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SciELO Books SciELO Livros SciELO Libros LIMA EJB O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito pluralidade e movimento In SPINK MJP FIGUEIREDO P and BRASILINO J orgs Psicologia social e pessoalidade online Rio de Janeiro Centro Edelstein de Pesquisas Sociais ABRAPSO 2011 pp 109134 ISBN 978857982 0571 Available from SciELO Books httpbooksscieloorg All the contents of this chapter except where otherwise noted is licensed under a Creative Commons AttributionNon CommercialShareAlike 30 Unported Todo o conteúdo deste capítulo exceto quando houver ressalva é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição Uso Não Comercial Partilha nos Mesmos Termos 30 Não adaptada Todo el contenido de este capítulo excepto donde se indique lo contrario está bajo licencia de la licencia Creative Commons ReconocimentoNoComercialCompartirIgual 30 Unported O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito pluralidade e movimento Emanoel José Batista de Lima 109 O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito Pluralidade e movimento Emanoel José Batista de Lima 1 Introdução roduzir um texto de caráter teóricocientífico requer de quem o escreve uma série de cuidados e algumas considerações René Lourau 2004 um dos construtores do campo conhecido como Análise Institucional ao propor o conceito de implicação denunciou a falsa ideia da pretensa neutralidade científica ao indicar que o observador desde a eleição de objetos encontrase implicado com o âmbito a ser observado apontava que os processos de análise provocam transformações nos espaços institucionais de investigação eou de intervenção Segundo Lourau ibid o sujeito que se põe em processo de investigaçãointervenção encontrase implicado em termos afetivos econômicos ideológicos e epistemológicos com o campo que se interessa Como consequência devemos analisar a implicação que estabelecemos com os territórios de análise pois tal procedimento acaba se configurando como um ponto de reflexão ética para os processos de produção de conhecimento Dessa maneira a análise da implicação se torna fundamental em função das reverberações éticopolíticas do que a implicação em si a relação entre o sujeito e o campo que se debruça deve ser o foco desta analítica O sujeito investigador deve pôr em questão suas vinculações institucionais seu posto de saberpoder perante o mundo seu posicionamento na vida social e estar consciente que também é objetivado pelos âmbitos que se propõe a examinar sejam eventos sociais fatos institucionais 1 Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí FAPEPI P 110 representações das mais diversas ordens grupos movimentos sociais etc Tais mobilizações possibilitam ao sujeito problematizar o objetivismo científico tradicional o que pode criar condições para o surgimento e o incremento das vozes dos sujeitos investigados pois já não se cai na armadilha da superioridade do saber científico ibid A análise da implicação concede ao sujeito uma visão acurada da relação com o campo tensionando a ideia da mesma a partir da averiguação dos processos de desimplicação e sobreimplicação O primeiro se refere ao movimento de desinteresse e desinvestimento em relação às temáticas estudadas O segundo indica uma forma de implicação exacerbada que pode ser marcada por grande participação mas se configurar como uma espécie de maisvalia exagerada para com o campo ou seja um modo que pode produzir uma certa cegueira em relação aos eventos agenciados nos espaços investigados em função da extrema imersão nesses territórios ibid O deslizar nos eixos desimplicação implicação e sobreimplicação deve ser o foco da análise da implicação pois os tensiona uma vez que admitimos o caráter de positividade da implicação Deste modo ao compreendermos e explicitarmos a implicação podemos melhorar a aproximação com o campo apreender com maior profundidade o que nos propomos conhecer e promover cuidados éticos além de dispor condições para problematizações inflexões e transformações nos contextos de trabalho ibid Quando tomamos nossos aparatos teóricometodológicos e os fenômenos sociais que nos interessamos como produzidos historicamente e também problematizamos os nossos lugares de saberpoder e a relação que temos com os saberes e o modo como se desvaloriza outras formas de construção de conhecimento podemos criar territórios potentes para promover alterações nas realidades A partir desses balizamentos da análise da implicação discutiremos a temática do Cuidado em Saúde Mental no âmbito da Reforma Psiquiátrica Este conceito vem ganhando força no Brasil nos últimos 10 anos sobretudo no âmbito da saúde e propõe transformações nas práticas além de englobar 111 olhares amplificados para os usuários dos serviços e em relação ao conceito de saúde portando uma crítica contundente às formas tradicionais de trabalho ancoradas no objetivismo científico bem como desenhando modos inventivos de se lidar com os sujeitos e seus territórios De acordo com Eduardo Vasconcelos 2004 um dos pilares do processo de produção de conhecimento é a pega no desejo é o investimento afetivo em relação àquilo que nos propomos estudar Deste modo elencaremos alguns eventos que nos mobilizaram no trabalho como docente em Teresina PI algumas estóriascenas que agenciaram afetos e reverberações éticopolíticas e produziram uma relação com o campo da Reforma que tentaremos esboçar e analisar neste ensaio Antes das cenas e seus ecos fazse necessário demarcar o plano da Reforma Psiquiátrica e seu impacto no contexto nacional Reforma Psiquiátrica e algumas questões Segundo Amarante 2003 a Reforma Psiquiátrica configurase como um processo social complexo que engloba mudanças significativas nas formas de cuidado em saúde mental e no tecido sociocultural bem como transformações jurídicas no que tange a conquista de direitos de pessoas portadoras de transtornos mentais Em outra produção textual Amarante 2008 aponta que tal processo social complexo inclui quatro dimensões teóricoconceitual técnico assistencial jurídicopolítica e sociocultural Segundo o autor a partir da primeira dimensão devese operar um rompimento conceitual com a construção tradicional da Psiquiatria ancorada no positivismo acerca da ideia de doença mental que acaba produzindo um afastamento do sujeito que por ela é acometido encobrindo o sujeito sua existência e suas múltiplas dimensões da vida deste modo na dimensão técnicoassistencial devese articular a integralidade do sujeito levandose em consideração sua singularidade seus contatos afetivos e redes de solidariedade seus problemas cotidianos seus referentes socioculturais sua ligação com o seu território de 112 inserção seus desejos e projetos de vida Nessa direção a Reforma acaba se estabelecendo como um movimento político que visa transformações importantes em nossa sociedade posicionandose para além de mudanças técnicas enfrentando a cultura manicomial e a intolerância ao diferente Desta forma os serviços que desenvolvem a assistência às pessoas com transtorno mental não podem ser cristalizados e marcados por um cotidiano em que se reproduzem técnicas e protocolos de saúde devem se ancorar numa perspectiva da inventividade e fomentar ações voltadas para seus usuários e não para suas doenças desenvolvendo práticas de acolhimento de sociabilidade de desenvolvimento de potencialidades e de produção de vida e de singularidade No Brasil os Centros de Atenção Psicossocial CAPS têm se configurado como dispositivos importantes vinculados à Reforma Psiquiátrica e devem auxiliar em articulação com outros serviços como por exemplo a atenção básica na substituição dos tradicionais hospitais psiquiátricos ou seja o conjunto desses equipamentos devem assumir o lugar na assistência à saúde mental de toda uma rede manicomial e a partir dos princípios éticos encampados pela Reforma Na prática profissional como docente no Estado do Piauí percebemos a produção de ações que repõem a cultura manicomial e reativam processos de segregação ainda que no âmbito dos CAPS Cenas que delineiam impasses que dificultam o avanço da Reforma que apontam para uma certa reprodução de práticas aprisionantes e manicomiais em dispositivos que deveriam funcionar em uma perspectiva libertária inclusiva e de reconhecimento do diferente São cenas que aconteceram nos espaços de relação intersubjetiva entre profissionais e usuários destes serviços e que nos levaram a refletir acerca do modo como estamos trabalhando nesses locais ou melhor acerca do modo como estamos cuidando das pessoas que procuram essas instituições A seguir descreveremos algumas dessas cenas com o intuito de apresentar como foi surgindo nosso interesse por tal temática e como as 113 mesmas produziram afetações e engendraram uma relação entre nós e o campo em questão Cenas e inquietações CENA 01 Uma das instituições em que trabalhamos foi convidada por uma prefeitura de um município da Grande Teresina para a realização de estágios em serviços de saúde e assistência social de sua rede O CAPS era uma desses serviços e em conjunto com outros professores comporíamos um grupo de supervisores de estágios que lá aconteceriam Marcamos um primeiro encontro com alunos e com coordenadora do CAPS do município para acordarmos como o estágio seria articulado Tal reunião aconteceu no próprio serviço e o quadro que encontramos era desolador A nossa ida se deu em pleno dia da semana no meio da manhã em um horário em que a instituição deveria estar a pleno vapor e vários eventos chamaram a nossa atenção No CAPS não havia um usuário sequer havia apenas um funcionário da limpeza e nos disse que as duas técnicas daquela manhã estavam chegando e quando as mesmas chegaram elas estavam trajando uniformes como marcas de diferenciação entre elas e os loucos que poderiam aparecer por ali Percebemos também que o CAPS arquitetonicamente perfazia o modelo de instituições tradicionais de saúde com as paredes brancas com locais de acesso restrito e com indicações específicas para circulação de usuários nos banheiros nos bebedouros e na cozinha Ficamos nos perguntando se num dia como aquele não poderiam estar ocorrendo oficinas das mais diversas ordens grupos terapêuticos assembleias etc Mais tarde quando a Coordenadora chegou como a adivinhar nosso questionamento foi adiantando que o CAPS estava vazio daquele modo porque não era o dia de atendimento psiquiátrico Aqui 114 meu filho só tem gente quando o médico está por aqui Fala que nos deu um pequeno indicativo das relações de saberpoder lá travadas CENA 02 Chegamos em um CAPS de maior porte em Teresina bem na hora do almoço Mais uma vez nos chamaram atenção a questão das vestimentas a maioria dos técnicos estava trajando jaleco percebi que estavam usando a mesma roupa de ontem o figurino manicomial Mas foi o momento da alimentação dos usuários que mais nos afetou O cardápio parecia bom arroz feijão salada e bife No entanto os talheres à disposição não ajudavam muito para comer os pedaços de carne Tinham apenas colheres à disposição e com muita dificuldade cortavam a carne forçando as colheres contra os bifes ou rasgandoos com os próprios dentes Os garfos e as facas poderiam funcionar aos olhos dos técnicos como armas para violências autoinfligidas ou em relação a terceiros Vimos em nossa frente a materialização a atualização da velha cultura que naturaliza loucura e periculosidade Na hora do almoço acredito que o que se alimentava ali era a diferença entre razão e loucura CENA 03 Em outro CAPS de Teresina um usuário militante da Reforma Psiquiátrica Piauiense e um grande artista plástico entra em crise e quebra objetos e quadros produzidos por ele mesmo em uma atividade grupal coordenada pelos artesões do serviço Ao invés de ser acolhido em seu episódio de sofrimento mental ele foi expulso do CAPS pelos responsáveis pela instituição tal como um estudante que não cumpriu as regras de uma escola e foi premiado com a expulsão como lição de moral Os seguranças passaram a impedir a entrada do artista no CAPS por ordem da direção Em crise o usuário dias depois tentou suicídio mas não conseguiu se matar Mais tarde contou com o apoio de seus amigos para procurar outro CAPS Orientado pelos colegas de luta antimanicomial de uma ONG procurou o Ministério Público para fazer a denúncia do que 115 viveu Os colegas de ONG não se conformavam com a situação toda e com o fato de um cidadão ser proibido de entrar em um serviço público O processo ainda está caminhando CENA 04 Em um pequeno estudo sobre o cuidado em saúde mental realizado em um CAPS do interior técnicos apontaram que o sucesso de uma prática de cuidado residiria no fato de o usuário aceitar tudo aquilo que a equipe teria para oferecer para ele principalmente os medicamentos prescritos Aqueles que aceitam sempre ficam mais tranquilos mais calmos Batista Lima 2008 Poder e sujeito em Foucault Todas essas cenas têm em comum uma produção de sujeito que encontramos problematizada no pensamento foucaultiano Como podemos perceber as relações de poder são agenciadas com contundência no cotidiano desses serviços Talvez um exercício de aproximação dessas relações possa ajudar a desvendar o sujeito que se produz nesses contextos Foucault conhecido como um estudioso do poder em um texto intitulado Sujeito e Poder 1995 onde tenta fazer uma pequena análise de sua produção dos anos 60 e 70 procurou apontar que seu objetivo em seus estudos não foi promover uma análise do poder nem de seus eixos fundamentais Tentou traçar uma história das redes complexas e das práticas concretas que fazem com que os seres humanos se tornem sujeitos A constituição do sujeito é a preocupação central de Foucault nos domínios do saber do poder e da ética como o sujeito se insere e aparece no âmbito do conhecimento científico As Palavras e As Coisas como o sujeito aparece nas práticas divisoras e normativas História da Loucura Vigiar e Punir O Nascimento da Clínica e como o sujeito se torna objeto para ele próprio História da Sexualidade Foucault 2004 Araújo 2008 116 O estudo acerca do poder tomou grande espaço em suas produções pois segundo ele as relações de poder quando analisadas a partir das formas de resistência aos mesmos tem a potencialidade de revelar como o poder se exerce no cotidiano de vida dos indivíduos produz marcas que os identificam essencializa identidades impõe verdades que devem ser reconhecidas por todos Logo a compreensão do sujeito passa pela análise das relações de poder agenciadas Foucault 1995 Fonseca 2007 A abordagem do poder deve caminhar em busca mais do como se exerce o poder do que em busca do o que é o poder Tal exercício permite um deslocamento crítico em direção às relações de poder e não em direção a um poder fundamental o que pode dar acesso à complexa rede de relações de poder no cotidiano dar acesso ao modo como tais relações se dão no âmbito das práticas humanas nos âmbitos microssociais Foucault 1995 Para Foucault o que define uma relação de poder diz respeito a uma ação sobre a ação a uma condução de conduta Dessa forma as relações de poder não se configuram no âmbito da violência que imobiliza o outro ou o destrói O poder necessita do outro e ao mesmo tempo abre um campo que permite certas reações certas respostas e algumas criações O poder só é exercido a partir de sujeitos livres conduzindo suas condutas e organizando probabilidades O poder não é algo que se concentra ou se possui é uma estratégia de localização é da ordem relacional entre homens ou grupos de homens é algo que se exerce e se apoia nos despossuídos ao invés de desapossar Não se encontra convergido para um ponto específico mas encontrase espargido borrifado derramado nas mais diversas relações enfim nas microrrelações Foucault 2009a Araújo 2008 Foucault apontou nesses debates definições importantes para a palavra sujeito que auxiliam na compreensão de seus trabalhos um sujeito a alguém a partir de ações de controle e dependência e um sujeito aprisionado à sua própria identidade a partir de um certo autoconhecimento ou consciência 117 A partir dessas discussões podemos perceber que o estudo do sujeito necessariamente passa pela aproximação das relações de poder travadas no cotidiano e nos mais ínfimos espaços bem como pelas formas de resistência que se insinuam em relação aos poderes que prescrevem modos de vida Na primeira cena os próprios sujeitos se encontravam elididos do espaço que deveria articular práticas de cuidado em saúde e de proteção nenhuma atividade estava sendo realizada e o estabelecimento estava abandonado por seus técnicos As relações de assujeitamento se faziam perceber através dos jogos de saberpoder inscritos nas vestimentas dos técnicos marcando o lugar da ciência e da razão em relação aos loucos em relação ao não saber além de reafirmar o preconceito social em relação às pessoas em sofrimento mental Outro ponto importante neste sentido era a centralização das atividades do CAPS no saber psiquiátrico que define os territórios de ação dos demais saberes e lhes atribui valoração bem como perfazia novamente vinculações tutelares agenciadas pela Psiquiatria para com a loucura Também é importante notar o controle da circulação dos sujeitos no CAPS através da arquitetura e das ordenações dos espaços Percebemos na segunda cena a construção de um cotidiano de serviço baseado na naturalização das relações entre loucura e periculosidade Uma prescrição de papéis inscritos historicamente para com os loucos um processo de criminalização da loucura O louco seria nesta perspectiva um sujeito que guardaria uma potencialidade para a prática de violência Delgado 1992 Como consequência na cena em questão os usuários não tinham à disposição garfos e facas para a alimentação o que provocou um quadro difícil de ver os sujeitos se alimentando como animais Na cena três encontramos processos impactantes de assujeitamento Primeiramente vemos um processo contundente de exercício de poder realizado pela direção do serviço materializado na expulsão de um usuário de um serviço público Depois a articulação de uma certa violência através dos seguranças da instituição que passaram a não permitir a entrada do usuário Além disso percebemos uma negligência de escuta e acolhimento em um episódio de crise o que pode indicar uma desvalorização da fala do 118 sujeito e de seu sofrimento Todas essas ações parecem estar ancoradas num olhar tradicional que é lançado ao louco em termos de preconceito depreciação do discurso do sujeito louco e periculosidade bem como numa moralização no trato com a loucura que os concebe como sujeitos passíveis de corrigenda punição admoestação de modo que através destas podese produzir um bom sujeito bom cidadão para a sociedade A última cena indica imposições e tutelas nas relações para com os usuários Apontam para um processo de docilização dos sujeitos que devem se submeter a tudo que a equipe de trabalho prescreve Outro vetor importante é a medicalização das práticas em saúde mental delineando mais uma vez as relações de saberpoder presentes no cotidiano desses serviços uma centralidade no papel da medicina psiquiátrica e em sua tecnologia o que acaba por reduzir a importância dos outros campos de produção de conhecimento e suprimir as vozes saberes e modos de levar a vida construídos pelos próprios usuários e por suas comunidades Estes eventos em articulação com outros acontecimentos foram forjando nossa relação com o campo da Reforma Psiquiátrica marcada por afetos que denotam indignação tristeza surpresa estranhamento e ao mesmo tempo uma vontade de luta e de mudança de quadros Para aqueles que têm alguma trajetória na Reforma tornase difícil depararse com tais práticas e não se afetar No entanto precisamos desenvolver uma certa atenção para com essa relação é necessário problematizála para podermos agenciar uma melhor aproximação com esses espaços institucionais e constituir uma vinculação ética em todo o processo de produção de conhecimento eou intervenção Primeiramente devemos tensionar nossa relação com a Reforma Psiquiátrica como um todo pois corremos o risco de tomála como uma perspectiva universalizante o que acaba por desenvolver uma discussão prescritiva em relação às práticas em saúde mental que pode comprometer nossos olhares e como consequência não considerarmos as diferenças locais os processos históricos de constituição dos serviços específicos bem como as estruturas contextuais para execução das políticas de saúde 119 Outro ponto importante é questionar constantemente nosso olhar acadêmico indagandose sobre nossa relação com o saber e com o poder que o mesmo implica Por exemplo nas cenas descritas os profissionais que nos receberam assim como nós fizemos com eles também nos objetivaram e podem ter levado em consideração nossos lugares de docentes e de algum modo podem ter feito funcionar as engrenagens da relação saberpoder o que pode ter alterado a dinâmica do cotidiano nos CAPS com a nossa presença Além disso nossa imersão na academia pode também instituir olhares que vão em busca de modos idealizados de proceder nesses serviços dificultando a leitura de especificidades no cotidiano de invenções nas formas de cuidar bem como do papel do contexto sócio comunitário na constituição das maneiras de funcionar dessas instituições No que diz respeito aos usuários um processo de sobreimplicação com a Reforma Psiquiátrica pode promover discussões e práticas que sustentam posições das mais diversas ordens reproduzindo tutelas sutis vitimizações ou debates que se apoiam em perspectivas assistencialistas Uma das consequências mais duras desses movimentos é a despontecialização política dos usuários o que pode entravar as transformações sociais propostas pelo Movimento Antimanicomial Uma sobreimplicação ainda pode dificultar a compreensão do contexto estrutural em que estão imersos os profissionais desses serviços Uma prescrição de formas atuação ligadas à Reforma pode impedir a apreensão de vetores vitais tais como dificuldades financeiras dos municípios escassez de treinamentos e capacitações formação em saúde precária em relação à luta antimanicomial alta rotatividade de trabalhadores entre outros A partir desse esboço de nossa implicação apresentaremos a seguir algumas produções teóricas acerca do cuidado em saúde mental surgidas nos últimos anos na academia com os propósitos de debater a noção de sujeito presente nas discussões elencadas e de refinar as reflexões sobre implicação com a Reforma Psiquiátrica 120 Derivas do cuidado em saúde mental Os profissionais de saúde mental se deparam com uma pluralidade de demandas no cotidiano de serviço Em relação às demais áreas da saúde que gozam de alguns sistemas protocolares de atuação o âmbito em questão se caracteriza pela amplitude de necessidades e ferramentas para lidar com as problemáticas trazidas pelos usuários requerendo ações interdisciplinares multiprofissionais comunitárias além de uma produção de transversalidades2 Dessa forma cuidado em saúde mental implica uma concepção polissêmica bem como projetos de transformações processualidades e invenções constantes Embora marcado por tal extensão refletir acerca do que vem a ser o cuidado em saúde mental e a noção de sujeito veiculada pelo mesmo se torna uma tarefa vital para todos envolvidos com a Reforma Psiquiátrica pois indica reverberações éticas e políticas Ballarin Carvalho e Ferigato 2009 Cuidado e cartografias de encontros entre os sujeitos Em um texto publicado em 2006 Alves e Guljor elencam premissas basilares para o cuidado em saúde mental Primeiramente destacam a necessidade da liberdade do usuário operam uma crítica em relação ao isolamento instituído pelo aparato manicomial Tornase fundamental para o usuário o agenciamento do convívio social e de seus laços afetivos Como consequência investese no potencial do sujeito em levar sua própria vida e fazer suas escolhas auxiliando na construção da autonomia de modo singular 2 Conceito de Felix Guattari que propõe uma transversalidade no lugar de uma verticalidade que remete na instituição aos vínculos feitos através de uma hierarquia fechada e da fixidez dos papéis descritas num organograma objetivo um sistema de pirâmide Uma transversalidade no lugar de uma horizontalidade que seriam as vinculações feitas entre iguais da mesma categoria funcional por exemplo que estão dentro de uma estrutura piramidal O processo de transversalização não caminha no sentido da igualdade mas ao contrário prevê que o grupo comporte a diferença o embate e até as opiniões diversas ao mesmo tempo sem que isso seja tomado como erro dissidência política ou brigas pessoais Sustentação do dissenso sem que isso signifique uma dissidência Diz respeito também aos canais de comunicação estabelecidos com os diferentes campos saberes grupos Ver Guattari 2004 121 Em seguida os autores sinalizam que devemos conceber o sujeito de uma forma amplificada ou seja estendermos nossos olhares para além do sofrimento mental de modo a considerar os múltiplos vetores que sustentam a vida dos usuários Desse modo acabamos indo ao encontro de uma história de vida ao invés de um olhar reducionista tradicionalmente voltado para os sintomas Nesta perspectiva apoiar os projetos de vida se institui como dispositivo fundamental Outra premissa destacada é a consideração das redes onde os sujeitos se inserem tanto para compreensão dos próprios usuários como para apreensão dos processos de crise e sofrimento psíquico Aqui a complexidade contrapõese em relação à simplificação que marca os modos tradicionais de se lidar com a loucura Assim as redes podem além de fornecerem informações importantes acerca dos sujeitos configuraremse também como recursos para o agenciamento do cuidado A ideia de reparo também é questionada por Alves e Guljor 2006 Propõem que a assistência ofertada aos sujeitos deve estar ancorada no direito que têm em serem diferentes da norma A partir desta premissa podemos enfrentar as relações de saberpoder em que tradicionalmente se assentam as vinculações entre técnicos e usuários Como consequência o sujeito assistido vai construindo sua própria autonomia e exigindo uma maior amplificação das práticas do cuidado para lidar com o desenvolvimento de seus direitos e projetos de vida Uma das tarefas fundamentais do cuidado em saúde mental é auxiliar na construção das autonomias possíveis a partir das singularidades dos sujeitos o que faz com que a noção de cura também seja tensionada Cunhado pela medicina biológica o termo cura perde potência no âmbito da Reforma Psiquiátrica porque indica uma ação que deve ser articulada sobre objetos que estão funcionando de modo errôneo com o intuito de restaurar um estado adequado Outro ponto importante é o respeito à singularidade dos sujeitos As práticas em saúde mental devem partir da ideia de que para cada pessoa um 122 projeto de cuidado Para Alves e Guljor ibid o cuidado se configura como uma atitude perene pois leva em conta o movimento de construção singular da autonomia de cada usuário as mudanças e as processualidades impressas nessa operação O papel de agenciador incorporado pelo profissional é a última questão destacada pelos autores Esse papel se reflete numa atitude de responsabilização pelo usuário questionando a neutralidade científica e a compartimentalização do indivíduo e dos saberes Desse modo o profissional deve se vincular afetiva e eticamente com as pessoas que buscam os serviços e agenciar seus processos de cuidado e evitar por exemplo os procedimentos de encaminhamentos como simples atos de repasse para outros profissionais bem como procurar acompanhar os sujeitos em suas trajetórias nos serviços e no movimento de cuidado como um todo Cuidado ética e rupturas epistemológicas Em uma produção que se propõe refletir acerca do papel do CAPS como produtor de cuidado e espaço privilegiado de encontros Silvio Yasui 2007 promove debates sobre o cuidado em saúde mental e enumera alguns pontos de ancoragem que auxiliam na compreensão do conceito e de seu desenvolvimento O autor aponta que a ação de cuidar se constitui como a essência do trabalho em saúde mental na Reforma Psiquiátrica pois a mesma propõe novos modos de lidar com a loucura a partir de uma crítica contundente à racionalidade médica biologizante Para tanto o cuidado deve estar mais voltado para a invenção de uma vida social ética e potente do que preocupado com uma cientificidade tradicional Yasui ibid ainda ressalta que o cuidado está para além do âmbito da saúde configurandose como uma atividade central na vida humana sendo o encontro o lócus privilegiado de sua efetivação O espaço das relações entre os sujeitos é onde se dá a produção do cuidado onde surgem reflexões éticas em função da vinculação que estabelecemos com os outros Desse modo o cuidado é uma condição que possibilita produz mantém preserva a vida humana que é frágil e fugaz Yasui 2007 p161 123 Nas práticas em saúde mental o cuidado não deve ser concebido apenas como uma reprodução ou mera execução de técnicas para tratar uma problemática que se encontra no sujeito Cuidar nos remete a relações com os outros que envolvem comprometimento e implicação nos espaços de encontro Um olhar amplificado também se sobressai no pensamento de Yasui ibid A compreensão do sujeito deve englobar as múltiplas dimensões da vida dos usuários histórias de vida contextos sociais culturais e econômicos Os procedimentos de cuidado devem estar para além do quadro apresentado como problemático os diversos âmbitos de vida devem ser articulados tanto na compreensão das questões trazidas como nas possíveis formas de solução O reconhecimento da singularidade e do lugar social dos usuários também é condição fundamental para as relações de cuidado Isso implica em um rompimento epistemológico com saberes e práticas tradicionais pois não lidaremos mais com objetos de estudo ou intervenção mas sim com um sujeito e toda a dinâmica de sua vida e do seu existir Cuidar nessa direção significa estar em um processo relacional de constante invenção construção costura montagem de projetos de vida singulares é agenciar e articular um espaço intersubjetivo Desse modo conseguiremos enfrentar os modelos hegemônicos que se concentram unicamente nos fenômenos patológicos e nas ações prescritivas ibid Loucura cuidado resistência e transformação Antonio Lancetti 2010 em um texto em que avalia as ações de Serviços Residenciais Terapêuticos SRTs e o trabalho de agentes de saúde e enfermeiros que trabalham na Cracolândia ambos no município de São PauloSP propõe que as práticas de cuidado se constituem como eixo fundamental nessas instituições de saúde mental e que guardam a potencialidade de produzir transformações subjetivas tanto nos usuários como nos profissionais 124 Lancetti ibid baseado na Filosofia de Heidegger indica que o espaço de encontro e das relações intersubjetivas compõe o âmbito de atuação do cuidado O cuidado seria a força motriz de composição do sujeito na arte do encontro No entanto também aponta assim como os autores acima que é necessária a articulação de uma pluralidade de campos para o agenciamento do cuidado e para a construção do sujeito tais como direito artes produção de renda e trabalho cultura apoio sócio comunitário Dessa maneira o cuidado pode ser propulsor de novos modos de vida e de invenção de si Segundo o autor o cuidado funciona como princípio de resistência e sustentação ética para todos os trabalhadores principalmente para aqueles que trabalham com sujeitos que não se encaixam e desafiam os padrões tradicionais da saúde como um todo como as pessoas que estiveram por um longo período internadas em manicômio e as que são usuárias de crack campos analisados por ele no artigo Cuidado movimento e invenções Ayres 2009 apoiado em Kant e Heidegger propõe que os espaços de saúde se constituem como locais de encontro onde a busca pela resolutividade dos problemas de saúde deve ser acompanhada de uma noção de sujeito ancorada na intersubjetividade indicando que a construção de si passa pela relação e tal relação nos põe diante do outro em uma perspectiva desejante e na tarefa de construção de modos de vida que sustentem a nossa existência em um mundo compartilhado Assim como desdobramento desses encontros a busca pelo sucesso no campo da saúde não se restringe a um êxito técnico mas envolve a inventividade da saúde a busca pela promoção da saúde não como um estado homeostático mas como uma relação em busca da concretização de projetos de vida em intersubjetividade Desse modo nos âmbitos de assistência à saúde tornase tarefa vital do cuidado o movimento de consideração e construção de projetos de vida num palco onde o sujeito que cuidamos não seja compreendido como unidade estanque e permanente tal encontro já revela o desejo de mudança em busca de transformações de quadros Assim a tarefa de cuidar se afasta 125 das proposições de cura tratamento e controle o que proporciona uma abertura para a invenção da saúde e da vida Ayres 2009 Em outra produção textual Ayres 2005 aponta que o cuidado se aporta numa relação de encontro que deve ser pautada pelos seguintes aspectos movimento interação identidade e alteridade plasticidade projeto desejo temporalidade não causalidade responsabilidade Tais aspectos indicam outra frequência de cuidado para além da reprodução tecnocientífica delineando o fomento de relações baseadas na ética na inventividade na horizontalidade e na implicação afetiva em relação a quem se cuida Cuidado e pluralidade Ballarin Carvalho e Ferigato 2009 em um trabalho de resgate de produções brasileiras sobre o cuidado em saúde mental distinguiram três eixos temáticos de sentidos para o cuidar estando os mesmos entrelaçados a saber perspectiva ética e filosófica a dimensão técnica e instrumental do cuidar em saúde mental a dimensão política do cuidado No primeiro eixo os autores ressaltaram a importância dos encontros entre os sujeitos sendo o cuidado a linha principal dessas relações e constitutivo da condição humana o que reverbera em termos éticos no reconhecimento das singularidades dos sujeitos em sofrimento mental e no questionamento das relações assimétricas que marcavam as práticas tradicionais O segundo eixo revela que as práticas de cuidado devem ser pautadas em encontros intersubjetivos que primam por relações horizontalizadas que podem ser materializadas através dos diálogos da escuta acolhedora da responsabilização de profissionais e usuários e no comprometimento político com as mudanças sociais e culturais Por fim o aspecto político do cuidado se sustenta a partir dos processos de emancipação dos usuários ancorase no apoio a construção das autonomias além disso indicaram que as ações do cuidar estão para além do aspecto técnicocientífico elas implicam engajamento e transformações de quadros 126 de relação de poder articulam e questionam uma pluralidade de campos necessários para o cuidado dos sujeitos envolvidos ibid Todas as produções textuais elencadas delineiam que a compreensão da noção de sujeito presente nas discussões acerca do cuidado deve passar pela consideração das múltiplas dimensões que envolvem a vida sejam elas sociais culturais econômicas familiares de trabalho redes afetivas de amizade e solidariedade Todos os autores propõem uma visão de sujeito assentada numa perspectiva política de transformação e autonomia elegem o encontro como âmbito fundamental para a constituição dos sujeitos As reflexões éticas propostas esboçam apontamentos que devem direcionar os caminhos das relações entre os sujeitos Primeiramente quando questionam os lugares de exercício de poder das práticas tradicionais de saúde e sugerem vinculações mais simétricas e ao mesmo tempo com respeito reconhecimento e sem o apagamento das diferenças e singularidades Cartografam também uma noção de sujeito que se pauta no movimento e na ação ou seja um sujeito capaz de agir politicamente nos mais diferentes campos e transformar realidades Com efeito o sujeito não é concebido como unidade estanque ou cristalizada mas marcada por processualidade e com potencial de alteridade de seus modos de vida Acreditamos que essas problematizações são importantes porque ajudam a pensar o avanço das políticas públicas no cotidiano dos serviços e questionam em termos éticos as produções das mesmas acerca de seus impactos sociais e comprometimento político Em especial para o campo da Reforma Psiquiátrica que se propõe como movimento político e social para além das mudanças técnicas debates desta natureza devem ser uma constante e uma necessidade A multiplicidade de vozes que encontramos acerca do sujeito nas produções acima se aproxima dos interesses da Reforma pois reafirmam as diretrizes encampadas por ela e recolocam frequentemente velhas e boas questões que sociedade queremos construir Quais sujeitos estamos auxiliando a produzir 127 A seguir debateremos mais um núcleo importante no pensamento de Michel Foucault a saber o cuidado de si Esta ideia é fundamental para a história da construção da noção de sujeito no Ocidente bem como pode talvez fornecer reflexões para o âmbito das práticas de saúde Cuidado de si Outra produção foucaultiana acerca da ideia de sujeito que pode auxiliar na aproximação com o campo da saúde mental é a noção de cuidado de si Foucault trabalha principalmente esta noção no livro História da Sexualidade III e no curso de 1982 a Hermenêutica do Sujeito Neles Foucault procura escrever uma história acerca da noção de sujeito distinta do projeto articulado nos anos 70 no qual analisa a constituição do sujeito a partir da sujeição às máquinas de poder Para tanto Foucault se debruça sobre as práticas de si interessalhe escrever a história dos modos pelos quais o homem articula a relação de si para consigo a história do olhar a partir do qual eu me constituo para mim mesmo como sujeito Gros 2008 p128 A compreensão do sujeito a partir das técnicas de si implica uma noção de sujeito que inclui a transformação a ideia de um sujeito que pode se construir que se produz através de exercícios que oferece para si mesmo modos de existir e de se conduzir que pode inventar modos de andar a vida ibid Em A Hermenêutica do Sujeito Foucault 2010 indicou que a história do Cuidado de Si perfaz mil anos e destacou três momentos importantes o momento socrático séc V aC a idade de ouro do cuidado de si mesmo sécs III e a passagem do ascetismo pagão ao ascetismo cristão sécs IVV A visita que Foucault faz aos antigos não se deu com a intenção de fornecer respostas para as problemáticas contemporâneas mas com o intuito de apresentar que as relações entre o sujeito e os jogos de verdade se configuram como produções históricas e que diferentes desenhos 128 dessas relações ganharam consistências diversas ao longo do tempo Mattar Rodrigues 2011 A Filosofia era concebida para os antigos mais como uma arte de viver do que como um processo de conhecimento o que delineia uma relação diferente entre o sujeito e a verdade Uma série de práticas de si para si o que Foucault chama de exercícios espirituais é agenciada para que o sujeito possa se autoconstituir e se autogovernar A filosofia era então uma preparação para a vida um modo refletido de exercer a liberdade ou seja uma ética 2011 p15 A liberdade estava relacionada com o cuidado de si com o domínio de si a partir de exercícios para com os apetites excitações e exaltações que poderiam aprisionar o sujeito Ao perfazer os caminhos históricos da relação entre sujeito e verdade Foucault propôs uma revisão da fórmula fundadora dessa relação na tradição filosófica ocidental a saber o conhecete a ti mesmo gnôuthi seautón Foucault resgata a noção de epiméleia heautou ou o cuidado de si mesmo e mostra a partir da análise dos textos antigos como o preceito délfico gnôuthi seautón enfatizado principalmente por Sócrates e Platão emerge entrelaçado ao cuida de ti mesmo e muitas vezes em relação de subordinação Foucault 2010 Mattar Rodrigues 2011 O cuidado de si perdurou como um verdadeiro fenômeno cultural extrapolando até mesmo o campo filosófico ao longo das culturas grega helenística e romana constituiuse como uma linha básica a ser seguida por aqueles que queriam ter uma vida ativa embasada em uma racionalidade moral Ao demonstrar tal alcance Foucault destacou a noção de epiméleia heautou para além de uma história das representações ou de uma história das noções ou teorias embora tenha contribuído para ambas e a configurou como uma ancoragem vital para a história dos processos subjetivos e de constituição do sujeito Foucault 2010 A noção de cuidado de si envolve uma forma de agir em relação a si mesmo aos outros e ao mundo imprime uma nova direção ao olhar da exterioridade para a interioridade articula uma série de atitudes de si para si 129 nas quais o sujeito procura apropriarse de si mesmo depurarse movimentarse mobilizarse converterse enfim transformarse a partir de práticas e exercícios que podem concentrar a meditação o exame de consciência dietas fixação das memórias pretéritas etc ibid Com os gregos a partir da análise do Diálogo entre Sócrates e Alcebíades Foucault buscou desenvolver a noção de cuidado de si a partir da necessidade política para os jovens que iriam exercer alguma forma de poder perante a cidade A intenção socrática era discutir com Alcebíades Qual o eu que se deve ocuparse para se ocupar com os outros como convém Uma circularidade entre o objeto que se deve cuidar e o saber governar Foucault destacou como o cuidado de si na Filosofia helenística e romana abrange mais um campo vasto de práticas do que algo que se funda no conhecimento não se restringe a pessoas que exercerão algum tipo de função de governo em relação a polis e se torna um imperativo para todos Um ponto vital é que o cuidado de si não se constitui como uma atividade solitária No cuidado de si é preciso chamar um outro para nos ajudar a cuidar de nós mesmos donde surge a figura do mestre que articula atividades sociais de diálogos de ensinamentos de aprendizagens etc Além disso o cuidado de si implica a relação com os outros ações políticas Segundo Foucault o cuidado de si produz uma certa distância entre o sujeito e o mundo No entanto esta distância é que possibilita uma ação como convém e a fomenta em seu potencial transformador impedindo uma reação precipitada perante o mundo Gros 2008 Foucault 2009b no entanto demonstrou como a noção de cuidado de si foi sendo requalificada e perdeu força ao longo do tempo em especial na era moderna Apesar da distância em relação ao preceito socrático o autor apontou o que ele chamou de momento cartesiano entre os séculos XVI e XVII como evento que marcou a desconsideração do cuidado de si como regulador da relação entre sujeito e verdade Em linhas gerais o acesso à verdade não se dará mais a partir dos exercícios espirituais das transformações vividas pelas práticas dos sujeitos e vai se dar como um ato 130 de conhecimento através de artifícios no interior do próprio ato conhecimento que visam neutralidade objetividade e um sujeito a ser elidido Desse modo A verdade não precisa mais ser vivida apenas investigada e dialogada Mattar Rodrigues p23 2011 Como assinalado anteriormente o resgate da noção de cuidado de si não se deu com a intenção de uma replicação de suas práticas na atualidade mas com o objetivo de mostrar que as questões acerca do sujeito da verdade e dos processos subjetivos se configuravam de forma diferente e assinalavam um processo ético de produção de si e do mundo Através de tal analítica Foucault apontou para o potencial de invenção de estetização da vida e de transformação da realidade a partir da vivência da liberdade em articulação com o cuidado de si Veyne 2004 Acreditamos que existe aí um convite para podermos pensar a constituição da realidade de uma maneira diferente em uma entrevista no ano de 1983 Foucault influenciado pelo pensamento de Nietzsche perguntavase porque a nossa vida não pode ser uma obra de arte uma criação uma invenção do mesmo modo como pensamos a arte somente relacionada aos objetos Foucault 1995 Nesse sentido talvez possamos pensar novos processos subjetivos e novos modos de instituição da realidade social bem como quem sabe repensar nossas práticas em saúde mental MAIS UMA CENA Quem veio primeiro O ovo ou a galinha Se tiver sido a galinha quem botou o ovo Que dilema Será que vieram os dois juntinhos Quem veio primeiro O amor ou a dor Se tiver sido o amor Como existiria dor de um apaixonado Que dilema Será que vieram os dois juntinhos 3 3 Poesia de autoria de usuários da rede substitutiva de saúde mental do Piauí 131 Uma Organização Não Governamental de TeresinaPI com o apoio do Ministério da Cultura através do Concurso Público Prêmio Cultural Loucos pela Diversidade realizou um trabalho com usuários da rede substitutiva de saúde mental de três municípios piauienses Teresina União e Água Branca De maneira geral a proposta do Ministério consistia em promover por meio da cultura a emancipação a visibilidade e a sociabilidade de sujeitos em sofrimento mental Oficinas de poesia fizeram parte da proposta da atividade nesses três municípios e contaram com a participação de 50 usuários aproximadamente Em uma série de encontros entre usuários oficineiros e trabalhadores foram produzidas várias poesias Em todo o processo o centro das preocupações não foram parâmetros estéticos ou as diretrizes formais da língua portuguesa o foco foi a vida dos participantes seus afetos suas ideias e seus anseios em articulação com as produções textuais Muitas das poesias a maioria de autoria dos usuários foram compiladas para a publicação de um livro intitulado Recados da Alma o qual acompanhamos o lançamento O evento aconteceu em um grande teatro de TeresinaPI e foi marcado pela declamação das poesias por seus próprios autores bem como pelas falas que desenhavam os efeitos de todo o trabalho que indicavam como o exercício da escrita pôde suscitar questões acerca de suas existências e reverberações em relação às suas próprias condições Longe de ser pensado como um modelo ou como uma técnica a ser reproduzida o trabalho relatado na cena em questão pode indicar caminhos para a invenção de cotidianos de serviços refletir acerca de como práticas dessa ordem podem ajudar na potencialização de espaços de criação da vida e talvez aproximarse da questão de Foucault 1995 em relação ao sujeito não poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um objeto de arte e não a nossa vida p261 132 Referências bibliográficas Amarante P Coord 2003 Saúde mental políticas e instituições Rio de Janeiro FiotecFiocruz EADFiocruz 2008 Saúde Mental e Atenção Psicossocial 2ª ed Rio de Janeiro Editora Fiocruz Araújo I L 2008 Foucault e a Crítica do Sujeito 2ª ed Curitiba Editora UFPR Ayres J R 2005 Cuidado e Reconstrução das Práticas de Saúde In Minayo M C Coimbra Jr C Orgs Críticas e Atuantes Ciências Sociais e Humanas em Saúde na América Latina 1ª ed Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2009 Cuidado Trabalho e Interação nas Práticas de Saúde 1ª ed Cepesc UERJIMS Abrasco Ballarin M L Carvalho F Ferigato S 2009 Os Diferentes Sentidos do Cuidado Considerações Sobre a Atenção em Saúde Mental O Mundo da Saúde São Paulo v 33 n 2 2009 p 218224 Batista R D Lima E 2008 Práticas de Cuidado em Saúde Mental Um Estudo Realizado no CAPS II do Município de FlorianoPI IN Anais do XVIII Congresso de Epidemiologia Porto Alegre Meio Magnético Delgado P G 1992 As Razões da Tutela Rio de Janeiro Editora Te Corá Gros F 2008 O Cuidado de Si em Michel Foucault p 127138 In Rago M VeigaNeto A Orgs Figuras de Foucault Belo Horizonte Autêntica Fonseca M A 2007 Michel Foucault e a Constituição do Sujeito São Paulo Educ 133 Foucault M 1995 O Sujeito e o Poder p 231249 In Dreyfus H Rabinow P Foucault Uma Trajetória Filosófica Para Além do Estruturalismo Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 In Ditos e Escritos V Ética Sexualidade Política p 234 239 Rio de Janeiro Forense Universitária 2009a Vigiar e Punir 36ª ed Petrópolis Vozes 2009b História da Sexualidade III O Cuidado de Si 10ª reimp São Paulo Graal 2010 A Hermenêutica do Sujeito 3ª ed São Paulo Martins Fontes Guattari F 2004 Psicanálise e Transversalidade Ensaios de Análise Institucional Aparecida SP Ideias e Letras Lancetti A 2010 Cuidado e Território no Trabalho Afetivo Cadernos de Subjetividade São Paulo p 90 97 Lourau R 2004 Implicação e Sobreimplicação Implicação Um Novo Paradigama ImplicaçãoTransdução In Altoé S org René Lourau Um Analista Institucional em Tempo Integral São Paulo Hucitec Mattar C Rodrigues H 2011 O Cuidado de Si como Prática da Liberdade Contribuições para uma Discussão sobre a Ética em Michel Foucault p 1532 In Lopes K J M Carvalho E N Matos K S A L Ética e as Reverberações do Fazer Fortaleza Edições UFC Vasconcelos E M 2002 Complexidade e Pesquisa Interdisciplinar Epistemologia e Metodologia Operativa 2ª ed Petrópolis RJ Vozes Veyne P 2004 Un Arqueólogo Escéptico p 2387 In Eribon D El Infrecuentable Michel Foucault Renovación del Pensamiento Crítico São Paulo Letra Viva 134 Yasui S 2007 CAPS Estratégia de Produção de Cuidado e de Bons Encontros In Pinheiro R et al Orgs Desinstitucionalização da Saúde Mental Contribuições para Estudos Avaliativos 1ª ed Rio de Janeiro CepescUERJ Abrasco Como enfatizou René Rouleau ao introduzir o conceito de implicação na análise institucional a criação de textos científicos teóricos requer uma consideração cuidadosa Este conceito questiona a suposta neutralidade do observador e enfatiza que o processo analítico transforma tanto o pesquisador quanto a área de pesquisa O compromisso emocional econômico ideológico e epistemológico do pesquisador com o tema de pesquisa deve ser considerado ética e politicamente A análise de implicação revela a relação entre o sujeito e o objeto de pesquisa especialmente em relação aos processos de simplificação e implicação excessiva Compreender e explicar o seu significado permite uma abordagem mais profunda da área e facilita considerações éticas possibilitando mudanças no contexto de trabalho Ao reconhecer que tanto os dispositivos teóricometodológicos quanto os fenômenos sociais são produzidos historicamente tornase possível criar um espaço para mudanças reaisIsto é particularmente relevante quando se discute os cuidados de saúde mental no contexto da reforma da saúde mental que propõe mudanças na prática médica e críticas ao objetivismo científico e enfatiza a importância do investimento emocional nos processos de produção de conhecimento O artigo procurou analisar a relação do autor com o campo da reforma da saúde mental levando em consideração os acontecimentos que levaram à sua mobilização como professor em Teresina PI Além de promover reformas legais para garantir os direitos das pessoas com transtornos mentais este documento também visa alterar significativamente a forma e o contexto sociocultural dos cuidados de saúde mental como um processo social complexo Amarante enfatiza quatro dimensões da reforma conceitos teóricos suporte técnico aspectos jurídicopolíticos e socioculturais Enfatiza a necessidade de romper com noções tradicionais da psiquiatria que tendem a distanciar os sujeitos de sua própria existência O aspecto da assistência técnica deve levar em conta a totalidade do sujeito levando em consideração suas particularidades relações afetivas e formação sociocultural Os Centros de Atenção Psicossocial CAPS estão emergindo como uma ferramenta essencial na reforma da saúde mental no Brasil pois promovem uma abordagem centrada no usuário no lugar dos hospitais psiquiátricosContudo o texto também aponta desafios na prática profissional como a reprodução das práticas manicomiais nos CAPS e destaca a necessidade de refletir sobre as formas de cuidado prestadas nesses estabelecimentos O autor narra diversas cenas e experiências que teve no contexto de seu trabalho como professor e enfatiza como essas situações influenciaram seu interesse por esse assunto e sua relação com o campo da reforma psiquiátricaO texto apresenta uma série de vinhetas que retratam experiências em diferentes centros de atenção psicossocial CAPS da região de TerezinaNa primeira cena a autora descreve uma visita ao CAPS notando a ausência de ocupantes e a aspereza do vestuário e da arquitetura e questiona a eficácia de um espaço sem atividade terapêutica Na segunda cena durante o intervalo para almoço em outro CAPS os autores observam que não há utensílios suficientes para os clientes comerem refletindo uma reconstituição de práticas asilares que desumanizam os pacientes A terceira cena retrata o caso de um usuário em crise que foi excluído do CAPS ao invés de acolhido tentou suicídio e posteriormente foi denunciado ao Ministério PúblicoPor fim a quarta cena apresenta a visão de um técnico do CAPS indoor Eles veem o sucesso dos cuidados de saúde mental quando os usuários aceitam passivamente os medicamentos prescritosEssas cenas destacam os desafios e problemas na implementação da reforma da saúde mental e na prestação de cuidados humanizados de saúde mental nos CAPS Este texto examina uma cena vivenciada em um Centro de Atenção Psicossocial CAPS à luz da teoria do poder e do sujeito de Michel FoucaultDestaca a importância de compreender como as relações de poder se expressam no cotidiano desses serviços e influenciam a produção do assuntoFoucault concentra sua pesquisa na constituição do sujeito nos campos do conhecimento do poder e da ética enfatizando como as relações de poder se manifestam nas práticas sociais e pessoaisPara Foucault o poder não se concentra em um determinado ponto mas é distribuído e exercido de forma relacional organizando as ações dos sujeitosAs relações de poder incluem não apenas a violência mas também atos que determinam o comportamento individualFoucault enfatiza a importância de compreender este tema através das relações de poder cotidianas e das formas de resistência a essas relaçõesAs cenas descritas no texto demonstram como as relações de poder emergem nos CAPS e influenciam as constituições dos sujeitos e as práticas de cuidado em saúde mental O artigo conclui problematizando a relação com a reforma da saúde mental enfatizando a necessidade de evitar abordagens prescritivas e de levar em conta as particularidades locais os contextos históricos e as relações de poder nos serviços de saúde mental Esta pesquisa aborda as diferentes perspectivas do cuidado em saúde mental destacando sua complexidade e a importância de compreender os conceitos temáticos que fundamentam essas práticasOs cuidados de saúde mental são apresentados como um processo multidimensional que envolve uma variedade de abordagens interdisciplinares colaborativas e processuais Os autores discutem a liberdade do usuário a necessidade de considerar as redes sociais nas quais os usuários estão inseridos e a importância de reconhecer a singularidade de cada tópico O cuidado é mais do que um conjunto de técnicas de tratamento de sintomas é uma relação ética baseada no encontro entre sujeitos e requer engajamento Além disso o texto destaca a resistência e a transformação que o cuidado pode gerar tanto para os clientes quanto para os profissionais de saúde mental A compaixão é considerada o motor que facilita a construção dos sujeitos na arte do encontro e promove a vida nova e a autoinvenção As considerações éticas propostas enfatizam a necessidade de questionar as práticas tradicionais de saúde almejar relações mais simétricas e respeitosas e reconhecer a diversidade de aspectos que afetam o fazer da vida das pessoasEstas considerações são essenciais para orientar as políticas públicas e as práticas de cuidados de saúde mental em linha com os princípios da reforma da saúde mental Este texto trata da ideia de cuidado de si discutida por Michel Foucault em seus livros História da Sexualidade III e A Hermenêutica do SujeitoFoucault examina a história da autoprática cronologicamente concentrandose em três momentoschave a era socrática em a idade de ouro do autocuidado e a transição do ascetismo pagão para o cristianismoEle enfatiza como as filosofias antigas entendiam o autocuidado como preparação para a vida uma ética que incluía o treinamento espiritual para o domínio pessoal O autocuidado não era uma atividade solitária mas envolvia interação com outras pessoas e ação políticaContudo Foucault destaca que na modernidade o autocuidado como moderador da relação entre sujeito e verdade foi perdido e substituído pela busca do conhecimento objetivo Mas Foucault destaca que o autocuidado pode ser uma ferramenta para inventar a vida e transformar a realidade social O texto também menciona o projeto da ONG de Teresina PI que envolveu pessoas com doenças mentais na criação de poesias destacando como essas práticas culturais podem promover a libertação e a sociabilidade desses sujeitos REFERÊNCIA DE LIMA Emanoel José Batista O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito pluralidade e movimento Psicologia social e pessoalidade p 110 2011 Como enfatizou René Rouleau ao introduzir o conceito de implicação na análise institucional a criação de textos científicos teóricos requer uma consideração cuidadosa Este conceito questiona a suposta neutralidade do observador e enfatiza que o processo analítico transforma tanto o pesquisador quanto a área de pesquisa O compromisso emocional econômico ideológico e epistemológico do pesquisador com o tema de pesquisa deve ser considerado ética e politicamente A análise de implicação revela a relação entre o sujeito e o objeto de pesquisa especialmente em relação aos processos de simplificação e implicação excessiva Compreender e explicar o seu significado permite uma abordagem mais profunda da área e facilita considerações éticas possibilitando mudanças no contexto de trabalho Ao reconhecer que tanto os dispositivos teóricometodológicos quanto os fenômenos sociais são produzidos historicamente tornase possível criar um espaço para mudanças reaisIsto é particularmente relevante quando se discute os cuidados de saúde mental no contexto da reforma da saúde mental que propõe mudanças na prática médica e críticas ao objetivismo científico e enfatiza a importância do investimento emocional nos processos de produção de conhecimento O artigo procurou analisar a relação do autor com o campo da reforma da saúde mental levando em consideração os acontecimentos que levaram à sua mobilização como professor em Teresina PI Além de promover reformas legais para garantir os direitos das pessoas com transtornos mentais este documento também visa alterar significativamente a forma e o contexto sociocultural dos cuidados de saúde mental como um processo social complexo Amarante enfatiza quatro dimensões da reforma conceitos teóricos suporte técnico aspectos jurídicopolíticos e socioculturais Enfatiza a necessidade de romper com noções tradicionais da psiquiatria que tendem a distanciar os sujeitos de sua própria existência O aspecto da assistência técnica deve levar em conta a totalidade do sujeito levando em consideração suas particularidades relações afetivas e formação sociocultural Os Centros de Atenção Psicossocial CAPS estão emergindo como uma ferramenta essencial na reforma da saúde mental no Brasil pois promovem uma abordagem centrada no usuário no lugar dos hospitais psiquiátricosContudo o texto também aponta desafios na prática profissional como a reprodução das práticas manicomiais nos CAPS e destaca a necessidade de refletir sobre as formas de cuidado prestadas nesses estabelecimentos O autor narra diversas cenas e experiências que teve no contexto de seu trabalho como professor e enfatiza como essas situações influenciaram seu interesse por esse assunto e sua relação com o campo da reforma psiquiátricaO texto apresenta uma série de vinhetas que retratam experiências em diferentes centros de atenção psicossocial CAPS da região de TerezinaNa primeira cena a autora descreve uma visita ao CAPS notando a ausência de ocupantes e a aspereza do vestuário e da arquitetura e questiona a eficácia de um espaço sem atividade terapêutica Na segunda cena durante o intervalo para almoço em outro CAPS os autores observam que não há utensílios suficientes para os clientes comerem refletindo uma reconstituição de práticas asilares que desumanizam os pacientes A terceira cena retrata o caso de um usuário em crise que foi excluído do CAPS ao invés de acolhido tentou suicídio e posteriormente foi denunciado ao Ministério PúblicoPor fim a quarta cena apresenta a visão de um técnico do CAPS indoor Eles veem o sucesso dos cuidados de saúde mental quando os usuários aceitam passivamente os medicamentos prescritosEssas cenas destacam os desafios e problemas na implementação da reforma da saúde mental e na prestação de cuidados humanizados de saúde mental nos CAPS Este texto examina uma cena vivenciada em um Centro de Atenção Psicossocial CAPS à luz da teoria do poder e do sujeito de Michel FoucaultDestaca a importância de compreender como as relações de poder se expressam no cotidiano desses serviços e influenciam a produção do assuntoFoucault concentra sua pesquisa na constituição do sujeito nos campos do conhecimento do poder e da ética enfatizando como as relações de poder se manifestam nas práticas sociais e pessoaisPara Foucault o poder não se concentra em um determinado ponto mas é distribuído e exercido de forma relacional organizando as ações dos sujeitosAs relações de poder incluem não apenas a violência mas também atos que determinam o comportamento individualFoucault enfatiza a importância de compreender este tema através das relações de poder cotidianas e das formas de resistência a essas relaçõesAs cenas descritas no texto demonstram como as relações de poder emergem nos CAPS e influenciam as constituições dos sujeitos e as práticas de cuidado em saúde mental O artigo conclui problematizando a relação com a reforma da saúde mental enfatizando a necessidade de evitar abordagens prescritivas e de levar em conta as particularidades locais os contextos históricos e as relações de poder nos serviços de saúde mental Esta pesquisa aborda as diferentes perspectivas do cuidado em saúde mental destacando sua complexidade e a importância de compreender os conceitos temáticos que fundamentam essas práticasOs cuidados de saúde mental são apresentados como um processo multidimensional que envolve uma variedade de abordagens interdisciplinares colaborativas e processuais Os autores discutem a liberdade do usuário a necessidade de considerar as redes sociais nas quais os usuários estão inseridos e a importância de reconhecer a singularidade de cada tópico O cuidado é mais do que um conjunto de técnicas de tratamento de sintomas é uma relação ética baseada no encontro entre sujeitos e requer engajamento Além disso o texto destaca a resistência e a transformação que o cuidado pode gerar tanto para os clientes quanto para os profissionais de saúde mental A compaixão é considerada o motor que facilita a construção dos sujeitos na arte do encontro e promove a vida nova e a autoinvenção As considerações éticas propostas enfatizam a necessidade de questionar as práticas tradicionais de saúde almejar relações mais simétricas e respeitosas e reconhecer a diversidade de aspectos que afetam o fazer da vida das pessoasEstas considerações são essenciais para orientar as políticas públicas e as práticas de cuidados de saúde mental em linha com os princípios da reforma da saúde mental Este texto trata da ideia de cuidado de si discutida por Michel Foucault em seus livros História da Sexualidade III e A Hermenêutica do SujeitoFoucault examina a história da autoprática cronologicamente concentrandose em três momentoschave a era socrática em a idade de ouro do autocuidado e a transição do ascetismo pagão para o cristianismoEle enfatiza como as filosofias antigas entendiam o autocuidado como preparação para a vida uma ética que incluía o treinamento espiritual para o domínio pessoal O autocuidado não era uma atividade solitária mas envolvia interação com outras pessoas e ação políticaContudo Foucault destaca que na modernidade o autocuidado como moderador da relação entre sujeito e verdade foi perdido e substituído pela busca do conhecimento objetivo Mas Foucault destaca que o autocuidado pode ser uma ferramenta para inventar a vida e transformar a realidade social O texto também menciona o projeto da ONG de Teresina PI que envolveu pessoas com doenças mentais na criação de poesias destacando como essas práticas culturais podem promover a libertação e a sociabilidade desses sujeitos REFERÊNCIA DE LIMA Emanoel José Batista O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito pluralidade e movimento Psicologia social e pessoalidade p 110 2011
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Texto de pré-visualização
SciELO Books SciELO Livros SciELO Libros LIMA EJB O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito pluralidade e movimento In SPINK MJP FIGUEIREDO P and BRASILINO J orgs Psicologia social e pessoalidade online Rio de Janeiro Centro Edelstein de Pesquisas Sociais ABRAPSO 2011 pp 109134 ISBN 978857982 0571 Available from SciELO Books httpbooksscieloorg All the contents of this chapter except where otherwise noted is licensed under a Creative Commons AttributionNon CommercialShareAlike 30 Unported Todo o conteúdo deste capítulo exceto quando houver ressalva é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição Uso Não Comercial Partilha nos Mesmos Termos 30 Não adaptada Todo el contenido de este capítulo excepto donde se indique lo contrario está bajo licencia de la licencia Creative Commons ReconocimentoNoComercialCompartirIgual 30 Unported O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito pluralidade e movimento Emanoel José Batista de Lima 109 O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito Pluralidade e movimento Emanoel José Batista de Lima 1 Introdução roduzir um texto de caráter teóricocientífico requer de quem o escreve uma série de cuidados e algumas considerações René Lourau 2004 um dos construtores do campo conhecido como Análise Institucional ao propor o conceito de implicação denunciou a falsa ideia da pretensa neutralidade científica ao indicar que o observador desde a eleição de objetos encontrase implicado com o âmbito a ser observado apontava que os processos de análise provocam transformações nos espaços institucionais de investigação eou de intervenção Segundo Lourau ibid o sujeito que se põe em processo de investigaçãointervenção encontrase implicado em termos afetivos econômicos ideológicos e epistemológicos com o campo que se interessa Como consequência devemos analisar a implicação que estabelecemos com os territórios de análise pois tal procedimento acaba se configurando como um ponto de reflexão ética para os processos de produção de conhecimento Dessa maneira a análise da implicação se torna fundamental em função das reverberações éticopolíticas do que a implicação em si a relação entre o sujeito e o campo que se debruça deve ser o foco desta analítica O sujeito investigador deve pôr em questão suas vinculações institucionais seu posto de saberpoder perante o mundo seu posicionamento na vida social e estar consciente que também é objetivado pelos âmbitos que se propõe a examinar sejam eventos sociais fatos institucionais 1 Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí FAPEPI P 110 representações das mais diversas ordens grupos movimentos sociais etc Tais mobilizações possibilitam ao sujeito problematizar o objetivismo científico tradicional o que pode criar condições para o surgimento e o incremento das vozes dos sujeitos investigados pois já não se cai na armadilha da superioridade do saber científico ibid A análise da implicação concede ao sujeito uma visão acurada da relação com o campo tensionando a ideia da mesma a partir da averiguação dos processos de desimplicação e sobreimplicação O primeiro se refere ao movimento de desinteresse e desinvestimento em relação às temáticas estudadas O segundo indica uma forma de implicação exacerbada que pode ser marcada por grande participação mas se configurar como uma espécie de maisvalia exagerada para com o campo ou seja um modo que pode produzir uma certa cegueira em relação aos eventos agenciados nos espaços investigados em função da extrema imersão nesses territórios ibid O deslizar nos eixos desimplicação implicação e sobreimplicação deve ser o foco da análise da implicação pois os tensiona uma vez que admitimos o caráter de positividade da implicação Deste modo ao compreendermos e explicitarmos a implicação podemos melhorar a aproximação com o campo apreender com maior profundidade o que nos propomos conhecer e promover cuidados éticos além de dispor condições para problematizações inflexões e transformações nos contextos de trabalho ibid Quando tomamos nossos aparatos teóricometodológicos e os fenômenos sociais que nos interessamos como produzidos historicamente e também problematizamos os nossos lugares de saberpoder e a relação que temos com os saberes e o modo como se desvaloriza outras formas de construção de conhecimento podemos criar territórios potentes para promover alterações nas realidades A partir desses balizamentos da análise da implicação discutiremos a temática do Cuidado em Saúde Mental no âmbito da Reforma Psiquiátrica Este conceito vem ganhando força no Brasil nos últimos 10 anos sobretudo no âmbito da saúde e propõe transformações nas práticas além de englobar 111 olhares amplificados para os usuários dos serviços e em relação ao conceito de saúde portando uma crítica contundente às formas tradicionais de trabalho ancoradas no objetivismo científico bem como desenhando modos inventivos de se lidar com os sujeitos e seus territórios De acordo com Eduardo Vasconcelos 2004 um dos pilares do processo de produção de conhecimento é a pega no desejo é o investimento afetivo em relação àquilo que nos propomos estudar Deste modo elencaremos alguns eventos que nos mobilizaram no trabalho como docente em Teresina PI algumas estóriascenas que agenciaram afetos e reverberações éticopolíticas e produziram uma relação com o campo da Reforma que tentaremos esboçar e analisar neste ensaio Antes das cenas e seus ecos fazse necessário demarcar o plano da Reforma Psiquiátrica e seu impacto no contexto nacional Reforma Psiquiátrica e algumas questões Segundo Amarante 2003 a Reforma Psiquiátrica configurase como um processo social complexo que engloba mudanças significativas nas formas de cuidado em saúde mental e no tecido sociocultural bem como transformações jurídicas no que tange a conquista de direitos de pessoas portadoras de transtornos mentais Em outra produção textual Amarante 2008 aponta que tal processo social complexo inclui quatro dimensões teóricoconceitual técnico assistencial jurídicopolítica e sociocultural Segundo o autor a partir da primeira dimensão devese operar um rompimento conceitual com a construção tradicional da Psiquiatria ancorada no positivismo acerca da ideia de doença mental que acaba produzindo um afastamento do sujeito que por ela é acometido encobrindo o sujeito sua existência e suas múltiplas dimensões da vida deste modo na dimensão técnicoassistencial devese articular a integralidade do sujeito levandose em consideração sua singularidade seus contatos afetivos e redes de solidariedade seus problemas cotidianos seus referentes socioculturais sua ligação com o seu território de 112 inserção seus desejos e projetos de vida Nessa direção a Reforma acaba se estabelecendo como um movimento político que visa transformações importantes em nossa sociedade posicionandose para além de mudanças técnicas enfrentando a cultura manicomial e a intolerância ao diferente Desta forma os serviços que desenvolvem a assistência às pessoas com transtorno mental não podem ser cristalizados e marcados por um cotidiano em que se reproduzem técnicas e protocolos de saúde devem se ancorar numa perspectiva da inventividade e fomentar ações voltadas para seus usuários e não para suas doenças desenvolvendo práticas de acolhimento de sociabilidade de desenvolvimento de potencialidades e de produção de vida e de singularidade No Brasil os Centros de Atenção Psicossocial CAPS têm se configurado como dispositivos importantes vinculados à Reforma Psiquiátrica e devem auxiliar em articulação com outros serviços como por exemplo a atenção básica na substituição dos tradicionais hospitais psiquiátricos ou seja o conjunto desses equipamentos devem assumir o lugar na assistência à saúde mental de toda uma rede manicomial e a partir dos princípios éticos encampados pela Reforma Na prática profissional como docente no Estado do Piauí percebemos a produção de ações que repõem a cultura manicomial e reativam processos de segregação ainda que no âmbito dos CAPS Cenas que delineiam impasses que dificultam o avanço da Reforma que apontam para uma certa reprodução de práticas aprisionantes e manicomiais em dispositivos que deveriam funcionar em uma perspectiva libertária inclusiva e de reconhecimento do diferente São cenas que aconteceram nos espaços de relação intersubjetiva entre profissionais e usuários destes serviços e que nos levaram a refletir acerca do modo como estamos trabalhando nesses locais ou melhor acerca do modo como estamos cuidando das pessoas que procuram essas instituições A seguir descreveremos algumas dessas cenas com o intuito de apresentar como foi surgindo nosso interesse por tal temática e como as 113 mesmas produziram afetações e engendraram uma relação entre nós e o campo em questão Cenas e inquietações CENA 01 Uma das instituições em que trabalhamos foi convidada por uma prefeitura de um município da Grande Teresina para a realização de estágios em serviços de saúde e assistência social de sua rede O CAPS era uma desses serviços e em conjunto com outros professores comporíamos um grupo de supervisores de estágios que lá aconteceriam Marcamos um primeiro encontro com alunos e com coordenadora do CAPS do município para acordarmos como o estágio seria articulado Tal reunião aconteceu no próprio serviço e o quadro que encontramos era desolador A nossa ida se deu em pleno dia da semana no meio da manhã em um horário em que a instituição deveria estar a pleno vapor e vários eventos chamaram a nossa atenção No CAPS não havia um usuário sequer havia apenas um funcionário da limpeza e nos disse que as duas técnicas daquela manhã estavam chegando e quando as mesmas chegaram elas estavam trajando uniformes como marcas de diferenciação entre elas e os loucos que poderiam aparecer por ali Percebemos também que o CAPS arquitetonicamente perfazia o modelo de instituições tradicionais de saúde com as paredes brancas com locais de acesso restrito e com indicações específicas para circulação de usuários nos banheiros nos bebedouros e na cozinha Ficamos nos perguntando se num dia como aquele não poderiam estar ocorrendo oficinas das mais diversas ordens grupos terapêuticos assembleias etc Mais tarde quando a Coordenadora chegou como a adivinhar nosso questionamento foi adiantando que o CAPS estava vazio daquele modo porque não era o dia de atendimento psiquiátrico Aqui 114 meu filho só tem gente quando o médico está por aqui Fala que nos deu um pequeno indicativo das relações de saberpoder lá travadas CENA 02 Chegamos em um CAPS de maior porte em Teresina bem na hora do almoço Mais uma vez nos chamaram atenção a questão das vestimentas a maioria dos técnicos estava trajando jaleco percebi que estavam usando a mesma roupa de ontem o figurino manicomial Mas foi o momento da alimentação dos usuários que mais nos afetou O cardápio parecia bom arroz feijão salada e bife No entanto os talheres à disposição não ajudavam muito para comer os pedaços de carne Tinham apenas colheres à disposição e com muita dificuldade cortavam a carne forçando as colheres contra os bifes ou rasgandoos com os próprios dentes Os garfos e as facas poderiam funcionar aos olhos dos técnicos como armas para violências autoinfligidas ou em relação a terceiros Vimos em nossa frente a materialização a atualização da velha cultura que naturaliza loucura e periculosidade Na hora do almoço acredito que o que se alimentava ali era a diferença entre razão e loucura CENA 03 Em outro CAPS de Teresina um usuário militante da Reforma Psiquiátrica Piauiense e um grande artista plástico entra em crise e quebra objetos e quadros produzidos por ele mesmo em uma atividade grupal coordenada pelos artesões do serviço Ao invés de ser acolhido em seu episódio de sofrimento mental ele foi expulso do CAPS pelos responsáveis pela instituição tal como um estudante que não cumpriu as regras de uma escola e foi premiado com a expulsão como lição de moral Os seguranças passaram a impedir a entrada do artista no CAPS por ordem da direção Em crise o usuário dias depois tentou suicídio mas não conseguiu se matar Mais tarde contou com o apoio de seus amigos para procurar outro CAPS Orientado pelos colegas de luta antimanicomial de uma ONG procurou o Ministério Público para fazer a denúncia do que 115 viveu Os colegas de ONG não se conformavam com a situação toda e com o fato de um cidadão ser proibido de entrar em um serviço público O processo ainda está caminhando CENA 04 Em um pequeno estudo sobre o cuidado em saúde mental realizado em um CAPS do interior técnicos apontaram que o sucesso de uma prática de cuidado residiria no fato de o usuário aceitar tudo aquilo que a equipe teria para oferecer para ele principalmente os medicamentos prescritos Aqueles que aceitam sempre ficam mais tranquilos mais calmos Batista Lima 2008 Poder e sujeito em Foucault Todas essas cenas têm em comum uma produção de sujeito que encontramos problematizada no pensamento foucaultiano Como podemos perceber as relações de poder são agenciadas com contundência no cotidiano desses serviços Talvez um exercício de aproximação dessas relações possa ajudar a desvendar o sujeito que se produz nesses contextos Foucault conhecido como um estudioso do poder em um texto intitulado Sujeito e Poder 1995 onde tenta fazer uma pequena análise de sua produção dos anos 60 e 70 procurou apontar que seu objetivo em seus estudos não foi promover uma análise do poder nem de seus eixos fundamentais Tentou traçar uma história das redes complexas e das práticas concretas que fazem com que os seres humanos se tornem sujeitos A constituição do sujeito é a preocupação central de Foucault nos domínios do saber do poder e da ética como o sujeito se insere e aparece no âmbito do conhecimento científico As Palavras e As Coisas como o sujeito aparece nas práticas divisoras e normativas História da Loucura Vigiar e Punir O Nascimento da Clínica e como o sujeito se torna objeto para ele próprio História da Sexualidade Foucault 2004 Araújo 2008 116 O estudo acerca do poder tomou grande espaço em suas produções pois segundo ele as relações de poder quando analisadas a partir das formas de resistência aos mesmos tem a potencialidade de revelar como o poder se exerce no cotidiano de vida dos indivíduos produz marcas que os identificam essencializa identidades impõe verdades que devem ser reconhecidas por todos Logo a compreensão do sujeito passa pela análise das relações de poder agenciadas Foucault 1995 Fonseca 2007 A abordagem do poder deve caminhar em busca mais do como se exerce o poder do que em busca do o que é o poder Tal exercício permite um deslocamento crítico em direção às relações de poder e não em direção a um poder fundamental o que pode dar acesso à complexa rede de relações de poder no cotidiano dar acesso ao modo como tais relações se dão no âmbito das práticas humanas nos âmbitos microssociais Foucault 1995 Para Foucault o que define uma relação de poder diz respeito a uma ação sobre a ação a uma condução de conduta Dessa forma as relações de poder não se configuram no âmbito da violência que imobiliza o outro ou o destrói O poder necessita do outro e ao mesmo tempo abre um campo que permite certas reações certas respostas e algumas criações O poder só é exercido a partir de sujeitos livres conduzindo suas condutas e organizando probabilidades O poder não é algo que se concentra ou se possui é uma estratégia de localização é da ordem relacional entre homens ou grupos de homens é algo que se exerce e se apoia nos despossuídos ao invés de desapossar Não se encontra convergido para um ponto específico mas encontrase espargido borrifado derramado nas mais diversas relações enfim nas microrrelações Foucault 2009a Araújo 2008 Foucault apontou nesses debates definições importantes para a palavra sujeito que auxiliam na compreensão de seus trabalhos um sujeito a alguém a partir de ações de controle e dependência e um sujeito aprisionado à sua própria identidade a partir de um certo autoconhecimento ou consciência 117 A partir dessas discussões podemos perceber que o estudo do sujeito necessariamente passa pela aproximação das relações de poder travadas no cotidiano e nos mais ínfimos espaços bem como pelas formas de resistência que se insinuam em relação aos poderes que prescrevem modos de vida Na primeira cena os próprios sujeitos se encontravam elididos do espaço que deveria articular práticas de cuidado em saúde e de proteção nenhuma atividade estava sendo realizada e o estabelecimento estava abandonado por seus técnicos As relações de assujeitamento se faziam perceber através dos jogos de saberpoder inscritos nas vestimentas dos técnicos marcando o lugar da ciência e da razão em relação aos loucos em relação ao não saber além de reafirmar o preconceito social em relação às pessoas em sofrimento mental Outro ponto importante neste sentido era a centralização das atividades do CAPS no saber psiquiátrico que define os territórios de ação dos demais saberes e lhes atribui valoração bem como perfazia novamente vinculações tutelares agenciadas pela Psiquiatria para com a loucura Também é importante notar o controle da circulação dos sujeitos no CAPS através da arquitetura e das ordenações dos espaços Percebemos na segunda cena a construção de um cotidiano de serviço baseado na naturalização das relações entre loucura e periculosidade Uma prescrição de papéis inscritos historicamente para com os loucos um processo de criminalização da loucura O louco seria nesta perspectiva um sujeito que guardaria uma potencialidade para a prática de violência Delgado 1992 Como consequência na cena em questão os usuários não tinham à disposição garfos e facas para a alimentação o que provocou um quadro difícil de ver os sujeitos se alimentando como animais Na cena três encontramos processos impactantes de assujeitamento Primeiramente vemos um processo contundente de exercício de poder realizado pela direção do serviço materializado na expulsão de um usuário de um serviço público Depois a articulação de uma certa violência através dos seguranças da instituição que passaram a não permitir a entrada do usuário Além disso percebemos uma negligência de escuta e acolhimento em um episódio de crise o que pode indicar uma desvalorização da fala do 118 sujeito e de seu sofrimento Todas essas ações parecem estar ancoradas num olhar tradicional que é lançado ao louco em termos de preconceito depreciação do discurso do sujeito louco e periculosidade bem como numa moralização no trato com a loucura que os concebe como sujeitos passíveis de corrigenda punição admoestação de modo que através destas podese produzir um bom sujeito bom cidadão para a sociedade A última cena indica imposições e tutelas nas relações para com os usuários Apontam para um processo de docilização dos sujeitos que devem se submeter a tudo que a equipe de trabalho prescreve Outro vetor importante é a medicalização das práticas em saúde mental delineando mais uma vez as relações de saberpoder presentes no cotidiano desses serviços uma centralidade no papel da medicina psiquiátrica e em sua tecnologia o que acaba por reduzir a importância dos outros campos de produção de conhecimento e suprimir as vozes saberes e modos de levar a vida construídos pelos próprios usuários e por suas comunidades Estes eventos em articulação com outros acontecimentos foram forjando nossa relação com o campo da Reforma Psiquiátrica marcada por afetos que denotam indignação tristeza surpresa estranhamento e ao mesmo tempo uma vontade de luta e de mudança de quadros Para aqueles que têm alguma trajetória na Reforma tornase difícil depararse com tais práticas e não se afetar No entanto precisamos desenvolver uma certa atenção para com essa relação é necessário problematizála para podermos agenciar uma melhor aproximação com esses espaços institucionais e constituir uma vinculação ética em todo o processo de produção de conhecimento eou intervenção Primeiramente devemos tensionar nossa relação com a Reforma Psiquiátrica como um todo pois corremos o risco de tomála como uma perspectiva universalizante o que acaba por desenvolver uma discussão prescritiva em relação às práticas em saúde mental que pode comprometer nossos olhares e como consequência não considerarmos as diferenças locais os processos históricos de constituição dos serviços específicos bem como as estruturas contextuais para execução das políticas de saúde 119 Outro ponto importante é questionar constantemente nosso olhar acadêmico indagandose sobre nossa relação com o saber e com o poder que o mesmo implica Por exemplo nas cenas descritas os profissionais que nos receberam assim como nós fizemos com eles também nos objetivaram e podem ter levado em consideração nossos lugares de docentes e de algum modo podem ter feito funcionar as engrenagens da relação saberpoder o que pode ter alterado a dinâmica do cotidiano nos CAPS com a nossa presença Além disso nossa imersão na academia pode também instituir olhares que vão em busca de modos idealizados de proceder nesses serviços dificultando a leitura de especificidades no cotidiano de invenções nas formas de cuidar bem como do papel do contexto sócio comunitário na constituição das maneiras de funcionar dessas instituições No que diz respeito aos usuários um processo de sobreimplicação com a Reforma Psiquiátrica pode promover discussões e práticas que sustentam posições das mais diversas ordens reproduzindo tutelas sutis vitimizações ou debates que se apoiam em perspectivas assistencialistas Uma das consequências mais duras desses movimentos é a despontecialização política dos usuários o que pode entravar as transformações sociais propostas pelo Movimento Antimanicomial Uma sobreimplicação ainda pode dificultar a compreensão do contexto estrutural em que estão imersos os profissionais desses serviços Uma prescrição de formas atuação ligadas à Reforma pode impedir a apreensão de vetores vitais tais como dificuldades financeiras dos municípios escassez de treinamentos e capacitações formação em saúde precária em relação à luta antimanicomial alta rotatividade de trabalhadores entre outros A partir desse esboço de nossa implicação apresentaremos a seguir algumas produções teóricas acerca do cuidado em saúde mental surgidas nos últimos anos na academia com os propósitos de debater a noção de sujeito presente nas discussões elencadas e de refinar as reflexões sobre implicação com a Reforma Psiquiátrica 120 Derivas do cuidado em saúde mental Os profissionais de saúde mental se deparam com uma pluralidade de demandas no cotidiano de serviço Em relação às demais áreas da saúde que gozam de alguns sistemas protocolares de atuação o âmbito em questão se caracteriza pela amplitude de necessidades e ferramentas para lidar com as problemáticas trazidas pelos usuários requerendo ações interdisciplinares multiprofissionais comunitárias além de uma produção de transversalidades2 Dessa forma cuidado em saúde mental implica uma concepção polissêmica bem como projetos de transformações processualidades e invenções constantes Embora marcado por tal extensão refletir acerca do que vem a ser o cuidado em saúde mental e a noção de sujeito veiculada pelo mesmo se torna uma tarefa vital para todos envolvidos com a Reforma Psiquiátrica pois indica reverberações éticas e políticas Ballarin Carvalho e Ferigato 2009 Cuidado e cartografias de encontros entre os sujeitos Em um texto publicado em 2006 Alves e Guljor elencam premissas basilares para o cuidado em saúde mental Primeiramente destacam a necessidade da liberdade do usuário operam uma crítica em relação ao isolamento instituído pelo aparato manicomial Tornase fundamental para o usuário o agenciamento do convívio social e de seus laços afetivos Como consequência investese no potencial do sujeito em levar sua própria vida e fazer suas escolhas auxiliando na construção da autonomia de modo singular 2 Conceito de Felix Guattari que propõe uma transversalidade no lugar de uma verticalidade que remete na instituição aos vínculos feitos através de uma hierarquia fechada e da fixidez dos papéis descritas num organograma objetivo um sistema de pirâmide Uma transversalidade no lugar de uma horizontalidade que seriam as vinculações feitas entre iguais da mesma categoria funcional por exemplo que estão dentro de uma estrutura piramidal O processo de transversalização não caminha no sentido da igualdade mas ao contrário prevê que o grupo comporte a diferença o embate e até as opiniões diversas ao mesmo tempo sem que isso seja tomado como erro dissidência política ou brigas pessoais Sustentação do dissenso sem que isso signifique uma dissidência Diz respeito também aos canais de comunicação estabelecidos com os diferentes campos saberes grupos Ver Guattari 2004 121 Em seguida os autores sinalizam que devemos conceber o sujeito de uma forma amplificada ou seja estendermos nossos olhares para além do sofrimento mental de modo a considerar os múltiplos vetores que sustentam a vida dos usuários Desse modo acabamos indo ao encontro de uma história de vida ao invés de um olhar reducionista tradicionalmente voltado para os sintomas Nesta perspectiva apoiar os projetos de vida se institui como dispositivo fundamental Outra premissa destacada é a consideração das redes onde os sujeitos se inserem tanto para compreensão dos próprios usuários como para apreensão dos processos de crise e sofrimento psíquico Aqui a complexidade contrapõese em relação à simplificação que marca os modos tradicionais de se lidar com a loucura Assim as redes podem além de fornecerem informações importantes acerca dos sujeitos configuraremse também como recursos para o agenciamento do cuidado A ideia de reparo também é questionada por Alves e Guljor 2006 Propõem que a assistência ofertada aos sujeitos deve estar ancorada no direito que têm em serem diferentes da norma A partir desta premissa podemos enfrentar as relações de saberpoder em que tradicionalmente se assentam as vinculações entre técnicos e usuários Como consequência o sujeito assistido vai construindo sua própria autonomia e exigindo uma maior amplificação das práticas do cuidado para lidar com o desenvolvimento de seus direitos e projetos de vida Uma das tarefas fundamentais do cuidado em saúde mental é auxiliar na construção das autonomias possíveis a partir das singularidades dos sujeitos o que faz com que a noção de cura também seja tensionada Cunhado pela medicina biológica o termo cura perde potência no âmbito da Reforma Psiquiátrica porque indica uma ação que deve ser articulada sobre objetos que estão funcionando de modo errôneo com o intuito de restaurar um estado adequado Outro ponto importante é o respeito à singularidade dos sujeitos As práticas em saúde mental devem partir da ideia de que para cada pessoa um 122 projeto de cuidado Para Alves e Guljor ibid o cuidado se configura como uma atitude perene pois leva em conta o movimento de construção singular da autonomia de cada usuário as mudanças e as processualidades impressas nessa operação O papel de agenciador incorporado pelo profissional é a última questão destacada pelos autores Esse papel se reflete numa atitude de responsabilização pelo usuário questionando a neutralidade científica e a compartimentalização do indivíduo e dos saberes Desse modo o profissional deve se vincular afetiva e eticamente com as pessoas que buscam os serviços e agenciar seus processos de cuidado e evitar por exemplo os procedimentos de encaminhamentos como simples atos de repasse para outros profissionais bem como procurar acompanhar os sujeitos em suas trajetórias nos serviços e no movimento de cuidado como um todo Cuidado ética e rupturas epistemológicas Em uma produção que se propõe refletir acerca do papel do CAPS como produtor de cuidado e espaço privilegiado de encontros Silvio Yasui 2007 promove debates sobre o cuidado em saúde mental e enumera alguns pontos de ancoragem que auxiliam na compreensão do conceito e de seu desenvolvimento O autor aponta que a ação de cuidar se constitui como a essência do trabalho em saúde mental na Reforma Psiquiátrica pois a mesma propõe novos modos de lidar com a loucura a partir de uma crítica contundente à racionalidade médica biologizante Para tanto o cuidado deve estar mais voltado para a invenção de uma vida social ética e potente do que preocupado com uma cientificidade tradicional Yasui ibid ainda ressalta que o cuidado está para além do âmbito da saúde configurandose como uma atividade central na vida humana sendo o encontro o lócus privilegiado de sua efetivação O espaço das relações entre os sujeitos é onde se dá a produção do cuidado onde surgem reflexões éticas em função da vinculação que estabelecemos com os outros Desse modo o cuidado é uma condição que possibilita produz mantém preserva a vida humana que é frágil e fugaz Yasui 2007 p161 123 Nas práticas em saúde mental o cuidado não deve ser concebido apenas como uma reprodução ou mera execução de técnicas para tratar uma problemática que se encontra no sujeito Cuidar nos remete a relações com os outros que envolvem comprometimento e implicação nos espaços de encontro Um olhar amplificado também se sobressai no pensamento de Yasui ibid A compreensão do sujeito deve englobar as múltiplas dimensões da vida dos usuários histórias de vida contextos sociais culturais e econômicos Os procedimentos de cuidado devem estar para além do quadro apresentado como problemático os diversos âmbitos de vida devem ser articulados tanto na compreensão das questões trazidas como nas possíveis formas de solução O reconhecimento da singularidade e do lugar social dos usuários também é condição fundamental para as relações de cuidado Isso implica em um rompimento epistemológico com saberes e práticas tradicionais pois não lidaremos mais com objetos de estudo ou intervenção mas sim com um sujeito e toda a dinâmica de sua vida e do seu existir Cuidar nessa direção significa estar em um processo relacional de constante invenção construção costura montagem de projetos de vida singulares é agenciar e articular um espaço intersubjetivo Desse modo conseguiremos enfrentar os modelos hegemônicos que se concentram unicamente nos fenômenos patológicos e nas ações prescritivas ibid Loucura cuidado resistência e transformação Antonio Lancetti 2010 em um texto em que avalia as ações de Serviços Residenciais Terapêuticos SRTs e o trabalho de agentes de saúde e enfermeiros que trabalham na Cracolândia ambos no município de São PauloSP propõe que as práticas de cuidado se constituem como eixo fundamental nessas instituições de saúde mental e que guardam a potencialidade de produzir transformações subjetivas tanto nos usuários como nos profissionais 124 Lancetti ibid baseado na Filosofia de Heidegger indica que o espaço de encontro e das relações intersubjetivas compõe o âmbito de atuação do cuidado O cuidado seria a força motriz de composição do sujeito na arte do encontro No entanto também aponta assim como os autores acima que é necessária a articulação de uma pluralidade de campos para o agenciamento do cuidado e para a construção do sujeito tais como direito artes produção de renda e trabalho cultura apoio sócio comunitário Dessa maneira o cuidado pode ser propulsor de novos modos de vida e de invenção de si Segundo o autor o cuidado funciona como princípio de resistência e sustentação ética para todos os trabalhadores principalmente para aqueles que trabalham com sujeitos que não se encaixam e desafiam os padrões tradicionais da saúde como um todo como as pessoas que estiveram por um longo período internadas em manicômio e as que são usuárias de crack campos analisados por ele no artigo Cuidado movimento e invenções Ayres 2009 apoiado em Kant e Heidegger propõe que os espaços de saúde se constituem como locais de encontro onde a busca pela resolutividade dos problemas de saúde deve ser acompanhada de uma noção de sujeito ancorada na intersubjetividade indicando que a construção de si passa pela relação e tal relação nos põe diante do outro em uma perspectiva desejante e na tarefa de construção de modos de vida que sustentem a nossa existência em um mundo compartilhado Assim como desdobramento desses encontros a busca pelo sucesso no campo da saúde não se restringe a um êxito técnico mas envolve a inventividade da saúde a busca pela promoção da saúde não como um estado homeostático mas como uma relação em busca da concretização de projetos de vida em intersubjetividade Desse modo nos âmbitos de assistência à saúde tornase tarefa vital do cuidado o movimento de consideração e construção de projetos de vida num palco onde o sujeito que cuidamos não seja compreendido como unidade estanque e permanente tal encontro já revela o desejo de mudança em busca de transformações de quadros Assim a tarefa de cuidar se afasta 125 das proposições de cura tratamento e controle o que proporciona uma abertura para a invenção da saúde e da vida Ayres 2009 Em outra produção textual Ayres 2005 aponta que o cuidado se aporta numa relação de encontro que deve ser pautada pelos seguintes aspectos movimento interação identidade e alteridade plasticidade projeto desejo temporalidade não causalidade responsabilidade Tais aspectos indicam outra frequência de cuidado para além da reprodução tecnocientífica delineando o fomento de relações baseadas na ética na inventividade na horizontalidade e na implicação afetiva em relação a quem se cuida Cuidado e pluralidade Ballarin Carvalho e Ferigato 2009 em um trabalho de resgate de produções brasileiras sobre o cuidado em saúde mental distinguiram três eixos temáticos de sentidos para o cuidar estando os mesmos entrelaçados a saber perspectiva ética e filosófica a dimensão técnica e instrumental do cuidar em saúde mental a dimensão política do cuidado No primeiro eixo os autores ressaltaram a importância dos encontros entre os sujeitos sendo o cuidado a linha principal dessas relações e constitutivo da condição humana o que reverbera em termos éticos no reconhecimento das singularidades dos sujeitos em sofrimento mental e no questionamento das relações assimétricas que marcavam as práticas tradicionais O segundo eixo revela que as práticas de cuidado devem ser pautadas em encontros intersubjetivos que primam por relações horizontalizadas que podem ser materializadas através dos diálogos da escuta acolhedora da responsabilização de profissionais e usuários e no comprometimento político com as mudanças sociais e culturais Por fim o aspecto político do cuidado se sustenta a partir dos processos de emancipação dos usuários ancorase no apoio a construção das autonomias além disso indicaram que as ações do cuidar estão para além do aspecto técnicocientífico elas implicam engajamento e transformações de quadros 126 de relação de poder articulam e questionam uma pluralidade de campos necessários para o cuidado dos sujeitos envolvidos ibid Todas as produções textuais elencadas delineiam que a compreensão da noção de sujeito presente nas discussões acerca do cuidado deve passar pela consideração das múltiplas dimensões que envolvem a vida sejam elas sociais culturais econômicas familiares de trabalho redes afetivas de amizade e solidariedade Todos os autores propõem uma visão de sujeito assentada numa perspectiva política de transformação e autonomia elegem o encontro como âmbito fundamental para a constituição dos sujeitos As reflexões éticas propostas esboçam apontamentos que devem direcionar os caminhos das relações entre os sujeitos Primeiramente quando questionam os lugares de exercício de poder das práticas tradicionais de saúde e sugerem vinculações mais simétricas e ao mesmo tempo com respeito reconhecimento e sem o apagamento das diferenças e singularidades Cartografam também uma noção de sujeito que se pauta no movimento e na ação ou seja um sujeito capaz de agir politicamente nos mais diferentes campos e transformar realidades Com efeito o sujeito não é concebido como unidade estanque ou cristalizada mas marcada por processualidade e com potencial de alteridade de seus modos de vida Acreditamos que essas problematizações são importantes porque ajudam a pensar o avanço das políticas públicas no cotidiano dos serviços e questionam em termos éticos as produções das mesmas acerca de seus impactos sociais e comprometimento político Em especial para o campo da Reforma Psiquiátrica que se propõe como movimento político e social para além das mudanças técnicas debates desta natureza devem ser uma constante e uma necessidade A multiplicidade de vozes que encontramos acerca do sujeito nas produções acima se aproxima dos interesses da Reforma pois reafirmam as diretrizes encampadas por ela e recolocam frequentemente velhas e boas questões que sociedade queremos construir Quais sujeitos estamos auxiliando a produzir 127 A seguir debateremos mais um núcleo importante no pensamento de Michel Foucault a saber o cuidado de si Esta ideia é fundamental para a história da construção da noção de sujeito no Ocidente bem como pode talvez fornecer reflexões para o âmbito das práticas de saúde Cuidado de si Outra produção foucaultiana acerca da ideia de sujeito que pode auxiliar na aproximação com o campo da saúde mental é a noção de cuidado de si Foucault trabalha principalmente esta noção no livro História da Sexualidade III e no curso de 1982 a Hermenêutica do Sujeito Neles Foucault procura escrever uma história acerca da noção de sujeito distinta do projeto articulado nos anos 70 no qual analisa a constituição do sujeito a partir da sujeição às máquinas de poder Para tanto Foucault se debruça sobre as práticas de si interessalhe escrever a história dos modos pelos quais o homem articula a relação de si para consigo a história do olhar a partir do qual eu me constituo para mim mesmo como sujeito Gros 2008 p128 A compreensão do sujeito a partir das técnicas de si implica uma noção de sujeito que inclui a transformação a ideia de um sujeito que pode se construir que se produz através de exercícios que oferece para si mesmo modos de existir e de se conduzir que pode inventar modos de andar a vida ibid Em A Hermenêutica do Sujeito Foucault 2010 indicou que a história do Cuidado de Si perfaz mil anos e destacou três momentos importantes o momento socrático séc V aC a idade de ouro do cuidado de si mesmo sécs III e a passagem do ascetismo pagão ao ascetismo cristão sécs IVV A visita que Foucault faz aos antigos não se deu com a intenção de fornecer respostas para as problemáticas contemporâneas mas com o intuito de apresentar que as relações entre o sujeito e os jogos de verdade se configuram como produções históricas e que diferentes desenhos 128 dessas relações ganharam consistências diversas ao longo do tempo Mattar Rodrigues 2011 A Filosofia era concebida para os antigos mais como uma arte de viver do que como um processo de conhecimento o que delineia uma relação diferente entre o sujeito e a verdade Uma série de práticas de si para si o que Foucault chama de exercícios espirituais é agenciada para que o sujeito possa se autoconstituir e se autogovernar A filosofia era então uma preparação para a vida um modo refletido de exercer a liberdade ou seja uma ética 2011 p15 A liberdade estava relacionada com o cuidado de si com o domínio de si a partir de exercícios para com os apetites excitações e exaltações que poderiam aprisionar o sujeito Ao perfazer os caminhos históricos da relação entre sujeito e verdade Foucault propôs uma revisão da fórmula fundadora dessa relação na tradição filosófica ocidental a saber o conhecete a ti mesmo gnôuthi seautón Foucault resgata a noção de epiméleia heautou ou o cuidado de si mesmo e mostra a partir da análise dos textos antigos como o preceito délfico gnôuthi seautón enfatizado principalmente por Sócrates e Platão emerge entrelaçado ao cuida de ti mesmo e muitas vezes em relação de subordinação Foucault 2010 Mattar Rodrigues 2011 O cuidado de si perdurou como um verdadeiro fenômeno cultural extrapolando até mesmo o campo filosófico ao longo das culturas grega helenística e romana constituiuse como uma linha básica a ser seguida por aqueles que queriam ter uma vida ativa embasada em uma racionalidade moral Ao demonstrar tal alcance Foucault destacou a noção de epiméleia heautou para além de uma história das representações ou de uma história das noções ou teorias embora tenha contribuído para ambas e a configurou como uma ancoragem vital para a história dos processos subjetivos e de constituição do sujeito Foucault 2010 A noção de cuidado de si envolve uma forma de agir em relação a si mesmo aos outros e ao mundo imprime uma nova direção ao olhar da exterioridade para a interioridade articula uma série de atitudes de si para si 129 nas quais o sujeito procura apropriarse de si mesmo depurarse movimentarse mobilizarse converterse enfim transformarse a partir de práticas e exercícios que podem concentrar a meditação o exame de consciência dietas fixação das memórias pretéritas etc ibid Com os gregos a partir da análise do Diálogo entre Sócrates e Alcebíades Foucault buscou desenvolver a noção de cuidado de si a partir da necessidade política para os jovens que iriam exercer alguma forma de poder perante a cidade A intenção socrática era discutir com Alcebíades Qual o eu que se deve ocuparse para se ocupar com os outros como convém Uma circularidade entre o objeto que se deve cuidar e o saber governar Foucault destacou como o cuidado de si na Filosofia helenística e romana abrange mais um campo vasto de práticas do que algo que se funda no conhecimento não se restringe a pessoas que exercerão algum tipo de função de governo em relação a polis e se torna um imperativo para todos Um ponto vital é que o cuidado de si não se constitui como uma atividade solitária No cuidado de si é preciso chamar um outro para nos ajudar a cuidar de nós mesmos donde surge a figura do mestre que articula atividades sociais de diálogos de ensinamentos de aprendizagens etc Além disso o cuidado de si implica a relação com os outros ações políticas Segundo Foucault o cuidado de si produz uma certa distância entre o sujeito e o mundo No entanto esta distância é que possibilita uma ação como convém e a fomenta em seu potencial transformador impedindo uma reação precipitada perante o mundo Gros 2008 Foucault 2009b no entanto demonstrou como a noção de cuidado de si foi sendo requalificada e perdeu força ao longo do tempo em especial na era moderna Apesar da distância em relação ao preceito socrático o autor apontou o que ele chamou de momento cartesiano entre os séculos XVI e XVII como evento que marcou a desconsideração do cuidado de si como regulador da relação entre sujeito e verdade Em linhas gerais o acesso à verdade não se dará mais a partir dos exercícios espirituais das transformações vividas pelas práticas dos sujeitos e vai se dar como um ato 130 de conhecimento através de artifícios no interior do próprio ato conhecimento que visam neutralidade objetividade e um sujeito a ser elidido Desse modo A verdade não precisa mais ser vivida apenas investigada e dialogada Mattar Rodrigues p23 2011 Como assinalado anteriormente o resgate da noção de cuidado de si não se deu com a intenção de uma replicação de suas práticas na atualidade mas com o objetivo de mostrar que as questões acerca do sujeito da verdade e dos processos subjetivos se configuravam de forma diferente e assinalavam um processo ético de produção de si e do mundo Através de tal analítica Foucault apontou para o potencial de invenção de estetização da vida e de transformação da realidade a partir da vivência da liberdade em articulação com o cuidado de si Veyne 2004 Acreditamos que existe aí um convite para podermos pensar a constituição da realidade de uma maneira diferente em uma entrevista no ano de 1983 Foucault influenciado pelo pensamento de Nietzsche perguntavase porque a nossa vida não pode ser uma obra de arte uma criação uma invenção do mesmo modo como pensamos a arte somente relacionada aos objetos Foucault 1995 Nesse sentido talvez possamos pensar novos processos subjetivos e novos modos de instituição da realidade social bem como quem sabe repensar nossas práticas em saúde mental MAIS UMA CENA Quem veio primeiro O ovo ou a galinha Se tiver sido a galinha quem botou o ovo Que dilema Será que vieram os dois juntinhos Quem veio primeiro O amor ou a dor Se tiver sido o amor Como existiria dor de um apaixonado Que dilema Será que vieram os dois juntinhos 3 3 Poesia de autoria de usuários da rede substitutiva de saúde mental do Piauí 131 Uma Organização Não Governamental de TeresinaPI com o apoio do Ministério da Cultura através do Concurso Público Prêmio Cultural Loucos pela Diversidade realizou um trabalho com usuários da rede substitutiva de saúde mental de três municípios piauienses Teresina União e Água Branca De maneira geral a proposta do Ministério consistia em promover por meio da cultura a emancipação a visibilidade e a sociabilidade de sujeitos em sofrimento mental Oficinas de poesia fizeram parte da proposta da atividade nesses três municípios e contaram com a participação de 50 usuários aproximadamente Em uma série de encontros entre usuários oficineiros e trabalhadores foram produzidas várias poesias Em todo o processo o centro das preocupações não foram parâmetros estéticos ou as diretrizes formais da língua portuguesa o foco foi a vida dos participantes seus afetos suas ideias e seus anseios em articulação com as produções textuais Muitas das poesias a maioria de autoria dos usuários foram compiladas para a publicação de um livro intitulado Recados da Alma o qual acompanhamos o lançamento O evento aconteceu em um grande teatro de TeresinaPI e foi marcado pela declamação das poesias por seus próprios autores bem como pelas falas que desenhavam os efeitos de todo o trabalho que indicavam como o exercício da escrita pôde suscitar questões acerca de suas existências e reverberações em relação às suas próprias condições Longe de ser pensado como um modelo ou como uma técnica a ser reproduzida o trabalho relatado na cena em questão pode indicar caminhos para a invenção de cotidianos de serviços refletir acerca de como práticas dessa ordem podem ajudar na potencialização de espaços de criação da vida e talvez aproximarse da questão de Foucault 1995 em relação ao sujeito não poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um objeto de arte e não a nossa vida p261 132 Referências bibliográficas Amarante P Coord 2003 Saúde mental políticas e instituições Rio de Janeiro FiotecFiocruz EADFiocruz 2008 Saúde Mental e Atenção Psicossocial 2ª ed Rio de Janeiro Editora Fiocruz Araújo I L 2008 Foucault e a Crítica do Sujeito 2ª ed Curitiba Editora UFPR Ayres J R 2005 Cuidado e Reconstrução das Práticas de Saúde In Minayo M C Coimbra Jr C Orgs Críticas e Atuantes Ciências Sociais e Humanas em Saúde na América Latina 1ª ed Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2009 Cuidado Trabalho e Interação nas Práticas de Saúde 1ª ed Cepesc UERJIMS Abrasco Ballarin M L Carvalho F Ferigato S 2009 Os Diferentes Sentidos do Cuidado Considerações Sobre a Atenção em Saúde Mental O Mundo da Saúde São Paulo v 33 n 2 2009 p 218224 Batista R D Lima E 2008 Práticas de Cuidado em Saúde Mental Um Estudo Realizado no CAPS II do Município de FlorianoPI IN Anais do XVIII Congresso de Epidemiologia Porto Alegre Meio Magnético Delgado P G 1992 As Razões da Tutela Rio de Janeiro Editora Te Corá Gros F 2008 O Cuidado de Si em Michel Foucault p 127138 In Rago M VeigaNeto A Orgs Figuras de Foucault Belo Horizonte Autêntica Fonseca M A 2007 Michel Foucault e a Constituição do Sujeito São Paulo Educ 133 Foucault M 1995 O Sujeito e o Poder p 231249 In Dreyfus H Rabinow P Foucault Uma Trajetória Filosófica Para Além do Estruturalismo Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 In Ditos e Escritos V Ética Sexualidade Política p 234 239 Rio de Janeiro Forense Universitária 2009a Vigiar e Punir 36ª ed Petrópolis Vozes 2009b História da Sexualidade III O Cuidado de Si 10ª reimp São Paulo Graal 2010 A Hermenêutica do Sujeito 3ª ed São Paulo Martins Fontes Guattari F 2004 Psicanálise e Transversalidade Ensaios de Análise Institucional Aparecida SP Ideias e Letras Lancetti A 2010 Cuidado e Território no Trabalho Afetivo Cadernos de Subjetividade São Paulo p 90 97 Lourau R 2004 Implicação e Sobreimplicação Implicação Um Novo Paradigama ImplicaçãoTransdução In Altoé S org René Lourau Um Analista Institucional em Tempo Integral São Paulo Hucitec Mattar C Rodrigues H 2011 O Cuidado de Si como Prática da Liberdade Contribuições para uma Discussão sobre a Ética em Michel Foucault p 1532 In Lopes K J M Carvalho E N Matos K S A L Ética e as Reverberações do Fazer Fortaleza Edições UFC Vasconcelos E M 2002 Complexidade e Pesquisa Interdisciplinar Epistemologia e Metodologia Operativa 2ª ed Petrópolis RJ Vozes Veyne P 2004 Un Arqueólogo Escéptico p 2387 In Eribon D El Infrecuentable Michel Foucault Renovación del Pensamiento Crítico São Paulo Letra Viva 134 Yasui S 2007 CAPS Estratégia de Produção de Cuidado e de Bons Encontros In Pinheiro R et al Orgs Desinstitucionalização da Saúde Mental Contribuições para Estudos Avaliativos 1ª ed Rio de Janeiro CepescUERJ Abrasco Como enfatizou René Rouleau ao introduzir o conceito de implicação na análise institucional a criação de textos científicos teóricos requer uma consideração cuidadosa Este conceito questiona a suposta neutralidade do observador e enfatiza que o processo analítico transforma tanto o pesquisador quanto a área de pesquisa O compromisso emocional econômico ideológico e epistemológico do pesquisador com o tema de pesquisa deve ser considerado ética e politicamente A análise de implicação revela a relação entre o sujeito e o objeto de pesquisa especialmente em relação aos processos de simplificação e implicação excessiva Compreender e explicar o seu significado permite uma abordagem mais profunda da área e facilita considerações éticas possibilitando mudanças no contexto de trabalho Ao reconhecer que tanto os dispositivos teóricometodológicos quanto os fenômenos sociais são produzidos historicamente tornase possível criar um espaço para mudanças reaisIsto é particularmente relevante quando se discute os cuidados de saúde mental no contexto da reforma da saúde mental que propõe mudanças na prática médica e críticas ao objetivismo científico e enfatiza a importância do investimento emocional nos processos de produção de conhecimento O artigo procurou analisar a relação do autor com o campo da reforma da saúde mental levando em consideração os acontecimentos que levaram à sua mobilização como professor em Teresina PI Além de promover reformas legais para garantir os direitos das pessoas com transtornos mentais este documento também visa alterar significativamente a forma e o contexto sociocultural dos cuidados de saúde mental como um processo social complexo Amarante enfatiza quatro dimensões da reforma conceitos teóricos suporte técnico aspectos jurídicopolíticos e socioculturais Enfatiza a necessidade de romper com noções tradicionais da psiquiatria que tendem a distanciar os sujeitos de sua própria existência O aspecto da assistência técnica deve levar em conta a totalidade do sujeito levando em consideração suas particularidades relações afetivas e formação sociocultural Os Centros de Atenção Psicossocial CAPS estão emergindo como uma ferramenta essencial na reforma da saúde mental no Brasil pois promovem uma abordagem centrada no usuário no lugar dos hospitais psiquiátricosContudo o texto também aponta desafios na prática profissional como a reprodução das práticas manicomiais nos CAPS e destaca a necessidade de refletir sobre as formas de cuidado prestadas nesses estabelecimentos O autor narra diversas cenas e experiências que teve no contexto de seu trabalho como professor e enfatiza como essas situações influenciaram seu interesse por esse assunto e sua relação com o campo da reforma psiquiátricaO texto apresenta uma série de vinhetas que retratam experiências em diferentes centros de atenção psicossocial CAPS da região de TerezinaNa primeira cena a autora descreve uma visita ao CAPS notando a ausência de ocupantes e a aspereza do vestuário e da arquitetura e questiona a eficácia de um espaço sem atividade terapêutica Na segunda cena durante o intervalo para almoço em outro CAPS os autores observam que não há utensílios suficientes para os clientes comerem refletindo uma reconstituição de práticas asilares que desumanizam os pacientes A terceira cena retrata o caso de um usuário em crise que foi excluído do CAPS ao invés de acolhido tentou suicídio e posteriormente foi denunciado ao Ministério PúblicoPor fim a quarta cena apresenta a visão de um técnico do CAPS indoor Eles veem o sucesso dos cuidados de saúde mental quando os usuários aceitam passivamente os medicamentos prescritosEssas cenas destacam os desafios e problemas na implementação da reforma da saúde mental e na prestação de cuidados humanizados de saúde mental nos CAPS Este texto examina uma cena vivenciada em um Centro de Atenção Psicossocial CAPS à luz da teoria do poder e do sujeito de Michel FoucaultDestaca a importância de compreender como as relações de poder se expressam no cotidiano desses serviços e influenciam a produção do assuntoFoucault concentra sua pesquisa na constituição do sujeito nos campos do conhecimento do poder e da ética enfatizando como as relações de poder se manifestam nas práticas sociais e pessoaisPara Foucault o poder não se concentra em um determinado ponto mas é distribuído e exercido de forma relacional organizando as ações dos sujeitosAs relações de poder incluem não apenas a violência mas também atos que determinam o comportamento individualFoucault enfatiza a importância de compreender este tema através das relações de poder cotidianas e das formas de resistência a essas relaçõesAs cenas descritas no texto demonstram como as relações de poder emergem nos CAPS e influenciam as constituições dos sujeitos e as práticas de cuidado em saúde mental O artigo conclui problematizando a relação com a reforma da saúde mental enfatizando a necessidade de evitar abordagens prescritivas e de levar em conta as particularidades locais os contextos históricos e as relações de poder nos serviços de saúde mental Esta pesquisa aborda as diferentes perspectivas do cuidado em saúde mental destacando sua complexidade e a importância de compreender os conceitos temáticos que fundamentam essas práticasOs cuidados de saúde mental são apresentados como um processo multidimensional que envolve uma variedade de abordagens interdisciplinares colaborativas e processuais Os autores discutem a liberdade do usuário a necessidade de considerar as redes sociais nas quais os usuários estão inseridos e a importância de reconhecer a singularidade de cada tópico O cuidado é mais do que um conjunto de técnicas de tratamento de sintomas é uma relação ética baseada no encontro entre sujeitos e requer engajamento Além disso o texto destaca a resistência e a transformação que o cuidado pode gerar tanto para os clientes quanto para os profissionais de saúde mental A compaixão é considerada o motor que facilita a construção dos sujeitos na arte do encontro e promove a vida nova e a autoinvenção As considerações éticas propostas enfatizam a necessidade de questionar as práticas tradicionais de saúde almejar relações mais simétricas e respeitosas e reconhecer a diversidade de aspectos que afetam o fazer da vida das pessoasEstas considerações são essenciais para orientar as políticas públicas e as práticas de cuidados de saúde mental em linha com os princípios da reforma da saúde mental Este texto trata da ideia de cuidado de si discutida por Michel Foucault em seus livros História da Sexualidade III e A Hermenêutica do SujeitoFoucault examina a história da autoprática cronologicamente concentrandose em três momentoschave a era socrática em a idade de ouro do autocuidado e a transição do ascetismo pagão para o cristianismoEle enfatiza como as filosofias antigas entendiam o autocuidado como preparação para a vida uma ética que incluía o treinamento espiritual para o domínio pessoal O autocuidado não era uma atividade solitária mas envolvia interação com outras pessoas e ação políticaContudo Foucault destaca que na modernidade o autocuidado como moderador da relação entre sujeito e verdade foi perdido e substituído pela busca do conhecimento objetivo Mas Foucault destaca que o autocuidado pode ser uma ferramenta para inventar a vida e transformar a realidade social O texto também menciona o projeto da ONG de Teresina PI que envolveu pessoas com doenças mentais na criação de poesias destacando como essas práticas culturais podem promover a libertação e a sociabilidade desses sujeitos REFERÊNCIA DE LIMA Emanoel José Batista O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito pluralidade e movimento Psicologia social e pessoalidade p 110 2011 Como enfatizou René Rouleau ao introduzir o conceito de implicação na análise institucional a criação de textos científicos teóricos requer uma consideração cuidadosa Este conceito questiona a suposta neutralidade do observador e enfatiza que o processo analítico transforma tanto o pesquisador quanto a área de pesquisa O compromisso emocional econômico ideológico e epistemológico do pesquisador com o tema de pesquisa deve ser considerado ética e politicamente A análise de implicação revela a relação entre o sujeito e o objeto de pesquisa especialmente em relação aos processos de simplificação e implicação excessiva Compreender e explicar o seu significado permite uma abordagem mais profunda da área e facilita considerações éticas possibilitando mudanças no contexto de trabalho Ao reconhecer que tanto os dispositivos teóricometodológicos quanto os fenômenos sociais são produzidos historicamente tornase possível criar um espaço para mudanças reaisIsto é particularmente relevante quando se discute os cuidados de saúde mental no contexto da reforma da saúde mental que propõe mudanças na prática médica e críticas ao objetivismo científico e enfatiza a importância do investimento emocional nos processos de produção de conhecimento O artigo procurou analisar a relação do autor com o campo da reforma da saúde mental levando em consideração os acontecimentos que levaram à sua mobilização como professor em Teresina PI Além de promover reformas legais para garantir os direitos das pessoas com transtornos mentais este documento também visa alterar significativamente a forma e o contexto sociocultural dos cuidados de saúde mental como um processo social complexo Amarante enfatiza quatro dimensões da reforma conceitos teóricos suporte técnico aspectos jurídicopolíticos e socioculturais Enfatiza a necessidade de romper com noções tradicionais da psiquiatria que tendem a distanciar os sujeitos de sua própria existência O aspecto da assistência técnica deve levar em conta a totalidade do sujeito levando em consideração suas particularidades relações afetivas e formação sociocultural Os Centros de Atenção Psicossocial CAPS estão emergindo como uma ferramenta essencial na reforma da saúde mental no Brasil pois promovem uma abordagem centrada no usuário no lugar dos hospitais psiquiátricosContudo o texto também aponta desafios na prática profissional como a reprodução das práticas manicomiais nos CAPS e destaca a necessidade de refletir sobre as formas de cuidado prestadas nesses estabelecimentos O autor narra diversas cenas e experiências que teve no contexto de seu trabalho como professor e enfatiza como essas situações influenciaram seu interesse por esse assunto e sua relação com o campo da reforma psiquiátricaO texto apresenta uma série de vinhetas que retratam experiências em diferentes centros de atenção psicossocial CAPS da região de TerezinaNa primeira cena a autora descreve uma visita ao CAPS notando a ausência de ocupantes e a aspereza do vestuário e da arquitetura e questiona a eficácia de um espaço sem atividade terapêutica Na segunda cena durante o intervalo para almoço em outro CAPS os autores observam que não há utensílios suficientes para os clientes comerem refletindo uma reconstituição de práticas asilares que desumanizam os pacientes A terceira cena retrata o caso de um usuário em crise que foi excluído do CAPS ao invés de acolhido tentou suicídio e posteriormente foi denunciado ao Ministério PúblicoPor fim a quarta cena apresenta a visão de um técnico do CAPS indoor Eles veem o sucesso dos cuidados de saúde mental quando os usuários aceitam passivamente os medicamentos prescritosEssas cenas destacam os desafios e problemas na implementação da reforma da saúde mental e na prestação de cuidados humanizados de saúde mental nos CAPS Este texto examina uma cena vivenciada em um Centro de Atenção Psicossocial CAPS à luz da teoria do poder e do sujeito de Michel FoucaultDestaca a importância de compreender como as relações de poder se expressam no cotidiano desses serviços e influenciam a produção do assuntoFoucault concentra sua pesquisa na constituição do sujeito nos campos do conhecimento do poder e da ética enfatizando como as relações de poder se manifestam nas práticas sociais e pessoaisPara Foucault o poder não se concentra em um determinado ponto mas é distribuído e exercido de forma relacional organizando as ações dos sujeitosAs relações de poder incluem não apenas a violência mas também atos que determinam o comportamento individualFoucault enfatiza a importância de compreender este tema através das relações de poder cotidianas e das formas de resistência a essas relaçõesAs cenas descritas no texto demonstram como as relações de poder emergem nos CAPS e influenciam as constituições dos sujeitos e as práticas de cuidado em saúde mental O artigo conclui problematizando a relação com a reforma da saúde mental enfatizando a necessidade de evitar abordagens prescritivas e de levar em conta as particularidades locais os contextos históricos e as relações de poder nos serviços de saúde mental Esta pesquisa aborda as diferentes perspectivas do cuidado em saúde mental destacando sua complexidade e a importância de compreender os conceitos temáticos que fundamentam essas práticasOs cuidados de saúde mental são apresentados como um processo multidimensional que envolve uma variedade de abordagens interdisciplinares colaborativas e processuais Os autores discutem a liberdade do usuário a necessidade de considerar as redes sociais nas quais os usuários estão inseridos e a importância de reconhecer a singularidade de cada tópico O cuidado é mais do que um conjunto de técnicas de tratamento de sintomas é uma relação ética baseada no encontro entre sujeitos e requer engajamento Além disso o texto destaca a resistência e a transformação que o cuidado pode gerar tanto para os clientes quanto para os profissionais de saúde mental A compaixão é considerada o motor que facilita a construção dos sujeitos na arte do encontro e promove a vida nova e a autoinvenção As considerações éticas propostas enfatizam a necessidade de questionar as práticas tradicionais de saúde almejar relações mais simétricas e respeitosas e reconhecer a diversidade de aspectos que afetam o fazer da vida das pessoasEstas considerações são essenciais para orientar as políticas públicas e as práticas de cuidados de saúde mental em linha com os princípios da reforma da saúde mental Este texto trata da ideia de cuidado de si discutida por Michel Foucault em seus livros História da Sexualidade III e A Hermenêutica do SujeitoFoucault examina a história da autoprática cronologicamente concentrandose em três momentoschave a era socrática em a idade de ouro do autocuidado e a transição do ascetismo pagão para o cristianismoEle enfatiza como as filosofias antigas entendiam o autocuidado como preparação para a vida uma ética que incluía o treinamento espiritual para o domínio pessoal O autocuidado não era uma atividade solitária mas envolvia interação com outras pessoas e ação políticaContudo Foucault destaca que na modernidade o autocuidado como moderador da relação entre sujeito e verdade foi perdido e substituído pela busca do conhecimento objetivo Mas Foucault destaca que o autocuidado pode ser uma ferramenta para inventar a vida e transformar a realidade social O texto também menciona o projeto da ONG de Teresina PI que envolveu pessoas com doenças mentais na criação de poesias destacando como essas práticas culturais podem promover a libertação e a sociabilidade desses sujeitos REFERÊNCIA DE LIMA Emanoel José Batista O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito pluralidade e movimento Psicologia social e pessoalidade p 110 2011