·
Direito ·
Direito Penal
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
Texto de pré-visualização
REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 252 A PROTEÇÃO CONTRA MAUSTRATOS AOS ANIMAIS PELA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS À LUZ DA TEORIA DO BEM JURÍDICO PROTECTION AGAINST MISTREATMENT OF ANIMALS BY THE ENVIRONMENTAL CRIMES LAW IN THE LIGHT OF THE JURIDICAL ASSET THEORY httpsdoiorg105212RBDJv40006 Helena Marino Lettieri de Campos1 httplattescnpqbr3652197524041676 Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar o cabimento da escolha legislativa de inserir o crime de maustratos no âmbito da legislação ambiental mais especificamente na Lei nº 960598 Lei de Crimes Ambientais Atualmente o art 32 da referida lei é o principal dispositivo infraconstitucional de tutela dos animais nãohumanos que proíbe a prática de maustratos A Lei de Crimes Ambientais possui como principal escopo a proteção do meio ambiente sendo toda a sua sistemática voltada para a preservação da fauna e flora em uma perspectiva coletiva Assim pretendese analisar o enquadramento do crime de maustratos como crime contra a fauna no âmbito da Lei nº 960598 por meio da análise dos bens jurídicos protegidos a fim de refletir sobre a adequabilidade da inserção dos maustratos na legislação ambiental Palavraschave Direito dos animais Maustratos Direito ambiental Bem jurídico 1 INTRODUÇÃO A tutela jurídica dos animais no direito brasileiro pouco evoluiu ao longo das décadas Apesar de possuir como marco inicial o Decreto 1 Pósgraduanda em Meio Ambiente e Sustentabilidade na Fundação Getúlio Vargas FGV Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Email helenalettierigmailcom A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 253 nº 16590 de 1924 que há quase 100 anos proibiu certas práticas que causavam sofrimento aos animais nas chamadas Casas de Diversões Públicas pouco se avançou desde então Em 1934 foi editado o Decreto nº 24645 o qual exemplificava diversas práticas consideradas maustratos aos animais em 1941 os maustratos foram considerados contravenções penais no âmbito do DecretoLei nº 3688 Desde então foram editadas diversas normas regulamentadoras da caça e da pesca e leis ambientais tidas como referência mundo afora as quais têm como uma de suas finalidades a proteção da fauna Com o advento da Constituição Federal de 1988 a proteção dos animais nãohumanos passou a ter status constitucional mediante a edição do art 225 1º inciso VII inserido no capítulo que trata do meio ambiente o qual incumbiu ao Poder Público o dever de proteger a fauna e a flora vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade Todavia a proteção dos animais somente teve melhora significativa com a Lei de Crimes Ambientais Lei nº 960598 que passou a tipificar como crime os maustratos aos animais no seu art 32 em capítulo que trata dos crimes contra a fauna e até hoje representa o maior marco legislativo dos direitos dos animais em nível nacional O que se pretende analisar com o presente artigo é justamente o enquadramento do crime de maustratos como crime contra a fauna no âmbito do direito ambiental à luz dos bens jurídicos tutelados por cada um deles e mais amplamente pelo próprio direito ambiental Será que os crimes contra os animais são necessariamente crimes contra a fauna A proteção dos animais implica necessariamente a proteção da fauna coletivamente considerada ou do meio ambiente Ou seriam tutelas separadas e como tal merecem ser estudadas individualmente HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 254 Para responder aos questionamentos suscitados analisarseá brevemente a aplicação da teoria dos bens jurídicos no ordenamento jurídico brasileiro Após serão estudados os bens jurídicos tutelados pelos crimes contra a fauna de maneira geral e as especificidades existentes no crime de maustratos aos animais nãohumanos em relação àqueles Posteriormente farseá uma análise da adequabilidade da proteção contra os maustratos aos animais no âmbito da legislação ambiental com base nas reflexões anteriores 2 A TEORIA DO BEM JURÍDICO Antes de adentrar na análise dos bens jurídicos tutelados pelas normas a serem estudadas fazse necessário elucidar brevemente o que são bens jurídicos a evolução dessa teoria no direito brasileiro e a função que exerce no ordenamento jurídico atual a fim de construir a base para as reflexões suscitadas nos tópicos que seguem O bem jurídico constitui a base da estrutura e interpretação dos tipos penais Segundo Bittencourt ele confere à norma um critério material capaz de distinguir a conduta penalmente relevante das simples atitudes interiores e de fatos materiais que não são lesivos a nenhum bem BITTENCOURT 2013 p 348 A ideia do bem jurídico penal foi desenvolvida inicialmente com o surgimento da filosofia penal iluminista que tinha como postulado a garantia dos bens individuais contra o arbítrio do Estado PRADO 1996 p 21 apud SILVA 2013 p 67 Assim foi pensado como um limitador ao poder punitivo estatal em contraposto às arbitrariedades do Estado absolutista Ao longo das décadas o seu conceito e papel dentro do direito penal foi mudando conforme as aspirações de cada época e o contexto históricosocial A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 255 Inicialmente o Direito Penal moderno consagrou a teoria dos direitos subjetivos de Feuerbach a qual defendia que a intervenção penal somente seria justificada quando o delito lesionasse algum direito do cidadão GODOY 2010 p 21 Contudo tal teoria foi substituída pela concepção de Birnbaum que introduziu a noção de proteção do bem jurídico no lugar do direito subjetivo sob o argumento de que os direitos não poderiam ser lesionados ou postos em perigo mas apenas o bem em sua realidade existencial GODOY 2010 p 23 Segundo Mezger a introdução do conceito de bem jurídico foi importante pois muitos delitos não geram lesão a nenhum direito subjetivo mas todos lesam ou expõem a perigo algum bem jurídico MEZGER 1935 p 399 apud BITTENCOURT 2013 p 348 Binding sob uma perspectiva positivista defendia que o bem jurídico seria o estado valorado pelo legislador BITTENCOURT 2013 p 348 Essa posição no entanto foi duramente criticada por admitir a arbitrariedade na intervenção estatal ao possibilitar a criminalização de qualquer conduta que o Estado entendesse relevante GODOY 2010 p 24 Em contraposição à visão positivistaformal de Binding Von Liszt defendia que é a vida e não o direito quem produz o interesse mas só a proteção jurídica converte o interesse em bem jurídico LISZT 2006 p 94 apud GODOY 2010 p 26 Assim o interesse surge antes da norma jurídica a qual protege o que já é considerado relevante pela sociedade A proteção pelo Direito no entanto eleva o interesse vital à categoria de bem jurídico GODOY 2010 p 25 Por sua vez sob uma visão neokantiana o bem jurídico seria compreendido como um valor abstrato de cunho éticosocial protegido pela norma jurídica SILVA 2013 p 68 Mais uma vez o bem jurídico HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 256 perdeu o seu papel limitador do ius puniendi ao ser reduzido a um valor abstrato criado pelo legislador As teorias contemporâneas do bem jurídico que ganharam força após o final da Segunda Guerra Mundial trouxeram de volta a função limitadora à atuação do Estado São elas essencialmente as teorias sociológicas e constitucionais As primeiras tinham como objetivo identificar o conteúdo do bem jurídico e analisar a sua funcionalidade sistêmica dentro do ordenamento à luz da realidade social Contudo falharam ao permitir a incriminação de valores morais GODOY 2010 p 30 As teorias constitucionais por sua vez sustentavam que somente os bens consagrados na Constituição seriam merecedores da tutela penal uma vez que é da Carta Magna que a legislação extrai o seu fundamento de validade e a sua força imperativa Essas teorias pressupõem que os bens tutelados pela Constituição são aqueles já consagrados como de interesse pela própria sociedade visto que o papel do constituinte seria conferir especial tratamento aos valores já existentes na realidade social PRADO 1996 p 21 apud SILVA 2013 p 69 Destarte o limite ao legislador e o fundamento das normas por ele criadas seria a ordem constitucional pois a ela compete delimitar os bens jurídicos a serem considerados penalmente relevantes diminuindo a margem de arbitrariedade do legislador2 2 As teorias constitucionais do bem jurídico são classificadas em a teorias constitucionais amplas e b teorias constitucionais de caráter restrito A divergência entre ambas consiste tão somente quanto à maneira de vinculação da norma constitucional PRADO 1996 p 44 para as primeiras a Constituição serve de parâmetro para o reconhecimento dos bens jurídicos sem no entanto ser taxativa para as segundas o texto constitucional determina efetiva e taxativamente que bens jurídicos devem ser penalmente tutelados SILVA 2013 p 6970 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 257 Nesse sentido Roxin ressalta a mutabilidade do bem jurídico tutelado por uma norma penal uma vez que se trata de um conceito aberto aos anseios sociais ROXIN 1997 p 58 Para Régis Prado 1996 p 73 apud SILVA 2013 p 71 O conceito material de bem jurídico reside então na realidade ou experiência social sobre o qual incidem juízos de valor primeiro do constituinte depois do legislador ordinário Trata se de um conceito necessariamente valorado e relativo isto é válido para determinado sistema social e um dado momento históricocultural Apesar de ainda haver muita discussão acerca do conceito de bem jurídico atualmente há um mínimo de concordância doutrinária no sentido de que seria um bem considerado de relevante interesse para a sociedade o qual atua como critério de limitação e ao mesmo tempo como fundamento da intervenção penal SILVA 2013 p 71 Assim o seu conceito está intrinsecamente ligado à finalidade de preservar as condições individuais necessárias a uma coexistência livre e pacífica em sociedade estabelecidas a partir do consenso democrático em um Estado de Direito BITTENCOURT 2013 p 349 3 O BEM JURÍDICO TUTELADO PELOS CRIMES CONTRA A FAUNA Com base nas reflexões e nos esclarecimentos apresentados passa se à discussão acerca dos bens jurídicos protegidos pelos crimes contra a fauna previstos na Lei nº 960598 De plano cumpre esclarecer que o tema não é pacífico na doutrina havendo diversos entendimentos contrapostos os quais serão expostos neste tópico Primeiramente devemos entender o conceito de fauna para compreender o que as normas a serem estudadas pretendem proteger HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 258 De acordo com o dicionário Michaelis fauna no âmbito da biologia e zoologia é o conjunto de espécies animais de uma região de um período estrato geológico ou qualquer outra classificação relevante3 No mesmo sentido segundo Sirvinskas 2017 p 913 Fauna é o conjunto de animais próprios de um país ou região que vivem em determinada época No entanto nem todos os animais são protegidos pela lei contra os crimes ambientais Protegem se as espécies da fauna silvestre ou aquática domésticas ou domesticadas nativas exóticas ou em rota migratória Assim pela própria definição podemos depreender que fauna é um conceito coletivo que se refere a diversos animais pertencentes a um mesmo grupo de determinada região No que tange às teorias do bem jurídico uma visão antropocêntrica do direito penal defende que os bens jurídicos tutelados pela norma penal devem necessariamente ser relativos a algum interesse humano Assim no caso dos crimes contra a fauna o bem jurídico seria por exemplo o direito à vida à integridade física e à saúde do ser humano eventualmente afetado por aquela conduta uma vez que o meio ambiente não teria autonomia própria para exercer esse papel na estrutura normativa Portanto sob essa vertente o meio ambiente seria mero instrumento para a proteção do interesse individual humano de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado Ainda dentro dessa posição antropocêntrica há também quem defenda que os crimes contra a fauna não possuiriam bem jurídico SANTIAGO 2016 p 27 por não conceber a possibilidade de o meio 3 FAUNA In MICHAELIS Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Disponível em httpsmichaelisuolcombrmodernoportuguesbuscaportuguesbrasileirofauna Acesso em 25 jun2020 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 259 ambiente ser um bem jurídico em razão da sua ausência de autonomia e tampouco o interesse humano por falta de pertinência Essa visão no entanto é criticada uma vez que vai de encontro ao entendimento de que a função do Direito Penal seria justamente a proteção dos bens jurídicos Assim uma norma que não protege nenhum bem jurídico não seria legítima dentro de um Estado Democrático de Direito Importante destacar que essa visão antropocêntrica não é limitada ao âmbito penal estendendose por todo direito ambiental por meio do argumento de que a preservação do meio ambiente tem como fim a preservação do ser humano Segundo o Antunes 2018 p 14 Pretendese que o Direito Ambiental represente a ruptura do antropocentrismo na ordem jurídica Sustentase que ao proteger a vida em especial a vida animal e vegetal o Direito Ambiental teria reconhecido novos sujeitos de direito que conjuntamente com o ser humano passariam a ocupar o núcleo central do mundo jurídico Em meu ponto de vista tal raciocínio é primário pois deixa de considerar uma questão essencial e inafastável que é o fato de que o Direito positivado é uma construção humana para servir propósitos humanos O fato de que o direito esteja evoluindo para uma posição na qual o respeito às formas de vida não humanas seja uma obrigação jurídica cada vez mais relevante não é suficiente para deslocar o eixo ao redor do qual a ordem jurídica circula Uma segunda corrente denominada ecocêntrica defende que o bem jurídico dos crimes contra a fauna seria o próprio meio ambiente tendo em vista que essas normas visam a protegêlo independentemente de qualquer lesão a um direito humano Assim o meio ambiente seria um bem autônomo capaz de ser tutelado pelo Estado em contraposição ao que defende o antropocentrismo SANTIAGO 2016 p 29 A fauna seria por conseguinte apenas um instrumento para a proteção do meio ambiente coletivamente considerado uma vez que o equilíbrio ecológico depende do equilíbrio de todos os elementos que o compõem HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 260 Segundo Santiago 2016 p 29 nenhuma dessas duas visões antropocêntrica e ecocêntrica seria capaz de identificar qual seria o bem jurídico protegido por esses crimes Na primeira a natureza é vista como um objeto O homem projeta nela sua visão das coisas uma determinada visão das coisas necessariamente datada e localizada Na segunda a natureza como sujeito tudo absorve Obviamente esses problemas se repetem no Direito Penal Ambiental Neste âmbito a teoria antropocêntrica pura ou radical ou personalistamonista não serve para justificar os crimes contra a fauna não serve para o meio ambiente e termina por isso mesmo por não servir para o próprio homem pois apenas contribui para o reforço do paradigma cartesiano e continuidade do deterioro ambiental em prejuízo do próprio ser humano Iludese quem a aplica e os fundamentos que a alargam somente realçam sua inadequação Por outro lado afirmar que devemos ou melhor que somos capazes de abraçar uma teoria ecocêntrica pura seria demasiada pretensão do ser humano pois a verdade é que somos incapazes de interpretar exatamente o que querem os animais Não prejudicálos já seria um grande progresso em verdade Por sua vez há ainda uma terceira corrente denominada biocêntrica que entende que o bem jurídico de todos os crimes contra a fauna seria os próprios animais Essa corrente se subdivide entre aqueles que consideram que essa proteção visa à fauna coletivamente e aqueles que defendem que esta visaria ao animal individualmente considerado Apesar de nobre a tentativa de incluir os animais como o interesse a ser protegido por esses crimes não parece ser a melhor posição A sistemática criada pelos dispositivos dos crimes contra a fauna visa à preservação do meio ambiente como finalidade precípua não os animais considerados em si mesmos Isso é corroborado tanto pela leitura dos dispositivos legais quanto pela análise do fundamento de validade dessas normas que é extraído do inciso VII do art 225 da A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 261 Constituição na parte que determina a proteção da fauna vedando práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou provoquem a extinção de espécies No primeiro caso temse que a Carta Magna visou a proteger a função ecológica exercida pela fauna Assim o interesse juridicamente relevante capaz de fundamentar essas normas penais foi a função da fauna no ambiente não a fauna em si O que se pretende proteger nesse caso é o equilíbrio do meio ambiente uma vez que se admitem práticas que lesionem a fauna desde que não afetem a sua função ecológica No segundo caso a finalidade foi evitar a extinção das espécies que a compõem Assim não se pretende vedar práticas esporádicas que atinjam animais individualmente considerados mas sim condutas que tenham o potencial de levar determinada espécie à extinção Portanto tampouco se pretende aqui proteger o animal mas sim a fauna coletivamente considerada à luz da função que ela exerce no meio ambiente em que se insere Em ambos os casos o constituinte revela uma perspectiva coletiva da proteção da fauna segundo a qual o animal pertencente a ela não possui relevância mas sim o conjunto de animais que a constituem Isso pode ser corroborado inclusive pela própria escolha da palavra fauna que como visto é um conceito coletivo ao invés de animais por exemplo Para elucidar melhor essa questão passase à análise de cada crime contra a fauna excetuado o crime de maustratos o qual será estudado posteriormente O art 29 da Lei nº 960598 que contempla o primeiro crime contra a fauna previsto na seção I trata apenas da fauna silvestre Assim primeiramente devemos observar que ele exclui animais que não façam HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 262 parte da fauna silvestre como os animais domésticos e de produção Outrossim esse crime não proíbe a prática dos núcleos do tipo matar perseguir caçar apanhar utilizar o que seria uma previsão condizente com a proteção da fauna ou de cada animal a ela pertencente mas apenas a sua realização sem a devida permissão estatal Resta claro portanto que a principal finalidade desse tipo penal é evitar o descontrole dessas práticas em relação aos animais silvestres o que poderia gerar desequilíbrio ambiental por serem eles essenciais para a manutenção do equilíbrio ecológico Fosse o bem jurídico a fauna ou o animal a ela pertencente essas práticas seriam proibidas em qualquer situação A leitura do 4º corrobora esse entendimento uma vez que as causas de aumento de pena dizem respeito à maior reprovabilidade da conduta seja porque existe maior risco ao meio ambiente como nos incisos I II V e VI seja em razão do emprego de meio ardiloso incisos III e IV que dificulta a fiscalização No entanto não há nenhuma alusão ao impacto que essa prática pode causar a cada indivíduo pertencente a essa fauna Os arts 30 e 31 da referida lei preceituam uma lógica semelhante não vedando a conduta em si contra a fauna mas apenas a sua realização sem o devido aval do Poder Público razão pela qual a mesma lógica explicada acima aplicase a eles Por sua vez o art 33 fala em causar o perecimento ou seja a morte ou extinção de espécimes da fauna aquática Tal previsão poderia ter como objetivo a proteção da espécie por si só ou mesmo o indivíduo uma vez que a emissão de efluentes ou o carreamento de materiais no seu ambiente causaria imenso sofrimento a cada animal No entanto não é vedada a conduta de matar um animal daquela espécie por outro A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 263 meio o que seria uma tipificação condizente com a tutela do animal demonstrando que a preocupação do legislador não foi proteger o animal ou a fauna mas muito provavelmente evitar os impactos que a utilização desses materiais causaria sobre o meio ambiente no qual ela se insere Do mesmo modo o art 34 proíbe a pesca ilegal realizada em período em que a prática seja proibida ou em locais interditados Se o objetivo fosse proteger o animal ou a fauna a pesca seria em si um ato proibido já que não se pode proteger o indivíduo ou a espécie permitindose a prática de atos que levem à sua morte O art 35 é o único que gera uma maior dúvida acerca da possibilidade de tutela do animal como bem jurídico Isso porque ele proíbe a utilização de explosivos ou semelhantes e substâncias tóxicas na prática da pesca Essa proibição pode advir de uma preocupação com o bemestar desses animais uma vez que a utilização desses meios pode causar uma maior perturbação e sofrimento ao animal que é pescado assim como aos demais animais que vivem no local No entanto parece um pouco contraditória essa afirmação quando o nosso sistema jurídico permite a pesca ou seja o abatimento do animal aquático o que nos leva a crer que a conduta possui como bem jurídico o perigo que esses meios podem causar ao ambiente sendo o bemestar animal apenas um interesse subjacente Como podemos ver esses crimes contra a fauna têm como objetivo precípuo proteger o meio ambiente onde aqueles animais habitam visto que uma alteração na fauna pode levar ao desequilíbrio ambiental Neles não há a tipificação de condutas que afetem a vida de um animal considerado individualmente ou mesmo a fauna coletivamente tendo em vista que se permitem atos que levem à morte os indivíduos que a integram HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 264 O que é relevante nesses crimes é a possível consequência do ato para o equilíbrio do meio ambiente Tanto é assim que não se pune uma ação concreta praticada contra um único animal por si só O que se pune é a prática dessa ação sem a devida permissão estatal necessária porque incumbe ao Poder Público proteger o meio ambiente ou o perigo que a ação possa causar a um número indeterminado de indivíduos pertencentes àquela fauna Destarte a legislação teve como finalidade proteger o equilíbrio ambiental constituindo a fauna mero instrumento para essa preservação pois possui papel fundamental na manutenção desse equilíbrio o que revela um forte viés ecocêntrico do legislador Aqui é relevante distinguir que a proteção dos animais é individualista com cada animal protegido por si só independentemente de qualquer outro fator enquanto a proteção do meio ambiente é holística visando ao equilíbrio do sistema ecológico como um todo GRECO 2010 p 52 Essa tutela conferida pelos artigos mencionados possui um claro viés de proteção coletiva uma vez que permite atos contra os indivíduos pertencentes à fauna desde que controlados pelo Estado Notase que os animais são sim protegidos pelos crimes contra a fauna mas de forma meramente indireta e portanto não constituem o bem jurídico desses tipos penais de acordo com as teorias já estudadas Consequentemente é possível perceber que todos os crimes contra a fauna à exceção do crime de maustratos o qual será examinado no próximo tópico têm como vetor comum a preocupação com a manutenção do equilíbrio ecológico que poderia ser perturbada com a prática de alguma das condutas tipificadas apresentadas O que se pretende desse modo é a preservação do meio ambiente por meio da proteção da fauna Ou seja a fauna é protegida não como fim em si mesmo o que é reforçado pela possibilidade de se pescar caçar matar A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 265 entre outras ações quando permitido pelos órgãos estatais mas sim como instrumento para atingirse outra finalidade imediata qual seja a proteção ambiental sendo esta o interesse jurídico relevante que possibilitou a criação desses tipos penais Importante destacar que ao defender esse posicionamento não se pretende diminuir a importância dos animais como seres individualmente considerados Ocorre que a defesa do entendimento de que os animais são o bem jurídico dessas normas constitui uma manobra hermenêutica dissonante dos objetivos desses tipos penais interpretação teleológica da lógica do sistema interpretação sistemática e da própria redação do dispositivo interpretação literal ou gramatical O ideal seria que os crimes contra a fauna protegessem a fauna ou o animal que a ela pertence mas não é isso o que acontece à luz da sistemática brasileira atual 4 AS ESPECIFICIDADES DO BEM JURÍDICO NO CRIME DE MAUSTRATOS O crime de maustratos como será apresentado possui algumas distinções em relação ao propósito de sua previsão legal e aos demais crimes contra a fauna previstos na Lei nº 960598 No que concerne à própria redação do dispositivo é possível perceber primeiramente que o artigo se aplica não só a animais silvestres mas também há previsão expressa de aplicação aos animais domésticos ou domesticados o que não ocorre nos demais crimes contra a fauna estudados Além disso não há qualquer menção direta ou indireta ao meio ambiente no qual esses animais estão inseridos Por fim a tipificação dos maustratos deixa claro que o vetor que levou à HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 266 criminalização da conduta é a senciência desses animais que tem seu fundamento constitucional na terceira parte do inciso VII do art 225 da Carta Magna submetam os animais a crueldade uma vez que somente aquele que possui capacidade de sentir dor pode sofrer maustratos No que tange ao bem jurídico tutelado por esse crime além dos entendimentos anteriormente expostos que muitos autores aplicam a todos os crimes contra a fauna indistintamente há também outras posições que merecem destaque Em primeiro lugar uma vertente da corrente antropocêntrica já mencionada defende que o bem jurídico protegido pelo crime de maus tratos seria o sentimento humano em relação aos animais vítimas do delito como compaixão pena e piedade Contudo esse entendimento é criticado à luz do Estado Democrático de Direito que não admite a criminalização de condutas visando a proteger meros sentimentos tendo em vista que este é conceito extremamente relativo e pessoal ROXIN 2013 p 22 Greco adiciona que o sentimento humano sobre um determinado ato sempre estará presente para que seja promulgada uma lei em um sistema democrático GRECO 2010 p 51 levando em consideração a edição de leis por meio de um parlamento com membros eleitos pelos cidadãos Há ainda autores que defendem que esse crime tutela valores como a paz jurídica no sentido de que a impunidade em relação aos maustratos poderia levar os cidadãos a buscar a justiça com as próprias mãos o que abriria espaço para um moralismo incompatível com a tutela penal Ambas as posições mencionadas contudo pecam por não esclarecerem o conteúdo do injusto de atos que permanecem em segredo Se o sentimento dos humanos espectadores do ato de crueldade fosse A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 267 o bem jurídico tutelado não haveria explicação para punir o ato mas sim apenas a sua divulgação GRECO 2010 p 51 porquanto a prática do ato às escondidas não causaria nenhum sentimento na sociedade e consequentemente não lesionaria o bem jurídico supostamente tutelado pela norma À luz dessas correntes antropocêntricas a proteção dos animais ocorreria de forma indireta o objetivo da norma seria proteger a sociedade humana e tangencialmente também seriam protegidos os animais contra os quais a crueldade foi praticada Santiago 2016 p 29 critica essas posições afirmando que Estar aferrado a uma visão antropocêntrica tão estreita conduz o estudioso do Direito Penal a becos sem saída como os vistos acima para reafirmar o dogma de que se protege o homem na tipificação dos maus tratos contra animais cogitam alguns da proteção de sentimentos ou saem pela tangente afirmando a ausência de bem jurídico Talvez se possa visualizar esta proteção do homem em um sentido extrapenal protegendoo de sua própria ignorância ou brutalidade mas afirmar que este é o bem jurídico protegido é forçar excessivamente a argumentação Tampouco é satisfatório o entendimento de que o bem jurídico protegido seria o meio ambiente sob a justificativa de que os animais pertencem a ele Ao contrário do que ocorre nos demais crimes contra a fauna como já visto a conduta de maltratar o animal não possui qualquer relação direta ou indireta com o ambiente no qual ele se insere Isso porque o ato de maltratar por si só não afeta o equilíbrio ecológico não impede o animal de exercer a sua função no seu meio e não possui potencial de gerar a extinção da espécie Além disso a conduta típica independe de qualquer dano ou perigo de dano ao meio no qual aquele animal se insere seja meio ambiente natural ou urbano no caso dos animais domésticos HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 268 Por fim uma corrente ética denominada sensocêntrica defende que o animal individualmente considerado é o bem jurídico do crime de maustratos É importante notar contudo que o animal é o objeto material ou seja é sobre ele que recai a conduta criminosa TEIXEIRA NETO 2017 p 180 Assim da mesma forma que o bem jurídico protegido no homicídio é o direito à vida não o ser humano vítima no crime de maustratos o bem jurídico deve ser o interesse do animal em não sofrer não o animal em si que também é vítima4 Nesse sentido Greco 2010 p 56 sustenta que A razão pela qual o animal maltratado pode ser protegido por si próprio se revela apenas quando recordamos um argumento central do pensamento liberal a preocupação com os mais fracos a compreensão da dominação do outro como um mal cuja minimização estaria entre as prioridades estatais O medo de qualquer forma de dominação alheia é algo que figura por trás de muitas das principais ideias da tradição liberal Essa corrente parece ser mais acertada do ponto de vista da finalidade dessa proteção Quando o constituinte vedou a prática de atos cruéis contra os animais e o legislador criou o art 32 da Lei nº 960598 o fundamento parece ter sido a senciência desses seres uma vez que somente aquele capaz de sentir dor pode ser sofrer pelos maustratos Assim o interesse socialmente relevante que justifica a existência desse crime é o fato de o animal sentir dor Por essa razão não poderia ter outro o bem jurídico senão o próprio animal ou algum interesse a ele intrínseco como o interesse em não sofrer 4 Falar no direito do animal a não sofrer implicaria a necessidade de discussão acerca do status jurídico dos animais como sujeitos de direito no ordenamento jurídico brasileiro o que foge ao nosso escopo por se tratar de discussão complexa Além disso atualmente os animais são considerados bens móveis semoventes pela legislação civil art 82 do Código Civil Assim tecnicamente seriam incapazes de ser titulares de direitos A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 269 Verificase portanto que a criminalização dos maustratos possui um mens legis distinto do que foi visto em relação aos demais crimes contra a fauna enquanto nestes a interferência no meio ambiente foi o vetor que levou à proteção da fauna naquele o sentimento relevante que gerou a criminalização da conduta foi a inflição de sofrimento a cada animal individualmente considerado Assim no crime de maustratos a finalidade direta é coibir os maus tratos a um animal individualmente Não é relevante aqui que o meio ambiente no qual ele está inserido seja lesado sequer potencialmente tanto que a norma não restringe sua proteção aos animais silvestres A simples prática cruel contra algum animal é punida e isso não necessariamente implica perigo ecológico ou à espécie à qual ele pertence Por outro lado os demais crimes contra a fauna pressupõem conforme já fora analisado um potencial lesivo ao equilíbrio ecológico A proteção da fauna não ocorre em si mesma mas em razão da função que ela exerce naquele meio ambiente Nesse sentido Greco reafirma que os animais são protegidos pelo Direito Penal não em função do ser humano mas em função de si mesmos GRECO 2010 p 53 Fato é que ainda que a intenção do constituinte e do legislador à época não fosse proteger o animal não humano mas sim o interesse humano à luz da corrente antropocêntrica os anseios sociais contemporâneos clamam por uma atenção jurídica maior a esses seres vulneráveis Isso pode ser percebido pelo aumento dos movimentos sociais em prol dos animais criação de santuários trabalho de inúmeras organizações nãogovernamentais crescimento do veganismo e HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 270 vegetarianismo5 entre outros Essa demanda da sociedade é refletida no âmbito legislativo como não poderia deixar de ser em um Estado Democrático no qual tramitam diversos projetos de lei que pretendem conferir uma tutela jurídica mais ampla aos animais A título exemplificativo podese destacar o Projeto de Lei nº 272018 que pretende atribuir status de sujeito de direito aos animais sencientes o Projeto de Lei do Senado Federal nº 6312015 que tem como objetivo criar o Estatuto dos Animais e mais recentemente a aprovação da Lei nº 140642020 a qual alterou a Lei nº 960598 inserindo o 1ºA ao crime de maus tratos com a finalidade de aumentar a pena para atos cometidos contra cães e gatos Também é possível perceber um movimento do Poder Judiciário nesse sentido a exemplo da ADI 4983 na qual o Supremo Tribunal Federal STF julgou inconstitucional a vaquejada e do RE 153531 SC no qual o mesmo tribunal julgou inconstitucional a farra do boi Temos ainda exemplos mais ousados como a admissão de habeas corpus impetrado em favor de animais como o julgamento do HC nº 83308532005 analisado pela 9ª Vara Criminal de Salvador em favor de um chimpanzé Portanto diante da mutabilidade do bem jurídico de um delito e havendo abertura interpretativa para tanto é possível dizer que atualmente o interesse do animal é juridicamente relevante e por conseguinte deve ser considerado bem jurídico do crime de maustratos 5 Pesquisa do IBOPE aponta crescimento histórico no número de vegetarianos no Brasil Disponível em httpswwwsvborgbr2469pesquisadoibopeapontacrescimentohistorico nonumerodevegetarianosnobrasil Acesso em 29 jun2020 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 271 Diante dessa conclusão poderseia perguntar por que há possibilidade de mudança do bem jurídico neste caso e não se considerou essa possibilidade para os demais crimes contra a fauna No caso do crime de maustratos a proteção conferida pelo constituinte ao proibir práticas que submetam os animais a crueldade e pelo legislador ao legislar sobre o crime de maustratos é desde sua gênese individualista e baseada na senciência do animal ainda que se tenha considerado o sentimento humano ao ver o animal sofrer Assim a própria redação do dispositivo tem como base o sentimento e a dor do animal individualmente considerado e independente de qualquer repercussão ambiental Já nos demais crimes contra a fauna a redação dos tipos penais não permite essa elasticidade uma vez que foram criados para proteger o meio ambiente não havendo qualquer conduta que tipifique determinada prática contra o animal sem que haja um interesse ambiental primário Destarte percebese que o crime de maustratos não pretende tutelar o mesmo bem jurídico que os demais crimes contra a fauna no primeiro se tutela o interesse do animal em não sofrer no segundo o meio ambiente ecologicamente equilibrado 5 A INSERÇÃO DO CRIME DE MAUSTRATOS NA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL A partir das conclusões extraídas dos tópicos anteriores pretende se aqui analisar o cabimento da previsão do crime de maustratos dentro da legislação ambiental Conforme visto a proteção da fauna e a proteção dos animais não se confundem Na primeira o equilíbrio ambiental é tutelado por meio da proteção da coletividade de animais normalmente tendo como objetivo HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 272 a proteção da função que o animal exerce no seu habitat Na segunda por sua vez protegese o animal individualmente considerado sendo o seu interesse em não sofrer juridicamente relevante a ponto de ser a finalidade principal da norma ainda que interesses humanos também sejam indiretamente afetados pela conduta A proteção da fauna de certa forma pressupõe a proteção dos animais que a compõem No entanto a existência somente dessa proteção seria insuficiente para tutelar os interesses desses animais Isso porque teoricamente seria possível embora não desejável proteger a fauna coletivamente considerada e ao mesmo tempo permitir atrocidades em relação a alguns dos animais que a integram desde que isso não afete o coletivo e a função que exercem no seu meio Assim o crime de maustratos não tem relação direta com a proteção do meio ambiente com a qual se conecta a proteção da fauna como visto de forma que a sua inclusão na Lei nº 960598 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente é equivocada Nesse sentido Greco 2010 p 5253 esclarece que Uma última nova tentativa de esclarecer o tipo penal de crueldade com animais é a sua caracterização como delito ambiental Os animais pertencem ao meio ambiente logo a proteção de animais seria proteção do meio ambiente Que dessa forma se falseia o conteúdo da crueldade com animais parece estar evidente Afinal a proteção dos animais é individualista ela se ocupa do animal individualmente considerado enquanto a proteção do meio ambiente é holística já que nesse âmbito trata se do equilíbrio de um sistema como um todo Isso fica mais claro ao se pensar no dono de um canil que apenas submete a crueldades os animais que ele próprio criou de modo que não há que se falar em interferência mensurável no meio ambiente Só se pode admitir num tal caso que existe um delito de crueldade com animais porque a proteção de animais não é proteção do meio ambiente A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 273 Verificase portanto que o crime de maustratos ao tutelar o animal como indivíduo relacionase muito mais com o Direito dos Animais do que com o Direito Ambiental Importante destacar a posição de Paulo de Bessa Antunes que ao defender o antropocentrismo e mencionar o crescimento de correntes que têm buscado identificar uma igualdade entre o ser humano e os demais seres vivos argumenta que o Direito dos Animais não faz parte da disciplina de Direito Ambiental ANTUNES 2018 p 14 pois segundo ele este último é a norma que baseada no fato ambiental e no valor ético ambiental estabelece os mecanismos normativos capazes de disciplinar as atividades humanas em relação ao meio ambiente ANTUNES 2018 p 3 A colocação do crime de maustratos no âmbito da legislação ambiental no entanto é justificável em razão do contexto social em que a normativa foi criada Em primeiro lugar a Constituição Federal determinou a proibição dos maustratos no seu capítulo VI que dispõe sobre a proteção do meio ambiente Além disso toda a sistemática do art 225 da Carta Magna é voltada para a proteção ambiental de forma que a vedação aos maustratos é excepcional dentro da norma ao tratar de um interesse individual nãohumano Não bastasse isso em 1998 quando a Lei de Crimes Ambientais foi editada e os maustratos passaram a configurar crime poucas vozes defendiam os direitos dos animais ramo até então muito incipiente no mundo jurídico Se atualmente ainda se luta para que os animais tenham algum reconhecimento jurídico conceber há mais de duas décadas que eles pudessem ser vistos como seres independentes do meio ambiente parecia uma realidade distante Somese a isso a inexistência de outros dispositivos legais de grande relevância nos quais se pudesse inserir tal delito além da falta de vontade normativa que persiste em certa HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 274 medida até os dias de hoje em criar uma legislação que protegesse os direitos dos animais Dessa forma na época em que o dispositivo foi criado fazia sentido dentro da sociedade proteger os animais a partir da lógica ambiental que possuía uma sistemática já bem construída ao passo que o direito dos animais ainda estava engatinhando no Brasil Atualmente todavia tal sistemática não mais se sustenta Como já visto o interesse social pelo bemestar animal é crescente de forma que nada mais condizente com a nova realidade do que a criação de mecanismos jurídicos específicos para a tutela dos interesses dos nãohumanos A proteção ambiental decerto inclui a proteção da fauna ou seja dos animais que vivem no meio ambiente seja natural artificial ou até mesmo doméstico No entanto uma violação ao interesse de cada animal não prejudica o meio ambiente per se isto é não viola o bem jurídico protegido pelo direito ambiental A inclusão desses animais na legislação ambiental é desdobramento da ausência de dignidade a eles conferida pelo direito que os vê como um mero objeto pertencente ao meio ambiente não como seres individuais É reflexo da ideia de que tudo o que não está diretamente ligado ao ser humano deve ser jogado dentro de um mesmo bolo quando na realidade há uma infinidade de interesses que merecem proteção adequada às suas peculiaridades Nesse sentido destaca Paulo de Bessa Antunes 2018 p 4 O Direito Ambiental tem sido entendido de forma extremamente ampla e de certa maneira imperialista pois se pretende que ante os seus aspectos peculiares outros valores constitucionalmente tutelados cedam passagem haja vista que muitas vezes partese de uma ideia de que o ambiente é tudo que não seja eu conforme o conceito de Einstein O corte é claramente autoritário pois em sociedade democrática somente a atuação de saída dos processos regulares de direito é legítima A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 275 O autor acrescenta ainda que nem toda norma que direta ou indiretamente se relaciona a uma questão ambiental pode ser compreendida no universo do Direito Ambiental ANTUNES 2018 p 8 constituindo a definição dos limites de abrangência desse ramo jurídico uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos seus estudiosos Assim em última análise considerar que os animais são merecedores da tutela ambiental porque são seres da natureza e por essa razão integram o meio ambiente implicaria a aplicação do direito ambiental para qualquer outra tutela de direito visto que tudo está interligado ao meio ambiente de uma forma ou de outra Não é certo atrelar o direito dos animais a qualquer outra razão que não o direito inerente a eles de viverem suas vidas sem interferência humana Dizer que a tutela do direito animal ainda que indiretamente incluise dentro da sistemática do direito ambiental ao invés de aumentar a sua proteção esvazia o seu propósito É necessário portanto reconhecer que os animais possuem relevância e são merecedores de proteção jurídica independentemente do ambiente em que se inserem ou da sua relevância para um meio ambiente equilibrado Importante ressaltar que uma técnica legislativa adequada é essencial para trazer coerência ao sistema jurídico Nesse sentido o direito ambiental e o direito dos animais possuem sistemáticas muito diferentes uma vez que além de tutelarem interesses distintos também são regidos por princípios diferentes e possuem objetivos diversos de forma que a proteção dos animais na legislação ambiental restringiria o seu potencial de proteção e desenvolvimento O direito ambiental por possuir como finalidade a proteção do meio ambiente é voltado predominantemente para a tutela de interesses difusos Ainda que sim o dano ambiental tenha natureza bifronte e HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 276 gere não somente repercussões coletivas para a sociedade como um todo mas também tenha potencial de gerar lesões a direitos individuais de humanos que tenham sido diretamente afetados SANTIAGO 2016 p 28 não há como negar que o seu domínio preponderante possui natureza coletiva O reconhecimento da autonomia do direito dos animais portanto com a edição de leis próprias permitiria uma melhor hermenêutica ao utilizar somente os princípios diretamente aplicáveis aos direitos dos animais e possibilitaria o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial mais amplo e específico para essa temática o que aperfeiçoaria a proteção conferida aos nãohumanos Além disso facilitaria a especialização que é essencial para uma tutela efetiva de direitos Isso não significa dizer que a legislação ambiental é insuficiente ou que é inferior ao direito dos animais o qual por sinal ainda é muito incipiente no ordenamento brasileiro mas sim de reconhecer as peculiaridades de cada um e perceber que eles jamais serão tutelados plenamente enquanto forem compreendidos como um só domínio Portanto a inserção do crime de maustratos norma essencialmente de direito dos animais na legislação ambiental apesar de ter feito sentido na época em que foi criada hoje não mais se sustenta Enquanto o direito dos animais estiver inserido no direito ambiental ou qualquer outro ramo do direito que tutele outros interesses e não for considerado um ramo independente ele não terá a importância que merece e que é clamada pela sociedade atual Assim tanto do ponto de vista do bem jurídico tutelado pelo crime de maustratos quanto dos anseios sociais que clamam mais importância a ser conferida aos animais fazse necessária a edição de uma normativa específica para os direitos dos animais na qual seja inserido o crime de maustratos A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 277 de modo a conferir uma tutela mais efetiva aos interesses dos não humanos independentemente do meio ambiente no qual se inserem 6 CONCLUSÃO O crime de maustratos no direito brasileiro à luz do que dispõe a Constituição Federal no seu art 225 inciso VII tutela os interesses dos animais individualmente considerados mais especificamente o interesse em não sofrer ao passo que os demais crimes contra a fauna previstos nos arts 29 a 31 e 33 a 35 da Lei nº 960598 tutelam o meio ambiente tendo a fauna como instrumento para atingir o seu fim precípuo Nesse sentido a sistemática aplicável ao crime de maustratos não se encaixa no viés legislativo proposto pela Lei de Crimes Ambientais tendo em vista que os bens jurídicos protegidos são distintos O direito ambiental como um todo visa a proteger o meio ambiente equilibrado sob uma perspectiva predominantemente coletiva enquanto o crime de maustratos reflexo do direito dos animais tem como objetivo a proteção de cada animal nãohumano individualmente independentemente de qualquer influência que isso cause no ambiente em que se inserem Dessa forma apesar de na época em que a Lei nº 960598 foi promulgada a inserção do crime de maustratos no âmbito do direito ambiental tenha feito sentido tendo em vista o contexto social e o panorama legislativo vigente atualmente isso não mais se sustenta Os anseios sociais de luta pelos animais cresceram o que deve refletir se diretamente na tutela jurídica que lhes é conferida Assim ainda que a Lei de Crimes Ambientais tenha um propósito nobre afinal a tutela do meio ambiente é essencial para a manutenção HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 278 da vida em sociedade e não cabe ao ser humano interferir no equilíbrio ecológico do planeta ela não é capaz de tutelar integralmente o direito dos animais visto que que isso exigiria um desvio de sua finalidade o que acabaria por esvaziar a proteção animal e também a proteção ambiental Isso acabaria por dar uma proteção ineficiente aos animais e alargar demasiadamente a abrangência do direito ambiental o que diluiria o seu foco Portanto não é mais cabível a inserção do crime de maustratos na legislação ambiental devendo o legislador criar novos dispositivos normativos específicos para a tutela animal de forma a proteger integralmente os seus interesses que também são indiretamente relevantes para a sociedade REFERÊNCIAS ABREU Natascha Christina Ferreira de A evolução dos Direitos dos Animais um novo e fundamental ramo do direito Disponível em httpsjuscombrartigos45057aevolucaodosdireitosdosanimais umnovoefundamentalramododireito Acesso em 27 jun2020 AMADO Frederico Direito Ambiental esquematizado 5 Ed São Paulo Método 2014 ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 20ª Ed São Paulo Atlas 2018 ATAIDE JUNIOR V de P Introdução ao direito animal brasileiro Revista Brasileira de Direito Animal Salvador v 13 n 3 p 4876 SetDez 2018 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 279 BITTENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito penal parte geral 1 19 Ed São Paulo Saraiva 2013 CAMPELLO L G B BARROS A C V de A era da afirmação dos direitos dos animais no cenário global e seu fundamento na solidariedade entre espécies Revista Brasileira de Direito Animal Salvador v 13 n 2 p 95109 MaiAgo 2018 FAUNA In MICHAELIS Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Disponível em httpsmichaelisuolcombrmodernoportugues buscaportuguesbrasileirofauna Acesso em 25 jun2020 GODOY Regina Maria Bueno de A proteção dos bens jurídicos como fundamento do direito penal 2010 122 p Dissertação Direito das Relações Sociais Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo GRECO Luís Proteção de bens jurídicos e crueldade com animais Revista Liberdades n 3 janabr 2010 p 4759 Disponível em http wwwrevistaliberdadesorgbruploadpdf3artigo2pdf Acesso em 29 jun2020 MACHADO Paulo Affonso Leme Direito Ambiental Brasileiro 24 Ed São Paulo Malheiros 2016 MEDEIROS F L F de NETO W G N Vedação de crueldade um breve olhar na proteção animal In QUERUBINI A BURMANN A ANTUNES P de B coord Direito ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988 Londrina Thoth 2018 PESQUISA do IBOPE aponta crescimento histórico no número de vegetarianos no Brasil Disponível em httpswwwsvborgbr2469 HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 280 pesquisadoibopeapontacrescimentohistoricononumerode vegetarianosnobrasil Acesso em 29 jun2020 PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e constituição São Paulo Revista dos Tribunais 1996 RODRIGUES K R de A L SALES M S de A tutela jurídica dos animais e os maus tratos Disponível em httpsjuscombr artigos67299atutelajuridicadosanimaiseosmaustratos Acesso em 25 jun2020 SANTIAGO Alex Fernandes O bem jurídico protegido nos crimes contra a fauna Revista do Ministério Público de Minas Gerais Belo Horizonte Edição Defesa da Fauna p 2632 2016 SILVA Ivan Luiz da O bem jurídicopenal como limite material à intervenção criminal Revista de Informação Legislativa Brasília ano 50 n 197 p 6574 janmar 2013 SIRVINSKAS Luís Paulo Manual de Direito Ambiental 16 Ed São Paulo Saraiva Educação 2017 TEIXEIRA NETO João Alves O fundamento ontoantropológico da tutela penal de animais 2016 58 p Tese Programa de Pós Graduação em Ciências Criminais Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Porto Alegre Tutela penal de animais uma compreensão onto antropológica Porto Alegre Livraria do Advogado 2017 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 281 Legislação BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 Diário Oficial da União Brasília DF 5 de outubro de 1988 Seção 1 p 1 BRASIL Decreto nº 16590 de 10 de setembro de 1924 Diário Oficial da União Rio de Janeiro RJ 13 de setembro de 1924 Seção 1 p 20021 BRASIL Decreto nº 24645 de 10 de julho de 1934 Diário Oficial da União Rio de Janeiro RJ 10 de julho de 1934 v 4 p 720 BRASIL Decreto nº 3688 de 3 de outubro de 1941 Lei de Contravenções Penais Diário Oficial da União Rio de Janeiro RJ 13 de outubro de 1941 Seção 1 p 19696 BRASIL Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 Lei de Crimes Ambientais Diário Oficial da União Brasília DF 13 de fevereiro de 1998 Seção 1 p 1 Retificação em 17 de fevereiro de 1998 Seção 1 p 1 BRASIL Projeto de Lei do Senado Federal nº 6312015 Disponível em httpswww25senadolegbrwebatividademateriasmateria123276 Acesso em 27 jun2020 BRASIL Projeto de Lei nº 272018 Disponível em httpswww25 senadolegbrwebatividademateriasmateria133167 Acesso em 27 jun2020 HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 282 Jurisprudência BRASIL 9ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia TJBA Habeas Corpus nº 83308532005 Julgador Edmundo Lúcio da Cruz Salvador 2005 BRASIL Supremo Tribunal Federal STF Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 4983CE Relator Min Marco Aurélio Brasília 06 de outubro de 2016 DJe 27 de abril de 2017 BRASIL Supremo Tribunal Federal STF Recurso Extraordinário nº 153531SC Relator Francisco Resek Relador do acórdão Marco Aurélio Brasília 03 de junho de 1997 DJ 13 de março de 1998 BRASIL Tribunal de Justiça de São Paulo TJSP Agravo de Instrumento nº 21395666620198260000 Relator Souza Meirelles São Paulo 17 de junho de 2020 DJe 30 de junho de 2020
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
Texto de pré-visualização
REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 252 A PROTEÇÃO CONTRA MAUSTRATOS AOS ANIMAIS PELA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS À LUZ DA TEORIA DO BEM JURÍDICO PROTECTION AGAINST MISTREATMENT OF ANIMALS BY THE ENVIRONMENTAL CRIMES LAW IN THE LIGHT OF THE JURIDICAL ASSET THEORY httpsdoiorg105212RBDJv40006 Helena Marino Lettieri de Campos1 httplattescnpqbr3652197524041676 Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar o cabimento da escolha legislativa de inserir o crime de maustratos no âmbito da legislação ambiental mais especificamente na Lei nº 960598 Lei de Crimes Ambientais Atualmente o art 32 da referida lei é o principal dispositivo infraconstitucional de tutela dos animais nãohumanos que proíbe a prática de maustratos A Lei de Crimes Ambientais possui como principal escopo a proteção do meio ambiente sendo toda a sua sistemática voltada para a preservação da fauna e flora em uma perspectiva coletiva Assim pretendese analisar o enquadramento do crime de maustratos como crime contra a fauna no âmbito da Lei nº 960598 por meio da análise dos bens jurídicos protegidos a fim de refletir sobre a adequabilidade da inserção dos maustratos na legislação ambiental Palavraschave Direito dos animais Maustratos Direito ambiental Bem jurídico 1 INTRODUÇÃO A tutela jurídica dos animais no direito brasileiro pouco evoluiu ao longo das décadas Apesar de possuir como marco inicial o Decreto 1 Pósgraduanda em Meio Ambiente e Sustentabilidade na Fundação Getúlio Vargas FGV Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Email helenalettierigmailcom A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 253 nº 16590 de 1924 que há quase 100 anos proibiu certas práticas que causavam sofrimento aos animais nas chamadas Casas de Diversões Públicas pouco se avançou desde então Em 1934 foi editado o Decreto nº 24645 o qual exemplificava diversas práticas consideradas maustratos aos animais em 1941 os maustratos foram considerados contravenções penais no âmbito do DecretoLei nº 3688 Desde então foram editadas diversas normas regulamentadoras da caça e da pesca e leis ambientais tidas como referência mundo afora as quais têm como uma de suas finalidades a proteção da fauna Com o advento da Constituição Federal de 1988 a proteção dos animais nãohumanos passou a ter status constitucional mediante a edição do art 225 1º inciso VII inserido no capítulo que trata do meio ambiente o qual incumbiu ao Poder Público o dever de proteger a fauna e a flora vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade Todavia a proteção dos animais somente teve melhora significativa com a Lei de Crimes Ambientais Lei nº 960598 que passou a tipificar como crime os maustratos aos animais no seu art 32 em capítulo que trata dos crimes contra a fauna e até hoje representa o maior marco legislativo dos direitos dos animais em nível nacional O que se pretende analisar com o presente artigo é justamente o enquadramento do crime de maustratos como crime contra a fauna no âmbito do direito ambiental à luz dos bens jurídicos tutelados por cada um deles e mais amplamente pelo próprio direito ambiental Será que os crimes contra os animais são necessariamente crimes contra a fauna A proteção dos animais implica necessariamente a proteção da fauna coletivamente considerada ou do meio ambiente Ou seriam tutelas separadas e como tal merecem ser estudadas individualmente HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 254 Para responder aos questionamentos suscitados analisarseá brevemente a aplicação da teoria dos bens jurídicos no ordenamento jurídico brasileiro Após serão estudados os bens jurídicos tutelados pelos crimes contra a fauna de maneira geral e as especificidades existentes no crime de maustratos aos animais nãohumanos em relação àqueles Posteriormente farseá uma análise da adequabilidade da proteção contra os maustratos aos animais no âmbito da legislação ambiental com base nas reflexões anteriores 2 A TEORIA DO BEM JURÍDICO Antes de adentrar na análise dos bens jurídicos tutelados pelas normas a serem estudadas fazse necessário elucidar brevemente o que são bens jurídicos a evolução dessa teoria no direito brasileiro e a função que exerce no ordenamento jurídico atual a fim de construir a base para as reflexões suscitadas nos tópicos que seguem O bem jurídico constitui a base da estrutura e interpretação dos tipos penais Segundo Bittencourt ele confere à norma um critério material capaz de distinguir a conduta penalmente relevante das simples atitudes interiores e de fatos materiais que não são lesivos a nenhum bem BITTENCOURT 2013 p 348 A ideia do bem jurídico penal foi desenvolvida inicialmente com o surgimento da filosofia penal iluminista que tinha como postulado a garantia dos bens individuais contra o arbítrio do Estado PRADO 1996 p 21 apud SILVA 2013 p 67 Assim foi pensado como um limitador ao poder punitivo estatal em contraposto às arbitrariedades do Estado absolutista Ao longo das décadas o seu conceito e papel dentro do direito penal foi mudando conforme as aspirações de cada época e o contexto históricosocial A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 255 Inicialmente o Direito Penal moderno consagrou a teoria dos direitos subjetivos de Feuerbach a qual defendia que a intervenção penal somente seria justificada quando o delito lesionasse algum direito do cidadão GODOY 2010 p 21 Contudo tal teoria foi substituída pela concepção de Birnbaum que introduziu a noção de proteção do bem jurídico no lugar do direito subjetivo sob o argumento de que os direitos não poderiam ser lesionados ou postos em perigo mas apenas o bem em sua realidade existencial GODOY 2010 p 23 Segundo Mezger a introdução do conceito de bem jurídico foi importante pois muitos delitos não geram lesão a nenhum direito subjetivo mas todos lesam ou expõem a perigo algum bem jurídico MEZGER 1935 p 399 apud BITTENCOURT 2013 p 348 Binding sob uma perspectiva positivista defendia que o bem jurídico seria o estado valorado pelo legislador BITTENCOURT 2013 p 348 Essa posição no entanto foi duramente criticada por admitir a arbitrariedade na intervenção estatal ao possibilitar a criminalização de qualquer conduta que o Estado entendesse relevante GODOY 2010 p 24 Em contraposição à visão positivistaformal de Binding Von Liszt defendia que é a vida e não o direito quem produz o interesse mas só a proteção jurídica converte o interesse em bem jurídico LISZT 2006 p 94 apud GODOY 2010 p 26 Assim o interesse surge antes da norma jurídica a qual protege o que já é considerado relevante pela sociedade A proteção pelo Direito no entanto eleva o interesse vital à categoria de bem jurídico GODOY 2010 p 25 Por sua vez sob uma visão neokantiana o bem jurídico seria compreendido como um valor abstrato de cunho éticosocial protegido pela norma jurídica SILVA 2013 p 68 Mais uma vez o bem jurídico HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 256 perdeu o seu papel limitador do ius puniendi ao ser reduzido a um valor abstrato criado pelo legislador As teorias contemporâneas do bem jurídico que ganharam força após o final da Segunda Guerra Mundial trouxeram de volta a função limitadora à atuação do Estado São elas essencialmente as teorias sociológicas e constitucionais As primeiras tinham como objetivo identificar o conteúdo do bem jurídico e analisar a sua funcionalidade sistêmica dentro do ordenamento à luz da realidade social Contudo falharam ao permitir a incriminação de valores morais GODOY 2010 p 30 As teorias constitucionais por sua vez sustentavam que somente os bens consagrados na Constituição seriam merecedores da tutela penal uma vez que é da Carta Magna que a legislação extrai o seu fundamento de validade e a sua força imperativa Essas teorias pressupõem que os bens tutelados pela Constituição são aqueles já consagrados como de interesse pela própria sociedade visto que o papel do constituinte seria conferir especial tratamento aos valores já existentes na realidade social PRADO 1996 p 21 apud SILVA 2013 p 69 Destarte o limite ao legislador e o fundamento das normas por ele criadas seria a ordem constitucional pois a ela compete delimitar os bens jurídicos a serem considerados penalmente relevantes diminuindo a margem de arbitrariedade do legislador2 2 As teorias constitucionais do bem jurídico são classificadas em a teorias constitucionais amplas e b teorias constitucionais de caráter restrito A divergência entre ambas consiste tão somente quanto à maneira de vinculação da norma constitucional PRADO 1996 p 44 para as primeiras a Constituição serve de parâmetro para o reconhecimento dos bens jurídicos sem no entanto ser taxativa para as segundas o texto constitucional determina efetiva e taxativamente que bens jurídicos devem ser penalmente tutelados SILVA 2013 p 6970 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 257 Nesse sentido Roxin ressalta a mutabilidade do bem jurídico tutelado por uma norma penal uma vez que se trata de um conceito aberto aos anseios sociais ROXIN 1997 p 58 Para Régis Prado 1996 p 73 apud SILVA 2013 p 71 O conceito material de bem jurídico reside então na realidade ou experiência social sobre o qual incidem juízos de valor primeiro do constituinte depois do legislador ordinário Trata se de um conceito necessariamente valorado e relativo isto é válido para determinado sistema social e um dado momento históricocultural Apesar de ainda haver muita discussão acerca do conceito de bem jurídico atualmente há um mínimo de concordância doutrinária no sentido de que seria um bem considerado de relevante interesse para a sociedade o qual atua como critério de limitação e ao mesmo tempo como fundamento da intervenção penal SILVA 2013 p 71 Assim o seu conceito está intrinsecamente ligado à finalidade de preservar as condições individuais necessárias a uma coexistência livre e pacífica em sociedade estabelecidas a partir do consenso democrático em um Estado de Direito BITTENCOURT 2013 p 349 3 O BEM JURÍDICO TUTELADO PELOS CRIMES CONTRA A FAUNA Com base nas reflexões e nos esclarecimentos apresentados passa se à discussão acerca dos bens jurídicos protegidos pelos crimes contra a fauna previstos na Lei nº 960598 De plano cumpre esclarecer que o tema não é pacífico na doutrina havendo diversos entendimentos contrapostos os quais serão expostos neste tópico Primeiramente devemos entender o conceito de fauna para compreender o que as normas a serem estudadas pretendem proteger HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 258 De acordo com o dicionário Michaelis fauna no âmbito da biologia e zoologia é o conjunto de espécies animais de uma região de um período estrato geológico ou qualquer outra classificação relevante3 No mesmo sentido segundo Sirvinskas 2017 p 913 Fauna é o conjunto de animais próprios de um país ou região que vivem em determinada época No entanto nem todos os animais são protegidos pela lei contra os crimes ambientais Protegem se as espécies da fauna silvestre ou aquática domésticas ou domesticadas nativas exóticas ou em rota migratória Assim pela própria definição podemos depreender que fauna é um conceito coletivo que se refere a diversos animais pertencentes a um mesmo grupo de determinada região No que tange às teorias do bem jurídico uma visão antropocêntrica do direito penal defende que os bens jurídicos tutelados pela norma penal devem necessariamente ser relativos a algum interesse humano Assim no caso dos crimes contra a fauna o bem jurídico seria por exemplo o direito à vida à integridade física e à saúde do ser humano eventualmente afetado por aquela conduta uma vez que o meio ambiente não teria autonomia própria para exercer esse papel na estrutura normativa Portanto sob essa vertente o meio ambiente seria mero instrumento para a proteção do interesse individual humano de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado Ainda dentro dessa posição antropocêntrica há também quem defenda que os crimes contra a fauna não possuiriam bem jurídico SANTIAGO 2016 p 27 por não conceber a possibilidade de o meio 3 FAUNA In MICHAELIS Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Disponível em httpsmichaelisuolcombrmodernoportuguesbuscaportuguesbrasileirofauna Acesso em 25 jun2020 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 259 ambiente ser um bem jurídico em razão da sua ausência de autonomia e tampouco o interesse humano por falta de pertinência Essa visão no entanto é criticada uma vez que vai de encontro ao entendimento de que a função do Direito Penal seria justamente a proteção dos bens jurídicos Assim uma norma que não protege nenhum bem jurídico não seria legítima dentro de um Estado Democrático de Direito Importante destacar que essa visão antropocêntrica não é limitada ao âmbito penal estendendose por todo direito ambiental por meio do argumento de que a preservação do meio ambiente tem como fim a preservação do ser humano Segundo o Antunes 2018 p 14 Pretendese que o Direito Ambiental represente a ruptura do antropocentrismo na ordem jurídica Sustentase que ao proteger a vida em especial a vida animal e vegetal o Direito Ambiental teria reconhecido novos sujeitos de direito que conjuntamente com o ser humano passariam a ocupar o núcleo central do mundo jurídico Em meu ponto de vista tal raciocínio é primário pois deixa de considerar uma questão essencial e inafastável que é o fato de que o Direito positivado é uma construção humana para servir propósitos humanos O fato de que o direito esteja evoluindo para uma posição na qual o respeito às formas de vida não humanas seja uma obrigação jurídica cada vez mais relevante não é suficiente para deslocar o eixo ao redor do qual a ordem jurídica circula Uma segunda corrente denominada ecocêntrica defende que o bem jurídico dos crimes contra a fauna seria o próprio meio ambiente tendo em vista que essas normas visam a protegêlo independentemente de qualquer lesão a um direito humano Assim o meio ambiente seria um bem autônomo capaz de ser tutelado pelo Estado em contraposição ao que defende o antropocentrismo SANTIAGO 2016 p 29 A fauna seria por conseguinte apenas um instrumento para a proteção do meio ambiente coletivamente considerado uma vez que o equilíbrio ecológico depende do equilíbrio de todos os elementos que o compõem HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 260 Segundo Santiago 2016 p 29 nenhuma dessas duas visões antropocêntrica e ecocêntrica seria capaz de identificar qual seria o bem jurídico protegido por esses crimes Na primeira a natureza é vista como um objeto O homem projeta nela sua visão das coisas uma determinada visão das coisas necessariamente datada e localizada Na segunda a natureza como sujeito tudo absorve Obviamente esses problemas se repetem no Direito Penal Ambiental Neste âmbito a teoria antropocêntrica pura ou radical ou personalistamonista não serve para justificar os crimes contra a fauna não serve para o meio ambiente e termina por isso mesmo por não servir para o próprio homem pois apenas contribui para o reforço do paradigma cartesiano e continuidade do deterioro ambiental em prejuízo do próprio ser humano Iludese quem a aplica e os fundamentos que a alargam somente realçam sua inadequação Por outro lado afirmar que devemos ou melhor que somos capazes de abraçar uma teoria ecocêntrica pura seria demasiada pretensão do ser humano pois a verdade é que somos incapazes de interpretar exatamente o que querem os animais Não prejudicálos já seria um grande progresso em verdade Por sua vez há ainda uma terceira corrente denominada biocêntrica que entende que o bem jurídico de todos os crimes contra a fauna seria os próprios animais Essa corrente se subdivide entre aqueles que consideram que essa proteção visa à fauna coletivamente e aqueles que defendem que esta visaria ao animal individualmente considerado Apesar de nobre a tentativa de incluir os animais como o interesse a ser protegido por esses crimes não parece ser a melhor posição A sistemática criada pelos dispositivos dos crimes contra a fauna visa à preservação do meio ambiente como finalidade precípua não os animais considerados em si mesmos Isso é corroborado tanto pela leitura dos dispositivos legais quanto pela análise do fundamento de validade dessas normas que é extraído do inciso VII do art 225 da A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 261 Constituição na parte que determina a proteção da fauna vedando práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou provoquem a extinção de espécies No primeiro caso temse que a Carta Magna visou a proteger a função ecológica exercida pela fauna Assim o interesse juridicamente relevante capaz de fundamentar essas normas penais foi a função da fauna no ambiente não a fauna em si O que se pretende proteger nesse caso é o equilíbrio do meio ambiente uma vez que se admitem práticas que lesionem a fauna desde que não afetem a sua função ecológica No segundo caso a finalidade foi evitar a extinção das espécies que a compõem Assim não se pretende vedar práticas esporádicas que atinjam animais individualmente considerados mas sim condutas que tenham o potencial de levar determinada espécie à extinção Portanto tampouco se pretende aqui proteger o animal mas sim a fauna coletivamente considerada à luz da função que ela exerce no meio ambiente em que se insere Em ambos os casos o constituinte revela uma perspectiva coletiva da proteção da fauna segundo a qual o animal pertencente a ela não possui relevância mas sim o conjunto de animais que a constituem Isso pode ser corroborado inclusive pela própria escolha da palavra fauna que como visto é um conceito coletivo ao invés de animais por exemplo Para elucidar melhor essa questão passase à análise de cada crime contra a fauna excetuado o crime de maustratos o qual será estudado posteriormente O art 29 da Lei nº 960598 que contempla o primeiro crime contra a fauna previsto na seção I trata apenas da fauna silvestre Assim primeiramente devemos observar que ele exclui animais que não façam HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 262 parte da fauna silvestre como os animais domésticos e de produção Outrossim esse crime não proíbe a prática dos núcleos do tipo matar perseguir caçar apanhar utilizar o que seria uma previsão condizente com a proteção da fauna ou de cada animal a ela pertencente mas apenas a sua realização sem a devida permissão estatal Resta claro portanto que a principal finalidade desse tipo penal é evitar o descontrole dessas práticas em relação aos animais silvestres o que poderia gerar desequilíbrio ambiental por serem eles essenciais para a manutenção do equilíbrio ecológico Fosse o bem jurídico a fauna ou o animal a ela pertencente essas práticas seriam proibidas em qualquer situação A leitura do 4º corrobora esse entendimento uma vez que as causas de aumento de pena dizem respeito à maior reprovabilidade da conduta seja porque existe maior risco ao meio ambiente como nos incisos I II V e VI seja em razão do emprego de meio ardiloso incisos III e IV que dificulta a fiscalização No entanto não há nenhuma alusão ao impacto que essa prática pode causar a cada indivíduo pertencente a essa fauna Os arts 30 e 31 da referida lei preceituam uma lógica semelhante não vedando a conduta em si contra a fauna mas apenas a sua realização sem o devido aval do Poder Público razão pela qual a mesma lógica explicada acima aplicase a eles Por sua vez o art 33 fala em causar o perecimento ou seja a morte ou extinção de espécimes da fauna aquática Tal previsão poderia ter como objetivo a proteção da espécie por si só ou mesmo o indivíduo uma vez que a emissão de efluentes ou o carreamento de materiais no seu ambiente causaria imenso sofrimento a cada animal No entanto não é vedada a conduta de matar um animal daquela espécie por outro A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 263 meio o que seria uma tipificação condizente com a tutela do animal demonstrando que a preocupação do legislador não foi proteger o animal ou a fauna mas muito provavelmente evitar os impactos que a utilização desses materiais causaria sobre o meio ambiente no qual ela se insere Do mesmo modo o art 34 proíbe a pesca ilegal realizada em período em que a prática seja proibida ou em locais interditados Se o objetivo fosse proteger o animal ou a fauna a pesca seria em si um ato proibido já que não se pode proteger o indivíduo ou a espécie permitindose a prática de atos que levem à sua morte O art 35 é o único que gera uma maior dúvida acerca da possibilidade de tutela do animal como bem jurídico Isso porque ele proíbe a utilização de explosivos ou semelhantes e substâncias tóxicas na prática da pesca Essa proibição pode advir de uma preocupação com o bemestar desses animais uma vez que a utilização desses meios pode causar uma maior perturbação e sofrimento ao animal que é pescado assim como aos demais animais que vivem no local No entanto parece um pouco contraditória essa afirmação quando o nosso sistema jurídico permite a pesca ou seja o abatimento do animal aquático o que nos leva a crer que a conduta possui como bem jurídico o perigo que esses meios podem causar ao ambiente sendo o bemestar animal apenas um interesse subjacente Como podemos ver esses crimes contra a fauna têm como objetivo precípuo proteger o meio ambiente onde aqueles animais habitam visto que uma alteração na fauna pode levar ao desequilíbrio ambiental Neles não há a tipificação de condutas que afetem a vida de um animal considerado individualmente ou mesmo a fauna coletivamente tendo em vista que se permitem atos que levem à morte os indivíduos que a integram HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 264 O que é relevante nesses crimes é a possível consequência do ato para o equilíbrio do meio ambiente Tanto é assim que não se pune uma ação concreta praticada contra um único animal por si só O que se pune é a prática dessa ação sem a devida permissão estatal necessária porque incumbe ao Poder Público proteger o meio ambiente ou o perigo que a ação possa causar a um número indeterminado de indivíduos pertencentes àquela fauna Destarte a legislação teve como finalidade proteger o equilíbrio ambiental constituindo a fauna mero instrumento para essa preservação pois possui papel fundamental na manutenção desse equilíbrio o que revela um forte viés ecocêntrico do legislador Aqui é relevante distinguir que a proteção dos animais é individualista com cada animal protegido por si só independentemente de qualquer outro fator enquanto a proteção do meio ambiente é holística visando ao equilíbrio do sistema ecológico como um todo GRECO 2010 p 52 Essa tutela conferida pelos artigos mencionados possui um claro viés de proteção coletiva uma vez que permite atos contra os indivíduos pertencentes à fauna desde que controlados pelo Estado Notase que os animais são sim protegidos pelos crimes contra a fauna mas de forma meramente indireta e portanto não constituem o bem jurídico desses tipos penais de acordo com as teorias já estudadas Consequentemente é possível perceber que todos os crimes contra a fauna à exceção do crime de maustratos o qual será examinado no próximo tópico têm como vetor comum a preocupação com a manutenção do equilíbrio ecológico que poderia ser perturbada com a prática de alguma das condutas tipificadas apresentadas O que se pretende desse modo é a preservação do meio ambiente por meio da proteção da fauna Ou seja a fauna é protegida não como fim em si mesmo o que é reforçado pela possibilidade de se pescar caçar matar A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 265 entre outras ações quando permitido pelos órgãos estatais mas sim como instrumento para atingirse outra finalidade imediata qual seja a proteção ambiental sendo esta o interesse jurídico relevante que possibilitou a criação desses tipos penais Importante destacar que ao defender esse posicionamento não se pretende diminuir a importância dos animais como seres individualmente considerados Ocorre que a defesa do entendimento de que os animais são o bem jurídico dessas normas constitui uma manobra hermenêutica dissonante dos objetivos desses tipos penais interpretação teleológica da lógica do sistema interpretação sistemática e da própria redação do dispositivo interpretação literal ou gramatical O ideal seria que os crimes contra a fauna protegessem a fauna ou o animal que a ela pertence mas não é isso o que acontece à luz da sistemática brasileira atual 4 AS ESPECIFICIDADES DO BEM JURÍDICO NO CRIME DE MAUSTRATOS O crime de maustratos como será apresentado possui algumas distinções em relação ao propósito de sua previsão legal e aos demais crimes contra a fauna previstos na Lei nº 960598 No que concerne à própria redação do dispositivo é possível perceber primeiramente que o artigo se aplica não só a animais silvestres mas também há previsão expressa de aplicação aos animais domésticos ou domesticados o que não ocorre nos demais crimes contra a fauna estudados Além disso não há qualquer menção direta ou indireta ao meio ambiente no qual esses animais estão inseridos Por fim a tipificação dos maustratos deixa claro que o vetor que levou à HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 266 criminalização da conduta é a senciência desses animais que tem seu fundamento constitucional na terceira parte do inciso VII do art 225 da Carta Magna submetam os animais a crueldade uma vez que somente aquele que possui capacidade de sentir dor pode sofrer maustratos No que tange ao bem jurídico tutelado por esse crime além dos entendimentos anteriormente expostos que muitos autores aplicam a todos os crimes contra a fauna indistintamente há também outras posições que merecem destaque Em primeiro lugar uma vertente da corrente antropocêntrica já mencionada defende que o bem jurídico protegido pelo crime de maus tratos seria o sentimento humano em relação aos animais vítimas do delito como compaixão pena e piedade Contudo esse entendimento é criticado à luz do Estado Democrático de Direito que não admite a criminalização de condutas visando a proteger meros sentimentos tendo em vista que este é conceito extremamente relativo e pessoal ROXIN 2013 p 22 Greco adiciona que o sentimento humano sobre um determinado ato sempre estará presente para que seja promulgada uma lei em um sistema democrático GRECO 2010 p 51 levando em consideração a edição de leis por meio de um parlamento com membros eleitos pelos cidadãos Há ainda autores que defendem que esse crime tutela valores como a paz jurídica no sentido de que a impunidade em relação aos maustratos poderia levar os cidadãos a buscar a justiça com as próprias mãos o que abriria espaço para um moralismo incompatível com a tutela penal Ambas as posições mencionadas contudo pecam por não esclarecerem o conteúdo do injusto de atos que permanecem em segredo Se o sentimento dos humanos espectadores do ato de crueldade fosse A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 267 o bem jurídico tutelado não haveria explicação para punir o ato mas sim apenas a sua divulgação GRECO 2010 p 51 porquanto a prática do ato às escondidas não causaria nenhum sentimento na sociedade e consequentemente não lesionaria o bem jurídico supostamente tutelado pela norma À luz dessas correntes antropocêntricas a proteção dos animais ocorreria de forma indireta o objetivo da norma seria proteger a sociedade humana e tangencialmente também seriam protegidos os animais contra os quais a crueldade foi praticada Santiago 2016 p 29 critica essas posições afirmando que Estar aferrado a uma visão antropocêntrica tão estreita conduz o estudioso do Direito Penal a becos sem saída como os vistos acima para reafirmar o dogma de que se protege o homem na tipificação dos maus tratos contra animais cogitam alguns da proteção de sentimentos ou saem pela tangente afirmando a ausência de bem jurídico Talvez se possa visualizar esta proteção do homem em um sentido extrapenal protegendoo de sua própria ignorância ou brutalidade mas afirmar que este é o bem jurídico protegido é forçar excessivamente a argumentação Tampouco é satisfatório o entendimento de que o bem jurídico protegido seria o meio ambiente sob a justificativa de que os animais pertencem a ele Ao contrário do que ocorre nos demais crimes contra a fauna como já visto a conduta de maltratar o animal não possui qualquer relação direta ou indireta com o ambiente no qual ele se insere Isso porque o ato de maltratar por si só não afeta o equilíbrio ecológico não impede o animal de exercer a sua função no seu meio e não possui potencial de gerar a extinção da espécie Além disso a conduta típica independe de qualquer dano ou perigo de dano ao meio no qual aquele animal se insere seja meio ambiente natural ou urbano no caso dos animais domésticos HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 268 Por fim uma corrente ética denominada sensocêntrica defende que o animal individualmente considerado é o bem jurídico do crime de maustratos É importante notar contudo que o animal é o objeto material ou seja é sobre ele que recai a conduta criminosa TEIXEIRA NETO 2017 p 180 Assim da mesma forma que o bem jurídico protegido no homicídio é o direito à vida não o ser humano vítima no crime de maustratos o bem jurídico deve ser o interesse do animal em não sofrer não o animal em si que também é vítima4 Nesse sentido Greco 2010 p 56 sustenta que A razão pela qual o animal maltratado pode ser protegido por si próprio se revela apenas quando recordamos um argumento central do pensamento liberal a preocupação com os mais fracos a compreensão da dominação do outro como um mal cuja minimização estaria entre as prioridades estatais O medo de qualquer forma de dominação alheia é algo que figura por trás de muitas das principais ideias da tradição liberal Essa corrente parece ser mais acertada do ponto de vista da finalidade dessa proteção Quando o constituinte vedou a prática de atos cruéis contra os animais e o legislador criou o art 32 da Lei nº 960598 o fundamento parece ter sido a senciência desses seres uma vez que somente aquele capaz de sentir dor pode ser sofrer pelos maustratos Assim o interesse socialmente relevante que justifica a existência desse crime é o fato de o animal sentir dor Por essa razão não poderia ter outro o bem jurídico senão o próprio animal ou algum interesse a ele intrínseco como o interesse em não sofrer 4 Falar no direito do animal a não sofrer implicaria a necessidade de discussão acerca do status jurídico dos animais como sujeitos de direito no ordenamento jurídico brasileiro o que foge ao nosso escopo por se tratar de discussão complexa Além disso atualmente os animais são considerados bens móveis semoventes pela legislação civil art 82 do Código Civil Assim tecnicamente seriam incapazes de ser titulares de direitos A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 269 Verificase portanto que a criminalização dos maustratos possui um mens legis distinto do que foi visto em relação aos demais crimes contra a fauna enquanto nestes a interferência no meio ambiente foi o vetor que levou à proteção da fauna naquele o sentimento relevante que gerou a criminalização da conduta foi a inflição de sofrimento a cada animal individualmente considerado Assim no crime de maustratos a finalidade direta é coibir os maus tratos a um animal individualmente Não é relevante aqui que o meio ambiente no qual ele está inserido seja lesado sequer potencialmente tanto que a norma não restringe sua proteção aos animais silvestres A simples prática cruel contra algum animal é punida e isso não necessariamente implica perigo ecológico ou à espécie à qual ele pertence Por outro lado os demais crimes contra a fauna pressupõem conforme já fora analisado um potencial lesivo ao equilíbrio ecológico A proteção da fauna não ocorre em si mesma mas em razão da função que ela exerce naquele meio ambiente Nesse sentido Greco reafirma que os animais são protegidos pelo Direito Penal não em função do ser humano mas em função de si mesmos GRECO 2010 p 53 Fato é que ainda que a intenção do constituinte e do legislador à época não fosse proteger o animal não humano mas sim o interesse humano à luz da corrente antropocêntrica os anseios sociais contemporâneos clamam por uma atenção jurídica maior a esses seres vulneráveis Isso pode ser percebido pelo aumento dos movimentos sociais em prol dos animais criação de santuários trabalho de inúmeras organizações nãogovernamentais crescimento do veganismo e HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 270 vegetarianismo5 entre outros Essa demanda da sociedade é refletida no âmbito legislativo como não poderia deixar de ser em um Estado Democrático no qual tramitam diversos projetos de lei que pretendem conferir uma tutela jurídica mais ampla aos animais A título exemplificativo podese destacar o Projeto de Lei nº 272018 que pretende atribuir status de sujeito de direito aos animais sencientes o Projeto de Lei do Senado Federal nº 6312015 que tem como objetivo criar o Estatuto dos Animais e mais recentemente a aprovação da Lei nº 140642020 a qual alterou a Lei nº 960598 inserindo o 1ºA ao crime de maus tratos com a finalidade de aumentar a pena para atos cometidos contra cães e gatos Também é possível perceber um movimento do Poder Judiciário nesse sentido a exemplo da ADI 4983 na qual o Supremo Tribunal Federal STF julgou inconstitucional a vaquejada e do RE 153531 SC no qual o mesmo tribunal julgou inconstitucional a farra do boi Temos ainda exemplos mais ousados como a admissão de habeas corpus impetrado em favor de animais como o julgamento do HC nº 83308532005 analisado pela 9ª Vara Criminal de Salvador em favor de um chimpanzé Portanto diante da mutabilidade do bem jurídico de um delito e havendo abertura interpretativa para tanto é possível dizer que atualmente o interesse do animal é juridicamente relevante e por conseguinte deve ser considerado bem jurídico do crime de maustratos 5 Pesquisa do IBOPE aponta crescimento histórico no número de vegetarianos no Brasil Disponível em httpswwwsvborgbr2469pesquisadoibopeapontacrescimentohistorico nonumerodevegetarianosnobrasil Acesso em 29 jun2020 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 271 Diante dessa conclusão poderseia perguntar por que há possibilidade de mudança do bem jurídico neste caso e não se considerou essa possibilidade para os demais crimes contra a fauna No caso do crime de maustratos a proteção conferida pelo constituinte ao proibir práticas que submetam os animais a crueldade e pelo legislador ao legislar sobre o crime de maustratos é desde sua gênese individualista e baseada na senciência do animal ainda que se tenha considerado o sentimento humano ao ver o animal sofrer Assim a própria redação do dispositivo tem como base o sentimento e a dor do animal individualmente considerado e independente de qualquer repercussão ambiental Já nos demais crimes contra a fauna a redação dos tipos penais não permite essa elasticidade uma vez que foram criados para proteger o meio ambiente não havendo qualquer conduta que tipifique determinada prática contra o animal sem que haja um interesse ambiental primário Destarte percebese que o crime de maustratos não pretende tutelar o mesmo bem jurídico que os demais crimes contra a fauna no primeiro se tutela o interesse do animal em não sofrer no segundo o meio ambiente ecologicamente equilibrado 5 A INSERÇÃO DO CRIME DE MAUSTRATOS NA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL A partir das conclusões extraídas dos tópicos anteriores pretende se aqui analisar o cabimento da previsão do crime de maustratos dentro da legislação ambiental Conforme visto a proteção da fauna e a proteção dos animais não se confundem Na primeira o equilíbrio ambiental é tutelado por meio da proteção da coletividade de animais normalmente tendo como objetivo HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 272 a proteção da função que o animal exerce no seu habitat Na segunda por sua vez protegese o animal individualmente considerado sendo o seu interesse em não sofrer juridicamente relevante a ponto de ser a finalidade principal da norma ainda que interesses humanos também sejam indiretamente afetados pela conduta A proteção da fauna de certa forma pressupõe a proteção dos animais que a compõem No entanto a existência somente dessa proteção seria insuficiente para tutelar os interesses desses animais Isso porque teoricamente seria possível embora não desejável proteger a fauna coletivamente considerada e ao mesmo tempo permitir atrocidades em relação a alguns dos animais que a integram desde que isso não afete o coletivo e a função que exercem no seu meio Assim o crime de maustratos não tem relação direta com a proteção do meio ambiente com a qual se conecta a proteção da fauna como visto de forma que a sua inclusão na Lei nº 960598 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente é equivocada Nesse sentido Greco 2010 p 5253 esclarece que Uma última nova tentativa de esclarecer o tipo penal de crueldade com animais é a sua caracterização como delito ambiental Os animais pertencem ao meio ambiente logo a proteção de animais seria proteção do meio ambiente Que dessa forma se falseia o conteúdo da crueldade com animais parece estar evidente Afinal a proteção dos animais é individualista ela se ocupa do animal individualmente considerado enquanto a proteção do meio ambiente é holística já que nesse âmbito trata se do equilíbrio de um sistema como um todo Isso fica mais claro ao se pensar no dono de um canil que apenas submete a crueldades os animais que ele próprio criou de modo que não há que se falar em interferência mensurável no meio ambiente Só se pode admitir num tal caso que existe um delito de crueldade com animais porque a proteção de animais não é proteção do meio ambiente A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 273 Verificase portanto que o crime de maustratos ao tutelar o animal como indivíduo relacionase muito mais com o Direito dos Animais do que com o Direito Ambiental Importante destacar a posição de Paulo de Bessa Antunes que ao defender o antropocentrismo e mencionar o crescimento de correntes que têm buscado identificar uma igualdade entre o ser humano e os demais seres vivos argumenta que o Direito dos Animais não faz parte da disciplina de Direito Ambiental ANTUNES 2018 p 14 pois segundo ele este último é a norma que baseada no fato ambiental e no valor ético ambiental estabelece os mecanismos normativos capazes de disciplinar as atividades humanas em relação ao meio ambiente ANTUNES 2018 p 3 A colocação do crime de maustratos no âmbito da legislação ambiental no entanto é justificável em razão do contexto social em que a normativa foi criada Em primeiro lugar a Constituição Federal determinou a proibição dos maustratos no seu capítulo VI que dispõe sobre a proteção do meio ambiente Além disso toda a sistemática do art 225 da Carta Magna é voltada para a proteção ambiental de forma que a vedação aos maustratos é excepcional dentro da norma ao tratar de um interesse individual nãohumano Não bastasse isso em 1998 quando a Lei de Crimes Ambientais foi editada e os maustratos passaram a configurar crime poucas vozes defendiam os direitos dos animais ramo até então muito incipiente no mundo jurídico Se atualmente ainda se luta para que os animais tenham algum reconhecimento jurídico conceber há mais de duas décadas que eles pudessem ser vistos como seres independentes do meio ambiente parecia uma realidade distante Somese a isso a inexistência de outros dispositivos legais de grande relevância nos quais se pudesse inserir tal delito além da falta de vontade normativa que persiste em certa HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 274 medida até os dias de hoje em criar uma legislação que protegesse os direitos dos animais Dessa forma na época em que o dispositivo foi criado fazia sentido dentro da sociedade proteger os animais a partir da lógica ambiental que possuía uma sistemática já bem construída ao passo que o direito dos animais ainda estava engatinhando no Brasil Atualmente todavia tal sistemática não mais se sustenta Como já visto o interesse social pelo bemestar animal é crescente de forma que nada mais condizente com a nova realidade do que a criação de mecanismos jurídicos específicos para a tutela dos interesses dos nãohumanos A proteção ambiental decerto inclui a proteção da fauna ou seja dos animais que vivem no meio ambiente seja natural artificial ou até mesmo doméstico No entanto uma violação ao interesse de cada animal não prejudica o meio ambiente per se isto é não viola o bem jurídico protegido pelo direito ambiental A inclusão desses animais na legislação ambiental é desdobramento da ausência de dignidade a eles conferida pelo direito que os vê como um mero objeto pertencente ao meio ambiente não como seres individuais É reflexo da ideia de que tudo o que não está diretamente ligado ao ser humano deve ser jogado dentro de um mesmo bolo quando na realidade há uma infinidade de interesses que merecem proteção adequada às suas peculiaridades Nesse sentido destaca Paulo de Bessa Antunes 2018 p 4 O Direito Ambiental tem sido entendido de forma extremamente ampla e de certa maneira imperialista pois se pretende que ante os seus aspectos peculiares outros valores constitucionalmente tutelados cedam passagem haja vista que muitas vezes partese de uma ideia de que o ambiente é tudo que não seja eu conforme o conceito de Einstein O corte é claramente autoritário pois em sociedade democrática somente a atuação de saída dos processos regulares de direito é legítima A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 275 O autor acrescenta ainda que nem toda norma que direta ou indiretamente se relaciona a uma questão ambiental pode ser compreendida no universo do Direito Ambiental ANTUNES 2018 p 8 constituindo a definição dos limites de abrangência desse ramo jurídico uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos seus estudiosos Assim em última análise considerar que os animais são merecedores da tutela ambiental porque são seres da natureza e por essa razão integram o meio ambiente implicaria a aplicação do direito ambiental para qualquer outra tutela de direito visto que tudo está interligado ao meio ambiente de uma forma ou de outra Não é certo atrelar o direito dos animais a qualquer outra razão que não o direito inerente a eles de viverem suas vidas sem interferência humana Dizer que a tutela do direito animal ainda que indiretamente incluise dentro da sistemática do direito ambiental ao invés de aumentar a sua proteção esvazia o seu propósito É necessário portanto reconhecer que os animais possuem relevância e são merecedores de proteção jurídica independentemente do ambiente em que se inserem ou da sua relevância para um meio ambiente equilibrado Importante ressaltar que uma técnica legislativa adequada é essencial para trazer coerência ao sistema jurídico Nesse sentido o direito ambiental e o direito dos animais possuem sistemáticas muito diferentes uma vez que além de tutelarem interesses distintos também são regidos por princípios diferentes e possuem objetivos diversos de forma que a proteção dos animais na legislação ambiental restringiria o seu potencial de proteção e desenvolvimento O direito ambiental por possuir como finalidade a proteção do meio ambiente é voltado predominantemente para a tutela de interesses difusos Ainda que sim o dano ambiental tenha natureza bifronte e HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 276 gere não somente repercussões coletivas para a sociedade como um todo mas também tenha potencial de gerar lesões a direitos individuais de humanos que tenham sido diretamente afetados SANTIAGO 2016 p 28 não há como negar que o seu domínio preponderante possui natureza coletiva O reconhecimento da autonomia do direito dos animais portanto com a edição de leis próprias permitiria uma melhor hermenêutica ao utilizar somente os princípios diretamente aplicáveis aos direitos dos animais e possibilitaria o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial mais amplo e específico para essa temática o que aperfeiçoaria a proteção conferida aos nãohumanos Além disso facilitaria a especialização que é essencial para uma tutela efetiva de direitos Isso não significa dizer que a legislação ambiental é insuficiente ou que é inferior ao direito dos animais o qual por sinal ainda é muito incipiente no ordenamento brasileiro mas sim de reconhecer as peculiaridades de cada um e perceber que eles jamais serão tutelados plenamente enquanto forem compreendidos como um só domínio Portanto a inserção do crime de maustratos norma essencialmente de direito dos animais na legislação ambiental apesar de ter feito sentido na época em que foi criada hoje não mais se sustenta Enquanto o direito dos animais estiver inserido no direito ambiental ou qualquer outro ramo do direito que tutele outros interesses e não for considerado um ramo independente ele não terá a importância que merece e que é clamada pela sociedade atual Assim tanto do ponto de vista do bem jurídico tutelado pelo crime de maustratos quanto dos anseios sociais que clamam mais importância a ser conferida aos animais fazse necessária a edição de uma normativa específica para os direitos dos animais na qual seja inserido o crime de maustratos A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 277 de modo a conferir uma tutela mais efetiva aos interesses dos não humanos independentemente do meio ambiente no qual se inserem 6 CONCLUSÃO O crime de maustratos no direito brasileiro à luz do que dispõe a Constituição Federal no seu art 225 inciso VII tutela os interesses dos animais individualmente considerados mais especificamente o interesse em não sofrer ao passo que os demais crimes contra a fauna previstos nos arts 29 a 31 e 33 a 35 da Lei nº 960598 tutelam o meio ambiente tendo a fauna como instrumento para atingir o seu fim precípuo Nesse sentido a sistemática aplicável ao crime de maustratos não se encaixa no viés legislativo proposto pela Lei de Crimes Ambientais tendo em vista que os bens jurídicos protegidos são distintos O direito ambiental como um todo visa a proteger o meio ambiente equilibrado sob uma perspectiva predominantemente coletiva enquanto o crime de maustratos reflexo do direito dos animais tem como objetivo a proteção de cada animal nãohumano individualmente independentemente de qualquer influência que isso cause no ambiente em que se inserem Dessa forma apesar de na época em que a Lei nº 960598 foi promulgada a inserção do crime de maustratos no âmbito do direito ambiental tenha feito sentido tendo em vista o contexto social e o panorama legislativo vigente atualmente isso não mais se sustenta Os anseios sociais de luta pelos animais cresceram o que deve refletir se diretamente na tutela jurídica que lhes é conferida Assim ainda que a Lei de Crimes Ambientais tenha um propósito nobre afinal a tutela do meio ambiente é essencial para a manutenção HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 278 da vida em sociedade e não cabe ao ser humano interferir no equilíbrio ecológico do planeta ela não é capaz de tutelar integralmente o direito dos animais visto que que isso exigiria um desvio de sua finalidade o que acabaria por esvaziar a proteção animal e também a proteção ambiental Isso acabaria por dar uma proteção ineficiente aos animais e alargar demasiadamente a abrangência do direito ambiental o que diluiria o seu foco Portanto não é mais cabível a inserção do crime de maustratos na legislação ambiental devendo o legislador criar novos dispositivos normativos específicos para a tutela animal de forma a proteger integralmente os seus interesses que também são indiretamente relevantes para a sociedade REFERÊNCIAS ABREU Natascha Christina Ferreira de A evolução dos Direitos dos Animais um novo e fundamental ramo do direito Disponível em httpsjuscombrartigos45057aevolucaodosdireitosdosanimais umnovoefundamentalramododireito Acesso em 27 jun2020 AMADO Frederico Direito Ambiental esquematizado 5 Ed São Paulo Método 2014 ANTUNES Paulo de Bessa Direito Ambiental 20ª Ed São Paulo Atlas 2018 ATAIDE JUNIOR V de P Introdução ao direito animal brasileiro Revista Brasileira de Direito Animal Salvador v 13 n 3 p 4876 SetDez 2018 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 279 BITTENCOURT Cezar Roberto Tratado de direito penal parte geral 1 19 Ed São Paulo Saraiva 2013 CAMPELLO L G B BARROS A C V de A era da afirmação dos direitos dos animais no cenário global e seu fundamento na solidariedade entre espécies Revista Brasileira de Direito Animal Salvador v 13 n 2 p 95109 MaiAgo 2018 FAUNA In MICHAELIS Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Disponível em httpsmichaelisuolcombrmodernoportugues buscaportuguesbrasileirofauna Acesso em 25 jun2020 GODOY Regina Maria Bueno de A proteção dos bens jurídicos como fundamento do direito penal 2010 122 p Dissertação Direito das Relações Sociais Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo GRECO Luís Proteção de bens jurídicos e crueldade com animais Revista Liberdades n 3 janabr 2010 p 4759 Disponível em http wwwrevistaliberdadesorgbruploadpdf3artigo2pdf Acesso em 29 jun2020 MACHADO Paulo Affonso Leme Direito Ambiental Brasileiro 24 Ed São Paulo Malheiros 2016 MEDEIROS F L F de NETO W G N Vedação de crueldade um breve olhar na proteção animal In QUERUBINI A BURMANN A ANTUNES P de B coord Direito ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988 Londrina Thoth 2018 PESQUISA do IBOPE aponta crescimento histórico no número de vegetarianos no Brasil Disponível em httpswwwsvborgbr2469 HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 280 pesquisadoibopeapontacrescimentohistoricononumerode vegetarianosnobrasil Acesso em 29 jun2020 PRADO Luiz Regis Bem jurídicopenal e constituição São Paulo Revista dos Tribunais 1996 RODRIGUES K R de A L SALES M S de A tutela jurídica dos animais e os maus tratos Disponível em httpsjuscombr artigos67299atutelajuridicadosanimaiseosmaustratos Acesso em 25 jun2020 SANTIAGO Alex Fernandes O bem jurídico protegido nos crimes contra a fauna Revista do Ministério Público de Minas Gerais Belo Horizonte Edição Defesa da Fauna p 2632 2016 SILVA Ivan Luiz da O bem jurídicopenal como limite material à intervenção criminal Revista de Informação Legislativa Brasília ano 50 n 197 p 6574 janmar 2013 SIRVINSKAS Luís Paulo Manual de Direito Ambiental 16 Ed São Paulo Saraiva Educação 2017 TEIXEIRA NETO João Alves O fundamento ontoantropológico da tutela penal de animais 2016 58 p Tese Programa de Pós Graduação em Ciências Criminais Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Porto Alegre Tutela penal de animais uma compreensão onto antropológica Porto Alegre Livraria do Advogado 2017 A proteção ContrA MAUstrAtos Aos AnIMAIs peLA LeI De CrIMes AMbIentAIs à LUz DA teorIA Do beM JUrÍDICo REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 281 Legislação BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 Diário Oficial da União Brasília DF 5 de outubro de 1988 Seção 1 p 1 BRASIL Decreto nº 16590 de 10 de setembro de 1924 Diário Oficial da União Rio de Janeiro RJ 13 de setembro de 1924 Seção 1 p 20021 BRASIL Decreto nº 24645 de 10 de julho de 1934 Diário Oficial da União Rio de Janeiro RJ 10 de julho de 1934 v 4 p 720 BRASIL Decreto nº 3688 de 3 de outubro de 1941 Lei de Contravenções Penais Diário Oficial da União Rio de Janeiro RJ 13 de outubro de 1941 Seção 1 p 19696 BRASIL Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998 Lei de Crimes Ambientais Diário Oficial da União Brasília DF 13 de fevereiro de 1998 Seção 1 p 1 Retificação em 17 de fevereiro de 1998 Seção 1 p 1 BRASIL Projeto de Lei do Senado Federal nº 6312015 Disponível em httpswww25senadolegbrwebatividademateriasmateria123276 Acesso em 27 jun2020 BRASIL Projeto de Lei nº 272018 Disponível em httpswww25 senadolegbrwebatividademateriasmateria133167 Acesso em 27 jun2020 HeLenA MArIno LettIerI De CAMpos REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO E JUSTIÇA BRAZILIAN JOURNAL OF LAW AND JUSTICE V 4 JANDEZ2020 282 Jurisprudência BRASIL 9ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia TJBA Habeas Corpus nº 83308532005 Julgador Edmundo Lúcio da Cruz Salvador 2005 BRASIL Supremo Tribunal Federal STF Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 4983CE Relator Min Marco Aurélio Brasília 06 de outubro de 2016 DJe 27 de abril de 2017 BRASIL Supremo Tribunal Federal STF Recurso Extraordinário nº 153531SC Relator Francisco Resek Relador do acórdão Marco Aurélio Brasília 03 de junho de 1997 DJ 13 de março de 1998 BRASIL Tribunal de Justiça de São Paulo TJSP Agravo de Instrumento nº 21395666620198260000 Relator Souza Meirelles São Paulo 17 de junho de 2020 DJe 30 de junho de 2020