas os efeitos da substância no organismo não param por aí cerca de 153 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 10 das pessoas que são intoxicadas pelo ácido domoico apresentam dificuldade de memorizar novas informações ou seja há danos relacionados à memória anterógrada NGUYEN SMITH SWOBODA 2019 Você consegue imaginar por que as pessoas que se expõem ao ácido domoico apresentam dificuldade de memória e consequentemente de aprendizado a longo prazo Quais são as partes do encéfalo prejudicadas pela ação do ácido domoico mesmo Exatamente O centro nervoso de armazenamento de novas informações hipocampo Se há morte neuronal com dano ao hipocampo por causa dessa neurotoxina a capacidade de armazenamento de novas informações será comprometida O Brasil não é um país que chama a atenção pela prevalência de intoxicação por ASP mas não são intoxicações incomuns no Japão e Canadá além de implicações na alteração do comportamento de aves marinhas comuns na costa da California Observe o seguinte dado 15 minutos após a exposição já é possível haver a manifestação da síndrome tóxica da ASP e pode levar até 38 horas após a exposição para que se iniciem os efeitos tóxicos Assim caso leve muitas horas para iniciar a manifestação da síndrome tóxica muitos têm dificuldade de associar a intoxicação com a exposição ao molusco contaminado A DL50 do ácido domoico ainda não foi estabelecida em humanos Entretanto as exposições demonstraram que para que se desenvolvam os sintomas a dose deve ser de 05 mgkg Aplisiatoxinas Quimicamente a aplisiatoxina veja a figura a seguir é uma bilactona fenólica com DL50 camundongos IP variando de 100120 µgkg1 PC extraída de Lyngbya majuscula Além de ser responsável por grave dermatite é um potente promotor tumoral que exerce seus efeitos pela ativação da proteína C quinase PKC SANSEVERINO et al 2017 O O O R1 R2 O O O O OH OH R1 OH R2 Br Figura 66 Estrutura química das aplisiatoxinas 154 Unidade I BNmetilaminoLalanina BMAA BNmetilaminoLalanina BMAA é um aminoácido não proteico neurotóxico Uma vez no organismo o BMAA se fixa e age sobre os receptores de glutamato e atua sobre os mecanismos que envolvem o estresse oxidativo Estudos demonstram que essa toxina pode contribuir com a manifestação ou intensificação de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e doença de Parkinson SANSEVERINO et al 2017 Experimentos realizados em camundongos sugerem que a exposição vertical à BMAA pode levar a danos cognitivos prejuízo na capacidade locomotora e hiperatividade em sua vida adulta uma vez que essa toxina atua no encéfalo sobretudo no hipocampo estriato troncocerebral cerebelo e coluna espinhal Azaspirácido Na Holanda em 1995 moluscos originados da Irlanda levaram a um surto de doença em humanos Na época imaginouse que esse surto estava associado à presença de toxinas que poderiam levar à intoxicação diarreica por moluscos DSP como as dinofisistoxinas DTX e o ácido ocadaico Entretanto se observou que os níveis dessas toxinas nos moluscos eram baixos e situados abaixo dos níveis regulatórios holandeses TWINER et al 2008 Após sucessivos estudos dois anos após esse surto constatouse que efetivamente esses moluscos estavam contaminados com uma toxina denominada originalmente de KT3 ou toxina mortal Os estudos não pararam por aí pouco tempo depois a toxina KT3 foi renomeada para azaspirácido AZA Após esse evento houve mais surtos de intoxicação por AZA por conta da exposição a mexilhões irlandeses que estavam contaminados Inúmeros análogos do AZA foram identificados na última década em moluscos das regiões costeiras da Europa Ocidental leste do Canadá e costa noroeste da África Apenas recentemente foram disponibilizados padrões de referência do AZA produzidos naturalmente para comercialização Em 1998 foi realizado pela primeira vez o isolamento bemsucedido do AZA e verificouse que é constituído de uma amina cíclica veja a figura a seguir ou grupo aza origem de seu nome um conjunto triespiro e um grupo constituído de ácido carboxílico que deu origem ao nome AZASPIRACID azaspirácido 155 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS O O O O O O O O O H H 3 2 1 8 15 20 21 22 23 27 34 33 H H H H H H OH CH3 OH NH I H G F E D B A C HO Figura 67 Estrutura química do azaspirácido Opostamente a muitas outras cianotoxinas marinhas as informações sobre a AZA são bastante limitadas A exposição a AZA pode ter como consequência náusea vômito cólicas estomacais e diarreia com um quadro considerado grave Experimentos com camundongos por via oral com extrato bruto de AZA 900 µgkg PC VO por gavagem induziram a 100 de mortalidade e os animais autopsiados apresentaram perturbações gastrinstestinais necrose de células epiteliais nos microvilos veja a figura a seguir e acúmulo de líquido no íleo Os resultados obtidos foram supreendentemente parecidos com doenças intestinais como a colite ulcerativa e doença de Crohn A B Figura 68 Vilosidades do intestino delgado A de camundongo 8 horas após a exposição oral a AZA e grupo controle B 156 Unidade I Dinofisistoxinas e ácido ocadaico Gênero Dinophysis possui espécies de dinoflagelados planctônicos que podem produzir as toxinas lipofílicas ácido ocadaico e seus derivados as dinofisistoxinas DTXs e as pectenotoxinas Os dois primeiros grupos de toxinas são responsáveis pela intoxicação diarreica por moluscos DSP com efeitos diarreiogênicos e inibidores de fosfatases em mamíferos QUESADA SANCHIS CARRASCO 2004 Quando contaminados com DTXx os bivalves são uma ameaça para a saúde pública e atuam como vetores de toxinas através da cadeia alimentar uma vez que podem reter microalgas planctônicas tóxicas Dinophysis norvegica e D acuminata são dinoflagelados com registro em águas marinhas dos países bálticos e principalmente no verão são responsáveis por grande número de casos de intoxicações diarreicas por moluscos DSP A DSP é uma intoxicação humana causada pela exposição do ácido ocadaico OA e seus análogos dinofisistoxinas DTX1 DTX2 seus precursores de diol éster grupos DTX4 e DTX5 e seus derivados acil grupo DTX3 HÄLLFORS et al 2011 Quimicamente o grupo DTX2 e o ácido ocadaico diferem entre si apenas pela posição que grupamento metil ocupa na molécula enquanto o DTX1 possui um grupo metil adicional e o grupo DTX3 inclui uma ampla gama de substâncias que são derivadas do ácido ocadaico veja a figura a seguir DTX1 e DTX2 que são esterificados com ácidos graxos saturados e insaturados oriundos do metabolismo do marisco Do ponto de vista de propriedade físicoquímica os derivados acila dos análogos do ácido ocadaico apresentam lipossolubilidade superior aos compostos precursores não esterificados e após a hidrólise no trato digestório humano apresentam atividade tóxica REGUERA et al 2014 O XO O O OR4 R1 R2 R3 O O O O 34 19 O OH H H OH OH Nome R1 R2 R3 R4 C19 C34 Ácido ocadaico OA CH3 H H H S S Dinofisistoxina DTX1 CH3 CH3 H H S R Dinofisistoxina DTX2 H H CH3 H S R Figura 69 Estrutura geral do ácido ocadaico e seus congêneres Os sintomas clássicos das intoxicações diarreicas por moluscos incluem como o próprio nome sugere diarreia além de náusea dor abdominal e vômito e ocorrem em humanos logo após o consumo de moluscos bivalves que estão contaminados Concluímos que o ácido ocadaico e as DTXs atuam sobre a serinatreonina das fosfoproteínas 1 PP1 e 2A PP2A e as inibem consequentemente estão associadas diretamente na promoção tumoral 157 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Pectenotoxinas As pectenotoxinas PTXs veja a figura a seguir compõem um grupo de toxinas não diarregênicas e que quimicamente são poliéteres de lactonas cíclicas que se diferem umas das outras estruturalmente pelos diferentes graus de oxidação no C43 abertura do anel de lacotana em C1C33 e disposição do sistema de aneis espirocetais REGUERA et al 2014 Algumas são hepatotóxicas para camundongos após exposição intraperitoneal Há autores que questionam sua toxicidade uma vez que não demonstram aptidão para danos no organismo humano após exposição oral à toxina QUESADA SANCHIS CARRASCO 2004 O O O O O O 33 7 1 10 43 18 A B O O O O O OH OH OH CH3 Figura 70 Estrutura química geral das pectenotoxinas Lingbiatoxinas LT Oscillatoria Schizothrix e Lyngbya são cianobactérias marinhas bentônicas capazes de produzir toxinas que dependendo das condições de exposição podem causar severa dermatite entre nadadores KIRKENSGAARD 2017 A lingbiatoxina LT foi isolada pela primeira vez no Havaí em 1912 a partir da cianobactéria Lyngbya majuscula quando estava havendo uma epidemia de dermatite aguda na população SANSEVERINO et al 2017 Quimicamente a lingbiatoxina LT é um alcaloide indólico ligeiramente lipofílico cuja absorção após uma hora de exposição pela pele humana e de cobaia é de 62 e 23 respectivamente A Lyngbya pode produzir lingbiatoxinas debromoapliatoxinas e aplisiatoxinas responsáveis por surtos de irritação de pele inflamações oral e gastrintestinais grave Após a leitura crítica desse parágrafo você identificou uma informação importante não é Essas toxinas estão presentes na água a mesma encontrada em lagos e lagoas onde as pessoas nadam Assim concluímos que quanto mais a pessoa fica nesse lago ou lagoa contendo a lingbiatoxina maior é a probabilidade de penetração da toxina no organismo e mais intenso e generalizado será seu efeito As três diferentes isoformas da lingbiatoxina são a A LTA veja a figura a seguir a B LTB e a C LTC que podem agir como potentes promotores tumorais ao se ligarem com a proteína quinase PKC A DL50 camundongos IP para a LTA é de 250 µgkg PC 158 Unidade I OH OH OH OH OH O O O 19 N N N N H N H N H H N H N H N Lingbiatoxina A Lingbiatoxina B Lingbiatoxina C Figura 71 Lingbiatoxina A B e C 336 Outros compostos bioativos Estamos trazendo à luz para você algumas das principais cianotoxinas Entretanto há incontáveis compostos bioativos produzidos pelas cianobactérias inclusive substâncias químicas de interesse médico As cianotoxinas podem apresentar propriedades antivirais antifúngicas antibióticas e antitumorais Para que você tenha dimensão da importância do possível emprego terapêutico medicamentoso dessas substâncias um grupo de pesquisa do Havaí identificou que 08 das cianotoxinas avaliadas demonstraram atividade citotóxica seletiva para tumor sólido SIVONEN JONES 1999 Mais um exemplo de aplicação terapêutica desse grupo de substâncias químicas as criptoficinas são depsipeptídeos ou seja são peptídeos que possuem ligação éster e cianotoxinas com perspectivas muito promissoras como princípios ativos de quimioterápicos antitumorais SIVONEN JONES 1999 Métodos de detecção de cianotoxinas O quadro a seguir expressa alguns métodos analíticos utilizados na determinação das cianotoxinas presentes em água doce Quadro 8 Métodos atualmente disponíveis para a detecção de cianotoxinas de água doce Método Anatoxinas Cilindrospermopsinas Microcistinas Ensaios biológicos Ratos Sim Sim Sim Ensaios de inibição da proteína fosfatase PPIA Não Não Sim Neuroquímica Sim Não Não Ensaio de imunoabsorção enzimática Elisa Não Sim Sim Métodos cromatográficos Cromatografia gasosa Cromatografia gasosa com detector de ionização de chama GCFID Sim Não Não Cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas GCMS Sim Não Não 159 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Método Anatoxinas Cilindrospermopsinas Microcistinas Cromatografia líquida Cromatografia líquida com detecção ultravioletavisível LCUV ou LCPDA Sim Sim Sim Cromatografia líquida com detecção por fluorescência LCFL Sim Não Não Cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas Cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas com analisador do tipo aprisionadores de íons LCIT MS Sim Sim Sim Cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas por tempo de voo Sim Sim Sim Cromatografia líquida acoplada a espectrômetro de massas com quadrupolo simples LCMS Sim Não Sim Cromatografia líquida acoplada a espectrômetro de massas com triploquadrupolo LCMSMS Sim Sim Sim Adaptado de United States Environmental Protection Agency 2012 4 PLANTAS TÓXICAS ANIMAIS PEÇONHENTOS E DOMISSANITÁRIOS 41 Introdução Você sabia que os hominídeos préhistóricos começaram a utilizar pedra como ferramentas há mais de 3 milhões de anos Durante a Préhistória eram caçadorescoletores Com o passar do tempo começou um lento processo de assentamento motivado pela necessidade de cultivar alimento que havia se tornado escasso com o advento do final de um período de glaciação Ainda no Neolítico quando os caçadorescoletores viviam como povos seminômades ou seja viviam em moradias móveis descobriram que das sementes jogadas nasciam as árvores cujos frutos foram consumidos Descobriram também que animais mais dóceis poderiam se adaptar ao convívio humano Era o início do que hoje se conhece como domesticação um processo gradual que levou milhares de anos para se estabelecer O processo de domesticação passou a ser cotidiano há 4000 anos período que coincide com o desenvolvimento da agricultura e com o estabelecimento de grandes aglomerados humanos Desse modo determinadas espécies animais e vegetais se adaptaram através de um processo conhecido como seleção artificial às necessidades do homem perdendo suas características selvagens Nessa época antigos povos asiáticos africanos europeus e americanos começaram a domesticar animais e plantas para seu consumo alimentar e para o uso diário Animais como cão gato boi cabra ovelhas e galinhas foram domesticados há milênios assim como a lentilha o arroz o centeio o trigo a cevada o feijão para uma população já estabelecida em povoados e cidades que perdera o caráter nômade Esse período iniciado a partir do advento da escrita há aproximadamente 3500 anos coincide com o desenvolvimento da agricultura e da pecuária Do conhecimento observacional adquirido o homem aprendeu que havia animais e plantas que além de não poderem ser utilizados como alimento tinham capacidade de matar outros animais que porventura tivessem intenção de predálos Desde então espécies de animais e de plantas foram identificadas pelo seu potencial tóxico e foram usadas no decorrer da história com essa finalidade Veja só o que aconteceu dizse que as imperatrizes romanas Livia Drusila e Agripina a Jovem utilizaramse de preparados feitos com beladona para assassinar adversários políticos Cleópatra uma rainha egípcia 160 Unidade I antiga suicidouse com a picada de uma naja cobra cuja peçonha é muito tóxica Preparados de plantas africanas e sulamericanas eram usados nas pontas de flechas e de zarabatanas para a caça que matam a presa por parada cardiorrespiratória Na Amazônia preparados vegetais feitos a partir de plantas são usados na pesca e matam não somente peixes como também outros animais que respiram por guelras por asfixia por impedirem que esses órgãos retirem o oxigênio da água Mas o que faz com que alguns organismos possam ser usados como alimentos e outros sejam tão perigosos Plantas tóxicas e animais peçonhentos têm a capacidade de produzir compostos químicos nocivos conhecidos como agentes tóxicos ou toxicantes que em geral são consumidos por via oral de forma aguda ou entram em contato com a pele ou mesmo a penetram produzindo um quadro de intoxicação aguda que pode se manifestar entre 24 horas e 14 dias após a ingestão ou contato com a toxina Vamos entrar mais a fundo nas questões conceituais Toxinas são compostos tóxicos produzidos por animais por vegetais ou por microrganismos e são conhecidas também por zootoxinas fitotoxinas e toxinas microbianas essas últimas subdivididas em endotoxinas e exotoxinas A natureza química das toxinas varia conforme o organismo Nos animais e em microrganismos por exemplo as toxinas podem ser de origem proteica ou enzimática Já nas plantas podem ser encontrados compostos de natureza química diversa como cristais de oxalato de cálcio glicosídeos cardioativos glicosídeos cianogênicos alcaloides glicosídeos saponínicos e óleos essenciais As toxinas bacterianas como a toxina botulínica a tetânica a diftérica e a disintérica são classificadas em endotoxinas e exotoxinas As endotoxinas são produzidas por microrganismos Gram negativos e ficam localizadas na membrana externa da parede celular sendo liberadas após a lise da bactéria A endotoxina mais conhecida é o lipopolissacarídeo ou LPS que provoca uma reação no sistema imunológico do hospedeiro provocando uma série de reações como febre dor choque e vasodilatação que podem levar à sepse e à morte em casos mais graves As exotoxinas podem ser classificadas em três grupos sendo o primeiro grupo formado por aquelas que atuam na superfície das células como os superantígenos de Staphylococcus aureus ou Streptococcus pyogenes ou ainda a toxina ST produzida por Escherichia coli ETEC O segundo grupo é aquele cujas toxinas atacam e danificam a membrana da célula hospedeira formando poros nas membranas Já o terceiro grupo é formado por toxinas que compõem os fatores de virulência de determinados microorganismos auxiliandoos a promover de modo mais hábil as infecções como toxina botulínica toxina diftérica toxina colérica toxina tetânica toxina pertussis que é envolvida na coqueluche e toxina de Shiga que está envolvida em infecções por E coli STEC Observação Sepse era conhecida antigamente como septicemia desencadeada por um processo inflamatório muito intenso por todo o organismo frente a um processo infeccioso A sepse desencadeia a liberação de vários mediadores químicos relacionados ao processo inflamatório por todo o organismo e causa consequentemente sérias consequências como a disfunção ou mesmo a falência de vários órgãos por conta da queda da pressão arterial da falta de oxigenação adequada nas células e de alterações no processo de coagulação sanguínea 161 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Dados do Sistema Nacional de Informações TóxicoFarmacológicas o Sinitox sda apontam que em 2016 foram registrados 80082 casos de intoxicação em humanos e 1562 em animais Destes plantas foram responsáveis por 958 casos registrados em humanos e 83 casos registrados em animais Em 2017 27322 casos de intoxicação foram registrados em humanos e 98 casos em animais sendo 239 causados por plantas em humanos e apenas dois causados por plantas em animais Agora veja os dados apresentados para os casos de intoxicação por acidentes com animais peçonhentos ou venenosos como serpentes aranhas escorpiões e outros em 2016 24788 casos ocorreram em humanos e 74 em animais Em termos percentuais significa que em 2016 enquanto 129 dos casos registrados de intoxicação deveramse às plantas 3066 de casos registrados de intoxicação deveramse a animais peçonhentos e venenosos Já em 2017 092 dos casos registrados de intoxicação foram causados por plantas enquanto 5161 dos casos registrados de intoxicação foram causados pelos animais peçonhentos Mesmo com esses dados nunca subestime o poder tóxico de uma planta Observação A toxina botulínica tem sido usada em algumas enfermidades oculares como o estrabismo e musculares como as distonias Tem sido usada também em tratamentos estéticos para minimizar as rugas faciais Aprendemos até aqui que nos ambientes onde costumamos permanecer como nossa casa e nossa escola e mesmo em espaços públicos podemos encontrar plantas tóxicas ou animais venenosos para os quais devemos estar atentos e saber orientar as pessoas quanto aos riscos que elas correm quando em contato com esses seres Nesses mesmos ambientes que permanecemos ainda encontramos uma lista de produtos que podem apresentar índices elevados de intoxicações na maioria das vezes acidentais os produtos de limpeza como sabões detergentes desinfetantes agentes de limpeza inseticidas raticidas ou repelentes de uso doméstico Esses produtos podem causar intoxicação porque muitas vezes estão ao alcance das crianças ou de idosos que são pessoas que permanecem por mais tempo no ambiente doméstico comparados com adolescentes ou adultos em idade escolar ou de trabalhar Saiba mais Para mais informações sobre a sepse acesse BRUNA M H V Sepse septicemia Drauzio Varella sd Disponível em httpsdrauziovarellauolcombrdoencasesintomassepsesepticemia Acesso em 23 nov 2020 411 Plantas tóxicas As plantas desenvolveram mecanismos morfológicos e bioquímicos para se expressarem com o meio ambiente como parte dos mecanismos de reprodução e defesa As estratégias para a efetivação de sua 162 Unidade I reprodução são a produção de compostos aromáticos de compostos responsáveis pela coloração de folhas flores e frutos e de substâncias adocicadas Os sistemas de defesa nos vegetais são compostos por espinhos acúleos e substâncias tóxicas A partir da observação e da experiência empírica o homem permanece atento à história que essas plantas contam Antigas civilizações como os fenícios os egípcios os romanos os gregos os chineses e os indianos já faziam uso de plantas como medicamento e detinham conhecimento sobre plantas tóxicas Espécies como acônito cicuta Conium maculatum meimendro Hyoscyamus niger beladona Atropa belladona papoula Papaver somniferum e mandrágora Mandragora eram conhecidas nessas culturas e usadas muitas vezes nos crimes dos pequenos círculos sociais baseados em envenenamentos casuais perpetrados durante a rotina doméstica ou laboral ou como arma de escolha para a execução de sentenças de morte como aconteceu ao grande filósofo grego Sócrates condenado a ser morto pela ingestão de cicuta Conium maculatum que produz a coniina cuja ação tóxica se dá pela paralisia respiratória No século XV com o advento das Grandes Navegações o conhecimento que ficara concentrado no eixo EuropaOriente MédioÁsia se expandiu para o alémmar Em terras ameríndias os europeus fizeram incursões naturalistas para inventariar os recursos naturais existentes nas terras recémdescobertas para as Coroas Portuguesa Espanhola e Holandesa Mais tarde as incursões escravagistas à África trouxeram não somente o negro cativo como também seus costumes que incluíam a utilização de plantas como medicamentos e em rituais religiosos Espécies de plantas nativas da Europa Ásia e África são encontradas no Brasil trazidas pelos povos que aqui encontraram o seu novo lar A maioria dessas espécies são de plantas úteis para o homem e portanto utilizadas como alimento e como plantas ornamentais As plantas tóxicas podem ser responsáveis por quadros de intoxicação aguda ou crônica a depender do modo que são consumidas se eventual ou frequente Em geral os quadros de intoxicação aguda são observados em crianças e animais domésticos como cães e gatos que acidentalmente ingerem partes de plantas tóxicas encontradas em vasos e nos jardins domésticos ou em escolas Anote essa informação porque é muito importante e pode ajudar a evitar muitos casos de intoxicação no caso de plantas utilizadas para ornamentação é importante que se saiba o nome comum o nome científico e o potencial tóxico da espécie antes de selecionála para a composição ornamental do ambiente em especial o doméstico Uma vez que seja de conhecimento as plantas com potencial tóxico devem ser mantidas fora do alcance de crianças e animais já que eles podem ingerir frutos flores e folhas acidentalmente e até mesmo utilizar partes da planta para brincadeiras Os sintomas relacionados à intoxicação aguda costumam se manifestar rapidamente e são específicos para cada espécie de planta tóxica Adultos também podem ser vítimas de intoxicação aguda por exemplo em casos em que há a intenção de provocar aborto ou durante a prática de jardinagem ou ainda na elaboração de bebidas à base de frutas cítricas sob o sol por exemplo Ao escolher as plantas que ornamentarão um local devese verificar se ela apresenta histórico de provocar intoxicação Caso isso ocorra não significa que você não poderá ter essa planta em seu jardim mas sim que você deverá estar atento ao que ela pode provocar Não se esqueça de passar essa informação a todos que vão desfrutar do mesmo jardim 163 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS As intoxicações crônicas com plantas podem ser propositais ou não propositais e os sintomas geralmente demoram a se manifestar Um exemplo de intoxicação crônica proposital se dá com a ingestão de chás de plantas popularmente usadas para emagrecer visto que a preocupação com a estética por vezes supera a preocupação com a segurança O consumo crônico de plantas também pode estar ligado a plantas alucinógenas ou entorpecentes a exemplo da maconha da coca e do ópio como discutiremos em maior profundidade adiante As substâncias tóxicas podem estar presentes em diferentes órgãos vegetais sem que haja um padrão específico de distribuição a variar conforme a espécie de acordo com a determinação genética Enquanto algumas espécies como a espirradeira apresentam os compostos tóxicos distribuídos por todos os seus órgãos outras espécies como a urtiga concentram o agente irritante em estruturas localizadas em suas folhas Uma das teorias relacionadas à produção de compostos tóxicos também conhecidos como metabólitos secundários pelas plantas é que eles estejam relacionados com o processo reprodutivo uma vez que nessa fase a planta precisa proteger os órgãos reprodutivos para efetivar a transmissão de seus genes a gerações futuras Desse modo durante a fase fértil algumas espécies apresentam grande concentração de substâncias tóxicas em flores frutos e sementes A beladona é um exemplo uma vez que seus frutos adocicados concentram altas taxas de compostos tóxicos mesmo que estes sejam encontrados disseminados em outros órgãos inclusive nas raízes Veja como estes dados são alarmantes de acordo com o Sinitox sda as plantas tóxicas estão presentes em jardins de mais de 80 das escolas e algumas delas são encontradas nos jardins e mesmo dentro de nossa casa Já ouviu falar no vaso das sete ervas É mantido em casa para espantar o mauolhado As sete ervas são arruda comigoninguémpode pimenteira espadadesãojorge manjericão alecrim e guiné Destas apenas o manjericão e o alecrim não são tóxicos nas medidas usuais de consumo Segundo o Sinitox sda em 2016 e em 2017 os casos de intoxicação por plantas ocorreram em pessoas de todas as idades mas são mais frequentes entre as crianças de 1 a 9 anos Em 2016 dos 239 casos de intoxicação por plantas 4268 ocorreram em crianças de 1 a 4 anos e 1506 em crianças de 5 a 9 anos Essa proporção se repete em 2017 quando se observa que dos 958 casos registrados de intoxicação por plantas 4008 ocorreram em crianças de 1 a 4 anos e 1617 em crianças de 5 a 9 anos A maioria dos casos foi acidental ou seja a criança ingeriu alguma planta que estava ao seu alcance no ambiente doméstico 412 Plantas tóxicas significativas para o Brasil Alamanda Allamanda cathartica L Apocynaceae Espécie nativa do Brasil não endêmica ocorre da Argentina ao México e em outras regiões subtropicais do mundo veja a figura a seguir Essa planta ornamental apresenta uso popular medicinal porém também há registros de provocar reações tóxicas Contém látex branco Se ingerida apresenta propriedades laxativas ou purgantes ou catárticas pela presença de antraquinonas ESSIETT UDO 2015 e quando em contato com a pele pode causar irritação por conta do látex DAVID 1997 MAROYI 2012 porém o composto responsável não está determinado mas o fato de a planta conter óleos essenciais e antraquinonas pode favorecer o aparecimento de reações de fototoxicidade Há registros de casos 164 Unidade I relacionados à toxicidade cardíaca devido à presença de glicosídeos cardioativos na planta RADFORD et al 1994 Estudos in vitro reportam genotoxicidade e citotoxicidade com extratos vegetais e compostos dessa espécie CHAVEERACHA et al 2016 São grupos de componentes químicos já identificados na alamanda alcaloides antraquinonas glicosídeos cardioativos cumarinas flavonoides saponinas esteroidais taninos compostos fenólicos e terpenos PETRICEVICH ABARCAVARGAS 2019 Figura 72 Alamanda Antúrio Anthurium andraeanum Linden ex André Araceae Conhecida também como flordeflamingo lírio de flamingo e rabinho de porco veja a figura a seguir é uma planta usada em paisagismo Apresenta cristais de oxalato de cálcio que afetam as mucosas do trato digestório causando inchaço na garganta língua lábios boca edema de glote asfixia diarreia e vômito Há registro de casos de dormência ou neuropatia sensorial do trigêmeo causada pelo contato com antúrio TWARDOWSCHY et al 2007 Figura 73 Antúrio 165 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Aroeira Várias espécies de Anacardiaceae apresentam nomes populares comuns como Schinus terebinthifolius Raddi aroeiramansa aroeiravermelha aroeiraprecoce aroeirapimenteira aroeiradosertão ocorre em todo o Brasil com exceção da região Norte sendo conhecida como pimentarosa na culinária Schinus molle aroeirasalso aroeiraperiquita aroeiramole aroeiramansa pimentabastarda ocorre no Sul do Brasil Astronium fraxinifolium Schott Spreng aroeiradocampo aroeiravermelha gonçaloalves chibatã aratanha batão ubatã nativa do Cerrado brasileiro Lithraea molleoides Vell Engl aroeirabranca aroeirabrava aroeiradobrejo aroeiradacapoeira bugreiro nativa do Sul e Sudeste brasileiros e Miacrodrum urundeuva Allemao aroeria aroeirapreta aroeiradaserra aroeiradocampo urundeúva uriunduba aroeiradosertão ocorre na Caatinga e no Cerrado do CE ao PR e é uma espécie retirada da lista de plantas sob risco de extinção em 2019 Apresenta reações dérmicas como bolhas coceira e vermelhidão e fotossensibilização pode ser observada SANTOS FILGUEIRA 1994 Quando ingerida pode causar distúrbios gastrointestinais Houve a ocorrência de malformação óssea em fetos e um leve retardo no reflexo de endireitamento em ratos após administração de S terebinthifolia CARLINI DUARTEALMEIDA TABACH 2013 Arruda Ruta graveolens L Rutaceae É uma das plantas presentes na lista do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde a Renisus É conhecida também por arrudacomum arrudadojardim arrudadosjardins arrudadoméstica aruta aruda ruta e ervadagraça Os efeitos tóxicos após ingestão se manifestam por cólicas abdominais diarreia fibrilação da musculatura da língua e sintomas neurológicos como confusão e convulsão Tem efeito emenagogo ou seja provoca o aparecimento de menstruação e por esse motivo é usada como abortivo Um estudo demonstrou que a arruda provocou o aparecimento de hepatotoxicidade em camundongos FREIRE BORBA COELHO 2010 Apresenta componentes alcaloídicos ácido salicílico livre álcool metilnonílico flavonoides óleo essencial pipeno psoraleno quercitina ribalinidina rubalinidina rutacridona rutalidina e rutalínio Artemísia Artemisia absinthium L Asteraceae Conhecida também como losna absinto gotasamargas ervasanta ou ervadosvermes veja a figura a seguir É altamente tóxica por conter tujona em seus óleos essenciais Também é abortiva Estudo recente indicou que não apenas a tujona mas outros constituintes dos óleos essenciais dessa espécie são responsáveis por toxicidade em ratos RADULOVIC et al 2017 Essa espécie faz parte da lista do Renisus 166 Unidade I Figura 74 Artemísia Avelós Euphorbia tirucalli L Euphorbiaceae Conhecida também como almeidinha cegaolho coralverde espinhodecristo espinhodojudeu figueiradodiabo garradodiabo leitedenossasenhora paudeleite paupelado e pinheirododiabo É uma planta que produz látex cáustico e tóxico que se encontra distribuído em todo o vegetal O látex pode causar queimaduras ao contato com a pele e caso seja ingerido na boca língua e lábios podendo também causar cegueira temporária NEODINI GASPI 2015 EKE ALHUSAINY RAYNOR 2000 Há registros de um grande número de casos de intoxicação por avelós no Texas Estados Unidos da América Entre os anos de 2017 e 2018 foram registrados 678 casos sendo que entre crianças a maioria dos casos ocorreu em indivíduos de 5 anos ou menos O maior número de casos ocorreu entre adultos maiores que 20 anos que perfizeram mais de 72 dos casos os quais ocorreram mais frequentemente entre os homens A maioria dos casos foi de toxicidade ocular seguida de toxicidade por ingestão e por fim toxicidade dérmica FORRESTER LAYTON VARNEY 2019 Babosa Aloe vera Mill sinonímia científica Aloe barbadensis Asphodelaceae É também conhecida por aloedebarbados aloereal aloechinês e aloedequeimadura veja a figura a seguir Tratase de uma espécie de planta suculenta muito usada popularmente como hidratante para pequenas queimaduras e queimaduras solares por conta de mucilagens presentes e tem sido estudada quanto às suas propriedades antimicrobianas antiinflamatórias e curativas de feridas superficiais SÁNCHEZ et al 2020 Faz parte da composição de diversos produtos cosméticos O extrato bruto das folhas de babosa é classificado no grupo 2B da Iarc o que significa que apresenta compostos com possibilidade de serem carcinogênicos a humanos Esses compostos são as antraquinonas encontradas no parênquima foliar 167 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A B Figura 75 A Babosa B Folhas de babosa em cortes transversais Bicodepapagaio Euphorbia pulcherrima Willd ex Klotzsch Euphorbiaceae Também conhecida como poinsétia flordenatal estreladonatal e cardeal veja a figura a seguir A planta possui látex irritante que pode causar lesões cutâneas como dermatite de contato MASSMANIAN 1998 e irritações oculares Figura 76 Bicodepapagaio Caju Anacardium occidentale L Anacardiaceae Compostos conhecidos como ácidos anacárdicos estão presentes em um líquido encontrado nas conchas da castanhadecaju MORAIS et al 2017 e apresentaram toxicidade em modelos in vitro LEITE et al 2015 Casos de dermatite de contato foram registrados após consumo de alimento contendo caju e a presença de urushiol uma mistura de vários derivados de catecol foi relacionada ao quadro ROSEN FORDICE 1994 veja a figura a seguir 168 Unidade I Figura 77 Caju Buchinhadonorte Luffa operculata Cucurbitaceae Conhecida como buchinhadospaulistas cabacinha buchinha e purgadejoãopais DUKE VASQUEZ 1994 MENGUE MENTZ SCHENKEL 2001 O chá dos frutos é usado contra sinusite e para provocar aborto Estudos recentes apontaram que o extrato aquoso dos frutos pode afetar a estrutura tecidual de testículos de ratos Wistar ALVES et al 2018 veja a figura a seguir Figura 78 Frutos de buchinhadonorte Chapéudenapoleão Thevetia peruviana Apocynaceae Embora os glicosídeos cardioativos sejam encontrados dispersos por todo vegetal em seu látex a intoxicação usualmente se dá pela ingestão de seus frutos que podem ser confundidos com castanhas comestíveis por crianças KUMAR ATREYA KANCHAN 2015 veja a figura a seguir 169 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A B Figura 79 Chapéudenapoleão A Fruto B Flor e folhas Cheflera Schefflera arboricola Hayata Araliaceae A toxicidade das chefleras devese à presença de cristais de oxalato de cálcio por todo o vegetal que ao ser ingerido provoca reações inflamatórias e alérgicas nas mucosas orais e da garganta podendo levar a edema de glote e morte por asfixia veja a figura a seguir Figura 80 Cheflera Confrei Symphytum officinale L Boraginaceae A ingestão de confrei pode causar hepatotoxicidade pneumotoxicidade genotoxicidade e atividade carcinogênica BROWN et al 2016 por conta da presença de alcaloides pirrolizidínicos como intermedina licopsamina simfitina e ecnimidina veja a figura a seguir 170 Unidade I Figura 81 Confrei Comigoninguémpode Dieffenbachia seguine Jacq Schott Araceae A toxicidade dessa espécie devese à presença de cristais de oxalato de cálcio por todo o vegetal que ao ser ingerido provoca reações inflamatórias e alérgicas nas mucosas orais e da garganta podendo levar a edema de glote e morte por asfixia Como medidas de primeiros socorros devese procurar imediatamente os serviços de pronto atendimento hospitalares veja a figura a seguir Figura 82 Comigoninguémpode Copodeleite Zantedeschia aethiopica L Spreng Araceae Conhecida também por jarro ou bocadejarro A toxicidade dessa espécie devese à presença de cristais de oxalato de cálcio por todo o vegetal que ao ser ingerido provoca reações inflamatórias e alérgicas nas mucosas orais e da garganta podendo levar a edema de glote e morte por asfixia veja a figura a seguir 171 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Figura 83 Copodeleite Coroadecristo Euphorbia milli Euphorbiaceae Conhecida também como doisamores bemcasados e doisamigos Apresenta látex em todo o vegetal sendo este cáustico e irritante podendo causar lesões mais oculares sérias e levar à perda da visão Pode causar alergia ou bolhas de queimadura quando em contato com a pele Na boca pode causar salivação náuseas vômitos e diarreia Dedaleira Digitalis purpurea L e Digitalis lanata Ehrh Plantaginaceae Conhecida também por campainha ou luvaderaposa veja a figura a seguir A toxicidade da espécie vegetal está na presença em todo o organismo de digitálicos como a digoxina gitoxina e gitoxigenina compostos utilizados para tratamento de insuficiência cardíaca congestiva e arritmias por agirem sobre a musculatura cardíaca Caso partes da planta venham a ser consumidas pode haver o desencadeamento de eventos cardíacos sérios Figura 84 Dedaleira 172 Unidade I Espadadesãojorge Sansevieria trifasciata Prain Asparagaceae É uma espécie de origem africana veja a figura a seguir Também conhecida como espadade santabárbara línguadesogra rabodelagarto espadadeogum e espadadeiansã A toxicidade dessa espécie devese à presença de cristais de oxalato de cálcio por todo o vegetal que ao ser ingerido provoca reações inflamatórias e alérgicas nas mucosas orais e da garganta podendo levar a edema de glote e morte por asfixia Figura 85 Espadadesãojorge Espirradeira Nerium oleander L Apocynaceae Conhecida também por oleandro ou rododendro veja a figura a seguir Apresenta látex tóxico disperso por todo vegetal que contém glicosídeos cardioativos Casos de intoxicação letal por ingestão de extratos de espirradeira foram registrados e analisados pela ciência forense com técnicas segundo as quais foi identificada a presença de oleandrina em homogenatos de órgãos e no sangue durante necrópsia BLUM RIEDERS 1987 ou mesmo de vestígios de ingestão das folhas dessa espécie AZZALIN et al 2019 Figura 86 Espirradeira 173 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Flordecoral Jatropa multifida L Euphorbiaceae Planta que contém látex transparente Há casos de intoxicação comuns após ingestão das sementes da planta como um relato de 1885 na Índia no qual há a descrição de intoxicação de três irmãos que ingeriram as sementes mas que com os cuidados médicos disponíveis à época se recuperaram em um dia de cuidados intensos PORTER 1885 Há a presença de diterpenos macrocíclicos ZHANG et al 2018 toxialbumina e ricina CAMPOS et al 2016 Guiné Petiveria alliaceae L Phytolaccaceae Conhecida por rabodegambá amansasenhor ou tipi DL502 gkg considerada tóxica foi obtida do pó de caule e folhas GARCÍAPÉREZ et al 2018 É abortiva em altas doses Provoca efeitos sobre o sistema nervoso caso seja utilizada por mais de duas semanas consecutivas ou se uma dose elevada é ingerida Os efeitos nesses casos podem variar de insônia apatia alucinações e até mesmo morte Jequiriti Abrus precatorius L Fabacedae Apresenta sementes tóxicas que apresentam a toxoalbumina denominada de abrina Casos de intoxicação foram registrados na Índia KARTHIKEYAN AMALNATH 2017 onde 112 pacientes foram estudados Destes a maioria eram mulheres de 13 a 30 anos que apresentaram sintomas como diarreia sangue nas fezes e mortalidade em seis dos pacientes Jurubeba Solanum paniculatum L Solanaceae Conhecida como jupeba jurubebaverdadeira jurupeba jubebe e juribeba Contém glicoalcaloides esteroidais como a solasonina e a solamargina BLANKEMEYER et al 1998 É abortiva Pode apresentar sintomas neurológicos diarreia vômito e náusea Lírio Melia azedarach L Meliaceae Outros nomes populares são cinamomo flordeviúva árvoredesantabárbara jasmimdesoldado árvoresanta líriodaíndia jasmimdecachorro loureirogrego líriodachina e lilásdachina Frutos e folhas são tóxicos e apresentam azaridina e meliatoxinas A1 A2 B1 e B2 Os efeitos são náuseas vômito diarreia suor frio sonolência convulsões e morte OELRICHS HILL VALLEY 1983 Mamona Ricinus communis L Euphorbiaceae Também conhecida como carrapateira rícino e palmadeCristo veja a figura a seguir O efeito tóxico relacionado à mamona está ligado à presença de ricina uma proteína que se encontra presente nas sementes e que pode ser liberada caso haja mastigação e ingestão Após a retirada do óleo de rícino a torta resultante pode ser ingerida por animais adicionada às rações Porém devese retirar a ricina antes pois o composto também é tóxico para os animais Os sinais de intoxicação são náuseas vômito dor abdominal intensa fezes diarreicas sanguinolentas com consequente desidratação convulsões apneia coma e morte INGLE KALE TALWAKAR 1966 Alergias decorrentes do processamento da planta 174 Unidade I na indústria podem ocorrer e causam problemas respiratórios asma brônquica conjuntivite eczema e dermatite Como medidas de primeiros socorros devese oferecer água e evitar a aspiração de vômitos Outro componente presente na mamona é a ricinina um alcaloide que pode ser encontrado em todos os órgãos da mamona e que pode provocar intoxicação sobre o sistema nervoso central caso ingerido A ricinina pode provocar por exemplo convulsões FERRAZ ANSELMOFRANCI PEROSA 2002 A ricinina é também um biomarcador que pode ser utilizado para monitorar a intoxicação por ricina através de sua quantificação sérica RØEN et al 2013 A B C Figura 87 Mamona A Planta inteira B Sementes C Folhas e frutos Mandiocabrava Manihot esculenta Crantz Euphorbiaceae A raiz e as folhas contêm os glicosídeos cianogênicos linamarina e lotaustralina que sofrem hidrólise pela enzima linamarase ou por ácidos digestivos ou pelo calor liberando o ácido cianídrico O ácido cianídrico possui alta afinidade com o ferro trivalente da citocromooxidase que transforma a hemoglobina em metemoglobina que é incapaz de transportar oxigênio impede a respiração e pode causar o aparecimento de cianose O consumo esporádico de mandioca não atinge a dose necessária para causar intoxicação mas seu consumo constante pode provocar quadros de intoxicação PINTOZEVALLOS PAREJA AMBROGI 2016 como a diminuição da função da tireoide Recomendase o consumo de variedade de mandioca conhecida como mandiocamansa Por conta de os glicosídeos cianogênicos serem hidrolisados pelo calor o preparo da mandioca deve levar em consideração esse tipo de processamento PADMAJA 1995 No Norte é comum se utilizarem as folhas trituradas da mandioca para se fazer um prato conhecido como maniçoba ou feijoada paraense cujo preparo se faz por cozimento por sete dias o que faz com que a concentração dos glicosídeos cianogênicos seja muito baixa e segura para o consumo humano após o preparo Caso seja verificada intoxicação por mandiocabrava devese procurar imediatamente os serviços de pronto atendimento hospitalares Para saber mais sobre a mandiocabrava e os glicosídeos cianogênicos veja o tópico sobre toxicologia dos alimentos 175 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Oficialdesala Asclepias curassavica L Apocynaceae anteriormente Asclepiadaceae Também conhecida como donajoana cegaolho ervaderatofalsa camarábravo e capitãodesala Contém substâncias cardioativas principalmente nas sementes e no látex Compostos como calotropagenina corotoxigenina e coroglaucigenina que apresenta ação parecida com a dos digitálicos ver dedaleira são descritos para a espécie Essa planta contém a asclepina composto mais potente que a digoxina um conhecido digitálico PATNAIK KÖHLER 1978 Possui a propriedade de aumentar a contratilidade do miocárdio e é considerado mais seguro que a digoxina O látex pode ser cáustico para os olhos É uma planta tóxica para animais causando vômito anorexia náuseas dor abdominal diarreia flatulência edema submaxilar ataxia sonolência e prostração além de distúrbios no batimento cardíaco espasmos violentos dos pulmões e sintomas relacionados ao sistema nervoso Figura 88 Oficialdesala Pinhãodepurga Jatropha curcas L Euphorbiaceae Também conhecido como pinhãoparaguaio pinhãobravo pinhãodecerca pinhãobranco e figodoinferno Suas sementes e látex são considerados tóxicos Produz a curcina uma lectina que pode causar a aglutinação de eritrócitos LIN et al 2010 Contém ésteres forbólicos que são irritantes tópicos Como medidas de primeiros socorros devese oferecer água e evitar a aspiração de vômitos Trombeteira Datura suaveolens Humb Bonpl ex Willd Solanaceae Conhecida também como saiabranca zabumba hálitododiabo ervadosmágicos e ervadosfeiticeiros veja a figura a seguir Os órgãos vegetais que contêm substâncias tóxicas são as folhas as flores os frutos e as sementes Podem aparecer sintomas como febre xerostomia ou boca seca vermelhidão na face dilatação da pupila alucinações e delírio Para realizar os primeiros socorros devese provocar vômitos 176 Unidade I Figura 89 Trombeteira Urtiga A espécie apresenta dois nomes científicos dados por taxonomistas diferentes a partir do basiônimo Urtica aestuans L Fleurya aestuans L Gaudich e Laportia aestuans L Chew Urticaceae ambos aceitos veja a figura a seguir A espécie pode também ser conhecida popularmente como urtigabrava urtigão ou cansanção Os pelos encontrados nas folhas e no caule contêm substâncias irritantes que podem desencadear processos de inflamação irritação e vermelhidão cutâneas coceira e bolhas Figura 90 Urtiga 413 Algumas plantas tóxicas de relevância veterinária Se há um século os cães e gatos de rua contribuíam significativamente pela manutenção da limpeza pública hoje ocupam um lugar no coração da família Como consequência doenças comuns a humanos hoje estão presentes nos animais de companhia como diabetes câncer arteriosclerose entre outras Em 177 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS função da associação muito próxima entre os animais de pequeno e grande porte aos agrupamentos humanos atuais há um aumento de casos registrados de intoxicação entre esses animais Você sabia que as plantas tóxicas encontradas em ambiente doméstico podem causar intoxicação em cães e gatos A proximidade desses animais ao convívio humano os aproximou às plantas tóxicas o que aumenta as chances de que venham a ser ingeridas pelos nossos companheiros peludos Por isso eles podem sofrer intoxicações pelos mesmos agentes que nós seus protetores A demanda por alimento no planeta cresce a um ritmo acelerado por conta do aumento populacional mundial Por isso a criação de bovídeos caprídeos ovídeos galináceos suínos etc tem ganhado especial atenção de países produtores como o Brasil onde o desenvolvimento tecnológico agropecuário é bastante grande O Brasil é um dos maiores produtores de proteína animal no mundo tendo um dos maiores rebanhos de gado caprídeos ovídeos e aves Acidentes com plantas tóxicas ocorrem nos pastos onde o cultivo de pastagem propicia a diminuição drástica de biodiversidade Eventualmente uma espécie com alto grau de toxicidade cresce nessas áreas aumentando as chances de serem ingeridas pelos animais Algumas das plantas são muito tóxicas e levam os animais a óbito o que causa um prejuízo econômico aos proprietários Saiba mais Sobre o assunto leia os textos a seguir TOKARNIA C H et al Plantas tóxicas do Brasil para animais de produção 2 ed Rio de Janeiro Helianthus 2012 SERODIO J J Principais plantas tóxicas que cursam em sinais neurológicos primárias e secundarias em ruminantes Goiânia Universidade Federal de Goiás 2011 Disponível em httpsportaisufgbrup67o semi2011JulianaJob2cpdf Acesso em 24 nov 2020 Camará Lantana camara L Verbenaceae Tem como sinonímias populares cambará camarádecheiro camarádeespinho cambarádecheiro cambarádechumbo cambaráverdadeiro cambarávermelho cambarámiúdo e chumbinho É tóxica a bovinos e letal a uma dose aproximada de 40 gkg MATOS et al 2011 de folhas frescas ingeridas de uma só vez ou 10 gkg de folhas ingeridas por quatro a cinco dias seguidos O consumo dessa espécie se dá pela falta de pasto adequado e fome do animal Pode causar fotossensibilização e consequente queimadura na pele do animal intoxicado Dependendo do grau de intoxicação ocorrem manifestações como queimaduras sensibilidade aos raios solares icterícia urina amarronzada fezes em pequena quantidade e escuras diarreias eventuais anorexia diminuição ou cessação de funcionamento do rúmen e eventualmente morte TOKARNIA et al 2012 178 Unidade I Ervaderato Palicourea marckgravii St Hill Rubiaceae Também conhecida como cafébravo ervacafé cafezinho roxa e roxinha É comum nos estados do Norte embora seja encontrada em todo Brasil com exceção do Sul e do sertão nordestino Aparentemente os bovinos preferem consumir a ervaderato em vez de consumir as espécies típicas de forragem mesmo quando não têm fome A dose letal dessa espécie é de 1 gkg de folhas Causa a síndrome da morte súbita com sintomas que se apresentam rapidamente como a queda repentina do animal e morte iminente em apenas alguns minutos É a espécie vegetal mais letal para animais de grande porte Outras espécies de Palicourea também provocam esse grau de intoxicação como P juruana P grandifolia P bracteosa e P crocea Chibata ou gibata Arrabidaea bilabiata Sprague Sandw Bignoniaceae Outra espécie importante na região amazônica Os animais ingerem essa espécie comum nas várzeas amazônicas somente quando estão com fome Sintomas iniciamse em 24 h porém não antes de seis horas da ingestão das folhas mas a resposta é dosedependente Os sintomas agudos são a queda do trem anterior ao estimular o movimento os animais caem e permanecem em decúbito lateral fazendo movimentos de pedalar mugem alto e morrem A ingestão da planta leva a elevados índices de mortalidade entre os bovinos Uma vez que os sintomas se manifestam a morte é iminente Arrabidaea japurensis apresenta os mesmos sintomas mas é mais comum em Roraima Rabodetatu Mascagnia rigida Griseb Malpighiaceae É uma espécie comum em Minas Gerais no Espírito Santo e nos estados do Nordeste como Sergipe Piauí e Bahia já o M elegans é comum no sertão de Pernambuco Essas espécies apresentam o mesmo perfil de intoxicação que a ervaderato 414 Plantas tóxicas classificadas segundo seus efeitos tóxicos e medidas emergenciais a serem tomadas A seguir a classificação das plantas das quais falamos até aqui Outras espécies vegetais que apresentam agentes tóxicos semelhantes podem estar relacionadas no mesmo grupo mesmo que não mencionadas anteriormente Saiba mais Acesse o site a seguir SINITOX Galeria de fotos plantas tóxicas Brasília sdc Disponível em httpssinitoxicictfiocruzbrplantastoxicas Acesso em 23 nov 2020 179 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 4141 Plantas que causam lesão em mucosas São exemplos oxalato de cálcio comigoninguémpode copodeleite taioba cheflera monstera tinhorão látex chapéudenapoleão coroadecristo espirradeira bicodepapagaio avelós e urtiga A presença dos cristais de oxalato de cálcio pode provocar edema orofaríngeo e consequentemente dificuldade em respirar além de dificuldade em administrar as secreções salivares e de falar CUMPSTON et al 2003 A velocidade de formação de edema pode variar de intensidade conforme a pessoa e esta deve ser levada à emergência tão logo se observe o início do edema uma vez que pode causar o impedimento da entrada de ar aos pulmões Para saber mais sobre os oxalatos veja o tópico sobre toxicologia dos alimentos 4142 Plantas que causam irritação cutânea por trauma mecânico São exemplos urtiga cactos juá e coroadecristo O tratamento é relacionado aos cuidados de limpeza e desinfecção aplicados aos ferimentos leves com o uso de antissépticos MORAN TALAN ABRAHAMIAN 2008 e bandagens ou outros procedimentos LEE HANSEN 2009 quando necessário 4143 Plantas que causam irritação ou dermatites de contato por irritantes ou alergia por dermatites de contato alérgicas ou dermatites indeterminadas São exemplos avelós babosa chapéudenapoleão coroadecristo crisântemo espirradeira sementes ou óleos originados das sementes de amendoim gergelim girassol entre outros Pode ocorrer o aparecimento de irritações cutâneas em mucosas e nos tecidos oculares causadas pelo contato direto com o látex presente ou reações alérgicas com manifestações respiratórias O tratamento se dá através da limpeza do látex ou dos óleos vegetais com produto adequado a se levar em conta que látex e óleos vegetais são compostos por substâncias de baixa polaridade cuja remoção com água e sabão é mais difícil Nos casos de alergia respiratória o encaminhamento a pronto atendimento deve ser feito a depender da profundidade do comprometimento respiratório Saiba mais Sobre os diferentes tipos de dermatites consulte o livro KASHIWABARA T B et al Medicina ambulatorial VI com ênfase em medicina do trabalho 6 ed Montes Claros Dejan 2019 4144 Plantas que apresentam compostos que provocam fitofotodermatose São exemplos as frutas cítricas as quais causam queimaduras que podem ser sérias quando o sumo de limões por exemplo ou o óleo presente em sua casca entram em contato com a pele das mãos ou antebraços ou mesmo quando as mãos impregnadas do sumo ou do óleo são levadas ao rosto durante 180 Unidade I o preparo das bebidas GALVAÑPÉREZ DEL PULGAR LINARESBARRIOS GALVAÑPOZO JR 2016 Se esse indivíduo está sob o sol as regiões afetadas ficarão mais sensibilizadas à ação dos raios solares e as queimaduras irão aparecer A limpeza do óleo sobre a pele não é simples uma vez que o produto é de fácil dispersibilidade durante o ato de lavagem podendo este espalhar o óleo sobre a região a depender da quantidade Devese lavar com água e sabão até remoção completa do óleo e evitar banho de sol na região afetada Algumas espécies vegetais que apresentam compostos derivados de furanocumarinas MOREAU ENGLISH GEHRIS 2014 e de antraquinonas BRANDÃO VALENTE 1988 podem provocar fotodermatites após ingestão seguida de exposição solar 4145 Plantas que causam distúrbios gastrointestinais São exemplos babosa antraquinonas mamona toxialbuminas e ricina pinhãoparaguaio pinhãoroxo flordecoral toxialbuminas e curcina folhas e frutos juá jequirití toxialbuminas em sementes imaturas tornam a espécie mais tóxicas alamanda 4146 Plantas que causam distúrbios neurológicos São exemplos saiabranca estramônio alcaloides tropânicos presentes em todo organismo principalmente nas sementes os quais inibem a ação da acetilcolina nos receptores do SNC intoxicação atropínica semelhante à anticolinérgica e damadanoite O tratamento da intoxicação por alcaloides e outros compostos que causam distúrbios neurológicos deve ser feito com base em anamnese e histórico do paciente uma vez que cada tipo de alcaloide apresenta mecanismo de ação específico sobre o sistema nervoso Para informações complementares confira os tópicos sobre drogas de abuso e toxicologia dos alimentos Saiba mais Sobre plantas alucinógenas utilizadas em cerimônias religiosas e curativas de tribos quilombos e outras comunidades tradicionais leia SCHULTEZ R E HOFMANN A RATSCH C Planta de los Dioses Washington Fondo de Cultura Económica 2006 4147 Plantas que causam distúrbios cardíacos São exemplos alamanda ou dedaldedama azaleia chapéudenapoleão espirradeira e glicosídeos cardioativos As intoxicações digitálicas têm como características a alterações neurológicas como confusão mental fraqueza e xantopsia b alterações cardíacas observáveis no eletrocardiograma que incluem taquicardia e arritmias diversas como as extrassístoles ventriculares e a taquicardia atrial com bloqueio atrioventricular variável que são as duas condições mais frequentes GRIMM et al 2018 181 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS além de bradicardias e c alterações gastrointestinais como dor abdominal anorexia náuseas e vômito A análise de eletrocardiograma é determinante pois outras alterações podem ser observadas além da anamnese Como antídoto fazse a administração de anticorpo específico para digoxina fab fragments nos casos mais graves EHLE PATEL GIUGLIANO 2011 para os casos mais frequentes devese prover hidratação atropina e passagem de marcapasso para restaurar pressão arterial e frequência cardíaca Corrigir distúrbios eletrolíticos é essencial Saiba mais Veja o artigo científico a seguir para saber mais sobre intoxicação por digitálicos EHLE M PATEL C GIUGLIANO R P Digoxin clinical highlights a review of digoxin and its use in contemporary medicine Critical Pathways in Cardiology v 10 n 2 p 9398 2011 4148 Plantas que causam distúrbios respiratórios São exemplos mandiocabrava semente de maçã semente de pêssego rabodegato sorgo amigdalina em maçã e pêssego durrina sorgo e gramíneas linamarina mandiocabrava e alguns feijões Os acidentes mais graves são provocados pelos glicosídeos cianogênicos Para saber mais sobre esses compostos veja o tópico que aborda a toxicologia de alimentos 4149 Plantas abortivas São exemplos alecrim arruda canela artemísia buchinhadonorte guiné e papoula ou hibisco Uma lista significativa de espécies vegetais abortivas pode ser encontrada em alguns trabalhos YAZBEK et al 2016 a maioria de uso no Brasil em suas diferentes regiões Os sinais de intoxicação estão relacionados de modo geral à perda do feto por sangramento além de dores abdominais A grávida deve ser atendida imediatamente uma vez que a depender da dose o consumo de tais plantas pode ser fatal à mãe 42 Animais peçonhentos e venenosos A vida na natureza é difícil e competitiva Os seres que vivem em um ambiente selvagem precisam se defender de predadores para que possam se reproduzir e manter a espécie Alguns animais usam estratégias de sobrevivência baseadas na produção de substâncias tóxicas O grande problema é que quando esses animais estão muito próximos a nós podem causar sérios e doloridos problemas Acidentes com animais peçonhentos podem ocorrer dentro da nossa casa no quintal quando entramos em uma floresta quando construímos nossas casas próximo a áreas que são moradia desses 182 Unidade I animais ou mesmo após catástrofes ambientais que desalojam os animais de seus redutos Ainda há outro detalhe importante o Brasil é um país de dimensões continentais que apresenta diferentes biomas e uma das maiores taxas de biodiversidade do mundo Por esse motivo aqui são encontradas muitas espécies de animais peçonhentos e alguns desses animais gostam de regiões específicas como a aranha marrom comum na região Sul ou algumas espécies de jararaca que crescem e vivem em ilhas como a jararacadeAlcatrazes encontrada na ilha de Alcatrazes ou a jararacailhoa encontrada na ilha da Queimada Grande ambas no estado de São Paulo Essas ilhas são paradisíacas mas essas cobras muito peçonhentas são praticamente as únicas moradoras Algumas cobras podem ser encontradas em todo o território brasileiro pelo seu alto poder adaptativo como a jararaca Animais aquáticos também podem apresentar peçonhas e venenos como o peixeescorpião ou peixeleão raias baiacu pepinodomar e mariscos águasvivas e caravelas Os registros de casos de intoxicação por animais marinhos são menores do que os apresentados pelos animais terrestres Peçonhas são substâncias de origem exclusivamente animal geralmente proteica produzidas por glândulas especializadas localizadas em regiões próximas ao órgão utilizado pelo animal para inoculação como presas espinhas etc Existem quatro tipo de peçonhas a citotóxica a hemotóxica a miotóxica e a neurotóxica que são classificadas de acordo com o local de ação seja em células sangue músculo ou sistema nervoso respectivamente Venenos são substâncias produzidas em determinados órgãos ou por todo o organismo do animal porém permanecem dispersos por esses órgãos sem serem inoculados como as peçonhas A intoxicação por veneno pode ocorrer pela ingestão do organismo ou de parte desse organismo como o baiacu pelo contato com parte do organismo como as cerdas de taturanas por compressão como ocorre com as glândulas de alguns sapos ou por penetração através do trato respiratório Assim que a toxina é exposta ao organismo começa a ocorrer sua absorção a distribuição a transformação e a interação entre a peçonha e o sítio alvo específico que pode estar localizado em um ou em mais de um órgão com consequente alteração da homeostase do organismo Por final a peçonha é excretada A toxicodinâmica vai variar conforme as propriedades físicoquímicas apresentadas pela substância em função de sua natureza química 421 Acidentes com animais peçonhentos e venenosos no Brasil Os acidentes com animais venenosos e peçonhentos foram incluídos na lista de doenças tropicais negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde a OMS Na lista estão em especial os acidentes com cobras também conhecidos como acidentes ofídicos Mas por que a picada de cobra é considerada agora uma doença negligenciada junto com Chagas leishmaniose etc se a princípio uma coisa nada tem a ver com a outra Isso aconteceu porque os casos de acidentes ofídicos ocorrem principalmente nas zonas tropicais e subtropicais do mundo e em geral atingem pessoas que vivem em áreas rurais Além disso os acidentes ofídicos estão incluídos na Lista de Notificação Compulsória do Brasil o que significa que todos os casos devem ser notificados ao Governo Federal imediatamente após serem confirmados 183 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Saiba mais Acesse o site a seguir SINITOX Galeria de fotos animais peçonhentos Brasília sdb Disponível em httpssinitoxicictfiocruzbranimaispeconhentos Acesso em 23 nov 2020 Temos muitos tipos de cobras no Brasil Os acidentes ofídicos por aqui são causados por mais de 350 espécies de serpentes pertencentes às famílias Viperidae e Elapidae Os acidentes são divididos conforme os grupos aos quais as serpentes são classificadas em acidentes botrópicos crotálicos laquésicos e elapídicos Vamos a eles 4211 Acidentes botrópicos São aqueles causados por serpentes pertencentes aos gêneros Bothrops e Bothrocophias da família das Viperidae grupo que reúne as jararacas O veneno dessas espécies causa proteólise hemorragias e coagulação FONSECA et al 2004 sendo as duas muito evidentes e características para a picada de jararaca Estão presentes na composição do veneno água sais minerais carboidratos enzimas e proteínas que são estudados a partir da retirada do veneno das cobras no laboratório O veneno é submetido ao processo de fracionamento que se dá por técnicas cromatográficas específicas como a cromatografia líquida de alta pressão que utilizam métodos baseados na separação das moléculas por tamanho usando verdadeiras peneiras moleculares As frações obtidas são caracterizadas segundo seus componentes e estudadas para diversas finalidades como entender o mecanismo de toxicidade e até mesmo verificar se algumas dessas frações podem conter substâncias a serem usadas como remédio Na década de 1960 pesquisadores do Instituto Butantan em São Paulo obtiveram uma fração do veneno da jararaca que continha peptídeos que serviram de base para o desenvolvimento do captopril um inibidor da enzima conversora de angiotensina I usado em casos de hipertensão BERLINCK 2012 Mas vamos estudar o que sabemos sobre as picadas de jararaca e seus efeitos tóxicos A região que recebe a picada da jararaca vai sofrer inicialmente um efeito local dado pelas enzimas proteolíticas presentes no veneno Essas enzimas irão degradar as proteínas que estão nas células dos tecidos ao redor da picada seja pele músculo ou sangue Tudo começa a ser degradado Então o tecido que sofre esse tipo de degradação começa a ser necrosado Depois observase uma hemorragia na região da picada das jararacas que se dá por conta de enzimas chamadas de hemorraginas Essas enzimas podem alcançar outros órgãos e provocar hemorragias internas o próprio nome já diz tudo Como se não bastasse entram em cena os agentes coagulantes que podem transformar fibrinogênio em fibrina e estimular a coagulação sanguínea na região Agora um pouco do lado positivo derivado do estudo do veneno das cobras essa substância a fibrina é também matériaprima para o desenvolvimento de um tipo de cola que tem sido usada para unir tecidos que foram abertos nas feridas cirúrgicas ou mesmo para colar tendões além de diminuir intensamente a sensação de dor local LUAN et al 1993 184 Unidade I Falando um pouco mais especificamente o veneno das jararacas é constituído de metaloproteinases desintegrinas serinoproteases fosfolipases miotoxinas e neurotoxinas proteínas não tóxicas e frações não proteicas CUNHA MARTINS 2012 As metaloproteinases são as enzimas que quando ligadas ao zinco para serem ativas são as responsáveis pela necrose local por hemorragias e por reações inflamatórias Existem quatro grupos de metaloproteinases chamados de PI PII PIII e PIV O grupo PI que tem metaloproteases não causa hemorragias O grupo PII que tem metaloproteases e desintegrinas já causa algum grau de hemorragia O grupo PIII que tem desintegrinas e é rico em cisteína causa muita hemorragia Finalmente temos o grupo PIV que contém as desintegrinas cisteínas e lectinas tipoC As desintegrinas impedem que as células se liguem entre si pelas integrinas bloqueandoas e impedindoas de se ligarem a outras moléculas envolvidas na coagulação sanguínea como o fibrinogênio Observação As integrinas são proteínas de adesão que ficam na membrana celular e que se ligam a proteínas da matriz extracelular em uma extremidade e a proteínas do citoplasma na outra extremidade Elas estão envolvidas em vários processos funcionais das células em particular no estancamento dos processos hemorrágicos que têm significado para nosso tema As serinoproteases são enzimas que catalisam proteínas através da hidrólise nas ligações peptídicas Auxiliam no processo de digestão de proteínas e em processos bioquímicos celulares e participam da cascata de coagulação fibrinólise e agregação plaquetária com ação parecida com a da trombina que é a de ativar elementos da cascata de coagulação Essas enzimas as serinoproteases também auxiliam na degradação das proteínas Fosfolipases como a fosfolipase A2 hidrolisam fosfolipídeos de membrana e geram compostos diretamente relacionados à cascata da inflamação como as prostaglandinas leucotrienos e tromboxanas através da degradação que passa pela obtenção do ácido araquidônico Veja o que uma mordida de jararaca pode provocar Essas enzimas por sua vez iniciam a cascata inflamatória aumentam a permeabilidade capilar e recrutam leucócitos causando uma verdadeira confusão imunológica na região da mordida que mais tarde passa a ser sistêmica As miotoxinas e neurotoxinas encontradas no veneno da jararaca são responsáveis por causar um bloqueio na neurotransmissão na altura da junção neuromotora por bloquear canais de potássio dos neurônios Assim ocorre a morte por asfixia a depender da extensão de ação do veneno na vítima por exemplo em pequenos animais e em crianças 4212 Acidentes crotálicos São aqueles causados por serpentes pertencentes ao gênero Crotalus da família das Viperidae grupo que reúne as cascavéis Os venenos crotálicos são compostos por substâncias como enzimas toxinas e peptídeos sendo a fração que contém crotoxina uma toxina que age causando um bloqueio 185 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS présináptico da junção neuromotora que causa paralisia dos músculos dos membros e músculos relacionados à respiração miastenia característica que apresenta ptose bilateral mialgia e edema local No caso de picada de cascavel um dos efeitos mais característicos observados é a pálpebra caída o que chamamos de ptose e a parada respiratória Nada bom As serpentes do gênero Crotalus produzem venenos que apresentam além da crotoxina da qual já falamos frações que contêm crotamina convluxina e girotoxina Vamos a elas A crotoxina corresponde à maior fração do veneno Isso significa que ela vai ser encontrada em maior quantidade cerca de 65 da composição do veneno pra ser mais específico A composição dessa toxina é de uma unidade de fosfolipase e de outra unidade chamada de crotapotina Já vimos que a fosfolipase age na junção neuromotora e no caso do veneno da cascavel ela vai agir com mais eficácia quando ligada à crotapotina A crotamina é um polipeptídeo não enzimático que tem baixa massa molecular por ser formada por apenas 42 aminoácidos É bem resistente à temperatura o que é um problema para que perca a atividade e é uma miotoxina ou seja vai agir nas células musculares bem em suas membranas e causar necrose local além de um tipo de paralisia Convulxina é uma glicoproteína e é uma neurotoxina Como o próprio nome sugere pode causar convulsões problemas com o equilíbrio alterações visuais indução de agregação plaquetária e uma possível isquemia que pode levar à morte A girotoxina também é uma glicoproteína mas é menos perigosa que a convulxina por apenas causar lesões no labirinto mas não podemos ficar iludidos com o fato de ser menos perigoso pois alguns autores relatam a atividade semelhante à trombina como já vimos para outras frações de venenos 4213 Acidentes laquéticos São aqueles causados por serpentes pertencentes ao gênero Lachesis da família das Viperidae grupo da surucucu Esse veneno contém os seguintes grupos de substâncias de origem proteica alguns dos quais já mencionados anteriormente fosfolipase A2 serinoprotease lectinas do tipoC metaloproteinases proteínas ricas em cisteína aminoácido oxidase e peptídeos potenciadores de bradicinina BPPs Estes últimos inibem a degradação da bradicinina e a conversão de angiotensina I a angiotensina II o que leva a quadros de hipotensão ALVES 2010 4214 Acidentes elapídicos São aqueles causados por serpentes pertencentes aos gêneros Micrurus e Leptomicrurus da família das Elapidae que é o grupo das corais verdadeiras As principais frações do veneno elapídico apresentam em sua composição as fosfolipases A2 e as citotoxinas as quais são divididas em neurotoxinas e cardiotoxinas que já foram isoladas de outras serpentes dessa mesma família O estudo das frações dos venenos de corais verdadeiras é mais escasso por conta da baixa quantidade de acidentes e de veneno produzido pelas serpentes e mesmo com essa dificuldade frações de fosfolipase A2 e das 186 Unidade I citotoxinas foram encontradas na coral além de lectinas do tipoC serinoproteases aminoácido oxidase nucleotidase e ohanina CISCOTTO 2011 422 Principais animais peçonhentos e venenosos do Brasil Veja uma coisa interessante sobre as cobras nem todas deixam aqueles dois furinhos ao picarem uma pessoa As serpentes injetam as toxinas através de suas presas presentes em dentições que podem ser classificadas em áglifa opistóglifa proteróglifa ou solenóglifa veja a figura a seguir A B C D Figura 91 Tipos de dentição das cobras A Áglifa B Opistóglifa C Proteróglifa D Solenóglifa A dentição do tipo áglifa se apresenta com os dentes do mesmo tamanho e maciços sem que haja o canal de passagem da peçonha É comum nas cobras constritoras aquelas que se enrolam em suas vítimas como a jiboia a sucuri e a caninana Na dentição do tipo opistóglifa as presas se localizam na porção posterior do maxilar superior o que dificulta a inoculação do veneno por isso as cobras que apresentam esse tipo de dentição não são tão venenosas como a falsacoral por exemplo Na dentição proteróglifa as presas estão localizadas na porção anterior do maxilar superior e possuem canais para inoculação do veneno As serpentes que apresentam esse tipo de dentição possuem boca pequena o que dificulta a mordida e consequentemente a inoculação do veneno como ocorre nas corais verdadeiras A dentição do tipo solenóglifa apresenta presas ocas localizadas na região anterior do maxilar superior e que se projetam no momento da mordida Esse tipo de dentição é encontrado nas cascavéis nas jararacas e nas surucucus 187 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Na prática não teremos tempo de verificar o tipo de dentição das cobras não é mesmo Mas caso haja possibilidade de se pegar a cobra causadora do acidente a dentição pode ajudar a distinguir se a cobra era uma coral falsa ou uma coral verdadeira o que poderá ser útil na escolha do tratamento Aqui não temos dúvida a maior responsável pelos acidentes ofídicos no Brasil é a jararaca as serpentes do gênero Bothrops Algumas espécies desse gênero encontramse amplamente distribuídas em todo o território nacional como a jararaca ao passo que outras podem ter distribuição territorial tão restrita quanto a uma ilha como é o caso da jararacailhoa Bothrops insularis restrita à IlhadaQueimadaGrande no litoral de São Paulo Existem casos reportados de acidente vascular cerebral hemorrágico além dos outros sintomas comuns às metaloproteinases presentes nas toxinas desses animais como hemorragias e necroses disparadas pela picada de uma serpente do gênero Bothrops na Paraíba DELGADO et al 2017 Veja nas fotos a seguir as espécies que mais estão envolvidas nos acidentes botrópicos Jararaca Bothrops jararaca Apresenta comportamento agressivo e sua toxina causa necrose vômitos tontura e náusea veja a figura a seguir Figura 92 Jararaca Queixoamarelo quatronarizes barbaamarela cobraveludo e macagua Bothrops asper É a mais temida serpente da América Latina Ocorre do sul do México ao norte da América do Sul Suas toxinas causam inchaço dor local bolhas dormência febre dor de cabeça sangramento no nariz 188 Unidade I gengivorreia sangramento gastrointestinal choque hemorrágico náuseas vômitos comprometimento dos sentidos hemorragia intracraniana insuficiência renal aguda necrose no local da mordida e membro apodrecido que pode levar à amputação do membro afetado Jararacuçu Bothrops jararacuçu Com uma só mordida é capaz de injetar muito veneno e causar hemorragia edema e lise de tecido veja a figura a seguir Figura 93 Jararacuçu Urutucruzeiro Bothrops alternatus Seu bote é rápido As toxinas apresentam um alto grau de toxicidade Provoca necrose e hemorragia Como hábito alimentar gosta de pequenos roedores Não põe ovos É comum aos cerrados e aos banhados do Sul podendo ocorrer nos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paraná São Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro e Bahia e também no Paraguai no Uruguai e na Argentina Em seu desenho há uma cruz na qual se baseia seu nome popular veja a figura a seguir Figura 94 Urutucruzeiro 189 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Caiçaca ou caiçara Bothrops moojeni É semelhante à jararaca e causa necrose dor inchaço e hemorragia veja a figura a seguir Figura 95 Caiçaca Cobracotiara Bothrops fonsecai Ocorre no Sudeste com exceção do Espírito Santo Ao ser picada por essa serpente a pessoa deve receber auxílio rápido em menos de quatro horas por conta da ação necrosante rápida e do aparecimento de hemorragias veja a figura a seguir Figura 96 Cobracotiara 190 Unidade I Jararacaverde Bothrops bilineatus Esta serpente habita árvores o que leva o bote a ser dado na altura da cabeça ou do pescoço Ocorre em Amazonas Bahia Alagoas e Pernambuco Por ser encontrada em árvores caça pássaros e pequenos mamíferos veja a figura a seguir Figura 97 Jararacaverde Jararacailhoa Bothrops insularis Ocorre exclusivamente na IlhadaQueimadaGrande no litoral de SP veja a figura a seguir Essa serpente pode ficar por mais de sete meses sem se alimentar O acidente com a toxina dessa serpente pode causar morte por falência geral dos órgãos em um período de até duas horas após a inoculação A ilha está localizada a apenas 35 km do litoral das cidades de Itanhaém e Peruíbe cujo acesso é restrito e se dá apenas com autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação e da Biodiversidade por barcos autorizados O nome da ilha vem do costume antigo de pescadores atearem fogo na vegetação para espantarem as serpentes e poderem desembarcar com mais segurança Agora como as cobras foram parar na ilha é outra história Figura 98 Jararacailhoa 191 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Jararacadealcatrazes Bothrops alcatraz Na Ilha de Alcatrazes que fica também no litoral de São Sebastião em São Paulo ocorre endemicamente uma espécie de jararaca que habita há ilha a uns 15 mil anos veja a figura a seguir Essa serpente embora pequena possui uma toxina 10 vezes mais potente do que a toxina da jararaca encontrada no continente Figura 99 Jararacadealcatrazes Cascavel boicininga ou maracamboia Crotalus durissus As cascavéis são conhecidas pela sua principal característica que é a presença de um chocalho na ponta de sua cauda veja a figura a seguir São responsáveis por aproximadamente 10 dos acidentes ofídicos no Brasil Seu veneno é neurotóxico crotoxina neurotoxina de ação présináptica que inibe a liberação de acetilcolina Sua ação miotóxica produz lesões da fibra muscular esquelética a qual libera enzimas e mioglobina para o sangue que é posteriormente excretada pela urina e a ação anticoagulante pode ser eventual No Brasil existem cinco subespécies de cascavéis identificadas segundo a ocorrência nas diferentes regiões do Brasil C durissus terrificus em zonas altas secas no Sul C durissus collineatus no CentroOeste em Minas Gerais e em São Paulo C durissus cascavella na Caatinga C durissus ruruima na região Norte e C durissus marajoensis na Ilha de Marajó 192 Unidade I Figura 100 Cascavel 4221 Animais responsáveis pelos acidentes elapídicos no Brasil Coral verdadeira Micrurus sp São 32 espécies de corais verdadeiras e 52 de corais falsas pertencentes a esse gênero mais três espécies de corais pertencentes ao gênero Leptomicrurus veja a figura a seguir Os acidentes elapídicos correspondem a apenas 05 a 1 do total porém podem causar morte em poucas horas Portanto melhor não esperar saber se a coral é verdadeira ou se é falsa As serpentes corais não dão bote A picada ocorre se ela for pisada ou diretamente importunada As principais características observadas em um indivíduo acometido pela picada de coral verdadeira são neurotoxicidade e paralisia neuromuscular decorrente de bloqueio da placa terminal motora póssináptica dos neurônios receptores de acetilcolina que podem ou não ocorrer a depender da espécie de coral causadora do acidente uma vez que os venenos variam em composição PARDAL PARDAL GADELHA 2010 Figura 101 Coral 193 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 4222 Animais responsáveis pelos acidentes laquéticos no Brasil Surucucu picodejaca bicodejaca surucucucospefogo surucucuapagafogo surucutinga Lachesis muta É uma das maiores serpentes do mundo certamente a maior do Brasil com 4 m de comprimento e presas de 25 cm ou mais veja a figura a seguir Os sintomas dos acidentes laquéticos são a presença de edema equimose mancha causada por extravasamento de sangue na pele bolhas gengicorragia hematúria bradicardia hipotensão arterial sudorese vômitos náuseas cólicas abdominais diarreia e quadro neurotóxico Não se deve fazer torniquetes em membros acidentados por picada de cobra particularmente as da família das jararacas Não se deixe levar por filmes e seriados estrangeiros pois as nossas cobras não são iguais às cobras gringas No caso de dúvida leve o acidentado o quanto antes para um prontosocorro que tenha o soro antiofídico Figura 102 Surucucu picodejaca Escorpiões Ocorrem nas zonas tropicais e subtropicais do mundo especialmente nas épocas de chuva e temperatura elevadas Os escorpiões foram responsáveis pela maioria dos acidentes com animais peçonhentos em 2017 Houve registros de 11679 casos em humanos e seis óbitos de crianças sendo três de cada sexo desses óbitos cinco ocorreram na região Sudeste e um na CentroOeste Em termos regionais as regiões Sudeste 5279 casos e Nordeste 5228 casos são as que apresentaram maior número de casos de acidentes com escorpiões em 2017 seguidas das regiões Sul 787 casos CentroOeste 356 casos e Norte 29 casos SINITOX sda A peçonha do escorpião é composta por diversos tipos de substâncias como enzimas lipídios nucleotídeos aminas biogênicas peptídeos e outros compostos BATISTA et al 2004 194 Unidade I As toxinas do escorpião podem agir sobre os canais de sódio de potássio de cloro e de cálcio e afetam diferentes células CATTERALL et al 2007 Elas são conhecidas pela ação específica sobre cada canal Por exemplo o escorpião Tytius serrulatus o escorpiãoamarelo possui toxinas que agem sobre o sistema nervoso periférico onde aumentam a liberação de neurotransmissores Essas toxinas são conhecidas por Ts e são numeradas conforme identificadas em Ts1 Ts2 Ts15 As toxinas Ts1 e Ts5 ligamse a canais de Na a toxina Ts2 ligase a canais de Ca2 e as outras Ts ligamse a canais de K Além dessas toxinas o veneno de escorpião também apresenta hialuronidases degradam ácido hialurônico presente na matriz extracelular proteases ativam sistema complemento e desempenham papel no processo inflamatório que acontece após a picada e peptídeos originados da quebra de proteínas causada pela ação do veneno Apresentam também enzimas proteolíticas que são conhecidas como serinoprotease cisteinoprotease metaloprotease aspartilprotease e treoninaprotease DUZZI 2014 Embora haja 19 famílias de escorpiões no mundo somente os do gênero Tityus ocorrem no Brasil sendo alguns mais comuns em determinadas regiões O escorpiãoamarelo Tytius serrulatus veja a figura a seguir apresentase distribuído em todo o Brasil Por conta disso é o responsável pelo maior número de casos de acidentes Figura 103 Escorpiãoamarelo escondido em telhas O escorpiãomarrom Tityus bahiensis que pode ser preto às vezes ocorre principalmente na Bahia e nos estados do CentroOeste Sudeste e Sul do Brasil Já o escorpiãoamarelodonordeste Tityus stigmurus possui um característico triângulo negro na cabeça uma faixa longitudinal mediana negra no corpo e manchas laterais em cada segmento do corpo Como o próprio nome comum sugere é de ocorrência frequente no Nordeste do Brasil Ele se alimenta de baratas Sua picada é dolorida e crianças idosos e imunocomprometidos necessitam de socorro médico Há também o escorpiãopretodaamazônia Tityus cambridgei que vive na Amazônia somente Ele é castanhoavermelhado a negro com pontos claros 195 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Já o Tityus trivittatus amareloescuro apresenta três faixas longitudinais escuras Ele é encontrado no Rio Grande do Sul Paraná Mato Grosso do Sul Mato Grosso Goiás Minas Gerais e Rio de Janeiro Os casos de picadas de escorpiões são mais comuns em locais próximos a residências construções ou em áreas onde há acúmulo de materiais como madeiras amontoados de entulho terrenos baldios e folhagens densas Quando o acidente ocorre com um adulto aparecem sintomas locais como dor intensa no local da picada vermelhidão e inchaço piloereção sudorese localizada movimentos involuntários de determinados grupos musculares mioclonia e contrações musculares involuntárias escorpiãopretodaamazônia Os casos mais graves são observados em crianças menores de 7 anos por conta da proporção entre a massa corpórea e o volume de toxina injetado na picada Nesses casos quanto antes a criança receber o soro adequado melhor serão as condições de tratamento em particular quando o acidente for com o escorpiãoamarelo Aranhas As aranhas são responsáveis por um número significativo de acidentes por ocorrerem em locais de habitação humana e animal Em termos clínicos as reações são menos significativas mesmo sendo severas raramente levam à morte A armadeira aranhadabanana ou aranha macaca Phoneutria nigriventer é uma aranha agressiva responsável por acidentes domésticos veja a figura a seguir Ela se esconde em sapatos roupas e cortinas e sua picada é pouco visível É responsável por um grande número de casos de acidentes com aranhas Os sintomas podem ser pulso acelerado dor local febre suor problemas respiratórios vertigem e vômito Figura 104 Aranha armadeira 196 Unidade I A viúvanegra Latrodectus mactnas embora fatal para o macho após a cópula para o homem causa apenas dor e desconforto local veja a figura a seguir A toxina chamada lactrotoxina pode produzir dor irritante calafrio e suor em 15 minutos rigidez tremores câimbras após uma hora febre salivação sede náusea hipertensão psicomotricidade excitada taquicardia arritmia anúria e priapismo caso ocorram reações mais profundas Figura 105 Aranha viúvanegra A aranhamarrom Loxosceles gaucho ocorre em todo Brasil embora seja mais comum no Sul e no Sudeste veja a figura a seguir A picada que não tem dor e às vezes não é notada pode causar bolhas inchaço coceira e necrose após 12 a 24 horas Figura 106 Aranhamarrom Outro exemplo é a aranhadejardim aranha de grama ou aranha lobo Lycosa sp cuja picada pode causar dor formigamento ardência e queimação 197 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Já as caranguejeiras ou tarântulas Lasiodora parahybana são as maiores e mais impressionantes morfologicamente embora não muito tóxicas veja a figura a seguir pois seu veneno não apresenta grande perigo Ocorrem na região amazônica e têm até 26 cm Elas possuem pelos urticantes abdominais e cerdas de marrom a pretas Figura 107 Aranha caranguejeira Insetos Os acidentes ocorrem por inoculação de toxinas através de ferroadas As consequências da ferroada variam confirme o local a quantidade de toxina e o quanto o indivíduo apresenta alergia à toxina Em casos mais severos pode haver reação alérgica intensa podendo levar à morte No que se refere a borboletas e mariposas Lepdoptera os acidentes são causados por lagartas veja a figura a seguir mandrovás bichospeludos taturanas ou lagartasdeespinho As lagartas podem ser cabeludas família Megalopygidae que possuem pelos dorsais longos e sedosos chamados de cerdas os quais contêm glândulas de venenos urticantes Também podem ser espinhentas família Saturniidae gênero Lomonia cujos espinhos corporais liberam veneno quando quebradas podendo levar a insuficiência renal e hemorragias em casos graves O Brasil é o único país que produz soro antilomônico SALon Figura 108 Lagarta 198 Unidade I Já as lacraias Scolopendra sp também conhecidas como centopeias apresentam sinais de intoxicação dados por presença de edema dor intensa febre náusea e vômito Seu veneno é pouco tóxico e não há registro de morte veja a figura a seguir Figura 109 Lacraia Quanto às abelhas e vespas Hymenoptera a ocorrência de acidentes se dá principalmente na tentativa de se deslocar uma colônia das proximidades de residências ou locais públicos ou durante manipulação de colônias em fazendas produtoras de mel quando os funcionários não se encontram com os equipamentos de proteção individual adequados Durante a ferroada a abelha abelha africanizada Apis melífera perde o ferrão após a inoculação da toxina que pode causar reações inflamatórias e alérgicas A remoção dos ferrões deve ser feita por processo de raspagem uma vez que a tentativa de se retirar os ferrões com pinças pode favorecer a inoculação de toxinas residuais e agravar o processo inflamatório ou alérgico No caso das vespas o ferrão não permanece na vítima portanto um animal pode picar várias pessoas Outro exemplo são as formigas Hymenoptera No Brasil existem mais de duas mil espécies de formigas sendo algumas responsáveis por acidentes tóxicos As principais formigas responsáveis pelos acidentes tóxicos são a lavapés Solenopsis saevissima a formigadefogo que recebe esse nome por conta da sensação de queimação local e a tocandeira Paraponera clavata Todas elas liberam toxinas que podem causar reações alérgicas as quais em casos mais severos podem levar o indivíduo à morte por edema de glote A formiga tocandeira ou tucandeira ou tocandira faz parte de um ritual de passagem da tribo dos SateréMawé a tribo que domesticou o guaraná da Amazônia No ritual o jovem aspirante a adulto deve colocar ambas as mãos por dez minutos em um par de luvas feito de folhas e outros materiais vegetais que contêm centenas dessas formigas estrategicamente colocadas com o lado do ferrão na direção interna das luvas ou seja no sentido das mãos do jovem aspirante a adulto Desse modo por esse tempo o adolescente recebe as picadas consideradas 30 vezes mais doloridas que uma picada de abelha Após os torturantes 10 minutos com o par de luvas o jovem deve ainda aguentar a dor da toxina inoculada que segundo alguns relatos é uma das dores mais fortes que um ser humano poderia aguentar sem poder chorar 199 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Animais marinhos Cnidários e peixes São exemplos as águasvivas medusas e caravelas Cnidaria O Brasil possui mais de 8000 km de praias em seu litoral que durante a alta temporada de verão recebem milhares de turistas Acidentes com águasvivas e caravelas são mais frequentes nessa época As águasvivas possuem tentáculos que ao entrarem em contato com a pele podem inocular a toxina de base proteica causando queimaduras e irritações locais As queimaduras causadas pelas águasvivas devem ser limpas com água do mar de preferência gelada Não se deve utilizar água doce As queimaduras podem ser lavadas com ácido acético diluído em 5 que ajuda a retirar as toxinas Compressas de água do mar geladas ajudam a amenizar a sensação de queimadura A retirada dos tentáculos ou dos nematocistos microestruturas das águasvivas que inoculam o veneno na pele deve ser feita por médicos de preferência com o auxílio de pinças ou lâminas A B Figura 110 A Águaviva B Caravela Também é um exemplo o baiacu veja a figura a seguir peixe da ordem dos Tetraodontiformes que já mencionamos anteriormente Outros peixes como o peixebalão além de cefalópodes marinhos como algumas espécies de polvo e lulas alguns gastrópodes e bivalves moluscos que se apresentam em conchas com duas valvas como os mariscos e mexilhões por exemplo apresentam a tetrodotoxina Figura 111 Baiacu 200 Unidade I Podemos ainda mencionar as cianobactérias e os dinoflagelados marinhos veja a figura seguir que estudamos no tópico de toxicologia ambiental A B OH OH HN HN O O N N NH2 H2N H N Figura 112 A Cianobactérias B Saxitoxina Anfíbios Entre outras espécies o Brasil é o país que apresenta maior biodiversidade de anfíbios Aqui ocorrem 14 das espécies totalizando até o momento 517 Os acidentes com anfíbios no Brasil são mais raros Os venenos nos anfíbios são encontrados em glândulas especializadas denominadas de glândulas serosas Considerase que todo anfíbio produz substâncias tóxicas sendo que há uma variabilidade relativa ao grau de toxicidade entre as espécies Um exemplo é o sapocururu Bufos spp ou Rhinella diptyca É também conhecido como sapoboi veja a figura a seguir Possui um par de glândulas na parte superior da cabeça que secretam venenos os quais podem causar a morte caso ingeridos O veneno é composto por substâncias de origem diversa como glicosídeos cardioativos Figura 113 Sapocururu 201 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Já a salamandra Salamandra salamandra apresenta glândulas excretoras na parte posterior da cabeça que produzem substâncias altamente tóxicas Outro exemplo é a rã Phyllobates terribilis já mencionada no tópico sobre toxicodinâmica veja a figura a seguir Figura 114 Rã do gênero Phyllobates A natureza é maravilhosa Devemos conhecêla para respeitála e ter cuidado com o que ela pode nos apresentar O número de animais que podem de algum modo causar envenenamento é elevado por isso esteja atento às normas de segurança que não devem ser esquecidas como solicitar a remoção de colônias de abelhas vespas e marimbondos de locais públicos e residências vestirse com roupas e sapatos adequados para a prática de jardinagem ou de passeios ao campo olhar dentro dos calçados antes de calçálos não deixar a cama próxima às paredes vedar frestas localizadas nas paredes no chão e no forro das casas colocar sempre que possível telas nas portas janelas e ralos manter a casa e o terreno limpos sem acúmulo de restos de construção manter atenção às recomendações do Corpo de Bombeiros responsável pelas praias e só entrar na água quando autorizado 202 Unidade I 43 Domissanitários As situações de risco não acabaram Veja só assim como as plantas tóxicas e alguns animais peçonhentos estão envolvidos em acidentes com crianças idosos e animais domésticos por estarem nos espaços domésticos e nos locais públicos o fato de os domissanitários estarem armazenados em locais de convívio comum e de fácil acesso também os coloca como agentes toxicantes comuns Vamos iniciar com a definição do que são os domissanitários Domissanitários são substâncias ou fórmulas desenvolvidas para a higienização desinfecção ou desinfestação de ambientes de uso comum como a nossa casa a escola a piscina o metrô os escritórios os hospitais as ruas da cidade os prédios públicos entre outros que têm por finalidade limpar superfícies acabar com germes e bactérias e exterminar pragas como ratos e baratas Os produtos podem ser sabões detergentes saponáceos amaciantes de roupa alvejantes algicidas desodorizantes esterilizantes fungicidas limpavidros ceras de polimento removedores desentupidores desinfetantes sólidos ou líquidos água sanitária e produtos clorados produtos para manutenção de piscina repelentes raticidas e inseticidas As reações de intoxicação variam conforme a natureza química dos componentes das formulações desses produtos bem como variam os procedimentos 431 Sabões e detergentes Os efeitos tóxicos de sabões e detergentes estão em geral relacionados ao contato direto deles com a pele o que pode causar reações alérgicas ressecamento coceira rash cutâneo e distúrbios gastrintestinais ao ingerilo acidentalmente A ingestão de sabões caseiros pode levar à queimadura da mucosa que reveste o tubo digestório por conta da presença eventual de hidróxido de sódio ou soda cáustica em sua composição A diferença entre sabão e detergente está em sua estrutura química Enquanto os sabões são obtidos de ácidos carboxílicos existentes nos óleos vegetais os detergentes são obtidos a partir de produtos de petróleo Ambos apresentam em sua estrutura uma parte polar chamada de cabeça e uma parte apolar chamada de cauda Para apresentarem a capacidade saponificante desejada tanto os ácidos carboxílicos quanto os compostos derivados de petróleo devem sofrer uma reação química do tipo ácidobase para gerar os compostos a serem chamados de sabão ou de detergente Os sabões por serem derivados de ácidos carboxílicos que são ácidos fracos irão gerar sabões menos agressivos ao meio ambiente ao passo que os compostos que irão gerar os detergentes são derivados de ácido sulfúrico ácidos fortes e portanto podem ou não ser biodegradáveis a depender da síntese orgânica realizada Embora os sabões e detergentes não sejam os principais produtos usados na limpeza doméstica que estão envolvidos na intoxicação infantil ainda são listados como produtos com necessidade de atenção nas medidas de prevenção de acidentes como escolher o local apropriado para armazenamento 203 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS desses produtos evitar o armazenamento em locais próximos a alimentos e a medicamentos manter os produtos fora do alcance de crianças manter os produtos em suas embalagens originais e nunca armazenar esse tipo de produto em garrafas de refrigerantes ou sucos vazias Os produtos de limpeza devem ser elaborados de forma a não apresentarem cheiros atraentes ou gosto de doce e a embalagem deve ser feita segundo os padrões de Embalagem Especial de Proteção à Criança EEPC Uma vez que os acidentes ocorrem em ambiente doméstico é muito provável que a criança se contamine mesmo com a supervisão de um adulto responsável que está ocupado com outras atividades e não está voltado 100 do tempo à criança Segundo dados obtidos do Estado de Tocantins a faixa etária de crianças que apresenta maior morbidade hospitalar é a de1 a 4 anos seguida da faixa de 5 a 9 anos A faixa etária que apresentou menor morbidade hospitalar é a de 1 ano BRITO et al 2019 Observação Morbidade é a relação entre a taxa de doentes e o número de habitantes de um lugar em um dado momento Mortalidade é a relação entre o número de pessoas que morreram e o número de habitantes em um determinado período Os sabões e detergentes podem provocar dano ambiental como a grande quantidade de água necessária para se retirar o sabão das superfícies e a espuma pode interferir na cadeia alimentar do local que recebe os efluentes que contêm sabão Já os detergentes que têm tensoativos catiônicos aniônicos não iônicos ou anfóteros apresentam a capacidade de remover gorduras e proteínas de superfícies e podem também alterar a tensão superficial de soluções Com a diminuição da tensão superficial as bolhas de ar que contêm oxigênio e estão misturadas na água acabam saindo mais rapidamente para a atmosfera o que acarreta a impossibilidade de os animais que necessitam do oxigênio retido na água usaremno para respirar Outro problema relacionado às condições do meio ambiente em se tratando dos detergentes é que quando estes são sintéticos em particular os tensoativos aniônicos precisam de agentes quelantes ou sequestradores para aumentar a eficácia detergente e esses agentes são em geral os fosfatos Os fosfatos são descartados nos efluentes domésticos e industriais diretamente em um rio ou no mar Nessas águas a quantidade de fosfato no local vai aumentar e desbalancear a proporção com oxigênio que já estava baixa devido à ação dos detergentes Isso irá provocar o desenvolvimento de determinadas espécies de algas que podem causar a eutrofização das águas KOGAWA et al 2017 Observação Biodegradável é o composto que consegue sofrer ação de enzimas de microorganismos presentes no meio ambiente 204 Unidade I 432 Produtos que contêm compostos alifáticos derivados de petróleo Os produtos para limpeza denominados de removedores pertencem a esse grupo São produtos facilmente absorvidos pela pele e mucosas do corpo Quando ingeridos não se deve provocar vômito pois o contato desses produtos com a mucosa na trajetória de retorno à boca pode ser absorvido em maior quantidade uma vez que entrará novamente em contato com a mucosa do segmento anterior ao estômago do tubo digestório Recomendase a ingestão de carvão ativado para que o produto seja adsorvido e posteriormente excretado com as fezes junto a ele 433 Produtos que contêm ou liberam cloro Produtos de limpeza e para manutenção de piscina apresentam formulações compostas por hipoclorito de sódio cloreto de sódio carbonato de sódio ou hidróxido de sódio São comumente conhecidos por água sanitária ou pelos nomes das marcas popularizadas como clorox qboa ou cândida A potência desses produtos se dá pela quantidade de cloro disponível o chamado cloro ativo As formulações apresentam em geral até 5 de hipoclorito de sódio A ação fortemente oxidante do hipoclorito de cálcio somada à ação cáustica dos agentes alcalinos provoca atividade tóxica expressa por irritação ou corrosão de pele e mucosas Acidentes com crianças pequenas são frequentes com os produtos à base de hipoclorito de sódio e estão ligados à ingestão acidental do líquido geralmente confundido com refrigerantes ou sucos por estarem acondicionados em garrafas descartáveis que continham a bebida Nesses acidentes ocorre o aparecimento de lesões na boca esôfago e estômago salivação exagerada dificuldade de deglutição e em casos mais graves hipotensão arterial choque e efeitos no sistema nervoso central como confusão mental delírio e coma Nos Estados Unidos cerca de 45000 pessoas foram diagnosticadas com intoxicação por hipoclorito de sódio entre os anos de 2012 e 2016 SLAUGHTER et al 2019 A ação tóxica da água sanitária está relacionada com a capacidade oxidante que o composto apresenta e que em contato com mucosas vai reagir e causar a corrosão desses tecidos principalmente quando ingeridos em grande quantidade Durante a pandemia causada pelo vírus SarsCOV2 responsável pela doença conhecida por Covid19 a utilização de álcool 70 e de água sanitária aumentou significativamente nas residências e locais fechados e aumentou também a exposição a esse tipo de composto através do contato direto com a pele e da respiração A recomendação de utilização de hipoclorito de sódio é que se dilua a água sanitária comprada no mercado com 50 ml do produto comercial em 950 ml de água embora a depender do uso outras concentrações sejam indicadas como para a desinfecção de superfícies na qual recomendase a diluição de 200 ml do produto comercial em cinco litros de água Após um período de 10 minutos em contato com a água sanitária as superfícies e os produtos a que foram submetidos devem ser lavados com água 205 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A água sanitária comercial é vendida a uma concentração de cloro ativo de 20 a 25 Em meio à preocupação em manter o ambiente livre do vírus a população acaba por aumentar a concentração do produto nos preparados caseiros Outra situação que é muito preocupante é a utilização de água sanitária fabricada clandestinamente Em Maringá no Paraná no período de 2005 a 2008 de 118 casos de intoxicação por agentes clorados 635 ocorreram em homens 889 ou seja 105 dos 118 necessitaram ser atendidos em emergência e 14 pessoas precisaram de internação em unidades de tratamento intensivo Dos 105 casos de intoxicação registrados cinco mortes ocorreram SANTOS et al 2011 434 Produtos que contêm substâncias com base em amônia Vários produtos de limpeza podem conter hidróxido de amônio ou dióxido de amônio Esses produtos são responsáveis por liberarem gás amônia que é irritante assim como o líquido que o contém A amônia conhecida também por amoníaco se dissolve facilmente em água e assim pode ser usada como desengordurante Os produtos feitos com amoníaco desprendem um forte odor característico do gás amônia que é o NH3 Diversos sais de amônia são utilizados na fabricação de tensoativos como alquilbenzenossulfonatos de amônio alquilssulfatos de amônio bicarbonato de amônia estearato de amônia entre outros BRASIL 1997 Esses produtos podem provocar dermatite de contato ou queimaduras na pele e irritação nas vias aéreas superiores caso sejam inalados Os efeitos colaterais assimilamse aos efeitos observados pela intoxicação por compostos alcalinos e a ingestão de grande quantidade que é muito raro pode levar a convulsões e coma Os produtos feitos com amônia e seus sais podem ser usados como produtos de limpeza na indústria e comércio e na agricultura onde funcionam como fonte de nitrogênio em fertilizantes agentes neutralizadores na indústria do petróleo gás de refrigeração industrial entre outras aplicações CASTRO et al 2011 FEDORUK BRONSTEIN KERGER 2005 Em termos de toxicologia ocupacional esses produtos ganham uma importância por conta da exposição constante à qual o trabalhador se submete O lado bom é que o cheiro da amônia é tão irritante que funciona como um alarme que há um excesso sendo usado Pelo fato de a amônia virar gás com facilidade à temperatura ambiente existem metodologias de análise ambiental desenvolvidas que utilizam bombas coletoras do ar ambiental e fazem com que o ar passe por um tubo que contém um agente adsorvente como a sílica que depois é levado para um aparelho de espectrofotometria de absorção no visível FEDORUK BRONSTEIN KERGER 2005 ou por outras metodologias A exposição diária a vapores de amônia permitida pode chegar a 30 ppmv por oito horas por dia sendo que o limite para o olfato humano é de 55 ppmv O problema é que quando a gente se expõe muito a esse odor irritante a gente acaba se acostumando Aí moram o perigo e a necessidade de se monitorar o ambiente constantemente 206 Unidade I 435 Produtos que contêm óleos essenciais de origem vegetal ou sintética Os óleos essencias apresentam grande capacidade bactericida e por causa dessa propriedade são usados em produtos de limpeza em particular o óleo de pinho O óleo de pinho pode ser encontrado em concentrações que variam de 40 a 80 nas formulações sendo o componente ativo de desinfetantes Caso haja contato com a mucosa ocular oral ou digestiva pode ocorrer irritação dor no local aumento de salivação dor ao deglutir e vômito Caso tenha sido ingerido pode haver o aparecimento de um certo grau de irritabilidade e excitação seguidas de depressão além de distúrbios respiratórios 436 Produtos que contêm compostos fenólicos O fenol foi primeiramente obtido do alcatrão da hulha que é carvão resultante da combustão incompleta de compostos orgânicos e pode ser sintetizado em laboratório O fenol mais simples é composto por um benzeno hidroxilado Podem ser empregados como desinfetantes como a creolina hoje pouco usada Soluções preparadas com fenóis são muito irritantes e provocam lesões corrosivas que eventualmente afetam os terminais nervosos destruindoos A ingestão pode provocar lesões corrosivas nas mucosas do tubo digestório provocando dores nos locais afetados como boca esôfago e estômago A ingestão pode levar a problemas renais gerando urina escurecida 437 Produtos que contêm formaldeído Formaldeído é o nome dado à solução de formol preparada a 35 e é um gás cujo odor é altamente irritante Alguns efeitos tóxicos por produtos de limpeza e desinfecção que contêm formaldeído são a irritação das vias aéreas superiores asma alergia bronquite dermatite descoloração e necrose mas quando ingeridos podem causar vômitos diarreia e acidose metabólica por conta da conversão de formaldeído em ácido fórmico 438 Produtos que contêm ácidos Alguns produtos de uso doméstico apresentam ácidos em sua formulação como desentupidores produtos para limpeza de vasos e produtos para piscina Alguns ácidos usados nas formulações são ácido sulfúrico ácido clorídrico ácido fosfórico e ácido oxálico Os ácidos produzem necrose por coagulação podendo levar a lesões na região de boca esôfago e estômago Após um tempo podem aparecer mediastinite peritonite e estenose cicatricial do esôfago os vapores produzem irritação no sistema respiratório causando tosse secreção brônquica e edema pulmonar Podem ainda causar queimaduras ao contato com a pele Acidentes com ácido muriático acontecem com certa frequência na tentativa de atentar contra a própria vida ou no ambiente de trabalho Em um relato de casos atendidos na Santa Casa de São Paulo em 12 anos verificouse que 21 pacientes foram atendidos naquele hospital Parece até pouco mas estamos falando de apenas um hospital de São Paulo Desses 21 casos três eram de ingestão de ácido muriático CORSI et al 2000 e os pacientes apresentaram lesões corrosivas no esôfago No ano de 2017 houve o tombamento de um caminhão que transportava ácido muriático em uma de suas 207 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS rodovias que ficou interditada por muitas horas até os bombeiros conseguirem cobrir todo o asfalto atingido com cal E o motorista Em reportagem posterior soubemos que ele sofreu ferimentos leves Sorte não CAMINHÃO 2017 RELEMBRE 2017 Nessa última reportagem há o relato de outros dois acidentes com produtos químicos que aconteceram em um prazo de 30 dias Observação O termo corrosivo é aplicado para agentes ácidos enquanto cáustico é utilizado para agentes alcalinos 439 Produtos que contêm álcalis Álcalis como hidróxido de sódio ou soda cáustica hidróxido de potássio ou potassa tripolifosfato de sódio metassilicato de sódio carbonato de sódio e silicato de sódio são usados na formulação de desentupidores limpaforno detergentes de máquina de lavar e soluções de limpeza Álcalis produzem necrose por liquefação por saponificarem os lipídios e solubilizarem as proteínas Por esse motivo as lesões podem ser mais profundas A ingestão de produtos que contêm álcalis é portanto muito mais danosa ao organismo Pode ocorrer o aparecimento de edema na boca língua faringe e laringe provocando a diminuição do calibre das vias aéreas superiores com consequente alteração do funcionamento regular dos pulmões A febre pode indicar perfuração esofágica e mediastinite Vapores de álcalis são danosos para as vias aéreas superiores podendo levar a edema pulmonar e à morte ao contato com a pele pois produz queimaduras Acidentes com soda cáustica são os mais frequentes entre os produtos que contêm álcalis No estudo mencionado anteriormente CORSI et al 2000 que descrevia a intoxicação por produtos químicos corrosivos dos 21 casos reportados a maioria esmagadora 16 casos ingeriu soda cáustica Observase que pacientes infantis ingerem a soda cáustica por acidente ao passo que os adultos para se autodestruir Nos pacientes adultos foram identificados os seguintes sintomas ao darem entrada no pronto atendimento odinofagia dificuldade de engolir vômito dor retrosternal hematêmese vômito sanguinolento que vem do estômago ou do esôfago disfasia dificuldade de falar as palavras na ordem correta epigastralgia dor no epigástrio dispneia falta de ar tosse sialorreia produção elevada de saliva dor abdominal e emagrecimento Nesse estudo a mortalidade entre os que ingeriram a soda cáustica foi de 31 ou cinco dos 16 casos registrados Não se deve nesses casos tentar neutralizar a ação dos álcalis ingeridos com a administração de ácidos pois a reação ácidobase pode gerar calor e prejudicar ainda mais o estado crítico da mucosa Lavagens gástricas e eméticos também não são recomendáveis porque as substâncias cáusticas iriam reagir novamente com a mucosa já lesada ao percorrerem o caminho do estômago para a boca 208 Unidade I Bloqueadores de secreção gástrica e antiácidos podem ser administrados assim que o paciente puder deglutir em um período de seis a oito semanas Observase que as pessoas em situação de rua nas grandes cidades são vulneráveis e podem apresentar tendência à autodestruição e um dos recursos usados é a ingestão de soda cáustica junto com o café CASTRO et al 2019 Outro grupo de população vulnerável é composta pelos idosos quando afastados da convivência familiar MINAYO et al 2017 Observação Conhecido como soda cáustica e como potassa NaOH e KOH são usados hoje para se fazer sabão doméstico que é preparado a partir de óleo de cozinha reciclado 4310 Produtos que contêm piretroides Os compostos tóxicos classificados como piretroides serão abordados no tópico sobre praguicidas 4311 Produtos que contêm organofosforados Os compostos tóxicos classificados como organofosforados serão abordados no tópico sobre praguicidas 4312 Produtos que contêm carbamatos Compostos derivados do ácido carbâmico são responsáveis pela terceira maior causa de casos de intoxicação no Brasil em decorrência da facilidade de acesso Eles também penetram no organismo pela pele mucosas respiração e trato gastrintestinal Assim como os organofosforados não se acumulam no organismo nem geram efeitos mutagênicos ou carcinogênicos Eles também serão abordados com mais detalhes posteriormente 4313 Produtos raticidas Compostos utilizados para exterminar ratos e outros roedores Os raticidas podem ser formulados com mais de um produto entre os quais organofosforados e carbamatos além de anticoagulantes warfarina flocumafen clorfacinona difacinona pindone hidroxicumarina ativos sobre as vitaminas K II VII IX e X A toxicidade se manifesta através de sangramento em diversos órgãos e por aumentar a fragilidade capilar Altas doses podem levar a séria hemorragia interna Alguns produtos como estricnina arsênico e fluoracetato de sódio apresentam comercialização proibida embora clandestinamente possam ser encontrados 209 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Os efeitos tóxicos da estricnina são clássicos e se manifestam como convulsões do tipo tônicoclônicas e a morte pode ocorrer logo após a segunda manifestação convulsiva As manifestações toxicológicas relacionadas ao arsênico estão ligadas à sua afinidade com os radicais sulfidrila encontrados em algumas enzimas e na hemoglobina em que o paciente sentirá um gosto metálico na boca distúrbios gástricos e nervosos necrose hepática choque hipovolêmico e morte entre 24 horas e quatro dias da ingestão 4314 Outros produtos químicos encontrados em locais de usoconvivência comum Outros produtos químicos também podem ser encontrados em ambientes comuns como gasolina óleo diesel produtos de uso pessoal como maquiagens desodorante xampus e condicionadores demaquilantes esmalte removedor de esmalte e perfumes termômetro com bulbo de mercúrio e medicamentos Atenção deve ser dada a todos eles Saiba mais Esteja atento aos primeiros socorros a serem tomados no caso de suspeita de intoxicação por domissanitários ou produtos de limpeza Acesse SÃO PAULO ESTADO Saúde dá dicas para evitar acidentes com substâncias tóxicas São Paulo 2012 Disponível em httpwwwsaopaulo spgovbrultimasnoticiassaudedadicasparaevitaracidentescom substanciastoxicas Acesso em 27 nov 2020 Veja as recomendações da Secretaria Estadual da Saúde para evitar acidentes Mantenha caixas vidros ou cartelas de medicamentos em armários e prateleiras no alto fora do alcance de crianças Não reutilize embalagens de refrigerantes sucos ou doces para armazenar produtos químicos ou de limpeza As embalagens podem atrair e confundir até mesmo adolescentes e adultos Mantenha tanto medicamentos quanto produtos de limpeza em locais arejados em suas caixas ou embalagens originais ou com etiquetas para fácil identificação Descarte alimentos medicamentos e outros produtos que estejam fora do prazo de validade No caso de acidentes pela ingestão acidental desses produtos acione imediatamente a equipe de resgate médico pelo telefone 193 Enquanto aguarda o resgate mantenha a vítima calma e deitada de lado e em local arejado evitando que ela se machuque em caso de desmaio ou engasgue ao vomitar 210 Unidade I Não ofereça qualquer tipo de líquido e não peça para que a vítima provoque vômito No caso de intoxicação por inalação de gases tóxicos tente afastar a vítima do local e se possível desligue a válvula de escape do gás Mantenha a vítima calma e deitada de lado e em local arejado Ao notar vazamento de gases não acenda as luzes do local evitando o risco de explosões Saiba mais Leia também os textos a seguir ITANHAÉM Ilha Queimada Grande sd Disponível em http www2itanhaemspgovbrturismoilhaqueimadagrande Acesso em 25 nov 2020 POVOS INDÍGENAS NO BRASIL Sateré Mawé sd Disponível em httpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9MawC3A9 Acesso em 25 nov 2020 FIOCRUZ Anfíbios sd Disponível em httpwwwfiocruzbr biossegurancaBisinfantilanfibiohtm Acesso em 25 nov 2020 AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ANVISA Biblioteca de saneantes Brasília 2020a Disponível em httpswwwgovbranvisa ptbrassuntosregulamentacaolegislacaobibliotecastematicasarquivos bibliotecadesaneantesportalpdfdownloadfileBiblioteca20 de20SaneantesPortalpdf Acesso em 8 dez 2020 Resumo O estudo da toxicologia como ciência tem como objetivo trazer à luz elementos que nos façam compreender como é possível diagnosticar tratar e prevenir a intoxicação Tivemos a oportunidade de aprender que dependendo de como ocorre a exposição a uma substância química essa substância pode ser benéfica inócua ou prejudicial ao organismo humano A exposição é o contato do agente tóxico com o organismo e as condições de exposição como a dose ou concentração via de administração tempo e frequência de exposição sensibilidade individual e propriedades físicoquímicas condicionam se uma substância irá causar dano ao homem ou animal 211 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A toxicidade é a capacidade que uma substância química tem de causar dano ao organismo e a toxicidade aguda é caracterizada pela DL50 um dos mais importantes parâmetros toxicológicos ou seja é a dose capaz de causar a morte de metade dos animais que são expostos à substância química O risco de intoxicação é um parâmetro matemático que calcula a probabilidade de uma substância causar dano ao organismo Assim o risco do rompimento da homeostase está associado à toxicidade da substância e às condições de exposição Após a interação do agente tóxico no organismo muitos efeitos podem ocorrer e para que possamos compreender melhor essa dinâmica didadicamente dividemse as fases da intoxicação em fase de exposição toxicicinética toxicodinâmica e clínica apenas para facilitar a leitura de como esses eventos acontecem A fase da toxicocinética envolve os parâmetros de absorção biotransformação distribuição armazenamento e excreção do xenobiótico no organismo a toxicodinâmica estuda como as substâncias agem no referencial biológico do ponto de vista bioquímico e molecular e a fase clínica é aquela em que se evidenciam os sinais e sintomas de intoxicação Os ensaios de avaliação de toxicidade avaliam os possíveis efeitos tóxicos que uma susbstância pode causar em um organismo Esses ensaios são realizados in vitro e in vivo Os ensaios in vivo são realizados em animais e os resultados são extrapolados para humanos No ensaio de avaliação de toxicidade uma das principais informações estudadas é a propriedade físicoquímica da substância ou seja a natureza física e química da substância traz importantes informações toxicológicas A obtenção dessas informações faz parte do que se chama de informações preliminares Também são realizados ensaios de exposição aguda subaguda subcrônica e crônica além de estudos toxicocinéticos de embriofetoxicidade de desenvolvimento de mutagenicidade e de carcinogenicidade Mutagênese é a capacidade que um agente físico ou químico ou biológico tem de gerar uma mutação em um gene o que leva a uma mutação que é a alteração na estrutura do cromossomo de células somáticas ou de células germinativas Dependendo em qual tipo de célula essa mutação aconteça ela vai ser transmitida para as células filhas 212 Unidade I caso ocorra nas células somáticas ou passará para a futura geração caso ocorra nas células germinativas Genotoxicidade é um processo no qual esses mesmos agentes químicos físicos e biológicos têm potencial para causar as mesmas alterações mas elas não chegam a causar as mutações pois não são transmitidas às células filhas ou às futuras gerações Uma substância genotóxica é potencialmente mutagênica Todos os agentes mutagênicos são genotóxicos mas nem todo agente genotóxico é mutagênico Carcinogênese é o aparecimento de um câncer que se desenvolve a partir da ação de agentes genotóxicos sobre o DNA acrescido de ações decorrentes de outras mutações genéticas ou predisposição genética à doença em eventos sequenciais ou simultâneos que respeitam as etapas de iniciação promoção e progressão Na toxicologia ambiental vimos que as substâncias químicas presentes no solo ar e água podem interagir com o organismo humano e são responsáveis diretos e indiretos por milhões de casos de intoxicações e mortes anualmente no mundo Para avaliar os riscos toxicológicos de substâncias químicas presentes no ar devese verificar se a substância é um sólido líquido gás ou vapor Caso seja sólido ou líquido avaliase seu diâmetro aerodinâmico Caso seja gás ou vapor o estudo de sua solubilidade é importante na avaliação de risco Estudamos efeito estufa aquecimento global chuva ácida destruição de patrimônio público e particular e comprometimento da produção agrícola ozônio filtra a radiação ultravioleta e é oxidante quando presente a baixas altitudes e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos ubíquos e potencialmente carcinogênicos Também vimos que óxidos de enxofre são irritantes do trato respiratório superior e responsáveis pela chuva ácida óxidos de nitrogênio são gases lipossolúveis e também podem ser responsáveis pela chuva ácida e que o monóxido de carbono está associado a milhares de casos de intoxicação ao ano no mundo sendo um dos principais responsáveis por morte envolvendo autoextermínio A despeito da fundamental importância da água para a vida na Terra parte dela está contaminada com cianotoxinas consequência da poluição e no lançamento de esgoto diretamente em corpos dágua O lançamento de grande quantidade de poluente na água leva ao que se conhece por eutrofização da água fenômeno em que a água fica enriquecida de nutrientes que na verdade são esgoto e por consequência ocorre a floração 213 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS algal ou seja a proliferação das algas de forma intensa As cianotoxinas podem ser responsáveis por casos de intoxicação aguda e crônica O número de acidentes com plantas tóxicas e animais peçonhentos é relativamente elevado no Brasil por conta de sua extensão territorial dos diferentes tipos de biomas e do hábito de vida da população Acidentes com plantas são decorrentes da presença de alguns tipos de compostos como oxalatos alcaloides antraquinonas e glicosídeos cardioativos embora exista a ocorrência de acidentes com outros tipos de substâncias Muitas das espécies vegetais que são usadas em paisagismo e jardinagem e mesmo algumas que são usadas na alimentação apresentam toxicantes e devem ser utilizadas com atenção e particularmente com cuidado em locais frequentados por crianças idosos e animais de estimação que são os mais afetados O número de acidentes com animais peçonhentos no Brasil é grande por conta de a agropecuária rural ser uma das principais atividades econômicas do país embora acidentes em áreas urbanas também ocorram A jararaca é o animal responsável pelo maior número de acidentes mas outras espécies de cobras como as cascavéis e corais também provocam acidentes juntamente com aranhas escorpiões anfíbios e animais marinhos Ainda em domínio próximo ao homem acidentes domésticos com os domissanitários são comuns e mais frequentes com crianças idosos e animais domésticos por conta da confusão que pode ser feita entre estes e alimentos familiares aos indivíduos como bebidas adocicadas e doces A disseminação do conhecimento técnicocientífico relativo às informações sobre a capacidade intoxicante de plantas animais e domissanitários é uma das funções dos profissionais da área da saúde 214 Unidade I Exercícios Questão 1 Leia o texto a seguir Mais de 50 dos resíduos sólidos gerados em hospitais do Brasil são descartados de maneira irregular segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e em vez de serem destinados a uma seleção especial os dejetos muitas vezes têm como destino os lixões comuns colocando em risco a saúde pública Apesar de existirem tecnologias adequadas para a disposição de lixo hospitalar em aterros sanitários ou para a reciclagem para muitos a destinação final de todo lixo hospitalar no Brasil deveria ser a incineração No contexto da situação apresentada analise as afirmativas a seguir I A disposição do lixo hospitalar em aterros sanitários é possível mas não é indicada visto que ocorre liberação de efluentes com toxinas para o meio ambiente II A incineração não é uma boa opção pois nesse processo há uso de temperaturas muito elevadas o que pode transformar os átomos de cloro em dioxinas importante xenobionte capaz de causar sérios danos à saúde dos seres vivos III Quando se trata de lixo hospitalar as dioxinas são o principal problema por dois motivos são muito utilizadas nos procedimentos médicos e são toxinas bastante prejudiciais aos seres vivos se forem descartadas de modo irregular no solo ou nos rios Assinale a alternativa correta A Apenas a afirmativa I é correta B Apenas a afirmativa II é correta C Apenas as afirmativas I e III são corretas D Todas as afirmativas são corretas E Nenhuma afirmativa é correta Resposta correta alternativa B 215 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Análise das afirmativas I Afirmativa incorreta Justificativa a disposição final do lixo hospitalar em aterros sanitários é um processo seguro e controlado que garante a preservação ambiental e a saúde pública Basicamente esse método consiste na compactação dos resíduos em camada sobre o solo devidamente impermeabilizado onde são feitos os controles de efluentes líquidos e de emissões gasosas II Afirmativa correta Justificativa as dioxinas são um grupo de substâncias que surgem especialmente da transformação de átomos de cloro causada por temperaturas muito altas em processos naturais ou por atividades humanas No caso em análise a incineração foi o processo causador A dioxina gerada pode ser considerada um xenobionte já que não foi produzida por um ser vivo Logo a incineração acaba com o problema do lixo hospitalar mas gera outro problema de poluição por dioxinas Por isso não é uma boa opção III Afirmativa incorreta Justificativa conforme comentado na análise da afirmativa II no caso específico do enunciado as dioxinas surgem com a incineração Não são substâncias usadas em procedimentos médicos até porque são tóxicas Tecnicamente não são toxinas e sim xenobiontes já que sua origem é antrópica incineração Questão 2 Leia o texto a seguir A qualidade da água e do solo vem sendo alterada pelo uso intensivo de agrotóxicos e de outros agentes contaminantes A avaliação do efeito desses compostos fornece parâmetros para orientar o controle da emissão de poluentes Entre os diversos organismos utilizados como biomarcadores o peixe paulistinha Danio rerio destacase na avaliação do potencial de ação de agrotóxicos Nesse caso uma das metodologias adotadas pelos técnicos consiste em analisar a incidência de quebras cromossômicas em paulistinhas submetidos a amostras de água que contêm doses controladas do agrotóxico questionado As quebras cromossômicas observadas nos peixes têm como uma das consequências a formação de fragmentos cromossomais acêntricos micronúcleos que serão perdidos na próxima divisão celular Acerca das informações apresentadas podese afirmar que o procedimento de análise adotado se refere ao 216 Unidade I A Estudo toxicocinético B Teste de toxicidade na reprodução de uma geração e de duas gerações C Teste de toxicidade aguda D Teste de toxicidade crônica E Teste de toxicidade genética Resposta correta alternativa E Análise das alternativas A Alternativa incorreta Justificativa nos estudos toxicocinéticos são feitos ensaios em que avaliamos os modelos experimentais que ajudam na compreensão do metabolismo e da excreção de determinada substância tóxica o que permite extrapolarmos parâmetros fisiológicos a partir dos parâmetros farmacocinéticos medidos Nenhum desses procedimentos foi descrito no texto do enunciado B Alternativa incorreta Justificativa nesses testes a substância a ser testada é administrada em animais macho e fêmea para a duração de um ciclo espermatogênico completo e por dois ciclos estrais completos Posteriormente observamse a motilidade e a morfologia do esperma Em outra abordagem a substância teste é administrada continuamente às fêmeas grávidas Os parâmetros observados incluem a mortalidade e os sinais de toxicidade Após o parto os animais são expostos à substância que está sendo avaliada durante a amamentação são colocados para cruzarem e são observados os parâmetros toxicológicos da ninhada da geração 2 F2 inclusive no que se refere à fertilidade do animal Nenhum desses procedimentos foi descrito no texto do enunciado C Alternativa incorreta Justificativa o teste de toxicidade aguda determina o efeito ocorrido no organismo após a exposição a uma dose única do xenobiótico Recomendase que sejam usadas duas diferentes espécies de animais uma de roedor e outra de não roedor O efeito deve ser observado por 14 dias Geralmente utilizamos doses fixas de 5 50 500 e 2000 mgkg de peso corporal Nenhum desses procedimentos foi descrito no texto do enunciado 217 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS D Alternativa incorreta Justificativa o teste de toxicidade crônica fornece informações sobre os efeitos a longo prazo de um xenobiótico e é utilizado para realizar a extrapolação de dados no que se refere à segurança para humanos Emprega no mínimo uma espécie de roedor e uma de espécie de não roedor e a substância teste é administrada por pelo menos 90 dias Buscase avaliar as variações comportamentais e fisiológicas e os parâmetros bioquímicos Nenhum desses procedimentos foi descrito no texto do enunciado E Alternativa correta Justificativa no teste de toxicidade genética são usadas diferentes espécies de plantas de animais de células de mamíferos e até de microrganismos para avaliarmos a troca de cromátides irmãs a translocação herdável e o teste do micronúcleo
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Autores Profa Daniela Martins da Silva Prof Humberto Vieira Frias Profa Ivana Barbosa Suffredini Prof Wilson Roberto Malfará Colaboradores Prof Flávio Buratti Gonçalves Prof Juliano Rodrigo Guerreiro Prof Luiz Henrique Cruz de Mello Toxicologia e Análises Toxicológicas Professores conteudistas Daniela Martins da Silva Humberto Vieira Frias Ivana Barbosa Suffredini Wilson Roberto Malfará Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP S586t Silva Daniela Martins da Toxicologia e Análises Toxicológicas Daniela Martins da Silva Humberto Vieira Frias Ivana Barbosa Suffredini Wilson Roberto Malfará São Paulo Editora Sol 2021 520 p il Nota este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP Série Didática ISSN 15179230 1 Toxicidade 2 Diagnóstico 3 Tratamento I Silva Daniela Martins da II Frias Humberto Vieira III Suffredini Ivana Barbosa IV Malfará Wilson Roberto V Título CDU 6159 U51061 21 Daniela Martins da Silva É graduada em Farmácia e Bioquímica pela Unisantos especialista em Acupuntura pelo Instituto Brasileiro de Estudos Homeopáticos IBEHE mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade São Francisco USF e doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo Unifesp Professora titular na Universidade Paulista UNIP em Santos atua nos cursos de Farmácia e Biomedicina É supervisora de estágio e orientadora de trabalho de conclusão de curso e iniciação científica Também é responsável pela elaboração de materiais didáticos Humberto Vieira Frias É graduado em Farmácia pela Faculdade Oswaldo Cruz FOC de São Paulo e habilitado em FarmáciaBioquímica pela Universidade Paulista UNIP também de São Paulo É mestre em Toxicologia e Análises Toxicológicas pelo Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo USP Conceito Capes 5 e doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela UNIP Conceito Capes 5 Atuou na área de atenção e assistência farmacêutica como sócioproprietário da Pro Pharmacy em São Paulo Atualmente é professor orientador de estágio no curso de Farmácia semipresencial Sepi na Coordenadoria de Estágio Bacharelado CEB da UNIP professor titular nos cursos de graduação de Farmácia e Biomedicina e coordenador do curso de Farmácia da mesma instituição no campus Marquês de São Vicente Ivana Barbosa Suffredini Possui mestrado e doutorado em Fármaco e Medicamento pela Universidade de São Paulo USP e pósdoutorado em Toxicologia pela Universidade Paulista UNIP Atualmente é professora titular da UNIP docente permanente nos programas de pósgraduação em Patologia Ambiental e Experimental Conceito Capes 5 e em Odontologia Conceito Capes 4 e responsável pelo Núcleo de Pesquisas Biodiversidade NPBio da UNIP É membro da Comissão de Ética no Uso de Animais CeuaUNIP Atua nas áreas de farmacognosia farmacologia e toxicologia de plantas medicinais e microbiologia e aborda os seguintes temas avaliação de atividade antitumoral antimicrobiana e antioxidante toxicidade geral e alterações comportamentais de extratos vegetais e óleos essenciais com interesse voltado à aplicação em medicina veterinária e humana e em odontologia É uma das pesquisadoras principais do Projeto Rio Negro líder dos Grupos de Pesquisa Atividades Biológicas Farmacológicas e Toxicológicas de Produtos Naturais e Terapêutica Medicamentosa aplicada às Ciências da Saúde assim como pesquisadora dos Grupos de Pesquisa de Neuropsicofarmacologia Experimental e Ambiental Esquemas Terapêuticos e Curativos Propostos e Preconizados no Tratamento das Doenças Bucais e Bioprospecção e Produção de Metabólitos Secundários Vegetais Wilson Roberto Malfará Doutor pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto USP mestre em Fármacos e Medicamentos pela mesma universidade especialista em Toxicologia Analítica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP e farmacêuticobioquímico formado pela Fundação Hermínio Ometto FHOUniararas Tem inserção na área acadêmica desde o término do mestrado e atua como docente em disciplinas de diferentes cursos como Medicina Farmácia Medicina Veterinária Biomedicina Educação Física e Fisioterapia Além da atuação na docência também tem inserções na pesquisa voltada às mesmas linhas mencionadas Participa da redação de vários materiais para o ensino a distância EaD Prof Dr João Carlos Di Genio Reitor Prof Fábio Romeu de Carvalho ViceReitor de Planejamento Administração e Finanças Profa Melânia Dalla Torre ViceReitora de Unidades Universitárias Profa Dra Marília AnconaLopez ViceReitora de PósGraduação e Pesquisa Profa Dra Marília AnconaLopez ViceReitora de Graduação Unip Interativa EaD Profa Elisabete Brihy Prof Marcello Vannini Prof Dr Luiz Felipe Scabar Prof Ivan Daliberto Frugoli Material Didático EaD Comissão editorial Dra Angélica L Carlini UNIP Dr Ivan Dias da Motta CESUMAR Dra Kátia Mosorov Alonso UFMT Apoio Profa Cláudia Regina Baptista EaD Profa Deise Alcantara Carreiro Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico Prof Alexandre Ponzetto Revisão Bruna Baldez Jaci de Paula Lucas Ricardi Vera Saad Sumário Toxicologia e Análises Toxicológicas APRESENTAÇÃO 11 INTRODUÇÃO 12 Unidade I 1 PRINCÍPIOS DA TOXICOLOGIA 13 11 História da toxicologia 13 12 Introdução à toxicologia 16 121 Classificação dos agentes tóxicos 20 122 Fases da intoxicação 20 123 Interações químicas 28 124 Tolerância 33 125 Doseresposta 33 126 Índice terapêutico 35 127 Toxicocinética 36 128 Toxicodinâmica 69 2 AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE 75 21 Informações preliminares 77 22 Teste de toxicidade aguda 77 23 Teste de toxicidade de dose repetida 77 24 Teste de toxicidade crônica 78 25 Teste de toxicidade na reprodução de uma geração e de duas gerações 78 26 Estudo toxicocinético 78 27 Estudos de neurotoxicidade em roedores 79 28 Estudos de embriotoxicidade e toxicidade no desenvolvimento 79 29 Teste de toxicidade genética 79 210 Teste de mutagenicidade 79 211 Teste de carcinogenicidade 79 212 Mutagênese e genotoxicidade 80 2121 Ácidos nucleicos uma breve história 81 2122 Conceitos de mutagenicidade genotoxicidade e carcinogenicidade 90 213 Avaliação do risco 112 2131 Identificação do perigo 114 2132 Avaliação doseresposta114 2133 Avaliação da exposição 115 2134 Caracterização do risco 115 3 TOXICOLOGIA AMBIENTAL 115 31 Introdução 116 32 Poluição atmosférica 116 321 Classificação dos poluentes da atmosfera119 322 Padrões de qualidade do ar 123 323 Material particulado suspenso 124 324 Óxidos de enxofre 126 325 Óxidos de nitrogênio 126 326 Ozônio 132 327 Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos 134 328 Monóxido de carbono 135 33 Poluição das águas 137 331 Introdução 138 332 Cianobactérias 138 333 Cianotoxinas 141 334 Toxinas irritantes 151 335 Toxinas frequentemente presentes em águas marinhas 152 336 Outros compostos bioativos 158 4 PLANTAS TÓXICAS ANIMAIS PEÇONHENTOS E DOMISSANITÁRIOS 159 41 Introdução 159 411 Plantas tóxicas 161 412 Plantas tóxicas significativas para o Brasil 163 413 Algumas plantas tóxicas de relevância veterinária 176 414 Plantas tóxicas classificadas segundo seus efeitos tóxicos e medidas emergenciais a serem tomadas 178 42 Animais peçonhentos e venenosos 181 421 Acidentes com animais peçonhentos e venenosos no Brasil 182 422 Principais animais peçonhentos e venenosos do Brasil 186 43 Domissanitários 202 431 Sabões e detergentes 202 432 Produtos que contêm compostos alifáticos derivados de petróleo 204 433 Produtos que contêm ou liberam cloro 204 434 Produtos que contêm substâncias com base em amônia 205 435 Produtos que contêm óleos essenciais de origem vegetal ou sintética 206 436 Produtos que contêm compostos fenólicos 206 437 Produtos que contêm formaldeído 206 438 Produtos que contêm ácidos 206 439 Produtos que contêm álcalis 207 4310 Produtos que contêm piretroides 208 4311 Produtos que contêm organofosforados 208 4312 Produtos que contêm carbamatos 208 4313 Produtos raticidas 208 4314 Outros produtos químicos encontrados em locais de usoconvivência comum 209 Unidade II 5 TOXICOLOGIA OCUPACIONAL E DE MEDICAMENTOS 218 51 Toxicologia ocupacional 218 511 Introdução 218 512 Monitorização ambiental 223 513 Monitorização biológica 230 514 Programa de controle médico de saúde ocupacional PCMSO 239 515 Vantagens e desvantangens da monitorização biológica 240 52 Toxicologia de medicamentos 240 521 Intoxicações por medicamentos 240 522 Síndromes tóxicas 266 523 Toxicologia de emergência intoxicações agudas 268 524 Toxicologia clínica 275 6 TOXICOLOGIA SOCIAL 283 61 Farmacodependência 285 611 Papel dos fármacos ou drogas como reforçadores 287 612 Sistema de recompensa cerebral 290 613 Avaliação do potencial de abuso 292 614 Drogas estimulantes do SNC 293 615 Drogas depressoras 299 616 Drogas despersonalizantes e alucinógenas 301 62 Toxicologia forense e analítica308 621 Introdução à toxicologia forense e à toxicologia analítica 308 622 Características das amostras 311 623 Urgências no atendimento a paciente vivo com suspeita de intoxicação 313 624 Procedimento nas análises postmortem 313 625 Clínica médica legal 315 626 Métodos de análise 315 627 Análise de drogas no cabelo 319 628 Testes rápidos para identificação de drogas de abuso 320 63 Dopagem no esporte 322 631 Histórico 322 632 Substâncias proibidas nas competições e fora delas 324 633 Métodos de dopagem 326 634 Outras substâncias proibidas 327 635 Controle antidopagem e métodos analíticos 328 Unidade III 7 TOXICOLOGIA DOS ALIMENTOS E DOS METAIS 336 71 Toxicologia dos alimentos 336 711 Classificação dos agentes tóxicos presentes nos alimentos 336 712 Segurança dos alimentos 337 713 Agentes tóxicos naturalmente presentes nos alimentos 338 714 Contaminantes diretos de alimentos 352 715 Contaminantes indiretos de alimentos 393 716 Alimentos transgênicos 394 72 Praguicidas 394 721 Uma breve retrospectiva histórica dos praguicidas 394 722 Epidemiologia 397 723 Classificação dos praguicidas 399 724 Inseticidas organoclorados 402 725 Inseticidas organofosforados 405 726 Piretrinas e piretroides 414 727 Carbamatos 420 728 Paraquat 425 8 TOXICOLOGIA DOS METAIS 426 81 Alumínio 426 811 Propriedades físicoquímicas 426 812 Usos e fontes de exposição 426 813 Toxicocinética 427 814 Efeitos tóxicos em humanos 428 815 Carcinogenicidade 429 816 Manejo e tratamento da intoxicação 429 817 Fosfina 430 818 Manejo e tratamento 433 82 Arsênio 433 821 Introdução 433 822 Propriedades físicoquímicas 434 823 Usos e fontes de exposição 434 824 Toxicidade 435 825 Toxicocinética 436 826 Toxicodinâmica 437 827 Intoxicação aguda 437 828 Intoxicação crônica 438 829 Diagnóstico 439 8210 Manejo e tratamento da intoxicação 440 8211 Gás arsina 441 83 Cádmio 441 831 Usos e fontes 441 832 Toxicocinética 442 833 Efeitos tóxicos 442 834 Carcinogenicidade 444 835 Diagnóstico 444 836 Tratamento 444 84 Chumbo 445 841 Usos e fontes 445 842 Toxicocinética 446 843 Toxicodinâmica 447 844 Toxicidade 447 845 Sinais e sintomas da intoxicação 449 846 Diagnóstico 451 847 Tratamento 452 848 Prevenção da exposição 452 849 Carcinogenicidade 453 85 Mercúrio 453 851 Propriedades físicoquímicas 453 852 Usos e fontes de exposição 453 853 Toxicocinética 454 854 Minamata 458 855 Mecanismo de ação 458 856 Toxicidade 458 857 Carcinogenicidade 462 858 Diagnóstico 462 859 Manejo da intoxicação 463 86 Níquel 465 861 Introdução 465 862 Propriedades físicoquímicas 465 863 Usos e fontes de exposição 465 864 Toxicocinética 466 865 Biomarcadores de exposição 467 866 Toxicodinâmica 468 867 Toxicidade 469 868 Efeitos carcinogênicos 471 869 Manejo e tratamento da intoxicação 471 11 APRESENTAÇÃO Este livrotexto apresentará a você os princípios teóricos necessários para que se compreendam os mecanismos de intoxicação que se iniciam com a exposição do organismo a uma ou mais substâncias potencialmente tóxicas até as consequências dessa interação que pode ser a intoxicação ou mesmo a morte do referencial biológico O material lhe trará elementos para que você tenha a oportunidade de concluir como a toxicologia além de ciência é uma arte e das mais antigas Levaremos você a uma linha do tempo que demonstrará que desde os primórdios há casos de intoxicação a animais e humanos e que o conhecimento dessa ciência é fundamental para a sobrevivência humana Além disso esta obra contemplará os princípios teóricos que norteiam a compreensão dos mecanismos de prevenção diagnóstico e tratamento das intoxicações Ela irá trazer elementos que lhe darão sustentação teórica para compreender como e por que a mesma substância química pode levar benefícios ou trazer prejuízos intoxicação a organismos vivos Em uma visão geral o estudo da toxicologia e análises toxicológicas como ciência tem como pilares de sustentação trazer elementos para que compreendamos como prevenir diagnosticar e tratar os casos de intoxicação acidentais ou intencionais Entretanto para lograr êxito nesses objetivos fazse necessário que estejamos sustentados em um diverso conjunto de informações associadas às condições de exposição e às fases da intoxicação que nos serão paulatinamente expostas Os seres humanos podem se expor a diversos agentes tóxicos e se intoxicar de várias maneiras Por esse motivo nosso material irá abordar plantas tóxicas animais peçonhentos e domissanitários assim como apresentar ecléticas áreas de estudo da toxicologia como a toxicologia dos alimentos dos medicamentos clínica social ambiental ocupacional dos metais dos praguicidas e forense Em vários momentos serão apresentadas técnicas específicas e inespecíficas de diagnóstico da intoxicação como também serão demonstradas técnicas de manejo da intoxicação com antídotos específicos ou inespecíficos utilizados no tratamento da intoxicação de humanos e animais Nosso objetivo é elevar você a um plano superior de informação e de conhecimento na disciplina Você não apenas será apresentado aos princípios da toxicologia de forma clara atualizada e contextualizada como constatará que humanos e animais estão continuamente expostos a agentes tóxicos e que intoxicações acidentais ou intencionais são muito mais comuns do que se imagina Também identificará que a depender de algumas perspectivas uma mesma substância química pode ser benéfica ou pode causar danos ao homem e acredite talvez você não tenha a dimensão de como estamos expostos a substâncias químicas que podem causar danos ao organismo 12 INTRODUÇÃO O estudo e a aplicação dos conceitos da toxicologia e análises toxicológicas são fundamentais para a sobrevivência do homem bem como para sua qualidade de vida O conhecimento dessa ciência pode ser utilizado em muitas e diferentes áreas como na prevenção da intoxicação no ambiente de trabalho no cálculo da quantidade dos praguicidas que podem ser utilizados na lavoura no desenvolvimento de técnicas de manejo para que os trabalhadores não se intoxiquem e no desenvolvimento de fármacos e medicamentos uma vez que o medicamento deve ser eficaz mas também fazse necessário garantir a sua segurança A toxicologia estuda como as substâncias químicas liberadas ou presentes naturalmente presentes na atmosfera podem causar danos ao organismo auxilia na compreensão de como e por que ocorre o uso abusivo de substâncias químicas e ainda demonstra como identificálas em matrizes biológicas ou caracterizar os riscos envolvendo crianças e animais que se expõem a plantas ornamentais que causam importantes danos ao organismo É por meio desse conhecimento específico que se realizam as análises toxicológicas nos institutos de criminalísticas nos centros de controle de intoxicações em hospitais e laboratórios de análises clínicas e toxicológicas e nas indústrias farmacêutica farmoquímica e de cosméticos Elaboramos para você um histórico da toxicologia bastante robusto para que desde o início você consiga contemplar como esta disciplina é abrangente e ancestral 13 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Unidade I 1 PRINCÍPIOS DA TOXICOLOGIA A toxicologia é uma ciência pluridisciplinar que envolve medicina farmácia química bioquímica biologia ecologia epidemiologia estatística psicologia enfermagem medicina veterinária entre outras especialidades Ela estuda os tóxicosvenenos em todos seus aspectos e a relação com essas especialidades Etimologicamente a palavra toxicologia advém do latim toxicum veneno e do grego toxik o τoξikóν veneno de flexas veneno logí a λoyíα estudar Essa origem se justifica pelo fato de que as pontas das flechas eram preparadas com material biologicamente contaminado como pedaços de cadáveres ou venenos vegetais com o intuito de acelerar a morte dos animais durante a caça Serviam para isso as plantas que levavam à paralisia de músculos importantes como o coração e o diafragma Logos em grego significava inicialmente a palavra escrita ou falada o verbo No entanto a partir das ideias de filósofos gregos como Heráclito passou a ter um significado mais amplo sendo então um conceito filosófico traduzido como razão tanto como a capacidade de racionalização individual quanto como um princípio cósmico da ordem e da beleza Logos era definida por Sócrates como palavra conversa e no sentido filosófico passou a significar a razão que se dá a algo ou mais propriamente conceito O que se diz para definir algo é a logos dessa coisa a razão dada a ela Em consequência definiuse logos como o estudo de determinado assunto Já a palavra inglesa poison vem do latim potionem que chegou a nós através do francês poison e significava bebida poção Com o tempo la poison tornouse ainda na França sinônimo de veneno e mais tarde os dois significados se separaram dando le poison o veneno e la boisson a bebida Serviu ao sentido de veneno o fato de muitos tipos de tóxico serem administrados na forma de bebidas e assim serem mais fáceis de manipular e dar às vítimas A toxicologia é pois o estudo dos efeitos nocivos causados por matérias químicas sobre organismos vivos A seguir apresentaremos brevemente algumas situações envolvendo a toxicologia ao longo da história 11 História da toxicologia A história da toxicologia é tão antiga quanto a humanidade A sobrevivência exigiu que o ser humano se expusesse a alimentos que tivessem ao seu alcance o que fez com que adquirisse experiência com os alimentos que saciaram sua fome e o nutriram mas também experimentasse aqueles cujos efeitos eram mortais SANTOS et al 2004 14 Unidade I Foram encontradas flechas e lanças do período paleolítico impregnadas com substâncias tóxicas de origem vegetal e animal utilizadas para a caça Entre as substâncias químicas tóxicas encontradas nas flechas e lanças estavam a taxina Taxus baccata e o heléboro Helleborus niger H foetidus e H viridis que apresentam propriedades relativas à tetania na musculatura estriada concomitante a bradicardia e hipotensão cardíaca Durante a Idade do Bronze já se utilizava o fruto da papoula Papaver somniferum Antigos textos da medicina chinesa de cerca de 3000 anos aC descreveram que o imperador Shen Nung conhecido como o pai da medicina chinesa catalogou 365 ervas medicinais e substâncias tóxicas FRANÇA et al 2008 O imperador possuía um jardim botânico contendo plantas tóxicas e medicinais SANTOS et al 2004 Morreu possivelmente por conta de intoxicação por essas ervas ainda que tenha elaborado um tratado sobre essas plantas No Antigo Egito quem possuía e conhecia os venenos era a casta sacerdotal Papiros egípcios datados de 1700 aC faziam referências à intoxicação por chumbo e ao uso de Cannabis indicus e Papaver somniferum Descoberto pelo egiptólogo alemão Georg Ebers o papiro de Ebers 1500 aC descreve o ópio o acônito a ioscina o heléboro o ópio o cânhamo indiano além do chumbo e do cobre No papiro de Saqqara há a descrição sobre os efeitos e doses letais da amêndoa amarga Posteriormente foi descoberta a presença de glicosídeos cianogênicos nas amêndoas amargas Na Grécia Antiga o Estado utilizava veneno como arma de execução A cicuta Conium maculatum era o veneno oficial e beber de seu suco era uma das mais temidas consequências para o cidadão grego que transgredisse a lei Sócrates 470399 aC filósofo grego foi condenado a beber o suco de cicuta Cleópatra 6930 aC última rainha do Egito morreu pela picada de uma cobra Naja haje Andrómaco de Creta médico do imperador Nero incorporou 64 substâncias químicas à sua obra De antidotis Estrabão 6220 aC historiador grego e geógrafo observou que em alguns peixes substâncias químicas eram bioquimicamente bioativadas e davam origem a substâncias tóxicas capazes de realizar ligações covalentes em macromoléculas nucleofílicas SCARLATO 2006 Além de ter revolucionado o pensamento da época a obra de Pedro de Abanos Pietro DAbano 12501316 De remedius venenorum dividiu os agentes tóxicos nas categorias animal mineral e vegetal assim como Dioscórides com o seu livro De materia medica havia feito 1200 anos BARLY et al 2014 Seu discípulo Arnaldo de Villanova 12351313 revelou em De venenis et de arte e cognoscendi que quando se queima o carvão ocorre a liberação de substâncias tóxicas sem saber havia descoberto o monóxido de carbono No século XIII Nicolás de Salerno publicou a obra Antidotarius magnus seu universalis com 115 receitas antidotais ESCOBAR 2015 A história da toxicologia reúne o nome de famosas mulheres envenenadoras como madame Toffana Catarina de Medici e Lucrezia Borgia Madame Toffana era uma viúva siciliana que fez fortuna ao elaborar uma receita de veneno O produto elaborado por ela foi chamado de acqua Toffana ou água de Toffana à base de hidreto de arsênio e cantáridas Lytta vesicatoria inseto coleóptero polífago que produz a 15 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS cantaridina produto tóxico considerado afrodisíaco diurético e vesicante SANTOS et al 2004 Além de intoxicar seu esposo madame Toffana vendia a acqua Toffana para mulheres com dificuldade no casamento O produto vinha inclusive com instruções de uso era insípido incolor e miscível com água e álcool de forma que podia ser misturado com vinho ou água sendo facilmente servido com refeições Toffana confessou a morte de 600 pessoas após ser presa e foi executada em 1659 em Roma Segundo Philippus Theophrastus Aureolus Bombastus von Hohenheim 14931541 mais conhecido como Paracelsus veja a figura a seguir e referido inúmeras vezes como o pai da toxicologia todas as coisas são venenosas e nada é sem veneno é a dose que determina se algo é ou não veneno Seu principal ditado publicado em alemão era O que há que não é veneno GRANDJEAN 2016 Figura 1 Paracelsus O médico italiano Bernardo Rammazzini 16331714 considerado o pai da medicina do trabalho realizou descrições com admirável precisão das manifestações clínicas das doenças dos trabalhadores válidas ainda hoje Nos últimos cem anos a toxicologia como ciência se desenvolveu intensamente Entretanto seu crescimento exponencial data do pósSegunda Guerra Mundial a partir da produção de moléculas orgânicas utilizadas para uso industrial princípios ativos para medicamentos e pesticidas para uso militar período no qual vários laboratórios toxicológicos foram criados como o da Universidade de Chicago e o de Kansas Estados Unidos para estudo dos efeitos dos gases sarin soman e tabun chamados gases dos nervos STRAIF et al 2017 Na América Latina destacase o médico argentino Emílio Astolfi 19301995 considerado o pai da toxicologia no continente De escola francesa foi pioneiro na área de toxicologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires Também foi importante Waldemar Ferreira de Almeida 16 Unidade I 19181996 médico brasileiro pioneiro na toxicologia no Brasil e coordenador do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz Ele desenvolveu pesquisas em toxicologia dos praguicidas e foi consultor sobre praguicidas em comitês de especialistas organizados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura Food and Agriculture Organization FAO e pela Organização Mundial da Saúde OMS VASCONCELLOS et al 1998 12 Introdução à toxicologia Como você teve a oportunidade de observar a toxicologia esteve presente em toda a história da humanidade Mas nesse momento poderíamos nos perguntar o que efetivamente significa o termo toxicologia Um dos conceitos que nos parece mais adequado é que a toxicologia é a ciência que estuda os danos causados por um ou mais agentes químicos quando interagem com um referencial biológico humano ou animal sob certas condições de exposição OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Acompanhe conosco o raciocínio no inverno quando alguém se aquece pelo calor gerado pela queima do carvão essa pessoa pode apresentar uma leve cefaleia tontura confusão mental ou até mesmo pode morrer por causa da exposição ao monóxido de carbono CO caso esteja em um ambiente confinado como um dormitório com as portas fechadas ou apenas entreabertas dependendo do tempo que a pessoa fica exposta ao CO produzido pela queima desse carvão da quantidade dessa substância presente no local e de outras circunstâncias como a condição de saúde da pessoa se é adulto ou criança entre outros Por outro lado outras pessoas podem não apresentar qualquer sinal ou sintoma de intoxicação nas mesmas condições de exposição Dessa forma toda substância pode ser considerada um agente tóxico dependendo das condições de exposição A toxicologia é portanto uma ciência que tem por objetivo o estudo dos efeitos tóxicos causados por substâncias químicas para sabermos como as intoxicações devam ser diagnosticadas e tratadas e principalmente para propor mecanismos de prevenção da intoxicação Agora que você já teve o primeiro contato com a disciplina daremos oportunidade para que se familiarize com alguns conceitos amplamente utilizados na matéria Os danos causados pelo contato da substância química com o organismo isto é pela interação físicoquímica entre a substância química e membranas internas ou externas do organismo também podem ser chamados de efeitos tóxicos Esses efeitos tóxicos efeitos nocivos ou danos ocorrem quando se rompe a homeostase do organismo ou seja quando as substâncias químicas às quais o referencial biológico se expõe ultrapassam a capacidade de resposta fisiológica morfológica ou bioquímica do organismo Nesse caso rompese a homeostasia e ocorre o dano Agente tóxico ou toxicante são termos que representam substâncias químicas capazes de romper a homeostase de um organismo alterar seriamente uma ou mais funções ou até mesmo leválo à morte dependendo das condições de exposição 17 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação Na verdade não são apenas as substâncias químicas que podem causar danos ao organismo pois agentes físicos também podem A exposição excessiva à radiação ultravioleta UV pode levar ao câncer de pele A radiação UV é eletromagnética não ionizante e emitida na forma de energia pelo sol e pode variar de intensidade dependendo da proximidade em que a pessoa ou animal estiver da linha do equador da altura do sol do horário de maior exposição que ocorre entre as dez horas da manhã e as quatro horas da tarde da elevada altitude e da quantidade de ozônio na troposfera capaz de filtrar a radiação solar Entretanto a radiação UV não é uma substância química mas um agente físico e campos magnéticos podem afetar processos biológicos Há evidências de que quando um organismo se expõe de forma crônica à radiação não ionizante de baixa frequência há aumento do risco de câncer em adultos e em crianças A conclusão que obtivemos dessa contextualização é que dependendo das condições de exposição não apenas a agentes químicos mas também a agentes físicos como a radiação UV pode ocorrer o rompimento da homeostase de um organismo causando danos a ele O conceito do termo xenobiótico é obtido a partir dos vocábulos gregos xenos traduzido como estranho e bios vinculado à vida A palavra xenobiótico portanto designa uma substância química encontrada no organismo mas que não é naturalmente produzida por ele ou que não se espera que esteja presente no organismo Vamos contextualizar essa informação À medida que uma pessoa está doente e é medicada o medicamento ao qual a pessoa se expôs não faz parte do organismo mas está presente nele Assim esse medicamento é considerado um xenobiótico Ficou clara a informação Observação Xenobiótico toxicante e agente tóxico são sinônimos amplamente utilizados na disciplina de toxicologia O termo toxina está relacionado a uma substância química produzida por um sistema biológico como um animal planta bactéria ou fungo O Clostridium botulinum por exemplo é uma bactéria capaz de produzir a toxina botulínica que pode causar intoxicação a humanos e a animais Dessa forma a toxina botulínica é uma toxina e não um xenobiótico OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Gostaríamos agora de fazer um questionamento para que você tenha a dimensão de como está sua compreensão da disciplina Para isso daremos mais uma informação e em seguida faremos uma pergunta para você Está preparado para mais esse desafio Dependendo da temperatura de queima dos átomos de cloro pode haver a formação de um conjunto de substâncias químicas denominadas de dioxinas que podem causar importantes danos a humanos 18 Unidade I ou a animais Gostaríamos que você refletisse um pouco sobre essa colocação Agora nos permita questionar as dioxinas podem ser consideradas toxinas O que você acha Para responder a essa pergunta você precisa inicialmente verificar quem é o organismo produtor da substância No caso das dioxinas não são organismos vivos propriamente ditos que as produzem Observação As dioxinas se originam da queima do cloro e podem aparecer espontaneamente na natureza ou por conta da ação humana Dessa forma por não serem produzidas por bactérias fungos e algas mas por serem formadas de forma natural ou antropogênica pela ação humana as dioxinas são consideradas xenobióticos e não toxinas Ficou clara a diferença entre um agente tóxico e uma toxina O termo veneno é reservado para ser utilizado quando a substância química advém de animais que o utilizam para fins de defesa ou predação como no caso de veneno de escorpião aranha abelha ou cobra Também é um termo popularmente consagrado para designar substâncias químicas ou misturas dessas que com baixas doses sejam capazes de provocar intoxicação ou morte OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Outro termo amplamente utilizado nessa disciplina é droga que é toda substância capaz de modificar ou explorar o sistema fisiológico ou estado patológico utilizada com ou sem intenção de benefício do organismo receptor ainda que o termo droga também seja utilizado popularmente para se referir a agentes tóxicos matériasprimas de medicamentos medicamentos alucinógenos ou fármacos O termo fármaco referese a toda substância de estrutura química definida capaz de modificar ou explorar o sistema fisiológico ou estado patológico em benefício do organismo receptor Dentro desse contexto o Δ9tetrahidrocanabinol THC é considerado um fármaco e a planta que o contém a maconha Cannabis sativa é uma droga O termo ação tóxica é amplamente utilizado na toxicologia e se refere à forma pela qual um xenobiótico atua sobre um referencial biológico sob a perspectiva bioquímica e molecular Observação Você lerá em artigos livros ou materiais acadêmicos o termo toxicodinâmica como sinônimo de ação tóxica Tratase de um termo amplamente utilizado Voltemos ao exemplo da toxina botulínica As vesículas sinápticas que armazenam acetilcolina ACh reguladas por Ca2 liberam esse neurotransmissor quando há a fusão das membranas de vesículas de armazenamento com a membrana plasmática de neurônios présinápticos A toxina botulínica por meio 19 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS de ligações específicas impede a fusão dessas membranas e consequentemente a exocitose liberação da ACh nas junções nervosas localizadas no sistema nervoso periférico levando ao relaxamento da musculatura Pode ter ação terapêutica ou tóxica dependendo das condições de exposição É assim que age a toxina botulínica no organismo humano ou de animais ou seja essa é a ação tóxica ou toxicodinâmica dessa toxina Você concorda conosco que se uma pessoa está intoxicada para tratar essa intoxicação utilizase de um antídoto É exatamente isso o que acontece Os antídotos são substâncias químicas capazes de antagonizar ou reduzir os efeitos tóxicos de um xenobiótico ou seja se contrapõem aos efeitos nocivos causados ao referencial biológico por outra substância OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Observação Não há antídotos específicos ou até mesmo inespecíficos para todas as substâncias potencialmente tóxicas Como já vimos no inverno aumentam os casos de intoxicação pela exposição ao CO uma vez que algumas pessoas se aquecem em ambientes internos pelo calor liberado pela queima do carvão e também pode haver a liberação desse gás por vazamento de aquecedores internos Como o CO é um gás inodoro e incolor quem se expõe a ele não consegue perceber que está havendo essa exposição Após a exposição o organismo pode sentir inicialmente uma ligeira cefaleia que tende a aumentar se a pessoa continuar se expondo ao gás Também pode haver confusão mental visão turva e fraqueza generalizada Não é incomum haver exposições fatais dentro desse cenário Assim o antídoto utilizado para o tratamento da exposição aguda ao CO é o oxigênio Ficou claro para você o que é um antídoto Um outro termo da mais alta relevância utilizado na disciplina é o conceito de toxicidade que é a capacidade potencial e inerente que uma substância química tem de romper a homeostase causar dano e até mesmo levar o organismo à morte dependendo das condições de exposição Dessa forma uma substância química de elevada toxicidade é aquela que com baixas doses é capaz de causar dano ao referencial biológico Um dos parâmetros mais importantes na toxicologia para comparar a toxicidade de substâncias químicas é a DL50 que se refere à dose de uma substância química capaz de levar à morte metade dos animais que foram expostos a ela É um parâmetro utilizado na avaliação da toxicidade aguda ou seja em exposições que caracterizem altas doses a curto prazo em exposição única ou múltipla em 24 horas cujo dano é a morte do animal OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 O risco de intoxicação é calculado comparando a DL50 com as condições de exposição Podemos concordar então que uma substância química pode apresentar alto risco de intoxicação ainda que tenha elevada DL50 ou seja baixa toxicidade se a exposição for acentuada O termo risco está associado à probabilidade matemática derivada de dados estatísticos da ocorrência do dano dependendo das condições de exposição Matematicamente o risco é obtido quando se relaciona a toxicidade de uma 20 Unidade I substância DL50 com as condições de exposição OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Por essa equação uma substância química de baixa toxicidade pode apresentar alto risco de intoxicação se sua exposição for intensa Estudaremos adiante outras aplicações da DL50 Dependendo das condições de exposição em que o organismo se expõe a um toxicante pode haver rompimento do equilíbrio desse organismo Mesmo que ele tente se defender por meio de alterações bioquímicas morfológicas e fisiológicas quando a homeostase é rompida ou seja caso seja ultrapassada a capacidade do organismo de reagir a essa variação externa ou interna instaurase a intoxicação que é a manifestação dos efeitos tóxicos evidenciada pelo aparecimento de sinais e sintomas ou por meio da exames laboratoriais 121 Classificação dos agentes tóxicos O agente tóxico pode ser classificado de diferentes formas em função das demandas e dos interesses de quem os classifica Pode ser classificado assim segundo seu órgãoalvo usos fontes de liberação ou exposição estado físico estabilidadereatividade toxicidade ou até mesmo pelo seu mecanismo de ação 122 Fases da intoxicação Uma vez que a homeostasia é ultrapassada ou seja a capacidade que o organismo tem de reagir às variações externas ou internas por meio de alterações morfológicas bioquímica ou moleculares é esgotada as células reduzem suas respectivas ações específicas no organismo e passam a realizar funções basais relacionadas à função ancestral de sobrevivência Além da alteração da função celular dependendo das condições de exposição pode haver a instalação da lesão da célula A ação do xenobiótico e consequentes efeitos no organismo são muito dinâmicos Quando o organismo se expõe ao xenobiótico dependendo das condições de exposição essa substância pode ser absorvida rapidamente em alguns segundos atuar em diferentes órgãos e exercer seu efeito tóxico ou deletério Em breve teremos a oportunidade de estudar com bastante riqueza de detalhes os eventos que ocorrem no organismo para que a homeostasia seja rompida e se manifestem os sinais e sintomas de intoxicação Nesse momento é importante saber que os mecanismos gerais que levam à intoxicação são muito dinâmicos ou seja o organismo se expõe ao xenobiótico que é absorvido e distribuído age no organismo e leva à intoxicação Entretanto para estudarmos com mais clareza esses fenômenos e para que também possamos propor como prevenir diagnosticar e tratar as intoxicações subdividiremos a intoxicação em quatro fases intoxicação toxicocinética toxicodinâmica e clínica OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 conforme visto na figura a seguir 21 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Fases da intoxicação Exposição Dose ou concentração Absorção Tempo ou frequência Biotransformação Via de administração Distribuição Suscetibilidade individual Armazenamento Propriedades físicoquímicas Excreção Toxicocinética Toxicodinâmica Clínica Figura 2 Fases da intoxicação 1221 Fase da exposição Você se recorda do conceito do termo toxicante Se sim ótimo Como vimos anteriormente toxicante ou xenobiótico é toda e qualquer substância química que ao interagir com um referencial biológico é capaz de romper a homeostase causar dano ao organismo e até mesmo leválo à morte dependendo das condições de exposição Você observou a última frase desse conceito A última frase do conceito de toxicante termina em dependendo das condições de exposição Por que essa frase é tão emblemática nesta disciplina Porque dependendo das condições de exposição pode ou não haver dano ao referencial biológico A partir de agora você será levado às situações que norteiam as condições de exposição tão mencionadas anteriormente neste material Para que compreendamos as condições de exposição será necessário você entender melhor o conceito de exposição Pare por um instante e tente responder à seguinte pergunta o que significa exposição Alguns respondem que exposição é o tempo em que o organismo fica exposto enquanto outros têm dificuldade de responder a essa pergunta Observe que faz sentido essa dúvida não paramos para refletir sobre os significados de alguns conceitos rotineiros e o conceito de exposição é um deles Um dos conceitos que nos parece mais adequado a essa demanda é que a exposição é o contato da substância com o organismo Simples não é Alguns autores expressam esse conceito de uma forma 22 Unidade I mais rebuscada para eles o termo exposição está associado às interações físicoquímicas entre o xenobiótico e membranas internas ou externas do referencial biológico Observe que é o mesmo conceito que concluímos mas com outras palavras Assim quando você ler que o organismo se expôs ao agente tóxico você deve imediatamente pensar que houve o contato dessa substância com o organismo Observação Se não tem contato não tem exposição Sem exposição não há intoxicação Imagine o seguinte cenário há uma ampola hermeticamente fechada contendo uma substância altamente tóxica Se a ampola está fechada existe o contato dessa substância com quem está manuseando a ampola Não existe contato Se não há contato não há exposição Você compreendeu esse princípio Mais uma pergunta se não há exposição há risco de intoxicação Se não há exposição não há contato da substância química com pele olhos mucosa oral ou outra parte do organismo humano ou do animal Assim se não há contato não há risco de intoxicação Mas e se essa ampola for aberta há risco de intoxicação Se a ampola for aberta significa que pode haver contato do xenobiótico com membranas internas ou externas do organismo e dentro desse contexto pode sim haver intoxicação É esse o raciocínio toxicológico Ficou mais claro para você Dose ou concentração A dose à qual o organismo se expõe é uma das mais relevantes informações envolvendo a toxicologia e está associada à quantidade de uma substância à qual o organismo se expõe e que na maior parte das vezes é caracterizada por unidade de peso corpóreo A concentração é um termo associado à quantidade da substância presente na água ou no ar em que o organismo está exposto Dessa forma não se fala que o organismo se expôs a elevadas doses de poluentes presentes no ar mas sim que o organismo se expôs a uma elevada concentração do toxicante que se encontra na atmosfera KLAASSEN WATKINS 2009 Mais um exemplo para que você compreenda e se aproprie inequivocamente desses conceitos imagine que haja dez peixes Paulistinha o Danio rerio em um aquário e desejamos saber qual é a quantidade de uma determinada substância que leva à morte metade desses peixes Nesse experimento obtemos um parâmetro muito importante e extensivamente utilizado na toxicologia e em outras ciências como na farmacologia denominado de CL50 a concentração de uma substância química presente no ar ou na água capaz de levar à morte metade dos animais que foram expostos a ela em condições laboratoriais definidas Assim na contextualização de uma substância que será transferida à água do aquário em que estão os peixes como você se referiria a ela dose à qual os peixes foram expostos ou concentração à qual os peixes foram expostos Se você escolheu a segunda opção parabéns Você está indo muito bem Essa 23 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS substância não está sendo administrada aos peixes mas sendo colocada na água e os peixes irão se expor à substância química presente na água Assim é concentração Não é interessante Observação Para que sejam realizados experimentos com animais deve ser submetido um projeto sob supervisão de profissionais experientes para aprovação da Comissão de Ética no Uso de Animais de Laboratório Ceua A disciplina de toxicologia leva em consideração a relação doseefeito ou seja quanto maior a dose ou concentração a que o organismo se expõe maior será o dano causado pela substância no organismo Esse raciocínio é facilmente extrapolado quando se pensa em termos de medicamentos um comprimido é responsável pelo seu efeito terapêutico Se o mesmo medicamento é administrado ao mesmo organismo pela mesma via de exposição mas em grande quantidade ou seja vários comprimidos ao mesmo tempo com a mesma dosagem possivelmente o organismo apresentará intoxicação É interessante observar que há uma recorrente frase em livros de toxicologia Toxicologia é muitas vezes considerada a ciência dos venenos ou envenenamento Dessa vez vamos reportar à história para entender essa frase Paracelsus foi o responsável por fazer a primeira distinção entre veneno e remédio Segundo Paracelsus todas as coisas são venenosas e nada é sem veneno Compreendemos assim que é a dose que determina se algo é ou não veneno Conforme já dissemos seu mantra publicado em alemão era o que há que não é veneno Ele realizou importantes estudos sobre dosagem Foi o pioneiro no emprego do termo dose sob o aspecto quantitativo e a desenvolver trabalhos envolvendo o éter Em seus escritos divulgou que dependendo da dose alguns venenos poderiam agir como remédio Foi Paracelsus que enunciou que deve haver experimentação animal para dimensionar a resposta do organismo ao se expor a substâncias tóxicas e que a dose de uma substância química é fundamental para manifestar efeitos tóxicos sendo que a mesma substância química pode apresentar propriedades terapêuticas ou tóxicas dependendo da dose à qual o organismo se expôs Tempo ou frequência de exposição Quanto maior é o tempo a que um organismo se expõe ao toxicante maior é o risco de intoxicação A frequência de exposição segue o mesmo raciocínio quanto maior a frequência de exposição maior é o risco de intoxicação OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Para que a informação seja contextualizada imaginemos que haja uma situação de incêndio e uma pessoa ou animal fique por alguns segundos exposto à fumaça tóxica Dependendo da natureza e da concentração dos toxicantes dessa fumaça tóxica a exposição por poucos segundos pode levar esse organismo a algum dano reversível ou irreversível Entretanto imagine que essa pessoa ou animal fique exposto por vários minutos ininterruptamente à essa fumaça tóxica O risco de intoxicação aumenta uma vez que quanto maior o tempo de exposição maior é o risco de intoxicação 24 Unidade I Atentese à reportagem do jornal O Estado de São Paulo AZEVEDO 2016 no dia em que o incêndio da Boate Kiss completa três anos uma série de homenagens às vítimas ocorre em Santa Maria na região central do Rio Grande do Sul palco da tragédia que deixou 242 pessoas mortas e feriu mais de 600 Em reportagem à Revista Veja Donini 2013 expôs a informação afirmando que espuma transformou a Boate Kiss em câmara de gás e que delegado apresenta pedaços do revestimento acústico da casa noturna e afirma que substâncias tóxicas foram responsáveis pelas mortes dos jovens Como você pode observar a exposição a substâncias químicas mesmo por períodos curtos pode causar danos irreversíveis e levar inclusive à morte Observação Espumas flexíveis são constituídas de substâncias químicas como cloreto de metileno poliol e tolueno diisocianato TDI Quando submetido a elevadas temperaturas como ocorre em um incêndio por exemplo o TDI libera cianeto no ambiente Voltemos ao contexto de tempo e frequência de exposição pois foi o que aconteceu na Boate Kiss A espuma utilizada como isolante acústico tinha em sua composição o TDI e liberou cianeto para o ambiente e as pessoas que se encontravam na boate se expuseram à substância química Mesmo os que se expuseram por pouco tempo aos gases liberados se intoxicaram Via de administração O organismo pode se expor aos toxicantes por diferentes vias como oral endovenosa pele trato respiratório e olhos Dependendo da via pela qual o organismo se expõe a um xenobiótico os efeitos podem mudar significativamente ainda que a quantidade da substância à qual o organismo se expôs seja a mesma Para que contextualizemos essa informação pensemos no ar Um humano adulto respira centenas de litros de ar por dia Entretanto uma administração endovenosa do mesmo ar que respiramos ainda que seja em pequeno volume pode ser fatal para esse organismo Você consegue compreender melhor que a exposição ao ar pode levar a diferentes efeitos no organismo caso haja alteração da via de exposição ou de administração Observação O ar não é uma substância química mas uma mistura homogênea de gases que contêm oxigênio Outro exemplo que trazemos à luz para a contextualização de como a via de administração pode influenciar diretamente os efeitos de uma substância no organismo é o curare nome que se dá ao preparo que os índios fazem para caçar constituído de uma mistura de plantas nativas da América do Sul como Chondrodendron tomentosum e Strychnos toxifera 25 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS O questionamento que se faz é por que o animal morre quando leva uma flechada quando a ponta da flecha está contaminada com o curare e o índio que se expõe à carne do animal que morreu com aquela substância não morre ainda que seja exposto à mesma substância que levou o animal à morte Você conseguiu compreender a problemática Vamos entender agora o que está acontecendo para que ocorram diferentes efeitos no organismo dependendo da via pela qual o organismo se expôs à substância Uma das justificativas está associada exatamente à via de exposição quando o animal é interceptado a flecha rompe tecidos inclusive vasos sanguíneos e libera o curare próximo aos vasos rompidos facilitando sua absorção Quando o índio ingere a carne do animal que foi morto pelo curare está havendo uma alteração da via de exposição ou seja o índio está sendo exposto ao curare pelo trato digestório Mas ainda falta uma informação relevante para a compreensão desse processo o principal componente do curare é a dtubocurarina Esse fármaco possui nitrogênio com estrutura de amônio quaternário veja a figura a seguir que o torna bastante hidrossolúvel O O OH OH OCH3 H3CO H3C H3C CH3 H N N H H Figura 3 Fórmula estrutural da dtubocurarina com nitrogênio no estado quaternário Consequentemente quando a exposição ao curare acontece pelo trato digestório sua absorção será lenta e não necessariamente plena por conta da elevada hidrossolubilidade da substância diferentemente do animal que se expõe à mesma substância pela flechada Assim quando um organismo se expõe à mesma quantidade da dtubocurarina por via endovenosa e pelo trato digestório seus efeitos são diferentes Saiba mais Sugerimos que você se familiarize ainda mais com as propriedades do curare Para isso leia a matéria CARVALHO J E Como os indígenas colocaram o ovo em pé Unicamp 21 mar 2019 Disponível em httpswwwunicampbrunicampnoticias2019 0321comoosindigenascolocaramoovoempe Acesso em 13 nov 2020 26 Unidade I Suscetibilidade individual Você concorda conosco que nem sempre organismos diferentes apresentam a mesma reação quando se expõem às mesmas substâncias Isso acontece porque cada pessoa ou animal reage de forma diferente levando à nossa quarta condição de exposição que está associada à suscetibilidade individual ou seja cada organismo pode reagir de uma forma diferente quando exposto à mesma substância nas mesmas condições de exposição Uma pessoa pode ser mais sensível em relação à outra e consequentemente apresentar uma reação mais intensa do que a outra quando se expõe à mesma quantidade de uma substância nas mesmas condições de exposição Uma das justificativas que levam à suscetibilidade individual parece estar relacionada à idiossincrasia que é o fenômeno em que ocorre uma reação exacerbada quando o organismo se expõe a uma pequena quantidade de substância química Essa reação é determinada geneticamente Como exemplo destacase classicamente a exposição à succinilcolina um bloqueador neuromuscular despolarizante com início de ação ultracurto que confere um bom relaxamento neuromuscular para a intubação Quando o organismo se expõe à succinilcolina e produz constitutivamente baixos teores de butirilcolinesterase enzima que a hidrolisa pode haver um prolongamento excessivo dos efeitos do bloqueador neuromuscular no organismo DA SILVA et al 2016 Poderíamos questionar por que isso ocorre Concordamos que esse efeito prolongado no organismo ocorre porque o organismo produz baixa quantidade de enzimas que hidrolisam a succinilcolina e essa baixa produção enzimática é determinada geneticamente Dessa forma dizemos que está havendo uma reação idiossincrática ou seja uma reação exacerbada período extenso de relaxamento neuromuscular causada por uma pequena dose da substância à qual o organismo se expôs que ocorre pela característica genética de cada organismo Saiba mais Convidamos você a ampliar seu conhecimento associado à idiossincrasia e à succinilcolina DA SILVA A H G et al Succinilcolina vs rocurônio para indução em sequência rápida Revista Médica de Minas Gerais v 26 supl 1 p S82S87 2016 Propriedades físicoquímicas Sugerimos que toda vez que você estudar a toxicidade de um xenobiótico inicie pelo conhecimento e compreensão das propriedades físicoquímicas da substância a partir de sua estrutura química 27 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A estrutura química de um xenobiótico traz elementos importantes que permitem estimar o comportamento da substância no organismo e no meio ambiente KLAASSEN WATKINS 2012 Um exemplo é o chumbo esse metal pode estar presente na natureza na forma elementar Pb0 na forma inorgânica PbS sulfeto de chumbo e na forma orgânica C8H20Pb chumbo tetraetila Ao comparar a absorção cutânea do chumbo inorgânico com o orgânico fica evidente como as propriedades físicoquímicas interferem diretamente na toxicidade do toxicante o chumbo tetraetila é facilmente absorvido não apenas pela pele mas também pelos pulmões e trato digestório diferentemente do chumbo elementar que apresenta insignificante absorção pela pele e pelo trato digestório SCHIFER BOGUSZ JUNIOR MONTANO 2005 Observação No Brasil o chumbo tetraetila já foi utilizado na gasolina como agente antidetonante Atualmente seu uso com essa função é proibido 1222 Fase da toxicocinética Vamos nos recordar de quais são as fases da intoxicação São as fases de exposição toxicocinética toxicodinâmica e clínica No tópico anterior fizemos a contextualização das fases da exposição Agora veremos a próxima fase da intoxicação a toxicocinética Talvez um dos conceitos que nos parece mais adequado para o termo toxicocinética é que ele representa o estudo da relação entre a disponibilidade química de um toxicante e sua biodisponibilidade levandose em consideração os parâmetros de absorção biotransformação distribuição armazenamento e excreção em função do tempo OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Que conceito extenso e complexo você não acha Talvez um pouco extenso mas não é tão complexo assim Posteriormente teremos a oportunidade de pormenorizar esse conceito juntamente com os parâmetros toxicocinéticos apresentados a você além de sua aplicação nessa ciência 1223 Fase da toxicodinâmica A próxima fase da intoxicação é a toxicodinâmica que é a forma pela qual o toxicante age no organismo do ponto de vista bioquímico e molecular e exerce seu efeito deletério Nessa fase são estudados os mecanismos específicos ou inespecíficos de interação entre os sítios de ação e o toxicante que pode levar ao rompimento do equilíbrio homeostático OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 1224 Fase clínica A fase clínica é aquela em que se evidenciam sinais e sintomas de intoxicação ou seja é o momento em que se identifica que houve o rompimento da homeostasia o organismo não mais se encontra em 28 Unidade I estado de equilíbrio e consequentemente ocorre a intoxicação propriamente dita com a manifestação dos efeitos tóxicos OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Observação Os sinais e sintomas da intoxicação fazem parte da fase clínica e não da fase da toxicodinâmica 123 Interações químicas As pessoas podem se expor a milhares de substâncias químicas ao longo do dia uma vez que os toxicantes podem estar presentes no alimento na água no local de lazer no ambiente de trabalho ou no ar que respiramos Essas substâncias podem agir de formas completamente diferentes umas das outras ou seja por mecanismos diferentes como ligação proteica biotransformação excreção e alteração do perfil de absorção e quando diferentes substâncias atuam no mesmo organismo ao mesmo tempo podem gerar diferentes respostas Neste ponto teremos a oportunidade de conhecer os principais tipos de interações químicas O estudo dessas interações é importante uma vez que frequentemente nos leva a uma melhor compreensão dos mecanismos de resposta individual 1231 Efeito aditivo Um dos mais clássicos exemplos de resposta do organismo às interações químicas é o efeito aditivo Esse efeito ocorre quando duas ou mais substâncias químicas atuam ao mesmo tempo no mesmo organismo e o somatório de seus efeitos é igual à soma dos efeitos das substâncias químicas caso agissem independentemente uma das outras Achou difícil o conceito Tranquilizese permitanos contextualizar a informação para que você compreenda melhor o conceito Imaginemos que um organismo se exponha a dois diferentes praguicidas organofosforados ao mesmo tempo no ambiente de trabalho Observe que ainda que sejam substâncias diferentes causam o mesmo efeito no organismo ou seja inibem a enzima acetilcolinesterase AChE Em um exemplo numérico hipotético imaginemos que o inseticida organofosforado diazinon cause a inibição da acetilcolinesterase em uma intensidade que quantifiquemos como sendo igual a 1 um fator fictício de inibição enzimática e o outro inseticida organofosforado o fention cause o dobro da inibição da acetilcolinesterase ou seja cause uma inibição enzimática com um fator de intensidade igual a 2 À medida que o organismo se expõe a essas duas substâncias químicas ao mesmo tempo qual será a intensidade total de inibição da acetilcolinesterase Você arriscaria um número Exatamente 3 Você compreendeu o conceito de efeito aditivo A maioria dos efeitos que ocorrem no organismo de humanos e de animais é o efeito aditivo KLAASSEN WATKINS 2012 29 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação A intensidade numérica de inibição enzimática que acabamos de expor é fictícia e serve apenas para a compreensão do conceito Vamos ver outro tipo de interação química 1232 Efeito sinérgico Nesse tipo de interação química a intensidade dos efeitos quando o organismo se expõe a duas ou mais substâncias químicas ao mesmo tempo é superior à soma dos efeitos que ocorreriam caso as duas ou mais substâncias químicas agissem independentemente Algumas vezes o conceito por si só parece não ser tão claro assim você não acha Então vamos contextualizar para que você compreenda inequivocamente a informação imaginemos que um trabalhador se exponha ao mesmo tempo ao etanol e ao tetracloreto de carbono Ambas as substâncias podem causar dano hepático ou seja são hepatotóxicas Caso agissem isoladamente no organismo humano causariam um dano que hipoteticamente daremos uma intensidade de efeito igual a 2 KLAASSEN WATKINS 2012 Assim o etanol causaria um dano hepático em uma intensidade igual a 2 bem como o tetracloreto de carbono Agora vamos ver como você está de matemática se o etanol causa um dano hepático em uma intensidade igual a 2 e o tetracloreto de carbono também causa uma intensidade de dano hepático igual a 2 caso o organismo se exponha ao mesmo tempo a essas duas substâncias químicas a intensidade de dano hepático total será igual a quanto Vamos juntos à resposta Caso você tenha respondido que o dano seja igual a 4 você não foi muito feliz Se a resposta fosse 4 esse efeito seria aditivo e não sinérgico Você se lembra do efeito sinérgico Ocorre quando duas ou mais substâncias químicas atuam no mesmo organismo ao mesmo tempo mas provocam um dano superior no organismo que causariam caso agissem independentemente Assim em um exemplo hipotético no efeito sinérgico para o dano hepático 2 2 20 KLAASSEN WATKINS 2012 Observação Não existe uma fórmula para calcular cada uma das interações químicas sob a ótica toxicológica Poderíamos ser submetidos ao seguinte questionamento como vou saber qual conta fazer para obter a resposta Esses resultados são obtidos pela análise estatística de dados epidemiológicos Assim é necessário que você compreenda os resultados os exemplos citados e os mecanismos envolvidos Dessa 30 Unidade I forma se você encontrar uma conta em toxicologia na qual 4 5 9 esse efeito é aditivo Se nessa mesma conta 4 5 o resultado for 10 essa interação química é sinérgica Ficou mais claro para você Observação Não tente criar fórmulas matemáticas para essas contas Elas não existem Você precisa compreender o que está acontecendo sob a ótica toxicológica nesses organismos com esses perfis de exposição E as interações químicas não param por aí Continue acompanhando o raciocínio e vamos evoluir um pouco mais nesse universo toxicológico de interações químicas 1233 Efeito de potenciação ou potencialização Uma pessoa se expõe a duas substâncias químicas diferentes ao mesmo tempo Uma das substâncias químicas é inócua ao organismo humano naquela condição de exposição ou seja não é prejudicial enquanto a outra substância química causa dano no organismo Vamos padronizar que esse dano seja igual a 2 em um exemplo hipotético Se o organismo for exposto a essas duas substâncias químicas ao mesmo tempo podemos ter como resposta de uma expressão matemática 0 2 10 Você poderia arriscar qual tipo de efeito é esse Se você respondeu que é um efeito sinérgico temos que te informar que infelizmente não acertou Sabe por quê Para que seja um efeito sinérgico as duas substâncias químicas às quais o organismo se expõe devem causar algum dano no organismo humano e nesse caso a primeira substância não causa dano algum Dentro dessa perspectiva em uma interação química em que o organismo se exponha a duas diferentes substâncias químicas ao mesmo tempo uma das substâncias químicas é inócua ao organismo humano enquanto a outra substância efetivamente causa algum dano a esse organismo Caso o efeito final seja superior ao dano causado por essa última substância temos um efeito denominado de potenciação ou potencialização Vamos dar exemplos numéricos para que você continue compreendendo a informação Nesse exemplo matematicamente 0 2 3 ou seja qualquer número igual ou superior a 3 caracteriza um efeito de potenciação uma vez que uma das substâncias químicas não causa dano ao organismo mas aumenta o dano causado pela segunda substância Entendeu a diferença entre um efeito sinérgico e um efeito de potenciação ou potencialização Os resultados são obtidos quando se analisam pessoas que se expuseram a substâncias químicas tanto isolada quanto concomitantemente e chegase a um resultado estatístico epidemiológico 31 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Ainda que sejam conceitos com os quais você provavelmente não tinha tido contato ainda acreditamos que você esteja gradualmente adquirindo um repertório de informações que será bastante útil em seu ambiente profissional e até mesmo no seu dia a dia 1234 Efeito antagônico Vamos a mais uma situação envolvendo interações químicas Para explicar a próxima interação química lançaremos a você um desafio responda à questão a seguir Exemplo de aplicação Um mesmo organismo está sendo exposto ao mesmo tempo a duas diferentes substâncias químicas e o efeito dessa interação química é representado matematicamente como 4 6 2 Que tipo de interação química está acontecendo nesse organismo A Efeito aditivo B Efeito sinérgico C Efeito de potenciação D NDA A resposta certa é a D O resultado dessa conta não aponta para nenhum dos efeitos anteriormente estudados Você se depara nesse momento com o efeito denominado antagônico ou antagonismo ou seja quando o organismo se expõe a duas ou mais substâncias químicas ao mesmo tempo e uma das substâncias reduz o efeito da outra consequentemente o resultado dessa interação é inferior ao somatório das duas substâncias caso agissem independentemente Interações que sejam expressas em exemplos matemáticos hipotéticos como 5 7 6 7 9 4 ou 3 5 0 são exemplos de antagonismo e representam a interação em que duas ou mais substâncias químicas atuam ao mesmo tempo no mesmo organismo e uma delas interfere na outra reduzindo seu efeito Observação A aplicação dos antídotos no tratamento das intoxicações se fundamenta nas interações químicas antagônicas 32 Unidade I Antagonismo funcional Agora que você se apropriou dos conceitos envolvendo as interações químicas vamos evoluir um pouco mais quanto aos diferentes tipos de interações químicas com efeito antagônico O antagonismo funcional é caracterizado pela produção de efeitos contrários um ao outro para a mesma função fisiológica OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Para contextualizarmos a informação e para que você compreenda melhor essa interação imagine a situação em que uma pessoa tenha sido exposta a uma dose tóxica de um barbitúrico com consequente redução intensa da pressão arterial A administração de um agente vasoconstritor como a epinefrina fará com que haja um contrabalanço do efeito do barbitúrico e aumentará consequentemente a pressão arterial Você compreendeu como o funcionamento do organismo foi alterado por uma segunda substância que agiu no organismo e alterou o efeito da primeira substância Antagonismo químico ou inativação O efeito de inativação ou antagonismo químico é caracterizado pela interação direta de uma substância química sobre outra produzindo um efeito menos tóxico ao organismo A substância química dimercaprol também conhecida pelo acrônimo de BAL Britsh AntiLewisite atua diretamente sobre metais como o chumbo o mercúrio e o arsênio e consequentemente forma um complexo que reduz a toxicidade dessas substâncias químicas KLAASSEN WATKINS 2012 Antagonismo disposicional O antagonismo disposicional ocorre quando uma substância química interfere nos parâmetros toxicocinéticos de uma segunda substância ou seja na absorção biotransformação armazenamento distribuição ou excreção do xenobiótico de forma que a concentração ou a duração dos efeitos da substância seja reduzida O carvão vegetal e a ipeca podem reduzir a absorção da alguns xenobióticos enquanto provocam o aumento da excreção de outros com consequente redução do tempo da exposição Observe que essas substâncias químicas alteram os perfis toxicocinéticos para que haja menor exposição ao toxicante uma vez que quanto menor o tempo de exposição menor também será o risco de intoxicação KLAASSEN WATKINS 2012 Antagonismo nos receptores O antagonismo nos receptores também chamado de bloqueadores ocorrem quando duas substâncias químicas diferentes se ligam ao mesmo receptor mas quando ambas atuam ao mesmo tempo no organismo uma substância impede a ligação da outra nesse receptor comum reduzindo a intensidade de seus efeitos Não são incomuns intoxicações fatais pela exposição a opiáceos e opioides KLAASSEN WATKINS 2012 33 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Para que compreendamos como utilizar esse conceito na prática expomos o exemplo da intoxicação pela morfina Esse opiáceo quando em grande quantidade no organismo humano pode reduzir significativamente a frequência respiratória e o organismo pode morrer por parada respiratória Uma das estratégias utilizadas para o tratamento da intoxicação aguda pela morfina é a administração do naloxona que atuará sobre o mesmo receptor opiáceo mas que não leva a uma bradipneia redução da frequência respiratória Outro exemplo clássico de antagonismo nos receptores é a administração da atropina quando há intoxicação por inseticidas organofosforados A atropina bloqueia os receptores colinérgicos muscarínicos que estarão sendo estimulados pela acetilcolina acumulada pela inibição da acetilcolinesterase 124 Tolerância A tolerância é um conceito associado à redução da capacidade de resposta do organismo perante um xenobiótico resultado de uma exposição prévia à substância química ou a substâncias químicas estruturalmente relacionadas KLAASSEN WATKINS 2012 A tolerância disposicional ocorre quando há redução da quantidade de uma substância química que chega no órgãoalvo ou no sítio de ação e a tolerância toxicodinâmica também ocorre quando há a mesma quantidade da substância no órgãoalvo ou sítio de ação mas a intensidade de resposta é inferior a uma exposição anterior Vamos juntos à contextualização a tolerância disposicional ao cádmio ocorre pela indução da produção da metalotioneína no organismo ou seja quando a exposição ao cádmio é persistente o organismo passa a produzir maiores teores de metalotioneína e consequentemente para a mesma quantidade de cádmio à qual o organismo se expôs anteriormente essa proteína de baixo peso molecular produzida pelo organismo se liga ao metal complexase com ele e reduz os efeitos tóxicos que poderiam ser causados ao organismo 125 Doseresposta A toxicologia é uma disciplina caracterizada pela doseresposta ou seja assumese que quanto maior é a quantidade de uma substância química à qual o organismo se expõe maior será a intensidade de resposta desse organismo com consequente rompimento da homeostasia e aparecimentos dos efeitos tóxicos Há duas clássicas relações doseresposta a relação doseresposta individual a qual descreve a resposta do organismo a diferentes doses de um xenobiótico à qual esse organismo está exposto e a relação doseresposta quantal caracterizada pela distribuição de resposta a diferentes doses de um xenobiótico a que uma população é exposta KLAASSEN WATKINS 2012 Na relação doseresposta individual quanto maior a quantidade da substância química à qual o organismo se expõe maior é a severidade da resposta do organismo o que resulta na alteração de processos bioquímicos específicos Vamos então compreender uma aplicação do estudo da relação doseresposta individual 34 Unidade I Podese avaliar por exemplo a extensão das inibições da acetilconilesterase e da carboxiesterase no encéfalo causada pela exposição ao inseticida organofosforado clorpirifós Concluímos nesse caso que a intensidade de inibição encefálica da acetilcolinesterase é muito mais clara que a da carboxiesterase e os sinais clínicos e os sintomas da exposição ao clorpirifós corresponderão à relação doseresposta semelhante à da colinesterase encefálica Na relação doseresposta quantal a resposta passa a ser do tipo tudo ou nada na população ou seja para uma determinada dose da substância verificase se haverá ou não resposta no organismo veja a figura a seguir 70 60 50 40 30 2 5 10 20 30 40 50 60 70 80 90 95 98 10 20 50 100 Dose mgkg Mortalidade unidade Mortalidade 200 800 Figura 4 Relação doseresposta quantal A relação doseresposta quantal é extensivamente utilizada na toxicologia e é nesse ensaio em que se determina a DL50 que é derivada de cálculos estatísticos e caracteriza a quantidade de uma substância química capaz de levar à morte 50 dos animais testados em condições laboratoriais definidas A DL50 é um dos parâmetros mais importantes utilizados na toxicologia Vamos juntos observar a tabela a seguir A DL50 e a toxicidade da substância são grandezas inversamente proporcionais ou seja quanto maior é a DL50 da substância menor é o dano causado por ela nos organismos Opostamente quanto menor é a DL50 do xenobiótico maior será sua toxicidade Tabela 1 DL50 de algumas substâncias químicas Substância química DL50 ratos via oral mgkg Álcool etílico 10000 Cloreto de sódio 4000 Sulfato ferroso 1500 Fenobarbital sódico 150 Picrotoxina 5 35 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Substância química DL50 ratos via oral mgkg Sulfato de estricnina 2 Nicotina 1 dtubocurarina 05 Tetrodotoxina 01 Dioxina TCDD 0001 Toxina botulínica 000001 Adaptada de Klaassen et al 2001 Você tem ideia do motivo dessa relação inversamente proporcional Vamos entender então por que isso acontece Imaginemos que tenhamos duas substâncias químicas a nicotina DL50 1 mgkg ratos machos VO e o álcool etílico DL50 10000 mgkg ratos machos VO Qual delas apresenta maior toxicidade Por quê Sugerimos que você pare por um instante e reflita sobre os conceitos aprendidos anteriormente para poder responder a essa pergunta Depois de você ter raciocinado concluiu que a substância que apresenta maior toxicidade é a nicotina Concluímos juntos anteriormente que quanto menor a DL50 maior será a sua toxicidade E você conseguiu concluir por quê Observe caso um grupo teste com 10 animais se exponha à nicotina pelo conceito de DL50 para que metade dos animais morra ou seja 5 animais cada um deles tem que se expor a 1 mg da substância por quilo de peso corpóreo No caso do álcool etílico para que metade dos animais morra ou seja 5 animais seriam necessárias 10000 mg da substância química por quilo de peso corpóreo Assim a substância que leva à morte o mesmo número de animais 5 com uma menor dose é a nicotina A informação ficou clara 126 Índice terapêutico O conceito de índice terapêutico foi introduzido em 1913 por Paul Erlich e está associado à quantidade da substância localizada entre a necessária para produzir um efeito terapêutico e a de manifestar um efeito tóxico sendo que uma substância ou fármaco de baixo índice terapêutico é aquele cuja concentração necessária para manifestar um efeito terapêutico é próxima do nível tóxico O índice terapêutico pode ser calculado da seguinte forma IT DL50DE50 KLAASSEN WATKINS 2012 Sendo que IT índice terapêutico DL50 dose capaz de levar à morte metade dos animais em condições laboratoriais definidas DE50 dose efetiva 36 Unidade I O conceito de índice terapêutico é importante na disciplina uma vez que há classes de fármacos que apresentam baixo índice terapêutico ou seja os níveis plasmáticos efetivos ficam próximo ao nível plasmático tóxico 127 Toxicocinética Teremos a oportunidade agora de vislumbrar novos horizontes toxicológicos Você já percebeu que quando compreendemos a informação o conceito fica muito mais fácil não é Para que contextualizemos o conceito de toxicocinética para sua melhor compreensão tomemos o etanol como toxicante hipotético Imagine o seguinte cenário duas pessoas de mesmo sexo e pesos aproximados se expõem à mesma quantidade de etanol Caso uma delas não tenha se alimentado antes da exposição o que você acha que vai acontecer O etanol vai demorar para agir ou vai agir rapidamente no sistema nervoso central SNC Exatamente você entendeu o significado de toxicocinética O etanol vai agir mais rapidamente no organismo que se expos à mesma quantidade de etanol mas que não tenha se alimentado anteriormente Já ouviu isso alguma vez Popularmente se diz que o álcool sobe mais rapidamente quando a pessoa não se alimenta antes de se expor à substância Então o efeito do etanol é mais rápido uma vez que em pouco tempo após a ingestão o etanol é absorvido atinge a circulação sanguínea e chega até o encéfalo quando age Se a pessoa se alimenta antes da exposição ao etanol o alimento presente no trato digestório faz com que a substância seja absorvida mais lentamente ou seja chegará à circulação sanguínea aos poucos e consequentemente também chegará e agirá no encéfalo mais lentamente Quando se diz que a toxicocinética é o estudo da relação entre a disponibilidade química e a biodisponibilidade significa que para a mesma quantidade da substância que o organismo se expõe em alguns casos a quantidade da substância no sangue é maior em uma pessoa em relação à outra na mesma unidade de tempo Assim para a mesma disponibilidade química quantidade da substância à qual o organismo se expôs pode haver diferente biodisponibilidade quantidade da substância no sangue em um mesmo intervalo de tempo Se a quantidade da substância é diferente no sangue entre duas diferentes pessoas significa então que a intensidade de seus efeitos também será diferente Lembrete A toxicologia é dosedependente quanto maior a dose do toxicante ao qual o organismo se expõe maior será a intensidade de seu efeito Como vimos anteriormente a toxicocinética envolve os parâmetros de absorção biotransformação distribuição armazenamento e excreção e todos esses parâmetros fazem com que o xenobiótico permaneça por maior ou menor tempo no organismo 37 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Lembrete À medida que se expõe à uma substância química desconhecida o organismo tenta eliminála o mais rapidamente possível para que deixe de se expor a ela 1271 Absorção Didaticamente o primeiro parâmetro toxicocinética que se estuda é a absorção Parecenos consenso que absorção é o termo utilizado quando ocorre a passagem da substância do local de contato para a circulação sanguínea Assim se uma substância química foi absorvida significa que ela interagiu com membranas internas ou externas do organismo atravessou barreiras biológicas e chegou até a circulação sanguínea Quando presente em alguns órgãos como bexiga urinária intestino ou até mesmo os pulmões o xenobiótico pode ser reabsorvido ou seja está praticamente sendo excretado do organismo e voltando para a circulação sanguínea A consequência toxicológica de uma substância química ser reabsorvida é que quanto mais a substância química permanece no organismo maior é o tempo de exposição do organismo a ela e quanto maior o tempo de exposição a um xenobiótico maior é o risco de intoxicação Esse raciocínio é utilizado quando se trabalha no tratamento específico ou inespecífico de uma intoxicação em que é possível aumentar a excreção de uma substância ou reduzir sua absorção para que se reduza o tempo de exposição ao xenobiótico Como vimos anteriormente para que haja a absorção deve haver a interação físicoquímica entre o xenobiótico e membranas internas ou externas do organismo ou seja para ser absorvida após a exposição a substância química deve atravessar membranas biológicas por meio de diferentes mecanismos de transporte através dessas membranas Entretanto poderíamos perguntar que membranas são essas Para responder a essa pergunta pautamos nosso raciocínio nos conceitos da biologia que nos traz que para chegar na circulação sanguínea a substância primeiro atravessa o vaso sanguíneo e seu respectivo endotélio vascular o qual em última instância é um tecido constituído de células Ficou claro para você que quando se lê que o xenobiótico atravessa membranas biológicas significa que o toxicante consegue transpor as células que compõem o tecido e consequentemente transpõe a membrana celular das células constituintes do endotélio vascular Essas membranas são constituídas de uma dupla camada fosfolipídica e três mecanismos são fundamentalmente utilizados para o transporte de uma substância química do meio extracelular para o meio intracelular como veremos agora 38 Unidade I Mecanismo de transporte através das membranas Dependendo de suas propriedades físicoquímicas o toxicante pode atravessar membranas biológicas por diferentes mecanismos Caso o xenobiótico seja lipossolúvel como o benzeno ou esteja na forma lipossolúvel como é o caso de ácidos fracos ou bases fracas quando se encontram em sua forma molecular atravessam membranas biológicas com facilidade pelo transporte passivo mecanismo de transporte através das membranas também conhecido por difusão simples ou seja são absorvidos quando está a favor do gradiente de concentração através da dupla camada fosfolipídica da membrana celular sempre do meio mais concentrado para o meio menos concentrado e não há gasto de energia Na difusão facilitada o transporte também ocorre a favor do gradiente de concentração mas são utilizados carregadores Por essa perspectiva quando se abastece um veículo automotor com gasolina o frentista se expõe a vapores de solventes orgânicos como o benzeno e o tolueno que são hidrocarbonetos aromáticos lipossolúveis liberados a partir desse combustível Essa característica físicoquímica de elevada lipossolubilidade do benzeno e tolueno tem como consequência o fato de que quando estão nos pulmões em maior quantidade do que no sangue estão mais concentrados no meio externo que no meio interno e serão continuamente absorvidos até atingir o equilíbrio de concentração entre os meios interno e externo ou seja apenas deixarão de ser absorvidos por difusão simples que é aquele mecanismo de transporte que ocorre sem gasto de energia e a favor do gradiente de concentração quando a concentração no meio interno for igual ou inferior ao meio externo É por este motivo que os trabalhadores são periodicamente avaliados pelo médico do trabalho para se estimar se as exposições no ambiente de trabalho estão levando riscos de intoxicação ao trabalhador A equação de HendersonHasselbach é utilizada para estimar a quantidade do ácido fraco ou base fraca que está na forma molecular ou iônica Se estiver na forma molecular significa que está na forma lipossolúvel e atravessa membranas biológicas por difusão simples até que se obtenha o equilíbrio entre a concentração da substância no meio externo e o interno Poderia surgir uma dúvida e se a substância química estiver em sua maior parte na forma iônica o que acontece com ela Ela será absorvida mais lentamente e menos intensamente pelo transporte ativo A equação de HendersonHasselbach é a dada mas devemos observar que ela muda dependendo da característica química da substância KLAASSEN WATKINS 2012 Caso a substância química tenha caráter ácido a equação é pKa pH log moléculas íons Caso a substância química tenha caráter básico a equação é pKa pH log íons moléculas 39 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Diferentemente do transporte passivo o transporte ativo ocorre quando o xenobiótico é absorvido contra o gradiente de concentração com gasto de energia e é passivo de saturação uma vez que envolve proteínas transportadoras transmembrânicas para a realização do transporte Esse tipo de transporte através das membranas biológicas acontece para substâncias químicas polares ou seja hidrossolúveis A pinocitose é um mecanismo que lembra à distância a fagocitose mas transportam substâncias líquidas através das membranas biológicas enquanto a fagocitose transporta para o ambiente intracelular substâncias sólidas como material particulado e nanopartículas Exemplo de aplicação Reflita e tente imaginar como poderíamos aplicar o conhecimento desses mecanismos de transporte através das membranas para o tratamento da intoxicação É a partir do conhecimento que envolve o transporte de substâncias químicas através de membranas biológicas que são propostos mecanismos de tratamento das intoxicações Quando se controla o balanço das substâncias no organismo ou seja quando se mantém um medicamento que é um ácido fraco ou base fraca em sua forma iônica esse medicamento será pouco absorvido sua absorção será lenta e apresentará uma tendência de rápida excreção A toxicologia utiliza esses conceitos físicoquímicos e biológicos para propor mecanismos de descontaminação ou tratamento da intoxicação quando há uma sobreexposição a xenobióticos Caso o organismo se exponha a um ácido fraco ou base fraca uma das formas de aumentar sua excreção é deslocar o equilíbrio iônico deixálo mais na forma iônica do que molecular e reduzir assim sua reabsorção o tempo de exposição com o organismo e o risco de intoxicação De uma forma geral pode se considerar que quando um xenobiótico possui caráter ácido é excretado mais rapidamente quando se alcaliniza o compartimento urinário com bicarbonato de sódio via intravenosa IV uma vez que toxicante de caráter ácido em um meio alcalino permanece em sua maior parte na forma iônica que é hidrossolúvel Quando o organismo se expõe a um toxicante de caráter alcalino acidificase o compartimento urinário por administração de ácido ascórbico IV para que o xenobiótico fique na forma iônica ao menos em seu maior percentual e consequentemente é menos intensamente reabsorvido Essa técnica de redução de reabsorção e aumento de excreção urinária de fármacos de caráter ácido fraco ou base orgânica fraca não ocorre para todas as substâncias mas é bastante utilizada no tratamento de intoxicação aguda Absorção pelo trato digestório O trato digestório é uma das vias de exposição mais importantes para humanos e a mais importante para animais Essa é primeira via de exposição de escolha quando uma pessoa pensa em cometer 40 Unidade I suicídio e a principal via de exposição quando há a exposição a medicamentos intoxicação em crianças e exposição por humanos e animais à água ou alimento contaminados Você concorda conosco que há medicamentos que não podem ser tomados com o leite Isso mesmo há situações ou fatores que interferem na absorção de uma substância química quando nos expomos pelo trato digestório Vamos ver alguns desses fatores Segundo Oga Camargo e Batistuzzo 2014 há algumas situações bastante conhecidas que aumentam ou reduzem a absorção de uma substância química no organismo Veículo ou excipiente o veículo ou excipiente de um medicamento pode interferir na liberação mais lenta ou mais rápida do princípio ativo e levar a consequências para quem se expõe a ele Caso o princípio ativo seja liberado muito lentamente possivelmente não atingirá uma quantidade suficiente no sangue em uma unidade de tempo para que exerça seu efeito terapêutico ou seja não haverá a biodisponibilidade necessária para que exerça seu efeito no organismo humano Opostamente caso o excipiente ou veículo libere rapidamente o princípio ativo pode haver uma elevada biodisponibilidade em curto tempo que consequentemente pode levar o organismo a um quadro de intoxicação Vamos compreender como na prática esses conceitos impactam na sociedade em uma perspectiva toxicológica Na Austrália na década de 1960 foram produzidos medicamentos genéricos para o tratamento da convulsão cujo princípio ativo era a fenitoína Foi utilizada a mesma quantidade do princípio ativo do medicamento inovador para a produção do medicamento genérico Entretanto muitos pacientes se intoxicaram após a exposição ao medicamento genérico Você sabe o motivo da intoxicação Verificouse que o excipiente utilizado na produção desse medicamento genérico liberava muito rapidamente o princípio ativo levando a uma biodisponibilidade elevada em pouco tempo o que consequentemente intoxicava os pacientes Ficou claro como os excipientes podem interferir na biodisponibilidade e esta por sua vez na intoxicação Estado de plenitude gástrica a absorção do toxicante pode ser aumentada ou reduzida quando o organismo se expõe pelo trato digestório em função da quantidade de alimento e líquido presentes no estômago O estado de plenitude gástrica popularmente conhecido como estômago cheio e o estado de vacuidade gástrica estômago vazio interferem diretamente na absorção do toxicante Como você deve se lembrar a presença de alimento no conteúdo gástrico reduz a velocidade de absorção do etanol Efeito de primeira passagem à medida que o organismo tenha sido exposto por via oral o xenobiótico percorrerá o trato digestório até chegar ao fígado órgão que poderá biotransformálo A biotransformação altera as propriedades toxicocinéticas e pode alterar também a propriedade toxicodinâmica do toxicante de forma que antes mesmo da substância agir em seus órgãosalvo poderá haver alteração em sua estrutura química para conferir aumento 41 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS de sua hidrossolubilidade alteração toxicocinética e poderá também haver alteração de sua toxicidade alteração toxicodinâmica ou seja a toxicidade do xenobiótico poderá ser aumentada ou reduzida Poderíamos perguntar por que efeito de primeira passagem Esse nome é dado porque o toxicante passa por uma biotransformação hepática antes de chegar ao órgãoalvo Ciclo enterohepático ao longo do intestino enterobactérias são capazes de realizar uma redução química do xenobiótico Durante a biotransformação grupos funcionais são introduzidos ou expostos na estrutura química do xenobiótico ou substâncias endógenas são adicionadas a ele para que haja aumento de sua hidrossolubilidade e consequentemente seja excretado mais rapidamente Entretanto bactérias intestinais enterobactérias podem realizar reações químicas em sentido oposto elas reduzem quimicamente a substância que foi oxidada anteriormente e aumentam sua lipossolubilidade Por causa dessa alteração a substância química é reabsorvida com consequente aumento do tempo de exposição do organismo ao toxicante e maior risco de intoxicação Lembrete Quanto maior o tempo de exposição maior será o risco de intoxicação Grau de ionização como vimos anteriormente fármacos são ácidos fracos ou bases orgânicas fracas Dependendo do pKa da substância e do pH do meio em que essa substância se encontra pode haver maior ou menor grau de ionização do xenobiótico ou seja esse fármaco poderá estar mais na forma hidrossolúvel ou lipossolúvel Quanto mais ionizado estiver um toxicante maior será sua hidrossolubidade e consequentemente maior será a intensidade de sua excreção uma vez que a substância será pouco reabsorvida pelo organismo Opostamente caso o toxicante fique preponderantemente em sua forma molecular em função de seu pKa e do pH do meio em que se encontra será mais intensamente absorvido ou reabsorvido uma vez que está em sua maior parte na forma molecular ou seja está na forma lipossolúvel e atravessa membranas biológicas por transporte passivo com facilidade É possível estimar o percentual do xenobiótico que está na forma iônica ou molecular utilizandose a equação de HendersonHasselbach Por ela utilizandose o pKa da substância e o pH do meio calculase o percentual de ionização do xenobiótico como vimos anteriormente Observação O pH do meio e o pKa da substância são importantes parâmetros para estimar o percentual da substância que poderá ser absorvida 42 Unidade I Absorção pelo trato respiratório As trocas gasosas que ocorrem nos pulmões de humanos e de animais podem levar diariamente à exposição a milhares de substâncias químicas presentes no ar Acreditamos que você compreenda com facilidade que com esse amplo espectro de substâncias químicas presentes no ar algumas potencialmente tóxicas estão interagindo continuamente com o trato respiratório inferior pulmão e podem causar danos ao referencial biológico dependendo das condições de exposição Quando a substância química está presente no ar atmosférico avaliase o risco de intoxicação analisando a natureza física do xenobiótico ou seja se é sólido líquido ou gásvapor Partículas sólidas ou líquidas presentes no ar atmosférico são denominadas de material particulado suspenso MPS Nesse caso para avaliar o risco de intoxicação você deve saber o tamanho dessas partículas sólidas ou líquidas Há uma relação inversa entre o tamanho de uma partícula e sua absorção quanto maior o tamanho de uma partícula menor será sua intensidade de absorção Observação Quanto maior o tamanho do material particulado suspenso menor é a probabilidade de sua absorção Para contextualizarmos essa informação convidamos você a realizar um simples experimento nesse momento ou a imaginar o seguinte cenário caso tenha acesso a um apagador de giz de lousa bata esse apagador na lousa aproximadamente na altura de seus olhos e conte quantos segundos esse pó de giz que sai do apagador ao bater na lousa demora para se depositar no chão Em seguida pegue um pequeno pedaço de giz leveo até a altura de seus olhos solteo e conte quanto tempo ele demora para chegar até o chão Finalizado esse experimento ou mesmo se você visualizou essas cenas agora vamos ao desafio o que demorou mais para cair no chão o pó de giz ou o pedaço de giz Isso mesmo você acertou se disse que foi o pedaço de giz O que se entende por isso sob a perspectiva toxicológica Podemos concluir com esse simples experimento que quanto menor o tamanho da partícula maior é o tempo que leva para se depositar no solo Quanto maior o tempo que fica no ar maior é o tempo de exposição do organismo a essa substância Dependendo do tamanho do material particulado suspenso é possível estimar a região em que será impactado ou depositado ou seja onde interage com a mucosa do trato respiratório e fica retido e como é expulso do organismo veja o quadro a seguir 43 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Quadro 1 Relação entre diâmetro aerodinâmico local de retenção e forma de eliminação do material particulado Tamanho da partícula µm Local de retenção Forma de eliminação Acima de 5 Nasofaríngea Eliminação pela limpeza de nariz espirro ou assopro De 2 a 5 Traqueobronquiolar Remoção por movimentos ciliares retrógrados e fagocitose Abaixo de 1 Alvéolos pulmonares Absorção fagocitose e remoção por movimentos ciliares retrógrados Adaptado de Oga Camargo e Batistuzzo 2014 Lembrete Quanto maior o tempo de exposição maior é o risco de intoxicação O ambiente de trabalho é um dos locais mais importantes em que ocorrem as exposições a substâncias potencialmente tóxicas pelo trato respiratório sob a perspectiva toxicológica Processos industriais e laboratoriais como exemplos são fontes de liberação de gases vapores líquidos e sólidos que podem estar no ar e aos quais o trabalhador se expõe durante a jornada A exposição crônica ou aguda a eles pode levar a danos por vezes irreversíveis ao trabalhador Observação A partícula que possui pequeno diâmetro aerodinâmico além de permanecer por mais tempo no ar também apresenta maior probabilidade de ser absorvida nos alvéolos pulmonares Observe a seguir como é importante termos esses conceitos bastante consolidados o asbesto ou amianto é um mineral constituído de fibras de silicatos fibrosos de diferentes famílias como a dos anfibólios e da crisotila Essa fibra foi amplamente utilizada na produção de telhas e de caixasdágua há alguns anos no Brasil A inalação dessas fibras no ambiente de trabalho pode levar a fibrose intersticial pulmonar com reação inflamatória e formação de granuloma lesão pulmonar que ocorre por conta do estresse oxidativo gerado pela formação de espécies reativas de oxigênio Dependendo das condições de exposição pode levar a pneumoconiose doença que acomete a pessoa quando há o acúmulo de poeira do asbesto nos pulmões podendo causar uma doença pulmonar ocupacional restritiva ou um mesotelioma Poderíamos questionar na prática realmente esses danos acontecem nos trabalhadores Para responder a esse questionamento vamos nos reportar à década de 1980 No município de Osasco estado de São Paulo operavam fábricas de telhas e caixasdágua produzidas com amianto e trabalhadores se expuseram a essas fibras 44 Unidade I Para você ter dimensão da importância e repercussão dos casos de intoxicação no ambiente de trabalho pela exposição ao asbesto observe a frase a seguir Sr Aquilino foi um dos primeiros membros da Abrea Sociedade Brasileira dos Expostos ao Amianto e faleceu em 1995 ano da fundação da associação vítima de um câncer extremamente agressivo causado pelo amianto que o aniquilou em menos de 6 meses Em sua homenagem a praça em frente à sua casa eternizou com seu nome a causa que ele e tantos outros bravos guerreiros defenderam a erradicação da fibra mortal ABREA sd Saiba mais O Instituto Nacional de Câncer Inca nos dá mais informações sobre o amianto em INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER Amianto Brasília 2018a Disponível em httpswwwincagovbrexposicaonotrabalhoenoambienteamianto Acesso em 16 nov 2020 Ficou claro para você de que o tamanho do material particulado suspenso é importante do ponto de vista de avaliação de risco Agora caso a substância química seja gás ou vapor para realizar uma avaliação de risco se avalia sua solubilidade e não seu diâmetro aerodinâmico Exemplo de aplicação Reflita sobre estes questionamentos você acha interessante quando há bandeira vermelha na sua conta de luz Como chegou a essa conclusão Permitanos agora trabalhar sua resposta Imaginamos que sua resposta seja não Sabe por quê Por dois motivos o primeiro é que a conta de luz com bandeira vermelha fica mais cara Não foi isso que você respondeu Mas também significa que a energia elétrica utilizada por nós será obtida não apenas por hidrelétricas mas também por usinas térmicas que utilizam o carvão Assim além da obtenção da energia a queima do carvão libera toneladas de substâncias potencialmente tóxicas na atmosfera como o dióxido de enxofre SO2 que são gases hidrossolúveis Quando o dióxido de enxofre presente na atmosfera interage com a água presente na mucosa do trato respiratório superior de humanos formase ácido sulfúrico H2SO4 diluído É isso mesmo que você leu ácido sulfúrico ainda que diluído 45 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS É por isso que quando uma pessoa se expõe a esse gás os olhos e a mucosa do nariz ardem está sendo formado ácido nas mucosas e esse ácido formado atua como irritante local Podemos concluir assim que quando o organismo se expõe a gases ou vapores hidrossolúveis formamse substâncias irritantes que atuam no trato respiratório superior e nos olhos como irritante local Observação Dependendo das condições de exposição esses gases também podem atingir os pulmões mas apenas quando a exposição for intensa Você também concorda conosco que a queima de combustíveis leva à liberação de centenas de toxicantes diferentes na atmosfera Um desses é o dióxido de nitrogênio NO2 que é um gás lipossolúvel Dessa forma responda à seguinte pergunta se é lipossolúvel o gás vai se solubilizar no filme aquoso na água presente nas mucosas do trato respiratório superior ou nos olhos Exatamente não Você deve se lembrar de que se o gás ou vapor for hidrossolúvel irá se solubilizar nos olhos e no trato respiratório superior Entretanto caso o gás ou vapor seja lipossolúvel não haverá essa solubilização não agirá no local de contato e consequentemente atingirá o trato respiratório inferior ou seja o pulmão podendo levar a danos nos alvéolos pulmonares dependendo das condições de exposição Agora continuemos juntos no raciocínio Já sabemos a informação agora vamos correlacionála Observe como a via de administração pode interferir diretamente na absorção de um xenobiótico A maconha Cannabis sativa é constituída de centenas de substâncias químicas dentre as quais destacase o Δ9tetrahidrocanabinol Δ9THC fitocanabinoide com propriedade psicoativa OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Há duas formas básicas de exposição a essa droga pelo trato respiratório fumada ou pelo trato digestório ingerida Quando se fuma Cannabis sativa em questão de segundos o Δ9THC é identificado na circulação sanguínea e a concentração plasmática máxima é alcançada entre 3 a 10 minutos após o início da exposição com biodisponibilidade de 8 a 24 Quando ingerida sua absorção é lenta errática não segue um padrão uniforme de absorção ao longo do tempo e sua concentração plasmática máxima ocorre entre 1 a 2 horas com biodisponibilidade de 4 a 12 Esses números mostram de forma inequívoca que quando se muda a via de administração ocorre a alteração dos parâmetros cinéticos como a velocidade e extensão da absorção Absorção pela pele A pele é o maior órgão do corpo humano e representa cerca de 15 do peso corporal Dependendo da substância química à qual o organismo se expõe os danos causados na pele podem ocorrer por meio da corrosão irritação sensibilização ou até mesmo por mutações gênicas Considerase ainda que o xenobiótico que atua sobre esse órgão pode levar a um efeito local ou sistêmico ou seja o toxicante pode ser absorvido pela pele distribuído para órgãosalvo e ao atuar sobre eles exercer 46 Unidade I seu efeito deletério Há fatores que alteram a absorção de um xenobiótico como os associados ao toxicante ou ao ambiente em que organismo se encontra A seguir veremos fatores relacionados ao toxicante que podem alterar a absorção pela pele também segundo Oga Camargo e Batistuzzo 2014 Solubilidade como você se recorda a membrana celular é constituída de uma dupla camada fosfolipídica Essa característica bioquímica da membrana permite que substâncias lipossolúveis sejam absorvidas com mais facilidade em relação às hidrossolúveis Quanto maior a lipossolubilidade de um xenobiótico maior será sua velocidade e extensão de absorção através das membranas biológicas Opostamente se uma substância é hidrossolúvel será menos intensamente absorvida pelo organismo As propriedades físicoquímicas são fatores que condicionam a extensão da absorção de um toxicante pela pele Substâncias químicas lipossolúveis por difusão lipídica são capazes de atravessar membranas biológicas com facilidade e são distribuídas a diferentes órgãos O chumbo tetraetila por exemplo é um solvente orgânico lipossolúvel que pode ser absorvido com muita facilidade pela pele e exercer seus efeitos tóxicos em órgãos remotos ou seja distantes do local de onde houve o contato com a pele de uma pessoa Observação O chumbo inorgânico possui uma absorção praticamente desprezível pela pele opostamente ao chumbo tetraetila que pode ser extensamente absorvido por essa via de exposição Volatilidade quanto mais volátil é a substância química maior será sua facilidade de passar do estado líquido para o gasoso ou de vapor Ressaltase a importância toxicológica dessa grandeza físicoquímica uma vez que caso haja substâncias que se volatilizem com pouca facilidade no ambiente de trabalho e o trabalhador se expõe a substância pela pele o tempo de exposição do organismo à substância aumentará e consequentemente será maior o risco de intoxicação Caso o xenobiótico seja muito volátil a exposição pela pele perde parte de sua importância mas esses vapores podem ser absorvidos pelo trato respiratório Viscosidade caso essa substância química apresente elevada viscosidade ficará em contato com a pele por muito tempo e durante esse tempo haverá interações físicoquímicas com consequentes efeitos ao referencial biológico Pelos princípios da toxicologia quanto maior o tempo de exposição maior será o risco de intoxicação Podemos concluir assim que caso haja exposição do organismo humano ou animal e esse xenobiótico que apresenta muita viscosidade maior será o tempo de interação entre o toxicante e a pele e consequentemente maior será o risco de intoxicação 47 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 1272 Biotransformação Quando se expõe a uma substância exógena o organismo humano ou animal não consegue identificar se essa substância química pode trazer algum benefício ao organismo exposto como um efeito terapêutico no caso de um medicamento ou um efeito tóxico em que também podemos tomar como exemplo o mesmo medicamento Dentro dessa perspectiva o organismo tende a eliminar essa substância com a maior velocidade possível uma vez que quanto maior o tempo em que essa substância permaneça no organismo maior será a interação entre eles e consequentemente maior o risco de intoxicação Mas a pergunta que poderíamos fazer é como o organismo humano ou animal faz para eliminar com rapidez as substâncias químicas às quais se expõem Para responder a essa pergunta fazse necessário relembrar como visto nos mecanismos de transporte de substâncias químicas através das membranas que quanto maior a lipossolubilidade do xenobiótico maior será sua absorção consequentemente também será maior sua reabsorção a qual é importante sob a perspectiva toxicológica Para que contextualizemos essa informação imagine que haja um toxicante que esteja sendo filtrado pelos rins Caso ainda esteja muito lipossolúvel parte dele não será excretado Opostamente a maior parte dessa substância será reabsorvida e continuará agindo no organismo ou seja haverá o aumento do tempo de exposição dessa substância nesse organismo Como você sabe quanto maior o tempo de exposição maior é o risco de intoxicação Na perspectiva de que o xenobiótico seja hidrossolúvel ou esteja fundamentalmente em sua forma polar durante o processo de filtração renal será pouco reabsorvido Consequentemente sua maior parte será excretada Lembrete O transporte ativo também atua no processo de reabsorção ou seja parte da substância hidrossolúvel também será reabsorvida A partir desse momento em que conseguimos compreender melhor o comportamento da substância no organismo também fazse necessário compreender como que o organismo reage a essas substâncias Observação Alguns autores utilizam o termo detoxificar mas utilizaremos o termo biotransformar um xenobiótico Para que um xenobiótico lipossolúvel seja excretado mais rapidamente o organismo interage com ele e por meio de reações químicas catalisadas enzimaticamente introduz ou expõe grupamentos funcionais ou interage com substâncias endógenas para que haja o aumento de sua hidrossolubilidade consequentemente o xenobiótico é excretado mais rapidamente 48 Unidade I O fenômeno em que ocorre a alteração da estrutura química do toxicante presente no organismo por meio de reações químicas catalisadas enzimaticamente para tornálo mais polar é denominado de biotransformação As enzimas que catalisam as reações de biotransformação são amplamente distribuídas ao longo do organismo e estão presentes em subcompartimentos celulares Além do fígado as enzimas de biotransformação podem estar presentes em outros órgãos como na mucosa nasal pele pulmão olhos trato gastrintestinal baço rim pâncreas glândula adrenal coração testículos ovários coração encéfalo placenta em células como eritrócitos e linfócitos no plasma e na aorta O fígado é o principal órgão relacionado à biotransformação no sentido qualitativo e quantitativo Pelo seu tamanho o fígado é um órgão que produz uma grande quantidade de enzimas de biotransformação e também é responsável pela variabilidade enzimática ou seja é capaz de produzir um amplo repertório enzimático Observe que a biotransformação hepática é responsável pela limitação da biodisponibilidade sistêmica caso o organismo tenha sido exposto ao xenobiótico pela via oral em um mecanismo denominado de eliminação de primeira passagem ou efeito de primeira passagem Nem toda exposição por via oral leva a uma biotransformação exclusivamente no fígado a oxidação do etanol a acetaldeído por exemplo ocorre na mucosa gástrica e limita a biodisponibilidade sistêmica ou seja reduz o teor do etanol no sangue circulante Observação Não há efeito de primeira passagem se a exposição é intravenosa IV Exemplo de aplicação Você sabe por que o efeito de primeira passagem é importante Reflita sobre essa pergunta e avance na leitura para que você compreenda ainda melhor essa informação As enzimas encontradas no fígado são denominadas de enzimas hepáticas e podem estar localizadas no retículo endoplasmático ou microssomos dos hepatócitos e são denominadas de enzimas microssomais Há aquelas denominadas enzimas citosólicas uma vez que são encontradas na fração solúvel do citoplasma hepático Uma menor parte pode ser encontrada nos lisossomos núcleo e mitocôndrias As que estão presentes no retículo endoplasmático estão relacionadas à biotransformação de xenobióticos que demandem biotransformação com excreção biliar ou urinária Você deve ficar atento ao fato de que se por um lado a biotransformação reduz a lipossolubilidade de xenobiótico e reduz sua permanência no organismo esse parâmetro toxicocinético também é responsável por importantes implicações toxicológicas no que se refere ao órgãoalvo afetado 49 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Você se recorda das interações químicas envolvendo o tetracloreto de carbono Lembra qual é o órgãoalvo afetado quando o organismo humano se intoxica com essa substância Exatamente o fígado Sabe por quê Porque o fígado é o principal órgão que biotransforma toxicantes e quando o tetracloreto de carbono é biotransformado no fígado dá origem a metabólitos tóxicos levando a danos hepáticos Na maioria das reações de biotrasformação o xenobiótico é excretado mais rapidamente do organismo e há redução de sua toxicidade Em algumas vezes a biotransformação forma metabólitos que apresentam toxicidade ainda maior que a substância química que os deu origem o que é chamado de bioativação Assim bioativação é o fenômeno em que o produto de biotransformação apresenta toxicidade superior ao seu precursor substância que foi biotransformada As reações de biotransformação são classificadas em reações de fase I e de fase II As reações de fase I são aquelas em que grupamentos funcionais são introduzidos ou expostos na molécula do toxicante Esses grupamentos funcionais são hidroxila OH carboxila COOH amina NH2 e sulfidrila SH e como resultado o xenobiótico apresenta um pequeno aumento de sua hidrossolubilidade Os grupamentos funcionais expostos ou introduzidos na fase I são sítios de ligação para as reações de fase II Observação Nem todas as substâncias químicas são biotransformadas Para que ocorra essa reação do organismo o toxicante deve ter uma estrutura que lhe confira condições físicoquímicas com características de lipossolubilidade 12721 Reações de fase I As principais reações de biotransformação de fase I são as de hidrólise redução e oxidação Reações de hidrólise Os mamíferos possuem enzimas que catalisam reações de hidrólise entre elas as carboxilesterases organofosfatases e colinesterares são capazes de hidrolisar xenobióticos que contenham grupamentos funcionais como o éster do ácido carboxílico amida tioéster e éster do ácido fosfórico A hidrólise de ésteres de ácido carboxílico amidas e tioéster são amplamente catalisadas pelas carboxilesterases localizadas em vários tecidos e no plasma e por duas esterases localizadas no sangue a acetilcolinesterase verdadeira localizada nas membranas dos eritrócitos e a pseudocolinesterase também conhecida por butirilcolinesterase localizada no soro Ésteres de ácido fosfórico são hidrolisados pela paraoxonase ou organofosfatase enzima presente no soro conhecida por sua capacidade de hidrolisar organofosfatos também chamados de inseticidas organofosforados como o paraoxon 50 Unidade I Exemplo de aplicação Se a cocaína é um estimulante do SNC e o etanol é um depressor desse mesmo órgão qual é a justificativa para que uma pessoa se exponha à cocaína e ao etanol ao mesmo tempo Essa pessoa quer que haja estímulo ou depressão do SNC Permitanos auxiliar nessa resposta mas concentrese na perspectiva de como os conceitos teóricos que você está adquirindo o torna mais preparado para responder às questões da sociedade Quando compreendemos como aplicamos na prática a teoria se torna muito prazerosa Na presença de um álcool carboxilesterases podem catalisar a transesterificação de toxicantes que é o que acontece com a cocaína Acompanhe o raciocínio à medida que a cocaína que quimicamente é o metil éster de benzoilmetilecgonina é biotransformada há uma redução de seus efeitos no organismo Entretanto na presença de um álcool carboxilesterases podem catalisar a transesterificação de toxicantes que é o que acontece com a cocaína na presença do etanol Na presença do etanol a cocaína dá origem ao cocaetileno que é um etil éster de benzoilmetilecgonina bioativo ou seja quando a cocaína é biotransformada e começa a haver uma redução de seus efeitos e há etanol no organismo formase o cocaetileno como metabólito bioativo que faz com que os efeitos no organismo humano sejam prolongados ou seja quando a cocaína começa a ter redução de seus efeitos os mesmos efeitos são obtidos pela presença do cocaetileno formado Agora ficou mais claro como é importante conhecermos os mecanismos de biotransformação no estudo da toxicologia Ao conhecer a toxicologia compreendemos o comportamento humano Exemplo de aplicação Reflita como as diferenças enzimáticas no organismo podem afetar o uso de medicamentos Para essa reflexão vamos sustentar algumas informações a presença de carboxilesterases no soro e nos tecidos determina a duração do efeito sistêmico ou local de certas substâncias Para contextualizar essa informação daremos o exemplo envolvendo a aplicação terapêutica da procaína e da procainamida relacionando suas características de biotransformação A procaína é um ácido carboxílico rapidamente hidrolisado razão pela qual é utilizada principalmente como anestésico local Opostamente a procainamida amida análoga à procaína é hidrolisada muito mais lentamente Portanto concluise que a procainamida alcança a circulação sistêmica onde é útil no tratamento de arritmia cardíaca e que não faria sentido utilizar a procaína para uso sistêmico uma vez que seria rapidamente biotransformada e praticamente não exerceria seu efeito em órgãosalvo Ficou mais claro para você como é importante conhecermos como quando e onde as enzimas agem para catalisar as reações de biotransformação 51 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Lembrete As reações de biotransformação ocorrem no organismo e sempre são catalisadas enzimaticamente Falaremos agora das peptidases Com o advento da tecnologia do DNA recombinante peptídeos humanos têm sido produzidos em grande escala na produção de hormônios fatores de crescimento medicamentos citocinas e anticorpo monoclonal utilizados terapeuticamente Prevalece a administração parenteral dessas substâncias uma vez que caso houvesse a administração pelo trato gastrintestinal haveria possivelmente além da precipitação ácida uma degradação proteolítica Entretanto ressaltase que uma ampla gama de peptidases também hidrolisa os peptídeos no sangue e tecidos por meio das aminopeptidases e carboxipeptidases Já a respeito do epóxido hidrolase quando isoenzimas do citocromo P450 CYP450 catalisam a oxidação de xenobióticos aromáticos ou alifáticos insaturados são produzidos intermediários tóxicos como epóxidos e arenoóxidos com significativa afinidade com macromoléculas nucleofílicas de DNA e proteínas Esses metabólitos potencialmente tóxicos podem ser biotransformados pelas epóxidohidrolases O que você achou dessa informação Além da complexidade da informação você sentiu que ficou muito no plano teórico sem compreender como que aplica essa informação Continue conosco e acompanhe como essa informação deve ser analisada do ponto de vista prático e você a compreenderá melhor o benzoapireno é um hidrocarboneto aromático policíclico biotransformado pelo CYP450 e gera a partir da reação de fase I compostos arenoóxidos que se ligam covalentemente ao DNA com elevada atividade mutagênica a bactérias Entretanto um dos mais importantes arenoóxidos formados é o 45óxido altamente mutagênico para bactérias mas fracamente para células de mamíferos Após você ter tido contato com esse repertório de informação você tem ideia de por que esse metabólito é altamente tóxico para bactérias mas fracamente para mamíferos Releia o parágrafo anterior e reflita Isso mesmo mamíferos biotransformam o 45óxidos e reduzem assim sua toxicidade Essa discrepância de resposta reflete a rápida biotransformação do benzoapireno 45óxido pela epóxidohidrolase nas células de mamíferos mas não de bactérias Mas preste atenção Não é apenas o benzoapireno 45óxido que é formado como compostos arenoóxidos potencialmente tóxicos após a biotransformação do benzoapireno mas também se forma o benzoapireno 78diidrodiol910óxido e esse metabólito não é substrato de epóxidohidrolases Sabe qual é a consequência Esse metabólito é altamente mutagênico para células de mamíferos e é considerado mais potente que o próprio benzoapireno para mutagenicidade para pulmões de camundongos 52 Unidade I O quadro a seguir traz relação de algumas reações químicas enzimas que participam do processo e localização de suas respectivas enzimas para você se localizar melhor nesse universo de reações de biotransformação Quadro 2 Vias de biotransformação dos xenobióticos e suas principais localizações subcelulares Reação Enzima Localização Reação de fase I Hidrólise Esterase Microssomos citosol lisossomos e sangue Peptidase Sangue e lisossomos Epóxido hidrolase Microssomos e citosol Redução Azo e nitrorredução Microbiota microssomos e citosol Redução de carbonila Citosol sangue e microssomos Redução de dissulfeto Citosol Redução de sulfóxido Citosol Redução de quinona Citosol e microssomos Desalogenação redutiva Microssomos Oxidação Álcool desidrogenase Citosol Aldeído desidrogenase Mitocôndria e citosol Aldeído oxidase Citosol Xantina oxidase Citosol Monoaminoxidase Mitocôndria Diamino oxidase Citosol Prostaglandina H sintase Microssomos Flavinamonoxigenase Microssomos Citocromo P450 Microssomos Reação de fase II Conjugação com glicuronídeo Microssomos Conjugação com sulfato Citosol Conjugação com glutationa Citosol microssomos Conjugação com aminoácido Mitocôndria microssomos Acilação Citosol microssomos Metilação Citosol microssomos sangue Adaptado de Klaassen e Watkins 2012 Redução Durante a reação de redução a dupla ligação associada ao nitrogênio é sequencialmente reduzida e clivada para produzir duas aminas primárias As reações de nitrorredução e azorredução são catalisadas pela microbiota e por duas enzimas hepáticas CYP450 e NADPHquinona oxidorredutase sendo que uma terceira enzima pode participar do processo a aldeído desidrogenase KLAASSEN WATKINS 2012 53 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação Quando se expõe ao cloranfenicol o organismo realiza reações de biotransformação envolvendo nitrorredução A álcool desidrogenase é uma das famílias de redutases da carbonila que conduz a redução de alguns aldeídos a álcoois primários e de cetonas a álcoois secundários O haloperidol é biotransformado a um álcool produzido pela ação das carbonila redutase no sangue e no fígado Outros fármacos como a varfarina e a pentoxifilina também são reduzidas por essas enzimas Alguns dissulfetos são reduzidos e clivados a seus componentes sulfidrílicos e essa reação de redução pode ser catalisada pela glutationa Enzimas presentes no fígado e nos rins podem catalisar a redução de sulfóxidos e as quinonas podem ser reduzidas a hidroquinonas catalisadas pela NADPHquinona oxidorredutase que é uma flavoproteína citosólica A dehalogenação pode acontecer no organismo humano por um processo denominado de dehalogenação redutiva em que ocorre a substituição de um halogênio como flúor cloro bromo ou iodo por um átomo de hidrogênio Oxidação Ao avaliar a biotransformação você deve ter em mente que o objetivo desse conjunto de reações químicas que está ocorrendo no referencial biológico é aumentar a hidrossolubilidade do xenobiótico para reduzir sua meiavida biológica e assim eliminálo mais rapidamente Uma das formas que o organismo humano ou animal utiliza para eliminar mais rapidamente o xenobiótico ao qual se expôs é realizando reações de oxidação que é uma das reações de fase I A álcool desidrogenase aldeído desidrogenase carbonil redutase diidrodiol desidrogenase e enzimas que contêm molibdênio podem oxidar ou reduzir álcoois aldeídos e cetonas O metanol e o etanol que são considerados álcoois simples são oxidados a formaldeído e acetaldeído pela álcool desidrogenase Esses aldeídos são posteriormente oxidados a ácidos carboxílicos como os ácidos fórmico e acético pela aldeído desidrogenase tendo o NAD como cofator veja a figura a seguir R CH2OH ADH ALDH NAD NAD H2O Álcool Aldeído Ácido NADH H NADH H R R C C O O H OH Figura 5 Representação da biotransformação do álcool a aldeído via álcool desidrogenase ADH e do aldeído a ácido carboxílico via aldeído desidrogenase ALDH 54 Unidade I A xantina oxidase e a xantina desidrogenase diferemse entre si apenas pelo aceptor de elétrons utilizado no início da reação de biotransformação A xantina oxidase tem como aceptor final de elétrons o oxigênio enquanto a xantina desidrogenase tem como aceptor final de elétrons o NAD Aminas de ocorrência natural como a 5hidroxitriptamina diaminas e histaminas são biotransformadas por reações que envolvem a monoaminoxidase MAO diaminoxidase DAO e poliamoxidase PAO Existe uma via de biotransformação denominada cooxidação dependente de peroxidase Nessa reação de biotransformação hidroperóxidos lipídicos e peróxido de hidrogênio são acoplados a outras substâncias ou substratos Exemplo de aplicação A reação por cooxidação dependende de peroxidase está associada à biotransformação da aflatoxina B1 Poderíamos perguntar por que a aflatoxina B1 apresenta um papel tão relevante sob a ótica toxicológica Por que a maior parte dos livros artigos ou mesmo reportagens envolvendo alimentos ricos em amido como o amendoim associa a aflatoxina B1 a danos hepáticos A resposta está aqui pela consequência da biotransformação dessa toxina A biotransformação da aflatoxina B1 veja a figura a seguir pela citocromo P450 peroxidase leva à formação da aflatoxina B1 89epóxido que para muitos autores é considerada uma das substâncias de maior potencial hepatotumoral que se conhece podendo levar a tumor hepático e ao carcinoma papilar renal por conta de uma ligação irreversível desse metabólito com macromoléculas nucleofílicas O O O O O OCH3 Aflatoxina B1 Citocromo P450 FeO3 Peroxidase ou radical peroxila O O H H O O O O OCH3 Aflatoxina B1 89epóxido Inativação pela conjugação com a glutamina Ligação com DNA Tumor hepático e neoplasia renal papilar Figura 6 Biotransformação da aflatoxina B1 55 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Lembrete O produto de biotransformação da aflatoxina B1 leva à formação do composto 89epóxido cuja toxicidade é superior ao seu precursor que é a aflatoxina B1 A pele e o intestino delgado também conduzem reações de biotransformação por meio da oxidação do xenobiótico mas parece que apenas uma pequena variabilidade de enzimas atua nesse órgão demonstrando que o fígado é o principal órgão de biotransformação por encerrar uma ampla variedade de enzimas e grande quantidade de cada uma delas Atenção para uma das mais importantes enzimas e sistemas enzimáticos encontrados no organismo humano e de vários outros animais o citocromo P450 CYP450 O CYP450 é encontrado virtualmente em todos os tecidos mas é encontrado em grande quantidade no retículo endoplasmático do fígado e apresenta uma incrível versatilidade catalítica que consequentemente apresenta capacidade de biotransformar uma significativa quantidade de xenobióticos Dependendo do material acadêmico que você esteja lendo possivelmente o autor utilizará o termo enzima microssomal para se referir ao CYP450 que embora não seja a única enzima presente nos microssomos é a principal do ponto de vista enzimático que pode catalisar reações de biotransformação Para que tenhamos ainda mais familiaridade permitanos expor mais alguns detalhes sobre o CYP450 Nos vertebrados o fígado é o órgão que possui maiores teores do citocromo P450 CYP450 ativo na monooxigenação de xenobióticos Além do fígado pode ser encontrado na pele mucosa nasal pulmão trato gastrintestinal rins adrenal placenta testículos ovários aorta e sistema nervoso Sua presença no trato gastrintestinal muito provavelmente reflete a evolução do sistema de defesa do organismo humano Observação Ainda que o CYP450 esteja presente em grande número de órgãos não exerce necessariamente o mesmo mecanismo de ação em cada um deles No fígado por exemplo o CYP450 oxida xenobióticos e esteroides endógenos Entretanto em outro órgão como no pulmão também está associado com a oxidação de xenobióticos embora o espectro dos substratos seja mais limitado que a do fígado 56 Unidade I Observação Embora o CYP450 seja citado como uma enzima é um sistema enzimático Você lerá neste livrotexto e na literatura que o CYP450 é uma enzima é uma abordagem da informação Entretanto deve ficar claro para você que o CYP450 não é uma enzima mas um sistema enzimático constituído por uma família de hemoproteínas denominadas de citocromos P450 da NADPHcitocromo p450 redutase via que recebe elétron procedente de NADPH e de citocromo b5 responsável pelo transporte eletrônico veja a figura a seguir Fe3O RH Fe2 RH Fe2O2 RH Fe3 RH Fe3 Fe2OOH RH Fe3 RH G B NADPHcitocromo P450 redutase Citocromo bs E A H e e H H2O D F C O2 Substrato RH Produto ROH Figura 7 Ciclo de óxidoredução do CYP450 O citocromo P450 é formado por isoenzimas ou isozimas que embora apresentem diferenças na sequência de aminoácidos catalisam as mesmas reações químicas O termo CYP associase à representação das isoenzimas do citocromo P450 sendo que o algarismo que o acompanha representa a família a letra representa a subfamília e o algarismo subsequente indica o gene que o decodifica Assim o termo CYP2A6 significa que a isoenzima exemplificada pertence à família 2 da subfamília A e que tem 57 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS uma determinada sequência de aminoácidos representada pelo número 6 O CYP2A6 propriamente dito é expresso no fígado pulmões traqueia e mucosa nasal Esse sistema enzimático possui ferro e está no estado de oxidação Fe3 e quando esse Fe3 se reduz a Fe2 o CYP450 adquire a capacidade de se ligar a outras substâncias como o monóxido de carbono CO e o oxigênio molecular O2 Observação Quando o CYP450 se liga ao CO o comprimento de absorção máxima em espectrofotometria de ultravioleta visível UVVIS ocorre a 450 nm número do qual deriva seu nome CYP450 O CYP450 catalisa reações de oxidação que incluem a epoxidação de dupla ligação oxigenação de heteroátomos S e N e I e Nhidroxilações dealquilação de heteroátomos O S N e Si transferência de grupos oxidativos dehidrogenação clivagem de ésteres e hidroxilação de carbono alifático ou aromático 12722 Reações de fase II Chamamos sua atenção para ver que as reações de biotransformação de fase I levam a um pequeno aumento da polaridade do xebonótico mas nem sempre é suficiente para excretálo rapidamente Quando isso acontece ocorre uma complementação da reação de biotransformação denominada de fase II Lembrete As reações de biotransformação de fase I levam ao pequeno aumento da hidrossolubilidade do toxicante As de fase II elevam significativamente sua hidrossolubilidade Na maioria das reações de biotransformação as primeiras que ocorrem são as de fase I e posteriormente as de fase II Nas reações de fase II o xebobiótico interagirá com substâncias endógenas e conferirá um grande aumento da hidrossolubilidade do toxicante aumentando a velocidade de sua excreção As reações de fase II também são catalisadas enzimaticamente Poderíamos ser questionados as reações de fase I já não aumentam a hidrossolubilidade do xenobiótico A resposta é sim aumentam Entretanto muitas vezes o aumento da hidrossolubilidade adquirida pelo xenobiótico ainda é insuficiente para que o organismo o excrete rapidamente Dentro desse contexto as reações de fase II também conhecidas como reações de conjugação ou síntese aumentam de forma significativa a hidrossolubilidade do toxicante fazendo com que o organismo o excrete mais rapidamente e consequentemente reduzem sua meiavida biológica tempo de permanência do toxicante no organismo 58 Unidade I Lembrete Nas reações de biotransformação de fase I grupamentos funcionais são expostos ou introduzidos na estrutura química do xenobiótico As reações de biotransformação de fase II ocorrem no grupamento funcional que foi introduzido ou exposto na estrutura química do toxicante pela reação de fase I por meio das reações químicas resumidas no quadro a seguir Quadro 3 Reações químicas cofatores e exemplo de reações de fase II Reação química Cofatores Exemplo Acetilação Acetil coenzima A Sulfametoxazol NAT1 Nacetiltransferase 1 Dapsona NAT2 Nacetiltransferase 2 Conjugação com aminoácidos Glicina taurina ou glutamina Ácido benzoico glicinaácido hipúrico BenzoilCoAácido hipúrico Conjugação com glutationa Glutationa Nacetilpbenzoquinonaiminamercapturato Glicuronidação Ácido uridino5difosfoαD glicorônico UDPGA Amitriptilina imipramina Metilação Sadenosilmetionina SAM LDopa 3OmetilLdopa Ometilação Sulfatação ou sulfonação 3fosfoadenosina5 fosfosultato PAPS 1hidroxisafrol1sulfoxisafrol Adaptado de Klaassen et al 2001 Consequências das reações de biotransformação Após a biostransformação em que ocorre uma alteração química na estrutura do xenobiótico pode haver alteração de sua toxicidade Coincidentemente a maioria das reações de biotransformação leva a uma redução da toxicidade Como visto há situações pelas quais o produto de biotransformação apresenta uma toxicidade superior ao seu precursor Como você também se recorda dependendo das condições de exposição a mesma substância química pode causar diferentes danos ao organismo humano A figura a seguir retrata essa situação na qual a exposição aguda do benzeno pode levar à depressão do sistema nervoso central enquanto a exposição crônica à mesma substância química pode levar à leucemia 59 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Exposição aguda Benzeno Depressão do SNC Exposição crônica Leucemia Figura 8 Esquema que expressa como a condição de exposição altera o dano que a mesma substância química pode causar no organismo Vamos nos reportar a um dos mais importantes princípios da toxicologia toda substância pode ser considerada um agente tóxico dependendo das condições de exposição Esse raciocínio é válido para os trabalhadores que se expõem ao benzeno Após a exposição o benzeno é absorvido com muita facilidade pelos alvéolos pulmonares e chegam em segundos na circulação sanguínea onde é distribuído para os tecidos Agora vamos compreender ainda melhor como a reação de biotransformação está associada à toxicidade do benzeno Por ser muito lipossolúvel após a absorção o benzeno se difundirá amplamente nos órgãos que tenham gordura como a medula óssea Nesse local passará por biotransformação para que seja excretado com facilidade A biotransformação ocorre inicialmente através de enzimas microssomais citocromo P450 e forma vários produtos de biotransformação com destaque para o benzeno epóxido e o benzeno ocepina veja a figura a seguir OH OH OH OH OH OH O O O O O O O O O O O O S S NH NH γglu gly GSH GST EH CYP2E1 CYP2E1 CYP2E1 DHDH DHDH NQO1 NQO1 Hidroquinona pbenzoquinona obenzoquinona Catecol Oxepino Fenol Epóxibenzenodiol Ácido ttmucônico HMA ttmuconaldeído Benzeno Ácido Sfenilmercaptúrico SPMA Óxido de benzeno 1 24trihidroxibenzeno MPO MPO EH H2O H2O O O O O O O O OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH Legenda CYP2E1 Citocromo P450 2E1 DHDH Diidrodiol desidrogenase EH Hidrolase GSH Glutationa MPO Mieloperoxidase NQO1 NADPH quinona oxidorredutase1 Figura 9 Biotransformação do benzeno 60 Unidade I Como você pode observar a biotransformação do benzeno leva à formação do benzeno epóxido e benzeno oxepina Esses metabólitos são bastantes instáveis e reativos ou seja apresentam muita afinidade com macromoléculas nucleofílicas como o DNA das células dos órgãos onde está havendo a biotransformação Ambos benzeno epóxido e benzeno oxepina são capazes de se ligar covalentemente com o DNA da medula óssea Essa ligação covalente estável que ocorrerá no material genético da célula é chamada de aduto de DNA que leva à leucemia mieloide aguda Observação A exposição crônica ao benzeno pode levar à leucemia mieloide aguda Dentro desse contexto parecenos adequado concluir que caso o benzeno não seja biotransformado não há a formação do benzenoepóxido e do benzeno ocepina e sem a presença desses não haveria interferências sobre macromoléculas nucleofílicas e não haveria o câncer É um caso clássico de bioativação em que o produto de biotransformação possui toxicidade superior ao seu precursor benzeno Exemplo de aplicação Seria interessante utilizar todo o repertório de informações adquirido por você até o momento e refletir toda substância à qual o organismo se expõe é biotransformada Gostaríamos de compartilhar com você uma linha de raciocínio que nos auxiliará no exemplo de aplicação anterior Caso a substância tenha uma estrutura química que lhe condicione uma significativa hidrossolubilidade para que biotransformar Não há necessidade Dentro desse contexto você sabia que a sacarina tem em sua estrutura química grupamentos funcionais que já lhe conferem hidrossolubilidade suficiente para que seja excretada sem ser biotransformada Assim caso uma pessoa que se exponha à sacarina tenha sua urina coletada nas 48 horas subsequentes à exposição toda a quantidade da sacarina à qual o organismo se expõe será encontrada inalterada na urina Não é interessante e importante essa informação Outra perspectiva da mais alta relevância toxicológica é que é possível determinar a exposição a determinados xenobióticos por meio da identificação de seus respectivos produtos de biotransformação encontrados em matrizes biológicas O tolueno é um hidrocarboneto aromático utilizado na fabricação de resinas tintas borrachas cola de sapateiro e esmalte de unha e presente na fumaça do cigarro Para se estimar a intensidade de exposição e consequentemente o risco de intoxicação de uma pessoa que trabalha na fábrica de tintas e que também utilize o tolueno como insumo coletase a urina desse trabalhador e verificase a presença e o teor da substância presente no organismo 61 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Mas qual substância química é procurada no organismo para estimar essa exposição o próprio tolueno A resposta é não O tolueno é um solvente orgânico lipossolúvel e quando há a exposição enzimas atuam sobre sua estrutura química e catalisam reações de biotransformação de fases I e II para que haja o aumento de sua hidrossolubilidade e consequentemente da velocidade de sua excreção Portanto um dos produtos de biotransformação do tolueno e que também é o biondicador de exposição a essa substância é o ácido hipúrico Essa informação demonstra a importância do conhecimento dos mecanismos de biotransformação que ocorrem com as substâncias estimar se houve a exposição a elas e a quantidade presente na matriz biológica e consequentemente no organismo Exemplo de aplicação Após se apropriar das informações associadas à biotransformação você poderia nos propor como a polícia científica poderia constatar se uma pessoa se expôs à Cannabis sativa maconha A qual conclusão você chegou Vamos acompanhálo nesse raciocínio Lembrete Cannabis sativa é uma droga e Δ9tetrahidrocanabinol Δ9THC é o principal fitocanabinoide presente na Cannabis sativa O Δ9THC é biotransformado por enzimas microssomais pela subfamília de isoenzimas da CYP2C principalmente no fígado mas outros órgãos também podem biotransformálo Para saber se houve exposição à droga determinamse os teores de um de seus produtos de biotransformação na urina a 11nor9carboxiΔ9tetrahidrocanabinol também conhecida por 11nor9carboxiΔ9THC ou THCCOOH A THCCOOH é o bioindicador de exposição à Cannabis sativa Assim caso haja a presença da THCCOOH na urina significa que essa pessoa se expôs à droga OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Ficou claro por que devemos conhecer bem os mecanismos envolvidos na biotransformação das substâncias químicas Oga Camargo e Batistuzzo 2014 expõem que a biotransformação pode ser modificada por fatores que dependem do próprio organismo denominados de fatores internos como o gênero a idade a espécie ou raça e os estados de saúde e nutricional ou aqueles que independem do organismo denominados de fatores externos como a indução e inibição enzimáticas 62 Unidade I Fator interno raça ou espécie A aldeído desidrogenase é uma enzima envolvida na biotransformação do aldeído formado na biotransformação do etanol Lembrete Álcoois são biotransformados a aldeídos e estes são biotransformados a ácido acético e água O etanol é biotransformado a acetaldeído pela álcool desidrogenase e o acetaldeído formado é biotransformado a ácido acético e água pela aldeído desidrogenase Exemplo de aplicação Você já observou que a maioria das pessoas de origem oriental quando se expõem a uma quantidade intermediária de etanol normalmente ficam rubefascientes rosto avermelhado com cefaleia ou até mesmo apresentam náusea e vômitos Gostaríamos que você continuasse raciocinando conosco e nos respondesse por que o oriental apresenta esses sinais e sintomas de intoxicação ao se expor a uma maior quantidade do etanol Está claro que para todo conceito toxicológico apresentado a você é possível contextualizálo e vislumbrarmos uma aplicação em nosso dia a dia ou no cotidiano da sociedade Após esse momento de resgate das informações relacionadas aos conceitos dos princípios da toxicologia em que você estabeleceu correlação entre as informações e o questionamento vamos evoluir no raciocínio e compreender qual é a associação entre os orientais e os fatores internos condicionados à raça De uma forma geral as pessoas de origem oriental produzem constitutivamente baixos teores da enzima aldeído desidrogenase Quando essa pessoa se expõe a uma pequena quantidade de etanol consegue biotransformálo Entretanto caso se exponha a uma quantidade maior o etanol é biotransformado a aldeído mas nem todo aldeído é biotransformado em ácido acético e água uma vez que o próprio organismo não produz a quantidade suficiente de aldeído desidrogenase para biotransformar uma maior quantidade de aldeído A consequência dessa pequena quantidade da enzima de aldeído desidrogenase produzida faz com que haja o acúmulo de aldeído no organismo e essa substância leva a efeitos desagradáveis uma vez que o aldeído é rubefaciente e pode levar a uma marcante vermelhidão no rosto além de poder causar náusea vômito intenso suor sudorese e cefaleia como exposto anteriormente 63 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Você está conseguindo associar a teoria da disciplina com o cotidiano Esse é um dos grandes objetivos do estudo da toxicologia conhecer como as substâncias agem no organismo humano e animal para que possamos prevenir as intoxicações Observação A disciplina de toxicologia é acumulativa ou seja precisamos nos apropriar inequivocamente dos conceitos e aplicações estudadas para que possamos compreender e aplicar novos conceitos e aplicações Fator interno gênero Você se recorda de que ao ser biotransformado o benzeno dá origem a vários produtos de biotransformação incluindo o benzenoepóxido e o benzeno ocepina que são mielotóxicos Essas substâncias são produtos de biotransformação quando o benzeno é biotransformado pelo CYP450 Observe agora atentamente como um fator interno constitucional como o gênero pode alterar a biotransformação e consequentemente os efeitos de uma substância no organismo ratos produzem maior quantidade de CYP450 em comparação com ratas Por essa perspectiva quanto mais CYP450 se produz maior será a intensidade de biotransformação e quanto mais se biotransforma maiores serão os teores de benzenoepóxido e benzeno ocepina formados Lembrete Ratos produzem quantidade de CYP450 cerca de 40 superior em comparação com ratas Agora consegue imaginar qual é a consequência da exposição ao benzeno dependendo do gênero do rato Para ratos que produzem elevadas quantidades de CYP450 haverá grande formação de adutos de DNA com consequente mielotoxicidade Parecenos aceitável assumir que ratos possuem maior risco de intoxicação ao benzeno em comparação a ratas Fator interno idade Quando humanos atingem a senilidade há uma tendência de o organismo produzir menor quantidade de enzimas de biotransformação 64 Unidade I Exemplo de aplicação Não é verdade que os avós precisam se expor a uma menor quantidade de antiinflamatórios para obter a mesma analgesia em comparação com um jovem Você consegue seguir uma linha de raciocínio que justificaria essa situação Continuemos interagindo e vamos entender por que idosos precisam de menor quantidade de medicamento para atingir o mesmo efeito em comparação ao jovem ou adulto Isso ocorre porque com a senilidade se produz menor quantidade de enzimas de biotransformação Como há menor intensidade de biotransformação o medicamento permanece inalterado no organismo por um tempo maior Consequentemente age por mais tempo no organismo e maior é o tempo de exposição Fator interno estado nutricional Imagine que uma criança esteja com febre e sua mãe administre um dos agentes antitérmicos de venda livre mais utilizados o paracetamol Após a exposição o medicamento será absorvido ou seja chegará até a circulação sanguínea Como vimos quando o organismo se expõe a uma ou mais substâncias diferentes independentemente de essa substância apresentar efeito benéfico medicamento por exemplo ou deletério o organismo atuará sobre essa substância para expulsála com a maior brevidade ou seja tentará excretar essa substância o mais rapidamente possível e é nesse momento que ocorre a biotransformação do paracetamol Também chamado de acetaminofeno o paracetamol é biotransformado pela isoenzima CYP2E1 e dá origem ao metabólito denominado de Nacetilpbenzoquinonaimina NAPQI A NAPQI é biotransformada por reação de fase II pela glutationa reduzida GSH reação catalisada pela glutationaStransferase GST e se obtém a formação de mercapturatos que são produtos de biotransformação de elevada hidrossolubilidade Caso o organismo não se exponha a alimentos proteicos como carne leite queijo ou ovos durante o tratamento medicamentoso haverá redução da disponibilização de substratos para a produção das enzimas necessárias para a biotransformação da NAPQI Gostaríamos que você se atentasse que nessa situação a NAPQI é pouco biotransformada ou pode até mesmo não ser biotransformada pela diminuição ou ausência de enzimas de biotransformação Lembrete As reações de biotransformação são catalisadas enzimaticamente e enzimas são proteínas específicas produzidas a partir da ingesta de proteínas que disponibilizam aminoácidos para o organismo 65 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A NAPQI acumulada age principalmente no fígado local de biotransformação do paracetamol atua nos hepatócitos e pode causar danos hepáticos por lipoperoxidação ou peroxidação lipídica Vamos ver os sinais e os sintomas de intoxicação pelo paracetamol Observação Diferentes autores utilizam os termos paracetamol e acetaminofeno como sinônimos Quando uma pessoa está intoxicada pelo paracetamol nas primeiras 24 horas o organismo praticamente não se manifesta e o paciente apresenta um quadro assintomático Pode por vezes apresentar um quadro de palidez náuseas vômitos e dor epigástrica na boca do estômago Nas 48 horas seguintes pode haver dor no hipocôndrio direito região acima da cintura abaixo do tórax e do lado direito e as transaminases hepáticas são aumentadas Após esse período ocorre a hepatotoxicidade em sua expressão máxima que pode evoluir para a falência hepática aguda e até mesmo à morte Para que você tenha uma ideia sobre a importância do paracetamol na intoxicação aguda segundo Farias 2016 o paracetamol foi responsável por 629 dos casos de intoxicação por antiinflamatório não esteroidal n201 associados à tentativa de autoextermínio n151 intoxicação acidental n35 eventos adversos n10 e automedicação n5 em 2015 em hospital especializado em urgência no estado de Minas Gerais Fator interno estado de saúde Como você sabe o principal órgão de biotransformação é o fígado Em situações em que o indivíduo apresente doenças hepáticas como cirrose hepatite ou carcinoma possivelmente haverá redução na produção das enzimas de biotransformação uma vez que nessas condições as células passam a desempenhar funções primordiais de sobrevivência e deixam de realizar funções específicas como a produção enzimática Fator externo indução enzimática A exposição crônica a xenobióticos pode levar ao que se chama de tolerância metabólica ou disposicional Nessa tolerância as células sobretudo a dos hepatócitos têm o volume e o número do retículo endoplasmático granular REG aumentados e consequentemente passam a produzir maiores teores de enzimas Essa maior produção enzimática tem efeito direto caso o toxicante ao qual o organismo se expôs seja biotransformado pelas enzimas que estão sendo mais intensamente produzidas esse toxicante será biotransformado mais rapidamente 66 Unidade I Exemplo de aplicação Permitanos trazer um pouco de nossa experiência profissional presenciamos pacientes que convulsionaram e questionamos se esses pacientes se expuseram corretamente ao medicamento Sabe qual foi a resposta Que sim que naquela semana e naquele dia haviam tomado o medicamento anticonvulsivante no horário certo na dose certa pela via de administração prescrita e na forma farmacêutica adequada Uma das possíveis justificativas para que o paciente se exponha corretamente ao medicamento mas que não haja efeito terapêutico é que pode estar havendo o fenômeno de tolerância disposicional em que o organismo se expõe às mesmas quantidades do medicamento que já não produzem mais o efeito terapêutico Caso ainda não esteja entendendo muito bem o conceito gostaríamos que você nos permitisse utilizar uma frase popular já ouviu alguém falar que o organismo se acostumou com o medicamento Sim sabemos que já ouviu O que significa isso Que o medicamento tomado na mesma dose já não faz mais efeito no organismo Mas por que a mesma quantidade do medicamento não age mais no organismo Uma das possíveis explicações é que ao longo do tempo o organismo foi induzindo à produção de maiores quantidades de enzimas que consequentemente aumentam a intensidade de biotransformação do fármaco Esse acostumou é um termo popular que expõe sabiamente o fenômeno de tolerância metabólica ou disposicional Por trás da simplicidade da população há uma incrível sabedoria Assim com a simplicidade dos exemplos disponibilizados por aqueles que nesse momento interagem com você ficou mais claro como a indução enzimática pode interferir no organismo humano ou animais O benzoapireno a fenitoína o fenobarbital a predinisona a rifampicina e o etanol em exposição crônica são exemplos de indutores enzimáticos ou seja são substâncias que com o tempo poderão induzir a biotransformação de outras substâncias químicas ou até mesmo delas mesmas Observação O benzoapireno é uma das 4720 substâncias químicas geradas pelo tabaco e também é um indutor enzimático Dependendo do medicamento de que o organismo faz uso pode acontecer de o benzopireno inalado da fumaça do cigarro induzir à tolerância metabólica Com essa indução enzimática o medicamento é biotransformado mais rapidamente deixa de fazer o efeito desejado e há a necessidade do aumento da dose para corrigir a situação 67 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Mas há limites para o aumento da dose há situações que o aumento da dose faz com que a substância atinja níveis plasmáticos tóxicos Fator externo inibição enzimática Praguicidas organofosforados são utilizados amplamente na agricultura e protegem a plantação contra pragas que danificam a produção agrícola Entretanto essas mesmas substâncias que são utilizadas para que se garanta alimento para toda a população são utilizadas por grupos terroristas que preparam e utilizam os gases dos nervos como o VX o tabun e o sarin como arma de destruição em massa Esse grupo de substâncias químicas são inibidores enzimáticos ou seja inibem a acetilcolinesterase enzima que hidrolisa a acetilcolina A inibição da acetilcolinesterase leva a uma hiperestimulação colinérgica com danos que podem ser irreversíveis Nem sempre a inibição da acetilcolinesterase é considerada um problema Há situações em que é interessante que ocorra uma maior atividade muscarínica em alguns órgãos como a bexiga ou o intestino e nesse caso administrase a neostigmina inibidor da acetilcolinesterase que gerará um efeito terapêutico Assim a mesma substância química ou diferentes substâncias com os mesmos mecanismos de ação podem levar a danos no organismo humano ou de animais ou ser utilizadas como medicamentos Observação Segundo Paracelsus a diferença entre remédio e veneno é a dose Como outros exemplos de inibidores enzimáticos citamse a fluoxetina dissulfiram eritromicina cetoconazol cimetidina e omeprazol que inibem a CYP450 a tranilcipromina que é inibidora da monoaminoxidase e o metronidazol que inibe a aldeído desidrogenase 1273 Distribuição Uma vez na circulação sanguínea o xenobiótico é distribuído ou seja é transportado pelo sangue e pela linfa para diversos tecidos O transporte ocorre quando o toxicante está na forma livre conjugado com proteínas plasmáticas ou com as hemácias A albumina é a principal proteína sérica que distribui o xenobiótico mas não é a única A cocaína por exemplo é distribuída ligada à α1glicoproteína ácida e o Δ9THC é distribuído 97 a 99 ligado a lipoproteínas Fatores como os fluxos linfático e sanguíneo nos órgãosalvo propriedades físicoquímicas da substância como o coeficiente de partição óleoágua e o pH do meio interferem diretamente na distribuição da substância química Para que o toxicante presente no sangue do organismo exerça o efeito deletério fazse necessário que saia do leito vascular atravesse membranas biológicas e chegue assim no sítio de ação Para que 68 Unidade I isso ocorra o xenobiótico deverá estar na forma livre não conjugada a proteínas séricas para que atravesse as barreiras biológicas Para que se tenha dimensão da quantidade da substância química que é distribuída utilizase o parâmetro denominado de volume de distribuição Vd que é o parâmetro toxicocinético que sinaliza a extensão da distribuição do toxicante Caso a substância apresente elevado volume de distribuição Vd 3045 l homem 75 kg significa que a substância estará em pequena porção no leito vascular e em grande parte terá sido distribuído para órgãos e tecidos Opostamente xenobiótico de baixo volume de distribuição significa que a maior parte da substância permanece no plasma e apenas uma pequena fração está agindo nos tecidos 1274 Armazenamento Uma vez distribuída a substância química pode ser armazenada e esse armazenamento pode causar efeito deletério local ou ser inócuo ou seja pode não causar dano no local onde está armazenado O estrôncio causa dano no local de armazenamento Ao se depositar no tecido ósseo e dependendo das condições de exposição pode levar ao tumor ósseo O depósito de flúor nos dentes pode levar à fluorose Observação Uma substância química que esteja armazenada em grande quantidade em um órgão não significa necessariamente que levará a um dano no órgão que armazena o toxicante Pode acontecer de a substância ser acumulada em um tecido ou órgão mas não causar dano a ele É o que ocorre com o acúmulo de chumbo no tecido ósseo por exemplo O chumbo é armazenado no tecido ósseo na forma de trifosfato de chumbo e não manifesta efeito tóxico enquanto estiver temporariamente armazenado nesse tecido Entretanto quando o chumbo é redistribuído pode atuar sobre outro tecido e exercer seu efeito tóxico Observação A meiavida biológica T12 do chumbo no tecido ósseo é de 27 anos 1275 Excreção A excreção é a forma pela qual o toxicante é expulso do organismo Para que haja a excreção a substância deve estar na forma hidrossolúvel O toxicante pode ser excretado por várias vias como a fecal a urinária ou a pulmonar mas também pode haver excreção por outras vias O etanol pode 69 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS excretado pelos pulmões e urina o chumbo pelo suor lágrima e saliva além da excreção renal e fecal o Δ9THC pelo leite materno e a cocaína pelo sêmen A excreção renal se destaca uma vez que é no momento da filtração glomerular que ocorrem os mecanismos de reabsorção filtração e secreção tubulares e dentro desse contexto pode haver a alteração dos percentuais da fração em que a substância química está na forma molecular ou ionizada Entretanto você não acha que cabe um questionamento nessa parte Sim poderíamos nos questionar qual é o significado toxicológico da filtração glomerular A importância do domínio dessas informações está na possibilidade de alterar o percentual da fração iônica e molecular do toxicante Essa modulação é utilizada no tratamento das intoxicações à medida que quando o xenobiótico está na forma molecular lipossolúvel pode ser reabsorvido e ter o aumento de tempo de ação no organismo Opostamente caso o toxicante esteja na forma iônica sua reabsorção nos néfrons é pequena consequentemente sua maior parte é filtrada transportada para a bexiga e em um segundo momento excretada pela urina Assim a alcalinização ou acidificação do compartimento urinário altera de forma significativa a reabsorção de um toxicante Lembrete Ao manter um medicamento que é um ácido fraco ou base fraca em sua forma iônica esse medicamento será pouco reabsorvido e rapidamente excretado 128 Toxicodinâmica Estamos seguros de que você se recorda que a toxicodinâmica tem o mesmo significado que ação tóxica e é a forma pela qual o toxicante age no organismo do ponto de vista bioquímico e molecular Exemplo de aplicação Reflita sobre qual é a real importância de conhecer como as substâncias químicas agem no organismo de humanos e animais Um dos motivos que justificam o conhecimento do mecanismo de ação das substâncias é poder propor formas de tratamento como a utilização de antídotos para reduzir ou eliminar completamente os efeitos de uma substância química Você se recorda dos exemplos que trabalhamos até o momento envolvendo o CO Caso você não se recorde das informações associadas ao CO permitanos relembrar algumas e agregar outras 70 Unidade I O oxigênio é carreado no organismo humano ligado ao grupamento heme da hemoglobina Dessa forma a hemoglobina se liga ao oxigênio O2 e o distribui para tecidos remotos ou seja tecidos distantes do local onde o oxigênio foi absorvido pulmão Nos tecidos esse oxigênio é liberado e absorvido pelas células que realizam a respiração celular mitocondrial Caso haja alguma dificuldade no transporte do oxigênio na circulação sanguínea o aporte de oxigênio aos tecidos remotos pode ser reduzido hipóxia que pode levar à cianose coloração azul violácea da pele e até mesmo à necrose tecidual ou à morte do organismo Lembrete Cianose necrose ou até mesmo a morte do organismo não são ações tóxicas ou toxicodinâmicas são sinais de intoxicação O CO presente na circulação sanguínea impede que o O2 se ligue ao grupamento heme da hemoglobina Você já ouviu que o CO se liga irreversivelmente à hemoglobina não é Provavelmente sim Sentimos muito mas nos parece que não é bem assim Vamos entender melhor essa informação Então continue concentrado raciocine conosco e preste atenção no número dado na sequência A ligação entre a hemoglobina e o CO é cerca de 220 vezes mais estável que a ligação entre a hemoglobina e o O2 Dessa forma demorase muito tempo para que a hemoglobina que esteja ligada ao CO se desacople da hemoglobina e fique livre para se ligar ao O2 O antídoto utilizado para o tratamento da intoxicação pelo CO é O2 e o utilizamos porque sabemos o mecanismo de ação do CO do ponto vista bioquímico e molecular Em uma situação de incêndio por exemplo em que o organismo se expõe a grandes volumes de CO2 o tratamento consiste na oxigenoterapia em que se administra oxigênio puro Assim o tratamento e a prevenção da intoxicação utilizam informações associadas ao mecanismo de ação das substâncias químicas Ficou melhor agora Você compreendeu a importância de nos apropriarmos do conhecimento envolvendo a toxicodinâmica Lembrete Toxicodinâmica e ação tóxica são sinônimos 71 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 1281 Seletividade de ação Na perspectiva toxicodinâmica o xenobiótico pode agir de forma específica como os inseticidas organofosforados que inibem especificamente a enzima acetilcolinesterase ou podem agir inespecificamente como os ácidos e álcalis conforme a figura a seguir OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Figura 10 Queimadura por álcali após 12 horas da chegada no pronto socorro A visão frontal B visão anterolateral Ácidos ou bases fortes quando interagem com membranas externas ou internas do organismo agem inespecificamente Como se observa na figura anterior a soda cáustica causou queimaduras na pele mucosa nasal e oral e cartilagens da orelha e nariz ou seja a substância química levou ao mesmo dano em diferentes tecidos pelo mesmo mecanismo de ação Ficou claro para você que quando não há especificidade de ação ao interagir com membranas externas ou internas do organismo humano ou de animais as substâncias agem sem distinção de órgãoalvo específico tecidos células e moléculas e pode levar a um processo inflamatório de irritação corrosão e queimadura ou seja atuam inespecificamente sobre o local de contato Você está acompanhando muito bem o raciocínio toxicológico Sob a perspectiva de ação de xenobióticos a especificidade de ação pode estar condicionada a diferenças entre as características fisiológicas e bioquímicas entre diferentes espécies Acompanhe o raciocínio células de mamíferos não possuem parede celular diferentemente de células de bactérias Por esse contexto nos parece consenso que se uma substância química é capaz de atuar sobre a parede celular atuaria apenas sobre células bacterianas e não de animais Ficou claro como se compreende a seletividade de ação de substâncias químicas 72 Unidade I 1282 Interação com receptores Como visto no início deste livrotexto o curare é preparado por índios na América do Sul e constituído por uma mistura de plantas nativas dessa região com efeito paralisante utilizado nas pontas de dardos lançados por zarabatanas ou de flechas para a caça É fabricado pelos curandeiros das tribos que se utilizam de diferentes tipos de raízes e lianas para sua preparação Exploradores que chegaram à região do Amazonas e Orinoco nos séculos XVI e XVII registraram a utilização do curare pela primeira vez No século XIX conseguiram assistir a sua preparação e verificaram que era preparado com plantas que os indígenas denominavam uirari usadas em maior quantidade e icu usada em menor quantidade como as espécies Strychnos castelneana e Anomospermum grandifolium Eichler SÁ et al 2012 Você deve se recordar de que estudamos juntos que o risco de intoxicação pelo curare depende muito da via de exposição e você também já sabe que ele tem como principal princípio ativo o alcaloide dtubocurarina Esse fármaco atua na junção neuromuscular como antagonista competitivo de receptores nicotínicos da placa terminal mas não é capaz de desencadear o processo de despolarização Após a exposição ao curare ocorre inicialmente a flacidez da musculatura estriada dos músculos mais frágeis como os da face evoluindo para os mais potentes Imaginemos juntos o que ocorre com o animal ou humano que é intoxicado pelo curare Durante a intoxicação o homem ou animal permanece consciente e com percepção da dor uma vez que a dtubocurarina não é capaz de atingir o SNC e também não é capaz de interferir no limiar da dor e sob a ótica toxicodinâmica levandose em consideração a interação com receptores a dtubocurarina compete com a acetilcolina Ach pelos receptores nicotínicos Entretanto ao se ligar nesses receptores não consegue realizar a despolarização celular e por consequência afeta a musculatura respiratória A morte decorre por paralisia da musculatura diafragmática Observação Toxicodinâmica é o mecanismo envolvido no processo de ação do toxicante no organismo Os danos são os efeitos dessa ação 1283 Interferência nas membranas excitáveis Possivelmente você já deve ter visto em reportagens documentários ou filmes um peixe que infla quando se estressa ou seja quando submetido a situações que interprete como perigosas aumenta seu volume para se proteger ao inibir ou impedir que outros peixes o engulam Ele é o baiacu peixe venenoso presente na costa brasileira A tetrodotoxina neurotoxina resistente a elevadas temperaturas é encontrada em alguns órgãos do baiacu ou no fugu peixe de mesma espécie comum na gastronomia oriental 73 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS O funcionário que trabalha em um restaurante que tenha o fugu em seu cardápio deve ser treinado e licenciado para que prepare adequadamente o peixe e fazse necessário retirar os principais órgãos de armazenamento da neutoroxina veja a figura a seguir A exposição aos peixes da família do baiacu normalmente leva a consequências da mais relevante gravidade em que casos fatais não são incomuns NETO et al 2010 Figura 11 Vísceras de baiacupintado Poderíamos pensar nesse momento é por isso que cozinho asso ou frito os peixes que como Não é bem assim Essa neurotoxina é estável a elevadas temperaturas de forma que não adianta o alimento ser submetido ao cozimento ou fritura porque esses procedimentos não são suficientes para retirar ou minimizar os efeitos dessa potente neurotoxina presente no baiacu A tetrodotoxina age sobre a membrana celular e impede o influxo de sódio Na Esse bloqueio de canais de Na faz com que não haja trocas iônicas e como consequência não há a liberação e ação da ACh A significativa redução ou ausência desse neurotransmissor na fenda sináptica não gera potencial de ação e a musculatura tornase flácida tanto nos músculos menos importantes do ponto de vista fisiológico como os da face quanto nas musculaturas primordiais para a vida como a diafragmática Morrese assim por parada respiratória Observação A toxicodinâmica da neurotoxina tetrodotoxina está associada à inibição dos canais iônicos das membranas excitáveis A paralisia da musculatura respiratória é consequência da toxicodinâmica Phyllobates aurotaenia é uma espécie de rã que apresenta abdome preto com pontos verdes ou azuis e o dorso negro com listas dorsolaterais em verde amarelo laranja ou ouroacastanhado Essas espécies selvagens são capazes de armazenar em suas glândulas da pele uma toxina denominada de batrocotoxina e 100 µg dessa toxina pode ser fatal para humanos Essa elevada toxicidade é explorada por povos nativos americanos da Colômbia para a caça A produção armazenamento e liberação da batrocotoxina por P aurotaenia faz com que essa espécie seja considerada uma das mais letais quando comparada com os demais anfíbios venenosos A 74 Unidade I batrocotoxina é um alcaloide esteroidal que atua em mamíferos se ligando irreversivelmente a canais iônicos e abrindo permanentemente os canais de sódio dos neurônios e células musculares A entrada excessiva de sódio impede a repolarização da membrana celular e bloqueia a sinalização adicional Seu resultado além de extrassístoles pode ser a paralisia e morte do organismo que se expôs à toxina por contração muscular excessiva e permanente 1284 Inibição da fosforilação oxidativa O cianeto ficou mundialmente famoso a partir de seu uso na Segunda Guerra Mundial nas câmaras de gás mas é uma substância que está mais próxima de nós do que você possa imaginar Lembrete O ácido cianídrido pode ser gerado a partir do tolueno diisocianato TDI presente em alguns tipos de espumas Uma das formas pelas quais o organismo humano se expõe ao cianeto é por alimentos ricos em glicosídeos cianogênicos como a mandiocaamarga ou mandiocabrava Em situações específicas de hidrólise esses alimentos liberam o cianeto em sua forma molecular e podem intoxicar gravemente quem se expõe a ele Observação Para causar dano o cianeto deve estar na forma molecular O correto seria falarmos ácido cianídrico para nos referirmos à forma tóxica mas popularmente a substância é conhecida por cianeto ou cianureto O ácido cianídrico em sua forma molecular HCN inibe a citocromo oxidase também conhecida por citocromo a3 presente na cadeia respiratória e consequentemente impede a transferência de elétrons na mitocôndria O oxigênio aceptor final de elétrons no processo de fosforilação oxidativa não recebe elétron por causa dessa inibição enzimática e não há a produção da adenosina trifosfato ATP O organismo em última instância entra em colapso uma vez que o processo de transferência eletrônica mitocondrial está bloqueada e não há formação de energia pela mitocôndria 1285 Complexação com enzimas O chumbo é um metal que pode interferir na biossíntese do grupamento heme que dá origem à hemoglobina Há uma sequência de eventos catalisados enzimaticamente que ocorrem na medula óssea e dependendo das condições de exposição o chumbo pode inibir uma ou mais enzimas durante a biossíntese do heme por inibição de grupamentos sulfidrílicos SH proteicos O cádmio o mercúrio e o arsênio têm a mesma toxicodinâmica que o chumbo 75 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 1286 Complexação com proteínas Como as proteínas poderiam estar associadas a algum mecanismo de toxicidade Para responder a esse questionamento sugerimos que você se reporte às informações que vimos juntos associadas à intoxicação pelo paracetamol Em situações de saturação enzimática ou da depleção de substâncias endógenas pode haver dano celular Em situações em que haja a saturação da glutationaStransferase GST a Nacetilp benzoquinonaimina NAPQI não é biotransformada e esse metabólito tóxico se acumula e pode causar danos no organismo O mesmo raciocínio pode ser extrapolado para a aflatoxina B1 ou seja caso haja algum prejuízo da ligação dos compostos 89epóxidos com a glutationa via glutationaStransferase GST pode haver danos em macromoléculas nucleofílicas como o DNA 1287 Interação com lipídios e ácidos nucleicos Conseguimos vislumbrar como evoluímos qualitativa e quantitativamente na disciplina Por exemplo ainda sobre o exemplo do paracetamol à medida que o metabólito formado por reação de biotransformação de fase I não seja biotransformado por reação de fase II acumulase a NAPQI E você se recorda de como que esse metabólito atua sobre o organismo A NAPQI causa dano celular por meio da lipoperoxidação ou seja dano celular que envolve os lipídios Quando nos reportamos à biotransformação da aflatoxina B1 o composto 89epóxido atua sobre macromoléculas nucleofílicas e formam adutos de DNA ligação covalente sobre o N7 da guanina do DNA dos hepatócitos levando à carcinogênese ou seja está havendo danos no ácido nucleico da célula 1288 Perturbação da homeostase cálcica O cálcio é um mensageiro importante na regulação de funções celulares e alteração de sua função pode levar a danos celulares Lembremos que o cálcio é responsável pelo equilíbrio do citoesqueleto Alterações dos níveis de cálcio podem determinar danos celulares por perturbação da organização celular envolvendo o citoesqueleto 2 AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE Imaginemos que uma pessoa esteja em um restaurante e peça um sanduíche com uma porção de batata frita Quando a refeição chega observase que a batata veio completamente sem sal Sobre a mesa há sachês de cloreto de sódio sal de cozinha na quantidade de 1 g por sachê Qual é o risco de essa pessoa morrer após ingerir a batata frita com o conteúdo de um desses sachês de cloreto de sódio na batata Risco praticamente nulo não é verdade Continue raciocinando conosco e se um desses sachês não tivesse 1 g de cloreto de sódio mas 1 g de cianeto Haveria algum risco de intoxicação ao comer essa bata frita com 1 g de cianeto Sim há risco iminente de intoxicação aguda dessa pessoa 76 Unidade I Assim concluímos que nas mesmas condições de exposição ou seja a mesma pessoa pela mesma via de exposição e a mesma quantidade da substância a probabilidade de morte pela exposição ao cianeto de sódio é muito maior que em comparação com o cloreto de sódio Temos essa informação porque sempre ouvimos que o cianeto é veneno diferentemente do cloreto de sódio Entretanto vamos imaginar esse outro cenário e se a indústria farmacêutica acaba de produzir um novo agente antihipertensivo Você permitiria que seu avô ou avó se expusessem a esse medicamento por toda a vida sem saber exatamente quais danos poderiam acontecer a eles ao longo do tempo em termos por exemplo de mutagenicidade e carcinogenicidade Não não permitiríamos Esse medicamento para ser comercializado precisa passar por um conjunto de ensaios toxicológicos in vitro e in vivo para que se garanta sua segurança E é exatamente sobre isso que vamos falar agora Além do potencial farmacêutico de um fármaco para que seja lançado no mercado a Food and Drug Administration FDA bem como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa exigem que sejam realizadas avaliações que identifiquem o potencial tóxico da substância e que esses testes sejam realizados em animais são os ensaios de avaliação de toxicidade préclínicos Lembrese que demos o exemplo de um princípio ativo mas o que vamos descrever adiante serve para substâncias químicas adicionadas no solo água e ar drogas de abuso produtos de uso na agricultura praguicidas aditivos alimentares cosméticos toxinas vegetais entre outros PARASURAMAN 2011 Imagine se vamos adquirir uma loção para a pele e ao longo do tempo as substâncias químicas presentes nessa loção são carcinogênicas ou possam causar algum tipo de corrosão na pele É nesses ensaios que obtemos informações importantes sobre parâmetros toxicológicos como a DL50 nível de efeito não observado ou no observed effect level Noel e ingestão diária aceitável IDA Vimos anteriormente que Paracelsus é considerado o pai da toxicologia por ter identificado respostas benéficas e tóxicas da mesma substância química mas em diferentes condições de exposição ao organismo e com isso deu um grande passo no estudo dessa ciência que é a relação doseresposta Mathieu Orfila por sua vez foi considerado o pai da toxicologia moderna quando caracterizou a relação direta entre os danos causados em um órgão específico pela exposição a substâncias químicas e suas propriedades biológicas Ao longo do tempo sobretudo no século XX houve um grande desenvolvimento do que se chama de análises toxicológicas J W Trevan propôs em 1920 que para se determinar a dose de uma substância que seja capaz de levar à morte um organismo seria necessário realizar um teste de toxicidade aguda John Draize pesquisador da FDA desenvolveu uma técnica utilizada amplamente para testar os efeitos das substâncias químicas na pele e olhos ao utilizar coelhos nos experimentos Posteriormente a esses dois avanços toxicológicos o Instituto Nacional de Câncer estadunidense inferiu que seria possível estimar se uma substância química é carcinogênica ao realizar testes com dosagens diárias em animais como camundongos e ratos por dois anos Nesse contexto no início dos anos 1960 houve o maior desastre médico causado pelo homem quando a talidomida foi prescrita para tratar da náusea matinal de gestantes O que se viu foi cerca de 10000 crianças nascerem com graves malformações fetais VARGESSON 2015 77 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Após essa trágica situação os perfis toxicológicos dos medicamentos passaram a ser exigidos por todas as agências reguladoras e pouco antes do início da década de 1990 a Conferência Internacional de Harmonização ICH e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE apresentaram diretrizes para a realização dos testes de toxicidade das substâncias químicas de uso farmacêutico para evitar que acidentes toxicológicos como o da talidomida ocorressem novamente PARASURAMAN 2011 Esses testes deveriam conter as características expostas a seguir 21 Informações preliminares Uma das primeiras informações necessárias para a avaliação de toxicidade está relacionada às informações preliminares ou seja devese conhecer melhor a substância em questão do ponto de vista de estrutura química e propriedades físicoquímicas É necessário também conhecer as impurezas presentes bem como seus teores Ao realizar um ensaio de avaliação de toxicidade devese assegurar que a resposta obtida ou seja o efeito tóxico será causado pela substância em estudo e não pelas impurezas presentes O conhecimento da substância química nos dá elementos para compreender como a substância poderá se comportar no meio ambiente e consequentemente propor como será sua dinâmica quanto à mobilidade em solo ar e água OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 22 Teste de toxicidade aguda O teste de toxicidade aguda é utilizado para determinar o efeito ao organismo após a exposição de uma dose única do xenobiótico Nesse teste recomendase que sejam utilizadas duas diferentes espécies de animais sendo que uma delas deve ser roedora e a outra não roedora Após exposição única mas de diferentes doses o efeito é obervado por 14 dias Como é um teste que envolve grande número de animais foram propostas atualizações desse teste como o de dose fixa método para cima e para baixo e método da categoria tóxica aguda PARASURAMAN 2011 No teste de dose fixa são administradas doses fixas de 5 50 500 e 2000 mgkg de peso corporal O método da categoria tóxica aguda é o teste toxicológico mais recomendado pelas agências reguladoras uma vez que utiliza menor número de animais nos experimentos Nesse teste as fêmeas são preferíveis aos machos Ele é um método de triagem que envolve a dosagem de animais em forma sequencial em intervalo de 48 horas Caso o animal sobreviva administrase uma dose maior duas vezes superior à dose inicial caso não sobreviva realizase o teste com dose mais baixa em outro animal limitado a doses de até 2000 mgkg São realizados testes de toxicidade aguda pela exposição pela pele e pelo ar PARASURAMAN 2011 23 Teste de toxicidade de dose repetida No teste de toxicidade de dose repetida a substância química é administrada diariamente a um roedor de qualquer sexo e idade entre 5 a 6 semanas com período mínimo de 28 dias por via oral Eventualmente a exposição pode ser parenteral Os tecidos da maioria dos órgãos do animal são 78 Unidade I removidos e registramse as alterações histológicas e se possível também avalia os efeitos da substância no sistema imunológico A principal diferença entre os ensaios de dose repetida e os estudos de toxicidade subcrônica é que o primeiro é realizado por um período de 28 dias e o segundo durante 90 dias 24 Teste de toxicidade crônica O teste de toxicidade crônica fornece respostas quanto aos efeitos a longo prazo de um xenobiótico e é utilizado para realizar a extrapolação de dados para a segurança para humanos Utiliza no mínimo uma espécie de roedor e uma de não roedor A substânciateste é administrada por no mínimo 90 dias Nesse teste são avaliadas as variações comportamentais fisiológicas e dos parâmetros bioquímicos do animal Durante o período de estudo os animais são observados em relação às funções fisiológicas variações comportamentais e alterações na bioquímica No final do estudo os tecidos são coletados de todas as partes do animal e submetidos a análises histológicas 25 Teste de toxicidade na reprodução de uma geração e de duas gerações Nesses testes a substânca teste é administrada nos animais de ambos os sexos para a duração de um ciclo espermatogênico completo e por dois ciclos estrais completos para machos e fêmeas respectivamente e os roedores são os animais de eleição para esses testes Coletamse e observamse a motilidade e a morfologia do esperma Administrado durante o período de gravidez e amamentação nas fêmeas os animais são observados durante todo o período do teste quanto aos sinais de toxicidade e são realizados registros do parto e sexagem da ninhada Os filhotes são submetidos à eutanásia e são realizados exames histopatológicos No estudo de toxicidade na reprodução de duas gerações a substânciateste é administrada continuamente a fêmeas grávidas e observase se houve mortalidade e outros sinais de toxicidade Após o parto os animais são expostos à substância que está sendo avaliada durante a amamentação e são colocados para cruzar sendo observados os parâmetros toxicológicos da ninhada da geração 2 F2 inclusive sobre a fertilidade do animal 26 Estudo toxicocinético Também são realizados ensaios que avaliam a toxicocinética ou seja modelos experimentais que auxiliam na compreensão do metabolismo e excreção da substância tóxica e permitem extrapolar parâmetros fisiológicos a partir dos parâmetros farmacocinéticos auferidos 79 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 27 Estudos de neurotoxicidade em roedores Um dos caminhos utilizados para avaliar os efeitos da substância química no sistema nervoso central e periférico em roedores é a realização dos estudos de neurotoxicidade em que se avaliam fatores comportamentais específicos e histopatológicos por exemplo lesões neuropatológicas e disfunções neurológicas como déficit cognitivo dificuldade de aprendizado perda de memória e prejuízos sensoriais A partir de 1998 após o desenvolvimento de testes in vitro várias agências reguladoras preconizaram que esse tipo de teste seja utilizado em detrimento aos realizados in vivo 28 Estudos de embriotoxicidade e toxicidade no desenvolvimento O teste de embriotoxicidade é realizado entre os dias 8 GD8 e 14 GD14 da gravidez mas também podem ser realizados testes in vitro No dia 21 da gravidez GD21 realizase a cesariana e observamse parâmetros como malformação dos membros bolhas hemorrágicas fenda palatina exencefalia deformidade da cauda abertura de pálpebras e número de natimortos e nascidos vivos O teste in vitro de célulastronco embrionárias pode ser realizado como estudo da embriotoxicidade 29 Teste de toxicidade genética Várias espécies de plantas e de animais células de mamíferos e microrganismos são utilizados para realizar o teste de toxicidade genética São realizados alguns testes como o de troca de cromátides irmãs de translocação herdável e do micronúcleo 210 Teste de mutagenicidade O teste de mutagenicidade avalia alterações na sequência de base aberrações cromossômicas e estruturas do DNA como inserções duplicações translocações e inversões A essencialidade desse teste reside no fato de que algumas mutações resultam em carcinogênese Duas ou três diferentes bactérias são utilizadas no teste in vitro como a Salmonella typhimurium teste de Ames e células de mamíferos 211 Teste de carcinogenicidade Esse ensaio é realizado durante a maior parte da vida do animal e são observados sinais de toxicidade relacionados ao desenvolvimento de tumores Em 18 meses de acompanhamento caso não sejam identificadas evidências do desenvolvimento de tumor o teste pode ser encerrado no caso de testes realizados em hamsteres e camundongos Em ratos o teste pode ser encerrado após 24 meses A seguir iremos enriquecer seus conhecimentos com informações e aprofundar os estudos de mutagenicidade e carcinogenicidade 80 Unidade I 212 Mutagênese e genotoxicidade Ao estudar toxicologia aprendemos como os toxicantes a radiação e as partículas virais podem causar alterações na homeostase dos organismos Agora iremos estudar como esses agentes podem interferir nas estruturas ligadas ao processo de duplicação celular e de reprodução Alterações causadas em células germinativas como o óvulo e o espermatozoide podem ser transmitidas à geração filial bem como alterações em células somáticas podem desencadear o aparecimento de células cujo padrão de funcionamento ocorre em tempo em quantidade ou na velocidade diferente daquela normal para o tipo de célula Em ambas as situações pode ocorrer o aparecimento de malformações ou de doenças Ao lermos os termos mutagênese e genotoxicidade imaginamos intuitivamente seus significados Mas o que realmente significam essas palavras Vamos a elas Mutagênese vem do latim mutare que significa mudança e do grego genesis que significa origem formação então entendemos que é o aparecimento de mudanças Já o termo genotoxicidade é formado pelo radical grego génos que também significa origem e do grego toksikón este de mais fácil compreensão Iremos nos aprofundar no significado dessas palavras no decorrer de nosso estudo Mas podemos já imaginar que este tópico trata de mudanças ou mutações nos genes das células Mutações nas células de fato ocorrem o tempo todo Para termos uma noção estimase que ocorram de 75000 a 100000 danos ao ácido desoxirribonucleico o DNA de uma célula por dia RAO 2009 É impressionante não é mesmo Mas os organismos de porte de um sistema bioquímico de reparação muito bem desenvolvido acabam por anular os efeitos deletérios das alterações Alterações chamadas de espontâneas ocorrem naturalmente nas populações sem que haja a exposição a algum tipo de agente XIAO SAMSON 1993 Já as mutações induzidas dependem de um agente A quantidade de mutações acumuladas sejam elas espontâneas ou induzidas pode definir se um organismo irá desenvolver uma doença como o câncer ou não bem como a capacidade de consertar os erros que o organismo apresenta Se a taxa de mutações for elevada ou seja se for maior do que a velocidade que o organismo tenha de reparar esses erros a probabilidade de se desenvolver doenças como o câncer é maior Por isso a determinação das taxas de mutação é importante para se compreender como o desenvolvimento de tumores pode estar associado ao tratamento do câncer com agentes citotóxicos por exemplo SZIKRISZT PÓTI PIPEK 2016 como cisplatina etoposídeo vincristina vimblastina irinotecano entre outros ALMEIDA et al 2005 bem como é muito relevante a capacidade de reparo bioquímico que as células possuem XIAO SAMSON 1993 Agora iremos abordar como agentes químicos físicos e biológicos podem causar essas mutações que podem ocorrer nas células somáticas ou nas células germinativas Para que possamos abordar esse tema é necessário fazer um resgate de alguns conceitos 81 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação Células somáticas são aquelas que compõem os tecidos de nosso organismo que se replicam pelo processo de mitose e que apresentam 46 cromossomos Células germinativas ou gametas são aquelas envolvidas diretamente no processo de reprodução da espécie que no caso dos mamíferos são os óvulos e os espermatozoides Os gametas são gerados pelo processo de meiose e por isso apresentam 23 cromossomos Quando o óvulo e o espermatozoide se fundem formam o embrião cuja célula terá 46 cromossomos Desse modo parte das características genéticas vem da mãe e parte vem do pai Saiba mais Acesse o site a seguir para mais informações sobre quimioterapia antineoplásica INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER Quimioterapia antineoplásica Brasília 2018b Disponível em httpswwwincagovbrexposicaono trabalhoenoambientemedicamentosquimioterapiaantineoplasica Acesso em 18 nov 2020 Figura 12 Logotipo do Instituto Nacional de Câncer 2121 Ácidos nucleicos uma breve história Uma das moléculas orgânicas mais fantásticas encontradas na natureza é o ácido desoxirribonucleico A molécula de DNA que é a sua abreviação originada do termo em inglês doxoxyribonucleic acid teve sua estrutura de duplahélice elucidada em 1953 mas pesquisadores anteriores a James Watson Francis Crick e Maurice Wilkins já tinham dado os primeiros passos para decifrarem sua estrutura Na década de 1860 um pesquisador alemão chamado Friedrich Miescher conseguiu extrair e isolar uma grande quantidade de uma substância presente no núcleo das células Ele descobriu que tal substância continha carbono hidrogênio oxigênio nitrogênio e fósforo e conseguiu também elucidar as quantidades relativas de cada um desses componentes DAHM 2008 82 Unidade I Essa substância recebeu o nome de nucleína e o relato científico dessa descoberta foi efetivado somente muito tempo depois porque a comunidade científica à época duvidava da existência dessa molécula Mais tarde outro pesquisador também conseguiu isolar essa molécula e percebeu seu caráter ácido A partir disso sugeriu que a nucleína passasse a se chamar ácido nucleico GRIBBIN 2019 Depois a presença das bases nitrogenadas que compõem sua estrutura bem como a da pentose um açúcar de cinco átomos de carbono também foi descoberta Isso gerou o primeiro Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina ligado a essa fantástica molécula em 1910 Mais tarde descobriuse que esse açúcar era uma desoxirribose por conter um oxigênio a menos do que a molécula de ribose Assim temos os ácidos ribonucleicos os RNAs e os ácidos desoxirribonucleicos os DNAs A estrutura molecular do DNA foi elucidada por uma cientista britânica judia a Dra Rosalind Franklin que conseguiu identificar a estrutura de duplahélice do DNA através de imagens de difração de raiosX juntamente com Maurice Wilkins MADDOX 2003 Mas o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1962 foi entregue a Watson Crick e Wilkins uma vez que por conta de desavenças com a colega britânica Wilkins acabou se unido a Watson e Crick e Franklin foi trabalhar em outro lugar quando veio a morrer pouco tempo depois perdendo a chance de que os avaliadores do Prêmio Nobel pudessem recompensála por essa importante descoberta Mas o que são os ácidos nucleicos mesmo Qual sua função nas células Ácidos nucleicos veja a figura a seguir são longas cadeias orgânicas compostas por nucleotídeos que são conhecidas pelos nomes de ácido desoxirribinucleico ou DNA da sigla em inglês a partir de deoxyribonucleic acid e ácido ribonucleico ou RNA da sigla em inglês a partir de ribonucleic acid Vamos começar pelo DNA O DNA é uma molécula formada por duas cadeias de nucleotídeos ligadas entre si Essas duas cadeias de nucleotídeos lembram duas fitas que quando ligadas parecem uma escada em caracol Figura 13 Ácido desoxirribonucleico o DNA 83 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Vamos entender agora como é a estrutura molecular do DNA veja a figura a seguir Cada uma das duas cadeias do DNA é composta por vários nucleotídeos que são unidades monoméricas que se polimerizam para formar a molécula de DNA a qual é um polímero de nucleotídeos FELSENFELD 1985 Cada nucleotídeo é formado por uma molécula de açúcar ligada a um grupo fosfato e completando o nucleotídeo encontrase uma das quatro bases nitrogenadas ligadas ao açúcar Esse nucleotídeo é ligado aos outros por ligações do tipo fosfodiéster que ocorrem entre o fosfato do primeiro nucleotídeo ao açúcar do segundo nucleotídeo e assim por diante Desse modo uma das fitas é formada A outra fita se forma do mesmo modo que essa primeira HO HO HO HO OH OH OH OH 3 OH 3 OH OH 3 Ácido desoxirribonucleico OH 3 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 5 Ph 5 Ph Ph 5 Ph 5 O O O O O O O O Adenina Timina Citosina Guanina Figura 14 Estrutura do DNA 84 Unidade I Agora vamos ver com mais detalhes como se dá a ligação entre as bases nitrogenadas no DNA Para isso precisamos olhar mais de perto sua estrutura química As bases nitrogenadas são divididas em bases purínicas como a adenina representada pela letra A e a guanina representada pela letra G e em bases pirimidínicas como a citosina representada pela letra C e a timina representada pela letra T veja a figura a seguir N N O N NH NH2 N N Adenina Citosina Guanina Timina N N N HN O O O N N H N N H H H H Figura 15 Bases nitrogenadas encontradas no DNA Como vimos a estrutura do DNA é formada por duas fitas que se ligam através das bases nitrogenadas para formar a estrutura de duplahélice característica A ligação entre as fitas veja a figura a seguir se dá entre uma base purínica e uma base pirimidínica ou seja A se liga com T através de duas ligações de hidrogênio AT ou TA e C se liga com G através de três ligações de hidrogênio CG ou GC N N N N N N N N H N N N N N H N O O O O H H H H H H H H Timina Adenina Citosina Guanina Figura 16 Ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas do DNA Para que o DNA seja capaz de exercer as suas funções bioquímicas é preciso que haja um trabalho conjunto entre ele e um outro ácido nucleico chamado de ácido ribonucleico ou RNA veja a figura a seguir sobre o qual falamos anteriormente O nome ácido ribonucleico foi dado em função da pentose hidroxilada na posição 2 o que faz com que essa estrutura seja diferente do DNA cuja pentose é um ácido desoxirribonucleico ou seja no DNA a hidroxila ligada ao carbono 2 se perde 85 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS OH OH OH OH 3 OH OH 3 Ácido ribonucleico OH 3 PO4 PO4 PO4 PO4 PO4 5 Ph 5 Ph Ph 5 O O O O Adenina Timina Citosina Guanina Uracila Figura 17 Estrutura do ácido ribonucleico o RNA O RNA é composto por apenas uma fita de nucleotídeos Em vez de o RNA ter seu nucleotídeo formado pela base nitrogenada timina esta é trocada pela uracila representada pela letra U BRENNER JACOB MESELSON 1961 veja a figura a seguir N N O N NH NH2 N N Adenina Citosina Guanina Uracila N N N HN O O O N N H N N H H H H Figura 18 Bases nitrogenadas encontradas no RNA Então a uracila irá se ligar à adenina quando cumprir sua função bioquímica ou seja ligação por duas ligações de hidrogênio como AU ou UA veja a figura a seguir 86 Unidade I N N N N N N N O O H H H H H Citosina Guanina N H N N N N N H N O O H H H Uracila Adenina Figura 19 Ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas do RNA durante as fases de transcrição Enquanto a estrutura de duplahélice do DNA é semelhante a uma escada em caracol o RNA se apresenta como uma fita simples que nos faz lembrar de uma de nossas festas populares mais importantes a festa junina veja a figura a seguir Figura 20 Ácido ribonucleico o RNA A molécula de DNA é muito grande e pode chagar a dois metros Você consegue imaginar uma molécula de dois metros de tamanho dentro do núcleo da célula Impressionante não Para que caiba dentro do núcleo o DNA tem que se condensar muito Para isso o DNA está associado a muitas proteínas entre as quais as histonas que o auxiliam a se apresentarem de modo mais compacto para caberem dentro do núcleo da célula Lembrese que a espécie humana tem 23 pares de cromossomos e todos devem dividir o espaço dentro do núcleo 87 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A depender do momento da divisão celular em que a célula se encontra o DNA pode se apresentar como cromatina ou como cromossomo Quando a célula está na interfase ou seja entre um processo de divisão mitótica e outra está sob atividade metabólica intensa uma vez que a interfase reúne as fases do primeiro intervalo G1 de síntese S e do segundo intervalo G2 que precedem a fase de mitose M ALMEIDA et al 2005 Nesse momento o DNA não está condensado e se encontra dentro da estrutura nuclear Nessa fase o DNA se apresenta como cromatina Quando a célula entra em sua fase M iniciase o processo de divisão Para que esse processo se realize o DNA deve se apresentar em sua forma condensada quando passa a se chamar cromossomo e momento no qual a membrana nuclear começa a desaparecer veja a figura a seguir S Síntese M Mitose G1 Primeira parada G2 Segunda parada Citosinese Telófase Anáfase Metáfase Prometáfase Prófase Figura 21 Ciclo celular Os cromossomos são macromoléculas muito condensadas e por isso visíveis ao microscópio durante a mitose Na mitose se observa o cromossomo formado pelas duas cromátides irmãs A visualização microscópica dos cromossomos pode ser feita após as células receberem tratamento com corantes que apresentam afinidade por adenina e timina Os cromossomos após esse tratamento apresentamse mais corados nas regiões que concentram maior quantidade de A e de T formando verdadeiras faixas de tonalidades diferentes chamadas de bandas G que acabam sendo características de cada um dos cromossomos BRICKMORE SUMNER 1989 veja a figura a seguir 88 Unidade I Cromossomos DNA Gene 5 Ph Ph 5 3 OH OH 3 Cromátides irmãs Figura 22 Diferenças entre cromossomos cromátides irmãs DNA e gene Lembrete Histonas são proteínas sobre as quais o DNA se enrola e auxiliam o DNA a se compactar para que caiba no núcleo celular A espécie humana contém 46 cromossomos em suas células diploides ou somáticas e 23 cromossomos em suas células haploides ou células sexuais ou gametas TAN et al 2018 A esse conjunto de cromossomos damos o nome de cariótipo veja a figura a seguir O cariótipo é que vai determinar quais serão as características do indivíduo 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 23 18 11 12 4 5 Figura 23 Cariótipo masculino humano 89 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Sabemos que os cromossomos carregam e transmitem as informações genéticas através das gerações a partir de estruturas denominadas de genes Os genes na verdade são um trecho específico do cromossomo que guarda a informação que irá ser transmitida de pai para filho Essa informação que irá ser expressa no organismo é o que conhecemos como características genéticas É quando o filho se parece com o pai mas tem os olhos da mãe Lembrou de algum filme É o que acontece com Harry Potter por exemplo Genes são trechos específicos do DNA que têm como função controlar uma característica hereditária através da expressão de proteínas Para que isso ocorra a sequência de nucleotídeos que compõem esse gene irá servir de base de leitura para a transcrição de um RNA que vai ser responsável pela codificação de uma proteína ou de um polipeptídeo que por sua vez irá exercer seu papel na fisiologia ou na bioquímica do organismo GERICKE HAGBERG 2006 O mecanismo bioquímico envolvido na divisão celular na reprodução na produção de proteínas e em muitos outros processos que dependem da informação genética é perfeito além de ser muito preciso é altamente eficaz e contribui para que os seres vivos consigam se defender se alimentar e se reproduzir Alguns seres vivos adotam artifícios químicos e morfológicos para conseguir sobreviver ao ambiente já outros contam com o privilégio de ter um sistema nervoso desenvolvido Lembrete Conforme abordamos plantas tóxicas e animais peçonhentos possuem características de defesa que seus organismos desenvolveram por milhares de anos para se defenderem em seu meio ambiente Imagine você se em algum momento parte desse cromossomo ou mesmo desse gene viesse a sofrer algum tipo de modificação em sua estrutura causada por agentes biológicos como os vírus ou produtos químicos toxicantes ou físicos como os raios ionizantes O que aconteceria então Algumas coisas poderiam acontecer então vamos falar de uma ruim e de uma boa Comecemos pela ruim Nesses nossos exemplos deixaremos de lado a possibilidade de que a morte celular ocorra por conta desta alteração embora saibamos que de fato ocorre na maioria das vezes Vamos imaginar que essa célula que sofreu uma alteração tenha sobrevivido As alterações cromossômicas mais significantemente sérias são aquelas cujas consequências são o aparecimento de perda de função normal da célula ou do maquinário bioquímico e que é transmitida às célulasfilhas Como consequência pode haver o aparecimento de doenças ou de mudanças no funcionamento normal de um tecido ou órgão Imagine uma situação na qual uma mulher trabalhe como técnica de raioX em um laboratório Ela está exposta a uma quantidade de radiação ionizante como o raioX maior do que uma pessoa normal A longo prazo essa exposição pode comprometer a integridade de seus óvulos O raioX pode alterar parte dos cromossomos assim caso ela venha a engravidar pode haver o comprometimento da integridade do feto e caso ele venha a nascer pode apresentar malformações Esse é o tipo de interferência ruim Passemos ao exemplo relativo à coisa boa de uma alteração genética A natureza impõe a necessidade de que os seres vivos se adaptem ao seu meio para que dele consigam retirar sua alimentação se proteger 90 Unidade I de seus inimigos e se reproduzir Essas adaptações ocorrem ao longo do tempo a partir de alterações nos cromossomos ou nos genes de indivíduos Caso essa alteração favoreça esse indivíduo de algum modo otimizando suas habilidades de sobrevivência ele estará mais apto a resistir ao que a natureza reservou para sua espécie do que os outros indivíduos que não tiveram a mesma alteração no gene Assim aqueles mais adaptados irão conseguir sobreviver e se procriar e irão passar essa característica adquirida aos seus filhos que também estarão mais aptos e adaptados àquele ambiente Esse é um exemplo de que as interferências sobre os genes ou sobre os cromossomos não foram ruins mas necessárias não é mesmo Uma vez que o principal enfoque está nas alterações químicas físicas ou biológicas que são deletérias ou seja que causam algum tipo de mudança das funções homeostáticas do organismo e que podem resultar em uma doença precisamos introduzir alguns outros conceitos Você nos acompanha 2122 Conceitos de mutagenicidade genotoxicidade e carcinogenicidade Neste tópico serão abordados os conceitos de mutagênese e de genotoxicidade Iremos ver em detalhes como o ambiente ou mesmo o próprio organismo pode levar à ocorrência de alterações não desejadas no nosso mecanismo bioquímico Agora vamos a mais definições para que nossa linguagem fique clara e padronizada Vamos começar pela definição de mutagênese então Mutagênese é a capacidade que um agente físico químico ou biológico tem de gerar uma mutação em um gene MUTAGENESIS sd Já mutação pode ser definida como uma alteração na estrutura do cromossomo ou no material genético que é transmitida para a geração seguinte em células somáticas ou em células germinativas Dependendo em qual tipo de célula essa mutação aconteça ela vai ser transmitida para as células filhas caso ocorra nas células somáticas ou passará para a futura geração caso ocorra nas células germinativas Tudo bem até aqui Que ótimo Então vamos prosseguir Genotoxicidade é um processo no qual esses mesmos agentes químicos físicos e biológicos têm potencial para causar as mesmas alterações mas essas alterações não necessariamente chegam a causar as mutações e o aparecimento do câncer ou de outra doença porque os mecanismos bioquímicos de correção podem agir antes que o erro no gene desencadeie seu efeito deletério Veja que temos aqui uma sutil diferença de conceitos entre mutagênese e genotoxicidade Um composto pode ser genotóxico mas se o organismo conseguir corrigir tudo a tempo não vamos ter mutações ou o aparecimento de câncer ou de outra doença Uma substância genotóxica é potencialmente mutagênica Para que um agente genotóxico se torne um agente mutagênico é necessário que ele induza a alteração no gene que essa alteração seja fixada no gene e que seja transmitida às célulasfilhas SASAKI et al 2000 Podemos dizer que todos os agentes mutagênicos são genotóxicos mas nem todo agente genotóxico é mutagênico Deu para entender Mais difícil essa não Mas não impossível Introduzimos agora mais um termo carcinogênese Em outros tempos câncer era uma palavra que mal era mencionada e gerava muito medo pois era praticamente sinônimo de morte Hoje não é bem assim Muitas pesquisas relacionadas ao entendimento das diversas patologias englobadas no mesmo balaio chamado câncer são feitas e a compreensão dos mecanismos patogênicos e dos tratamentos tem ajudado os profissionais da saúde a contornarem de modo muito eficaz diversos tipos de câncer 91 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Para que ocorra o desenvolvimento de um câncer são necessárias três etapas conhecidas como iniciação promoção e progressão INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER 2019 Na etapa de iniciação uma mutação ocorre e sensibiliza a célula a se tornar cancerígena por promover alterações em genes denominados de protooncogenes Quando estimulados pela mutação passam a ser chamados de oncogenes Na segunda etapa de promoção uma segunda mutação ocorre pelo contato longo e constante com o agente mutagênico Na etapa de progressão as células que estão alteradas começam a se dividir descontrolada e irreversivelmente quando surgem as primeiras manifestações da doença O fumo é um agente que atua nas três etapas do processo de carcinogênese Como agravante dessa situação sabemos que essas células cancerígenas são geneticamente muito instáveis por conta das mutações e a chance de elas apresentarem mutações subsequentes durante o processo de divisão celular é muito grande Existem tipos de tumores cuja caracterização das células é muito dificultada pela falta de semelhança destas com as que deram origem a elas Isso não é um bom prognóstico para o tratamento do câncer e agora entendemos o porquê Em resumo para que ocorra a carcinogênese ou seja o aparecimento do câncer é necessário que haja a ação de um composto genotóxico potencialmente mutagênico acrescido de uma sequência de fatores externos e internos em um organismo Em outras palavras é necessário que ocorra ao mesmo tempo ou em sequência uma série de mutações de alterações genéticas hormonais como também é necessário que haja influência de agentes ambientais na célula para se desenvolver um tumor TOMASETTI LI VOGELSTEIN 2017 A consequência biológica das mutações que ocorreram nas células e que não foram reparadas pela máquina bioquímica é a alteração no processo de divisão dessa célula levandoa a se reproduzir demasiadamente fora de seu ritmo adequado o que faz surgir o câncer Agentes mutagênicos frequentemente podem levar ao aparecimento de câncer com maior ou menor potencial a depender do tipo de agente que se considera Estamos de posse de todos os conceitos que precisamos para compreender a ação deletéria que os agentes químicos físicos e biológicos podem causar Agora vamos detalhar quais são os tipos de alterações e o que podemos esperar quando elas ocorrem 21221 Mutações As mutações que ocorrem em um gene são denominadas de mutações genéticas e quando ocorrem em um cromossomo são chamadas de mutações cromossômicas 212211 Mutações genéticas Para entendermos as mutações genéticas ou gênicas vamos retomar por um momento o conceito de gene Como descrevemos antes genes são um trecho específico do cromossomo que é responsável pela codificação de proteínas A codificação de proteínas pelos genes se dá através dos processos de transcrição e tradução Nesse processo as sequências de bases purínicas e pirimidínicas que são a linguagem dos genes devem ser transcritas e traduzidas para a linguagem das proteínas que são os aminoácidos Vamos ver como se dá esse processo 92 Unidade I O processo de transcrição veja a figura a seguir se inicia a partir de um trecho de uma das fitas de DNA que é relativo ao gene a ser lido Para isso as duas fitas do DNA são separadas entre si por ação enzimática Apenas um dos lados do DNA é usado para o processo de transcrição e a partir dessa fita o RNA mensageiro ou RNAm é formado O RNAm é formado de acordo com uma sequência de bases nitrogenadas do gene Depois que o RNAm é formado ele vai do cromossomo para o ribossomo atravessando a membrana nuclear para exercer a sua função de carregar consigo a sequência de bases para os ribossomos que é o local onde será feita a proteína Como observação lembramos que o RNAm é formado de acordo com a sequência de bases do gene seguindo a regra das ligações CG GC e TA No caso de a sequência de bases do gene apresentar uma adenina o RNAm será ligado a uma uracila que é uma base nitrogenada característica e exclusiva dos RNAs Feito isso a linguagem se modificou para aquela que os RNAs entendem RNA transcrito RNA polimerase DNA Figura 24 Processo de transcrição A cadeia de nucleotídeos do RNAt é formada pelo processo de transcrição a partir do cromossomo Sua estrutura se apresenta em forma de trevo Na ponta do trevo encontrase ligado um aminoácido e na extremidade oposta existe uma região que se chama anticódon formada por três bases nitrogenadas O anticódon do RNAt irá interagir com a sequência determinada pelos códons do RNAm que estão nos ribossomos Para cada códon do RNAm haverá um RNAt com o anticódon correspondente sendo recrutado na sequência expressa no RNAm Conforme o RNAt é recrutado ele conduz o aminoácido para que seja ligado ao próximo aminoácido através de uma ligação peptídica Com esse processo a cadeia de aminoácidos se forma e a proteína que foi codificada no gene é produzida Ao sair do núcleo o RNAm irá em direção ao ribossomo no citoplasma No ribossomo existe uma quantidade significativamente grande de RNA ribossômico que junto com outras proteínas é responsável por coordenar a montagem da proteína atuando na administração bioquímica do posicionamento correto dos aminoácidos na sequência prevista para a proteína O RNAr também é formado no núcleo da célula O RNA transportador ou RNAt se aproxima dos ribossomos carregando consigo o aminoácido a ser usado na produção da proteína Cada RNAt carrega um aminoácido 93 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Códon de iniciação Códon de finalização Ribossomo Subunidade menor Subunidade maior Peptídeoproteína Aminoácido RNA transportador RNA mensageiro Códons Aminoácidos correspondentes ao códon do RNAm Anticódon a combinar com o códon do RNAm Figura 25 Codificação de proteínas Lembrete A codificação de proteínas depende do trabalho dos ácidos ribonucleicos RNAs que se dividem em RNA mensageiro RNAm RNA ribossômico RNAr e RNA transportador RNAt Para termos uma ideia de qual aminoácido veja a figura a seguir está sendo carregado pelo RNAt e qual é o anticódon que esse RNAt possui veja o quadro Quadro 4 Anticódons UUU Fenilalanina Phe UAU Tirosina Tyr CAU Histidina His CGU Arginina Arg UUC Fenilalanina UAC Tirosina CAC Histidina CGC Arginina UUA Leucina Leu UAA terminação CAA Glutamina Glu CGA Arginina UUG Leucina UAG terminação CAG Glutamina CGG Arginina CUU Leucina CCU Prolina Pro AAU Asparagina Asn AGA Arginina CUC Leucina CCC Prolina AAC Asparagina AGG Arginina CUA Leucina CCA Prolina AAA Lisina Lys GGU Glicina Gly CUG Leucina iniciação CCG Prolina AAG Lisina GGC Glicina AUU Isoleucina iniciação Ile ACU Treonina Thr GAU Ácido aspártico Asp GGA Glicina AUC Isoleucina ACC Treonina GAC Ácido aspártico GGG Glicina AUA Isoleucina ACA Treonina GAA Ácido glutâmico Glu AGU Serina Ser AUG Metionina iniciação Met ACG Treonina GAG Ácido glutâmico AGC Serina GUU Valina Val GCU Alanina Ala UGU Cisteína Cys UCU Serina GUC Valina GCC Alanina UGC Cisteína UCC Serina GUA Valina GCA Alanina UGA terminação Trp UCA Serina GUG Valina iniciação GCG Alanina UGG Triptofano UCG Serina 94 Unidade I O O HS O O O O S O O O O O O N O O O O O O O O O O HO HO HO HO HO O O OH OH NH NH NH NH HN OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH OH NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 H2N H2N NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 NH2 H2N H3C H3C H3C H3C H3C CH3 CH3 CH3 CH3 AlaninaAlaA CisteínaCysC GlicinaGlyG IsoleucinaIleI LeucinaLeuL MetioninaMetM FenilalaninaPheF ArgininaArgR AsparaginaAsnN GlutaminaGlnQ Ácido aspárticoAspD Ácido glutâmicoGluE TreoninaThrT TirosinaTyrY SerinaSerS LisinaLysK HistidinaHisH TriptofanoTrpT ValinaValV ProlinaProP Figura 26 Aminoácidos envolvidos na síntese de proteínas Para guiar o processo de tradução existem códons que indicam o início e o final do processo de tradução veja a figura a seguir Enquanto a metionina indica o início do processo de tradução os códons ATT ATC e ACT indicam o final Veja os anticódons correspondentes no quadro que acabamos de apresentar A A A A A A A A A A A A A C C C C C C C C C C C C C C A A A A A T U U U U U U U T T T T T T G G G G G G G G G G G G G G G G G Lys Gly Ile Glu Cys Met Phe Ser Arg Pro Phe Ser Arg Pro Asp Lys Gly Ile Glu Cys Stop Sequência para codificação do proteína Tradução é iniciada por um metionina anticódon UAC que se liga à sequência AUG do RNAm e finalizada por um anticódon de finalização ou stop Figura 27 Indicação do início e do fim do processo de tradução 95 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Uma vez que entendemos como o processo de codificação proteica ocorre podemos agora compreender a mutação gênica ou mutação genética É algum tipo de alteração que ocorre em alguma etapa desse processo Veja como o processo é complexo Qualquer alteração pode resultar em uma proteína defeituosa que é obtida em maior ou em menor quantidade ou que é produzida fora de hora A partir dessa visão mais detalhada do processo como um todo podemos dividir as mutações gênicas em Mutações pontuais Muitas doenças genéticas são causadas por mutações pontuais que são aquelas que afetam um único par de bases Esse tipo de mutação pode ocorrer por três vias substituições perdas ou adições de bases Mutação pontual por substituição de bases nitrogenadas É quando uma base nitrogenada é substituída por outra A substituição pode se dar por transição ou por transversão Por transição veja a figura a seguir ocorre quando uma base purínica é substituída por outra base purínica ou quando uma base pirimidínica é substituída por outra base pirimidínica Pode ser causada por raiosX ou UV A A A C C C C C C C A A A A A T T T T T T T G G G G G G G G Lys Pro Tyr Leu Thr Phe Arg Ala Gly Leu A A A C C C C C C C A A A A A A T T T T T T T G G G G G G G Lys Pro Tyr Leu Thr Phe Arg Thr Gly Leu A A A C C C C C C A A A A A T T T T T T T T G G G G G G G G Lys Pro Tyr Leu Thr Phe Arg Ala Gly Leu Mutação pontual por substituição do tipo transição entre bases purínicas Mutação pontual por substituição do tipo transição entre bases pirimidínicas Sequência normal 1 Figura 28 Mutação pontual por substituição do tipo transição Já por transversão veja a figura a seguir se dá quando uma base purínica é substituída por uma base pirimidínica ou uma base pirimidínica é substituída por uma base purínica Pode ocorrer espontaneamente ou ser causada por radiação ionizante e por agentes alquilantes Você já ouviu falar em um tipo de anemia que se chama anemia falciforme na qual as hemácias apresentamse com a forma de uma foice e perdem a capacidade de transporte de oxigênio É a doença genética mais 96 Unidade I prevalente no Brasil GUIMARÃES COELHO 2010 e ocorre por conta da troca de uma adenina por uma timina ou seja o códon GAA ou o GAG passa a ser GTA ou GTG no sexto códon do gene responsável pela codificação da cadeia β da hemoglobina Com a substituição o aminoácido ácido glutâmico é substituído pelo aminoácido valina Com essa mudança toda a hemoglobina passa a se apresentar com forma de foice ou falciforme e passa a ser chamada de hemoglobina S NUZZO FONSECA 2004 A A A A A A A A A A A A A C C C C C C C C C C C C T T T T T T T T T T T T T T T T T G G G G G G G G G G G G G G G G G G Met Met His His Thr Thr Glu Val Anemia falciforme Lys Lys Val Val Leu Leu Pro Pro Glu Glu Thr Thr Mutação pontual por substituição do tipo transversão Sequência normal 2 Figura 29 Mutação pontual por substituição do tipo transversão Mutação pontual por perdas ou por deleção de bases nitrogenadas A mutação por perda ou deleção veja a figura a seguir ocorre quando há a perda de uma ou mais bases nitrogenadas que vai alterar a sequência de leitura dos códons e consequentemente irá modificar a sequência dos aminoácidos que irão compor os peptídeos Já ouviu falar em fibrose cística É uma terrível doença que leva pessoas a ficarem com o funcionamento de vários órgãos muito comprometido podendo leválas à morte SANTANA et al 2020 Essa doença acontece quando há a perda de um códon relacionado ao aminoácido fenilalanina Com a perda desse códon e consequentemente com a falta da fenilalanina em sua posição dentro da sequência de aminoácidos a proteína que se chama CFTR do inglês cystic fibrosis transmembrane regulator responsável pelo transporte de íons cloreto através da membrana celular fica inoperante Tudo isso por conta da falta de apenas um aminoácido A A A A A A A A A A A A A A C C C C C C C C C C C C T T T T T T T T T T T T T T T T G G G G G G G G G G G G G G G G G G Met Met His His Thr Thr Glu Arg Lys Ser Val Val Leu Leu Pro Leu Glu Arg Thr Leu Mutação pontual por perda ou deleção Sequência normal 2 Figura 30 Mutação pontual por deleção 97 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Mutação pontual por adição ou inserção de bases nitrogenadas Esse tipo de mutação ocorre pelo aumento de uma base nitrogenada à sequência original Por conta disso a leitura dos códons fica alterada e a inserção de aminoácidos também comprometendo a integridade do peptídeo veja a figura a seguir A A A A A A A A A A A A A A C C C C C C C C C C C C T T T T T T T T T T T T T T T T G G G G G G G G G G G G G G G G G G Met Met His His Thr Thr Glu Trp Lys Glu Val Val Leu Leu Pro Leu Glu Gly Thr Val Mutação pontual por adição ou inserção Sequência normal 2 Figura 31 Mutação pontual por adição Mutações induzidas São originadas a partir da ação de agentes físicos ou químicos que irão provocar alterações na estrutura química das bases nitrogenadas e impedir a replicação Cada agente é avaliado pela sua capacidade de causar essa mutação e sua capacidade de causar mutação é medida As mutações podem ser induzidas por Agentes físicos São causados pela exposição aos raios ionizantes como os raiosX veja a figura a seguir raios gama e provenientes de partículas atômicas como a partícula alfa e a partícula beta e de nêutrons Os raios ultravioleta UV que se apresentam na faixa entre 250 e 400 nm também causam alterações no DNA e são chamados de raios UVA 320 nm UVA 400 nm UVB 280 nm UVB 320 nm e UVC 280 nm conforme o comprimento de ondas A exposição aos raiosX e gama pode causar a formação de átomos moléculas e radicais altamente reativos que podem vir a provocar mutações pontuais ou até a quebra da cadeia do DNA Conforme a quantidade de radiação recebida um organismo estará mais predisposto a sofrer mutações em seus genes A radiação UV pode vir a ser absorvida pelas bases nitrogenadas que compõem o DNA e provocar o aparecimento de transições eletrônicas que acabam por provocar a dimerização entre bases nitrogenadas pirimidínicas que encontramse lado a lado como em CC CT ou TT criando uma ligação denominada dimerização entre essas bases Esse efeito ocorre com maior frequência entre as bases TT Em um organismo não muito carregado de mutações o sistema de reparo do DNA que existe exatamente para corrigir esses erros eventuais consegue corrigir o erro 98 Unidade I A A A A A A A A A A C C C C C C C T T T T T T T T T T T T G G G G G G G G G G G Met His Thr Glu Lys Val Leu Leu Glu Thr Sequência normal 3 A A A A C C T T G G Raios UV Figura 32 Exposição a raios ionizantes A queratose actínica é um tipo de neoplasia benigna que acomete as áreas mais expostas ao sol em geral em indivíduos mais idosos com pele e olhos claros e imunossuprimidos em qualquer idade A intensa exposição aos raios UVA que vimos ser deletéria é acumulativa e portanto prejudicial ao longo dos anos para os queratinócitos expostos Essa alteração dérmica pode evoluir para um tipo de câncer denominado de carcinoma de células escamosas ou carcinoma espinocelular cuja mutação ocorre no cromossomo 9 COSTA et al 2015 Agentes químicos São moléculas que se assemelham quimicamente às bases nitrogenadas que vão enganar o sistema bioquímico de replicação ou são compostos muito reativos que irão alterar diretamente a estrutura química das bases nitrogenadas Vamos a eles Análogos de base existe um quimioterápico que se chama 5bromouracila 5BU conforme a figura a seguir usado como quimioterápico antineoplásico para tratamento paliativo de vários tipos de tumores malignos como de mama cólon reto estômago ou pâncreas Esse medicamento tem a estrutura química muito semelhante à da timina e à da uracila bases pirimidínicas que já conhecemos Quando esse medicamento é administrado ele será absorvido e entrará nas células Lá será usado como se fosse uma timina por exemplo Como na verdade quem foi usado foi a 5BU durante o processo de replicação não será possível ler o códon correto porque a timina foi trocada pela 5BU Desse modo um par TA passará a ser um par 5BUA Por conta de alterações nas propriedades físicoquímicas da 5BU por conta da presença de flúor um elemento altamente eletronegativo o par 5BUA passa a ser um par 5BUG e depois pareiase com um par CG muito diferente do par AT que originalmente seria o correto Timina N HN O O 5bromouracila N HN Br O O Uracila N HN O O Figura 33 As bases nitrogenadas e o análogo de base 5bromouracila 99 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Agentes reativos sobre adenina guanina e citosina alguns compostos provocam alterações diretas sobre as bases purínicas adenina e guanina ou da base pirimidínica citosina porque podem causar a desaminação da adenina citosina ou guanina onde o grupo amino é substituído por um oxigênio fazendo com que uma adenina se transforme em hipoxantina ou uma citosina se transforme em uracila por exemplo veja a figura a seguir Esse tipo de ação mutagênica pode resultar em mutações de transição ou transversão como aquelas que comentamos anteriormente N O NH N Hipoxantina N N N N Adenina N N H H HNO2 Citosina N N O N H H Uracila N HN O O HNO2 Figura 34 Agentes reativos sobre adenina guanina e citosina Agentes alquilantes são agentes que possibilitam a adição de grupos alquila como metila e etila nas bases nitrogenadas veja a figura a seguir O que produtos agrícolas e seu uniforme de ginástica extremamente confortável e elástico possui em comum com o combustível utilizado para propulsão de satélites artificiais Acertou se você pensou que esses produtos têm em comum é o fato de serem feitos a partir de hidrazina A hidrazina N2H4 é altamente reativa e compostos derivados usados na fabricação desses produtos também o são A toxicidade se dá pela capacidade de esses produtos inserirem grupos alquila na estrutura da guanina por exemplo que irá enfraquecer a ligação com a desoxirribose fazendo com que a base nitrogenada alquilada seja perdida causando uma despirimidinação ou despurinação o que leva a uma falha onde antes havia uma guanina Por conta dessa perda da base qualquer uma das quatro bases pode ocupar esse espaço causando a mutação que pode ser uma transição ou uma transversão 100 Unidade I Mostardas nitrogenadas Agentes aniquilantes Clorambucil Busulfano Carmulsina NH NH N P N N N N CI CI CI CI CI CI CI CI CI O O O O O O O O O O O S S Ciclofosfamida Figura 35 Alguns agentes alquilantes Agentes intercalantes são compostos químicos que em geral possuem elementos altamente reativos com as bases nitrogenadas veja a figura a seguir A reação se dá no interior da duplahélice do DNA onde os agentes intercalantes reagem com bases nitrogenadas vicinais fazendo com que o espaço entre elas seja alterado Nesse caso pode haver a inserção de uma base para completar o espaço gerado Eventualmente pode ocorrer de uma base não ser adicionada por conta da presença do agente intercalante quando o DNA estiver sendo replicado por exemplo O brometo de etídio composto usado como revelador de alguns tipos de ensaios em biologia molecular assim como o benzopireno composto presente na fumaça dos cigarros são agentes intercalantes Os índices de câncer de pulmão são elevados tanto em homens quanto em mulheres e essa doença é considerada por muitos uma epidemia juntamente com outras doenças degenerativas associadas ao tabaco DE FLORA DAGOSTINI BALANSKY 2003 NH2 H2N Br Benzopireno Agentes intercalantes Brometo de etídio N N Figura 36 Alguns agentes intercalantes Agentes oxidantes o oxigênio diatômico abundante em nossa atmosfera é uma molécula imprescindível para os seres vivos aeróbicos que o usam para otimização de geração de energia através dos processos bioquímicos Durante o processo bioquímico o oxigênio é reduzido de modo a formar água pela cadeia respiratória Porém uma pequena porcentagem do oxigênio diatômico recebe um elétron por vez formando as espécies reativas de oxigênio ou EROs que são compostos altamente reativos Entre as EROs temos por exemplo os radicais livres chamados de peróxido de hidrogênio ou água oxigenada o ânion superóxido e o radical hidroxila veja a figura a seguir 101 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Oxigênio O2 Peróxido 2O 2 Peróxido de hidrogênio H2O2 Superóxido O 2 Íon hidroxila HO Radical hidroxila HO Figura 37 Espécies reativas de oxigênio EROs Radical livre é uma espécie química que possui um átomo que pode ser O S N ou C que apresenta um elétron desemparelhado em sua órbita externa o que faz com que seja muito instável e tenha uma vida muito curta da ordem de nanosegundos O átomo a formar radicais livres que apresenta mais importância para os animais é o oxigênio Os radicais livres por serem muito instáveis têm necessidade de captar um elétron presente em uma outra molécula para se estabilizar sendo portanto chamados agentes oxidantes Em sistemas biológicos esses agentes altamente oxidantes podem reagir com açúcares lipídeos proteínas e com o DNA provocando o que se conhece por dano oxidativo HALLIWELL GUTTERIDGE 2015 No organismo a sequência de formação dos radicais livres se inicia a partir do oxigênio que durante o processo de respiração é reduzido a água Parte desse oxigênio é reduzido a ânion superóxido nas mitocôndrias Esse ânion depois irá formar o peróxido de hidrogênio que por sua vez formará o radical hidroxila Radicais hidroxila portanto apresentam uma relevância bastante significativa nos danos oxidativos ao DNA DIZDAROGLU et al 2002 são formados a partir da reação de Fentom e agem em localidades próximas de onde foram formados CADET WAGNER 2013 Podem reagir com as bases nitrogenadas CADET WAGNER 2013 e a desoxirribose DIZDAROGLU et al 2002 veja a figura a seguir Reação de redução do oxigênio a água nos organismos e e 2 H e e 2 H O2 O2 H2O2 2 HO 2 H2O Reação de HaberWeiss O2 H2O2 HO OH O2 Em sistemas in vitro a reação de HaberWeiss ocorre lentamente o que indica que in vivo essa reação deva ser mediada por Fe ou por outros metais de transição através da reação de Fenton Fe2 ligante H2O2 Fe3 OH OH Figura 38 Sequência de formação dos radicais livres oxidantes a partir do oxigênio 102 Unidade I Os radicais livres são responsáveis por provocarem mutações que podem levar a doenças como a pneumonia e a obstrução recorrente das vias aéreas ORVA de equinos O excesso de radicais livres formados nos tecidos das vias aéreas superiores desses animais estimula os genes que regulam as citocinas próinflamatórias locais de modo aumentado anormal desencadeando o processo inflamatório mais severo e constante SILVA GONÇALVES 2010 que acarreta a doença Uma vez que os radicais livres podem ser formados a partir das reações bioquímicas dos organismos e externamente ao organismo frequentemente estão envolvidos no desencadeamento de várias doenças conjuntamente a outros fatores endógenos e exógenos KRYSTON et al 2011 Um exemplo de fatores endógenos e radicais livres a se envolverem conjuntamente em uma doença é o que ocorre na leucemia mieloide crônica Essa doença surge a partir de uma mutação do tipo translocação entre os genes 9 e 22 cujo resultado é o gene mutante chamado de BCRABL1 Esse gene mutante favorece a produção de EROs cujos níveis elevados estimulam o progresso da doença tornandoa fatal O excesso de EROs favorece uma automutação no gene BCRABL1 ANTOSZEWSKASMITH PAWLOWSKA BLASIAK 2017 Agentes biológicos Alguns vírus ao se inserirem no genoma da célula hospedeira podem provocar alterações no comportamento do gene dessa célula O papilomavírus humano HPV pertence a uma família que contém mais de 100 tipos de vírus que se diferenciam entre si e que apresentam diferentes potenciais carcinogênicos A replicação do HPV após a infecção das células basais de células hospedeiras se dá em função do processo de diferenciação celular Quando a replicação genômica viral acontece com o DNA viral inserido no gene do hospedeiro há a probabilidade de se desenvolver câncer por exemplo no colo do útero LETO et al 2011 Consequência das mutações na expressão gênica Até agora vimos como e o que pode causar as mutações genéticas Agora quais seriam as consequências para o gene e consecutivamente para a produção de uma determinada proteína depois que essa mutação ocorreu Vamos ver Compreendemos que uma vez que ocorreu uma mutação e essa mutação não tenha sido corrigida pode ocorrer defeitos na expressão genética ou seja na formação das proteínas Esses erros são decorrentes de alterações nos códons que estão relacionados aos aminoácidos Vimos que muitas são as possibilidades de mutações nos códons e o quanto eles são diversos Se pensarmos agora no gene como um todo devemos imaginar que a sequência de bases nitrogenadas irá determinar se a proteína vai ser produzida adequadamente ou se ela vai ser produzida com erros na sequência de aminoácidos A substituição deleção ou adição de bases na região responsável por codificar os aminoácidos através dos códons pode determinar três tipos de mutações a saber 103 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Mutação com troca de sentido ou missense Nesse tipo de mutação ocorre a troca de uma das bases nitrogenadas que compõem um determinado códon veja a figura a seguir Como consequência esse códon vai codificar um aminoácido errado Com esse aminoácido errado na sequência de aminoácidos que formarão a proteína a função da proteína será alterada em maior ou em menor grau e também vai depender do local da proteína que esse aminoácido trocado irá permanecer Na anemia falciforme como vimos anteriormente acontece exatamente a mudança do ácido glutâmico pela valina e temos como consequência a incapacidade da hemácia afetada de transportar oxigênio de modo adequado A A A A A A A C C C C C C T T T T T T T T G G G G G G G G G Met His Thr Glu Lys Val Leu Pro Glu Thr Codificação correta de βhemoglobina transporte adequado de oxigênio Sequência normal Figura 39 Mutação com troca de sentido ou do tipo missense Mutação sem sentido ou nonsense Nesse tipo de mutação o códon alterado passa a ter a função de códon que sinaliza a finalização da transcrição fazendo com que a proteína formada tenha um tamanho inferior ao original Isso vai comprometer a função dessa proteína veja a figura a seguir Caso a interrupção da transcrição da proteína tenha sido precoce a proteína formada será muito pequena e não terá função Às vezes a interrupção é mais ao final do processo de transcrição e permite que parte da função da proteína seja preservada Na doença que se chama distrofia muscular de Duchenne alguns medicamentos como o atalureno ANVISA 2020b por exemplo são usados para que esse códon que sinaliza a interrupção da transcrição seja pulado durante a transcrição e a proteína possa ser transcrita Esse fármaco é usado para que o gene da distrofina DMDmn seja possibilitado de produzila e assim melhorar as condições do indivíduo que apresenta esta doença rara TINSLEY et al 1994 A distrofina é uma proteína envolvida na ligação do citoesqueleto das fibras musculares à matriz extracelular envolvida no correto funcionamento da musculatura esquelética A A A A A A A C C C C C C T T T T T T T T G G G G G G G G G Met His Thr Glu Lys Val Leu Pro Glu Thr Codificação completa da proteína Sequência normal Figura 40 Mutação sem troca de sentido ou do tipo nonsense Outra doença que está relacionada à mutação do tipo nonsense é a atrofia girata da retina e de coroide que é uma perda de visão progressiva por causa da degeneração coriorretinal MASHIMA MURAKAMI WELEBER 1992 A degeneração é causada por um defeito em uma enzima que se chama 104 Unidade I ornitina aminotransferase OAT a qual degrada a ornitina um aminoácido gerado no ciclo da ureia que não está envolvido na constituição de proteínas mas que atua como intermediário na obtenção de arginina FICICIOGLU YUDKOF 2013 Essa doença é notada pelo aparecimento de miopia e perda de visão periférica com eventual perda de visão noturna que ocorre ainda na primeira década de vida juntamente ao acúmulo de ornitina veja a figura a seguir nos fluidos corpóreos NH2 OrnitinaOrn OH O H2N Figura 41 Ornitina um aminoácido que não participa da constituição de proteínas Mutação silenciosa ou isossemântica Às vezes a mutação que ocorre em um determinado códon não causa um efeito sobre o peptídeo ou proteína codificado Vamos relembrar um ponto importante cada aminoácido é codificado por um conjunto de códons e caso haja uma mutação que ainda permita a codificação do mesmo aminoácido a proteína ou peptídeo a ser obtido ainda será o mesmo Imagine que por exemplo a mutação ocorrida seja a substituição de UUU por UUC então a fenilalanina ainda será recrutada ou AGA por AGG em que o aminoácido recrutado ainda será a arginina Nesse caso não se percebe consequências como o aparecimento de doenças Mutações cromossômicas ou aberrações Agora vamos pensar na estrutura do cromossomo como um todo Existem tipos de mutações que ocorrem no DNA e podem ser observadas ao microscópio pois afetam a própria estrutura do cromossomo Essas alterações podem envolver poucas bases ou até grandes porções do cromossomo muitas vezes comprometendo mais do que um gene Esse tipo de mutação ocorre durante as fases de divisão celular ou na mitose ou na meiose É portanto de ocorrência comum nas células germinativas por exemplo óvulos e espermatozoides e por isso podem ser observadas inclusive nas células somáticas do organismo Algumas anomalias ocorrem após a fecundação fazendo com que algumas células apresentem a anomalia e outras não e resulta no que se chama de mosaicismo Algumas alterações podem causar anomalias que irão resultar na expressão de proteínas alteradas e causar o aparecimento de câncer Observação Não é somente nos organismos que apresentam óvulos e espermatozoides que as mutações cromossômicas ocorrem Podemos observar esses tipos de mutação em outros organismos como nas plantas por exemplo 105 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Entre as alterações cromossômicas podemos ter as alterações estruturais e as alterações numéricas As alterações estruturais afetam o número ou a disposição dos genes nos cromossomos Podem ser classificadas como deficiência ou deleção amplificação duplicação inversão e translocação As alterações numéricas implicam na alteração do número total de cromossomos na célula que normalmente é 2n46 Nas alterações numéricas é possível se classificar a ocorrência do número de cromossomos no cariótipo em aneuploidia e euploidia Alterações estruturais esse tipo de alteração envolve mudanças na morfologia dos cromossomos observadas ao microscópio Deficiência ou deleção ocorre quando uma parte do cromossomo se perde ou está ausente Duplicação ocorre quando uma parte do cromossomo é duplicada Amplificação ocorre quando há a inserção da mesma porção de cromossomo por mais de uma vez em geral enfileirado ou em tandem Inversão ocorre quando uma parte do cromossomo é excluída se vira e é reinserida no cromossomo só que invertida Inserção ocorre quando há a inserção de parte de um outro cromossomo que se perdeu por deleção veja a figura a seguir Cromossomo A Cromossomo A que sofreu deleção Alteração estrutural por inserção Trecho do cromossomo A inserido no cromossomo B Figura 42 Alterações estruturais nos cromossomos do tipo inserção Formação de anéis ocorre quando os telômeros que são as porções terminais dos cromossomos que impedem que se liguem entre si são perdidos e passam a permitir que o cromossomo se ligue por suas pontas formando um círculo Translocação ocorre quando há a quebra de trechos de dois cromossomos não homólogos e esses trechos são inseridos nos cromossomos de forma trocada Algumas doenças podem ser causadas por esse tipo de alteração como leucemia mieloide crônica que vimos anteriormente leucemia linfoblástica aguda ou eventualmente leucemia mieloide aguda causada pela geração do cromossomo Filadélfia que é uma translocação recíproca ente os braços longos dos cromossomos 9 e 22 veja a figura a seguir 106 Unidade I Cromossomo 9 Cromossomo 22 Cromossomo Filadélfia Translocação recíproca abl abl bcr bcr Figura 43 Alterações estruturais nos cromossomos do tipo translocação Transposição é o ato de trechos de DNA conhecidos como transposons se introduzirem em uma região aleatória do cromossomo geralmente distantes das que foram originados Embora sejam geralmente gerados no próprio cromossomo há alguns retrovírus que podem ser considerados retrotransposons Algumas das alterações estruturais cromossômicas podem ser vistas na figura a seguir Cromossomo normal Cromossomo normal Alteração por formação de anel Telômeros Perda de telômeros Trecho original Trecho original Trecho duplicado Trecho que sofreu a inversão Mutações cromossômicas que causam alterações estruturais Trecho em tandem Alteração estrutural por deficiência ou deleção Cromossomo que sofreu deleção Alteração estrutural por inversão Alteração estrutural por amplificação Alteração estrutural por duplicação Figura 44 Alterações estruturais nos cromossomos 107 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Alterações numéricas nesse tipo de alteração há um número de cromossomos homólogos maior do que o normal para a espécie Aneuploidia são alterações que apresentam número maior dissomia trissomia polissomia ou menor monossomia de um cromossomo específico Várias síndromes humanas apresentam cariótipos que são o perfil genômico observado ao microscópio com cromossomos em números maiores do que o normal Vejamos por exemplo que o cariótipo de indivíduos que têm a síndrome de Turner apresenta um total de 2n1 cromossomos sendo ausente o par do cromossomo sexual X veja a figura a seguir 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 45 Cariótipo de um indivíduo com síndrome de Turner no qual há a ausência do cromossomo Y Indivíduos que apresentam a síndrome de Kelinefelter possuem cariótipo do tipo 2n1 que resulta em uma dissomia chamada de dissomia do X veja a figura a seguir 108 Unidade I 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 46 Cariótipo de um indivíduo com síndrome de Kelinefelter ou síndrome da dissomia do X No caso dessa síndrome o indivíduo irá apresentar 47 cromossomos em vez dos 46 usuais sendo o cromossomo X o que está a mais e forma uma tríade XXY portanto ocorre nos homens Na síndrome de Jacobs observamos a mesma coisa só que com o cromossomo Y veja a figura a seguir 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 47 Cariótipo de um indivíduo com síndrome de Jacobs ou síndrome da dissomia do Y 109 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Outras trissomias conhecidas são a síndrome de Patau no cromossomo 13 a síndrome de Edwards no cromossomo 18 e a síndrome de Down no cromossomo 21 veja as figuras a seguir 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 48 Cariótipo que representa a síndrome de Patau a trissomia do 13 1 6 13 16 9 2 7 14 19 21 17 10 3 8 15 20 22 X Y 18 11 12 4 5 Figura 49 Cariótipo de um homem que apresenta síndrome de Edwards a trissomia do 18 110 Unidade I 1 2 3 4 5 6 7 8 9 18 17 16 15 14 13 12 11 10 19 20 21 22 X Y X X ou Figura 50 Cariótipo de uma mulher que apresenta síndrome de Down a trissomia do 21 Euploidia são alterações que apresentam número de cromossomos totais múltiplos do número haploide ou normal de uma espécie Em outras palavras essas alterações atingem todo o conjunto de cromossomos do indivíduo Em animais essa condição normalmente causa aborto mas em plantas é um processo adaptativo ou evolutivo comum e encontrado por exemplo no morango Pode se expressar como diploidia triploidia poliploidia Veja na figura a seguir como alguns organismos poliploides são deliciosos A C Trigo hexaploide 6n 42 Banana triploide 3n 33 Canadeaçúcar octaploide 8n 80 Batata tetraploide 4n 48 B D Figura 51 Espécies vegetais que apresentam poliploidia 111 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 21222 Mecanismos de reparo do DNA Como vimos para que haja o aparecimento de um tumor é necessária a ocorrência de pelo menos duas mutações em uma mesma célula Pois bem Em um organismo vivo viável e saudável a taxa de mutações diárias é maior do que podemos imaginar Essas taxas variam com a idade a genética a exposição a agentes deletérios o tipo de organismo por exemplo Mas o fato muito interessante é que os organismos apresentam mecanismos bioquímicos para consertarem as mutações que sofrem e caso não consigam consertar induzem a célula mutante à morte programada ou apoptose ou à senescência O câncer só acontece quando esses mecanismos falham e há um grau de instabilidade genômica muito elevado Como vimos anteriormente as mutações podem ocorrer nos genes ou nos cromossomos Para os reparos de mutações genéticas há dois tipos específicos os reparos por reversão direta e os reparos por excisão Já para as mutações cromossômicas existe o reparo por ligação e o reparo por recombinação homóloga Reparos de mutações genéticas são aquelas que ocorrem nas bases nitrogenadas que sofreram mutações em um gene Reparo por reversão direta esse tipo de reparo é feito em uma etapa apenas Ocorre mais em organismos procariotos e em organismos eucariotos menos complexos e raramente ocorre nos organismos mais complexos Esse reparo pode ocorrer por exemplo nas bactérias que sofrem a formação de dímeros de bases pela ação dos raios UV Nesses casos enzimas quebram as ligações que causaram a dimerização de bases iguais vicinais restaurando a capacidade de transcrição do gene Pode ocorrer também quando há alquilação das bases Nesse caso as enzimas irão retirar o grupo alquila intruso ligado às bases Reparos por excisão são mais complexos e implicam na abertura da duplahélice na cisão de um trecho comprometido e na síntese de um trecho corrigido É o tipo de reparo mais comum nos organismos Reparo por excisão de nucleotídeos do inglês base excision repair BER esse sistema de correção ocorre quando há algumas bases que apresentam mutações como alquilações desaminações desidratações e oxidações em um trecho da fita do DNA Um sistema enzimático complexo irá utilizar a fita não comprometida como molde Para isso há a necessidade de romper a fita comprometida depois usar a maquinaria de replicação para sintetizar o trecho comprometido Depois o trecho sintetizado é reintroduzido no local correto da fita que é fechada e desse modo o DNA é restaurado Várias enzimas fazem parte desse processo Por esse sistema geralmente de 5 a 8 bases são envolvidas no processo sendo que não necessariamente as mutações tenham ocorrido em todas as bases Reparo por excisão de bases do inglês nucleotide excision repair NER através desse sistema é possível a retirada de um trecho maior de DNA que chega a ter de 25 a 32 oligômeros Mutações causadas por raios UV inserção de adutos de grande volume 112 Unidade I desaminações despurinações e quebra simples de fita podem ser corrigidas por esse sistema Existe uma doença hereditária que se chama xeroderma pigmentosa que provoca uma hipersensibilidade a raios solares que ocorre por conta desse sistema de reparo ser falho Esse sistema envolve duas dezenas de enzimas e praticamente elabora o mesmo mecanismo de correção de forma geral Reparo de pareamento incorreto ou reparo do tipo mismatch esse tipo de reparo consegue corrigir pareamento incorreto de bases inserções e deleções A via de excisão ocorre em oito bases ao redor da lesão Ocorre em todos os organismos Reparos de mutações cromossômicas por vezes o cromossomo perde um trecho inteiro de sua duplahélice Para que a célula consiga consertar esse erro é necessário que o cromossomo homólogo ou seja de outra célula ajude com a informação correta Reparo por ligação ocorre nas extremidades dos trechos expostos e acontece à revelia de processos mais detalhados baseados na sequência de bases Isso faz com que o reparo possa resultar em macrolesões Reparo por ligação homóloga esse tipo de reparo acontece quando há a quebra de um trecho do DNA composto pelas duashélices Para que ela ocorra um elevado número de enzimas é utilizado Embora o mecanismo bioquímico completo seja descrito ele precisa ser mais conhecido Estudos demonstram que pode haver a troca de regiões distintas do gene entre cromátides irmãs processo conhecido como crossingover A falha desse mecanismo de reparo pode levar a doenças como o câncer de mama quando envolvem os genes BCRA1 e BCRA2 que codificam proteínas envolvidas nesse mecanismo de reparo em humanos A International Agency for Research on Cancer Iarc classifica o potencial carcinogênico das substâncias segundo o quadro a seguir Quadro 5 Classificação do potencial carcinogênico segundo a Iarc Grupo 1 Carcinogênico para humanos Grupo 2A Provavelmente carcinogênico para humanos Grupo 2B Possivelmente carcinogênico para humanos Grupo 3 Não classificável como carcinogênico para humanos Adaptado de Iarc sd 213 Avaliação do risco Alguns conceitos são bastante utilizados na avaliação de risco toxicológico Um desses conceitos está associado ao perigo 113 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Exemplo de aplicação Gostaríamos que você parasse um pouco e refletisse o que significa o termo perigo Acreditamos que você tenha tido um pouco de dificuldade para responder a essa pergunta Por isso vamos fazer uma analogia Imagine que você esteja em um carro em alta velocidade na estrada e observa que há uma placa de trânsito indicando que à frente há uma curva perigosa e pedindo a sua atenção O que você faria nessa situação Manteria seu veículo em alta velocidade ou reduziria a velocidade Perfeito Por prudência para evitar risco de algum acidente automobilístico como a derrapagem ou capotagem do veículo reduziria a velocidade e consequentemente reduziria a possibilidade de ocorrer um acidente de trânsito Continue acompanhando o raciocínio E se você entra nessa curva perigosa mantendo a alta velocidade em que você estava anteriormente poderia acontecer algum acidente Exatamente Sim ao entrar em uma curva perigosa em alta velocidade a probabilidade de ocorrer um acidente é bem maior Com essa analogia observamos que tínhamos duas variáveis a curva perigosa e a alta velocidade Assim para a mesma curva você consegue observar que os riscos variam dependendo da velocidade do veículo Na toxicologia essa analogia se acomoda muito bem ou seja a partir do momento que haja uma substância química perigosa dependendo da forma pela qual ocorre a exposição a essa substância haverá menor ou maior risco de intoxicação Ante o exposto concluímos que o termo perigo está associado a uma propriedade ou característica de toxicidade intrínseca à substância química curva perigosa ou não perigosa substância química de elevada toxicidade ou de baixa toxicidade Acreditamos que nesse momento consigamos compreender com bastante facilidade que o risco está associado à probabilidade de ocorrer um efeito tóxico no organismo humano ou animal resultante das condições de exposição a essa substância perigosa Permitanos reportar novamente à curva caso fôssemos questionados sobre as características da curva poderíamos dizer que é uma curva fechada e em declive Do ponto de vista toxicológico ao descrever o potencial tóxico do xenobiótico essa descrição é denominada identificação do perigo Entretanto quando efetivamente um xenobiótico rompe a homeostase e causa danos Vamos entender melhor como responder a essa pergunta Há um parâmetro toxicológico denominado de nível de efeito não observado Noel ou noobservableeffect level Esse parâmetro representa a maior quantidade do xenobiótico ao qual o organismo se expôs e em que ainda assim não ocorre o rompimento da homeostase que está associada à resposta do organismo para que não se rompa o equilíbrio do organismo ou seja para que não haja dano E você se recorda de como o organismo mantém seu equilíbrio 114 Unidade I Vamos contextualizar a informação para sua melhor compreensão Ao se expor ao cádmio o organismo identifica essa exposição e produz maior quantidade de uma proteína de baixo peso molecular denominado metalotioneína Essa proteína se liga ao metal forma um complexo metalotioneínametal e impede que sejam manifestos efeitos tóxicos do cádmio no organismo O dano ocorre quando a quantidade do metal ao qual o organismo se expôs é superior à capacidade de produção dessa proteína pelo organismo É nesse momento que nos referimos ao Noel A nefrotoxicidade causada pelo cádmio ocorre quando o organismo não mais consegue responder às variações externas que são a exposição ao metal consequentemente o Noel é ultrapassado Entendese assim que a resposta do organismo depende de alguns fatores por nós denominados de condições de exposição como via de exposição tempo e frequência de exposição toxicocinética suscetibilidade individual e relação doseresposta Para caracterizar o risco toxicológico de substâncias químicas alguns parâmetros são avaliados como veremos a seguir 2131 Identificação do perigo A identificação do perigo está associada à descrição do potencial tóxico do xenobiótico DIETRICH WEISS 2020 Para compreendermos melhor a informação vamos fazer algumas considerações sobre a dioxina 2378tetraclorodibenzodioxina TCDD É uma substância química que mesmo após exposição única em altas doses pode resultar em efeitos de longa duração por conta do tempo de armazenamento desse xenobiótico no organismo uma vez que possui caráter lipofílico e pouco biotransformado Para termos ideia do que essas informações representam a dioxina possui meiavida biológica de 8 anos A informação não para por aí em animais de laboratório e em humanos a dioxina induz o aparecimento de tumores em vários órgãos A partir do momento em que você é detentor dessas informações e que conhece bem o potencial tóxico da dioxina por ter identificado o perigo você acha que a exposição a esse toxicante pode ser intensa e contínua ou é melhor que haja a menor exposição possível a ela Isso mesmo A exposição deve ser a menor possível O ideal seria que não houvesse a exposição Ficou mais claro para você a importância da identificação do perigo 2132 Avaliação doseresposta A absorção de um toxicante pode variar significativamente dependendo das vias de exposição O cádmio por exemplo é cinco vezes mais absorvido quando a exposição ocorre pelo trato respiratório como na inalação do metal presente no ar atmosférico ou na fumaça que sai do cigarro em relação à exposição pelo trato digestório Assim alguns fatores que condicionarão o aparecimento do dano no organismo são a quantidade do metal que atinge as célulasalvo e o tempo que levará para que isso ocorra Assim quanto maior a quantidade de toxicante nas célulasalvo maior será a intensidade de seus efeitos dano Os efeitos tóxicos não serão observados caso a quantidade de cádmio no organismo esteja abaixo do Noel 115 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS De uma forma geral a relação doseresposta é expressa na forma de uma curva sigmoidal em que na abcissa do gráfico consta a dose em escala logarítmica e na ordenada a intensidade dos efeitos Alguns autores entendem que a relação doseresposta também possa ser interpretada como a caracterização do perigo DIETRICH WEISS 2020 2133 Avaliação da exposição Compreendemos que o efeito tóxico é dosedependente ou seja quanto maior é a quantidade do toxicante a que o organismo se expõe também será maior a concentração dessa substância no órgãoalvo e consequentemente maior será a intensidade do efeito tóxico no organismo DIETRICH WEISS 2020 Uma das maiores preocupações dos toxicologistas está associada à prevenção da intoxicação e para que se proponha modelos de redução da exposição devese inicialmente compreender os mecanismos pelos quais o organismo se expõe ao xenobiótico Entretanto avaliar a exposição não é uma tarefa simples Monitorar a exposição ocupacional em um ambiente com um padrão definido de trabalho já é complexo Imagine então monitorar as pessoas com relação às substâncias químicas presentes nas casas ou no ar que respiram ao longo do dia E o que você acha de monitorar a exposição que ocorre com as crianças é de fácil realização Não não é Efetivamente uma forma confiável de estimar a exposição humana é por meio do biomonitoramento de toxicantes ou seja determinar a presença dos toxicantes no organismo uma vez que foi absorvido ou de seus produtos de biotransformação Mas destacase que a doseresposta correlaciona os efeitos da substância no organismo e a dose externa tornando um grande desafio na avaliação de risco Destacase ainda como já visto neste material que a interação de substâncias no organismo pode gerar efeitos sinérgicos aditivos e de potenciação o que dificulta anda mais a avaliação da exposição DIETRICH WEISS 2020 2134 Caracterização do risco Uma vez que o risco é identificado sua doseresposta é conhecida e se realiza a avaliação da exposição essas informações são integradas e se apresenta uma conclusão um resumo sobre os riscos decorrentes da exposição a uma substância química É por meio desse desfecho ou seja das conclusões obtidas que serão propostas medidas que serão delineadas para que os gestores da saúde pública por exemplo adotem medidas de prevenção de intoxicação aos cidadãos 3 TOXICOLOGIA AMBIENTAL Nessa parte da matéria teremos a oportunidade de compreender melhor como as substâncias presentes no meio ambiente podem interagir com o referencial biológico e causar danos 116 Unidade I 31 Introdução Os toxicantes presentes no meio ambiente podem causar danos a humanos e animais dependendo das condições de exposição Os xenobióticos podem estar presentes no ar na água ou no solo Nesse primeiro momento vamos estudar os toxicantes presentes no ar 32 Poluição atmosférica Os incêndios florestais de origem natural ou causados pela atividade humana antropogênico a queima de combustíveis fósseis e as substâncias químicas utilizadas ou obtidas em processos industriais são importantes fontes de poluição do ar inclusive com a liberação de toxicantes potencialmente carcinogênicos STRAIF et al 2017 Esses poluentes atmosféricos podem agir sobre humanos e animais de forma independente e dependendo das condições de exposição podem causar danos Como visto as interações entre diferentes substâncias químicas podem intensificar os efeitos à saúde desses organismos Estimativas atuais sugerem que é significativo o número de doenças causadas pela poluição do ar Para que você tenha dimensão da importância da emissão de poluentes atmosféricos sob a perspectiva toxicológica a exposição a partículas com diâmetro aerodinâmico igual ou inferior a 25 µm PM 25 ou seja partículas finas foram responsáveis por mais de 32 milhões de mortes prematuras no ano de 2010 no mundo Exemplo de aplicação A partir desse dado convidamos você a fazer uma reflexão você consegue ter uma ideia de como a poluição atmosférica pode contribuir para os casos de morte prematura Pois bem vamos colaborar com você e lhe apresentar os seguintes dados os poluentes atmosféricos contribuem em grande parte no acometimento ou intensificação das doenças cardiovasculares além de ser responsável direto por 223000 mortes de câncer de pulmão dentre as 32 milhões de mortes anuais prematuras Mas não para por aí Exemplo de aplicação O que você acha de trabalharmos um pouco o conceito da interdisciplinaridade Então responda qual é o país que tem apresentado aumento do produto interno bruto PIB de forma significativa nos últimos anos Acertou se respondeu que é a China 117 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Além do vigoroso aumento do PIB gostaríamos que você observasse que a China e os países denominados de Tigres Asiáticos também nos apresentam alguns importantes números associados à toxicologia ambiental ou seja à poluição atmosférica e levamos a você mais uma dessas situações Anteriormente lhe trouxemos o número de mortes por câncer de pulmão decorrentes da poluição atmosférica se lembra Pois bem metade dessas mortes ocorreu na China e nos países asiáticos e é atribuída às partículas finas PM 25 presentes no ar como contaminantes atmosféricos Com esses dados conseguimos unir os pontos da toxicologia ou seja concluímos que o acelerado desenvolvimento da China bem como dos países asiáticos tem contaminado a atmosfera e levado danos à população exposta Para que você tenha dimensão da importância dos toxicantes atmosféricos a Iarc recomendou uma série de monografias relacionadas aos poluentes do ar para que possamos compreender melhor por que e como essas substâncias podem causar ao organismo humano e identificar lacunas críticas de pesquisa para propor medidas de prevenção diagnóstico e tratamento dessas doenças Com a presença de milhares de substâncias químicas presentes no ar mesmo os toxicantes que estão em pequenas quantidades podem causar danos ao organismo E você sabe o que atualmente tem chamado muito a atenção dos pesquisadores A qualidade do ar em ambientes internos Em apartamentos ou escritórios localizados em grandes centros urbanos ou industriais pode haver a presença e acúmulo dos xenobióticos no ar de ambientes internos inclusive substâncias carcinogênicas Substâncias químicas carcinogênicas transportadas pelo ar contribuem para o número total de casos de câncer em escala global sobretudo do pulmão exatamente o órgão que recebe a maior quantidade dessas substâncias presentes no ar Observação Em 24 horas um adulto respira milhares de vezes e chega a inalar 10000 litros de ar Imagine a quantidade de toxicantes presentes nesse volume de ar inalado Uma das maiores dificuldades para se estimar o risco de intoxicação por substâncias químicas presentes no ar é identificar e quantificar os poluentes presentes nele que variam de região para região As informações disponíveis que caracterizam as interações químicas são bastante limitadas sobretudo quando se trata de efeitos aditivos sinérgicos e de potenciação Ainda que a monitorização de algumas substâncias químicas seja realizada rotineiramente nem sempre o resultado dessa monitorização é facilmente disponibilizada além de haver substâncias químicas presentes no ar que nem imaginamos que possam existir Consegue agora perceber como a avaliação de risco é complexa para ser realizada 118 Unidade I Para que você tenha dimensão da importância dos poluentes atmosféricos recentes evidências científicas sugerem que na América do Norte e Europa a poluição do ar seja responsável por 5 da mortalidade atribuível aos cânceres de pulmão brônquios e traqueia O monitoramento dos contaminantes atmosféricos ocorre na maior parte das vezes pela estrutura governamental mesmo quando se trata de monitoramento na União Europeia e na América do Norte Os poluentes atmosféricos monitorados com maior frequência na maioria dos países são o dióxido de nitrogênio NO2 dióxido de enxofre SO2 monóxido de carbono CO ozônio O3 além dos indicadores de material particulado suspenso MPS com partícula de pequeno diâmetro aerodinâmico PM10 e PM25 e da fumaça preta Observe como a prevenção da intoxicação bem como a avaliação de risco não são de fácil execução poluentes podem estar presentes em maior quantidade em uma determinada região da cidade quando comparados a outras e essa maior concentração do poluente pode ainda estar relacionada com a estação do ano Como exposto anteriormente também há limitações quanto às informações disponíveis principalmente quando se trata de interações químicas que podem causar o câncer e não é incomum haver mais informações em regiões onde as concentrações dos poluentes não são tão elevadas e menos informações onde a exposição é mais severa Outra informação que nos chama a atenção é que nem sempre os maiores danos ocorrem onde a concentração de poluentes atmosféricos é mais alta mas ocorrem de fato onde há maior interação contaminantepopulação Esses estudos de exposição de curto prazo nem sempre demonstram características de exposição que envolva as interações entre os poluentes que geram os efeitos de complexa identificação Acreditamos que você consiga compreender com facilidade que a atmosfera não é estática ou em outras palavras que está em constante movimento Essa mistura de gases vapores e MPS presentes na atmosfera é dinâmica e provoca interações constantes e intensas entre esses compostos As reações químicas que ocorrem na atmosfera transformam substâncias orgânicas em compostos mais oxidados e consequentemente mais hidrossolúveis Para que você tenha dimensão ácidos alcanos alcenos aldeídos cetonas peróxidos orgânicos e epóxidos podem ser formados na atmosfera por oxidação fotoquímica ou seja ocorrem na presença da radiação solar Grande parte das substâncias formadas durante a combustão é formada por moléculas orgânicas algumas delas bastante simples como o formaldeído HCHO e outras de nível de complexidade superior como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos HAP e as dioxinas A emissão de substâncias químicas inorgânicas contempla os ácidos como o sulfúrico H2SO4 e o clorídrico HCl bem como os óxidos de nitrogênio NOx e de enxofre SOx A OMS constatou que a queima de combustíveis e a presença de MPS no ar são as principais causas de mortalidade precoce causadas pela exposição ambiental 119 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 321 Classificação dos poluentes da atmosfera Fontes naturais ou antropogênicas as geradas pela atividade humana como a atividade industrial e o tráfego de veículos automotores emitem poluentes para a atmosfera Dependendo do material acadêmico ou científico que consultemos obtemos várias classificações dos poluentes atmosféricos Uma das classificações associadas a esses poluentes pode estar relacionada à natureza da fonte de emissão e caracteriza se são lançados diretamente na atmosfera ou se são formados nela Um dos conceitos que se faz necessário que nos seja apresentado é o de poluente ou contaminante atmosférico Para parte dos autores da área de toxicologia um contaminante ou poluente atmosférico é uma substância química que não faça parte da atmosfera constitutivamente mas que esteja presente nela ou que faça parte da atmosfera mas que esteja em grandes quantidades Outros autores referem a poluição atmosférica como toda substância química ou mistura de substâncias presentes na atmosfera cuja concentração exceda os níveis estabelecidos pela legislação e que podem causar algum dano ao organismo humano CETESB sdb Vamos compreender melhor esses conceitos A tabela a seguir elenca alguns gases constituintes da atmosfera Tabela 2 Gases constituintes da atmosfera em percentual decrescente em volume Gás Percentagem em volume Nitrogênio 7808 Oxigênio 2095 Argônio 0934 Dióxido de carbono CO2 0036 Neônio 1818103 Hélio 524104 Metano 16104 Criptônio 114104 Óxido nitroso 30105 Monóxido de carbono CO 12105 Xenônio 87106 Amônia 108 107 Fonte Schirmer e Lisboa 2008 p 37 O ácido sulfúrico H2SO4 é um constituinte natural da atmosfera 120 Unidade I Acertou se respondeu que não é um constituinte natural da atmosfera Mas também vimos anteriormente que essa substância pode ser formada na atmosfera O H2SO4 pode ser formado na atmosfera e como sabemos é uma das principais substâncias que constituem a chuva ácida Após a exposição a esse repertório de informações você está apto para selar o aprendizado sobre toxicologia dos contaminantes do ar Se o H2SO4 não é um constituinte natural da atmosfera mas está presente nela podemos denominálo um poluente atmosférico Você compreendeu exatamente o conceito exposto anteriormente observamos que não há a presença do H2SO4 como constituinte natural da atmosfera Assim se a substância química não faz parte da atmosfera mas está presente nela é denominada de poluente ou contaminante atmosférico Consegue visualizar que à medida que temos contato com a informação e vamos paulatinamente compreendendo os conceitos por mais complexo que seja conseguimos não apenas compreender o contexto como também perceber que fica mais fácil propormos aplicações aos conceitos auferidos Assim dando continuidade ao conceito de contaminantes e poluentes propomos mais um questionamento se uma substância química faz parte constitutivamente da atmosfera pode também ser considerada um contaminante ou poluente Vamos auxiliálo nesse processo de reflexão em vigor Para isso utilize a tabela anterior para responder mais algumas perguntas Vamos à pergunta o metano e o dióxido de carbono CO2 são constituintes naturais da atmosfera Você se reportou à tabela anterior e identificou que o metano e o dióxido de carbono são constituintes naturais da atmosfera Próxima pergunta qual é a importância do metano e do dióxido de carbono na atmosfera para a vida humana Caso tenha alguma dificuldade pode utilizar outra fonte de informação para responder Aliás seria saudável fazer isso Agora sugerimos que você consulte rapidamente uma fonte de informação e nos traga a importância do metano e do CO2 para a vida humana no planeta 121 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Saiba mais Para que você tenha acesso a mais informações sobre o efeito estufa sugerimos que leia o artigo CARVALHO J L N et al Potencial de sequestro de carbono em diferentes biomas do Brasil Revista Brasileira de Ciência do Solo v 34 n 2 p 277290 2010 Estamos seguros de que você tem a resposta de que o metano e o CO2 estão entre as substâncias responsáveis pelo efeito estufa não é Agora essas duas substâncias químicas são os vilões ou os mocinhos da história Nesse momento precisamos ser cautelosos para responder Possivelmente você respondeu que é o vilão não é Vamos compreender melhor essa situação O calor do sol que atinge a terra é irradiado e essa energia irradiada não é dispersa para a atmosfera porque o vapordágua o CO2 o NO2 o ozônio O3 os clorofluorcarbonos CFCs e o metano impedem ou reduzem essa dispersão de energia sendo os responsáveis pelo efeito estufa veja a figura a seguir Radiação solar refletida pela Terra e pela atmosfera albedo Radiação que atravesa diretamente a atmosfera Radiação absorvida e reemitida em todas as direções pelos gases de efeito estufa e pelas nuvens CO2 Radiação infravermelha emitida pela Terra Radiação solar absorvida pela superficie terrestre Figura 52 Efeito estufa na Terra 122 Unidade I A barreira formada por essas substâncias na atmosfera é fundamental para a vida humana de animais e de plantas uma vez que caso essa energia não seja retida não há condição de manter a temperatura adequada para a manutenção da vida na Terra Assim opostamente ao que alguns possam imaginar o efeito estufa não é apenas importante mas fundamental para a manutenção da vida em nosso planeta O CO2 e o metano como exemplos fazem parte da camada de gases da atmosfera Reportese à tabela anterior Nessa perspectiva podemos concluir juntos que os constituintes da atmosfera são fundamentais para a vida humana animal e marinha no planeta Sem eles não haveria vida uma vez que são capazes de reter o calor necessário para condições ideais de reprodução e manutenção da vida Porém caso o metano por exemplo seja lançado na atmosfera pelas atividades antropogênicas em grande quantidade e aumente suas concentrações na atmosfera de forma significativa pode haver um desequilíbrio nessa barreira protetora da atmosfera e a temperatura não mais ficaria em uma quantidade adequada para a manutenção da vida no planeta Dentro desse contexto caso haja liberação de grande quantidade de metano na atmosfera também há maior retenção da energia irradiada e como consequência o planeta ficaria mais aquecido do que deveria É nesse momento que o efeito estufa é lembrado como o vilão da história Após essa extensa explicação começaremos a juntar os pontos do conhecimento caso uma substância química seja um constituinte da atmosfera mas esteja presente em quantidade suficientemente capaz de levar a um desequilíbrio como no caso do efeito estufa essa substância além de constituir a camada de gases que compõem a atmosfera também é caracterizada como poluente ou contaminante Há outras classificações referente aos poluentes atmosféricos Alguns autores sugerem que caso as substâncias químicas sejam lançadas diretamente na atmosfera por uma fonte identificável podem ser classificadas como contaminante primário Vamos compreender melhor esse conceito Imaginemos o seguinte cenário quando o caminhão distribuidor de combustível chega no posto a transferência desse combustível para os reservatórios dos postos de combustíveis pode liberar vapores de gasolina para o ambiente e esse combustível caso seja a gasolina contém em sua composição benzeno tolueno xileno entre outros compostos orgânicos Dessa forma quando se transfere gasolina para o tanque do posto de gasolina ou quando se abastece um veículo automotor com esse combustível há em maior ou menor quantidade a liberação de substâncias químicas que não são constituintes naturais da atmosfera Assim o benzeno por exemplo é considerado um poluente ou contaminante primário porque está sendo liberado diretamente na atmosfera por uma fonte identificável mas não faz parte da atmosfera 123 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Entretanto existem situações em que a substância é produzida pela interação de um constituinte natural da atmosfera e um contaminante primário Vamos entender melhor esse processo Acompanhe conosco o seguinte raciocínio como você já sabe ao queimar o carvão são liberados contaminantes para a atmosfera dentre o quais os óxido de enxofre SOx OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Como esse gás é liberado diretamente na atmosfera por uma fonte identificável que no caso é a queima do carvão os óxidos de enxofre são considerados contaminantes primários Ficou claro para você Mas o raciocínio não termina por aqui Como esse gás SOx é hidrossolúvel é capaz de interagir com a água em sua forma de vapor que é um constituinte natural da atmosfera O produto da interação entre eles leva à formação do H2SO4 na atmosfera Concluímos assim que o H2SO4 formado na atmosfera é um contaminante secundário uma vez que é produto da interação entre um contaminante primário SOx e a água que é um constituinte natural da atmosfera A informação ficou clara para você Consegue agora distinguir um contaminante primário de um secundário Ficamos felizes por isso 322 Padrões de qualidade do ar Nas regiões centrais de algumas metrópoles encontramos relógios que além de apresentar o horário propriamente dito também informam a qualidade do ar Entretanto em algum momento você parou para pensar como se determina a qualidade do ar de sua cidade A qualidade do ar nas grandes cidades é obtida por meio da quantificação de substâncias químicas presentes no ar atmosférico e é possível estabelecer uma relação entre a qualidade do ar e os efeitos à saúde Assim a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo Cetesb resume a relação causaefeito ou seja dependendo da qualidade do ar identificada se estabelece um índice de qualidade do ar com significado em termos de efeitos na população exposta Segundo a Resolução n 491 de 19 de novembro de 2018 que dispõe sobre os padrões de qualidade do ar veja a tabela a seguir o padrão de qualidade do ar é um dos instrumentos de gestão da qualidade do ar determinado como valor de concentração de um poluente específico na atmosfera associado a um intervalo de tempo de exposição para que o meio ambiente e a saúde da população sejam preservados em relação aos riscos de danos causados pela poluição atmosférica BRASIL 2018c 124 Unidade I Tabela 3 Padrões de qualidade do ar Poluente atmosférico Sigla Período de referência PI1 PI2 PI3 PF ppm µgm3 µgm3 µgm3 µgm3 Material particulado MP10 24 horas 120 100 75 50 Anual1 40 35 30 20 Material particulado MP25 24 horas 60 50 37 25 Anual1 20 17 15 10 Dióxido de enxofre SO2 24 horas 125 50 30 20 Anual1 40 30 20 Dióxido de nitrogênio NO2 1 hora2 260 240 220 200 Anual1 60 50 45 40 Partículas totais e suspensão PTS 24 horas 240 Anual4 80 Fumaça 24 horas 120 100 75 50 Anual1 40 35 30 20 Ozônio O3 8horas3 140 130 120 100 Monóxido de carbono CO 8 horas3 9 Chumbo Pb5 Anual1 05 Legenda 1 Média aritmética anual 2 Média horária 3 Máxima média móvel obtida no dia 4 Média geométrica anual 5 Medido nas partículas totais em suspensão ppm Partes por milhão Fonte Brasil 2018c Saiba mais Para saber mais sobre o assunto leia a resolução a seguir BRASIL Resolução n 491 de 19 de novembro de 2018 Diário Oficial da União Brasília 2018c 323 Material particulado suspenso No início deste livrotexto vimos juntos que para avaliarmos o risco de intoxicação de uma substância química presente na atmosfera devemos verificar inicialmente seu estado físico Se a substância química presente no ar atmosférico estiver na forma sólida ou líquida nas CNTP chamamos de material particulado suspenso MPS e na avaliação de risco verificamos seu diâmetro aerodinâmico Caso a substância esteja no estado gasoso ou de vapor também nas CNTP verificamos sua natureza química ou seja se é hidrossolúvel ou lipossolúvel 125 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS As partículas presentes na atmosfera e que apresentam diâmetro aerodinâmico inferior a 10 µm são denominadas de partículas inaláveis MP10 e as que apresentam diâmetro aerodinâmico inferior a 25 µm são conhecidas por partículas inaláveis finas MP25 Como visto anteriormente quanto menor o tamanho da partícula menor é a probabilidade dessa partícula ser impactada ao longo do trato respiratório ou seja tem pequena tendência de ficar retida no trato respiratório superior e consequentemente atingir o parênquima pulmonar e causar danos MPS com maior diâmetro aerodinâmico possuem tendência de se depositarem rapidamente enquanto as de menor diâmetro aerodinâmico se depositam no solo mais lentamente Dessa forma acreditamos que de uma forma geral as partículas com menor diâmetro aerodinâmico apresentam maior risco de intoxicação em relação às de maior diâmetro uma vez que permanecem por mais tempo na atmosfera veja a tabela a seguir Tabela 4 Relação entre o diâmetro da partícula e o tempo para deposição Diâmetro aerodinâmico µm Tempo para deposição 002 228 anos 01 36 anos 1 328 dias 10 36 dias 100 11 hora 1000 4 minutos 5000 18 minutos A uma altitude de 1 km Adaptado de Brito e Almeida 2018 Lembrete O diâmetro aerodinâmico apresenta uma relação inversamente proporcional ao risco de intoxicação ou seja quanto menor o tamanho das partículas maior é a probabilidade de a substância química chegar aos alvéolos pulmonares e causar danos Observação Observemos a seguinte informação partículas grandes também podem causar significativos danos ao organismo humano O asbesto é constituído de substâncias de uma família de silicatos fibrosos que podem chegar ao mesotelioma 126 Unidade I 324 Óxidos de enxofre Segundo Oga Camargo e Batistuzzo 2014 o SO2 é produto da queima de fontes de energia como o carvão a gasolina e o óleo diesel É um gás hidrossolúvel que pode interagir com a água presente nas mucosas do trato respiratório superior e no meio ambiente Vimos anteriormente que o SO2 é um gás hidrossolúvel capaz de interagir com a água presente na atmosfera quando se forma os ácidos sulfúrico e sulfídrico constituintes da chuva ácida segundo as equações a seguir SO2 g ½ O2 g SO3 g SO3 g H2O l H2SO4 aq A visibilidade atmosférica também pode ser prejudicada pelo SO2 Sabe por quê Esse gás hidrossolúvel pode reagir com sulfatos que são lançados na atmosfera e formam partículas dispersas que reduzem a visibilidade Como vimos a toxicologia é fundamentada em doseefeito e essa relação foi bastante estudada em alguns momentos importantes Em Londres entre 1948 e 1952 após um inverno rigoroso milhares de pessoas se intoxicaram e morreram pela exposição a substâncias químicas liberadas pela queima do carvão utilizado para que as pessoas se aquecessem 325 Óxidos de nitrogênio Permitanos trazer uma de nossas experiências certa vez assistindo a um documentário o repórter mostrou uma pesquisa que demonstrava que estava havendo acúmulo de ozônio O3 no interior das casas apartamentos e escritórios localizados em grandes centros urbanos no Brasil A informação não parou por aí o repórter complementou que caso fechássemos as cortinas dos escritórios casas e apartamentos a quantidade de ozônio reduziria no interior desses imóveis Nesse momento ficamos bastante surpresos é a primeira vez que havíamos ouvido que havia um gás elegante ou seja caso a cortina estivesse aberta ele entrava caso estivesse fechada ficava do lado de fora Você consegue entender como o ambiente acadêmico e de pesquisa nos envolve e passamos a visualizar as informações de forma diferente É possível você vislumbrar que falta alguma informação nessa reportagem ou seja como um gás se acumula no interior da casa se a cortina está aberta e opostamente se a cortina está fechada o gás fica para fora Exemplo de aplicação Vamos lhe fazer um desafio Faz sentido essa pesquisa ou seja é mesmo possível que ao fechar a cortina limitemos a quantidade de um gás em um ambiente interno ou houve algum equívoco científico Em que você fundamenta sua resposta 127 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Teremos ainda que lhe prover informações que sustentarão o resultado dessa análise para concluirmos essa pesquisa teve um desfecho coerente Óxido de nitrogênio NOx é um termo utilizado para designar um grupo de substâncias constituído por NO2 óxido nitroso N2O NO2 e pentóxido de dinitrogênio N2O5 São compostos muito ativos cujo principal órgãoalvo é o pulmão PUBCHEM sd Incêndios ou processos químicos dão origem a esses óxidos Além das emissões antropogênicas também há a emissão natural óxido nítrico e dióxido de nitrogênio podem ser produzidos naturalmente por ação bacteriana pela atividade vulcânica e por raios As mais significativas fontes de emissão antropogênica são a combustão de combustíveis fósseis de fontes estacionárias as que não se deslocam ao longo do tempo e as de veículos automotores A produção de explosivos fumo ácido nítrico aparelhos a gás e fogões a óleo também são fontes de emissão dos NOx O descarte de lixos em grandes cidades é um grande problema Há cidades cujos aterros sanitários não comportam mais descartes e a queima de lixo urbano libera gases potencialmente tóxicos para a atmosfera A queima de nitrocelulose esmaltes e material plástico bem como procedimentos envolvendo soldagem também são capazes de produzir óxidos de nitrogênio O NO2 possui um odor irritante e é altamente tóxico Permanece em equilíbrio com o tetróxido de nitrogênio N2O4 pode gerar ácido nitroso HNO2 e ácido nítrico HNO3 em contato com a água e é mais pesado que o ar Após a exposição aos NOx pode haver uma discreta irritação do trato respiratório superior dor de garganta tosse dificuldade respiratória conjuntivite vertigem dor de cabeça e sensação de aperto no peito PUBCHEM sd E aqui vai mais um questionamento os NOx são gases hidrossolúveis ou lipossolúveis Vimos essa informação anteriormente são gases lipossolúveis Por causa dessa condição físicoquímica como extensivamente estudada por nós anteriormente não se solubilizam no filme aquoso do trato respiratório superior e tendem a atuar sobre o trato respiratório inferior Continue com essa leitura crítica e tente unir os pontos entre as seguintes frases i o principal órgãoalvo dos óxidos de nitrogênio é o pulmão e ii os NOx atuam sobre o trato respiratório inferior Você consegue identificar onde se encontra a convergência da informação das duas frases Como os NOx são gases lipossolúveis tendem a atuar sobre o parênquima pulmonar ou seja no trato respiratório inferior diferentemente de gases hidrossolúveis que tendem a agir sobre o trato respiratório superior Mas por que é mesmo que os NOx têm como principal órgãoalvo o pulmão 128 Unidade I Porque são lipossolúveis não se solubilizam no filme aquoso que reveste as membranas do trato respiratório superior e consequentemente chegam aos pulmões onde agem Recordase de que pedimos a você atentarse aos adjetivos Para que possamos discutir essa situação envolvendo a aplicação da língua portuguesa aplicação dos adjetivos vamos nos reportar a um parágrafo anterior a exposição aos NOx pode levar a uma discreta irritação do trato respiratório superior Sabemos que constantemente solicitamos sua reflexão mas é uma forma de você ser desafiado e conseguir compreender melhor as informações Exemplo de aplicação Após esse breve comentário trazemos a você mais um desafio reflexão e questionamento por que foi utilizado o termo discreta irritação do trato respiratório superior e não apenas irritação do trato respiratório superior Lembrete As propriedades físicoquímicas são uma das condições de exposição e podem alterar a toxicidade de um xenobiótico Como visto anteriormente gases e vapores lipossolúveis não se solubilizam no filme aquoso que revestem a mucosa do trato respiratório superior mas também não significa que são inócuos ao organismo ou seja também podem causar danos ao referencial biológico dependendo das condições de exposição Assim os NOx atuam em maior intensidade no parênquima pulmonar mas também podem levar a uma ligeira irritação do trato respiratório superior Conseguiu compreender melhor o motivo da utilização de adjetivos nesta disciplina Mas espere um pouco no início do tópico sobre os NOx trouxemos a você o documentário sobre o O3 e a cortina Está lembrado Mas ainda não é possível unir os pontos Persevere na leitura e acompanhe o raciocínio Após a exposição inicial aos NOx há um período que varia de 3 a 30 horas denominado de período latente em que pode haver sinais e sintomas de intoxicação mais pronunciados que a discreta irritação do trato respiratório superior O organismo pode apresentar dispneia dificuldade respiratória inflamação dos pulmões e edema pulmonar como consequência da insuficiência respiratória grave com cianose 129 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Consegue identificar a severidade dos efeitos da exposição aos NOx no trato respiratório inferior Mas esses danos não param por aí dependendo das condições de exposição em algumas semanas os bronquíolos podem apresentar uma redução de seu volume o que chamamos de bronquiolite obliterante dificultando ainda mais a respiração do organismo Para realizar o diagnóstico clínico e laboratorial devese verificar o histórico de exposição aos NOx ou seja se a pessoa trabalha ou mora próximo a fontes de emissão desses compostos ou se houve uma exposição aguda ou crônica a esses gases assim como verificar a presença de sinais e sintomas que possam se relacionar ao sistema respiratório como a presença de hipóxia pela gasometria arterial a presença de grande quantidade de dióxido de carbono no sangue hipercapnia e acidose Um dos achados durante o diagnóstico é que o organismo demonstre respostas obstrutivas restritivas e de prejuízo na difusão Em casos em que há a exposição aguda aos NOx o intoxicado deve ser retirado da fonte de exposição imediatamente Observação Atenção até mesmo retirar o intoxicado do local pode ser perigoso A admissão no hospital deve ser imediata e caso se identifique dificuldade respiratória ou baixa saturação de oxigênio devese administrar oxigênio e a ventilação deve ser assistida se necessária Proceder com a remoção de secreções e o tratamento com broncodilatadores são procedimentos necessários caso haja broncoespasmo Caso os sintomas respiratórios sejam moderados ou se identifique que esteja havendo edema pulmonar devese administrar corticosteroide e manter o paciente sob observação E a reportagem sobre o O3 o gás elegante Ainda precisamos de mais elementos que lhe deem sustentação para responder à questão do O3 O NO2 ao ser liberado na atmosfera é submetido à radiação ultravioleta UV proveniente da radiação solar Essa radiação UV é responsável pela clivagem quebra do NO2 e há a consequente formação do monóxido de nitrogênio NO e do oxigênio monoatômico reativo O Esse último de acordo com sua própria nomenclatura é bastante reativo interage com o oxigênio molecular O2 presente na atmosfera Por consequência reduz a quantidade de O2 presente na atmosfera e aumenta a quantidade de O3 a baixas altitudes OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 Entretanto o O3 também é uma substância oxidante e bastante reativa e interage com NO que foi formado anteriormente produto da clivagem do NO2 pela radiação UV A consequência dessa reação é a restauração do NO2 que foi clivado no início da reação química como também recompõe o O2 que foi depletado anteriormente da atmosfera segundo as reações OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 130 Unidade I NO2 UV NO O O O2 O3 O3 NO NO2 O2 Você começa a vislumbrar que existe uma relação direta entre o NO2 e o O3 a baixas altitudes não consegue Esse é o primeiro tijolo que você precisa ter para começar a construir o conhecimento envolvendo o acúmulo de O3 a baixas altitudes Mas não temos ainda toda a matériaprima necessária para entendermos esse mecanismo Vamos juntos pegar o tijolo dessa informação e construir o alicerce do conhecimento toxicológico Percebemos com facilidade que somos submetidos a frequentes momentos para reflexão e desafios Eles nos são importantes para que resgatemos as informações adquiridas ao longo dos capítulos desse material para que possamos realizar conjecturas com outros conceitos e para que possamos concluir juntos Não diferente de outros momentos convidamos você gentilmente a ser submetido a mais uma reflexão e desafio você é capaz de lembrar o ciclo fotolítico do nitrogênio Isso faça esse esforço e desenhe em uma folha o esquema desse ciclo Desenhou Você conseguiu lembrar bem desse ciclo que é relevante Podemos lhe afirmar que finalmente estamos próximos de concluir se aquela reportagem que vimos anteriormente faz ou não sentido Volte ao esquema desenhado por você O ciclo fotolítico do nitrogênio sob a influência dos hidrocarbonetos se inicia exatamente como nesse ciclo ou seja a radiação UV cliva o NO2 e se formam o NO2 e o O Esse último interage com o O2 e forma o O3 Observação Ainda que possamos pensar que a informação seja repetida o início da explicação realmente é a mesma associada à clivagem do NO2 mas há uma diferença no final Agora respondamos quando o O3 é formado a baixas altitudes com qual substância que ele reage Sim o O3 interage com o NO Preste atenção quando combustíveis fósseis são queimados imagine que os carros que estão passando na rua de sua casa nesse momento foram abastecidos com gasolina ou diesel são liberados hidrocarbonetos poliinsaturados e reativos Na presença desses a substância que reage com o NO não é mais o O3 mas sim esses hidrocarbonetos Sabe qual é a consequência Formamse outros poluentes atmosféricos como o nitrato de peroxiacetila e aldeídos substâncias químicas irritantes para o trato respiratório e o ozônio O3 131 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS que anteriormente reagia com o NO mas que agora não reage mais Assim o O3 se acumula a baixas altitudes segundo as reações químicas a seguir NO2 UV NO O O O2 O3 O3 NO ROO Nitratos de peroxiacetila Aldeídos O3 Lembrete O ozônio protege a vida humana e animal quando presente na estratosfera Elevados teores de ozônio a baixas altitudes podem levar a danos pulmonares Observamos que depois de tanta informação chegamos a duas macroconclusões primeiro que o acúmulo de ozônio a baixas altitudes é prejudicial à saúde e está associado ao ciclo fotolítico do nitrogênio sob a influência da radiação UV A segunda conclusão é que ainda não chegamos à resposta sobre a cortina Você se lembra dela Ocorre que comentamos que em uma reportagem foi dito que ao fechar a cortina de casas escritórios ou apartamentos em centros urbanos os teores de ozônio em ambientes internos são reduzidos Nesse momento já lhe trouxemos informações que fornecem subsídios necessários para responder a essa pergunta Exemplo de aplicação Ao fechar a cortina de casas escritórios ou apartamentos em centros urbanos os teores de O3 em ambientes internos são reduzidos ou o O3 não entra em ambientes internos por que é um gás elegante Bem agora é com você Observe quando incide a radiação UV sobre o NO2 presente na atmosfera há toda a sequência do ciclo fotolítico do nitrogênio sob a influência dos hidrocarbonetos Essas reações químicas ocorrem dentro e fora dos ambientes Caso fechemos as cortinas não há a incidência do sol sobre os gases presentes no ambiente interno Se não tem sol no ambiente interior não há radiação UV sem essa radiação não há a clivagem do NO2 e sem a clivagem desse gás não há a formação do O3 Se o O3 não se forma como ele vai se acumular Compreendeu melhor como ocorre o processo de construção do conhecimento Precisamos de vários elementos que são as informações nossos tijolos para que possamos ter como produto uma construção do conhecimento bem consolidada Agora convidamos você a avaliar se é possível haver chuva ácida na floresta Amazônica 132 Unidade I Vasconcellos et al 1998 avaliaram a presença de compostos orgânicos inorgânicos e MPS presentes na floresta Amazônica e concluíram que elevadas concentrações de HNO2 são formadas na atmosfera quando contaminantes atmosféricos primários são lançados no ar Verificaram que uma vez que em uma atmosfera que apresente baixas concentrações de O3 o NO2 é oxidado a NO3 e estes quando interagem com a água presente na atmosfera geram uma reação heterogênea com a subsequente formação de HNO2 e HNO3 Esse último um dos responsáveis diretos pela chuva ácida juntamente ao H2SO4 pode causar prejuízos em ambientes urbanos ou mesmo em florestas como a Amazônica O termo chuva ácida está associado à precipitação pluviométrica ainda mais ácida que a chuva natural que é ligeiramente ácida por conta da presença de substâncias presentes na atmosfera como CO2 H2SO4 e HNO3 326 Ozônio No hemisfério sul a chance de maior incidência de radiação UV ocorre no verão ou no inverno Quantas perguntas ao mesmo tempo não é mesmo Para que compreendamos melhor o objetivo dessas aplicações vamos relembrar alguns conceitos na estratosfera que compreende a camada de gases que se localizam entre 19 e 30 km acima da superfície da Terra ocorre uma contínua síntese e degradação de O3 um processo que normalmente está em equilíbrio de forma que não ocorre o acúmulo ou a perda desse gás naturalmente Poderíamos assim perguntar mas o que leva à destruição dessa importante camada de O3 localizada tão distante da superfície da Terra Até o final da década de 1970 acreditavase que esse balanço entre a síntese e perda de O3 na estratosfera seria bastante estável Entretanto a partir desse período verificouse que estava havendo um declínio dos níveis desse gás nessa região da atmosfera e que essa perda estava relacionada à presença de substâncias químicas artificiais produzidas pelo homem como os clorofluorcarbonos CFCs veja a figura a seguir substâncias constituídas de cloro e também as de bromo que podem causar o mesmo tipo de dano na atmosfera Radiação UV remove o átomo de cloro da molécula de CFCs Produz oxigênio e libera radical de cloro Radical de cloro quebra a ligação da molécula de ozônio Formando monóxido de cloro e oxigênio CFC UVB CI CI CI CI O2 O2 O3 O O O Quebra ligação da molécula de monóxido de cloro Átomo de oxigênio na atmosfera Molécula de oxigênio é liberada na atmosfera Figura 53 Mecanismo de destruição da camada de O3 pelo CFC 133 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Sabe outra informação que foi constatada Que no hemisfério sul durante a primavera havia uma perda ainda mais pronunciada da camada de ozônio na região da Antártica com a formação dos buracos na camada de ozônio que é a significativa redução dos teores de ozônio naquela região Observação Os CFCs não são mais produzidos em países industrializados mas foram anteriormente utilizados por décadas Quando liberados podem permacer na atmosfera por até um século Os diferentes tipos de radiação UV apresentam comportamentos físicos distintos ao interagirem com a camada de O3 O UVA não é absorvido por essa camada o UVB é parcialmente absorvido pela mesma camada e é profundamente afetado pelas variações de concentração de O3 na atmosfera e o UVC é quase que totalmente absorvido mesmo antes de atingir a superfície da Terra Dentro desse contexto pela pequena redução da filtração de UVB pela camada de ozônio pode haver significativo aumento da probabilidade de danos à saúde A intensidade de radiação recebida na superfície da Terra depende da distância dela em relação ao Sol da dispersão dos gases atmosféricos e da intensidade de radiação do Sol denominada irradiância Em 1985 vários países se reuniram na Áustria e formalizaram a Convenção de Viena em que foram propostas medidas de proteção da camada de O3 Em 1987 24 países assinaram o que foi conhecido como o tratado de maior sucesso na história da ONU o Protocolo de Montreal Esse protocolo inicialmente reduziu e em um segundo momento proibiu a utilização de algumas substâncias químicas que tivessem o cloro e o bromo com destaque para o CFC Observação Mesmo com a proibição da utilização dos CFCs e bromo você sabe por quantas vezes um átomo de cloro pode destruir moléculas do O3 Até 100000 vezes O O3 presente na atmosfera filtra a radiação ultravioleta UV que atinge a Terra Em humanos a exposição excessiva à radiação UV pode ocasionar queimadura solar da pele e caso a exposição seja crônica danos à visão como a ocorrência da catarata ou até mesmo de cegueira dependendo das condições de exposição câncer de pele e supressão do sistema imunológico Também pode levar ao prejuízo à vida selvagem ao plâncton à agricultura à cultura de arroz a animais e aos bens materiais como os danos causados em pinturas e tecidos Mas afinal o O3 na troposfera é bom ou é ruim para os humanos Chamamos sua atenção para possivelmente uma das frases mais lidas por você neste material toda substância pode ser considerada um agente tóxico dependendo das condições de exposição Se por 134 Unidade I um lado o O3 é muito importante na estratosfera por outro elevadas quantidades presentes a baixas altitudes troposfera podem gerar danos ao organismo O O3 é uma substância oxidante Convém observarmos que diferentemente dos gases hidrossolúveis que atuam sobre o filme aquoso que revestem as membranas da mucosa nasal oral e olhos o O3 em função de sua lipossolubilidade não se solubiliza nesses órgãos mas atua nos pulmões e por se tratar de um gás oxidante pode causar danos nesse órgão e também gerar dores torácicas asma hiperreatividade das vias aéreas redução da função pulmonar e dificuldade respiratória OGA CAMARGO BATISTUZZO 2014 327 Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos HAPs são substâncias químicas formadas pela queima incompleta de carvão gás madeira petróleo cigarro substâncias orgânicas lixo e até mesmo da carne grelhada Podem ser encontrados na água no solo e no ar e podem estar ligados a partículas de poeira Os HAPs são ubíquos ou seja são contaminantes onipresentes no ar atmosférico A produção de energia a incineração de lixo o aquecimento residencial o tráfego de veículos automotores e os processos industriais intensificaram a emissão dessa classe de contaminantes atmosféricos nos últimos séculos STRAIF et al 2017 Em termos químicos os HAPs são constituídos de dois ou mais anéis aromáticos que podem apresentar inúmeras configurações Do ponto de vista de volatilidade os HAPs variaram desde pouco voláteis até aqueles que possuem elevado ponto de ebulição o que faz com que sejam encontrados tanto na forma de material particulado quanto na forma de gás ou até mesmo em ambas as fases no ar atmosférico Mais de 500 diferentes HAPs foram identificados na atmosfera mas o benzoapireno é principal componente desse grupo A Iarc reavaliou os HAPs presentes no ar em comparação com o potencial carcinogênico e em 2010 ascendeu o benzoapireno para o grupo de HAPs com potencial carcinogênico humano ou seja para o grupo 1 na classificação de potencial carcinogênico STRAIF et al 2017 Como vimos anteriormente inalamos centenas de litros de ar ao longo do dia e dependendo da presença e quantidade de carcinogênicas há risco de humanos desenvolverem o câncer sobretudo de pulmão Dentro desse contexto a agência de proteção ambiental americana EPA monitora 16 HAPs veja o quadro a seguir presentes no ar denominados de prioritários por conta dos riscos associados à saúde humana Quadro 6 Principais hidrocarbonetos aromáticos policíclicos de importância toxicológica Acenafteno Acenaftileno Antraceno Benzo a antraceno Benzo a pireno Benzo b fluoranteno Benzo g h i perileno Benzo k fluoranteno Criseno Dibenzo a h antraceno Fluoranteno Fluoreno Indeno 123cd pireno Fenantreno Naftaleno Pireno Adaptado de Straif et al 2017 135 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS São emitidas mais de 520000 toneladas desses 16 HAPs por ano diretamente na atmosfera E você sabe qual é a principal fonte de emissão Antropogênica Atualmente vislumbramos alguns calorosos debates sobre poluição ambiental sem termos importantes dados em mãos Permitanos lhe trazer à luz algumas informações importantes sobre a liberação desse importante grupo de substâncias químicas os HAPs Em meados de 2010 foi realizado um levantamento e concluiuse que os países asiáticos foram responsáveis por 55 das emissões de HAPs para a atmosfera seguidos da Índia com 17 União Europeia UE com 95 e Estados Unidos com 65 das emissões de HAPs Todos os demais países do mundo liberaram juntos cerca de 12 de HAPs para a atmosfera STRAIF et al 2017 Além dos riscos a que a população local está exposta também há riscos inerentes a humanos e animais que estão distantes da fonte de emissão uma vez que os HAPs podem ser dispersos regionalmente e pode haver inclusive uma dispersão intercontinental através da atmosfera Observe a seguinte contextualização os HAPs emitidos no leste da Ásia são transportados pela atmosfera e atingem a costa oeste dos Estados Unidos e os HAPs emitidos pela Rússia chegam a influenciar sua concentração no Ártico Os HAPs são pouco reativos Para que exerçam sua atividade carcinogênica no organismo humano precisam ser bioativados Acompanhe o raciocínio vamos nos permitir utilizar o benzoapireno para contextualizar Uma das três vias de bioativação ocorre pela biotransformação do benzoapireno pelo citocromo P450 ou outra peroxidase A peroxidase leva à formação de um radical livre altamente reativo e instável no átomo C6 que pode reagir com a C8guanina e formar aductos de DNA Em animais de laboratório os HAPs como o benzoapireno benzaantraceno dibenzahantraceno e criseno podem levar ao tumor pela exposição pelo trato respiratório ou pela pele STRAIF et al 2017 328 Monóxido de carbono O monóxido de carbono CO é um gás que dificilmente a pessoa consegue perceber se está se expondo a ele Como poderíamos saber se estamos nos expondo a um gás que é incolor e inodoro Você concorda que quando a pessoa se expõe a esse gás não é uma tarefa muito fácil saber se efetivamente está se expondo a ele E tem outras situações os sinais e sintomas da intoxicação pela exposição ao CO são incrivelmente inespecíficos e por isso nem sempre são facilmente identificados pela equipe médica que trata o paciente intoxicado A consequência dessa dificuldade de diagnóstico é uma elevada morbimortalidade nos departamentos de emergência em todo mundo 136 Unidade I Observação De acordo com Kumarihamy et al 2019 ocorrem cerca de 50000 internações por ano por causa de intoxicação pelo CO apenas nos Estados Unidos com 1200 óbitos Em alguns casos o paciente que se recupera da intoxicação aguda ao monóxido de carbono pode desenvolver sequelas associadas ao atraso neuropsiquiátrico caracterizados por distúrbios afetivos e déficit neurológico KUMARIHAMY et al 2019 Abordaremos com mais profundidade o CO pois agora estudaremos a intoxicação aguda acidental ou intencional Segundo Bordoni e Bordoni 2017 o suicídio utilizando o CO é raro no Brasil mas comum em outros países como nos EUA e a principal causa de morte quando envolve o autoextermínio É preciso prestar muita atenção nas características que serão descritas agora vamos trazer a você um caso real exposto pelos autores supracitados na Revista Brasileira de Criminalística Um jovem de 21 anos de idade foi recebido no Instituto Médico Legal IML Na casa em que o corpo foi encontrado havia indícios de que a porta do banheiro no qual o jovem foi encontrado tinha sido vedada com fitas adesivas O corpo apresentava intenso rigor cadavérico e parte do corpo possuía coloração vermelho carmim ou vermelho cereja veja a figura a seguir A B C Figura 54 Áreas intensamente avermelhadas na face A mão B e dorso C A coloração vermelho carmim encontrada no corpo é a mesma encontrada no fígado veja a figura a seguir coração e sangue e o teor de HbCO foi de 80 137 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A B C Figura 55 Intensa coloração avermelhada encontrada nos pulmões de vítima fatal da exposição ao CO Você se recorda de que vimos que os sinais e os sintomas da intoxicação por CO são incrivelmente inespecíficos Os peritos passam também por essa dificuldade para realizar o diagnóstico da causa da morte BORDONI BORDONI 2017 Intoxicações cuja concentração de HbCO é de até 10 são assintomáticas Acima desse valor a pessoa pode sentir ligeira cefaleia fadiga muscular confusão mental náusea arritmia cardíaca e coma Uma das dificuldades encontradas no diagnóstico é que os equipamentos que são utilizados para medir a oximetria não conseguem diferenciar a HbO2 da HbCO ainda que o paciente apresente baixo débito cardíaco e patentes sinais de hipóxia sistêmica As mortes pela intoxicação por CO podem ocorrer a partir de 50 de HbCO sendo muito prováveis a 70 e fatais quando se atinge 80 BORDONI L BORDONI P 2017 Uma das principais características de uma investigação criminal é exatamente identificar a substância que causa dano no organismo humano INÁCIO BRANDÃO 2016 O estudo da toxicologia do CO proporciona avanços do conhecimento em relação às temáticas da saúde do trabalhador e ciências ambientais e indica que a HbCO pode ser um indicador de exposição aos poluentes ambientais para quem trabalha a céu aberto Um dos desafios atuais é estabelecer uma correlação entre os teores de CO no ambiente e acidentes de trabalho 33 Poluição das águas Vamos juntos adquirir um pouco mais de informação sobre as substâncias químicas presentes na água que podem causar danos a animais e humanos 138 Unidade I 331 Introdução Acompanhe atentamente o que aconteceu em Caruaru PE em fevereiro de 1996 pacientes que faziam hemodiálise em um hospital começaram a apresentar um quadro de náusea vômito distúrbios visuais e fraqueza muscular após diálise de rotina Esse conjunto de sinais e sintomas ficou conhecido como a síndrome de Caruaru e afetou mais de cem pessoas as quais apresentaram danos hepáticos agudos sendo que 52 delas morreram DANGLADA et al 2015 Em 1988 em apenas 42 dias nas comunidades do entorno da represa de Paulo Afonso BA houve 2000 casos de distúrbios gastristestinais graves com 88 mortes Chegou a alguma conclusão sobre o motivo de terem acontecido esses casos graves de intoxicação e de morte de dezenas de pessoas Você tem alguma ideia 332 Cianobactérias Trabalharemos o conhecimento de forma paulatina para que consigamos compreender melhor por que esses fatos lamentáveis aconteceram no Brasil As cianobactérias são os seres mais antigos a realizarem a fotossíntese estando ativas há mais de 21 bilhões de anos STAL CRETOIU 2016 Hoje são classificadas como bactérias mas no passado eram classificadas como algas e eram conhecidas como algasazuis ou algas azuisesverdeadas por conta de terem a capacidade de realizar a fotossíntese atividade bioquímica exclusiva de plantas seres eucariontes e providos de organelas conhecidas como cloroplastos Com o avanço das técnicas de identificação taxonômica verificouse que na verdade esses seres se tratavam de bactérias e não de plantas aquáticas como antes se pensava Ocorre que o nome alga acabou ficando embora parte dos cientistas não concorde com isso Em 1878 George Francis relatou que havia em um lago australiano venenoso uma grossa camada parecida com tinta ou óleo verde e que intoxicava cavalos porcos cães e ovelhas que se expunham a essa água Análises atuais evidenciam que há aproximadamente 150000 anos mamíferos já se intoxicaram com essas toxinas PATOCKA GUPTA KUCA 2011 As cianobactérias cianofíceas se adaptaram às alterações geoquímicas climáticas e antropogênicas ao longo de sua longínqua história evolutiva Sobrevivem em um amplo espectro de temperaturas desde temperaturas altas até as extremamente baixas e são capazes de colonizar a água salobra ou salgada ainda que sejam encontradas principalmente em corpos de água doce SANSEVERINO et al 2017 Exemplo de aplicação Você se recorda de qual a importância das algas para o meio ambiente 139 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS As cianobactérias são fundamentais para o equilíbrio ambiental e biodiversidade de microrganismos e dos organismo superiores uma vez que são responsáveis por converter as formas inorgânicas como o nitrato o amônio e o nitrogênio presentes na atmosfera para que algas e plantas aquáticas utilizem esse nitrogênio para seu desenvolvimento SANSEVERINO et al 2017 Permitanos realizarmos juntos um pequena reflexão uma das situações que muito nos chama a atenção é a sabedoria agregada na natureza que nos é transmitida à medida que nos aprofundamos nos módulos específicos da nossa disciplina e um desses fatos é o equilíbrio Vamos compreender melhor o significado desse equilíbrio Como visto nos parágrafos anteriores o nitrogênio presente na atmosfera é transformado a nitrato ou amônio e os organismos aquáticos os utilizam intensamente Entretanto caso haja uma quantidade excessiva de nitrogênio em corpos dágua gerase uma importante situação de saúde pública Continue navegando conosco nessa corrente do conhecimento e em breve conseguiremos lhe substancializar de informações necessárias No momento certo os pontos irão se unir Para você ter dimensão do problema segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE 2020 em 2019 apenas 274 dos domicílios da região Norte do país tinham acesso ao esgoto sanitário ou fossa Exemplo de aplicação Sem entrar no escopo de doenças parasitárias e infectocontagiosas gostaríamos que você parasse por um instante e tentasse fazer uma associação entre esgoto e cianobactérias Imaginamos que talvez possa ter encontrado um pouco de dificuldade para concluir mas propomos a você desafios de complexidade crescente seguros que de posse do repertório de informação adquirido ao longo da matéria e de seu conhecimento geral você tem ampla capacidade de nos dar uma devolutiva coerente Assim vamos auxiliálo nesse caso específico envolvendo a relação entre cianobactérias e saneamento básico Vamos continuar com algumas reflexões Do que é constituído o esgoto doméstico Isso mesmo fezes e urina principalmente As fezes podem conter grande quantidade de P e a urina de N Esses dois elementos atuam como substratos para o desenvolvimento das cianobactérias e quando a oferta é elevada em corpos dágua as cianobactérias possuem fartura dos elementos utilizados por elas para seu desenvolvimento Destacase que esse aumento da oferta de nutrientes ocorre quando o esgoto é lançado sem tratamento algum diretamente nos rios lagos lagoas mares ou reservatórios de água Você está entendendo o que está acontecendo O que é esgoto para humanos é nutriente para as cianobactérias Dizse nesse momento que a água está eutrofizada ou seja enriquecida de nutrientes que podem ser utilizados pelas algas 140 Unidade I Dentro desse contexto com a elevada oferta de nutrientes pela eutrofização do corpo dágua as algas se proliferam exacerbadamente em um processo denominado de bloom ou floração algal A variação abrupta do pH do meio a disponibilidade de nutrientes sobretudo o nitrogênio e o fósforo a baixa turbulência da água e as elevadas temperaturas são condições ambientais que proporcionam a rápida e intensa proliferação algal BUTLER et al 2009 Vamos visualizar esse processo Seguramente você já viu um lago ou lagoa com uma espécie de tapete verde veja a figura a seguir sobre sua superfície não é verdade Esse tapete verde sinaliza que há proliferação exacerbada das algas por conta da grande oferta de nutrientes N e P provenientes do esgoto Quando isso ocorre pode haver o comprometimento da qualidade da água para recreação ou até mesmo da potável SANSEVERINO et al 2017 Figura 56 Corpo dágua eutrofizado Nesse momento com a intensa atividade de proliferação das algas pode ocorrer também a produção de produtos secundários decorrentes do metabolismo das cianobactérias com consequente produção de cianotoxinas Começamos agora a vislumbrar o início de um grande problema de saúde pública Exemplo de aplicação Vamos tentar unir esses pontos Qual é a conclusão a que você chegou entre saneamento básico e cianobactérias Atentese a essa leitura o lançamento de esgoto sem tratamento em corpos dágua incrementa o aporte de nutrientes para as cianobactérias eutrofização Esses nutrientes N e P são utilizados pelas algas cianobactérias que se multiplicam intensamente floração algal e durante o processo de proliferação exacerbada podem produzir e liberar toxinas para a água denominadas de cianotoxinas 141 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 333 Cianotoxinas Contextualizaremos para que saiamos do aspecto teórico e saibamos exatamente como podemos ser impactados pelas cianotoxinas em nosso dia a dia sob a perspectiva toxicológica Você sabia que o Brasil é o país responsável por uma significativa alteração de comportamento da ciência e das autoridades de todo mundo no que se refere à qualidade das águas Vamos agora com muito pesar lhe falar por quê Aqui estamos nós novamente para unir os pontos entre o conhecimento acadêmico e o cotidiano das pessoas Agora você tem condição de imaginar por que aconteceu aquela tragédia de Caruarú e em Paulo Afonso Esses tristes acontecimentos estão relacionados ao fato de que a água do hospital em Caruaru que era utilizada nos equipamentos de hemodiálise foi adquirida de uma cidade próxima cujo corpo dágua estava eutrofizado e consequentemente apresentava cianotoxinas como as microcistinas na água desse resevatório Além disso essa água não foi adequadamente tratada filtrada ou clorada Cilindrospermopsinas como cianotoxina também foram encontradas nessa água DANGLADA et al 2015 Quanto à represa de Paulo Afonso os resultados da análise constataram que a água da represa também estava contaminada com cianobactérias responsáveis pelos milhares de casos de intoxicação Se há cianobactérias também pode haver as cianotoxinas que são toxinas naturais de origem aquática produzidas pelas cianobactérias As cianotoxinas causam mais danos para mamíferos terrestres do que sobre a biota aquática MANTOVANI MOSER FAVERO 2011 Exemplo de aplicação Gostaríamos que você resgatasse o conceito de toxina Agora resgatado esse conceito vamos analisar juntos a informação a seguir As cianobactérias são capazes de produzir metabólitos incomuns na natureza A função desses metabólitos sobre as cianobactérias não é bem conhecida mas é capaz de causar efeitos deletérios sobre outros organismos Conseguimos agora unir os pontos ou seja anteriormente vimos o conceito de toxina e ao termos contato com o universo das cianotoxinas conseguimos compreender como que esse conceito ocorre na prática Observação Se por um lado as cianotoxinas são toxinas por outro lado a ciência também está avaliando a possibilidade de utilizálas com fins terapêuticos 142 Unidade I O mecanismo de ação das cianobactérias é bastante eclético e o espectro de seus efeitos varia desde efeitos dermatológicos neurotóxico e hepatotóxicos até aqueles associados à inibição da síntese proteica Anteriormente assumimos que quando se estuda a toxicidade de uma substância química a primeira ação que precisa ser realizada é a de avaliar a estrutura química da substância para que possamos ter uma dimensão de sua natureza físicoquímica Olha só que interessante novamente o tempo une os pontos Chegamos a um momento na disciplina em que aqueles conceitos teóricos do início do material servem de sustentação para as práticas toxicológicas Para que possamos avaliar os riscos específicos da exposição às cianotoxinas fazse necessário que saibamos e compreendamos suas propriedades físicas e químicas sua ocorrência em corpos dágua a regulamentação e o destino final no meio ambiente SIVONEN JONES 1999 O quadro a seguir correlaciona a estrutura química das toxinas as espécies produtoras e o órgãoalvo afetado Quadro 7 Relação entre cianotoxinas gêneros de cianobactérias produtoras das cianotoxinas e órgãoalvo Cianotoxinas Gêneros de cianobactéria Órgãoalvo Microcistinas Microcystis Anabaena Planktothrix Nostoc Hapalosiphon Anabaenopsis Fígado Nodularinas Nodularia Fígado Anatoxinaa Anabaena Planktothrix Aphanizomenon Sistema nervoso Anatoxinaa S Anabaena Sistema nervoso Cilindrospermopsina Cylindrospermopsis Aphanizomenon Umezakia Lyngbya Fígado Lingbiatoxinaa Lyngbya Pele trato gastrintestinal Saxitoxina Anabaena Aphanizomenon Lyngbya Cylindrospermopsis Sistema nervoso Lipopolissacarídeos LPS Todos Afeta todos os tecidos expostos Aplisiatoxinas Lyngbya Schizothrix Planktothrix Pele BMAA Todos Sistema nervoso βMetilaminoLAlanina Adaptado de Ilieva et al 2019 A seguir veremos toxinas produzidas por algas encontradas em água salgada ou doce e os possíveis danos ao interagirem com o referencial biológico 143 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Microcistinas Vamos nos aprofundar nos parâmetros toxicológicos dessa cianotoxina Apenas no início dos anos 1980 houve a identificação das primeiras estruturas químicas das cianotoxinas peptídicas cíclicas e durante os anos 1990 aumentaram os números de variantes caracterizadas dessas toxinas Do ponto de vista químicoestrutural as primeiras toxinas identificadas produzidas por cianobactérias provenientes de água doce foram as microcistinas MC constituídas por sete aminoácidos ligados ciclicamente ou seja são heptapeptídeos cíclicos constituídos de ciclo Dalanina1X2DMeAsp3Z4Adda5Dglutamato6Mdha7 em que X e Z são aminoácidos L variáveis DMeAsp3 é Deritroβmetilaspártico ácido e Mdha é Nmetildehidroalanina veja a figura a seguir SIVONEN JONES 1999 Destacase que o resíduo Adda ácido 2S 3S 8S 9S 3amino9metoxi268 trimetil10fenildeca46dienoico é um aminoácio incomum na natureza e está presente nesse grupo de cianotoxinas constituídas de peptídeos cíclicos FRIAS et al 2006 O O O HO O O O X Z N N H H N O O OH NH HN 5Adda 1DAla 3DAsp 6DGlu 7Mdha Figura 57 Estrutura geral das MC cicloDAla1X2DMeAsp3Z4Adda5DGlu6Mdha7 onde os resíduos representados por X e Z podem ser substituídos por qualquer aminoácido Esses compostos foram isolados pela primeira vez a partir da cianobactéria Microcystis aeruginosa e essa é a origem da palavra microcistinas Quimicamente observamse alterações estruturais em praticamente todos os aminoácidos das MC ou seja dependendo dos substratos disponibilizados no ambiente todos os grupamentos que constituem esse grupo de toxinas podem ser alterados Todavia a mais frequente variação ocorre com a substituição de Laminoácidos nas posições 2 e 4 e a desmetilação dos aminoácidos nas posições 3 e 7 da estrutura química das microcistinas Substituições nos resíduos 2 R1 e 4 R3 são as principais variações estruturais nas MCs e responsáveis pela alteração da toxicidade de suas variantes Substituições desses resíduos levam à formação de diferentes MCs indicadas por um sufixo com duas letras representando respectivamente os aminoácidos substituintes em R1 e R3 e a mais importante é a microcistina LR MCLR da estrutura geral das microcistinas em que o resíduo de aminoácido R1 foi substituído pela leucina L e o resíduo R3 pela arginina R BUTLER et al 2009 144 Unidade I A MCLR lisinaarginina veja a figura a seguir é a cianotoxina mais extensivamente investigada por conta de sua elevada frequência nas florações algais em rios e lagos QUESADA SANCHIS CARRASCO 2004 CH3 CH3 NH O O O OH OH NH2 HN O O O O O O O N N N N N N N H H H H H H CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH2 CH3 H3C Figura 58 Estrutura química da microcistina LR Como exposto anteriormente as MCs apresentam organotropismo hepático Quando ratos são expostos à microcistina LR diretamente na cavidade abdominal rapidamente manifestam aumento do peso hepático veja a figura a seguir e essa condição é capaz de leválo à morte em poucas horas Cerca de 20 minutos após a exposição a doses letais da mesma cianotoxina é possível observar microscopicamente lesão e morte hepática DANGLADA et al 2015 Figura 59 Inchaço abdominal causado pela exposição à microcistina LR Em uma hora após a exposição os hepatócitos perdem a adesão entre si rompese a arquitetura normal dessas células e há a morte dos hepatócitos Exposições orais a camundongos com doses de 168 a 20 mgkg levam à morte em apenas 25 horas Por meio das contextualizações e aplicações expostas ficou ainda mais claro como a via de administração é um importante fator que altera a toxicidade de uma substância química e que as cianotoxinas são efetivamente um problema relevante sob a perspectiva de saúde pública 145 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Em exposições in vivo ou in vitro as microcistinas levam a alterações funcionais e morfológicas nos hepatócitos e uma exposição EV aguda induz ao desarranjo do arcabouço hepatocelular SANSEVERINO et al 2017 Em uma exposição crônica por via oral as MC inibem a atividades das fosfatases particularmente as do tipo 1 PP1 e 2A PP2A e como consequência dessa inibição enzimática ocorre intensa proliferação celular intensificação da apoptose e morte celular BUTLER et al 2009 A exposição às microcistinas pode levar à prostração veja a figura a seguir e ao inchaço abdominal de camundongos além de danos renais SANSEVERINO et al 2017 Figura 60 Camundongos apresentando prostração após exposição à MC Lembrete A via de administração é uma das condições de exposição que podem alterar a toxicidade de um xenobiótico Reportemonos ao princípio da toxicologia Vimos extensivamente neste material que toda substância pode causar dano ao organismo dependendo da condição de exposição e que a via de administração é uma dessas condições Vamos ver agora na prática como isso acontece Observemos juntos e atentamente as informações a seguir A DL50 da microcistina LR MCLR em camundongos machos IP é de aproximadamente 50 µgkg PC Agora observe como ao mudar a via de exposição ocorre significativa alteração da toxicidade a DL50 da mesma microcistina em camundongos machos VO é de aproximadamente 5000 µgkg PC Você conseguiu acompanhar o raciocínio A única variável foi a via de administração que anteriormente era intraperitoneal e passou a ser oral E você atentou à alteração da DL50 Passou de 50 µgkg PC para 5000 µgkg PC ou seja uma variação de 100 vezes SANSEVERINO et al 2017 Lembrete Quanto maior a DL50 menor é a toxicidade do xenobiótico 146 Unidade I Nodularinas As nodularinas NODs possuem estrutura química e mecanismo de ação bastante parecidos com os das microcistinas Foram denominadas de NODs veja a figura a seguir uma vez que foram identificadas incialmente quando produzidas por Nodularia spumigena Quimicamente as nodularinas são constituídas de um anel pentapeptídeo cíclico DMeAsp1Larginina2Adda3Dglutamato4 Mdhb5 e assim como as MCs apresentam variantes SIVONEN JONES 1999 NH HN O O O O O O O O OH OH NH2 N N N N N H H H H CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 H3C Figura 61 Estrutura química da nodularina Resgatemos agora informações da química Exemplo de aplicação Reflita a ligação covalente é uma ligação instável ou estável Acertou se você respondeu rápida e corretamente que é uma ligação estável Prossiga com a leitura e você compreenderá onde essa informação se acomodará Com toxicodinâmica semelhante às MCs a ação das nodularinas também está associada ao grupamento Addaglutamato da estrutura química da cianotoxina ou seja a interação entre a cianotoxina e as fosfatases I e 2A estão associadas à presença desse grupamento Adda atípico na natureza mas comum nas MCs e NODs Entretanto a interação entre as fosfatases e o grupamento Adda das MCs ocorre por ligação covalente enquanto a ligação entre as fosfatoases e o grupamento Adda das NODs ocorre por interação não covalente SIVONEN JONES 1999 Caso seja questionado se as MCs e nodularinas possuem elevada toxicidade você conclui que a DL50 dessas cianotoxinas são elevadas ou baixas Se sim você está conseguindo aplicar os conceitos básicos da disciplina com a profundidade de informação inerente à matéria Assim para contextualizar a informação lhe trazemos mais algumas informações 147 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Você também se recorda de que dependendo dos grupamentos substituintes da estrutura química as MCs e nodularinas formamse cianotoxinas diferentes A maioria das variantes estruturais das microcistinas e nodularinas possui elevada toxicidade ou seja baixa DL50 com toxicidade comparativamente estreita para camundongos que foram expostos pela via intraperitoneal IP que variam entre 50 a 300 µgkg PC Anatoxinaa homoanatoxinaa e anatoxinaaS Atentese aos números que serão expostos a você agora Ocorrências maçiças de cianobactérias neurotóxicas foram relatadas na Austrália Europa e América do Norte onde houve intoxicações a animais Quando se realizam ensaios em camundongos com essas cianotoxinas neurotóxicas a morte por parada respiratória ocorre rapidamente entre 2 a 30 minutos após a exposição Observação A partir de 2 minutos após a exposição às cianotoxinas neurotóxicas pode haver a morte do animal Pela literatura disponível concluimos que há três grupos de cianotoxinas associadas à neurotoxicidade a anatoxinaa e a homoanatoxinaa capazes de mimetizar o efeito da ACh a anatoxinaas potente inibidora da AChE e as saxitoxinas capazes de bloquear os canais de sódio presentes nas células nervosas SIVONEN JONES 1999 Ainda que saibamos que você domina bem as características dos alcaloides faremos uma breve retrospectiva sobre esse grupo de substâncias químicas Os alcaloides de uma forma geral são compostos que contêm nitrogênio heterocíclico ou seja possuem estruturas em anel com ao menos uma ligação carbononitrogênio e geralmente possuem baixo peso molecular Plantas e algumas bactérias os produzem eles são invariavelmente bioativos e frequentemente tóxicos Lembrouse dessas informações Agora evoluamos juntos na especificidade da informação As anatoxinas e saxitoxinas são neurotoxinas alcaloídicas produzidas por cianobactérias de água doce Cabe ressaltar que os alcaloides possuem estabilidades químicas bastante distintas entre si e que podem ser submetidas a transformações em metabólitos que podem ter maior ou menor toxicidade Esse parágrafo faz você lembrar de algum conceito visto anteriormente Mais um detalhe sobre os alcaloides e consequentemente as neurocianotoxinas a incidência direta de luz pode induzir à degradação fotolítica direta A anatoxinaa é produzida por um amplo espectro de gêneros de cianobactérias como Cuspidothrix Chrysosporum Dolichospermum Cylindrospermum Cylindrospermopsis Microcystis Planktothrixis Oscillatoria Anabaena Woronichinia Tychonema e Phormidopsis DANGLADA et al 2015 148 Unidade I Quimicamente a anatoxinaa veja a figura a seguir é um alcaloide bicíclico relacionado ao núcleo do tropano e o grupamento metil CH adicional localizado no carbono 11 C11 é o que faz a diferenciação entre a anatoxinaa e a homoanatoxinaa seu análogo As propriedades toxicológicas de ambas são praticamente idênticas HN HN HO N N N N O P O O H H O O Anatoxinaa Homoanatoxinaa AnatoxinaaS Figura 62 Estrutura química da anatoxinaa homoanatoxinaa e anatoxinaaS A anatoxinaa é um alcaloide de baixo peso molecular contendo uma amina secundária com DL50 que varia de 200250 μgkg PC rato IP SIVONEN JONES 1999 É instável em pH superior a 10 e sob a exposição da luz solar SANSEVERINO et al 2017 Os estudos mais aprofundados das cianotoxinas são tão recentes que para que tenhamos dimensão em junho de 2015 a EPA publicou apenas que após múltiplas exposições a anatoxinaa pode levar a manifestações neurotóxicas e a efeitos sistêmicos DANGLADA et al 2015 O pouco que se sabe até o momento no que se refere à toxicocinética é que após a ingestão a anatoxinaa e a homoanatoxinaa são rapidamente absorvidas pelo trato digestório e distribuídas para vários tecidos do organismo inclusive o encéfalo SANSEVERINO et al 2017 Sob a ótica da toxicodinâmica ambos os compostos apresentam as mesmas propriedades toxicológicas e são considerados potentes bloqueadores neuromusculares A anatoxinaa em particular atua sobre os receptores na mesma posição que a ACh e afeta a junção neuromuscular causando contrações musculares incoordenadas paralisia e disfunções respiratórias A anatoxinaa S é produzida por Anamaena flosaque NRC 52517 e quimicamente é um éster fosfato de uma Nhidroxiguanina cíclica que não possui variantes com uma DL50 de 20 μgkg PC rato IP Lembrete Compostos organosfosforados veja a figura a seguir ésteres do ácido fosfórico são substâncias químicas inibidoras de acetilcolinesterase e atuam no SN 149 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS P X O S R2 R1 Figura 63 Estrutura comum dos compostos organofosforados Quimicamente os compostos organofosforados ativos contêm enxofre ou oxigênio duas cadeias laterais que podem ser semelhantes ou diferentes entre si ligadas ao átomo de fósforo e uma substância orgânica ou resíduo de um ácido inorgânico X sendo que os radicais R1 e R2 apresentam quase que infinitas combinações podendo ser constituídas por fenóis amidas tióis alquil ou aril ligados diretamente ao fósforo PATOCKA GUPTA KUCA 2011 O grupamento substituinte X pode ser cianeto tiocianeto halogênio ou outro átomo Quando o grupamento S é substituído pelo O a inibição da ACh é ainda mais intensa A anatoxinaa S veja a figura a seguir é um organofosforado de origem natural comumente encontrada em águas estadunidenses e europeias N N N O O P HO H2N CH3 CH3 CH3O Figura 64 Estrutura química da anatoxinaaS Exemplo de aplicação Compare atentamente as duas últimas figuras deste material O que elas possuem em comum Ambas as estruturas apresentam um grupamento organosfosforado Sabe qual é a consequência dessa similaridade entre as estruturas químicas Similaridade de mecanismo de ação ambas são inibidoras de AChE Ao compararmos a estrutura química de substâncias químicas diferentes já conseguimos concluir o mecanismo de ação do toxicante A anatoxinaa S é potente inibidor irreversível da atividade da AChE ou seja impede que haja a hidrólise da ACh A letra S que sucede o termo anatoxina se associa a um dos principais efeitos no organismo que se expõe a um agente inibidor de AChE a sialorreia começa com a letra S DANGLADA et al 2015 150 Unidade I O termo sialorreia se refere à salivação exuberante em vertebrados Em situações em que a ACh não é hidrolisada ocorre o estímulo contínuo da acetilcolina nos receptores o que resulta em contínua estimulação muscular Assim a inibição da AChE causada pela anatoxinaas ou por outra substância inibidora da AChE pode levar à morte por hipóxia encefálica e insuficiência respiratória Cilindrospermopsinas A cilindrospermopsina é um alcaloide cíclico da guanidina com massa molecular de 415 produzida por Aphanizomenon ovalisporum Umezakia natans e Cylindrospermopsis raciborskii Para você ter dimensão da importância dessas neurotoxinas e como podem impactar a saúde pública na Austrália essa neurotoxina causou sérios problemas no abastecimento de água potável UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 2015 A cilindrospermopsina possui uma DL50 em camundongos IP de 21 mgkg PC em 24 horas e apresenta organotropismo hepático para ratos VO e também foram identificados danos no baço timo coração e rins A cilindrospermopsina veja a figura a seguir é uma cianotoxina alcaloídica tricíclica e pode ser produzida por cianobactérias incluindo Lyaba spp Rhaphidopsis mediterranea Umezakia natans Aphanizomenon ovalisporum Aphanizomenon flosaquae Aphanizomenon gracile Cylindrospermopsis raciborskii Anabaena bergii e Anabaena plancida S S N H H H H 7 O O OH NH NH NH H3C O3SO HN S R R R Figura 65 Estrutura química das cilindrospermopsinas Estudos realizados em animais demonstram que a cilindrospermopsina é absorvida pelo trato digestório com organotropismo hepático Entretanto após exposição intraperitonial a distribuição da cianotoxina ocorre também para os rins e baço UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 2015 Enzimas microssomais hepáticas são responsáveis pela biotransformação da toxina havendo maior manifestação tóxica na área do fígado responsável pelo substancial metabolismo de xenobióticos mediado pelo CYP450 por essa cianotoxina a região periacinar hepática e nos parece ser nessa região hepática que ocorre a ligação entre as proteínas hepáticas com metabólitos da cilindrospermopsina Com considerável variabilidade de resposta entre os animais de experimentação há uma contínua eliminação da cilindrospermopsina pelas fezes e urina após administração intraperitoneal em que a 151 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS excreção fecal foi responsável por 85 e a urinária por 684 da excreção do total da toxina durante um período de 24 horas de monitoramento A inativação do sistema microssomal nos dá como resposta uma parcial proteção contra a toxicidade da cilindrospermopsina Também se observa metabolicamente que a depleção da glutationa nos hepatócitos dos animais expostos a essa cianotoxina indica que os metabólitos contribuem para a toxicidade da cilindrospermopsinas Observação Bioativação é o processo pelo qual o produto de biotransformação apresenta toxicidade superior a seu precursor Apenas após a biotransformação da cilindrospermopsina ocorre o dano em hepatócitos de animais experimentalmente expostos à toxina Animais silvestres e domésticos também podem ser expostos à cilindrospermopsina A Austrália é um país que possivelmente apresenta o maior número de casos de animais que se expuseram e intoxicaram por essa cianotoxina No norte de Queensland havia uma barragem com marcante floração algal e após a exposição a essa água uma vaca e três bezerros morreram e outros animais foram encontrados mortos próximos à região alguns dias depois Ao analisar essa água foi constatada a presença de cepas de C raciborskii Também se verificou uma alternativa bastante interessante para minimizar a floração algal e consequentemente a produção de cianotoxinas foi demonstrado que ao adicionar palha de cevada na água se reduz o número de C raciborskii e consequentemente se reduz a probabilidade de produção dessa cianotoxina A cilindrospermopsina exerce seu principal mecanismo de ação por meio da inibição da síntese proteica mecanismo que pode levar à morte celular Após a biotivação pela ativade das enzimas do citocromo P450 a cilindrospermopsina pode apresentar atividade clastrogênica aneugênica e genotóxica Experimentos in vivo demonstram que a cilindrospermopsina pode levar à indução do micronúcleo iniciação tumoral quebra do ácido desoxirribonucleico DNA lesão cromossômica e toxicidade fetal SANSEVERINO et al 2017 334 Toxinas irritantes Lipopolissacarídeos As cianobactérias são capazes de formar complexos com fosfolipídeos e proteínas e produzir os LPS Como o próprio nome indica os LPS são produtos condensados de açúcares que normalmente são uma hexose e um lipídio geralmente um ácido graxo hidroxi C14C18 SIVONEN JONES 1999 152 Unidade I Observação Nos anos de 1970 Weise et al isolaram o LPS de Anacystis nidulanos Geralmente os LPS são encontrados na membrana externa da parede celular de bactérias gramnegativas Todavia mesmo que haja uma composição dos LPS relativamente constante o LPS que advém de bactérias gramnegativas é consideravelmente mais potente que os de cianobactérias A resposta imunológica associada ao LPS se relaciona com a liberação de citocinas e a ativação de monócitos e macrófagos à medida que ocorre a ligação entre o lipopolissacarídeo e o receptor tipo toll 4 presente na superfície de muitas células imunes Estudos sugerem também que o lipopolissacarídeo pode causar doenças respiratórias alergia e danos à pele SANSEVERINO et al 2017 335 Toxinas frequentemente presentes em águas marinhas Ácido domoico Moluscos têm a capacidade de acumular toxinas que podem causar graves intoxicações a humanos ou animais As mais clássicas síndromes causadas pela exposição a toxinas presentes em moluscos são o envenenamento paralítico por moluscos paralytic shellfish poisoning PSP intoxicação diarreica por moluscos diarrhetic shellfish poisoning DSP envenenamento amnésico por moluscos amnesic shellfish poisoning ASP e intoxicação neurotóxica por moluscos neurotoxic shellfish poisoning NSP e essas toxinas presentes nos mariscos estão normalmente relacionadas à presença da proliferação de algas NGUYEN SMITH SWOBODA 2019 O ácido domoico é produzido pela diatomácea Pseudonitzschia e quimicamente deriva da Lprolina É uma neurotoxina responsável por intoxicações conhecidas pela capacidade amnésica quando o organismo se expõe a frutos do mar ASP PUBCHEM sd A floração algal que ocorre nas áreas costeiras são responsáveis pelo aumento do número de casos de intoxicação por frutos do mar e atualmente tem havido aumento do número de casos de intoxicação dessa natureza O ácido domoico é capaz de ativar os receptores AMPA e cainato dos neurônios por consequência dos danos causados ao hipocampo e à amígdala O influxo exacerbado de cálcio produzido por essa neurotoxina induz à degeneração celular e danifica os neurônios Destacase que os danos renais causados pelo ácido domoico ocorrem em doses muito inferiores às necessárias para causar os danos neurológicos Após a exposição a essa toxina pode haver perda de memória convulsão coma arritmia cardíaca e significativa instabilidade hemodinâmica Mas os efeitos da substância no organismo não param por aí cerca de 153 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 10 das pessoas que são intoxicadas pelo ácido domoico apresentam dificuldade de memorizar novas informações ou seja há danos relacionados à memória anterógrada NGUYEN SMITH SWOBODA 2019 Você consegue imaginar por que as pessoas que se expõem ao ácido domoico apresentam dificuldade de memória e consequentemente de aprendizado a longo prazo Quais são as partes do encéfalo prejudicadas pela ação do ácido domoico mesmo Exatamente O centro nervoso de armazenamento de novas informações hipocampo Se há morte neuronal com dano ao hipocampo por causa dessa neurotoxina a capacidade de armazenamento de novas informações será comprometida O Brasil não é um país que chama a atenção pela prevalência de intoxicação por ASP mas não são intoxicações incomuns no Japão e Canadá além de implicações na alteração do comportamento de aves marinhas comuns na costa da California Observe o seguinte dado 15 minutos após a exposição já é possível haver a manifestação da síndrome tóxica da ASP e pode levar até 38 horas após a exposição para que se iniciem os efeitos tóxicos Assim caso leve muitas horas para iniciar a manifestação da síndrome tóxica muitos têm dificuldade de associar a intoxicação com a exposição ao molusco contaminado A DL50 do ácido domoico ainda não foi estabelecida em humanos Entretanto as exposições demonstraram que para que se desenvolvam os sintomas a dose deve ser de 05 mgkg Aplisiatoxinas Quimicamente a aplisiatoxina veja a figura a seguir é uma bilactona fenólica com DL50 camundongos IP variando de 100120 µgkg1 PC extraída de Lyngbya majuscula Além de ser responsável por grave dermatite é um potente promotor tumoral que exerce seus efeitos pela ativação da proteína C quinase PKC SANSEVERINO et al 2017 O O O R1 R2 O O O O OH OH R1 OH R2 Br Figura 66 Estrutura química das aplisiatoxinas 154 Unidade I BNmetilaminoLalanina BMAA BNmetilaminoLalanina BMAA é um aminoácido não proteico neurotóxico Uma vez no organismo o BMAA se fixa e age sobre os receptores de glutamato e atua sobre os mecanismos que envolvem o estresse oxidativo Estudos demonstram que essa toxina pode contribuir com a manifestação ou intensificação de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e doença de Parkinson SANSEVERINO et al 2017 Experimentos realizados em camundongos sugerem que a exposição vertical à BMAA pode levar a danos cognitivos prejuízo na capacidade locomotora e hiperatividade em sua vida adulta uma vez que essa toxina atua no encéfalo sobretudo no hipocampo estriato troncocerebral cerebelo e coluna espinhal Azaspirácido Na Holanda em 1995 moluscos originados da Irlanda levaram a um surto de doença em humanos Na época imaginouse que esse surto estava associado à presença de toxinas que poderiam levar à intoxicação diarreica por moluscos DSP como as dinofisistoxinas DTX e o ácido ocadaico Entretanto se observou que os níveis dessas toxinas nos moluscos eram baixos e situados abaixo dos níveis regulatórios holandeses TWINER et al 2008 Após sucessivos estudos dois anos após esse surto constatouse que efetivamente esses moluscos estavam contaminados com uma toxina denominada originalmente de KT3 ou toxina mortal Os estudos não pararam por aí pouco tempo depois a toxina KT3 foi renomeada para azaspirácido AZA Após esse evento houve mais surtos de intoxicação por AZA por conta da exposição a mexilhões irlandeses que estavam contaminados Inúmeros análogos do AZA foram identificados na última década em moluscos das regiões costeiras da Europa Ocidental leste do Canadá e costa noroeste da África Apenas recentemente foram disponibilizados padrões de referência do AZA produzidos naturalmente para comercialização Em 1998 foi realizado pela primeira vez o isolamento bemsucedido do AZA e verificouse que é constituído de uma amina cíclica veja a figura a seguir ou grupo aza origem de seu nome um conjunto triespiro e um grupo constituído de ácido carboxílico que deu origem ao nome AZASPIRACID azaspirácido 155 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS O O O O O O O O O H H 3 2 1 8 15 20 21 22 23 27 34 33 H H H H H H OH CH3 OH NH I H G F E D B A C HO Figura 67 Estrutura química do azaspirácido Opostamente a muitas outras cianotoxinas marinhas as informações sobre a AZA são bastante limitadas A exposição a AZA pode ter como consequência náusea vômito cólicas estomacais e diarreia com um quadro considerado grave Experimentos com camundongos por via oral com extrato bruto de AZA 900 µgkg PC VO por gavagem induziram a 100 de mortalidade e os animais autopsiados apresentaram perturbações gastrinstestinais necrose de células epiteliais nos microvilos veja a figura a seguir e acúmulo de líquido no íleo Os resultados obtidos foram supreendentemente parecidos com doenças intestinais como a colite ulcerativa e doença de Crohn A B Figura 68 Vilosidades do intestino delgado A de camundongo 8 horas após a exposição oral a AZA e grupo controle B 156 Unidade I Dinofisistoxinas e ácido ocadaico Gênero Dinophysis possui espécies de dinoflagelados planctônicos que podem produzir as toxinas lipofílicas ácido ocadaico e seus derivados as dinofisistoxinas DTXs e as pectenotoxinas Os dois primeiros grupos de toxinas são responsáveis pela intoxicação diarreica por moluscos DSP com efeitos diarreiogênicos e inibidores de fosfatases em mamíferos QUESADA SANCHIS CARRASCO 2004 Quando contaminados com DTXx os bivalves são uma ameaça para a saúde pública e atuam como vetores de toxinas através da cadeia alimentar uma vez que podem reter microalgas planctônicas tóxicas Dinophysis norvegica e D acuminata são dinoflagelados com registro em águas marinhas dos países bálticos e principalmente no verão são responsáveis por grande número de casos de intoxicações diarreicas por moluscos DSP A DSP é uma intoxicação humana causada pela exposição do ácido ocadaico OA e seus análogos dinofisistoxinas DTX1 DTX2 seus precursores de diol éster grupos DTX4 e DTX5 e seus derivados acil grupo DTX3 HÄLLFORS et al 2011 Quimicamente o grupo DTX2 e o ácido ocadaico diferem entre si apenas pela posição que grupamento metil ocupa na molécula enquanto o DTX1 possui um grupo metil adicional e o grupo DTX3 inclui uma ampla gama de substâncias que são derivadas do ácido ocadaico veja a figura a seguir DTX1 e DTX2 que são esterificados com ácidos graxos saturados e insaturados oriundos do metabolismo do marisco Do ponto de vista de propriedade físicoquímica os derivados acila dos análogos do ácido ocadaico apresentam lipossolubilidade superior aos compostos precursores não esterificados e após a hidrólise no trato digestório humano apresentam atividade tóxica REGUERA et al 2014 O XO O O OR4 R1 R2 R3 O O O O 34 19 O OH H H OH OH Nome R1 R2 R3 R4 C19 C34 Ácido ocadaico OA CH3 H H H S S Dinofisistoxina DTX1 CH3 CH3 H H S R Dinofisistoxina DTX2 H H CH3 H S R Figura 69 Estrutura geral do ácido ocadaico e seus congêneres Os sintomas clássicos das intoxicações diarreicas por moluscos incluem como o próprio nome sugere diarreia além de náusea dor abdominal e vômito e ocorrem em humanos logo após o consumo de moluscos bivalves que estão contaminados Concluímos que o ácido ocadaico e as DTXs atuam sobre a serinatreonina das fosfoproteínas 1 PP1 e 2A PP2A e as inibem consequentemente estão associadas diretamente na promoção tumoral 157 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Pectenotoxinas As pectenotoxinas PTXs veja a figura a seguir compõem um grupo de toxinas não diarregênicas e que quimicamente são poliéteres de lactonas cíclicas que se diferem umas das outras estruturalmente pelos diferentes graus de oxidação no C43 abertura do anel de lacotana em C1C33 e disposição do sistema de aneis espirocetais REGUERA et al 2014 Algumas são hepatotóxicas para camundongos após exposição intraperitoneal Há autores que questionam sua toxicidade uma vez que não demonstram aptidão para danos no organismo humano após exposição oral à toxina QUESADA SANCHIS CARRASCO 2004 O O O O O O 33 7 1 10 43 18 A B O O O O O OH OH OH CH3 Figura 70 Estrutura química geral das pectenotoxinas Lingbiatoxinas LT Oscillatoria Schizothrix e Lyngbya são cianobactérias marinhas bentônicas capazes de produzir toxinas que dependendo das condições de exposição podem causar severa dermatite entre nadadores KIRKENSGAARD 2017 A lingbiatoxina LT foi isolada pela primeira vez no Havaí em 1912 a partir da cianobactéria Lyngbya majuscula quando estava havendo uma epidemia de dermatite aguda na população SANSEVERINO et al 2017 Quimicamente a lingbiatoxina LT é um alcaloide indólico ligeiramente lipofílico cuja absorção após uma hora de exposição pela pele humana e de cobaia é de 62 e 23 respectivamente A Lyngbya pode produzir lingbiatoxinas debromoapliatoxinas e aplisiatoxinas responsáveis por surtos de irritação de pele inflamações oral e gastrintestinais grave Após a leitura crítica desse parágrafo você identificou uma informação importante não é Essas toxinas estão presentes na água a mesma encontrada em lagos e lagoas onde as pessoas nadam Assim concluímos que quanto mais a pessoa fica nesse lago ou lagoa contendo a lingbiatoxina maior é a probabilidade de penetração da toxina no organismo e mais intenso e generalizado será seu efeito As três diferentes isoformas da lingbiatoxina são a A LTA veja a figura a seguir a B LTB e a C LTC que podem agir como potentes promotores tumorais ao se ligarem com a proteína quinase PKC A DL50 camundongos IP para a LTA é de 250 µgkg PC 158 Unidade I OH OH OH OH OH O O O 19 N N N N H N H N H H N H N H N Lingbiatoxina A Lingbiatoxina B Lingbiatoxina C Figura 71 Lingbiatoxina A B e C 336 Outros compostos bioativos Estamos trazendo à luz para você algumas das principais cianotoxinas Entretanto há incontáveis compostos bioativos produzidos pelas cianobactérias inclusive substâncias químicas de interesse médico As cianotoxinas podem apresentar propriedades antivirais antifúngicas antibióticas e antitumorais Para que você tenha dimensão da importância do possível emprego terapêutico medicamentoso dessas substâncias um grupo de pesquisa do Havaí identificou que 08 das cianotoxinas avaliadas demonstraram atividade citotóxica seletiva para tumor sólido SIVONEN JONES 1999 Mais um exemplo de aplicação terapêutica desse grupo de substâncias químicas as criptoficinas são depsipeptídeos ou seja são peptídeos que possuem ligação éster e cianotoxinas com perspectivas muito promissoras como princípios ativos de quimioterápicos antitumorais SIVONEN JONES 1999 Métodos de detecção de cianotoxinas O quadro a seguir expressa alguns métodos analíticos utilizados na determinação das cianotoxinas presentes em água doce Quadro 8 Métodos atualmente disponíveis para a detecção de cianotoxinas de água doce Método Anatoxinas Cilindrospermopsinas Microcistinas Ensaios biológicos Ratos Sim Sim Sim Ensaios de inibição da proteína fosfatase PPIA Não Não Sim Neuroquímica Sim Não Não Ensaio de imunoabsorção enzimática Elisa Não Sim Sim Métodos cromatográficos Cromatografia gasosa Cromatografia gasosa com detector de ionização de chama GCFID Sim Não Não Cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas GCMS Sim Não Não 159 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Método Anatoxinas Cilindrospermopsinas Microcistinas Cromatografia líquida Cromatografia líquida com detecção ultravioletavisível LCUV ou LCPDA Sim Sim Sim Cromatografia líquida com detecção por fluorescência LCFL Sim Não Não Cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas Cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas com analisador do tipo aprisionadores de íons LCIT MS Sim Sim Sim Cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas por tempo de voo Sim Sim Sim Cromatografia líquida acoplada a espectrômetro de massas com quadrupolo simples LCMS Sim Não Sim Cromatografia líquida acoplada a espectrômetro de massas com triploquadrupolo LCMSMS Sim Sim Sim Adaptado de United States Environmental Protection Agency 2012 4 PLANTAS TÓXICAS ANIMAIS PEÇONHENTOS E DOMISSANITÁRIOS 41 Introdução Você sabia que os hominídeos préhistóricos começaram a utilizar pedra como ferramentas há mais de 3 milhões de anos Durante a Préhistória eram caçadorescoletores Com o passar do tempo começou um lento processo de assentamento motivado pela necessidade de cultivar alimento que havia se tornado escasso com o advento do final de um período de glaciação Ainda no Neolítico quando os caçadorescoletores viviam como povos seminômades ou seja viviam em moradias móveis descobriram que das sementes jogadas nasciam as árvores cujos frutos foram consumidos Descobriram também que animais mais dóceis poderiam se adaptar ao convívio humano Era o início do que hoje se conhece como domesticação um processo gradual que levou milhares de anos para se estabelecer O processo de domesticação passou a ser cotidiano há 4000 anos período que coincide com o desenvolvimento da agricultura e com o estabelecimento de grandes aglomerados humanos Desse modo determinadas espécies animais e vegetais se adaptaram através de um processo conhecido como seleção artificial às necessidades do homem perdendo suas características selvagens Nessa época antigos povos asiáticos africanos europeus e americanos começaram a domesticar animais e plantas para seu consumo alimentar e para o uso diário Animais como cão gato boi cabra ovelhas e galinhas foram domesticados há milênios assim como a lentilha o arroz o centeio o trigo a cevada o feijão para uma população já estabelecida em povoados e cidades que perdera o caráter nômade Esse período iniciado a partir do advento da escrita há aproximadamente 3500 anos coincide com o desenvolvimento da agricultura e da pecuária Do conhecimento observacional adquirido o homem aprendeu que havia animais e plantas que além de não poderem ser utilizados como alimento tinham capacidade de matar outros animais que porventura tivessem intenção de predálos Desde então espécies de animais e de plantas foram identificadas pelo seu potencial tóxico e foram usadas no decorrer da história com essa finalidade Veja só o que aconteceu dizse que as imperatrizes romanas Livia Drusila e Agripina a Jovem utilizaramse de preparados feitos com beladona para assassinar adversários políticos Cleópatra uma rainha egípcia 160 Unidade I antiga suicidouse com a picada de uma naja cobra cuja peçonha é muito tóxica Preparados de plantas africanas e sulamericanas eram usados nas pontas de flechas e de zarabatanas para a caça que matam a presa por parada cardiorrespiratória Na Amazônia preparados vegetais feitos a partir de plantas são usados na pesca e matam não somente peixes como também outros animais que respiram por guelras por asfixia por impedirem que esses órgãos retirem o oxigênio da água Mas o que faz com que alguns organismos possam ser usados como alimentos e outros sejam tão perigosos Plantas tóxicas e animais peçonhentos têm a capacidade de produzir compostos químicos nocivos conhecidos como agentes tóxicos ou toxicantes que em geral são consumidos por via oral de forma aguda ou entram em contato com a pele ou mesmo a penetram produzindo um quadro de intoxicação aguda que pode se manifestar entre 24 horas e 14 dias após a ingestão ou contato com a toxina Vamos entrar mais a fundo nas questões conceituais Toxinas são compostos tóxicos produzidos por animais por vegetais ou por microrganismos e são conhecidas também por zootoxinas fitotoxinas e toxinas microbianas essas últimas subdivididas em endotoxinas e exotoxinas A natureza química das toxinas varia conforme o organismo Nos animais e em microrganismos por exemplo as toxinas podem ser de origem proteica ou enzimática Já nas plantas podem ser encontrados compostos de natureza química diversa como cristais de oxalato de cálcio glicosídeos cardioativos glicosídeos cianogênicos alcaloides glicosídeos saponínicos e óleos essenciais As toxinas bacterianas como a toxina botulínica a tetânica a diftérica e a disintérica são classificadas em endotoxinas e exotoxinas As endotoxinas são produzidas por microrganismos Gram negativos e ficam localizadas na membrana externa da parede celular sendo liberadas após a lise da bactéria A endotoxina mais conhecida é o lipopolissacarídeo ou LPS que provoca uma reação no sistema imunológico do hospedeiro provocando uma série de reações como febre dor choque e vasodilatação que podem levar à sepse e à morte em casos mais graves As exotoxinas podem ser classificadas em três grupos sendo o primeiro grupo formado por aquelas que atuam na superfície das células como os superantígenos de Staphylococcus aureus ou Streptococcus pyogenes ou ainda a toxina ST produzida por Escherichia coli ETEC O segundo grupo é aquele cujas toxinas atacam e danificam a membrana da célula hospedeira formando poros nas membranas Já o terceiro grupo é formado por toxinas que compõem os fatores de virulência de determinados microorganismos auxiliandoos a promover de modo mais hábil as infecções como toxina botulínica toxina diftérica toxina colérica toxina tetânica toxina pertussis que é envolvida na coqueluche e toxina de Shiga que está envolvida em infecções por E coli STEC Observação Sepse era conhecida antigamente como septicemia desencadeada por um processo inflamatório muito intenso por todo o organismo frente a um processo infeccioso A sepse desencadeia a liberação de vários mediadores químicos relacionados ao processo inflamatório por todo o organismo e causa consequentemente sérias consequências como a disfunção ou mesmo a falência de vários órgãos por conta da queda da pressão arterial da falta de oxigenação adequada nas células e de alterações no processo de coagulação sanguínea 161 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Dados do Sistema Nacional de Informações TóxicoFarmacológicas o Sinitox sda apontam que em 2016 foram registrados 80082 casos de intoxicação em humanos e 1562 em animais Destes plantas foram responsáveis por 958 casos registrados em humanos e 83 casos registrados em animais Em 2017 27322 casos de intoxicação foram registrados em humanos e 98 casos em animais sendo 239 causados por plantas em humanos e apenas dois causados por plantas em animais Agora veja os dados apresentados para os casos de intoxicação por acidentes com animais peçonhentos ou venenosos como serpentes aranhas escorpiões e outros em 2016 24788 casos ocorreram em humanos e 74 em animais Em termos percentuais significa que em 2016 enquanto 129 dos casos registrados de intoxicação deveramse às plantas 3066 de casos registrados de intoxicação deveramse a animais peçonhentos e venenosos Já em 2017 092 dos casos registrados de intoxicação foram causados por plantas enquanto 5161 dos casos registrados de intoxicação foram causados pelos animais peçonhentos Mesmo com esses dados nunca subestime o poder tóxico de uma planta Observação A toxina botulínica tem sido usada em algumas enfermidades oculares como o estrabismo e musculares como as distonias Tem sido usada também em tratamentos estéticos para minimizar as rugas faciais Aprendemos até aqui que nos ambientes onde costumamos permanecer como nossa casa e nossa escola e mesmo em espaços públicos podemos encontrar plantas tóxicas ou animais venenosos para os quais devemos estar atentos e saber orientar as pessoas quanto aos riscos que elas correm quando em contato com esses seres Nesses mesmos ambientes que permanecemos ainda encontramos uma lista de produtos que podem apresentar índices elevados de intoxicações na maioria das vezes acidentais os produtos de limpeza como sabões detergentes desinfetantes agentes de limpeza inseticidas raticidas ou repelentes de uso doméstico Esses produtos podem causar intoxicação porque muitas vezes estão ao alcance das crianças ou de idosos que são pessoas que permanecem por mais tempo no ambiente doméstico comparados com adolescentes ou adultos em idade escolar ou de trabalhar Saiba mais Para mais informações sobre a sepse acesse BRUNA M H V Sepse septicemia Drauzio Varella sd Disponível em httpsdrauziovarellauolcombrdoencasesintomassepsesepticemia Acesso em 23 nov 2020 411 Plantas tóxicas As plantas desenvolveram mecanismos morfológicos e bioquímicos para se expressarem com o meio ambiente como parte dos mecanismos de reprodução e defesa As estratégias para a efetivação de sua 162 Unidade I reprodução são a produção de compostos aromáticos de compostos responsáveis pela coloração de folhas flores e frutos e de substâncias adocicadas Os sistemas de defesa nos vegetais são compostos por espinhos acúleos e substâncias tóxicas A partir da observação e da experiência empírica o homem permanece atento à história que essas plantas contam Antigas civilizações como os fenícios os egípcios os romanos os gregos os chineses e os indianos já faziam uso de plantas como medicamento e detinham conhecimento sobre plantas tóxicas Espécies como acônito cicuta Conium maculatum meimendro Hyoscyamus niger beladona Atropa belladona papoula Papaver somniferum e mandrágora Mandragora eram conhecidas nessas culturas e usadas muitas vezes nos crimes dos pequenos círculos sociais baseados em envenenamentos casuais perpetrados durante a rotina doméstica ou laboral ou como arma de escolha para a execução de sentenças de morte como aconteceu ao grande filósofo grego Sócrates condenado a ser morto pela ingestão de cicuta Conium maculatum que produz a coniina cuja ação tóxica se dá pela paralisia respiratória No século XV com o advento das Grandes Navegações o conhecimento que ficara concentrado no eixo EuropaOriente MédioÁsia se expandiu para o alémmar Em terras ameríndias os europeus fizeram incursões naturalistas para inventariar os recursos naturais existentes nas terras recémdescobertas para as Coroas Portuguesa Espanhola e Holandesa Mais tarde as incursões escravagistas à África trouxeram não somente o negro cativo como também seus costumes que incluíam a utilização de plantas como medicamentos e em rituais religiosos Espécies de plantas nativas da Europa Ásia e África são encontradas no Brasil trazidas pelos povos que aqui encontraram o seu novo lar A maioria dessas espécies são de plantas úteis para o homem e portanto utilizadas como alimento e como plantas ornamentais As plantas tóxicas podem ser responsáveis por quadros de intoxicação aguda ou crônica a depender do modo que são consumidas se eventual ou frequente Em geral os quadros de intoxicação aguda são observados em crianças e animais domésticos como cães e gatos que acidentalmente ingerem partes de plantas tóxicas encontradas em vasos e nos jardins domésticos ou em escolas Anote essa informação porque é muito importante e pode ajudar a evitar muitos casos de intoxicação no caso de plantas utilizadas para ornamentação é importante que se saiba o nome comum o nome científico e o potencial tóxico da espécie antes de selecionála para a composição ornamental do ambiente em especial o doméstico Uma vez que seja de conhecimento as plantas com potencial tóxico devem ser mantidas fora do alcance de crianças e animais já que eles podem ingerir frutos flores e folhas acidentalmente e até mesmo utilizar partes da planta para brincadeiras Os sintomas relacionados à intoxicação aguda costumam se manifestar rapidamente e são específicos para cada espécie de planta tóxica Adultos também podem ser vítimas de intoxicação aguda por exemplo em casos em que há a intenção de provocar aborto ou durante a prática de jardinagem ou ainda na elaboração de bebidas à base de frutas cítricas sob o sol por exemplo Ao escolher as plantas que ornamentarão um local devese verificar se ela apresenta histórico de provocar intoxicação Caso isso ocorra não significa que você não poderá ter essa planta em seu jardim mas sim que você deverá estar atento ao que ela pode provocar Não se esqueça de passar essa informação a todos que vão desfrutar do mesmo jardim 163 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS As intoxicações crônicas com plantas podem ser propositais ou não propositais e os sintomas geralmente demoram a se manifestar Um exemplo de intoxicação crônica proposital se dá com a ingestão de chás de plantas popularmente usadas para emagrecer visto que a preocupação com a estética por vezes supera a preocupação com a segurança O consumo crônico de plantas também pode estar ligado a plantas alucinógenas ou entorpecentes a exemplo da maconha da coca e do ópio como discutiremos em maior profundidade adiante As substâncias tóxicas podem estar presentes em diferentes órgãos vegetais sem que haja um padrão específico de distribuição a variar conforme a espécie de acordo com a determinação genética Enquanto algumas espécies como a espirradeira apresentam os compostos tóxicos distribuídos por todos os seus órgãos outras espécies como a urtiga concentram o agente irritante em estruturas localizadas em suas folhas Uma das teorias relacionadas à produção de compostos tóxicos também conhecidos como metabólitos secundários pelas plantas é que eles estejam relacionados com o processo reprodutivo uma vez que nessa fase a planta precisa proteger os órgãos reprodutivos para efetivar a transmissão de seus genes a gerações futuras Desse modo durante a fase fértil algumas espécies apresentam grande concentração de substâncias tóxicas em flores frutos e sementes A beladona é um exemplo uma vez que seus frutos adocicados concentram altas taxas de compostos tóxicos mesmo que estes sejam encontrados disseminados em outros órgãos inclusive nas raízes Veja como estes dados são alarmantes de acordo com o Sinitox sda as plantas tóxicas estão presentes em jardins de mais de 80 das escolas e algumas delas são encontradas nos jardins e mesmo dentro de nossa casa Já ouviu falar no vaso das sete ervas É mantido em casa para espantar o mauolhado As sete ervas são arruda comigoninguémpode pimenteira espadadesãojorge manjericão alecrim e guiné Destas apenas o manjericão e o alecrim não são tóxicos nas medidas usuais de consumo Segundo o Sinitox sda em 2016 e em 2017 os casos de intoxicação por plantas ocorreram em pessoas de todas as idades mas são mais frequentes entre as crianças de 1 a 9 anos Em 2016 dos 239 casos de intoxicação por plantas 4268 ocorreram em crianças de 1 a 4 anos e 1506 em crianças de 5 a 9 anos Essa proporção se repete em 2017 quando se observa que dos 958 casos registrados de intoxicação por plantas 4008 ocorreram em crianças de 1 a 4 anos e 1617 em crianças de 5 a 9 anos A maioria dos casos foi acidental ou seja a criança ingeriu alguma planta que estava ao seu alcance no ambiente doméstico 412 Plantas tóxicas significativas para o Brasil Alamanda Allamanda cathartica L Apocynaceae Espécie nativa do Brasil não endêmica ocorre da Argentina ao México e em outras regiões subtropicais do mundo veja a figura a seguir Essa planta ornamental apresenta uso popular medicinal porém também há registros de provocar reações tóxicas Contém látex branco Se ingerida apresenta propriedades laxativas ou purgantes ou catárticas pela presença de antraquinonas ESSIETT UDO 2015 e quando em contato com a pele pode causar irritação por conta do látex DAVID 1997 MAROYI 2012 porém o composto responsável não está determinado mas o fato de a planta conter óleos essenciais e antraquinonas pode favorecer o aparecimento de reações de fototoxicidade Há registros de casos 164 Unidade I relacionados à toxicidade cardíaca devido à presença de glicosídeos cardioativos na planta RADFORD et al 1994 Estudos in vitro reportam genotoxicidade e citotoxicidade com extratos vegetais e compostos dessa espécie CHAVEERACHA et al 2016 São grupos de componentes químicos já identificados na alamanda alcaloides antraquinonas glicosídeos cardioativos cumarinas flavonoides saponinas esteroidais taninos compostos fenólicos e terpenos PETRICEVICH ABARCAVARGAS 2019 Figura 72 Alamanda Antúrio Anthurium andraeanum Linden ex André Araceae Conhecida também como flordeflamingo lírio de flamingo e rabinho de porco veja a figura a seguir é uma planta usada em paisagismo Apresenta cristais de oxalato de cálcio que afetam as mucosas do trato digestório causando inchaço na garganta língua lábios boca edema de glote asfixia diarreia e vômito Há registro de casos de dormência ou neuropatia sensorial do trigêmeo causada pelo contato com antúrio TWARDOWSCHY et al 2007 Figura 73 Antúrio 165 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Aroeira Várias espécies de Anacardiaceae apresentam nomes populares comuns como Schinus terebinthifolius Raddi aroeiramansa aroeiravermelha aroeiraprecoce aroeirapimenteira aroeiradosertão ocorre em todo o Brasil com exceção da região Norte sendo conhecida como pimentarosa na culinária Schinus molle aroeirasalso aroeiraperiquita aroeiramole aroeiramansa pimentabastarda ocorre no Sul do Brasil Astronium fraxinifolium Schott Spreng aroeiradocampo aroeiravermelha gonçaloalves chibatã aratanha batão ubatã nativa do Cerrado brasileiro Lithraea molleoides Vell Engl aroeirabranca aroeirabrava aroeiradobrejo aroeiradacapoeira bugreiro nativa do Sul e Sudeste brasileiros e Miacrodrum urundeuva Allemao aroeria aroeirapreta aroeiradaserra aroeiradocampo urundeúva uriunduba aroeiradosertão ocorre na Caatinga e no Cerrado do CE ao PR e é uma espécie retirada da lista de plantas sob risco de extinção em 2019 Apresenta reações dérmicas como bolhas coceira e vermelhidão e fotossensibilização pode ser observada SANTOS FILGUEIRA 1994 Quando ingerida pode causar distúrbios gastrointestinais Houve a ocorrência de malformação óssea em fetos e um leve retardo no reflexo de endireitamento em ratos após administração de S terebinthifolia CARLINI DUARTEALMEIDA TABACH 2013 Arruda Ruta graveolens L Rutaceae É uma das plantas presentes na lista do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde a Renisus É conhecida também por arrudacomum arrudadojardim arrudadosjardins arrudadoméstica aruta aruda ruta e ervadagraça Os efeitos tóxicos após ingestão se manifestam por cólicas abdominais diarreia fibrilação da musculatura da língua e sintomas neurológicos como confusão e convulsão Tem efeito emenagogo ou seja provoca o aparecimento de menstruação e por esse motivo é usada como abortivo Um estudo demonstrou que a arruda provocou o aparecimento de hepatotoxicidade em camundongos FREIRE BORBA COELHO 2010 Apresenta componentes alcaloídicos ácido salicílico livre álcool metilnonílico flavonoides óleo essencial pipeno psoraleno quercitina ribalinidina rubalinidina rutacridona rutalidina e rutalínio Artemísia Artemisia absinthium L Asteraceae Conhecida também como losna absinto gotasamargas ervasanta ou ervadosvermes veja a figura a seguir É altamente tóxica por conter tujona em seus óleos essenciais Também é abortiva Estudo recente indicou que não apenas a tujona mas outros constituintes dos óleos essenciais dessa espécie são responsáveis por toxicidade em ratos RADULOVIC et al 2017 Essa espécie faz parte da lista do Renisus 166 Unidade I Figura 74 Artemísia Avelós Euphorbia tirucalli L Euphorbiaceae Conhecida também como almeidinha cegaolho coralverde espinhodecristo espinhodojudeu figueiradodiabo garradodiabo leitedenossasenhora paudeleite paupelado e pinheirododiabo É uma planta que produz látex cáustico e tóxico que se encontra distribuído em todo o vegetal O látex pode causar queimaduras ao contato com a pele e caso seja ingerido na boca língua e lábios podendo também causar cegueira temporária NEODINI GASPI 2015 EKE ALHUSAINY RAYNOR 2000 Há registros de um grande número de casos de intoxicação por avelós no Texas Estados Unidos da América Entre os anos de 2017 e 2018 foram registrados 678 casos sendo que entre crianças a maioria dos casos ocorreu em indivíduos de 5 anos ou menos O maior número de casos ocorreu entre adultos maiores que 20 anos que perfizeram mais de 72 dos casos os quais ocorreram mais frequentemente entre os homens A maioria dos casos foi de toxicidade ocular seguida de toxicidade por ingestão e por fim toxicidade dérmica FORRESTER LAYTON VARNEY 2019 Babosa Aloe vera Mill sinonímia científica Aloe barbadensis Asphodelaceae É também conhecida por aloedebarbados aloereal aloechinês e aloedequeimadura veja a figura a seguir Tratase de uma espécie de planta suculenta muito usada popularmente como hidratante para pequenas queimaduras e queimaduras solares por conta de mucilagens presentes e tem sido estudada quanto às suas propriedades antimicrobianas antiinflamatórias e curativas de feridas superficiais SÁNCHEZ et al 2020 Faz parte da composição de diversos produtos cosméticos O extrato bruto das folhas de babosa é classificado no grupo 2B da Iarc o que significa que apresenta compostos com possibilidade de serem carcinogênicos a humanos Esses compostos são as antraquinonas encontradas no parênquima foliar 167 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A B Figura 75 A Babosa B Folhas de babosa em cortes transversais Bicodepapagaio Euphorbia pulcherrima Willd ex Klotzsch Euphorbiaceae Também conhecida como poinsétia flordenatal estreladonatal e cardeal veja a figura a seguir A planta possui látex irritante que pode causar lesões cutâneas como dermatite de contato MASSMANIAN 1998 e irritações oculares Figura 76 Bicodepapagaio Caju Anacardium occidentale L Anacardiaceae Compostos conhecidos como ácidos anacárdicos estão presentes em um líquido encontrado nas conchas da castanhadecaju MORAIS et al 2017 e apresentaram toxicidade em modelos in vitro LEITE et al 2015 Casos de dermatite de contato foram registrados após consumo de alimento contendo caju e a presença de urushiol uma mistura de vários derivados de catecol foi relacionada ao quadro ROSEN FORDICE 1994 veja a figura a seguir 168 Unidade I Figura 77 Caju Buchinhadonorte Luffa operculata Cucurbitaceae Conhecida como buchinhadospaulistas cabacinha buchinha e purgadejoãopais DUKE VASQUEZ 1994 MENGUE MENTZ SCHENKEL 2001 O chá dos frutos é usado contra sinusite e para provocar aborto Estudos recentes apontaram que o extrato aquoso dos frutos pode afetar a estrutura tecidual de testículos de ratos Wistar ALVES et al 2018 veja a figura a seguir Figura 78 Frutos de buchinhadonorte Chapéudenapoleão Thevetia peruviana Apocynaceae Embora os glicosídeos cardioativos sejam encontrados dispersos por todo vegetal em seu látex a intoxicação usualmente se dá pela ingestão de seus frutos que podem ser confundidos com castanhas comestíveis por crianças KUMAR ATREYA KANCHAN 2015 veja a figura a seguir 169 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A B Figura 79 Chapéudenapoleão A Fruto B Flor e folhas Cheflera Schefflera arboricola Hayata Araliaceae A toxicidade das chefleras devese à presença de cristais de oxalato de cálcio por todo o vegetal que ao ser ingerido provoca reações inflamatórias e alérgicas nas mucosas orais e da garganta podendo levar a edema de glote e morte por asfixia veja a figura a seguir Figura 80 Cheflera Confrei Symphytum officinale L Boraginaceae A ingestão de confrei pode causar hepatotoxicidade pneumotoxicidade genotoxicidade e atividade carcinogênica BROWN et al 2016 por conta da presença de alcaloides pirrolizidínicos como intermedina licopsamina simfitina e ecnimidina veja a figura a seguir 170 Unidade I Figura 81 Confrei Comigoninguémpode Dieffenbachia seguine Jacq Schott Araceae A toxicidade dessa espécie devese à presença de cristais de oxalato de cálcio por todo o vegetal que ao ser ingerido provoca reações inflamatórias e alérgicas nas mucosas orais e da garganta podendo levar a edema de glote e morte por asfixia Como medidas de primeiros socorros devese procurar imediatamente os serviços de pronto atendimento hospitalares veja a figura a seguir Figura 82 Comigoninguémpode Copodeleite Zantedeschia aethiopica L Spreng Araceae Conhecida também por jarro ou bocadejarro A toxicidade dessa espécie devese à presença de cristais de oxalato de cálcio por todo o vegetal que ao ser ingerido provoca reações inflamatórias e alérgicas nas mucosas orais e da garganta podendo levar a edema de glote e morte por asfixia veja a figura a seguir 171 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Figura 83 Copodeleite Coroadecristo Euphorbia milli Euphorbiaceae Conhecida também como doisamores bemcasados e doisamigos Apresenta látex em todo o vegetal sendo este cáustico e irritante podendo causar lesões mais oculares sérias e levar à perda da visão Pode causar alergia ou bolhas de queimadura quando em contato com a pele Na boca pode causar salivação náuseas vômitos e diarreia Dedaleira Digitalis purpurea L e Digitalis lanata Ehrh Plantaginaceae Conhecida também por campainha ou luvaderaposa veja a figura a seguir A toxicidade da espécie vegetal está na presença em todo o organismo de digitálicos como a digoxina gitoxina e gitoxigenina compostos utilizados para tratamento de insuficiência cardíaca congestiva e arritmias por agirem sobre a musculatura cardíaca Caso partes da planta venham a ser consumidas pode haver o desencadeamento de eventos cardíacos sérios Figura 84 Dedaleira 172 Unidade I Espadadesãojorge Sansevieria trifasciata Prain Asparagaceae É uma espécie de origem africana veja a figura a seguir Também conhecida como espadade santabárbara línguadesogra rabodelagarto espadadeogum e espadadeiansã A toxicidade dessa espécie devese à presença de cristais de oxalato de cálcio por todo o vegetal que ao ser ingerido provoca reações inflamatórias e alérgicas nas mucosas orais e da garganta podendo levar a edema de glote e morte por asfixia Figura 85 Espadadesãojorge Espirradeira Nerium oleander L Apocynaceae Conhecida também por oleandro ou rododendro veja a figura a seguir Apresenta látex tóxico disperso por todo vegetal que contém glicosídeos cardioativos Casos de intoxicação letal por ingestão de extratos de espirradeira foram registrados e analisados pela ciência forense com técnicas segundo as quais foi identificada a presença de oleandrina em homogenatos de órgãos e no sangue durante necrópsia BLUM RIEDERS 1987 ou mesmo de vestígios de ingestão das folhas dessa espécie AZZALIN et al 2019 Figura 86 Espirradeira 173 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Flordecoral Jatropa multifida L Euphorbiaceae Planta que contém látex transparente Há casos de intoxicação comuns após ingestão das sementes da planta como um relato de 1885 na Índia no qual há a descrição de intoxicação de três irmãos que ingeriram as sementes mas que com os cuidados médicos disponíveis à época se recuperaram em um dia de cuidados intensos PORTER 1885 Há a presença de diterpenos macrocíclicos ZHANG et al 2018 toxialbumina e ricina CAMPOS et al 2016 Guiné Petiveria alliaceae L Phytolaccaceae Conhecida por rabodegambá amansasenhor ou tipi DL502 gkg considerada tóxica foi obtida do pó de caule e folhas GARCÍAPÉREZ et al 2018 É abortiva em altas doses Provoca efeitos sobre o sistema nervoso caso seja utilizada por mais de duas semanas consecutivas ou se uma dose elevada é ingerida Os efeitos nesses casos podem variar de insônia apatia alucinações e até mesmo morte Jequiriti Abrus precatorius L Fabacedae Apresenta sementes tóxicas que apresentam a toxoalbumina denominada de abrina Casos de intoxicação foram registrados na Índia KARTHIKEYAN AMALNATH 2017 onde 112 pacientes foram estudados Destes a maioria eram mulheres de 13 a 30 anos que apresentaram sintomas como diarreia sangue nas fezes e mortalidade em seis dos pacientes Jurubeba Solanum paniculatum L Solanaceae Conhecida como jupeba jurubebaverdadeira jurupeba jubebe e juribeba Contém glicoalcaloides esteroidais como a solasonina e a solamargina BLANKEMEYER et al 1998 É abortiva Pode apresentar sintomas neurológicos diarreia vômito e náusea Lírio Melia azedarach L Meliaceae Outros nomes populares são cinamomo flordeviúva árvoredesantabárbara jasmimdesoldado árvoresanta líriodaíndia jasmimdecachorro loureirogrego líriodachina e lilásdachina Frutos e folhas são tóxicos e apresentam azaridina e meliatoxinas A1 A2 B1 e B2 Os efeitos são náuseas vômito diarreia suor frio sonolência convulsões e morte OELRICHS HILL VALLEY 1983 Mamona Ricinus communis L Euphorbiaceae Também conhecida como carrapateira rícino e palmadeCristo veja a figura a seguir O efeito tóxico relacionado à mamona está ligado à presença de ricina uma proteína que se encontra presente nas sementes e que pode ser liberada caso haja mastigação e ingestão Após a retirada do óleo de rícino a torta resultante pode ser ingerida por animais adicionada às rações Porém devese retirar a ricina antes pois o composto também é tóxico para os animais Os sinais de intoxicação são náuseas vômito dor abdominal intensa fezes diarreicas sanguinolentas com consequente desidratação convulsões apneia coma e morte INGLE KALE TALWAKAR 1966 Alergias decorrentes do processamento da planta 174 Unidade I na indústria podem ocorrer e causam problemas respiratórios asma brônquica conjuntivite eczema e dermatite Como medidas de primeiros socorros devese oferecer água e evitar a aspiração de vômitos Outro componente presente na mamona é a ricinina um alcaloide que pode ser encontrado em todos os órgãos da mamona e que pode provocar intoxicação sobre o sistema nervoso central caso ingerido A ricinina pode provocar por exemplo convulsões FERRAZ ANSELMOFRANCI PEROSA 2002 A ricinina é também um biomarcador que pode ser utilizado para monitorar a intoxicação por ricina através de sua quantificação sérica RØEN et al 2013 A B C Figura 87 Mamona A Planta inteira B Sementes C Folhas e frutos Mandiocabrava Manihot esculenta Crantz Euphorbiaceae A raiz e as folhas contêm os glicosídeos cianogênicos linamarina e lotaustralina que sofrem hidrólise pela enzima linamarase ou por ácidos digestivos ou pelo calor liberando o ácido cianídrico O ácido cianídrico possui alta afinidade com o ferro trivalente da citocromooxidase que transforma a hemoglobina em metemoglobina que é incapaz de transportar oxigênio impede a respiração e pode causar o aparecimento de cianose O consumo esporádico de mandioca não atinge a dose necessária para causar intoxicação mas seu consumo constante pode provocar quadros de intoxicação PINTOZEVALLOS PAREJA AMBROGI 2016 como a diminuição da função da tireoide Recomendase o consumo de variedade de mandioca conhecida como mandiocamansa Por conta de os glicosídeos cianogênicos serem hidrolisados pelo calor o preparo da mandioca deve levar em consideração esse tipo de processamento PADMAJA 1995 No Norte é comum se utilizarem as folhas trituradas da mandioca para se fazer um prato conhecido como maniçoba ou feijoada paraense cujo preparo se faz por cozimento por sete dias o que faz com que a concentração dos glicosídeos cianogênicos seja muito baixa e segura para o consumo humano após o preparo Caso seja verificada intoxicação por mandiocabrava devese procurar imediatamente os serviços de pronto atendimento hospitalares Para saber mais sobre a mandiocabrava e os glicosídeos cianogênicos veja o tópico sobre toxicologia dos alimentos 175 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Oficialdesala Asclepias curassavica L Apocynaceae anteriormente Asclepiadaceae Também conhecida como donajoana cegaolho ervaderatofalsa camarábravo e capitãodesala Contém substâncias cardioativas principalmente nas sementes e no látex Compostos como calotropagenina corotoxigenina e coroglaucigenina que apresenta ação parecida com a dos digitálicos ver dedaleira são descritos para a espécie Essa planta contém a asclepina composto mais potente que a digoxina um conhecido digitálico PATNAIK KÖHLER 1978 Possui a propriedade de aumentar a contratilidade do miocárdio e é considerado mais seguro que a digoxina O látex pode ser cáustico para os olhos É uma planta tóxica para animais causando vômito anorexia náuseas dor abdominal diarreia flatulência edema submaxilar ataxia sonolência e prostração além de distúrbios no batimento cardíaco espasmos violentos dos pulmões e sintomas relacionados ao sistema nervoso Figura 88 Oficialdesala Pinhãodepurga Jatropha curcas L Euphorbiaceae Também conhecido como pinhãoparaguaio pinhãobravo pinhãodecerca pinhãobranco e figodoinferno Suas sementes e látex são considerados tóxicos Produz a curcina uma lectina que pode causar a aglutinação de eritrócitos LIN et al 2010 Contém ésteres forbólicos que são irritantes tópicos Como medidas de primeiros socorros devese oferecer água e evitar a aspiração de vômitos Trombeteira Datura suaveolens Humb Bonpl ex Willd Solanaceae Conhecida também como saiabranca zabumba hálitododiabo ervadosmágicos e ervadosfeiticeiros veja a figura a seguir Os órgãos vegetais que contêm substâncias tóxicas são as folhas as flores os frutos e as sementes Podem aparecer sintomas como febre xerostomia ou boca seca vermelhidão na face dilatação da pupila alucinações e delírio Para realizar os primeiros socorros devese provocar vômitos 176 Unidade I Figura 89 Trombeteira Urtiga A espécie apresenta dois nomes científicos dados por taxonomistas diferentes a partir do basiônimo Urtica aestuans L Fleurya aestuans L Gaudich e Laportia aestuans L Chew Urticaceae ambos aceitos veja a figura a seguir A espécie pode também ser conhecida popularmente como urtigabrava urtigão ou cansanção Os pelos encontrados nas folhas e no caule contêm substâncias irritantes que podem desencadear processos de inflamação irritação e vermelhidão cutâneas coceira e bolhas Figura 90 Urtiga 413 Algumas plantas tóxicas de relevância veterinária Se há um século os cães e gatos de rua contribuíam significativamente pela manutenção da limpeza pública hoje ocupam um lugar no coração da família Como consequência doenças comuns a humanos hoje estão presentes nos animais de companhia como diabetes câncer arteriosclerose entre outras Em 177 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS função da associação muito próxima entre os animais de pequeno e grande porte aos agrupamentos humanos atuais há um aumento de casos registrados de intoxicação entre esses animais Você sabia que as plantas tóxicas encontradas em ambiente doméstico podem causar intoxicação em cães e gatos A proximidade desses animais ao convívio humano os aproximou às plantas tóxicas o que aumenta as chances de que venham a ser ingeridas pelos nossos companheiros peludos Por isso eles podem sofrer intoxicações pelos mesmos agentes que nós seus protetores A demanda por alimento no planeta cresce a um ritmo acelerado por conta do aumento populacional mundial Por isso a criação de bovídeos caprídeos ovídeos galináceos suínos etc tem ganhado especial atenção de países produtores como o Brasil onde o desenvolvimento tecnológico agropecuário é bastante grande O Brasil é um dos maiores produtores de proteína animal no mundo tendo um dos maiores rebanhos de gado caprídeos ovídeos e aves Acidentes com plantas tóxicas ocorrem nos pastos onde o cultivo de pastagem propicia a diminuição drástica de biodiversidade Eventualmente uma espécie com alto grau de toxicidade cresce nessas áreas aumentando as chances de serem ingeridas pelos animais Algumas das plantas são muito tóxicas e levam os animais a óbito o que causa um prejuízo econômico aos proprietários Saiba mais Sobre o assunto leia os textos a seguir TOKARNIA C H et al Plantas tóxicas do Brasil para animais de produção 2 ed Rio de Janeiro Helianthus 2012 SERODIO J J Principais plantas tóxicas que cursam em sinais neurológicos primárias e secundarias em ruminantes Goiânia Universidade Federal de Goiás 2011 Disponível em httpsportaisufgbrup67o semi2011JulianaJob2cpdf Acesso em 24 nov 2020 Camará Lantana camara L Verbenaceae Tem como sinonímias populares cambará camarádecheiro camarádeespinho cambarádecheiro cambarádechumbo cambaráverdadeiro cambarávermelho cambarámiúdo e chumbinho É tóxica a bovinos e letal a uma dose aproximada de 40 gkg MATOS et al 2011 de folhas frescas ingeridas de uma só vez ou 10 gkg de folhas ingeridas por quatro a cinco dias seguidos O consumo dessa espécie se dá pela falta de pasto adequado e fome do animal Pode causar fotossensibilização e consequente queimadura na pele do animal intoxicado Dependendo do grau de intoxicação ocorrem manifestações como queimaduras sensibilidade aos raios solares icterícia urina amarronzada fezes em pequena quantidade e escuras diarreias eventuais anorexia diminuição ou cessação de funcionamento do rúmen e eventualmente morte TOKARNIA et al 2012 178 Unidade I Ervaderato Palicourea marckgravii St Hill Rubiaceae Também conhecida como cafébravo ervacafé cafezinho roxa e roxinha É comum nos estados do Norte embora seja encontrada em todo Brasil com exceção do Sul e do sertão nordestino Aparentemente os bovinos preferem consumir a ervaderato em vez de consumir as espécies típicas de forragem mesmo quando não têm fome A dose letal dessa espécie é de 1 gkg de folhas Causa a síndrome da morte súbita com sintomas que se apresentam rapidamente como a queda repentina do animal e morte iminente em apenas alguns minutos É a espécie vegetal mais letal para animais de grande porte Outras espécies de Palicourea também provocam esse grau de intoxicação como P juruana P grandifolia P bracteosa e P crocea Chibata ou gibata Arrabidaea bilabiata Sprague Sandw Bignoniaceae Outra espécie importante na região amazônica Os animais ingerem essa espécie comum nas várzeas amazônicas somente quando estão com fome Sintomas iniciamse em 24 h porém não antes de seis horas da ingestão das folhas mas a resposta é dosedependente Os sintomas agudos são a queda do trem anterior ao estimular o movimento os animais caem e permanecem em decúbito lateral fazendo movimentos de pedalar mugem alto e morrem A ingestão da planta leva a elevados índices de mortalidade entre os bovinos Uma vez que os sintomas se manifestam a morte é iminente Arrabidaea japurensis apresenta os mesmos sintomas mas é mais comum em Roraima Rabodetatu Mascagnia rigida Griseb Malpighiaceae É uma espécie comum em Minas Gerais no Espírito Santo e nos estados do Nordeste como Sergipe Piauí e Bahia já o M elegans é comum no sertão de Pernambuco Essas espécies apresentam o mesmo perfil de intoxicação que a ervaderato 414 Plantas tóxicas classificadas segundo seus efeitos tóxicos e medidas emergenciais a serem tomadas A seguir a classificação das plantas das quais falamos até aqui Outras espécies vegetais que apresentam agentes tóxicos semelhantes podem estar relacionadas no mesmo grupo mesmo que não mencionadas anteriormente Saiba mais Acesse o site a seguir SINITOX Galeria de fotos plantas tóxicas Brasília sdc Disponível em httpssinitoxicictfiocruzbrplantastoxicas Acesso em 23 nov 2020 179 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 4141 Plantas que causam lesão em mucosas São exemplos oxalato de cálcio comigoninguémpode copodeleite taioba cheflera monstera tinhorão látex chapéudenapoleão coroadecristo espirradeira bicodepapagaio avelós e urtiga A presença dos cristais de oxalato de cálcio pode provocar edema orofaríngeo e consequentemente dificuldade em respirar além de dificuldade em administrar as secreções salivares e de falar CUMPSTON et al 2003 A velocidade de formação de edema pode variar de intensidade conforme a pessoa e esta deve ser levada à emergência tão logo se observe o início do edema uma vez que pode causar o impedimento da entrada de ar aos pulmões Para saber mais sobre os oxalatos veja o tópico sobre toxicologia dos alimentos 4142 Plantas que causam irritação cutânea por trauma mecânico São exemplos urtiga cactos juá e coroadecristo O tratamento é relacionado aos cuidados de limpeza e desinfecção aplicados aos ferimentos leves com o uso de antissépticos MORAN TALAN ABRAHAMIAN 2008 e bandagens ou outros procedimentos LEE HANSEN 2009 quando necessário 4143 Plantas que causam irritação ou dermatites de contato por irritantes ou alergia por dermatites de contato alérgicas ou dermatites indeterminadas São exemplos avelós babosa chapéudenapoleão coroadecristo crisântemo espirradeira sementes ou óleos originados das sementes de amendoim gergelim girassol entre outros Pode ocorrer o aparecimento de irritações cutâneas em mucosas e nos tecidos oculares causadas pelo contato direto com o látex presente ou reações alérgicas com manifestações respiratórias O tratamento se dá através da limpeza do látex ou dos óleos vegetais com produto adequado a se levar em conta que látex e óleos vegetais são compostos por substâncias de baixa polaridade cuja remoção com água e sabão é mais difícil Nos casos de alergia respiratória o encaminhamento a pronto atendimento deve ser feito a depender da profundidade do comprometimento respiratório Saiba mais Sobre os diferentes tipos de dermatites consulte o livro KASHIWABARA T B et al Medicina ambulatorial VI com ênfase em medicina do trabalho 6 ed Montes Claros Dejan 2019 4144 Plantas que apresentam compostos que provocam fitofotodermatose São exemplos as frutas cítricas as quais causam queimaduras que podem ser sérias quando o sumo de limões por exemplo ou o óleo presente em sua casca entram em contato com a pele das mãos ou antebraços ou mesmo quando as mãos impregnadas do sumo ou do óleo são levadas ao rosto durante 180 Unidade I o preparo das bebidas GALVAÑPÉREZ DEL PULGAR LINARESBARRIOS GALVAÑPOZO JR 2016 Se esse indivíduo está sob o sol as regiões afetadas ficarão mais sensibilizadas à ação dos raios solares e as queimaduras irão aparecer A limpeza do óleo sobre a pele não é simples uma vez que o produto é de fácil dispersibilidade durante o ato de lavagem podendo este espalhar o óleo sobre a região a depender da quantidade Devese lavar com água e sabão até remoção completa do óleo e evitar banho de sol na região afetada Algumas espécies vegetais que apresentam compostos derivados de furanocumarinas MOREAU ENGLISH GEHRIS 2014 e de antraquinonas BRANDÃO VALENTE 1988 podem provocar fotodermatites após ingestão seguida de exposição solar 4145 Plantas que causam distúrbios gastrointestinais São exemplos babosa antraquinonas mamona toxialbuminas e ricina pinhãoparaguaio pinhãoroxo flordecoral toxialbuminas e curcina folhas e frutos juá jequirití toxialbuminas em sementes imaturas tornam a espécie mais tóxicas alamanda 4146 Plantas que causam distúrbios neurológicos São exemplos saiabranca estramônio alcaloides tropânicos presentes em todo organismo principalmente nas sementes os quais inibem a ação da acetilcolina nos receptores do SNC intoxicação atropínica semelhante à anticolinérgica e damadanoite O tratamento da intoxicação por alcaloides e outros compostos que causam distúrbios neurológicos deve ser feito com base em anamnese e histórico do paciente uma vez que cada tipo de alcaloide apresenta mecanismo de ação específico sobre o sistema nervoso Para informações complementares confira os tópicos sobre drogas de abuso e toxicologia dos alimentos Saiba mais Sobre plantas alucinógenas utilizadas em cerimônias religiosas e curativas de tribos quilombos e outras comunidades tradicionais leia SCHULTEZ R E HOFMANN A RATSCH C Planta de los Dioses Washington Fondo de Cultura Económica 2006 4147 Plantas que causam distúrbios cardíacos São exemplos alamanda ou dedaldedama azaleia chapéudenapoleão espirradeira e glicosídeos cardioativos As intoxicações digitálicas têm como características a alterações neurológicas como confusão mental fraqueza e xantopsia b alterações cardíacas observáveis no eletrocardiograma que incluem taquicardia e arritmias diversas como as extrassístoles ventriculares e a taquicardia atrial com bloqueio atrioventricular variável que são as duas condições mais frequentes GRIMM et al 2018 181 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS além de bradicardias e c alterações gastrointestinais como dor abdominal anorexia náuseas e vômito A análise de eletrocardiograma é determinante pois outras alterações podem ser observadas além da anamnese Como antídoto fazse a administração de anticorpo específico para digoxina fab fragments nos casos mais graves EHLE PATEL GIUGLIANO 2011 para os casos mais frequentes devese prover hidratação atropina e passagem de marcapasso para restaurar pressão arterial e frequência cardíaca Corrigir distúrbios eletrolíticos é essencial Saiba mais Veja o artigo científico a seguir para saber mais sobre intoxicação por digitálicos EHLE M PATEL C GIUGLIANO R P Digoxin clinical highlights a review of digoxin and its use in contemporary medicine Critical Pathways in Cardiology v 10 n 2 p 9398 2011 4148 Plantas que causam distúrbios respiratórios São exemplos mandiocabrava semente de maçã semente de pêssego rabodegato sorgo amigdalina em maçã e pêssego durrina sorgo e gramíneas linamarina mandiocabrava e alguns feijões Os acidentes mais graves são provocados pelos glicosídeos cianogênicos Para saber mais sobre esses compostos veja o tópico que aborda a toxicologia de alimentos 4149 Plantas abortivas São exemplos alecrim arruda canela artemísia buchinhadonorte guiné e papoula ou hibisco Uma lista significativa de espécies vegetais abortivas pode ser encontrada em alguns trabalhos YAZBEK et al 2016 a maioria de uso no Brasil em suas diferentes regiões Os sinais de intoxicação estão relacionados de modo geral à perda do feto por sangramento além de dores abdominais A grávida deve ser atendida imediatamente uma vez que a depender da dose o consumo de tais plantas pode ser fatal à mãe 42 Animais peçonhentos e venenosos A vida na natureza é difícil e competitiva Os seres que vivem em um ambiente selvagem precisam se defender de predadores para que possam se reproduzir e manter a espécie Alguns animais usam estratégias de sobrevivência baseadas na produção de substâncias tóxicas O grande problema é que quando esses animais estão muito próximos a nós podem causar sérios e doloridos problemas Acidentes com animais peçonhentos podem ocorrer dentro da nossa casa no quintal quando entramos em uma floresta quando construímos nossas casas próximo a áreas que são moradia desses 182 Unidade I animais ou mesmo após catástrofes ambientais que desalojam os animais de seus redutos Ainda há outro detalhe importante o Brasil é um país de dimensões continentais que apresenta diferentes biomas e uma das maiores taxas de biodiversidade do mundo Por esse motivo aqui são encontradas muitas espécies de animais peçonhentos e alguns desses animais gostam de regiões específicas como a aranha marrom comum na região Sul ou algumas espécies de jararaca que crescem e vivem em ilhas como a jararacadeAlcatrazes encontrada na ilha de Alcatrazes ou a jararacailhoa encontrada na ilha da Queimada Grande ambas no estado de São Paulo Essas ilhas são paradisíacas mas essas cobras muito peçonhentas são praticamente as únicas moradoras Algumas cobras podem ser encontradas em todo o território brasileiro pelo seu alto poder adaptativo como a jararaca Animais aquáticos também podem apresentar peçonhas e venenos como o peixeescorpião ou peixeleão raias baiacu pepinodomar e mariscos águasvivas e caravelas Os registros de casos de intoxicação por animais marinhos são menores do que os apresentados pelos animais terrestres Peçonhas são substâncias de origem exclusivamente animal geralmente proteica produzidas por glândulas especializadas localizadas em regiões próximas ao órgão utilizado pelo animal para inoculação como presas espinhas etc Existem quatro tipo de peçonhas a citotóxica a hemotóxica a miotóxica e a neurotóxica que são classificadas de acordo com o local de ação seja em células sangue músculo ou sistema nervoso respectivamente Venenos são substâncias produzidas em determinados órgãos ou por todo o organismo do animal porém permanecem dispersos por esses órgãos sem serem inoculados como as peçonhas A intoxicação por veneno pode ocorrer pela ingestão do organismo ou de parte desse organismo como o baiacu pelo contato com parte do organismo como as cerdas de taturanas por compressão como ocorre com as glândulas de alguns sapos ou por penetração através do trato respiratório Assim que a toxina é exposta ao organismo começa a ocorrer sua absorção a distribuição a transformação e a interação entre a peçonha e o sítio alvo específico que pode estar localizado em um ou em mais de um órgão com consequente alteração da homeostase do organismo Por final a peçonha é excretada A toxicodinâmica vai variar conforme as propriedades físicoquímicas apresentadas pela substância em função de sua natureza química 421 Acidentes com animais peçonhentos e venenosos no Brasil Os acidentes com animais venenosos e peçonhentos foram incluídos na lista de doenças tropicais negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde a OMS Na lista estão em especial os acidentes com cobras também conhecidos como acidentes ofídicos Mas por que a picada de cobra é considerada agora uma doença negligenciada junto com Chagas leishmaniose etc se a princípio uma coisa nada tem a ver com a outra Isso aconteceu porque os casos de acidentes ofídicos ocorrem principalmente nas zonas tropicais e subtropicais do mundo e em geral atingem pessoas que vivem em áreas rurais Além disso os acidentes ofídicos estão incluídos na Lista de Notificação Compulsória do Brasil o que significa que todos os casos devem ser notificados ao Governo Federal imediatamente após serem confirmados 183 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Saiba mais Acesse o site a seguir SINITOX Galeria de fotos animais peçonhentos Brasília sdb Disponível em httpssinitoxicictfiocruzbranimaispeconhentos Acesso em 23 nov 2020 Temos muitos tipos de cobras no Brasil Os acidentes ofídicos por aqui são causados por mais de 350 espécies de serpentes pertencentes às famílias Viperidae e Elapidae Os acidentes são divididos conforme os grupos aos quais as serpentes são classificadas em acidentes botrópicos crotálicos laquésicos e elapídicos Vamos a eles 4211 Acidentes botrópicos São aqueles causados por serpentes pertencentes aos gêneros Bothrops e Bothrocophias da família das Viperidae grupo que reúne as jararacas O veneno dessas espécies causa proteólise hemorragias e coagulação FONSECA et al 2004 sendo as duas muito evidentes e características para a picada de jararaca Estão presentes na composição do veneno água sais minerais carboidratos enzimas e proteínas que são estudados a partir da retirada do veneno das cobras no laboratório O veneno é submetido ao processo de fracionamento que se dá por técnicas cromatográficas específicas como a cromatografia líquida de alta pressão que utilizam métodos baseados na separação das moléculas por tamanho usando verdadeiras peneiras moleculares As frações obtidas são caracterizadas segundo seus componentes e estudadas para diversas finalidades como entender o mecanismo de toxicidade e até mesmo verificar se algumas dessas frações podem conter substâncias a serem usadas como remédio Na década de 1960 pesquisadores do Instituto Butantan em São Paulo obtiveram uma fração do veneno da jararaca que continha peptídeos que serviram de base para o desenvolvimento do captopril um inibidor da enzima conversora de angiotensina I usado em casos de hipertensão BERLINCK 2012 Mas vamos estudar o que sabemos sobre as picadas de jararaca e seus efeitos tóxicos A região que recebe a picada da jararaca vai sofrer inicialmente um efeito local dado pelas enzimas proteolíticas presentes no veneno Essas enzimas irão degradar as proteínas que estão nas células dos tecidos ao redor da picada seja pele músculo ou sangue Tudo começa a ser degradado Então o tecido que sofre esse tipo de degradação começa a ser necrosado Depois observase uma hemorragia na região da picada das jararacas que se dá por conta de enzimas chamadas de hemorraginas Essas enzimas podem alcançar outros órgãos e provocar hemorragias internas o próprio nome já diz tudo Como se não bastasse entram em cena os agentes coagulantes que podem transformar fibrinogênio em fibrina e estimular a coagulação sanguínea na região Agora um pouco do lado positivo derivado do estudo do veneno das cobras essa substância a fibrina é também matériaprima para o desenvolvimento de um tipo de cola que tem sido usada para unir tecidos que foram abertos nas feridas cirúrgicas ou mesmo para colar tendões além de diminuir intensamente a sensação de dor local LUAN et al 1993 184 Unidade I Falando um pouco mais especificamente o veneno das jararacas é constituído de metaloproteinases desintegrinas serinoproteases fosfolipases miotoxinas e neurotoxinas proteínas não tóxicas e frações não proteicas CUNHA MARTINS 2012 As metaloproteinases são as enzimas que quando ligadas ao zinco para serem ativas são as responsáveis pela necrose local por hemorragias e por reações inflamatórias Existem quatro grupos de metaloproteinases chamados de PI PII PIII e PIV O grupo PI que tem metaloproteases não causa hemorragias O grupo PII que tem metaloproteases e desintegrinas já causa algum grau de hemorragia O grupo PIII que tem desintegrinas e é rico em cisteína causa muita hemorragia Finalmente temos o grupo PIV que contém as desintegrinas cisteínas e lectinas tipoC As desintegrinas impedem que as células se liguem entre si pelas integrinas bloqueandoas e impedindoas de se ligarem a outras moléculas envolvidas na coagulação sanguínea como o fibrinogênio Observação As integrinas são proteínas de adesão que ficam na membrana celular e que se ligam a proteínas da matriz extracelular em uma extremidade e a proteínas do citoplasma na outra extremidade Elas estão envolvidas em vários processos funcionais das células em particular no estancamento dos processos hemorrágicos que têm significado para nosso tema As serinoproteases são enzimas que catalisam proteínas através da hidrólise nas ligações peptídicas Auxiliam no processo de digestão de proteínas e em processos bioquímicos celulares e participam da cascata de coagulação fibrinólise e agregação plaquetária com ação parecida com a da trombina que é a de ativar elementos da cascata de coagulação Essas enzimas as serinoproteases também auxiliam na degradação das proteínas Fosfolipases como a fosfolipase A2 hidrolisam fosfolipídeos de membrana e geram compostos diretamente relacionados à cascata da inflamação como as prostaglandinas leucotrienos e tromboxanas através da degradação que passa pela obtenção do ácido araquidônico Veja o que uma mordida de jararaca pode provocar Essas enzimas por sua vez iniciam a cascata inflamatória aumentam a permeabilidade capilar e recrutam leucócitos causando uma verdadeira confusão imunológica na região da mordida que mais tarde passa a ser sistêmica As miotoxinas e neurotoxinas encontradas no veneno da jararaca são responsáveis por causar um bloqueio na neurotransmissão na altura da junção neuromotora por bloquear canais de potássio dos neurônios Assim ocorre a morte por asfixia a depender da extensão de ação do veneno na vítima por exemplo em pequenos animais e em crianças 4212 Acidentes crotálicos São aqueles causados por serpentes pertencentes ao gênero Crotalus da família das Viperidae grupo que reúne as cascavéis Os venenos crotálicos são compostos por substâncias como enzimas toxinas e peptídeos sendo a fração que contém crotoxina uma toxina que age causando um bloqueio 185 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS présináptico da junção neuromotora que causa paralisia dos músculos dos membros e músculos relacionados à respiração miastenia característica que apresenta ptose bilateral mialgia e edema local No caso de picada de cascavel um dos efeitos mais característicos observados é a pálpebra caída o que chamamos de ptose e a parada respiratória Nada bom As serpentes do gênero Crotalus produzem venenos que apresentam além da crotoxina da qual já falamos frações que contêm crotamina convluxina e girotoxina Vamos a elas A crotoxina corresponde à maior fração do veneno Isso significa que ela vai ser encontrada em maior quantidade cerca de 65 da composição do veneno pra ser mais específico A composição dessa toxina é de uma unidade de fosfolipase e de outra unidade chamada de crotapotina Já vimos que a fosfolipase age na junção neuromotora e no caso do veneno da cascavel ela vai agir com mais eficácia quando ligada à crotapotina A crotamina é um polipeptídeo não enzimático que tem baixa massa molecular por ser formada por apenas 42 aminoácidos É bem resistente à temperatura o que é um problema para que perca a atividade e é uma miotoxina ou seja vai agir nas células musculares bem em suas membranas e causar necrose local além de um tipo de paralisia Convulxina é uma glicoproteína e é uma neurotoxina Como o próprio nome sugere pode causar convulsões problemas com o equilíbrio alterações visuais indução de agregação plaquetária e uma possível isquemia que pode levar à morte A girotoxina também é uma glicoproteína mas é menos perigosa que a convulxina por apenas causar lesões no labirinto mas não podemos ficar iludidos com o fato de ser menos perigoso pois alguns autores relatam a atividade semelhante à trombina como já vimos para outras frações de venenos 4213 Acidentes laquéticos São aqueles causados por serpentes pertencentes ao gênero Lachesis da família das Viperidae grupo da surucucu Esse veneno contém os seguintes grupos de substâncias de origem proteica alguns dos quais já mencionados anteriormente fosfolipase A2 serinoprotease lectinas do tipoC metaloproteinases proteínas ricas em cisteína aminoácido oxidase e peptídeos potenciadores de bradicinina BPPs Estes últimos inibem a degradação da bradicinina e a conversão de angiotensina I a angiotensina II o que leva a quadros de hipotensão ALVES 2010 4214 Acidentes elapídicos São aqueles causados por serpentes pertencentes aos gêneros Micrurus e Leptomicrurus da família das Elapidae que é o grupo das corais verdadeiras As principais frações do veneno elapídico apresentam em sua composição as fosfolipases A2 e as citotoxinas as quais são divididas em neurotoxinas e cardiotoxinas que já foram isoladas de outras serpentes dessa mesma família O estudo das frações dos venenos de corais verdadeiras é mais escasso por conta da baixa quantidade de acidentes e de veneno produzido pelas serpentes e mesmo com essa dificuldade frações de fosfolipase A2 e das 186 Unidade I citotoxinas foram encontradas na coral além de lectinas do tipoC serinoproteases aminoácido oxidase nucleotidase e ohanina CISCOTTO 2011 422 Principais animais peçonhentos e venenosos do Brasil Veja uma coisa interessante sobre as cobras nem todas deixam aqueles dois furinhos ao picarem uma pessoa As serpentes injetam as toxinas através de suas presas presentes em dentições que podem ser classificadas em áglifa opistóglifa proteróglifa ou solenóglifa veja a figura a seguir A B C D Figura 91 Tipos de dentição das cobras A Áglifa B Opistóglifa C Proteróglifa D Solenóglifa A dentição do tipo áglifa se apresenta com os dentes do mesmo tamanho e maciços sem que haja o canal de passagem da peçonha É comum nas cobras constritoras aquelas que se enrolam em suas vítimas como a jiboia a sucuri e a caninana Na dentição do tipo opistóglifa as presas se localizam na porção posterior do maxilar superior o que dificulta a inoculação do veneno por isso as cobras que apresentam esse tipo de dentição não são tão venenosas como a falsacoral por exemplo Na dentição proteróglifa as presas estão localizadas na porção anterior do maxilar superior e possuem canais para inoculação do veneno As serpentes que apresentam esse tipo de dentição possuem boca pequena o que dificulta a mordida e consequentemente a inoculação do veneno como ocorre nas corais verdadeiras A dentição do tipo solenóglifa apresenta presas ocas localizadas na região anterior do maxilar superior e que se projetam no momento da mordida Esse tipo de dentição é encontrado nas cascavéis nas jararacas e nas surucucus 187 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Na prática não teremos tempo de verificar o tipo de dentição das cobras não é mesmo Mas caso haja possibilidade de se pegar a cobra causadora do acidente a dentição pode ajudar a distinguir se a cobra era uma coral falsa ou uma coral verdadeira o que poderá ser útil na escolha do tratamento Aqui não temos dúvida a maior responsável pelos acidentes ofídicos no Brasil é a jararaca as serpentes do gênero Bothrops Algumas espécies desse gênero encontramse amplamente distribuídas em todo o território nacional como a jararaca ao passo que outras podem ter distribuição territorial tão restrita quanto a uma ilha como é o caso da jararacailhoa Bothrops insularis restrita à IlhadaQueimadaGrande no litoral de São Paulo Existem casos reportados de acidente vascular cerebral hemorrágico além dos outros sintomas comuns às metaloproteinases presentes nas toxinas desses animais como hemorragias e necroses disparadas pela picada de uma serpente do gênero Bothrops na Paraíba DELGADO et al 2017 Veja nas fotos a seguir as espécies que mais estão envolvidas nos acidentes botrópicos Jararaca Bothrops jararaca Apresenta comportamento agressivo e sua toxina causa necrose vômitos tontura e náusea veja a figura a seguir Figura 92 Jararaca Queixoamarelo quatronarizes barbaamarela cobraveludo e macagua Bothrops asper É a mais temida serpente da América Latina Ocorre do sul do México ao norte da América do Sul Suas toxinas causam inchaço dor local bolhas dormência febre dor de cabeça sangramento no nariz 188 Unidade I gengivorreia sangramento gastrointestinal choque hemorrágico náuseas vômitos comprometimento dos sentidos hemorragia intracraniana insuficiência renal aguda necrose no local da mordida e membro apodrecido que pode levar à amputação do membro afetado Jararacuçu Bothrops jararacuçu Com uma só mordida é capaz de injetar muito veneno e causar hemorragia edema e lise de tecido veja a figura a seguir Figura 93 Jararacuçu Urutucruzeiro Bothrops alternatus Seu bote é rápido As toxinas apresentam um alto grau de toxicidade Provoca necrose e hemorragia Como hábito alimentar gosta de pequenos roedores Não põe ovos É comum aos cerrados e aos banhados do Sul podendo ocorrer nos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paraná São Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro e Bahia e também no Paraguai no Uruguai e na Argentina Em seu desenho há uma cruz na qual se baseia seu nome popular veja a figura a seguir Figura 94 Urutucruzeiro 189 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Caiçaca ou caiçara Bothrops moojeni É semelhante à jararaca e causa necrose dor inchaço e hemorragia veja a figura a seguir Figura 95 Caiçaca Cobracotiara Bothrops fonsecai Ocorre no Sudeste com exceção do Espírito Santo Ao ser picada por essa serpente a pessoa deve receber auxílio rápido em menos de quatro horas por conta da ação necrosante rápida e do aparecimento de hemorragias veja a figura a seguir Figura 96 Cobracotiara 190 Unidade I Jararacaverde Bothrops bilineatus Esta serpente habita árvores o que leva o bote a ser dado na altura da cabeça ou do pescoço Ocorre em Amazonas Bahia Alagoas e Pernambuco Por ser encontrada em árvores caça pássaros e pequenos mamíferos veja a figura a seguir Figura 97 Jararacaverde Jararacailhoa Bothrops insularis Ocorre exclusivamente na IlhadaQueimadaGrande no litoral de SP veja a figura a seguir Essa serpente pode ficar por mais de sete meses sem se alimentar O acidente com a toxina dessa serpente pode causar morte por falência geral dos órgãos em um período de até duas horas após a inoculação A ilha está localizada a apenas 35 km do litoral das cidades de Itanhaém e Peruíbe cujo acesso é restrito e se dá apenas com autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação e da Biodiversidade por barcos autorizados O nome da ilha vem do costume antigo de pescadores atearem fogo na vegetação para espantarem as serpentes e poderem desembarcar com mais segurança Agora como as cobras foram parar na ilha é outra história Figura 98 Jararacailhoa 191 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Jararacadealcatrazes Bothrops alcatraz Na Ilha de Alcatrazes que fica também no litoral de São Sebastião em São Paulo ocorre endemicamente uma espécie de jararaca que habita há ilha a uns 15 mil anos veja a figura a seguir Essa serpente embora pequena possui uma toxina 10 vezes mais potente do que a toxina da jararaca encontrada no continente Figura 99 Jararacadealcatrazes Cascavel boicininga ou maracamboia Crotalus durissus As cascavéis são conhecidas pela sua principal característica que é a presença de um chocalho na ponta de sua cauda veja a figura a seguir São responsáveis por aproximadamente 10 dos acidentes ofídicos no Brasil Seu veneno é neurotóxico crotoxina neurotoxina de ação présináptica que inibe a liberação de acetilcolina Sua ação miotóxica produz lesões da fibra muscular esquelética a qual libera enzimas e mioglobina para o sangue que é posteriormente excretada pela urina e a ação anticoagulante pode ser eventual No Brasil existem cinco subespécies de cascavéis identificadas segundo a ocorrência nas diferentes regiões do Brasil C durissus terrificus em zonas altas secas no Sul C durissus collineatus no CentroOeste em Minas Gerais e em São Paulo C durissus cascavella na Caatinga C durissus ruruima na região Norte e C durissus marajoensis na Ilha de Marajó 192 Unidade I Figura 100 Cascavel 4221 Animais responsáveis pelos acidentes elapídicos no Brasil Coral verdadeira Micrurus sp São 32 espécies de corais verdadeiras e 52 de corais falsas pertencentes a esse gênero mais três espécies de corais pertencentes ao gênero Leptomicrurus veja a figura a seguir Os acidentes elapídicos correspondem a apenas 05 a 1 do total porém podem causar morte em poucas horas Portanto melhor não esperar saber se a coral é verdadeira ou se é falsa As serpentes corais não dão bote A picada ocorre se ela for pisada ou diretamente importunada As principais características observadas em um indivíduo acometido pela picada de coral verdadeira são neurotoxicidade e paralisia neuromuscular decorrente de bloqueio da placa terminal motora póssináptica dos neurônios receptores de acetilcolina que podem ou não ocorrer a depender da espécie de coral causadora do acidente uma vez que os venenos variam em composição PARDAL PARDAL GADELHA 2010 Figura 101 Coral 193 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS 4222 Animais responsáveis pelos acidentes laquéticos no Brasil Surucucu picodejaca bicodejaca surucucucospefogo surucucuapagafogo surucutinga Lachesis muta É uma das maiores serpentes do mundo certamente a maior do Brasil com 4 m de comprimento e presas de 25 cm ou mais veja a figura a seguir Os sintomas dos acidentes laquéticos são a presença de edema equimose mancha causada por extravasamento de sangue na pele bolhas gengicorragia hematúria bradicardia hipotensão arterial sudorese vômitos náuseas cólicas abdominais diarreia e quadro neurotóxico Não se deve fazer torniquetes em membros acidentados por picada de cobra particularmente as da família das jararacas Não se deixe levar por filmes e seriados estrangeiros pois as nossas cobras não são iguais às cobras gringas No caso de dúvida leve o acidentado o quanto antes para um prontosocorro que tenha o soro antiofídico Figura 102 Surucucu picodejaca Escorpiões Ocorrem nas zonas tropicais e subtropicais do mundo especialmente nas épocas de chuva e temperatura elevadas Os escorpiões foram responsáveis pela maioria dos acidentes com animais peçonhentos em 2017 Houve registros de 11679 casos em humanos e seis óbitos de crianças sendo três de cada sexo desses óbitos cinco ocorreram na região Sudeste e um na CentroOeste Em termos regionais as regiões Sudeste 5279 casos e Nordeste 5228 casos são as que apresentaram maior número de casos de acidentes com escorpiões em 2017 seguidas das regiões Sul 787 casos CentroOeste 356 casos e Norte 29 casos SINITOX sda A peçonha do escorpião é composta por diversos tipos de substâncias como enzimas lipídios nucleotídeos aminas biogênicas peptídeos e outros compostos BATISTA et al 2004 194 Unidade I As toxinas do escorpião podem agir sobre os canais de sódio de potássio de cloro e de cálcio e afetam diferentes células CATTERALL et al 2007 Elas são conhecidas pela ação específica sobre cada canal Por exemplo o escorpião Tytius serrulatus o escorpiãoamarelo possui toxinas que agem sobre o sistema nervoso periférico onde aumentam a liberação de neurotransmissores Essas toxinas são conhecidas por Ts e são numeradas conforme identificadas em Ts1 Ts2 Ts15 As toxinas Ts1 e Ts5 ligamse a canais de Na a toxina Ts2 ligase a canais de Ca2 e as outras Ts ligamse a canais de K Além dessas toxinas o veneno de escorpião também apresenta hialuronidases degradam ácido hialurônico presente na matriz extracelular proteases ativam sistema complemento e desempenham papel no processo inflamatório que acontece após a picada e peptídeos originados da quebra de proteínas causada pela ação do veneno Apresentam também enzimas proteolíticas que são conhecidas como serinoprotease cisteinoprotease metaloprotease aspartilprotease e treoninaprotease DUZZI 2014 Embora haja 19 famílias de escorpiões no mundo somente os do gênero Tityus ocorrem no Brasil sendo alguns mais comuns em determinadas regiões O escorpiãoamarelo Tytius serrulatus veja a figura a seguir apresentase distribuído em todo o Brasil Por conta disso é o responsável pelo maior número de casos de acidentes Figura 103 Escorpiãoamarelo escondido em telhas O escorpiãomarrom Tityus bahiensis que pode ser preto às vezes ocorre principalmente na Bahia e nos estados do CentroOeste Sudeste e Sul do Brasil Já o escorpiãoamarelodonordeste Tityus stigmurus possui um característico triângulo negro na cabeça uma faixa longitudinal mediana negra no corpo e manchas laterais em cada segmento do corpo Como o próprio nome comum sugere é de ocorrência frequente no Nordeste do Brasil Ele se alimenta de baratas Sua picada é dolorida e crianças idosos e imunocomprometidos necessitam de socorro médico Há também o escorpiãopretodaamazônia Tityus cambridgei que vive na Amazônia somente Ele é castanhoavermelhado a negro com pontos claros 195 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Já o Tityus trivittatus amareloescuro apresenta três faixas longitudinais escuras Ele é encontrado no Rio Grande do Sul Paraná Mato Grosso do Sul Mato Grosso Goiás Minas Gerais e Rio de Janeiro Os casos de picadas de escorpiões são mais comuns em locais próximos a residências construções ou em áreas onde há acúmulo de materiais como madeiras amontoados de entulho terrenos baldios e folhagens densas Quando o acidente ocorre com um adulto aparecem sintomas locais como dor intensa no local da picada vermelhidão e inchaço piloereção sudorese localizada movimentos involuntários de determinados grupos musculares mioclonia e contrações musculares involuntárias escorpiãopretodaamazônia Os casos mais graves são observados em crianças menores de 7 anos por conta da proporção entre a massa corpórea e o volume de toxina injetado na picada Nesses casos quanto antes a criança receber o soro adequado melhor serão as condições de tratamento em particular quando o acidente for com o escorpiãoamarelo Aranhas As aranhas são responsáveis por um número significativo de acidentes por ocorrerem em locais de habitação humana e animal Em termos clínicos as reações são menos significativas mesmo sendo severas raramente levam à morte A armadeira aranhadabanana ou aranha macaca Phoneutria nigriventer é uma aranha agressiva responsável por acidentes domésticos veja a figura a seguir Ela se esconde em sapatos roupas e cortinas e sua picada é pouco visível É responsável por um grande número de casos de acidentes com aranhas Os sintomas podem ser pulso acelerado dor local febre suor problemas respiratórios vertigem e vômito Figura 104 Aranha armadeira 196 Unidade I A viúvanegra Latrodectus mactnas embora fatal para o macho após a cópula para o homem causa apenas dor e desconforto local veja a figura a seguir A toxina chamada lactrotoxina pode produzir dor irritante calafrio e suor em 15 minutos rigidez tremores câimbras após uma hora febre salivação sede náusea hipertensão psicomotricidade excitada taquicardia arritmia anúria e priapismo caso ocorram reações mais profundas Figura 105 Aranha viúvanegra A aranhamarrom Loxosceles gaucho ocorre em todo Brasil embora seja mais comum no Sul e no Sudeste veja a figura a seguir A picada que não tem dor e às vezes não é notada pode causar bolhas inchaço coceira e necrose após 12 a 24 horas Figura 106 Aranhamarrom Outro exemplo é a aranhadejardim aranha de grama ou aranha lobo Lycosa sp cuja picada pode causar dor formigamento ardência e queimação 197 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Já as caranguejeiras ou tarântulas Lasiodora parahybana são as maiores e mais impressionantes morfologicamente embora não muito tóxicas veja a figura a seguir pois seu veneno não apresenta grande perigo Ocorrem na região amazônica e têm até 26 cm Elas possuem pelos urticantes abdominais e cerdas de marrom a pretas Figura 107 Aranha caranguejeira Insetos Os acidentes ocorrem por inoculação de toxinas através de ferroadas As consequências da ferroada variam confirme o local a quantidade de toxina e o quanto o indivíduo apresenta alergia à toxina Em casos mais severos pode haver reação alérgica intensa podendo levar à morte No que se refere a borboletas e mariposas Lepdoptera os acidentes são causados por lagartas veja a figura a seguir mandrovás bichospeludos taturanas ou lagartasdeespinho As lagartas podem ser cabeludas família Megalopygidae que possuem pelos dorsais longos e sedosos chamados de cerdas os quais contêm glândulas de venenos urticantes Também podem ser espinhentas família Saturniidae gênero Lomonia cujos espinhos corporais liberam veneno quando quebradas podendo levar a insuficiência renal e hemorragias em casos graves O Brasil é o único país que produz soro antilomônico SALon Figura 108 Lagarta 198 Unidade I Já as lacraias Scolopendra sp também conhecidas como centopeias apresentam sinais de intoxicação dados por presença de edema dor intensa febre náusea e vômito Seu veneno é pouco tóxico e não há registro de morte veja a figura a seguir Figura 109 Lacraia Quanto às abelhas e vespas Hymenoptera a ocorrência de acidentes se dá principalmente na tentativa de se deslocar uma colônia das proximidades de residências ou locais públicos ou durante manipulação de colônias em fazendas produtoras de mel quando os funcionários não se encontram com os equipamentos de proteção individual adequados Durante a ferroada a abelha abelha africanizada Apis melífera perde o ferrão após a inoculação da toxina que pode causar reações inflamatórias e alérgicas A remoção dos ferrões deve ser feita por processo de raspagem uma vez que a tentativa de se retirar os ferrões com pinças pode favorecer a inoculação de toxinas residuais e agravar o processo inflamatório ou alérgico No caso das vespas o ferrão não permanece na vítima portanto um animal pode picar várias pessoas Outro exemplo são as formigas Hymenoptera No Brasil existem mais de duas mil espécies de formigas sendo algumas responsáveis por acidentes tóxicos As principais formigas responsáveis pelos acidentes tóxicos são a lavapés Solenopsis saevissima a formigadefogo que recebe esse nome por conta da sensação de queimação local e a tocandeira Paraponera clavata Todas elas liberam toxinas que podem causar reações alérgicas as quais em casos mais severos podem levar o indivíduo à morte por edema de glote A formiga tocandeira ou tucandeira ou tocandira faz parte de um ritual de passagem da tribo dos SateréMawé a tribo que domesticou o guaraná da Amazônia No ritual o jovem aspirante a adulto deve colocar ambas as mãos por dez minutos em um par de luvas feito de folhas e outros materiais vegetais que contêm centenas dessas formigas estrategicamente colocadas com o lado do ferrão na direção interna das luvas ou seja no sentido das mãos do jovem aspirante a adulto Desse modo por esse tempo o adolescente recebe as picadas consideradas 30 vezes mais doloridas que uma picada de abelha Após os torturantes 10 minutos com o par de luvas o jovem deve ainda aguentar a dor da toxina inoculada que segundo alguns relatos é uma das dores mais fortes que um ser humano poderia aguentar sem poder chorar 199 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Animais marinhos Cnidários e peixes São exemplos as águasvivas medusas e caravelas Cnidaria O Brasil possui mais de 8000 km de praias em seu litoral que durante a alta temporada de verão recebem milhares de turistas Acidentes com águasvivas e caravelas são mais frequentes nessa época As águasvivas possuem tentáculos que ao entrarem em contato com a pele podem inocular a toxina de base proteica causando queimaduras e irritações locais As queimaduras causadas pelas águasvivas devem ser limpas com água do mar de preferência gelada Não se deve utilizar água doce As queimaduras podem ser lavadas com ácido acético diluído em 5 que ajuda a retirar as toxinas Compressas de água do mar geladas ajudam a amenizar a sensação de queimadura A retirada dos tentáculos ou dos nematocistos microestruturas das águasvivas que inoculam o veneno na pele deve ser feita por médicos de preferência com o auxílio de pinças ou lâminas A B Figura 110 A Águaviva B Caravela Também é um exemplo o baiacu veja a figura a seguir peixe da ordem dos Tetraodontiformes que já mencionamos anteriormente Outros peixes como o peixebalão além de cefalópodes marinhos como algumas espécies de polvo e lulas alguns gastrópodes e bivalves moluscos que se apresentam em conchas com duas valvas como os mariscos e mexilhões por exemplo apresentam a tetrodotoxina Figura 111 Baiacu 200 Unidade I Podemos ainda mencionar as cianobactérias e os dinoflagelados marinhos veja a figura seguir que estudamos no tópico de toxicologia ambiental A B OH OH HN HN O O N N NH2 H2N H N Figura 112 A Cianobactérias B Saxitoxina Anfíbios Entre outras espécies o Brasil é o país que apresenta maior biodiversidade de anfíbios Aqui ocorrem 14 das espécies totalizando até o momento 517 Os acidentes com anfíbios no Brasil são mais raros Os venenos nos anfíbios são encontrados em glândulas especializadas denominadas de glândulas serosas Considerase que todo anfíbio produz substâncias tóxicas sendo que há uma variabilidade relativa ao grau de toxicidade entre as espécies Um exemplo é o sapocururu Bufos spp ou Rhinella diptyca É também conhecido como sapoboi veja a figura a seguir Possui um par de glândulas na parte superior da cabeça que secretam venenos os quais podem causar a morte caso ingeridos O veneno é composto por substâncias de origem diversa como glicosídeos cardioativos Figura 113 Sapocururu 201 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Já a salamandra Salamandra salamandra apresenta glândulas excretoras na parte posterior da cabeça que produzem substâncias altamente tóxicas Outro exemplo é a rã Phyllobates terribilis já mencionada no tópico sobre toxicodinâmica veja a figura a seguir Figura 114 Rã do gênero Phyllobates A natureza é maravilhosa Devemos conhecêla para respeitála e ter cuidado com o que ela pode nos apresentar O número de animais que podem de algum modo causar envenenamento é elevado por isso esteja atento às normas de segurança que não devem ser esquecidas como solicitar a remoção de colônias de abelhas vespas e marimbondos de locais públicos e residências vestirse com roupas e sapatos adequados para a prática de jardinagem ou de passeios ao campo olhar dentro dos calçados antes de calçálos não deixar a cama próxima às paredes vedar frestas localizadas nas paredes no chão e no forro das casas colocar sempre que possível telas nas portas janelas e ralos manter a casa e o terreno limpos sem acúmulo de restos de construção manter atenção às recomendações do Corpo de Bombeiros responsável pelas praias e só entrar na água quando autorizado 202 Unidade I 43 Domissanitários As situações de risco não acabaram Veja só assim como as plantas tóxicas e alguns animais peçonhentos estão envolvidos em acidentes com crianças idosos e animais domésticos por estarem nos espaços domésticos e nos locais públicos o fato de os domissanitários estarem armazenados em locais de convívio comum e de fácil acesso também os coloca como agentes toxicantes comuns Vamos iniciar com a definição do que são os domissanitários Domissanitários são substâncias ou fórmulas desenvolvidas para a higienização desinfecção ou desinfestação de ambientes de uso comum como a nossa casa a escola a piscina o metrô os escritórios os hospitais as ruas da cidade os prédios públicos entre outros que têm por finalidade limpar superfícies acabar com germes e bactérias e exterminar pragas como ratos e baratas Os produtos podem ser sabões detergentes saponáceos amaciantes de roupa alvejantes algicidas desodorizantes esterilizantes fungicidas limpavidros ceras de polimento removedores desentupidores desinfetantes sólidos ou líquidos água sanitária e produtos clorados produtos para manutenção de piscina repelentes raticidas e inseticidas As reações de intoxicação variam conforme a natureza química dos componentes das formulações desses produtos bem como variam os procedimentos 431 Sabões e detergentes Os efeitos tóxicos de sabões e detergentes estão em geral relacionados ao contato direto deles com a pele o que pode causar reações alérgicas ressecamento coceira rash cutâneo e distúrbios gastrintestinais ao ingerilo acidentalmente A ingestão de sabões caseiros pode levar à queimadura da mucosa que reveste o tubo digestório por conta da presença eventual de hidróxido de sódio ou soda cáustica em sua composição A diferença entre sabão e detergente está em sua estrutura química Enquanto os sabões são obtidos de ácidos carboxílicos existentes nos óleos vegetais os detergentes são obtidos a partir de produtos de petróleo Ambos apresentam em sua estrutura uma parte polar chamada de cabeça e uma parte apolar chamada de cauda Para apresentarem a capacidade saponificante desejada tanto os ácidos carboxílicos quanto os compostos derivados de petróleo devem sofrer uma reação química do tipo ácidobase para gerar os compostos a serem chamados de sabão ou de detergente Os sabões por serem derivados de ácidos carboxílicos que são ácidos fracos irão gerar sabões menos agressivos ao meio ambiente ao passo que os compostos que irão gerar os detergentes são derivados de ácido sulfúrico ácidos fortes e portanto podem ou não ser biodegradáveis a depender da síntese orgânica realizada Embora os sabões e detergentes não sejam os principais produtos usados na limpeza doméstica que estão envolvidos na intoxicação infantil ainda são listados como produtos com necessidade de atenção nas medidas de prevenção de acidentes como escolher o local apropriado para armazenamento 203 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS desses produtos evitar o armazenamento em locais próximos a alimentos e a medicamentos manter os produtos fora do alcance de crianças manter os produtos em suas embalagens originais e nunca armazenar esse tipo de produto em garrafas de refrigerantes ou sucos vazias Os produtos de limpeza devem ser elaborados de forma a não apresentarem cheiros atraentes ou gosto de doce e a embalagem deve ser feita segundo os padrões de Embalagem Especial de Proteção à Criança EEPC Uma vez que os acidentes ocorrem em ambiente doméstico é muito provável que a criança se contamine mesmo com a supervisão de um adulto responsável que está ocupado com outras atividades e não está voltado 100 do tempo à criança Segundo dados obtidos do Estado de Tocantins a faixa etária de crianças que apresenta maior morbidade hospitalar é a de1 a 4 anos seguida da faixa de 5 a 9 anos A faixa etária que apresentou menor morbidade hospitalar é a de 1 ano BRITO et al 2019 Observação Morbidade é a relação entre a taxa de doentes e o número de habitantes de um lugar em um dado momento Mortalidade é a relação entre o número de pessoas que morreram e o número de habitantes em um determinado período Os sabões e detergentes podem provocar dano ambiental como a grande quantidade de água necessária para se retirar o sabão das superfícies e a espuma pode interferir na cadeia alimentar do local que recebe os efluentes que contêm sabão Já os detergentes que têm tensoativos catiônicos aniônicos não iônicos ou anfóteros apresentam a capacidade de remover gorduras e proteínas de superfícies e podem também alterar a tensão superficial de soluções Com a diminuição da tensão superficial as bolhas de ar que contêm oxigênio e estão misturadas na água acabam saindo mais rapidamente para a atmosfera o que acarreta a impossibilidade de os animais que necessitam do oxigênio retido na água usaremno para respirar Outro problema relacionado às condições do meio ambiente em se tratando dos detergentes é que quando estes são sintéticos em particular os tensoativos aniônicos precisam de agentes quelantes ou sequestradores para aumentar a eficácia detergente e esses agentes são em geral os fosfatos Os fosfatos são descartados nos efluentes domésticos e industriais diretamente em um rio ou no mar Nessas águas a quantidade de fosfato no local vai aumentar e desbalancear a proporção com oxigênio que já estava baixa devido à ação dos detergentes Isso irá provocar o desenvolvimento de determinadas espécies de algas que podem causar a eutrofização das águas KOGAWA et al 2017 Observação Biodegradável é o composto que consegue sofrer ação de enzimas de microorganismos presentes no meio ambiente 204 Unidade I 432 Produtos que contêm compostos alifáticos derivados de petróleo Os produtos para limpeza denominados de removedores pertencem a esse grupo São produtos facilmente absorvidos pela pele e mucosas do corpo Quando ingeridos não se deve provocar vômito pois o contato desses produtos com a mucosa na trajetória de retorno à boca pode ser absorvido em maior quantidade uma vez que entrará novamente em contato com a mucosa do segmento anterior ao estômago do tubo digestório Recomendase a ingestão de carvão ativado para que o produto seja adsorvido e posteriormente excretado com as fezes junto a ele 433 Produtos que contêm ou liberam cloro Produtos de limpeza e para manutenção de piscina apresentam formulações compostas por hipoclorito de sódio cloreto de sódio carbonato de sódio ou hidróxido de sódio São comumente conhecidos por água sanitária ou pelos nomes das marcas popularizadas como clorox qboa ou cândida A potência desses produtos se dá pela quantidade de cloro disponível o chamado cloro ativo As formulações apresentam em geral até 5 de hipoclorito de sódio A ação fortemente oxidante do hipoclorito de cálcio somada à ação cáustica dos agentes alcalinos provoca atividade tóxica expressa por irritação ou corrosão de pele e mucosas Acidentes com crianças pequenas são frequentes com os produtos à base de hipoclorito de sódio e estão ligados à ingestão acidental do líquido geralmente confundido com refrigerantes ou sucos por estarem acondicionados em garrafas descartáveis que continham a bebida Nesses acidentes ocorre o aparecimento de lesões na boca esôfago e estômago salivação exagerada dificuldade de deglutição e em casos mais graves hipotensão arterial choque e efeitos no sistema nervoso central como confusão mental delírio e coma Nos Estados Unidos cerca de 45000 pessoas foram diagnosticadas com intoxicação por hipoclorito de sódio entre os anos de 2012 e 2016 SLAUGHTER et al 2019 A ação tóxica da água sanitária está relacionada com a capacidade oxidante que o composto apresenta e que em contato com mucosas vai reagir e causar a corrosão desses tecidos principalmente quando ingeridos em grande quantidade Durante a pandemia causada pelo vírus SarsCOV2 responsável pela doença conhecida por Covid19 a utilização de álcool 70 e de água sanitária aumentou significativamente nas residências e locais fechados e aumentou também a exposição a esse tipo de composto através do contato direto com a pele e da respiração A recomendação de utilização de hipoclorito de sódio é que se dilua a água sanitária comprada no mercado com 50 ml do produto comercial em 950 ml de água embora a depender do uso outras concentrações sejam indicadas como para a desinfecção de superfícies na qual recomendase a diluição de 200 ml do produto comercial em cinco litros de água Após um período de 10 minutos em contato com a água sanitária as superfícies e os produtos a que foram submetidos devem ser lavados com água 205 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A água sanitária comercial é vendida a uma concentração de cloro ativo de 20 a 25 Em meio à preocupação em manter o ambiente livre do vírus a população acaba por aumentar a concentração do produto nos preparados caseiros Outra situação que é muito preocupante é a utilização de água sanitária fabricada clandestinamente Em Maringá no Paraná no período de 2005 a 2008 de 118 casos de intoxicação por agentes clorados 635 ocorreram em homens 889 ou seja 105 dos 118 necessitaram ser atendidos em emergência e 14 pessoas precisaram de internação em unidades de tratamento intensivo Dos 105 casos de intoxicação registrados cinco mortes ocorreram SANTOS et al 2011 434 Produtos que contêm substâncias com base em amônia Vários produtos de limpeza podem conter hidróxido de amônio ou dióxido de amônio Esses produtos são responsáveis por liberarem gás amônia que é irritante assim como o líquido que o contém A amônia conhecida também por amoníaco se dissolve facilmente em água e assim pode ser usada como desengordurante Os produtos feitos com amoníaco desprendem um forte odor característico do gás amônia que é o NH3 Diversos sais de amônia são utilizados na fabricação de tensoativos como alquilbenzenossulfonatos de amônio alquilssulfatos de amônio bicarbonato de amônia estearato de amônia entre outros BRASIL 1997 Esses produtos podem provocar dermatite de contato ou queimaduras na pele e irritação nas vias aéreas superiores caso sejam inalados Os efeitos colaterais assimilamse aos efeitos observados pela intoxicação por compostos alcalinos e a ingestão de grande quantidade que é muito raro pode levar a convulsões e coma Os produtos feitos com amônia e seus sais podem ser usados como produtos de limpeza na indústria e comércio e na agricultura onde funcionam como fonte de nitrogênio em fertilizantes agentes neutralizadores na indústria do petróleo gás de refrigeração industrial entre outras aplicações CASTRO et al 2011 FEDORUK BRONSTEIN KERGER 2005 Em termos de toxicologia ocupacional esses produtos ganham uma importância por conta da exposição constante à qual o trabalhador se submete O lado bom é que o cheiro da amônia é tão irritante que funciona como um alarme que há um excesso sendo usado Pelo fato de a amônia virar gás com facilidade à temperatura ambiente existem metodologias de análise ambiental desenvolvidas que utilizam bombas coletoras do ar ambiental e fazem com que o ar passe por um tubo que contém um agente adsorvente como a sílica que depois é levado para um aparelho de espectrofotometria de absorção no visível FEDORUK BRONSTEIN KERGER 2005 ou por outras metodologias A exposição diária a vapores de amônia permitida pode chegar a 30 ppmv por oito horas por dia sendo que o limite para o olfato humano é de 55 ppmv O problema é que quando a gente se expõe muito a esse odor irritante a gente acaba se acostumando Aí moram o perigo e a necessidade de se monitorar o ambiente constantemente 206 Unidade I 435 Produtos que contêm óleos essenciais de origem vegetal ou sintética Os óleos essencias apresentam grande capacidade bactericida e por causa dessa propriedade são usados em produtos de limpeza em particular o óleo de pinho O óleo de pinho pode ser encontrado em concentrações que variam de 40 a 80 nas formulações sendo o componente ativo de desinfetantes Caso haja contato com a mucosa ocular oral ou digestiva pode ocorrer irritação dor no local aumento de salivação dor ao deglutir e vômito Caso tenha sido ingerido pode haver o aparecimento de um certo grau de irritabilidade e excitação seguidas de depressão além de distúrbios respiratórios 436 Produtos que contêm compostos fenólicos O fenol foi primeiramente obtido do alcatrão da hulha que é carvão resultante da combustão incompleta de compostos orgânicos e pode ser sintetizado em laboratório O fenol mais simples é composto por um benzeno hidroxilado Podem ser empregados como desinfetantes como a creolina hoje pouco usada Soluções preparadas com fenóis são muito irritantes e provocam lesões corrosivas que eventualmente afetam os terminais nervosos destruindoos A ingestão pode provocar lesões corrosivas nas mucosas do tubo digestório provocando dores nos locais afetados como boca esôfago e estômago A ingestão pode levar a problemas renais gerando urina escurecida 437 Produtos que contêm formaldeído Formaldeído é o nome dado à solução de formol preparada a 35 e é um gás cujo odor é altamente irritante Alguns efeitos tóxicos por produtos de limpeza e desinfecção que contêm formaldeído são a irritação das vias aéreas superiores asma alergia bronquite dermatite descoloração e necrose mas quando ingeridos podem causar vômitos diarreia e acidose metabólica por conta da conversão de formaldeído em ácido fórmico 438 Produtos que contêm ácidos Alguns produtos de uso doméstico apresentam ácidos em sua formulação como desentupidores produtos para limpeza de vasos e produtos para piscina Alguns ácidos usados nas formulações são ácido sulfúrico ácido clorídrico ácido fosfórico e ácido oxálico Os ácidos produzem necrose por coagulação podendo levar a lesões na região de boca esôfago e estômago Após um tempo podem aparecer mediastinite peritonite e estenose cicatricial do esôfago os vapores produzem irritação no sistema respiratório causando tosse secreção brônquica e edema pulmonar Podem ainda causar queimaduras ao contato com a pele Acidentes com ácido muriático acontecem com certa frequência na tentativa de atentar contra a própria vida ou no ambiente de trabalho Em um relato de casos atendidos na Santa Casa de São Paulo em 12 anos verificouse que 21 pacientes foram atendidos naquele hospital Parece até pouco mas estamos falando de apenas um hospital de São Paulo Desses 21 casos três eram de ingestão de ácido muriático CORSI et al 2000 e os pacientes apresentaram lesões corrosivas no esôfago No ano de 2017 houve o tombamento de um caminhão que transportava ácido muriático em uma de suas 207 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS rodovias que ficou interditada por muitas horas até os bombeiros conseguirem cobrir todo o asfalto atingido com cal E o motorista Em reportagem posterior soubemos que ele sofreu ferimentos leves Sorte não CAMINHÃO 2017 RELEMBRE 2017 Nessa última reportagem há o relato de outros dois acidentes com produtos químicos que aconteceram em um prazo de 30 dias Observação O termo corrosivo é aplicado para agentes ácidos enquanto cáustico é utilizado para agentes alcalinos 439 Produtos que contêm álcalis Álcalis como hidróxido de sódio ou soda cáustica hidróxido de potássio ou potassa tripolifosfato de sódio metassilicato de sódio carbonato de sódio e silicato de sódio são usados na formulação de desentupidores limpaforno detergentes de máquina de lavar e soluções de limpeza Álcalis produzem necrose por liquefação por saponificarem os lipídios e solubilizarem as proteínas Por esse motivo as lesões podem ser mais profundas A ingestão de produtos que contêm álcalis é portanto muito mais danosa ao organismo Pode ocorrer o aparecimento de edema na boca língua faringe e laringe provocando a diminuição do calibre das vias aéreas superiores com consequente alteração do funcionamento regular dos pulmões A febre pode indicar perfuração esofágica e mediastinite Vapores de álcalis são danosos para as vias aéreas superiores podendo levar a edema pulmonar e à morte ao contato com a pele pois produz queimaduras Acidentes com soda cáustica são os mais frequentes entre os produtos que contêm álcalis No estudo mencionado anteriormente CORSI et al 2000 que descrevia a intoxicação por produtos químicos corrosivos dos 21 casos reportados a maioria esmagadora 16 casos ingeriu soda cáustica Observase que pacientes infantis ingerem a soda cáustica por acidente ao passo que os adultos para se autodestruir Nos pacientes adultos foram identificados os seguintes sintomas ao darem entrada no pronto atendimento odinofagia dificuldade de engolir vômito dor retrosternal hematêmese vômito sanguinolento que vem do estômago ou do esôfago disfasia dificuldade de falar as palavras na ordem correta epigastralgia dor no epigástrio dispneia falta de ar tosse sialorreia produção elevada de saliva dor abdominal e emagrecimento Nesse estudo a mortalidade entre os que ingeriram a soda cáustica foi de 31 ou cinco dos 16 casos registrados Não se deve nesses casos tentar neutralizar a ação dos álcalis ingeridos com a administração de ácidos pois a reação ácidobase pode gerar calor e prejudicar ainda mais o estado crítico da mucosa Lavagens gástricas e eméticos também não são recomendáveis porque as substâncias cáusticas iriam reagir novamente com a mucosa já lesada ao percorrerem o caminho do estômago para a boca 208 Unidade I Bloqueadores de secreção gástrica e antiácidos podem ser administrados assim que o paciente puder deglutir em um período de seis a oito semanas Observase que as pessoas em situação de rua nas grandes cidades são vulneráveis e podem apresentar tendência à autodestruição e um dos recursos usados é a ingestão de soda cáustica junto com o café CASTRO et al 2019 Outro grupo de população vulnerável é composta pelos idosos quando afastados da convivência familiar MINAYO et al 2017 Observação Conhecido como soda cáustica e como potassa NaOH e KOH são usados hoje para se fazer sabão doméstico que é preparado a partir de óleo de cozinha reciclado 4310 Produtos que contêm piretroides Os compostos tóxicos classificados como piretroides serão abordados no tópico sobre praguicidas 4311 Produtos que contêm organofosforados Os compostos tóxicos classificados como organofosforados serão abordados no tópico sobre praguicidas 4312 Produtos que contêm carbamatos Compostos derivados do ácido carbâmico são responsáveis pela terceira maior causa de casos de intoxicação no Brasil em decorrência da facilidade de acesso Eles também penetram no organismo pela pele mucosas respiração e trato gastrintestinal Assim como os organofosforados não se acumulam no organismo nem geram efeitos mutagênicos ou carcinogênicos Eles também serão abordados com mais detalhes posteriormente 4313 Produtos raticidas Compostos utilizados para exterminar ratos e outros roedores Os raticidas podem ser formulados com mais de um produto entre os quais organofosforados e carbamatos além de anticoagulantes warfarina flocumafen clorfacinona difacinona pindone hidroxicumarina ativos sobre as vitaminas K II VII IX e X A toxicidade se manifesta através de sangramento em diversos órgãos e por aumentar a fragilidade capilar Altas doses podem levar a séria hemorragia interna Alguns produtos como estricnina arsênico e fluoracetato de sódio apresentam comercialização proibida embora clandestinamente possam ser encontrados 209 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Os efeitos tóxicos da estricnina são clássicos e se manifestam como convulsões do tipo tônicoclônicas e a morte pode ocorrer logo após a segunda manifestação convulsiva As manifestações toxicológicas relacionadas ao arsênico estão ligadas à sua afinidade com os radicais sulfidrila encontrados em algumas enzimas e na hemoglobina em que o paciente sentirá um gosto metálico na boca distúrbios gástricos e nervosos necrose hepática choque hipovolêmico e morte entre 24 horas e quatro dias da ingestão 4314 Outros produtos químicos encontrados em locais de usoconvivência comum Outros produtos químicos também podem ser encontrados em ambientes comuns como gasolina óleo diesel produtos de uso pessoal como maquiagens desodorante xampus e condicionadores demaquilantes esmalte removedor de esmalte e perfumes termômetro com bulbo de mercúrio e medicamentos Atenção deve ser dada a todos eles Saiba mais Esteja atento aos primeiros socorros a serem tomados no caso de suspeita de intoxicação por domissanitários ou produtos de limpeza Acesse SÃO PAULO ESTADO Saúde dá dicas para evitar acidentes com substâncias tóxicas São Paulo 2012 Disponível em httpwwwsaopaulo spgovbrultimasnoticiassaudedadicasparaevitaracidentescom substanciastoxicas Acesso em 27 nov 2020 Veja as recomendações da Secretaria Estadual da Saúde para evitar acidentes Mantenha caixas vidros ou cartelas de medicamentos em armários e prateleiras no alto fora do alcance de crianças Não reutilize embalagens de refrigerantes sucos ou doces para armazenar produtos químicos ou de limpeza As embalagens podem atrair e confundir até mesmo adolescentes e adultos Mantenha tanto medicamentos quanto produtos de limpeza em locais arejados em suas caixas ou embalagens originais ou com etiquetas para fácil identificação Descarte alimentos medicamentos e outros produtos que estejam fora do prazo de validade No caso de acidentes pela ingestão acidental desses produtos acione imediatamente a equipe de resgate médico pelo telefone 193 Enquanto aguarda o resgate mantenha a vítima calma e deitada de lado e em local arejado evitando que ela se machuque em caso de desmaio ou engasgue ao vomitar 210 Unidade I Não ofereça qualquer tipo de líquido e não peça para que a vítima provoque vômito No caso de intoxicação por inalação de gases tóxicos tente afastar a vítima do local e se possível desligue a válvula de escape do gás Mantenha a vítima calma e deitada de lado e em local arejado Ao notar vazamento de gases não acenda as luzes do local evitando o risco de explosões Saiba mais Leia também os textos a seguir ITANHAÉM Ilha Queimada Grande sd Disponível em http www2itanhaemspgovbrturismoilhaqueimadagrande Acesso em 25 nov 2020 POVOS INDÍGENAS NO BRASIL Sateré Mawé sd Disponível em httpspibsocioambientalorgptPovoSaterC3A9MawC3A9 Acesso em 25 nov 2020 FIOCRUZ Anfíbios sd Disponível em httpwwwfiocruzbr biossegurancaBisinfantilanfibiohtm Acesso em 25 nov 2020 AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ANVISA Biblioteca de saneantes Brasília 2020a Disponível em httpswwwgovbranvisa ptbrassuntosregulamentacaolegislacaobibliotecastematicasarquivos bibliotecadesaneantesportalpdfdownloadfileBiblioteca20 de20SaneantesPortalpdf Acesso em 8 dez 2020 Resumo O estudo da toxicologia como ciência tem como objetivo trazer à luz elementos que nos façam compreender como é possível diagnosticar tratar e prevenir a intoxicação Tivemos a oportunidade de aprender que dependendo de como ocorre a exposição a uma substância química essa substância pode ser benéfica inócua ou prejudicial ao organismo humano A exposição é o contato do agente tóxico com o organismo e as condições de exposição como a dose ou concentração via de administração tempo e frequência de exposição sensibilidade individual e propriedades físicoquímicas condicionam se uma substância irá causar dano ao homem ou animal 211 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A toxicidade é a capacidade que uma substância química tem de causar dano ao organismo e a toxicidade aguda é caracterizada pela DL50 um dos mais importantes parâmetros toxicológicos ou seja é a dose capaz de causar a morte de metade dos animais que são expostos à substância química O risco de intoxicação é um parâmetro matemático que calcula a probabilidade de uma substância causar dano ao organismo Assim o risco do rompimento da homeostase está associado à toxicidade da substância e às condições de exposição Após a interação do agente tóxico no organismo muitos efeitos podem ocorrer e para que possamos compreender melhor essa dinâmica didadicamente dividemse as fases da intoxicação em fase de exposição toxicicinética toxicodinâmica e clínica apenas para facilitar a leitura de como esses eventos acontecem A fase da toxicocinética envolve os parâmetros de absorção biotransformação distribuição armazenamento e excreção do xenobiótico no organismo a toxicodinâmica estuda como as substâncias agem no referencial biológico do ponto de vista bioquímico e molecular e a fase clínica é aquela em que se evidenciam os sinais e sintomas de intoxicação Os ensaios de avaliação de toxicidade avaliam os possíveis efeitos tóxicos que uma susbstância pode causar em um organismo Esses ensaios são realizados in vitro e in vivo Os ensaios in vivo são realizados em animais e os resultados são extrapolados para humanos No ensaio de avaliação de toxicidade uma das principais informações estudadas é a propriedade físicoquímica da substância ou seja a natureza física e química da substância traz importantes informações toxicológicas A obtenção dessas informações faz parte do que se chama de informações preliminares Também são realizados ensaios de exposição aguda subaguda subcrônica e crônica além de estudos toxicocinéticos de embriofetoxicidade de desenvolvimento de mutagenicidade e de carcinogenicidade Mutagênese é a capacidade que um agente físico ou químico ou biológico tem de gerar uma mutação em um gene o que leva a uma mutação que é a alteração na estrutura do cromossomo de células somáticas ou de células germinativas Dependendo em qual tipo de célula essa mutação aconteça ela vai ser transmitida para as células filhas 212 Unidade I caso ocorra nas células somáticas ou passará para a futura geração caso ocorra nas células germinativas Genotoxicidade é um processo no qual esses mesmos agentes químicos físicos e biológicos têm potencial para causar as mesmas alterações mas elas não chegam a causar as mutações pois não são transmitidas às células filhas ou às futuras gerações Uma substância genotóxica é potencialmente mutagênica Todos os agentes mutagênicos são genotóxicos mas nem todo agente genotóxico é mutagênico Carcinogênese é o aparecimento de um câncer que se desenvolve a partir da ação de agentes genotóxicos sobre o DNA acrescido de ações decorrentes de outras mutações genéticas ou predisposição genética à doença em eventos sequenciais ou simultâneos que respeitam as etapas de iniciação promoção e progressão Na toxicologia ambiental vimos que as substâncias químicas presentes no solo ar e água podem interagir com o organismo humano e são responsáveis diretos e indiretos por milhões de casos de intoxicações e mortes anualmente no mundo Para avaliar os riscos toxicológicos de substâncias químicas presentes no ar devese verificar se a substância é um sólido líquido gás ou vapor Caso seja sólido ou líquido avaliase seu diâmetro aerodinâmico Caso seja gás ou vapor o estudo de sua solubilidade é importante na avaliação de risco Estudamos efeito estufa aquecimento global chuva ácida destruição de patrimônio público e particular e comprometimento da produção agrícola ozônio filtra a radiação ultravioleta e é oxidante quando presente a baixas altitudes e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos ubíquos e potencialmente carcinogênicos Também vimos que óxidos de enxofre são irritantes do trato respiratório superior e responsáveis pela chuva ácida óxidos de nitrogênio são gases lipossolúveis e também podem ser responsáveis pela chuva ácida e que o monóxido de carbono está associado a milhares de casos de intoxicação ao ano no mundo sendo um dos principais responsáveis por morte envolvendo autoextermínio A despeito da fundamental importância da água para a vida na Terra parte dela está contaminada com cianotoxinas consequência da poluição e no lançamento de esgoto diretamente em corpos dágua O lançamento de grande quantidade de poluente na água leva ao que se conhece por eutrofização da água fenômeno em que a água fica enriquecida de nutrientes que na verdade são esgoto e por consequência ocorre a floração 213 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS algal ou seja a proliferação das algas de forma intensa As cianotoxinas podem ser responsáveis por casos de intoxicação aguda e crônica O número de acidentes com plantas tóxicas e animais peçonhentos é relativamente elevado no Brasil por conta de sua extensão territorial dos diferentes tipos de biomas e do hábito de vida da população Acidentes com plantas são decorrentes da presença de alguns tipos de compostos como oxalatos alcaloides antraquinonas e glicosídeos cardioativos embora exista a ocorrência de acidentes com outros tipos de substâncias Muitas das espécies vegetais que são usadas em paisagismo e jardinagem e mesmo algumas que são usadas na alimentação apresentam toxicantes e devem ser utilizadas com atenção e particularmente com cuidado em locais frequentados por crianças idosos e animais de estimação que são os mais afetados O número de acidentes com animais peçonhentos no Brasil é grande por conta de a agropecuária rural ser uma das principais atividades econômicas do país embora acidentes em áreas urbanas também ocorram A jararaca é o animal responsável pelo maior número de acidentes mas outras espécies de cobras como as cascavéis e corais também provocam acidentes juntamente com aranhas escorpiões anfíbios e animais marinhos Ainda em domínio próximo ao homem acidentes domésticos com os domissanitários são comuns e mais frequentes com crianças idosos e animais domésticos por conta da confusão que pode ser feita entre estes e alimentos familiares aos indivíduos como bebidas adocicadas e doces A disseminação do conhecimento técnicocientífico relativo às informações sobre a capacidade intoxicante de plantas animais e domissanitários é uma das funções dos profissionais da área da saúde 214 Unidade I Exercícios Questão 1 Leia o texto a seguir Mais de 50 dos resíduos sólidos gerados em hospitais do Brasil são descartados de maneira irregular segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e em vez de serem destinados a uma seleção especial os dejetos muitas vezes têm como destino os lixões comuns colocando em risco a saúde pública Apesar de existirem tecnologias adequadas para a disposição de lixo hospitalar em aterros sanitários ou para a reciclagem para muitos a destinação final de todo lixo hospitalar no Brasil deveria ser a incineração No contexto da situação apresentada analise as afirmativas a seguir I A disposição do lixo hospitalar em aterros sanitários é possível mas não é indicada visto que ocorre liberação de efluentes com toxinas para o meio ambiente II A incineração não é uma boa opção pois nesse processo há uso de temperaturas muito elevadas o que pode transformar os átomos de cloro em dioxinas importante xenobionte capaz de causar sérios danos à saúde dos seres vivos III Quando se trata de lixo hospitalar as dioxinas são o principal problema por dois motivos são muito utilizadas nos procedimentos médicos e são toxinas bastante prejudiciais aos seres vivos se forem descartadas de modo irregular no solo ou nos rios Assinale a alternativa correta A Apenas a afirmativa I é correta B Apenas a afirmativa II é correta C Apenas as afirmativas I e III são corretas D Todas as afirmativas são corretas E Nenhuma afirmativa é correta Resposta correta alternativa B 215 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Análise das afirmativas I Afirmativa incorreta Justificativa a disposição final do lixo hospitalar em aterros sanitários é um processo seguro e controlado que garante a preservação ambiental e a saúde pública Basicamente esse método consiste na compactação dos resíduos em camada sobre o solo devidamente impermeabilizado onde são feitos os controles de efluentes líquidos e de emissões gasosas II Afirmativa correta Justificativa as dioxinas são um grupo de substâncias que surgem especialmente da transformação de átomos de cloro causada por temperaturas muito altas em processos naturais ou por atividades humanas No caso em análise a incineração foi o processo causador A dioxina gerada pode ser considerada um xenobionte já que não foi produzida por um ser vivo Logo a incineração acaba com o problema do lixo hospitalar mas gera outro problema de poluição por dioxinas Por isso não é uma boa opção III Afirmativa incorreta Justificativa conforme comentado na análise da afirmativa II no caso específico do enunciado as dioxinas surgem com a incineração Não são substâncias usadas em procedimentos médicos até porque são tóxicas Tecnicamente não são toxinas e sim xenobiontes já que sua origem é antrópica incineração Questão 2 Leia o texto a seguir A qualidade da água e do solo vem sendo alterada pelo uso intensivo de agrotóxicos e de outros agentes contaminantes A avaliação do efeito desses compostos fornece parâmetros para orientar o controle da emissão de poluentes Entre os diversos organismos utilizados como biomarcadores o peixe paulistinha Danio rerio destacase na avaliação do potencial de ação de agrotóxicos Nesse caso uma das metodologias adotadas pelos técnicos consiste em analisar a incidência de quebras cromossômicas em paulistinhas submetidos a amostras de água que contêm doses controladas do agrotóxico questionado As quebras cromossômicas observadas nos peixes têm como uma das consequências a formação de fragmentos cromossomais acêntricos micronúcleos que serão perdidos na próxima divisão celular Acerca das informações apresentadas podese afirmar que o procedimento de análise adotado se refere ao 216 Unidade I A Estudo toxicocinético B Teste de toxicidade na reprodução de uma geração e de duas gerações C Teste de toxicidade aguda D Teste de toxicidade crônica E Teste de toxicidade genética Resposta correta alternativa E Análise das alternativas A Alternativa incorreta Justificativa nos estudos toxicocinéticos são feitos ensaios em que avaliamos os modelos experimentais que ajudam na compreensão do metabolismo e da excreção de determinada substância tóxica o que permite extrapolarmos parâmetros fisiológicos a partir dos parâmetros farmacocinéticos medidos Nenhum desses procedimentos foi descrito no texto do enunciado B Alternativa incorreta Justificativa nesses testes a substância a ser testada é administrada em animais macho e fêmea para a duração de um ciclo espermatogênico completo e por dois ciclos estrais completos Posteriormente observamse a motilidade e a morfologia do esperma Em outra abordagem a substância teste é administrada continuamente às fêmeas grávidas Os parâmetros observados incluem a mortalidade e os sinais de toxicidade Após o parto os animais são expostos à substância que está sendo avaliada durante a amamentação são colocados para cruzarem e são observados os parâmetros toxicológicos da ninhada da geração 2 F2 inclusive no que se refere à fertilidade do animal Nenhum desses procedimentos foi descrito no texto do enunciado C Alternativa incorreta Justificativa o teste de toxicidade aguda determina o efeito ocorrido no organismo após a exposição a uma dose única do xenobiótico Recomendase que sejam usadas duas diferentes espécies de animais uma de roedor e outra de não roedor O efeito deve ser observado por 14 dias Geralmente utilizamos doses fixas de 5 50 500 e 2000 mgkg de peso corporal Nenhum desses procedimentos foi descrito no texto do enunciado 217 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS D Alternativa incorreta Justificativa o teste de toxicidade crônica fornece informações sobre os efeitos a longo prazo de um xenobiótico e é utilizado para realizar a extrapolação de dados no que se refere à segurança para humanos Emprega no mínimo uma espécie de roedor e uma de espécie de não roedor e a substância teste é administrada por pelo menos 90 dias Buscase avaliar as variações comportamentais e fisiológicas e os parâmetros bioquímicos Nenhum desses procedimentos foi descrito no texto do enunciado E Alternativa correta Justificativa no teste de toxicidade genética são usadas diferentes espécies de plantas de animais de células de mamíferos e até de microrganismos para avaliarmos a troca de cromátides irmãs a translocação herdável e o teste do micronúcleo