·
Direito ·
Direito Penal
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22 CRIME CONSUMADO E CRIME TENTADO 221 APRESENTAÇÃO DO TEMA O crime pode ser estudado em sua estrutura e em sua manifestação Na estrutura estudamse os elementos essenciais do delito antijuridicidade tipicidade e culpabilidade bem como suas respectivas causas de exclusão Na manifestação do crime estuda se o delito com referência ao ambiente exterior destarte estudam se o concurso de pessoas e a tentativa Eduardo Correia no seu festejado Direito Criminal diz que entre a ideação criminosa nuda cogitatio e a consumação do crime desenrolase uma série mais ou menos longa de atos Quando há a consumação que é a reunião de todos os elementos do tipo legal do crime todos esses atos são absorvidos pela referida consumação que é a figura de maior relevo mas quando não há a consumação os atos anteriores a ela são revestidos de grande relevância jurídicopenal O Direito foi buscar nas soluções dos pretéritos Direitos Romano e Germânico uma transação para a punibilidade desses atos Para o Direito Romano nos crimes públicos a tentativa era punida como delito consumado para o Direito Germânico em regra a tentativa era impunível Como dito a transação entre esses dois Direitos originou a tradicional tripartição entre atos preparatórios tentativa e frustração1 Adaptando o pensamento de Correia à realidade brasileira já que o Brasil não diferencia a tentativa da frustração como ocorre em Portugal diremos que a transação entre o Direito Romano e o Direito Germânico originou a tripartição entre os atos preparatórios a tentativa imperfeita que corresponde à tentativa do Direito português e a tentativa perfeita que corresponde à frustração do Direito português2 222 HISTÓRICO DA TENTATIVA Os romanos não chegaram a desenvolver o instituto da tentativa Mommsen chega a afirmar que no Direito romano não existia o conceito de tentativa nem é claro uma palavra técnica com que designála3 O Direito Canônico por sua vez também não formulou o conceito da tentativa4 O desenvolvimento do instituto da tentativa data do século XVI com os Práticos ou pósglosadores italianos mormente com Próspero Farinacius através de sua obra Tratactus Criminalis Farinacius chamava a tentativa de Conatus Ele já distinguia entre a conatus proximus e a conatus remotus A conatus remotus são os atos preparatórios e a conatus proximus são os atos de execução Com isso Farinacius deu as bases da doutrina científica da tentativa Essa doutrina foi finalizada todavia somente em 1810 com o advento do Código Penal francês O Código Penal francês institui a definição de tentativa que é adotada por quase todos os códigos atuais O referido diploma penal5 em seu art 2º estabelece que só há tentativa quando iniciada a execução o crime não chega a consumarse por circunstâncias alheias à vontade do agente O grande mérito do Código Penal francês foi estabelecer o termo inicial para a punição da tentativa qual seja a existência de atos de execução Entretanto o Código Penal da França de 1810 pune a tentativa com a mesma pena do delito consumado solução repudiada pela maioria das legislações6 223 ITER CRIMINIS Na evolução histórica da tentativa foi visto o conceito de atos preparatórios atos de execução e consumação É necessário pois aclararmos esses conceitos O crime como todo fato humano nasce vive e morre de um ponto de vista dinâmico dizse que ele percorre várias fases que constituem o iter criminis7 São elas I cogitatio é a cogitação a ideação criminosa II conatus remotus são os atos preparatórios III conatus proximus são os atos de execução e IV consumatio que é a consumação A cogitação é a primeira fase do iter criminis Toda ação humana passa por uma elaboração intelectual assim o crime também passa pela elaboração intelectual É essa elaboração intelectual denominada cogitação Como sabido a ação é a unidade dialética entre o querer e o fazer Portanto se só há o querer que é a cogitação não há ação e por isso não há crime A nuda cogitatio o simples querer o crime não é punido Já bradava sobre isso no Direito Romano o jurisconsulto Ulpiano e com relação ao Direito Moderno são felizes as palavras de Welzel Também no Direito Penal da vontade não se castiga a vontade má como tal mas só a vontade má em realização isto não só porque a vontade má não é apreensível e a moralidade não pode ser imposta à força mas também pelo profundo abismo que separa o pensamento do fato8 Na história do Direito Penal todavia já se deu relevância à nuda cogitatio Isso se deu no Direito Penal nazista que era idealizado pela Escola de Kiel donde devemos destacar o nome do professor Schaffstein Para a Escola de Kiel o Direito Penal é um Direito de luta que deve servir aos ideais superiores da raça ariana O crime é originado por bacilos que se encontram no ser humano e deve ser combatido antes que o sujeito pratique a ação pois a função do Direito Penal é evitar que os delitos aconteçam Assim o Direito Penal é um direito da periculosidade que deve punir o agente antes que ele comece a delinquir basta que haja a ideação criminosa para ser imputada ao sujeito uma pena Dizem ainda os teóricos do Direito Penal nazista que a vontade de delinquir só pode ser captada pelos líderes do povo pois estes podem apontar quem age contra o são sentimento popular O Direito Penal da Escola de Kiel serviu para dar um subsídio filosófico e dogmático para as arbitrariedades e atrocidades cometidas pela Alemanha Hitlerista Por ser um Direito Penal de exceção admitia a punição pela simples cogitação punição esta fundada na periculosidade do agente Neste sentido pois não existe a figura da tentativa nos crimes contra o são sentimento popular visto que a simples cogitação vai consumálo9 No Direito Penal de um Estado de Direito não há a possibilidade de punição pela simples cogitação nem de tentativa nem de crime consumado visto que só há ação se houver cogitação exteriorizada ou seja se houver um querer e um fazer A segunda fase do iter criminis são os atos preparatórios e a terceira fase são os atos de execução O problema da diferenciação entre atos preparatórios e atos de execução é tão controvertido que o penalista alemão Geyer o comparou com a quadratura do círculo Em geral dizse que os atos preparatórios são os que estão longe da consumação e os atos de execução são os que estão próximos da consumação Só que essa definição é vaga e não é viável que o Direito Penal dela se sirva Carrara propôs uma teoria para a diferenciação dos atos preparatórios dos atos de execução O penalista italiano distinguiu quatro elementos no crime 1º o sujeito ativo primário 2º o sujeito ativo secundário 3º o sujeito passivo do atentado e 4º o sujeito passivo da consumação10 O sujeito ativo primário é o criminoso O sujeito ativo secundário são os instrumentos do crime O sujeito passivo do atentado são os instrumentos e as pessoas de que o sujeito ativo primário se serve como meio para o delito O sujeito passivo de consumação é a pessoa ou a coisa em que recai a execução do crime Para Carrara ato preparatório é aquele que se esgota nos sujeitos ativos primário e secundário sem passar ao sujeito passivo Tais atos são tidos como inidôneos porque não expõem a perigo direto o bem jurídico Segundo Carrara os atos inidôneos não podem pois ser imputados como delitos ao autor da pretensa tentativa Se a inidoneidade se verificou nos primeiros momentos da ação cessa qualquer imputação daqueles como tentativa porque todos eles carecem de perigo11 Ato de execução é aquele que diz respeito ao sujeito passivo do atentado e ato consumativo é aquele que vai até o sujeito passivo de consumação pois são eles que são idôneos para agredir o bem jurídico12 Devemos salientar entretanto que o critério de Carrara tem hoje interesse puramente histórico Hodiernamente o critério mais utilizado para diferenciar ato preparatório de ato de execução é o início da realização do verbo descrito no tipo Por conseguinte ato preparatório é aquele que ainda não chega a realizar o verbo descrito no tipo contrario sensu ato de execução é aquele que realiza o verbonúcleo típico Neste sentido Welzel A lei circunscreve de acordo com o modelo francês o ponto de iniciação da tentativa com as palavras princípio de execução A tentativa começa com aquela atividade com a qual o autor segundo o seu plano delitivo se põe em relação imediata com a realização do tipo de delito13 Assim são atos preparatórios por exemplo a compra dos instrumentos a escolha do melhor local e da melhor hora Geralmente os atos preparatórios são impuníveis A tentativa representa um perigo de lesão aos bens jurídicos se se punisse o ato preparatório estarseia punindo um perigo de lesão a um bem jurídico dessarte enquanto não existe ação alguma que possa ser considerada como concreção do verbo abstratamente caracterizado no tipo o limite entre preparação e tentativa não foi sobrepassado14 Os atos preparatórios só são puníveis quando forem erigidos a tipos penais autônomos como vg o tipo penal do art 291 do Código Penal15 Os atos de execução conforme explicado são aqueles que começam a realizar o verbo descrito no tipo como por exemplo disparar uma arma no homicídio pegar a coisa no furto etc Todavia a dificuldade desse critério reside nas chamadas situações fronteiriças Por exemplo no furto como o núcleotipo é subtrair o ato de execução começaria quando o agente tem o contato físico com a coisa entretanto é inegável a tentativa de furto quando vg o agente é surpreendido num apartamento à noite sem ainda ter pego a coisa Para solucionar tais dificuldades Frank elaborou uma fórmula da tentativa que reconhece o início da execução em todos os atos que em virtude de sua necessária correspondência à ação típica aparecem como partes integrantes desta de modo que se não houvesse a interrupção da ação a realização do tipo seria concretizada16 Assim o agente surpreendido em um apartamento antes de ter contato físico com a coisa responderá por ato de execução de furto e por conseguinte por tentativa de furto pela necessária correspondência entre a sua ação e a realização do tipo A consumação é a reunião de todos os elementos da definição legal do crime17 Nos crimes nos quais se exige um resultado crimes materiais a consumação se concretizará com a realização da conduta e do resultado Nos crimes onde não se exige um resultado a consumação se dará com a simples realização do verbo descrito no tipo É relevante salientar que nos crimes onde não se exige um resultado um eventual dano posterior acarretado pela ação será tido como mero exaurimento do crime 224 REQUISITOS DA TENTATIVA Para que haja a tentativa são necessários dois elementos 1 Atos de execução 2 Não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente Esses elementos estão espelhados no art 14 II do Código Penal que estabelece que Art 14 Dizse o crime II tentado quando iniciada a execução não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente Com relação ao primeiro requisito atos de execução já foi visto que antes de iniciada a atividade típica não há que se falar em tentativa posto que estamos diante dos atos preparatórios e enfatizese o primeiro requisito da tentativa é a existência de ato de execução O segundo elemento da tentativa diz respeito à necessidade de circunstâncias alheias à vontade do agente impedirem a consumação do delito Se o agente por sua própria vontade não consuma o delito estamos diante de outros institutos penais como a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz O Direito na tentativa considera reprovável a ação não consumada porque o agente dirigiu a sua vontade para a prática do ato lesivo ao bem jurídico Destarte o agente teve o dolo do crime porém circunstâncias alheias à sua vontade barraram a consumação A tentativa no direito brasileiro pode ser dividida em tentativa perfeita e em tentativa imperfeita A tentativa perfeita também chamada crime falho é aquela onde o agente realiza todos os atos de execução mas a consumação não sobrevém Podese citar como exemplo a ação de Tício que dá vinho envenenado a Simprônio durante o jantar Todavia Simprônio não morre porque por uma característica biológica era imune ao veneno Nesse caso o agente praticou todos os atos de execução e o resultado morte não sobreveio por circunstâncias alheias à sua vontade Houve pois tentativa perfeita A tentativa imperfeita é aquela onde o agente não pratica todos os atos de execução É o caso por exemplo de Mévio que querendo matar Tício com uma facada no pescoço tem seu braço desviado por Simprônio que escorregara e esbarrara no braço de Mévio de modo que o ferimento se produziu na mão da vítima não acarretando sua morte É relevante ressaltar ainda a figura da tentativa branca A tentativa branca não produz nenhuma lesão efetiva ao bem jurídico como no caso de Maria que descarrega os projéteis de seu revólver no seu marido João e nenhum tiro atinge a vítima devido à péssima pontaria do sujeito ativo 225 PUNIBILIDADE DA TENTATIVA A tentativa de crime é punida por conta de uma extensão típica Quando a norma penal define os delitos ela o faz na forma consumada Se faltar qualquer dos requisitos da definição legal quer de natureza objetiva quer de natureza subjetiva não há crime por falta de tipicidade Todavia na parte geral do Código Penal pátrio dizse que existe o crime na sua forma tentada e na sua forma consumada art 14 Para a figura da tentativa adquirir existência através da tipicidade é necessária uma combinação entre a parte geral do Código com os tipos penais da parte especial neste sentido podese afirmar que a tentativa se configura por conta de uma extensão típica A punibilidade da tentativa está prevista no parágrafo único do art 14 do Código Penal que estabelece Salvo disposição em contrário punese a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado diminuída de um a dois terços Não havendo disposição em contrário pois a tentativa enseja uma causa de diminuição de pena obrigatória São três as principais teorias que fundamentam a punibilidade da tentativa a teoria objetiva que é a adotada no Direito brasileiro a teoria subjetiva e a teoria sintomática A teoria objetiva foi elaborada por Feuerbach e desenvolvida por Carrara Para a teoria objetiva a tentativa é punível porque há um perigo ao bem jurídico e essa exposição a perigo acarreta um dano público O dolo é igual em todas as fases do fato preparação execução e consumação portanto o que diferenciará a tentativa da preparação é o âmbito objetivo o perigo próximo da realização do resultado típico18 A teoria objetiva adotada no Código Penal brasileiro apregoa uma diferenciação na pena da tentativa que obrigatoriamente deverá ser mais branda do que a do crime consumado posto que no crime consumado haverá o dano efetivo ao bem jurídico enquanto no tentado um perigo de dano19 A teoria subjetiva veio de Tittman mas seu grande elaborador foi Von Buri que inclusive a introduziu na jurisprudência alemã do antigo Tribunal do Império Para a teoria subjetiva o fundamento da punibilidade da tentativa é a vontade contrária ao Direito posta em ação20 A teoria subjetiva data da época em que ainda não havia uma distinção científica entre antijuridicidade e culpabilidade sendo a antijuridicidade considerada uma ação lesiva ao Direito provocada por um ato mau Por isso se dá tanta relevância à vontade do agente Cezar Roberto Bitencourt afirma com relação a essa corrente que a pena da tentativa era similar à pena do crime consumado21 posto que tanto na tentativa quanto no delito consumado o aspecto moral subjetivo estava completo A teoria da impressão também é digna de menção Tal teoria atualmente é a teoria dominante na Alemanha e são partidários dela Maurach e Jescheck A referida teoria da impressão foi fundada por Horn e foi desenvolvida por Von Bar Nasceu da tentativa de conciliar elementos objetivos e subjetivos para fundamentar a punibilidade da tentativa Para essa teoria é punível a tentativa pela atuação da vontade contrária ao Direito que é idônea para abalar a confiança dos súditos na vigência do Ordenamento Jurídico em virtude do perigo de lesão aos multirreferidos bens jurídicos Há pois o elemento objetivo que se traduz no atuar exterior que expõe a perigo os bens protegidos pelo Ordenamento Jurídico e o elemento subjetivo que é a vontade do agente que conduz essa exposição a perigo22 226 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ A desistência voluntária e o arrependimento eficaz estão normatizados no art 15 do Código Penal que dispõe Art 15 O agente que voluntariamente desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza só responde pelos atos já praticados Conforme visto para que exista a figura da tentativa são necessários dois requisitos início de execução e não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente Todavia é possível que em determinados casos iniciese a execução e o crime não se consume por conta da própria vontade do agente Nesse caso não se pode dizer que existirá tentativa porque falta um requisito subjetivo necessário à sua configuração não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente Os institutos penais que regem essas hipóteses de não consumação do delito pela vontade do sujeito são a desistência voluntária e o arrependimento eficaz Existirá a desistência voluntária quando o sujeito não prosseguir nos atos de execução por obra de sua vontade Assim se Tício tem um revólver com seis projéteis e dispara um deles em direção a Mévio não o atingindo e livremente desiste de efetuar os outros cinco disparos não pode haver crime de tentativa de homicídio porque o agente não consumou o crime por circunstâncias da própria vontade do agente23 Notese que se exige apenas que a desistência seja voluntária e não espontânea Se um terceiro estranho à execução do delito convencer o agente a não prosseguir na referida execução há a figura da desistência voluntária Por isso devese ressaltar sempre que se um terceiro sem coação convencer o sujeito ativo a não prosseguir na execução há a figura da desistência voluntária O arrependimento eficaz difere da desistência voluntária porque nele o sujeito pratica todos os atos de execução concretizando a ação lesiva todavia inicia um novo processo causal e evita com eficácia que o resultado se produza É o caso por exemplo do filho que para matar o pai e ficar com a herança coloca veneno em sua comida se após o pai fazer a refeição o filho ministra o antídoto e evita a morte houve a figura do arrependimento eficaz e com isso afastase a tentativa do crime de homicídio É necessário que o arrependimento seja eficaz Caso ele seja ineficaz ainda que por culpa da vítima o sujeito responderá pelo delito Assim neste último exemplo se o pai desiludido pela atitude do filho se recusar a tomar o antídoto haverá crime consumado ou tentado conforme ocorra ou não o resultado morte O arrependimento eficaz não deve ser confundido com o arrependimento posterior Neste último o resultado de dano a um bem jurídico se perfaz o que não ocorre com o primeiro No Direito brasileiro o arrependimento posterior nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa é causa obrigatória de diminuição de pena art 16 do Código Penal O arrependimento eficaz e a desistência voluntária são causas de atipicidade da conduta Em face do nosso direito positivo penal é de se concluir que não é típica a atividade executiva integral quando a vontade do agente determina que não se atinja a consumação final24 227 CRIME IMPOSSÍVEL Trata o art 17 do Código Penal do instituto jurídico do crime impossível ao dispor que Art 17 Não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por impropriedade absoluta do objeto é impossível consumarse o crime Vêse portanto que o crime impossível é aquele onde há uma ineficácia absoluta do meio ou uma impropriedade absoluta do objeto Doutrinariamente essas hipóteses são chamadas de tentativa inidônea Existem duas importantes teorias que versam sobre o crime impossível a teoria subjetiva e a teoria objetiva Segundo a teoria subjetiva o crime impossível deve ser punido porque quando ele é perpetrado o agente revela sua periculosidade mostrandose capaz de agredir os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal Para a teoria objetiva o crime impossível não acarreta um perigo real para o bem jurídico logo ele não deve ser punido A reforma penal de 1984 adotou a teoria objetiva afastandose completamente da possibilidade de aplicar uma reação penal àquele que pratica o crime impossível Na sistemática anterior havia a possibilidade de aplicação de uma medida de segurança a quem revelasse sua periculosidade pelo crime impossível A primeira hipótese de crime impossível é a ineficácia absoluta do meio Nela o meio elegido pelo agente é por força de sua própria natureza absolutamente incapaz de agredir o bem jurídico Por exemplo se para causar um benefício o sujeito ministra uma substância inócua pensando ser veneno em se comprovando que este meio é absolutamente inidôneo para o cometimento do delito existe o crime impossível A inidoneidade do meio deve sempre ser aferida no caso concreto vejase por exemplo que o açúcar é em regra um meio absolutamente inidôneo para causar a morte em um indivíduo são mas é mortal para um indivíduo que sofre de diabetes Outra hipótese de configuração do crime impossível é a impropriedade absoluta do objeto Nessa hipótese não há bem jurídico a ser protegido pelo Direito Penal Por exemplo se Tício com animus de matar Caio atira neste sem saber que seu desafeto tinha morrido minutos antes por colapso cardíaco fulminante não há que se falar em crime de homicídio praticado por Tício em virtude de não haver bem jurídico vida para ser tutelado Nessa segunda hipótese de crime impossível impropriedade absoluta do objeto devese distinguir todavia a ausência de bem jurídico da falta ocasional O crime impossível subsiste somente no primeiro caso e por isso é sujeito a pena aquele que de noite dispara um tiro de fuzil na direção do leito de uma pessoa que há poucos instantes por uma circunstância casual se levantou da cama25 Nesta última hipótese citada há a falta ocasional do bem jurídico não sua inexistência portanto ressaltese existe tentativa punível 1 CORREIA Eduardo Direito Criminal Coimbra Almedina 1992 t II p 225226 2 Sobre a diferenciação entre tentativa e frustração no direito português vejase por exemplo FERREIRA Manuel Cavaleiro de Direito Penal Português Lisboa Verbo 1982 p 224225 3 MOMMSEN Teodore El Derecho Penal Romano Madri Espanã Moderna 1898 p 103 4 BATISTA Nilo Matrizes Ibéricas do Sistema Penal Brasileiro Rio de Janeiro Freitas Bastos 2000 p 210 5 Diz o referido diploma Toute tentative de crime qui aura été manifestée par un commencement dexécution si elle na été suspendue ou si elle na manqué effet que par des circonstances independantes de son auteur est considérée comme le crime même ANCEL Marc Les Codes Pénaux Européens Paris Centre Français de Droit Comparé 1957 t II p 633 6 Alves Roque de Brito Estudos de Ciência Criminal Recife Companhia Editora de Pernambuco 1993 p 6167 7 MANTOVANI Fernando Diritto Penale Padua CEDAM 1992 p 426 8 WELZEL Hans Derecho Penal Alemán Santiago Editorial Jurídica de Chile 1997 p 221 9 BRANDÃO Cláudio A Importância da Conceituação da Antijuridicidade para a Compreensão da Essência do Crime Revista de Informação Legislativa Brasília Senado Federal n 133 10 CARRARA Francesco Programa do Curso de Direito Criminal Trad J L Franceschini e J Barra São Paulo Saraiva 1956 t I p 258266 11 Idem Ibidem p 262 12 Carrara afirma que a propósito de idoneidade devese distinguir entre o sujeito passivo do atentado e sujeito passivo da consumação É sujeito passivo da consumação a coisa ou a pessoa sobre a qual devia efetivarse o ato consumativo do malefício Todas as demais coisas ou pessoas sobre as quais pela natureza do fato deva o culpado exercer atos como meio para alcançar a posterior execução de outros atos sobre o sujeito passivo da consumação são sujeito passivo do atentado Idem Ibidem p 264265 13 WELZEL Hans Op cit p 224 14 DOHNA Alexander Graf Zu La Estructura de la Teoría del Delito Buenos Aires AbeledoPerrot 1958 p 92 15 Art 291 Fabricar adquirir ou fornecer a título oneroso ou gratuito possuir ou guardar maquinismo aparelho instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda Pena reclusão de 2 dois a 6 seis anos e multa 16 Apud MAURACH Reinhart GÖSSEL Karl ZIPF Heinz Derecho Penal Parte General Buenos Aires Astrea 1995 t II p 2425 17 Segundo Jakobs Un delito está siempre consumado ya cuando se han realizado en un contexto imputable los elementos del tipo que se mencionan en la Parte Especial La consumación es pues un concepto formal Derecho Penal Madri Marcial Pons 1995 p 855 18 JESCHECK HansHeinrich Tratado de Derecho Penal Parte General Granada Comares 1993 p 464 19 Sobre a obrigatoriedade da diminuição da pena é esclarecedora a assertiva de Antón Oneca Desde el momento en que nos coloquemos en un punto de vista objetivo para justificar la punibilidad del delito intentado se impone la aplicación de una sanción atenuada con relación al delito consumado pues aquél representa una disminución en su elemento material ANTÓN ONECA José Derecho Penal Madri José Antón Oneca 1949 t I p 408 20 JESCHECK HansHeinrich Op cit p 465 21 BITENCOURT Cezar Roberto Teoria Geral do Delito São Paulo Revista dos Tribunais 1997 p 243 22 MAURACH Reinhart GÖSSEL Karl ZIPF Heinz Op cit p 28 23 Em sentido semelhante ver acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo RT 648277 Rel Dante Busana 24 ALVES Roque de Brito Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz Tese de Cátedra Recife Imprensa Industrial 1959 p 145 25 ANTOLISEI Francesco Manuale de Diritto Penale Milano Giuffrè 1997 p 494
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22 CRIME CONSUMADO E CRIME TENTADO 221 APRESENTAÇÃO DO TEMA O crime pode ser estudado em sua estrutura e em sua manifestação Na estrutura estudamse os elementos essenciais do delito antijuridicidade tipicidade e culpabilidade bem como suas respectivas causas de exclusão Na manifestação do crime estuda se o delito com referência ao ambiente exterior destarte estudam se o concurso de pessoas e a tentativa Eduardo Correia no seu festejado Direito Criminal diz que entre a ideação criminosa nuda cogitatio e a consumação do crime desenrolase uma série mais ou menos longa de atos Quando há a consumação que é a reunião de todos os elementos do tipo legal do crime todos esses atos são absorvidos pela referida consumação que é a figura de maior relevo mas quando não há a consumação os atos anteriores a ela são revestidos de grande relevância jurídicopenal O Direito foi buscar nas soluções dos pretéritos Direitos Romano e Germânico uma transação para a punibilidade desses atos Para o Direito Romano nos crimes públicos a tentativa era punida como delito consumado para o Direito Germânico em regra a tentativa era impunível Como dito a transação entre esses dois Direitos originou a tradicional tripartição entre atos preparatórios tentativa e frustração1 Adaptando o pensamento de Correia à realidade brasileira já que o Brasil não diferencia a tentativa da frustração como ocorre em Portugal diremos que a transação entre o Direito Romano e o Direito Germânico originou a tripartição entre os atos preparatórios a tentativa imperfeita que corresponde à tentativa do Direito português e a tentativa perfeita que corresponde à frustração do Direito português2 222 HISTÓRICO DA TENTATIVA Os romanos não chegaram a desenvolver o instituto da tentativa Mommsen chega a afirmar que no Direito romano não existia o conceito de tentativa nem é claro uma palavra técnica com que designála3 O Direito Canônico por sua vez também não formulou o conceito da tentativa4 O desenvolvimento do instituto da 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pena do delito consumado solução repudiada pela maioria das legislações6 223 ITER CRIMINIS Na evolução histórica da tentativa foi visto o conceito de atos preparatórios atos de execução e consumação É necessário pois aclararmos esses conceitos O crime como todo fato humano nasce vive e morre de um ponto de vista dinâmico dizse que ele percorre várias fases que constituem o iter criminis7 São elas I cogitatio é a cogitação a ideação criminosa II conatus remotus são os atos preparatórios III conatus proximus são os atos de execução e IV consumatio que é a consumação A cogitação é a primeira fase do iter criminis Toda ação humana passa por uma elaboração intelectual assim o crime também passa pela elaboração intelectual É essa elaboração intelectual denominada cogitação Como sabido a ação é a unidade dialética entre o querer e o fazer Portanto se só há o querer que é a cogitação não há ação e por isso não há crime A nuda cogitatio o simples querer o crime não é punido Já bradava sobre isso no Direito Romano o jurisconsulto Ulpiano e com relação ao Direito Moderno são felizes as palavras de Welzel Também no Direito Penal da vontade não se castiga a vontade má como tal mas só a vontade má em realização isto não só porque a vontade má não é apreensível e a moralidade não pode ser imposta à força mas também pelo profundo abismo que separa o pensamento do fato8 Na história do Direito Penal todavia já se deu relevância à nuda cogitatio Isso se deu no Direito Penal nazista que era idealizado pela Escola de Kiel donde devemos destacar o nome do professor Schaffstein Para a Escola de Kiel o Direito Penal é um Direito de luta que deve servir aos ideais superiores da raça ariana O crime é originado por bacilos que se encontram no ser humano e deve ser combatido antes que o sujeito pratique a ação pois a função do Direito Penal é evitar que os delitos aconteçam Assim o Direito Penal é um direito da periculosidade que deve punir o agente antes que ele comece a delinquir basta que haja a ideação criminosa para ser imputada ao sujeito uma pena Dizem ainda os teóricos do Direito Penal nazista que a vontade de delinquir só pode ser captada pelos líderes do povo pois estes podem apontar quem age contra o são sentimento popular O Direito Penal da Escola de Kiel serviu para dar um subsídio filosófico e dogmático para as arbitrariedades e atrocidades cometidas pela Alemanha Hitlerista Por ser um Direito Penal de exceção admitia a punição pela simples cogitação punição esta fundada na periculosidade do agente Neste sentido pois não existe a figura da tentativa nos crimes contra o são sentimento popular visto que a simples cogitação vai consumálo9 No Direito Penal de um Estado de Direito não há a possibilidade de punição pela simples cogitação nem de tentativa nem de crime consumado visto que só há ação se houver cogitação exteriorizada ou seja se houver um querer e um fazer A segunda fase do iter criminis são os atos preparatórios e a terceira fase são os atos de execução O problema da diferenciação entre atos preparatórios e atos de execução é tão controvertido que o penalista alemão Geyer o comparou com a quadratura do círculo Em geral dizse que os atos preparatórios são os que estão longe da consumação e os atos de execução são os que estão próximos da consumação Só que essa definição é vaga e não é viável que o Direito Penal dela se sirva Carrara propôs uma teoria para a diferenciação dos atos preparatórios dos atos de execução O penalista italiano distinguiu quatro elementos no crime 1º o sujeito ativo primário 2º o sujeito ativo secundário 3º o sujeito passivo do atentado e 4º o sujeito passivo da consumação10 O sujeito ativo primário é o criminoso O sujeito ativo secundário são os instrumentos do crime O sujeito passivo do atentado são os instrumentos e as pessoas de que o sujeito ativo primário se serve como meio para o delito O sujeito passivo de consumação é a pessoa ou a coisa em que recai a execução do crime Para Carrara ato preparatório é aquele que se esgota nos sujeitos ativos primário e secundário sem passar ao sujeito passivo Tais atos são tidos como inidôneos porque não expõem a perigo direto o bem jurídico Segundo Carrara os atos inidôneos não podem pois ser imputados como delitos ao autor da pretensa tentativa Se a inidoneidade se verificou nos primeiros momentos da ação cessa qualquer imputação daqueles como tentativa porque todos eles carecem de perigo11 Ato de execução é aquele que diz respeito ao sujeito passivo do atentado e ato consumativo é aquele que vai até o sujeito passivo de consumação pois são eles que são idôneos para agredir o bem jurídico12 Devemos salientar entretanto que o critério de Carrara tem hoje interesse puramente histórico Hodiernamente o critério mais utilizado para diferenciar ato preparatório de ato de execução é o início da realização do verbo descrito no tipo Por conseguinte ato preparatório é aquele que ainda não chega a realizar o verbo descrito no tipo contrario sensu ato de execução é aquele que realiza o verbonúcleo típico Neste sentido Welzel A lei circunscreve de acordo com o modelo francês o ponto de iniciação da tentativa com as palavras princípio de execução A tentativa começa com aquela atividade com a qual o autor segundo o seu plano delitivo se põe em relação imediata com a realização do tipo de delito13 Assim são atos preparatórios por exemplo a compra dos instrumentos a escolha do melhor local e da melhor hora Geralmente os atos preparatórios são impuníveis A tentativa representa um perigo de lesão aos bens jurídicos se se punisse o ato preparatório estarseia punindo um perigo de lesão a um bem jurídico dessarte enquanto não existe ação alguma que possa ser considerada como concreção do verbo abstratamente caracterizado no tipo o limite entre preparação e tentativa não foi sobrepassado14 Os atos preparatórios só são puníveis quando forem erigidos a tipos penais autônomos como vg o tipo penal do art 291 do Código Penal15 Os atos de execução conforme explicado são aqueles que começam a realizar o verbo descrito no tipo como por exemplo disparar uma arma no homicídio pegar a coisa no furto etc Todavia a dificuldade desse critério reside nas chamadas situações fronteiriças Por exemplo no furto como o núcleotipo é subtrair o ato de execução começaria quando o agente tem o contato físico com a coisa entretanto é inegável a tentativa de furto quando vg o agente é surpreendido num apartamento à noite sem ainda ter pego a coisa Para solucionar tais dificuldades Frank elaborou uma fórmula da tentativa que reconhece o início da execução em todos os atos que em virtude de sua necessária correspondência à ação típica aparecem como partes integrantes desta de modo que se não houvesse a interrupção da ação a realização do tipo seria concretizada16 Assim o agente surpreendido em um apartamento antes de ter contato físico com a coisa responderá por ato de execução de furto e por conseguinte por tentativa de furto pela necessária correspondência entre a sua ação e a realização do tipo A consumação é a reunião de todos os elementos da definição legal do crime17 Nos crimes nos quais se exige um resultado crimes materiais a consumação se concretizará com a realização da conduta e do resultado Nos crimes onde não se exige um resultado a consumação se dará com a simples realização do verbo descrito no tipo É relevante salientar que nos crimes onde não se exige um resultado um eventual dano posterior acarretado pela ação será tido como mero exaurimento do crime 224 REQUISITOS DA TENTATIVA Para que haja a tentativa são necessários dois elementos 1 Atos de execução 2 Não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente Esses elementos estão espelhados no art 14 II do Código Penal que estabelece que Art 14 Dizse o crime II tentado quando iniciada a execução não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente Com relação ao primeiro requisito atos de execução já foi visto que antes de iniciada a atividade típica não há que se falar em tentativa posto que estamos diante dos atos preparatórios e enfatizese o primeiro requisito da tentativa é a existência de ato de execução O segundo elemento da tentativa diz respeito à necessidade de circunstâncias alheias à vontade do agente impedirem a consumação do delito Se o agente por sua própria vontade não consuma o delito estamos diante de outros institutos penais como a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz O Direito na tentativa considera reprovável a ação não consumada porque o agente dirigiu a sua vontade para a prática do ato lesivo ao bem jurídico Destarte o agente teve o dolo do crime porém circunstâncias alheias à sua vontade barraram a consumação A tentativa no direito brasileiro pode ser dividida em tentativa perfeita e em tentativa imperfeita A tentativa perfeita também chamada crime falho é aquela onde o agente realiza todos os atos de execução mas a consumação não sobrevém Podese citar como exemplo a ação de Tício que dá vinho envenenado a Simprônio durante o jantar Todavia Simprônio não morre porque por uma característica biológica era imune ao veneno Nesse caso o agente praticou todos os atos de execução e o resultado morte não sobreveio por circunstâncias alheias à sua vontade Houve pois tentativa perfeita A tentativa imperfeita é aquela onde o agente não pratica todos os atos de execução É o caso por exemplo de Mévio que querendo matar Tício com uma facada no pescoço tem seu braço desviado por Simprônio que escorregara e esbarrara no braço de Mévio de modo que o ferimento se produziu na mão da vítima não acarretando sua morte É relevante ressaltar ainda a figura da tentativa branca A tentativa branca não produz nenhuma lesão efetiva ao bem jurídico como no caso de Maria que descarrega os projéteis de seu revólver no seu marido João e nenhum tiro atinge a vítima devido à péssima pontaria do sujeito ativo 225 PUNIBILIDADE DA TENTATIVA A tentativa de crime é punida por conta de uma extensão típica Quando a norma penal define os delitos ela o faz na forma consumada Se faltar qualquer dos requisitos da definição legal quer de natureza objetiva quer de natureza subjetiva não há crime por falta de tipicidade Todavia na parte geral do Código Penal pátrio dizse que existe o crime na sua forma tentada e na sua forma consumada art 14 Para a figura da tentativa adquirir existência através da tipicidade é necessária uma combinação entre a parte geral do Código com os tipos penais da parte especial neste sentido podese afirmar que a tentativa se configura por conta de uma extensão típica A punibilidade da tentativa está prevista no parágrafo único do art 14 do Código Penal que estabelece Salvo disposição em contrário punese a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado diminuída de um a dois terços Não havendo disposição em contrário pois a tentativa enseja uma causa de diminuição de pena obrigatória São três as principais teorias que fundamentam a punibilidade da tentativa a teoria objetiva que é a adotada no Direito brasileiro a teoria subjetiva e a teoria sintomática A teoria objetiva foi elaborada por Feuerbach e desenvolvida por Carrara Para a teoria objetiva a tentativa é punível porque há um perigo ao bem jurídico e essa exposição a perigo acarreta um dano público O dolo é igual em todas as fases do fato preparação execução e consumação portanto o que diferenciará a tentativa da preparação é o âmbito objetivo o perigo próximo da realização do resultado típico18 A teoria objetiva adotada no Código Penal brasileiro apregoa uma diferenciação na pena da tentativa que obrigatoriamente deverá ser mais branda do que a do crime consumado posto que no crime consumado haverá o dano efetivo ao bem jurídico enquanto no tentado um perigo de dano19 A teoria subjetiva veio de Tittman mas seu grande elaborador foi Von Buri que inclusive a introduziu na jurisprudência alemã do antigo Tribunal do Império Para a teoria subjetiva o fundamento da punibilidade da tentativa é a vontade contrária ao Direito posta em ação20 A teoria subjetiva data da época em que ainda não havia uma distinção científica entre antijuridicidade e culpabilidade sendo a antijuridicidade considerada uma ação lesiva ao Direito provocada por um ato mau Por isso se dá tanta relevância à vontade do agente Cezar Roberto Bitencourt afirma com relação a essa corrente que a pena da tentativa era similar à pena do crime consumado21 posto que tanto na tentativa quanto no delito consumado o aspecto moral subjetivo estava completo A teoria da impressão também é digna de menção Tal teoria atualmente é a teoria dominante na Alemanha e são partidários dela Maurach e Jescheck A referida teoria da impressão foi fundada por Horn e foi desenvolvida por Von Bar Nasceu da tentativa de conciliar elementos objetivos e subjetivos para fundamentar a punibilidade da tentativa Para essa teoria é punível a tentativa pela atuação da vontade contrária ao Direito que é idônea para abalar a confiança dos súditos na vigência do Ordenamento Jurídico em virtude do perigo de lesão aos multirreferidos bens jurídicos Há pois o elemento objetivo que se traduz no atuar exterior que expõe a perigo os bens protegidos pelo Ordenamento Jurídico e o elemento subjetivo que é a vontade do agente que conduz essa exposição a perigo22 226 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ A desistência voluntária e o arrependimento eficaz estão normatizados no art 15 do Código Penal que dispõe Art 15 O agente que voluntariamente desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza só responde pelos atos já praticados Conforme visto para que exista a figura da tentativa são necessários dois requisitos início de execução e não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente Todavia é possível que em determinados casos iniciese a execução e o crime não se consume por conta da própria vontade do agente Nesse caso não se pode dizer que existirá tentativa porque falta um requisito subjetivo necessário à sua configuração não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente Os institutos penais que regem essas hipóteses de não consumação do delito pela vontade do sujeito são a desistência voluntária e o arrependimento eficaz Existirá a desistência voluntária quando o sujeito não prosseguir nos atos de execução por obra de sua vontade Assim se Tício tem um revólver com seis projéteis e dispara um deles em direção a Mévio não o atingindo e livremente desiste de efetuar os outros cinco disparos não pode haver crime de tentativa de homicídio porque o agente não consumou o crime por circunstâncias da própria vontade do agente23 Notese que se exige apenas que a desistência seja voluntária e não espontânea Se um terceiro estranho à execução do delito convencer o agente a não prosseguir na referida execução há a figura da desistência voluntária Por isso devese ressaltar sempre que se um terceiro sem coação convencer o sujeito ativo a não prosseguir na execução há a figura da desistência voluntária O arrependimento eficaz difere da desistência voluntária porque nele o sujeito pratica todos os atos de execução concretizando a ação lesiva todavia inicia um novo processo causal e evita com eficácia que o resultado se produza É o caso por exemplo do filho que para matar o pai e ficar com a herança coloca veneno em sua comida se após o pai fazer a refeição o filho ministra o antídoto e evita a morte houve a figura do arrependimento eficaz e com isso afastase a tentativa do crime de homicídio É necessário que o arrependimento seja eficaz Caso ele seja ineficaz ainda que por culpa da vítima o sujeito responderá pelo delito Assim neste último exemplo se o pai desiludido pela atitude do filho se recusar a tomar o antídoto haverá crime consumado ou tentado conforme ocorra ou não o resultado morte O arrependimento eficaz não deve ser confundido com o arrependimento posterior Neste último o resultado de dano a um bem jurídico se perfaz o que não ocorre com o primeiro No Direito brasileiro o arrependimento posterior nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa é causa obrigatória de diminuição de pena art 16 do Código Penal O arrependimento eficaz e a desistência voluntária são causas de atipicidade da conduta Em face do nosso direito positivo penal é de se concluir que não é típica a atividade executiva integral quando a vontade do agente determina que não se atinja a consumação final24 227 CRIME IMPOSSÍVEL Trata o art 17 do Código Penal do instituto jurídico do crime impossível ao dispor que Art 17 Não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por impropriedade absoluta do objeto é impossível consumarse o crime Vêse portanto que o crime impossível é aquele onde há uma ineficácia absoluta do meio ou uma impropriedade absoluta do objeto Doutrinariamente essas hipóteses são chamadas de tentativa inidônea Existem duas importantes teorias que versam sobre o crime impossível a teoria subjetiva e a teoria objetiva Segundo a teoria subjetiva o crime impossível deve ser punido porque quando ele é perpetrado o agente revela sua periculosidade mostrandose capaz de agredir os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal Para a teoria objetiva o crime impossível não acarreta um perigo real para o bem jurídico logo ele não deve ser punido A reforma penal de 1984 adotou a teoria objetiva afastandose completamente da possibilidade de aplicar uma reação penal àquele que pratica o crime impossível Na sistemática anterior havia a possibilidade de aplicação de uma medida de segurança a quem revelasse sua periculosidade pelo crime impossível A primeira hipótese de crime impossível é a ineficácia absoluta do meio Nela o meio elegido pelo agente é por força de sua própria natureza absolutamente incapaz de agredir o bem jurídico Por exemplo se para causar um benefício o sujeito ministra uma substância inócua pensando ser veneno em se comprovando que este meio é absolutamente inidôneo para o cometimento do delito existe o crime impossível A inidoneidade do meio deve sempre ser aferida no caso concreto vejase por exemplo que o açúcar é em regra um meio absolutamente inidôneo para causar a morte em um indivíduo são mas é mortal para um indivíduo que sofre de diabetes Outra hipótese de configuração do crime impossível é a impropriedade absoluta do objeto Nessa hipótese não há bem jurídico a ser protegido pelo Direito Penal Por exemplo se Tício com animus de matar Caio atira neste sem saber que seu desafeto tinha morrido minutos antes por colapso cardíaco fulminante não há que se falar em crime de homicídio praticado por Tício em virtude de não haver bem jurídico vida para ser tutelado Nessa segunda hipótese de crime impossível impropriedade absoluta do objeto devese distinguir todavia a ausência de bem jurídico da falta ocasional O crime impossível subsiste somente no primeiro caso e por isso é sujeito a pena aquele que de noite dispara um tiro de fuzil na direção do leito de uma pessoa que há poucos instantes por uma circunstância casual se levantou da cama25 Nesta última hipótese citada há a falta ocasional do bem jurídico não sua inexistência portanto ressaltese existe tentativa punível 1 CORREIA Eduardo Direito Criminal Coimbra Almedina 1992 t II p 225226 2 Sobre a diferenciação entre tentativa e frustração no direito português vejase por exemplo FERREIRA Manuel Cavaleiro de Direito Penal Português Lisboa Verbo 1982 p 224225 3 MOMMSEN Teodore El Derecho Penal Romano Madri Espanã Moderna 1898 p 103 4 BATISTA Nilo Matrizes Ibéricas do Sistema Penal Brasileiro Rio de Janeiro Freitas Bastos 2000 p 210 5 Diz o referido diploma Toute tentative de crime qui aura été manifestée par un commencement dexécution si elle na été suspendue ou si elle na manqué effet que par des circonstances independantes de son auteur est considérée comme le crime même ANCEL Marc Les Codes Pénaux Européens Paris Centre Français de Droit Comparé 1957 t II p 633 6 Alves Roque de Brito Estudos de Ciência Criminal Recife Companhia Editora de Pernambuco 1993 p 6167 7 MANTOVANI Fernando Diritto Penale Padua CEDAM 1992 p 426 8 WELZEL Hans Derecho Penal Alemán Santiago Editorial Jurídica de Chile 1997 p 221 9 BRANDÃO Cláudio A Importância da Conceituação da Antijuridicidade para a Compreensão da Essência do Crime Revista de Informação Legislativa Brasília Senado Federal n 133 10 CARRARA Francesco Programa do Curso de Direito Criminal Trad J L Franceschini e J Barra São Paulo Saraiva 1956 t I p 258266 11 Idem Ibidem p 262 12 Carrara afirma que a propósito de idoneidade devese distinguir entre o sujeito passivo do atentado e sujeito passivo da consumação É sujeito passivo da consumação a coisa ou a pessoa sobre a qual devia efetivarse o ato consumativo do malefício Todas as demais coisas ou pessoas sobre as quais pela natureza do fato deva o culpado exercer atos como meio para alcançar a posterior execução de outros atos sobre o sujeito passivo da consumação são sujeito passivo do atentado Idem Ibidem p 264265 13 WELZEL Hans Op cit p 224 14 DOHNA Alexander Graf Zu La Estructura de la Teoría del Delito Buenos Aires AbeledoPerrot 1958 p 92 15 Art 291 Fabricar adquirir ou fornecer a título oneroso ou gratuito possuir ou guardar maquinismo aparelho instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda Pena reclusão de 2 dois a 6 seis anos e multa 16 Apud MAURACH Reinhart GÖSSEL Karl ZIPF Heinz Derecho Penal Parte General Buenos Aires Astrea 1995 t II p 2425 17 Segundo Jakobs Un delito está siempre consumado ya cuando se han realizado en un contexto imputable los elementos del tipo que se mencionan en la Parte Especial La consumación es pues un concepto formal Derecho Penal Madri Marcial Pons 1995 p 855 18 JESCHECK HansHeinrich Tratado de Derecho Penal Parte General Granada Comares 1993 p 464 19 Sobre a obrigatoriedade da diminuição da pena é esclarecedora a assertiva de Antón Oneca Desde el momento en que nos coloquemos en un punto de vista objetivo para justificar la punibilidad del delito intentado se impone la aplicación de una sanción atenuada con relación al delito consumado pues aquél representa una disminución en su elemento material ANTÓN ONECA José Derecho Penal Madri José Antón Oneca 1949 t I p 408 20 JESCHECK HansHeinrich Op cit p 465 21 BITENCOURT Cezar Roberto Teoria Geral do Delito São Paulo Revista dos Tribunais 1997 p 243 22 MAURACH Reinhart GÖSSEL Karl ZIPF Heinz Op cit p 28 23 Em sentido semelhante ver acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo RT 648277 Rel Dante Busana 24 ALVES Roque de Brito Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz Tese de Cátedra Recife Imprensa Industrial 1959 p 145 25 ANTOLISEI Francesco Manuale de Diritto Penale Milano Giuffrè 1997 p 494