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Cursos Gerais ·
Psicologia Institucional
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VIOLÊNCIA INSTITUCIONALIZADA CRISTINA RAUTER FACES OF AUSCHWITZ Por violência institucionalizada entendemos a violência do Estado em sua forma mais concreta a violência da polícia e dos diversos sistemas de encarceramento e tutela de que se tornam alvo alguns segmentos da população É a violência exercida sobre o corpo e portanto sobre a mente que é também corpo Com Espinosa não pensamos a partir de uma separação entre o corpo e a alma a mente a psique Pensamos que tudo aquilo que afeta o corpo afeta a mente e viceversa Em determinados momentos históricos o Estado assume mais claramente sua intenção de exterminar parcelas da população por exemplo no nazismo ou nas ditaduras latinoamericanas Os judeus os degenerados os subversivos devem ser erradicados em nome de um objetivo a segurança nacional a limpeza étnica o combate ao tráfico de drogas o combate ao crime etc Mas parece haver sempre mesmo neste último caso nos discursos oficiais um certo ocultamento um certo cinismo a encobrir as ações violentas do Estado as quais no entanto estão presente sempre e não apenas nas circunstâncias extremas como é o caso do nazismo ou das ditaduras militares O nazismo inaugura métodos de gestão de grandes massas humanas concentradas num espaço de reclusão e de neutralização eficiente de alianças e oposições É assim um fenômeno eminentemente político Jude 39178 KLAuschwitz Gersz Zysking Faces of Auschwitz Colorized by Marina Amaral Auschwitz Memorial and Museum FACES OF AUSCHWITZ O nazismo caracterizase principalmente por ser uma tecnologia da morte em larga escala uma tecnologia de extermínio A utilidade de um prisioneiro ia até o limite de um corpo depauperado pela fome e maus tratos aterrorizado pela proximidade constante com a morte Sempre houve nas democracias capitalistas um cinismo um pano de fundo de morte e violência que são como que sua outra face velada O nazismo era também um sistema de promoção de um certo tipo de sociedade e de raça a ariana Era justamente para preservar uma raça e uma sociedade ideal que se justificava o extermínio e exclusão dos outros loucos retardados mentais doentes e judeus O controle social contemporâneo de forma semelhante àquele posto em ação no nazismo se associa a técnicas de promoção e preservação de um tipo de sociedade e de um modo de subjetivação Jude 2731 KLAuschwitz Faces of Auschwitz Colorized by Marina Amaral Auschwitz Memorial and Museum FACES OF AUSCHWITZ As sociedades são cada vez mais pensadas como locais tecnologicamente programados Um dos aspectos destas tecnologias de promoção da vida é o de implicar sempre numa outra face que é a erradicação justificada de tudo aquilo que venha a comprometer este ideal É em defesa da vida que a sociedade se volta contra seus detratores numa metáfora sempre repetida da sociedade como um organismo que se defende de bactérias e vírus Assim num único movimento se constituem de um lado uma estética da harmonia da limpeza e da organização e de outro práticas de exclusão que garantem este mundo acético Por certo não se trata de negar que exista beleza naquelas impecáveis cidadezinhas campestres O essencial é compreender que uma certa concepção estética uma certa concepção social uma atitude modernizante tecnologicamente orientada esteve associada aos crimes nazistas que não são apenas fruto do desvario e do retorno à barbárie Entre estes procedimentos típicos está o modo como o nazismo pôde fortalecer e multiplicar a obediência à autoridade e a burocratização de procedimentos capazes de separar um ato de suas consequências aos olhos de quem o pratica O estudo desta separação entre o ato de um burocrata e suas consequências humanas pode desvendar um dos aspectos mais típicos das tecnologias repressivas de nossa contemporaneidade Jewryna Sadauskiene Faces of Auschwitz Colorized by Marina Amaral Auschwitz Memorial and Museum Levi 1990 assinala que o povo alemão não era particularmente mau Os carrascos tinham também humanidade e para exemplificar narra o impressionante episódio em que uma menina de dezesseis anos é encontrada milagrosamente viva entre a multidão de mortos na câmara de gás na antesala do crematório Seus verdugos demonstram compaixão dãolhe de comer hesitam em matála aqueles homens tão acostumados a matar aos milhares Descreve também uma insólita partida de futebol jogada entre membros do sonderkommando e nazistas na antesala do crematório Aqueles prisioneiros especiais manchados pela tarefa quotidiana de que eram incumbidos a de levar cadáveres de outros prisioneiros aos fornos tornamse momentaneamente mais próximos de seus captores Não se pode partir de uma desumanidade fora do comum para compreendermos este complexo fenômeno Fora dos campos muitos desses homens eram apenas cidadãos medianos O nazismo foi também uma guerra contra a memória uma falsificação da memória o que pode ser exemplificado pelo fato de que o motivo para muitas mortes nos campos de concentração quando a guerra já estava perdida para os alemães era a necessidade de encobrir tudo o que se passara para que ninguém acreditasse Muitos sustentam mesmo hoje que não houve extermínio de judeus que este ocorreu em escala muito menor etc O nazismo é também uma metodologia de gestão institucional caracterizada pelo extremo centralismo onde a influência de baixo para cima é nula enquanto a de cima para baixo é total Como se construiu esta formidável engrenagem Levi 1997 mostra como falar alemão se constituía numa peça de sobrevivência indispensável aquela multidão de povos de diversas etnias e línguas era reduzida a um monte de ignorantes por não falar alemão Mas isto era vivido na carne significava não entender informações preciosas que facilitariam a sobrevivência o alemão era a língua oficial do campo quem não o falava estava reduzido a uma condição humana menor mais sujeita a golpes e pancadas e à morte Um fato notável é narrado por muitos sobreviventes o de que o primeiro golpe frequentemente vinha de um outro prisioneiro um igual um aliado potencial Este é um capítulo difícil de ser abordado pelos sobreviventes frequentemente silenciado nos relatos Para Levi 1997 os melhores morreram Sobreviveram aqueles que de algum modo puderam se adaptar E se adaptar era frequentemente poder transitar na zona cinzenta da colaboração A disponibilidade em colaborar com o poder central era premiada nos campos com melhores condições de vida melhor comida melhor dormida o que não era pouco pois o quotidiano do prisioneiro estava preenchido pela ameaça constante da morte por exaustão e fome E quanto aos que colaboravam tinham como prêmio uma comida melhor que poderia garantir sua sobrevivência mas por outro lado eram manchados de vergonha ao terem que desempenhar tarefas especiais as mais sórdidas como queimar cadáveres no crematório Tendo desempenhado essas tarefas eles não podiam mais voltar atrás Por outro lado qualquer oposição era exemplarmente punida como se sabe a fuga levava à morte os amigos os companheiros mais próximos daquele que fugia Iwan Rebriko Faces of Auschwitz Colorized by Marina Amaral Auschwitz Memorial and Museum Foucault 1977 também já se referira a este mecanismo do poder disciplinar no qual os possíveis aliados se tornam competidores quando analisou a prisão e o hospital psiquiátrico Também nestas instituições o semelhante é potencialmente um algoz todos podem ocupar a torre central do panopticon Podemos ver a colaboração das vítimas com os opressores nos campos de concentração como um caso particular de estratégias de produção de subjetividade que o capitalismo pôs em marcha as quais permitiram neutralizar o potencial político das grandes massas humanas concentradas nos grandes centros urbanos Levi 1997 narra o episódio em que um alemão limpa as mãos sujas em sua roupa Era necessário que o prisioneiro se sentisse como um verme indefeso sem condições de ser asseado mas cobrado e culpabilizado por sua sujeira acovardado por ser incapaz de defender seus filhos e os idosos de sua família Já o ritual de arrumação diária das camas que deveriam estar asseadas e esticadas serve a um propósito claramente disciplinar O campo é mortífero e violento mas organizado e metódico Neles a morte é metódica quotidiana e banal não há tempo para o pranto ou para cerimoniais Phillipe Ariès em sua História da Morte no Ocidente descreve estes novos modos de morrer que caracterizam a sociedade contemporânea a morte que ocorre em meio a um vazio de sentido a morte banalizada do ponto de vista existencial cercada apenas da tecnologia médica que faz do moribundo uma pobre coisa espetada por tubos Ariès 1977 A morte nos campos de concentração intensifica procedimentos de banalização da morte que se disseminarão pelo campo social É sabido que os nazistas utilizaramse das cinzas de corpos cremados em aterros e outras finalidades inaugurando uma insensibilização tecnocrática diante da morte que a partir daí só fará crescer despinda de qualquer caráter sagrado ou misterioso Jude 6871 KLAuschwitz A vergonha e a culpa estão entre os principais meios de se obter sujeição e docilidade além do medo O medo no campo de concentração estava obviamente disseminado e o está também em nosso mundo mesmo sem os métodos nazistas tão diretos Porém uma violência sem máscara nos aterroriza também em nosso mundo atual Para a maior parte da população urbana pobre do Brasil o Estado através de sua polícia é exterminador Suas vítimas são culpabilizadas estava envolvido com o tráfico de drogas Isto é suficiente para explicar as chacinas os tiroteios e invasões policiais em bairros populares A violência oficial exercida pela polícia é multiplicada através da televisão o medo e a impotência são multiplicados muitas vezes não pela possibilidade real de experimentála mas pela forma como somos testemunhas oculares dos fatos acontecidos assaltandonos como um filme de terror a que assistimos antes de dormir no refúgio de nossos lares Preservar a capacidade de entendimento da realidade é précondição para reagir mesmo de uma forma mínima A perda deste entendimento e consequentemente da capacidade de reagir construtivamente é talvez um dos sinais mais importantes de doença mental Graças aos múltiplos mecanismos de falsificação e ocultamento presentes na sociedade contemporânea compreender e poder agir de acordo com esta compreensão não são tarefas pequenas demais mas revestemse de um importante significado político Pol 20285 KLAuschwitz Walter Degen Faces of Auschwitz Colorized by Marina Amaral Auschwitz Memorial and Museum Tal como Nietzsche 18731983 descreveu os modos de fazer história em Da Utilidade e Inconvenientes da História para a Vida Existem vários tipos de recordação uma recordação que reativa constantemente a ferida alimentaa impedindoa de secar e cicatrizar Recordação a serviço do ressentimento e não da ação Resentir sentir de novo de novo e de novo a mesma coisa Este mecanismo que podemos a partir de Nietzsche chamar de doença do ressentimento nos impede de viver o momento presente Mas existem recordações que podem estar a serviço da vida estando ligadas à construção de novos modos de existir a novas lutas nas quais os fatos do passado ganham uma conexão com o atual A memória e o esclarecimento dos fatos ocorridos podem permitir a construção de novos territórios existenciais
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ações violentas do Estado as quais no entanto estão presente sempre e não apenas nas circunstâncias extremas como é o caso do nazismo ou das ditaduras militares O nazismo inaugura métodos de gestão de grandes massas humanas concentradas num espaço de reclusão e de neutralização eficiente de alianças e oposições É assim um fenômeno eminentemente político Jude 39178 KLAuschwitz Gersz Zysking Faces of Auschwitz Colorized by Marina Amaral Auschwitz Memorial and Museum FACES OF AUSCHWITZ O nazismo caracterizase principalmente por ser uma tecnologia da morte em larga escala uma tecnologia de extermínio A utilidade de um prisioneiro ia até o limite de um corpo depauperado pela fome e maus tratos aterrorizado pela proximidade constante com a morte Sempre houve nas democracias capitalistas um cinismo um pano de fundo de morte e violência que são como que sua outra face velada O nazismo era também um sistema de promoção de um certo tipo de sociedade e de raça a ariana Era justamente para preservar uma raça e uma sociedade ideal que se justificava o extermínio e exclusão dos outros loucos retardados mentais doentes e judeus O controle social contemporâneo de forma semelhante àquele posto em ação no nazismo se associa a técnicas de promoção e preservação de um tipo de sociedade e de um modo de subjetivação Jude 2731 KLAuschwitz Faces of Auschwitz Colorized by Marina Amaral Auschwitz Memorial and Museum FACES OF AUSCHWITZ As sociedades são cada vez mais pensadas como locais tecnologicamente programados Um dos aspectos destas tecnologias de promoção da vida é o de implicar sempre numa outra face que é a erradicação justificada de tudo aquilo que venha a comprometer este ideal É em defesa da vida que a sociedade se volta contra seus detratores numa metáfora sempre repetida da sociedade como um organismo que se defende de bactérias e vírus Assim num único movimento se constituem de um lado uma estética da harmonia da limpeza e da organização e de outro práticas de exclusão que garantem este mundo acético Por certo não se trata de negar que exista beleza naquelas impecáveis cidadezinhas campestres O essencial é compreender que uma certa concepção estética uma certa concepção social uma atitude modernizante tecnologicamente orientada esteve associada aos crimes nazistas que não são apenas fruto do desvario e do retorno à barbárie Entre estes procedimentos típicos está o modo como o nazismo pôde fortalecer e multiplicar a obediência à autoridade e a burocratização de procedimentos capazes de separar um ato de suas consequências aos olhos de quem o pratica O estudo desta separação entre o ato de um burocrata e suas consequências humanas pode desvendar um dos aspectos mais típicos das tecnologias repressivas de nossa contemporaneidade Jewryna Sadauskiene Faces of Auschwitz Colorized by Marina Amaral Auschwitz Memorial and Museum Levi 1990 assinala que o povo alemão não era particularmente mau Os carrascos tinham também humanidade e para exemplificar narra o impressionante episódio em que uma menina de dezesseis anos é encontrada milagrosamente viva entre a multidão de mortos na câmara de gás na antesala do crematório Seus verdugos demonstram compaixão dãolhe de comer hesitam em matála aqueles homens tão acostumados a matar aos milhares Descreve também uma insólita partida de futebol jogada entre membros do sonderkommando e nazistas na antesala do crematório Aqueles prisioneiros especiais manchados pela tarefa quotidiana de que eram incumbidos a de levar cadáveres de outros prisioneiros aos fornos tornamse momentaneamente mais próximos de seus captores Não se pode partir de uma desumanidade fora do comum para compreendermos este complexo fenômeno Fora dos campos muitos desses homens eram apenas cidadãos medianos O nazismo foi também uma guerra contra a memória uma falsificação da memória o que pode ser exemplificado pelo fato de que o motivo para muitas mortes nos campos de concentração quando a guerra já estava perdida para os alemães era 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aliado potencial Este é um capítulo difícil de ser abordado pelos sobreviventes frequentemente silenciado nos relatos Para Levi 1997 os melhores morreram Sobreviveram aqueles que de algum modo puderam se adaptar E se adaptar era frequentemente poder transitar na zona cinzenta da colaboração A disponibilidade em colaborar com o poder central era premiada nos campos com melhores condições de vida melhor comida melhor dormida o que não era pouco pois o quotidiano do prisioneiro estava preenchido pela ameaça constante da morte por exaustão e fome E quanto aos que colaboravam tinham como prêmio uma comida melhor que poderia garantir sua sobrevivência mas por outro lado eram manchados de vergonha ao terem que desempenhar tarefas especiais as mais sórdidas como queimar cadáveres no crematório Tendo desempenhado essas tarefas eles não podiam mais voltar atrás Por outro lado qualquer oposição era exemplarmente punida como se sabe a fuga levava à morte os amigos os companheiros mais próximos 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vergonha e a culpa estão entre os principais meios de se obter sujeição e docilidade além do medo O medo no campo de concentração estava obviamente disseminado e o está também em nosso mundo mesmo sem os métodos nazistas tão diretos Porém uma violência sem máscara nos aterroriza também em nosso mundo atual Para a maior parte da população urbana pobre do Brasil o Estado através de sua polícia é exterminador Suas vítimas são culpabilizadas estava envolvido com o tráfico de drogas Isto é suficiente para explicar as chacinas os tiroteios e invasões policiais em bairros populares A violência oficial exercida pela polícia é multiplicada através da televisão o medo e a impotência são multiplicados muitas vezes não pela possibilidade real de experimentála mas pela forma como somos testemunhas oculares dos fatos acontecidos assaltandonos como um filme de terror a que assistimos antes de dormir no refúgio de nossos lares Preservar a capacidade de entendimento da realidade é précondição para 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presente Mas existem recordações que podem estar a serviço da vida estando ligadas à construção de novos modos de existir a novas lutas nas quais os fatos do passado ganham uma conexão com o atual A memória e o esclarecimento dos fatos ocorridos podem permitir a construção de novos territórios existenciais